Você está na página 1de 324

Table of Contents

Direitos & Créditos


Recomendaçõ es
Dedicató rias
Sumá rio
Prefá cio
Parte 1 - Uma Breve Biografia de Joã o Calvino
Capítulo 1 - O Jovem Calvino: preparaçã o para uma vida de
ministério
Capítulo 2 - Liçõ es prá ticas da vida de Idelette Calvino
Parte 2 - A Teologia Sistemá tica de Joã o Calvino
Capítulo 3 - “Proferindo louvores ao Pai, ao Filho e ao Espírito”: Joã o
Calvino sobre a triunidade divina
Capítulo 4 - Calvino acerca das similaridades e diferenças entre a
eleiçã o e a reprovaçã o
Capítulo 5 - Calvino acerca do Espírito Santo
Capítulo 6 - Apêndices explícitos e implícitos à visã o de Calvino a
respeito da justificaçã o pela fé
Parte 3 - A Teologia Pastoral e Política de Calvino
Capítulo 7 - A pregaçã o experiencial de Calvino
Capítulo 8 - “Um sacrifício suave a Deus”: Joã o Calvino e o empenho
missioná rio da igreja
Capítulo 9 - Calvino sobre os princípios do governo
Capítulo 10 - Calvino acerca da guerra: ministério diaconal em
Genebra e além
Capítulo 11 - O casamento cristã o no século XXI: ouvindo Calvino
sobre o propó sito do casamento
Parte 4 - O Legado de Calvino
Capítulo 12 - O círculo de amizades de Calvino: impulsionando um
movimento permanente
Capítulo 13 - Calvino como calvinista
Capítulo 14 - Calvinismo e reavivamento
Posfá cio
Abreviaçõ es e Fontes Utilizadas no Original
Referências e Notas Bibliográ ficas
PIRATARIA É PECADO E TAMBÉM UM CRIME
RESPEITE O DIREITO AUTORAL
 
O uso e a distribuição de livros digitais piratas ou cópias não autorizadas prejudicam o
financiamento da produção de novas obras como esta. Respeite o trabalho de ministérios
como a Editora Trinitas.
 

Copyright © 2017 by Joel Beeke, David W. Hall, and Michael A. G.


Haykin
Reformation Hiritage Books: 2965 Leonard St. NE - Grand Rapids,
MI 49525

Publicado originalmente em inglês sob o título:


Theology Made Practical: New Studies on John Calvin and His Legacy

1 a edição 2019
ISBN eBook: 978-85-85034-32-0

Tradução: Elmer Pires, Ulisses Teles


Revisão: Cesare Turazzi
Capa e Diagramação: Tiago Dias (Haas Comunicação)
Versão ebook: Tiago Dias (Haas Comunicaçã o)
Ilustração da Capa: Engin Korkmaz (Depositphotos Inc.)

Todos os direitos reservados à:


Editora Trinitas LTDA
Sã o Paulo, SP
www.editoratrinitas.com.br
 
 

“Joã o Calvino permanece como um dos gigantes na histó ria do


cristianismo. Triste dizer, suas visõ es com frequência sã o
caricaturadas, seu cará ter por vezes vilipendiado, e as prioridades
do seu ministério confundidas. Neste livro que serve de grande
ajuda, três renomados historiadores da igreja nos mostram como
produzir teologia histó rica a serviço da teologia pastoral
contemporâ nea. Como pastor-teó logo com um profundo gosto pelo
passado da igreja, o pró prio Calvino apreciaria seus esforços, sem
dú vida. Teologia Prá tica serve de boa fonte para pastores com
profundo interesse por teologia e para teó logos comprometidos com
a aplicaçã o pastoral, mesmo para aqueles que talvez nã o partilhem
de todas as sensibilidades reformadas de Calvino.”
Nathan A. Finn
Reitor da School of Theology and Missions e Professor de Estudos
Teoló gicos na Union University.

“Teologia Prá tica foi escrito por pastores eruditos e trata a respeito
de outros pastores eruditos que estudavam e escreviam como
teó logos mas trabalhavam e serviam como pastores. Os autores
desta obra mostram com eficiência que Calvino nã o só estava
preocupado com a precisã o teoló gica, mas também com seu valor
prá tico, uma teologia que visa as necessidades da alma. Recomendo
com esmero este livro, cujas pá ginas estã o repletas de percepçõ es
acertivas e edificantes acerca dos grandes reformadores.”
Joel Kim
Presidente do Seminá rio de Westminster da Califó rnia.

“Ao longo de cada geraçã o, incluindo a dele, Joã o Calvino instigou


detratores acalorados. Eles desejavam tornar sua influência como
sem efeito e sua personalidade como que de profunda suspeita.
Estas figuras tornaram-se longas notas de rodapé em livros a
respeito do reformador. Por quê? Este livro dá a resposta com
clareza. A diversidade dos capítulos prova que a importâ ncia de
Calvino permanece irredutível para o desenvolvimento do Ocidente,
dos tempos da Reforma e adiante. Seu experimentar de Deus e de
sua graça, sua mente e coraçã o cativos à revelaçã o divina nas
Escrituras, seu comprometimento com a clara e sucinta aplicaçã o da
soberania de Deus e da verdade sobre todos os campos de
pensamento o tornam um pensador cristã o cujas influências
perduram por todas as geraçõ es, um homem que sempre tem o que
dizer acerca daquilo que importa na vida cristã . Profunda convicçã o
e doce fundamento, é isso que você verá a respeito do calvinismo
neste livro.”
Tom J. Nettles
Professor de Teologia Histó rica no Seminá rio Batista do Sul.

“Os ensaios aqui presentes, escritos por eruditos de renome,


abrangem aspectos importantes e por vezes negligenciados da vida
e do pensamento de Calvino, e tudo isso de forma revigorante. Eles
nos ajudam a enxergar que Calvino de fato permanece um teó logo
só lido, vívido e encorajador para os dias de hoje.”
W. Robert Godfrey
Autor do livro John Calvin: Pilgrim and Pastor.
 
Com profunda estima, dedico a Steve Renkema, um amigo paciente,
fiel, querido, constante e que ama a Cristo. Além disso, é um dos
melhores gerentes do mundo.
— Joel R. Beeke

Com sincera gratidã o aos jovens pastores que teriam feito Calvino
sorrir e que, como colegas e amigos, trabalharam comigo: Marc
Harrington, Joel Smit, Ben Thomas, David Barry e Mic Knox.
— David W. Hall
 
 
Dedico a Steve Wellum, com profunda apreciaçã o. Amigo amado,
colega de respeito, teó logo fiel.
— Michael A. G. Haykin

Sumá rio
Prefácio
 
Parte 1 - Uma Breve Biografia de Joã o Calvino
Capítulo 1: O Jovem Calvino: preparaçã o para uma vida de ministério
Capítulo 2: Liçõ es prá ticas da vida de Idelette Calvino
 
Parte 2 - A Teologia Sistemá tica de Joã o Calvino
Capítulo 3: “Proferindo louvores ao Pai, ao Filho e ao Espírito”: Joã o Calvino sobre a
triunidade divina
Capítulo 4: Calvino acerca das similaridades e diferenças entre a eleiçã o e a reprovaçã o
Capítulo 5: Calvino acerca do Espírito Santo
Capítulo 6: Apêndices explícitos e implícitos à visã o de Calvino a respeito da justificaçã o
pela fé
 
Parte 3 - A Teologia Pastoral e Política de Calvino
Capítulo 7: A pregaçã o experiencial de Calvino
Capítulo 8: “Um sacrifício suave a Deus”: Joã o Calvino e o empenho missioná rio da
igreja
Capítulo 9: Calvino sobre os princípios do governo
Capítulo 10: Calvino acerca da guerra: ministério diaconal em Genebra e além

Capítulo 11: O casamento cristã o no século XXI: ouvindo Calvino sobre o propó sito do
casamento
 
Parte 4 - O Legado de Calvino
Capítulo 12: O círculo de amizades de Calvino: impulsionando um movimento
permanente
Capítulo 13: Calvino como calvinista
Capítulo 14: Calvinismo e avivamento
 
Posfácio
Abreviações e Fontes Utilizadas no Original
Referências e Notas Bibliográficas
 

Prefá cio
Escrevendo no ano de 1777 ou 1778 em um manuscrito ainda nã o
publicado, o autor batista inglês Andrew Fuller (1754-1815) referiu-
se a Calvino (1509-1564) como “aquela estrela da manhã da
Reforma” . 1 Nem todo autor que escreveu a seu respeito desde
Fuller descreveria o reformador em termos semelhantes, mas sem
dú vida todos que escreveram sobre a Reforma desde os dias de
Andrew têm reconhecido o papel proeminente que Calvino exerceu
sobre a vida e o pensamento do século XVI. Até mesmo nos pró prios
dias do reformador sua preeminência foi reconhecida, como o
teó logo luterano Filipe Melanchton (1497-1560) testemunhou
quando apelidou Calvino de “o teó logo” . 2 Os textos neste livro,
alguns deles inicialmente escritos em comemoraçã o ao
quincentená rio aniversá rio do reformador, em 2009, sã o aqui
publicados com este reconhecimento em mente.
Ao esboçar o início da vida de Calvino antes de sua ida à cidade de
Genebra, em 1536, Michael Haykin primeiramente estabelece o
cená rio para vá rias aná lises do pensamento de Calvino que seguem.
Haykin destaca especialmente sua conversã o, porque, ao contrá rio
do pensamento de alguns historiadores e teó logos reformados
recentes, a conversã o foi um conceito crítico para os reformadores,
incluindo Calvino. A primeira etapa do ministério em Genebra,
começando em 1536, terminou dois anos mais tarde quando ele e
seu companheiro de trabalho Guilherme Farel foram expulsos e
Calvino se dirigiu à cidade de Estrasburgo. Lá , casou-se com Idelette
de Bure e nela encontrou uma ajudadora — para usar a fraseologia
bíblica de Gênesis 2 —, fundamental para sua segunda etapa do
ministério de volta à Genebra nos anos 1540. Idelette morreria em
1549 antes de presenciar o triunfo de boa parte da agenda
visioná ria de Calvino para a Reforma em Genebra no fim dos anos
1550 e no início dos anos 1560. Sua vida de casada é, no entanto,
importante para qualquer reflexã o sobre a vida e o pensamento do
reformador. No pró ximo texto, Joel R. Beeke salienta de maneira ú til
vá rias liçõ es que podemos aprender da vida e da morte desta
mulher.
Na segunda seçã o desta obra, há quatro textos que lidam com sua
teologia. Primeiramente, um capítulo de Michael Haykin sobre o
trinitarianismo de Calvino. Muitos dizem que a teologia do
reformador, da forma como apareceu em sua primeira ediçã o das
Institutas da Religião Cristã (1536), jamais mudou essencialmente.
No entanto, esta nã o é a mais exata verdade se olhamos para seu
pensamento acerca da Trindade. Inicialmente, ele abominava o uso
da terminologia do pensamento trinitá rio clá ssico oriundo da crise
ariana do século IV. Posteriormente em seu ministério, depois de
confrontar os erros a respeito das pessoas da Divindade, Calvino
entendeu a sabedoria de usar a gramá tica trinitá ria da igreja
primitiva. Os pró ximos três textos lidam com á reas críticas do seu
pensamento: dois de Joel R. Beeke que tratam respectivamente da
doutrina da eleiçã o e da reprovaçã o e sua perspectiva sobre o
Espírito Santo, além de um escrito por David Hall que considera a
doutrina da justificaçã o em Calvino. No texto sobre eleiçã o e
reprovaçã o, Beeke mostra que a “causalidade teocêntrica” em salvar
e condenar pecadores nã o mina a responsabilidade humana. Apó s
considerar o pró ximo texto, que fique claro ao leitor que o
reformador francês corretamente merece o título de “o teó logo do
Espírito Santo”, cunhado pelo teó logo presbiteriano B. B. Warfield.
Beeke aborda a extensã o dos escritos de Calvino sobre a obra do
Espírito em relaçã o à s Escrituras, à uniã o com Cristo, à fé, à salvaçã o,
santificaçã o, à segurança da salvaçã o e ao charismata . Em sua
exposiçã o sobre a teologia de Calvino, David Hall primeiramente
resume o entendimento sobre a natureza da justificaçã o — tanto ser
“reconhecido justo no julgamento de Deus” quanto “aceito por causa
de sua [isto é, de Cristo] justiça”. Para Calvino, a justificaçã o sempre
leva à santificaçã o, e assim Hall investiga como esse conceito
teoló gico impactou seu pensamento sobre vá rios assuntos
teoló gicos, tais como a liberdade cristã , a oraçã o, a Igreja e o Estado,
e as ú ltimas coisas.
A terceira parte deste volume aborda cinco á reas da teologia
pastoral e política de Calvino. Para todos os reformadores, a
pregaçã o das Escrituras era a marca-chave da verdadeira igreja. O
pró prio Calvino afirmou: “Sempre que a Palavra de Deus é pregada e
ouvida de maneira pura e os sacramentos administrados de acordo
com a instituiçã o de Cristo, sem dú vida, uma igreja de Deus ali
existe” . 3 A Reforma, que ganhou força com a invençã o da imprensa
no século XV, voltou-se para a ênfase bíblica da palavra, tanto
pregada quanto escrita, como o veículo primá rio para o cultivo da fé
e da espiritualidade. Portanto, a pregaçã o foi central em Calvino
para levantar e aperfeiçoar a fé, como Joel R. Beeke mostra no
primeiro texto desta seçã o. A centralidade do pú lpito para Calvino é
reconhecida, mas seu compromisso com o empreendimento
missioná rio dado por Cristo à Igreja nã o. O texto de Michael Haykin
procura compensar essa lacuna ao abordar o pensamento de Calvino
sobre o envolvimento com missõ es.
Argumenta-se que nã o fosse pela vida de Calvino, a estrutura
política do Ocidente teria sido bem diferente. O texto de David Hall
sobre o pensamento político de Calvino endossa essa ideia, porque,
como ele nota já no início, “raramente tã o poucas palavras [como as
de Calvino sobre a política em suas Institutas ] algum dia exerceram
tanto impacto político”. Hall mostra que o reformador nã o
considerava a política como um mal necessá rio, mas como uma á rea
na qual os seres humanos podem servir a seu Criador de maneira
nobre. A crítica da Reforma à visã o medieval de dar esmolas como
virtude meritó ria na presença de um Deus santo significou para os
reformadores abordar o problema da pobreza de uma maneira
diferente. A igreja genebrina fez isso pela Bourse Francaise , um
ministério diaconal, que David Hall analisa em seu texto. O cuidado
dos pobres era tã o importante para Calvino que ele uma vez
observou, “Queremos demonstrar que há reforma entre nó s?
Devemos começar neste ponto, isto é, precisamos de pastores que
proclamam a doutrina da salvaçã o e também de diá conos que
cuidam dos pobres” . 4 O texto final dessa seçã o, de Michael Haykin,
aborda o pensamento de Calvino sobre o casamento. Assim como
sua teologia política, suas visõ es nesta á rea ajudaram a estabelecer
as bases do casamento para o protestantismo ocidental, as quais
sobreviveram como determinante cultural principal até por volta de
1960.
A quarta parte, no conjunto final de escritos, aborda o legado de
Calvino. Obviamente, um volume inteiro poderia ser escrito a
respeito; assim, os ú ltimos três textos lidam com á reas de impacto
representativas: sobre a vida dos seus amigos, no século XVI (David
Hall); sobre aqueles que têm sido chamados calvinistas, em especial
os puritanos do século XVII (Joel R. Beeke); e sobre o avivamento
dos descendentes teoló gicos de Calvino, os batistas calvinistas,
durante o longo século XVIII (Michael Haykin).
Na posiçã o de autores, queremos agradecer respectivamente a cada
uma de nossas graciosas esposas e famílias por nos encorajarem e
nos apoiarem nos estudos de Calvino, seu pensamento e legado
durante os anos. Sua gentileza está além da nossa capacidade de
retribuir. Ademais, somos gratos à assistência especial de Annette
Gysen e Paul Smalley como editores, Gary den Hollander como
revisor, Linda den Hollander como diagramadora e Amy
Zevenbergen como capista.
Acreditamos que a leitura dos textos a seguir provará que o
pensamento de Calvino foi e ainda é uma fonte dinâ mica de
conteú do frutífero e vivo em vá rias á reas da vida cristã . Apó s mais
de 450 anos desde que Calvino foi habitar no Paraíso, seu
pensamento sobre Deus e sua Palavra ainda possui o que a nossa
cultura deseja tã o intensamente — verdadeira relevâ ncia.

Parte 1
Um Breve Biografia
de Joã o Calvino
 
 
Capítulo 1
 
O Jovem Calvino: preparaçã o para uma vida de ministério
 
Michael A. G. Haykin
 

No tratado Psychopannychia , de 1534, a publicaçã o mais recente


depois de sua conversã o, o teó logo francês refletiu sobre como a
vida é sem o conhecimento salvífico do Deus vivo . 1 Embora nã o
sejam autobiográ ficos em forma, pode-se interpretar seus
comentá rios como sendo sobre a pró pria vida antes de sua
conversã o. Como salientou Heiko Oberman:
Você deseja saber o que é a morte da alma? É estar sem Deus, é ser
abandonado por Deus, ser entregue a si mesmo [...] Uma vez que, à
parte de Deus, nã o há luz que ilumine a nossa escuridã o, quando Ele
retira sua luz logo nossa alma certamente fica cega e sepultada em
trevas; nossa alma fica muda, pois nã o pode confessar ou clamar
pedindo para agarrar-se a Deus. A alma está surda, pois nã o pode
ouvir a sua voz. A alma está coxa, uma vez que nã o tem como se
apoiar [...] em Deus 2

Nã o surpreende que Calvino tivesse velado sua experiência desta


forma, pois, de todos os reformadores, ele foi o mais relutante em
discutir detalhes de sua pró pria vida em obras destinadas ao
consumo pú blico. Nas palavras dele ao cardeal Jacopo Sadoleto
(1477–1547), “Nã o anseio por falar sobre mim mesmo” . 3 Ele tinha,
nas palavras de Heiko Oberman, “aversã o por autopromover-se” . 4
Calvino mesmo forneceu apenas duas fontes majoritá rias para
detalhes sobre a pró pria vida antes de sua conversã o, e que devem
ser utilizados com cuidado, uma vez que nã o sã o explicitamente
autobiográ fico s 5 — a saber, seçõ es de sua Resposta a Sadoleto
(1539) e do prefá cio ao seu Comentá rio no livro de Salmos (1557) . 6
As observaçõ es ocasionais de Calvino aqui e ali em suas obras,
algumas delas destacadas nas notas deste livro, ajudam a preencher
alguns buracos do começo de sua vida, assim como servem também
de auxílio à biografia produzida por seu amigo e companheiro de
ministério Teodoro de Beza (1519–1605). Beza escreveu duas vidas
sobre o amigo e mentor. A primeira veio à luz em 1564, três meses
apó s a morte de Calvino . 7 No ano seguinte, um dos pastores
amigos de Beza, Nicolas Colladon, publicou uma versã o
consideravelmente ampliada da vida de Calvino, desenvolvida sobre
a obra de Beza, mas que também incorporou material novo . 8 Dez
anos depois, apó s Colladon ter se mudado de Genebra, em 1571,
para Lausanne, Beza revisou sua pró pria biografia, fazendo uso
abundante do material de Colladon . 9
 
“DESTINADO. . . PARA A TEOLOGIA”
Joã o Calvin o 10 nasceu no dia 10 de julho de 1509, em Noyon,
Picardy, noroeste da França; fruto de Gérard Cauvin (m. 1531) e sua
esposa, Jeanne le Franc (m. 1515). Ambos descritos por Beza como
“amplamente respeitados e em circunstâ ncias confortá veis” . 11 De
funcioná rio da cidade, o pai de Calvino cresceu até ocupar a posiçã o
de administrador financeiro da catedral de Noyon. Jeanne, que
parece nunca ter sido mencionada em meios impressos por Calvino ,
12
faleceu quando ele tinha apenas seis anos. Pode ser que, como
alguns historiadores têm argumentado, a mã e de Calvino estivesse
mergulhada na devoçã o cató lica romana medieval das relíquias,
uma vez que, em seu penetrante tratado sobre relíquias, ele se
recorda de ter beijado um fragmento da mã o de Anna, a mã e de
Maria, na igreja de Ourscamp, nã o distante de Noyon, na qual sua
mã e o deve ter levado . 13 Joã o Calvino também tinha um irmã o
mais velho, Charles (m. 1537); dois irmã os mais novos, Antoine (m.
1573) e François, que faleceram ainda quando crianças; e duas
meias-irmã s, filhas provenientes do segundo casamento de Gérard .
14
Dados os estreitos laços com a igreja, nã o é surpresa que seu pai
inicialmente desejasse que o filho estudasse para o sacerdó cio.
Gérard também conduziu Charles à formaçã o sacerdotal, que a
deixou em 1536 . 15 “Meu pai”, Calvino recorda no final de 1550,
“destinou-me desde criança para a teologia” . 16 Entã o, foi em 152 3
17
que o jovem Calvino partiu para estudar e formar-se Mestre em
Artes em Paris, o que, afinal, o conduziria aos estudos teoló gicos e ao
sacerdó cio. Por causa da conexã o de seu pai com a igreja, Calvino foi
capaz de financiar seus estudos por meio de vá rios benefícios que
lhe foram dados na infâ ncia e no início da adolescência — um dos
abusos da igreja medieval.
Em Paris, a princípio estudou por três meses na Collège de la
Marche, onde, sob a magnífica tutelagem de Mathurin Cordier
(1479–1564), aprimorou suas habilidades no latim. Mais tarde,
Calvino reconheceu o quanto lhe devia quando, em 1550, dedicou ao
seu professor mais velho o comentá rio sobre as cartas de Paulo aos
Tessalonicenses:
Foi debaixo de sua tutela que ingressei no caminho dos estudos e
tive progresso, ao menos no que diz respeito a servir de benefício à
igreja de Deus. Quando meu pai me enviou a Paris, eu, ainda garoto,
havia percorrido apenas os rudimentos do latim. Por um breve
período, no entanto, você me foi um instrutor enviado por Deus,
ensinando-me o método verdadeiro do aprendizado, a fim de que,
depois de certo período, eu me tornasse um pouco mais proficiente
[…] Foi do meu desejo testificar à posteridade, fazendo saber que,
caso se tire algum proveito das minhas obras, você, em certa
medida, é o responsá vel por tanto. 18

Apó s esse breve período, podendo ser visto como de estudos


preparató rios na Collège de la Marche, Calvino prosseguiu para o
formidá vel Collège de Montaigu. Essa instituiçã o, fundada em 1314 e
revivida no final do século V apó s um período de declínio, era bem
conhecida tanto pelo conservadorismo teoló gico quanto pela
disciplina severa. No geral, a Collège de Montaigu era marcada por
uma “mentalidade fechada e ortodoxia de arrepiar”, que resultaram
em violenta oposiçã o contra a instituiçã o e numa perseguiçã o do
protestantismo francês, que ainda dava seus primeiros passos . 19 O
estilo de vida inculcado dentro daqueles muros universitá rios é bem
retratado em uma descriçã o do humanista holandês Erasmo (1466–
1536), que, refletindo sobre sua estadia lá em 1495, recordou do
lugar como “imundo, profundamente sombrio e sem vida, inó spito,
fedendo aos cheiros mais pú tridos, [e] coalhado em sujeira”. Ele
prosseguiu: “Nada trouxe comigo de lá , senã o um corpo intoxicado
com humores infectados!” . 20
Vale notar que outra figura
importante desta era, o líder da Contrarreforma, Iná cio de Loyola
(1491–1556), reconhecido tanto quanto Calvino por sua vida
disciplinada, estudou nesta universidade, mas depois do jovem
francês . 21
Muito tem sido escrito sobre as influências filosó ficas e teoló gicas
que moldaram Calvino durante sua estadia em Montaigu , 22 mas a
verdade é que nã o há documentos deste período que possam indicar
com precisã o sua natureza exata. O estoicismo foi uma delas, como
Alexandre Ganoczy dá a dizer? O primeiro livro de Calvino foi um
comentá rio sobre o tratado do filó sofo estoico Sêneca (c. 4 a.C.–65
d.C.), autor que, no século VI, era visto como um estoico que nutria
distinta simpatia pelo cristianismo . 23 Ou foi a teologia agostiniana
de Gregorio de Rimini (m. 1358) uma influência majoritá ria, como
indicado por Alister E. McGrath ? 24 Como Oberman percebe, no
entanto, Calvino nunca mencionou Gregorio, e como McGrath
admite, “finalmente [...] nã o sabemos com precisã o ou certeza o que
Calvino estudou enquanto em Montaigu; nã o sabemos sob o ensino
de quem ele foi instruído (a nã o ser a exceçã o ó bvia de Cordier) nem
a que palestras ele assistiu; nã o sabemos nem mesmo quais livros
ele leu” . 25 Ter tais incertezas acerca das ideias e dos livros que
moldaram Calvino durante seu período de formaçã o nã o significa
que o reformador nã o era intelectualmente devedor dos elementos
do mundo medieval, mas sim que é preciso grande circunspecçã o
para afirmar qualquer influência . 26
O historiador francês Richard Stauffer notou que, durante seu
período em Paris, Calvino deve ter percebido, ainda que em certa
medida, a presença de evangélicos na França. Evangélicos foram
martirizados em 1525; por exemplo, o monge agostiniano Jean
Châ telain foi queimado no mês de janeiro em Metz e um franciscano
que havia abraçado as ideias luteranas, provavelmente Pierre de
Sébiville, sofreu e morreu na fogueira, em Grenoble. Em agosto de
1526, Jacques Pauvan foi morto em Paris no Place-de-Gréve. 27
Além do testemunho de má rtires evangélicos, Marguerite de
Angoulême (1492–1549), irmã do rei da França e a mulher mais
poderosa da naçã o depois da rainha-mã e, publicou em 1524 uma
obra na qual se posicionava pela doutrina luterana da justificaçã o
pela fé somente . 28 Mas nã o há evidências de que a esta altura
Calvino tivesse o mínimo de interesse por juntar-se à causa da
Reforma.
 
“CHAMADO, AGORA, PARA. . . ESTUDAR DIREITO”
Tendo obtido seu diploma em Artes em 1528, já estava pronto para
dar início aos estudos formais em teologia, contudo nã o era para
acontecer. Embora quisesse que Calvino se tornasse sacerdote como
o irmã o mais velho, seu pai de repente mudou de ideia e disse ao
filho que ingressasse no curso de Direito e se mudasse para Orléans
a fim de estudar naquela que era a mais importante universidade
francesa voltada aos estudos referentes à s leis. Mais tarde, Calvino
descreveu essa mudança drá stica em sua vida da seguinte forma:
“Apercebendo-se de que a ciência da Lei tornou abastados aqueles
que nela confiam e porfiam, ele [seu pai] mudou de ideia, na
esperança de ganho material para mim. E assim ocorreu que fui
retirado dos estudos da filosofia para entã o aprender direito” . 29
Calvino estudou em Orléans de 1528 a 1529, depois entã o foi
transferido para Bourges, para mais dois anos de estudos do direito,
de 1529 a 1531. O principal porquê daquela mudança foi a chegada
do famoso jurista italiano Andrea Alciati (1492–1550) a Bourges . 30
O conhecimento jurídico que Calvino obteve durante seu período de
estudos concentrados deu-lhe um interesse permanente na natureza
do direito e da justiça, as ferramentas para criar instituiçõ es em
Genebra que serviriam no avanço do evangelho, e um domínio de
como ler textos à luz de seus contextos literá rios e linguísticos . 31
Também especialmente importante sobre sua entrada no direito foi
o fato de um de seus tutores, tanto em Orléans quanto em Bourges,
ter sido o erudito alemã o Melchior Wolmar (1497–1560), ele
pró prio comprometido com a perspectiva evangélica de Martinho
Lutero (1483–1546) . 32 Em Bourges, Wolmar começou a ensinar
grego a Calvino, o que desvendou ao entã o futuro reformador as
riquezas do Novo Testamento . 33 Vale notar que grande parte dos
contemporâ neos de Calvino consideravam o ensino do grego com
profunda desconfiança. No dizer de certo autor: “Devemos evitar [o
grego] a todo custo, pois essa língua gera heresias. Em especial,
acautele-se do Novo Testamento em grego; é um livro cheio de
espinhos e ferrõ es!” . 34 Em 1530, o Corpo Docente de Teologia em
Paris foi longe a ponto de condenar a ideia de que nã o se pode
compreender adequadamente as Escrituras sem o conhecimento das
línguas originais nas quais foram escritas . 35 Por outro lado, Calvino
consideraria o aprendizado do grego como essencial a quem
desejasse tornar-se arauto do evangelho . 36 Simon Grynaeus
(1493–1541), o cativante professor de grego na Universidade de
Basel, ajudou pessoalmente Calvino a aprofundar seu domínio da
língua no tempo em que residiu em Basel, de 1535 a 1536 . 37
Nã o se sabe até que ponto Wolmar compartilhou sua fé com
Calvino . 38 Quando toma nota de sua dívida com Wolmar pelos
rudimentos do grego, na dedicató ria prefacial de seu Comentá rio em
2Coríntios, Calvino nã o faz mençã o de questõ es teoló gicas . 39 Na
verdade, há evidência clara para mostrar que, naquela época, ele
ainda estava seriamente comprometido com a Igreja de Roma . 40
Havia uma profunda veia conservadora no cará ter de Calvino. Como
ele mesmo admitiu em sua resposta a Sadoleto, “Foi com a maior
dificuldade que fui conduzido a confessar que por toda a minha vida
estive em ignorâ ncia e erro” . 41
Apó s seus estudos em direito, Calvino retornou a Paris, onde ficou
ciente de que seu pai estava gravemente doente. Apressou-se entã o
para Noyon, permanecendo com ele durante seus ú ltimos dias. Seu
pai havia entrado em conflito com autoridades da Igreja Cató lica
Romana dois anos antes, em novembro de 1528, quando se recusou
a dar ao bispo local os livros contá beis para a Catedral. Nã o está
claro se ele foi culpado de má conduta ou se seu orgulho foi
aborrecido ao ter a pró pria integridade questionada . 42 Ele entã o
foi excomungado e faleceu sem ser reconciliado à Igreja Romana . 43
Se isso impactou o pensamento de Calvino sobre a Igreja de Roma e
sua disciplina, nã o se sabe.
No ano seguinte à morte de Gérard foi que surgiu a primeira
publicaçã o de Calvino, seu comentá rio sobre De Clementia , de
Sêneca . 44 Financiada com recurso pró prios , 45 é um indicador
claro de que suas raízes intelectuais estã o no humanismo
renascentista e seus princípios, no desejo de rejuvenescer certos
aspectos da civilizaçã o medieval de ad fontes — “de volta à s fontes”
da cultura ocidental no antigo mundo greco-romano . 46 Allan
Menzies nota que o conhecimento de Calvino sobre os clá ssicos é
abundantemente evidente nesta primeira empreitada no mundo da
cultura impressa: Calvino “mostra-se familiarizado com o todo da
literatura grega e latina, citando 155 autores latinos e 22 gregos, e
os citando com entendimento” . 47 Debaixo da providência de Deus,
essa paixã o renascentista de buscar a sabedoria do passado
forneceria direçã o incalculá vel a eruditos como Calvino, que veio a
aceitar convicçõ es evangélicas: a fonte da renovaçã o da igreja só se
encontra na raiz da fé cristã , a Escritura Sagrada. Como Calvino mais
tarde percebeu, o ensino dos reformadores remetia à “raiz [do
cristianismo] e, por assim dizer, como que tirando os entulhos do
caminho, o restaurou à pureza original” . 48
Os passos de Calvino entre a publicaçã o de seu tratado humanista,
em abril de 1532, e seu retorno a Paris, no final do outono de 1533,
nã o sã o fá ceis de traçar. Ele voltou para Orleans a fim de receber sua
graduaçã o em direito. Mas, em algum momento de 1533, a maior de
todas as mudanças ocorreu em sua vida quando, nas palavras dele, o
“Senhor brilhou sobre [ele] com a luz do [seu] Espírito” , 49 o que o
fez juntar-se à fileira dos reformadores.
 
“UMA PROVA E O CONHECIMENTO DA VERDADEIRA PIEDADE”
A data da conversã o de Calvino está entre os tó picos mais discutidos
da Reforma. Quando foi? T. H. L. Parker defende 1529/1530, data
aceita por um certo nú mero de estudiosos, entre eles J. I. Packer . 50
Entretanto, tradicionalmente é datada de 1533, que certamente
carrega forte base erudita . 51
Apesar de nã o haver dados
irrefutá veis que determinem a época, há dois debates ampliados
pelo pró prio Calvino acerca da natureza de sua conversã o —
intimaçõ es em sua Resposta a Sadoleto e o prefá cio em seu
Comentário nos Salmos , de 1557 — destes, o ú ltimo é o mais
importante . 52 Nele, apó s mencionar o desejo que seu pai tinha de
ver o filho advogando, Calvino constata a respeito da operaçã o de
Deus em sua vida:
Deus, pelo conduzir secreto de sua providência, mudou o rumo da
minha caminhada [o estudo do direito]. Primeiro, ainda eu
tenazmente viciado nas superstiçõ es papistas, de modo que
dificilmente seria arrancado de tã o viciosa lama, Deus, mediante
sú bita conversã o, subjugou a minha mente e a tornou ensiná vel [
domta et rangea à docilité ], de forma entã o mais rígida do que a
esperada para a minha idade. Tendo, entã o, recebido uma prova e o
conhecimento da verdadeira piedade, ardi com desejo tal de levar
meus estudos adiante, que, ainda que nã o tivesse abandonado
outros tó picos, nã o mais tive zelo por eles. Em menos de um ano,
todos que buscavam uma doutrina mais pura começaram a vir e
aprender de mim, embora fosse eu ainda novato e iniciante. 53

Seis aspectos desta breve meditaçã o teoló gica acerca da obra


salvadora de Deus requerem apreciaçã o.
Em primeiro lugar, Calvino está de fato recontando as circunstâ ncias
histó ricas pelas quais Deus o trouxe de um estado de morte
espiritual à fé viva nele. Alexandre Ganoczy, no entanto, nega a este
texto a posiçã o de narrativa histó rica da conversã o do reformador.
Pelo contrá rio, defende ser uma reflexã o teoló gica do ponto de vista
de seu pensamento teoló gico já maduro. Por exemplo, quando
afirma ter experimentado uma “sú bita conversã o”, Calvino disse o
que disse por razõ es teoló gicas, para dar ênfase à conversã o como
sendo um milagre divino. Ganoczy acredita que as fontes primá rias
da vida do reformador datadas de 1530 corroboram esse ponto e
revelam que o afastamento de Calvino da Igreja Cató lica foi um
“desenvolvimento espiritual gradativo” . 54 Indiscutivelmente, o
relato sobre sua pró pria conversã o nã o está isento de interpretaçã o
teoló gica, e, como Ganoczy defendeu, aqui Calvino adicionou
detalhes para melhor explicar seu chamado ao ministério da Palavra
em Genebra. Nada disso, contudo, diminui a historicidade do relato
de sua conversã o . 55 Além do mais, é digno de nota o fato de
Calvino ter incluído a narrativa de sua conversã o dentro de uma
porçã o maior de texto, que detalha eventos histó ricos e reconta seu
envolvimento com a Reforma de Genebra.
Em segundo lugar, ele lembra que, antes de ser convertido, “ainda
era tenazmente viciado nas superstiçõ es papistas, de modo que
dificilmente seria arrancado de tã o viciosa lama”. Calvino nã o
especifica quais superstiçõ es tinha em mente, mas, comparando-as
ao lamaçal, indica que ser liberto dessas distorçõ es da verdade
cristã e “da matriz da tardia religiã o medieval” só ocorreu pela açã o
de um agente externo . 56 Calvino nã o fez mençã o dos instrumentos
humanos por meio dos quais ouviu o evangelho: possivelmente
Wolmar; seu primo Pierre Olivétain (1506–1538), que traduziu o
Novo Testamento para o francês e que por Beza foi considerado,
mas nisso ele se enganou, como a figura-chave por meio de quem
Calvino “familiarizou-se com a fé reformada” ; 57 ou É tienne de la
Forge, um dos primeiros má rtires protestantes, com quem Calvino
se hospedou enquanto em Paris . 58 Nem fez ele mençã o de obras
escritas por homens que deve ter lido, escritos de Martinho Lutero,
por exemplo . 59 Mas esta é uma prá tica típica de Calvino e da fé
reformada: enfatizar a soberania absoluta de Deus na salvaçã o.
Deste modo, Calvino pô de declarar em seu tratado A Eleição Eterna
de Deus (1562): “Nã o é da força do homem o ato de converter-se de
uma vida maligna, a nã o ser que Deus o transforme e o purifique por
seu Santo Espírito” . 60 Ou, nas palavras empregadas em sua
resposta a Sadoleto, referindo-se a como compreendeu que a
salvaçã o é pela graça somente: “Ó , Senhor, brilha sobre mim com a
luz do Teu Espírito” . 61
Em terceiro lugar, o latim por trá s da palavra “sú bita”, na expressã o
“sú bita conversã o”, é subita , que pode significar “inesperado” ou
“nã o premeditado”, provavelmente as melhores traduçõ es. Em
outras palavras, a conversã o de Calvino, em ú ltima aná lise, nã o foi
fruto da sua vontade ou intençã o . 62 Alister E. McGrath bem diz ao
escrever que essa palavra “ressoa com conotaçõ es do inesperado, do
imprevisível, do incontrolá vel” . 63 Uma das características naturais
de Calvino era sua resistência à mudança, como ele mesmo indica no
texto. Mas Deus invadiu sua vida e, conforme a passagem dá a
entender, trouxe à tona uma reviravolta completamente inesperada,
que o fez mudar sua visã o acerca de Deus e da salvaçã o, levando-o a
abraçar a doutrina do evangelho como a verdade. Ele se recusava a
ouvir autores evangélicos, conforme deixou claro em sua Resposta a
Sadoleto , por “reverência à igreja”: “Mas, quando abri meus ouvidos
e me permiti ser ensinado, percebi que esse temor de subtrair da
igreja a majestade nã o tinha fundamento. Pois [estes autores]
lembraram-me de quã o grande é a diferença entre a cisã o da igreja e
o estudo para a correçã o das falhas com as quais a igreja está
contaminada. Eles falaram com nobreza acerca dela e
demonstraram o maior desejo de cultivar unidade” . 64
Portanto, para Calvino conversã o significou a formaçã o de um
coraçã o ensiná vel. Como ele mesmo declarou, “Deus subjugou
minha mente e a tornou ensiná vel (domta et rangea à docilité ), de
forma entã o mais rígida que a esperada para a minha idade”. O
verbo ‘subjugar’ associava-se à domesticaçã o de animais selvagens,
em especial cavalos que precisavam de rédia e freio para que fossem
conduzidos e direcionados . 65 Esta é uma metá fora recorrente nos
escritos de Calvino, uma indicaçã o da importâ ncia que ele dava ao
espírito ensiná vel e à submissã o à vontade de Deus como centrais à
natureza do cristianismo bíblico, particularmente para aqueles que
anseiam pelo ministério da Palavra. Nas palavras do pró prio
Calvino, extraídas de seu comentá rio na passagem de 1Coríntios
14.31, “Só será bom professor aquele que provar ser ele mesmo
ensiná vel, sempre pronto a aprender” . 66
Em quinto lugar, como salientou François Wendel, para Calvino a
conversã o significou uma “completa mudança de direçã o dos seus
estudos”. Em suas palavras, “Tendo, entã o, recebido uma prova e o
conhecimento da verdadeira piedade, ardi com desejo tal de levar
meus estudos adiante, que, ainda que nã o tivesse abandonado
outros tó picos, nã o mais tive zelo por eles”. Ele havia perdido a
paixã o pelo tipo de estudo que culminou em seu comentá rio da obra
De Clementia , de Sêneca. Ao invés disso, o estudo das Escrituras e da
teologia evangélica é que, doravante, agarrou seu coraçã o . 67 Allan
Menzies capturou a profundidade daquela mudança quando afirmou
que Calvino entã o “nã o mais escreve como um humanista, mas como
alguém guiado pela Palavra, alguém que sente o crescente clamor do
sangue dos má rtires a ser derramado ao seu redor” . 68
Por fim, a linguagem que Calvino usava para descrever o impacto
afetivo de sua conversã o é notá vel. Há uma forte tradiçã o de
pensamento que o retrata como alguém frio e nã o emotivo. Mas o
relato de sua conversã o — em especial com a declaraçã o sobre seu
desejo ardente (enflammé ) de crescer no conhecimento de Deus —
indica exatamente o oposto e que sua natureza ardia com incomum
intensidade. Na verdade, como James A. de Jong ressalta num estudo
sobre a piedade de Calvino tal como está em seu comentá rio nos
Salmos, as anotaçõ es do reformador nesta porçã o das Sagradas
Escrituras ajudam a dissipar a “percepçã o obstinada sobre Calvino
como alguém frio, racionalista, vingativo e indiferente”. Pelo
contrá rio, encontramos um “cristã o que experimentava considerá vel
profundidade e fervor” . 69
A conversã o de Calvino nã o só consistiu em iluminaçã o. Envolveu
nada menos que “um compromisso sincero, sem reservas com o
Deus vivo” . 70 É um comprometimento ardente o qual encontra
expressã o na má xima de Calvino, que retrata um coraçã o sobre uma
mã o aberta e estendida, com o lema cor meum tibi offero Domine
prompte et sincere (Meu coraçã o ofereço a ti, Senhor, de modo
pronto e sincero) . 71
 
“POR TODOS QUE BUSCAVAM UMA DOUTRINA MAIS PURA”
De acordo com Calvino, apó s um ano de conversã o, seu dom de
ensino foi reconhecido e solicitado por aqueles que buscavam uma
“doutrina mais pura” que a de Roma . 72 Ele nã o era um completo
novato no ensino. A bem da verdade, Calvino já havia lecionado uma
série de estudos sobre Sêneca, no final do verã o ou no início do
outono de 1533 . 73 Entã o daí ele se viu parte de um movimento na
França que buscava uma reforma interna para o catolicismo romano
desde o início de 1520. No coraçã o deste movimento reformador
estava o erudito bíblico Jacques Lefèvre d’Etaples (c. 1455–1536) . 74
Em 1520 Lefèvre já estava famoso por toda a Europa Ocidental dada
a profundidade do seu conhecimento — muitos acreditavam que ele
era semelhante ao modelo ideal da erudiçã o humanista, Erasmo. Ele
passou o início de sua carreira imerso no aristotelismo e no
misticismo medieval, mas apó s publicar seu comentá rio sobre as
cartas paulinas, em 1512, começou a ser notoriamente conhecido
como teó logo, mesmo sem ter instruçã o formal em teologia. 75
Estudiosos divergem quanto a Lefèvre ter ou nã o antecipado a
doutrina luterana da justificaçã o pela fé somente — Philip
Edgcumbe Hughes defende que sim; já outros, como Richard
Stauffer, dizem que nã o 76 —, mas fica claro que ele apreciava
profundamente os primeiros escritos de Lutero. Nas ú ltimas obras
de Lefèvre, especialmente as escritas apó s 1518, este erudito
francês rejeitou completamente a veneraçã o aos santos e outros
aspectos que considerava corruptos no culto do catolicismo
medieval . 77
Nas palavras de Beza, Lefèvre deu início ao
“renascimento da religiã o pura” . 78 Embora alguns discipulos de
Lefèvre tivessem abraçado a crítica do estudioso sobre a piedade
medieval a ponto de romperem com Roma — homens como
Guilherme Farel (1489–1565), amigo íntimo de Calvino —, outros,
inclusive o pró prio Lefèvre, nã o a consideraram uma causa justa
para separaçã o. Nã o obstante, as convicçõ es doutriná rias de Calvino
relativas à verdadeira adoraçã o — uma das questõ es centrais da
Reforma — certamente estã o enraizadas na crítica radical de
Lefèvre feita contra a piedade do final do período medieval . 79
A época de 1520 presenciou episó dios de perseguiçã o a este
movimento de reforma, parte dela extremamente violenta (como
mencionado anteriormente, o martírio de Jacques Pauvan, um dos
discípulos de Lefèvre). Outro período de perseguiçã o teve início no
dia 1º de novembro de 1533, depois de um discurso proferido pelo
reitor da Universidade de Paris, Nicolas Cop, um dos amigos de
Calvino . 80 O discurso, de modo algum radical se visto por padrõ es
protestantes posteriores (ainda que apresentasse tons suaves de
luteranismo, houve também invocaçã o à Virgem Maria), tanto
chocou os docentes da Faculdade de Teologia em Paris que estes
condenaram tanto Nicolas Cop como seu discurso. Cop depressa
deixou Paris rumo a Basel. Por resultado daquelas palavras,
simpatizantes das ideias luteranas começaram a ser detidos.
Calvino, que tinha relaçã o com Cop, também partiu. Beza relata que
os cô modos de Calvino foram vasculhados na ocasiã o e que vá rios
documentos foram apreendidos, indicativo de que ele realmente
estava sob o perigo de ser preso . 81 Cerca de trinta anos depois, em
1562, refletindo a respeito durante um sermã o em 2Samuel, Calvino
admitiu que estava tã o aterrorizado e sentindo tamanha agonia que,
fosse para nã o estar aflito daquele jeito, preferiria estar morto . 82
Ele encontrou segurança na companhia de um amigo em
Angoulême, Louis du Tillet, proprietá rio de uma magnifica
biblioteca com milhares de livros. Calvino provavelmente utilizou
essas obras na primavera de 1534 para realizar parte de uma
pesquisa que culminou em sua Psychopannychia — uma resposta à
teoria anabatista do sono da alma —, a qual ou escreveu ou, mais
para frente naquele mesmo ano, terminou de escrever em Orléans,
publicaçã o, contudo, nã o efetuada até 1542 . 83 Beza também notou
que Calvino encontrou tempo para visitar Lefèvre durante este
período. De acordo com Beza, Lefèvre “estava encantado com o
jovem Calvino, e previu que ele se tornaria um instrumento distinto
para a restauraçã o do reino dos céus na França” . 84 Outra jornada
naquele ano de viagens levou Calvino a Noyon, sua terra natal.
Registros eclesiá sticos indicam que no dia 4 de maio o pró prio
Calvino deixou um de seus benefícios. É prová vel que ele tenha
abandonado os demais também no mesmo momento. Curiosamente,
Beza nã o menciona esse evento, o qual provavelmente indica o
rompimento final de Calvino com Roma, bem como seu forte
compromisso com a Reforma . 85 Calvino passou os meses seguintes
a essa jornada de maio em trâ nsito: viajou para Nérac, onde
Marguerite d’Angoulême presidiu a corte e estava mais favorá vel à s
visõ es evangélicas; sob grande risco, voltou para Paris a fim de
encontrar-se com Miguel Serveto (1511–1553), que nã o cumpriu
com o combinado; e passou um tempo em Orléans.
 
“A ESTRADA COM CRISTO É CHEIA DE ESPINHOS”
Naquele outono, enquanto trabalhava nos retoques finais da obra
Psychopannychia , surgiu o evento que levaria a peregrinaçã o de
Calvino para além da França. Durante a longa noite de 17 de outubro
e a breve manhã de 18 de outubro, pô steres (cartazes) foram
colocados em vá rios pontos bem localizados de Paris, Rouen,
Orléans e outras cidades francesas, denunciando a missa como
abominaçã o perante Deus. O que conduzia a perspectiva do homem
por trá s dos cartazes, Antoine Marcourt, um pastor de Nauchâ tel,
era a soteriologia do livro de Hebreus: qual a necessidade de uma
mediaçã o sacerdotal por parte da Missa, sendo que Cristo a si
mesmo se ofereceu na cruz ao Pai uma vez por todas (Hb 7.27)? Um
cartaz foi pendurado até mesmo na porta dos aposentos do rei
Francisco I ! 86 O monarca ficou furioso. A teologia evangélica
passou a ser vista como perigosa ao Estado . 87 Em menos de duas
semanas mais de duzentas pessoas já haviam sido presas, das quais
vinte e quatro foram queimadas como hereges. Em meio a elas
estava o locatá rio parisiense de Calvino, É tienne de la Forge.
Foi assim que Calvino decidiu deixar a França. Ele encontrou
refú gio, assim como Cop, na cidade suíça de Basel, e lá chegou em
janeiro de 1535. Outros evangélicos franceses já se encontravam na
regiã o, incluindo Farel e Pierre Viret (1511–1571), de berço suíço
como Farel e que mais tarde, também como Farel, seria contado
entre os amigos e colegas mais pró ximos de Calvino. Um poderoso
testemunho daquilo que Calvino chamou de “o santo laço da
amizade” entre estes três homens pode ser encontrado na porçã o
que lhes dedicou em seu comentá rio no livro de Tito: “Creio que
jamais houve na vida cotidiana um círculo de amigos tã o
sinceramente atados como somos em nosso ministério. Ao lado de
ambos, neste lugar [isto é, em Genebra], eu me exonero do ofício de
pastor, e longe de qualquer aparência de rivalidade, sempre fomos
como que de uma só mente” . 88
Calvino também teve a oportunidade de refletir sobre o que ocorreu
na França e suas implicaçõ es para o discipulado cristã o. Anos mais
tarde ele pô de olhar para trá s e ver o que Deus estava realizando em
sua vida durante aquele período. Algumas palavras encontradas na
exposiçã o de Mateus 8.19 (“aproximando-se dele um escriba, disse-
lhe: Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores”) em seu
comentá rio sobre os evangelhos Sinó ticos, expressaram bem esses
pensamentos posteriores acerca da obra de Deus em sua vida nos
dias apó s sua conversã o:
Compreendemos que ele era um escriba, homem acostumado com
uma vida fá cil e tranquila, tratado respeitosamente, que nã o seria
pá reo para palavras duras de tempos difíceis, para perseguiçõ es ou
para a cruz. Ele deseja seguir a Cristo, mas imagina para si um
caminho suave e agradá vel, de repouso, com todos os bens
providenciados — enquanto o caminho de Cristo é espinhoso para
os seus discípulos; ele conduz, por meio de contínuas dores, a uma
cruz […] Logo, aprendamos que, na pessoa deste homem, todos
somos instruídos a nã o fazer afirmaçõ es impensadas e
irresponsá veis sobre os discipulado de Cristo, sem antes considerar
a cruz e os sofrimentos […] Esse é o preparo bá sico que dá acesso à
escola de Cristo, negar-se a si mesmo e levar a pró pria cruz. 89

Calvino estava aprendendo na escola de Cristo que, para servir o


Mestre de todo o coraçã o, ele teria de andar por um caminho
“espinhoso”. Em termos modernos, o erudito francês estava
aprendendo o custo do discipulado e, assim, sendo preparado para a
obra de sua vida em Genebra.

Capítulo 2
 
Liçõ es prá ticas da vida de Idelette Calvino

Joel R. Beeke
 

Joã o Calvino era um homem dedicado à s Escrituras e à Igreja . 1 Ele


enfatizava a soberania de Deus e a vida cristã em sua pregaçã o e em
seus escritos, e estava rodeado por muitos amigos, cristã os e leais.
Sem surpresa, seu casamento foi feliz. Entretanto, encontrar uma
parceira adequada com quem casar provou ser uma tarefa
desafiadora para ele. Muitos dos seus mais bem-intencionados
amigos e familiares tentavam fazer o papel de casamenteiro, mas
Calvino se decepcionava em cada uma das tentativas. Com o tempo,
quase resignou-se ao celibato . 2
Quando seu amigo Guilherme Farel lhe escreveu para contar sobre
uma outra possível companheira de vida, Calvino respondeu: “Nã o
pertenço a esse grupo tolo de amantes, homens dispostos a cobrir
até mesmo as pequenas faltas de uma mulher com beijos, pois tã o
logo se derretem por sua aparência externa. A ú nica que me encanta
é a beleza de ela ser virtuosa, obediente, nã o dada à arrogâ ncia,
parcimoniosa, paciente, atenciosa para com a minha saú de” . 3
Quando finalmente Calvino casou-se com Idelette van Buren,
encontrou nela algo indispensá vel para aquilo que estava
procurando: um coraçã o piedosamente sincero e obediente a Deus.
Para Calvino e Idelette, tal piedade seria a chave fundamental para o
enfrentamento das dificuldades e dos desafios da vida matrimonial.
Embora saibamos pouco da vida doméstica do casal, tudo indica ter
sido serena e piedosa, apesar das muitas tragédias e afliçõ es.
Examinando a vida dos dois, focaremos em vá rias liçõ es que
podemos aprender de seu exemplo piedoso. Há neste
relacionamento aquilo que se pode chamar de uma marca do
casamento cristã o. Esse é o padrã o da vida santa que Colossenses
3.12–13 diz incluir “ternos afetos de misericó rdia, de bondade, de
humildade, de mansidã o, de longanimidade; suportando uns aos
outros, perdoando mutuamente”. Esses ingredientes, que
permearam o casamento de Calvino e Idelette, ainda nos oferecem
mú ltiplas maneiras ú teis de enriquecer e abençoar o matrimô nio de
todos nó s.
 
CORTEJO
As responsabilidades de Calvino como pastor e reformador eram
demasiadas para a sua saú de. Ele contraiu tantas doenças sob este
fardo que seus amigos o convenceram de que precisava de uma
companheira para aliviar algumas de suas responsabilidades da vida
doméstica. Calvino tinha vá rios alunos vivendo em sua residência,
alguns aposentados (pensionistas), uma governanta grosseira e o
filho dela. O caro amigo de Calvino, Farel, tentou por duas vezes
encontrar-lhe uma esposa, alguém que correspondesse ao seu ideal
bíblico.
Por fim, Martin Bucer sugeriu a viú va Idelette van Buren (prová vel
que proveniente de Buren, na província holandesa de Gelderland)
como candidata adequada. Por esta hora, Calvino já estava pronto a
permanecer solteiro pelo resto da vida. Apó s considerar a sugestã o,
entretanto, percebeu que aquela mulher, de fato, aparentava ter o
cará ter entã o almejado.
Idelette era uma jovem viú va com dois filhos ainda pequenos. Seu
marido, Jean Stordeau, um marceneiro de Liège (uma “daquelas
cidades da Holanda em que o avivamento foi mais eminente”, relata
D’Aubigne) , 4 contraiu a peste em 1540, pouco mais de um ano
apó s a chegada de Calvino lá , e morreu alguns dias depois. A família
Stordeau vivia em Estrasburgo, local que servia de refú gio para
cristã os fugindo da perseguiçã o da Igreja Cató lica Romana. O casal
era anabatista, rejeitado pelos cató licos romanos, pelos luteranos e
também pelos reformadores. É prová vel que Idelette fosse a filha de
um famoso anabatista, Lambert van Buren, homem condenado por
heresia em 1533, e que teve sua propriedade confiscada e foi banido
de Liège . 5
Além de nã o crerem no batismo infantil, os anabatistas abraçaram
vá rios ensinamentos que diferiam daqueles da fé reformada. Por
exemplo, este grupo cria que nã o se deve participar de governos ou
lutar em guerras. Eles também acreditavam que jamais deve haver
qualquer juramento, mesmo em julgamento. Em alguns casos, os
anabatistas tentaram separar-se do mundo ao estabelecerem suas
pró prias comunidades. Apesar de Jean e Idelette nã o pertencerem à
ala radical, de um modo geral os anabatistas eram radicais quando
comparados com outras expressõ es de fé da Reforma. Alguns deles
enfatizavam a vida espiritual em detrimento das Escrituras e da sã
doutrina. Outros tomaram medidas radicais para promover suas
crenças, chegando mesmo a níveis de violência. Curiosamente,
Calvino ajudou a suprimir o anabatismo por meio de seus escritos e
apoiando o aprisionamento e banimento de alguns de seus membros
mais radicais . 6
Quando ele e Farel foram expulsos de Genebra em 1538, Calvino
começou a pregar na igreja francesa em Estrasburgo, onde Jean e
Idelette frequentavam os cultos. Ambos devem ter ficado muito
curiosos quando ouviram Calvino, que já era bastante conhecido por
ter escrito as Institutas da Religião Cristã. Convencidos da verdade
reformada, Jean e Idelette logo abandonaram os anabatistas e
ingressaram na igreja de Calvino. Lá adquiriram amor pelas
Escrituras e seu lugar central na adoraçã o. Eles também
desfrutaram da pregaçã o pura e clara, do cuidado pastoral e da
amizade calorosa de seu líder . 7
Nesta época, Idelette já exibia um forte compromisso com Cristo e
um espírito ensiná vel. Ao invés de ressentir a dura política de
Calvino contra os anabatistas, ela leu as Institutas e aprendeu a
apreciar sua devoçã o pela Palavra de Deus. Idelette e seu marido
ouviram muitas das exposiçõ es bíblicas diá rias de Calvino. O casal
também lhe foi muito hospitaleiro, que apreciava a amizade deles e
os considerava, como eles pró prios se diziam, seus discípulos. Ele
admirava “a simplicidade e a santidade da vida que os dois levavam”
.8
A morte de Jean Stordeur foi um profundo golpe para Idelette. Ela
nã o apenas sentia falta de seu querido marido, com quem esteve
unida de muitas formas, mas, como viú va, nã o tinha condiçõ es de
sustentar a si mesma nem seus filhos. Pouco tempo depois da morte
de Stordeur, Bucer perguntou a Calvino: “O que acha da gentil
Idelette?”. Embora a considerasse uma preciosa irmã em Cristo,
Calvino passou a reconsiderar seu relacionamento com ela.
Enquanto trabalhava duro para expandir as Institutas , dos seis
capítulos para entã o dezessete, ele provavelmente ouviu
constantemente o eco, “Por que não a Idelette? ”. Afinal de contas, a
mulher era muito piedosa, gentil e inteligente. Ainda que fosse
alguns anos mais velha, era surpreendentemente jovem e atraente.
Machiel van den Berg notou que “o extrovertido Farel expressou seu
espanto com o fato de aquela ser uma mulher muito encantadora!” .
9
Contudo, em ú ltima aná lise, foi o fruto de Colossenses 3.12–13 na
vida de Idelette que mais impressionou Calvino, que buscava por
piedade para cada aspecto da pró pria vida.
Ele apreciava sua hospitalidade de Idelette tanto antes quanto
depois da morte de Jean Stordeau. As visitas ficaram mais
frequentes quando começou a cortejá -la formalmente. Apó s alguns
meses, no dia 17 de agosto de 1540, Calvino casou-se com Idelette,
levando-a junto dos filhos (um casal) para sua casa. Amigos vieram,
de perto e de longe, para o casamento . 10
Uma das primeiras liçõ es que podemos aprender da nova esposa de
Calvino é a importâ ncia de ser alguém completamente fiel e
humildemente submisso à s Escrituras, bem como ter um espírito
ensiná vel e hospitaleiro. É comum, nos dias de hoje, as pessoas
serem governadas mais pela tradiçã o do que pelas Escrituras. Elas
nã o estudam a Bíblia em privado nem buscam aprender e crescer
debaixo do fiel ministério expositivo da Palavra. E você? Você se
submete humildemente à s Escrituras? Você demonstra um espírito
receptivo? Você é hospitaleiro e caloroso para com os demais?
 
CARÁTER
Idelette era calma, despretensiosa e alegre, porém só bria . 11

Teodoro de Beza, o primeiro bió grafo confiá vel de Calvino,


considerou-a como escolhida a dedo — “uma mulher solene e de
bom cará ter” . 12 Apesar do pequeno porte e de sofrer com uma
saú de frá gil, Idelette devotava toda a sua força à educaçã o de seus
filhos . 13 Sua fidelidade em meio à s eventuais dificuldades indicava
a mansidã o e humildade que carregava dentro de si. Entretanto, tal
reaçã o nã o significava fraqueza ou medo. Seguir a Cristo trilhando o
caminho do sofrimento requer grande esforço e coragem, e Idelette
se submetia pacientemente à s vá rias providências de Deus.
Para dar-lhes lugar em sua pequena casa em Estrasburgo, Calvino
teve de dispensar dois de seus inquilinos. Abandonar essas fontes de
receita representou um sacrifício significativo, considerando seu
singelo salá rio, mas que aparentemente foi feito com alegria.
Algumas semanas apó s o casamento, escreveu para Farel, relatando
como estava satisfeito com a sua nova esposa. Como Van den Berg
escreve, Calvino “claramente achou o casamento uma experiência
especialmente prazerosa”. O autor acrescenta que o “matrimô nio
deles era mais do que simplesmente um acordo racional; este
solidificou-se num laço verdadeiro e só lido de amor e lealdade.
Idelette, calma e paciente, era uma cô njuge-amiga excepcionalmente
adequada” . 14
Pouco depois de terem casado, Calvino foi a Ratisbona para
participar de um debate teoló gico. Enquanto ausente, a epidemia
atingiu Estrasburgo. Um de seus amigos mais pró ximos, Claude
Feray, faleceu como consequência. Calvino estava preocupado com
Idelette, que tomou refú gio fora da cidade. Ele escreveu: “Dia e noite
minha esposa permanece em meus pensamentos, agora que se vê
privada do meu conselho e precisa agir sem seu marido” . 15 Por fim,
ele nã o conseguiu suportar tamanha preocupaçã o, deixou o debate
mais cedo e retornou para Idelette.
Ambos permaneceram em Estrasburgo por menos de um ano antes
de Calvino ser chamado de volta à cidade de Genebra, para
continuar seu grande trabalho como reformador. O estresse dessa
decisã o pesou-lhe muito. As correspondências de Calvino deste
período o representam como alguém feliz em Estrasburgo, que nã o
desejava retornar para Genebra. Ele escreveu para Farel: “Temo
lançar-me a este turbilhã o que julgo tã o perigoso” . 16 Embora nã o
tenhamos nenhum relato dos pensamentos de Idelette e seus
sentimentos naquele momento, o casal decidiu fazer mudança para
Genebra, em resposta à vontade de Deus. Sua filha, Judith, foi junto,
enquanto seu filho permaneceu com outros parentes em
Estrasburgo.
A segunda liçã o que aprendemos de Idelette é que o verdadeiro
crescimento espiritual e o resignar-se em prol da vontade de Deus
sã o quase sempre insepará veis. Quando foi a ú ltima vez que você
pacientemente se submeteu à vontade de Deus, mesmo nã o sentindo
vontade? Como se sentiu quando colocou a sua pró pria vontade sob
a vontade divina, pelo Espírito da graça?
O conselho da cidade de Genebra providenciou uma linda moradia
para Idelette e Calvino no topo da Rue de Chanoines — continha um
lindo jardim e uma vista magnífica do lago Léman e da Cordilheira
Jura de um lado, e dos Alpes do outro —, mas forneceu um salá rio na
média de meros duzentos dó lares por ano, doze medidas de milho e
dois barris de vinho. Embora os recursos ao seu dispô r fossem
modestos, Idelette alegremente abria seu lar para muitos refugiados
e frequentemente estendia hospitalidade aos amigos de Calvino, tais
como Farel, Beza e Viret, todos altamente respeitados por ela.
Idelette foi uma esposa maravilhosa e uma companheira para o
pastor mais proeminente de Genebra. Quando o trabalho de Calvino
como pastor, escritor e servidor pú blico ameaçou sua saú de, Idelette
provou ser uma confidente muito necessá ria, uma conselheira e um
amparo confiá vel. Ela cuidava do espírito abatido e da frá gil saú de
do marido, e visitava os doentes em seu lugar. Ela também deixava
de lado a pró pria vontade para garantir a Calvino que o respeitava,
permanecendo fiel e verdadeira a Deus e à s Escrituras, nã o levando
em consideraçã o o custo. Idelette estava disposta a compartilhar
com ele quaisquer fardos que viesse a carregar, assegurando que ele
jamais deveria ser tentado a esquivar-se de suas responsabilidades
por visar o conforto e a tranquilidade dela. Idelette era
profundamente dedicada ao ministério de Calvino como pastor,
mestre e também à sua organizaçã o de uma forma de governo
igreja-estado fundada nos princípios das Escrituras . 17
Apó s a morte de Idelette, em 1549, Calvino escreveu a um amigo:
“fui privado da melhor companhia da minha vida, tal companheira
que, fosse pedido, teria voluntariamente partilhado nã o só do meu
exílio e pobreza, mas até mesmo da minha morte. Enquanto viva, ela
me foi fiel ajudadora no meu ministério. Da parte dela, nunca
experimentei o menor obstá culo” . 18
Outra liçã o que a mulher cristã pode aprender de Idelette é que um
casamento será grandemente abençoado se a esposa estiver
comprometida a ser uma fiel ajudadora para o seu marido e se seus
objetivos, visõ es e paixõ es forem similares aos dele. Nã o se case com
determinado homem se nã o estiver comprometida a auxiliá -lo, ou
com algum cuja visã o e objetivos diferem dos seus. Tal casamento
apenas causará divisõ es mais adiante.
Talvez o ponto crucial do casamento de Calvino com Idelette seja
que a sabedoria de Deus brilha mais em meros vasos de barro. Outra
mulher com quem Calvino considerou casar-se, isso antes de
Idelette, era rica. Embora pudesse prover um dote substancial, ela
nã o falava francês nativo. Em vez disso, falava alemã o, idioma que
Calvino nã o conhecia muito bem. Consegue imaginar um homem
lutando para levar adiante uma obra que viria a transformar o
mundo e moldar a igreja, tendo de fornecer direçã o espiritual para o
povo de Deus durante um dos períodos mais desafiadores da
Histó ria, isso tudo com uma esposa que nã o falasse o seu pró prio
idioma? Quando buscamos a vontade de Deus em primeiro lugar
para a nossa vida, obtemos bênçã os, diz Colossenses 3.24. Calvino e
Idelette nã o buscaram riquezas, posiçã o social ou prosperidade
terrena. Eles sã o um belo exemplo de cristã os que se uniram como
cô njuges visando executar a obra de Deus com excelência.
Aprenda de Idelette o que ela tinha a oferecer a Calvino; ao buscar
por um cô njuge na vida, nã o permita que a riqueza ou sua ausência
seja uma questã o significativa. Ao contrá rio, foque nesta pergunta:
nó s dois estamos profundamente comprometidos a usar nossos
talentos para fornecer direçã o e saú de espirituais para a igreja e
para o reino de Deus?
 
PROVAÇÕES E PERSEVERANÇA
Logo apó s seu retorno à cidade de Genebra, Idelette deu à luz um
menino prematuro, ao qual deram o nome de Jacques. O bebê veio a
falecer um mês depois, em agosto de 1542. Calvino escreveu para
Viret: “O Senhor certamente infligiu uma ferida severa e amarga com
a morte de nosso pequeno filho”. “Mas Ele pró prio é Pai e sabe o que
necessá rio para seus filhos” . 19 Na mesma carta, Calvino notou que
Idelette estava angustiada demais para escrever, ainda que se
submetendo a Deus em meio à afliçã o. Ela também quase perdeu a
pró pria vida durante o parto. Calvino escreveu para Viret dizendo
que ela havia passado por “extremo perigo”.
Idelette recuperou-se, mas tristeza seguiu mais tristeza. Dois anos
depois, ela deu à luz uma filha, no dia 30 de maio. Nas palavras de
Calvino escritas para Farel: “Minha pequena filha luta sob febre
contínua”, que dentro de alguns dias veio a falecer . 20 Algum tempo
depois, chegou o terceiro filho, desta vez natimorto. Em meio à s
esmagadoras responsabilidades e pressõ es que pesavam sobre
Calvino, o luto da perda dos filhos era demasiadamente profundo,
especialmente para Idelette. Mesmo assim, ambos prosseguiram em
submissã o ao Senhor e depositando a confiança nele.
Aqui vemos mais uma liçã o que podemos aprender de Idelette. Sua
vida, que abrangeu sofrimentos considerá veis, demonstra a beleza
da submissã o a Deus mesmo durante o luto e a perda, ao invés de
negá -los ou de rebelar-se contra os infortú nios da vida. Sua
submissã o nos ensina que o cristianismo genuíno se dobra diante de
Deus, confiando nele como nosso maior amigo, mesmo quando Ele
parece ser nosso maior inimigo. O resultado final de tal confiança é
aquilo que os puritanos chamavam de “a rara joia do contentamento
cristã o”. Todos nó s deveríamos clamar por uma porçã o maior dessa
submissã o semelhante à de Cristo.
Logo entã o insultos amontoaram-se sobre a afliçã o dos dois
enquanto alguns cató licos romanos escreveram dizendo que, sendo
a esterilidade no casamento sinal de reprovaçã o e julgamento, a
condiçã o sem filhos do casal deveria ser um julgamento de Deus
contra Calvino . 21 Certo escritor, Baudouin, chegou a escrever o
seguinte: “Ele casou-se com Idelette, com quem nã o teve filhos,
mesmo estando ela no momento mais propício de sua vida, para que
o nome desse homem infame nã o se propague” . 22
Mais tarde, Calvino disse que a profunda afliçã o pela falta de filhos
foi aliviada apenas com a meditaçã o na Palavra de Deus e por meio
da oraçã o. Ele escreveu em privado para um de seus amigos mais
pró ximos, Pierre Viret, declarando que também encontrava conforto
em saber que ele tinha “miríades de filhos por todo o mundo cristã o”
. 23
Assim como Idelette, que, junto do marido, tomou abrigo na Palavra
de Deus e na oraçã o durante os momentos de necessidade, devemos
encontrar alívio em meio à s provaçõ es da vida, voltando-nos à
oraçã o e aos meios de graça, fundamentados na Palavra. Você
também já descobriu que a Bíblia é um maravilhoso livro de
conforto e que a oraçã o nos dá consolo sem igual?
Mais desgosto veio em seguida. Durante esse período, a peste negra
atingiu pessoas em toda a Genebra, espalhando-se por toda a
Europa, deslocando centenas de milhares de pessoas de suas
cidades e casas. Em uma carta escrita para seu pai em abril de 1541,
vemos que Calvino enviou Idelette e seus filhos para Estrasburgo
por segurança. Separar-se da esposa lhe era insuportá vel. Nã o
obstante, embora estivesse profundamente aflito, temendo pela
segurança da mulher , 24 Calvino mantinha-se inabalá vel em sua
confiança em Cristo. Devemos aprender com isso que nada nesse
mundo uniu tanto Idelette e Calvino quanto o laço do amor
ancorado em Jesus que havia entre eles.
Aprenda de Idelette, e também com o marido dela, que o amor pela
verdade, fundamentado na inabalá vel confiança em Jesus, é o que
sustenta o casamento, mesmo em momentos de prolongada
ausência e grande sofrimento. É preciso cultivar confiança em amor
um pelo outro enquanto juntos, passando por bons momentos, longe
de dificuldades e privaçõ es, para que assim ambos tenham de onde
tirar forças quando as provaçõ es e a ausência chegarem.
Em 1545, centenas de valdenses perseguidos refugiaram-se em
Genebra. Idelette estava junto de Calvino durante este período,
trabalhando duro para lhes prover hospedagem e emprego. Aquele
era um casal tã o incansá vel em sua devoçã o aos imigrantes que
alguns genebrinos o acusaram de ser mais ú til a estranhos do que
aos pró prios conterrâ neos.
Aprenda de Idelette a nã o esperar louvor de todos, mesmo quando
estiver fazendo o bem. A crítica é uma realidade inevitá vel da vida.
Aprenda a aceitá -la, a levá -la a Deus e a seguir em frente com
integridade bíblica e humildade.
Calvino e Idelette experimentaram momentos de alegria assim como
muitas dores de cabeça. Em nossos dias, quando muitos psicó logos e
terapistas prometem ajuda para nossos casamentos, é tentador
repudiar a Escritura como insuficiente para nos dizer o como a vida
de casado deve ser. Porém, Calvino e Idelette oferecem um exemplo
impressionante de como um matrimô nio baseado nas Escrituras e
centrado em Cristo pode funcionar em meio a circunstâ ncias
desafiadoras. Perder filhos e amigos, ser arrancado de uma
comunidade e colocado em outra, encarar um calendá rio
incrivelmente exigente, ajustar-se a um novo casamento sã o só
algumas das provaçõ es que esse casal encarou. Mesmo assim, ambos
foram abençoados com um casamento e uma vida no lar calmos e
prazerosos.
Calvino e Idelette atribuíram o sucesso de seu casamento à graça de
Deus. O Senhor era a fonte deles de perdã o, compaixã o,
misericó rdia, ternura de coraçã o, paciência e contentamento em
meio a todas as dificuldades por que passavam. Pela graça de Deus,
essas dá divas e princípios nã o mudam com o tempo, mas, em Jesus,
permanecem está veis nos crentes que buscam glorificar a Deus no
matrimô nio. Quando se vive por esses princípios em uniã o com
Cristo, é possível conhecer no casamento uma alegria que excede e
muito a felicidade mundana.
Aprenda de Idelette, e também do marido dela, que tomar Efésios
5.21–33 como base para o casamento e entã o atribuir a Deus toda
gló ria por qualquer sucesso e alegria achados nele, é uma forma
exata de aumentar nosso gozo até o dia em que finalmente
estaremos casados eternamente com Jesus Cristo, o Noivo perfeito,
na gló ria dos céus.
 
A MORTE DE IDELETTE
  A saú de de Idelette piorou constantemente durante os nove anos
com Calvino. Ela sofreu de febre durante os ú ltimos três anos de
vida. Em março de 1549, já se encontrava acamada. Durante este
período, Calvino sofria a perseguiçã o de poderosos inimigos em
Genebra, sem saber que eles seriam derrotados apó s seis anos.
Naquele momento parecia que tudo em sua vida estava desabando.
A cidade aparentava rejeitá -lo, suas reformas estavam falhando e
sua preciosa esposa estava morrendo. Mesmo assim, diante de tudo
isso, Deus sustentou seu servo.
A menor das preocupaçõ es terrenas de Idelette era seus filhos.
Calvino prometeu tratá -los como se fossem dele pró prio, ao que ela
respondeu: “já os entreguei ao nosso Deus, mas sei muito bem que
você nã o abandonará aqueles que lhe confiei no Senhor” . 25
“Essa alma grandiosa”, Calvino mais tarde escreveu, “tem mais
poderosa influência sobre mim do que centenas de elogios teriam” .
26

Ao final de sua vida nesta terra, Idelette orou: “Ó , Deus de Abraã o e


dos nossos pais, os fiéis de todas as geraçõ es confiaram em Ti, e
nenhum deles jamais foi frustrado. De igual modo eu confiarei” . 27
Ela foi habitar na gló ria no dia 5 de abril de 1549. Calvino manteve-
se ao seu lado, falando-lhe sobre a felicidade que desfrutaram por
nove anos e acerca da alegria que ela logo desfrutaria ao “substituir
sua habitaçã o terrena pela casa do Pai nos céus” . 28
Aprenda de Idelette que aqueles que, pela graça, vivem bem,
geralmente morrem bem. Idelette teve uma morte doce e submissa,
apesar da dor que a precedeu. Se entregarmos tudo a Deus, tanto na
vida quanto na morte, nã o só nos preocuparemos menos nesta vida
como nã o seremos confundidos, mesmo quando surgirem as
dificuldades. Nosso conforto em Cristo e em sua salvaçã o é
proveitoso tanto para a vida quanto para a morte, e para toda a
eternidade.
As cartas de Calvino logo apó s o falecimento de Idelette
expressaram a tristeza pela perda de sua mais doce companhia —
uma mulher rara, disse ele, sem igual. Mesmo no leito de morte, “ela
nã o me foi um incô modo”, escreveu ele . 29 Isso tornou a dor de
Calvino ainda mais profunda. Essa provaçã o nos faz lembrar de que
submeter nossa vontade a Deus nã o nos livra das dificuldades.
Calvino tinha apenas quarenta anos quando Idelette faleceu. Como
Ezequias, ele teria quinze anos adicionados em vida, mas seriam
anos sem sua preciosa esposa. Ele escreveu para seus amigos
relatando que mal conseguia continuar seu trabalho, porém se
esforçava para tanto. Os inimigos de Calvino o acusavam de nã o ter
coraçã o por trabalhar tã o diligentemente, mas ele era tudo, menos
insensível. Calvino, escrevendo para um amigo, disse:
Faço o que posso para nã o ser completamente consumido pela
tristeza. Fui privado da melhor companhia da minha vida; ela era a
fiel auxiliadora do meu ministério [...] Meus amigos nã o deixam nada
por fazer para, em certa medida, aliviar a afliçã o da minha alma [...]
Que o Senhor Jesus o confirme pelo seu Espírito, e a mim também,
debaixo de tã o grande afliçã o, que decerto já me teria esmagado nã o
fosse Ele, cujo ofício é erguer o prostrado, fortalecer o fraco e
reviver o abatido, que me estende socorro dos céus. 30

 
CONCLUSÃO
Nossa cultura tem uma visã o cínica do casamento e da
promiscuidade; um relató rio recente acerca da taxa crescente de
divó rcios demonstrou que o nú mero é maior entre pessoas com a
idade de vinte e cinco e trinta e cinco anos. A visã o bíblica do
casamento é bem diferente. As Escrituras nos ensinam que o pecado
desfigurou profundamente as intençõ es de Deus para o matrimô nio,
mas Cristo amorosamente o restaurou. A verdadeira alegria no
casamento resulta de quando o marido luta para amar sua esposa
assim como Cristo amou a igreja e de quando a esposa luta para
respeitar seu marido assim como a igreja respeita a Jesus Cristo.
Joã o e Idelette Calvino conheciam essa felicidade. Uma das coisas
mais maravilhosas sobre o relacionamento deles é que ambos
respiravam alegria mesmo em meio a circunstâ ncias traumá ticas.
Eles sabiam o que significa alegrar-se em Deus em meio à
perseguiçã o. Eles sabiam o que significa temer a Deus e, ao mesmo
tempo, esforçar-se para glorificá -lo. Eles encontraram alegria na
salvaçã o, alegria na fidelidade de um para com o outro, alegria no
amor e no companheirismo mú tuos, e alegria no serviço ao pró ximo.
Em suma, Idelette era uma ajudadora genuína e jubilosa para seu
marido.
Aprenda de Idelette, e também do seu esposo, que a verdadeira
alegria nã o se encontra no viver para si mesmo; esta só pode ser
encontrada primeiramente no serviço a Deus, depois servindo ao
nosso cô njuge e depois entã o servindo a nó s mesmos. Essa é a
essência da identidade de um casamento e de uma vida
verdadeiramente felizes, os quais Paulo traça em Colossenses 3.12–
17.

