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Vern S. Poythress
Poythress mostra como o entendimento apropriado da teologia bíblica possibilita nã o somente uma, mas muitas
harmonizaçõ es críveis das verdades bíblicas e científicas. Ao longo do caminho, ele provê uma defesa profunda da teoria
do design inteligente como um programa viá vel de pesquisa científica. Seu exame da beleza matemá tica inerente ao
universo fornece uma razã o convincente adicional para reconhecer a sabedoria e o design subjacentes à realidade física.
Com doutorados no Novo Testamento e em matemá tica, e comprometido solidamente com a teologia reformada ortodoxa,
Vern Poythress está qualificado de modo singular para escrever sobre a teologia da ciência. Ademais, ele é um dos mais
profundos teó logos que escrevem na atualidade. Ao ler este livro, você se maravilhará em como a perspectiva bíblica
ilumina o trabalho da ciência. Poythress lida, é claro, com todas as questõ es tradicionais entre a Bíblia e a ciência, como os
dias de Gênesis. Mas ele também mostra que a cosmovisã o bíblica é essencial para o pró prio trabalho científico, pois a lei
científica nã o é nada mais que a lei do Deus da Escritura. Este é de longe o livro mais importante que você lerá sobre o
assunto. Eu o recomendo sem reservas.
— JOHN FRAME , professor de Teologia Sistemá tica e Filosofia no Reformed Theological Seminary (Orlando).
Nesta obra altamente original e de profundidade destacada, Vern Poythress demonstra quã o natural é a parceria entre a
ciência e o cristianismo. Usando exemplos de uma variedade de disciplinas científicas, dr. Poythress prescreve como a
ciência e a fé cristã podem interagir de modo a beneficiar e incentivar o avanço científico e teoló gico.
No movimentado mercado de estudos sobre teologia e ciência este livro preenche uma lacuna. Ele oferece não só a
perspectiva teoló gica enraizada na Reforma histó rica, mas também atende a estratégias de interpretaçã o de textos
bíblicos sobre a natureza e a histó ria subjacentes à doutrina, mas deixados muitas vezes fora do diá logo. A abordagem do
autor é repleta de nuanças, balanceada e aberta.
— JITSE VAN DER MEER , professor de Biologia e Histó ria e Filosofia da Ciência no Redeemer University College, Ancaster
(Ontá rio, Canadá ).
Teologia só lida se encontra com ciência só lida neste livro enquanto Vern Poythress nos mostra como ver a beleza do
cará ter de Deus revelado em tudo que os cientistas estudam no universo criado. Uma aná lise fascinante, abrangente,
profunda, e de leitura muito fá cil, de todos os ramos da ciência moderna de uma das maiores mentes no mundo cristã o
atual.
— WAYNE GRUDEM , professor pesquisador de Teologia e Bíblia, Phoenix Seminary, Scottsdale (Arizona)
Redimindo a ciência será bem recebido por todo cristã o reflexivo. A aná lise de Vern Poythress do relacionamento entre a
ciência e a fé procede de uma confissão aberta e sem qualificaçõ es da crença em Cristo, mediante seu testemunho pessoal,
a avaliação lú cida da natureza da ciência, a aná lise cuidadosa da Escritura e a reflexã o honesta sobre o estado atual do
debate. Este é um livro sobre teologia criacional e teologia bíblica, bem como sobre apologética e instruçã o pastoral.
Poythress demonstra o cará ter revelacional do mundo à nossa volta, especialmente na afirmaçã o de que as “leis” da
ciência sã o nada mais que descriçõ es da obra soberana do Deus todo-sá bio e todo-poderoso. Ele expõ e os pressupostos
nã o examinados da empreitada científica moderna, mostrando que ela, como qualquer cosmovisã o, dispõ e, na base, de
uma natureza religiosa. Ele provê uma exegese cuidadosa e inteligente dos textos relevantes da Escritura, em especial de
Gênesis 1-9, ao demonstrar que os cristã os podem pensar com racionalidade sobre a empreitada científica sem
comprometer suas mais caras convicçõ es bíblicas. Acima de tudo, Poythress conduz os leitores para além dos detalhes e
obstá culos do debate entre a ciência e a fé no nosso Senhor Jesus Cristo — a consumaçã o da redençã o e da ciência. Os
cristã os comprometidos com a implementaçã o da Grande Comissã o e do mandato cultural encontrarã o em Redimindo a
ciência um recurso muito ú til para seus esforços.
— T. M. MOORE , pastor de ministérios de ensino da Cedar Springs Presbyterian Church, Knoxville (Tennessee); autor de
Consider the Lilies: A Plea for Creational Theology [Olhai para os lírios: um clamor pela teologia criacional]
EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620
www.editoramonergismo.com.br
1ª ediçã o, 2019
PROIBIDA A REPRODUÇÃ O POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕ ES, COM INDICAÇÃ O DA FONTE.
Todas as citaçõ es bíblicas foram extraídas da versã o Almeida Revista e Atualizada (ARA) salvo indicaçã o em contrá rio.
Poythress, Vern S.
Redimindo a ciência: uma abordagem teocêntrica / Vern S. Poythress, traduçã o Guilherme Cordeiro — Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019.
CDD 261
DIANE
Sumá rio
Introduçã o: A ciência se mistura com as pessoas
1. Por que os cientistas precisam acreditar em Deus? Os atributos divinos da lei científica
2. O papel da Bíblia
3. Conhecimento procedente da autoridade de quem?
4. Criação
5. Perguntas sobre Gênesis 1 e a ciência
6. O ensino de Gênesis 1
7. Avaliaçã o da ciência moderna sobre a idade da Terra
8. Avaliaçã o das teorias sobre a idade da Terra
9. Os pontos de vista sobre o dia de 24 horas e a criaçã o madura
10. A teoria do dia analó gico e da estrutura
11. O papel da humanidade na ciência
12. O papel de Cristo como redentor na ciência
13. A palavra de Deus na ciência
14. Verdade na ciência e na vida
15. Debates sobre a realidade: o cará ter do conhecimento científico
16. Experiência comum do mundo em relaçã o à teoria científica
17. A relaçã o da criaçã o à recriaçã o
18. O mistério da vida
19: A origem de novos tipos de vida: design inteligente
20. Deus e aparatos físicos
21. Uma abordagem cristã da física e química
22. Uma abordagem cristã da matemá tica
23. Conclusã o: servir a Deus
Apêndice 1: A teoria da estrutura de Gênesis 1
Apêndice 2: Mais sobre nú meros triangulares
Bibliografia sobre Teologia da Ciência
Todos os cientistas, incluindo agnó sticos e ateus, creem em Deus. Eles precisam disso para
realizar seu trabalho.
Pode parecer revoltante incluir agnó sticos e ateus nessa afirmaçã o ampla. Mas, por suas
açõ es, as pessoas à s vezes mostram que, em certo sentido, acreditam no que professam nã o
crer. Bakht, um filó sofo védico hindu, pode dizer que o mundo é uma ilusã o. Mas ele nã o
anda no meio da rua bem em frente a um ô nibus em movimento. Sue, uma relativista
radical, pode afirmar nã o existir a verdade. Mas ela viaja calmamente em um aviã o a 9 mil
metros do chã o, cujo voo seguro depende das verdades imutá veis da aerodinâ mica e da
mecâ nica estrutural. [2]
dos séculos XX e XXI parece se sustentar sem o auxílio de qualquer consideraçã o teísta.
Com efeito, muitos consideram Deus apenas o “Deus das lacunas”, o Deus a quem as
pessoas invocam apenas para explicar as lacunas da ciência moderna. Quando ocorrem
avanços científicos e mais lacunas se tornam sujeitas à explicaçã o, o papel de Deus diminui.
O natural expulsa a necessidade do sobrenatural. [4]
F OCO NA LEI CIENTÍFICA
A situaçã o parece diferente se nos recusarmos a nos confinar ao Deus “das lacunas”. De
acordo com a Bíblia, ele está envolvido nas á reas em que a ciência dá o melhor de si: á reas
que envolvem eventos regulares e previsíveis, padrõ es repetitivos e algumas vezes
descriçõ es matemá ticas exatas. Em Gênesis 8.22, Deus promete:
Enquanto durar a terra, nã o deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verã o e
inverno, dia e noite.
Esta promessa geral sobre as regularidades terrenas é suplementada por muitos exemplos
particulares:
Dispõ es as trevas, e vem a noite, na qual vagueiam os animais da selva. (Sl 104.20)
Fazes crescer a relva para os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte
que da terra tire o seu pã o. (Sl 104.14)
Ele envia as suas ordens à terra, e sua palavra corre velozmente; dá a neve como lã e
espalha a geada como cinza. Ele arroja o seu gelo em migalhas; quem resiste ao seu
frio? Manda a sua palavra e o derrete; faz soprar o vento, e as á guas correm.
(Sl 147.15-18)
As regularidades descritas pelos cientistas consistem nas determinaçõ es e açõ es de Deus.
Pela palavra dada a Noé, ele se compromete a governar as estaçõ es. Com sua palavra ele
governa a neve, o gelo e o granizo. Os cientistas descrevem as regularidades na palavra de
Deus que rege o mundo. A chamada lei natural é na verdade a lei de Deus ou a palavra de
Deus, descrita com imperfeiçã o e de forma aproximada por pesquisadores humanos.
O trabalho da ciência depende do fato de existirem regularidades no mundo. Sem elas nã o
haveria nada no final para ser estudado. Os cientistas dependem nã o só das regularidades
com que já estã o acostumados, como do comportamento regular dos aparelhos de mediçã o,
mas também no postulado da ocorrência de outras regularidades a serem descobertas nas
respectivas á reas de pesquisa. Os cientistas precisam manter a esperança de encontrar
regularidades adicionais, ou desistiriam das exploraçõ es mais recentes.
(Devo dizer aqui que estou me concentrando nas ciências naturais ou “exatas”, como a
física, química, geologia, biologia e astronomia. Em certa medida, observaçõ es similares se
mantêm para as “ciências humanas”, como psicologia, antropologia, linguística e sociologia.
Todavia, o estudo dos seres humanos apresenta desafios adicionais, pela forma que o
entendimento geral de alguém sobre a natureza da humanidade influencia vitalmente a
investigaçã o. Ao me concentrar nas regularidades, também ponho em segundo plano os
estudos “histó ricos”, como o estudo da histó ria passada e do universo de larga escala
[cosmologia], a histó ria passada da vida [paleobiologia], a histó ria passada da terra
[geologia histó rica], etc. Esses estudos dependem do pressuposto de regularidades, mas
também lutam para entender vá rios eventos irrepetíveis, como a origem da primeira célula
ou a origem dos primeiros seres humanos. Nó s nos concentraremos mais adiante na
questã o de unicidade versus repetibilidade [Capítulo 13]. Consideraremos a questã o da
origem nos Capítulos 18 e 19.)
C RENÇA NAS LEIS CIENTÍFICAS
Quais sã o essas regularidades? Por 5 anos consecutivos um passarinho aparece e constró i
um ninho no mesmo galho. Mas no sexto ano nenhum passarinho aparece. Isso mostra uma
“regularidade” do tipo apropriado? Pode ser uma questã o de coincidência. Os cientistas se
preocupam em observar passarinhos e a construçã o de seus ninhos. Mas, a longo prazo,
eles nã o se satisfazem com observaçõ es de mera coincidência. Eles querem saber se a
recorrência é de algum modo compulsó ria, se ocorre de acordo com um princípio
explicativo geral. [5]
Os princípios sã o chamados de diferentes formas: “lei natural”, “lei
científica”, “teoria”. Algumas dessas regularidades podem ser exata e quantitativamente
descritas para cada caso (dentro de poucos limites de erro), enquanto outras sã o
regularidades estatísticas que vêm à luz só quando um grande nú mero de casos sã o
examinados juntos. Todos os cientistas creem na existência dessas regularidades. Em todos
os casos, de modo independente das crenças professas, os cientistas sabem, na prá tica, que
as regularidades estã o “por aí”. No fim, todos eles sã o “realistas” no que concerne à s leis
científicas. [5]
Os cientistas apenas descobrem essas leis, eles nã o as inventam. De outra
forma, por que todo o trabalho, tédio e frustraçã o da experimentaçã o? Apenas dê um
palpite, invente algo novo e fique famoso!
Bem, essas regularidades sã o... regulares. E ser regular significa ser regulado. Envolve
regula (regra). O Webster’s Ninth New Collegiate Dictionary [Dicioná rio Webster] captura
[6]
O poder da lei
Em seguida, considere o atributo do poder. Os cientistas formulam leis como descrições das
regularidades observadas. As regularidades estã o primeiro no mundo, antes de os
cientistas fazerem suas formulaçõ es. A formulaçã o científica humana segue os fatos e
depende deles. No entanto, os fatos precisam se conformar à regularidade mesmo antes de
o cientista formular a descriçã o. Uma lei ou regularidade precisa se manter em toda uma
série de casos. O cientista nã o pode forçar a questã o ao inventar uma lei e entã o forçar o
universo a se conformar a ela. Na verdade, o universo se conforma à s leis já atuantes nele:
as leis sã o descobertas, nã o inventadas. Elas já precisam estar lá e se manter. Devem deter
autoridade. Sendo universais de fato, nã o sã o violadas. Nenhum evento escapa a seu
“alcance” ou domínio. O poder dessas leis reais é absoluto, na verdade, infinito. Na
linguagem clá ssica, a lei é onipotente (“todo-poderosa”).
Se a lei é onipotente e universal, entã o nã o há exceçõ es. Assim, concluímos que os milagres
sã o impossíveis por representarem violaçõ es da lei? Na verdade, os milagres estã o em
harmonia com o cará ter de Deus. Eles ocorrem de acordo com a palavra divina que prediz e
decreta. Por meio de Moisés, Deus verbalmente predisse a ocorrência das pragas no Egito e
entã o as fez acontecer. Por meio da palavra de Deus anunciada pelo profeta Eliseu, uma
fonte de á gua se tornou saudá vel:
Entã o, saiu ele ao manancial das á guas e deitou sal nele; e disse: Assim diz o SENHOR :
Tornei saudá veis estas á guas; já nã o procederá daí morte nem esterilidade. Ficaram,
pois, saudá veis aquelas á guas, até ao dia de hoje, segundo a palavra que Eliseu tinha
dito. (2Rs 2.21, 22)
A lei real, a palavra de Deus, faz os milagres acontecerem. Os milagres podem ser incomuns
e surpreendentes, mas nã o violam a lei divina. Eles violam algumas expectativas e opiniõ es
humanas. Mas esse é um problema nosso, nã o de Deus. Como as leis de Newton sã o
limitadas a aproximaçõ es de baixa velocidade, também o princípio de que machados nã o
flutuam é limitado pela qualificaçã o, “exceto quando Deus em resposta a uma necessidade
especial e a palavra do profeta faz o contrá rio” (e.g., 2Rs 6.5, 6).
A lei é transcendente e imanente. Ela transcende as criaturas do mundo ao exercer poder
sobre elas, conformando-as a seus ditados. É imanente no que toca e mantém em seu
domínio mesmo os menores partículas do mundo. A lei transcende os aglomerados
[10]
galá cticos e está sempre presente na dança cromodinâ mica de quarks e glú ons no seio de
um ú nico pró ton. Transcendência e imanência sã o características divinas.
O caráter pessoal da lei
Muitos cientistas agnó sticos e ateus estarã o aqui à procura de uma rota de fuga. Parece que
o conceito principal da lei científica começa a se assemelhar de forma suspeita e muito
parecida com a ideia bíblica de Deus. A fuga mais ó bvia, e a que resgatou muitos do
desconforto espiritual, é negar o cará ter pessoal da lei científica. Ela só se encontra ali
como algo impessoal.
As pessoas tentaram essas rotas em todas as eras. Elas construíram ídolos, substitutos para
Deus. Nos tempos antigos, os ídolos muitas vezes consistiam em está tuas como
representaçõ es de divindades, como Posídon, o deus do mar, ou Marte, o deus da guerra.
Hoje, no mundo ocidental, somos mais sofisticados. Os ídolos agora tomam a forma de
construçõ es mentais de um deus ou um substituto de Deus. O dinheiro e o prazer se
tornaram ídolos. Da mesma forma, pode a “humanidade” ou a “natureza” receber a lealdade
ú ltima de alguém. As “leis científicas”, quando consideradas impessoais, se tornam outro
substituto de Deus. No entanto, nos tempos antigos e hoje, os ídolos se conformam à
imaginaçã o de quem os faz. Os ídolos possuem semelhanças suficientes com o verdadeiro
Deus para serem plausíveis, mas diferem de forma a permitir-nos conforto e satisfaçã o
para manipular os substitutos que construímos.
Na verdade, um olhar mais de perto na lei científica mostra que essa rota de fuga nã o é
realmente plausível. A lei implica um legislador. Alguém precisa pensar a lei e impô -la, a
fim de a tornar efetiva. Todavia, se algumas pessoas resistirem a esse movimento direto
para a personalidade, poderemos nos mover de modo mais indireto.
Na prá tica, os cientistas creem com paixã o na racionalidade da lei cientifica. Nã o estamos
lidando com um nú mero surdo irracional, totalmente inexplicá vel e insondá vel, mas com a
ideia da lei que em algum sentido é acessível ao entendimento humano. A racionalidade é o
sine qua non da lei científica. Mas, como sabemos, a racionalidade pertence à s pessoas, nã o
a rochas, á rvores e criaturas subpessoais. Se a lei é racional, como presumem os cientistas,
entã o ela também é pessoal.
Os cientistas também presumem que as leis podem ser articuladas, expressas, comunicadas
e entendidas por meio da linguagem humana. O trabalho científico inclui nã o apenas o
pensamento racional, mas a comunicaçã o simbó lica. Agora, o original, a lei “lá fora”, nã o é
conhecida por ser escrita ou enunciada em linguagem humana. Entretanto, precisa ser
expressa na linguagem da nossa descriçã o secundá ria. Precisa ser traduzível em nã o
apenas uma, mas em muitas línguas humanas. Podemos representar restriçõ es,
qualificaçõ es, definiçõ es e contextos para a lei por meio de clá usulas, frases, pará grafos
explanató rios e explicaçõ es contextuais na linguagem humana.
A lei científica é sem dú vida como um enunciado humano na habilidade de ser
gramaticalmente articulada, parafraseada, traduzida e ilustrada. A lei é compatível com o
enunciado e a linguagem. E a complexidade dos enunciados encontrados entre os cientistas,
bem como entre os seres humanos em geral, nã o é duplicada no mundo animal. A
[11]
linguagem é de uma das características definidoras que separa o homem dos animais. A
linguagem, como a racionalidade, pertence à s pessoas. Segue-se que a lei científica é, em
essência, pessoal. [12]
A incompreensibilidade da lei
Ademais, a lei é cognoscível e incompreensível em sentido teoló gico. Isto é, nó s
conhecemos verdades científicas, mas no meio do conhecimento permanecem
profundidades veladas e questõ es sem resposta sobre as pró prias á reas que mais
conhecemos.
A cognoscibilidade das leis está intimamente relacionada à sua racionalidade e imanência,
mostrada na acessibilidade de seus efeitos. Experimentamos a incompreensibilidade pelo
fato de o aumento do entendimento científico só nos levar a questõ es mais profundas:
“Como isso pode ser?” e “Por que esta lei em lugar de tantas outras maneiras que a mente
humana pode imaginar?”. A profundidade e o mistério das descobertas científicas só pode
produzir temor, sim, adoraçã o, se nã o tivermos nossa percepçã o embotada com arrogâ ncia
(Is 6.9, 10).
Estamos divinizando a natureza?
Mas agora precisamos considerar uma objeçã o. Ao afirmar que as leis científicas possuem
atributos divinos, estamos divinizando a natureza? Isto é, estamos tomando algo a partir do
mundo criado e alegando de forma equivocada sua divindade? Nã o sã o as leis científicas
parte do mundo criado? Nã o deveríamos classificá -las como criaçã o e nã o como o Criador?
[13]
Suspeito que a especificidade das leis científicas, sua ó bvia referência ao mundo criado,
tornou-se uma ocasiã o para muitos de nó s inferirmos que essas leis sã o parte do mundo
criado. Mas tal inferência é claramente invá lida. O discurso que descreve a borboleta nã o é
em si a borboleta ou parte da borboleta. O discurso que se refere ao mundo criado nã o é de
modo necessá rio parte ontoló gica do mundo a que se refere.
Ademais, lembremo-nos de que falamos de leis reais, nã o apenas de opiniõ es ou
aproximaçõ es humanas. As leis reais sã o, de fato, a palavra de Deus, específicas sobre como
o mundo das criaturas deve funcionar. A chamada “lei” é apenas o discurso, a açã o e a
manifestaçã o de Deus no tempo e no espaço. O erro aqui nã o consiste na divinizaçã o da
natureza, mas na recusa a reconhecer que a lei é a lei de Deus, nada menos que o discurso
divino. Confronta-se Deus.
A ideia principal de que a lei é divina nã o só é mais antiga que a ascensã o da ciência
moderna; é mais antiga que a ascensã o do cristianismo. Mesmo antes da vinda de Cristo, as
pessoas notaram uma regularidade profunda no governo do mundo e se debateram com o
sentido dela. Gregos (em especial os estoicos) e judeus (com o destaque de Fílon)
desenvolveram especulaçõ es sobre o logos , a “palavra” ou “razã o” divina por trá s do que se
observava. Além disso, os judeus tinham o Antigo Testamento com a revelaçã o do papel
[14]
da palavra de Deus na criaçã o e na providência. Nesse contexto, Joã o 1.1 proclama: “No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Joã o responde à s
especulaçõ es de seus dias com uma revelaçã o surpreendente: a Palavra ( logos ) que criou e
sustenta o universo nã o só é uma pessoa divina “com Deus”, mas o mesmo Ser que se
encarnou: “E o Verbo se fez carne” (1.14).
Deus disse: “Haja luz” (Gn 1.3). Ele se referiu à luz como parte do mundo criado.
Precisamente por essa referência, sua palavra tem poder divino para trazer a criaçã o à
existência. O efeito na criaçã o aconteceu em um tempo particular. O plano para a criaçã o,
encontrado na palavra de Deus, é eterno. Da mesma forma, o discurso de Deus para nó s na
Bíblia se refere a variadas partes do mundo criado, mas o discurso (em distinçã o à s coisas a
que se refere) é divino em poder, autoridade, majestade, justiça, eternidade e verdade. A
[15]
analogia com a encarnaçã o deve nos dar uma indicaçã o. A segunda pessoa da Trindade, a
eterna Palavra de Deus, se tornou homem na encarnaçã o, mas nã o cessou de ser Deus. Da
mesma forma, quando Deus fala e diz o que ocorre no mundo, suas palavras nã o cessam de
ter o poder divino e imutabilidade que lhe pertencem. Pelo contrá rio, elas permanecem
divinas e, além disso, possuem o poder de especificar a situaçã o das questõ es criadas. A
palavra de Deus permanece divina quando se torna lei, um direcionamento específico a
respeito do mundo criado.
A bondade da lei
É a lei boa? Ah, aqui entramos em alguns problemas. Muitas pessoas dizem que os males no
mundo sã o o maior obstá culo para crer em Deus. A pesquisa de Larson e Witham sobre
[16]
os cientistas e a religiã o menciona a citaçã o de Albert Einstein: “Na luta pelo bem ético, os
mestres da religiã o precisam ter a capacidade de desistir da doutrina de um Deus pessoal”.
[17]
Mas nã o é assim tã o simples. Pode-se apelar ao padrã o de bom a fim de julgar má uma
situaçã o existente. Ao fazê-lo, apelamos ao padrã o além dos limites do mundo empírico.
Apelamos a um padrã o, a uma lei. Desistir da ideia de lei moral equivale a desistir da
pró pria base da crítica do mal. Assim, a lei moral é indispensá vel para o argumento ateísta,
mas pressupõ e ao mesmo tempo o absoluto. Esse absoluto, a fim de nos obrigar e nos
manter responsá veis, precisa ser pessoal. Só a resposta bíblica fornece clareza. O cará ter de
Deus é a fonte ú ltima da lei moral. O homem feito à imagem de Deus conhece a lei, mas se
rebelou contra ela (Rm 1.32). Os males existentes sã o consequências dessa rebeliã o. Nã o
culpe moralmente Deus, mas o homem.
A bondade de Deus é demonstrada mais claramente na lei moral . Mas para muitas pessoas
modernas, influenciadas por Kant e a histó ria de ideias subsequentes, a lei moral é
radicalmente subjetivada e separada da lei física ou lei científica. A fim de engajar cientistas
de modo mais direto, precisamos voltar a considerar a lei científica.
Indicaçõ es sutis da bondade divina podem ser vistas no conceito de lei científica. Pode-se
colocar dessa maneira: os cientistas esperam que “as leis da natureza” sejam algumas vezes
sutis, mas nunca perversas. A lei nã o faz truques, ao se esconder deliberadamente e
apresentar resultados anô malos para confundir o pesquisador. A “natureza” joga com
honestidade. Ou, de maneira mais profunda, Deus “joga honestamente”. Todos os cientistas,
para continuarem com sanidade em sua pesquisa, precisam crer que as leis do universo
“jogam honestamente” com eles. Existe certa bondade fundamental, em lugar de
perversidade, na maneira em que os resultados surgem da investigaçã o científica.
A beleza da lei
As leis científicas, em especial as leis “profundas”, sã o belas. Há muito os cientistas
encontraram o caminho entre hipó teses e modelos baseados em parte nos critérios de
beleza e simplicidade. Por exemplo, a lei de Newton sobre a gravitaçã o e as leis de Maxwell
sobre o eletromagnetismo sã o matematicamente simples e belas. E os cientistas sem
dú vida esperam que novas leis, bem como antigas, mostrem beleza e simplicidade. Por quê?
A beleza das leis científicas demonstra a beleza do pró prio Deus. Embora a beleza nã o
tenha sido um tó pico favorito nas exposiçõ es clá ssicas da doutrina de Deus, a Bíblia nos
mostra o Deus profundamente belo. Ele se manifesta na beleza do design do taberná culo, na
poesia dos salmos e na elegâ ncia das pará bolas de Cristo, bem como na beleza moral da
vida de Cristo.
A beleza do pró prio Deus é refletida no mundo que ele criou. Estamos mais acostumados a
ver beleza em objetos particulares dentro da criaçã o, como uma borboleta, uma alta
montanha ou uma campina coberta de flores. Mas a beleza também é mostrada na forma
simples e elegante de algumas das mais bá sicas leis físicas, como a lei de Newton para a
força, F = ma, ou a fó rmula de Einstein que relaciona massa e energia, E = mc². Por que
essas leis elegantes deveriam existir? A beleza também é mostrada na harmonia entre
diferentes á reas da ciência e a harmonia entre matemá tica e ciência de que os cientistas
dependem sempre que usam uma fó rmula matemá tica para descrever um processo físico.
A retidão da lei
Outro atributo divino é a justiça. A justiça de Deus se mostra preeminentemente na lei
moral e na retidã o moral de seus juízos, isto é, nas recompensas e puniçõ es baseadas na lei
moral. Mas a lei moral, como temos observado, se encontra fora da á rea de foco especial
dos cientistas. A retidã o divina aparece na lei física, na lei científica?
Os traços sã o de alguma forma menos ó bvios, mas ainda presentes. As pessoas podem
tentar desobedecer à s leis físicas, e quando elas o fazem, sofrem por isso. Se alguém tentar
desobedecer à lei da gravidade ao pular de um edifício sofrerá as consequências. Há uma
tipo de justiça intrínseca na maneira em que as leis levam à s consequências.
Além disso, a retidã o divina está intimamente relacionada com a adequaçã o de seus atos. É
adequado ao cará ter da identidade de Deus que adoremos somente a ele (Ê x 20.3). É
adequado ao cará ter dos seres humanos, feitos à imagem divina, imitar a Deus guardando o
sá bado (Ê x 20.8-11). As açõ es humanas correspondem de forma adequada à s açõ es divinas.
Além do mais, as puniçõ es precisam ser proporcionais. A morte é a pena adequada ou
correspondente ao homicídio (Gn 9.6). “Porque o Dia do SENHOR está prestes a vir sobre
todas as naçõ es; como tu fizeste, assim se fará contigo; o teu malfeito tornará sobre a tua
cabeça” (Ob 15). A puniçã o é proporcional ao crime. Há uma adequaçã o simétrica entre a
natureza do crime e a puniçã o que lhe é proporcional. Na á rea da lei física nã o lidamos
[18]
ao criar o mundo. Deus cria de acordo com sua natureza trinitá ria. Um autor humano cria
com uma Ideia, Energia e Poder, correspondendo de forma misteriosa ao envolvimento das
três pessoas na criaçã o. Sem traçar as reflexõ es de Sayers em detalhe, podemos observar
que o ato divino de criar envolve de fato as três pessoas. Deus, o Pai, é o originador, Deus, o
Filho, age como a Palavra eterna (Jo 1.1-3), e se envolve com as palavras de comando
emitidas por Deus (“Haja luz”, Gn 1.3). Deus, o Espírito, paira por sobre as á guas (Gn 1.3). O
texto de Salmos 104.30 afirma: “Envias o teu Espírito, eles sã o criados, e, assim, renovas a
face da terra”. Além disso, a criaçã o de Adã o envolve o sopro de Deus que alude à presença
do Espírito (Gn 2.7). Embora a relaçã o entre as pessoas da Trindade seja profundamente
misteriosa, e ainda que as três pessoas estejam envolvidas em todas as açõ es de Deus para
com o mundo, pode-se distinguir os diferentes aspectos da açã o pertencentes em cará ter
preeminente a cada pessoa.
As leis científicas fluem da atividade criativa de Deus, o “Autor” da criaçã o. A atividade das
três pessoas está , portanto, implícita no pró prio conceito de lei científica. Primeiro, a lei
envolve a racionalidade que implica a coerência de um plano. Isto corresponde ao termo
“ideia” de Sayers, representando o plano do Pai. Segundo, a lei envolve uma articulaçã o,
uma especificaçã o, uma expressã o do plano, com respeito a todos os particulares do
mundo. Isso corresponde ao termo “energia” ou “atividade” de Sayers, e representa a
Palavra — a expressã o do Pai. Terceiro, a lei consiste na manutençã o de coisas
responsá veis à lei, a aplicaçã o concreta à s criaturas, fazendo-as responder à lei como se
espera. Isso corresponde ao termo “poder” de Sayers, a representaçã o do Espírito. [21]
MAS OS CIENTISTAS CREEM?
Mas os cientistas creem em tudo isso? Sim e nã o. A situaçã o já foi descrita na Bíblia:
… porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como
também a sua pró pria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do
mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens sã o,
por isso, indesculpá veis. (Rm 1.19, 20)
Os céus proclamam a gló ria de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mã os.
Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. (Sl 19.1,
2)
Eles conhecem a Deus e dependem dele. Todavia, pelo fato de esse conhecimento ser
doloroso em sentido moral e espiritual, eles também o suprimem e distorcem:
… porquanto, tendo conhecimento de Deus, nã o o glorificaram como Deus, nem lhe
deram graças; antes, se tornaram nulos em seus pró prios raciocínios, obscurecendo-
se-lhes o coraçã o insensato. Inculcando-se por sá bios, tornaram-se loucos e mudaram
a gló ria do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem
como de aves, quadrú pedes e répteis. (Rm 1.21-23)
Nesta era, as pessoas nã o fazem mais ídolos sob a forma de imagens físicas. Seu pró prio
conceito de “lei científica” é uma inversã o idó latra do conhecimento de Deus. Elas ocultam
de si mesmas o fato de essa “lei” ser pessoal e de elas serem responsá veis diante dele . Ou
substituem a palavra “natureza”, personificando-a enquanto falam com elogios acerca das
obras da “mã e natureza”. Todavia, elas se esquivam do conhecimento da transcendência
divina sobre a natureza.
Mesmo em sua rebeliã o, as pessoas continuam dependentes da permanência de Deus ali.
Elas mostram por seus atos que continuam a crer em Deus. Cornelius Van Til compara essa
situaçã o a um incidente que viu em um trem, onde uma garotinha que sentava no colo de
seu avô lhe deu um tapa na face. O rebelde precisa depender de Deus e “sentar em seu
[24]
Segundo, os cientistas negam Deus no mesmo contexto em que dependem dele. Afinal, a
negaçã o divina nã o flui de falhas intelectuais ou na impossibilidade de visualizar todo o
caminho até a conclusã o do encadeamento de um raciocínio silogístico, mas de uma falha
espiritual. Somos rebeldes contra Deus e nã o o serviremos. Como consequência, sofremos
sob a sua ira (Rm 1.18), o que resulta em efeitos intelectuais, espirituais e morais. Os que
rebelam contra Deus sã o “tolos”, de acordo com Romanos 1.22.
Terceiro, é humilhante para os intelectuais a exposiçã o como tolos, e é ainda mais
humilhante, mesmo psicologicamente insuportá vel, ser exposto como culpado de rebeliã o
contra a bondade divina. Podemos esperar que os ouvintes lutem contra o emprego
tremendo de energia intelectual e espiritual para obter um resultado tã o insuportá vel.
Quarto, o pró prio evangelho, com a mensagem de perdã o e reconciliaçã o mediante Cristo,
oferece o ú nico remédio que pode encerrar de uma vez a luta contra Deus. Mas ele traz
consigo a humilhaçã o extrema: minha restauraçã o procede inteiramente de Deus, de fora
de mim — a despeito de minhas habilidades cheias de vaidade e ao invés delas. Como á pice
de tudo, tã o perverso era eu que foi necessá rio o preço da morte do Filho de Deus para a
realizaçã o do meu resgate.
Quinto, abordar os cientistas dessa forma constitui uma batalha espiritual. Incrédulos e
idó latras sã o cativos ao engano satâ nico (1Co 10.20; 2Ts 2.9-12; 2Tm 2.25, 26; Ef 4.17-24;
Ap 12.9). Eles nã o serã o livres do cativeiro de Sataná s a nã o ser que Deus os solte
(2Tm 2.25, 26). Precisamos orar a Deus e depender do poder divino, e nã o da
engenhosidade do argumento, da eloquência e da persuasã o humanos (1Co 2.1-5; 2Co 10.3-
5).
Sexto, participamos desse encontro como igualmente pecadores. Os cristã os também se
tornaram culpados por serem cativos à idolatria em que a lei científica é considerada
impessoal. Nese cativeiro, consideramos triviais os benefícios e belezas da ciência, que
deveriam nos encher de gratidã o e louvor a Deus.
A abordagem ao testemunho baseada nesses princípios se desenvolve de forma diferente
de diversas outras modalidades dirigidas aos intelectuais? É o que me parece.
AMPLIAÇÃ O DA AUDIÊ NCIA
Até agora temos focado nos cientistas como recipientes em potencial do testemunho
cristã o. Mas que implicaçõ es podemos extrair para lidar com o pú blico mais amplo?
No mundo tecnoló gico, todos dependem dos produtos da ciência e tecnologia. As pessoas
confiam em algumas das ferramentas de tecnologia o suficiente para depender delas. Elas
confiam nelas nã o só para obter informaçõ es sobre o mundo em geral, mas também para a
preservaçã o da pró pria vida. Nem todos viajam em aviõ es, mas a maioria das pessoas viaja
de tempos em tempos em automó veis de alta velocidade e a maioria compra comida em
supermercados que apresentam o ponto final de uma grande corrente de etapas
tecnoló gicas na produçã o e distribuiçã o de alimentos.
Assim, o que entã o nos protege do desastre? O testemunho bíblico é claro: Deus.
Contemplamos dia a dia o governo providencial de Deus. Deus faz “o bem” (At 14.17). As
maravilhas das plantas em crescimento manifestam a fidelidade de Deus enquanto ele fala
sua palavra à s plantas. Essas maravilhas de longa data sã o agora complementadas por
maravilhas da química que criam fertilizantes e pesticidas; as maravilhas da ciência do solo
informam e aconselham os agricultores; as maravilhas da biologia ao cultivar e modificar
geneticamente as plantas; as maravilhas da complexidade tecnoló gica em colher, processar,
enviar e empacotar a produçã o.
Os cientistas necessariamente lidam todos os dias e a todo o momento com o cará ter eterno
e a onipotência da lei científica, que se encontra bem diante de seus olhos. Mas o resto de
nó s percebe a fidelidade de Deus manifestada de modo mais comum na confiabilidade do
aparato tecnoló gico procedente da ciência. Tomamos por certa a confiabilidade de nossas
fontes alimentícias; cremos que a comida crescerá todos os anos e cremos que a comida
nutrirá sem nos envenenar.
REGRESSO AOS ATRIBUTOS DE DEUS
Em certa medida, entã o, os atributos da lei científica sã o visíveis mesmo a pessoas comuns
que usufruem dos benefícios da tecnologia. Elas creem que os produtos tecnoló gicos
funcionarã o da mesma forma em qualquer tempo e em qualquer lugar. Assim, em princípio,
creem na constâ ncia da tecnologia. E também acreditam, por implicaçã o, que as leis por
trá s da tecnologia sã o constantes. É claro, a pessoa de conhecimento mediano pode ou nã o
estar inteirada dos detalhes das leis científicas por trá s de um produto tecnoló gico em
particular. Todavia, mesmo que ela nã o conheça as leis até os detalhes, crê que mesmo nos
detalhes elas permanecem constantes. A constâ ncia garante a constâ ncia do funcionamento
do produto tecnoló gico governado pelas leis. A torradeira continua a torrar o pã o porque a
eletricidade continua a produzir calor de acordo com as leis constantes. A constâ ncia da lei
em tanto tempo quanto o espaço aponta para a eternidade e onipresença das leis.
É claro, a pessoa comum pode estar menos ciente da implicaçã o da eternidade e da
onipresença. Ela nã o é um teó rico a testar os limites má ximos, teorizar sobre explosõ es de
raios gama em galá xias distantes ou sobre reaçõ es nucleares no sol. Ela é bem mais
pragmá tica e se importa com a constâ ncia das leis no escopo prá tico do seu mundo e crê
nelas.
Contudo, na verdade, pode-se fazer uma observaçã o semelhante sobre o conceito
tradicional da eternidade e onipresença de Deus. Os ensinos da Bíblia se concentram em
sentido primá rio no mundo da pessoa comum dentro de sua visã o limitada de tempo e
espaço. Em sentido primá rio, a Bíblia nã o pede à s pessoas que creiam na eternidade e
onipresença como abstraçõ es teó ricas, mas que confiem em Deus na prá tica por meio de
sua conduta na vida. Os atributos da eternidade e onipresença sã o generalizaçõ es teó ricas
desta experiência prá tica. Daí, a pessoa comum, no mundo bíblico, corresponder à pessoa
comum hoje que crê que a torradeira vai torrar o pã o; o teó logo teó rico que fala da
eternidade e onipresença corresponde ao cientista teó rico que fala das leis de cará ter
genérico e perfeito.
A providência divina afeta ambas as esferas. Assim, os atributos divinos da lei científica
oferecem uma plataforma para o testemunho à s pessoas comuns e aos cientistas.
revelação especial . A revelação geral é o que Deus mostra a todos os seres humanos
mediante suas açõ es na criaçã o e na providência. A revelação especial é o que Deus mostra
por meio da instruçã o redentora na Bíblia. [28]
certeza, a Bíblia nã o ensina de forma direta detalhes sobre química. Todavia, ela menciona
o mundo físico. E ao falar diretamente sobre a revelaçã o geral, oferece uma estrutura para
entender as coisas com as quais a ciência se ocupa.
REVELAÇÃ O E DISCURSO DIVINO
Primeiro, precisamos considerar o termo revelação , que possui vantagens e desvantagens.
Embora a palavra revelação tenha se tornado um termo técnico e comum na teologia
acadêmica, uma terminologia aná loga nã o é comum na pró pria Bíblia. O salmo 19, onde
começamos a pensar sobre a revelaçã o geral e a revelaçã o especial, usa a palavra “revela”
no versículo 2. Mas a maioria do salmo fala sobre a comunicaçã o verbal. A “lei do SENHOR ”
(v. 7), “o testemunho do SENHOR ” (v. 7) e “os preceitos do SENHOR ” (v. 8) designam a
comunicaçã o verbal de Deus. Os versículos subsequentes continuam esse tipo de descriçã o
da revelaçã o especial. Sem dú vida, a Bíblia é comunicaçã o verbal, entã o esse tipo de
descriçã o se encaixa na segunda metade do salmo. Mas a linguagem da comunicaçã o verbal
se estende também à primeira parte do salmo: “Os céus declaram a gló ria de Deus, e o
firmamento anuncia a obra das suas mã os” (v. 1). Mesmo a palavra “revelar” no versículo 2
traduz o radical do verbo hebraico ḥ wh , que significa “contar, declarar”, [30]
um sentido
que parece indicar uma associaçã o com a comunicaçã o verbal.
Outras partes da Bíblia confirmam este padrã o. Em Gênesis 1, Deus cria pelo falar . “Disse
Deus: Haja luz; e houve luz” (Gn 1.3). O texto de Salmos 33.6 resume o padrã o: “Os céus por
sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles”. Acontecimentos
providenciais acontecem mediante a palavra de ordem de Deus: [31]
Ele envia as suas ordens à terra, e sua palavra corre velozmente; dá a neve como lã e
espalha a geada como cinza [...] Manda a sua palavra e o derrete. (Sl 147.15, 16, 18)
Quando falamos da “palavra de Deus”, podemos pensar imediatamente na Bíblia. E a Bíblia
é a palavra de Deus. Mas a pró pria Bíblia indica que Deus fala palavras sobre a criaçã o e a
providência, e nem todas essas palavras estã o registradas com detalhes na Bíblia. As
[32]
palavras de Deus governam o mundo de forma absoluta, como Lamentaçõ es 3.37, 38 indica:
Quem poderá falar e fazer acontecer, se o SENHOR nã o o tiver decretado ? Nã o é da
boca do Altíssimo que vêm tanto as desgraças como as bênçã os? (NVI)
Em lugar de revelaçã o geral e especial, poderíamos nos referir muito bem sobre os
discursos geral e especial de Deus. [33]
ser separadas com rigidez. A experiência no monte Sinai mostra que os dois tipos de
revelaçã o costumam se complementar, e cada um forma um contexto que ajuda a entender
o outro. A comunicaçã o verbal nos ajuda a entender quem Deus é, e quem é aquele que se
mostra nos espetaculares trovõ es e relâ mpagos. O trovã o e o relâ mpago ajudam a
demonstrar a autoridade e poder do Deus que comunica os Dez Mandamentos. Se nã o
houvesse uma amostra espetacular, e as pessoas tivessem ouvido apenas uma voz bem
comum e de timbre humano, os duvidosos poderiam escarnecer e afirmar se tratar da voz
de Moisés, pois ele teria inventado tudo aquilo.
Inferimos de outras passagens bíblicas que a palavra de comando de Deus produziu o
trovã o, o relâ mpago e a nuvem. Daí a inteireza é um efeito das palavras divinas. Todavia, só
parte disso tem cará ter verbal explícito e forma com que alcança o povo ao pé do monte: a
saber, a voz de Deus a pronunciar os Dez Mandamentos.
Agora chegamos a uma das limitaçõ es da palavra revelação . Ela falha em indicar que
grande parte da Bíblia destaca o discurso divino, nã o só quando discute a comunicaçã o
verbal à humanidade, mas quando menciona os acontecimentos na criaçã o e na
providência. Ademais, a palavra revelação sugere revelação a seres humanos . Uma das
definiçõ es dicionarizadas comuns é “algo revelado por Deus ao homem”. [35]
Ela é limitada
aos seres humanos. Mas a palavra de Deus a dirigir a criaçã o e a providência nã o é tã o
limitada. Deus governa o mundo inteiro por meio de suas palavras de ordem, nã o só os
seres humanos. Por exemplo, as palavras “Haja luz” aparecem em Gênesis 1.3. Como parte
de Gênesis 1.3, elas foram escritas para Israel e para nó s. Todavia, Gênesis 1.3 descreve um
tempo anterior à existência dos seres humanos, quando Deus emitiu a ordem pela primeira
vez. Nesse tempo ele nã o se dirigiu a seres humanos, pois eles nã o existiam. Assim, essas
palavras consistem em revelação ? A questã o nã o é apropriada porque a nossa palavra
moderna revelaçã o nã o foi feita para iluminar o caso.
Segundo, a palavra revelação sugere a alguns só a categoria estrita de revelaçã o
miraculosa , a divulgaçã o de verdades que seriam totalmente incognoscíveis de outra
forma. Por exemplo, ao profetizar a vinda do Messias, Isaías 9.6, 7 menciona
acontecimentos futuros sobre os quais os seres humanos nã o poderiam saber de outra
forma. A prediçã o de Isaías é “revelaçã o” no sentido estrito. A Bíblia também fala, no
entanto, sobre muitos fatos que podem ser conhecidos por outras fontes. A passagem de
2 Reis 13.12 se refere a registros “escritos no Livro das Crô nicas dos Reis de Israel” (nã o
confunda com os nossos livros de 1 e 2 Crô nicas, que focam em Judá ). Essas “Crô nicas”
eram registros provavelmente semioficiais e nã o inspirados, compilados por escribas que
serviram sob os reis desse período. Pode-se aprender dessas fontes “seculares” algo da
mesma informaçã o encontrada em 1 e 2 Reis. Quando essa informaçã o comum ocorre em
1 e 2 Reis, nó s a designamos revelação ? Creio que devemos fazê-lo, a fim de enfatizar que
Deus o diz.
Ou, de novo, os evangelhos registram acontecimentos que as testemunhas oculares
observaram por meios comuns. Entã o sã o os evangelhos “revelaçã o” nesses pontos? Ou o
termo “revelaçã o” engloba apenas prediçõ es sobre a segunda vinda e outras informaçõ es
humanamente inacessíveis? A ambiguidade da palavra “revelaçã o” é potencialmente
problemá tica. Em contraste, se mencionarmos o “discurso de Deus” torna-se perfeitamente
claro que Deus é livre para falar sobre o futuro desconhecido, ou sobre o passado, que
muitas vezes pode ser conhecido por outros meios. A autoridade do que Deus diz
permanece a mesma. Os evangelhos sã o a palavra de Deus e seu anú ncio esclarece a
ambiguidade potencial sobre sua autoridade.
A palavra revelação também cria um problema quando as pessoas lhe imputam a ideia da
necessidade de convencer a audiência. Algumas pessoas afirmam que “trata-se de
revelaçã o genuína apenas se revela, isto é, só se alguém recebe de forma efetiva a verdade
que se desejou transmitir”. Nessa linha de raciocínio, a Bíblia nã o é “revelaçã o” enquanto
permanecer na estante, só quando alguém a pega e lê. E mesmo quando alguém lê, ainda
nã o é revelaçã o até ser entendida. Sem ser entendida, nã o é revelaçã o. E quando se
entende, a “revelaçã o” real é na verdade o processo pessoal de entender. Assim, de acordo
com esse raciocínio, a Bíblia é em alguns momentos apenas um canal do processo de
revelaçã o. Mesmo no momento da compreensã o, o processo é “revelaçã o”, a mensagem na
pá gina nã o é. E assim segue o pensamento neo-ortodoxo sobre a revelaçã o.
Quando se muda o tema para o discurso de Deus, corta-se esse subterfú gio. Jesus disse:
“Quem me rejeita e nã o recebe as minhas palavras tem quem o julgue; a pró pria palavra
que tenho proferido, essa o julgará no ú ltimo dia” (Jo 12.48). Jesus nã o usou aí a
terminologia “revelaçã o”; o ponto é bem mais claro. “Quem [...] nã o recebe as minhas
palavras” nã o recebeu a verdade. As palavras de Jesus nã o “passaram por ele”. Nada lhe foi
“revelado” com uma recepçã o apropriada e agradecida. Nã o houve “revelaçã o” no sentido
peculiar do termo. Contudo, “a pró pria palavra que eu tenho proferido, essa o julgará no
ú ltimo dia”. A palavra permanece ali, e permanece como o padrã o pelo qual ele é julgado,
quer o tenha recebido ou nã o. A vantagem ó bvia de falar sobre o discurso de Deus, em vez
da “revelaçã o”, é o esclarecimento de que Deus fala mesmo quando nenhum ser humano
ouve de forma adequada. A fala de Deus nã o se tornou menor só porque um ser humano
fechou os ouvidos. Na verdade, a palavra de Deus retém o poder de julgar o ser humano por
ter fechado os ouvidos e nã o recebido as palavras.
Nã o podemos tratar aqui das interaçõ es extensivas com a compreensã o neo-ortodoxa da
Escritura. A neo-ortodoxia apela para a Bíblia como apoio; no final, seu argumento é falho.
[36]
Sem repetir desnecessariamente os argumentos dos meus antecessores, mantenho o
entendimento clá ssico e ortodoxo da Bíblia: a Bíblia é palavra de Deus na estante e quando
é lida. Essa afirmaçã o nã o quer dizer que os elementos físicos, o papel e a tinta, sã o a
palavra de Deus; ao contrá rio, a mensagem registrada no papel e na tinta é a palavra de
Deus. [37]
Interpretar a Bíblia pode apresentar muitos desafios, e como seres humanos
cometemos muitos erros inocentes (mais frequentemente) e com intençã o pecaminosa. A
palavra de Deus, conhecida pelo Espírito Santo, permanece o juiz de nossas falhas.
A PALAVRA DE DEUS
Assim, a Bíblia é a palavra de Deus. Ela foi escrita na linguagem humana e escrita com o
propó sito primá rio de nos instruir, guiar, repreender e corrigir a fim de podermos crescer e
servir a Deus de modo aceitá vel: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e ú til para o
ensino, para a repreensã o, para a correçã o, para a educaçã o na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16,
17).
No entanto, como vimos, a Bíblia nã o contém todas as palavras já pronunciadas por Deus
ou as que ele vai falar. Jesus falou muitas palavras quando esteve na terra. Todas elas eram
palavra de Deus, mas nã o foram registradas na Bíblia (Jo 21.25). Além disso, Deus fala
palavras nã o dirigidas primariamente a seres humanos, como as palavras que direcionam o
derretimento da neve e da geada em Salmos 147.18. Podemos designar essas declaraçõ es
palavras de Deus que controlam o mundo.
Todo discurso de Deus se harmoniza com seu cará ter. Deus é justo, santo, puro e
verdadeiro. Como consequência, seu discurso é justo, santo, puro e verdadeiro (cf. Sl 12.6;
Pv 30.5). Essas características pertencem à s palavras que governam a criaçã o e a
providência e à s palavras dirigidas a seres humanos na Bíblia. Sendo Deus coerente consigo
mesmo, nã o há desarmonia entre os dois tipos de palavras.
LIDAR COM DISCREPÂ NCIAS APARENTES
Aonde isso nos leva? “Tudo bem”, alguém pode dizer, “e todas as discrepâ ncias entre a
ciência moderna e a Bíblia?”. Se as palavras de Deus se harmonizam, só podem existir
discrepâ ncias aparentes . Confiar em Deus significa crer que ele sabe mais do que nó s,
mesmo quando problemas parecem surgir. Deus disse a Abraã o para sacrificar seu filho
Isaque, ainda que antes prometesse a Abraã o que Isaque era o descendente por meio de
quem Deus cumpriria seus propó sitos. Parecia uma contradiçã o, mas Abraã o nã o desistiu
da fé (Hb 11.17-19).
Confiar em Deus nã o implica a negaçã o de dificuldades ou sua ignorâ ncia completa e sim
lidar com as dificuldade de acordo com a orientaçã o e a verdade providas por Deus.
Reconhecer quem somos como seres humanos nos traz algum alívio. O texto de
Gênesis 1.26-28 afirma nossa criaçã o à imagem divina. Assim, esperamos entender, pelo
menos em parte, a mente de Deus e compreender o que ele diz. Buscamos entender suas
afirmaçõ es na Bíblia. E procuramos entender o que diz ao governar o mundo na criaçã o e
por meio da providência. Entretanto, os dois tipos de entendimento sã o parciais e sujeitos à
correçã o. Somos finitos e pecadores. Nossa finitude significa que nosso alcance dos
caminhos de Deus é incompleto. Nossa pecaminosidade acarreta a distorçã o da verdade a
nosso favor. Transformamos o conhecimento divino em idolatria; tornamo-nos deuses de
lata que, à semelhança de Adã o e Eva, desejam julgar Deus e formar nosso pró prio
entendimento, de modo independente de sua instruçã o quanto ao cará ter verdadeiro ou
nã o da proibiçã o de nosso ato (v. Gn 3.1-6).
Finitude e pecaminosidade atuam na interpretaçã o da Bíblia e na interpretaçã o do mundo,
estudada pelos cientistas. Na vida, a interpretaçã o da Bíblia é sempre parcial e incompleta,
e algumas vezes claramente falsa, causada pela distorçã o obstinada. Os desejos das pessoas
as levam a encontrar na Bíblia o que decidiram encontrar ali, ou que elas esperam
confirmar seus desejos.
A mesma verdade se encontra no trabalho científico. A interpretaçã o do mundo e a
exploraçã o no desenvolvimento da teoria científica nunca têm fim. Por princípios, as
teorias científicas estã o sujeitas à revisã o. Algumas vezes, os desejos das pessoas as levam a
encontrar explicaçõ es que se harmonizam com seus desejos e com a cosmovisã o que os
reforça. Os cientistas, como todos nó s, sã o pecadores que esperam confirmar seus desejos.
Como vimos, a ciência nã o é uma empreitada “neutra”: ela pressupõ e a lei científica, o que
pressupõ e Deus. As pessoas servem a Deus ou servem a uma divindade falsa. O tipo de deus
que servem influencia suas expectativas sobre os tipos de leis que imaginam encontrar.
Assim, a entrada de preconceitos nã o é apenas um erro ocasional e acidental, mas um
problema difuso. É tã o difundido quanto o pecado no coraçã o.
Assim, quando encontrarmos discrepâ ncias entre a Bíblia e a ciência, procuramos pelo
ponto em que nos desviamos. Em algum lugar alguém interpretou de forma equivocada a
Escritura, o mundo do estudo científico, ou ambos. A tarefa de lidar com discrepâ ncias pode
nã o ser fá cil, pois nã o sabemos de antemã o onde estã o nossos erros. O erro ocorreu ao
ignorar a contraprova, leituras alternativas da evidência, explicaçõ es alternativas ou
apenas ao se deixar levar pela atmosfera em que pressupostos materialistas excluíram a
priori algumas alternativas?
Em certa medida, os mesmos problemas nos confrontam em uma á rea mais estrita de
pesquisa. Na Bíblia, os ensinos de um versículo algumas vezes parecem contradizer os
ensinos de outro. Esses casos merecem um tratamento paciente e individual, pois nã o
sabemos à primeira vista o que deu errado no nosso entendimento. Da mesma forma, à s
vezes, as teorias científicas nã o se harmonizam de forma completa. Einstein percebeu que
as equaçõ es de Maxwell sobre o eletromagnetismo nã o se harmonizavam com a mecâ nica
newtoniana. Seu exame da discrepâ ncia levou à revisã o da teoria de Newton. Em 2006, a
teoria de campo quâ ntico nã o se harmoniza com a relatividade geral, porque a teoria de
campo quâ ntico demanda uma estrutura fixa de espaço e tempo, ao passo que a
relatividade geral requer mudanças contínuas na estrutura de espaço e tempo
influenciados pela matéria e energia. Ninguém ainda sabe resolver com certeza a
discrepâ ncia de maneira completamente satisfató ria. Contudo, os físicos nã o deixam de
crer que as leis da física sã o autoconsistentes e harmoniosas em princípio.
A chave para a soluçã o inteligente das discrepâ ncias pode se dar em qualquer lugar. Ela
pode estar nos detalhes das evidências, na revisã o sutil ou radical de um pressuposto nã o
examinado, em alguma nova teoria superior à antiga, em uma cosmovisã o que distorce o
entendimento ou nos efeitos conjuntos de mais de uma á rea.
No caso de discrepâ ncias aparentes entre a Bíblia e a ciência, precisamos estar prontos
para reexaminar o nosso pensamento sobre a Bíblia e a ciência. Nã o precisamos presumir
rá pido demais que o erro se encontra especificamente em um lado. No mundo atual,
encontramos pessoas sempre prontas a presumir a correçã o da ciência e a incorreçã o da
Bíblia. Ou, ao contrá rio, outros presumem estar a Bíblia sempre certa e a ciência moderna
errada.
Todavia, a Bíblia está sempre certa, e deve ser confiada nesse sentido. Da mesma forma, a
palavra de Deus a respeito da providência está sempre certa e é fidedigna. Mas a ciência
moderna, como interpretaçã o humana da providência divina, pode cometer erros. Nossa
interpretação da providência pode precisar de revisã o. E nossa interpretação da Bíblia pode
precisar de revisã o.
Os oponentes de Galileu afirmaram que ele precisava estar errado sobre o movimento do
sol e da terra. Sua alegaçã o consistia em dizer que a Bíblia ensinava com nitidez a
imobilidade da terra. Na verdade, os oponentes estavam bem preocupados em preservar a
filosofia aristotélica e isso, acima de tudo, precisava de um reexame crítico. Mas seria
[38]
também apropriado reexaminar os versículos da Bíblia, para ver se eles ensinavam de fato
o que essas pessoas imaginavam. No caso, o reexame das passagens bíblicas sobre a
imobilidade da terra mostra que eles se dirigem a nó s em termos da vida comum, nã o de
teorias científicas esotéricas. Na vida e experiência comuns, a terra permanece fixa sob os
nossos pés quando andamos em cima dela! Ler a Bíblia como afirmaçã o técnica de uma
[39]
Somos pecadores e rebeldes por natureza. Precisamos da Bíblia. Joã o Calvino compara
corretamente a Escritura a lentes, através das quais somos habilitados a ler a instruçã o da
revelaçã o geral:
Ainda que no espelho de Suas obras, com quã o grande clareza Se represente o Senhor,
nã o apenas a Si [Pró prio], mas também a Seu imortal Reino, como é, entretanto, nossa
obtusidade, sempre lerdos nos havemos para com tã o perspícuas evidências, assim
que sem proveito [nos] efluam. [42]
Exatamente como [se dá com] pessoas idosas, [...] ajudadas porém, pela interposiçã o
de lentes, começarã o a ler de forma distinta. Assim a Escritura, coletando-nos na
mente conhecimento de Deus de outra sorte confuso, dissipada a escuridã o, mostra-
nos em diá fana clareza o Deus verdadeiro. [43]
Ademais, Deus se recusa a ser confinado em alguma parte da esfera privada, pois está
presente e ativo nos assuntos pú blicos. Ele se encontra em açã o constante, por meio do
governo providencial do mundo. Ele julga as pessoas por atos pú blicos e privados. Deus
nã o é apenas uma pá gina em branco que podemos preencher com quaisquer ideias que
tenhamos a seu respeito. Seu cará ter é específico, como já percebemos nos atributos
divinos da lei científica: onipresença, eternidade, imutabilidade, onipotência e assim em
diante. Deus é o Deus trinitá rio da Bíblia. O mesmo Deus que se revela na Bíblia em toda a
sua especificidade também se revela na lei científica.
Todavia, ele nã o só se revela. Os cientistas precisam depender e, de fato, o fazem, de quem
Deus é na prá tica científica. Se a prá tica científica é incoerente com os conceitos religiosos
particulares dos cientistas, entã o só temos uma inconsistência. O que não se tem é a ciência
neutra no que diz respeito à crença religiosa.
COMPROMISSO RELIGIOSO NO SECULARISMO PÓ S-MODERNO
Outra observaçã o importante é a seguiunte: precisamos olhar com suspeita para o
ambiente secularista moderno à nossa volta. A vida moderna é diversificada e
[45]
complicada. Entã o, no que se segue, preciso simplificar um pouco e dar umas pinceladas
mais genéricas.
O secularismo moderno, como movimento social e filosofia de vida, tem produzido um tipo
de atmosfera em que parece natural confinar a religiã o à opiniã o particular. A fim de que as
pessoas de conceitos religiosos diversos convivam em harmonia, parece conveniente as
pessoas “guardarem a religiã o para si mesmas”. Normalmente se pensa: “nã o atrapalhe a
fluência tranquila da ciência, do comércio ou da educaçã o trazendo à tona questõ es
religiosas que só dividem”. Essa atmosfera influencia a todos, de forma que as pessoas nã o
mais se perguntam se há um conflito entre sua religiã o e a prá tica pú blica. Elas vivem
confortavelmente com essa incoerência, porque todos o fazem.
Mas é só considerar alguns cená rios hipotéticos em que o secularismo é ameaçado
diretamente por outros sistemas de crença para perceber a vacuidade da alegaçã o da
neutralidade religiosa. Considere o animismo. Uma forma de animismo alega que espíritos
variados, bons ou maus, habitam em lugares específicos e em objetos específicos. Há um
espírito no antílope e outro na á rvore. Sendo assim, o antílope ou a á rvore é, em alguns
aspectos, sagrado. Talvez devamos deixar o antílope sozinho. Ou talvez, com as técnicas
corretas para propiciar os espíritos, pode-se matar um antílope para se alimentar dele mas
nã o usar sua pele, à qual o espírito do antílope se refugia quando o animal é morto. Esse
tipo de animismo é obviamente incompatível com a ciência experimental. Um animista nã o
pode conduzir experimentos científicos pela incapacidade de conceder a si mesmo
permissã o para manipular o mundo natural à vontade. Ele nã o considera a prá tica científica
segura em sentido espiritual.
O secularista típico pressupõ e o equívoco do animismo, nã o pela verificaçã o pessoal, mas
porque todos na sociedade secular moderna se comportam de maneira que lhe assegura
que o animismo está errado. Todavia, a pró pria tese do erro do animismo é um conceito
religioso. Ele faz uma aposta sobre coisas sagradas, fora do aspecto físico. O secularista nã o
é secular de fato, isto é, independente da religiã o, mas faz uma aposta religiosa, ainda que
seja negativa — relativa à inexistência de espíritos segundo os animistas. Ele o faz sem ter
examinado os fatos de maneira desinteressada, por ser uma pessoa que se deixa influenciar
com facilidade.
Ademais, o secularismo oculta os pró prios interesses religiosos ao afirmar nã o dispor
deles. Ele reforça esta meia-verdade ao tolerar em seu meio uma pequena minoria de
malucos e excêntricos, incluindo-se animistas. A pequena minoria de animistas pode
praticar os seus conceitos animistas com tranquilidade em particular. Como indivíduos,
eles também podem exercer sua liberdade cívica da abstençã o da prá tica científica em paz.
Ao criar um espaço para os malucos, o secularismo demonstra a alegada tolerâ ncia e
neutralidade religiosa e desse modo confirma suas alegaçõ es e plausibilidade para as
pessoas.
Contudo, suponha que o nú mero de animistas crescesse, se tornasse a maioria e exercesse
sua vontade política ao negar financiamento federal para a ciência. Os secularistas ficariam
felizes? Nã o. Na verdade, bem antes que essa situaçã o pudesse se desenvolver, os
secularistas que controlam a mídia e a educaçã o pú blica soariam o alarme e tomariam
medidas para transformar os filhos dos animistas em “bons cidadã os”, isto é, pessoas que
sabem manter o animismo em particular. Entretanto, insistir na manutençã o do animismo
em particular significa negar na prá tica que os espíritos estã o de fato por aí, pelo menos da
maneira concebida por seus pais. A educaçã o e a mídia inculcam um sistema de crenças de
natureza religiosa ao ensinar que o animismo (pelo menos no sentido tradicional) está
equivocado.
Considere agora a interpretaçã o Shankara do hinduísmo vedanta. De acordo com Shankara,
Brâ man, a realidade suprema, é uno e, em algum sentido, idêntico à alma humana
individual. O mundo material é “maia”, ilusã o, irreal em relaçã o a Brâ man, mas
“relativamente real como manifestaçã o do Brâ man real”. O objetivo da vida humana é o
[46]
conhecimento de Brâ man. De acordo com essa visã o, a ciência é de pouco ou nenhum valor,
por se concentrar por inteiro no mundo da ilusã o.
Os secularistas modernos possuem uma relaçã o com o hinduísmo Shankara aná loga à
considerada sobre o animismo. Para começar, eles implicitamente rejeitam Shankara pela
prá tica de se lançar no mundo da “ilusã o”. A açã o demonstra na prá tica que eles já
decidiram de antemã o sobre o equívoco de Shankara. Decidiram nã o olhar as afirmaçõ es de
Shankara e analisá -las, apenas seguem a multidã o no ambiente moderno.
Como ocorre com o animismo, também aqui os secularistas toleram na sociedade a
pequena minoria de aderentes das visõ es de Shankara. Mas esses conceitos sã o
“privatizados” com cuidado, isto é, confinados à privacidade de indivíduos ou famílias; o
[47]
tabu secularista moderno contra a religiã o na esfera pú blica exerce forte pressã o sobre a
minoria para que guarde seus conceitos para si. Mas é claro que a pressã o da desaprovaçã o
moral só pode surgir do compromisso religioso prévio com a convicçã o de que o mundo
material nã o é ilusó rio, e sim a realidade primá ria. Mais uma vez, o “secularismo” depende
de um envolvimento religioso prévio.
Ademais, da mesma forma que ocorre com o animismo, os secularistas começariam a atacar
os conceitos de Shankara caso eles se difundissem muito e seus adeptos obtivessem
significativo controle político.
HIPOCRISIA MORAL NO SECULARISMO PÓ S-MODERNO
O secularismo também mostra seu fundamento religioso nos pronunciamentos morais. A
cosmovisã o secularista depende do compromisso moral com a tolerâ ncia, o pluralismo
político, o apoio estatal contínuo à ciência e educaçã o pú blica. Mas o secularismo literal, em
e por si mesmo, nã o pode produzir nenhuma base moral absoluta para a moralidade. Na
verdade, o pensamento secular contemporâ neo costuma minar alegaçõ es morais absolutas:
ele equipara a moralidade à opiniã o pessoal a fim de apoiar a sociedade em que as
[48]
cristianismo mostra instâ ncias vergonhosas de intolerâ ncia, mas elas conflitam com os
verdadeiros princípios morais articulados na Bíblia.
A tolerâ ncia cristã nã o quer dizer que todos os pontos de vista sã o igualmente corretos. Ao
contrá rio, significa que as visõ es equivocadas dos outros devem ser toleradas, por respeito
à imagem divina e ao modo de Deus lidar com as outras pessoas em amor. O secularismo
distorce a tolerâ ncia encontrada na Bíblia em um tipo de tolerâ ncia desenraizado que tenta,
na prá tica, suprimir a influência da religiã o na vida.
Terá o secularismo distorcido também nossa concepçã o da ciência? A ciência moderna teve
origem em sociedades que defendiam uma cosmovisã o basicamente cristã . As doutrinas
[50]
conhecidas da Escritura:
Isto, portanto, digo e no Senhor testifico que nã o mais andeis como também andam os
gentios, na vaidade dos seus pró prios pensamentos, obscurecidos de entendimento,
alheios à vida de Deus por causa da ignorâ ncia em que vivem, pela dureza do seu
coraçã o (Ef 4.17, 18).
... porquanto, tendo conhecimento de Deus, nã o o glorificaram como Deus, nem lhe
deram graças; antes, se tornaram nulos em seus pró prios raciocínios, obscurecendo-
se-lhes o coraçã o insensato. Inculcando-se por sá bios, tornaram-se loucos e mudaram
a gló ria do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem
como de aves, quadrú pedes e répteis (Rm 1.21-23).
O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do
que a luz; porque as suas obras eram má s. Pois todo aquele que pratica o mal
aborrece a luz e nã o se chega para a luz, a fim de nã o serem arguidas as suas obras
(Jo 3.19, 20).
Mesmo quando se está parcialmente ciente desse problema desesperador, o orgulho
humano tenta inventar um remédio apenas humano. Quando nos equivocamos, esforçamo-
nos para achar a saída do problema. Com poder mental suficiente, podemos triunfar sobre
o engano e vir à luz (como o iluminismo desejava). Mas esse tipo de orgulho humano é só
outra forma de idolatria. Adoramos nossa mente e nossos poderes racionais. Podemos
[53]
sair de uma forma de idolatria e cairmos em outra, mais profunda e disfarçada. Sobrepujar
o engano em certo ambiente social já é difícil; preterir os enganos do pró prio coraçã o é
impossível para a humanidade:
E os que ouviram disseram: Sendo assim, quem pode ser salvo? Mas ele respondeu: Os
impossíveis dos homens sã o possíveis para Deus (Lc 18.26, 27).
Preparando-me para escrever este texto, li uma boa quantidade de livros sobre ciência,
filosofia da ciência e Bíblia e ciência. Como esperava, encontrei muita coisa boa. Todavia,
mesmo em livros escritos por cristã os, raras vezes encontrei uma expressã o contundente
da profundeza do nosso problema com o conhecimento.
A verdade é que a mente de todos nó s foi corrompida pelo pecado. Nã o apenas um pouco, e
sim de maneira profunda, até as profundezas que podemos perceber, e além. E nã o apenas
de maneira grosseira, para facilitar a percepçã o de onde erramos, mas de modo sutil,
detalhado e invisível. Se acharmos que conseguimos saber e apreciar até onde erramos,
ainda nos enganamos também nesse ponto.
Precisamos desesperadamente de Deus para nos salvar do poço do qual nã o podemos sair. E
Deus agiu. Enviou Cristo com sua sabedoria e nos chamou para nos dirigirmos a Cristo a
fim de obtermos misericó rdia. Jesus tomou sobre si na cruz a puniçã o de nossos pecados.
Deus o ressuscitou dentre os mortos e ele apareceu a muitas pessoas, confirmando a
veracidade de suas afirmaçõ es (1Co 15.3-8). Ele vive até hoje e reina no céu (Ap 1.18).
Quando clamamos a Deus por misericó rdia, baseados na obra de Cristo por nó s, ele nos
concede o Espírito e nos ensina (1Co 2.12). Outorga-nos a Bíblia como sua palavra para nos
contar a verdade. Entã o, maravilhosamente, como resultado do dom divino concedido a
quem se dirigiu a ele à procura de ajuda, “temos a mente de Cristo” (1Co 2.16). Sim, nó s
ainda somos assolados pela corrupçã o, na mente e em nossos atos, mas fomos resgatados
do “império das trevas e [...] transport[ados] para o reino do Filho do seu amor, no qual
temos a redençã o, a remissã o dos pecados” (Cl 1.13, 14).
Já ouço alguém dizer: “Isso diz respeito à vida espiritual, nã o à vida científica”. Ah, a pró pria
dicotomia entre vida “espiritual” e “científica” mostra a influência contínua do engano
secularista. A prá tica normal da ciência moderna é idó latra. A ciência é uma forma de “vida
espiritual”, e uma forma corrompida e culpada nesse ponto. Toda a nossa vida está cativa
ao pecado e ao engano, até que Cristo nos liberte. E a libertaçã o será incompleta nesta vida,
de forma que precisamos continuar a crescer e trabalhar nele (Fp 2.12, 13; 1.6).
Nã o apreciamos de verdade os dons que Deus nos deu até nos conscientizarmos da
maneira mais profunda de quã o desesperadora é nossa situaçã o como pecadores e
rebeldes contra Deus. Quando constatamos nosso desespero, conscientizamo-nos também
da bondade divina ao nos resgatar. De modo particular, passamos a apreciar a Bíblia.
Afirmei em outro lugar que a Bíblia é plenamente a palavra de Deus, a despeito das
objeçõ es que continuam a ser levantadas pela incredulidade. Nã o repetirei a
[54]
argumentaçã o aqui. Também afirmo que o Espírito Santo precisa interpretar a Bíblia para
nó s a fim de que a entendamos genuinamente.
Agora precisamos levar em conta dois fatos adicionais:
Primeiro, como seres humanos caídos e pecadores, nã o estamos em posiçã o de fazer um
juízo acurado e independente do cará ter da Bíblia e de sua veracidade. Nã o somos juízes
neutros; inevitavelmente entenderemos mal a verdade. Quem tenta proferir um juízo
independente apenas demonstra a falta de autoconhecimento.
Segundo, necessitamos desesperadamente da Bíblia como parte do remédio contra a
corrupçã o mental e espiritual. Precisamos de instruçã o divina, nã o só de instruçã o pura e
livre de nossa corrupçã o pessoal e social, mas de instruçã o que servirá para nos purificar
em sentido pessoal, social e política. A Bíblia possui as duas propriedades: pureza (Sl 12.6;
19.8, 9) e poder purificador (Sl 19.7-14; 2Tm 3.16, 17). Depois de exaltar o cará ter da lei
divina nesses dois aspectos, o salmo 19 também confessa a necessidade de sua aplicaçã o
pessoal:
Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa.
Quem há que possa discernir as pró prias faltas? Absolve-me das que me sã o ocultas.
Também da soberba guarda o teu servo, que ela nã o me domine; entã o, serei
irrepreensível e ficarei livre de grande transgressã o. As palavras dos meus lá bios e o
meditar do meu coraçã o sejam agradá veis na tua presença, SENHOR , rocha minha e
redentor meu! (Sl 19.11-14)
Por causa da nossa necessidade, precisamos responder ao que Deus diz na Bíblia com
submissã o. Há alguns anos, Gerhard Maier argumentou que a mentalidade crítica para com
a Bíblia era incompatível com o cará ter da Escritura como revelaçã o divina. Da mesma
[55]
(Os “cristã os” se encontram hoje em uma grande desordem.) Contudo, levando-se em
consideraçã o o que a Bíblia diz ser, só esta abordagem se harmoniza com o compromisso
completo de ser seguidor de Cristo.
Deve ficar claro, contudo, que estou ainda “no meio do caminho”, como todos os seres
humanos falíveis estã o no meio do caminho. Progredimos por vai e vem, e cometemos
erros, alguns inocentes, muitos devidos ao pecado. Os nã o cristã os à s vezes estã o certos
quando reclamam da soberba e do dogmatismo arrogante que mancha a histó ria passada
do cristianismo. Nã o ofereço minhas reflexõ es como a resposta final, mas como passos em
direçã o à luz, sobre os quais outros podem nã o apenas construir mas também se deparar
com a necessidade de algumas correçõ es à luz da Escritura. Eu poderia prefaciar todas as
minhas afirmaçõ es com a qualificaçã o: “bem, neste momento, considero...”, para lembrar os
leitores de minha falibilidade. Mas isso seria tedioso e, penso, redundante.
EXCURSO: O PROBLEMA DA EDUCAÇÃ O PÚ BLICA
Neste capítulo suscitei o problema da educaçã o pú blica, controlada pelo Estado. Na
presente forma, nos Estados Unidos, ela tende a impor o secularismo. O secularismo é uma
cosmovisã o completa e sua abordagem da lei científica é intrinsicamente religiosa, pois
troca a Deus por uma visã o idó latra da lei científica. Ademais, como vimos, ela exclui as
interpretaçõ es minoritá rias como o animismo e a interpretaçã o Shankara do hinduísmo
védico. A educaçã o pú blica controlada pelo Estado oprime quem discorda de sua
cosmovisã o.
