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EFÉSIOS

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Original em inglês:

New Testament Commentary: Ephesians

Author: William Hendriksen

TRADUTOR: CARLOS BIAGINI

Baker Book House

Grand Rapids, Michigan, 1957

Efésios (Hendriksen)

CONTEÚDO

ABREVIATURAS

INTRODUÇÃO

I. Um livro muito apropriado para nossa época

II. Comparação com Colossenses

III. Paternidade literária

IV. Destino e propósito

V. Tema e esboço

EFÉSIOS 1 - ETERNO FUNDAMENTO “EM CRISTO”

Ef 1:1, 2 - Saudação de abertura


Ef. 1:3–14

Ef. 1:15-23

Resumo de Efésios 1

EFÉSIOS 2 - UNIVERSALIDADE (ABRANGENDO JUDEUS E


GENTIOS)

Ef. 2:1–10

Ef. 2:11-18

Ef. 2:19-22

Resumo de Efésios 2

EFÉSIOS 3 - LUMINOSA META

Ef. 3:1-13

Ef. 3:14-21

Resumo de Efésios 3

EFÉSIOS 4:1-16 - ORGÂNICA UNIDADE (EM MEIO DE


DIVERSIDADE) E O

CRESCIMENTO EM CRISTO

Pensamentos em Efésios 4:1–16

Efésios (Hendriksen)

EFÉSIOS 4:17 – 6:9 - GLORIOSA RENOVAÇÃO

Ef. 4:17 – 5:21


a. Ef. 4:17-24

b. Ef. 4:25 – 5:2

c. Ef. 5:3-14

d. Ef. 5:15-21

Ef. 5:22 – 6:9

a. Ef. 5:22-33

b. Ef. 6:1-4

c. Ef. 6:5-9

Resumo de Efésios 4:17–6:9

EFÉSIOS 6:10-24 - ARMADURA EFICAZ. CONCLUSÃO

1. “Revesti-vos de toda a armadura de Deus” (Ef 6:10–20)

2. Conclusão (Ef 6:21–24)

Pensamentos em Efésios 6:10–24

BIBLIOGRAFIA

Efésios (Hendriksen)

ABREVIATURAS

As letras que correspondem a abreviaturas de livros são seguidas


de um ponto. As que correspondem a publicações periódicas
omitem o ponto e vão em itálico. Assim é possível o leitor de uma
olhada perceber se a referência é a um livro ou a uma publicação
periódica.
A. Abreviaturas de livros

A.R.V. American Standard Revised Version

A.V. Authorized Version (King James)

Gram. N.T. A. T. Robertson, Grammar of the Greek New Testament


in the Light of Historical Research

Grk. N.T. (Bl.-Debr.) F. Blass y A. Debrunner, A Greek Grammar of


the New Testament and

Other Early Christian Literature

Grk. N.T. (A-B-M-W) The Greek New Testament, editado por Kurt
Aland, Matthew Black, Bruce M. Metzger, y Allen Wikgren, Edición
de 1966.

I.S.B.E. International Standard Bible Encyclopedia L.N.T. (Th)


Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament L.N.T. (A. y
G.) W. F. Arndt y F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New
Testament and Other Early Christian Literature

M.M. The Vocabulary of the Greek New Testament IIlustrated from


the Papyri and Other Non-Literary Sources, por James Hope
Moulton y George Milligan (edición de Grand Rapids, 1952) N.A.S.B.
(N.T.) New American Standard Bible (New Testament) N.N. Novum
Testamentum Graece, editado por D. Eberhard Nestle y D. Erwin
Nestle, revisado por y Kurt Aland, 25ava edición, 1963.

N.E.B. New English Bible

C.N.T. Guillermo Hendriksen, Comentario del Nuevo Testamento

Efésios (Hendriksen)

R.S.V. Revised Standard Version


S.H.E.R.K. The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious
Knowledge

Th. W.N.T. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament


(editado por G. Kittel)

W.D.B. Westminster Dictionary of the Bible

W.H.A.B. Westminster Historical Atlas to the Bible B. Abreviaturas


de publicações periódicas

EQ Evangelical Quarterly

ET Expository Times

Exp The Expositor

Int Interpretation

JBL Journal of Biblical Literature

NTSt New Testament Studies

RE Review and Expositor

TSK Theologische Studien und Kritiken

TT Theologisch Tijdschrift

TTod Theology Today

Efésios (Hendriksen)

INTRODUÇÃO

I. UM LIVRO MUITO APROPRIADO PARA NOSSA ÉPOCA


Uma repugnante maldade foi a característica do mundo nos dias de
Paulo (Ef 2:2; cf. Rm 1:18–32). Os grandes esforços realizados para
melhorar esta condição foram inteiramente vãos. A humanidade se
achava “sem esperança” (Ef 2:12). Essa mesma perversidade além
do pessimismo é a que prevalece em nosso século. Hoje em dia,
também, multiplicam-se os esforços para erradicar o crime e para
melhorar o meio ambiente do homem. Entre os meios selecionados
para este fim achamos os seguintes: eliminação dos bairros baixos,
melhores moradias, ampliação de parques e lugares de recreio,
escala de salário mínimo mais alta, reciclagem de trabalhadores,
reabilitação dos educandos que abandonaram os seus estudos,
ajuda psiquiátrica para os que têm

“problemas de autoaceitação”. Há aqueles que demandam melhor


legislação. Outros enfatizam a necessidade de medidas mais
enérgicas para fazer cumprir as leis ou estabelecer normas para não
favorecer mais os criminosos às custas da sociedade. Não se deve
desprezar o mérito e a importância de todos estes esforços. Mas
tampouco é justo superestimá-

lo. O totalitarismo estatal, a tendência a esperar que o estado


proveja todas as necessidades “do berço até a tumba”, com toda a
consequente perda do sentido de responsabilidade individual e
iniciativa é perigoso.

Outro falso conceito é a respeito da necessidade básica do homem.


Tal necessidade é nada menos que a remoção do peso da culpa
pela qual ele, sendo por natureza filho da ira (Ef 2:3), acha-se
angustiado. O que precisa é algo mais que reabilitação trabalhista.
Sua necessidade é reconciliação com Deus. Efésios anuncia que tal
bênção foi provida para todos os crentes verdadeiros por meio da
morte vicária e expiatória do próprio Filho de Deus (Ef 2:13). A
motivação deste supremo sacrifício foi “seu grande amor” (Ef 2:4).

Efésios (Hendriksen)

7
Outra das falácias que está implicada no modo de confrontar hoje
em dia o problema de como aliviar o homem de sua miséria é a
noção de que a felicidade pode ser conseguida por meios que
operam de fora para dentro. Diz-se, “melhore o meio ambiente e
será melhorada a condição interna do homem”. Mas a condição
interna do homem é tal que não oferece esperança alguma para o
êxito deste método. Está “morto por causa de suas transgressões e
pecados”. Fora de Cristo vive “nas concupiscências da carne e de
seus raciocínios” (Ef 2:1, 3). Para salvá-lo é necessário um ato de
Deus. A remoção da culpa de seu pecado não é suficiente. O
pecado em si, o impulso de fazer o que é contrário à santa lei de
Deus, é o que deve ser eliminado. Dentro do coração do homem
deve ter lugar uma obra poderosa, para que, como resultado, o
homem, tendo sido renovado basicamente e gradualmente
transformado pelo Espírito Santo, possa agora, como resultado,
começar a agir de dentro para fora sobre seu meio ambiente,
exigindo que tudo funcione Pro Rege (“para o Rei”). Esta obra
regeneradora e transformadora do Espírito Santo, obtida pela morte
de Cristo (Jo 16:7), acha-se maravilhosamente descrita em Efésios
3:14–19. Aqueles que por natureza se acham mortos precisam ser
vivificados (Ef 2:1).

Ora, nada disso anula de forma alguma a responsabilidade humana.

Ao contrário, aumenta o sentido da obrigação do homem para seu


Benfeitor para lhe dedicar sua vida. O crente, objeto do amor
soberano de Deus, sente-se em dívida com seu Salvador e Senhor.
Ama em resposta ao amor recebido (Ef 5:1, 2; cf. 1Jo 4:19). Além
disso, é lógico que, sendo atraído para Deus, que é objeto da graça
divina seja por este mesmo processo atraído para seus irmãos e
irmãs no Senhor. É assim como judeus e gentios, reconciliados com
Deus, reconciliam-se também entre si. A barreira entre estes dois
grupos étnicos é derrubada por meio da mesma cruz que fez a paz
entre o Deus ofendido e o pecador ofensor (Ef 2:11–22; cf. Jo 12:32;
15:12; 1Jo 4:21); sim, por aquela mesma cruz que resultou ser uma
pedra de tropeço para os judeus inconversos e
Efésios (Hendriksen)

estultícia para os gentios inconversos (1Co 1:23). Desta maneira o


divino mistério se revela diante da vista humana e a igreja universal
nasce.

Tendo amanhecido um novo dia sobre os que se renderam a Cristo


e à influência de Seu Espírito, segue como resultado que estes
filhos de luz dão a conhecer por meio de suas vidas os frutos da luz:
bondade, justiça e verdade (Ef 5:9). A virtude nascida do Espírito
expulsa todo tipo de vício, segundo é claramente indicado na
extensa seção de Efésios 4:17–

5:21. Eis aqui então a verdadeira solução contra a “repugnante


maldade”

que caracterizou tanto a época de Paulo como também o nosso


século. É

o próprio Deus que “em Cristo” proveu este caminho para sair das
trevas e do pessimismo. É tarefa da igreja “fazer com que todos os
homens vejam” que esta é a única solução. A igreja deve cantar seu
potente coro de salvação pela fé em Jesus Cristo, para com isso
afogar totalmente o utópico hino do ateísmo. Este último também
canta, claro que sim, mas seu cantar tem um som oco. Canta a
mentira em (o espírito de) ódio. A igreja canta “a verdade em amor”
(Ef 4:15). Sua vida diária é de fato um andar em amor, porquanto
imita ao Deus de amor (Ef 5:1). Assim, ferreamente unida,
apresenta um desafio a Satanás e todas suas hostes, e com este
propósito faz uso das armas providas pelo próprio Deus (Ef 6:10–
20).

A obra da igreja jamais é em vão, porquanto não é produto da


mente do homem, e sim da soberana graça de Deus. O apóstolo
descreve a esta igreja com espírito exuberante, expondo alguns
detalhes sobre seu fundamento eterno, propósito universal, elevado
ideal, unidade (em diversidade) e crescimento orgânicos, gloriosa
renovação, e armadura eficaz. É uma igreja que existe com o fim de
servir como agente para a salvação dos homens para a glória do
Deus Triúno, unindo-se em louvor

“as potestades e autoridades nos lugares celestiais” enquanto


observam, num caleidoscópio de mutáveis cores, a sabedoria de
Deus refletida em Sua obra mestra, a igreja (Ef 3:10).

Efésios (Hendriksen)

II. COMPARAÇÃO COM COLOSSENSES

A. Introdução

Tendo em mente a necessidade de responder aos que negam a


paternidade literária de Paulo sobre Efésios, afirmando que a
epístola

“não é mais que uma verbosa amplificação de Colossenses”, é


pertinente fazer uma comparação das duas. Esta comparação
servirá também para outro propósito, uma vez que, depois que
tenhamos estabelecido que Paulo é, sem dúvida, o escritor tanto de
Efésios como de Colossenses, teremos todo direito, ao fazer a
exegese de Efésios, de ir às passagens paralelas em Colossenses
para que estas iluminem a interpretação. Como antecipação devo
afirmar desde já, conforme a minha convicção, que o ponto de vista
tradicional, que atribui ambas as epístolas ao grande apóstolo dos
gentios, é o correto. Daí que o capítulo presente constituirá uma útil
ferramenta exegética.

Observe-se, não obstante, o seguinte:

(1) Nem todos os paralelos são igualmente chamativos, tampouco


têm todos o mesmo caráter. Embora exista uma boa quantidade de
semelhanças quanto a palavras, faz-se também uso de muitas
semelhanças que não o são tanto no verbal, mas antes, no que
respeita ao pensamento.

(2) Em poucos casos, as semelhanças que existem nas palavras


são ainda mais estreitas no original que na tradução. No entanto,
naquelas traduções que procuraram eliminar esta discrepância
(entre o grego e o português) em cada caso apresentado, suprindo
com um equivalente português chamado “standard” (ou “idêntico”)
para cada palavra grega em qualquer contexto que esta se
apresente, o resultado foi muito insatisfatório. Razões: a. a mesma
palavra grega nem sempre tem o mesmo significado, daí que não
pode ser sempre fielmente traduzida

Efésios (Hendriksen)

10

pelo mesmo equivalente português, b. o uso idiomático no grego


nem sempre é paralelo ao uso idiomático no português. 1

(3) Como este é um comentário de Efésios — não de Colossenses

— é próprio que a base de comparação seja acima de tudo o texto


de Efésios, traduzido de novo do original. Portanto, este texto se
achará na coluna direita. Não foi em todos os casos possível
ordenar as passagens paralelas exatamente uma na frente da outra.
Assim que rogamos ao leitor olhar não unicamente à passagem que
fica frente à de Efésios, mas também algo mais acima ou mais
abaixo na correspondente coluna.

(4) É impossível oferecer uma lista de paralelos que possa


satisfazer a todos. A pergunta: “Existe nesta ou naquela passagem
de Colossenses uma semelhança tal que possamos considerá-la
paralelo a uma passagem de Efésios?” Não receberá resposta
unânime. Outros, por exemplo, desejariam acrescentar aos que se
dão mais abaixo tal “paralelo” como Efésios 4:10 = Colossenses
1:19; e talvez paralelos ainda mais remotos.
preferi não fazer isso. Mas há liberdade para diferenças de opinião.

A fim de que seja possível chegar a uma conclusão objetiva


referente à relação existente entre Efésios e Colossenses é
necessário também agora recorrer ao texto de Colossenses como
base de comparação. (Com relação ao próprio texto, em sua nova
tradução, veja-se C. N.T. sobre Colossenses e Filemom, pp. 232–
235.)

B. Comparación

Efesios Colosenses 1 Paulo, apóstolo de Cristo 1:1 Paulo, apóstolo


de Cristo Jesus Jesus pela vontade de Deus, a pela vontade de
Deus, e Timóteo os santos e crentes que estão nosso irmão, 2 aos
santos e em Éfeso em Cristo Jesus; irmãos fiéis em Cristo que 2
graça a vós e paz de Deus estão em Colossos; graça a vós 1 Além
disso, poderia usar-se dois Novo Testamentos gregos para os
paralelos gregos, um para Efésios, outro para Colossenses.

Efésios (Hendriksen)

11

nosso Pai e do Senhor e paz de Deus nosso Pai.

Jesus Cristo.

3 Bendito (seja) o Deus e Pai 3:12 Revesti-vos, pois, como


escolhidos de nosso Senhor Jesus Cristo, que de Deus, santos e
amados …

há-nos bendito com toda bênção 1:22 … para vos apresentar


santos, e espiritual nos lugares sem mancha e irrepreensíveis
celestiais em Cristo, 4 segundo nos diante de si mesmo …

escolheu nele antes da fundação 1:13 o reino do Filho de seu amor.

do mundo, para que fôssemos 1:14 em quem temos nossa


redenção, santos e irrepreensíveis diante o perdão de nossos
pecados dele, 5 nos havendo em

amor destinado à adoção 1:20 … tendo feito a paz mediante como


filhos por meio de Jesus Cristo o sangue de sua cruz.

para si mesmo, segundo o

beneplácito de sua vontade, 6

para louvor da glória de seu

graça, a qual bondosamente

conferiu-nos no amado 7 em

quem temos nossa redenção

por meio de seu sangue, o

perdão de nossas transgressões,

conforme às riquezas

1:9 … em toda sabedoria e

entendimento espiritual …

1:26 … o mistério oculto por

idades e gerações, mas

manifestado agora a seus santos …

de sua graça, 8 que fez 2:2 … para um conhecimento claro


superabundar para conosco do mistério de Deus, ou seja, Cristo …

em forma de toda sabedoria e 4:3 … para dar a conhecer o


discernimento, 9 em que nos fez mistério referente a Cristo …
conhecer ou mistério de sua vontade, 1:16 porque nele foram
criadas conforme a seu beneplácito, todas as coisas nos céus e na
o propósito que abrigou em si terra, o visível e o invisível, sejam

Efésios (Hendriksen)

12

mesmo nele, 10 para ser levado tronos ou domínios ou principados


ou a efeito no cumprimento de autoridades, todas as coisas por os
tempos, para reunir todas as meio dele e para ele foram criadas …

coisas sob uma cabeça em Cristo,

as coisas nos céus e as coisas

na terra; nele

1:19 Porque nele aprouve (a

Deus) ter habitando toda a

plenitude, 20 e por meio dele

reconciliar todas as coisas consigo

mesmo, … por meio dele, sejam as

coisas na terra ou as coisas nos céus.

11 em quem nós também 1:12 com alegria dando graças ao fomos


atos herdeiros, Pai quem vos fez aptos para tendo sido
predestinados participar da herança dos conforme ao propósito
daquele santos na luz …

que obra todas as coisas conforme 1:23 … e não movidos da ao


conselho de sua vontade, esperança que se deriva do 12 a fim de
que sejamos para a evangelho que vós ouvistes louvor de sua
glória, nós 1:27 a quem Deus quis dar a que antes tínhamos
centrado conhecer quais (são) as riquezas de nossa a glória deste
mistério entre os gentios, que é Cristo em vós,

a esperança de glória …

esperança em Cristo; 13 em quem

vós também (estais

incluídos), tendo escutado

a mensagem da verdade, o

evangelho de nossa salvação; e

havendo também crido nele, 1:5 … da qual vós já hão fostes


selados com o Espírito ouvido antes na mensagem da Santo da
promessa, 14 quem é verdade, o evangelho.

o objeto antecipado de nossa

herança, para a redenção da

Efésios (Hendriksen)

13

própria possessão (de Deus), para

louvor de sua glória.

15 Por esta razão, porquanto 1:3 Ao orar por vós, sempre ouvi da fé
no Senhor Jesus damos graças a Deus, o Pai de que (existe) entre
vós e de nosso Senhor Jesus Cristo, 4 porque vosso amor por todos
os ouvimos que vossa fé em Cristo santos, 16 não cesso de dar
graças Jesus e do amor que vós por vós, vos lembrando em
abrigais para com todos os santos, minhas orações, 17 (pedindo)
que 5 por causa da esperança o Deus de nosso Senhor reservada
para vós nos Jesus Cristo, o Pai de glória, vos céus, da qual já
ouvistes dê o Espírito de sabedoria e antes na mensagem da
verdade, revelação no verdadeiro a saber, o evangelho … 9 E por
esta conhecimento dele, 18 (tendo) razão, desde dia que o ouvimos
iluminados os olhos de vossos jamais cessamos que orar por
corações, para que saibais qual vós, pedindo que sejais cheios é a
esperança a qual ele vos com o conhecimento claro de seu chamou,
quais as riquezas da vontade (conhecimento que consiste) glória de
sua herança entre os em toda sabedoria e santos, 19 e qual a
sobressalente entendimento espiritual, 10 para grandeza de seu
poder que vivais vidas dignas dou Senhor, a (desdobrada) com
relação a (seu) completo agrado, em toda nós os que cremos,
segundo boa obra dando fruto, e vê-se naquela manifestação de
crescendo não conhecimento claro seu infinito poder 20 que
exerceu do Deus.

em Cristo quando lhe levantou de 1:11 sendo fortalecidos com toda


entre os mortos e lhe fez sentar fortaleza de acordo com seu a sua
mão direita nos lugares glorioso poder, a fim de exercer toda
celestiais, 21 muito acima classe de paciência e longanimidade; de
todo governo e autoridade e 12 com alegria dando graças ao Pai
poder e domínio e todo nome quem vos fez aptos para participar
que se nomeia, não somente em da herança dos santos na luz …

a idade presente mas também em 1:29 para o qual trabalho, lutando


a vindoura; 22 e sujeitou todas as em virtude de seu poder que obra
coisas baixo seus pés, e o poderosamente em mim.

Efésios (Hendriksen)

14

No quadro que se apresenta a seguir os números impressos em tipo


comum (1 2 3 4, etc.) indicam aqueles versículos do capítulo de
Colossenses que têm paralelos em Efésios. Os que estão impressos
em itálico ( 6, 7, 8 15, etc.) indicam os versículos que não têm
paralelos de importância na epístola maior. Os que se imprimem em
negrito (1:1 1:16
1:15 1:13, 18, etc.) imediatamente debaixo da referência
correspondente em Colossenses, indicam seus paralelos em
Efésios. 2

Colossenses

Capítulo 1

12345

1:1 1:1 1:16 1:15 1:13, 18

6 7 8 9 10

1:8, 15–17 1:17; 2:10; 4:1

11 12 13 14 15

1:19; 3:16; 6:10 1:11, 16 1:6 1:7

16 17 18 19 20

1:10, 21; 3:9, 10,

2 Se alguém comparar a lista impressa aqui com a qual se acha na


obra de C. L. Mitton, The Epistle to the Ephesians, pp. 316–318,
descobrirá que as duas diferem entre si em alguns detalhes de
importância. Mitton, como se deve lembrar, nega a paternidade
literária paulina de Efésios. Vê uma semelhança entre Cl 1:8 e Ef
3:5 e 6:18. No entanto, o único detalhe com relação ao qual as três
passagens são parecidas é a frase “em Espírito”. Esta frase, achada
tanto nas epístolas atribuídas a Paulo de forma quase unânime (Rm
8:9; 9:1; 14:17; 1 Co 12:3), e nas epístolas pastorais (1Ti. 3:16), é
de escasso valor para determinar se Paulo foi, ele mesmo, ou algum
imitador, o escritor de Efésios.

Além disso, é difícil ver alguma semelhança entre Cl 1:17 e Ef 5:1;


entre Cl 4:16 e Ef 3:4, salvo pelo fato de que ambas fazem
referência à leitura. E quanto à bênção final em Cl 4:18, embora se
admita que as palavras, “graça (seja) a vós” são semelhantes a
“Graça (seja) com todos os que” em Ef. 6:24, não obstante, quando
as duas bênçãos completas são comparadas é o contraste antes
que sua semelhança o que chama a atenção. A lista que aqui se dá
difere em outras determinadas passagens com a qual achamos na
obra do Mitton. Foi confeccionada depois de um cuidadoso exame
de cada passagem em particular.

Efésios (Hendriksen)

15

15; 6:12 1:22; 5:23 1:23 1:10; 2:13, 14, 16

21 22 23 24 25

2:12, 13, 16; 1:4; 2:13, 16; 3:1, 2, 6, 7, 17 1:22, 23; 3:1,13 3:2, 7

4:18 5:27

26 27 28 29

3:3–5, 9, 10, 21 1:9, 18; 3:6, 9, 3:10; 5:27 3:7, 10, 20

10

Capítulo 2

12345

1:9; 3:9, 10 5:6

6 7 8 9 10

2:20: 3:17 1:23; 4:13 1:21

11 12 13 14 15

2:11 1:20 2:1 2:15


16 17 18 19 20

2:21; 4:15, 16

21 22 23

4:14

Capítulo 3

12345

1:20; 2:6 5:3, 5; 4:19

6 7 8 9 10

2:2, 3; 5:6 2:3 4:22, 29, 31; 5:4 4:22, 25 2:15; 4:24

Efésios (Hendriksen)

16

11 12 13 14 15

1:4; 4:2, 32 4:2, 32 4:2, 3; 5:2 2:14; 4:1, 3, 4

16 17 18 19 20

5:19, 20 5:20 5:22, 24, 33 5:25, 28, 33 5:10; 6:1

21 22 23 24 25

6:4 6:5–7 6:5, 7 6:6, 8 6:8, 9

Capítulo 4

12345

6:9 6:18 1:9; 3:9; 6:19, 20 6:20 5:15, 16


6 7 8 9 10

4:29 6:21 6:22

11 12 13 14 15

16 17 18

É verdade que mesmo assim achamos que a lista dada mais acima,
na qual os quatro capítulos de Colossenses constituem a base de
comparação, mostram uma notável semelhança. Não obstante, esta
semelhança não é de modo nenhum uniforme. São muitas as
analogias especialmente nos capítulos 1 e 3. Mas também é
honesto tomar nota das diferenças existentes. Em Colossenses 2 e
4 (com exceção de Cl 4:7, 8; cf. a quase idêntica passagem em Ef
6:21, 22) o contraste é tão visível como o é a semelhança ou talvez
ainda mais. Vemos então claramente que aquela teoria, segundo a
qual quem quer que tenha escrito Efésios simplesmente fez uma
cópia de Colossenses, acrescentando um

Efésios (Hendriksen)

17

parágrafo aqui e uma frase lá, não concorda com os fatos. Existe
uma diferença substancial definida entre as duas epístolas.
Naturalmente, não são contradições, mas sim diferenças. Junto com
tudo o que é semelhante vê-se uma linha de pensamento que se
desenvolve em Colossenses e que não aparece com semelhante
ênfase em Efésios.

Conforme o indica de forma especial o segundo capítulo de


Colossenses, e é confirmado nos outros capítulos, a epístola menor
faz grande ênfase em Cristo, “O Preeminente”, o único e suficiente
Salvador. Além disso seu estilo é polêmico. É uma defesa da
verdade contra a heresia. O tema de Efésios é diferente, como se
verá no capitulo V da presente introdução. E seu estilo é doxológico.
A epístola maior é um arranque de humilde louvor e adoração.
Voltando agora para Efésios, as passagens comparadas com
Colossenses são claras ao observar as colunas paralelas nas pp.
14–27

onde a base de comparação é o texto da epístola maior, impressa


de forma continuada na primeira coluna. Não é, portanto, necessário
agora dar uma tábua de referências para Efésios tal como o fizemos
para Colossenses. Efésios contém 155 versículos dos quais mais da
metade são paralelos, ou parcialmente paralelos, a Colossenses. Às
vezes mais de uma passagem de Efésios se pôs em paralelo com
uma passagem de Colossenses. Assim Ef 4:2–4 e 4:32–5:2 são
semelhantes a Cl 3:12–15.

E para ambos os versículos de Ef 5:22 e 5:33b veja-se Cl 3:18; para


Ef 5:25a e 5:33a veja-se Cl 3:19; etc. (Pode-se proceder também ao
contrário: para Cl 1:11 e 1:29 veja-se Ef 1:19; para Cl 1:22 e 1:28
veja-se Ef 5:27; etc.).

Também com relação a Efésios, no entanto, é necessário assinalar


não só as passagens que correspondem às de Colossenses, mas
também as que não correspondem. Embora as duas epístolas
tenham sido chamadas gêmeas, estas gêmeas não são de modo
algum idênticas.

Assim então, tomando para comparar como ponto de partida o


primeiro capítulo de Efésios, observamos que o parágrafo
concernente à igreja com seu eterno fundamento em Cristo e o
louvor por toda bênção

Efésios (Hendriksen)

18

espiritual que se rende ao Pai, Filho, e Espírito Santo (vv. 3–6, 7–12,
13, 14), não tem paralelo em Colossenses. As referências à terceira
pessoa da Santa Trindade (Ef 1:13, 17; e cf. Ef 2:18, 22; 5:16; 4:3,
4, 30; 5:9, 18; 6:17, 18) não são repetidas com igual frequência na
epístola menor, a qual menciona o Espírito somente uma vez (Cl
1:8). 3 E também muitas referências à “igreja” em seu sentido mais
amplo, referências que começam já no capítulo 1 e que continuam
em capítulos posteriores (Ef 1:22; 3:10, 21; 5:23–25, 27, 29, 32),
diferenciam Efésios de Colossenses.

Quando vamos ao segundo capítulo de Efésios lembramos


novamente que esta carta não é de modo nenhum cópia de
Colossenses.

Embora, certamente, Colossenses, tanto como Efésios, engrandece


a graça de Deus (Ef 1:6), no entanto, em nenhum lugar da epístola
menor achamos algo que se iguale a Ef 2:7–10 no sentido de
afirmar e enfatizar nitidamente o caráter soberano desta graça e sua
relação com a fé e as obras. Além disso, a verdade concernente ao
propósito universal da salvação provida pela graça, de modo que
por meio do sangue de Cristo os homens que antes foram
inflamados inimigos agora não só são reconciliados com o Pai, mas
também além disso, por causa do mesmo fato, são reconciliados
também um ao outro (Ef 2:11–18), embora isto esteja implicado
também em Colossenses, é posto em relevância somente em
Efésios.

Não há muito em Colossenses que sirva de paralelo aos últimos


parágrafos do terceiro capítulo de Efésios, aquela seção que contém
a comovedora oração (Ef 3:14–19) e a doxologia (Ef 3:20, 21).

Certamente o pouco que achamos ali é suficiente para mostrar quão


razoável é pensar que quem escreveu Cl 1:9b–14 (e Fp 1:9–11) foi o
escritor de Ef 3:14–21 (cf. também Ef 1:17–23). Mas, a elevada
meta descrita nas palavras, “para que vós … sejais capazes,
juntamente com todos os santos, de compreender qual seja a
largura e longitude e altura e 3 Esta referência, no entanto, é
discutida, embora, segundo meu parecer, sem razão válida. Veja-se
C.N.T. em Colossenses e Filemom, pp. 67, 68.

Efésios (Hendriksen)

19
profundidade, e conhecer o amor de Cristo que ultrapassa o
conhecimento; para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus”
(Ef 3:17–19), é única.

Tal como as colunas paralelas também indicam claramente, há


muito em Efésios 4:1–16 para o que não existe paralelo em
Colossenses.

A unidade orgânica (em diversidade) e o crescimento da igreja


descreve num parágrafo que é diferente a tudo o que achamos na
epístola gêmea, embora, certamente, a ideia não está totalmente
ausente em Colossenses (cf. Cl 3:15).

A gloriosa renovação tratada em Ef 4:17–6:9 (observe-se


especialmente Ef 4:23, 24; 5:14) e que se torna evidente não só na
relação dos crentes com os de fora, mas também nas atitudes
recíprocas entre os membros da mesma família (esposas, maridos;
filhos, pais; escravos, amos), embora repetida grandemente em
Colossenses, é descrita em Efésios como obra do Espírito Santo (Ef
4:30), por meio do qual os homens se voltam das “trevas” à “luz” (Ef
5:6–14). A metáfora trevas à luz aparece numa comovedora
passagem que, novamente, não tem verdadeiro paralelo em
Colossenses, embora a ideia em germe seja vista ali (Cl 1:13). E
aquele pensamento tão chamativo em que a relação entre um
esposo crente e sua esposa está arraigada em e modelada segundo
a relação de Cristo e a igreja (Ef 5:23–32), é tal que se destaca por
si mesmo.

Em Ef 6:10–24 é especialmente a seção que descreve a eficaz


armadura do cristão (Ef 6:10–20) que diferencia as duas epístolas
entre si. Excetuando os vv. 18–20, Colossenses não tem muito que
lhe corresponda.

Ficou claro que os parágrafos — alguns deles extensos — e as


muitas passagens individuais em que Efésios difere de Colossenses
são muito numerosos e muito significativos para ser considerados
como meras amplificações. Ao contrário, constituem um modelo e
dão a Efésios um caráter diferente. Isto chegará a ser ainda mais
claro no

Efésios (Hendriksen)

20

capítulo V desta introdução, onde se discute o tema de Efésios e se


considera a distribuição do material encerrado nesse tema.

III. PATERNIDADE LITERÁRIA

A. Resposta aos argumentos que negam a Paulo como seu escritor


A epístola aos Efésios foi chamada «a mais divina composição do
homem», «a essência refinada da religião cristã», «o compêndio de
maior autoridade e mais acabado da fé cristã», «cheia até seus
borde de pensamentos e doutrinas sublime e transcendentais», etc.
Tal é a impressão que deixou em estudantes profissionais e leigos, e
em crentes através de toda a história da igreja em todas as nações.
Por conseguinte, negar o testemunho universal da igreja primitiva,
ou seja, que foi o apóstolo Paulo, homem ricamente dotado pelo
Senhor de talentos de coração e mente, quem a escreveu, faz-nos
pensar que se requer o que alguns chamariam «ousadia» e outros,
«temeridade». Estes epítetos seriam ainda mais apropriados se à
negação for acrescenta a insinuação de que o escritor era um
personagem muito mais obscuro que o apóstolo.

Não obstante, tais negações foram lançadas e tais insinuações


foram propostas. 4

4 Não deveria ser necessário neste ponto nos preocupar da


negação de F. C. Baur (n. 1792, m. 1860) e sua escola. Para
homens dessa classe, parece que tudo fica definido quando uma
epístola se caracteriza por sua linha de argumentação anti-judaica.
Deste modo, todo o pensamento de Paulo fica forçado dentro de um
só sulco. O Paulo histórico, segundo a apreciação do Baur e seus
discípulos, achava-se sempre preparado para o combate. daí que
quando uma epístola tem um tom conciliatório, como no caso de
Efésios, descrevendo à igreja universal, em que judeus e gentios se
reconciliaram não só com Deus mas também além entre si por meio
da cruz, não se requerem mais gestos para provar que se procura
uma epístola não paulina e postpaulina. Mas se algumas gestos
fossem necessárias seriam (segundo Baur c.s.) a presença, tanto
em Colossenses como em Efésios, de tendências gnósticas, e em
Ef 4:9 a doutrina da descida ao Hades. No entanto, é hoje em dia
um assunto fora de discussão, que já nos dias de Paulo o
gnosticismo incipiente começava a levantar cabeça, e quanto a Ef
4:9, veja-se o comentário sobre essa passagem.

Depois de Baur um vigoroso ataque referente à autenticidade de


Efésios, com argumentos que se parecem muito aos da mais
recente crítica, foi realizado por S. Hoekstra dos Países Baixos em
seu artigo “Vergelijking van de Brieven aan de Efeziërs em de
Colossers, vooral uit het Oogpunt van

Efésios (Hendriksen)

21

Os principais argumentos que preponderaram contra a paternidade


literária de Paulo são dois que, pelo menos até certo ponto,
eliminam-se mutuamente:

1. A semelhança é muita estreita

a. Efésios é parecido com Colossenses

Beider Leerstelligen Inhoud”, TT (1868), pp. 562–599. Hoekstra


considerou Efésios como uma tentativa de refrasear o conteúdo de
Colossenses de modo que Efésios cobrasse uma aparência mais de
acordo com a doutrina do verdadeiro Paulo. Segundo o modo de ver
de Hoekstra, o autor, quem quer que fosse, era contrário a todas
aquelas teorias teosóficas a respeito de Cristo que se achavam em
Colossenses, teorias que desconectavam ao cristianismo de suas
fundações históricas e de sua perdurável conexão com a antiga
dispensação.
Entre os que mais recentemente rejeitaram a Paulo como escritor
estão os eruditos britânicos James Moffat, Introduction to the
Literature of the New Testament, Nova York, 1918, quem nem
sequer classifica Efésios com a literatura paulina; B. H. Streeter, que
discute “The Pauline Corpus” em sua obra The Primitive Church,
Nova York, 1929; W. L. Knox, St. Paul and the Church of the
Gentiles, Cambridge 1939; e especialmente C. L. Mitton, The Epistle
to the Ephesians, Its Authorship, Origin and Purpose, Oxford, 1951;
cf., pelo mesmo autor, The Formation of the Pauline Corpus of
Letters, Londres, 1955; “Problemas não resolvidos do Novo
Testamento: Teoria concernente à origem de Efésios, de E. J.
Goodspeed”, ET, 59 (1947–1948), pp. 323–327; “Teoria concernente
à origem de Efésios, de E. J. Goodspeed”, ET, 60 (1948, 1949), pp.
320–321; “Hipóteses importantes reconsideradas; VII A paternidade
literária da epístola aos efésios”, ET, 67 (1955–1956), pp. 195–198.

Na América foi especialmente E. J. Goodspeed que atacou a


paternidade literária de Paulo e insinuou que Onésimo (o escravo
fugitivo por quem Paulo intercedeu em sua epístola a Filemom) em
sua posição posterior como bispo da igreja de Éfeso, não só fez
uma coleção das epístolas paulinos, mas também ele mesmo
escreveu Efésios como um comentário introdutório, The meaning of
Ephesians, Chicago, 1933; cf. também pelo mesmo autor New
Chapters in New Testament Study, Nova York, 1937; p. 32; y The
Key to Ephesians, Chicago 1956, xvi. F. W. Beare (Toronto, Canadá)
expõe suas razões para a rejeição de Paulo como autor em seu
comentário, The Epistle to the Ephesians ( Interpreter’s Bible, Vol. X,
pp. 597–601).

Entre os defensores da paternidade literária de Paulo merece ser


mencionada acima de tudo a erudita obra de E. Percy, Die Probleme
der Kilosser-und Epheserbriefe, Lund, 1946. É deplorável que C. L.
Mitton, num prefácio de sua já mencionada obra: The Epistle to the
Ephesians, Its Authorship, Origin and Purpose, tenha admitido que
seu livro se achava já em mãos do impressor antes que lhe tivesse
sido possível ter acesso à dissertação de Percy. O ponto de vista
tradicional de que Paulo tenha escrito Efésios, é defendido também
pelos seguintes, para mencionar só uns poucos: Abbott, Barclay,
Barry, Bartlett, Bowman, Brown, Bruce, Findlay, Greijdanus,
Grosheide, Hodge, Hort, Moule, Robinson, Scott and Westcott. No
relativo a títulos veja-se a bibliografia geral no final deste livro.

Efésios (Hendriksen)

22

Declara-se que a semelhança entre as duas epístolas é tão próxima


que se Paulo foi o escritor de Colossenses é impossível então que
tenha escrito Efésios.

Resposta: Este argumento foi respondido amplamente no capítulo


precedente. A teoria tradicional, segundo a qual o mesmo escritor
por volta do mesmo tempo foi quem escreveu cartas a pessoas que
viviam na mesma província romana, mas desenvolveu temas que,
embora estreitamente relacionados, são no entanto essencialmente
diferentes, encaixa com os dados. Além disso, vários dos paralelos
existentes entre Colossenses e Efésios se acham também em
outras epístolas de Paulo.

Em tais casos então, e supondo que Colossenses tenha sido escrita


antes que Efésios, 5 pode assegurar-se que quem quer que tivesse
escrito as passagens de Efésios estava usando somente
Colossenses como base para sua composição? Acaso não pôde
também ter tido em mente Romanos, 1

e 2 Coríntios, Gálatas ou alguma das outras epístolas paulinas? Isto


nos leva ao próximo ponto:

5 Quer Colossenses precedeu a Efésios ou vice versa é algo que


não se pode determinar com exatidão.

O ponto de vista comum — e pareceria lógico — é que Paulo, tendo


escrito Colossenses, onde trata uma situação particular (a negação
da total suficiência de Cristo para salvar), mais tarde passou do
particular ao mais geral, das circunstâncias existentes numa igreja
em particular ou das igrejas do vale Lycus, ao plano de Deus sobre
a redenção com olha à igreja universal. O fato de que Efésios seja
das duas epístolas a mais extensa, ampliam-dose em certos temas
que quase não se tocam em Colossenses, pode também ser
interpretado de forma tal que conduza a esta conclusão.
Colossenses 4:16b (“procurem que vós leiam também a epístola de
Laodiceia”) não é uma refutação a esta teoria. Não indica que
Efésios necessariamente deva ter precedido a Colossenses. Até se
a epístola “de Laodiceia”

se refira a Efésios, hipótese que não pode ser provada (veja-se


C.N.T. sobre Colossenses e Filemom, pp. 226, 227), isto deixaria
lugar ainda para pelo menos dois possibilidades das quais nenhuma
excluiria a prioridade de Colossenses: a. o apóstolo escreveu
(exemplo., ditou) Colossenses em sua totalidade, incluindo Ef 4:16,
tendo em seus planos escrever Efésios muito em breve, as duas
cartas (mais a carta a Filemom) deviam ser levadas a seus
respectivos destinos pelo mesmo mensageiro, Tíquico, na mesma
viagem (cf. Cl 4:7–9; Ef 6:21, 22); ou b. depois de ter escrito
Colossense excetuando Ef 4:16 (pelo menos) e tendo composto
depois também Efésios, Paulo revisou então a primeira lhe
acrescentando Ef 4:16. A respeito da complicada teoria de H. J.
Holtzmann relativa à composição das duas epístolas veja-se C.N.T.
sobre Colossenses e Filemom, pp. 40, 41. Para a defesa da
prioridade de Colossenses cf. E. P. Sanders, “Literary Dependence
in Colossians”, JBL (março 1966), p. 29.

Efésios (Hendriksen)

23

b. Efésios é muito parecida às outras epístolas de Paulo.

Afirma-se que as palavras e frases das outras epístolas (excluindo


no momento não somente Colossenses mas também as Pastorais),
repetem-se com maior frequência em Efésios que em qualquer das
outras epístolas autênticas escritas pelo grande apóstolo. Disto se
deduz então que algum hábil imitador, discípulo do renomado
mestre e muito familiarizado com suas cartas autênticas e, por esta
razão, capacitado para reproduzir de cor suas palavras e frases,
deve ter sido o verdadeiro escritor de Efésios.

Resposta:

(1) Existe grande divergência de opinião entre os estudiosos no


relativo à extensão real desta semelhança. E. J. Goodspeed
assevera que de 618 breves frases em que Efésios pode ser
dividido há não menos de 550 que têm inconfundíveis paralelos em
Paulo, seja em palavras ou em essência. Por outro lado, A. S.
Peake e T. K. Abbott não veem em Efésios evidência alguma, ou
talvez muito pouca, de ter-se extraído elementos de qualquer das
epístolas de Paulo exceto Colossenses. C. L.

Mitton, embora convencido de que uma percentagem como aquela


que dá Goodspeed é um exagero, concorda com ele em sua
conclusão geral, que as semelhanças são tão numerosas e de tal
caráter que alguém que não Paulo deve ter sido o escritor de
Efésios. Não obstante, um detalhado exame de extratos dos que
Mitton considera mais convincentes foi incapaz de convencer a
muitos. Algum discípulo, reproduzindo de cor ou mesmo diante do
manuscrito, as palavras de Rm 3:24,

“justificados gratuitamente por sua graça mediante a redenção que


há em Cristo Jesus”, teria expresso isto nos termos seguintes:
“mesmo quando estávamos mortos por causa de nossos delitos,
(ele) vivificou-nos juntamente com Cristo — pela graça fostes salvos
—” (Ef 2:5)?

Certamente que existe aqui conformidade de doutrina e a frase “pela


graça” é usada em ambas as passagens. Mas, não é porventura
mais razoável atribuir a importante alteração da fraseologia em geral
a um escritor original que assimilou profundamente este fato central
da

Efésios (Hendriksen)
24

redenção e que refunde seu próprio pensamento num diferente


molde? O

mesmo é válido também no que respeita a outros paralelos tais


como Rm 8:28, cf. Ef 1:11; 1Co 3:6, cf. 2:21; Gl 1:15, cf. Ef 3:8; Fm
13, cf. Ef 6:20; etc. Em todos estes casos existe, certamente, certo
grau de semelhança, mas um parecido tão estreito para negar que
Paulo seja o escritor de maneira nenhuma! Em cada caso, se é que
o mesmo escritor é o autor de ambas as passagens em questão,
nem sua semelhança nem sua divergência devem causar-nos
admiração nem fazer sentir a necessidade de maior explicação.

(2) Visto que o escritor de Efésios está desenvolvendo o tema A


igreja gloriosa, uma igreja enriquecida por todas as bênçãos da
salvação que Deus, somente por sua graça derrama sobre judeus e
gentios, “para louvor de sua glória”, não é de maneira alguma
estranho que, pelo menos quanto a conteúdo, muitas das
passagens desta epístola carcerária se assemelhem às de outras
cartas onde se desenvolve o mesmo ou muito parecido tema. O
tema salvação (“justificação”) somente pela graça é igualmente
central em Romanos e Gálatas e constitui a base das exortações
em todas as demais epístolas.

(3) Efésios oferece muito escasso material de tipo polêmico, e há


poucas — segundo alguns não há — referências locais. Isto deixa
maior lugar para semelhanças concernentes a ensino positivo.

(4) Efésios foi escrita mais tarde que a maioria das outras epístolas.

Seu conteúdo é, por assim dizer, um sumário de doutrina. É por esta


razão além que ao lê-la, esperar-se-ia ouvir mais ecos provenientes
de outras epístolas que o que se poderia esperar perceber em
qualquer outro lugar.

Agora, ao comparar Efésios com outras epístolas de Paulo não


existe nenhuma boa razão para omitir as Pastorais (1 e 2 Timóteo e
Tito), como se fosse um fato já estabelecido que elas não tivessem
sido escritas por Paulo. Ao contrário, a intenção de desacreditar o
direito de Paulo sobre elas como seu escritor é um fracasso. Veja-se
C.N.T. sobre 1 e 2

Timóteo e Tito, pp. 10–41; 428–432. A explicação mais sensata


relativa

Efésios (Hendriksen)

25

à quantidade de semelhanças, com frequência de pensamento, mas


às vezes até de idêntica fraseologia, entre Efésios e as Pastorais, é
que as quatro epístolas brotaram da mesma mente e do mesmo
coração.