Parte 2
A Teologia Sistemá tica
de Joã o Calvino

Capítulo 3
 
“Proferindo louvores ao Pai, ao Filho e ao Espírito”: Joã o
Calvino sobre a triunidade divina
 
Michael A. G. Haykin
 
 
É impossível adorar a Deus sem antes proferir os louvores do Pai, do
Filho e do Espírito.
— João Calvino, Comentário em Isaías 6.2

Em um estudo magistral sobre o desdobramento do pensamento


primitivo cristã o, Jaroslav Pelikan, o decano dos estudos patrísticos
do século XX, notou que o “á pice do desenvolvimento doutriná rio da
igreja primitiva foi o dogma da Trindade” . 1 A manifestaçã o em
texto desse clímax é, sem sombra de dú vidas, o Credo Niceno-
Constantinopolitano, que surgiu no Concílio de Constantinopla
(381), no qual Jesus Cristo é inequivocamente declarado “Deus
verdadeiro” e “consubstancial (homoousios) ao Pai”, e o Espírito
Santo é descrito como o “Senhor que dá a vida”, que “com o Pai e o
Filho é adorado e glorificado”. O Credo Niceno em sua forma
original, publicado pelo Concílio de Niceia em 325, fez declaraçã o
similar sobre o Filho e sua deidade, mas declarou acerca do Espírito
Santo apenas o seguinte: “[Cremos] no Espírito Santo”. Quando, em
sequência, a deidade do Espírito foi questionada nos anos de 360 e
370, necessá rio foi expandir o Credo Niceno, a fim de incluir a
declaraçã o sobre a deidade do Espírito Santo. Por fim, a expansã o
envolveu o elaborar de uma nova declaraçã o do credo no Concílio de
Constantinopla . 2
Apesar de alguns historiadores defenderem que essas declaraçõ es
referentes ao credo do século IV representam o á pice da helenizaçã o
dos ensinos da Igreja, o qual o cristianismo do século IV substituiu a
vitalidade da experiência da igreja neotestamentá ria por uma
fó rmula filosó fica fria e abstrata, nada poderia estar mais longe da
verdade . 3 Os Credos Niceno e Niceno-Constantinopolitano
ajudaram a condensar um longo processo de reflexã o que teve suas
origens nas comunidades cristã s do século I. O Novo Testamento em
si provê clara autoridade para a direçã o que as reflexõ es teoló gicas
sobre a natureza de Deus tomaram na ortodoxia cristã do século IV.
Nas palavras do professor americano de teologia Douglas Ottati, “a
teologia trinitariana continua a ser uma exploraçã o iniciada
biblicamente” . 4 Ou, nas palavras de Benjamin B. Warfield, teó logo
americano presbiteriano do início do século XX, a “doutrina da
Trindade se encontra na Escritura em soluçã o: quando cristalizada
de sua substâ ncia, ela nã o cessa de ser bíblica, mas se torna ainda
mais clara” . 5
 
O CASO DE SERVETO
À parte da controvérsia entre o Oriente grego e o Ocidente latino
acerca da filioque, o Credo Niceno-Constantinopolitano basicamente
fechou as portas para debates sobre a Trindade pelo milênio
seguinte. Com a convulsã o causada pelas questõ es dos reformadores
a respeito da salvaçã o, da adoraçã o e das fontes de autoridade,
todavia, nã o seria novidade ter alguns abordando interrogaçõ es já
consideradas estabelecidas sobre pontos trinitarianos. Por exemplo,
em três ocasiõ es diferentes Joã o Calvino viu-se envolvido em
controvérsias quanto à natureza triú na de Deus. Uma delas é
bastante conhecida — a controvérsia com o humanista e médico
espanhol Miguel Serveto (1511–1553), executado em Genebra no
dia 27 de Outubro de 1553, fato que definiu para muitos o cará ter
teocrá tico e tirâ nico de Calvino . 6
Serveto havia rejeitado
incessantemente a ontologia divina de Cristo e feito incansá vel
campanha contra a doutrina trinitariana, chegando a chamar a
santíssima Trindade de “cã o do inferno de três cabeças, [um]
fantasma diabó lico, uma alusã o a Sataná s” . 7
Aparentemente também estava obcecado com sua ida até Genebra
para enfim confrontar aquele homem que considerava o arqui-
inimigo da verdadeira Reforma . 8 Em defesa pró pria, Calvino
enxergava Serveto como um herege perigoso. Apesar de o
reformador francês ter parte na condenaçã o de Serveto, a Genebra
de Calvino nã o era uma teocracia de maneira alguma . 9 Além disso,
no momento da execuçã o, Calvino nã o tinha o poder político para
sentenciar alguém à morte, e os responsá veis pela condenaçã o eram,
na verdade, seus opositores, os quais usaram da ocasiã o para
afirmar autoridade sobre a do reformador francês . 10 Ainda assim,
como Sebastian Castellio (1515‒1563), alguém com quem Calvino já
havia trabalhado e que depois se tornou um de seus oponentes mais
assíduos, agiu por obra escrita contra a defesa que Calvino propô s,
em 1554, da execuçã o do herege: “Matar um homem nã o é proteger
uma doutrina, mas é matar um homem. Quando mataram Serveto,
os genebrinos nã o defenderam uma doutrina; eles mataram um
homem. Proteger a doutrina nã o diz respeito ao magistrado (que
relaçã o tem a espada com a doutrina?), mas aos mestres […]
Quando, portanto, Serveto desembainhou raciocínios e escritos, que
ele fosse repelido por raciocínios e escritos” . 11  
 
A CONTROVÉRSIA COM PIERRE CAROLI
Duas décadas antes desta controvérsia com Serveto, porém, os
papéis estavam invertidos, dado que Calvino e dois de seus amigos
mais pró ximos, Guilherme Farel (1489–1565) e Pierre Viret (1511–
1571), foram acusados de arianismo por Pierre Caroli (c. 1480–
1547). Assim como Farel, Caroli veio do círculo reformado associado
a Jacques Lefèvre d’É taples (c. 1455–1536), mas, diferente dele,
Caroli nunca se comprometeu decisivamente com a agenda teoló gica
da Reforma. Certa feita professor de teologia em Sorbonne, Caroli
fugiu da França na década de 1530, apó s abraçar o protestantismo.
Por fim chegou à cidade de Lausanne, onde foi posto como principal
pregador da cidade. Porém Caroli era teologicamente instá vel, e
regressou à Igreja de Roma no verã o de 1537, abandonando-a mais
uma vez e retornando ao protestantismo novamente em 1539.
Warfield corretamente disse dele: “uma das personagens mais
frívolas trazidas à superfície pela agitaçã o da Reforma” . 12
Caroli encontrou muniçã o para acusar Calvino e seus amigos no fato
de Farel, em seu Sommaire et brève declaration (1525), primeira
obra em francês a estabelecer os aspectos essenciais da fé
reformada, ter omitido qualquer referência clara à Trindade, assim
como fez também a confissã o de fé elaborada em 1536 para a igreja
em Genebra . 13 No caso, a inocuidade da acusaçã o de Caroli
prontamente ficou visível, visto que, na primeira ediçã o das
Institutas de Calvino — publicada em Basel, em março de 1536, e
acessível a Caroli antes da acusaçã o —, o reformador francês já
havia estabelecido uma rejeiçã o resoluta do arianismo e uma
declaraçã o clara de sua fé na Trindade:
Pessoas nã o contenciosas ou obstinadas enxergam o Pai, o Filho e o
Espírito Santo como sendo o ú nico Deus. Pois o Pai é Deus; o Filho é
Deus; e o Espírito é Deus: e só pode haver um Deus.
Por outro lado, três sã o nomeados, três sã o descritos, todos os três
têm sua distinçã o. Assim é um e ao mesmo tempo três: um Deus,
uma essência. Por que três? Nã o três deuses, nã o três essências.
Para significar ambos, os antigos Pais ortodoxos disseram haver
uma ousia, três hypostaseis , isto é, uma substâ ncia, três
subsistências em uma substâ ncia. 14

Aqui Calvino fez uma declaraçã o só lida da Trindade e estava


satisfeito em manifestar-se por meio de termos nã o bíblicos,
massivamente usados em debates sobre a realidade trinitá ria
durante o século IV — a saber, ousia (ser) e upostasis (subsistência).
Caroli nivelou sua acusaçã o contra os reformadores franceses
durante uma controvérsia com Calvino e Viret em Lausanne, no dia
17 de Fevereiro de 1537, sobre a probidade da oraçã o pelos mortos .
15
A resposta imediata de Calvino foi citar o catecismo usado na
igreja de Genebra, cujas pá ginas continham uma breve declaraçã o
da triunidade de Deus. Note-se que ele nã o fez referência à
passagem de suas Institutas , citada acima. Caroli recusou estimar o
catecismo como expressã o adequada da fé trinitariana e exigiu que
Calvino subscrevesse ao entã o consagrado Credo Atanasiano. Este se
recusou a concordar com tal exigência, pois, explicou, nã o estaria
disposto a ter qualquer texto por autoridade sobre a doutrina, a nã o
ser que antes fosse provado pela Palavra de Deus. A essa altura
Caroli enfureceu-se e, gritando de forma dramá tica, retrucou que a
explicaçã o de Calvino era “impró pria para um homem que se diz
cristã o” . 16 Aproximadamente dez anos mais tarde, em sua “Defesa
[pseudô nima] de Guilherme Farel e seus companheiros contra as
calú nias de Pierre Caroli” [Defence of Guillaume Farel and his
colleagues against the calumnies of Pierre Caroli ] (1545), Calvino de
certa forma também criticou o formato de outro credo da igreja
primitiva, o Niceno, o qual, conforme salientado anteriormente, foi
reputado como a declaraçã o definitiva do trinitarianismo. Calvino
sentiu que o credo continha repetiçõ es desnecessá rias em oraçõ es
como “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus
verdadeiro”. “Por que essa repetiçã o toda?”, perguntou ele. “É algo
que acrescenta ênfase ou confere maior expressã o? Perceba,
portanto, que é mais uma cançã o a ser cantada que uma regra de fé
apropriada, na qual uma só sílaba redundante já é algo absurdo” . 17
Sem surpresa alguma, tais declaraçõ es deram substâ ncia à s
acusaçõ es de Caroli, e a suspeita de nã o seguir a sã doutrina na á rea
trinitariana perseguiu Calvino por ainda muitos anos . 18 Por sua
vez, o reformador recusava-se a ter sua fé presa à fraseologia dos
credos da igreja primitiva. A pedra fundamental da Escritura é por si
requisito para decidir o que é e o que nã o é ortodoxo . 19 Calvino
igualmente insistiu no processo e na resoluçã o do caso de Caroli, de
que ele, bem como seus amigos, estava integralmente
comprometido com o trinitarianismo ortodoxo. Em um sínodo
convocado na igreja franciscana de Lausanne, em 14 de maio de
1537, para resolver a controvérsia de Caroli, Viret falou por Calvino
e Farel:
Confessamos um Deus em uma essência da divindade ( sub una
divinitatis essentia ) e sustentamos a uniã o do Pai com sua eterna
Palavra e seu Espírito eterno. Portanto, fazemos mençã o a Deus Pai
de forma a declarar que o Filho e seu Espírito sã o o verdadeiro e
eterno Deus com o Pai. Nã o confundimos o Pai com a Palavra, nem a
Palavra com o Espírito. Pois cremos que o Filho nã o é o Pai e,
novamente, que o Espírito difere do Filho, apesar de haver
[somente] um ser [divino]. 20

Digno de nota nessa confissã o é o fato de esta nã o só ser uma


rejeiçã o inequívoca do arianismo como também evitar outro
pesadelo da igreja primitiva — a saber, o sabelianismo, ou
modalismo . 21
A controvérsia de Caroli revela que Calvino nã o só estava estava
plenamente convencido da necessidade de aceitar a triunidade de
Deus como totalmente bíblica, mas também determinado a manter a
independência do fraseado de credos patrísticos . 22 Nas palavras de
Arie Baars, Calvino “opõ e-se firmemente a qualquer teologia que
seja caracterizada por uma curiosidade […] especulativa, que nã o
respeita os limites das Escrituras” . 23 Assim, em seu conflito com
Caroli, Calvino fez pouco uso dos meios patrísticos de distinguir as
diferenças hipostá ticas dentro da Trindade — a saber, que o Filho é
eternamente gerado do Pai e que o Espírito procede eternamente do
Pai e do Filh o 24 —, ainda assim determinado a defender o
trinitarianismo da igreja primitiva. Em certos momentos,
demonstrou ter boa vontade para o uso de termos extrabíblicos a
fim de esclarecer verdades da Escritura, por exemplo a primeira
ediçã o das Institutas . 25
 
A BATALHA CONTRA OS ITALIANOS ANTITRINITARIANOS
Controvérsias antitrinitarianas na década de 1550, no início deste
período com Miguel Serveto e entã o até seu momento final com
vá rios protestantes italianos, forçaram Calvino a desenvolver um
trinitarianismo mais explícito e detalhado, o que fica evidente na
ediçã o final das Institutas (1559) . 26 Uma congregaçã o italiana em
Genebra reunia-se com frequência para cultos de adoraçã o desde
1542, mas quando seu ministro, Celso Martinengo (1515–1557),
faleceu no verã o de 1557, a comunidade foi destruída com disputas
acerca da doutrina da Trindade. Um dos que instigaram esses
embates teoló gicos foi Matteo Gribaldi (c. 1505–1564), que havia
lecionado direito na Universidade de Pá dua antes de assumir
posiçã o numa universidade em Tü bingen . 27 Gribaldi estava em
Genebra no início do julgamento de Serveto e ficou ao lado do
herege, embora sua pró pria convicçã o acerca da Divindade
aparentasse ser triteísta . 28
A oposiçã o de Gribaldi ao
trinitarianismo ortodoxo teve, em sequência, maior influência sobre
um nú mero de membros da comunidade italiana em Genebra,
incluindo Giorgio Biandrata (1516–1588) , 29 Giovanni Alciati (c.
1515/1520–1573) e Valentino Gentile (c. 1520–1566), de Calá bria,
que passou a proclamar suas visõ es ao longo de 1557 e 1558.
Biandrata, por exemplo, defendia que “Jesus nunca revelou ao
mundo um Deus distinto do Pai”. Em seu ensino, Cristo nunca
ensinou que Deus é “uma essência em três pessoas”, algo que
considerava “claramente incompreensível” . 30 Gentile, por outro
lado, defendia que há , na verdade, três pessoas na Divindade, mas
que “somente o Pai é autotheos, isto é, tem sua essência (essentiatus)
nã o de alguma deidade superior, mas é Deus de si mesmo” . 31 Nem
o Filho nem o Espírito sã o autotheos , pois o Pai derramou, pode-se
assim dizer, uma porçã o do seu ser divino neles e assim os deificou .
32

Calvino respondeu a esses argumentos produzindo uma série de


escritos e se encontrando pessoalmente com os italianos . 33 De
textos do Novo Testamento como Romanos 9.5, Joã o 1.1 e 20.28, e
2Coríntios 12.8–9, Calvino pô de concluir unicamente que os autores
do Novo testamento confessam Jesus como totalmente Deus . 34 E
ao argumento de Biandrata, de que “a essência una em três pessoas
nã o foi revelada por Cristo”, Calvino respondeu fazendo referência,
além de muitas outras, à ordem batismal de Mateus 28.19, em que
Cristo “distintivamente e inegavelmente nomeou. . . [as] três
pessoas, a do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo” . 35 Esse apelo à s
Escrituras refletia a convicçã o que Calvino tinha de que meditar na
teologia “da essência una e as três pessoas” nã o é perda de tempo,
pois o testemunho bíblico a respeito de Deus claramente procede do
pressuposto da Trindade . 36 De fato, no final de sua breve resposta
a Biandrata, Calvino apelou ao Credo Niceno e aos “escritos de
Ataná sio e outros Pais da Igreja”, os quais, de acordo com a sua
leitura dos textos, afirmam que, embora “o Filho seja distinto do Pai,
nã o obstante, Ele é verdadeiro Deus e o mesmo Deus com Ele, exceto
no que pertence à sua pessoa”, e que há “três [pessoas] coeternas,
contudo um Deus eterno” . 37
Em maio de 1558, Calvino ajudou a elaborar uma confissã o de fé
trinitariana para a igreja italiana na qual os erros de Gentile foram
especificamente condenados: “O que quer que for atribuído” à
“deidade, gló ria e essência” do Pai, o mesmo é “tã o apropriado
quanto também para o Filho e para o Espírito Santo” . 38 Note-se
que, nesta confissã o, Calvino usou os conceitos clá ssicos de geraçã o
eterna e processã o eterna para distinguir o Pai do Filho e do
Espírito. Em suas palavras: “Professamos até mesmo que Deus Pai
gerou sua Palavra ou Sabedoria da eternidade, que é seu ú nico Filho,
e que, deste modo, o Espírito Santo procede de ambos, dado que há
uma ú nica essência no Pai, no Filho e no Espírito Santo” . 39
Em sua principal resposta aos argumentos desses italianos
heterodoxos — a saber, a quinta ediçã o de suas Institutas (1559) —,
Calvino empregou as Escrituras para demonstrar a
consubstancialidade do Pai tanto com o Filho como com o Espírito .
40
E por Gentile ter defendido sua posiçã o a partir dos escritos dos
Pais do século II Ireneu de Lyon (c. 130 – c. 200) e Tertuliano (190–
220) , 41 Calvino buscou demonstrar que nenhum desses autores
patrísticos, se interpretados adequadamente, aquela posiçã o . 42
Calvino estava confiante de que sua pró pria perspectiva trinitariana
caminhava em completa harmonia com a da igreja primitiva . 43
 
OS PAIS DA IGREJA COMO COMPANHEIROS DE DIÁLOGO
Calvino podia ser crítico dos Pais da Igreja, mas foram ocasiõ es que,
na maioria das vezes, ocorreram em seus comentá rios exegéticos
quanto ao uso injustificá vel de textos bíblicos para a defesa de
declaraçõ es dogmá ticas . 44 Em seu comentá rio de 1548 sobre
Colossenses, por exemplo, Calvino notou que, durante a
controvérsia do arianismo, os escritores antigos empregavam
Colossenses 1.15 para “insistir na igualdade do Filho com o Pai” e
afirmar a palavra de ordem nicena, a consubstancialidade
(homoousian) do Pai e do Filho . 45 Um dos escritores antigos que
Calvino tinha em mente era Joã o Crisó stomo (c. 347–407), certa
feita patriarca de Constantinopla. De acordo com Calvino,
Crisó stomo defendeu que a palavra imagem diz respeito à posiçã o
divina de Cristo, uma vez que “nã o se pode afirmar que a criatura é a
imagem do Criador”. Calvino, entretanto, achou esse argumento
fraco, já que Paulo usa a palavra imagem referindo-se ao ser
humano, como, por exemplo, em 1Coríntios 11.7, em que o apó stolo
diz que o homem é a “imagem e gló ria de Deus”. A palavra imagem ,
indicou Calvino, nã o se refere à essência de Cristo, mas é usada
como termo epistemoló gico. Cristo é a “imagem de Deus pois torna
Deus visível a nó s”. E só é assim, afirmou Calvino, pois é “em
essência a Palavra de Deus” e é consubstancial ao Pai. Por trá s desta
afirmaçã o estava um princípio-chave que o reformador havia
extraído da leitura dos Pais da Igreja: somente Deus pode revelar
Deus. Portanto, Colossenses 1.15 fala da homoousia do Filho com o
Pai e “é uma poderosa arma de oposiçã o aos arianos”. E desta forma
ele chegou ao mesmo ponto de Crisó stomo, mas o fez por meio de
uma hermenêutica mais rigorosa, que prestou a devida atençã o ao
texto. Calvino concluiu que este texto é um bom lembrete de que
“Deus em si mesmo, ou seja, em sua mais pura majestade” é tanto
invisível aos olhos físicos como aos olhos da compreensã o humana.
Somente em Cristo é que Deus é revelado. Buscar a Deus em
qualquer outro lugar é envolver-se em idolatria . 46
Um segundo exemplo em que o reformador francês se envolve com a
exegese trinitariana patrística é seu comentá rio de Hebreus 1.2–3, o
qual escreveu no ano seguinte ao comentá rio de Colossenses. Na era
patrística, Hebreus 1 como prova da divindade de Cristo era minado
com frequência, e até que de forma compreensível, à luz da “Alta
Cristologia” [high Christology ]. Seguindo na linha dessa tradiçã o
exegética, Calvino deduziu a natureza eterna de Cristo do fato de
que Ele criou o mundo. Uma vez que o Pai é geralmente identificado
como o Criador do mundo, isso significa que há ao menos duas
“pessoas ” envolvidas nessa obra divina. Dado que Calvino conclui
que somente Deus pode realizar tal obra criativa, o Filho deve ser
plenamente divino e partilhar da “unidade de essência” com o Pai.
Como Pessoa ambos devem ser diferenciados, mas como Deus
ambos têm em comum “tudo o que somente a Deus pertence” . 47
Hebreus 1.3 também fala da deidade de Cristo, apesar de Calvino ser
cuidadoso o bastante para, no início de seu comentá rio, ressaltar
que o leitor de Hebreus nã o deveria buscar investigar a “majestade
secreta de Deus” ao inquirir como exatamente “o Filho, que possui a
mesma essência do Pai, é o resplendor emanando de sua luz”. Ao
descrever Cristo desta forma, o autor de Hebreus nã o está buscando
retratar “qual semelhança o Pai tem com o Filho”, pois Deus a nó s é
incompreensível. Ao invés disso, a descriçã o é outro lembrete vital
de que “Deus por nó s é conhecido de nenhuma outra forma a nã o ser
em Cristo” . 48
Hebreus 1.3 também declara que Cristo é a “pró pria imagem” da
“substâ ncia” (hupostasis ) do Pai. Por este termo Calvino
compreendeu a distinçã o pessoal do Pai, e nã o a “essência do Pai”.
Defender o primeiro ponto seria redundante, acreditava ele, uma
vez que tanto o Pai quanto o Filho partilham da mesma essência. O
reformador estava ciente de que sua interpretaçã o seguia no
caminho da exegese patrística, visto que exegetas latinos, como
Hilá rio de Poitiers (c. 300–368), ferrenho oponente do arianismo,
defenderam o mesmo argumento. Em outras palavras, Calvino
estava convencido de que essa clá usula declara que tudo o que
sabemos em relaçã o ao Pai, encontramos revelado na pessoa de
Jesus. Embora a intençã o de Paulo neste texto nã o seja discutir a
divindade do ser de Cristo, algo que alguns dos Pais da Igreja podem
nã o ter compreendido, Calvino acreditava que essa porçã o refuta “os
arianos e os sabelianos”. Esta atribui a Cristo o que pertence
somente a Deus — a saber, o poder de revelar Deus —, assim o
leitor está certo ao inferir que “o Filho é um só Deus com o Pai”. Ao
mesmo tempo isso defende a distinçã o do Pai e do Filho como
pessoas . 49
Outro texto-chave usado por autores patrísticos como Ataná sio (c.
299–373) e Basílio de Cesareia (c. 329–79) para provar a deidade do
Filho e do Espírito era a fó rmula batismal em Mateus 28.19. Calvino
da mesma forma via neste versículo evidência da natureza triú na de
Deus . 50 Até a vinda de Cristo, “o conhecimento completo e claro”
da natureza de Deus permaneceu escondido. Embora o povo da
antiga aliança tivesse algum conhecimento da Sabedoria e do
Espírito de Deus, somente quando o evangelho começou a ser
pregado que “Deus foi ainda mais claramente revelado em três
pessoas, pois entã o o Pai manifestou a si mesmo no Filho, sua
imagem viva e distinta, enquanto Cristo, irradiando o mundo pelo
esplendor completo do seu Espírito, estendeu aos homens tanto o
conhecimento de si mesmo como o do Espírito”. Juntando esse
versículo de Mateus a outro texto trinitariano, Tito 3.5, Calvino
conclui que há uma boa razã o para Jesus mencionar todas as três
pessoas da Divindade, já que nã o pode haver conhecimento salvífico
de Deus “a menos que nossa fé conceba, distintivamente, três
pessoas em uma essência”.
Considere algumas observaçõ es exegéticas de Calvino em Isaías 6, o
comissionamento do profeta . 51 Calvino nota que o versículo 3 era
geralmente citado pelos “antigos”, isto é, os Pais da Igreja, quando
desejavam provar que há três pessoas em uma essência na
Divindade. Por um lado o reformador nã o discordava dessa
interpretaçã o. Ele nã o tinha dú vidas de que a adoraçã o dos anjos a
Deus envolvia todas as três pessoas da Divindade, uma vez que é
“impossível adorar a Deus sem também proferir adoraçã o ao Pai, ao
Filho e ao Espírito”. No entanto, defendia, há passagens muito mais
fortes para provar esse artigo da fé cristã . E ele temia que o uso de
textos tã o “inconclusivos” como esse simplesmente encorajasse a
oposiçã o dos hereges.
Na verdade, Calvino encontrou um bom apoio para o trinitarianismo
em poucos versículos adiante, quando Deus pergunta “A quem
enviarei? E quem há de ir por nó s?”. Calvino acreditava que o uso do
plural aqui, como também em Gênesis 1.26, reflete de forma
inequívoca o conselho do Pai “com sua eterna Sabedoria e seu
eterno Poder, a saber, com o Filho e com o Espírito Santo”.
Por fim, Calvino nã o deixou de refletir acerca das implicaçõ es
trinitarianas que existem no fato de a mensagem dada a Isaías para
libertar Israel ser citada duas vezes no Novo Testamento. Na
primeira citaçã o, em Joã o 12.37–41, Joã o declara que, tendo ouvido
essas palavras, Isaías viu a gló ria de Cristo. Em sequência, Paulo cita
essa mesma passagem como palavras do Espírito Santo (At 28.25–
28). A partir dessas duas citaçõ es neotestamentá rias do texto de
Isaías Calvino defende ser evidente que “Cristo é aquele Deus que
encheu toda a terra com a sua majestade.
Agora, Cristo nã o está separado do seu Espírito, portanto Paulo teve
uma boa razã o para referir tal passagem ao Espírito Santo; pois,
embora Deus manifeste ao profeta uma imagem vívida de si mesmo
em Cristo, ainda é certo que, o que quer que tivesse comunicado, foi
completamente inspirado [soprado] nele pelo poder do Santo
Espírito”.
 
UMA PALAVRA DE CONCLUSÃO
Vemos na resposta de Calvino à s acusaçõ es de Pierre Caroli contra
ele e seus amigos no período de 1530, e aos debates com os
antitrinitarianos italianos no período de 1550 que o teó logo francês
ficava cada vez mais consciente de ser herdeiro da formulaçã o
patrística da doutrina da Trindade. Mas como ministro do evangelho
debaixo da autoridade da Palavra de Deus somente, ele de igual
forma estava determinado a evitar “qualquer afirmaçã o nos lugares
em que as Escrituras permanecem em silêncio” . 52 À medida que lia
as Escrituras, mais Calvino via, como os Pais da Igreja antes dele,
que elas claramente estabelecem a unidade dos três — Pai, Filho e
Espírito Santo. Mas, concomitante a isso, os limites da Escritura
impostos sobre as declaraçõ es acerca do relacionamento interno à
Trindade Imanente requererem grande circunspecçã o na reflexã o
teoló gica a respeito da Divindade.
A compreensã o de Calvino é melhor resumida pelo autor grego
Gregó rio de Nazianzo (c. 330–89), cuja atençã o, declarou o
reformador, proporcionou-lhe vasto deleite: “Nã o posso pensar no
um sem ser rapidamente cercado pelo esplendor dos três; nem
posso discernir os três sem ser diretamente levado de volta ao um” .
53

Capítulo 4
 
Calvino acerca das similaridades e diferenças entre a eleiçã o
e a reprovaçã o
 
Joel R. Beeke

Apredestinaçã o nã o era o centro do pensamento de Calvino, apesar


de ter atingido um novo patamar de preocupaçã o em sua teologia
dadas as influências de Agostinho e Martin Bucer, bem como por
causa das pressõ es vindas dos afazeres e controvérsias pastorais.
Calvino apresentou os elementos cardeais de sua doutrina da
predestinaçã o já em 1539, na segunda ediçã o de suas Institutas e em
seu comentá rio de Romanos, publicado naquele mesmo ano.
Durante a segunda estadia em Genebra (1541–1564), a
predestinaçã o tornou-se sua principal doutrina polêmica. Os
maiores opositores dela foram Albert Pighius, Jerome Bolsec, Jean
Trolliet e Sebastian Castellio, que o envolveram nesse assunto de
1542 a 1558. Seguindo tais controvérsias, Calvino ampliou seu
tratamento da predestinaçã o na ediçã o final das Institutas (1559).
Por meio da predestinaçã o Calvino defendia a validade teoló gica da
doutrina primordial da Reforma, isto é, a justificaçã o gratuita sem o
mérito por obras, exaltando, ao contrá rio de enfraquecer, a doutrina
da salvaçã o pela graciosa fé somente. Este capítulo demonstra que
os opositores de Calvino o levaram a desenvolver mais clareza
acerca das similaridades e diferenças da eleiçã o e da reprovaçã o,
particularmente em relaçã o à distinçã o que ele fazia, geralmente
esquecida, entre causaçã o imediata e causaçã o remota [proximate
and remote causation ], a qual ainda hoje pode ser de grande ajuda.
 
OS OPOSITORES DE CALVINO
Albert Pighius (c. 1490–1542) era um humanista holandês e teó logo
cató lico romano que estudou em Lovaina e em Paris. Serviu como
conselheiro particular do Papa sob Clemente VII (1525–1531), e
depois retornou à Holanda para servir de reitor da Igreja de Sã o
Joã o Batista, em Utrecht. Seus escritos, sendo mais influentes nas
á reas da predestinaçã o, da justificaçã o, do pecado original, do livre
arbítrio e da infalibilidade papal, provocaram respostas de vá rios
reformadores, incluindo Peter Martyr e Calvino . 1 Quando Pighius
reagiu, em 1542, à ediçã o de 1539 das Institutas de Calvino com um
livro intitulado De libero hominis arbitrio et devina gratia libri decem
(Dez obras acerca da livre escolha humana e a graça divina), Calvino
respondeu com seu manifesto Defensio doctrinae de servitute arbitrii
contra Pighium , em 1543 , 2 e seu De aeterna Dei praedestinatione ,
em 1552 . 3 Calvino usou a primeira obra para atacar os primeiros
seis livros de Pighius sobre De libero hominis arbitrio, e a segunda
para responder aos ú ltimos seis. Conforme um resumo feito por
John Patrick Donelly, os principais argumentos de Pighius contra a
doutrina da predestinaçã o de Calvino afirmam que “seu ensino [de
Calvino] conduz à licenciosidade moral, sugere que Deus deseja o
pecado, causa no homem ó dio por um Deus tirano arbitrá rio, que
exerce imprescindibilidade sobre a conduta do homem e, portanto,
destró i a noçã o de responsabilidade e culpa, e que, na prá tica, nega a
bondade de Deus, uma vez que a possibilidade de salvaçã o está
aberta apenas para poucas pessoas” . 4
O segundo maior oponente de Calvino na á rea da predestinaçã o foi
Jerome Bolsec (c. 1524–1584). Ex-frade carmelita, Bolsec deixou a
Igreja Cató lica Romana para estudar medicina; por volta do ano
1550, tornou-se o médico particular de Jacques de Bourgogne, Lorde
de Falais, que era amigo íntimo de Calvino e vivia pró ximo de
Genebra. Naquele período, Bolsec declarou ter se tornado
protestante reformado; era, ademais, um homem que gostava de se
envolver esporadicamente com a teologia. Dizia concordar com
Calvino em cada um dos pontos vitais, exceto na predestinaçã o,
doutrina esta que ele rejeitava publicamente com frequência,
defendendo que as visõ es do reformador tornavam Deus o autor do
pecado e que, portanto, calvinistas transformavam o Deus cristã o
em um tirano e adoravam um ídolo. Bolsec foi aprisionado por suas
declaraçõ es e propagandas radicais contra Calvino. O concílio de
Genebra, um tanto perplexo com aquelas afirmativas, aceitou a
proposiçã o do clero de pedir o conselho das igrejas suíças. Para
Calvino, elas reagiram de maneira decepcionante e demasiadamente
suave, clamando por moderaçã o e reconciliaçã o. Somente os mais
pró ximos como Guilherme Farel, Teodoro de Beza e Pierre Viret
deram apoio inequívoco ao amigo . 5 No final de 1551, entretanto,
as declaraçõ es cada vez mais duras do médico contra o clero de
Genebra e contra a doutrina da predestinaçã o lhe garantiram o
banimento vitalício da cidade. Bolsec encontrou refú gio no povo
bernês, que o expulsou em 1555, pois havia retornado à Igreja
Cató lica de Roma e escrito sua biografia grosseiramente fictícia e
caluniosa sobre Calvino . 6
Seus argumentos nã o eram todos diferentes dos de Pighius: em
primeiro lugar, Deus ter determinado o destino eterno de todos
desde antes da criaçã o do mundo nã o passava de uma “opiniã o
perniciosa”, pois ninguém pode ser considerado por Deus como
eleito ou réprobo sem o ato de crer ou o de nã o crer. Para Bolsec,
crer deve preceder a eleiçã o; nã o crer, a reprovaçã o. Em segundo
lugar, a predestinaçã o desde a eternidade torna Deus tanto um
tirano como o autor do mal. Como terceiro ponto, nã o há nenhuma
prova bíblica declarando claramente que Deus, por seu pró prio
conselho, desejou, ordenou e determinou a queda de Adã o. Por fim,
Bolsec desafiou a noçã o da vontade oculta de Deus como afirmada
por Calvino . 7
O caso com Bolsec atiçou poucos genebrinos que faziam oposiçã o ao
reformador, até que Jean Trolliet (ex-frade que guardava rancor
contra Calvino porque este dificultava sua ordenaçã o ao pastorado
em Genebra), em junho de 1552, fez acusaçõ es contra as visõ es dele
acerca da predestinaçã o. Aliado com o partido perrinista, Trolliet
repreendeu Calvino primeiramente por “(1) atenuar a
responsabilidade humana ao afirmar que Deus causou a queda de
Adã o, (2) por, assim, tornar Deus o autor do pecado e (3) por
necessariamente impor a predestinaçã o sobre a humanidade, uma
vez que Deus causou a queda de Adã o” . 8 Durante os meses
seguintes de debate, Calvino provavelmente escreveu seus Artigos
acerca da Predestinação para resistir aos ataques de Trolliet e seus
amigos perrinistas . 9 O Concílio Menor ouviu ambos os lados e teve
um misto de sentimentos. Com apelos feitos a Filipe Melanchthon e
a vá rios de seus amigos, Trolliet continuou até que Calvino exigiu
justiça, ameaçando renunciar seu ministério. Em 9 de novembro, o
Concílio Menor finalmente votou a favor de Calvino e declarou que
“[no] futuro, ninguém deveria ousar falar contra o livro [isto é, As
Institutas ] ou contra a doutrina [da predestinaçã o]”. Mesmo assim,
quando Trolliet finalmente consentiu, o Concílio Menor declarou
oficialmente que o considerava “um bom homem e um bom cidadã o”
. 10
Por fim, durante a maior parte de seu ministério em Genebra,
Calvino duelou por períodos espaçados com Sebastian Castellio, um
erudito humanista francês e promotor da tolerâ ncia religiosa. Autor
de diá logos sobre a predestinaçã o, a eleiçã o e o livre arbítrio,
Castellio, de 1554 a 1558, travou controvérsias com Calvino a
respeito da doutrina da predestinaçã o. O humanista francês propô s
contra o reformador que a eleiçã o particular a partir de uma
condiçã o de total escravidã o ao pecado era falsa, que a noçã o de
endurecimento divino era estoica e destruía a moralidade e piedade,
e que a negaçã o da vontade permissiva de Deus o transformava no
autor do mal. Três vezes Calvino em seus escritos respondeu a
Castellio . 11
Em suma, a doutrina da predestinaçã o de Calvino foi desafiada por
seus opositores em três frentes principais e inter-relacionadas: o
problema do pecado e da incredulidade em relaçã o à predestinaçã o;
o problema de uma queda divinamente decretada combinada com a
particularidade da predestinaçã o; e o problema que seria a
dificuldade de preservar uma teologia soterioló gica à luz da
reprovaçã o. Em essência, essas foram as questõ es que Calvino
abordou em suas sete obras polemistas enquanto defendia a
predestinaçã o soberana. E agora nos voltaremos a cada uma delas.
 
PECADO E INCREDULIDADE EM RELAÇÃO À PREDESTINAÇÃO
Reagindo aos opositores, Calvino cada vez mais defendia uma
consolidaçã o das doutrinas do pecado e da incredulidade com a
doutrina da reprovaçã o. O decreto soberano de Deus desde a
eternidade é executado no tempo de uma maneira justa e equitativa,
disse ele. Conhecer a Deus e a nó s mesmos nos ensina “o que
pertence a Deus e o que pertence a nó s” . 12 A correta ordem das
coisas nos ensina que o que pertence a Deus em todos os casos —
daí também em relaçã o à salvaçã o ou à condenaçã o — é a gló ria
divina como causa final . 13 Para Calvino, o fato de a gló ria divina ser
a causa ú ltima do decreto da reprovaçã o remove implicitamente
certo grau de nitidez do decretar divino.
Depois, Calvino afirmava que nossa odiosidade natural pela
reprovaçã o pode ser minimizada mais profundamente quando
consideramos o que de fato pertence ao homem — isto é, o pecado.
Para ele, reconhecer a extensa propagaçã o do pecado, o qual
permeia toda a vida do homem natural, é requisito para
compreender por qual razã o a esperança só é possível por meio da
predestinaçã o. O homem por natureza é totalmente aprisionado
pelo pecado, defendia: “Nã o há salvaçã o, a nã o ser pela misericó rdia
de Deus, pois em si mesmo o homem está perdido e sem esperança” .
14
Em si pró prio o homem está totalmente entregue ao mal, repleto
de profanaçã o; ele carece até mesmo “de uma ú nica porçã o ou grã o
de pureza” . 15 Na verdade, “assim como o peixe é nutrido dentro da
á gua, assim estã o os homens confinados em pecado e iniquidade” . 16
Ao olhar para a natureza caída, Deus só consegue ver “absoluta
miséria e pobreza” . 17
Ademais, a pecaminosidade do homem nada produz, exceto
incredulidade. Consequentemente, qualquer faísca da fé verdadeira
deve começar, prosseguir e acabar em Deus . 18 Logo, a eleiçã o é o
ú nico meio de fé e também sua ú nica esperança. A eleiçã o é a raiz de
todos os benefícios salvíficos, sem os quais Deus jamais teria
misericó rdia do homem, tã o grosseiramente pecaminoso em si
mesmo . 19
Calvino minou muitos dos argumentos de seus opositores ao
concluir o seguinte: “Se todos os que Deus predestina à morte sã o
por natureza passíveis desta sentença, de qual injustiça, suplico, eles
se queixam?” . 20 De forma simples, nã o somos todos merecedores
da condenaçã o eterna por causa do pecado e da incredulidade
profundamente arraigados em nossa natureza corrupta? Com
verdadeiro entendimento daquilo que “devidamente nos pertence”,
nã o é ainda mais atordoante o milagre da eleiçã o que apavorante o
decreto da reprovaçã o? Para Calvino, o mais deslumbrante é que
qualquer um é redimido, mas nem todos sã o reprovados.
Seus opositores responderam da seguinte forma: sendo tudo isso
verdade, por que Deus nã o decretou para todos o milagre da
eleiçã o? Se nã o há separaçã o entre as obras dos homens — e muito
menos entre a fé deles —, por que Deus nã o determinou a salvaçã o
de todos, para sua pró pria gló ria? Em suma, por que Deus reprovou
alguns?
Calvino respondeu que a reprovaçã o pertence a Deus, que esta é
tanto soberana quanto justa, serve à gló ria dele e, acima de tudo, diz
respeito à vontade divina. Entretanto, mesmo ele admitiu que sua
réplica nã o esquadrinhou a profundidade da questã o. Finalmente,
nã o há resposta totalmente satisfató ria, pois aventurar-se nisso é
buscar algo mais elevado que a vontade de Deus. Tal coisa nã o existe
— ao menos, certamente, da perspectiva do mero homem. Além
disso, o porquê de Deus reprovar nã o é para nossa compreensã o,
pois nã o conseguiríamos compreender ainda que soubéssemos.
Calvino escreveu contra Pighius:
Visto que o homem pode encontrar a causa do pró prio pecado em si
mesmo, qual é a vantagem de tentar buscá -lo nos céus? […] Apesar
de se iludir, vagando por imensidõ es obscuras, o homem jamais se
entorpecerá a ponto de perder o senso do pecado que está gravado
em seu coraçã o. Assim, a impiedade tenta, embora em vã o, absolver
aquele que sua pró pria consciência condena. Deus, consciente e
voluntariamente, permite que o homem caia; a razã o pode ser
oculta, mas nã o injusta […] Deus nã o deseja a iniquidade […] De uma
maneira maravilhosa e inefá vel, mesmo aquilo que é contrá rio à
vontade divina nã o foi feito à parte dela, pois nã o se realizaria sem
que Deus permitisse. E sua permissã o nã o foi indesejada, mas de
bom grado […] Ao pecar, o homem fez o que nã o era da vontade de
Deus, para que assim o Senhor, por meio da vontade pecaminosa do
homem, pudesse bem fazer aquilo que desejava. Caso alguém
conteste, dizendo ser algo além da compreensã o, eu reconheço isso
[…] Portanto, estejamos contentes com a ignorâ ncia instruída, e nã o
nos entreguemos à intoxicaçã o intempestiva e inquisitiva de querer
saber mais do que Deus permite. 21

Da nossa perspectiva, entã o, precisamos abraçar a “ignorâ ncia


instruída” e descansar, tendo em mente que podemos compreender
o seguinte: em todo o caso Deus é completamente justo em
reprovar, pois os réprobos sã o todos pecadores e merecedores do
inferno, desprovidos de qualquer razã o para culpar a Deus por
serem condenados, visto que suas vidas revelam que na condenaçã o
eles recebem o que por justiça merecem . 22
 
A QUEDA DECRETADA E A REPROVAÇÃO PARTICULAR
Quanto à pergunta de como Deus teve a capacidade de decretar a
queda e o réprobo, Calvino novamente se recusa a recuar diante de
seus opositores, mas se determina, de modo proposital, a começar e
acabar na Palavra de Deus, partindo do princípio de que “o juízo
inescrutá vel de Deus [é] mais profundo do que aquilo que o homem
pode penetrar”. Ao contrá rio de Pighius, ele resistiu à tentaçã o de
reduzir Deus ao grau da compreensã o humana e questionou: “Nã o
há justiça da parte de Deus, a nã o ser aquela concebida por nó s?” . 23
Pelo contrá rio, Calvino afirmava tanto a plena soberania de Deus no
decreto da reprovaçã o como a responsabilidade do homem ao cair
voluntariamente, a despeito do decreto irrevogá vel por trá s da
queda. Pelas Escrituras, Calvino exonerou Deus de ser o autor do
pecado, cuja culpa atribuiu toda à poeira de Adã o e seus
descendentes. Sua linha de pensamento segue da seguinte forma: “O
homem foi criado e colocado em tal condiçã o, de forma que nã o teria
razã o nenhuma para reclamar de seu Criador. Deus previu a queda
de Adã o, e, certamente, o ato de fazê-lo cair nã o foi contrá rio, mas de
acordo com a vontade divina […] Adã o nada podia fazer exceto cair,
de acordo com a presciência e a vontade de Deus. O que concluir?
Adã o está livre da culpa? É certo que nã o. Ele caiu por causa do
pró prio livre arbítrio, que era pleno, e por seu pró prio ato volitivo” .
24
A partir disso Calvino arrazoou:
Embora Adã o nã o tivesse caído nem destruído a si mesmo e sua
posteridade à parte do conhecimento ou da vontade decretiva de
Deus , ainda assim esse fator nã o diminui sua culpa, nem envolve
Deus em qualquer censura. Pois sempre devemos, cuidadosamente,
ter em mente que Adã o, de acordo com sua pró pria vontade e
consciência, privou-se daquela perfeita e reta justiça, a qual
recebera de Deus; e de sua pró pria vontade e consciência entregou-
se ao serviço do pecado e de Sataná s, precipitando-se à destruiçã o
eterna. Aqui, entretanto, homens continuamente oferecerã o uma
desculpa uniforme para Adã o — de que nã o era possível remediar
ou evitar aquilo que o pró prio Deus havia decretado. Todavia, a
fim de estabelecer a culpa de Adã o para todo sempre, sua pró pria
transgressã o voluntária é o bastante, e mais que suficiente. Pois
nã o é o conselho secreto de Deus a causa real e eficaz do pecado,
mas, evidentemente, esta é a vontade e a inclinação do homem. 25

A partir desse tipo de ló gica, Calvino desenvolveu sua tã o conhecida


distinçã o entre Deus como causa remota (ou ú ltima) dos feitos do
homem, e o homem como causa imediata (ou secundá ria) de suas
pró prias açõ es. Ele escreve:
Visto que nada pode impedir o homem de reconhecer que a origem
primeira de sua ruína veio de Adã o, e que cada um encontra a causa
imediata da pró pria ruína em si mesmo, o que viria a impedir nossa
fé de reconhecer largamente, com toda sobriedade e louvor, e com
toda a humildade, que foi pelo conselho secreto remoto de Deus
que a queda do homem já havia sido preordenada? E o que
impediria essa mesma fé de contemplar, junto disso, a causa
imediata interna, o fato de toda a raça humana estar por si
confinada à culpa e à merecida morte eterna, derivadas da pessoa de
Adã o — e, por conseguinte, o de que todos estã o em si mesmos
sujeitos à morte, e à morte eterna? Pighius, portanto, nã o separou,
abalou, alterou (como pensou ter feito) a simetria, notá vel e de
grande beleza, com a qual essas causas, imediata e remota ,
harmonizam-se divinamente! 26

Essa distinçã o entre causa imediata e causa remota (causae


propinquae et remotae ) é de suma importâ ncia para Calvino. Ela o
ajuda a buscar quatro objetivos de maior significâ ncia.
Primeiro, ele acreditava que a distinçã o imediata/remota demole
vá rias importantes distinçõ es propostas por seus opositores.
Especificamente, respondia à ideia de Castellio de que a “vontade
permissiva ” 27 de Deus nã o se relaciona com a origem do mal de
outra forma a nã o ser por mera permissã o. Para Calvino, a distinçã o
imediata/remota demonstrava que confinar Deus ao papel do mero
permitir era privá -lo de seu papel legítimo de Juiz e Soberano . 28
Assim, também, o reformador defendeu que tal distinçã o
desorientava a dicotomizaçã o que Pighius fazia da vontade de Deus
ao nomeá -la absoluta versus ordenada , o que necessariamente
pressupunha eventos ocorrendo fora dos limites da vontade divina.
Contra Pighius, a distinçã o mantinha a nã o existência de uma causa
ú ltima para a queda fora da vontade de Deus; além do mais,
nenhuma culpa resta para a santa e justa vontade divina, uma vez
que “remover de Deus toda a causa imediata do ato [da queda] tanto
remove dele toda a culpa quanto torna somente o homem
responsá vel” . 29
Segundo, por meio da distinçã o imediata/remota, Calvino nã o só
deixa Deus no total controle, mas também preserva a
particularidade de seu relacionamento com o homem. Na verdade,
ele pensava, o erro de seus opositores residia justamente no ato de
nã o reconhecer a validade dessa distinçã o. Ele escreveu que nã o era
de surpreender que Pighius “sem juízo algum, confundisse tudo nos
julgamentos de Deus, sendo que ele nã o faz distinçã o entre as causas
imediata e remota” . 30 De forma específica, se Deus nã o é
reconhecido como a causa remota da queda, a reprovaçã o particular
deve logo ceder, e por fim também a eleiçã o particular. Além disso,
se a eleiçã o particular for negada, a mais só lida defesa da redençã o
totalmente gratuita é obliterada; as doutrinas da graça sã o assim
abandonadas pelo fermento do mérito humano, o qual postula uma
salvaçã o imaginá ria que se recusa a reconhecer a seriedade do
pecado, a profundidade da queda e, acima de tudo, a escravidã o da
vontade.
Em terceiro lugar, a diferenciaçã o de causa imediata para causa
remota é um tino inestimá vel da sensível apresentaçã o que Calvino
fornece, balanceando a eleiçã o e a reprovaçã o como totalmente
iguais em alguns aspectos, mas sem paralelos idênticos em outros.
Como causa remota da eleiçã o e da reprovaçã o, a soberania de Deus,
por definiçã o, exige igualdade ú ltima; a vontade de Deus tanto é a
causa ú ltima da reprovaçã o quanto é da eleiçã o . 31 Ainda,
introduzir uma causa imediata para o pecado, a queda e a
condenaçã o permite a Calvino escapar da acusaçã o de
arbitrariedade e fatalismo divino, pois nesse sentido a eleiçã o e a
reprovaçã o nã o sã o de forma alguma paralelas. A causa imediata
abre espaço para os mais importantes elementos sem paralelos — a
saber, a eleiçã o é fundamentalmente gratuita; e a reprovaçã o,
fundamentalmente justa. Ainda que a açã o humana jamais seja a
causa imediata atuante na eleiçã o divina, uma vez que nenhum
indivíduo merece a escolha soberana de Deus, açõ es pecaminosas
certamente fazem parte da causa imediata do aspecto condenató rio
da reprovaçã o, apesar de nã o ser pelo ato do decreto em si. A
avaliaçã o que Fred Klooster faz de Calvino é ú til neste momento:
Embora Deus aja pela vontade do seu decreto, a condenaçã o ú ltima
vem do pecado e da culpa dos homens. O pecado é o nosso pecado;
este tanto constitui a causa imediata da reprovaçã o quanto se refere
à condenaçã o do incrédulo. É importante observar, portanto, que o
pecado nã o é a base ou a causa imediata para a distinçã o ú ltima que
Deus faz entre o eleito e o reprovado […] O pecado e a culpa podem
ser considerados base de um só elemento da reprovaçã o, isto é, a
condenaçã o; o pecado é a causa imediata da reprovaçã o neste
sentido somente. Entretanto, mesmo assim, é apenas a causa
imediata. Como tal, compreendemos claramente, ao contrá rio da
causa ú ltima. Calvino depositou grande ênfase nela; ponderá -la com
maior profundidade torna claro que Deus é justo; a culpa pelo
pecado e pela condenaçã o final é nossa, nã o de Deus. 32

Em uma frase, como disse Calvino, “ninguém perece injustamente” ,


33
pois a condenaçã o, embora executada soberanamente, está
sempre atrelada ao pecado e à culpa do homem . 34 Uma vez que a
culpabilidade atrela-se à causa imediata de qualquer açã o
pecaminosa cometida e por ela é completamente absorvida,
nenhuma culpa pode ou necessita permanecer atada à causa remota.
Assim, Deus é livre de qualquer mancha do pecado, e o homem é
sempre o culpado. Além disso, a consciência confirma essa verdade,
pois a condenaçã o é aquela parte do todo mais abrangente da
reprovaçã o que se pode compreender e endossar pelo “sentimento
interno do coraçã o” , 35 que confere o senso do pecado e a convicçã o
de que o decreto de Deus para a perdiçã o necessariamente envolve
“justa severidade” (justa severitas ) . 36
Depois, Calvino extraiu o decreto da reprovaçã o na eternidade (do
qual ele geralmente falava; e que mais para frente veio a ser
chamado de supralapsarianismo) da realidade da condenaçã o, que
envolve o justo julgamento e a puniçã o no tempo devido. Quando
falava sobre os réprobos sendo deixados ou abandonados por Deus,
e isso para a pró pria destruiçã o deles (linguagem que mais tarde
veio a ser identificada como infralapsarianismo), Calvino quase
sempre estava se referindo ao que Deus faz com o pagã o inserido no
tempo . 37
Outros elementos sem paralelos no pensamento de Calvino acerca
da eleiçã o e da reprovaçã o incluem Cristo exercendo um papel mais
nítido na eleiçã o, a glorificaçã o de diferentes atributos na eleiçã o e
na reprovaçã o, e enfatizar nitidamente a pregaçã o e os escritos a
respeito da eleiçã o, para que coincidam com as Escrituras e por
razõ es pastorais . 38 Elementos paralelos incluem o fato de que
tanto a predestinaçã o quanto a reprovaçã o contribuem para a gló ria
divina , 39 que ambas conduzem a destinos eternos , 40 e que os
meios para o fim de ambos estã o igualmente decretados, ainda que a
reprovaçã o seja “efetuada pelo ‘caminho contrá rio’ ao da eleiçã o" . 41
A eleiçã o é realizada pela obra monergista de Deus, enquanto a
reprovaçã o é sinergista em seus efeitos . 42
Por fim, a distinçã o imediata/remota de Calvino o auxiliou no
desenvolvimento de uma doutrina homogênea da reprovaçã o em
relaçã o à eleiçã o. Ao afirmar que a falta de merecimento nã o é a
razã o para a determinaçã o do decreto, mas a causa para a
condenaçã o efetiva, Calvino enfatizou o aspecto jurídico ou penal da
reprovaçã o mantendo a absoluta soberania da vontade de Deus . 43
Consequentemente, a distinçã o imediata/remota permite a Calvino
tanto manter que a fé salvadora nã o é irracional como declarar que é
fundamentalmente “impossível ao homem penetrar a relaçã o do
conselho divino com a responsabilidade humana” . 44 Embora a fé
retenha sua racionalidade, nem todo mistério é retirado: a vontade
incompreensível, soberana, perfeitamente justa e santa de Deus
permanece como resposta final à s controvérsias acerca da
reprovaçã o. De acordo com Calvino, se a doutrina da salvaçã o é
corretamente apresentada, declarando que Deus é Deus sobre o
homem, o mistério da relaçã o de Deus com o pecado nã o pode ser
compreendido em sua completude: “Mas de que forma isso foi
ordenado pela presciência e pelo decreto divino, isto é, o que seria
do futuro do homem, mas sem que Deus fosse tido por envolvido na
culpa de ser o autor e sancionador da transgressã o, é claramente um
segredo que muito excede a percepçã o da mente humana, e assim
nã o me envergonho de confessar ignorâ ncia” . 45 E novamente:
Todavia, apesar de Deus nã o ter criado os pecados dos homens,
quem senã o Deus criou as naturezas destes ú ltimos? Essas
naturezas sã o boas em si, sem sombra de dú vida, mas a partir das
quais males e pecados foram destinados a proceder, de acordo com
o beneplá cito da vontade de Deus; e, em muitos casos, tais pecados
serã o acompanhados da puniçã o eterna. Alguém pergunta: ‘por que
Deus criou tais naturezas?’. A resposta é: ‘porque Ele desejou as
criar’. Mas por que Ele desejou as criar? ‘Quem és tu, ó homem, que a
Deus replicas?’. 46

Em suma, ao afirmar a agência universal de Deus, ao repudiar


explicaçõ es filosó ficas de como esta agência opera, e ao reconhecer a
importâ ncia das causas imediatas para a vida cotidiana, Calvino
desenvolveu uma doutrina homogênea da reprovaçã o em relaçã o à
eleiçã o . 47
 
SOTERIOLOGIA E REPROVAÇÃO
A reprovaçã o homogênea é essencial para a eleiçã o homogênea e
salvífica. Tudo dito, tudo encerrado, a inquietaçã o por uma só lida
doutrina da salvaçã o foi que motivou Calvino a ser consistente em
resposta a seus opositores mediante sete obras ao longo de
dezessete anos. Por consequência, é no mínimo injusto dizer que os
anos polêmicos de Calvino nã o passam de um impulso soterioló gico
sobre a teologia propriamente dita visando defender a reprovaçã o e
a equivalência última . 48
Calvino queria eliminar obras de demérito como causa ú ltima da
reprovaçã o a fim de excluir consistentemente obras meritó rias
como causa ú ltima da eleiçã o. Permitir a queda do homem por
simples permissã o divina seria, para Deus, sucumbir à atividade
humana do lado negativo da salvaçã o — isto é, uma falta de
cooperaçã o. Quanto à vontade salvífica de Deus, tal visã o abriria a
“porta dos fundos” para o mérito de obras . 49
Para Calvino, a reprovaçã o é parte, parcela do decreto da
predestinaçã o e, consequentemente, permanece em tensã o com,
mas nã o em conflito contra a eleiçã o e a salvaçã o — nem em seu
conteú do, nem em seu lugar e importâ ncia dentro da teologia.
Calvino rejeitou todas as tentativas de afirmar a reprovaçã o como
um ataque à grandeza e à eleiçã o de Deus. Em Calvino, casualidade
teocêntrica e soteriologia cristocêntrica nã o precisam batalhar até
que uma apenas sobreviva. Assim, a reprovaçã o nã o é erroneamente
estabelecida quando combinada com a eleiçã o debaixo da
soteriologia . 50 Apesar de Calvino nã o ter nenhuma doutrina que
sirva de fundamento ou seja central para sua sistemá tica como um
todo, a predestinaçã o serve como o coraçã o, a pedra angular e o
princípio organizador de sua teologia de maneira a posteriori . 51
Na palavra de David Wiley, “A predestinaçã o é mais que a ‘coroa’ ou
o ‘á pice’ da soteriologia de Calvino: é ela uma pedra fundamental e
necessá ria para que toda a estrutura soterioló gica permaneça na
justificaçã o gratuita em si. Isso que Calvino queria dizer quando
falava que metade da graça de Deus desapareceria sem a doutrina
da eleiçã o” . 52 Wiley entã o conclui que Calvino distinguia a
justificaçã o gratuita da predestinaçã o da seguinte forma: “Ao olhar
para o relacionamento entre Deus e o homem do ponto de vista
humano, a justificaçã o gratuita era sua [de Calvino] doutrina-chave,
pois esta declara o que teve de acontecer para reconciliar Deus com
a humanidade; ao olhar para o relacionamento do ponto de vista de
Deus, a predestinaçã o que era a doutrina-chave, pois ela indica
quem [é] justificado e qual é o papel do homem. Juntá -las é o
impulso primordial da doutrina soterioló gica de Calvino” . 53
 
CONCLUSÃO
Por meio de uma predestinaçã o plena e completa, que abraça tanto a
eleiçã o quanto a reprovaçã o, Calvino defendia a justificaçã o gratuita,
a salvaçã o para a gló ria de Deus e para humildade do eleito. A partir
de uma compulsã o soterioló gica, Calvino abraçava a paridade entre
a eleiçã o e a reprovaçã o, visto que ambas estã o enraizadas no
decreto e na vontade de Deus. Relacionando a eleiçã o e a
reprovaçã o, a combinaçã o da equivalência ú ltima, vista da
perspectiva do decreto divino, com a ausência de paralelos, vista da
perspectiva da graça e da justiça, dá sustento à doutrina bíblica da
soteriologia que glorifica a Deus em seu ser trino e perfeito, mas sem
sacrificar a responsabilidade humana.
Capítulo 5
 
Calvino acerca do Espírito Santo
 
Joel R. Beeke

Apesar de outros teó logos nos está gios iniciais da tradiçã o


reformada terem dado significativa atençã o à doutrina do Espírito
Santo , 1 o presbiteriano Benjamin B. Warfield corretamente
destacou Joã o Calvino como “o teólogo do Espírito Santo ”. Warfield
ousou dizer que a “doutrina do Espírito Santo é uma dá diva de
Calvino à Igreja ”. 2 Entretanto, é prová vel que essas consideraçõ es
sejam mais conhecidas do que o ensino propriamente dito de
Calvino sobre o Santo Espírito. Artigos diversos já discutiram sua
pneumatologia , 3 bem como aná lises surgiram em livro s 4 fora da
língua inglesa e também em dissertaçõ es nã o publicadas , 5 mas
poucas obras a esse respeito e minuciosas em conteú do foram
publicadas em inglês nos ú ltimos tempos . 6 A vastidã o do assunto
talvez seja umas das razõ es para tal lacuna. Calvino tanto tece a obra
do Espírito na maioria dos capítulos de suas Institutas como também
a explana ao longo de seus comentá rios, sermõ es e cartas. Outra
possível razã o pode ser o fato de nã o haver um tratamento
sistemá tico, detalhado da pneumatologia nem nas Institutas nem em
qualquer outra parte de seus escritos . 7 O que nã o deveria ser
surpresa, como o pró prio Calvino salienta segundo Joã o 16.14, que o
grande objetivo do ministério do Espírito Santo é falar de Cristo, e
nã o de si mesmo.
O que vem a seguir, portanto, deve ser considerado mais
introdutó rio que exaustivo. Começaremos analisando a
pessoalidade e a deidade do Espírito Santo na teologia de Calvino.
Depois, um resumo de seu pensamento sobre o Espírito Santo em
relaçã o à s Escrituras e a Cristo. Entã o veremos a obra do Espírito
referente à ordem da salvaçã o (ordo salutis) — concentrada em
especial na fé, na justificaçã o e na redençã o —, à natureza da
segurança e da certeza da salvaçã o, e à aplicaçã o da redençã o. Por
fim, algumas consideraçõ es sã o feitas acerca do pensamento de
Calvino sobre a charismata , ou os dons do Espírito.
 
QUEM É O ESPÍRITO SANTO?
A perspectiva de Calvino tanto a respeito da pessoalidade como da
deidade do Espírito Santo é largamente tradicional, seguindo os Pais
da Igreja Primitiva que defendiam a plena deidade de cada uma das
três pessoas da Divindade bem como a distinta personalidade de
cada uma delas. Ao defender a plena divindade do Espírito, Calvino
salienta que Ele efetua aquilo que somente Deus pode efetuar.
Muitas das obras atribuídas ao Filho sã o também atribuídas ao
Espírito. Infere-se, portanto, segundo Calvino, que o Espírito, assim
como o Filho, deve ser totalmente Deus. Por exemplo, o Espírito dá
vida espiritual a pecadores sem vida e os ressuscita dos mortos por
meio do seu pró prio poder divino. Desta forma, por necessidade, Ele
deve ser Deus . 8 O Espírito Santo, portanto, deve ser confessado
como a terceira pessoa da Trindade, cuja divindade é em tudo
idêntica à do Pai e à do Filho.
Calvino oferece uma definiçã o de “pessoa” baseada em Hebreus 1.3:
uma pessoa da deidade “subsiste na essência de Deus, a qual,
enquanto relacionada à s outras, distingue-se por uma qualidade
incomunicá vel” . 9 O reformador estava completamente ciente de
que tais termos teoló gicos, apesar de necessá rios para refutar
heresias, apresentam limitaçõ es distintas. Ao examinar textos como
Efésios 4.5 e Mateus 28.19, ele defende a importâ ncia de sustentar
que “na essência de Deus residem três pessoas em quem um Deus é
conhecido”. Visto haver somente um Deus, “a Palavra e o Espírito
nã o sã o menos que a essência de Deus” . 10
Entretanto, também é vital confessar que, seguindo as declaraçõ es
das Escrituras Sagradas, o ú nico Deus possui em si uma
“triunidade”. Calvino cita Gregó rio de Nazianzo, teó logo grego do
século IV, que disse: “nã o posso pensar em um sem rapidamente ser
cercado pelo esplendor dos três; nem tampouco consigo discernir os
três sem ser diretamente levado ao um” . 11 O perigo evidente de
afirmaçõ es assim é distinguir tanto as pessoas a ponto de
posicionar-se pela existência de três Deuses — a saber, triteísmo.
Para evitar esse problema, Calvino depressa diz que “esse esplendor
dos três” manifesta somente uma distinçã o na Trindade, nã o uma
divisã o . 12 Em suas palavras: “Ao Pai é atribuído o início dos feitos,
a fonte e a origem de todas as coisas; ao Filho, a sabedoria, o
conselho, e a disposiçã o ordenada de todas as coisas; mas ao
Espírito é atribuído o poder e a eficá cia dos feitos” . 13 Há , portanto,
uma ordem econô mica natural de igualdade dentro da Trindade.
Essa ordem coincide com os feitos da Revelaçã o e da Redençã o,
habilitando-nos a contemplar o Pai como a primeira pessoa, o Filho
como a segunda pessoa e o Espírito como a terceira pessoa. Calvino
diz: “Pois a mente de cada ser humano está naturalmente inclinada a
contemplar Deus primeiro, entã o a sabedoria proveniente dele, e
por fim o poder pelo qual Ele executa os decretos de seu plano” . 14
O grande perigo de discutir a Trindade ontoló gica, Calvino
reconhecia, reside naqueles teó logos que, embora com boas
intençõ es, possivelmente produzirã o todo tipo de palavras
desnecessá rias ao assunto: “Na essência una de Deus há uma
trindade de pessoas; diga em uma palavra o que as Escrituras
declaram, e encerre falató rios vazios” . 15 O grande interesse de
Calvino encontra-se na operaçã o prá tica da Trindade relacional, e
nã o em abstraçõ es teoló gicas da Trindade ontoló gica. Seu principal
objetivo era promover um viver cristã o experiencial, prá tico. É por
isso que, em seu primeiro catecismo (1538), ele escreve: “Quando
nomeamos Pai, Filho e Espírito Santo, nã o estamos criando três
Deuses; mas, na unidade mais simples de Deus, as Escrituras e a
pró pria experiência da divindade nos abrem ao Pai, ao Filho, e ao
Espírito” . 16 I. John Hesselink salienta que Calvino fala de maneira
similar da divindade do Espírito nas Institutas : “O que a Escritura
atribui a Ele [ao Espírito Santo], nó s aprendemos por meio da
indubitá vel experiência da divindade” . 17 Hesselink prossegue,
dizendo que “Calvino frequentemente apela à experiência como
forma secundá ria de ratificaçã o das Escrituras, em particular da
divindade (ou piedade) nesse caso” . 18 Na mesma linha de
pensamento, B. B. Warfield diz sobre Calvino que “A doutrina da
Trindade nã o teve destaque por causa de sua consciência religiosa,
mas esta era uma postulaçã o de suas emoçõ es religiosas mais
profundas; recebidas, com efeito, em sua pró pria experiência da
salvaçã o” . 19
Esse foco no efeito experiencial da obra do Espírito é central na
teologia do reformador. Pois, para ele, experimentar a obra do
Espírito é mais importante que tentar descrever sua essência, dado
que esta ú ltima permanece um mistério que jamais
compreenderemos por completo. Willem van’t Spijker a isto dá um
bom resumo:
As Institutas possuem uma unidade, mas nã o como de um sistema
fechado. Ela é uma unidade que sempre permanece aberta a Deus,
ao homem e ao mundo. Essa unidade, porém, nã o está
antropologicamente determinada. Ela está arraigada no Espírito,
que traz à tona o encontro entre Deus e o homem por meio da
presença real de Cristo. Também pode ser dito que a presença do
Espírito em quase todas as á reas de estudos teoló gicos tem
preservado a doutrina de Calvino da petrificaçã o […] É o Espírito
que sopra ao longo de seu jardim e que o torna vivente e o floresce
[…] O som [do Espírito] é ouvido em todos os lugares. 20

Precisamos lembrar, como mencionado acima, que Calvino está


erigindo sobre fundamentos pneumatoló gicos já estabelecidos pela
Patrística, quando batalhas pela divindade do Espírito precisavam
ser travadas. A deidade e a pessoalidade do Espírito nã o eram
questõ es centrais na Reforma, e assim Calvino estava livre para
focar em outras á reas da pneumatologia.
 
O ESPÍRITO E AS ESCRITURAS
De maneira confiante, e com razã o, Calvino mantém que a Sagrada
Escritura é a escola do Espírito Santo. Ele quem inspirou as palavras
contidas nela e, como seu autor, atrai pessoas ao serviço de Deus por
meio dela, operando sempre em perfeita harmonia com a Palavra . 21
Pode-se resumir o que Calvino ensina acerca de assuntos desta
importâ ncia da seguinte maneira:
O Testemunho (ou Testificaçã o) Interno do Espírito e o Cará ter e a
Autoridade Autoautenticados das Escrituras
Para alguns que defendem que a prova racional se faz necessá ria
para afirmar a autoridade divina dos autores bíblicos, Calvino
responde apelando ao testemunho interno do Espírito Santo
(testimonium internum Spiritus Sancti ):
O testemunho do Espírito é mais excelente que todos os raciocínios.
Porque Deus somente testemunha de si mesmo em sua Palavra,
assim também a Palavra nã o encontrará aceitaçã o no coraçã o dos
homens antes que seja selada pelo testemunho interno do Espírito.
O mesmo Espírito, portanto, que falou pela boca dos profetas, deve
penetrar nosso coraçã o e nos persuadir de que eles proclamaram
fielmente toda palavra divinamente ordenada. 22

A confiança do cristã o na autoridade da Escritura encontra sua


confirmaçã o no testemunho, ou testificaçã o, interno do Espírito.
Esse testemunho nã o estabelece a autoridade, uma vez que a
Escritura autentica a si mesma (autopiston ). Calvino sustenta que
dentro da pró pria Bíblia há “provas” que fornecem evidências de si
mesmas (a indicia — isto é, declaraçõ es sobre a Escritura) e que
asseveram a credibilidade das Escrituras. Em ú ltima aná lise, no
entanto, tais provas devem ser consideradas em segundo plano, sob
a iluminaçã o do Espírito Santo convencendo nossa mente e
consciência de que a Escritura é a palavra de Deus. Embora essas
provas — coisas como a idade da Escritura, os milagres, as profecias
que se cumpriram, e sua preservaçã o — nã o devam ser rapidamente
dispensadas, elas fornecem comprovaçã o somente para aqueles que
já creem . 23
Em ú ltima aná lise, Calvino nã o acredita que
argumentos humanos convencerã o o incrédulo de que a Bíblia é a
Palavra de Deus. Logo, o testemunho do Espírito nã o se relaciona à
prova-evidência, mas à autoridade da pró pria Escritura, que é
confirmada pelo testemunho do Espírito. Mais tarde, Warfield viria a
erroneamente contrariar essa posiçã o, como notou Robert
Reymond, por causa da confiança que o teó logo tinha numa
“apologética empírica” baseada “no senso comum do realismo de
Thomas Reid, que reinava em Princeton” . 24
Reymond dá um bom resumo da posiçã o de Calvino quando declara
que “se necessitasse de alguém ou de alguma coisa além de si
mesma para autenticar e validar seu cará ter divino — baseado no
princípio de que a fonte que valida é sempre a autoridade superior e
final (veja Hebreus 6.13) —, a Bíblia nã o seria a Palavra de Deus,
pois, desse modo, as fontes a validá -la seriam de superior
autoridade” . 25 A principal razã o para Calvino considerar a
autoautenticaçã o da Escritura como ponto crítico é evitar o erro
cató lico romano de tornar a credibilidade da Escritura dependente
da decisã o da igreja. Seguindo Lutero, Calvino aprendeu que a
autoridade ú ltima do cristã o em questõ es de fé e prá tica tem de ser
a Bíblia, nã o a igreja . 26 Nas palavras de T. H. L. Parker: “Tudo que a
Igreja pode fazer é aceitar sua autoridade [da Escritura] sobre si de
forma obediente […] Nada pode fazer senã o lhe prestar obediência
— isto é, a igreja considerá -la como seu Senhor, pois, assim como
Palavra do seu Senhor, ela é a presença do seu Senhor com ela” . 27
Ronald Wallace comenta algo semelhante: “Para Calvino, a Bíblia
nã o apenas é a ú nica fonte da proclamaçã o da Igreja, mas também a
ú nica autoridade que deve reger sua vida” . 28
Para Calvino, o fato de que Deus se revela por meio da obra do
Espírito Santo é uma obviedade. Assim, a autoridade da Escritura
para crer e agir encontra-se em seu autor ú ltimo, o Espírito Santo,
que é descrito na Escritura como o “Espírito da verdade” e, como tal,
a pró pria verdade. Esse livro de autoria do Espírito, cuja autoridade
emana dele, a Escritura, é ú nico para o cristianismo e para o povo de
Deus . 29 O Espírito grava a autoridade divina no coraçã o dos
cristã os com aquela certeza indubitá vel “requerida pela piedade” . 30
Além disso, defende Calvino, o Espírito graciosamente remove a
cegueira do coraçã o e da alma causada pelo pecado, dando ao novo
convertido olhos para enxergar a Escritura como ela de fato é: a
Palavra de Deus, divinamente inspirada. Por meio dos ó culos da
Escritura conseguimos ver quem Deus é, santo e majestoso, e quem
nó s somos, criaturas pecaminosas. Em meio ao reino da fé,
recebemos um novo desejo por Deus e por sua Palavra mediante o
Espírito Santo.
Calvino entende esse anseio, que é o testemunho do Espírito, como
meio de fé, embora nã o como seu fundamento final, o qual é a
pró pria Escritura. Neste ponto o reformador concorda com Louis
Berkhof, que escreve: “O fundamento da fé é idêntico ao conteú do
[da Escritura] e dele nã o pode ser separado. Mas o testemunho do
Espírito é a causa atuante da fé. Cremos na Escritura nã o por causa
do testemunho do Espírito Santo, mas sim por meio dele” . 31 O
testemunho do Espírito Santo está no â mago do sistema teoló gico de
Calvino. Sem essa testificaçã o no coraçã o do crente, a Palavra nã o
pode ser compreendida, o conhecimento nã o pode ser adquirido e a
fé nã o pode ser genuína. Ao contrá rio, à parte do testemunho do
Espírito nã o há utilidade para a Palavra, o conhecimento é reduzido
à opiniã o e a fé, falsificada. Mas quando o experimenta, o cristã o
entã o sabe que a Escritura é a viva Palavra de Deus que abre seu
coraçã o diante do Senhor, que o consola com a segurança da graça
de Deus em Cristo, e o estimula a viver para a gló ria dele. Além
disso, o cristã o sabe que a Escritura procede de Deus com uma
certeza muito mais profunda do que qualquer outra que possa ser
dada pela igreja ou pela razã o humana . 32
Antes mesmo de Calvino desenvolver esta verdade teoló gica, tanto
Lutero quanto Zuínglio haviam aludido a essa doutrina do
testemunho interno do Espírito Santo . 33 Contudo, foi Calvino o
primeiro a desenvolvê-la e demonstrar que ela pressupõ e
“reconhecer o valor que há na evidência da experiência religiosa” . 34
Apesar de muito ter sido escrito para apoiar o desenvolvimento de
Calvino sobre essa doutrina, ela foi desafiada com a justificativa de
ser subjetiva e circular. Em resposta a essas objeçõ es, Hesselink
escreve:
Em certo sentido, o argumento de [Calvino] é circular. Pois como
sabemos que a Bíblia é a Palavra de Deus? Resposta: o Espírito nos
diz que é. Como verdadeiramente sabemos que é o Espírito quem
nos dá essa segurança? Resposta: a pró pria Bíblia nos convence
disso. Mesmo assim, note-se que tal argumentaçã o nã o é nenhuma
invençã o dos teó logos! Há vá rias passagens no Novo Testamento
que sugerem essa abordagem: Joã o 8.13; 1Coríntios 2.11; Romanos
8.16; e 2Coríntios 3.1–3, por exemplo. 35

Hesselink nota que o teó logo neo-ortodoxo Karl Barth chamou o


argumento de Calvino de “círculo ló gico”, em que a Palavra objetiva
e o Espírito subjetivo unem-se. A Bíblia, que aparenta ser “objetiva”,
é, como Otto Weber salienta mais adiante, “em virtude de sua
pró pria natureza, também ‘subjetiva’ na persuasã o de sua origem
divina. Quando o Espírito persuade nosso íntimo da autoridade da
Bíblia, a polaridade do objetivo e subjetivo é vencida” . 36
John Murray estava particularmente convencido de que Calvino
poderia ter deixado a distinçã o entre a autoridade objetiva
intrínseca, que reside na Escritura, e o reconhecimento subjetivo
dessa autoridade por parte do crente de certa forma mais clara.
Calvino defende ambos, a autoridade intrínseca da Escritura e o
reconhecimento de sua autoridade, mas Murray declara que fazer
uma melhor distinçã o ajudaria a reconciliar declaraçõ es em que o
reformador enfatizou o objetivo (“A Escritura exibe tã o clara
evidência de sua veracidade quanto o preto é preto e o branco é
branco, tanto quanto o doce e o amargo se distinguem” ) 37 e o
subjetivo (“[As Escrituras] exercem autoridade total sobre os
crentes somente quando estes sã o persuadidos de que elas
procedem dos céus ” 38 ) . 39 Calvino, contudo, responderia que
ambas as ênfases estã o desconectadas, pois o testemunho do
Espírito nos persuade da autoridade da Escritura . 40
Deixe-me resumir o que se pode dizer acerca do que Calvino declara
sobre o testemunho que o Espírito dá à Palavra. Em primeiro lugar,
absoluta convicçã o da autoridade da Bíblia pode vir somente pelo
testemunho do Espírito. Embora nem o argumento racional nem o
testemunho da igreja sejam abandonados, Calvino faria um alerta
para nã o confiar tanto nessas fontes, pois em si só podem produzir
convicçõ es incertas quanto à autoridade bíblica. Calvino conhecia o
valor da razã o e amava a igreja, mas também sabia que fundamentar
a esperança em uma ou outra nutre apenas instabilidade.
Em segundo lugar, a certeza cresce ao atentar-se ao testemunho do
Espírito na Escritura, mas a consequência de ignorá -lo é a incerteza.
Nã o se deve olhar para a razã o ou para a luz interior ou para a igreja
a fim de obter a certeza, mas para o testemunho do Espírito à
consciência . 41
Em terceiro lugar, abraçar a doutrina do testemunho interno do
Espírito nã o envolve negar o papel da igreja no reconhecimento do
câ non sagrado. Nem todo cristã o experimenta o testemunho do
Espírito nos 66 livros da Escritura na mesma medida, uma vez que o
encontro com um livro canô nico específico pode variar de crente
para crente. Nã o, mas Calvino sustenta que o câ non autoautenticado
impõ e-se sobre a igreja de maneira tal que o Espírito, “ao longo dos
séculos, abriu os olhos da igreja por todo o mundo para discernir os
limites do câ non” . 42
A Harmonia da Palavra e do Espírito
Calvino estava absolutamente convencido de que há um
relacionamento recíproco e harmonioso entre a Palavra e o Espírito.
Fora do Espírito, a Palavra é ineficaz. E a experiência espiritual sem
a Palavra nã o tem significado na melhor das hipó teses, ou é ilusó ria
na pior dela s . 43 O Espírito Santo converte e direciona os crentes
pela Palavra. Neste ponto Calvino difere de Lutero, seu mentor
espiritual. Lutero enfatizava tanto a Palavra objetiva, externa, em
seus debates com radicais espirituais do século XVI — homens como
os profetas de Zwickau que rejeitavam a Palavra por pensar que
possuíam o Espírito — que existia o “perigo de unir a Palavra e o
Espírito até que ambos [fossem] considerados um só ” . 44 Calvino,
no entanto, sustenta corretamente que, embora a Palavra e o
Espírito estejam intimamente relacionados, ambos permanecem
distintos um do outro e trabalham em consonâ ncia para
estabelecerem o reino. Por exemplo, ao explicar a petiçã o “Venha o
teu reino” na oraçã o do Pai Nosso, Calvino escreve que o reino tanto
vem pela pregaçã o da Palavra como pelo poder secreto do Espírito:
“Ele nos governaria pela Palavra, mas como voz solitá ria, sem a
influência interna do Espírito, ela nã o alcança o coraçã o, logo ambos
devem estar unidos em prol do estabelecimento do reino de Deus” .
45
Calvino nunca disse que o crente é continuamente conduzido por
uma luz interna especial, como os quakers defenderiam no século
seguinte, mas que ele está preparado para admitir que o Espírito
ocasionalmente opera de maneira independente da Palavra,
governando e guiando o cristã o . 46
Entretanto, operaçõ es
independentes assim nunca entram em conflito com a Sagrada
Escritura, mas estã o sempre em harmonia com ela . 47
Em ú ltima aná lise, entã o, a Palavra e o Espírito estã o ligados. Assim
Calvino escreve:
Por um tipo de ligaçã o mú tua o Senhor uniu a certeza da sua Palavra
e de seu Espírito a fim de que a perfeita religiã o da Palavra possa
habitar em nossa mente quando o Espírito, que nos leva a
contemplar a face de Deus, resplandece; e que nó s, por nossa vez,
abracemos o Espírito sem o temor de sermos enganados enquanto o
reconhecemos em sua pró pria imagem, isto é, na Palavra. 48              

Richard Gamble corretamente percebe que há , aqui, um bom


exemplo de Calvino batalhando por uma via media ; isto é, um
caminho intermediá rio entre falsos extremos. Em um extremo
estavam os apologistas com inclinaçõ es “racionalistas”, que
enfatizavam as evidências racionais da Palavra, mas deixando de
lado o Espírito . 49 No outro extremo estavam os cató licos romanos,
que tiravam a ênfase da Palavra e exageravam a obra do Espírito na
igreja ; 50 além deles, e é estranho vê-los lado a lado, também os
anabatistas, que apartavam a ênfase da Palavra e exageravam a obra
individual do Espírito . 51 Esse vínculo da Palavra com o Espírito em
Calvino tem consequências de longo alcance para toda a esfera da
adoraçã o pú blica e pregaçã o bem como para as mais variadas
dimensõ es experienciais e prá ticas da vida cristã . Quando a doce
harmonia da Palavra e Espírito é reconhecida, entã o a adoraçã o, a
pregaçã o e a experiência pessoal sã o enriquecidas e empoderadas
de forma tal que verdadeiramente glorificam o Deus triú no . 52
 
O ESPÍRITO E A UNIÃO E COMUNHÃO COM CRISTO
Calvino defende o impulso agostiniano que afirmava o que os
estudiosos chamavam de filioque (literalmente: “e o Filho”) — um
acréscimo na forma ocidental do Credo Niceno-Constantinopolitano,
o qual declara que o Espírito procede nã o apenas do Pai mas
também do Filho . 53 Desta forma, Calvino por vezes pô de
denominar o Espírito de “Espírito do Pai” e à s vezes de o “Espírito
do Filho” . 54 Embora nos ú ltimos anos alguns estudiosos do
Ocidente tenham rejeitado essa doutrina da procissã o dupla do
Espírito (do Pai e do Filho), este era o ensino dominante do
trinitarianismo ocidental desde Agostinho . 55
É importante notar, entretanto, que, neste ponto, Calvino também
está menos interessado em discutir o relacionamento ontoló gico
entre o Filho e o Espírito, e mais em traçar as implicaçõ es prá ticas
desta doutrina. Por exemplo, o Filho e o Espírito sã o, ambos,
“mestres internos”, ele declara, mas o papel deles se difere. O
Espírito Santo ama permanecer nos bastidores, focando toda a
atençã o no Senhor crucificado e ressurreto. O Espírito nunca inicia
uma obra inovadora, mas se deleita em honrar a obra consumada
por Cristo, revelando-a aos crentes, para salvaçã o e conforto. O
Espírito opera por Cristo, e Cristo opera por meio do Espírito.
Calvino defende que, nesta obra divina recíproca, mutuamente
dependente, o crente fica duplamente seguro e livre de erros como o
misticismo ou o de imaginar que o Espírito pode vir sem Cristo:
“Somos participantes do Espírito Santo em conformidade com a
comunhã o que temos com Cristo; pois o Espírito nã o será achado em
lugar nenhum a nã o ser em Cristo, sobre quem [é dito que o
Espírito] repousa”, defende. “Nem tampouco pode Cristo ser
separado do seu Espírito; pois assim Ele como que estaria morto, e
vazio de poder” . 56
Se há uma doutrina que pode ser encontrada no coraçã o do
pensamento soterioló gico de Calvino, essa é a uniã o com Cristo. “A
doutrina da uniã o com Cristo em Calvino é uma das características
mais consistentemente influentes de sua teologia e ética, se nã o seu
ensinamento mais importante, que dá vigor a todo o seu
pensamento e vida pessoal”, escreve David Willis-Watkins . 57 Os
sermõ es, comentá rios e obras teoló gicas de Calvino sã o tã o
permeados com a reflexã o sobre a uniã o com Cristo que isso se
torna o seu foco para a fé e prá tica cristã . 58 Nas palavras do
pró prio Calvino: “Consentimos que o ajuntamento da Cabeça com os
membros e a habitaçã o de Cristo em nosso coraçã o — em suma, a
uniã o mística — sã o do mais alto grau de importâ ncia, uma vez que
Cristo, quando feito nosso, nos faz participantes com Ele dos dons
que lhe foram dados” . 59
Calvino entende que a salvaçã o deve estar fundamentada
diretamente sobre a uniã o do crente com Cristo, e esta ser nosso
ponto de partida na compreensã o do que significa ser salvo . 60
Nenhum dos elementos subsequentes da ordem da salvaçã o tais
como a justificaçã o, a santificaçã o e a perseverança sã o possíveis
sem a uniã o com Cristo que o Espírito efetua por meio da fé . 61
Calvino diz: “Compreenda-se que, enquanto Cristo estiver fora de
nó s, e nó s separados dele, tudo o que Ele sofreu e realizou para a
salvaçã o da raça humana permanece inú til e sem nenhum valor para
nó s” . 62 Tal uniã o é possível unicamente porque Cristo se fez
homem e preencheu nossa natureza com sua virtude. A uniã o com
Cristo em sua humanidade é histó rica, ética e pessoal, mas é
importante notar que nã o há uma mistura grosseira (crassa
mixtura ) da substâ ncia humana entre Cristo e nó s. Nã o somos
absorvidos em Cristo ou a Ele unidos de forma tal que nossa
personalidade humana é anulada, ainda que em menor grau. Nã o
obstante, na colocaçã o de Calvino, “Ele nã o só se apega a nó s por um
laço de comunhã o indivisível, mas, também, em maravilhosa
comunhã o, dia a dia, Ele cresce mais e mais em nó s, em um só corpo,
até que se torne completamente um conosco” . 63
Essa uniã o com Cristo ocorre pelo Espírito Santo e é um grande
mistério . 64 Somente o Espírito, uma pessoa divina, pode unir o
Deus-homem no céu com o crente, que está neste mundo. O Espírito
nã o só a inicia, mas a cada passo capacita a comunhã o (communio )
com Cristo que dela flui. Isso envolve participaçã o (participatio ) em
todos os seus benefícios, que sã o insepará veis da uniã o com Cristo .
65
Assim como o Espírito foi essencial para a uniã o do céu e terra na
encarnaçã o, assim também na regeneraçã o Ele pró prio vivifica o
eleito que está neste mundo para comungar com Cristo nas regiõ es
celestiais, trazendo-o ao coraçã o e à vida do salvo ainda neste
â mbito terreno . 66 Embora nã o seja totalmente compreensível, essa
uniã o com Cristo é genuína e enche o cristã o de espanto . 67

Mediante o Espírito, Cristo, que se encontrava exterior a nó s (extra


nos ), torna-se Cristo em nó s (in nobis ) . 68 Como Calvino escreve ao
reformador Italiano Peter Martyr: “Crescemos com Cristo em um
ú nico corpo, e Ele partilha do seu Espírito conosco, por meio de
quem sua obra secreta é feita nossa. O crente recebe essa comunhã o
com Cristo no mesmo momento em que recebe seu chamado, mas a
cada dia cresce mais e mais nela em proporçã o à vida de Cristo que
nele se desenvolve” . 69
Apesar de Calvino nunca ter considerado essa uniã o e comunhã o
com Cristo como participaçã o na essência da natureza de Cristo , 70
ainda assim ela é tã o íntima que pode ser descrita com os termos da
uniã o em uma só carne do casamento: os cristã os sã o carne da carne
de Cristo e ossos dos seus ossos (Ef 5.30). Na verdade, a uniã o
espiritual com Cristo forjada em nó s pelo Espírito Santo é mais
pró xima que qualquer uniã o física. Calvino escreve: “Que venhamos
a conhecer a uniã o que temos com nosso Senhor Jesus Cristo; a
saber, que Ele anseia ter conosco uma vida em comum e partilhar
daquilo que é dele: mais que isso, Ele deseja habitar em nó s, nã o em
imaginaçã o, mas de fato, nã o de forma terrena, mas espiritual. E o
que quer que suceda, Ele opera de maneira tal pela virtude do seu
Santo Espírito que a Cristo somos unidos mais intimamente que os
membros sã o ao corpo” . 71 O verdadeiro significado dessa uniã o
com Cristo tanto no corpo como na alma será completamente
compreendido somente quando ressuscitarmos dos mortos no dia
do julgamento . 72
Assim Cristo e o Espírito trabalham juntos para a nossa salvaçã o. A
operaçã o deles é distinta, apesar de insepará vel. Desta forma
Calvino facilmente podia se mover entre dizer “O Espírito que habita
em nó s” e “Cristo que habita em nó s” . 73 Em certo sentido, toda
açã o do Espírito é uma açã o de Cristo. O Espírito nos concede uma
natureza salvífica por meio de Cristo, e Cristo nos concede uma
natureza salvífica somente por meio do Espírito . 74 Calvino sugere
no título do capítulo inicial do livro III das Institutas : “As coisas
ditas a respeito de Cristo nos sã o proveitosas por meio da operaçã o
oculta do Espírito”. Cristo realiza a salvaçã o com efeito por meio do
seu Espírito, e o Espírito Santo torna essa salvaçã o real no coraçã o
do pecador . 75              
Calvino desenvolve ainda mais essa colaboraçã o na salvaçã o entre
Cristo e o Espírito quando afirma que o Espírito, em toda a “sua
completude”, é dado pelo Pai a Cristo de especial forma, a fim de que
nó s, por meio do “Espírito da santificaçã o”, possamos receber o
Espírito “de acordo com a medida do dom de Cristo” . 76 A obra do
Espírito em nó s nos liberta do mundanismo e, pela fé e esperança,
nos conduz à nossa eterna herança . 77 O reformador percebeu esse
trabalhar do Espírito refletido em alguns dos títulos que as Sagradas
Escrituras lhe conferem, tais como o “espírito de adoçã o”, “a
garantia e o selo” da nossa herança, “á gua”, “ó leo”, “unçã o” . 78
 
O ESPÍRITO E A FÉ, A JUSTIFICAÇÃO E A SANTIFICAÇÃO
Da perspectiva divina, por um lado, o Espírito é o vínculo entre
Cristo e seu povo. Da nossa perspectiva, por outro, a fé é esse elo.
Nenhuma contradiçã o neste ponto, pois uma das tarefas principais
do Espírito é produzir fé no coraçã o do pecador. Nas palavras de
Calvino, “Por si a fé nã o tem outra fonte senã o o Espírito” . 79 E
quando Calvino chega a uma definiçã o formal de fé, ele dá ao
Espírito Santo um papel proeminente: “Agora, tenhamos uma
correta definiçã o de fé, desde que a chamamos de o certo e firme
conhecimento da benevolência de Deus sobre nó s, fundada na
verdade da promessa gratuita de Cristo, tanto revelada à nossa
mente como selada em nosso coraçã o por meio do Espírito Santo” .
80

A força de vontade e a energia humana nã o podem contribuir com


essa obra, pois a fé é uma dá diva inteiramente sobrenatural do
Espírito. Calvino sugere que seria mais fá cil combinar fogo com á gua
do que misturar a justificaçã o pela fé com a justificaçã o por obras . 81
A definiçã o de fé apresentada por Calvino também salienta que a
obra salvadora do Espírito envolve o conhecimento — nã o abstrato,
especulativo, externo, mas um conhecimento afetivo que remodela a
vontade e a açã o.
A fé operada pelo Espírito une o crente a Cristo por meio da Palavra,
capacitando-o a receber o Senhor Jesus Cristo como Ele é
apresentado no evangelho e graciosamente oferecido pelo Pai . 82
Calvino estima essa fé, uma vez que ascende “da carne de Cristo à
sua divindade”, penetrando “acima de todos os céus, excedendo
mesmo aqueles mistérios que os anjos contemplam e adoram” . 83 O
Espírito Santo usa essa fé para fazer descer as graças celestiais de
Cristo à alma humana e, em troca, elevá -la aos céus. A comunhã o
com Cristo por meio da fé é tã o real e profunda que, mesmo estando
no céu, a fé o agarra com tamanha força e dele toma posse de modo
tal que, com efeito, Ele habita em nosso coraçã o . 84 Pela fé
“tomamos o Reino Celestial” . 85
A fé deriva todo o seu valor de Jesus Cristo. Sem Cristo, a fé “nã o tem
dignidade ou valor”, pois é “apenas instrumental” . 86 Mas quando
focada em Cristo, a fé é de inestimá vel valor, pois por meio dela
recebemos Cristo e todos os seus benefícios, inclusive a dupla graça
da justificaçã o e santificaçã o, que juntas providenciam dupla
purificaçã o . 87
A justificaçã o oferece pureza imputada; a
santificaçã o, pureza factual . 88
A definiçã o inicial de justificaçã o apresentada por Calvino a
descreve como “a aceitaçã o com a qual Deus nos recebe em seu
favor como homens justos” . 89 Ele prossegue: “Dado que Deus nos
justifica pela intercessã o de Cristo, Ele nos absolve nã o por
confirmar nossa inocência, mas mediante o imputar da justiça, a fim
de que nó s, que nã o somos justos em nosso pró prio ser, possamos
ser reconhecidos como tais em Cristo” . 90 A justificaçã o também
inclui a remissã o dos pecados junto do direito à vida eterna, o qual o
Espírito tem prazer em assegurar ao crente.
É impossível ao pecador ser justificado pelas obras por causa do
pecado. O crente se exclui da justiça das obras, agarra-se à justiça de
Cristo por meio da fé e, coberto por ela, comparece diante da
presença de Deus nã o como pecador, mas como alguém justificado” .
91

Por amor a Cristo, o crente é declarado absolvido como se sua


inocência estivesse já confirmada” . 92 Tais verdades levam Calvino
a definir a justificaçã o mais precisamente: “O pecador recebido na
comunhã o com Cristo é reconciliado com Deus pela sua graça, e
nisso, uma vez lavado pelo sangue de Cristo, obtém o perdã o dos
pecados e, agora vestido com a justiça de Cristo como se esta fosse
sua pró pria, permanece confiante diante do trono do julgamento
celestial” . 93
Profundamente moldado pelas meditaçõ es acerca da justificaçã o
feitas com base na Bíblia e no início da Reforma, Calvino retrata a
justificaçã o como a doutrina central da fé cristã . Em termos
constantemente empregados, o reformador a chama de “a principal
engrenagem sobre a qual a religiã o se sustenta” e o solo no qual a
vida cristã e a piedade crescem . 94 A justificaçã o realiza duas coisas
em especial. Em relaçã o a Deus, ela lhe dá a gló ria ao satisfazer as
condiçõ es para a salvaçã o. Em relaçã o a nó s, ela oferece à
consciência do cristã o “a paz do descanso e tranquilidade serena” . 95
Nas palavras de Romanos 5.1: “Justificados, pois, mediante a fé,
temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. O
Espírito ensina ao crente que nã o precisa se preocupar com sua
posiçã o diante de Deus, pois ele é justificado pela fé.
É claro que a justificaçã o nã o está sozinha. Como escreve Richard
Gaffin, ela é “um componente, ao lado da regeneraçã o, da mais
central ‘graça dupla’ que flui da uniã o do crente com Cristo, a qual é
fundamental. A ‘engrenagem’ da justificaçã o, se posso assim colocar,
nã o é uma corda imaginá ria. Pelo contrá rio, sua estrutura está
firmemente ancorada, sem a menor possibilidade de diminuir sua
fundamental importâ ncia na uniã o” com Cristo . 96
A santificaçã o é o caminho pelo qual o crente, por meio da graciosa
operaçã o do Espírito, é constantemente conformado a Cristo em seu
coraçã o, em sua conduta, e na devoçã o a Deus. Isso envolve uma
reforma contínua do crente pelo Espírito Santo, bem como a
consagraçã o gradativa do corpo e da alma a Deus . 97 Calvino
explica: “Ao contemplar a face de Jesus Cristo no espelho do
evangelho, nos conformamos a Ele de gló ria em gló ria. Com isso o
apó stolo quis dizer que à medida que nos aproximamos de Jesus
Cristo e o conhecemos mais intimamente, a graça e a virtude do seu
Espírito ao mesmo tempo crescem e sã o multiplicadas em nó s” . 98
Na santificaçã o, o crente se oferece a Deus como sacrifício.
Certamente nã o é algo que ocorre sem grande luta, pois isso requer
lavar-se da poluiçã o da carne e do mundo . 99 Ademais, pressupõ e
arrependimento, mortificaçã o, conversã o diá ria e separaçã o . 100 É
por meio do Espírito da graça, e somente por Ele, que o cristã o pode
perseverar na santificaçã o. Como Calvino diz, o Espírito Santo nã o
começou a obra da nossa salvaçã o para depois abandoná -la. O
Espírito, Calvino declara, nã o é “um visitante intermitente, mas um
residente purificador dos recessos mais íntimos da alma” . 101 O dom
do Espírito nã o é vá lido “por um ú nico dia ou breve período”, mas é
como uma fonte perene que jamais falha” . 102
À medida que o Espírito nos santifica, Ele também move o crente a
trabalhar em sua santificaçã o. Ainda que todo fruto espiritual na
santificaçã o deva, em ú ltima aná lise, ser atribuído ao Espírito, o
cristã o nã o é passivo nesta obra. Faz parte do paradoxo da graça o
fato de a santificaçã o ser 100% obra de Deus e 100% obra do
homem. O Espírito Santo trabalha no crente enquanto este é, pelo
Espírito, capacitado a agir piedosamente. Walter conclui: “Desta
forma Calvino evita os extremos do absolutismo espiritual de um
lado, e do outro o extremo humanista do moralismo, igualmente
detestá vel” . 103
Note-se, finalmente, que, para Calvino, a justificaçã o e a santificaçã o
sã o insepará veis. Tentar separar uma da outra é trabalhar para
dilacerar Cristo . 104 Ou, é como tentar separar a luz solar do calor
gerado pelo sol . 105 Gaffin resume a metá fora de Calvino da seguinte
forma: “Cristo, nossa justiça, é o sol; a justificaçã o, sua luz; a
santificaçã o, seu calor. O sol é, por fim, a ú nica fonte de ambos, de
modo que sua luz e calor sã o insepará veis. Sendo assim, é só a luz
que ilumina e somente o calor é que aquece, e nã o o contrá rio.
Ambos estã o sempre presentes, mas nã o se transformam um no
outro” . 106 Pela influência do Espírito, portanto, a justificaçã o nunca
é uma rua sem saída. Os crentes sã o justificados pela fé para que
possam adorar a Deus em santidade de vida . 107
 
O ESPÍRITO E A SEGURANÇA E A APLICAÇÃO DA REDENÇÃO
Calvino também ensina que o Espírito Santo testemunha ao crente e
nele confirma a adoçã o . 108 Ele escreve: “O Espírito de Deus é quem
nos dá o testemunho, e é por isso que, sendo Ele o guia e o mestre,
nosso espírito é assegurado da adoçã o de Deus; pois nossa mente,
deixada a si mesma, sem primeiro ter o testemunho do Espírito, nã o
nos pode transmitir essa segurança” . 109 As repetidas referências
que Calvino fazia à adoçã o englobam “todo o cará ter da vida cristã ”,
mesmo que ele nã o tenha dado ao tema sua pró pria seçã o nas
Institutas . 110 Para Calvino, a adoçã o é o á pice da salvaçã o assim
como “que um meio-termo entre a justificaçã o e a santificaçã o, na
medida em que na adoçã o há tanto o aspecto forense quanto o
dinâ mico” . 111 De forma dinâ mica, em aspectos experienciais, o
Espírito convence o crente a clamar, sem culpa, “Abba, Pai” . 112 O
Espírito Santo nos garante de que nossos pecados estã o perdoados,
que o Pai nos ama com um amor repleto de bondade e benevolência,
e que fomos eleitos em Cristo para a vida eterna . 113 E Ele realiza
tudo isso sem tirar Cristo de seu papel. Sendo o Espírito de Cristo ,
Ele, conduzindo o crente a Cristo e aos seus benefícios e os
efetivando em sua vida, dá segurança . 114
A uniã o de Cristo com o Espírito tem grandes implicaçõ es para a
doutrina da segurança e certeza da salvaçã o. Alguns estudiosos mais
recentes têm minimizado a ênfase que Calvino dava à
imprescindibilidade da obra do Espírito em garantir ao crente as
promessas de Deus. Da perspectiva deles, Calvino ensina que as
promessas de Deus em Cristo e na Palavra sã o o fundamento para a
segurança da salvaçã o, enquanto sua causa é o Espírito, que trabalha
no coraçã o. Cornelis Graafland defende, no entanto, que essa
distinçã o é muito simplista, uma vez que o Espírito sempre opera
como o Espírito de Cristo. Assim os elementos objetivos e subjetivos
na segurança nã o podem ser tã o facilmente separados. A salvaçã o
objetiva em Cristo está inextricavelmente atada ao selo subjetivo do
Espírito. Graafland assim conclui: “Cristo é o fundamento da nossa fé
no Espírito e por meio dele” . 115 Ademais, Calvino defende que a
confiança objetiva de um crente nas promessas de Deus como
fundamento primá rio para a segurança da salvaçã o deve ser
subjetivamente selada pelo Espírito Santo. O réprobo pode até
mesmo clamar para si as promessas de Deus sem experimentar o
sentimento (sensus ), ou a consciência, das promessas. O Espírito
com frequência opera no réprobo, mas de maneira muito diferente
da forma como trabalha na mente dos eleitos. Pode ocorrer de a
mente dos réprobos ser iluminada momentaneamente,
assemelhando-se até mesmo ao princípio da fé. Mas a verdade é que
eles “nada têm senã o uma percepçã o confusa da graça” . 116
Por outro lado, os eleitos sã o regenerados com uma semente
incorruptível . 117
Eles recebem benefícios genuinamente
consoladores, os quais os réprobos nunca provarã o. No homem
interior, eles recebem as promessas de Deus como verdadeiras.
Somente eles possuem o que pode ser chamado de “a iluminaçã o do
Espírito”. Somente eles recebem o conhecimento experiencial,
intuitivo de Deus à medida que Ele se lhes oferece em Cristo . 118
Calvino diz que somente os eleitos sã o “levados e integralmente
estimulados a amar a Deus; [eles] sã o elevados ao pró prio céu [e]
admitidos nos tesouros mais secretos de Deus” . 119 “De forma
explícita, o Espírito”, Calvino elabora um pouco mais, “sela o perdã o
de pecados somente nos eleitos, a fim de que eles o apliquem por
uma fé especial, para uso pró prio . 120 Quando Calvino distingue o
eleito do réprobo, ele fala mais sobre o que o Espírito realiza em nós
do que aquilo que Cristo realiza por nós , pois aqui a linha
demarcató ria é mais clara. Os termos que ele usa dizem respeito à
experiência interior, sentimento, iluminaçã o, percepçã o, até mesmo
“emoçã o violenta” . 121 Bem ciente dos perigos da introspecçã o
indevida, Calvino também reconhece que as promessas de Deus sã o
eficazes somente quando conduzidas pelo Espírito ao escopo, à
experiência e à obediência da fé . 122 Calvino insiste em afirmar que
o método principal do Espírito de instilar a certeza da salvaçã o é
direcionar o crente a abraçar as promessas de Deus em Cristo. O
reformador rejeita qualquer esforço por encontrar confiança em si
mesmo. Ele, contudo, também nã o nega que um meio subordinado de
fortalecer a segurança da salvaçã o é dado por meio das boas obras e
das marcas da graça que o Espírito capacita o crente a realizar.
Especificamente, o Espírito Santo pode assegurar o cristã o de que
sua fé nã o é temporá ria revelando-lhe os “sinais que sã o provas
certas” de f é 123 como o “chamado divino, a iluminaçã o por meio do
Espírito de Cristo, a comunhã o com Cristo, recebê-lo pela fé,
agarrar-se a Ele, a perseverança da fé, evitar a autoconfiança, e o
temor [filial]” . 124
Pode-se resumir a posiçã o de Calvino ao declarar que, na visã o dele,
todos os membros da Trindade estã o envolvidos no ato do crente de
possuir a segurança da fé. A eleiçã o do Pai, a obra de Cristo e a
aplicaçã o do Espírito Santo complementam-se. Quando Calvino
escreve que Cristo é “para mim uma miríade de testemunhas”, ele
está dizendo que Cristo é a fonte primá ria da certeza de salvaçã o
precisamente por causa da aplicaçã o do Espírito de Cristo e seus
benefícios sobre aqueles que foram eleitos pelo Pai. Ninguém estará
seguro em Cristo sem o Espírito . 125 Por meio da Palavra, o Espírito
Santo, além de revelar ao crente que Deus é um Pai acolhedor,
também capacita o crente a abraçar as promessas de Cristo pela fé e
com segurança.
 