Mas isso é exclusividade do secularismo? Nã o têm todos o mesmo problema quando se
trata da educaçã o controlada pelo Estado? Os pais naturalmente querem que seus filhos
sejam ensinados em conformidade com suas crenças. No entanto, a educaçã o controlada
pelo Estado nã o pode agradar a todos os pais ao mesmo tempo: quem crê em padrõ es
morais absolutos e quem crê na moralidade como o produto de escolhas e opiniõ es
pessoais. Nã o pode agradar quem crê na impessoalidade da lei científica e quem crê ser ela
a palavra pessoal de Deus. Nã o pode agradar quem crê ser o universo produto do acaso e a
evoluçã o apenas física e quem crê ser ele criaçã o divina. Nos cursos de ciência política, nã o
pode agradar conservadores e esquerdistas em sentido político.
Em um ponto anterior na histó ria dos Estados Unidos, a educaçã o controlada pelo Estado
tendia a atrair o consenso protestante amplo como seu principal fulcro religioso. Na
Europa, a educaçã o era influencida pelas igrejas estatais. Essas abordagens oprimiam todos
os tipos de minorias religiosas, bem como ateus e agnó sticos. Hoje, nos EUA e em alguma
medida na Europa, a educaçã o controlada pelo Estado é orientada pela ideologia
secularista e se opõ e à interferência religiosa e pontos de vista minoritá rios que exigiriam
uma abordagem diferente sobre questõ es como a lei científica e os padrõ es morais. As
vítimas da opressã o mudaram, mas o problema geral nã o desapareceu.
Nã o posso desenvolver mais o assunto aqui, mas me parece que o remédio moral pró prio
nã o é, como muitos cristã os poderiam desejar, a reintroduçã o de menos hostilidade à Bíblia
e ao cristianismo em escolas controladas pelo Estado, mas a introduçã o do controle e da
escolha parental reais na educaçã o. Como se encontra agora, por causa do sistema
tributá rio para sustentar a educaçã o, só os muito ricos podem se dar ao luxo de enviar os
filhos a escolas de sua escolha. Vouchers escolares, ou melhor, créditos tributá rios para
[62]
a educaçã o da escolha dos pais, pode prover um alívio que forneça ao pai médio a escolha
real. E com a escolha vem o controle do tipo de cosmovisã o e abordagem educacional que a
criança receberá . Mas há um preço político: precisamos desistir da esperança de usar o
poder estatal para impor nossos pontos de vista aos filhos dos outros.
4. Criação
Podemos agora considerar o ensino bíblico sobre a criaçã o. O primeiro capítulo de Gênesis
[63]
e outros textos bíblicos que partem de suas premissas sã o os fundamentadores da
doutrina geral da criaçã o. É preciso entender a criaçã o a fim de compreender o cará ter do
mundo e a natureza da ciência moderna. As alegadas discrepâ ncias entre Gênesis 1 e os
relatos científicos sobre a origem de todas as coisas fazem de Gênesis 1 um teste
importante sobre como tratamos a relaçã o entre a ciência e a Bíblia.
Com esse propó sito, precisamos de um exame cuidadoso e meticuloso de Gênesis 1.
Felizmente, vá rios comentá rios acadêmicos de boa qualidade vêm nos auxiliar.
Naturalmente, pontos menores de discordâ ncia ainda existem, mas em geral posso
recomendar os comentá rios de Kidner, Wenham, Hamilton e Collins. [64]
Os quatro
comentaristas sã o evangélicos, aproximam-se de Gênesis com a convicçã o se ser ele a
palavra de Deus outorgada por meio de escritores humanos. Mediante um agente humano
inspirado por Deus, o Senhor Deus escreveu um livro com autoridade divina para nos
instruir. Ele também escreveu à s pessoas do Antigo Oriente Médio e Gênesis falou de forma
compreensível à s pessoas desse período. Outros comentaristas, da convencional tradiçã o
“histó rico-crítica”, podem prover insights individuais e anotaçõ es ú teis aqui e ali. Mas, por
terem abandonado a convicçã o de que Gênesis é a palavra de Deus, sua interpretaçã o de
Gênesis julga mal seu autor e cará ter no nível mais fundamental.
Seria cansativo e desnecessá rio repetir o que tais comentá rios já realizaram. Devo,
portanto, resumir neste capítulo alguns dos pontos principais e entã o nos pró ximos
capítulos prosseguir de onde eles chegaram, considerando questõ es teoló gicas e científicas
mais amplas, à s quais os comentá rios devotam menos espaço.
UM DEUS
O que Gênesis 1 ensina? Primeiro, há somente um Deus. Ele governa e controla
completamente o mundo, sem lidar com a “competiçã o” ou “interferência” de outros
deuses. O mundo criado nã o oferece resistência à sua vontade; faz o que ele diz.
Muitos leitores cristã os modernos da Bíblia tendem a tomar esses pontos como certos. Mas
no contexto do Antigo Oriente Médio, Gênesis 1 apresentou uma mensagem radical e
surpreendente. No Antigo Oriente Médio, o politeísmo proliferava. O Antigo Testamento
repetidas vezes advertiu Israel a nã o seguir “outros deuses, nenhum dos deuses dos povos
que houver à roda de ti” (Dt 6.14). Josué colocou o desafio: “Porém, se vos parece mal servir
ao SENHOR , escolhei, hoje, a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais que
estavam dalém do Eufrates ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais. Eu e a
minha casa serviremos ao SENHOR ” (Js 24.15).
RELATOS SOBRE AS ORIGENS PROVENIENTES DO ANTIGO ORIENTE MÉ DIO
A literatura do Antigo Oriente Médio incluía relatos e tradiçõ es sobre a Criaçã o (e.g., Enuma
Elish; Epopeia de Atrahasis ) e o Dilú vio (e.g., a Epopeia de Gilgamesh ; a Epopeia de
Atrahasis também inclui o dilú vio). Esses relatos existiam em uma atmosfera bem
[65]
diferente do pensamento moderno. A maioria das pessoas do Antigo Oriente Médio cria em
muitos deuses e adorava mutios deuses. Os relatos que eles escreveram descreviam a
interaçã o de muitos deuses. O leitor pode pular esta seçã o se os mitos politeístas nã o lhe
agradarem. Eles me desgostam e parecem abominá veis, mas incluo aqui um resumo de seu
enredo a fim de mostrar algo sobre a atmosfera que circundava os israelitas nos tempos do
Antigo Testamento.
Na Epopeia de Atrahasis, [66]
os deuses subordinados reclamam do pesado trabalho
designado pelo deus principal, Enlil. Por causa desse problema, o concílio de deuses propõ e
que Beletili/Mami, a deusa do nascimento, deveria fazer o homem para “suportar a labuta
dos deuses” (I.191). Ela afirma precisar da ajuda de outro deus, Enki, que entã o se propõ e a
fazer banhos purificadores para o primeiro, sétimo e décimo quinto dia do mês (I.206).
Weila, um deus com personalidade, é morto com o intuito de que “todos os deuses possam
ser limpos em uma imersã o” (I.209). Da carne e sangue de Weila, Nintu mistura “argila”, em
que os deuses cospem (I.234). O registro também menciona o “espírito” (I.230),
aparentemente derivado do deus morto, que se torna um aspecto do homem produzido
pela argila.
Em Enuma Elish , [67]
Apsu e Tiamat (a deusa da á gua) sã o os deuses pai e mã e originais.
Eles dã o à luz a uma série de deuses. Quando os deuses se tornam barulhentos demais, eles
se reunem em conselho, e Apsu decide destruí-los. Contudo, sua conspiraçã o se torna
conhecida por outro deus, Ea. Usando um feitiço, Ea adormece Apsu e o mata. Ea e sua
consorte Damkina dã o à luz a Marduk, o deus padroeiro da Babilô nia.
Tiamat, enraivecida com a morte de Apsu, reú ne outros deuses e aponta Kingu como chefe,
usando um feitiço, e vai à guerra. Ela produz seres demoníacos, a víbora, o dragã o e a
esfinge como auxílios na batalha. Nenhum deus conseguia lhe resistir até Marduk aceitar
encontrá -la. Entretanto, como condiçã o, ele pede aos deuses que lhe concedam a liderança
suprema, com o que concordam. Marduk prepara o arco, a flecha e o bastã o, além dos
ventos e do dilú vio. Ele encontra Tiamat, transporta-se pelo vento quando ela abre a boca e
dispara uma flecha que entra por sua boca, estoura o ventre e parte o coraçã o dela. Em
seguida, prende os seguidores e assistentes demoníacos que lhe pertenciam. Marduk
esmaga o crâ nio de Tiamat com o bastã o. Ele o parte em dois e uma parte se transforma no
céu. A barriga se torna o zênite (ponto celestial acima da cabeça). Coloca guardiã es em seus
postos de forma que suas á guas nã o escapem. As ordens de Marduk estabelecem as
constelaçõ es e fases lunares.
Marduk propõ e à assembleia de deuses que ele deveria fazer o homem para aliviar a labuta
dos deuses. Para esse propó sito, um dos deuses precisa ser morto. Será Kingu, o
organizador da rebeliã o. Eles partem os vasos sanguíneos de Kingu e de seu sangue
moldam a humanidade. Marduk divide a assembleia de deuses em duas e aponta metade
para cuidar do céu e a outra parte da terra. Os deuses se propõ em a honrar Marduk
construindo um santuá rio para ele. Eles moldam tijolos por um ano inteiro e constroem a
Babilô nia como santuá rio.
GÊ NESIS 1-3 NO CONTEXTO CULTURAL
O relato bíblico em Gênesis 1-3 mostra alguns pontos de contato com esses dois relatos do
Antigo Oriente Médio. Mas as diferenças se destacam. Em contraste aos deuses crassos,
imorais e briguentos do politeísmo, destaca-se a obra majestosa, ordenada e incontestada
do ú nico Deus verdadeiro. Em vez de criar o homem para servir à s necessidades dos deuses
insatisfeitos, Deus cria o homem por pura generosidade, abençoando-o e cuidando dele.
Desordem e sofrimento procedem da queda e apostasia humanas, nã o da desordem dos
deuses conflitantes. O homem nã o procede de pedaços de um deus assassinado, mas do pó
da terra, ao qual Deus infunde forma e vida. Gordon Wenham conclui: “Ele [Gn 1] nã o
significa apenas a demitologizaçã o dos relatos orientais de criaçã o babilô nicos e egípcios;
ao contrá rio, representa o repú dio polêmico desses mitos”. [68]
Do ponto de vista puramente literá rio, nã o parece que Gênesis 1 usa de forma direta um
relato politeísta específico ou interage com ele. Ao contrá rio, lida com uma atmosfera
politeísta mais ampla que a encontrada em todos os relatos partilhados pelos pagã os. Ao
ensinar o monoteísmo estrito, repudia toda a atmosfera do Antigo Oriente Médio. [70]
CRIAÇÃ O SEM MATÉ RIA PRÉ -EXISTENTE
A sujeiçã o completa da criaçã o a Deus nã o deixa lugar para qualquer coisa lhe ser coeterna.
Nã o há uma “matéria primordial” incriada que estava lá desde o início. O começo em
Gênesis 1.1 é o início absoluto.
Gênesis 1 naturalmente foca em questõ es teoló gicas proeminentes no Antigo Oriente
Médio; ele nã o se dirige de forma direta a especulaçõ es filosó ficas sobre a ultimidade da
matéria. A mensagem de Gênesis declara com nitidez a supremacia e o controle divinos
sobre tudo. Assim, em sentido teoló gico, leva-nos a concluir que Deus controla o ser e
origem de tudo, bem como os desenvolvimentos mais mundanos que trazem ordem a
situaçõ es antes desordenadas.
Menciono o ponto porque uma discussã o considerá vel ocorre sobre Gênesis 1.1-2, sobre a
mesma questã o. Alguns intérpretes sugerem que Gênesis 1.1-2 deveria ser traduzido
[71]
assim: “Quando Deus começou a criar os céus e a terra, a terra estava sem forma”. [72]
rejeitada.
Outros pensam que Gênesis 1.1 é um título para o todo de Gênesis 1. Ele afirma de forma
geral que Deus criou os céus e a terra; entã o Gênesis 1.2-3.31 explica a criaçã o mais
extensamente. Mas essa interpretaçã o de novo deixa aberta a questã o sobre de onde a
“terra” e o “abismo” vieram. Eles só estavam ali, sem maiores explicaçõ es. Esse
entendimento, por sua vez, deixa em aberto a questã o sobre se a terra e o abismo
representam uma “matéria-prima” que é em si incriada, mas que passa por um processo de
formaçã o e estruturaçã o durante os seis dias da semana da criaçã o.
Outros intérpretes, contudo, pensam que Gênesis 1.1 nã o equivale a um título, mas à
primeira etapa de todo o processo. O versículo 1 anuncia o ato inicial da criaçã o de todo o
mundo. Todavia, o resultado se encontra inicialmente informe. A seguir, ele passa pelo
processo de desenvolvimento e coordenaçã o nos versículos 2 a 31. Essa interpretaçã o me
parece a melhor, em parte porque, de outra forma, a “terra” que aparece no versículo 2 nã o
teria explicaçã o.
Alguns intérpretes apontam que em outras passagens do Antigo Testamento “os céus e a
terra” designam céus e terra que já passaram por estruturaçã o e estã o formados (v., p. ex.,
2.1). Concluem entã o que o mesmo é verdade para 1.1. A expressã o “os céus e a terra”
precisa, desse modo, representar o cosmo no estado formado e entã o 1.1 é uma afirmaçã o
geral ou título da totalidade de Gênesis 1. Contra essa visã o, precisa-se permitir alguma
flexibilidade no uso da linguagem. O começo da criaçã o envolve uma situaçã o ú nica e
informe. Do que mais poderia ser o mundo no estado informe chamado? O hebraico nã o
possui uma ú nica palavra equivalente a “universo”. Em contrapartida, designa-se o todo
pelo par “céu(s) e terra”. Afirma-se, assim, que Deus criou tudo que há . Assim, concluo
[74]
que Gênesis 1.1 descreve o ato originá rio da criaçã o a partir do nada. [75]
Mesmo que essa interpretaçã o nã o esteja correta, o resto de Gênesis 1 mostra o controle
divino amplo. Entã o, inferimos que o controle se estende ao pró prio ser das coisas
controladas. Outras passagens bíblicas excluem com nitidez a ideia de uma matéria-prima
eterna ao declarar a abrangência total do ato da criaçã o: “Pois, nele [a segunda pessoa da
Trindade], foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis,
sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por
meio dele e para ele” (Cl 1.16; cp. 1Co 8.6). [76]
5. Perguntas sobre Gênesis 1 e a ciência
Agora consideramos á reas específicas de conflito em potencial entre Gênesis 1 e a ciência
moderna. Encontramos pelo menos três questõ es principais: 1) cosmovisã o; 2) a idade da
terra; e 3) a origem das coisas vivas. A primeira delas, cosmovisã o, diz respeito à diferença
entre a visã o cristã do mundo, com Deus como Criador e uma série de conceitos modernos
que alteram a doutrina de Deus ou negam sua existência ou relevâ ncia. Alguns pontos de
vista alternativos, como o islã , alegam depender da revelaçã o divina. Mas nã o podemos
entrar nesse tipo de debate detalhado num livro que se concentra na ciência. Basta dizer
que a Bíblia é a palavra de Deus e que afirmaçõ es concorrentes de autoridade revelacional
sã o falsas.
A COSMOVISÃ O DO NATURALISMO EVOLUTIVO
Mais perto de nossa discussã o estã o os pedidos reconvencionais dependentes em parte do
prestígio da ciência. Um em particular merece atençã o. O naturalismo evolutivo expande a
teoria bioló gica da evoluçã o para a cosmovisã o completa que oferece respostas para as
grandes questõ es sobre o sentido e destino:
▪ Quem governa? Deus nã o existe ou é irrelevante.
▪ De onde viemos? A evoluçã o sem propó sito originou a raça humana além das outras
espécies vivas.
▪ Para onde vamos? Para o pó e a morte. Mais tarde, a raça humana evoluirá até algo
nã o humano, ou super-humano, ou se extinguirá . No fim, o aumento de entropia e
diminuiçã o de energia ú til disponível para trabalho implicarã o na extinçã o de todas as
formas de vida.
▪ Por que estamos aqui? Para propagar a espécie. No entanto, a totalidade do universo
é desprovida de propó sito e a vida humana, na dimensã o có smica, nã o tem sentido.
Esses pontos de vista vã o bem além das pesquisas de registros fó sseis, embriologia e
genética. Na verdade, eles envolvem vastas suposiçõ es metafísicas e religiosas. Os
pressupostos sã o religiosos por versarem sobre a existência e natureza de Deus. Contudo,
por causa de vá rios fatores na sociedade contemporâ nea, o naturalismo evolutivo tende a
gozar o prestígio da ciência e seus fundamentos metafísicos tendem a ser assumidos sem
questionamento. Também vemos a tendência de usar a mesma palavra, “evoluçã o”, de
vá rias maneiras distintas.
1) A microevolução descreve as mudanças observá veis que acontecem dentro de um
gênero ou espécie vivo enquanto se reproduz no decorrer de geraçõ es, em particular
quando as pressõ es ambientais de sobrevivência levam a mudanças. A manipulaçã o
genética de animais e plantas e a aquisiçã o de resistência antibió tica por meio de bactérias
oferecem exemplos claros dessas alteraçõ es. Os cientistas muitas vezes chamam essas
mudanças “evoluçã o”, mas poderíamos também chamá -las “adaptaçã o”, se nã o as
quisermos confundir com outros sentidos da palavra “evoluçã o”.
2) A macroevolução descreve a hipó tese de que as alteraçõ es de um tipo de ser vivo para
outro bem diferente (por exemplo, com um plano base diferente para a organizaçã o
corporal) podem acontecer pelo acú mulo de mudanças microevolutivas durante um grande
nú mero de geraçõ es. Sob a influência da cosmovisã o materialista, presume-se comumente
que essas mudanças nã o sã o direcionadas com inteligência ou um propó sito amplo.
3) A origem evolutiva da vida descreve a hipó tese de que o primeiro ser vivo surgiu de uma
série de etapas graduais que contavam com uma probabilidade razoá vel segundo leis
físicas e químicas. Exclui-se a reuniã o sú bita de uma célula inteira — de seus á tomos
constituintes ou de moléculas orgâ nicas disponíveis.
4) O naturalismo evolutivo descreve a cosmovisã o materialista já definida acima.
O naturalismo evolutivo representa uma cosmovisã o explícita, com respostas à s grandes
questõ es sobre o sentido do mundo. Suas respostas contradizem o ponto de vista disposto
na Bíblia e competem com ela. Como cosmovisã o, o naturalismo evolutivo nã o conta com
evidências para o apoiar, apenas um enorme salto da observaçã o de que as leis naturais
podem explicar algumas coisas para a conclusã o da existência exclusiva do mundo
material. Ao apelar à ciência e à lei científica, ele depende da lei e, como vimos (Capítulo 1),
isso equivale a depender de Deus. Essa posiçã o é incoerente, mas goza de prestígio de suas
associaçõ es com os sucessos da ciência e também do grande nú mero de pessoas
proeminentes que a sustentam.
Os três outros usos da palavra evolução precisam ser avaliados em separado. A
microevolução acontece o tempo todo no presente, e ela nã o está em discussã o. A
macroevolução é mais problemá tica, pois representa uma extrapolaçã o ousada da
microevoluçã o. Sua plausibilidade depende de muitos fatores culturais e científicos,
incluindo a presença ou ausência de vá rias explicaçõ es alternativas. Permanece uma boa
diferença entre o ponto de vista que afirma serem as alegadas etapas na evoluçã o guiadas
pela inteligência divina e o conceito que exclui qualquer orientaçã o desse tipo. [77]
As discussõ es sobre a origem evolutiva da vida geraram vá rias hipó teses, mas passar do
ambiente terrestre sem vida até a alta organizaçã o característica mesmo da bactéria mais
simples representa um salto tremendo. [78]
Dias de 24 horas
O conceito de dia de 24 horas [81]
propõ e que os seis dias da criaçã o de Gênesis 1 duram
cada um deles 24 horas. Por si mesmo, ele oferece uma interpretaçã o de Gênesis 1, mas nã o
a interpretaçã o da ciência moderna. Por isso, a fim de lidar com a ciência moderna, ele
precisa ser combinado com uma explicaçã o dos resultados científicos. A maneira comum
oferecida é a g eologia do Dilúvio .
Geologia do Dilúvio
A geologia do Dilúvio diz que a grande maioria dos estratos geoló gicos, incluindo quase
todos os estratos com fó sseis, derivam-se do Dilú vio de Noé. Assim se mantém que a
geologia predominante está radicalmente enganada ao associar datas de milhõ es de anos a
muitos dos estratos.
Teoria “apenas religiosa”
A teoria “apenas religiosa” alega que a Bíblia versa só sobre questõ es “religiosas”, e nã o
sobre fatos científicos. As alegadas discrepâ ncias surgem porque as pessoas julgaram mal o
propó sito da Bíblia.
Teoria de criação local
A teoria da criaçã o local, na forma comum, diz que Gênesis 1.1 descreve o ato da criaçã o
originá ria de Deus. Entã o, em Gênesis 1.2, trocamos para um territó rio limitado no Oriente
Médio, que foi destruído. Gênesis 1.3-31 descreve os atos de Deus de restauraçã o e
recriaçã o nessa á rea local limitada. Gênesis 1 se harmoniza com a ciência moderna ao ser
interpretado como referência apenas a esse local.
Teoria de criação madura
A criação madura descreve a criaçã o do universo em um curto período (provavelmente
[82]
seis dias de 24 horas); o ponto final da criaçã o consistiu na situaçã o de ter a aparência de
idade consistente. Ela foi criada amadurecida. A teoria aponta para Adã o como o exemplo
principal. Deus criou Adã o já adulto e maduro. Todavia se um pesquisador examinasse o
corpo de Adã o, nã o sabendo de sua origem verdadeira, poderia achar que Adã o contava
(por exemplo) 23 anos de vida. Adã o tinha um umbigo, assim como teriam os seres
humanos posteriores, cuja origem incluiria a gestaçã o no ventre. As á rvores no jardim
[83]
do É den aparentavam maturidade, e teriam anéis nos troncos a partir dos quais o cientista
poderia inferir sua idade. Todavia, ela consistiria no “tempo ideal”, um tempo irreal
projetado retroativamente na mente do cientista quando examinou o resultado
amadurecido.
Teoria da lacuna
A teoria da lacuna diz que o ato de criaçã o originá ria descrito em Gênesis 1.1 foi seguido
por uma catá strofe em 1.2 e uma recriaçã o em 1.3-31. O versículo 2 deve ser lido assim: “E
a terra se tornou sem forma e vazia”. Uma grande quantidade de tempo passou entre os
versículos 1 e 2, em que os dados da geologia podem se encaixar.
Teoria do dia-era
A teoria do dia-era, ou “concordismo de dia-era” diz que os “dias” em Gênesis 1 nã o sã o
[84]
dias de 24 horas, mas longos períodos, correspondendo a muitos casos a milhõ es de anos
na escala geoló gica de tempo. Ela apela ao fato de que em alguns contextos a palavra “dia”
pode designar um período mais longo, com na expressã o “o dia do SENHOR ”.
Teoria do dia intermitente
A teoria do dia intermitente diz que cada dia descrito em Gênesis 1 dura 24 horas, mas
[85]
existem grandes intervalos entre eles. A atividade criativa descrita em Gênesis 1 acontece
entre os dias. Por exemplo, o dia descrito no versículo 13 (o “terceiro dia”) recai apó s a
criaçã o de terra seca e plantas e antes da criaçã o dos corpos celestiais.
Teoria do dia revelatório
A teoria de dia revelatório diz que Deus revelou a Moisés (ou quem quer que seja o
[86]
autor de Gênesis) as verdades sobre criaçã o em um período de seis dias na vida de Moisés.
Os dias sã o, assim, dias literais de 24 horas, mas sã o dias na vida de Moisés, nã o os períodos
em que Deus agiu para criar.
Conceito de estrutura
O conceito de estrutura (também chamado hipó tese de estrutura) diz que os seis dias
[87]
proveram a estrutura literá ria para demonstrar os atos de criaçã o. Os atos sã o atos reais no
espaço e no tempo, mas a estrutura de dias nã o oferece informaçã o sobre a duraçã o do
tempo nem sobre a sequência relativa aos acontecimentos.
Teoria do dia análogo
A teoria do dia análogo diz que Gênesis 1 dispõ e de uma analogia entre a obra de Deus e
[88]
a obra humana. Deus trabalha seis dias e entã o descansa no sétimo dia. O homem deve
imitar o padrã o ao observar o sá bado (Ê x 20.11). As obras divinas sã o atos reais
(histó ricos) de Deus no tempo e no espaço. Mas a obra de Deus é aná loga à obra humana,
ao invés de ambos estarem no mesmo nível.
Consistente com essa analogia, o uso da palavra dia para Deus e o homem estabelece uma
analogia, nã o uma identidade. Assim, os dias da criaçã o possuem uma duraçã o nã o
especificada e formam a base para a imitaçã o aná loga da parte do homem. Essa visã o difere
do conceito do dia-era principalmente por nã o apelar aos outros sentidos léxicos da
palavra dia (heb., yom ) como vocá bulo isolado, e afirma que a passagem inteira envolve
uma analogia. A analogia, se presente, nã o pertence estritamente à palavra dia , mas a toda
a passagem.
6. O ensino de Gênesis 1
Agora precisamos empreender uma avaliaçã o das vá rias interpretaçõ es de Gênesis 1. Como
a faremos? Como criaturas finitas e pecaminosas. Deus nos chama a confiar no que ele diz
na Bíblia. Nossa interpretaçã o bíblica é falível, a ciência moderna é falível e nossa
interpretaçã o da ciência é falível. Precisamos nos submeter a Deus e, ao mesmo tempo,
sermos humildes em relaçã o ao nosso entendimento. Se percebermos uma discrepâ ncia
aparente, nã o saberemos a procedência do problema de imediato. A culpa é das
interpretaçõ es ruins da Bíblia ou das interpretaçõ es ruins da ciência ou de ambas?
Ademais, nosso conhecimento é parcial. Cremos que Deus tem as respostas. Mas em
algumas circunstâ ncias nó s mesmos nã o temos as respostas.
Nessa situaçã o, a resposta possível pode se destacar como a correta. Ou pode ser que
nenhuma resposta satisfató ria seja apresentada e devamos esperar algo melhor. Ou vá rias
respostas podem ser atrativas, enquanto outras podem ser excluídas com alguma
confiança. A persistência de vá rios pontos de vista alternativos, mesmo entre os que têm
em alta conta a autoridade bíblica, sugere que sejamos cautelosos e admitamos nossas
limitaçõ es e as limitaçõ es de toda a empreitada científica.
Podemos, no entanto, começar e tentar excluir as opçõ es menos plausíveis. Para isso,
precisamos atentar ao ensinamento da Bíblia e à s fontes possíveis de problemas na
empreitada científica.
DISCERNIR O ENSINO BÍBLICO
Que tipo de ensinamento Deus nos concede em Gênesis 1? Que tipo de comunicaçã o temos
aqui? Apresentam-se dois extremos. Por um lado, algumas pessoas consideram Gênesis 1
irremediavelmente primitivo e, portanto, de pequeno valor, exceto talvez em alguma á rea
estritamente “religiosa”. Por outro lado, alguns leem Gênesis 1 quase como se fosse uma
descriçã o científica dos acontecimentos, ainda que seja pequena e abreviada. Ambos os
pontos de vista sã o incapazes de tratar Gênesis 1 com cuidado no contexto bíblico genuíno.
[89]
Gênesis 1 chega ao fim com a descriçã o do sexto dia da criaçã o, mas ela nã o conclui o relato.
O sétimo dia em 2.1-3 encerra o ciclo. Entã o começa uma série de seçõ es de histó ria
genealó gica, cada uma se abrindo com uma expressã o semelhante a “estas sã o as geraçõ es
de…”:
Estas sã o as geraçõ es do céu e da terra quando foram criados... (2.4; TB)
Este é o livro das geraçõ es de Adã o. (5.1; ACF)
Estas sã o as geraçõ es de Noé. (6.9; ACF)
Estas, pois, sã o as geraçõ es dos filhos de Noé. (10.1; ACF)
Estas sã o as geraçõ es de Sem. (11.10; ACF)
E estas sã o as geraçõ es de Tera. (11.27; ACF)
Estas, porém, sã o as geraçõ es de Ismael. (25.12; ACF)
E estas sã o as geraçõ es de Isaque. (25.19; ACF)
E estas sã o as geraçõ es de Esaú . (36.1; ACF)
Estas sã o as geraçõ es de Jacó . (37.2; ACF)
As duas primeiras seçõ es, Gênesis 1.1-2.3 e 2.4-4.26, se sobrepõ em aos acontecimentos que
mencionam. Algumas pessoas veem discrepâ ncias aqui e falam de dois relatos distintos da
criaçã o. Mas quando lido com o todo literá rio, Gênesis nã o demonstra discrepâ ncia real.
[90]
O primeiro relato é organizado mais em sentido taxonô mico, nos termos dos vá rios tipos de
criaturas feitos por Deus. O segundo relato foca na criaçã o do homem e é organizado
primeiramente em sentido teleoló gico, isto é, do ponto de vista do propó sito. A criaçã o do
homem surge no começo do relato e entã o ouvimos de vá rios outros aspectos primá rios
nos termos de seus propó sitos em relaçã o ao homem e à s formas com que podem servir à s
necessidades humanas. Deus faz o jardim e as á rvores para a alimentaçã o e a alegria do
homem; o ouro de Havilá deve ser usado por ele; os animais sã o criaturas subordinadas,
enquanto que a mulher é criada como sua semelhante, de forma que ele nã o fique sozinho.
O segundo relato abre, como observamos, com a primeira notícia da histó ria genealó gica:
“Estas sã o as geraçõ es do céu e da terra quando foram criados...” (2.4; TB). Essa
estruturaçã o de Gênesis o mantém no conjunto como um todo literá rio. Agora, a parte
posterior de Gênesis registra incidentes na vida de Abraã o, Isaque, Jacó e José — incidentes
que soam como acontecimentos na vida real. As partes posteriores da Bíblia confirmam que
os leitores antigos entendiam os patriarcas como pessoas reais e que os incidentes
registrados de fato haviam ocorrido.
Os céticos dizem hoje que essas descriçõ es talvez sejam lendas ou invençõ es, com pouco ou
nenhum cerne histó rico. Argumentam que, provavelmente, os acontecimentos foram
registrados por escrito só muito depois de sua ocorrência. Entretanto, nã o se sabe quando
os acontecimentos foram registrados pela primeira vez. É bem possível que os registros
tenham sido feitos em um período bem antigo, mesmo antes da totalidade de Gênesis ter
sido escrita. Na verdade, o conteú do de quase todo o livro de Gênesis poderia ter sido
registrado por José, filho de Jacó . Na condiçã o de governante no Egito e recipiente da
revelaçã o divina, ele detinha os recursos para produzir tal obra. Registros mais antigos,
como os dele, poderiam ser usados por Moisés. Desde que se reconheça a autoridade divina
de Gênesis, nã o sã o muito importantes as fontes humanas envolvidas na composiçã o.
Além disso, a passagem de tempo nã o é um obstá culo para a memó ria de Deus. O Deus
todo-poderoso da Bíblia pode preservar a lembrança de acontecimentos por geraçõ es, se
ele assim desejar, ou mesmo revelar outra vez as verdades para uma nova geraçã o, caso
assim queira. O ceticismo em relaçã o aos patriarcas pressupõ e o ceticismo para com o Deus
da Bíblia.
USO DO TERMO “MITO”
Os céticos também rotulam partes da Bíblia como “mito”. No entanto, “mito” é uma palavra
bem escorregadia. Ela pode significar qualquer registro nã o científico de como o mundo
veio a ser e também qualquer relato que envolva a açã o de deuses ou personagens super-
humanos. Na linguagem comum, conota algo inventado ou inverídico. É conveniente para
os céticos introduzir sorrateiramente esse sentido quando desejam fazê-lo.
É melhor, entã o, nã o usar esse termo escorregadio. Se o fizermos, que o usemos com
consciência. (Abaixo usarei no sentido popular: um relato inventado que inclui
personagens super-humanos.) Talvez queiramos considerar relatos que envolvam as açõ es
de seres super-humanos — deuses ou heró is super-humanos. Esses relatos ocorreram no
mundo antigo e eles costumavam ser do tipo fantá stico e politeísta. Todavia, a questã o
central permanece: “Como saber se os deuses ou heró is super-humanos existiram de
verdade?”. Os ouvintes dos relatos poderiam manter uma série de atitudes possíveis. Os
filó sofos gregos questionaram a validade de alguns relatos antigos sobre os deuses gregos.
Quem sabe se, séculos antes, alguns céticos também questionaram os relatos
mesopotâ micos, cananeus e egípcios? Nã o se sabe ao certo. No entanto, de forma mais
característica, as pessoas do Oriente Médio aceitavam a existência real dos deuses, como
prova sua disposiçã o em tempos de desespero de até mesmo oferecer um filho em
sacrifício à divindade (Lv 18.21; 2Rs 16.3; Sl 106.38). Ao chamar esses relatos sobre deuses
antigos de “mitos”, nó s, na atualidade, somos da opiniã o de que esses deuses eram
ilusó rios. Os relatos eram falsos. Contudo, eram falsificaçõ es de algo verdadeiro. Os deuses
falsos falsificam o Deus verdadeiro e substituem o culto ao Deus verdadeiro por um culto
substituto, corrupto. Mas eles sã o pró ximos o suficiente da verdade para seduzir as pessoas
em direçã o à falsidade.
Assim, encontramos deformaçõ es idolá tricas do conhecimento de Deus nos relatos pagã os
sobre os deuses, que todos os seres humanos confrontam mediante a revelaçã o geral
(Rm 1.18-32). Deus nos concedeu a histó ria verdadeira, que nos liberta da falsificaçã o. As
pessoas hoje têm notado algumas similaridades entre a Bíblia e o Antigo Oriente Médio, e
algumas delas concluíram que a histó ria bíblica também é inventada, “mítica”. Contudo, as
similaridades nos relatos procedem das semelhanças naturais entre a verdade e suas
falsificaçõ es. Os céticos negligenciam essa possibilidade ao concluir que tudo no Oriente
Médio Antigo é necessariamente falso.
Entã o concluo que lidamos com acontecimentos reais em Gênesis, nã o relatos inventados. A
presença da açã o divina em um relato nã o muda seu cará ter para um “mito”, mas nos
instrui com propriedade sobre o envolvimento de Deus no mundo. O ceticismo moderno
sobre a descriçã o bíblica da açã o divina na verdade descansa na suposiçã o de que o Deus
da Bíblia nã o existe.
FOCO E SELETIVIDADE EM GÊ NESIS
Gênesis nos conta, entã o, acontecimentos reais. Mas mostra grande seletividade e restriçã o
nos assuntos que cobre. As partes posteriores de Gênesis focam quase inteiramente na vida
dos patriarcas: Abraã o, Isaque, Jacó e os filhos de Jacó . Gênesis 10-11 descreve a
multiplicaçã o e dispersã o dos seres humanos depois do dilú vio, mas entã o Gênesis se
concentra estritamente na linhagem de Tera e Abraã o, que numericamente constituiu uma
pequenina parte do todo. A organizaçã o genealó gica em Gênesis destaca de forma nítida
Isaque e Jacó e nã o as linhagens colaterais de Ismael e Esaú . Encontramos aqui, nã o a
histó ria geral do Antigo Oriente Médio, mas uma histó ria teoló gica centrada no
compromisso pactual especial de Deus com Abraã o e seus descendentes. Mesmo a histó ria
de Abraã o, Isaque e Jacó nã o oferece uma biografia completa. Ela destaca um pequeno
nú mero de acontecimentos que representam momentos principais e decisivos.
Além disso, Gênesis nem sempre oferece um relato organizado puramente linear em
sentido cronoló gico. Por exemplo, ele trata da linhagem de Ismael de uma vez só , até a sua
morte (Gn 25.17) e entã o, dois versículos depois (25.19) toma a linhagem de Isaque do
começo ao mencionar seu nascimento, já descrito antes (21.2, 3). Sem dú vida, há um grau
de arranjo tó pico.
Como já notamos, Gênesis 2.4-24 descreve alguns dos mesmos acontecimentos de
Gênesis 1. Gênesis 2.4-24 nã o apresenta todos os acontecimentos em ordem cronoló gica.
Por exemplo, Gênesis 2.8 e 2.15 dizem que Deus “pô s” o homem no jardim do É den. Esses
dois versículos aparentam ser descriçõ es do mesmo acontecimento. Entre eles estã o a
descriçã o do crescimento das á rvores (2.9) e informaçõ es sobre o cená rio mais amplo
(2.10-14), Ademais, Gênesis 2.4-24 e Gênesis 1.1-2.3 sã o seletivos: cada um inclui alguns
detalhes que o paralelo nã o menciona explicitamente. Gênesis 1.27 proclama que Deus fez
o homem macho e fêmea. Mas nã o descreve como ele o fez. Só em Gênesis 2 aprendemos
que Deus fez o homem do pó da terra (2.7) e usou a costela de Adã o para fazer Eva (2.22).
GÊ NESIS 1-2 EM RELAÇÃ O AO ORIENTE MÉ DIO ANTIGO
Precisamos também levar em conta o fato de que Deus fez Gênesis ser escrito no ambiente
do Oriente Médio Antigo. Como vimos no Capítulo 4, esse ambiente incluía pessoas que
contavam e escreviam relatos fantá sticos sobre as origens do mundo, incluindo distorçõ es
politeístas das culturas politeístas. Os antigos leitores israelitas reconheciam de imediato
que Gênesis 1-2 contradizia o politeísmo difuso e suas distorçõ es do conceito da criaçã o.
Precisamos, entã o, levar a sério o cará ter de Gênesis 1-2. Ele nã o se dirige diretamente a
questõ es que lhe fazemos a partir do ambiente científico moderno. Ele se dirige ao mundo
antigo, com suas questõ es sobre como seriam os deuses e o papel deles em trazer o mundo
ao estado presente.
LINGUAGEM COMUM
Entã o nã o devemos nos surpreender ao descobrir que Gênesis 1-2 nã o emprega a
linguagem científica moderna. Se o fizesse, os antigos recipientes originá rios nã o
entenderiam o texto. Esse nã o era o propó sito do texto. Ele se dirige a nó s usando
“linguagem fenomênica” — a linguagem das aparências, a linguagem comum — para
descrever como as coisas parecem para o ser humano médio. O que nó s vemos? O solo
[91]
está embaixo, o céu está em cima e o sol se levanta e se põ e. Até hoje falamos do nascer e
pô r do sol, mesmo que os astrô nomos nos tenham dito que a terra gira e o sol fica parado.
Falamos errado quando dizemos que o sol se põ e? Nã o, falamos a verdade. Nã o alegamos
oferecer uma nova teoria astronô mica, apenas falamos no contexto da experiência comum,
“fenomênica”. Na verdade, o uso dessa linguagem comum dá ao texto de Gênesis grande
poder de comunicaçã o e relevâ ncia universal. As pessoas de todas as culturas, em qualquer
lugar e século, veem a terra embaixo e sol em cima. Mas nem todas as culturas conhecem a
ciência moderna, com o uso pesado de ferramentas técnicas, experimentais e matemá ticas.
Ao usar a linguagem comum, Deus fala por meio de Gênesis a todas as culturas. Elas podem
entender o que Gênesis diz e o que o texto afirma é completamente verdadeiro. Nã o é
verdadeiro só na maneira em que se dirige à s necessidades imediatas no Oriente Médio
Antigo, mas é verdadeiro em todos os tempos e lugares. Além disso, pelo fato de Gênesis se
concentrar no nível da experiência comum, possui relevâ ncia direta para as pessoas nas
experiências cotidianas de todas as culturas e situaçõ es, nã o apenas para as pessoas que
lidam com a ciência ou sã o muito influenciadas por ela. É importante observar que em
Gênesis Deus nã o propõ e nenhuma teoria científica técnica em específico, de forma que
possamos apreciar o que Deus de fato faz, a saber, expor a verdade para todas as pessoas
em todos os lugares. Deus demonstrou sabedoria profunda ao nos dar tudo que nó s como
seres humanos caídos realmente precisamos saber.
Joã o Calvino faz uma observaçã o semelhante sobre Gênesis 1:
Pois, a meu ver, este é um princípio certo, que nada aqui [em Gn 1] é tratado senã o a
forma visível do mundo. Quem deseja aprender astronomia e outras artes recô nditas,
que vá a outro lugar. Aqui o Espírito de Deus deseja ensinar todos os homens sem
exceçã o; e portanto o que Gregó rio declara com falsidade e em vã o a respeito de
está tuas e imagens é verdadeiramente aplicá vel à histó ria da criaçã o, a saber, que é o
livro dos incultos. [92]
Assim, a Bíblia nã o nos apresenta, de jeito nenhum, uma teoria técnica e científica sobre o
sistema solar. Ela nã o oferece nenhuma teoria moderna nem antiga. Apresenta-nos a
linguagem comum como maneira de falar que nã o é “teoria” nem “científica”, apenas algo
comum. “Teoria” e “ciência” implicam o uso de ferramentas técnicas, experimentais e
matemá ticas e isso nos predispõ e a ter expectativas errô neas.
IMPOSIÇÃ O DE UMA LEITURA TÉ CNICA
Podemos encontrar a tendência de ler a Bíblia com expectativas técnicas em algumas
discussõ es sobre as “á guas sobre o firmamento” em Gênesis 1.7. John C. Whitcomb, Jr. e
Henry M. Morris propõ em que essas á guas formaram “um grande toldo de vapor ao redor
da terra”, que mais tarde proveu uma parte da á gua no dilú vio nos dias de Noé. Outros
[93]
pensam que se tratava de um toldo de gelo que derreteu para prover o dilú vio. Todavia,
Salmos 148.4 fala das “á guas que estã o acima do firmamento” como algo ainda existente
quando o salmista escreveu, bem depois do dilú vio. Além disso, Gênesis 1, dirigindo-se a
pessoas que viviam bem depois do dilú vio, precisa ser interpretado de forma que faça
sentido para essas pessoas. Elas nã o contavam com uma teoria científica elaborada sobre o
mundo pré-diluviano. Quando liam Gênesis 1, precisavam que ele descrevesse coisas que
elas eram capazes de identificar. Salmos 148.4 confirma que as “á guas que estã o acima do
firmamento” lhes era algo conhecido.
Calvino pensa que isso se refere à s nuvens. [94]
Ou pode ser uma referência à experiência da
chuva procedente do alto. A á gua da chuva estava lá em cima antes de descer. A pessoa
[95]
comum, no mundo antigo, poderia nã o saber os detalhes científicos, como o fato de que o
vapor de á gua existe em forma invisível antes de se condensar em nuvens ou chuva. Os
detalhes sã o irrelevantes para o propó sito de Gênesis 1.
Ademais, os leitores céticos da Bíblia à s vezes tentam forçar um sentido técnico sobre
Gênesis 1. Eles atribuem à Bíblia uma “ciência” errô nea e primitiva. Por exemplo, alguns
alegam ensinar a Bíblia que a á gua da chuva fica retida por uma barreira só lida de céu. A
á gua desce do céu quando Deus abre “as janelas dos céus”, que sã o concebidas como placas
só lidas que ele separa. Mas os antigos bem sabiam que a chuva vinha das nuvens:
… os céus gotejaram, sim, até as nuvens gotejaram á guas. (Jz 5.4)
Desfizeram-se em á guas as nuvens... (Sl 77.17; TB)
... a nuvem que traz chuva serô dia. (Pv 16.15)
Estando as nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra... (Ec 11.3)
... à s nuvens darei ordem que nã o derramem chuva sobre ela. (Is 5.6)
Em 1 Reis 18.44 o servo de Elias vê “uma nuvem pequena como a palma da mã o do
homem”, indicando a vinda da chuva.
Toda a linguagem sobre as janelas (Gn 7.11; 8.2) é uma metá fora, como se vê do fato de que
em Malaquias 3.1 Deus abre “as janelas dos céus” para derramar uma bênçã o. Em 2 Reis 7.2
o postulado principal era que o Senhor “faria janelas no céu” para prover trigo e cevada.
Entendido literalmente, ele seria inconsistente com as janelas já estando lá para
providenciar a chuva! Essa linguagem nã o nos dá uma teoria quase científica, mas uma
figura colorida. Algum tempo atrá s eu mesmo ouvi um conhecido (nã o um acadêmico
bíblico) descrever uma experiência em que, como ele dissera, “os céus foram abertos” e um
forte aguaceiro desceu.
Com isso em mente, vamos retornar ao relato do Dilú vio em Gênesis 7-8. No início do
dilú vio, Gênesis 7.11, 12 diz: “As janelas dos céus se abriram, e houve chuva sobre a terra
quarenta dias e quarenta noites” (ARC). Mesmo as pessoas sabendo que a chuva vinha das
nuvens, eles nã o sabiam necessariamente o que supria as nuvens com á gua. E a quantidade
de á gua vertida no dilú vio foi realmente notá vel. Retrata-se, portanto, como se alguém
abrisse um buraco no teto e derramasse baldes e baldes. Mais tarde, em Gênesis 8.2:
“Fecharam-se as fontes do abismo e as janelas do céu” (TB), terminando o aguaceiro. A
segunda parte do versículo explica a mesma coisa sem usar a figura das janelas: “Foram
retidas do céu as copiosas chuvas” (TB).
Podemos receber mais esclarecimentos ao perguntar: o que é esse “céu” a que Gênesis se
refere? Em Gênesis 1.6 Deus fez “uma expansã o” (ARC) (“o firmamento” na ARA) e o
chamou de “Céus” (1.8). (As palavras céus e céu em português traduzem a mesma palavra
hebraica, shamayim .) Mais tarde, no versículo 15, os luzeiros celestiais estã o “na expansã o
dos céus” (ARC) (no hebraico, shamayim ). Isto é, eles estavam no céu. A palavra para “céu”
no hebraico pode denotar o céu físico (como faz em Gn 1.15; v. tb. Gn 15.5). É o local de
onde a chuva vem (como em Gn 8.2). A terra de Canaã “da chuva dos céus beberá as á guas”
(Dt 11.11). Se Deus se ira, é dito: “ feche ele os céus , e nã o haja chuva” (Dt 11.17). Na
bênçã o, “o SENHOR te abrirá o seu bom tesouro, o céu , para dar chuva à tua terra no seu
tempo…” (Dt 28.12). Veja também 2 Samuel 21.10; 1 Reis 8.35; Salmos 104.13; Isaías 55.10;
e Jeremias 10.13
A mesma palavra para “céu” pode também denotar o céu invisível onde Deus está rodeado
por anjos: “Olha desde a tua santa habitaçã o, desde o céu , e abençoa o teu povo, a Israel”
(Dt 26.15). “Ouve no céu , lugar da tua habitaçã o” (1Rs 8.30). Mas em Gênesis 1.15 se refere
ao céu físico e é mais natural tomar a referência anterior em Gênesis 1.8 da mesma forma.
As á guas debaixo mais tarde se juntam para formar “Mares” (Gn 1.10). As “á guas acima dos
céus” sã o, entã o, a fonte da chuva, como sã o no dilú vio e nas passagens em Deuteronô mio e
nos demais lugares. Nenhuma explicaçã o científica e técnica é fornecida.
Na verdade, no discurso de Deus a Jó , aponta-se que Jó nã o sabe os mistérios sobre a chuva,
a neve e a geada (Jó 38.22, 25-30). Tornar “as á guas acima dos céus” em uma linguagem
técnica contradiz abertamente as pró prias afirmaçõ es de Deus sobre os limites no
conhecimento antigo. A Bíblia descreve o que uma pessoa comum poderia observar no céu,
acima de sua cabeça, quando a chuva caía. [96]
PROTOCIÊ NCIA ENTRE OS BABILÔ NIOS
Os babilô nios desde um período bem primitivo tinham especialistas que devotavam sua
atençã o ao céu. Eles desenvolveram uma expertise técnica que os capacitou a calcular os
períodos da lua e mais tarde prever eclipses do sol e da lua. Predizer eclipses nã o é fá cil
[97]
A referência de Calvino à s “normas da filosofia” é pró xima à “filosofia natural” que mais
tarde se desenvolveu na ciência moderna. Calvino percebe a diferença entre falar “em um
estilo popular”, a fim de se dirigir a pessoas comuns e falar para se dirigir a questõ es
técnicas dentro da “filosofia” ou ciência.
Vamos nos concentrar primeiro na ciência predominante. Ela apela para qual evidência? A
evidência procede em sentido primá rio da geologia e astronomia. A predominante afirma
que as formaçõ es geoló gicas contêm rochas formadas milhõ es de anos atrá s. Os
astrô nomos afirmam que ao extrapolarmos retroativamente a partir dos movimentos
presentes das galá xias distantes, chegamos ao período de cerca de 14 bilhõ es de anos atrá s,
quando a matéria e a energia do presente universo visível estavam concentradas em uma
regiã o bem pequena de espaço, da qual se moveram para fora explosivamente em um
Bigue-Bangue . Assim o universo se expandiu gradualmente até atingir o tamanho presente.
Uma discussã o extensa sobre a evidência geoló gica pode ser encontrada em Davis A. Young,
Creation and the Flood: An Alternative to Flood Geology and Theistic Evolution [Criaçã o e o
dilú vio: uma alternativa à geologia do dilú vio e à evoluçã o teísta]. A evidência é
[101]
complexa e a sua interpretaçã o também a é. Podemos apenas resumi-la aqui e sugerir aos
leitores interessados a discussã o de Young.
Por um bom tempo, os defensores da abordagem da Terra jovem alegam que os cientistas
hegemô nicos datavam as rochas por fó sseis e datavam os fó sseis pelas rochas, de forma
que todo o sistema era circular. Essa afirmaçã o perdeu alguma plausibilidade com o
desenvolvimento da dataçã o radiométrica.
A dataçã o radiométrica usa mediçõ es de quantidades mínimas de variados isó topos
radioativos e seus produtos de decaimento, com a taxa conhecida de decaimento dos
isó topos, para estimar a idade das rochas em que os isó topos sã o encontrados. A dataçã o de
Carbono-14 é um dos métodos mais famosos, mas algumas vezes leva a datas
comprovadamente incorretas, por isso nã o pode ser efetivamente usada para estimar datas
acima de dezenas de milhares de anos. A meia-vida do Carbono-14 é apenas de 5.700 anos.
[102]
Em contrapartida, a dataçã o urâ nio-chumbo (U-Pb) promete alcançar o passado
distante, pois os dois principais isó topos de urâ nio, U 235 e U 238 , têm meias-vidas de
700 milhõ es de anos e 4,5 milhõ es de anos, respectivamente. Os defensores da terra jovem
já apontaram problemas com este e outros métodos de dataçã o radioativa, mas é muito
difícil desacreditar o método rubídio-estrô ncio (Rb-Sr). [103]
A evidência astronô mica procede de vá rias fontes. O argumento mais conhecido envolve
extrapolar retroativamente observaçõ es que indicam o movimento das galá xias mais
distantes para longe de nó s em uma taxa quase proporcional à sua distâ ncia de nó s. Essa
extrapolaçã o leva à origem em cerca de 14 bilhõ es de anos atrá s causada pela explosã o de
uma fonte muito condensada (o Bigue-Bangue).
Uma série de pressupostos, e uma série de balanceamentos de indícios, adentram a teoria
cosmoló gica do Bigue-Bangue. Assim se pode escolher algo mais simples. As galá xias
distantes e observá veis por telescó pios estã o à distâ ncia de até bilhõ es de anos-luz. Isso
significa que leva bilhõ es de anos para a luz dessas galá xias viajar de lá até aqui. Para a
estarmos observando agora, ela precisa ter começado a viagem há bilhõ es de anos. Daí, de
acordo com o ponto de vista predominante, o universo possui bilhõ es de anos de idade.
A precisã o das estimativas de distâ ncia das galá xias longínquas pode ser questionada.
Entã o, considere a galá xia de Andrô meda (também chamada a Grande Nebulosa em
Andrô meda), uma galá xia vizinha distante cerca de 2 milhõ es de anos-luz (um ano-luz, a
distâ ncia que a luz viaja em um ano, é cerca de 9 trilhõ es de quilô metros). Mesmo essa
[104]
distâ ncia é grande demais para uma teoria Terra jovem das origens, pois sugere que a
galá xia de Andrô meda, como agora a observamos, conta com mais de 2 milhõ es de anos.
Mesmo dentro da Via Lá ctea, lidamos com distâ ncias de até 100 mil anos-luz, o que ainda é
demais para os criacionistas da Terra jovem, que normalmente sustentam uma origem do
planeta há menos de 20 mil anos.
Whitcomb e Morris afirmam: “Toda teoria cosmoló gica ainda é muito especulativa”. No
[105]
entanto, a distâ ncia até a galá xia de Andrô meda nã o é tã o especulativa. Sim, muitas
inferências contribuem para as estimativas de distâ ncias, mas o mesmo é verdade para
estimativas da distâ ncia até a Lua. A ciência, pela natureza do caso, sempre é provisó ria,
[106]
sempre sujeita à revisã o. Mas esse truísmo geral nã o nos ajuda de forma concreta a
interpretar o sentido da luz estelar de Andrô meda ou das estrelas mais distantes da Via
Lá ctea.
A RESPOSTA DA TERRA JOVEM
Os criacionistas da Terra jovem deram um pouco de atençã o a esses problemas
astronô micos, mas até esse ponto as coisas ainda sã o rudimentares, no mínimo. Podemos
considerar quatro propostas “radicais” diferentes para lidar com esses problemas.
Primeiro, Whitcomb e Morris citam um artigo por Parry Moon e Domina Eberle Spencer,
que propõ e regras especiais para a viagem da luz por grandes distâ ncias. Mas o artigo
[107]
argumenta a respeito da diminuiçã o de 5,7 quilô metros por segundo de 1675 até 1728, e
2,5 quilô metros por segundo de 1880 a 1924 e assim sucessivamente. Mas há muitos
[109]
problemas com essa proposta. Em primeiro lugar, as medidas anteriores a 1900 eram
[110]
menos precisas, de forma que nã o se podem extrair bons dados desse período mais antigo.
Segundo, as extrapolaçõ es de Setterfield para antes de 1675 sã o muito especulativas, a nã o
ser que saibamos por que a velocidade da luz está mudando (o que “a dirige”?). Terceiro, as
mudanças sã o pequenas demais para servir para explicar a galá xia de Andrô meda, a nã o
ser que se postulem mudanças enormes no passado mais distante. Na verdade, Setterfield
“postula que no tempo da criaçã o a velocidade da luz era 5 X 10¹¹ (500 bilhõ es de vezes)
mais rá pida do que agora”, especulaçã o muito audaciosa. Quarto, segundo a teoria física
[111]
atual, a velocidade da luz está ligada a tantos processos físicos que mesmo pequenas
mudanças no valor podem exercer efeitos físicos disruptivos enormes, a nã o ser que sejam
balanceados precisamente por mudanças correspondentes exatas em outras constantes
físicas fundamentais e processos físicos. Até agora, a mudança postulada na velocidade da
luz nã o nos oferece nenhuma teoria física nova, apenas a vaga esperança de que alguma
teoria mais tarde esteja pró xima.
Terceiro, D. Russell Humphreys emprega a teoria geral da relatividade a fim de tentar “re-
escalar” o tempo até o Bigue-Bangue . Mas ele aplica mal a matemá tica da relatividade
[112]
Quarto, James B. Jordan sugere que a velocidade da luz pode ser bem maior além das
vizinhanças da Terra e do Sol, mas nã o respalda sua sugestã o. [114]
princípio, se verdadeiro, pode facilmente ser aplicado à astronomia. O estado presente das
estrelas tem aparência de mais idade. Suponhamos que seja assim: a aparência. A luz
estelar da galá xia de Andrô meda foi criada em progresso, como se tivesse um milhã o de
anos. Por que nã o? É misterioso que Whitcomb e Morris permitam essa opçã o quando Deus
cria plantas e peixes, e entã o, subitamente, voltam-se para explicaçõ es absurdas e
imprová veis quando se trata de astronomia.
Para concluir: a luz da galá xia de Andrô meda e a luz das galá xias distantes mostra que o
universo tem a aparência de mais idade. Ou se trata apenas da aparência, como a criaçã o
madura do corpo de Adã o, ou o universo é de fato antigo, de forma que os astrô nomos
provavelmente estã o certos em nos apresentar a data de cerca de 14 bilhõ es de anos.
Como a informaçã o afeta nossa avaliaçã o de diferentes teorias sobre a idade da Terra?
Entã o, nos Capítulos 9 e 10, consideraremos as teorias mais atraentes com detalhes.
TEORIA “APENAS RELIGIOSA”
De acordo com a teoria “apenas religiosa”, a Bíblia lida apenas com questõ es de “religiã o”,
nã o com temas científicos. A teoria “apenas religiosa” ganha alguma plausibilidade porque
o relato bíblico em Gênesis 1-3 de fato enfoca o cená rio mais amplo. Ele oferece uma
alternativa ao politeísmo em vez de se ocupar primariamente com os detalhes técnicos.
Entretanto, a teoria “apenas religiosa” compartimentaliza com muita velocidade a religiã o e
a ciência. É limpinha, simpló ria e apressada demais. Como vimos, a cosmovisã o do
naturalismo evolutivo se esconde no prestígio da ciência, mas constitui uma “religiã o”
alternativa no sentido de oferecer respostas à s grandes questõ es, respostas que
contradizem as respostas bíblicas. Ademais, a Bíblia vez apó s vez demonstra sua
preocupaçã o com acontecimentos no espaço e no tempo. Cristo se encarnou e andou nas
colinas da Palestina. A crucificaçã o e a ressurreiçã o aconteceram no espaço e no tempo. A
alegada “ciência” pode afirmar a impossibilidade da ressurreiçã o. Mas ao fazê-lo, carrega
pressupostos filosó ficos infundados e secretos sobre a natureza do mundo, a causaçã o e os
milagres. A Bíblia chama os cristã os a desenvolver um conceito da ciência que nã o elimine
os milagres de antemã o e de forma automá tica.
TEORIA DA CRIAÇÃ O LOCAL
A teoria da criação local declara que, embora Gênesis 1.1 possa ser uma afirmaçã o geral
sobre a criaçã o do universo, o texto de Gênesis 1.3-31 descreve a obra criativa de Deus em
um pequeno territó rio, concentrado no jardim do É den.
Entretanto, a linguagem de Gênesis 1.1-3 nã o apresenta uma indicaçã o de uma grande
mudança da criaçã o geral para uma á rea específica. É verdade que a palavra hebraica para
“terra” [em sentido mais global] ( ’erets ) também pode significar “terra” no sentido de uma
á rea menor. Todavia, a totalidade de Gênesis encaixa a histó ria de Abraã o e dos patriarcas
em um cená rio mais amplo, que inclui as outras naçõ es (Gn 10.1-11.9; 12.3). Gênesis 1
fornece o cená rio mais geral de todos. Portanto, Gênesis como conjunto literá rio indica que
o escopo de Gênesis 1 é universal. As passagens posteriores de Salmos e do Novo
Testamento, baseadas em Gênesis, parecem presumir essa universalidade.
Também vimos que Gênesis 1 se dirige aos ouvintes antigos, sem as informaçõ es
astronô micas modernas sobre o tamanho do universo. Gênesis 1 se dirige a eles em
linguagem comum, das aparências, e fala sobre coisas que eles podem ver a seu redor. Esse
foco no direcionamento leva naturalmente ao foco no espaço, nos arredores com que a
pessoa comum está acostumada. Nã o encontraremos um discussã o sobre buracos negros,
galá xias distantes, o nú cleo metá lico da terra ou organismos unicelulares. Gênesis 1
envolve um tipo de “localizaçã o” à experiência israelita antiga. Mesmo assim, ainda inclui
um motivo universal. Deus é o criador e o soberano de tudo — tudo que é visível aos olhos
dos israelitas, mas também de qualquer coisa: “todas as coisas [...] visíveis e invisíveis”,
como Paulo corretamente diz ao expandir Gênesis 1 (Cl 1.16).
Concluo que a criaçã o local falha como teoria completa, mas contém um grã o de verdade
sobre o enfoque de Gênesis para os leitores israelitas.
TEORIA DA LACUNA
A teoria de lacuna postula a existência de uma grande lacuna de tempo entre os
versículos 1 e 2 de Gênesis 1. Gênesis 1.1 descreve a criaçã o inicial e inclui a maior parte
das eras geoló gicas. Depois disso, Deus destruiu a ordem do mundo antigo, talvez por causa
da queda de Sataná s, e recriou a ordem do mundo no começo em 1.3; Ou talvez a destruiçã o
da terra por Deus tenha sido confinada a uma regiã o menor perto do É den, o que nos leva
de volta à teoria da criaçã o local.
[119]
Já eliminamos a teoria da criaçã o local. A teoria de lacuna também sofre com o fato de que
quer ler 1.2 com o sentido: “E a terra se tornou sem forma e vazia”. A construçã o no
hebraico começa com e ( waw ), seguido pelo substantivo para “terra”, seguido por um
tempo perfeito do ver ser (radical hebraico hyh ). Essa construçã o no hebraico
normalmente indica uma circunstâ ncia anexa em lugar da linha principal de açã o de um
relato. A traduçã o “a terra estava sem forma” é apropriada.
A teoria de lacuna também sofre com a implausibilidade de ter de afirmar que o escritor de
Gênesis dedicou só um versículo à obra de suma importâ ncia da criaçã o originá ria e, na
sequência, um capítulo inteiro à obra de restauraçã o. Dada a centralidade da doutrina da
criaçã o em toda a Bíblia, isso é muito imprová vel.
Entretanto, a teoria de lacuna também possui um grã o de verdade em si. O texto de
Gênesis 1.1, 2 descreve a situaçã o anterior ao começo do primeiro dia. Nã o se indica quanto
tempo passou antes da criaçã o da luz no primeiro dia. Possivelmente, um grande período
poderia estar envolvido. Essa falta de informaçã o sobre o tempo nã o resolve, contudo,
todas as discrepâ ncias entre a ciência e a Bíblia, já que os relatos científicos do passado
parecem descrever alguns dos mesmos acontecimentos que os mencionados em
Gênesis 1.3-31.
TEORIA DO DIA INTERMITENTE
A teoria do dia intermitente alega que a maior parte da atividade criativa de Deus aconteceu
em períodos longos entre os seis dias, que sã o dias de 24 horas. É verdade que Gênesis nã o
afirma explicitamente que os dias se seguem sem intervalos. Cada nova seçã o é aberta com
a s palavras: “e disse Deus”, o que teoricamente poderia descrever acontecimentos muito
posteriores aos anteriores. Ademais, o versículo final em cada seçã o tem a forma: “Houve
tarde e manhã , o [...] dia”. Nã o encontramos indicaçã o explícita sobre se o “dia” é o tempo
em que Deus agiu, ou o tempo no final do período de sua atuaçã o.
Assim, a aná lise puramente gramatical e mecâ nica de Gênesis 1 nã o pode excluir a
possibilidade teó rica dessa interpretaçã o. Mas quando pensamos na relevâ ncia mais ampla
do que a totalidade de Gênesis afirma, este conceito perde a plausibilidade.
Em primeiro lugar, considere o padrã o por inteiro. Deus executa as obras de criaçã o
durante seis dias. No final dos seis dias, ele finda e descansa no sétimo dia e o faz santo
(2.3). Os leitores israelitas sem dú vida veriam aqui o padrã o de seis dias de trabalho,
seguido por um dia de descanso, e pensariam na pró pria celebraçã o do sá bado. Ê xodo 20.8-
11 faz a conexã o explícita:
Lembra-te do dia de sá bado, para o santificar. Seis dias trabalhará s e fará s toda a tua
obra. Mas o sétimo dia é o sá bado do SENHOR , teu Deus; nã o fará s nenhum trabalho,
nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu
animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o
SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por
isso, o SENHOR abençoou o dia de sá bado e o santificou.
A analogia entre o dia do trabalho do Senhor e do trabalho israelita se sustenta só se o
Senhor tiver trabalhado durante seis dias, como os israelitas trabalhavam seis dias. Nos
dois casos, o trabalho ocorre durante os dias, nã o nos grandes intervalos entre os dias. Esta
observaçã o já resulta em uma dificuldade enorme para a teoria do dia intermitente.
Mas também encontramos algumas dificuldades subordinadas. Segundo a teoria, na
verdade, Deus trabalha primariamente nos intervalos entre os dias listados. Cada intervalo
pode conter um nú mero bem grande de dias comuns. E, segundo essa visã o, uma vez que o
Sol e a Lua foram criados para marcar os tempos, esses dias terã o a aparência
razoavelmente normal. Há muitos dias entre o dia 4 e o dia 4. Entã o como pode o dia 5 ser
chamado dia 5 e nã o o dia de nú mero 72.510.338? O que é tã o especial no dia de nú mero
72.510.338 que o destaca para uma mençã o especial? Se os “dias” marcados de modo
especial nã o incluem mais a obra principal da criaçã o, achamos difícil saber o motivo de seu
destaque. Eles sã o supérfluos. A ú nica razã o que podemos encontrar para sua mençã o é
produzir um padrã o para ser imitado pelo homem no sá bado. Assim, a celebraçã o do
sá bado se fundamenta em uma artificialidade e ameaça se tornar artificial.
Considere também a analogia entre o trabalho divino e o trabalho humano. Se Deus
trabalha nos intervalos, por analogia, o israelita pode trabalhar nos dias de intervalo entre
os dias listados de modo especial. É só uma questã o de serem especialmente listados ou
nã o. Esse tipo de raciocínio mina o mandamento do sá bado.
Assim, a teoria de dia intermitente nã o funcionará .
TEORIA DO DIA-ERA
A teoria do dia-era propõ e que cada “dia” em Gênesis 1 representa um longo período, talvez
milhõ es de anos. Muitos defensores da visã o do dia-era apontam que yom , a palavra
hebraica, conta com mais de um significado. Ela pode designar um dia de 24 horas: “E, no
oitavo dia, se circuncidará ao menino a carne do seu prepú cio” (Lv 12.3). Também pode
designar o período de luz durante o dia de 24 horas, isto é, o dia em oposiçã o à noite:
“Chamou Deus à luz Dia ” (Gn 1.5). Pode designar um período com cará ter especial: “o
grande dia do SENHOR ” (Sf 1.14), “dia de indignaçã o” (Sf 1.15), “dia da trombeta” (Sf 1.16).
Expressõ es como “naquele dia” (Sf 3.11) e “até ao dia de hoje” (Gn 19.37) provavelmente
transmitem a ideia semelhante de um período de duraçã o nã o especificada. “Naquele dia”
significa “naquele tempo”: o tempo pode ser razoavelmente curto, mas nã o se limita a um
dia de 24 horas. Gênesis 2.4 também fala do que aconteceu “no dia em que o SENHOR Deus
fez a terra e os céus”, (ARC); “dia” cobre todo o período de seis dias! A visã o do dia-era usa
essa evidência a seu favor.
A visã o do dia-era está certa sobre o fato de Gênesis 1.5 e 2.4 usarem a palavra “dia” em
sentidos distintos. Mas cada um dos seis dias possui um número associado e cada um vem
junto à afirmaçã o: “Houve tarde e manhã , o segundo [ou terceiro, etc.] dia”. A mençã o de
“tarde” e “manhã ” resulta na associaçã o com a tarde e manhã dos dias israelitas comuns.
Além disso, o fato de haver exatamente seis dias, seguidos do sétimo em que Deus
descansa, sem dú vida lembrariam os leitores israelitas do padrã o sabá tico de seis dias de
trabalho e um de descanso. Deus confirma a impressã o de maneira explícita em
Ê xodo 20.11: “Porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles
há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sá bado e o santificou”.
O contexto de Gênesis 1 conecta a palavra “dia” (hebraico yom ) à experiência comum dos
israelitas, que experimentavam a tarde e a manhã e que trabalhavam durante o dia e
descansavam à noite. Em contrapartida, na forma usual, a teoria do dia-era depende da
afirmaçã o de que em Gênesis 1 a palavra dia literalmente significa “um longo período”. [120]
A afirmaçã o é invá lida e a teoria do dia-era (na forma usual) deve, portanto, ser rejeitada.
Todavia, a visã o de estrutura e a teoria do dia analó gico nã o podem ser descartadas com
tanta facilidade. As duas abordagens reconhecem o relacionamento do relato dos dias da
criaçã o com a semana de trabalho do homem. Mas consideram a relaçã o uma analogia e
nã o uma identidade.
Em contraste com a teoria do dia-era, a do dia de 24 horas tem a seu favor o fato de tomar a
palavra dia no sentido que se harmoniza com o contexto do padrã o sabá tico. De acordo
com ela, os dias de Gênesis duraram 24 horas, como os dias humanos de trabalho e
descanso duram 24 horas.
A teoria do dia de 24 horas nos dá uma posiçã o clara a respeito de Gênesis 1. Mas por si só
nã o nos diz como interagir com a ciência moderna. Da mesma forma, ela precisa ser
suplementada com uma recomendaçã o sobre a ciência.
No entanto, surge agora uma objeçã o com mais nuanças: as estruturas maduras nã o sã o o
problema, mas os registros ou traços de acontecimentos anteriores e aparentes do passado
irreal (ideal) são o problema. Esse tipo de objeçã o reconhece que Adã o e Eva foram criados
maduros e que outros itens, como o solo no jardim do É den e as á rvores do jardim,
poderiam ser criadas maduras. A estrutura madura nã o é intrinsecamente enganosa. Mas
para o objetor ainda parece enganosa que uma estrutura contenha em si evidências que
aparentam apontar para acontecimentos passados específicos. Por exemplo, se Adã o teve
umbigo, apontaria para um acontecimento específico: quando recém-nascido, seu cordã o
umbilical teria sido cortado. [123]
A presença do umbigo seria enganosa — um sinal de
trâ nsito apontando para um desvio que na verdade era só uma rua sem saída. Da mesma
forma, a matéria orgâ nica em decomposiçã o no solo, como um pedaço de uma folha de
carvalho, seria enganosa porque sem dú vida apontaria para acontecimentos anteriores
relativos ao crescimento da folha em algum lugar e à queda da folha no chã o. As á rvores no
jardim do É den já estariam crescidas. Mas o objetor nã o aceitaria anéis no tronco que
indicassem a sucessã o de estaçõ es ou um nó onde um galho caiu, pois isso apontaria com
dolo para acontecimentos irreais do passado irreal.
Em resposta, observaremos em primeiro lugar que a analogia do sinal de desvio se esquece
de uma distinçã o importante. Um sinal de desvio, como um tipo de extensã o simbó lica da
linguagem humana, envolve o compromisso humano de expressar um significado
simbó lico. Sabemos seu significado. Mas o anel na á rvore ou a folha caída nã o é parte do
sistema simbó lico humano. Possui significado no plano de Deus, mas esse sentido
permanece escondido em Deus até um ser humano discernir o sentido e a verdade sobre a
base do anel da á rvore. Sentido e verdade, como realidades repletas de símbolos, precisam
ser inferidas e as inferências sempre dependem de uma série de pressupostos e de uma
estrutura interpretativa. Pelo fato de esses pressupostos e estruturas serem questionados
quando a teoria da criaçã o madura postula um mundo recém-criado e maduro. A criaçã o
madura diz que, dada a doutrina da criaçã o, nã o podemos invocar os pressupostos usuais
quando se examinam alegados indícios do passado remoto.
Segundo, levando em consideraçã o o que sabemos dos caminhos de Deus no governo
providencial do mundo presente, nã o é fá cil separar as estruturas maduras e
acontecimentos passados específicos que levaram a elas. No mundo presente, as estruturas
maduras, como as á rvores, derivam-se de está gios anteriores de menor maturidade: o
carvalho provém de uma á rvore mais jovem, que procede de um rebento, que surge do
primeiro renovo, que vem de uma bolota. A transiçã o entre os diferentes está gios acontece
por vá rios acontecimentos específicos: germinaçã o da bolota, crescimento das raízes,
movimento da á gua e dos nutrientes nas raízes e assim em diante. Em quase qualquer
estrutura madura, inferimos está gios anteriores da estrutura e acontecimentos específicos
anteriores. Maturidade significa maturidade como a que normalmente surge de uma série
de está gios e acontecimentos anteriores.
Parece que o objetor, em contrapartida, nã o pode de fato aceitar a criaçã o madura; ao invés
disso se apega apenas à criaçã o de uma estrutura complexa. Essa estrutura entã o nã o teria
registro dentro de si de uma histó ria passada. De acordo com esse modelo, Deus criou Adã o
ou uma á rvore, mas sem a idade aparente coerente. A idade aparente apontaria para
estruturas anteriores e para acontecimentos anteriores, e o objetor nã o pode aceitar o
ú ltimo. Daí, se o solo no jardim do É den foi recentemente criado, nã o poderia ser como o
solo normal de hoje, contendo pedaços de matéria orgâ nica em decomposiçã o, parte do
qual seria identificado com clareza como derivaçã o de coisas vivas e específicas do passado.
Se uma á rvore no É den fosse cortada, ela nã o teria anéis no tronco.
Quando Jesus transformou á gua em vinho em Caná na Galileia (Jo 2.1-11), o vinho tinha o
gosto idêntico ao produto das uvas. Presumivelmente, seria uma estrutura complexa. Mas
poderia conter quaisquer células de uva ou células de fermento ou fragmentos de células?
As células conteriam DNA, e o DNA capacitaria, com sua assinatura peculiar, um cientista a
inferir de qual vinha procedeu o vinho. Ele entã o inferiria acontecimentos passados como a
colheita das uvas, sua prensa, a operaçã o do fermento com a maturaçã o e assim por diante.
O objetor agora parece estar em um dos braços do dilema. Ele pode alegar que a bebida em
Caná da Galileia só tinha o gosto de vinho, mas nã o tinha a estrutura complexa interior que
incluiria os restos de células de fermento. Mas isso significaria negar que Deus pode criar
sem mediaçã o estruturas complexas em um momento. (Mas e a criaçã o de Adã o?) Assim,
suponha que o vinho possa conter DNA de células de fermento de verdade. Nesse caso,
parece que estruturas maduras (células de fermento) e acontecimentos passados aparentes
podem ser inferidos delas (crescimento e divisã o celulares). Concluo, entã o, que a distinçã o
estrita entre estruturas complexas e estruturas maduras com o passado ideal é implausível.