Observe-se o seguinte:

Efésios 1 e 2 Timóteo e Tito As doxologias irrompem


repentinamente

“Agora a ele que é poderoso para “Portanto, ao rei dos fazer


imensamente mais que séculos, o único Deus imortal, tudo o que
pedimos ou imaginamos invisível, (seja) honra e

… seja a glória … para glória pelos séculos dos sempre jamais” (Ef
3:20, 21). séculos!” (1Tm 1:17).

Cf. Ef 1:3ss. Cf. 1Tm 6:15, 16; 2Tm 4:18.

Os crentes são eleitos de Deus

“Conforme nos escolheu nele antes da “Por isso suporto todas as


coisas por fundação do mundo” (Ef 1:4). amor dos escolhidos” (2Tm
2:10).

O principal propósito do homem é a glória de Deus


“… para louvor da glória da “ele ( seja ou é) a glória pelos sua
graça” (Ef 1:6); “… louvor séculos dos séculos.

de sua glória” (Ef 1:12, 14). Amém” (2Tm 4:18).

O evangelho é “a palavra ou mensagem (logos) da verdade”

“… a mensagem da verdade, o “… que usa corretamente evangelho


de vossa salvação” a palavra de verdade” (2Tm 2:15).

(Ef. 1:13).

Foi por causa do amor de Deus que os pecadores foram salvos

“… entre os quais nós “Porque num tempo nós também vivíamos


nas também estávamos …

Efésios (Hendriksen)

26

concupiscências de nossa carne … escravizados a paixões e Deus,


sendo rico em misericórdia, prazeres diversos … Mas por causa de
seu grande quando se manifestou a amor com que nos amou, até
bondade de Deus nosso quando estávamos mortos a Salvador e
seu amor ao causa de nossos delitos, nos homem, nos salvou” (Tito
3:3-5).

vivificou juntamente com Cristo”

(Ef 2:3–6).

É a graça — não as obras — o que nos salvou

“Porque pela graça fostes “(Deus) o qual nos salvou e salvos por
meio da fé; e nos chamou com vocação isto não de vós, (é) dom de
santa, não conforme as nossas Deus; não por obras, para que
obras, mas sim segundo seu propósito ninguém se jacte” (Ef 2:8, 9).
e graça” (2Tm 1:9). Cf. Tito 3:5.
Não obstante, as boas obras são necessárias como fruto
(jamais é a raiz!) da graça

“… (nosso grande Deus e

Salvador Cristo Jesus)

“Porque feitura de suas mãos que se deu a si mesmo somos,


criados em Cristo Jesus para … purificar para si um para boas
obras, que Deus povo, seu próprio, preparou de antemão para que
zeloso de boas obras”

andássemos nelas” (Ef 2:10). (Tt 2:13, 14). Cf. 1Tm 2:10; 6:18; 2 Ti.
3:17; Tt 3:8.

Cristo é o único mediador

“Porque (há) só um Deus,

“Porque por meio dele ambos e (há) um só Mediador temos nosso


acesso a um entre Deus e homens, o Espírito ao Pai (Ef 2:18).
homem Cristo Jesus” (1Tm 2:5).

Efésios (Hendriksen)

27

Paulo se considera indigno

“Fiel (é) a declaração, e digna

“A mim, o menos importante de plena aceitação, que todos os


santos foi dada Cristo Jesus veio ao mundo esta graça” (Ef 3:8).
para salvar pecadores, primeiro dos quais sou eu” (1Tm 1:15).

O mistério da salvação em outro tempo escondido,

agora se revelou
“… mistério que pelas idades “… seu próprio propósito e esteve
oculto em Deus … a fim graça, que foi dada em de que agora …
seja dado a conhecer Cristo Jesus antes dos por meio da igreja a
tempos da eternidade, iridescente sabedoria de Deus, mas agora se
manifestou conforme ao propósito eterno pela aparição de nosso
que ele formou em Cristo Jesus Salvador Cristo Jesus”

nosso Senhor” (Ef 3:9–11). (2Tm 1:9, 10).

O Cristo que ascendeu instituiu os ofícios para

o aperfeiçoamento dos crentes

“E foi ele quem deu a alguns

(para) apóstolos … equipar “… para que o homem de Deus


inteiramente aos santos para esteja equipado, para toda a obra de
ministério, com miras boa obra completamente à edificação do
corpo de equipado” (2Tm 3:17).

Cristo” (Ef 4:11, 12).

As esposas devem estar sujeitas a seu próprio marido

“Esposas, (vos submeta) a vossos “… de modo que podem ensinar


às próprios maridos como ao Senhor” mulheres a ser … sujeitas a
seus maridos”

(Ef 5:22). (Tt 2:4, 5).

Efésios (Hendriksen)

28

Somos salvos mediante um lavamento espiritual, o da


regeneração, simbolizado pelo batismo

“… purificando-a pelo lavamento “… por meio do lavamento da de


água …” (Ef 5:26). a regeneração” (Tt 3:5).
Grande é o mistério cujo centro é Cristo

“Este mistério é grande …” “E confessadamente grande (Ef 5:32). é


o mistério de (nossa) devoção (1Tm 3:16).

A graça e a fortaleza do Senhor são a

fonte de poder dos crentes

“Finalmente, buscai vossa “Tu, pois, meu filho, esforça-te na graça


(fonte de) poder no Senhor e (que é) em Cristo Jesus” (2Tm 2:1).

na potência de sua fortaleza”

(Ef 6:10).

Ao combinar-se a graça, o amor, e a fé,

sobrevém a verdadeira paz

“Paz (seja) aos irmãos, e

amor com fé, de Deus o Pai e

do Senhor Jesus Cristo. Graça “E superabundou a graça de (seja)


com todos os que amam a nosso Senhor, com fé e amor nosso
Jesus Cristo com (um em Cristo Jesus” (Ti. 1:14).

amor) imperecível” (Ef 6:23, 24).

Ora, vemos em tudo isso que a total harmonia com as principais


ideias encontradas nas epístolas atribuídas por quase todos a
Paulo, revestidas também de uma rica variedade de expressões,
leva a pensar num só escritor e não em alguma das duas hipóteses,
ou seja, a. que um discípulo de Paulo retocou passagens de
Efésios, produzindo assim o

Efésios (Hendriksen)
29

material que se acha agora nas Pastorais, ou b. que a pessoa que


compôs Efésios obteve material das Pastorais.

c. Efésios assemelha-se a 1 Pedro

Não se deve passar por alto o fato de que algo do material que há
em Efésios é semelhante ao que se acha na literatura não paulina
do Novo Testamento. Existem, por exemplo, semelhanças de
importância entre Efésios e 1 Pedro. Observe-se o seguinte:

Efésios 1 Pedro

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso

Senhor Jesus Cristo 1:3 1:3

“antes da fundação do mundo” 1:4 1:20

“para que saibais qual é a esperança …

qual a herança … e qual o … poder …

que exerceu em Cristo quando o levantou

dentre os mortos” 1:18-20 1:3-5

“ele (Deus) o levantou (a Cristo) dentre os

mortos, e lhe fez sentar a sua mão direita

… muito acima de todo principado e

autoridade e poder” 1:20.21 3:21,22

“os filhos de desobediência” … “filhos da ira” 2:2,3 1:14, 22

“sendo Cristo o próprio Jesus a principal


pedra do esquina” 2:20 2:4, 8

Efésios (Hendriksen)

30

“em outras gerações não se deu a conhecer

… agora … seja dado a conhecer …” 3:5, 10 1:10-12

“humildade … mansidão … paciência …

amor”, etc. 4:2, 3 3:8,15; 5:5

“desprezando a falsidade … amargura e

cólera e ira e gritaria e maledicência,

juntamente com toda malícia” 4:25, 31 2:1

“compassivos” 4:32 3:8

norma de deveres domésticos 5:22-6:9 2:18-3:7

“Revesti-vos de toda a armadura de Deus

para que possais estar firmes contra os

métodos ardilosos do diabo” 6:11 5:8, 9a d. Efésios assemelha-se a


Lucas e Atos

Semelhantemente existem semelhanças entre Efésios e os escritos


de Lucas. Em cada um dos três o amor e a graça, a misericórdia e o
perdão divinos se expõem de forma proeminente (Ef 1:4, 6–8; 2:5–8;
Lc 1:48; 4:18; 5:20; 7:47, 48; At 5:31; 11:23; 13:38, 43; 14:3, 26;
15:11, 40; 26:18). Há ênfase na oração, com frequência intercessora
quanto ao seu conteúdo (Ef 1:15, 16; 3:14; 6:18; Lc 1:9, 10, 13;
2:37; 3:21; 5:16; 6:12, 18; etc.; At 1:14; 2:42; 4:24–31; 10:4; 12:5;
etc.). Há ação de graças, louvor, e canto (Ef 1:6, 12, 14, 16; 5:19,
20; Lc 1:46, 67–79; 2:13, 14, 20, 29–32, 47; 3:8, 9; 24:52, 53; At
2:47; 15:31; 16:25, 34). Isto não nos deve surpreender visto que o
que se está proclamando é um evangelho que abre seus braços a
todo mundo (Ef 2:18; Lc 1:78, 79; 2:32; 13:29; At 2:17–21; 13:46;
15:7–9; 22:). É o evangelho de salvação plena e gratuita mediante o
derramamento do sangue de Cristo (Ef 1:7; 2:13; Lc 22:20,

Efésios (Hendriksen)

31

44; At 20:28). Por conseguinte, em sua análise final, toda bênção


procede de Deus, estava incluída desde antes da fundação do
mundo em seu decreto que abrange tudo, e flui de Sua soberana
“boa vontade” (Ef 1:4, 5; Lc 2:14; 17:26–28). Nada, seja bom ou
mau, jamais acontece fora de Seu universal decreto eterno (Ef 1:11;
Lc 22:22; At 2:23; 13:29). As bênçãos que se recebem na terra
descem do céu, provenientes do Mediador ascendido e exaltado (Ef
1:3, 20–22; 4:8–10; Lc 24:50, 51; At 1:6–11; 2:32–36; 7:55, 56). Foi
daquele lar celestial de onde Jesus enviou o Consolador, para que
os Seus pudessem ser “cheios do Espírito Santo” (Ef 5:18; Lc 1:15,
41, 53, 67; At 2:4, 33; 4:8, 31; etc.). Ao receber estas maravilhosas
bênçãos, o homem não permanece passivo.

Ao contrário, mediante o Espírito Santo, “cingidos os lombos” (Ef


6:14; Lc 12:35), e caminhando na luz, os crentes denunciam as
obras das trevas (Ef 5:8–14; Lc 1:79; 11:33–36; 12:3; 16:8).

e. Efésios assemelha-se aos escritos joaninos

O último contraste mencionado — luz contra trevas — encontra-se,


não obstante, não só em Efésios e Lucas, mas também em outros
escritos inspirados e proeminentemente nos escritos de João (Jo
1:4–9; 3:19–21; 8:12; 1Jo 1:5, 7; 2:8–10; etc.; cf. também Ap 21:22–
26). Tem-se dito com frequência que Efésios exala a fragrância dos
escritos de João. Com efeito, observe-se não somente o contraste
luz e trevas, mas também o muito semelhante contraste entre vida e
morte (Ef 2:1, 5; 4:18; Jo 1:4; 5:24; 1Jo 3:14; Ap 3:1). Outro
contraste — neste caso não adverso mas sim complementar — com
relação ao qual Efésios nos lembra uma das expressões de João,
aquela entre a descida e a ascensão de Cristo (Ef 4:9, 10; Jo 3:13;
6:38, 41; 50, 51, 58, 62; 16:28). Muitas são as bênçãos que descem
sobre a igreja provenientes do Cristo ascendido. Também foi em
Cristo que mesmo antes da fundação do mundo” (Ef 1:4; Jo 17:24;
cf. 17:5; Ap 13:8; 17:8) foram escolhidos os crentes. Foram
predestinados para adoção como filhos (Ef 1:5; Jo 1:12; 1Jo 3:1).
Além disso, todos eles, tendo sido escolhidos desde a eternidade
“em Cristo”

Efésios (Hendriksen)

32

(Ef 1:3, 4, 6, 7, etc.; Jo 15:5), o qual habita neles Ef 3:17; Jo 14:20;


cf.

Ap 1:13), constituem uma unidade (Ef 4:1–16; Jo 15:12; 17:21–23).


O

propósito da permanência ativa e energética de Cristo no crente é


que possa apresentar a igreja a si mesmo resplandecente em
pureza, livre de mancha ou ruga, perfeitamente santificada (Ef 5:27;
cf. 3:14–19; 4:17–

24; Jo 15:2; 7:17–19), limpa pela palavra falada (Ef 5:26; Jo 15:3).
Esta igreja é o objeto de seu amor. De repetição muito frequente
tanto em Efésios como na literatura joanina é a palavra amor, usada
como substantivo e como verbo ( substantivo: Ef 1:4, 15; 2:4; 3:14–
19; verbo: 2:4; 5:2; substantivo: Jo 5:42; 13:35; 15:9; 1Jo 2:5, 15;
2Jo 3, 6; 3 Jo 6; Ap 2:14, 19; verbo: Jo 3:16; 1Jo 2:10; 2Jo 1, 5; 3Jo
1, só para mencionar algumas referências). E acaso não é verdade
que, segundo Efésios e João, Cristo é “o Amado” do Pai? (Ef 1:6; Jo
3:35; 10:17; 15:9; 17:23, 24, 26). Por causa de seu infinito e terno
amor os crentes são “selados”
em seu Espírito (Ef 1:13; 4:30; Jo 6:27; Ap 5:1–9; 6:1; 7:3–8). Eles
recebem o tranquilizador testemunho do Espírito Santo. Em
qualquer circunstância da vida em que os crentes tenham
necessidade de perdão e graça sustentadora, seu Salvador lhes dá,
dentro de limite (“conforme a medida”, Ef 4:7) a porção
correspondente, uma vez que é Ele que recebeu o Espírito em grau
ilimitado (“sem medida”, Jo 3:34). Ele

“conheceu” Suas ovelhas desde a eternidade, e eles anelam


“conhecer o amor de Cristo que ultrapassa todo entendimento” (Ef
3:19). Observe-se a combinação destas duas entidades que calçam
perfeitamente: a.

conhecimento experimental e b. amor que se experimenta. Como já


se indicou, os escritos de João também aludem a este amor vez
após vez.

Também falam extensamente deste conhecimento (Jo 8:32; 10:15;


17:3, 25; 1Jo 2:3–5, 13, 14; 4:7, 8, 16; 5:2, 20; 2Jo 1; Ap 3:9).

f. Efésios assemelha-se a Hebreus

Ambas ensinam a redenção por meio do sangue (Ef 1:7; Hb 9:12,


22); a exaltação de Cristo à direita de Deus (Ef 1:20; Hb 1:3; 8:1;
10:12); e o acesso ao Pai por meio de Cristo (Ef 2:18; 3:12; Hb 4:16;
7:25).

Efésios (Hendriksen)

33

Também descrevem em termos semelhantes os que são imaturos


(Ef 4:14; Hb 5:13); previnem para evitar que sejam arrastados em
redemoinho ou levados por toda rajada de vento de doutrina, isto é,
por ensinos estranhos e que desviam (Ef 4:14; Hb 13:9);
reconhecem a simples e única oferta de Cristo pelo pecado do povo
(Ef 5:2; Hb 10:10); pronunciam o juízo de Deus sobre toda forma de
imoralidade (Ef 5:5; Hb 13:4); dizem-nos que Cristo Se ofereceu a Si
mesmo pela igreja a fim de santificá-la (Ef 5:26; Hb 10:10, 22;
13:12); e comparam a palavra de Deus com uma espada (Ef 6:17;
Hb 4:12).

g. Efésios assemelha-se à epístola de Tiago

É usada a mesma figura para descrever a pessoa instável. Diz-se


dela que é “arrastada” ou “levada daqui para lá” pelo vento (Ef 4:14;
cf.

Tg 1:6). Efésios 5:8 chama os crentes “filhos de luz”. Tiago 1:17

descreve a Deus como “o Pai das luzes”. “Irai-vos, mas não


pequeis” (Ef 4:26) faz-nos lembrar “Que todo homem seja … tardio
para irar-se” (Tg 1:19). No que respeita a outras semelhanças
compare-se Ef 4:2, 3 com o Tg. 3:17; 5:8; Ef 4:29 com Tg 3:10; Ef
4:31 com Tg 3:14; Ef 5:19 com Tg 5:13; Ef 6:18, 19 com Tg 5:16.
Colocar a Paulo como oposto a Tiago com relação à doutrina das
boas obras não é justo. Ao contrário, Tiago defendeu a causa de
Paulo (At 15:13–29). Até o fim conservou sua amizade com Paulo
(At 21:18–25). Paulo e Tiago não se achavam em conflito, mas
confrontaram assuntos diferentes. Tiago valorizou altamente a fé
autêntica (Tg 1:3, 6; 2:1, 5, 22–24; 5:15). A “fé” que ele condena é a
da ortodoxia morta e dos demônios (Tg 2:19). Paulo a condenaria
de forma igualmente veemente. E, por outro lado, Paulo era firme
crente na necessidade das boas obras como fruto da fé (Ef 2:10; cf.

Rm 2:6–10; 2Co 9:8; 1Ts 1:3; 2Ts 2:17; Tt 3:8, 14).

Quanto a qualquer conclusão que se possa tirar destas


semelhanças entre Efésios e outros livros do Novo Testamento com
relação ao problema da paternidade literária da epístola, veja-se
mais adiante sob o cabeçalho 3.

Efésios (Hendriksen)

34
2. A diferença é grande demais

a. Diferentes palavras

Afirma-se que a epístola contém um número excessivo de palavras


excepcionais ou novas; isto é, palavras não achadas em nenhum
outro lugar do Novo Testamento (quarenta e duas delas), ou,
palavras que, embora ocorram em outras partes do Novo
Testamento, não se acham em nenhuma epístola autêntica de
Paulo.

Resposta:

(1) O mesmo argumento, se fosse aplicado a Romanos, Gálatas,


Filipenses, ou 1 e 2 Coríntios, excluí-las-ia igualmente da lista das
epístolas paulinas. O número de novas palavras em Efésios não é
desproporcionalmente grande.

(2) Temas diferentes requerem também palavras diferentes. Em


Efésios, mais que em nenhum outro lugar, o apóstolo fala da
“unidade de todos os crentes em Cristo”, daí que não é de
surpreender-se que aqui faça uso de novas palavras (que a seguir
se dão em itálico) como unidade (Ef 4:3, 13), que é consequência do
fato de que Cristo “fez a ambos um e derrubou a barreira formada
pelo muro divisório” (Ef 2:14).

Em conexão com este mesma ênfase sobre o estar espiritualmente


juntos, esta epístola contém muitos compostos com o prefixo “sun”,
que significa “juntos” ou “companheiro”. Paulo usa as expressões:
harmoniosamente ajustado (Ef 2:21), juntos com … estais sendo
edificados (Ef 2:22); concidadãos (Ef 2:19), membros de um mesmo
corpo, juntamente partícipes da promessa (Ef 3:6). As duas últimas
estão precedidas pelo co-participantes na herança (co-herdeiros),
mas esta não é palavra nova, visto que ocorre já em Rm 8:17.

Também, Paulo enfatiza o fato de que toda esta igreja unida deve
desafiar às forças do mal, e para fazê-lo deve vestir-se toda a
armadura espiritual que Deus provê (Ef 6:11ss). Naquele
sobressalente e breve parágrafo a batalha e a armadura da fé com
uma amplitude de detalhes que não se acham em outro lugar das
epístolas de Paulo. Esperamos, na

Efésios (Hendriksen)

35

verdade, encontrar novas palavras. Quando elas aparecem é óbvio


que não podem ser usadas como argumento contra a paternidade
literária de Paulo. O apóstolo fala a respeito dos métodos ardilosos
“do diabo” ( ho diábolos, palavra que se encontra, não obstante,
também nas pastorais; veja-se (4) mais adiante). Lembra-nos o fato
de que nossa luta é contra

… governantes mundiais das trevas, contra as forças espirituais do


mal nos lugares celestiais (veja-se (_3)). Nos admoesta a cingir o
cinturão da verdade, calçar (lit., “atar abaixo”) o calçado que
simboliza a prontidão derivada do evangelho da paz, e tomar o
escudo da fé mediante o qual poderemos apagar todos os dardos
inflamados do maligno. Em tudo isso e pela razão já dada, nada
achamos que sirva de argumento contra a paternidade paulina no
que respeita a Efésios.

(3) Não é muito convincente dizer que Paulo pudesse escrever

“Deus”, mas não sem Deus (Ef 2:12); “vergonhoso” (1Co 11:6;
14:35) mas não vergonha ou, como aqui obscenidade (Ef 5:4); que
pudesse usar o verbo “abrir” (1Co 16:9; 2Co 6:11), mas não o
substantivo abertura (Ef 6:19); que pudesse chamar alguém “sábio”
(1Co 1:26) mas não sem sabedoria (ou néscio) (Ef 5:15); que
pudesse escrever “equipar”, completar (1Co 10), mas não
equipamento (Ef 4:12); “perseverar” (Cl 4:2), mas não perseverança
(Ef 6:18); “santamente” (1Ts 2:10), mas não santidade (Ef 4:24); e
“celestial” (1Co 15:40 — 2 vezes — 48, 49), também “os seres
celestiais” (Fp 2:10, “ou os que estão no céu”), mas não os lugares
celestiais, não menos de cinco vezes (Ef 1:3, 20; 2:6; 3:10; 6:12).
(4) A declaração, feita com tanta frequência, de que muitas palavras
se acham em Efésios “mas em nenhum escrito paulino autêntico”,
geralmente procede da hipótese de que as Pastorais (às vezes
também Colossenses) “não são escritos paulinos autênticos”. Mas,
segundo foi visto (C.N.T. em 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 10–41;
também nota 193 em pp. 428–432), não há base sólida para tal
hipótese. Foi Paulo que escreveu as Pastorais. Daí que, da lista de
palavras excepcionais que têm algum valor como argumento contra
a paternidade literária de Paulo com

Efésios (Hendriksen)

36

relação a Efésios devem ser também tiradas aquelas que esta


epístola tem em comum com as Pastorais embora não ocorram em
nenhuma outra epístola paulina: cadeia (Ef 6:20; 2Tm 1:16); engane
(Ef 5:6; 1Tm 2:14); conduta dissoluta ou vida licenciosa (Ef 5:18; Tt
1:6); diabo (Ef 4:27; 6:11; 1Tm 3:6, 7, 11; 2Tm 2:26; 3:3; Tt 2:3;
também usada por Mateus, Lucas, João, Tiago, Pedro e o escritor
de Hebreus, com frequência de forma intercambiável com Satanás);
evangelista (Ef 4:11; 2Tm 4:5); disciplina ou educação (Ef 6:4; 2Tm
3:16) e o verbo honrar (Ef 6:2; 1Tm 5:3).

(5) Quanto às palavras “excepcionais” que ainda restam depois que


todas estas se tiraram por não terem valor para apoiar a declaração
de que Paulo não escreveu Efésios, bem poderíamos fazer a
pergunta de se Paulo, hábil escritor, dotado de originalidade e
mentalidade fecunda, não é porventura digno de ser considerado
como homem com suficiente domínio da linguagem capacitada para
usar sinônimos em palavras e frases? Ou seria que no começo de
sua carreira como escritor foi entregue uma lista de palavras com a
exigência que, qualquer que fosse a circunstância, já dele ou dos
leitores, e qualquer que fosse o propósito ou o tema da epístola,
estava obrigado a usar invariavelmente estas palavras, e
unicamente estas, e além disso, devia distribuí-las em igual
proporção através de todas as suas cartas, como os quadros num
tabuleiro de xadrez? O vocabulário não é prova absolutamente
contra a paternidade literária de Paulo sobre Efésios! 6

6 No entanto, a maneira como este argumento usa-se ainda, e até


num comentário relativamente recente, que tem a seu favor muitos
aspectos excelentes, deixa algo que desejar. Refiro a obra de F.

W. Beare sobre Efésios em The Interpreter’s Bible, Vol. 10, p. 598.


Depois de informar ao leitor que o número de palavras novas é
extraordinariamente grande em Efésios, menciona cinco delas. Mas
não menos de três destas cinco palavras encontram-se em Ef
6:11ss., parágrafo que procura a armadura espiritual, tema novo
(pelo menos quanto aos detalhes), com relação ao qual é de
esperar novas palavras (veja-se (2) mais acima). As duas restantes
não são “novas” de modo nenhum: uma se encontra também em
Romanos; a outra em 2 Coríntios. Espera-se que a crítica negativa
faça algo melhor que isto!

Efésios (Hendriksen)

37

b. Significados diferentes

Também tem sido sustentado que em Efésios as palavras paulinas


são usadas em certo sentido diferente. Assim a palavra plḗrōma,
plenitude, em Cl 1:19; 2:9 indica a plenitude da deidade habitando
em Cristo, mas em Ef 1:23 é usada em diferente conexão. Em Cl
1:26, 27 o termo mistério indica glória escatológica, mas em Efésios
refere-se à aceitação dos gentios (Ef 1:9; 3:3ss). Assim também em
Cl 1:22 a palavra sṓma, corpo, refere-se ao corpo físico de Jesus
Cristo oferecido como sacrifício pelo pecado, e em Cl 2:19 seu
equivalente é cosmos ou universo, mas em Efésios o corpo é a
igreja. Finalmente, a palavra oikonomía (de onde vem nossa palavra
“economia”), que em Colossenses e em todos os outros casos tem
referência à tarefa ou designação especial que foi confiado por Deus
a Paulo, em Efésios tem o sentido abstrato do sábio desígnio de
Deus ou Sua administração superior”.
Resposta: A palavra plenitude, tanto no grego como em português,
pode ser usada em muitas relações diferentes. Veja-se C.N.T. sobre
Colossenses e Filemom, nota 56, pp. 96, 97. Sua referência exata
em Ef 1:23 está em discussão. Na verdade que nenhum argumento
de valor pode ser baseado numa passagem tão controversa. Cf. a
exposição de Ef 1:10, 23; 3:19; 4:13. Com relação à palavra
mistério, é claro no contexto que mesmo em Colossenses 1:26, 27,
embora seu pano de fundo seja escatológico, a referência é à glória
do mistério entre os gentios … Cristo em vós, a esperança de
glória”. Quanto à palavra sṓma, corpo, é justo pedir que tenha
exatamente a mesma referência tanto em Efésios como em Cl 1:22,
quando somente no último caso o escritor fala de “seu corpo de
carne”? Não é verdade que em Cl 2:19 a palavra corpo se refira ao
cosmos ou universo. Veja-se C.N.T. sobre esta passagem. O que,
sim, é verdade é que (em Efésios) a quase consistente referência
desta palavra à

igreja, com a ideia do corpo humano ao pano de fundo (Ef 1:22, 23;
2:16; 3:6; 4:4ss.; 5:23, 30; excetuando Ef 5:28) está igualmente feita
em Cl 1:18; 2:19; 3:15. Portanto, não existe aqui um problema real.
E

Efésios (Hendriksen)

38

finalmente, no relativo a oikonomía, onde quer que esta palavra


ocorra no Novo Testamento, está baseada na ideia de mordomia.
Tem este significado não somente em Lc 16:2–4; 1Co 9:17; Cl 1:25;
e 1Tm 1:4, mas também em Ef 3:2. No entanto, mediante uma
quase imperceptível mudança semântica aparece o significado
“administração da mordomia de alguém”, indicando assim, em geral,
administração, execução, realização, o levar a efeito um plano ou
propósito (Ef 1:10; 3:9). Sem dúvida, deve ser permitido a um autor,
o privilégio de usar a mesma palavra tanto em seu sentido básico
como também, ao tratar-se de um contexto diferente, em certo
sentido um tanto modificado. Não é porventura verdade que até
numa mesma breve frase, ao usar duas vezes a mesma palavra,
possa esta ter diferentes conotações? (veja-se Lc 9:60; Rm 9:6). É
evidente, portanto, que o argumento baseado em “diferentes
significados” perde sua validez.

Às vezes usa-se em Efésios uma frase completa numa conexão que


não se acha nem em Colossenses nem em escrito algum de Paulo.
Isto, também, foi usado como argumento para negar a paternidade
literária de Paulo. O mais notável caso desta exceção à regra dizem
ser Ef 5:20

comparado com Cl 3:17. A última passagem diz: “E tudo o que


façais seja de palavra ou de ato, (fazei-o) tudo em nome do Senhor
Jesus, dando graças a Deus o Pai por meio dele”; mas o primeiro
diz, “dando graças … em nome de nosso Senhor Jesus Cristo a
(nosso) Deus e Pai”.

Mitton diz-nos que na passagem de Efésios a frase “no nome de


Jesus”

está artificialmente associada dar graças. Segundo sua apreciação


esta frase foi acrescentada “inutilmente”. Para ele o forçamento de
uma frase fora do correto contexto em Colossenses fala, talvez mais
que nenhum outro detalhe, contra a paternidade literária de Paulo.
Antes, não devemos dizer que esta classe de raciocínio fala, talvez
mais que nada, contra o poder de convencer do argumento de
Mitton? O que poderia ter de errôneo o pensar que na mente de
Paulo a ação de graças estivesse associada com o nome de Jesus?
Acaso a mesma passagem de Colossenses não declara que tudo —
por esta razão, também o dar graças

Efésios (Hendriksen)

39

— deve ser feito “no nome do Senhor Jesus”? Não é verdade que a
cláusula, “dando graças a Deus o Pai por meio dele”, é sinônima de
“dando graças a Deus o Pai no nome do Filho” ? Se for verdade que
no nome de Cristo deve dobrar-se todo joelho (Fp 2:20), se em Seu
nome se têm que dar mandamentos (2Ts 3:6), e em resumo todas
as coisas devem ser feitas em Seu nome (Cl 3:17), é então falar
“inutilmente” quando se diz que em Seu nome devem ser oferecidas
as ações de graças? Não é, antes, o caso que, uma vez que o Pai
nos abençoa por meio do Filho, também as ações de graças devem
ir ao Pai por meio do Filho, isto é,

“em seu nome”?

c. Estilo diferente

Diz-se que o estilo empregado pelo escritor de Efésios é muito


difuso, diferente, ameno, para que pertença ao verdadeiro Paulo.

Primeiro, fala-se de difuso. É uma epístola abundante em palavras,


e as palavras se estendem profusamente. Através de frases quase
intermináveis a carta se move lenta e majestosamente como uma
geleira que busca sua caminho para o vale, deslizando-se
centímetro após centímetro. Veja-se Ef 1:3–14; 1:15–23; 2:1–10;
2:14–18; 2:19–22; 3:1–

12; 3:14–19; 4:11–16; 6:13–20. Dentro destas longas cláusulas há


com frequência uma verbosidade descritiva que não é característico
do estilo do verdadeiro Paulo. Os títulos são escritos completos,
seguidos de cláusulas modificativas; exemplo: “Bendito (seja) o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem …” etc. Com
frequência, um nome é seguido por seu sinônimo, estando o último
no genitivo ou precedido por uma preposição: “a parede de
separação”, significando provavelmente “a parede formada pelo
muro divisório”, ao qual, como se isto não fosse o bastante,
acrescenta-lhe o sinônimo “a hostilidade” (Ef 2:14); “a lei de
mandamentos em ordenanças”, querendo dizer “a lei de
mandamentos com suas exigências” (Ef 2:15); e “a medida de (a)
estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4:13). Cf. Ef 1:5, 11, 19. Agora,
tudo está em vivo
Efésios (Hendriksen)

40

contraste com o estilo conciso, abrupto, vívido, impetuoso, que


caracteriza o verdadeiro Paulo.

Resposta: Boa parte de Efésios está em forma de uma oração


oferecida por um apóstolo profundamente agradecido que está
dando testemunho pela realização do sonho de sua vida, ou seja, o
nascimento de uma nova e gloriosa entidade espiritual, a igreja do
judeu e do gentio em unidade, produto da maravilhosa graça de
Deus. Ora, a linguagem sublime com abundantes sinônimos é
característico na adoração. Veja-se C.N.T. sobre Colossenses e
Filemom, pp. 41, 42. Também, a grande maioria daquelas extensas
orações ocorre na primeira das duas divisões principais da epístola,
isto é, na seção que pode ser descrita como adoração diferente da
segunda parte: exortação. Não é justo contrastar o estilo desta
seção de adoração em Efésios com a seção de exortação de outras
epístolas, e logo dizer: «Portanto Paulo não pôde ter escrito
Efésios”» É verdade que Efésios contém orações mais longas e
sublimes que o que é usual em Paulo. Existe, não obstante, uma
razão para isso.

Em nenhum outro lugar há tanta efusão do coração, tanta incontido


louvor, como nesta epístola. O escritor se comove até as
profundezas de seu ser por: a. a contemplação do amor soberano,
eterno, redentor de Deus pelos pecadores, tanto judeus como
gentios, b. a convicção interna de que ele, o próprio escritor, é
objeto desta graça, e c. a reflexão de que ele, Paulo, até ele mesmo,
em outro tempo veemente perseguidor da igreja, foi destinado por
Deus para jogar um papel muito importante na proclamação e
realização do plano divino das idades.

Contudo, segundo já o manifestamos, a diferença de estilo descrita


sob este aspecto entre Efésios e as outras epístolas é uma
diferença apenas de grau. Daí que não pode ser usada
propriamente como argumento contra a autenticidade de Paulo
como seu escritor. As orações extensas se acham igualmente em
outras epístolas que tradicionalmente se atribuem a Paulo. Rm 1:1–
7 contém 93 palavras no original; Ef 2:5–

10 tem 87; Fp 3:8–11 tem 78; e Cl 1:9–20 tem não menos de 218. E

quanto à acumulação de sinônimos estreitamente relacionados


entre si, é

Efésios (Hendriksen)

41

um aspecto que de maneira nenhuma está confinado somente a


Efésios.

Ao contrário, estes e outros pleonasmos semelhantes também se


encontram em Rm 11:33; Fp 3:8; Cl 1:5, 11, 27; 1Ts. 1:3, para
mencionar somente alguns.

Em segundo lugar, qualificou-se o estilo de Efésios como diferente.

Afirma-se que aquele que escreveu a epístola é um admirador do


grande mestre. O próprio Paulo, segundo esta maneira de
argumentar, nunca poderia ter escrito uma cláusula tão jactanciosa
como: “pelo que, quando ledes, podeis compreender o meu
discernimento do mistério de Cristo”

(Ef 3:4). Indubitavelmente, o homem que escreveu “sou o menor dos


apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo”
(1Co 15:9), era muito humilde para ter escrito Efésios 3:4 (ou Ef
3:4–9).

Resposta: É inteiramente característico de Paulo o fazer valer seus


direitos. Declara ter pregado (plenamente) o evangelho em meio de
sinais e maravilhas (Rm 15:19); chama-se a si mesmo “prudente
construtor” (1Co 3:10), e “administrador dos mistérios de Deus” (1Co
4:1; cf. 9:17); até se atreve a fazer comparações entre ele e outros.
Classifica-se superior a “dez mil instrutores” (1Co 4:15, TB). Pode
falar

“em outras línguas mais do que todos vós” (1Co 14:18). Como
apóstolo

“trabalhou mais abundantemente” que qualquer dos outros (1Co


15:10).

Cf. 2Co 11:22–33; Gl 1:1, 14; Fp 3:4–6. Daí que a afirmação feita
pelo escritor de Efésios 3:4 está em harmonia com as que são feitas
em outros lugares das epístolas de Paulo e não pode ser usada
como argumento válido contra a atribuição tradicional de Efésios ao
grande apóstolo dos gentios.

No entanto, deve-se observar que as pretensões de Paulo são


inteiramente lícitas, e são feitas para que, mediante a confiança em
sua mensagem, os homens sejam beneficiados espiritualmente e
possam assim ser ganhos para Cristo (1Co 9:19–21), e que a glória
seja dada não ao objeto das distinções enumeradas senão somente
a Deus (1Co 9:16; 10:31; Gl 6:14). O apóstolo jamais se atribui
mérito pessoal por virtude ou talento algum (Rm 7:24, 25; 1Co 4:7;
Gl 6:3). Aqui em Efésios se

Efésios (Hendriksen)

42

demonstra igualmente humilde como foi em 1 Coríntios, e talvez


ainda mais (cf. Ef 3:8 com 1Co 15:9). Mas não se pode negar que
ele, apesar de tudo, faz estas grandes afirmações. À luz de toda a
evidência é claro que tampouco neste aspecto existe diferença
essencial entre Efésios e as demais epístolas paulinas.

Finalmente, atribuiu-se ao estilo de Efésios um caráter amenizador.

Os que negam a paternidade literária de Paulo tanto no que respeita


a Colossenses como a Efésios têm dito que, além do desejo de
suavizar as expressões doutrinários extremas da primeira, o autor
da última, quem quer que tenha sido, tratou de apaziguar as
exortaçõe s contidas na epístola menor. Daí que a demanda de que
os filhos obedeçam a seus pais e que os escravos obedeçam a seus
amos “em tudo” (Cl 3:20–22) reproduz-se em Efésios de forma mais
suavizada, omitindo o modificativo que resulta ofensivo (Ef 6:1, 5).

Resposta: Não é coisa difícil sugerir razões possíveis para tal


mudança, razões que de modo algum impliquem uma rejeição de
Paulo como escritor de ambas as epístolas. No caso da exortação
dirigida aos filhos, o escritor aqui nesta epístola maior quer enfatizar
outro aspecto do assunto, ou seja, que tal submissão é coisa correta
e que será recompensada. E referente à admoestação aos
escravos, não estaria de mais perguntar se o mandamento (6:5) não
tem já suficiente número de predicados modificativos (vv. 5b, 6, 7, 8)
para poder prescindir de um

“em tudo” adicional. Além disso, não foi acaso a fuga de Onésimo
de seu amo de Colossos razão suficiente para que justamente em
Colossenses se enfatizasse a demanda aos escravos de obedecer a
seus amos com a adição de um modificativo? Mas pôde ter havido
outras razões. No entanto, o que fecha definitivamente a porta a tal
tipo de argumentação contra a paternidade literária de Paulo como
escritor de Efésios é o fato de que em conexão com o requerimento
de que as esposas obedeçam ao seu marido, é justamente Efésios,
não Colossenses, aquele que acrescenta “em tudo” (cf. Ef 5:24 com
Cl 3:18).

Efésios (Hendriksen)

43

Como resultado, fica claro que nada existe no estilo de Efésios que
impeça esta epístola de ser obra genuína de Paulo.

d. Doutrinas diferentes

(1) A doutrina de Deus


Objeção: De acordo com Efésios, a fonte de salvação para os
escolhidos encontra-se no eterno decreto de Deus (Ef 1:4, 5, 11). No
entanto, Paulo se gloria na cruz (Gl 6:14; cf. Rm 3:24).

Resposta: Efésios, também, gloria-se na cruz (Ef. 2:16; cf. 1:7), e as


outras epístolas também, como Efésios, conectam a salvação com
sua fonte que é o desígnio eterno e soberano de Dois (Rm 8:29, 30;
11:2, 28, 36; Cl 3:12).

(2) A doutrina do homem

Objeção: Efésios descreve a condição do homem à parte da graça


em termos mais moderados que os que Paulo usa em Colossenses
e outros lugares. Contraste a linguagem forte de Cl 3:5–9 com o
meramente negativo de Ef 2:12.

Resposta: Não há linguagem mais forte para descrever o estado


natural do pecador que aquele que se usa em Ef 2:1–3. Além disso,
naquele linguagem “meramente negativo” há dinamite! Veja-se o
comentário sobre esta passagem.

(3) A doutrina de Cristo

(a) Objeção: Efésios chama Cristo “a cabeça” da igreja (Ef 1:21, 22;
4:15, 16; 5:23). De acordo com Paulo a cabeça é meramente um
dos membros do corpo (1Co 12:21).

Resposta: Temas diferentes requerem metáforas diferentes. A


passagem de 1 Coríntios está descrevendo as obrigações mútuas
dos membros da igreja. Efésios preocupa-se da unidade de todos os
crentes em Cristo, sua cabeça. Não existe contradição aqui. Até em
1 Coríntios

Efésios (Hendriksen)

44
se ensina claramente o fato de que “a cabeça de todo homem é
Cristo”

(1Co 11:3). Colossenses, também, reconhece a posição de Cristo


como cabeça com relação à igreja (Cl 1:18; 2:19).

(b) Objeção: De acordo com Ef 2:16 é Cristo que leva a cabo a


reconciliação; de acordo com Cl 1:20; 2:13, 14 é Deus que o faz.

Igualmente, Ef 4:11 ensina que é Cristo que designa apóstolos,


profetas, evangelistas, etc. Isto está em contradição com 1Co 12:28
que indica que é Deus que exerce esta função.

Resposta: É evidente, segundo 2Co 5:18 e Ef 4:32, que é Deus em


Cristo que está operando. Daí que as ações desta natureza podem
ser atribuídas tanto a Deus como a Cristo. É assim como o
professor L.

Berkhof — já com o Senhor — o particulariza em sua Teología


sistemática, Grand Rapids, MI, edição em espanhol 1969, p. 104
“opera ad extra, que são aquelas atividades e efeitos por meio das
quais a Trindade se manifesta fora dela. Estas nunca são obras de
uma pessoa exclusivamente, mas sempre obra do Ser Divino como
um todo”. Assim também segundo Jo 14:16, 26 o “dar” ou “enviar” o
Espírito atribui-se ao Pai, mas em Jo 15:26 esse “enviar” atribui-se
ao Filho. Não existe contradição: é “em nome do Filho” que o Pai
envia o Espírito; e é “do Pai” que o Filho o envia.

(c) Objeção: Em Efésios a morte de Cristo deixa de ser básica.

Toda a atenção se concentra em sua exaltação (Ef 1:20ss.; 2:6; 4:8).

Resposta: Embora, devido ao tema central de Efésios, a ênfase


tenha variado um tanto, a morte de Cristo é básica, até para o
escritor de Efésios (Ef 1:7; 2:13; 2:16).

(d) Objeção: De acordo com Paulo os pecadores são reconciliados a


Deus por meio da cruz (2Co 5:20, 21; Cl 1:21, 22), mas de acordo
com Efésios a cruz efetua uma reconciliação entre judeus e gentios
(Ef 2:14–

18; cf. 2:19–22; 3:5ss.; 4:7–16).

Resposta: Não existe contradição. Por meio da cruz os judeus e


gentios são reconciliados “com Deus”; como resultado são
reconciliados entre si. O fato de que basicamente a reconciliação é
“com Deus” é

Efésios (Hendriksen)

45

claramente ensinado em Efésios 2:16; cf. também o versículo 18.


Mas, em harmonia com o tema central de Efésios — a unidade de
todos os crentes em Cristo; daí, a igreja universal — a ênfase recai
neste caso na reconciliação entre judeus e gentios.

(e) Objeção: Efésios enfatiza a ascensão de Cristo (Ef 4:8ss.).

Paulo não tem doutrina a respeito da ascensão.

Resposta: A ascensão de Cristo está claramente implicada em


passagens tais como Rm 8:34; Fp 2:6–11; 3:20; 1Ts 1:10; 4:16; e
1Tm 3:16.

(f) Objeção: Efésios ensina a descida de Cristo ao Hades (Ef 4:19),


e, portanto, é evidentemente pós-paulina. O verdadeiro Paulo não
ensina em lugar algum esta doutrina.

Resposta: Veja-se a exposição de Ef 4:8–10.

(4) Doutrina da salvação

(a) Objeção: Efésios ensina a doutrina da salvação — “Porque pela


graça sois salvos mediante a fé” — Paulo, a da justificação (Rm
3:24; 5:1).
Resposta: É verdade que em oposição ao legalismo judaico e
judaizante algumas das epístolas de Paulo enfatizam o aspecto
forense da libertação do pecador, especialmente em Romanos e
Gálatas, tornando necessário o uso dos termos “justificação” e
“nenhuma condenação”, enquanto que, em harmonia com o tema de
Efésios — a unidade de todos os crentes “em Cristo” — dá-se um
tratamento mais amplo à experiência mística e a comunhão com
Cristo. No entanto, isso não implica nenhuma contradição. A própria
essência da doutrina da justificação, quer dizer, a doutrina de “não
por obras, mas unicamente pela graça” se acha claramente
expressa em Ef 2:8, 9. Cf. em Ef 4:24; 6:14. Paulo jamais se agasta
disso, e mesmo depois de ter escrito Efésios o comprova
eloquentemente (Tt 3:4–7). Quanto à ênfase paulina em ser salvo, e
ser usado como agente de Deus para salvar a outros, veja-se Rm
10:9, 13; 11:14; 1Co 9:22; 15:2.

Efésios (Hendriksen)

46

(b) Objeção: A maneira como Efésios aborda a lei não é paulina.

Em Efésios não se apresenta a lei como algo benéfico ao homem, e


sim como instrumento de divisão entre um homem e outro (Ef 2:15).
Paulo, não obstante, estabelece uma relação definida entre a lei e o
processo da salvação: descreve a lei como nosso guia (“tutor”) o
qual conduz a Cristo (Gl 3:24). De acordo com ele “a lei é santa, e o
mandamento santo e justo e bom” (Rm 7:12).

