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Agradecimentos
Prefá cio ao leitor
O menor evangelho: apresentando Rute
1. O exílio de Elimeleque
2. Fazendo aliança com estrangeiros
3. Boaz, um Segundo Adã o
4. Um pedido de casamento simbó lico
5. Um Nome lembrado
6. Um final doxoló gico
Apêndice A — Uma teologia da Terra
Apêndice B — Uma teologia das asas
Apêndice C — Graça e boas obras: Um panorama teoló gico
Apêndice D — O Goel e o Levir: Uma aná lise do Resgatador
Sobre os autores
Sob suas asas
O evangelho segundo Rute
 
Rich Lusk e Uri Brito
 

Copyright @ 2018, de Athanasius Press


Publicado originalmente em inglês sob o título
Under His Wings: The Gospel According to Ruth
pela Athanasius Press,
715 Cypress Street West Monroe, Louisiana, 71291, EUA.
 
 

 
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620
www.editoramonergismo.com.br
 

 
1ª ediçã o, 2020
 
Tradução : Josaías Cardoso Ribeiro Jr.
Revisão : Felipe Sabino de Araú jo

Conteúdo
Agradecimentos
Prefá cio ao leitor
O menor evangelho: apresentando Rute
1. O exílio de Elimeleque
2. Fazendo aliança com estrangeiros
3. Boaz, um Segundo Adã o
4. Um pedido de casamento simbó lico
5. Um Nome lembrado
6. Um final doxoló gico
Apêndice A — Uma teologia da Terra
Apêndice B — Uma teologia das asas
Apêndice C — Graça e boas obras: Um panorama teoló gico
Apêndice D — O Goel e o Levir : Uma aná lise do Resgatador
Sobre os autores

Agradecimentos
Este projeto começou há seis anos com uma transcriçã o dos estudos da Escola Dominical
sobre Rute do pastor Lusk. Nossos agradecimentos a Cathy Honeycutt, que transcreveu
essas palestras em á udio. Se nã o fossem seus esforços, é prová vel que este comentá rio nã o
existisse. Essas primeiras transcriçõ es forneceram a base para o corpo deste trabalho.
Além disso, mal conseguimos expressar nossa gratidã o a James B. Jordan, cujo gênio
exegético em suas palestras sobre Rute nos inspirou a preparar esse comentá rio. A
influência de Jim pode ser vista por toda parte e honramos, com razã o, seus fiéis esforços.
Queremos agradecer aos muitos amigos talentosos que examinaram os rascunhos iniciais e
ofereceram ideias frutíferas, especialmente Heather Johnson, Rob Hadding, Dustin Messer e
Ron Gilley.
Por fim, nossos agradecimentos à Athanasius Press, que viu o potencial desse projeto e nos
incentivou a perseverar.

Prefácio ao leitor
 
É preciso saber algumas coisas sobre este livro antes de começar. Primeiro, os dois autores
gostariam de agradecer a James B. Jordan por seu trabalho pioneiro no Antigo Testamento,
incluindo o livro de Rute. Suas impressõ es digitais estã o espalhadas por todo esse mini-
comentá rio. Assumimos total responsabilidade pela obra, mas Jordan merece muito crédito
por tudo que tenhamos acertado.
Em segundo lugar, este comentá rio nã o pretende ser uma obra rigorosamente acadêmica.
Esperamos que resista ao escrutínio acadêmico, mas ele também presume muitas coisas
que sã o discutidas em outros lugares. Em particular, a teologia bíblica e canô nica de James
B. Jordan é fundamental para este trabalho. Aqueles que desejam aprofundar-se nas
questõ es da posiçã o e tipologia canô nicas de Rute devem consultar as vá rias obras de
Jordan, especialmente suas palestras no wordmp3.com.
Em terceiro lugar, este comentá rio foi produzido a partir de transcriçõ es das liçõ es da
Escola Dominical dadas pelo Pastor Lusk em 2004. Embora tenhamos corrigido boa parte
da linguagem e deixado um pouco mais formal, é sempre um desafio transformar a palavra
falada em palavra escrita. Estilisticamente, nem sempre tentamos esconder o fato de que
esta obra surgiu nas aulas da Escola Dominical, que eram bastante informais e continham
bastante diá logos. Isso também explica algumas repetiçõ es ocasionais.
Por fim, esperamos produzir um comentá rio sobre Rute que, embora nã o lide
exaustivamente com o texto em todas as suas dimensõ es, dê ao leitor uma compreensã o
firme do “evangelho segundo Rute”. Esperamos que pastores e professores que estejam
pregando e ensinando Rute achem esta obra ú til, mas também esperamos que ela seja ú til
para crentes fiéis que procuram maneiras de estudar as Escrituras de uma forma ricamente
devocional, e também teologicamente profunda. Com demasiada frequência, leituras
devocionais carecem de conteú do teoló gico e exegético, enquanto as obras exegéticas e
teoló gicas carecem de devoçã o prá tica. Esperamos que esta breve obra possa ajudar a
preencher essa lacuna infeliz.
— Uri Brito

O menor evangelho: apresentando Rute


 
Rute é uma histó ria cuidadosamente elaborada. Qualquer leitor concordaria que é uma
pequena narrativa maravilhosa. Alguns comentaristas até a chamam de “novela”, um
romance curto. Alguns classificaram seu gênero como “conto” ou mesmo “conto popular”.
Esses tipos de ró tulos sã o bons, desde que mantenhamos a historicidade do livro. Toda a
evidência interna deste livro indica que ele foi escrito como uma histó ria verdadeira . Ele
nã o é apresentado meramente como uma pequena narrativa encantadora ou uma fantasia
româ ntica folcló rica, mas como uma histó ria da redençã o. C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien
chamam o evangelho de “mito real”. Podemos pensar em Rute como o “romance real” ou
[1]

a “novela real”.
A Bíblia é um livro de histó rias. Ela nos traz uma histó ria abrangente de Deus e sua criaçã o.
De Gênesis a Apocalipse, as Escrituras fornecem uma narrativa que engloba criaçã o, queda
e re-criaçã o. É uma histó ria que percorre todo o curso da histó ria humana, das primeiras à s
ú ltimas coisas. Mas, dentro da grande histó ria da Bíblia, há diversas histó rias pequenas que
refletem a histó ria completa, que nos dã o a Bíblia em resumo. Essas micro-narrativas
cristalizam a meta-narrativa bíblica.
Rute é uma dessas micro-narrativas. Em pouco mais de 80 versículos, todo o programa
redentivo de Deus para a criaçã o é resumido e dramatizado em miniatura. Esta histó ria, em
outras palavras, nos dá o evangelho em forma de conto. Rute é uma lente através da qual
podemos ver toda a histó ria da redençã o. É claro, “o evangelho segundo Rute” é o mesmo
evangelho encontrado em qualquer outra parte da Escritura. Rute é um drama tipoló gico e
também uma narrativa profética e cristocêntrica que nos mostra como Deus resgatará seu
povo. Pode ser uma histó ria româ ntica, mas é fundamentalmente um romance teológico ,
pois aponta além do amor que Rute e Boaz têm um pelo outro para o caso de amor entre
Cristo e sua igreja. O significado deste relato está no cerne da histó ria, a saber, o amor
redentor de Deus por sua noiva.

 
A autoria de Rute
Antes de começarmos a examinar como o livro de Rute funciona como uma histó ria do
evangelho, precisamos considerar alguns itens bá sicos. Começamos com a questã o da
autoria. Quem escreveu o livro de Rute? Sabemos que o livro é divinamente inspirado, mas
podemos identificar o agente humano do Espírito? Rute chega até nó s anonimamente, e
identificar o autor com segurança nã o é uma tarefa fá cil. Um comentarista descreve isso
como “um exercício de futilidade”. [2]
Mas os acadêmicos bíblicos raramente se contentam
em deixar essas perguntas sem resposta, de forma que muitos candidatos já foram
identificados. Samuel e Salomã o sã o os palpites mais populares.
A tradiçã o rabínica, incluindo o Talmude, atribui o livro a Samuel. Nó s conhecemos Samuel
pelo livro que leva seu nome. Ele era filho de Ana, criado no templo e chamado para ser o
profeta do Senhor. Ele ungiu Saul como rei de Israel e depois ungiu Davi como rei. Samuel,
sem dú vida, teria uma razã o para escrever; ele precisava mostrar por que Davi era uma
escolha legítima para suplantar Saul. Se a transiçã o da casa de Saul (e a possível dinastia
que fracassou por causa do pecado de Saul) para a casa de Davi (um desconhecido, sequer
respeitado em sua pró pria família durante sua juventude) deve ser realizada sem
problemas, uma defesa do histó rico de Davi é necessá ria. Rute foi escrito, pelo menos em
parte, para satisfazer esse propó sito — mostrar por que Davi tem o direito legítimo de ter
este ofício em Israel, apesar de vir da linhagem bastarda de Judá e de uma ancestral
moabita.
Algumas das evidências de autoria certamente se aplicam a Samuel, mas há alguns
problemas em sugerir que ele é o autor. Muitas das objeçõ es à sua autoria têm relaçã o com
o momento em que foi escrito. Muito significativamente, a genealogia final do livro de Rute
pressupõ e que Davi é uma figura bem conhecida e, de fato, parece assumir que ele já se
tornou rei em um sentido oficial e aberto. Por exemplo, Samuel unge Davi como rei em 1
Samuel 16, mas Davi nã o se torna rei sobre Israel até muito mais tarde — na verdade, nã o
até depois da morte de Samuel.
Há também a matéria do costume explicado em Rute 4.7: como se confirma o negó cio entre
Boaz e o parente anô nimo de Noemi. O fato de que o ritual pede uma explicaçã o no texto
poderia indicar que o livro foi escrito muito depois, como se o costume tivesse caído em
desuso na época da composiçã o.
Todas essas objeçõ es podem ser superadas. Elas podem afetar a ideia de que Samuel era o
autor, mas nenhuma delas a refuta por completo. Por exemplo, a unçã o de Davi por Samuel,
bem como seu conhecimento de que Davi um dia chegaria à fama real, podem justificar que
ele escrevesse a genealogia como fez. Além disso, nã o é como se Davi fosse uma figura
completamente desconhecida depois de 1 Samuel 16.
E mais: a explicaçã o do costume em Rute 4.7 poderia ter sido adicionada mais tarde por um
editor inspirado. Há muitos lugares nas Escrituras em que uma geraçã o posterior de
editores inspirados altera levemente um texto canô nico. Por exemplo, em Gênesis 14,
encontramos alguns comentá rios explicativos sobre detalhes que provavelmente nã o
foram incluídos no texto original de Gênesis. Os comentá rios adicionais em Gênesis 14
foram adicionados mais tarde por outro autor inspirado para fazer correlaçõ es com outros
textos bíblicos ou permitir que uma audiência posterior entendesse com mais clareza o que
estava acontecendo. O registro da morte de Moisés no fim de Deuteronô mio é outra
possibilidade de ediçõ es inspiradas. É possível que essas ediçõ es tenham sido feitas no
livro de Rute, embora seja difícil dizer com certeza.
Se Rute foi escrito depois do tempo dos juízes, entã o Salomã o se torna um candidato viá vel
para a autoria. Salomã o poderia ter escrito Rute com o objetivo de justificar a realeza de
seu pai contra vá rios desafios e, claro, por implicaçã o, defender sua pró pria realeza. Note
que Salomã o supervisionou a construçã o do templo e um dos grandes pilares no templo
que Salomã o construiu se chama Boaz. É possível que Salomã o tenha escrito este livro para
mostrar por que um dos pilares do templo recebeu o nome de seu ancestral. De fato, em
algumas versõ es do câ non hebraico, o livro de Rute é agrupado com vá rios escritos de
Salomã o, particularmente com Câ ntico dos Câ nticos e Eclesiastes.
Uma terceira possibilidade, mas menos popular, é o pró prio Davi. Novamente, Davi estaria
escrevendo para justificar seu ofício real e a transiçã o da casa de Saul para sua casa. De
fato, se Davi foi o autor, é possível que ele escreveu o livro como um tipo de manual de
instruçõ es para seu filho Salomã o, como se dissesse: “Filho, observe Boaz. Esse é o tipo de
homem que Israel precisa. Veja o que Boaz fez por Rute e Noemi. Israel precisa de um rei
que cuide da naçã o da mesma maneira. Israel precisa de um rei como Boaz. Seja esse tipo
de rei”. A autoria davídica se torna imprová vel quando se examina o final do livro. A ú ltima
palavra no livro de Rute é o nome de Davi. Seria incomum para Davi, como autor, encerrar
o livro com seu pró prio nome. Talvez pudesse ter acontecido com humildade apropriada,
mas parece imprová vel.
No fim, temos de admitir que nã o sabemos com certeza a identidade do autor humano. O
mais importante é lembrarmos que, por trá s do autor humano, quem quer que ele fosse,
está o autor divino. Rute é histó ria de Deus; é a palavra de Deus para nó s, para o nosso bem.

 
As circunstâncias e data de Rute
Quando datamos o livro de Rute, encontramos o mesmo tipo de ambiguidade de sua
autoria. Primeiro, devemos determinar quando a histó ria ocorreu. Rute se passa durante
uma fome no período dos juízes, que se estende de aproximadamente 1400 a 1050 a.C.
Certos segmentos de tempo dentro do período dos juízes podem ser descartados. Por
exemplo, Juízes 3 descreve um período em que os moabitas oprimiram Israel.
Considerando que Elimeleque leva sua família para a regiã o de Moabe, parece implausível
que a histó ria tenha ocorrido durante o período de Juízes 3, quando os moabitas
perseguiam e atacavam Israel.
Considerando a evidência circunstancial, a histó ria provavelmente ocorre no período das
invasõ es midianitas descritas em Juízes 6. Os midianitas eram agentes do castigo divino,
oprimindo Israel por causa de seu pecado até que Gideã o finalmente os expulsou. Os
midianitas viriam, particularmente durante o período de colheita, para destruir e roubar a
produçã o de Israel. Os poucos detalhes no livro de Juízes possivelmente explicam como
poderia haver fome em Belém, mas nã o na terra vizinha de Moabe. A fome em Belém
poderia ter acontecido por causa da invasã o midianita, em vez de causas naturais como
padrõ es climá ticos.
Se a histó ria aconteceu junto aos eventos descritos em Juízes 6, quando a histó ria foi
escrita? Alguns estudiosos sugerem uma data muito tardia, até o período pó s-exílico, mas
as razõ es apresentadas sã o geralmente muito fracas. Faz muito mais sentido datar o livro
durante a época do reinado de Davi, uma vez que ele termina com Davi como rei. Além
disso, Rute provavelmente foi escrito, pelo menos até certo ponto, para justificar a
transferência de poder da casa de Saul para a linhagem de Davi. Assim, é prová vel que o
livro de Rute tenha sido composto nã o muito tempo depois dos eventos que registra,
provavelmente durante o reinado de Davi ou Salomã o (aproximadamente 1000 a.C.).

 
O propósito de Rute
Nã o podemos determinar completamente o objetivo de Rute sem ter estudado o livro em si,
mas podemos oferecer um esboço em miniatura dos eventos do livro. A posiçã o de Rute no
câ non nos diz algo sobre o propó sito do livro. Talvez nã o estejamos acostumados a atribuir
qualquer significado à posiçã o de um livro no câ non bíblico; afinal, Deus nã o nos deu um
índice inspirado que prescreve exatamente como os escritos canô nicos devem ser
organizados. Mas, considere como a ordem do câ non chega a nó s.
Primeiro, temos o Pentateuco, os chamados cinco livros de Moisés: Gênesis, Ê xodo, Levítico,
Nú meros e Deuteronô mio. Algumas partes de Gênesis provavelmente antecederam Moisés,
mas ele parece ser responsá vel por reunir os cinco livros em uma unidade. Entã o temos
Josué, que é escrito aproximadamente no mesmo período, nã o muito depois da morte de
Moisés, e que registra o que acontece na pró xima geraçã o, a saber, a conquista da terra
prometida sob Josué, sucessor de Moisés. Em seguida, temos Juízes, que é o sétimo livro;
Rute segue como o oitavo livro. Agora, pense nesses livros nas sexta, sétima e oitava
posiçõ es. Josué é o sexto livro e inclui muitas referências sobre entrar na terra, que também
é descrito como entrar no descanso de Deus. As pessoas entram em um tipo de Shabbath
permanente quando se estabelecem na terra. Mas, Josué é o sexto livro, que nos diz que
esse descanso do Shabbath nã o será o Shabbath final que Deus planejou para o seu povo;
pelo contrá rio, será apenas um tipo ou sombra dele. O livro de Hebreus no Novo
Testamento reforça essa ideia. O povo entrou no descanso de Deus quando entraram na
terra, mas somente de forma tipoló gica. Somente na Nova Aliança saímos do sexto para o
sétimo dia prometido, o descanso prometido de Deus. Assim, Josué era apenas uma sombra
daquele que viria, o Josué maior, que conduziria o povo a uma herança prometida maior e
que daria o descanso de Shabbath prometido ao conduzir-nos do sexto para o sétimo dia
(Mt 11.28-29).
Juízes é o sétimo livro. O nú mero sete, é claro, é o nú mero da perfeiçã o. Mas o livro de
Juízes nã o tem nada a ver com perfeiçã o, a menos que você queira pensar nele como Israel
“aperfeiçoando” vá rias maneiras de se rebelar contra Deus. A ú nica coisa aperfeiçoada no
livro de Juízes é o pecado da idolatria de Israel. Mas há uma conexã o interessante aqui. Se
alguém ler Gênesis 1-3 como uma narrativa histó rica e sequencial (como deveríamos), Gn
1.1-2.4 oferece um relato global da criaçã o até o sétimo dia, quando Deus descansou.
Gênesis 2.5 ss. nos leva de volta ao sexto dia e coloca a criaçã o do homem sob um
microscó pio. Agora, recebemos muitos detalhes sobre o sexto dia da criaçã o que foram
omitidos no macro-relato inicial. O dia seis, devido à sua importâ ncia, recebe atençã o
especial em Gênesis 2, ao focar no homem como cabeça e coroa de Deus na criaçã o. Mas, se
continuarmos lendo (e ignorarmos as quebras de capítulos, que foram adicionadas mais
tarde por conveniência), chegamos ao relato da Queda. Gênesis 3 parece detalhar as
ocorrências daquele primeiro sá bado. Há vá rias razõ es para ver Gênesis 3 como o primeiro
Shabbath. Este é o dia em que Adã o e Eva entraram naquela á rea central do santuá rio do
Jardim do É den para se encontrar com Deus. Em outras palavras, este era claramente o
tempo de adoraçã o especial, que, no restante da Antiga Aliança, é um evento do sétimo dia.
Assim, faz muito sentido ver esse dia como o dia em que o Senhor vai caminhar no jardim e
encontrar-se com eles. O dia do Shabbath é o dia de encontro entre Deus e seu povo.
Infelizmente, antes que o Senhor chegue lá , Adã o e Eva colocam o carro na frente dos bois e
roubam da á rvore do conhecimento do bem e do mal. Eles comem o fruto proibido e, é
claro, sabemos o que acontece depois disso.
Assim, o sétimo dia era o dia de descanso na presença de Deus, o dia da renovaçã o da
aliança com Deus, o dia de alegrar-se na presença de Deus e de receber os dons da mã o de
Deus. Mas, Adã o e Eva caíram no sétimo dia. Eles cometeram traiçã o no santuá rio. À luz
desse padrã o criacional, considere Juízes, o sétimo livro do câ non. Que correspondências
vemos entre os sete primeiros livros do câ non e a primeira semana de histó ria descrita em
Gênesis 1-3? Em um sentido, você poderia dizer que a queda alcança sua culminaçã o no
livro de Juízes. No livro de Juízes, as coisas tornam-se as piores possíveis. Juízes nos mostra
a queda de Adã o e Eva levada à sua forma mais extrema, quando o povo de Deus completa
sua rebeliã o contra ele. Lembre-se: este é Israel, a naçã o escolhida de Yahweh, uma raça de
novos Adã os e novas Evas. Essas sã o as pessoas que devem servir como representantes de
Deus para a humanidade e que devem representar a humanidade diante de Deus. Quando
lemos o livro de Juízes, encontramos o povo de Deus com as coisas completamente
invertidas. Eles estã o chamando o preto de branco; eles estã o chamando a luz de escuridã o.
Tudo está invertido no livro dos Juízes. Os pró prios Juízes, é claro, sã o fiéis (na maior parte
do tempo) e redimem o povo. Mas mesmo assim, logo que resgatam as pessoas, quase
invariavelmente dentro de uma geraçã o, o povo cai em uma idolatria ainda pior do que
antes. E, ao progredirmos no livro, os bons tempos nã o sã o mais tã o bons e as épocas ruins
ficam ainda piores. Os sacerdotes, que deveriam conduzir o povo no conhecimento de Deus,
os conduzem na verdade à uma idolatria grosseira. O livro de Juízes é uma histó ria muito
triste; é uma coletâ nea muito triste de histó rias sobre a queda de Israel.

 
Juízes como velha criação
Como termina o livro de juízes? Nó s temos uma aná lise do problema fundamental de Israel
em 21.25: “Naqueles dias, nã o havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais reto”.
Esse é um período sombrio na histó ria de Israel, mas essa avaliaçã o do problema é
altamente irô nica. Havia um rei em Israel durante o tempo dos juízes? Sim, é claro que
havia um rei. O pró prio Yahweh era o rei de Israel. Eles teriam tudo o que precisavam caso
se submetessem ao reinado e senhorio de Yahweh sobre eles. Mas porque continuamente
rejeitavam o Senhor e nã o queriam que o Senhor fosse rei sobre eles, tudo em Israel é um
desastre. E, assim, o que Yahweh precisa fazer? Ele precisa estabelecer um representante
humano de sua pró pria realeza sobre o povo. Ele precisa dar ao seu povo um ícone humano
de seu senhorio para lembrá -los de seu cará ter, propó sito e presença.
O livro de Juízes termina com este tom muito triste. Ele termina com esta declaraçã o de que
nã o há rei em Israel, entã o todo mundo está fazendo o que é certo aos seus pró prios olhos.
Mas é precisamente neste período de caos ético e desordem teoló gica que a salvaçã o de
Deus explode. Deste sétimo dia sombrio, vem um raio de luz brilhante, um oitavo dia, um
oitavo livro. É claro, o nú mero 8 é o nú mero da nova criaçã o. A velha criaçã o é caída e está
se despedaçando, entã o precisamos de uma nova criaçã o. É por isso que o nú mero 8 é tã o
significativo nas Escrituras. Oito é o nú mero de um novo nascimento, uma nova semana e
um novo começo. A circuncisã o ocorre no oitavo dia. A criança passa por toda a velha
semana da criaçã o, mas, porque a primeira criaçã o é caída, no oitavo dia ela deve ser
completamente incorporada à nova humanidade de Israel. O oitavo dia é o dia da
ressurreiçã o. É no primeiro dia de uma nova semana que Deus ressuscita Jesus. Os relatos
da ressurreiçã o nos evangelhos estã o repletos de imagens da criaçã o conduzindo-nos ao
fato de que Jesus realmente inaugurou uma nova ordem mundial em sua ressurreiçã o no
oitavo dia. Por exemplo, no final do evangelho de Joã o, quando Maria chega ao tú mulo (que
fica em um jardim), ela vê Jesus, mas o confunde com o jardineiro. Mas isso nã o é nenhum
engano — ele é o novo jardineiro, o novo Adã o. Entã o, o Senhor ressuscitado se reú ne com
seus discípulos em oitavos dias consecutivos. Tomé nã o estava presente na primeira vez.
Com certamente, Jesus poderia ter aparecido a Tomé na segunda-feira, na terça-feira ou na
quarta-feira, mas ele optou por fazer isso no primeiro dia da semana seguinte, no oitavo
dia. Ao fazer isso, nosso Senhor deu a seus discípulos um padrã o que eles seguiriam ao
encontrar-se com o Cristo ressurreto no primeiro dia da semana em adoraçã o coletiva.
Assim como Deus veio e teve comunhã o com Adã o e Eva no santuá rio-jardim do É den no
sétimo dia, os discípulos também se comunicavam com seu Deus no oitavo dia.

 
Rute como nova criação
Esse padrã o de oitavo dia nos dá uma ideia do que está acontecendo no livro de Rute. O
livro de Rute vem em oitavo no câ non. Ele sinaliza um novo começo. Sim, a naçã o de Israel
entrou em colapso sob os juízes e afundou no mais profundo poço de idolatria. Mesmo os
sacerdotes estã o perdidos. Mas Deus trará um novo Israel, uma nova criaçã o. E ele vai
cumprir essa nova obra por meio de Rute, Noemi e, especialmente, Boaz. Quando compara
o final de Juízes com o final do livro de Rute, você pode enxergar o contraste. Juízes termina
com a declaraçã o de que nã o havia rei em Israel, enquanto a ú ltima palavra no livro de Rute
é simplesmente um nome, Davi . Todas as esperanças de todo Israel estã o resumidas nesse
nome. Esse nome ú nico relembra o rei ideal de Israel. Ele responde ao problema
apresentado pela conclusã o do livro de Juízes. Aqui está o evangelho diante das má s
notícias dos Juízes. Deus resolveu o problema descrito no livro de Juízes neste homem,
Davi, um nome sinô nimo de realeza. O povo nã o tinha rei; agora eles têm. Eles esqueceram
que Yahweh era seu rei; agora eles têm um lembrete contínuo, um representante humano
do senhorio divino de Yahweh. Rute, entã o, nos mostra como Deus resolverá o problema da
idolatria de Israel. Ele lhes dá um governante segundo seu pró prio coraçã o.
O começo da monarquia aponta para uma importante transiçã o na histó ria de Israel. O
governo por juízes foi bom por um período, mas o mundo dos juízes entrou em colapso. As
pessoas precisavam de algo novo — ou, mais especificamente, elas precisavam de alguém
novo. Elas precisavam de um rei. Elas precisavam de um rei segundo o coraçã o de Deus,
assim Deus lhes deu Davi.
Em seu contexto histó rico, o livro de Rute também responde a outro conjunto de
problemas relacionados à realeza de Davi. O reinado de Davi nã o deixou de ser desafiado
em Israel. Nã o é como se Davi tenha virado rei e todos se alinharam a seu regime. Afinal,
muitas pessoas investiram no reino de Saul antes de Davi ascender ao trono, e elas
certamente tinham objeçõ es contra Davi ter a coroa. Em particular, havia questionamentos
sobre o histó rico familiar de Davi, como veremos. Rute responde esses desafios. Neste
sentido, o livro de Rute nã o é apenas uma obra de histó ria ou mesmo de teologia; é uma
obra de apologética, projetada para defender o rei escolhido de Deus. À s vezes, a melhor
forma de defender a verdade é com uma histó ria.
 
O desafio à realeza de Davi
Quais foram algumas das objeçõ es ao domínio davídico no antigo Israel? Primeiro, Davi era
descendente de uma uniã o ilegítima. Em Gênesis, os filhos de Judá nã o cumprem a lei do
levirato (cf. Dt 25.5 ss.). O filho mais velho de Judá , Er, casou-se com Tamar, mas morreu
antes de ter um descendente do gênero masculino. Sob a disposiçã o do levirato, seu irmã o
deveria tomar Tamar para si e ter um descendente masculino com ela para substituir o
falecido. Mas, Onã se recusou a cumprir seu dever e foi morto (Gn 38.3-10). Judá disse a
Tamar que esperasse que outro filho, Selá , crescesse, mas nã o tinha intençã o de dar Selá a
ela. Quando Tamar percebeu que a família de Judá a abandonara, ela utilizou um ardil. [3]

Tamar induziu Judá a cumprir com ela o levirato. Quando é revelado que Tamar estava
grá vida de Judá , Judá percebe o quanto estava errado por ter deixado de prover para
Tamar. Judá admite que Deus foi de fato justo em matar seus filhos, e também que Tamar
era mais justa que ele. Nada na histó ria condena Tamar por suas açõ es; ela queria
preservar a linhagem da semente e seu lugar no povo da aliança. Devemos ler essa histó ria
em termos da histó ria da redençã o e da linhagem messiâ nica prometida em vez de fazer
juízos morais descontextualizados. Mas, isso nã o nega o fato de que, por causa do pecado
de Judá , o filho que nasceu de Tamar é ilegítimo. Na medida em que Tamar pretendia obter
um herdeiro legítimo para assumir o lugar de Er, ela estava correta; mas, na medida em que
Judá nada fazia além de satisfazer suas concupiscências, ele trouxe vergonha à sua família.
Assim, o filho nascido da uniã o de Tamar e Judá , Perez, é um bastardo e é considerado
como tal nos termos da lei.
Perceba duas coisas aqui. Primeiro, é a falha da família de Judá em cumprir a lei do levirato
que faz com que a tribo de Judá seja envergonhada. Descobriremos no livro de Rute que a
tribo de Judá é redimida, exaltada e preservada por causa de um cumprimento da lei do
levirato. Boaz desempenha o papel de marido para Rute (e, por extensã o, para Noemi) por
meio do levirato. Ele é o verdadeiro Judá .
Mas, em segundo lugar, considere Dt 23.2 neste contexto: “Nenhum bastardo entrará na
assembleia do Senhor; nem ainda a sua décima geraçã o entrará nela”. A “assembleia do
Senhor” neste contexto, refere-se ao domínio político. Quando a lei diz que ele nã o deve
“entrar na assembleia do Senhor”, isso nã o significa que eles nã o pudessem participar da
vida da sinagoga, mas que nã o tinham cidadania plena e certamente nã o podiam ocupar
nenhum tipo de cargo na comunidade de Israel até a décima geraçã o. Para a família de Judá ,
esse período de exclusã o começa com Perez. Mas, veja a genealogia no final do livro. Que
maneira curiosa de terminar um conto tã o doce e româ ntico. Que curioso! Alguns até se
perguntam se a genealogia serve a algum propó sito real na histó ria; ela parece ser
inexplicavelmente abordada no final do livro. Mas, tenha em mente Gênesis 38 e
Deuteronô mio 23 e conte as geraçõ es que começam em Rute 4.18:
1. Perez
2. Esrom
3. Rã o
4. Aminadabe
5. Naassom
6. Salmom
7. Boaz
8. Obede
9. Jessé
10. Davi
 

Há dez geraçõ es de Perez a Davi. Você quer ver como a lei de Deus e a promessa de Deus se
juntam? Deus havia prometido à tribo de Judá que o cetro nã o se afastaria de sua casa (Gn
49.10). Isto é, a tribo de Judá produziria o rei de Israel. Judá era a tribo real. E, ainda assim,
por causa do pecado de Judá e da lei de Dt 23.2, nenhum filho da tribo de Judá poderia ser
rei até a décima geraçã o. Como esse conflito será resolvido? O final de Rute nos mostra. Na
primeira geraçã o de Judá qualificada, a geraçã o de Davi, um filho de Judá se torna rei. A
bênçã o em Gn 49.10 é cumprida sem violar Dt 23.2.
Isso também lança luz sobre o pedido de Israel por um rei em 1 Samuel 8. O que há de tã o
ruim em Israel querer um rei em 1 Samuel 8? Nã o há nada errado em ter um rei. Já havia a
promessa de que a tribo de Judá produziria um rei para reinar sobre Israel. Em
Deuteronô mio 17, Moisés se antecipou e deu leis relativas ao rei. É ó bvio que Deus queria
que seu povo tivesse um rei quando a hora chegasse. Mas, o pedido de Israel por um rei
chegou em um momento em que nã o havia filhos qualificados para cumprir esse ofício. Os
filhos de Judá estavam excluídos até a décima geraçã o. Assim, Israel está pedindo um rei
prematuramente — e eles deveriam saber disso. Quando eles pedem um rei em 1 Samuel 8,
o problema nã o é que eles querem um rei; é que eles querem um rei antes da hora. Eles
querem um rei que lhes será dado em violaçã o à promessa de Deus e à lei de Deus. Eles
deveriam saber que simplesmente nã o havia como as coisas darem certo com Saul, o
benjamita. A naçã o de Israel apoderou-se da gló ria real prematuramente da mesma forma
como Adã o e Eva fizeram.
Mas, havia uma segunda objeçã o ao reinado de Davi sobre Israel. Ele tinha sangue
estrangeiro nas veias. Ora, esta objeçã o nã o pode ser respondida com tanta nitidez quanto
a outra que acabamos de tratar, mas há uma resposta. De acordo com Dt 17.15, nenhum
estrangeiro deveria se tornar rei de Israel. Além disso, em Dt 23.3 s. (em seguida ao verso
proibindo que filhos ilegítimos tenham direitos plenos de cidadania), os moabitas sã o
proibidos de ter cidadania em Israel até a décima geraçã o porque eles se recusaram a
prover pã o e á gua para os israelitas no deserto. Os moabitas amaldiçoaram mais do que
abençoaram. Davi era claramente o descendente de terceira geraçã o de Rute, que era
moabita. Entã o, como? Como Davi pode ser rei? O livro de Rute nos mostra uma maneira de
contornar Dt 23.3 s.: Rute era uma convertida. Rute foi trazida à linhagem da aliança pela
graça de Deus e por sua fidelidade à sua sogra. Rute é enxertada no povo da aliança por
meio de um casamento legítimo por levirato e recebe a bênçã o de Deus para provar isso.
Seu casamento e seu enxerto em Israel estã o em harmonia com a lei do Antigo Testamento.
E, assim, o livro de Rute mostra que Rute nã o era mais uma moabita. Ela trocou sua
identidade como moabita para tornar-se membro de Israel Ela disse a Noemi: “o teu povo é
o meu povo, o teu Deus é o meu Deus”. Ela deixa para trá s a velha família moabita para
entrar na nova família de Israel. Essa transformaçã o é posteriormente selada em seu
casamento com um israelita chamado Boaz; pelo casamento, ela é incorporada à família e
linhagem de Boaz. Ela se torna membro de Israel; de fato, ela se torna membro da linhagem
da semente real. Em vez de ser um obstá culo à realeza de Davi, podemos dizer que ela abriu
caminho para isso, na verdade. De fato, talvez mais do que qualquer outra pessoa no Antigo
Testamento, ela nos mostra o que significa ter a fé de Abraã o, ser um verdadeiro judeu
como Paulo identifica em Romanos 2: ela nã o possui a lei por natureza, mas cumpre as
coisas da lei pela fé.
O livro de Rute, portanto, defende Davi e sua linhagem como a escolha de Deus para
governar Israel, o que, é claro, leva finalmente a Jesus. Na genealogia de Mateus, Rute é uma
das poucas mulheres selecionadas que sã o incluídas nessa genealogia conduzindo ao
nascimento de Cristo. [4]
Nã o somente Davi vem dela, mas o Davi Maior, o Boaz Maior,
Jesus, vem dela.

 
O reino messiânico
Podemos começar a ver algumas das maneiras como Rute aplica-se à s nossas vidas hoje.
Nã o é muito bom falar sobre o objetivo do livro, a menos que isso se traduza em prá tica.
Assim como houve desafios ao governo legítimo de Davi, também há desafios ao reino
legítimo do rei Jesus. Deste modo, temos que defender seu reino, assim como o livro de
Rute defendeu a realeza de Davi. O livro de Rute é uma aula de apologética. Uma das
melhores maneiras de defender o evangelho é contando histó rias. Por meio da arte de uma
narrativa cativante, podemos mostrar a beleza e a gló ria de como Deus congregou todas as
coisas em Cristo. Todos os propó sitos de Deus para a criaçã o sã o levados a um clímax e a
seu ponto culminante em Jesus. Rute nos dá um vislumbre disso.
Defender a fé em Cristo nã o é apenas uma questã o de argumentos e silogismos. Muitas
vezes, é uma questã o de contar histó rias. Precisamos aprender a contar a histó ria do
evangelho à nossa cultura de maneira que a histó ria do evangelho exponha o que há de
errado com a nossa cultura e corrija as coisas. O apó stolo Pedro diz que devemos dar uma
resposta sobre a esperança que temos. Devemos viver nossas vidas de tal maneira que
provoquemos perguntas dos espectadores nã o-cristã os. Nossas vidas servem para
demonstrar esperança. Quando perguntarem sobre a esperança que temos, estaremos
prontos para dar uma resposta. Devemos ter uma defesa pronta de porque temos a
esperança que temos. Rute é um modelo ú til: o livro mostra por que os israelitas estavam
certos em ter esperança em Davi e se submeterem ao seu reinado. Embora os desafios que
enfrentamos na defesa do reino de Jesus nã o sejam idênticos aos apresentados contra o
reino de Davi, Rute nos mostra uma estratégia apologética eficaz.
Quem escreveu o livro de Rute estava respondendo em nome da esperança davídica. Se a
questã o atual fosse: “Por que você tem esperança no rei Davi?”, o livro de Rute dá uma
resposta. E se a questã o hoje é “Por que você tem esperança no rei Jesus?”, devemos dar
uma resposta que declare que Jesus é o cumprimento de todos os propó sitos de Deus e que
ele trouxe um novo mundo.

 
A solução: o evangelho segundo Rute
O que exatamente é o evangelho segundo Rute? Rute mostra ao mundo exatamente o que
ele precisa. Neste livro, a situaçã o de Noemi e Rute representa de modo emblemá tico a
situaçã o de Israel. Onde estã o Noemi e Rute no início do livro? Elas nã o têm um rei; elas
nã o têm um marido; elas estã o desoladas, destituídas de tudo e desesperadas. Onde elas
estã o no final do livro? Satisfeitas, cuidadas e protegidas. A histó ria de Rute é a prova de
que Deus nã o abandonará sua noiva pactual, mas proverá , dando-lhe por fim um Boaz
superior e um Davi superior, um Resgatador maior e um Rei maior. Do que Israel precisa?
Precisa de um rei, mas nã o como Elimeleque e Saul; eles precisam de um rei como Boaz e
Davi. É claro, nossa situaçã o também é como a de Israel/Noemi/Rute. O mundo está
perdido, sem rei e sem esperança. Do que o mundo precisa? Do Boaz Maior, do Davi Maior.
O mundo precisa do rei Jesus. O mundo precisa de um resgatador, alguém que possa fazer
por nó s o que nã o podemos fazer por nó s mesmos, que proverá , nos protegerá e cuidará de
nó s. Rute é um modelo do evangelho; o evangelho cumpre os tipos e sombras encontrados
no livro de Rute.
É muito interessante ver como os americanos sã o fascinados com a realeza. Sim, nossa
naçã o teve como premissa a rejeiçã o da monarquia. Nó s lutamos uma guerra para nos
libertar da tirania do rei Jorge. Contudo, nã o conseguimos escapar do apelo da realeza. Há
algo em nosso íntimo que se identifica com ela. Um dos filmes mais populares de todos os
tempos é O Retorno do Rei , o terceiro da trilogia O Senhor dos Anéis . Por quê? Por que
somos tã o fascinados com a realeza? Deus nos criou de tal maneira que almejamos a
realeza. O pecado distorce nosso desejo pelo tipo certo de rei, mas o desejo persiste. A
razã o por que tantos contos de fada giram em torno de bons reis derrotando reis maus, do
bom rei resgatando e tomando a noiva para si ou do tema “O Retorno do Rei” é que fomos
criados precisamente para esse tipo de histó ria. Nunca nos cansamos desse tipo de histó ria.
Deus projetou a alma humana e a histó ria humana para combinar uma com a outra. A alma
humana anseia pelo tipo de rei que Deus enviou ao mundo. Seu nome é Jesus. Ele é nosso
rei.