Os cientistas atuais muitas vezes pesquisam o passado usando os pressupostos de que
todas as idades aparentes precisam ser reais. Eles presumem que Deus (ou o substituto
idó latra de Deus) precisa ter agido no passado exatamente da mesma forma que observam
em operaçã o agora. Todavia, mais uma vez, isso significa presumir mais do que sabem. O
“engano” nã o ocorre porque Deus enganou pessoas inocentes, mas porque as pessoas
ignoraram Gênesis e enganaram a si mesmas sobre o quanto conhecem de Deus e o quanto
conhecem sobre seus caminhos no passado. Elas presumiram desde o início que a criaçã o
madura é falsa. Um pouco de humildade ajudaria.
[124]
Objeção 2: A criação madura implicaria falsamente que a morte precedeu a queda
A segunda objeçã o ao conceito da criaçã o madura diz respeito à presença da morte antes
da queda. A teoria da criaçã o madura na forma consistente diz que fó sseis mais antigos
pertencem a um passado projetado. Eles sã o o efeito de uma criaçã o com maturidade
coerente. Entretato, os fó sseis indicam a ocorrência da morte nesse passado projetado. A
presença da morte parece estar em desarmonia com a pronú ncia de que a criaçã o era
“muito boa” (Gn 1.31), e com as afirmaçõ es escriturísticas posteriores de que a morte veio
mediante um homem, Adã o (Rm 5.12; 1Co 15.21; Gn 3.19).
Uma resposta possível poderia ser que a morte dos animais vista em fó sseis mais antigos
nã o sã o reais, apenas parte do passado projetado. Segundo a teoria da criaçã o madura, nã o
havia sofrimento ou morte reais antes do tempo de Adã o e Eva, já que o passado projetado
é apenas projetado (ideal), nã o real. Mas ainda há um problema em potencial. O passado
projetado ainda parece indicar o tipo de mundo que poderia ter existido se Deus o tivesse
criado de forma genuína em um ponto anterior. E indica o tipo de mundo em que Adã o e
Eva foram introduzidos. Parece razoá vel inferir que, se Adã o e Eva nã o tivessem caído, eles
teriam testemunhado a morte de animais, porque o tipo de mundo em que viviam era
coerente com o pró prio passado projetado. Assim, o potencial para a morte humana ainda
produz um problema. O que dizemos sobre a morte animal? As afirmaçõ es bíblicas
posteriores falam sobre a morte humana. Deus criou o homem para ter comunhã o consigo
e gozar a vida na presença de Deus para sempre, como a á rvore da vida nos lembra (Gn 2.9;
3.22). Para o homem, a morte quebrou esse propó sito original. A morte humana adentrou
como um horror e uma maldiçã o. A morte espiritual, na forma de separaçã o e alienaçã o de
Deus, está no cerne da presente condiçã o humana. E a morte espiritual arrasta a morte
física também.
Todavia, os animais e as plantas nã o gozam o mesmo status exaltado que o homem. Na
verdade, mais tarde, Deus concede autoridade explícita ao homem para matar animais e se
alimentar deles, mas nã o matar um semelhante, um ser humano (Gn 9.3, 6). Algumas
pessoas pensam que o direito de matar animais é apropriado só no mundo caído, mas nã o
sabemos. Deus criou o homem à sua imagem, em distinçã o dos animais. Os animais sem
dú vida pertencem a uma categoria inferior. Além disso, a concessã o anterior à queda de
que o homem se alimente de plantas (Gn 1.29) acarreta em alguns casos a morte dos
produtos vegetais.
O salmo 104 alude repetidas vezes à criaçã o em Gênesis 1, e inclui detalhes que envolvem a
morte animal:
Os leõ ezinhos rugem pela presa e buscam de Deus o sustento. (Sl 104.21)
Todos estes [todas as criaturas marinhas e provavelmente criaturas terrestres
também] esperam de ti que lhes dês de comer, a tempo. (Sl 104.27, TB) [“de comer”
aqui precisa incluir peixes grandes comendo peixes pequenos; este versículo descreve
o controle providencial de Deus sobre a ordem presente, nã o um passado
vegetariano]
Se ocultas o rosto, eles [animais] se perturbam; se lhes cortas a respiraçã o, morrem e
voltam ao seu pó . (Sl 104.29)
Os versículos do salmo 104 nã o sã o decisivos, já que o escritor humano descreve a provisã o
providencial de Deus para os animais no mundo apó s a queda. Pode-se ainda imaginar que
a situaçã o diferisse radicalmente antes da queda. Mas o salmo 104 tece também
pensamentos sobre a criaçã o e providência e nã o indica uma descontinuidade radical entre
a ordem criada e a providência contínua (exceto na questã o do pecado humano, v. 35). O
salmista mostra sua avaliaçã o positiva da providência de Deus no versículo 33: “Cantarei ao
SENHOR enquanto eu viver; cantarei louvores ao meu Deus durante a minha vida”. Ele louva
a Deus por suprir leõ es com suas presas. O salmo nã o sugere nem por um momento que os
há bitos alimentares carnívoros dos leõ es sejam algo “ruim”. [125]
Concluo que nã o temos base firme para dizer que a morte animal teve início apó s a queda
do homem. Mais uma vez, precisamos nos precaver de ditar a Deus o tipo de mundo que ele
deveria criar. Ele precisava ser “muito bom” aos olhos dele; isso nã o equivale a dizer que
necessita corresponder ao que alguns de nó s podem considerar ideal. [126]
que na criaçã o madura “as leis naturais teriam a essência diferente na semana da criaçã o da
encontrada agora”. [128]
Primeiro, seria melhor que Young tivesse dito que as palavras de Deus governaram o
mundo de maneira diferente na semana da criaçã o. Essa formulaçã o nos ajuda a manter a
visã o do governo de Deus do mundo. Deus de fato agiu de modo diferente em pontos da
semana da criaçã o, como demonstra a criaçã o de Eva a partir da costela de Adã o. A palavra
de Deus governa as irregularidades que agora vemos e as palavras extraordiná rias da
criaçã o.
Em um nível fundamental, Young quer que tudo seja da mesma forma na semana da criaçã o
e mais tarde. Essa mesmice ou continuidade garantiria que a pesquisa científica no período
passado poderia proceder segundo os mesmos princípios científicos usados para avaliar o
governo providencial de Deus agora.
É possível sentir simpatia por esse desejo. No entanto, a criaçã o de Eva o frustra. Na
verdade, qualquer ato sobrenatural de Deus, considerado inexplicá vel quando se apela à
sua forma comum de governar, é decepcionante. Em nenhum lugar da Escritura Deus
promete ter trabalhado no passado de forma a acomodar perfeitamente os desejos dos
cientistas! A ressurreiçã o de Cristo e a promessa de sua segunda vinda frustram os desejos
de alguns cientistas de que tudo sempre seja “o mesmo”. Estã o em risco aqui concepçõ es
científicas, conceitos sobre milagres e que Deus pode ou nã o pode fazer a fim de permitir a
formaçã o da ciência. Existe aqui um grande tó pico, ao qual dedicaremos a atençã o mais
adiante. Por enquanto, basta dizer que Young nã o pode validar os pressupostos de que “leis
naturais” tenham sido sempre as mesmas na semana da criaçã o. Ele nã o pode, portanto,
[129]
a criaçã o madura, “estou perdendo meu tempo ao falar sobre magma e metamorfismo, pois
essas rochas foram na verdade criadas em um instante”. Mas ele nã o está perdendo
[131]
tempo. Todo seu esforço faz muito sentido como pesquisa dos processos que ele observa no
tempo ideal . A coerência dos processos no tempo ideal é também um aspecto da
demonstraçã o da sabedoria de Deus e Young faz uma contribuiçã o genuína ao estudar essa
sabedoria.
Objeção 4: a teoria da criação madura mina o dilúvio
A quarta e ú ltima objeçã o alega que a aplicaçã o da teoria da criaçã o madura à geologia
mina o ensino bíblico sobre o dilú vio. Lembre-se de que a geologia e a astronomia
predominantes apresentam argumentos em prol de uma idade muito avançada. A geologia
afirma ter a terra 4,5 bilhõ es de anos para a terra, e a astronomia alega ter o universo todo
cerca de 14 bilhõ es de anos. Na astronomia, a teoria da criaçã o madura funciona bem,
porque explica os resultados astronô micos coerentes. Pode a visã o de criaçã o madura
também funcionar para explicar as idades aparentemente grandes das rochas?
A explicaçã o mais direta é dizer que essas idades geoló gicas, como as idades astronô micas,
sã o todas idades aparentes, isto é, idades do passado projetado que nunca existiu de fato.
Essa explicaçã o funciona para explicar com coerência as descobertas da geologia
predominante. Mas ela explica o dilú vio? Se um dilú vio tivesse coberto o globo inteiro
presumivelmente deixaria muitos depó sitos notá veis nas rochas e esses depó sitos
ocorreriam em tempo real , no tempo de Noé, nã o só no tempo ideal do passado apenas
“projetado”. Entã o onde estã o esses depó sitos, se o que os geó logos observam se encontra,
na maior parte, “no tempo ideal”?
Quando tentamos relacionar o dilú vio à ciência, confrontamos as duas principais questõ es
interpretativas, a saber: a extensã o do dilú vio e seu funcionamento. Quase todos os
criacionistas da Terra jovem pensam que o dilú vio bíblico cobriu toda a terra (“dilú vio
universal”). Já os criacionistas de Terra antiga normalmente consideram ter coberto o
dilú vio uma á rea mais limitada do Oriente Médio Antigo (“dilú vio local”). Também
confrontamos questõ es sobre o funcionamento do dilú vio. Deus agiu de modo espetacular e
miraculoso, bem fora do comum? Ou ele usou processos comuns, que se uniram
exatamente no momento certo e da forma certa para produzir o dilú vio?
Dependendo de nossas respostas a essas perguntas, podemos decidir ou nã o que se pode
esperar que o dilú vio tenha deixado resultados concretos e específicos nos estratos
geoló gicos de hoje.
Tomemos a segunda questã o primeiro, a questã o do funcionamento do dilú vio. Deus agiu
de forma altamente miraculosa durante todo o dilú vio, ou talvez só no começo?
O que conta como miraculoso? Como vimos no Capítulo 1, a palavra de Deus governa tudo
que acontece: o comum e o extraordiná rio. Depois do dilú vio, Deus prometeu a Noé que
nã o deixaria de haver sementeira e ceifa (Gn 8.22). As estaçõ es sã o comuns, repetidas,
regulares. Deus também prometeu a ressurreiçã o de Cristo, algo incomum e irrepetível
(Lc 9.22). Sua palavra controla os dois tipos de acontecimentos. O milagre nã o é a violaçã o
da chamada “lei natural” que existe independentemente de Deus. Em vez disso, o milagre se
conforma com exatidã o à “lei” real, a lei disposta pela palavra de Deus. Entã o como se
diferencia o milagre da providência comum? A diferença é em parte de grau, na medida em
que os milagres sã o extraordiná rios e os outros acontecimentos sã o comuns
(“providência”). Em muitos casos os milagres também desempenham um papel importante
ao cumprir a redençã o e confirmar a autoridade dos mensageiros especiais de Deus:
profetas e apó stolos.
Os milagres sã o demonstraçõ es verdadeiramente extraordiná rias do poder divino. Deus
pode usar à s vezes alguns meios bem comuns para os executar. Na travessia do mar
Vermelho: “Entã o, Moisés estendeu a mã o sobre o mar, e o SENHOR , por um forte vento
oriental que soprou toda aquela noite, fez retirar-se o mar, que se tornou terra seca, e as
á guas foram divididas” (Ê x 14.21) . Deus cumpriu sua profecia sobre a morte de Acabe de
forma chocante quando alguém “ entesou o arco, e atirando ao acaso ” acertou a flecha bem
por entre as juntas da armadura de Acabe (1Rs 22.34). Deus pode escolher agir sem meios
humanamente discerníveis, se assim desejar. Mas a açã o lhe pertence quando ele utiliza o
forte vento oriental quanto a pessoa que disparou a esmo.
O que dizer sobre o dilú vio? É claramente um grande acontecimento redentor e de juízo.
Noé e sua família foram salvos, enquanto que o mundo ímpio circundante foi condenado à
morte. A Escritura posterior indica que Noé e o dilú vio sã o um tipo ou uma figura
preliminar do juízo final: “Assim como foi nos dias de Noé, será também nos dias do Filho
do Homem” (Lc 17.26; v. 2Pe 3.6). Essa linguagem implica que o dilú vio foi um “milagre”,
no sentido amplo do termo. No entanto, Deus o realizou por meios comuns ou de maneira
completamente extraordiná ria e inefá vel que nunca podemos reconstruir? Nã o sabemos.
Gênesis nã o diz. Depois do dilú vio, a promessa dada a Noé sobre a semeadura e a ceifa
garante uma regularidade geral: “Enquanto permanecer a terra” (Gn 8.22). A regularidade
garantida oferece a base para a ciência, que estuda as regularidades. Mas a promessa em
Gênesis 8.22 cobre o período do dilú vio em diante. Nada se diz sobre o pró prio dilú vio, nem
sobre o tempo antes do dilú vio.
Se o funcionamento do dilú vio é de todo incompreensível, nenhuma teoria científica pode
esperar capturá -lo. O dilú vio resta para sempre além do alcance da ciência. O que, entã o,
encontrariam os cientistas quando examinassem as rochas deixadas para trá s? Poderiam
encontrar o puro caos, tal que ninguém poderia entendê-lo. Tanto geó logos do dilú vio
quanto geó logos de tendência predominante pensam ter encontrado ordem e uma
explicaçã o para boa parte. Evidentemente, Deus nã o escolheu agir de modo a deixar para
trá s o caos completo.
Segundo, pode-se achar que o dilú vio deixou para trá s uma criaçã o madura, da mesma
forma que a criaçã o madura no fim dos seis dias de criaçã o. Esta alternativa é menos
especulativa que se pode pensar, pois a Bíblia fornece indicaçõ es de que o dilú vio
representa um padrã o de destruiçã o e recriaçã o. Por assim dizer, o dilú vio devolve ao
mundo a situaçã o vazia das á guas de Gênesis 1.2. O Senhor entã o procede ao “recriar” o
mundo ordenado. Para o novo mundo, Deus repete em Gênesis 9.1-4, 7 alguns
mandamentos da primeira criaçã o. Pedro pega o tema no contexto do Novo Testamento,
quando descreve o “antigo” mundo, antes do dilú vio:
... de longo tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da á gua e através da á gua
pela palavra de Deus, pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em
á gua. Ora, os céus que agora existem e a terra, pela mesma palavra, têm sido
entesourados para fogo. (2Pe 3.5-7)
O mundo primevo, pré-diluviano, “surgiu da á gua” e entã o retornou à á gua (“afogado em
á gua”), e esse processo forma um paralelo com os céus e terra presentes, embora eles um
dia perecerã o com fogo.
Se, entã o, a situaçã o depois do dilú vio é de um “novo mundo”, ele pode ser um mundo
maduro e ostentar de novo a aparência de mais idade. O mesmo raciocínio que apoiou a
criaçã o madura apoiará a possiblidade do “novo mundo” maduro depois do dilú vio.
Na prá tica, os cristã os nã o concordam sobre como lidar com a evidência das rochas. Eles se
encontram, na maioria, em dois campos. Os geó logos do dilú vio pensam que grande parte
das formaçõ es rochosas existentes sã o derivadas do dilú vio, enquanto que os geó logos
Terra velha pensam que as formaçõ es rochosas possuem milhõ es de anos de idade. Ambos
presumem que o dilú vio tenha resultado de meios comuns. Eu afirmo que o ú ltimo
pressuposto nã o precisa ser vá lido.
Entretanto, ele pode ser vá lido, ou parcialmente vá lido. Deus pode usar meios comuns,
mesmo quando obtém resultados redentores bem extraordiná rios. Precisamos ir e olhar.
Dilúvio universal ou local?
Entã o passamos para a segunda questã o sobre o dilú vio. Foi ele universal (cobrindo toda a
face do globo) ou local (cobrindo uma á rea limitada no Oriente Médio Antigo)? Se foi
universal, e se Deus usou meios comuns, entã o essa catá strofe imensa deveria deixar
muitas marcas de sua passagem. Sugeriria que os geó logos do dilú vio estã o no caminho
certo, mesmo que no presente sintam dificuldades de explicar algumas pontos.
A linguagem de Gênesis 6-9 repetidas vezes usa a abrangente palavra todo(a) :
… todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. (6.12)
Porque estou para derramar á guas em dilú vio sobre a terra para consumir toda
carne em que há fô lego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá .
(6.17)
De tudo o que vive, de toda carne… (6.19)
E de modo ainda mais forte:
E as á guas prevaleceram excessivamente sobre a terra; e todos os altos montes que
havia debaixo de todo o céu foram cobertos. (7.19, ARC)
Pereceu toda carne que se movia sobre a terra… (7.21)
Muitos leitores atuais consideram a linguagem como afirmaçã o inquestioná vel do dilú vio
universal. Pode-se perceber o motivo. Todavia, retrocedamos um passo e consideremos as
diferenças entre leitores atuais e os antigos. Nó s, leitores atuais, já lemos a passagem com
alguma bagagem. Podemos ter visto imagens da terra tiradas por satélites. Podemos ter
visto modelos em que a terra é uma esfera com continentes desenhados nela. Para nó s, a
palavra terra significa “o globo”, a bola redonda que repousa no espaço.
Essa imagem na verdade produz tensã o com Gênesis 6-8. Em 7.19: “Todos os altos montes
que havia debaixo de todo o céu foram cobertos”, e 6.17 menciona: “fô lego de vida debaixo
dos céus”. Se “céus” significa o espaço sideral ou mesmo a atmosfera da terra, seria
estranho dizer que a bola só lida da terra está “debaixo” do espaço sideral. Ao contrá rio, ele
a cerca por todos os lados.
Assim, o que Gênesis 7.19 quer dizer? Precisamos aplicar o mesmo raciocínio utilizado em
Gênesis 1. Esse texto, como Joã o Calvino apontou, dirige-se à pessoa comum, ao “inculto”.
Nã o se propõ e a ensinar astronomia ao especialista, mas ensina a teologia da criaçã o à
pessoa comum. Do mesmo modo, Gênesis 6-9 se dirige à pessoa comum — em particular, à
pessoa comum no Antigo Oriente Médio. A pessoa comum nã o pensa em termos “do globo”.
Esse é um conceito alheio. A “terra”, ’erets (em hebraico), significa a terra sob os pés. Na
[132]
verdade, em alguns contextos designa uma extensã o limitada de terra: “este é o que rodeia
toda a terra [ ’erets ] de Havilá , onde há ouro” (Gn 2.11, ARC); “toda a terra [ ’erets ] de
Cuxe” (Gn 2.13, ARC); “Nesse tempo os cananeus habitavam essa terra [ ’erets ]” (i.e., na
terra da Palestina que Abraã o estava atravessando, Gn 12.6). Quando Gênesis fala da terra
em contraste com o céu, a “terra” se estende mais que em qualquer “territó rio”. Mas o “céu”
nã o deve ser feito equivalente ao espaço sideral em que o globo está inserido. Ao contrá rio,
a linguagem ainda é mais comum, completamente “fenomênica”. “Céu” é o que você vê em
cima da cabeça, o céu físico (e algumas vezes inclui o trono invisível de Deus, totalmente
inacessível à viagem humana). Os montes estã o de fato debaixo do céu, isto é, abaixo do céu
físico. “Tudo na terra” significa tudo que existe na superfície da terra. E o contexto qualifica
ainda mais, porque se preocupa com animais, nã o com plantas, que se recuperam do
dilú vio sem a ajuda de Noé (Gn 8.11; 9.3 b ). “Tudo” pode nã o ser literalmente tudo, mas
“tudo pertinente à discussã o”. Em suma, toda a descriçã o bíblica do dilú vio se dirige à
pessoa comum, a fim de mostrar a essa pessoa o que ela poderia ver e experimentar caso
estivesse ali nos dias de Noé.
Deus, antes de tudo, se dirigiu ao povo que vivia no Oriente Médio Antigo. Mas ele também
formulou a Bíblia para se dirigir a pessoas em todas as culturas mundiais, por ter planejado
que o evangelho se espalharia por todas as naçõ es e que as pessoas dessas naçõ es se
tornariam discípulas (Mt 28.18-20). Pessoas de todas essas culturas precisam ouvir
Gênesis. É apenas um preconceito moderno pensar que Deus precisaria adotar o ponto de
vista técnico da ciência moderna. Nã o, ele pode falar de modo comum. Esse modo de falar
nã o só é completamente verdadeiro, mas é mais adequado para falar a todas as pessoas, já
que nã o demanda que elas primeiro aprendam a ciência moderna.
O solo está sob nossos pés e o céu, acima. Em meio a essa situaçã o, vem o dilú vio. A á gua
cobre a “terra” — tanta terra quanto se podia ver. Gênesis nã o está falando sobre “o globo”.
Ele se refere à quela terra. Até onde a terra se estende e até onde foram as á guas? Longe o
suficiente para cobrir “tudo”, isto é, tudo que estava no escopo da experiência da pessoa
comum. A Bíblia nã o diz de que forma as á guas cobriram todo o globo ou somente uma á rea
extensa do Oriente Médio — suficiente para varrer todos os seres humanos, que no tempo
de Noé ainda nã o haviam se espalhado por toda a terra (Gn 11.8, 9).
Mas o que dizer de cobrir “todos os altos montes” (Gn 7.19)? Isso incluiria o monte Ararate
(8.4), que na geografia de hoje é bem alto. As á guas cobriram os montes por um período
considerá vel. E a á gua “se nivela”, de forma que nã o permaneceria junta em um ú nico lugar,
ela se espalharia o má ximo possível. Pode-se inferir que a á gua precisaria cobrir o globo,
mesmo que Gênesis nã o o diga diretamente.
Aqui sã o utilizados dois pressupostos. Primeiro, presume-se o funcionamento dos
processos mecâ nicos comuns no dilú vio, de forma que a á gua poderia continuar, segundo
seu comportamento comum, “nivelando-se” e se espalhando de maneira cada vez mais
igual. Supõ e-se que a á gua retenha as mesmas propriedades físicas exibidas hoje. Essa é
uma suposiçã o natural, mas se Deus agiu de modo sobrenatural, nã o podemos dizer com
certeza até que ponto ele poderia suspender as regularidades naturais. Segundo, crê-se que
a “á gua” em questã o está toda em forma líquida. Mas como se sabe disso? Nã o é possível
que, nas montanhas, pudéssemos encontrar neve, geada e gelo? A á gua poderia cobrir a
á rea e destruir a vida dos animais, quer tomasse forma líquida quer só lida. O escoamento
posterior das á guas (Gn 8.3) pode incluir o derretimento.
Gênesis 6-9 nos dá uma imagem em larga escala do dilú vio e seus efeitos. Mas mantém o
ponto principal concentrado em Noé. Os seres humanos e os animais fora da arca
morreram. Nã o fornece uma informaçã o clara sobre a forma exata que as á guas tomaram
no topo das montanhas.
Concluo, portanto, que Gênesis 6-9 por si só nã o indica exatamente quã o extenso foi o
dilú vio. Ele cobriu uma á rea extensa — o “mundo” comum das pessoas comuns do Oriente
Médio Antigo. Possivelmente cobriu o globo todo, mas Gênesis nã o faz dessa possibilidade
uma certeza. Como consequência, precisamos olhar para outras partes do mundo, alerta
para mais informaçõ es que podem aparecer ali.
Gênesis 6-9 assim deixa aberta a questã o de os geó logos predominantes ou do dilú vio
estarem certos. Que cada um desenvolva sua teoria, tentando entender mais e mais e
veremos quem se sai melhor em longo prazo. Para a maioria das pessoas que conhecem
[133]
os detalhes técnicos, parece que na atualidade os geó logos predominantes estã o se dando
melhor na explicaçã o técnica, em parte porque a á rea chave de dataçã o radiométrica os
apoia (Capítulo 7).
Os pró prios geó logos do dilú vio poderiam estar dispostos a admitir isso, nã o fosse o fato de
que considerarem a necessidade de manter algum tipo de geologia diluviana a fim de
sustentar a verdade da Bíblia. Por conta de sua interpretaçã o bíblica e do pressuposto de
que Deus usou meios comuns para originar o dilú vio, penso que eles estã o certos em
manter sua abordagem. Porém, quando uma abordagem enfrenta dificuldades, pode ser
mais sá bio dar um passo para trá s e reexaminar os pressupostos iniciais. Os pressupostos
iniciais — a suposiçã o de que a Bíblia inequivocamente ensina o dilú vio de extensã o global
e a suposiçã o de que Deus usou meios comuns — podem ser suspeitos.
Na verdade, adotamos esses pressupostos com tanta facilidade porque absorvemos demais
da cosmovisã o moderna. Vivendo de acordo com esse ponto de vista, consideramos natural
que todos imaginem a “terra” como o globo terrestre e consideramos as regularidades
científicas atuais absolutamente permanentes e, por isso, aplicadas ao tempo do dilú vio.
Quando retornamos à Bíblia e deixamos que ela nos liberte de algumas limitaçõ es da
cosmovisã o moderna, reconheceremos que as duas suposiçõ es sã o só isso — suposiçõ es.
Elas sã o naturais e plausíveis, mas nã o necessariamente verdadeiras.
Agora precisamos considerar a teoria do dia analó gico. Ela diz que Deus criou o mundo
[134]
em seis dias de trabalho, seguidos de descanso, mas que esses dias de obra divina oferecem
uma analogia aos dias de trabalho humano, em lugar de uma identidade .
Claramente temos uma analogia entre o trabalho divino e o trabalho humano, como o
padrã o de seis dias indica e como o mandamento do sá bado em Ê xodo 20.8-11 confirma. O
trabalho divino se dá em seis dias e cada dia tem associado consigo o refrã o “e houve tarde
e manhã , o terceiro [ou segundo, ou quarto, etc.] dia”. Claro que a teoria dos dias de
24 horas diria: Por que nã o deveríamos pensar nessa analogia como essencialmente uma
identidade, pelo menos no que diz respeito à extensã o dos dias? Nã o é essa a interpretaçã o
“ó bvia”?
Primeiro, mesmo que algumas pessoas pensem que a extensã o de 24 horas é “ó bvia”, o
texto nã o afirma diretamente quã o longos os dias foram em termos de mensuraçã o humana
comum. Ele usa a palavra dia (hebraico yom ), e inclui as palavras associadas “tarde” e
“manhã ”. Isso tudo contribui para apontar a analogia entre o trabalho de Deus e o padrã o
sabá tico humano, mas nã o prova que a analogia é uma identidade.
O SÉ TIMO DIA EM GÊ NESIS 2.2, 3
Em seguida, o texto nos apresenta uma informaçã o que realmente introduz problemas para
a interpretaçã o de dias de 24 horas. Gênesis 1.1-2.3 nã o inclui apenas seis dias, mas sete. O
sétimo dia nã o inclui mais trabalhos realizados por Deus, mas é descrito como o dia em que
Deus “descansou [...] de toda sua obra, que tinha feito” (2.2). Desse modo Deus “abençoou o
dia sétimo e o santificou” (2.3).
Que tipo de descanso Gênesis 2.2 descreve? Isso significa que Deus cessou de governar o
universo? De jeito nenhum. A segunda pessoa da Trindade “sustenta todas as coisas pela
palavra do seu poder” (Hb 1.3), uma descriçã o do governo contínuo do mundo, dia a dia,
mesmo minuto a minuto. Deus nã o é uma divindade do deísmo que cria e entã o se afasta.
Ele continua a governar o universo. Entã o o que cessa? Ele cessa os atos da criaçã o.
Gênesis 2.3 diz isso, ao notar que Deus “ descansou de toda a sua obra, que Deus criara e
fizera”. Nã o diz, “toda sua obra”, com universalidade perfeita, mas sua obra na criação .
Deus fez o homem e jamais precisou fazê-lo pela segunda vez. Deus de fato traz à existência
todo ser humano que vem ao mundo (Sl 139.13-16). Mas ele o faz providencialmente ,
usando os meios do pai e da mã e e da gestaçã o no ventre. Em contrapartida, a criaçã o
[135]
originá ria de Adã o e Eva foi ú nica. Ele nã o apenas trouxe à existência um homem e uma
mulher, mas também a raça humana. Ele estabeleceu de uma vez por todas o fundamento
dos desenvolvimentos subsequentes na raça humana. No quarto dia, ele criou o sol e a lua,
e agora eles estã o permanentemente aí e nã o precisam ser recriados. Criou diferentes tipos
de animais. Estando aí os diferentes tipos, Deus nã o precisa continuar a criar novos tipos
todo dia ou algo do gênero. [136]
Portanto, o “descanso” de Gênesis 2.2 quer dizer “descanso de atos de criaçã o”. A criaçã o
está acabada (2.1), Deus nã o precisa recomeçar mais atos de criaçã o. Já chegamos ao ponto
terminal permanente. Como consequência, o descanso continua para sempre. Assim, como
entendemos as passagens indicativas de que Deus ainda “trabalha”? Jesus, ao justificar sua
obra de cura no dia de sá bado, declarou: “Meu Pai trabalha até agora e eu trabalho
também” (Jo 5.17). Sua afirmaçã o nã o conflita com Gênesis 2.1-3. Ele se refere em sentido
primá rio aos atos de redenção , e nã o aos atos de criaçã o e pode, talvez, incluir também os
atos de providência — mas esses claramente nã o pertencem ao mesmo nível dos atos da
criaçã o originá ria.
Em sentido teoló gico, o plano de Deus inclui nã o só redençã o e providência, mas a vinda de
“novos céus e nova terra” (Ap 21.1; v. Is 65.17). A redençã o em Cristo inclui a “nova
criaçã o” (2Co 5.17; Gl 6.15; v. Rm 8.19-23). Contudo, as reflexõ es posteriores na Bíblia nã o
negam a conclusã o da primeira criaçã o em Gênesis 1. É um erro importá -las para
Gênesis 2.1-3, porque falam em um plano diferente da primeira criaçã o. “Foram acabados
os céus e a terra”, segundo Gênesis 2.1, e nesse contexto o “descanso” nos versículos 2 e 3 é
o descanso daí em diante. [137]
Qual a duraçã o do sétimo dia? Por alguns anos eu pensei que o sétimo dia poderia ter só
24 horas. O descanso divino continua, mas o sétimo dia é apenas o primeiro dia em que
Deus começa a descansar. Agora creio que essa interpretaçã o nã o funciona bem em
[138]
sentido teoló gico. O dia nã o se encontra ali apenas com uma associaçã o livre com o
descanso divino. O dia possui bênçã o e santidade especiais “porque nele descansou de toda
a sua obra” (2.3). O descanso divino é o padrã o do descanso humano (Ê x 20.8-11).
Conceber a duraçã o do descanso divino por muitos “dias”, sendo o sá bado apenas o
primeiro, quebra a analogia principal necessá ria a Ê xodo 20.8-11, nã o só para validar o
ú nico dia do descanso humano, mas para validar a santidade do dia. Antes de tudo, a
santidade pertence ao descanso divino, nã o à santidade do dia. A santidade se estende até o
dia por ser o dia do descanso de Deus. O dia precisa da conexã o íntima com o descanso e
nesse dia o homem descansa porque Deus descansou nele. Assim, concluo: pelo fato de o
descanso divino continuar para sempre, o dia do descanso de Deus também permanece
para sempre. O sétimo dia, a fim de merecer sua consagraçã o e santidade, deve se
[139]
Deus descansa para sempre da obra inicial da criaçã o, pois ela está “acabada” (2.1). O
homem descansa apenas de forma preliminar no sétimo dia, porque sua obra ainda nã o
está acabada. Ele recomeçará seu trabalho no primeiro dia da pró xima semana. Contudo,
todo o seu trabalho se dirige para o tempo do descanso absoluto e final, do qual Hebreus
fala: “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no
descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas.
Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso” (Hb 4.9-11).
O texto de Hebreus menciona o descanso final: entraremos nele na consumaçã o — os novos
céus e a nova terra (Ap 21.1-22.5). O descanso sabá tico final continua para sempre. As
pequenas celebraçõ es dos sá bados humanos apontam para esse grande “dia”. O descanso
humano no dia de 24 horas nã o faz recordar apenas o descanso divino de criar, mas
também aponta para frente em direçã o ao “dia” final de descanso. Essa referência
prospectiva claramente conduz a uma analogia em lugar de identidade pura. O descanso
agora é preliminar e parcial (ainda realizamos obras de necessidade e de misericó rdia). E
ele termina depois de 24 horas. O sá bado consumado envolve o descanso final, completo e
contínuo — nã o na forma de inatividade, mas no descanso de trabalhos particulares
direcionados à fecundidade e domínio — a que os seres humanos se dedicam na vida.
Podemos dizer que o descanso sabá tico humano de 24 horas antecipa o descanso final dos
seres humanos, bem como imita o descanso final de Deus, no qual já entramos (Hb 4.10).
Essa antecipaçã o envolve a analogia à realidade para que aponta, em vez da pura
identidade de extensã o.
Desse modo, o sétimo dia de Deus em Gênesis 2.2, 3 nã o tem fim. Ele não conta com
24 horas. Sendo assim, é analó gico e nã o idêntico ao dia humano de 24 horas. Ora, se o
sétimo dia é analó gico e nã o idêntico, toda a estrutura é inegavelmente analó gica. Todo o
padrã o dos seis dias de trabalho de Deus e o descanso no sétimo formam um padrã o
analó gico ao trabalho e descanso humano.
TARDE E MANHÃ
Mesmo o detalhe sobre tarde e manhã encontra uma interpretaçã o atraente na teoria do
dia analó gico. C. John Collins aponta para Salmos 104.23: “Sai o homem para o seu trabalho
e para o seu encargo até à tarde”. É dito “até à tarde”. Os israelitas trabalham durante a
[141]
com o trabalho de Deus, nã o com “tarde”. A “tarde” vem depois do trabalho. O hebraico
introduzindo a expressã o “e houve tarde” normalmente indica sucessã o narrativa, e é dessa
forma nesse caso.
Muitas pessoas pensam que a “tarde” é mencionada porque os judeus pensavam que o dia
de 24 horas teria início em uma tarde e findaria na tarde seguinte, diferente da contagem
atual, que conta um dia da meia-noite até a meia-noite seguinte. Entretanto, há dificuldades
nessa sugestã o. Na verdade, a informaçã o sobre o pensamento judaico é complexa. Os
judeus podiam pensar na manhã ou na tarde como começo, dependendo da situaçã o. [143]
Além disso, a interpretaçã o parece tornar a expressã o “houve tarde e houve manhã ” quase
supérflua. A resposta do leitor pode ser: “É claro que houve tarde e que houve manhã ,
porque isso é o que forma um dia. Por que você está nos dizendo o ó bvio?”. Por outro lado,
essa expressã o culminante torna a adiçã o importante à descriçã o se, de fato, significa o
descanso divino temporá rio entre os dias de trabalho. A figura de pausa dá sentido e
validade ao descanso humano temporá rio entre os dias de trabalho. [144]
O JARDIM DE DEUS
A analogia entre o trabalho divino e humano ocorre em outros pontos também. Considere o
trabalho de Deus ao plantar o jardim do É den:
E plantou o SENHOR Deus um jardim no É den, na direçã o do Oriente, e pô s nele o
homem que havia formado. Do solo fez o SENHOR Deus brotar toda sorte de á rvores
agradá veis à vista e boas para alimento... (Gn 2.8, 9)
Deus plantou um jardim e fez as á rvores brotarem. Mais tarde ele colocou Adã o no jardim
do É den “para o cultivar e guardar” (Gn 2.15), e gozar dos frutos (2.16).
Deus comissiona Adã o a ser jardineiro. Mas o pró prio Deus foi o primeiro jardineiro, ao
plantar e fazer as coisas brotarem. A açã o de Deus na “jardinagem” oferece a base analó gica
para Adã o imitar. Adã o, feito à imagem de Deus, se torna “uma imagem” ativa de Deus ao
continuar o projeto de jardinagem. Pode-se inferir que Adã o também deveria guardar um
padrã o de seis dias de trabalho e um de descanso, em imitaçã o ao padrã o de Deus. Em
ambos os casos, precisamos da analogia e nã o da identidade. Adã o nã o é Deus nem
semidivino. Ele nã o pode criar novos tipos de á rvores. Entretanto, na estrutura dada por
Deus, ele pode imitar a jardinagem divina no nível de subordinação .
Na verdade, a transcendência de Deus e seu grande poder e majestade se destacam em
Gênesis 1-2 com tanta força quanto a posiçã o exaltada que o homem ocupa como imagem
divina. O homem foi criado à imagem divina e deve, portanto, imitar a Deus, mas sempre
em um nível subordinado, como criatura e nã o como Criador. As obras de Deus de criaçã o,
em sua majestade, pertencem a uma ordem inteiramente diferente das obras humanas de
imitaçã o. Um aspecto da transcendência divina é que as obras de Deus sã o analó gicas à s
humanas; e que a analogia se estende ao cará ter dos dias.
Olhe de novo para a jardinagem divina. Para um ser humano plantar á rvores e fazê-las
crescer toma dias, meses e mesmo anos. Quanto dura para Deus? Se a analogia com a
jardinagem de Deus fosse uma identidade, tomaria Deus tanto tempo quanto. Toma anos
para ele, usando os meios comuns de sua providência. Mas Deus, como Deus, nã o é
confinado ao comum. Talvez o jardim passe a existir de forma instantâ nea. Nã o, a
linguagem de 2.9 diz que Deus fez as á rvores brotarem, o que sugere a passagem de tempo.
Mas quanto tempo? Anos? Ou uns poucos minutos? Nã o podemos dizer porque as açõ es de
Deus sã o analó gicas, nã o idênticas, à s do jardineiro humano. Deus e homem nã o se
encontram no mesmo nível. Nã o obstante, da mesma forma, os dias da semana do trabalho
de Deus sã o aná logos ao tempo necessá rio ao ser humano. Afirmar seu cará ter idêntico
impõ e a Gênesis uma direçã o que ele nã o endossa e causa um conflito real com o sétimo dia
e a analogia da jardinagem.
Pode-se escolher pressionar a linguagem sobre os seis dias e insistir que eles precisam ser
dias de 24 horas. Mas é possível também escolher pressionar a linguagem sobre o sétimo
dia e argumentar que todos os dias sã o indefinidamente longos. Pode-se escolher
pressionar a linguagem sobre a jardinagem divina e entã o concluir que o jardim precisa ter
passado a existir depois de muitos anos. Os três movimentos pressionam um pedaço da
linguagem para nos prover uma informaçã o específica demais sobre a extensã o de tempo.
O processo resulta em respostas diferentes e contraditó rias, informando-nos da pressã o da
linguagem além de sua intençã o original. As três peças nos fornecem uma analogia, nã o
uma identidade.
FOCO EM RELÓ GIOS OU EM EXPERIÊ NCIA INTERATIVA
Deveríamos também considerar abordagens culturais diferentes quanto ao tempo. As
culturas diferem de formas assustadoras na atitudes para com o tempo. [145]
Dentre essas
diferenças estã o a pontualidade e “observar o reló gio”. Primeira, as pessoas podem focar na
passagem “objetiva” de tempo como mostrada em um reló gio. Podemos chamá -la
orientação por relógio . Segunda, elas podem se concentrar em um tempo mais subjetivo e
interativo que experimentam nos ritmos dos acontecimentos humanos. Os seres humanos
interagem entre si em grupos sociais ou interagem com coisas criadas, como na celebraçã o
de um casamento ou no cultivo de um campo. Essas interaçõ es envolvem agrupamentos
naturais com início, meio e fim das experiências e dos projetos humanos. Podemos
designar esse foco orientação interativa . Todos os seres humanos estã o cientes em
[146]
alguma medida dos dois tipos de orientaçã o. Muitos possuem experiências interativas onde
“perdem a noçã o do tempo” e entã o percebem de sú bito que o reló gio já está mais
adiantado que o esperado.
Culturas diferentes podem dar prioridade a uma dessas orientaçõ es ou à outra. Talvez elas
possam mesclar as duas formas. Nas sociedades pré-industriais, a prioridade pertence à
orientaçã o interativa. [147]
A reuniã o começa nã o só quando o reló gio bate as nove (pode
nã o haver reló gios), mas quando todos estã o ali e possuem tempo para conversar. A
reuniã o dura, nã o por uma hora, mas até que os participantes “terminem”, isto é, quando as
pessoas estã o satisfeitas com sua experiência social conjunta.
Sociedades pó s-industriais, em contrapartida, tendem a seguir mais o reló gio (embora
ainda existam diferenças variadas sobre o costume e pontos de vistas diferentes). A cultura
americana possui forte orientaçã o pelo reló gio. Alguém diz: “Desculpe, tenho de sair para
me encontrar com o Jim à s 11h10” (“e ele espera que eu nã o me atrase mais que
5 minutos”). Experiências sociais podem começar e terminar de forma abrupta, porque o
reló gio governa os pontos terminais. E o tempo do reló gio é mais implacá vel que os ritmos
ó bvios da natureza. No mundo antigo, antes da chega dos reló gios mecâ nicos,
experimentava-se o ritmo das estaçõ es e o ritmo do dia e da noite, mas nã o o ritmo
mecâ nico do tique-taque do reló gio.
Como tudo isso se aplica a Gênesis 1? Se formos a Gênesis 1 com a orientaçã o pelo reló gio,
focaremos primariamente em quanto tempo durou, de acordo com a mediçã o do reló gio.
Mas se formos a Gênesis 1 pela orientaçã o interativa, procuraremos a ocorrência de fatos
importantes e seu sentido social humano. Os seres humanos nã o aparecem na cena até o
sexto dia da semana da criaçã o. Contudo, nos dias antecedentes, Deus estava em cena,
trabalhando em um ritmo semelhante ao do trabalho humano. O trabalhador humano
naturalmente se identifica com esse ritmo, em especial se sabe ter sido feito à imagem
divina. Ele sabe de imediato quanto tempo durou: seis dias, ou seja, seis ciclos de trabalho e
descanso semelhantes aos humanos, seguidos do sétimo dia de descanso mais longo. O
padrã o que o impressiona é o ritmo de trabalho, nã o o tique-taque do reló gio. Esses dias
em Gênesis 1 sã o realmente dias, porque correspondem ao ritmo humano. (Comentaremos
melhor sobre a realidade dos dias no Capítulo 16.) A equivalência a quantos tique-taques
do reló gio é uma questã o secundá ria. Nó s, em contrapartida, tendemos a pressionar na
questã o do tique-taque do reló gio, porque essa orientaçã o é um grande fator na nossa
cultura.
Na verdade, a orientaçã o pelo reló gio se destaca até quando alguns defensores da teoria do
dia de 24 horas dizem que os dias de Gênesis 1 foram “dias comuns”. De que forma eles
foram “comuns”? Em termos dos acontecimentos nesses dias, eles estavam dentre os mais
extraordiná rios de toda a histó ria! Alguém com a orientaçã o interativa nunca os designaria
“comuns”. O termo pode se aplicar apenas se já estivermos comprometidos de maneira
bem completa e unilateral com a orientaçã o pelo reló gio. A pessoa que se vale do termo
principal “comum” alega que os dias foram comuns pelo tempo do relógio .
MEDIÇÃ O DE TEMPO
Precisamos ainda lidar com a questã o de como Gênesis 1 fazia sentido para quem vivia nos
termos da orientaçã o interativa. Eles ainda chegariam à s mesmas conclusõ es? Para
responder a essa questã o, precisa-se considerar primeiro o que se quer dizer com um dia
de 24 horas, e como alguém se propõ e a medir a extensã o do tempo. A dificuldade que nos
confronta é que a medição no leva de volta ao padrã o objetivo de mediçã o, independente
dos ritmos corporais humanos e da interaçã o social. O interesse na mediçã o exata, segundo
um padrã o mecâ nico, caracteriza a orientaçã o pelo reló gio, nã o a orientaçã o interativa.
Entã o suponha que continuemos a pressionar pela mediçã o da extensã o de tempo, segundo
o padrã o orientado pelo reló gio. Suponha que pudéssemos viajar até o Israel antigo e ainda
reter o pró prio interesse cultural “excessivo” em tique-taques de reló gio. Os israelitas nã o
teriam reló gios mecâ nicos, entã o a mediçã o por um reló gio mecâ nico literalmente nã o faz
sentido. Mas se nó s ainda nos preocupá ssemos com a mediçã o exata, como podemos
[148]
todos ter a duraçã o de dias de 24 horas, quando medidos pela velocidade da luz ou algum
outro padrã o moderno “objetivo”; mas eles também podem nã o ser. A passagem em
Gênesis nã o diz.
Assim, quando alguns defensores da teoria do dia de 24 horas afirmam contar com
informaçã o específica sobre a extensã o dos dias, eles nã o conseguem ouvir o que Gênesis
diz e nã o diz. Eles desejam honrar a palavra de Deus e seguir a Deus com sinceridade aonde
quer que ela os leve, mas nã o fazem plena justiça à passagem. Em harmonia com a teoria do
dia analó gico, a passagem ensina apenas que Deus fez o mundo em seis dias, mas nã o
fornece detalhes sobre a mediçã o exata dos dias por algum padrã o objetivo e nã o humano.
A TEORIA DA ESTRUTURA
A teoria do dia analó gico pode ser considerada variante da teoria da estrutura. Em
consonâ ncia com a teoria do dia analó gico, ela afirma que os seis dias de Gênesis 1 sã o dias
do trabalho de Deus aná logos — nã o idênticos — aos dias humanos comuns. Mas, em
contraste com a abordagem de dias analó gicos, os defensores da teoria de estrutura
[150]
falam do padrã o de seis dias como uma “estrutura literá ria” que organiza os atos de
criaçã o. Os principais proponentes da teoria da estrutura declaram que ela faz muito
sentido. Contudo, sua mensagem intencional pode nem sempre ser entendida. Para
[151]
alguns o ró tulo “estrutura literá ria” sugere algo completamente artificial e estranho ao
conteú do, os atos reais da criaçã o. Mas se a estrutura é artificial, ela tira a força da
relevâ ncia do padrã o sabá tico para o homem. O homem, ao observar o padrã o sabá tico,
parece imitar uma ilusã o, um artifício literá rio. Além disso, desde o seu desenvolvimento,
alguns cristã os — nã o os proponentes originá rios da teoria — tentam redefinir ou
[152]
alargar a visã o e transformá -la em uma estrutura ampla que inclua pontos de vista que nã o
dã o tanto peso a Gênesis 1. Eles tratam a passagem como uma afirmaçã o muito vaga e geral
de que Deus criou tudo.
A teoria da estrutura argumenta que a sucessã o de dias representa um agrupamento ló gico,
tó pico e estrutural, em lugar da sucessã o cronoló gica. (Mas reconhece algum grau de
cronologia: o homem foi criado por ú ltimo e o sétimo dia se segue aos outros seis.) Em [153]
Mas Kidner também nos lembra de que devemos ver como Gênesis 1 é seletivo:
Como toda narraçã o, demanda-se a escolha do ponto de vista e do material a ser
incluído e do método narrativo. Em cada um desses, a simplicidade é a preocupaçã o
dominante. Usa-se a linguagem do cotidiano; as coisas sã o descritas pela aparência; os
panoramas do relato sã o arrojados, livres de exceçõ es que distraem e qualificaçõ es,
sem agrupar coisas correlacionadas (de forma que á rvores, por exemplo, antecipam
seu lugar cronoló gico a fim de serem classificadas com vegetaçã o) para obter um
grande desenho em que as demandas de sequência de tempo e tó picas controlam a
apresentaçã o e o todo revela o Criador e a preparaçã o de um lugar para nó s. [155]
desenvolver mestria e habilidade ao lidar com as plantas, os animais e o ambiente. E por ter
Deus feito o homem à sua imagem, o homem possui a habilidade fundamental de pensar.
Sua mente e linguagem vêm de forma automá tica com a capacidade de obter algum
entendimento de Deus, de “estar na mesma extensã o de onda”, pois a sua mente é “como” a
de Deus. Ao mesmo tempo, o homem é uma criatura, nã o o Criador, e todo o seu
pensamento depende de Deus.
Podemos ver o homem exercer seus privilégios ao pensar e falar em Gênesis 2.19, 20 —
quando dá nomes os animais. Ao fazê-lo, imita a Deus, que também nomeara: Deus chamou
a luz Dia e as trevas Noite (Gn 1.5). Nomear é um exercício de autoridade e soberania.
É possível que Adã o tenha apenas designado sons aleató rios a fim de criar nomes.
Entretanto, na cultura hebraica dar um nome indica algo sobre a coisa nomeada. O nome de
Adã o para Eva tinha significado pró prio (“E deu o homem o nome de Eva a sua mulher, por
ser a mã e de todos os seres humanos”, Gn 3.20). Os nomes dados por Deus ao Dia e à Noite
certamente têm significado. Deus altera o nome de Abrã o para “Abraã o”, isto é, “pai de
numerosas naçõ es”, para selar sua promessa de muitos descendentes (Gn 17.6). Ele altera o
nome de Sarai para “Sara”, significando “princesa”, no mesmo contexto (v. 15). O nome
Jesus, que significa “o Senhor salva”, foi dado “porque ele salvará o seu povo dos pecados
deles” (Mt 1.21).
Assim, quando Adã o dá nomes em Gênesis 2.19, 20, devemos pensar em nomes descritivos,
nã o apenas sons arbitrá rios. Se Adã o o fez, ele precisou prestar atençã o aos animais. Foi
necessá rio verificar que tipo de animal era cada um e, em particular, inteirar-se de que
nenhum animal lhe seria uma companhia adequada (2.20). Isso demanda discernimento,
talvez estudo. No entanto, comparativamente, estamos ainda no começo. Adã o, também
criatura, nã o sabe de tudo e precisa crescer em conhecimento. Os nomes talvez
ressaltassem características ó bvias que distinguem um animal do outro, mas nã o seriam
descriçõ es completas. Eles consistem no início da atençã o aos detalhes, descriçã o e
classificaçã o. Todas essas funçõ es continuam nos primeiros anos do desenvolvimento da
biologia na forma plenamente científica moderna. Adã o é o primeiro “cientista”, por assim
dizer, embora sua ciência nesse ponto fosse rudimentar.
Já mencionamos o artesanato. A obra de Adã o de dar nomes é reflexiva e verbal, sem
ligaçã o com a arte de criar com as mã os. Na verdade, esses dois aspectos sã o
complementares. Deus fez o homem para agir como profeta, rei e sacerdote. Os termos
[158]
suficiente para cooperar a fim de criar uma ilusã o, porque os conceitos verdadeiros da
transcendência e imanência de Deus sã o distorcidos em uma direçã o idó latra e se refletem
na transcendência e imanência da lei divina.
A forma precisa da distorçã o idó latra influencia o conceito que as pessoas têm das leis. Os
animistas, como vimos, nã o se dedicam à pesquisa científica, porque temem ofender os
espíritos. Os espíritos criam a situaçã o em que as leis provavelmente nã o existem, mas, se
existissem, seriam inacessíveis. Já o pensamento científico moderno costuma distorcer a lei
a fim de torná -la subpessoal . Por ser subpessoal, nã o se pode dialogar com ela ou parar de
cooperar. Ela faz o que ele quer: controla o universo sobre o qual o ateísta agora se assenta
como senhor.
O pensamento ateu possui dois efeitos sutis. Primeiro, torna o ateu um idó latra,
responsá vel pela pró pria rebeliã o contra Deus a despeito de saber a verdade. Podemos
pensar que o lado humano e pessoal é só um efeito, mas a forma idó latra de pensar também
surte efeito sobre outras á reas do conhecimento. O ateu se persuade de que o mundo
continuará indefinidamente no futuro por meio da operaçã o das mesmas leis físicas. Seu
resumo científico do sentido das leis difere do resumo cristã o, porque a impessoalidade da
lei distorce seu juízo.
O pecado infectou os seres humanos. Ele infecta todo ser humano nascido no mundo e os
infecta profundamente. Infecta a mente e os produtos da mente, incluindo a ciência. Como
encontramos um remédio?
O CUMPRIMENTO DO DOMÍNIO POR CRISTO
Precisamos de redençã o na ciência porque a ciência, como empreitada humana, apresenta
os efeitos do pecado. O pecado sob a forma de idolatria, bem como formas pequenas de
pecado entre os cientistas profissionais, como ciú mes, rivalidade e falsificaçã o ocasional de
evidências, afetam o cará ter do trabalho científico. Na verdade, pelo fato de o conceito
pessoal sobre a lei científica formar a estrutura orientadora do trabalho cotidiano da
ciência, a corrupçã o idó latra da lei científica infecta o trabalho científico de modo extensivo.
Os efeitos mais devastadores ocorrem quando sã o sutis. Os nã o cristã os nã o cogitam com
perversã o total, mas pensam com um conceito distorcido da lei que ainda está próximo da
verdade e toma emprestados elementos da verdade.
A Bíblia indica que Deus nã o ficou indiferente diante de nossa miséria; ele enviou a
redençã o por meio de Cristo: “Porque, se nó s, quando inimigos, fomos reconciliados com
Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos
pela sua vida” (Rm 5.10).
Deus nã o enviou um livro de receitas ou uma filosofia, mas seu Filho. E seu Filho nã o se
manteve distante das pessoas necessitadas. Ele se tornou homem. Comeu com publicanos e
pecadores.
A abrangência completa da redençã o provê respostas a todos os danos da queda, incluindo
o domínio humano. Depois da queda, o homem continua a ter impulsos em direçã o ao
domínio, mas esses impulsos sã o distorcidos pela megalomania e opressã o dos
semelhantes. O verdadeiro domínio precisa de restauraçã o.
O Novo Testamento indica que Cristo veio como o ú ltimo Adã o, alguém semelhante a ele.
Jesus fez o que Adã o falhou em fazer e se tornou o líder da nova humanidade (Rm 5.12-21;
1Co 15.12-28, 42-49). Muitas passagens repetem a linguagem de domínio adâ mico do
salmo 8 e a aplicam a Cristo: “Todas as coisas sujeitaste debaixo de seus pés” (Hb 2.7, 8;
Sl 8.6; 1Co 15.24-28; Ef 1.22). Jesus Cristo é a segunda pessoa da Trindade, o Deus de
[161]
toda a eternidade. As passagens em questã o dizem algo sobre sua humanidade . Como
homem, ele ressurgiu dentre os mortos. Como homem, ascendeu ao Pai. Como homem,
recebeu domínio do Pai como recompensa de sua obra. Em Efésios 1.22, a linguagem sobre
domínio ecoa a linguagem do salmo 8 sobre domínio adâ mico e segue imediatamente apó s
a ressurreiçã o de Cristo e a sua sessã o à destra do Pai:
... o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à
sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e
domínio, e de todo nome que se possa referir nã o só no presente século, mas também
no vindouro. E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as
coisas, o deu à igreja... (Ef 1.20-22)
No versículo seguinte, Paulo indica que Cristo “a tudo enche em todas as coisas” (1.23). A
linguagem de encher ecoa o mandamento de Gênesis 1.28: “enchei a terra”. Cristo por meio
de sua ascensã o e do reino cumpriu ambos os aspectos do mandato criacional em
Gênesis 1.28 — o aspecto envolvendo encher a terra, e o outro sobre o exercício de
domínio (“enchei a terra e sujeitai-a…”).
Cristo também indica esse triunfo nas palavras bem-conhecidas da Grande Comissã o:
“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as
naçõ es” (Mt 28.18,19). “Toda a autoridade” indica o domínio completo. O domínio serve
como fundamento da difusã o universal do evangelho e do discipulado. Ele envolve
submissã o e obediência a este detentor de autoridade. Em outras palavras, o discipulado
enche a terra com seres humanos à imagem de Deus.
Podemos nos perguntar se a linguagem da autoridade pertence à natureza divina ou à
humana de Cristo. Com respeito à natureza divina, Cristo é Deus e governa todo o universo
desde toda a eternidade (Hb 1.3 a ). Sua autoridade é completa e universal. A Grande
Comissã o pressupõ e a realidade de sua divindade. Mas o enfoque nã o parece estar aqui, e
sim na natureza humana. O texto diz: “Toda autoridade me foi dada ”. A concessã o da
autoridade do Pai pertence naturalmente aos acontecimentos da ressurreiçã o, ascensã o e
entronizaçã o de sua natureza humana à destra do Pai. Atos 2.33, por exemplo, fala de Jesus
“tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo” em conexã o com a ascensã o. Os dons
do Pai se seguem como consequência e recompensa das conquistas efetuadas na carne, em
particular a crucificaçã o e ressurreiçã o. Em Mateus 28.18, 19, a concessã o de autoridade
também é a base da missã o: “Ide, portanto ...”. A palavra “portanto” também sugere que a
autoridade é “dada” no momento da ascensã o. O triunfo de Cristo na carne , em sua
natureza humana, conduz à recompensa e consequente missã o na terra. (Note que o reino
presente de Cristo à destra de Deus é tanto o reino do Filho, a segunda pessoa da Trindade,
e um reino que cumpre a promessa sobre o filho humano de Davi que reinaria [Is 9.6,7;
At 13.33,34]. Jesus retém a sua natureza humana em seu estado exaltado.)
A Grande Comissã o também inclui o aspecto de “encher a terra”. Em sua afirmaçã o
conclusiva, Cristo diz: “Eis que estou convosco todos os dias até à consumaçã o do século”. A
expressã o “convosco” indica sua presença e indiretamente sugere que ele em pessoa
“enche” o mundo. Mas também vemos um “enchimento” progressivo. Mediante o progresso
da Grande Comissã o, Cristo “encherá ” o mundo com seus discípulos, com quem ele está
presente de modo especial. Ele irá , portanto, encher o mundo com eles como seus
representantes e embaixadores.
Com certeza, o cumprimento do mandato criacional (ou cultural) chegou de forma
surpreendente, a saber, por meio do feito de um ú nico homem. Mas este ú nico homem
representa a nova humanidade e por meio da uniã o com ele outros também exercem o
domínio universal: “E, juntamente com ele [Cristo], [Deus] nos ressuscitou, e nos fez
assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2.6). A linguagem de estar “sentado” à
destra de Deus implica autoridade e governo. A posiçã o celestial do assento implica que o
governo é universal. Do mesmo modo, em Apocalipse, Cristo promete uma posiçã o de
governo, mas agora é no futuro: “Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono,
assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono” (Ap 3.21).
Com Efésios 2.6, a linguagem de governança de Apocalipse 3.21 mostra o bem-conhecido
padrã o já /ainda nã o da escatologia do Novo Testamento. Por ter Jesus triunfado, seu povo
já toma parte do seu triunfo. Mas as implicaçõ es do triunfo ainda estã o se desenrolando, de
tal forma que temos esperanças ainda a serem realizadas no futuro, ainda por vir . O
cumprimento característico de dois polos se aplica ao chamado mandato cultural de
Gênesis 1.28, o mandato de encher a terra e subjugá -la. A tarefa começou a ser cumprida
em Cristo como cabeça representativa da nova humanidade. Mas ainda está por vir sua
completa realizaçã o nos membros individuais da nova humanidade.
A questã o do mandato cultural é importante para nossos propó sitos porque inclui o
chamado para exercer domínio. E o domínio, como temos visto, inclui a pesquisa científica.
Mas agora, já que Cristo cumpriu o mandato cultural, a pesquisa científica precisa ser
repensada. Se o mandato já foi cumprido em todos os aspectos, teríamos de dizer que a
ciência já está no fim. Sua tarefa acabou. Mas a ideia dú plice de “já ” e “ainda nã o” quer dizer
que algo ainda pode ter restado. O que resta de todo modo flui do que já foi cumprido. Isto
é, o mandato cultural, e com ele a tarefa da pesquisa científica, ainda se aplica a seres
humanos, mas ele se dirige a eles de uma forma nova, já que Cristo completou o mandato
em seu triunfo representativo.
O cumprimento do mandato cultural por Cristo se expressa nã o só na esfera real de
governo, mas na esfera profética de sabedoria e entendimento. De acordo com
Efésios 1.21, 22, Cristo governa sobre tudo, como ú ltimo Adã o (“debaixo dos pés”, ecoando
Sl 8.6). Esse é o aspecto real. Mas ele também possui toda a sabedoria: “... o mistério de
Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estã o ocultos”
(Cl 2.2, 3). Esse é o aspecto profético. Cristo se compara a Salomã o, de forma a indicar sua
superioridade mesmo sobre a grande sabedoria de Salomã o:
A rainha do Sul se levantará [i.e., a rainha de Sabá mencionada em 1Rs 10.1-13], no
Juízo, com esta geraçã o e a condenará ; porque veio dos confins da terra para ouvir a
sabedoria de Salomã o. E eis aqui está quem é maior do que Salomão . (Mt 12.42;
Lc 11.31)
Cristo é o Salomã o final. Salomã o só nos deu uma figura, só o gosto preliminar do que
poderia ser. No final, ele falhou. Fracassou por conta de seus pecados. Ele era um “tipo” ou
pré-figura do que viria por meio de Cristo, seu maior descendente.
CRISTO, O CIENTISTA FINAL
A sabedoria pertence a Cristo de maneira inata com respeito à natureza divina. Como Deus,
ele conhece tudo desde o começo. Mas a comparaçã o com Salomã o mostra que ele também
é sá bio de maneira consumada com respeito à natureza humana. Entã o, de novo, devemos
relacionar sua sabedoria ao mandato cultural e à tarefa da ciência. O cientista busca a
sabedoria e o domínio relativos ao mundo natural. Cristo, por sua posiçã o de governo e
sabedoria, conquistou as duas coisas de modo pleno. Em termos fortes: Cristo é o cientista
final e arquetípico!
No entanto, minha afirmaçã o sobre Cristo nã o deve transformar nosso entendimento de
Cristo; em vez disso, deve transformar nosso entendimento da ciência. A corrupçã o e a
idolatria na ciência se manifestam em especial no fato de os cientistas raras vezes
perceberem sua necessidade de Cristo na esfera da ciência. A ciência precisa de redençã o
porque transforma a lei científica em um ídolo (Capítulo 1). Só Cristo pode prover a
redençã o:
E nã o há salvaçã o em nenhum outro; porque abaixo do céu nã o existe nenhum outro
nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos. (At 4.12)
Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai
senã o por mim. (Jo 14.6)
… sem mim nada podeis fazer. (Jo 15.5)
A redençã o da ciência, pelo que parece, nã o acontece apenas com uma “má gica” distante e
arbitrá ria que move uma varinha e conserta o que está errado. Ela ocorre quando Cristo se
torna nossa sabedoria e nosso governante, e conquista o que falhamos por causa do
pecado. Daí em diante, entã o, nossas conquistas seguem os passos dele. Como em questõ es
de santificaçã o pessoal, também com respeito à ciência, nos tornamos imitadores em
comunhã o com Cristo. A ciência na terra se torna um processo de conhecer a Cristo (Fp 2.8-
10) e de participar mais profundamente de sua sabedoria.
Ou isso é que deveria ser. E talvez seja o que de fato ocorre em alguns casos, com cientistas
cristã os devotos (ainda que eles mesmos estejam aquém do ideal). Contudo, isso nã o
parece ocorrer hoje com a maioria dos cientistas praticantes. Assim, como podem eles um
dia ter sucesso? Como pode a ciência avançar? Como já vimos no Capítulo 1, os cientistas
prosperam em grande medida a despeito de si mesmos! Eles prosperam ao continuar
crendo em Deus e em seus pressupostos sobre a lei científica, ao mesmo tempo em que
negam e descreem. Agora precisamos estender essa observaçã o para incluir nã o só Deus, o
Pai, mas Deus, o Filho — o Deus Encarnado como Redentor.
A redençã o alcançada por Cristo rendeu fruto. Ele concede bênçã os mesmo a quem ainda
permanece em rebeliã o consigo. Por causa da rebeliã o, nã o merecemos ter a habilidade e a
capacidade herdada das geraçõ es passadas assim abençoadas. Nã o merecemos o tempo
livre e a prosperidade necessá rios para construir um aparato de mediçã o sofisticado, nem o
tempo livre e professores nos ajudando a estudar e desbravar as camadas de teorias
científicas mais sofisticadas pouco a pouco. Se, ainda assim, temos benefícios quando
merecemos o contrá rio, recebemos uma bênçã o redentora. Isso nã o significa que nó s
mesmos como indivíduos recebemos a salvaçã o pessoal de Cristo mediante a fé. No caso
dos nã o cristã os, há um tipo de sombra dessa fé na confiança que se pode receber e usar
sem merecer — embora nossa confiança seja distorcida pela ingratidã o e orgulho.
SABEDORIA
Acima de tudo, como parte da bênçã o divina sobre quem nã o merece, os cientistas recebem
sabedoria. Nem todos possuem a sabedoria salvadora para conhecer a Cristo em nível
pessoal e se submeterm a ele. Mas o que têm, receberam: “Aquele que aos homens dá
conhecimento nã o tem sabedoria? O SENHOR conhece os pensamentos do homem, que sã o
pensamentos vã os” (Sl 94.10, 11). O contexto da afirmaçã o de Salmos 94.11 parece geral.
Nã o só o Senhor ensina o conhecimento salvífico a algumas pessoas, mas todo o
conhecimento delas provém do Senhor. O conhecimento advém do ensino do Espírito
Santo: “Na verdade, há um espírito no homem, e o sopro do Todo-Poderoso o faz sá bio”
(Jó 32.8). A expressã o “espírito no homem”, com “e” minú sculo, indica o espírito humano.
Mas o original hebraico nã o tinha letras maiú sculas ou minú sculas. Além disso, a linha
paralela, “o sopro do Todo-Poderoso” indica que o entendimento humano depende de uma
origem e dá diva divinas. Quer a primeira linha designe o espírito humano quer nã o, a
segunda linha sugere que o Espírito divino, o Espírito Santo, está por trá s do dom de
conhecimento dado ao espírito humano.
Deus realmente nos dá todo o conhecimento que temos? Algumas pessoas podem estar
dispostas a dividir o conhecimento em duas partes: uma de fonte sobrenatural e a outra
natural. Quando Deus fala do topo do monte Sinai, essa é a fonte sobrenatural de
conhecimento. Quando o cientista trabalha com experimentos, ou imagina as implicaçõ es
de uma equaçã o da física, ou deriva as implicaçõ es de uma teoria da química, recebe
conhecimento da natureza. Há , entã o, duas fontes distintas aqui? Sim, podemos receber
instruçã o de mais de uma forma, e a fonte sobrenatural como o monte Sinai se destaca
como algo espetacular e inexplicá vel.
Entretanto, as fontes menos espetaculares e mais explicá veis também sã o derivadas de
Deus. Ele governa sobre o comum e o extraordiná rio. Sustenta o aparato experimental com
suas propriedades. Ele também é o Senhor da ló gica, dos pró prios processos de raciocínio
usados pelos seres humanos. A origem da ló gica está na autocoerência de Deus e em sua
lealdade a si mesmo. A ló gica se derrama sobre o mundo por meio de Deus, o Filho, a
Palavra de Deus. Como a Palavra, ele é a razã o divina por trá s do mundo e o original
refletido por toda a razã o humana. Ele é a sabedoria de Deus, de acordo com
Colossenses 2.3.
Na verdade, o pró logo do Evangelho de Joã o, quando designa Cristo a Palavra (grego logos )
pode estar aludindo nã o só à s palavras pronunciadas por que Deus ao criar o mundo, mas
também ao pensamento grego sobre a ordem racional que rege o mundo. A palavra grega
logos , traduzida por “palavra” (NVI) em Joã o 1.1-14, pode designar nã o só uma expressã o
verbal, mas também uma norma ou razã o. Os estoicos especulavam sobre a razã o como um
princípio nã o só da mente humana, mas também como o supprimento da lei da natureza.
[162]
Nã o só o que parece acidental, mas também o necessá rio é derivado do plano de Deus. O
que parece acidental procede da liberdade da escolha de Deus enquanto ele cria e governa
o mundo. O de aparência necessá ria é necessá rio por refletir a autocoerência do cará ter
divino. Assim a pró pria necessidade, incluindo as necessidades da ló gica, demonstra o
cará ter de Deus. [163]
resposta. Herodes e Pô ncio Pilatos agiram de acordo com a inclinaçã o de seu coraçã o: eles
foram responsá veis e culpados por condenar um homem inocente. Mas também é verdade
que eles fizeram “tudo o que a tua mã o e o seu plano predeterminaram” (At 4.28). Os
teó logos reformados apresentam uma discussã o mais extensiva de outras questõ es, ao
afirmar que podemos confrontar aqui um dos muitos mistérios que a grandeza
incompreensível de Deus apresenta à mente humana. Devemos aceitar o ensino bíblico
[167]
sem tentar rebaixar Deus ao nosso nível, dominando a ideia do governo de Deus e tentando
forçar a realidade nos confins da mente humana. Direi um pouco mais sobre a
responsabilidade humana no pró ximo capítulo. No entanto, uma debate mais extenso pode
tomar um livro inteiro.
CONTINGÊ NCIA
O governo de Deus sobre as generalidades significa que as leis científicas procedem dele. As
regularidades vistas vêm da palavra de Deus, que as especifica. Mas também precisamos
considerar as particularidades. Deus movimenta sua mã o no universo apenas de modo
geral, sem envolvimento com as particularidades? O exemplo da flecha que feriu Acabe
indica o contrá rio.
Na verdade, os versículos listados acima, com muitos outros, indicam que Deus controla os
detalhes bem como as generalidades ou regularidades. Ele criou Adã o e Eva, nã o só a
“humanidade”. Ele formou Davi no ventre de sua mã e e determinou o nú mero de seus dias
(Sl 139.13-16). O governo divino sobre as particularidades é importante como expressã o
da magnitude de sua soberania e de seu cuidado com as pessoas, nã o apenas no amplo
curso do desenvolvimento histó rico de toda uma civilizaçã o: “Nã o se vendem dois pardais
por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto
a vó s outros, até os cabelos todos da cabeça estã o contados” (Mt 10.29, 30).
As particularidades afetam a ciência. No século XIX, pessoas impressionadas com as
regularidades se inclinaram na direçã o do determinismo mecanicista pleno. Alguns (sendo
LaPlace o mais famoso) alegaram que o comportamento de todo o universo poderia ser
calculado com exatidã o, bastava contar com informaçõ es suficientes sobre as posiçõ es e
velocidades de todas as partículas individuais.
No século XX, porém, a mecâ nica quâ ntica parece ter colocado, para muitos intérpretes,
uma barreira permanente no caminho do determinismo físico. O cá lculo exato é impossível,
nã o apenas por causa de limitaçõ es da mediçã o, mas porque a mecâ nica quâ ntica afirma
que acontecimentos contingentes de nível quâ ntico sã o intrinsicamente contingentes e
probabilísticos. Nã o há como, mesmo em princípio, prever um ú nico acontecimento
contingente, apenas médias estatísticas de muitos acontecimentos. Esses eventos
singulares ocorrem em nível microscó pico. Entretanto, as pequenas disparidades iniciais
aumentam com o tempo, de forma que os batimentos das asas de uma borboleta na
América do Sul pode selar a diferença entre o tempo chuvoso ou ameno um mês depois no
Hemisfério Norte.
O controle divino sobre as particularidades, incluindo as contingências, garante que as
pró prias contingências ainda pertençam a seu plano. Isso garante que os acontecimentos
contingentes em nossa vida e no curso das civilizaçõ es nã o surpreendem nem frustram a
Deus. E se as contingências acabassem de outro modo e os pais de minha mã e nunca se
encontrassem? E se um tiro perdido ou uma infecçã o tivesse acertado George Washington
nos primeiros está gios da Guerra da Independência (dos EUA) e, como consequência, os
ingleses a tivessem vencido? Sã o muitas as possibilidades e Deus detém o controle de
todas. Nã o há uma pedaço de poeira extraviado ou uma molécula independente no
universo.
O controle de Deus também garante que o cientista pode estudar a racionalidade de
padrõ es mesmo nas á reas do mundo físico em que a contingência parece mínima. Pode-se
dizer que a contingência nã o é contingente para Deus, pois ele a planejou. Pelo fato de a
fissã o particular de um á tomo radioativo ter sido planejada, sem dú vida ela aconteceria
quando ocorreu. Nã o obstante, a certeza pertence só a Deus, nã o a nó s — criaturas finitas.
A mecâ nica quâ ntica mostra que os seres humanos jamais contarã o com o conhecimento
físico completo ou a previsibilidade plena. Assim, a mecâ nica quâ ntica dá testemunho da
distinçã o entre Criador e criatura, e as limitaçõ es de criaturas.
REGULARIDADE, EXCEÇÕ ES E A QUESTÃ O DOS ACONTECIMENTOS REPETÍVEIS
A totalidade do domínio divino provê a base firme para a ciência, de forma que o mundo,
até os mínimos detalhes, se conforma perfeitamente à palavra do governo de Deus.
Nenhum detalhe se encontra apenas “ali”, fora do propó sito ou controle de Deus. A
incompreensibilidade de Deus implica que a ciência precisa reter seu cará ter provisó rio.
Podemos conhecer a verdade e devemos reconhecer que em cada verdade sobre o mundo
de Deus também existem mistérios.
Além disso, se concebermos as regularidades como a preocupaçã o principal da ciência, o
foco nas generalidades se estreita mais que a palavra de Deus. Ela nã o se propõ e a estudar
a palavra de Deus completamente, apenas os aspectos direcionados à s regularidades. As
singularidades dos acontecimentos particulares, como a crucificaçã o e a ressurreiçã o de
Cristo, permanecem além de seu escopo, mesmo que também sejam controladas de forma
total pela palavra divina.
Na verdade, embora algumas pessoas tentem definir a “ciência” em sentido mais rigoroso
exclusivamente como o estudo das regularidades, a curiosidade humana nã o se satisfaz só
com as generalidades. Por exemplo, interessamo-nos pelo passado, mesmo que o passado
seja composto de muitos acontecimentos que nunca serã o repetidos exatamente da mesma
forma. A ciência física nã o se concentra na histó ria humana, mas conta com subdivisõ es que
focam no passado de processos físicos. Assim, temos a geologia histó rica — que tenta
reconstruir a histó ria passada das rochas —, a biologia histó rica — a tentativa de
reconstruir o passado de animais e plantas. Há também a cosmologia histó rica (embora
seja designada assim raras vezes) — que procura reconstruir o passado de larga escala do
universo e das galá xias.