Resposta: Em Romanos e Gálatas Paulo aborda a lei por vários


aspectos diferentes. Olhar um aspecto é bom, segundo já se
indicou; de outro, é inadequado (Rm 8:3); e além disso, de um
terceiro pronuncia maldição sobre a pessoa (Gl 3:10, 13). Daí que
tampouco existe contradição. Na verdade que não é necessário
para o escritor de Efésios discutir todas as diversas fases da lei. O
que, sim ,diz a respeito dela nesta epístola está em harmonia com o
que diz em outros lugares.
(5) A doutrina a respeito da igreja

(a) Objeção: Em Efésios o termo igreja está sempre com relação à


igreja universal (Ef 1:22; 3:10, 21; 5:23, 24, 25, 27, 29, 32). Nas
epístolas verdadeiramente paulinas não (ou: nem sempre) tem este
significado.

Resposta: Como exemplos do uso da palavra igreja sem significado


local temos 1Co 12:28; 15:9; Gl 1:13; Fp 3:6 (cf. At 20:28). Em Cl
1:18, 24 refere-se à igreja universal; em Cl 4:15, 16 aponta à
congregação local. Como resultado, o uso do termo em Efésios não
pode ser boa razão para negar a paternidade literária de Paulo.
Sendo que ao escrever Efésios Paulo não teve o propósito de
estender-se em nenhuma condição local senão de glorificar a Deus
pela obra na igreja em geral, o apóstolo naturalmente usa neste
caso a palavra em seu sentido amplo.

(b) Objeção: A ênfase do escritor na unidade da igreja mostra que


esta epístola deve ter sido escrita depois da morte de Paulo, no
tempo em que várias seitas já se tinham levantado, o que torna
necessário enfatizar a necessidade de um governo eclesiástico
centralizado.

Efésios (Hendriksen)

47

Resposta: A unidade que se descreve e à qual se insiste em Efésios


é de caráter espiritual. Cf. Jo 17:21. Não é a unidade
institucionalizada como aquela que em dias posteriores Inácio
defendeu.

(c) Objeção: A importância extrema atribuída aos “apóstolos e


profetas” (Ef 2:20–22; 3:5), como se fossem “santos” e “o
fundamento”

da igreja, está mais em harmonia com gerações posteriores à de


Paulo. O
próprio apóstolo jamais teria escrito tal coisa. Para ele Jesus Cristo
é o único fundamento (1Co 3:11).

Resposta: É justamente devido ao fato de que estes homens deram


um verdadeiro e entusiástico testemunho a respeito de Cristo que,
em certo sentido secundário, puderam ser chamados fundamento
da igreja.

Naturalmente, não é por eles mesmos ou porque tivessem algum


mérito intrínseco que os torna credores dessa distinção, e sim como
embaixadores e testemunhas divinamente designadas. Quanto a
eles mesmos, estiveram constantemente negando o mérito de si
mesmos e atribuindo-o a Cristo. Esta maneira de falar acerca dos
plenipotenciários de Cristo originou-se no próprio Cristo (Mt 16:18).
João, o discípulo amado de Cristo, fez uso do mesmo simbolismo ao
descrever a Jerusalém gloriosa. Diz ele: “E o muro da cidade tinha
doze fundamentos, e neles doze nomes dos doze apóstolos do
Cordeiro” (Ap 21:14). O fato de que o escritor de Efésios chame
estes homens “santos”

não constitui objeção alguma. Eles, certamente, eram santos, isto é,


separados e qualificados por Deus para um ofício singular. Nada
disso vai contra Paulo como el escritor de Efésios, mas antes, a
favor dele.

Está estritamente em harmonia com tudo o que diz sobre si mesmo


e dos outros apóstolos e profetas. Ver as seguintes passagens: Rm
1:1; 1Co 3:10; 5:3, 4; 9:1; 12:28; 2Co 10:13, 14; 12:12; Gl 1:1, 11–
17; 2:6–9).

(d) Objeção: Paulo não pôde ter escrito Ef 2:11. Nenhum verdadeiro
judeu pôde ter olhado o sacramento da circuncisão com tão
extremado desdém.

Resposta: Leia-o que Paulo diz sobre isso em Gl 5:1–12; Fp 3:2, 3.

Efésios (Hendriksen)
48

(6) A doutrina das últimas coisas

Objeção: Paulo não pôde ter escrito Efésios visto que na epístola
não existe insinuação alguma a respeito da segunda vinda nem de
nenhum evento relacionado com ela.

Resposta: As seguintes passagens de Efésios não teriam


explicação se não forem consideradas comprometidas com alguma
doutrina da consumação: Ef 1:14; 2:7; 4:13, 30; 5:5, 6, 27.

3. Conclusão

a. Quanto a muita semelhança

(1) A surpreendente semelhança entre Colossenses e Efésios deve-


se principalmente ao fato de terem sido escritas pelo mesmo
escritor, no mesmo tempo e mesmo lugar, e que a situação geral
das pessoas a quem se dirigiu era também semelhante. A
paternidade literária idêntica explica também as numerosas
variações tanto em expressão como em ênfase. Qualquer imitador
ou falsificador teria estado sujeito de forma mais rígida ao original.
Outra razão para explicar a divergência entre as duas epístolas é o
fato de ter propósitos diferentes, segundo já se expôs.

(2) Visto que as outras epístolas (além de Colossenses) que


tradicionalmente se atribuem a Paulo foram escritas sob diferentes
circunstâncias tanto com relação ao escritor como aos destinatários
(exceto Filemom), as semelhanças que existem entre elas e Efésios
não são tão chamativas. No entanto, neste caso também existe
muitos e claros paralelos. E aqui também, ao mesmo pensamento é
muitas vezes dada uma nova reviravolta. Além da identidade do
escritor, e portanto também de doutrina, há um segundo fator que
deve ser considerado, ou seja, o surgimento, através da igreja cristã
primitiva, de certas formas comuns de expressão, tais como as que
começam normalmente a existir quando os homens se uniram por
laços de profundas convicções, que têm que afiançar por meio de
um testemunho unânime em meio de um ambiente geralmente
hostil. O crescente predomínio de tais formas é

Efésios (Hendriksen)

49

também um fator que explica os paralelos existentes entre Efésios,


etc., e a literatura não paulina do Novo Testamento. Entre estas
formas há doxologias de dois tipos: a. “Bendito seja …” (Ef 1:3; cf.
Rm 1:25; 9:5; 2 Cor. 1:3; 11:31; 1 P. 1:3) e b. “Agora a ele seja …”
(Ef 3:20, 21; cf.

Rm 11:36; Jd 24, 25); hinos ou fragmentos de hinos (Ef 5:14; cf. o


relato da natividade em Lucas; Cl 1:15–19; 1Tm 3:16; livro do
Apocalipse); tábua de deveres para os diferentes membros da
família (Ef 5:22–6:9; cf. Cl 3:18–4:1; 1Tm 2:8–15; 6:1, 2; Tt 2:1–10;
1Pe 2:12–3:7); lista de virtudes (Ef 4:1–3, 32; Cl 3:12–15; Tg 3:17;
5:8); e várias outras. 7

Algumas destas formas têm sua origem no Antigo Testamento.


Sobre isso cf. (5) mais adiante. (3) A necessidade de comunicar
instrução catequética uniforme aos que a solicitavam e aos novos
convertidos pôde também ter promovido a unanimidade na
expressão do pensamento.

(4) Toda vez que se acha semelhança entre os escritores do Novo


Testamento, seja de forma ou de conteúdo, deve buscar-se sua
origem mais atrás, ou seja, em Cristo, quer dizer, na reflexão dirigida
pelo Espírito sobre a pessoa, obra, e ensino de Cristo. Portanto, fica
impossível passar por alto as palavras registradas em Mt 6:12 e os
termos equivalentes, além da ação, em Lc 23:34 (perdão) refletidas
em Ef 4:32; 1Pe 2:21–23; 3:8, 9; etc.; o título de Cristo, “o Filho
amado” de Deus (Mt 3:17) ressoando em Ef 1:6; 2Pe 1:17; a
referência ao filho como a pedra (Mt 21:42) utilizada em Ef 2:20 e
em 1Pe. 2:4, 8; e a menção de Sua gloriosa exaltação à direita do
Pai (implicada em Mt 26:64) reafirmada em Ef 1:20; At 7:55; Hb 1:3;
10:12; 12:2; 1Pe 3:22; Ap 12:5. Paulo e outros escritores do Novo
Testamento extraíam água da mesma fonte, ou seja, Cristo.

(5) O apóstolo e os outros escritores sagrados eram versados no


pano de fundo do Antigo Testamento. Recorremos somente a dois
exemplos já mencionados sob (4) mais acima, o conceito de Cristo
como 7 Veja-se A. C. King, “Ephesians in the Light of Form
Criticism”, ET 63 (1951, 1952), PP. 273–276.

Efésios (Hendriksen)

50

a pedra, que bem pode depreender-se de Sl 118:22; e o da


exaltação de Cristo à direita do Pai, de Sl 110:1.

(6) A combinação de todos estes fatores constitui uma explicação


muito mais satisfatória para a lista de semelhanças que a hipótese
que a atribuição tradicional da epístola de Efésios a Paulo deve ser
um erro e que é a obra de algum imitador.

b. Quanto a muita diferença

Ao aplicar este argumento a assuntos tais como vocabulário e estilo,


lembramos que já se mostrou em detalhe que o que resta dele,
depois das devidas concessões feitas referente a exageros, deve-se
à irresistível emoção e gratidão que impulsionou a Paulo a escrever
a epístola e ao propósito que tinha em mente. Quanto às afirmações
sobre diferenças de doutrina, chegou-se à seguinte conclusão: Sem
dúvida, embora seja verdade que em Efésios várias doutrinas
recebem não somente uma grande ênfase, mas além disso um
desenvolvimento mais amplo que em outros lugares com
apresentação de novas facetas das já bem conhecidas gemas da
verdade, não achamos aqui nenhum vestígio de contradição às
doutrinas existentes em outras epístolas paulinas.

B. Argumentos a favor da paternidade literária paulina 1. O escritor


chama-se a si próprio Paulo, apóstolo de Jesus Cristo”
(Ef 1:1); e “Eu, Paulo, o prisioneiro de Cristo por vós gentios” (Ef 3:1;
cf. Ef 4:1). E justamente antes de pronunciar a bênção final afirma:
“E, para que saibais também a meu respeito e o que faço, de tudo
vos informará Tíquico, o irmão amado e fiel ministro do Senhor. Foi
para isso que eu vo-lo enviei, para que saibais a nosso respeito, e
ele console o vosso coração” (Ef 6:21, 22). Pôde acaso algum
discípulo de Paulo, possuidor de suas epístolas e cuja mente
estivesse saturada de seu ensino, ter-se atrevido a identificar-se tão
vergonhosamente com o apóstolo? A obrigação de provar isso recai
indubitavelmente sobre os

Efésios (Hendriksen)

51

que afirmam que o escritor, apesar de chamar-se a si próprio Paulo


e ter encarregado a alguém para informar aos destinatários da
epístola a respeito de como ele, Paulo, estava o passando, não era
realmente Paulo, mas sim Onésimo, Tíquico, ou alguma outra
pessoa.

2. Efésios possui todas as características das epístolas paulinas


reconhecidas quase universalmente como Romanos, 1 e 2
Coríntios, Gálatas, e Filipenses. Assemelha-se a Colossenses em
vários aspectos, segundo já se indicou. Para comprovar este notável
parecido entre Efésios e as outras epístolas paulinas basta
comparar a lista que se dá a seguir com a qual há no C.N.T. sobre
Colossenses e Filemom, pp. 45, 46. Limitando-nos agora a Efésios,
observe-se o seguinte: Efésios

a. O escritor está profundamente interessado

nas pessoas a quem escreve 1:16: 3:14–19

b. Alegra-se em lhes alentar e lhes louvar 1:15; 2:1

c. Conecta cada virtude dos destinatários


com Deus, atribuindo só a ele toda a

glória. 1:3–5; 2:1

d. Escreve comovedoramente a respeito da

supremacia do amor. 5:1, 2, 25, 28, 33

e. Sente-se cheio de gratidão a Deus

que o tomou e, embora indigno, o

constituiu ministro do evangelho. 3:6–9

f. Enumera virtudes e vícios 4:17–5:21

g. Jamais sente temor de fazer valer sua

autoridade. 3:4; 4:17–6:22

h. Quando as condições são favoráveis,

dá graças a Deus pelos irmãos e a

miúdo lhes garante seu constante

preocupação em oração por eles. 1:15ss.; 3:14–19

Efésios (Hendriksen)

52

i. Previne-os seriamente contra

os que procuram desviar a outros. 4:14, 17–19; 5:3–7; 6:10ss.

j. Ama “o evangelho” 1:13: 3:6; 6:15, 19


3. É muito difícil crer que existisse em algum lugar da igreja primitiva
um gênio falsificador que refundisse os escritos autênticos de Paulo
numa obra com um estilo tão excelente, tão lógico em seu
desenvolvimento, e tão elevado em seu conteúdo, que tivesse
estado pelo menos ao mesmo tempo com a habilidade intelectual e
discernimento espiritual do apóstolo, e capaz até de prover à igreja
com pensamentos paulinos em avançado desenvolvimento, para
logo não deixar após ele pistas referentes à sua identidade.

4. O testemunho da igreja primitiva está em concordância com a


conclusão que foi sentada. Assim Eusébio, tendo realizado um
exaustivo estudo das fontes ao seu alcance, declara: «Mas são
claramente evidentes e diretas as quatorze (epístolas) de Paulo;
embora não seja justo passar por alto o fato de que alguns disputam
a (epístola) aos hebreus»

( História eclesiástica III. iII 4, 5). É claro, então, que este grande
historiador eclesiástico, ao escrever a começos do quarto século,
compreendeu muito bem que toda a igreja fiel de seu tempo e época
reconhecia Efésios como epístola autêntica de Paulo.

De Eusébio retrocedemos até Orígenes (fl. 210–250), que em sua


obra A respeito de princípios cita várias passagens de Efésios,
atribuindo-os “ao apóstolo” ou ao “próprio Paulo” (II. iII. 5; II. xI. 5; III.

v. 4). Em sua principal apologia Contra Celso diz “O apóstolo Paulo


declara”, e logo cita Efésios 2:3.

De Orígenes nos trasladamos ainda mais atrás, até seu mestre,


Clemente de Alexandria (FL. 190–200). Em sua obra O instrutor (I.
5) cita Ef 4:13–15, atribuindo-a “ao apóstolo” (de acordo com o
contexto precedente).

Efésios (Hendriksen)

53
Pelo mesmo tempo Tertuliano (FL. 193–216) em sua obra Contra
Marcião V. 17 declara: «Nós o temos na verdadeira tradição da
igreja que esta epístola foi enviada aos efésios, não aos
laodicenses. Marcião, no entanto, tinha grandes desejos de lhe dar
o novo título, como se fosse extremamente preciso na investigação
de tal ponto. Mas o que importam os títulos, quando ao escrever a
certa igreja o apóstolo na verdade escrevia a todas». Logo (V. 11),
«Aqui passo por alto a discussão concernente à outra epístola, que
sustentamos ter sido escrita aos efésios, mas os hereges dizem aos
laodicenses».

Uns poucos anos antes, Irineu, que foi por longo tempo
contemporâneo de Clemente de Alexandria e de Tertuliano, afirma
em sua obra Contra as heresias I. vIII. 5 dizendo assim: «Isto
declara Paulo também com estas palavras», e logo cita Ef 5:13.
Igualmente (V. iI. 3),

«… segundo o bendito Paulo declara em sua epístola aos efésios,


‘Somos membros de seu corpo e de sua carne e de seus ossos’ ».
Cf. Ef 5:30.

Este testemunho de Irineu, no qual claramente menciona Paulo


como escritor de Efésios, é de grande significado, visto que Irineu
viajou extensamente tendo um pleno conhecimento de toda a igreja
de seu tempo e época, um período da antiga história durante o qual
as tradições dos apóstolos até se mantinham vivas.

O Fragmento Muratório (ao redor de 180–200), um estudo dos livros


do Novo Testamento, menciona Paulo como o escritor de Efésios de
forma definida.

Mas podemos retroceder ainda mais atrás que o final do segundo


século d.C. Passaremos por alto as discutíveis alusões a Efésios em
O

pastor do Hermas, O Ensino dos apóstolos (Didaquê), a assim


chamada Epístola de Barnabé, etc., uma vez que estas
controversas passagens têm pouco ou nenhum valor decisivo.
Prestemos atenção a certos autores que não somente floresceram
em algum tempo do período 100–170, mas além disso proveram
clara evidência da existência e reconhecimento da epístola em seus
dias. Naquele tempo, tão próximo ao tempo dos apóstolos, não era
necessário mencionar seus nomes. O citar seus

Efésios (Hendriksen)

54

escritos, o que implicava bom conhecimento de sua existência e


reconhecimento deles como autoritativos para a igreja, é tudo o que
podemos esperar destas anteriores testemunhas. Estou certo que
aqueles que rejeitam a paternidade literária de Paulo sobre Efésios,
negarão naturalmente a importância das passagens que vamos
citar. Mas ao fazê-

lo confrontarão dificuldades que são bastante evidentes.


Observemos, então, as seguintes:

Policarpo declara, “… sabendo que ‘pela graça fostes salvos, não


por obras’ ” ( Carta aos filipenses I. 3, cita Ef 2:8, 9). Logo, “Somente
segundo é dito nestas Escrituras: ‘Irai-vos, mas não pequeis, e ‘Não
se ponha o sol sobre aquele irritante estado de ânimo de vós’ ” (XII,
1, latim, citando Ef 4:26). Referente a esta epístola de Policarpo cf.
C.N.T.

sobre Filipenses, pp. 23, 24.

Chegamos agora a Inácio e sua Epístola aos efésios. 8 A mais clara


referência a Efésios se acha no parágrafo de abertura (I. 1), “…
sendo imitadores de Deus”. Estas palavras nos fazem lembrar
imediatamente uma das exortações de Paulo: “Sede pois imitadores
de Deus” (Ef 5:1). E

quando Inácio compara os crentes com “pedras do santuário do Pai,


preparadas para o edifício de Deus nosso Pai” (IX. 1), não é acaso
uma referência à bem óbvia declaração de Paulo em Ef 2:20–22?
Clemente de Roma (como representando à igreja de Roma)
escreve:

“Por meio dele os olhos de nosso entendimento foram abertos”

( Primeira epístola de Clemente aos coríntios XXXVI. 2). Não é esta


uma citação muito semelhante a Ef 1:18 “… (tendo) iluminados os
olhos de vossos corações”? Compare-se também: “Ou não temos
um Pai e um Cristo e um Espírito de graça derramado sobre nós, e
uma chamada em Cristo?” (XLVI 6) com esta frase de Paulo: “Há …
um Espírito, assim como também fostes chamados numa esperança
que vossa chamada vos 8 No entanto, intencionalmente deixei de
lado o debate relativo a XII. 2. Não é necessário para provar o
ponto.

Efésios (Hendriksen)

55

trouxe (lit. ‘de vossa chamada’), um Senhor … um Deus e Pai de


todos”

(Ef 4:4–6).

Segundo Hipólito, fizeram uso desta carta paulina aos Efésios a


seita de Basílides, os ofitas e os valentinianos. Agora, estas três se
achavam entre as primeiras seitas gnósticas. A Epístola aos Efésios
estava, além disso, incluída no Cânon de Marcião (embora, segundo
já se indicou, sob diferente título), na versão antiga latina, e na
versão antiga siríaca. Finalmente, existe a possibilidade de que Cl
4:16 esteja fazendo referência a esta epístola. Veja-se C.N.T. sobre
esta passagem.

Demonstrou-se, portanto, que logo que a igreja começou a atribuir


os escritos do Novo Testamento a autores definidos, “sob um
acordo”
designou a Paulo como o escritor de Efésios. Não existia dúvida ou
discussão entre eles a respeito. A designação definitiva começou
mais ou menos no final do segundo século. Mas mesmo antes deste
tempo se reconheceu em todo lugar a existência da epístola e o alto
valor que a igreja lhe concedeu como escrito inspirado. Não há
razão alguma para afastar-se destas convicções tradicionais.

IV. DESTINO E PROPÓSITO

A. Destino

1. Os fatos e o problema que emana deles

Enfrentamos um problema verdadeiro visto que nem todos os


manuscritos gregos dizem o mesmo em Ef 1:1, onde as traduções
correntes indicam as pessoas a quem foi escrita a epístola. As
palavras de abertura “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade
de Deus, aos santos e crentes que estão”, não constituem problema
textual sério. O

problema apresenta-se com a frase adicional “em Éfeso” (ἐν


Ἐφέσῳ).

Esta frase não se acha nos manuscritos de maior antiguidade


existentes: está ausente em p46, que data do segundo século, no
Sinaítico não

Efésios (Hendriksen)

56

revisado e no Vaticano do quarto século. 9 Conforme opinam a


maioria dos eruditos, existe um comentário de Orígenes (a
princípios do terceiro século) implicando que não estava no texto
que ele usou. Uma observação de Basílio (mais ou menos em 370
d.C.) conduziu à mesma conclusão com relação ao texto que ele
usou para comentar.
Por outro lado, desde a metade do segundo século, o título colocado
para iniciar a epístola foi sempre “Aos efésios”. A única exceção foi
a cópia de Marcião que sustentou o título “Aos laodicenses”.
Usualmente sustentou-se, com boa razão, que o desvio da regra foi
devido a uma má interpretação de Cl 4:16. A maneira como
Tertuliano criticou Marcião por aceitar (ou originar?) este erro foi já
particularizada (veja-se III B 5

mais acima). Também, quase de forma unânime os manuscritos


subsequentes incluem “em Éfeso” no texto de Ef 1:1. Igualmente as
versões lhe dão seu apoio incluindo o nome do lugar.

O problema portanto, é o seguinte: Como podemos explicar a


ausência desta frase “em Éfeso” dos manuscritos mais antigos
existentes, à luz do quase unânime testemunho em favor de sua
inclusão? E qual é a luz que estes fatos lançam sobre o destino real
de Efésios?

2. São propostas várias soluções

a. Não se tentou destinar a epístola a nenhuma localidade


específica fosse esta grande ou pequena, mas antes, aos crentes
de todo lugar e em todos os tempos.

De acordo com este ponto de vista, qualquer coisa que pudesse


dizer o título, jamais era a intenção de Paulo de que se inserisse as
palavras “em Éfeso”. Esta teoria tem duas formas principais. De
acordo com a primeira, Paulo dirigiu sua mensagem aos santos “que
são”, isto é, os que têm verdadeira existência, visto que Cristo, em
quem vivem, é o 9 Foi também descuidado de lado pelo corretor de
424, cujas correções estavam baseadas num manuscrito muito
antigo, e por 1739.

Efésios (Hendriksen)

57
único que É. Não é acaso o grande EU SOU? (cf. Êx 3:14; Jo 6:35,
48; 8:12; 10:7, 9, 11, 14 etc.; Ap 1:8; 22:13). Esta interpretação foi
sugerida por Orígenes. Também Basílio a adotou. De acordo com a
segunda, Paulo está simplesmente escrevendo “aos santos que são
fiéis em Cristo Jesus”. Isto, com a omissão das palavras “em Éfeso”,
é favorecido não somente pelo texto da R.S.V., mas também com
certa variação de palavras, por muitas pessoas, tanto tradutores
como expositores: Beare, Findlay, Goodspeed, Mackay, Williams,
etc.

Avaliação: Em todo lugar das epístolas de Paulo, quando aparecem


as palavras “que estão” ou (a igreja) “que está”, vão invariavelmente
seguidas pela menção de um nome de lugar (Rm 1:7; 1Co 1:2; 2Co
1:1; Fp 1:1). Portanto, não existe razão válida para supor que a
presença das palavras “que estão” na epístola aos efésios tem que
ser uma exceção à regra. Nada achamos nas outras epístolas de
Paulo que dê apoio à explicação metafísica oferecida por Orígenes
e Basílio. E quanto à versão semelhante “aos santos que são fiéis
em Cristo Jesus”, sem ser seguida por algum lugar, além de estar
exposta à objeção já mencionada, só teria sensato significado se
não se interpretasse que havia santos que eram fiéis e outros que
não o eram.

Embora pela razão já estipulada (o uso paulino nas demais


epístolas) não me seja possível aceitar a teoria apoiada pela R.S.V.,
etc., não obstante, sou da opinião que contém um elemento de valor
que não deve ser passado por alto. O que Tertuliano particularizou é
verdade, ou seja, que “ao escrever à determinada igreja o apóstolo
o fez de fato a todas” (Veja-se mais acima III B 5). Em Efésios,
assim como em todas as demais epístolas, etc., o Espírito Se dirige
a todas as igrejas tanto daqueles tempos como dos presentes. Na
verdade, o tema universal de Efésios acrescenta ênfase a este
aspecto! É possível chegar a enfatizar em demasia o regional. No
entanto, isto não significa de modo nenhum que o ponto em
questão, de se as palavras “em Éfeso” devem ou não conservar-se,
deva abandonar-se como algo sem importância.
Efésios (Hendriksen)

58

b. A epístola, embora enviada a crentes que viviam numa região


definida e limitada, não tinha de modo algum o propósito de ser para
Éfeso.

Esta teoria tem como defensores, entre outros, a T. K. Abbott em


sua obra The Epistles to the Ephesians and to the Colossians
(International Critical Commentary) Nova York, 1916, p. viii; e a E. F.

Scott em sua breve exposição The Epistles of Paul to the


Colossians, to Philemon and to the Ephesians (Moffatt New
Testament Commentary), Nova York, 1930, pp. 121, 122. De acordo
com Abbott, Efésios foi escrita para os gentios convertidos de
Laodiceia, Hierápolis, Colossos, etc. Scott escreve, “… nada é certo
exceto que a epístola não foi escrita aos efésios”. Razões: “em
Éfeso” está ausente nos melhores manuscritos; não há detalhes
pessoais; a implicação de Ef 1:15; 3:2; 4:21, 22 elimina totalmente a
Éfeso.

Resposta: É difícil conceber que Paulo, que gastou tanto tempo e


energias em Éfeso, pudesse escrever uma epístola às igrejas da
Ásia proconsular, excluindo Éfeso:

As seguintes duas teorias devem ser consideradas em conjunto.

Ambas estão basicamente de acordo, visto que procedem da


hipótese de que em um sentido ou outro a epístola foi enviada a
Éfeso. Diferem em que c. interpreta “em Éfeso” regionalmente, e d.
localmente.

c. A epístola foi dirigida aos crentes que residiam na província da


qual Éfeso era a principal cidade. Era uma carta circular designada
não só à igreja local, mas também às congregações da Ásia
proconsular.
Este é um ponto de vista extensamente aceito hoje em dia.

d. A epístola foi enviada a uma igreja local definida, ou seja, a de


Éfeso, tal como Filipenses foi enviada à igreja de Filipe, e 1 e 2

Coríntios à igreja de Corinto.

Referente à defesa deste ponto de vista e a refutação dos da carta


circular ou conceito encíclico, em qualquer sentido, veja-se
especialmente R. C. H. Lenski, op. cit., pp. 329–341.

Efésios (Hendriksen)

59

Os que estão a favor da teoria “carta circular”, c., apresentam as


seguintes razões em favor de seu ponto de vista (sendo os mesmos
que se acham sob b. mas com aplicações menos rígidas):

(1) As palavras “em Éfeso” se omitem nos manuscritos melhores e


mais antigos. Daí que na verdade não existe boa razão para
conservar a designação de lugar a menos que o interpretemos como
uma referência à região onde Éfeso era a metrópole.

(2) As palavras “… porquanto ouvi da fé no Senhor Jesus que


(existe) entre vós” (Ef 1:15) e “… se é que ouvistes da administração
da graça de Deus que foi dada” (Ef 3:2; cf. 4:21, 22) implicam
claramente que entre os destinatários havia alguns que Paulo não
conhecia e que nunca estiveram em estreita relação pessoal com
ele. Se a epístola tivesse estado designada somente os crentes que
viviam na cidade de Éfeso, com quem Paulo tinha estabelecido
laços de irmandade tão estreitos (veja-se especialmente At 20:36–
38), jamais se teria expresso desta forma.

(3) Em cada epístola dirigida por Paulo a congregações fundadas


por ele ou das quais tinha chegado a ter um conhecimento pessoal
faz-se menção a ele como o pai espiritual da igreja e como obreiro
em seu seio (1Co 1:14; 2:1; 3:5–10; 11:23; 15:1–11; 2Co 3:3; Gl 1:8;
4:13–20; Fp 1:27–30; 1Ts 1:5; 2:1–5). Mas em Efésios não existe tal
referência. Ao contrário, a epístola acha-se totalmente isenta de
aspectos íntimos, detalhes de informação pessoal, ou alusões à
obra que o apóstolo tenha realizado na cidade e igreja de Éfeso,
segundo se relata em At 18:18–21; 19:20; 17–38. Se a intenção de
que Efésios não fosse uma epístola dirigida a uma congregação
específica, mas antes, uma carta circular dirigida a várias igrejas,
incluindo Éfeso, isto é compreensível.

(4) Às vezes — mas hoje em dia raramente — acrescenta-se uma


quarta razão: A epístola não contém saudações pessoais; mas se
tivesse designado exclusivamente à congregação de Éfeso, tal coisa
não devia ter faltado.

Efésios (Hendriksen)

60

Os que creem que a epístola foi dirigida somente à igreja em Éfeso


e que não foi uma carta circular dão as seguintes respostas: (1) Em
todos os manuscritos antigos (exceto de Marcião) a epístola leva o
título: Aos efésios. Todas as versões antigas têm “em Éfeso” no
versículo 1. Que explicação poderíamos dar a tal título e a tais
versões se a epístola não tivesse sido originalmente designada à
congregação de Éfeso?

(2) Quanto à ausência de “em Éfeso” em Ef 1:1 nos manuscritos


mais antigos, não existe porventura a possibilidade de que alguém
tivesse alterado o texto? Quase todos os manuscritos gregos
posteriores contêm a discutida frase. Que explicação dão os que
rejeitam seu caráter genuíno?

(3) Quanto a Ef 1:15; 3:2, e 4:21, 22, isto é um assunto de


interpretação. Veja-se o comentário sobre estas passagens.

(4) Não é verdade que não existe relação entre o relato da obra de
Paulo que se acha em Atos com o conteúdo desta epístola. Ao
contrário, Do que outra epístola se poderia dizer com maior
propriedade que está proclamando “todo o conselho de Deus” (cf. Ef
1:3–14)? Agora, de acordo com At 20:27 este é exatamente o
caráter da pregação de Paulo em Éfeso. Cf. Ef 2:20–22. A ausência
de grandes problemas locais que perturbassem à congregação pode
explicar por que Paulo não menciona nesta epístola a maneira como
foi recebido quando fundou a igreja. Além disso, referente a
aspectos íntimos e notícias com relação a si mesmo, achamos a
explicação em Ef 6:21, 22: Tíquico podia dar amplas informações.

(5) 2 Coríntios, Gálatas, 1 e 2 Tessalonicenses tampouco têm


saudações de Paulo embora fossem igrejas fundadas pelo apóstolo.
Por outro lado, Romanos, dirigida a uma igreja não fundada por
Paulo, contém grande quantidade de saudações.

Avaliação: Fica claro que nem todas as razões apresentadas em


favor da teoria “carta circular” são válidas. (4) especialmente é fraca,
e foi deixada de lado por muitos dos partidários do conceito
encíclico. É

Efésios (Hendriksen)

61

duvidoso, no entanto, que a refutação de (3) seja inteiramente


satisfatória. A falta de, ou antes, a pouca consideração à cor
regional e aos toques pessoais como também o amplo e sublime
tema (a igreja universal) pareceria harmonizar melhor com a teoria
encíclica que com a puramente local. Existe, além disso, outro fato
que pareceria prestar ainda um maior apoio ao ponto de vista da
circular. Teria sido quase impossível para Paulo o dirigir uma carta
aos crentes de Éfeso sem incluir também aos das igrejas
circundantes. Éfeso era o coração e centro da comunidade cristã,
como é muito evidente de At 19:10, onde se implica que quando
Paulo trabalhava nesta cidade as pessoas dos arredores iam ouvi-
lo. Como resultado, “todos os que viviam na Ásia ouviram a palavra
de Deus, tanto judeus como gregos”. No livro do Apocalipse,
também, a primeira do grupo de sete cartas é dirigida à igreja de
Éfeso (Ap 2:1–7). Como resultado, favoreço a teoria c. Mas com
base em ambos os pontos de vista (c. ou d.) as palavras “em Éfeso”

podem ser conservadas sem perigo em nossa tradução de Ef 1:1.

Agora, desenvolvendo algo mais da teoria “carta circular”, há um


ponto de vista popular (proposto por Beza e apoiado pelo arcebispo
Ussher) que diz que originalmente se deixou um espaço em branco
depois das palavras “que estão”, e se pediu que Tíquico ou alguma
outra pessoa fizesse várias cópias, uma para esta igreja, outra para
outra, etc., a fim de que em cada caso particular se preenchesse o
espaço em branco escrevendo nele o nome da igreja para a qual se
designava a cópia. Além disso, de acordo com esta teoria, com o
correr do tempo a frase “em Éfeso” chegou a ser uniforme visto que
a igreja dessa cidade era a mais importante.

Há possíveis objeções a esta teoria, como as que seguem: Primeira,


não estaremos porventura atribuindo a Efésios um método para
distribuição epistolar “com mais sabor a formas modernas que
antigas”

(Abbott)? Segunda, como explicamos o fato de que em Colossenses


4:16

se indica claramente um método de circulação epistolar totalmente


diferente? Terceira, se tal série de nomes colocados nos espaços
em

Efésios (Hendriksen)

62

branco é o que realmente teve lugar, como é então que não existem
rastros de cópias em que Ef 1:1 tenha outro nome que não seja
Éfeso?

Devemos admitir que não sabemos como e quando ocorreu a


mudança da omissão de “em Éfeso” ao de sua inserção (ou vice-
versa).

Lenski, partindo do suposto que as palavras “em Éfeso” se achavam


no texto desde o começo, conjetura que Marcião pôde em seus
tempos ter alterado o texto. No entanto, esta não é a única nem
talvez as forma mais benévola de solucionar o problema. Outra
sugestão — novamente, uma mera possibilidade! — seria que em
completa harmonia com os desejos expressos do apóstolo e com
absoluta sinceridade para com todos os interessados, o que
aconteceu foi o seguinte:

Suponhamos que na carta original, o próprio autógrafo, foi deixado


um espaço em branco, depois das palavras “que estão”. Ao ser lida
a carta em qualquer das congregações reunidas para a adoração,
este espaço em branco era preenchido verbalmente de acordo com
o requerido na congregação pertinente. Depois de ter sido lida em
Éfeso, começava seu percurso chegando a Laodiceia. Aqui, e antes
de ser enviada à próxima igreja, Colossos (Cl 4:16?), fazia-se uma
cópia, dando assim a oportunidade aos membros da igreja de
Laodiceia e também aos irmãos e irmãs dalém do rio (em
Hierápolis) de lê-la vez após vez e para lembrar a beleza de seu
inspirado conteúdo. Esta cópia era fiel em todo sentido ao original
escrito, até mesmo o ponto de conservar o espaço em branco. Tal
condição da epístola se reflete nos manuscritos mais antigos em
existência. Finalmente, depois de ter confeccionado cada igreja sua
copia, o autógrafo, que já teve completado seu circuito pelas
diferentes congregações para as quais foi originalmente designada,
era devolvida a Éfeso para ser conservada nos arquivos da igreja.
No entanto, segundo prévias instruções de Paulo, as palavras “em
Éfeso” eram agora inseridas, visto que agora todos os crentes em
todo lugar compreendiam que tal designação de lugar tinha
referência à grande Éfeso, quer dizer, a Éfeso e as igrejas
circundantes. A extensão deste raio não a conhecemos com
exatidão. Além disso, embora a carta repousasse agora nos
arquivos

Efésios (Hendriksen)
63

efésios, nem por isso descansava improdutiva. Deste centro se


emitiam cópias toda vez que fosse necessário. Estas cópias
continham a frase “em Éfeso”, que é exatamente o que se reflete em
quase todos os manuscritos posteriores.

Repito: tudo isso é meramente uma das muitas possibilidades. O

que realmente aconteceu pôde ter sido algo inteiramente diferente.


No entanto, sobre a possibilidade sugerida não cai o peso das três
objeções mencionadas antes, a que se acha exposta a teoria dos
espaços em branco que foram preenchidos imediatamente,
completando uma série.

Tampouco amontoa mais desonra sobre o nome de Marcião. Quanto


a isto, não o fez Tertuliano de uma maneira assombrosamente
completa?

( Contra Marcião, I.1).

3. Conclusão

O destino da epístola foi “Éfeso”, no sentido já explicado: as igrejas


de Éfeso e seus arredores. Lugar e tempo em que foi escrita: Roma,
mais ou menos nos meados do período 61–63 d.C. Veja-se C.N.T.
sobre Colossenses e Filemom, pp. 39–40; e sobre Filipenses, pp.
29–40.

B. Propósito

1. Paulo escreveu esta epístola com o fim de expressar aos


destinatários sua íntima satisfação por sua fé centralizada em Cristo
e seu amor para com todos os santos (Ef 1:15). A partida de Tíquico
e Onésimo para Colossos (Ef 6:21, 22; cf. Cl 4:7–9) deu a
oportunidade ao apóstolo para enviar suas cálidas saudações, etc.,
aos crentes em Éfeso, cidade pela qual os emissários deviam
passar. A mesma mensagem devia ser comunicado às igrejas
circundantes.

2. Outro propósito estreitamente vinculado foi o de descrever a


gloriosa graça redentora de Deus para com a igreja, derramada
sobre ela a fim de que fosse uma bênção ao mundo e pudesse
glorificar o seu Redentor.

Efésios (Hendriksen)

64

Todos os pensamentos que o apóstolo Paulo desenvolve com


relação aos diferentes aspectos desta gloriosa igreja são levados
até suas últimas consequências. Desta maneira deixa claro que não
são as boas obras nem mesmo a fé, mas unicamente o bondoso,
eterno plano de Deus

“em Cristo”, quer dizer, o próprio Cristo, é o verdadeiro fundamento


da igreja (Ef 1:3ss.). O controle de Cristo se estende nada menos
que ao universo inteiro em beneficio da igreja (Ef 1:20–22). Tanto
judeus como gentios se acham incluídos na esfera da redenção (Ef
2:14–18), relativa a qual todas as coisas estão sob a autoridade
única de Cristo, sua cabeça, ou seja, as coisas nos céus e as coisas
na terra (Ef 1:10). O processo de salvação não se detém no
momento em que os homens se “convertem”.

Ao contrário, o cristão deve prosseguir rumo à meta, quer dizer, “a


medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4:13). A fim de
chegar a esta meta todos devem manifestar sua unidade em Cristo
e crescer em todas as coisas nele (Ef 4:1–16). Pablo ora para que
os crentes sejam capazes de conhecer o amor de Cristo que excede
todo conhecimento, e que sejam cheios de toda a plenitude de Deus
(Ef 3:19). A sabedoria de Deus em toda sua infinita diversidade deve
ser proclamada pela igreja.

Além disso, não deve ser dada a conhecer somente ao mundo, mas
também “aos principados e às autoridades nos lugares celestiais”
(Ef 3:10). Todo membro da família de Deus tem o dever de
manifestar sua renovação (Ef 5:22–6:9). A igreja, em sua luta contra
o mal, agindo como um só corpo, deve fazer uso eficaz de toda a
armadura provida por Deus (Ef 6:11ss.).

É totalmente possível que a exuberante doxologia de Paulo no


começo da epístola teve sua origem em parte no fato de ter
observado já nos corações e vidas dos destinatários, conforme foi
informado, um parcial mas significativo grau de progresso na
realização do plano de Deus para a igreja. Claro que não era esta a
única razão de sua alegria e louvor. Veja-se comentário sobre Ef
1:3.

3. É possível que ao escrever esta carta o apóstolo também tivesse


o propósito de estabelecer um contraste entre o império romano, do
qual

Efésios (Hendriksen)

65

era prisioneiro, e a igreja. Segundo outra epístola composta durante


o mesmo lapso de sua prisão entendemos que esta possibilidade
não deve ser inteiramente descartada (Fp 3:20). Sendo assim,
então, o encantamento de Roma pôde bem lhe ter sugerido a glória
da igreja; o severo ditador romano que governava sobre um vasto
mas limitado domínio, o bondoso Senhor da igreja, soberano
ilimitado de tudo; sua consolidação política à força de poder físico, a
unidade orgânica da igreja no vínculo da paz; seu poderio militar, a
armadura espiritual da igreja; e seu fundamento temporal sujeito em
“trocas e quedas”, o eterno fundamento e sem fim duração da igreja.

V. TEMA E ESBOÇO

Se na verdade a preocupação de Paulo em Colossenses é “Cristo, o


preeminente, único e inteiramente eficaz Salvador”, então em
Efésios está discutindo seu corolário, ou seja, “A unidade de todos
os crentes em Cristo”. Em lugar de “Todos os crentes” podemos
colocar “A igreja gloriosa”. As ideias de “unidade” e “em Cristo”
podem ter seu lugar adequado no esboço. O estudo cuidadoso de
Efésios conduziu a um número sempre crescente de exegetas a
concluir que o conceito da igreja recebe nesta epístola tal ênfase
que todo seu conteúdo pode ser agrupado ao redor dela sem
sobrepor nossas próprias opiniões subjetivas sobre o pensamento
do apóstolo. 10

O termo igreja, segundo seu uso aqui, indica o corpo (Ef 1:22, 23;
4:4, 16; 5:23, 30), o edifício (Ef 2:19–22), e a esposa (Ef 5:25–27,
32) de Cristo; a totalidade dos salvos por meio do sangue de Cristo,
quer judeus ou gentios, têm mediante Ele acesso num Espírito ao
Pai (Ef 2:13, 18).

10 Veja-se W. E. Ward, “One Body—the Church”, RE, Vol. 60 N° 4


(otoño 1963), pp. 398–413; F. W.

Beare, The Epistle to the Ephesians (Interpreter’s Bible, Vol. X),


Nova York e Nashville, 1953, pp.

606, 607; e L. Berkhof, New Testament Introduction, Grand Rapids,


1916, p. 189. O último assinala que enquanto que Colossenses
procura Cristo, cabeça da igreja, Efésios preocupa-se de forma mais
enfática da igreja, corpo de Cristo.

Efésios (Hendriksen)

66

Como acontece em Romanos e Colossenses, também aqui em


Efésios há uma divisão bem delineada entre exposição e exortação,
verdade exposta de verdade aplicada; os capítulos 1–3 pertencem à
primeira parte, os capítulos 4–6 à segunda. O estilo, sobretudo na
primeira divisão, é, não obstante, tão sublime que adoração
expressa o conteúdo mais precisamente que exposição. A alma do
apóstolo está cheia de humilde gratidão para Deus, Autor da igreja
gloriosa. Ele derrama seu coração em sincero, espontâneo, pródigo
louvor. Para Paulo doutrina significa doxologia! É algo não só da
mente, mas também do coração, de experiência cristã sob a direção
da inspiração.

Depois da saudação de abertura (Ef 1:1, 2), o corpo da epístola


começa, no original, com a palavra Eulogētós (Bendito!). O apóstolo
abençoa, elogia (rende elevado louvor) a Deus por Suas
maravilhosas bênçãos para a igreja. À maneira de ajuda para a
memória pode-se confeccionar um acróstico com as primeiras seis
letras desta palavra de abertura, lidas de forma vertical:

Isto nos dá o seguinte Breve resumo de Efésios Tema: A igreja


gloriosa

I. Adoração como seu

Cap. 1 E terno fundamento “em Cristo”

Depois da saudação (vv. 1, 2) a doxologia começa assim:

Efésios (Hendriksen)

67

“Bendito (seja) o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos
tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões
celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele antes da
fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante
ele” (Ef 1:3, 4).

Cap. 2 U niversalidade (abrangendo tanto a judeus como gentios)

“Porque por meio dele ambos temos nosso acesso num

Espírito ao Pai” (Ef 2:18).

Cap. 3 L uminosa meta “a fim de que agora aos principados e as


autoridades nos lugares celestiais seja dado a conhecer por meio da
igreja a iridescente sabedoria de Deus … (y)

conhecer o amor de Cristo que ultrapassa o conhecimento; para que


sejais cheios até toda a plenitude de Deus” (Ef 3:10, 19).

II. Exortação: descrevendo e insistindo

Ef 4:1–16 - O rgânica em sua unidade (em meio de diversidade) e


em seu crescimento em Cristo “Eu, portanto, o

prisioneiro no Senhor, suplico-vos que … fazendo todo

esforço para preservar a unidade comunicada pelo

Espírito mediante o vínculo (que é) a paz … para que já não


sejamos … apegando-nos à verdade em amor,

cresçamos em todas as coisas nele que é a cabeça, isto é Cristo”


(Ef 4:1, 3, 14, 15).