1. O exílio de Elimeleque
 
Rute 1.1-5
Nos dias em que julgavam os juízes, houve fome na terra; e um homem de Belém de Judá saiu a habitar na
terra de Moabe, com sua mulher e seus dois filhos. Este homem se chamava Elimeleque, e sua mulher,
Noemi; os filhos se chamavam Malom e Quiliom, efrateus, de Belém de Judá; vieram à terra de Moabe e
ficaram ali. Morreu Elimeleque, marido de Noemi; e ficou ela com seus dois filhos, os quais casaram com
mulheres moabitas; era o nome de uma Orfa, e o nome da outra, Rute;  E ficaram ali quase dez anos.
Morreram também ambos, Malom e Quiliom, ficando, assim, a mulher desamparada de seus dois filhos e de
seu marido.

 
Observando a estrutura do livro, descobrimos que Rute é dividido em quatro seçõ es, que
correspondem muito bem. Este é um daqueles raros livros bíblicos em que as divisõ es dos
capítulos se encaixam muito bem com o fluxo da histó ria. Rute 1 mostra a necessidade de
um resgatador. Rute 2 revela a busca e o desejo por um resgatador. Rute 3 cumpre a
promessa de um resgatador. E, por fim, em Rute 4, nó s vemos a realização do resgatador.
Tudo depende desse resgatador. E, é claro, tudo nesta histó ria é simbó lico e tipoló gico. O
que Boaz faz por Rute e Noemi representa de forma emblemá tica o que Deus faz por Israel
e pela igreja por meio de Jesus. Nó s estamos mortos e precisamos de alguém que possa nos
reviver. Estamos perdidos e precisamos de alguém que possa nos encontrar. Estamos
empobrecidos e precisamos de alguém que possa nos enriquecer. Estamos desabrigados e
precisamos de alguém que possa nos dar morada. Estamos com fome e precisamos de
alguém que possa nos alimentar.
A cena inicial de Rute 1.1-5 é crítica porque estabelece toda a narrativa. Tudo flui do que
acontece nesses versos repletos de informaçõ es. Se você pensar em Rute como um tipo de
peça, os versos 1-5 colocam os atores em suas posiçõ es.

 
A importância dos nomes
Os nomes das pessoas e lugares revelam muito. Nomes sã o altamente significativos ao
longo do livro de Rute. Muitas vezes, abusamos da etimologia e, à s vezes, o significado
[5]

dos nomes nã o é tã o certo quanto gostaríamos. Nã o devemos tornar a etimologia decisiva


na interpretaçã o de uma passagem, mas a etimologia pode enriquecer nossa leitura de um
texto.
Descobrimos que esta família é de Belém. Belém significa “casa do pã o”, o que nos leva de
volta ao local original de comida abundante e gratuita, o Jardim do É den. Em Gênesis 2, a
ênfase está na disponibilidade de comida. O jardim está repleto de á rvores. É a casa da
comida. Belém é uma nova casa de comida em Israel. Deveria ser um novo É den. Isso nã o é
um exagero, porque sabemos que isso era, em certo sentido, verdadeiro para a terra
prometida como um todo. Quando Deus diz a Israel que lhes dará uma terra de onde flui
leite e mel, ele está indicando que a pró pria terra é um novo ambiente edênico. Mas a
situaçã o no livro de Rute apresenta um problema: uma fome atingiu Israel, até Belém. A
casa do pã o está vazia. A terra fluindo com leite e mel agora enfrenta escassez.
A dissonâ ncia entre o nome de Belém e a situaçã o só pode significar uma coisa: a terra está
sob maldiçã o. Mais especificamente, o povo da terra está amaldiçoado. A terra está morta, o
que significa que o povo está morto também. A fome da terra tem relaçã o com a fome do
povo. Eles abandonaram o Senhor e, portanto, têm fome de comida verdadeira. Precisamos
entender que a fome nã o acontece do nada. Estes nã o sã o eventos aleató rios, ao acaso. Quer
esta fome se devesse à seca ou à guerra (esta ú ltima é mais prová vel, considerando a
invasã o midianita), era um castigo de Deus.
Deus prometeu fazer de Belém uma casa cheia de pã o, cheia de comida. Se isso nã o está
acontecendo, se as promessas nã o estã o sendo cumpridas, há um problema. O problema
nã o pode ser que Deus é infiel; o problema deve ser que Israel pecou. E é exatamente isso
que descobrimos.
Somos informados de que a histó ria acontece durante a época em que os juízes reinavam
sobre Israel. O livro de Juízes explica por que Deus está trazendo fome contra a terra.
Elimeleque deveria ter raciocinado algo assim: “Se há uma fome aqui na cesta de pã es, isso
significa que Deus está irado conosco, e Deus deve ter um bom motivo para sua ira, e assim
a soluçã o para a fome é que nos arrependamos". Em toda a Escritura, sempre que ocorrem
desastres, esses eventos trá gicos sã o ocasiõ es para o arrependimento. De fato, mesmo
quando os desastres nã o estã o diretamente ligados a algum pecado em particular, eles
lembram que devemos continuamente deixar o pecado para servir ao Deus vivo. Nem
sempre existe uma correspondência exata entre desastres que atingem nossas vidas e
algum ato particular de pecado, mas qualquer evento que revele a queda do mundo deve
ser visto como uma ocasiã o de arrependimento. Elimeleque nã o raciocina dessa maneira.
Em vez de arrepender-se, ele foge. Em vez de voltar-se para Deus, ele se voltar para Moabe.
A pequena cidade de Belém normalmente sugere associaçõ es positivas para o leitor da
Bíblia. Quando ouvimos falar de Belém, pensamos automaticamente no Natal e em tudo o
que está associado a esse evento alegre. Mas, Belém nã o tinha associaçõ es tã o agradá veis
na época de Rute. A cidade era o lugar do sepulcro de Raquel, a noiva da aliança, em Gn
35.19. Em Juízes 17 e 19, Belém está associada à s formas mais grotescas de idolatria e
imoralidade. Belém, pelo menos neste momento da histó ria, é um lugar marcado por
infidelidade, idolatria e imoralidade. Elimeleque nã o faz nada para mudar isso. Na verdade,
ele parece fazer parte do problema de Belém.
Atentar aos nomes das pessoas no livro de Rute traz mais clareza à situaçã o. Na Bíblia, os
nomes nã o eram escolhidos simplesmente por motivos estéticos; pelo contrá rio, eles
revelavam o cará ter e propó sito daquela pessoa. A analogia mais pró xima que talvez
tenhamos sã o os nomes indígenas, que normalmente serviam como apelidos para revelar
algo sobre a pessoa. Ou, se você já leu algum conto de Flannery O'Connor, sem dú vida
percebeu que ela usa nomes de uma maneira altamente simbó lica para revelar o cará ter
interior de uma pessoa. Embora existam algumas perguntas sobre a etimologia precisa de
alguns dos nomes em Rute 1, a compreensã o de seus significados contribui para nossa
compreensã o geral da histó ria.
O nome Elimeleque significa “Deus é Rei”, o que é altamente irô nico considerando a
situaçã o. Lembre-se: Elimeleque vive no tempo dos juízes, um período em que “nã o havia
rei em Israel; cada um fazia o que achava mais reto”. O nome de Elimeleque deveria
lembrar-lhe de que Yahweh (ou El) era seu rei, mas ele nã o se submeteu a Yahweh. Em vez
disso, ele fez o que achava mais reto. Assim, Elimeleque nã o fez jus a seu nome. Em outras
palavras, ele era um hipó crita. Quando Elimeleque tirou sua família da terra prometida,
longe do lugar onde Deus habitava entre seu povo, ele estava pecando contra o verdadeiro
Rei do céu e da terra. Ele nã o se arrependeu de seu pecado e nã o confiou no Senhor como
seu Rei.
A esposa de Elimeleque é Noemi. Seu nome significa “agradá vel”. Este nome também tem
uma reviravolta irô nica e contraditó ria, porque, para Noemi, a vida é tudo, menos
agradá vel. Ela é exilada de sua terra natal pela fome e perde os três homens de sua vida. Ela
está cercada de morte por todos os lados. Assim, no final de Rute 1, ela muda seu nome
para um que corresponda à sua situaçã o. Ela se autodenomina “Mara”, que significa
“amarga”, porque a vida se tornou amarga para ela. Ela nã o está mais vivendo uma vida
“agradá vel”, mas uma vida “amarga”. Tratar sua tristeza e tragédia é o que impulsiona a
narrativa do livro.
É claro, no final da histó ria, a amargura de Noemi volta a ser alegria. Seu nome muda, mas,
no fim, volta ao que era. Traçar o nome dela é uma maneira de traçar a trama do livro
inteiro. E, é claro, há dimensõ es mais profundas na situaçã o dela. A forma como Deus lida
com Noemi sã o um símbolo de como Deus lida com Israel (e com a igreja, como novo
Israel). Em outras palavras, o que Deus faz através de Noemi, por ela e ao redor dela é um
símbolo e tipo do tratamento de Deus para Israel. De muitas maneiras, Noemi é mais
central para a histó ria que Rute (o que é mais ó bvio em hebraico que nas traduçõ es para o
inglês). Se este livro recebesse o nome de Noemi, seria tã o adequado quanto o nome de
Rute. Noemi é o ponto focal de perda e ganho, de morte e de nova vida. Noemi é a noiva da
aliança. É ela quem é abandonada como uma viú va sem filhos por causa da apostasia de seu
marido. Ela se torna vazia, desamparada e sem esperança. Rute 1.3, na verdade, sugere sua
posiçã o central e crucial na narrativa: “Morreu Elimeleque, marido de Noemi; e ficou ela
com seus dois filhos”. O foco deste texto está nela — seu marido, seus filhos, sua perda
tripla. Com esses versos iniciais, temos a impressã o de que a histó ria será contada a partir
de sua perspectiva. De fato, quando examinamos essa histó ria através dos olhos dela,
vemos verdadeiramente a graça salvífica de Deus quando Noemi é salva da morte e trazida
à nova vida. Deus nã o vai deixar Noemi exilada em Moabe, desamparada e sem marido. Ele
vai resgatá -la e restaurá -la — e, ao fazer isso, mostrará que está determinado a resgatar
Israel.
No decorrer da histó ria, Rute se torna mais e mais profundamente ligada a Noemi, de forma
que, no fim da histó ria, o que acontece com uma delas acontece com a outra. Quando a
histó ria avança, Rute tem mais e mais oportunidades para agir no lugar de Noemi. Esses
papéis na histó ria, por fim, unem-se em um. Quando Rute se casa novamente, este é
funcionalmente um novo casamento para Noemi, e o filho de Rute e Boaz substitui o marido
falecido de Noemi.
Os nomes dos filhos de Elimeleque nã o sã o exatamente lisonjeiros. Quiliom significa algo
como “doente” ou “definhando”. Seu nome pode trazer o sentido de que ele está sofrendo
pela terra enquanto está longe dela ou pode significar que ele está sendo consumido por
algum tipo de doença que leva à sua morte. Malom significa “perecendo”. É um nome
adequado para ele nã o apenas porque ele perece, mas porque o nome de sua família corre o
risco de perecer. É imprová vel que os pais realmente tenham dado esses nomes para seus
filhos. Esses poderiam ser apelidos dados a eles posteriormente, talvez pelo autor
inspirado. [6]

Os nomes desses filhos também sã o adequados, pois ambos morrem quase imediatamente
na histó ria. Seus nomes sugerem nã o apenas a posiçã o vulnerá vel de Israel, mas a ameaça
da maldiçã o pairando sobre o país. Esses dois jovens sã o tirados da terra da promessa;
separados da presença de Deus e do povo de Deus, eles estã o fadados a definhar e perecer.
Mas, nã o para aqui. A palavra hebraica usada para descrever os filhos é um termo muito
específico. Provavelmente poderia ser melhor traduzido como “rapazes”. A palavra aparece
novamente no final da histó ria para descrever o bebê de Rute, Obede. Claramente, entã o,
Obede vai tomar o lugar dos filhos falecidos; ele é criado como seu substituto para
reivindicar sua herança e perpetuar o sobrenome da família.
Alguns estudiosos acham que o nome de Rute significa “amizade”, o que é adequado, dado o
papel que ela desempenha nesta histó ria. O nome de sua concunhada, Orfa, se relaciona
com a palavra para “nuca”. Seu nome pode significar que ela tem “dura cerviz” porque
recusa-se a curvar-se diante do Deus de Israel, como Rute faz. Ou pode significar que ela
deu as costas para Noemi. De qualquer maneira, os nomes das duas mulheres formam um
contraste nítido. Enquanto Rute faz amizade com Noemi, Orfa dá as costas para Noemi e a
abandona.
Os membros da família de Elimeleque sã o identificados como efrateus, o que é
provavelmente o nome de um clã (cf. 1Sm 17.12). Provavelmente significa que eles sã o
descendentes de Calebe e indica que eles eram uma família aristocrá tica. Essa era uma
família de destaque na regiã o; logo, fugir por causa da fome teria sido algo notá vel. Um
comentarista diz que isso seria como dizer que os Kardashians subitamente se tornaram
arrendatá rios pobres.

 
De Israel a Moabe
Por causa da fome, essa família deixa a terra prometida e ruma a Moabe. Este é um destino
surpreendente, para dizer o mínimo. Os moabitas tinham uma reputaçã o muito ruim na
histó ria da redençã o, sendo pouco amigá veis com a naçã o israelita. De fato, eles foram
alguns dos inimigos mais ferrenhos dos israelitas.
De onde veio Moabe? Como traçar suas origens? Perguntas como essas nã o sã o apenas
curiosidades bíblicas; na verdade, elas lançam muita luz sobre o que está acontecendo na
histó ria. Descendentes de Ló , Moabe era parente de Israel por sangue. Moabe, porém,
nasceu de um relacionamento incestuoso entre Ló e uma de suas filhas.
Considerando suas origens, nã o surpreende que o povo de Moabe tenha sido entregue ao
pecado sexual. Os moabitas eram conhecidos por sua imoralidade descarada a serviço de
seu deus Quemos. Em Nú meros 25, as moabitas levam os israelitas à apostasia e
prostituiçã o. E, quando Israel estava a caminho da terra prometida, Moabe se recusou a dar
pã o e á gua a Israel. Na verdade, eles contrataram Balaã o para pronunciar uma maldiçã o
sobre Israel.
Assim, imagine a situaçã o. Quando Israel estava em uma situaçã o de fome, caminhando
pelo deserto e precisando de pã o e á gua, eles procuraram Moabe para ajudar, mas Moabe
os amaldiçoou, em vez de abençoar. Para piorar, as moabitas já eram conhecidas por
desviar os homens israelitas. Considerando esse histó rico, pense na decisã o diante de
Elimeleque. Sua família está faminta. Seus filhos estã o crescendo e precisam de esposas.
Por que Elimeleque escolhe levar sua família para uma regiã o conhecida por se recusar a
dar pã o aos israelitas? Por que ele entra em uma regiã o onde se sabe que as mulheres
levam os homens israelitas ao pecado? Este é um ato de traiçã o por parte de Elimeleque —
e ele pagará por sua tolice.

 
Carência, reparação da carência
Rute é uma histó ria magistral com uma requintada estrutura literá ria. Conhecido por seu
estudo clá ssico de contos folcló ricos, Vladimir Propp observou que as histó rias folcló ricas
costumam ter a mesma estrutura bá sica: carência, reparaçã o da carência ou necessidade,
necessidade satisfeita. Pense na Cinderela. No início da histó ria, Cinderela se encontra sob
o domínio de sua madrasta malvada. Ela carece de uma boa casa. Ela precisa ser resgatada
da crueldade de sua madrasta. No fim da histó ria, sua carência é reparada e sua
necessidade é satisfeita. Rute vai funcionar de maneira semelhante. Os versículos
introdutó rios mostram-nos qual é a carência. A necessidades das protagonistas femininas
serã o atendidas, uma a uma, até que chegamos ao final da histó ria e a reviravolta está
completa.
Quais sã o as necessidades identificadas nessas linhas de abertura da histó ria? Primeiro, há
carência de pã o; há fome. No fim de Rute 1, a fome acabou e, em Rute 2, encontramos Deus
dando grande provisã o para Rute e Noemi por meio de Boaz. A carência de pã o será
reparada.
Em segundo lugar, há carência de um lar. A família de Elimeleque deixa a terra prometida e
parte em um exílio auto-imposto. Mais tarde, Noemi e Rute retornam à terra e encontram
um lar ali. Por fim, eles encontrarã o descanso em Boaz, que as recebe em sua família.
E, entã o, há a carência de um herdeiro. Os dois filhos morreram sem filhos, deixando para
trá s duas viú vas. Novamente, no fim da histó ria, tudo que é necessá rio será providenciado.
Rute vai encontrar um marido melhor do que aquele que morreu. Através dele, ela terá um
filho para substituir o falecido. Boaz e Obede reparam a carência de homens no início da
histó ria.
O livro de Rute passa do vazio para a plenitude, da morte para a vida da ressurreiçã o, da
amargura para a alegria, e do exílio para a restauraçã o. Poderíamos até dizer que é uma
histó ria de “Mara” a “Noemi”, da amargura ao prazer.

 
A fome de justiça
A fome acontece por causa do pecado. A morte chega a Elimeleque e seus filhos por causa
do pecado. A fome é especificamente apontada como forma de juízo sobre Israel em
Levítico 26 e Deuteronô mio 28: é um sinal da ira de Deus contra o povo da aliança. Deus
revela aos israelitas como seu relacionamento especial com eles funcionará . Quando
começassem a ver as maldiçõ es da aliança, como doenças ou fome, sobre eles, eles
deveriam se arrepender. Se nã o se arrependessem, seriam completamente expulsos da
terra.
Ao levar sua família ao exílio, Elimeleque, em um certo sentido, impõ e sobre si a maldiçã o
definitiva da aliança. Ele é expulso da terra onde Deus colocou seu nome e sua presença. É
muito difícil evitar a conclusã o de que, quando Elimeleque deixou a terra, pelo menos
nessas circunstâ ncias, ele estava pecando. É verdade que Abraã o também deixou a terra
por causa da fome, mas isso aconteceu antes de a terra ser dada à família de Abraã o como
uma possessã o. Quando Elimeleque deixa a terra, sua partida é um sinal de que algo deu
errado. Você poderia dizer que ele seguiu seu estô mago e nã o sua fé. Em vez de restaurar a
comida no cesto de pã o por meio do arrependimento, ele pega o que parece ser o caminho
mais fá cil ao ir para Moabe. Quem pode imaginar que concessõ es estã o implícitas em sua
decisã o? Onde eles adorariam o Deus verdadeiro? Que tipo de comunidade eles esperavam
encontrar? Elimeleque parece estar fazendo o que bem entende, e nã o o que é certo. Pode
ser por isso que todos os homens da família morrem em Moabe, uma puniçã o pelo pecado
de Elimeleque. Eles escolheram o exílio da terra e acabaram sendo exilados da face da terra.
Elimeleque nã o esperou que Deus o expulsasse da terra; ele escolheu sair por conta
pró pria. Em vez de implorar por misericó rdia ao Senhor, ele voltou-se para a misericó rdia
dos moabitas. Nã o podemos dizer com certeza que, ao atravessar as fronteiras da terra
prometida, Elimeleque se tornou um apó stata completo, mas certamente parece isso. Se
isso nã o é violar a aliança, está muito pró ximo. Se fô ssemos traduzir as açõ es de Elimeleque
para o cená rio da Nova Aliança, seria como se Elimeleque deixasse a igreja. Ele deixou a
comunhã o do povo de Deus e o lugar onde Deus colocou seu nome. É uma auto-
excomunhã o.

A igreja como esfera de vida


A liçã o para nó s é clara: nã o seja um Elimeleque. Nã o abandone a casa e o povo de Deus.
Vivemos em uma época em que muitas pessoas olham para a igreja e nã o vêem muito valor
ali. A igreja nã o as impressiona. Mas, pense bem: se você olhasse para a terra da promessa
nos dias de Elimeleque, também nã o pareceria muita coisa. O que há de especial nessa
terra? Há fome ali. O que há de especial na igreja? Parece que há muito pouco fruto. Deus
frequentemente opera de maneiras ocultas e surpreendentes. Devemos aprender a nos
submeter ao plano e padrã o de Deus para nó s. Devemos aprender a submeter-se aos juízos
de Deus e nã o fugir para os Moabes do mundo pedindo ajuda. Precisamos confiar em Deus,
arrepender-se, orar pelo pã o diá rio e continuar caminhando com o Senhor e seu povo.
Devemos buscar a Deus onde Ele prometeu ser achado. Para Elimeleque, isso significava as
assembleias locais, as sinagogas, espalhadas por toda a terra de Israel e que se reuniam
todos os sá bados (Lv 23.3). Para nó s, significa nã o abandonar a assembleia dos santos (Hb
10.25). Assim que algo ruim aconteceu, Elimeleque abandonou o navio e seguiu para
Moabe. Quando coisas ruins acontecem conosco, somos tentados a fugir de Deus e da igreja.
Mas é exatamente isso que nã o devemos fazer. Pelo contrá rio, deveríamos correr para a
igreja. Devemos correr para a presença de Deus, reivindicando as bênçã os que Ele
prometeu estender a nó s no meio de seu povo. Devemos implorar a ele que nos conceda
arrependimento e que nos abençoe em vez de nos amaldiçoar.
Elimeleque já está , de certo modo, sob a maldiçã o da fome na terra, mas, ao deixar a terra,
ele intensifica a maldiçã o, e a fome se torna morte. Fora da igreja, fora do lugar onde Deus
prometeu fazer-se presente através dos meios da graça (Palavra e sacramento), nã o há
nada além da morte. Se você deixa a esfera da vida, você entra na esfera da morte.

 
Deixando a terra
Algumas pessoas podem defender Elimeleque e se opor a uma interpretaçã o tã o negativa,
dizendo: “Um homem deve fazer o que é necessá rio para alimentar sua família. Deixar a
terra era perfeitamente compreensível”. O contra-argumento para essa linha de raciocínio
é simples. Obviamente, nem todo mundo em Belém deixou a terra, e ainda assim
conseguiram sobreviver. Boaz certamente nã o viu a necessidade de tirar sua família da
terra, e mesmo assim sua família nã o morreu de fome.
Uma objeçã o mais poderosa é: “Abraã o deixou a terra da promessa durante o período de
fome e Jacó o fez também. Por que nã o podemos dizer que Elimeleque está apenas imitando
as açõ es dos patriarcas? Elimeleque nã o está apenas repetindo as açõ es de Abraã o e Jacó ?
Nã o parece nã o haver desaprovaçã o divina das açõ es de Abraã o e Jacó ". Porém, esse
argumento deixa de tratar as principais diferenças entre a situaçã o dos patriarcas e a
situaçã o de Elimeleque. Abraã o e Jacó podem ter deixado a terra prometida a eles por causa
da fome, mas a terra da promessa permaneceu sem ser conquistada. Abraã o nã o habitou na
terra como residente permanente. Ele sabia que era apenas um peregrino. E o mesmo vale
para Jacó . Ambos sabiam que levaria séculos e geraçõ es até seus descendentes chegarem à
posse completa da terra. Os pecados dos cananeus tinham que chegar à medida da
iniquidade antes de eles serem expulsos da terra. A terra pertenceria a Israel enquanto eles
fossem fiéis. Porém, a herança completa da terra ainda nã o tinha acontecido no tempo de
Abraã o e Jacó . Eles partiram antes da conquista da terra e antes que Deus colocasse seu
nome ali. Assim, para os patriarcas, deixar a terra nã o tinha o mesmo significado de
Elimeleque deixar a terra.
O retorno de Abraã o à terra também é digno de nota. Em Gênesis 12-13, é verdade que
Abraã o deixa a terra por causa da fome, mas ele nã o é abençoado até que volte para a terra.
Então, ele deixa o Egito com espó lios. É como se a saída de Abraã o fosse um tipo de exílio.
Mas, quando ele volta para a terra, é um êxodo completo com o espó lio dos egípcios.

 
O tema da terra
Para entender completamente a dinâ mica de Rute 1, é importante traçarmos o tema da
terra. Desde a primeira promessa sobre a terra nas Escrituras, até a nova criaçã o
glorificada, a aliança de Deus está ligada à terra (o Apêndice A tem um extenso tratamento
da Teologia da Terra). A criaçã o é a arena na qual a redençã o acontece; a criaçã o é aquilo
que Deus usa para trazer redençã o, e as coisas da criaçã o sã o redimidas.
Temos a tendência de pensar na esperança cristã como algo que nos retira da criaçã o como
se redençã o significasse escapar deste mundo. Mas, na verdade, isso é muito mais platô nico
(ou até gnó stico) do que cristã o. A esperança bíblica está ancorada na terra e na criaçã o. Foi
este mundo que caiu; foi este mundo que sofreu a maldiçã o do pecado; é esta terra que deve
ser redimida. Doutro modo, Sataná s obteve a vitó ria. Se a criaçã o nã o for redimida, Sataná s
reivindicou a criaçã o para si e Deus o deixou possui-la.
Mas, a narrativa bíblica dá à redençã o um foco neste mundo . Na narrativa bíblica, redençã o
significa que Deus está reivindicando novamente o que Sataná s reivindicou para si. Deus
trouxe a maldiçã o sobre o mundo e Deus pode retirar a maldiçã o do mundo. Deus pode
revogar a maldiçã o e substituí-la por bênçã o.
Essa verdade tem implicaçõ es enormes em como vivemos nossas vidas e como pensamos
no futuro. Com demasiada frequência, pensamos na esperança cristã futura como o céu.
Mas o que geralmente pensamos como o céu nã o é nosso destino final. Pelo contrá rio, é o
que os teó logos chamam de “estado intermediá rio”. É verdade que a alma do crente estará
com o Senhor no céu apó s a morte e isso é uma coisa gloriosa (Fp 1.23), mas nã o é o final da
histó ria. A alma aguarda sua redençã o final e a ressurreiçã o do corpo no ú ltimo dia. Quando
nossos corpos forem ressuscitados, a pró pria criaçã o será glorificada. Se nossa esperança
futura termina no céu, entã o somos platô nicos em vez de paulinos. Platã o disse que o corpo
é uma prisã o para a alma e, na morte, a alma é liberada para que possa flutuar para o alto
em um reino etéreo.
Essa visã o platô nica da salvaçã o teve muita influência no pensamento, na prá tica e na
piedade cristã . A esperança cristã é certamente celestial, mas ela também é deste mundo .
Ela envolve o corpo ressuscitado habitando em um novo céu e nova terra por toda a
eternidade. Nossa esperança está no mundo futuro , mas nã o em outro mundo. É este
mundo que será redimido. O corpo que você tem agora será o corpo em que você habitará
por toda a eternidade (embora em forma glorificada). Esta é a esperança cristã : o pró prio
corpo que sofreu a maldiçã o do pecado e sofreu por causa do Salvador agora receberá todo
o peso da bênçã o, da gló ria, do esplendor e da majestade. Pode parecer que isso nã o tem
muito a ver com o livro de Rute, mas tem. O livro de Rute nã o apenas ensina a salvaçã o pela
graça, mas ensina uma salvaçã o abrangente.

2. Fazendo aliança com estrangeiros


 
Rute 1.1-5

Nos dias em que julgavam os juízes, houve fome na terra; e um homem de Belém de Judá saiu a habitar na
terra de Moabe, com sua mulher e seus dois filhos. Este homem se chamava Elimeleque, e sua mulher,
Noemi; os filhos se chamavam Malom e Quiliom, Efrateus, de Belém de Judá ;  Vieram à terra de Moabe e
ficaram ali.  Morreu Elimeleque, marido de Noemi; e ficou ela com seus dois filhos,  os quais casaram com
mulheres moabitas; era o nome de uma Orfa, e o nome da outra, Rute;  E ficaram ali quase dez anos.
Morreram também ambos, Malom e Quiliom, ficando, assim, a mulher desamparada de seus dois filhos e de
seu marido.

 
Em Moabe, os filhos de Elimeleque tornaram-se adultos e tomaram esposas moabitas para
si. Isso foi pecado? A Bíblia nã o proíbe casamento inter-racial ou inter-étnico, mas ela
proíbe o casamento inter-religioso ou inter-pactual (2 Co 6.14). Há uma razã o para pensar,
considerando o histó rico anterior, que assim como Elimeleque cometeu um erro ao buscar
pã o em Moabe (cf. Dt 23.3-6), seus filhos também nã o deveriam ter buscado esposas
moabitas. Esse é um caso da histó ria se repetindo? Nú meros 25 registra um grande fiasco
na histó ria de Israel, quando homens israelitas se prostituíram com mulheres moabitas.
Como resultado, Deus matou 24.000 homens israelitas. O mesmo tipo de coisa acontece
aqui, embora em escala menor. Nã o há indício de fornicaçã o em Rute 1, mas também nã o há
razã o para pensar que as moabitas se converteram à fé no Senhor quando se casaram com
Malom e Quiliom. O resultado? Os dois homens israelitas sã o mortos em juízo. Eles sã o
executados por se casarem fora da aliança. Embora nã o haja indicaçã o de fornicaçã o,
parece que há uma violaçã o da santidade da aliança.
Deus disse a seu povo no livro de Deuteronô mio que, quando “o Senhor, teu Deus, as tiver
dado diante de ti [isto é, as naçõ es cananeias], para as ferir, totalmente as destruirá s” (Dt
7.2). Deus proibiu especificamente seu povo de fazer um pacto com os cananeus.
Obviamente, isso se aplicaria também aos pagã os que vivem fora da terra da promessa.
Deus diz que seu povo nã o deve entrar em um relacionamento profundo de aliança com os
incrédulos. Dt 22.10 ensina o mesmo princípio em lei simbó lica: “Nã o lavrará s com junta de
boi e jumento”. Por que Deus daria essa lei ao seu povo? Nã o é que os agricultores tenham
tentado arar com um boi e um jumento juntos. Os animais acabariam andando em círculos
por causa das diferenças de peso e tamanho. Pelo contrá rio, a ideia da lei é mostrar a Israel
o quanto seria incongruente e infrutífero ligar-se em jugo a naçõ es e povos impuros. O boi é
um animal sacrificial e o jumento nã o é; eles nã o devem estar sob o mesmo jugo. Israel nã o
deve entrar em uma comunhã o pactual profunda com aqueles que estã o fora da aliança.
Essas leis nã o proibiam Israel de fazer amizade com estrangeiros ou estranhos que
passassem pela terra. Essas leis nã o proibiam hospitalidade, ministério de misericó rdia ou
evangelismo. Os israelitas nã o foram proibidos de comer com gentios, apesar de, com o
tempo, os judeus estabelecerem cercas mais altas entre si e os gentios, o que tornou
compartilhar uma refeiçã o impossível. Mas essas leis significavam que os israelitas nã o
podiam estabelecer laços profundos de aliança com um pagã o, como o casamento. Se um
pagã o se converte à fé no Senhor e é integrado à comunidade da aliança, entã o o casamento
é lícito. Caso contrá rio, nã o é.
Assim, é prová vel que os filhos de Elimeleque tenham entrado em jugo desigual com as
moabitas. Nã o há indicaçã o de que eles exigiram que Orfa e Rute se convertessem antes do
casamento. As açõ es dos filhos aqui diferem das de Moisés, que tomou uma noiva etíope, ou
Sansã o, que, sob a direçã o do Espírito, ofereceu casamento a uma filisteia enquanto
também a chamou para transferir sua lealdade ao povo de Deus.
Portanto, em vez de converter Orfa e Rute à fé no Senhor, a família de Elimeleque tornou-se
sincrética enquanto estava em Moabe. Provavelmente, eles mantiveram muitos de seus
[7]

costumes e prá ticas israelitas enquanto “faziam como os moabitas fazem em Moabe”. Eles
provavelmente incorporaram a adoraçã o ao deus moabita Quemos em sua piedade
familiar. De que outra forma eles teriam conseguido pã o e terra para cultivar entre os
moabitas? Assim, se há alguma transferência de lealdade, ela está na direçã o errada. Em vez
de converter os moabitas à sua fé, a verdadeira fé, eles estã o sendo convertidos a uma fé
falsa.
No fim da primeira seçã o, os homens estã o mortos. Elimeleque, Malom e Quiliom sã o
julgados. Noemi ficou isolada, uma israelita em terra estrangeira. Seu marido a conduziu ao
pecado, deixando a terra e, como consequência, a morte dominou e a família de Elimeleque
enfrenta a extinçã o. O nome da família corre risco de desaparecer.

Um raio de esperança
Rute 1.6-7

Entã o, se dispô s ela com as suas noras e voltou da terra de Moabe, porquanto, nesta, ouviu que o Senhor se
lembrara do seu povo, dando-lhe pã o. Saiu, pois, ela com suas duas noras do lugar onde estivera; e, indo
elas caminhando, de volta para a terra de Judá .
 
O que acontece a seguir? Versículos seis e sete oferecem um raio de esperança. A situaçã o
de Belém aparentemente mudou. Belém nã o está mais sob a disciplina de Deus; Deus
visitou seu povo e restaurou o pã o na casa do pã o. As boas novas chegam a Noemi
enquanto ela ainda mora na regiã o de Moabe, e ela e suas duas noras começam a voltar
para a terra prometida.
O versículo sete menciona a terra de Judá , lembrando-nos que o foco da histó ria nã o é
Israel como um todo, mas a tribo de Judá em especial. Lembre-se de que Judá foi
amaldiçoado porque nã o exigiu que seus filhos cumprissem seus deveres de levirato, o que
acabou levando ao nascimento de um filho ilegítimo chamado Perez (Gn 38.29). E lembre-
se também de que sabemos, pelo livro de Deuteronô mio, que por dez geraçõ es a linhagem
de Judá está desqualificada da cidadania plena em Israel por causa desse pecado. Todo o
livro de Rute vai depender da redençã o e restauraçã o da tribo de Judá .

 
O padrão êxodo/exílio
Há outro importante padrã o bíblico a ser observado. Nas Escrituras, deixar a terra é se
exilar. Retornar à terra é passar por um êxodo. Abraã o passa por um exílio/êxodo em
Gênesis 12. Ele deixa a terra por causa da fome, vai para o Egito e depois volta com
despojos. Deus protege Abraã o enquanto ele está no exílio, atormentando Faraó quando ele
procura atacar a noiva de Abraã o, e quando Abraã o parte, ele o faz com um grande tesouro.
Claro, está é uma prévia do que vai acontecer no pró prio livro de Ê xodo. A experiência de
Abraã o se repetirá em escala nacional. No Egito, toda a naçã o será atacada e escravizada
por Faraó . Em vez de atacar a noiva, o Faraó (uma figura da serpente) atacará a semente da
noiva ao buscar matar os bebês judeus do sexo masculino. Deus atormentará Faraó com
pragas e depois levará seu povo para fora do Egito com uma pilhagem tremenda. Há muitos
ciclos de exílio e êxodo na Bíblia.
De fato, toda a Bíblia pode ser lida como a histó ria de exílio e êxodo. Adã o e Eva começam
no jardim do É den com acesso à Á rvore da Vida, mas porque se recusam a exercer uma fé
paciente, antecipam-se e apoderam-se dos privilégios reais em vez de esperar que Deus os
conceda. Como consequência de seu pecado, eles sã o exilados do Jardim do É den. Todo o
resto da Bíblia pode ser entendido como a histó ria de Deus realizando um êxodo para seu
povo, restaurando-o ao santuá rio. O ciclo final de exílio/êxodo acontece na cruz. Em Lucas
9, Jesus é transfigurado no monte e começa a discutir seu “êxodo” futuro com Moisés e
Elias. Como isso acontecerá ? Ele será exilado na cruz — exilado da cidade de Jerusalém,
exilado da comunidade de Israel, exilado até da presença de seu Pai. Mas entã o ele retorna
(êxodo) à terra dos vivos em sua ressurreiçã o e traz consigo os espó lios finais, a saber,
todos os santos redimidos por seu sangue.
Com tudo isso em mente, deve ser evidente que o movimento geográ fico no livro de Rute
nã o é arbitrá rio. Ele é integral para a histó ria. Rute descreve outro ciclo de exílio/êxodo.
Entretanto, o êxodo de Rute parece diferente. Nesses outros casos, o êxodo significa trazer
de volta uma grande pilhagem, o que parece nã o acontecer quando Noemi começa seu
retorno a Judá . Peter Leithart observa a irregularidade em Rute 1:
No capítulo um, claramente temos um padrã o de êxodo. Elimeleque e Noemi deixam a terra, e Noemi volta
com Rute. Mas, sob muitos aspectos, é um êxodo incomum. Em vez de multiplicarem-se na terra da
peregrinaçã o, como Jacó fez em Padã-Arã e Israel fez no Egito, Elimeleque e seus filhos morrem, deixando
Noemi sem semente. Em vez de tornarem-se enriquecidos como Abraã o, Isaque, Jacó e Israel fizeram,
Elimeleque e Noemi estã o empobrecidos. Jacó foge de Esaú com apenas um bordã o e volta com duas
comitivas ricas; ele sai vazio e volta cheio. Noemi sai cheia e volta vazia. Embora Noemi esteja de volta à
terra, nã o houve êxodo, nem redençã o. Este contraste com os êxodos patriarcais apoia a noçã o rabínica
tradicional de que Elimeleque pecou ao deixar a terra. [8]

 
Em Rute 1, o êxodo parece vazio, pois Noemi volta de mã os vazias. Ou não? Na verdade, ela
volta de Moabe com pelo menos um espó lio, a saber, Rute. Noemi diz que ela nã o tem nada
no fim de Rute 1, mas descobriremos, enquanto a histó ria se desenrola, que ela nã o está
realmente de mã os vazias. Noemi desceu a Moabe com dois filhos. No final do livro, ela dirá
que Rute foi mais valiosa para ela que sete filhos. Neste ponto, Noemi nã o percebe como
Deus a abençoou. Mas ela perceberá .
Pense em como fazemos a mesma coisa que Noemi com frequência. Nó s gememos e
reclamamos, vendo apenas o lado escuro da nossa situaçã o. Nó s deixamos de ver o sol
escondido atrá s das nuvens de tempestade que se juntam sobre nó s. Esta é a situaçã o de
Noemi neste momento da histó ria. Ela nã o vê o que Deus providenciou para ela.
Embora um pouco diferente, esse evento do êxodo em Rute 1 se encaixa no padrã o bíblico,
afinal. Ela volta com o melhor espó lio de todos. Ela volta com o melhor que Moabe tem para
oferecer, que é Rute.

 
Noemi como anti-evangelista
Rute 1.8-13

Disse-lhes Noemi: Ide, voltai cada uma à casa de sua mã e;  E o Senhor use convosco de benevolência, como
vó s usastes com os que morreram e comigo. O Senhor vos dê que sejais felizes, cada uma em casa de seu
marido. E beijou-as. Elas, porém, choraram em alta voz e lhe disseram: Nã o! Iremos contigo ao teu povo. 11

Porém Noemi disse: Voltai, minhas filhas! Por que iríeis comigo? Tenho eu ainda no ventre filhos, para que
vos sejam por maridos? Tornai, filhas minhas! Ide-vos embora, porque sou velha demais para ter marido.
Ainda quando eu dissesse: tenho esperança ou ainda que esta noite tivesse marido e houvesse filhos,
esperá -los-íeis até que viessem a ser grandes? Abster-vos-íeis de tomardes marido?  Nã o, filhas minhas!
Porque, por vossa causa, a mim me amarga o ter o Senhor descarregado contra mim a sua mão.