O ESPÍRITO E OS DONS ESPIRITUAIS
Uma parte central na compreensã o de Calvino acerca dos dons do
Espírito é afirmar que estes foram dados para o bem comum da
igreja . 126 Quando qualquer dom se afasta desse propó sito, ele
perde sua devida funçã o. Além disso, Calvino se recusa a limitar os
dons do Espírito à queles mencionados especificamente em textos
como 1Coríntios 12. Em outras palavras, ele toma a mençã o de
vá rios dons do Espírito no Novo Testamento como exemplos de uma
gama mais ampla. Nas Institutas , ele entã o menciona a ciência, as
artes e o esculpir como dons de Deus . 127
Quanto aos dons específicos, Calvino defende que o dom do
conhecimento é “o entendimento das coisas sagradas” ou “a
erudiçã o que flui naturalmente” . 128 Por outro lado, a sabedoria diz
respeito à s “revelaçõ es de uma ordem mais secreta e sublime” . 129 O
dom da fé, mencionado em 1Coríntios 12, nã o representa a fé
salvífica, mas a fé nos milagres realizados em nome de Cristo. Essa
foi a fé de Judas . 130 Calvino nã o faz nenhum comentá rio sobre o
dom de cura, uma vez que “todos já sabem o que ele quer dizer” com
isso . 131 Porém ele nota que os milagres, junto das curas,
“manifestam a bondade de Deus”, a destruiçã o de Sataná s e seu
reino . 132 O dom de profecia é a pregaçã o ungida pelo Espírito, nã o
uma compreensã o sobrenatural do futuro . 133 Calvino afirma que a
habilidade de discernir espíritos nã o tem absolutamente nada que
ver com a sabedoria natural. Era um dom especial dado por Deus à
igreja apostó lica para que os crentes conseguissem discernir entre
os verdadeiros e falsos ministros . 134
Calvino compreendia as línguas mencionadas em Atos 1 e em
1Coríntios como os idiomas falados pelas vá rias naçõ es vizinhas de
Israel. A habilidade de falar nessas línguas nã o vinha pelo estudo,
mas era uma dá diva sobrenatural. Do mesmo modo, a habilidade de
interpretá -los também era um dom divino. Este edificou toda a
igreja, pois possibilitou que aqueles que ouviam compreendessem o
que estava sendo dito . 135 Por meio disso a mensagem do evangelho
foi disseminada rapidamente ao longo de todo o mundo romano . 136
O reformador também estava convencido de que esses dons,
sobrenaturais, nã o mais eram distribuídos em seus dias, pois
haviam cessado com a morte dos apó stolos: “O dom das línguas,
entre outros semelhantes, já cessou há muito na Igreja” . 137 Vale
notar que uma das razõ es que Calvino atribui ao desaparecimento
deles é a ambiçã o pecaminosa e o seu uso indevido. Embora o dom
de línguas estivesse presente na igreja primitiva, por exemplo, Deus
“o retirou rapidamente apó s o ter concedido, e nã o o submeteu
novamente a corrupçõ es de ainda maior abuso” . 138
A
administraçã o desses dons nã o foi deixada à igreja hoje . 139

Comentando Atos, Calvino resume seu pensamento sobre os dons do


Espírito:
Pois embora nã o recebamos [o Espírito], para que assim falá ssemos
em línguas, fô ssemos profetas, curá ssemos os doentes, operá ssemos
milagres, ainda assim nos foi dado um melhor uso, a fim de que
creiamos com o coraçã o para a justiça, para que a nossa língua seja
edificada em verdadeira confissã o (Rm 10.10), que passemos da
morte para a vida (Joã o 5.24), a fim de que nó s, pobres e vazios,
sejamos feitos ricos, possamos firmemente resistir ao diabo e ao
mundo. 140

Devemos reconhecer esses dons, Calvino diz, como obra do Espírito,


sabendo que “Deus concedeu dons superlativos com o propó sito de
aperfeiçoar o que Ele uma vez começou”. Ao invés de nos encher de
orgulho, isso deveria muito nos humilhar . 141
 
O PAPEL ABRANGENTE DO ESPÍRITO
Um princípio central na teologia de Calvino é ter a sua compreensã o
da obra do Espírito baseada na Palavra. Gwyn Walters coloca da
seguinte forma: “Nã o há nenhum aspecto teoló gico de maior, nem
possivelmente de menor, centralidade que ele nã o discuta sem uma
referência explícita ao Espírito de Deus ou sem que dele dependa.
Sua doutrina acerca do Espírito Santo integra toda a sua teologia […]
O Espírito nunca é relegado à s eventualidades ou a partes
periféricas da fé” . 142 Walters confirma a reputaçã o que Calvino tem
de ser “o teólogo do Espírito Santo ”, algo que já vimos. Note-se que
este presente ensaio esboça a teologia de Calvino em traços mais
gerais, e nã o diz nada sobre outros aspectos de sua pneumatologia,
como o papel do Espírito na criaçã o e no cosmo , 143 sobre a vida
cristã e a ética , 144 sobre a igreja e os sacramentos , 145 sobre a
pregaçã o . 146
Como outros grandes teó logos da igreja que enriqueceram nossa
compreensã o do ensino bíblico a respeito do Espírito e da sua obra,
Calvino nos ensina, acima de tudo, que devemos ser completamente
dependentes do Espírito Santo para toda bênçã o temporal,
espiritual e eterna. Sem o Espírito nã o podemos viver de maneira
espiritual. Sem o Espírito nossa religiã o é uma farsa, estamos
entregues ao abismo da condenaçã o. Sem o Espírito nã o há
verdadeiro ministério da Palavra, nã o há verdadeira igreja, nã o se
celebram verdadeiramente nem uma só vez os sacramentos.
Agradeçamos a Deus pela pessoa e pelo ministério do precioso e
indispensá vel Espírito! E que muito oremos para viver a fé que o
Espírito produz em nó s enquanto aguardamos maiores medidas do
seu derramar soberano na vida de nossas igrejas e sobre a nossa
vida!

Capítulo 6
 
Apêndices explícitos e implícitos à visã o de Calvino a
respeito da justificaçã o pela fé
 
David W. Hall
Uma busca pelo termo “justificaçã o” no registro dos principais
escritos de Calvino mostra que ele é usado mais de duzentas vezes
nas Institutas — certamente indicando que era este um conceito de
prevalente interesse para Calvino . 1 Essas e outras consideraçõ es
deram origem à alegaçã o de que a justificaçã o é a doutrina mais
importante para a Reforma Protestante de modo geral e para
Calvino em particular. Sustentando essa declaraçã o, é de boa ló gica
que também outros correlatos, como a liberdade cristã e a oraçã o,
devidamente vinculados à justificaçã o, reflitam consistentemente o
significado e a intensidade da denotaçã o que Calvino conferia à
justificaçã o . 2
Ele usa o termo “justificaçã o” com mais frequência no meio das
Institutas , no terceiro livro, nos capítulos 11–12.
Consequentemente, uma vez que essa doutrina é formulada em
princípio nessas seçõ es, outras correlaçõ es sã o criadas sobre esse
mesmo fundamento. Assim, se a fé permanece de pé ou cai tendo
por base a justificaçã o pela fé, certamente se espera que ensinos
cristã os implícitos cedam (ou se fortaleçam), dependendo de como
aquele ensino é preservado. Da mesma forma, se essas correlaçõ es
refletem a homologia de Calvino, o que se tem é um forte
entendimento de sua visã o sobre a justificaçã o. Além disso, percebe-
se sua importâ ncia visto que Calvino considera muitas dessas
doutrinas auxiliares de forma mais profunda na segunda metade das
Institutas . Na verdade, a maior parte dos tó picos prá ticos da vida
cristã sã o impactados pelo significado da justificaçã o.
Para melhor compreender Calvino aqui, discuto neste capítulo os
seguintes pontos:
1. A visã o de Calvino acerca da justificaçã o, incluindo interaçõ es com
teoristas atuais e com as Institutas . Como uma á rea vital e crítica,
ela gera superabundâ ncia e correlaçõ es.
2. O que Calvino chama explicitamente de “apêndice apropriado da
justificaçã o”; a saber, a liberdade cristã .
3. Outras á reas implícitas nas quais Calvino encaixa a justificaçã o
para fazer afirmaçõ es a respeito de outros pontos: oraçã o, eleiçã o,
eclesiologia, governo civil e escatologia.

RESUMO DA JUSTIFICAÇÃO A PARTIR DAS INSTITUTAS DE


CALVINO
Essa á rea bastante debatida pode ser nã o tã o obscura ou difícil
como alguns a julgam. Uma leitura mais abrangente de Calvino,
comece o leitor com seu comentá rio em Romanos ou com as
Institutas , demonstra que sua visã o sobre a justificaçã o é clara e
consistente. Enquanto teó logos imaginativos sempre encontram um
fio da meada em qualquer guarda-roupa teoló gico, a visã o de
Calvino pode sempre ser categorizada como consistente com a visã o
forense representada nos ú ltimos credos e confissõ es protestantes e
puritanos.
Nas Institutas , Calvino discutiu a justificaçã o seguindo seu tratado
sobre a vida do homem cristã o. Aliada ao carregar da cruz e à
abnegaçã o, essa vida cristã tem um horizonte escatoló gico que os
cristã os jamais devem esquecer. Calvino explica que o crente deve
compreender e utilizar as boas dá divas de Deus, mas sem se tornar
dependente delas . 3 O contentamento piedoso deve inspirar o
cristã o a aceitar a pobreza ou a bênçã o, nã o se encantando com
nenhum dos dois, mas sempre buscando seu chamado celestial. Com
esse pano de fundo, Calvino inicia sua discussã o acerca da
justificaçã o.
A justificaçã o está atada à regeneraçã o como parte de uma “graça
dupla” (duplicem gratiam ) . 4 A primeira dessas graças é o cristã o
reconciliado com Deus “por meio da irrepreensibilidade de Cristo”, e
assim vê-lo como Pai gracioso, e nã o um juiz condenador . 5 A
definiçã o primá ria de Calvino para a justificaçã o é esta: o ato de
Deus pelo qual Ele nos transforma de criminosos em filhos. A
segunda graça é que “santificados pelo Espírito de Cristo, devemos
cultivar irrepreensibilidade e pureza de vida”, ou regeneraçã o —
que desse modo é utilizada por Calvino como um resumo de toda a
vida cristã . Neste contexto, o reformador chama essa justificaçã o de
“a dobradiça por meio da qual a religiã o gira”, declarando: “a nã o ser
que, antes de tudo, você compreenda o que a sua relaçã o com Deus e
a natureza desse julgamento a seu respeito sã o, nã o há fundamento
sobre o qual se possa estabelecer salvaçã o, quanto menos um no
qual erigir uma vida piedosa para com Deus” . 6 Assim, Calvino
começa argumentando que devemos compreender a justificaçã o,
pois ela é tã o necessá ria para a salvaçã o quanto para uma contínua
piedade . 7
Calvino explicou a justificaçã o tanto em termos de “ser declarado
justo no julgamento de Deus” como “aceito com base em sua justiça”.
Logo, Deus provê tanto o veredicto de acordo com a lei quanto o
sacrifício moral. Como resultado, a pessoa que foi justificada é
“declarada como na condiçã o nã o de pecador, mas na condiçã o de
um ser justo”. Em seu tribunal Deus altera a “condiçã o” do pecador
e, pela morte de Cristo, declara-o justo. O pecador justificado
“alcança a justiça de Deus pela fé […] por ela é revestido, [e]
comparece diante de Deus nã o como pecador, mas na posiçã o de
justo”. Portanto, para Calvino, a justificaçã o é “a aceitaçã o pela qual
Deus nos recebe em seu favor como seres justos. E dizemos que isso
consiste na remissã o de pecados e na imputaçã o da justiça de Cristo”
.8
A definiçã o inicial de Calvino é clara, nã o onerada, previsivelmente
ortodoxa. Ele prossegue apoiando sua visã o acerca da justificaçã o
citando apenas algumas passagens das Escrituras, “dado que levaria
muito tempo para coletar todas as citaçõ es” que expõ em o
significado de justificaçã o. Além disso, para ele o ensino de Paulo
sobre esta doutrina é resumido pelo termo “aceitaçã o”, assim
enfatizando ainda mais a natureza forense/judicial da justificaçã o.
Calvino disse: “Portanto, uma vez que Deus justifica o homem pela
intercessã o de Cristo, Ele nã o o absolve por confirmar sua inocência,
mas pela imputaçã o da justiça, porque assim ele, que nã o é justo por
si mesmo, é entã o aceito como justo em Cristo”. Dessa forma, o
reformador iguala a justificaçã o à “aceitaçã o”, à “imputaçã o”, ao
“perdã o”, “ao ser declarado justo” e à substituiçã o penal divina . 9
Calvino estava tã o meticulosamente focado na doutrina da
substituiçã o penal divina que ofereceu uma extensa crítica à visã o
de Andreas Osiander (1498–1552). Osiander, antigo teó logo
luterano, ensinou contra Lutero “estranha monstruosidade” da
justiça e retidã o essencial [essential righteousness ], argumentando
que, na justificaçã o, a essência de Cristo é ontologicamente
misturada com a nossa. Calvino tanto se opô s à “infusã o” da essência
de Cristo quanto à justiça “substancial” . 10 Mas sua posiçã o é a
seguinte: Deus, o juiz, justifica, seu ato declara nossa posiçã o de
acordo com o que Cristo é para nó s, nã o segundo o que Cristo é em
nó s. O problema de Osiander está em sua “divisã o” das naturezas de
Cristo; em contraste, Calvino enfatiza que a obra expiató ria de Cristo
abrangeu plenamente ambas as naturezas e foi mediadora. Ao invés
de uma uniã o ontoló gica, Calvino ensinava — e isso nos guarda do
substancialismo da ortodoxia oriental (a ser discutido abaixo) —
que a uniã o é “mística”, ou espiritual (note que esta se parece muito
com a ló gica que ele veio a empregar em sua sacramentologia) . 11
Calvino identificou ainda “mais veneno” na posiçã o exposta por
Osiander de que “ao lado de Deus, é também o homem reto e justo”.
Bem difícil ser mais transparente do que dizer que Calvino defendia
uma posiçã o forense da justificaçã o, principalmente à luz dessa
polêmica contra Osiander em seu tratado teoló gico mais importante.
A certa altura o reformador afirma que o significado essencial da
justificaçã o é tã o claro quanto o do termo “aceitaçã o” (uma
“expressã o extraída do uso jurídico”), que escreveu: “Qualquer um
moderadamente versado no idioma hebraico e de mente só bria nã o
é ignorante do fato de a terminologia ter surgido dessa fonte
[referente à lei] e dela extraído sua tendência e implicaçã o” . 12
Bruce McCormack aprendeu com a crítica de Calvino a Osiander, e
demonstra como isso reflete a denotaçã o que o reformador confere
à justificaçã o. Seguindo a definiçã o de justificaçã o sustentada por
Calvino , 13 McCormack reconhece sua ênfase sobre a justificaçã o
como absolviçã o — certamente um conceito pró prio ao sistema da
lei —, comentando que “justificar significa nada mais que absolver a
culpa do acusado e, por conseguinte, confirmar sua inocência”. O
cená rio é um tribunal. Questiona-se se a pessoa é culpada ou
inocente. E o veredito divino é de inocência. Mas como? Pois a culpa
pelos nossos pecados foi imputada sobre Cristo, que por sua vez
sofreu a pena que a lei exigia segundo nossa culpa. “Eis nossa
absolviçã o: a culpa que nos fez passíveis de castigo foi transferida
para a cabeça do Filho de Deus [Is 53.12]” . 14
McCormack também observa que o conceito de absolviçã o
pressupõ e que “a justiça deve ser satisfeita”. Da mesma maneira, a
pessoa absolvida deve verdadeiramente ser inocente das acusaçõ es,
“mas a total inocência é encontrada tã o só em Cristo. Ele somente foi
sem pecado. A obediência tã o só dele é que foi perfeita. Mas isso,
entã o, significa que a base para a nossa justificaçã o deve repousar,
ao longo de toda a vida cristã , externa a nó s […] Fora de nó s, a
justiça, a retidã o de Deus é completa; em nó s, nã o. Portanto, se de
fato a justificaçã o consiste na absolviçã o, por conseguinte o
fundamento da justificaçã o deve estar numa justiça de diferente
natureza, na justiça de Cristo e nela somente” . 15
Além disso, McCormack confirma que
é a imputaçã o o mecanismo por meio do qual a perfeita justiça de
Cristo é feita nossa. A imputaçã o é um conceito extraído do campo
da contabilidade (escrituraçã o contá bil). Nã o a culpa é creditada à
conta do pecador, mas a justiça de Cristo. O mesmo mecanismo é
empregado por Calvino para explicar como a nossa culpa torna-se a
culpa de Cristo — em outras palavras, como Ele, que nã o conheceu
pecado, tornou-se pecado em nosso lugar […] Ou seja, Aquele que
estava prestes a limpar a imundície das nossas iniquidades foi
coberto por elas mediante a imputaçã o transferida […] Nossa culpa
foi feita dele por imputaçã o […] Em qualquer circunstâ ncia, a
expiaçã o e a justificaçã o sã o doutrinas gêmeas para Calvino. Ambas
sã o construídas em termos estritamente forenses. 16

Por fim, ao citar a crítica de Calvino sobre a posiçã o de Osiander, de


que “a justiça essencial” de Cristo é tomada por nossa natureza,
McCormack ressalta:
Contra essa concepçã o, Calvino diz que Osiander deveria “contentar-
se com a justiça adquirida para nó s pela obediência de Cristo e sua
morte sacrifical”. A justiça adquirida de Cristo: com essa frase
Calvino faz clara referência à justiça que resultou da obediência sem
pecado na vida e na morte de Cristo — em outras palavras, advinda
da justiça humana [de Cristo], acrescida à sua justiça divina. 17

Cornelis Venema nã o há muito percebeu que, para Calvino, qualquer


discussã o acerca da fé seria estéril, deformada e inú til, caso falhasse
em incluir uma elaboraçã o desse benefício duplo . 18 Richard Gaffin
esclarece de maneira similar que, nã o obstante, Calvino nã o ensinou
que a justificaçã o falha em conduzir à santificaçã o. Retornando ao
termo “regeneraçã o”, o reformador acreditava que Deus sempre
produz uma reforma moral na vida daquele que é verdadeiramente
justificado: “Ele nã o justifica em parte, mas em abundâ ncia [...] A
partir disso, infere-se que a doutrina da justificaçã o é pervertida e
totalmente removida quando a dú vida entra na mente dos homens,
quando a certeza da salvaçã o é abalada e o livre e destemido
chamado de Deus sofre impedimento — ou melhor, quando a paz e a
tranquilidade com alegria espiritual nã o sã o estabelecidas” . 19 Para
garantir, como Gaffin nota, aos olhos de Calvino,
a justificaçã o e santificaçã o sã o insepará veis. Desta forma, portanto,
nã o sã o confundidas, mas distintas. Ao acentuar tal
inseparabilidade, Calvino nã o fala de duas graças, mas de uma
“graça dupla”, no singular, apesar de, mais tarde, nessa seçã o,
referir-se à regeneraçã o como o “segundo desses dons”, ou, melhor,
como “segunda graça”, sinalizando alguma distinçã o. A natureza da
diferença e da inseparabilidade, bem como a natureza da
fundamental uniã o envolvida, Calvino clarifica à medida que a
discussã o se desdobra. 20

Venema concorda que a justificaçã o, este primeiro benefício, sempre


está acompanhada do segundo, a santificaçã o — embora a
justificaçã o tenha certa primazia ló gica, coisa que o reformador
francês nã o pô de ignorar . 21 Tal justificaçã o — de natureza jurídica
— “consiste na remissã o é pecados e na imputaçã o da justiça de
Cristo” . 22 Calvino fez oposiçã o à confusã o medieval que pelejava
por uma justificaçã o de justiça inerente. Para ele a justificaçã o inclui
absolviçã o divina, bem como aceitaçã o e reconciliaçã o. Venema
adverte contra os males que surgem de confundir a justificaçã o com
a santificaçã o ou com a apoteose: “A nã o ser que a diferença entre
justificaçã o e santificaçã o seja cuidadosamente mantida, a bondade
e a misericó rdia de Deus serã o seriamente impugnadas e a
segurança da salvaçã o, ameaçada” . 23
De modo convincente, Venema argumenta que Calvino esperava que
seus leitores facilmente concluíssem, por meio da sequência dos
tó picos, que a justificaçã o nã o é pelas obras, mas unicamente pela fé
— como “um simples perdã o” . 24 Além do mais, Calvino acreditava
que esta ordenaçã o precisa de tó picos salientava a inseparabilidade
da justificaçã o com a santificaçã o. Resumindo, muito da discussã o
sobre Calvino em relaçã o à justificaçã o — especialmente se esta leva
à minimizaçã o da justificaçã o ou à otimizaçã o de fatores externos —
parece ser “barulho demais por nada”. Ou, para colocar de outra
forma: esperar que Calvino articule ou apoie uma “nova
perspectiva” sobre a justificaçã o é como esperar que ele enuncie
uma nova perspectiva sobre a criaçã o, a Trindade ou a inspiraçã o.
Gaffin foca alguns pontos quando resume:
Para Calvino, a santificaçã o como processo contínuo e constante ao
longo de toda a vida segue a justificaçã o; nesse sentido, a justificaçã o
“tem primazia” sobre a santificaçã o, e as boas obras dos crentes
manifestam-se como frutos e sinais do estado de justificado. Apenas
aqueles que já foram justificados estã o sendo santificados. Mas isso
nã o é o mesmo que dizer, o que Calvino não faz, que a justificaçã o é
a fonte da santificaçã o ou que a justificaçã o causa a santificaçã o.
Essa fonte, essa causa é Cristo, em quem (e Calvino deixa claro nessa
passagem), no momento em que a Ele sã o unidos pela fé, pecadores
simultaneamente recebem dupla graça e dã o início a um processo de
contínua santificaçã o assim como já agora sã o definitivamente
justificados. 25

Gaffin ainda explica que Calvino chamou a ideia de que “a imputaçã o


nã o é forense ou, de alguma forma, é uma transferência ou
comunicaçã o nã o judicial” de “noçã o frívola” . 26
Pró ximos de concluir o embate sobre a justificaçã o, começamos a
sentir o teste prá tico da doutrina em seus escritos . 27 Na obra de
Calvino, a doutrina é fundamentada na exegese apropriada e na
sistemá tica consistente, cujos efeitos prá ticos confirmam a
compreensã o correta. Assim, para ele, falsas concepçõ es — de
Osiander, dos romanistas, dos entusiastas —, oriundas de uma
errada elaboraçã o da doutrina, ganham ainda mais destaque quando
com seus obstá culos e impedimentos prá ticos expostos.
Esse teste prá tico nos leva à s pró ximas seçõ es deste texto. A
doutrina de Calvino sempre almejou as necessidades da alma e a
gló ria de Cristo: “Em suma, quem se vale de dois tipos de justiça
[isto é, a falha-chave de Osiander], portanto nã o concedendo a
miserá veis almas o pleno repouso na simples misericó rdia de Deus,
zomba de Cristo coroando-o com uma coroa de espinhos” . 28
Com a visã o de Calvino acerca da justificaçã o agora estabelecida,
avancemos para entender como ele procede desenvolvendo sobre
aquilo que já fundamentou. Cada apêndice que considerarmos
corroborará com o significado da justificaçã o como explicada acima.

O APÊNDICE EXPLÍCITO: A LIBERDADE CRISTÃ


Em sua disputa com Osiander acerca do significado da justificaçã o,
Calvino rotulou a posiçã o daquele homem como “estranha
monstruosidade”, considerando-a equivalente a um renascimento
do maniqueísmo. Geralmente, aqueles que separavam partes
essenciais, como separar a prá tica da doutrina, eram acusados de
serem maniqueístas. Calvino tinha uma visã o da justificaçã o
consistente e acreditava que tal doutrina tem implicaçõ es para a
vida cristã .
Em duas esferas diferentes — na esfera civil e no autoritarismo da
eclesiologia romanista —, o reformador foi desafiado a elaborar
uma visã o duradoura a respeito da liberdade. No livro III das
Institutas , ele aborda a questã o da liberdade cristã ; suas colocaçõ es
sã o ú teis hoje. Para começar, compreendamos a basilar distinçã o a
partir da conclusã o do capítulo 19 dessa obra.
Calvino fala sobre duas espécies de liberdade: civil e espiritual . 29
Aqui ele ensina que o governo humano é duplo: (1) o governo
espiritual é interno e instrui a consciência em questõ es de piedade e
adoraçã o; e (2) o governo civil refere-se a questõ es externas. A
igreja está incubida de ensinar ordem espiritual e de com ela lidar,
enquanto as autoridades políticas cuidam da ordem civil. Calvino
sugere que, se prestá ssemos atençã o a essa distinçã o, nã o
“aplicaríamos incorretamente à ordem política o ensino evangélico
da liberdade espiritual” . 30 Essa divisã o laboral se tornaria peça
essencial na construçã o de sociedades está veis; ela também
providenciaria ampla proteçã o para a devida liberdade.
Com isso em mente, deveria estar claro que tanto a Igreja quanto o
Estado possuem papel valioso a ser exercido na vida humana. Um
nã o deve interferir na jurisdiçã o do outro, portanto; Deus planejou
dessa maneira.
Assim que inicia o capítulo sobre a liberdade cristã , inovador por si
só , Calvino busca primeiro explicar por qual razã o esse tó pico é tã o
importante. Ele defendia ser necessá rio que seus contemporâ neos o
compreendessem, mesmo que em grau elementar, a fim de que nã o
tivessem a consciência sobrecarregada com a ameaça de normas
interminá veis e grilhõ es sufocantes. De fato, ele assevera, esse
tó pico é um “apêndice [do latim, appendix ] da justificaçã o”,
querendo dizer que, tendo o conhecimento de como
verdadeiramente foi justificado — isto é, por Deus somente —, o
homem saberá também que a verdadeira liberdade resulta somente
do trilhar os caminhos de Deus. Assim, já de início, Calvino
acreditava que a liberdade é uma dá diva a ser usufruída conforme
Deus a criou. Trata-se de um correlato natural ao correto
entendimento da justificaçã o.
O pastor Calvino era sensível à tenra consciência dos protestantes.
Ele defendia que a congregaçã o cujo pastor falhasse na exposiçã o
desse assunto experimentaria hesitaçã o e oscilaçã o. A batalha pela
justificaçã o, em outras palavras, poderia estar perdida nã o apenas
quanto ao significado teó rico dessa doutrina, mas também quanto
ao prá tico. Da mesma forma, se aqueles que foram justificados nã o
compreendessem esse fator como “de necessidade primá ria”, eles
“hesitariam e recuariam” em muitas coisas, dificilmente sendo
capazes de suportar algo à parte de dú vidas incapacitantes. Calvino
também ensinou que esse é um tó pico de “benefício incompará vel”
para todo aquele que retém um bom entendimento da justificaçã o e
“verdadeiramente teme” a Deus . 31
Tã o vital era esta doutrina para Calvino que ele concluiu: “A nã o ser
que essa liberdade seja compreendida, nem Cristo, nem a verdade
do evangelho, nem a paz interna da alma serã o adequadamente
conhecidos” . 32 Logo, seu conselho foi para que essa “parte tã o
necessá ria da doutrina” nã o fosse suprimida. Para Calvino, a
doutrina da justificaçã o — com a correta compreensã o do papel da
lei — conduz a uma libertaçã o ética e cristocêntrica.
Uma vez regenerado por Deus, o crente deve “voluntariamente
obedecer à vontade divina”, e nã o com um temor servil . 33 Em vez
de sentir-se aterrorizado, o crente deve conhecer o amor de Deus, e
é dele que flui a liberdade. Compreender dessa maneira a
justificaçã o significa também o fim de diversos métodos
perfeccionistas. Aqueles que seguissem Calvino seriam perfeitos em
Cristo, nã o em si mesmos. Isso também implicava o fim do legalismo.
Desta forma, o crente tinha a permissã o de fazer usufruto de algo
como ú til ou nã o, contanto que nã o buscasse contrariar a lei moral.
Calvino, portanto, classificava muitas coisas da vida como
“indiferentes”. Nã o fazer tal distinçã o, ele pensava, resultaria em
“nã o dar cabo da superstiçã o” . 34 Contanto que faça uso das coisas
criadas de forma apropriada, o crente tem liberdade para delas
desfrutar. O intuito dessa liberdade é “dar paz à s consciências
vacilantes” . 35
Calvino também apresentou uma hierarquia de normas para servir
de auxílio nas tomadas de decisã o. Aquilo que se refere à liberdade
cristã deve estar “subordinado ao amor”, com isso dizendo que por
vezes devemos nos restringir voluntariamente a fim de nã o
conduzirmos outros ao tropeço. A liberdade nã o é absoluta em sua
exposiçã o. É uma boa dá diva de Deus, mas deve ser mantida em
perspectiva. Além disso, embora a lei da liberdade deva estar sujeita
à lei da caridade, a norma do amor também nã o é o teste ú ltimo, pois
a lei do amor deve “permanecer debaixo da pureza da fé” . 36
Calvino viu liberdades sendo oprimidas mas baseou sua posiçã o na
Palavra de Deus, de maneira a evitar sua má utilizaçã o. Para ele, a
liberdade cristã é o apêndice apropriado da justificaçã o, sabendo,
contudo, que a santificaçã o sempre está entrelaçada com a
justificaçã o. Se nã o formada pela Palavra de Deus, a prá tica cristã
pode praticamente anular a doutrina da justificaçã o. Os capítulos
finais dos livros III e IV das Institutas tratam desse ponto.
APÊNDICES IMPLÍCITOS
A ló gica na seçã o final desse ensaio é a seguinte: Se compreendemos
a justificaçã o como (J) Joã o Calvino, somos necessariamente
conduzidos à doutrina da (L) liberdade cristã . Pois aqueles que
compreendem tanto a justificaçã o quanto a liberdade cristã (J + L),
certamente seguem outras implicaçõ es (I). Em cada caso abaixo, a
simples ló gica “J + L → I” demonstra a consistência interna do
pensamento de Calvino. As implicaçõ es da justificaçã o também
servem para libertar cada um desses lugares individuais da
escravidã o espiritual — uma consequência significativa.
Oraçã o
A forma como alguém entende a justificaçã o afeta sua maneira de
orar. Em seu estudo a respeito da soteriologia e da oraçã o em
Calvino, Jae Sung Kim nota a diferença que formulaçõ es teó ricas
fazem para a prá tica da oraçã o. Ele percebe que “Uma das mais
distintas contribuiçõ es de Joã o Calvino para a teologia reformada é o
firme fundamento conferido pela doutrina da aplicaçã o da
redençã o”. Em uma importante dissertaçã o, Kim procura “expor um
aspecto distintivo da soteriologia de Calvino, o qual enfatiza que a
justificaçã o pela fé deve ser complementada pela oraçã o no Espírito
Santo” . 37 Kim relata que o foco da ideia do reformador na aplicaçã o
da redençã o “começa com o reconhecimento da fé como dá diva
primá ria e obra secreta do Espírito Santo para unir o homem a
Cristo […] O principal papel do Espírito Santo ao aplicar a redençã o
é unir o homem a Cristo” . 38 Além disso, Kim enxerga tanto a oraçã o
quanto a fé como dons de Deus, notando que
esses dois assuntos estã o intimamente relacionados na soteriologia
bíblica de Calvino, especialmente em seus numerosos argumentos
polêmicos contra os cató licos romanos e alguns extremos luteranos
radicalizados. Um dos argumentos controversos de Calvino com a
soteriologia reformada nos mosta uma nova compreensã o da
justificaçã o pela fé. A imputaçã o da justiça de Cristo nã o é apenas
externa, mas foi comparada com a doutrina da infusã o e da justiça
adquirida pelas pró prias forças do Concílio de Trento. Neste sentido,
a doutrina da oraçã o de Calvino também é muito diferente da
cató lica romana. 39

A importante observaçã o de Kim nasce a partir da leitura de


algumas das “regras para oraçã o” de Calvino. Na terceira, o
reformador ensina que aquele que “se coloca diante de Deus em
oraçã o, deve humildemente, dando toda a gló ria a Deus, abandonar
todo pensamento de gló ria para si, lançar fora toda noçã o de valor
pró prio, enfim, abandonar toda a autoconfiança” . 40 Nisso se vê a
diferença para a visã o romanista, entã o prevalente, bem como a
semelhança terminoló gica (“humildade”, “abandona todo
pensamento de gló ria para si”, “abandona toda a autoconfiança”)
com a justificaçã o forense exposta por Calvino. Além disso, o
reformador acrescenta que, na oraçã o, a confiança é derivada
“somente da misericó rdia de Deus” . 41
Nã o está Calvino
conclamando sola misericordae ora da mesma forma como brada
por sola gratia e sola fides em relaçã o à justificaçã o? É difícil
imaginar uma disjunçã o ló gica. Na oraçã o, nã o é em nossa “pró pria
justiça” que temos o gozo de uma “consciência pura diante de
Deus” . 42 Pelo contrá rio, a fé, por necessidade, junta-se ao
“reconhecimento da nossa miséria, destituiçã o e imundícia” — o
mesmo ponto de partida para a justificaçã o forense. Calvino também
negava que a observâ ncia de horá rios fixos para a oraçã o pudesse
de alguma forma pagar “nossa dívida com Deus” , 43 aproximando-
se clara e consistentemente da terminologia forense. O reformador
defende que apelar à intercessã o dos santos rouba a dignidade da
obra de Cristo. Fazê-lo envolve dizer que “ou Cristo nã o foi
suficiente ou que Ele é severo demais” . 44 É desonroso a Cristo tudo
aquilo que “tira dele o título de ú nico Mediador” das oraçõ es;
ademais, “obscurece a gló ria do nascimento de Jesus e torna a cruz
vazia” . 45 Assim Kim observa que a doutrina da oraçã o conecta dois
importantes temas na ediçã o final das Institutas , a liberdade cristã e
a predestinaçã o . 46
A oraçã o é quase, mas nã o totalmente (exceto como parte da
santificaçã o) elevada à ordo salutis na obra de Calvino.
Kim resume:
A fim de escapar do [sic] erro Cató lico Romano, Calvino ataca a
prá tica da penitência, em especial os três passos dos escolá sticos:
contriçã o de coraçã o, confissã o de boca, satisfaçã o por obras. Para
Calvino, Deus apenas requer arrependimento e fé. Nossa
santificaçã o é o objeto da regeneraçã o e nossos esforços batalham
para superar maus há bitos. O primeiro passo na vida cristã é a
abnegaçã o, que é o abandono do eu para uma completa obediência a
Deus. Logo, carregar a cruz nos leva a uma confiança madura na
vontade Deus. 47

A justificaçã o, portanto, como parte crítica da soteriologia, exerce


influência sobre a oraçã o. Nã o é coincidência que os romanistas e os
calvinistas tenham visõ es diferentes acerca do que é orar. O mesmo
seria verdade para o proponente de qualquer outra posiçã o da
justificaçã o. Calvino coloca isto da seguinte forma: “Deus nã o
encontra nada no homem que o incite a fazer-lhe o bem, mas
primeiramente Ele é que se achega ao homem por livre
generosidade. Pois, o que pode um homem morto fazer para receber
vida?” . 48 Calvino aplica essa ló gica bíblica ainda mais focando em
Oséias 2.19: “Se uma aliança dessa sorte, que é claramente a
primeira uniã o nossa com Deus, depende da misericó rdia do Senhor,
nenhuma base resta para a nossa justiça […] Se a justificaçã o é o
princípio do amor, que justiça das obras procederá dela?” . 49 A
ló gica da justificaçã o, já aplicada à oraçã o, foi subsequentemente
aplicada à eleiçã o.
Eleiçã o
A forma como alguém compreende a justificaçã o afeta sua maneira
de enxergar a soberania de Deus na eleiçã o divina. Sob aná lise, a
defesa que Calvino faz da eleiçã o divina pode surpreender alguns
por sua inesperada brandura e seu tom pastoral. Ele garante que a
ú nica maneira possível de a compreender é ter uma “mente
reverente” para aceitar o que Deus escreveu. Na prá tica, Calvino
defendeu que um dos benefícios para o cristã o que compreende a
eleiçã o, é seu confortante resultado: “Nunca seremos persuadidos
com clareza, como deve ser, de que a nossa salvaçã o flui da fonte
que é a livre misericó rdia de Deus até que venhamos a conhecer sua
eterna eleiçã o, esta que ilumina a graça de Deus pelo contraste: Ele
nã o adota a todos indiscriminadamente para a esperança da
salvaçã o, mas dá a alguns o que nega a outros” . 50 Além disso, ele
reitera que “a nossa salvaçã o vem somente da mera generosidade de
Deus”; a visã o acerca da salvaçã o contrá ria a essa falha em arrancar
o orgulho pela raíz. Nada, disse Calvino, tem mais potencial de nos
tornar humildes do que perceber que nossa posiçã o com Cristo é
imerecida. Ainda mais, esse ensino, somado à justificaçã o forense, “é
nossa ú nica fonte de firmeza e confiança” e só ele nos livrará de todo
o medo” . 51
Calvino explicitamente conecta a eleiçã o com a justificaçã o numa
seçã o basilar que se baseia sobre numerosos textos das Escrituras.
Em determinada porçã o, ele novamente declara que “a misericó rdia
livremente concedida”, nã o “dizendo respeito ao valor humano” (a
dinâ mica da justificaçã o), é o motor para essa eleiçã o amorosa que
ousa adotar quem quer que seja para a família de Deus. Também
nesse contexto Calvino escreveu sobre a “justificaçã o” como “outro
sinal do manifestar” da eleiçã o . 52 No capítulo seguinte, Calvino
afirma que “fomos adotados em Cristo por eterna herança, pois em
nó s mesmos nã o éramos capazes de tamanha excelência”. 53
O Governo da Igreja
A maior parte do livro IV, que segue a elaboraçã o de Calvino sobre a
justificaçã o, discute vá rias questõ es relacionadas ao governo da
igreja. Pode-se pensar que a sombra da justificaçã o nã o se estende a
tais á reas. Pelo contrá rio! Os conceitos do poder da igreja e do ethos
da eclesiologia sã o afetados pelos domínios e método da justificaçã o
de Deus. Uma visã o diferente conduz a uma eclesiologia diferente.
O capítulo VI de Calvino em sua versã o original das Institutas aborda
três tó picos: a liberdade cristã , o poder eclesiá stico e a
administraçã o política. Sua seçã o mais longa trata da eclesiologia.
Calvino via isso, em sua época, como uma extensã o da liberdade
cristã , pois a tirania dos mestres da igreja invadia as consciências e,
assim, ameaçava a liberdade cristã . 54 Nota-se que Calvino
enxergava o governo da igreja como importante liberdade espiritual
— logo a necessidade de dedicar tantos escritos a esse assunto
durante a era da Reforma. Assim, a justificaçã o até mesmo abundou
na ordem da igreja, com a eclesiologia apropriada sendo infundida
com teologia. Nã o é exagero afirmar que Calvino se via como que
estabelecendo uma eclesiologia de liberdade em oposiçã o à tirania
predominante da “incontá vel”, “ilimitada” e “truculenta” governança
da igreja, que “encurrala e ilude as almas” . 55 Se essa linguagem soa
similar aos comentá rios de Calvino sobre a justificaçã o, há uma boa
explicaçã o para isso na homologia.
Sua eclesiologia ao lado da legitimidade real e política [divine-right
ecclesiology ] seria mais tarde expandida por seus discípulos, mas,
em grau de princípio, sua defesa do sola Scriptura nesse tó pico é tã o
clara quanto em outros campos teoló gicos. Fazendo saber que as
Escrituras eram sua autoridade até mesmo para a eclesiologia,
Calvino assevera que “se a fé depende da Palavra de Deus somente,
se a fé para ela olha e nela somente repousa, que espaço resta para a
palavra dos homens?” . 56 Essa confiança em uma fonte externa é
similar à visã o do reformador sobre a justificaçã o como a concessã o
de uma justificaçã o externa. O poder legislativo, pensava Calvino, ou
a autoridade de “criar novas leis”, foi negado aos apó stolos; somente
o poder ministerial — o direito de ecoar e declarar o que Deus já
havia declarado — foi dado à igreja . 57 Deus, a autoridade ú nica e
suprema sobre nossas almas, é a autoridade ú nica e suprema sobre
a igreja de todas as almas.
Governo Civil
A forma como alguém compreende a justificaçã o afeta sua maneira
de estruturar o papel do magistrado civil. Embora pareça “estranho
à doutrina da fé espiritual”, Calvino achava necessá rio vincular
questõ es políticas à fé. Na verdade, para ele, todo o plano da
salvaçã o de Deus implica inú meros correlatos éticos, e uma correta
formulaçã o em questõ es governamentais produz “maior zelo pela
piedade”, que deve florescer em nó s “para atestar nossa gratidã o” . 58
Para o reformador, questõ es políticas fluem da apropriaçã o
adequada de outras doutrinas, e também produzem algo prá tico
como a gratidã o.
Além disso, ao chamar os magistrados de “vigá rios de Deus”, Calvino
usa termos que o acusam de ser um leitor cuidadoso do vocabulá rio
substitucionista encontrado em formulaçõ es soterioló gicas
similares à dele . 59 Para o reformador francês, o conceito de que o
governo civil trabalha tanto para o salvo quanto para o nã o salvo
envolve dois fatores importantes: (1) a justificaçã o, sob essa
formulaçã o, é uma obra forense interna, nã o algo moralista; e (2)
sua visã o permite ao nã o justificado ter igual proteçã o, o que
estados influenciados pela instruçã o de Calvino tendiam a prover.
Escatologia
A forma como alguém compreende a justificaçã o afeta sua
expectativa da esperança futura. Sabe-se que Calvino apresentou
uma escatologia pouco desenvolvida, ao menos em suas Institutas .
Baseados em alguns trechos de seus comentá rios em Daniel e outros
livros proféticos do Antigo Testamento, alguns afirmam que ele é
um pó s-milenista dos tempos modernos. Raramente, entretanto,
Calvino é visto como tendo uma inclinaçã o pré-milenista,
provavelmente por frequentemente ter ridicularizado os
“milenistas” [chiliasts ]. Fico feliz em deixar para outros estudiosos a
exata determinaçã o de sua visã o escatoló gica, mas deixe-me tecer
uma breve consideraçã o . 60 Minha ú nica observaçã o em relaçã o à
escatologia de Calvino e sua afinidade com a justificaçã o é expor um
comentá rio perspicaz e pastoral que ele mesmo fez perto do início
desta discussã o. O reformador criticava severamente os cristã os
amarrados a coisas terrenas e sugeriu que melhor seria se
empregá ssemos nosso tempo em nossa “vida celestial”. Depois, ele
explicava as vantagens pastorais da pura doutrina: “Portanto,
somente aquele que se acostumou com uma contínua meditaçã o na
bendita ressurreiçã o teve completo proveito nesse evangelho” . 61
Em seu comentá rio sobre Romanos 8.30, ele nã o teve problemas em
atar a justificaçã o com a glorificaçã o. A certa altura, definiu a
justificaçã o como algo que abrange “a continuidade incessante do
favor de Deus”, do momento do nosso chamado à hora da nossa
morte”, e afirmou que, uma vez que “Paulo usa essa palavra
[justificaçã o] ao longo da epístola para [significar] a imputação
gratuita da justiça [ênfase minha], nã o há necessidade de nos
desviarmos desse significado” . 62
É ó bvio que Calvino nã o criou essa ló gica da justificaçã o. Ele apenas
seguiu o apó stolo Paulo em Romanos 5.1, que escreveu “Justificados,
pois , mediante a fé” [ênfase minha], e entã o listou vá rias bênçã os,
incluindo a paz, acesso, posiçã o, perseverança.

OBSERVAÇÕES E CONCLUSÃO
Para Calvino, aqueles que compreendem a justificaçã o corretamente
“abandonam a contemplaçã o de suas [pró prias] obras e olham tã o
somente para a misericó rdia de Deus e para a perfeiçã o de Cristo” .
63
Desta forma, Calvino observou um certo tipo de “ordem da
justificaçã o”, consistente com suas definiçõ es anteriores. Esse plano
ordenado começa com a “bondade” de Deus “concedida
gratuitamente” a pecadores, esta que nã o encontra bem algum no
sujeito humano. Entã o Deus “toca” o pecador com sua bondade,
levando-o a abandonar qualquer senso de virtude moral. Por isso
pecadores buscam a salvaçã o somente na misericó rdia de Deus pela
fé e daí reconhecem que foram reconciliados com o Senhor. O
pecador é justificado por causa da açã o mediadora de Cristo, e, uma
vez regenerado, “pondera a justiça eterna dada por Ele, nã o em boas
obras, à s quais se inclina, mas unicamente na justiça de Cristo” . 64
Tal apreensã o conduz adequadamente à liberdade cristã como um
apêndice e a muitos outros aspectos da verdadeira piedade.
Sem essa justificaçã o e seus apêndices, Calvino enxergava apenas
uma “estranha monstruosidade”, ou salvaçã o pelas obras. A certeza
da salvaçã o é também atacada: “Pois quando [com obras é que] nos
levantamos diante de Deus, nossa segurança desvanece
imediatamente e morre” . 65 Em suma, para o reformador “toda essa
discussã o será tola e fraca, a menos que cada homem admita sua
culpa diante do Juiz Celestial e, preocupado com sua pró pria
absolviçã o, voluntariamente se curve e confesse insignificâ ncia” . 66
Essa é a salvaguarda proporcionada pelo entendimento correto da
justificaçã o.
A visã o de Calvino está ligada até mesmo à humildade, ou ao
pensamento de que nã o temos absolutamente nada se deixados por
nó s mesmos. Na verdade, o “acesso à salvaçã o”, de acordo com
Calvino, nã o nos permanece aberto “a menos que tenhamos
abandonado todo o orgulho e tomado sobre nó s a perfeita
humildade; e, em segundo lugar […] essa humildade é uma
submissã o nã o fingida do nosso coraçã o” . 67
Dois correlatos da livre justificaçã o sã o que (1) a gló ria de Deus
permanece intacta; e (2) nossa consciência tem descanso e
serenidade. Baseando-se no ponto III.13.3 das Institutas , Cornelis
Venema recentemente chamou atençã o ao modo como a certeza em
si é ligada à correta visã o da justificaçã o, no pensamento de Calvino .
68
O reformador supõ e que a incapacidade do crente de discernir a
diferença entre a justificaçã o e a santificaçã o reduz de forma
drá stica sua segurança da fé. Além disso, Venema ajuda ao notar
como a santificaçã o, seguindo a justificaçã o de maneira correta,
liberta o cristã o de ser tentado a se apresentar diante de Deus (de
forma mercená ria) com inadimplência. Pois quando a santificaçã o se
encontra dentro da matriz da justificaçã o gratuita, “ela representa a
vida cujo autor é o Espírito, a vida livre de um pecador perdoado na
presença de seu gracioso Pai celestial” . 69 A ló gica é que, se nã o
estiver apoiada sobre o perdã o/absolviçã o uma vez já concedidos
por Deus, invariavelmente a santificaçã o “será contaminada com as
infecçõ es da ‘ansiedade’ diante de Deus (Sou suficientemente
obediente?), do ‘orgulho’ (Certamente minhas obras contribuem de
alguma maneira para a aceitaçã o de Deus) e de um espírito
‘mercená rio’ (Sem dú vida a minha obediência provará ser valiosa,
uma vez que Deus me ‘retribuirá em bondade’)” . 70
Para Calvino, a justiça divina que concede justificaçã o nã o é
suficientemente apresentada a nã o ser que Deus “somente seja
considerado justo, e que Ele comunique a livre dá diva da justiça aos
indignos” . 71 Além do mais, “a gló ria de Deus é de alguma forma
diminuída quando o homem gloria-se em si mesmo”. Assim, a visã o
de Calvino acerca da justificaçã o é fortemente forense — nã o
ontoló gica — e resulta no fruto da piedade. A justificaçã o e seus
apêndices, se corretamente compreendidos, nã o permitem nenhuma
gló ria humana, e “o homem nã o pode, sem sacrilégio, reivindicar
para si mesmo nem sequer uma migalha de justiça” . 72 Calvino
aconselhou procurar a paz da alma “unicamente na angú stia de
Cristo, nosso Redentor” . 73 Com ainda maior clareza, ele escreveu:
“A fé é meramente passiva e nã o carrega nada nosso para recuperar
o favor de Deus, mas recebe de Cristo o que nos falta”. 74
A doutrina da justificaçã o em Calvino é clara a partir de seus
escritos. Graças a Deus, ele confirmou sua visã o forens e 75

repetidamente à medida que discutia os apêndices explícitos e


implícitos da justificaçã o — todos estes tecendo redes conectadas ao
centro, pelo qual nossa religiã o permanece ou desmorona. Sem
contar que sua doutrina da justificaçã o abunda com inú meros
efeitos prá ticos.

Parte 3
A Teologia Pastoral e
Política de Calvino
 

Capítulo 7
 
A pregaçã o experiencial de Calvino

Joel R. Beeke

Joã o Calvino adotava uma posiçã o elevada da pregaçã o. Ele chamava


este ofício de “a mais excelente de todas as coisas” recomendadas
por Deus, a ser mantida na mais alta estima. “Nã o há nada mais
ilustre ou glorioso na igreja do que o ministério do evangelho”,
concluiu . 1 Ao comentar Isaías 55.11, ele disse: “A Palavra sai da
boca de Deus de maneira tal como também sai da boca dos homens;
pois Deus nã o fala abertamente dos céus, mas emprega homens
como seus instrumentos” . 2
Calvino enxergava a pregaçã o como o meio ordiná rio de salvaçã o e
bênçã o empregado por Deus. Ele dizia que o Espírito Santo é o
“ministro interno” que usa o “ministro externo” na pregaçã o da
Palavra. O ministro externo “proclama a palavra audível, que é
recebida pelos ouvidos”, mas o ministro interno “comunica
verdadeiramente o que é proclamado, [que é] Cristo” . 3 Assim, o
pró prio Deus fala pela boca dos seus servos por meio do Espírito. “O
evangelho pode ser pregado onde for, é como se o pró prio Deus
estivesse em nosso meio”, escreveu Calvino . 4 A pregaçã o é o
instrumento e a autoridade que o Espírito usa em sua obra salvífica
de iluminar, converter e selar pecadores. “Há […] uma eficá cia
interna do Espírito Santo quando Ele compartilha seu poder sobre
os ouvintes, que os faz abraçar um discurso [sermã o] pela fé” . 5
Calvino ensinava que a Palavra pregada e o testemunho interno do
Espírito devem ser diferenciados, mas nã o separados; sem o
Espírito, a Palavra pregada apenas acrescenta condenaçã o ao
incrédulo. Por outro lado, ele também admoestou os radicais que
enfatizavam o Espírito em detrimento da Palavra. Calvino disse que
somente o espírito de Sataná s se separa da Palavra . 6
Essa ênfase na pregaçã o o tornava ativo em diversas frentes de
Genebra. Primeiro, ele mostrou suas convicçõ es por meio do
exemplo. O reformador pregava a partir do Novo Testamento aos
domingos pela manhã , dos Salmos à s tardes de domingo e a partir
do Antigo Testamento à s 6 horas da manhã uma ou duas vezes ao
longo da semana. Seguindo esse cronograma durante sua ú ltima
estadia em Genebra, de 1541 a 1564, Calvino pregou quase quatro
mil sermõ es, mais de 170 por ano. Em seu leito de morte, ele falou
de sua pregaçã o como sendo mais significativa que seus escritos . 7
Em segundo lugar, Calvino frequentemente pregava à sua
congregaçã o sobre a responsabilidade de ouvir a Palavra de Deus
corretamente. Ele ensinou aos membros o espírito com o qual eles
deveriam achegar-se a um sermã o, o que escutar em uma pregaçã o e
o que era esperado daqueles que a ouviam. Uma vez que para
Calvino toda verdadeira pregaçã o é uma pregaçã o bíblica e os
ministros devem pregar somente o que, abrindo a Palavra, Deus
ordena, o povo deveria provar o sermã o por esse critério. Sermõ es
antibíblicos devem ser rejeitados; sermõ es bíblicos, aceitos e
obedecidos. Calvino objetivava que as pessoas compreendessem a
importâ ncia da pregaçã o, aprendessem a desejá -la como bênçã o
suprema e participassem tã o ativamente do sermã o quanto o
pró prio pregador. A atitude bá sica deles deveria ser ter “vontade de
obedecer a Deus completamente e sem reservas”, disse ele . 8
O reformador era motivado a enfatizar o ouvir proveitoso da
Palavra, pois acreditava que poucas pessoas escutavam
vantajosamente. A declaraçã o seguinte é uma típica avaliaçã o de
Calvino: “Se o mesmo sermã o é pregado, digamos, a cem pessoas,
vinte o recebem com a pronta obediência da fé, enquanto o resto a
tem como sem valor, ou ri, ou chia ou a detesta” . 9 Ao menos
quarenta comentá rios similares a este ocorrem nos sermõ es de
Calvino (especialmente em Deuteronô mio), em seus comentá rios
(e.g., nos de Salmos 119.101; Atos 11.23) e nas Institutas
(=especialmente do III.21 ao III.24). Se o ouvir proveitoso era um
problema na época de Calvino, quanto mais agora, quando ministros
precisam competir pela atençã o de seus ouvintes contra todos os
meios de comunicaçã o em massa que os bombardeiam diariamente!
Em terceiro lugar, o sistema genebrino que Calvino estabeleceu
enfatizava a pregaçã o.
As Ordenanças genebrinas estipulavam que, aos domingos, sermõ es
seriam pregados em cada uma das três igrejas no raiar do dia e
novamente à s 9 horas da manhã . Em seguida, as crianças eram
catequizadas ao meio-dia, e um terceiro sermã o era pregado em
cada igreja à s 15 horas. Ao longo da semana sermõ es eram também
agendados nas igrejas à s segundas, quartas e sextas, em horá rios
diferentes a fim de que pudessem ser ouvidos um apó s o outro.
Desta forma as pessoas poderiam ouvir três sermõ es no mesmo dia
se assim desejassem. Quando Calvino morreu, ao menos um sermã o
foi pregado em cada igreja todos os dias da semana.
Os dons do reformador e sua elevada estima pela pregaçã o, tanto de
forma teoló gica quanto prá tica, nos motivam a estudar seus
sermõ es. Neste capítulo quero, primeiramente, definir brevemente a
pregaçã o experiencial, entã o recuar para ver de maneira ampla
como Calvino pregava e depois focar mais estritamente na questã o
de como sua pregaçã o era experiencial e se conectava com doutrinas
corolá rias tais como a certeza da salvaçã o, a eleiçã o e o autoexame.

PREGAÇÃO EXPERIENCIAL DEFINIDA


A pregaçã o experiencial, ou experimental, aborda a questã o vital de
como os cristã os experimentam a verdade da doutrina cristã em
suas vidas. O termo experimental vem do latim experimentum , e
significa “tentativa”. Ele deriva do verbo experior , que significa
“tentar, provar, colocar à prova”. O mesmo verbo pode significar
“encontrar ou conhecer por meio da experiência”, assim levando à
palavra experientia , que significa conhecimento obtido por meio da
experimentaçã o. Calvino usava os termos experiencial ou
experimental de forma intercambiá vel, uma vez que ambas as
palavras na pregaçã o bíblica indicam a necessidade de verificar o
conhecimento experimentado pelo critério das Escrituras.
A pregaçã o experimental enfatiza a necessidade de conhecer as
grandes verdades da Palavra de Deus por meio da experiência. Uma
definiçã o prá tica de pregaçã o experimental é a seguinte: a pregaçã o
experimental busca explicar, por meio de verdades bíblicas, como
questõ es espirituais devem proceder, como procedem, e qual é o
alvo da vida cristã . Ela busca aplicar a verdade divina ao todo da
experiência pessoal do cristã o, bem como ao seu relacionamento
com a família, com a igreja e com o mundo ao seu redor.
A pregaçã o experimental é discriminató ria. Ela claramente define a
diferença entre um cristã o e um nã o cristã o, abrindo o reino de Deus
para uns e o fechando para outros. A pregaçã o discriminató ria
oferece o perdã o de pecados e vida eterna a todos que abraçam
Cristo como Salvador e Senhor pela fé verdadeira, mas também
proclama a ira de Deus e sua condenaçã o eterna sobre os que
permanecem incrédulos, impenitentes, nã o convertidos. Tal
pregaçã o ensina que, a menos que nossa religiã o seja experiencial,
nó s pereceremos — nã o porque a experiência em si mesma salva,
mas porque o Cristo que salva pecadores deve ser experimentado
pessoalmente como o fundamento sobre o qual a casa da nossa
esperança eterna é construída (Mt 7.22–27; 1Co 1.30; 2.2).
A pregaçã o experimental é aplicativa. Ela aplica o texto a todos os
aspectos da vida do ouvinte, promovendo uma religiã o
verdadeiramente poderosa, nã o meramente em aparência (2Tm
3.5). Robert Burns define essa religiã o como “o cristianismo levado
aos afazeres e ao íntimo dos homens”, e disse que o princípio sobre
o qual ela permanece é que “o cristianismo nã o deve apenas ser
conhecido, e compreendido, e crido, mas também sentido, 
desfrutado e aplicado de maneira prá tica” . 10
A pregaçã o experiencial, portanto, ensina que a fé cristã deve ser
experimentada, provada e vivida mediante o poder salvífico do
Espírito Santo. Ela enfatiza o conhecimento das verdades bíblicas,
“que podem tornar-te sá bio para a salvaçã o pela fé em Cristo Jesus”
(2Tm 3.15). Especificamente, essa pregaçã o ensina que Cristo, que é
a Palavra viva (Jo 1.1) e a pró pria personificaçã o da verdade, deve
ser conhecido e abraçado de maneira experiencial. Ela proclama a
necessidade que os pecadores têm de experimentar quem Deus é em
seu Filho. Como Joã o 17.3 diz, “E a vida eterna é esta: que te
conheçam a ti, o ú nico Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste”. A palavra “conheçam” neste texto, bem como em outras
passagens bíblicas, nã o indica um conhecimento descuidado, mas
um relacionamento profundo e permanente. Por exemplo, Gênesis
4.1 usa a palavra “conhecer” para sugerir intimidade matrimonial:
“E conheceu Adã o a Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz a
Caim, e disse: Alcancei do SENHOR um homem”. A pregaçã o
experiencial enfatiza o conhecimento íntimo e pessoal de Deus em
Cristo.
Tal conhecimento nunca está divorciado da Escritura. De acordo
com Isaías 8.20, todas as nossas crenças, inclusive nossas
experiências, devem ser testadas pela Sagrada Escritura. Certa vez
Martinho Lutero disse: “Se eu nã o puder encontrar as minhas
experiência na Bíblia, elas nã o provêm do Senhor, mas do diabo”. É
exatamente isso o que a palavra “experimental” pretende transmitir.
Assim como um experimento científico testa uma hipó tese contra
um corpo de evidências, assim também a pregaçã o experimental
envolve o examinar da experiência cristã à luz do ensino da Palavra
de Deus.

A PREGAÇÃO DE CALVINO
Calvino pregava em séries a partir de vá rios livros da Bíblia,
esforçando-se por demonstrar claramente o significado de uma
passagem e como esta deveria impactar a vida de seus ouvintes.
Com o estilo muito semelhante ao de uma homilia, seus sermõ es nã o
tinham divisõ es nem quebras, a nã o ser o que era ditado pelo texto.
Como Paul Fuhrman escreve, “Sã o devidamente homilias como na
igreja primitiva: exposiçã o das passagens bíblicas à luz da gramá tica
e da Histó ria, [provendo] aplicaçã o à s situaçõ es da vida dos
ouvintes” . 11
Calvino era um exegeta cuidadoso, um expositor competente e um
aplicador fiel da Palavra. Seus objetivos ao pregar eram glorificar a
Deus, levar os cristã os a crescerem na graça e no conhecimento de
Jesus Cristo, e unir pecadores com Cristo, a fim de que “homens
fossem reconciliados com Deus pela livre remissã o de pecados” . 12
Esse intuito de salvar pecadores misturava-se perfeitamente com
sua ênfase nas doutrinas bíblicas. Ele escreveu que ministros sã o
“detentores da verdade de Deus; o que significa dizer da preciosa
imagem de Deus, de tudo aquilo que diz respeito à majestade da
doutrina da nossa salvaçã o e à vida do mundo” . 13 Calvino
geralmente admoestava ministros a manterem esse tesouro a salvo
pelo cuidadoso manejo da Palavra de Deus, almejando sempre o
ensino puro e bíblico. Entretanto, isso nã o excluía trazer
acontecimentos entã o contemporâ neos à vida das pessoas. Caso
tivessem relaçã o com a passagem sendo exposta, Calvino sentia-se
livre para aplicar seu sermã o a esses eventos de maneira prá tica,
experiencial e moral . 14
A imagem do pregador como professor moveu Calvino a enfatizar a
importâ ncia da preparaçã o cuidadosa do sermã o. Como ele mesmo
realizava isso com a frequência de suas pregaçõ es e a quantidade de
trabalhos e encargos permanece um mistério, mas Calvino
obviamente estudava o texto a ser exposto com grande cuidado e lia
amplamente o que outros haviam dito a seu respeito. Ele pregava
extemporaneamente, confiando fortemente em sua notá vel
memó ria. Calvino costumava declarar que o poder de Deus poderia
ser melhor exibido em uma pregaçã o extemporâ nea.
Por isso que nã o há manuscritos sobreviventes dos seus sermõ es.
Até onde sabemos, ele nunca os registrou. Há mais de 2000 sermõ es
seus unicamente porque Denis Raguenier os escreveu de forma
abreviada de 1549 até o dia de sua morte, em 1560 . 15

Aparentemente, Calvino nunca desejou que fossem publicados.


O tamanho médio dos textos abordados em cada sermã o era de
cinco a seis versículos do Antigo Testamento e dois ou três do Novo
Testamento. Eram relativamente curtos para a época (talvez por
causa, em parte, de sua condiçã o asmá tica), provavelmente com uma
média de trinta e cinco a quarenta minutos. Foi relatado que ele
falava “com resoluçã o, geralmente com longas pausas para permitir
que as pessoas pensassem”, apesar de outros dizerem que ele falava
rapidamente para terminá -lo em tempo . 16
O estilo da pregaçã o era simples e claro. Em um sermã o intitulado
“A Pura Pregaçã o da Palavra”, Calvino escreveu: “Devemos evitar
toda tagarelice desnecessá ria e permanecer com o ensino simples,
que é convincente” . 17 A retó rica por si só ou a vã tagarelice devem
ser evitadas, embora a verdadeira eloquência, quando sujeitada à
simplicidade do evangelho, almejada. Quando acusado de cometer
“tagarelice” em seus sermõ es por Joachim Westphal, Calvino
respondeu que permanecia no ponto principal do texto e praticava
“brevidade cautelosa” . 18
Seus sermõ es abundavam em aplicaçã o. Em alguns casos, a
aplicaçã o consumia mais tempo que a exposiçã o. Aplicaçõ es curtas e
pungentes, espargidas ao longo de seus sermõ es, constantemente
impeliam, exortavam e convidavam pecadores a agir em obediência
à Palavra de Deus. Calvino disse ao seu rebanho: “Nã o nos
achegamos à pregaçã o apenas para ouvirmos algo de que nã o
sabíamos, mas para sermos estimulados a cumprir aquilo que nos
cabe” . 19
T. H. L. Parker sugere que os sermõ es de Calvino seguem o seguinte
padrã o:
1. Oraçã o
2. Recapitulaçã o do sermã o anterior
3a. Exegese e exposiçã o do primeiro ponto
3b. Aplicaçã o do primeiro ponto e exortaçã o à obediência ao dever
4a. Exegese e exposiçã o do segundo ponto
4b. Aplicaçã o do segundo ponto e exortaçã o à obediência ao dever
5. Oraçã o final, que contém um breve sumá rio implícito do sermã o.
20

John Gerstner salienta que, apesar de ser a ordem estrutural que


geralmente seguia e que provavelmente buscava seguir, Calvino
costumava deixá -la de lado pois “ele tanto desejava chegar à
aplicaçã o que frequentemente a introduzia no meio de sua
exposiçã o. Em outras palavras, a aplicaçã o era o elemento
dominante na pregaçã o, ao qual todo o resto estava subordinado” . 21

A ÊNFASE DE CALVINO SOBRE A PIEDADE NA PREGAÇÃO


Calvino compreendia a religiã o verdadeira como a comunhã o entre
Deus e o homem. O reformador chamava a parte da comunhã o que
se move de Deus ao homem de “revelaçã o”; e à parte da comunhã o
que se move do homem a Deus, que envolve a resposta obediente
dos homens, dava o nome de “piedade”. Esta opera por meio da
graça de Deus pela fé e envolve atos de devoçã o como a confiança de
uma criança, a humilde adoraçã o, o temor piedoso e o amor que nã o
perece. Suas aplicaçõ es durante a pregaçã o geralmente objetivavam
gerar esses tipos de graças.
Para Calvino, o alvo do pregador é promover tal piedade, sem contar
que ele pró prio deve permanecer extremamente ciente de que o
ouvinte nã o consegue a produzir por si só . Ele é apenas um
recipiente dessa piedade pela graça do Espírito Santo, e nã o o autor
dela. Mesmo assim, o Espírito acompanha a Palavra com seu dom
divino da graça piedosa.
A piedade de Calvino, assim como sua teologia, é insepará vel do
conhecimento de Deus. O verdadeiro conhecimento de Deus resulta
em atividade piedosa que estende seu objetivo além da salvaçã o
pessoal, para abraçar a gló ria divina. Onde a gló ria do Senhor nã o é
servida, a piedade nã o pode existir. Isso constrange à disciplina, à
obediência e ao amor em cada esfera da vida do cristã o. Para
Calvino, a lei dá ao amor seu mandato e conteú do para agir, para
obedecer a Deus a partir da disciplina e, desta maneira, para viver
segundo a gló ria divina. Na verdade, o amor é o cumprimento da lei.
Assim, para Calvino, a verdadeira piedade é tanto um
relacionamento vertical (em relaçã o a Deus) e horizontal (em
relaçã o ao homem) do amor e da lei.
Portanto, a graça e a lei sã o ambas proeminentes na teologia e na
pregaçã o de Calvino. Cumprir a lei é especialmente importante por
causa de seu propó sito supremo de nos levar a consagrar toda a
nossa vida a Deus. Lionel Greve escreve: “A graça tem prioridade de
tal forma que a piedade de Calvino pode ser considerada como uma
qualidade da vida e resposta à graça de Deus que transcende a lei
mas ao mesmo tempo a inclui”.
Ele conclui: “A piedade de Calvino pode ser denominada ‘piedade
transcendente’. Ela transcende a criatura pois é fundada na graça,
mas ainda inclui a criatura uma vez que ela é o sujeito da fidelidade.
Ela é o sujeito de tal forma que sua piedade nunca é primariamente
para seu pró prio bem-estar […] O impulso corrente da piedade de
Calvino é sempre em direçã o a Deus. Os benefícios da bondade de
Deus sã o meramente subprodutos do propó sito principal —
glorificar a Deus” . 22
As ênfases combinadas de Calvino quanto à gló ria de Deus e à
piedade operada pelo Espírito no crente o levaram a uma teologia
da experiência. A experiência lhe era uma necessidade teoló gica e
espiritual. O que é bastante compreensível, dada sua ênfase na obra
do Espírito sobre a vida do cristã o — uma ênfase que lhe deu o
título de “o teó logo do Espírito Santo”. Logo, nã o nos
surpreendamos, sua ênfase experiencial e pneumatoló gica da
piedade também se espalhou por todos os seus sermõ es. A questã o
nã o é se Calvino era um pregador experiencial — isso é ó bvio a
partir de seus sermõ es, comentá rios e até mesmo das Institutas . A
pergunta é: que papel a experiência (experientia ) tem em sua
teologia e pregaçã o?