Ef 4:17–6:9 - G loriosa renovação

“… com relação a vossa passada maneira de vida deveis

despojar-vos do velho homem … e ser renovados em

Espírito de vossas mentes, e vestir-vis do novo homem”


(Ef 4:22–24).

Efésios (Hendriksen)

68

Ef 6:10–24 - E ficaz armadura

“Revesti-vos de toda a armadura de Deus para que possais estar


firmes contra os métodos ardilosos do diabo (Ef 6:11).

Conclusão (vv. 21–24).

Esboço de Efésios de forma mais completa

Tema: A igreja gloriosa

I. Adoração como seu

Cap. 1 E terno fundamento “em Cristo”

Depois da saudação de abertura (vv. 1 e 2) Paulo “bendiz a Deus


pelo fato de que este é um fundamento

1. que dá como resultado “toda bênção espiritual” para os crentes,


para o louvor e a glória de Deus o Pai e o Filho e o Espírito Santo
(Ef 1:3–14); e

2. que conduz à ação de graças e oração, para que os olhos dos


leitores sejam iluminados para que vejam o poder salvador de Deus,
exibido na ressurreição e coroação de Cristo (Ef 1:15–23).

Cap. 2 U niversalidade (abrangendo tanto judeus como gentios) 1.


assegurada pelas grandes bênçãos redentores para ambos que têm
seu centro “em Cristo” e que são semelhantes à Sua ressurreição e
vida triunfante (Ef 2:1–10);

2. evidenciada pela reconciliação de judeus e gentios por meio da


cruz (Ef 2:11–18);
3. e pelo fato de que a igreja de judeus e gentios cresce para ser um
edifício, um templo santo no Senhor, do qual o próprio Cristo é a
principal pedra do ângulo (Ef 2:19–22).

Cap. 3 L uminosa meta

1. Para dar a conhecer os principados e às autoridades nos lugares


celestiais a iridescente sabedoria de Deus, refletida no

Efésios (Hendriksen)

69

mistério revelado especialmente (embora não exclusivamente) a


Paulo, ou seja, que os gentios são … membros do mesmo corpo de
Cristo (Ef 3:1–13); e

2. Conhecer o amor de Cristo que ultrapassa o conhecimento para


assim ser cheios até toda a plenitude de Deus (Ef 3:14–19).

Doxologia (Ef 3:20–21).

II. Exortação: descrevendo e insistindo a todos à

4:1–16 O rgânica unidade (em meio de diversidade) e o crescimento


em Cristo insistindo à

4:17–6:9 - G loriosa renovação

1. a todos (4:17–5:21)

a. “despojai-vos do velho homem. Renovai-vos. Revesti-vos do novo


homem”.

b. “Não deis ao diabo ponto de apoio. Sede imitadores de Deus”.

c. “Em outro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor;
andai sempre como filhos de luz”.
d. “Não vos embriagueis com vinho, mas enchei-vos do Espírito”.
2. a grupos em particular (Ef 5:22–6:9)

a. “Esposas, sujeitai-vos a vossos próprios maridos. Maridos, amai


vossa esposa”.

b. “Filhos obedecei a vossos pais. Pais, educai-os meigamente”.

c. “Escravos, obedecei a vossos amos. Amos, deixai as ameaças”.

3. insistindo com todos a vestir-se com o que Deus proveu à igreja,


quer dizer, a

6:10–24 E ficaz armadura. Conclusão

1. “Revesti-vos de toda a armadura de Deus” (Ef 6:10–20); 2.


Conclusão (Ef 6:21–24).

Efésios (Hendriksen)

70

EFÉSIOS 1

ETERNO FUNDAMENTO “EM CRISTO”

Versículos 1–14

Tema: A igreja gloriosa

I. Adoração como seu

E terno fundamento “em Cristo”

Depois da saudação de abertura (vv. 1 e 2), Paulo “bendiz a Deus


pelo fato de ser este um fundamento:

1. que dá como resultado “toda bênção espiritual” para os crentes,


para o louvor da glória de Deus o Pai e o Filho e o Espírito Santo
(vv. 3–

14)

EF 1:1, 2 - SAUDAÇÃO DE ABERTURA

1. Segundo o costume de Paulo, a epístola inicia com uma


saudação e termina com uma bênção. No começo, Deus, por assim
dizer, faz-se presente na igreja reunida em adoração e exala sobre
ela sua bênção.

Permanece com ela durante todo o culto e logo se retira, mas não
da igreja mas com a igreja. Não obstante, aquele que fala por meio
desta carta é o próprio Paulo. E naturalmente que não o faz como
quem copia uma mensagem gravada. Efésios não é uma cinta de
transcrever nem tampouco um fita cassete gravada. Ao contrário, é
o próprio Paulo que abre seu coração e prorrompe em louvores e
ações de graças. O que escreve é na verdade o produto de sua
própria meditação e reflexão. É ao mesmo tempo a espontânea
expressão de seu coração e um esmerado produto de sua mente. O
ouro que brota de seu coração foi moldado de uma forma definida e
(por que não dizê-lo) artística por sua mente. Mas esse coração e
mente se acham tão perfeitamente controlados pelo Espírito que as
ideias expressas e as palavras que lhes dão forma vêm a

Efésios (Hendriksen)

71

ser também (em certo sentido, foram-no acima de tudo) as ideias e


palavras do Espírito Santo. Daí que a palavra de Paulo é realmente
a Palavra de Deus. Efésios, bem como o resto das Escrituras, é
exalada ou inspirada de Deus. Cf. 2Pe 1:21; 2Tm 3:16; referente à
última passagem veja-se C.N.T. sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 340–
343.

O escritor desta epístola recebeu o nome hebraico Saul, em latim


Paulus, em português Paulo (aqui, no original, parece helenizado:
Paulos). Paulo não é um mero particular que, tendo concebido algo
em sua mente, deseja dar-lhe expressão própria. Não, ele é, e quer
que os efésios saibam que é um apóstolo de Cristo Jesus, e isto
não em certo sentido amplo somente, mas com o significado preciso
e próprio que corresponde à palavra apóstolo. Porventura não
recebeu o chamado para o ofício diretamente de Cristo? E não
foram as marcas de seu pleno apostolado prodigamente evidentes
através de sua vida e obra? Pertence a Cristo, e O representa, e por
isso a mensagem de Paulo é a mensagem do próprio Cristo.
Quando Paulo saúda os efésios “o Pai e o Senhor Jesus Cristo”
estão outorgando Suas bênçãos sobre eles.

Paulo prossegue, pela vontade de Deus. O apóstolo não chegou a


este alto ofício por anelo próprio nem por usurpação nem sequer por
nomeação de outros homens, mas por divina preparação, tendo sido
afastado e qualificado pela atividade da soberana vontade de Deus.

Como já deu a conhecer de forma mais ou menos detalhada seu


nome como escritor, o apóstolo se volta agora aos destinatários.
Escreve aos santos e crentes que estão em Éfeso em Cristo
Jesus. Tais santos são aqueles que o Senhor apartou para que O
glorifiquem, os consagrados, cuja tarefa é proclamar as excelências
de Deus (1Pe 2:9). A frase “os santos e crentes” constitui uma
unidade. Os mesmos que receberam o nome de santos são
chamados também crentes, visto que os santos que

Efésios (Hendriksen)

72

são fiéis ao seu chamado põem, indubitavelmente, sua confiança no


Deus único e verdadeiro que Se revelou em Cristo. 11

A frase “em Éfeso”, já foi amplamente discutida na Introdução, IV

A. Destino. Paulo escreve ao povo de Deus que se acha em Éfeso e


seus arredores. Os destinatários são “em Cristo Jesus”, quer dizer,
são-no em virtude de sua união com Ele. 12 Sem exagerar, esta
frase poderia considerar-se como a mais importante em todas as
epístolas paulinas. Tal frase, ou seus equivalentes (“nele”, “em
quem”, “no amado”) ou quase equivalente (“no Senhor”) aparece em
nossa epístola em Ef 1:1, 3, 4, 6, 7, 9–13, 15, 20; 2:5–7, 10, 13, 21,
22; 3:6, 11, 12, 21; 4:1, 21, 32; 5:8; e 6:10, 21. Também ocorre com
maior ou menor frequência em outras epístolas de Paulo (exceto
Tito). Se os santos eram considerados santos e crentes, eram-no
em virtude de sua união com Cristo, visto que se receberem “toda
bênção espiritual” (Ef 1:3) é devido ao seu relacionamento com Ele.
Aqui, de forma especial e básica, as bênçãos referidas são a eleição
antes da fundação do mundo (Ef 1:4–6), a redenção por meio do
sangue (Ef 1:7–12), a segurança (“selados”) como filhos e, portanto,
herdeiros (Ef 1:13, 14). Vemos claramente que esta é a
interpretação que se adapta ao contexto presente. Se não fosse por
sua conexão com Cristo, uma relação muito próxima, tais pessoas
não seriam agora santos e crentes. Além disso, suas vidas no
presente se acham centralizadas nele. Para eles “o viver é Cristo”
(Fp 1:21). Amam-lhe agora porque ele lhes amou primeiro.

11 O fato de que a expressão seja uma unidade vê-se também pelo


fato de que em original o artigo definido não se repete antes da
segunda palavra. Esta falta de repetição indica que é correto
traduzir tanto a primeira como a segunda das duas palavras como
nome, e não como adjetivo; daí que, deve ser crentes, e não fiéis.
Os crentes aqui em Ef 1:1 são comparáveis aos irmãos crentes em
Cl 1:2.

12 A tradução “aos santos e crentes em Cristo Jesus” (em lugar da


os santos e crentes que estão em Éfeso em Cristo Jesus”) dá a
impressão como se Cristo Jesus fosse considerado como o sujeito
do verbo implicado crer. Mas isto iria significado acostumado da
frase “em Cristo Jesus”, e além disso destruiria a unidade do par
“santos e crentes”, como se as palavras “em Cristo Jesus”
estivessem modificando a segunda palavra somente.

Efésios (Hendriksen)

73
2. A própria saudação é a seguinte: graça a vós e paz de Deus
nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. Desta maneira se pronuncia
graça sobre os santos de Éfeso. Esta palavra pode indicar às vezes
bondade, como qualidade ou atributo de Deus ou do Senhor Jesus
Cristo. Pode também ser descritiva do estado de salvação, e em
terceiro lugar, a gratidão dos crentes pela salvação recebida ou por
qualquer dom de Deus. Mas no caso presente refere-se
indubitavelmente ao espontâneo e imerecido favor de Deus em
ação, Sua amorosa e gratuita bondade em operação, a salvação
concedida ao pecador carregado de culpa. A graça é a fonte.

A paz pertence ao jorro de bênçãos espirituais que desta fonte


emanam.

Esta paz é o sorriso de Deus que se reflete no coração dos


redimidos, a segurança da reconciliação mediante o sangue de
Cristo, e a autêntica integridade e prosperidade espiritual.

É a grande bênção que Cristo outorga à igreja mediante Seu


sacrifício expiatório (Jo 14:27), e que ultrapassa todo entendimento
(Fp 4:7).

Agora, esta graça e esta paz têm sua origem em Deus o Pai (Tg
1:17) e foram merecidas em favor do crente por Aquele que é o
grande Mestre-Proprietário-Conquistador (“Senhor”), Salvador
(“Jesus”), e Oficial (“Cristo”) e quem, devido à sua tríplice unção —
ou seja, Profeta, Sacerdote, Rei — “pode salvar totalmente os que
por meio dele se achegam a Deus” (Hb 7:25). 13

Para maiores dados referentes a certos aspectos das saudações de


abertura usadas por Paulo veja-se C.N.T. em 1 e 2 Tessalonicenses,
pp.

47–56; Filipenses, pp. 55–62; 1 e 2 Timóteo e Tito pp. 59–66, 383–


388.

Passando agora ao corpo da carta, Paulo “bendiz a Deus pelo


Eterno Fundamento “em Cristo”, um fundamento:
13 A única preposição de introduz toda a expressão “Deus nosso
Pai e o Senhor Jesus Cristo”, mostrando que estas duas pessoas
ocupam um lugar ao nível de absoluta igualdade.

Efésios (Hendriksen)

74

EF. 1:3–14

1. que dá como resultado “toda bênção espiritual” para os crentes,


para o louvor da glória de Deus o Pai e o Filho e o Espírito Santo
(vv.

3–14).

3. Bendito (seja) o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. A


bondade, a verdade e a beleza se combinam nesta doxologia inicial,
na qual o apóstolo, por meio de palavras que são belas tanto pelos
pensamentos que expressam como por sua artística apresentação,
derrama sua alma em verdadeira adoração pela bondade de Deus
em eficaz atividade. Atribui a Deus a honra devida por Suas
bênçãos espirituais passadas (a eleição), presentes (a redenção), e
futuras (certificação como filhos que hão de tomar posse total da
herança reservada para eles). O apóstolo compreende que as
bênçãos divinas concedidas ao povo de Deus devem ser
reconhecidas com humildade, gratidão, e entusiasmo tanto em
pensamento como em palavras e ações.

Tal resposta é a única forma adequada em que estas graças


espirituais podem ser “devolvidas” ao seu doador. O ciclo tem que
ser completado: O que provém de Deus deve voltar a Ele! Isto é o
que quer significar ao dizer, “Bendito (seja) …”. 14

A oração que começou com “Bendito (seja)” avança rodando como


uma bola de neve por um pendente, crescendo em volume à medida
que desce. Suas 202 palavras, e os abundantes qualificativos que
elas formam, ordenados como telhas num teto ou como degraus
numa escada, 14 Quanto a bênção dirigida a Deus veja-se C.N.T.
sobre 1 Timóteo e Tito pp. 85 (incluindo a nota 34). Embora de
acordo com sua forma εὔλογητός é um adjetivo verbal que
propriamente significa

“digno de louvor”, não obstante, de acordo com seu uso posterior


não há nada que impeça que possa ter o sentido de um particípio
perfeito. Quanto à cópula, Lenski a deixaria definitivamente fora.
Diz,

“Não há que acrescentar nada, leia-a palavra como uma


exclamação”. No entanto, até uma exclamação deste tipo tem um
verbo implicado. Alguns favorecem o indicativo εστἰν (cf. Rm 1:25 e
LXX Sl 118:2) e a tradução “Digno de bênção é”; mais corrente é a
tradução “Bendito seja” ou

“Louvor seja a”, com base ao optativo εἴη. Finalmente, a diferença é


mínima, como até a expressão

“Digno de bênção é” poderia implicar, “Portanto, ele seja bendito (ou


louvado)”.

Efésios (Hendriksen)

75

são como empinados corcéis que ao ser libertados se lançam à


impetuosa velocidade. João Calvino diz: «Os elevados termos com
que ele (Paulo) exalta a graça de Deus para os efésios, têm o
propósito de estimular a gratidão em seus corações, inflamá-los,
enchê-los até que tal disposição ultrapasse os bordes». O «ardente
coração» de Paulo tende também a inflamar outros corações com o
sincera, humilde, e transbordante louvor ao “Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo”. Cf. Rm 15:6; 2Co 1:3; 11:31. Sendo que
Jesus, além de ser Deus, era e é também homem, e sendo que Ele
Se dirige à primeira Pessoa da Trindade como “Deus meu” (Mt
27:46), é evidente que o título inteiro “O Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo” fica justificado. Quanto ao termo “Pai”, é
evidente que se o título “Deus de nosso Senhor Jesus Cristo”
enfatiza Sua natureza humana, o de “Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo” chama a atenção à divina natureza do Filho, uma vez que
nesta epístola profundamente trinitária faz-se referência ao Filho,
não com relação à Sua natividade, mas em Sua conexão com a
Trindade, na qual, o Amado, que aparece sob diferentes nomes, é
colocado ao mesmo nível e é sempre mencionado em conjunto com
o Pai e o Espírito (Ef 2:18; 3:14–17; 4:4–

6; 5:18–20). Cristo é o Filho de Deus por geração eterna. Cf. C.N.T.

sobre o Evangelho de João, pp. 90–93. Agora, o fato de chamar à


primeira pessoa da Santa Trindade “O Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo”

tem um propósito muito prático conforme o apóstolo mostra


claramente o em 2Co 1:3. Em Sua qualidade de Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, Ele é “O Pai de misericórdia e Deus de toda
consolação”. É por conduto de Cristo que nos vem toda bênção
espiritual do Pai. E se Cristo é o

“Filho do amor de Deus” (Cl 1:13), então Deus deve ser o Pai de
amor, o Pai amante. Observe-se também aquela bela palavra de fé
possessiva, ou seja, nosso: “o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. É
notável como isto aproxima Cristo ao coração do crente, e não
somente Cristo, mas também o Pai. Indubitavelmente Cristo e o Pai
são Um! Com referência ao título “Senhor Jesus Cristo” veja-se o
versículo 2 mais acima.

Efésios (Hendriksen)

76

Paulo prossegue, que nos tem abençoado com toda bênção


espiritual nos lugares celestiais em Cristo. O Pai abençoa Seus
filhos ao derramar dons sobre eles de tal modo que estas graças ou
experiências, de qualquer natureza que sejam, cooperam para o
bem (Rm 8:28). Junto com os dons, Ele Se dá a Si mesmo (Sl 63:1;
cf. Rm 8:32). Entendemos que não é verdade que o Antigo
Testamento considere os bens materiais como de maior valor que os
espirituais, visto que se ensina claramente o contrário em
passagens como Gn 15:1; 17:7 Sl 37:16; 73:25; Pv 3:13, 14; 8:11,
17–19; 17:1; 19:1, 22; 28:6; Is 30:15; cf. Hb 11:9, 10. No entanto, é
verdade que entre os dois testamentos existe uma diferença de grau
quanto à complexidade dos detalhes com que as bênçãos terrestres
ou físicas são descritas (Êx 20:12; Dt 28:1–8; Ne 9:21–25). Deus é
para sempre o sábio pedagogo que toma os Seus filhos pela mão e
sabe que na antiga dispensação, “quando Israel era criança”,
necessitava esta descrição circunstancial dos valores terrestres para
que por meio destes, à maneira de símbolos (p. ex., a Canaã
terrestre é símbolo da celestial), eles poderiam chegar à justa
apreciação do espiritual (cf. 1Co 15:46). O

Novo Testamento, embora de maneira nenhuma diminuía a


importância das bênçãos terrestres (Mt 6:11; 1Tm 4:3, 4), põe toda
sua ênfase no espiritual (2Co 4:18), e bem pôde ser que para
acentuar esta diferença entre a antiga e a nova dispensação,
declara-se aqui que o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo nos tem
abençoado com toda bênção espiritual. É

melhor permitir ao contexto indicar a natureza e o conteúdo destas


bênçãos. Embora, certamente, a palavra toda claramente prova que
seria um erro subtrair até o menor dos dons invisíveis da lista
daqueles

«vastos benefícios divinos que possuímos em Cristo», não obstante


o contexto indica que o apóstolo está pensando especialmente em
— ou resumindo todos estes benefícios sob — aqueles que se
mencionam no parágrafo presente, ou seja, eleição (e seu
acompanhamento, predestinação à adoção), redenção (implicando o
perdão e a graça superabundante em forma de toda sabedoria e
discernimento), e a certificação (“selados”) como filhos e herdeiros.

Efésios (Hendriksen)

77
A frase “nos lugares celestiais” ou simplesmente “nos celestiais”

(usado no sentido local em Ef 1:20; 2:6; 3:10, e provavelmente


também de forma local em Ef 6:12) indica que estas bênçãos
espirituais são celestiais quanto à sua origem, e que do céu descem
aos santos e crentes na terra (cf. Ef 4:8; e veja-se C.N.T. sobre Fp
3:20 e sobre Cl 3:1).

Para o significado de “em Cristo” veja-se sobre o versículo 1. Esta


frase ou seu equivalente aparece mais de dez vezes neste breve
parágrafo (Ef 1:3–14), que é clara evidência do fato que o apóstolo
considera como o próprio fundamento da igreja, isto é, de todos os
seus benefícios, ou sua total salvação. É em conexão com Cristo
que os santos e crentes em Éfeso (e em qualquer outro lugar) foram
abençoados com toda bênção espiritual: a eleição, a redenção, e a
certificação como filhos e herdeiros e todos os outros benefícios
incluídos sob estas divisões. Fora dEle não somente nada podem
fazer, mas nada são, ou seja, equivalem a nada no sentido
espiritual.

4. Paulo prossegue, conforme nos escolheu nele antes da


fundação do mundo.

A eleição

(1) Seu autor

O autor é “O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, segundo se


indicou já (veja-se sobre v. 3). Naturalmente que isto em nenhuma
maneira invalida o fato de que todas as atividades que afetam as
relações trinitárias possam atribuir-se ao Pai, Filho e Espírito Santo.
No entanto, segundo se mostra aqui, é o Pai quem tem a direção na
obra divina da eleição.

(2) Sua natureza

Eleger significa tomar ou escolher algo de (para si mesmo).


Embora a própria passagem não indique de forma definida a massa
de

Efésios (Hendriksen)

78

objetos ou indivíduos dentre os quais o Pai escolhe alguns, não


obstante, este imenso grupo fica definido claramente por meio da
cláusula de propósito “para que fôssemos santos e irrepreensíveis
diante dele”.

Como resultado, aquela extensa massa de indivíduos dentre os


quais o Pai escolhe alguns que se consideram aqui como carentes
de santidade e vis. Tal interpretação se ajusta ao contexto. Provê
uma das razões (veja-se Síntese no final do capítulo para mais
argumento) que explicam por que a alma do apóstolo está cheia de
tal arroubo que diz “Bendito (seja) o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, que … nos escolheu”. Quer dizer: nós totalmente
indignos diante de Sua presença! Não procura dar explicações de
como é possível para Deus fazê-lo. Percebe perfeitamente que
quando o homem enfrenta tal manifestação de maravilhosa graça, a
única resposta adequada é adoração e não o entrar em explicações.

(3) O sujeito

O sujeito é “nós”, nem todos os seres humanos. Este pronome “nós”

deve ser entendido à luz de seu contexto. Paulo está escrevendo a

“santos e crentes” (v. 1). Diz que o Pai nos tem abençoado”, isto é,

“todos os santos e crentes” (neste caso a referência específica é


aos que estão em Éfeso) incluindo Paulo (v. 3). Por isso então,
quando o apóstolo prossegue, “conforme nos escolheu”, este “nos”
não pode repentinamente referir-se a todos os homens sem
distinção, mas deve referir-se necessariamente a todos aqueles que
são (ou que foram destinados para que em algum tempo da história
do mundo sejam)

“santos e crentes”; ou seja, a todos os que, tendo sido separados


pelo Senhor para que O glorifiquem, rendem-se a Ele por meio de
uma fé viva.

É por esta razão contextual (e também por outras) que não posso
estar de acordo com a argumentação de Karl Barth de que em
conexão com Cristo toda a humanidade sem distinção foi escolhida,
e que a

Efésios (Hendriksen)

79

diferença fundamental não é entre escolhidos e não escolhidos mas


antes, entre os que se acham conscientes de sua eleição e os que
não o estão. 15

(4) Seu fundamento

O fundamento da igreja, de toda sua salvação do princípio ao fim, e


naturalmente de sua eleição, é Cristo. Paulo diz “O (“o Deus e Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo”) nos escolheu nele”. O elo entre os
versículos 3 e 4 é esta frase. Poderíamos fazer ressaltar isto com a
seguinte tradução, “Deus o Pai nos abençoou com toda bênção
espiritual nos lugares celestiais em Cristo, conforme nos escolheu
nele …” Em outras palavras, num ponto do tempo Deus nos
abençoou em Cristo de acordo com a eleição que fez de nós desde
a eternidade nele (em Cristo).

Embora alguns sustentam que este “assim como, ou conforme” está


denotando somente correspondência, no sentido de que existe um
perfeito acordo entre as bênçãos e a eleição, visto que ambas são
“em Cristo”, poderia perguntar-se se tal interpretação esgota
inteiramente o significado da palavra usada no original. 16 Além de
um ponto gramatical (para o que veja-se a nota 16), o ensino de
Paulo é que a eleição desde a eternidade e os passos
subsequentes na ordem da salvação não devem ser considerados
como detalhes independentes um do outro, e sim como elos de uma
cadeia de ouro, segundo se vê bem claro em Rm 8:29, 3. A eleição,
então, é a raiz de todas as bênçãos subsequentes. É como Jesus
15 Para o ensino de Karl Barth sobre este tema veja-se seu “Gottes
Gnadenwhal”, Die Lehre Von Gott, Die Kirchliche Dogmatik, 11/2 (3e
Auflage, 1948). Véase también G. C. Berkouwer, De Triomf der
Genade in de Theologie van Karl Barth (Kampen, 1954); C. Van Til,
The New Modernism: an appraisal of the theology of Barth and
Brunner (Filadélfia, 1946), e pelo mesmo autor, Has Karl Barth
Become Orthodox? (Filadélfia, 1954); F. H. Klooster, The
Significance of Barth Theology: An Appraisal, With Special
Reference to Election and Reconciliation (Grand Rapids, 1961); e
Edwin D.

Roels, God’s Mission, The Epistle to the Ephesians in Mission


Perspective, dissertação doutoral apresentada em “Free University”
de Amsterdam (Franeker, 1962).

16 Em caso semelhante καθώς, no começo de uma cláusula, é


usado como conjunção e não em certo sentido meramente de
comparação ou correspondência mas sim de causa (Ef. 4:32;
também Rm 1:28; 1Co 1:6; 5:7; Fp 1:7).

Efésios (Hendriksen)

80

disse em Sua oração intercessória: “…a fim de que ele conceda a


vida eterna a todos os que lhe deste” (Jo 17:2). Cf. Jo 6:37, 39, 44;
10:29.

Como resultado, partindo da base que a eleição é desde a


eternidade, que também é a raiz de todas as bênçãos que seguem,
e que além disso é
“nele”, Cristo não é apenas o fundamento da igreja, mas também o
fundamento eterno.

Agora vem à mente a pergunta: “Como se deve entender o fato de


os santos e crentes terem sido escolhidos em Cristo?” A resposta
que se dá com frequência é a seguinte: foi determinado no conselho
de Deus que em algum ponto do tempo estas pessoas chegariam a
crer em Cristo.

Embora, indubitavelmente, isto se ache também implicado, no


entanto, não é resposta suficiente e não faz justiça a tudo o que
Paulo e outros escritores inspirados ensinaram com relação a este
importante ponto. A resposta básica deve ser que desde antes da
fundação do mundo Cristo foi o Representante e o Fiador de todos
os que em algum ponto do tempo seriam recolhidos no redil. Isto foi
necessário, visto que a eleição não é uma revogação dos atributos
divinos. Já se estabeleceu que no pano de fundo do decreto divino
acha-se o funesto fato de que os escolhidos foram considerados
desde o começo inteiramente indignos, envolvidos em ruína e
perdição. Ora, o pecado tem que ser castigado. As demandas da
santa lei de Deus devem ser satisfeitas. O Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo não deixa de lado a justiça nem cancela as
demandas de Sua lei. Como pode ser então possível para Deus
outorgar tão grande, gloriosa, e fundamental bênção como o é a
eleição dos “filhos da ira”, e ainda fazer isto sem que deteriore Sua
própria natureza e a inviolabilidade de Sua santa lei? Responde-se
que isto é possível devido à promessa do Filho (em completo acordo
com o Pai e o Espírito): “Eis aqui eu venho; no rolo do livro está
escrito de mim; agrado-me em fazer a tua vontade, ó meu Deus; e
tua lei está dentro do meu coração” (Sl 40:7, 8. Cf. Hb 10:5–7; Gl
4:4, 5; Fp 2:6–8). “Em Cristo”, então, os santos e crentes, embora
inicialmente e por natureza totalmente indignos, são justos diante da
própria presença de Deus, uma vez que Cristo

Efésios (Hendriksen)

81
prometeu que Ele satisfaria todas as exigências da lei em lugar
deles, promessa que teve seu total cumprimento (Gl 3:13). Esta
justiça forense é fundamental para todas as demais bênçãos
espirituais. Como resultado, Só a ti, ó Deus, deve-se dar

Toda a glória e renome;

Não a ousamos nós tomar,

Nem roubar a coroa do Teu nome.

Eras tu somente nosso fiador

No plano da redenção;

Deu-nos em Ti da Tua graça o favor,

Séculos antes da criação.

(Augustus M. Toplady, 1774; revisado por Dewey Westra 1931) (5)


Seu tempo

Diz-se que esta eleição teve lugar “antes da fundação do mundo”.

Isto é, “desde a eternidade”. Além disso, tendo ocorrido “nele”, tudo


se apresenta diante de nossa vista inteiramente razoável, visto que
Ele é Aquele cujo “precioso sangue como a de um cordeiro sem
defeito e imaculado”, era “conhecido mesmo antes da fundação do
mundo” (1Pe 1:19, 20). 17 A imutabilidade do plano eterno de Deus
com relação aos Seus escolhidos não foi uma invenção paulina. Foi
ensino do próprio Jesus. Foi Ele quem se referiu àqueles que amou
como os que lhe foram dados (veja-se Jo 6:39; 17:2, 9, 11, 24; cf.
6:44). O fato de que tenha feito a promessa de Seu sacrifício
expiatório por eles desde a eternidade pode ser com toda
probabilidade um elemento que tenha entrado no amor do Pai por
Ele; cf. as palavras da oração intercessora: “Pai, a minha vontade é
que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, 17
Se junto com V.R.V., V.M. e outras (e a muito semelhante versão
Berkeley e Lenski) traduz-se Ap 13:8 “o Cordeiro imolado (ou
sacrificado) desde a fundação (ou princípio) do mundo”, a doutrina
da eleição desde a eternidade “nEle” recebe apoio adicional.

Efésios (Hendriksen)

82

para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me


amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17:24). Nesta passagem e
semelhantes (cf. Mc 13:35; Hb 4:3) vê-se o universo como um
edifício, e sua criação como a colocação do fundamento de todo o
edifício.

O ponto que deve ser enfatizado com relação a isto é o fato de que
se já antes da fundação do mundo os que estavam destinados à
vida eterna tinham sido escolhidos, logo toda a glória de sua
salvação pertence a Deus, e a Ele somente. Por isso que “Bendito
(seja) o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo!” Veja-se Ef 2:5,
8–10.

(6) Seu propósito

Encontramos o propósito da eleição nas palavras, para que


fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele. É digno de
especial consideração que Paulo não diz “O Pai nos escolheu
porque soube de antemão que seríamos santos”, etc.; Ele diz: “para
(ou: a fim de que) fôssemos santos”, etc. A eleição não foi
condicionada a méritos vistos de antemão nem sequer a uma fé
conhecida de antemão. A eleição é a raiz da salvação e não seu
fruto! No entanto, fica claro que não se diminui nem um ápice a
responsabilidade própria e a auto-atividade do homem.

Quando o decreto divino para salvação leva historicamente a cabo


na vida de algum indivíduo, não é por meio de pressão externa.
Motiva, capacita, age. Impele, mas não compele. A melhor
descrição é provavelmente a qual se acha nos Cânones de Dort III y
IV. 11, 12.
«Além disso, quando Deus leva a cabo este Seu beneplácito nos
predestinados e opera neles a conversão verdadeira, leva-o a cabo
de tal maneira que não só faz com que lhes seja pregado
exteriormente o evangelho, e que sua inteligência seja
poderosamente iluminada pelo Espírito Santo para que cheguem a
compreender e distinguir retamente as coisas que são do Espírito de
Deus; mas Ele penetra também até as partes mais íntimas do
homem com a ação poderosa deste mesmo Espírito regenerador;
Ele abre o coração que está fechado; Ele quebranta

Efésios (Hendriksen)

83

o que é duro; Ele circuncida o que é incircunciso; Ele infunde na


vontade propriedades novas, e faz com que essa vontade, que
estava morta, reviva; que era má, se torne boa; que não queria,
agora queira realmente; que era rebelde, se torne obediente; Ele
move e fortalece de tal maneira essa vontade para que possa, qual
árvore boa, produzir fruto de boas obras … Assim a vontade, sendo
então renovada, não só é movida e conduzido por Deus, mas,
sendo movida por Deus, opera também ela mesma. Por isso, com
razão é dito que o homem crê e se converte em virtude da graça
que recebeu». Veja-se Fp 2:12, 13 e 2Ts 2:13.

Segundo o propósito que já se estabeleceu, é evidente que a


eleição não conduz o homem somente até meio caminho; leva-o até
o fim. Não somente o guia à conversão; além disso, até a perfeição.
Propõe-se fazer

— quer dizer, purificado de todo pecado e separado inteiramente


para Deus e Seu serviço — e irrepreensível — isto é, sem mancha
alguma (Fp 2:15), como um sacrifício perfeito. Esta, e nada menos,
é a meta consciente daqueles em cujos corações Deus começou a
operar com Seu plano de eterna eleição. É a meta dos crentes nesta
vida presente (Lv 19:2), e chegará à sua total realização no além (Mt
6:10; Ap 21:27).
A absoluta e imutável perfeição da meta ética recebe uma ênfase
adicional por meio da frase “diante dele”, quer dizer, diante de Deus
em Cristo. O que mais importa não é o que somos diante da opinião
dos homens, mas o que somos aos olhos de Deus.

(7) Sua descrição adicional

5. Uma descrição ampliada da eleição, indicando a forma que toma,


acha-se nas palavras, nos havendo em amor18 predestinado à
adoção 18 Bem como N.N., F.W. Grosheide, De Brief Van Paulus
Aan De Efeziërs (Commentaar op het Nieuwe Testament), Kampen,
1960, p. 18, R.S.V. (texto), versão Berkeley, e muitas outras, eu
traduzo ἐν ἀγάπη com o v. 5, e não com o v. 4. Em favor de uni-lo ao
v. 4 — com N.T. Gr. (A-B-M-W) —

pretende-se:

Efésios (Hendriksen)

84

como filhos. Esta predestinação não deve ser considerada como


uma atividade divina prévia à eleição. É o sinônimo desta última,
uma elucidação adicional de seu propósito. O Pai é descrito como
tendo prefixado o horizonte ou circunscrito a Seus escolhidos. Em
Seu amor ilimitado, sem que existisse causa alguma à parte de Si
mesmo, separou-os para que fossem Seus próprios filhos. “Como
em redor de Jerusalém estão os montes, assim o Senhor, em
derredor do seu povo” (Sl 125:2).

Destinou-os para que fossem membros de Sua própria família (Cf.


Rm 8:15; Gl 4:5). É quase inútil buscar analogias humanas, uma vez
que a adoção a que Paulo se refere é superior a qualquer coisa que
ocorra na terra. Concede aos que são objetos dela não somente um
novo nome, uma nova condição legal, e uma nova relação familiar,
mas também uma nova imagem, a imagem de Cristo (Rm 8:29). Os
pais terrestres podem adotar crianças e amá-los grandemente; no
entanto, não lhes é possível comunicar seu espírito como gostariam.
Não são donos dos fatores hereditários. Quando Deus adota,
comunica ao mesmo tempo Seu Espírito! Esta adoção leva a cabo
por meio de Jesus Cristo para si mesmo. Tal adoção chega a ser
uma realidade mediante a obra de Cristo.

É pelos méritos de Sua expiação que os escolhidos recebem sua


nova (1) que é costume de Paulo colocar esta frase depois da
cláusula que modifica (S. D. F. Salmond, The Epistle to the
Ephesians, the Expositor’s Greek Testament, Vol. 3, Grand Rapids,
Mich., sem data, p. 251); e

(2) que o ritmo da oração requer isso (R. C. H. Lenski, op. cit. , p.
359).

No entanto, no relativo a (1) pode-se responder que as passagens


aludidos (Ef 4:2, 15, 16; 5:2; Cl 2:2; 1Ts 5:13) provam que o hábito
de Paulo é colocar esta frase perto da cláusula a qual modifica; e
quanto a (2), não está claro porque o ritmo deve exigir a união desta
frase com a cláusula precedente.

Em favor de considerar a frase como modificativo de προορίσας


pode-se mencionar o seguinte: (1) Pareceria não existir boa razão
para ligar a frase com o longínquo ἐξελέξατο em lugar do vizinho
προορίσας. Com ἁγίους καὶ ἀμώμους não resulta natural.

(2) A ideia de que Deus em seu amor predestinasse a seu povo


para ser filhos—filho que é objeto do amor de seu pai — tem
excelente sentido.

(3) O fato de que na redenção do homem, Deus (ou Cristo) foi


movido pelo amor está em armona com outras passagens desta
mesma epístola (Ef 2:4; 3:19; 5:2, 25).

(4) É doutrina paulina constante (Rm 5:8; 8:28, 35, 37; 2Co 5:14;
13:11; Gl 2:20; 2Ts 2:16; Tt 3:4).

Efésios (Hendriksen)
85

condição e também são transformados ao espírito de filiação.


Assim, chegam a ser filhos de Deus para Sua glorificação.

O modificativo segundo o beneplácito de sua vontade não


somente se ajusta ao contexto imediato (“para si mesmo”), mas
também harmoniza de forma excelente com as palavras “nos
havendo em amor destinado”. Quando o Pai escolheu um povo para
Si mesmo, decidindo adotá-los como filhos próprios, foi motivado
unicamente pelo amor. Por isso não foi o resultado de uma simples
determinação, mas um ato de supremo deleite. Alguém poderia
estar totalmente decidido a submeter-se à uma séria operação.
Também, poderia ter determinado fazer um precioso jardim de
rosas. Ambos são aspectos da vontade; no entanto, somente o
último tem que ver com deleite, ou seja, segundo o beneplácito de
sua vontade. Assim, Deus, que não aflige de coração (Lm. 3:33),
deleita-se na salvação dos pecadores (Is 5:4; Ez 18:23; 33:11; Os
11:8; Mt 23:37; cf. Lc 2:14; Rm 10:1).

6. Esta eleição, que se descreve como uma predestinação para ser


adotados como filhos, é para louvor da glória de sua graça (do
Pai). Este é o propósito final. O desígnio imediato (ou intermediário)
foi já mencionado, ou seja, “para que fôssemos santos e
irrepreensíveis diante dele”, e seguindo na mesma linha, para que
recebêssemos “a adoção de filhos”. A meta final, rumo à qual tudo o
mais contribui, é o reconhecimento com adoração (“louvor”) da
excelência manifestada (“glória”) em favor dos indignos (“graça”)
daquele a quem lhe chama “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo”. (O conceito de glória foi tratado de forma extensa no C.N.T.
sobre Filipenses, p. 76, nota de rodapé 43. Referente ao significado
de graça cf. sobre Ef 1:2; 2:5, 8.

Observa-se claramente que agora a ênfase dirige-se de maneira


especial para aquela maravilhosa graça. Foi extasiada
contemplação daquele amor concedido tão espontaneamente em
favor dos que são descritos como perdidos em pecado e arruinados
o que move a alma do apóstolo a exclamar: “Bendito (seja) o Deus e
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”. Tal exclamação, além disso, era
genuína. Os pagãos às vezes

Efésios (Hendriksen)

86

também dão louvores e atribuem honra aos seus deuses, mas no


caso deles a motivação é totalmente diferente. Fazem-no para
acalmar a ira de seus deuses ou para obter algum favor. De modo
que tal louvor tem finalmente como objeto o próprio homem e não o
deus a quem pretende honrar. Assemelha-se à oferta de Caim que
foi inaceitável para Deus.

Aqui em Efésios, entretanto, no final de cada parágrafo (vv. 6, 12,


14) achamos adoração autêntica, uma adoração que não só brota
ao contemplar o propósito divino de salvar o homem, mas também
inclui a oferta de ação de graças apresentada a Deus por Seu servo
Paulo, cujo coração se acha em harmonia com o propósito de seu
Criador-Redentor.

É perfeitamente natural que a graça do Deus e Pai de nosso Senhor


Jesus Cristo” estivesse centralizada no Amado. Daí que Paulo
continua, a qual19 bondosamente nos conferiu no Amado.
Poderia ser traduzido da seguinte maneira: «com a qual nos tem
abençoado liberalmente». Mas a versão, indicada acima em negrito,
conserva até certo ponto o jogo de palavras do original. 20 Quando
o Pai comunica um favor, Ele o faz com alegria de coração, sem
restrição. Além disso, Seu dom alcança o próprio coração do qual o
recebe efetuando uma transformação. Se o Pai, de forma tão
generosa derrama Sua graça sobre nós, é, naturalmente e segundo
já se explicou, unicamente em conexão com o Filho (ver vv. 3 e 4
mais acima). O Filho é aqui chamado “o Amado”. Cf. Cl 1:13, “o
Filho de seu amor”. Sendo que Cristo por meio de Sua morte
mereceu para nós toda bênção espiritual, e portanto deseja para
nós tais bens, e sendo também que o Pai ama ao Filho, é
perfeitamente razoável que, em consideração ao Amado, o Pai nos
conceda com agrado tudo o que nos é necessário. A isto devemos
acrescentar o fato de que o próprio Pai deu o Seu Filho com este
fim. Portanto: “Aquele que não poupou o seu próprio 19 ἧς é atraído
ao caso de seu antecedente χάριτος.

20 Mais literal ainda, mas não tão eufônico em português, poderia


ser, “graça pela qual nos agraciou”.

Tanto o sentido como o jogo de palavras se conserva


maravilhosamente na tradução holandesa:

“genade, waarmede hij ons begenadigd heeft”.

Efésios (Hendriksen)

87

Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará
graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8:32).

Diz-se com frequência que Cristo é o amado do Pai porque sempre


Lhe obedeceu em tudo. Isto, naturalmente, é verídico e bíblico (Jo
8:29).

No entanto, é necessário particularizar em ligação com isso que o


que evocou o amor do Pai era especialmente a qualidade da
obediência.

Sabendo o Filho o que agrada ao Pai e está em harmonia com Sua


vontade, não espera que o Pai Lhe desse a ordem de fazer isto ou
aquilo, mas de bom grado Se oferece a Si mesmo. Apresenta-se
voluntariamente para realizar os desejos do Pai. Jamais é passivo,
nem mesmo em Sua morte, mas entrega Sua vida. “Por isso, o Pai
me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a
tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho
autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato
recebi de meu Pai”. (Jo 10:17, 18; cf. Is 53:10). É
este maravilhoso deleite de parte do Filho para fazer a vontade do
Pai e desta maneira salvar o Seu povo mesmo ao alto preço de Sua
vida, sim,

“e morte de cruz” (Fp 2:8), o que move o Pai a exclamar vez após
vez,

“Este é o meu Filho amado”. Verdadeiramente o Pai já havia


proferido tal exclamação “antes da fundação do mundo”. Até então
derramou Seu amor infinito sobre Seu Filho (Jo 17:24), sem dúvida,
movido entre outras razões, pela gloriosa decisão deste último “Eis
que venho” (Sl 40:7; cf. Hb 10:7). Certamente, esta é a forma
verdadeiramente humana de falar de tais realidades. Mas em que
outra forma poderíamos falar delas? A exclamação do Pai foi
repetida por ocasião do batismo do Filho (Mt 3:17), quando de forma
visível o Filho tomou sobre Si o pecado do mundo (Jo 1:29, 33); e
novamente com relação à transfiguração (Mt 17:5; 2Pe 1:17, 18),
quando outra vez, e de forma mais vívida, o Filho escolhe
voluntariamente o caminho da cruz. 21

7. No segundo parágrafo se desvia a atenção do céu à terra, do


passado ao presente, e, em certo sentido, do Pai para o Filho. Digo
“em 21 O tema da eleição foi tratado também em C.N.T. sobre 1 e 2
Teslonicenses, pp. 60–61.

Efésios (Hendriksen)

88

certo sentido” visto que a mudança não é abrupta de modo nenhum.


A muito estreito conexão que existe entre o Pai e o Filho na obra da
redenção se conserva inteiramente. É o Pai que faz com que Sua
graça derrame-se sobre nós (v. 8), Aquele que nos fez conhecer o
mistério de Sua vontade, conforme o Seu beneplácito (v. 9), etc. No
entanto, a ênfase desviou sua abordagem da obra do Pai à do Filho.
É no Amado, a saber, no Filho em quem temos nossa redenção. Ele
é que derramou Seu sangue por nós (v. 7). Ele é também em quem
o propósito de graça do pai se concentrou (v. 9), sob cuja autoridade
todas as coisas se reúnem (v. 10), em quem fomos feitos herdeiros
(v. 11), e em quem centralizamos nossa esperança (v. 12). Portanto,
Paulo prossegue: (o Amado) em quem temos nossa redenção.
Redenção aqui, assim como em Cl 1:14 (cf. também Êx 21:30; Mt
20:28; Mc 10:45; Rm 3:24; Hb 9:12, 15), indica libertação como
resultado do pagamento de um resgate. 22 Não existia outra forma
possível para salvar o pecador. A justiça de Deus devia ser
satisfeita.

Qualquer um que tiver dúvida a respeito do caráter necessário,


objetivo, voluntário, expiatório, vicário, e eficaz do ato realizado pelo
Amado do Pai, mediante o qual Ele Se ofereceu a Si mesmo a favor
do Seu povo, deveria fazer um cuidadoso estudo das passagens
mencionadas no C.N.T. sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, p. 426.