Nos casos da astronomia e cosmologia, embora muitas questõ es permaneçam sem resposta
sobre o tempo imediatamente apó s o Bigue-Bangue, muitas subá reas menos desafiadoras
possuem explicaçõ es boas e razoavelmente coerentes. Elas se harmonizam ou com a teoria
da criaçã o madura, do dia analó gico ou com outras teorias que propõ em ter Deus levado
mais que seis dias de 24 horas nos atos originá rios da criaçã o.
No caso da biologia histó rica, contudo, encontramos uma dificuldade. Os principais
cientistas nã o cristã os acham prová vel que a vida tenha se originado de uma vez. Temos
aqui um acontecimento ú nico e que nã o pode ser reproduzido com facilidade em um
laborató rio moderno. Aqui, a influência da cosmovisã o e da concepçã o da lei afeta de
maneira mais direta. Se alguém é materialista, se sua cosmovisã o alega existir apenas a
matéria em movimento, entã o se “sabe” que a “protocélula” autorreplicadora veio a existir
de alguma forma . Espera-se, em parte pela defesa dos pressupostos materialistas, que isso
“de alguma forma” envolva uma série de etapas, todas com probabilidade nã o muito baixa.
Mesmo que a probabilidade geral seja muito baixa, o fato ocorreu. Coisas estranhas
acontecem. Interpreta-se o evento de acordo com o materialismo. De alguma forma, as leis
impessoais devem fornecer alguma explicaçã o, pois nã o há outro modo de esclarecer o
ocorrido de acordo com a cosmovisã o materialista.
Em contrapartida, admita-se a crença na origem da primeira protocélula e dos
acontecimentos em todo o universo exatamente de acordo com a palavra de Deus. A
palavra divina especifica as regularidades e quaisquer exceçõ es. Levam-se em conta as
regularidades quando sã o examinados nú meros amplos de acontecimentos. Mas esse
consistiu em um acontecimento ú nico e nã o há como afirmar com certeza como Deus o fez.
Talvez ele tenha usado as regularidades ou realizado algo excepcional e inexplicá vel.
Se Deus fez algo excepcional na primeira vez que a vida foi criada, talvez ele tenha realizado
algo excepcional ao criar outros tipos de vida. A origem de cada novo grande tipo de planta
ou animal pode ter representado um tipo de ponto de virada decisivo e jamais repetido.
Aqui de novo, depara-se com um acontecimento ú nico, em lugar de um padrã o geral
replicá vel em laborató rio. Deus criou diferentes tipos de vida com mú ltiplos atos distintos
de criaçã o, usando só materiais nã o vivos na construçã o? Ou Deus modificou a vida já
existente e criada antes?
Percebe-se que a introduçã o da possibilidade de exceçõ es altera a natureza de juízos sobre
o passado, especialmente nos casos em que nos confrontamos com eventos ocorridos uma
ú nica vez. O passado da astronomia contém muitos acontecimentos que dizem respeito à
origem de estrelas individuais ou galá xias que nunca se repetem, mas se repetem de forma
similar com outras estrelas. Entã o se pode encontrar certa regularidade. Podemos esperar
que, ao aplicar as leis físicas presentes e os modelos matemá ticos, mostremos de modo
aproximado o que aconteceu.
A primeira apariçã o de novos tipos de coisas vivas nos confronta com um desafio mais
difícil, pois nã o se pode dizer de antemã o exatamente quã o similares sã o os
acontecimentos distintivos que envolvem as novas apariçõ es. Com base no entendimento
do começo do século XX e no papel da informaçã o contida no DNA e no RNA, suspeita-se
que cada introduçã o de um grande novo tipo envolveu a incorporaçã o de informaçõ es. Mas
nã o se tratava da mesma informaçã o em cada caso. Poderia cada situaçã o envolver a
exceçã o das regularidades do governo de Deus? Caso mantenhamos a cosmovisã o cristã ,
nã o se pode excluir essa possibilidade de antemã o. Ou talvez, se soubéssemos o suficiente,
poderíamos observar padrõ es regulares ao examinar a origem de vá rios e novos tipos.
Assim, é possível pensar nos termos da regularidade semelhante à lei que rege os muitos
exemplos da origem de novos tipos. O estudo da origem de novos tipos não equivale de
forma exata a olhar para a ciência moderna conduzida em um laborató rio moderno com
acontecimentos repetíveis.
Retornaremos à consideraçã o da origem de coisas vivas com detalhes no Capítulo 19.
Podemos agora expandir nossa visã o além da ideia das regularidades e da lei científica ao
considerar acontecimentos particulares irrepetíveis.
Como vimos no capítulo anterior, Deus governa completamente. Ele determina as
regularidades e os particulares. As regularidades nos levam à discussã o da lei científica.
Mas o que dizer das particularidades? O que sã o? Nenhuma lei geral é suficiente para
explicar a maçã específica na minha geladeira ou para explicar Napoleã o. Leis gerais sã o
pertinentes para entender maçã s e elas explicam alguns aspectos dos particulares. Todavia,
elas nunca explicam absolutamente tudo. Toda vez que explicamos como a maçã chegou à
minha geladeira, acabamos por expandir a tarefa, por termos de esclarecer os
acontecimentos antecedentes à nossa histó ria; como a maçã cresceu exatamente em uma
á rvore e como o colhedor de maçã s a recolheu e assim por diante. As leis gerais nã o bastam
por si mesmas.
A palavra de Deus unifica os dois aspectos, o geral e o particular. Ela especifica ambos. Fala
para especificar generalidades, como ao prometer que a semeadura e a colheita nã o
cessarã o (Gn 8.22) e para especificar particulares, como ao predizer a morte de Acabe em
batalha (1Rs 22.20) ou a dispersã o dos discípulos no tempo da crucificaçã o de Jesus
(Mt 26.31 ao citar Zc 13.7). O aspecto generalizador da palavra de Deus leva ao estudo
científico das leis científicas. O aspecto particularizador leva a quê? Aparentemente, conduz
a verdades comuns sobre os acontecimentos e o estado das coisas comuns. Acabe morreu
na batalha de Ramote-Gileade; os discípulos se dispersaram quando Jesus foi preso.
A palavra de Deus especifica esses acontecimentos e o estado das coisas; isto é, ela
especifica a verdade sobre o mundo. Por conta do cará ter total do governo divino, a
especificaçã o é total e a verdade é total. Toda verdade é o que Deus especificou por meio de
sua palavra.
ATRIBUTOS DIVINOS DA VERDADE
No Capítulo 1 descobrimos que a lei de Deus possui atributos divinos, porque é Deus
falando. Do mesmo modo, a verdade possuiu atributos divinos, porque é Deus falando. Na
verdade, apenas nos expandimos além da á rea da lei para incluir a mençã o das
particularidades por Deus. Na cosmovisã o cristã , a origem da verdade nã o procede em
primeiro lugar dos seres humanos que observam o mundo. A verdade existe na mente
divina e no plano de Deus, mesmo antes da fundaçã o do mundo. Verdade, pode-se dizer, é o
conhecimento de Deus. Ela inclui o que ele sabe de si mesmo, que certamente é divino, e o
que ele sabe sobre o mundo e está incluído em seu plano. Seu plano é total, de forma que
toda a verdade está em seu plano ou em seu autoconhecimento. Toda a verdade é divina. Já
deveríamos ter suspeitado disso quando Jesus afirmou: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a
vida” (Jo 14.6). E em outro lugar: “A tua [de Deus] palavra é a verdade” (Jo 17.17). Esses
versículos de Joã o se concentram na verdade redentora. Mas nã o deveríamos nos
surpreender com a aplicaçã o do princípio, de forma mais ampla, a qualquer verdade.
Apressamo-nos para adicionar que o conhecimento humano da verdade é limitado e nã o
divino. O ponto de vista humano nã o define a verdade, porque Deus, nã o o homem, é o
padrã o da verdade e sua origem.
Podemos passar por todos atributos divinos e verificar se eles se estendem para incluir nã o
só a lei, mas a verdade.
Onipresente e eterno
Em primeiro lugar, considere a onipresença. As leis sã o as mesmas em todos os lugares,
pela pró pria natureza da lei. O mesmo nã o é tã o ó bvio a respeito das verdades particulares,
em oposiçã o à s gerais. Cada situaçã o distinta conta com viabilidade e verdades pró prias. No
momento, é verdade que estou sentado em uma cadeira no meu escritó rio; minha esposa,
em contraste, pode estar em pé em casa. Entretanto, se é verdade que estou sentado em
uma cadeira, também é verdade para minha esposa que está em casa que estou sentado. A
verdade descreve uma situaçã o em uma localizaçã o particular no tempo e no espaço. Mas a
verdade assim afirmada é verdade em qualquer localizaçã o que escolhamos afirmá -la.
Precisamos prestar atençã o ao tempo e ao espaço para determinar o que alguém quer
dizer. “Eu estou sentado” depende de a quem o “eu” se refere e ao tempo em vista. Se
descobrirmos o tempo e as circunstâ ncias, podemos dizer que a afirmaçã o é de fato
verdadeira. Assim, a afirmaçã o, entendida como referência a um tempo e um lugar em
particulares, é verdade em qualquer lugar que escolhamos ir. A verdade nos segue em todo
lugar; ela está presente em todo lugar.
E a verdade está presente em todos os tempos no futuro. O passado pode parecer mais
questioná vel, caso o mundo permita a contingência genuína. O ser humano situado no
passado nã o pode predizer de antemã o se eu estou sentado agora ou nã o. Todavia, se
amanhã à s 16 horas eu estiver sentado, é verdade hoje que amanhã à s 16 horas eu estarei
sentado. Nã o parecemos capazes de escapar da impressã o de que se algo é verdade, entã o é
verdade! E, pelo menos para a forma comum de pensar, esta mesmice nã o impossibilita a
existência de decisõ es humanas contingentes.
A verdade, entã o, é eterna. Precisamos distinguir entre a eternidade que significa
perpetuidade dentro do tempo da eternidade que significa estar de alguma forma “acima”
do tempo? Na discussã o sobre a lei, a diferença entre os dois é difícil, de fato, impossível de
compreender plenamente. Mas podemos suspeitar que a verdade é eterna. Ela nã o está
sujeita à mudança. Ela é imutável .
Imaterial e invisível
Em seguida, a verdade é imaterial e invisível. Vemos que a maçã é vermelha. Nã o vemos
com nossos olhos físicos a verdade de que a maçã é vermelha. Sabemos isso. A conclusã o
também é aparente do fato de eu saber a verdade de que a maçã é vermelha mesmo quando
paro de olhar para a maçã . O cará ter da verdade é ideacional, nã o físico.
Onipotente
Em seguida, considere o atributo de poder. Será que a verdade exerce poder sobre o
mundo? Observo uma maçã vermelha e digo: “Isto é uma maçã vermelha madura”. Se o que
digo realmente é verdade, corresponde ao estado de coisas no mundo. Na verdade,
corresponde com perfeiçã o, nã o no sentido de afirmar tudo em detalhes exaustivos, mas no
sentido de nã o ser deficiente ou incorreto no que diz. A correspondência entre a verdade e
o mundo é perfeita, e sugere que um determina o outro perfeitamente. A determinaçã o
perfeita significa controle perfeito, poder perfeito. Mas qual determina o outro? Será que a
verdade determina o mundo ou o mundo determina a verdade?
À primeira vista, muitas pessoas podem pensar que o mundo determina a verdade. Na
experiência humana, observamos o mundo e da observaçã o descobrimos a verdade a seu
respeito. A ordem em nossa experiência se movimenta do mundo para a verdade. Mas
outra pessoa pode ter observado a maçã antes de mim. E ainda uma terceira pessoa pode
ter predito o amadurecimento da maçã a partir de observaçõ es ainda anteriores, que
precedem a aparência de vermelhidã o.
A prediçã o humana, claramente, é falível. Mas depende de regularidades no mundo. Assim
retornamos à questã o de regularidades, ou verdades gerais, e elas parecem preceder
qualquer caso particular que se conforma à regularidade. A regularidade governa uma
instâ ncia em particular, nã o o contrá rio.
Ademais, sempre sabemos as verdades no contexto de outras verdades, que dã o significado
a qualquer verdade particular. Conhecemos o que o “vermelho” é, em parte das
experiências anteriores com maçã s. A verdade de “esta maçã é vermelha” nã o possui um
significado isolado, apenas relativo ao conhecimento de maçã s e cores vermelhas. O
conhecimento por si mesmo pressupõ e regularidades de tipos bem bá sicos que significam
haver maçã s e que certas características conhecidas nos permitem (talvez com erros
ocasionais) reconhecer uma maçã quando vemos uma e agrupá -la com outras instâ ncias do
mesmo tipo. A relaçã o entre um universal (“maçã ”) e um caso particular (“esta maçã ”)
pressupõ e regularidades gerais e particulares que as manifestam. Assim a verdade
[168]
particular “esta maçã é vermelha” pode ser alcançada apenas se for coerente com outras
verdades, sobre outras maçã s e outros exemplos de cor vermelha. Esta verdade goza de
harmonia com outras verdades.
A harmonia é anterior a qualquer outra instâ ncia particular dentro da harmonia, na medida
em que as instâ ncias nã o podem criar a harmonia por si mesmas. Isso implica que, pelo
menos em algum nível, a verdade é anterior ao caso particular. O caso particular se
conforma à verdade, em lugar do contrá rio. Entã o a verdade possui poder sobre o mundo. E
o poder é perfeito, o que quer dizer onipotente. Por ser Deus a verdade, tudo que ele cria se
conforma à verdade.
Nossa hesitaçã o sobre a onipotência da verdade decorre de nossa formulação da verdade
ser de fato secundá ria. No entanto, a verdade existe antes de a formularmos. A origem da
verdade está na mente divina. Essa verdade, a verdade que pertence a Deus, possui poder
sobre o mundo.
Transcendente e imanente
A verdade é transcendente e imanente . Em particular, quando pensamos na harmonia de
vá rias verdades, a harmonia transcende qualquer situaçã o. Ao mesmo tempo, aplica-se à
situaçã o, de forma que é imanente em sua aplicaçã o.
Pessoal
A verdade possui muitos dos atributos clá ssicos de Deus. A conclusã o nã o deveria
surpreender, se percebermos que a verdade é uma expressã o da palavra divina. A palavra
de Deus controla nã o só as generalidades, como vimos no caso da lei científica, mas as
particularidades, isto é, os casos de verdade particular sobre situaçõ es particulares.
Como no debate anterior sobre a lei científica no Capítulo 1, muitos tentam evitar
reconhecer Deus mediante a negaçã o de seu cará ter pessoal. No caso da verdade, alegam
ser ela impessoal, em vez de pessoal. Ela só “está aí” de alguma forma.
Assim, aqui, como ocorreu com a lei, pode-se observar em resposta que a verdade é
racional. Demonstramos sua racionalidade quando a alcançamos com a mente; e
pressupomos sua racionalidade quando buscamos a verdade e esperamos de antemã o que
ela se encaixe em nossa mente. A verdade também é semelhante à língua, na medida em
que pode ser expressa em línguas humanas. Essas duas características, racionalidade e
expressã o em linguagem, pertencem aos seres humanos como pessoas . Ainda que alguns
neguem isso em teoria, nosso tratamento prá tico da verdade como racional e alcançá vel em
sentido linguístico afirma seu cará ter pessoal.
Verdade e o mundo
A mesma preocupaçã o surge aqui como na lei científica: estaríamos “deificando” um
aspecto do mundo. Deus criou o mundo e cada coisa criada é finita e limitada. Mas a
verdade sobre ela nã o é limitada da mesma forma. A verdade permanece para sempre, ao
passo que o animal criado perece depois de um tempo. A verdade transcende o mundo, algo
particularmente evidente quando focamos na unidade expressa na harmonia entre muitas
verdades particulares. Essa unidade nã o pode ser explicada como o produto de
[169]
É claro que se pode escapar desta conclusã o ao negar a existência de qualquer tipo de
padrã o moral absoluto. Alguns círculos pó s-modernos comumente o negam. Mas isso é
inconsistente. Como o cientista precisa crer em Deus na prá tica real da ciência, também o
ser humano comum precisa crer na moralidade quando reage com indignaçã o moral. A
pessoa que acabou de ser roubada ou ofendida reage com uma condenaçã o moral
instintiva, mesmo que seu relativismo moral teó rico lhe diga nã o haver motivo para sua
reaçã o. Ademais, a reaçã o pressupõ e padrõ es morais absolutos, nã o relativos, já que a
condenaçã o do ladrã o e do ofensor nã o espera para perguntar se a outra pessoa possui
uma cultura ou ambiente diferentes, em cujo contexto ela estaria perfeitamente justificada
pela açã o. A condenaçã o moral pode com certeza fazer juízos incorretos por causa da
falibilidade dos seres humanos. Errada ou nã o, ela pressupõ e a aplicaçã o dos padrõ es a
outra pessoa, nã o só a si.
Vemos aqui os efeitos inescapá veis do conhecimento humano continuado de certo e errado.
Mesmo em meio à rebeliã o contra Deus, as pessoas continuam a conhecê-lo e a seus
padrõ es morais:
Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que sã o passíveis de morte os que tais
coisas praticam, nã o só as fazem, mas também aprovam os que assim procedem.
(Rm 1.32)
Quando, pois, os gentios, que nã o têm lei, procedem, por natureza, de conformidade
com a lei, nã o tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da
lei gravada no seu coraçã o, testemunhando-lhes também a consciência e os seus
pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se... (Rm 2.14, 15)
A VERDADE COMO TESTEMUNHA DIVINA
Em suma, os seres humanos defrontam Deus e seus atributos sempre que defrontam a
verdade, pois a verdade é o que Deus pensa e especifica em sua palavra. A verdade é um
aspecto inescapá vel do pensamento e discurso; assim, Deus é inescapá vel. Nosso conceito
de verdade pressupõ e Deus e a afirmaçã o de qualquer verdade particular pressupõ e Deus.
Como os incrédulos escapam? Eles creem em um Deus de verdade e ao mesmo tempo eles
suprimem a verdade em injustiça (Rm 1.18): “... porquanto, tendo conhecimento de Deus,
nã o o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus
pró prios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coraçã o insensato” (Rm 1.21).
Pode-se agora entender melhor a situaçã o dos relativistas que negam existir a verdade ou
outros relativistas que negam a acessibilidade da verdade. A atmosfera secular moderna já
ensinou à s pessoas a suspeitar da transcendência. Quando observam pontos morais cegos e
a ignorâ ncia em variadas sociedades humanas, elas podem concluir nã o haver rota para
transcendência. Negam a transcendência e entã o a verdade. A negaçã o de Deus e da
verdade caminham juntas. [171]
RESPONSABILIDADE HUMANA
O controle divino sobre a verdade pode parecer para alguns afetar indevidamente a
liberdade humana. Se toda a verdade pertence a Deus, qual é o espaço deixado para a
independência humana? “... nele [Deus] vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.28).
Já consideramos no Capítulo 13 um pouco da evidência bíblica da soberania total de Deus.
Creio que a soberania é real e que a responsabilidade humana também é real. A relaçã o
entre as duas envolve um mistério por causa das limitaçõ es de nossa mente finita. Preciso
deixar para outras pessoas o debate mais completo, pois essas questõ es podem preencher
volumes inteiros. Que as consideraçõ es a seguir bastem para o nosso contexto.
[172]
Primeira, quando afirmamos que a verdade possui atributos divinos e, portanto, pertence à
esfera de Deus, afirmamos com convicçã o a incompreensibilidade da verdade como um
aspecto da incompreensibilidade divina. A responsabilidade humana, como uma questã o da
verdade, também é incompreensível.
Segunda, é literalmente sem sentido tentar pensar na verdade ou no sentido fora do plano,
da sabedoria e da palavra de Deus. A responsabilidade humana possui significado em
relaçã o à sabedoria divina. A remoçã o da responsabilidade humana do controle de Deus a
prova de significado. O resultado seria entã o a evaporaçã o de ideias significativas da
humanidade e da responsabilidade.
Terceira, a plenitude da verdade inclui muitas facetas. Considere o caso em que certa
manhã eu escolho uma gravata azul listrada em lugar de uma gravata azul xadrez. Deus
afirma, como parte de sua verdade, que eu vista a gravata azul listrada. Ele também afirma
que eu escolha vestir essa gravata. Minha escolha é tã o real quando o ato de vestir a
gravata. Deus afirma um estado de coisas (eu visto a gravata). Ele também afirma conexõ es
causais entre os estados de coisas. Eu visto a gravata agora porque mais cedo eu a vesti; e
mais cedo a vesti porque escolhi assim fazer.
Considere um exemplo crucial. Na misericó rdia de Deus ele ordena que eu seja salvo;
também ordena os meios pelos quais eu serei salvo. “Todo o que nele crê nã o pereça, mas
tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Joã o 3.1 é verdade divina, e afirma uma conexã o inquebrá vel
entre meios e fins, escolhas humanas (“todo o que nele crê”) e salvaçã o (“tenha a vida
eterna”). Todas essas afirmaçõ es sã o verdadeiras, e sã o verdadeiras porque Deus as afirma
como parte de seu plano. A afirmaçã o divina e a verdade de Deus, entendidas de forma
correta, nã o minam a responsabilidade humana, elas a apoiam. Os problemas surgem só
quando se tenta reduzir o sentido do mundo a um aspecto. Se o reduzirmos aos destinos
apontados por Deus, chegaremos ao fatalismo. Se o reduzirmos à s decisõ es apontadas pelo
homem, chegaremos ao orgulho humano por termos sido sã os o suficiente para nos
salvarmos. [173]
Quarta, como observamos antes (Capítulo 13), Deus, a causa primá ria, nã o compete com
causas secundá rias no mundo. Quando Deus usa um “forte vento oriental” (Ê x 14.21) para
secar o mar, ele de fato o usa e o vento oriental sopra, mas em níveis diferentes. O controle
divino das questõ es humanas afirma a realidade das causas secundá rias dos seres humanos
e do ambiente.
Quinta, suspeito que algumas pessoas se incomodam com a ideia do controle divino pela
razã o errada. Elas imaginam a liberdade humana como liberdade independente de Deus.
Mas essa “independência” pode estar perigosamente perto do desejo de Adã o e Eva do
desejo de e tornarem independentes quando comeram do fruto proibido. Sataná s
prometeu: “Como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5).
Se pensarmos a respeito, até as pessoas da Trindade nã o agem “com independência” umas
das outras. Com respeito ao ministério encarnado, Jesus disse: “Em verdade, em verdade
vos digo que o Filho nada pode fazer de si mesmo, senã o só aquilo que vir fazer o Pai;
porque tudo o que este fizer, o Filho também do mesmo modo o faz” (Jo 5.19). “As palavras
que eu vos digo nã o as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas
obras” (Jo 14.10). O Filho nã o liga para a “independência”. Cada pessoa da Trindade só age
em harmonia com as outras.
Agora, o que dizer dos seres humanos? Será que eles agem de modo independente de Deus?
Possuem mais “liberdade” que o Filho? Seria blasfemo pensar assim. A liberdade com o
sentido independência consiste na forma errada de pensar. Ela nã o se encontra na Bíblia e
o cará ter da liberdade na Trindade sugere que, na verdade, o conceito de independência
procede da fonte mais nefasta!
PRINCIPAIS INTERPRETAÇÕ ES OU ESCOLAS
O realista diz que a ciência descreve propriedades reais do mundo “lá fora”. O
conhecimento científico corresponde objetivamente à s realidades do cará ter do mundo
objetivo. O realista “crítico”, em distinçã o do realista ingênuo, reconhece o cará ter
enganoso das aparências e que a ciência, na prá tica, sempre é provisó ria e sujeita à revisã o.
No entanto, a ciência busca uma descriçã o e explicaçã o verdadeiras. Embora nã o possamos
ter certeza absoluta de suas descriçõ es em algum caso particular, seguimos em busca da
verdade, e algumas descriçõ es sã o verdadeiras sobre os fatos lá fora. Por exemplo,
descrevemos a matéria composta por á tomos unidos por ligaçõ es químicas, porque existem
á tomos e eles são mantidos por ligaçõ es químicas.
Em contrapartida, o idealista afirma que a ciência descreve a aparência das coisas de
acordo com a organizaçã o natural efetuada pela mente humana. Nunca se alcança a “coisa
em si”, o que está lá fora, apenas o que já está organizada por nossa percepçã o e formas de
pensar. Assim, o que acontece na ciência? Uma descriçã o na ciência pode ser verdadeira
como uma representaçã o dessa percepçã o já organizada. Descreve-se a matéria composta
por á tomos por ser a forma razoá vel de pensar ao organizar os fenô menos; contudo, os
á tomos nã o podem ser verdadeiramente considerados existentes lá fora porque nunca os
alcançamos, apenas seus efeitos em nível fenomênico.
O empirista diz que a ciência estuda os acontecimentos e fenô menos da percepçã o imediata
e que as construçõ es teó ricas da ciência nã o descrevem diretamente entidades reais, mas
sã o um modo conveniente de resumir os padrõ es nos dados empíricos.
Segundo o empirismo estrito, á tomos sã o uma ficçã o conveniente para organizar nosso
pensamento sobre fenô menos em reaçõ es químicas. Afirmaçõ es científicas, quando
analisadas com propriedade, sã o de fato afirmaçõ es sobre a regularidade nos fenô menos,
nã o sobre a existência de entidades metafísicas como os á tomos.
Este ponto de vista contava com mais plausibilidade antes dos instrumentos pelos quais se
pode projetar visualmente a imagem de um ú nico á tomo. No século XIX, ninguém podia
“ver” á tomos, e deduzia-se muito das proporcionalidade constantes vistas em reaçõ es
químicas ou no comportamento dos gases. Afirmava-se a existência dos á tomos, mas nã o
podiam ser vistos. Os empiristas apontavam com acerto que o postulado era apenas uma
proposiçã o. Nã o podia ser rigorosamente provado. Daí era possível afirmar com
plausibilidade que os á tomos seriam uma ficçã o conveniente para explicar
proporcionalidades. Agora, com microscó picos de força atô mica, podemos construir a
imagem de um ú nico á tomo ou de um pequeno nú mero de á tomos. As afirmaçõ es dos
empiristas estritos sobre a ficcionalidade dos á tomos perderam a plausibilidade.
O pragmatista diz que a ciência nã o oferece conhecimento direto do mundo como ele é, só
uma ferramenta prá tica, ou meios, para alcançar o domínio técnico do mundo. O valor da
ciência está inteiramente no sucesso prá tico.
O relativista pó s-moderno diz que a ciência é um produto social de grupos com certa
unidade social de propó sito e base de conhecimento. O “conhecimento” é relativo a um
grupo, e grupos baseados em tipos diferentes de pressupostos surgiram com um
“conhecimento” diferente. Nã o há jeito de avaliar grupos incomensurá veis.
A PLAUSIBILIDADE DO REALISMO CRÍTICO
À primeira vista, o realismo crítico aparenta mais compatibilidade com a cosmovisã o cristã .
Cremos que Deus criou um mundo, nã o só os seres humanos. O mundo é real. Deus nos
criou de tal forma que podemos conhecê-lo e conhecer seu mundo (criado à imagem
divina). A realidade do mundo e de Deus exclui outras posiçõ es. Em particular, o
relativismo poderia ser atrativo se nã o houvesse o Deus que consiste no padrã o ú ltimo e
pode avaliar grupos humanos com pontos de vista contrapostos. Idealismo, empirismo e
pragmatismo pareceriam inadequadamente restritivos ao nã o nos permitir o conhecimento
do mundo real lá fora. Eles confinam a ciência aos fenô menos organizados pelo homem ou
a dados empíricos e suas regularidades.
Ademais, na prá tica a maioria dos cientistas tende a ser realista. Idealismo, empirismo,
pragmatismo e relativismo pó s-moderno possuem o ar de reflexõ es filosó ficas retró gradas
em relaçã o à ciência e pronunciam com base em insight filosó fico o que tudo precisa
significar. Mas o cientista médio se vale mais do senso comum e crê só estudar o mundo
exterior.
As três abordagens nã o realistas possuem dificuldades prá ticas e sérias em alguns pontos.
O relativismo pó s-moderno possui poucas formas de justificar o sucesso estupendo da
ciência, em particular nas aplicaçõ es tecnoló gicas. Se a verdade é de todo relativa a algum
grupo humano, por que deveria o rá dio transistor funcionar em todas as culturas humanas?
E como a afirmaçã o sobre o cará ter relativo da verdade pode ser universalmente
verdadeiro?
O empirismo e o pragmatismo sofreram um obstá culo quando foi investigada no começo do
século XX a estrutura interna do á tomo e descobriram-se evidências crescentes, em muitas
direçõ es diferentes, que confirmaram serem os á tomos entidades distintas, nã o apenas
ficçã o conveniente. No século XIX, enquanto os dados sobre os á tomos permaneceram nas
fronteiras da ciência, eles podiam ser interpretados de forma empírica. Podia-se afirmar
que o conceito dos á tomos representava apenas uma ficçã o conveniente, por serem poucas
as formas de testar a ideia de maneira direta. Todavia, no século XXI, com a ciência
plenamente consolidada, os dados sã o interpretados de forma realista e coerente. O
processo sugere que o empirismo é plausível em uma á rea particular da ciência até a
ciência progredir o suficiente para manter confirmaçõ es oriundas de vá rias direçõ es.
É difícil sustentar o idealismo por causa de como o mundo “dialoga” conosco. Nã o é
possível impor teorias ao mundo, ou opinar de uma só vez o que o mundo fenomênico pode
ser, com base no que a organizaçã o de nossa psique nos diz. Em vez disso, sai-se a campo e
mediante a experimentaçã o descobre-se como o mundo é de fato. Ademais, o idealismo,
com algum apoio da filosofia de Immanuel Kant, sofreu um obstá culo sério com a teoria da
relatividade geral. Kant presumiu que a geometria espacial consistia em uma imposiçã o da
mente humana ao mundo. A geometria representava o ditado da intuiçã o humana.
Entretanto, a teoria da relatividade geral descobriu que o mundo atual apresentava sinais
de geometria nã o euclidiana (fora do padrã o, do ponto de vista da tradiçã o kantiana), que
confundiram a intuiçã o humana.
Entã o se trata de uma vitó ria inequívoca do realismo crítico? Ele parece vencer quando
olhamos só para as deficiências das posiçõ es concorrentes. Mesmo assim, nã o sejamos tã o
apressados. O estudo científico da percepçã o aponta formas claras em que a capacidade
humana de perceber de fato molda o que vê. Uma série de ilusõ es de ó tica demonstra que a
retina e o cérebro processam muitos padrõ es recebidos antes de eles chegarem à
consciência.
Pode-se tomar como ilustraçã o a experiência de assistir a um filme. Experimenta-se o
movimento contínuo na tela, quando na verdade a aná lise cuidadosa do mecanismo do
projetor cinematográ fico revela mostrar a tela uma série de figuras discretas e distintas
com tanta velocidade que nã o se tem consciência da discriçã o. Será que o idealismo ganha
uma nova vida para a afirmaçã o desse fenô meno — percebe-se só o que já foi conformado
ao recipiente humano?
Ou considere a experiência de assistir a um show na televisã o. Quando ficamos à distâ ncia
normal da tela de televisã o com boa recepçã o, parecemos ver uma figura contínua. Mas
investigando a tela com uma lente de ampliaçã o nos mostra que ela é composta de pontos
discretos coloridos. Assim, o senso de continuidade é uma ilusã o imposta pelo processo de
percepçã o?
Considere o terceiro exemplo. A despeito das pessoas cegas ou daltô nicas, os seres
humanos enxergam o mundo em cores. A cor existe por causa da organizaçã o da retina (em
particular, as células-cone ou receptores de cor) e do cérebro. Os morcegos “enxergam” à
noite usando o sonar, nã o luz visível. E se “víssemos” como morcegos ou “víssemos” usando
luz infravermelha? O mundo seria “visto” de forma diferente. Entã o o que é “real”? É o
mundo da cor contemplado à luz do dia, o mundo em preto e branco percebido no
crepú sculo ou o mundo que percebido pelo morcego na noite totalmente escura?
O realista crítico pode responder de duas maneiras: dizer que todos esses níveis sã o “reais”
e que a realidade é “estratificada”, com conexõ es complexas entre os níveis. [175]
Esta
abordagem se harmoniza com a cosmovisã o cristã . Mas, como a segunda alternativa, o
realista crítico pode responder que as complexidades da percepçã o apoiam o aspecto
“crítico” do realismo crítico. Pelo realismo crítico, vamos além de nossas impressõ es
iniciais. O “real” é o mundo como a ciência o descreve.
Se o realista crítico tomar a segunda rota, pode-se entã o perguntar: “Qual ciência e em qual
está gio histó rico?”. A vermelhidã o da maçã , que pensá vamos ser real, torna-se, em
investigaçã o ulterior, um fenô meno do olho e do cérebro. O cientista nos diz que esses
fenô menos sã o causados pela realidade, a saber, as ondas de luz com comprimento de onda
na parte vermelha do espectro. Mas a ciência continua a avançar. Com a vinda da teoria
especial da relatividade, as ondas se tornam nã o ondas está veis (chamadas “éter”), mas
ondas de descriçã o matemá tica complicada. A descriçã o passa por transformaçõ es ao
mudar entre “sistemas inerciais” diferentes (i.e., estados diferentes de movimento para o
observador da luz). As ondas que antes pareciam “reais” se tornam “fenô menos” que o
observador particular pode medir e que muda quando se escolhe outro observador em
movimento com velocidade diferente. De acordo com o efeito Doppler, mesmo a cor da
[176]
deslocadas com a teoria dos fó tons, ou corpú sculos de luz, a “realidade” por trá s dos
[178]
“fenô menos”. Além disso, os á tomos — “reais” do ponto de vista de um engenheiro químico
comum — tornam-se “fenô menos” por trá s dos quais há a realidade da descriçã o mecâ nica
quâ ntica de elétrons difusos ao redor de um nú cleo.
Como saber ter alcançado um nível “ú ltimo” de descriçã o? Como saber se a mecâ nica
quâ ntica nã o será , por sua vez, sucedida por algo que explica os fenô menos com mais
profundidade?
A mecâ nica quâ ntica é particularmente problemá tica, porque Erwin Schrö dinger e Werner
Heisenberg desenvolveram duas versõ es diferentes. As duas abordagens depois se
tornaram matematicamente equivalentes; no entanto, elas usaram dois pontos de partida
muito diferentes, que sugeriam duas interpretaçõ es filosó ficas distintas. A abordagem de
Schrö dinger sugeria a interpretaçã o mais realista, porque ele representava um eléctron
como uma onda difundida ao redor de um nú cleo atô mico (mas a onda em questã o envolvia
nú meros complexos em lugar de nú meros reais, o que ainda seria incô modo para o realista
convencional!). Ademais, ao desenvolver a equaçã o ele usou uma orientaçã o intuitiva de
uma figura realista de movimento de onda ao redor do nú cleo central de um á tomo —
desenvolvida antes por Louis de Broglie. Em contrapartida, Heisenberg representava um
elétron com matrizes infinitas que simbolizavam quantidades experimentalmente
observá veis. O modelo de Heisenberg era mais semelhante ao empirismo. Na verdade, Max
Born e Heisenberg usaram de forma deliberada o empirismo na busca da formulaçã o
correta, porque perceberam que o elétron nã o se comportava como uma partícula
macroscó pica “real” — com posiçã o e impulso fixos.
Em suma, a representaçã o matemá tica de Schrö dinger parece apoiar a interpretaçã o
realista, a de Heisenberg apoia a interpretaçã o empirista. A situaçã o deveria perturbar
realistas e empiristas, pois a equivalência matemá tica das duas abordagens sugere nã o
haver diferença, ou pelo menos que nã o podemos dizer qual delas representa a “realidade”.
Talvez a pergunta esteja errada. Ou talvez as equaçõ es da mecâ nica quâ ntica sejam a
“realidade” e o elétron nã o seja nada mais que um ró tulo conveniente para a unidade
conceitualizada nas equaçõ es (um ponto de vista mais idealista).
REALIDADE COERENTE DA COSMOVISÃ O CRISTÃ
Quando cremos que a palavra de Deus governa completamente o mundo, temos um ponto
de vista a partir do qual podemos começar a lidar com esses dilemas. A palavra de Deus
governa os fenô menos (foco empirista) e nossas ideias sobre os fenô menos (foco idealista).
Ela governa as regularidades dos fenô menos (foco na lei) e quaisquer “realidades” que
podem ainda estar escondidas de nó s (foco realista). Deus governa o uso prá tico dos
fenô menos (foco pragmatista) e as variaçõ es na percepçã o que podem ocorrer entre
grupos diferentes de pessoas (foco pó s-moderno relativista). Ela governa as diferenças de
percepçã o entre quem enxerga as cores e os daltô nicos, e entre seres humanos e morcegos.
Pelo fato de Deus ser sá bio e de sua palavra incorporar a sua sabedoria, todas essas coisas
sã o significativas e “reais” em algum sentido. Entã o por que deveríamos debater essas
questõ es?
O REAL
maçã vermelha,
A palavra de Deus base humana neural em cones e cérebro
governa visão daltô nica
visã o sonar dos morcegos
luz como ondas eletromagnéticas
luz como corpú sculos quâ nticos
descriçã o matemá tica em mecâ nica quâ ntica
teoria futura “mais ú ltima”
Herman Dooyeweerd provê uma sugestã o ú til em suas reflexõ es sobre o reducionismo. [179]
Se as pessoas nã o reconhecem a Deus como origem de tudo, ainda precisam lutar para
explicar a coerência do mundo de Deus. Assim, substituem Deus por um ídolo. No
pensamento moderno, o ídolo é muitas vezes intelectual: o princípio que alguém defende
como a coisa mais profunda sobre o mundo, e o resto do mundo deve ser explicado em seus
termos. O mundo é reduzido a um princípio ou um nú mero de princípios intimamente
relacionados com uma ú nica á rea da vida. [180]
A cosmovisã o cristã mantém, em certo sentido, que o mundo nã o tem “fundo”. A doutrina
da criaçã o a partir do nada ( ex nihilo ) nega a existência da “matéria prima” eterna. [182]
Jamais existiu “ali” nenhum tipo de matéria antes de Deus começar a trabalhar. Em vez
disso, Deus criou tudo , nã o só a estrutura no topo da matéria prima previamente existente.
E Deus criou tudo por sua palavra . A palavra introduziu a estrutura e o significado. A lei de
Deus é a estrutura continuada para o mundo. O mundo nã o possui independência ú ltima da
palavra ou lei de Deus, mas é totalmente dependente dela. Entender o mundo nã o significa
entender a matéria prima, pois isso nã o existe. Significa entender o mundo governado pela
palavra divina. E isso só pode significar entender a palavra de Deus, pois essa palavra é a
sabedoria que dá racionalidade a tudo que vemos.
Em particular, quando se contempla a vermelhidã o de uma maçã , vê-se com exatidã o o que
a palavra de Deus especifica que se deve observar: um fenô meno determinado pela palavra
divina. E quando se pensa nisso, é tudo o que se vê. Ao fazê-lo, observa-se a “realidade”, isto
é, algo ordenado por Deus, concorde com seus propó sitos. O cientista também lida com
realidade ao refletir sobre ondas de luz e á tomos. Todos os níveis consistem na “realidade”
por serem governados pela palavra de Deus coerente e sá bia. [183]
Assim, como é possível nos enganarmos na aná lise do mundo? Nó s nos movemos entre
esses níveis de realidade com confiança, porque Deus governa a todos coerentemente. À s
vezes a coerência toma formas surpreendentes, como no caso da ilusã o de ó tica. De fato ,
percebe-se um movimento contínuo quando assistimos a um filme e esse movimento
contínuo é real de acordo com a ordem divina. Entã o se encontra uma surpresa mediante a
observaçã o dos detalhes técnicos das operaçõ es do projetor. Sua operaçã o também é real .
O que se experimenta ao assistir ao filme corresponde de modo complexo à s figuras
discretas no celuloide. Alguém erra se imagina que a correspondência deva ser simples e
direta: se um nível conta com um movimento de aparência contínua, o outro também deve
ser assim.
As formas e os níveis da realidade sã o mantidos juntos pela coerência da palavra divina,
nã o pela artificialidade de tentar reduzir uma realidade em outra. “Ele [o Filho] é antes de
todas as coisas. Nele, tudo subsiste” (Cl 1.17).
SUPERAÇÃ O DE TEORIAS ANTERIORES
A apreciaçã o da realidade multidimensional pode também explicar casos em que a ciência
posterior superou teorias científicas anteriores. O sistema heliocêntrico de Copérnico
substituiu o sistema geocêntrico de Ptolomeu. Os dois sistemas reconhecem o padrã o geral
de movimento cíclico dos planetas. Mesmo depois de substituído, o sistema de epiciclos de
Ptolomeu continuou a demonstrar uma correlaçã o razoá vel entre cá lculos matemá ticos e
localizaçõ es físicas no céu. O sistema nã o estava errado ao notar as correlaçõ es; mas foi
simplista, e até certo ponto esteve errado, ao postular a correlaçã o direta entre a
matemá tica dos epiciclos e a posiçã o em três dimensõ es.
Considere outro exemplo. Em um ponto anterior, alguns químicos pensaram que na
combustã o a substâ ncia chamada “flogisto” escapava da substâ ncia combustível no ar. Só
depois de um esforço considerá vel eles abandonaram essa teoria e adotaram outra — em
que o oxigênio do ar era combinado com a substâ ncia combustível. Eles estavam corretos
em pensar em termos de um elemento especial (“flogisto”), cujo comportamento seria
aná logo a outros elementos químicos. Mas opinaram exatamente o contrá rio da verdade ao
postular que a combustã o envolve a perda de um elemento no ar. Eles perceberam a
correlaçã o e reverteram uma peça crucial ao tentar explicar os detalhes. Mesmo a teoria
anterior já contava com um grau significativo de contato com a realidade. Todavia, o
[184]
entendimento precisava ser refinado a fim de explicar os detalhes das correlaçõ es variadas
entre elementos químicos, formas variadas de combustã o, o comportamento de
componentes gasosos no processo e a quantidade de elementos envolvidos em reaçõ es
variadas.
AFIRMAÇÃ O DO COMUM
É importante afirmar a realidade de nossa experiência comum de maçã s. Porém,
depreciamos, com sutileza ou nã o, o nível comum de vivência. Nele, esforçamo-nos e
lutamos com grande parte do drama humano: amor e ó dio, riquezas e pobreza, lealdade e
traiçã o, adoraçã o e apostasia. O drama humano consiste em uma ilusã o ou um vapor, uma
bolha de espuma acidental originada do oceano real da realidade inferior e descrita de
modo científico? Terá Deus nos concedido a beleza do pô r do sol ou só a confluência
acidental de efeitos no cérebro decorrente de causas físicas e ú nicas mas irreais? É a beleza
real ou é uma fraude que só nos mostra “epifenô menos” — uma superfície cujo sentido real
jaz sob a aná lise científica da luz como radiaçã o eletromagnética e cones e bastonetes na
retina e processamento neural no có rtex visual?
A beleza é real; é a manifestaçã o da beleza de Deus que fez o mundo para refletir sua
beleza. De tempos em tempos as pessoas reconhecem a beleza real na experiência comum.
Um dos meus amigos, quando mais jovem, impressionou-se um dia de maneira tã o intensa
com a beleza de um campo que se sentiu compelido à adoraçã o. Entretanto, ele ainda nã o
sabia que havia alguém para adorar!
A beleza também aparece em exploraçõ es técnicas na ciência. Desde cedo na minha vida eu
me sinto fascinado pela beleza da matemá tica e, depois, da física e de outras ciências. Essa
beleza me atraiu ao estudo. Stephen Jay Gould, ao terminar o ú ltimo livro sobre a teoria
evolucionista com consideraçõ es mais pessoais, expressou com eloquência sua fascinaçã o
com o mundo vivo e sua histó ria, demonstrando seu deleite de forma também a indicar a
beleza por ele percebida:
... dificilmente um historiador natural, morto ou vivo, já falhou em localizar seu deleite
principal nos quebra-cabeças amá veis, a beleza encantadora e a complexidade
excruciante e intratabilidade de organismos reais em lugares de verdade. Nó s nos
tornamos historiadores naturais porque amamos os dinossauros nos museus,
revolvemos o quintal em busca de besouros ou cheiramos as flores de uma centena de
deleites particulares. Assim, ansiamos saber os princípios gerais de como a extinçã o
em massa ajuda a elaborar os padrõ es da histó ria da vida e a razã o particular pela
qual Pete, o Protoceratope, pereceu nas areias do Gobi — e nã o nos satisfazemos até
sabê-los.
... nó s nos importamos [com a vida de Charles Darwin] pela mesma razã o pela qual
amamos ocapis, deleitamo-nos com a evidência fó ssil de trilobitas e lamentamos a
morte do dodó . Nó s nos importamos porque os amplos acontecimentos deveriam
acontecer, e acabaram por acontecer de certa forma . Algo indizivelmente santo, nã o
sei dizer de outra fora, subjaz à nossa descoberta e confirmaçã o dos detalhes reais
que formam nosso mundo e também, nas á reas de contingência, asseguram minú cias
de sua construçã o na maneira que o conhecemos, e nã o de outra maneira em um
trilhã o delas...
[185]
A palavra de Deus indivíduos distintos
governa (individualismo pó s-moderno)
grupos distintos
(coletivismo pó s-moderno)
racionalidade comum
(ponto de vista idealista)
A coerência completa implicada pela unidade do plano divino também envolve a coerência
entre diferentes pontos de vistas ou ênfases pessoais para entender o mundo de Deus. Falei
sobre o princípio da coerência entre pontos de vista em certa extensã o em Teologia
sinfônica , livro de minha autoria, e as obras de John Frame apresentam exemplos extensos.
Os quatro evangelhos apresentam com ênfases diferentes a pessoa e obra de Cristo. Mas,
[186]
entendidos da forma correta, eles se harmonizam. Cristo é o grande rei da descendência de
Davi (Mateus) quanto o revelador do Pai (Joã o).
Considere outro exemplo de harmonizaçã o. Com a cosmovisã o cristã , encontramos
harmonia entre diferentes aspectos da ética. A perspectiva normativa se concentra em
normas, leis ou padrõ es de certo e errado. A perspectiva pessoal salienta as atitudes e
motivaçõ es que dirigem o comportamento. A perspectiva situacional destaca o que ajuda na
prá tica em uma situaçã o, ao promover a gló ria de Deus. Porque Deus emite as normas,
[187]
Antes, o astrô nomo grego Ptolomeu (séc. II d.C.) estabelecera que o sol, a lua, as estrelas e
todos os planetas viajavam em ó rbitas ao redor de uma terra estacioná ria. Entã o Nicolau
Copérnico (1473-1543) postulou que a terra rotacionava no seu eixo: a terra quanto os
planetas viajavam ao redor do sol, o centro. As estrelas poderiam ser consideradas fixas em
relaçã o ao sol. Tycho Brahe (1546-1601) apresentou uma teoria conciliadora em que o sol
viajava ao redor da terra fixa e todos os outros planetas ao redor do sol.
Nos dias Copérnico ainda nã o existiam telescó pios. Assim, as observaçõ es astronô micas da
época nã o contavam com a precisã o de hoje e nã o era fá cil, do ponto de vista científico,
afirmar a teoria mais promissora. A perspectiva de Copérnico resultou em uma
simplificaçã o, mas isso, em lugar de qualquer precisã o claramente superior, consistia no
principal argumento a seu favor. [190]
A questã o podia ter permanecido uma disputa técnica entre astrô nomos se nã o ameaçasse
o pensamento mais amplo do mundo. Em sentido só cio-cultural, alguns se preocupavam
que ela pudesse incitar as pessoas a questionar a tradiçã o, ameaçando assim o status quo.
Filosoficamente, algumas pessoas a consideravam uma ameaça o papel central do
[191]
movimentos dos corpos celestiais relativos uns aos outros. Ele toma a perspectiva do
especialista e do investigador dos detalhes quantitativos sobre posicionamentos. O filó sofo
pergunta se o homem goza de um papel central no cosmo, e essa questã o difere de o
homem gozar de uma posiçã o central do ponto de vista do espaço astronô mico. Essa
distinçã o, contudo, poderia alcançar com facilidade pessoas que esperavam a
correspondência simples entre localizaçã o espacial e importâ ncia.
O QUE É REAL?
Assim, observar as diferenças em perspectiva, nos provê a soluçã o parcial. Todavia, ela
repousa no pano de fundo da questã o sobre a realidade. A astronomia copernicana parecia
minar o senso ingênuo das pessoas sobre o que é real. Ameaçava leitores bíblicos e a visã o
filosó fica da humanidade porque algumas pessoas tentavam encontrar em uma ú nica fonte
todas as respostas sobre o “fundo” do mundo. Elas se sentiam tentadas a considerar a
astronomia copernicana uma afirmaçã o capaz de prover a aná lise absoluta, que desceria à s
profundezas — à natureza “real” das coisas — em oposiçã o à sua aparência. Esse tipo de
busca por ú ltimas palavras ontoló gicas se perde por nã o encontrar descanso no cará ter de
Deus e de sua palavra. Deus, ao mesmo tempo, torna reais todas as perspectivas. A longo
prazo, a busca pelo condiçã o ú ltima nos força à escolha entre perspectivas; assim, certa
perspectiva é final e nos fornece nossa ontologia, as outras sã o apenas derivativas e, talvez,
até mesmo ilusó rias.
Nos dias de Copérnico, se as pessoas insistissem em encontrar a ontologia ú ltima,
produziam uma guerra entre filosofia, ciência e a Bíblia. Uma vez começada a guerra, cada
posiçã o poderia reivindicar a apresentaçã o da ontologia ú ltima. A filosofia, depois de
proclamar a centralidade do homem, quer derrubar a astronomia ao alegar que ela consiste
apenas em um jogo ilusó rio com nú meros, uma especulaçã o infrutífera em prol da
simplicidade matemá tica. Ou a astronomia, ao proclamar o cará ter ú ltimo do insight
científico, derruba a filosofia como um conceito espacialparoquial e denuncia a Bíblia como
ultrapassada ou preocupada apenas com questõ es “espirituais”. Ou os defensores da Bíblia
a entendem de forma reducionista. A seguir, proclamam a exclusividade da percepçã o
comum e condenam a impiedade dos astrô nomos que nã o se submetem a ela nem realizam
sua pesquisa em conformidade com o “claro ensino” da Bíblia.
Hoje o debate nã o se fixa mais sobre a posiçã o do sol. Mesmo assim, tentaçõ es de um tipo
particular permanecem em jogo. Os defensores da Bíblia podem se convencer cedo demais
de saberem o que a Bíblia quer dizer. Eles podem nã o prestar atençã o à s diferenças de
perspectiva entre o conceito comum da Bíblia e a opniã o técnica do cientista. Por sua vez, o
s amantes da ciência podem converter a ciência em uma cosmovisã o materialista que lhes
fornece, como supõ em, as respostas ontoló gicas finais. Entã o eles derrubam a Bíblia e a
filosofia.
Será que a aná lise científica em termos de ondas de luz é mais definitiva que a percepçã o de
uma maçã vermelha por um ser humano? Primeiro se deve perguntar: “Mais definitiva para
quais propó sitos e em que contexto?”. Em seguida, pode-se responder a questã o geral de
ultimacidade: “Nã o, nenhum dos dois é definitivo”. A realidade possui muitos níveis e os
seres humanos possuem muitas perspectivas legítimas.
É engraçado que mesmo o relato sobre Copérnico e a posiçã o do sol ainda nã o chegou ao
final. Sim, a o ponto de vista de Copérnico alcançou a supremacia, primeiro entre os
cientistas, depois em sentido mais amplo. Por causa dos triunfos impressionantes da
ciência ao longo de décadas e séculos, e sua influência continuada na cultura geral, quase
todas as pessoas que frequentaram a escola no mundo civilizado aceitam que a terra gira
em torno de si mesma e orbita ao redor do sol.
DESENVOLVIMENTOS NO SÉ CULO XX
Mas esse nã o é o fim do relato. A astronomia do século XX descobriu que o sol nã o é imó vel.
Ele percorre uma ó rbita bem larga ao redor do centro da Via Lá ctea. A Via Lá ctea, por sua
vez, nã o se encontra em uma localizaçã o particularmente central, apenas em um ponto
entre muitas galá xias locais e distantes. Ela se move em relaçã o ao aglomerado local de
galá xias. O sol nã o é imó vel nem o centro; nã o há centro.
O conceito copernicano, e depois a visã o newtoniana, presumiram que, por trá s dos
fenô menos, havia um espaço e tempo absolutamente fixos em termos dos quais o
movimento planetá rio acontecia. O pressuposto era conveniente, mas falho. Albert Einstein,
com a teoria da relatividade geral (1916) mostrou que matematicamente as equaçõ es de
movimentos eram transformá veis de um estado de movimento para outro, de modo que
nenhum estado era intrinsicamente mais fixo que outro. Nã o existia nenhum espaço
[193]
Entretanto, nã o devemos tentar vindicar a Bíblia dessa forma com a teoria científica mais
atual. A teoria mais atual pode ela pró pria se tornar ultrapassada mais tarde. Em lugar
disso, precisamos reconhecer que a Bíblia descreve a perspectiva da linguagem comum e
da observaçã o humana comum. E, sugiro, precisamos reconhecer o cará ter perspectivo de
qualquer teoria científica, ao nos mostrar uma realidade maravilhosa na sabedoria de Deus,
mas nã o a realidade substituta da realidade comum ou ontologicamente definitiva. [195]
A INDISPENSABILIDADE DO COMUM
A realidade do comum é digna de nota. Todo adulto com funçõ es mentais razoá veis e com o
corpo funcionando normalmente conhece por intuitiçã o, ao fazer uso do corpo, que se
encontra no centro do mundo espacial, o auditó rio e tá til por ele percebido. Ele vê o mundo
da perspectiva do pró prio corpo. Ele sabe disso de modo inevitá vel e indispensá vel. Deixar
de sabê-lo o colocaria sua existência em perigo. Sem entender a pró pria localizaçã o
espacial, ele nã o seria capaz de julgar o perigo de colocar o corpo na frente de um carro em
movimento ou ultrapassar os limites seguros de um grande edifício.
O mundo da percepçã o corporal pessoal de alguém está conjugado no entendimento
humano aos mundos de outros seres humanos com quem estamos em comunhã o. Pela
imaginaçã o, pela comunicaçã o humana e pela experiência de ocupar posiçõ es espaciais
mú ltiplas em tempos diferentes, entendemos habitar um mundo comum partilhado com
outros seres no tempo e no espaço. Todavia, a comunalidade nã o apaga ou substitui a
individualidade da posiçã o corporal. As duas se complementam. Para entender o mundo
comum da humanidade, construímos sobre o mundo individual da percepçã o. Essas
experiências ocorrem todas sob o controle providencial de Deus. A palavra divina
especifica e garante que teremos experiências desses tipos. As experiências sã o reais na
medida em que representam o efeito intencional e significativo da palavra de Deus.
Na ciência viemos a entender novas perspetivas sobre o muito pequeno, o muito grande,
localizaçõ es espaciais bem diferentes, formas de vida bastante diversas e correlaçõ es entre
a matemá tica e o mundo físico. As novas perspectivas necessariamente dependem da
percepçã o comum como ponto de partida. Corretamente entendidas, elas crescem a artir
do comum, em lugar de substituir ou minar a realidade comum. É preciso uma ideologia
poderosa para manter, ao contrá rio de nossas intuiçõ es mais profundas, que o “real” é só o
que a ciência descobre. E ainda a ideologia é tã o forte em nosso tempo que muitas vezes
nos oculta o ó bvio: a realidade da existência corporal humana. Em um caso extremo de
negaçã o, podemos mesmo nos analisar até a nã o existência prá tica, ao alegar, em sentido
materialista, que nossa experiência consciente é pouco melhor que a ilusã o elaborada por
sinais elétricos no cérebro.
ULTIMIDADE NAS PERSPECTIVAS SOBRE O TEMPO
Observaçõ es semelhantes se mantêm para duas perspectivas diferentes sobre o tempo. Por
um lado, a ciência proclama que o universo conta 14 bilhõ es de anos. Por outro lado, a
Bíblia, segundo uma interpretaçã o, diz que o universo só tem alguns milhares de anos. Mas
vimos (Capítulo 10) que as divergências se devem em parte a diferenças culturais entre a
orientaçã o pelo reló gio e a orientaçã o interativa. A orientaçã o pelo reló gio significa a
orientaçã o mecâ nica da mediçã o do tempo com nú meros objetivos. Combinada com a
extrapolaçã o científica do tempo do reló gio em direçã o ao passado, a cifra alcança
14 bilhõ es de anos. Contudo, a orientaçã o interativa interpreta a ocorrênca da criaçã o em
seis dias de ritmo semelhante ao humano com trabalho e descanso.
As pessoas presumem que a ciência nos apresenta a realidade . O que a ciência nos mostra
de fato é real; mas é só um aspecto da realidade, uma perspectiva, à qual se chega
naturalmente quando, com coerência e zelo extremos, buscamos a orientaçã o pelo reló gio e
suas mediçõ es quantitativas.
A forma humana comum e interativa de olhar para os ritmos temporais, o modo conhecido
de todas as culturas pré-científicas, ainda é vá lida aos olhos de Deus e devemos, portanto,
abrir os olhos para seu alcance da realidade . A realidade nã o se reduz ao foco científico,
mas é ricamente controlada pela sabedoria de Deus em sua palavra. Os ritmos humanos
ainda oferecem uma forma vá lida de olhar para a histó ria da criaçã o! Em certo sentido,
porque eles sã o humanos, porque os ritmos humanos pertencem aos ritmos naturais do
corpo, eles permanecem mais importantes aos sentidos humanos comuns que as reflexõ es
técnicas da ciência, por mais belas que elas sejam na sua esfera.
Deus criou de verdade o mundo em seis dias. Ou seja: quando falamos em termos humanos
cotidianos, e pensamos em termos dos ritmos humanos de trabalho e descanso, estamos
certos ao dizer que Deus criou o mundo em seis dias, pois pensamos nesses dias em uma
orientaçã o interativa. Só na esfera técnica da orientaçã o consistente do reló gio e de
cá lculos desenvolvemos outra perspectiva complementar sobre o tempo. Nessa esfera, em
que se define o “tempo” de um jeito incomum e preciso, que o separa dos ritmos humanos,
obtemos a figura de 14 bilhõ es de anos.
Copérnico e Einstein forneceram belas perspectivas técnicas para as necessidades das
reflexõ es científicas sobre o espaço. Os cá lculos científicos modernos sobre o tempo
apresentam do mesmo modo belas perspectivas técnicas para as necessidades das
reflexõ es científicas sobre o tempo. Em nenhum caso deveríamos pensar de forma
reducionista que essas perspectivas técnicas derrubam a percepçã o humana comum, ou a
experiência de tempo como um ritmo humano de trabalho e descanso. [196]
livro anterior para o debate mais amplo do que aqui esboçaremos. [199]
Quando Deus deu seus planos a Moisés para o taberná culo, ele o descreveu como “um
santuá rio, para que eu possa habitar no meio deles” (Ê x 25.8). É um lugar onde Deus se
aproxima de Israel e Israel de Deus. Mas ele fez essas provisõ es na situaçã o em que o
pecado ainda bloqueava o caminho à santidade de Deus. Preocupaçõ es com a redençã o
obviamente dominam a descriçã o. Ao mesmo tempo, a instruçã o diz: “Vê, pois, que tudo
faças segundo o modelo que te foi mostrado no monte” (Ê x 25.40). O taberná culo replica
um padrã o. Assim, o padrã o nã o é arbitrá rio; trata-se do padrã o da habitaçã o de Deus nos
céus (e na montanha, quando Deus desce para se encontrar com Moisés ali).
Mais tarde na histó ria, Deus comissionou Salomã o para erigir o tempo, que replica muitas
características do taberná culo mosaico em escala maior. Salomã o demonstrou o
entendimento da correspondência entre a habitaçã o de Deus nos céus e a habitaçã o na
terra ao, na dedicaçã o do templo, mencionar os “céus, lugar da tua habitaçã o” (1Rs 8.30, 39,
49). Ao mesmo tempo ele afirma que o nome de Deus (representaçã o de sua presença)
estará no templo terrestre (1Rs 8.29). O livro de Hebreus comenta explicitamente a relaçã o
entre a “có pia” do taberná culo e o original celestial (Hb 9.11, 23-28).
As características específicas no taberná culo sugerem reminiscências do céu. Os querubins
na tampa da arca sã o có pias ou imagens das criaturas angelicais vivas que servem a Deus
no céu (Ê x 25.18, 22). Mais querubins tecidos nas cortinas guardam o caminho até a
presença de Deus no Santo dos Santos (Ê x 26.31). A mesa com pã o em cima relembra Israel
da provisã o de Deus do maná , que veio “dos céus” (Ê x 16.4). O candelabro, com suas luzes,
relembra as luzes do céu. O sol, a lua e os cinco planetas visíveis podem até mesmo
corresponder ao nú mero sete das sete lâ mpadas!
Assim, o taberná culo oferece um tipo de modelo em miniatura da habitaçã o macrocó smica
de Deus nos céus. E embora Deus seja descrito como que reside nos céus, os céus nã o o
contêm: “Eis que os céus e até o céu dos céus nã o te podem conter, quanto menos esta casa
que eu edifiquei” (1Rs 8.27). Em um sentido mais amplo, o universo inteiro é habitaçã o de
Deus: “... nã o encho eu os céus e a terra? — diz o SENHOR ” (Jr 23.24). Outras passagens das
Escrituras descrevem a criaçã o dos céus e da terra como a construçã o de uma casa: “Deus é
o que edifica as suas câ maras no céu e a sua abó bada fundou na terra” (Am 9.6); “Onde
estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra?” (Jó 38.4); “Sobre que estã o
fundadas as suas bases ou quem lhe assentou a pedra angular...?” (Jó 38.6). Nã o só o céu,
mas o universo como um todo corresponde à casa-modelo do taberná culo.
O Novo Testamento mostra como essas linhas de pensamento se unem em Cristo. Quando
Joã o diz: “No princípio era [...] a Palavra” (NVI), ele evoca o pano de fundo de Gênesis 1 com
a expressã o “No princípio”. A criaçã o acontece pela Palavra, de acordo com Joã o 1.3: “Todas
as coisas foram feitas por intermédio dele”. Esta afirmaçã o sobre a criaçã o forma o pano de
fundo da obra redentora de Cristo, em que o restante de Joã o se concentra. Joã o 1.4 fala da
Palavra como a luz em sentido redentor, contra o pano de fundo da luz da criaçã o em
Gênesis 1.3. Mais tarde em Joã o 1, a vinda de Jesus Cristo em carne é comparada ao
taberná culo do Antigo Testamento: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nó s, cheio de
graça e de verdade, e vimos a sua gló ria” (Jo 1.14). A palavra para “habitou” (grego
eskenosen ) evoca pensamentos sobre a tenda no deserto e a mençã o da gló ria alude ao fato
de a gló ria divina ter aparecido a Israel em conexã o com o taberná culo. O corpo de Jesus
também é comparado ao templo (Jo 2.19-22). O taberná culo, como a pró pria criaçã o, foi
construído de acordo com a palavra divina. Por trá s das palavras particulares de instruçã o
está a Palavra eterna que Joã o 1.1-18 contempla. A Palavra,o pró prio Deus (Jo 1.1), é a fonte
da criaçã o, recriaçã o, do taberná culo e de todos os casos em que Deus habitou com o
homem.
IMAGENS
A ideia de copiar ou fazer imagens se apresenta de maneira destacada no taberná culo. A
totalidade do taberná culo é uma có pia ou imagem da habitaçã o macrocó smica de Deus no
mundo. De forma mais particular, representa uma imagem do céu. O Santo dos Santos, o
Santíssimo Lugar, oferece algo pró ximo da figura da habitaçã o imediata de Deus entre os
seres celestiais, os querubins. A cortina de separaçã o entre o Santíssimo Lugar do Santo
Lugar corresponde de forma natural ao céu azul, que oculta a presença divina invisível nos
lugares celestiais. O Lugar Santo “faz uma imagem” do Santíssimo Lugar em um nível
menor de santidade, e o pá tio além “faz uma imagem” da santidade dos dois outros lugares
em um nível ainda menor de santidade.
A ideia de fazer imagens nã o desaparece em Joã o 1; na verdade, ela se destaca de formas
sutis na afirmaçã o de que a Palavra é a fonte de todas as imagens: “A vida estava nele, e a
vida era a luz dos homens” (Jo 1.4). É preciso permitir que esse versículo em Joã o seja lido
em conjunto com o restante do texto em que, para Joã o, “vida” e “luz” sã o temas
importantes. Mais adiante, Jesus anuncia ser a vida (Jo 14.6) e a luz do mundo (Jo 8.12; 9.5).
Ele é isso em um sentido redentor: ele concede vida aos espiritualmente mortos e luz a
quem se encontra em trevas espirituais (Jo 5.24; 8.12; 9.39). No entanto, o contexto
imediatamente anterior, em Joã o 13, menciona a criaçã o. Assim, pensamos na criaçã o da
luz no primeiro dia e na criaçã o da vida no terceiro, quinto e sexto dias. Joã o entã o nos
convida a perceber que a fonte de luz e vida em ambos os sentidos está na Palavra: luz e
vida. Ele nã o é só quem traz luz e vida, como se essas coisas lhe fossem até estranhas. Em
vez disso, ele é luz e vida. A luz e a vida na ordem criada refletem sua luz e vida originais.
Este padrã o, entã o, constitui uma forma de formaçã o de imagens. Jesus, a Palavra, é luz e
vida em si mesmo. Ele também apresenta uma imagem de sua luz e vida ao criar luz e vida
neste mundo. E concede uma imagem de sua luz e vida aos que o seguem para a redençã o.
A linguagem sobre a “palavra” demonstra um padrã o aná logo. A segunda pessoa da
Trindade é a Palavra originá ria. As palavras da criaçã o, “haja luz”, sã o imagens dela. As
palavras de redençã o, dadas na instruçã o terrena de Jesus, sã o do mesmo modo imagens.
IMAGENS FEITAS EM TEOFANIAS
A vinda de Cristo à terra foi antecipada no Antigo Testamento nã o só pelo símbolo do
taberná culo, mas também por meio das descriçõ es bíblicas de teofanias , isto é, apariçõ es
de Deus. [200]
Em tempos especiais, Deus apareceu aos seres humanos usando
demonstraçõ es visuais espetaculares. Ele surgiu a Abraã o em forma humana (Gn 18.1 ss .),
a Moisés na sarça ardente (Ê x 3.1-6), aos israelitas na nuvem e no trovã o no monte Sinai
(Ê x 19.16-25), e a Ezequiel em uma visã o elaborada (Ez 1).
Ezequiel 1 mostra formas em que um tipo mais amplo de criaçã o de imagens pode operar.
Grosso modo, a teofania em Ezequiel 1 possui três camadas. A camada mais externa é uma
nuvem de tempestade (1.4). Entã o há quatro seres viventes e as rodas associadas (1.5-25).
Por ú ltimo, no centro está um trono com uma figura humana nele (1.26-28). Diversas
características se repetem em cada camada: fogo (1.4, 13, 27), metal brilhante (1.4, 7, 27),
uma voz ou som (1.24, 25; 1.28; 9.3, 4). Cada uma dessas caraterísticas sugere algo
relacionado ao cará ter de Deus. O fogo propõ e o fogo do juízo consumidor de Deus (v.
Hb 12.29). O metal brilhante sugere o brilho da santidade divina e a firmeza de seu
julgamento. A voz indica a habilidade de falar e pronunciar o juízo (v. Ap 1.15). Essas
características se encaixam no teor geral do julgamento que aparece na primeira parte de
Ezequiel.
Assim, as teofanias revelam algo sobre Deus ao mesmo tempo que permanecem
misteriosas e nos tornam cientes da transcendência divina. A revelaçã o de Deus acontece
em parte por meio de demonstraçõ es físicas: fogo, nuvem, luz, movimento e som. A pró pria
demonstraçã o física reflete algo dos atributos divinos e, nesse aspecto, podemos dizer que
faz uma imagem de Deus. Como alguns dos outros casos da formaçã o de imagens, elas sã o
parciais. Afinal, as teofanias no Antigo Testamento apontam para a teofania grande e
permanente , a apariçã o de Deus na pessoa de Cristo:
E o Verbo se fez carne e habitou entre nó s, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua
gló ria, gló ria como do unigênito do Pai. (Jo 1.14)
Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? (Jo 14.9)
As pequenas imagens sã o imagens do Filho, que é perfeito e a imagem plena. (Cl 1.15)
A seu modo, essas pequenas imagens no Antigo Testamento sã o até espetaculares e
extraordiná rias. Contudo, elas também apontam para algo comum. Fenô menos como a
tempestade trovejante no monte Sinai nunca deveriam se repetir. Contudo, elas também
nos lembram de tempestades trovejantes comuns. O fogo e os relâ mpagos e os trovõ es no
monte Sinai revelavam o poder, a majestade e a santidade de Deus de forma ú nica. Mas
também podemos afirmar que uma tempestade trovejante comum revela o poder e a
majestade e a santidade de Deus? Com certeza o faz, em particular depois que fomos
ensinados sobre Deus por meio do monte Sinai. Os acontecimentos no monte Sinai,
precisamente por revelarem a Deus com intensidade, podem nos despertar para o que
acontece em um nível menos intenso em uma tempestade trovejante comum.
Considere outro exemplo, o do fogo. O fogo no monte Sinai revelou a santidade divina e
relembrou Israel de sua habilidade de consumir a profanidade. Será que o fogo comum
reflete a mesma verdade? Ou considere a luz. A Bíblia diz: “Deus é luz, e nele nã o há treva
nenhuma” (1Jo 1.5). No contexto, dá -se destaque, em primeiro lugar, à pureza ética de
Deus. Mas também sugere sua habilidade de buscar o que está escondido e o expor:
O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do
que a luz; porque as suas obras eram má s. Pois todo aquele que pratica o mal
aborrece a luz e nã o se chega para a luz, a fim de nã o serem arguidas as suas obras.
Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam
manifestas, porque feitas em Deus. (Jo 3.19-21; v. tb. Ef 5.8-14)
A luz brilhante nas teofanias obviamente representa esta característica divina. Mas o
mesmo, em um nível menor, se dá com a luz comum, porque a luz comum é ela pró pria um
reflexo e lembrete da luz que ocorreu no contexto extraordiná rio da teofania. Assim,
quando em Gênesis 1.3 Deus criou a luz, ele criou algo que reflete ou é uma imagem de si
mesmo.
Segundo Romanos 1, as coisas criadas revelam o cará ter de Deus:
Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua
pró pria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo
percebidos por meio das coisas que foram criadas. (Rm 1.20)
Tudo que Deus fez demonstra o poder do Deus que o fez. Mas ao olhar para as teofanias,
podemos dizer mais. Algumas coisas específicas, como a luz e as tempestades e o fogo, nã o
só refletem a verdade geral de que Deus é o Criador, como ilustram ou refletem aspectos
específicos do cará ter divino. É claro, também afirmamos que elas sã o reflexos criados.
Corretamente entendidas, elas nã o levam à adoraçã o da criatura, mas do Criador que as fez.
A REALIDADE DIVINA E O CONHECIMENTO HUMANO DE DEUS
Podemos refletir, por um momento, na relaçã o entre a realidade divina e o conhecimento
humano. O ensino bíblico sobre a transcendência e imanência de Deus implica que
podemos ter verdadeiro conhecimento de Deus (imanência) e que o nosso conhecimento é
parcial, limitado e derivativo, ao passo que o conhecimento de Deus é completo, ilimitado e
original (transcendência). [201]
Precisamos tomar cuidado para guardar a autenticidade do
conhecimento de Deus e nossa subordinaçã o como criaturas a Deus, o Criador. Esses
princípios se aplicam sempre que descrevemos a Deus, ou quando descrevemos as relaçõ es
entre as pessoas da Trindade, ou quando descrevemos as açõ es de Deus no mundo.
Podemos ilustrar isso com a afirmaçã o de que Deus é o rei do universo. Ao fazê-la, usamos
uma analogia entre Deus e reis humanos. Deus é semelhante e diferente de reis humanos.
Se dissermos que Deus é um rei exatamente como um rei humano, nó s o reduzimos ao nível
da criatura e negamos sua transcendência. Suponha, porém, que digamos ser ele
completamente diferente de um rei humano e que a palavra rei , quando usada para Deus,
tem um sentido nã o relacionado aos reis humanos. Portato, o termo rei nã o é melhor que
uma palavra sem sentido, como glak . Ela nã o significa nada, e de fato nã o se diz nada
definido sobre Deus. Ele permanece desconhecido e entã o negamos sua imanência.
Quando a Bíblia descreve Deus como rei, ela nã o segue nenhum desses extremos
inaceitá veis. O contexto bíblico nos faz entender que Deus é o Criador, muito maior que um
rei humano; ele nã o está no mesmo nível. Mas a Bíblia quer dizer algo ao afirmar ser Deus o
rei. Ela claramente pretende comunicar que Deus é como um rei humano e que podemos
aprender sobre Deus com a comparaçã o. A palavra rei nã o funciona em cará ter unívoco , ao
dizer exatamente o mesmo a respeito de Deus e do homem (fazendo de Deus uma criatura).
Nem ela funciona de forma equívoca , ao dizer duas coisas diferentes e sem relaçã o
(tornando a palavra rei inú til e incognoscível). Em vez disso, ela funciona em sentido
análogo , dependendo da comparaçã o estabelecida pelo pró prio Deus como significativa.
Na verdade, em vá rios lugares a Bíblia nos dá maiores indicaçõ es sobre a natureza da
analogia. Deus criou o homem à sua imagem e lhe concedeu o domínio, segundo Gênesis 1.
A capacidade do domínio humano é derivada do domínio divino e da sua decisã o de dar ao
homem essa capacidade. Ademais, Deus em sua providência aponta seres humanos
específicos para posiçõ es de autoridade governamental (Sl 75.7; Dn 2.21; Rm 13.1). Deus
designa autoridades humanas a partir de sua autoridade. Assim, o uso da palavra rei para
se referir a Deus e a seres humanos nã o se dá por apenas um acidente de linguagem.
Descansa na analogia genuína entre Deus e homem. Há primeiro a analogia geral
procedente da criaçã o do homem à imagem divina. Entã o temos a analogia específica entre
a autoridade divina e a autoridade do ser humano, designado por Deus. Se começarmos,
como muitas pessoas fazem, do nível terreno, pode-se alegar que os seres humanos sã o
literalmente reis, ao passo que Deus é rei só em sentido estendido, metafó rico. Todavia,
quando nos lembramos de que o uso da palavra rei depende da analogia já existente,
podemos muito bem reverter a ordem do pensamento. Deus é o rei originá rio, o rei
humano é apenas uma sombra, có pia ou imagem.