CALVINO E A EXPERIÊNCIA
Calvino valorizava a experiência contanto que fosse enraizada na
Escritura e brotasse da viva realidade da fé. Ele repetidas vezes
definiu a experiência de cristã os como além da expressã o verbal.
Por exemplo: “Tal [a experiência] é a convicçã o que nã o requer
grandes raciocínios, um conhecimento com o qual a melhor das
razõ es concordaria — no qual a mente verdadeiramente repousa de
forma mais segura e constante do que por qualquer outro motivo:
finalmente, este é um sentimento que pode nascer somente da
revelaçã o celestial. Nã o falo de nada além do que qualquer crente
experimenta em si mesmo — embora minhas palavras estejam
muito abaixo de uma explicaçã o justa do assunto” . 23 Calvino
prosseguiu afirmando que o entendimento do crente sobre Deus
“consiste mais na experiência viva que na especulaçã o”.
E depressa também disse: “De fato, tendo a experiência por
professor, encontramos a Deus exatamente como Ele se declara em
sua Palavra” . 24
A falsa experiência produz um deus que nã o condiz com a Escritura,
mas a verdadeira sempre flui das verdades da Escritura e as
salienta. A Escritura Sagrada é consistente com a santa experiência,
realizada pelo Espírito, uma vez que Calvino entendia que a Bíblia
nã o é um escrito de doutrinas abstratas e escolá sticas, mas um livro
de doutrinas arraigado no viver diá rio, real e experiencial. Logo, a
experiência tem um importante papel na exegese do reformador.
Willem Balke escreveu: “A experiência pode servir de chave
hermenêutica na explicaçã o das Escrituras. A Bíblia nos coloca no
centro da peleja da fé, coram Deo , e portanto Calvino pode
recomendar a si mesmo como exegeta como o faz na introduçã o ao
comentá rio do livro de Salmos (1557), dado que já experimentou o
que a Bíblia testifica” . 25
Calvino enxergava suas multifacetadas experiências na posiçã o de
reformador como importante qualificaçã o para a exegese e a
pregaçã o da Palavra de Deus. Apesar de relacionar sua qualificaçã o
experiencial particularmente aos Salmos — uma vez que os Salmos
pertencem melhor ao povo sofredor de Deus e sã o, como ele os
chamava, “uma anatomia de todas as partes da alma ” 26 —, todos os
seus sermõ es e comentá rios revelam que ele acreditava que nenhum
livro da Escritura poderia ser reduzido à mera doutrina.
A despeito de atribuir uma grande porçã o à experiência em sua
exegese e pregaçã o, Calvino compreendia que ela sofre de limitaçõ es
significativas. Quando divorciada da Palavra, a experiência como um
todo é incerta e sempre incompleta. Calvino concluiu que a
concentraçã o nas profundezas do coraçã o humano, que sempre
permanece um ponto focal para o místico, nã o é a maneira de Deus.
Ao contrá rio, ele concordava com Lutero, sustentando que o ú nico
caminho para Deus é por meio da fé centrada na Palavra. O crente
nã o aprende a conhecer a vontade de Deus da “nuda experientia ”
[experiência pura], disse Calvino, mas somente mediante o
testemunho da Escritura . 27
Se a Bíblia nã o é o fundamento da nossa experiência de fé, disse ele,
somos deixados apenas com sentimentos vagos, sem uma â ncora. A
fé verdadeira, entretanto, ancora-se na Palavra. Nã o devemos medir
a presença de Deus em nossa vida pela experiência, pois isso logo
nos levaria ao desespero. “Se medíssemos o auxílio de Deus de
acordo com os nossos sentimentos”, palavras dele, “nossa fé logo
vacilaria e nã o teríamos coragem, nã o teríamos esperança” . 28
Assim, Calvino é cuidadoso em nã o se tornar um experiencialista —
isto é, alguém que frequentemente chama a atençã o para as suas
pró prias experiências de uma maneira mística. Ele compreendeu
bem que a experiência deve ser definida pelo testemunho da Palavra
escrita.
Calvino evitava tanto o experiencialismo quanto o escolasticismo
seco. Ele nã o enxergava a Bíblia como uma coleçã o doutriná ria, mas
considerava as doutrinas bíblicas como “embebidas na vida e na fé
da igreja e do indivíduo, no habitat natural da confirmaçã o da fé em
meio à existência cristã e eclesiá stica” . 29

EXPERIENTIA FIDE OU SENSUS FIDE


De acordo com Calvino, a experiência ou senso de fé (experientia fide
ou sensus fide ) também é insepará vel do ministério do Espírito
Santo. O Espírito renova o cerne do homem. Essa obra envolve
iluminaçã o e um selar; a iluminaçã o da mente concedida pelo
Espírito e sua obra eficaz no coraçã o se unem. O selo do Espírito
certifica a autoridade da Palavra e a realidade da obra salvífica do
Espírito. Ele promove confiança nas promessas de misericó rdia cujo
autor é Deus e as experimenta. Essa doutrina, disse Calvino, “nã o é
de boca, mas de vida. Ela nã o é apreendida pela compreensã o e
memó ria somente, como as outras disciplinas, mas recebida
unicamente quando possui toda a alma e encontra um assento e
local de descanso na afeiçã o mais profunda do coraçã o” . 30
Desta forma, essa experientia fide nã o é parte da habilidade do
crente, mas, sim, o efeito criativo do Espírito, que utiliza a Palavra.
Ela contém tanto verdade objetiva quanto subjetiva. O Espírito
testifica tanto na Palavra de Deus como no coraçã o do crente, que
ouve e experimenta sua realidade. Por meio do testemunho objetivo
e subjetivo do Espírito, o cristã o é experiencialmente persuadido da
verdade absoluta de Deus e da Palavra.
Tendo-se tornado disposto pelas operaçõ es poderosas do Espírito, o
coraçã o, a vontade e as emoçõ es respondem em fé e obediência ao
Deus triú no. Uma vez que o Espírito é o Espírito do Filho, cuja
grandiosa tarefa é conduzir o cristã o a Cristo e, por meio dele, ao
Pai, o centro da experiência da fé é, como Joã o a chamou, ter
“comunhã o […] com o Pai, e com o Filho” (1Jo 1.3). A verdadeira
experiência sempre conduz, portanto, à comunhã o verdadeira e à
praxis pietatis .
Isso nã o quer dizer que a verdadeira experiência seja sempre
dissecada e compreendida com facilidade. A experiência da fé
contém uma porçã o de paradoxos. Por exemplo, um paradoxo existe
na vida da fé quando somos chamados a acreditar que Deus ainda
está conosco enquanto sentimos que Ele nos abandonou. Ou, como
podemos acreditar que o Senhor está inclinado ao nosso favor
quando Ele por vezes tira de nó s a consciência de sua benevolência e
parece adiar providencialmente o cumprimento de suas
misericordiosas promessas ? 31
O cristã o pode experimentar tais contradiçõ es diariamente, disse
Calvino. Ele pode sentir-se abandonado por Deus, mesmo sabendo,
no fundo, que nã o foi (Is 49.14–16). Essas experiências conflituosas
transparecem dentro do coraçã o e parecem, como a esperança e o
temor, anular uma a outra. Se o medo se manifesta, disse Calvino,
que nos lancemos inteiramente à s promessas de Deus . 32 Essas
promessas nos darã o coragem para continuar, a despeito das
tentaçõ es a duvidar.
Além do mais, sobretudo quando reconhecemos a presença de Deus
pela fé, embora nã o possamos ver ou sentir sua bondade e seu
poder, é que verdadeiramente honramos seu senhorio e sua
Palavra . 33 Crer em Deus quando a experiência parece anular suas
promessas requer grande fé, mas é exatamente essa experiência da
fé que capacita o crente a permanecer sereno mesmo quando toda a
realidade ao seu redor parece se abalar . 34

A EXPERIÊNCIA E A SEGURANÇA DA FÉ
A doutrina de Calvino acerca da segurança da salvaçã o reafirmou os
princípios bá sicos de Martinho Lutero, de Ulrico Zuínglio e expô s
ênfases pró prias. Assim como Lutero e Zuínglio, Calvino disse que a
fé nunca é mero assentimento (assensus ), mas tanto envolve o
conhecimento (cognitio ) como a confiança (fiducia ). A fé repousa
firmemente sobre a Palavra de Deus; a fé sempre diz amém à s
Escrituras . 35 Assim, a segurança deve ser buscada na Palavra e flui
da Palavra . 36 A segurança é tã o insepará vel da Palavra quanto os
raios de luz sã o do sol.
A fé e a segurança também sã o insepará veis de Cristo e da promessa
de Cristo , pois a totalidade da Palavra escrita é a Palavra viva, Jesus
Cristo, em quem todas as promessas de Deus sã o “sim e amém” . 37
Calvino estimava muito as promessas de Deus como o fundamento
da segurança, pois estas sã o baseadas na natureza divina, que nã o
pode mentir. As promessas sã o cumpridas por Cristo; portanto
Calvino direcionava o pecador a Jesus e à s promessas como
sinô nimos . 38 Uma vez que extrai seu pró prio cará ter da promessa
sobre a qual repousa, a fé toma para si o selo da infalível Palavra do
pró prio Deus. Consequentemente, a fé possui a segurança em sua
pró pria natureza. Segurança, certeza, confiança: eis a essência da fé.
Mais especificamente, Calvino defendia que a fé envolve algo a mais
que crer objetivamente nas promessas de Deus; envolve segurança
pessoal, subjetiva. Ao crer nas promessas feitas aos pecadores, o
verdadeiro crente reconhece e celebra o fato de Deus ter-lhe sido,
em particular para si mesmo pecador, gracioso e benevolente. A fé é
um conhecimento seguro da “benevolência de Deus sobre nós […]
revelada à nossa mente […] selada em nosso coraçã o” . 39 Calvino
escreveu: “aqui, de fato, está a dobradiça por meio da qual a fé gira:
que nã o consideramos as promessas de misericó rdia que Deus
oferece como verdadeiras somente quando externas a nó s, mas nã o
em nó s; antes, pelo contrá rio, elas sã o feitas nossas quando
abraçadas interiormente” . 40
Portanto, como Robert Kendall nota, Calvino repetidamente
descreveu a fé como “certeza (certitudino ), firme convicçã o (solido
persuasio ), segurança (securitas ), firme segurança (solida
securitas ) e plena segurança (plena securitas )” . 41 Embora consista
em conhecimento, a fé também é marcada por uma segurança
sincera, “é confiante e seguramente toma posse daquilo que Deus
promete” . 42
Ao longo de seus comentá rios Calvino também enfatiza que a
segurança integra a fé . 43 Ao expor 2Coríntios 13.5, o reformador
chega a declarar que aqueles que duvidam de sua uniã o com Cristo
sã o réprobos: “[Paulo] declara que sã o réprobos todos aqueles que
duvidam se professam a Cristo e se fazem parte do seu corpo.
Reconheçamos, portanto, que somente a fé correta nos faz repousar
seguros diante do favor de Deus, sem opiniã o vacilante, mas com
firme e resoluta segurança” . 44
Ao longo de sua sublime doutrina da fé, entretanto, Calvino repetia
estes temas: a incredulidade é difícil de morrer; a segurança é
geralmente contestada pela dú vida; severas tentaçõ es e duros
conflitos sã o normativos; Sataná s e a carne atacam a fé; a confiança
em Deus é cercada de temor . 45 Calvino abertamente reconhecia
que a fé nã o é mantida sem uma batalha severa contra a
incredulidade; sabia também que a fé nã o é algo intocá vel pela
dú vida ou ansiedade. Ele escreveu: “A incredulidade é, em todos os
homens, sempre misturada com fé […] Pois a incredulidade está tã o
profundamente enraizada no nosso coraçã o, e somos tã o inclinados
a ela, que nã o é sem dura luta que cada um é capaz de persuadir a si
mesmo daquilo que todos confessamos com a boca, a saber, que
Deus é fiel. Especialmente quando lindando com a pró pria realidade,
a hesitaçã o descortina fraquezas outrora ocultas” . 46
Ao expor Joã o 20.3, Calvino, testemunhando que os discípulos, ainda
que inconscientes dela, tiveram fé quando foram ao sepulcro vazio,
parece contradizer sua afirmaçã o de que o verdadeiro crente tem
consciência do pró prio estado: ”Sendo aquela tã o pequena fé, ou
melhor, quase nenhuma fé tanto nos discípulos quanto nas
mulheres, surpreende que tivessem tã o grande zelo; e, de fato, nã o é
possível que sentimentos religiosos os tivessem levado a buscar a
Cristo. Portanto, alguma semente de fé permaneceu em seus corações,
extinguindo-se, porém, por determinado tempo, e estavam eles sem
consciência de ter o que tinham. Assim, o Espírito de Deus
frequentemente opera nos eleitos em secreto” . 47
Isso nos leva a perguntar como Calvino pode dizer que a fé é
caracterizada por plena segurança, mas ainda assim permite o tipo
de fé que dela carece. Ambas as declaraçõ es parecem antitéticas. A
segurança é livre de dú vidas, mesmo nã o estando livre. Ela nã o
hesita, mas pode hesitar. Ela contém segurança, mas pode ser
atormentada pela ansiedade. Aquele que é fiel goza de segurança,
mas ainda vacila e teme.
Calvino usou ao menos quatro princípios para abordar essas
complexa questã o. Cada um deles ajuda a dar sentido à s aparentes
contradiçõ es.
Em primeiro lugar, considere o quanto Calvino precisava distinguir
entre a definição de fé e a realidade da experiência do cristão . Apó s
explicar a fé nas Institutas como o abraçar de uma “grande
segurança”, o reformador escreveu:
Mesmo assim alguém dirá : “O crente experimenta algo muito
diferente: ao reconhecer a graça de Deus sobre si, ele nã o só é
tentado pela inquietaçã o, vinda com frequência, mas repetidamente
movido por terrores mais graves. Pois tã o violentas sã o as tentaçõ es
a afligir sua mente que esta parece pouco compatível com a certeza
da fé”. Consequentemente, temos de resolver essa dificuldade se
desejamos que a doutrina mencionada acima permaneça.
Certamente, à medida que se ensina que a fé deve ser garantida e
segura, nã o se pode imaginar qualquer certeza que nã o seja tingida
de dú vida ou qualquer segurança que nã o seja atacada. 48

Em suma, Calvino distinguia entre aquilo que fé deve ser e o que a fé


é no dia a dia. Sua definiçã o de fé serve de recomendaçã o para como
o crente deve “pensar sobre a fé de forma adequada e habitual” . 49
A fé deve sempre focar na segurança plena, mesmo que nã o seja
capaz de alcançar a perfeita segurança por experiência. Em
princípio, a fé recebe a vitó ria (1Jo 5.4); na prá tica, ela reconhece
que ainda nã o foi completamente alcançada (Fp 3.12–13).
Apesar disso, a prá tica da fé valida a fé que confia na Palavra.
Calvino nã o se interessava por experiências enquanto validava a fé
fundamentada na Palavra. A fé “requer uma certeza plena e fixa,
aquela que os homens costumam ter das coisas experimentadas e
comprovadas” . 50
A experiência pura, desta forma, nã o é o objetivo de Calvino, mas
sim a experiência fundamentada na Palavra, que flui do
cumprimento desta. O conhecimento experimental da Palavra é
essencial . 51 Dois tipos de conhecimento sã o necessá rios para
Calvino: o conhecimento pela fé (scientia fidei ), que é recebido da
Palavra, “embora este ainda nã o seja completamente revelado”, e o
conhecimento da experiência (scientia experientiae ), “que brota do
cumprimento da Palavra” . 52 A Palavra de Deus é tanto basilar para
o primeiro como para o segundo, pois a experiência nos ensina a
conhecer a Deus como Ele se revela em Sua Palavra . 53 A
experiência dissonante da Escritura jamais é verdadeira experiência
de fé. Em suma, embora a experiência que o crente tem da fé
verdadeira seja muito mais fraca do que deseja, há uma unidade
essencial na Palavra entre a percepçã o da fé (aquilo que a fé deve ser
) e a experiência (aquilo que a fé de fato é ).
O segundo princípio ajuda a compreender a tensã o exposta por
Calvino de que a segurança da fé é a carne contra o espírito . Ele
escreveu:
É necessá rio voltar à quela divisã o entre a carne e o espírito,
mencionada em outra ocasiã o. Ela se revela mais claramente nesse
momento. Portanto, o coraçã o piedoso sente em si mesmo uma
divisã o, pois em parte está embebido com a doçura oriunda de
reconhecer a bondade divina, em parte lamenta com amargura a
consciência de sua calamidade, em parte descansa na promessa do
evangelho, em parte treme diante da evidência de sua pró pria
iniquidade; em parte se alegra com a expectativa da vida, em parte
estremece com a morte. Essa variaçã o surge da imperfeiçã o da fé,
uma vez que, no curso desta vida presente, jamais estaremos tã o
bem a ponto de completamente curados da doença da descrença,
nem perfeitamente cheios de fé ou por ela totalmente controlados.
Daí surgem essas batalhas, quando a incredulidade, que repousa nos
destroços da carne, levanta-se para atacar a fé uma vez já concebida
interiormente. 54

Assim como Lutero, Calvino colocou a dicotomia da


necessidade/realidade contra o pano de fundo da guerra
espírito/carne . 55 O cristã o experimenta agudamente essa tensã o
espírito/carne, pois esta é instigada pelo Espírito Santo . 56 Os
paradoxos que permeiam a fé experiencial (e.g., Romanos 7.14–25
na interpretaçã o clá ssica reformada) encontram resoluçã o nesta
tensã o: “De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente [espírito],
sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado”
(v. 25).
Calvino colocou a certa consolaçã o do espírito lado a lado com a
imperfeiçã o da carne, pois é isso que o crente encontra dentro de si.
Uma vez que a vitó ria final do espírito sobre a carne será cumprida
somente em Cristo, o cristã o batalha perpetuamente nesta vida. Seu
espírito o enche “com deleite em reconhecer a bondade divina” ao
mesmo tempo que a carne aciona sua propensã o natural à
incredulidade . 57
Ele é atormentado com “lutas diá rias da
consciência” enquanto os vestígios da carne permanecem . 58 O
“estado presente do cristã o está muito abaixo da gló ria dos filhos de
Deus”, escreveu Calvino. “Fisicamente, somos pó e treva, e a morte
está sempre diante dos nossos olhos. Somos expostos a uma miríade
de misérias […] de modo que sempre encontramos um inferno
dentro de nó s” . 59 Enquanto ainda em carne, o crente pode até ser
tentado a duvidar de todo o evangelho.
Mesmo quando atormentado com dú vidas carnais, o espírito do
cristã o confia na misericó rdia de Deus ao invocá -lo em oraçã o,
descansando nele por meio dos sacramentos. Por esses meios, a fé
ganha vantagem sobre a incredulidade. “Finalmente, a fé triunfa
sobre as dificuldades que a cercam e a ameaçam. [A fé é como] uma
palmeira [que] luta contra toda intempérie e se faz elevar” . 60
Em suma, Calvino ensinava que do espírito do crente surgem a
esperança, a alegria e a segurança; da carne, o medo, a dú vida e o
engano. Embora o espírito e a carne operem simultaneamente, a
imperfeiçã o e a dú vida integram somente a carne, nã o a fé; as obras
da carne geralmente transitam pelo territó rio da fé, mas com ela nã o
se misturam . O cristã o pode perder batalhas espirituais ao longo do
caminho que é esta vida, mas nã o perderá a guerra final contra a
carne.
Em terceiro lugar, apesar da tensã o entre definiçã o e experiência,
espírito e carne, Calvino mantinha que fé e segurança nã o se
encontram tã o misturadas com a incredulidade de modo a deixar o
crente na probabilidade, e nã o na certeza . 61 O menor grã o de fé
contém segurança em sua essência, mesmo que o crente, dado à
fraqueza, ainda nã o seja capaz de compreender o que é ter
segurança. O cristã o pode ser jogado para lá e para cá com dú vidas e
perplexidades, mas a semente da fé, implantada pelo Espírito, nã o
perece. Precisamente por ser a semente do Espírito, a fé se mantém
segura. Essa segurança aumenta e diminui conforme o crescimento
e o declínio dos exercícios da fé, mas sua semente nã o pode ser
destruída. Calvino disse: “Jamais se pode arrancar a raiz da fé do
seio piedoso, pois esta se apega com tamanha força à s partes mais
internas que, ainda que pareça abalada ou prostrada de um modo ou
de outro, sua luz jamais se extingue nem se apaga a ponto de nem ao
menos dar sinal, como que estirada debaixo das cinzas” . 62
Dessa forma Calvino explicou a “segurança fraca em termos de fé
fraca, sem enfraquecer o elo entre a fé e a segurança” . 63 A
segurança é normativa, mas varia em nível e constâ ncia na
consciência que o crente tem dela. Logo, reagindo à segurança fraca,
o pastor nã o deveria negar o laço orgâ nico entre a fé e a segurança,
mas instar que se busque uma fé mais forte mediante o uso dos
meios da graça na dependência do Espírito.

EXPERIÊNCIA, A TRINDADE, ELEIÇÃO


Por meio de um quarto princípio avassalador — a saber, uma
estrutura trinitária para a doutrina da fé e da segurança, Calvino
estimulou o crente propenso a duvidar a seguir em frente. Tã o certo
quanto a eleiçã o do Pai prevalece sobre as obras de Sataná s, a justiça
do Filho sobre a pecaminosidade do crente, e o testemunho seguro
do Espírito sobre as enfermidades da alma — assim também a fé
tem a garantia de que pode e deve vencer a incredulidade.
A disposiçã o do livro III das Institutas de Calvino revela o
movimento da graça concedida por Deus em direçã o ao homem e do
homem em direçã o a Deus. A graça da fé é do Pai, no Filho, por meio
do Espírito, pelo qual, por sua vez, o crente é levado à comunhã o
com o Filho pelo Espírito e, consequentemente, reconciliado com o
Pai, com quem agora anda em comunhã o.
Para Calvino, no complexo de fatores que estabelecem a segurança,
nã o menos importantes sã o a eleiçã o do Pai e a preservaçã o em
Cristo. Daí ele escrever que “a predestinaçã o devidamente
considerada nã o abala a fé, mas, ao contrá rio, oferece sua melhor
confirmaçã o” , 64 sobretudo quando vista no contexto do chamado:
“A concretude da eleiçã o é unida ao nosso chamado [e] é outro meio
de fundamentar a segurança. Pois de todos a quem [Cristo] recebe, é
dito que o Pai os confiou e os entregou a Ele para assegurar-lhes a
vida eterna” . 65
O decreto da eleiçã o é fundamento seguro para a preservaçã o e
segurança; nã o é causaçã o fria. Gordon Keddie escreve: “A eleiçã o
nunca é vista, em Calvino, de modo puramente determinístico, em
que Deus […] é erigido como ‘um ídolo aterrorizante’ da ‘causalidade
determinista mecanicista’, nem é a experiência cristã reduzida à
passividade covarde ou ao ativismo frenético, aguardando alguma
‘revelaçã o’ dos decretos secretos de Deus por alguém. Para Calvino,
assim como na Escritura, a eleiçã o nã o ameaça, mas, pelo contrá rio,
assegura a certeza de salvaçã o” . 66
Tal fundamento só é possível num contexto centrado em Cristo;
desta forma a ênfase constante de Calvino em Jesus como o espelho
da eleiçã o “no qual devemos, e sem nos enganarmos, contemplar
nossa pró pria eleiçã o” . 67 A eleiçã o tira os olhos do crente da
desesperança percebida na incapacidade de cumprir as condiçõ es da
salvaçã o, mas foca na esperança que há em Jesus Cristo como o
penhor de Deus de amor e misericó rdia imerecidos . 68
Mediante a uniã o com Cristo, “a segurança da salvaçã o torna-se real
e efetiva tanto quanto a segurança da eleiçã o” . 69 Cristo é feito
nosso no cumprimento da determinaçã o divina de redimir e
ressuscitar os seus. Consequentemente, nã o devemos pensar em
Cristo como “permanecendo longe, e nã o habitando em nó s” . 70
Uma vez que Cristo é por nó s, contemplá -lo verdadeiramente é vê-lo
formando em nó s o que Ele deseja nos dar, a si mesmo acima de
tudo. Deus tornou a si mesmo “pequeno em Cristo”, Calvino
declarou, a fim de que pudéssemos compreender, e correr para
Cristo somente, que Ele só pode apaziguar nossa consciência . 71 A
fé deve ter início, descanso e fim em Cristo. “A verdadeira fé está tã o
absorta nele, que nada conhece, que nada deseja conhecer exceto
Cristo”, disse Calvino . 72 Portanto, “nã o separemos Cristo de nó s
mesmos ou nó s mesmos de Cristo” . 73
Dessa maneira cristoló gica, Calvino reduziu a distâ ncia entre o
decreto objetivo de Deus da eleiçã o e a falta de segurança subjetiva
do crente, temeroso de nã o ser um eleito. Para Calvino, a eleiçã o
responde em vez de levantar dú vidas acerca da segurança da
salvaçã o. Em Cristo, o crente vê sua eleiçã o; no evangelho, ouve a
respeito de ser ele um eleito.
Entretanto, a questã o permanece: como o eleito goza da comunhã o
com Cristo e como isso produz segurança? A resposta de Calvino é
pneumatoló gica: o Espírito Santo aplica Cristo e seus benefícios ao
coraçã o e à vida de pecadores culpados e eleitos, pelos quais sã o
eles feitos seguros, pela fé salvífica, de que Cristo lhes pertence e
eles a Cristo. O Espírito Santo confirma de modo especial dentro
deles a confiabilidade das promessas de Deus em Cristo. Assim, a
certeza pessoal nunca se divorcia da eleiçã o do Pai, da redençã o do
Filho, da aplicaçã o do Espírito e dos meios instrumentais da fé
salvífica.
Calvino disse que o Espírito Santo exerce um enorme papel na
aplicaçã o da redençã o. Como consolador e selo pessoal, o Espírito
Santo garante ao cristã o sua graciosa adoçã o: “O Espírito de Deus
nos dá o testemunho de que quando é Ele o nosso guia e mestre,
nosso espírito fica certo da adoçã o de Deus; pois a nossa mente por
si só , sem o testemunho precedente do Espírito, nã o poderia
transmitir-nos tamanha segurança” . 74 A obra do Espírito Santo
fundamenta toda certeza da salvaçã o sem tirar Cristo do seu ofício,
pois o Espírito é o Espírito de Cristo , é Ele quem confere segurança
ao crente, levando-o a Cristo e seus benefícios e nele os operando . 75

EXPERIÊNCIA E AUTOEXAME
No entanto, Calvino tinha plena consciência de que alguém pode se
considerar confiado a Cristo pelo Pai quando esse nã o é o caso. Uma
coisa é enfatizar o ofício de Cristo como recipiente e guardiã o dos
eleitos, na economia salvífica trinitá ria; como o centro, autor e
fundamento da eleiçã o; a garantia, a promessa e o espelho da eleiçã o
e da salvaçã o do crente. Outra completamente diferente é saber
como inquirir se uma pessoa foi unida a Cristo pela fé verdadeira.
Muitos parecem pertencer a Cristo, mas na verdade estã o afastados
dele. Calvino disse: “Diariamente acontece de outra vez caírem de
Cristo aqueles que pareciam ser dele […] Tais nunca aderiram a
Cristo em confiança sincera, cuja certeza da salvaçã o, digo, tem sido
estabelecida por nó s” . 76
Calvino nunca pregou para consolar seu rebanho com uma falsa
segurança de salvaçã o . 77 Muitos estudiosos, referindo-se ao
costume do reformador de fazer mençã o aos ouvintes de sua
congregaçã o como pessoas salvas, minimizam a ênfase de Calvino
sobre a necessidade de uma percepçã o experiencial e subjetiva da fé
e da eleiçã o.
Eles se equivocam. Apesar de ter praticado o que chamava de “um
julgamento de caridade” (i.e., dirigir-se à queles membros da igreja
que mantêm um estilo de vida exteriormente louvá vel como salvos),
ele também frequentemente afirmava que apenas uma minoria
recebe a Palavra pregada com a fé salvífica. Nas suas palavras:
“Ainda que todos, sem exceçã o, que ouvem a Palavra de Deus
pregada sejam ensinados, ainda escassamente um em cada dez
tantos prova dela, sim, escassamente um em cem lucra a ponto de
lhe ser permitido, desta forma, prosseguir no caminho certo até o
fim” . 78
Para Calvino, muito do que se assemelha à fé carece de cará ter
salvífico. Entã o ele fala sobre a fé que é informe, implícita,
temporá ria, ilusó ria, falsa, um tipo de sombra transitó ria, escondida
debaixo do manto da hipocrisia . 79
O autoengano é uma
possibilidade real, disse Calvino. Porque o réprobo geralmente sente
algo parecido com a fé do eleito , 80 o autoexame é essencial.
Ele escreveu: “Aprendamos a nos examinar, e a descobrir se aquelas
marcas internas pelas quais Deus distingue seus filhos de estranhos
pertencem a nó s, a saber, a raiz viva da piedade e da fé” . 81
Felizmente, aquele que é verdadeiramente salvo é liberto do
autoengano por meio do examinar direcionado pelo Espírito Santo.
Calvino disse: “Mas o fiel é ensinado a examinar-se a si mesmo com
solicitude e humildade, a fim de que, no lugar da segurança da fé, a
segurança carnal nã o o persuada” . 82
Mesmo no autoexame, Calvino enfatizava Cristo. Ele dizia que
devemos nos examinar para ver se estamos colocando nossa
confiança somente em Jesus Cristo, pois esse é o fruto da experiência
bíblica. Anthony Lane diz que, para o reformador, o autoexame nã o é
como “Estou confiando em Cristo?”, mas, sim “Estou confiando em
Cristo ?” . 83 O autoexame sempre deve nos direcionar a Cristo e sua
promessa. Jamais deve ser feito à parte do auxílio do Espírito Santo,
o ú nico que pode trazer luz sobre a obra salvífica de Cristo na alma
do crente. Fora de Cristo, à parte da Palavra e do Espírito, Calvino
diz, “Contemple-se, e há condenaçã o certa” . 84
CONCLUSÃO
Calvino foi um teó logo experiencial e um pregador que se esforçou
para manter o equilíbrio entre como as questõ es espirituais devem
ser na vida cristã , como elas de fato sã o e qual o objetivo final delas.
Ele tomou proteçã o contra excessos confinando-se aos limites
bíblicos e atando sempre a obra experiencial do Espírito com a
Escritura. Ao mesmo tempo, o reformador usava a pregaçã o
experiencial como forma de ministrar à s necessidades dos crentes e
como ferramenta para diferenciar os incrédulos. Acima de tudo,
todas as suas ênfases experienciais buscavam conduzir o cristã o ao
propó sito ú ltimo de glorificar a Trindade por meio de Jesus Cristo.

Capítulo 8
 
“Um sacrifício suave a Deus”: Joã o Calvino e o empenho
missioná rio da igreja

Michael A. G. Haykin

Frequentemente se afirma que os reformadores do século XVI


tinham uma missiologia pouco desenvolvida e que ir a missõ es no
exterior visando os nã o cristã os era algo sobre o qual eles pouco
pensavam . 1
Sim, esse argumento é corrente, afinal, eles
redescobriram o evangelho apostó lico, mas nã o tinham a visã o de
espalhá -lo à s partes mais remotas do mundo . 2 Provavelmente o
primeiro autor a questionar uma falha primitiva do protestantismo
na prá tica missioná ria foi o teó logo cató lico romano e polemista
Roberto Belarmino (1542–1621). Belarmino defendia que uma das
marcas da verdadeira igreja é sua continuidade da paixã o
missioná ria dos apó stolos. No pensamento dele, a atividade
missioná ria cató lica romana era indiscutível, e isso dava forte apoio
para a alegaçã o de que sua instituiçã o é que permanecia solidá ria
com os padrõ es apostó licos. Segundo Belarmino:
Neste um século os cató licos converteram muitos milhares de
pagã os no novo mundo. Todos os anos determinado nú mero de
judeus é convertido e batizado em Roma pelos cató licos que servem
em lealdade ao Bispo de Roma […] Os luteranos se comparam aos
apó stolos e aos evangelistas; apesar de terem entre eles um grande
nú mero de judeus, e embora tenham, na Polô nia e na Hungria, os
turcos como vizinhos, eles dificilmente converteram mais que uma
dezena deles. 3

Tal caracterizaçã o falha em explicar a complexidade do assunto. Em


primeiro lugar, nos anos iniciais da Reforma, nenhuma das
instituiçõ es protestantes possuía recursos navais e marítimos
suficientes para levar o evangelho Europa afora. Por outro lado, os
reinos ibéricos cató licos da Espanha e de Portugal, na época
reconhecidos como líderes no envio missioná rios, tinham muitos
desses recursos. Note-se que outras naçõ es cató licas romanas da
Europa como a Polô nia e a Hungria também careciam de aptidõ es
para seguir além do mar, e nã o evidenciavam mais preocupaçã o
missioná ria transcultural do que a Saxô nia luterana ou a Zurique
reformada. Portanto, é completamente enganoso simplesmente
afirmar que naçõ es cató licas romanas estavam empenhadas em
missõ es no exterior, enquanto nenhuma força protestante assim se
comprometia . 4
Em segundo lugar, é vital reconhecer que, como Scott Hendrix já
demonstrou, a Reforma foi a tentativa de “tornar a cultura européia
mais cristã do que já era. Ela foi, pode-se dizer, uma tentativa de
replantar a fé, de outra vez cristianizar a Europa” . 5 Aos olhos dos
reformadores, esse programa envolvia duas convicçõ es anexas.
Primeiro, eles consideravam o cristianismo do período final da
Europa medieval como subcristã o, na melhor das hipó teses; na pior
delas, pagã o. Nas palavras de Calvino em sua Resposta a Sadoleto ,
em 1539: “A luz da verdade divina estava extinta, a Palavra de Deus
enterrada, a virtude de Cristo deixada em profundo esquecimento, e
o ofício pastoral totalmente subvertido. A impiedade havia sido tã o
difundida que quase nenhuma doutrina da religiã o estava pura de
mistura, nenhuma cerimô nia estava livre de erro, nenhuma parte,
nã o importa quã o pequena, da adoraçã o divina estava intocada pela
superstiçã o” . 6 Os reformadores, entã o, enxergaram sua tarefa
como esforço missioná rio; eles estavam plantando igrejas
verdadeiramente cristã s . 7
A seguir, um breve exame da missiologia de Joã o Calvino claramente
prova que é errado afirmar que a Reforma foi ao todo um
movimento nã o missioná rio . 8 A teologia missional de Joã o Calvino
primeiro é desenvolvida com o olhar voltado para o tema do avanço
vitorioso do reino de Cristo, que tã o largamente aparece em seus
escritos. Declaraçõ es de Calvino a respeito dos meios e motivaçõ es
para a expansã o desse reino sã o, entã o, examinadas para, depois,
mostrar sua preocupaçã o com a propagaçã o do evangelho até os
confins da terra. Por fim, há uma breve aná lise da Genebra de
Calvino como centro missioná rio.
 
O AVANÇO VITORIOSO DO REINO DE CRISTO
Um tema frequente nos escritos e sermõ es de Calvino é o avanço
vitorioso do reino de Cristo no mundo. Dirigindo-se ao Rei Francisco
I da França, no prefá cio de sua obra-prima teoló gica, As Institutas da
Religião Cristã , Calvino diz que Deus Pai destinou Cristo para
“reinar de mar a mar, dos rios até os confins da terra”. A descida do
Espírito no dia de Pentecostes, Calvino observou num sermã o em
Atos 2, aconteceu para que o evangelho “alcançasse todos os confins
e extremidades da terra”. Em um sermã o sobre 1Timó teo 2.5–6, de
uma série em 1Timó teo 2, mais uma vez Calvino salientou a
universalidade da fé cristã : “Jesus nã o veio para salvar alguns
apenas, mas “para estender sua graça sobre todo o mundo” . 9
Nessa mesma sequência, o reformador entã o declara que “Deus
deseja que sua graça seja conhecida em todo o mundo e ordenou
que seu evangelho seja pregado a todas as criaturas; devemos (na
medida do possível) buscar a salvaçã o daqueles que hoje sã o
estrangeiros à fé, que aparentam estar completamente privados da
bondade de Deus” . 10 Foi essa perspectiva global quanto ao
significado do evangelho que também deu à teologia de Calvino um
dinamismo genuíno e movimento de seguir adiante. Já disseram e
com razã o que nã o fosse pela ala chamada calvinista da Reforma,
muitos dos grandes ganhos da era teriam morrido na videira . 11
 
MEIOS PARA A EXTENSÃO DO REINO DE CRISTO
Calvino estava bem certo de que a extensã o do reino de Cristo é, em
primeiro lugar, obra de Deus. Ao comentar Mateus 24.30, ele declara
que “nã o é por meios humanos, mas pelo poder celestial […] que o
Senhor reunirá a sua Igreja” . 12 Ou, considere seus comentá rios
sobre o trecho “uma porta se me abriu” em 2Coríntios 2.12:
[O significado dessa metá fora é] dizer que uma oportunidade de
avançar o evangelho havia se apresentado. Como uma porta aberta
possibilita a entrada, assim também os servos do Senhor progridem
quando uma oportunidade lhes é dada. A porta é fechada quando
nã o há esperança de sucesso. Logo, quando se nos fecha a porta,
temos de tomar um caminho diferente em vez de nos desgastarmos
com tentativas vã s de atravessá -la; todavia, quando uma
oportunidade de edificaçã o se apresenta, entenda-se que a porta nos
foi aberta pela mã o de Deus a fim de que possamos introduzir Cristo
naquele lugar. Nã o recusemos, assim, o generoso convite que Deus
nos faz. 13

Para Calvino, a metá fora de uma porta aberta fala muito sobre como
o avanço da igreja é completamente dependente da misericó rdia do
Deus soberano. Mas nã o que o cristã o deva ser passivo em seu
esforço de alcançar o perdido ou que possa sentar e esperar até que
Deus faça tudo. Em seu comentá rio sobre Isaías 12.5, Calvino tratou
dessa má interpretaçã o comumente aceita acerca da soberania
divina: “[Isaías] mostra que é nossa responsabilidade proclamar a
bondade de Deus a todas as naçõ es. Enquanto exortamos e
encorajamos os outros, nã o devemos, ao mesmo tempo, sentar-nos
em indolência, mas é apropriado dar o exemplo aos demais; pois
nada pode ser mais absurdo que ver homens indolentes e
preguiçosos estimulando o outro a adorar a Deus” . 14
Como David Calhoun corretamente observa: “O poder de salvar
[almas] pertence a Deus, mas Ele manifesta e descortina sua
salvaçã o por meio da pregaçã o do evangelho” . 15 Embora as
missõ es e o evangelismo sejam, de fato, obras de Deus, Ele se deleita
em usar seu povo como instrumento.
O primeiro dos principais meios pelos quais Deus usa seu povo para
a conversã o dos nã o cristã os é a oraçã o — nossas oraçõ es para a
conversã o dos incrédulos . 16 Nas palavras de Calvino, Deus “nos
ordena a orar pela salvaçã o dos descrentes” , 17 e passagens da
Escritura como 1Timó teo 2.4 encorajam a nã o “cessar de orar em
favor de todos os homens” . 18 É vista essa convicçã o operando nas
pró prias oraçõ es de Calvino, das quais um bom nú mero foi
registrado no final de seus sermõ es. Cada uma das exposiçõ es em
Deuteronô mio, por exemplo, termina com uma oraçã o que segue,
mais ou menos, o seguinte padrã o: “Que agrade a [Deus] conceder
essa graça [salvífica], nã o apenas a nó s, mas a todas as pessoas e
naçõ es da terra” . 19 Na verdade, essa oraçã o está na liturgia que
Calvino escreveu para sua igreja em Genebra:
Oramos a ti, agora, ó mais gracioso Deus e Pai misericordioso, por
todas as pessoas em todos os lugares. Como é da tua vontade ser
conhecido como Salvador de todo o mundo, por meio da redençã o
forjada por teu Filho, Jesus Cristo, concede que aqueles que ainda
sã o estranhos ao conhecimento [de Cristo], estando nas trevas e
cativos do erro e da ignorâ ncia, sejam trazidos, pela iluminaçã o do
teu Santo Espírito e pela pregaçã o do teu evangelho, ao correto
caminho da salvaçã o, que é conhecer-te, o ú nico Deus verdadeiro, e
Jesus Cristo a quem enviaste. 20

Ademais, Calvino exortava o crente a nã o desanimar caso nã o


enxergasse o fruto imediato resultante da oraçã o. Como disse em
seus comentá rios sobre Gênesis 17.23:
Entã o, nesse dia, Deus parece gozar de algo impossível de ser feito,
quando Ele requer que seu evangelho seja pregado por todos os
cantos da terra, com o propó sito de restaurá -la da morte para a vida.
Pois vemos quã o grande é a obstinaçã o de quase todos os homens, e
quã o numerosos e poderosos métodos de resistência Sataná s
emprega, de modo que, em suma, todos os meios de acesso à queles
princípios tornam-se obstruídos. No entanto, cabe ao indivíduo
exercer suas responsabilidades, e nã o ceder aos impedimentos; e,
por fim, nossos esforços e nosso labor de modo nenhum fracassarã o
nesse bom êxito, mesmo que ainda nã o se mostre aparente. 21

O crente, portanto, deve empregar ativamente suas forças para


trazer a salvaçã o de Deus aos demais. Em seu sermã o sobre
Deuteronô mio 33.18–19, Calvino entã o argumenta que se envolver
com o serviço de Deus nã o é o suficiente. O crente deve conduzir o
pró ximo a servir e adorar a Deus . 22 Especificamente, como o
Senhor usa a força dos cristã os? A resposta de Calvino é que Deus a
usa por meio de suas palavras e obras. Visto que o reformador tinha
alta apreciaçã o pela Palavra de Deus, é natural esperar que este seja
o principal meio de testemunhar. Ele, entã o, declarou que os
profetas do Antigo Testamento prediziam “a renovaçã o da Igreja ou
sua expansã o por todo o mundo”, e, assim o fazendo,
invariavelmente davam “o primeiro lugar à Palavra” . 23 Agindo com
esta convicçã o, Calvino encorajou a traduçã o e a publicaçã o das
Escrituras durante a Reforma de Genebra. Isso também explica sua
devoçã o à pregaçã o expositiva como há bito e sua produçã o de
comentá rios em todos os livros do Novo Testamento (a nã o ser
2Joã o, 3Joã o e Apocalipse) e numa quantidade de livros do Antigo
Testamento. A pregaçã o também é central aqui, como observou
Calvino: “Deus deseja que sua graça seja conhecida por todo o
mundo e ordenou que seu evangelho seja pregado a todos os
homens” . 24
O testemunho, entretanto, nã o é nascido somente da Palavra, mas
também das obras. Calvino fundou uma academia em Genebra para
o preparo de missioná rios, especialmente para sua terra natal, a
França. Um nú mero significativo desses homens de fato saiu de lá
preparado, dos quais alguns morreram má rtires. Cinco deles, por
exemplo — Martial Alba, Pierre Ecrivain, Charles Favre, Pierre
Navihères e Bernard Seguin —, foram de Lausanne para Genebra na
primavera de 1552, onde conheceram Calvino enquanto se
preparavam para voltar à França como missioná rios na regiã o de
Lyon. A caminho, encontraram um homem que perguntou se
poderia viajar com eles. Sem suspeitas a seu respeito. Parecia
alguém hospitaleiro. Chegando ao destino, insistiu que viessem e
permanecessem com ele. Os cinco aceitaram, mas logo foram traídos
e em seguida entregues nas mã os das autoridades, em abril de 1552.
Assim que soube da prisã o, Calvino iniciou uma campanha de cartas,
buscando pressionar o rei francês Henrique II por meio de um
nú mero de aliados protestantes alemã es. Porém, na primavera de
1553, tornou-se ó bvio que ele nã o seria capaz de obter a soltura
daqueles homens. No dia 15 de maio de 1553, o reformador
escreveu aos cinco, que estavam face a face com a morte e com o
martírio. Os alunos nunca viram esta carta, pois foram queimados
no dia 16 de maio:
Uma vez que agrada a [Deus] empregá -los na morte durante sua
batalha [contra o mundo], Ele fortalecerá suas mã os para a peleja, e
nã o derramará uma ú nica gota de sangue em vã o. E, ainda que o
fruto possa nã o surgir de uma só vez, mesmo assim, em tempo ele
crescerá mais abundantemente do que se pode imaginar. Mas, como
Deus lhes concedeu o privilégio de ter as amarras afamadas cujo
ruído será propagado amplamente, é necessá rio que, a despeito de
Sataná s, a morte de vocês ressoe muito mais poderosamente, para
que, por esse meio, o nome de nosso Senhor seja magnificado. Da
minha parte, nã o tenho dú vidas, se o nosso terno Pai se agrada de
tomá -los para si, mesmo os tendo preservado até agora, é para que o
aprisionamento prolongado de vocês sirva de preparo para um
melhor despertar daqueles que Ele determinou edificar mediante
este desfecho. Pois deixe o inimigo dar o seu má ximo, ele jamais será
capaz de enterrar a luz que Deus fez brilhar em vocês, brilho este
que pode ser visto de longe. 25

Neste caso Calvino considerou o ato do martírio um poderoso


testemunho para o evangelho, mesmo que sem palavras.
O reformador também estava convencido de que qualquer cristã o
precisa estar preparado para testemunhar a todos que puder, por
palavras e obras, sobre a graça e a misericó rdia de Deus em Cristo.
Note-se que, lidando com a propagaçã o do evangelho, Calvino nã o
fazia distinçã o entre a responsabilidade de pastores e de outros
cristã os. Todos devem estar envolvidos . 26
Perceba também que ele e os pastores genebrinos ajudaram a
continuar a obra evangelista da Reforma na Europa por meio da
mídia impressa. Na época da morte de Calvino, seu interesse pela
publicaçã o cristã resultou em uma média de trinta e quatro casas
publicadoras em Genebra, que imprimiam Bíblias e literatura cristã
para uma variedade de idiomas europeus. Durante os anos 1550,
Genebra foi centralmente ativa na publicaçã o de ediçõ es e traduçõ es
da Escritura. Havia, por exemplo, o Novo Testamento de 1551 de
Robert Estienne, que dividiu o texto em versículos pela primeira
vez; uma nova ediçã o da Vulgata; uma traduçã o italiana e outra
espanhola, em 1555 e 1556 respectivamente; e ao menos vinte e
duas ediçõ es da Bíblia em francês. E, em 1560, uma traduçã o toda
em inglês foi impressa em algum momento entre 10 de abril e 30 de
maio. Era a Bíblia de Genebra, base do puritanismo inglês.
Calvino esperava que Deus usasse um determinado meio para
espalhar o evangelho que nó s, hoje, no Ocidente, provavelmente nã o
consideramos — isto é, o evangelismo por meio de autoridades e
magistrados cristã os. Por exemplo, Calvino enxergava a ascensã o ao
trono de Elizabete I (1558–1603) como um sinal esperançoso para o
avanço do evangelho na Inglaterra. Ao longo dos anos ele também se
correspondeu extensivamente com um certo nú mero de mulheres
nobres francesas, especialmente Jeanne d’Albret (1528–1572), a
rainha de Navarra. Essa nobre francesa desempenhou um papel
importante na reforma francesa, e o reformador reconheceu que, a
fim de abrir novos territó rios para a propagaçã o da fé evangélica,
necessitava do auxílio dela e de outras nobrezas.
 
MOTIVAÇÕES PARA EXPANDIR O REINO DE CRISTO
O que deve motivar o cristã o a testemunhar de sua fé? Em primeiro
lugar e antes de tudo, a gló ria de Deus. Como Calvino declarou em
seu sermã o sobre Deuteronô mio 33.18–19: “Quando conhecemos a
Deus como nosso Pai, nã o desejaríamos nó s que Ele assim fosse
conhecido por todos? E se nã o temos essa paixã o, de que todas as
criaturas o reverenciem, nã o é sinal de que sua gló ria significa pouco
para nó s?” . 27
Em outras palavras, se somos verdadeiramente apaixonados pela
gló ria de Deus, nossa paixã o resultará em testemunho. A vida cristã ,
em toda a sua plenitude apostó lica, é marcada por espírito de
sacrifício, reconhecer que o cristã o nã o pertence a si mesmo, mas
pertence inteiramente a Deus e deve viver para a sua gló ria. Nas
palavras de Calvino:
Embora a lei do Senhor proveja o melhor e mais disposto método de
ordenar a vida do homem, pareceu bom ao Mestre Celestial moldar
seu povo por meio de um plano ainda mais explícito do que aquela
regra por Ele estabelecida na lei. Aqui [em Romanos 12], entã o, está
o início desta estrutura: a responsabilidade dos crentes é
“apresentar os seus corpos a Deus como sacrifício vivo, santo e
agradá vel a Ele” […] Somos consagrados e dedicados a Deus para
que, doravante, nada pensemos, falemos, meditemos ou façamos se
nã o for para a gló ria divina . 28
Além do mais, testemunhar a fé é agradá vel a Deus. Considere a esse
respeito a carta de Calvino destinada a um proprietá rio de terras na
ilha de Jersey, escrita por volta do ano de 1553:
Louvamos a Deus por ter inclinado o seu coraçã o à possibilidade de
erguer, por seus meios, uma pequena igreja no local onde reside. E,
de fato, à medida que os agentes do Diabo se esforçam por todo ato
de violência para abolir a verdadeira religiã o, extinguir a doutrina
da salvaçã o e exterminar o nome de Jesus Cristo, é muito justo que
trabalhemos do nosso lado para promover mais ainda o progresso
do evangelho, para que assim, por esses meios, Deus possa ser
servido em pureza, e que as pobres ovelhas errantes sejam
colocadas sob a proteçã o do soberano Pastor a quem todos devem
estar sujeitos. E você sabe que é um sacrifício mui agradá vel a Deus
o avançar da propagaçã o do evangelho pelo qual somos iluminados
no caminho da salvaçã o, dedicando nossa vida à honra daquele que
nos resgatou por tã o alto preço, a fim de exercer domínio em nosso
meio. 29

Logo, devemos evangelizar pois fomos ordenados a fazê-lo por


Cristo . 30 A compaixã o pela condiçã o perdida dos povos deveria
também levar o cristã o a testemunhar. “Se tivermos um pouco de
humanidade”, declarou Calvino em um sermã o sobre Deuteronô mio
33, “na presença de homens caminhando para a perdiçã o […] nã o
deveríamos ser movidos pela piedade a resgatar as pobres almas do
inferno e lhes ensinar o caminho da salvaçã o?” . 31 O cristã o que nã o
testemunha é, na verdade, uma contradiçã o em termos. Comentando
em Isaías 2.3: “O piedoso está cheio com tã o ardente desejo de
compartilhar as doutrinas da religiã o que, nã o satisfeito apenas com
o seu pró prio chamado e seu conhecimento pessoal, zela por atrair o
pró ximo para que se junte a ele. E, de fato, nada poderia ser mais
inconsistente com a natureza da fé do que aquele estado de morte
que conduz o homem a desprezar seu consanguíneo, mantendo a luz
do conhecimento sufocada em seu pró prio peito” . 32
 
GENEBRA COMO CENTRO MISSIONÁRIO
Genebra nã o era uma cidade de grande porte. Durante a vida de
Calvino, atingiu em 1560 um pico com pouco mais que vinte mil
cidadã os, dos quais boa parte era de refugiados religiosos . 33 Nã o
obstante, tornou-se o centro missioná rio da Europa nesse período
reformador. Calvino buscou aparelhar a energia e os dons de muitos
dos refugiados religiosos a fim de tornar Genebra central à expansã o
do pensamento e da piedade da Reforma ao longo da Europa. Isso
significou treinar e preparar boa parte desses refugiados para cada
um retornar à sua terra natal com o ímpeto evangelista e
reformador. Compreensivelmente, Calvino estava bastante
preocupado com a evangelizaçã o da sua terra natal, a França, e dos
seus compatriotas franceses. Pelas estimativas, até 1562 algo em
torno de 2 150 congregaçõ es já haviam sido fundadas na França com
cerca de dois milhõ es de membros, muitos deles convertidos
mediante o testemunho de homens treinados em Genebra . 34 Esses
dois milhõ es abrangiam 50% da classe alta e média e 10% da
populaçã o como um todo. O crescimento cresce aos olhos quando se
reconhece que, durante o período da conversã o de Calvino, no início
de 1530, provavelmente nã o havia mais que algumas centenas de
cristã os na França.
Mas o reformador estava preocupado nã o apenas com a reforma na
França, mas também com a reforma da igreja em lugares como a
Escó cia e a Inglaterra, a Espanha, a Polô nia, a Hungria e a Holanda.
Ele até encorajou uma missã o ao Brasil em 1555, que falhou . 35
Digno de nota, quando a igreja de Genebra ouviu essa oportunidade
em territó rio brasileiro, o cronista da época e participante da missã o
ao Brasil, Jean Léry registrou que “ao ouvir a notícia, a igreja de
Genebra imediatamente agradeceu a Deus pela expansã o do reino
de Jesus Cristo em um país tã o distante e tã o diferente, entre uma
naçã o completamente destituída do conhecimento do Deus
verdadeiro” . 36 Nã o é de admirar que, à luz de todos esses projetos
missioná rios, Calvino tenha escrito: “Quando pondero quã o
importante é esse recanto [Genebra] para a propagaçã o do reino de
Cristo, tenho bons motivos para ansiar que ele seja cuidadosamente
vigiado. ” 37
 
UMA PALAVRA DE CONCLUSÃO
Os tempos modernos afirmam que a tradiçã o cristã proveniente de
Calvino é essencialmente indisposta ao zelo missioná rio e
inerentemente antimissioná ria. Alguns dos que dizem coisas do tipo
sã o historiadores fortemente instruídos e altamente estimados em
suas respectivas escolas. Talvez estejam confundindo calvinismo
bíblico com hipercalvinismo, que tem frequentemente se
desenvolvido à s margens da tradiçã o reformada. Todo movimento
tem seu elemento marginal, e este representa seu cerne tanto
quanto um giz se assemelha a um queijo.
Capítulo 9
 
Calvino sobre os princípios do governo
 
David W. Hall

Comparado aos seus escritos sobre outros assuntos, Joã o Calvino


oferece um nú mero bem menor de comentá rios acerca de questõ es
políticas nas Institutas da Religiã o Cristã , sua magnum opus . Mas
raramente tã o poucas palavras tiveram tanto impacto político.
Enquanto muitos teó logos seguidores de Calvino dificilmente
encarariam comentar a respeito do Estado em um texto de teologia
sistemá tica, o reformador francês abordou questõ es políticas sem
receio algum. As quarenta pá ginas resultantes da discussã o sobre o
governo civil no capítulo final das Institutas abriram caminho para
outros comentá rios. Felizmente, muitos tratados já abordaram essa
á rea essencial da cultura humana . 1
O pará grafo conclusivo das Institutas é também, em alguns aspectos,
o culminar de uma tradiçã o. Este seguiu décadas de pensamento
renascentista e sintetizou séculos de reflexã o teoló gica da ala
medieval e escolá stica a respeito de princípios políticos. Calvino nã o
estava só ao abordar essas questõ es; nã o era alheio a líderes
teoló gicos da época expor questõ es relacionadas ao Estado.
Entretanto, a subsequente expansã o e repercussã o do pensamento
de Calvino por parte de seus seguidores, basicamente criou uma
nova trajetó ria para o discurso político. Nã o é exagero observar que,
antes dele, alguns princípios políticos eram vistos como radicais, ao
passo que depois passaram a ser amplamente aceitos. Isso é verdade
em todos os â mbitos governamentais — tanto na igreja quanto no
Estado.
Qualquer aná lise adequada do pensamento político de Calvino deve
começar sua discussã o nas Institutas , mas uma compreensã o mais
precisa também levará em conta seus escritos e, certamente, a forma
como seus discípulos codificaram seus ensinos em uma escola de
pensamento político. Esse capítulo começa com a teologia de Calvino
acerca do governo civil e conclui demonstrando como esses mesmos
princípios estavam ligados à eclesiologia reformada. Como tais, a
teoria de governo de Calvino é vista como unificada.
 
AS INSTITUTAS DE CALVINO: O PROJETO PARA O GOVERNO
CIVIL
O pensamento político de Calvino nas Institutas da Religião Cristã
ainda é visto como detentor de um imenso impacto político, até
mesmo para os críticos da Reforma. Afirmando que o Estado nã o era
apenas um mal necessá rio na visã o do reformador, Karl Holl
reconheceu que o calvinismo, ainda mais que o luteranismo,
forneceu uma base teoló gica para a oposiçã o de governos injustos . 2
Onde quer que o calvinismo fosse disseminado, junto estaria o
impulso de impor limites ao governo . 3
Primeiro-Ministro
calvinista holandês, Abraham Kuyper (1837–1920) resumiu a
essência da ênfase teocêntrica de Calvino:
É portanto política a fé que pode resumidamente expressar-se
nestas três teses: 1. Somente Deus, e jamais qualquer criatura, é que
possui direitos soberanos sobre o destino das naçõ es, pois somente
Deus as criou, as mantém pelo seu domínio Todo-Poderoso e as
governa por suas ordenanças; 2. O pecado, no â mbito da política,
transgride a direta governança de Deus, e portanto o exercício da
autoridade, sob intençõ es do governo, tem sido depositado em
homens como resoluçã o mecâ nica; e 3. Por quaisquer formas que
essa autoridade se revele, o homem nã o exerce nenhum tipo de
poder sobre seus companheiros senã o pela autoridade que lhe
descende da majestade de Deus . 4
O calvinismo, continua Kuyper, “protesta contra a onicompetência
do Estado, contra a terrível concepçã o de que nenhum direito existe
acima e além das leis existentes, e contra o orgulho do absolutismo,
que nã o reconhece nenhum direito constitucional”. O calvinismo
“construiu uma barragem do outro lado da corrente absolutista, nã o
apelando à força popular nem à alucinaçã o da grandeza humana,
mas deduzindo esses direitos e liberdades da vida social a partir da
mesma fonte da qual a elevada autoridade do governo flui, da
absoluta soberania de Deus” . 5
Tais pensamentos estã o de fato contidos nas Institutas da Religião
Cristã , de Calvino, a qual passou por considerá vel evoluçã o entre as
ediçõ es. A ediçã o original, de 1536, escrita na Basileia , 6 combinava
o capítulo sobre o governo civil com a seçã o sobre a liberdade cristã
e o poder eclesiá stico. Na ediçã o de 1559, Calvino explicou que o
governo civil era a segunda parte de um governo duplo,
devidamente estruturado para “estabelecer a justiça civil e a
moralidade externa” . 7
As principais seçõ es de Calvino abordam os seguintes tó picos:
1. O magistrado, 8 que é “o protetor e guardiã o das leis”, 9

2. As leis, que fornecem objetividade para os governantes, 10

3. O povo, 11 uma afirmaçã o primitiva da teoria dos contratos, mais


tarde associada corretamente a Ponet, Beza, o Vindiciae , Buchanan e
Althusius.

Calvino acreditava que o governo civil dá exemplo de como Deus,


com compaixã o, provê para a humanidade; a esfera do governo dos
homens, portanto, seria um símbolo gracioso para a cultura humana,
bem como a pró pria lei. Cabia à autoridade civil garantir que “a
manifestaçã o pú blica da religiã o existisse entre cristã os, e que a
humanidade fosse mantida no trato entre os homens”. Se nã o
existisse o governo civil ou se pessoas depravadas presumissem a
liberdade de escâ ndalos, elas certamente optariam pelo pecado, e a
sociedade se deterioraria em completo caos . 12 Em certa ocasiã o,
Calvino associou essa anarquia ao viver “em absoluta desordem,
como ratos no feno”. Ele argumentava que Deus nã o pede que
indivíduos “deixem de lado sua autoridade e se isolem na vida
privada, mas que submetam a Cristo o poder retido, a fim de que
apenas Ele exerça domínio sobre todos” . 13 Calvino acreditava que
“os poderes procedem de Deus, nã o como a pestilência, a fome, as
guerras e outros castigos que dizem dele proceder; mas porque Ele
os elegeu para o governo legítimo e justo do mundo. Pois, mesmo
existindo a tirania e o exercício injusto do poder, visto serem
repletos de desordem, estes nã o sã o um governo prescrito; todavia,
o direito ao governo é ordenado por Deus para o bem-estar da
humanidade” . 14
Em forte contraste com os anabatistas da época, Calvino reconhecia
o ofício político como totalmente apropriado, caracterizando o
serviço pú blico como o chamado humano mais sagrado e honroso.
Calvino se referia à s autoridades civis favoravelmente como
“vicá rios de Deus” , 15 “a mais alta dá diva do benefício de [Deus]
para preservar a segurança dos homens ” 16
e “protetores
estabelecidos, defensores da inocência pú blica, da modéstia, da
decência e da tranquilidade, [cujo] ú nico esforço deve ser o de
prover a segurança comum e a paz de todos” . 17
Assim, o calvinismo nã o inspirou uma visã o inerentemente negativa
do governo civil. Em outra ocasiã o o reformador declarou que o
objetivo estabelecido para o governo civil era “estimar e proteger a
adoraçã o externa a Deus, defender a sã doutrina da piedade e a
posiçã o da igreja, adaptar a vida humana à sociedade dos homens,
formar o comportamento social para a justiça civil, reconciliar uns
aos outros, e promover a paz e tranquilidade geral” . 18 No início de
1553, ele convocou os magistrados de Genebra a serem “os
defensores, nã o os destruidores, das sagradas leis” . 19 O uso da
espada era o corolá rio necessá rio para a depravaçã o humana. No
cumprimento do quinto mandamento, de honrar aqueles que
ocupam posiçã o de autoridade, os magistrados civis deveriam ser
honrados como superiores. Até mesmo maus governantes guardam
a lei de Deus em certo grau, e a desobediência só seria justificada
como resposta a açõ es contrá rias à lei de Deus. O dever do governo
civil, de acordo com o comentá rio de Calvino em Romanos, é o
seguinte:
Os magistrados podem, portanto, aprender do que se trata a sua
vocaçã o, pois nã o devem governar para interesse pró prio, mas para
o bem pú blico; nem devem ser revestidos de poder desenfreado,
mas daquilo que é restrito ao bem-estar dos beneficiados. Em suma,
eles sã o responsá veis pelo exercício deste poder perante Deus e
perante os homens. Pois, assim como sã o designados por Deus a
cumprir seu propó sito, eles prestarã o contas a Ele; por sua vez, a
ministraçã o delegada por Deus diz respeito ao indivíduo, e portanto
os magistrados lhe sã o devedores . 20
Calvino acreditava que tanto a política quanto a providência eram
operantes; na verdade, ele sugeriu que o reino de Deus já estava
presente, embora nã o completamente concretizado: “Pois de fato o
governo espiritual já nos introduz, a nó s que estamos na Terra, em
certos princípios do Reino Celestial; dele esta nossa vida mortal e
passageira recebe um certo antegosto de bênçã os imortais e
incorruptíveis” . 21 Ele aconselhou: “Que ninguém se inquiete
presumindo que a partir de agora eu transferi ao governo civil o
dever de estabelecer a religiã o devidamente” . 22 Poucos ficariam de
alguma forma mais incomodados com tal afirmaçã o, uma vez que
era senso comum naquela época o governo manter a religiã o.
Calvino reconheceu isso: “Todos confessaram que nenhum governo
pode ser estabelecido com fortú nio a nã o ser que a piedade seja sua
preocupaçã o primá ria” . 23
Calvino também afirma que o
magistrado civil deveria cuidar de ambas as tá buas da lei . 24
Entretanto, conflitos posteriores entre a igreja e estado clamariam
por reavaliaçõ es dessa má xima. Além disso, ele incluiu uma
limitaçã o para sua teoria — isto é, administraçã o nenhuma teria
permissã o para moldar a adoraçã o a Deus segundo a pró pria
imaginaçã o ou para proibir a prá tica da religiã o verdadeira . 25
A fim de nã o rotular Calvino de teocrata, seus comentá rios em Joã o
18.36, em que Jesus declara que seus servos nã o pelejam pela
execuçã o de um reino neste mundo, podem acalmar os â nimos. Sua
visã o de jurisdiçõ es separadas (que nã o é idêntica à doutrina
luterana dos dois reinos), proferida em meados do século XVI, ainda
é ú til. Ao discutir as condiçõ es sob as quais é apropriado defender “o
reino de Cristo com armas”, Calvino escreveu:
Apesar de reis piedosos defenderem o reino de Cristo pela espada,
ainda assim isso é feito nã o com os meios que reinos terrenos
costumam empregar; pois o reino de Cristo, sendo espiritual, deve
ser fundado sobre a doutrina e sobre o poder do Espírito. Da mesma
forma sua edificaçã o é promovida; pois nem as leis nem os decretos
dos homens, nem as puniçõ es por eles infligidas, penetram a
consciência […] Porém, resulta da depravaçã o do mundo que o reino
de Cristo seja fortalecido mais pelo sangue dos má rtires que pelo
auxílio das armas. 26              

Para Calvino, servir no governo civil poderia ser “o mais sagrado


chamado e, de longe, o mais honroso de toda a vida mortal dos
homens” . 27 Ele escreveu que, se entendessem seu chamado — isto
é, “que se ocupassem nã o de assuntos profanos ou estranhos a um
servo de Deus, mas se esmerassem em santo ofício, dado que
servem como representantes de Deus” —, as autoridades serviriam
com mais equidade . 28 Ecoando a morfologia do Estado de
Aristó teles e sua tendência a deteriorar a monarquia em tirania e a
democracia em anarquia, Calvino defendia um “sistema composto de
aristocracia e democracia”. Ele também enxergava um lugar legítimo
para o sistema de freios e contrapesos, compreendendo a
necessidade “de estabelecer oficiais para censurar e restringir a
obstinaçã o [dos monarcas] . 29
O magistrado civil nã o agia por conta pró pria, mas “executava os
julgamentos do pró prio Deus” portando a espada para a puniçã o dos
infratores da lei . 30 Calvino citou o fato de o rei Davi ter tolerado a
destruiçã o dos iníquos da terra como exemplo do direito de
guerrear. Mas, longe de legitimar a vingança, violência ou crueldade
indevida, o magistrado deveria evitar tanto a severidade exorbitante
quanto “uma afeiçã o supersticiosa por clemência”. Aludindo a um
provérbio de Sêneca, Calvino contribui dizendo: “É de fato ruim
viver debaixo de um príncipe que nada permite; mas muito pior é
viver debaixo de alguém que tudo tolera” . 31 Ele arrazoou: “De
modo que, se a verdadeira justiça [dos governantes] é perseguir o
culpado e o ímpio com a espada desembainhada, abster-se de portá -
la e conservar as mã os limpas de sangue enquanto os homens se
entregam a matar e executar todo tipo de massacre é tornar-se
culpado de muito maior perversidade; agindo assim,
excessivamente longe estã o de receber louvor por sua bondade e
justiça!” . 32
Em uma frase que se tornaria incendiá ria, Calvino notou que nã o só
os reis mas também “o povo por vezes tem o dever de pegar em
armas para executar vingança pú blica” . 33 A mesma base usada
para fazer guerras foi usada tanto para justificar a revoluçã o como
para acabar com a sediçã o. Uma vez que o dever dos magistrados é
punir malfeitores individualmente, entã o eles certamente podem
também punir multidõ es e proteger o país do inimigo externo.
Independentemente da classe, o governante deveria proteger o povo
de saqueadores tanto quanto de invasores. Se nã o o fizesse, ele seria
considerado um ladrã o digno de censura. A ló gica de Calvino se
encontra na ideia de que o governador tem o direito de guerrear,
como ele veio a perceber, tanto “por equidade natural como por
natureza do ofício” . 34 Se embasamentos adicionais fossem
necessá rios para refutar o pacifismo, Calvino argumentaria que os
governantes podem defender seus sú ditos, pois nã o era preciso
argumentar exclusivamente pelo Novo Testamento, e que Cristo nã o
ordenou que soldados renunciassem ao cargo . 35
A atençã o de Calvino dada a um conjunto abrangente de interesses
civis é evidenciada pelo debate acerca dos direitos do magistrado de
taxar abordado nas Institutas . Ele recomendou limites prudentes,
defendendo que os impostos devem subsidiar somente as
necessidades pú blicas, pois “impô -los sem motivo a pessoas comuns
é extorsã o tirâ nica” . 36 A obediência era uma responsabilidade
cristã nessa á rea; a realeza, entretanto, nã o deveria ceder aos gastos
e luxos caros”, a nã o ser que quisessem ter o desprazer de Deus.
Calvino aludiu à taxaçã o excessiva em um comentá rio posterior:
“Alguns sugam o dinheiro do povo e depois o esbanjam com insana
liberalidade” . 37
Para Calvino, outro importante tó pico para o debate é o uso da lei
civil do Antigo Testamento, a qual ele chamava de “magistrado
silencioso”. Em uma repú blica estabelecida, as leis eram “os mais
fortes tendõ es de uma comunidade” . 38 Nã o tã o teocrá tico quanto
se esperaria, Calvino afirmou que assim como as leis cerimoniais do
Antigo Testamento (leis que regulavam sacrifícios e a dieta, nã o
consideradas permanentes como a lei moral) foram “abolidas,
contudo sem causar dano ou prejuízo à piedade, quando leis civis
foram ab-rogadas, os deveres perpétuos e os preceitos de amor
ainda permaneceram ”. 39 Ele admitiu que naçõ es em suas
diferenças eram livres para fazer leis da maneira que melhor
entendessem, mas com o seguinte pressuposto: “Ainda assim, elas
devem estar em conformidade com a regra perpétua do amor, de
modo que realmente variam em forma, mas com o mesmo
propó sito” . 40
Embora alguns de seus contemporâ neos
defendessem que uma comunidade só poderia ser “devidamente
estruturada” se incluísse uma abordagem teonô mica, Calvino
chamou essa ideia de “perigosa”, “sediciosa”, “falsa e tola” . 41
Calvino ensinava que, conquanto nem todos os pormenores e
particularidades da lei civil mosaica fossem obrigató rios, o princípio
moral de cada mandamento continua.
A lei moral , 42 que para Calvino era nada menos que o “testemunho
da lei natural” e da consciência, nunca foi revogada, diferente dos
có digos civis e cerimoniais: “Consequentemente, toda a forma desta
equidade que agora citamos está prescrita nela. Ela somente deve
ser o alvo e a regra e o limite de todas as leis. Quaisquer que forem
as leis formadas por esta regra, direcionadas a este alvo, limitadas
por este limite, nã o há porquê nã o aprová -las, ainda que se
diferenciam da lei judaica ou das de outras naçõ es” . 43
Nã o obstante, Calvino nã o ensinou que a lei mosaica deveria estar
em vigor por todo o mundo. Raramente acusado de negligência, seus
comentá rios devem ser levados a sério. Dito isso, neles o reformador
nã o rejeita os princípios equitativos do Antigo Testamento, mas
sugere a adaptaçã o de aspectos nã o essenciais e que nã o se referem
à expressã o moral. Calvino percebeu que era possível manter a
aplicabilidade da lei de Deus sem necessariamente defender todas
as especificidades culturais do có digo hebreu original. Alguns de
seus descendentes políticos aderiram a essa noçã o mais que outros.
Calvino reconhecia que os cristã os certamente poderiam fazer bom
uso dos tribunais de justiça, ideia derivada do seu entendimento
adequado das leis e do magistrado . 44 Ter acesso ao processo
judicial nã o era algo mau em si mesmo, e o direito de intentar uma
açã o era corolá rio ló gico da refutaçã o que Calvino apresentava ao
pacifismo, dessa vez aplicado ao direito pessoal de defender
judicialmente cada um a sua propriedade. Mas Calvino alertava
contra a ganâ ncia, a vingança e sobre a confiança excessiva no litígio
. 45 Típico de sua ética, ele recomendava moderaçã o, por vezes
sofrer prejuízo econô mico, e para resumir: “O amor dará a cada
homem o melhor conselho” . 46
Em sua terceira seçã o, Calvino enumera as responsabilidades dos
cidadã os cristã os, começando com um chamado a honrar o ofício
estabelecido por Deus como responsabilidade primá ria. Além disso,
indivíduos deveriam provar obediência ao pagar impostos, obedecer
a decretos e servir para proteger a naçã o. Ademais, Calvino advertiu
aos cristã os que nã o se intrometessem excessivamente na
autoridade do magistrado caso este honrasse o ofício . 47
O debate acerca da liberalidade do governo levou Calvino a
autorizar a reaçã o comum de dar a governantes opressores o título
de “tiranos” . 48 Ainda, no entanto, ele alerta que a mera existência
de certas taxaçõ es abusivas ou de má administraçã o pú blica nã o
significa ter a permissã o divina para derrubar o tirano. Das
Escrituras ainda procede a prioridade de submeter-se aos
governantes, os quais “têm sua autoridade unicamente como
oriunda dele [Deus]” . 49 Além do mais, Calvino devota vá rias
seçõ es, baseando-se fortemente nas narrativas de Daniel e Jeremias,
para discutir como a providência de Deus exige que se pressuponha
a submissã o ao governo civil . 50
A despeito dos muitos chamados a esse tipo submissã o, em alguns
casos mesmo os magistrados de menor autoridade tinham
justificativas para derrubar governantes perversos. Entretanto, nã o
era algo a ser executado por indivíduos de modo particular. O
argumento de Calvino, que foi esboçado por seus discípulos, consiste
em afirmar que as autoridades (onde quer que seja, no lar, na igreja
ou na esfera civil) também tinham obrigaçõ es. O abuso dos deveres
poderia invalidar sua autoridade e relegá -los à posiçã o de tirano.
Calvino reconhecia que, em certos momentos, a providência divina
se cumpria na queda de governos perversos, mas ele ainda preferia
deixar que o Senhor corrigisse o despotismo desenfreado . 51

Calvino instava o crente a considerar que por meio da oraçã o Deus


poderia mudar o coraçã o das autoridades . 52 Quanto à revoluçã o,
ele defendia um tipo de revoluçã o pacífica e gradativa com a
mediaçã o de magistrados:
Pois se há agora algum magistrado do povo, designado para
restringir a obstinaçã o dos reis, (como os éforos nos tempos
antigos...), estou excessivamente longe de proibi-los de fazer
oposiçã o, em conformidade com suas responsabilidades, à severa
licenciosidade dos reis; de modo que, se fecham os olhos para
príncipes que assaltam e deterioram com violência o humilde povo,
declaro que a dissimulaçã o deles envolve perfídia nefasta, pois
desonestamente traem a liberdade de pessoas comuns, dos quais,
sabem eles, foram nomeados protetores segundo a ordenança de
Deus. 53

A ó bvia exceçã o para qualquer tipo de regulamento, entretanto, era


que o povo nã o tinha simplesmente a liberdade, mas também o
dever de resistir ao magistrado que impelisse atividades ímpias.
Calvino ensinava que havia exceçõ es para as consideraçõ es acima,
mas também que a obediência a Deus era de primeira ordem: “A
obediência [à s autoridades] jamais deve conduzir a desobedecer a
Deus”, um bom exemplo de absolutismo competente . 54 Ele
argumentou: “Quã o absurdo seria satisfazer o homem mas incorrer
no desagrado de Deus, uma vez que por Ele é que obedecemos aos
homens!”. Ainda mais, esse argumento é balanceado ao concluir que
deve “haver conforto na convicçã o de representar a obediência que
o Senhor requer quando se sofre em vez de afastar-se da piedade . 55
O outro aspecto do argumento de Calvino de que a resistência é
apropriada debaixo de certas condiçõ es, é o conceito de autoridade
proporcional. Ele mantinha que uma autoridade menor (presbítero,
pai, magistrado) nã o poderia contradizer a autoridade ou as normas
de uma autoridade superior. Calvino expressa desta maneira: “Ah,
como se Deus tivesse conferido seu direito a meros mortais, dando-
lhes a autoridade sobre a humanidade! Ou como se o poder terreno
fosse diminuído quando submetido ao seu Autor” . 56 Uma mistura
de fatores necessá rios, entã o, determinava se a revoluçã o estava em
ordem. Estes sã o: um tirano que excede seus limites divinamente
traçados; um tirano que, ao fazê-lo, contradiz alguma outra ordem
divina; e magistrados de autoridade inferior para trazer correçã o
constitucional.
 
A TEOLOGIA POLÍTICA DE CALVINO EM OUTRAS OBRAS NO
ANTIGO E NOVO TESTAMENTO
O principal reformador de Genebra, contudo, era mais que a soma
de uma teologia precisa. Ele também era um competente
comentarista e comunicador. Guiado pela necessidade de registrar
conhecimento bíblico para a posteridade, Calvino compô s
comentá rios sobre a maioria dos livros bíblicos. Seus escritos
contêm discussõ es prá ticas bem como tratados doutriná rios,
expondo sobre assuntos que abrangiam desde o relacionamento
humano a preocupaçõ es éticas no trabalho. Diversas partes dos
comentá rios de Calvino desenvolveram certos temas significativos
mais amplamente do que seus sermõ es ou as Institutas permitiriam.
Modelos representativos, concentrados em diversas passagens-
chave, aliados a outros comentá rios esclarecedores sã o expostos
abaixo a fim de apresentar uma visã o mais completa do pensamento
de Calvino.
Em seus comentá rios sobre Gênesis 49, Calvino observou: “A fim de
fazer distinçã o entre um governo legítimo e uma tirania, reconheço
que conselheiros uniram-se ao rei para administrar os assuntos
pú blicos de forma justa e ordeira” . 57 Calvino também expressou
sua aprovaçã o das tradiçõ es republicanas clá ssicas: “Visto que Deus
lhes deu o uso dos direitos civis, a melhor forma de preservar sua
perpétua liberdade era gerir uma condiçã o de severa igualdade, de
modo que alguns de imensa riqueza nã o oprimissem o corpo geral
[...] Visto que, portanto, se os ricos tivessem a permissã o de
constantemente aumentar suas riquezas, teriam eles tiranizado o
restante, Deus restringiu o poder imoderado por meio desta lei” . 58
A teoria de resistência proposta por Calvino é exposta com maior
profundidade em seu comentá rio sobre a rebeliã o das parteiras
hebreias . 59 Ele caracterizou qualquer obediência ao comando
assassino do Faraó como absurdamente absurdo, uma afronta
detestá vel, uma concepçã o doentia na tentativa de “satisfazer os reis
transitó rios da terra”, “sem levar em consideraçã o Deus” . 60 Ainda
mais claro nesse contexto, Calvino escreveu que Deus nã o delegou
seus direitos a príncipes, “como se todo poder terreno que se exalta
contra o céu precisasse de muito para ceder”.
Ê XODO 18
O comentá rio de Calvino em Ê xodo 18 demonstra sua apreciaçã o
pela robusta contribuiçã o hebraica para a causa do republicanismo .
61
Entre Nirod e 62 e Moisés a noçã o de uma repú blica desapareceu
ou parecia desconhecida. Calvino compreendeu que por quatro
séculos os israelitas conheceram unicamente a regra moná rquica
dos faraó s. Assim, o plano do tipo republicano sugerido por Jetro
aparece como uma inovaçã o que nã o se originou da mente do
homem, pensou Calvino.
Ao invés de recomendar uma democracia ou monarquia, Jetro
aconselhou a Moisés e ao povo que selecionassem uma pluralidade
de representantes prudentes (Ex 18.21) . 63 Moisés instituiu uma
série de administraçõ es formais com magistrados maiores e
menores, e isso muito antes da idade de ouro do governo greco-
romano, do Iluminismo ou de outras revoluçõ es modernas. A antiga
estrutura federal adotada em Ê xodo 18 parecia a Calvino e seus
seguidores (bem como a Aquino e Maquiavel) ser um
republicanismo. Ao comentar sobre  o paralelo feito na passagem de
Deuteronô mio 1.14–16, Calvino investiga o sufrá gio popular (“eleito
pelos votos do povo [...] o tipo mais desejá vel de liberdade […] que
permite a eleiçã o, para que nã o haja governo exceto aquele
aprovado por todos”) . 64 Assim, Calvino enxergava a repú blica
hebraica como um velho exemplo de autoridade consentida pelos
governados.
Mais tarde, o calvinista Johannes Althusius (1563-1638) concordou,
enxergando uma primitiva forma de governo federativo republicano
em Ê xodo 18. Certamente seria exagero afirmar Calvino como o
pioneiro de um ethos democrá tico moderno; seus escritos e sermõ es
nessas passagens do Pentateuco, entretanto, ilustravam a dá diva
inestimá vel de Deus para a comunidade judaica, especialmente a
liberdade de eleger juízes e magistrados.
A maioria dos discípulos de Calvino e Beza forneceu amplos
comentá rios sobre vá rias passagens do Antigo Testamento que, na
opiniã o deles, fornecia orientaçã o geral (se nã o até mesmo
específica) para a formaçã o de governos específicos.
Esses vá rios precedentes do Antigo Testamento, pensava a maioria
dos reformadores, sã o politicamente transferíveis. Muitos desses
mesmos precedentes foram instituídos mais tarde pelos
protestantes em muitos governos. As sementes plantadas por
Calvino floresceram em meio ao discurso político do Ocidente.
1 SAMUEL 8
O sermã o de Calvino em 1Samuel 8, uma das passagens bíblicas
mais interpretadas no sentido político, fornece mais
esclarecimentos sobre sua matriz política. Esta exposiçã o de 1561
discute os perigos da monarquia, a necessidade de limitar o
governo, e o lugar da soberania divina sobre a autoridade dos
homens. Eis um exemplo do melhor do calvinismo, cuidadosamente
balanceando a liberdade individual e o governo adequado.
Calvino começa seu sermã o em 1Samuel 8 afirmando que o povo de
Israel nã o era obrigado a eleger um rei . 65 Alertando contra a
“defraudaçã o e o roubo” hierá rquico, Calvino argumenta que o
Senhor nã o dá aos reis o direito de usar o poder para sujeitar o povo
à tirania. Na verdade, quando a liberdade de resistir parece roubada
pelos príncipes detentores do poder, pode-se de forma justa fazer
esta pergunta: uma vez que reis e príncipes sã o limitados pelo pacto
com o povo […] se transgridem a confiança e usurparam o poder
tirâ nico pelo qual se permitem agir a bel-prazer: nã o é possível ao
povo considerar em uniã o algumas medidas a fim de remediar o
mal?                           
Calvino prega que “há limites prescritos por Deus para o poder
daqueles que governam, com os quais devem estar satisfeitos: a
saber, trabalhar pelo bem comum e para governar e dirigir o povo
na mais pura justiça; nã o a fim de ensoberbecê-los, mas para
lembrá -los de que também eles sã o sú ditos de Deus”. Cabe aos
líderes sempre ter em mente o propó sito (isto é, a gló ria de Deus)
para o qual sã o providencialmente designados.
Calvino observa o alerta de Samuel aos cidadã os para “o domínio
real que eles teriam de suportar e o jugo a que seus pescoços teriam
de pacientemente se submeter”. O reformador infere algo muito
significativo a partir disso: que a intervençã o dos magistrados, e nã o
dos pró prios cidadã os, é que deveria buscar corrigir os abusos e a
tirania.
Sua doutrina confirma que “há recursos legítimos contra tal tirania,
tais como quando outros magistrados e instituiçõ es oficialmente
nomeadas, a quem o cuidado pú blico é atribuído, sã o capazes de
restringir o príncipe à sua devida autoridade, para que, assim, caso o
monarca esforce-se por tomar medidas indevidas, estes líderes
consigam restringi-lo. Mas ele também observa que, se a
intervençã o dos magistrados nã o trouxesse liberdade da tirania,
talvez o povo estivesse sendo disciplinado pela providência de Deus.
Apesar de ser mais tolerante à monarquia que a maioria de seus
sucessores, para Calvino a submissã o ao governo nã o era ilimitada.
Deus estabeleceu magistrados de forma apropriada “para o uso do
povo e para o benefício da repú blica”.
Portanto, o poder régio era circunscrito “nã o para ocupar-se da
guerra precipitadamente, nem para ambicionar maiores riquezas;
tampouco para governar seus sú ditos com base na opiniã o pessoal
ou na luxú ria entregue à livre vontade”. Reis tinham sua autoridade
validada enquanto cumprissem as condiçõ es do pacto com Deus.
Desta forma, ele apregoou do pú lpito de S. Pedro: “Os sú ditos estã o
sob a autoridade dos reis; mas, ao mesmo tempo, os reis devem se
preocupar com o bem-estar pú blico, para que possam cumprir os
deveres prescritos por Deus com bons conselhos e deliberaçã o
madura”.
Antecipando o ensino posterior de Beza e Knox, Calvino ensinou
nesse sermã o que a obediência legítima à s autoridades “nã o
significa dar ao príncipe determinada legitimidade para do povo
abusar deliberadamente [...] Tamanha autoridade nã o é, portanto,
colocada nas mã os dos reis para ser usada indiscriminada e
absolutamente”.                                                       
Inicialmente afirmando as limitaçõ es do poder político, ele diz que a
propriedade privada nã o “estava sob o poder dos reis”. Também eles
deveriam obedecer à s leis, nã o se convencendo de que poderiam
fazer aquilo que que desejassem. Ao contrá rio, as autoridades
deveriam empregar “toda a sua habilidade para o bem dos sú ditos”,
considerando a si mesmos sujeitos à lei de Deus. Calvino teve o
cuidado de explicar que os magistrados foram instituídos “ministros
e servos de Deus e do povo”.
Esse farol genebrino, cujas ideias expositivas mais tarde alcançaram
as margens da América , enumerou os meios usados por reis para o
abuso do poder a partir da narrativa de Samuel e distinguiu o tirano
do príncipe legítimo: “O tirano rege somente por sua pró pria
vontade e desejo, enquanto magistrados legítimos regem pelo
conselho e pela razã o, de modo a determinar meios para obter o
maior bem-estar e benefício pú blico”. Calvino criticava o costume
opressivo dos servidores do governo de “participar em
defraudaçõ es para enriquecer a partir dos pobres”.
Em seu sermã o, Calvino advertiu sobre o custo associado com o
governo hierá rquico e avisou que, se consequências políticas
resultam de escolhas políticas ruins, talvez fossem casos em que
Deus estivesse julgando a naçã o. Calvino nã o convocou uma
rebeliã o, como fez Knox mais tarde. Entretanto, sermõ es parecidos,
bem como reaçõ es à depravaçã o testemunhada no dia do Massacre
de Sã o Bartolomeu, exigiram que a teoria política calvinista
progredisse para o pró ximo nível e abordasse mais diretamente a
justeza da resistência ao governo opressivo.
DANIEL 6
Apesar de alguns teó logos declararem enxergar discrepâ ncias entre
o pensamento primitivo de Calvino nas Institutas e seus
comentá rios e sermõ es mais tardios quanto à questã o da resistência,
uma revisã o de seu comentá rio em Daniel 6.21–23 nã o revela
descontinuidade radical. Reconhecidamente, alguns eventos, como o
dia do Massacre de Sã o Bartolomeu , 66 forçaram o desenvolvimento
e o esclarecimento dentro da tradiçã o política calvinista, mas a
pró pria visã o de Calvino sobre a legitimidade de reformar um
governo ruim nã o precisa ser considerada internamente
inconsistente.
Calvino esperava que seu comentá rio sobre o livro
veterotestamentá rio de Daniel se tornasse um manual para
príncipes. Sua convicçã o de que “o cetro do trono [de Deus] nã o é
senã o a doutrina do evangelho” mostra que o domínio de Deus nã o
deveria ser de coerçã o física. Entretanto, os governantes nã o só sã o
refreados, mas também se espera que sejam virtuosos, evitando o
orgulho, freando seus desejos e mantendo a causa da piedade.
Sempre que as autoridades e os governantes “nã o se submetiam
voluntariamente ao jugo de Cristo”, a turbulência social vinha logo
em seguida. Seu comentá rio também condena juízes corruptos que
satisfazem suas pró prias inclinaçõ es . 67
Exceto por poucos comentá rios, (por exemplo, sobre Daniel 6.22)
Calvino consistentemente desencoraja a rebeliã o a nã o ser em
situaçõ es excepcionais. Assim como os líderes luteranos, ele ensinou
de forma similar que os príncipes, ainda que agentes privados de
liberdade pela tirania de outro soberano, caso se permitam dominar
contrá rios à consciência, devem ter sua autoridade posta de lado e o
seu multiforme comando expelido de todas as formas pela vontade
de seus sú ditos” . 68 O frequente menosprezo de Calvino por reis
ímpios em seus sermõ es sobre Jó e Deuteronô mio, em 1554 e 1555,
e em suas exposiçõ es sobre Daniel, em 1561, indica que ele nã o era,
a princípio, um monarquista, como indicou ser nas Institutas : “É
mais seguro e mais adequado que muitos dominem, dada a
iniquidade e a imperfeiçã o dos homens. Dessa forma muitos
príncipes ajudam-se mutuamente, ensinam e admoestam uns aos
outros, e se houver quem arrogue ser algo injustamente, estes
devem agir de acordo com a censura, reprimindo a deliberaçã o
daquele que nã o se submete” . 69
O comentá rio de Calvino sobre Daniel 6 basicamente consagra todos
os maiores princípios contidos nas Institutas, demonstrando grande
consistência . 70 Ele manifesta sua desconfiança do poder agregado
neste comentá rio: “No lugar de reis, geralmente vemos homens de
bruta disposiçã o mantendo altas patentes, e nã o precisamos voltar à
Histó ria para presenciar tal fato”. Sobre o cará ter vil e desprezível
de algumas autoridades, ele escreveu: “Mas agora os reis nada
querem senã o preferir aqueles que lhes sã o indulgentes, bufõ es e
bajuladores; eles a ninguém louvam exceto homens de vil cará ter”.
Calvino também aludiu à necessidade de leis fixas e normas
universais, alertando que “muitas sã o necessariamente feridas, e
nenhum interesse privado está seguro a menos que a lei seja sem
variaçã o; ademais, havendo liberdade para mudanças, a
permissividade sobrepõ e-se à justiça. Aqueles que estã o em posse
do poder supremo, se corrompidos por dá divas, promulgam
primeiro um decreto e entã o outro. Assim a justiça nã o pode
florescer, onde o mover das leis permite tamanha licenciosidade”.
Sobre a necessidade de resistir ao poder totalitá rio que
indevidamente tenta subjugar a consciência, Calvino notou que
“Daniel nã o poderia obedecer ao decreto [que tornava a oraçã o
pú blica um crime] sem cometer insulto atroz contra Deus e sem se
afastar da piedade”.
O reformador articula com mais clareza sua doutrina da submissã o
contingente ao governo em parte de seu comentá rio sobre Daniel
6.22. Daniel, escreveu ele, “nã o estava de tal modo ligado ao rei dos
persas quando [o rei] arrogou-se deus e proclamou o que nã o lhe
deveria ser oferecido”.
Regimes terrenos foram “constituídos por Deus tã o só sob a
condiçã o de que Ele pró prio nã o se priva de nada, mas solitá rio
reluz sem igual, e todos os magistrados devem ser postos em
harmoniosa ordem e cada autoridade existente deve submeter-se à
gló ria divina”. Daniel nã o errou quando desobedeceu a um pedido
ilegítimo do rei. Quanto aos deveres, Calvino comentou sobre esse
versículo: “De modo que os príncipes deste mundo colocam de lado
seu poder quando se levantam contra Deus, e nã o sã o dignos de
serem contados entre a humanidade. Convém, ao contrá rio, desafiá -
los em absoluto, e nã o lhes prestar obediência”.
A doutrina da contingência exposta por Calvino — isto é, a
autoridade dos governantes flui unicamente da ordenança divina —
também se expressa em sua explicaçã o de Atos 4.19–20. Ele
declarou que, independentemente do título, devemos obedecer aos
oficiais apenas “diante desta condiçã o, se eles nã o nos levam a
desobedecer a Deus” . 71 Ao comentar um capítulo depois, ele
resumiu: “Portanto, obedeçamos à s autoridades enquanto o
mandamento [de Deus] nã o é transgredido”. Seu equilíbrio é
demonstrado em outro comentá rio: “Se o magistrado devidamente
cumpre aquilo que lhe cabe, vã o é aquele o considera contrá rio a
Deus […] Convém obedecer aos ministros e oficiais se obedecemos a
Deus”. Mas, se nos afastam desta obediência, as autoridades nã o têm
honra e “obscurecem sua gló ria”. Para fazer uso de analogia paralela,
se um pai estabelece algo indevido em seu pró prio lar, falta-lhe
honra e ele “nada mais é que um homem”. Da mesma maneira, “Se
um rei ou autoridade ou magistrado torna-se tã o altivo que reduz a
honra e autoridade de Deus, ele nã o passa de um homem […] Pois
aquele que ultrapassa os limites em seu ofício deve ser despojado de
sua honra, a menos que, sob mantos e matizes, a todos engane” . 72
Ao comentar sobre o ensino de Jesus de dar a César o que é de César
e a Deus o que é de Deus, Calvino afirma que a obediência a um
pobre magistrado nã o “nos impede de uma consciência livre à vista
de Deus”, e conclui, “Aqueles que destroem a ordem política
rebelam-se contra o Senhor, e, portanto, esta obediência aos
príncipes e magistrados está sempre ligada à adoraçã o e ao temor a
Deus; mas, por outro lado, se os príncipes reivindicam qualquer
parte da autoridade divina, nã o convém obedecer-lhes além do que
se pode cumprir sem ofender a Deus” . 73
Mesmo em vista dos ensinamentos neotestamentá rios de temer a
Deus e honrar o rei (1Pe 2.17), certas prioridades nã o devem ser
esquecidas. Calvino comenta: “O temor a Deus deve preceder, que
assim os reis têm validada sua autoridade. Pois, se alguém
reverencia um príncipe deste mundo sem antes Deus, comete
grande absurdo, uma vez que perverte completamente a ordem da
natureza”. Calvino observa que “os príncipes deste mundo deixam
de lado todo o seu poder quando se levantam contra Deus, e sã o
indignos de ser contados entre a raça humana. Em vez de cumprir
leis injustas, embora o cuidado ao determinar isso também tenha
sido elogiado, o reformador de Genebra aconselhou o seguinte:
“Convém desafiar em absoluto, e nã o lhes prestar obediência,
aqueles que, rebelando-se, desejam usurpar os direitos de Deus e,
por assim dizer, apoderar-se do seu trono e expulsá -lo dos céus” . 74
ROMANOS 13
Calvino inicia sua discussã o sobre Romanos 13 explicando que todo
poder civil origina-se da soberania de Deus — nã o do homem, como
outros projetos seculares sugeriram mais tarde. Ele entã o examina o
papel do governo civil e o dever do cristã o de submeter-se à s
autoridades, exceto em circunstâ ncias extremas. O governo civil foi
dado, escreveu Calvino, para prevenir o estrago da pecaminosidade
humana. Apesar de coercivo, é uma instituiçã o graciosa para a
sociedade. Lembre-se, Calvino acreditava que qualquer governo é
melhor que a total ausência de governo: “Além do mais, algum tipo
de governo, nã o importa quã o deformado ou corrupto seja, ainda é
melhor e mais benéfico do que a anarquia” . 75
Em suma, portanto, ele concluiu: “Agora, essa passagem confirma o
que eu já havia dito, que devemos obedecer aos reis e governantes,
sejam quem forem, nã o porque somos forçados, mas porque é
agradá vel a Deus; pois Ele os fará nã o apenas temidos, mas também
honrados por voluntá rio respeito” . 76 Além disso, ele convocava o
magistrado a proteger a religiã o e a decência pú blica — “esforcem-
se por promover a religiã o e orientar a moralidade por meio da
disciplina saudá vel” . 77
Calvino pedia que consideraçõ es éticas e religiosas fossem incluídas
em um bom governo, defendia o republicanismo com uma base
autoritativa, rogava ao crente que desse exemplo de virtude, via de
regra submisso, e abriu o caminho para desenvolvimentos políticos
posteriores ao declarar que o governo poderia ser resistido, se
debaixo de certas condiçõ es. Seus discípulos mais tarde alargaram e
expandiram as condiçõ es sob as quais a revoluçã o se diria aceitá vel.
 