 
Por que Noemi tenta desencorajar as duas viú vas de irem a Judá com ela? Ela lhes dá duas
razõ es. Primeiro, ela diz que nã o pode gerar filhos para que se casem, por causa de sua
idade avançada. Além disso, ela argumenta que, mesmo que pudesse milagrosamente dar à
luz, mesmo que ela fosse como outra Sara e tivesse o ú tero aberto em uma idade muito
avançada, na época em que os filhos crescessem, Orfa e Rute estariam velhas demais para o
casamento. Estes parecem argumentos convincentes, especialmente em uma cultura na
qual o bem-estar de uma mulher estava ligado a um marido.
A apologética de Noemi é bastante problemá tica, entretanto, visto que ela está enviando
essas duas mulheres para longe de Deus e de seu povo. Ela está levando as duas de volta à
idolatria, de volta à terra de Moabe, de volta à adoraçã o do falso deus Quemos. Por que
Noemi está fazendo isso? Há uma longa e venerá vel interpretaçã o deste livro que vê todas
as açõ es de Noemi sob o melhor â ngulo possível. Nesta interpretaçã o do livro, Noemi está
testando as mulheres para ver se elas sã o realmente convertidas. Ela está chamando as
duas a levar em conta o custo do discipulado, para ver se eles abandonarã o sua antiga
pá tria e famílias.
Mas, essa nã o parece ser a melhor interpretaçã o. Pelo contrá rio, parece que Noemi está , em
primeiro lugar, libertando Rute e Orfa de quaisquer obrigaçõ es para com ela. Se Rute e Orfa
se unirem a Noemi de alguma forma, será inteiramente voluntá rio. Mais do que isso, o que
vemos aqui é o quanto Noemi se tornou incrédula no exílio. Ela está endurecida. Lembre-se
de que, quando Elimeleque foi a Moabe, ele estava levando sua família para longe da igreja
e da presença de Deus. Noemi está longe do povo de Deus há algum tempo. Como resultado,
nã o é de surpreender que ela tenha se tornado uma representante infiel de Yahweh. Ela se
desesperou e, desanimada, afasta potenciais convertidas. Ela perdeu a esperança. Nó s
vemos isso no final do capítulo, onde ela muda seu nome de Noemi para Mara e diz: “O
Senhor está contra mim”. As tentativas de Noemi de enviar as viú vas para longe revelam
seu desejo de desistir de Deus. É como se ela lhes dissesse: “Vocês podem servir o deus de
vocês. O deus de vocês provavelmente as tratará melhor que nosso Deus tratou vocês.
Vejam o que nosso Deus fez com minha família e comigo”.
Noemi também pode ter tido razõ es pragmá ticas para mandar as mulheres embora,
pensando que talvez fosse mais fá cil para uma viú va encontrar provisõ es do que três.
Novamente, isso revelaria falta de confiança em Deus. Quaisquer que sejam as razõ es, a
conclusã o é que ela as incentiva a voltar a uma vida de idolatria em vez de se aventurar na
terra da promessa.
Na verdade, Noemi até contempla a possibilidade de que Rute e Orfa poderiam encontrar
descanso na terra de Moabe, mas sabemos que a terra prometida é o lugar de descanso. É
como se ela lhes dissesse: “Talvez um moabita possa lhes dar o descanso que meus filhos
nã o puderam dar. Talvez Quemos possa lhes conceder descanso, pois o Senhor nã o o fez”.

 
O papel da Lei do Levirato em Rute
No versículo 11, descobrimos um dos temas centrais do livro de Rute. Quando Noemi fala
em gerar filhos para essas duas moças, ela está apontando para a lei do levirato do Antigo
Testamento, que podemos encontrar descrita em Gênesis 38. Sob a lei do levirato, se um
homem morresse deixando uma viú va sem filhos, seu irmã o era obrigado a casar-se com a
viú va e a gerar um filho para seu irmã o falecido. A primeira criança que eles tivessem
juntos tomaria o lugar do irmã o falecido. Essa criança receberia a herança do falecido e
transmitira o nome de sua família. Noemi nã o acredita que haja esperança para um
casamento de levirato. Parece que a casa de Elimeleque, afinal, chegará ao fim. Nã o houve
filhos antes da morte dos dois filhos de Noemi, Malom e Quiliom. Noemi está perdendo a
esperança de que a família de seu marido continue. Nã o há semente que possa vir e
destruir a semente da serpente por eles, ninguém para reivindicá -los e resgatar seus bens
perdidos. Essa é a desolaçã o da situaçã o.
Orfa concorda com Noemi que esta é uma situaçã o desesperadora. Assim Orfa parte. O
significado de seu nome refere-se à nuca, assim nã o é surpreendente quando ela dá as
costas a Noemi e volta para Quemos.
Como Orfa pode ser responsabilizada por isso? Afinal, ela nã o recebeu o melhor
testemunho evangélico da família de Elimeleque. Toda a família mostrou para ela que eles
nã o confiam que Deus cuidará deles. Assim, por que nã o voltar com ela? De fato, o que
Noemi acabou de lhe dizer é que ela tem tanta chance de encontrar descanso na casa de um
adorador de Quemos quanto na terra da promessa. Entretanto, precisamos dizer que Orfa
ainda é responsá vel por voltar e ela faz isso para sua condenaçã o eterna. Enquanto Rute
(cujo nome significa “amigo” ou “companheira”) segue com Noemi e encontra a salvaçã o,
Orfa rejeita essa oferta de salvaçã o e volta ao culto a um ídolo. Ela estava perto da salvaçã o,
mas deixou escapar.
Alguns se perguntaram como Rute poderia saber se apegar a Noemi e seu povo, e por que
ela estaria atraída nessa direçã o se, afinal, o testemunho dessa família nã o era positivo ou
claro. Rute pode ter se tornado parte de uma família infiel, mas alguns remanescentes da
adoraçã o verdadeira ainda teriam permanecido. A família de Elimeleque teria contado
histó rias de Yahweh, do grande êxodo e da conquista. Ela teria ouvido essas histó rias.
Assim, quando os israelitas chegaram, ela sabia que o Deus que eles serviam era o
verdadeiro Deus, e ela estava pronta para juntar-se a eles, seguir o Deus deles e abrir mã o
do deus de seu povo. Ela está vivendo entre pessoas infiéis, mas aprendeu verdade
suficiente para ser convertida e trazida à fé.

 
A transformação de Noemi
Se pensarmos em Noemi como um personagem positivo o tempo todo, nã o há muita
mudança para acontecer na histó ria. Com essa interpretaçã o, a pró pria Noemi nã o precisa
de redençã o. Entretanto, a histó ria faz mais sentido se há uma transformaçã o dinâ mica
acontecendo.
Flannery O'Connor, em muitos aspectos a rainha dos contadores de histó rias, disse certa
vez que todas as narrativas sã o sobre conversã o. Em outras palavras, histó rias dignas de
serem contadas tratam de redençã o. Se Noemi nã o está agindo mal neste momento da
histó ria, ela nã o precisa muito de redençã o. Membros da tradiçã o calvinista tendem a
atenuar essas narrativas do Antigo Testamento, tornando-as muito está ticas. Por exemplo,
dizemos que Saul, em 1 Samuel 15, nã o perdeu nada quando o reino lhe foi tirado, porque
certamente ele era um lobo em pele de cordeiro o tempo todo. O texto diz que o Espírito se
retirou dele, mas como ele nunca teve realmente o Espírito, entã o nã o houve uma perda
real aqui. Ele disfarçou sua incredulidade e apostasia por um tempo, mas a queda nã o foi
grande porque ele nunca esteve na graça para começar. Mas a narrativa intepreta isso de
maneira muito diferente. Ela diz que Saul era um novo homem, recebeu um novo coraçã o,
tinha o Espírito e foi adotado por Deus. Mas, em 1 Samuel 15 ele perde tudo isso. Esta
histó ria é o contrá rio do tipo de narrativa mencionado por Flannery O'Connor. É uma
histó ria sobre perder tudo.
A histó ria de Judas também pode ser entendia de uma maneira semelhante e atenuada.
Poderíamos dizer que Judas era mau o tempo todo, entã o nã o houve apostasia real. Judas
era simplesmente ímpio, mas sua verdadeira natureza nã o foi revelada até mais tarde. Ora,
com certeza, à s vezes havia sinais sugerindo que havia algo de errado com Judas. Mas Judas
nã o era um personagem está tico. Afinal, nenhum dos outros discípulos suspeitava que ele
traísse o mestre. Ele também conseguiu fazer tudo o que os discípulos conseguiam fazer,
até realizar milagres.
Podemos ser tentados a ler o livro de Ester de maneira semelhante. Achamos que
Mardoqueu e Ester devem ter sido justos o tempo todo. Mas, parece claro que Mardoqueu e
Ester estavam em um pecado muito profundo no início do livro. Eles sã o infiéis e estã o
comprometidos Eles se recusam a testemunhar o verdadeiro Deus e sua aliança. Somente
quando há uma grande crise no meio da histó ria, quando sã o confrontados com a morte e a
extinçã o, eles se arrependem e mudam de atitude.
Nesta histó ria, vamos ver a transformaçã o radical de Noemi. Vamos ver Deus operar em
sua vida de tal maneira que ela se converterá . É claro, isso se torna ainda mais importante
quando vemos que a pró pria Noemi é um tipo, símbolo ou figura da naçã o de Israel. É o
povo de Deus que precisa de conversã o e redençã o. Se o livro trata da redençã o de Noemi,
que representa o povo de Deus, ele também trata de nossa transformaçã o e redençã o.
Estamos inclinados a afirmar que Noemi está em profundo pecado, embora Yahweh
lentamente a atraia de volta. Ele a transformará , assim como fará com Israel.

 
Rute 1.14-15

Entã o, de novo, choraram em voz alta; Orfa, com um beijo, se despediu de sua sogra, porém Rute se apegou
a ela. Disse Noemi: Eis que tua cunhada voltou ao seu povo e aos seus deuses; também tu, volta apó s a tua
cunhada.
 
Orfa partiu; Rute se apega a Noemi. Orfa escolheu o falso deus e agora Noemi diz para Rute:
“Bom, você também deve partir”. Mas Rute se recusa; ela tem fé. Nada pode detê-la. Ela está
determinada a fazer parte de Israel e a ser incorporada ao povo sacerdotal. Ela aprendeu o
suficiente ao longo do caminho para saber que Yahweh deve ser o Deus verdadeiro e que
sua terra é o local de bênçã o.
A palavra “apegar” usada para se referir a Rute se apegando a Noemi é o mesmo termo
usado em Gn 2.24 para o casamento de Adã o e Eva. Um homem e uma mulher devem deixar
pai e mã e, e devem apegar-se um ao outro. Rute está se unindo por meio da aliança a
Noemi. A escolha dela é literalmente o exato oposto da escolha de Orfa. Orfa voltou para o
seu povo e para seus deuses, mas Rute volta para o Deus de Noemi e para seu povo. Ela está
deixando sua terra natal e sua família para trá s para viajar para a terra da promessa pela fé.

 
Incorporação em uma Nova Comunidade
Através de Noemi, Rute está se juntando a Israel. Ela está se tornando israelita, por assim
dizer. Ela está se unindo ao povo da aliança e ao Deus da aliança. Nesse ponto, poderíamos
dizer que Rute sabe mais teologia, mesmo nesta fase de sua vida, do que muitos cristã os
americanos individualistas que pensam que alguém pode ter um relacionamento com Deus
separado de seu povo. Escute ao discurso de Rute nos versos 16-17:
Nã o me instes para que te deixe e me obrigue a nã o seguir-te;  Porque, aonde quer que fores, irei eu e, onde
quer que pousares, ali pousarei eu;  O teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que
morreres, morrerei eu e aí serei sepultada;   Faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra coisa que
nã o seja a morte me separar de ti.

A verdadeira conversã o inclui incorporaçã o ao povo de Deus. Nã o se pode ter um sem o


outro. Você nã o pode adorar e servir a esse Deus sem se juntar ao seu povo.
Essa promessa a Noemi forma um vínculo de “até que a morte nos separe”. Mas, na
verdade, é ainda mais forte que isso. Ela diz que nem a morte as separará . “Mesmo depois
que você morrer, Noemi, eu nã o vou deixar seu povo ou essa terra, ou parar de servir esse
Deus”. Nem mesmo a morte daria fim a esse relacionamento. Por mais fortes que fossem os
laços naturais de afeto entre Rute e a sogra, por trá s disso estava o amor dela pelo Deus de
Israel.
A referência ao sepultamento também é importante. No versículo 17, ela diz: “Onde quer
que morreres, morrerei eu e aí serei sepultada". Mesmo que Rute provavelmente sobreviva
a Noemi por muitos anos, ela nã o vai deixar aquele lugar. Ela está abertamente rejeitando
Moabe e Quemos por completo. Ela permanecerá em Israel pelo resto da vida. Rute quer
ser enterrada lá , o que, é claro, nos remete a outros eventos funerá rios importantes, como
Gênesis 23, onde Abraã o negocia algumas propriedades dentro dos limites da terra da
promessa para ter um lugar para enterrar Sara. Rute quer ser enterrada na terra prometida
como Sara e os outros grandes patriarcas de Israel porque ela quer descansar em Cristo.
Rute também faz um juramento que traz maldiçã o sobre si Ela afirma que nada, nem
mesmo a morte, a separará da igreja, do povo de Deus. Se ela quebrar essa promessa, ela
sofrerá a ira de Deus. Em outras palavras, “Que eu morra e ainda mais se abandonar esta
aliança”.
Há outros detalhes no discurso de Rute que precisam ser considerados. Ela diz a Noemi:
“onde quer que pousares, ali pousarei eu”. A ironia aqui é que Noemi é sem-teto. Noemi nã o
tem um lugar para pousar. Assim, novamente, você vê que o desejo de ser parte do povo da
aliança supera tudo. Rute vai seguir Noemi, nã o importa o que aconteça. Ela está contando
o custo. Ela até sofrerá para provar sua fé e seu amor. Ela tem confiança — muito mais, de
fato, do que Noemi tem neste ponto da histó ria — de que Deus providenciará para elas.
Noemi parece ter abandonado toda a esperança, mas Rute fala até de encontrar um lugar
para pousar. Ela está olhando adiante e, pela fé, acredita que Deus proverá de uma maneira
ou de outra. Assim, desta forma, ela é um modelo de discípulo.
Até onde ela sabe neste momento, ela está aceitando a viuvez e a falta de filhos, o que,
novamente, era uma tragédia notá vel para uma mulher naquela época. Ela ainda tem idade
para se casar. Ela poderia ter se casado e gerado filhos; ela nã o precisava fazer isso. Noemi
já indicou que nã o há um parente disponível — que ela conheça — que possa cumprir o
dever do levirato. Assim, parece que Rute está aceitando ser viú va e sem filhos pelo resto
da vida.

 
Juramentos e sacramentos na nova comunidade
Será ú til traduzirmos este discurso para a nossa situaçã o, nosso relacionamento com Deus
e com seu povo. Ao fazer isso, temos que reconhecer que o juramento auto-imprecató rio
que Rute faz para Noemi, seu Deus e seu povo é muito parecido com os juramentos a que
nos submetemos como povo de Deus. Todos nó s fizemos juramentos semelhantes. O
batismo é um juramento desses. Quando nos unimos à igreja por meio do batismo,
prometemos ser fiéis a Deus. Quando as á guas do batismo sã o derramadas sobre nó s,
estamos fazendo o compromisso: “Deus, você pode me afogar nessas mesmas á guas
batismais que me purificaram se eu nã o for fiel a você”. A ceia do Senhor nos fornece um
exemplo semelhante. Na mesa do Senhor, fazemos um compromisso com Deus e com seu
serviço. Comprometemo-nos a viver em comunhã o com o seu povo. Mas se formos infiéis a
essa promessa, “Deus, que meu corpo e meu sangue sejam dilacerados, que eu possa ser
dilacerado, da mesma maneira, se nã o for fiel à s obrigaçõ es desta aliança”. Desta forma,
assim como Rute, rompemos de maneira irrevogá vel com a idolatria; nã o há como voltar
atrá s. Temos que continuar, dispostos a sofrer como Rute fez.
Como Rute, podemos nã o ser judeus segundo a carne, mas nos tornamos verdadeiros
judeus porque fomos enxertados na linhagem da aliança pela graça através da fé. Portanto,
devemos perseverar na aliança pela graça por meio da fé. Rute é um modelo de discipulado
para nó s. Ela prefere se apegar a Noemi, a sem-teto, a voltar à idolatria e buscar bênçã os ali.
Ela ama a Deus mais do que qualquer outra coisa.
 
Rute 1.19-21

Entã o, ambas se foram, até que chegaram a Belém; sucedeu que, ao chegarem ali, toda a cidade se comoveu
por causa delas, e as mulheres diziam: Nã o é esta Noemi? Porém ela lhes dizia: Nã o me chameis Noemi;
chamai-me Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso. Ditosa eu parti, porém o Senhor
me fez voltar pobre; por que, pois, me chamareis Noemi, visto que o Senhor se manifestou contra mim e o
Todo-Poderoso me tem afligido?

 
O retorno de Noemi
Há bastante comoçã o quando Noemi finalmente volta para Belém. Ela esteve fora por quase
dez anos, como descobrimos em Rute 1.4. Você consegue imaginar a aparência dela
voltando, basicamente indigente, tendo perdido o marido, dois filhos e todo seu sustento?
As mulheres perguntam: “Nã o é esta Noemi?”. Rumores correm por Belém e nã o há dú vida
de que o que ela passou afetou sua aparência. Quando elas a reconhecem, ela insiste em
mudar de nome. Ela diz: “Nã o me chameis Noemi; chamai-me Mara”. Ou seja, nã o me
chamem de Sra. Agradá vel, me chamem de Sra. Amarga. De fato, devemos pensar nesses
dois nomes como antô nimos. Se você perguntasse a um garoto hebreu “qual o oposto de
Noemi?”, ele diria: “Mara”.
Como devemos entender a resposta dela nos versículos 20-21, onde ela descreve a
situaçã o? Que tipo de discurso é esse? O discurso é cheio de autopiedade. Ele expressa uma
teologia “ai de mim”. Em vez de confessar seu pecado, Noemi reclama sobre como Deus tem
sido duro e tirâ nico ao lidar com ela. Ela se vê como vítima da severa providência de Deus.
Diferente de Rute, Noemi usa o nome pacutal íntimo de Deus, Yahweh, mas é claro que ela
está pensando em Deus mais como El Shaddai. Ela fala do Todo-Poderoso algumas vezes
como se quisesse distanciar-se de Deus. Ao chamá -lo de El Shaddai, o Todo-Poderoso, ela
está dizendo que Deus é esse valentã o grande e poderoso, e ele está empurrando-a por aí.
Noemi nã o parece ter qualquer confiança na bondade, graça e benevolência de Deus. Pelo
contrá rio, é como se ela pensasse que Deus está usando todo o seu poder contra ela. Ela se
retrata como uma vítima.
Alguns podem dizer: “Isso nã o é meio como Jó ?”. Jó reclamou contra Deus e, no entanto, Jó
foi justificado. No fim do livro, Jó faz discursos que parecem soar como se Deus o tivesse
abandonado, e ele parece ser justificado. Ou você pode observar o Saltério. Há vá rios
lugares em que o salmista clama: “Deus, por que me abandonastes?”, “Por que estou
abatido?” ou “Por que está s distante de mim?”. Poderíamos interpretar as palavras de
Noemi à luz do livro de Jó ou do Saltério e talvez chegar a uma leitura mais positiva? Isso é
possível, e certamente os crentes à s vezes se sentem distantes de Deus, e certamente à s
vezes se sentem como se Deus estivesse contra eles. Porém, a linguagem de Noemi vai além
do que encontramos no livro de Jó ou no Saltério, quando consideramos os contextos mais
amplos dessas passagens. Aqui Noemi está amarga e ressentida. Ela parece ter perdido
toda a fé na bondade de Deus. Precisamos ser sensíveis à sua situaçã o, percebendo o que
ela passou pela perda dos três homens de sua vida. Pelo menos, ela reconhece que tudo isso
é obra de Deus. Ela entende que Deus é soberano e que foi ele quem levou seu marido e
seus dois filhos. Entretanto, ela dificilmente é um modelo de fé. Ela se recusa a conformar-
se à providência de Deus; ela se recusa a acatar a vontade de Deus.
Dois elementos estã o faltando nesta fase da vida de Noemi. O primeiro é a confissã o de
pecados. Ela esteve em pecado, e deveria ter confessado, e nã o vemos nenhuma indicaçã o
disso. O outro elemento é que ela parece completamente desatenta à grande bênçã o que
Deus lhe deu ao enviar Rute com ela. Ela acha que voltou de mã os vazias. Ela sugere que
partiu cheia (“ditosa”) e voltou sem absolutamente nada. Quando Rute insistiu em ir com
Noemi, e quando esta viu que aquela estava decidida a acompanhá -la, Noemi parou de falar
com Rute. Ela ignorou Rute. Noemi tirou Rute da histó ria neste momento e nã o está
prestando atençã o à provisã o divina de Rute na vida dela.
Ela nã o entende que houve um êxodo, que Deus a trouxe de Moabe para a terra prometida
com uma grande pilhagem. De fato, ela fala sobre perder seu marido e seus dois filhos, mas
descobriremos no fim do livro que ela dirá que ter Rute é melhor que ter sete filhos. Se este
é o caso, entã o ela está mais cheia agora do que quando partiu. Ela saiu com dois filhos e
voltou com alguém que é melhor que sete, o que significa que ela teve um lucro de cinco.

 
Rute 1.22

Assim, voltou Noemi da terra de Moabe, com Rute, sua nora, a moabita; e chegaram a Belém no princípio da
sega da cevada.

 
Entã o, por fim, no versículo 22 lemos um resumo de tudo o que aconteceu até este ponto e
uma prévia do que está por vir. Primeiro, o texto diz que ela voltou “com” Rute. Noemi pode
pensar que voltou sozinha, mas o narrador nos lembra que ela tem Rute consigo. Noemi
pode achar que ela voltou vazia, mas o narrador nã o vai nos deixar esquecer que ela nã o
está sozinha. Na verdade, há uma verdadeira bizarrice gramatical no texto. Isso ocorre na
maioria das traduçõ es para o inglês. [9]

No versículo 22, diz-se que Rute voltou à terra da promessa. O mesmo verbo é usado para
Noemi, que já viveu na terra da promessa, partiu, e entã o retornou. Como Rute pode
retornar à terra da promessa quando ela nunca esteve lá ?
Por que está escrito dessa maneira? Rute, mesmo nã o sendo judia por natureza, torna-se
verdadeira judia por causa de sua fé. O texto indica que Rute finalmente encontrou um
lugar onde Deus pode concender descanso. No versículo 9, Noemi estava mandando Rute
voltar a Moabe para achar descanso. Mas, no final do capítulo 1, descobrimos que Rute
agora encontrará descanso na terra da promessa. Ela está retornando porque,
espiritualmente falando, é seu verdadeiro lar. Esse é um retorno porque ela pertence a
Yahweh pela fé. Em um sentido, poderíamos dizer que a jornada de Abraã o para a terra da
promessa foi um tipo de retorno mesmo que ele nunca tenha estado lá — ele pertencia
à quele lugar. Pode-se dizer o mesmo de Rute.
O versículo 22 também fornece uma prévia do que está por vir. No final do capítulo 1, o
texto diz: “e chegaram a Belém no princípio da sega da cevada”. O capítulo começa com
uma fome em Judá e Belém e termina com a colheita. Isto é um prenú ncio do que virá na
histó ria. Elas voltam para casa durante a colheita da cevada. Isso teria acontecido por volta
de abril e maio. Considere todas as ressonâ ncias simbó licas que vêm com a primavera: uma
nova estaçã o, uma nova vida, sair da escuridã o e da morte do inverno para um novo
começo. É hora de alegrar-se. O capítulo termina com um raio de esperança. O sol
finalmente irrompe por entre as nuvens escuras. Noemi pode nã o saber o que Deus está
fazendo, mas claramente algo novo está acontecendo.

3. Boaz, um Segundo Adão


 
A maneira como Deus reverte a sorte de Noemi e Rute é um tipo, ou um símbolo, da forma
como ele muda a sorte de Israel. As açõ es de Boaz neste livro, como veremos, sã o
tipoló gicas da obra de Cristo como nosso resgatador. Substitua o primeiro Adã o por
Elimeleque, Malom e Quiliom. Elimeleque engana sua noiva da mesma maneira que Adã o
enganou Eva no Jardim. Substitua Boaz por Jesus; ele é o segundo Adã o, aquele que vem e
toma o lugar do primeiro Adã o caído. Entã o, coloque a igreja no lugar de Rute e Noemi.
Essas duas personagens se fundem na histó ria e se tornam uma figura composta. Agora,
você pode ver como o livro funciona como uma histó ria do evangelho. O primeiro Adã o
trouxe a morte. Por meio do segundo Adã o, por meio de Boaz, haverá restauraçã o e
redençã o. Deus restaurará Rute e Noemi à sua herança, seu lugar na terra e sua
participaçã o no reino.

 
O resgatador
No versículo 1 do Capítulo 2, somos apresentados a Boaz. Somos informados que ele é
parente do marido de Noemi. A palavra usada nã o é a palavra para resgatador (essa palavra
aparecerá mais tarde na histó ria). Neste ponto, sabemos que ele é algum tipo de parente,
mas nã o temos certeza se ele é um candidato vá lido para servir como resgatador. É como se
o autor quisesse nos provocar com possibilidades no início do Capítulo 2. E no fim do
capítulo, é revelado que Boaz é um parente pró ximo o bastante que possivelmente pode
servir como resgatador.
Também aprendemos sobre o grande patrimô nio de Boaz. O termo tem conotaçõ es de
riqueza, poder e heroísmo. Veremos como ele usa essa riqueza, status e privilégios em
favor dos outros, principalmente Rute.
Através da introduçã o de Boaz, o autor fornece um contraste marcante com os homens
fracos que morreram no capítulo 1. O nome “Boaz” também se encontra em 1 Reis 7.21: é o
nome dado a uma das colunas no pó rtico do templo de Salomã o. Quando Salomã o construiu
seu templo, ele levantou dois grandes pilares na frente do templo. Um desses pilares foi
chamado de Boaz, significando força. A outra coluna foi chamada de Jaquim, um nome que
significa algo como “estabelecido”. Evidentemente, era uma grande honra para Boaz ter
uma das colunas na casa de Deus com o seu nome.
Há vá rias implicaçõ es no significado do nome de Boaz. Uma conexã o encontra-se em Ap
3.12. Sã o Joã o nos traz sete cartas para as sete igrejas. Jesus, escrevendo para a igreja da
Filadélfia, diz a eles que, se vencerem, se tornarã o colunas na casa de Deus. Isto é, se eles
vencerem, se tornarã o Boazes. Assim, se você quer ser uma coluna na casa de Deus, nã o há
ninguém melhor para estudar e imitar que o pró prio Boaz — exceto, é claro, a fundaçã o
sobre a qual as colunas da casa de Deus se encontram, o pró prio Jesus Cristo. Se você quer
saber que tipo de material Deus usa para construir sua casa, olhe para Boaz. Nó s veremos
por que isso é verdade à medida que a histó ria se desenrola.
Se você observar a genealogia do evangelho de Mateus, verá que Salmom gerou Boaz
através de Raabe, e Boaz gerou Obede por Rute, Obede gerou Jessé, e Jessé gerou o rei Davi.
Boaz está na linhagem messiâ nica; ele nos aponta para o Messias. O que também é digno de
nota é que a mã e de Boaz é uma das cinco mulheres citadas na genealogia. Ela é Raabe, que
também era uma estrangeira incorporada a Israel por casamento, assim como Rute será . E,
se a mã e de Boaz era uma cananeia que foi enxertada em Israel, ele saberia algo sobre as
dificuldades de um estrangeiro dentro da naçã o de israel, particularmente uma mulher
estrangeira. Essa é uma das razõ es pelas quais ele teria se inclinado a cuidar de Rute. Ele
saberia algo sobre a situaçã o de estrangeiros e forasteiros na comunidade de Israel. Ele
estava ciente de quã o importante era cuidar do marginalizado e do estrangeiro. A lei do
Antigo Testamento enfatizava muito o cuidado do estrangeiro, do pobre e das viú vas, e
Boaz estaria intimamente familiarizado com essas coisas porque sua pró pria mã e esteve
nessa situaçã o.
No capítulo 2, a histó ria começa a caminhar para sua resoluçã o, e Deus começa a mostrar
como ele proverá para essas duas mulheres.

 
Rute 2.1-2

Tinha Noemi um parente de seu marido, senhor de muitos bens, da família de Elimeleque, o qual se
chamava Boaz. Rute, a moabita, disse a Noemi: Deixa-me ir ao campo, e apanharei espigas atrá s daquele
que mo favorecer. Ela lhe disse: Vai, minha filha!
O texto refere-se nã o apenas à abundâ ncia econô mica de Boaz, mas à sua grandeza geral
em cará ter e valor. Você poderia até dizer que ele é um poderoso guerreiro.
No verso 2, Rute está tentando entrar no campo. O campo específico é importante e traz um
contraste com outro detalhe anterior do livro. Quando Elimeleque deixa Israel, o texto diz
que ele vai para outro campo, embora a maioria das traduçõ es nã o capte essa nuance. Uma
leitura literal do versículo no Capítulo 1 revela que “Elimeleque levou sua família ao campo
de Moabe”. A mesma palavra aparece em Rute 1.1 e Rute 1.6, quando a palavra se refere a
uma família voltando do “campo” de Moabe. Quando Rute pede permissã o para entrar no
campo de Boaz, o texto indica uma reversã o. Assim como Elimeleque partiu da presença de
Deus — ou do campo de Deus — para o campo de Moabe, agora Rute deixa para trá s o
campo de Moabe e entra em um campo na terra prometida. O campo traz toda a dignidade
da terra prometida, porque é o campo de Boaz.
 

A teologia da coleta
Antes de continuar esta seçã o, é crucial que o leitor entenda o que está por trá s das leis de
recolhimento do Antigo Testamento. Em Lv 19.9-10, lemos:
Quando também segares a messe da tua terra, o canto do teu campo nã o segará s totalmente, nem as
espigas caídas colherá s da tua messe. Nã o rebuscará s a tua vinha, nem colherá s os bagos caídos da tua
vinha; deixá -los-á s ao pobre e ao estrangeiro. Eu sou o Senhor, vosso Deus.

O dono do campo passaria uma vez por ele, mas deixaria para trá s parte da colheita.
Aquelas espigas caídas deveriam ser deixadas no campo, tanto para os pobres quanto para
os estrangeiros, os quais poderiam colher e comer livremente.
Lv 23.22 enfatiza a mesma ideia:
Quando segardes a messe da vossa terra, nã o rebuscareis os cantos do vosso campo, nem colhereis as
espigas caídas da vossa sega; para o pobre e para o estrangeiro as deixareis. Eu sou o Senhor, vosso Deus.

Dt 24.19-22 oferece o bá sico da lei da colheita:


Quando, no teu campo, segares a messe e, nele, esqueceres um feixe de espigas, não voltará s a tomá-lo;
para o estrangeiro, para o ó rfão e para a viú va será ; para que o Senhor, teu Deus, te abençoe em toda obra
das tuas mã os. Quando sacudires a tua oliveira, nã o voltará s a colher o fruto dos ramos; para o estrangeiro,
para o ó rfã o e para a viú va será .  Quando vindimares a tua vinha, nã o tornará s a rebuscá -la; para o
estrangeiro, para o ó rfã o e para a viú va será o restante. Lembrar-te-á s de que foste escravo na terra do
Egito; pelo que te ordeno que faças isso.

Deus aponta para o passado de Israel como escravos e para como ele cuidou deles. Os
israelitas eram ó rfã os, destituídos, na condiçã o de uma víuva que nã o tem ninguém para
cuidar dela ou sustentá -la, e Deus os redimiu. Agora, por sua vez, Deus ordena que Israel
faça o mesmo pelos outros que estã o em uma posiçã o semelhante: você deve imitar minha
graça para com você, demonstrando esse tipo de graça e misericó rdia para os que estã o no
mesmo tipo de situaçã o, aqueles que sã o escravizados ou oprimidos de alguma forma.
Essas leis de coleta sã o muito importantes porque nos dã o um modelo de caridade bíblica.
A seguir, alguns pontos adicionais sobre esse princípio.

 
A graça das Leis da Coleta
Embora as leis de coleta sejam mandamentos, elas sã o voluntá rias. Nã o havia puniçã o civil,
por exemplo, por nã o cumprir a lei. A verdadeira caridade flui do coraçã o, nã o é algo
coagido. As leis de coleta estã o enraizadas nos relacionamentos, especialmente nos
relacionamentos familiares. Isso nã o é uma questã o de compulsã o, como no caso do estado
de bem-estar social, onde uma burocracia impessoal doutrina as pessoas. As pessoas estã o
entrando no seu campo e propriedade. Isso é bem diferente de usar a força da espada para
coletar dinheiro dos impostos com o objetivo de distribuir aos pobres.
Em Mateus 25, Jesus fala sobre dar um copo de á gua fria em seu nome. Escrever um cheque
à Receita Federal, mesmo que parte desse dinheiro seja para ajudar os pobres, nã o é o
mesmo que dar um copo de á gua fria ao necessitado em nome de Cristo. Isso é pessoal; é
cara-a-cara e está enraizado em um relacionamento que flui do amor.
Também há um princípio de sabedoria aqui. Há um fator discriminador embutido: os
pobres que merecem sã o os que se beneficiam do auxílio. Como? Pense no sistema de
coleta. Há diferentes tipos de pobres e diferentes razõ es por que as pessoas acabam em
situaçã o de pobreza. À s vezes, é porque elas sã o deficientes, mental ou fisicamente, e
simplesmente nã o podem trabalhar e os outros precisam se apresentar e ajudar com suas
necessidades. Certamente, essas sã o as pessoas que deveriam ser objetos de nossa
misericó rdia. Outras pessoas sã o pobres simplesmente porque sã o preguiçosas e nã o
querem trabalhar. O princípio da coleta ajuda aqueles que estã o dispostos a trabalhar.
Afinal, ir ao campo pegar as espigas ou colher nos cantos do campo seria um trabalho
á rduo. Somente aqueles que estavam aptos a trabalhar e dispostos a trabalhar poderiam se
beneficiar desse sistema. O sistema de coleta nã o subsidia qualquer tipo de preguiça,
imoralidade ou cobiça.
O sistema de coleta ajudava apenas aqueles que estavam dispostos a trabalhar. Essa é uma
qualificaçã o importante porque há uma forma de caridade que se torna imoral. As
Escrituras falam disso quando afirmam que mesmo as misericó rdias do ímpio sã o cruéis.
Há uma maneira de demonstrar compaixã o que, na realidade, é cruel porque é
desumanizante. É por isso que a Bíblia diz que quem nã o quer trabalhar, que também nã o
coma; há uma conexã o entre trabalho e alimentaçã o, entre o esforço e os frutos desse
esforço. Uma pessoa que nã o pode ter nenhum dinheiro ou nenhuma propriedade em seu
nome estaria em uma posiçã o muito precá ria, mas as leis de coleta lhe dava uma
oportunidade de trabalhar e comer. Se ela estivesse disposta a se esforçar e ir para o
campo, prover para si mesma, trabalhar e ganhar seu pró prio sustento, ela seria
recompensada.
Os dois princípios da coleta sã o: 1) É um mandamento, mas voluntá rio, pois é baseado no
amor e enraizado nos relacionamentos. E 2) é discriminató rio. Dá aos pobres que merecem.
 
Rute 2.3

Ela se foi, chegou ao campo e apanhava apó s os segadores; por casualidade entrou na parte que pertencia a
Boaz, o qual era da família de Elimeleque.

 
A ironia da história da redenção
Rute parte para colher, e acontece de ela passar pela parte do campo que pertence a Boaz.
Novamente, este é um daqueles lugares em que os tradutores de inglês nos prestaram um
pouco de desserviço. A ESV diz que “aconteceu de ela” entrar na parte do campo que
pertencia a Boaz. O texto realmente diz algo como a ARA, “por casualidade” ou até “caiu-lhe
em sorte uma parte do campo” de Boaz (ARC). Obviamente, Deus planejou tudo, até o
movimento das partículas subatô micas. Nã o há casualidade ou sorte no mundo de Deus.
O escritor usa um dispositivo literá rio para mostrar ao leitor que isso nã o foi algo que Rute
fez, nã o foi algo que Boaz fez. Humanamente falando, este foi um evento casual, o que
significa que — sem sombra de dú vida — foi a providência de Deus que o fez acontecer.
Nã o é humanamente orquestrado. Rute sai para recolher e encontra uma longa fila de
campos. Porém, muitos israelitas nã o tinham consideraçã o pela lei do jubileu e
provavelmente também nã o tinham consideraçã o pelas leis da coleta. Assim, haveria
muitos campos em que ela nã o seria bem-vinda, onde nã o haveria nada para colher ou
onde ela correria grande risco. Ela procurava um campo que era convidativo e “por acaso”
chegou à parte do campo que pertencia a Boaz.

 
Rute 2.4-7

Eis que Boaz veio de Belém e disse aos segadores: O Senhor seja convosco! Responderam-lhe eles: O
Senhor te abençoe! Depois, perguntou Boaz ao servo encarregado dos segadores: De quem é esta moça?
Respondeu-lhe o servo: Esta é a moça moabita que veio com Noemi da terra de Moabe.  Disse-me ela:
Deixa-me rebuscar espigas e ajuntá -las entre as gavelas apó s os segadores. Assim, ela veio; desde pela
manhã até agora está aqui, menos um pouco que esteve na choça.

No versículo quatro, Boaz vem conferir os segadores em seu campo e usa uma saudaçã o
formal para saudá -los. A saudaçã o e a resposta, “O Senhor seja convosco” e “o Senhor te
abençoe”, devem soar familiares a pessoas de tradiçõ es litú rgicas. Liturgias ocidentais e
orientais retiraram a saudaçã o e resposta entre Boaz e seus servos do livro de Rute e a
tornaram parte de suas liturgias como um tipo de saudaçã o formalizada e estilizada no
começo de um culto.
A saudaçã o aponta para o cará ter de Boaz. Que tipo de homem cumprimenta seus servos e
trabalhadores dessa maneira? Boaz está revelando como um homem piedoso trata aqueles
que estã o sob sua autoridade. Aqueles entre nó s em posiçõ es de autoridade — seja como
marido, pai ou chefe — devem aprender com Boaz como a autoridade deve ser exercida. A
humildade de Boaz nos aponta para a de outro, especificamente em Filipenses 2, onde
Jesus, como o Deus-homem que, subsistindo em forma de Deus, nã o julgou como usurpaçã o
o ser igual a Deus, colocou-se a serviço do seu povo. Boaz nã o usa sua autoridade para tirar
proveito ou explorar os outros. Pelo contrá rio, Boaz usa seu poder e influência, riqueza e
grandeza para servi-los. Nó s veremos que ele age da mesma forma com Rute. Ele usa toda
essa autoridade para servi-la.
Em Rute 2.5, descobrimos que Rute já chamou a atençã o de Boaz. Ele pergunta sobre ela:
“Quem é essa jovem? A quem ela pertence?". Poderíamos enfatizar demais o interesse de
Boaz, principalmente à luz do romance da histó ria. Isso é amor à primeira vista? Boaz vê
Rute e imediatamente quer saber quem ela é. Porém, algo mais está acontecendo aqui.
Primeiramente, lembre-se de que a coleta é uma forma de caridade altamente pessoal.
Muito provavelmente, Boaz conhecia todos os coletores em seu campo porque a caridade
bíblica é pessoal. Ele conheceria as pessoas que estava ajudando. É natural, portanto, que
ele quisesse saber mais sobre a jovem colhendo em seus campos.
Em segundo lugar, Boaz percebe que Rute está descansando (v. 7). Nó s descobrimos o que
Rute tinha dito; este é o relató rio do segundo em comando no campo de Boaz. Ela tinha
descansado um pouco "no abrigo" (A21). É claramente enfatizado que Rute esteve
trabalhando muito. Isso parece ser o que chamou a atençã o de Boaz. Ele quer saber quem
veio coletar em seu campo, para que haja contato entre o benfeitor e quem é ajudado. Boaz
descobre que essa mulher voltou de Moabe com Noemi. Ela pediu permissã o para colher.