Esta redenção implica: a. emancipação da maldição, quer dizer, da


culpa, do castigo, e do poder do pecado (Jo 8:34; Rm 7:14; 1Co
7:23; Gl 3:13), e b. restauração à verdadeira liberdade (Jo 8:36; Gl
5:1). Além disso, foi uma redenção por meio de seu sangue, uma
redenção que implicou substituição da vida de um em favor de
outros. Esta era la única forma como pôde ser realizada a expiação.
(Lv 17:11; Hb 9:22).

Além disso, o único sangue por meio do qual poderia levar a cabo a
redenção era Seu sangue, a de um perfeito redentor. O sangue dos
animais era puramente simbólico e típico (Sl 40:6–8; Hb 9:11–14;
10:1–

22 A conotação mais geral que se fixa à palavra em Lc 21:28; Rm


8:23; 1Co 1:30; Ef 1:14; Hb 11:35, passagens nos quais a ideia de
resgate é deixada de lado, e se retém somente a de libertar, soltar,
etc., não altera este fato.

Efésios (Hendriksen)

89
4). Não obstante, quando se faz menção da redenção por Seu
sangue, ele não deve ser separado do sacrifício voluntário, total, de
Sua vida, de Sua própria pessoa (Lv 17:11; Is 53:10–12; Mt 26:28;
cf. 20:28; 1Tm 2:6).

Expressões tais como “deu sua vida”, “deu sua alma”, e “se deu a si
mesmo”, são sinônimas. Todas elas indicam que o Redentor foi
constituído (e Se fez a Si mesmo) oferta pelo pecado (Is 53:10; 2Co
5:21); que sofreu o castigo por causa do pecado; que isto Ele o fez
vicariamente, e que tudo isto foi em favor daqueles que por natureza
eram “filhos da ira” (Ef 2:3). O que acrescenta a glória deste
sacrifício ainda mais é o fato de que embora o Amado tenha vindo
ao mundo para realizar muitas obras, por exemplo, acalmar as
enfurecidas ondas, expulsar demônios, purificar leprosos, abrir os
olhos dos cegos, fazer ouvir os surdos, alimentar multidões, curar
doentes, e até ressuscitar mortos, no entanto, o propósito
fundamental de Sua vinda foi buscar e salvar os perdidos, dar-Se a
Si mesmo em resgate por muitos (Is 53:12; Mt 20:28; Mc 10:45; Lc
19:10; 1Tm 1:15). Na verdade, «de Seu alto trono Jesus veio a este
mundo para morrer». Não temos que nos surpreender então que
Paulo exclama “Bendito (seja)”, ou que Pedro exige aos que estão a
seu cargo uma agradecida resposta por meio de uma vida santa,
acrescentando “sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis,
como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil
procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso
sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de
Cristo” (1Pe 1:18, 19), ou que os anjos desejam inquirir nos
sofrimentos de Cristo e

“as glórias que os seguiriam” (1Pe 1:11), ou que os quatro seres


viventes e os vinte e quatro anciãos com suas mentes e corações
fixos na infinita grandeza de Seu sacrifício exclamam para sempre:
“Digno és … porque foste imolado e adquiriste para Deus com teu
próprio sangue, homens de toda tribo, e língua, e povo e nação” (Ap
5:9), e ainda que os milhões de milhões, e milhares de milhares de
anjos se unem a eles ao indescritivelmente jubiloso coro, erguendo
suas vozes em exuberante adoração, exclamando: “Digno é o
cordeiro que foi morto!” (Ap 5:12).

Efésios (Hendriksen)

90

Agora, o propósito desta redenção foi para que fôssemos libertados


do pecado”. Foi com este fim em sua mente e coração, que
«derramou seu sangue e morreu na cruz». Daí que Paulo diz: “o
Amado, em quem temos redenção por meio de seu sangue”, o
perdão de nossas transgressões. Estas duas — a. redenção por
meio de seu sangue e b.

perdão das transgressões — vão juntas. A redenção não estaria


completa se não se procurasse o perdão. Mesmo Israel na antiga
dispensação entendia isso. No dia da expiação o sangue de um
bode emissário era aspergido sobre o propiciatório. O outro bode
emissário, sobre cuja cabeça eram confessados os pecados, era
enviado longe para nunca voltar. Agora aqui em Ef 1:7 a ideia de
completa remoção do pecado constitui o significado da palavra,
usada no original, traduzida por perdão (ou remissão). Outras
passagens que projetam luz sobre o significado são Sl 103:12
(“quanto dista o oriente do ocidente, assim afastou de nós nossas
transgressões”), Is 44:22 (“apaguei, como névoa, as tuas
transgressões, e os teus pecados como uma nuvem; volta-te para
mim, porque eu te redimi!”), Jr 31:34 (“… e não me lembrarei mais
dos seus pecados”), Mq. 7:19 (“lançará todos os nossos pecados
nas profundezas do mar”), e 1Jo 1:9 (“Se confessarmos os nossos
pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos
purificar de toda injustiça”).

No que concerne à sua derivação, a palavra traduzida por


transgressão significa cair ao lado de. Daí então, é um desvio da
caminho da verdade. 23 Tal desvio pode ser de natureza grave ou
leve.
Em Efésios não fica excluída nenhuma delas e todas são
consideradas como desvios graves, arraigados na própria natureza
do homem corrompido pela queda, conforme observamos em Ef 2:1,
“e a vós (vivificou-vos), mesmo quando estáveis mortos mediante
vossas 23 Veja-se R.C. Trench, Synonyms of the New Testament
pár. lxvi. Assinala que embora às vezes se acha vinculado a ela um
significado mais suave como falta, erro, equívoco, etc., (veja-se Rm
5:15, 17, 18; Gl 6:1), este nem sempre é o caso.

Efésios (Hendriksen)

91

transgressões e pecados” (cf. Ef 2:3, 5). Com referência à palavra


perdão cf. C.N.T. sobre Colossenses, pp. 139–141.

Ora, o perdão tem lugar conforme as riquezas de sua (do Pai)


graça.

O perdão e a graça estão em completa harmonia. A norma


estabelecida pela graça de Deus determina a natureza de Seu
perdão. Quanto ao significado de graça, veja-se sobre Ef 1:2 mais
acima; cf. também Ef 1:6; 2:5, 7, 8. Observe-se que o Pai não
perdoa meramente fazendo uso de, mas conforme as riquezas de
Sua graça. Vem a calhar a seguinte ilustração. Imaginemos duas
pessoas muito ricas. Ao lhes pedir que contribuam para uma boa
causa, ambos os dão de suas riquezas. O

primeiro, no entanto, doa uma quantidade miserável muito longe do


que dele se esperava. Este, somente dá de suas riquezas, mas não
conforme elas. O segundo é generoso com suas doações para
qualquer causa nobre.

Dá conforme o montante de sua fortuna. Deus sempre dá e perdoa


conforme Suas riquezas. Ele, na verdade, é rico! Sua graça para o
indigno é de caráter infinito.
8. O apóstolo continua: que24 fez superabundar25 para conosco
em forma de toda sabedoria e discernimento. Numa passagem
semelhante (1Tm 1:14) o apóstolo declara, “e superabundou a graça
de nosso Senhor, com fé e amor, que são em Cristo Jesus”. Assim
como naquela passagem diz-se que a graça acendeu a fé e o amor,
assim aqui que a graça inunda os corações dos crentes com
sabedoria e discernimento.

Sabedoria é conhecimento em ação. É a habilidade para aplicar o


conhecimento a fim de conseguir os melhores resultados,
capacitando uma pessoa a usar os meios mais eficazes para
alcançar as mais altas metas. O discernimento (cf. Cl 1:9,
entendimento) vem como resultado de pôr nosso pensamento na
revelação redentora em Cristo, o mistério de sua vontade, visto que
o apóstolo prossegue: 24 ἧς atraído ao caso de seu antecedente,
como no v. 6 mais acima.

25 O verbo περιοσσεῢω usa-se em vários sentidos: tal como, sobrar


(Jo 6:12), exceder (Mt 5:20; 2Co 8:2), aumentar ou abundar (Fp
1:9), ter mais que suficiente (Fp 4:18), abundar (1Co 15:58). No
relativo ao significado fazer com que superabunde, como aqui em
Ef: 8, cf. 1Ts. 3:12.

Efésios (Hendriksen)

92

9.… em que nos fez conhecer o mistério de sua vontade. Deus o


deu a conhecer a Paulo (Ef 3:3) que, por sua vez, regozija-se no
privilégio de dá-lo a conhecer a outros. Além disso, a graça santifica
este conhecimento no coração daqueles destinados a ser salvos.
Paulo diz,

“fez-nos conhecer” (cf. “para nós”, no v. 8), quer dizer, a mim mesmo
e àqueles a quem escrevo (veja-se v. 1).

Fez com que superabundasse sua graça … em que nos fez


conhecer o mistério de sua vontade! Não a guardou para si. O Pai
não quis que os santos e crentes de Éfeso (e de todo lugar) fossem
como o povo de Samaria, descrito em 2Rs 7:3–15, que ignorava a
respeito de suas riquezas. A maior história que jamais se contou, a
da graça de Cristo, deve ser dada a conhecer. Neste aspecto,
também, o verdadeiro evangelho difere de «outros evangelhos» de
invenção humana. Nos dias de Paulo certos cultos obrigavam seus
devotos a fazer «tremendos juramentos» no sentido de não revelar
seus segredos aos não iniciados.

Mesmo hoje em dia existem seitas que exigem dos seus membros
fazer promessas semelhantes sob pena de horríveis castigos em
caso de descumprimento. Foi a vontade do Pai que o mais sublime
dos secretos fosse publicado aos quatro ventos, e que penetrasse
profundamente no coração dos Seus. O plano de salvação de Deus
também devia ser dado a conhecer a fim de que fosse aceito pela
fé, visto que é por meio da fé que os homens devem ser salvos.

Precisamente, o que foi que Paulo quis dizer quando mencionou “o


mistério”? Aqui em Efésios a resposta não é dada até chegar ao
versículo 10, e até ali o tema só fica introduzido. Não obstante,
embora breve, somos informados que o mistério no qual Paulo
pensa é aquele concernente à vontade de Deus, quer dizer, o
desejo do Pai. O mistério e o desejo, o beneplácito, o propósito do
Pai, formam uma unidade. Não podem ser separados, visto que o
mistério é o de Seu eterno propósito.

Sua revelação, também foi conforme o seu beneplácito. Cf. 5 mais


acima, onde a predestinação é atribuída também ao Seu
beneplácito. Segundo isso entendemos que o Pai, longe de
manifestar um amor inferior ao do

Efésios (Hendriksen)

93

Filho, sente uma especial satisfação ao preocupar-se com tudo


aquilo que precisa ser planejado para tornar possível a salvação,
plena e livre, dos homens que se submergiram na miséria e ruína, e
sente o mesmo prazer ao dar-lhes também a conhecer este
maravilhoso plano! Por que deveríamos surpreender-nos se o
coração de Paulo, cheio de um espírito de adoração, exclama
“Bendito (seja) o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”?

Logo o apóstolo define este beneplácito acrescentando: o


propósito que abrigou para si mesmo nele. 26 A expressão “nele”
deve significar “no Amado”, conforme o indica o contexto
precedente. O Pai “nos tem abençoado com toda bênção espiritual
… em Cristo” (Ef 1:3), “escolheu-nos nele” (v. 4), e “bondosamente
nos conferiu sua graça no Amado” (v.

6). É natural, portanto, que agora se mencione que aquele propósito


que abrigou para Si mesmo foi “nEle”. Já se explicou mais acima
qual é o sentido deste propósito que o Pai abrigou no Amado (veja-
se sobre v. 4).

10. O beneplácito do Pai, o propósito que abrigou, o plano em que


sua alma se deleitou, esboçado na eternidade, seria realizado no
tempo.

Daí que Paulo prossegue: para ser levado a efeito no


cumprimento dos tempos. Literalmente, “para administração (ou:
para execução)”, etc. 27 A expressão “plenitude dos tempos” (ou
estações) e outra semelhante (embora não inteiramente idêntica)
em Gl 4:4 indica o momento (Gl 4:4) ou o período (Ef 1:10) quando,
por assim dizer, no relógio de areia do decreto eterno de Deus foi
enchida a ampulheta inferior, isto é, quando todos os tempos
precedentes e as estações que o Pai estabeleceu 26 Literalmente, o
original diz: “(seu beneplácito) que propôs para si mesmo nele”. Mas
sendo que tal tradução é português pouco idiomático e fluido,
porque geralmente não falamos de “propor um beneplácito”, e sendo
que o matiz do significado da palavra beneplácito, ao continuar sua
ideia básica na cláusula relativa “que abrigou, etc.”, sofre certa
variação, de modo que já não se está referindo exclusivamente a
uma disposição divina, e sim ao plano pelo qual esta disposição se
expressa, é que dei à minha tradução a forma já conhecida. Esta
forma é algo semelhante à proposta por R. F.
Weymouth, The New Testament in Modern Speech, embora eu não
concorde inteiramente com a tradução que faz desta cláusula. Diz
assim: “o propósito que abrigou em sua própria mente”.

27 A palavra οἱκονομία foi já explicada na Introdução, III A 2 b.

Efésios (Hendriksen)

94

conforme a Sua própria autoridade se completaram (At Ef 1:7; cf.

17:26). É, em outras palavras, “o tempo apropriado”. Conforme


podemos ver claramente em Ef 1:20–23, a referência no caso
presente tem que ver com toda a era do Novo Testamento,
especialmente o tempo que começou com a ressurreição e
coroação de Cristo. Não chegará o fim até que o Senhor, em Sua
gloriosa volta, tenha pronunciado e executado juízo (1Co 15:24, 25).
Em conexão com isso, fazemos bem em enfatizar o que já
dissemos, ou seja, que tal mistério e propósito vão juntos: a
execução do propósito é a revelação do mistério visto que foi
precisamente o propósito de amor do Pai revelar o que para o
homem era um mistério. Portanto, esta execução e revelação
estavam destinadas a ter lugar na era messiânica presente.

O propósito levado a cabo na plenitude dos tempos, o mistério então


revelado, é expresso nas seguintes palavras: para reunir todas as
coisas sob uma cabeça em Cristo, 28 as coisas nos céus e as
coisas na terra.

28 Existe grande variedade de opinião com relação à tradução de


ἁνακεφαλαιώσασθαι. Por um lado se acham os que insistem em
que, uma vez que o nome análogo κεφάλαιον jamais significa
cabeça e sim soma (“Com grande soma obtive eu esta cidadania”,
At 22:8) ou sumário, ponto principal (“O

principal, pois, entre as coisas que dizemos é isto”, Hb 8:1); e uma


vez que similarmente, no único outro lugar do Novo Testamento
onde ocorre, o verbo significa resumir (“Porque isto: Não adulterarás

… e qualquer outro mandamento que haja nesta palavra se resume,


é ou seja: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, Rm 13:9), daí
que, a única tradução correta das palavras de Paulo aqui em Ef 1:10

é “resumir todas as coisas em Cristo”. Outros, não obstante, opinam


— corretamente, segundo meu parecer — que esta tradução é um
tanto obscura, porque, afinal de contas, o que significa realmente

“resumir todas as coisas em Cristo”? Como resultado, para a


tradução sugerem-se várias alternativas.

Uma, bem popular, está centralizada na ideia de conseguir unidade


(cf. Cl 1:20). Daí que, TB traduz,

“para reunir todas as coisas em Cristo”. De forma semelhante R.S.V


diz, “para unir todas as coisas nele”; N.E.B., “a fim de que o universo
chegasse à unidade em Cristo”; L.N.T. (A. e G.), “para reunir todas
as coisas em Cristo”. Este tipo de tradução, sempre que não seja
interpretado no sentido que finalmente todo mundo será salvo, está
indubitavelmente bem encaminhado. No entanto, será possível ser
ainda mais definido? Acaso a palavra usada em Ef 1:10 não está
indicando nada com relação ao que são “as coisas que se reúnem”
segundo o pensamento de Paulo? A. T. Robertson ( Word Pictures
in The New Testament, Vol. IV, pp. 518, 519) indica que κεφάλαιον
deriva-se de κεφαλή. Como resultado, traduz “pôr todas as coisa
sob Cristo” (como cabeça). F. F. Bruce ( The Letters of Paul, An
Expanded Paraphrase, pp. 267–268) dá-nos o sentido da passagem
nas seguintes palavras, “que todas as coisas tanto no céu como na
terra possam achar sua verdadeira e única cabeça em Cristo”. Uma
vez que isto é exatamente o que o apóstolo ensina neste mesmo
capítulo (Ef 1:20–22; cf. também 4:10),

Efésios (Hendriksen)

95
O que Paulo diz aqui está amplificado nos vv. 20–22. Portanto, não
é preciso estender-se aqui sobre o particular. É a mesma doutrina
que se desenvolve também em outras epístolas que pertencem ao
mesmo período de sua prisão; veja-se especialmente Cl 1:20 e Fp
2:9–11 e C.N.T. sobre estas passagens. Quanto ao mistério
introduzido aqui pelo apóstolo, mas que mais tarde se desenvolve
de forma muito detalhada (Ef 2:11–22, embora neste parágrafo não
seja usada a palavra mistério; Ef 3:1–13; observe-se especialmente
4; Ef 6:19), é suficiente dizer no momento que este mistério está
centrado em Cristo, e que um elemento dele é aquele que aqui se
expressa, ou seja, que literalmente todas as coisas, as coisas no
céu, na terra, sobre nós, ao nosso redor, dentro de nós, debaixo de
nós, todo o material, foram colocadas agora sob o domínio de
Cristo. Este, sem dúvida, é um mistério, visto que ninguém jamais o
teria descoberto se não tivesse sido revelado. “Agora porém não
vemos ainda todas as coisas sujeitas a ele” (Hb 2:8). É necessário
nada menos que a fé — e de maneira nenhuma uma fé fraca —
para “ver Jesus coroado de glória e honra” (Hb 2:9), realmente
governando o universo inteiro desde sua celestial morada. É como o
Dr. Herman Bavinck o expressa tão adequadamente: «Observamos
ao nosso redor tantos fatos que não nos parecem razoáveis, tantos
sofrimentos injustos, tantas calamidades inexplicáveis, tão estranha
e desigual distribuição dos destinos, e um contraste tão grande
entre os extremos da alegria e da tristeza, que ao refletir sobre estas
coisas nos vemos forçados a escolher entre duas alternativas: ver o
mundo governado por uma vontade cega ou deidade maléfica, como
creem os pessimistas, ou, baseando-nos nas Escrituras e mediante
a fé, descansar na soberana e absoluta vontade —

embora incompreensível — sábia e santa dAquele que algum dia


fará com que a plena luz dos céus amanheça sobre os mistérios da
vida» ( The dificilmente podemos pensar que tivesse querido dar a
entender algo diferente aqui em Ef 1:10. Isto explica minha
tradução, “para reunir todas as coisas sob uma cabeça em Cristo”.

Efésios (Hendriksen)
96

Doctrine of God, minha tradução do holandês; Grand Rapids, Mich.,


segunda impressão, 1955).

O fato de colocar todas as coisas sob uma cabeça em Cristo, de tal


modo que elas não possam deslizar por si mesmas, mas estejam
sob o governo do Senhor, é ensinado em muitas passagens das
Escrituras. O

Mediador que foi exaltado vive e reina (Ap 20:4), recebendo a


adoração de todos os redimidos e de todas as hostes angélicas (Ap
5). Mas os pensamentos deste grande Unificador dirigem-se
também à terra, tanto que, na verdade, não somente intercede pelos
Seus que ainda se acham sujeitos a conflitos e agitação (Rm 8:34),
mas ainda vive para interceder por eles (Hb 7:25), e está atualmente
preparando lugar para eles (Jo 14:2). Ele comunica dons aos
homens (Ef 4:8), realiza obras de cura (Hb 3:6, 16), e por meio de
Seu Espírito habita no meio dos “sete castiçais”

(Ap 1:13). O fato de habitar entre eles é algo ativo e produz frutos de
santificação na vida dos crentes (Ef 3:17–19). Ao mesmo tempo,
Cristo batalha vitoriosamente contra o dragão (Satanás) e seus
aliados (Ap 17:14), e, acima de tudo, governa o universo inteiro em
favor de Sua igreja (Ef.1:22).

A evidência de que a preocupação de Cristo por Sua igreja é


profunda, sem dúvida é vista na declaração que se segue, nele.

11. em quem nós — Eu Paulo, e vós, os leitores — também fomos


feitos herdeiros. Observe-se a palavra “também”, que significa: não
somente, em união vital com Cristo, recebemos bênçãos tais como
a redenção, o perdão dos pecados e a iluminação espiritual
(sabedoria, discernimento), favores que já mencionamos (vv. 7–10
mais acima), mas além destes favores iniciais que, embora tenham
significado permanente, abordam sobre o passado (libertação
daquele terrível poder que nos tinha atados, perdão dos pecados
passados, dissipação das antigas trevas), nos outorgou além disso
o direito à glória futura. “Fomos feitos

Efésios (Hendriksen)

97

herdeiros”, 29 é o que Paulo nos diz. Herdeiros são aqueles que,


sem contar com méritos pessoais, recebem direito a todas as
bênçãos correspondentes à salvação em Cristo Jesus, e que jamais
lhes serão tiradas. A herança é-lhes concedida em duas etapas:
certas bênçãos são outorgadas a eles agora mesmo, outras no
futuro (veja-se nos vv. 13 e 14

mais adiante).

Alguém poderia objetar: «Mas porventura serão estas bênçãos da


salvação — tanto as futuras como as presentes — realmente
nossas?

Existe a certeza de que o plano de Deus para nossas vidas nos


assegure também o futuro?» O apóstolo responde ao prosseguir:
tendo sido predestinados conforme ao propósito daquele que
opera todas as coisas conforme ao conselho de sua vontade.
30 O que determina nosso destino não é nem a sorte nem o mérito
humano. O bondoso propósito —

para que fôssemos santos e irrepreensíveis (v. 4), filhos de Deus (v.
5), 29 O verbo que se usa no original deve ser interpretado como
verdadeiro passivo, em harmonia com passivos tais como “tendo
sido predestinados” (v. 11) e “fostes selados” (v. 13). Além disso, a
tradução “fomos feito herança” (RA, e similarmente, Barry, versão
Berkeley, Greidjanus, Salmond, Van Leeuwen), embora também são
passivos, não obstante, afastam-se dos seguintes fatos; a. o
contexto imediato fala de “nossa herança” (v. 14a). Embora seja
verdade que os crentes são considerados como a própria
possessão de Deus (v. 14b) no entanto a qualidade de herdeiro não
se atribui senão a eles.
b. No Novo Testamento diz-se sempre que a herança é nossa ou
destinada a nós (At 20:32; Gl 3:18; Cl 3:24; Hb 9:15; 1 P. 1:4). Nem
mesmo Ef 1:18 é exceção à regra. Veja-se sobre essa passagem.

c. Ef 1:5 nos informa que o Pai “em amor nos predestinou à adoção
como filhos”. Agora, esta ideia mesma de ser filhos por adoção,
Paulo a relaciona em cada caso com a ideia de que como resultado
somos herdeiros (Rm 8:15–17).

d. A passagem paralela, Cl 1:12, apoia também a ideia de que os


herdeiros são os crentes: “com alegria dando graças ao Pai que vos
fez aptos para participar da herança dos santos na luz”.

N.E.B. oferece uma tradução que é essencialmente correta: “Em


Cristo indubitavelmente nos deu nossa parte na herança”

30 Não é fácil distinguir entre vontade, conselho, e propósito. Não


obstante, Paulo parece ter feito uma distinção em sua mente.
Provavelmente o melhor é considerar a vontade de Deus (θέλημα)
como básica aqui. É sua volição soberana. O βουλή poderia ser
então o plano ou conselho que aqui se considera como pertencente
a, e o que brota de seu θέημα. Pareceria indicar que Deus jamais
age de forma arbitrária, mas sim deliberadamente. Finalmente, a
πρόθεσις de Deus indica o propósito de seu plano, ou, talvez, o
plano mesmo do ponto de vista de sua meta a realizar; o desígnio
de Deus.

Efésios (Hendriksen)

98

destinados a glorificá-Lo eternamente (v. 6; cf. vv. 12 e 14) — está


estabelecido, sendo parte de um plano mais extenso que abrange o
universo. Deste plano, que inclui absolutamente todas as coisas que
sempre existiram e teve lugar no céu, na terra, e no inferno; coisas
do passado, do presente, e até as futuras, que têm relação tanto
com crentes como com não crentes, com anjos e demônios, com
atividades tanto físicas como espirituais e com unidades de
existência tanto grandes como pequenas; Deus é não somente o
autor mas também o executor de tudo. Sua providência no curso do
tempo é tão ampla como o é Seu decreto desde a eternidade. O que
Paulo declara literalmente é que Deus opera (opera com Sua
energia divina) em todas as coisas. A mesma palavra ocorre
também nos vv. 19 e 20, fazendo referência à obra (operação
energética) do poder infinito do Pai de glória, que operou (exerceu
energicamente) em Cristo quando O levantou dentre os mortos.

Daí que nada poderá transtornar a futura glória dos escolhidos.

Além disso, embora seja certo que tudo está incluído no divino plano
que abrange todo o universo e sua realização no curso da história,
nada existe neste conceito que pudesse inquietar ou amedrontar a
algum filho de Deus. Justamente o contrário, visto que as palavras
implicam, sem dúvida, que o único Deus verdadeiro, cujo amor para
os Seus em Cristo ultrapassa todo entendimento, age com divina
reflexão e sabedoria. Todos os Seus desígnios são santos, e Ele Se
deleita em recompensar aos que confiam nEle. Nem a
responsabilidade humana nem o exercício pessoal da fé são jamais
violados de forma alguma.

Existe amplo campo de ação para eles tanto no decreto como em


sua realização. Neste aspecto a Escritura é muito clara (Lc 22:22; At
2:23; Fp 2:12, 13; 2Ts 2:13).

Além do mais, Deus não é como as deidades pagãs que agem


movidas por circunstâncias mutáveis, por desejo e capricho, de
modo que nunca se sabe quanto tempo durará Seu favor. Aquele
que em Seu amor predestinou o Seu povo para ser adotados como
filhos, jamais Se esquecerá deles, mas levará a seu termo o que
neles começou (Fp 1:6).

Efésios (Hendriksen)

99
Ele executará o Seu plano até o fim. Nenhuma circunstância poderá
jamais frustrar o Seu desígnio. «Nem o pecado, nem a morte, nem o
inferno poderão desviar o inamovível amor causal da
predestinação».

12. Se, então, o decreto eterno de Deus é tal que o abrange tudo, e
se realiza totalmente no curso da história, e se neste plano se
achava incluído o destino de Seus filhos, então nem Paulo nem os
leitores têm motivo algum de jactância própria. O que eles possam
ser, ter, ou fazer vem de Deus. Daí que, usando expressões
semelhantes às do v. 6 mais acima, Paulo finaliza esta seção
dizendo: a fim de que sejamos para o louvor de sua glória nós
que antes tínhamos centrado nossa esperança em Cristo. Antes
da herança ser inteiramente recebida — visto que agora e aqui se
recebeu só um objeto antecipado (veja-se vv. 13, 14) — Paulo e os
leitores (veja-se v. 1) centralizaram já sua esperança em Cristo. Tal
esperança não será destruída. “Os resgatados do Senhor voltarão e
virão a Sião com cânticos de júbilo; alegria eterna coroará a sua
cabeça; gozo e alegria alcançarão, e deles fugirá a tristeza e o
gemido” (Is 35:10).

(Concernente a interpretações de contraste entre “nós” do 12 e “vós”


do 13, veja-se o comentário do v. 13).

13. À medida que o ponto de interesse muda mais uma vez, neste
caso do Filho (“Cristo”, mencionado no final do v. 12) para o Espírito
Santo, achamos uma transição gradual novamente e não uma
mudança abrupta (cf. o princípio do v. 7, no qual há uma transição
gradual do Pai para o Filho). Paulo escreve, em quem vós31
também (estais incluídos), 31 Baseando-se nas palavras “nós que
antes tínhamos centrado nossa esperança em Cristo” (v. 12) e as
contrastando convosco … havendo também crido nele” (v. 13),
muitos apoiaram a posição dos que pensam que aqui se indicam
dois grupos étnicos: ou seja, cristãos judeus no v. 12; e no v. 13
crentes dentre os gentios.

Objeções:
(1) Esta é uma interpretação muito artificial, visto que nos versículos
precedentes “nós” e “vós”

são referências que incluem Paulo e os irmãos a quem escreve


(veja-se vv. 11, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3). A grande maioria dos crentes a
quem Paulo escrevia era dentre os gentios, não dentre os judeus.
Porquê então, a repentina mudança de significado no v. 12?

(2) O particνpio perfeito προηλπικότας de προελπίζω, que no Novo


Testamento somente aparece aquÍ, não significa necessariamente
tendo esperado antes que outros o fizessem ou tendo esperado

Efésios (Hendriksen)

100

tendo escutado a mensagem da verdade, o evangelho de vossa


salvação. 32

Os efésios não devem abrigar dúvidas acerca de sua inclusão em


Cristo e dos benefícios subsequentes. Ouviram, escutaram
atentamente a mensagem da verdade. Porventura não diz Lucas
“todos os que habitavam na província da Ásia ouviram a palavra do
Senhor, tanto judeus como gregos”? (At 19:10). Tal ouvir era
necessário para que pudessem ser salvos por meio da fé. A
resposta adequada para aqueles que pensam que os que devem
ser considerados como o objeto (ou antes, objetos potenciais) da
atividade missionária podem ser salvos sem ouvir o evangelho é:
“como crerão naquele de quem não ouviram falar?” (Rm 10:14; cf.
Mt 1:21; Jo 14:6; At 4:12). Naturalmente, existe uma diferença em
como é o ouvir do homem. Alguns ouvem e como resultado disso
ficam endurecidos ao evangelho. Assim como um homem pode
ensurdecer-se por causa de um intenso e contínuo martelar, assim
também há auditores do evangelho que podem tornar-se totalmente
imunes à pregação da verdade. («E o ouvi como uma matraca,
como se fosse o som de um relógio despertador funcionando sobre
minha cabeça”). Além disso, para alguns a proclamação do
evangelho soa como canção de amores tocada e cantada
maravilhosamente (Ez 33:32).

antes que Cristo chegasse. Bem poderia igualmente significar tendo


esperado antes de ter obtido inteiramente; cf. “vós hão previamente
ouvido” (Cl 1:5). Na última passagem tampouco implicou um
contraste entre dois grupos de crentes de diferente origem de
nacionalidade.

(3) Finalmente, se é preciso manter que aqui em Ef 1:12 tal


contraste de origem, quase poderia parecer como se o apóstolo
escrevesse: “Nós, os judeus cristãos, e somente nós, fomos
destinados para o louvor de sua glória”, e “Vós, os crentes dentre os
gentios, e somente vós, fostes selados com o Espírito prometido”. É
óbvio que o apóstolo jamais teria ensinado isto.

O único elemento de valor que posso ver na teoria que rejeição é


este, que quando Paulo, que nos vv. 3–12 se esteve referindo
constantemente a si mesmo e aos leitores como um só grupo (“nós
nos”), agora no v. 13 (e cf. Ef 1:15–18; 2:1, 2, 8) começa a substituir
a segunda pessoa plural pela primeira pessoa plural—querendo
dizer, não obstante, vós bem como todos os crentes — está
preparando gradualmente aos leitores para uma nítida distinção
entre cristãos gentios e cristãos judeus, que começa em Ef 2:11.

32 Esta clara e positiva declaração, que mostra que os leitores


haviam realmente escutado o verdadeiro evangelho, arroja luz à
explicação correta de 3:2; 4:21, passagens que com frequência
foram empregados em defesa da teoria de que esta epístola não
pôde ter sido dirigida aos efésios e/ou que Paulo não pôde havê-la
escrito. Veja-se sobre estas passagens.

Efésios (Hendriksen)

101

Ouvem-na mas sem levá-la a sério (Mc 4:24; Lc 8:18). Cristo disse
aos que iam a Ele que deviam ser cuidadosos quanto a como
ouviam. Por meio de inesquecíveis parábolas enfatizou este ensino
(Mt 7:24–27; 13:1–9, 18–23).

Cristo, não obstante, enfatizou também que o homem deve ser


cuidadoso quanto ao que ouve. Os efésios tinham escutado
atentamente

“a mensagem da verdade”. Havia muitos erros no mundo pagão


daqueles tempos, muitos falsos evangelhos (Cl 1:23; 2:4, 8; cf. Gl
1:6–9). Os efésios, em geral, tinham-nos deixado de lado ou
rejeitado. Desejavam ouvir somente o melhor. É chamada a
mensagem da verdade porque revela a verdadeira condição do
homem, proclama e defende a única forma de escapar, e admoesta
os pecadores que já foram salvos para que demonstrem gratidão
verdadeira em todos os aspectos de suas vidas.

Portanto, é “o evangelho de vossa salvação”, não no sentido de que


em e por si mesmo salva a qualquer um, mas que quando é aceito
com fé verdadeira em Cristo, suas boas novas de grande alegria
chegam a ser “o poder de Deus para salvação” (Rm 1:16). Os
efésios tinham mostrado esta verdadeira fé, porque Paulo
prossegue: e havendo também crido nele

… Tinham entregue suas vidas ao seu Senhor e posto sua


confiança nEle. Quanto mais O conheciam tanto mais era a
confiança que adquiriam nEle. Daí que Paulo diz: fostes selados
com o Espírito Santo da promessa. Um selo — na antiguidade,
não se estampava, mas antes, era fixado ou atado o selo a um
objeto — usava-se para a. garantir o caráter autêntico de um
documento, etc., (É. 3:12, ou, falando figurativamente, de uma
pessoa (1Co 9:2); b. indicar possessão (Ct 8:6); e/ou c. assegurar
ou proteger de dano e intrusão (Mt 27:66; Ap 5:1). O contexto
parecia indicar que a primeira das três ideias (veja-se o v. 14), quer
dizer, a autenticação ou certificação, é o básico na presente
passagem. O Espírito tinha dado testemunho aos seus corações de
que eram filhos de Deus (Rm 8:16; 1 Jo 3:24), “e se filhos, também
herdeiros; herdeiros de Deus, e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8:17),
pessoas a quem nada pode danificar e para quem “todas as coisas
cooperam para o bem” (Rm 8:28).

Efésios (Hendriksen)

102

Imediatamente salta à vista o fato de que em tais casos os três


propósitos já mencionados com relação ao uso de um selo se
combinam: autenticação implica possessão e proteção. Com relação
a isso cf.

C.N.T. sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 301–304.

Se nos fazemos uma pergunta tão prática como esta, “Em que
forma os efésios — ou qualquer outro crente — fazem seu aquele
selo, ou aquela interna segurança?”, a resposta é: não só e
principalmente como resultado de uma agonizante auto-investigação
interna para certificar-se de si as “marcas” que correspondem ao
que foi eleito se acham presentes ou não, mas antes, por meio de
uma viva fé no Deus triúno, conforme foi revelado em Cristo, fé que
“opera por meio do amor” (Gl 5:6). O fato de que os leitores não o
tivessem recebido realmente em outra forma é algo que o apóstolo
faz notar imediatamente (Ef 1:15).

O Espírito pelo qual lhes foi outorgado este selo é aqui mencionado
com Seu nome completo “O Espírito Santo”, para indicar que não só
é santo em si mesmo, mas também é a fonte de santidade para os
crentes, santidade que no caso dos efésios estava sendo expressa
não só por sua disposição interna, mas também por meio de suas
palavras e atos de amor. Ainda mais, a terceira pessoa da Trindade
é aqui chamada “O

Espírito Santo da promessa”, quer dizer, o Espírito Santo prometido,


ou, Aquele que foi outorgado de acordo com as divinas promessas
(Jo 14:16, 17; 15:26; 16:13; At 1:4). Ao pensar no próprio fato de
como em Sua vinda e obra as promessas divinas foram cumpridas
gloriosamente, não é porventura para nós sinal inequívoco de que
também as promessas de futuras bênçãos para os crentes obterão
também o prazeroso cumprimento? É nesta linha de pensamento
que o apóstolo prossegue dizendo,

14. o qual é o objeto antecipado de nossa herança.

A palavra que Paulo usa para “objeto antecipado” é arrabōn


(soletrada também arabōn). Nos manuscritos a palavra refere-se
com frequência a certa quantidade de dinheiro dado com
antecedência ao comprar um animal ou ainda uma esposa. Na
tradução que se faz de Gn

Efésios (Hendriksen)

103

38:17–20 na LXX, a palavra é repetida três vezes. sua origem é


provavelmente semítica ou fenícia. Os fenícios eram comerciantes
marítimos que não tinham marca registrada para sua terminologia
comercial. No Novo Testamento a palavra ocorre também em 2Co
1:22; 5:5, passagens que nos ensinam que quando Deus deposita
Seu Espírito nos corações de Seus filhos Ele Se obriga a Si mesmo
a outorgar a eles mais adiante o total restante de todas as bênçãos
da salvação merecidas a seu favor pelo sangue de Cristo. O objeto
antecipado é, portanto, uma segurança ou garantia da glória que há
de vir, glória que se fará presente não apenas quando a alma é
separada do corpo, mas principalmente na grande consumação de
todas as coisas, no instante que Cristo voltar. Os frutos concedidos
por este Espírito que habita nos crentes os santificando (Gl 5:22, 23)
— tais como amor, alegria, paz, longanimidade, bondade, fidelidade,
mansidão, domínio de si mesmo, e seu maravilhoso produto:
segurança da salvação (2Pe 1:5–11) — são as “primícias” (Rm
8:23).

São o deleite antecipado de um futuro e inefável deleite. 33 A


herança total — que é a salvação considerada como o bondoso e
permanente dom de Deus, não se compra com dinheiro, nem se
ganha com o esforço fatigante do homem, nem se pode conquistar
— será um dia a porção dos crentes, a qual hão de possuir e
desfrutar para a glória de Deus.

Agora, o fim ou propósito de todas as coisas jamais repousa no


homem mas sempre em Deus: para a redenção da própria
possessão (de Deus). 34 No instante em que os crentes recebem
sua herança total, que 33 Com relação a ἀρραβών cf. L.N.T. (A. e
G.), p.109 e Th. W.N.T., Vol. I, p. 474.

34 Bastante popular é a ideia de que o apóstolo não está pensando


na possessão de Deus, mas na nossa.

Este é o ponto de vista de T. K. Abbott, op. cit. , 23, 24, que


argumenta, “É nossa herança a qual está em discussão, é dela que
se recebe esta objeto antecipado … Em lugar disto, a interpretação
citada vê a figura totalmente mudada, de modo que, em lugar de
receber uma herecia, somos nós mesmos a possessão; uma figura
… que encerra uma confusão de pensamento que dificilmente pode-
se atribuir a São Paulo”. E. F. Scott, op. cit. , pp. 149, 150, chega à
mesma conclusão. Este tipo de raciocínio é provavelmente básico
em traduções tais como Berkeley, Moffatt, Goodspeed, e R.S.V.
Minhas objeções são as seguintes:

(1) Não é acaso um fato de que chegará a ser abundantemente


claro que seu possessão somos nós, o clímax mesmo de nossa
herança? Uma jovem que se ache de noiva com um jovem com as
mesmas

Efésios (Hendriksen)

104

inclui a gloriosa ressurreição do corpo (Ef 4:30), é quando tem lugar


a redenção35 da própria possessão de Deus, quer dizer, a entrega
total a Ele do que lhe pertence em virtude do fato de ter sido Ele
quem a fez e a comprou. Seu povo, já inteiramente livre de todos os
efeitos do pecado, será manifestado, no sentido exato da palavra,
como “seu especial tesouro”. Também, quando o apóstolo, no final
deste terceiro parágrafo, cujo centro é a obra do Espírito Santo,
acrescenta para louvor de sua glória, ele está ecoando ao que já
tinha escrito numa epístola anterior:

“Não sois donos de vós mesmos; porque fostes comprados por


preço; glorificai, pois, a Deus com vosso corpo” (1Co 6:19, 20). O
fato de que os crentes não se pertençam a si mesmos, mas a Deus
(ou, a Cristo) é doutrina paulina muito familiar: “Vós sois de Cristo”
(1Co 3:23); “Pois se vivemos, vivemos para o Senhor; e se
morremos, morremos para o Senhor” (Rm 14:8). Além disso, este é
o único consolo do crente tanto na vida como na morte. É
exatamente como o expressa o Catecismo de Heidelberg:

“Pergunta 1: Qual é teu único consolo tanto na vida como na morte?

convicções profundamente arraigadas, que a ama com um amor


semelhante ao de Cristo pela igreja, olha para o futuro com a
prazerosa expectação do instante em que pertencerá a seu amado.

(2) Aquele que dá o anel de compromisso, como objeto, espera


receber a sua noiva. Foi Deus quem deu o arrabōn. A palavra
arrabōn e seus análogos se usam no grego moderno para indicar
assuntos relacionados com compromissos nupciais.

(3) A ideia de que o povo de Deus (no Antigo Tesamento Israel; no


Novo Testamento, a igreja) constitui “sua própria possessão”, “um
povo, o seu próprio”, repete-se com tanta frequência nas Escrituras
que quase pode-se dizer que é pertencente à fraseologia técnica.
Quanto ao aspecto linguístico do termo veja-se C.N.T. sobre 1 e 2
Timóteo e Tito, p. 428, nota 193. Ocorre numa ou outra forma em
passagens tais como Ex. 19:5; 23:22; Dt 7:6; 14:2; 26:18. O próprio
Paulo em Ti. 2:14

declara, “(nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo) o qual deu-


se a si mesmo por nós, pares …

purificar para si mesmo um povo de sua própria possessão, zeloso


de boas obras.” Pedro declara,
“Mas vós, ao contrário, sois … povo de possessão exclusiva de
(Deus); a fim de que manifestem as excelências daquele que vos
chamou das trevas a sua luz maravilhosa” (1Pe 2:9). Acrescente-se
também Is 43:20, 21; Ez 37:23; e Ml. 3:17. Certamente que Paulo
conhecia bem seu Antigo Testamento!

35 Quanto aos dois significados da palavra “redenção” veja-se mais


acima, sobre o v. 7, nota 22; também C.N.T. sobre Colossenses e
Filemom, p. 80, nota 48.

Efésios (Hendriksen)

105

“Resposta: Que eu, com corpo e alma, tanto na vida como a morte,
não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador Jesus Cristo,
que me livrou de todo o poder do diabo, satisfazendo inteiramente
com seu precioso sangue por todos meus pecados, e me guarda de
tal maneira que sem a vontade de meu Pai celestial nem um só
cabelo de minha cabeça pode cair, antes é necessário que todas as
coisas sirvam para minha salvação. Por isso também me assegura,
por Seu Espírito Santo, a vida eterna e me faz disposto aparelhado
para viver daí em diante segundo Sua santa vontade”.

Além disso, a combinação que temos aqui em Ef 1:14, ou seja, “a


própria possessão (de Deus) … para louvor de sua glória” nos faz
lembrar imediatamente Is 43:20, 21 “meu povo, meu povo escolhido,
este povo formei para mim mesmo, para que eles contem meus
louvores”. Porventura temos que estranhar quando o apóstolo
pondera o fato de que ele mesmo e também os leitores tenham sido
emancipados de tão terrível maldade e restaurados a uma bem-
aventurança impossível de imaginar, e isto realizado a um alto preço
pelo próprio Deus contra o qual se rebelaram, e além disso, que
lhes deu o Espírito Santo como garantia e deleite antecipado de um
futuro e supremo deleite que desfrutarão ao receber sua herança
total, e assim estarão em deslumbrante esplendor diante de Deus
como sua especial possessão?
Em vista de tudo isso, é porventura estranho que Paulo tenha
começado sua magnífica doxologia dizendo “Bendito (seja)” e
terminando com

“para louvor de sua glória”?

Versículos 15–23

Tema: A igreja gloriosa

I. Adoração

por seu

Eterno fundamento “em Cristo”

Efésios (Hendriksen)

106

2. que conduz à ação de graças e oração, para que os olhos dos


leitores sejam iluminados para que vejam o poder salvador de Deus,
exibido na ressurreição e coroação de Cristo (vv. 15–23).