HOMOLOGIA DE CALVINO: NO GOVERNO ECLESIÁSTICO E CIVIL
Nã o devemos estimar erroneamente as contribuiçõ es políticas de
Calvino . 78 Alguns estudiosos persistentemente enxergam uma
desconexã o entre Calvino e seus discípulos ou divergência em seus
princípios de governo para o Estado e Igreja. Com um pouco mais de
cuidado aos detalhes, entretanto, pode-se encontrar uma conexã o
orgâ nica entre os princípios governamentais de Calvino em ambas
as á reas . 79 Além disso, a homologia entre as disciplinas reforça a
defesa inabalá vel de certas ideias e estruturas.
As estruturas dinâ micas entre os princípios políticos de Calvino e
sua eclesiologia mostram que, para ele, governos coletivos, como
revelados por Deus, têm similaridades orgâ nicas. Quando
comparadas vá rias posiçõ es, vê-se com clareza esta homologia.
Em termos de duas esferas de governo, alguém pode até   se
perguntar: Calvino cunhou primeiro princípios eclesiá sticos que
mais tarde teriam aplicaçã o na esfera civil? Ou Calvino importou e
revisou princípios do setor civil e entã o os adaptou para a igreja?
A ú ltima opçã o parece logicamente e historicamente imprová vel. O
reformador nã o deu tanta atençã o assim aos princípios de governo
civil até o final de sua vida. Portanto, é distinta a possibilidade de
Calvino primeiramente ter sido um clérigo por excelência, para só
entã o, ao longo do tempo, tomar seus robustos princípios para o
governo da igreja e os adaptar a contextos seculares. É algo que
aparenta se encaixar com nossas consideraçõ es tanto ló gicas como
histó ricas.
Entretanto, também é possível que Calvino tenha desenvolvido
ambas igualmente — embora um contexto fosse mais urgente que o
outro em 1541 —  e que ambas fluam dos mesmos princípios mais
centrais. Isso é o que Harro Hopfl cita como “homologia”, ou a
semelhança de princípios entre as disciplinas. Hopfl identifica as
seguintes propriedades do calvinismo político:
• Calvino detestava autoridades que faziam da pró pria vontade o
parâ metro (sic volo sic iubeo )
• Porque nenhum indivíduo detém o “poder e a amplitude de visã o
suficientes para governar” unilateralmente, necessá rio é haver um
concílio
• Mesmo em uma monarquia, é preciso ter um concílio
• A tirania se manifesta na indisposiçã o por parte da autoridade em
tolerar limitaçõ es ou viver na lei. Toda autoridade deve estar sub
Deo et sub lege (debaixo de Deus e debaixo da lei). 80

Estas restriçõ es sobre as autoridades em quaisquer esferas


moldaram as prá ticas políticas resultantes que foram aprovadas
pelos calvinistas. O resumo de Hopfl é ú til:
Há uma preferência inequívoca por uma forma aristocrá tica
misturada a doses de cunho popular, e por pequenas unidades
territoriais. A monarquia é explicitamente rejeitada para a política
eclesiá stica com bases bíblicas; no governo civil esta rejeiçã o direta
nã o foi possível, por causa da parti pri anterior em favor do
autorizar divino de todas as formas de governo, mas também devido
à posiçã o quase inflexível de Calvino quanto à resistência política.
Nã o obstante, a animosidade contra monarcas é clara o suficiente, e
a monarquia civil permanece um elemento discrepante e
perturbador em um arranjo cuidadosamente sincronizado de
restriçõ es mú tuas. 81

Como notou Doumergue, Calvino foi “o fundador de democracias


está veis e poderosas, nã o um defensor do ‘igualitarismo’, mas da
‘igualdade perante a lei’” . 82
Em outros textos, o reformador criticou tanto os prelados tirâ nicos
quanto os tiranos civis. Calvino se opô s à tirania tanto no governo da
Igreja como no governo do Estado. De semelhante forma também
ensinou que os príncipes, ainda que agentes privados de liberdade
pela tirania de outro soberano, caso se permitam dominar
contrá rios à consciência, devem ter sua autoridade posta de lado e o
seu multiforme comando expelido de todas as formas pela vontade
de seus sú ditos” . 83
Em sua obra sobre Daniel, Calvino notou que convém à s autoridades
“evitar conselhos depravados, uma vez que sã o sitiados de todos os
lados por homens pérfidos, cujo ú nico objetivo é ganhar por meio de
suas falsas representaçõ es” . 84
Porque fortemente tentadas a sucumbir à sua pró pria depravaçã o,
as autoridades careciam de fortes restriçõ es, pois nã o raros eram os
exemplos de indulgência com os pró prios erros, mas perenemente
recorrentes. Calvino também diagnosticou inveja em magistrados, o
que os seduzia a transgredir a lei, e que “eles pisam sobre a justiça
sem pudor e sem humanidade” . 85
Ao comentar Miquéias 5.5, Calvino sugere que as autoridades devem
ser eleitas, interpretando a palavra hebraica para “pastores” como
sinô nima da palavra “autoridades”. Ele afirmou: Nisso, em especial,
consiste a melhor condiçã o do povo, quando lhe é dado escolher, por
consentimento comum, seus pró prios pastores; pois, quando
qualquer um deles, por meio da força, usurpa para si poder
supremo, isso é tirania. E quando os homens se tornam reis por
direito hereditá rio, isso nã o parece consistente com a liberdade.
‘Devemos, portanto, estabelecer príncipes para nó s’, diz o profeta:
isto é, o Senhor nã o apenas dará tempo para sua Igreja respirar,
como também fará com que ela estabeleça um governo fixo e
devidamente ordenado, e isso pelo consentimento comum de todos .
86

Calvino defende essa eleiçã o por sufrá gio comum em seu


comentá rio de Atos: “Consiste em tirania designar ou formar
ministros a bel-prazer”. A eleiçã o por parte dos membros
equilibrava adequadamente a média entre a tirania e liberdade
caó tica . 87
George Bancroft, historiador de Harvard do século XIX, foi um de
muitos a afirmar que as ideias de Calvino reforçaram a causa da
liberdade. Ele e outros notaram a influência do pensamento de
Calvino sobre o desenvolvimento de vá rias liberdades na Europa
Ocidental e na América . 88 Bancroft o exalta como “o principal entre
os legisladores republicanos modernos”, responsá vel por elevar a
cultura de Genebra a “uma fortaleza invencível de liberdade
popular, o terreno fértil da democracia” . 89 Bancroft até mesmo
considerou as “instituiçõ es livres da América” como derivadas
“sobretudo do calvinismo por via do puritanismo”, como observou
Schaff . 90
Bancroft estimava Calvino como um dos principais pioneiros
republicanos, chegando a escrever em determinada ocasiã o “O
faná tico pelo calvinismo era um faná tico pela liberdade; e, na guerra
moral por liberdade, seu credo era seu mais fiel conselheiro e
ininterrupto auxílio. Os puritanos […] plantaram […] os princípios
imortais da liberdade democrá tica” . 91
Calvino é conhecido primeiramente como clérigo, pastor e teó logo,
mas ele também contribuiu muito com as teorias de governo social.
Douglas Kelly salienta algumas de suas contribuiçõ es: “Princípios
governamentais para o consentimento dos governados, separaçã o e
equilíbrio de poderes sã o todos consequências ló gicas de uma visã o
mais séria e calvinista da doutrina bíblica da queda do homem” . 92
Embora o historiador Franklin Palm tenha erroneamente
classificado Calvino como “completamente medieval” e como tendo
favorecido “a aristocracia teocrá tica, na qual era ditador”, ainda
assim ele reconhece as contribuiçõ es do reformador ao “enfatizar a
supremacia de Deus e o direito de resistir a todas as demais
autoridades […] Ele fez muito para coibir os poderes dos reis e para
aumentar a autoridade dos representantes eleitos pelo povo” . 93
Além disso, Palm nota a crença de Calvino no “direito do indivíduo
de remover o magistrado que desobedece à Palavra de Deus [...]
Consequentemente, ele justificou muitos líderes revolucioná rios
crentes de que Deus lhes havia dado o direito de opor-se à tirania”.
Recentemente, John Witte Jr. notou que “Calvino desenvolveu novos
ensinamentos tã o notá veis sobre a autoridade e liberdade, os
deveres e direitos, Igreja e Estado, que estes exerceram influência
duradoura nas terras protestantes”. Como resultado de sua
adaptabilidade, isso “depressa rendeu ao calvinismo moderno um
dos motores do constitucionalismo ocidental. Vá rios dos mais
fundamentais entendimentos do Ocidente sobre direitos civis e
políticos, pluralismo social e confessional, federalismo e contrato
social, e outros mais devem muito à s reformas teoló gicas calvinistas
e políticas” . 94
Esses exemplos tanto ilustram a riqueza dos comentá rios de Calvino
sobre assuntos políticos quanto iluminam certas matizes de sua
teoria que se estendeu além das Institutas . Sua abordagem foi
abrangente, reforçando a reforma dos governos em todos os setores
— nã o apenas no Estado. O legado de Calvino nessa á rea pode ser
um dos seus mais duradouros.

Capítulo 10
 
Calvino acerca da guerra: ministério diaconal em Genebra e
além
 
David W. Hall
 
O calvinismo certamente nã o estava escondido debaixo de um
alqueire ou confinado a um monastério, ao contrá rio, ele irradiava
muitos outros setores fora da igreja, inclusive o tratamento de
muitos problemas sociais. Considerar a histó ria da igreja
protestante como guia para esse tó pico é ú til para o estudo dos
métodos de combate à pobreza. Nesse breve capítulo apresentarei
alguns dos princípios e prá ticas de bem-estar de quase cinco séculos
atrá s. Percebamos que até mesmo por longos períodos de tempo a
condiçã o humana e as soluçõ es sociais sã o surpreendentemente
constantes. Portanto, é sá bio tirar benefício daquilo que teve
sucesso em outras eras. Esse estudo salienta algumas das melhores
prá ticas do calvinismo. Nesse resumo quero que nos concentremos
na parte que Joã o Calvino e outras figuras da tradiçã o reformada
tiveram no desenvolvimento do diaconato.
A Bourse Francaise [“Bolsa Francesa”], um ministério diaconal da
igreja de Genebra, foi fundada em algum momento entre 1536 e
1541, marcando assim logo cedo a contribuiçã o de Calvino para as
estruturas sociais. Seu plano inicial era aliviar um pouco do
sofrimento dos residentes franceses que, fugindo da perseguiçã o
sectá ria da França, chegavam em grandes nú meros à cidade. Estima-
se que de 1550 a 1560 cerca de sessenta mil refugiados fugiram por
meio de Genebra, nú mero este capaz de produzir um estresse social
significativo. A Bourse Francaise tornou-se um pilar do bem-estar
social ; 1 na verdade, essa foi uma das contribuiçõ es de Calvino —
frequentemente ignorada — para a civilizaçã o ocidental. Este
ministério diaconal provavelmente exerceu tanta influência sobre a
Europa de Calvino quanto sua teologia o fez em outras á reas.
O programa de bem-estar propagado por Calvino em Genebra foi
conformado à ênfase teoló gica dos reformadores, provendo uma
ilustraçã o inicial de que prá ticas assim eram e sã o (e o certo é que
assim continue) construídas sobre princípios definidos religiosos ou
ideoló gicos por natureza. Além disso, a teologia da Reforma era a
força que guiava esse bem-estar, tanto quanto a teologia do
catolicismo romano medieval havia sido o princípio a orientar os
atos de caridade. Princípios irrevogá veis moldaram a prá tica do
bem-estar há 450 anos e assim procedem ainda hoje, ou seja, em
momento algum este tipo de açã o social verdadeiramente esteve
divorciado de valores ideoló gicos subjacentes.
O modelo genebrino nã o reivindicava singularidade; ao contrá rio,
ele se enxergava como a culminaçã o de um nú mero de fatores. Este
se via construído sobre os textos iniciais do Antigo Testamento, as
narrativas do livro de Atos e, entre outros, precedentes canô nicos
(e.g., o Sínodo de Tours de 567, que atribuiu a responsabilidade de
cuidar dos pobres a cada pá roco) que descreviam o trabalho do
diaconato. Assim o Bourse se via firmado sobre os ombros servis de
cristã os do passado.
Suas atividades eram numerosas. Seus agentes diaconais estavam
envolvidos no ato de abrigar ó rfã os, idosos e aqueles que de alguma
forma estivessem incapacitados. Eles abrigavam os doentes e
tratavam dos ó rfã os e daqueles envolvidos em imoralidades. Essa
instituiçã o eclesiá stica foi a precursora de sociedades voluntá rias
dos séculos XIX e XX.
No início das Ordenanças Eclesiásticas [Ecclesiastical Ordinances ],
propostas pela primeira vez em 1541, Calvino escreveu uma carta
para os diá conos, distinguindo-os como um dos quatro ofícios
basilares da igreja. Essa ordem reformacional estipulou que, dos
quatro ofícios bíblicos, “havia sempre dois tipos na igreja primitiva,
um designado a receber, dispensar e guardar bens para os pobres,
nã o apenas esmolas, mas também posses, aluguéis e pensõ es; e o
outro a vigiar e cuidar dos doentes e administrar subsídios para os
pobres” . 2 Além do mais, a carta de 1542 prescreveu:
Será deles a responsabilidade de, com diligência, cuidar que o
hospital pú blico seja mantido em ordem, e que seja tanto para o
doente como para o idoso incapaz de trabalhar, para a mulher viú va,
para as crianças ó rfã s e outras pobres criaturas. Os doentes devem
sempre ser alojados em um conjunto de quartos separados dos
daqueles que nã o sã o capazes de trabalhar […] Ainda mais, além do
hospital para aqueles de passagem que precisam de cuidados,
atençã o deve ser dada ao caso de haver alguém digno de especial
caridade . 3
Concluindo esta seçã o, Calvino defendeu “desencorajar a
mendicâ ncia contrá ria à boa ordem, e seria bom, e isso já
ordenamos, que houvesse um de nossos oficiais na entrada das
igrejas para remover aqueles que vadiam; e se houver alguém que se
ofenda ou erga insolência, que haja alguém para levá -los a um dos
síndicos do governo” [Lords Syndic ] . 4 Mendigar sem um trabalho
honesto era uma afronta à ética bíblica protestante do trabalho. Com
seu projeto sofisticado na parte administrativa e sua distinçã o entre
a raiz do problema e as necessidades físicas, o modelo de Calvino é
mais que do interesse histó rico.
O reformador francês estava tã o interessado em ver o diaconato
florescer que deixou nã o apenas uma herança para a família em seu
testamento, mas também fez provisã o para a escola de garotos e
para estrangeiros na pobreza . 5 No entanto, essa Bolsa nã o era uma
instituiçã o inteiramente nova, embora suas raízes estivessem
decididamente ligadas à teologia e à experiência de Genebra. Os
diá conos cuidavam de um amplo leque de necessidades, semelhante
à s divisó rias por classe do bem-estar social que temos hoje em
nossa pró pria sociedade.
Nas Ordenanças Eclesiásticas de Genebra de 1541, Calvino confiava
um robusto papel ao diaconato, em especial nos atos de caridade.
Depois de duas décadas, elas foram revisadas, cuja traduçã o
moderna, de 1561, mostra a sofisticaçã o e o refinamento do
diaconato mesmo antes da morte de Calvino. A seçã o seguinte,
extraída da revisã o daquele ano, deixa claro que o ministério para os
pobres era significativo e bastante organizado na época do
reformador. Nã o era nem de baixa prioridade nem desleixado em
sua organizaçã o. As igrejas reformadas suíças e francesas estavam
de acordo na “Quarta Ordem do Governo Eclesiá stico, os Diá conos”,
escrita da seguinte forma na revisã o de 1561:
56. Sempre houve dois tipos na igreja primitiva: alguns
encarregados de receber, administrar e conservar os bens dos
pobres, as esmolas diá rias, bem como pertences, subsídios e
pensõ es; outros designados a cuidar e tratar dos doentes e
administrar as pequenas porçõ es e necessidades diá rias. (De fato, é
correto que todas as cidades cristã s tenham tal conformidade, como
tentamos fazer e pretendemos continuar [fazendo] no futuro). Pois
temos curadores e administradores hospitalares; e, para evitar
confusã o, um dos quatro curadores do hospital deve receber todos
os bens mencionados acima e ter recursos suficientes para melhor
desempenhar sua tarefa.
57. Permaneça o nú mero de quatro mordomos como tem sido: um
se encarregará dos recebimentos, como afirmado, a fim de que as
provisõ es sejam fornecidas mais depressa e também para que
aqueles que desejam dar esmolas aos pobres tenham maior garantia
de que os bens nã o serã o usados de outra forma. E se a renda nã o
for suficiente, ou mesmo exceder extraordinariamente a
necessidade, permita que o Sínodo aconselhe o ajuste de acordo com
a pobreza observada.
60. É necessá rio cuidar atentamente que o hospital comum seja
corretamente mantido e que seja tanto para os doentes quanto para
aqueles que nã o conseguem trabalhar, como viú vas, ó rfã os ainda
novos e outros carentes. No entanto, os doentes devem ser alojados
em um quarto à parte e separado dos outros.                           
61. Que o cuidado com os pobres espalhados por toda a cidade dê
retorno, em conformidade com a instruçã o dos superiores.
62. Além do hospital para pacientes de breve estadia, que precisa
ser mantido, deve haver alguma ala à parte destinada à queles cujas
necessidades provam ser merecedoras de especial caridade; para
tanto, haverá uma sala reservada para seu uso.
64. Que os ministros, comissá rios ou anciã os com um dos Síndicos
assumam a responsabilidade de inquirir se, na administraçã o dos
pobres acima mencionada, existe alguma falta ou indigência, a fim
de alertar o Sínodo e suplicar-lhe a resoluçã o do problema. Para
tanto, uma comitiva e alguns administradores devem visitar o
hospital trimestralmente para verificar se tudo está em boas
condiçõ es.
65. Também será necessá rio prover, pela folha de pagamento da
cidade, aos que estiverem no hospital e forem pobres, e aos da
cidade que nã o têm condiçõ es, doutores e cirurgiõ es qualificados e
que, embora atendam na cidade, sejam comprometidos com os
cuidados do hospital e empenhados em visitar os necessitados.
66. E porque nã o apenas os idosos e doentes sã o levados para o
hospital, mas também, por causa da pobreza, as crianças pequenas,
ordenamos que sempre haja um professor para instruí-las na
moralidade e nos rudimentos das letras e da doutrina cristã . Na
maior parte do tempo, ele deve catequizar, dando ensinamento aos
servos do hospital supracitado e conduzindo as crianças à escola.
67. Quanto ao hospital voltado à s doenças infecciosas, que este seja
totalmente separado, especialmente se a cidade tiver sido visitada
por algum flagelo de Deus.
68. Além do mais, para evitar a mendicâ ncia, o que é contrá rio à boa
ordem, será necessá rio (e assim ordenamos) que o Sínodo coloque
alguns de seus oficiais nas saídas das igrejas com o intuito de
remover aqueles que gostariam de mendigar; e caso resistam ou se
mostrem recalcitrantes, que sejam levados a um dos Sindicatos. Da
mesma forma, durante o resto do tempo, os líderes dos grupos de
dez cuidam para que a proibiçã o de mendigar seja devidamente
observada. 6

Os diá conos incentivavam ativamente uma ética de trabalho


produtiva. Eles forneciam subsídio completo e treinamento para o
ofício de acordo com as necessidades; de vez em quando, forneciam
até mesmo as ferramentas ou suprimentos necessá rios para que
uma pessoa saudá vel pudesse se envolver em uma vocaçã o honesta.
Eles sabiam distinguir entre os verdadeiramente necessitados e os
indigentes. Se necessá rio, eles também suspendiam o subsídio. Ao
longo do tempo, desenvolveram procedimentos que protegiam os
recursos da igreja contra extorsõ es, exigindo inclusive novos
inspetores para confirmar ofício e listar testemunhas de reputaçã o
que atestassem a honestidade do beneficiado . 7 Dentro de uma
geraçã o deste trabalho de assistência social, o diaconato de Genebra
entendeu a necessidade de comunicar à queles que recebiam auxílio
que o objetivo era voltar ao trabalho o mais rá pido possível.
Na Genebra do século XVI havia casos de abandono; a Bourse
geralmente era acionada para criar esses infantes. Também
recebiam auxílio os doentes terminais que, no caso, deixavam seus
filhos necessitados de ajuda. Presentes especiais eram dados à s
crianças verdadeiramente carentes. A Bourse também abriu um
ministério voltado à s viú vas com filhos dependentes e uma
variedade de necessidades.
Ainda assim, note-se que, embora se parecesse com muitos outros
fundos de assistência social contemporâ neos, a Bolsa Francesa tinha
suas pró prias peculiaridades. Naturalmente, vemos particularidades
teoló gicas que levaram a certos compromissos prá ticos. Por
exemplo, receber alimentos por doaçã o nã o era garantido. Além
disso, havia certos pré-requisitos para o recebimento de cuidados;
certas deficiências morais podiam significar exclusã o da assistência.
A Bourse nã o se preocupava apenas com as necessidades espirituais
ou internas. Em muitas ocasiõ es, eles contratavam médicos para
cuidar dos doentes. Seus registros indicam que os diá conos
supervisionavam os cuidados hospitalares sobre os necessitados,
refletindo que o escopo todo do ministério diaconal nã o se limitava
unicamente ao evangelismo. Os que lideravam a Bourse também
eram prudentes. Em janeiro de 1581, esta adotou um conjunto de
regras constitucionais que enfatizavam a necessidade de uma
abordagem profundamente disciplinada e estruturada visando o
combate à pobreza . 8
Para os nossos dias, talvez seja instrutivo perceber que, na época de
Calvino, o bem-estar social nã o era totalmente igualitá rio. Jeannine
Olson observa:
Havia um esforço em Genebra para manter a imagem da Bourse
Francaise como um fundo de ajuda à queles considerados dignos, e
nã o como uma instituiçã o que ajudava indiscriminadamente a todos.
Os recursos destinavam-se aos realmente necessitados, sobretudo
aos doentes ou portadores de deficiência. Os pobres merecedores de
alguma ajuda eram numerosos nesse período anterior à medicina
moderna ou cirurgia, quando uma simples hérnia ou um simples
osso quebrado e desalinhado poderiam impossibilitar alguém de
trabalhar. As limitadas economias da Bourse nã o eram destinadas
aos pobres negligentes, aqueles considerados indispostos a
trabalhar, mendigos preguiçosos e ociosos, vagabundos para usar a
terminologia popular inglesa da época. Exigir que os beneficiados
desta açã o social fossem merecedores de ajuda há muito já era algo
comum na Europa, mas a definiçã o de merecimento variava de um
meio para outro. 9

A despeito do rigor com o qual os diá conos faziam distinçã o entre os


pobres que mereciam e aqueles que nã o mereciam auxílio, a
caridade os motivava a de vez em quando errar o alvo em prol da
generosidade. Entretanto, há vezes e casos nos registros da Bourse
em que os diá conos nã o prestaram assistência por causa de
problemas de postura ou males morais. A caridade nã o implicava
um estilo de doaçã o que mitigasse a açã o e a responsabilidade
pessoal. Vá rios exemplos mostram que aqueles que se portavam
indecentemente ou de forma indecorosa nã o recebiam determinada
ajuda. Esperava-se que os beneficiados mantivessem padrõ es
cristã os de moralidade; do contrá rio, a Bourse poderia reter o apoio
até que certo comportamento imoral fosse abandonado. Os diá conos
esforçavam-se por fazer da Bourse um meio de disciplina e
encorajamento.
Em seus comentá rios Calvino estabeleceu consistentemente
princípios similares. Sobre 2Tessalonicenses 3.10 ele comentou:
“Porém, quando o apó stolo ordenou que tais pessoas nã o comessem,
nã o significa que a proibiçã o fosse direcionada a estes, mas que
Paulo proibiu os de Tessalô nica de encorajar a indolência deles ao
prover-lhes comida [...] Paulo censura esses zangõ es preguiçosos
que viviam pelo suor dos outros, nã o contribuindo com serviço
algum naquilo que é comum cooperar para a raça humana” . 10 Ao
comentar o Salmo 112.9, o reformador genebrino elaborou:
Ao distribuir [aos pobres], o profeta sugere que nã o foi feito de mã o
fechada e mesquinhamente, como alguns que pensam ter cumprido
seu dever para com os pobres quando distribuem uma pequena
ninharia, mas com liberalidade, conforme a necessidade exigia e
permitiam os meios. Pode ocorrer de um coraçã o liberal nã o deter
grandes riquezas deste mundo [...] À medida que algo se lhe acresce,
também ele dá aos pobres, isto é nã o conceder caridade
aleatoriamente, mas suprir as carências dos necessitados com
prudência e discriçã o. Estamos cô nscios de que despesas
desnecessá rias e supérfluas por ostentaçã o sã o frequentemente
elogiadas pelo mundo; consequentemente, grande parte dos bens
dessa vida sã o mais desperdiçados em luxo e ambiçã o que doados
em caridade prudente. O profeta nos instrui dizendo que o louvor
pertencente à liberalidade nã o consiste em distribuir nossos bens
sem levarmos em consideraçã o a finalidade com a qual sã o
distribuídos e o propó sito com os quais sã o empregados, mas
consiste em aliviar as necessidades daqueles que realmente
necessitam e em investir valores em coisas apropriadas e lícitas . 11
Assim, o experimento da açã o social em Genebra fornece uma
aná lise cirú rgica daquilo que pode acontecer quando o bem-estar
está em conformidade com os princípios bíblicos.
Também vale lembrar que a Bourse Francaise era uma instituiçã o de
transiçã o. Tendo sua existência na consumaçã o de séculos de açã o
social do período medieval, e ainda assim renovada pela Reforma
Protestante, os fundadores da Bolsa nã o sustentavam a noçã o
utó pica de que a pobreza seria inteiramente eliminada. Em
referência à declaraçã o de Jesus em Marcos 14.7 (“sempre tendes os
pobres convosco”), os criadores do diaconato de Genebra eram
realistas e consultavam o passado à medida que formavam novas
manifestaçõ es de modelos anteriores. Como reformadores, eles
estavam mais atraídos à instituiçã o da igreja primitiva,
considerando esse modelo mais frutífero para as reformas a serem
realizadas. Eles viviam à beira de um movimento reformador e
aprendiam com acontecimentos anteriores.
Como aqueles que olham para o passado e para as inadequaçõ es do
presente, talvez devêssemos replicar parte dessa postura também.
Podemos estar em melhor situaçã o com este ou aquele estudo para
entender o que se pode aprender com o passado, e nã o olhar
exclusivamente para o futuro. A bem da verdade, se nos
encontramos defendendo prá ticas notavelmente diferentes
daquelas da Bolsa de Genebra há quase cinco séculos, pode ser que,
se afastados das abundantes prá ticas do passado, nossos novos
métodos sejam suspeitos.
Em suma, até o momento, vimos os seguintes princípios da reforma
que Calvino fez no bem-estar social:
• Destinada somente aos verdadeiramente desfavorecidos.
• Pré-requisitos morais acompanhavam o auxílio.
• A caridade privada ou religiosa, e nã o a generosidade estatal, era o
meio de ajuda.
• Oficiais ordenados gerenciavam e prestavam contas.
• Os fundamentos teoló gicos eram algo natural.
• Visava-se a ética do trabalho produtivo.
• A assistência era temporá ria.
• A Histó ria é valiosa.
Em um sermã o sobre 1Timó teo 3.8–10, Calvino retratou a
compaixã o da igreja primitiva como a régua de medida para a nossa
cristandade: “Quando ainda nã o havia terras nem possessõ es nem o
que se chamava de propriedade da igreja, era necessá rio que cada
um desse sua oferta e que a partir disso os pobres fossem supridos.
Se desejamos ser considerados cristã os e que acreditem que há uma
igreja entre nó s, essa organizaçã o deve ser demonstrada e mantida”.
Mais adiante, naquele mesmo sermã o, ele ordenou: “Agora, quando
as posses tiverem sido devidamente distribuídas, mas ainda assim
nã o suprirem todas as necessidades, que cada um dê esmolas de
forma privada e pú blica, a fim de que os pobres sejam socorridos de
acordo com a necessidade” . 12
O testemunho de Calvino é bastante completo. Em um de seus
sermõ es em 1Timó teo 3.8–13, ele observou:
Vimos nesta manhã qual a posiçã o que Sã o Paulo discute aqui, ou
seja, que aqueles na igreja primitiva eram ordenados a distribuir
esmolas. É certo que Deus deseja que tal regra seja observada em
sua igreja: isto é, que haja cuidado para com os pobres — e nã o
apenas que cada um lhes dê apoio de forma privada, mas que haja
um cargo pú blico, pessoas ordenadas ao cuidado dos necessitados, a
fim de que as coisas sejam conduzidas devidamente. E caso nã o seja
assim, é certo que nã o podemos pensar que estamos em meio a uma
igreja corretamente organizada e segundo o evangelho, mas que há
muita confusã o. 13

Mais adiante no mesmo texto, Calvino comentou:


E, no entanto, os diá conos sã o aqueles ordenados a cuidar dos
pobres e a distribuir esmolas, e nã o só o cuidado com a distribuiçã o
daquilo que lhes é confiado, mas de inquirir onde a necessidade e a
propriedade devem ser usadas […] Devemos encontrar pessoas que
possam governar a propriedade do pobre. Esses sã o os sacrifícios
oferecidos a Deus hoje, isto é, esmolas. Portanto é necessá rio que
sejam distribuídos por aqueles que Deus considera adequados para
tal posiçã o, é que os diá conos que sã o escolhidos sejam como as
mã os de Deus, e estejam lá em um santo ofício. 14

Tã o forte era a visã o de Calvino que, pregando, ele disse,


Na medida em que diz respeito ao governo espiritual que Deus
guardou entre os seus, Sã o Paulo quer que aqueles que foram
ordenados, seja para proclamar o evangelho, seja para cuidar dos
pobres, tenham uma vida irrepreensível [...] Observemos com
cuidado essas passagens que nos mostram qual ordem Deus
estabeleceu para a sua Igreja, para que possamos ter o cuidado de a
ela nos adaptarmos da melhor maneira possível [...] Porque, se
desejamos ter a Igreja entre nó s, o governo que Deus estabeleceu
precisa permanecer inviolá vel em nosso meio, ou pelo menos deve
haver o esforço por conformar-se a ele. 15

Ao comentar Romanos 12.8, Johannes Oecolampadius, um dos


primeiros contemporâ neos de Calvino, ecoou esse ponto sobre
diá conos e o ministério ao pobres:
Sexto, aqueles que mostram misericó rdia, sã o eles distintos.
Daqueles que doam mutuamente e, por seus pró prios meios, suprem
o faminto e os nu, destes é confirmado o compartilhar. Quanto aos
outros, estes deveriam dar de forma simples e livre, sem estimar
interesses ou amizades ou conveniências temporais. Aqueles que de
fato visitam o doente e o cativo e estã o presentes com o aflito, estes
sã o aqueles que, por nome, mostram misericó rdia, cujo ofício deve
ser cumprido com um espírito alegre e de prontidã o. Em sétimo
lugar estã o aqueles que presidem qualquer congregaçã o; estes
deveriam ser corteses e diligentes . 16
As prioridades do reformador francês continuaram vivas apó s sua
morte. Mesmo Jean Morely, um dos adversá rios de Teodoro de Beza,
este discípulo de Calvino, declarou o forte papel da igreja no cuidado
daqueles em pobreza. Em seu Treatise on Christian Discipline
[Tratado sobre a Disciplina Cristã ], escrito de 1562, Morely afirmou
que, de maneira organizada, a igreja deveria “socorrer o pobre e ter
suas propriedades separadas para o auxílio daqueles em
necessidade. Pois a pobreza cria tentaçõ es a depravaçõ es e
corrupçõ es que poucos conseguem resistir [...] De fato, muitos dos
arranjos sã o projetados sobretudo para impedir que aqueles que,
embora pobres, sã o capazes mas indolentes recebam auxílio regular,
de modo que todos os recursos da igreja destinados a assistir os
pobres sejam direcionados à s verdadeiras vítimas, indivíduos
carentes e desamparados” . 17
De todos os reformadores, Martin Bucer foi considerado o “teó logo
do diaconato”, uma vez que escreveu mais diretamente sobre a
funçã o da igreja em cuidar dos pobres. Bucer argumentou em De
Regno Christi , de 1560, que “deve haver na ‘Repú blica Cristã ’ uma
organizaçã o completa de assistência aos pobres e doentes [...]  Para
o cumprimento desses fins, a disciplina é essencial e, portanto, deve
haver uma organizaçã o completa de trabalho e tempo livre” . 18
Bucer chegou a dizer do diaconato que “sem ele nã o há verdadeira
comunhã o dos santos ” 19 , simultaneamente afirmando que “o
primeiro dever dos diá conos é distinguir entre os pobres que
merecem e os que nã o merecem. A partir disso, a necessidade dos
primeiros deve ser cuidadosamente investigada; já os ú ltimos, caso
levem vidas desordenadas à custa de terceiros, devem ser expulsos
da comunidade dos fiéis. Em seguida, deve haver o cuidado com as
viú vas carentes. O segundo dever dos diá conos é, depois de
procurado arrecadar diligentemente recursos dos paroquianos
segundo a capacidade de cada um, manter um registro por escrito
das contas” . 20 Nas Ilhas Britâ nicas, o ato de dar esmolas era
enfatizado como meio para combater a miséria. O rei Eduardo VI
afirmava que “socorrer os pobres é [...] verdadeiramente adorar a
Deus” . 21
Portanto, a tradiçã o calvinista estava firmada e bastante uniforme
em sua institucionalizaçã o do cuidado com os necessitados. Era uma
funçã o eclesioló gica a ser realizada por oficiais espirituais de acordo
com os padrõ es e princípios bíblicos. Visto ter sido bem executada,
ela cuidou dos necessitados, empregou os dons da igreja, incentivou
uma ética de trabalho produtivo e aliviou a administraçã o
governamental nesta á rea. Como Bromiley bem resumiu: “Aquele
que estiver saudá vel e apto deve trabalhar e ganhar seu pró prio
sustento […] A resposta à pobreza ainda está na benevolência
individual exercitada em privado ou por meio da Igreja” . 22
Zurique também era um modelo de bem-estar social. A cidade
iniciou sua reforma e ministério diaconal já em 1520. O mesmo pode
ser dito a respeito de Estrasburgo e de outras cidades do territó rio
luterano. Por exemplo, em Estrasburgo “pregar a reforma do
trabalho social começou antes da Reforma Protestante. Geiler Von
Kaysersberg pediu um novo sistema de ajuda humanitá ria que
incluísse uma sugestã o para que pessoas saudá veis pudessem
trabalhar. Ele argumentou que somente aqueles que eram incapazes
deveriam receber auxílio” . 23 Desde o momento em que Calvino foi
exilado de Genebra e passou dois anos no final da década de 1530
em Estrasburgo, é prová vel que esses outros modelos suíços
reformados tenham de fato modelado o exemplo da assistência
social genebrina. Lembre-se também que Lutero era contrá rio à
doaçã o sem responsabilidade ou verdadeira demonstraçã o de
necessidade. Ele brincou: “Nã o alimente as massas. Se apoiarmos o
Sr. Todo Mundo, ele ficará devasso e começará a dançar no gelo” . 24
De acordo com Lutero, o “pobre por sua pró pria tolice” nã o merece
ajuda. 
E mesmo assim Lutero nã o deixou de transmitir sua fé para a prá tica
no combate à pobreza. Em seu discurso à nobreza alemã em 1520,
Lutero “desaprovou fortemente todo e qualquer tipo de
mendicâ ncia e aconselhou cada cidade a, nomeando um oficial para
aconselhar o pastor, assumir a responsabilidade por seus pró prios
pobres e necessitados” . 25
A mendicâ ncia e o seu velho fundamento teoló gico seriam
esmigalhadas sob a teologia sola fide do Dr. Martinho Lutero. A
mendicâ ncia nã o mais podia ser vista como um ideal moná stico,
uma obra meritó ria ou o á pice cristã o. Em vez disso, deveria ser
reduzida ao má ximo por uma correçã o teoló gica adequada. A
mendicâ ncia seria erradicada com o cuidado com os pobres
designado a cada pequena unidade do governo — a cidade
individual. Em seu escrito Do Cativeiro Babilônico (1520), Lutero via
a igreja com o diaconato como a agência para ministrar aos pobres,
em contraste com o papel dos diá conos no catolicismo romano: “O
diaconato [...] é um ministério, nã o para a leitura do evangelho e da
Epístola, como é a prá tica de hoje, mas para distribuir a
generosidade da Igreja aos pobres, a fim de que os pá rocos possam
ser aliviados do ô nus das preocupaçõ es temporais e entregar-se
mais livremente à oraçã o e à Palavra” . 26 Em Estrasburgo,
“encontramos já em 1523 uma organizaçã o evangélica completa sob
os cuidados de um diretor, quatro assistentes diretores e nove
obreiros da igreja com vinte e um ajudantes. Estipulava-se que os
pobres nã o deveriam apenas ser ajudados materialmente, mas que
fossem visitados como pessoas pelo menos quatro vezes em um
ano” . 27 O ministério da igreja voltado aos pobres nã o foi um
desenvolvimento tardio para os reformadores.
 
CONCLUSÃO
Calvino novamente trouxe luz a uma á rea apagada. Ele nã o estava
sozinho em seus esforços para dissipar a escuridã o. Calvino, cujo
nome nem sempre e imediatamente é identificado com a defesa
compassiva do bem-estar dos pobres, até mesmo em uma ocasiã o
afirmou retoricamente: “Queremos demonstrar que há reforma
entre nó s? Cabe iniciar precisamente neste ponto, isto é, deve haver
pastores a carregar a pura doutrina da salvaçã o e também diá conos
a cuidar dos pobres” . 28
 

Capítulo 11
 
O casamento cristã o no século XXI: ouvindo Calvino sobre o
propó sito do casamento
 
Michael A. G. Haykin
 
Na década final do século II, um cristã o africano de nome Septimius
Florens Tertullianu s 1 — nó s o conhecemos simplesmente por
Tertuliano — escreveu uma das descriçõ es mais amá veis do
casamento cristã o no corpo literá rio da igreja antiga.
Como conseguiremos descrever adequadamente a felicidade deste
casamento que a Igreja realiza [...] sobre o qual se sela a bênçã o, no
qual os anjos estã o presentes como testemunhas, e com o qual o Pai
consente? [...] Quã o belo, entã o, é o casamento de dois cristã os,
ambos numa só esperança, no mesmo desejo, seguindo o mesmo
modo de vida, praticantes da mesma religiã o. Os dois sã o como
irmã o e irmã , ambos servos do mesmo Mestre. Nada os divide, tanto
na carne quanto no espírito. Eles sã o, a bem da verdade, dois em
uma só carne; e onde há uma carne, há também um espírito. Eles
oram juntos, eles adoram juntos, eles jejuam juntos; instruindo um
ao outro, encorajando um ao outro, fortalecendo um ao outro. Lado
a lado, eles comparecem à igreja de Deus e juntos participam do
Banquete de Deus; lado a lado enfrentam dificuldades e perseguiçã o,
juntos partilham dos consolos. Eles nã o têm segredos um com o
outro; eles jamais se subtraem à companhia um do outro, nunca
conduzem à tristeza o coraçã o um do outro. Sem qualquer
embaraço, visitam o doente e auxiliam o necessitado. Dã o esmolas
sem inquietaçã o [...] sem obstá culos, eles exercitam a piedade
diariamente [...] Eles cantam salmos e hinos um para o outro,
esforçando-se por ver quem dos dois entoará com maior beleza os
louvores do seu Senhor. Ao ouvir e ver isso, Cristo se regozija. A
estes Ele dá sua paz . 2
Construindo sobre o alicerce bíblico de que o casamento é uma
uniã o de uma só carne (Gn 2.24; Mt 19.4–6; 1Co 6.16–17),
Tertuliano detalha as implicaçõ es desta uniã o em relaçã o aos
privilégios e responsabilidades cristã os. Importante notar,
Tertuliano pressupõ e que o casamento cristã o é tal que subsiste
com a bênçã o da igreja, uma perspectiva que pode ser traçada desde
pelo menos Iná cio de Antioquia, começo do século II . 3
A visã o que Tertuliano tinha do casamento também é significativa à
luz da batalha da igreja no tempo dos gnó sticos, que desprezavam o
matrimô nio e diziam nã o ser uma escolha lícita para quem buscasse
levar uma vida espiritual. Nas palavras de um deles, Saturninus, “O
casamento e o gerar de uma vida provêm de Sataná s” . 4 A resposta
geral da igreja a essa depreciaçã o gnó stica do casamento foi
moldada por textos bíblicos tais como 1Timó teo 4.1–4, que enfatiza
a vida matrimonial como uma condiçã o desejá vel e ordenada por
Deus. Dessa verdade-chave o pensamento cristã o subsequente
nunca se apartou explicitamente. Como Joã o Crisó stomo, um dos
pregadores mais proeminentes do final do século IV, argumentou:
“Quã o tolos sã o aqueles que menosprezam o casamento! Se o
matrimô nio tivesse de ser condenado, Paulo jamais teria chamado
Cristo de noivo e a igreja de noiva” . 5
 
PATRÍSTICA TARDIA E ANTECEDENTES MEDIEVAIS
Ainda surgiram escritores dentro dos parâ metros da ortodoxia
cristã cujas perspectivas acerca desta instituiçã o vital soam
significativamente diferentes daquelas de Tertuliano e Crisó stomo.
O entã o contemporâ neo do século IV Jerô nimo (m. 420), por
exemplo, responsá vel pela traduçã o latina da Bíblia, conhecida como
Vulgata, defendia com vigor que o celibato seria um estado muito
superior ao casamento, mais virtuoso e mais agradá vel a Deus.
Jerô nimo convenceu-se de que todos aqueles que estavam mais
pró ximos de Deus nas Escrituras eram celibatá rios. Na verdade,
argumenta ele, a relaçã o sexual entre cô njuges seria um obstá culo
para uma vida devota à busca da genuína espiritualidade . 6
Agostinho (354-430), outro teó logo de fala latina, do mesmo
período, cujo pensamento forneceu o alicerce para muito do
pensamento da Idade Média, defendia, de maneira similar à anterior,
que sã o como os anjos aqueles que devotam a Cristo um estilo de
vida celibatá rio. Eles experimentam uma antecipaçã o do céu, porque
no céu nã o há casamento . 7 Por que, entã o, Deus ordenou o
matrimô nio? Em sua visã o, sobretudo por visar a geraçã o de filhos.
Comentando em Gênesis 2, Agostinho estava convencido de que Eva
teria sido inú til a Adã o se nã o pudesse ter filhos. O que fazer, entã o,
com a ideia bíblica encontrada neste capítulo de Gênesis de que a
mulher foi feita para ser uma companheira deleitosa, uma fonte de
conforto e força? E quanto ao homem em relaçã o à mulher? Tais
pensamentos recebem atençã o escassa na teologia de Agostinho . 8
Ele argumenta que Deus instituiu o casamento por três motivos,
basicamente: fidelidade — isto é, evitar o sexo ilícito; para o
propó sito da procriaçã o; e como um símbolo da unidade daqueles
que herdarã o a Jerusalém celestial . 9
As posiçõ es de Jerô nimo e de Agostinho foram amplamente
abraçadas pela Igreja Cató lica Romana medieval, que afirmava a
benevolência do casamento, mas argumentava que o celibato seria
uma opçã o muito melhor para aqueles que desejassem buscar uma
vida de santidade e servir a Deus por vocaçã o . 10 Sem surpresa
alguma, por volta da Alta Idade Média — para ser mais específico, no
Segundo Concílio de Latrã o (1139) —, a Igreja Cató lica Romana
legislou que só seriam ordenados aqueles que fossem celibatá rios.
Mas foi precisamente aqui que a realidade colidiu com a legislaçã o
teoló gica, porque muitos sacerdotes em teoria celibatá rios durante a
Alta e na Tardia Idade Média nã o foram capazes de, na verdade,
viver de maneira casta. Como Calvino uma vez observou: “A
virgindade [...] é um dom excelente; mas é dado apenas a alguns” . 11
Um dos grandes escâ ndalos da igreja medieval tardia aconteceu na
casa de um entã o sacerdote paroquiano celibatá rio mas nã o casto; a
mulher tida como sua cozinheira ou faxineira na verdade servia de
concubina . 12 Para Calvino, a postura adotada pela Igreja Cató lica
Romana de exigir o celibato dos seus sacerdotes era, portanto, um
“sistema diabó lico”, “uma tirania moderna — em suma, uma
doutrina de demô nios” . 13 E assim também para muitos da Europa
Ocidental, a Reforma do século XVI nã o só foi uma redescoberta do
coraçã o do evangelho e do caminho de salvaçã o, mas também uma
redescoberta da visã o completamente bíblica do casamento.
Depois que sua esposa, Idelette, faleceu, em março de 1549, Calvino
escreveu para seu amigo e confidente, o reformador Pierre Viret
(1511-1571): “Fui privado da mais excelente companheira de vida,
ela que, mesmo que viesse o infortú nio, solicitamente seria minha
companheira nã o apenas no exílio e no sofrimento, mas até mesmo
na morte” . 14 Essa simples declaraçã o de uma das figuras centrais
da Reforma, ele que costumava ser discreto com seus sentimentos
pessoais, revela uma visã o do casamento diferente daquela do
catolicismo romano medieval. Para os reformadores e aqueles que
seguiram seus passos — como os puritanos do século XVII e os
evangélicos do século XVIII e XIX —, o matrimô nio possui excelência
inata, é vital para o desenvolvimento da afeiçã o e amizade cristã , e é
um dos principais meios de Deus para desenvolver o cará ter cristã o
e a maturidade espiritual. A seguir, essa perspectiva é explorada
pela experiência conjugal de Joã o Calvino, intercalando também com
esta narrativa algumas reflexõ es teoló gicas feitas pelo reformador
francês acerca da instituiçã o do matrimô nio. Por favor, perceba que,
a despeito da instrumentalidade de Calvino, com sua instruçã o nas
leis, na projeçã o de um corpo jurídico abrangente em torno do
casamento e do divó rcio, esta á rea do pensamento do reformador
nã o receberá tratamento direto nas pá ginas a seguir . 15
 
OS PERÍODOS DE CORTE DE CALVINO
Nã o há evidência de que Calvino tenha seriamente cogitado casar-se
antes de sua estadia temporá ria em Estrasburgo . 16 Como escreveu
por volta desse tempo: “Nunca fui casado, e nã o sei se um dia o serei.
Se eu vier a casar, casar-me-ei a fim de ser mais livre dos muitos
problemas diá rios e, assim, ter mais tempo para o Senhor. A falta de
castidade sexual nã o seria a razã o. Nã o há quem possa acusar-me
disso” . 17 Calvino nã o se opunha ao casamento. Sua aceitaçã o da
doutrina da Reforma certamente acarretou a aprovaçã o do
matrimô nio. Como notou em seu sermã o sobre Efésios 5.31–33: “O
casamento nã o é algo ordenado por homens. Sabemos que Deus é o
seu autor, e que este é feito solene em nome do Senhor” . 18 Em seu
comentá rio sobre o profeta menor Malaquias, Calvino fala disso de
forma ainda mais sucinta: “Deus é o autor do casamento” . 19
Mas é que simplesmente nã o havia uma necessidade vital que o
arrastasse nesta direçã o. Como disse em outra ocasiã o: “Nã o
pertenço ao grupo dos que sã o acusados de atacar [a Igreja] de
Roma, assim como os gregos guerrearam contra Troia apenas para
tomar uma mulher” . 20 Se viesse a casar, ele confessou, seria para
assegurar um contexto no qual fosse liberto das preocupaçõ es da
vida cotidiana e, assim, ter mais tempo para dedicar-se mais
inteiramente à obra de Cristo. Mesmo sem avidez, já alguns de seus
amigos em Estrasburgo estavam ansiosos para vê-lo casado, entre
eles principalmente Martin Bucer (1491-1551) e Guilherme Farel
(1498-1565).
Bucer estava na linha de frente de uma ampla reforma do
casamento, tanto institucional como conceitual, em Estrasburgo e
em vá rias outras cidades da Suíça e da Alemanha. Uma vez monge
dominicano e convertido por meio da pregaçã o de Martinho Lutero
(1483-1546), Bucer casou-se com sua primeira esposa, uma ex-
freira de nome Elisabeth Silbersein, em 1522 e veio a entender o
amor como qualificaçã o indispensá vel para o matrimô nio.
Onde o amor estivesse ausente, chegou a argumentar, ali haveria
alicerce suficiente para o divó rcio . 21 Esta, contudo, nã o era a base
que Calvino posteriormente sancionaria; em harmonia com outros
reformadores, ele rejeitou a doutrina cató lica romana da
indissolubilidade do casamento como definida na Idade Média.
Bucer estava especialmente convencido de que um ministro do
evangelho raramente seria capaz, dados os estresses e as tensõ es do
ministério, de cumprir o chamado sem uma companheira fiel.
Machiel van den Berg corretamente sugere que “Bucer pode bem ser
chamado de o fundador do presbitério protestante” . 22
Apenas alguns meses depois de Calvino ter chegado a Estrasburgo,
em 1538, Bucer encontrou uma mulher para Calvino considerar. As
coisas pareciam caminhar em direçã o ao casamento, visto que, em
fevereiro de 1539, Calvino escreveu para um de seus amigos
pró ximos, Guilherme Farel, perguntando se poderia ir até
Estrasburgo “para solenizar o casamento e pedir a bênçã o sobre ele”
. 23 Calvino disse a Farel que esperava que a noiva chegasse logo
depois da Pá scoa. Ele possivelmente a conheceria pela primeira vez
na ocasiã o . 24 Mas, como se passou, nã o aconteceu, e nã o há
evidência na literatura sobrevivente indicando o porquê.
Agora era a vez de Farel ser o casamenteiro. No seguinte mês de
maio, encontrou uma mulher que poderia ser adequada ao seu
amigo. Escrevendo para verificar o nível de interesse do reformador,
Calvino respondeu com detalhes o que procurava em uma esposa:
“Nã o sou daqueles amantes cegos à razã o que, uma vez atingidos
por bela aparência, amam até mesmo as falhas da pessoa amada. A
ú nica beleza que me atrai é a da [mulher] casta, nã o dada a
melindres, modesta, equilibrada, paciente, e que, espero, seja atenta
à minha saú de” . 25 Esse texto é importante porque nele Calvino
escreve o que lhe era mais caro ao buscar uma esposa em potencial
— isto é, cará ter e demais qualidades interiores como modéstia,
autocontrole e paciência. Em outras palavras, na busca por um
cô njuge, o cristã o deve considerar a piedade genuína como a coisa
mais necessá ria . 26
Em outros textos, Calvino revela nã o subtrair o lugar da beleza física
na escolha de uma esposa. Como  salientou, no ano de 1554, em seu
comentá rio de Gênesis 6.2, “Moisés nã o condena o homem por
considerar a beleza, mas somente a lascívia, na escolha de uma
esposa” . 27 E na mesma obra, quando veio a comentar a respeito do
amor de Jacó por Raquel, o reformador observou: “O homem que é
induzido a escolher uma esposa pela elegâ ncia de sua forma nã o
peca necessariamente, contanto que a razã o sempre mantenha o
domínio e controle sobre a insensatez da paixã o [...] Porque muito é
culpá vel o descontrole daquele que escolhe uma esposa apenas por
sua beleza. A excelência de cará ter deve ser estimada mais
importante” . 28
Calvino estava cô nscio de que o homem pode ficar deslumbrado por
uma bela mulher e esquecer-se de que “a excelência de cará ter” é o
que mais importa; daí a sua ênfase de que “a razã o [...] mantenha
domínio” sobre as paixõ es colocadas em movimento pelos olhos.
A mulher proposta por Farel ao amigo, apesar de tudo, logo
desapareceu, e foi entã o substituída por mais duas no ano seguinte.
Em fevereiro de 1540, Calvino escreveu para Farel, relatando que
uma mulher de considerá vel riqueza havia sido proposta ao
reformador como possível esposa. Calvino contou ao amigo que ele
teve “a audá cia de pensar em ter uma mulher”. Inquietava-o,
contudo, a dú vida de se aquela era ou nã o a mulher adequada.
Primeiro, ela era alemã e aparentemente nã o falava francês.
Questionada por Calvino se estaria disposta a aprender o idioma,
pediu tempo para pensar a respeito — o que nã o parecia ser bom
sinal. Além disso, era muito rica, e por isso o reformador parecia
preocupado com a possibilidade de ela achar difícil viver com
alguém como ele, cujo padrã o de vida era abaixo daquele com o qual
ela estava acostumada. Ao mesmo tempo, Antoine (m.1573), irmã o
de Calvino, aproximou-o de outra mulher, muito considerada para o
casamento. Novamente, Calvino pediu a Farel que se aprontasse
para conduzir o casamento deles, que, era sua esperança,
aconteceria antes do dia 10 de março daquele ano. Ele ficaria
parecendo um tolo, acrescentou, se este segundo casamento
também nã o se concretizasse . 29
De fato, ele deve ter ficado bem constrangido, uma vez que esta
segunda corte também nã o deu certo. Quando isso aconteceu, a
família daquela mulher abastada que nã o falava francês tentou
reacender o interesse do reformador por ela. Mas Calvino
abertamente disse a Farel que só consideraria casar-se com ela se
Deus já lhe tivesse tirado todo o juízo . 30 Naquele verã o, ele disse a
Farel: “Eu ainda nã o encontrei uma esposa” e admitiu penosamente
que estava pró ximo de resignar-se à vida do celibato . 31 Dois meses
depois, porém, tudo mudou. Calvino casou-se com uma viú va
conhecida dele já de alguns anos, Idelette van Buren (m. 1549) . 32
 
O CASAMENTO COM IDELETTE
As raízes de Idelette van Buren estavam na Holanda. Machiel van
den Berg sugere que ela pode ter vindo da província de Gelderland,
onde está a cidade de Buren . 33 Seja como for, seu primeiro marido,
Jean Stordeur, era originá rio da Valô nia, de Liège, hoje na Bélgica.
Por algum tempo, Jean e sua esposa, Idelette, foram anabatistas
convictos. E foi como eminente anabatista que Jean conheceu
Calvino pela primeira vez, em Genebra no mês de março do ano de
1537, quando chegou à cidade para uma discussã o entre os
anabatistas e os pastores reformados. Dois anos depois, agora em
Estrasburgo, Calvino conseguiu mostrar a Jean e Idelette o erro das
visõ es do anabatismo, e ambos tornaram-se membros da
congregaçã o francesa que Calvino lá pastoreava.
Nã o muito tempo depois Jean morreu de uma praga, na primavera
de 1540. Obviamente, Calvino de início havia conhecido Idelette em
discussõ es que ela e seu marido tiveram com ele acerca da fé
reformada. Depois, quando Jean estava prestes a falecer, Calvino
conheceu mais de Idelette enquanto fazia visitas pastorais à casa
deles. O que Calvino viu nela causou-lhe uma profunda impressã o,
tamanha que, por volta do dia 17 de agosto de 1540, casou-se com
ela. Idelette tinha dois filhos do primeiro casamento, um menino e
uma menina, e portanto Calvino herdou uma família já pronta, por
assim dizer. Embora o reformador tivesse acertadamente enfatizado
que nã o deve ser a beleza externa a determinar um casamento, ela
era, de acordo com Farel, muito bonita . 34
Pouco se sabe da vida conjugal dos dois, se comparada à de outros
reformadores famosos. O ilustre casamento de Martinho Lutero com
Katharina von Bora, por exemplo, acabou por se tornar exemplo
pú blico para os protestantes. Nã o foi assim com o casamento de
Calvino, que estava bastante alinhado com sua já habitual discriçã o
nas questõ es de cunho pessoal. No entanto, no ano seguinte à morte
de Idelette, em 1549, ele afirmou em seu pequeno tratado Sobre os
Escâ ndalos [Concerning Scandals ] (1550) que Idelette era “uma
mulher rara” (singularis exempli femina ; literalmente, mulher de um
tipo incompará ve l 35 ).
E esta breve declaraçã o se encaixa com o que também aprendemos
sobre Idelette em uma carta que Calvino escreveu para Pierre Viret
no dia 29 de março de 1549, passado um tempo apó s o falecimento.
Nela, Calvino afirmou:
Embora a morte de minha esposa me tenha sido extremamente
dolorosa, eu ainda subjugo minha afliçã o o melhor que posso [...]
Você sabe bem o suficiente quã o frá gil, ou sensível, minha mente
está . Nã o tivesse eu recebido poderoso autocontrole, nã o suportaria
por tanto tempo. E, verdadeiramente, minha tristeza nã o é de
comum fonte. Fui privado da melhor companhia possível de toda a
minha vida, da companhia que, se lhe fosse pedido, nã o só estaria
pronta a participar da minha pobreza, mas até mesmo da minha
morte. Enquanto viveu, ela foi minha fiel colaboradora no ministério
. 36
Aqui, no espaço de algumas linhas escritas por um coraçã o
entristecido, Calvino resumiu o entendimento reformado do
casamento: é uma uniã o de aliados íntimos. Idelette havia sido a
“melhor companhia possível” de toda a sua vida (optima socio
vitae ), uma “colaboradora fiel” em seu ministério (fida ministerii me
iadjutrix ).
Por trá s desse entendimento do casamento está Gênesis 2.18–24, no
qual lemos que o fato de Adã o estar sozinho nã o é “bom”, que é
surpreendente porque tudo o mais que Deus havia criado até aquele
momento era bom. Entã o, lemos nesta passagem que o Senhor fez
para Adã o uma “ajudadora” (‘ezer ), palavra que, de acordo com o
comentá rio de Calvino nesse texto, vai ao coraçã o do entendimento
que ele tinha acerca do casamento. Conforme seu comentá rio nessa
passagem de Gênesis:
Agora, desde que Deus designou a mulher para ajudar o homem, Ele
[...] pronuncia que o casamento verdadeiramente provará ser o
melhor auxílio para a vida de um homem [...] O provérbio de vulgar
estirpe diz que, na verdade, ela é um mal necessá rio; mas a voz de
Deus deve ser de fato ouvida, e esta declara que a mulher é dada
como companheira do homem e dele é aliada, a fim de auxiliá -lo
para viver bem . 37
Mas a queda da humanidade — que, nos dias de Calvino, era tratada
sob perspectivas antibíblicas sobre o casamento, o celibato e a
sexualidade, promovidas pelos teó logos cató licos romanos — tem
desfigurado profundamente as intençõ es de Deus para o estado
sagrado do matrimô nio. Como Calvino continuou a explicar:
Confesso, na verdade, que nesse estado corrupto da humanidade, a
bênçã o de Deus aqui descrita nã o é percebida nem floresce; mas a
causa do mal deve ser considerada, isto é, que a ordem da natureza
designada por Deus foi por nó s invertida. Porque, se a integridade
do homem tivesse permanecido até este dia tal como era desde o
início, a instituiçã o divina seria claramente discernida, e a mais doce
harmonia reinaria no matrimô nio; porque o marido olharia para
Deus com reverência e a mulher lhe seria uma companheira fiel, e
ambos, em consenso, cultivariam uma relaçã o sagrada, amigá vel e
pacífica . 38
E esta era a convicçã o acerca do casamento, desta forma enraizada
em só lida reflexã o na Escritura, que levou Calvino a fazer uma ampla
variedade de declaraçõ es sobre o casamento, como aquele que é “o
vínculo sagrado”, “santa comunhã o”, “uma parceria divina”, “uma
associaçã o amá vel”, “o melhor apoio para a vida” e “o tipo mais
sagrado de companhia em todo o mundo” . 39
 
GERANDO FILHOS
Para Calvino, o segundo propó sito do casamento era ter filhos. E
assim o reformador argumentou que nã o deveriam casar-se aqueles
que nã o fossem capazes de manter relaçõ es sexuais, porque tal
forma de uniã o “anularia completamente a natureza e o propó sito
do casamento” . 40 Em julho de 1542, durante o primeiro verã o de
Calvino em Genebra, Idelette deu à luz um menino prematuro, ao
qual deram o nome de Jacques . 41 Por volta da metade de agosto, no
entanto, a criança faleceu. A esposa de Pierre Viret escreveu uma
carta de consolo para Idelette, pela qual Calvino agradeceu em nome
da esposa. Ele salientou que ela estava tã o tomada de tristeza que
nã o podia nem mesmo ditar uma carta em resposta. “O Senhor”, ele
disse a Viret, “de fato trouxe uma ferida severa e amarga na morte
de nosso pequeno filho. Mas Ele pró prio é Pai, e sabe melhor o que é
bom para os seus filhos” . 42 Calvino obteve forças a partir de sua
convicçã o de que Deus sempre age em bondade para com seus
filhos. Em 1544, Idelette engravidou novamente e dessa vez deu à
luz uma menina, que também logo faleceu . 43 Um terceiro filho
nasceria, contudo também ele foi levado logo apó s o nascimento.
Alguns anos antes da morte de Calvino, um dos seus antigos
cooperadores, François Bauduin, que havia se apartado do
reformador e escrito uma amarga biografia a seu respeito, afirmou
que Deus o estava punindo por seus erros ao nã o lhe conceder
nenhum filho. Ao que Calvino respondeu sobriamente: “Tenho
inú meros filhos por todo o mundo cristã o”, como de fato era o caso .
44

Nó s na verdade temos um retrato do que Calvino teria sido como pai


em uma carta por ele escrita a um casal holandês que estava entre
seus amigos mais pró ximos, Jacques de Bourgogne (m. 1556) e
Yolande van Brederode . 45 Em 1547, ele lhes escreveu apó s o
nascimento de um dos filhos do casal: “Lamento nã o poder passar
nem ao menos metade de um dia com vocês para juntos rirmos,
tentando fazer também a criança sorrir, sob o risco de tê-la
chorando” . 46 Aqui está um lado raramente visto do reformador,
que revela um homem que se deleitava nas alegrias de uma vida
familiar e que reconhecia que os filhos sã o um motivo essencial para
a instituiçã o do casamento.
Mas a procriaçã o nã o é o ú nico motivo para o casamento; portanto,
Calvino recusou-se a aprovar o divó rcio baseado na esterilidade. Ele
também nã o concordou com a maternidade substituta, como
encontrado na histó ria de Abraã o, Sara e Agar com seus filhos.
Aqueles que nã o podem ter filhos, Calvino enfatizou, precisam
reconhecer primeiro que, em suas palavras, “[sã o] frutíferos ou
estéreis em conformidade com o que Deus concede em seu poder” .
47
Aqui vemos uma demonstraçã o concreta da convicçã o teoló gica
que sustentava toda a teologia do reformador — isto é, a soberania
de Deus. Segundo, quando um casal nã o podia ter filhos, uma porta
era aberta para a adoçã o de ó rfã os e o cuidado de parentes, como
sobrinhos e sobrinhas . 48 Sobretudo, ambos como casal deveriam
continuar devotos um ao outro em companhia mú tua, mantendo-se
firmes na relaçã o conjugal como um aspecto desse
companheirismo . 49
É digno de nota perceber que Calvino estimulou os maridos e as
esposas a continuarem desfrutando sexualmente um do outro,
mesmo apó s os filhos terem nascido e crescido. “Sataná s nos cega”,
ele pregou em um dos seus sermõ es em Deuteronô mio, “fazendo-
nos imaginar que somos poluídos pela relaçã o sexual”, referindo-se
à crença cató lica romana comum. Mas, ele continuou, “quando o
leito conjugal é dedicado ao nome do Senhor, isto é, quando as
partes sã o unidas em seu nome, e ambos vivem de maneira
honrá vel, eis um estado santo . 50 Tirando o reconhecimento
paulino em 1Coríntios 7 de que pode haver tempos em que marido e
mulher subtraem-se à intimidade sexual por motivos espirituais,
Calvino enfatiza em dois de seus sermõ es que marido e mulher nã o
devem negar intimidade sexual um ao outro . 51
 
FALANDO AO SÉCULO XX
A profundidade da teologia de Calvino sobre o casamento exerceu
enorme influência para o bem de seus contemporâ neos e
sucessores. Nas palavras de John Witte, “a teologia aliancista do
casamento desenvolvida por Calvino provou ser um poderoso
modelo protestante para o casamento, e que exerceu uma enorme
influência sobre a tradiçã o ocidental” . 52
Vivemos, todavia em um mundo que está rapidamente recuando da
visã o rigorosamente bíblica quanto ao estado do casamento. Nossos
dias sã o dias de caos sexual, de muita confusã o sobre o que a vida
conjugal e os gêneros sã o e por que razã o a sexualidade existe . 53
Como o filó sofo político Slavoj Zizek corretamente resume, nossos
dias sã o dias de “transgressã o instituída na qual o compromisso
marital é tido por algo ridículo, totalmente retró grado” . 54 Mas os
dias de Calvino também foram tempos de confusã o, com visõ es
competitivas a respeito da vida de casado e entendimentos
antibíblicos da sexualidade. Se o ouvirmos, sua sabedoria pode
ajudar a guiar nossos passos no caminho que agrada Aquele que
originalmente instituiu o casamento.
1. O casamento cristã o é uma instituiçã o ordenada e selada por
Deus.
2. É uma uniã o heterossexual exclusiva entre um homem e uma
mulher.
3. Nã o se deve entrar no casamento com desleixo, porque um fator
determinante crítico ao escolher um cô njuge deve ser o seu cará ter
— ele ou ela é piedoso(a), ele ou ela me ajudará a crescer em Cristo,
nossos temperamentos complementam-se? Ainda que nã o se deva
ignorar a atraçã o externa, a preocupaçã o da nossa cultura com esse
fator tem se mostrado completamente tola.
4. Em seu â mago, o casamento é uma aliança íntima e uma
companhia de dois gloriosos portadores da imagem de Deus, que
encontra sua expressã o na intimidade sexual.
5. O casamento assim consagrado é o contexto divinamente validado
para a procriaçã o e criaçã o de filhos.
Uma perspectiva final de Calvino sobre o propó sito do matrimô nio,
apesar de tudo, ainda precisa ser mencionada — aquela dimensã o
cristoló gica, a mais importante sobre todas as demais. O Senhor
Jesus Cristo instituiu o casamento cristã o — e aqui Calvino com
certeza está pensando em Efésios 5.25–32 — a fim de ser “uma
imagem de sua santa uniã o com a Igreja. Que elogio maior poderia
ser proferido à dignidade do casamento?” . 55
 

Parte 4
O Legado
de Calvino

Capítulo 12
 
O círculo de amizades de Calvino: impulsionando um
movimento permanente
David W. Hall

De uma perspectiva histó rica distante, é prudente perguntar, como


alguém sustenta um movimento de ideias por tempos? E algo tã o
nã o cognitivo como a amizade em sociedade seria um fator? Um
historiador da Reforma suíça notou que seria impossível a Calvino
ser tã o amado em sua morte se tivesse sido um monstro por toda a
sua vida. O reformador nã o foi meramente elogiado quando morreu;
seus vá rios amigos abraçaram suas ideias e procuraram cultivá -las.
Esse capítulo revê suas amizades em diferentes lugares; durante
seus dias de estudante; no exílio em Estrasburgo, como evidenciado
entre as instituiçõ es genebrinas; e em sua morte . 1 O objetivo é
considerar o efeito propulsor que as amizades têm de cultivar a
longevidade de um movimento ideoló gico . 2
 
REABILITANDO INICIALMENTE UMA IMAGEM
Mesmo um estudo superficial das cartas de Calvino revela um
padrã o de amizade e companheirismo . 3 Como Van den Berg
observa, sem o amplo círculo de amigos fornecendo uma paleta de
cores variadas para a pintura, os estudiosos nã o estariam
familiarizados com seus pontos mais requintados, embutidos em
sua extensa correspondência. Com certeza, Calvino nã o se via como
o ú nico indivíduo envolvido nesses assuntos de reforma. Para ter o
lado da histó ria que retrata Calvino de forma diferente daquela
como ele é frequentemente pintado, frio e avesso a sentimentos,
consulte The Humanness of John Calvin , de Richard Stauffer . 4 No
prefá cio, o influente erudito de Calvino, J. T. McNeill relata como foi
levado a questionar aquele rumor a respeito do reformador que o
retrata como severamente desumano. Examinando suas cartas, ele
descobriu que, pelo contrá rio, era um homem vividamente humano,
que se relacionava com o rico e o pobre da mesma maneira, e exibia
grande lealdade aos amigos. Ele atribuiu a Calvino os seguintes
traços: gentil, caloroso, sensível, generoso, hospitaleiro e de outras
virtudes seguramente provadas . 5
Stauffer nomeia de “calú nia” aquilo que Calvino desde entã o tem
recebido da parte de seus inimigos, além dos mal-entendidos e das
interpretaçõ es errô neas a seu respeito por parte de seus bisnetos” .
6
Um outro historiador notou que nenhum outro reformador gerou
mais lealdade pessoal. Emile Doumergue coloca da seguinte forma:
“Poucos homens nutriram tantas amizades quanto ele, poucos
souberam como reter nã o só a admiraçã o, mas também a afeiçã o
pessoal desses amigos” . 7 Abel Lefranc expressou o mesmo
sentimento: “As amizades que ele inspirou [...] entre seus
professores como também entre seus colegas, sã o testemunhos
fortes o suficiente para confirmar que ele sabia como combinar uma
afabilidade com graciosidade que a todos conquistava com sua
entrega séria e intensa ao trabalho” . 8
Inserido no contexto universitá rio ou sob a experiência de seus
professores para ajudá -lo, Calvino era um homem mais sociá vel do
que geralmente se pensa. Escritor prolífico, trocava
correspondências com juristas, governadores, pessoas comuns e
muitos ministros. Essas cartas oferecem vislumbres sobre o
verdadeiro Calvino. Nelas pô de demonstrar a afeiçã o que tinha por
seu professor Melchior Wolmar, bem como lamentar a morte de um
amigo de ministério que o tomou completamente de tristeza.
O cará ter e o impulso do calvinismo (e do luteranismo também)
impactaram o mundo com o sentimento fraterno de amizades
devotas e compromissadas. Ninguém só conseguiria semear tantas
sementes; foram vitó rias marcadas por um time de amigos.
Na á rea da formulaçã o política, por exemplo, Calvino foi o principal,
mas certamente nã o o ú nico teó rico protestante; na verdade ele
absorveu muita coisa de seus companheiros. Outros reformadores
neste mesmo círculo de amizade depressa articularam teologias do
Estado, por exemplo. As seguintes obras, todas importantíssimas,
surgiram depressa e sucessivamente em menos de trinta anos:
Martin Bucer, De Regno Christi (1551)
John Ponet, A Short Treatise of Political Power (1556)
Christopher Goodman, How Superior Powers ought to be obeyed of
their subjects; and wherein they may lawfully by God’s word be
disobeyed an resisted (1558)
Peter Viret, The World and the Empire (1561)
François Hotman, Francogallia (1573)
Theodore Beza, De Jure Magisterium (1574)
George Buchanan, De Jure Regni Apud Scotos (1579)
Languet, Vindiciae Contra Tyrannos (1579).
Cada uma delas legitimou a ideia de que o cidadã o deve resistir à
expansã o governamental que ultrapassa os devidos limites. De
maneira interessante, esse corpo de pensamento político emanou de
um círculo estreito de amigos, cuja maioria já estava em contato
direto com Calvino. Outros tó picos foram também abordados em
grupo. É difícil de atribuir semelhança de pensamento tã o robusta
ao acidente ou à descoberta independente.
O companheirismo entre Calvino e Teodoro de Beza é um modelo de
amizade. Com todas as principais questõ es intelectuais da época, o
que mais impressionou Beza foi o apoio pessoal e a amizade de
Calvino. Assim, Beza (e outros) escreveu sobre a camaradagem que
Calvino compartilhava com aqueles ao seu redor. O reformador
francês condensava a noçã o moderna de companheirismo, e era
prudente o suficiente para, tendo a possibilidade, atrair amigos
brilhantes. Certa feita Beza ficou doente, e nisso Calvino escreveu
sobre o “temor recente” que “lhe sobreveio com profunda tristeza”
ao saber da enfermidade. Ele ficou “perturbado [...] já chorando por
ele [...] entristecido” e com medo da perda que poderia sobrevir à
igreja e a ele pessoalmente . 9 Felizmente, Beza se recuperou.
Mas, há muitos outros amigos além dele. As correntes consensuais
de pensamento que fluíram das veias literá rias de Bullinger, Bucer,
Viret e Calvino — que logo seriam suplementadas por Knox, Beza,
Hotman e Junius Brutus — formaram uma tradiçã o intelectual com
Genebra ao centro e Calvino como arquiteto. Sua amizade com esses
eruditos provaria ser a cola que manteria unido o movimento em
seu frá gil despontar . 10 J. H. Merle D’Aubigne observou esse
intercâ mbio de ideias:
A catolicidade da Reforma é um traço nobre em seu cará ter. Os
alemã es passam para a Suíça; os franceses para a Alemanha;
posteriormente, homens da Inglaterra e da Escó cia passam para o
Continente, e os doutores do Continente para a Grã -Bretanha.
Brotam reformadores de diferentes países quase de forma
independente, mas, assim que nascem, eles se unem e dã o as mã os
em comunhã o […] Tem sido um erro, em nossa opiniã o, escrever até
entã o a histó ria da Reforma para um ú nico país; a obra é uma só . 11
Aqueles que seguiram o mesmo caminho de Calvino serviram para
estabilizar e padronizar um movimento internacional. Seus esforços
coletivos certamente o levaram à expansã o.
Calvino, Farel e Peter Viret eram chamados de “o tripé” ou de “os
três patriarcas”, tã o amplamente conhecida era a amizade deles.
Comentando em Tito, Calvino escreveu dizendo que “nã o acreditava
ser possível haver amigos que juntos vivessem tã o profunda
amizade no dia a dia deste mundo como havia no ministério deles” .
12
No prefá cio, Calvino referiu-se à “amizade e santa uniã o” deles e
afirmou que, embora os três fossem de lugares diferentes, aquela
amizade cooperou para a unidade da igreja. Mesmo quando houve
fortes discordâ ncias, Calvino foi o modelo ideal. Quando esses
reformadores experimentavam afliçõ es ou alegrias em comum,
Calvino delas partilhava por meio de correspondências. Suas cartas
escritas a vá rios dos reformadores sã o cheias de simpatia e depressa
ilustravam uma lealdade saudá vel. Ademais, ele demonstrava
grande compaixã o ao corresponder-se com refugiados. Ele chegou a
construir pontes para os discípulos de Lutero mesmo depois de o
reformador alemã o acusá -lo.
A afinidade com Melanchton começou a partir de correspondências
escritas para Bucer durante o exílio de Calvino em Estrasburgo.
Calvino conheceu Melanchton pela primeira vez pessoalmente, no
entanto, na Dieta de Frankfurt, em 1539. Nesse está gio inicial da
Reforma, os ventos do “otimismo ecumênico” sopravam livremente
entre muitos reformadores. Para Calvino, Melanchton concordava
com ele em uma ampla variedade de tó picos doutriná rios, chegando
até mesmo a pensar que talvez detivesse a chave para uma potencial
unidade com os luteranos . 13 Nesse princípio da Reforma, um
pouco depois de sua chegada em Estrasburgo, Calvino o aconselhou
tentando fazer uso de “todas as soluçõ es” possíveis para manter a
unidade, “persever[ando] até mesmo o ú ltimo suspiro” . 14 A
despeito das semelhanças entre Calvino e Melanchton na veia
erudita e na personalidade — especialmente em contraste com os
imprevisíveis mentores Lutero e Farel —, ambos nunca alcançaram
a unidade que inicialmente pensaram ser possível.
Aquilo que começou em Genebra com uma estrutura multinacional
de amigos, todos procurando expandir a “repú blica de Cristo”,
cresceu e formou um movimento que continha teologia, ideias e uma
visã o ú nica da histó ria, o qual nã o se conteria apenas naquela cidade
. 15 Confiando na providência de Deus e na eleiçã o divina, esse
círculo de amigos insistia com os governantes civis para que
adotassem as visõ es religiosas e prá ticas políticas dos reformadores,
“afirmando que nenhuma fronteira, nenhuma barreira, nenhum
limite deveria confinar o zelo de príncipes piedosos pela gló ria de
Deus e pelo reino de Cristo” . 16 Para alguns, a teologia de
resistência mantida por este círculo de Genebra pode parecer
politicamente subversiva.
Por vezes, como em qualquer período histó rico, amizades se
rompiam. Calvino tinha de ajudar membros da igreja com
relacionamentos quebrados e lidar com atritos entre os
reformadores protestantes. Nenhum líder que seja realista presume
que tudo sempre caminhará bem e suave entre amigos; Calvino, no
entanto, aprendeu a encorajar outros ao seu redor, e delegava certas
responsabilidades a seus companheiros.
Richard Stauffer concluiu que Calvino estava longe de ter a
característica “de heró i isolado ou gênio solitá rio que
frequentemente colocam sobre ele. Por toda a sua carreira, ele teve
relacionamentos com amigos que manifestavam afeiçã o inabalá vel e
devoçã o infatigá vel. Se exerceu tamanho encanto, certamente é
porque ele pró prio era o tipo de amigo incompará vel […] Ele pagava
o tributo da lealdade inabalá vel à queles que lhe fossem devotos” . 17
Apó s sua morte, a contínua obra da Reforma foi confiada a seus
amigos, entre os quais Beza era o principal.
 