Do mesmo modo, Deus é o Pai originá rio: ele é Pai do Filho. Os pais humanos sã o có pias,
imagens da paternidade divina. Deus nã o é “pai” no mesmo nível do pai humano; mas ele é
um pai, na verdade, o Pai supremo, e nossa linguagem permanece com sentido quando o
chamamos Pai. (De novo, trata-se de linguagem analó gica.) O Filho também é a Palavra, de
acordo com Joã o 1.1. A “Palavra” nã o está no mesmo nível das palavras humanas. Mas ainda
faz sentido dizer que ele é a Palavra. Na verdade, em sentido ontoló gico ele é a Palavra
originá ria: as palavras e os discursos humanos sã o imagens.
Cristo é a imagem do Deus invisível (Cl 1.15). Como em outros casos, a palavra imagem
funciona em sentido analó gico. É semelhante à relaçã o da imagem na criaçã o, como a
relaçã o entre Deus e o homem feito à sua imagem, ou entre Adã o e Sete, que tinha como
imagem seu pai, Adã o. E entã o um corpo inanimado, como uma pedra ou uma bola de
borracha, pode ser uma “imagem” das posiçõ es, movimentos e forças de um ser humano.
Assim, pode-se confiar que se vê uma analogia genuína aqui. O cético pode negar a
existência da analogia, mas ele nã o diria que a palavra imagem — usada para designar um
corpo físico — nã o tem nenhuma ligaçã o com a palavra imagem — para designar a criaçã o
do homem. Precisamos responder que, pelo fato de entender Deus por meio de relaçõ es
analó gicas, a palavra imagem , quando aplicada a Deus, se relaciona de fato à s ligaçõ es
analó gicas percebidas na criaçã o. Precisamos afirmar a distinçã o entre Criador e criatura
(transcendência); mas igualmente precisamos afirmar a acessibilidade de Deus pelo
homem, a criatura (imanência), uma acessibilidade dependente de Deus ter estabelecido
analogias reais e diversas na criaçã o que testificam seu cará ter e ostentam sua marca.
O fato de o homem ser feito à imagem de Deus é claramente, e de longe, o exemplo mais
notá vel do testemunho na criaçã o do Deus que o fez. Mas por que nã o deveria o
testemunho se estender em nível derivativo e atenuado a outras criaturas? Plantas e
animais formam “imagens” da vida divina ao produzir uma geraçã o à sua imagem. Por que
nã o deveríamos esperar que mesmo algo inanimado forme uma imagem sobre o cará ter de
Deus? E de fato isso ocorre, como vimos nas ilustraçõ es com o trovã o, a luz e as nuvens.
REALIDADE
Qual é a luz “real” ou a vida ou a palavra “verdadeira”? A palavra “real” deveria acender um
alerta vermelho. Como vimos no Capítulo 15, no mundo cuja ontologia é definida em
cará ter exaustivo pela palavra divina, todas as coisas que se conformam a essa palavra sã o
“reais”. A “realidade” acaba sendo algo rico, maravilhoso e multidimensional. A luz física é
real; a “luz” redentora da revelaçã o é real e a fonte de luz na segunda Pessoa é real. A
atmosfera moderna pode nos tentar a descrever um ou mais desses níveis como “apenas”
metafó ricos, em tom depreciativo. Contuco, precisamos de uma teologia da linguagem e de
uma teologia da metá fora que eliminem o elemento depreciativo. A linguagem humana
[202]
é uma imagem da Palavra e, como tal, aponta para algo profundo. Uma metá fora dada por
Deus nã o é “apenas” uma metá fora, mas uma relaçã o dessas coisas profundas.
Em outras palavras, do ponto de vista ontoló gico, a luz, a vida e a palavra originais sã o a
Palavra eterna, o Filho do Pai. As manifestaçõ es terrenas sã o reflexos “metafó ricos”
designados por Deus para nos mostrar de verdade o que é real. Elas revelam o Filho, sua
fonte, como uma janela revela a paisagem além. Pode-se olhar o vidro da janela ou se pode
olhar pela janela, como o observador quiser. Todavia, a analogia é imperfeita, pois a janela
é algo criado, distinto da paisagem criada, ao passo que a luz e a vida e a palavra neste
mundo existem só para serem sustentadas por aquele que é a Luz, a Vida e a Palavra
originais que as concedeu.
A luz neste mundo nã o tem “substâ ncia” independente da Luz originá ria, é totalmente
dependente dela. Ela é tã o transparente à Luz incriada que nã o podemos distinguir as
duas? Sim, podemos distingui-las. Neste mundo, a luz possui relaçõ es físicas, matemá ticas e
estéticas que podemos descrever em detalhes e sujeitar à aná lise. A Luz incriada é luz de
fato, mas nã o se sujeita à “decomposiçã o” em relaçõ es analíticas. Assim, ele também é Luz,
Palavra, Verdade, Sabedoria, Pã o e Vinho, de forma que podemos pensar nas relaçõ es com
outros sentidos depois de tudo. Todo o sentido reside no governo da verdadeira Sabedoria
divina.
A criaçã o de Deus é real e distinta dele. Contudo, ela nã o é independente de Deus. Deus
governa o mundo que ele criou e também o mundo demonstra muitos reflexos do seu
cará ter.
Além disso, a reproduçã o acontece segundo as linhas estabelecidas pela Palavra de Deus:
“A terra, pois, produziu relva, ervas que davam semente segundo a sua espécie e á rvores
que davam fruto, cuja semente estava nele, conforme a sua espécie” (Gn 1.12). Cada planta
gera um tipo particular de semente, “semente segundo a sua espécie”, ou um fruto
particular. Os israelitas sabiam que a semente dava origem a novas plantas e á rvores, de
acordo com a espécie particular. Sementes de aveia levam à colheita de plantas de aveia em
crescimento. O padrã o é levado até o mundo animal também. Ovelhas nascem de ovelhas. O
mandamento “sede frutíferos e multiplicai-vos” dirigido à s criaturas aquá ticas presume a
ocorrência da multiplicaçã o segundo as espécies mencionadas pela Palavra divina. Daí, a
Palavra de Deus especifica e controla nã o só o ato originá rio da criaçã o, mas também o
padrã o continuado de crescimento e reproduçã o de acordo com as espécies. Israel precisa
reconhecer que todos os dias, enquanto agricultores e pecuaristas cultivam safras e gados,
eles dependem da fidelidade de Deus à sua Palavra.
Assim, a instruçã o divina em Gênesis 1 possui funçõ es prá ticas. Contudo, como seres
humanos crescem em conhecimento e continuam a refletir sobre os animais e as plantas,
Gênesis também fornece indicaçõ es para o início da classificaçã o taxonô mica de animais e
plantas. A palavra “espécies” nã o pode ser equacionada com espécie ou gênero ou família
ou qualquer outro termo posterior usado na classificaçã o taxonô mica técnica . É mais um
termo geral, mais comum para denotar o que israelitas comuns podiam observar: um bode
é, em muitos aspectos, mais semelhante a outro bode que a cachorros ou ratos; e bodes
geram mais bodes como eles pró prios.
Na verdade, os israelitas observadores descobririam que o princípio da reproduçã o
segundo espécies aplica-se em um sentido alterado mesmo dentro de uma ú nica espécie. Se
for escolhida a melhor semente ou os melhores bodes para reproduzirem a pró xima
geraçã o, mais provavelmente serã o obtidos bons resultados. Pela seletividade no decorrer
do nú mero de geraçõ es, pode-se produzir uma variedade distinta dentro de uma espécie.
Todavia, uma reclamaçã o surge de imediato: o relato de Gênesis 1 parece “errar” a
classificaçã o ao agrupar todas as criaturas aquá ticas juntas, em lugar de classificar baleias e
golfinhos em separado com os mamíferos. O cientista classifica baleias e golfinhos com
mamíferos, enquanto classifica peixes ó sseos separadamente e crustá ceos e mariscos e
esponjas em outros grupos. O cientista pode também reclamar que os morcegos deveriam
ser classificados com os mamíferos em lugar dos pá ssaros. Gênesis, contudo, agrupa todas
as criaturas voadoras juntas. Mas na verdade nã o há nada errado com a classificaçã o de
Gênesis. Mais uma vez ajuda pensar na distinçã o entre a linguagem comum da observaçã o
da linguagem técnica e das preocupaçõ es técnicas da ciência. A Bíblia nã o interrompe aqui
sua grande narrativa para lidar com cada exceçã o possível. No nível mais comum baleias,
golfinhos e morcegos nã o sã o “exceçõ es”, pois baleias e golfinhos vivem no mar e os
morcegos voam no ar. Os animais nã o sã o agrupados em termos de similaridades técnicas,
morfoló gicas ou genéticas, mas em termos da ó bvia similaridade de habitat . O israelita
primitivo poderia presumir com facilidade que a semelhança de habitat dita a similaridade
em todos os outros níveis. Deus é cheio de surpresas e mais tarde o pesquisador detalhista
descobre que baleias e golfinhos se encontram entre as surpresas. O estudo técnico
adiciona uma camada adicional de riqueza ao entendimento da Palavra divina que rege as
espécies. Mas ele nã o mina as diferenças ó bvias de habitat ou outras características.
IMAGENS FEITAS NA VIDA
Quando os animais se reproduzem “segundo sua espécie”, eles produzem outros animais
que se parecem e se comportam como os progenitores e os ascendentes. Eles produzem
có pias ou semelhanças de si mesmos. Todo o padrã o lembra-nos da feitura de imagens que
vimos no taberná culo. Assim, caso proceda, qual a ligaçã o disso com a confecçã o de
imagens?
Em Gênesis 1 “criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou”
(Gn 1.27). No mínimo isso quer dizer que o homem foi feito como Deus. E vimos
circunstâ ncias em que o homem se assemelha a Deus. O homem é como Deus no domínio
concedido por Deus ao homem, na habilidade de usar a linguagem e nomear os animais.
Gênesis 5.1-3 toma a linguagem de Gênesis 1 ao olhar para a posteridade de Adã o:
Este é o livro da genealogia de Adã o. No dia em que Deus criou o homem, à
semelhança de Deus o fez; homem e mulher os criou, e os abençoou, e lhes chamou
pelo nome de Adã o, no dia em que foram criados. Viveu Adã o cento e trinta anos, e
gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete.
Sete foi gerado “à sua semelhança, conforme a sua imagem”, uma descriçã o que claramente
ecoa a criaçã o do homem à imagem divina, conforme a sua semelhança. Adã o nã o é Deus,
mas ele imita a Deus em um nível criado ao produzir “conforme a sua imagem”. No contexto
isso significa à semelhança de Adã o, nã o à semelhança de Deus. Entretanto, como
Gênesis 5.1 afirmara que Deus fez Adã o à semelhança divina, Sete também foi feito à
semelhança de Deus. Na verdade, infere-se com facilidade que todos os descendentes
demonstrarã o o mesmo padrã o — confirmado por Gênesis 9.6, 1 Coríntios 11.7 e outras
passagens. [204]
O homem foi distinguido de todos os animais ao ser feito à imagem divina. Contudo, nessa
pró pria distintividade também se percebe ironicamente uma semelhança, pois os animais
se reproduzem “segundo a sua espécie”. O texto nunca diz em muitas palavras que o
homem se reproduz segundo a sua espécie. Mas a reproduçã o “conforme a sua imagem” é
bem similar. A humanidade nã o é só mais um tipo de animal, no nível de outros animais —
assim evitar a expressã o “segundo a sua espécie” é uma boa medida. Mas a ideia é similar,
similar o suficiente para sugerir que, mesmo os animais nã o estando no nível da
humanidade, eles espelham a humanidade no nível inferior. Podemos dizer que a
reproduçã o animal reflete a reproduçã o humana? Gênesis 1 nã o descreve o relacionamento
entre homem e animal de forma explícita. Apenas o sugere, e quanto mais as pessoas
começam a olhar para os aspectos bioló gicos da reproduçã o entre os animais, mais
perceberã o analogias chocantes entre homens e animais.
Se a reproduçã o animal reflete a reproduçã o humana, a imagem se dá de qualquer outra
forma? O comportamento animal é uma imagem do humano? Só é preciso observar os
macacos para se divertir com as semelhanças. A fisiologia animal é uma imagem da
fisiologia humana? Exploraçõ es dos ó rgã os e organizaçã o corporal mostram muitas
semelhanças entre humanos e primatas e mais amplamente entre humanos e mamíferos.
Deveríamos ser mais gratos por essas analogias quando se fala do tratamento de doenças
humanas. Muitas hipó teses sobre doenças humanas e tratamentos para elas podem ser
testados em animais primeiro por causa das semelhanças entre animais e humanos.
Portanto, as imagens feitas entre animais sã o aná logas à s imagens feitas entre seres
humanos. Isso implica que os animais sã o apenas uma imagem do homem, que é a imagem
real ? Nã o. O s animais possuem existência e integridade pró prias. Eles sã o, afinal, uma
criaçã o de Deus e nã o do homem. Deus reflete sua pró pria vida incriada nas coisas que faz.
Uma das maneiras de demonstrar sua gló ria é por meio do mistério da vida criada na terra
— fauna e flora. Como devemos pensar sobre os reflexos de Deus no mundo criado? Deus é
distinto da criaçã o. Nã o misturamos ou confundimos o Criador com as criaturas. A vida
incriada de Deus é distinta da vida criada das criaturas. Mas Deus mostra algo de si na
criaçã o e deixa reflexos de seu cará ter e atividade, nã o só no homem — a coroa da criaçã o
—, mas em outras criaturas também. Isso porque há analogias entre a vida e a reproduçã o
animais e a vida e reproduçã o entre seres humanos. Animais e homens refletem, à sua
maneira, o cará ter e a vida de Deus.
As imagens, ou de forma mais ampla, os relacionamentos analó gicos, se estendem por
muitos aspectos do mundo bioló gico. Mesmo no nível molecular, DNA e proteínas mostram
analogias surpreendentes. Podemos comparar o DNA e as proteínas contidas em células de
diferentes tipos de animais e plantas e eles mostram similaridades notá veis. Por exemplo, o
citocromo C, uma proteína envolvida no metabolismo celular, corre em células por quase
todo o reino das plantas e animais, incluindo bactérias. Mas a sequência exata de
aminoá cidos a formar a proteína difere quando se passa de um grupo taxonô mico para
outro.
A replicaçã o do DNA na divisã o celular é um tipo de reproduçã o de um original. A có pia é
uma “imagem” do DNA original. A réplica do DNA em nível molecular é aná loga à réplica de
uma célula por divisã o celular. A divisã o celular é aná loga à réplica do animal por meio de
reproduçã o, sexuada ou assexuada. Todos os casos de réplica sã o formas de fazer imagens.
De onde procede essa confecçã o de imagens? Nã o perguntamos sobre causas materiais,
mas sobre o padrã o que expressa a ideia. A reproduçã o humana reflete a criaçã o do homem
à imagem divina. A origem está em Deus e é claro que na sua Palavra ele controla a
expressã o da ideia entre humanos e animais e plantas. Mas fazer imagens nã o é só uma
ideia na mente divina. Expressa a realidade ú ltima do ser divino, na medida em que o Filho
é a imagem originá ria do Pai (Cl 1.15; Hb 1.3). A revelaçã o do Filho vem depois do material
veterotestamentá rio sobre a criaçã o. Todavia, a realidade desvelada precede e fundamenta
a criaçã o. Deus fez o homem à sua imagem, porque, mesmo antes da criaçã o do homem, o
Pai amou o Filho, que era a sua imagem. Deus fazer o homem espelhava ou refletia o Filho,
a imagem originá ria.
Contudo, a dessemelhança também nos confronta. O Filho foi “gerado, nã o feito”, como o
Credo Niceno nos lembra. O homem foi feito , feito como criatura. Em contraste, o Filho é
eterno. Assim, porque dizemos que foi “gerado”? “Gerado” em uso comum descreve a
relaçã o entre o pai e o filho dentre seres humanos. Adã o gerou Sete. Em linguagem mais
moderna, dizemos que ele foi seu pai (Gn 5.3). Quando usamos o termo “pai” ou “gerar”
com respeito a Deus, obviamente o usamos de modo analó gico. Temos a base clara da
analogia no fato de Adã o ter sido pai de Sete, e este era “à sua semelhança”, claramente
imitando a Deus, o pai de Adã o “à sua imagem”, que imita o Filho sendo a imagem do Pai. A
origem dessas imitaçõ es está no Pai — o Pai do Filho —, cuja vida trinitá ria é o original
dessas derivaçõ es.
A Bíblia indica que o Pai enviou o Filho ao mundo para nascer da virgem Maria (Gl 4.4; cf.
Mt 1.18, 23). A linguagem sobre “enviar” o Filho implica que ele era o Filho em relaçã o ao
Pai mesmo antes de vir ao mundo na encarnaçã o. Quando se tornou homem e nasceu da
virgem Maria, seu nascimento especial demonstrou e confirmou ser ele o eterno Filho. O
que aconteceu no tempo e no espaço na encarnaçã o nos foi uma janela para entender quem
o Filho era: a saber, o Filho do Pai. A encarnaçã o sem um pai humano refletia a relaçã o
eterna de Deus Pai ao Filho. Sublinhamos o cará ter do reflexo de relacionamentos eternos
quando dizemos que o Pai gera eternamente o Filho. O Credo Niceno fala de Cristo como “o
unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da
Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado nã o feito, de uma só substâ ncia com o
Pai”. A palavra gerado indica que o Pai gera ou é pai do Filho eternamente. Confessamos
isso nã o porque entendemos, mas por que assim indicamos que a encarnaçã o mostra quem
Deus é, e quem eternamente foi, a saber, o Pai que se relaciona como Pai do Filho no poder
do Espírito Santo (Mt 1.18; Lc 1.35). Deus demonstra seu cará ter verdadeiro nas relaçõ es
trinitá rias por meio do acontecimento ú nico e singular da encarnaçã o.
Assim, com reverência e mistério, podemos dizer que Deus nã o é eternamente imó vel ou
inativo, mas eternamente ativo. O Pai ama o Filho e o Filho ama o Pai (Jo 3.35; 14.31). O Pai
é Pai do Filho e o Filho rende seu serviço Filial ao Pai. O Pai se reflete no Filho e o Filho é
imagem do Pai, como é belamente expresso no contexto redentor: “Em verdade, em
verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de si mesmo, senã o somente aquilo que vir
fazer o Pai; porque tudo o que este fizer, o Filho também semelhantemente o faz” (Jo 5.19).
A atividade eterna do Pai com o Filho por meio do Espírito produziu uma imagem no tempo
quando Deus criou o homem à sua imagem. O homem, como filho criado, precisa imitar o
Filho, a imagem original; o homem precisa imitar o Pai que o fez como imagem. E ele imita
essa confecçã o da imagem no ponto culminante ao também fazer imagens, Adã o foi pai de
um filho. Que conquista mais exaltada poderia ter o homem que produzir uma nova
criatura? Ela pró pria é uma imagem de Deus!
“Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si
mesmo” (Jo 5.26). O contexto da afirmaçã o em Joã o é redentor. Mas, como sempre,
podemos inferir que o princípio se estende à criaçã o. Por toda a eternidade, o Pai tem vida
em si mesmo; ele é Pai do Filho como sua imagem; portanto, o Filho também tem vida em si
mesmo. Entretanto, Adã o recebe vida, mas, por ser criatura, nã o tem vida “em si mesmo”;
ele é capaz de propagar vida à Sete apenas por viver e se mover e existir em Deus
(At 17.28). A vida e sua propagaçã o têm sua fonte em Deus. Deus nã o só controla e ordena a
vida; ele a controla e ordena em imitaçã o de si mesmo. Ele é o Deus vivo (Mt 16.16; etc.);
possui vida divina. Assim, reflete a pró pria vida na vida do mundo. Ele ama o Filho e, por
amor, produz imagens de amor por todo o mundo. Ele ama o Filho e o impulso desse amor
ativo dá à s criaturas, como uma imagem de si mesmo, o poder criado de amar, agir e ser
pai.
Os atos de fazer imagens e copiá -las ocorrem de modo especial no mundo bioló gico, o
mundo da vida. Na verdade, a biologia hoje possui alguns termos especiais para tais
padrõ es. Analogia significa “correspondência de funçã o entre partes anatô micas de
estrutura e origem diferentes”, enquanto homologia significa “semelhança em estrutura
entre partes de organismos diferentes devido à diferenciaçã o evolutiva da mesma parte ou
de parte correspondente de um ancestral remoto”. A segunda definiçã o, pelo menos
[205]
uma má quina foi feita (seu propó sito) podemos dizer se ela está intacta ou quebrada,
funcionando ou parada, efetiva ou inefetiva, eficiente ou ineficiente. Princípios semelhantes
se mantêm quando olhamos para organismos vivos, uma ú nica célula viva ou mesmo para
as má quinas moleculares de uma célula.
Quando falamos dessa forma, nã o tentamos reviver uma filosofia de vitalismo que diz que
uma força de vida fantasmagó rica aparece nas coisas vivas além disso, à s forças químicas e
físicas comuns. As aná lises químicas e físicas sã o vá lidas e descobrem verdades reais com
suas aná lises. Entretanto, a palavra de Deus possui muitas dimensõ es, e controla nã o só
açõ es físicas e químicas, mas as atividades distintas de coisas vivas, com propó sitos
segundo o seu plano , propó sitos que o homem pode discernir em parte por ter sido criado à
imagem divina.
Descriçõ es de propó sito complementam descriçõ es de energia física, em vez de postular
outro tipo de energia no mesmo nível. Suponha que Sally entre no carro para ir trabalhar.
Podemos escolher focar nas atividades físicas, químicas e mecâ nicas envolvidas nas
contraçõ es musculares de Sally e seu movimento corporal. Ou podemos focar no propó sito
de Sally, a saber, ir trabalhar. As duas formas de observar Sally sã o complementares. O
propó sito de Sally nã o é uma forma extra de energia física ou movimento físico . Ele fica ao
lado do aspecto físico como uma explicaçã o em outro nível. Do mesmo modo, em nível
celular, podemos observar os cromossomos de uma célula se duplicarem e se alinharem em
um eixo central em preparaçã o à divisã o celular. Podemos focar nas forças físicas e nos
processos químicos envolvidos em duplicar os cromossomos e os alinhar. Ou podemos
focar no propó sito, e dizer que a célula está se preparando para se dividir. As duas aná lises
sã o verdadeiras, mas em níveis diferentes. Resistimos à reduçã o do físico ao propó sito ou
do propó sito ao físico, porque a palavra de Deus é rica o suficiente para atribuir sentido e
estrutura distintos a ambos.
PODER E CONTROLE NAS COISAS VIVAS
O conceito de propó sito possui conexõ es com padrõ es de controle nas coisas vivas. Para
alcançar o propó sito pelo qual algo vivo foi designado, é preciso controlar processos
subordinados dentro de si e no ambiente. O controle executa um propó sito. Pode-se,
portanto, traçar analogias entre níveis diferentes de controle.
Primeiro, Deus controla todos os acontecimentos segundo o seu plano. “... segundo o
propó sito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
“Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o SENHOR o nã o mande? Acaso, nã o
procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?” (Lm 3.37, 38). O Filho de Deus exerce
controle para executar o plano do Pai. “A minha comida consiste em fazer a vontade
daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34). Seres humanos, tendo recebido
domínio de Deus, controlam as criaturas que se encontram abaixo deles. Os animais
controlam nã o só o pró prio corpo, mas sua comida, e interagem de maneiras complexas
para exercer algum controle do ambiente: fazendo ninhos e tocas, caçando presas, cavando
para encontrar sementes e assim por diante. As plantas controlam seu crescimento de
forma ordenada e os processos reprodutivos. Mesmo células individuais controlam seu
formato e a composiçã o química de seu protoplasma.
AVALIANDO A EVOLUÇÃ O
Quando se leva a sério a demonstraçã o da gló ria do Pai, do Filho e do Espírito na vida,
levantam-se questõ es sobre a teoria evolutiva moderna. Distinguimos antes três sentidos
de evoluçã o (Capítulo 5). Microevolução descreve pequenas variaçõ es de ocorrência
observá vel de geraçã o em geraçã o, mediante a operaçã o de mutaçã o, seleçã o natural e [207]
seleçã o controlada por humanos na reproduçã o. Macroevolução descreve a hipó tese de que
a operaçã o da microevoluçã o por um grande nú mero de geraçõ es produziu de um pequeno
começo, provavelmente uma ú nica protocélula inicial, toda a panó plia de vida que
observamos hoje. Naturalismo evolutivo descreve a cosmovisã o materialista que apela à
macroevoluçã o como apoio. Já rejeitamos o naturalismo evolutivo. Agora iremos focar na
teoria macroevolutiva.
A teoria usa evidências a seu favor na forma de analogias e homologias. Na embriologia, nos
fó sseis, na genética, na morfologia e na aná lise molecular, encontramos analogias entre
organismos. As analogias sã o tã o disseminadas e impressionantes que apontam para a
ancestralidade comum de uma ú nica origem no passado remoto. Ou será que nã o? Ao
seguir uma cadeia de raciocínio colocada em movimento pela Bíblia, chegamos à explicaçã o
alternativa: as analogias se derivam do padrã o comum no pró prio Deus. O padrã o é
espelhado e refletido e replicado inú meras vezes ao refletir a ú nica Palavra eterna nas
palavras de Deus com respeito ao mundo da vida. As analogias mostram um design comum
por um designer comum.
E o registro fó ssil? Os defensores da macroevoluçã o argumentam que os fó sseis
demonstram o padrã o de uma á rvore evolutiva (embora permaneçam lacunas graves entre
os ramos importantes). De onde veio o padrã o da á rvore, se nã o da ancestralidade comum?
Pode-se oferecer mais de uma resposta. Em contraste à resposta macroevolutiva
convencional, observe-se apenas que Deus planejou o padrã o; nã o se trata de uma ilusã o.
Uma ú nica á rvore viva possui galhos e ramos menores e ramos maiores e um tronco que
em muitos aspectos sã o a imagem um do outro. O crescimento da á rvore mostra o padrã o
de ramificaçõ es que replicam o crescimento da ú nica haste originá ria. E se o padrã o da vida
pelas eras geoló gicas espelha a vida em escala menor, a vida de uma á rvore? Entã o se torna
mais um exemplo de uma imagem feita. [208]
O motivo de se fazer imagem mostra que podemos organizar toda a evidência citada em
prol da teoria evolutiva na estrutura de design . Deus planejou toda a vida, dos detalhes
microscó picos à s maiores reviravoltas. Ele usou um padrã o para o design — a si mesmo. O
Pai é Pai do Filho como sua imagem. Em harmonia com isso, Stephen Jay Gould disse: “Algo
quase indizivelmente santo [...] subjaz à nossa descoberta e confirmaçã o dos reais detalhes
que fizeram o nosso mundo”. [209]
CAUSAS SECUNDÁ RIAS
Agora precisamos voltar à observaçã o de que Deus, como causa primá ria, governa as
causas secundá rias, e as causas secundá rias nã o competem com a causa primá ria como se
estivessem no mesmo nível (Capítulo 13). Afirmamos que Deus planeja toda a vida, até os
menores particulares: este besouro em particular, nã o apenas a espécie maior da qual este
besouro é um representante. A Bíblia faz vá rias afirmaçõ es como ao comentar que Deus
governa a vida e a morte de animais individuais:
Se ocultas o rosto, eles [os animais] se perturbam; se lhes cortas a respiraçã o, morrem
e voltam ao seu pó . Envias o teu Espírito, eles sã o criados, e, assim, renovas a face da
terra. (Sl 104.29, 30)
O salmo neste ponto descreve o sustento providencial dos animais por Deus. Assim, a
“criaçã o” mencionada nã o é a de Gênesis 1, mas a criaçã o da nova geraçã o de animais
individuais, depois de a geraçã o mais velha, em grande parte, morrer. Do mesmo modo, o
salmista descreve o cuidado de Deus ao criá -lo como indivíduo:
Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mã e.Graças te dou,
visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras sã o
admirá veis, e a minha alma o sabe muito bem. (Sl 139.13, 14)
Em termos teoló gicos, dizemos que Deus age como causa primá ria para a criaçã o de novos
animais ou um novo ser humano individual, mas ele traz o resultado por meio de causas
secundá rias, isto é, os processo normais de conceito, gestaçã o e nascimento.
EXCEÇÕ ES NOS MEIOS PARA PRODUZIR NOVOS INDIVÍDUOS
Será que as causas secundá rias sempre operam da mesma forma ao fazer novos
indivíduos? Elas nã o operaram no caso do nascimento de Cristo, pois ele nasceu de uma
virgem (Mt 1.18-25). Elas nã o operaram no caso de Eva, porque ela foi feita da costela de
Adã o (Gn 2.21-23).
Podemos encontrar pessoas que discutem essas exceçõ es; isto é, elas negam o nascimento
virginal de Cristo e a criaçã o especial de Eva. Deveríamos esperar essa reaçã o na época
dominada pela ciência, porque a cultura contemporâ nea tende a interpretar a “ciência”
como a implicaçã o de leis impessoais que nã o admitem exceçõ es. Em contrapartida,
quando as leis sã o generalidades sobre o governo do Deus pessoal, a estrutura da ciência
muda de forma radical e as respostas sã o dadas de modo diferente.
Uma exceçã o é apropriada no caso de Cristo, porque ele é o ú nico Filho de Deus. E, como
Adã o, ele é o começo de uma nova raça, a humanidade renovada da “nova criaçã o”
(2Co 5.17). A exceçã o nã o resulta em absurdo, mas racionalmente entra em coerência com
o plano do Deus pessoal. A exceçã o também é apropriada ao caso de Eva, por ter sido a
primeira mulher. Se Adã o tivesse sido deixado sozinho, os seres humanos nã o poderiam
surgir usando o curso normal das causas secundá rias. Por ú ltimo, a exceçã o é apropriada
no caso de Adã o, porque ele é o primeiro homem.
CRIAÇÃ O DE EVA A PARTIR DA COSTELA DE ADÃ O
Eva realmente proveio de uma costela de Adã o? Alguns intérpretes preferem a
interpretaçã o figurada da costela. Entã o precisamos olhar com mais cuidado para o sentido
de Gênesis 2.21, 22. Consideraremos Henri Blocher representante da interpretaçã o
figurada (embora ele se recuse a ser dogmá tico). [210]
Ele se equivoca vá rias vezes aqui. Para começar, a parte do “alter ego” em diante deveria
ser cortada, por carecer de fundamentaçã o só lida. “Lado” nã o significa nem implica “alter
ego”, mesmo em inglês. E o hebraico nã o corresponde necessariamente ao á rabe ou ao
inglês. Os dados do hebraico bíblico nã o fornecem uma base firme para essas associaçõ es.
A palavra hebraica em questã o, tsela‘ , de fato possui dois sentidos: “costela” e “lado”. O
sentido de “costela” ocorre no Antigo Testamento só em Gênesis 2.21, 22, em outros
lugares encontramos o “lado” da arca (Ê x 25.12), do taberná culo (Ê x 26.20) e do altar
(Ê x 27.7). Também encontramos a palavra usada para se referir a câ maras laterais ou
alguma parte adjacente do templo (1Rs 6.5, 6; Ez 41.5), a quadros (suportes em formato de
costela?) da parede do templo (1Rs 6.15, 16) e ao lado (ou cume?) de uma colina
(2Sm 16.13). [213]
Gênesis 2.21, 22, onde Deus “tomou uma das suas costelas/lado e fechou o lugar com
carne”. A descriçã o demanda algo menor que um lado inteiro. Daí, a palavra significar
“costela” aqui, como no hebraico posterior. Na verdade, nã o é tã o certo que a palavra
hebraica sequer tenha o sentido de “lado” no contexto mais estrito que designa parte do
corpo . Todos os casos existentes nesse contexto têm o sentido de “costela”. A palavra tem o
sentido de “lado” quando se aplica a uma construçã o ou a uma peça de mobília.
Devemos notar também que nenhuma das passagens bíblicas em questã o contém qualquer
sugestã o de uso metafó rico ou figurado, nada como a “melhor parte” de Blocher. Em teoria,
é possível o sentido figurado; mas nã o há evidência linguística só lida para ele, e se o sentido
da passagem é figurado, a figura quase certamente pertence à toda a passagem, nã o só ao
termo “costela”.
A atratividade da interpretaçã o figurada de fato emerge de consideraçõ es teó ricas. Blocher
cita Matthew Henry:
Deus nã o fez a mulher “da sua cabeça para dominar sobre ele, nem de seu pé para ser
pisada por ele, mas do seu lado para ser igual a ele, debaixo de seu braço para ser
protegida e perto do seu coraçã o para ser amada”. [216]
Teologicamente, Henry descreve o papel da mulher de modo aceitá vel e com cores ricas, e
Gênesis 2 com certeza pode sugeri-las. Mas as conclusõ es teoló gicas nã o minam a
fisicalidade da figura originá ria. Como o ato sexual humano significa comunhã o pessoal
plena, nã o apenas uniã o física, da mesma forma o modo de Deus criar contém significados
sobre a natureza da mulher entã o criada, mas nenhuma observaçã o prejudica a realidade
do aspecto físico. Na verdade, pode-se mesmo questionar se algumas pessoas fogem do
aspecto físico para a interpretaçã o totalmente figurada devido ao embaraço platô nico com
o aspecto físico, como se fosse algo indigno do envolvimento direto de Deus ou irrelevante
para entender o cerne real da personalidade humana.
Assim, concluo que embora Gênesis 2.21, 22 termine em mistério, o texto de fato indica
algo sobre os meios pelos quais Deus fez Eva. Ele usou meios naturais, a saber, o sono
profundo e a costela. Eles nã o eram os meios normais que vemos hoje atuantes na
reproduçã o.
CRIAÇÃ O INICIAL DE ESPÉ CIES
Eva, a primeira mulher, é como nenhuma outra mulher e certamente nã o é como um
animal. Sua criaçã o é ú nica. Já vimos paralelos analó gicos entre seres humanos e animais e
plantas. Entã o precisamos levantar a questã o sobre a criaçã o do primeiro bode e do
primeiro burro terem sido ú nicas de forma aná loga. Teria Deus operado sem meios comuns
ou se valido deles de forma incomum, que nã o podemos antecipar e nã o podemos
vislumbrar? Nã o sabemos. Com certeza nada em Gênesis exclui meios incomuns.
Os evolucionistas predominantes nã o podem estar certos ao afirmar de antemã o que os
processos envolvidos na criaçã o das plantas e dos animais sã o “naturais” no sentido de
serem plenamente inteligíveis à luz dos processos comuns de reproduçã o? Quando os
evolucionistas bloqueiam exceçõ es de antemão , eles agem com dogmatismo pelo qual nã o
podem apresentar nenhuma base racional. Eles possuem apenas a crença no materialismo
ou a crença em outras possibilidades impossíveis ou na falta de consciência dos
pressupostos anteriores na tradiçã o científica, cujo fluxo eles seguem.
A Bíblia abre a possibilidade de que outros casos possam, como o de Eva, envolver
processos incomuns. Podemos dizer mais? A Bíblia contém informaçõ es positivas sobre
como Deus criou os variados tipos de plantas e animais?
PONTOS DE VISTA ALTERNATIVOS SOBRE A ORIGEM DE ESPÉ CIES DIFERENTES
Ao analisar Gênesis 1, os cristã os desenvolveram três pontos de vista diferentes sobre a
origem das plantas e dos animais. O criacionismo por fiat diz que Deus criou cada espécie
diferente em um momento e que o processo inteiro da criaçã o de espécies transcorreu em
um curto período (comumente, 6 dias de 24 horas). O criacionismo progressivo admite que
os atos de criaçã o podem estar disseminados em milhõ es de anos, mas as espécies distintas
ainda vieram a existir por meio de atos especiais e distintos de criaçã o. A terceira opiniã o
afirma que Deus usou os meios normais de reproduçã o durante milhõ es de anos para
trazer mudanças graduais, o que levou à s espécies existentes hoje. Este ponto de vista é
chamado evolução teísta . A evoluçã o teísta concorda quase completamente com a
[217]
histó ria factual geral da vida postulada pelos evolucionistas nã o teístas. Já os evolucionistas
teístas podem dizer que os nã o teístas estã o corretos a respeito dos fatos; entretanto, a mã o
de Deus supervisou todo o processo de mudança gradual em formas de vida ao longo dos
milênios.
Na mente de muitos, a palavra “evoluçã o” se tornou intimamente associada à cosmovisã o
antiteísta do naturalismo evolutivo. “Evoluçã o teísta”, portanto, parece uma contradiçã o de
termos. Precisamos de um ró tulo melhor, talvez uma “produçã o gradual divinamente
controlada de espécies de vida”. Todavia, “evoluçã o teísta” é o ró tulo tradicional, de forma
que continuarei a usá -lo, com o entendimento de que nã o se deve importar o secularismo
ao ró tulo por causa da palavra “evoluçã o”. “Evoluçã o teísta” é apenas uma designaçã o
conveniente para a posiçã o que considera ter Deus usado meios comuns no passado.
Alguns evolucionistas teístas admitiriam que a criaçã o de Adã o e Eva por Deus pode ter
sido uma exceçã o. A admissã o de exceçõ es parece sá bia para mim, nã o só pelas
particularidades fornecidas pela Bíblia ao descrever a criaçã o de Eva, mas também porque
a transcendência divina implica que ele tem o poder de agir de modo excepcional. Nó s,
criaturas, nã o sabemos de antemã o quando o fará .
Assim, o debate interessante nã o versa sobre a possibilidade abstrata do que Deus pode
fazer, mas acerca do que ele provavelmente deve ter feito na maioria dos casos, dado o
testemunho da Escritura e a evidência que os cientistas podem explorar.
Se a criaçã o ocorreu em 6 dias de 24 horas ou qualquer período razoavelmente pequeno,
nã o houve tempo suficiente para o surgimento dos diferentes tipos de vida por variaçã o
reprodutiva normal. Possivelmente, Deus poderia ter acelerado bastante o processo
descrito pelos evolucionistas teístas. Isso parece imprová vel. Portanto, o conceito dos
6 dias de 24 horas leva a maioria das pessoas a adotar a criaçã o da vida por fiat . Ainda
temos que lidar com a evidência fó ssil e isso nos leva de volta à discussã o sobre a geologia
diluviana e da criaçã o madura. O ponto de vista da criaçã o madura pode dizer que os
fó sseis pertencem ao “tempo ideal”, mas a questã o ainda confronta o cientista sobre como
retratar melhor o desenvolvimento no tempo ideal, o que mostra processos aná logos aos
do tempo real. Portanto, mesmo na situaçã o com tempo ideal, somos deixados com um
debate entre criaçã o progressiva e evoluçã o teísta.
O argumento contra a evoluçã o teísta observa que Gênesis 1 retrata a criaçã o de forma
surpreendentemente simples. Deus falou e aconteceu. A origem das plantas, dos animais e
de todo o resto se dá pelo mero enunciado da palavra de Deus. Por exemplo, Gênesis 1 nã o
menciona os meios pelos quais Deus trouxe à existência o sol, a lua ou as estrelas. Entã o
podemos concluir que esses meios nã o existiram .
Contudo, esse raciocínio é falacioso. Ausência de menção nã o implica ausência de
existência . Por exemplo, Ê xodo 15 e Salmos 106.9, ao descreverem a saída do Egito, nã o
mencionam os meios criados e usados para dividir as á guas. “Repreendeu o mar Vermelho,
e ele secou” (Sl 106.9); “Com o resfolgar das tuas narinas, amontoaram-se as á guas”
(Ê x 15.8). Mas Ê xodo 14.21 menciona um “forte vento oriental”. O mero silêncio sobre o
vento em uma passagem nã o elimina a possibilidade de que outra passagem mencione o
vento. O silêncio sobre os meios permite a concentraçã o mais efetiva no ponto principal:
Deus o fez. Quer ele tenha usado um meio particular, quer outro, ou nenhum, tudo isso é
completamente secundá rio. É assim com Gênesis 1. Gênesis 1 apresenta o ponto principal:
Deus o fez. Nã o nos diz como. Gênesis 1.26-28 também afirma que Deus criou o homem,
mas nã o adiciona os detalhes dados em Gênesis 2.7, que ele usou um meio comum, isto é, o
pó , ao fazê-lo.
[218]
Desse modo, concluo que Gênesis 1 se harmoniza com a criaçã o por fiat . Sim, Deus poderia
criar cada tipo de animal em um instante, por sua palavra. Mas também se harmoniza com
a evoluçã o teísta, porque nã o ensina que Deus nã o usou meios. Em vez disso, há silêncio
sobre os meios a fim de se concentrar no ponto principal.
Outras pessoas rejeitam a evoluçã o teísta com base na linguagem em Gênesis 1 sobre as
espécies. Cada espécie de planta ou animal se reproduz segundo sua espécie. Esse
pronunciamento sugere que cada espécie está permanentemente fixada pela palavra de
Deus e nunca poderia evoluir gradualmente para outra espécie. Aqui, de novo, precisamos
de cautela sobre como lemos Gênesis 1. Como pessoas modernas, interessadas na ciência,
viemos a Gênesis 1 já com questõ es científicas sobre a evoluçã o em mente. Mas Gênesis 1
se dirigia a leitores israelitas, que nã o formulavam essas questõ es. Eles sabiam que
sementes de aveia geravam plantas de aveia e bodes nascem de bodes. Gênesis 1 lhes
mostrou que Deus estabelecera essa ordem e que eles poderiam depender dela. Como
sempre, Gênesis 1 se dirige aos “incultos” (homens modernos e pré-modernos) e fala à
experiência comum em vez das tecnicalidades surgidas com a ciência avançada. Ela diz,
com efeito, que se pode contar com a fixidade das espécies ao lidar com a pró xima geraçã o
e a geraçã o depois dela. Nã o afirma o que pode ocorrer ou nã o durante milhõ es de anos de
geraçõ es. Talvez possa haver uma derivaçã o gradual ou uma divisã o de uma espécie em
duas com características e habitats um pouco diferentes. Ou talvez nã o. Talvez as coisas
sejam muito fixas, nã o importa quantas geraçõ es passem no futuro. A Bíblia de fato nã o diz
se é de um jeito ou do outro.
Como em outras á reas, a Bíblia nã o responde diretamente todas as nossa possíveis
questõ es técnicas. Ela nos dá a grande figura, dizendo-nos sobre Deus, o homem e o pecado.
E convida a humanidade, como parte do exercício do domínio e da exploraçã o da sabedoria
de Deus, para ir lá fora e ver. Descobrir como Deus governa o mundo de forma detalhada:
“A gló ria de Deus é encobrir as coisas, mas a gló ria dos reis é esquadrinhá -las” (Pv 25.2).
Por exemplo, descubra os limites da reproduçã o. A reproduçã o de cachorros leva a nada
mais que cachorros; e se a reproduçã o é muito interna e restrita, a prole pode ser menos
saudá vel, mais delicada e pode mostrar mais efeitos colaterais indesejá veis. Sabemos isso
porque o fizemos. Poderíamos ter esse palpite de antemã o, mas ele nã o é tã o bom quanto o
resultado concreto, em parte por ser Deus transcendente e nossos palpites nem sempre
corresponderem à sua palavra.
Ou vá e olhe os fó sseis. Séculos antes, quando os fó sseis chamaram a atençã o humana, as
pessoas nã o tinham certeza do que observavam. Seriam restos de animais mortos muito
tempo atrá s ou apenas padrõ es estranhos em umas rochas? Poderíamos ter o palpite de
antemã o de que Deus criou outros tipos de plantas e animais agora extintos? Que [219]
padrõ es encontramos nos animais extintos que mostram semelhanças com as espécies
vivas hoje e diferenças delas? Há quanto tempo viveram? E a questã o controversa atual,
como Deus trouxe à existência todas as espécies? Por meios ou sem eles? O registro fó ssil
sugere um tipo de resposta mais prová vel que outro?
PROSSEGUINDO COM O CONHECIMENTO IMPERFEITO
Os cristã os defendem uma variedade de posiçõ es na leitura de Gênesis 1-2 e nas conclusõ es
a respeito da ciência e evoluçã o. Precisamos conviver com o fato de que todas as nossas
interpretaçõ es a princípio sã o falíveis. Mas também somos obrigados a agir com base no
que cremos ensinar Gênesis 1-2. Tenho indicado como entendo Gênesis 1-2 ao expressar
minha preferência pela perspectiva do dia analó gico. Dada essa linha, Gênesis 1-2 nã o
especifica uma extensã o particular por tempo de reló gio para a totalidade dos atos da
criaçã o. Como já argumentei, o texto também nã o nos fornece muitos detalhes sobre os
meios que Deus pode ou nã o ter usado ao criar as plantas e os animais. Isso deixa em
aberto as três opçõ es principais: criacionismo por fiat , criacionismo progressivo e
evoluçã o teísta (contanto que admitamos exceçõ es). Podemos provisoriamente decidir por
um ponto de vista só ao examinar a evidência fora da Escritura, isto é, derivada da
revelaçã o geral e do mundo regido por Deus.
Hoje, a evidência nas á reas da biologia e geologia histó rica é gigantesca. Livros inteiros sã o
dedicados a isso, argumentando em prol de um dos três pontos de vista, ou em prol da
visã o evolutiva sem o benefício da evoluçã o especificamente teísta . Por causa da
[220]
quantidade gigantesca de evidência, nã o posso entrar nos detalhes aqui. Mas podemos
preparar o terreno para a avaliaçã o sá bia. Ao avaliar a evidência, a cosmovisã o cristã
deveria ter um papel orientador. Sabemos que as cosmovisõ es influenciam o cará ter da
ciência, em parte pela influência sobre o conceito de alguém sobre a lei científica. Entã o é
preciso avaliar a evidência criticamente. Precisa-se perceber que o naturalismo evolutivo
confunde a figura, ao conceder preconceitos aos ideologicamente compromissados com ele.
Dentre os oponentes do naturalismo, pode resultar um tipo de preconceito reverso contra
qualquer coisa que tenha ligaçã o com a evoluçã o, incluindo a evoluçã o teísta.
AVALIAÇÃ O DA MACROEVOLUÇÃ O
Nos detalhes, a disputa se concentra em maior parte na macroevolução , isto é, a hipó tese
de que as grandes diferenças dos tipos de plantas e animais foram alcançadas no passado
por meio de processos normais e graduais de reproduçã o e seleçã o durante vá rias
geraçõ es. Nã o se discute a microevoluçã o (pequenas variaçõ es dentro de uma espécie). O
naturalismo evolutivo nã o deve ser apenas discutido, mas rejeitado com vigor.
O que dizer da macroevoluçã o? O registro fó ssil é fragmentado, com lacunas entre grandes
tipos diferentes. As pessoas já compromissadas com a macroevoluçã o, por motivos
filosó ficos ou por ter sido aceita pelos cientistas predominantes, preenchem as lacunas ao
postular a existência de formas intermediá rias, ou alguma explicaçã o gradualista. Devemos
suspeitar, porque a atmosfera atual, na cultura geral e na subcultura científica, inclui o
pressuposto de nã o haver exceçõ es (regularidade fechada) ou da permissã o de nenhuma
exceçã o por questã o de “princípio científico” (veja o debate sobre o naturalismo
metodoló gico no Capítulo seguinte). Os pressupostos predeterminam a resposta.
Todavia, nã o abracemos rá pido demais a alternativa (algum tipo de criacionismo
progressivo) sem parar para observar se ela tem dificuldades pró prias. À s vezes as pessoas
operam aqui com o dualismo impró prio entre causas primá rias e secundá rias, de forma que
uma exclui a outra. Assim, a reproduçã o comum (com causas secundá rias) nã o envolve
Deus e apenas um ato extraordiná rio de criaçã o (sem causas secundá rias) mostra sua
existência, cuidado e envolvimento. Essa visã o admite pressupostos nã o bíblicos sobre a
causaçã o secundá ria. Os pressupostos pressionam as pessoas a nem procurar por causas
secundá rias. A acusaçã o vem dos defensores da evoluçã o de que desistimos cedo demais de
procurar pela explicaçã o. Dizer que Deus fez assim e parar aí nã o nos apresenta a
explicaçã o científica, na verdade faz a ciência terminar. Há um grã o de verdade aqui. Mas é
só meia-verdade, porque precisamos nã o parar de afirmar ter Deus agido assim. Talvez
existam causas secundá rias comuns pelas quais ele o fez. E mesmo que nã o haja, Deus tem
razõ es para o que faz e podemos ser capazes de discernir o padrã o que nos dá algum
entendimento das razõ es dele.
A partir da cosmovisã o cristã , deveríamos afirmar que, em princípio, Deus poderia criar
animais de firma instantâ nea ou gradual, como escolhesse. Ele poderia usar uma forma de
vida pré-existente como ponto de partida, como usou a costela de Adã o para criar Eva. Quer
ele tenha usado meios comuns ou extraordiná rios permanece uma questã o secundá ria.
Devemos evitar artificialmente colocar pressã o na ciência para preferir o extraordiná rio.
Mas também devemos evitar nos fechar com a suposiçã o de que precisamos excluir o
extraordiná rio. Na verdade, dada a atmosfera atual na ciência que quer proibir o
extraordiná rio, alguma pressã o na outra direçã o é apropriada !
aconteceram por meio da morte seletiva dos “menos adaptados” de cada geraçã o.
O gradualismo darwinista poderia produzir uma má quina complexa de forma gradual, se
uma parte produzisse algum benefício e se fosse adicionando a segunda parte que produz
benefício maior e assim sucessivamente. Durante um período, a seleçã o do “mais
apropriado” exclui todo o resto, a nã o ser um sistema com todas as partes no devido lugar.
Todavia, um sistema com complexidade irredutível nã o permite a construçã o gradual,
porque o sistema nem sequer funciona até todas as partes estarem presentes e nos devidos
lugares, prontas para cooperar.
Um designer inteligente, em contrapartida, pode construir um sistema irredutivelmente
complexo, dada a sua capacidade de conjugar as partes uma a uma por seleçã o inteligente,
sabendo o produto final a que se dirige.
Entã o como surgiu o primeiro flagelo bacteriano? Sabe-se que Deus o fez surgir, mas como?
Nã o temos conhecimento. Podemos nunca saber, pois os acontecimentos se deram muito
tempo atrá s e porque os fó sseis nã o deixaram evidências moleculares detalhadas. Assim,
todos contam apenas com um palpite.
Entretanto, o exemplo ainda se mostra valioso por revelar a influência da ideologia na
ciência. A ideologia naturalista quer excluir de antemã o a possibilidade de que o flagelo
tenha sido composto por design inteligente. O ró tulo comum aplicado a ele é naturalismo
metodológico , que precisa ser debatido.
Pode-se ver nessa descriçã o uma boa parte que se encaixa bem na cosmovisã o cristã , desde
que se admita interpretá -la do jeito que melhor aprouver. Como um todo, a descriçã o
apresenta um tom pragmá tico, prá tico. Adota-se o que quer que funcione. Afirma-se com
vigor o cará ter provisó rio da ciência e a habilidade de se ajustar a novas evidências — as
duas se harmonizam com a cosmovisã o cristã . Em contraste, há o perigo de ser uma
definiçã o tã o frouxa que exclui muito pouco.
Na origem da citaçã o, Pennock critica os proponentes do design inteligente. Entretanto, a
passagem em questã o pode facilmente admitir a pesquisa baseada no design inteligente. O
design inteligente, como uma nova adiçã o, só precisa demonstrar que apresenta “extensõ es
contínuas” aos métodos científicos atuais. Mas o que conta como “contínuo”? A ciência pode
adotar “novos métodos promissores”, segundo Pennock, mas o que conta como
“promissores”? Preconceitos a favor do conceito impessoal de uma lei podem ser aceitos
sob a designaçã o aparentemente inocente de prá tica científica atual, de forma que se
adiciona a condiçã o de que o novo precisa ser contínuo com esse tipo de ciência, e precisa
ser promissor.
Pennock argumenta mais tarde que o design inteligente nã o pode ser frutífero, pois
interrompe todas as tentativas de fornecer uma explicaçã o naturalista. Isto é, se alguém
[228]
diz que Deus criou o flagelo por meio de um ato sobrenatural especial, isso significa o fim
da exploraçã o científica. A origem do flagelo permanece para sempre fora dos limites da
ciência. Mas nã o é necessariamente assim que os proponentes do design inteligente
entendem suas propostas; Dembski propõ e formas para o design apoiar um programa de
pesquisas positivo. Pennock foi apenas incapaz de imaginar como um desenvolvimento
[229]
design inteligente, mas de todo modo coerente com o naturalismo ontoló gico. Com certeza,
os defensores atuais do design inteligente creem que Deus foi o autor do design em questã o.
Mas sua proposta nã o requer uma crença tã o específica. Daí, Pennock nã o pode fugir da
questã o: a vida na terra é produto de design inteligente apenas ao excluir o sobrenatural.
EXCLUIR O SOBRENATURAL?
Consideremos o aspecto sobrenatural. Pennock argumenta que a ciência precisa excluir o
sobrenatural e o divino porque suas observaçõ es dependem de uma “regularidade em
forma de lei”:
A regularidade em forma de lei é o verdadeiro cerne da cosmovisã o naturalista e dizer
que algum poder é sobrenatural significa, por definiçã o, declarar que ele pode violar
leis naturais. Assim, quando Johnson [Philip E. Johnson, um proponente do design
inteligente] argumenta que a ciência deveria admitir poderes e inteligências
sobrenaturais, ele alega que se deveria admitir seres acima da lei (uma posiçã o
certamente estranha para um advogado tomar). Sem a restriçã o da regularidade em
forma de lei, a inferência indiciá ria indutiva desaparece. A experimentaçã o repetível e
controlada, por exemplo [...] nã o seria possível sem a suposiçã o metodoló gica de que
entidades sobrenaturais nã o interviram para negar regularidades naturais da lei. [232]
parcialmente certo: deve-se pensar com muito cuidado sobre o papel do sobrenatural.
Dependendo de sua compreensã o, ele pode ou nã o levar ao fim prematuro da tentativa de
entender como algo no passado ocorreu por conta de causas físicas imanentes. [234]
Ademais, Pennock representa outros que têm se debatido com as mesmas questõ es. Em um
artigo que Pennock cita o “uniformismo”, Stephen Jay Gould pensa de maneira semelhante.
A intervençã o divina iria significar “a suspensã o das leis naturais” e a inferência indutiva
precisa excluir exceçõ es. [235]
a causa primá ria do crescimento da relva. As causas secundá rias incluem os movimentos da
á gua e dos minerais no solo, a luz do sol, e a multidã o de processos químicos e bió ticos que
ocorrem na grama. Uma nã o exclui a outra. Deus age e alcança seus propó sitos por meio de
causas secundá rias, que ele ordena e controla. Encontram-se sob seu controle os resultados
(acontecimentos específicos) e os meios (causas secundá rias). Os teó logos chamam isso de
concorrência (do latim, concursus ), a operaçã o conjunta de causas primá rias e secundá rias.
[238]
Usando Jó 1-2, podemos incluir a operaçã o de seres angelicais também. Os filhos e as filhas
de Jó morreram porque “... se levantou grande vento do lado do deserto e deu nos quatro
cantos da casa, a qual caiu sobre eles, e morreram” (Jó 1.19). O grande vento agiu como
causa secundá ria. Jó atribuiu a Deus a causaçã o primá ria: “o SENHOR o deu e o SENHOR o
tomou; bendito seja o nome do SENHOR !” (Jó 1.21). O texto afirma que Jó estava certo em
suas palavras: “Em tudo isto Jó nã o pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma” (1.22). O livro
de Jó também revela que Sataná s teve uma participaçã o nisso: “Eis que tudo quanto ele [Jó ]
tem está em teu poder [Sataná s]” (1.12). Mais tarde, quando o Senhor dá permissã o com
respeito ao corpo de Jó , o texto explicitamente diz que “entã o, saiu Sataná s da presença do
SENHOR e feriu a Jó de tumores malignos” (2.7). Sataná s, podemos dizer, serve como causa
terciá ria e sobrenatural dos tumores de Jó , em paralelo a Deus como causa primá ria e
quaisquer causas secundá rias que um médico poderia ter visto a partir dos tumores. À s
vezes, entã o, até três causas diferentes se perfilam, cada uma em um nível diferente, e
nenhuma exclui as outras.
Da mesma forma, podemos olhar para o Dilú vio. Claramente Deus é a causa primá ria. Deus
também usa causas secundá rias em alguns pontos, como quando a á gua é usada para
afogar as pessoas e os animais fora da arca. Talvez a causaçã o primá ria de Deus está em
concurso em todos os pontos com a causaçã o secundá ria, de tal forma que podemos ser
capazes de entender o Dilú vio usando leis científicas atuais. Mas talvez nã o. Pode ser que
Deus tenha usado meios incomuns e agido de forma oposta à s regularidades atuais. A
pesquisa científica tem razõ es para esperar entender. Mas ela nã o pode exigir que entenda.
O entendimento cristã o da transcendência, da imanência e da racionalidade de Deus
influencia as expectativas aqui. Por ser a racionalidade de Deus aná loga à nossa,
[239]
podemos esperar entendê-la (uma implicaçã o da imanência divina). Pelo fato de Deus ser
transcendente, sua racionalidade ultrapassa a nossa e ele pode nos surpreender (como no
caso da ressurreiçã o de Cristo). Devemos também ser influenciados pelo senso da finitude
humana e da necessidade de humildade. Nã o podemos deixar a teologia fora da discussã o.
Nem pode Pennock ou qualquer outro, porque a transcendência e a imanência da lei
formam o pró prio fundamento sobre o qual o edifício da ciência é construído. Pennock usa
pressupostos sobre Deus, a lei e o sobrenatural que podem parecer pressupostos genéricos
inofensivos para o raciocínio filosó fico, mas eles clamam por resposta de questõ es
teoló gicas importantes sobre transcendência e imanência.
TEOLOGIAS E COSMOVISÕ ES
Só basta agora perguntar: “A teologia de quem usamos para determinar nosso conceito de
Deus, da transcendência e imanência?”. Pode ser uma teologia baseada na instruçã o bíblica
ou pode ser um substituto, uma teologia falsificada baseada parcialmente em um teísmo
vago ou em sobras emprestadas dos resquícios culturais da influência cristã . Entã o isso
pode ser combinado com uma doutrina de lei impessoal e a racionalidade completa da lei
em princípio. Mas subjacente à doutrina de lei impessoal está a irracionalidade completa,
porque nã o tem meios de explicar o fato de que há a lei em vez do caos completo. [240]
Poderíamos simplificar a tarefa caso pudéssemos nos confinar a duas opçõ es simples:
permitimos repetidas “interferências” sobrenaturalistas com regularidades ou as
proibimos. Infelizmente, as coisas nã o sã o tã o simples. A ciência depende do conceito de lei
científica e regularidade. Existem tantos conceitos sobre a lei quanto há variaçõ es no
conceito de Deus ou deuses. Confrontamos um espectro multidimensional de opçõ es,
incluindo nã o só variaçõ es do deísmo clá ssico ou panteísmo de Spinoza, mas
[241]
Entã o podemos focar em ontologias ordenadas, isto é, cosmovisõ es que creem na ordem
regular aberta à investigaçã o humana. Essa ampla coleçã o pode ser subdividida em dois
subgrupos, regularidade fechada e regularidade aberta . A regularidade aberta nã o admite
exceçõ es à operaçã o das leis concebidas de forma impessoal. O materialismo ontoló gico
estrito é um exemplo da regularidade fechada. A regularidade aberta permite exceçõ es,
mas restringe de alguma forma suas ocorrências. (Sem a restriçã o, voltamos à s ontologias
caó ticas ou semicaó ticas.) Variados tipos de teísmo, por exemplo, podem restringir as
exceçõ es ao dizer que as exceçõ es de frequência mais geral permanecem baixas, e que cada
exceçã o possui uma boa razã o na mente da divindade (ele nã o arma confusõ es
desnecessá rias de vez em quando só por diversã o!). A promessa divina em Gênesis 8.22 dá
aos cristã os uma base para confiar na regularidade.
Os seres humanos nunca podem saber o suficiente para ter certeza da regularidade
fechada. Como se pode saber que as leis nã o têm exceçõ es, sem conhecimento exaustivo ou
revelaçã o divina? O sistema de regularidade fechada também costuma excluir a
possibilidade da revelaçã o. Assim, Pennock precisa admitir a possibilidade ontoló gica da
regularidade aberta. O naturalismo metodoló gico precisa admitir ontologias de
regularidade fechada e aberta, e nã o acabar com a discussã o prematuramente.
Agora, suponha que o cientista se depare com uma anomalia. O naturalismo
[243]
metodoló gico precisa tratar a anomalia como se nã o fosse uma exceçã o, mas como se ela se
conformasse à s leis.
Pennock alega ser essa a ú nica rota sensível: de outra forma se desiste muito rá pido da
tarefa de tentar entender racionalmente. Tenta-se trazer a anomalia subjugada ao poder
das leis conhecidas, suas extensõ es ou modificaçõ es. Sim, há muito bom senso aqui. Mas e
se as anomalias se acumularem?
Michael Behe acumula exemplos de “complexidade irredutível” na microbiologia, que
parecem estar além do alcance do processo darwinista de seleçã o gradual. Pergunta-se
[244]
entã o o que a ciência deveria fazer: insistir que os exemplos de complexidade sejam
explicados totalmente à parte das leis físicas já conhecidas? Ou deveria admitir a explicaçã o
em termos de design ? E se admitirmos o design , seria apenas o design de extraterrestres
ou também o design de Deus ou anjos?
Se somos cientistas, somos confrontados por dilemas. Suponha que tenhamos dado a
primeira resposta: a explicaçã o pode acontecer só na estrutura de leis físicas conhecidas.
Ou a explicaçã o verdadeira precisa ser encontrada dessa forma ou nã o. Se afirmarmos o
“precisa”, alegaremos tacitamente uma regularidade fechada. Pensamos já saber que a
complexidade irredutível é na verdade redutível. Pensamos saber que nã o há exceçõ es
reais usando as leis existentes. Assim acabamos no naturalismo ontoló gico. E também
excluímos a possibilidade de inteligências extraterrestres ou outros tipos de explicaçõ es.
Esse fim nã o só é dogmá tico; também contraria o cará ter provisó rio da ciência e sua
disposiçã o costumeira de reconhecer as pró prias limitaçõ es.
Entã o, talvez, a verdadeira explicaçã o da complexidade irredutível esteja fora do que
podemos encontrar com o naturalismo metodoló gico, isto é, a explicaçã o em termos de
causas secundá rias. Se isso se mostrar a explicaçã o correta, ganha-se entendimento. Até
aqui, tudo bem. Mas e se nã o chegarmos à explicaçã o satisfató ria? Entã o automaticamente
bloqueamos a possibilidade de a explicaçã o verdadeira estar em outro lugar? Será que
seguimos o naturalismo metodoló gico até o fim, mesmo que ele nã o leve sempre à
verdadeira explicaçã o? Essa resposta é insatisfató ria porque ameaça converter a ciência em
um jogo artificial. “Joga-se” ao entender o mundo. Agora é só um jogo, pois sempre
soubemos que as regras adotadas podem levar à s vezes só a explicaçõ es incorretas. O
naturalismo metodoló gico desse tipo desvaloriza a ciência.
Entã o somos deixados com a segunda resposta à questã o acima. Deve-se admitir a
explicaçã o em termos de design . Ou talvez buscamos ainda outro tipo de explicaçã o. É
compreensível Pennock desprezar o design como alternativa, pois considera que ele acaba
com a explicaçã o racional ou o sopesar racional das evidências. Entretanto, seus
argumentos obtiveram sucesso em rejeitar só as ontologias caó ticas, nã o a regularidade
aberta (nem extraterrestre). Ademais, o design possui racionalidade pró pria. No caso do
design divino, ele também pode incluir causas secundá rias à causa primá ria. Assim, a
pesquisa científica nã o acaba.
Os cientistas lidam com anomalias aqui e ali durante toda a prá tica da ciência. Como
questã o prá tica, eles nã o podem perder tempo em busca de explicaçã o para todas as
anomalias — ou seriam sempre jogados de um pequeno problema para outro. Eles
precisam temporariamente “jogar fora” a maioria das anomalias para continuar
trabalhando — quer as anomalias representem exceçõ es “reais” à lei (regularidade aberta)
ou nã o. Mas quando se confronta um padrã o inteiro de anomalias de natureza semelhante,
pode ser algo digno de aná lise. Se essas anomalias nã o sucumbirem com facilidade à
estrutura atual, faz-se uma busca mais ampla e se aumenta a ousadia nas hipó teses.
Ninguém pode dizer de antemã o quando as anomalias oferecem a indicaçã o de um
entendimento mais profundo. Ninguém pode dizer de antemã o exatamente que tipo de
hipó teses podem se mostrar mais frutíferas.
No final, o apelo ao naturalismo metodoló gico nã o resolverá com má gica o desafio do
movimento do design inteligente. Já vimos as opçõ es: 1) O naturalismo ontoló gico
realmente oculta o naturalismo ontoló gico subjacente, que pensa já saber o mundo em que
vivemos (incluindo a exclusã o de extraterrestres); 2) O naturalismo metodoló gico se torna
a regra do jogo em vez da busca pela verdade; 3) O naturalismo metodoló gico falsamente
alega saber de antemã o que pensar em termos do design pode nunca levar ao maior
entendimento; 4) O naturalismo metodoló gico é só uma receita crua para o que os
cientistas fazem sob condiçõ es comuns, até se depararem com anomalias sem
harmonizaçã o com as explicaçõ es naturalistas atuais. Todavia, eles sã o livres para explorar
outros tipos de hipó teses quando lidam com anomalias. Aqui, o naturalismo se dissolve ao
admitir a incapacidade de excluir dogmaticamente explicaçõ es fora da estrutura atual;
5) Explica-se tudo dizendo que Deus fez assim (que é verdade por si só ), mas sem
perguntar como ele pode ter feito. A ú ltima posiçã o é rejeitada por Pennock como
inadequada para a tarefa da ciência. No entanto, rejeitar essa posiçã o nã o leva a rejeitar a
melhor forma do design inteligente.
Em suma, quando confrontamos o desafio do movimento do design inteligente, o
naturalismo metodoló gico se decompõ e em vá rias opçõ es, e nenhuma delas oferece uma
base só lida para excluir a hipó tese do design . Como vimos, os cientistas
compreensivelmente demonstram preferência por primeiro considerar os vá rios tipos de
explicaçã o que cabem sem problemas na estrutura de explicaçã o e entendimento atuais das
leis científicas. Os cientistas querem conduzir seus programas de pesquisa em paz. Quando
as anomalias acumulam, nã o se pode excluir dogmaticamente as explicaçõ es que transitam
em territó rio desconhecido, incluindo o territó rio do design inteligente. Nessa situaçã o, o
apelo simples ao naturalismo metodoló gico nã o ajuda no debate. Na formulaçã o anterior
do livro de Pennock, [245]
o naturalismo metodoló gico era vago demais para apresentar
alguma ajuda; caso se tente o fazer menos vago, ele está repleto de pressupostos
metafísicos infundados que minam seu valor.
Além disso, o naturalismo metodoló gico sempre foi incoerente, por ser sempre
secretamente dependente de Deus para repelir a ameaça da irracionalidade e governar o
mundo de modo a garantir as regularidades observadas na lei científica. Ainda assim o
naturalismo metodoló gico está pró ximo da verdade, porque Deus convida as pessoas, feitas
à sua imagem, a explorar as regularidades. Deus, como causa primá ria, nã o evapora as
causas secundá rias. Nã o podemos nos revestir de qualquer certeza divina que Deus nã o
fará exceçõ es ao curso normal das coisas, mas temos razõ es para explorar o curso normal.
LUTA CONTÍNUA
Confrontados com o desafio do design inteligente, os cientistas vã o combater entre si
acerca de hipó teses alternativas e estruturas explicativas, como eles se enfrentaram em
algumas das revoluçõ es científicas anteriores, catalogadas por Thomas Kuhn. Algumas
vezes as lutas serã o vigorosas. Assim a ciência se desenvolve quando explicaçõ es
competem entre si. Em muitos aspectos, a luta com o design inteligente nã o difere muito
das anteriores. Mas ela produz maiores tensõ es por pelo menos cinco fatores:
1) Cosmovisõ es materialistas, quase-materialistas e hedonistas cresceram em
popularidade em parte com base na teoria darwinista macroevolutiva, usando como ponto
de partida a cosmovisã o do naturalismo evolutivo (Capítulo 5). As questõ es da cosmovisã o
envolvem o pú blico e os compromissos religiosos das pessoas com religiõ es convencionais
ou substitutos ideoló gicos modernos da religiã o. O envolvimento do pú blico significa que o
desejo de reter ou obter poder aquecem os debates mais que o normal. Dinheiro e bolsas de
pesquisa e meios de subsistência estã o em jogo.
2) As diferenças entre as cosmovisõ es ameaçam romper a unidade da ciência, se os
naturalistas ontoló gicos (regularidade fechada) diferirem em perspectiva de quem afirma
algum tipo de regularidade aberta.
3) Os efeitos das diferenças entre as cosmovisõ es sã o mais sentidos em parte pela
diferença em conceito de lei científica. Será que o pensamento humano se aproxima da lei
pessoal de Deus? Nesse caso, precisamos admitir a possibilidade de encontrar exceçõ es à s
nossas expectativas. Ou as leis sã o impessoais e absolutamente imunes à exceçã o? Assim, a
ideia da lei impessoal se torna um substituto de Deus, um falso deus. Um conflito nessa á rea
ameaça o compromisso das pessoas com seu deus.
4) Cientistas convencionais consideram o conflito a recapitulaçã o das lutas anteriores entre
ciência e religiã o, e consideram que a religiã o deforma, suprime e mutila a ciência por conta
do dogmatismo ignorante. A luta nã o ocorre como o embate contra outros cientistas com
“boas intençõ es e equivocados”, mas a luta contra a barbá rie.
5) O design inteligente questiona os pressupostos fundamentais da ciência convencional
atual ao perguntar se o programa reducionista de interpretaçã o da biologia nos termos da
química, a química em termos da física e a física em termos da matemá tica sã o adequados à
natureza do mundo.
RETORNANDO AO FLAGELO
Podemos ilustrar as tensõ es ao retornamos ao design do flagelo. Caso se excluam os
extraterrestres, o naturalista ontoló gico precisa dizer que o flagelo surgiu do gradualismo
evolutivo, pois essa é a ú nica coisa admissível à sua cosmovisã o e ontologia. “Precisa haver
outra explicaçã o gradualista”, ele diz, “e nã o a descobrimos ainda”. Ele precisa fazer essa
afirmaçã o mesmo sem ter evidências positivas; e ele está de frente para a evidência
negativa da complexidade irredutível, que sugere a impossibilidade de o maquiná rio ter
surgido gradualmente. Ele age por fé na ontologia.
O naturalista metodoló gico costuma afirmar que na ciência nã o é preciso formular
questõ es para invocar o design . Contudo, o flagelo pede uma explicaçã o. Torna-se mais fá cil
perceber que o naturalismo metodoló gico — que nã o admite exceçã o nem oculta o
naturalismo ontoló gico — propõ e um jogo para banir certos tipos de perguntas, em lugar
de seguir aonde quer que a evidência conduza. [246]
DESIGN E ACASO
Entã o como o flagelo pode ter surgido? O teísmo cristã o robusto implica na confissã o de
que Deus o fez. Ele criou os variados tipos de bactérias e os flagelos pertencentes a cada
tipo. Mas como? A Bíblia estimula a humildade: admitimos nã o saber.
Todavia, podemos imaginar. Imaginemos por um momento, a fim de demonstrar um pouco
mais a influência da ideologia. Podemos imaginar uma criaçã o puramente instantâ nea, por
fiat , em que a bactéria inteira surge em um ú nico momento — todos os seus á tomos
criados a partir do nada.
Ou Deus apareceu em uma teofania, como a coluna de nuvem e fogo no deserto do Sinai, e
por meio do poder da nuvem girató ria juntou os á tomos e moléculas em uma bactéria em
poucos segundos? Entã o, em lugar de criar á tomos extras, ele juntou os á tomos já criados
em um ponto anterior? Aqui ele usa um meio: o á tomo previamente criado.
Ou suponha nã o ter havido teofania. O observador veria apenas á tomos se juntando aqui e
ali para formar uma bactéria completa em poucos segundos. A opçã o é interessante, porque
poderia acontecer nos limites das leis físicas conhecidas. Elas nã o especificam em si
mesmas a localizaçã o anterior de cada á tomo. Apenas nos dizem como se espera que os
á tomos se comportem. O observador ateu pode dizer que foi “por acaso”, eles só “calharam”
de se juntar no tempo e lugar certos. É algo muito imprová vel se as probabilidades forem
calculadas. Em média, nã o ocorreria nem mesmo uma vez em um trilhã o de universos, em
toda sua expansã o, mesmo que cada universo contasse com o tempo de vida de um trilhã o
de anos. Mas nã o viola nenhuma lei física conhecida pelos materialistas.
Contudo, nã o precisamos usar como exemplo mesmo essa improbabilidade. Suponha que
Deus já tenha criado as bactérias sem o flagelo. Ele escolhe uma espécie de bactérias. Por
séculos a espécie se reproduz. Em um ponto, Deus garante que uma seçã o do DNA é
“acidentalmente” duplicada de forma que a descendência carregará duas có pias dessa
seçã o de DNA. A segunda có pia, porém, nã o tem uma seçã o de começo, de modo a nã o
produzir proteína. O DNA que nã o funciona gradualmente entra em mutaçã o com a
passagem das geraçõ es pela substituiçã o “acidental” de bases particulares. Deus garante
que essas mutaçõ es graduais levem à totalidade da informaçã o genética necessá ria para
produzir o flagelo. Essa informaçã o inclui nã o só a informaçã o para produzir as proteínas
do flagelo completo, mas o equivalente à s instruçõ es “de montar” para garantir que as
proteínas se juntarã o na configuraçã o correta, no mesmo lugar. Quando tudo está pronto,
Deus, por algumas funçõ es a mais, “liga” a informaçã o genética de tal modo para
manufaturar proteínas e juntá -las no flagelo completo.
O processo é completamente gradual. Nenhuma etapa do processo possui uma
probabilidade tã o pequena. Todas cooperam de acordo com os fenô menos conhecidos que
ocorrem nas mutaçõ es bacterianas. O defensor típico da macroevoluçã o estaria satisfeito?