 
Bondade demonstrada aos estrangeiros
Nó s vimos o cará ter de Rute no capítulo 1, mas o capítulo 2 fornece mais informaçõ es. Ela é
uma mulher e ela é uma gentia. Na cultura de sua época, ela já tinha dois pontos contrá rios.
Mas, ainda assim, em vez de desesperar-se, ela decide colher, porque é o que ela precisa
fazer. Ela mostra que está se colocando em risco, considerando tudo o que poderia
acontecer com ela no campo. Mas, ela confia em Deus. Ela nã o deixa que esses obstá culos a
atrapalhem. Ela trabalha duro e conta com Deus para cuidar dela.
Entã o Boaz disse a Rute: Escuta, minha filha; nã o vá s colher em outro campo, nem te afastes daqui, mas fica
com as minhas servas. Fica atenta para onde estã o ceifando e vai atrá s das moças.  Estou dando ordens aos
moços para que não te incomodem.  Quando tiveres sede, vai até os potes e bebe do que os moços tiverem
tirado.

Em Rute 2.8-9, Boaz aborda Rute e deixa claro que ele quer prover para ela. Ele quer que
ela fique em sua parte do campo e garante a segurança e proteçã o dela. É interessante ver
como ele a trata no versículo oito. Ele diz: “Você vai me escutar, nã o vai, minha filha? Nã o
vá colher em outro campo, nem saia daqui, mas fique perto de minhas moças". Ele chama a
filha . Alguns comentaristas entendem isso como uma pista de que talvez exista uma grande
diferença de idade entre Boaz e Rute, indicando que ela é uma mulher relativamente jovem,
e ele é um homem mais velho, com uma grande propriedade. É claro que, apesar do custo,
Boaz pretende sustentar Rute. Boaz está cumprindo seu dever de prover para os pobres.
Isso também envolve cumprir as obrigaçõ es familiares que ele teria, já que Rute faz parte
de sua família por meio de Noemi, e Rute se identificou com Noemi.
Boaz está indo além do que você normalmente deveria fazer. Ele garante a Rute que ela
pode colher sem medo de ser atacada, o que certamente seria um problema para uma
mulher naquela época e naquela cultura. Poderia haver algum risco envolvido, mas ele
promete protegê-la. Ele também lhe dá o direito de colher permanentemente em seu
campo e diz a ela para ficar com suas jovens. Essas jovens seriam ajudantes ou auxiliares
em todo o processo de colheita. Assim, Rute está recebendo privilégios especiais.
Boaz também permite que Rute tenha acesso à sua á gua. É claro, isso teria sido uma grande
bênçã o do ponto de vista prá tico. Para os segadores, era difícil encontrar á gua. Isso a
impediria de fazer um trabalho cansativo.

 
A graça esbanjadora de Boaz
Boaz está claramente cobrindo Rute com graça e proteçã o. Ele está fazendo promessas a
ela; ele está indo além das disposiçõ es comuns da lei da caridade para com pessoas nessa
situaçã o e colocando-a na mesma categoria que seus empregados domésticos. De fato, Rute
até reconhece esses benefícios no versículo 13, quando ela diz que nã o é digna de ser uma
das servas dele.
Evidentemente, ao fazer essas coisas, Boaz é uma figura do rei e marido que Israel precisa,
aquele que protegerá e proverá , aquele que dará gratuitamente comida e á gua para o povo
sob seus cuidados. Ele está fazendo tudo para atender à s necessidades de Rute, mostrando
o tipo de homem que é. Ele eleva a posiçã o dos humildes e dos pá rias. Ele inclui o
estrangeiro em sua pró pria casa.
É importante ver esse desenvolvimento à luz da jornada de Elimeleque buscando pã o em
Moabe, com o povo que anteriormente se recusou a dar pã o e á gua a Israel enquanto estes
passavam por seu país. Aqui, Boaz é a antítese de Moabe.

 
Rute 2.10-13

Entã o, ela, inclinando-se, rosto em terra, lhe disse: Como é que me favoreces e fazes caso de mim, sendo eu
estrangeira? Respondeu Boaz e lhe disse: Bem me contaram tudo quanto fizeste a tua sogra, depois da
morte de teu marido, e como deixaste a teu pai, e a tua mã e, e a terra onde nasceste e vieste para um povo
que dantes nã o conhecias. O Senhor retribua o teu feito, e seja cumprida a tua recompensa do Senhor, Deus
de Israel, sob cujas asas vieste buscar refú gio. Disse ela: Tu me favoreces muito, senhor meu, pois me
consolaste e falaste ao coraçã o de tua serva, nã o sendo eu nem ainda como uma das tuas servas.
Como Rute responde a essa graça? No versículo 10, ela se lança ao chã o. O texto indica uma
expressã o física de reverência, temor e gratidã o por Boaz. Entã o, ela diz: “Como é que me
favoreces e fazes caso de mim, sendo eu estrangeira?”. Essa é uma humildade incrível da
parte dela. A pergunta dela é a pergunta que todo cristã o faz a Deus: “Por que me
favoreces?”. A verdadeira graça sempre assombra o arrependido. Nó s sabemos que nã o
fizemos nada para ganhar o favor de Deus. Nã o fizemos nada para merecer nossa posiçã o.
Nã o ganhamos nenhum dos dons que Deus nos dá . A graça nos torna humildes. A graça é
surpreendente, porque sabemos que nã o a merecemos. Rute dá a ú nica resposta adequada
à graça exibida por outro.

 
A humildade de Rute
Boaz responde à pergunta de Rute da mesma maneira que o Senhor responde a perguntas
semelhantes de nó s. Boaz nã o diz que está estendendo caridade e proteçã o a Rute porque
ela é fisicamente atraente, o que podemos esperar em uma versã o hollywoodiana da
histó ria. O que Boaz diz que percebeu foi a lealdade pactual dela. A palavra usada para
descrever as açõ es dela é hesed — devoçã o e lealdade à aliança. Hesed , é claro, é um tema
central no livro de Rute. Boaz notou que Rute era pactualmente leal. Isso é o que a torna tã o
atraente para ele.
Rute fica constrangida pela demonstraçã o de graça. Ela está maravilhada com a graça dele,
poderíamos dizer. Ele, por sua vez, diz que Rute é leal à aliança, e é por isso que está
concedendo essa graça a ela. Graça sobre graça. Também é interessante a linguagem
precisa que ele usa aqui. No verso 11, lemos:
Ao que lhe respondeu Boaz: Contaram-me tudo que tens feito pela tua sogra, depois da morte de teu
marido: como deixaste teu pai e tua mã e, e a terra onde nasceste, e vieste para um povo que antes nã o
conhecias.

A linguagem de deixar pai e mã e, deixar a terra natal e ir a uma terra estrangeira, é um eco
muito claro de Gênesis 12. Em Gênesis, Abraã o recebe o mandamento de deixar para trá s a
terra de seu pai e sua mã e, e partir para um lugar estranho, que é a terra da promessa. Rute
está sendo colocada no lugar de Abraã o. Rute tem a fé de Abraã o.

 
Rute 2.14

Na hora da refeiçã o, Boaz lhe disse: Aproxima-te, come do pã o e molha o teu pedaço no vinagre. Ela se
sentou ao lado dos ceifeiros, e Boaz lhe ofereceu grã os tostados.  Ela comeu até ficar satisfeita, e ainda
sobrou.

 
Uma mesa sacramental
Na hora da refeiçã o Boaz convida Rute para vir e comer com eles. Como a mulher gentia de
Mateus 15, Rute provavelmente ficaria feliz em comer as migalhas que caíam da mesa do
mestre. Mas, neste caso, novamente, quando há graça sobre a graça, ela é convidada a
comer à mesa.
O significado da ritualizaçã o é que a refeiçã o é composta de pã o e vinho. A palavra usada
aqui, traduzida como vinagre , descreve vinho á cido. No verso anterior, vimos Boaz
descrever Rute em termos abraâ micos. Como Abraã o, ela deixou a terra de seu pai e mã e
para ir a esse lugar estranho por causa da graça de Deus. Boaz a alimenta com pã o e vinho,
aludindo à refeiçã o que Melquisedeque serviu a Abraã o. Rute está se tornando uma nova
matriarca, uma nova Sara. Ela está cumprindo o papel de Abraã o nessa histó ria. É claro,
também poderíamos fazer conexõ es entre Gênesis 14 e a ceia do Senhor. Nó s nos
refugiamos sob as asas do Senhor, e parte disso significa ser alimentado à sua mesa, assim
como Rute é alimentada à mesa de Boaz. Temos comunhã o com Jesus, assim como ela tem
com Boaz aqui. Além disso, isso coloca o pró prio Boaz no lugar de Melquisedeque. Ele é
uma figura de rei-sacerdote para ela. É assim que ele está agindo em favor e servindo Rute.
Compartilhar uma refeiçã o como essa tem muito significado. Obviamente, houve muita
hospitalidade e amor por parte de Boaz. Mas, também é uma maneira de dizer: “Você faz
parte da minha casa”. Essa é uma açã o altamente simbó lica e pactual. Eles estã o tendo
comunhã o juntos e à mesa. Nó s já vimos como ele a inclui entre as servas. Agora ele está
indo um passo além. Ele a está incluindo em sua família. Boaz lhe dá tanto que ela está
satisfeita e até tem excesso. Ela tem algumas sobras que pode levar para Noemi.
Novamente, tipologicamente, isso nos mostra o tipo de rei que Davi será e, é claro, por fim,
o tipo de rei que Cristo será . Essas conexõ es precisam ser mantidas em nossas mentes. O
primeiro Adã o é como Elimeleque, como o rei Saul no livro de Samuel. O primeiro Adã o nã o
proveu para a noiva. Mas Boaz, que é um precursor de Davi, e finalmente nos aponta para o
segundo Adã o, Jesus Cristo, provê abundantemente para a mulher que se tornará sua noiva.

 
Rute 2.15-16

Quando ela se levantou para recolher espigas, Boaz deu ordem aos seus servos: Deixai que recolha até
entre os feixes; nã o a impeçais. Tirai também dos feixes algumas espigas e deixai-as cair, para que ela as
recolha, e nã o a impeçais.

Boaz toma cuidado especial para garantir que Rute tenha sucesso na coleta. Normalmente,
todo o grã o seria empacotado apó s a colheita, mas Boaz quer garantir que restem alguns
por lá , fá ceis de serem colhidos. Assim como ela obteve comida de sua mesa, agora ela terá
grã os de sua colheita. Neste ponto, Rute nã o é mais uma coletora. Ela nã o é mais uma
forasteira. Boaz a incluiu na família da aliança; ele está dando a ela de seu suprimento. Boaz
vai muito além das exigências de caridade estabelecidas pela Torá . Ele está demonstrando a
ela amor e graça incríveis.

 
Rute 2.17-20

Assim ela recolheu espigas naquele campo até a tarde.  Depois, debulhou o que havia recolhido, e havia
quase um efa de cevada.  Entã o, ela carregou a cevada e foi à cidade.  E sua sogra viu o que ela havia
recolhido.  Rute pegou o que havia sobrado da sua refeição e ofereceu a ela.  Entã o sua sogra perguntou:
Onde colheste hoje?  Onde trabalhaste?  Bendito seja aquele que se importou contigo! E ela relatou à sua
sogra com quem havia trabalhado: O nome do homem com quem trabalhei hoje é Boaz. E Noemi disse à sua
nora: Seja ele abençoado pelo SENHOR , que nã o deixou de mostrar benevolência nem para com os vivos
nem para com os mortos. Noemi ainda lhe disse: Esse homem é parente nosso, um dos nossos
resgatadores.

Um efa é o equivalente a quase 36 litros. Com essa quantidade de comida e grã o, Noemi
pô de perceber que Rute recebeu tratamento especial. Rute recebeu o suficiente para
alimentá -las por vá rias semanas. Rute dá a Noemi o pã o restante de sua refeiçã o com Boaz.
Fica evidente que Boaz está provendo de sua mesa e seu campo para Rute e Noemi. Agora,
Noemi compartilha dessa bênçã o.
Noemi abençoa o homem que concedeu esse favor a Rute. Em Deuteronô mio 24, aqueles
que demonstram graça aos estrangeiros sã o abençoados. Rute identifica esse homem como
Boaz. De fato, os versos 19-22 sã o um quiasmo, e no meio desse quiasmo está o pró prio
Boaz. O texto fornece uma estrutura A-B-A' com Boaz bem no centro para mostrar como ele
agiu em favor de Rute e Noemi. Mas, em ú ltima aná lise, por trá s de tudo, está a bondade do
Senhor.
O versículo 20 é um pouco ambíguo porque há uma disputa entre os tradutores sobre o
significado da frase: “sua benevolência”. A palavra benevolência, hesed , é usada para
descrever uma forte lealdade pactual. Mas de quem é essa benevolência? É a benevolência
do Senhor ou a benevolência de Boaz? A resposta para esta pergunta é a benevolência do
Senhor através de Boaz. Na verdade, essa interpretaçã o fica clara na A21, que diz: “Seja ele
abençoado pelo SENHOR ”. Os tradutores acreditam que é uma referência ao pró prio Senhor.
O Senhor nã o abandonou sua benevolência para com os vivos e os mortos. Mas como o
Senhor mostrou essa benevolência a Rute e Noemi? Ele mostra benevolência ao conceder
Boaz, uma figura de rei-sacerdote que demonstrará a fidelidade à aliança e o hesed que elas
precisam.
O versículo 20 é muito diferente das declaraçõ es anteriores de Noemi. A declaraçã o dela
representa uma confissã o de fé em nítido contraste com suas queixas anteriores no
Capítulo 1, onde Noemi refere-se ao Senhor a afligindo. Ela nem o chamou de “Yahweh”. Ela
falou de El Shaddai, o Todo-Poderoso. Agora, ela fala da hesed do Senhor. “O Senhor está me
mostrando esse vigoroso favor pactual.” Ela mudou de tom porque o Senhor a ganhou para
si por meio da providência de Boaz. Ela encontra alegria no Senhor mais uma vez. Ela tem
certeza do favor pactual de Deus para com ela. É seguro concluir que Noemi pode ter
passado por um lapso de fé temporá rio ou, pelo menos, um lapso de segurança da salvaçã o.
Mas agora ela voltou. Ela nã o é mais amarga. Ela passou por uma crise de morte e agora, em
certo sentido, ressuscitou. Ela tem a verdadeira fé mais uma vez.
 
O Goel

Rute 2.20 conclui identificando Boaz como um potencial resgatador. Noemi diz a Rute:
“Esse homem é nosso parente chegado e um dentre os nossos resgatadores”. Ele é um
parente pró ximo. Na verdade, a palavra que é usada no texto para “nosso parente chegado”
é goel , ou resgatador.
Um resgatador era um parente que fazia por você o que você nã o pode fazer por conta
pró pria. Ele vem resgatá -lo. Como consequência, ele tinha toda uma rede de deveres
obrigaçõ es em relaçã o à pessoa em necessidade. Por exemplo, se você fosse assassinado,
era responsabilidade do resgatador rastrear o assassino e vingar seu sangue. Ele executaria
vingança contra alguém que ilegalmente tirou sua vida. Se você fosse vendido como
escravo, ele o compraria de volta. O conceito de redençã o deriva-se desse vocabulá rio.
Se você tivesse que vender sua herança, ele resgataria sua herança por você. Se o marido de
uma mulher morresse sem deixar um herdeiro masculino, o resgatador poderia cumprir a
obrigaçã o do levirato e ele agiria como um marido substituto para suscitar um herdeiro
homem e substituir o falecido. Claro, isso acontecia porque ter um filho na Antiga Aliança
era crucial, visto quie toda a razã o de Israel existir era trazer a semente prometida da
mulher, o filho da aliança, ao mundo.
Noemi fala da benevolência de Deus para com os vivos e os mortos. Como é essa
benevolência para com os mortos? Ela está pensando em seu marido e filhos falecidos
porque, com a morte dos três no Capítulo 1, sua linhagem e herança familiares foram
prejudicadas. Mas, se há alguém que pode cumprir a lei do levirato e ser um marido de
levirato, também é possível que um novo filho para substituir Elimeleque, Malom e Quiliom
seja gerado.
Em ú ltima aná lise, todos esses aspectos do resgatador apontam para a obra de Jesus por
nó s. O primeiro Adã o nos deixou viú vos, desperdiçou nossa herança e deixou de suscitar a
semente da mulher. Ele nos escravizou ao pecado. Como o segundo Adã o, Jesus produz um
descendente frutífero, recupera nossa herança, resgata-nos da escravidã o e vinga aqueles
que procuram nos matar. Em todas essas maneiras, Jesus é nosso verdadeiro levir e nosso
goel , nosso resgatador.

 
Rute 2.21

Continuou Rute, a moabita: Também ainda me disse: Com os meus servos ficará s, até que acabem toda a
sega que tenho.

Rute transmite as instruçõ es especiais de Boaz para Noemi. Ela ainda é chamada de Rute, a
moabita. Nó s somos lembrados do fato de que ela era uma forasteira que foi incluída. Ela
foi enxertada em Israel. Por causa de sua fé e da graça de Boaz, ela está se tornando
israelita.
 
Rute 2.22

Disse Noemi a sua nora, Rute: Bom será , filha minha, que saias com as servas dele, para que, noutro campo,
nã o te molestem.

Boaz mostrou a Rute que ele proverá . As instruçõ es de Noemi em Rute 2.22 nã o sã o apenas
prá ticas, mas buscam lembrar Rute da opçã o mais segura e produtiva diante dela. Se Rute
pensasse: “Será que estou abusando das boas-vindas? Talvez eu deva ir a outra parte do
campo", ela acabaria insultando Boaz e mostrando que nã o confia nele. Novamente, há uma
liçã o para nó s também. Devemos confiar em Cristo, o Boaz maior, para prover nosso pã o
diá rio. Nã o devemos procurar em outros campos, por assim dizer. Depois de tudo o que
Cristo fez por nó s, como ousaríamos ir a outro lugar? Precisamos continuar buscando nele;
precisamos permanecer em seu campo trabalhando e confiando nele.

 
Rute 2.23

Assim, passou ela à companhia das servas de Boaz, para colher, até que a sega da cevada e do trigo se
acabou; e ficou com a sua sogra.

Esse versículo é um sumá rio. Assim como o Capítulo 1 terminou com um resumo e apontou
para o que estava por vir, encontramos a mesma coisa no versículo final do Capítulo 2.
Era tempo de colheita, o que durava cerca de dois meses. Alguns dos problemas nesta
histó ria foram resolvidos. Lembre-se: havia vá rios problemas no Capítulo 1. A estrutura
bá sica deste livro é carência, reparaçã o de carência ou necessidade, necessidade satisfeita.
Algumas dessas necessidades já foram atendidas. Elas podiam comer; elas podem
sobreviver. Agora, elas têm uma colheita completa para satisfazer suas necessidades.
Porém, também há algo que ainda nã o foi tratado, e o leitor pode ver essa questã o surgir no
final desta passagem, quando se diz que "ela morava com a sogra". Embora Rute tenha
prometido sempre pousar onde Noemi pousasse, a declaraçã o no versículo lembra o leitor
que Rute ainda nã o foi totalmente incorporada à casa de outro homem. Ela ainda vive com
a sogra, o que significa que ainda precisa de um marido. Ela ainda precisa de uma semente
para ser herdeira. Assim, embora algumas questõ es tenham sido resolvidas neste ponto,
ainda há a questã o do marido para Rute. É claro, neste momento, parece claro que Boaz é o
“escolhido”, mas como isso acontecerá ? É o que veremos nos pró ximos capítulos.

4. Um pedido de casamento simbólico


 
Rute 3.1-10

Disse-lhe Noemi, sua sogra: Minha filha, nã o hei de eu buscar-te um lar, para que sejas feliz?   Ora, pois, nã o
é Boaz, na companhia de cujas servas estiveste, um dos nossos parentes?   Eis que esta noite alimpará a
cevada na eira.  Banha-te, e unge-te, e põ e os teus melhores vestidos, e desce à eira; porém nã o te dês a
conhecer ao homem, até que tenha acabado de comer e beber. Quando ele repousar, notará s o lugar em que
se deita; entã o, chegará s, e lhe descobrirá s os pés, e te deitará s; ele te dirá o que deves fazer. Respondeu-
lhe Rute: Tudo quanto me disseres farei. Entã o, foi para a eira e fez conforme tudo quanto sua sogra lhe
havia ordenado.  Havendo, pois, Boaz comido e bebido e estando já de coraçã o um tanto alegre, veio deitar-
se ao pé de um monte de cereais; entã o, chegou ela de mansinho, e lhe descobriu os pés, e se deitou. 
Sucedeu que, pela meia-noite, assustando-se o homem, sentou-se; e eis que uma mulher estava deitada a
seus pés.  Disse ele: Quem és tu? Ela respondeu: Sou Rute, tua serva; estende a tua capa sobre a tua serva,
porque tu és resgatador.  Disse ele: Bendita sejas tu do Senhor, minha filha; melhor fizeste a tua ú ltima
benevolência que a primeira, pois nã o foste apó s jovens, quer pobres, quer ricos.
 

É importante lembrar como Rute 2 termina. Rute esteve recolhendo no campo de Boaz, que
tomou medidas especiais para protegê-la, prover para ela e incluí-la até em sua família.
Quando Rute chega em casa, Noemi pode ver o quanto Rute coletou. Alguém em Belém
demonstrou grande favor a ela. Ela voltou com mais do que uma pessoa comum. O Senhor
levou alguém a tratá -la com grande benevolência. Quando Noemi descobre que foi Boaz,
um parente pró ximo e, portanto, um possível candidato a desempenhar o papel de goel e
cumprir a lei do levirato , ela começa a desenvolver um plano. No fim da estaçã o da colheita,
ela criou uma estratégia para Rute sutilmente aproximar-se de Boaz e pedir que ele aja
como resgatador.

 
Proposta indecente ou recurso legal?
A questã o que tipicamente surge se relaciona com Rute indo até Boaz à noite. Isso foi
alguma proposta indecente ou um recurso legal? O tema deste capítulo, assim como do
livro todo, é buscar segurança. Este é o descanso holístico que Deus promete ao seu povo,
que, nesse caso, envolveria um marido para garantir a segurança, um lar e um herdeiro.
Antes, Noemi queria descanso para Rute e, por isso, tentou mandá -la de volta para Moabe.
Ela disse: “Talvez você encontre descanso ali”. A realidade é que Noemi queria um descanso
falso para Rute. Em ú ltima aná lise, foi um ato de infidelidade da parte de Noemi sequer
cogitar achar descanso na terra idó latra de Quemos. Agora descobrimos que ela pensa que
um homem piedoso como Boaz poderia dar descanso a Rute. Novamente, devemos ver esse
desenvolvimento tipologicamente: é uma figura do descanso e da segurança que Deus
fornece ao seu povo.
O que exatamente Noemi manda Rute fazer? No verso 2, Noemi sabe que Boaz estará
fazendo hora-extra naquela noite. Aparentemente, eles se revezavam na eira da
comunidade e, eventualmente, seria a vez de Boaz. Quando eles debulhavam a cevada, eles
também participavam de uma celebraçã o festival: comer e beber. A eira, no paganismo, era
um lugar de imoralidade sexual e estava ligado à religiã o cananeia. À luz de algumas
tradiçõ es pagã s, alguns comentaristas tentam lançar uma luz desfavorá vel sobre a
celebraçã o de Rute. Mas, é importante notar que o templo é construído em uma eira. Como
o evento em Rute ocorre em uma eira, talvez tenhamos uma razã o ainda mais forte para
explicar por que uma das grandes colunas do templo de Salomã o era chamada de Boaz.
Afinal, um dos maiores atos de piedade de Boaz ocorreu na eira.

 
Um pedido de casamento simbólico
Em Rute 3.3-4, Noemi manda Rute lavar-se e vestir-se como uma noiva. As açõ es sã o:
banhar, ungir e vestir. Por toda a Escritura, essas três açõ es representam os passos da
noiva enquanto ela se prepara para encontrar seu marido. Rute deve ir ao lugar onde Boaz
está deitado para dormir e descobrir seus pés. Boaz saberá o que fazer a seguir.
No versículo 5, Rute promete fazer o que Noemi ordenar. Noemi quer que Rute vá até Boaz
e gentilmente o lembre de que ele é um candidato a resgatador. Assim, ele pode tomar Rute
como sua noiva e suscitar um substituto para Elimeleque.
Um dos argumentos mais fortes para Rute estar agindo perversamente é suposiçã o de que
o vocabulá rio indica que Rute está descobrindo as pernas de Boaz. Mas, isso nã o parece
fluir da ló gica da narrativa até agora. Toda a histó ria aponta para Boaz como resgatador. E,
se Rute está agindo imoralmente, suas açõ es vã o contra o propó sito do livro de defender a
realeza de Davi e justificar seu direito a reinar. Se este fosse um ato imoral, o livro de Rute
teria sido suprimido em vez de publicado por aqueles que defendiam o reinado de Davi.
Se Rute está fazendo algo imoral, entã o o cará ter de Boaz é profundamente falho, porque
ele seguiu com a proposta de Rute. O ato de Rute é um símbolo de seu pedido. É um tipo de
pedido de casamento. Mas, é um tipo especial de pedido de casamento, pois é para um
casamento de levirato. Rute está pedindo que Boaz atue como resgatador em seu nome e, é
claro, também no nome de Noemi.
Novamente, tudo isso é muito estranho para nó s e certamente nã o deve ser entendido
como algum tipo de modelo para as jovens de nosso tempo seguirem na busca de um
marido. No pedido de Rute para que Boaz contraia um casamento de levirato, podemos ver
uma conexã o com Tamar. Assim como Tamar foi justificada, Rute também será justificada.
A grande diferença, é claro, é que Tamar vestiu-se de prostituta, enquanto Rute vestiu-se de
noiva. O princípio em cada histó ria é o mesmo.
Enquanto Noemi pensava que Boaz era obviamente um bom candidato para ser o
resgatador, Boaz é tã o escrupulosamente honesto e um homem tã o fiel que ele nã o procede
de forma inadequada. Boaz está ciente de toda a situaçã o e talvez saiba de algo que Noemi
nã o sabe, a saber, que há um parente mais pró ximo. Esse parente mais pró ximo deve
primeiro ter a oportunidade de desempenhar essas responsabilidades em relaçã o a Rute.
Em Rute 3.6-7, vemos Rute fazendo exatamente o que Noemi a mandou fazer. Boaz está
celebrando com seus servos e depois se acomoda para uma boa noite de sono. Rute vai até
ele. Ela descobre os pés dele e permanece ali. Em alguns casos, essa linguagem para pés era
um eufemismo para as partes íntimas do homem, mas, neste caso, é um gesto simbó lico. Ela
descobre os pés dele e espera que ele acorde. Ele acorda assustado no meio da noite e
percebe que há uma mulher presente. Assim, ele diz: “Quem é você?”. Rute responde: “Eu
sou Rute, sua serva”. Ela se identifica de uma maneira humilde e dá instruçõ es a Boaz. Ela
pede um favor: “Estende a tua capa sobre a tua serva, porque tu és resgatador”. Esse
vocabulá rio nos indica o que está acontecendo. Alguns comentaristas assumem que Rute
está resolvendo o assunto com as pró prias mã os. Afinal, as instruçõ es de Noemi no início
do capítulo sã o para Rute fazer essas coisas, e Boaz lhe dirá o que fazer. Mas, aqui, é Rute
quem diz a Boaz o que fazer. O narrador resolve questã o essa em Rute 3.6, quando afirma
que Rute fez tudo o que sua sogra lhe ordenou. Em outras palavras, ela segue o plano
perfeitamente, assim como Noemi a instruiu. As instruçõ es de Noemi, conforme detalhadas
na passagem, nã o sã o abrangentes, mas Rute tinha conhecimento completo do pedido que
estava fazendo.
A linguagem em Rute 3.9 é crucial. É importante lembrar que o pedido de Rute a Boaz ecoa
a oraçã o de Boaz ao Senhor em Rute 2. Rute está dando a Boaz a oportunidade de
responder sua pró pria oraçã o. Boaz tinha orado pelo bem-estar dela, e agora ele terá a
oportunidade de cumprir essa oraçã o.

 
O encontro e um pedido de casamento
Rute pede que Boaz estenda sua capa sobre ela. Esse é um pedido de casamento de levirato.
Isso é linguagem conjugal, indicando que eles estariam unidos. Agora, eles estã o unidos por
este tecido ú nico. Compartilhar uma peça de roupa é um sinal do marido e da mulher
tornando-se uma só carne. Rute está convidando Boaz a desempenhar essas
responsabilidades de levirato, o que inclui o casamento. [10]

 
A base legal para o pedido de Rute
O pedido que Rute faz — esse convite de casamento — é inadequado? Este nã o é um
processo típico, mas existe uma base legal para o pedido nas instituiçõ es do levirato e do
goel . Ela está agindo de acordo com os princípios bíblicos que eram aplicados em seu
tempo. Ela tem o direito de fazer o pedido, porque as instituiçõ es do levirato e do goel estã o
em vigor. Ela está simplesmente pedindo a Boaz que faça o que a lei o chamou a fazer. Ela
nã o está , como alguns sugeriram, repetindo o pecado das mulheres moabitas: quando os
homens israelitas deixaram a escravidã o do Egito, as mulheres moabitas os seduziram para
cometer o pecado sexual. Este nã o é o caso em Rute. De fato, o pedido de Rute é uma
reversã o da histó ria dos homens israelitas cometendo imoralidade sexual com as moabitas.
O que Rute faz é obviamente virtuoso, e Boaz chama atençã o para esse aspecto de seus atos
em Rute 3.10-13:
Bendita sejas tu do Senhor, minha filha; melhor fizeste a tua ú ltima benevolência que a primeira, pois nã o
foste apó s jovens, quer pobres, quer ricos. Agora, pois, minha filha, nã o tenhas receio; tudo quanto disseste
eu te farei, pois toda a cidade do meu povo sabe que és mulher virtuosa. Ora, é muito verdade que eu sou
resgatador; mas ainda outro resgatador há mais chegado do que eu. Fica-te aqui esta noite, e será que, pela
manhã , se ele te quiser resgatar, bem está , que te resgate; Porém, se nã o lhe apraz resgatar-te, eu o farei,
tã o certo como vive o Senhor; deita-te aqui até à manhã .

Boaz entendeu corretamente o pedido de Rute. Nó s já tínhamos sido apresentados a Boaz


como um homem virtuoso e temente a Deus. Ele nã o acorda com essa mulher aos seus pés e
diz: "Sai de perto de mim". Ele entende o ato simbó lico porque, como Noemi e, agora, como
Rute, ele conhece a lei de Deus e as responsabilidades que recairiam sobre um parente
pró ximo. De fato, é por isso que ele identifica o ato de Rute como um ato de hesed. Toda
essa cena nã o é sobre eros , mas sobre hesed . O foco da histó ria está na fidelidade pactual e
na benevolência pactual.
Boaz diz que este é um ato maior de bondade do que o primeiro ato de bondade dela. O
primeiro ato de bondade foi voltar da terra de Moabe para Judá com Noemi, deixando sua
terra natal e os falsos deuses para trá s a fim de tornar-se parte do povo de Israel com ela.
Mas, agora, esse segundo ato de bondade é ainda maior. Boaz entende que esta é uma
proposta de casamento com o resgatador. Ele sabe que Rute poderia ter procurado um
cô njuge de sua escolha. Ela poderia ter procurado um homem mais pró ximo da idade dela.
Em vez disso, ela procurou casar-se com Boaz porque, assim, e somente assim, até onde ela
sabe, haveria um casamento de levirato na qual uma criança seria suscitada para herdar a
propriedade de Noemi e preservar o nome de Elimeleque. Noemi precisa de um novo Adã o;
Rute pede que Boaz seja esse novo Adã o. Ela está agindo nã o por interesse pró prio, mas em
favor de Noemi. Qualquer que seja o aspecto româ ntico envolvido nisso, tudo se trata
principalmente de Rute agindo em favor de Noemi para assegurar-lhe um herdeiro.
Além disso, Boaz reconhece que Rute nã o era obrigada a procurar um casamento de
levirato. De acordo com a instituiçã o de levirato, se houvesse outro irmã o no lar, haveria
obrigaçã o ali. Mas, como Elimeleque nã o tinha irmã os, e nã o havia outros filhos na família
para Rute se casar, ela nã o precisa se casar por levirato. Ela poderia buscar outros homens
da comunidade. Contudo, novamente, porque ela está agindo em hesed e se ligou a Noemi,
ela vai se casar dentro da família para que o primeiro filho do sexo masculino seja aquele
que tomará o lugar de Elimeleque. E, claro, tudo isso está de acordo com o juramento que
ela fez em Rute 1.

 
Rute 3.11-12

Agora, pois, minha filha, nã o tenhas receio; tudo quanto disseste eu te farei, pois toda a cidade do meu povo
sabe que és mulher virtuosa. Ora, é muito verdade que eu sou resgatador; mas ainda outro resgatador há
mais chegado do que eu.

 
Um resgatador mais chegado
Nos versículos 11 e 12, Boaz promete fazer o que Rute solicitou e louva sua virtude. A
excelência de Rute e sua grande virtude sã o bem conhecidas na comunidade. O vocabulá rio
usado para louvar Rute é o mesmo tipo encontrado em Provérbios 31, em que Salomã o
louva a esposa virtuosa. Boaz elogia Rute de maneira semelhante. Mas, há uma reviravolta
na trama. Tudo parece estar seguindo o planejado, e agora as coisas mudam bastante. Há
uma falha no plano de Noemi. No versículo 12, descobrimos que há um parente mais
pró ximo que Boaz, alguém tem a prioridade em assumir o honrado papel de goel . Isso é
parte do que torna Rute uma histó ria tã o bonita. A forma como a histó ria é elaborada a
cada passo cria suspense e introduz vá rias surpresas.
O fato de que há um resgatador mais pró ximo explica outros detalhes da histó ria. A
existência de um parente mais chegado explicaria por que Boaz ainda nã o agiu com
iniciativa ao pedir a mã o de Rute em casamento. Noemi e Rute poderiam estar se
perguntando por que Boaz nã o agiu para colocar as coisas em andamento. Por que a
iniciativa deve estar sobre Rute? Boaz é um homem honrado; ele nã o vai agir de forma
errô nea. Boaz vai esperar e ver o que o outro homem, o parente mais pró ximo, faz. Boaz
pode querer desesperadamente se casar com Rute, mas ele se contém porque, de acordo
com a lei de Deus, há uma ordem a ser seguida.
Também podemos questionar se Noemi sabia sobre o parente mais pró ximo. Boaz é
identificado como um parente pró ximo, mas Noemi pode ter deixado de seguir os registros
familiares durante todos os anos em que esteve em Moabe. Quando ela volta, é ó bvio que
ela nã o está completamente informada sobre Boaz. Assim, é prová vel que ela saiba desse
parente mais pró ximo. Também devemos observar que, se Boaz fosse o parente mais
pró ximo, ele poderia ter consumado o casamento naquela mesma noite. É isso que Rute
está pedindo para ele fazer. Quando ela se senta aos pés dele e propõ e um casamento, nã o
há necessidade de um longo período de noivado ou de uma grande cerimô nia de
casamento. O casamento poderia ser consumado ali, em privado. Isso nos ajuda a entender
as açõ es de Rute.
Quando Rute vai até ele, ela está pedindo que ele se case com ela naquela noite e consuma o
casamento. Boaz nã o está pronto para fazer isso porque há um parente mais pró ximo que
tem prioridade. Está claro que Boaz quer resgatar Rute, mas obedecer à lei é ainda mais
importante para ele. Ele pratica a autodisciplina. Ele coloca a obediência acima de seus
interesses româ nticos.
 
Rute 3.13

Fica-te aqui esta noite, e será que, pela manhã , se ele te quiser resgatar, bem está , que te resgate; porém, se
nã o lhe apraz resgatar-te, eu o farei, tã o certo como vive o Senhor;   Deita-te aqui até à manhã .

 
O que vemos a seguir? No versículo 13, Boaz promete agir em favor de Rute. Ele cuidará
para que a obrigaçã o de goel seja cumprida. Ele promete dar preferência ao parente mais
pró ximo. Se o parente mais chegado agir, Rute terá o cuidado que precisa e acabará com
um parente mais pró ximo que a conduzirá ao descanso do qual Noemi falou no início do
capítulo. As coisas serã o restauradas, mas através deste outro homem. Embora exista uma
expectativa de que Boaz se case com Rute, ela recebe garantia de que, de uma forma ou de
outra, terá segurança. Boaz é uma imagem verdadeira e clara da masculinidade piedosa.
Quando a oportunidade chega, Boaz procura á vida e agressivamente cumprir suas
responsabilidades. Ele se propõ e a fazer o que precisa ser feito e promete que o fará .
De um ponto de vista literá rio, uma das coisas mais interessantes sobre esse aspecto da
histó ria é que nã o somos informados sobre as emoçõ es de Rute e Boaz neste momento. Se
um escritor moderno escrevesse a histó ria de Rute, provavelmente prosseguira por
pá ginas falando sobre cada pequeno detalhe de seus sentimentos. Nã o é que esses detalhes
sejam desnecessá rios; eles certamente têm um lugar. Mas a Bíblia raramente nos diz o que
seus personagens estã o pensando e sentindo. Se há algum momento em que gostaríamos
de saber, seria aqui.
A Bíblia deixa esses detalhes à nossa imaginaçã o santificada. Essas sã o lacunas na histó ria
que nossa imaginaçã o é livre para preencher. Além disso, o narrador nã o quer que nos
concentremos no romance, embora seja um subtexto da histó ria. Nã o é explícito, mas você
pode detectar algumas sugestõ es de que Boaz e Rute se gostam. Contudo, o livro de Rute é
sobre hesed . Na Bíblia, a retidã o satisfaz as obrigaçõ es pactuais. Quando Boaz fala da
virtude de Rute, é isso que ele tem em mente. Ela é virtuosa porque cumpre suas
obrigaçõ es relacionais. Suas obrigaçõ es neste caso sã o para com Noemi e, por isso, ela vai
fazer o que puder para agir em favor de Noemi. Boaz, por sua vez, vai agir em favor dela (e
também em favor de Noemi) para garantir que elas encontrem a segurança de que
precisam. Embora haja conotaçõ es româ nticas, a lealdade à aliança é central no livro de
Rute.

 
Rute 3.14-15

Ficou-se, pois, deitada a seus pés até pela manhã e levantou-se antes que pudessem conhecer um ao outro;
porque ele disse: Nã o se saiba que veio mulher à eira. Disse mais: Dá -me o manto que tens sobre ti e
segura-o. Ela o segurou, ele o encheu com seis medidas de cevada e lho pô s à s costas;  entã o, entrou ela na
cidade.

No versículo 14, Boaz envia Rute de volta para Noemi cedo de manhã para proteger a
integridade e reputaçã o dela. Ele nã o quer provocar fofocas na cidade. Eles nã o fizeram
nada de errado, mas Boaz quer toma o cuidado de evitar a aparência do mal.