OS PRIMEIROS MENTORES E COMPANHEIROS DA TEOLOGIA DE
CALVINO: AMIGOS E IDEIAS
Calvino percebeu que uma grande mudança poderia acontecer
somente com bases só lidas. Ele também era modesto o suficiente
para nã o reivindicar que todas as boas ideias fluíam de sua pró pria
mente. Sua admiraçã o por aqueles teó logos antes dele refletia a
disposiçã o que tinha para avaliar as contribuiçõ es de terceiros —
aqueles que considerava amigos literá rios. Ele visitava os escritos
clá ssicos com frequência e obtinha sabedoria do passado. Calvino
nã o cria que todas as ideias mais recentes estavam necessariamente
corretas ou que ele e sua geraçã o eram superiores em sabedoria à s
demais. Grande alegria ele também tinha ao ter uniã o com outros
parceiros. Seu conhecimento era mais que tentar reinventar todas as
partes da roda. Felizmente, ele aproveitou muita coisa de Agostinho
e construiu com base nele , 18 além de muitos outros mentores
intelectuais que também lançaram as bases para a sua obra.
Ainda na Universidade de Paris em 1521, Calvino estudou retó rica,
ló gica e artes — tó picos comuns para a época — e recebeu uma
educaçã o clá ssica. Foi também influenciado pela obra do líder
progressista e cató lico romano John Majo r 19 — um intelectual
robusto — e por Pedro da Espanha . 20 Ele também nã o conseguiu
evitar o dilú vio de atualidades intelectuais que rondava Paris
naquele tempo. Os professores e alunos protestantes, originalmente
chamados luteranos, uniram-se visando proteçã o contra a
perseguiçã o, formando vínculos de amizades duradouras. Calvino
contou com a amizade de Nicholas e Michael Cop durante o começo
da Paris protestante. Certo estudo inferiu que “Tais amizades
testificam o quanto seu cará ter era valoroso e atrativo, e
contradizem o velho mito do misantropo antissocial” . 21
Calvino, bem como Melanchthon, foi instruído em três línguas
clá ssicas. O método de Calvino parece ter sido também moldado
pela exposiçã o ao Elementorum Rhetorices Libri Duo , de
Melanchton, frequentemente usado em seus dias de estudante em
Paris . 22 A educaçã o humanist a 23 de Calvino deve também à
entrada em instituiçõ es educacionais consideradas basilares em
Paris , 24 Orléans, Bourges, Basel, e à familiarizaçã o com outros
centros de aprendizado da época. Ele foi exposto ao pensamento de
Erasmo, Le Fevre, Wolmar e François Rabelais, a verdadeira “elite”
da educaçã o encontrada na Europa Ocidental daqueles dias.
Antes de ter residência em Genebra no ano de 1536, Calvino tinha
amizade com Peter Viret, vizinho de reforma, cidadã o de Lausanne,
quase uma década antes dos anos em que ambos passaram em Paris.
Os dois estudaram com os mesmos professores no Collège Montaigu
25
e tiveram um amigo e mentor em comum, Guilherme Farel . 26
Ambos estavam tã o pró ximos que, chegado o tempo de retornar
para Genebra de seu exílio em Estrasburgo, Calvino pediu que Viret
preparasse o caminho para a sua parousia . 27 Daquele momento
em diante, sempre que necessá ria uma mediaçã o em Genebra,
Calvino e outros líderes se voltavam para Viret, que finalmente lá se
estabeleceu em 1559, seguindo seu pró prio exílio de Lausanne.
Eram amigos tã o chegados que foram recompensados com a
cidadania plena de Genebra no mesmo dia, em 25 de dezembro de
1559.
Entre os correspondentes de Calvino, Viret está entre os mais
volumosos, com quase quatrocentas cartas sobreviventes. Os dois
amigos permaneceriam íntimos até a morte levar o primeiro. Ambos
compartilhavam traços de timidez, determinaçã o, sensibilidade para
com os que sofrem e labor incansá vel, refletidos na troca de
correspondências. Esta coletâ nea indica que eram pró ximos o
bastante para repreenderem e corrigirem com sinceridade um ao
outro, mas também “simpatizavam um com o outro na mú tua
tristeza pela perda cada um de sua esposa, ambas descritas como
esposas e companheiras amadas” . 28 Em termos de impacto, Viret
pode até mesmo ter forjado uma influência bem maior do que
previamente conhecida em termos de política; ele de início apoiou o
direito de resistir aos magistrados mais que qualquer outro amigo
de Calvino, e possivelmente o persuadiu (talvez mesmo seus
discípulos) daquela ideia radical . 29 De fato, Robert Linder avaliou a
amizade como tã o forte a ponto de dizer que ao lado das quatro
está tuas de Farel, Calvino, Beza e Knox no Parc de Bastions de
Genebra, uma de Viret deveria ser adicionada “simbolicamente, bem
atrá s do ombro esquerdo de seu bom amigo, Joã o Calvino”. 30
 
UM CÍRCULO DE AMIGOS EM ESTRASBURGO
A biografia de Beza é explicativa o suficiente para fazer entender o
exílio de Calvino em Estrasburgo como parte da providência divina,
fator que o preparou para maior efetividade no emprego de seus
dons para fortalecer outra cidade. Apó s uma batalha perdida em
Genebra, seus três anos em Estrasburgo provariam ser essenciais
para seu futuro.
O período de Calvino em Estrasburgo, que durou de 1538 a 1541,
provou ser providencial, como ele mesmo afirmou posteriormente.
Lá , cidade que já havia trilhado mais o caminho da Reforma do que
Genebra até entã o, ele viu todo o potencial da religiã o e da política
reformada. Sob o poderoso exemplo de educadores tã o
proeminentes da Reforma, como Johann Strum (1507-1589) e
Martin Bucer, Calvino recebeu mentoria só lida — sem mencionar a
comunhã o. Ele acompanhou Bucer em missõ es diplomá ticas,
lecionou na recém-formada Academia de Sturm, que se tornou
modelo para a de Genebra, e observou uma relaçã o harmoniosa
entre Igreja e Estado . 31
Calvino também pastoreou entre
quatrocentos a quinhentos refugiados protestantes franceses em
Estrasburgo . 32
Willem van’t Spijker explorou o impacto da amizade de Bucer sobre
Calvino durante e depois de seu tempo em Estrasburgo. Van’t
Spijker relata que Calvino repreendeu Bucer cerca de três meses
antes do exílio de abril de 1538. Apesar disso, a generosidade de
Bucer é vista em seu ato de encorajar o jovem Calvino a buscar
abrigo em Estrasburgo. A partir daquele momento, Bucer exerceu
grande influência sobre Calvino, mais que Farel. Van’t Spijker
afirma: “Uma amizade profunda se desenvolveu entre os dois, que
continuou em vida e que fez Calvino sempre falar sobre Bucer com
grande apreciaçã o, mesmo apó s sua morte. Quando chamado a
voltar para Genebra em 1541, consentiu apenas sob a condiçã o de
que Bucer o acompanhasse para juntos reformarem a igreja de
Genebra”. Ao menos com seus comentá rios em Romanos (1536)
Bucer forjou uma influência amigá vel e duradoura sobre Calvino e
suas Institutas . 33
Antes de retornar à Genebra, Calvino tornou-se cidadã o de
Estrasburgo e conheceu certa mulher viú va, Idelette de Bure, que
veio a ser sua esposa. Ele herdou os dois filhos do casamento
anterior da mulher, tornando-se o ú nico responsá vel por cuidar
deles depois que a esposa faleceu em 1549. Calvino enfrentou uma
tristeza incompará vel com esta perda. Suas cartas a Farel e Viret
revelam tanto sua fé em Deus como seu amor pela esposa.
Observando tamanho sofrimento, à medida que o acompanhavam,
as pessoas nutriam admiraçã o. O reformador francês prestou
grande homenagem à falecida Idelette como a mulher que para ele
era uma excelente companheira no exílio, na tristeza ou mesmo na
morte.
O exílio de Calvino terminou em 1541, foi quando retornou à
Genebra, “contrá rio à [sua] vontade e inclinaçã o”. O que o motivou a
voltar ao lugar onde havia sido tratado com tanta rudeza poucos
anos antes? “O bem-estar dessa igreja [...] está cravado no meu
coraçã o”, ele afirmou, “que por sua causa eu nã o hesitaria em dar
minha vida”. Competindo com sua desconfiança natural, o peso do
“dever solene e consciente” era maior que o conforto pessoal. No
entanto, foi com tristeza, lá grimas, ansiedade e angú stias
considerá veis — sem mencionar “um ato notá vel de pragmatismo
social e realismo religioso ” 34 — que ele retornou à Genebra.
 
A COMPANHIA DE PASTORES
A venerá vel Companhia de Pastores [Company of Pastors ] formou
um círculo de amigos durante a segunda residência de Calvino em
Genebra . 35 Ao voltar para lá , ele insistiu para que um presbitério
fosse formado. Ao invés de querer domínio ditatorial, Calvino optou
pelo companheirismo em sua fraternidade de ministros. Suas
Ordenanças Eclesiá sticas pediram pelo estabelecimento de um
círculo de ministros que trabalhassem juntos e se reunissem com
frequência. Mais tarde, com a academia já formada houve um
acréscimo de relacionamentos mais pró ximos.
Calvino foi prudente o bastante a ponto de extrair de outros homens
e de suas pró prias experiências passadas — até mesmo seu doloroso
exílio — em busca da inspiraçã o para os desenvolvimentos
educacionais de Genebra. Houve três influências dominantes à
medida que ele estabelecia uma universidade duradoura; cada um
dos vá rios líderes de diferentes partes da Suíça Protestante fez
contribuiçõ es distintas. Primeiramente, Calvino aprendeu com a
entã o já estabelecida Academia de Lausanne, de seu amigo Peter
Viret, na verdade fundada duas décadas antes da de Calvino. Nos
anos 1540, a Academia de Lausanne (a aproximadamente 65
quilô metros de Genebra) era a principal instituiçã o educacional de
fala francesa, com um excelente corpo docente. A influência de
Lausanne sobre a academia de Genebra aumentou quando alguns
dos professores (Teodoro de Beza, François Hotman e Peter Viret)
começaram a lecionar em Genebra depois de 1559 . 36 Líderes rivais
em Bern acusaram Calvino de conspirar para roubar excelentes
professores, mas tudo isso aconteceu por causa de uma ruptura em
Lausanne. Em segundo lugar, durante seu exílio de 1538 a 1541,
Calvino testemunhou um outro excelente modelo na academia de
Johann Sturm, em Estrasburgo. Terceiro, Calvino enfatizou o método
expositivo de Zuínglio, centrado na Bíblia, elevando os textos
originais da Escritura ao patamar mais autoritativo possível. Vozes
proeminentes da Reforma tornaram-se mentoras para a reforma
educacional em Estrasburgo, Zurique, Lausanne e Genebra — com
certeza um aprendizado ú nico com implicaçõ es globais aos olhos um
líder perceptivo. Logo apó s seu começo em 1558, no entanto, a
academia de Calvino logo ultrapassou em muito esses outros
centros e subsequentemente permaneceu na linha de frente dos
empreendimentos educacionais protestantes por mais de dois
séculos . 37
Apó s o massacre do Dia de Sã o Bartolomeu (1572), François
Hotman — um dos maiores advogados de direito constitucional do
Continente — começou a lecionar na faculdade de direito de
Genebra e nela serviu de 1573 a 1578. Além dele, Denis Godefroy,
que influenciou Johannes Althusius, estava no corpo docente de
direito e foi um dos dois professores da academia a tornar-se
Primeiro Síndico (quase o equivalente a um prefeito) em Genebra
enquanto lecionava. A presença dos gigantes da lei, Hotman e
Godefroy, presenteou a academia de Calvino com um dos primeiros
corpos docentes jurídicos da Suíça. A faculdade de medicina,
implantada um pouco depois da morte de Calvino, nã o foi
oficializada com sucesso até a década de 1700 . 38 Apó s seus
estudos na academia de Calvino, Thomas Bodley retornou à Oxford e
estabeleceu a Bodleian Library , talvez a mais rica biblioteca de
pesquisa do mundo. Sua investida seguiu a missã o educacional do
reformador francês. Esse vínculos expandiram o alcance do
movimento reformado. O todo era maior que a soma das partes.
Depois de fundada, a Academia também ajudou a nutrir estruturas
de poder alternativas. Desde 1555 Genebra era ú nica na Suíça por
confiar o poder de excomunhã o à assembleia (composta de
ministros e presbíteros locais), e nã o ao magistrado civil . 39 A
política tanto continuava como restringia o poder civil. Onde quer
que o calvinismo se espalhasse, outras respeitá veis companhias de
pastores surgiam, por exemplo em Poitiers (1555), Orleans (1557),
La Rochelle (1558) e Nimes (1561) . 40
Essas autoridades
eclesiá sticas governantes impediam os magistrados civis de agirem
como os ú nicos governantes ordenados por lei; o poder tinha de ser
compartilhado com a esfera privada. Em contraste com outras
municipalidades, algo que contribuiu para Genebra aderir de forma
ímpar a uma Reforma consistente foi a criaçã o de uma instituiçã o
rara naqueles dias: a assembleia. O corpo docente religioso assumiu
vá rios papéis, tais como a correçã o moral, a direçã o corporativa e a
censura, prerrogativa entã o dos tribunais principescos . 41 Duvida-
se, no entanto, que as ideias de Calvino teriam sido tã o rapidamente
ou de modo tã o sustentá vel propagadas sem seu trabalho inovador
na academia genebrina.
Calvino até mesmo apreciava relacionamentos amigá veis com
muitos dos governantes. A interaçã o cordata entre Calvino, sua
Companhia de Pastores e a prefeitura da cidade de Genebra pode
perturbar um pouco o leitor moderno. Embora houvesse uma
separaçã o proposital de jurisdiçõ es, esses reformadores nã o
consideravam a atuaçã o estritamente isolada como saudá vel para as
principais esferas de influência, igreja e estado. O Senado de
Genebra e o Conselho dos Duzentos frequentemente consultavam os
pastores genebrinos. Por vezes eles sugeriam legislaçõ es ou
processos devidamente legais que eram aprovados pelo conselho
civil. Ainda que cada Poder devesse ter “autonomia de funçã o, o
relacionamento previsto era de harmonia, em que a Igreja e o
Estado cooperavam de maneira frutífera com cada um para a gló ria
de Deus” . 42
 
AMIGOS EM CORRESPONDÊNCIA E VIA DEDICATÓRIA
Costuma-se prestigiar amigos em dedicató rias de livros. Também é
verdade que estas à s vezes podem ser escritas na ambiçã o (mais que
no reconhecimento) de amizades. Calvino, no entanto, dedicou os
seguintes volumes de seus comentá rios para amigos na política ou
no ministério:
Henrique (IV), Duque de Navarra, aos dez anos de idade (Gênesis)
Eduardo, o 17º Conde de Oxford (Salmos)
Príncipe Eduardo VI e Rainha Elizabeth da Inglaterra (Isaías)
Príncipe Frederico de Palatine (Jeremias)
Gaspar Coligny (Ezequiel, postumamente em 1565 por Beza)
A todos os piedosos fiéis na França (Daniel)
Rei Gustavo da Suécia (Os Profetas Menores, terminando com
oraçã o para tudo de bom ao Príncipe Heric e os irmã os de Gustavo)
Os Nobres e o Conselho de Frankfort (A Harmonia dos evangelhos)
Os Síndicos e o Conselho de Genebra (evangelho de Joã o, no qual ele
agradece a esses líderes civis pela sua hospitalidade)
Príncipe Nicolas Radziwill, Duque da Lituâ nia (Atos; ele é elogiado
por resistir à oposiçã o pú blica em nome de sua fé)
Simon Grynaeus (Romanos; Calvino reconhece que ele escreve esse
comentá rio depois de Melanchton e Bucer, sem mencionar Lutero e
Peter Martyr)
James da Borgonha (1Coríntios)
Melchior Wolmar (2Coríntios, como pedido de desculpas por nã o ter
escrito por mais de cinco anos)
Príncipe Christopher, Duque de Wirtemberg (Gá latas)
Eduardo, Duque de Somerset (1Timó teo)
Farel e Viret (Tito)
Eduardo VI, rei da Inglaterra (As Epístolas Gerais)
Pode-se debater quã o bem Calvino conhecia cada um deles. Na
maioria dessas dedicató rias, contudo, sua familiaridade com a
situaçã o parece ó bvia, indicando algum nível de intimidade. Além
disso, as afinidades internacionais, pelo menos, devem ser
reconhecidas.
Pouco antes, Calvino havia dedicado sua obra Bondage and
Liberation of the Will , de 1543, a Melanchton, esperando destacar a
unidade entre os reformadores neste quesito. Seus motivos para a
dedicató ria eram vá rios, incluindo o amor professo de Melanchton
por Calvino e os elogios de Calvino pelos ensinos semelhantes de
Melanchton, referindo-se a ele nesses agradá veis anos como um
“amparo de grande zelo” e “bravo e distinto defensor” . 43 Calvino,
conhecido por seu amor pela brevidade, claridade e simplicidade
(talvez voltando ao texto de Melanchton sobre retó rica usado em
Paris no tempo em que ainda era aluno), o elogiou por sua
semelhante precisã o, perspicuidade e simplicidade.
Os amigos de Calvino também incluíam amigos de infâ ncia que eram
editores. Um estudo recente afirma, “Nenhuma descriçã o dos
esforços internacionais da Reforma pode omitir as contribuiçõ es do
tipó grafo e erudito Robert Estienne, do tipó grafo e martirologista
Jean Crespin [...] ou, para este fim, o uso contínuo e deliberado da
publicaçã o como armamento por parte de Calvino e Beza” . 44 De
Genebra, Robert Estienne imprimiu ediçõ es francesas dos discípulos
de Calvino, Beza, Hotman e Viret. Jean Crispin, padrinho no
casamento secreto de Beza , 45 publicou material devocional
popular; ademais, uma ampla variedade de material educacional foi
produzida para a academia em desenvolvimento. Bíblias e textos
teoló gicos saíram de imprensas genebrinas.
 
AMIGOS ATÉ O FIM: UM ESBOÇO DA MORTE DE CALVINO
Antes de concluir nosso levantamento da vida de amizades de
Calvino, notemos os louvores que alguns de seus contemporâ neos
prestaram a ele no tempo de sua morte, que foi reverenciado por
muitos durante e no fim de sua vida. Os elogios de seus
companheiros corrigem com grandeza a imagem defeituosa que
muitos têm dele.
Em 25 de abril de 1564, pressentindo que a morte estava pró xima,
Calvino arquivou sua vontade final. Nela asseverou sua indignidade
(“Ai de mim; meu ardor e zelo têm sido tã o negligentes e lâ nguidos
que confesso ter falhado inú meras vezes ” 46 ) e agradeceu a Deus
por sua misericó rdia. Ele nomeou seu irmã o Anthony (cuja
reputaçã o por ter se divorciado de uma esposa por adultério foi
maliciosamente usada para difamar o pró prio Calvino) como
herdeiro, e em sua vontade ele transmitiu quantidades iguais para a
escola dos garotos, aos pobres refugiados e seus enteados. Ele
também deixou parte de suas escassas propriedades para seus
sobrinhos e os filhos deles. Para vindicar Calvino contra as
acusaçõ es de ganâ ncia, Beza reiterou o que o reformador francês
havia afirmado anteriormente: “Se alguns nã o forem persuadidos
enquanto ainda estou vivo, minha morte provará em todos os
sentidos que eu nã o fui um homem de ganhar dinheiro” . 47 Quando
sua vontade foi aprovada e trazida à atençã o do Senado , 48

membros daquele conselho visitaram o decadente Calvino, para


ouvir sua despedida final pessoalmente. Ele nã o era visto como um
inimigo a ser evitado pelos seus contemporâ neos.
A partir do que escreveu em “Palavra de Adeus aos Membros do
Pequeno Conselho ” 49 pode-se entender o desfecho que levou sua
relaçã o com os líderes da cidade. Os membros desse conselho foram
à casa de Calvino para ouvir seus conselhos e manifestar estima
pelos “serviços que ele havia desempenhado pelo Seigneurie e por
aquilo a que ele fielmente se propô s em seu dever”. Certo
contemporâ neo registrou seus sentimentos de 27 de abril de 1564.
Nessa crô nica, o moribundo Calvino primeiramente agradeceu a
esses líderes pelo apoio, cooperaçã o e amizade. Embora tivessem se
envolvido em vá rios conflitos, o relacionamento deles ainda era
cordial.
Ele concluiu encorajando cada um a “andar de acordo com sua
posiçã o e usar com fidelidade aquilo que Deus concedeu para apoiar
essa Repú blica. Em relaçã o aos julgamentos criminais ou civis, deve-
se rejeitar qualquer favorecimento, ó dio, erro e louvor. Ele também
aconselhou que os líderes nã o aspirassem a privilégios como se a
posiçã o em questã o fosse de algum benefício para os governadores.
“E se alguém é tentado a desviar-se disso”, Calvino acrescentou,
“essa pessoa deve resistir e ser constante, considerando Aquele que
nos estabeleceu, pedindo que nos conduza pelo Espírito Santo, e Ele
nã o desistirá de nó s”.
Sua despedida foi seguida pelo “Discurso de Adeus aos Ministros”,
em 28 de abril de 1564 . 50 De sua câ mara, Calvino foi pungente em
suas palavras: “Quando cheguei a esta igreja, nã o havia
praticamente nada. Pregaçã o e nada mais. Eram bons na prá tica de
encontrar os ídolos e queimá -los, mas nã o havia Reforma. Tudo
estava confuso [...] Aqui vivi assombrosas batalhas. À porta de casa
fui recebido sob escá rnio com cinquenta ou sessenta tiros de
arcabuz (arma de fogo) em determinada noite. Vocês conseguem
imaginar muito bem o quanto uma situaçã o como esta é assombrosa
aos olhos do pobre e tímido estudante que sou e sempre fui,
confesso” . 51   O discurso de adeus continuou com recordaçõ es do
exílio em Estrasburgo, as tensõ es que enfrentou ao retornar, e
algumas de suas experiências com vá rios concílios. Calvino concluiu
predizendo que as batalhas nã o diminuiriam nos dias à frente,
alertando: “Vocês ainda terã o muito trabalho depois que Deus me
levar. Porque, embora eu nã o seja nada, sei que impedi três mil
tumultos que poderiam ter acontecido em Genebra. Mas tenham
coragem e sejam fortes, porque Deus usará esta Igreja e a
sustentará ; eu garanto a vocês que Ele a preservará ” . 52
Calvino confessou humildemente:
Tive de suportar muitas enfermidades; nã o obstante, tudo o que fiz
de nada vale. Homens maus tomarã o proveito desta palavra; mas
ainda assim afirmo que tudo o que eu fiz de nada vale e que sou uma
criatura miserá vel. Mas, posso dizer que tive boas intençõ es, que
meus defeitos sempre me trouxeram desgosto, e que a raiz do temor
a Deus esteve no meu coraçã o. E vocês podem dizer que minhas
intençõ es foram boas. Imploro que me perdoem todo mal; mas se há
algum bem, que vocês o fortaleçam e o sigam. 53

Ele negou ter escrito com ó dio sobre os outros, e confirmou que os
pastores haviam eleito Beza como seu sucessor. “Tratem de ajudá -lo,
porque seu fardo é pesado e tã o á rduo que ele pode ser subjugado.
Tratem de apoiá -lo. Quanto a ele, sei que tem boa vontade e fará o
que for possível”, exortou Calvino à beira da morte. Além do mais,
ele instou que “nã o fizessem inovaçõ es, porque com frequência
pedem novidade”. Ele disse: “nã o que eu deseje por ambiçã o pessoal
que o meu modo permaneça e que nã o se busque nada melhor, mas
porque todas as mudanças sã o perigosas” . 54 O conselho deste guia
está repleto de camadas e mais camadas de sabedoria.
Quando Calvino faleceu no dia 27 de maio de 1564, quase um mês
depois destes comentá rios, a cidade lamentou a morte de seu
cidadã o mais sá bio e pai espiritual. Ele foi sepultado em um
cemitério comum, em Plein Palais, encontrando finalmente o
anonimato que tanto desejava. Essa humildade, um historiador
escreveu, era característica de Calvino tanto em vida como foi em
sua morte . 55 A ampla notoriedade que o seu falecimento teve e a
tristeza que causou deveriam servir de correçã o a qualquer visã o
que falha ao afirmar que os contemporâ neos da época ou o
desprezaram ou subestimaram sua importâ ncia. Calvino foi
lamentado, e seu grande nú mero de amigos manteriam sua memó ria
viva muito mais que as pessoas da época poderiam prever. O bom
resultado deste mentor ainda foi reconhecido e celebrado por
muitos outros.
 
CONCLUSÃO
Amizades assim mostram como os reformadores lutaram pela
unidade; ao mesmo tempo, sem deixar de lado a repreensã o. Calvino
poderia severamente acusar Melanchton de ser tímido, ligeiro em
abrir mã o de pontos cardeais e indisposto a traçar limites ortodoxos
em determinadas á reas. Ao mesmo tempo, Calvino escreveu,
interpretar que por meras repreensõ es, para as quais Melanchton
havia lhe dado total liberdade, ele e o tenente de Lutero estavam
“em oposiçã o muito prejudica tanto um quanto o outro, bem como
toda a Igreja de Deus” . 56 Sim, esses amigos reformadores
defenderam a reputaçã o um do outro e procuraram construir pontes
baseadas na crença comum, mas nã o, eles nem sempre
concordavam. Calvino, porém, nã o escreveria para Melanchton até o
mês de dezembro de 1558, incitando-o a permitir seu zelo queimar
com maior ardor (notando que mesmo “amigos piedosos” estavam
criticando sua timidez) enquanto o consolava: “O que quer que
aconteça, cultivemos com sinceridade uma afeiçã o fraternal um para
como o outro, a qual nenhuma artimanha de Sataná s conseguirá
destruir” . 57
Poucos (isso se algum) movimentos sociais e teoló gicos sobrevivem
se liderados por um ú nico indivíduo. Para haver impacto duradouro
um conjunto de ideias precisa ser atraente para mais do que
algumas poucas pessoas. Nã o é acidental, portanto, o fato de
universidades ou escolas serem de um modo geral mais longevas do
que até mesmo o pensador mais brilhante de uma geraçã o. Barth
teria pouca influência nã o fossem os barthianos; o mesmo é verdade
sobre Lutero e os luteranos. De maneira interessante, poucos se
identificam como protestantes genéricos; a maioria das vertentes do
protestantismo que se desenvolve e sobrevive ancora-se em um
Lutero, um Calvino, um Zuínglio. Cada uma destas tradiçõ es
protestantes que perduraram parece conter radiantes círculos de
amizade em seu â mago.
Capítulo 13
 
Calvino como calvinista

Joel R. Beeke

Calvino era um calvinista? A pergunta pode parecer estranha, mas


tem sido um questionamento recorrente desde a ú ltima metade do
século. Nota-se que por décadas a resposta de estudiosos quase
sempre foi dada na negativa: “Calvino nã o era calvinista”. Assim
disseram homens como Ernst Bizer, Basil Hall, Walter Kickel,
Thomas F. Torrance e Philip Holtrop . 1
O termo “calvinista” ainda nã o estava completamente desenvolvido
nos dias de Calvino, entã o a pergunta é em certo sentido anacrô nica.
Ademais, qualquer que seja a resposta, esta depende inteiramente
de como se define o termo “calvinista”. De início pode parecer um
debate acadêmico, mas, embora parte da literatura escrita sobre a
questã o certamente seja á rida, a questã o tem implicaçõ es tangíveis e
prá ticas para a vida cristã .
O debate a respeito de Calvino e os calvinistas nã o é mera
curiosidade histó rica; é uma questã o que se conecta com a vida
cristã hoje. Portanto, exploremos o tema e vejamos como ele pode
nos ajudar a aguçar nossa teologia e aquecer nossas almas.
 
PERGUNTAS PRELIMINARES: DESENVOLVENDO AS QUESTÕES
EM JOGO
Perguntar se Calvino era calvinista é, na prá tica, o mesmo que
perguntar se ele era reformado? Fazer essa pergunta é, em vá rios
sentidos, dar sua resposta. Ser reformado é defender com firmeza as
cinco solas da Reforma: somente as Escrituras (sola Scriptura ),
somente a graça (sola gratia ), somente a fé (sola fide ), somente
Cristo (solus Christus ) e somente a Deus gló ria (soli Deo gloria ).
Certamente, nenhum estudioso de reputaçã o hoje deixaria de
afirmar que Calvino subscreveu cada uma das solas tanto em sua
teologia quanto em sua prá tica. Se começá ssemos a pesquisar todas
as á reas doutriná rias em que Calvino e os calvinistas
inquestionavelmente concordam com plena harmonia, logo, sem
sombra de dú vida, enumeraríamos centenas.
Mas eis um ponto que propõ e uma pergunta praticamente sinô nima:
o que é um calvinista? Nã o é suficiente dizer “alguém que crê nas
doutrinas que Joã o Calvino ensinou”, pois daí passamos para o
questionamento “o que Calvino e os calvinistas ensinaram?”. Esta,
entã o, deve ser a primeira pergunta a ser feita: qual é o dogma
central de Calvino e dos calvinistas?
Outro modo de responder à dú vida quanto ao que Calvino e os
calvinistas ensinaram é voltar aos credos reformados, confessionais
e histó ricos, tais como o Catecismo de Heidelberg, e depois
confessar: Calvino foi um calvinista porque, antes de morrer, ele leu
o Catecismo de Heidelberg, que é uma confissã o solidamente
calvinista, e concordou integralmente com o seu conteú do, porém
ainda desejoso de que fosse incluída uma pergunta-resposta que
rejeitasse a missa da Igreja Cató lica Romana.
Mas esse fato nã o responde a todas as perguntas a respeito do
desenvolvimento da teologia confessional. Muitas outras confissõ es
reformadas tanto foram escritas durante como apó s a vida de
Calvino. Como elas se relacionam ao reformador? Ele pode ser usado
como ponto de partida para julgá -las? Este, portanto, é o segundo
ponto que se deve ter em mente: Calvino vis-à-vis, face a face com a
teologia confessional reformada em geral.
Mas ainda muitos sã o os pontos a serem considerados. Outra
maneira de responder à pergunta sobre o que Calvino e os
calvinistas ensinaram, é voltar-se à questã o histó rica da
metodologia em sua teologia — isto é, como Calvino na verdade
pensava em contraste com o pensamento de seus seguidores. Disto
surge toda a questã o envolvendo o escolasticismo, a qual de fato
precisa ser respondida; portanto, este é o terceiro ponto.
Mas, também isso nã o responde a todas as perguntas. Visto que o
Catecismo de Heidelberg aborda quase todas as grandes doutrinas
da fé reformada, é no mínimo confortante à queles que desejam ver
Calvino como calvinista saber que ele aprovava essa confissã o
clá ssica.
Outros embates foram levantados, no entanto, depois que o
Catecismo de Heidelberg foi escrito e depois da morte de Calvino;
pontos que nã o foram completamente resolvidos pelo Catecismo,
visto que por ele nã o foram adequadamente abordados — o tema da
depravaçã o do homem, da eleiçã o, da expiaçã o, da graça ser
irresistível, da perseverança dos santos. O Grande Sínodo de
Dordrecht (1618-1619) deu respostas definitivas a esses
levantamentos nos famosos Câ nones de Dort, posteriormente
melhor conhecidos na forma do acrô nimo TULIP. Referente à s
iniciais dos pontos em inglês, datado provavelmente do século XIX,
TULIP seria:
D epravaçã o Total [ T otal Depravity ]
E leiçã o Incondicional [ U nconditional Election ]
E xpiaçã o Limitada [ L imited Atonement ]
G raça Irresistível [ I rresistible Grace ]
P erseverança dos santos [ P erseverance of the Saints ]
Estes vieram a ser apelidados de os cinco pontos do calvinismo. Aqui
chegamos a á guas mais turbulentas, desde que, embora quase todos
os estudiosos tenham por certo que Calvino manteve-se — firme —
nos dois primeiros e nos dois ú ltimos, a discussã o que envolve a
expiaçã o limitada nã o é de fá cil resoluçã o. Eruditos têm oferecido
opiniõ es diversas a esse respeito. Hoje é terreno comum reconhecer
que os cinco pontos do calvinismo nã o abraçam tudo do calvinismo
e que o calvinismo abraça muitos outros pontos ou ensinamentos,
contudo se verdade ou nã o que Calvino e os calvinistas divergem
quanto a por quem Cristo morreu, eis aí uma grande diferença, na
verdade. Portanto, esta é a quarta e principal questã o a ser
considerada — o todo relacionado a por quem Cristo fez expiaçã o e
qual a extensã o do seu sacrifício.
Mas nem mesmo este é o ú ltimo problema a ser resolvido. Os mais
só lidos calvinistas das geraçõ es seguintes provavelmente foram os
puritanos. Quase todos eles abertamente confessaram ser
calvinistas só lidos. Homens que nã o estavam interessados em
modificar as doutrinas de Calvino de alguma forma substancial, mas
que desejavam aplicá -las a todas as á reas da vida tanto do crente
como do incrédulo. Os puritanos codificaram suas posiçõ es nos
Padrõ es de Westminster. E embora eruditos de reputaçã o
concordem que Calvino e os Padrõ es de Westminster estã o em
completa harmonia na maioria das doutrinas abordadas por esses
documentos, muitos sã o os pontos que precisam de maior
investigaçã o. O principal deles, ou ao menos o que mais usou tinta,
trata da segurança da fé. Alguns estudiosos pensam que Calvino
simplesmente ensinou que todos os crentes têm completa segurança
de sua fé em todo o tempo, e que, portanto, os puritanos, em sua
constante busca por certeza, divergiram dele. Esta é a quinta
questã o a ser abordada.
Ademais, os Padrõ es de Westminster apresentam uma teologia da
aliança muito mais desenvolvida que a de Calvino. A diferença
estaria no entendimento limitado do reformador acerca da teologia
da aliança, estruturada e desenvolvida pelos puritanos mais tarde,
ou de fato existe uma diferença fundamental entre eles? Aqui,
portanto, está o sexto ponto a ser abordado.
Pois bem, Calvino era calvinista? Vejamos da seguinte forma. A
maioria dos que se debruçam nesse ponto sabe que Calvino e os
calvinistas depois dele teriam concordado em muitas das grandes
doutrinas. Logo, se também possível demonstrar que eles estavam
fundamentalmente em harmonia nos seis pontos até entã o
mencionados — isto é, nas á reas de uma suposta maior divergência
—, pode-se entã o concluir com confiança que Calvino era calvinista.
Essa é a tarefa que tenho diante de mim agora, e eu o convido a me
acompanhar nesta jornada. Assim, comecemos pelo primeiro ponto:
o dogma central.
 
O QUE CALVINO E OS CALVINISTAS ENSINARAM: DOGMAS
CENTRAIS DISTINTOS
Ao longo dos séculos, muitos eruditos têm buscado identificar um
ú nico conceito a governar a teologia de Calvino e a dos seus
sucessores. Os eruditos da escola Calvino versus calvinistas por vezes
concluem que doutrinas calorosas e confortantes como a uniã o e a
comunhã o com Cristo exerceram domínio na teologia de Calvino, ao
passo que doutrinas frias, causais e supostamente rígidas como a
soberania e a predestinaçã o (incluindo o supralapsarianismo) estã o
no centro da teologia do seu sucessor, Teodoro de Beza (1519-
1605), como evidenciado pelo grá fico da salvaçã o contido em sua
Tabula Praedestinationis . Esses estudiosos dizem que Beza deduziu
e reestruturou todo o plano da salvaçã o usando a predestinaçã o
supralapsariana como ponto de partida. Além disso, eles afirmam
que seu mais ilustre pupilo supralapsariano, William Perkins (1558-
1602), considerado entã o pai do puritanismo, modificou o grá fico de
Beza na obra A Golden Chaine , levando, portanto, o puritanismo a
um tipo de pensamento decretivo e beziano, o que por sua vez
“assegurou a influência de Beza em círculos ingleses e, dada a
significâ ncia do comércio de livros anglo-holandeses, em círculos
reformados holandeses” . 2
Em décadas recentes, no entanto, esse argumento tem se provado
errô neo por vá rios motivos: primeiro, nem a teologia de Calvino
nem a dos seus sucessores, incluindo Beza e os puritanos, podem ser
resumidas num só dogma central e abrangente. Calvino, Beza,
Perkins, os puritanos, todos apresentam uma teologia bíblica demais
para ter seus ensinos teoló gicos colocados sob uma ú nica categoria.
Uma vez que a Bíblia assim nã o procede, eles, todos evidentemente
teó logos bíblicos, também desta forma nã o procederam. Segundo,
enquanto alguns estudiosos dizem que a predestinaçã o é o coraçã o
da verdade calvinista, Calvino e Beza e os calvinistas do século
seguinte afirmaram que pode ser enganoso presumir que tudo
procede da mais absoluta predestinaçã o, de maneira tal que aquilo
que acontece no tempo pouco importa. Terceiro, Richard Muller
fornece provas definitivas de que nem Beza nem Perkins usaram a
predestinaçã o como princípio regulador de suas respectivas
teologias. Na verdade, o tipo de diagrama usado em seus escritos
nã o é para ser lido de cima para baixo no século XVI, mas de baixo
para cima, “e, assim, nã o pode ser tomado como evidência de uma
teologia transformada num exercício de deduçã o ló gica a partir de
um ú nico axioma” em prol da dupla predestinaçã o supralapsariana .
3
Quarto, desde que Beza escreveu sua Tabula, em 1555, e
compartilhou seus escritos com Calvino antes de publicá -los, pode-
se presumir que este tratado também tivesse sua aprovaçã o. Quinto,
embora mantivessem uma posiçã o supralapsariana em termos de
teologia decretiva, Beza e Perkins eram fervorosos e pastorais em
seus escritos, e qualquer um que se propuser a lê-los logo
descobrirá essa verdade.
A ideia da soberania paternal de Deus, contrá ria à de um Deus frio e
caprichosamente soberano, melhor descreve o â mago tanto da
teologia de Calvino como da dos calvinistas. Soberania significa
“domínio”; portanto, Deus ser soberano significa que Deus governa,
que Ele exerce domínio. A soberania de Deus é sua supremacia, seu
reinado e sua deidade. Sua soberania o declara Deus, a Trindade
comunicá vel e incomunicá vel. Calvino e os calvinistas creem que
Deus é Senhor da vida e Soberano sobre o universo, cuja vontade é a
chave da Histó ria. Ambos creem que Deus é livre e independente de
qualquer força externa para fazer cumprir seus propó sitos; que
desde o princípio ele conhece o fim de tudo; que Ele cria, sustenta,
governa e direciona todas as coisas; e que seus desígnios
maravilhosos serã o completa e perfeitamente expostos na
consumaçã o dos séculos . 4
Embora nã o seja a doutrina regente, a soberania paternal de Deus,
longe de ser arbitrá ria e caprichosa, mas enraizada no amor paterno
de Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, está no â mago da
teologia de Calvino e de quase todos os reformadores e calvinistas,
incluindo os reformados ortodoxos, os puritanos, os teó logos da
Segunda Reforma Holandesa e os pietistas alemã es. B. B. Warfield
escreveu em seu ensaio sobre a predestinaçã o: “Os autores dos
manuscritos originais da Bíblia continuamente encontram seu
conforto na segurança de que o Deus justo, santo, fiel e amá vel, em
cujas mã os está o determinar da sequência de todos os eventos e
suas respectivas implicaçõ es [...] As raízes da eleiçã o divina estã o
firmadas em seu inescrutá vel amor, por meio do qual ela se faz
supremo ato de graça” . 5
Esse é um calvinismo equilibrado, genuíno e defensá vel. É o
calvinismo exposto em Isaías 9.6, que diz que o governo, ou
soberania, está sobre os ombros dele que é “Maravilhoso,
Conselheiro, Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz”. A
soberania paterna de Deus em Cristo é a essência de quem Deus é.
Portanto, havendo a necessidade de resumir a teologia de Calvino e
do calvinismo em um conceito, o mais seguro é ecoar B. B. Warfield,
afirmando que ser calvinista significa ser teocêntrico. O interesse
primordial da teologia calvinista é o Deus triú no, porque o Deus
transcendente e imanente, paterno em Jesus Cristo é o pró prio Deus.
Os calvinistas sã o pessoas cuja teologia é dominada pelo
conhecimento de Deus. Como certa vez já foi dito: “Assim como os
metodistas estabelecem em primeiro plano a salvaçã o de pecadores;
os batistas, o mistério da regeneraçã o; os luteranos, a justificaçã o
pela fé; os morá vios, as feridas de Cristo; os cató licos gregos, o
misticismo do Espírito Santo; e os romanistas, a catolicidade da
igreja, os calvinistas sempre têm por base o conhecimento de Deus” .
6

Ser calvinista é enfatizar o senhorio absoluto, soberano e paternal


de Deus sobre todas as coisas: cada á rea da criaçã o, cada ato da
criatura e cada aspecto da vida do crente. Aqui, Calvino, Beza,
Perkins e os puritanos estã o maravilhosamente unidos. A motivaçã o
a reger o calvinismo é “No princípio, Deus” (Gn 1.1). Ser calvinista é
ver o todo da vida de maneira religiosa, é experimentar toda a vida
coram Deo — isto é, vivida perante a face de Deus. Como B. B.
Warfield escreveu:
O calvinista é o homem que enxerga a Deus: Deus na natureza, Deus
na Histó ria, Deus na graça. Onde quer que for, ele vê Deus dando
seus poderosos passos, em toda parte ele sente a operaçã o do
poderoso braço divino, sente o pulsar do seu poderoso coraçã o. O
calvinista é o homem que vê Deus por trá s de todos os fenô menos e,
em tudo o que acontece, reconhece a mã o de Deus pondo em prá tica
a sua soberana vontade. [O calvinista] faz da oraçã o o exercício
contínuo da alma em tudo que faz; [ele] se lança à graça de Deus
somente, excluindo da pró pria salvaçã o qualquer traço de
independência. 7

A doutrina de Deus — um Deus paterno e soberano em Cristo Jesus


— é, portanto, o má ximo que se pode ter para formar o nú cleo da
teologia reformada. Aqui Calvino, os calvinistas (pense na colossal
obra A Existência e Atributos de Deus , de Stephen Charnock) e, creio,
você e eu, nó s todos estamos tã o certamente unidos que nã o é
preciso debater o assunto. Como calvinistas somos, juntos,
apaixonados por Deus. Ficamos maravilhados com sua majestade,
com sua beleza, com sua santidade, com sua graça. Nó s buscamos a
gló ria de Deus, desejamos sua presença, anelamos por moldar
nossas vidas segundo a vontade divina.
 
CALVINO COMO REGRA DE MEDIDA DA TEOLOGIA
CONFESSIONAL REFORMADA E DOS CALVINISTAS POSTERIORES
Um dos maiores problemas no debate Calvino versus calvinistas é o
fato de Calvino quase sempre ser considerado o ideal — um tipo de
absoluto idealístico da teologia reformada primitiva; esta
absolutizaçã o relega à segunda classe no melhor dos casos, ou no
pior deles à suspeita de anticalvinismo, talvez antirreformado ou até
mesmo de heresia as pessoas ou exposiçõ es doutriná rias que se
apartam dos ensinos de Calvino, pelo menor grau que seja. Neste
cená rio, o reformador é colocado em grau de paridade com a
teologia confessional reformada, ou, em alguns casos, até mesmo
acima dela. Assim, por exemplo, quando os puritanos defendem uma
ênfase levemente diferente da de Calvino quanto ao modo como os
crentes devem obter a segurança da salvaçã o, cuja sistematizaçã o se
encontra na Confissã o de Fé de Westminster (capítulo 18),
defensores do tema Calvino versus calvinismo condenam e
desprezam este ato confessional como um afastamento radical da
visã o de Calvino . 8
Boa parte desta idolatria, contudo, tem sido corrigida em décadas
mais recentes, à medida que estudiosos percebem que o reformador
nã o pode ser usado como regra de medida inequívoca para avaliar
teó logos daquela época, confissõ es reformadas e demais calvinistas
posteriores. Estudiosos como Richard Muller relativizam a posiçã o
de Calvino dentro da tradiçã o reformada mostrando que, embora
fosse um dos maiores teó logos reformados, havia muitos outros em
seus dias, tais como Peter Martyr Vermigli, Martin Bucer e Henry
Bullinger, considerados iguais em qualidade de obras e escritos,
chegando mesmo a superá -lo em influência em determinados casos.
Por exemplo, você sabia que o Decades de Bullinger facilmente
vendeu mais que As Institutas de Calvino na Inglaterra por décadas?
Carter Lindberg, grande estudioso da Reforma, intitulou seu
compêndio de As Reformas da Europa [The European Reformations ]
ao reconhecer que a pró pria Reforma foi um movimento eclético de
extraordiná ria concordâ ncia em todas as doutrinas essenciais, mas
acompanhada de variaçõ es considerá veis em pontos nã o essenciais,
o inverso de um movimento monolítico de poucas distinçõ es, triviais
entre os principais reformadores nos mais diversos países. Na
geraçã o sucessora de Calvino, teó logos como John Knox, Zacharias
Ursinus, Franciscus Junius, Jean Taffin e William Perkins
continuaram esse ecletismo.
A produçã o acadêmica mais recente mostra que as vá rias matizes
das ênfases doutriná rias encontradas nos reformadores do século
XVI e suas confissõ es destacam a continuidade dentro da
diversidade. Considere apenas a unidade fundamental dentro da
diversidade dos principais padrõ es confessionais de cada naçã o na
década de 1560: a Confissã o Escocesa, a Confissã o Belga, o
Catecismo de Heidelberg, a Segunda Confissã o Helvética. É
considerá vel a influência de Calvino sobre esses documentos
confessionais bem como sobre outros padrõ es doutriná rios
reformados até os Câ nones de Dort em 1619, mas a que ele exerce
ainda é uma entre muitas, diferente da influência dominante de
Lutero e Melanchton sobre o Livro de Concó rdia Luterano . 9
Por extensã o, as vá rias matizes doutriná rias encontradas entre
Calvino e seus companheiros do século XVI em comparaçã o com os
puritanos calvinistas do século XVII sã o agora cada vez mais
consideradas para salientar esta continuidade dentro da
diversidade. Scott Clark resume isso bem ao escrever:
Ao focar em questõ es de exegese e continuidade doutriná ria dentro
de contextos bem mais amplos e variados do desenvolvimento da
teologia ocidental como um todo, um novo quadro surgiu que nã o
apenas relativiza a posiçã o de Calvino dentro da tradiçã o reformada,
mas também demonstra a complexidade exegética, metó dica e
teoló gica da tradiçã o reformada da qual Calvino é uma parte, sem
contar a continuidade substancial nessas á reas entre a dogmá tica
reformada do período da Reforma e a dogmá tica reformada pó s-
Reforma. 10

Retificaçõ es recentes que classificam Calvino como importante líder


inserido em seu pró prio contexto, mas sem o considerar rei dos
castelos, superior a todos os demais reformadores, coincidem de
forma mais realista com os pró prios dias de Calvino de duas
maneiras. Primeiro, como já está implícito, homens como Bullinger e
Beza foram tã o conhecidos quanto Calvino. Interessantemente, há
mais cartas sobreviventes de Bullinger respondendo a preocupaçõ es
relacionadas à Reforma do que de Lutero e Calvino juntos . 11
Segundo, muitos autores calvinistas posteriores, representando a
ortodoxia reformada, o puritanismo, a Segunda Reforma Holandesa
e o pietismo alemã o geralmente citam os companheiros de Calvino
tanto quanto ou até mais que ele. Estudos recentes evidenciam que a
continuidade de Calvino para os calvinistas é muito maior e sua
descontinuidade muito menor do que os teó logos liberais sugeriram
em grande parte da ú ltima metade do século XX.
 
COMO CALVINO E OS CALVINISTAS PENSAVAM —
ESCOLASTICISMO E METODOLOGIA
O debate Calvino versus calvinistas é abastecido pela forma como
Calvino de fato pensava mas também pelo conteúdo das visõ es do
reformador francês. Essa questã o histó rica é debatida sob diferentes
níveis. O mais bá sico deles é contrastar a verdadeira forma de
Calvino pensar com o modo como os seus seguidores pensavam.
Talvez você já tenha ouvido falar sobre o escolasticismo e os
escolá sticos. Para muitos historiadores e teó logos, esses sã o termos
desdenhosos. Você também já ouviu falar dos debates medievais
acerca de quantos anjos conseguem dançar na cabeça de um
alfinete. Geralmente é isso que se conhece por “escolá stico”, termo
assim seguido de desprezo. Parece haver poucos que realmente
sabem significar precisamente o termo, mas mesmo estes têm
certeza de que coisa boa nã o pode ser. Há dois períodos
normalmente caracterizados como escolá sticos. O primeiro é o
período escolá stico medieval, e o segundo é o período escolá stico
protestante, que data de vá rias décadas apó s a Reforma. Os teó logos
escolá sticos reformados sã o frequentemente colocados sob a
rubrica da ortodoxia reformada. Mas os de ambos os períodos sã o
caricaturados como homens pedantes e melindrosos, mesquinhos,
críticos à toa que nada amavam senã o debates sem sentido,
infindá veis em termos aristotélicos. E entre ambos os dois períodos,
de cabeça erguida e cintilante, de capa majestosa e braços elevados
aos céus acima de tantos debates insignificantes está Joã o Calvino,
protó tipo do pensamento claro e da piedade cristoló gica.
De acordo com esse entendimento, Calvino simplesmente acertou
em tudo e manteve perfeito equilíbrio, enquanto seus seguidores,
que confundiram alhos com bugalhos, bagunçaram tudo e rotularam
sua teologia desastrosa de “calvinismo”. Calvino teria ficado
horrorizado com as crenças deles, mas, infelizmente, estando morto
e sepultado, foi incapaz de comunicar seu desgosto.
Essa acusaçã o carrega implicaçõ es profundas para aqueles de nó s
que se denominam calvinistas e que primeiramente derivam das
Escrituras sua teologia e depois de uma longa linha de calvinistas,
muitos deles escolá sticos. Ficamos terrivelmente desnorteados
desde que Calvino morreu? Muitos estudiosos diriam que sim. Eu,
porém, acredito que as evidências nos mostram claramente que nã o.
Nó s nã o entraremos nos detalhes dos debates acerca do
escolasticismo protestante. É suficiente dizer que a maioria do que
tem sido dito sobre a doutrina escolá stica surge de um
entendimento raso do termo e de um desgosto geral por precisã o
em questõ es religiosas. Muitos também têm confundido conteú do e
método. O escolasticismo é realmente apenas um método de
raciocínio e ensino. Seu conteú do é praticamente todo independente
do método, mas poucos reconheceram isso até anos mais recentes.
Richard Muller tem trabalhado nessa á rea para ressuscitar o estudo
sobre o escolasticismo protestante de um ponto de vista menos
antagô nico. Entã o, quando alguém repudia a predestinaçã o ou a
expiaçã o limitada como doutrinas “escolá sticas”, você pode
gentilmente informar a esta pessoa que ela está confusa. O método
escolá stico é um método de ensino e raciocínio, e nã o seu conteú do.
Eis o primeiro nível do debate. Calvino é bom porque ele é exegético,
cristocêntrico e fervoroso em sua teologia; os escolá sticos ortodoxos
reformados que o seguiram sã o ruins porque eles se referem mais à
predestinaçã o, sã o mais rígidos em ló gica. Estudiosos e aqueles que
dizem tais coisas costumam cometer um dos dois erros: primeiro, ou
eles se esquecem de que, devido à resposta cató lica romana eficiente
e detalhada — especialmente a dos jesuítas — à teologia dos
reformadores, os calvinistas seguidores de Calvino tiveram de
gastar tinta para responder à s acusaçõ es em muito mais detalhes
que Calvino. Como Carl Trueman escreve: “Com o Santo Império
Romano abalado por guerras e a Igreja Cató lica engajada em
profundo cerceamento teoló gico no Concílio de Trento, a geraçã o de
teó logos apó s Calvino inevitavelmente precisou tanto reformular
suas posiçõ es teoló gicas de forma mais clara como se ocupar das
mais minuciosas e amplas polêmicas à medida que as políticas
eclesiá sticas da Europa ficavam mais complicadas e mais claramente
definidas” . 12
O método escolá stico foi uma maneira eficaz de ajudá -los a fazer
simplesmente isso. Sim, eles tinham maior rigor ló gico, mas para
defender a fé com mais poder. Trata-se de mítica objeçã o afirmar
que a ortodoxia reformada lidava com questõ es como quantos anjos
dançavam sobre a cabeça de um alfinete. Esses eram os escolá sticos
cató licos romanos, nã o os escolá sticos ortodoxos pó s-reformadores.
Segundo, aqueles que levantam tais acusaçõ es contra os escolá sticos
raramente parecem ter lido suas obras. Exemplo clá ssico é toda a
crítica em torno do panorama de salvaçã o produzido por Beza. O
grá fico carece de ênfase cristoló gica, motivo para o repetido
desprezo por grande parte da ala liberal, que nele vê justa causa
para condenar a abordagem escolá stica. Esses, entretanto, sã o os
mesmos liberais que nã o leram o livro que explica o pró prio
panorama, que, como Muller demonstra de forma convincente, é
profundamente cristoló gico em seu todo . 13
 
A EXPIAÇÃO LIMITADA E A OFERTA DA GRAÇA
Aqui está o ponto crucial do debate. Mas, antes, permita-me
enfatizar um ponto por trá s dessa questã o. Seria possível discutir o
calvinismo de Calvino como mera questã o histó rica. Muitos que se
envolvem neste debate afirmam ter interesse meramente histó rico;
alguns entram na celeuma mais para justificar crenças do que para
resolver um enigma da histó ria. Mas nã o pode ser tã o simples; há
implicaçõ es reais para toda uma vida. Calvino ter ou nã o sido
calvinista é estudar a respeito da justificaçã o. Muitos protestantes
veem Calvino como a grande fonte da verdadeira teologia; apelar ao
reformador francês é apelar a uma grande autoridade. Aquele que
deseja solidificar sua posiçã o e confirmar seus ideais encontra
grande ajuda ao “descobrir” que o ensino de Calvino está em
harmonia com aquilo que ele pró prio acredita. Ainda, alguns poucos
permanecem sob a impressã o de que Calvino é infalível. Todavia,
deve-se reconhecer os grandiosos dons que Deus deu à quele homem
e o profundo entendimento da Palavra contido em seus escritos.
Reconhecer que Calvino foi um teó logo bem maior que nó s é o que
nos motiva a reconhecer sua autoridade sobre nossas visõ es e
ideias.
Portanto, quando argumentam que Calvino na verdade nã o era
calvinista, o que os estudiosos estã o fazendo é recorrer a Calvino em
oposiçã o à queles seguidores que se denominam calvinistas. Eis um
exemplo a fim de esclarecer meu ponto.
Imagine que eu, como teó logo, esteja convencido de que Cristo
morreu por todos os homens. Se quero defender essa posiçã o, seria
de grande ajuda encontrar alguns grandes teó logos do passado que
concordem comigo. É claro que os calvinistas discordam. Eles têm
seus cinco pontos do calvinismo, um dos quais é a expiaçã o limitada
ou definida, que afirma que Cristo nã o morreu por todos os homens,
mas apenas pelos eleitos. Imagine que, em minha busca por grandes
homens do passado que compartilham minha crença, eu tenha
descoberto que Joã o Calvino concorda que Cristo morreu por todos
os homens! Que descoberta seria! Joã o Calvino, a quem quase todos
os calvinistas recorrem (e de quem eles derivam seu nome),
concorda comigo e discorda deles! Portanto, se o calvinismo pode
ser resumido nos cinco pontos, um dos quais é a expiaçã o definida,
entã o o pró prio Calvino nã o seria um calvinista autêntico!
Calvino realmente acreditava na expiaçã o limitada? Esse debate
geralmente toma a forma de argumentar com base em vá rias
citaçõ es a partir de muitos dos seus escritos. Muitas referências sã o
oferecidas como prova de que ele acreditava que Cristo morreu por
todos os homens.
O que surpreende é que, à primeira vista, muitas dessas citaçõ es de
fato parecem provar que Calvino nã o era calvinista no final das
contas. Muitos têm abraçado essa posiçã o, mas eu acredito que
existem evidências contrá rias, sim.
Antes de analisar alguns dos seus pensamentos, vejamos dois
pontos que geralmente atrapalham seu correto entendimento. Em
primeiro lugar, Calvino escreve em suas Institutas usando a primeira
pessoa do plural; isto é, ele usa com frequência pronomes como
“nó s” e “nos”. Paul Helm nota que o fervor derivado dessa linguagem
é bem-vindo, mas sob o custo da precisã o. Quando Calvino diz que
Cristo morreu por nó s, o que ele quer dizer? Quem sã o o “nó s”? É
claro que Calvino usa com mais frequência “nó s” e “nos” para
referir-se aos crentes, embora alguns tenham erroneamente
afirmado que por “nó s” ele se referia a toda a humanidade.
O segundo ponto é o contexto histó rico. Em virtude do constante
debate entre calvinistas e arminianos que nos cerca desde o século
XVII, estamos tã o sensíveis à linguagem referente à extensã o da
expiaçã o que aprendemos a escolher nossas palavras com cuidado
ao falar deste assunto. O reformador francês nã o viveu em tal
contexto. Tecnicamente falando, nã o havia arminianos naqueles
dias, entã o ele teve bem menos cuidado ao usar palavras para lidar
com a extensã o da expiaçã o. Calvino nã o precisava ficar pensando se
alguém o consideraria arminiano. Ele, portanto, afirma certas coisas
que o calvinista típico nã o afirmaria, temeroso de ser interpretado
como um arminiano. Tendo estes dois fatores em mente — a
imprecisã o do “nó s” e “nos” e o contexto histó rico de Calvino —,
estaremos munidos para interpretar corretamente seus escritos.
Um dos textos de Calvino a tratar da extensã o da expiaçã o mais
debatidos é seu comentá rio na passagem de 1Timó teo 2.1–5, em
particular a parte “o qual deseja que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao pleno conhecimento da verdade (v. 3b–4). Você já
percebeu a palavra “todos” no versículo 4. Ele comenta: “O termo
universal ‘todos’ sempre deve ser atribuído a classes de homens,
mas nunca a indivíduos. É como se fosse dito: ‘Nã o apenas judeus,
mas também gregos, nã o só os humildes, mas também príncipes
foram redimidos pela morte de Cristo’. Portanto, visto que Ele visa
com sua morte o benefício comum a todos, aqueles que excluem
alguns da esperança da salvaçã o causam dano à causa de Deus” . 14
É fá cil de enxergar, especialmente quando lemos a ú ltima linha, por
que alguém usaria essa passagem para provar que Calvino
acreditava na expiaçã o universal. Mas nã o é justo remover a oraçã o
do contexto deste pará grafo. A passagem deixa claro que Calvino
conecta “todos” a todas as classes de pessoas, nã o a todos os
indivíduos que já viveram. Além disso, nã o é com pouca clareza que
ele acredita que a obra de Cristo verdadeiramente salva aqueles a
quem é direcionada, nã o podendo, portanto, crer ser para todos.
Como já mencionado, o calvinista de hoje teria cautela ao usar o
termo “todos” sem aviso prévio, mas Calvino nã o tem esse tipo de
restriçã o. Que ele emprega a palavra “todos” aqui nã o prova nada.
Poderíamos analisar muitas outras passagens, mas o que vimos até
aqui já dá uma noçã o do debate.
Outro método usado para provar que Calvino supostamente nã o era
calvinista é afirmar que ele nitidamente ensinou uma salvaçã o
oferecida a todos indiscriminadamente, hoje comumente chamada
de livre oferta da graça. Calvino nã o teria crido na expiaçã o limitada,
diz o argumento, visto nã o tê-la defendido claramente. Este é um
debate ainda frequente e acalorado em alguns círculos. Ele contém
enormes implicaçõ es para a pregaçã o e a vida espiritual. Mas é
simplesmente falso afirmar que é preciso crer na expiaçã o universal
para livremente oferecer o evangelho a todos. Roger Nicole nos
ajuda aqui.
Nicole diz que o maior problema em entender a expiaçã o definitiva é
achar que uma provisã o coextensiva é necessá ria para haver
qualquer tipo de ofertar sincero; isto é, Cristo teria de ter morrido
por cada indivíduo para que nele a salvaçã o pudesse ser oferecida a
cada um. A premissa é falsa, diz ele, até mesmo nos quesitos deste
mundo: “Por exemplo, anú ncios sã o feitos em jornais mas nem por
isso os anunciantes acham que seus estoques acompanharã o o
nú mero total de pessoas alcançadas. Na verdade, o ú nico requisito
para haver um convite sincero é este: que se as condiçõ es forem
cumpridas, aquilo que é oferecido será de fato concedido”. Jesus diz
“e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6.37).
Diferente das lojas com estoques limitados, o estoque de Jesus
jamais acaba.
William Symington coloca da seguinte forma:
Defendemos que o sacrifício do Senhor Jesus possui valor intrínseco
suficiente para a salvaçã o de todo o mundo. Nesse sentido, satisfaz a
redençã o de cada ser humano [...] O valor da expiaçã o de Cristo a
qual defendemos ser, no sentido estrito do termo, infinito, absoluto,
completamente suficiente [...] Essa total suficiência é o que alicerça a
universalidade irrestrita do chamado do evangelho [...] Tal é a minha
impressã o da suficiência da expiaçã o, que se toda a culpa da
humanidade estivesse concentrada em minha pró pria pessoa, ainda
assim eu nã o deveria ver motivos, confiando naquele sangue que
purifica de todo pecado, para ceder ao desespero. 16

Symington conclui: “Que os pecadores de todas as partes saibam


que, se perecerem, perecerã o nã o por falta de mérito em Cristo,
suficiente para satisfazer todas as exigências da lei e da justiça. Que
eles se voltem e abracem o gentil, o sincero e urgente chamado para
a vida e salvaçã o, completamente gratuito da parte de Deus: ‘e quem
quiser, tome de graça da á gua da vida’” . 17
O que Calvino e os calvinistas estã o dizendo é o seguinte: “Se, pela
graça, você beber da á gua da vida, você será salvo. Ninguém que
verdadeiramente creu unicamente no Senhor Jesus Cristo para a
salvaçã o alguma vez já pereceu. A mensagem do evangelho é esta: a
ponte de salvaçã o entre Deus e o pecador está consumada em e por
meio de Jesus Cristo e seu sacrifício de um extremo (Deus) a outro
(o pecador). Cristo possibilita depositar seu peso nesta ponte, e Ele
o carregará por toda a sua extensã o. Ele recebe todo aquele que se
achega. Confie nele.
Sem fé, a expiaçã o de Cristo de nada serve. Nó s experimentamos os
benefícios da obra consumada de Jesus apenas quando, de mã os
vazias, o abraçamos. As boas novas consistem na expiaçã o ter sido
realizada antes mesmo de haver o exercício da fé (Rm 5.5–11). A
reconciliaçã o está de portas abertas, e pela graça a recebemos
quando Cristo, pelo Espírito Santo, nos atrai a si mesmo.
Como calvinistas que afirmam a doutrina da expiaçã o limitada,
estejamos certos de que podemos e devemos oferecer o evangelho a
todos, sem acepçã o. É falso o argumento de que Calvino, tendo por
base a expiaçã o universal, é capaz de ofertá -lo gratuitamente, ao
passo que seus seguidores, por crerem na expiaçã o definida, nã o
podem fazê-lo.
Proponentes dessa mesma posiçã o usam ainda outros meios na
tentativa de provar que Calvino nã o era calvinista, mas nenhum
deles se mostra conclusivo. Sã o argumentos que apelam ao silêncio
e oriundos de afirmaçõ es frequentemente tiradas do contexto.
Tendo falado a respeito dos argumentos daqueles que afirmam
Calvino como nã o calvinista, concluiremos com algumas evidências
resumidas favorá veis à posiçã o que defende Calvino como calvinista.
Em primeiro lugar, a teologia toda de Calvino é o estudo de um Deus
soberano que orquestrou um plano específico, o qual executa pelo
seu grande poder. Um componente crítico deste planejamento é o
propó sito de eleger uma parte da humanidade, a qual por Ele será
redimida e feita sua propriedade. Uma expiaçã o meramente
hipotética e incerta é tã o estranha ao propó sito divino que impor tal
posiçã o sobre Calvino é um completo absurdo. Simplesmente nã o se
encaixa com todo o restante que conhecemos sobre a sua teologia.
Segundo, os vá rios exemplos em que a linguagem nã o se faz clara
sã o frequentemente citados como evidência para sustentar sua
crença na expiaçã o universal. Mas estas podem ser passagens
facilmente interpretadas (e de forma mais convincente) como
evidência da expiaçã o definida, como vimos no exemplo já
mencionado de 1Timó teo 2.3b–4.
Terceiro, expondo inú meros textos que usam linguagem inclusiva,
Calvino nunca os usa num viés universal. Ao contrá rio, ele
argumenta que se referem a todas as classes de pessoas ou que
militam contra uma soteriologia exclusivamente judaica. Devemos
crer que um teó logo que promove a expiaçã o universal refreia-se de
empregar os textos mais prová veis em defesa dessa posiçã o?
Certamente que nã o, desde que Calvino estaria sendo
inconsequente, negligenciando os textos que supostamente
sustentam a expiaçã o universal. Em sua exposiçã o destas porçõ es
que formam a base do argumento para a redençã o universal, Calvino
nã o oferece real amparo para argumentar nesta direçã o.
Finalmente, notemos que, embora muitas das declaraçõ es de
Calvino relacionadas à expiaçã o, quando tomadas de forma isolada,
soem de dupla interpretaçã o, outras afirmaçõ es por sua vez
aparentam frustrar qualquer tentativa de lê-lo como defensor da
expiaçã o universal. Uma delas surge de um debate sobre incrédulos
participarem na Ceia do Senhor. Calvino afirma: “Gostaria de saber
como os ímpios podem comer da carne de Cristo que nã o foi
crucificada por eles, e como podem beber do sangue que nã o foi
derramado para expiar seus pecados” . 18
Essa citaçã o, junto dos pontos já levantados, demonstra que Calvino
era calvinista. É insustentá vel afirmar que ele foi interpretado
incorretamente por quase todos os calvinistas até o século XX. Pelo
contrá rio, sua teologia foi herdada pelas geraçõ es seguintes que a
desenvolveram ainda mais e a articularam de novas maneiras mas
sem modificar substancialmente o seu â mago. Podemos nos
considerar, no entanto, uma outra geraçã o que recebeu a custó dia
desse grande tesouro, e podemos estar confiantes de que o nosso
calvinismo (que nada mais é que o cristianismo biblicamente fiel, na
minha opiniã o) é tal que Calvino nã o teria problemas em subscrevê-
lo.
Pois bem, Calvino era calvinista. Mas quais sã o as conclusõ es
prá ticas deste fato? Lembre-se de que recorrer a Calvino costuma
ser uma tentativa de justificar as pró prias crenças. Os argumentos
sã o histó ricos no sentido de estarem relacionados à teologia de
figuras histó ricas, mas geralmente servem de bú ssola para no que
devemos crer hoje. Nã o se trata simplesmente de Calvino; mas diz
respeito a nó s e nossa teologia. Trata-se da verdade do evangelho,
de entendê-la correta e adequadamente. E, portanto, há implicaçõ es
graves e prá ticas. Vejamos algumas das implicaçõ es que surgem
dessa discussã o — a saber, a segurança da fé.
 
A SEGURANÇA DA FÉ
Como saber se sou ou nã o cristã o? Como ter certeza de que sou justo
diante de Deus? Um dos livros mais populares e conhecidos que
argumenta por um Calvino nã o calvinista (Calvin and English
Calvinism to 1649 , R. T. Kendall) propõ e que o reformador francês
acreditava em uma expiaçã o universal, e que esta necessariamente
deve ser sua crença, afinal nã o pode haver segurança à parte dela . 19
De acordo com a obra, se os homens e as mulheres nã o souberem
que Cristo morreu em seu lugar — e isso nã o saberã o a menos que
Cristo tenha morrido por todos —, eles jamais terã o segurança.
Calvino portanto forneceu base para a certeza com sua expiaçã o
universal, mas seus seguidores, desorientados pela doutrina da
expiaçã o definida, particular ou pessoal (todas as três palavras
cabem), removeram tal alicerce. Estes disseram que a segurança tem
por base o frutificar na vida do crente, e assim transformaram o
calvinismo em uma religiã o de obras. A pessoa precisa trabalhar
pela segurança. Enquanto Calvino queria que o crente olhasse para
Cristo e para sua morte em favor de todos, seus seguidores — mais
particularmente os puritanos — direcionaram o crente a olhar para
si mesmo a fim de obter segurança. Nenhum crente é perfeito, e
assim ninguém pode ter perfeita segurança baseado em uma vida de
frutos. O ú nico fundamento possível para a segurança é uma
expiaçã o universal, que assim todos saberã o com certeza que Cristo
morreu por ele ou ela. Consequentemente, Kendall considera
Teodoro de Beza e William Perkins como os culpados de empurrar
toda a doutrina da segurança pó s-Reforma para a ladeira da
subjetividade experimental, o que resultou na traiçã o da Assembleia
de Westminster com sua “aceitaçã o aparentemente inquestioná vel
da distinçã o entre fé e segurança, porque a ‘Fé’ era um tó pico na
Confissã o e a ‘Certeza da Salvaçã o’, outro” . 20
À primeira vista, pode parecer uma conclusã o ló gica. Mas fracassa
em dois pontos. Primeiro, ela contém a reivindicaçã o histó rica
errô nea de que Calvino ensinou a expiaçã o universal. Segundo,
fracassa em sua argumentaçã o, como Roger Nicole ressalta:
A expiaçã o universal nã o é nem necessá ria nem suficiente para a
segurança. Nã o é necessá ria uma vez que entender como a obra de
Cristo afeta outros nã o é essencial para compreender como ela me
afeta. Nã o é suficiente porque, na exposiçã o de Kendall, nem todos
os que sã o cobertos pela expiaçã o serã o salvos; a segurança, para
ser fidedigna, precisa estar embasada em algo que realmente
distingue o salvo e o perdido . 21
Em outras palavras, a ideia de uma expiaçã o universal não fornece
segurança. A nã o ser que ela acabe na salvaçã o universal (o que
Kendall nã o faria), nã o pode haver segurança com base nisso. Se
Cristo morreu por todos mas nem todos sã o salvos, saber que Ele
morreu por mim nã o me garante segurança, desde que eu posso ser
um daqueles por quem Cristo morreu mas que ainda assim nã o
serã o salvos.
Kendall expõ e um argumento incorreto e simplista demais. Carl
Trueman diz:
O desenvolvimento deste ponto (a segurança) é complicado e deve
ser considerado mais que um simples problema teoló gico.
Estudiosos como Joel R. Beeke e Paul Helm provaram que esta é uma
questã o muito mais complexa em Calvino do que se pensava.
Embora as Institutas aparentem fazer da segurança a essência da
fé, os comentá rios e sermõ es dã o claro indício de que o reformador
estava consciente de que a realidade pastoral é bem mais complexa
e de que tanto a falta de segurança quanto presumir a graça de Deus
eram, mesmo no início da Reforma, questõ es pastorais de central
importâ ncia. Além disso, e me parece claro, Calvino e os primeiros
reformadores tiveram de certo modo usar de retó rica para enfatizar
esta doutrina porque estavam combatendo a igreja medieval que
praticamente negava qualquer grau de certeza. Assim, a pró pria
teologia da Reforma mudou o cená rio pastoral, enfatizando a
normatividade da segurança, e justamente durante o período em
que mudanças sociais, econô micas, culturais e eclesiá sticas ocorriam
na Europa, isto é, um contexto mais amplo criado para, no mínimo,
exacerbar os problemas referentes à certeza. Como resultado, a
pró pria teologia do princípio reformador gerou novos problemas
pastorais com os quais geraçõ es posteriores tiveram de lidar. 22

Portanto, este é um debate com aplicaçõ es pessoais e diretas. Como


sabemos que somos um dos filhos de Deus? Tanto Calvino como os
calvinistas diriam: sei que sou um filho de Deus primeiramente por
confiar em suas promessas, em seguida pelos frutos da salvaçã o
evidentes em meu coraçã o e em minha vida, e finalmente pelo
testemunho do Espírito Santo que testifica ao meu espírito. As
diferenças entre Calvino e os puritanos ao expor esses três meios de
saber que somos crentes sã o quantitativas, nã o qualitativas. As
quantitativas sã o basicamente duas: primeiro, Calvino deu mais
ênfase do que os puritanos à s promessas de Deus e menos aos frutos
da salvaçã o; segundo, Calvino enfatizou mais o ideal em sua
definiçã o de fé, salientando que esta nã o contém nenhuma dú vida.
Assim, o reformador parece ensinar mais que a segurança é a
essência da fé. Mas é apenas uma questã o de ênfase, desde que os
puritanos também reconheceram repetidas vezes que as sementes
da segurança estã o no menor exercício da verdadeira fé. Calvino, por
outro lado, também enfatizou que a incredulidade morre de fato. Ele
ressaltou a diferença entre a definiçã o ideal de fé e a realidade
prá tica na experiência do crente, em que a dú vida está sempre
presente e até mesmo oculta a segurança em alguns momentos.
Calvino reconheceu a tensã o diá ria sobre a fé na luta espiritual da
carne contra o espírito. E também distinguiu entre o germinar da fé
e a consciência da fé. Por fim, as sementes da doutrina da segurança,
cujas nuanças foram mais pastoralmente e detalhadamente
desenvolvidas pelos puritanos, foram na verdade semeadas por
Calvino. Ele é o precursor, nã o o antagonista, dos puritanos quanto à
segurança . 23
 
O PACTO E A TEOLOGIA DA ALIANÇA
Alguns têm dito que a aliança é a ideia central na teologia de Calvino
em contraste com os puritanos. Evidentemente falso. Na verdade, os
puritanos desenvolveram a doutrina da aliança exposta por Calvino
muito mais que ele pró prio. Embora a relaçã o pactual entre Deus e a
humanidade seja enfatizada na teologia calvinista, nã o é este o seu
conceito regente. De fato, ou a pessoa está em aliança com Deus ou é
transgressora do pacto, mas nem Calvino nem os puritanos
calvinistas estruturaram todas as doutrinas sob este importante
conceito.
Muito do debate Calvino versus calvinistas nesta á rea foca no pacto
das obras. Carl Trueman dá um bom resumo:
A relaçã o de Calvino com a teologia (puritana) da aliança é
controversa. Eruditos como T. F. e J. B. Torrance veem o
desenvolvimento do conceito do pacto de obras no final do século
XVI como clara mudança na teologia reformada em direçã o a uma
visã o legalista do cristianismo ligada à noçã o de um Deus que
prioriza a lei e a justiça sobre a graça. Essa visã o, no entanto, tem
sido seriamente desafiada por, entre outros, Richard A. Muller,
Willem van Asselt e Peter A. Lillback. Este em particular demonstra
que muitos dos elementos posteriores que sã o essenciais ao
conceito do pacto de obras já estavam presentes em Calvino,
especificamente a natureza representativa federal de Adã o, a
existência de uma promessa no jardim, e a base da relaçã o Deus-
Adã o que evita qualquer noçã o de mérito estrito. 24

Muito similar à doutrina da segurança, a teologia da aliança puritana


nã o se opõ e a Calvino, mas se desenvolve a partir de seu
pensamento.
 
CONCLUSÃO
Quero levantar quatro pontos para concluir: primeiro, embora
outras questõ es anacrô nicas a Calvino pudessem ser abordadas, tais
como a imputaçã o da obediência ativa de Cristo ao crente , 25 o
sistema do amyraldianismo , 26 a morfologia da conversã o , 27 e o
papel das obras na salvaçã o , 28 o suficiente foi escrito para mostrar
que Calvino era essencialmente calvinista. Embora alguns de seus
seguidores fossem escolá sticos e ainda que outros tenham
articulado a fé Reformada de formas levemente distintas ou ainda
mais profundas em pensamento, aqueles que permaneceram
reformados e confessionais nã o diferiram de Calvino
substancialmente. Nem seus métodos escolá sticos corromperam o
conteú do do evangelho, mas ajudaram a torná -lo mais preciso em
termos de nuâ ncias.
Em segundo lugar, deve-se também salientar que Calvino e Beza
assim como a maioria dos calvinistas de geraçõ es subsequentes
nunca perceberam quaisquer diferenças substanciais entre Calvino
e os pró prios ensinamentos deles. Eles reconheceram que, nas dores
da histó ria da igreja em desenvolvimento, certas doutrinas, tais
como a teologia da aliança, segurança e adoçã o, receberam maior
articulaçã o, mas em nenhum caso os puritanos calvinistas e teó logos
da Segunda Reforma Holandesa sentiam ter desenvolvido doutrinas
distintas em essência das de Calvino. Felizmente, temos visto que a
erudiçã o recente está cada vez mais reconhecendo isso, de forma
que Trueman conclui seu artigo, o que é bastante ú til, dizendo:
“Calvino emerge agora nã o tanto como o culminar de uma tradiçã o
primitiva que é pervertida por seus sucessores, mas mais como o
primus inter pares teoló gico da geraçã o de teó logos reformados
cujas obras estimularam muitos dos desenvolvimentos posteriores
na Ortodoxia Reformada . 29
Terceiro, vimos também que nossas conclusõ es neste debate têm
consequências reais sobre como entendemos os aspectos centrais da
vida cristã . A pergunta, entã o, que permanece é pessoal: você é
calvinista? Eu sou calvinista? Temos o mesmo tipo de paixã o e zelo
por Deus e por sua gló ria que Calvino e os calvinistas tinham?
Parece que a genuína paixã o centrada em Deus de Calvino e dos
calvinistas foi se perdendo por causa do deslize e dos erros
teoló gicos de nossos dias. Nas igrejas denominadas evangélicas, o
temor a Deus tem se perdido largamente e, assim, em verdadeira
medida, também o entendimento bíblico do amor de Deus em Cristo
Jesus. O evangelicalismo tornou-se centrado no homem e, como
resultado, passou a promover uma visã o de Deus distante da
realidade estabelecida pelas Escrituras Sagradas, por Calvino e pelos
calvinistas do século I e do século II.
Mas mesmo muitos que se deleitam na verdade reformada parecem
ter perdido o senso de temor a Deus. Assim como na cultura
evangélica mais ampla, a centralidade de Deus tem dado espaço à
centralidade do homem em muitas igrejas calvinistas.
Por vezes preferimos dar à s pessoas aquilo que elas querem a seguir
o exemplo de grandes evangelistas calvinistas, cujo primeiro
objetivo era confrontar homens e mulheres com a grandeza e a
majestade de Deus.
Muitos de nó s hoje apresentam um Deus muito mais “amigá vel” do
que sua pró pria Palavra permite fazê-lo. Queremos deixar as
pessoas confortá veis, entã o evitamos falar qualquer coisa que as
incomode. Estamos tã o preocupados com nossos jovens que nunca
pedimos que olhem para a santidade de Deus, nunca os desafiamos a
viver a santidade debaixo do temor a esse Deus que é Pai. Nó s
justificamos o materialismo, o mundanismo e a superficialidade
porque é pequeno o nosso senso de um Deus infinitamente santo e
sempre presente.
Nosso proceder raramente testifica nossa disposiçã o a, nã o
importando o custo, “comprar a verdade e nã o vendê-la” (Pv 23.23).
Compromissos perigosos, desvios sutis, frieza de É feso e indiferença
de Laodiceia multiplicam a “contrarreforma” em nossas vidas.
Quantas vezes estimamos mais a nó s mesmos e nossa reputaçã o
acima do nome de Deus e sua reputaçã o!
Mas, uma vez que o Espírito Santo mostra a generosidade divina do
Pai em seu Filho, ao lado da absoluta gratuidade de sua graça, nó s,
como Calvino e os calvinistas, agora, com sinceridade de coraçã o e
com todo o nosso ser, desejamos glorificar o Deus triú no, paterno e
completamente digno. Como Maurice Roberts escreve:
A percepçã o de que Deus escolheu um indivíduo para a vida e a
gló ria, embora nã o seja ele em nada melhor do que outros, leva o
cristã o maduro a nutrir os mais elevados sentimentos de gratidã o ao
nosso Pai celestial. Com o rosto voltado aos céus, o crente confessa
em adoraçã o que, à parte da graça concedida desde a eternidade, ele
jamais teria crido em Cristo, nem mesmo jamais teria desejado crer.
Entã o, pasmo, abaixando a cabeça e cobrindo os olhos cheios de
lá grima, o cristã o exclama em gratidã o: “Meu Pai e meu Deus! A ti
somente seja a gló ria eternamente por tamanha graça imerecida!”. 30

Sã o filhos e filhas da Reforma Calvinista aqueles que ardem por


Deus e por honrá -lo e obedecer-lhe? Se este é o caso, oremos junto
do salmista:
Por tudo o que tens feito
Sejam-lhe o louvor e a adoraçã o dados
Por toda a terra;
Teu nome seja glorificado,
Outro além de Ti nã o há ,
Incompará vel, Tuas obras permanecem,
Porque tu és Deus
Ajuda-me a fazer Tua vontade
Tua verdade buscarei,
Ensina-me a temer.
Dê-me a visã o
Para Teu Nome glorificar,
Oh Senhor, meu Deus Altíssimo,
Com coraçã o sincero.
 

Capítulo 14
 
Calvinismo e avivamento

Michael A. G. Haykin

Um dos principais meios usados por Deus para renovar o interesse


pelo ensino e pela doutrina reformada nos ú ltimos quarenta anos foi
a Conferência Britâ nica de Westminster (antigamente conhecida
como a Conferência Puritana). Organizada nos anos de 1950 pelo Dr.
Martin Lloyd-Jones, por J. I. Packer e alguns outros, essa conferência,
que ainda é realizada anualmente no mês de dezembro, continua
tendo o importante papel no despertar dos evangélicos para as
riquezas da teologia puritana e reformada. Por muitos anos, Lloyd-
Jones teve o costume de conduzir a palavra final da conferência. A
primeira delas foi uma palestra em 1959, intitulada “Reavivamento:
Um Levantamento Histó rico e Teoló gico” . 1 Lloyd-Jones começou a
falar definindo reavivamento como “a experiência na vida da igreja
quando o Espírito Santo opera uma obra incomum”.
O movimento extraordiná rio do Espírito antes de tudo consiste em,
afirmou ele, “avivar, estimular e despertar os crentes letá rgicos,
adormecidos e praticamente moribundos”; depois, consiste também
na “conversã o das multidõ es que até entã o permanecem do lado de
fora da igreja, submersas na indiferença e no pecado” . 2 Lloyd-
Jones entã o prossegue e começa a ilustrar sua definiçã o de
reavivamento a partir da histó ria da igreja e das Escrituras, para em
seguida mostrar que “a histó ria do progresso e desenvolvimento da
igreja é uma ampla narrativa de avivamentos [...] pelo poderoso e
excepcional derramar do Espírito Santo de Deus”. O que
impressiona tanto nesse levantamento feito por Lloyd-Jones é o
espaço que os avivamentos têm ocupado na tradiçã o reformada. O
Dr. afirma que o avivamento nã o recebeu lugar de destaque durante
o século passado sobretudo porque o final do século XIX
testemunhou uma ampla rejeiçã o à teologia reformada, que
continuou inabalá vel até o final dos anos 1940 . 3
Na sequência deste texto, dois exemplos do avivamento calvinista
sã o examinados brevemente — o despertamento da Igreja de Shotts
[Kirk os Shotts ] e William Williams como proponentes calvinistas do
avivamento —, e o restante se volta para o avivar entre um corpo
calvinista quintessencial, os batistas particulares ingleses.
 
IGREJA DE SHOTTS, JUNHO DE 1630
No século XVII, certo nú mero de herdeiros espirituais de Calvino, os
puritanos, também experimentaram pessoalmente o avivamento . 4
Por exemplo, no domingo de 20 de junho de 1630, em Shotts, nã o
distante de Glasgow, a celebraçã o da Ceia do Senhor foi visitada por
um grande e rico senso da presença de Deus, tanto que, acabado o
culto, em vez de voltarem para casa, as pessoas permaneceram em
oraçã o e devoçã o durante toda a noite. Evidentemente, nã o era
costume naquele tempo realizar cultos no dia seguinte ao Dia do
Senhor. No entanto, Deus se fez tã o presente naquele momento que
eles foram incapazes de voltar para suas casas sem louvar e dar
ainda mais graças. Daí entã o a pregaçã o da Palavra foi agendada
para segunda e um jovem chamado John Livingstone (1603-1672),
capelã o da Condessa de Wigton, foi persuadido a pregar.
Ele também havia passado a noite anterior em oraçã o. Sozinho nos
campos, por volta das oito ou nove da manhã , estava tomado por um
senso de tamanha indignidade (ainda mais porque ministros
consagrados e cristã os experimentados estariam lá presentes) que
pensou em ir embora discretamente. Ele já estava quase fora de
vista da igreja quando as palavras “Acaso já fui eu um deserto estéril
ou uma terra onde habitam as trevas?” foram tal maneira gravadas
em seu coraçã o que ele sentiu que deveria voltar e pregar. O que
estava para acontecer foi uma notá vel demonstraçã o do poder e da
graça de Deus sobre a pregaçã o de sua Palavra.
Livingstone pregou por mais ou menos uma hora e meia no texto de
Ezequiel 36.25-26: “Entã o, aspergirei á gua pura sobre vó s, e ficareis
purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos
ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coraçã o novo e porei dentro de vó s
espírito novo; tirarei de vó s o coraçã o de pedra e vos darei coraçã o
de carne”. Chegando ao final da pregaçã o, começou a chover
torrencialmente, e pessoas ao redor da igreja depressa foram
forçados a se cobrir com suas capas. Isso levou o pregador a
continuar:
Se apenas alguns pingos de chuva tanto os incomodam, quã o
transtornados ficarã o vocês, quã o tomados do mais terrível pavor e
desespero, caso Deus decida tratá -los de acordo com o merecimento
de cada um? E assim Deus lidará com todos os que permanecerem
impenitentes. Se quisesse, Ele justamente faria descer fogo e enxofre
sobre vocês, vejam Sodoma e Gomorra e outras cidades mais. No
entanto, eternamente seja seu nome louvado!, as portas da
misericó rdia continuam abertas para todos, para pessoas como
vocês. O Filho de Deus, tendo habitado e obedecido e sofrido em
nossa natureza, é o ú nico refú gio e proteçã o para a fú ria da ira
divina que está por vir sobre o pecador. Somente seus méritos e sua
mediaçã o servirã o de abrigo contra a fú ria divina, e a nã o ser que
você venha a Cristo, nã o importa o seu estado, esvaziado de tudo, e
tome das mã os dele a misericó rdia que lhe é ofertada, você nã o terá
o benefício deste esconderijo. 5

Livingstone continuou a pregar com esse tom por mais uma hora,
experimentando, em suas pró prias palavras, “liberdade tamanha e
um coraçã o de tal forma enternecido como jamais experimentei em
toda a minha vida pú blica”. O impacto de tã o rico derramar do
Espírito de Deus resultou em cerca de quinhentos convertidos
naquele dia . 6
 
WILLIAM WILLIAMS E O AVIVAMENTO GALÊS
No século seguinte, em 1738, um estudante de medicina de vinte e
um anos chamado William Williams (1717-1791) voltava para sua
casa, situada em Carmarthenshire, quando aconteceu de passar por
uma pequena vila chamada Talgarth, em Breconshir e. 7 Era
domingo, o sino da igreja da vila chamava os moradores da vila ao
momento de adoraçã o, e Williams os acompanhou. Mas o culto
naquela manhã foi espiritualmente frio e sem vida. Assim que saiu
da igreja, no entanto, ele ficou maravilhado ao avistar um jovem em
pé bem sobre um sepulcro, o evangelista Howell Harris (1714-
1773). Harris havia sido impedido de pregar dentro da igreja, e
assim recorreu ao cemitério. Aquele foi um sermã o, recordou
Williams tempos depois, “excepcionalmente aterrorizante”. Ao seu
redor as palavras daquele evangelista estavam sendo usadas pelo
Espírito de Deus e direcionadas a coraçõ es pecaminosos: pecadores
estavam indo a Cristo.
Diferente daquele avivamento em Shotts, no entanto, esse incidente
fez parte de um avivamento nacional. Conhecido como o Grande
Despertamento no País de Gales, Harris descreveu seus primeiros
dias para o pregador inglês George Whitefield (1714-1770) da
seguinte forma:
O derramar do bendito Espírito é agora tã o abundante e ordiná rio,
que creio ter sido por nossa deliberada atitude que ainda ninguém
foi por Ele movido a inundar a boca com palavras de esplendor. Ele
desce como o Espírito de sabedoria, para iluminar a alma, ensinar,
instruir, nutrir, separar as obras da luz das obras das trevas, ou
como o Espírito de ternura e amor, descendo como orvalho sobre a
alma do crente, com ternura e dulçor, derramando graça; ou como o
Espírito do zelo fervoroso, deixando o coraçã o do crente em chamas,
fazendo seus olhos arderem em esplendor, adoraçã o e regozijo. O
Espírito pode até mesmo descer como Espírito de poder, fazendo o
céu se abrir e o inferno tremer. 8

Nã o surpreendentemente, Williams nunca se esqueceu do dia em


que ouviu Harris pregar. “Era manhã ”, escreveu muitos anos depois,
“e dela sempre lembrarei, porque foi entã o que eu ouvi a voz do céu”
. 9 Daquele momento em diante, Williams considerou a si mesmo
um peregrino a caminho da cidade celestial . 10
Quando morreu, em 1791, William Williams, Pantycely n 11 já havia
escrito por volta de 860 hinos e mais de noventa livros e viajado
quase 180.000 km como pregador itinerante durante este
despertamento . 12
Lloyd-Jones o considerou “o teó logo do
metodismo calvinista de Gales”, nascido do avivamento galês . 13
Sua grande contribuiçã o para o movimento foi no campo da “hinó dia
experiencial e da apologética avivalista” . 14 Seus hinos foram
veículo central para a expansã o do avivamento e também para a
disseminaçã o do conhecimento . 15 Thomas Charles, Bala disse
posteriormente dele: “Foi um dos homens mais talentosos,
respeitados e ú teis de seu tempo. Seu dom para a poesia foi
naturalmente e abundantemente dado pelo Senhor [...] Seus hinos
trouxeram uma extraordiná ria mudança no aspecto religioso do País
de Gales e na adoraçã o pú blica. Alguns versos em seus hinos sã o
como brasas incandescentes, acendendo e aquecendo o zelo quando
cantados” . 16
Sobre os hinos de Williams, Lloyd-Jones comentou: “Os hinos de
William Williams estã o repletos de teologia e experiência [...]
William Williams foi o maior de todos os compositores. Há grandeza,
amplitude e extensã o em Isaac Watts; há o lado maravilhosamente
experimental em Charles Wesley. Mas em William Williams há
ambos os aspectos ao mesmo tempo” . 17 Lamentavelmente, apenas
alguns de seus hinos foram traduzidos para o inglês; entre eles estã o
“Guide Me, O Thou Great Jehovah ” e “O’er the Gloomy Hills of
Darkness ”.
 