O processo ainda desafia o pensamento darwinista, pois o darwinismo nã o admite o
gradualismo “por design ” ou direcionado. Admite que as bactérias com flagelos podem
evoluir sem nenhum sentido para se tornarem flagelos melhores, porque aqueles com
flagelos de melhor funcionamento sobreviverã o até a pró xima geraçã o. Aqui, no entanto, o
flagelo nã o existe até o ú ltimo passo. As etapas individuais podem ser consideradas sem
sentido. Todavia, o acú mulo de tantas etapas, antes do surgimento de qualquer vantagem
na adaptabilidade, diminui a credibilidade da explicaçã o “naturalista”. Esse tipo de cená rio
ilustra o ponto feito sobre a complexidade irredutível. Se o flagelo é irredutivelmente
complexo, qualquer cená rio com sua construçã o envolve tomar passos de antemã o que já
antecipam o final.
A maioria dos evolucionistas, penso, responderia que esse tipo de cená rio deve ser
eliminado das consideraçõ es, nã o por ser literalmente impossível, mas pela
improbabilidade em demasia. Se as leis fossem de fato impessoais, sua eliminaçã o do
cená rio seria razoá vel.
Para ser mais preciso, devemos distinguir entre leis deterministas e indeterministas. As leis
deterministas permitem quase a prediçã o certa do resultado: “O sol vai nascer amanhã ”; [247]
“A trajetó ria de uma bola de gude no vá cuo terá uma forma parabó lica, segundo as leis de
movimento de Newton”. Outras leis governam os acontecimentos por acaso: eles
[248]
permanecem imprevisíveis: “Se você arremessar uma moeda mil vezes, o resultado será
cara quase metade das vezes”. Na verdade, o controle de Deus se estende aos dois tipos de
acontecimentos e ao dois tipos de lei.
No cená rio imaginá rio, a informaçã o para construir o flagelo gradualmente se dá em
conformidade total à s leis deterministas. A menor mutaçã o se conforma à s leis
indeterministas também, pois elas nã o podem, por definiçã o, predizer um ú nico
acontecimento. A totalidade da mutaçã o nã o parece se conformar, pois a probabilidade da
ocorrência de todos os acontecimentos é baixa demais. [249]
perder uma parte e ainda continuar a funcionar porque a funçã o da ú nica parte é duplicada
por uma proteína alternativa ou uma rota química alternativa. Como isso é pertinente?
Para facilitar o argumento, suponha que o flagelo bacteriano seja composto das partes
distintas A, I, M, N, Q, U e Á (na verdade, muito mais partes que essas sã o necessá rias).
Quando arranjadas em uma configuraçã o, elas formam um conjunto funcional, que
podemos representar assim: MÁ QUINA. Se removermos uma das letras da palavra
MÁ QUINA, ela nã o é mais uma palavra escrita corretamente. Da mesma forma, se
removermos uma das partes do flagelo bacteriano, ele nã o funciona mais para impulsionar
a bactéria. Mesmo que tenhamos quase todas as partes menos uma, MÁ QUIN, o resultado
nã o dá nenhuma vantagem. Nã o é factível, portanto, explicar como todas as partes M, Á , Q,
U, I, N e A poderiam ser produzidas e arranjadas pelo processo evolutivo que gradualmente
aumenta a funcionalidade e a adaptabilidade.
Suponha, agora, que postulamos um está gio mais antigo, “redundante”, com as partes M, Á ,
Q, U, I, N, A e “a”. A letra “a” representa uma proteína distinta de “A”, mas capaz de cumprir
pelo menos parte do papel dela. Entã o a combinaçã o “MÁ QUINA + a” ainda seria funcional.
Se, por causa de uma mutaçã o, a bactéria perdesse a habilidade de produzir a parte A, ainda
teria uma má quina em funcionamento na forma de MÁ QUINa. Pode-se facilmente imaginar
a transiçã o gradual de “MÁ QUINA + a” para MÁ QUINa ou MÁ QUINA. Na verdade, podemos
imaginar a possibilidade de existirem à s vezes redundâ ncias mú ltiplas: “MÁ QUINA + a + m”
poderia perder algumas partes e ainda se tornar uma má quina funcional MÁ QUINA ou
mÁ QUINA ou MÁ QUINa ou mÁ QUINa.
A observaçã o de fato demonstra que uma má quina irredutivelmente complexa com as
partes M, Á , Q, U, I, N e A poderia ter evoluído de modo gradual de uma má quina
redundante com partes adicionais a ou m ou ambas. Essa etapa na verdade é
razoavelmente fá cil, porque a perda da redundâ ncia significa perda de informaçã o. A parte
difícil é obter mais informaçõ es.
Agora, porém, suponha que postulamos um está gio anterior em que a bactéria tinha a
configuraçã o MÁ QUINA + a. A má quina redundante MÁ QUINA + a poderia, por sua vez, ter
evoluído de forma gradual de uma má quina com partes MÁ QUINa — ainda uma má quina
em funcionamento. A etapa é um pouco mais traiçoeira, pois envolve a adiçã o da nova parte
A. Se A representa uma ú nica proteína, ela já contém uma quantidade avassaladora de
informaçõ es. Portanto, será preciso explicar como a proteína pode ser obtida pouco a
pouco. Isso poderia ser feito pelo processo de “exaptaçã o”, que descreve a situaçã o
hipotética em que a proteína A com uma funçã o existente em outro ponto de uma célula ou
organismo é adequada ao novo trabalho: funcionar como parte do flagelo MÁ QUINA.
Agora obtém-se a figura hipotética em que MÁ QUINa se torna MÁ QUINA + a, que se torna
MÁ QUINA. Esse processo ajuda? Nã o, porque o ponto de partida hipotético, MÁ QUINa,
ainda é irredutivelmente complexo. A má quina nã o funcionará sem todas as partes ali. A
barreira da complexidade irredutível se ergue quando tentamos explicar como má quinas
complexas, que nã o funcionam até que vá rias partes já estejam nos devidos lugares,
poderiam ter evoluído. A questã o principal nã o gira em torno de quais as partes exatas: A
ou a substituta “a”.
Shanks, seguindo Alexander G. Cairns-Smith, usa a analogia do arco de volta perfeita feito
de pedras. Aparentemente é impossível construir o arco de modo gradual, pode ser
[251]
edificado com o uso de andaimes removíveis mais tarde. Por analogia, uma má quina
bioló gica complexa poderia ser construída com “andaimes” extras. Mais tarde, os andaimes
desapareceriam — estando completa a construçã o, os andaimes seriam redundantes.
A ilustraçã o demonstra de fato a importâ ncia da questã o da redundâ ncia (os andaimes
extras). No caso do arco, entretanto, os andaimes sã o postos ali por um designer humano
inteligente que objetiva de forma deliberada a construçã o do arco. O aná logo no
gradualismo evolutivo sem design teria de descobrir uma forma pela qual, em todos os
pontos de adiçã o de peças de andaimes e peças do arco, a funcionalidade prá tica do todo é
aumentada. Esse é o cerne do problema: arcos e andaimes nã o realizam nenhuma funçã o
arquitetô nica ú til até o todo estar quase completo. Eles precisam de design inteligente. O
mesmo serve para má quinas irredutivelmente complexas.
Shanks imagina ter solucionado o problema da complexidade irredutível ao introduzir a
redundâ ncia, mas nã o o fez. A analogia do arco e a presença da complexidade redundante
nã o solucionam os problemas apresentados por má quinas complexas que requerem muitas
partes a fim de realizar alguma funçã o ú til. O gradualismo darwinista precisa obter uma
funçã o ú til em cada um dos está gios anteriores, quando existem pouquíssimas partes. De
outro modo, elas seriam descartadas.
Deve-se, portanto, proceder a outro está gio de hipó teses. Suponha que MÁ QUINA surgiu de
uma má quina redundante anterior, a saber, MÁ QUINA + a, que por sua vez veio de
MÁ QUINa. A parte “a” contém uma capacidade multifuncional. Pode, de maneira
atrapalhada, tomar parte da funçã o de N. Daí, MAQUIa, sem N, poderia ainda existir como
uma má quina a funcionar de forma atrapalhada. Por um processo semelhante,
estabelecemos a hipó tese de que MÁ QUIa pode vir da má quina redundante MÁ QUIa + i,
procedente da MÁ QUIa. A parte “i” também é multifuncional, capaz de tomar a funçã o de U.
Entã o se obtém uma má quina em funcionamento na forma de MÁ Qia. Agora o processo
gradual tem mais esperanças, por contarmos com menos partes.
Michael Behe já antecipou este tipo de possibilidade no livro inicial sobre a complexidade
irredutível.
Mesmo que um sistema seja irredutivelmente complexo (e, portanto, nã o possa ter
sido produzido diretamente), nã o podemos excluir por completo a possibilidade de
uma rota indireta, tortuosa. Aumentando-se a complexidade de um sistema
interatuante, porém, cai bruscamente a possibilidade dessa rota indireta. [252]
No fim, há ainda três problemas com a proposta acima usando MÁ QUINA. Primeiro: de
modo geral, é mais difícil encontrar partes multifuncionais que partes monofuncionais. De
fato, pode ser impossível. Segundo: pode haver um ponto em que nenhum jeito pode ser
encontrado para produzir sucesso funcional com um pequeno nú mero de partes. Terceiro:
tudo isso é hipotético. Até agora, quando olhamos para o flagelo, nã o sabemos se partes
como “a” ou “i” sequer poderiam existir, muito menos se elas de fato existiram. Essa série
de palpites sem fundamento é melhor que o “palpite” do design inteligente? Qual é mais
prová vel?
probabilidade muito baixa para encontrarmos um dia depois tudo bem conectado e
formando uma má quina. Se nos disserem que um ser humano pretende visitar o lixã o à
noite e as colocar juntas em uma má quina, a estimativa de probabilidade precisa ser
completamente revisada. As probabilidades sã o traiçoeiras, pela dependência do
conhecimento anterior. Coisas estranhas podem acontecer, porque o conhecimento
anterior pode nã o contar com alguma informaçã o crucial. Descobrimos que o homem
acusado de assassinato atuava na cena de um filme. A muniçã o da arma era de festim. Sem
o ator saber, um membro do equipe, com rancor da vítima, colocou cartuchos de verdade.
Agora que contamos com esse conhecimento adicional, a probabilidade de o acusado ser
culpado muda de forma radical.
Um raciocínio aná logo se aplica ao caso em que Deus cria o flagelo bacteriano? Faz
diferença sabermos de antemã o as intençõ es de Deus? Provavelmente sim. Contudo, na
verdade, conhecemos as intençõ es divinas só depois de observar o resultado, o flagelo
completo.
A analogia entre Deus e o design er humano ainda ajuda. Quando o ser humano constró i um
motor, podemos seguir dois níveis de causas: focar nas causas secundá rias que envolvem
movimentos físicos e química. Ao analisar com cuidado a parte metá lica em particular
pode-se deduzir nã o só a fá brica produtora, também o depó sito mineral de onde veio o
minério de ferro. Suponha, entretanto, que tentemos explicar apenas por meio de causas
secundá rias como todo o motor se juntou em um ú nico lugar. Nã o conseguiremos. As
causas físicas existem ao longo de todo o trajeto, na forma de pressõ es dos dedos humanos,
má quinas ou dedos robó ticos programados por um ser humano. Esse tipo de cadeia causal
é complexo demais para seguir e parece imprová vel até a invocaçã o de uma causa
“primá ria”: o designer ou organizador humano.
Os cientistas se sentem um pouco desconfortá veis quando abandonam a tentativa de
explicar o motor apenas com causas secundá rias, isto é, físicas e químicas. Nã o há nada
[253]
PROPORÇÕ ES
O taberná culo, como vimos no Capítulo 17, continha um nú mero de relaçõ es de imagem.
Podemos considerar as medidas como exemplo específico de imagens no taberná culo.
Vá rias de suas características mostram proporçõ es simples. O Santo Lugar tem a mesma
largura que o Santo dos Santos, mas seu comprimento é duas vezes maior. A mesa com a
exposiçã o dos pã es tem dimensõ es de 2 cú bitos de comprimento, 1 cú bito de largura e
1,5 cú bito de altura (Ê x 25.23). Isto é, as dimensõ es sã o 2 por 1 por 1,5. Comprimento e
largura estã o na proporçã o de 2 por 1. Largura e altura estã o na proporçã o de 1 por 1,5, a
mesma razã o de 2 por 3. Comprimento e altura estã o na proporçã o de 2 por 1,5, o mesmo
que 4 por 3. O pá tio do taberná culo tinha o comprimento de 100 cú bitos e a largura de 50,
de novo a razã o de 2 por 1. O pá tio multiplica por 5 as dimensõ es do Santo Lugar, com o
comprimento de 20 cú bitos e a largura de 10 cú bitos.
O que devemos fazer com isso? Talvez haja razõ es prá ticas para algumas dimensõ es. Elas
parecem razoá veis para o uso humano. Os comprimentos simples, em termos de cú bitos,
sã o mais fá ceis de medir. As simetrias também sugerem beleza e harmonia. Considere que
o mais exterior dos dois espaços, o Santo Lugar, possui a santidade atenuada em
comparaçã o ao Santo dos Santos. O Santo dos Santos é a imagem do lugar da habitaçã o de
Deus. Assim, o Santo Lugar é um tipo de imagem da imagem: proporcional ao espaço mais
interior que ele representa. A proporcionalidade consiste na expressã o do princípio de
confecçã o de imagens.
O israelita poderia reconhecer que o princípio da confecçã o de imagens é mais amplo que a
incorporaçã o principal na natureza humana, no homem como feito à imagem divina. Ela se
expressa de uma forma atenuada em animais, plantas e agora em objetos sem vida: a
estrutura espacial do taberná culo.
Lembre-se também de que o simbolismo no taberná culo sugere a relaçã o entre as diversas
“habitaçõ es” de Deus: dentre elas entre a “casa macrocó smica” do universo e a “casa
microcó smica” do taberná culo (v. Capítulo 17).
Quando o israelita contemplava a casa macrocó smica, poderia se perguntar se ela mostrava
belezas e harmonias semelhantes. O mundo todo, o macrocosmo, apresenta simetrias ou
harmonias numéricas?
Se olharmos estritamente para o cará ter espacial do mundo, começaremos a explorar a
geometria. Quando os gregos o faziam, como Pitá goras, encontravam relacionamentos
profundos nas proporçõ es, o que fez algum deles pensarem que harmonias matemá ticas
consistiam na chave do universo.
Agora, contudo, estamos focando nos aspectos físicos do mundo, nã o só na matemá tica.
Uma á rea assim é a mú sica. Os gregos descobriram proporcionalidades simples no cará ter
das harmonias musicais. Comecemos pelas cordas da lira. Se pegarmos duas cordas e a
segunda corda tiver metade do comprimento da primeira, e a colocarmos sob a mesma
tensã o da primeira, ela produz uma nota uma oitava acima. A simples proporcionalidade no
comprimento, 1 para 2, produz a harmonia simples em notas musicais.
Na verdade, pode-se dizer mais. A nota uma oitava acima possui a frequência fundamental
de vibraçã o 2 vezes mais alta que a nota original. As frequências se relacionam entre si em
uma razã o de 1 para 2 — a origem do som harmonioso. Nossos ouvidos e o processamento
mental do som possuem um senso de proporcionalidade embutido. Usando a notaçã o
musical padrã o, podemos retratar a razã o com uma simples ilustraçã o:
A primeira nota é o dó médio, a segunda é o dó uma oitava acima. As notas podem também
ser tocadas ao mesmo tempo, produzindo um acorde oitavado.
As proporcionalidades podem ocorrer de forma mais ampla. As outras notas nas escalas e
nas melodias também sã o relacionadas a proporcionalidades. Na verdade, as cordas que
soam mais harmoniosas ao ouvido sã o as que produzem proporcionalidades mais simples
nas frequências. A ilustraçã o abaixo mostra acordes comuns e as proporcionalidades
relacionadas:
O primeiro acorde (mais à esquerda na ilustraçã o) é o acorde oitavado. Como vimos, a
frequência da nota mais alta é o dobro da frequência da nota mais baixa, resultando na
proporcionalidade de 1 para 2 (1:2). O pró ximo acorde é uma quinta maior, também uma
harmonia importante, com a razã o da frequência de 2:3. A seguinte, uma quarta maior, tem
a proporcionalidade de 3:4. Na sequência, a terceira maior, com a proporcionalidade de 4:5.
A terceira menor é 5:6. A segunda maior conta com a proporcionalidade de 8:9, que nã o soa
mais tã o harmoniosa. Por fim, a sexta maior, o acorde mais à direita, tem a
proporcionalidade 3:5. [254]
TEMPO : 1h 2h 3h 4h 5h
DISTÂNCIA : 50 milhas 100 milhas 150 milhas 200milhas 250 milhas
A tabela expressa a proporcionalidade que liga tempo e distâ ncia. Cada hora corresponde a
outras 50 milhas. Dizemos que o carro viaja a 50 milhas por hora ao longo da distâ ncia
toda. A proporcionalidade constante entre tempo e distâ ncia leva ao conceito de
velocidade, definida como a razã o entre distâ ncia e tempo.
Agora podemos olhar a uma situaçã o semelhante em que a velocidade varia. Imagine que
estamos em um aviã o na pista. As turbinas do aviã o chegam à potência má xima e o piloto
solta os freios. O aviã o começa a transitar pela pista de forma cada vez mais rá pida.
Podemos registrar a viagem na segunda tabela:
TEMPO 0s 1s 2s 3s 4s
DISTÂNCIA 0ft./s 2ft./s 4ft./s 6ft./s 8ft./s
O aviã o começa do repouso, isto é, viajando a 0 pé por segundo (ft./s). Depois de um
segundo, ele viaja a 2 pés por segundo (cerca de 0,6 m por segundo). Depois de dois
segundos, ele está viajando a 4 pés por segundo. E assim sucessivamente. Descobrimos
haver proporcionalidade regular entre tempo e velocidade. A proporcionalidade leva à
ideia de aceleração . A aceleraçã o pode ser definida como a mudança na velocidade por
unidade de tempo. No exemplo do aviã o, ele acelera à taxa de 2 pés por segundo por
segundo. A repetiçã o da frase “por segundo” parece estranha no início, mas é precisa. A
velocidade é medida em unidades como pés por segundo ou metros por segundo. A
aceleraçã o lida com a mudança da velocidade por unidade de tempo . A cada segundo a
velocidade se torna 2 pés por segundo mais rá pida. A taxa de mudança é portanto de 2 pés
por segundo, a cada segundo, ou 2 pés por segundo, por segundo.
O mundo à nossa volta oferece uma série de exemplos de proporcionalidade. O pró prio
conceito de velocidade está embutido na ideia da proporcionalidade entre distâ ncia e
tempo. O conceito foi estimulado pela observaçã o do movimento do sol e da lua. E pode ser
estendido para analisar o movimento de um carro ou aviã o. Entã o passamos a aceitar o
conceito de aceleraçã o, que aplica uma aná lise aná loga em situaçõ es de alteraçã o da
velocidade. Os conceitos de velocidade e aceleraçã o sã o pró ximos dos fundamentos do
estudo de toda a á rea da física. Agora vamos considerar o desenvolvimento da física na
forma moderna.
CRESCENDO EM CONHECIMENTO
Vamos pensar um pouco sobre a histó ria da astronomia e da física. Os desenvolvimentos se
estenderam por muitos séculos. Os cientistas posteriores utilizaram o conhecimento
acumulado ao revisar os resultados anteriores. Os seres humanos nã o costumam conhecer
verdades complexas e ricas de forma repentina. Somos finitos e precisamos aprender por
meio de etapas simples.
Deus nos concedeu, em sua bondade, leis físicas para nos capacitar a prosseguir com etapas
relativamente simples. Ao longo da histó ria, o homem nã o precisou começar pelos
resultados complicadíssimos da teoria dos campos quâ nticos ou da relatividade geral do
século XX. A física se desenvolveu aos poucos, pela observaçã o do movimento planetá rio,
dos experimentos e raciocínio de Arquimedes, dos experimentos de Galileu com planos
inclinados, de Newton e da teoria especial da relatividade e da relatividade geral de
Einstein, e da mecâ nica quâ ntica nas diversas fases de desenvolvimento.
Sabe-se agora que as leis de Newton sã o apenas aproximaçõ es. Desvios aparecem quando
se lida com velocidades pró ximas da luz, fortes campos gravitacionais ou objetos bem
pequenos em que efeitos quâ nticos se tornam significativos. Todavia, as leis de Newton
ainda sã o ú teis fora dessas situaçõ es extremas. As leis divinas sã o ordenadas de tal forma
que pode haver “níveis” de teoria. As teorias mais profundas sã o mais exatas, mas também
mais complexas. Passa-se a entendê-las usando os degraus providos por teorias mais
simples e superficiais. Assim, as teorias mais simples nã o foram superadas em todos os
sentidos. Há uma perspectiva diferente delas à luz do conhecimento posterior e mais
avançado, mas elas permanecem parte da “mobília” intelectual com que Deus supriu o
mundo. De acordo com nossas reflexõ es antirreducionistas anteriores, teorias mais simples
— como as leis de Newton — permanecem parte do significado da lei de Deus. Ainda que
sejam aproximaçõ es, ilustram a bondade e sabedoria divinas. Ilustram a generosidade de
Deus ao prover “degraus” para teorias mais complexas e ricas. [258]
Já consideramos alguns níveis mais elementares da teoria astronô mica. No primeiro nível, o
observador vê a correlaçã o ó bvia, ou proporcionalidade, entre o movimento do sol e o
nú mero de dias. No segundo nível, estende as observaçõ es para tentar descrever os
movimentos da lua e dos planetas. No terceiro nível, chega-se à teoria complexa de
Ptolomeu: o modelo detalhado para descrever a posiçã o dos planetas. Os planetas se
movem em algo parecido com ó rbitas circulares. Mas cada um desses círculos contém
“epiciclos” associados na forma de círculos menores com rotaçã o pró pria. Isso é o mais
longe que a astronomia chegou no mundo antigo.
Vá rios desenvolvimentos foram necessá rios para trazer o entendimento mais profundo do
movimento ao alcance do pensamento humano. Primeiro, observaçõ es continuadas dos
corpos celestiais, ao longo dos séculos, produziram um conjunto crescente de dados que
requeria a descriçã o de padrõ es mais complicados de epiciclos. Segundo, Copérnico
descobriu que o nú mero e a complexidade dos epiciclos poderiam ser muito reduzidos se
ele postulasse a rotaçã o da terra e o movimento dos planetas ao redor do sol em lugar de
ao redor da terra. Terceiro, a mudança para o sistema heliocêntrico permitiu a Kepler
estudar as regularidades com mais cuidado e dispensar os epiciclos ao substituir muitos
círculos com uma ú nica elipse para cada planeta. Quarto, os experimentos de Galileu com
corpos em queda e planos inclinados revelaram regularidades no movimento dos corpos
terrestres. Isaac Newton foi entã o capaz de descrever o movimento de corpos celestiais e
terrestres em uma teoria coerente. Podemos chamar a teoria de Newton de uma teoria de
quarto nível, ou talvez de quinto, sexto ou sétimo, se pensarmos em Copérnico, Kepler ou
Galileu a produzir teorias intermediá rias.
Todos esses pensadores procuravam correlaçõ es ou analogias entre cá lculos aritméticos,
figuras geométricas simples, posiçõ es e movimentos físicos. Ao fazê-lo, concordaram
[259]
ideia mais intuitiva da velocidade média. Ele entã o encurta o período sobre o qual se faz a
estimativa. Usa a manipulaçã o algébrica para calcular como a estimativa muda enquanto o
tempo se torna indefinidamente pequeno (“infinitesimal”). Newton trabalhou nã o só com
Copérnico, Kepler e Galileu, ele lidou com a invençã o da geometria analítica por Descartes e
Fermat, que estabeleceu a correlaçã o poderosa, ou analogia, entre geometria (aná lise do
espaço) e á lgebra (aná lise de nú meros). Newton usou os recursos da geometria analítica no
processo de construir descriçõ es numéricas de fenô menos físicos no espaço.
BELEZA E SIMPLICIDADE
Sã o de Newton dois elementos importantes para a teoria física. Primeiro, ele postulou uma
regra específica para a força gravitacional (a Lei de Newton da Gravitaçã o). A força
gravitacional precisa ser conhecida a fim de explicar com detalhes os movimentos atuais
dos corpos celestiais. Suponha que a terra tenha a massa “M” e que a lua tenha a massa “m”,
e que a distâ ncia entre elas é “r”. Entã o Newton postula que a força gravitacional “F” é
fornecida pela equaçã o
F = GMm/r²
A força “F” é proporcional a “M”, proporcional a “m” e inversamente proporcional ao
quadrado da distâ ncia “r”. A constante de proporcionalidade, “G”, designada “constante de
gravitaçã o universal” é desconhecida no início e precisa ser determinada pela mediçã o
experimental. O aspecto importante é o mesmo para todos os objetos em gravitaçã o. (Em
unidades métricas, G = 6.673 x 10 m kg-seg .) Newton também especificou que a força
-11 3 2
agia na direçã o da linha entre os dois corpos (no caso, a linha entre o centro da terra e o
centro da lua).
Percebem-se, de novo, proporcionalidades simples na equaçã o. A força “F” é proporcional a
“M” (a massa da terra), é proporcional a “m” (a massa da lua), é inversamente proporcional
a “r” vezes “r” (a distâ ncia entre a terra e a lua). É particularmente significativo o fato de a
força “F” ser proporcional à massa “m”, pois significa que a aceleraçã o resultante da massa
“m”, por conta da gravitaçã o, independe da massa. Assim, uma bola de gude e uma bola de
boliche soltas do topo de um edifício alto cairiam quase ao mesmo tempo. Galileu
descobrira isso antes ao fazer experimentos com objetos em queda.
Algumas características da gravitaçã o nã o poderiam existir sem evidências experimentais.
Por que “r” está no denominador em vez do numerador? Por que “r²” (“r” vezes “r”) em
lugar do “r” simples? Os astrô nomos já sabiam que os planetas mais longe do sol levavam
um tempo bem maior para completar a ó rbita ao redor dele. Para Newton isso queria dizer
que a força decaía com a distâ ncia em vez de ser independente da distâ ncia ou aumentar
com ela. Newton também conhecia as leis de Kepler: os planetas se moviam em elipses ao
redor do sol, com o sol em um dos focos da elipse; a linha que une um planeta ao sol se
estendia por á reas iguais em períodos idênticos. As leis poderiam ser deduzidas da lei de
força com o fator “r²”, mas nã o de outra.
Newton assim descobriu uma lei simples e bela baseada em simplicidades anteriores e
belezas das leis de Kepler. Ao mesmo tempo, ele descobriu que as leis de Kepler eram só
uma aproximaçã o. Um ú nico planeta, por si mesmo, viaja em uma elipse ao redor do sol. [261]
Mas uma vez que os outros planetas estivessem presentes, eles exerceriam a pró pria força
gravitacional sobre o primeiro planeta. Assim, seu curso nã o seguia uma elipse, mas um
padrã o excessivamente complexo sem correspondência com nenhuma figura geométrica
simples. Felizmente para Kepler, a massa do sol dominava todas as outras massas no
sistema solar, de forma que ignorar a influência de todos os outros planetas ainda permitia
a aproximaçã o razoá vel e lhe permitia discernir o padrã o simples da elipse.
O segundo insight está mais implícito nas formulaçõ es de Newton. Ele presumia que as
forças de diferentes fontes podiam ser somadas juntas. Por exemplo, a força total na lua
[262]
poderia ser obtida pela adiçã o da força da atraçã o da terra, da força da atraçã o do sol e
entã o as pequenas forças de outros planetas. Isso é semelhante a dizer que essas forças sã o
independentes. A força da terra sobre a luz causa certa quantidade de aceleraçã o e a força
do sol sobre a lua causa aceleraçã o adicional, de modo independente da primeira
aceleraçã o. Galileu observara antes que o movimento do corpo na direçã o horizontal
parecia relativamente independente do movimento na direçã o vertical. Newton
generalizou o princípio de forma a aplicá -lo a todos os corpos, no céu e na terra, nas três
dimensõ es.
O cientista aprendiz começa com um entendimento ingênuo e intuitivo de que rochas, bolas
e seres humanos sã o coisas criadas com integridade e independência “relativa” em relaçã o
a outras coisas criadas. Por analogia, o sentimento de independência se estende ao
raciocinar sobre forças físicas. Parece natural afirmar que as forças das fontes
independentes só sã o somadas. Ademais, o processo de adiçã o corresponde à experiência
humana: a pessoa empurrada por duas pessoas, caso em que se experimenta a força mais
forte em uma direçã o; ou se é empurrada por duas pessoas em direçõ es opostas,
experimenta o efeito semelhante a subtrair uma força da outra.
Na verdade, Newton precisava do princípio da adiçã o de forças a fim de desenvolver os
efeitos mais simples da gravitaçã o. Cada partícula da terra atrai partículas em qualquer
lugar da lua. A terra e a lua nã o sã o pontos matemá ticos simples, mas grandes objetos
materiais. A distâ ncia “r” na fó rmula da gravidade varia para cada partícula distinta na
terra ou na lua. Felizmente, a massa de formato esférico de densidade uniforme exerceria a
mesma força gravitacional se toda a massa se acumulasse no centro. Assim, para a maioria
dos fins podemos tratar os planetas como se fossem pontos. Aqui se vê outra feliz
[263]
Aqui “k’ é a constante que mede a tensã o na corda; “h:x:x” é a curvatura da corda no ponto
“x”. [265]
O “m” é a densidade da massa por unidade de comprimento da corda. “h:t:t” é a
aceleraçã o. A equaçã o mostra uma relaçã o simples de proporcionalidade entre a curvatura
“h:x:x” e a aceleraçã o “h:t:t”. É uma aplicaçã o da Segunda Lei de Newton, “F = ma”. O lado à
esquerda, “k h:x:x”, representa a força (por unidade de comprimento de corda) e o lado
direito representa a massa multiplicada pela aceleraçã o. Além disso, cada ocorrência
[266]
O lado esquerdo calcula as forças e o lado direito calcula a massa multiplicada pela
aceleraçã o. A despeito da aparência de complexidade, a fó rmula na verdade é um exemplo
de “F = ma”. O “-p:x” representa a força decorrente de variaçõ es da pressã o (“p”). A
expressã o com o “k”: “k (u:x:x + u:y:y + u:z:z)”, representa a força decorrente da
viscosidade. O “k” significa a constante de proporcionalidade, cujo valor indica a
viscosidade. Juntas, as duas forças representam a força total sobre um pequeno volume de
fluido. No lado direito da equaçã o, o “m” representa a massa por unidade de volume. O “u:t”
é a aceleraçã o decorrente da mudança de velocidade em qualquer ponto fixo. Os outros
termos representam a aceleraçã o decorrente do elemento do volume em um fluido em
fluxo se mover de forma gradual para uma nova localizaçã o, onde a velocidade é diferente
da localizaçã o originá ria.
Pode-se ver aqui o uso repetido da adiçã o de forças e proporcionalidades simples usadas
em seu cá lculo. Na verdade, a equaçã o acima calcula forças e aceleraçõ es apenas na direçã o
“x”. Existem outras duas equaçõ es, na direçã o “y” e na direçã o “z”. Contudo, as outras duas
equaçõ es parecem em essência as mesmas, pois nã o importa como escolhemos os eixos
coordenados.
Quando os físicos passaram a aplicar as leis de Newton a muitas situaçõ es, ficou mais claro
que se pode esperar que as leis físicas fundamentais “pareçam em essência as mesmas” em
qualquer direçã o. Nenhuma direçã o foi individualizada para tratamento especial. O
princípio usa a ideia de mú ltiplas perspectivas. Uma delas olha para frente (o eixo “x”),
enquanto outra olha para um lado (o eixo “y”). A terceira olha para cima (o eixo “z”). As leis
fundamentais devem parecer as mesmas em qualquer direçã o. Pode-se generalizar a partir
dessas perspectivas para se referir a qualquer orientaçã o possível aos três eixos
coordenados. As leis deveriam parecer as mesmas depois de uma rotaçã o arbitrá ria no
espaço. Os físicos dirã o que as leis sã o invariantes sob rotaçã o.
Pode-se associar o princípio a categorias bíblicas ao dizer que a verdade, a palavra de Deus,
permanece verdade enquanto mudamos perspectivas pessoais. Leis físicas assim refletem o
cará ter divino em diversas formas. Em primeiro lugar, a onipresença e eternidade de Deus
sã o refletidas na lei divina, no fato de que a lei nã o varia em relaçã o à posiçã o e ao tempo.
Além disso, a distinçã o nas pessoas da Trindade apresenta a possibilidade de distinçõ es na
perspectiva pessoal. Elas, por sua vez, têm um reflexo na esfera terrena, na forma de
orientaçõ es diversas na direçã o espacial. E a lei é invariante nessas mudanças em
perspectiva pessoal.
Do ponto de vista do mundo antigo, o resultado surpreende. O pensamento grego antigo
sobre o mundo físico tendia a considerar a terra um local especial e a direçã o para baixo na
terra uma direçã o especial. Aparentemente, a pró pria Bíblia poderia endossar essa
intuiçã o, pois descreve os acontecimentos do ponto de vista do observador humano comum
na terra. Para fazer a transiçã o para a ciência de Newton, ou mesmo a de Copérnico, é
preciso entender a possibilidade de mú ltiplos pontos de vista, e distinguir diferentes
escolhas possíveis de pontos de partida para mediçõ es. Também é necessá rio distinguir a
atitude geral na vida humana comum da atitude na pesquisa científica.
Para destacar a invariâ ncia de leis físicas sob transformaçã o rotacional, a física fez uso de
um mecanismo matemá tico chamado “notaçã o vetorial”. A notaçã o vetorial oferece uma
forma de descrever relacionamentos físicos ou matemá ticos no espaço sem se referir a
qualquer sistema particular de coordenadas. Em vez de escrever três equaçõ es separadas
para o movimento na direçã o x, na direçã o y e na direçã o z no espaço, alguém escreve uma
ú nica equaçã o que representa as três direçõ es, mas independe de qualquer escolha
específica sobre a direçã o dos três eixos. A equaçã o de ondas nas três dimensõ es fica
parecida com isto:
▼ • ▼ h = h:t:t
O operador “gradiente” ▼ , quando aplicado a h, encontra a direçã o no espaço em que h
aumenta em taxa má xima e sua magnitude é a magnitude do aumento. (O procedimento
considera a proporcionalidade simples, a saber, a proporcionalidade entre a mudança em h
e a mudança na posiçã o espacial.) Assim, a fó rmula acima independe de qualquer
[268]
escolha particular dos eixos x, y e z como eixos de referência para as mediçõ es.
As equaçõ es para movimento de fluidos podem do mesmo modo ser reescritas:
- ▼ p + k [ ▼ • ▼ u] = m [u:t + (u • ▼ ) u] [269]
Para pessoas sem a vivência da matemá tica avançada, a equaçã o pode parecer formidá vel,
por causa do símbolo “ ▼ ”. Contudo, na prá tica, ela acaba se tornando um sistema de
equaçõ es em que cada uma envolve: 1) somas simples (o regresso ao conceito de adiçã o de
forças), 2) multiplicaçõ es simples (a volta à ideia de proporcionalidade entre força e outras
quantidades numéricas), e 3) cá lculo de proporcionalidades instantâ neas (o regresso ao
conceito de Newton sobre a captura da proporcionalidade que muda no decorrer do
tempo). Cada uma das proporcionalidades é aná loga à s proporcionalidades no taberná culo
de Moisés; elas, por sua vez, sã o aná logas ao Filho — a imagem do Pai. As leis da física
refletem a beleza e harmonia em Deus.
O uso de notaçã o vetorial é só uma forma de destacar as propriedades invariantes nas leis
físicas. O século seguinte ao de Newton também testemunhou a introduçã o de
“coordenadas generalizadas”. Como exemplo, considere um ventilador de teto girando.
Como descrevemos a posiçã o de uma marca de giz em uma das lâ minas do ventilador?
Tudo depende do centro do ventilador, o eixo sobre o qual ele gira. Em um caso como este,
em lugar de especificar o sistema pela localizaçã o de partículas em três dimensõ es, x, y e z,
pode-se especificar a localizaçã o a partir do eixo central. Esse tipo de especificaçã o poderia
levar a uma simplificaçã o e novo insight físico para o corpo que gira ao redor do eixo. Com
esse propó sito, usam-se três coordenadas, r para “raio”, a distâ ncia em relaçã o ao eixo, θ (a
letra grega teta ) para o â ngulo de rotaçã o ao redor do eixo e z para a distâ ncia paralela ao
eixo (a direçã o para cima e para baixo para o ventilador de teto). Elas sã o designadas
“coordenadas cilíndricas”. Pode-se entã o reescrever a lei de Newton ao usar o sistema de
três coordenadas, r, θ , e z, em lugar de x, y, e z. Ainda outros sistemas de coordenadas
poderiam ser utilizados.
Joseph-Louis Lagrange descobriu uma forma de descrever de forma compacta as leis de
movimento de Newton em muitos sistemas assim. Suponha que em lugar de x, y e z,
tenhamos as coordenadas q, r e s. (Elas podem ter uma relaçã o simples ou complicada com
o sistema original em x, y e z.) Suponha também que possa haver mais que uma partícula
envolvida de forma que possamos, além disso, ter as coordenadas t, u, v para designar a
segunda partícula. Para o total de 10 partículas, teríamos 30 coordenadas. Lagrange
considerou sistemas bem gerais com um nú meros arbitrariamente grandes de
coordenadas. Para muitos sistemas, se L (o “lagrangeano) é a diferença entre a energia
cinética e a energia potencial, a equaçã o de Newton, F = ma, equivale a:
L:q = (L:(q:t)):t [270]
para cada uma das coordenadas generalizadas q. A formulaçã o apresenta uma simplicidade
elegante e, além disso, mostra a transformaçã o matemá tica de muitos problemas físicos em
uma forma que permite a soluçã o bem mais fá cil. Como sempre, cada ocorrência do
símbolo de dois pontos (“:”) representa uma proporcionalidade distinta.
A ideia de invariâ ncia na mudança de perspectiva se traduz em sentido matemá tico em
equaçõ es invariantes quando se muda a “perspectiva”, isto é, quando as quantidades
mensurá veis bá sicas usadas para descrever e analisar a realidade física sã o alteradas. A lei
física existe de modo independente de nossa perspectiva. Podemos também dizer que as
leis físicas demonstram “simetria”. Elas possuem a mesma forma depois de uma
transformaçã o matemá tica, como a coluna simétrica de um edifício permanece com a
mesma forma depois de a rodarmos. A simetria está intimamente relacionada à beleza. Por
exemplo, pode-se ver beleza no taberná culo pelo fato de o Santo dos Santos ter dimensõ es
de 10 cú bitos nas três direções : 10 cú bitos de comprimento, 10 cú bitos de largura e
10 cú bitos de altura, de forma que as dimensõ es podem ser intercambiá veis e deixar o
formato geral idêntico.
A simetria e a invariâ ncia passaram a desempenhar o papel central na física do século XX.
Os físicos usaram os pressupostos repetidas vezes enquanto procuravam leis mais
profundas e abrangentes. Por causa de sua invariâ ncia na mudança de coordenadas, a
formulaçã o de Lagrange e uma correlata de William Hamilton serviram como indicaçõ es ao
fazer a transiçã o da física clá ssica para a mecâ nica quâ ntica. Nã o podemos explorar de
modo total o papel da simetria e da invariâ ncia sem entrar em muitos detalhes técnicos dos
poderosos desenvolvimentos no século XX. Vamos nos contentar em prover um tipo de
aperitivo para a degustaçã o ao considerar o desenvolvimento da teoria da relatividade de
Einstein.
metros por segundo (três centenas de milhã o de metros por segundo). (Nessa velocidade,
pode-se dar a volta ao mundo sete vezes em um segundo!)
Até aqui, observamos a teoria especial da relatividade de Einstein, publicada em 1905. Em
1916, Einstein publicou a teoria da relatividade geral e, por meio dela, foi capaz de dar um
passo adiante. Ele usou a técnica matemá tica de coordenadas generalizadas, semelhante a
Lagrange. E seguiu o requerimento de que a lei fundamental da gravitaçã o deveria ter uma
forma invariante mesmo em sistemas acelerados, como o elevador em queda. Ele se sentia
motivado ao observar que como nã o se pode dizer se um trem se move sem olhar para fora,
nã o se pode dizer se alguém está sendo acelerado ou sendo sujeito a um campo
gravitacional sem olhar para fora. Em suma, ele usou o postulado da invariâ ncia entre
gravitaçã o e aceleraçã o para chegar a equaçõ es gerais que cobriam as duas. As equaçõ es da
relatividade geral exigem um treinamento matemá tico considerá vel para ser entendida até
os detalhes. Todavia, sã o compostas por somas simples, constantes multiplicativas e as
proporcionalidades descritas por Newton com a invençã o do cá lculo.
O desenvolvimento da mecâ nica quâ ntica no século XX demonstra dependência semelhante
nos princípios da simetria e da busca pela matemá tica elegante e bonita para expressar as
leis fundamentais. Temos aqui um rico estoque de exemplos, mas isso pode esperar um
pouco mais.
O físico Eugene Wigner, ao avaliar os triunfos científicos notá veis na teoria da relatividade
e na teoria quâ ntica, expressou assombro com a harmonia entre a bela matemá tica e os
processos físicos reais:
O primeiro ponto é que a enorme utilidade da matemá tica nas ciências naturais é algo
que beira o mistério e nã o há explicaçã o racional disso…
Nã o é nem um pouco natural que as “leis da natureza” existam, muito menos que o
homem seja capaz de descobri-las. [271]
Também deveríamos expressar assombro e, com ele, gratidã o a Deus. Os cristã os sabem
que ele nos deu as leis da natureza. A Palavra, a segunda pessoa da Trindade, expressa-se
nas palavras ou leis matemá ticas a respeito da natureza. Elas têm a marca de sua pessoa, de
forma que revelam sabedoria, poder e beleza aterradores. As proporcionalidades simples
nas leis físicas sã o uma forma de “fazer imagens”, como as proporcionalidades no
taberná culo de Moisés. Deus imprimiu essas simetrias e proporcionalidades no mundo
como reflexo de si e da pró pria beleza e simetria.
QUÍMICA
Vamos agora considerar por um momento a química. O que dizer dos padrõ es e leis na
química? Eles também apresentam simetrias e proporcionalidades? A tabela perió dica de
elementos mostra um dos padrõ es mais impressionantes. Por um longo período os
químicos descobriram de modo gradual que a matéria comum era composta por
“elementos” químicos distintos — como hidrogênio e oxigênio — que nã o poderiam ser
mais decompostos. Alguns elementos mostraram semelhanças agudas entre si em relaçã o
ao comportamento químico e isso, pouco a pouco, levou ao arranjo atual da tabela
perió dica. (V. o diagrama.) Os elementos aparecem em linhas verticais na ordem de seus
nú meros atô micos. (O nú mero atô mico é o nú mero de pró tons de um ú nico á tomo e
também é a carga eletrô nica má xima que o á tomo pode ter quando ionizado, isto é, quando
os elétrons sã o retirados.) Os elementos de qualquer coluna da tabela apresentam
comportamento similar. Os elementos na coluna mais à direita, os gases inertes (hélio,
neô nio, argô nio, etc.), raras vezes se combinam para formar moléculas complexas.
Elementos na coluna mais à esquerda (coluna I A), os metais alcalinos (lítio, só dio, potá ssio,
etc.) perdem com facilidade um elétron, enquanto que os elementos na coluna “VII A”,
[272]
os halogênios (flú or, cloro, bromo, etc.), costumam receber um elétron extra. Juntas, essas
duas colunas (colunas I A e VII A) se combinam para formar sais. Assim o sal de cozinha, o
cloreto de só dio, NaClm é formado por um nú mero igual de á tomos de só dio (da coluna I A)
e cloro (da coluna VII A).
As propriedades semelhantes de qualquer coluna da tabela perió dica significam que
podemos falar, em sentido amplo, de cada elemento na coluna como uma imagem dos
outros na mesma coluna. O comportamento de um elemento é surpreendentemente
aná logo ao comportamento de qualquer outro elemento na mesma coluna. A ocorrência da
imagem ou da analogia repete o que temos visto em muitas á reas da biologia e da física.
A TABELA PERIÓ DICA [273]
IA II A III IV VB VI VII VIII IB II B III IV VA VI VII gases inertes
B B B B A A A A
H He
Li Be B C N O F Ne
Na Mg Al Si P S Cl A
K Ca Sc Ti V Cr Mn Fe Co Ni Cu Zn Ga Ge As Se Br Kr
Rb Sr Y Zr Nb Mo Tc Ru Rh Pd Ag Cd In Sn Sb Te I Xe
Cs Ba La Hf Ta W Re Os Ir Pt Au Hg Tl Pb Bi Po At Rn
Fr Ra Ac
Na química também vemos ocorrências extensas de proporcionalidades em muitas á reas. A
tabela perió dica está intimamente relacionada a um dos sistemas mais importantes e
amplos de proporcionalidades, a saber, as combinaçõ es moleculares de elementos. No
século XIX, os experimentos químicos passaram a mostrar que muitos elementos
combinavam com coerência em proporçõ es fixas. A á gua, por exemplo, é H O: isso significa
2
que ela contém dois á tomos de hidrogênio (H) para cada á tomo de oxigênio (O). O metano é
CH : ele contém quatro á tomos de hidrogênio para cada á tomo de carbono (C). O dió xido
4
de carbono, CO , contém dois á tomos de oxigênio (O) para cada um de carbono (C).
2
Por mais incrível que pareça, os químicos desenvolveram todos os relacionamentos sem
nem ver os á tomos individuais. Eles tinham de raciocinar a partir das proporçõ es
constantes observadas quando combinavam quantidades macroscó picas de elementos
diferentes. A familiaridade do pensamento atual sobre á tomos nã o deveria nos privar da
sensaçã o de maravilhamento. Deus colocou diante de nó s uma maravilhosa coleçã o de
belos relacionamentos nos fenô menos de ligaçõ es químicas e a tornou simples o suficiente
para que, pelo trabalho paciente, os químicos pudessem descobrir proporcionalidades
elegantes mesmo antes que formá ssemos o conceito da estrutura atô mica.
Proporcionalidades numéricas também ocorrem em muitas propriedades de materiais.
Considere, por exemplo, a fó rmula para pressã o e volume em um gá s perfeito:
PV = nkT
P é a pressã o, V é o volume, T é a temperatura (medida a partir do zero absoluto), n é o
nú mero de moléculas e k é a constante de Boltzmann, que deve ser medida empiricamente
mas é a mesma para qualquer gá s. Quando se pensa a respeito dela, trata-se de uma
fó rmula maravilhosa a envolver proporcionalidades simples. Que direito teríamos de
esperar que o mundo criado por Deus demonstraria essa coerência e tantos exemplos de
proporcionalidade?
Há uma explicaçã o adicional para a fó rmula. Em 1738, Daniel Bernoulli formulou a hipó tese
de que a pressã o de um gá s se devia ao movimento de muitas moléculas individuais. Essa
percepçã o foi mais tarde desenvolvida por uma sucessã o de cientistas na “teoria cinética
dos gases”, que obteve sucesso ao derivar a fó rmula de gá s perfeito a partir dos primeiros
princípios. A teoria retratou a formaçã o dos gases por um grande nú mero de moléculas
individuais que se movem ao redor em alta velocidade, colidindo entre si à s vezes. Essas
moléculas também colidiriam com a superfície do contêiner do gá s, saltando para trá s. O
efeito de um grande nú mero dessas colisõ es consistiria na pressã o está vel na superfície. A
pressã o P seria proporcional ao nú mero de moléculas (n) e inversamente proporcional ao
volume (V), porque as moléculas dispersas pelo volume amplo atingiriam os lados com
menos frequência.
A explicaçã o dos gases baseada no movimento molecular pode aparentar retirar o fascínio
e a beleza da fó rmula. A fó rmula e suas proporcionalidades se tornam “apenas” um efeito
secundá rio da realidade subjacente: o movimento das moléculas individuais. Contudo,
nosso compromisso com a cosmovisã o cristã , com a afirmaçã o da realidade em vá rios
níveis, deve nos encorajar a reter o senso de fascínio e beleza. Deus quer que nó s nos
regozijemos com efeitos tangíveis de larga escala com as observaçõ es de pressã o e volume,
bem como nos alegremos com o exame de níveis subjacentes que fornecem uma explicaçã o
adicional para a fó rmula. Deus é autor e artista em todos os níveis, nã o apenas no nível
molecular.
A histó ria nã o termina aí. Nenhum gá s real é “perfeito”; apenas as mediçõ es reais se
conformam intimamente à fó rmula quando a pressã o nã o está muito alta nem a
temperatura tã o baixa. De novo, pode-se observar a generosidade de Deus em nos conceder
algo simples à primeira vista — simplicidade fá cil de descobrir e, entã o, nos levar a
descobrir que a simplicidade nã o cobre os fatos perfeitamente. Ainda há mais a ser
descoberto. A equaçã o de Van der Waal é a fó rmula mais exata, que leva em conta o
tamanho finito de moléculas individuais e a leve força de atraçã o entre elas:
(P + an / V ) (V - nb) = nkT
2 2
SIMETRIAS
A beleza do taberná culo, que reflete a beleza de Deus, consiste parcialmente em simetrias
simples. O formato da estrutura do taberná culo demonstra a simetria norte-sul; ambos os
lados do eixo central que passa pelo meio sã o iguais, como mostra a ilustraçã o abaixo.
O Santíssimo Lugar tem o formato de um cubo perfeito, 10 cú bitos de um lado e 10 cú bitos
de altura. Assim mostra uma simetria adicional, como se mostra:
Nó s instintivamente vemos beleza em simetrias. A beleza do taberná culo nos convida a
procurar por belezas e simetrias nã o só no “microcosmo”, tendo o taberná culo por modelo,
mas no “macrocosmo”, todo o universo. Sim, há simetrias e belezas ali. Uma borboleta, um
favo de mel, uma concha do mar, uma folha de samambaia, cada uma dessas coisas nos toca
com sua aparência. Quando os olhos sã o abertos à maravilha e fascínio do mundo, devemos
ser atraídos a adorar o Deus cuja beleza aí se reflete.
Simetrias também surgem de forma direta da matemá tica, na matemá tica avançada e na de
nível bem elementar. Por exemplo, há simetria simples no pró prio fato de que a adiçã o e a
multiplicaçã o contarem com o mesmo resultado sem levar em consideraçã o a ordem dos
nú meros. 3 + 5 = 8 e 5 + 3 = 8. E também 3 x 5 = 15 e 5 x 3 = 15. Podemos escrever isso de
um jeito que mostre a simetria:
3+5=8
5+3=8
Esta propriedade pode parecer totalmente trivial, mas nã o é tã o trivial quando pegamos
um caso mais complicado. Considere esse problema de adiçã o:
549
30
156
662
987
808
235
+ 421
Será que importa se começamos do topo ou do ponto mais baixo? Isto é, primeiro temos
549, depois somamos 30 a ele, entã o adicionamos 156 ao resultado e assim
sucessivamente? Ou começamos com 421 lá em baixo e entã o somamos 235 a ele e assim
sucessivamente? E se usarmos o atalho convencional em que somamos todos dígitos de
unidades primeiro, 9 + 0 + 6 + 2..., e depois somamos os dígitos das dezenas e assim
sucessivamente? Fazemos esse tipo de adiçã o começando lá em baixo com os dígitos de
unidade 1 e entã o vamos para o 5? Como saber que chegaremos à mesma resposta?
As pessoas que regularmente resolvem problemas de adiçã o à mã o aprendem a verificar
seu trabalho ao resolver o problema de duas formas diferentes, talvez do topo para baixo
ou de baixo para cima. À s vezes os resultados nã o batem, mas o exame mais detalhado
sempre revela o erro. Quando os erros sã o eliminados, os resultados sempre batem. A
concordâ ncia mostra a harmonia e a beleza derivadas da palavra de Deus a respeito dos
nú meros.
Retorne por um momento ao simples problema: será que 3 + 5 = 5 + 3? A concordâ ncia
aqui parece totalmente trivial, porque estamos acostumados com ela. Aprendemos isso na
tabuada de adiçã o. Memorizamos o fato de que 3 + 5 = 8. Provavelmente nã o memorizamos
o fato de que 5 + 3 = 8 de forma separada. Em vez disso, aliviamos o fardo sobre a memó ria
ao aprendermos a regra de que o resultado da adiçã o é o mesmo quando se inverte a
ordem.
Como sabemos disso? Sabemos porque nossos professores nos disseram. Mas como eles
sabem? A adiçã o depende de uma ideia mais bá sica de contagem. Suponha que você tem
uma coleçã o de três pontos: Você conta os pontos: • • • “Um, dois, três”. Você também tem
uma coleçã o de cinco sinais de adiçã o: Você conta os sinas de adiçã o: + + + + + “Um, dois,
três, quatro, cinco”. Agora você pega a coleçã o inteira:
•••+++++
Como você os conta? Você vai contar os pontos primeiro, ou os sinas de adiçã o primeiro?
Contar os pontos primeiro é como somar 3 + 5. Contar os mais primeiro é como somar 5 +
3. O resultado será o mesmo? Como você sabe?
Uma maneira de ter certeza consiste em desenhar uma figura geométrica. Retratamos a
coleçã o inteira no espaço com os pontos primeiro:
•••+++++
Entã o fazemos a figura com os sinais de adiçã o primeiro:
+++++•••
Podemos ver que as duas coleçõ es têm o mesmo nú mero de peças, porque podemos
emparelhá -las, um par de cada vez. Mas isso apresenta ainda outra ideia: o conceito de
emparelhar a fim de verificar o tamanho relativo de duas coleçõ es depende do
conhecimento humano do fato de que, em qualquer caso, emparelhar possibilitará uma
comparaçã o confiá vel de magnitude. Pode-se também imaginar o movimento físico dos
pontos no espaço. Nó s os escolhemos e os movemos do começo até o fim da fileira.
Dependemos do pressuposto de que os objetos físicos possuem existência contínua e nã o
aparecem e desaparecem enquanto se faz a mudança. A estabilidade dos objetos físicos e a
estabilidade do nú mero de objetos depende da estabilidade da palavra de Deus ao governar
os objetos. Dependemos da fidelidade de Deus. Ele é tã o fiel nessa á rea que tendemos a
tomá -la como certa. Também tendemos a tomar como certo a harmonia estabelecida por
Deus entre as verdades numéricas e espaciais. Quando vemos 3 + 5 representado em
termos espaciais por pontos e sinais de adiçã o, sabemos que isso goza de uma relaçã o
harmoniosa com 3 + 5 a representar os termos numéricos quando sã o contados.
Os matemá ticos analisam outros tipos de situaçã o em que os resultados de fato dependem
da ordem em que se faz as coisas. Considere a situaçã o em que um dado cú bico está em
uma mesa na sua frente. O topo do dado tem um ponto nele, enquanto que a face à frente
tem dois pontos nela (v. os diagramas). Role o dado 90 graus à direita. Agora há um quatro
no topo, enquanto que a face à frente ainda é aquela com dois pontos nela. Agora role o
dado 90 graus em sua direçã o. O quatro vai para a frente e agora há um cinco no topo:
Agora volte à posiçã o original, com um ponto no topo do dado. Dessa vez, faça as duas
rotaçõ es em ordem inversa. Primeiro role o dado 90 graus na sua direçã o. O cinco agora
está no topo. Entã o role 90 graus à direita. Agora há um quatro no topo. O resultado total é
diferente do resultado de quando rolar para a direita é seguido por rolar para frente. Isto é,
o resultado das duas rotaçõ es depende da ordem:
Entã o por que dois nú meros sempre somam o mesmo resultado, independentemente da
ordem? É uma harmonia ordenada por Deus.
Se agruparmos cada coluna por si só , temos uma coleçã o de três pontos em cada coluna.
Somando as colunas, obtemos 3 + 3 + 3 + 3 + 3 = 15. Se primeiro agruparmos cada fileira
por si só , teremos uma coleçã o de cinco pontos em cada fileira. Somando as fileiras, tem-se
5 + 5 + 5 = 15. O nú mero de pontos é o mesmo nã o importa como escolhamos agrupá -los. A
analogia entre geometria e aritmética nos assegura que a figura geométrica dos pontos
representa com fidelidade as realidades aritméticas de adiçã o e multiplicaçã o. Dependemos
da relaçã o coerente entre espaço e nú mero, estabelecida e mantida por Deus. E
dependendo da coerência dos objetos físicos: os pontos devem permanecem onde se
encontram enquanto contamos. E dependemos da coerência de todo o sistema de adiçã o,
em que, como vimos, o resultado da adiçã o é bem definido e independente da ordem.
Vamos considerar um caso um pouco mais complicado: 3 x 50 = 150. Como sabemos o
resultado? Quando aprendemos a tabuada de multiplicaçã o, aprendemos apenas até o 10
ou talvez até o 12. Nã o aprendemos até o 50. Mas depois aprendemos a lidar com nú meros
grandes usando uma receita. Para calcular 3 x 50, primeiro fazemos 3 x 0 e se obtém 0.
Entã o fazemos 3 x 5 e o resultado é 15. Sabemos que se colocarmos o 15 à esquerda do 0, o
resultado é 150. Esse sistema de multiplicaçã o depende da proporcionalidade coerente
entre multiplicaçã o de 3 x 5 e da multiplicaçã o de 3 x 50. Se você adicionar um zero a um
dos fatores, terá um 0 a mais no resultado. Todo o resto permanecerá igual. Eis uma
representaçã o de um pouco dessa proporcionalidade:
0 x 5 = 0 0 x 50 = 00
1 x 5 = 5 1 x 50 = 50
2 x 5 = 10 2 x 50 = 100
3 x 5 = 15 3 x 50 = 150
4 x 5 = 20 4 x 50 = 200
5 x 5 = 25 5 x 50 = 250
6 x 5 = 30 6 x 50 = 300
7 x 5 = 35 7 x 50 = 350
8 x 5 = 40 8 x 50 = 400
9 x 5 = 45 9 x 50 = 450
0 x 6 = 0 0 x 60 = 00
1 x 6 = 6 1 x 60 = 60
2 x 6 = 12 2 x 60 = 120
3 x 6 = 18 3 x 60 = 180
Essa é uma proporcionalidade impressionante e extensa. Ela preconiza que toda a tabuada
de multiplicaçã o, como a aprendemos, replica-se (faz imagens de si) quando um dos fatores
é 10 vezes maior. E se replica de novo quando um fator é 100 vezes maior e entã o quando é
1000 vezes maior. Dependemos da série de imagens sempre que usamos a rotina normal
para multiplicar nú meros de vá rios dígitos.
Podemos também representar o processo de fazer imagens de cará ter geométrico. Aqui
está o diagrama representando a multiplicaçã o de 3 x 5:
Agora considere o seguinte diagrama:
Temos 15 grupos de 10 pontos cada. Os primeiros cinco grupos de 10 pontos no topo
totalizam 50 pontos. Multiplicar por três equivale a pegar os 15 grupos juntos, isto é
3 x 50 = 150. O diagrama é aná logo ao diagrama mais simples com 3 x 5 = 15 pontos. Mas
agora cada ponto individual entre os 15 foi substituído por uma subcoleçã o de 10 pontos. A
comparaçã o entre os dois diagramas, entre 15 pontos e 150 pontos respectivamente,
mostra que há uma analogia geométrica entre os dois. A analogia geométrica (ou
proporcionalidade, como temos a chamado) nos assegura que podemos calcular (3 x 50) ou
(30 x 5) primeiro ao fazer 3 x 5, e entã o adicionando o zero. Esta proporcionalidade entre
pontos individuais e subcoleçõ es de 10 pontos oferece a base para todo o processo de
multiplicar nú meros de muitos dígitos.
Essas sã o harmonias maravilhosas e belas — estabelecidas por Deus. Elas nã o eram tã o
ó bvias à s geraçõ es passadas. Levou tempo para o sistema decimal ser inventado, o que
permitiu a representaçã o conveniente de vá rios nú meros usando mú ltiplos de 10, 100,
1000 e assim sucessivamente, e permitiu uma maneira extremamente eficiente de fazer
adiçõ es, subtraçõ es, multiplicaçõ es e divisõ es de nú meros grandes. O sistema decimal
também concede mais facilidade ao trabalhar com quantidades bem pequenas, menos que
o tamanho de unidades comuns de mediçã o. Isso, por sua vez, abre o caminho para maior
apreciaçã o das proporcionalidades que estendem até o campo do muito pequeno. Nã o só é
3 x 50 = 150; além disso, 3 x 0,000005 = 0,000015. Fisicamente, três comprimentos de
5 mícrons (5 x 10 metros, menor que o diâ metro do cabelo humano) formam o total de
-6
15 mícrons.
Hoje, cá lculos mais complexos sã o feitos em computadores ou calculadoras. Eles também
dependem das mesmas proporcionalidades bá sicas, embora internamente usem o sistema
de base 2 (o sistema biná rio) em vez do sistema de base 10 (decimal) para realizar cá lculos.
Explorar como e por que as operaçõ es aritméticas podem ser representadas usando bases
aritméticas diferentes nos levaria a ainda mais belezas matemá ticas. Quando usamos uma
calculadora ou quando fazemos um balanço do extrato bancá rio, dependemos da
consistência e coerência de um imenso nú mero de proporcionalidades e estabilidades no
sistema numérico. Dependemos da fidelidade de Deus que estabelece essas coerências.
Números triangulares
Como outro exemplo, considere os “nú meros triangulares”, que sã o simplesmente os
nú meros representando o nú mero de pontos em um arranjo triangular. Pode-se formar
arranjos triangulares com colunas de pontos, como se segue:
O primeiro triâ ngulo tem 1 ponto. O segundo tem 1 + 2 = 3 pontos. O terceiro tem
1 + 2 + 3 = 6 pontos. E assim sucessivamente. Observamos que o nú mero de pontos em
qualquer triâ ngulo é a soma de inteiros consecutivos começando com 1.
Essa observaçã o já depende da coerência ordenada por Deus entre os arranjos espaciais de
pontos e as propriedades aditivas dos nú meros. Mostra uma analogia ou relaçã o de
“imagem” entre espaço e nú mero. Como já dissemos: “Nele [Cristo] tudo subsiste” (Cl 1.17).
A “subsistência” precisa incluir ao conjunto de verdades espaciais e numéricas. Entã o já
dependemos da Palavra, a segunda pessoa da Trindade, no nosso raciocínio. E dependemos
do Pai, a primeira pessoa, que ordena toda a verdade. Dependemos do Espírito, a terceira
pessoa, que ensina toda verdade (Sl 94.10; Jó 32.8). A imagem do espaço no nú mero
representa o reflexo atenuado do Filho — a imagem do Pai. Nossas reflexõ es subsequentes
sobre nú meros triangulares trazem outras maneiras para percebermos a harmonia e a
coerência derivadas de Deus.
Quantos pontos se encontram ali, juntos, no milésimo triâ ngulo da série? Na primeira fileira
do triâ ngulo encontraríamos um ponto. Na segunda fileira, encontraríamos mais dois
pontos, para um total de 1 + 2 pontos. Na terceira fileira encontraríamos três pontos. Ao
todo teríamos 1 + 2 + 3 + 4 + ... + 1.000 pontos. Somando todos os nú meros de 1 a 1000
levaria tempo demais e um erro poderia acabar acontecendo em algum lugar. O poder da
matemá tica advém em parte da observaçã o de padrõ es ordenados por Deus e da
descoberta de maneiras de encurtar o trabalho.
No milésimo triâ ngulo há (1000 x 1001) / 2 (1000 vezes 1001 dividido por 2) pontos, ou
seja 500.500 pontos. Como sabemos? Há um princípio geral ou padrã o. Para qualquer
inteiro positivo n, o triâ ngulo enésimo, com n pontos na fileira inferior, conta com o total de
n x (n + 1) / 2 pontos. Você pode verificar isso nos poucos primeiros casos. O primeiro
triâ ngulo tem 1 x 2 / 2 = 1 ponto. O segundo tem 2 x 3 / 2 = 3 pontos. O terceiro tem 3 x 4 /
2 = 6 pontos. O quarto tem 4 x 5 / 2 = 10 pontos. E assim sucessivamente.
Mas como sabemos que a fó rmula sempre funciona? Há vá rias maneiras de demonstrar seu
cará ter verdadeiro. Primeira, vamos usar o raciocínio geométrico. O nú mero de pontos é
grosseiramente aná logo à á rea do triâ ngulo em que os pontos se encontram. De algum
lugar no passado, você pode lembrar que a á rea de qualquer triâ ngulo é a metade da base
multiplicada pela altura. A fó rmula é ao menos pró xima da fó rmula n x (n + 1) / 2. A divisã o
por 2 corresponde ao fator da metade; n é a base e n + 1 se aproxima da altura, medida em
fileiras de pontos. Entretanto, como podemos ir além desses raciocínios grosseiros para
algo preciso?
A fó rmula da á rea do triâ ngulo é usualmente derivada de colocar dois triâ ngulos de mesmo
formato um do lado do outro:
A á rea do retâ ngulo inteiro, incluindo os dois triâ ngulos, é a altura multiplicada pela base.
Já que a á rea é dividida em duas peças iguais, a á rea de um triâ ngulo é a metade da altura
multiplicada pela base.
Se percebermos uma analogia entre essa situaçã o e nosso triâ ngulo de pontos, poderemos
usar a analogia para construir o argumento. Em lugar de um triâ ngulo de pontos, vamos
produzir dois, com o segundo de cabeça para baixo:
Temos entã o dois triâ ngulos, cada um com cinco pontos na fileira mais longa. Há cinco
fileiras ao todo. Mas com os dois triâ ngulos juntos, há seis pontos em cada fileira. O nú mero
total de pontos é 5 x 6. O nú mero de pontos em um triâ ngulo precisa ser metade disso ou
5 x 6 / 2 = 15. O argumento pode ser generalizado. A etapa de generalizaçã o envolve
observar o padrã o geral ordenado por Deus que ocorre em triâ ngulos de qualquer
tamanho. Se tomarmos dois triâ ngulos com 1000 pontos de um lado, há 1000 fileiras, e
cada fileira tem 1001 pontos. Os dois triâ ngulos juntos têm 1000 x 1001 pontos. O
triâ ngulo tem metade deste nú mero, isto é, um total de (1000 x 1001) / 2 pontos.
Podemos também produzir uma demonstraçã o algébrica do mesmo resultado e, assim,
demonstrar a coerência exata entre o raciocínio espacial e o algébrico e entre técnicas
espaciais e algébricas de enumeraçã o. Considere a soma dos 5 primeiros inteiros:
1+2+3+4+5
Agora escreva a soma na ordem inversa:
5+4+3+2+1
As somas terã o o mesmo resultado nã o importa qual ordem escolhermos por causa da
fidelidade consistência, racionalidade e beleza de Deus.
Agora escreva as duas somas uma embaixo da outra:
1+2+3+4+5
5+4+3+2+1
Some as colunas em lugar de fileiras (o procedimento muda de novo a ordem da adiçã o,
dependendo da fidelidade de Deus).
1+2+3+4+5
5+4+3+2+1
6+6+6+6+6
A soma total de todos os nú meros é entã o 5 x 6. A soma dentro de uma fileira é metade
disso, ou 5 x 6 / 2.
O procedimento se torna generalizado por causa da harmonia e coerência na palavra de
Deus. Suponha que contemos com a soma dos 1000 primeiros inteiros:
1 + 2 + 3 + ... + 1000
Repetimos o mesmo arranjo:
1 + 2 + 3 + ... + 1000
1000 + 999 + 998 + ... + 1
1001 + 1001 + 1001 + ... + 1001
Há 1000 có pias de 1001, para o total de 1000 x 1001. Cada fileira multiplicada por si
mesma é metade disso, ou 1000 x 1001 / 2. Em geral, para a adiçã o dos n primeiros
nú meros naturais, a soma é n x (n + 1) / 2.
Pode-se obter o mesmo resultado de outra forma, por induçã o matemá tica. A induçã o
matemá tica depende da intuiçã o fundamental sobre os inteiros de que podemos obter os
inteiros ao repetidas vezes adicionar 1 ao ú ltimo que obtemos. (Como vimos, esta ideia de
“gerar” inteiros é analogicamente baseada na “geraçã o” de uma imagem, baseada na
Trindade.)
Uma prova por induçã o matemá tica começa pelo estabelecimento da verdade para o inteiro
1. Para o triâ ngulo cuja base tem apenas um ponto, isto é, para n = 1, o nú mero de pontos
seria n x (n + 1) / 2 = 1 x (1 + 1) / 2 = 1. Quando verificamos, está certo. A fó rmula é
verdadeira para n = 1.
Agora observe que os nú meros triangulares podem ser descritos como uma fileira de
nú meros cujas diferenças formam uma fileira anterior que consiste apenas na sucessã o de
inteiros:
123456789
1 3 6 10 15 21 28 36
A primeira fileira é apenas uma lista de inteiros em sucessã o. A segunda fileira começa com
1, entã o adicionamos o nú mero correspondente da primeira fileira a fim de obter o
pró ximo nú mero na segunda fileira. A diferença entre dois nú meros sucessivos na segunda
fileira é o nú mero correspondente à primeira fileira. A segunda fileira é claramente a lista
de nú meros triangulares.
Agora, que propriedade permitirá esse resultado? Vamos testar a fó rmula n x (n + 1) / 2 e
veremos se é compatível com este resultado. Assim, 100 x 101/ 2 e 101 x 102/ 2 sã o dois
nú meros sucessivos na “fileira”. Quando fatoramos com o elemento comum (101 / 2),
podemos ver que a diferença entre eles é:
101 x 102 / 2 - 100 x 101 / 2 = (101 / 2) x (102 - 100) = (101/ 2) x 2 = 101
Em geral, k x (k + 1) / 2 e (k + 1) x (k + 2) / 2 sã o dois nú meros sucessivos nesta fileira. A
diferença é:
(k + 1) x (k + 2) / 2 – k x (k + 1) / 2 = [(k + 1) / 2] x [(k + 2) - k] = [(k + 1) / 2] x 2 = k +
1
(O “+ 1” é preciso porque as diferenças sempre sã o maiores em uma unidade do que a
posiçã o na série.)
Agora a fó rmula n x (n + 1) / 2 funciona para n = 1, como já temos checado. Precisa entã o
também funcionar para n = 2, porque a diferença entre a fó rmula n = 1 e a fó rmula para
n = 2 é precisamente a quantidade correta (a saber, 2). Acabamos de verificar que a
diferença sempre terá a quantidade correta. Entã o se pode concluir que a fó rmula funciona
até aonde quisermos ir, isto é, para qualquer nú mero natural n. A induçã o matemá tica nos
permite deduzir o caso geral, porque se entende como os nú meros naturais sã o gerados
pelo processo repetido de somar 1. Correspondendo a isso, nó s só repetimos o processo de
raciocínio: se é verdadeiro para o 4, é verdadeiro para o 5; se verdadeiro para o 5, é
verdadeiro para o 6. A mente de cada um de nó s, ao seguir os pensamentos de Deus, pode
perceber que o raciocínio se aplica a todos os nú meros naturais; daí o cará ter
universalmente verdadeiro da fó rmula.
Ainda outras maneiras podem ser elaboradas para chegar ao mesmo resultado sobre
nú meros triangulares (v. o Apêndice 2 para mais três). A diversidade nas diferentes
abordagens é derivada da diversidade na palavra de Deus, que especifica cada perspectiva.
A unidade em abordagens diferentes, ao expressar a unidade da verdade matemá tica,
deriva-se da unidade na palavra de Deus. Em Cristo, “tudo subsiste” (Cl 1.17). A coerência
das abordagens demonstra a beleza, fidelidade e racionalidade de Deus. A matemá tica
deveria estimular o louvor!
Este exemplo singular por si só nã o é tã o importante. Mas é importante entendermos que,
mesmo com o raciocínio matemá tico razoavelmente elementar, dependemos sempre da
coerência da palavra de Deus e da beleza e harmonia das analogias. Raciocinar de n = 5
para n = 6 é análogo a raciocinar de 4 para 5 ou de 3 para 4.
Ú LTIMOS EXEMPLOS
Podemos terminar nossas ilustraçõ es com dois exemplos que envolvem ainda outras
belezas aritméticas. Primeiro, considere o procedimento da “prova dos nove”. Ele pode ser
usado para verificar erros em um problema de aritmética feito à mã o livre. Considere o
problema de multiplicaçã o:
548
x 83
1644
4384
45484
Depois de uma pessoa desenvolver um problema como este no papel, ela pode usar o
procedimento da “prova dos nove” para uma verificaçã o rá pida. O procedimento diz que
em lugar de fazer o problema de multiplicaçã o originá rio, 548 x 83, ela é substituída por
um problema mais simples. Há uma receita específica para produzir um problema mais
simples: ela se chama “prova dos nove”. Em lugar de 548, pegamos o resultado da soma dos
dígitos em 548: 5 + 4 + 8 = 17. Depois dessa etapa, se ainda houver mais de um dígito, como
há no nú mero 17, repetimos o procedimento com 17. Entã o somamos os dígitos em 17 e
obtemos 1 + 7 = 8. O 8 tem um ú nico dígito, entã o 8 é o primeiro nú mero a ser usado no
novo problema de multiplicaçã o. A reduçã o de 548 a 8 é chamada “tirar o nove fora”
porque o mesmo resultado (8) pode também ser obtido pelo “nove fora” ou eliminando o 9
toda vez que a soma alcança 9 ou mais. Por exemplo, 5 + 4 = 9 e podemos ter “o nove fora”,
nos deixando com 8. Se acabarmos com um ú nico dígito que era um nove, colocaríamos o
“nove fora”, e acabaríamos com 0.
Agora precisamos fazer o mesmo com o segundo nú mero no problema de multiplicaçã o
originá ria, 83: 8 + 3 = 11. O 11 ainda tem dois dígitos, entã o repetimos o procedimento: 1 +
1 = 2. Assim, o 2 é o que usamos como o segundo nú mero no novo problema de
multiplicaçã o. O novo problema tem dois novos nú meros, 8 e 2. O 8 resulta do “nove fora”
de 548, enquanto que o 2 resulta do “nove fora” de 83. Podemos mostrar a relaçã o como se
segue
Problema de multiplicaçã o original: 548 x 83 = 45.484
Novo problema (simplificado): 8 x 2 = 16
Entã o agora temos um novo problema de multiplicaçã o: 8 x 2 = 16. Entã o nó s tiramos “o
nove fora” no resultado, 16, e obtemos 1 + 6 = 7.