 
Noite e dia em Rute
O tempo em que o ponto decisivo do livro de Rute acontece dirige nossa atençã o para um
tema bíblico interessante relacionado a toda a histó ria da redençã o. Nó s já vimos como o
livro é uma histó ria de dois Adã os. O primeiro Adã o (Elimeleque e seus dois filhos) parte da
Terra Prometida em um exílio autoimposto. Eles sã o amaldiçoados e morrem, deixando a
noiva abandonada. O segundo Adã o (Boaz) chega como resgatador.
Com essa tipologia em mente, o momento decisivo do livro de Rute acontece à noite. De
fato, somos informados de que é meia-noite. A noiva é escolhida à noite.
Mas, à medida que a histó ria se desenrola, veremos que o casamento nã o é consumado até
ser dia. O texto claramente chama atençã o para o horá rio dos eventos.
O texto revela uma progressã o. No versículo 2, somos informados de que é noite. No
versículo 8, lemos que é meia-noite, e o versículo 13 menciona — duas vezes — que é
manhã . No versículo 18, Noemi refere-se diretamente à quele mesmo dia, especificamente o
horá rio em que há sol, como o tempo em que o assunto seria resolvido.
Todo o período da Antiga Aliança acontece durante a noite. É quando Deus está preparando
seu povo para a redençã o. A noiva, Israel, é escolhida durante esse período, mas o
casamento nã o acontece até o romper do dia. Quando a luz do dia irrompe? A vinda de
Jesus é o alvorecer de um novo dia e o começo do período de luz na histó ria. Quando Jesus
chega, ele é a luz do mundo. Agora o sol está nascendo, de acordo com a profecia de
Malaquias. Joã o 1 fala da luz que agora entrou no mundo. A Antiga Aliança foi um período
de trevas.
Podemos ver esse tema em Joã o 3, onde Nicodemos, um grande professor da Antiga
Aliança, vem a Jesus à noite porque ele ainda está no escuro. Ele representa os judeus da
Antiga Aliança que nã o conseguem compreender a luz que agora chegou. E Jesus fala desse
novo nascimento, dirigindo Nicodemos para uma nova era na histó ria que está prestes a
nascer, a regeneraçã o de todas as coisas quando a luz irromper. É por isso que os dias em
Gênesis 1 procedem das trevas para a luz. O movimento é das trevas para a luz — nã o
apenas no princípio quando tudo é trevas e Deus adiciona a luz. Antes, o dia em si é
estruturado em termos de um período sombrio e, depois, um período luminoso. É assim
que os dias funcionam, pois este é um símbolo da histó ria da redençã o, passar das trevas
para a luz. Paulo fala disso em Rm 13.12, quando ele se refere à noite estar quase acabando.
Ele está falando sobre a Antiga Aliança terminando. O dia está prestes a nascer, a nova era
está prestes a chegar à plenitude, e o sol está nascendo sobre o mundo.
Em Rute 3, a salvaçã o, ou redençã o, é obtida à noite, e é cumprida de dia. Isso é um símbolo
ou figura da histó ria da redençã o. A promessa de redençã o é feita à noite; ela é cumprida de
dia. Essa é a estrutura da histó ria da redençã o, passar das trevas para a luz, da promessa
para a realizaçã o, da madrugada para a manhã , da noite para o dia.
Por exemplo, podemos observar a Pá scoa. É durante a noite que o anjo da morte passa por
eles. O êxodo acontece no dia seguinte. A travessia do Mar Vermelho representa o
casamento batismal de Israel em uniã o com Moisés como representante de Deus. O mesmo
tipo de estrutura é encontrado na cruz. Ela nã o acontece durante a noite segundo o reló gio,
mas Deus faz tornar-se noite. E, entã o, é claro, a ressurreiçã o acontece ao amanhecer.
Assim, há um evento à meia-noite e um evento no amanhecer. No nascer do dia, Jesus
encontra Maria Madalena, uma mulher. Em um sentido, esse encontro representa o
casamento com sua igreja. Assim como Adã o dormiu e acordou para encontrar sua noiva,
Jesus dorme na cruz e no sepulcro, e acorda no terceiro dia para encontrá -la. Dessa
maneira, Boaz dorme a noite toda com Rute a seus pés e no dia seguinte ele encontrará sua
noiva, e tudo será cumprido.

 
Sinais e selos da promessa
Em Rute 3.15, Boaz dá um sinal a Rute. Ele realiza um gesto simbó lico para materializar sua
promessa de encontrar um resgatador para ela, ainda que, no fim, este seja ele. Ele lhe dá
nã o apenas palavras, mas um sinal. É assim que Deus opera com seu povo, e é como Boaz
opera com Rute. Este é um sinal que lhe dará uma confiança ainda maior, selando a
promessa de resgate.
Como um sinal, Boaz dá a Rute seis medidas de cevada. A palavra “medidas” nã o é parte do
texto hebraico. Os tradutores acrescentaram a palavra para ajudar a frase a fazer mais
sentido para os leitores. Literalmente, ela diz: “Dá -me o manto que tens sobre ti e segura-o.
Ela o segurou, ele mediu seis de cevada e lho pô s à s costas; entã o, entrou ela na cidade”. O
escritor quer chamar a atençã o para o nú mero seis.
No versículo 17, Rute observa que há seis medidas de cevada, mas, novamente, a palavra
“medida” nã o está lá . Por que seis? O seis garante que haverá um sétimo. Se Boaz deu seis,
certamente ele dará sete. Ele completará o que começou. O nú mero seis representa a
situaçã o no momento e sugere seu possível resultado.

 
O descanso de Shabbath de Rute
É difícil absorver toda a arte literá ria presente no texto. No início do capítulo, Noemi
encoraja Rute a buscar descanso. A palavra é traduzida como “lar”, mas ela diz, na verdade,
“descanso’. O capítulo termina com Boaz dando “seis” para Rute. É a forma de Boaz mostrar
a Rute que ele dará descanso.
De fato, em Rute 3.18, a palavra para “descanso” é repetida. Noemi diz: “Espera, minha
filha, até que saibas em que darã o as coisas, porque aquele homem nã o descansará ,
enquanto nã o se resolver este caso ainda hoje”. Rute pode descansar porque Boaz nã o
descansará até resolver a questã o.
O capítulo inteiro gira em torno da busca de descanso para Rute, primeiro com Noemi,
depois com Boaz. O seis simbolicamente antecipa o sétimo. Assim como a noite antecipa o
dia, o seis antecipa a sétima medida que vem — o sá bado de descanso para Rute. A histó ria
nã o estará completa até Rute entrar neste descanso holístico, quando ela receber um
marido assim como um filho e herdeiro, e um lar entre o povo de Deus. Todas as carências
que encontramos no início da histó ria serã o finalmente reparadas. Todas essas
necessidades serã o finalmente satisfeitas. Tudo o que foi perdido será restaurado e muito
mais. O ciclo estará completo e as maldiçõ es pactuais serã o transformadas em bênçã os
pactuais. As seis medidas de cevada apontam para o fato de que o período de espera está
quase no fim. Em um sentido, poderíamos dizer que a noite está quase acabando, o dia está
pró ximo. Os seis estã o aqui, o sétimo, o descanso do Shabbath, está prestes a chegar.

 
Rute 3.16-18

Em chegando à casa de sua sogra, esta lhe disse: Como se te passaram as coisas, filha minha? Ela lhe contou
tudo quanto aquele homem lhe fizera. E disse ainda: Estas seis medidas de cevada, ele mas deu e me disse:
Nã o voltes para a tua sogra sem nada. Entã o, lhe disse Noemi: Espera, minha filha, até que saibas em que
darã o as coisas, porque aquele homem nã o descansará , enquanto nã o se resolver este caso ainda hoje.

 
Podemos perder o sentido real da pergunta no versículo 16. Em vez de “Como se te
passaram as coisas, filha minha?”, a pergunta é traduzida com maior precisã o como “Quem
é você, filha minha?”. Você partiu como Rute, uma mulher solteira; você está voltando como
a amada de Boaz? Noemi esperava que o casamento fosse consumado naquela noite. Se ele
era o resgatador mais chegado e ela foi até ele, ou ele cumprirá essa obrigaçã o ou nã o. Se
ele cumpriu, estaria consumado, e ela se tornaria a esposa dele logo ali na eira. Isso era o
que Noemi esperava que acontecesse, entã o, quando Rute volta, ela diz: “Quem é você?
Como quem você está voltando? Agora você é a esposa de Boaz?”.
No versículo 17, Rute explica: "Estas seis medidas de cevada, ele mas deu e me disse: Nã o
voltes para a tua sogra sem nada". Isso se equilibra com Rute 1, versículo 21, em que Noemi
reclamou que partiu ditosa e o Senhor a trouxe de volta vazia. Ela voltou para casa de mã os
vazias; agora, suas mã os estã o cheias — de fato, ela recebeu seis medidas de cevada. O
vazio foi revertido. Há uma transiçã o da ira para a graça, da maldiçã o para a bênçã o. Essa é
uma histó ria em forma de ferradura. Você começa com Elimeleque e sua família morando
em Belém; eles vã o para Moabe, onde enfrentam maldiçã o e morte. Mas, entã o eles saem do
outro lado, e Noemi e Rute sã o resgatadas por Boaz, e tudo é restaurado, até extra-
restaurado, você poderia dizer. Isso é uma comédia, nã o uma tragédia. Comédias, no
sentido clá ssico, nã o sã o apenas histó rias que nos fazem rir; sã o histó rias que acabam bem,
que têm um final feliz, por assim dizer. E, certamente, o livro de Rute é uma comédia assim.
Como cristã os, podemos dizer que as comédias revelam o evangelho. O pró prio evangelho é
a comédia/drama supremo, e as outras histó rias que se encaixam no padrã o sã o có pias do
evangelho de alguma maneira. A histó ria de Rute é a histó ria do evangelho. Deus entra em
um mundo cheio de dor, sofrimento, vazio, morte, solidã o e desespero. E ele fornece
descanso, segurança, vida e alegria por meio de um resgatador, um segundo Adã o que vem
e reverte a maldiçã o. A histó ria de Rute é a nossa histó ria. É a histó ria da igreja. Esta
histó ria é a nossa histó ria se tivermos sido enxertados em Cristo, que é Boaz maior e o goel
ú ltimo, o marido supremo.
 
O simbolismo de Rute
Uma outra observaçã o sobre o simbolismo da histó ria: Boaz faz sua promessa a Rute, mas
depois sai sozinho. Rute nã o estará presente quando ele agir decisivamente para resgatá -la
no pró ximo capítulo. O padrã o deve conduzir o leitor, de uma forma simbó lica, para o que
Jesus realiza. Pense em Jesus enquanto ele finalmente realiza a redençã o. Os discípulos se
dispersam. Eles nã o estã o presentes. Ele passa por tudo sozinho. Em um sentido, os
discípulos descansam. Eles se deitam e dormem. Você pode até pensar em Jesus com os
discípulos no jardim antes de ele ir para a cruz. Eles estã o descansando enquanto ele está
trabalhando. Ele opera redençã o enquanto eles repousam. Da mesma forma, Boaz vai partir
e completar a redençã o de Rute enquanto ela descansa. Noemi diz para Rute: “Descanse, ele
vai resolver a questã o. Ele vai operar seu resgate por você, totalmente sem sua
participaçã o, sozinho”. Novamente, isso nos aponta para Jesus como nosso ú nico
resgatador.
À s vezes, é fá cil ler as narrativas bíblicas como se fossem as Fá bulas de Ê sopo. Entã o você
chega ao fim e diz: “Ok, qual era a moral da histó ria?”. Existem todos os tipos de liçõ es
morais no livro de Rute, sem dú vida, mas a característica mais importante da histó ria é ver
como Deus traz a salvaçã o ao seu povo e os leva ao descanso prometido.
Se há uma moral, é que essa histó ria nos mostra que Deus é aquele que age para nos
resgatar. Esta é uma histó ria sobre o que Deus faz por você, nã o o que você faz por Deus.

5. Um Nome lembrado
 
Toda a histó ria do livro de Rute ocorreu durante aquele período caó tico e rebelde da
histó ria de Israel. O período dos juízes termina com estas palavras: “nã o havia rei em
Israel”. A verdade, no entanto, é que Israel tem um Rei — Yahweh é o Rei de Israel. Mas,
como ninguém reconhece sua realeza, nã o há rei em Israel e, portanto, como o final do livro
de juízes diz, “cada um fazia o que achava mais reto”. Elimeleque faz o que é reto aos seus
olhos no início de Rute. É irô nico que seu nome signifique “Deus é Rei” porque ele nã o age
assim.
O livro de Rute é a resposta ao dilema da monarquia de Israel. Deus proverá um rei para o
povo. Ele proverá um rei segundo o seu coraçã o, um leã o da tribo de Judá que liderará o
povo em retidã o. E Davi, a ú ltima palavra do livro de Rute, será esse rei, em contraste com o
fim do livro de Juízes. O livro funciona como uma ponte do período dos patriarcas e juízes
para essa nova fase moná rquica da histó ria de Deus, na qual eles terã o um rei.
Ao nos voltarmos para Rute 4, devemos ter em mente os eventos do fim de Rute 3. Há a
certeza de que Rute será resgatada, mas há incerteza sobre se esse resgate incluirá Boaz,
que de acordo com todas as sugestõ es, gostaria de conceder esse descanso à pró pria Rute
cansando-se com ela e suscitando uma semente para Noemi como substituto para
Elimeleque. Mas, Rute 3 revela que há um obstá culo na forma de um parente mais pró ximo
que tem prioridade para desempenhar o papel de goel . Uma parte desta histó ria foi
resolvida: Rute se casará .
Mas há outro aspecto da histó ria que nã o está resolvido, e essa é a identidade do
resgatador. O narrador estabelece o drama de forma que todo mundo na audiência está
esperando um casamento entre Rute e Boaz. O parente mais pró ximo se torna uma ameaça
para o final feliz da histó ria que todos queremos ver. Assim, o que vai acontecer? O parente
mais chegado vai se casar com Rute ou ele deixará passar a honra e permitirá que Boaz o
faça? Essa é a questã o, quando entramos em Rute 4.

 
 
Rute 4.1

Boaz subiu à porta da cidade e assentou-se ali. Eis que o resgatador de que Boaz havia falado ia passando;
entã o, lhe disse: Ó fulano, chega-te para aqui e assenta-te; ele se virou e se assentou.

 
A porta da cidade nã o era apenas a entrada e saída da cidade, mas também o lugar onde os
anciã os se reuniam para julgar (cf. Pv 31.23).

 
Rute 4.2

Entã o, Boaz tomou dez homens dos anciã os da cidade e disse: Assentai-vos aqui. E assentaram-se.

 
Boaz reú ne dez homens para formar um tribunal. De acordo com a tradiçã o judaica, sã o
necessá rios dez homens para formar uma corte oficial. Esses homens se assentarã o e
julgarã o o assunto. Essa é a origem da palavra “sessã o”. Significa sentar-se em julgamento
ou para governar, e é isso que eles vã o fazer.

 
Rute 4.3-4

Disse ao resgatador: Aquela parte da terra que foi de Elimeleque, nosso irmã o, Noemi, que tornou da terra
dos moabitas, a tem para venda. Resolvi, pois, informar-te disso e dizer-te: compra-a na presença destes
que estã o sentados aqui e na de meu povo; se queres resgatá -la, resgata-a;  Se não, declara-mo para que eu
o saiba, pois outro nã o há senã o tu que a resgate, e eu, depois de ti. Respondeu ele: Eu a resgatarei.

Boaz resume a situaçã o. Noemi tem de vender a parte da terra de Elimeleque. Esse é um
detalhe que o narrador suprimiu até agora, mas de repente se torna essencial. Os israelitas
nã o deveriam vender seus lotes de terra dados por Deus (cf. Lv 25). Se eles tivessem que
fazer isso, a terra deveria ser resgatada (comprada de volta) o mais rá pido possível. Se isso
nã o acontecesse, voltaria à família original no ano do Jubileu (a cada 50 anos). Mas era
muito melhor recuperar a terra da família antes disso. Idealmente, se a terra fosse vendida,
digamos, por necessidade econô mica, um resgatador apareceria e a resgataria
imediatamente.
O resgatador mais chegado diz que resgatará esta parcela da terra. É claro, essa parte é
onde toda a audiência deveria suspirar e dizer: “Oh nã o, isso é terrível”. O raciocínio do
parente mais pró ximo é provavelmente algo assim: Noemi é uma mulher idosa agora e nã o
há possibilidade de ela ter filhos, que algo que Noemi admitiu em Rute 1. Nã o haverá um
herdeiro de Elimeleque para crescer e retomar a terra para sua família, entã o esse parente
mais pró ximo acha que ele tem uma oportunidade de aumentar as propriedades de sua
pró pria família. Ele pode aumentar sua parte e herança na Terra Prometida, e pode fazê-lo
a um custo relativamente baixo. Parece que Boaz será excluído do papel de resgatador e
nã o conseguirá se casar com Rute, afinal.

 
Rute 4.5-6

Disse, porém, Boaz: No dia em que tomares a terra da mã o de Noemi, também a tomará s da mã o de Rute, a
moabita, já viú va, para suscitar o nome do esposo falecido, sobre a herança dele. Entã o, disse o resgatador:
Para mim nã o a poderei resgatar, para que nã o prejudique a minha;  Redime tu o que me cumpria resgatar,
porque eu nã o poderei fazê-lo.

 
A estratégia de Boaz
Apesar da declaraçã o do parente mais pró ximo de que ele resgatará a terra, Boaz nã o
vacila; seu plano é muito parecido com o plano de Noemi no capítulo anterior. No versículo
5, Boaz apresenta seu trunfo, sua cartada final. Você pode observar que Boaz quer obedecer
à lei; foi por isso que ele disse a Rute na eira que ele deveria primeiro consultar o
resgatador mais pró ximo, mas Boaz também quer se casar com Rute. Se ele puder obedecer
à lei e conseguir Rute também, essa seria a melhor situaçã o de todas.
No versículo 5, Boaz acrescenta que Rute vem com a propriedade de Elimeleque. Há uma
mulher com idade para casar-se que suscitará uma semente para substituir Elimeleque.
Claramente, entã o, quando a semente tiver idade suficiente, ela assumirá a propriedade de
Elimeleque mais uma vez e esta será sua herança. O parente mais chegado terá que pagar
pela terra enquanto o filho cresce, mas ele nã o poderá mantê-la em sua família e passá -la
para seus filhos. Em vez disso, ela reverterá para o filho que ele tiver com Rute. Isso
significa que ele terá o custo adicional de cuidar nã o apenas de Noemi, mas também de
Rute e dos filhos que ela tiver. De repente, o que parecia um negó cio muito bom agora
começa a parecer um risco financeiro. Assim, o parente refaz os cá lculos rapidamente e
decide que nã o é um investimento tã o bom assim, afinal. E, no versículo 6, o parente mais
pró ximo diz que nã o pode fazê-lo porque seria muito caro a longo prazo. Para a alegria de
Boaz, o parente mais pró ximo dispensa a propriedade de Rute e Noemi; ele renuncia ao seu
direito de resgate.
Poderíamos perguntar: “Por que Boaz apresentou esse acordo em duas etapas, deixando a
parte do casamento, a parte em que o homem teria que se casar com Rute, para o final?”.
Parece que o narrador quer que vejamos isso como um ato muito astuto da parte de Boaz. É
relativamente difícil articular a estratégia de Boaz. Provavelmente precisaríamos estar lá
para ver a genialidade disso. Mas, talvez, se ele tivesse apresentado a aquisiçã o da terra e
Rute de uma vez, o homem nã o teria sido tã o cuidadoso ao considerar o quanto o
casamento com Rute lhe custaria. Ou, talvez, mencionar Rute depois permitiu que Boaz
chamasse atençã o para a nacionalidade dela, tornando a possibilidade de casar-se com ela
pouco atraente para aquele homem. Seja qual for o caso, a cena mostra claramente que
Boaz é inteligente e sá bio — e talvez esteja apaixonado por uma moabita.

 
O Parente Anônimo
Antes de prosseguir, há outro detalhe a considerar na passagem. Já observamos como os
nomes sã o importantes em todo o livro de Rute, particularmente em como revelam a
personalidade. Mas, o parente mais pró ximo nã o tem nome algum. Ele é um resgatador
chamado de “fulano”. Por que ele nã o recebe um nome? Todo mundo na histó ria tem um
nome. Quando o Espírito Santo dá um nome a um personagem, esse nome tem significado.
Quando o Espírito Santo oculta um nome, esse fato também é importante.
O autor provavelmente escondeu a identidade desse homem para nã o envergonhar sua
família ou seus descendentes na época da redaçã o do livro. Como o livro está estabelecendo
Boaz e sua família, nã o há razã o para diminuir esse outro homem. Em relaçã o ao desenrolar
da histó ria, o parente mais pró ximo nã o tem nome porque seu nome nã o é digno de ser
mencionado. Ele se recusou a perpetuar o nome de seu irmã o em Israel, e assim seu nome
nã o será perpetuado na histó ria.
Há um tipo de lex talionis (uma lei de retaliaçã o) na narrativa.  Ele nã o edificou a casa de
seu irmã o e nã o conservou o nome de seu irmã o, entã o seu nome nã o será conservado. Ele
nã o se torna um goel , porque teme que isso comprometa sua herança e nome. Como
resultado, seu nome se perde. Ele perdeu a chance de exaltar seu nome em Israel. O homem
parece estar preocupado apenas com dinheiro. Ele vê o resgate do outro como algo muito
caro. A liçã o do exemplo deste homem seria algo assim: Nã o deixe que a ganâ ncia o impeça
de ajudar membros carentes da aliança. Se você permitir que sua ganâ ncia o atrapalhe de
ajudar os membros carentes da aliança, você corre o risco de Deus apagar seu nome. Você
ficará sem nome e será esquecido. A maneira de ter seu nome lembrado e perpetuado pelo
povo da aliança é tornar-se uma pessoa generosa, ser um resgatador das pessoas em
necessidade. O parente mais chegado revela-se um falso resgatador.

 
Rute 4.7-8

Este era, outrora, o costume em Israel, quanto a resgates e permutas: o que queria confirmar qualquer
negó cio tirava o calçado e o dava ao seu parceiro; assim se confirmava negó cio em Israel.  Disse, pois, o
resgatador a Boaz: Compra-a tu. E tirou o calçado.

Nos versículos 7 e 8, somos apresentados ao costume da troca de sandá lias. Anteriormente,


nos referimos a uma prá tica semelhante em Deuteronô mio 25, em que o irmã o que se
recusa a casar-se por levirato tem os pés descobertos e o rosto cuspido. O costume parece
um pouco diferente aqui. Esta era uma transformaçã o vá lida dessa tradiçã o descrita em
Deuteronô mio 25? Parece que o costume é diferente, mas também está claramente
relacionado. Talvez seja um pouco diferente, porque o grau de vergonha nã o era tã o grande
no caso desse homem como teria sido no caso do homem de Deuteronô mio 25 que se
recusa a cumprir completamente o dever de levirato. O parente em Rute 4 provavelmente
nã o precisa cumprir o levirato, porque há alguma distâ ncia no relacionamento familiar e
também porque há outro candidato que quer e está disposto a fazê-lo. Assim, o parente
mais pró ximo nã o está abandonando completamente a situaçã o. Ele cuida para que algo
seja feito por Rute e Noemi, mas nã o é ele quem o faz. Há um nível de vergonha, mas um
nível menor. Isso pode explicar por que nã o há cuspe na cara, conforme o costume
necessá rio. Talvez haja alguma humilhaçã o pú blica envolvida, mas nã o é tã o completa
quanto o que teria acontecido na situaçã o que o texto em Deuteronô mio prevê.
O costume da troca de calçados também é uma maneira de ratificar transaçõ es;
provavelmente é a forma como os antigos israelitas selavam acordos legais. Fazer isso em
frente aos anciã os provavelmente seria muito parecido com o nosso uso de notá rios e
cartó rios para ratificar um documento oficial, especialmente porque a transaçã o específica
de Rute 4 envolve terra e casamento. A troca de calçados provavelmente implica que um
homem estará no lugar do outro nessa questã o. Um homem assumirá o lugar do outro e
outro cumprirá suas obrigaçõ es.

 
Rute 4.9-10

Entã o, Boaz disse aos anciã os e a todo o povo: Sois, hoje, testemunhas de que comprei da mã o de Noemi
tudo o que pertencia a Elimeleque, a Quiliom e a Malom; E também tomo por mulher Rute, a moabita, que
foi esposa de Malom, para suscitar o nome deste sobre a sua herança, para que este nome nã o seja
exterminado dentre seus irmã os e da porta da sua cidade;  Disto sois, hoje, testemunhas.

Em uma cultura amplamente oral, em que muitas pessoas nã o podiam aprender a ler e
escrever, elas ouviriam a declaraçã o de Boaz ser oficialmente proclamada e isso viveria em
sua memó ria coletiva. Há mú ltiplas testemunhas presentes para confirmar o negó cio.
Quando Boaz toma posse da terra, ele também toma Rute como sua esposa em um
casamento de levirato.
A transaçã o é selada. Ele tomou posse da terra e tomou posse de Rute como sua esposa.
Novamente, como mencionado anteriormente, neste caso específico, nã o há necessidade de
um período ou cerimô nia de noivado. Aparentemente, ela se tornaria imediatamente sua
esposa, porque este é um casamento de levirato. Ele está assumindo o casamento de outro.
É claro, esse casamento incluirá suscitar uma semente para Elimeleque que herde sua terra
e dê continuidade a seu nome.

 
Rute 4.11-12

Todo o povo que estava na porta e os anciã os disseram: Somos testemunhas;  o Senhor faça a esta mulher,
que entra na tua casa, como a Raquel e como a Lia, que ambas edificaram a casa de Israel;   E tu, Boaz, há -te
valorosamente em Efrata e faze-te nome afamado em Belém. Seja a tua casa como a casa de Perez, que
Tamar teve de Judá , pela prole que o Senhor te der desta jovem.

Os anciã os afirmam todos os propó sitos das açõ es de Boaz. Eles colocam seu selo de
aprovaçã o na transaçã o como testemunhas; logo, ela foi ratificada. Também temos as
bênçã os gêmeas que sã o dadas nos versículos finais, uma dos anciã os e outra das mulheres
da cidade. As conexõ es que eles fazem com personagens anteriores da histó ria de Israel sã o
necessá rias. Elas ajudam a lançar luz sobre vá rios aspectos dessa histó ria.
Os anciã os dã o uma bênçã o tríplice. A primeira é: “o Senhor faça a esta mulher, que entra
na tua casa, como a Raquel e como a Lia, que ambas edificaram a casa de Israel”. Rute é
ligada à s matriarcas de Israel.
Segundo: “há -te valorosamente em Efrata e faze-te nome afamado em Belém”. De fato, Boaz
se tornou famoso, nã o apenas em Belém, mas em todo Israel. Nã o apenas com este livro,
mas também por um dos grandes pilares no templo de Salomã o que tinha seu nome. Além
disso, ele se torna membro da linhagem messiâ nica e é registrado nas genealogias de Jesus
Cristo no Novo Testamento.
A terceira bênçã o é: “Seja a tua casa como a casa de Perez, que Tamar teve de Judá ”. Essa
terceira bênçã o liga toda a histó ria com Gênesis 38 e o conceito do casamento por levirato,
o que estava em vigor nessa histó ria.

 
O papel de Tamar no evangelho de Rute
Há vá rias coisas a observar diante da conexã o com Gênesis 38. Rute é uma nova Tamar.
Enquanto Tamar se vestiu de prostituta e enganou Judá , Rute se vestiu de noiva e se
aproximou de Boaz, mas as duas estã o agindo pelas mesmas razõ es. A preocupaçã o
principal delas é a linhagem pactual. Embora suas açõ es possam parecer imorais, as açõ es
nã o devem ser vistas dessa maneira dentro da estrutura da lei bíblica. Judá se condena e
justifica Tamar depois que ele percebe o que aconteceu. E a maneira como o livro de Rute
se desenrola justifica Rute de qualquer erro. Ela foi a Boaz porque, no entendimento dela e
de Noemi, ele era o parente mais pró ximo. Ele seria o candidato a se tornar resgatador.
Obviamente, nã o podemos dizer que as açõ es de Tamar e Rute servem de padrã o para as
mulheres cristã s de hoje ou jovens que procuram maridos. Mas Tamar e Rute agiram por
causa de suas preocupaçõ es com a promessa da aliança e a linhagem da semente, e isso é
exemplar. Por esse motivo, elas servem de modelo para nó s. Judá é a tribo escolhida e, se a
semente da mulher prometida no Gn 3.15 deve vir ao mundo, a linhagem deve ser
perpetuada. O leitor deveria ser grato pelo que essas mulheres fizeram, porque, sem elas,
nã o haveria advento nem redençã o. É por meio dessas mulheres que a linhagem chega a
Jesus. Em 1 Tm 2.15, Paulo diz que as mulheres sã o salvas pela missã o de mã e.  Essas
mulheres sã o salvas por gerar filhos, nã o apenas no sentido de serem resgatadas de
situaçõ es difíceis da vida, mas também porque estã o participando da histó ria da redençã o.
No livro de Rute, a mulher desempenha seu papel perpetuando a semente, culminando por
fim em Maria, que traz a semente prometida ao mundo.
É importante reafirmar que Tamar e Rute sã o viú vas buscando casamentos por levirato. As
duas foram gentias enxertadas na aliança através de um casamento de levirato. As açõ es de
Rute nã o apenas lembram Tamar, mas Boaz também é comparado a Perez: "Seja a tua casa
como a casa de Perez". Por que Perez? A casa de Perez era muito maior que a casa de seu
irmã o, Zera. De fato, a casa de Perez era tã o grande que teve de ser dividida. Em Nú meros
26, aprendemos que Perez é tã o frutífero que seus descendentes devem ser divididos em
duas famílias distintas, lembrando a promessa de Deus a Abraã o e a bênçã o que Deus deu a
Rebeca em Gênesis: a expansã o de suas famílias. Dessa maneira, as bênçã os no livro de
Rute apontam para o crescimento e a plenitude do reino de Deus.

 
Rute 4.13

Assim, tomou Boaz a Rute, e ela passou a ser sua mulher; coabitou com ela, e o Senhor lhe concedeu que
concebesse, e teve um filho.

Descobrimos que o casamento de Rute e Boaz, de fato, produziu um filho. A criança foi um
dom do Senhor, como todas as crianças sã o. Concepçã o, nas Escrituras, sempre se deve à
açã o do Senhor. O palavreado no versículo 13 apresenta essa ideia. Nã o é Boaz, mas o
Senhor que finalmente a faz conceber. É importante lembrar que Rute foi casada
anteriormente, mas nã o tinha concebido um filho. O fato de o texto mencionar o Senhor lhe
concedendo a concepçã o sugere que Rute teria sido estéril à parte de alguma intervençã o
especial do Senhor. Como todas as outras matriarcas do livro de Gênesis que sã o estéreis
até que Deus intervenha e abra seu ventre, o mesmo acontece com Rute. O Senhor age
através de Boaz da forma como ele agiu através de Abraã o. Ele faz por Rute o que ele fez
por Sara. Essas sã o as conexõ es que devemos fazer. Ela já tinha sido casada por dez anos,
por isso é seguro assumir que ela era estéril. Mas aqui o Senhor age em seu favor.

 
Rute 4.14-17

Entã o, as mulheres disseram a Noemi: Seja o Senhor bendito, que nã o deixou, hoje, de te dar um neto que
será teu resgatador, e seja afamado em Israel o nome deste. Ele será restaurador da tua vida e consolador
da tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deu à luz, e ela te é melhor do que sete filhos. Noemi tomou o
menino, e o pô s no regaço, e entrou a cuidar dele. As vizinhas lhe deram nome, dizendo: A Noemi nasceu
um filho. E lhe chamaram Obede. Este é o pai de Jessé, pai de Davi.

Perceba que essa bênçã o é dirigida a Noemi, nã o a Boaz ou Rute. Por quê? Porque ela serve
para reverter o discurso de Noemi para as mulheres em Rute 1.20-21. Agora, todos os
problemas enfrentados por Noemi no início da histó ria foram resolvidos e agora elas a
chamam de abençoada. Deus a restaurou.

6. Um final doxológico
 
Ao chegarmos ao final do livro, as mulheres da cidade louvam o Senhor (Rute 4.14). Deus
recebe crédito por todas as coisas boas que aconteceram. Deus provocou uma série de
reviravoltas surpreendentes. Ele trouxe Noemi do vazio à plenitude. Noemi estava
culpando o Senhor, mas agora Deus recebe gló ria por restaurá -la. Ela era viú va, mas agora
ela tem um homem que a protegerá e proverá . Ela nã o tinha filhos, mas agora uma criança
foi suscitada para substituir os filhos perdidos. Ela corria o risco de morrer de fome, mas
agora desfruta da abundâ ncia e prosperidade da casa de Boaz. Deus providenciou descanso
e salvaçã o holísticos para Noemi e Rute. Isso é apropriado, pois o evangelho é uma
mensagem de inversã o. O evangelho é a mensagem de Deus trazendo vida da morte,
absolviçã o da culpa, justiça da injustiça. O evangelho é a mensagem de reversã o quando o
segundo Adã o desfaz a maldiçã o do primeiro Adã o.
O filho nascido de Rute e Boaz é chamado de goel , um resgatador. Considere a linguagem
de Rute 4.15: “Ele será restaurador da tua vida”. A linguagem indica um resgatador e, se é
afirmado que o filho é um goel , a pergunta é: quem é o verdadeiro resgatador? É Boaz ou o
filho que nasceu, Obede? A resposta é ambos. Cada um a seu modo prenuncia Jesus Cristo.
Essa resposta pode apontar para a frustraçã o de algumas pessoas com a tipologia bíblica:
como pessoas diferentes podem desempenhar o mesmo papel na mesma histó ria? É porque
Jesus é tã o multifacetado e tã o pleno que uma pessoa nã o é o bastante para simbolizá -lo.
Assim como a igreja nesta histó ria é simbolizada por Noemi e Rute juntas, também Jesus
Cristo é simbolizado por Boaz e por Obede. Cristo é marido e filho. Ele é Boaz e Obede. Ele é
a semente da mulher. Ele é o filho da promessa, que, como Isaque, é sacrificado. Mas, ele
também é o marido que casa com a viú va como segundo Adã o e que faz com que o povo, a
Noiva, seja frutífero. Todas essas coisas estã o em operaçã o nesses versículos finais. Na
tipologia de Rute, casamento e nascimento sã o misturados.
Até agora, a histó ria se concentrou em Boaz como marido e figura de Cristo. Mas, agora, há
uma mudança para Obede como a figura de Cristo, a semente prometida da mulher. Será ele
quem cuidará de Rute e Noemi na velhice. Ele é o substituto dos filhos perdidos em Rute 1.
As mulheres dizem: “seja afamado em Israel o nome deste”, lembrando a promessa divina a
Abraã o de tornar seu nome grande. Este é um verdadeiro filho de Abraã o que será
engrandecido. Seu nome nã o somente será preservado, como também exaltado.
Em Rute 4.15, elas dizem: “Ele será restaurador da tua vida e consolador da tua velhice”.
Isso é vocabulá rio messiâ nico, ecoando a linguagem encontrada em toda parte das
Escrituras. Cristo nos dá a vida da ressurreiçã o e um futuro seguro. É isso que Obede fará
simbolicamente. Devemos enxergar essas coisas tipologicamente, mas também devemos
olhar para elas de um â ngulo prá tico. Em uma cultura bíblica, espera-se que as crianças
cuidem de seus pais, até avó s, em sua velhice; vemos isso por toda a Escritura. Os idosos
eram valorizados. Eles nã o eram evitados ou negligenciados, mas seu cuidado é garantido
por causa dos filhos.
Rute também é exaltada nesses versículos finais. Rute ama Noemi e é melhor que sete
filhos. Sete filhos, é claro, era o ideal do Antigo Testamento, mas a narrativa declara que
Rute é melhor que sete filhos. À s vezes, as pessoas acusam a Bíblia de ter um viés patriarcal
e desvalorizar as mulheres. A Bíblia nos ensina sobre as diferenças entre homens e
mulheres, mas ela nã o privilegia os homens de uma maneira que é degradante para as
mulheres. De fato, o texto mostra que, neste caso, uma mulher é melhor que sete homens.
Essa bênçã o também indica uma reversã o total. Noemi voltou sem filhos, de mã os vazias,
mas voltou com Rute, com alguém que seria melhor nã o apenas do que os dois filhos que
ela perdeu — ou mesmo seu marido, um terceiro homem — mas melhor que sete homens.

 
Aplicando o evangelho de Rute
Alguns expressam preocupaçã o de que, quando lemos a Bíblia através de uma estrutura
tipoló gica, a aplicaçã o do texto se perca. A questã o a se considerar é: “Como você aplica
essa histó ria se ela é projetada para nos mostrar o evangelho?”. A resposta: o evangelho é
sempre aplicá vel. Como essa histó ria se aplica? Em Rute 3.18, Noemi diz a Rute: “Espera,
minha filha, até que saibas em que darã o as coisas, porque aquele homem nã o descansará ,
enquanto nã o se resolver este caso ainda hoje”. O livro de Rute oferece um conselho
semelhante à Noiva de Cristo: “Espere”. Assista a salvaçã o do seu Deus. Você pode
descansar porque Deus cuidará disso, através de Jesus Cristo, o resgatador. A questã o da
salvaçã o está resolvida. E Deus nã o apenas nos dá sua palavra, como Boaz deu a Rute sua
palavra, como ele também nos dá com um sinal, um sacramento, da forma como Boaz deu a
Rute o sinal das seis medidas de cevada. Em Cristo, temos algo melhor do que seis medidas
de cevada. Temos os sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor. Estas sã o as garantias
divinas para nó s de que Ele cumprirá e resolverá a questã o da nossa redençã o.
Outras liçõ es e aplicaçõ es éticas podem ser extraídas do livro de Rute. A principal é
resumida pela palavra hesed . A melhor traduçã o é "fidelidade pactual" ou "amor pactual". É
a manifestaçã o da lealdade à aliança. É o cumprimento de suas obrigaçõ es para com outra
pessoa. Deus mostra hesed para nó s na forma como ele cumpre sua aliança. Mas nó s, por
outro lado, devemos demonstrar hesed a ele e uns aos outros. O Livro de Rute materializa
esse tema; uma troca entre o hesed de Rute e o hesed de Boaz. Rute também mostra isso da
maneira como ela se liga a Noemi.
Rute poderia ter pensado que era possível ter um futuro muito melhor se ficasse em
Moabe, mas em algum momento ao longo do caminho, ela aprendeu o suficiente da verdade
para saber que o Deus de Israel era o Deus verdadeiro. Ficar em Moabe seria idolatria.
Assim, ela se vincula em uma aliança que é mais forte que a aliança de casamento. Nã o
apenas uma aliança “até que a morte nos separe”, mas um vínculo além da morte. Ela
entrelaça completamente seu futuro com o de Noemi, que, é claro, na época parece bastante
sombrio. Esta é sua manifestaçã o de hesed . Boaz a elogia por sua hesed ao voltar com
Noemi. Mais tarde, quando Rute vai se encontrar com Boaz na eira, ele a elogia novamente.
Ele diz que esse ato de hesed é ainda maior que o primeiro ato de hesed . Uma coisa era
voltar com Noemi de Moabe para uma terra estranha. Mas, agora, ela se supera, propondo
um casamento de levirato a Boaz para suscitar um substituto para o marido e filhos
falecidos de Noemi; esse é um grande ato de hesed. Boaz também manifesta hesed .  Ele nã o
apenas permite que Rute venha e colha em seus campos, mas também lhe concede
privilégios especiais, acima das oportunidades normais de coleta. Mais tarde na histó ria,
Boaz promete a ela que fará com que ela seja resgatada. Se ele nã o puder fazer isso, ele vai
garantir que o parente mais pró ximo o faça. Ele é um homem de palavra e um homem de
hesed.
Ajudar outros membros da aliança em necessidade é a essência de ser fiel à aliança. Rute
ajuda Noemi e Boaz ajuda Rute e Noemi. Este é o fluxo da histó ria. Noemi e Rute estavam à
beira da pobreza e da fome, e Boaz providenciou a salvaçã o delas com seus recursos e
abundâ ncia. Podemos pensar em analogias em nossa experiência pessoal. À s vezes, as
pessoas que conhecemos estã o necessitadas de maneiras diferentes. Elas podem estar
solitá rias ou emocionalmente magoadas. Elas podem precisar de alguém que caminhe junto
e as encoraje. Estes sã o exemplos de maneiras como podemos manifestar hesed uns pelos
outros.