O AVIVAMENTO DOS BATISTAS CALVINISTAS
No século XVII, uma das denominaçõ es mais espiritualmente vivas
nas Ilhas Britâ nicas era a dos batistas calvinistas. Desde o começo de
1640, quando havia apenas sete igrejas na Inglaterra, eles cresceram
tanto que já por volta de 1689 havia quase trezentas congregaçõ es.
É importante lembrar que o crescimento batista durante este
período surgiu em meio à perseguiçã o. Na década de 1660 e no
começo dos anos 1670, uma série de leis foi aprovada que tornava
ilegal a adoraçã o em qualquer outro contexto que nã o fosse o da
Igreja Estabelecida, o qual basicamente reduziu todos, exceto os
membros da Igreja da Inglaterra, a cidadã os de segunda classe.
Entre 1660 e 1688, os batistas que se recusavam a cumprir essas
leis quase sempre pagavam altas multas ou experimentavam a
prisã o com ameaças de morte.
A tolerâ ncia religiosa finalmente veio em 1689. Os batistas estavam
agora livres para implantar e edificar congregaçõ es, embora ainda
lhes fosse ilegal evangelizar fora do edifício eclesiá stico. No entanto,
apesar do advento da tolerâ ncia, a denominaçã o como um todo
começou a estagnar em seu crescimento, e, em algumas partes da
Inglaterra, na verdade entrou em declínio. Em 1715, havia cerca de
220 igrejas batistas calvinistas na Inglaterra e no País de Gales; por
volta de 1750, esse nú mero diminuiu para mais ou menos 150.
Os batistas nã o emergiram desse “inverno” espiritual até as ú ltimas
duas ou três décadas do século. Uma variedade de motivos foi que os
levou a um profundo despertamento. Houve uma reforma teoló gica,
na qual o hipercalvinismo, que no passado havia dominado
inú meras congregaçõ es, foi amplamente rejeitado em favor de um
calvinismo verdadeiramente evangélico. Daí as pessoas começaram
a ser chamadas ao arrependimento. Por exemplo, em suas obras
Causes of Declension in Religion [Causas da Decadência na Religiã o] e
Means of Revival [Meios para o Avivamento] (1785), Andrew Fuller
esboçou a apatia espiritual entã o reinante entre muitos batistas de
seus dias:
Temamos o fato de a antiga forma puritana de devotar a vida por
completo ao Senhor — renunciando o pró prio corpo, alma, dons,
tempo, propriedades, entregando-se por completo ao serviço de
Deus, renovando de contínuo este voto de absoluta entrega — ser
hoje terrivelmente negligenciada. Aquela devoçã o fazia da religiã o
sua ocupaçã o diá ria, tornava-a o labor de toda uma vida, nã o uma
atividade esporá dica, um ato oscilante, algo a ser feito somente
quando se tem um tempo livre de outros compromissos. Poucos
parecem esforçar-se, orar e buscar arduamente por amar a Deus e o
pró ximo. Muitos aparentam estar satisfeitos com a simples
lembrança de quando exercitavam esse amor, acrescendo a essa
recordaçã o a noçã o de perseverança mas carentes de evidências;
eles permanecem no mesmo caminho, aparentemente nã o se
atentando a mudanças, contanto que afinal cheguem ao céu, nã o
importa como. O espírito corretamente ordenado nã o se pergunta
“O que devo fazer para Deus?” tanto quanto indaga “O que eu posso
dar ao Senhor?”. O servo que com sinceridade ama o seu senhor tem
por privilégio ser usado por ele, sim, é uma honra ser confiado a
qualquer um de seus interesses. 18

Muitos, Fuller notou, estariam contentes se simplesmente


chegassem ao céu, mas sem muito interesse por como se deve
chegar lá . O ato de entregar-se a Deus por inteiro, comum entre os
puritanos do século XVII, estava praticamente perdido na piedade
dos puritanos do fim do século XVIII. Essa apatia foi muito bem
exposta na pergunta “O que eu devo fazer para Deus?”. Em outras
palavras, eles estavam perguntando qual seria o mínimo necessá rio
a ser feito para chegar ao céu.
Buscando reverter essa triste situaçã o, Fuller sugeriu:
Se surge a dú vida “O que entã o deve ser feito? No que em particular
podemos glorificar a Deus mais do que já o temos feito?”,
respondemos perguntando: Há espaço para reformas? Temos sido
sérios e constantes o suficiente na oraçã o privada? Alguns entre nó s
têm oportunidades de separar tempo para orar pelo derramamento
do Espírito Santo? Podemos fazer mais do que já temos feito ao
instruir nossas famílias? Temos alguém que dependa de nó s, servos
ou vizinhos com quem possamos conversar, ao menos para convidá -
los a ouvir o evangelho? Podemos corrigir algo em nosso
temperamento e comportamento diante do mundo para melhor
testemunho da religiã o? Nã o podemos vigiar mais? Nã o podemos
separar um pouco mais para dar aos pobres? Em poucas palavras,
carecemos de mansidã o e amabilidade, podemos ser mais mansos à
semelhança do nosso abençoado Senhor Jesus? 19
Aqui, Fuller listou cinco meios com os quais seus companheiros
batistas poderiam se preparar para um renovo. No topo da lista está
(1) oraçã o; depois (2) o cultivo do cristianismo no lar; (3)
testemunhar aos incrédulos; (4) examinar honestamente o que
precisa ser transformado no cará ter e buscar mudar isso
deliberadamente; e por fim (5) nutrir um espírito generoso para
com aqueles que estã o em necessidade.
Fuller continuou a enfatizar, no entanto, que a atitude do coraçã o é
de igual maneira importante: “Nã o pense que chorar e lamentar por
desviar-se de Deus é o suficiente. Devemos nos voltar a Ele com
inteireza de coraçã o”. Enquanto refletia sobre o renovo do coraçã o,
Fuller incitava o leitor a “cultivar um maior amor pelas verdades de
Deus; considerar invariavelmente a disciplina do pró prio lar;
cultivar o amor um pelo outro, unir-se em comunhã o com outras
almas; encorajar um espírito manso, humilde e deleitoso” . 20
Sobretudo, Fuller enfatizou, deve haver oraçã o.
Finalmente, irmã os, nã o nos esqueçamos de intercalar a oraçã o com
tudo o que fazemos. Nossa necessidade do Espírito Santo de Deus
para nos capacitar em tudo o que fazemos, qualquer ato ou açã o com
verdadeira bondade, deveria nos instigar à oraçã o. Sem sua bênçã o,
todos os meios sã o ineficazes e todo o esforço por avivamento será
em vã o. Portanto, acheguemo-nos continuamente e com esperança
ao trono da graça. Aproveite todas as ocasiõ es sobretudo para orar
em privado; é aqui que obteremos força e renovo para mantermos
uma vida de comunhã o com Deus. Nosso Senhor Jesus tinha o
costume de se retirar para os montes e, lá , orar em particular;
aquele, portanto, que é um seguidor de Cristo, deve segui-lo neste
importante dever. 21

Um ano antes de Fuller escrever essas palavras, homens e mulheres


começaram a se reunir para orar por um objetivo específico:
avivamento bíblico.
 
O CHAMADO À ORAÇÃO DE 1784
A origem dessas reuniõ es de oraçã o podem ser traçadas de volta ao
ano de 1784 na cidade de Nottingham, no coraçã o da Inglaterra,
onde em junho daquele ano os pastores das igrejas batistas filiados à
Associaçã o de Northamptonshire se encontraram. Pouco tempo
antes, naquele mesmo ano, um tratado sobre oraçã o coletiva por
avivamento escrito por Jonathan Edwards (1703-1758), o teó logo
da Nova Inglaterra, caiu nas mã os de John Sutcliff (1752-1814), o
pastor batista de Olney, Buckinghamshire, amigo pró ximo de
Andrew Fuller. Profundamente impressionado e movido por este
escrito, Sutcliff propô s a seus companheiros de ministério que se
reunissem mensalmente para juntos orarem pelo derramamento do
Espírito de Deus, nã o apenas sobre as igrejas batistas da Inglaterra,
mas também sobre todas aquelas igrejas que amavam o Senhor
Jesus. A proposta segue:
Sob a moçã o feita aos ministros e encarregados da associaçã o de
igrejas batistas reunidas em Nottingham, propondo a lamentar a
decadência da religiã o e a implorar de todo o coraçã o pelo
avivamento de nossas igrejas, a rogar pelo renovo da causa de nosso
Redentor, e com tal fim em vista batalhar com Deus pelo derramar
do seu Santo Espírito, porquanto somente Ele pode produzir os
abençoados efeitos, por unâ nime RESOLUÇÃ O  recomendamos que
todas as nossas igrejas e congregaçõ es gastem uma hora neste
importante exercício na primeira segunda-feira de todo mês.
Nó s, portanto, solenemente exortamos todas as igrejas a nó s ligadas
a engajar-se de coraçã o e com perseverança na execuçã o desse
plano. E visto parecer agradá vel tentar manter o mesmo horá rio,
como sinal de nossa unidade, supõ e-se que o seguinte itinerá rio
possa caber em muitas congregaçõ es, a saber, reunir-se na primeira
segunda-feira à noite em maio, junho e julho, das 8 horas à s 9 horas.
Em agosto, das 7 horas à s 8 horas. No mês de setembro e outubro
das 6 horas à s 7 horas. Em novembro, dezembro, janeiro e fevereiro
das 5 horas à s 6 horas. Em março, das 6 horas à s 7 horas; e no mês
de abril, das 7 horas à s 8 horas. No entanto, se tais horá rios, ou
mesmo o dia em particular, nã o funcionarem em determinados
lugares, pedimos aos irmã os que estabeleçam momentos mais
convenientes.
Desejamos também, como vá rios de nossos irmã os que residem
longe do nosso local de adoraçã o talvez nã o consigam chegar, que
muitos dos que estã o convenientemente situados em vilas ou
vizinhanças se reú nam em pequenos grupos ao mesmo tempo. E se
algum indivíduo estiver situado em lugares que o impossibilitam de
reunir-se com alguns irmã os, que este se retire na hora indicada
para, em um só fô lego, unir suas oraçõ es com as daqueles que, no
caso, estã o reunidos publicamente.
O grande objetivo da oraçã o é pedir que o Espírito Santo seja
derramado em nossos ministros e igrejas, que pecadores sejam
convertidos, que santos sejam edificados, o interesse da religiã o
reavivado, o nome de Deus glorificado. Ao mesmo tempo, lembre-se,
confiamos que seus pedidos nã o serã o feitos somente pela pró pria
associaçã o [i.e. igrejas] nem pela pró pria ligaçã o imediata [i.e.
denominaçã o]; que o total proveito do Redentor seja relembrado
com afeiçã o, que o evangelho se espalhe até os confins do mundo
habitado e que este desejo seja objeto das mais fervorosas
intercessõ es. Será do nosso regozijo se qualquer outra comunidade
cristã , da nossa ou de outras denominaçõ es, juntar-se a nó s. Agora,
convidem cordialmente outros ajuntamentos de crentes para que
unam coraçõ es e forças neste esforço.
Quem pode contar os efeitos de tamanho esforço com tantas oraçõ es
reunidas? Clamemos a Deus pelas graciosas promessas de sua
Palavra, o futuro triunfante do evangelho de Cristo nela está
narrado. Ele disse: “Ainda nisto permitirei que seja eu solicitado
pela casa de Israel: que lhe multiplique eu os homens como um
rebanho” (Ez 36.37). Certamente cada um ama Siã o o bastante para
separar uma hora do seu tempo, doze vezes ao ano, e buscar sua
prosperidade. 22
O foco deste chamado imediato à oraçã o foi o “avivamento de nossas
igrejas e a causa geral de nosso Redentor”. Como isso seria
alcançado? Pelo “derramar do Santo Espírito [de Deus], pois Ele
somente pode produzir [este] efeito abençoado”. Tais palavras
nitidamente reconhecem que o avivamento daquela congregaçã o
estava fundamentalmente nas mã os do Espírito Santo de Deus, e que
sem a sua bênçã o de nada valeriam os esforços. No entanto, aqueles
que divulgaram essa declaraçã o nã o eram hipercalvinistas à espera
de resultados sem o uso dos meios. Eles, portanto, encorajaram cada
um em sua congregaçã o a reunir-se em oraçã o para orar por uma
hora na primeira segunda-feira do mês.
O coraçã o do chamado à oraçã o se encontra no quarto e quinto
pará grafos. A convicçã o de que, para reverter a tendência decadente
dos batistas calvinistas, o mero zelo humano nã o seria o bastante é
novamente mencionada. É necessá rio o derramar do Espírito Santo
de Deus: “O grande objeto da oraçã o é o derramamento do Espírito
Santo sobre nossos ministros e igrejas, é a conversã o de pecadores,
o interesse pela religiã o reavivado, é a gló ria do nome de Deus”. Sem
o Espírito, todos os melhores esforços da igreja em trazer homens e
mulheres a Cristo fracassarã o; todas as suas nobres tentativas de
edificar o povo de Deus e trazer gló ria ao seu nome serã o sem
sucesso. O Espírito é o verdadeiro agente da renovaçã o e do
avivamento. Assim, havia uma necessidade desesperada por orar.
Depois, há a natureza inclusiva da oraçã o. À medida que se reuniam
para esse intento, os batistas calvinistas desta associaçã o eram
incitados a nã o só orar por suas pró prias igrejas ou até mesmo suas
pró prias denominaçõ es, mas a abraçar em oraçã o também outras
igrejas batistas por toda a extensã o e amplitude da Inglaterra, e até
mesmo igrejas de outros corpos denominacionais.
Terceiro, há um foco missioná rio definido: os leitores desse
chamado à oraçã o foram encorajados a orar pela propagaçã o do
evangelho “até as partes mais remotas do globo habitá vel”. É
importante notar que foi desse grupo de batistas em oraçã o que
William Carey (1761-1834) veio, o tã o conhecido pai do movimento
das missõ es modernas. Todos os grandes esforços missioná rios
nasceram no berço da oraçã o.
Quarto, há base bíblica para o chamado à oraçã o por avivamento.
Apenas uma passagem é citada (Ezequiel 36.37), mas aqueles que
esboçaram este documento estavam conscientes de que haveria
outros textos bíblicos. Um dos amigos de Sutcliff, Thomas Blundel
(1752-1824), comenta o seguinte sobre este versículo de Ezequiel:
“Sobretudo em resposta à oraçã o é que Deus tem executado sua
causa neste mundo: Ele poderia operar sem tais meios, mas nã o o
faz, nem o fará [...] Deus ama quando seu povo se interessa por sua
causa e trabalha para promovê-la, embora Ele pró prio opere tudo
em todos” . 23
 
REGISTROS DO AVIVAMENTO
No registro da Histó ria, poucos duvidam que Deus ouviu as oraçõ es
de Stucliff e Fuller e seus companheiros batistas calvinistas.
Enquanto oravam, os batistas calvinistas na Inglaterra começaram a
experimentar a bênçã o do avivamento, apesar de, como se deve
notar, uma grande mudança nã o ter sido imediatamente
evidenciada. Por exemplo, em 1785, Andrew Fuller, amigo pró ximo
de Stucliff, relatou sobre suas reuniõ es de oraçã o:
É uma grande satisfaçã o ouvir que as reuniõ es de oraçã o mensais
propostas por carta no ano passado têm sido colocadas em prá tica, e
como Deus evidentemente tem se feito presente durante tais
momentos, tocando o coraçã o do seu povo para batalhar com Ele
pelo avivamento de sua bendita causa. Embora o nú mero de
membros nã o tenha aumentado este ano, pelo contrá rio; nã o
obstante, o espírito de oraçã o que vem sendo derramado sobre nó s
mais que compensa tal falta. Nã o podemos exceto esperar, onde
quer que vejamos um espírito de oraçã o que zelosamente prevalece
com perseverança, que Deus tem algo de bom preparado, o que em
seu pró prio tempo Ele graciosamente nos concederá . 24

O despertamento de muitos para perseverar em oraçã o por


avivamento foi considerado por Fuller como mais que algo a
equilibrar o fracasso em aumentar a membresia das igrejas. E entã o
ficou resolvido que, “sem qualquer hesitaçã o, as reuniõ es de oraçã o
deveriam continuar na primeira segunda-feira à noite de cada mês” .
25

Por volta de 1798, havia perto de 361 igrejas batistas calvinistas na


Inglaterra e no País de Gales. Esse nú mero aumentou para 532 por
volta de 1812, e em 1851 aumentou para mais de 1380. Pode-se
observar de um â ngulo mais pessoal o avivamento que estava
acontecendo a partir dos seguintes fragmentos das cartas de
Andrew Fuller . 26
Em 1810, Fuller notou em uma carta destinada a William Carey:
“Preguei um sermã o baseado em 1Tessalonicenses 2.19 aos jovens
no ú ltimo Dia do Senhor. Estavam lá cerca de mil pessoas, creio eu.
Elas vieram de todos os lugares. O desejo do meu coraçã o é que eles
sejam salvos, e a minha oraçã o é para que isto aconteça”. Fuller
ainda estava se regozijando quando escreveu a um amigo e pastor
batista, John Ryland, em 28 de dezembro: “Espero que o Senhor
trabalhe entre os nossos jovens. Nossas reuniõ es de segunda e
sexta-feira à noite ficam cheias”. Alguns meses mais tarde, ele
contou a Ryland: “A pregaçã o de sexta-feira à noite fica lotada, e
assim tem sido por quase um ano, cultos muito cheios por serem
voltados aos que estã o preocupados com o estado da pró pria alma”.
O que estava acontecendo na igreja de Fuller também acontecia em
outras igrejas de causa batista por toda a extensã o da Inglaterra e do
País de Gales.
Um segundo fruto deste avivamento foi a formaçã o da Sociedade
Missioná ria Batista em 1792 com Andrew Fuller como primeiro-
secretá rio. No ano seguinte, William Carey foi o primeiro
missioná rio a ser enviado pela Sociedade. Ele havia se convertido no
final dos anos 1770 e finalmente se tornado membro da igreja que
John Sutcliff pastoreava em Olney. Nã o muito depois de sua
conversã o, Carey foi tomado pela responsabilidade dada à igreja
pelo Cristo ressurreto na Grande Comissã o (Mt 28.18–20) de
espalhar as boas novas até os confins da terra. Lembre-se que parte
do Chamado à Oraçã o de 1784 estimulou a oraçã o pela “expansã o do
evangelho até as partes mais remotas do mundo habitá vel”. A
formaçã o dessa sociedade foi resultado direto da oraçã o por um
despertar.
Carey trabalhou na Índia até sua morte, em 1834. O impacto de seus
esforços missioná rios bem pode ser visto no seguinte trecho de uma
carta escrita por Thomas Scott, anglicano que havia conhecido Carey
anos antes. Escrevendo no dia 3 de dezembro de 1814 para John
Ryland Jr. (1753-1825), amigo pró ximo de Carey e Fuller, Scott
afirmou:
Meu coraçã o se regozija por aquilo que os seus missioná rios estã o
fazendo na Índia. Eles investem com tanta harmonia e com um plano
tã o bem ordenado contra o reino das trevas, que nada se compara
nos tempos modernos; meu prognó stico é abundante sucesso.
Jamais vi tã o genuína sabedoria cristã , tamanha força, zelo com
fervor. Que Deus proteja e prospere! Que toda a Índia seja cheia de
verdadeiros cristã os! — ainda que todos venham a ser batistas [...]
Grandes coisas o Senhor tem realizado, Ele está respondendo a
oraçõ es de todos os lugares. 27

 
PALAVRAS DE CONCLUSÃO
No ano de 1814, perto de morrer, Sutcliff, entre outras coisas mais,
comentou algo em particular que ficou na mente de sua família e
amigos: “Meu desejo é que eu tivesse orado mais”. Declaraçã o
impressionante, tendo em vista que Sutcliff havia sido figura-chave
justamente num período movido à oraçã o que definitivamente foi
usado por Deus para trazer avivamento sobre as igrejas batistas
calvinistas de fala inglesa.  Ao ouvir as palavras do querido amigo,
Andrew Fuller fez a seguinte reflexã o:
Que eu tivesse orado mais. Nã o suponho que as palavras do irmã o
Sutcliff fossem por ter orado com mais frequência, mas de forma
mais espiritual . Meu desejo é que eu tivesse orado mais pela
influência do Espírito Santo, pedindo para ter desfrutado mais do
poder pró prio à vida de piedade. Desejaria ter orado mais pelo
auxílio do Espírito Santo sobre meus estudos e sermõ es: que eu
tivesse presenciado mais da bênçã o de Deus atingindo meu
ministério. Meu desejo é que eu tivesse orado mais pelo derramar
do Espírito Santo sobre os esforços de nossos amigos na Índia; que
eu pudesse ter testemunhado mais dos efeitos de seus empenhos na
conversã o dos pagã os. 28

Fuller usou a declaraçã o de Sutcliff em seu leito de morte como teste


para provar sua pró pria vida de oraçã o, e se descobriu deficiente
nessa á rea. No entanto, à luz de tudo o que já analisamos, a
declaraçã o de Sutcliff à beira da morte e a reflexã o de Fuller revelam
algo mais: estar profundamente consciente da bênçã o e do
fortalecimento do Espírito no avivamento pessoal e corporativo é o
mais importante aspecto da vida do crente e da igreja.

Posfá cio
A Reforma tem provado ser o evento mais significativo na histó ria
do cristianismo do milênio passado. E dentro deste “evento” que
levou quase um século para acontecer, a vida de Joã o Calvino é
indiscutivelmente a mais influente, tirando Martinho Lutero. Nas
décadas apó s a morte de Calvino e ao longo do século XVII, o
calvinismo se tornou um ethos e o corpo de pensamento distinto
que cruzou fronteiras nacionais e denominacionais, moldando a vida
da igreja na Europa Oriental em lugares como Lituâ nia e Polô nia até
as naçõ es celtas das Ilhas Britâ nicas, Escó cia e País de Gales, e até
mesmo no Novo Mundo com as colô nias britâ nicas da Nova
Inglaterra.
Denominaçõ es inteiras já desenvolvidas se identificaram com o
formato de seu pensamento, das igrejas reformadas na Alemanha,
por meio das quais o Catecismo de Heidelberg foi primeiramente
desenvolvido, até as congregaçõ es reformadas na Holanda que
defenderam sua herança calvinista no Sínodo de Dort. Mas como os
textos neste livro têm demonstrado, seu legado também abarca a
política — é difícil de imaginar a Revoluçã o Americana sem o
pensamento de Calvino sobre o direito de magistrados menores
resistirem a governos opressivo s 1 —, a legislaçã o do casamento e
questõ es sociais profundas como o combate à pobreza. Na verdade,
dificilmente há alguma á rea da vida na Histó ria Moderna e na
civilizaçã o ocidental que nã o seja permeada pela influência de
Calvino. Como o estadista inglês John Morley disse bem há mais de
cem anos atrá s, “Omitir Calvino das forças da evoluçã o ocidental é
ler a histó ria com um olho fechado” . 2
Mas se fosse perguntado a Calvino por qual motivo ele mais
desejaria ser lembrado — embora seja difícil de imaginá -lo
respondendo a tal pergunta, visto que deliberadamente procurava
nã o falar sobre si mesmo —, ele provavelmente citaria o reino da
pregaçã o e da piedade. Em sua mente, a pregaçã o e o ensino da
perfeita Palavra de Deus estã o no centro do seu chamado à cidade
de Genebra, a qual, pela publicaçã o de seus sermõ es e comentá rios,
deu a ele uma congregaçã o mundial. Sua teologia sistemá tica, As
Institutas , é acima de tudo um tratado de piedade. A explicaçã o
teoló gica de Calvino sobre conhecer a Deus como Ele mesmo se
revela em sua Palavra, conhecer a natureza da condiçã o humana e a
queda, a necessidade de justificaçã o e sua natureza profundamente
forense, a forma cristocêntrica da salvaçã o e uniã o com Cristo, a
obra do Espírito na igreja, e a conclusã o de Deus no tempo pelos
ú ltimos dias, tem este grande foco: como viver essa vida terrena
para a gló ria de Deus.
Nã o é concedido a todos que vivem neste mundo o impactar os seus
contemporâ neos e a sua posteridade a ponto de poder-se dizer que
nada permaneceu igual depois de terem deixado esta cena terrena.
Mas Calvino — em vida e pensamento — foi tamanha dá diva.

Abreviaçõ es e Fontes Utilizadas no Original


 
Calvin, Commentary:
John Calvin, Commentaries (Calvin Translation Society; repr., Grand Rapids: Baker, 2003).
Cited by Scripture reference.
Calvin, Institutes:
John Calvin, Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill, trans. Ford Lewis Battles,
The Library of Christian Classics XX–XXI (Philadelphia: Westminster, 1960). Cited by
book.chapter.section.
Calvin, Institutes (1536):
John Calvin, Institutes of the Christian Religion: 1536 Edition, trans. and annot. Ford Lewis
Battles, rev. ed. (Grand Rapids: The H. H. Meeter Center for Calvin Studies/Eerdmans, 1986).
Calvin, Predestination:
John Calvin, Concerning the Eternal Predestination of God, trans. J. K. S. Reid (London: James
Clarke, 1961).
Calvin, Tracts and Letters:
John Calvin, Tracts and Letters, trans. Henry Beveridge and Jules Bonnet respectively (1844–
1851, 1858; combined repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2009).
CNTC:
Calvin’s New Testament Commentaries, ed. David W. Torrance and Thomas F. Torrance
(Grand Rapids: Eerdmans, 1959–1972).
CO:
John Calvin, Opera quae supersunt omnia, ed. Guilielmus Baum, Eduardus Cunitz, and
Eduardus Reuss, in CR, vols. 29–87.
CR:
Corpus Reformatorum (Brunsvigae: Schwetschke, 1863–1900).
 
Referências e Notas Bibliográ ficas
 
PREFÁCIO
[ 1 ] Andrew Fuller. Thoughts on the Power of Men to Do the Will of God
(manuscrito nã o publicado, 1777/1778). James P. Boyce Centennial Library archives, The
Southern Baptist Theological Seminary, Louisville, Ky. p. 3.
[ 2 ] Como citado em I. John Hesselink, Calvin’s Theology . In: Ed. Donald K. McKim,
The Cambridge Companion to John Calvin (Cambridge: Cambridge University Press, 2004).
p. 74.
[ 3 ] Como citado em Sam Chan, Preaching as the Word of God: Answering an Old
Question with Speech-Act Theory (Eugene, Ore.: Pickwick Publications, 2016). p. 71.
[ 4 ] Como citado em Elsie A. McKee, John Calvin on the Diaconate and Liturgical
Almsgiving (Geneva: Librarie Droz, 1984). p. 184.
 
CAPÍTULO 1
[ 1 ] Devo ao Dr. Monte Shanks e ao Dr. Ian Clary pela ajuda com algumas notas deste
capítulo.
[ 2 ] Como citado em Heiko A. Oberman, Subita Conversio: The Conversion of John
Calvin . In: Reformiertes Erbe: Festschrift für Gottfried W. Locher zu seinem 80. Geburtstag
, Heiko A. Oberman (Org.), Ernst Saxer; Alfred Schindler; Heinzpeter Stucki; Heiko Oberman
(Trad.), Zwingliana 19. Zü rich: Theologischer Verlag, 1993. 2:295n4. Para uma traduçã o
de Psychopannychia , veja Calvino, Tracts and Letters , 3:413-90. Para a versã o de
Beveridge da passagem que Oberman traduziu, veja Tracts and Letters , 3:454-55. Para
o latim por trá s dessa traduçã o, veja CO , 5:204-205. Para um estudo de
Psychopannychia , veja George H. Tavard, The Starting Point of Calvin’s Theology
(Grand Rapids: Eerdmans, 2000). Veja também Bernard Cottret, Calvin: A Biography .
(Trad.) M. Wallace McDonald (Grand Rapids: Eerdmans, 2000). p. 77-82.
[ 3 ] De me non libenter loquor . Calvino faz essa observaçã o em sua obra Reply to
Sadoleto . In: CO , 5:389.
[ 4 ] Heiko Oberman. Initia Calvini: The Matrix of Calvin’s Reformation
(Amsterdam: Koninklijke Nederlandse Akademie van Wetenschappen, 1991). p. 7. Esse
artigo também pode ser encontrado em Wilhelm H. Neuser (Org.), Calvinus Sacrae
Scripturae Professor: Calvin as Confessor of Holy Scripture (Grand Rapids: Eerdmans,
1990). p. 113-54.
[ 5 ] Para tanto, Richard Stauffer, Les discours à la première personnes dans les
sermons de Calvin . In: Regards contemporains sur Jean Calvin. Actes du colloque Calvin
Strasbourg 1964 (Paris: Presses Universitaires de France, 1965). p. 206.
[ 6 ] Para a porçã o relevante de Reply to Sadoleto , usei a traduçã o de J. K. S. Reid
em John Calvin: Writings of Pastoral Piety , (Org. e Trad.) Elsie Anne McKee (New
York/Mahwah, N.J.: Paulist Press, 2001). p. 41-49. Referências subsequentes ao Reply to
Sadoleto sã o citadas como Reply to Sadoleto com o nú mero da pá gina no volume de
McKee. Para o latim, veja CO , 5:385-416. Para mais detalhes sobre essa obra, veja John
C. Olin (Org.), A Reformation Debate: John Calvin and Jacopo Sadoleto (1966; reimp.,
Grand Rapids: Baker, 1976). Para o prefá cio ao comentá rio de Calvino sobre Salmos, usei a
traduçã o de Joseph Haroutunian com Louise Pettibone Smith, Calvin: Commentaries .
Library of Christian Classics, vol. 23 (Philadelphia: Westminster, s.d.). p. 51-57. Para uma
traduçã o mais antiga, veja James Anderson (Trad.), Commentary on the Book of Psalm s
(reimp., Grand Rapids: Baker, 1996). 1:xxxv-xlix. Minhas citaçõ es e referências da traduçã o
de Haroutunian e Smith sã o a partir daqui citadas como “Calvino, Prefácio ,” junto do
nú mero da pá gina relevante. Há versõ es latinas e francesas do prefá cio para ambas, veja
CO , 9:13-36.
[ 7 ] CO . 21:21-50.
[ 8 ] CO . 21:51-118.
[ 9 ] CO . 21:119-72. Essa terceira ediçã o da vida de Calvino tem sido usada neste
capítulo. Para uma traduçã o acessível dessa versã o, veja Theodore Beza, The Life of John
Calvin . In: Banner of Truth , 1982, ago./set., n. 227-228. p. 9-68. Essa traduçã o é
essencialmente aquela de Calvino, Tracts and Letters , 1:xvii-c. Citaçõ es sã o da traduçã o
da revista Banner of Truth e sã o referenciadas como Beza, Life of John Calvin .
[ 10 ] A forma francesa do nome de Calvino era Jean Cauvin. Tornou-se Calvino
através da forma latinizada de seu apelido, Calvinus.
[ 11 ] Beza. Life of John Calvin . p. 11. Para mais detalhes do antecedente da vida de
Calvino, veja Cottret, Calvin: A Biography . p. 8-12.
[ 12 ] Allan Menzies. The Career and Personality of Calvin . In: A Study of Calvin
and Other Papers (London: Macmillan and Co., 1918). p. 129.
[ 13 ] Bernard Cottret. Calvin: A Biography , p. 10. Ver Allan Menzies, Career and
Personality of Calvin . p. 129. Para ler sobre sua recordação, veja João Calvino, An
Admonition, showing the Advantages which Christendom might derive from an Inventory of
Relics . In: Tracts and Letters , 1:329.
[ 14 ] Richard Stauffer. Calvin . In: Menna Prestwich (Org.). International
Calvinism 1541-1715 (Oxford: Clarendon Press, 1985). p. 16; Notice littéraire . In: CO
, 21:14.
[ 15 ] Bernard Cottret. Calvin: A Biography . p. 11.
[ 16 ] Calvino, Prefácio . p. 51.
[ 17 ] Para a data, veja Ford Lewis Battles, Calvin’s Humanistic Education . In:
Robert Benedetto (Org.). Interpreting John Calvin (Grand Rapids: Baker, 1996). p. 48;
Bernard Cottret, Calvin: A Biography . p. 11.
[ 18 ] CNTC . 8:331. Sobre Cordier, veja Ford Lewis Battles, Calvin’s Humanistic
Education . p. 52-53; e Bernard Cottret, Calvin: A Biography . p. 12-16.
[ 19 ] Alexandre Ganoczy. Calvin’s Life . David L. Foxgrover e James Schmitt
(Trad.). In: Donald K. McKim (Org.). The Cambridge Companion to John Calvin .
Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 4.
[ 20 ] Como citado em Hans Hillerbrand, The Division of Christendom: Christianity in
the Sixteenth Century, Louisville: Westminster, 2007, p. 296; e Bernard Cottret, Calvin: A
Biography , p. 17. Sobre a faculdade, veja também Ford Lewis Battles, Calvin’s
Humanistic Education , p. 48-49; Alister E. McGrath, A Life of John Calvin: A Study in the
Shaping of Western Culture (Oxford: Blackwell, 1990). p. 27-31; e Bernard Cottret,
Calvin: A Biography . p. 16-20.
[ 21 ] Ford Lewis Battles. Calvin’s Humanistic Education . p. 49. Cf. A observaçã o
recente de Hillerbrand sobre Calvino: “Seu temperamento parece sugerir afinidade com
nenhum outro a nã o ser Igná cio de Loyola. A segunda geraçã o da Reforma convocou
homens desse tipo, brilhantes, determinados, bons”. Division of Christendom . p. 314.
[ 22 ] Veja Heiko Oberman, Initia Calvini , p. 10-19, para uma visã o geral desses
estudos e uma resposta a esse método de investigaçã o.
[ 23 ] Alexandre Ganoczy. The Young Calvin . (Trad.) David Foxgrover e Wade
Provo (Philadelphia: Westminster, 1987); T. H. L. Parker. John Calvin: A Biography
(Philadelphia: Westminster, 1975). p. 28. Acerca do comentá rio de Calvino sobre Sêneca,
veja abaixo. Veja também a resposta de Oberman, Initia Calvini , p. 13-14, para essa
sugestã o da influência do estoicismo sobre o jovem Calvino.
[ 24 ] Alister E. MacGrath. Life of John Calvin . p. 37-47 passim.
[ 25 ] Alister E. MacGrath. Life of John Calvin . p. 36
[ 26 ] Para um sumá rio sucinto dos teó logos da era patrística e medieval a quem o
maduro Calvino deve, veja Stauffer, Calvin , p. 29. Como Stauffer nota, “Enquanto
Calvino foi educado na Bíblia, sua leitura dela foi enriquecida pelo conhecimento
surpreendente de grandes autores da tradiçã o cristã ”. Para mais detalhes, veja Ford Lewis
Battles, The Sources of Calvin’s Seneca Commentary . In: Interpreting John Calvin . p.
65-89; Anthony N. S. Lane. John Calvin: Student of the Church Fathers (Grand Rapids:
Baker, 1999); Jean-François Gilmont. John Calvin and the Printed Book . Karin Maag
(Trad.). Sixteenth Century Essays and Studies, vol. 72 (Kirksville, Mo.: Truman State
University Press, 2005). p. 156-66.
[ 27 ] Philip Edgcumbe Hughes. Lefèvre: Pioneer of Ecclesiastical Renewal in France
(Grand Rapids: Eerdmans, 1984). p. 147-50.
[ 28 ] Richard Stauffer, Calvin . p. 16. De maneira similar, John T. McNeil, The
History and Character of Calvinism (1954 reimp., Oxford University Press, 1967). p. 109.
Sobre Marguerite d’Angoulème, veja George Saintsbury, Marguerite de Valois .
Encyclopedia Britannica. 11. ed. (New York: Encyclopedia Britannica, 1910). 17:706.
[ 29 ] Calvino, Prefácio . p. 51-52. Veja também Beza, Life of John Calvin , p. 11.
[ 30 ] Para detalhes sobre essas duas escolas de direito e os professores com quem
Calvino estudou, veja Ford Lewis Battles, Calvin’s Humanistic Education , p. 49-50, 55-
58; e Bernard Cottret, Calvin: A Biography , p. 20-24.
[ 31 ] G. R. e M. Greengrass. John Calvin (New York: St. Martin’s Press, 1983). p. 4;
Alister E. MacGrath. Life of John Calvin. p. 59; Heiko Oberman. Initia Calvini . p. 38;
Randall C. Zachman, John Calvin as a Teacher, Pastor, and Theologian: The Shape of His
Writings and Thought (Grand Rapids: Baker, 2006). p. 16-17.
[ 32 ] Sobre Wolmar, veja Ford Lewis Battles, Calvin’s Humanistic Education , p.
57-58; Helmut Feld, Volmar (Rufus), Melchior , Biographisch-Bibliographisches
Kirchenlexikon. (Org.) Friedrich Wilhelm Bautz e Traugott Bautz (Herzberg: Verlag
Traugott Bautz, 1997). 12:1588-91.
[ 33 ] Veja também Allan Menzies, Career and Personality of Calvin , p. 136-37.
[ 34 ] Como citado em Parker, John Calvin: A Biography , p. 21.
[ 35 ] Alister E. MacGrath. Life of John Calvin . p. 62.
[ 36 ] Veja também John D. Currid, Calvin and the Biblical Languages (Fearn, Ross-
shire, Scotland: Christian Focus, 2006).
[ 37 ] Sobre Grynaeus, veja Alexander Gordon, Grynaeus, Simon . In:
Encyclopedia Britannica . 11:642. Sobre a relaçã o de Calvino com ele, veja também
Cornelius Augustijn, Christoph Burger, Frans P. van Stam, Calvin in Light of the Early
Letters . In: Herman J. Selderhuis (Org.). Calvinus Praeceptor Ecclesiae: Papers of the
International Congress on Calvin Research (Geneva: Librairie Droz S.A., 2004). p. 145-47.
[ 38 ] Veja a discussã o breve de Danièle Fischer, Nouvelles réflexions sur la
conversion de Calvin , Etudes théologiques et religieuses, 1983, n. 58. p. 216-17, em
relaçã o à possível influência de Wolmar no desenvolvimento religioso de Calvino.
[ 39 ] “A princípio, quando primeiro meu pai me enviou para estudar direito civil, foi
sob sua instigaçã o e sob seu apoio financeiro que eu também iniciei o estudo do grego, do
qual você foi, naquele tempo, um professor muito diferenciado [...] Minha dívida com você é
ainda grande por ter me fornecido tã o excelente base nos rudimentos da língua, o que me
foi de grande ajuda posteriormente”. CNTC . 10:1.
[ 40 ] Bernard Cottret. Calvin: A Biography . p. 24; Alexandre Ganoczy. Calvin’s
Life . p. 5.
[ 41 ] Joã o Calvino. Reply to Sadoleto . p. 48.
[ 42 ] Hans Hillerbrand. Division of Christendom . p. 296.
[ 43 ] Bernard Cottret. Calvin: A Biography . p. 24.
[ 44 ] CO . 5:1-162.
[ 45 ] Joã o Calvino para François Daniel, 23 de maio de 1532. In: Tracts and Letters
. 4:31; cf. 4:32.
[ 46 ] Veja Alister E. McGrath, The Intellectual Origins of the European Reformation
. 2. ed. (Oxford: Blackwell, 2004). p. 125-30.
[ 47 ] Allan Menzies. Career and Personality of Calvin . p. 137.
[ 48 ] Joã o Calvino. Reply to Sadoleto . p. 48.
[ 49 ] Joã o Calvino. Reply to Sadoleto . p. 44.
[ 50 ] T. H. L. Parker. John Calvin: A Biography . p. 22, 162-65; James I. Packer.
John Calvin and Reformed Europe . In: John D. Woodbridge (Org.). Great Leaders of the
Christian Church (Chicago: Moody, 1988). p. 206, 210.
[ 51 ] Allan Menzies. Career and Personality of Calvin . p. 143; François Wendel.
Calvin: Origins and Development of His Religious Thought . (Trad.) Philip Mairet (1963,
reimp., Durham, N.C.: Labyrinth Press, 1987). p. 37-45; Richard Stauffer, Calvin . p. 18;
Heiko Oberman, Subita Conversio . p. 283 e n17.
[ 52 ] T. H. L. Parker. John Calvin: A Biography . p. 162.
[ 53 ] Calvino, Prefácio . p. 52, alterado. Para o latim e o francês original, veja CO
, 9:21-22. Essa traduçã o é primariamente da versã o francesa, mas também faço referência à
versã o latina.
[ 54 ] Alexandre Ganoczy. Young Calvin . p. 252-66; Alexandre Ganoczy Calvin’s
Life . p. 9-10. De maneira similar, James A. de Jong, An Anatomy of All Parts of the Soul:
Insights into Calvin’s Spirituality from His Psalms Commentary . In: Neuser Calvinus
Sacrae Scripturae Professor . p. 3-4 e n7; Jean-François Gilmont. John Calvin and the
Printed Book . p. 9-10; Alister E. McGrath, Intellectual Origins . p. 55-56.
[ 55 ] Veja Fischer, Nouvelles réflexions sur la conversion de Calvin . p. 203-7; e
Cottret, Calvin: A Biography . p. 68-70.
[ 56 ] Alister E. McGrath, Life of John Calvin . p. 70. Para um resumo do que os
autores reformados como Calvino consideravam distorçõ es do cristianismo, veja Graeme
Murdock, Beyond Calvin: The Intellectual, Political and Cultural World of Europe’s
Reformed Churches , c. 1540-1620 (New York: Palgrave Macmillan, 2004). p. 8-15.
[ 57 ] Beza, Life of John Calvin . p. 11-12. Sobre o erro de Beza em relaçã o a isso,
veja Menzies, Career and Personality of Calvin . p. 140-41.
[ 58 ] De la Forge era uma comerciante valdense de Piedmont. Veja McNeil, History
and Character of Calvinism . p. 109; O. R. Johnston, Calvin the Man . In: Able Ministers
of the New Testament: Papers Read at the Puritan and Reformed Studies Conference ,
December 1964 ([Londres]: Puritan Reformed Studies Conference, 1964). p. 22; e James
Leo Garrett Jr. (Intro.), Calvin and the Reformed Tradition . (Org.) Leo Garrett Jr.
(Nashville, Tenn.: Broadman Press, 1980). p. 24.
[ 59 ] Para a influência de Lutero sobre Calvino, veja McNeil, History and Character
of Calvinism , p. 109-10; e Ganoczy, Young Calvin , p. 137-45. Zachman acredita que a
“conversã o repentina de Calvino ao ser ensiná vel” foi “mais prová vel por meio dos escritos
de Martinho Lutero”. Zachman, John Calvin as Teacher . p. 17-19.
[ 60 ] CO , 8:113. Veja também as afirmaçõ es similares em seu comentá rio em
Jeremias. CO , 38:466, 671.
[ 61 ] João Calvino. Reply to Sadoleto . p. 44. Veja McNeil, History and Character of
Calvinism , p. 118.
[ 62 ] T. H. L. Parker. John Calvin: A Biography . p. 163-64.
[ 63 ] Alister E. McGrath. Life of John Calvin . p. 72. O fato de McGrath favorecer a
interpretaçã o nã o histó rica de Ganoczy dessa passagem no prefá cio nã o afeta o ponto que
ele está desenvolvendo sobre esse termo.
[ 64 ] Calvino, Prefácio . p. 48.
[ 65 ] J. I. Packer. Calvin: A Servant of the Word . In: Able Minister of the New
Testament . p. 42; T. H. L. Parker. John Calvin: A Biography . p. 163; Heiko Oberman.
Initia Calvini . p. 7-8, n3; Heiko Oberman, Subita Conversio . p. 290.
[ 66 ] Como citado em Randall C. Zachman, The Conciliating Theology of John Calvin:
Dialogue among Friends . In: Conciliation and Confession: The Struggle for Unity in the
Age of Reform, 1415-1648 . (Org.) Howard P. Louthan e Randall C. Zachman (Notre Dame,
Ind.: University of Notre Dame Press, 2004). p. 94-95.
[ 67 ] François Wendel. Calvin. p. 44-45. Veja também Harro Hopfl, The
Christian Polity of John Calvin (Cambridge: Cambridge University Press, 1982). p. 19. E
entre os livros que ele certamente leu, alguns eram de Lutero: veja Second Defence of the
Pious and Orthodox Faith concerning the Sacraments de Calvino, in Answer to the Calumnies
of Joachim Westphal . In: Tracts and Letters , 2:253.
[ 68 ] Allan Menzies. Career and Personality of Calvin . p. 145.
[ 69 ] De Jong. An Anatomy of All Parts of the Soul . p. 4. Devo essa referência a J.
Nigel Westhead, Calvin and Experimental Knowledge of God . In: Adorning the Doctrine:
Papers Read at the 1995 Westminster Conference ([Londres]: The Westminster Conference,
1995). p. 16.
[ 70 ] John T. McNeill. History and Character of Calvinism . p. 116.
[ 71 ] Neste á pice, veja H. J. Selderhuis, Calvin as an Asylum Seeker . In: Wilhelm H.
Neuser, Herman J. Selderhuis, Willem van’t Spijker (Org.). Calvin’s Books: Festschrift
Dedicated to Peter De Klerk on the Occasion of His Seventieth Birthday (Heerenveen:
Uitgeverij J. J. Groen en Zoon BV, 1997). p. 286.
[ 72 ] Augustijn, Burger, Stam. Calvin in the Light of the Early Letters . p. 144.
[ 73 ] Veja Heiko Oberman, Initia Calvini , 36n119, para um testemunho ocular
dessas palestras. Veja também Augustijn, Burger, Stam, Calvin in the Light of the Early
Letters . p. 141.
[ 74 ] Para um excelente estudo de Lefèvre, veja Hughes, Lefèvre: Pioneer . Para
uma visã o geral de sua carreira, veja Eugene F. Rice Jr. (Org. e Intro.), The Prefatory
Epistles of Jacques Lefèvre d’Etaples and Related Texts (New York: Columbia University
Press, 1972). p. xi-xxv. Para a relaçã o de Calvino com Lefèvre, veja Herman Dorries, Calvin
and Lefèvre . Zeitschrift fur Kirchengeschichte, 1925, n. 44. p. 544-81.
[ 75 ] Eugene F. Rice Jr. (Org. e Intro.), The Prefatory Epistles of Jacques Lefèvre
d’Etaples and Related Texts (New York: Columbia University Press, 1972). p. xiv. Para uma
discussã o dos temas teoló gicos neste comentá rio, veja Hughes, Lefèvre: Pioneer , p. 69-
99 passim.
[ 76 ] Hughes. Lefèvre: Pioneer . p. 74-78; Richard Stauffer, Lefèvre d’Etaples:
artisan ou spectateur de la Réforme . Bulletin de la Société de l’Historie du Protestantisme
français, 1967, n. 113. p. 405-23.
[ 77 ] Veja Carlos M. N. Eire, War against the Idols: The Reformation of Worship from
Erasmus to Calvin (Cambridge: Cambridge University Press, 1986). p. 168-94.
[ 78 ] Como citado em Eire, War against the Idols , p. 193.
[ 79 ] Como citado em Eire, War against the Idols , p. 186.
[ 80 ] Para esse discurso, veja Joã o Calvino, Institutes (1536). p. 364-72. De acordo
com Beza, Calvino escreveu esse discurso para Cop. Life of John Calvin , p. 13. Parece
imprová vel. Veja a discussã o do discurso e o papel de Calvino nisso, por McGrath, Life of
John Calvin , p. 64-66; e Cottret, Calvin: A Biography , p. 73-76. Para uma defesa recente
de Calvino como autor, veja Joseph N. Tylenda, Calvin’s First Reformed Sermon? Nicholas
Cop’s Discourse — 1 November 1533 . In: Richard C. Gamble, Calvin’s Early Writings and
Ministry . Articles on Calvin and Calvinism (New York: Garland, 1992). 2:120-38. Esse
artigo apareceu pela primeira vez no Westminster Theological Journal , 1975-1976, vol.
38, n. 3. p. 300-318. Augustijn, Burger, Stam também defendem o caso pela autoria de
Calvino. Calvin in the Light of the Early Letters . p. 143.
[ 81 ] Beza, Life of John Calvin . p. 13.
[ 82 ] Como citado em Oberman, Initia Calvini , p. 27-28n84.
[ 83 ] Alister E. McGrath. Life of John Calvin . p. 72. Du Tilet atuou como patrono de
Calvino até 1537. Seu retorno subsequente à Igreja Cató lica de Roma prejudicou o vínculo
entre os dois. Veja George H. Tavard, The Starting Point of Calvin’s Theology , p. 140-41;
Jean-François Gilmont. John Calvin and the Printed Book . p. 20.
[ 84 ] Beza, Life of John Calvin . p. 14.
[ 85 ] O. R. Johnston. Calvin the Man . p. 23; Richard Stauffer, Calvin . p. 18;
Alister E. McGrath, Life of John Calvin . p. 73-74.
[ 86 ] Bernard Cottret, Calvin: A Biography . p. 82-88; George H. Tavard, The
Starting Point of Calvin’s Theology . p. 13-17.
[ 87 ] Alister E. McGrath. Life of John Calvin . p. 74.
[ 88 ] CNTC . 10:347.
[ 89 ] CNTC . 1:254.
 
CAPÍTULO 2
[ 1 ] Artigo primeiramente apresentado como discurso no dia 31 de outubro de 2009,
no décimo sétimo Annual Audubon Bible Church Reformation Celebration , Laurel,
Mississippi.
[ 2 ] Joã o Calvino. Tracts and Letters . 4:191.
[ 3 ] Machiel A. van den Berg. Friends of Calvin . (Trad.) Reinder Bruinsma (Grand
Rapids: Eerdmans, 2009). p. 125. Ver Calvino, Tracts and Letters , 4:141.
[ 4 ] J. H. Merle D’Aubigne. History of the Reformation in Europe in the Time of Calvin
(reimp. Harrisonburg, Va.: Sprinkle, 2000). 6:508.
[ 5 ] J. H. Merle D’Aubigne. History of the Reformation in Europe in the Time of Calvin
(reimp. Harrisonburg, Va.: Sprinkle, 2000). 6:508; ver Philip Schaff, History of the
Christian Church (reimp. Grand Rapids: Eerdmans, 1985). 8:415.
[ 6 ] Willem Balke. Calvin and the Anabaptist Radicals . (Trad.) William J. Heynen
(Grand Rapids: Eerdmans, 1981).
[ 7 ] J. H. Alexander. Ladies of the Reformation: Short Biographies of Distinguished
Ladies of the Sixteenth Century (reimp. New York: Westminster, 2002). p. 88.
[ 8 ] J. H. Alexander. Ladies of the Reformation: Short Biographies of Distinguished
Ladies of the Sixteenth Century (reimp. New York: Westminster, 2002). p. 80.
[ 9 ] Machiel A. van den Berg. Friends of Calvin . (Trad.) Reinder Bruinsma (Grand
Rapids: Eerdmans, 2009). p. 129.
[ 10 ] J. H. Merle D’Aubigne. History of the Reformation in Europe in the Time of Calvin
(reimp. Harrisonburg, Va.: Sprinkle, 2000). 6:509.
[ 11 ] Schaff, History of the Christian Church . 8:416. Farel relembrou suas
disposiçõ es como “pesadas”.
[ 12 ] Beza, The Life of John Calvin (Darlington, U.K.: Evangelical Press, 1997). p.
35; ver Edna Gerstner, Idelette (Morgan, Pa.: Soli Deo Gloria, 1992).
[ 13 ] Schaff. History of the Christian Church . 8:415.
[ 14 ] Van den Berg. Friends of Calvin . p. 130.
[ 15 ] Van den Berg. Friends of Calvin . p. 131.
[ 16 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 91.
[ 17 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 91-91.
[ 18 ] Schaff. History of the Christian Church. 8:419.
[ 19 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 93.
[ 20 ] Calvino. Tracts and Letters . 4:420.
[ 21 ] Schaff. History of the Christian Church . 8:418-19.
[ 22 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 93.
[ 23 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 93.
[ 24 ] Schaff. History of the Christian Church . 8:421.
[ 25 ] James I. Good. Famous Women of the Reformed Church (reimp. Birmingham,
Ala.: Solid Ground Christian Books, 2002). p. 29.
[ 26 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 97.
[ 27 ] Good. Famous Women of the Reformed Church . p. 29.
[ 28 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 97.
[ 29 ] Schaff. History of the Christian Church . 8:419.
[ 30 ] Alexander. Ladies of the Reformation . p. 97.
 
CAPÍTULO 3
[ 1 ] Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: Vol. 1: The Emergence of the Catholic
Tradition (100-600) (Chicago: University of Chicago Press, 1971). p. 172. Pela ajuda
para localizar as fontes desse texto, devo ao Dr. David Puckett do Southern Baptist
Theological Seminary e meu assistente no Andrew Fuller Center for Baptist Studies , Dr.
Steve Weaver.
[ 2 ] Para o texto desses credos, veja J. N. D. Kelly, Early Christian Creeds , 2. ed.
(London: Longmans, Green, 1960). p. 215-16, 297-98. Veja também Johannes Roldanus,
The Church in the Age of Constantine: The Theological Challenges (New York: Routledge,
2006). p. 123-26.
[ 3 ] Stephen M. Hildebrand identifica Edwin Hatch e Adolf von Harnack como dois
dos eruditos que argumentavam nessa linha. Veja Stephen M. Hildebrand, The Trinitarian
Theology of Basil of Caesarea: A Synthesis of Greek Thought and Biblical Truth
(Washington, D.C.: Catholic University of America Press, 2007). p. 7.
[ 4 ] Douglas Ottati. Being Trinitarian: The Shape of Saving Faith . The Christian
Century, 8 nov. 1995, vol. 112, n. 32. 1045.
[ 5 ] Benjamin B. Warfield. The Biblical Doctrine of the Trinity . In: Benjamin B.
Warfield. Biblical and Theological Studies . (Org.) Samuel G. Craig  (Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1952). p. 22.
[ 6 ] Bruce Gordon. Calvin (New Haven, Conn.: Yale University Press, 2009). p.
217. Sobre a controvérsia de Calvino com Serveto, veja Eric Kayam, The Case of Michael
Servetus: The Background and Unfolding of the Case . Mid-America Journal of Theology,
1992, vol. 8, n. 2. p. 117-46; Gordon, Calvin . p. 217-32; Jean-Luc Mouton, Calvin
([Paris]: É ditions Gallimard, 2009). p. 302-42; Christoph Strohm, Calvin and Religious
Tolerance . David Dichelle (Trad.). In: Martin Ernst Hirzel, Martin Sallmann (Org.). John
Calvin’s Impact on Church and Society, 1509–2009 (Grand Rapids: Eerdmans, 2009). p.
176-79.
[ 7 ] Como citado em Kayam, Case of Michael Servetus , p. 123.
[ 8 ] Gordon. Calvin . p. 218-19.
[ 9 ] Sobre Genebra nã o ser uma teocracia, ver Mark J. Larson, Calvin’s Doctrine of
the State (Eugene, Ore.: Wipf & Stock, 2009). p. 1-19.
[ 10 ] James I. Packer. John Calvin and Reformed Europe . In: John D. Woodbridge
(Org.). Great Leaders of the Christian Church (Chicago: Moody, 1988). p. 212-13; Gordon,
Calvin . p. 217-29.
[ 11 ] Contra libellum Calvini in quo ostendere conatur haereticos jure gladii
coercendos esse (Holland, 1612). Essa obra foi publicada em 1612, mas na verdade
Castellio a escreveu em 1554 como resposta à Calvin’s Defensio orthodoxae fidei de sacra
Trinitate (1554), sua defesa da execuçã o de Serveto. Quanto à citaçã o, agradeço a Marian
Hullar, Sebastian Castellio and the Struggle for Freedom of Conscience . In: Essays in the
Philosophy of Humanism . D. R. Finch, M. Hillar (Org.), 2002. 10:31-56,
http://www.socinian.org/files/castellio.pdf; Timothy George. Calvin’s Biggest Mistake:
Why He Assented to the Execution of Michael Servetus . Christianity Today, set. 2009, vol.
53, n. 9. p. 32. Para um panorama do pontos de vista de Castellio sobre tolerâ ncia religiosa,
veja Strohm, Calvin and Religious Tolerance , p. 187-88.
[ 12 ] Benjamin B. Warfield. Calvin’s Doctrine of the Trinity . In: Benjamin B.
Warfield, Calvin and Augustine , Samuel G. Craig (ed.), Philadelphia: Presbyterian and
Reformed, 1980, p. 204. Para um panorama extremamente minuciosos do chamado caso de
Caroli, ver Karl Barth, The Theology of John Calvin . (Trad.) Geoffrey W. Bromiley (Grand
Rapids: Eerdmans, 1995). p. 309-45. Para o decorrer do caso, ver também Warfield,
Calvin’s Doctrine of the Trinity , p. 204-12; Richard C. Gamble, Calvin’s Controversies .
In: Donald K. McKim (Org.). The Cambridge Companion to John Calvin (Cambridge:
Cambridge University Press, 2004). p. 199; Gordon, Calvin , p. 72-75.
[ 13 ] Guillaume Farel. Sommaire et br è ve declaration . (Org. e Trad.) Arthur-
L. Hofer Neuchâ tel (Switzerland: É ditions “Belle Rivière”, 1980). p. 13-14.
[ 14 ] Joã o Calvino. Institutes (1536). p. 45. Para a rejeiçã o do arianismo, ver
Calvino, Institutes . p. 47-48.
[ 15 ] Barth. Theology of John Calvin . p. 317-18.
[ 16 ] Calvino escrevendo para Kaspar Megander, fev. 1537. In: Tracts and Letters .
4:49.
[ 17 ] Pro G. Farello et collegis eius adversus Petri Caroli calumnias defensio Nicolai
Gallasii . In: CO , 7:315-16, tradução do autor.
[ 18 ] A. Mitchell Hunter. The Teaching of Calvin: A Modern Interpretation . 2. ed.
(London: James Clarke, 1950). p. 42-43; Bernard Cottret. Calvin: A Biography . (Trad.) M.
Wallace McDonald (Grand Rapids: Eerdmans/Edinburgh: T&T Clark, 2000). p. 124-26.
[ 19 ] Warfield. Calvin’s Doctrine of the Trinity . p. 207-11; Hunter, Teaching of
Calvin . p. 45-48.
[ 20 ] Pro G. Farello… defensio ... In: CO , 7:312, traduçã o do autor.
[ 21 ] Barth. Theology of John Calvin. p. 324-25.
[ 22 ] Hunter. Teaching of Calvin . p. 41; Stephen M. Reynolds. Calvin’s View of the
Athanasian and Nicene Creeds . Westminster Theological Journal, 1960-1961, vol. 23. p.
33-37.
[ 23 ] Arie Baars. The Trinity . Gerrit W. Sheeres (Trad.). In: Herman J. Selderhuis
(Org.). The Calvin Handbook (Grand Rapids: Eerdmans, 2009). p. 246.
[ 24 ] Paul Helm. Calvin: A Guide for the Perplexed (London: T&T Clark, 2008). p.
44.
[ 25 ] Baars. The Trinity . p. 245-46; Helm, Calvin: A Guide . p. 41-44.
[ 26 ] Helm. Calvin: A Guide . p. 44-45.
[ 27 ] Sobre Gribaldi, ver James T. Dennison Jr. et al. Trinitarian Confession of the
Italian Church of Geneva (1558) , Kerux, maio. 2006, vol. 21, n. 1, p. 3-4 e 4n4;
Dictionary of Unitarian e Universalist Biography , Matteo Gribaldi, de Peter Hughes,
http://uudb.org/articles/matteogribaldi.html.
[ 28 ] Dennison Jr. et al. Trinitarian Confession of the Italian Church . 4n4.
[ 29 ] Sobre Biandrata, ver Joseph N. Tylenda. The Warning That Went Unheeded:
John Calvin on Giorgio Biandrata . Calvin Theological Journal, abr.-nov. 1977, vol. 12. p.
24-62; Dictionary of Unitarian e Universalist Biography , George Biandrata, de Charles A.
Howe e Peter Hughes, http://uudb.org/articles/giorgiobiandrata.html.
[ 30 ] Tylenda, Warning That Went Unheeded . p. 52-53.
[ 31 ] Impietas Valentini Gentilis detecta et palam traducta, qui Christum non sine
sacrilega blasphemia Deum essentiatum esse fingit (1561). In: CO , 9:374.
[ 32 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religiã o Cristã . I.13.23-26. Veja também Thomas
F. Torrance, Calvin’s Doctrine of the Trinity , Calvin Theological Journal , nov. 1990,
vol. 25, n. 2. p. 180-81; Robert Letham. The Holy Trinity in Scripture, History, Theology, and
Worship (Phillipsburg, N.J.: P&R, 2004). p. 256; Baars, The Trinity . p. 250.
[ 33 ] Veja, por exemplo, João Calvino, Ad quaestiones Georgii Blandratae responsum
(1558). In: CO , 9:321-32; Confession of Faith Set Forth in the Italian Church of Geneva
May 18, 1558 . In: Dennison Jr. et al. Trinitarian Confession of the Italian Church . p. 6-
10; Calvino, Impietas Valentini Gentilis . In: CO , 9:361-420.
[ 34 ] Calvino. Ad quaestiones Georgii Blandratae responsum (1558). In: CO .
9:327-29.
[ 35 ] Calvino. Ad quaestiones Georgii Blandratae responsum (1558). In: CO .
9:328. Tradução em inglês. Tylenda, Warning That Went Unheeded . p. 58.
[ 36 ] Calvino, Ad quaestiones Georgii Blandratae responsum (1558) . In: CO ,
9:331.
[ 37 ] Calvino, Ad quaestiones Georgii Blandratae responsum (1558) . In: CO .
9:331-32. Tradução em inglês. Tylenda, Warning That Went Unheeded . p. 61-62.
[ 38 ] Confession of Faith Set Forth in the Italian Church of Geneva May 18, 1558 . In:
Dennison Jr. et al. Trinitarian Confession of the Italian Church . p. 9.
[ 39 ] Confession of Faith Set Forth in the Italian Church of Geneva May 18, 1558 . In:
Dennison Jr. et al. Trinitarian Confession of the Italian Church . p. 8.
[ 40 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.23-25.
[ 41 ] Joã o Calvino. Impietas Valentini Gentilis . In: CO , 9:394-96.
[ 42 ] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã . I.13.27-28.
[ 43 ] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã . I.13.29.
[ 44 ] Baars. The Trinity . p. 247. A expressã o no subtítulo vem de Baars.
[ 45 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Colossenses. 1.15.
[ 46 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Colossenses. 1.15.
[ 47 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Hebreus. 1.2.
[ 48 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Hebreus. 1.3.
[ 49 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Hebreus. 1:3.
[ 50 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Mateus. 28.19.
[ 51 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Isaías. 6.
[ 52 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Isaías. 6.2.
[ 53 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religiã o Cristã . I.13.17.
 
CAPÍTULO 4
[ 1 ] Ver John Patrick Donnelly, Calvinism and Scholasticism in Vermigli’s Doctrine of
Man and Grace (Leiden: Brill, 1976). p. 124-37.
[ 2 ] CR , 34:225-404, primeiramente traduzido para o inglês como The Bondage
and Liberation of the Will: A Defense of the Orthodox Doctrine of Human Choice against
Pighius . A. N. S. Lane (Org.), G. I. Davies (Trad.) (Grand Rapids: Baker, 1996).
[ 3 ] CR , 36:249-366; as traduçõ es em inglês incluem The Eternal Predestination
of God . In: Calvin’s Calvinism . (Trad.) Henry Cole  (London: Sovereign Grace Union,
1927), e a de Reid (Calvin, Predestination ).
[ 4 ] Donnelly. Calvinism and Scholasticism . p. 137. Para a refutaçã o de Calvino
feita contra Pighius acerca da reprovaçã o, ver CR , 36:313-18 (Calvino, Predestination
. p. 120-25). Para um resumo do pensamento de Pighius sobre o livre arbítrio, presciência e
predestinaçã o, ver A. P. Linsenmann, Albertus Pighius und sein theologischer Standpunkt
, Theologische Quartalschrift , 1866, vol. 48. p. 629-44
[ 5 ] John S. Bray. Theodore Beza’s Doctrine of Predestination (Nieuwkoop: B.
DeGraaf, 1975). p. 67-68.
[ 6 ] Ver Theodore Beza. Life of Calvin . In: Tracts and Letters . 1:57-58, 69-70;
Williston Walker. John Calvin: The Organizer of Reformed Protestantism (reimp. New
York: G. Putnam’s Sons, 1969). p. 315-20, 346-47.
[ 7 ] CR . 36:149, 157, 161, 179-80.
[ 8 ] CR. 42:171-72.
[ 9 ] CR . 37:713-14.
[ 10 ] Citado em Walker, John Calvin , p. 321.
[ 11 ] Response a certained calomnies et blasphemes dont quelques malins sefforcent
de rendre la doctrine de la predestination de Dieu odieuse , 1557. In: CR , 58:199-206;
Brevis responsio ad diluenda nebulonis cuiusdam calumnias quibus doctrinam de aeterna Dei
praedestinatione foedare conatus est , 1557. In: CR , 37:253-66; Calumniae nebulonis
cuiusdam, quibis odio et invidia gravare conatus est doctrinam de occulta Dei providentia,
1558. In: CR , 37:269-318. Ver H. M. Stuckelberger. Calvin und Castellio . Zwingliana,
1939, vol. 7. p. 114-19.
[ 12 ] João Calvino, Congregation on Eternal Election . In: CR , 36:111.
[ 13 ] CR . 51:277.
[ 14 ] Joã o Calvino. Predestination . p. 121.
[ 15 ] CR . 36:96.
[ 16 ] CR. 33:724
[ 17 ] CR. 36:95.
[ 18 ] Joã o Calvino. Predestination . p. 158-62.
[ 19 ] CR . 58:40.
[ 20 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . II.5.3.
[ 21 ] Joã o Calvino. Predestination . p. 122-23.
[ 22 ] Para um desenvolvimento cronoló gico/histó rico da doutrina da reprovaçã o de
Calvino, ver Joel R. Beeke, Debated Issues in Sovereign Predestination: Early Lutheran
Predestination, Calvinian Reprobation, and Variations in Genevan Lapsarianism . Herman
J. Selderhuis (Org.). Reformed Historical Theology, vol. 42 (Gö ttingen, Germany:
Vandenhoeck & Ruprecht, 2017). p. 83-163.
[ 23 ] Calvino. The Eternal Predestination of God . In: Calvin’s Calvinism . p. 32.
[ 24 ] Calvino. The Eternal Predestination of God . p. 92-93.
[ 25 ] Calvino. The Eternal Predestination of God . p. 125.
[ 26 ] Calvino. The Eternal Predestination of God . p. 91; ver Comentá rio em
Romanos. 9.11, 11.7; CR . 36:346.
[ 27 ] “O termo permissão nã o deve ser confundido com a expressã o decreto
permissivo , usada por alguns teó logos reformados. O decreto permissivo diz respeito ao
decreto de Deus e sua vontade. Calvino contemplava uma distinçã o entre a vontade e
permissão ”. Fred Klooster. Calvin’s Doctrine of Predestination (Grand Rapids: Baker,
1967). p. 67.
[ 28 ] Joã o Calvino. Predestination . p. 59-61.
[ 29 ] Calvino. Predestination . p. 123-28.
[ 30 ] Calvino. Predestination . p. 100.
[ 31 ] Calvino é irrefutavelmente claro ao explanar que nem o pecado nem a
presciência sã o a causa ú ltima, tanto da eleiçã o quanto da reprovaçã o; toda causa ú ltima
deve ser a vontade divina (cf. Joã o Calvino, As Institutas da Religião Cristã , III.22.11;
III.23.1, 2, 5, 8, 13-14; Comentá rio em Romanos, 9.14, 18, 22.
[ 32 ] Klooster. Calvin’s Doctrine of Predestination . p. 76-77.
[ 33 ] Joã o Calvino. Predestination . p. 125.
[ 34 ] Ver John Murray. Calvin on Scripture and Divine Sovereignty (Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1960). p. 55-71. Mais tarde a teologia reformada extrairia mais
das implicaçõ es de Calvino ao desenvolver a distinçã o formal na terminologia de
reprovação negativa e positiva — esta caracterizando o ato de Deus como da natureza
de uma praeteritio (preteriçã o, ou passar por cima) ou uma indebitae gratiae negatio
(a negaçã o da graça, imerecida); esta como praedamnatio (pré-condenaçã o) ou
debitae poenae destinatio (pré-ordenaçã o da puniçã o meritó ria). Herman Bavinck. The
Doctrine of God . (Trad.) William Hendriksen (Grand Rapids: Eerdmans, 1951). p. 398,
403.
[ 35 ] Nesse sentido, à s vezes Calvino prefere rotular causas imediatas e remotas
como, respectivamente, causas evidentes e ocultas, a fim de incentivar esse sentimento de
culpa no coraçã o: “Eu ensino que um homem deve procurar a causa de sua condenaçã o em
sua natureza corrupta, e nã o na predestinaçã o de Deus [...] Declaro expressamente que
existem duas causas: uma secreta, no eterno conselho de Deus, e a outra evidente no
pecado do homem [...] Aqui, entã o, está o â mago da questã o: assevero que todos os
réprobos serã o condenados pelo veredicto de sua pró pria consciência e que, portanto, sua
condenaçã o é justa, e que, negligenciando o que é claramente evidente, eles erram ao
entrar no conselho secreto de Deus, que para nó s é inacessível”. CR , 42:379.
[ 36 ] Murray. Calvin on Scripture and Divine Sovereignty . p. 62.
[ 37 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.22.7; III.23.3, 8; III.24.12;
CR , 36:266, 270, 298, 313-14.
[ 38 ] Klooster. Calvin’s Doctrine of Predestination . p. 51-52.
[ 39 ] Joã o Calvino. Predestination . p. 35.
[ 40 ] Murray. Calvin on Scripture and Divine Sovereignty . p. 60-61.
[ 41 ] Klooster. Calvin’s Doctrine of Predestination . p. 77-79.
[ 42 ] J. V. Fesko. Diversity within the Reformed Tradition: Supra- and
Infralapsarianism in Calvin, Dort, and Westminster (Greenville, S.C.: Reformed Academic
Press, 2001). p. 97.
[ 43 ] Murray. Calvin on Scripture and Divine Sovereignty . p. 63-64.
[ 44 ] Cornelius Van Til. The Theology of James Daane (Philadelphia: Presbyterian
and Reformed, 1959). p. 52.
[ 45 ] Joã o Calvino. Predestination . p. 124.
[ 46 ] João Calvino. The Eternal Predestination of God . In: Calvin’s Calvinism . p.
70.
[ 47 ] William Cunningham. Reformers and Theology of the Reformation (reimp.
London: Banner of Truth Trust, 1969).
[ 48 ] E.g., Heinz Otten, Calvins theologische Anschauung von der Pradestination
(Munich Kaiser, 1938). p. 90, 132-35.
[ 49 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.23.2, 7, 8; CR , 36:315;
37:263.
[ 50 ]O lugar da predestinaçã o na teologia de Calvino tem sido uma questã o
muito disputada. Mais ú til aqui é Richard Muller, Predestination and Christology in
Sixteenth Century Reformed Theology . PhD diss., Duke University, 1976. p. 3-6, 19, 30-31,
47-49, 51-52, 72, 76.
[ 51 ] Muller. Predestination and Christology . p. 436-37.
[ 52 ] CR . 36:261; David Neeld Wiley. Calvin’s Doctrine of Predestination: His
Principal Soteriological and Polemical Doctrine . PhD diss., Duke University, 1971. p. 172.
[ 53 ] Wiley. Calvin’s Doctrine of Predestination . p. 172.
 