A verificaçã o final agora consiste em comparar o resultado do problema original, 45.484,
com o resultado de nosso novo problema, a saber, 7. Tire o nove fora de 45.484. 4 + 5 + 4 +
8 + 4 = 25. Entã o nó s reduzimos 25 a 2 + 5 = 7. O 7 é o mesmo resultado final obtido do
novo e reduzido problema de multiplicaçã o. Se o problema original foi feito do modo
correto, os resultados das duas rotas sempre devem concordar.
Essa forma de verificar a multiplicaçã o (e procedimentos aná logos de adiçã o e divisã o)
parece quase má gico. Por que tudo se harmoniza quando tiramos os noves e adicionamos
dígitos? O resultado depende de uma profunda analogia (ou harmonia) entre a aritmética
comum e a aritmética “modular”, ou o que podemos chamar aritmética de “reló gio”. Na
superfície comum de um reló gio de 12 horas, o ponteiro das horas se move
progressivamente do nú mero 1 ao 2 e até o 12, aumentando uma unidade a cada hora.
Entã o em lugar de subir até o 13, ele volta para o 1. Pode-se estudar isso como um sistema
autoconsistente em que a “adiçã o” nunca passa do 12; ele continua ao redor do reló gio em
movimento circular. No novo sistema aritmético, 11 + 3 = 2, porque um sempre subtrai o
12 quando o resultado se torna mais do que 12. Acaba que a prova dos nove representa
uma nova “aritmética” em que o reló gio tem 9 nú meros em lugar de 12. Adiçã o e
multiplicaçã o podem ser definidas com coerência no novo “reló gio”. Ele sempre subtrai o 9
quando o resultado se torna mais que 9. Porque o 10 tem um dígito a mais que o 9, o 10
equivale ao 1 no novo sistema. Da mesma forma, 20 equivale ao 2. Daí a funçã o do 0
significativo no sistema decimal é ignorada e só se somam os dígitos em um nú mero de
vá rios dígitos. Tirar o nove fora funciona porque a nova aritmética do reló gio permanece
em completa harmonia com a aritmética originá ria, que acontece com nú meros comuns
escritos no sistema decimal. [278]
Pitá goras descobriu o seguinte teorema geométrico: em um triâ ngulo retâ ngulo, a soma dos
quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa:
Será que quaisquer outros inteiros possuem a mesma propriedade? Pode-se encontrar um
nú mero infinito desses trios: 5 + 12 = 13 ; 7 + 24 = 25 ; 9 + 40 = 41 . Uma receita
2 2 2 2 2 2 2 2 2
simples pode gerar todos eles. Se a e b sã o inteiros positivos e a é maior que b , entã o os
três nú meros a - b , 2ab, e a + b formam um trio pitagó rico. Este exemplo é só um na
2 2 2 2
qualquer outra potência n, sendo n> 2. Isto é, para qualquer inteiro n>2 nã o há inteiros
positivos a, b e c de tal forma que a + b = c . Fermat escreveu na margem de um livro que
n n n
havia descoberto uma prova para esse resultado, mas ele nã o a escreveu. É prová vel que
Fermat tenha cometido um erro em algum lugar do raciocínio dessa prova ainda
desconhecida. Por vá rios séculos os matemá ticos buscaram a prova em vã o, até que
finalmente, em 1994, Andrew Wiles apresentou uma prova baseada em matemá tica
extremamente sofisticada, desenvolvida apenas no século XX. Pode-se ler o relato dessa
busca em Simon Singh, Fermat’s Enigma : The Quest to Solve the World’s Greatest
Mathematical Problem [O enigma de Fermat: A busca para resolver o maior problema
matemá tico do mundo]. [279]
debate mais amplo. Os exemplos que apresentei aqui podem bastar para provar que a
matemá tica oferece uma demonstraçã o maravilhosa para quem está desperto para suas
belezas e para o Deus que as ordenou. [281]
23. Conclusão: servir a Deus
Retornamos ao ponto inicial. Os cientistas dependem de Deus, que ordena e sustém as leis
estudadas. As pessoas comuns dependem de Deus, nã o só pelo ar que respiram, mas
sempre que dependem dos produtos tecnoló gicos. Todavia, para muitos, a dependência é
inconsciente, e à s vezes se defronta com um coraçã o em rebeliã o contra Deus. Serviremos a
Deus de uma forma ou de outra, porque isso é inevitá vel para as criaturas. Nó s o
serviremos de forma voluntá ria ou involuntá ria — e a despeito de nó s mesmos. Mas quã o
melhor é servir a ele como pessoas reconciliadas e que podem nã o só viver em paz com
Deus mas louvá -lo por seus benefícios! A ciência foi feita para ser uma tarefa
desempenhada e desenvolvida em espírito de louvor. Na ciência, seguimos os pensamentos
de Deus e o louvor cresce no coraçã o enquanto observamos mais de sua sabedoria.
Tudo foi feito para ser assim, a partir do jeito que Deus criou o mundo. Porém, dada a
profundidade da rebeliã o humana, o que deveria ocorrer se tornou estranho e contrá rio ao
que é comum. Precisamos da renovaçã o e energizaçã o do Espírito Santo, que é um dom
concedido a quem vem a Cristo, se quisermos descobrir de novo o caminho da liberdade e o
caminho que abre a liberdade a outros.
Este livro foi escrito como uma contribuiçã o para promover essa liberdade. Mas é só uma
contribuiçã o, porque na vida estamos apenas a caminho da liberdade plena: “A liberdade
da gló ria dos filhos de Deus”, pela qual esperamos (Rm 8.21, 25). Deus tem mais para nos
mostrar e mais com o que nos abençoar nos campos da ciência e da matemá tica: “A gló ria
de Deus é encobrir as coisas, mas a gló ria dos reis é esquadrinhá -las” (Pv 25.2).
GÊ NESIS 2.5, 6
A teoria da estrutura normalmente apela para Gênesis 2.5, 6: [282]
Nã o havia ainda nenhuma planta do campo na terra, pois ainda nenhuma erva do
campo havia brotado; porque o SENHOR Deus nã o fizera chover sobre a terra, e
também nã o havia homem para lavrar o solo... (Gn 2.5)
De acordo com a teoria da estrutura, o comentá rio sobre a ausência de chuva e do homem
implica ter ocorrido um período razoavelmente longo entre a criaçã o das plantas (dia 3) e a
criaçã o do homem (dia 6) (pois, de outro modo, por que a preocupaçã o de haver ou nã o
chuva ou homem?). Isso implica que, tã o logo as plantas foram criadas por uma açã o
sobrenatural, Deus sustentaria a existência delas por meios normais, incluindo a chuva e o
cultivo humano.
Essas observaçõ es a respeito das plantas sã o entã o estendidas a fim de concluir que depois
de inicialmente criar as vá rias criaturas particulares, Deus usou meios comuns para as
sustentar. Se Deus usou meios comuns para sustentar a oscilaçã o do dia e da noite (dia 1),
esses meios comuns incluiriam o movimento do sol e seu brilho para prover luz. Portanto,
os acontecimentos do dia 1 precisam ser simultâ neos com a criaçã o do sol no dia 4. O dia 1
e o dia 4 descrevem acontecimentos sobrepostos a partir de dois pontos de vista.
Os argumentos sã o sugestivos; pessoalmente, nã o estou persuadido. Para começar, há
algumas dificuldades para se entender a figura em Gênesis 2.5, 6 com detalhes. A palavra
para “neblina” em 2.6 é incomum e pode denotar uma nascente ou fonte de á gua
subterrâ nea. Os autores argumentam tratar-se de uma “nuvem de chuva”. Qualquer que
[283]
seja o significado, parece que, como Derek Kidner argumenta, já havia bastante á gua antes
de chover. [284]
O problema, caso exista algum, pode envolver nã o a ausência de á gua para
nutrir as plantas, mas a fartura, talvez mesmo a superabundâ ncia. Kidner sugere que em
2.5, 6 a narrativa retorna à situaçã o de á gua superabundante que aconteceu em Gênesis 1.2.
A narrativa retira os desenvolvimentos posteriores a fim de agora nos contar algumas
partes do relato do ponto de vista dos propó sitos de Deus relacionados à criaçã o do
homem. Daí, a retirada do homem e da chuva nã o ser de fato uma afirmaçã o sobre a
presença da providência comum nos dias da criaçã o, mas o convite para voltar de novo no
tempo à situaçã o anterior: antes de ocorrer uma providência pó s-criaçã o ou a criaçã o
altamente ordenada.
Outra opçã o ainda se apresenta. A linguagem em 2.5 b sobre a chuva e o homem pode nã o
ser um comentá rio sobre os princípios usados por Deus para sustentar as plantas nos
dias 4 e 5, mas um comentá rio que antecipa o restante de Gênesis 2; nele, o homem e o
jardim serã o preparados e uma ordem providencial comum para sustentar o jardim é
estabelecida. Na verdade, é bem possível que Gênesis 2.5, 6 nã o diga respeito à situaçã o em
todo o firmamento da terra, mas se concentre na á rea onde o jardim do É den será mais
tarde plantado. As plantas ainda nã o tinham brotado nessa á rea limitada. Deus planeja
[285]
a transiçã o para o tempo em que a providência comum terá seu papel e nesse contexto
descobrimos a mençã o natural da chuva e do homem.
O conceito de Kidner ou a visã o focada no É den podem ou nã o estar corretas. Embora
algumas partes dos versículos 5 e 6 sejam razoavelmente claras, o impulso geral é
discutível. O pró prio cará ter discutível sugere cautela em lugar de colocar muito peso do
debate crucial sobre a estrutura geral dos dias de Gênesis sobre isso, que depois de tudo
pertence a Gênesis 1.1-2.3 em vez do relato em Gênesis 2.4-4.26.
COSMOLOGIA DE DOIS-REGISTROS
Precisamos também considerar a significâ ncia da “cosmologia de dois registros”, como
exposta no artigo de Meredith Kline, “Space and Time in the Genesis Cosmogony” [“Espaço
e tempo na comogonia de Gênesis”]. O Antigo Testamento nos mostra cenas em que
[287]
Deus está assentado e entronizado entre servos angélicos (1Rs 22.19-22; Jó 1.6-12; Ez 1;
Dn 7.9, 10, etc.). Na terminologia de Kline, essas cenas nos mostram o “registro superior”
enquanto que os acontecimentos na terra pertencem ao registro inferior.
A ideia da habitaçã o celestial de Deus é de fato ensinada na Escritura e consistia, sem
sombra de dú vida, em parte do aparato mental de israelitas piedosos. Ademais, a
comparaçã o pictó rica entre Deus como rei e o reinado humano tem lugar em vá rias
comparaçõ es analó gicas entre Deus e o homem. A teoria do dia analó gico, bem como a
teoria da estrutura, reconheceria isso tudo.
Mas além disso Kline afirma que os dias da criaçã o sã o dias do registro superior. Será que
um apelo a um registro celestial oferece uma explicaçã o satisfató ria do tempo ? Há
dificuldades aqui.
Primeiro, a existência de um campo espacial invisível na forma de uma cena celestial com
anjos nã o implica a existência de uma dimensã o temporal distinta com pouca ou nenhuma
relaçã o à nossa. Em Jó 1.6-12 e 1 Reis 22.19-22, os acontecimentos nos dois campos
espaciais parecem se misturar com perfeiçã o em um contínuo temporal único . Deus toma
decisõ es no céu e elas sã o entã o executadas na terra. Sem dú vida, há muito mistério aqui, e
ele volta à incompreensibilidade de Deus e sua eternidade. Todavia, a representaçã o da
Escritura nã o sugere a necessidade de postular duas dimensõ es temporais criadas de forma
distinta, cada uma conectada a um campo espacial. Em vez disso, o poder da representaçã o
depende de vermos que uma correlaçã o aguda existe entre os comandos de Deus nos céus e
sua execuçã o na terra. A correlaçã o é representada como temporal. Deus emite um
comando, em um tempo anterior, e ele é executado por um ser celestial na terra, em um
tempo posterior.
Segundo, embora Kline encontre indicaçõ es de uma teofania e de um concílio angélico em
Gênesis 1.2 e 1.26 (“nó s”), seu significado é discutível. (O querubim celestial também
aparece em Gn 3.24.) A figura de sala do trono nã o desempenha nenhum papel explícito
proeminente em Gênesis 1, embora tenha um papel maior (por meio de alusõ es) em
Salmos 104.1-4. Precisamos, da mesma forma, ser cuidadosos com o exagero desse papel
exegético em Gênesis 1.
CONCLUSÃ O
No final, acho que a linha de estrutura é sugestiva, mas, por causa das questõ es restantes
sobre Gênesis 2.5, 6 e suas generalizaçõ es, nã o é nem de perto tã o atraente quanto a teoria
do dia analó gico. Seriam necessá rias evidências mais fortes e ó bvias, creio, para superar na
mente do israelita o senso de progressã o enquanto se move pelos dias.
Mas, como ficou patente no debate do Capítulo 10, as duas teorias (ou algumas das outras
teorias atrativas) nã o geram grandes diferenças teoló gicas, de forma que podemos viver
com mais tranquilidade com as discordâ ncias restantes.
Apêndice 2: Mais sobre números triangulares
No Capítulo 22 sobre matemá tica, exploramos os nú meros triangulares, isto é, nú meros
que representam o nú mero de pontos de um arranjo triangular.
O nú mero de pontos de um triâ ngulo com n pontos na base é n x (n + 1) / 2.
O triâ ngulo de Pascal tem uma fileira no topo somente com o nú mero 1. Além disso, os
nú meros 1 preenchem os dois lados do triâ ngulo. Cada nú mero no interior do triâ ngulo é
definido como a soma dos dois nú meros que sã o seus vizinhos mais pró ximos na fileira
antecedente.
O triâ ngulo de Pascal tem um nú mero de propriedades fascinantes e pode se ler sobre elas
na literatura matemá tica. A soma de todos os nú meros em uma fileira é uma potência
[288]
de 2. Mais precisamente, os nú meros na terceira fileira têm a soma de 2 = 2 x 2; a quarta
2
fileira tem uma soma de 2 = 2 x 2 x 2; a quinta fileira 2 = 2 x 2 x 2 x 2; e a fileira (n + 1),2
3 4
n
. A fó rmula geral para a entrada (r + 1) na fileira (n + 1) é n! / r!(n - r)!, onde “4!” significa
4 x 3 x 2 x 1 e “n!” significa n x (n - 1) x (n - 2) x ... x 2 x 1.
Agora, deixe seus olhos focarem nã o nas fileiras, mas no lado esquerdo do triâ ngulo. O lado
esquerdo é uma linha inclinada de 1. Ela começa no topo do triâ ngulo e vai em direçã o a
esquerda até onde se quiser estender. Exatamente paralela à fileira de 1, mas mais adiante,
está uma linha de inteiros, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... Esses sã o inteiros em sucessã o. E o paralelo a
esta linha é uma terceira linha, fechada em um retâ ngulo no diagrama. Ela consiste em
nú meros triangulares: 1, 3, 6, 10, 15, 21...
Já que esta linha consiste em nú meros que sã o todos o terceiro nú mero em sua pró pria
fileira horizontal, a fó rmula geral n! / r!(n - r)! para o triâ ngulo de pascal se torna, quando
aplicada a esta linha, n! / 2! (n - 2)! (r é 2 para o terceiro nú mero dentro no fim esquerdo de
uma fileira).
Agora note:
n! = n x (n - 1) x (n - 2) x (n - 3) x ... x 2 x 1 .
(n - 2)! = (n - 2) x (n - 3) x ... x 2 x 1 .
Todos os fatores em (n-2)! cancelam os fatores correspondentes em n! A ú nica coisa que
fica sem ser cancelada é n X (n-1).
Assim, a fó rmula para o nú mero triangular é n x (n - 1) /2! Mas 2! = 2 x 1 = 2. Entã o temos
n x (n - 1) / 2. Pode-se reescrever isso como (n - 1) x n / 2. O que aconteceu? Antes,
tínhamos a fó rmula n x (n + 1) / 2. Por que esta é diferente? Só depende de onde começa a
contagem. Os nú meros triangulares só começaram com a terceira fileira do triâ ngulo de
Pascal. Se renumerarmos, começando pela terceira fileira, e tratando-a como n = 1, faremos
um ajuste em n, e a fó rmula entã o vem na sua forma conhecida: n x (n + 1) / 2.
RESUMO
Quando se segue mais devagar no processo de raciocínio e também se aprecia a variedade
de maneiras com que se pode chegar a um resultado coerente, pode-se observar a multidã o
de maneiras com que a fidelidade e beleza de Deus se manifestam no campo da
matemá tica.
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irredutível, baseado em Behe. O Capítulo 6 é sobre design inteligente como um programa de
pesquisa científica (nã o como uma destruiçã o da ciência, como alguns oponentes alegam).
O Capítulo 4, sobre algoritmos evolucionistas e o uso dos teoremas do “No Free Lunch”
[Sem almoço grá tis] é importante e parece impressionante, mas nã o é tã o decisivo como os
nã o-matemá ticos podem pensar. Dembski está ciente que, se alguém aceita a suposiçã o
chave naturalista-darwinista de que toda a complexidade bioló gica é alcançá vel por passos
graduais que aumenta a aptidã o, a seleçã o darwinista constituiria um “algorismo
evolucionista” eficaz (p. 212). O design entã o pertence a leis naturais intrínsecas,
empurrando as coisas de volta ao que Dembski em outro lugar chama “ design antecipado”
(p. 343 ss.).
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[1]
Este capítulo apareceu originalmente numa forma diferente em Vern S. Poythress, “Why Scientists Must Believe in
God”, Journal of the Evangelical Theological Society 46/1 (March 2003): 111-23.
[2]
A obra de Gregory L. Bahnsen sobre o autoengano (“A Conditional Resolution of the Apparent Paradox of Self-
Deception”, tese de doutorado, University of Southern California, 1979) ajudou a mostrar como as pessoas manuseiam
esses casos paradoxais. Elas creem em certa proposiçã o e também acreditam (como crença de segunda ordem) que nã o
acreditam nela. Eles ocultaram da consciência o que suas açõ es continuam a revelar a outros. Para agir, dependem
tacitamente das verdades sobre o mundo, mas verbal e conscientemente nã o creem no que fazem. Esse modelo é ú til.
Entretanto, a incredulidade e a rebeliã o, como manifestaçõ es do pecado, produzem efeitos profundos na natureza
humana, incluindo as questõ es intelectuais e prá ticas. Daí qualquer explicaçã o humana da evasã o da verdade resta
parcial.
[3]
Reijer Hooykaas, A religião e o desenvolvimento da ciência moderna (Brasília, DF: Editora da UnB, 1988); Stanley L.
Jaki, The Road of Science and the Ways of God (Chicago: University of Chicago Press, 1980); Jaki, The Origin of Science and
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fé cristã e filosofia natural (São Paulo: Cultura Cristã , 2005); Charles E. Hummel, The Galileo Connection: Resolving
Conflicts Between Science and the Bible (Downers Grove: InterVarsity, 1986).
[4]
Por volta de 1999, Edward J. Larson e Larry Witham conduziram uma pesquisa sobre as crenças dos cientistas e
compararam os resultados com pesquisas similares de James H. Leuba em 1914 e 1933. Encontraram poucas mudanças, a
nã o ser quanto à impressã o de que a ciência é uma força secularizante. Do total, 48% criam em Deus nos dias de Leuba e
hoje. Mas também perceberam que a “elite” dos cientistas americanos, representada pela National Academy of Science,
continham uma porcentagem mais alta de descrença, mais de 90% dos que responderam (“Scientists and Religion in
America”, Scientific American 281/3 [September 1999]: 88-93).
[5]
Roy Bhaskar distingue com cuidado a “leis causais” dos “padrõ es de eventos” (Bhaskar, Reclaiming Reality: A Critical
Introduction to Contemporary Philosophy [London/New York: Verso, 1989], p. 16). “Leis causais” correspondem ao que
chamo “princípio explicativo geral”; “padrõ es de eventos” podem derivar-se da coincidência. Mesmo quando um padrã o
resulta da operação direta das leis, ele não é idêntico à s leis. Trata-se de uma instâ ncia do efeito das leis. Contudo,
nenhuma separaçã o rígida é possível, pois nenhum padrão , coincidente ou nã o, pode ser reconhecido pelo ser humano a
nã o ser sob o pano de fundo da racionalidade da palavra divina. Precisamos ter duas distinçõ es em ordem: entre a palavra
de Deus e o conhecimento humano dessa palavra; e entre a palavra de Deus e as coisas e os eventos que ela controla.
Também precisamos reconhecer que a ciência envolve mais de um nível de descriçã o e explicaçã o. Juntar esses dados
sobre a construçã o do ninho de um passarinho envolve um nível mais elementar que a aná lise da base neuroló gica dos
instintos de construçã o de ninhos. V. a discussã o posterior nos Capítulos 13-15.
[5]
Para uma discussã o sobre realismo e as alternativas a ele, v. Cap. 15.
[6]
Springfield: Merriam-Webster, 1987.
[7]
Mas nem tã o massivos; entramos em outras limitaçõ es quando os campos gravitacionais sã o fortes.
[8]
John M. Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 2002), p. 543-75. [Em português: A
doutrina de Deus (Sã o Paulo: Cultura Cristã , 2014)].
[9]
Encontrei recentemente um pensamento paralelo em Paul Davies, que menciona a eternidade, universalidade e
onipotência da lei ( The Mind of God: The Scientific Basis for a Rational World [New York: Simon & Schuster, 1992], p. 82-
3). A seguir, Davies entã o parte para outras direçõ es, sem expandir a lista de atributos divinos.
[10]
Sobre a visã o bíblica de transcendência e imanência, v. John M. Frame, The Doctrine of the Knowledge of God
(Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1987), esp. p.13-5 [Em português: A doutrina do conhecimento de Deus (São
Paulo: Cultura Cristã , 2010)]; e Doctrine of God , esp. p. 107-15.
[11]
Chamados e sinais animais mimetizam certos aspectos limitados da linguagem humana. Os chimpanzés podem ser
ensinados a responder a símbolos com sentido. Mas isso ainda está bem longe da gramá tica complexa e do sentido da
linguagem humana. V., e.g., Stephen R. Anderson, Doctor Dolittle’s Delusion: Animals and the Uniqueness of Human
Language (New Haven: Yale University Press, 2004).
[12]
Na habilidade de passar por transformaçõ es e reformulaçõ es, as leis científicas também mostram uma analogia da
linguagem humana para representar perspectivas mú ltiplas. Para saber mais sobre o cará ter linguístico das leis
científicas, v. Vern S. Poythress, “Science as Allegory”, Journal of the American Scientific Affiliation 35/2 (1983): 65-71;
“Newton’s Laws as Allegory”, Journal of the American Scientific Affiliation 35/3 (1983): 156-61; “Mathematics as Rhyme”,
Journal of the American Scientific Affiliation 35/4 (1983): 196-203.
[13]
Conforme a Bíblia (esp. Gn 1), mantemos que Deus e o mundo criado sã o distintos. Deus nã o deve ser identificado com
a criaçã o ou qualquer parte dela, nem é a criaçã o “parte” de Deus. A Bíblia repudia todas as formas de panteísmo e
panenteísmo.
[14]
Veja R. B. Edwards, “Word”, in: Geoffrey W. Bromiley et al., orgs., The International Standard Bible Encyclopedia
(Grand Rapids: Eerdmans, 1988), 4 vols., vol. 4, p. 1103-7, e a literatura associada.
[15]
Sobre o cará ter divino da palavra de Deus, v. Vern S. Poythress, God-Centered Biblical Interpretation (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1999), p. 32-6.
[16]
Larson; Witham, “Scientists and Religion”, p. 90-1.
[17]
Ibid .
[18]
V. a discussã o estendida sobre puniçã o justa em Vern S. Poythress, The Shadow of Christ in the Law of Moses
(Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1995), p. 119-249.
[19]
Veja o capítulo seguinte, onde lidamos com algumas questõ es sobre o relacionamento entre as diferentes fontes do
conhecimento humano.
[20]
The Mind of the Maker (New York: Harcourt, Brace, 1941), esp. p. 33-46. [Em português: A mente do Criador (Sã o
Paulo: É realizaçõ es, 2015), p. 47-56]
[21]
V. tb. John Milbank, The Word Made Strange: Theology, Language, Culture (Oxford: Blackwell, 1997), sobre as raízes
trinitá rias da comunicaçã o.
[22]
Veja Cornelius Van Til, The Defense of the Faith , 2. ed., rev. (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1963), p. 25-6.
[23]
V. ibid ., p. 31-50.
[24]
Eu nã o sei onde está esse relato no meio impresso. Sobre a dependência divina dos rebeldes, v. Cornelius Van Til, The
Defense of the Faith , 2. ed. (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1963); e a exposição por John M. Frame, Apologetics
to the Glory of God: An Introduction (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1994) [Em português: Apologética para a
glória de Deus: uma introdução (Sã o Paulo: Cultura Cristã , 2011)].
[25]
V. tb. a discussão de Poythress, “Science as Allegory”.
[26]
Uma reflexã o muito valiosa sobre os fundamentos da apologética se encontra na tradiçã o da apologética
transcendental fundada por Cornelius Van Til. Veja Van Til, Defense of the Faith ; e Frame, Apologetics to the Glory of God .
[27]
Webster’s Ninth New Collegiate Dictionary (Springfield: Merriam-Webster, 1987).
[28]
Veja Louis Berkhof, Systematic Theology , 4. ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1941), p. 37. Na verdade, entende-se
normalmente a “revelaçã o especial” de forma mais ampla. Ela inclui a comunicaçã o verbal de Deus nã o registrada na
Escritura, como as palavras do ministério de ensino terreno de Jesus que nã o foram incluídas em nenhum evangelho.
Inclui os atos redentivos de Deus, como os milagres no tempo da saída do Egito e na vida terrena de Jesus. É
consideravelmente difícil oferecer uma definição do que precisamente distingue a revelaçã o especial da geral. Pode-se
tentar dizer que a revelaçã o especial é a revelaçã o redentiva . Entretanto, o discurso de Deus a Adã o antes da queda
(Gn 1.28-30; 2.16,17), que precede o início da redenção, é normalmente classificado como revelaçã o especial. Em sentido
menos estrito, todas as obras de Deus subsequentes à queda sã o “redentivas”, pois todas servem indiretamente para
promover o objetivo da redenção có smica ú ltima. Considere outra rota. Pode-se tentar dizer que a revelaçã o geral é
comum, enquanto a revelaçã o especial é extraordiná ria. Mas a diferença entre o comum e o extraordiná rio é uma questã o
de grau; assim, essa definiçã o falha em nos fornecer uma distinçã o estrita. Ou se pode tomar o gancho do termo “geral”, e
definir a revelaçã o geral como a que vem a todas as pessoas em todos tempos. Essa tentativa chega perto da soluçã o,
embora a ênfase esteja no fato de a revelaçã o especial vir inicialmente a pessoas particulares em tempos e lugares
específicos, nunca a todo o mundo. Mas ela desconsidera o cará ter irrepetível da histó ria. Todo ato providencial particular
de Deus, como ordenar uma tempestade em particular ou uma bênçã o particular de saú de a uma pessoa específica, devem
contar como “especial” — mais inclusivo que o desejos dos teó logos. Nossos propó sitos nã o carecem de uma distinçã o
precisa. Na prá tica, preocupamo-nos com a relaçã o entre a Escritura e o conhecimento derivado da natureza.
[29]
Note a avaliaçã o de John Jefferson Davis: “Apesar de a linha interpretativa dos “dois reinos” poder contar com a
vantagem aparente de evitar conflitos entre a ciência e a religiã o, ela tem o grande defeito de traçar a distinçã o forte
demais entre duas á reas da experiência humana. Embora os escritores bíblicos e os cientistas modernos claramente
possuam linguagens, métodos e propó sitos muito diferentes, todos eles se referem ao mundo físico compartilhado e
existente fora da subjetividade do falante” ( The Frontiers of Science and Faith: Examining Questions from the Big Bang to
the End of the Universe . Downers Grove: InterVarsity, 2002, p. 13; v. tb. Del Ratzsch, Science and Its Limits: The Natural
Sciences in Christian Perspective [Downers Grove: InterVarsity, 2000], p. 141-59).
[30]
Francis Brown, S. R. Driver; C. A. Briggs, orgs., A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament . Oxford: Oxford
University Press, 1953.
[31]
Pode-se objetar que este tipo de descrição é apenas metafó rica ou antropomó rfica. Nã o posso discutir de forma mais
extensa neste livro o tipo de abordagem que descarta ou recategoriza a verdade bíblica ao apelar para as alegadas
limitaçõ es da linguagem humana. (Mas v. John M. Frame, “God and Biblical Language”, in: John Warwick Montgomery,
org., God’s Inerrant Word [Minneapolis: Bethany, 1974], p. 159-77; e Vern S. Poythress, “Adequacy of Language and
Accommodation”, in: Earl D. Radmacher; Robert D. Preus, orgs., Hermeneutics, Inerrancy, and the Bible [Grand Rapids:
Zondervan, 1984], p. 351-76.) É suficiente dizer que o objetor precisa quase possuir um ponto de vista divino a fim de
conhecer a natureza da metá fora. Nã o contamos a descriçã o final dos caminhos de Deus na linguagem. Essas descriçõ es
sã o verdadeiras precisamente ao nos mostrarem as analogias entre o discurso humano e divino.
[32]
Gn 1.3 e Sl 147.15-18 obviamente nos dã o uma amostra; dela se pode inferir um conjunto bem maior.
[33]
Alguns leitores podem achar que meu foco na fala divina é unilateral. Em certo sentido, é. Uso a fala divina como
perspectiva sobre a totalidade da atividade de Deus. Podemos fazê-lo com proveito, desde que nos lembremos de que a
Bíblia nos oferece também outras perspectivas complementares. Entendidas da forma correta, os insights alcançados por
uma perspectiva enriquecem, mas nã o contradizem o que vem à mente a partir da segunda perspectiva. V. uma discussã o
maior em Vern S. Poythress, Symphonic Theology: The Validity of Multiple Perspectives in Theology (Grand Rapids:
Zondervan, 1987) [Em português: Teologia sinfônica: a validade de múltiplas perspectivas em teologia (Sã o Paulo: Vida
Nova, 2016)]. Precisamos também distinguir a palavra de Deus governando os céus (como em Gn 1) do que os pró prios
céus “declaram” em Sl 19.1. A palavra de Deus é a realidade mais fundamental por trá s das mensagens que vêm das coisas
que ele criou.
[34]
Em sentido técnico, devemos adicionar à nossa lista a revelaçã o verbal e nã o verbal aos anjos.
[35]
Webster’s Ninth New Collegiate Dictionary .
[36]
Para a exposiçã o mais completa do ensino bíblico sobre o discurso de Deus e interaçã o crítica com a neo-ortodoxia, v.
John M. Frame, “God and Biblical Language”; e “Scripture Speaks for Itself”, in: God’s Inerrant Word , p. 178-200.
[37]
Para a explicação cabal do meu posicionamento, o leitor pode consultar Vern S. Poythress, God-Centered Biblical
Interpretation (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1999).
[38]
V. a discussã o em Charles Hummel, The Galileo Connection: Resolving Conflicts Between Science and the Bible (Downers
Grove: InterVarsity, 1986); e Richard J. Blackwell, Galileo, Bellarmine, and the Bible (Notre Dame: University of Notre
Dame Press, 1991).
[39]
Veja Vern S. Poythress; Wayne A. Grudem, The Gender-Neutral Bible Controversy (Nashville: Broadman & Holman,
2000), p. 177-9; v. tb. a discussã o maior sobre a “linguagem fenomenoló gica” em Bernard Ramm, The Christian View of
Science and Scripture (Grand Rapids: Eerdmans, 1954), p. 67-9.
[40]
A ausência da preservaçã o dos autó grafos dos livros bíblicos continua a gerar objeçõ es. Sobre o papel ú nico do
autó grafo, v. Meredith G. Kline, The Structure of Biblical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1972). Nã o podemos
restaurar os autó grafos de maneira infalível em todos os pontos, mas, na prá tica, as doutrinas ensinadas na Bíblia estã o
bem estabelecidas, pois sã o ensinadas em mais de uma passagem. Tudo isso ainda opera na esfera de comunicação
linguística.
[41]
Também devemos notar que a palavra de Deus na Bíblia pode funcionar para condenar e iluminar: “Ora, sabemos que
tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpá vel perante Deus”
(Rm 3.19).
[42]
As institutas ou tratado da religião cristã , trad. Waldyr Carvalho Luz, 1. ed. Sã o Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1984, 1.5.11, p. 77.
[43]
Ibid ., 1.6.1, p. 84.
[44]
Note a insistência na “verdade verdadeira” sobre Deus na abordagem popular de Francis Schaeffer, The God Who Is
There: Speaking Historic Christianity into the Twentieth Century (Chicago: InterVarsity, 1968) [Em português: O Deus que
intervém: o abandono da verdade e as trágicas consequências para a nossa cultura , 3. ed. (Sã o Paulo: Cultura Cristã ,
2017)].
[45]
Sobre o contexto social da ciência, v. Richard C. Lewontin, Biology as Ideology: The Doctrine of DNA (New York:
HarperCollins, 1993). Sobre a influência das cosmovisõ es, v. Nancy Pearcey, Total Truth: Liberating Christianity from Its
Cultural Captivity (Wheaton: Crossway, 2004) [Em português: Verdade absoluta: libertando o cristianismo do seu cativeiro
cultural (Rio de Janeiro: CPAD, 2006)].
[46]
The Encyclopedia Americana . Danbury: Americana, 1978, 30 vols., vol. 14, p. 213.
[47]
Uso os termos “privatizar” e “privatizaçã o” com base em Os Guinness, The Gravedigger File: Papers on the Subversion
of the Modern Church (Downers Grove: InterVarsity, 1983), que por sua vez os aprendeu da sociologia da religiã o: Peter
Berger, The Sacred Canopy: Elements of a Sociological Theory of Religion (Garden City: Doubleday, 1967) [Em português: O
dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião (São Paulo: Paulinas, 1985)]. Note a crítica à religiã o
dissimulada em John Milbank, Theology and Social Theory: Beyond Secular Reason (Oxford: Blackwell, 1993).
[48]
Veja Pearcey, Total Truth , para a explicaçã o mais completa de como isso se deu.
[49]
As leis do AT que proíbem a blasfêmia e a falsa profecia são um caso especial, pertencentes a Israel como povo santo e
apontavam para a santidade da igreja do NT (que deve excluir dentre seus membros quem ainda nã o se arrependeu do
pecado). As leis do AT nã o se aplicam aos arranjos políticos modernos. A igreja exerce sua disciplina por meios espirituais,
nã o com puniçõ es físicas. Debato extensamente a questã o em Vern S. Poythress, The Shadow of Christ in the Law of Moses
(Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1995), esp. no Cap. 10.
[50]
Nancy R. Pearcey; Charles B. Thaxton, The Soul of Science: Christian Faith and Natural Philosophy (Wheaton: Crossway,
1994) [Em português: A alma da ciência: fé cristã e filosofia natural (São Paulo: Cultura Cristã , 2005)]. Ocorreram, é claro,
conquistas intelectuais e tecnoló gicas na antiga Babilô nia, China, Egito e Grécia. Mas o florescimento e a multiplicaçã o do
conhecimento científico pertence ao tempo da Renascença em diante.
[51]
Isto é, há influência comunitá ria sobre o que conta como conhecimento. A histó ria dessa influência é relatada pela
sociologia do conhecimento: Peter L. Berger; Thomas Luckmann, The Social Construction of Reality: A Treatise in the
Sociology of Knowledge (New York: Doubleday, 1966) [Em português: A construção social da realidade: tratado em
sociologia do conhecimento (Petró polis: Vozes, 1985)].
[52]
Cornelius Van Til afirmou repetidas vezes que a cosmovisã o nã o cristã pressupõ e fundamentalmente que a mente
humana conhecida agora consiste no padrã o normal. A cosmovisã o cristã crê na queda do homem e afirma que a mente
humana no tempo presente é anormal e desfigurada pelo pecado. V., p. ex., Cornelius Van Til, A Survey of Christian
Epistemology (s.l.: Den Dulk Christian Foundation, 1969).
[53]
Veja Vern S. Poythress, “Christ the Only Savior of Interpretation”, Westminster Theological Journal 50/2 (1988): 305-
321.
[54]
Vern S. Poythress, God-Centered Biblical Interpretation (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1999), esp. o cap 2,
p. 47, n. 1; John M. Frame, “God and Biblical Language”, in: John Warwick Montgomery, org., God’s Inerrant Word
(Minneapolis: Bethany, 1974), p. 159-77; e Frame, “Scripture Speaks for Itself”, in: God’s Inerrant Word , p. 178-200.
[55]
The End of the Historical-Critical Method (St. Louis: Concordia, 1977).
[56]
Ibid ., p. 54.
[57]
“Evolution, Neutrality, and Antecedent Probability: A Reply to McMullin and Van Till”, Christian Scholars Review 21
(1991/1992): 90.
[58]
V., p. ex., Westminster Theological Seminary, The Infallible Word: A Symposium (Philadelphia: Presbyterian &
Reformed, 1946); Benjamin Breckinridge Warfield, The Inspiration and Authority of the Bible (Philadelphia: Presbyterian
& Reformed, 1967) [Em português: A inspiração e autoridade da Bíblia (Sã o Paulo: Cultura Cristã , 2010)].
[59]
As consideraçõ es de Herman Bavinck sobre a esperança de transcender as diferenças religiosas ainda sã o pertinentes:
“Embora nã o possamos endossar as interpretaçõ es de Lessing, certamente é compreensível que muitos teó ricos se unam
a ele em buscar abrigo na posição de indiferentismo e tentem consolar-se com a ideia de que nã o importa em que se crê,
desde que se tenha uma vida boa. Mas esse consolo logo se evapora. Juntamente com o fato de que a religiã o
simplesmente nã o se permite ser colocada de lado, o estudo de etnologia mostra que a humanidade é tã o dividida sobre
moralidade e justiça quanto sobre religiã o [...] Nenhuma ciência, por mais que seja ‘desprovida de pressupostos’, é ou será
capaz de desfazer essa divisão e produzir, na vida de todas as naçõ es e povos, unidade nas mais bá sicas convicçõ es do
coraçã o. Se tiver de haver unidade, ela só será alcançada na forma de missã o: somente a unidade religiosa é capaz de
produzir a unidade espiritual e intelectual da humanidade. Enquanto prevalecer a divergência na religiã o, a ciência
também será incapaz de alcançar o ideal de unidade” ( Reformed Dogmatics . Grand Rapids: Baker, 2003, 2 vols., vol. 1,
p. 298-9) [Em português: Dogmática reformada , trad. Vagner Barbosa (Sã o Paulo: Cultura Cristã , 2012), vol. 1, p. 298-9].
[60]
Tal ponto é feito com certa extensã o em Poythress, “Christ the Only Savior of Interpretation”.
[61]
Para mais sobre cosmovisõ es, v. Pearcey, Total Truth .
[62]
Ou os muito determinados podem se propor a educarem suas crianças em casa ( homeschooling ). Eu agradeço pelo
homeschooling ser permitido nos Estados Unidos. Mas é uma grande injustiça o fato de que seus praticantes ainda vejam
seus impostos serem usados para as escolas pú blicas, enquanto eles pagam de seus pró prios bolsos com tempo e dinheiro
para suas atividades de homeschooling .
[63]
Na verdade, a narrativa de criaçã o de abertura vai de Gn 1.1-2.3. Gn 2.4-25 entã o foca na criaçã o do homem e o jardim
do É den.
[64]
Derek Kidner, Genesis: An Introduction and Commentary , Tyndale Old Testament Commentary (Downers Grove:
InterVarsity, 1967) [Em português: Gênesis: Introdução e comentário (Sã o Paulo: Vida Nova, 2006)]; Gordon Wenham,
Genesis 1-15 , Word Biblical Commentary (Waco, Tex.: Word, 1987), vol. 1; Victor P. Hamilton, The Book of Genesis :
Chapters 1-17 , New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1990); C. John Collins,
Genesis 1-4: A Linguistic, Literary, and Theological Commentary (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 2006). Pode-se
consultar também com bom proveito C. John Collins, Science and Faith: Friends or Foes? (Wheaton: Crossway, 2003), que
oferece menos detalhes exegéticos técnicos, e devota mais espaço a questõ es hermenêuticas, teoló gicas e científicas. O
livro de Collins fornece um complemento ú til a este livro em muitos pontos.
[65]
O material egípcio é complexo; v. “Report of the Committee to Study the Views of Creation”, Minutes of the Seventy-
First General Assembly of the Orthodox Presbyterian Church (Willow Grove: Orthodox Presbyterian Church, 2004), p. 276-
7, 292-4. Disponível em: https://opcgaminutes.org/wp-content/uploads/2018/04/2004-GA-71-red.pdf, acesso em:
22/7/2018.
[66]
Veja W. G. Lambert; A. R. Millard, Atra-hasis: The Babylonian Story of the Flood (Oxford: Oxford University Press,
1969). No meu resumo, solucionei alguns pontos obscuros.
[67]
James B. Pritchard, org., Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament (Princeton: Princeton University
Press, 1950), p. 60-72.
[68]
Genesis , p. 9. Mas Collins, Genesis 1-4 , Cap. 9, e Umberto Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis (Jerusalem:
Magnes, s.d.), vol. 1, p. 7, corretamente apontam que o efeito polêmico é indireto. Gênesis 1 é antes de tudo um relato
positivo dos atos criativos de Deus.
[69]
Ibid ., liii.
[70]
“Isso nã o quer dizer que o escritor de Gênesis nunca tenha ouvido ou lido a Epopeia de Gilgamesh : essas tradiçõ es
integravam a intelectualidade daquele tempo no Oriente Médio da mesma forma que a maioria das pessoas hoje tem uma
noçã o da Origem das espécies de Darwin, mesmo sem nunca a ter lido” ( ibid ., xlviii).
[71]
V. ibid. , p. 11-5; Collins, Genesis 1-4 , Cap. 4.
[72]
V. n. marginal na versã o RSV.
[73]
Collins, Science and Faith , p. 67; Edward J. Young, “The Relation of the First Verse of Genesis One to Verses Two and
Three”, Westminster Theological Journal 21 (1959): 138-9.
[74]
“É característico de muitas linguagens descrever a totalidade de algo em termos de seus extremos, por exemplo, ‘bom
e ruim’ [...] Aqui temos um exemplo desse uso para definir o universo” (Wenham, Genesis , p. 15).
[75]
V. a discussã o adicional em Collins, Science and Faith , p. 66-8.
[76]
Para discussã o adicional da criaçã o a partir do nada ( ex nihilo ), v. John M. Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 2002), p. 298-302; e Paul Copan; William Lane Craig, Creation Out of Nothing: A Biblical,
Philosophical, and Scientific Exploration (Grand Rapids: Baker, 2004).
[77]
Para uma visã o geral das dificuldades com uma macroevolução nã o guiada, v. Philip E. Johnson, Darwin on Trial
(Downers Grove: InterVarsity, 1991) [Em português: Darwin no banco dos réus (São Paulo: Cultura Cristã , 2008)]; Michael
Denton, Evolution: A Theory in Crisis (Bethesda: Adler & Adler, 1985); Michael Behe, Darwin’s Black Box: The Biochemical
Challenge to Evolution (New York: Free Press, 1996) [Em português: A caixa preta de Darwin: o desafio da bioquímica à
teoria da evolução (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997)]; atualizado com consideraçõ es de teoria da informaçã o em
William A. Dembski, No Free Lunch: Why Specified Complexity Cannot Be Purchased Without Intelligence
(Lanham/Boulder/New York/Oxford: Rowman & Littlefield, 2002). Os defensores da evoluçã o sã o muitos. Podemos citar
como exemplos Robert T. Pennock, Tower of Babel: The Evidence Against the New Creationism (Cambridge: MIT, 1999);
Kenneth R. Miller, Finding Darwin’s God (New York: Cliff Street, 1999); Stephen J. Gould, The Structure of Evolutionary
Theory (Cambridge: Harvard University Press, 2002).
[78]
Charles Thaxton; Walter Bradley; Roger Olsen, The Mystery of Life’s Origin: Reassessing Current Theories (New York:
Philosophical Library, 1984); Denton, Evolution , p. 249-73; Dembski, No Free Lunch , p. 179-80; Fazale Rana; Hugh Ross,
Origins of Life: Biblical and Evolutionary Models Face Off (Colorado Springs: NavPress, 2004).
[79]
Grand Rapids: Eerdmans, 1954. A discussão sobre a idade da terra é encontrada à s p. 173-229.
[80]
Por conveniência, segui a ordem da lista de Ramm ( ibid. , p. 173-229), mas coloquei geologia do Dilú vio acima na lista
a fim de dispô -la pró xima à visã o do dia de 24 horas, com que normalmente é associada. Deixei de usar a teoria de Ramm
de catástrofes sucessivas por nã o ser mais usada amplamente.
[81]
Ramm o rotula “visã o literal ingênua” ( ibid ., p. 173). Mas “ingênua” é um ró tulo desapropriado, já que nem todos de
seus aderentes são ingênuos.
[82]
Ramm rotula esta visã o “pró -crô nica ou de tempo ideal” ( ibid ., p. 192).
[83]
Daí a teoria também ser designada “teoria omphalos ”, da palavra grega para umbigo.
[84]
Ramm rotula esta visã o “Dia-era ou dia-divino, ou concordismo” ( ibid ., p. 211). Ela também já foi designada “teoria
do dia-geológico ” ( ibid .).
[85]
Esta abordagem não é incluída na lista de Ramm. Para saber mais sobre ela, v. Robert C. Newman, Genesis One and the
Origin of the Earth (Downers Grove: InterVarsity, 1977).
[86]
O ú ltimo item na lista de Ramm é intitulado “Dia pictó rico e concordismo moderado”. Pelo fato de esse título abranger
alguns conceitos distintos, escolhemos subdividi-lo.
[87]
Veja Arie Noordtzij, Gods Woord en der Eeuwen Getuigenis (Kampen, Netherlands: 1924); Nicolaas H. Ridderbos, Is
There a Conflict Between Genesis 1 and Natural Science? (Grand Rapids: Eerdmans, 1957); Meredith G. Kline, “Space and
Time in the Genesis Cosmogony”, Perspectives on Science and Christian Faith 48/1 (1996): 2-15. V. tb. Meredith G. Kline,
“Because It Had Not Rained”, Westminster Theological Journal 20 (1958): 146-57; Mark D. Futato, “Because It Had Rained:
A Study of Gen 2:5-7 with Implications for Gen 2:4-25 and Gen 1:1-2:3”, Westminster Theological Journal 60/1 (1998): 1-
21. A exposição pactual de W. Robert Godfrey sobre Gn 1 mostra uma afinidade com a hipó tese de estrutura, mas
questiona alguns das afirmaçõ es exegéticas técnicas em Kline (Godfrey, God’s Pattern for Creation: A Covenantal Reading
of Genesis 1 [Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 2003]). O “Report of the Committee to Study the Views of Creation”,
Minutes of the Seventy-First General Assembly... of the Orthodox Presbyterian Church (Willow Grove: Orthodox Presbyterian
Church, 2004), p. 251, classifica Godfrey sob a teoria de dia aná logo, discutida abaixo.
[88]
A teoria é mais bem representada por C. John Collins, “Reading Genesis 1:1-2:3 as an Act of Communication: Discourse
Analysis and Literal Interpretation”, in: Joseph Pipa, Jr.; David Hall, orgs., Did God Create in Six Days? (Taylors: Southern
Presbyterian, 1999), p. 131-51; v. tb. C. John Collins, Science and Fait h: Friends or Foes? (Wheaton: Crossway, 2003), esp.
o Cap. 5. Algo do tipo parece ter sido antecipado por Herman Bavinck: “Os dias da criaçã o sã o os dias em que Deus
trabalhou. Pelo trabalho, resumido e renovado seis vezes, ele preparou toda a terra e transformou o caos no cosmo. No
mandamento sabá tico, este padrã o é ordenado a nó s também. Como foram com Deus, também para o homem os seis dias
de trabalho devem ser seguidos por um dia de descanso” ( In the Beginnin g : Foundations of Creation Theology . Grand
Rapids: Baker, 1999, p. 126). Edward J. Young também manteve uma visão semelhante: “Uma questã o que os cristã os
gostam de falar é sobre a duraçã o desses dias. Nã o é muito proveitoso o fazer, pela simples razã o de que Deus nã o revelou
o suficiente a nó s para dizer muito sobre isso [...] Os primeiros três dias nã o são dias solares como conhecemos hoje [...] E
a obra do terceiro dia parece sugerir que houve algum processo e que o que aconteceu ocorreu num período mais longo
do que vinte e quatro horas” ( In the Beginning: Genesis Chapters 1 to 3 and the Authority of Scripture . Edinburgh/Carlisle:
Banner of Truth, 1976, p. 43). O “Report of the Committee to Study the Views of Creation” classifica Herman Bavinck e E. J.
Young como apoiadores da “conceito de dia de duração nã o especificada”, nã o muito diferente do conceito de dia aná logo.
[89]
Sobre a histó ria da interpretaçã o dos dias da criação, v. Robert Letham, “‘In the Space of Six Days’: The Days of
Creation from Origen to the Westminster Assembly”, Westminster Theological Journal 61/2 (1999): p. 147-74. Um debate
adicional a partir do conceito de dias de 24 horas pode ser encontrado em J. Ligon Duncan III; David W. Hall, “The 24-
Hour View”, in: David G. Hagopian, org., The Genesis Debate: Three Views on the Days of Creation (Mission Viejo: Crux,
2001), p. 47-52 (com respostas nas p. 68-70, 89-90, 99-106); e do conceito do dia-era em Hugh Ross, Creation and Time: A
Biblical and Scientific Perspective on the Creation-Date Controversy (Colorado Springs: NavPress, 1994), p. 16-24.
[90]
Nã o podemos entrar em uma discussã o detalhada da hipó tese documentá ria. Eu recomendo aos leitores os
comentá rios em Gênesis por Wenham, Hamilton e Kidner.
[91]
Sobre linguagem “fenomênica”, v. Bernard Ramm, The Christian View of Science and Scripture (Grand Rapids:
Eerdmans, 1954), p. 67-9; John Calvin, Commentaries on the First Book of Moses, Called Genesis , trad. John King (Grand
Rapids: Eerdmans, 1948, reimp.), 2 vols., vol. 1, p. 79-80. Tomá s de Aquino diz: “Moisés, acomodando-se ao povo inculto,
seguiu as coisas como aparecem aos sentidos” (Herman Bavinck, In the Beginning : Foundations of Creation Theology
[Grand Rapids: Baker, 1999], p. 120; citando Summa Theologica , 1.70.4).
[92]
Genesis , vol. 1, p. 79-80. V. tb. as consideraçõ es de Calvino ao comentar Gn 1.16: “Moisés estabelece dois grandes
luzeiros; mas os astrô nomos provam, por razõ es conclusivas, que a estrela de Saturno, que, pela grande distâ ncia, parece
a menor de todas, é maior que a Lua. Eis a diferença: Moisés escreveu em estilo popular coisas que, sem instruçã o, todas
as pessoas comuns, dotadas de senso comum, sã o capazes de entender; mas os astrô nomos investigam com grande labuta
o que quer que a sagacidade da mente humana possa compreender. Mesmos assim este estudo nã o deve ser reproduzido,
nem esta ciência condenada, porque alguns frenéticos costumam rejeitar o que quer que seja desconhecido a eles. Pois a
astronomia nã o é apenas prazeirosa, mas também muito ú til de se conhecer: nã o pode se negar que esta arte desvela a
sabedoria admirá vel de Deus. Portanto, como os homens engenhosos que se esforçaram neste assunto devem ser
honrados, também os que têm tempo de lazer e capacidade nã o deveriam negligenciar este tipo de exercício. Nem quis
Moisés nos afastar desta busca ao omitir coisas tais peculiares à arte; mas, por ter sido ordenado mestre de incultos e
rudes e cultos, ele nã o poderia cumprir seu ofício de outra forma senã o ao descer ao método mais grosseiro de instruçã o.
Tivesse ele falado de coisas geralmente desconhecidas, os incultos poderiam ter usado como desculpa que tais assuntos
estavam além de sua capacidade. Em ú ltimo lugar, já que o Espírito de Deus aqui abre uma escola comum para todos, nã o
surpreende que ele escolha assuntos mais inteligíveis para todos. Se o astrô nomo investiga a respeito das reais dimensõ es
das estrelas, ele verá que ali é menor do que Saturno; mas isso é algo abstruso, pois se aparenta algo diferente à vista.
Moisés, portanto, prefere adaptar seu discurso ao uso comum” (p. 86-7).
[93]
The Genesis Flood: The Biblical Record and Its Scientific Implications . Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1961, p.
229, 240.
[94]
Genesis , vol. 1, p. 80-1; semelhantemente Agostinho, The Literal Meaning of Genesis (De Genesi ad litteram) , 2.7; S.
Basílio, Hexaemeron , 3.8.
[95]
Tomá s de Aquino parece favorecer uma visã o semelhante a isso quando ele disse que o “firmamento” ou “céu” podem
ser “aquela parte da atmosfera onde as nuvens passam por condensaçã o”, e “as á guas que estã o acima do firmamento são
as mesmas que, quando evaporaram e levadas acima na atmosfera, sã o a fonte de chuva” ( Summa theologiae , New York:
Blackfriars & McGraw-Hill; London: Eyre & Spottiswoode, 1964], 1a. q. 68, 1, p. 75; e 1a. q. 68, 2, p. 79) [Em português:
Tomá s de Aquino, Suma teológica (São Paulo: Loyola, 2002)].
[96]
Afirma-se às vezes que a linguagem bíblica se ergue no pano de fundo da “cosmologia” antiga que postulava á guas
subjacentes, depois uma terra só lida, depois um domo só lido de “firmamento” para o céu, depois um mar acima desse
firmamento (Paul H. Seely, “The Firmament and the Water Above. Part I: The Meaning of raqia‘ in Gen 1:6-8”, Westminster
Theological Journal 53 [1991]: 227-240; “The Firmament and the Water Above. Part II: The Meaning of ‘The Water Above
the Firmament’ in Gen 1:6-8”, Westminster Theological Journal 54/1 [1992]: 31-46; “The Geographical Meaning of ‘Earth’
and ‘Seas’ in Genesis 1:10”, Westminster Theological Journal 59 [1997]: 231-55; “Noah’s Flood: Its Date, Extent, and Divine
Accommodation”, Westminster Theological Journal 66 [2004]: 291-311). Em primeiro lugar, o Oriente Médio Antigo nã o
dispunha de uma “cosmologia antiga” unificada, e sim de diversos registros — sumérios, babilô nicos, egípcios e hititas —
contraditó rios em alguns pontos, mas mesmo assim com algumas semelhanças.
Gênesis 1, como observamos, demonstra algumas semelhanças com esses registros, mas repudia os relatos pagã os ao
apresentar uma opçã o monoteísta. Agor a, por amor ao argumento, suponhamos que se possa destilar desses relatos
pagã os misturados um cerne de suposiçõ es compartilhadas também pelos antigos hebreus. A Bíblia, de todo modo,
descreve as coisas que os hebreus (e também outros leitores) poderiam ver por si pró prios. Supor que o texto ensina
visõ es cosmoló gicas técnicas é confundir o texto com a totalidade do que os seus leitores podem ter crido.
Além disso, a interpretaçã o cosmoló gica moderna dos relatos antigos pode às vezes impor a ele uma preocupação com o
fisicalismo nã o pertencente a esse tipo de literatura no ambiente cultural antigo. Por exemplo, a ideia de que o
firmamento é literalmente só lido é confirmada pela afirmaçã o em Gênesis 1.17: Deus dispô s os luzeiros “na expansão
[firmamento] dos céus” (ARC). Se os luzeiros no céu fossem literalmente embutidos em algo só lido, nã o poderiam se
mover da forma como obviamente fazem. Talvez algumas pessoas antigas pudessem enxergar o ó bvio, bem como serem
céticas sobre alegadas implicaçõ es fisicalistas de relatos cosmogô nicos pagã os.
[97]
The Encyclopaedia Britannica , 11. ed. (Cambridge/New York: The University Press, 1910) vol. 2, p. 809c.
[98]
C omentário ao livro de Salmos , Sã o Paulo: Fiel, 2009, vol. 4, p. 586.
[99]
John C. Whitcomb, Jr.; Henry M. Morris, The Genesis Flood: The Biblical Record and Its Scientific Implications
(Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1961) oferece um tipo de documento fundante. A pesquisa em andamento se
centraliza no Institute for Creation Research, que publica o perió dico The Creation Research Society Quarterly.
[100]
Esta terminologia nã o deve ser confundida com o termo mais geral “criacionista”, que pode ser usado para descrever
alguém que crê ter Deus exercido o papel decisivo na origem das coisas vivas, em oposição ao conceito de que as coisas
vivas se originaram por processos sem propó sito e por mero acaso.
[101]
Grand Rapids: Baker, 1977. V. tb. Brent Dalrymple, The Age of the Earth (Stanford: Stanford University Press, 1991); e
a literatura citada em C. John Collins, Science and Faith: Friends or Foes? (Wheaton: Crossway, 2003), p. 249-50, 397-8.
[102]
A meia-vida de um isó topo radioativo equivale à quantidade de tempo que leva para exatamente metade do isó topo
decair. Depois de duas meias-vidas (11.400 anos para o carbono-14), somente 1/4 do original restará e depois de três
meias-vidas, somente restará 1/8. Depois de muitas meias-vidas, a quantidade remanescente se torna pequena demais
para prover a mediçã o acurada.
[103]
Young, Creation and the Flood , p. 185-93, 215-7. V. tb. a discussão mais recente em Collins, Science and Faith , p.
247-53.
[104]
A galá xia de Andrô meda é oficialmente rotulada M31 (nú mero de Messier) e NGC 224. Uma pesquisa de internet trará
com facilidade muitas informaçõ es e lindas fotografias.
[105]
Genesis Flood , p. 370. Mas nos anos que se passaram desde que Whicomb e Morris escreveram Genesis Flood (1970),
alguns aspectos da teoria cosmoló gica receberam apoio de dados empíricos detalhados. A linguagem de Genesis Flood
pode, portanto, precisar de reavaliaçã o.
[106]
A maneira mais simples de estimar a distâ ncia até a lua é por “triangulaçã o”. Duas pessoas simultaneamente medem
o â ngulo exato entre uma estrela e um fator fixo na Lua, usando dois pontos de vista bastante separados, A e B, no globo. A
diferença entre as duas medidas, combinada com a estimativa da distâ ncia entre os pontos A e B na Terra, permite o
cá lculo da extensã o dos três lados do triâ ngulo composto por A, B e o fator fixo na Lua. Da mesma forma, as medidas do
â ngulo de uma estrela pró xima em dois pontos opostos na ó rbita da Terra ao redor do Sol permitem uma triangulaçã o
para calcular a distâ ncia da estrela.
[107]
Genesis Flood , p. 370, citando “Binary Stars and the Velocity of Light”, Journal of the Optical Society of America 43
(August 1953): 639.
[108]
Barry Setterfield, The Velocity of Light and the Age of the Universe (Adelaide: Creation Science Association, 1983);
Walter T. Brown, In the Beginning: Compelling Evidence for Creation and the Flood , 6. ed. (Phoenix: Center for Scientific
Creation, 1995). V. discussã o em Douglas F. Kelly, Creation and Change: Genesis 1.1-2.4 in the Light of Changing Scientific
Paradigms ( Fearn, Ross-shire: Christian Focus, 1997), p. 144-55.
[109]
Citado em Kelly, Creation and Change , p. 145.
[110]
Para uma avaliação crítica, v. ibid ., p. 153-5.
[111]
Ibid. , p. 146.
[112]
Starlight and Time: Solving the Puzzle of Distant Starlight in a Young Universe (Colorado Springs: Master, 1994).
[113]
Pelo fato de as velocidades relativas de nosso sistema solar e da galá xia de Andrô meda serem pequenas se
comparadas à velocidade da luz e por nã o existirem campos gravitacionais gigantes na linha de visã o de Andrô meda, a
relatividade especial e a geral nã o afetam significativamente as estimativas de tempo para a luz vir de Andrô meda. Para
um debate maior sobre Humphreys, veja: http://www.reasons.org/resources/ apologetics/unravelling.shtml?main, e um
mais técnico http://www.trueorigins.org/rh_fackmcin1.pdf.
[114]
Creation in Six Days: A Defense of the Traditional Reading of Genesis One (Moscow: Canon, 1999), p. 193, escreve: “Nã o
há uma boa razã o para pensar que a velocidade da luz é a mesma em todos os pontos do universo. A luz pode viajar bem
mais rapidamente entre estrelas e ainda mais rá pido entre as galá xias; isto é, a luz pode viajar com velocidade muito
maior longe de ‘poços de gravidade’ como o Sol e a Terra”. Ele nã o providencia notas de rodapé ou indica fontes.
O leitor com pouco conhecimento de física e astronomia pode se perguntar: “Como podem os cientistas ter boas razõ es
para firmar seus pontos de vista se eles mesmos nã o viajaram no espaço interestelar para verificar?”. Os cientistas o
fazem por inferência. Os astrô nomos possuem coleçõ es enormes de razõ es inferenciais que o leitor pode ignorar. Para
citar uma: em 1977, a NASA lançou duas sondas espaciais, Voyager I e Voyager II, em ó rbitas que as levariam além de
Netuno para o espaço profundo. Já em 2004 a Voyager I estava mais de duas vezes mais distante da Terra que Plutã o.
Tanto a Voyager I quanto a Voyager II ainda transmitiam dados científicos até a Terra e, nas partes anteriores da jornada,
elas transmitiram fotos de Jú piter, Saturno, Urano e Netuno (v. http://voyager.jpl.nasa.gov/mission/mission.html e
http://voyager.jpl.nasa.gov/neptune.html). O campo gravitacional do Sol é bem mais fraco em Netuno que na ó rbita da
Terra e o campo solar na ó rbita da Terra é, por sua vez, bem mais fraco que o campo na superfície da Terra. Qualquer
mudança na velocidade da luz seria detectada imediatamente no tempo necessá rio para os sinais (carregados por
radiaçã o eletromagné tica viajando na velocidade da luz) irem da Terra para um satélie e depois de volta à Terra.
Na verdade, a teoria da relatividade geral, que depende da velocidade da luz, provou-se mais exata numericamente que
qualquer teoria física conhecida. O sistema pulsar biná rio PSR 1913+16 localizado na constelaçã o de Á quila, está uns
20 mil anos-luz de distâ ncia da Terra. Previsõ es da relatividade geral sobre este sistema correspondem a dados
experimentais em uma parte em 100 trilhõ es (1 em 100.000.000.000.000) e os dados procedem de campos gravitacionais
muito altos (o “fundo” de poços gravitacionais profundos; v. Roger Penrose, Shadows of the Mind: A Search for the Missing
Science of Consciousness [Oxford: Oxford University Press, 1994], p. 227-30; v. tb.
http://astrosun2.astro.cornell.edu/academics/courses//astro201/ psr1913.htm). Sim, é sempre possível, em tese, que a
teoria esteja radicalmente errada e haja alguma explicação diferente para os dados. Mas nã o há outra explicaçã o no
horizonte para lidar com os dados nesse nível de precisã o.
Sã o essas algumas das muitas razõ es pelas quais os físicos pensam que a velocidade da luz é constante.
[115]
“Young Earth Creationism”, in: J. P Moreland e John Mark Reynolds, eds., Criação e evolução: 3 pontos de vista (São
Paulo: Vida, 2006)]; citado por Collins in Science and Faith , p. 239 (v. tb. p. 395). Collins destaca que “nem todos os
criacionistas da Terra jovem concordam com essa avaliaçã o”, mas também aponta outros que mostram uma cautela
semelhante (p. 239).
[116]
Collins aponta a webpage http://www.answersingenesis.org/Home/Area/faq/dont_use.asp, “Arguments We Think
Creationists Should NOT Use”, que aconselha as pessoas nã o usarem nenhum dos argumento dessa lista específica (
Science and Faith , p. 395).
[117]
Genesis Flood , p. 232-3.
[118]
Os leitores desejosos de explorar os detalhes das teorias menos plausíveis podem consultar Bernard Ramm, The
Christian View of Science and Scripture (Grand Rapids: Eerdmans, 1954), p. 173-232.
[119]
Para o debate mais amplo da teoria de lacuna, v. John S. Feinberg, No One Like Him (Wheaton: Crossway, 2001),
p. 584-7. Ele também lida com outra teoria relacionada, mas diferente: “Pre-Genesis 1 Creation Theory” ( ibid ., p. 582-4).
[120]
Henri Blocher faz a mesma observaçã o quando rejeita a teoria do dia-era (que designa “teoria concordista”): “O uso
metafó rico de uma palavra como ‘dia’ é uma funçã o de estilo que nã o pode ser confundida com a presença do sentido
amplo [como ‘longo período’] dentre os sentidos usuais da palavra” ( In the Beginning: The Opening Chapters of Genesis .
Downers Grove: InterVarsity, 1984, p. 44).
[121]
É claro que ao considerarmos as implicaçõ es de uma passagem particular ou uma doutrina particular na Bíblia,
sempre existe a questã o teoló gica adicional de a Bíblia ser completamente verdadeira e se pode confiar nela toda. Sim, ela
é confiá vel. Essa é uma razã o por que vale a pena entender com cuidado o que ela diz. Além de nos dar uma Bíblia
confiá vel, Deus fez provisão mesmo para quem entende mal alguns detalhes. Em particular, se alguém entende
erroneamente a duraçã o ou o cará ter dos dias em Gênesis, isso por si só nã o conduz a um desastre em outras grandes
á reas teoló gicas.
Algumas pessoas sã o atraídas pela ideia de Deus criar o mundo em um período relativamente curto porque parece
magnificar o poder de Deus com mais dramaticidade e porque seria potencialmente ú til na apologética para confrontar
incrédulos com uma evidência clara do poder divino. Simpatizo com essas atraçõ es. Contudo, primeiro, cabe a Deus, e nã o
a nó s, decidir como ele vai criar e quanto tempo vai levar. Ele pode ter razõ es além do que podemos entender. Segundo, se
um período menor é preferível a um maior, um ú nico período de 24 horas, ou mesmo menos, nã o magnificaria o poder de
Deus ainda mais do que um período de seis dias? O argumento a favor da superioridade do tempo curto para a criaçã o
parece provar demais. Terceiro, com respeito à apologética, os incrédulos já possuem bastante evidência a partir da
providência comum de Deus (At 14.17). Eles nã o têm desculpas para a rebeliã o (Rm 1.19-21). Deus pode, se desejar,
oferecer ainda mais evidência de um tipo mais dramá tico (Lc 16.30, 31). Mas isso cabe a ele.
Meu ponto bá sico se mantém: a teologia da criaçã o, e a teologia do controle e bondade de Deus demonstradas na criaçã o,
permanecem fundamentalmente as mesmas, independentemente de quã o curto ou longo seja o tempo para os variados
atos de criaçã o.
[122]
Os criacionistas de Terra jovem como John C. Whitcomb, Jr. e Henry M. Morris afirmam o ponto sobre o solo em The
Genesis Flood : The Biblical Record and Its Scientific Implications (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1961), p. 233.
[123]
Como foi indicado antes, um dos ró tulos da teoria da criaçã o madura, a saber, a teoria omphalos (da palavra grega
para umbigo), especificamente afirma que Adã o teria um umbigo.
[124]
Ouve-se a objeçã o de que se nã o podemos confiar em inferências sobre a idade, como podemos saber que o universo
nã o surgiu há um minuto, junto com nossas memó rias? Na verdade, esse é um problema para os incrédulos, não para os
cristã os. O incrédulo nã o pode saber mesmo, sem depender em secreto da fidelidade divina. Em contraste, os cristã os
sabem, a partir da Bíblia, que Deus deseja que a revelaçã o geral e a revelaçã o especial ajam em harmonia. Ouvimos a
palavra divina nas Escrituras e sabemos a partir delas que o mundo teve um longo passado e que Deus governa o mundo
com fidelidade. Essa segurança garante a realidade do passado (até o tempo da criaçã o) e a integridade de nossas
memó rias.
[125]
C. John Collins aponta essa contribuiçã o de Salmos 104.21 em Science and Faith : Friends or Foes? (Wheaton:
Crossway, 2003), p. 154.
[126]
V. a discussã o adicional sobre a morte animal em Collins, Science and Faith , p. 152-160. Precisamos também lembrar
que, embora a criaçã o seja “muito boa”, ela está a caminho da consumaçã o que será ainda melhor.
[127]
Creation and the Flood : An Alternative to Flood Geology and Theistic Evolution (Grand Rapids: Baker, 1977), p. 53-5.
O título da primeira das duas seçõ es neste ponto lê: “A impossibilidade e ilegitimidade da investigaçã o científica na
doutrina da criaçã o madura”.
[128]
Ibid ., 53.
[129]
V. a discussã o abaixo sobre a teoria da estrutura, que tenta usar Gn 2.5, 6 para estabelecer a medida de uniformidade
na lei nos dias da criaçã o.
[130]
Creation and the Flood , p. 54.
[131]
Ibid .
[132]
Será que o conceito da Terra como globo ocorre em Jó 26.7: “Ele estende o norte sobre o vazio e faz pairar a terra
sobre o nada”? Ou talvez ocorre em Isaías 40.22: “Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra”? Lembre-se de
que a Bíblia foi formulada para se dirigir a pessoas comuns no Oriente Médio Antigo e, no final, à s pessoas de todas as
outras culturas, nã o só às culturas tecnoló gicas modernas. Para fazê-lo, usa linguagem descritiva comum. “A terra” é o que
a pessoa vê embaixo, estendendo-se até o horizonte. Quando Jó 26.7 diz que Deus “faz pairar a terra sobre o nada” quer
dizer que a terra nã o precisa de apoio em cima. Jó 26.7 nã o especifica se a terra na sua maior extensã o possível tem a
forma de uma esfera ou de um bloco ou de um plano. Só se nó s hoje já tivermos na mente a imagem de um globo esférico,
leremos isso como se estivesse no texto. De modo semelhante, em Is 40.22 a “redondeza” da terra é o horizonte, que se
estende para o lado com o formato redondo. As pessoas hoje, quase automaticamente, fazem equivaler a palavra
redondeza à forma circular do globo. Mas isso é porque já têm em mente a imagem do globo. Esses dois casos mostram
quã o fá cil é para alguém hoje importar um conceito moderno do planeta Terra como um globo ou ler as passagens como
se estivessem em um texto que não fala de fato dessa forma, mas a pessoas comuns viventes em vá rias culturas.
[133]
Eles já trabalham nessa questã o há séculos. Davis Young provê uma ú til histó ria das tentativas feitas para harmonizar
o relato do dilú vio com a evidência geoló gica ( The Biblical Flood: A Case Study of the Church’s Response to Extrabiblical
Evidence [Grand Rapids: Eerdmans, 1995]). Paul H. Seely menciona a evidência mais recente que produz ainda mais
problemas para a geologia diluviana (“Noah’s Flood: Its Date, Extent, and Divine Accommodation”, Westminster
Theological Journal 66 [2004]: 291-311, esp. p. 298-303).
[134]
Esta abordagem é exposta por C. John Collins, “Reading Genesis 1:1-2:3 as an Act of Communication: Discourse
Analysis and Literal Interpretation”, in: Joseph Pipa, Jr.; David Hall, orgs., Did God Create in Six Days? (Taylors: Southern
Presbyterian, 1999), p. 131-51; Science and Faith: Friends or Foes? (Wheaton: Crossway, 2003), p. 77-96; e Genesis 1-4: A
Linguistic, Literary, and Theological Commentary (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 2006). Minha explicaçã o nã o
concorda com a de Collins em todos os pontos, mas ainda pertence à mesma categoria geral.
[135]
A concepçã o e o nascimento de Cristo envolvem outra exceçã o; mas mesmo aí vemos o envolvimento de Maria como
mã e humana.
[136]
Precisamos temporariamente deixar de lado as disputas sobre microevoluçã o e macroevoluçã o e analisar o ponto
principal de Gn 1.
[137]
Algumas pessoas argumentam que Deus teve de recomeçar o trabalho para responder à queda humana, que (talvez)
tenha ocorrido no primeiro dia da semana. Todavia, 1) nã o sabemos em que dia da semana a queda ocorreu; 2) depois da
queda, Deus começa a obra da redençã o — isso nã o equivale a recomeçar a criaçã o; 3) a descriçã o completa de Gn 2.1-3
apresenta o padrã o de seis-para-um, derivado da criaçã o; portanto, independe da queda posterior no pecado. Da mesma
forma, a queda nã o deve ser importada na nossa definiçã o do sétimo dia.
[138]
Esta posiçã o é representada no “Report of the Committee to Study the Views of Creation”, Minutes of the Seventy-First
General Assembly ... of the Orthodox Presbyterian Church (Willow Grove: Orthodox Presbyterian Church, 2004), p. 218-9.
[139]
Note a afirmação de Agostinho do sétimo dia eterno: “Ora o sétimo dia nã o tem crepú sculo. Nã o possui ocaso porque
Vó s o santificastes para permanecer eternamente. Aquele descanso com que repousastes no sétimo dia, apó s tantas obras
excelentes e sumamente boas — as quais realizastes sem fadiga — significa-nos, pela palavra da Vossa Escritura que
também nó s depois dos nossos trabalhos que sã o bons porque no-los concedestes, descansaremos em Vó s, no sá bado da
Vida Eterna” ( Confissões , 13.36.51). John Murray comenta: “Há uma presunçã o mais forte em favor da interpretaçã o
deste sétimo dia nã o como um que terminou em certo ponto na histó ria, mas que todo o período subsequente ao fim do
sexto dia é o sá bado de descanso aludido em Gênesis 2.2” (Murray, Principles of Conduc t : Aspects of Biblical Ethics .
Grand Rapids: Eerdmans, 1957, p. 30). V. tb. Henri Blocher, In the Beginnin g : The Opening Chapters of Genesis (Downers
Grove: InterVarsity, 1984), p. 44, 56-7; Franz Delitzsch, A New Commentary on Genesis (Edinburgh: T. & T. Clark, 1888), p.
110; e Johannes Oecolampadius: “se você agora prestar atençã o à natureza divina [i.e., o descanso de Deus ao invés do
humano] o sétimo dia continuará para sempre” ( D. Io. Oecolampadii in Genesim Enarrati o . Basil, 1536, p. 27b,
comentando em Gn 2.2). O latim de Oecolampadius é o seguinte: “Nam operatur, & dum operatur quiescit, quandoquidem
sola sua voluntate & verbo rem omnem perficit. Si ipsam divinam naturam attenderis, dies ille septimus nunc semper
durabit. Nos juxta nostrum modum intelligendi septem dies facimus, apud ipsum tamen uno momento quodammodo
comprehenduntur. Non possumus divina illa nostris corporeis comparare. Apud Ioannem habemus dictum: Pater meus
usque operatur, & ego operor. Hic: Quievit. Illa facile possunt conciliari. Quievit deus ne nova opera conderet. Operatur,
quia dedit illam virtutem rebus parturiendi fructus suos, ut initio decrevit, quae omnia suo verbo contingunt. Ita in ipso
sumus & movemur”.