EF. 1:15-23

2. Ação de graças e oração

O tema, não só dos vv. 3–14, como já se viu, mas de todo o resto do
capítulo é Cristo o eterno fundamento da igreja (cf. 1Co 3:11). Isto
inclui sua total salvação; por isso os crentes receberam toda bênção
espiritual “em Cristo”. A evidência disso é o fato de que o apóstolo
começa esta cláusula individual de 169 palavras (no original)
expressando gratidão ao ter ouvido da fé dos leitores que está “no
Senhor Jesus”. Finaliza descrevendo Cristo como Aquele que em
beneficio da igreja “enche tudo em todas as coisas”

15. A gratidão que se desperta no coração de Paulo é devido às


bênçãos enumeradas e descritas nos vv. 3–14 e também pelas
notícias que lhe chegaram, conforme o menciona agora: Por esta
razão, porquanto ouvi da fé no Senhor Jesus que (existe) entre
vós … O tráfego marítimo era ativo naqueles dias; os visitantes
tinham permissão de ver o famoso prisioneiro em Roma; os laços de
fraternidade cristã eram muito sólidos. Por todas estas razões não é
de admirar que tendo transcorrido uns quatro anos desde o tempo
que o apóstolo trabalhava em Éfeso —

obra que beneficiou também as pessoas dos lugares circundantes


(At 19:10, 26) — tivesse estado sempre bem informado. No entanto,
nem toda informação que Paulo recebia era favorável. Sabia que
existiam problemas graves acerca dos quais os efésios precisavam
ser prevenidos, e é justamente o que fará embora não
imediatamente. Com muita prudência se reserva estas
admoestações para dá-las quando já se aproxima o termo da
epístola (Ef 4:17–6:9). Paulo era da classe de homem que se
deleitava em elogiar sinceramente aqueles que amava, e o

Efésios (Hendriksen)

107

faz sem demora. Se Paulo tivesse sido um pagão, sua atitude ao


lugar a este ponto teria sido agradecer esta ou aquela deidade por
guardar a ele e aos leitores em boa saúde, mas o apóstolo expressa
sua humilde gratidão ao único Deus verdadeiro por ter concedido
aos leitores serenidade e confiança que é a porção de todos os que
buscam apoio nos eternos braços de seu Salvador, Jesus, e O
reverenciam como seu Senhor que os comprou e a quem rendem
prazerosa obediência. O casulo da fé foi aberto e transformado na
flor de amor, e disso também Paulo teve felizes notícias: e de vosso
amor36 por todos os santos. A fé, sendo autêntica, é
acompanhada pelo amor visto que o ímã que atrai os pecadores a si
mesmo faz com que eles se atraiam também entre si. Ou, usando
outra figura, na medida que os raios de uma roda se aproximam do
seu centro, estes por sua vez se aproximam entre si (veja-se Gl 5:6;
1 Jo 4:21). E
visto que estes cálidos laços pessoais, a preocupação de uns com
os outros, acham-se presentes nos leitores, e sendo esta uma
disposição tal que beneficia a todos os santos, Paulo prossegue: 16.
não cesso de dar graças por vós, lembrando de vós em minhas
orações. A quem honra, honra! A Deus devia-se gratidão por
aquelas maravilhosas mudanças que por Sua graça foram operadas
em Éfeso e as regiões circundantes. Observa-se que Paulo foi
homem que creu de todo coração na necessidade de dar graças e
isto foi um elemento essencial em toda oração que brotava de seu
coração. Quanto a suas orações por outros cf. Rm 1:9; Fp 1:4; Cl
1:9; 1Ts 1:2; 2Ts 1:11; Fm 4. São ainda mais chamativas e belas
suas expressões de gratidão e oração quando se observam à luz
das circunstâncias em que foram pronunciadas, a. com grande
regularidade (“não cesso”) e b. por um prisioneiro. O último nos
lembra da oração de Jonas “das vísceras do peixe”, oração que 36
Embora em p46, Sinaítico A B falta a palavra amor, a tradução
alternativa que inclui amor deve ser aceita. Se assim não se fizer,
perde seu sentido. Embora seja verdade que πίστις pode significar
tanto fé como fidelidade, não pode ter ambos os significados numa
só frase. daí que, a tradução “fé no Senhor Jesus Cristo e fidelidade
para todos os santos” deve ser rejeitada.

Efésios (Hendriksen)

108

igualmente inclui o aspecto de ação de graças (Jn 2:1, 9). O


conteúdo da oração se expressa nas palavras:

17. (pedindo) que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai


da glória, vos dê o Espírito de sabedoria e de revelação no
verdadeiro conhecimento dele. Veja-se v. 3 mais acima,
observando a forma semelhante em que se indica o sujeito da
oração, e a explicação que ali é dada. Aqui no v. 17, não obstante,
lemos “o Pai da glória”. Paulo acaba de mostrar como resplandecem
magnificamente os atributos de Deus nas obras da eleição,
predestinação, redenção, iluminação espiritual, certificação.
Portanto, é fácil de entender que fale do Pai da glória”, ou seja, “o
Pai glorioso”. Cf. At 7:2; 1Co 2:8; e Tg 2:1. O apóstolo pede que o
Espírito de sabedoria e revelação seja dado aos efésios. A maioria
das traduções dizem “espírito” em lugar de “Espírito” (= Espírito
Santo). As seguintes razões vão em apoio de Espírito:

(1) Paulo escreve “… de revelação”. Em geral não relacionamos


revelação com o espírito ou estado mental puramente humano.

(2) Quanto a “… de sabedoria”, em Is 11:2 é mencionada como o


primeiro entre vários dons comunicados pelo Espírito do Senhor.

(3) Expressões como “Espírito da verdade” (Jo 15:26) e “Espírito de


adoção” (Rm 8:15) estão se referindo também ao Espírito Santo.

(4) Efésios abunda em referências à terceira Pessoa da Santa


Trindade. Sendo que a presença do Consolador é tão proeminente
nesta epístola, bem podemos pensar que no caso atual é a quem
Paulo tem em mente.

(5) É coisa característica em Paulo que, fazendo menção de Deus o


Pai e de Cristo o Filho — ambos já foram mencionados em Ef 1:16

logo faça referência ao Espírito. Cf. Rm 8:15–17; 2Co 13:14; Ef 1:3–


14; 3:14–17; 4:4–6; 5:18–21. 37

37 Fazendo um estudo contextual e uma tabulação de cada


ocorrência de πνεῦμα, cheguei à conclusão de que um não deveria
confiar muito na regra, “Quando se usa o articulo, a referência é ao
Espírito Santo; quando se omite, a referência é à uma operação,
influência, ou dom do Espírito”. Cada ocorrência deve ser estudada
à luz de seu próprio contexto imediato.

Efésios (Hendriksen)

109
(6) Quando o Pai “ilumina os olhos”, porventura não o faz por meio
do Espírito? Veja-se Jo 3:3, 5. O homem não pode ver o Reino de
Deus, para entrar nele, a menos que seja por meio do Espírito. Cf.
Ef 5:8; 1Jo 1:7.

No entanto, ao chegar a este ponto pode surgir a seguinte pergunta:

«Mas como pode ser possível que Paulo tenha orado para que o
Espírito de sabedoria e revelação “seja dado” aos que já possuíam
tal Espírito e que na verdade, segundo o v. 13, tinham sido selados
por ele?» Não se pode evitar o problema dizendo “espírito” (estado
mental) em lugar de Espírito (Espírito Santo), visto que isto nos
poderia levar ainda a outra pergunta: «Como poderia o apóstolo
pedir que o espírito de sabedoria no verdadeiro conhecimento dele
(quer dizer, de Deus) fosse dado aos que já O conheciam tão bem
até o ponto de ter depositado toda sua confiança nEle?” (v. 13). Em
todo caso, este problema é-nos apresentado não só aqui em
Efésios, mas também através de todas as epístolas de Paulo.

Para dar somente dois exemplos: Contraste-se Cl 1:4 com Ef 3:12;


1Ts 1:3; 2:13 com Ef 5:15. Se Paulo podia dizer um, como poderia
dizer também o outro?

A resposta é provida pelo próprio Paulo. Em resumo seria o


seguinte: o que já está presente, deve ser fortalecido. O Espírito
Santo está neles, indubitavelmente; no entanto, o apóstolo ora para
que os efésios “sejam fortalecidos com poder por meio de seu
Espírito no homem interior” (Ef 3:16). A obra que tinha começado
nos corações devia continuar até sua perfeição (Fp 1:6). O amor e
outros frutos deviam “abundar cada vez mais” (Fp 1:9; cf. 1Ts 3:12,
4:10). É claro, então, que a oração de Paulo aqui em Ef 1:15–23,
inclui também o v. 17, é totalmente compatível com o que declarou
solenemente nos vv. 3–14.

Na verdade, a relação entre os vv. 15 e 16, por um lado, e o v. 17 e


seguintes, por outro, mostra que é precisamente pelo fato de ter
recebido tantos dons que o apóstolo se atreve a pedir ainda mais.
O que Paulo pede, então, é que os leitores recebam uma crescente
porção de sabedoria e claro entendimento. Combinem-se as duas, e
se

Efésios (Hendriksen)

110

observará que está pedindo que os efésios sejam providos de uma


mais profunda penetração no significado do evangelho e um mais
claro discernimento do que significa a vontade de Deus para suas
vidas, capacitando-os assim em todo tempo para fazer uso dos
melhores meios para chegar à mais alta meta, ou seja, a glória do
Deus Triúno.

Ora, foi o Espírito que comunicou a sabedoria, o Espírito também


aquele que revelou a verdade. Para estes irmãos na alvorada do
cristianismo, que tão recentemente tinham emergido do temor
pagão, a superstição, e a imoralidade, cujo único meio de
comunicação com Paulo era o epistolar ou através de um
mensageiro, e que habitavam em meio de um ambiente pagão, a
sabedoria e a revelação eram duplamente necessárias, e isto não
só com o fim de obter um mais claro entendimento sobre o caminho
da salvação, mas também para saber com precisão o caminho a
seguir diante de cada situação. O que necessitavam sobretudo era o
claro conhecimento de Deus, incluindo a prazerosa aceitação das
veredas de Deus para suas vidas e a vontade disposta para seguir
Sua direção. E claro, isto não era um mero assunto do intelecto.

Algo de maior importância estava em jogo. Daí que o apóstolo


prossegue sua oração:

18. (Tendo) iluminados os olhos de vossos corações. 38


Segundo as Escrituras o coração é o ponto de apoio do sentimento
e da fé como deste modo a própria fonte das palavras e ações (Rm
10:10; cf. Mt 12:34; 15:19; 22:37; Jo 14:1). É o núcleo e centro do
ser humano, o ser íntimo do homem. “Dele emana a vida” (Pv 4:23).
“Porque o homem olha a aparência, mas o Senhor olha o coração”
(1Sm 16:7). Agora, fora da obra do Espírito os olhos do coração
estão cegos (Is 9:2; Jo 9:39–41; 1Co 2:14–16). O homem em tal
estado de cegueira necessita duas coisas: 38 A construção de
πεφωτισμένους τοὺς ὀφθαλμοθς não é fácil. Uma solução seria o
inferir que, por causa do infinitivo seguinte, o dativo (πεφωτισμένοις)
é aqui substituído pelo acusativo absoluto (πεφωτισμένους). A mais
simples solução, e talvez a melhor, seria a construção que considera
a estas palavras como determinadas por δῴη, e como resultado
como em aposto com a precedente πνεῦμα.

Isto daria o seguinte sentido, “… que o dê o Espírito de sabedoria e


revelação … (logo, então) olhos iluminados”.

Efésios (Hendriksen)

111

o evangelho e a consciência espiritual. O último é o que se entende


por olhos alumiados ou iluminados. Cf. sobre Ef 5:8 para considerar
o significado de luz versus trevas. Com o fim de obter esta
iluminação, o Espírito opera nos homens o novo nascimento.
Dissipa as neblinas da ignorância, as nuvens de concupiscência, as
disposições egocêntricas e de invejas, etc., e comunica a eles a
contrição pelo pecado e a fé que opera por meio de amor. O olho
espiritual se torna luminoso quando o coração é purificado. “Bem-
aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus” (Mt
5:8). Paulo prossegue: para que saibais qual é a esperança39 a
qual ele vos chamou. Paulo sabe que a melhor maneira de
expulsar as antigas tendências pecaminosas não é concentrar a
preocupação nelas, mas antes, nas bênçãos da salvação. Os
efésios receberam o chamado eficaz. O convite urgente do
evangelho (que é o chamado externo) foi aplicado aos seus
corações pelo Espírito Santo, produzindo o chamado interno. É o
último sentido de chamado ao qual se faz referência em cada lugar
do Novo Testamento. Cf. Rm 11:29; 1Co 1:26; 7:20; Ef 4:1, 4 (além
do presente Ef 1:18); Fp 3:14; 2Tm 1:9; Hb 3:1; 1Pe 2:9; 2Pe. 1:10.
Tomara que os leitores sejam capazes de experimentar quão ricos
são, considerando a esperança a que foram chamados por Deus
(literalmente, “a esperança de seu chamado”). Esta esperança está
solidamente fundada nas infalíveis promessas de Deus. É

a âncora da alma, obstinada ao próprio trono de Deus; portanto, no


próprio coração de Cristo (Hb 6:18–20). Consiste então numa
entrega fervente uma expectação confiante, uma espera paciente do
cumprimento das promessas de Deus, uma absoluta confiança
centralizada em Cristo (cf. Cl 1:27) de que tais promessas, sem
dúvida serão alguma cumpridas.

É uma força viva e santificadora (1Pe 1:3; 1Jo 3:3). Prossegue


Paulo: (para que saibais) quais (são) as riquezas da glória de sua
herança entre os santos. “Sua” herança significa aquela dada por
Ele, tal como “seu”

39 Observe-se a tríade fé, amor, (v. 15) e esperança (v. 18). Veja-se
C.N.T. sobre Colossenses e Filemom, pp. 59–62.

Efésios (Hendriksen)

112

chamado é aquele que Ele pronunciou e fez ao mesmo tempo


eficaz.

Paulo fala sobre as gloriosas riquezas, a magnitude maravilhosa, de


todas as bênçãos da salvação, especialmente aquelas que hão de
ser outorgadas na grande consumação de todas as coisas. Veja-se
C.N.T. sobre Cl 1:12

(“a herança dos santos na luz”). Estas bênçãos ele as chama uma
herança porque são o dom da graça de Deus, as quais uma vez
recebidas jamais poderão ser tiradas (“Nunca permita o Senhor que
eu te dê a herança de meus pais!” 1Rs 21:4). Cf. mais acima, sobre
o v. 14. A frase “entre os santos” (cf. At 20:32; 26:18) merece
atenção especial. Quando a esperança do crente é a correta, jamais
espera uma herança só para si. O
que dá à herança um caráter tão glorioso é justamente o fato de que
tem que ser desfrutada juntamente com “todos os que amam a sua
vinda”

(2Tm 4:8).

19. Paulo prossegue acrescentando uma coisa mais à esperança e


à herança. Diz: “Oro para que os olhos de vossos corações sejam
iluminados, a fim de que saibais qual é a esperança … quais as
riquezas da glória de sua herança entre os santos”, e qual a
sobressalente grandeza de seu poder (desdobrada) com
relação a nós os que cremos, segundo se vê naquela
manifestação de seu infinito poder … Esta “sobressalente
grandeza de seu (do Deus Pai) poder” é necessária como elo entre
os outros detalhes que foram mencionados no versículo precedente,
ou seja, a esperança e a herança. O poder (grego dúnamis, cf.
“dinamite”) de Deus é necessário a fim de que a esperança seja
cumprida e a herança obtida. As palavras “com relação a nós os que
cremos” mostram que tal poder se exerce em benefício dos crentes,
e de ninguém mais. Somente eles recebem a herança. Paulo roga a
Deus que dê aos leitores olhos esclarecidos a fim de que possam
saber qual é a sobressalente grandeza do poder de Deus “conforme
à operação da fortaleza de seu poder”, etc., citado literalmente. As
três palavras que emprega para mostrar a maneira como este poder
usa-se são: energeia (de onde vem a palavra “energia”), isto é,
atividade, operação, manifestação; krátos: fortaleza exercida; e
ischús: poder, grande fortaleza inerente. No entanto, quando tais

Efésios (Hendriksen)

113

sinônimos se amontoam, como acontece nesta parte da oração, é


duvidoso que possamos fazer distinção precisa entre um e outro. F.
W.

Grosheide tem provavelmente razão quando diz: «É difícil fazer


diferença com precisão entre as várias palavras que se usam para
poder.

É permissível chegar à conclusão de que o apóstolo faz uso de mais


de um termo para indicar a plenitude e certeza deste poder» ( op.
cit., p. 30).

Em harmonia com este ponto sugiro a tradução “poder … segundo


se vê naquela manifestação de seu infinito poder”, (e segue) 20.
que exerceu em Cristo quando o levantou dentre os mortos e o
fez sentar à sua mão direita nos lugares celestiais. O principal
pensamento expresso por estas palavras vistas à luz do que
imediatamente precede é este: o apóstolo ora para que se conceda
aos efésios olhos esclarecidos de modo que possam ver e discernir
que, para que se torne possível a transformação de sua firme
esperança numa gloriosa realidade de modo que possam receber a
totalidade de sua herança, Deus tem ao Seu dispor um poder tão
grandioso como aquele que exibiu quando levantou Seu Filho dentre
os mortos e o sentou à sua direita. É como se o apóstolo dissesse:
«não desesperem, podem confiar no infinito poder de Deus.
Chegará o dia em que a herança aguardada para vocês será
inteiramente sua”.

Mas, é porventura necessário limitar o significado das palavras de


Paulo à uma comparação entre a. o poder desdobrado na
ressurreição e coroação de Cristo, e b. o poder que se exerce para
levar os crentes à sua total vitória? À luz de Rm 6:8–11; 1Co 15:20;
Cl 3:1, não pôde acaso ter tido em mente também o fato de que a
ressurreição de Cristo e o sentar-se à mão direita do Pai são tipos
do que acontecerá com os crentes?

Também eles conquistarão a morte quando se levantarem


gloriosamente de suas tumbas para viver e reinar com Cristo para
sempre jamais. E até agora a ressurreição de Cristo é tipo da
ressurreição dos crentes e de sua vitória gradual sobre o pecado.
Existe na verdade ainda uma conexão causal. Sendo a ressurreição
de Cristo prova positiva da justificação do crente, vem a ser assim
um objeto de sua glória eternal. O haver-se
Efésios (Hendriksen)

114

sentado à direita do Pai, de onde derramou Seu Espírito nos


corações deles, garante e leva à termo Sua total bem-aventurança.

O lugar preeminente que ocupa a ressurreição de Cristo no


pensamento da era apostólica é evidente não só desta passagem,
mas também das seguintes: Mt 28; Mc 16; Lc 24; Jo 20, 21; At 1:22;
2:32; 3:26; 10:40; 13:34; 17:31; 23:6; 26:8, 23; Rm 4:25; 8:34; 1Co
15; 1Pe 1:3; etc. Igualmente, o significado da coroação de Cristo, de
modo que como recompensa por Sua obra mediadora governa todo
o universo em benefício de Sua igreja, é claro na presente epístola
segundo Ef 1:20–23; 4:8ss., e em outros lugares como At 2:33, 36;
5:31; 7:56; Rm 8:34; Fp 2:9; Cl 3:1; Hb 2:8, 9; etc. Cf. Sl 110:1. Dois
capítulos do livro do Apocalipse estão inteiramente dedicados a este
tema (ver Ap 5:7; 12:5 e 10). O Cristo que vive e reina era uma
realidade viva na consciência da igreja primitiva. Concernente à
frase “nos lugares celestiais” veja-se mais acima sobre o v. 3.

21. O fato de que o apóstolo não pensasse primariamente num lugar


especial no espaço ao falar da exaltação de Cristo à direita de Deus,
mas antes, na extensão ou no grau desta posição é evidente pelas
palavras: muito acima de todo governo e autoridade e poder e
domínio e todo nome que se nomeia. A enumeração dos poderes
“muito acima” dos quais se atribui a Cristo lugar preeminente, é
quase o mesmo que achamos em Cl 1:16. Considerando esta
passagem à luz de Cl 2:18, como também a passagem presente de
Efésios, e comparando-a com Ef 3:10, fica evidente que as
referências são primariamente aos anjos. Os mestres do erro que
naquela época perturbavam as igrejas da Ásia provincial,
especialmente as do vale do Lico, superestimavam grosseiramente
a posição dos anjos com relação a Cristo e a obra de salvação.
Parece que os temas sobre os quais os hereges concentravam seu
interesse era o nome dos anjos, suas várias categorias em que
deviam ser classificados, e a adoração devida a eles. O que Paulo
diz, então, é o seguinte: Os anjos (tanto bons como maus) não têm
poder algum à parte de Cristo. Não importa o nome que lhes seja
dado, Cristo reina muito acima de todos

Efésios (Hendriksen)

115

eles. (Veja-se sobre Ef 4:10). Além disso, sua posição de majestade


durará para sempre visto que foi exaltado sobre todas as
eminências e sobre todo título que possa ser conferido não
somente na idade presente, 40 a dispensação atual, mas também
na vindoura, a qual será introduzida ao tempo da consumação de
todas as coisas (cf. Ef 2:7). 41

22, 23. É assim então, que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o
Pai de glória, manifestou Seu infinito poder quando levantou Cristo
dentre os mortos e O fez sentar à sua mão direita e sujeitou todas
as coisas baixo dos seus pés. Nele, como o Homem ideal (tanto
“Filho do homem” como “Filho de Deus”), o Salmo 8 (do qual se cita
aqui o v. 6; cf. LXX Sl 8:7) chega a seu cumprimento absoluto. Cf.
também 1Co 15:27 e Hb 2:8. A expressão “tudo” ou “todas as
coisas” não deve ser limitada a “todas as coisas na igreja”.
Tampouco inclui meramente coisas tais como “ovelhas e bois, todos,
e também os animais do campo; as aves do céu, e os peixes do
mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares” (Sl 8:7, 8).
Embora de forma muito limitada, a humanidade, ainda depois da
Queda, tenha certo grau de controle sobre estas criaturas

“inferiores”, o domínio que aqui exerce é insignificante comparado


com a soberania universal de Cristo, domínio que não exclui nada
40 αἰών foi definido como “o mundo em movimento”, em contraste
com κόσμος, “o mundo em repouso”. No entanto, o último termo
usa-se em grande variedade de sentidos; vèase C.N.T. sobre João,
p. 84, nota 26. O termo αἰών pode-se considerar como o mundo
visto sob o ponto de vista de tempo e mudança; portanto, a era, seja
presente ou futura (“que vem”), e seu estado de ânimo prevalecente.
41 Neste ponto Lenski entra num problema. Tendo interpretado a
eira “vindoura”, a qual Cristo iniciará com a parousia —
interpretação correta do termo de acordo com seu uso aqui,
conforme creio — e prosseguindo com a tácita hipótese que desde
aquele instante o tempo não será mais, corresponde-lhe explicar
como é que o texto pode, não obstante, falar a respeito de uma era
vindoura. Sua solução é a seguinte: “A chama ‘o aion vindouro’
somente porque hoje o aguardamos em esperança. Além disso,
devemos observar que a linguagem humana vê-se obrigado a usar
termos que indicam tempo ao falar da eternidade (feito que não
discuto), embora na eternidade não exista o tempo se usam
expressões como sucessão, progresso, etc.” Quanto a este ponto
difiro. Em nenhum lugar das Escrituras se ensina que a alma,
quando entre no céu ou quando for reunida com o corpo à volta de
Cristo, adquira o atributo divino de ausência de tempo. Tampouco “a
perfeição” elimina necessariamente “o progresso”. Concernente a
meus pontos de vista a respeito de este tema e também outros
conceitos afins, veja-se meu livro A Bíblia e a vida vindoura.

Efésios (Hendriksen)

116

absolutamente do que existe. Como resultado, nada pode


obstaculizar a realização da “esperança” dos crentes. A nada será
permitido cruzar-se no caminho à aquisição e o deleite pleno
daquela gloriosa “herança” da qual desfrutam uma antecipação
agora mesmo. Além disso, o poder de Deus não está inativo. De
forma que foi claramente exibida na exaltação de Cristo está sendo
utilizado no governo do universo, em beneficio da igreja. Daí que
Paulo prossegue: e o42 constituiu cabeça sobre todas as coisas
à igreja, visto que43 é seu corpo …; ou seja, uma vez que se
acha tão íntima e indissoluvelmente unido a ela e a ama com amor
profundo, ilimitado, e imutável. O que se enfatiza por meio deste
simbolismo de cabeça-corpo é a intimidade do laço, o insondável
caráter do amor entre Cristo e a igreja, segundo é claramente
indicado em Ef 5:25–33. Com relação a isso não devemos passar
por alto um fato importante, quer dizer, que através da epístola
Paulo faz ênfase no grande amor de Deus (ou de Cristo) por Seu
povo, e o amor que seus filhos em resposta devem a Ele e se
devem entre si (Ef 1:5; 2:4; 3:19; 4:1, 2; 5:1, 2ss; 6:23, 24).

Não há nem um capítulo onde não se enfatize este tema. Quem não
captou este ponto ainda não entende Efésios!

Nas cartas gêmeas, Colossenses e Efésios, a figura cabeça-corpo


aparece pela primeira vez nas epístolas paulinas, para indicar a
relação entre Cristo e Sua igreja. É verdade, naturalmente, que aqui
em Ef 1:22, 23 não se diz realmente que Cristo é a cabeça da igreja,
mas antes,

“cabeça sobre todas as coisas à igreja … seu corpo”. Mas esta


forma de expressão tem por objetivo meramente incrementar a
beleza do simbolismo. O significado, então, vem a ser este: uma vez
que a igreja é o corpo de Cristo, com a qual Ele está organicamente
unido, Seu amor por ela é tão grande que faz uso de Seu poder
infinito para que o universo inteiro com tudo o que nele há coopere
em benefício dela, seja de bom grado ou não. Como resultado, o
conceito Cristo cabeça 42 Observe-se a posição atrasada de αὐτόν
para maior ênfase.

43 O pronome relativo ἥτις tem força causal. Veja-se Gram. N.T., p.


728.

Efésios (Hendriksen)

117

governante sobre todas as coisas (Cf. Cl 2:10) não anula, mas


antes, fortalece e adorna a doutrina claramente implicada Cristo
cabeça governante (e orgânica) da igreja (cf. Ef 4:15; 5:23; Cl 1:18;
2:19).

Portanto, quando muitos comentaristas, dogmatistas, e também o


Catecismo de Heidelberg (Domingo 19, edição com referências
textuais, P. e R. 50) apelam a Ef 1:20–23, entre outras passagens,
para apoiar a posição de que Cristo é cabeça da igreja, não estão
cometendo nenhum erro. Com relação a outras observações a
respeito de Cristo como cabeça, veja-se mais acima, sobre v. 10;
também C.N.T. sobre Colossenses pp. 93–95, especialmente este
no relativo à distinção entre cabeça governante e orgânica.

Acrescentando uma descrição mais à igreja como corpo de Cristo,


Paulo acrescenta: a plenitude44 daquele que enche tudo em
todas as coisas. Os argumentos relacionados com o significado
exato de plenitude neste caso particular enchem muitas páginas de
inumeráveis comentários. Com o devido respeito para com os
argumentos dos que defendem outras teorias, e cujas defesas em
favor de seus pontos de vista examinei detalhadamente, 45 cheguei
à conclusão, depois de longo 44 A ideia de G. G. Findlay e outros
quanto a que πλήρωμα modifica a αὐτόν, e portanto refere-se a
Cristo e não à igreja, teve pouca aceitação, e a razão é que as
palavras que se usam em aposto ou como modificativo devem ser
colocadas com um antecedente próximo, não com um remoto, a
menos que existe uma muito boa razão para fazer isto de forma
diferente.

45 Alguns interpretam πλήρωμα como “o número total dos aiones


como também a mónada da qual procederam” ou, em geral, como
um termo que pertence ao segundo século da especulação
gnóstica.

Nada existe no contexto que favoreça esta teoria. Outros, muitos


dos quais confiam firmemente nos argumentos de J. B. Lightfoot
(defendidos en su obra, Saint Paul’s Epistle to the Colossians and to
Philemon, (pp. 255–271) asseguram que os “Substantivos no MA,
formados pelo passivo perfeito, apresentam-se sempre com um
sentido passivo”, apoia a interpretação: (a igreja como o corpo de
Cristo) “o que é cheio — ou sendo cheio — por Cristo”. Este ponto
de vista, com variações quanto a detalhes, é defendido, entre
outros, por Greijdanus, Percy (“die Gemeinde als von Christus
erfüllt), Robertuson, Salmond, Scott. É apoiado também por L.N.T.
(A. e G.), p. 678, e por The Amplified New Testament. Pode-se
acrescentar em apoio a esta teoria que o apóstolo enfatiza o fato de
que a igreja acha sua plenitude em Cristo, e somente nele (Cl 2:10),
porque foi do agrado do Pai que a plenitude de todo residisse nele
(Cl 1:19); cf. Ef 4:10). Também a combinação do nome πλήρωμα e o
particípio πληρομένου resulta harmoniosa: a igreja é cheia daquele
que enche todas as coisas. A teoria é muito atraente. debilita-se em
parte, no entanto, pela argumentação de outros intérpretes que “Em
qualquer

Efésios (Hendriksen)

118

estudo, que a correta interpretação é a seguinte: a igreja é o


complemento de Cristo. Em outras palavras: “É a mais alta honra
para a igreja, que o Filho de Deus considere-Se a Si mesmo em
certo grau imperfeito enquanto que não esteja unido a nós. Que
consolo é para nós o saber que não será até que estejamos diante
de Sua presença, que Ele terá todos seus elementos constitutivos,
ou que Ele deseje ser considerado como completo”. (João Calvino
em seu comentário a respeito desta passagem. Veja-se na
bibliografia o título da obra). Este ponto de vista, com certas
variações quanto a detalhes, ou seja, que a igreja, sem dúvida, está
apresentada aqui como enchendo e completando Aquele que enche
tudo em todas as coisas, é defendido por Abbott, Barry, Bruce,
Grosheide, Hodge, Le

im
nski, S pson, e muitos outros.

outra instância em que πλήρωμα ocorra, usa-se de forma ativa — o


que efetivamente cheia” (assim Hodge, op. cit. , pp. 89, 90; e quanto
a obras de outras fontes que mostram que os pontos de vista do
Lightfoot são insustentáveis veja-se M. M., sobre πλήρωμα, p. 520).
Seja como for, um estudo contextual de todas as instâncias em que
se usa πλήωμα no Novo Testamento mostra que ao interpretar Ef
1:23 segundo a argumentação do Lightfoot resulta algo precário. Cf.
C.N.T. sobre Colossenses e Filemom, pp. 96, 97, nota 56, para uma
completa tabulação do significado πλήρωμα no Novo Testamento. O
que resulta talvez um argumento mais convincente contra o sentido
passivo do nome conforme ao uso que dele faz-se aqui é o fato de
que nesse caso a metáfora monte-cuerpo que o apóstolo emprega
parecesse muito difícil de ajustar. se poderia dizer que a igreja é
cheia por Cristo, e o contrário que, consequentemente, Cristo cheia
à igreja. Mas, não se poderia dizer que o corpo é cheio pela cabeça
e portanto, a cabeça cheia o corpo? Beare responde, “Não se pode
dizer da cabeça

‘que encha’ o corpo”. Não é , antes, o corpo que enche, completa,


expressa, leva a cabo as ordens da cabeça?

Finalmente, existe uma interpretação que evita o pôr ênfase já no


sentido ativo ou no passivo de πλήρωμα. Interpreta este nome como
indicando simplesmente “Todo o número ou a totalidade dos crentes
individuais representados na atividade redentora do Cristo
encarnado”. Conforme o vejo eu, esta, também, é uma interpretação
razoável. A palavra πλήρωμα tem às vezes o sentido de um número
completo, Rm 11:12 e 11:25 (número total de judeus escolhidos”,
“número total de gentios escolhidos”) e merece sua consideração
aqui. Também é verdade que, numericamente falando, a referência
em Ef 1:23 é, na verdade, a nenhuma outra coisa mas sim ao
número completo dos escolhidos. A que se deve então, que a
grande maioria dos comentaristas insistem em que πλήρωμα,
segundo seu uso em Ef 1:23, deve ser interpretado ou
passivamente, “o que é — ou está sendo —
cheio”, ou ativamente, “o que enche ou completa”, e não estáttico,
“totalidade”? Será, talvez, porque ambos os grupos de intérpretes
estão conscientes de que o nome e o particípio constituem uma
unidade, e que se o último implicar ação, seja esta recebida ou
exercida, a primeira deve fazer o mesmo?

Efésios (Hendriksen)

119

Esta interpretação, à qual eu e os que acabei de mencionar nos


apegamos, não resta de modo nenhum, nem de forma nem grau,
um ápice da absoluta majestade ou autossuficiência de Cristo.

Naturalmente, com relação à Sua essência divina não é em sentido


algum nem dependente nem possível de ser complementado pela
igreja.

Mas como esposo está incompleto sem a esposa; não se pode


pensar nEle como videira sem Seus ramos; como pastor, não O
podemos imaginar sem as ovelhas; e assim também, como cabeça
acha Sua total expressão em Seu corpo, a igreja.

Existem também as seguintes razões adicionais que me induziram a


considerar esta interpretação como correta:

(1) O fato de que para Aquele que enche tudo em todas as coisas
há algo que, não obstante, o enche ou complementa, está ensinado
claramente pelo próprio Cristo e também por Seu discípulo João (Jo
6:56; 15:4, 5, 17–21; 1Jo 3:24). “Permanecei em mim, e eu em vós”

mostra que não somente os ramos se acham incompletos sem a


videira

— que é o ponto enfatizado em João 15 — mas, em certo sentido, a


videira também é complementada pelos ramos.
(2) Em Cl 1:24 Paulo se refere a si mesmo como “cumprindo de
minha parte o que falta ainda dos padecimentos de Cristo”. Há um
sentido no qual a igreja, por assim dizer, completa os sofrimentos de
Cristo. Veja-se C.N.T. sobre Cl 1:24. Portanto, os que rejeitam a
ideia de que a igreja é o complemento de Cristo terão grande
dificuldade ao interpretar Cl 1:24. Igualmente achamos que a igreja
recapitula a morte e ressurreição de Cristo (Rm 6:4, 5; Cl 2:20; 3:1;
2Tm 2:11, 12).

(3) Ao interpretar a metáfora cabeça-corpo com o significado de que


o corpo enche ou complementa a cabeça, resultando assim uma
unidade orgânica em que o corpo leva a cabo a vontade e propósito
da cabeça, obtém-se um sentido equilibrado da figura. Cristo utiliza
a igreja para a realização de Seus planos no governo do mundo e
para a salvação dos pecadores.

Efésios (Hendriksen)

120

(4) A ideia enfatizada por Calvino, ou seja, que Cristo recusa


considerar-Se a Si mesmo completo até possuir todos os Seus
elementos, harmoniza maravilhosamente também com aquela
motivação de amor que, segundo o mostrei, domina toda a epístola.

(5) A descrição da igreja como “a plenitude daquele que enche tudo


em todas as coisas” é, sem dúvida, “um tremendo paradoxo”
(usando a expressão de Lenski, op. cit., p. 403). Isto, também, é
exatamente o que esperamos achar em Paulo. Abundam em seus
escritos figuras em que aparecem aparentes contradições: “nem
todos os de Israel são de Israel”

(Rm 9:6). “Em tudo nos recomendando … como impostores, e no


entanto verazes; como desconhecidos, e no entanto bem
conhecidos; como moribundos, e eis aqui que vivemos … como
pesarosos, mas sempre prazerosos; como pobres, mas
enriquecendo a muitos; como não tendo nada, e no entanto,
possuindo todas as coisas” (2Co 6:4–10).
“Quando sou fraco, então sou forte” (2Co 12:10). É Paulo que
deseja que os tessalonicenses tenham ambição de viver tranquilos
(1Ts 4:11). E

sem ir muito longe, nesta mesma epístola aos efésios fala de


conhecer o amor de Deus que ultrapassa o conhecimento (Ef 3:19)!
O paradoxo de Ef 1:23 se ajusta muito bem a esta categoria de
estilo.

Comentando a respeito das palavras “Aquela que enche tudo em


todas as coisas”, Calvino continua como segue: «Isto se acrescenta
para nos guardar da hipótese de que existe qualquer defeito real em
Cristo ao estar separados de nós. Seu desejo de ser cheio e, em
alguns aspectos, ser feito perfeito em nós, não provém da falta ou
necessidade, visto que todo o bem que há em nós ou em qualquer
das criaturas é dom de Sua mão».

As palavras “que enche46 tudo em todas as coisas” significam que


Cristo enche todo o universo em todos os aspectos; isto é, que o
universo 46 O particípio deve ser interpretado como intermediário,
não como passivo, visto que resultaria numa áspera construção.
Quer este intermediário tenha retido ou não algo de sua força
recíproca ou reflexiva

— daí, “quem cheia todo o universo para si mesmo” (ou, de acordo


com outros, “dele mesmo como centro”) — ou simplesmente tenha o
sentido ativo, seria difícil de estabelecer, embora a primeira
alternativa parece mais provável.

Efésios (Hendriksen)

121

inteiro não somente depende dEle para a provisão do necessário,


mas, além disso é governado por Ele em beneficio da igreja, a qual,
por sua vez, deve servir ao universo e se encontra cheia de seus
generosos dons.
De modo que, está constantemente impregnando todas as coisas
com Seu amor e poder (cf. Jr 23:24; 1Rs 8:27; Sl 139:7). Concordo
com a declaração do Roels: «O mais provável é que Paulo se refira
ao fato de que Cristo, exaltado acima de tudo, está agora implicado
na realização histórica da reconciliação já efetuada do universo
dirigindo todas as coisas para o determinado, que é, sua meta
divinamente designada» ( op.

cit., p. 248).

Com um Cristo que é o fundamento eterno de Sua salvação, o


cristão nada tem que temer. Sua esperança será realizada, sua
herança

plenamente desfrutada.

Resumo de Efésios 1

O capítulo consta de duas partes principais (depois da saudação de


abertura, vv. 1–3). Na primeira delas (vv. 4–14) Paulo louva o Deus
triúno pelas bênçãos da eleição feita pelo Pai, a redenção mediante
o Filho, e a certificação no Espírito. Na segunda (vv. 15–23), tendo
dado expressão à sua profunda e humilde ação de graças, o
apóstolo ora para que os olhos dos efésios sejam iluminados para
que possam ver: a. qual é a esperança para a qual foram
chamados; b. qual a herança que os espera; e c. qual o poder de
Deus para tornar eficaz esta esperança e para que a herança se
converta em possessão eterna. Não foi porventura uma prova da
operação deste poder o fato de que “o Pai de glória” levantasse Seu
Filho dentre os mortos, fazendo-O sentar à Sua mão direita nos
lugares celestiais?

Neste capítulo, mais que em nenhum outro, o apóstolo sublinha o


fato de que todas as bênçãos espirituais que descem dos lugares
celestiais” ao povo de Deus são “em Cristo”. Fora dEle são
desesperadamente miseráveis. Se estiverem em íntima comunhão
com
Efésios (Hendriksen)

122

Ele são indizivelmente ricos. Portanto, Cristo é, em certo sentido


muito real, o eterno fundamento da igreja. Cf. 1Co 3:11.

Alguém poderia perguntar-se: «Como pode ser possível que neste


capítulo e também nos capítulos 2 e 3 o apóstolo, um prisioneiro, dê
expressão à sua profunda gratidão em palavras de desenfreada
adoração, começando com “Bendito (seja) o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo!?” A resposta é que Paulo já refletiu nos fatos
seguintes.

(1) O deleite especial do Pai ao planejar a salvação de pessoas que


por si só eram totalmente indignas (Ef 1:5b; 2:3).

(2) A maravilhosa decisão do Pai de adotar estas pessoas como


Seus próprios, e chamá-los “a família do Pai” (Ef 1:5; 3:15).

(3) O compromisso solene do Filho, feito antes da fundação do


mundo, por meio do qual se constituiu no Fiador do Seu povo (Ef
1:4).

(4) O fato de que «o Filho não deseja considerar-se completo senão


até o dia em que nós estejamos diante de Sua presença» (A
interpretação de Calvino da expressão que a igreja é “a plenitude
daquele que enche tudo em todas as coisas”, Ef 1:23).

(5) A complacência do Espírito para habitar no coração dos filhos de


Deus com Sua própria presença, garantindo-lhes uma maior glória
vindoura (Ef 1:13, 14).

(6) A atividade do Espírito iluminando os olhos de tal modo que os


crentes assim esclarecidos possam ter um claro e definido
conhecimento de sua esperança, sua herança, e o poder de Deus
que transforma a esperança na real possessão da herança (Ef 1:17–
23).
(7) A revelação recebida pelo Apóstolo a respeito do “mistério”, ou
seja, o estabelecimento de uma igreja recolhida dentre judeus e
gentios e unida em uma só comunidade espiritual formando uma
membresia com igualdade de privilégios sem considerar diferença
de raças ou nacionalidades (Ef 1:15; 2:16; 3:6).

(8) O fato de que esta “igreja unida” está sendo fundada diante dos
próprios olhos de Paulo, constituindo uma prova disso a existência
das igrejas de Éfeso e os lugares circundantes (Ef 1:15).

Efésios (Hendriksen)

123

(9) O fato de que mesmo ele, Paulo, em outro tempo inflamado


perseguidor, fosse eleito pela maravilhosa graça de Deus, para
revelar o mistério aos homens e esperar que chegue à sua
realização (Ef 3:3–5).

(10) O reinado do Cristo ressuscitado e ascendido sobre o universo


inteiro em beneficio da igreja, Seu corpo (Ef 1:22, 23).

Efésios (Hendriksen)

124

EFÉSIOS 2

UNIVERSALIDADE (ABRANGENDO JUDEUS E GENTIOS)

Versículos 1–10

Tema: A igreja gloriosa

I. Adoração como sua

U niversalidade (abrangendo tanto judeus como a gentios), 1.


assegurada pelas grandes bênçãos redentores para ambos que têm
seu centro “em Cristo” e que são semelhantes à Sua ressurreição e
vida triunfante.

EF. 2:1–10

1. Bênçãos redentores tanto para judeus como gentios O texto da


oração e ação de graças chegou ao seu termo. Mas a profunda
emoção continua, sendo evidente por expressões tais como

“rica misericórdia … grande amor … superabundante riqueza de


graça”. Esta, como no capítulo 1, também é a linguagem de gratidão
e adoração. Não obstante, dá-se começo aqui a uma nova
subdivisão. Não se produz uma mudança brusca. Tanto neste
capítulo, como no capítulo 1, Cristo, em quem se revela a Santa
Trindade, é considerado base das bênçãos (Ef 2:6, 7, 9, 13, 21, 22).
Não obstante, a ênfase sofreu uma mudança, evidenciada pelo fato
de que neste segundo capítulo a frase

“em Cristo” ou seus equivalentes ocorrem com muita maior


frequência.

Agora, o cap. 2 concentra nossa atenção no alcance universal ou a


extensão universal da igreja. Começa o apóstolo mostrando que
“em Cristo” o palácio da salvação abriu suas portas a todos, isto é, a
gentios e judeus igualmente. Quando Cristo morreu na cruz o muro
divisório entre estes dois grupos hostis foi derrubado para nunca
mais voltar a ser

Efésios (Hendriksen)

125

levantado (Ef 2:14). NEle todos são agora um, quer dizer, todos os
que se renderam a Ele mediante uma fé viva.

A forma tão natural como Paulo passa de “vós” a “nós” e vice-versa,


nos vv. 1–10 — “convosco” nos vv. 1, 2, e 8; “nós” nos vv. 3, 4, 6, 7,
e 10; e um “nós” que evidentemente inclui um “vós” no v. 5 —
indica que embora às vezes se estabeleça certa distinção, a ênfase
recai no que todos têm em comum. As bênçãos que se detalham
são compartilhadas entre o escritor e seus leitores, entre judeus e
gentios igualmente, enfim, entre todos os que tendo estado mortos
em seus pecados e transgressões tiveram que ser revivificados.
Não é senão até chegar ao v. 11 que nos é dito como os dois grupos
— judeus e gentios

— outrora inflamados inimigos, chegaram à reconciliação. A lógica é


simples e clara. O estabelecimento da paz entre Deus e o homem
(vv. 1–

10), de modo que “os filhos da ira” são agora objetos de Seu amor,
naturalmente precede e dá como resultado a paz entre homem e
homem, neste caso entre judeus e gentios (vv. 11ss). A linha
horizontal é a proliferação da vertical.

O capítulo 2 não somente leva um eco da ênfase central do capítulo


1, quer dizer, que Jesus Cristo como revelação do Deus Triúno é
Aquele

“em quem” todas as bênçãos passadas, presentes, e futuras se


outorgam aos crentes, sendo neste sentido o eterno fundamento da
igreja, mas também prefigura os futuros conceitos sobre os quais o
apóstolo tem que estender-se em detalhe nos últimos capítulos. Dá-
nos, especialmente, uma olhada com antecedência de Ef 4:1–16: a
unidade orgânica e o crescimento da igreja.

O que principalmente ataca o capítulo 2 é o espírito de pecaminoso


exclusivismo, e enfatiza o fato de que o amor de Deus é mais amplo
que o mar, e abrange não somente judeus, mas também gentios (cf.
Rm 1:14; Gl 3:28; Cl 3:11; logo também Jo 3:16; 10:16; Ap 5:9; 7:9),
fundindo-os numa unidade orgânica, e isto o faz por meio do
instrumento mais estranho imaginável, ou seja, uma morte na cruz!
O alcance universal da

Efésios (Hendriksen)
126

igreja é o pensamento em que a mente de Paulo se centraliza aqui e


que se introduz como segue:

1. E vós, mesmo quando estáveis mortos por causa de vossos


delitos e pecados …

A palavra vós é o objeto (ou complemento) da oração, colocado no


princípio para enfatizá-lo. É como se o apóstolo dissesse: “Foi de
vós, tão indignos, de quem Deus teve misericórdia”. No original o
sujeito da oração, ou seja, “Deus”, e o predicado, “vivificados”, não
se mencionam até chegar aos versículos 4 e 5. E nem mesmo então
Paulo se expressa dizendo “Deus vos vivificou”, mas “Deus nos
vivificou”. Ao tratar os grandes mistérios da salvação, assuntos que
concernem ao apóstolo tão vitalmente e cujos efeitos experimentou
tão dramaticamente em sua própria vida e ainda continua
experimentando, era-lhe impossível permanecer fora do quadro. É
incapaz de escrever a respeito de tais coisas de forma abstrata e
alheia a elas. É por isso que está disposto a substituir “vós” por
“nós”. Este “nós” é, naturalmente, de tal amplitude que sempre
incluirá o “vós”.