CAPÍTULO 5
[ 1 ] Veja, para exemplo, Willem van ’t Spijker, The Doctrine of the Holy Spirit in Bucer
and Calvin , artigo apresentado no International Congress on Calvin Research , 1986. p.
1.
[ 2 ] Benjamin B. Warfield. John Calvin the Theologian , in: Calvin and Augustine
. Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1956. p. 484-85.
[ 3 ] Maurice B. Schepers. The Interior Testimony of the Holy Spirit: A Critique of
Calvinist Doctrine . The Thomist, 1965, vol. 29. p. 140-76, 295-321, 420-54; J. K. Parratt.
The Witness of the Holy Spirit: Calvin, the Puritans and St. Paul , Evangelical Quarterly ,
1969, vol. 41. p. 161-68; M. Eugene Osterhaven. John Calvin: Order and the Holy Spirit .
Reformed Review, 1978, vol. 32. p. 23-44; Anthony Lane, John Calvin: The Witness of the
Spirit . In: Faith and Ferment (London: Westminster Conference Papers, 1982). p. 1-
17; Michael A. Eaton. John Calvin and the Witness of the Spirit . In: Baptism with the
Spirit: The Teaching of Dr. David Martyn Lloyd- Jones (Leicester, England: InterVarsity,
1989). p. 41-59; I. John Hesselink. Calvin, Theologian of the Holy Spirit . In: Calvin’s
First Catechism: A Commentary (Louisville: Westminster, 1997). p. 177-87, 230-33; I. John
Hesselink. Calvin, the Theologian of the Holy Spirit . In: Calvin in Asia Churches (Seoul:
Korean Calvin Society, 2002). p. 113-28; Stanley M. Burgess. John Calvin (1509-1564) .
In: The Holy Spirit: Medieval Roman Catholic and Reformation Traditions (Peabody,
Mass.: Hendrickson, 1997). p. 161-71; Eifion Evans. John Calvin: Theologian of the Holy
Spirit . Reformation & Revival, 2001, vol. 10, n. 4. p. 83-104; Howard Griffith. The First
Title of the Spirit: Adoption in Calvin’s Soteriology . Evangelical Quarterly, 2001, vol. 73, n.
2. p. 135-53; Adrian A. Helleman. John Calvin on the Procession of the Holy Spirit . One in
Christ, 2002, vol. 37, n. 4. p. 21-36; Paul Chung. Calvin and the Holy Spirit: A
Reconsideration in Light of Spirituality and Social Ethics . Pneuma, 2002, vol. 24, n.1. p. 40-
55; Julie Canlis. Calvin, Osiander and Participation in God . International Journal of
Systematic Theology, 2004, vol. 6, n. 2. p. 169-84; Yang-en Cheng. Calvin on the Work of
the Spirit and Spiritual Gifts . Taiwan Journal of Theology, 2005, vol. 27. p. 173-206.
[ 4 ] As duas obras estrangeiras mais importantes estã o em holandês e alemã o,
respectivamente: Simon van der Linde, De Leer van den Heiligen Geest (Wageningen: H.
Veenman & Zonen, 1943); e Werner Krusche, Das Wirken des Heiligen Geistes nach Calvin
(Gö ttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1957). Ambos sã o extremamente polêmicos — van
der Linde em oposiçã o ao barthianismo e Krusche desafiando Emil Brunner e seus
seguidores.
[ 5 ] Jack La-Vere Zerwas. The Holy Spirit in Calvin . S.T.M. thesis, Union
Theological Seminary, 1947; Jean Abel. The Ethical Implications of the Doctrine of the Holy
Spirit in John Calvin . PhD diss., Union Theological Seminary, Richmond, 1948; Margaret
Virginia Cubine. John Calvin’s Doctrine of the Work of the Holy Spirit Examined in the Light
of Some Contemporary Theories of Interpersonal Psychotherapy . PhD diss., Northwestern
University, 1955; Henry O’Brien. The Holy Spirit in the Catechetical Writings of John Calvin
. PhD diss., Pontificia Universitas Gregoriana, Facultas Theologiae, Rome, 1991.
[ 6 ] Veja Gwyn Walters, The Sovereign Spirit: The Doctrine of the Holy Spirit in the
Writings of John Calvin . Eifon Evans, Lynn Quigley (Org.). Rutherford Studies in Historical
Theology (Edinburgh: Rutherford House, 2009). Veja também os trabalhos publicados do
sexto coló quio da North American Calvin Studies Society: Calvin and the Holy Spirit .
Peter De Klerk (Org.) (Grand Rapids: Calvin Study Society, 1989). Os ensaios incluem Jelle
Faber, The Saving Work of the Holy Spirit in Calvin ; John Bolt. Spiritus Creator: The Use
and Abuse of Calvin’s Cosmic Pneumatology ; Willem van ’t Spijker. Extra nos and in nobis
by Calvin in a Pneumatological Light ; Richard Gamble. Word and Spirit in Calvin ; Brian
Armstrong. The Role of the Holy Spirit in Calvin’s Teaching on the Ministry ; Leonard
Sweetman Jr. What Is the Meaning of These Gifts?
[ 7 ] As Institutas oferecem apenas um breve capítulo diretamente sobre o Espírito
Santo (III.1).
[ 8 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.14.
[ 9 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.6.
[ 10 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.6.
[ 11 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.17.
[ 12 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.17.
[ 13 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.18.
[ 14 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.18.
[ 15 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.5.
[ 16 ] Hesselink, Catechism (1538) , seç. 20, citado em Hesselink, Calvin,
Theologian of the Holy Spirit . In: Calvin’s First Catechism . p. 179.
[ 17 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.13.14.
[ 18 ] Hesselink. Calvin, Theologian of the Holy Spirit . In: Calvin’s First Catechism
. p. 179.
[ 19 ] Warfield. Calvin and Augustine . p. 195.
[ 20 ] Van ’t Spijker. Doctrine of the Holy Spirit in Bucer and Calvin . p. 3-4; ver Joã o
Calvino, As Institutas da Religiã o Cristã , I.13.14.
[ 21 ] Ao contrá rio do que John T. McNeill diz, eu acredito que Calvino frequentemente
usava os termos “Palavra de Deus”, “a Bíblia” e “Escritura” como termos conversíveis;
portanto, eu assim os uso nesta seçã o do capítulo, sem entrar neste complexo debate. Basta
dizer que Calvino por vezes fala de Jesus Cristo, por vezes da pregaçã o como “a Palavra de
Deus”, mas esses usos nã o serã o empregados neste capítulo. Para uma amostra de vá rias
visõ es a respeito, consulte Gamble, Word and Spirit in Calvin , p. 75-77. Para Calvino
sobre a inspiraçã o das Escrituras, consulte o capítulo 3 deste livro; Walters, The Sovereign
Spirit , p. 24-34; e I. John Hesselink, The Holy Spirit in Calvin’s Doctrine of Scripture
(Seoul: Kosin University, 2007). Para Calvino sobre a inerrâ ncia, veja Frederick S. Leahy,
Calvin and the Inerrancy of Scripture , Reformed Theological Journal, 2001, vol. 17. p. 44-
56.
[ 22 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. I.7.4.
[ 23 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.8.
[ 24 ] Robert L. Reymond. Calvin’s Doctrine of Holy Scripture . In: A Theological
Guide to Calvin’s Institutes: Essays and Analysis . (Org.) David W. Hall, Peter A. Lillback
(Phillipsburg, N.J.: P&R, 2008). p. 52-53.
[ 25 ] Reymond. Calvin’s Doctrine of Holy Scripture . In: A Theological Guide to
Calvin’s Institutes . p. 51.
[ 26 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. I.7.1-2.
[ 27 ] Thomas Henry Louis Parker. The Doctrine of the Knowledge of God: A Study in
the Theology of John Calvin (Grand Rapids: Eerdmans, 1959). p. 43-44.
[ 28 ] Ronald S. Wallace, Calvin’s Doctrine of the Word and Sacrament (Edinburgh:
Oliver and Boyd, 1953). p. 99. Ver Rupert Eric Davies, The Problem of Authority in the
Continental Reformers: A Study in Luther, Zwingli, and Calvin (London: Epworth Press,
1946).
[ 29 ] Forstman. Word and Spirit . p. 15.
[ 30 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. I.7.1-2.
[ 31 ] Louis Berkhof. Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1996). 1:185.
[ 32 ] Ver Douglas Schuurman, Calvin’s Doctrine of the Testimonium Spiritus Sancti
. Artigo para o Calvin’s Institutes, seminá rio conduzido por Ford Lewis Battles, Calvin
Theological Seminary, Grand Rapids, Michigan, 1978. p. 9-10.
[ 33 ] Hartmann Grisar. Luther . (Trad.) E. M. Lamond (London: Kegan Paul,
Trench, Trubner & Co., 1915). 4:391-92; S. M. Jackson, Huldreich Zwingli, The Reformer of
German Switzerland (New York: G. P. Putnam’s Sons, 1901). p. 42.
[ 34 ] Walters. The Sovereign Spirit . p. 41.
[ 35 ] Hesselink. Calvin’s First Catechism . p. 181-82.
[ 36 ] Hesselink. Calvin’s First Catechism . p. 182.
[ 37 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.7.2.
[ 38 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.7.1.
[ 39 ] John Murray. Calvin and the Authority of Scripture . In: Collected Writings of
John Murray (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1982). 4:183-84. Ver Derek Naves, The
Internal Witness of the Spirit in the Theology of John Calvin . Artigo não publicado, 2007. p.
7-9.
[ 40 ] Wallace. Calvin’s Doctrine of the Word and Sacrament . p. 101-102;  Jack
Rogers, Donald McKim. The Authority and Interpretation of the Bible: An Historical
Approach (San Francisco: Harper & Row, 1979). p. 104.
[ 41 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. I.7.5.
[ 42 ] Este pará grafo é um resumo dos pensamentos de Lane, John Calvin: The
Witness of the Holy Spirit. p. 4-5.
[ 43 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.9. Para as polêmicas de
Calvino contra a teologia do Espírito à parte da Palavra, esboçada por alguns anabatistas,
particularmente os espiritualistas, consulte William Klassen, Anabaptist Hermeneutics:
The Letter and the Spirit . The Mennonite Quarterly Review, 1966, vol. 40. p. 91; George
Hunston Williams. The Radical Reformation (Philadelphia: Westminster Press, 1962). p.
821-28; Willem Balke. Calvin and the Anabaptist Radicals (Grand Rapids: Eerdmans,
1981).
[ 44 ] I. John Hesselink. Calvin’s Theology . In: Donald K. McKim (Org.). The
Cambridge Companion to John Calvin (Cambridge: Cambridge University Press, 2004). p.
80.
[ 45 ] Hesselink. Calvin’s Theology. p. 81; Joã o Calvino, Comentá rio em Mateus.
6.10.
[ 46 ] Para ilustraçõ es desse ponto, veja I. John Hesselink, Governed and Guided by
the Spirit — a Key Issue in Calvin’s Doctrine of the Holy Spirit . In: Das Reformierte Erbe,
Festschrift für Gottfried W. Locher zu seinem 80 . Geburtstag, (Org.) H. A. Oberman, Ernst
Saxer, et al. (Zurich: Theologischer Verlag, 1992). p. 161-71.
[ 47 ] Lane, John Calvin: The Witness of the Holy Spirit . p. 5.
[ 48 ] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã . I.9.3.
[ 49 ] Bernard Ramm, The Witness of the Spirit (Grand Rapids: Eerdmans, 1960).
p. 12. Veja Schuurman, Calvin’s Doctrine of the Testimonium Spiritus Sancti . p. 2-7.
[ 50 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.8.13.
[ 51 ] Gamble. Word and Spirit in Calvin . p. 81-85.
[ 52 ] Ver Cheng, Calvin on the Work of the Holy Spirit and Spiritual Gifts . p. 175-76;
H. Jackson Forstman. Word and Spirit: Calvin’s Doctrine of Biblical Authority (Stanford,
Calif.: Stanford University Press, 1962). p. 66-85.
[ 53 ] Isto é claro no capítulo 6 da Confissã o de Fé Francesa de 1559, escrita por
Calvino e seu aluno Antoine de la Roche Chandieu. Philip Schaff (Org.), The Creeds of
Christendom (Grand Rapids: Baker, 1993). 3:356-82. Partes desta seçã o e da pró xima sã o
condensadas do meu capítulo sobre a piedade de Calvino em Cambridge Companion to
John Calvin , McKim (Org.), p. 125-52.
[ 54 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.1.2.
[ 55 ] Para um estudo das referências esparsas de Calvino à dupla procissã o do
Espírito, veja Helleman, John Calvin on the Procession of the Holy Spirit , p. 21-36.
[ 56 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Efésios. 3.17.
[ 57 ] David Willis-Watkins. The Unio Mystica and the Assurance of Faith According to
Calvin . In: Calvin Erbe und Auftrag: Festschrift für Wilhelm Heinrich Neuser zum 65 .
Geburtstag, (Org.) Willem van ’t Spijker (Kampen: Kok, 1991). p. 78.
[ 58 ] E.g., Charles Partee, Calvin’s Central Dogma Again . Sixteenth Century
Journal, 1987, vol. 18, n. 2. p. 194. Ver Otto Grü ndler, John Calvin: Ingrafting in Christ .
In: Rozanne Elder (Org.). The Spirituality of Western Christendom (Kalamazoo, Mich.:
Cistercian, 1976). p. 172-87; Brian G. Armstrong. The Nature and Structure of Calvin’s
Thought According to the Institutes: Another Look . In: John Calvin’s Magnum Opus
(Potchefstroom, South Africa: Institute for Reformational Studies, 1986). p. 55-82;
Guenther Haas. The Concept of Equity in Calvin’s Ethics (Waterloo, Ont.: Wilfred Laurier
University Press, 1997).
[ 59 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.9.
[ 60 ] Howard G. Hageman. Reformed Spirituality . In: Frank C. Senn (Org.).
Protestant Spiritual Traditions (New York: Paulist Press, 1986). p. 61.
[ 61 ] François Wendel. Calvin: The Origins and Development of His Religious
Thought . (Trad.) Philip Mairet (Grand Rapids: Baker, 1997). p. 238.
[ 62 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.1.1.
[ 63 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.24.
[ 64 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.1.1. Dennis Tamburello
ressalta que “que Calvino ao menos sete vezes fazer uso da palavra arcanus ou
incomprehensibilis para descrever a uniã o com Cristo” (II.12.7; III.11.5; IV. 17.1, 9, 31, 33;
IV. 19.35. Union with Christ: John Calvin and the Mysticism of St. Bernard (Louisville:
Westminster, 1994). p. 89, 144. Ver William Borden Evans. Imputation and Impartation:
The Problem of Union with Christ in Nineteenth-Century American Reformed Theology .
Dissertaçã o de PhD, Vanderbilt University, 1996. p. 6-68.
[ 65 ] Van’t Spijker. Extra nos and in nobis by Calvin in a Pneumatological Light . p.
39-62; Merwyn S. Johnson. Calvin’s Ethical Legacy . In: David Foxgrover (Org.). The
Legacy of John Calvin (Grand Rapids: Calvin Studies Society, 2000). p. 63-83.
[ 66 ] Joã o Calvino, As Institutas da Religião Cristã . IV.17.6; Comentá rio em Atos
15.9.
[ 67 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Efésios. 5.32.
[ 68 ] Van’t Spijker. Extra nos and in nobis by Calvin in a Pneumatological Light . p.
44-53.
[ 69 ] “Calvinus Vermilio”. (#2266, 8 ago. 1555). CO . 15:723-24.
[ 70 ] Calvino derrotou completamente a doutrina exposta por Osiander de uma
“justiça essencial” com Cristo, nas Institutas, III.11.5-12.
[ 71 ] Como citado em Wendel, Calvin: The Origins and Development of His Religious
Thought . p. 235.
[ 72 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios 6.15.
[ 73 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.2.39.
[ 74 ] Faber. Saving Work of the Holy Spirit in Calvin . p. 3.
[ 75 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.1.1.
[ 76 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.1.2.
[ 77 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.1.2.
[ 78 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.1.3.
[ 79 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.1.4.
[ 80 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.7.
[ 81 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.13.
[ 82 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.30-32.
[ 83 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Joã o 12.45; 8.19.
[ 84 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 15.9.
[ 85 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.1.
[ 86 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.7.
[ 87 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.1.
[ 88 ] Joã o Calvino. Sermons on Galatians . (Trad.) Kathy Childress (Edinburgh:
Banner of Truth Trust, 1997). 2:17-18.
[ 89 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 90 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 91 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 92 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.3.
[ 93 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.17.8.
[ 94 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.1; III.15.7.
[ 95 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.13.1.
[ 96 ] Richard B. Gaffin Jr. Justification and Union with Christ . In: A Theological
Guide to Calvin’s Institutes . p. 257.
[ 97 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. I.7.5; III.1.2.
[ 98 ] Como citado em Walters, The Sovereign Spirit . p. 106.
[ 99 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Joã o 17.17-19.
[ 100 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios 1.2.
[ 101 ] Walters. The Sovereign Spirit . p. 110.
[ 102 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Joã o. 4.13.
[ 103 ] Walters. The Sovereign Spirit . p. 112.
[ 104 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.6.
[ 105 ] Joã o Calvino. Sermons on Galatians . (Trad.) Kathy Childress (Edinburgh:
Banner of Truth Trust, 1997). 2.17-18.
[ 106 ] Gaffin. Justification and Union with Christ . p. 268.
[ 107 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Romanos. 6.2.
[ 108 ] Grande parte desta seçã o está condensada em meu tratamento mais completo
acerca da segurança em Calvino, The Quest for Full Assurance: The Legacy of Calvin and
His Successors (Edinburgh: Banner of Truth, 1999). p. 36-72.
[ 109 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Romanos. 8:16. Ver também Joã o Calvino, As
Institutas da Religião Cristã . III.2, 11, 34, 41; Comentá rio em Joã o. 7.37-39; Atos. 2.4; 3.8;
5.32; 13.48; 16.14; 23.11; Romanos. 8.15-17; 1Coríntios. 2.10-13; Gá latas. 3.2, 4.6; Efésios.
1.13-14, 4.30; Calvino, Tracts and Letters . 3:253-54; e Parratt, Witness of the Holy
Spirit . p. 161-68.
[ 110 ] Joel R. Beeke, Heirs with Christ (Grand Rapids: Reformation Heritage
Books, 2008). p. 5-6. Para um estudo completo de Calvino sobre adoçã o, consulte Tim J. R.
Trumper, An Historical Study of the Doctrine of Adoption in the Calvinistic Tradition . PhD
diss., University of Edinburgh, 2001, p. 38-214. Veja também Griffith, First Title of the
Spirit , p. 135-53.
[ 111 ] Walters. The Sovereign Spirit . p. 93.
[ 112 ] Walters. The Sovereign Spirit . p. 95.
[ 113 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Romanos. 5.5; 8.33; 1Coríntios. 2.12; As
Institutas da Religião Cristã . III.1.3; III.2.11.
[ 114 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.34.
[ 115 ] Cornelis Graafland, ‘Waarheid in het Binnenste’: Geloofszekerheid bij Calvijn
en de Nadere Reformatie . In: Een Vaste Burcht . (Org.) K. Exalto (Kampen: Kok, 1989). p.
58-60. Para mais sobre o selo do Espírito, veja Johannes DeBoer, De Verzegeling met de
Heilige Geest volgens de opvatting van de Nadere Reformatie (Rotterdam: Brunder, 1968).
[ 116 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.11.
[ 117 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.41.
[ 118 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.4, 1; 2:6, 4, 19.
[ 119 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.41.
[ 120 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.11.
[ 121 ] “Poucos estudiosos estã o dispostos a reconhecer a natureza intensamente
experimental da doutrina da fé de Calvino”. M. Charles Bell, Calvin and Scottish Theology:
The Doctrine of Assurance (Edinburgh: Handsel Press, 1985). p. 20.
[ 122 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.1.1; ver Randall C. Zachman,
The Assurance of Faith: Conscience in the Theology of Martin Luther and John Calvin
(Minneapolis: Fortress, 1993). p. 198-203.
[ 123 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.24.4.
[ 124 ] Paul Helm. Calvin and the Calvinists (Edinburgh: Banner of Truth Trust,
1982). p. 28.
[ 125 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.35.
[ 126 ] Stanley M. Burgess. The Holy Spirit: Medieval Roman Catholic and
Reformation Traditions (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1997). p. 166; para estudos de
Calvino e dons espirituais nã o citados aqui, ver Cheng, Calvin on the Work of the Spirit and
Spiritual Gifts , p. 195-204; P. F. Jensen, Calvin, Charismatics and Miracles . Evangelical
Quarterly, 1979, vol. 51. p. 131-44; e Paul Elbert, Calvin and the Spiritual Gifts , Journal
of the Evangelical Theological Society, set. 1979, vol. 22, n. 3. p. 235-56. Agradecemos a
Derek Naves pela assistência nesta seçã o.
[ 127 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . II.2.15; 1.11.8-16.
[ 128 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.8.
[ 129 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.8.
[ 130 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.9.
[ 131 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.9.
[ 132 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.10.
[ 133 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.10.
[ 134 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.10.
[ 135 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Coríntios. 12.10.
[ 136 ] Sweetman. What Is the Meaning of These Gifts? . p. 120.
[ 137 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 10.44.
[ 138 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 10.46.
[ 139 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.19.18.
[ 140 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 10.46.
[ 141 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Tessalonicenses. 1.2.
[ 142 ] Walters. The Sovereign Spirit . p. 233.
[ 143 ] I. John Hesselink, The Spirit of God the Creator in Calvin’s Theology . In:
Sola Gratia: Bron voor de Reformatie en uitdaging voor nu . (Org.) A. van de Beek, W. M. van
Laar (Zoetermeer, the Netherlands: Boekencentrum, 2004). p. 53-69; Bolt, Spiritus Creator
. p. 17-34; Joseph A. Pipa Jr. Creation and Providence . In: A Theological Guide to Calvin’s
Institutes . p. 123-50.
[ 144 ] John H. Leith. John Calvin’s Doctrine of the Christian Life . (Louisville:
Westminster, 1989); I. John Hesselink. Calvin, the Theologian of the Holy Spirit—the Holy
Spirit and the Christian Life, in Calvin in Asian Churches . p. 113-27; Chung. Calvin and the
Holy Spirit . p. 40-55; Guenther H. Haas. Calvin’s Ethics . In: Cambridge Companion to
John Calvin . p. 93-105; David Clyde Jones. The Law and the Spirit of Christ . In: A
Theological Guide to Calvin’s Institutes . p. 301-19; William Edgar. Ethics: The Christian
Life and Good Works According to Calvin . In: A Theological Guide to Calvin’s Institutes .
p. 320-46. Para Calvino sobre o trabalho do Espírito na oração, veja Don Garlington, Calvin’s
Doctrine of Prayer: An Examination of Book 3, Chapter 20 of the Institutes of the Christian
Religion . The Baptist Review of Theology, 1991, vol. 1, n. 1. p. 21-36; Robert Douglas Loggie.
Chief Exercise of Faith—An Exposition of Calvin’s Doctrine of Prayer . The Hartford
Quarterly, 1964, vol. 5. p. 65-81; Jae Sung Kim. Prayer in Calvin’s Soteriology . In: Herman
J. Selderhuis (Org.). Calvinus Praeceptor Ecclesiae (Geneva: Droz, 2004). p. 265-74;
Stephen Matteucci. A Strong Tower for Weary People: Calvin’s Teaching on Prayer . The
Founders Journal, 2007, vol. 69. p. 19-24; David B. Calhoun. Prayer: ‘The Chief Exercise of
Faith ’. In: A Theological Guide to Calvin’s Institutes . p. 347-67; Joel R. Beeke. The
Communion of Men with God . In: Burk Parsons (Org.). John Calvin: A Heart for Devotion,
Doctrine, and Doxology (Lake Mary, Fla.: Reformation Trust, 2008).
[ 145 ] Hughes Oliphant Old. Calvin’s Theology of Worship . In: Philip Graham Ryken
et al. (Org.). Give Praise to God: A Vision for Reforming Worship (Phillipsburg, N.J.: P&R,
2003). p. 412-35; Peter Ward. Coming to Sermon: The Practice of Doctrine in the Preaching
of John Calvin . Scottish Journal of Theology, 2005, vol. 58, n. 3. p. 319-32; I. John Hesselink.
The Role of the Holy Spirit in Calvin’s Doctrine of the Sacraments . In: D. François Tolmie
(Org.). Essentialia et Hodierna: oblate P. C. Potgieter; Acta Theologica Supplementum
(Bloemfontein: Universiteit van die Oranje-Vrystaat, 2002). p. 66-88; Jill Raitt. Three Inter-
Related Principles in Calvin’s Unique Doctrine of Infant Baptism , Sixteenth Century Journal,
1980, vol. 11, no. 1. p. 51-62; John W. Riggs. Baptism in the Reformed Tradition (Louisville:
Westminster, 2002); Wallace. Calvin’s Doctrine of the Word and Sacrament; Kilian
McDonnell. John Calvin, the Church, and the Eucharist (Princeton: Princeton University
Press, 1967); Brian A. Gerrish. Grace and Gratitude: The Eucharistic Theology of John Calvin
(Minneapolis: Fortress, 1993); Thomas J. Davis. The Clearest Promises of God: The
Development of Calvin’s Eucharistic Teaching (New York: AMS, 1995); Keith Mathison.
Given for You: Reclaiming Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper (Phillipsburg, N.J.: P&R,
2002); W. Robert Godfrey. Calvin, Worship, and the Sacraments . In: A Theological Guide
to Calvin’s Institutes . p. 368-89; Walters. The Sovereign Spirit . p. 146-75; Osterhaven.
John Calvin . p. 23-44.
[ 146 ] Dawn DeVries. Calvin’s Preaching . In: McKim (Org.). Cambridge
Companion to John Calvin . p. 106-24; Brian G. Armstrong. Role of the Holy Spirit in
Calvin’s Teaching on the Ministry . p. 99-116.
 
CAPÍTULO 6
[ 1 ] Joã o Calvino. The Institutes of the Christian Religion . (Trad.) Henry Beveridge
(Edinburgh: Calvin Translation Society, 1845-1846).
http://www.ccel.org/ccel/calvin/institutes.txt.
[ 2 ] Este capítulo é uma versã o ligeiramente revisada de um ensaio publicado
anteriormente que é usado com permissã o. Veja David W. Hall, Explicit and Implicit
Appendixes to Calvin’s View of Justification by Faith . In: Michael Parsons (Org.). Since
We Are Justified by Faith: Justification in the Theologies of the Protestant Reformation .
Studies in Christian History and Thought (Milton Keynes, Bucks: Paternoster, 2012). cap. 8.
[ 3 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 4 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 5 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.1.
[ 6 ] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã . III.11.1.
[ 7 ] Entre as discussões recentes de Calvino sobre justificação estão as seguintes: Mark
A. Garcia. Life in Christ: The Function of Union with Christ in the Unio-Duplex Gratia
Structure of Calvin’s Soteriology with Special Reference to the Relationship of Justification
and Sanctification in Sixteenth-Century Context . PhD diss., University of Edinburgh, 2004;
Mark A. Garcia. Life in Christ: Union with Christ and Twofold Grace in Calvin’s Theology
(Milton Keynes: Paternoster, 2008); A. N. S. Lane, Justification by Faith in
Catholic−Protestant Dialogue (New York: T&T Clark, 2002); J. Todd Billings. Calvin,
Participation, and the Gift: The Activity of Believers in Union with Christ, Changing Paradigms
in Historical and Systematic Theology (New York: Oxford University Press, 2008); Michael
Horton. Covenant and Salvation: Union with Christ (Louisville: Westminster, 2007); Dennis
E. Tamburello, Union with Christ: John Calvin and the Mysticism of St. Bernard (Louisville:
Westminster, 1996).
[ 8 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 9 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.3.
[ 10 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.5.
[ 11 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.10.
[ 12 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.11.
[ 13 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 14 ] Bruce McCormack. Union with Christ in Calvin’s Theology: Grounds for a
Divinization Theory? In: David W. Hall (Org.). Tributes to John Calvin: A Celebration of His
Quincentenary (Phillipsburg, N.J.: P&R, 2010). p. 517. Veja também Bruce McCormack,
Justification in Perspective: Historical Developments and Contemporary Challenges (Grand
Rapids: Baker, 2006); Bruce McCormack. What’s at Stake in Current Debates over
Justification: The Crisis of Protestantism in the West . In: Mark Husbands, Daniel J. Treier
(Org.). Justification: What’s at Stake in the Current Debates (Downers Grove, Ill.:
InterVarsity, 2004).
[ 15 ] McCormack. Union with Christ in Calvin’s Theology . p. 517.
[ 16 ] McCormack. Union with Christ in Calvin’s Theology . p. 518.
[ 17 ] McCormack. McCormack, Union with Christ in Calvin’s Theology . p. 518-19.
[ 18 ] Cornelis P. Venema. Union with Christ, the ‘Twofold Grace of God,’ and the ‘Order
of Salvation’ in Calvin’s Theology . In: Joel R. Beeke (Org.). Calvin for Today (Grand
Rapids: Reformation Heritage Books, 2010). p. 93.
[ 19 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.11.11.
[ 20 ] Richard Gaffin. Justification and Union with Christ . In: A Theological Guide
to Calvin’s Institutes . p. 253-54.
[ 21 ] Venema. Union with Christ . p. 144-45.
[ 22 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.2.
[ 23 ] Venema. Union with Christ . p. 98. O capítulo de Venema também fornece um
resumo ú til do diá logo entre Thomas Wenger e Marcus Johnson. Entre outras coisas,
Venema deixa claro que a discussã o anterior sobre santificaçã o preceder a justificaçã o, em
Calvino, nã o deve desconsiderar como o reformador trata rotineiramente a santificaçã o na
posiçã o de efeito da, fruto da, ou apó s a justificaçã o (154). Além disso, nas Institutas III.3,
Calvino explica a ordem desses campos de estudo, e em III.11.1, quando fala da justificaçã o
como “a principal articulaçã o sobre a qual a religiã o se estrutura”, enquanto clama por uma
prioridade de compreensã o dada a ela, Calvino declara: “Ora, a nã o ser que, antes de tudo,
compreendamos o que o relacionamento com Deus e a natureza do julgamento sã o e como
se ligam a nó s, nã o teremos nenhum fundamento sobre o qual possamos estabelecer nossa
salvaçã o nem mesmo erigir a piedade para com Deus”.
[ 24 ] Venema. Union with Christ . p. 106.
[ 25 ] Gaffin. Justification and Union with Christ . p. 256. Gaffin também relata a
ampliaçã o e o posicionamento substanciais deste tó pico na segunda (e outras) ediçõ es das
Institutas de Calvino, mostrando a “expansã o quase quatro vezes maior das Institutas na
segunda ediçã o, de 1539”. Doravante (1543-45 e 1550-54), há um capítulo separado acerca
da justificaçã o (6 ou 10, dependendo da ediçã o), posicionado entre os capítulos sobre
arrependimento e a semelhança e diferença entre o Antigo e o Novo Testamento. Este
capítulo, com seu pró prio título, “Concernente à justificaçã o pela fé e pelos méritos das
obras”, é aproximadamente sete vezes maior que o de 1536 e consiste em 87 seçõ es
numeradas, sem legendas ou outras subdivisõ es internas. Gaffin teoriza que a cristalizaçã o
de Calvino sobre esse tó pico em sua ediçã o final foi, em parte, uma resposta ao Conselho de
Trento de 1547.
[ 26 ] Gaffin. Justification and Union with Christ . p. 263.
[ 27 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.11.
[ 28 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.12.
[ 29 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.9.15.
[ 30 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.19.15.
[ 31 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.19.1.
[ 32 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.19.1.
[ 33 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.19.4.
[ 34 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.19.7.
[ 35 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.19.9.
[ 36 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.19.13.
[ 37 ] Jae Sung Kim. Prayer in Calvin’s Soteriology . In: David W. Hall (Org.).
Tributes to John Calvin: A Celebration of His Quincentenary (Phillipsburg, N.J.: P&R, 2010).
p. 343-55.
[ 38 ] Kim. Prayer in Calvin’s Soteriology . p. 343-55.
[ 39 ] Kim. Prayer in Calvin’s Soteriology. p. 343-55.
[ 40 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.20.8.
[ 41 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.20.9.
[ 42 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.20.10.
[ 43 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.20.50.
[ 44 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.20.21.
[ 45 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.20.21.
[ 46 ] Kim. Prayer in Calvin’s Soteriology . p. 344.
[ 47 ] Kim. Prayer in Calvin’s Soteriology . p. 354.
[ 48 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.14.5.
[ 49 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.14.6.
[ 50 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.21.1.
[ 51 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.21.1.
[ 52 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.21.7.
[ 53 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.22.1.
[ 54 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . Ediçã o de 1536. p.184.
[ 55 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . Ediçã o de 1536. p. 185.
[ 56 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . Ediçã o de 1536. p. 189.
[ 57 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . Ediçã o de 1536. p. 189.
[ 58 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.1.
[ 59 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.6.
[ 60 ] Veja Heinrich Quistorp. Calvin’s Doctrine of Last Things (Eugene, Ore.: Wipf
and Stock, 2009). Veja também Jim Llewellyn Codling. Calvin: Ethics, Eschatology, and
Education (Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 2010); ou Hank Bowen. Calvin’s
Eschatological World and Life View . Reformed Herald, 2009, vol. 65, n. 8/9. p. 20-24.
[ 61 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.25.1.
[ 62 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Romanos. 8.30.
[ 63 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.16.
[ 64 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.11.16.
[ 65 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.12.2.
[ 66 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.12.1.
[ 67 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.12.6.
[ 68 ] Venema. Union with Christ . p. 111.
[ 69 ] Venema. Union with Christ . p. 113.
[ 70 ] Venema. Union with Christ . p. 113.
[ 71 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.13.1.
[ 72 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.13.2.
[ 73 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.13.4.
[ 74 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.13.5.
[ 75 ] Calvino viu uma distinçã o entre como Paulo usa o termo “justificaçã o” ( a
justiça imputada gratuitamente no tribunal de Deus ) e o que Tiago quer dizer com isso (“a
manifestaçã o da justiça pela conduta diante dos homens”). Joã o Calvino. Comentá rio em
Tiago. 2.21.
 
CAPÍTULO 7
[ 1 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religiã o Cristã . IV.3.3.
[ 2 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Isaías. 55.11.
[ 3 ] Joã o Calvino. Tracts and Letters . 1:173.
[ 4 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Mateus. 24.14.
[ 5 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Ezequiel. 1.3.
[ 6 ] Willem Balke. Het Pietisme in Oostfriesland. Theologia Reformata, 1978, vol.
21. p. 320–27.
[ 7 ] William Bouwsma. John Calvin: A Sixteenth-Century Portrait (New York:
Oxford University Press, 1988). p. 29.
[ 8 ] Leroy Nixon, John Calvin: Expository Preacher (Grand Rapids: Eerdmans,
1950). p. 65.
[ 9 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.24.12.
[ 10 ] Robert Burns. Introduçã o à obra Works of Thomas Halyburton (London:
Thomas Tegg, 1835). p. xiv–xv.
[ 11 ] Paul T. Fuhrmann. Calvin, Expositor of Scripture . Interpretation, abr. 1952,
vol. 6, n. 2. p. 191.
[ 12 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Joã o. 20.23.
[ 13 ] Joã o Calvino. The Mystery of Godliness (Grand Rapids: Eerdmans, 1950). p.
122.
[ 14 ] A. Mitchell Hunter. Calvin as a Preacher. Expository Times, set. 1919, vol. 30,
n. 12. p. 563.
[ 15 ] John H. Gerstner. Calvin’s Two-Voice Theory of Preaching. Reformed Review,
1959, vol. 13, n. 2. p. 22.
[ 16 ] Philip Vollmer. John Calvin: Theologian, Preacher, Educator, Statesman
(Richmond, Va.: Presbyterian Committee of Publication, 1909). p. 124; George Johnson,
Calvinism and Preaching . Evangelical Quarterly, jul. 1932, vol. 4, n. 3. p. 249.
[ 17 ] João Calvino. Mystery of Godliness. p. 55.
[ 18 ] Como citado em John C. Bowman, Calvin as a Preacher . Reformed Church
Review, 1909, vol. 56, p. 251–52, citado em Gerstner, Calvin’s Two-Voice Theory of
Preaching. p. 18.
[ 19 ] CR . 79:783, como citado em Gerstner, Calvin’s Two-Voice Theory of
Preaching . p. 20.
[ 20 ] T. H. L. Parker. The Oracles of God: An Introduction to the Preaching of John
Calvin (London: Lutterworth, 1947). p. 70-71.
[ 21 ] Gerstner. Calvin’s Two-Voice Theory of Preaching. p.  22.
[ 22 ] Lionel Greve. Freedom and Discipline in the Theology of John Calvin, William
Perkins, and John Wesley: An Examination of the Origin and Nature of Pietism . PhD diss.,
Hartford Seminary Foundation, 1976. p. 149.
[ 23 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.7.5.
[ 24 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.10.2.
[ 25 ] Willem Balke. The Word of God and Experientia according to Calvin . In: W. H.
Neuser (Org.). Calvinus Ecclesiae Doctor (Kampen: Kok, 1978). p. 22. Muito do que
escrevi neste e nos capítulos subsequentes sã o um resumo e refinamento dos esforços de
Balke em lidar com a compreensã o de Calvino acerca da experiência na vida do crente.
[ 26 ] Joã o Calvino. Comentá rio no livro de Salmos. Prefá cio, 1:xxxvii.
[ 27 ] CO . 31:424.
[ 28 ] CO. 31:103.
[ 29 ] Balke. Word of God and Experientia according to Calvin. p. 22.
[ 30 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.6.4.
[ 31 ] CO . 31, 344.
[ 32 ] CO. 31, 548.
[ 33 ] CO. 31, 525.
[ 34 ] CO. 31, 703; 32:194.
[ 35 ] Joã o Calvino, Comentá rio em Joã o 3.33; em Salmos 43.3. Ver K. Exalto, De
Zekerheid des Geloofs bij Calvijn (Apeldoorn: Willem de Zwijgerstichting, 1978). p. 24.
Edward Dowey dicotomiza erroneamente as Escrituras e a segurança quando afirma que o
centro da doutrina da fé de Calvino é a segurança, e nã o a autoridade das Escrituras. Para
Calvino, a separaçã o da Palavra de Deus da certeza é impensá vel. The Knowledge of God in
Calvin’s Theology (New York: Columbia University Press, 1965). p. 182.
[ 36 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Mateus. 8.13; Comentá rio em Joã o. 4.22.
[ 37 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Gênesis. 15.6; Lucas. 2.21.
[ 38 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.2.32; Comentá rio em
Romanos. 4.3, 18. Comentá rio em Hebreus. 11.7, 11.
[ 39 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.7 (ênfase adicionada).
[ 40 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.16; cf. III.2.42.
[ 41 ] Robert T. Kendall. Calvin and English Calvinism to 1649 (New York: Oxford
University Press, 1979). p. 19; cf. Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.6,
III.2.16, III.2.22.
[ 42 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.41; III.2.14.
[ 43 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 2.29; em 1Coríntios. 2.12.
[ 44 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 2Coríntios. 13.5.
[ 45 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.7; Comentá rio em Mateus.
8.25; em Lucas. 2.40.
[ 46 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.4; III.2.15.
[ 47 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Joã o. 20.3; ver Joã o Calvino, As Institutas da
Religião Cristã . III.2.12 (ênfase adicionada).
[ 48 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.17 (ênfase adicionada).
[ 49 ] Paul Helm. Calvin and the Calvinists (Edinburgh: Banner of Truth Trust,
1982). p. 26.
[ 50 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.15.
[ 51 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.7.5.
[ 52 ] Balke. The Word of God and Experientia according to Calvin . In: Calvinus
Ecclesiae Doctor . p. 25. Ver Charles Partee, Calvin and Experience , Scottish Journal of
Theology, 1973, vol. 26. p. 169-81; Balke. Word of God and Experientia according to Calvin
. p. 23-24.
[ 53 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . I.10.2.
[ 54 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.18.
[ 55 ] Ver C. A. Hall, With the Spirit’s Sword: The Drama of Spiritual Warfare in the
Theology of John Calvin (Richmond, Va.: John Knox Press, 1970).
[ 56 ] Ver Victor A. Shepherd, The Nature and Function of Saving Faith in the
Theology of John Calvin (Macon, Ga.: Mercer University Press, 1983). p. 24-28.
[ 57 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.2.18; III.2.20.
[ 58 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Joã o. 13.9.
[ 59 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Joã o. 3.2.
[ 60 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.17.
[ 61 ] Ver Cornelis Graafland, De Zekerheid van het geloof: Een onderzoek naar de
geloofbeschouwing van enige vertegenwoordigers van reformatie en nadere reformatie
(Wageningen: H. Veenman & Zonen, 1961). 31n.
[ 62 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.21.
[ 63 ] A. N. S. Lane. The Quest for the Historical Calvin , Evangelical Quarterly,
1983, vol. 55. p. 103.
[ 64 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.24.9.
[ 65 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.24.6.
[ 66 ] Gordon J. Keddie. Unfallible Certenty of the Pardon of Sinne and Life
Everlasting: The Doctrine of Assurance in the Theology of William Perkins . Evangelical
Quarterly, 1976, vol. 48. p. 231; ver G. C. Berkouwer, Divine Election . (Trad.) Hugo
Bekker (Grand Rapids: Eerdmans, 1960). p. 10-12.
[ 67 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.24.5; ver Joã o Calvino,
Sermons on the Epistle to the Ephesians (reimp. Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1973).
p. 47; Joã o Calvino, Sermons from Job (Grand Rapids: Eerdmans, 1952). p. 41-42; CO ,
8:318-21; 9:757.
[ 68 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.24.6; William H. Chalker.
Calvin and Some Seventeenth Century English Calvinists . PhD diss., Duke University, 1961.
p. 66.
[ 69 ] Wilhelm Niesel. The Theology of Calvin . (Trad.) Harold Knight (Grand
Rapids: Baker, 1980). p. 196. Ver Joã o Calvino, As Institutas da Religião Cristã . III.1.1; e
Shepherd, Nature and Function of Saving Faith . p. 51.
[ 70 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.2.24.
[ 71 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Pedro. 1.20.
[ 72 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Efésios. 4.13.
[ 73 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.24.
[ 74 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Romanos. 8.16. Ver Comentá rio em Joã o 7.37-39;
em Atos 2.4; 3.8; 5.32; 13.48; 16.14; 23.11; em Romanos 8.15-17; em 1Coríntios 2.10-13;
em 2Coríntios 1.21-22; em Gá latas 3.2, 4.6; em Efésios 1.13-14, 4.30; As Institutas da
Religião Cristã. III.2.11, 34, 41; Joã o Calvino, Tracts and Letters . 3:253-54; Parratt,
Witness of the Holy Spirit . p. 161-68.
[ 75 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.34.
[ 76 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . 3.24.7.
[ 77 ] Ver Cornelis Graafland. ‘Waarheid in het Binnenste’: Geloofszekerheid bij
Calvijn en de Nadere Reformatie . In: K. Exalto (Org.). Een Vaste Burcht (Kampen: Kok,
1989). p. 65-67.
[ 78 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Salmos. 119.101.
[ 79 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã. III.2.3, 5, 10-11. Para Calvino
sobre fé a temporal, veja Temporary Faith and the Certainty of Salvation. Calvin
Theological Journal, 1980, vol. 15. p. 220-32; A. N. S. Lane. Calvin’s Doctrine of Assurance.
Vox Evangelica, 1979, vol. 11. 45-46; Exalto. De Zekerheid des Geloofs bij Calvijn . p. 15-
20, 27-30.
[ 80 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.11.
[ 81 ] Joã o Calvino, Comentá rio em Ezequiel. 13.9. David Foxgrover mostra que
Calvino relaciona a necessidade do autoexame a uma grande variedade de tó picos:
conhecimento de Deus e de nó s mesmos, julgamento, arrependimento, confissã o, afliçã o, a
Ceia do Senhor, providência, dever e o Reino de Deus. John Calvin’s Understanding of
Conscience. PhD diss., Claremont Graduate School, 1978. p. 312-13. Ver J. P. Pelkonen,
The Teaching of John Calvin on the Nature and Function of the Conscience, Lutheran
Quarterly, 1969, vol. 21. p. 24-88.
[ 82 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.7.
[ 83 ] Lane. Calvin’s Doctrine of Assurance . p. 47.
[ 84 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.2.24.
 
CAPÍTULO 8
[ 1 ] As primeiras versõ es deste ensaio apareceram no jornal online Reformation ,
set. 2006, vol. 21, n. 13; e em Michael A. G. Haykin, C. Jeffrey Robinson Sr., To the Ends of
the Earth: Calvin’s Vision and Legacy (Wheaton, Ill.: Crossway, 2014). Usado com
permissã o.
[ 2 ] Ver Kenneth J. Stewart, Calvinism and Missions: The Contested Relationship
Revisited . Themelios, abr. 2009, vol. 34, n.1, especialmente a terceira seçã o,
http://themelios.thegospelcoalition.org/article/calvinism-and-missions-the-contested-
relationship-revisited.
[ 3 ] Robert Bellarmine. Controversiae, book 4, como citado em Stephen Neill, A
History of Christian Missions (Harmondsworth, Middlesex, U.K.: Penguin, 1964). p. 221.
[ 4 ] Stewart. Calvinism and Missions.
[ 5 ] Scott Hendrix. Rerooting the Faith: The Reformation as Re-Christianization.
Church History, 2000, vol. 69. p. 561.
[ 6 ] John C. Olin (Org.). John Calvin and Jacopo Sadoleto . A Reformation Debate
(Grand Rapids: Baker, 1976). p. 74-75.
[ 7 ] Hendrix. Rerooting the Faith. p. 558-68.
[ 8 ] David B. Calhoun. John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure.
Presbyterion: Covenant Seminary Review 1979, vol. 5, n. 1. p. 17. Ver Joel R. Beeke. John
Calvin: Teacher and Practitioner of Evangelism. In: Puritan Reformed Spirituality
)Darlington, England: Evangelical Press, 2006). cap. 3.
[ 9 ] As três citaçõ es de Calvino neste pará grafo sã o citadas em Calhoun, John Calvin:
Missionary Hero or Missionary Failure , p. 17.
[ 10 ] Para essa citaçã o do sermã o 13 de Calvino em 1Timó teo 2.8, devo a Elsie McKee,
Calvin and Praying for All People Who Dwell on Earth . Interpretation, 2009, vol. 63. p.
134.
[ 11 ] Jean-Marc Berthoud. John Calvin and the Spread of the Gospel in France . In:
Fulfilling the Great Commission (London: Westminster Conference, 1992). p. 44-46.
[ 12 ] Como citado em Calhoun, John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure.
p. 18.
[ 13 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 2Coríntios. 2.12.
[ 14 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Isaías. 12.5.
[ 15 ] Calhoun. John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure. p. 18.
[ 16 ] Sobre isso, veja o ensaio magistral de McKee, Calvin and Praying, p. 130-40.
[ 17 ] McKee. Calvin and Praying . p. 133.
[ 18 ] McKee. Calvin and Praying . p. 138.
[ 19 ] Calhoun. John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure, 19n23; McKee,
Calvin and Praying. p. 139-40.
[ 20 ] Calhoun. John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure . p. 139.
[ 21 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Gênesis. 17.23.
[ 22 ] Joã o Calvino. Sermã o 196 em Deuteronô mio 33:18-19. In: CO , 29:175.
Traduzido aqui pelo autor.
[ 23 ] Como citado em Calhoun, John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure .
p. 22.
[ 24 ] Como citado em McKee, Calvin and Praying . p. 134.
[ 25 ] Joã o Calvino a Martial Alba, Pierre Ecrivain, Charles Favre, Pierre Navihères, e
Bernard Seguin (carta 318), em Letters of John Calvin , Jules Bonnet (Org.), Mr.
Constable (Trad.) (1858; reimp. New York: Lenox Hill, 1972).  2:406.
[ 26 ] Calhoun. John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure. p. 22.
[ 27 ] Joã o Calvino. Sermã o 196 em Deuteronô mio 33:18-19. In: CO . 29:175.
[ 28 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . III.7.1.
[ 29 ] Joã o Calvino a Seigneur of Jersey, 1553 (carta 339). In: Letters of John Calvin
. 2:453.
[ 30 ] Calhoun. John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure. p. 20.
[ 31 ] Joã o Calvino. Sermã o 196 em Deuteronô mio 33:18-19. In: CO . 29:175.
[ 32 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Isaías. 2.3.
[ 33 ] Alister E. McGrath. A Life of John Calvin: A Study in the Shaping of Western
Culture (Cambridge, Mass.: Blackwell, 1990). p. 121.
[ 34 ] W. Stanford Reid. Calvin’s Geneva: A Missionary Centre . The Reformed
Theological Review, set./dez. 1983, vol. 42, n. 3. p. 69.
[ 35 ] Veja a histó ria dessa importante missã o em G. Baez-Camargo, The Earliest
Protestant Missionary Venture in Latin America . Church History, 1952, vol. 21. p. 135-45;
Amy Glassner Gordon, The First Protestant Missionary Effort: Why Did It Fail? .
International Bulletin of Missionary Research, jan. 1984, vol. 8, n. 1. p. 12-18; Stewart,
Calvinism and Missions.
[ 36 ] Jean de Léry. Journal de Bord de Jean de Léry en la Terre de Brésil 1557 ,
presénté et commenté par M.R. Mayeux (Paris, 1957), como citado em R. Pierce Beaver,
The Genevan Mission to Brazil . In: John Bratt (Org.) The Heritage of John Calvin (Grand
Rapids: Eerdmans, 1973). p. 61.
[ 37 ] Joã o Calvino. Tracts and Letters . 5:227.
 
CAPÍTULO 9
[ 1 ] Entre os estudiosos que têm explicado o pensamento e a influência políticos de
Calvino estã o: Harro Hopfl. The Christian Polity of John Calvin (Cambridge: Cambridge
University Press, 1982); Quentin Skinner. The Foundations of Modern Political Thought:
The Age of Reformation , vol. 2 (Cambridge: Cambridge University Press, 1978); Abraham
Kuyper. Lectures on Calvinism (1898; reimp. Grand Rapids: Eerdmans, 1953); Robert
Kingdon. Calvin and Calvinism: Sources of Democracy (Lexington, Mass.: D. C. Heath,
1970); Ralph C. Hancock. Calvin and the Foundations of Modern Politics (Ithaca, N.Y.:
Cornell University Press, 1989); John Witte Jr. The Reformation of Rights: Law, Religion
and Human Rights in Early Modern Calvinism (Cambridge: Cambridge University Press,
2007); John T. McNeill. Calvin and Civil Government. In: Donald McKim (Org.). Readings
in Calvin’s Theology (Grand Rapids: Baker, 1984); Herbert D. Foster. Collected Papers of
Herbert D. Foster (impressã o particular, 1929); John T. McNeill. John Calvin on Civil
Government . In: George L. Hunt (Org.). Calvinism and the Political Order (Philadelphia:
Westminster, 1965); Douglas Kelly. The Emergence of Liberty in the Modern World
(Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1992); Franklin Charles Palm. Calvinism
and the Religious Wars (New York: Henry Hold, 1932); Karl Holl. The Cultural
Significance of the Reformation (Cleveland: Meridian, 1959); e Keith L. Griffin.
Revolution and Religion: American Revolutionary War and the Reformed Clergy (New York:
Paragon House, 1994).
[ 2 ] Holl. Cultural Significance of the Reformation . p. 65-66.
[ 3 ] Hancock. Calvin and the Foundations of Modern Politics . p. 1. O autor afirma
que a Reforma Protestante foi “um movimento essencialmente moderno que de alguma
forma lançou os fundamentos para nossa abertura moderna”.
[ 4 ] Kuyper. Lectures on Calvinism . p. 85.
[ 5 ] Kuyper. Lectures on Calvinism . p. 85.
[ 6 ] Skinner. Foundations of Modern Political Thought . p. 192. Skinner sugere que,
em 1559, Calvino começou a mudar suas visõ es, permitindo ao menos uma discussã o sobre
a propriedade da resistência ativa.
[ 7 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.1.
[ 8 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.3-13.
[ 9 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.3.
[ 10 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.14–21.
[ 11 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.22–32.
[ 12 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.2.
[ 13 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.5. A citaçã o “pell-mell” é
do francês, traduzida na ediçã o de Battles , 1490n15.
[ 14 ] Joã o Calvino. Comentário em Romanos. 13.2.
[ 15 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.6.
[ 16 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.25.
[ 17 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.9.
[ 18 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.2
[ 19 ] Beza. Life of John Calvin . In: Tracts and Letters . 1:c.
[ 20 ] Calvino. Comentá rio em Romanos. 13.4.
[ 21 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã. IV.20.2.
[ 22 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã ., IV.20.3.
[ 23 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.9.
[ 24 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.9.
[ 25 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.3.
[ 26 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Joã o. 18.36.
[ 27 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.4.
[ 28 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.6.
[ 29 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.8.
[ 30 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.10.
[ 31 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.10.
[ 32 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.10.
[ 33 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.11.
[ 34 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.11.
[ 35 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.12.
[ 36 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.13.
[ 37 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.24.
[ 38 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.14.
[ 39 ] Joã o Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.14. Veja a definiçã o de
Calvino da taxonomia tripartida nesta seçã o.
[ 40 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.15.
[ 41 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.14.
[ 42 ] R. Scott Clark reconheceu a identidade formal entre Calvino e Tomá s de Aquino
sobre a lei natural. Mas, acreditando que o pecado original corrompeu as capacidades
morais e intelectuais, Calvino restringiu o alcance da lei natural. Como Tomá s, observa
Clark, Calvino foi “influenciado pelos clá ssicos, mas, ao contrá rio dele, definiu a lei natural
com muita precisã o, identificando-a com o decá logo ou lei moral”. Calvin on the Lex
Naturalis, Stulos Theological Journal, maio./nov. 1998, vol. 6, n. 1-2. p. 3. Tentando ainda
corrigir as reivindicaçõ es de John T. McNeill, estudioso de Calvino, Clark observa que
Abelardo, Lutero e outros equipararam a lei natural aos Dez Mandamentos (9, 11), em vez
de apelar à estrita neutralidade moral. Calvino, de acordo com Clark, identificou o Decá logo
com a lei natural, como era “o costume geral no protestantismo” no início do século XVII.
Clark conclui: “Para Calvino e seus sucessores… era certo que Deus havia entrado em um
relacionamento probató rio, federal-pactual com Adã o, e que a lex moralis … é a mesma
lei que ele sistematizou no Sinai e que Calvino chamou de lex naturalis . Fazia parte da
trama da Teologia Reformada dos séculos XVI e XVII pensar essas coisas como sinô nimas,
como componentes da ordem criacional” (20).
[ 43 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.16.
[ 44 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.17.
[ 45 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.18–21.
[ 46 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.21.
[ 47 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.23.
[ 48 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.24.
[ 49 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.25.
[ 50 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.26–29.
[ 51 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.30.
[ 52 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.29.
[ 53 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.31.
[ 54 ] “Absolutismo qualificado” é o termo que eu uso em David W. Hall, Savior or
Servant: Putting Government in Its Place (Oak Ridge, Tenn.: Kuyper Institute, 1996). Veja
também Ralph Keen, The Limits of Power and Obedience in the Later Calvin. Calvin
Theological Journal, nov. 1992, vol. 27, n. 2. p. 252–77, para uma boa harmonizaçã o entre
as declaraçõ es anteriores e posteriores de Calvino sobre a propriedade da resistência.
Embora Calvino seja, por vezes, acusado de mudar para uma postura mais republicana,
como se influenciado por Beza, Keen resume: “É simplesmente necessá rio reconhecer que a
posiçã o nã o é pró -moná rquica em si (isto é, como doutrina política), mas pró -moná rquica
no sentido teoló gico de ser um endosso da presença divina nos governos” (259).
[ 55 ] Todas as citaçõ es deste pará grafo sã o de Joã o Calvino, As Institutas da
Religião Cristã . IV.20.32.
[ 56 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.32.
[ 57 ] Citado em Hopfl, Christian Polity of John Calvin , p. 162.
[ 58 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Deuteronô mio. 25.1.
[ 59 ] James Smylie observa que o Rei James VI nã o aprovou as notas da Bíblia de
Genebra em Ê xodo 1, vendo claramente que os exilados marianos em Genebra se sentiram
livres para recomendar resistência. Veja James H. Smylie, America’s Political Covenants,
the Bible, and Calvinists . Journal of Presbyterian History, 1997, vol. 75, n. 3. p. 156, 163.
Na nota marginal da Bíblia de Genebra de 1560 em Ê xodo 1.19 lê-se: “A desobediência
deles era permissível, mas sua dissimulaçã o era má ”.
[ 60 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Ê xodo. 1.17.
[ 61 ] Ver Daniel Elazar, Covenant and Polity in Biblical Israel (New Brunswick,
N.J.: Transaction Publishers, 1998). 1:437-47, para um tratado completo das características
progressivas e duradouras da repú blica Israelita.
[ 62 ] Mesmo antes de Algernon Sidney, Lambert Daneau chamou Ninrode de o
primeiro verdadeiro monarca.
[ 63 ] Para exemplos das primeiras exposiçõ es americanas sobre o cará ter necessá rio
para os titulares de cargos, conclua com uma discussã o semelhante à de Calvino nesta
passagem do Ê xodo, veja David W. Hall (Org.). Election Day Sermons (Oak Ridge, Tenn:
Kuyper Institute, 1996). p. 143-68. T. H. Breen fornece um dos estudos mais completos das
expectativas americanas para governantes civis em The Character of the Good Ruler: A
Study of Puritan Political Ideas in New England , 1630–1730 (New York: W. W. Norton,
1970). Veja também David Hall, Twenty Messages to Consider before Voting (Powder
Springs, Ga.: Covenant Foundation, 2016) para exemplos de sermõ es acerca do eleitorado.
[ 64 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Deuteronô mio. 1.15.
[ 65 ] As citaçõ es sã o da traduçã o para o inglês do sermã o de Calvino em 1Samuel 8
por Douglas Kelly. In: Charles Raynal, John Leith (Org.). Calvin Studies Colloquium
(Davidson, N.C.: Davidson College Presbyterian Church, 1982).
[ 66 ] Para mais sobre esse evento historicamente significante, veja o capítulo 4 em
David W. Hall, The Genevan Reformation and the American Founding (Lanham, Md.:
Lexington Books, 2003).
[ 67 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Daniel. Intro. lxiv–lxxv.
[ 68 ] Citado em On God and Political Duty (Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1956). p.
100-101.
[ 69 ] João Calvino. As Institutas da Religião Cristã . IV.20.8.
[ 70 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Daniel. 6.
[ 71 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 4.19-20.
[ 72 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 5.29.
[ 73 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Marcos. 12.17.
[ 74 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Daniel. 6.22.
[ 75 ] Joã o Calvino. Comentá rio em 1Pedro. 2.14. Ele também comenta em Romanos:
“Nã o pode haver tirania que, em alguns aspectos, nã o ajude a consolidar a sociedade dos
homens”. Joã o Calvino. Comentá rio em Romanos. 13.3.
[ 76 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Romanos. 13.7.
[ 77 ] Ver Joã o Calvino. Comentá rio em 1 Timó teo. 2.2.
[ 78 ] Para meu estudo a esse respeito, veja C alvin in the Public Square: Liberal
Democracies, Rights, and Civil Liberties (Phillipsburg, N.J.: P&R, 2009).
[ 79 ] Para um tratado completo a esse respeito, veja meu capítulo Calvin’s
Principles of Government: Homology in Church and State . In: Tributes to John Calvin
(Phillipsburg, N.J.: P&R, 2010).
[ 80 ] Hopfl. Christian Polity of John Calvin . p. 112, 162, 164, 165, 166.
[ 81 ] Hopfl. Christian Polity of John Calvin . p. 171. Nessa e em outras seçõ es, Hopfl
observa “uma clara, porém imperfeita homologia” entre o governo da igreja e a política civil
em Calvino.
[ 82 ] Como citado em Hancock, Calvin and the Foundation of Modern Politics , p. 66.
[ 83 ] Calvino. On God and Political Duty . p. 100-101.
[ 84 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Daniel. 6.14-15.
[ 85 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Daniel. 6.4.
[ 86 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Malaquias. 5.5.
[ 87 ] Joã o Calvino. Comentá rio em Atos. 6.3.
[ 88 ] Veja Philip Schaff, History of the Christian Church (1910; reimp. Grand
Rapids: Eerdmans, 1979). 8:264.
[ 89 ] Philip Schaff. History of the Christian Church . 8:522.
[ 90 ] Philip Schaff. History of the Christian Church . 8:264.
[ 91 ] Como citado em Kingdon, Calvin and Calvinism , p. xiii. A citaçã o original é
de George Bancroft, History of the United States of America (Boston, 1853). 1:464.
[ 92 ] Kelly. Emergence of Liberty in the Modern World . p. 18.
[ 93 ] Palm. Calvinism and the Religious Wars . p. 32.
[ 94 ] Witte. Reformation of Rights . p. 2.
 
CAPÍTULO 10
[ 1 ] Jeannine Olson, Calvin and Social Welfare: Deacons and the Bourse Francaise
(Cranbury, N.J.: Susquehanna University Press, 1989). p. 11-12.
[ 2 ] Calvino. Theological Treatises . J. K. S. Reid (Org. e Trad.) (Philadelphia:
Westminster, 1954). p. 64.
[ 3 ] Calvino. Theological Treatises . p. 65.
[ 4 ] Calvino. Theological Treatises . p. 66.
[ 5 ] Geoffrey Bromiley. The English Reformers and Diaconate. In: James I. McCord,
T. H. L. Parker, and Karl Barth (Org.). Service in Christ (London: Epworth Press, 1966). p.
113.
[ 6 ] Mary Crumpacker. Ecclesiastical Ordinances, 1561. In: David W. Hall and
Joseph H. Hall (Org.). Paradigms in Polity (Grand Rapids: Eerdmans, 1994). p. 148-49.
[ 7 ] Olson. Calvin and Social Welfare . p. 39-40.
[ 8 ] Olson. Calvin and Social Welfare . p. 104-6.
[ 9 ] Olson. Calvin and Social Welfare . p. 139.
[ 10 ] Calvino. Comentá rio em 2Tessalonicenses. 3.10.
[ 11 ] Calvino. Comentá rio em Salmos. 112.9.
[ 12 ] CO . 53:297–98, como citado em Elsie A. McKee, John Calvin on the
Diaconate and Liturgical Almsgiving (Geneva: Librarie Droz, 1984). p. 62.
[ 13 ] Elsie A. McKee. John Calvin on the Diaconate and Liturgical Almsgiving . p.
183.
[ 14 ] Elsie A. McKee. John Calvin on the Diaconate and Liturgical Almsgiving . p.
184.
[ 15 ] Elsie A. McKee. John Calvin on the Diaconate and Liturgical Almsgiving . p.
184.
[ 16 ] Olson. Calvin and Social Welfare . p. 191.
[ 17 ] Como citado em Robert M. Kingdon, Geneva and the Consolidation of the
French Protestant Movement , 1564–1572 (Madison: University of Wisconsin Press,
1967). p. 56.
[ 18 ] Basil Hall. Diaconia in Martin Butzer. In: James I. McCord, T. H. L. Parker, and
Karl Barth (Org.). Service in Christ (London: Epworth Press, 1966). p. 94.
[ 19 ] Hall. Diaconia in Martin Butzer . p. 99.
[ 20 ] Hall. Diaconia in Martin Butzer . p. 99.
[ 21 ] Como citado por Geoffrey Bromiley, em English Reformers and Diaconate, p.
120.
[ 22 ] Bromiley. English Reformers and Diaconate . p. 113.
[ 23 ] Bromiley. English Reformers and Diaconate . p. 165.
[ 24 ] Bromiley. English Reformers and Diaconate . p. 112.
[ 25 ] James Atkinson, Diaconia at the Time of the Reformation. In: James I.
McCord, T. H. L. Parker, and Karl Barth (Org.). Service in Christ (London: Epworth Press,
1966). p. 84.
[ 26 ] Atkinson. Diaconia at the Time of the Reformation . p. 86.
[ 27 ] Atkinson. Diaconia at the Time of the Reformation . p. 86.
[ 28 ] Como citado em McKee. John Calvin on the Diaconate , p. 184.
 
CAPÍTULO 11
[ 1 ] Este é o nome dado a ele pelos manuscritos medievais. Veja T. D. Barnes,
Tertullian: A Historical and Literary Study (Oxford: Clarendon, 1971). p. 242.
[ 2 ] Septimius Florens Tertullianus, To His Wife 2.8 . In: Treatises on Marriage
and Remarriage . William P. LeSaint (Trad.) (1951; reimp. New York: Paulist Press, s.d). p.
35-36.
[ 3 ] Ver Ignatius, Letter to Polycarp , cap. 5. In: Alexander Roberts, James
Donaldson (Org.). The Ante-Nicene Fathers (New York: Charles Scribner’s Sons, 1913).
1:95. Daqui em diante citado como ANF.
[ 4 ] Como citado em Irenaeus, Against Heresies , 1.24.2. In: ANF . 1:349.
[ 5 ] John Chrysostom. Homily 20 on Ephesians 5:22–23. In: On Marriage and
Family Life . Catharine Roth, David Anderson (Trad.) (Crestwood, N.J.: St. Vladimir’s Press,
1986). p. 54–55.
[ 6 ] J. N. D. Kelly. J erome: His Life, Writings, and Controversies (New York: Harper
& Row, 1975). p. 183, 187.
[ 7 ] James A. Mohler, Late Have I Loved You: An Interpretation of Saint Augustine on
Human and Divine Relationships (New York: New City, 1991). p. 71.
[ 8 ] Edmund Leites. The Duty to Desire: Love, Friendship, and Sexuality in Some
Puritan Theories of Marriage . Journal of Social History, 1981-1982, vol. 15. p. 384.
[ 9 ] Mohler. Late Have I Loved You . p. 68. Veja também o resumo da posiçã o de
Agostinho em John Witte Jr. From Sacrament to Contract: Marriage, Religion and Law in
the Western Tradition (Louisville: Westminster, 1997). p. 21-22.
[ 10 ] Witte Jr. From Sacrament to Contract . p. 24-25.
[ 11 ] Como citado em J. Graham Miller, Calvin’s Wisdom: An Anthology Arranged
Alphabetically by a Grateful Reader (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1992). p. 206.
[ 12 ] Susan C. Karant-Nunn. Reformation Society, Women and the Family, in The
Reformation World . Andrew Pettegree (Org.) (London: Routledge, 2000). p. 437-38.
[ 13 ] Como citado em Miller, Calvin’s Wisdom . p. 206; e Scott Brown, Family
Reformation: The Legacy of Sola Scriptura in Calvin’s Geneva (Wake Forest, N.C.: Merchant
Adventurers, 2009). p. 114. Devo a Scott Brown por ter me enviado uma có pia do seu livro,
e também ao Dr. Joel Beeke por direcionar minha atençã o a ele.
[ 14 ] Como citado em Richard Stauffer, The Humanness of John Calvin . George H.
Shriver (Trad.) (Nashville: Abingdon, 1971). p. 45.
[ 15 ] Para detalhes dessa transformaçã o, veja especialmente John Witte Jr. e Robert
M. Kingdon, Sex, Marriage, and Family in John Calvin’s Geneva , vol. 1, Courtship,
Engagement, and Marriage (Grand Rapids: Eerdmans, 2005). p. 97.
[ 16 ] Witte Jr. e Kingdon. Sex, Marriage, and Family in John Calvin’s Geneva . p. 87.
[ 17 ] Como citado em Witte Jr. e Kingdon, Sex, Marriage, and Family in John Calvin’s
Geneva . p. 97.
[ 18 ] Como citado em John Witte Jr., Marriage and Family Life . In: The Calvin
Handbook , Herman J. Selderhuis (Org.); Henry J. Baron, Judith J. Guder, Randi H. Lundell,
Gerrit W. Sheeres (Trad.) (Grand Rapids: Eerdmans, 2009). p. 457.
[ 19 ] Como citado em Miller, Calvin’s Wisdom . p. 204.
[ 20 ] Como citado em William J. Petersen, Idelette: John Calvin’s Search for the Right
Wife, Christian History 5, no. 4. 1986: 12.
[ 21 ] Witte Jr. e Kingdon. Sex, Marriage, and Family in John Calvin’s Geneva . p. 98.
[ 22 ] Michiel van den Berg. Friends of Calvin . Reinder Bruinsma (Trad.) (Grand
Rapids: Eerdmans, 2009). p. 125.
[ 23 ] John Calvin to Guillaume Farel, 28 fev. 1539, em Tracts and Letters . 4:110.
Sobre as vá rias tentativas de casar o amigo, Witte Jr. e Kingdon, Sex, Marriage, and Family
in John Calvin’s Geneva . p. 97-100.
[ 24 ] John Calvin to Guillaume Farel , 28 fev. 1539, em Tracts and Letters . 4:110.
[ 25 ] John Calvin to Guillaume Farel , 19 maio. 1539, em Tracts and Letters ,
4:141, seguindo a tradução corrigida por Witte Jr. e Kingdon, Sex, Marriage, and Family in
John Calvin’s Geneva . p. 109.
[ 26 ] Witte Jr. Marriage and Family Life. p. 461-62.
[ 27 ] Joã o Calvino. Comentário em Gênesis 6.2, como citado em Witte Jr. e
Kingdon, Sex, Marriage, and Family in John Calvin’s Geneva . p. 108.
[ 28 ] Joã o Calvino. Comentário em Gênesis 29.18, como citado em Witte Jr. e
Kingdon, Sex, Marriage, and Family in John Calvin’s Geneva , p. 108.
[ 29 ] John Calvin to Guillaume Farel , 6 fev 1540, em Tracts and Letters . 4:173-
74.
[ 30 ] John Calvin to Guillaume Farel , 29 mar. 1540, em Tracts and Letters .
4:175.
[ 31 ] John Calvin to Guillaume Farel , 21 jun. 1540, em Tracts and Letters .
4:191.
[ 32 ] Para estudos de Idelette, que é frequentemente referida pela versã o francesa do
seu sobrenome “de Bure”, veja especialmente Willem Balke. Calvin and the Anabaptist
Radicals , William Heynen (Trad.) (Grand Rapids: Eerdmans, 1981). p. 133-38; Petersen.
Idelette: John Calvin’s Search for the Right Wife. p . 12-15; e Van den Berg, Friends of
Calvin . p. 123-33. Para mais estudos, veja os artigos e livros listados por Balke, Calvin
and the Anabaptist Radicals . p. 133-34n46; e Van den Berg, Friends of Calvin . p.
124n1.
[ 33 ] Van den Berg. Friends of Calvin . p. 128.
[ 34 ] Van den Berg. Friends of Calvin . p. 129.
[ 35 ] Balke. Calvin and the Anabaptist Radicals . p. 136.
[ 36 ] John Calvin to Pierre Viret , 7 abr. 1549, em Tracts and Letters . 5:216.
[ 37 ] Como citado em Brown, Family Reformation . p. 131-32. Sobre a companhia
como objetivo central do casamento, veja Rousas J. Rushdoony, The Doctrine of Marriage.
In: Elizabeth Fellersen (Org.) Toward a Christian Marriage: A Chalcedon Study . 2. ed.
(Vallecito, Calif.: Ross House Books, 1994). p. 12.
[ 38 ] Como citado em Brown, Family Reformation . p. 132.
[ 39 ] Essa frases sã o citadas em Witte Jr., From Sacrament to Contract , p. 109; e
Brown, Family Reformation , p. 97-114, 131-32.
[ 40 ] Com citado em Witte Jr., Marriage and Family Life, p. 462.
[ 41 ] John Calvin to Pierre Viret , jul. 1542, em Tracts and Letters . 4:335.
[ 42 ] John Calvin to Pierre Viret , 19 ago. 1542, em Tracts and Letters . 4:344.
[ 43 ] Calvino menciona uma doença de sua filha em uma carta a Guillaume Farel, em
30 de maio de 1544, em Tracts and Letters , 4:420.
[ 44 ] Tracts and Letters . 4:344n3.
[ 45 ] Sobre a amizade de Calvino com este casal, bem como sobre o dilema que se
desenvolveu entre eles, veja Van den Berg, Friends of Calvin . p. 185-95.
[ 46 ] Como citado em Van den Berg, Friends of Calvin . p. 193.
[ 47 ] Como citado em Witte Jr., Marriage and Family Life . p. 463.
[ 48 ] Witte Jr. Marriage and Family Life. p. 463.
[ 49 ] Witte Jr. Marriage and Family Life . p. 463.
[ 50 ] Witte Jr. Marriage and Family Life . p. 463.
[ 51 ] Witte Jr. Marriage and Family Life . p. 463.
[ 52 ] Witte Jr. From Sacrament to Contract . p. 109.
[ 53 ] Mark Noll. Calvin’s Battle for Marriage.
http://www.ctlibrary.com/ct/2006/april/20.104.html.
[ 54 ] Como citado por James K. A. Smith, The Radicality of Marriage, Fors
Clavigera (blog), http://forsclavigera.blogspot.ca/2008/10/radicality-of-marriage.html.
[ 55 ] Como citado em Brown, Family Reformation , p. 106.
 
CAPÍTULO 12
[ 1 ] Este capítulo é uma versã o ligeiramente revisada de um ensaio anterior e é usada
com permissã o. Veja David W. Hall, Calvin’s Circle of Friends: Propelling an Enduring
Movement. In: M. Parsons (Org.), Reformation Faith: Exegesis and Theology in the
Protestant Reformation . Studies in Christian History and Thought (Milton Keynes,
England: Paternoster, 2014). p. 190-204.
[ 2 ]O Calvin Studies Society Colloquium de 1997 apresentou ensaios sobre a
amizade de Calvino com Viret, Farel, Bullinger, Bucer, Melanchton e a família Budé. Para
mais sobre isso, veja o trabalho de Machiel A. van den Berg, Friends of Calvin, traduçã o
de Reinder Bruinsma (Grand Rapids: Eerdmans, 2009), que inclui um esboço de vinte e
quatro amizades.
[ 3 ] Ver a observaçã o de Herman Selderhuis sobre isso em John Calvin: A Pilgrim’s
Life (Wheaton, Ill.: IVP, 2009).
[ 4 ] Richard Stauffer. The Humanness of John Calvin (New York: Abingdon, 1971).
[ 5 ] J. T. McNeill (Pref.). The Humanness of John Calvin , por Richard Stauffe (New
York: Abingdon, 1971). p. 9.
[ 6 ] Stauffer. Humanness of John Calvin . p. 19.
[ 7 ] Como citado em Stauffer, Humanness of John Calvin, p. 47. Emile Doumergue
escreveu (originalmente em francês) The Character of Calvin: The Man, His System, the
Church, the State (1923; reimp. Neuilly: La Cause, 1931). Ele destacou o seguinte, como
atributos distintivos, entre outros, do cará ter de Calvino: vivacidade, alegria, afeiçã o (em
francês, mignardise , significando doçura), nobreza, e uma preocupaçã o em usar seu
estilo escriturístico em prol do entendimento comum.
[ 8 ] Como citado em Stauffer, Humanness of John Calvin . p. 51.
[ 9 ] CO . 14:144–45, como citado em Stauffer, Humanness of John Calvin , p. 69.
[ 10 ] Aurelio Garcia. Bullinger’s Friendship with Calvin: Loving One Another and
Edifying the Churches . In: David Foxgrover (Org.) Calvin Studies Society Papers , 1995,
1997 (Grand Rapids: CRC Product Services, 1998). p. 126.
[ 11 ] J. H. Merle D’Aubigne. The History of the Reformation of the Sixteenth Century
(New York: American Tract Society, 1848). 3:416.
[ 12 ] Como citado em Stauffer, Humanness of John Calvin . p. 57.
[ 13 ] Randall C. Zachman, Restoring Access to the Fountain: Melanchton and Calvin
on the Task of Evangelical Theology . In: David Foxgrover (Org.). Calvin Studies Society
Papers , 1995, 1997 (Grand Rapids: CRC Product Services, 1998). p. 207. Zachman nota
que, apesar da amizade deles ter sido, por vezes, desgastante — com inú meras repreensõ es
epistolares —, ela durou até a morte de Melanchton. Zachman chama atençã o para a
diferença na metodologia desses dois reformadores, observando que a admiraçã o mú tua,
entretanto, permanecia. Calvino também pensava que as diferenças de Melanchton com
Lutero, acerca dos decretos de Deus, poderiam continuar a cooperaçã o ecumênica (211).
[ 14 ] Zachman. Restoring Access to the Fountain . p. 209.
[ 15 ] A. C. Duke, Gillian Lewis, Andrew Pettegree. Calvinism in Europe, 1540–1610
: A Collection of Documents (Manchester: Manchester University Press, 1992). p. 200. Essa
internacionalidade, até certo ponto, atenua a sugestã o apresentada por Hopfl de Genebra
como ú nica na aplicaçã o do calvinismo, porque era um espaço político relativamente
pequeno no qual as leis podiam ser facilmente aplicadas. Para essa discussã o, veja Harro
Hopfl, The Christian Polity of John Calvin (Cambridge: Cambridge University Press,
1982). p. 56-57.
[ 16 ] Duke, Lewis e Pettegree. Calvinism in Europe . p. 200.
[ 17 ] Stauffer. Humanness of John Calvin . p. 71.
[ 18 ] Um estudioso descobriu que, das fontes citadas por Calvino nas Institutas,
Agostinho pertence a uma classe pró pria, sendo citado 228 vezes. As demais autoridades
mais citadas foram Gregó rio I (trinta e nove vezes); Crisó stomo (vinte e sete vezes);
Bernard (vinte e três vezes); Ambró sio (dezoito vezes); e Cipriano (catorze vezes). O
nú mero de citaçõ es de Agostinho se compara com as nove de Cícero, sete de Platã o, cinco
de Aristó teles e três de Sêneca. Veja Philip Schaff, History of the Christian Church (1910;
reimp. Grand Rapids: Eerdmans, 1979), 8:539. A Reforma foi, principalmente, um retorno
ao agostinianismo, e o pensamento de Calvino dificilmente pode ser visto como uma
imitaçã o de modelos prévios, seculares. Arthur Custance, The Sovereignty of Grace
(Philipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1979). p. 27.
[ 19 ] Alguns historiadores veem uma tensã o pedagó gica comum, na medida em que
provavelmente Calvino, Knox e Buchanan foram alunos de John Major. John T. McNeill,
Calvinism and European Politics in Historical Perspective. In: George L. Hunt (Org.).
Calvinism and the Political Order (Philadelphia: Westminster, 1965). p. 15. Douglas Kelly
vê a Histó ria da Grã -Bretanha de Major como grande influenciadora de Knox e Buchanan.
[ 20 ] Alister McGrath, A Life of John Calvin . Cambridge, Mass.: Basil Blackwell,
1990. p. 34. Para uma estimativa do lugar de Calvino, veja também Alister McGrath, Calvin
and the Christian Calling, First Things, jun./jul. 1999, vol. 94. p. 31-35.
[ 21 ] Em Orléans: “Seus amigos aqui eram Melchior Wolmar, um professor alemã o e
um homem de conhecimento e cará ter exemplares, François Daniel, François de Connam e
Nicolas Duchemin; a estes suas primeiras cartas foram escritas.” John Calvin, NNDB,
http://www.nndb.com/people/507/000094225/.
[ 22 ] Zachman. Restoring Access to the Fountain. p. 212-13.
[ 23 ] O humanismo da época enfatizou os clá ssicos. Ad fontes , ou “de volta à s
fontes”, tornou-se o grito de guerra do novo modelo educacional.
[ 24 ] McGrath notou que uma inscriçã o na fachada da Biblioteca de Sainte-Genevieve,
Paris, lista Calvino, juntamente com Erasmo e outros, como um líder intelectual. McGrath.
Life of John Calvin . p. 21.
[ 25 ] Jeannine Olson notou a amizade com os irmã os Budé (Jean, François, e Louis),
que remonta aos dias de estudante de Calvino em Paris. Ela também observa: “Ver Calvino
entre amigos o coloca, também, numa luz positiva. Isso também revela como ele realizou o
tanto que realizou, pois as pessoas com as quais ele se associou o ajudaram com seu
trabalho, especialmente com suas publicaçõ es. Juntos, eles coletivamente moldaram a
Reforma de Genebra”. The Friends of John Calvin: The Budé Family. In: David Foxgrover
(Org.). Calvin Studies Society Papers , 1995, 1997 (Grand Rapids: CRC Product Services,
1998). p. 160.
[ 26 ] Robert D. Linder. Brothers in Christ: Pierre Viret and John Calvin as Soul-Mates
and Co-Laborers in the Work of the Reformation. In: David Foxgrover (Org.). Calvin
Studies Society Papers , 1995, 1997 (Grand Rapids: CRC Product Services, 1998). p. 141.
[ 27 ] O termo bem escolhido é de Linder, Brothers in Christ, p. 155. David N. Wiley
acredita que Calvino queria que Viret assumisse o pastorado em Genebra, para que ele
pudesse ficar em Strasbourg . Calvin’s Friendship with Guillaume Farel, in: Calvin Studies
Society Papers, 1995, 1997, David Foxgrover (ed.) Grand Rapids: CRC Product Services,
1998. p. 192.
[ 28 ] Linder, Brothers in Christ. p. 150. E eles eram pró ximos o suficiente para
divergir sobre a escolha de uma nova esposa apó s a morte de Elizabeth Viret (152).
[ 29 ] Linder considera a visã o de Viret “mais avançada e generosa”, em relaçã o ao
direito de resistência, do que a de Calvino. Brothers in Christ. p. 154. Para ler mais a
respeito, veja Robert Linder, The Political Ideas of Pierre Viret, Travaux d’Humanisme et
Renaissance LXIV . Geneva: Librairie Droz, 1964; David W. Hall, Calvin in the Public
Square . Phillipsburg, N.J.: P&R, 2009). 4.30; Linder, Brothers in Christ. p. 157.
[ 31 ] McGrath, Life of John Calvin . p. 101.
[ 32 ] Schaff, History of the Christian Church . 8:368.
[ 33 ] Willem van ’t Spijker, Calvin’s Friendship with Martin Bucer: Did It Make Calvin
a Calvinist?, in: Calvin Studies Society Papers, 1995, 1997, David Foxgrover (ed.). Grand
Rapids: CRC Product Services, 1998. p. 170-71.
[ 34 ] McGrath, Life of John Calvin . p. 86.
[ 35 ] Ver Scott Manetsch, Calvin’s Company of Pastors: Pastoral Care and the
Emerging Reformed Church , 1536–1609. Oxford: Oxford University Press, 2015.
[ 36 ] Ver Marco Marcacci, Historie de L’Universite de Geneve 1558–1986 .
Geneva: University of Geneva, 1987. p. 20.
[ 37 ] Sob Beza, Geneva foi conhecida como um estado Cristã o, ou uma “Repú blica
bibliocêntrica.” Historie de L’Universite de Geneve 1558–1986. p. 23. Os pastores e os
estudantes desempenharam um grande papel no apoio à cidade e à liberdade.
[ 38 ] Henry Martyn Baird, Theodore Beza [s.l.], 1899. p. 106, 113.
[ 39 ] Monter, Calvin’s Geneva . p. 138.
[ 40 ] McGrath, Life of John Calvin . p. 184.
[ 41 ] Ver Ronald S. Wallace, Calvin, Geneva and the Reformation. Edinburgh:
Scottish Academic Press, 1988. p. 36.
[ 42 ] Philip E. Hughes, The Register of the Company of Pastors in the Time of Calvin
(ed.). Grand Rapids: Eerdmans, 1966. p. 7.
[ 43 ] Zachman, Restoring Access to the Fountain. p. 211. Já em 1539, Calvino
também interpretou as diferenças de Melanchton com Lutero, no que diz respeito ao
decreto eterno, como um ponto de contato. Restoring Access to the Fountain . p. 215.
[ 44 ] Duke, Lewis, and Pettegree, Calvinism in Europe, 1540–1610 . p. 201.
[ 45 ] Schaff, History of the Christian Church . 8:851.
[ 46 ] Beza, Life of John Calvin , in: Tracts and Letters . 1:cxxv.
[ 47 ] Beza, Life of John Calvin , in: Tracts and Letters . 1:cxxxviii.
[ 48 ] Beza se refere a este Pequeno Concílio como o “senado”. Beza, Life of John
Calvin , in: Tracts and Letters . 1:cxxii.
[ 49 ] CO , 9:887–91. Estou usando a traduçã o nã o publicada do discurso de
despedida de Kim McMahon Isbell. Para um resumo, veja Monter, Calvin’s Geneva. p. 93-
95.
[ 50 ] CO , 9:891–94. Traduçã o em inglês disponível em Monter, Calvin’s Geneva.
p. 95-97.
[ 51 ] Como citado em Monter, Calvin’s Geneva . p. 95.
[ 52 ] Como citado em Monter, Calvin’s Geneva . p. 96.
[ 53 ] Como citado em Monter, Calvin’s Geneva . p. 96.
[ 54 ] Como citado em Monter, Calvin’s Geneva . p. 96-97.
[ 55 ] Doumergue , Character of Calvin. p. 173.
[ 56 ] Zachman , Restoring Access to the Fountain. p. 224.
[ 57 ] Zachman , Restoring Access to the Fountain . p. 227. Todavia, Zachman
também notou a deterioraçã o do ecumenismo apó s a morte de Melanchton, em 1560,
mostrando que Calvino começou a ver o luteranismo mais negativamente (“Estou atento
para que o luteranismo nã o ganhe terreno, nem seja introduzido na França”) até sua morte
(228).

CAPÍTULO 13
[ 1 ] Para exemplo, veja Basil Hall, Calvin against the Calvinists, in: John Calvin ,
G.E. Duffield (ed.). Appleford: Sutton Courtenay Press, 1966. p. 19-37. O capítulo foi
primeiramente entregue como um discurso em uma Conferência de Reforma organizada
por Jon Payne.
[ 2 ] Carl Trueman , Calvin and Reformed Orthodoxy, in: The Calvin Handbook,
Herman J. Selderhuis (ed.) Grand Rapids: Eerdmans, 2009. p. 473.
[ 3 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy. p. 473.
[ 4 ] G. C. Berkouwer, The Providence of God . Grand Rapids: Eerdmans, 1952. p. 7-
10.
[ 5 ] B. B. Warfield , Biblical and Theological Studies . Philadelphia: Presbyterian
and Reformed, 1952. p. 301, 323-24.
[ 6 ] Mason Pressly, citado em H. Henry Meeter , The Basic Ideas of Calvinism, 6th
ed., rev. Paul A. Marshall. Grand Rapids: Baker, 1990. p. 17.
[ 7 ] B. B. Warfield . Calvin as a Theologian and Calvinism Today . London:
Evangelical Press, 1969. p. 23-24.
[ 8 ] Ver Beeke , The Quest for Full Assurance, 111–64. Cf. Joel R. Beeke, Knowing
and Growing in Assurance of Faith . Rosshire, Scotland: Christian Focus, 2017.
[ 9 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy. p. 476.
[ 10 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy . p. 472.
[ 11 ] George Ella . Henry Bullinger (1504–1575): Shepherd of the Churches, in:
The Decades of Henry Bullinger , Thomas Harding (ed.), intro. George Ella and Joel R.
Beeke. Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 2004. 1:xlix.
[ 12 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy. p. 476.
[ 13 ] Richard A. Muller. Christ and the Decree: Christology and Predestination in
Reformed Theology from Calvin to Perkins . Durham, N.C.: Labyrinth, 1986. p. 79–83.
[ 14 ] Joã o Calvino . Comentá rio em 1 Timó teo, 2.4.
[ 15 ] Roger Nicole . Evangelical Theological Society Bulletin . Fall 1967. p. 207.
[ 16 ] William Symington . The Atonement and Intercession of Christ . Grand
Rapids: Reformation Heritage Books, 2006. p. 185-86.
[ 17 ] Symington . The Atonement and Intercession of Christ . p. 185-86.
[ 18 ] Joã o Calvino . Tracts and Letters . 2:527.
[ 19 ] R. T. Kendall . Calvin and English Calvinism to 1649 . Carlisle, England:
Paternoster, 1997.
[ 20 ] R. T. Kendall, The Puritan Modification of Calvin’s Theology, in : John Calvin
, ed. W. Stanford Reid. Grand Rapids: Zondervan, 1982. p. 214.
[ 21 ] Roger Nicole, John Calvin’s View of the Extent of the Atonement, in : Standing
Forth: Collected Writings of Roger Nicole . Fearn, Ross-shire, Scotland: Mentor, 2002. p. 283-
312.
[ 22 ] Trueman , Calvin and Reformed Orthodoxy. p. 474. Na verdade, as Institutas
demonstram a mesma sensibilidade em alguns pontos.
[ 23 ] Beeke . Quest for Full Assurance. p. 3-72, 111-64.
[ 24 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy. p. 474.
[ 25 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy. p. 475.
[ 26 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy. p. 477-78.
[ 27 ] Paul Helm . Calvin and the Calvinists . Edinburgh: Banner of Truth Trust,
1982 51-70.
[ 28 ] Helm . Calvin and the Calvinists . p. 71-81.
[ 29 ] Trueman . Calvin and Reformed Orthodoxy . p. 479.
[ 30 ] Maurice Roberts . Before the Omnipotent’s Throne, Tabletalk, 16, no. 11
(November 1992): 17.
[ 31 ] The Psalter . Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 2003. no. 236,
stanzas 1-2.
 
CAPÍTULO 14
[ 1 ] Para o texto completo, veja Dr. Martyn Lloyd-Jones, The Puritans: Their Origins
and Successors: Addresses Delivered at the Puritan and Westminster Conferences 1959–
1978 . Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1987. p. 1-23.
[ 2 ] Lloyd-Jones, The Puritans: Their Origins and Successors . p. 1-2.
[ 3 ] Lloyd-Jones, The Puritans: Their Origins and Successors . p. 4-5.
[ 4 ] Para boas discussõ es sobre o avivamento durante a Era Puritana, veja Iain
Murray, The Puritans and Revival Christianity , Banner of Truth 72, setembro de 1969,
p. 9-19; J. I. Packer, Puritanism as a Movement of Revival in: A Quest for Godliness: The
Puritan Vision of the Christian Life , Wheaton, Ill.: Crossway, 1994, p. 35-48; e R. E. Davies,
I Will Pour Out My Spirit: A History and Theology of Revivals and Evangelical Awakenings ,
Tunbridge Wells, Kent: Monarch, 1992, p. 63-68.
[ 5 ] Como citado em Revival Snapshots: Kirk of Shotts, Evangelical Times 31, no. 6
(June 1997): 16.
[ 6 ] Michael J. Crawford, Seasons of Grace: Colonial New England’s Revival Tradition
in Its British Context . New York: Oxford University Press, 1991. p. 24-25.
[ 7 ] Para uma biografia de Williams, veja Eifion Evans , Bread of Heaven: The Life
and Work of William Williams , Pantycelyn. Bryntirion, Bridgend: Bryntirion Press, 2010.
[ 8 ] Como citado em Eifion Evans, Daniel Rowland and the Great Evangelical
Awakening in Wales . Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1985. p. 243.
[ 9 ] Como citado em Tim Shenton, Christmas Evans: The Life and Times of the One-
Eyed Preacher of Wales . Darlington, U. K.: Evangelical Press, 2001. p. 34.
[ 10 ] Eifion Evans, A Most Gifted, Respected and Useful Man: Part 1: A Survey of
Williams’s Life, in: William Williams, Pursued by God , trans. Eifion Evans. Bryntirion,
Bridgend: Evangelical Press of Wales, 1996. p. 17.
[ 11 ] “Pantycelyn” foi o nome da antiga casa de sua mã e, onde ele morou a partir de
1748, apó s seu casamento.
[ 12 ] Evans, Daniel Rowland and the Great Evangelical Awakening in: Wales . p.
63.
[ 13 ] D. Martyn Lloyd-Jones, William Williams and Welsh Calvinistic Methodism, in:
The Puritans: Their Origins and Successors . Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1987. p. 192.
[ 14 ] Evans, Daniel Rowland and the Great Evangelical Awakening in: Wales . p.
63.
[ 15 ] W. Glanffrwd Thomas, Welsh Hymnody, in: Dictionary of Hymnology ,
John Julian. (ed.) 1907; repr., Grand Rapids: Kregel, 1985. 2:1251.
[ 16 ] Como citado em Evans, Daniel Rowland and the Great Evangelical Awakening
in: Wales . p. 63.
[ 17 ] Como citado em Evans, Daniel Rowland and the Great Evangelical Awakening
in: Wales . p. 296.
[ 18 ] The Complete Works of the Rev. Andrew Fuller , Joseph Belcher. (ed.)
Harrisonburg, Va.: Sprinkle Publications, 1988. 3:320.
[ 19 ] Complete Works of the Rev. Andrew Fuller. 3:320.
[ 20 ] Complete Works of the Rev. Andrew Fuller. 3:324.
[ 21 ] Complete Works of the Rev. Andrew Fuller. 3:324.
[ 22 ] The Prayer Call of 1784 . In: John Ryland Jr. The Nature, Evidences, and
Advantages, of Humility . Northamptonshire Association, 1784. p. 12. Para uma discussã o
detalhada desse chamado à oraçã o e seu contexto histó rico, veja Michael A. G. Haykin, One
Heart and One Soul: John Sutcliff of Olney, His Friends and His Times (Darlington, U.K.:
Evangelical Press, 1994). p. 153–71.
[ 23 ] Thomas Blundel, The River of Life Impeded . In: Sermons on Various Subjects
(London, 1806). p. 183, 184.
[ 24 ] Complete Works of the Rev. Andrew Fuller . 3:318.
[ 25 ] Como citado em Arthur Fawcett, The Cambuslang Revival (London: Banner
of Truth Trust, 1971). p. 230.
[ 26 ] Os trechos das cartas de Andrew Fuller sã o todos citados em Doyle L. Young,
The Place of Andrew Fuller in the Developing Modern Missions Movement. PhD thesis,
Southwestern Baptist Theological Seminary, 1981. p. 232.
[ 27 ] John Scott. Letters and Papers of the Rev. Thomas Scott (London: L. B. Seeley
and Son, 1824). p. 254.
[ 28 ] Como citado em John W. Morris, Memoirs of the Life and Writings of the Rev
Andrew Fuller (London, 1816). p. 443.
 
POSFÁCIO
[ 1 ] Ver o argumento detalhado de Gary Lee Steward, Justifying Revolution: The
American Clergy’s Argument for Political Resistance , 1763-1783. PhD diss., The Southern
Baptist Theological Seminary, 2017.
[ 2 ] Como citado em Richard Taylor Stevenson, John Calvin, the Statesman
(Cincinnati: Jennings and Graham; New York: Eaton and Mains, 1907). p. 5.
 
Table of Contents
Direitos & Créditos
Recomendaçõ es
Dedicató rias
Sumá rio
Prefá cio
Parte 1 - Uma Breve Biografia de Joã o Calvino
Capítulo 1 - O Jovem Calvino: preparaçã o para uma vida de
ministério
Capítulo 2 - Liçõ es prá ticas da vida de Idelette Calvino
Parte 2 - A Teologia Sistemá tica de Joã o Calvino
Capítulo 3 - “Proferindo louvores ao Pai, ao Filho e ao Espírito”: Joã o
Calvino sobre a triunidade divina
Capítulo 4 - Calvino acerca das similaridades e diferenças entre a
eleiçã o e a reprovaçã o
Capítulo 5 - Calvino acerca do Espírito Santo
Capítulo 6 - Apêndices explícitos e implícitos à visã o de Calvino a
respeito da justificaçã o pela fé
Parte 3 - A Teologia Pastoral e Política de Calvino
Capítulo 7 - A pregaçã o experiencial de Calvino
Capítulo 8 - “Um sacrifício suave a Deus”: Joã o Calvino e o empenho
missioná rio da igreja
Capítulo 9 - Calvino sobre os princípios do governo
Capítulo 10 - Calvino acerca da guerra: ministério diaconal em
Genebra e além
Capítulo 11 - O casamento cristã o no século XXI: ouvindo Calvino
sobre o propó sito do casamento
Parte 4 - O Legado de Calvino
Capítulo 12 - O círculo de amizades de Calvino: impulsionando um
movimento permanente
Capítulo 13 - Calvino como calvinista
Capítulo 14 - Calvinismo e reavivamento
Posfá cio
Abreviaçõ es e Fontes Utilizadas no Original
Referências e Notas Bibliográ ficas

Você também pode gostar