[140]
Alguns críticos da teoria do dia analó gico se preocupam que mencionar uma “analogia” dissolva o cará ter histó rico da
obra de Deus. Não, nã o dissolve. O padrã o de Lv 25 — anos sabá ticos e jubileu — ilustra o tipo de analogia que temos em
vista. Períodos mais longos (períodos de anos e semanas de anos) sã o aná logos aos menores, períodos de sete dias. Os
períodos são reais e as atividades de trabalho, descanso e libertaçã o que acontecem neles sã o também reais — mesmo
que os detalhes do tipo de descanso e trabalho difiram, dependendo de olharmos a dias ou anos ou semanas de anos. Da
mesma forma, Gn 1 indica que o homem deve imitar a Deus em muitos aspectos, incluindo nã o só o exercício de domínio,
mas no padrã o de trabalho e descanso. Nos detalhes, porém, o homem nã o trabalha da mesma forma que Deus faz, nem
realiza as mesmas tarefas na mesma ordem precisa.
No caso dos anos sabá ticos, a Bíblia especifica quanto tempo está envolvido quando o período em questã o é medido pelos
movimentos dos corpos celestiais. No caso dos dias da criaçã o, nã o temos esta especificaçã o. Mas a nossa falta de
conhecimento detalhado sobre a medição de tempo nã o destró i o cará ter genuíno da analogia.
[141]
V. a discussã o mais ampla da teoria de dia analó gico em Collins, “Reading Genesis 1:1-2:3”; Collins, Science and Faith ,
p. 77-96.
[142]
Genesis: An Introduction and Commentary , Tyndale Old Testament Commentary. Downers Grove: InterVarsity, 1967,
p. 47 [Em português: Gênesis: introdução e comentário (Sã o Paulo: Vida Nova, 1991)].
[143]
Sl 104.23 oferece um exemplo onde a manhã começa um dia de trabalho, que é seguida pela tarde. Para saber mais
sobre a discussã o, v. H. R. Stroes, “Does the Day Begin in the Evening or Morning”, Vetus Testamentum 16 (1966): p. 460-
75; citado por Kidner, Genesis , p. 47.
[144]
Para um valioso debate posterior sobre os “dias”, v. Collins, Science and Faith , p. 360-7.
[145]
Edward T. Hall, The Silent Language (Garden City: Doubleday, 1959), esp. p. 23-41; Robert Levine, A Geography of
Time (New York: HarperCollins, 1997); Robert Levine; Ellen Wolff, “Social Time: The Heartbeat of Culture”, in: E.
Angeloni, org., Annual Editions in Anthropology 88/89 (Guilford: Dushkin, 1988), p. 78-81.
[146]
Robert Levine observa: “Uma das diferenças mais significativas no ritmo da vida é se as pessoas usam a hora do
reló gio para agendar o começo e o fim de atividades ou se as atividades acontecem segundo sua pró pria agenda
espontâ nea. Essas duas abordagem sã o conhecidas, respectivamente, como viver pelo tempo do reló gio e viver pelo
tempo do evento” ( Geography of Time , p. 82). Levine e Wolff falam do “tempo do reló gio” e do “tempo social” (“Social
Time”, p. 79), V. tb. Robert Lauer, Temporal Man: The Meaning and Uses of Social Time (New York: Praeger, 1981).
Apresentei minha pró pria terminologia ao falar sobre a orientaçã o pelo reló gio e orientação interativa. Todavia, a
diferença é reconhecida por vá rios autores que se valem de terminologias variadas.
[147]
V., p. ex., Levine, Geography of Time , p. 81-100: “a vida pelo tempo de reló gio está claramente em dissonâ ncia com
quase toda a histó ria de que se tem registro” (p. 81-2).
[148]
Precisamos nã o simplificar demais a imagem das culturas antigas. Algumas delas, antigas e contemporâ neas, nã o nos
proveram nenhuma aparelhagem especial para mediçã o de tempo além do movimento do sol, da lua e das estrelas.
Mesmo nessas culturas, o movimento do sol e a oscilaçã o do dia e da noite servem de pano de fundo nã o humano e
objetivo, tornando as pessoas conscientes de que o tempo transcende seus horizontes individuais e sociais.
No Oriente Médio Antigo, uma casta profissional de sacerdotes e sá bios desenvolveu o interesse mais focado na medição
de tempo. Tã o cedo quanto o Império Antigo no Egito (2600-2200 a.C.) a noite consistia em 12 subdivisõ es baseadas na
ascensã o de algumas estrelas e o dia, da mesma forma, era subdividido em 12 porçõ es, que podiam ser medidas
grosseiramente por um reló gio de sol ou de á gua” ( The Encyclopaedia Britannica . Chicago: Encyclopaedia Britannica,
1963, vol. 8, p. 49-50). “Reló gios de á gua no Egito em cerca de 1400 a.C. consistiam em ‘recipientes no formato de baldes’
com um pequeno buraco no fundo e com marcaçõ es do lado de dentro para cada uma das 12 partes do dia” ( Ibid. , vol. 5,
p. 903). “Havia marcaçõ es diferentes para cada mês, porque o tempo total de luz do dia variava com a época do ano.
Assim, o interesse nã o consistia principalmente na mediçã o absoluta e exata de intervalos de tempo, mas na divisão
prá tica do dia e da noite em subunidades convenientes. Essa forma de repartir o dia e a noite em 12 subunidades se
espalhou do Egito para o mundo greco-romano, levando à terminologia para hora (latim hora ; grego hora ). O reló gio
mecâ nico de escapamento surgiu depois na Europa medieval. Cerca de 1290 d.C. em diante há mençã o de reló gios com
badaladas pú blicas, o mais antigo está na Inglaterra (de 1386) na catedral de Salisbury” ( Ibid ., vol. 5, p. 933).
Em suma, no Oriente Médio, e depois no Império Romano e na Europa medieval, vemos alguma experiência profissional
relativa ao conceito de mediçã o objetiva do tempo. As pessoas comuns estã o acostumadas com as ideias bá sicas (em
especial na Europa medieval tardia, se um reló gio de catedral informa as horas para a cidade toda!). Todavia, o tempo
medido pelo reló gio nã o dominava ou controlava as prá ticas culturais, o que ocorreria no compasso mais natural dos
ritmos humanos de trabalho e descanso.
[149]
Quem afirma a teoria do dia de 24 horas pode responder que, é claro, nã o podemos sair de nossa condiçã o e conhecer
diretamente quanto tempo os dias duraram. Sabemos porque Deus nos disse “dias”. Deus, que nã o está sujeito às nossas
limitaçõ es, sabe; e se ele sabe, pode nos contar. Concordo com a maior parte desta resposta; mas ela erra em dois pontos
cruciais. Primeiro, nã o podemos ficar fora da condiçã o de criatura a fim de obter o ponto de vista divino da linguagem
analó gica e determinar com precissã o todos os pontos da analogia. Isto é, nã o podemos especificar exatamente como os
dias da obra divina da criação sã o como os nossos dias humanos de trabalho, nã o mais do que podemos especificar
exatamente como a Paternidade de Deus se assemelha à paternidade humana. Nos dois casos podemos ter um começo e
especificar alguns pontos da analogia. Mas nunca evitamos o mistério.
Segundo, temos dificuldades insolú veis ao tentar especificar para nó s o significado de “extensã o de tempo” dos dias 1 a 3
quando tentamos calculá -lo com algum padrã o objetivo de mediçã o. Construímos a partir de Gn 1 por vá rias etapas
quando tentamos alcançar a precisã o. E nã o podemos alcançar a precisã o a nã o ser que tenhamos um padrã o pú blico e
claro de mediçã o para aplicar — movimentos de corpos celestiais, reló gios de corda, senso psicoló gico humano da
passagem do tempo, reló gios de celso, velocidade da luz, ou qualquer outro meio. Isso é parte de nossa condição criada. Se
concedermos que o universo operou segundo as leis científicas atuais nos seis dias da criação, entã o teremos
fundamentos para extrapolar retroativamente e obter estimativas de tempo. Mas esse pressuposto de constâ ncia das leis
nos seis dias é algo que o criacionista da Terra jovem normalmente nega.
Podemos colocar de outra forma. O que é um “dia” sem o sol? Quando tiramos o sol, nã o ficamos com a atividade laboral
seguida de descanso? Entã o esse padrã o de trabalho seguido do descanso é uma analogia intrínseca para entender “dia”.
Terceiro, como já observamos, as pessoas tendem hoje a impor a Gn 1 o preconceito forte a favor da orientaçã o pelo
reló gio, em lugar da orientaçã o interativa; portanto, elas perdem por completo o fato de Gênesis parecer falar aos
israelitas usando a orientaçã o interativa, concentrada no ritmo humano de trabalho e descanso. Os sete dias realmente
sã o sete dias, com tardes e manhã s depois dos primeiros seis dias. Nã o há ilusão aqui. Mas o adepto da orientaçã o pelo
reló gio se sente ameaçado a nã o ser que possa saber de quantos tiques de reló gios estamos falando.
É claro que mesmo as pessoas cuja cultura estimula em sentido primá rio a orientaçã o interativa com o tempo estã o
cientes do padrã o de dia e noite governado pelo sol. Para elas, o termo “dia” se associa ao ritmo de trabalho e descanso e
ao ritmo do movimento do sol. Mas a narrativa de Gn 1 fala da situação em que o “luzeiro maior” nã o existiu até o quarto
dia. Só resta o sentido interativo para entender o padrã o dos três primeiros dias. A presença do sentido interativo nos
primeiros três dias também nos convida a estender seu sentido como predominante nos dias remanescentes. Daí,
instintivamente, os leitores antigos nã o se concentram na questã o da extensão do tempo medida pelo reló gio.
[150]
V. esp. Nicolaas H. Ridderbos, Is There a Conflict Between Genesis 1 and Natural Science? (Grand Rapids: Eerdmans,
1957); Meredith G. Kline, “Because It Had Not Rained”, Westminster Theological Journal 20 (1958): p. 146-57; “Space and
Time in the Genesis Cosmogony”, Perspectives on Science and Christian Faith 48/1 (1996): p. 2-15; note a resposta ao
artigo de Kline “Because It Had Not Rained” em Derek Kidner, “Genesis 2:5, 6: Wet or Dry?”, Tyndale Bulletin 17 (1966): p.
109-14. V. tb. a discussã o adicional sobre a visão de estrutura em apêndice 1.
[151]
V., em particular, Lee Irons; Meredith G. Kline, “The Framework View”, in: David G. Hagopian, org., The Genesis
Debate: Three Views on the Days of Creation (Mission Viejo: Crux, 2001), p. 217- 56, esp. p. 236-47, que rende o padrã o de
dias como representação analó gica do “registro superior” da habitaçã o de Deus no céu invisível dos anjos. Esta elaboração
nã o estava presente no desenvolvimento inicial da visã o de estrutura por Arie Noordtzij e N. H. Ridderbos.
[152]
Ibid ., p. 220.
[153]
Ibid ., p. 221.
[154]
Genesis , p. 54-5.
[155]
Ibid ., p. 55
[156]
“The Religious Value of Myths in the Old Testament”, in: Samuel H. Hooke, In the Beginning (Oxford: Oxford
University Press, 1947), p. 161; citado em Kidner, Genesis , p. 55. Muitas pessoas se preocupam com o fato de o sol, a lua e
as estrelas terem sido criados no quarto dia porque nã o parece se encaixar no relato científico predominante. Alguns
intérpretes dizem que os corpos celestiais na verdade foram criados muito antes, mas Deus “fez com que funcionassem”
como agora o fazem ao remover uma camada espessa de neblina e nuvens que antes os ocultava da terra. Mas no contexto
de Gn 1, o verbo chave fez (hebraico ‘asah ) nã o significa apenas “fazer funcionar”. Sem dú vida inclui ou implica a ideia de
criação real ou “fazer”. Em Gn 1.26, onde Deus se propõ e a “fazer” o homem, encontramos a palavra hebraico ‘asah ,
“fazer”, Entã o em Gn 1.27, onde Deus “criou o homem”, encontramos o verbo especial para “criar” (hebraico bara’ ). Em
Gn 1.21: “Criou [hebraico bara’ ], pois, Deus os grandes animais marinhos”. No v. 25, “e fez [hebraico ‘asah Deus os
animais selvá ticos”. No contexto de Gn 1, nã o há muita diferença nas implicaçõ es dos dois verbos hebraicos.
Sugiro que a diferença de ponto de vista entre os leitores antigos e atuais nos ajuda a entender. O que é o sol? Para o leitor
informado pela ciência planetá ria, é uma grande bola de plasma de hidrogênio, cujo centro quente gera energia
termonuclear. Segundo a ciência dominante, o sol existia antes mesmo de a vida vegetal mais primitiva surgir na terra.
Mas o que “o luzeiro maior” (Gn 1.16) quer dizer para o leitor antigo? Como o resto de Gn 1, é uma linguagem fenomênica.
“O luzeiro maior” é o disco brilhante de luz que os seres humanos veem no céu. O fenô meno visual apenas nã o existia na
terra até a atmosfera ser limpa. Deus realizou o fenô meno no quarto dia.
Os leitores atuais possuem dificuldades aqui principalmente por causa de uma cosmovisão associada à ciência moderna (e
em alguma medida de pensamento filosó fico herdado de Aristó teles) ter nos dado concepçõ es distorcidas sobre a
realidade. Segundo o ponto de vista típico da atualidade, a bola de plasma de hidrogênio a 150 milhõ es de quilô metros de
distâ ncia da terra é real; o disco visível no céu é mera aparência. Discordo. V. minha aná lise sobre o que é real no Cap. 16.
Na verdade, ao escolher se concentrar no sol como fenô meno visível, a saber um disco brilhante, Deus pode se dirigir às
pessoas de todas as culturas do mundo. Elas podem observar o sol como um disco. Em contrapartida, se a Bíblia
escolhesse falar do sol como uma bola de plasma de hidrogênio a 150 milhõ es de quilomêtros de distâ ncia, a informaçã o
só não seria hermética para quem contasse com a informaçõ es especiais derivadas da ciência moderna. Assim, a Bíblia
permanece culturalmente universal, ao passo que que um ponto de vista científico atual (embora verdadeiro o suficiente
em sua esfera) nã o conta com relevâ ncia cultural. Embora a Bíblia pareça tola para quem se orgulha do conhecimento
moderno especial, ela é incrivelmente sá bia, pois entendemos os propó sitos de Deus (1Co 1.18-31).
[157]
Cornelius Van Til usa particularmente a expressão “pensar os pensamentos de Deus apó s ele” para enfatizar a
presença e a dependência de Deus: “Contra isso [o pensamento autô nomo moderno sobre a ciência], o cristianismo
sustenta que Deus é o criador de todos os fatos. Nã o há , portanto, fato bruto nenhum. Assim, o pensamento de Deus é
colocado por trá s de cada fato. Desse modo, o pensamento humano está sujeito ao pensamento de Deus na interpretaçã o
de cada fato. Nã o há um ú nico fato que o homem possa interpretar corretamente sem referência a Deus como o criador. O
homem nã o pode verdadeiramente aplicar a categoria de causalidade a fatos sem o pressuposto de Deus. Deus causou
todos os fatos encontrados em certas relaçõ es entre si. O homem precisa buscar descobrir essa relaçã o” ( Christian-
Theistic Evidences . Philadelphia: Westminster Theological Seminary syllabus, 1961, p. 86). V. tb. The Defense of the Faith ,
2. ed. (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1963), p. 31-50.
[158]
Van Til, Christian-Theistic Evidences , p. 117.
[159]
Para uma reflexã o detalhada sobre as diferenças, v. Cornelius Van Til; John M. Frame, A doutrina do conhecimento de
Deus (São Paulo: Cultura Cristã , 2010).
[160]
Para um debate mais amplo dos conceitos cristã o e nã o cristã o da transcendência e imanência, v. Frame, A doutrina
do conhecimento de Deus .
[161]
Dan McCartney, “Ecce Homo: The Coming of the Kingdom as the Restoration of Human Vicegerency”, Westminster
Theological Journal 56/1 (1994): p. 1-21.
[162]
V., p. ex., T. Rees, “Stoics”, in: James Orr et al., orgs., The International Standard Bible Encyclopedia (Chicago: Howard-
Severance, 1930), 5 vols., vol. 5, p. 2855.
[163]
V. a discussã o em Vern S. Poythress, “Reforming Ontology and Logic in the Light of the Trinity: An Application of Van
Til’s Idea of Analogy”, Westminster Theological Journal 57 (1995): 187-219.
[164]
V. o debate adicional no Capítulo 14.
[165]
De Herman Bavinck: “Por essa razã o, o milagre nã o é a violação da lei natural e a intervençã o na ordem natural. Do
lado de Deus é um ato em que Deus não age de forma mais imediata e direta — como sua causa — que em qualquer
ocorrência comum e, no conselho de Deus e no plano do mundo, ocupa um lugar mais ordenado e harmonioso que o
fenô meno natural” ( In the Beginning: Foundations of Creation Theology . Grand Rapids: Baker, 1999, p. 250).
[166]
Para um debate mais amplo sobre o problema do mal, v., p. ex., C. John Collins, The God of Miracles (Wheaton:
Crossway, 2000), p. 156-62.
[167]
Para um debate extenso e atual, v. o excelente livro de John M. Frame, A doutrina de Deus (Sã o Paulo: Cultura Cristã ,
2014). A doutrina de Deus influencia a teologia da ciência de muitas formas, nã o só no ponto da soberania divina, de
forma que todo o livro oferece um pano de fundo ú til para nó s.
[168]
Isto ilustra a famosa questã o de universais e particulares, ou entre o um (o universal) e o mú ltiplo (os particulares), a
que Cornelius Van Til dedicou muita atençã o. Veja Cornelius Van Til, The Defense of the Faith , 2. ed. (Philadelphia:
Presbyterian & Reformed, 1963); A Survey of Christian Epistemology (s.l.: den Dulk Christian Foundation, 1969).
[169]
O pensamento de Gregó rio de Nissa é semelhante: “Pelo fato de Deus ter feito todas as coisas em sabedoria, nã o há
limite à sua sabedoria (pois ‘seu entendimento’, diz a Escritura, ‘é infinito’ [Sl 147.5]), o mundo que está delimitado por
limites pró prios nã o pode conter dentro de si o registro da sabedoria infinita” ( Answer to Eunomius’ Second Book , in:
Philip Schaff; Henry Wace, orgs., A Select Library of Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church , 2nd series.
Grand Rapids: Eerdmans, 1979, reimp., 14 vols., vol. 5, p. 262. Da mesma forma, William Young afirma os atributos divinos
da verdade, baseando sua visã o em Agostinho [ Foundations of Theory (Nutley: Presbyterian & Reformed, 1967), p. 105-6;
Agostinho, Soliloquia 2.2; De Libero Arbitrio , 2.12-15; Anselmo, De Veritate 1, 9.]).
[170]
É claro, os seres humanos podem machucar outros verbalmente pelo uso intempestivo e de má-fé da verdade. Nesses
casos, a falha moral pertence ao ser humano, nã o à verdade em si. Precisamos falar “a verdade em amor” (Ef 4.15) se
queremos nos conformar às verdades morais sobre o falar.
[171]
Stephen Prickett parece ter chegado a conclusõ es semelhantes ao analisar o sentido: “Se, parece seguir o argumento,
regredirmos o suficiente sobre o sentido, mesmo além dos ditados cotidianos da razã o, ciência ou direito, encontramos
apenas ceticismo humano ou metafísica, em outras palavras, Deus. Se, como Stein e Hart parecem concordar, o sentido
está garantido por Deus em sentido ú ltimo, nã o precisamos do ‘santo Graal’ dos teó logos, uma ‘prova’ para Deus. O
pró prio conceito de ‘prova’ é sem sentido sem Deus” ( Narrative, Religion, and Science: Fundamentalism Versus Irony ,
1700-1999. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p. 220).
[172]
V., p. ex., John M. Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 2002), p. 119-59 [Em
português: A doutrina de Deus (São Paulo: Cultura Cristã , 2014)].
[173]
V. o debate sobre o reducionismo no Capítulo 15. John Jefferson Davis ( The Frontiers of Science and Faith: Examining
Questions from the Big Bang to the End of the Universe [Downers Grove: InterVarsity, 2002]) expressa insatisfação com os
“problemas” envolvidos no entendimento calvinista tradicional da predestinaçã o (p. 59). Seus instintos ao rejeitar
soluçõ es reducionistas em outros pontos do livro poderiam lhe servir bem aqui, pois ele poderia ter observado que os
alegados problemas com a certeza de salvaçã o e a oferta do evangelho procedem de abordagens reducionistas sobre o
sentido da verdade divina.
[174]
V. discussã o adicional em J. P. Moreland, Christianity and the Nature of Science: A Philosophical Investigation (Grand
Rapids: Baker, 1989), p. 139-212. O que designo “empirismo”, Moreland subdivide em “fenomenalismo” (A. J. Ayer e
positivismo ló gico) e “empirismo construtivo” (Bas C. van Fraassen).
[175]
Se entendi bem, esta é a posiçã o de Roy Bhaskar, Scientific Realism and Human Emancipation (London: Verse, 1986),
p. 92: “... explicaçã o e redescriçã o de extratos mais profundos da realidade. No processo contínuo da ciência, enquanto
margens mais profundas e amplas da realidade se tornam conhecidas...”. Da mesma forma, Alister McGrath afirma a
realidade estratificada ( A Scientific Theology [Grand Rapids: Eerdmans, 2001-2003], 3 vols., vol. 3, p. 82-4). Acerca do
“realismo crítico dialético”, v. Alan G. Padgett, Science and the Study of God: A Mutuality Model for Theology and Science
(Grand Rapids: Eerdmans, 2003), esp. o Cap. 2.
[176]
Pode-se ler sobre a mudança em qualquer exposição popular da relatividade. V., p. ex., Barry Parker, Einstein’s
Brainchild: Relativity Made Relatively Easy! (Amherst: Prometheus, 2000). Para um debate mais completo e histó rico, v. A.
d’Abro, The Evolution of Scientific Thought from Newton to Einstein , 2. ed. (New York: Dover, 1950).
[177]
Albert Einstein propô s a Teoria Especial sa Relatividade em 1905. A primeira contribuiçã o em direçã o à mecâ nica
quâ ntica apareceu alguns anos antes, na apresentaçã o de Max Planck em 1901 sobre radiação. Ao mencionarmos a
relatividade primeiro, temos as datas invertidas? Analiso como os cientistas descreveriam a maçã vermelha usando
teorias coerentes e bem-construídas. A relatividade especial veio a ser de uma só vez em 1905 como uma teoria completa.
Em contrapartida, a teoria quâ ntica cresce aos poucos com a adiçã o de pedaços avulsos, até chegar à síntese mais
satisfató ria em 1925-1926 (Schrö dinger, Heisenberg e Dirac). E mesmo a síntese precisou de mais desenvolvimento da
eletrodinâ mica quâ ntica a fim de explicar de modo mais completo o cará ter da luz. Veja A. d’Abro, The Rise of the New
Physics: Its Mathematical and Physical Theories (New York: Dover, 1951). A introdução nã o técnica às ideias bá sicas da
mecâ nica quâ ntica se encontra em J. C. Polkinghorne, The Quantum World (London: Longman, 1984); Nancy R. Pearcey;
Charles B. Thaxton, A alma da ciência: fé cristã e filosofia natural (Sã o Paulo: Cultura Cristã , 2005), Cap. 9.
[178]
Minha explicaçã o ainda simplifica. Estes “corpú sculos” de luz nã o sã o de todo corpusculares de modo
correspondeente à s intuiçõ es comuns sobre bolas de golfe e de gude. Elas demonstram uma interrelaçã o complexa de
propriedades de onda e partícula, nã o integradas a figura intuitiva baseada em bolinhas de gude ou ondas de á gua.
[179]
No crepúsculo do pensamento ocidental: estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico , trad. Guilherme
Vilela Ribeiro; Rodolfo Amorim Carlos de Souza (Brasília, DF: Monergismo, 2018).
[180]
Sobre a tendência de alguns cientistas de reduzir sociedades a indivíduos e indivíduos a genes, v. tb. Richard C.
Lewontin, Biology as Ideology: The Doctrine of DNA (New York: HarperCollins, 1993).
[181]
O realismo crítico de Roy Bhaskar fala sobre a “realidade estratificada” para reconhecer os vá rios níveis de aná lise
trabalhados pela ciência. Em princípio, a experiência humana cotidiana poderia ser um desses níveis. Mas o prestígio da
ciência nos tenta a degradar a experiência cotidiana como mero acidente derivado do arranjo do sistema nervoso
humano. O “real” é o que a ciência encontra em suas construçõ es teó ricas mais profundas e tudo se reduz a esse nível. “Na
cultura moderna atribui-se à ciência a autoridade intelectual para definir como o mundo realmente é” (Nancy Pearcey,
“You Guys Lost”, in: William A. Dembski, org., Mere Creation: Science, Faith and Intelligent Design [Downers Grove:
InterVarsity, 1998], p. 74).
[182]
John Milbank reflete: “Nã o há nada, para Basílio, ‘por trá s’ das aparências, ‘uma base para a base’ e a natureza é
incompreensível porque ‘tudo é sustentado pelo poder do criador’” ( The Word Made Strange: Theology, Language, Culture
. Oxford: Blackwell, 1997, p. 98, e a discussã o circundante no Cap. 4).
[183]
Debates sobre realismo e antirrealismo nã o raro se concentram principalmente no status de entidades teó ricas, como
á tomos, elétrons e campos magnéticos. Por levar a sério a negaçã o da “matéria prima”, mudo o foco das “entidades” para a
palavra de Deus: a palavra de Deus especifica a estrutura e o sentido. Á tomos, eléctrons e campos magnéticos sã o
significativos em uma rede de significado e certos níveis estratificados de explicaçã o científica. Todos esses sentidos na
obra científica humana refletem alguns aspectos da palavra divina ao governar por completo o mundo. Os sentidos sã o
assim “reais”. Da mesma forma, maçã s e cachorros sã o significativos em uma rede de significados da vida comum. Toda a
realidade crítica é constituída por redes de sentido especificadas pela palavra criacional de Deus.
[184]
Sobre conhecimento como contato com a realidade, em lugar da correspondência perfeitamente precisa, v. Esther
Meek, Longing to Know (Grand Rapids: Baker, 2003).
[185]
The Structure of Evolutionary Theory . Cambridge: Harvard University Press, 2002, p. 1338, 1342. Veremos a teoria
macroevolucionista nos Capítulos 18 e 19; meu ponto aqui nã o é discutir a teoria; mas o teorista, que sabe haver beleza.
[186]
Vern S. Poythress, Teologia sinfônica: a validade das múltiplas perspectivas em teologia (Sã o Paulo: Vida Nova, 2016)];
John M. Frame, Perspectives on the Word of God: An Introduction to Christian Ethics (Phillipsburg: Presbyterian &
Reformed, 1990); The Doctrine of God John (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 2002) [Em português: A doutrina de
Deus (São Paulo: Cultura Cristã , 2014)]; The Doctrine of the Knowledge of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed,
1987) [Em português: A doutrina do conhecimento de Deus (São Paulo: Cultura Cristã , 2010)]; v. tb. Vern S. Poythress,
God- Centered Biblical Interpretation (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1999).
[187]
Veja Frame, Perspectives on the Word of God .
[188]
Poythress, Symphonic Theology , p. 47-51; God-Centered Biblical Interpretation , p. 36-47.
[189]
Faço essa simplificaçã o porque Copérnico no início apresentou seu ponto de vista apenas como hipó tese e como uma
forma de simplificar o modelo matemá tico dos planetas. Ele foi cauteloso e nã o mencionou o sol literalmente no centro.
[190]
Na verdade, o fracasso de Tycho Brahe ao observar paralaxes (pequenas variaçõ es) na posição das estrelas em
períodos diferentes do ano parecia infirmar a teoria copernicana. Ninguém nesse tempo imaginava que as estrelas se
encontrariam a trilhõ es de quilô metros ( The Encyclopaedia Britannica [Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1963], vol. 2,
p. 645).
[191]
Alister McGrath aponta a relaçã o entre a rejeição de Galileu e as polêmicas religiosas: “[a controvérsia] deve ser
colocada no antigo e amargo debate [...] entre o protestantismo e o catolicismo sobre esse fato constituir uma inovaçã o ou
recuperação do cristianismo autêntico. A ideia da imutabilidade da tradiçã o cató lica se tornou um elemento integral da
polêmica cató lica contra o protestantismo [...] A interpretaçã o que ele [Galileu] apresentou jamais aparecera antes, e foi
considerada, só por essa razã o, errada” ( Science and Religion: An Introduction . Oxford: Blackwell, 1999, p. 14). V. tb.
Richard J. Blackwell, Galileo, Bellarmine, and the Bible (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1991).
[192]
Também, é possível que o salmo 93 fale em tom metafó rico sobre o “mundo” da atividade humana, usando figuras das
atividades físicas (ou estabilidade). De qualquer forma, é um erro lê-lo como se afirmasse uma teoria científica particular
sobre a posiçã o da terra.
[193]
A teoria especial da relatividade (1905) construiu a equivalência matemá tica apropriada entre estados de movimento
diferentes sem aceleraçã o. A teoria geral estendeu o princípio para incluir estados acelerados e estados dentro de campos
gravitacionais.
[194]
Mesmo isto nã o é o fim da discussã o, porque a teoria da relatividade geral pode ser interpretada de mais de uma
forma. Alvin Plantinga observa: “Pode-se também interpretar a teoria da relatividade como nada mais que uma receita
para traduzir um quadro de referências a outro; tomada dessa forma, ela nã o faz pronunciamentos sobre a existência de
um quadro em repouso absoluto. Tomada assim, a afirmação da existência desse quadro é até consistente consigo; talvez
o quadro em descanso absoluto seja encontrado na maneira que Deus vê as coisas. (Portanto, pode ser que, na medida
exata em que a demonstraçã o violenta seguir, a terra seja afinal o centro do universo!)” (“Evolution, Neutrality, and
Antecedent Probability: A Reply to McMullin and Van Till”, Christian Scholars Review 21 [1991/1992]: 92n8.)
[195]
Para mais sobre as perspectivas, v. Teologia sinfônica: a validade das múltiplas perspectivas em teologia (São Paulo:
Vida Nova, 2016).
[196]
Hoje, para algumas pessoas, a cifra de 14 bilhõ es de anos pode também parecer uma questã o de percepçã o humana
comum. Contudo, na verdade, nosso entendimento de longos períodos é o produto de uma educaçã o complexa na
sociedade moderna. O ritmo corporal de trabalho e descanso é comum aos seres humanos em todos os lugares, dado o
cará ter intrínseco ao corpo humano de sono e descanso. Em contrapartida, o conceito de ano é mais complexo, sendo
relacionado na maioria das sociedades pré-modernas à sucessã o de estaçõ es. A ideia de um bilhã o nã o é alcançá vel de
imediato. É preciso primeiro do conceito de dezena, a seguir, do conceito de multiplicaçã o e, entã o, do conceito de atos
sucessivos de multiplicaçã o. Assim, um bilhã o pode ser definido como dez vezes dez vezes dez — ao todo, oito
multiplicaçõ es. Isso precisa ser aprendido com um processo complexo. Todavia, na sociedade moderna, depois de
aprendido, ele se torna algo “comum” pela repetiçã o. Tudo isso demonstra o quanto os conceitos científicos e
matemá ticos, como o conceito do bilhã o, penetraram na mente moderna. É preciso certo esforço para perceber que esses
conceitos nã o são simples nem comuns à natureza humana. Deus em sua sabedoria designou a Bíblia para se dirigir aos
seres humanos em todos os lugares, nã o só a quem integra as sociedades modernas.
[197]
Basílio e Ambró sio mencionaram “24 horas” no contexto de homilias sobre os dias da criação (J. Ligon Duncan; David
W. Hall, “The 24-Hour View”, in: David G. Hagopian, org., The Genesis Debate: Three Views on the Days of Creation [Mission
Viejo: Crux, 2001], p. 47; de Basílio, Hexaemeron 2.8, in : J. P. Migne et al., org., Patriologia Graecae [Paris, 1857-1866]
vol. 29, p. 50-2; trad. em inglês em Philip Schaff; Henry Wace, orgs., A Select Library of Nicene and Post-Nicene Fathers of
the Christian Church [Grand Rapids: Eerdmans, 1978], 14 vols., vol. 8, p. 64-5; Ambró sio, Hexaemeron 1.10.37, in: J. P.
Migne et al., org., Patrologia latina [Paris 1878-1890], vol. 14, p. 155; trad. em inglês em Hermigild Dressler et al., orgs.,
The Fathers of the Church [New York: Catholic University of America Press, 1961], vol. 42, p. 42). Mas para entender
afirmaçõ es de fora da cultura moderna, é preciso prestar atençã o à diferença entre a orientação pelo reló gio e a
orientaçã o interativa. Quais as associaçõ es de sentido do termo “hora”? O sentido pertence ao contexto moderno? Entã o a
predominâ ncia da ciência e da orientaçã o pelo reló gio na prá tica cultural definem a “hora” em referência ú ltima a um
padrã o de mediçã o cientificamente preciso, calculá vel, objetivo e nã o humano. Ou será que o sentido pertence ao contexto
antigo? No Império Romano, com certeza, havia alguma capacidade de mediçã o com reló gios de á gua e o costume de
dividir o dia natural em 12 partes. Mas onde os ritmos predominantes sã o interativos e o tempo nas divisõ es menores e
maiores têm laços pró ximos com a atividade humana, “hora” e “dia” ainda sã o associados a ritmos humanos conhecidos.
Egípcios e romanos dividiram o dia natural em doze “horas”, mas a “hora” desse dia, para o romano, significava a décima
segunda parte do tempo de luz do dia, quer o tempo total de luz fosse longo ou pequeno quando medido por algum
reló gio mecâ nico. Se considerdas pela orientaçã o moderna, pelo reló gio, essas “horas” do dia natural eram mais longas no
verã o que no inverno, pois o dia natural era mais longo no verã o. No verã o, a “hora” do dia seria mais longa do a “hora” da
noite. Quando medida pelo reló gio, a “hora” no dia natural no verã o em Roma seria mais longa que a “hora” no dia natural
no Egito, porque o dia natural dura mais em Roma — posicionada mais ao norte. Sem dú vida, todo o sistema antigo ainda
está intimamente relacionado aos ritmos humanos comuns, nã o se baseando em aparatos de medição de tempo
recô nditos, científicos, objetivos, precisos e quantitativos.
[198]
Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1995, reimp., p. 3-117, esp. p. 9-40.
[199]
Meredith G. Kline, Images of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1980), também forneceu insumos ú teis.
[200]
A conexã o entre teofania e a formaçã o de imagens foi explorada antes por Kline, Images of the Spirit .
[201]
Para um debate mais extenso do conhecimento divino em relaçã o à transcendência e à imanência, v. John M. Frame,
The Doctrine of the Knowledge of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1987), p. 11-40 [Em português: A doutrina
do conhecimento de Deus (Sã o Paulo: Cultura Cristã , 2010)].
[202]
Para uma introduçã o à linguagem e metá fora, v. Vern S. Poythress, God-Centered Biblical Interpretation (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1999).
[203]
Sobre o tema de ordem, v. Henri Blocher, In the Beginning: The Opening Chapters of Genesis (Downers Grove:
InterVarsity, 1984), p. 70-4.
[204]
Algumas pessoas argumentam que o homem perdeu a imagem divina na queda; mas é difícil escapar da implicaçã o de
Gn 5.1-3, sem falar de 1Co 11.7; o homem permanece imagem de Deus em algum sentido. Na Bíblia, nã o encontramos a
expressã o “imagem de Deus” como termo teoló gico plenamente técnico, mas antes como parte de afirmaçõ es mais amplas
sobre o cará ter do homem, que ainda imita a Deus em alguns aspectos, mesmo em meio ao pecado. Sobre termos técnicos,
v. Vern S. Poythress, Symphonic Theology: The Validity of Multiple Perspectives in Theology (Grand Rapids: Zondervan,
1987), p. 55-82 [Em português: Teologia sinfônica: a validade de múltiplas perspectivas em teologia (São Paulo: Vida Nova,
2016)].
[205]
Webster’s Ninth New Collegiate Dictionary (Springfield: Merriam-Webster, 1987).
[206]
Sobre a irredutibilidade do propó sito à mera física, v. Michael Polanyi, Personal Knowledge: Towards a Post-Critical
Philosophy (Chicago: University of Chicago Press, 1958), p. 327-80.
[207]
“Seleçã o natural” descreve o processo pelo qual alguns, se nã o todos, descendentes de uma geraçã o sobrevivem para
reproduzir os descendentes da pró xima geraçã o. Os sobreviventes se reproduzem e sã o mais bem adaptados ao ambiente.
[208]
Estranhamente, Stephen Jay Gould conclui seu livro monumental sobre teoria evolutiva aludindo nas duas oraçõ es
finais à sabedoria e à á rvore da vida: Darwin, diz ele, estava “vestindo a estrutura do seu pensamento naquela apoteose da
conquista humana — a sabedoria, que o Livro de Provérbios , citando o mesmo ícone que Darwin dois milênios mais tarde
pegaria emprestado, chamado de etz chayim , a á rvore da vida. ‘O alongar-se da vida está na sua mã o direita’, pois ‘É
á rvore de vida para os que a alcançam, e felizes sã o todos os que a retêm’” ( The Structure of Evolutionary Theory .
Cambridge: Harvard University Press, 2002, p. 1343; v. Pv 3.18)
[209]
Ibid ., p. 1342.
[210]
In the Beginning , p. 100: “Ainda que outras referências das Escrituras nã o resolvam a questã o, recusamo-nos a ser
dogmá ticos; se alguém insiste no sentido literal, nã o objetamos; que ele se garanta vendo a riqueza simbó lica da
explicaçã o!”. Outros, além de Blocher, mantêm visã o semelhante; foco nele por oferecer razõ es mais explícitas.
[211]
Ibid. , p. 99.
[212]
Ibid. No original francês, Blocher tem moitié , mas também provê a expressã o inglesa better half (melhor parte).
[213]
Francis Brown; S. R. Driver; C. A. Briggs, orgs., A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament (Oxford: Oxford
University, 1953), p. 854; Ludwig Koehler; Walter Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament
(Leiden/New York/Kö ln: Brill, 1996), 5 vols., vol. 3, p. 1030.
[214]
The Book of Genesis : Chapters 1-17, New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans,
1990), p. 178.
[215]
Marcus Jastrow, A Dictionary of the Targumim, the Talmud Babli and Yerushalmi, and the Midrashic Literature (New
York: Pardes, 1950).
[216]
Commentary on Holy Scripture (1708-1710) apud In the Beginning , p. 99-100.
[217]
Um debate sobre esses pontos de vista pode ser encontrado em: Bernard Ramm, The Christian View of Science and
Scripture (Grand Rapids: Eerdmans, 1954), p. 253-93.
[218]
Defendendo a criaçã o por fiat , J. Ligon Duncan e David W. Hall citam Herman Witsius em tom de concordâ ncia:
“... porque já que eles [os profetas e o pró prio Deus] expressamente declaram que Deus SOZINHO estende os céus, eles
excluem qualquer outra causa de qualquer tipo; e já que eles adicionaram que Deus estende a terra POR SI MESMO , somos
ensinados que isso é um ato imediato , em que nenhuma causa, nem mesmo uma que é instrumental e que opera por
poder derivado de outro, possui qualquer lugar” (Herman Witsius, Sacred Dissertations on What Is Commonly Called the
Apostles’ Creed . Escondido: Den Dulk Christian Foundation, 1993, reimp., p. 198; citado com algumas variaçõ es em “The
24-Hour View”, in: David G. Hagopian, org., The Genesis Debate: Three Views on the Days of Creation [Mission Viejo: Crux,
2001], p. 59-60). A Escritura em questã o vem de Is 44.24. Witsius mantém que a adiçã o das palavras “sozinho" e “por si
mesmo” (só “sozinho” na ARA) excluem todas as causas secundá rias. Witsius nã o pretende excluir o uso de materiais
anteriormente disponíveis que o pró prio Deus fez (p. 196; v. Gn 1.6-10). Mas há uma explicação alternativa para Is 44.24
(e seu companheiro, Jó 9.8). Uma expressã o hebraica semelhante para “sozinho” (hebraico lbad com sufixo pronominal) é
usada em outro lugar ao descrever as maravilhas de Deus. Salmos 136.4 diz “ao único que opera grandes maravilhas…”. A
primeira “maravilha” que o salmo entã o descreve é o fazer dos céus (v. 5) e entã o o estender da terra (v. 6). Também
inclui o dividir das á guas do Mar Vermelho (v. 13), onde já vimos que Deus usou um “forte vento oriental” como uma
causa secundá ria (Ê x 14.21). No contexto, “ú nico” nã o exclui de fato toda a causaçã o secundá ria, mas afirma que somente
Deus é Deus, e que somente ele tem o poder de fazer essas maravilhas, ao contrá rio dos ídolos e ao contrá rio das
insignificantes habilidades dos seres humanos. Lê-se no versículo 18 do salmo 72 uma forma semelhante: “Bendito seja o
SENHOR Deus, o Deus de Israel, que só ele opera prodígios”. O contexto imediato no salmo nã o especifica de forma ó bvia
qualquer “prodígio”. Convida-nos a pensar amplamente sobre todos os prodígios que Deus faz — na criação, nos milagres
e no cuidado providencial — de uma forma semelhante à ampla enumeração no salmo 136. Anteriormente, o salmo 72
menciona misericó rdias particulares para com os necessitados e pobres (v. 12-14). Deveriam elas estar inclusas nos
“prodígios”? Ademais, a preocupaçã o de reconhecer e servir o Senhor somente ocorre em uma série de lugares: “Pois tu és
grande e operas maravilhas; só tu és Deus!” (Sl 86.10; v. tb. Dt 4.35; 1Sm 7.3, 4; Ne 9.6; Sl 83.18; Is 2.11, 17; 37.16, 20).
Esses versículos confirmam que, na cultura dos israelitas, o perigo real nã o era uma tentaçã o de ficar fascinado com
causas secundá rias, mas parar de confiar em Deus e colocar a confiança em deuses falsos ou na habilidade humana, quer
pró pria quer de outrem (Sl 146.3-5). Assim, Is 44.24 proclama o poder ú nico de Deus, mas nã o fala de jeito nenhum sobre
se Deus usou causas secundá rias. Herman Bavinck confirma a propriedade deste tipo de linguagem ao usar “por si
mesmo” ao descrever a providência : “Assim como ele criou o mundo por si mesmo, assim também ele preserva e o
governa por si mesmo. Embora Deus aja por causas secundá rias, isto nã o deve ser interpretado de uma maneira deísta
para significar que elas vêm entre Deus e os efeitos com suas consequências e as separam dele. ‘A provisã o imediata de
Deus sobre tudo estende ao exemplar da ordem’” ( In the Beginning: Foundations of Creation Theology . Grand Rapids:
Baker, 1999, p. 250; Bavinck cita Tomás de Aquino, Summa theologicae 1 Q 22, Art. 3; Q 103, Art. 6; Q 103, Art. 2; e
Summa contra gentiles , 3:76 ss.).
[219]
De acordo com a hipó tese da criaçã o madura, os fó sseis podem nos levar ao tempo ideal, mas as mesmas perguntas
permanecem quando tentamos entender os padrõ es de evidência no tempo ideal.
[220]
Como introduçã o, v. Michael Denton, Evolution: A Theory in Crisis (Bethesda: Adler & Adler, 1985); Philip E. Johnson,
Darwin no banco dos réus (São Paulo: Cultura Cristã , 2008); e para o foco especializado no design inteligente e na
complexidade irredutível, Michael Behe, A caixa preta de Darwin: O desafio da bioquímica à teoria da evolução (Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997); William A. Dembski, No Free Lunch: Why Specified Complexity Cannot Be Purchased Without
Intelligence (Lanham/Boulder/New York/Oxford: Rowman & Littlefield, 2002). Para a defesa da macroevoluçã o sem
lacunas, v., p. ex., Gould, Structure of Evolutionary Theory .
[221]
O movimento do design inteligente produziu uma quantidade significativa de livros até agora. Um dos mais antigos e
inovadores foi Phillip E. Johnson, Darwin no banco dos réus (São Paulo: Cultura Cristã , 2008). V. tb. Johnson, Evolution as
Dogma: The Establishment of Naturalism (Dallas: Haughton, 1990); Michael Behe, A caixa preta de Darwin: o desafio da
bioquímica à teoria da evolução (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997); e William A. Dembski, No Free Lunch : Why
Specified Complexity Cannot Be Purchased Without Intelligence (Lanham/Boulder/New York/Oxford: Rowman &
Littlefield, 2002); The Design Revolution: Answering the Toughest Questions About Intelligent Design (Downers Grove:
InterVarsity, 2004); William A. Dembski, org., Mere Creation: Science, Faith and Intelligent Design (Downers Grove:
InterVarsity, 1998). Para um relato histó rico, v. Thomas Woodward, Doubts About Darwin: A History of Intelligent Design
(Grand Rapids: Baker, 2003).
[222]
Veja Behe, A caixa preta de Darwin . Dembski, No Free Lunch , introduz a ideia mais geral de “informaçã o complexa
especificada” ou “complexidade especificada”. O conceito de Behe lida especificamente com má quinas bioló gicas. O
conceito de Dembski procura incluir má quinas bioló gicas, mas também explora a questã o do design de forma muito mais
ampla, incluindo a detecção do design inteligente em textos, artefatos arqueoló gicos, investigaçõ es criminoló gicas e sinais
possíveis de civilizaçõ es extraterrestres. Os dois conceitos, de Behe e Dembski, nã o devem ser confundidos. Parece-me
que o conceito de Dembski de informaçã o complexa especificada é amplo demais para meus propó sitos, pois a informaçã o
complexa especificada incluiria não só as má quinas bioló gicas irredutivelmente complexas de Behe, mas também
sistemas bioló gicos redutivelmente complexos que pelo menos poderiam ter se conjugado “de modo gradual”, por meio
de uma série de etapas em que cada uma resultaria em uma funcionalidade crescente (v., p. ex., as pró prias consideraçõ es
de Dembski em No Free Lunch , p. 212, 343 ss.). Por isso, o conceito de Dembski nã o lida bem com a questã o a fim de focar
na razoabilidade do gradualismo darwinista.
[223]
George Gaylord Simpson, “Uniformitarianism: An Inquiry into Principle, Theory, and Method in Geohistory and
Biohistory”, in: M. K. Kecht; W. C. Steere, orgs., Essays in Evolution and Genetics in Honor of Theodosius Dobzhansky (New
York: Appleton-Century-Crofts, 1970), p. 72-81. Simpson nota que a mutaçã o gradual pode resultar em efeitos somá ticos
amplos; mas a maioria deles é letal (p. 80). O gradualismo admite tais efeitos de larga escala, mas ainda postula sua
origiem em pequenas diferenças nas condiçõ es iniciais no tempo anterior (p. ex., quando uma ú nica mutação ocorreu).
[224]
Thomas S. Kuhn, A estrutura das revoluções científicas , 5. ed. (Sã o Paulo: Perspectiva S.A, 1997), oferece uma
exploração pertinente da atmosfera social em que a ciência se desenvolve. V. tb. Richard C. Lewontin, Biology as Ideology:
The Doctrine of DNA (New York: HarperCollins, 1993).
[225]
“Qualquer dependência de uma força sobrenatural, de um Criador interveniente no mundo natural por processos
sobrenaturais, nã o é ciência” (Michael Ruse, “Witness Testimony Sheet, McLean v. Arkansas”, in: But Is It Science? Buffalo:
Prometheus, 1998, p. 300-1). “Por definição, a ciência nã o pode considerar explicaçõ es sobrenaturais [...] Assim, se um
indivíduo tenta explicar certo aspecto do mundo natural por meio da ciência, precisa agir como se nã o houvesse forças
sobrenaturais em atuaçã o nele” (Eugenie Scott, “Creationism, Ideology, and Science”, Annals of the NY Academy of Science
775 [June 24, 1996]). Del Ratzsch me indicou essas citaçõ es.
[226]
Tower of Babel : The Evidence Against the New Creationism (Cambridge/London: MIT, 1999), p. 189-96.
[227]
Ibid ., p. 191.
[228]
Ibid ., p. 194-7.
[229]
Veja Dembski, No Free Lunch , p. 311-79. Para ser justo com Pennock, deve-se notar que o livro de Dembski é de 2002
e nã o estava disponível quando Pennock escrevia. O movimento do design inteligente ainda está se desenvolvendo e
Pennock nã o poderia antecipar as direçõ es positivas que o movimento pode sugerir para pesquisa. Mesmo assim, já em
1996 Michael Behe bem distintamente tinha abordado a preocupação de Pennock ao distinguir a pesquisa de eventos
repetidos, onde se pode seguramente assumir regularidade e eventos de uma vez por todas, como a origem da primeira
célula, que pode envolver exceçõ es a regularidades conhecidas (Behe, Darwin’s Black Box , p. 241-3; v. Woodward, Doubts
About Darwin , p.166-70).
[230]
Tower of Babel , p. 194.
[231]
Francis Crick; Leslie E. Orgel, “Directed Panspermia”, Icarus 19 (1973): p. 341-6.
[232]
Tower of Babel , p. 195.
[233]
No contexto imediato do seu livro, Pennock responde mais explicitamente a Johnson, Evolution as Dogma ; e Johnson,
Darwin no banco dos réus . Mas o “criacionismo”, como movimento mais amplo, está no pano de fundo. Ademais, os livros
de Johnson, pelo foco nas fraquezas do naturalismo, não disseram muito sobre a abordagem teísta alternativa positiva.
[234]
V. tb. Behe, Darwin’s Black Box , p. 241-3, que aborda exatamente esta questã o.
[235]
“Is Uniformitarianism Necessary?”, American Journal of Science 263 (March 1965): 223-8: “Ele [Lyell, um dos
primeiros desenvolvedores da geologia] postulou outro tipo bem diferente de uniformidade: afirmava a invariabilidade
das leis naturais no espaço-tempo como condiçã o necessá ria à contenda de que a referência só precisava ser feita a
processos observá veis ao explicar mudanças passadas. A força principal da proposiçã o consistia na eliminaçã o da
explicaçã o sobrenatural dos fenô menos materiais; pois a uniformidade nega a intervençã o divina (a suspensã o das leis
naturais) e afirma que a elucidaçã o da histó ria primeva pertence ao domínio da ciência, nã o, como Buckland poderia
preferir, a uma investigaçã o quase-teoló gica mais adequada a provar a graça de Deus que entender os processos naturais”
(p. 224). Contudo, a suposiçã o da invariâ ncia espacial e temporal das leis naturais é de modo algum exclusiva da geologia
já que se torna uma garantia para a inferência indutiva que, como Bacon mostrou quase quatrocentos anos atrá s, é o
modo bá sico de raciocinar na ciência empírica. Sem assumir a invariâ ncia espacial e temporal, nã o temos base para
extrapolar do conhecido até o desconhecido e, portanto, nenhum jeito de alcançar conclusõ es gerais de um nú mero finito
de observaçõ es (p. 226). Pode-se notar que a linguagem sobre “invariâ ncia espacial e temporal” oculta uma ambiguidade.
Em uma interpretaçã o, apenas reitera nosso ponto (Cap. 1): a lei divina é onipresente (invariante no espaço) e eterna
(invariante no tempo). Gould corretamente observa que a invariâ ncia caracteriza toda a ciência, nã o só a geologia (p.
227). Assim, parece usar uma tautologia. Contudo, na cosmovisão cristã , esse tipo de invariâ ncia deveria ser coerente com
a açã o diferente de Deus em circunstâ ncias especiais, como o cará ter coerente de um ser humano o pode levar a açõ es
excepcionais em circunstâ ncias especiais. Uma raposa com a experiência prévia de ser perseguida por cã es de caça pode
agir excepcionalmente quando se vê perseguida de novo a fim de tentar despistar os cã es. Tudo depende do tipo de
“invariâ ncia” que se tem em vista. Na prá tica, os leitores vã o tomá -la como o tipo de invariâ ncia que pode ser postulada
usando leis impessoais. A discussã o oculta a diferença de conceito entre a visã o cristã e a ateísta sobre a lei científica.
Gould está certo em suspeitar dos séculos passados, quando o postulado do catastrofismo divinamente governado
(primeira causa) serviu como alternativa à explicaçã o por meio de causas secundá rias. Mas o triunfo de um tipo de
explicaçã o nesses casos nã o conduz ao triunfo universal, a nã o ser que se introduza secretamente um conceito de lei
impessoal. George Gaylord Simpson, em um artigo mais longo, tem espaço para se dedicar ao debate mais extenso e com
nuanças do uniformitarianismo e se concentra corretamente na questã o “preternatural”: a teoria de Hutton [sobre a
histó ria geoló gica] incluía eventos catastró ficos, mas ele os considerou naturalistas e atualistas, isto é, excluindo o
miraculoso ou preternatural e envolvendo só causas secundá rias, definidas como forças agora existentes na natureza
(“Uniformitarianism”, p. 48). A discussã o de Simpson é bem precisa na expressã o “envolvendo só causas secundá rias”.
Hutton, um teísta, favorecia as causas secundá rias por razõ es heurísticas: prometiam prover a explicaçã o para além do
fato bruto de que Deus fizera assim. Note a discussã o sobre causas secundá rias abaixo.
[236]
Alguém pode se perguntar sobre se a forma de pensar de alguns oponentes do design inteligente nã o caiu na mesma
armadilha. O mundo inteiro , nã o só as peças do maquiná rio celular que aparentam ter passado pelo design , foi planejado
por Deus. O design nã o pertence a uma parte só porque nã o descobrimos um jeito melhor de explicar quando se apela à s
leis científicas atuais. Na verdade, as pró prias leis científicas constituem o caso primá rio de design . O design se mostra
nã o só em um caso particular, como um flagelo bacteriano, mas em uma lei, como a conservaçã o de energia. Uma vez que
entendamos profundamente que Deus governa o mundo inteiro, começamos a ver que tudo testifica dele e vemos em todo
lugar evidências de seu design . A incredulidade falha em vê-lo, nã o por falta de evidência, mas porque a incredulidade
suprime a verdade sobre Deus (Rm 1.18-23), crucial para reconhecer a evidência. Com certeza, as partes que aparentam
design e nã o podem ser explicadas facilmente pela base naturalista podem se provar particularmente ú teis no debate
apologético. Mas deve se ter cuidado para nã o dar a impressã o de que a incredulidade é inocente até ser confrontada por
evidências especiais, como a do design do flagelo bacteriano. William Dembski, por exemplo, mostra algum cuidado em
sua discussão. Ele distingue claramente um produto que passou por design e do qual podemos detectar clara evidência de
design ( No Free Lunch , p. 23, 114). Dembski, ademais, está justificado ao explorar as maneiras pelas quais a atividade de
design divino pode ser como uma atividade humana, em virtude da criação à imagem de Deus. Contudo, mais poderia ser
dito. Um teó logo poderia desejar que a distinçã o ontoló gica entre Criador e criatura como designers recebesse atençã o
mais detida e que Dembski tivesse apontado a presença total do design de Deus. Mas é preciso respeitar o propó sito
limitado do livro de Dembski.
[237]
Esta terminologia é ú til. Mas ela pode ser abusada ao sugerir que, porque usamos uma palavra comum “causa”, os
dois tipos de causa existem no mesmo nível , o que entã o mina todo o ponto da distinçã o.
[238]
John M. Frame, The Doctrine of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 2002), p. 287-8 [Em português: A
doutrina de Deus (São Paulo: Cultura Cristã , 2014)]; Herman Bavinck, In the Beginning: Foundations of Creation Theology
(Grand Rapids: Baker, 1999), p. 229-60, esp. p. 248-56.
[239]
Sobre transcendência e imanência, v. John M. Frame, The Doctrine of the Knowledge of God (Phillipsburg: Presbyterian
& Reformed, 1987), esp. p. 13-8 [Em português: A doutrina do conhecimento de Deus (São Paulo: Cultura Cristã , 2010)].
[240]
O ponto de Deus suprir o fundamento para a racionalidade é feito repetidas vezes em Cornelius Van Til, The Defense
of the Faith , 2. ed. (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1963); v. tb. John M. Frame, Apologética para a glória de Deus:
uma introdução (Sã o Paulo: Cultura Cristã , 2011).
[241]
Pennock ( Tower of Babel , p. 190, 192) menciona o deísmo e Spinoza, mas nã o explora as diferenças entre as visõ es
diferentes.
[242]
Pennock coloca no pano de fundo a influência do naturalismo ontoló gico na prá tica real da ciência. Ele
cuidadosamente distingue o naturalismo ontoló gico do metodoló gico a fim de defender o ú ltimo. Mas se pode duvidar de
quã o bem os cientistas separam os dois na prá tica. Compromissos ontoló gicos sempre influenciam o juízo de alguém
sobre quais linhas de pesquisa explorar. Por exemplo, se fantasmas nã o existem, é infrutífero investigá -los; ao invés disso,
investiga-se a psicologia de pessoas que imaginam existirem fantasmas. Pelo fato de Pennock manter com firmeza e
exclusividade o princípio metodoló gico, admite que fantasmas podem existir: “Isto nã o quer dizer, todavia, que as coisas
que agora pensamos ser sobrenaturais necessariamente o são. Quem sabe se, por exemplo, os fantasmas existem de modo
diferente de nossa visã o fictícia deles, caso eles se submetam à lei natural. Nesse caso, poderíamos ter aprendido algo
novo sobre o mundo natural (que pode exigir revisar as teorias atuais) e na verdade nã o encontramos nada de fato
sobrenatural” ( Tower of Babel , p. 389, n. 36). Pennock presume por conveniência que “nossa visã o fictícia [dos
fantasmas]” inclui imunidade da lei natural. Mas pode-se duvidar da precisã o disso. Algumas pessoas veem os fantasmas
como personalidades, muito como seres humanos em corpo, mas tendo uma aparência gasosa e poderes finitos aná logos
aos dos seres humanos. Eles presumivelmente se veriam sujeitos a muitas leis (por nã o serem infinitamente poderosos),
de maneira aná loga aos seres humanos. O cientista contemporâ neo típico se oporia ao uso de verbas para a investigaçã o
de fantasmas, nã o por crer que sejam imunes à lei natural, mas por acreditar que eles não existem. Predominam os fatores
ontoló gicos, em lugar dos metodoló gicos. Em poucas palavras, a metodologia jamais opera no vá cuo. Ela se justifica com o
pano de fundo de pressupostos ontoló gicos.
[243]
Sobre o papel chave das anomalias na ciência normal e na revoluçã o científica, v. Kuhn, Structure of Scientific
Revolutions.
[244]
A caixa preta de Darwin.
[245]
Tower of Babel , p. 191, citado anteriormente.
[246]
Alan Padgett recomenda um estudo interdisciplinar nesse caso ( Science and the Study of God: A Mutuality Model for
Theology and Science [Grand Rapids: Eerdmans, 2003], p. 84). Ele o compara a um caso hipotético em que os astrô nomos
descobrem sinais de inteligê ncia extraterrestre e pedem a ajuda de antropó logos e linguistas para analisar os sinais. Da
mesma forma, pesquisadores celulares podem requisitar um estudo interdisciplinar de sinais de vida inteligente em uma
célula. Sim, tal resposta parece razoá vel. Ao lidar com novos desafios, as fronteiras exatas entre as disciplinas pouco
importam. A expansã o dos limites da astronomia, da biologia ou a interaçã o interdisciplinar pode funcionar; depende
muito das eficiências relativas. Mais tarde talvez surgisse a subdisciplina chamada “estudo da inteligência no sistema
solar X” ou “estudo do design inteligente do interior da célula” que utilizaria uma série de recursos. Tudo isso é
secundá rio. A questã o primá ria é se podemos razoavelmente esperar detectar inteligência e, se sim, como. Os defensores
do design inteligente afirmam a disponibilidade de muitas evidências; contudo, por razõ es ideoló gicas, pessoas ligadas à
ciência e fora dela lutam muito para não encarar a evidência. A atmosfera reinante hoje quer enterrar a questã o primá ria
e desligitimizá -la com o mantra: isso está “fora dos limites da ciência”. Ao mesmo tempo, a mesma atmosfera quer dizer a
soció logos, teó logos e outras partes interessadas que nada pertinente a seus campos foi descoberto na célula. A reação é
bem diferente do que seria, digamos, da descoberta de um sinal carregando informaçõ es do espaço sideral. Suspeita-se,
portanto, que a ideologia domina a cena.
[247]
Mesmo essa “lei” tem uma exceção: “A nã o ser que Cristo retorne antes de amanhã ”.
[248]
Aqui ignoramos o fato da possibilidade do encontro de uma indeterminaçã o irredutível no nível quâ ntico, que
poderia em tese afetar ocorrências macroscó picas.
[249]
Pode-se ser mais preciso sobre a questã o da baixa probabilidade. Suponha que alguém embaralhe repetidas vezes as
52 cartas de um baralho e entã o olhe para a ordem exata resultante das cartas em todo o baralho. Qualquer ordem
particular das cartas possui uma probabilidade bem pequena; contudo alguma ordem de fato ocorrerá . O que torna
diferente a situaçã o do flagelo é que o resultado possui informaçã o especificada complexa, como Dembski afirma em No
Free Lunch . O resultado com informaçã o genética específica do flagelo é semelhante a embaralhar as cartas e descobrir
que os quatro naipes foram separados e que as cartas de cada naipe foram arrumadas exatamente em ordem ascendente.
Esse resultado seria a evidência do embaralhamento traiçoeiro ou alguma outra intervençã o de designer inteligente do
resultado.
[250]
God, the Devil, and Darwinism: A Critique of Intelligent Design Theory (Oxford: Oxford University Press, 2004), p. 180-90.
[251]
Ibid ., p. 184.
[252]
A caixa preta de Darwin , p. 48. Agradeço a Del Ratzsch por ter chamado minha atenção para este ponto.
[253]
Simpson observa corretamente: “A causação histó rica do prédio Empire State decorreu de uma espécie animal [i.e.,
seres humanos]” (“Uniformitarianism”, p. 87). Na prá tica, os princípios bioló gicos estritos sã o suplementados pelo
conhecimento da intencionalidade humana, que, como notamos, nã o se encontra no mesmo nível.
[254]
Tecnicamente, a situação com os acordes é mais complicada. Em pianos e alguns outros instrumentos, a afinação
procura manter o “temperamento” igual, isto é, o ajuste que capacita o instrumento a tocar qualquer partitura. O ajuste é
um tipo de meio-termo entre partituras que tentam criar exatamente a mesma “distâ ncia” musical para cada meia-etapa:
a proporcionalidade de 2 1/12
= 1.059463... Isto obviamente nã o é simples, mas os acordes produzidos por ele ainda estã o
bem pró ximos das razõ es simples dos acordes ideais e sã o captados pelo ouvido humano como acordes harmô nicos
simples.
[255]
Disponível em: http://galileoandeinstein.physics.virginia.edu/lectures/newtongl.html, citando “uma tradução de
1803”, presumivelmente de Isaac Newton, The Mathematical Principles of Natural Philosophy (London: H. D. Symonds,
1803) [Em português: Os princípios matemáticos da filosofia natural . Lisboa: Fundaçã o Calouste Gulbenkian, 2010]. V.
minha discussão anterior sobre as leis de Newton em Vern S. Poythress, “Newton’s Laws as Allegory”, Journal of the
American Scientific Affiliation 35/3 (1983): p. 156-61.
[256]
Na verdade, o processo de formaçã o desses termos técnicos começou bem antes de Newton. No séc. XIV, Oresme
“tinha uma concepçã o clara nã o só do conceito geral da aceleraçã o, mas também da aceleração uniforme em particular”
(Carl B. Boyer, The History of the Calculus and Its Conceptual Development (The Concepts of the Calculus) . New York:
Dover, 1959, reimp., p. 83). Em Oresme, a velocidade é velocitas e a aceleraçã o é velocitatio . A velocidade é um termo
mais preciso usado por físicos para denotar a rapidez do movimento em uma direçã o particular.
[257]
Veja Vern S. Poythress, Symphonic Theology: The Validity of Multiple Perspectives in Theology (Grand Rapids:
Zondervan, 1987), p. 50-4 [Em português: Teologia sinfônica: a validade das múltiplas perspectivas em teologia (São Paulo:
Vida Nova, 2016)].
[258]
Paul Davies, ao pensar sobre as leis físicas, ressalta o equilíbrio entre profundidade e acessibilidade: “É digno de nota
que os seres humanos sejam capazes de efetuar a operaçã o de quebra de có digos: a mente humana dispõ e do
equipamento intelectual necessá rio para ‘desvendar os segredos da natureza’ e tentar completar as ‘palavras-cruzadas
enigmá ticas’ da natureza. Seria fá cil imaginar o mundo em que as regularidades naturais sejam transparentes e ó bvias em
uma olhadela só . Podemos também imaginar outro mundo em que ou nã o haveria regularidades ou as regularidades
estariam tã o bem escondidas, tã o sutis, que o có digo có smico requereria um poder cerebral tã o mais vasto que o dos
humanos. Em vez disso, encontramo-nos na situaçã o em que a dificuldade do có digo có smico parece quase afinada à s
capacidades humanas. Com certeza, precisamos nos esforçar sobremaneira para decodificar a natureza, mas até agora
tivemos uma boa dose de sucesso. O desafio é difícil o suficiente para atrair alguns dos melhores cérebros disponíveis,
mas nã o difícil o suficiente para derrotar seus esforços combinados e os rechaçar para tarefas mais fá ceis” ( The Mind of
God: The Scientific Basis for a Rational World . New York: Simon & Schuster, 1992, p. 148-9).
[259]
Carl Boyer aponta como o pensamento medieval ofereceu uma ponte parcial para a física moderna pela atenção à
variaçã o e ao movimento quantitativos ( History of the Calculus , p. 71). O pensamento grego, em contrapartida,
considerava a geometria e o nú mero “de forma está tica”.
[260]
Leibniz também inventou o cá lculo quase ao mesmo tempo que Newton; para predecessores, v. Boyer, History of the
Calculus.
[261]
Em sentido técnico, o sol e o planeta viajam em elipses ao redor do centro comum de massa. Os está gios anteriores de
investigaçã o podiam ignorar este ponto mais detalhado, pois a massa do sol é muito maior que a dos planetas. Eis outra
maneira pela qual Deus providenciou pequenos degraus para uma formulação final mais complexa.
[262]
O princípio da superposiçã o das forças já era conhecido antes de Newton.
[263]
Todavia, os efeitos de maré na terra, devido à gravitaçã o da luz e do sol, mostram o caso em que a atraçã o maior,
exercida no lado mais pró ximo da terra, precisa ser levada em conta.
[264]
Sites universitá rios na internet agora aprsentam excelentes explicaçõ es dessas e de outras equaçõ es no capítulo.
Procure “equaçã o para cordas vibrantes” ou “equação para ondas”.
[265]
Mais precisamente, h:x:x, ou (h:x):x, é a segunda derivada parcial de h com respeito a x; na notaçã o usual, Δ h/Δx .
2 2
[266]
Mais precisamente, m é a massa por unidade de comprimento, ou densidade de massa.
[267]
O “p” representa a pressão; “k” é o coeficiente de viscosidade; “m” é a densidade de massa por unidade de volume;
“u”, “v” e “w” sã o componentes de velocidade nas direçõ es “x”, “y” e “z”, respectivamente. Esta e as equaçõ es aná logas nas
direçõ es “y-” e “z-” são conhecidas como “equaçõ es Navier-Stokes”.
[268]
O ponto especial entre os dois operadores gradientes designa um vetor “produto de ponto”, um tipo especial de
multiplicaçã o generalizada que se aplica a vetores. O vetor é um objeto matemá tico com magnitude (unidades de
comprimento) e direçã o no espaço (norte, sul, para cima ou para baixo, etc.). A multiplicaçã o generalizada, que usa um
produto de ponto, pode ser definida como uma série de multiplicaçõ es e somas simples.
[269]
Na equação, u é o vetor que representa a velocidade do fluido em qualquer ponto no espaço. Na equação anterior, em
contrapartida, o u representava só o componente x- da velocidade.
[270]
Na notaçã o padrã o de cá lculo, as equaçõ es de Lagrange são ΔL/Δq = (d/dt) [ΔL/Δ (dq/dt)], para coordenadas
generalizadas q.
[271]
“The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences”, Communications on Pure and Applied
Mathematics 13 (1960): 2, 5.
[272]
À luz do conhecimento do séc. XX da estrutura atô mica, agora explicamos as propriedades de elementos diferentes
em termos de elétrons e “camadas” de elétrons. O séc. XIX nã o conhecia a estrutura subatô mica, mas ainda assim obteve
sucesso em desenvolver os relacionamentos de ligaçã o por experimentaçã o.
[273]
Por simplicidade, os elementos de terras raras (a série dos lantanídeos) e a série dos actinídeos.
[274]
Contudo, a equação de Schrö dinger, importante como é, nã o fica de pé sozinha. É preciso mencionar o princípio da
exclusã o de Wolfgang Pauli: dois elétrons nunca podem ocupar o mesmo estado quâ ntico. Esse princípio é necessá rio
para explicar porque as camadas de elétrons se enchem. É preciso saber também que os elétrons “giram” e os nú cleos
atô micos podem ter composiçõ es variadas. A soluçã o de um mistério deixa outros ainda mais profundos.
[275]
Veja Paul Benacerraf e Hilary Putnam, orgs., Philosophy of Mathematics: Selected Readings (Englewood Cliffs:
Prentice-Hall, 1964).
[276]
Além disso, essas filosofias têm dificuldade em lidar com a prova de Gö del, que mostra as limitaçõ es de qualquer
sistema formal rico o suficiente para incluir a teoria elementar dos nú meros (assim questionando a abordagem formalista
e a esperança logicista de reduzir a matemá tica a axiomas da ló gica). V. a discussão em Vern S. Poythress, “A Biblical View
of Mathematics”, in: Gary North, org., Foundations of Christian Scholarship: Essays in the Van Til Perspective (Vallecito:
Ross, 1976), p. 171-2; James Nickel, Mathematics: Is God Silent?, 2. ed. (Vallecito: Ross, 2001), p. 190-4; D. F. M. Strauss, “Is
a Christian Mathematics Possible?”, Tydskrif vir Christelike Wetenskap [ Journal for Christian Scholarship ] 39 (2003): 31-
49.
[277]
Survey of Christian Epistemology . s.l.: Den Dulk Christian Foundation, 1969, p. 47; v. discussã o adicional em James
Nickel, Mathematics: Is God Silent?, p. 231-2, 253-5; Poythress, “Biblical View of Mathematics”, p. 168-73.
[278]
Para uma exploração maior dessas propriedades, pode-se consultar qualquer obra que trate de aritmética modular,
que é uma subdivisã o da teoria elementar do nú mero.
[279]
Toronto: Penguin, 1996.
[280]
V. n. 2, acima.
[281]
Veja também Vern S. Poythress, Redimindo a matemática: uma abordagem teocêntrica (Brasília, DF: Monergismo,
2019). [N. do R.]
[282]
Meredith G. Kline, “Because It Had Not Rained”, Westminster Theological Journal 20 (1958): p. 146-57; Mark D.
Futato, “Because It Had Rained: A Study of Gen 2:5-7 with Implications for Gen 2:4-25 and Gen 1:1-2:3”, Westminster
Theological Journal 60/1 (1998): 1-21.
[283]
Lee Irons & Meredith G. Kline, “The Framework View”, in: David G. Hagopian, org., The Genesis Debate: Three Views on
the Days of Creation . Mission Viejo: Crux, 2001, p. 231-2.
[284]
“Genesis 2:5, 6: Wet or Dry?”, Tyndale Bulletin 17 (1966): 109-14. Ao apresentar sua pró pria traduçã o do v. 6, Irons e
Kline o interpretam como resposta à falta de chuva: “Entã o uma nuvem de chuva começou a se erguer da terra”
(“Framework View”, p. 232). Mas no hebraico o começo do v. 6, com “e” ( w ) mais o nome (“neblina/nascente/nuvem de
chuva”) mais verbo imperfeito, nessa ordem, nã o começa até este momento a coluna principal da narrativa mas ainda
descreve as circunstâ ncias desse cená rio, levando ao começo da parte principal da narrativa no v. 7 (que tem a estrutura
normal de uma coluna narrativa, a saber, waw- consecutivo mais imperfeito). Assim a traduçã o que vê o v. 6 como
continuaçã o do cená rio parece mais natural: “Mas uma neblina subia da terra e regava toda a superfície do solo” (v. 6,
ARA).
[285]
V. a discussã o em C. John Collins, Genesis 1-4: A Linguistic, Literary, and Theological Commentary (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 2006), Cap. 5.
[286]
P. ex., Calvino diz: “[sobre o dia 1] Contudo, nã o é sem motivo ou por acidente que a luz precedesse o sol e a lua. A
nada somos mais inclinados do que reduzir o poder de Deus à queles instrumentos pelos quais ele age. O sol e a lua nos
fornecem a luz; e, em conformidade com nossas noçõ es, de tal modo incluímos esse poder a gerar luz neles que, se fossem
removidos do mundo, pareceria impossível que alguma luz subsistisse. Portanto, o Senhor, pela pró pria ordem da criaçã o,
dá testemunho de que mantém em sua mã o a luz, a qual ele é capaz de nos comunicar sem o sol e a lua” ( Comentário de
Gênesis , trad. Valter Graciano Martins. S.l.: Clire, 2018, vol. 1, p. 41-2; comentando Gn 1.3); “[sobre o dia 4] Deus criara
previamente a luz, mas agora institui uma nova ordem na natureza: que o sol seria o despenseiro da luz diurna, e a lua e
os astros brilhariam durante a noite [...] Pois Moisés nada mais relata senã o que Deus ordenara a certos instrumentos que
difundissem pela terra, mediante mudanças recíprocas, aquela luz que fora previamente criada. A ú nica diferença é que a
luz outrora era dispersa, agora, porém, procede de corpos luminosos” ( ibid. , p. 49; comentando Gn 1.14).
[287]
Perspectives on Science and Christian Faith 48/1 (1996): 2-15.
[288]
James Nickel, Mathematics: Is God Silent? , 2. ed. (Vallecito: Ross, 2001), p. 256.