 
O nome da criança
O nome da criança nascida de Boaz e Rute é Obede. O nome nã o era comum em Israel. As
mulheres da cidade lhe deram o nome. O nome Obede significa "servo". É provavelmente
uma forma abreviada de Obadias, que significa "servo de Yahweh". Quando pensamos no
servo do Senhor, nossos pensamentos podem voltar-se para Isaías e sua profecia de um
servo futuro que cumprirá a vontade do Senhor. Ele resgatará o povo ao sofrer pelo povo,
como descreve Isaías 53. Ele também será vitorioso, conforme descrito em Isaías 60-62. O
nome, entã o, é um título messiâ nico. E isso é apropriado porque Obede é um tipo do
Messias. Ele é uma espécie de figura do resgatador. Podemos dizer que Jesus é o Obede
final.
O pró prio Davi é chamado de Obede do Senhor repetidamente. Em mais de 30 vezes no
Antigo Testamento e diversas vezes no Novo Testamento, a Bíblia identifica Davi como o
Obede do Senhor. Obebe aponta para Davi, que, por sua vez, nos leva a Jesus. Marcos 10 diz
que Jesus nã o veio para ser servido, mas para ser um Obede para seu povo.

 
Rute 4.18-22

Sã o estas, pois, as geraçõ es de Perez: Perez gerou a Esrom, Esrom gerou a Rã o, Rã o gerou a Aminadabe,
Aminadabe gerou a Naassom, Naassom gerou a Salmom, Salmom gerou a Boaz, Boaz gerou a Obede, Obede
gerou a Jessé, e Jessé gerou a Davi.

O livro termina com uma genealogia. Este nã o é apenas um apêndice anexado ao fim da
narrativa. Pelo contrá rio, é o clímax da histó ria. Alguns sugerem que essa genealogia é uma
adiçã o posterior, mas a leitura mais natural indica que a genealogia foi incluída desde o
início porque é parte integrante do significado do livro. Ela dá ao livro seu significado
teoló gico coerente. Sem essa genealogia no final, o livro de Rute é uma histó ria bonita, mas
provavelmente nã o é digna de inclusã o no câ non.
A ú ltima palavra do livro é o nome “Davi”, depois de uma recontagem de dez geraçõ es. O
livro de Rute conecta-se historicamente com o final do livro de Juízes. Lembre-se: Rute se
passa na era dos juízes e é uma resposta aos problemas que foram identificados no livro de
Juízes. Juízes termina com o povo de Deus precisando de um rei. O livro de Rute termina
com o nome Davi, mostrando-nos o rei prototípico.
Davi também faz parte da primeira geraçã o de filhos de Judá — desde Perez, o filho
ilegítimo que nã o pô de entrar na assembleia do Senhor — que teria sido qualificado a
entrar na assembleia e ocupar um cargo em Israel. Como descendente de Judá , Davi
segurará o cetro (Gn 49.10).
A lista de dez geraçõ es no livro de Rute também faz alusã o à s genealogias no livro de
Gênesis. Em Gênesis, existem duas passagens com listas de dez geraçõ es (Gênesis 5 e
Gênesis 11). A genealogia em Gênesis 5 termina com Noé e a de Gênesis 11 culmina em
Abraã o. Para Davi, essa genealogia o coloca no mesmo papel histó rico-redentor de Noé e
Abraã o. Assim como aqueles novos homens eram novas figuras de Adã o que iniciaram
novas fases da histó ria, Davi iniciará uma nova fase da histó ria para o povo de Deus. A
palavra hebraica toledot usada em Rute 4 para introduzir a genealogia é a palavra que
Gênesis usa em diversos momentos para introduzir novas histó rias. É a palavra usada em
Gênesis 5 e Gênesis 11 onde sã o fornecidas as listas de dez geraçõ es. O livro de Rute
funciona como um novo Gênesis. Rute é o oitavo livro do câ non hebraico; o nú mero oito
que significa nova criaçã o. O povo de Deus está entrando em uma nova criaçã o por meio de
Davi. Davi é uma nova figura de Noé e uma nova figura de Abraã o. Ele é rei e profeta, e
recomeçará toda a histó ria de Israel.

Apêndice A — Uma teologia da Terra


 
Vamos dizer que você estivesse lendo sua Bíblia continuamente de Juízes a Rute. No fim do
livro Juízes, você lê este refrã o: “Naqueles dias, nã o havia rei em Israel; cada um fazia o que
achava mais reto”. Entã o você encontra o começo de Rute: “Nos dias em que julgavam os
juízes, houve fome na terra; e um homem de Belém de Judá saiu a habitar na terra de
Moabe, com sua mulher e seus dois filhos”. Neste momento da histó ria, durante o período
dos juízes, todo mundo está fazendo o que é reto aos seus olhos. Isso é o que acontece no
livro de Rute: Elimeleque retira sua família da terra da promessa e desce para Moabe. Em
vez de arrepender-se na terra, ele parte em um exílio autoimposto para fora da terra.
Há alguma importâ ncia em Elimeleque ter deixado a terra da promessa? Que papel a terra
tinha no Antigo Testamento? Em nossa época, os cristã os nã o tratam nenhum pedaço de
terra em particular como santo, porque Deus nã o nos encontra em um espaço individual de
solo, mas onde dois ou três se reú nem em seu nome. De fato, a fé cristã é talvez a ú nica
grande religiã o mundial que nã o está ligada a um lugar específico. A grande maioria das
outras religiõ es está ligada à á rea onde elas se originaram. Por exemplo, o budismo tem
permanecido primariamente asiá tico e o Islã principalmente no Oriente Médio. Mesmo
quando um muçulmano deixa o Oriente Médio, ele ainda está ligado à Meca de alguma
maneira. Sua fé é geograficamente limitada. Da mesma forma, judeus que vivem fora da
terra de Israel costumam fazer peregrinaçõ es porque sua fé está ligada a um pedaço
específico de terra que é considerado mais santo que outros lugares.
Mas este nã o é o caso da fé cristã . A igreja nã o tem centro geográ fico. É uma fé
continuamente em movimento. Sim, a igreja começou em Jerusalém, mas a populaçã o cristã
mudou-se rapidamente para o norte e oeste da á rea do Mediterrâ neo. Mais tarde, a igreja
gravitou em direçã o à Europa Ocidental e América do Norte. Agora a igreja está explodindo
no sul global e na China. A igreja nã o é ligada a um lugar mais do que é ligada a uma língua
ou cultura.

 
Terra de confusão
Para entender completamente o papel da terra em Rute 1, precisamos completar uma
pesquisa bíblico-teoló gica. Vamos começar com a terra da Palestina. Esta terra certamente
teve uma posiçã o especial durante um período específico da histó ria na Antiga Aliança,
antes da vinda de Cristo. Mas, ela ainda é especial ou ú nica de alguma forma hoje?
Há muita confusã o sobre Palestina na igreja de hoje. Como resultado, muitos de nossos
políticos ficam confusos quando se trata da política do Oriente Médio. O estado geopolítico
de Israel nã o tem uma posiçã o pactual especial, nenhuma promessa especial, e deveria ser
tratado pelos cristã os como qualquer outra naçã o. Os Estados Unidos podem ou nã o
considerar Israel um aliado ú til, mas nã o há motivo teoló gico para Israel ser favorecido
acima de qualquer outra naçã o que negue Cristo. Se os Estados Unidos mantêm uma aliança
com Israel, deve ser porque Israel compartilha mais de nossos valores culturais e
interesses econô micos que as outras naçõ es da regiã o, embora deva permanecer uma
preocupaçã o cristã o fato de o evangelismo ser proibido pela lei israelense.
É possível fazer diversas perguntas: Por que a terra tinha uma posiçã o especial sob a Antiga
Aliança e nã o sob a nova? Há alguma contraparte tipoló gica na Nova Aliança para a terra
santa da Antiga Aliança? A perda de uma terra santa especial significa que a transiçã o da
Antiga Aliança para a Nova Aliança implica uma mudança do físico para o nã o-físico? As
pró ximas sete proposiçõ es sã o apresentadas para responder a essas perguntas. Essas sete
proposiçõ es nos conduzirã o pela histó ria da terra da promessa.
Primeiro, a terra foi incluída na promessa de Deus a Abraã o. Vemos essa promessa repetida
vá rias vezes (Gn 12.1; Gn 15.18; Gn 17.8). A terra é uma das bênçã os que Deus promete
conceder a Abraã o e seus descendentes. É claro, à luz da histó ria de Gênesis, isso deve ser
visto como uma renovaçã o ou restauraçã o do Jardim do É den. Adã o foi expulso do Jardim
do É den, mas agora Deus promete restaurar a posse do santuá rio-jardim. Ele reverterá o
exílio de Adã o.
Segundo, embora Abraã o e outros patriarcas tenham ocasionalmente vagado pela terra
como estrangeiros, a terra finalmente se tornou propriedade dos descendentes de Abraã o
apó s o êxodo. Josué liderou a conquista da terra, e isso se tornou um privilégio distinto
para Israel: habitar no lugar onde Deus colocou seu nome, no novo É den. Os gentios
podiam vir e habitar na terra, mas mesmo assim os gentios nã o podiam tornar-se
residentes permanentes porque as porçõ es de terra revertiam para o antigo dono de vez
em quando, segundo as leis que Deus deu ao seu povo. A terra era uma propriedade
permanente de Israel, e os gentios nã o podiam viver nela do mesmo jeito. É claro, a grande
maioria dos gentios foi totalmente excluída. Isso nã o significa que os gentios nã o pudessem
ser salvos na Antiga Aliança. O livro de Rute refuta essa ideia pois a pró pria Rute é gentia.
De fato, existem outros exemplos de gentios tementes a Deus na Antiga Aliança. [11]

Entretanto, em relaçã o à proximidade de Deus e privilégios especiais da aliança, essas


bênçã os pertencem a Israel, e nã o à s naçõ es da era da Antiga Aliança.
Terceiro, em Dt 28.64-66, Deus prometeu expulsar o povo de Israel da terra se eles fossem
infiéis:
O Senhor vos espalhará entre todos os povos, de uma até à outra extremidade da terra. Servirá s ali a outros
deuses que não conheceste, nem tu, nem teus pais; servirá s à madeira e à pedra.  Nem ainda entre estas
naçõ es descansará s, nem a planta de teu pé terá repouso, porquanto o Senhor ali te dará coraçã o tremente,
olhos mortiços e desmaio de alma.  A tua vida estará suspensa como por um fio diante de ti; terá s pavor de
noite e de dia e nã o crerá s na tua vida.
De fato, foi isso que aconteceu. Primeiro aconteceu com Israel no norte em 722 a.C. e entã o
com Judá no sul em 586 a.C. A ideia é que a terra santa nã o pode tolerar um povo profano.
Quarto, os mesmos profetas que anunciaram que o exílio era iminente também
prometeram um retorno do exílio em um novo êxodo. Assim como o primeiro êxodo levou
à posse da terra, os profetas descreveram um retorno à terra usando a linguagem de um
novo êxodo. Isso aconteceu, em certo sentido, sob o imperador Ciro, por volta de 516 a.C.
Esdras, Neemias, Ageu e outros livros do Antigo Testamento descrevem as pessoas sendo
restauradas na terra. Há uma certa reconquista. O templo é reconstruído e as pessoas
habitam na terra de novo. Mas, nem todos os israelitas voltaram, e Israel nunca foi uma
entidade geopolítica, pelo menos nunca foi por muito tempo. Israel jamais teve de novo o
tipo de independência geopolítica que tinha anteriormente em sua histó ria sob os gloriosos
reinados do rei Davi e do rei Salomã o. Na Aliança da Restauraçã o (uma maneira de
designar melhor esta era), a gló ria de Israel era maior, mas também mais oculta que antes
e, embora a base de operaçõ es de Israel fosse certamente Jerusalém, a naçã o continuou a
interagir fortemente com naçõ es gentias de uma maneira missional. Deus estava fazendo
seu povo habitar em um império gentio.
Quinto, em 70 d.C., os israelitas foram novamente expulsos da terra e espalhados pelas
naçõ es. Esse julgamento foi uma puniçã o por crucificar Jesus e perseguir sua igreja. O que
aconteceu em 70 d.C. foi significativo porque encerrou a situaçã o especial de Israel como
naçã o escolhida de Deus. O sacerdó cio real foi tirado de Israel e dado a um novo povo que
daria frutos, que é o novo Israel (Gl 6.16). Os eventos de 70 d.C. marcaram o fim da antiga
criaçã o, com um santuá rio centralmente localizado.
Nos relatos do evangelho, Jesus faz muitas previsõ es sobre a destruiçã o do templo e suas
consequências. Essas previsõ es sã o claras no Discurso do Monte das Oliveiras, encontrado
em Mateus 24, Marcos 13 e Lucas 21. Seus discípulos ficaram muito impressionados ao
passear pelas construçõ es em Jerusalém. Eles dizem para Jesus: “Veja que construçõ es
maravilhosas”. Jesus responde: “Nã o ficará pedra sobre pedra”. Entã o, ele começa uma
descriçã o de como o templo será destruído pelos romanos como juízo de Deus. Este nã o é
apenas um juízo comum; este é o juízo sobre toda a ordem da Antiga Aliança. Em Mateus
23, Jesus diz que a geraçã o atual de judeus será responsabilizada pelo sangue dos justos
que ela derramou, nã o somente sob a aliança mosaica, mas retroativamente até Abel,
primeiro má rtir da histó ria (Mt 23.35-36). Toda a era da antiga criaçã o, que se estende
desde a criaçã o do mundo até o ano 70 d.C., termina quando o templo é destruído. Todo o
sistema da antiga criaçã o, que incluía a circuncisã o, a divisã o judeus/gentios, o sistema
sacrificial, um calendá rio regulado pela lua e o espaço geográ fico sagrado na Palestina (e
todas as leis pertencentes a esse espaço), chegariam ao fim. Assim, devemos concluir que a
terra da Palestina nã o tem mais uma posiçã o especial, certamente nã o mais que a
circuncisã o na era da Nova Aliança. A terra nã o possui mais significado pactual. Nã o há
nada de especial nesse espaço físico particular do Oriente Médio. Aquele sistema inteiro foi
cumprido, julgado e removido.
Por fim, devemos dizer que a aliança de Deus com seu povo continua a ser ligada à herança
da terra. Nã o é como se tivéssemos saído da terra para uma esperança etérea e imaterial.
Pelo contrá rio, na Nova Aliança, a promessa da terra foi expandida para incluir toda a terra.
Agora o mundo inteiro é declarado santo em Cristo. A terra na Palestina que Deus
prometeu a Abraã o era apenas um sinal de uma herança muito maior, a saber, todo o
cosmos. A conquista e posse da terra por Israel era apenas uma prefiguraçã o da herança
muito maior que Deus daria ao seu povo. A igreja está destinada a herdar a terra enquanto
ela cresce e discipula as naçõ es da terra. Quando Cristo voltar, ele libertará completamente
esta criaçã o física dos efeitos do pecado e da queda, e viveremos com Deus em uma criaçã o
física renovada por toda a eternidade. Isso e nada menos que isso é a esperança bíblica que
temos diante de nó s. Assim como seremos ressuscitados e viveremos por toda a eternidade
nos corpos da ressurreiçã o, a pró pria criaçã o passará por uma espécie de ressurreiçã o.
Apocalipse 21-22 descreve o céu e a terra sendo unidos. Esta é a visã o que devemos ter: o
céu e a terra se tornarã o um. Essa sempre foi a intençã o de Deus: casar-se com seu povo e
tornar o céu e a terra um. Esta é a bendita esperança final do povo de Deus.
Nossa esperança nã o é apenas eterna, mas também histó rica. Mesmo agora, a igreja tem a
promessa de que “os mansos herdarã o a terra”. Mesmo agora, a promessa que Deus fez a
Abraã o de uma família global está se cumprindo. Essa promessa é consistente com a
Grande Comissã o de ir e discipular as naçõ es (Mt 28.18-20). Na Grande Comissã o, Jesus diz,
em essência: “Eu prometi a vocês o mundo inteiro; agora vã o e o reivindiquem. Vã o pegar o
que é de vocês”. A comissã o da igreja é ir e encher a terra com os discípulos de Cristo. Mas,
o mandamento é apoiado por uma promessa. A promessa que Deus nos deu inclui nã o
apenas um pedaço de terra, mas a terra em sua totalidade. Um exemplo disso é Paulo
reformulando o quinto mandamento em É fesios 6. Enquanto as crianças judias sob a Antiga
Aliança tinham a promessa de vida longa na terra da promessa, as crianças cristã s em É feso
têm a promessa de uma vida longa na terra . A promessa se aplica nã o apenas à s crianças
judias na terra da promessa, mas à s gentias onde quer que elas vivam. O escopo da
promessa mudou de um pedaço de terra restrito para englobar todo o mundo, assim como
se expandiu de crianças judias a crianças cristã s gentias.

 
Interpretando a Terra através de lentes dispensacionais
Há dois erros comuns cometidos em relaçã o à terra. O primeiro erro vem de enxergar a
terra da promessa através das lentes da teologia dispensacional. O dispensacionalismo
certamente nã o é tã o popular como já foi, mas ainda está presente em alguns segmentos da
igreja evangélica e certamente continua a exercer influência política nos EUA. O erro do
dispensacionalismo é ainda ver a terra de Canaã em si (ou a Palestina, como chamamos
hoje) como especial de alguma forma. Entretanto, isso é uma negaçã o implícita da novidade
da Nova Aliança. É uma negaçã o do alcance global da obra de Cristo, que une crentes judeus
e gentios em uma salvaçã o comum e uma herança comum. Se os crentes judeus recebem
uma promessa que os crentes gentios nã o têm, entã o Paulo está errado em afirmar que já
nã o há distinçã o entre judeus e gentios em Cristo.
As epístolas de Paulo nos mostram continuamente que nã o há diferença entre crentes
judeus e gentios na Nova Aliança; nó s compartilhamos da mesma salvaçã o, das mesmas
bênçã os e da mesma herança suprema. Esse aspecto da Nova Aliança recebe uma atençã o
significativa nas epístolas aos Romanos, Gá latas e Efésios. Em Cristo, a distinçã o
judeu/gentio foi abolida; em Cristo, somos um. Assim, dizer que os crentes judeus merecem
uma promessa especial de terra é uma violaçã o do evangelho. Nã o faz sentido dizer que os
crentes gentios em Cristo têm as bênçã os A e B, mas os crentes judeus em Cristo têm as
bênçã os A, B e C. Assim, a ló gica do dispensacionalismo, que apresenta diferentes bênçã os
salvíficas para judeus e gentios, vai completamente contra a corrente da revelaçã o do Novo
Testamento.
Nã o devemos mais nos referir à terra da Palestina como “terra santa”, assim como nã o
devemos nos referir à circuncisã o como sinal da aliança de Deus com seu povo. Certamente,
pode ser maravilhoso ir à Palestina por razõ es histó ricas. Os eventos mais importantes da
histó ria da humanidade aconteceram ali. Mas, você nã o está mais perto de Deus lá do que
em qualquer outro lugar. Nã o é algum tipo de peregrinaçã o religiosa. Jesus disse que
estaria presente onde quer que dois ou três se reunissem em seu nome. Na Nova Aliança,
nã o precisamos ir ao templo; o templo vem até nó s. O santuá rio celestial se abre para nó s
sempre que clamamos ao Pai em nome de Jesus (Hb 10.19ss).

 
Espiritualizando a Terra e a redenção
O segundo erro é assumir que a promessa da terra da Antiga Aliança foi transformada na
promessa de um céu etéreo na Nova Aliança. É simplesmente errado pensar que a
promessa de Deus nã o acontece mais na dimensã o física. À s vezes, os cristã os se tornam
mais voltados ao céu que voltados à terra. Nã o podemos espiritualizar as promessas das
Escrituras. Nossa esperança final como povo de Deus, o povo da aliança, nã o é ir para o céu
quando morrermos. Certamente iremos para o céu quando morrermos, mas, como já
discutimos, é isso que os teó logos chamam de estado intermediá rio, nã o a fase final de
nossa salvaçã o. Claro, ir para o céu na morte é glorioso. Paulo diz que, por agora, é melhor
estar com Cristo do que estar aqui no corpo. Estaremos livres do pecado e do sofrimento
nesse ponto, mas Paulo também salienta a ressurreiçã o do corpo (1 Co 15) e a renovaçã o
do cosmos (Rm 8.17ss) como a bendita esperança da igreja. O céu é um lugar de espera até
a ressurreiçã o no ú ltimo dia.
O que, entã o, significa pensar nas coisas do alto (Cl 3.1-4)? Significa que devemos focar
nossas esperanças no céu precisamente porque o céu é onde Cristo habita em corpo
atualmente. Pensar nas coisas do alto é pensar em Cristo. Pensa nas coisas do alto, neste
sentido, nã o nos torna inú teis na terra. Pelo contrá rio, isso nos capacita a tornar a terra
como o céu — fazer a vontade de Deus na terra assim como no céu. No fim, céu e terra
serã o unidos. O ambiente céu-terra renovado é nosso destino final. Olhar para o alto é, na
verdade, uma maneira de olhar para o futuro. Focar no céu é focar no futuro.
Muitos na igreja hoje precisam reorientar suas expectativas sobre o futuro. Isso é
importante porque o que acreditamos sobre o futuro tem muitas implicaçõ es para a
maneira como vivemos aqui e agora. Expectativas futuras moldam açõ es presentes.
Compare alguém cuja expectativa final é morar para sempre em um céu etéreo com alguém
cuja esperança final seja a ressurreiçã o do corpo e uma criaçã o física renovada. Quem você
acha que tem mais chance de trabalhar duro agora? Quem você acha que tem mais chance
de ajudar os pobres, nã o apenas pregando para eles, mas também satisfazendo suas
necessidades físicas? Quem irá juntar evangelismo com cuidado social pelas pessoas?
Obviamente, em condiçõ es iguais, quem espera a ressurreiçã o do corpo e a transfiguraçã o
do mundo material ficará mais motivado para lidar holisticamente com as necessidades das
pessoas. Se o corpo será ressuscitado no futuro, esse resultado sugere que devemos
estimar o corpo no presente. O que você faz em seu corpo conta para sempre.
Paulo detalha isso extensivamente em 1 Coríntios 15. Ele defende a ressurreiçã o em todos
os aspectos. A conclusã o de Paulo para este capítulo tem uma reviravolta anti-climá tica. Ele
diz que, como seremos ressuscitados corporalmente, devemos ser firmes, inabalá veis e
sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o nosso trabalho nã o é vã o
(1 Co 15.58). O cristã o tem uma esperança futura em um corpo de ressurreiçã o. Assim, o
que você deveria fazer agora? Trabalhar . Essa é a aplicaçã o que Paulo extrai da
ressurreiçã o futura. Parece estranho. Queremos perguntar: “Paulo, essa é a melhor
aplicaçã o que você pode ter depois de defender por 57 versos a ressurreiçã o?”, mas, na
verdade, faz todo o sentido. O corpo em que você trabalha agora será o corpo que você terá
por toda a eternidade (embora transformado e aperfeiçoado). A criaçã o em que você está
trabalhando agora para transformá -la será , de fato, transfigurada e glorificada no ú ltimo
dia. Todos os seus trabalhos para o Senhor e no Senhor serã o recompensados eternamente.
O Senhor estabelecerá as obras de suas mã os para sempre. O plano de Deus nã o é que
fiquemos tocando harpas pelas nuvens. Viveremos em uma nova criaçã o aperfeiçoada,
onde adoraremos, trabalharemos e nos divertiremos com perfeiçã o.
Abraã o teve fé de ressurreiçã o. Onde ele encontrou a determinaçã o de levar Isaque ao
monte e erguer a faca? Sim, quando ele estava prestes usar a lâ mina em seu filho amado,
Deus o deteve. Mas, por que Abraã o foi tã o longe assim? Hebreus 11 nos diz que Abraã o
tinha a esperança da ressurreiçã o. Abraã o acreditava que, se ele matasse Isaque, Deus o
ressuscitaria. Ele já tinha visto Deus trazer a vida da morte. Afinal, como ele tinha
conseguido Isaque? Deus teve que “ressuscitar” os corpos envelhecidos de Abraã o e Sara
para produzir Isaque. Abraã o acreditava que, se Deus podia ressuscitar o ventre de sua
esposa idosa, certamente ele também poderia ressuscitar seu filho. Essa esperança da
ressurreiçã o levou Abraã o à obediência e moldou sua vida.
Abraã o também sabia que Deus lhe prometera muito mais do que a faixa de terra na
Palestina. Afinal, Deus prometeu a Abraã o uma família mundial: “Em ti serã o benditas todas
as famílias da terra”. Nã o seria possível colocar esse tanto de gente naquela terra. Assim
como ele raciocinou que Deus ressuscitaria Isaque, ele raciocinou que a promessa de terra
se estenderia muito, muito mais do que aquele terreno no Oriente Médio. Ele sabia que
Deus, por fim, abençoaria a terra inteira; a terra inteira deveria se tornar uma terra santa.
Romanos 4 confirma que Abraã o tinha uma fé global, assim como Hebreus 11 confirma que
ele tinha fé na ressurreiçã o. Paulo diz que Abraã o era herdeiro do mundo (Rm 4.13).

 
O propósito tipológico da Terra: a Terra como Cristo
Há uma dimensã o tipoló gica tripla na terra. Primeiro, devemos lembrar que toda tipologia
é, em ú ltima aná lise, cristologia; todos os tipos e sombras da Antiga Aliança encontram sua
realizaçã o em Cristo. Podemos traçar uma linha reta da terra da promessa até o
cumprimento em Jesus Cristo. Na Antiga Aliança, estar na terra é tremendamente
importante. Porém, no Novo Testamento, estar em Cristo substituiu (ou cumpriu) estar na
terra. De acordo com o livro de Josué e o Salmo 95, estar na terra é entrar no descanso de
Deus. A terra existe em um tipo de Shabbath permanente. Entretanto, em Mateus 11, Jesus
declara que ele é o descanso. Agora, o caminho para entrar no descanso de Deus é entrar
em Cristo. Entrava-se na terra passando pelas á guas; da mesma forma, entramos em Cristo
passando pelas á guas do batismo.
Por que há um capítulo inteiro no livro de Gênesis dedicado exclusivamente à s negociaçõ es
de Abraã o por um pequeno pedaço de terra para enterrar Sara depois que ela morrer? É
porque descansar na terra era um sinal e um símbolo de estar em Cristo. É claro, ele quer
que sua esposa descanse ali. Era um sinal de fé. Da mesma forma, considere o pedido de
Jacó a seus filhos em Gn 49.29ss de levar seus ossos para serem enterrados na terra. Por
que isso importa? Essas instruçõ es sã o um sinal de sua fé e seu desejo de estar em Cristo. O
final do livro de Gênesis relata seu enterro na terra, porque é um sinal das coisas futuras; é
uma promessa. Estar na terra é (simbó lica e sacramentalmente) um sinal de estar em
Cristo.
Assim, ser exilado da terra era um sinal de apostasia e exclusã o de Cristo. A linguagem do
livro de Levítico mostra isso. Quando as pessoas estavam em pecado, a lei dizia que a terra
os vomitaria (Lv 18.25, 28). Uma terra santa nã o pode conter um povo profano. Mas, qual é
a contrapartida da Nova Aliança para a terra que vomita apó statas? Em Apocalipse 3, Jesus
diz que ele vomitará membros mornos (infiéis) da aliança. Essa ameaça se aplica aos
membros da igreja que foram incorporados a ela — se eles nã o forem fiéis, Cristo os
cuspirá da sua boca. O que a terra faria ao Israel infiel, agora Jesus ameaça fazer com uma
igreja infiel.

 
Pó santo
Lembre-se de que o primeiro princípio da interpretaçã o bíblica de Agostinho era totus
Christus , o Cristo total, cabeça e corpo. Tipos sã o cumpridos em Cristo, mas nã o terminam
com Cristo; eles têm um “acompanhamento” no povo de Cristo, a igreja. Assim, devemos
perguntar: como a terra também é um tipo da igreja? Devemos pensar em nó s mesmos
como a verdadeira terra santa. Somos a terra santa que ganha vida. Como Deus formou o
primeiro homem? A partir do pó da terra. O que era Adã o? Adã o era terra na qual Deus
soprou vida.
Somos feitos do pó da terra. As Escrituras dizem que maldiçã o da serpente era comer
poeira. Entretanto, as Escrituras também nos dizem que Sataná s é como um leã o buscando
a quem devorar. Sataná s está procurando um pouco de terra para comer.
Que tipo de terra nó s somos? A Bíblia nos chama de santos, o que significa que somos
poeira santa. Nó s somos terra santa. Nó s somos a personificaçã o viva da terra santa. Na
Nova Aliança, você e seus irmã os cristã os sã o um espaço sagrado. Você é a terra, a cidade e
o templo.
Considere como o espaço sagrado funcionava na Antiga Aliança. O sistema de santidade da
Antiga Aliança tinha uma fundaçã o geográ fica, pelo menos simbolicamente. Se você
quisesse se aproximar de Deus, teria de ir ao templo em Jerusalém. Na Nova Aliança, Jesus
diz: “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”. O
lugar sagrado é onde nos reunimos. Por quê? Porque nó s somos o espaço sagrado. Vimos
que estar em Cristo cumpre o que estar na terra significava para Israel. Também podemos
dizer que estar na igreja cumpre o significado de estar na terra santa. As Escrituras nos
apontam para essa verdade de maneira bastante explícita. Em Hb 11.16, temos um sumá rio
do que esses santos da Antiga Aliança procuravam enquanto olhavam para o futuro com os
olhos da fé: “Mas, agora, aspiram a uma pá tria superior, isto é, celestial”. A fé deles
enxergava além da terra da Palestina e via algo maior. “Por isso”, Hebreus diz, “Deus nã o se
envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade”. Em
Hebreus, essa pá tria e cidade celestial sã o praticamente intercambiá veis. Assim, devemos
perguntar: “O que é a pá tria celestial? O que é a cidade celestial que nos foi prometida?”. No
Novo Testamento, descobrimos que é a igreja.
A igreja é a Jerusalém celestial (Gá latas 4, Apocalipse 21-22). Hebreus 12 diz que quando
vamos à igreja, chegamos “ao monte Siã o e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial”.
Qual era o país e cidade celestial que os patriarcas desejavam ver? A igreja. Todas aquelas
entidades geográ ficas e políticas da Antiga Aliança encontram seu cumprimento na
comunidade da Nova Aliança. A terra foi o lugar de habitaçã o de Deus, o lugar onde ele
colocou seu nome; agora, a igreja é o lugar de habitaçã o de Deus, o lugar onde Deus coloca
seu nome.
Por fim, podemos dizer que a terra, considerada tipologicamente, foi um sinal da posse
muito maior que Deus daria ao seu povo, a saber, toda a terra. Agora, toda a terra foi
purificada e é uma morada adequada para Deus. Falar da terra da Palestina como “a terra
santa” é sugerir que o resto da terra ainda é profano e impuro e, portanto, está sob a
maldiçã o de Deus. Se ficarmos tentados a pensar assim, precisamos lembrar que Deus disse
a Cornélio: “Nã o chame impuro ao que Deus purificou” (NVI). Jesus Cristo reivindicou o
mundo inteiro. Se ele nã o parece santo ainda, apenas espere. É só uma questã o de tempo. O
mundo pode nã o parecer um país celestial ou uma cidade santa, mas Deus promete torná -lo
assim.

 
A universalidade da Terra
No período em que a histó ria de Rute ocorre, a presença e promessa de Deus estavam, em
certo sentido, ligados à terra da Palestina. Considere a histó ria de Naamã , o sírio,
encontrada em 2 Reis 5. Naamã era um sírio que contraiu lepra. Seguindo as instruçõ es do
profeta Eliseu, ele é purificado no rio Jordã o. Entã o ele insiste em levar um pouco de terra
da terra prometida de volta para casa (2 Reis 5.17). Isso nos parece um pouco
supersticioso, e seria supersticioso fazer algo assim hoje. Mas nos dias de Naamã , fazia todo
sentido, e é por isso que Eliseu abençoa sua açã o. Naquela época, Naamã sabia que a
presença e as promessas de Deus estavam ligadas a esse pedaço de terra. Ao levar terra de
Israel, ele está levando a presença e santidade de Deus com ele. É um ato de fé, um sinal de
que ele confia no Deus de Israel. É claro, isso também é tipoló gico, prenunciando a extensã o
do espaço sagrado até os confins da terra.
Traga tudo isso de volta a Rute 1 e a decisã o de Elimeleque de deixar a terra. Na Nova
Aliança, somos livres para nos mudar de um lugar para o outro, naçã o a naçã o, sem
qualquer efeito sobre nosso relacionamento com Deus. Podemos nos encontrar com Deus
em qualquer lugar. É claro, há um sentido em que isso era verdade sob a Antiga Aliança.
Entretanto, também é verdade que, sob a Antiga Aliança, a terra de Deus simbolizava a
presença de Deus, e Israel viver na terra era um sinal de que eles desfrutavam da bênçã o de
Deus de uma maneira especial. Deixar deliberadamente a terra apó s a conquista era levar a
maldiçã o do exílio sobre si mesmo. Tipologicamente falando, Elimeleque sair da terra era
essencialmente o equivalente a abandonar a Cristo e a igreja. Elimeleque abandonou sua
herança na terra, o que era um sinal de abandonar sua herança eterna. Previsivelmente,
viver fora da terra trouxe morte.

Apêndice B — Uma teologia das asas


 

Rute 2.12 nos prepara o cená rio quando Boaz diz a Rute: “O Senhor retribua o teu feito, e
seja cumprida a tua recompensa do Senhor, Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar
refú gio”. O que o texto quer dizer quando fala de Rute vindo encontrar refú gio sob as asas
do Senhor? Boaz ora para que Rute seja recompensada pelo Senhor debaixo de suas asas,
onde ela encontrou refú gio. O que isso nos diz sobre Deus? O que isso diz sobre a natureza
da nossa salvaçã o?

Mais tarde no livro (Rute 3.9), Rute dará a Boaz a oportunidade de responder sua pró pria
oraçã o. Na eira à noite, ela virá até ele dirá : “Estende a tua capa [tuas asas] sobre a tua
serva, porque tu és go'el , tu és resgatador”. O que essa imagem da asa significa?

Estender as asas sobre outro era formar um laço pactual com essa pessoa. Ezequiel 16
fornece um vislumbre desse tema, descrevendo o casamento de Deus com Israel da
maneira como ele se uniu em amor ao seu povo. A passagem diz que, quando Israel nasceu,
Deus o batizou; ele o lavou. Provavelmente, isso é uma referência ao êxodo e à travessia do
Mar Vermelho. Deus a lavou na á gua e depois a nutriu para que ela crescesse,
amadurecesse e se tornasse bonita. Entã o, quando chegou a hora, ele se casou com ela. Isso
pode ser uma referência ao que aconteceu no Sinai ou a algum outro ponto da histó ria de
Israel quando Deus entrou em aliança com eles. Ele fez um juramento de casamento para
sua noiva. E, em Ez 16.8, lemos:
“Passando eu por junto de ti, vi-te, e eis que o teu tempo era tempo de amores; estendi sobre ti as abas do
meu manto e cobri a tua nudez; dei-te juramento e entrei em aliança contigo, diz o Senhor Deus; e passaste
a ser minha”, diz o Senhor Deus.

Esta é uma descriçã o poética do casamento de Deus com Israel. É como se Deus fosse um
pá ssaro que estende suas asas sobre sua noiva para protegê-la e guardá -la. Deus abrir suas
asas sobre Israel significa entrar em aliança com eles. É claro, é exatamente isso que Rute
pede que Boaz faça em Rute 3. “Estende tuas asas ou manto sobre mim” é basicamente a
forma de ela dizer: “Case-se comigo. Faça-me tua. Faça um juramento de tornar-me sua
esposa por aliança”.
Um rá pido exame bíblico do conceito de asas revela que os tradutores nos fizeram um
grande desserviço ao nã o traduzirem a palavra consistentemente. A palavra traduzida
como “asa” em Rute 2, Rute 3 e Ezequiel 16 é, à s vezes, traduzida por outros termos.
A origem da figura das asas começa no relato da criaçã o em Gênesis 1, onde lemos que o
Espírito paraiva ou movia-se sobre a terra vazia e sem forma. Encontramos a figura de um
pá ssaro sendo usada para descrever Deus, particularmente o Espírito Santo. Em
Deuteronô mio 32, Deus tira os israelitas do Egito e o texto refere-se a Deus pairando sobre
o povo. É o mesmo palavreado usado no relato da criaçã o de Gênesis 1. O êxodo é uma nova
criaçã o; Israel se torna como uma nova criaçã o. Novamente, Deus paira sobre sua criaçã o,
seu povo recém-formado.
Outro exemplo desse tema encontra-se em Nm 15.37-41:
Disse o Senhor a Moisés: Fala aos filhos de Israel e dize-lhes que nos cantos das suas vestes façam borlas
pelas suas geraçõ es; e as borlas em cada canto, presas por um cordão azul. E as borlas estarã o ali para que,
vendo-as, vos lembreis de todos os mandamentos do Senhor e os cumprais; nã o seguireis os desejos do
vosso coraçã o, nem os dos vossos olhos, apó s os quais andais adulterando, Para que vos lembreis de todos
os meus mandamentos, e os cumprais, e santos sereis a vosso Deus.   Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos
tirei da terra do Egito, para vos ser por Deus. Eu sou o Senhor, vosso Deus.