No entanto, em algumas traduções, sujeito e predicado já foram


inseridos no versículo, ficando este versículo assim: “e a vós ele vos
vivificou”. Algumas vezes as palavras “vos deu vivificou” (RC) têm
sido impressas em itálico para indicar sua ausência no original; mas
outras vezes não (RA 1999) o que, para mim, é pior. Do modo que
seja, sua inserção obscurece o propósito de Paulo. 47 O apóstolo,
conforme creio, achava-se tão profundamente embargado de uma
sensação de gratidão ao contrastar a anterior miséria total dos
leitores com a atual riqueza em Cristo, que deliberadamente adia a
descrição da última até depois de ter 47 A Bíblia sueca (Estocolmo,
1946) insere as palavras no v. 1. Assim também o faz a frísia
(Amsterdã, 1946), a sul-africana, embora em itálico (Cidade do
Cabo, 1938), etc. Por outro lado, a holandesa ( Nieuwe Vertaling,
Amsterdã, 1951) e várias outras, incluindo as versões francesas e
alemãs, não têm esta inserção. Alguns tradutores tomaram esta
bela cláusula (que compreende pelo menos os vv. 1–7) e o dividiram
em várias breves declarações, cada uma seguida de ponto, de tal
modo que, se no v. 1 se insiram ou omitam estas palavras, a
tradução resultante perde algo do sabor do Paulo autêntico.

Efésios (Hendriksen)

127

apresentado vividamente a primeira. Sem dúvida, procedeu assim


para que os efésios, lembrando primeiro (vv. 1–3) a tétrica condição
de escuridão e morte em que antes tinham caminhado, tivessem um
regozijo mais pleno quando enfim (vv. 4ss) lhes fosse dito que tudo
isso pertencia ao passado, visto que Deus, em Sua infinita
misericórdia, amor, e graça fez com que a luz da vida amanhecesse
sobre eles (sim, sobre “nós”).

Quanto mais o homem entender a verdadeira dimensão de sua


profunda condição perdida, mais apreciará, pela graça de Deus, sua
maravilhosa libertação.

Os leitores, antes de sua conversão, achavam-se “mortos” em seus


delitos (desvios da caminho reto e apertado; veja-se sobre Ef 1:7) e
pecados (inclinações, pensamentos, palavras e obras “que não
atingem o alvo”, quer dizer, que não glorificam a Deus). Agora, o
fato de que tais pessoas sejam descritas como mortas não significa
que em seus corações e vidas o processo de corrupção moral e
espiritual já se houvesse completado. Ursino, em sua exposição do
Catecismo de Heidelberg, João Calvino, e muitos outros,
assinalaram que até a pessoa não regenerada está em condições
de realizar o bem natural: comer, beber, fazer exercícios, etc., e o
bem cívico ou moral. Certas pessoas mundanas

«se conduziram honestamente em toda sua vida». Assim escreveu


João Calvino, Instituição da religião cristã, Fundação Editorial de
Literatura Reformada, Rijswijk (Z. H.), Países Baixos, Vol. I, p. 199.
Negar isto seria fechar os olhos diante de fatos que nos são
apresentados diariamente na vida. 48 Além disso, tal negação
equivaleria a uma rejeição do claro ensino nas Escrituras. O rei
Jeoás “fez o que era reto aos olhos do Senhor todos os dias de
Joiada o sacerdote” (2Cr 24:2). No 48 O fato de que os pecadores
resultem às vezes ser melhores do esperado, enquanto alguns
santos às vezes nos desiludem, é analisado por A. Kuyper em sua
obra de três volumes De Gemeene Gratie (segunda edição,
Kampen, sem data); veja-se especialmente Vol. II, p. 13ss. Não
importa o que se pense da solução de Kuyper, é pelo menos mais
bíblica e satisfatória que a oferecida por Reinhold Niebuhr em sua
obra Man’s Nature and His Communities: Essays on the Dynamics
and Enigmas of Man’s Personal and Social Existence (Nova York,
1965), O autor não distingue uma diferença entre santos e
pecadores!

Efésios (Hendriksen)

128

entanto, veja-se qual foi o seu fim (2Cr 24:20–22). Jesus disse: “Se
fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, qual é a vossa
recompensa?

Até os pecadores fazem isso” (Lc 6:33). Na verdade, acontece às


vezes que até “os bárbaros” mostram “uma amabilidade pouco
comum” (At 28:2; Cf. Rm 2:14). Em casos de emergência, a
quantidade de pessoas que se oferecem para doar sangue é tão
grande que de repente foi necessário avisar: “não se necessita mais
sangue”. Quando nos titulares dos periódicos se publicam casos de
extrema pobreza seguidos de um comovedor artigo e fotografias
sensacionais, os sentimentos dos homens se comovem de tal
maneira que começam a chegar em abundância alimento, roupa,
dinheiro, brinquedos, etc. para socorrer os angustiados.

Indubitavelmente nem todos os doadores são crentes!

No entanto, embora seria néscio negar que até fora da graça


regeneradora o homem «mostra certa consideração rumo à virtude
e o comportamento externo» (Cânones de Dort, III e IV, artigo 4), tal
conduta nem sequer pode começar a ser comparada com o bem
espiritual. Somente o Senhor sabe até que ponto, na vida de cada
homem, a boa obra exterior brota de uma compaixão autêntica, visto
que a imagem de Deus não se perdeu totalmente nele, e até onde é
resultado de ter compreendido que o egoísmo pessoal provoca ao
mesmo tempo destruição pessoal, ou por outro motivo que não seja
exatamente altruísta. Em cada caso tal boa obra não brotou da fonte
da gratidão pela salvação merecida por Jesus Cristo. Portanto, não
é obra de fé. Não foi realizada com o propósito consciente de
agradar e glorificar a Deus em obediência à Sua lei. Ora, é com
relação a esta classe de bem espiritual que o homem se acha por
natureza morto. É um fato que até homens de reconhecida
virtuosidade têm sido caracterizados também por responder com um
total desdém a todo chamado do evangelho. Seus altivos corações
recusam aceitar o urgente convite para confessar seus pecados e
aceitar a Cristo como seu Salvador e Senhor. O homem natural nem
sequer é devidamente apto para discernir a Deus. Para ele as
coisas do Espírito são “loucura” (1Co 2:14). Carece da capacidade
de automóvel-

Efésios (Hendriksen)

129

incitar-se para emprestar ouvido o que Deus demanda dele (Ez 37;
Jo 3:3, 5). É somente sob a ação transformadora de Deus que se
pode voltar de seu mau caminho (Jr. 31:18, 19). Além de tudo isso,
acha-se sob sentença de morte, sob maldição por causa de seu
pecado em Adão (pecado original) ao qual acrescentou seus
próprios delitos e pecados.

2. Com relação a tailandeses delitos e pecados Paulo prossegue:


nos quais49 no tempo passados andastes segundo a corrente
deste mundo, quer dizer, em cujo ambiente vocês se
desenvolveram livremente, sentindo-se perfeitamente à vontade,
conduzindo-se em completa harmonia “com o espírito da época que
caracteriza uma humanidade alienada da vida de Deus”, 50
conforme o príncipe do império51 do ar …
Temos que tomar a palavra “ar” de forma mais ou menos literal
como indicando o espaço sobre a terra mas sob o céu dos
redimidos, ou deve ser interpretado em sentido ético ou figurativo: “a
atmosfera moral” ou

“a atitude prevalecente” da época em que nos tenha correspondido


viver?

A candura de Lenski é digna de admiração. Confessa que não sabe


o que fazer com este termo ( op. cit., pp. 408–410). Rejeita, no
entanto, tanto o sentido literal como o figurativo. Simpson aceita o
sentido figurativo. Ao rejeitar o sentido literal, chamando-o “fantasia
estranha”, acrescenta, “ou se não, teríamos que dissuadir toda
pessoa temerosa de Deus de viajar de avião” ( op. cit., p. 48). A
respeito deste ponto me permito fazer as seguintes observações:

49 À vista do último antecedente o relativo é feminino (αἵς). A


referência é, não obstante, a ambos, transgressões e pecados.

50 ἄιών veja-se sobre Ef 1:21, nota 40.

51 Tal como βασιλεία pode significar ao mesmo tempo a realeza (ou


governo) e a região política sobre a qual se exerce: reino, assim
também ?ξονσία pode significar autoridade, ou um que possui
autoridade (ou pelo menos a tem supostamente, por exemplo um
anjo), ou o domínio ou reino sobre o qual sua autoridade se
estende. Creio que grande parte do problema com relação à
interpretação correta desta passagem surgiu por não reconhecer
este último significado. As seguintes são ilustrações de seu uso
neste sentido: Na lXX 4 Km. 20:13 (“ou em tudo seu domínio”); Sl
114:2 (“Judá veio a ser seu santuário; Israel seu senhorio”). Veja-se
além Lc 4:6, à luz de Mt 4:8 (“toda esta potestade”). Cf.

Lc 23:7. E observe-se Cl 1:13 (“o domínio das trevas”).

Efésios (Hendriksen)

130
(1) Por que somente as “pessoas temerosas de Deus”? Se as
viagens aéreas forem tão perigosos por causa destes servos do
mal, não deveriam ser prevenidos também os incrédulos? Além
disso, não deveria ser também a terra isolada deles, ou, apesar de
Apocalipse 16:14, é ela

“região proibida” para os maus espíritos? Mas se isto fosse assim,


por que então Jesus chamou Satanás “o príncipe deste mundo” (Jo
12:31; 14:30)?

(2) Há sequer outro caso nas Escrituras onde se use a palavra “ar”

neste sentido figurativo?

(3) Quanto a Satanás — visto que é ele quem, de acordo com as


referências, é “o príncipe do império do ar” — é onipresente bem
como Deus? São onipresentes seus servidores, os demônios? É
correto atribuir-lhes algo assim como onipresença pelo fato de ser
espíritos? É óbvio que o distinto e erudito autor da obra sobre
Efésios no New International Commentary não apoiaria tal ponto de
vista, uma vez que estaria em conflito com a demonologia do Novo
Testamento. Segundo Mc 5:13 “os espíritos imundos saíram (do
homem) e entraram nos porcos”. Se então tiver que ser atribuído um
lugar aos demônios, servidores de Satanás, a fim de que por seu
meio possa influenciar os homens, pode porventura aquele domínio
ser restringido ao inferno, ainda na dispensação presente antes da
volta de Cristo? Essa opinião colidiria com passagens tais como Mt
8:29; 16:18; 1Pe 5:8. Na verdade, nem Satanás nem seus agentes
estão no céu dos redimidos (Jd 6). Se, portanto, e de acordo com a
doutrina consistente das Escrituras, os espíritos imundos devem
estar em algum lugar, mas não no céu dos redimidos, e se na era
presente não podem estar restringidos ao inferno, é porventura
estranho que Ef 2:2

fale a respeito “do príncipe do império do ar”? Não é coisa natural


que o príncipe do mal seja capaz, até onde Deus em Seu governo
providencial o permita, de levar a cabo sua sinistra obra enviando
suas legiões a nosso globo e sua atmosfera circundante?
(4) Não é verdade acaso que Ef 6:12 (“as forças espirituais do mal
nos lugares celestiais”) aponta na mesma direção geral?
Certamente que

Efésios (Hendriksen)

131

se os querubins da visão de Ezequiel podiam estar na terra, e no


próximo instante “levantados da terra” (Ez 1:19; cf. 10:19; 11:22),
não é coisa impossível que também os demônios tenham o mesmo
poder. Como resultado, qualquer tintura figurativa que a palavra “ar”
possa ter —

devido ao fato de que o ar é a região da névoa, nuvens, e escuridão


— o significado literal neste caso é básico. Esta passagem, em
conjunção com outras (Ef 3:10, 15; 6:12), ensina claramente que
Deus permitiu hostes sem-número habitar nas regiões
supramundanas, e que nos domínios mais baixos os servidores de
Satanás acham-se empenhados em suas destrutivas missões.
Grosheide está certo quando em seus comentários a respeito desta
passagem declara que de acordo com o Novo Testamento «a
atmosfera está habitada por espíritos, incluindo espíritos malignos,
que exercem malévola influência sobre a humanidade» ( op. cit., p.
36). 52 Note-se a palavra “incluindo”. De modo que de maneira
nenhuma são eles donos absolutos da situação! Diante destes
espíritos e seu líder, os crentes acham verdadeiro consolo em
passagens tais como Ef 1:20–23; Cl 2:15; Rm 16:20; Ap 20:3, 10.
Cf. Gn 3:15; Jo 12:31, 32.

A conduta dos efésios, então, tinha sido antes “segundo a corrente


deste mundo, conforme o príncipe do império do ar”, ao qual Paulo
agora acrescenta: (o império) do espírito que agora age nos
filhos de desobediência. Tal espírito, novamente, é Satanás,
quem, por meio de seus agentes, os demônios, e provavelmente até
direta e pessoalmente (Zc 3; 1Pe 5:8), está ativamente
comprometido com os corações e vidas 52 Salmond também adota
o significado literal. Scott chama a esta ideia “uma teoria passada na
moda”. Vários comentaristas, não obstante, são da opinião que
Paulo está meramente acomodando-se às crenças de seu tempo, e
que as palavras que usa não sugerem de modo nenhum,
necessariamente, que ele se aderisse a esta crença (Abott,
Robinson, e até certo ponto Van Leeuwen). Westcott enfatiza que a
noção popular continha um elemento de verdade, ou seja, “os
adversários invisíveis se acham ao nosso alcance”. Findlay
interpreta “ar” figurativamente. Hodge, tendo rejeitado o sentido
literal, vacila entre o sentido figurativo “poder das trevas” e o
significado “poder incorpóreo”. Ninguém hoje em dia dá valor algum
à grotesca e altamente especulativa noção da literatura rabínica
quanto à morada, etc., dos demônios.

Efésios (Hendriksen)

132

de pessoas malignas a quem designa, segundo uma expressão


semita, como “filhos de desobediência”, ou seja, os que, por assim
dizer, brotam da desobediência como se fosse sua mãe que lhes
teria dado a vida. Cf.

2Ts 2:3. Esta é a desobediência de incredulidade (Hb 4:6), e


portanto, de rebelião contra Deus e Seus mandamentos. Observe-
se o fato de que deste “príncipe” ou “espírito” diz-se que “age”, quer
dizer, está energicamente comprometido a fazer com que o mal seja
ainda pior.

Satanás jamais descansa. Agora, era segundo este espírito que os


efésios se conduziram outrora.

3. Mas não somente os efésios. Paulo é cuidadoso em acrescentar:


entre os quais nós também vivíamos nas concupiscências de
nossa carne, satisfazendo os desejos da carne e seus
raciocínios. É comovedor ler,

«Entre estes filhos de desobediência nos achávamos nós também»,


nós os judeus como vós os gentios. Paulo se inclui a si mesmo. Não
obstante, ele é o apóstolo que durante o período da prisão escreveu
concernente à sua própria vida pré-cristã, “… quanto à lei,
irrepreensível” (Fp 3:6). A ideia central é que tanto o gentio, sumido
na imoralidade, como o judeu, que pensa poder salvar-se pela
obediência à lei de Moisés, vivem (sinônimo de andam no v. 2) “nas
concupiscências da carne”; quando se usa a palavra carne em tal
contexto está se referindo à natureza humana corrompida, ou, de
maneira mais geral, a qualquer coisa fora de Cristo em que a
pessoa baseia sua esperança para a felicidade ou a salvação. «O

homem moral veio a juízo, mas seus farrapos de autojustificação


não lhe podiam servir». Cf. Rm 7:18: “… em minha carne não habita
o bem”.

Quanto a desejos, no caso presente não pode ser outra coisa que
os anelos injustos que pertencem à carne e são gerados pela carne.
Para o judeu isto incluía certamente o anelo de entrar no reino com
base em suas supostas meritórias obras da lei. Para o gentio a
referência é a assuntos tais como a imoralidade, a idolatria, a
bebedeira, e, em geral, a

Efésios (Hendriksen)

133

agressividade em suas várias manifestações sinistras. 53 A carne


ou a natureza humana depravada gera, consequentemente, maus
desejos.

Estes, por sua vez, para conseguir os seus objetivos, conduzem a


todo tipo de raciocínios hostis (cf. Cl 1:21), a planos egoístas e
imorais, e a reflexões que finalmente terminam em obras ímpias. Cf.
Tg 1:14, 15; 4:1. Eis aqui algumas ilustrações deste processo: a
história de Caim e Abel (Gn 4:1–8); de Amnom e Tamar (2Sm 13:1–
19); ou Absalão em sua rebelião contra seu próprio pai (2Sm 15ss);
e de Acabe e Nabote (1Rs 21). No entanto, embora a sequência
indicada dos elementos no progresso do mal é tal como aqui se
resumiu, a vida em si mesma é muito complexa para tal
simplificação. Existe uma constante interação. 54

Este é um assunto que demanda atenção, visto que mostra quão


terrível é a condição perdida do homem: um pecado gera outro, o
qual por sua vez, não só dá lugar até a outro mas também que «se
volta», por assim dizer, e reage sobre o que o gerou, acrescentando
assim ao último vitalidade e eficácia para a maldade! Não é de
estranhar que Paulo prossiga: e éramos por natureza filhos da ira
o mesmo que os demais. Não temos que comparar a ira a um
incêndio na palha, que arde rapidamente e se consome. Ao
contrário, é uma indignação estável, é a atitude que mostra Deus
para o homem em sua condição caída em Adão (Rm 5:12, 17–19) e
rebelde a aceitar o evangelho da graça e salvação em Cristo. É com
relação a eles que foi escrito: “… aquele que não obedece ao Filho
não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele” (Jo 3:36).
“Por natureza” deve significar “fora da graça regeneradora”. Refere-
se ao homem tal como se acha em sua condição caída, como
descendente de Adão; falando especificamente, incluído nele como
seu representante na aliança das obras. Tais, então, diz Paulo,
éramos nós antes que tivesse 53 Quanto a um estudo da palavra
ἐπιθνμία veja-se C.N.T. sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 307, 308,
nota 147; e referente a σάρξ, veja-se C.N.T. sobre Filipenses, p. 90,
nota 55; também p. 172 sobre Fp 3:3.

54 Cf. as várias sequências dos elementos da experiência cristã —


tais como o conhecimento, amor, obediência — nas Escrituras. Veja-
se C.N.T. sobre o Evangelho de João, pp. 274–276.

Efésios (Hendriksen)

134

lugar a grande mudança. Esta era a realidade com relação aos


leitores e também no que respeita ao escritor da epístola. Além
disso, a fim de que ninguém pudesse concluir que entre os filhos
dos homens houvesse sequer alguém a quem estas palavras não se
pudesse aplicar, Paulo acrescenta “o mesmo que os demais”. Cf.
Rm 3:9–18. “Filhos da ira”

(outro semitismo) significa, “sujeitos da estável ira de Deus agora e


pelo tempo todo vindouro” (de novo, Jo 3:36), a menos que a
maravilhosa graça de Deus intervenha, esmagando o orgulho
pecaminoso e a contumaz desobediência, que consiste em
incredulidade.

«Mas, não é Deus também misericordioso?» Sim, naturalmente,


mas embora Ele odeie o pecador contumaz por causa de sua
rebeldia e indesculpável impenitência, não obstante o ama como
criatura. Sob este aspecto, ama a todos os homens. Ama o mundo
(Jo 3:16). O

surpreendente caráter daquele amor torna possível compreender,


pelo menos em parte, que a ira de Deus deve repousar sobre
aqueles que O

desprezam.

4, 5. E agora vem uma descrição vívida da mudança. Ao homem


totalmente indigno, tal misericórdia, amor, e graça é concedida:
Deus, 55

sendo rico em misericórdia, por causa de seu grande amor com


que nos amou, mesmo quando estávamos mortos por causa de
nossos delitos, vivificou-nos juntamente com Cristo — pela
graça fostes salvos. No que concerne a este parágrafo, o trágico
relato da desventurada condição do homem terminou. A ideia
central com que o apóstolo começou não foi ainda expressa. As
palavras “e vós”, como objeto da oração de abertura, não deve ficar
como nadando no ar. Os efésios não podem ser deixados 55
Provavelmente, por fazer aqui um contraste tão forte entre a
escuridão espiritual e a luz, devido ao uso da partícula de δέ no
comeηo do v. 4 (ὁ δὲ θεός), muitos têm o pressentimento de que
aqui começa uma nova oração (RC, Bíblia das Américas, NVI, etc.).
No entanto, o fato de que no v. 5 o apóstolo (de acordo com o que
parece ser a melhor tradução) repete as palavras do v. 1 de forma
quase não alterada, e agora, nos vv. 4 e 5, acrescenta o sujeito e
predicado requerido, pareceria indicar que não houve “corte” sério
na estrutura da oração. O anacoluto que se pode observar aqui é
mais aparente que real e δέ no caso presente (como o ι com
frequκncia) ι melhor deixα-lo sem traduzir. Neste ponto concordo
com Lenski ( op. cit. , pp. 413, 414) em contraste com vários outros.

Efésios (Hendriksen)

135

em seu estado de ira e condição de miséria. Tanto o objeto como os


efésios devem ser “resgatados”. E o tempo chegou para que isto
seja feito. O grande coração vibrante deste maravilhoso missionário,
coração tão cheio de compaixão56 já não pode esperar mais. Aqui
então, enfim, depois de todos estes modificativos e em conexão
com a repetição no v.

5 das palavras do v. 1 — “mesmo quando … mortos por causa de …

delitos” — vem a cláusula principal: o sujeito e o verbo central:


“Deus (v. 4) … nos vivificou” (v. 5). No entanto, pela razão já
mencionada, o apóstolo decide pôr-se ao lado dos efésios. Está
convencido que seu próprio estado (e na verdade, o estado de todos
os judeus que outrora confiavam em sua própria justiça para
salvação) não era basicamente melhor que o dos gentios, e também
que a nova alegria agora descoberta é a mesmo para todos. Assim
que em lugar de dizer, “e vos vivificou”, diz, “e a nos vivificou”.
Agora, se este fosse caso de inconsistência sintática, é um dos mais
maravilhosos que se registram!

Paulo atribui a dramática e sobressalente mudança que teve lugar,


tanto em sua vida como na dos demais, a misericórdia, amor, e
graça de Deus. O amor é básico, quer dizer, é o mais amplo dos três
termos. Paulo diz: “Deus, sendo rico em misericórdia, por causa de
seu grande amor com que nos amou … nos vivificou”, etc. Este
amor de Deus é tão grande que desafia todas as definições.
Podemos falar dele como uma intensa preocupação por profundo
interesse pessoal em cálido laço para e espontânea ternura para
Seus escolhidos, mas mesmo tudo isso é como gaguejar. Aqueles, e
somente aqueles, que o experimentam sabem realmente o que é,
embora nunca possam entendê-lo em toda a sua extensão (Ef 3:19).
Compreendem, não obstante, que é único, espontâneo, forte,
soberano, eterno, e infinito (Is 55:6, 7; 62:10–12; 63:9; Jr. 31:3, 31–
34; Os 11:8; Mq 7:18–20; Jo 3:16; 1Jo 4:8, 16, 19). É “o amor que foi
derramado em nossos corações” (Rm 5:5), “seu amor para 56
Referente a isto veja-se C.N.T. sobre Filipenses, pp. 202, 203.

Efésios (Hendriksen)

136

nós” (Rm 5:8), o amor do qual ninguém nem nada “nos poderá
separar”

(Rm 8:39).

Ora, quando este amor se dirige para pecadores considerados em


toda sua miséria e necessitados de comiseração e socorro, isso
recebe o nome de misericórdia. Veja-se C.N.T. sobre Filipenses, p.
158 onde se acha uma lista de mais de 100 passagens do Antigo e
do Novo Testamento onde se descreve este atributo divino,
mostrando quanta

“riqueza” encerra esta graça. É tão cheia de “riqueza” como o amor


é tão cheio de “grandeza”. A graça de Deus da qual se faz menção
nesta declaração “Pela graça sois salvos”, é Seu amor como focado
para o culpado e indigno. A misericórdia se compadece. A graça
perdoa. Mas faz ainda mais que isso. Salva inteiramente, livrando os
homens da maior miséria (condenação eterna), e outorgando a eles
as mais escolhidas bênçãos (vida eterna para a alma e o corpo). Ser
salvo pela graça é o oposto a ser salvo por méritos, o mérito que
pretensamente resulta da bondade inerente ou do árduo esforço. Cf.
Ef 2:8, 9. A expressão indica claramente que a base de nossa
salvação não descansa em nós, mas em Deus. “Nó o amamos
porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4:19, RC).

Esta natureza soberana do amor divino em seus vários aspectos é


ilustrado em passagens tão preciosas como Dt 7:7, 8; Is 48:11; Dn
9:19; Os 14:4; Jo 15:16; Rm 5:8; Ef 1:4; 1Jo 4:10.

Foi pela riqueza de Sua misericórdia, a grandeza de Seu amor, e o


maravilhoso caráter de Sua graça, que Deus “nos vivificou”
juntamente com Cristo mesmo quando estávamos mortos por causa
de nossos delitos”. 57

57 Junto com vários expositores, mas oposto a Lenski, op. cit. , p.


415, adiro-me à pontuação do N.N.

que coloca as palavras “mesmo quando estavam mortos por causa


de nossos delitos” como modificativo de Deus nos vivificou
juntamente com Cristo”. A meu me parece que esta pontuação se
justifica pela consideração de que Paulo está aqui tratando de
terminar de completar o pensamento começado no v. 1. A objeção
de Lenski, ou seja, que o apóstolo, na verdade, não mencionaria o
fato tão óbvio de que a vivificação concerne só a pessoas mortas (
op. cit. , p. 415), não é convincente. O

ponto é este: os leitores, como deste modo Paulo, achavam-se


mortos por causa de sua própria culpa.

Isto está claramente implicado ao chamar-se os filhos da ira” e se


lhes descreve como necessitados da

Efésios (Hendriksen)

137

“Juntamente com Cristo”, visto que quando o Pai ressuscitou o Seu


Filho, fazendo com que Sua alma voltasse do Paraíso a fim de
reabitar o corpo que tinha deixado, por este mesmo fato Deus
proveu a prova de que o sacrifício expiatório tinha sido aceito, e que,
como resultado, a sentença de morte, que caso contrário teria
condenado aos crentes, tinha sido levantada e seus pecados
perdoados. Esta justificação, por sua vez, é fundamental para todas
as demais bênçãos da salvação.

6. Isto é verdade visto que a vivificação não é completa em si


mesma, e por isso o apóstolo prossegue: e nos ressuscitou com
ele e nos fez sentar com ele nos lugares celestiais em Cristo
Jesus. A ressurreição de Cristo e Sua exaltação à direita do Pai
“nos lugares celestiais” (aqui e em Ef 1:3 a referência é ao céu dos
redimidos; contraste-se com Ef 6:12) não só prefigura e garante
nossa gloriosa ressurreição corporal com toda a glória consequente
que deve ser nossa parte na grande consumação, mas constitui a
base de nossas bênçãos presentes. Tudo o que acontece ao Noivo
tem um efeito imediato na Noiva. Este efeito não se refere somente
ao estado da igreja ou sua posição legal diante da lei de Deus, mas
também sua condição, o último devido ao fato de que do lugar de
sua glória celestial e majestade Cristo envia o Espírito ao coração
dos crentes, a fim de que morram para o pecado e sejam levantados
para novidade de vida. Como resultado podemos dizer que, tanto no
que concerne ao nosso estado como a nossa condição, com Cristo
fomos provados, condenados, crucificados, sepultados (Rm 6:4–8;
8:17; Cl 1:12; 2Tm 2:11), e também vivificados, ressuscitados, e
levados a lugares celestiais (Rm 6:5; 8:17; Cl 2:13; 3:1–3; 2Tm 2:12;
Ap 20:4).

Naturalmente que existe o fator tempo. Não recebemos toda esta


glória de uma só vez. No entanto, o direito a recebê-la de forma
plena está assegurado e a nova vida já se iniciou. Até agora, nossa
vida “está escondida com Cristo em Deus”. Nossos nomes estão
escritos nos graça de Deus. Como resultado, quando Deus lhes
vivifica, apesar do fato de que mereciam nem mais nem menos que
condenação eterna, é um ato maravilhoso, digno de menção.

Efésios (Hendriksen)

138
registros do céu. Nossos interesses estão sendo promovidos ali.
Somos governados por normas celestiais e movidos por impulsos
celestiais. As bênçãos descem constantemente sobre nós. A graça
dos céus enche nossos corações. Seu poder nos capacita a ser
mais que vencedores. É

aos céus que nossos pensamentos aspiram e nossas orações


ascendem.

7. Agora, qual foi o propósito que Deus teve em mente quando nos
concedeu esta salvação? Paulo responde: a fim de mostrar nas
idades vindouras as extraordinárias riquezas de sua graça
(expressas) em bondade para conosco em Cristo Jesus.
Portanto, o propósito de Deus ao salvar o Seu povo está muito além
do homem. O principal anelo é Sua própria glória em Si mesmo. É
por esta razão que desdobra toda Sua graça em toda Sua
incomparável beleza e poder transformador. Para alguns isto
poderia parecer algo frio ou até “egoísta”. Não obstante, ao ler a
passagem se descobrirá que a ofuscante majestade de Deus e sua
terna condescendência combinam-se aqui, visto que a glória de
Seus atributos é posta em exibição no tempo que se reflete a si
mesma “em bondade para conosco”! Nós somos suas reluzentes
joias. Eis aqui uma ilustração: Foi feita uma pergunta a uma matrona
romana: “Onde estão as suas joias?”, e ela chama seus dois filhos,
e apontando-os diz: “Eis aqui minhas joias”. Assim também, através
de toda a eternidade os redimidos serão exibidos como
monumentos da “maravilhosa graça de nosso Senhor”, que nos
resgatou do poço de destruição e nos ergueu às alturas de celestial
deleite, realizando isto a tal custo para Si mesmo que não poupou o
Seu próprio Filho, e em tal forma que nem sequer um de Seus
atributos, nem mesmo Sua justiça, foi ofuscado.

Em Cristo Jesus esta divina bondade58 foi exposta em várias


formas, especialmente, de fato, na morte na cruz. Também foi
exposta em palavras tais como as registradas em Mt 5:7; 9:13;
11:28–30; 12:7; 23:37; Mc 10:14; Lc 10:25–37, para mencionar
somente algumas; e em 58 No Novo Testamento a palavra
χρηστότης é usada somente por Paulo (Rm 2:4; 3:12; 11:22; Cl 3:12;
Tt 3:4, etc.).

Efésios (Hendriksen)

139

atitudes e ações como as rememoradas em Mt 9:36; 14:14; 15:21,


28; 20:34 Lc 7:11–17, 36–50; 8:40–42, 49–56; 23:34; Jo 19:27;
21:15–17; entre muitas mais.

Paulo não diz “a graça de Deus”, nem sequer “as riquezas de sua
graça”, mas “as extraordinárias riquezas de sua graça”. Isto é algo
característico no vocabulário de Paulo. Anteriormente tinha escrito
aos romanos, “onde abundou o pecado superabundou a graça” (Rm
5:20).

Em seu encarceramento atual falaria com os filipenses da paz que

“ultrapassa todo entendimento” (Fp 4:7). Em seu breve período de


liberdade entre a primeira e segunda prisão em Roma escreveria a
Timóteo, “e superabundou a graça de nosso Deus, com fé e amor
em Cristo Jesus” (1Tm 1:14). Cf. 2Co 7:4; 1Ts 3:10; 5:13; 2Ts 1:3.
Segundo o modo de ver de Paulo, a graça se acha livre de
limitações, nada tem de mesquinho. Seus amantes braços
abrangem tanto a gentios como a judeus. Chega até “ao principal
pecador” (o próprio Paulo), e é tão “rica”

que enriquece cada coração e vida que toca, enchendo-o de


maravilhoso amor, alegria, paz, etc. Deus desdobrará a
superabundante riqueza de Sua graça “nas idades vindouras”. Mas,
o que se quer significar por estas idades? Existem, principalmente,
três opiniões:

(1) As idades que precederão a parousia de Cristo. A expressão


idades vindouras «não tem que ser entendida como uma referência
ao mundo ‘futuro’. Paulo está falando da dispensação terrestre que
ainda não chegou a seu fim» (Grosheide; cf. Barry). Uma objeção
possível a este ponto de vista seria que em tal caso Paulo teria
falado provavelmente da “plenitude dos tempos” (como em Ef 1:10)
ou a respeito da “idade presente” (como em Ef 1:21). Embora nem
sequer em suas primeiras epístolas procede assumindo que a
segunda vinda seria a próxima coisa no programa de Deus para a
história do mundo (veja-se 2Ts 2:1–12), no entanto, não era seu
costume propor períodos continuados de tempo que pudessem ter
lugar entre seus próprios dias e a volta de Cristo.

Efésios (Hendriksen)

140

(2) As idades que se seguirão à parousia de Cristo. Com variação


quanto a detalhes, este ponto de vista é sustentado por Abbott,
Greijdanus, Lenski, Salmond, Van Leeuwen, e muitos outros. Em
seu favor se apela a Ef 1:21: “a idade vindoura”. No entanto, a
validez deste argumento é discutível, visto que em Ef 1:21 se traça
um contraste entre

“a idade presente” e “a vindoura”. Este não é o caso em Ef 2:7.


Também Ef 1:21 leva o singular aeon; Ef 2:7, o plural aeons. E
quando, segundo um comentarista, estas idades depois da
parousia, no que a nós respeita, resultam ser “os sem fim (?)
aeones da eternidade”, e segundo outros —

esquecendo talvez que naquela gloriosa vida não haverá mais


pecado e miséria? — em seus comentários a respeito da graça que
então será expressa “em bondade para nós”, interpreta-se isto como
significando uma piedade pessoal mostrada aos necessitados,
começa-se a duvidar, afinal de contas, se a restrição das “idades
vindouras” a era pós-parousia seja legítima ou não.

(3) O tempo todo futuro. Ao comentar a respeito desta passagem


Calvino diz: «Foi o propósito de Deus santificar em todas as idades
a lembrança de tão grande bondade». Scott expressa a mesma
ideia nestas palavras: «A nova vida que agora começou durará para
sempre, de modo que a manifestação da graça de Deus se estará
sempre auto-renovando.

Para destacar mais energicamente a ideia de bondade que se há de


estender por toda a eternidade, Paulo não fala da ‘idade’ mas sim
das idades por vir». E Hodge declara: «Portanto, é melhor tomá-la
(a frase

“nas idades vindouras”) sem restrição, como referindo-se ao tempo


todo futuro».

Uma vez que nada há no contexto que limite a aplicação da frase a


algum período quer antes ou depois da volta de Cristo, e sendo que
o próprio apóstolo ao tratar de forma mais plena à elevada meta da
igreja (cap. 3) fala tanto do recolhimento dos gentios na presente
era pré-

parousia como da perfeição final da igreja na era por vir, considero a


explicação (3) como a melhor. O propósito, então, que Deus teve em
mente quando nos outorgou Sua grande salvação descrita nos vv.
4–6,

Efésios (Hendriksen)

141

foi que “em Cristo Jesus” (veja-se sobre Ef 1:1, 3, 4) através de toda
a nova dispensação e para sempre no futuro pudesse colocar a nós
, igualmente judeus e gentios, em exibição como monumentos da
superabundante riqueza de Sua graça expressa em bondade da
qual somos e seremos sempre os beneficiários.

8. Refletindo sobre o que já disse a respeito da graça, e repetindo a


cláusula entre parêntese do v. 5b, o apóstolo diz, Porque pela
graça59 sois salvos … para sua explicação veja-se o v. 5.
Continua: por meio da fé; e isto não de vós, é dom de Deus …

Há três explicações que merecem consideração:


(1) A que A. T. Robertson oferece. Comentando sobre esta
passagem em seu Word Pictures in the New Testament, Vol. IV, p.
525, declara, “Graça é a parte de Deus, fé, a nossa”. Acrescenta
que, uma vez que no original o demonstrativo “isto” (e isto não de
vós) é neutro e não corresponde ao gênero da palavra “fé”, que é
feminina, não se pode referir à última «mas ao ato de ser salvos
pela graça sob a condição de fé da nossa parte». Mais claramente
ainda, em Gram. N.T., p. 704, declara categoricamente, “Em Ef 2:8
… não há referência a διὰ πίστεως (por meio da fé) em τοῦτο (isto),
mas antes, à ideia de salvação, da cláusula anterior”.

Sem vacilação alguma posso responder a Robertson, com quem


está em dívida todo mundo erudito do Novo Testamento, que neste
caso não se expressou de forma muito feliz. Penso assim, em
primeiro lugar, porque num contexto onde o apóstolo põe tão
tremenda ênfase no fato de que do princípio ao fim o homem deve
sua salvação a Deus, e só a Ele, teria sido muito estranho, sem
dúvida, para ele dizer: «Graça é a parte de Deus, fé, a nossa».
Embora tanto a responsabilidade de crer como sua atividade são
nossas, visto que Deus não tem que crer em nosso lugar, no
entanto, no contexto presente (vv. 5–10) esperar-se-ia ênfase no
fato de 59 O original tem τῆ γὰρ χάριτι. Observe-se o uso anafórico
do artigo. Isto é muito comum no grego.

Veja-se Gram. N.T., p. 762. Alguns traduzem: “esta graça”.

Efésios (Hendriksen)

142

que a fé, assim em sua parte inicial como em sua continuação,


depende inteiramente de Deus, e tal é o caso no que respeita a toda
nossa salvação. Em segundo lugar, Robertson, gramático famoso
em seu campo, sabia que no original o demonstrativo ( isto), embora
neutro, não pode sempre corresponder em gênero ao seu
antecedente. A evidência de que ele o sabia está no fato de que na
página já mencionada de sua gramática (p. 704) assinala que «em
geral» o demonstrativo «concorda com o substantivo em gênero e
em número». Quando diz «em geral», deve significar, « nem
sempre, mas na maioria dos casos». Portanto, devia ter considerado
mais seriamente a possibilidade de que, dado o caráter do contexto,
a exceção à regra é aplicável, exceto que de modo nenhum deve
estranhar-nos. Devia tê-la permitido. 60 Finalmente, devia ter
justificado o afastamento da regra que, a menos que haja uma razão
poderosa para operar caso contrário, o antecedente deve ser
buscado na vizinhança imediata ao pronome ou adjetivo ao qual se
refere.

(2) A que apresenta, entre outros, F. W. Grosheide. Segundo ele, as


palavras, “e isto não de vós” significam, “e isto de ser salvos pela
graça mediante a fé não é de vós” mas é dom de Deus. Uma vez
que, de acordo com esta teoria — também apoiada, conforme
parece, por João Calvino em seu comentário — a fé está incluída no
dom, nenhum aspecto das objeções à teoria (1) aplica-se à teoria
(2).

Significa então que (2) é totalmente satisfatória? Não


necessariamente. Isto conduz a:

(3) A explicação sustentada por A. Kuyper, pai, em seu livro Het


Werk van den Reiligen Geest (Kampen, 1927), pp. 506–514.

Embora o Dr. Kuyper não seja o único defensor desta teoria, sua
defesa é, talvez, a mais detalhada e vigorosa. Em resumo, a teoria é

como segue: «Tenho direito de falar a respeito das


‘superabundantes riquezas de sua graça’ visto que,
indubitavelmente, sois salvos pela graça 60 Embora Lenski chama à
declaração do Robertson (“Graça é a parte de Deus, fé, a nossa”)
descuidada, por outro lado sua própria explicação ( op. cit. , p. 423),
na qual baseia iodo no fato de que τοῦτο neutro mas πίστις
feminino, é basicamente o mesmo que faz Robertson.

Efésios (Hendriksen)

143
mediante a fé; e a fim de que não comecem a dizer, ‘Mas então
merecemos crédito, pelo menos, por crer’, acrescentarei
imediatamente que mesmo esta fé (ou, mesmo este ato de fé) não é
de vós, mas é dom de Deus».

Com variações quanto a detalhes, esta explicação foi favorecida por


grande parte dos seguidores da tradição patrística. Entre os que a
apoiavam encontram-se também Beza, Zanchius, Erasmo, Hugo de
Groot, Bengel, Michaelis, etc. Compartilham-na também Simpson (
op.

cit., p. 55), Van Leeuwen, e Greijdanus em seus comentários. H. C.


G.

Moule ( Ephesian Studies, Nova York, 1900, pp. 77, 78) apoia-a com
a seguinte qualificação: «Devemos explicar que τοῦτο (isto) não se
está referindo precisamente ao nome feminino πίστις (fé), mas sim
ao ato de exercitar nossa fé”. Além disso, não se exagera, talvez, ao
dizer que a explicação oferecida é compartilhada também pelo
homem comum que lê Ef 2:8 em sua Bíblia Salmond, depois de
apresentar várias provas em favor dela, especialmente esta que diz
que «a fórmula καὶ τοῦτο poderia favorecê-la, uma vez que com
frequência acrescenta algo à ideia a que está ligada”, termina
afastando-se dela porque “a salvação é a ideia principal na
declaração precedente», fato que, naturalmente, os defensores de
(3) não estão dispostos a negar, mas não há duvida que a defendem
vigorosamente, no entanto, não é um argumento válido contra a
ideia de que a fé, bem como tudo o que inclui a salvação, é dom de
Deus. Portanto, não é argumento válido contra (3).

Estou convencido que a teoria (3) é a explicação mais lógica da


passagem em questão. É provável que o melhor argumento em seu
favor seja este: Se o que Paulo quis dizer é, “Porque pela graça
fostes salvos por meio da fé, e este ‘ser salvos’ não é de vós”, teria
sido réu de repetição desnecessária — porque, que outra coisa
pode ser a graça senão o que procede de Deus e não de nós? —
repetição que se faz ainda mais elaborada se agora (supostamente)
acrescenta-lhe, «ela, a saber, a salvação, é dom de Deus», seguida
por uma quarta e uma quinta repetição, ou seja, «não das obras
porque obra de suas mãos somos».

Efésios (Hendriksen)

144

Não é de estranhar que o Dr. Kuyper declare: «Se o texto dissesse

‘porque pela graça fostes salvos, não de vós, é obra de Deus’, teria
algum sentido. Mas ao dizer primeiro, ‘Pela graça fostes salvos’, e
logo, como se se tratasse de algo novo, acrescentar, ‘ e isto de ser
salvos não é de vós’, é algo que não funciona brandamente mas a
saltos como fora de seus trilhos … E enquanto que com esta
interpretação toda anda a trancos e barrancos, mancando e
redundando, quando seguimos os antigos intérpretes da igreja de
Cristo tudo resulta excelente e significante». 61 Esta é, segundo
meu parecer, também, a refutação da teoria (1) e, até certo ponto,
da teoria (2).

Basicamente, no entanto, as teorias (2) e (3) enfatizam a mesma


verdade, ou seja, que o crédito de todo o processo da salvação
deve ser dado a Deus, de modo que o homem perde toda razão
para jactar-se, e é exatamente o que Paulo diz nas palavras que
agora seguem, ou seja, 9, 10. não por obras, para que ninguém
se glorie. Isto nos introduz ao tema:

As obras com relação à nossa salvação

(1) Rejeitadas

Como fundamento da salvação, base sobre a qual edificar nossa


defesa, as obras são rejeitadas. «Não são as obras de minhas mãos
as que podem cumprir as demandas da lei». Com relação a isto,
devemos lembrar que o apóstolo não está pensando exclusivamente
ou mesmo principalmente nas obras que são feitas em cumprimento
da lei mosaica, por meio das quais o judeu não convertido a Cristo
buscou justificar-se.
Além disso, por tais “obras da lei” “nenhuma carne se justificará
diante 61 Quanto a gramática, existem vários casos citados por
Kuyper nas obras de Platão, Xenofonte, e Demóstenes em que se
usa το?το para indicar um antecedente masculino ou feminino.
También cita o seguinte de uma gramática grega: “É muito comum o
uso de um pronome demonstrativo neutro para indicar um
antecedente substantivo ou masculino ou um gênero feminino
quando a ideia dada pelo substantivo a menciona em certo sentido
geral”. A citação é da obra de Kühnhert, Ausführliche Grammatik der
Griech, sprache (Hanover, 1870), Vol. II, p. 54.