Quando o texto fala dos cantos da veste, na verdade está falando das asas das vestes. Todo
israelita deveria vestir uma roupa com quatro cantos, ou quatro asas, e em cada canto ou
asa da roupa haveria uma borla azul. Essas borlas azuis eram sinais ou memoriais ao
Senhor e à aliança que ele havia feito com Israel. Talvez você tenha ouvido falar de “leis
azuis”, [12]
como as leis do sá bado, por exemplo. Parece que essas leis azuis se originaram
com os protestantes escoceses, que escolheram usar a cor azul como símbolo da aliança. Os
presbiterianos da Escó cia ficaram conhecidos como as pessoas que eram true blue [azul
verdadeiro], uma expressã o que é utilizada até hoje.
Os israelitas tinham borlas azuis em cada canto ou asa de suas vestes para lembrá -los de
sua aliança com Deus e de como eles deveriam ser leais a ele. Suas asas serviam como
lembretes simbó licos constantes de que eles eram seu povo especial, que foi redimido no
êxodo. Eles eram o seu povo celestial (e o azul é a cor dos céus, claro).
Em Ez 1.6, encontramos os querubins, os guardiõ es angélicos do trono de Deus, com quatro
asas. Se um israelita veste uma roupa com quatro asas, podemos ver imediatamente uma
conexã o entre o israelita e o querubim. A principal funçã o dos querubins era guardar a
santidade de Deus (por exemplo, havia querubins de ouro na Arca da Aliança guardando
gló ria-shekinah de Deus). Israel, em certo sentido, deveria ser uma naçã o de querubins.
Eles deveriam ser um povo semelhante aos querubins, um sacerdó cio real guardando o
trono e a santidade de Deus.
Em Ez 1.8, há uma conexã o simbó lica entre as asas dos querubins e suas mã os. É claro, por
toda a Escritura, as mã os têm relaçã o com poder, autoridade e auxílio. Em Ageu 2, há um
paralelo entre as asas — nesse contexto específico, as asas das vestes — e as mã os da
pessoa. É como se as asas das vestes fossem mã os simbó licas. Eles sã o símbolos de poder,
autoridade e auxílio.
Há numerosas passagens por todo o Saltério e os Profetas que falam de Deus tendo asas.
Algumas dessas passagens estã o entre os textos mais bonitos e poéticos de todas as
Escrituras. Salmo 17.8, por exemplo, diz: “Guarda-me como a menina dos olhos, esconde-
me à sombra das tuas asas”. Assim como alguém faria qualquer coisa para proteger a pupila
dos seus olhos, aqueles que se escondem à sombra das asas de Deus estã o em um lugar de
proteçã o.
Salmos 36.7 diz: “Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade!  Por isso, os filhos dos
homens se acolhem à sombra das tuas asas”. Assim, a benignidade de Deus, seu hesed , é um
amor pactual forte e indestrutível.  O que significa ser protegido e guardado por esse amor
pactual? Significa segurança e proteçã o total. Estar sob a proteçã o das asas de Deus é
glorioso. É salvaçã o. Como Salmos 57.1 diz: “Tem misericó rdia de mim, ó Deus, tem
misericó rdia, pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me abrigo, até que
passem as calamidades”. Onde você se esconde em tempos de calamidade, angú stia e
problemas? Você se refugia sob as asas de Deus. Ali você encontra sua misericó rdia e
provisã o.
Em Salmos 61.4, Davi diz: “Assista eu no teu taberná culo, para sempre; no esconderijo das
tuas asas, eu me abrigos. Obviamente, Davi era um rei, nã o um sacerdote, entã o nã o poderia
habitar no taberná culo. Davi está falando escatologicamente ao prenunciar a Nova Aliança,
quando todos formos levados à presença-templo de Deus. Isso é equivalente a se abrigar
sob as asas de Deus. Estar sob as asas de Deus é ser incorporado ao seu taberná culo ou à
sua presença no templo. Há um tipo de proximidade com Deus que vem com isso.
Outro exemplo se encontra em Salmos 63.7: “Porque tu me tens sido auxílio; à sombra das
tuas asas, eu canto jubiloso”. Assim, as asas sã o um lugar de auxílio; é o lugar onde o poder
de Deus se manifesta para nossa proteçã o. De forma semelhante, veja Salmos 91.4: “Cobrir-
te-á com as suas penas, e, sob suas asas, estará s seguro; a sua verdade é pavês e escudo”.
Deus é como um pá ssaro poderoso que desce sobre nó s e protege-nos com suas asas.
Passando para o Novo Testamento, Jesus retoma esse tema como parte do seu ensino
também. Por exemplo, em Mt 23.37, no contexto de todas as maldiçõ es que ele derrama
sobre os fariseus, Jesus olha para Jerusalém e diz: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os
profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos,
como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vó s nã o o quisestes!”. Entã o, ele
diz: “Eis que a vossa casa” — isto é, o templo — “vos ficará deserta. Declaro-vos, pois, que,
desde agora, já nã o me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do
Senhor!”. Nosso Senhor chora por Jerusalém porque esta é uma cidade rebelde e ímpia. Ela
matou os profetas no passado e está prestes a crucificar Jesus, que é o profeta final e
supremo. Jesus diz: “Eu anseio por cobrir vocês com minhas asas, como uma galinha faz
seus filhotes. Esse tem sido meu desejo, protegê-los e guardá -los”. Como Deus no Antigo
Testamento, Jesus tem asas.
Há outras passagens que nã o usam esse vocabulá rio específico, mas estã o claramente
relacionadas. Por exemplo, o Salmo 133 fala do sacerdote sendo ungido e do ó leo da unçã o
escorrendo sobre o sacerdote, da barba de Arã o, até a borda de sua vestimenta, até a barra
de sua tú nica. Isso significa, é claro, as asas da roupa. A pró pria veste é um símbolo do povo.
Significa que o povo, como um todo, será coberto com essa unçã o sacerdotal.
Outras passagens também levam isso em consideraçã o. Em 1 Samuel 15, quando Saul é
rejeitado como rei sobre Israel, ele agarra a asa, ou canto, da veste de Samuel e a rasga. E
Samuel diz: “O Senhor rasgou, hoje, de ti o reino de Israel”. Isto é, rasgar o canto das vestes
significava que o reino tinha sido rasgado de Saul. Ele perdeu sua autoridade como regente
do reino. Mais tarde, em 1 Samuel 24, Davi secretamente vai até Saul em uma caverna,
esconde-se em um lugar perto de Saul e corta a asa de seu manto, que é um ato altamente
simbó lico.
A asa simboliza o reino; ela simboliza a posiçã o semelhante à de um querubim que Saul tem
como regente sobre a naçã o. Davi tomando o canto da veste é um símbolo de que Davi
tomará o reino de Saul. Mais tarde, Davi se arrepende desse ato porque sabe que atacou
prematuramente a autoridade do ungido do Senhor. Davi tem que esperar o tempo de Deus
para receber o reino. Ele reconhece que apoderar-se da asa foi um ato desonroso. Mas,
permanece a ideia de que o reino será retirado de Saul e entregue a Davi.
Assim, o que temos visto até agora? O canto (asa) da veste representa a aliança. Representa
justiça e proteçã o. Está associado à mã o de uma pessoa, o que tem a ver com poder,
autoridade e auxílio, e com o reino. Todas essas coisas se unem no tema das asas.
Em Rute 3, Rute vai segurar as asas de um judeu. Ela receberá bênçã o e proteçã o dessa
maneira. Em Rute 2, ela busca refú gio sob as asas do Senhor e, em Rute 3, ela toma posse do
cuidado de Boaz e encontra segurança pactual ali.
Estamos construindo uma imagem composta de tudo o que está associado a essas imagens
de asas, e certamente há outras coisas que poderíamos adicionar a esta lista. Mas há uma
histó ria em particular no Novo Testamento que reú ne tudo isso. Em Lucas 8.40-55, lemos
sobre uma mulher que teve fluxo de sangue por doze anos. É claro, esse fluxo de sangue a
tornava ritualmente impura segundo a lei do Antigo Testamento. Sob o có digo levítico,
quando o sangue flui, a vida flui e o resultado é a morte (simbó lica). A mulher de Lucas é
uma morta-viva. Ela é imunda ou simbolicamente morta, o que significa que ela está
excluída do culto em Israel. Sua vida tem sido um inferno. Por doze anos, ela esteve no
exílio; ela foi afastada da comunidade da aliança, incapaz de participar do culto no templo.
E o pior, ela nã o podia ter qualquer comunhã o real com as pessoas porque, como alguém
impuro, tudo o que ela tocava tornava-se impuro. Sua impureza se espalharia para os
outros. Na Antiga Aliança, a morte se espalha (Rm 5.12ss). Porque ela teve o fluxo de
sangue por doze anos, podemos ter justificativa para ver sua condiçã o como um retrato das
doze tribos de Israel sob a lei, sem vida e impuras.
O que ela faz? Quando Jesus passa, ela aparece por trá s e toca a orla com asas das vestes de
Jesus. Ela o agarrou pela asa. Deveríamos pensar em Zacarias 8, e talvez também em Ml 4.2.
Esta é provavelmente a passagem que ela tinha em sua mente. Ela sabe que encontrará a
cura nas asas do “Sol da justiça”. Certamente, de acordo com a lei do Antigo Testamento, o
que teria acontecido quando essa mulher impura tocou Jesus é que a impureza dela teria
passado para ele. Ele deveria ficar contaminado naquele momento. Mas, em vez de a
impureza e a morte dela passarem para ele, a santidade dele passa para ela e derrota a
morte dela.
Assim, com a vinda de Jesus, todo o sistema em que a morte se espalha para todos os
homens é revertido. Agora a santidade, a vida e a justiça se espalham porque Jesus veio e o
Espírito veio. Em Lucas 8.46, Jesus diz “de mim saiu poder”. E ele quer saber quem o tocou.
Em Lucas, o poder está quase sempre associado ao Espírito Santo. É como se, quando a
mulher o toca, o Espírito Santo fluísse através da borda da veste de Jesus para ela e a
restaurasse, trazendo vida a ela e vencendo a morte que estava fluindo dela. Esta mulher
encontra cura nas asas de Jesus

Apêndice C — Graça e boas obras: Um panorama


teológico
 

Em Rute 2, Rute deixa muito claro que ela está impressionada com a graça de Boaz. Ela
pergunta: “Por que encontrei favor aos seus olhos?”. Boaz responde em Rute 2.11 com uma
linguagem que indica que Rute é como Abraã o: ela deixou sua terra natal e chegou a um
povo/terra que nã o conhecia. Em Rute 2.12, Boaz diz: “O Senhor retribua o teu feito, e seja
cumprida a tua recompensa do Senhor, Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refú gio”.
Boaz descreve a recompensa que Rute receberá como um pagamento. “O Senhor retribua o
teu feito.” Como devemos entender isso? O que significa o Senhor retribuir nosso trabalho?
Isso significa que, quando fazemos boas obras para Deus, estamos pagando a Deus — como
colocar uma ficha numa má quina — para que Deus entã o nos pague quando a recompensa
surgir? Nossas obras pagam Deus? Nó s trabalhamos para Deus para que ele nos dê um
salá rio em troca? É este o tipo de relacionamento descrito aqui?
De fato, Boaz também diz que Rute buscou refú gio sob as asas do Senhor. Nó s já vimos que
esse vocabulá rio indica uma profunda relaçã o pactual, semelhante ao de um marido e sua
esposa. É a linguagem do amor, da fé e da graça. Porém, ainda precisamos perguntar: Por
que essa linguagem de retribuiçã o em Rute 2.12? Como isso se encaixa?
Este nã o é o ú nico lugar onde esse tipo de linguagem ocorre. Sob a Nova Aliança, Hb 6.9-10
diz:
Quanto a vó s outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que sã o melhores e pertencentes à
salvaçã o, ainda que falamos desta maneira. Porque Deus nã o é injusto para ficar esquecido do vosso
trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos.
Desejamos, porém, continue cada um de vó s mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza
da esperança; para que nã o vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela
longanimidade, herdam as promessas.

Paulo (ou algum outro escritor inspirado) diz que Deus nã o é injusto para esquecer o
trabalho de amor dos santos. O que isso poderia significar e como se encaixa com o que
sabemos da graça e justiça de Deus?
Hebreus 6 diz que Deus nã o será injusto; sua justiça inclui ter consideraçã o por aqueles que
trabalharam em amor. Deus nã o vai esquecer de retribuir, poderíamos dizer, pelo trabalho
que eles fizeram por ele. A recompensa dada pelas obras realizadas é considerada uma
questã o de justiça (como é considerada uma questã o de retribuiçã o em Rute 2).
Há alguns na histó ria da igreja que consideram isso um tipo de sistema de débito e
pagamento. Nossos pecados sã o dívidas, nossas boas obras sã o pagamento e, com sorte, as
coisas se equilibrarã o a nosso favor no final, com mais crédito do que débito. Porém,
sabemos que tudo na Bíblia vai contra essa interpretaçã o. Mas, ainda precisamos
perguntar: “Como explicamos esse vocabulá rio?”. A menos que desejemos concluir que
Boaz é um herege — uma ideia absurda —, precisamos entender como sua declaraçã o se
encaixa em uma estrutura soterioló gica ortodoxa.
A chave para a linguagem de retribuiçã o é que, quando anda com Deus, você caminha no
caminho da obediência. E, quando você caminha no caminho da obediência, encontra favor,
bênçã o e recompensa. A bênçã o nã o é merecida de forma alguma. Nã o há teologia de
mérito na Bíblia. Nã o há nada que possamos merecer de Deus, nenhuma maneira de
comprar o favor de Deus por nossas boas obras. Nã o podemos arrancar o favor de Deus. A
linguagem de retribuiçã o deve ser entendida como linguagem pactual. É a forma de Deus
dizer que aqueles que andam fielmente em obediência estã o andando no caminho da
salvaçã o, e Deus fará o bem para eles.
Nada aqui é incompatível com a graça. Mas a graça bíblica, a verdadeira graça, nã o apenas
concede perdã o gratuito, mas também traz transformaçã o. Pela graça, somos salvos sem
obras. E pela graça, começamos a fazer boas obras. Pela graça, somos perdoados. E pela
graça, somos transformados. Pela graça, somos aceitos. E, pela graça, nossas obras boas,
mas imperfeitas, sã o aceitas e recompensadas também. O Catecismo maior de Westminster
(R. 32) chama isso de “santa obediência”, onde seu povo caminha no “caminho que Deus
lhes designou para a salvaçã o”.
Joã o Calvino observa: “O ensino da Escritura é que nossas boas obras estã o sempre
salpicadas de muitas manchas… Entretanto, porque as examina em funçã o de sua
indulgência, nã o de seu direito supremo, as aceita exatamente como se fossem as mais
puras possíveis”. Se Deus examinasse nossas obras segundo um padrã o de retidã o
[13]

absoluta, nossas obras sempre estariam em falta e seriam sempre condenadas. Nã o importa
o quanto você esteja sendo correto em um determinado momento, você nã o está fazendo
isso perfeitamente para a gló ria de Deus, perfeitamente com uma fé madura, e
perfeitamente por amor. Assim, isso seria digno de condenaçã o se fosse julgado pelo juízo
supremo de Deus. Mas, como Deus julga seu povo, que está unido a seu Filho pela fé? Ele é
um pai para o seu povo. Calvino diz que Deus os julga como um pai julga o trabalho de uma
criança. Ele julga as obras de seu povo com certa benignidade. “Entretanto”, Calvino diz, ele
as examina “como se fossem as mais puras possíveis; e por isso, ainda que destituídas de
mérito, as galardoa com infinitos benefícios, tanto da presente vida, quanto também da vida
futura”. [14]
Calvino entende a salvaçã o, em certo sentido, como uma recompensa por boas
obras.
Alguns dirã o que essa linguagem sobre retribuiçã o tem a ver com Deus dando benefícios
temporais nesta vida como recompensa por boas obras. À s vezes, eles indicam o livro de
Provérbios e afirmam: se você é piedoso, experimentará as bênçã os de Deus nesta vida.
Mas, essas passagens, eles argumentam, nã o têm nada a ver com salvaçã o. Essa visã o se
aproxima perigosamente do “evangelho da prosperidade”. Muitas pessoas obedecem a
Deus, mas nã o experimentam bênçã os terrenas.
Além disso, nã o é isso que Calvino diz. Ele diz que essas boas obras certamente podem ser
recompensadas com benefícios na vida atual ocasionalmente, mas sã o especialmente
recompensadas na vida futura. Calvino observa:
Pois nã o aceito a distinçã o feita por varõ es de outra sorte doutos e pios de que as boas obras sã o
merecedoras dessas graças que nos sã o conferidas nesta vida, que o ú nico prêmio da fé eé a salvaçã o
eterna, porquanto o Senhor quase sempre coloca no céu a recompensa dos labores e a coroa do combate.
[15]

Calvino diz que a salvaçã o eterna nã o é apenas a recompensa da fé; é a recompensa de uma
fé operante e em amor, ou fé e seus frutos. Ao mesmo tempo, Calvino se guarda de certo
mal-entendido. De acordo com ele, seria contrá rio à s Escrituras afirmar que essas obras
merecem algo:
Portanto, tudo quanto agora se confere aos piedosos em ajuda à salvaçã o, ainda mesmo a pró pria bem-
aventurança, é mera beneficência de Deus. Contudo, tanto nesta, quanto naqueles, ele testifica que tem
consideraçã o pelas obras, porquanto, para atestar a magnitude de seu amor para conosco, digna de tal
honra nã o apenas a nó s mesmos, mas também aos dons que nos prodigalizou. [16]

 
A expressã o “digna de tal honra” tem um papel central no vocabulá rio de Calvino. Também
é uma categoria crucial nas Escrituras. Em Apocalipse 4, os seres viventes afirmam que o
Cordeiro (Jesus Cristo) é digno de receber gló ria, honra e poder. Em Apocalipse 5, o
Cordeiro é novamente declarado digno de receber poder, riquezas e sabedoria. Jesus tem
essa dignidade — de fato, uma dignidade infinita. Mas, o mais impressionante é que as
obras dos santos sã o descritas como “dignas” em Ap 3.4: “Tens, contudo, em Sardes, umas
poucas pessoas que nã o contaminaram as suas vestiduras e andarã o de branco junto
comigo, pois sã o dignas”. A mesma palavra que os santos e os anjos usam para descrever o
Cordeiro de Deus é a palavra que Deus usam para descrever as boas obras do seu povo. Isso
nã o significa que seja possível equiparar a dignidade de Deus e das obras dos santos. Se
estamos falando sobre o amor de Deus por nó s e nosso amor por Deus, nã o queremos dizer
a mesma coisa nesses dois contextos. Mas, há uma conexã o. É precisamente isso que está
acontecendo aqui. Jesus, em sua pessoa e obra, tem um valor infinito. Por causa de nossa
uniã o pactual com Jesus, nossas boas obras também sã o dignas.
Calvino diz: “As promessas do evangelho... nã o apenas fazem com que nó s mesmos sejamos
aceitá veis a Deus, mas também que nossas obras tenham o seu favor”. Esta é uma boa [17]

notícia. Deus está satisfeito com nossas boas obras. A promessa do evangelho é que Deus
nã o somente aceitará nossas pessoas em Cristo, mas também aceitará nossas boas obras
por causa de Cristo. Novamente, Calvino escreve:
Nã o apenas que o Senhor as tenha como agradá veis, mas ainda que as cumule das bênçã os que, em função
do pacto, eram devidas à observâ ncia de sua lei. Portanto, confesso que às obras dos fiéis se atribuem as
recompensas que, em sua lei, o Senhor prometeu aos cultores da justiça e da santidade, contudo nesta
retribuiçã o deve ser sempre considerada a causa que granjeia favor para as obras. Verificamos que, de fato,
esta é tríplice.

A primeira é que Deus, nã o olhando para as obras de seus servos, as quais sempre merecem mais
reprovaçã o do que louvor, os abraça em Cristo, e interpondo-se somente a fé, os reconcilia consigo à parte
da participaçã o das obras. A segunda, que as obras, não as estimando por sua pró pria dignidade, mercê de
sua paterna benignidade e indulgência, lhes imprime certo valor e lhes presta certa atençã o. A terceira,
Deus acolhe a essas mesmas obras com perdã o, sem imputar-lhes qualquer imperfeiçã o, que de tal maneira
as poluem que, de outra sorte, seriam computadas mais aos pecados do que às virtudes. E daqui se faz
evidente quã o profundamente enganados sã o os sofistas que pensaram haver-se evadido magistralmente a
todos os absurdos, quando dissessem que as obras nã o valem por sua bondade intrínseca para que
mereçam a salvaçã o, mas em razã o do pacto que o Senhor, por sua liberalidade, tanto as estimou.
Entrementes, nã o observavam da perspectiva da condição das promessas, o quanto se distanciaram as
obras que queriam que fossem meritó rias, a menos que as precedesse nã o só a justificaçã o sustentada
somente na fé, mas também a remissã o dos pecados, mercê da qual mesmo as boas obras têm
necessariamente de ser purificadas de manchas. Dessa forma, das três coisas da divina liberalidade, mercê
das quais acontece que são aceitá veis as obras dos fiéis, assinalaram apenas uma; suprimiram as outras
duas, e certamente as principais. [18]

Com frequência, dizemos que mesmo nossas melhores obras sã o pecaminosas aos olhos de
Deus e é claro que isso é verdade. Na tradiçã o protestante, enfatizamos que a lei de Deus
exige santidade absoluta e retidã o absoluta; portanto, menos que isso será condenado
diante do padrã o do juízo de Deus. Isso é verdade para aqueles que estã o fora de Cristo.
Mas, certamente nã o é a forma primá ria que Deus quer que pensemos sobre sua lei como
crentes. Deveríamos pensar na lei de Deus nã o como um padrã o de condenaçã o — embora
ela nos condenará se estivermos fora de Cristo e nã o tivermos o perdã o dele — mas, acima
de tudo como instruçã o paternal.
Muitos cristã os acreditam que jamais poderiam fazer algo bom o suficiente para Deus.
Assim como crianças que crescem acreditando que nunca podem agradar a seus pais
terrenos acabam com uma profunda insegurança, também há muitos cristã os que veem seu
Pai celestial como impossível de agradar. Mas nã o é assim que Deus quer que o vejamos.
Deus se agrada e sorri para nó s quando procuramos ser obedientes, mesmo sabendo que
nossa obediência nã o é perfeita. Por meio da mediaçã o de Cristo, as imperfeiçõ es de nossas
boas obras sã o perdoadas (assim como nossos pecados sã o perdoados) e as boas obras que
fazemos sã o aceitas pelo Pai por causa do Filho.
Há uma dinâ mica dupla ocorrendo em Rute 2 (e outras partes semelhantes das Escrituras).
O que os santos dizem quando sã o levados à presença de Deus? Nó s diremos: “Somos
servos inú teis” (Lucas 17.10). Nã o temos nada a oferecer a Deus que possa deixá -lo em
dívida conosco. Mas, o que Deus diz sobre nó s? Ele dirá : “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt
25.23). O que você deve dizer sobre suas obras? “Eu sou um servo inú til, sem mérito”. Isso é
o que Rute diz sobre suas obras: “Nã o sou digna”. Mas, o que Deus diz sobre suas obras? Ele
diz a mesma coisa que Boaz: “O Senhor vai retribuir você. Muito bem, servo bom e fiel”.
Essa é dinâ mica da Bíblia.

 
O paradigma lei e evangelho — Um panorama teológico
A linguagem de retribuiçã o em Rute 2 é, assim, uma promessa do evangelho. Deus a
retribuirá por seu serviço. Nó s sabemos disso porque, no versículo imediatamente anterior
em 2.11, lemos que Boaz respondeu a Rute dizendo: “Bem me contaram tudo quanto fizeste
a tua sogra, depois da morte de teu marido, e como deixaste a teu pai, e a tua mã e, e a terra
onde nasceste e vieste para um povo que dantes nã o conhecias”. Boaz diz que a moabita é
como o pai Abraã o, que deixou sua terra natal e, pela fé, chegou a uma terra estranha que
nã o conhecia. Rute demonstrou fidelidade à aliança no cuidado de sua sogra. Ela tornou-se
essencialmente um membro da naçã o da aliança ao ligar-se a Noemi. É no contexto desse
relacionamento que Boaz lhe diz: “Você receberá retribuiçã o”.
Mas, ainda soa estranho aos nossos ouvidos falar do Senhor nos pagando de volta.
Provavelmente, diríamos algo como “Que o Senhor seja gracioso” ou “Que o Senhor lhe
demonstre misericó rdia”. Nã o estaríamos tã o inclinados a dizer “Que o Senhor lhe retribua”
ou “Que o Senhor demonstre sua justiça”. No má ximo, essas podem ser coisas que estamos
inclinados a dizer para nossos inimigos. Deus vai te pagar pelas coisas ruins que você fez.
Ou, Deus vai trazer justiça pelas coisas má s que você fez. Mas, em Rute 2, a linguagem de
retribuiçã o e justiça nã o é uma ameaça, mas um encorajamento.
A referência à retribuiçã o é um desses lugares onde certos paradigmas ou maneiras de
pensar provam-se um obstá culo para entender realmente os textos das Escrituras. E um
desses paradigmas problemá ticos é o chamado paradigma lei/evangelho. O paradigma
lei/evangelho certamente antecede a Reforma, mas Martinho Lutero o popularizou. Lutero
nem sempre foi consistente em como ele elaborava isso, mas em muitos casos Lutero via a
lei como uma coisa ruim e o evangelho como uma coisa boa. Tudo o que a lei faz é
condenar; tudo o que o evangelho faz é fazer promessas gratuitas e incondicionais. A lei
está cheia de ameaças, e o evangelho é essa mensagem pura e incondicional de boas novas,
de acordo com Lutero. Com certeza, podemos dizer que, se alguém está tentando obter sua
pró pria salvaçã o, a lei nã o fará nada além de condenar essa pessoa. Mas o evangelho
condena essa pessoa também. O evangelho se torna um aroma de morte para o incrédulo.
É claro, o evangelho também faz exigências. O evangelho requer uma resposta em fé
obediente. Sim, esta resposta é em si um dom da graça de Deus, mas é uma resposta que
devemos dar ainda assim.

 
Rumo a um entendimento adequado das obras
Quando vemos passagens como a de Rute 2 — “o Senhor lhe retribua” — isso nã o significa
que Deus está oferecendo a salvaçã o como uma barganha. Na igreja medieval tardia, alguns
acreditavam que, se fizermos boas obras o bastante, Deus nos pagará com a salvaçã o. Mas,
essa lei foi um pouco relaxada. A lei nã o exigia perfeiçã o; Deus relaxou em suas exigências
para se adequarem a nossas habilidades (naturais). Assim, a salvaçã o poderia ser obtida
com uma taxa de desconto. Mas este é um modelo de salvaçã o profundamente falho. A visã o
medieval pegou uma verdade bíblica e a distorceu.
Uma maneira mais precisa de entender a linguagem bíblica seria dizer que, com base na
morte, ressurreiçã o e intercessã o de Cristo, nossas obras podem ser consideradas boas e
santas aos olhos de Deus, e, portanto, Deus pode nos retribuir de forma justa por essas
obras com salvaçã o e com compensaçã o eterna. Deus nã o relaxa sua lei; antes, ele vê nossas
obras à luz de nossa uniã o com Cristo.
A doutrina da justificaçã o dupla de Calvino, ou da aceitaçã o dupla, é ú til aqui. Primeiro,
nossas pessoas sã o justificadas à parte das obras, somente pela fé em Cristo. Mas, depois
disso, há uma segunda justificaçã o de nossas obras, ou de acordo com nossas obras. Em
vista da nossa uniã o com Cristo, o Pai aceita as obras dos crentes como se fossem perfeitas.
Calvino escreve:
Nó s, porém, por outro lado, sem nenhuma referência a mérito, contudo com nosso ensino levantamos o
â nimo dos fiéis com singular consolaçã o, enquanto lhes ensinamos que suas obras sã o agradá veis a Deus e
eles mesmos indubitavelmente lhe sã o aceitos. [19]

Essa verdade é algo que precisamos saber para ter alegria, â nimo, conforto, segurança.
Devemos saber que nossas obras sã o agradá veis a Deus.
No livro de Rute, Boaz diz a Rute que suas obras encontraram o favor de Deus. Ela deveria
se alegrar por saber que Deus está sorrindo para ela e que Deus está satisfeito com a hesed
que ela demonstrou para Noemi. Mas, Rute é perfeita? Nã o diríamos que ela é
impecavelmente perfeita. Sabemos que deve ter havido dias em que ela ficou frustrada com
Noemi, dias em que ela nã o viveu o hesed tã o perfeitamente quanto poderia ter vivido. Mas,
o curso geral ou padrã o de sua vida é agradá vel a Deus e encontra seu favor.
Esta é a forma como deveríamos ver nossas vidas também. Se estamos andando em fé,
nossa caminhada é agradá vel a Deus. Estamos caminhando na direçã o certa. Isso nã o
significa necessariamente que cada passo individual que já demos agrada a Deus, mas o
curso e a direçã o de toda a nossa vida lhe trazem deleite. Se você tirar uma série de retratos
individuais, poderá encontrar fotos de sua vida que sã o desagradá veis a Deus. Mas, um
vídeo de sua vida revelaria que você está indo na direçã o certa, mesmo que isso aconteça
com interrupçõ es. É isso o que significa ser cristã o: você está crescendo, ainda que
lentamente, para a santidade.
No filme Carruagens de Fogo , Eric Liddell diz que sente o prazer de Deus quando corre.
Devemos sentir o prazer de Deus sempre que estamos correndo na direçã o certa. Quando
nã o estamos envolvidos em alguma atividade pecaminosa ó bvia, devemos saber que Deus
está sorrindo para nó s. Claro, mesmo nossas melhores obras deixam a desejar; elas nunca
se conformam perfeitamente aos padrõ es de Deus. Elas sempre podem ser reprovadas ou
corrigidas de alguma forma. Mas Deus ainda está satisfeito com elas. A avaliaçã o das nossas
obras por Deus nã o é tudo ou nada; nã o é uma prova onde qualquer nota abaixo de dez
significa condenaçã o. Nã o, como Calvino diz, Deus nos julga de acordo com sua pró pria
generosidade e longaminidade paterna.
A Confissão de fé de Westminster , capítulo 16, apresenta uma seçã o ú til sobre boas obras.
Ela apresenta a mesma ideia que Calvino: nossas boas obras sã o aceitá veis a Deus porque
Cristo está continuamente intercedendo em nosso favor. Oferecemos nossas boas obras
imperfeitas a Deus, mas antes que elas cheguem a Deus, elas passam por Jesus e ele
preenche o que falta e cobre o que é impuro.
É interessante considerar como Tiago descreve o juízo. Tiago 2.13 diz: “Porque o juízo é
sem misericó rdia para com aquele que nã o usou de misericó rdia. A misericó rdia triunfa
sobre o juízo”. O juízo sem misericó rdia é para aqueles que nã o usam de misericó rdia. Mas,
entã o, o outro lado deve ser verdadeiro: por sua vez, aqueles que demonstram misericó rdia
serã o julgados misericordiosamente. Rute tinha demonstrado misericó rdia? Sim, ela
demonstrou misericó rdia. Por ter demonstrado misericó rdia a Noemi, ela, por sua vez, é
julgada misericordiosamente. Jesus ensinou a mesma verdade na Oraçã o Dominical:
“Perdoa-nos nossas dívidas como perdoamos nossos devedores”. Quando você é uma
pessoa que perdoa, você pode ter certeza de que Deus estará perdoando você. Há um tipo
de lex talonis , uma analogia de olho por olho, dente por dente, aqui, mas ao contrá rio: é
misericó rdia por misericó rdia. Se você demonstra misericó rdia, Deus vai demonstrar
misericó rdia para você. Deus lidará com você da mesma maneira que você lida com os
outros.
O que mais podemos dizer sobre isso? Esse é um tema bíblico bastante amplo que aparece
em muitos lugares, mas nunca recebe a atençã o que merece. Considere algumas outras
passagens. Em Gênesis 22, Deus está lidando com Abraã o. A aliança abraâ mica é
considerada o paradigma da aliança da graça por toda a Escritura, mas escute o que Deus
diz em Gn 22.15-18:
Entã o, do céu bradou pela segunda vez o Anjo do Senhor a Abraã o e disse: Jurei, por mim mesmo, diz o
Senhor, porquanto fizeste isso e nã o me negaste o teu ú nico filho, que deveras te abençoarei e certamente
multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar; a tua
descendência possuirá a cidade dos seus inimigos, nela serã o benditas todas as naçõ es da terra, porquanto
obedeceste à minha voz.

Esta é a aliança da graça, mas Deus está dizendo que, porque Abraã o obedeceu, ele será
abençoado. Sua obediência nã o merece a bênçã o, mas obediência é o caminho para entrar
na bênçã o.
Salmo 18 é um salmo de Davi. No verso 20, lemos: “Retribuiu-me o Senhor, segundo a
minha justiça, recompensou-me conforme a pureza das minhas mã os”. Davi diz que o
Senhor lhe retribuiu por sua justiça. Esse é o mesmo tipo de linguagem encontrado em Rute
2. Se você nã o estivesse familiarizado com este salmo e um irmã o lhe disse: “O Senhor me
recompensou de acordo com minha justiça”, o que você diria? Você provavelmente
exclamaria: “Você entendeu tudo errado. Nã o é assim que isso funciona. Tudo o que
recebemos de Deus é um dom gratuito. Deus nunca nos paga de acordo com a nossa
justiça”. E, no entanto, isso está na Bíblia.
Em ú ltima aná lise, as palavras do salmista sã o as palavras de Cristo. No fim, os salmos
devem ser lidos como oraçõ es e câ nticos do pró prio Cristo. Mas também temos que fazer
justiça ao significado histó rico e original do salmo. Davi escreveu as palavras no salmo 18
como palavras dele. Mas o que ele quis dizer com elas? Ele está alegando perfeiçã o sem
pecado? Nã o, podemos descartar isso rapidamente. Sabemos que, em outro lugar, Davi
confessa que é pecador e era pecador desde o nascimento. O que ele está realmente
afirmando quando diz que foi justo? Ele está afirmando a fidelidade pactual. Ele nã o está
dizendo que viveu perfeitamente em todos os aspectos, mas a direçã o bá sica de sua vida é a
de lealdade à aliança, o que significa que ele procura obedecer a Deus. É claro, isso também
significa que quando ele peca, ele confessa seu pecado, busca o perdã o de Deus e segue
adiante em arrependimento.
Novamente, precisamos perguntar: em que sentido as boas obras imperfeitas que
merecemos sã o bênçã os, recompensas e retribuiçõ es? Em que sentido tudo isso pode ser
uma questã o de justiça? Novamente, com muita frequência, pensamos na justiça de Deus
como algo a ser temido. Porque Deus é justo, ele deve punir nosso pecado. Quase tornamos
a justiça de Deus um sinô nimo de sua ira. Mas se observarmos como a linguagem de justiça
é usada nas Escrituras, encontramos uma realidade mais complexa.
Justiça, definida biblicamente é simplesmente a fidelidade pactual de Deus, a integridade de
Deus. É o compromisso inabalá vel Deus, acima de tudo com ele mesmo, com sua honra e
gló ria. Mas, por causa desse compromisso pessoal, também é uma dedicaçã o inabalá vel de
manter a aliança que ele fez com seu povo. Em outras palavras, Deus apostou sua pró pria
reputaçã o de Deus justo no fruto desse laço pactual conosco. Isto é, a justiça bíblica ou a
retidã o bíblica está completamente fundamentada na aliança e nã o pode ser abstraída da
aliança. Justiça e retidã o nunca operam fora de uma estrutura pactual nas Escrituras. Elas
sã o sempre qualificadas ou definidas pela aliança, o que significa que justiça e retidã o sã o
conceitos relacionais. Deus dá a cada um o que lhe é devido em relaçã o à aliança. A justiça
de Deus é sempre uma boa notícia para o fiel que está unido a Cristo. A justiça de Deus nã o
é sinô nimo de sua ira, embora inclua castigo para quem violar a aliança. A aliança tem dois
lados: de bênçã os para aqueles que têm fé e de maldiçã o para os que nã o têm.
Com frequência, a justiça de Deus é vista em paralelo com sua fidelidade pactual. Temos um
exemplo desse tipo de paralelismo no salmo 143: “Atende, Senhor, a minha oraçã o, dá
[20]

ouvidos à s minhas sú plicas.  Responde-me, segundo a tua fidelidade, segundo a tua justiça”.
No primeiro par de frases, “atende” é sinô nimo de “dá ouvidos”. No pró ximo, a justiça de
Deus é definida em termos de sua fidelidade. O salmista está fazendo um apelo à justiça de
Deus: “Porque você é justo, escute minha oraçã o. Porque você é fiel, ouça essas coisas que
estou colocando diante de você”. Justiça é sinô nimo de fidelidade, especificamente
fidelidade à aliança.
A obrigaçã o de Deus para conosco, entã o, nã o vem de fora, como se tivéssemos alguma
reivindicaçã o intrínseca da salvaçã o de Deus ou como se nossas obras pudessem, de
alguma forma, deixar Deus em dívida conosco. Pelo contrá rio, a obrigaçã o de Deus vem
dele mesmo, de sua determinaçã o pessoal de ser fidedigno e fazer o bem com base em seu
juramento pactual gratuito, nã o importa o que aconteça. Ele nos dá o que merecemos, por
assim dizer, e nos retribui de acordo com as provisõ es do vínculo pactual. Em Gênesis 22,
antes de Deus dizer algo sobre recompensar Abraã o, ele descreve seu juramento pactual.
No contexto, a obediência de Abraã o nã o é uma forma de mérito, mas a resposta adequada
à aliança graciosa.
Na aliança da graça, Deus se torna um pai e um marido para nó s e, assim, ele avalia nossas
obras de acordo com categorias relacionais. Se meu filho desenha um retrato da família
com bonecos de palito, eu nã o os julgo por nã o alcançar os padrõ es de Rembrandt ou de
outro grande mestre da arte. Claro, eu poderia dar ao desenho dele uma crítica estética
devastadora. Mas, como essa é a obra do meu filho, a quem amo e aceito, eu colo o desenho
na geladeira e, quando o vejo todos dias, isso me faz sorrir. Se você visse o desenho, nã o
teria o mesmo efeito, porque nã o foi desenhado por seu filho. Nã o causaria nada em você.
Você só veria um boneco. Mas eu vejo algo que tem valor e é digno por causa do
relacionamento pai/filho.
Devo corrigir o desenho do meu filho e tentar ensiná -lo a desenhar melhor? Sim, claro. E
Deus faz o mesmo conosco. Deus é fá cil de agradar, mas difícil de satisfazer. Ele pode nos
dar reprovaçõ es e correçõ es gentis, mesmo quando recompensa nossos esforços de fazer o
que é certo.
Encontramos outra ilustraçã o disso em Jr 10.24: “Castiga-me, ó Senhor, mas em justa
medida, nã o na tua ira, para que nã o me reduzas a nada”. Quantos de nó s pediríamos a
Deus para nos corrigir em sua justiça? “Deus, mostre-me justiça.” Novamente, temos uma
ideia errada do que é justiça. Ele nã o está pedindo a Deus que nos dê o que merecemos
nesse sentido absoluto, porque todos estaríamos no inferno. Jeremias faz seu pedido dentro
do contexto do relacionamento da aliança, de forma que a justiça deve ser entendida como
justiça pactual de Deus. Dentro desse relacionamento pactual, Deus corrigirá Jeremias
como pai.
Em Daniel 9, o profeta está orando uma confissã o nã o apenas por seus pró prios pecados,
mas pelo pecado do povo. Em Dn 9.16, depois de listar todas as transgressõ es do povo, ele
diz: “Ó Senhor, segundo todas as tuas justiças, aparte-se a tua ira e o teu furor da tua cidade
de Jerusalém, do teu santo monte, porquanto, por causa dos nossos pecados e por causa das
iniquidades de nossos pais, se tornaram Jerusalém e o teu povo opró brio para todos os que
estã o em redor de nó s”. Estaríamos bem mais inclinados a dizer: “Senhor, segundo tua
misericó rdia e graça, aparte-se a tua ira e perdoa o teu povo de seus pecados”. O que Daniel
está fazendo? Ao orar para Deus agir de acordo com sua justiça, ele pede misericó rdia com
base nas promessas de Deus. É como um filho indo até o pai e dizendo: “Pai, lembre-se que
você prometeu que me levaria para assistir futebol se eu fizesse minhas tarefas”. Um pai
justo cumprirá suas promessas; um filho inteligente apelará à justiça do pai como forma de
pedir pelas promessas que foram feitas.
Todos esses aspectos da justiça de Deus estã o incluídos em Rute 2.12. Quando Boaz diz a
Rute: “O Senhor lhe retribua por suas boas obras”, Boaz nã o está pensando como um
pelagiano, ele está pensando como um bom homem da aliança. Ele está falando como
alguém que guarda a aliança fielmente, que entende o relacionamento pai/filho, em que as
boas obras de Rute serã o avaliadas e recompensadas.
Pastoralmente, é importante observar que isso abre uma nova via para a segurança da
salvaçã o. Sabemos que as Escrituras e a Confissão de fé de Westminster ensinam que nossas
boas obras sã o um meio de segurança da salvaçã o, mas muitas vezes é difícil encontrar
segurança em nossa obediência, porque nossas obras nunca parecem estar à altura. Quã o
boas devem ser nossas obras? Como podemos ter certeza de que somos o povo de Deus
quando nossa obediência é tã o imperfeita? Entender a aliança e a dinâ mica pai/filho que
está em açã o é ú til para começar a desenvolver essa ideia bíblica.

Apêndice D — O Goel e o Levir : Uma análise do


Resgatador
 

Alguns temas cruciais ajudarã o a desvendar a rica teologia de Rute 3. Duas questõ es
importantes sã o o goel e o levirato . O primeiro é o nome hebraico para uma instituiçã o do
Antigo Testamento e o segundo é um nome em latim para uma instituiçã o do Antigo
Testamento. O livro de Rute tem um fundamento bastante complexo, profundamento
enraizado na lei mosaica. A histó ria de Rute interage com essas duas importantes
instituiçõ es legais. Na verdade, Rute 3 e Rute 4 nã o fazem muito sentido sem um
entendimento dessas duas instituiçõ es.
Goel é a palavra hebraica para resgatador; o levirato é um tipo de goel . Goel é o conceito
mais amplo dos dois e inclui ou pelo menos tem sentidos em comum com o levirato;
portanto, vamos focar neste tema primeiro. O goel é uma figura crítica no Antigo
Testamento e nos aponta para Jesus Cristo.
Um dos propó sitos principais do livro de Rute é mostra ao povo de Deus sua necessidade
de um goel e prenunciar um resgatador futuro, Jesus Cristo, o Boaz maior. O que é um
resgatador? É um parente que redime e resgata outro membro da família em necessidade.
A instituiçã o pressupõ e solidariedade e vínculos pactuais entre quem está em necessidade
de redençã o e quem realiza a redençã o. O redentor age com base nesse vínculo para
resgatar ou libertar seu familiar, normalmente com grande custo para si. Assim, o
resgatador demonstra hesed , a profunda lealdade à aliança que aparece vá rias vezes no
livro de Rute.

 
As responsabilidades de um resgatador
Quais eram as responsabilidades potenciais de um resgatador? De acordo com Lv 25.48-49,
um resgatador era um parente de sangue pró ximo. Pode ser um irmã o, um tio ou um primo.
Aparentemente, haveria alguma ordem sobre quem assumiria a responsabilidade pela
pessoa necessitada ou que estava com problemas, começando com o parente mais pró ximo.
Um resgatador teria de ser rico o bastante para pagar um resgate pelo parente pobre, fraco,
indefeso ou vulnerá vel. Ou ele teria que ser forte o bastante para vingar o sangue de seu
parente assassinado.
Um resgatador tinha cinco deveres principais. Vamos examinar brevemente cada um.
Primeiro, o resgatador tinha que resgatar um parente que se vendeu como escravo. Sua
primeira responsabilidade é libertaçã o. Encontramos isso em Lv 25.47:
Quando o estrangeiro ou peregrino que está contigo se tornar rico, e teu irmã o junto dele empobrecer e
vender-se ao estrangeiro, ou peregrino que está contigo, ou a alguém da família do estrangeiro...

Assim, se um israelita precisa vender-se como escravo, o israelita está passando pelo êxodo
ao contrá rio. Ele está voltando a uma situaçã o semelhante à escravidã o da naçã o no Egito.
Assim, ele precisa de uma figura semelhante a Moisés que será um resgatador e o livrará
dessa situaçã o. É assim que Lv 25.48-55 descreve:
Depois de haver-se vendido, haverá ainda resgate para ele; um de seus irmã os poderá resgatá -lo: seu tio ou
primo o resgatará ; ou um dos seus, parente da sua família, o resgatará ; ou, se lograr meios, se resgatará a si
mesmo.  Com aquele que o comprou acertará contas desde o ano em que se vendeu a ele até ao Ano do
Jubileu; o preço da sua venda será segundo o nú mero dos anos, conforme se paga a um jornaleiro.   Se ainda
faltarem muitos anos, devolverá proporcionalmente a eles, do dinheiro pelo qual foi comprado, o preço do
seu resgate. Se restarem poucos anos até ao Ano do Jubileu, entã o, fará contas com ele e pagará , em
proporçã o aos anos restantes, o preço do seu resgate. Como jornaleiro, de ano em ano, estará com ele; nã o
se assenhoreará dele com tirania à tua vista.  Se desta sorte se nã o resgatar, sairá no Ano do Jubileu, ele e
seus filhos com ele.  Porque os filhos de Israel me sã o servos; meus servos são eles, os quais tirei da terra
do Egito. Eu sou o Senhor, vosso Deus.

Aqui, descobrimos a ló gica das responsabilidades do resgatador. Deus diz que os israelitas
sã o meus servos, entã o eles nã o podem ser escravizados por mais ninguém. Se um israelita
é escravo de um estrangeiro, seu parente pró ximo tem a responsabilidade de comprá -lo e
retirá -lo dessa situaçã o. Ao fazer isso, o resgatador estará replicando o êxodo, fazendo por
seu irmã o o que Deus fez pela naçã o quando ele os retirou do Egito.
A segunda responsabilidade do resgatador é vingar o nome de um parente oprimido ou
assassinado. Isto é, ele deve agir como o vingador de sangue. Encontramos esses deveres
descritos em vá rios lugares na lei do Antigo Testamento, particularmente em Dt 19.11-13:
Mas, havendo alguém que aborrece a seu pró ximo, e lhe arma ciladas, e se levanta contra ele, e o fere de
golpe mortal, e se acolhe em uma dessas cidades, os anciã os da sua cidade enviarã o a tirá -lo dali e a
entregá -lo na mã o do vingador do sangue, para que morra. Nã o o olhará s com piedade; antes, exterminará s
de Israel a culpa do sangue inocente, para que te vá bem.

Essencialmente, o resgatador atuará como o vingador de sangue e fará contra uma figura
de Caim o que ninguém foi autorizado a fazer em Gênesis 4. Lembre-se: o sangue de Abel
clamou da terra. Ele era inocente e, no entanto, foi assassinado por seu irmã o. Seu sangue
clamou por vingança. Mas, nã o havia vingador de sangue naquela fase da histó ria. Agora os
israelitas receberam a responsabilidade de serem vingadores de sangue, de executar juízos
contra os Cains no meio deles.
É crucial entender que quando o vingador de sangue parte para vingar a morte de seu
parente, isso nã o é um tipo de conflito mortal entre famílias. É uma vingança lícita,
controlada e regulada pela Palavra de Deus. Na verdade, fica muito claro que o goel nã o
está fazendo justiça com as pró prias mã os. Nã o é um sistema de vingança de vigilantes.
Está claro que o goel está agindo como um agente de estado. É por isso que se o assassino
foge para uma das cidades de refú gio, os anciã os sã o responsá veis por entregar o assassino.
Os representantes oficiais, os governadores daquela cidade, entregam o homem para ser
executado. O goel , em certo sentido, torna-se um agente da justiça do estado e, claro,
também um agente da justiça de Deus.
Nm 35.16-21 diz:
Todavia, se alguém ferir a outrem com instrumento de ferro, e este morrer, é homicida; o homicida será
morto.  Ou se alguém ferir a outrem, com pedra na mã o, que possa causar a morte, e este morrer, é
homicida; o homicida será morto.  Ou se alguém ferir a outrem com instrumento de pau que tiver na mã o,
que possa causar a morte, e este morrer, é homicida; o homicida será morto. O vingador do sangue, ao
encontrar o homicida, matá -lo-á . Se alguém empurrar a outrem com ó dio ou com mau intento lançar contra
ele alguma coisa, e ele morrer, ou, por inimizade, o ferir com a mã o, e este morrer, será morto aquele que o
feriu;  É homicida;  o vingador do sangue, ao encontrar o homicida, matá -lo-á .
A terceira responsabilidade é recuperar a herança perdida de um parente. Isto é, comprar
de volta a terras para ele. Lembre-se, a terra era tipoló gica; ela apontava para o reino de
Deus e, finalmente, para a nova criaçã o escatoló gica. Assim, como israelita, manter sua
participaçã o na terra prometida era um símbolo de sua participaçã o no reino de Deus.
Portanto, era importante nã o desistir dessa herança. Se você tivesse abandonado aquela
herança por algum motivo, o resgatador garantiria que ela fosse devolvida a você. Se um
parente pró ximo tem que desistir de sua porçã o da terra prometida, isso é o contrá rio da
conquista. A terra que foi conquistada e dividida sob Josué foi perdida. O resgatador
reencena a conquista ao recuperar a terra perdida para o parente pobre.
Quarto, o resgatador tinha o papel de advogado de defesa. O resgatador deveria checar se a
justiça foi feita em vá rias situaçõ es. No livro de Jó , Jó clama por um resgatador que atuará
como um mediador que se colocará diante de Deus e fará sua defesa. O pró prio Jó , é claro, é
uma figura de Cristo. Ele é um servo sofredor que finalmente vence e silencia Sataná s. Mas
Jó também clama por uma figura de Cristo, um resgatador que virá como um mediador
entre ele e Deus, que o defenderá diante de Deus e fará com que a justiça seja feita.
Por fim, em quinto lugar, o resgatador tem a responsabilidade de cumprir o papel de um
levir. A lei do levirato dizia basicamente que o resgatador se casaria com a esposa de um
parente falecido se ele nã o deixasse filhos. No levirato, ele suscitaria uma semente através
da mulher para continuar o nome e a herança do falecido. Este é o cená rio que temos no
livro de Rute: um homem se casa com uma mulher, morre sem produzir um filho do sexo
masculino que possa manter seu nome e manter sua herança, de forma que há necessidade
de um marido substituto.
Tipicamente, o irmã o do falecido se casaria com a viú va e, por meio dela, suscitaria um filho
para substituir seu irmã o falecido. Aquele primeiro filho que ele suscitasse através dela
tomaria o lugar de seu irmã o falecido e o marido falecido da esposa, e perpeturaria seu
nome e herança. É claro, os outros filhos que ele tivesse com ela, agora que ela é sua esposa,
serã o seus filhos. Mas o primeiro filho se torna um substituto para o irmã o falecido. A
estrutura do levirato é essencialmente a teologia bíblica dos dois Adã os. O apó stolo Paulo
deixa isso claro em diversos lugares de seus escritos. Se o primeiro Adã o morre sem
multiplicar-se, sem encher a terra, por assim dizer, entã o um segundo Adã o deve vir e
cumprir suas tarefas. Isso é o que temos com o levirato . O primeiro Adã o (o primeiro
marido) caiu, de forma que um segundo Adã o (o resgatador) vem tomar seu lugar. É isso
que vemos acontecendo em Rute 3-4.
Deveria ser ó bvio que, quando um homem agia como resgatador, ele estava agindo como
um tipo do Senhor Jesus Cristo. Cristo é aquele que, em ú ltima aná lise, realiza esses cinco
deveres em favor de seu povo. De fato, em vá rios lugares do Novo Testamento, vemos Jesus
explicitamente apresentado como o nosso resgatador. Obviamente, toda a linguagem de
redençã o que está espalhada por todo o Novo Testamento aponta para Jesus como nosso
goel . Porém, há uma passagem em particular que aponta para essa instituiçã o. Em Hb 2.14-
17, lemos:
Visto, pois, que os filhos têm participaçã o comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente,
participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e
livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidã o por toda a vida.  Pois ele,
evidentemente, nã o socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraã o.  Por isso mesmo, convinha que,
em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmã os, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas
coisas referentes a Deus e para fazer propiciaçã o pelos pecados do povo.

Deus se encarnou — ele se tornou nosso parente — para nos redimir.


Hebreus 2 enfatiza que Jesus compartilha da carne de Abraã o. Ele veio para ajudar a
semente de Abraã o. Ele é um resgatador para a linhagem de Abraã o. Podemos entã o
perguntar: “Que benefício isso traz para os gentios que nã o fazem parte da família de
Abraã o?”.
Paulo nos mostra, especialmente em Romanos, Gá latas e Efésios, que os gentios estã o agora
sendo enxertados em Israel e se tornando parte da linhagem do verdadeiro Israel. Nó s
vemos isso antecipado no livro de Rute, quando a pró pria Rute é enxertada em Israel e se
torna uma espécie de israelita honorá ria (cf. Romanos 11).

 
O Resgatador cumprido em Jesus Cristo
Como Cristo nos redimiu? Como ele executou suas responsabilidades de resgatador? Cristo
cumpriu cada uma das cinco responsabilidades do resgatador.
A primeira responsabilidade é a de libertar escravos. Cristo libertou os cativos. Em Lucas 4,
Cristo aplica Isaías 61 a si mesmo. Isaías 61 é um dos lugares onde o profeta prediz um
resgatador que virá para libertar seu povo. No primeiro Adã o, todos nó s fomos feitos
servos do pecado, de Sataná s, da morte, mas Cristo pagou o preço do resgate e nos libertou.
Jesus nos libertou desses senhores cruéis e nos comprou, nã o com prata ou ouro, mas com
seu pró prio sangue inestimá vel. Moisés foi um resgatador que libertou seus irmã os
escravizados. Jesus é o Moisés maior realizando um êxodo maior para nos libertar da
escravidã o.
Em segundo lugar, e quanto a ser um vingador de sangue? Cristo nos vinga de nossos
inimigos. É por isso que Rm 12.19 proíbe os cristã os de executar a vingança com as
pró prias mã os. Nó s nã o vingamos a nó s mesmos; nó s deixamos que Cristo se vingue por
nó s. E ele certamente o fará . À s vezes, isso é cumprido por meio do estado como agentes de
Cristo, que é o que Paulo descreve em Romanos 13. Mas, mais do que isso, podemos dizer
que, através do julgamento de Cristo no final da histó ria, ele vingará o sangue de seu povo
perseguido. No livro de Apocalipse, os santos martirizados clamam: “Até quando nã o
seremos vingados?”. E Cristo responde essa petiçã o no fim do livro. É claro, podemos dizer
que o assassino final do povo de Deus é o pró prio Sataná s. Cristo o destruiu completamente
e triunfou sobre ele na cruz. Joã o 8 nos diz que Sataná s era um assassino desde o começo,
mas Cristo o derrotou.
A terceira responsabilidade do resgatador é ganhar de volta uma herança perdida. Cristo
recuperou nossa herança perdida. Por causa do pecado do primeiro Adã o, todos nó s fomos
exilados de nossa casa. Quando Adã o pecou, nó s pecamos. Quando Adã o foi exilado do
Jardim do É den, nó s fomos exilados do Jardim do É den. Todos nó s fomos exilados de nossa
casa; todos nó s fomos expulsos do reino; todos perdemos nossa herança no paraíso de
Deus. Perdemos nossa escritura da terra com o primeiro Adã o, mas Jesus Cristo, como
nosso resgatador, restaura nossa herança. Em Cristo, a terra se torna nossa de novo. É por
isso que Paulo pode dizer à igreja em Corinto, “Tudo é vosso”. Nossa herança foi
reconquistada para nó s e por meio de Cristo Jesus.
Podemos dizer que isso é verdade nã o apenas no mundo vindouro, na ressurreiçã o, mas é
verdade em princípio até agora. Quando o evangelho se espalha, quando o conhecimento de
Deus enche a terra, o povo de Deus reivindica sua herança em Cristo.
Quarto, Cristo age como nosso goel quando ele é nosso defensor legal. Cristo é um
advogado para o seu povo. Em 1 Joã o 1.8-10, lemos:
Se dissermos que nã o temos pecado nenhum, a nó s mesmos nos enganamos, e a verdade nã o está em nó s. 
Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda
injustiça.  Se dissermos que nã o temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra nã o está em
nó s.

Por que é confortador saber que Jesus está nos defendendo no grande tribunal de Deus?
Porque seu sangue foi derramado para propiciar nossos pecados. Propiciaçã o significa que
ele afastou a ira de Deus. Ele defende nossa causa perante o Pai. Ele nos defende das
acusaçõ es de Sataná s e, é claro, seus pedidos ao Pai sempre prevalecem por causa do que
ele fez por nó s. Nó s nunca ouviremos “Culpado”, porque um veredicto justificador sobre
nossas vidas já foi garantido por Cristo.
Quinto, o resgatador se casaria com o parente da viú va e suscitaria a semente. Quando o
primeiro Adã o morreu, ele deixou sua noiva estéril. Ele deixou de trazer uma semente da
promessa ao mundo. Assim, há uma necessidade para um segundo Adã o, um segundo
marido, vir e casar-se com a viú va e, por meio dela, suscitar uma semente que reivindicará
a herança. Is 53.4-8 descreve o Senhor cumprindo esse dever por seu povo. Isso é cumprido
por fim em Cristo. É por ele que a viú va estéril gera filhos, como o profeta predisse.
É importante entender como a obra do goel na lei do Antigo Testamento reflete a obra
salvífica de Yahweh por Israel, o que, por fim, é cumprido em Jesus Cristo. Isaías 40-66
volta a essa ideia de Deus como libertador e redentor repetidamente. Todas as
responsabilidades do goel estã o em Isaías. Yahweh vai cumprir essas responsabilidades em
favor do seu povo. Isaías fala à naçã o em um contexto de exílio e escravidã o e, por meio do
profeta, o Senhor promete um novo êxodo e uma nova conquista.
Com tudo isso, está claro que o resgatador oferece uma salvaçã o abrangente. Ele redime
sua propriedade, sua pessoa e sua posteridade. Nã o há nada que nã o seja redimido pelo
resgatador. Cristo, como nosso resgatador, garantiu nossa herança da vida eterna, derrotou
nossos inimigos e suscitou inú meras sementes para povoar seu reino. O resgatador na
Antigo Testamento estava prenunciando o que Cristo faria em nosso favor.
Há três figuras do resgatador no livro de Rute. Há o homem anô nimo em Rute 4 que deixa
de cumprir suas obrigaçõ es. Ele estava disposto a redimir a terra, mas voltou atrá s quando
descobriu que teria de se casar com Rute e gerar a semente. Ele é um falso resgatador,
como o primeiro Adã o. Quando ele percebe que haverá custos pessoais, ele nã o quer pagá -
los. Há Obede, que é o filho nascido de Boaz e Rute. Ele é chamado de resgatador no final do
livro porque substituirá Elimeleque e seus dois filhos. Todo o tema do resgatador é
concluído com Obede, porque é ele quem substituirá os homens falecidos e perpetuará o
nome da família. O terceiro resgatador no livro é, claro, Boaz, que é a figura central do
resgatador no livro de Rute. É ele quem desempenha dois grandes deveres do goel neste
livro. Ele recupera uma herança perdida e suscita um herdeiro para preservar a linhagem
de Elimeleque.

 
A Lei do Levirato
Agora vamos passar para uma discussã o mais específica da lei do levirato . O primeiro
ponto é dizer que a instituiçã o do levirato nã o tem relaçã o direta com Levi ou com os
levitas. A palavra “levirato” vem de uma palavra latina ( levir ) que significa “cunhado”.
Como já vimos, o dever do levirato é apenas uma das responsabilidades que um goel deve
cumprir. A lei bá sica aqui encontra-se em Dt 25.5-10:
Se irmã os morarem juntos, e um deles morrer sem filhos, entã o, a mulher do que morreu nã o se casará com
outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará , e a receberá por mulher, e exercerá para com ela a
obrigaçã o de cunhado.  O primogênito que ela lhe der será sucessor do nome do seu irmã o falecido, para
que o nome deste nã o se apague em Israel. Porém, se o homem nã o quiser tomar sua cunhada, subirá esta à
porta, aos anciã os, e dirá : Meu cunhado recusa suscitar a seu irmã o nome em Israel; nã o quer exercer para
comigo a obrigaçã o de cunhado. Entã o, os anciã os da sua cidade devem chamá -lo e falar-lhe; e, se ele
persistir e disser: Nã o quero tomá-la, entã o, sua cunhada se chegará a ele na presença dos anciã os, e lhe
descalçará a sandá lia do pé, e lhe cuspirá no rosto,  E protestará , e dirá : Assim se fará ao homem que nã o
quer edificar a casa de seu irmã o; e o nome de sua casa se chamará em Israel: A casa do descalçado.

A ideia por trá s dessa lei nã o é tã o complicada quanto parece: quando o marido de alguém
morre, deixando a esposa sem filhos, sem um herdeiro do sexo masculino, seu irmã o
deveria casar-se com a viú va, e o primogênito dessa uniã o assumiria o nome e a herança do
falecido. O homem que cumpria o dever de cunhado fazia isso com um grande custo para si.
Era um ato sacrificial de amor: construir a casa de seu irmã o com seus recursos.
Essa lei aparece no Novo Testamento em Marcos 12.18 ss., onde os saduceus a usam em
uma tentativa de enganar Jesus. Eles tentam jogar a doutrina da instituiçã o do levirato
contra a ressurreiçã o corporal. Eles descrevem uma situaçã o em que uma mulher passa por
uma série de maridos que morrem sucessivamente. Cada levir morre, tornando-a viú va
novamente. Os saduceus perguntam entã o de quem ela será esposa na ressurreiçã o. É claro,
Jesus passa a explicar que eles entenderam mal a natureza da vida da ressurreiçã o.
Há uma série de reviravoltas no livro de Rute que tornam o uso da instituiçã o do levirato
complexo. Antes de entrarmos nisso, vá rias questõ es prá ticas surgem ao discutirmos esta
lei. Primeiro, Dt 25.5 deixa claro que a lei só se aplica a irmã os (ou parentes pró ximos)
vivendo juntos, que provavelmente indica que era uma responsabilidade apenas para
aqueles que tinham aproximadamente a mesma idade. Nã o é difícil imaginar situaçõ es em
que a lei teria sido praticamente impossível de ser executada. Por exemplo, digamos que
um homem casado morra sem ter filhos e seu irmã o mais novo tenha, digamos, dois anos
de idade. Ela tem que esperar até ele ter idade suficiente para se casar? Se ela tivesse que
esperar, isso a faria casar-se com uma idade em que nã o pode mais ter filhos, o que iria
contra o propó sito da lei.
Considerando que a obrigaçã o se aplica a irmã os que moram juntos, isso também sugere
que havia algum tipo de aprovaçã o da família para o casamento. Se você é um irmã o mais
novo e seu irmã o mais velho se casa, você deve considerar pelo menos uma vez que, se ele
morrer sem ter um menino, ela se tornaria sua esposa. Assim, o fato de eles estarem
morando juntos provavelmente indica que os irmã os podem ter alguma influência na
escolha do irmã o mais velho. Isto é, eles podem ter alguma opiniã o sobre o assunto, ou pelo
menos a escolha do irmã o mais velho precisaria de uma aprovaçã o geral da família.
Além disso, como os irmã os precisam morar juntos, é prová vel que nenhum dos outros
irmã os seja casado. Há outra questã o que surge. E se um irmã o é casado e ele morre sem
ter um filho, mas todos os outros irmã os sã o casados? Um deles precisa tomá -la como uma
segunda esposa? Isso cria um tipo de situaçã o legítima de poligamia? Os comentaristas
realmente debatem esta questã o. Alguns dizem que isso deve validar um cená rio de
poligamia. Mas isso parece muito imprová vel. A ideia de irmã os morando juntos indica que
sã o irmã os que nã o se casaram ainda, assim a poligamia nã o era necessá ria. Afinal, embora
à s vezes vejamos a prá tica da poligamia no Antigo Testamento, nã o há dú vida de que isso
era considerado uma violaçã o da lei de Deus. A poligamia é contrá ria à ordenança da
criaçã o estabelecida em Gênesis 1-2. Nã o devemos pensar que a lei do levirato exigia que o
povo de Deus fizesse coisas que eram completamente impraticá veis ou contrá rias a outras
leis divinas.
Alguns também se perguntam: uma uniã o por levirato produz um casamento real e
permanente? Ou apenas um casamento temporá rio para suscitar um filho no lugar do
falecido? Considerando a alta estima do casamento em toda a Escritura, é difícil imaginar
um arranjo sexual temporá rio. Muito provavelmente, os casamentos de levirato eram
casamentos reais.
O que acontece com o homem que se recusa a realizar seu dever de levir ? Deuteronô mio 25
implica que ele será humilhado publicamente por se recusar a perpetuar o nome de seu
irmã o. Ao recusar isso, ele ganha um nome de vergonha. Dt 25.10 diz: “e o nome de sua casa
se chamará em Israel: A casa do descalçado”. Ele é envergonhado de duas maneiras:
primeiro, sua sandá lia é retirada de seus pés e, segundo, cospem em seu rosto.
Há um tipo de lex talonis em vigor aqui. Em vez de olho por olho, dente por dente, o
princípio em vigor na lei do levirato é nome por nome. Ele se recusou a edificar o nome de
seu irmã o e, assim, seu nome foi demolido. Ele se recusou a construir a casa de seu irmã o, e
assim sua casa será demolida.
O que significa ter o rosto cuspido? Isso nã o acontece em Rute, mas o significado é ó bvio.
Cuspir na cara é um sinal ó bvio de desrespeito. Pense naqueles que cuspiram em Jesus
quando ele estava sendo crucificado. Eles estavam tentando mostrar que ele nã o era o
verdadeiro resgatador, que ele nã o poderia ser um novo Adã o, substituindo o Adã o caído. É
claro, eles estavam errados.
E quanto ao costume descrito em Deuteronô mio 25 de um homem ter suas sandá lias
retiradas? As Escrituras usam os pés como eufemismo para as partes íntimas. (Isso pode
estar acontecendo em Rute 3). Assim, é possível que retirar a sandá lia seja uma maneira
simbó lica de expor as partes íntimas desse homem. Retirar a sandá lia do pé — se os pés
forem entendidos eufemisticamente como um símbolo das partes íntimas — seria como
despir o homem. Seria uma forma de humilhaçã o pú blica, pelo menos simbolicamente.
Tirar a sandá lia seria como puxar as calças em pú blico e dizer que esse homem nã o pode
fazer o que foi chamado a fazer e, assim, que ele nã o é um homem de verdade.
Também pode haver uma referência aqui à sua recusa de permanecer calçado e assumir a
responsabilidade por suas açõ es, como Adã o faz em Gênesis 3. Em Gênesis, Adã o nã o
assume responsabilidade pelo que fez. Ele se recusa a se apresentar, por assim dizer, e
assumir a responsabilidade por suas açõ es.
No livro de Rute, quando Boaz negocia com o parente mais pró ximo para ver quem vai
realizar a obrigaçã o do levirato, eles trocam sandá lias, o que é um pouco diferente do
descrito em Deuteronô mio 25. Mas claramente eles estã o trocando papéis e
responsabilidades, entã o parece ser uma aplicaçã o da lei a essa situaçã o específica. Ainda
há vergonha envolvida, no entanto, o que é visto com mais clareza no texto pelo fato de o
homem que nã o desempenha a responsabilidade do levirato com Rute nã o ter nome. O
texto apenas o chama de “fulano” e nunca lhe dá um nome. Ele nã o tem nome porque nã o
perpetuará o nome do irmã o falecido. Seu nome foi perdido, enquanto o nome de Boaz é
engrandecido.

 
A vindicação de Tamar
Gênesis 38 é um daqueles capítulos perturbadores das Escrituras. Em meio à histó ria da
grande fidelidade de José, encontramos essa histó ria sobre a infidelidade de Judá em Canaã .
José está no Egito vivendo fielmente; Judá está em Canaã , na terra da promessa, vivendo
infielmente. Esse é o contraste feito no texto. Judá está perdendo sua posiçã o e lugar na
família como filho real e, de certo modo, José está tomando seu lugar (embora Judá acabe
sendo redimido e restaurado.). Como Gênesis 38 lida com a tribo de Judá e com o levirato ,
isso é fundamental para a nossa compreensã o de Rute.
Quando chegamos a Gênesis 38, sabemos que Judá é a tribo escolhida. Os três primeiros
filhos de Jacó já tinham se desqualificado em Gênesis 34-35, entã o agora o foco está em
Judá . O que Judá fará ? Ele será um homem fiel e provará ser digno de ser o líder real, a tribo
da qual o rei virá ? Em Gênesis 38, Judá casa-se fora da linhagem pactual, assim como os
filhos de Sete em Gênesis 6, em vez de seguir o exemplo de Isaque e Jacó . Judá tem um filho
chamado Er que se casa com Tamar, mas Er morre sem deixar um filho para Tamar. Assim,
a instituiçã o do levirato entra em açã o (obviamente, era uma instituiçã o pré-mosaica).
Er morreu sem gerar um filho. Seu irmã o mais novo, Onã , deve cumprir o dever de levir.
Onã finge ser um levir , mas sempre que dorme com Tamar, ele faz sua semente cair na
terra. (Ao contrá rio de algumas interpretaçõ es da histó ria, ele nã o é morto por praticar um
método anticoncepcional em si, mas por violar o dever do levirato .) Mas, por que ele está
fazendo isso? É porque ele é egoísta. Ele nã o quer edificar a casa de seu irmã o. Ele quer, na
verdade, roubar a herança de seu irmã o. Se ele tivesse um filho, esse filho tomaria o lugar
de Er e receberia a herança do primogênito. Mas se Tamar nã o tiver um filho, Onã se
tornaria o primogênito porque seu irmã o mais velho está morto e, assim, ele receberia uma
parcela dupla. Ele precisa garantir que Tamar nã o tenha filhos. Mas, ele nã o pode
simplesmente dizer que nã o quer ser um levir , porque Tamar iria para o pró ximo irmã o e
ela ainda poderia ter um filho com ele. Assim, este é o dilema de Onã : por um lado, ele nã o
pode simplesmente recusar as responsabilidades do levirato sem passar Tamar para o
pró ximo irmã o, mas ele também nã o quer ter um filho com Tamar. A soluçã o de Onã é
dormir com ela, mas evitar que ela engravide. É claro, Deus vê a maldade dele e o mata.
Assim, cabe ao filho de Judá , Selá , cumprir a obrigaçã o do levirato . Neste ponto da histó ria,
Judá está agindo de maneira muito perversa. Ele nã o vê que seus dois filhos morreram
porque desagradaram ao Senhor. Em vez disso, ele começa a achar que tem algo errado
com Tamar. Se Deus continua matando seus maridos, obviamente ela está em pecado. Ela
deve trazer azar. Judá faz falsas promessas a Tamar. Ele diz que vai dar Selá , mas ele nã o
pretende fazê-lo. Ele continua adiando as coisas, adiando o casamento. Quando Selá é
finalmente um adulto, Tamar percebe que o casamento nã o vai acontecer. Tamar sabe
neste momento que Judá é a tribo escolhida e que a semente prometida virá através da
linhagem de Judá . Ela sabe que deve haver uma semente de Judá . Assim, ela decide resolver
o assunto com as pró prias mã os, e age de maneira inteligente e enganosa para garantir a
existência de um herdeiro. Ela se veste como uma prostituta, engana Judá e o leva a ser o
pró prio levir , dormindo com ele. Ela dá à luz o filho de Judá e depois comprova isso para
ele.
É fá cil criticar Tamar pelo que ela faz aqui. Mas, precisamos ter cuidado. A pró pria histó ria
nã o condena Tamar por suas açõ es. Tamar agiu dessa maneira porque se preocupava com a
linhagem da semente. Ela provavelmente estava tã o enojada com o que estava fazendo
quanto nó s quando lemos a histó ria. Ela nã o fez isso por qualquer sentimento de amor
apaixonado por Judá ou por luxú ria desenfreada. Ela só faz o que faz porque se preocupa
com a aliança e com a geraçã o de um filho que manterá a linhagem da semente prometida.
Os leitores precisam ter cuidado ao ler essas histó rias em um sentido moralista; devemos
lê-las teologicamente. Quando fazemos isso, vemos que o que Tamar faz em Gênesis 38 nã o
é tã o diferente do que Rute fará em Rute 3. Está claro no livro de Rute que suas açõ es sã o
justificadas. Quando ela se deita na cama com Boaz e diz: “Seja um goel e levir   para mim”,
ela está fazendo a mesma coisa que Tamar fez com Judá , mas sem o disfarce.
Está claro que Tamar e Rute agem corretamente ao buscar um levir . A ideia dessas
histó rias nã o é fazer de qualquer uma delas um exemplo moral a ser seguido
(especialmente porque a instituiçã o do levirato expirou). Em vez disso, temos que examinar
isso teologicamente e perguntar como essas açõ es se encaixam no plano redentor de Deus.
A preocupaçã o delas é suscitar uma semente para tomar o lugar do falecido, de fazer com
que a linhagem da aliança continue. Rute e Tamar nã o estã o ensinando como conseguir
maridos assim como Abraã o nã o nos ensina como criar filhos em Gênesis 22 ao levar
Isaque para a montanha e preparar-se para esfaqueá -lo até a morte.
Tamar, Rute e Abraã o sã o vistos como justos, mesmo que suas açõ es nã o se encaixem
perfeitamente em nenhum có digo de ética. No caso de Tamar, em Gn 38.26, Judá reconhece
a justiça da açã o de Tamar. Quando é revelado que Judá nã o dormiu com uma prostituta,
mas dormiu com sua nora, a quem ele deveria ter dado um filho como marido, ele percebe
que ficou preso em seu pecado. Ele percebe o que Tamar fez e diz que ela é mais justa que
ele. Ele a justifica e se condena por seus atos. Ele foi enganado por ela a fazer a coisa certa.
Em Rute 4.12, a comunidade considera Tamar uma matriarca ideal. Ela é comparada à Rute.
Ela é um modelo para Rute; um modelo de virtude por causa de seu amor pela aliança e seu
desejo de honrá -la. Como Rute e Raabe, Tamar é uma das gentias justas que sã o incluídas e
destacadas ao serem incluídas na genealogia de Jesus Cristo no evangelho de Mateus. Tudo
parece apontar para sua justificaçã o. Rute e Tamar sã o mulheres que sã o “preservadas
através de sua missã o de mã e” (1 Tm 2.15).
Certamente há muito mais a se dizer sobre Gênesis 38, mas, para nossos propó sitos, é
suficiente ver que deixar de cumprir o dever do levirato é o que coloca Judá em apuros.
Judá nã o cumpriu a responsabilidade do levirato e deixou de dar seus filhos a Tamar,
manifestando sua infidelidade. Perez, o filho de Tamar nascido fora do casamento, é um
sinal da justiça dela e da vergonha do pecado de Judá .

 
Uma defesa do reinado davídico
Entretanto, de acordo com Dt 23.2, um filho ilegítimo, nascido fora do casamento (como
Perez), devia ser excluído do ofício na comunidade de Israel. Em Gn 49.19, Judá recebe a
promessa de ser a tribo de quem o rei messiâ nico virá . Há um sentido em que a promessa
em Gn 49.10 é cheia de amarga ironia para Judá , visto que ele já tinha desqualificado seus
descendentes de qualquer governo sobre as geraçõ es futuras. Mas é aqui que entra a
histó ria de Rute.
Assim como a falha de realizar a obrigaçã o do levirato meteu Judá em apuros e
desqualificou a tribo de Judá do ofício real, é o cumprimento do levirato por outro membro
de Judá , Boaz, que preserva a linhagem real da tribo e, por fim, produz o rei que cumpriu a
promessa de Gênesis 49. E, claro, este é Davi. Por essa razã o, o livro de Rute termina com
uma genealogia. Judá desqualificou sua linha de qualquer ofício real em Israel até a décima
geraçã o (Dt 23.2) porque ele dormiu com Tamar fora do casamento.
Mas se contarmos as geraçõ es na genealogia de Rute 4, descobrimos que a décima geraçã o
é Davi. Esta é a primeira geraçã o da linhagem de Judá que poderia ocupar o cargo real em
Israel. O levirato de Boaz desfaz o dano da recusa de Judá de ser um verdadeiro levir e
produz um filho real. Boaz é o que Judá deveria ter sido. E Davi é o homem supremo de
Judá , o leã o da tribo de Judá .
Há uma  beleza profunda no que Deus faz: assim como Judá cai em pecado ao deixar de
cumprir o levirato , quando Boaz aparece e o cumpre, a tribo de Judá é restaurada. E, é
claro, a linhagem de Jesus Cristo é traçada através desta genealogia em Rute 4.
O levirato é a base de toda a histó ria de Rute. Para entender o que está acontecendo em
Rute, temos que conectar o livro com Deuteronô mio 25 e Gênesis 38. Rute reverte a
maldiçã o sobre Judá de Gênesis 38 e nos mostra a restauraçã o completa de Judá . O livro
fornece motivos legítimos para o reinado de Davi e, claro, o reino do filho maior de Davi,
Jesus Cristo.

Sobre os autores
 

 
Uri Brito serve como pastor titular da Providence Church. Nascido no Brasil, vive há mais
de 20 anos nos Estados Unidos. Ele é bacharel em Estudos Pastorais pelo Clearwater
Christian College e mestre pelo Reformed Theological Seminary em Orlando, Fló rida. Foi
ordenado e instalado ministro do evangelho em março de 2009. Uri editou o livro Família e
Igreja no propósito de Deus e é editor-fundador do The Kuyperian Commentary .
 
 
Rich Lusk pastoreia a Trinity Presbytery Church [Igreja Presbiteriana Trindade] em
Birmingham, Alabama. Antes disso, ele estava na equipe da Igreja Presbiteriana Auburn
Avenue em Monroe, Louisiana e na Redeemer Presbyterian Church [Igreja Presbiteriana
Redentor] em Austin, Texas. Rich escreveu inú meros artigos de perió dicos e da internet,
contribuiu para diversos livros e escreveu Paedofaith: A Primer on the Mystery of Infant
Salvation and a Handbook for Covenant Parents . Rich tem um bacharelado pela
Universidade de Auburn e mestrado na Universidade do Texas. Ele é casado com Jenny e,
juntos, têm quatro filhos.
 
[1]
C.S. Lewis, “Myth Became Fact”, em God in the Dock: Essays on Theology and Ethics , ed.  Walter Hooper (Grand Rapids,
MI: Wm B. Eerdmans Publishing Co., 1944; reimpressão 2001), 63-67.
“Mas os cristã os também precisam ser lembrados... que o que se tornou Fato era um Mito, que ele de fato traz consigo
para o mundo todas as propriedades de um mito. Deus é mais do que um deus, nã o menos; Cristo é mais do que Balder,
nã o menos. Nã o devemos nos envergonhar do brilho mítico repousando em nossa teologia... Nã o devemos, por falsa
espiritualidade, conter nossas boas-vindas imaginativas. Se Deus escolher ser mitopoético... devemos nos recusar a ser
mitopá ticos? Pois este é o casamento do céu e da terra: Mito Perfeito e Fato Perfeito — reivindicando nã o só nosso amor e
nossa obediência, mas também nosso assombro e deleite...”.
[2]
Frederic W. Bush, Ruth/Esther , World Biblical Commentary Book 9 (Dallas, Texas: Thomas Nelson Inc., 1996), 514.
[3]
Isso se encaixa com o padrã o comum no Antigo Testamento de mulheres justas lutando contra homens tirâ nicos
usando o engano, como Rebeca, as parteiras egípcias, Jael e Raabe.
[4]
Curiosamente, Tamar é outra mulher nomeada na genealogia de Mateus. As duas mulheres eram gentias, enxertadas
em Judá e as duas precisavam de maridos por levirato.
[5]
O anonimato também é importante no livro de Rute.
[6]
Nomes alternativos sã o dados aos filhos de Saul, como fica evidente se compararmos 1-2 Reis com 1-2 Crô nicas.
[7]
Sincretismo é a mistura de duas ou mais religiõ es.
[8]
“No. 45: The Structures of Ruth”, Biblical Horizons , acessado em 14 de novembro de 2018,
http://www.biblicalhorizons.com/biblical-horizons/no-45-the-structures-of-ruth/
[9]
E na Almeida Revista e Corrigida, em português. [N. do T.]
[10]
Uma longa introduçã o à teologia das asas encontra-se no Apêndice B. Talvez seja ú til ler esse ensaio antes de
continuar.
[11]
Gentios tementes a Deus sã o gentios que adoravam o Deus de Israel sem se tornarem judeus.
[12]
Blue laws é uma expressã o inglesa para leis que lidam com a reduçã o da atividade comercial no fim de semana,
especialmente, no domingo. [N. do T.]
[13]
John Calvin, As Institutas , 3.15.4. Traduçã o Waldyr Carvalho Luz.
[14]
Ibid .
[15]
Ibid .
[16]
Ibid .
[17]
Ibid., 3.17.3.
[18]
Ibid.
[19]
Calvino, As Intitutas , 3.15.7.
[20]
Um paralelismo hebraico acontece quando duas linhas do Saltério sã o sinô nimas e mutuamente interpretadas.

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