Efésios (Hendriksen)

145

dele” (Rm 3:20; cf. Gl 2:16). Mas à vista do fato de que Paulo estava
escrevendo a leitores em sua maioria cristãos vindos do mundo
gentílico, claro é que seu desejo é fazer ênfase em que Deus rejeita
toda obra humana, tanto de gentios como de judeus, ou mesmo de
crentes em tempo de eclipse espiritual, toda obra em que uma
pessoa baseie sua esperança de salvação. Sendo então a salvação
obra completa de Deus,

“Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho perdoou, mas o


entregou por todos nós” (Rm 8:32), toda base de jactância em si fica
excluída (Rm 3:27; 4:5; 1Co 1:31). Quando o Senhor vier em Sua
glória, os que estiverem à sua esquerda se jactarão (Mt 25:44; cf.
7:22); os à sua direita

nem poderão lembrar suas boas obras (Mt 25:37–39).

Já toda jactância fica excluída,

foi outorgado seu dom inefável;

Em Deus arraigada se acha minha vida,

Sua graça suprema é glória desejável.


Antes que minha mãe me visse nascer,

Séculos antes que sua direita de poder sem par

Do nada fizesse a terra e o mar,

Seu amor eletivo vigiava meu ser.

Deus é amor, anjos clamam a voz,

Línguas humanas, vossa eleição seja Deus. 62

(2) Confeccionadas

Paulo prossegue: porque somos feitura de suas mãos, criados


em Cristo Jesus para boas obras, que Deus preparou de
antemão … Verdade é que embora as boas obras não sejam
meritórias, não obstante, são tão importantes que Deus nos criou a
fim de que possamos fazê-las. Somos feitura de suas mãos: o que
Ele fez, seu produto (cf. Sl 100:3). É a Ele a 62 Este é o produto de
meu intento para traduzir a primeira estrofe do belo hino holandês
“Alle roem is uitgesloten”.

Efésios (Hendriksen)

146

quem devemos toda nossa existência tanto espiritual como física.


Nosso nascimento mesmo como crentes é obra de Deus (Jo 3:3, 5).
Somos criados “em Cristo Jesus” (veja-se Ef 1:1, 3, 4), porque
separados dEle nada somos e nada podemos fazer (Jo 15:5; cf. 1Co
4:7). Como “homem em Cristo”, o crente constitui uma nova criação,
segundo previamente havia o dito o apóstolo (2Co 5:17): “Portanto
se alguém está em Cristo, é uma nova criação: as coisas velhas já
passaram, eis que tudo se fez novo”. O crente foi vivificado “junto
com Cristo” (veja-se mais acima sobre v. 5; e mais adiante sobre Ef
4:24; também Gl 6:15).
Agora, junto com criar-nos Deus também preparou boas obras. Fez
isto, em primeiro lugar, dando-nos o Seu Filho, nosso grande
Habilitador, em quem as boas obras acham sua mais gloriosa
expressão (Lc 24:19; At 2:22). Cristo não só nos capacita a realizar
boas obras, mas também é nosso exemplo nelas (Jo 13:14, 15; 1Pe
2:21). Em segundo lugar, nos dando a fé em Seu Filho. A fé é dom
de Deus (v. 8). Agora, ao plantar a semente da fé em nossos
corações, fazendo-a brotar, atendendo-a com grande solicitude,
dando-lhe crescimento, etc., Deus também nos preparou neste
sentido para as boas obras, visto que as boas obras são fruto da fé.
A fé viva, além disso, implica mente renovada, coração agradecido,
e vontade rendida. Com tais ingredientes, todos eles dons divinos,
Deus confecciona ou compõe as boas obras. Assim então,
resumindo, podemos dizer que ao dar o Seu Filho e ao nos
comunicar a fé nesse Filho Deus preparou de antemão nossas boas
obras. Quando Cristo por meio de Seu Espírito habita nos corações
dos crentes, Seus dons e Sua graça são outorgados a eles, de
modo que eles, também, dão frutos, tais como “amor, alegria, paz,
paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio
próprio” (Gl 5:22, 23).

(3) Esperadas

Paulo conclui este parágrafo acrescentando: para que


andássemos nelas. Embora as boas obras tenham sido
divinamente preparadas, são ao mesmo tempo responsabilidade do
homem. Estas duas coisas jamais

Efésios (Hendriksen)

147

devem ser separadas. Se podemos ilustrar a salvação por meio da


figura de uma árvore que floresce, então as boas obras estariam
simbolizadas não por suas raízes, nem sequer pelo tronco, mas pelo
fruto. Jesus requer de nós fruto, mais fruto, muito fruto (Jo 15:2, 5,
8). Disse “Eu sou a videira, vós os ramos; aquele que habita em
mim, e eu nele, este dá muito fruto; porque separados de mim nada
podeis fazer”. Dar muito fruto e andar em boas obras é a mesma
coisa. Se certa ocupação tomar posse do coração do homem, este
se acha “andando nela”. Observe-se: andai nelas, já não em delitos
e pecados (vv. 1 e 2).

(4) Aperfeiçoadas

Combinando (2) e (3) vemos que ao andar em boas obras entramos


na esfera da própria atividade de Deus. Portanto, sabemos que
embora nossos próprios esforços nos podem às vezes desiludir, de
modo que nos sentimos envergonhados até de nossas boas obras,
a vitória finalmente chegará; na verdade não de forma plena nesta
vida, mas na vindoura. A perfeição moral e espiritual é nossa meta
até aqui, mas será nossa porção permanente na vida futura, porque
estamos persuadidos que aquele que começou em nós a boa obra,
continuará aperfeiçoando-a (Fp 1:6). Cf. Ef 1:4; 3:19; 4:12, 13.

Quando esta doutrina das boas obras é aceita pela fé, priva o
homem de todo argumento para jactar-se, mas ao mesmo tempo o
livra de toda causa de desespero. Glorifica a Deus.

Versículos 11–18

I. Adoração como sua

U niversalidade (abrangendo tanto a judeus como a gentios), 2.


evidenciada pela reconciliação de judeus e gentios por meio da cruz

Efésios (Hendriksen)

148

EF. 2:11-18

2. A reconciliação de judeus e gentios

Quando Paulo escreveu o parágrafo presente achava-se em


elevado ânimo espiritual. Isto é evidente pelo fato de que a oração e
doxologia achadas no cap. 3 são o clímax natural de Ef 2:11–18 e
2:19–22. Para entender o parágrafo presente deve-se ter em mente
que o apóstolo conhecia por experiência pessoal quão difícil era
fundir judeus e gentios numa unidade orgânica, unidade de perfeita
igualdade. Os cristãos judeus se mostraram com frequência
relutantes para admitir gentios na igreja exceto via judaísmo. Logo
que Paulo voltou para Antioquia da Síria de sua primeira viagem
missionária: “Certos homens que tinham descido da Judeia
ensinaram os irmãos, dizendo: A menos que sejais circuncidados,
conforme a instituição de Moisés, não podeis ser salvos”

(At 15:1). Até Pedro, quem, tendo recebido uma visão, devia ter tido
mais entendimento a respeito (At 10:11), recusou numa ocasião
comer com os gentios, conduta que provocou uma severa
repreensão da parte de Paulo (Gl 2:11–21). Quando Paulo escreveu
Gálatas, a controvérsia a respeito do assunto «Como se obtém a
salvação?» que, por sua vez, implicava outro problema «Quais
seriam as condições para aceitar a gentios na igreja?», estava em
todo seu apogeu. O apóstolo fez ver aos

“néscios gálatas” que buscavam ser justificados pela lei estariam


desligados de Cristo (Gl 5:4). As epístolas aos Romanos e aos
Coríntios indicam claramente que quando foram escritas ainda não
se havia ganho inteiramente a batalha. Na verdade, até mesmo os
últimos dias da vida de Paulo o fogo, que em outro tempo tinha
crepitado furiosamente, nunca foi completamente apagado, mas de
vez em quando apareciam labaredas intermitentes. Tal era a
situação durante a atual prisão de Paulo (veja-se Cl 2:11–17; Fp
3:2–11), também no breve período de liberdade que lhe seguiu (1 Ti.
1:6–11; Tt 3:5, 9), e até durante o final encarceramento do apóstolo
(2 Ti. 1:9, 10). No entanto, embora isto seja verdade, a resposta

Efésios (Hendriksen)

149

tinha sido dada a conhecer oficialmente muito tempo antes que esta
epístola fosse escrita. Foi provida pelo Sínodo de Jerusalém, antes
que o apóstolo começasse sua segunda viagem missionária. Veja-
se At 15. O

grande princípio de que a salvação em toda sua riqueza admite-se


gratuitamente a todos aqueles — judeus ou gentios — que aceitam
a Cristo por meio de uma fé viva (fé que também é dom de Deus)
tinha chegado a ser doutrina aceita pela igreja. O que restava da
luta depois que o Sínodo de Jerusalém se reuniu e o que aos
gálatas tinha sido escrito eram “consequências”. O feroz ataque
contra a verdade tinha sido rejeitado. No entanto, nem tudo tinha
terminado. Até o fim, o próprio Paulo defendeu o princípio de
liberdade das ataduras da lei em seus aspectos salvíficos e
cerimoniais, o princípio de salvação para “todos os homens” sem
distinção alguma quanto à origem nacional ou racial e sem o
requerimento de que a pessoa tinha que chegar à igreja fazendo um
desvio. (Veja-se 1Tm 2:3–7; Tt 2:11; 2Tm 4:1–8).

Ora, foi especialmente em Éfeso e seus arredores onde judeus e


gentios que haviam aceito a Cristo viviam em amor e unidade
constituindo uma igreja ecumênica. Era uma igreja florescente, de
onde, como centro, foram estabelecidas muitas outras
congregações (At 19:10; Cf. Ap 1:11; 2:1–7). Esta é uma das razões
pela qual Paulo, embora prisioneiro, regozijava-se tanto e glorificava
a Deus. Embora até em Éfeso as condições não fossem de modo
algum perfeitas, não obstante, de maneira ampla, o apóstolo dá
testemunho aqui da realização de seu próprio ideal e, de algo mais
importante, o plano de Deus! Além disso, dá testemunho ao fato de
que judeus e gentios, já reconciliados com Deus mediante a fé em
Cristo, Reconciliaram-se também entre si! Daí que em atitude de
transporte deseja que os efésios, em sua maioria de origem
gentílica, regozijem-se com ele nas obras de Deus. Esta meta pode
ser conseguida melhor por meio de uma comparação com a
passada miséria e os presentes motivos de alegria.

11, 12. Assim que Paulo escreve: Portanto, lembrai-vos que em


outro tempo vós, os gentios na carne, que sois chamados
“incircuncisão”
Efésios (Hendriksen)

150

por aqueles que se chamam “circuncisão” – na carne, feita à


mão! – que naquele tempo estáveis separados de Cristo, 63
excluídos da cidadania de Israel, e estranhos às alianças da
promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo.

“Portanto”, isto é, porquanto vós efésios, em outro tempo mortos,


fostes vivificados pela graça mediante a fé para boas obras (vv. 1-
10), considerai vosso elevado estado à luz de vossa anterior
miserável condição, a fim de que glorifiqueis a Deus, vosso
Benfeitor. Quanto ao vosso passado, o vosso caso era em certo
sentido mais desesperado que o daqueles judeus altamente
privilegiados, visto que éreis gentios. Vós leváveis a evidência de
vosso estado gentio em vossa própria carne pelo fato de não estar
circuncidados. É por isso que os judeus não convertidos a Cristo vos
chamam “incircuncisão” (quer dizer, “os incircuncisos”).

Procedem assim apesar de que eles mesmos, orgulhosos de ser


chamados

“circuncisão” (quer dizer, “os circuncidados”), possuem somente o


sinal, não o significado desse sinal. Foram circuncidados somente
“na carne”, não em seus corações (Lv 24:41; Dt 10:16; 30:6; Jr 4:4;
Ez 44:7), ouvidos (Jr 6:10), e lábios (Êx 6:12, 30). Era meramente
assunto de cirurgia menor, uma operação manual de corte na pele.
Era algo exterior, não interior. O significado real ou valor da
circuncisão tinha sido apagado com a morte de Cristo na cruz. Não
obstante, quanto ao seu sinal exterior os judeus continuam
gloriando-se, ao mesmo tempo que desprezam a todos os outros,
incluindo a vós, efésios. Agora, quando naquele tempo vós, como
ainda o é agora, éreis considerados em tal baixa estima, vossa
miséria era grande, visto que estáveis sem Cristo, sem cidadania,
sem amigos, sem esperança, e sem Deus.
63 Não estou de acordo com aqueles expositores (incluindo Lenski,
op. cit., p. 432, mas veja-se sua tradução, p. 439) que negam a
posição de predicado da frase "separados de Cristo". Resulta uma
construção áspera, conforme o assinalo Abott ( op. cit., p. 57). Tanto
a natureza perifrástica do predicado no v. 12 como o duplo ênfase
no v. 13 da ideia anterior “separados de Cristo”, obriga-me a
concordar com a maioria dos tradutores e exegetas em aceitar cinco
(não somente quatro) termos pregados no v. 12: separados de
Cristo, alienados, estrangeiros, sem esperança e sem Deus.

Efésios (Hendriksen)

151

(1) Sem Cristo: “separados de Cristo”

Paulo não pôde ter significado que antes de sua conversão Cristo
não se tivesse preocupado com eles, visto que o apóstolo tinha
indicado claramente que aqueles a quem escrevia tinham sido
incluídos no número dos escolhidos desde toda a eternidade (Ef
1:3ss.). O que quer significar é que antes de sua conversão esta
unidade “em Cristo” não tinha chegado, em aspecto algum, a ser
uma experiência. Tinham andado tateando na escuridão, imundícia,
e desespero de pecado. Não haviam entrado ainda na posses da
luz, santidade, e esperança dos que conheceram a Cristo. Daí que
em estado anterior tinham sido indizivelmente miseráveis. A maior
alegria do cristão é a solene segurança de que ninguém nem nada
poderá jamais separá-los do amor de Cristo (Rm 8:35). Desta
alegria os efésios tinham sido afastados a longa distância.

(2) Sem cidadania: “excluídos da cidadania de Israel”

Na verdade, falando em sentido absoluto, eles não estavam sem


cidadania. Mas embora incluídos na província romana da Ásia,
achavam-se excluídos das abundantes bênçãos que eram
pertinência da teocracia judaica. Não tinham cidadania entre o povo
eleito. Isto, sem dúvida, era uma deplorável falta, visto que foi a
Israel (referente ao significado do nome veja-se Gn 32:28) que Deus
Se revelou desde a antiguidade de maneira especial. A este povo
foram dadas Suas leis, Sua especial proteção, Suas profecias e
promessas. Leia-se as seguintes comovedoras passagens: Dt
32:10–14; 33:27–29; Sl 147:20; Is 63:9; Ez 16:6–14; Am 3:2. De
tudo isso os efésios tinham sido excluídos.

(3) Sem amigos: “estranhos às alianças da promessa”

A essência da aliança da graça, à qual se refere a presente


passagem, é a experiência de “a intimidade do Senhor” (Sl 25:14).

Agora, em sua condição inconversa, os efésios tinham sido


estranhos a esta amizade. Tinham sido meramente estrangeiros de
quem foram

Efésios (Hendriksen)

152

retidos os direitos e privilégios de cidadãos. Em primeiro lugar entre


estes retidos privilégios estavam “as alianças da promessa”. Paulo
fala a respeito de alianças, no plural. Sem dúvida, refere-se às
muitas reafirmações da única aliança da graça. Ele a chama a
aliança “da promessa” porquanto seu principal elemento é,
indubitavelmente, a promessa de Deus: “Eu serei o vosso Deus”. O
fato de que esta promessa fosse feita a Abraão, reafirmada a
Isaque, a Jacó, e, na verdade a todo o povo de Deus em ambas as
dispensações, de modo que, enquanto que em certo sentido há uma
só aliança da graça, existem, não obstante, muitas reafirmações (e
neste sentido muitas alianças), o que é evidente por passagens tais
como as seguintes: Gn 17:7, 8; 26:1–5; 28:10–17; Êx 20:2; Dt 5:2, 3,
6; Jr 24:7; 30:22; 31:33; Ez 11:20; Zc 13:9; 2 Cor. 6:16; Gl 3:8, 9, 29;
Ap 21:3. Com base em todas as passagens que fazem referência a
ela, pode-se definir esta aliança como aquela ordem estabelecida
divinamente entre o Triúno Deus e Seu povo por meio do qual Deus
leva a cabo o eterno decreto de sua redenção, prometendo sua
comunhão e, portanto, a plena e gratuita salvação ao Seu povo,
com base na expiação vicária de Cristo, o Mediador da aliança, e
eles aceitam esta salvação pela fé. Por causa da grandeza de Deus
e a baixeza do homem é lógico que tal aliança não pode ser um
acordo igualitário, mas uma disposição unilateral, uma dádiva, um
acerto, uma ordenança, ou instituição divina. No é jamais um mero
contrato entre duas partes — Deus e o homem — com iguais
direitos. Embora em certo sentido seja bilateral, devido ao fato de
que o homem deve exercer fé, segundo se indicou, mesmo essa fé
é dom de Deus (veja-se sobre v. 8 e cf. Jr 31:33). A este respeito a
aliança é também um testamento. Na verdade, a palavra que se usa
no original, ou seja, diathēquē, tem ambos os significados:
testamento e aliança. Significa testamento em Hb 9:16, 17. Cf. Gl
3:15. Em qualquer outro lugar tanto em Hebreus como no resto do
Novo Testamento (como também na LXX) a tradução aliança é
provavelmente a melhor. Agora, também a esta aliança, os efésios,
em sua miserável condição, tinham sido estrangeiros. Naquele
tempo Deus

Efésios (Hendriksen)

153

nunca Se tinha revelado a eles como seu Amigo especial. E


havendo os judeus arrebatado à aliança de Deus seu significado
real e espiritual, e substituído por uma esperança de glória terrestre,
não foram capazes de levar aos efésios a glória da promessa de
Deus. Veja-se Mt 23:15.

(4) Sem esperança: “não tendo esperança”

Esta é uma sequência muito natural, visto que a esperança cristã


está baseada na promessa divina. Como resultado, sendo que no
período primitivo a promessa-aliança não se tinha revelado aos
efésios, segundo se acaba de indicar, resulta óbvio que se
achassem carentes de esperança: a sólida e firmemente ancorada
segurança da salvação. Tal esperança é um dos mais apreciados
dons de Deus, e se menciona juntamente com a fé e o amor (Ef
1:15, 18; cf. 1Co 13:13). É o conhecimento da promessa de Deus
mais a confiança com relação a seu cumprimento (cf. 2Co 1:7).
É a proliferação da fé. Equivale à convicção de que todas as coisas
andarão bem, mesmo quando pareçam andar mal (Rm 4:18).
Jamais desilude, visto que ela também, como a fé e o amor, é um
dom divino (Rm 5:5). Em seu estado de incredulidade os efésios
tinham carecido dela. Em seu lugar se achavam cheios de temor e
desespero. O mundo grego e romano dos dias de Paulo era, sem
dúvida, um mundo sem esperança. Para detalhes sobre este ponto
veja-se C.N.T. sobre 1 e 2

Tessalonicenses, pp. 128–130.

(5) Sem Deus: “e sem Deus no mundo”

Naturalmente que tinham deuses, mas eram vãos. Os efésios se


achavam sem o Deus verdadeiro. Não significa o ter sido
“totalmente abandonados por Deus”, e sabemos que isto não é
verdade, visto que tinham sido incluídos no decreto divino de
eleição. Além disso, Cristo também tinha morrido por eles (veja-se
Ef 1:4ss.). Acrescentamos que Deus tinha outorgado aos efésios
como igualmente aos habitantes de Listra muitas bênçãos que
compartilhavam no mesmo grau, como

“chuvas e estações frutíferas, que enchiam seus corações de


alimento e

Efésios (Hendriksen)

154

alegria” (At 14:7). Mas tinham estado na verdade “sem Deus no


mundo”

no sentido de ter permanecido sem o verdadeiro conhecimento de


Deus, e, portanto, sem santidade, justiça, paz, e a alegria da
salvação. Eram semelhantes a marinheiros que, sem bússola nem
guia, se achavam à deriva numa navio sem leme em noite sem
estrela no meio do tempestuoso mar, longe do porto. Nada menos
que isso é o que se deseja significar por meio da lôbrega frase que
inspira pavor: “sem Deus no mundo”. Este mundo é a massa da
humanidade caída, perdida, carregada de pecado e exposta a juízo.

13. Ao emergir desta escuridão e desespero do paganismo, os


efésios tinham entrado diretamente na radiante e arrebatadora luz
do cristianismo. A grande mudança é descrita com as seguintes
palavras, Mas agora em Cristo Jesus, vós que em outro tempo
estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. As
palavras “mas agora” indicam um agudo contraste com “em outro
tempo” (v. 11) e “naquele tempo” (v.

12). Antes “longe”, agora, “próximos”. Estas expressões têm seus


antecedentes no Antigo Testamento. Na antiga dispensação o
Senhor, em certo sentido, tinha Sua morada no templo. Este templo
estava em Jerusalém. Israel, portanto, estava “perto”. Por outro
lado, os gentios estavam “longe”. 64 Isto era uma realidade não só
no literal, mas ainda mais no espiritual: careciam geralmente do
verdadeiro conhecimento de Deus. No entanto, tudo isso ia mudar.
Isaías escreve com palavras cujo reflexo se percebe em Ef 2:17:
“produzirei fruto de lábios: Paz, paz ao que está longe e ao próximo
… e o curarei” (Is 57:19). A prova de que esta fraseologia se
traslada ao Novo Testamento vê-se claramente em At 2:39 “a
promessa é para vós e vossos filhos, e para todos os que estão
longe”. Era evidente que uma pessoa podia estar “próximo” e ao
mesmo tempo “longe”. Podia-se achar “próximo” no sentido
meramente externo, ou seja, como participante dos privilégios da
economia do Antigo 64 Em dias posteriores um prosélito, conforme
o implica o nome mesmo, era alguém que chegou a

“estar perto”.

Efésios (Hendriksen)

155

Testamento, ou simplesmente, por ser judeu. Seu coração podia, no


entanto, estar “muito longe de Deus”. Tomado no sentido externo,
então, os que se acham “longe” são os gentios, os “próximos” são
os judeus (como no v. 17). Por meio da fé em Cristo todos aqueles a
quem se prega o evangelho têm a oportunidade de aproximar-se.
Em sentido espiritual, não obstante, os “próximos” são os crentes
autênticos, ou como diríamos hoje em dia: cristãos. A expressão
“próximos pelo sangue de Cristo”, aqui em Ef 2:13, deve significar
espiritualmente perto. Além disso, para ser justos com todo o
contexto, a ideia “antes afastados, mas agora próximos” deve ser
explicada à luz do v. 12 tomado em toda sua extensão. O significado
resultante é o seguinte: antes separados de Cristo; agora “em Cristo
Jesus” salvos pela graça mediante a fé (v. 8); antes estranhos da
cidadania de Israel, agora “concidadãos com os santos e membros
da família de Deus” (v. 19); antes estrangeiros às alianças da
promessa, agora membros da aliança (Gl 3:29); antes sem Deus,
agora em paz com Ele (v. 17) e em possessão do privilégio do
bendito acesso (vv. 16–18).

Com esta explicação faz-se justiça ao contexto que mostra que os


termos “longínquo” e “próximo” devem ser construídos tanto de
forma perpendicular como horizontal. Quanto ao primeiro — a
relação Deus-homem — os efésios estiveram tão alienados de Deus
em sua vida anterior que a distância separadora podia ser medida
somente pela grandeza do sacrifício de Cristo que era o requerido
para aproximá-los.

Mas pela fé, eles foram atraídos para o coração de Deus. Referente
ao segundo, o desaparecimento da distância perpendicular terminou
também com a separação horizontal, pois na cruz judeus e gentios
foram reconciliados com Deus e abraçaram uns aos outros. “Pelo
sangue de Cristo” (veja-se a explicação em Ef 1:7) o pecado,
poderoso separador, foi vencido. Com referência a esta
reconciliação horizontal levada a cabo pelo Cristo crucificado, o
apóstolo prossegue:

Efésios (Hendriksen)

156
14. Porque ele é a nossa paz, que fez de ambos um e derrubou
a barreira formada pelo muro divisório, a hostilidade. 65 A
posição dianteira do pronome que se refere a Cristo mostra que a
tradução correta é “ele mesmo”, ou “ele só”. Somente Ele é nossa
paz, ou seja, o que nenhuma outra coisa — seja isto a lei com suas
ordenanças, méritos humanos, obras da lei em todo sentido,
sacrifícios, etc. — pôde fazer, Ele, somente Ele em Sua própria
pessoa, o fez, porque Ele é a própria encarnação da paz. Em sua
qualidade de Príncipe da Paz (Is 9:6) Ele, mediante Seu sacrifício
voluntário, fez a paz uma realidade (cf. Jo 14:27; 16:33; 20:19, 20):
reconciliação entre Deus e o homem, e portanto, entre gentios e
judeus. Quanto a estes grupos, fez de ambos66 um, fundindo-os
numa unidade orgânica, ou seja, a igreja. O fato da referência ser à
reconciliação entre gentios e judeus é evidente porquanto são os
dois grupos mencionados no contexto imediato (vv. 11, 12).

Entre gentios e judeus existiu por longo tempo um obstáculo


formidável, uma barreira de ódio. 67 É chamada barreira “de” ou
formada 65 Com relação à construção gramatical dos vv. 14 e 15 há
grande diferença de opinião entre os exegetas. Muitos conectam τὴν
ἔχθραν com as palavras que seguem. Isto dá como resultado a
tradução favorecida pelo VRV 1960, “abolindo em sua carne as
inimizades, a lei dos mandamentos expressos em ordenanças”. Isto
dá um bom sentido, visto que lei é, em certa forma, um adversário, o
acusador dos transgressores (cf. Dt 27:26; Gl 3:10). Não obstante, é
talvez melhor conectar τὴν

ἔχθραν com o λύσας imediatamente precedente, de modo que


pudesse estar em aposto com o Τ?

μεσότοχον. O particνpio καταργήσας tem muitos modificativos tal


como está. Daqui que, em harmonia com o N.N., eu também
colocaria uma vírgula depois de τὴν ἔχθραν.

Essencialmente há pouca diferença entre (a) a tradução favorecida


pela RC 1998, e (b) a que eu e muitos outros apoiam. Em ambos os
casos permanece o fato verdadeiro de que quando Jesus aboliu em
sua carne a lei de mandamentos com suas exigências, a barreira
entre judeus e gentios deixou de existir.

66 Embora alguns sugiram que o neutro aqui (τὰ ἀμφότερα),


contrastado com o masculino (οἱ

ἀμφότεροι) nos vv. 16, 18, indica uma elipse, de modo que deva ser
aplicada uma palavra como γένη, é algo que resulta duvidoso. Abott
( op. cit. , p. 60) bem poderia estar certo ao dizer, “Trata-se
simplesmente do caso de um neutro usado por pessoas em sentido
geral”. Outro caso em que se usa o neutro da mesma forma se acha
em Hb 7:7. Cf. também o uso do neutro τοῦτο em Ef 2:8. Veja-se o
comentário sobre essa passagem.

67 A palavra μεσότοχον é de escassa ocorrência. No Novo


Testamento encontra-se somente aqui.

Além do Novo Testamento a encontra muito raramente. Veja-se


M.M., p. 400; também L.N.T. (A &

Efésios (Hendriksen)

157

“pelo muro divisório” ou “perto”, que é referência figurativa à lei


considerada como causa de separação e inimizade entre judeus e
gentios.

Veja-se sobre o v. 15. Quando Paulo fala a respeito desta barreira


de hostilidade, bem poderia também ser uma alusão à barricada que
em Jerusalém separava a corte dos gentios do próprio templo e
sobre a qual havia uma inscrição de ameaça de morte para qualquer
gentio que se atrevesse a passar: «Nenhum estrangeiro pode
passar esta barricada que rodeia o santuário e seu conteúdo.
Qualquer um que for surpreendido fazendo-o será responsável
único de sua morte consequente». 68
Mas esta alusão à barricada literal, se é que existisse, seria só à
maneira de ilustração. Ao que se referia realmente era a algo muito
mais sério e temível, ou seja uma hostilidade inveterada entre
ambos grupos.

Humanamente falando, tal muro de ódio e desprezo que dividia


judeus e gentios se fortaleceu através de séculos de mútuo
menosprezo e assoreamento. Uns poucos anos mais e aquela
hostilidade reprimida por gerações se inflamaria em chama viva,
dando lugar a uma das mais cruéis e inflamadas guerras. Seu
resultado seria a destruição de Jerusalém, 70 d.C. Para os judeus
os gentios eram “cães”. Usava-se muitas outras expressões
insultantes. Os não judeus eram considerados

“imundos”, pessoas com as quais não se devia ter relacionamento


algum salvo os absolutamente necessários. Para muitos
proeminentes judeus e rabis até os prosélitos eram dignos de
desprezo. A associação próxima com gentios significava
“contaminação” (Jo 18:28). Na verdade que o templo tinha seu
“pátio dos gentios”, mas até este espaço era em certas ocasiões
ocupado por comerciantes judeus e cambistas com bois, ovelhas, e
pombas, em lugar de ser reservado para usos sagrados. Como
resultado nunca chegou a ser uma contribuição para fazer do templo

“uma casa de oração” (Lc 19:46) “para todos os povos” (Is 56:7). E

G), p. 509. Josefo, Antiguidades judaicas VIII. 71, fala de um muro


intermediário. Aqui em 2:14 o contexto favorece a tradução barreira.

68 Veja-se J. H. Iliffe, “A inscrição ΘANATOΣ do templo de Herodes:


Fragmentos de uma segunda cópia”, Quarterly of Department of
Antiquities in Palestine VI (1938), pp. lss.

Efésios (Hendriksen)

158
naturalmente, os gentios tratavam igualmente os judeus. Os judeus
eram considerados «inimigos da raça humana», pessoas «cheias de
ânimo hostil para todo mundo». Bem podemos imaginar qual deve
ter sido o desdenhoso gesto e tom de desprezo usado por Pilatos ao
dizer: “Sou eu acaso judeu”! (Jo 18:25). Através dos séculos
podemos ainda ouvir os donos da jovem escrava filipense denunciar
os judeus como alvoroçadores (Paulo e Silas!) com as seguintes
palavras de desprezo:

“Estes homens, sendo judeus, estão perturbando a nossa cidade”


(At 16:20). Cf. At 18:2.

Não obstante, maravilha das maravilhas! Cristo Jesus, o autor da


paz, derrubou esta barreira de hostilidade. Crentes tanto de origem
judaica como crentes de origem gentílica estavam habitando juntos
e em unidade em meio de um mundo cheio de amargura e
confusão. Como foi que isso foi realizado? Cristo derrubou a
barreira formada pelo muro divisório, a hostilidade,

15. abolindo69 em sua carne a lei de mandamentos com suas


exigências. Esta lei era, no sentido aqui mencionado, o muro
divisório que devia ser abolido se o desejo fosse estabelecer a paz
entre judeus e gentios. Agora, “em sua carne”, ou seja, em Seu
corpo cravado na cruz onde derramou Seu sangue (veja-se vv. 13 e
16; cf. Cl 1:20; 2:14; cf. Hb 10:20), Cristo aboliu a lei. Naturalmente
que não significa que tenha terminado com a lei como princípio
moral encravado na consciência de todo homem (Rm 1:21; 2:14,
15), formalizado no Decálogo (Êx 20:1–

17; Dt 5:6–21) resumido na lei de amor a Deus e ao próximo (Mt


22:34–

40; Mc 12:28–34; Lc 10:25–28; Rm 13:8–10; Gl 5:14), e que


culminou no “novo mandamento” (Jo 13:34, 35). É pela graça de
Deus e por meio do Espírito que habita nos santos, que em princípio
o crente obedece a 69 O verbo καταργέω do qual o particípio ativo
aoristo ocorre aqui é um favorito de Paulo. Apresenta-se
frequentemente em Romanos e 1 Coríntios; também quatro vezes
em 2 Coríntios e três em Gálatas.

Em 2Ts 2:8 indica que o Senhor Jesus derrotaria totalmente ao


desaforado: em 2Tm 2:8, que ele derrotou totalmente ou aboliu a
morte. Outro significado bastante comum é anulado, tornado inútil
ou ineficaz (Rm 3:3; 4:14; Gl 3:17). No Novo Testamento, à parte de
Paulo, encontra-se somente em Lc 13:7 e Hb 2:14.

Efésios (Hendriksen)

159

lei em gratidão pela salvação recebida. Deleita-se nela (Rm 7:22).

Também, sendo que nesta vida a obediência é só em princípio,


nunca perfeita, o crente se regozija no fato de que Cristo, por meio
de Sua obediência ativa e passiva, satisfez plenamente as
demandas desta lei e carregado com sua maldição. Mas enquanto
que, segundo muitos, o apóstolo aqui no v. 15 está se referindo à
satisfação feita por Cristo, opinião que aceito como correta,
concordo também com Grosheide ( op.

cit., p. 45) em que Paulo pensa aqui especialmente na lei cerimonial.


A própria fraseologia “a lei dos mandamentos com suas exigências”
aponta nessa direção. O mesmo, e de forma muito clara, o faz a
passagem paralela, Cl 2:14 (à luz de Cl 2:11, 16, 17). A referência é
então às muitas regras e regulações do código mosaico,
estipulações referente a assuntos tais como festas, alimentos,
ofertas, circuncisão, etc. O grande erro cometido pelos judeus foi
que tinham mudado a ênfase da lei do moral ao cerimonial, e quanto
ao último, tinham “invalidado a lei de Deus por sua tradição”, tendo
agregado inumeráveis regulamentos e regulações de sua própria
invenção (cf. Mt 15:3, 6). De volta do exílio a religião judaica tinha
chegado a ser extremamente formalista.

Enfatizava-se a obediência aos regulamentos tradicionais. Agora, foi


esta mesma ênfase em estipulações cerimoniais, mesmo as
contidas na lei de Moisés, o que constituiu o muro divisório entre
judeus e gentios. Por exemplo, o gentio não compreendia por que
devia ser circuncidado para poder ser salvo. A passagem (v. 15)
ensina que Cristo, por meio de Seus sofrimentos e morte, pôs fim à
lei de cerimônias e fez cessar seu poder escravizador. Tais
regulações cerimoniais já haviam cumprido seu propósito. Durante
toda sua vida na terra, especialmente no Calvário, Cristo cumpriu
todas estas sombras para que em si mesmo70 pudesse criar dos
dois um novo homem, (assim) fazendo a paz. Sendo que Cristo é
ao mesmo tempo “a semente da mulher”, e “a semente de Abraão”
não é 70 Quer leiamos αὐτῷ ou ἑαυτῷ não faz grande diferença,
visto que em ambos os casos o sentido é reflexo.

Efésios (Hendriksen)

160

de admirar que nEle tanto o judeu como o gentio se encontrem para


constituir “um novo homem”, uma nova humanidade (cf. Ef. 4:24; Cl
3:10, 11). NEle ambos foram feitos uma nova “criação”! (cf. v. 10).

Quando o cristão podia dizer ao gentio e ao judeu: “Crê no Senhor


Jesus Cristo e serás salvo tua e tua casa” (At 16:31), querendo
dizer, que não se requeria dele nada menos que isso, mas também,
nada mais, o muro divisório, que por tanto tempo tinha constituído
uma barreira de hostilidade entre judeus e gentios, desmoronou-se,
ficando em pedaços.

Foi desta forma que Cristo mediante Seu expiação fez a paz, a
mesma paz a que se refere no v. 14. Como explicação posterior do
propósito do sacrifício de Cristo pelo qual aboliu em si mesmo a lei
de mandamentos em ordenanças, o apóstolo acrescenta:

16. e pudesse reconciliar com Deus a ambos num corpo por


meio da cruz, tendo por meio dela destruído a hostilidade. O
que Paulo descreve no presente versículo é não só a reconciliação
entre judeus e gentios, mas também a reconciliação básica, entre a.
os dois grupos, vistos agora como um corpo, a igreja (como em Ef
1:22, 23; 3:6; 4:4ss.; 5:23, 30), e b. Deus. Na verdade, onde a
ênfase recai na primeira parte do versículo, é na reconciliação
básica. O significado é que a morte expiatória de Cristo cumpriu seu
propósito: a correta relação entre os efésios e seu Deus tinha sido
estabelecida. Foi mediante a graça que aqueles estranhos de Deus,
tendo ouvido e aceito o evangelho, afastaram-se de sua ímpia
alienação de Deus e entrado nos frutos da perfeita expiação de
Cristo. O

milagre foi realizado “pela cruz”, a mesma cruz que para os judeus
foi pedra de tropeço e para os gentios loucura (1Co 1:23). A
maldição foi tirada por meio da morte de Cristo na cruz, e, tendo
sido tirada, foi separada dos corações e das vidas de todos os
crentes (Gl 3:13). O

milagre do Calvário, não obstante, foi ainda mais surpreendente,


visto que, mediante o estranho instrumento da cruz, 71 o Sofredor
não somente 71 Contrariamente a Lenski, op. cit. , p. 444, mas de
acordo com a maioria das versões e comentaristas eu tomo αὐτῷ
em v. 16 como refirinéndose a seu antecedente lógico mais próximo,
vale dizer τοῦ

Efésios (Hendriksen)

161

reconciliou com Deus judeus e gentios, mas também destruiu


aquela firme e arraigada antipatia que existira por tanto tempo entre
ambos os grupos.

A lição básica é válida para todos os tempos. A razão pela qual há


tanta contenda neste mundo, entre indivíduos, famílias, grupos
sociais ou políticos, sejam estes pequenos ou grandes, é devido ao
fato de que as partes opositoras, seja por erro de um ou de ambos,
não se encontraram um ao outro ao pé do Calvário. Se os
pecadores se reconciliaram com Deus mediante a cruz, então
podem verdadeiramente reconciliar-se entre si. Isto nos faz ver quão
importante é pregar o evangelho a toda pessoa, e rogar-lhes em
nome de Cristo para reconciliar-se com Deus (2Co 5:20).

Para um mundo destroçado pela confusão e a fricção, o evangelho


é a única resposta.

17. A ideia de paz entre Deus e o homem, e consequentemente


também entre homem e homem (judeu e gentio), feita possível pelo
sacrifício voluntário de Cristo (vv. 14–16), é continuada com as
palavras: e veio e anunciou as boas novas: “Paz a vós, os que
estáveis longe, e paz72 aos que estavam perto” . A ênfase aqui é
na paz básica (entre Deus e o homem), conforme o indica o v. 18.
Por meio de sua morte vicária Cristo não só mereceu esta paz para
seu povo, mas também quis que a conhecessem e a
experimentassem em seus corações. Esta paz é a segurança
interna de que tudo anda bem devido ao fato de que a maldição da
lei foi tirada, a culpa transferida, o castigo levado, a salvação
provida. “Ele veio” para proclamar esta paz. Este “vir” refere-se, com
toda probabilidade, a toda a obra de Cristo na terra, a qual o mesmo
em pessoa levou a cabo durante Sua residência terrestre e que
continua fazendo mediante os apóstolos e outros (Jo 14:12; At
1:1ss.; 4:10, 30). O fato de que Ele não somente operou esta paz,
mas também a proclamou, é evidente pelas passagens Pas quais já
nos referimos (veja-

σταυροῦ Cl 1:20 “tendo feito a paz por meio do sangue de sua cruz”
confirma esta interpretação que é a mais comum.

72 A omissão (veja-se RA) da segunda menção de paz não recebe


o apoio dos melhores manuscritos.

Efésios (Hendriksen)

162

se sobre v. 14). Implica-se também em textos tão belos como Mt


9:13; Lc 19:10; e 1Tm 1:15. Observe-se também a “amplitude” da
misericórdia que aqui se revela: veio para chamar pecadores, os
perdidos. Não só as ovelhas israelitas estavam destinadas a ser
incluídas nesta categoria, mas também “outras ovelhas” (Jo 10:16).
Quando Cristo foi levantado da terra, atraiu a Si mesmo “todos os
homens”, sem distinção de sangue ou de raça. Cf. Mt 28:18–20; Jo
1:29; 3:16; 11:51.

Como resultado, Ele promulgou73 a mensagem das boas novas, o


que o Triúno Deus fez mediante Ele, insistindo com todos a recebê-
Lo: ambos, os que estavam longe, os gentios (veja-se sobre vv. 12,
13), e os que estavam perto, os judeus, chamados aqui próximos
por causa dos muitos privilégios que tinham recebido, incluindo o
conhecimento do Deus único e verdadeiro.

18. Paulo continua, por assim dizer, Sabemos que tanto judeus
como gentios obtiveram esta paz mediante os sofrimentos de Cristo
na cruz porque por meio dele ambos temos nosso acesso num
Espírito ao Pai.

É por meio de Cristo, e somente por Ele — isto é mediante o


derramamento de Seu sangue (v. 13), o sacrifício de Sua carne (v.
15), a maldição levada por Ele na cruz (v. 16) — que foi feito
possível e real o acesso ao Pai. Não houve nem há outro caminho.
Veja-se Ef 3:12; Jo 3:16–18; 10:9; 14:6; At 4:12; Rm 5:1, 2 (observe-
se a mesma sequência de paz e acesso ali e aqui em Ef 2:17, 18);
5:10; Hb 4:14–16; Ap 7:14.

Foi ele quem proveu a base objetiva fora da qual o acesso teria sido
impossível. A palavra acesso ocorre somente aqui e em Ef 3:12 e
Rm 5:12. Segue-se de Ef 3:12 que “acesso” poderia ser definida
como a liberdade para aproximar-se do Pai na confiança que nós,
judeus e gentios, achamos favor para com Ele. Subjetivamente
falando, é “em” ou

“por meio do” Espírito que o homem tem acesso ao Pai. Embora
haja aqueles que rejeitam o ponto de vista comum que a referência
aqui é ao 73 Quanto a “anunciou as boas novas”, o original tem
εὐηγγελίστο (cf. evangelizar). Veja-se C.N.T.
sobre Filipenses, pp. 94–98.

Efésios (Hendriksen)

163

Espírito Santo, a terceira pessoa da Santa Trindade, tal desvio da


interpretação costumeira não tem base sólida. Aqui em Ef 2:18,
como também com frequência em Efésios (Ef 1:3–14; 1:17; 3:14–17;
4:4–6; 5:18–20), existe uma clara confissão da doutrina da Trindade.
Em outros lugares também, a confiante aproximação ao Pai se acha
associado com a presença interna e o poder capacitador do Espírito
Santo (Lc 10:21, 22; Rm 8:15, 16; Ap 22:17).

No entanto, com o fim de ter uma mais profunda apreciação do


inestimavelmente glorioso que é este privilégio de acesso, deve ser
observado à luz da realidade concreta, ou seja, casos reais nos
quais se acha grandiosamente ilustrado. Em alguns dos casos que
vamos mencionar há uma qualidade que nos chamará fortemente a
atenção, em outros casos, outra. Com frequência existe uma
combinação de duas ou mais qualidades. Entre estes atributos
agradáveis de acesso ao Pai pode mencionar-se os seguintes:
reverência, ardor, tenacidade (“importunação”), preocupação pelo
bem-estar de outros e/ou para a glória do nome de Deus,
capacidade para distinguir entre o que é necessário e o que é
meramente desejos ou preocupação pela humanidade,
espontaneidade ou naturalidade, fé singela que agrada.

Ilustrações: Intercessão de Abraão pelas cidades da planície (Gn


18:23ss.); a luta de Jacó em Jaboque (Gn 36:26); súplica de Moisés
em favor do povo de Israel (Gn 32:32); oração da Ana pedindo um
filho (1Sm 1:10, 11); resposta de Samuel ao chamado do Senhor
(1Sm 3:10); seu “clamor” a Deus em Ebenézer (1Sm 7:5–11); as
inumeráveis confissões, súplicas, expressões de ação de graças e
adoração de Davi (nos Salmos); a oração de Salomão ao dedicar o
templo (2Cr 6:12ss.); as súplicas de Josafá quando foi assediado
por seus inimigos (2Cr 20:5ss.); as “interjeições” na oração de
Esdras (Ed 9:5) e de Neemias (Ne 5:19; 6:9, 14; 13:22, 29, 31); a
confissão de Daniel (Dn 9:3–19); a oração do publicano (Lc 18:13),
da igreja primitiva (At 4:24–31), de Estêvão (At 7:59, 60), e de Paulo
(Ef 1:15ss.; 3:14–21; etc.); e o vivo anelo da esposa pela vinda do
esposo (Ap 22:17).

Efésios (Hendriksen)

164

Não obstante, numa passagem à parte, cheia de ensinos para todos


os Seus seguidores, está a maneira como Jesus, estando na terra,
aproximou-se do Pai (Lc 10:21, 22; 23:34, 46; Jo 11:41, 42; 17).
Nestas orações não falta nem uma só virtude de acesso.

No entanto, deve tomar-se em conta, que, segundo se define mais


acima, o acesso é mais que a oração. É em primeiro lugar a
condição da alma que repousa no Senhor, rendendo-se totalmente a
ele, confiando que ele encherá toda necessidade em resposta à
oração. Uma vez que a oração é o resultado natural de tal estado do
coração e mente, é um elemento essencial no acesso. E do
momento em que judeus e gentios, baixo iguais condicione,
mediante o Filho, têm acesso num Espírito ao Pai, a extensão
universal da igreja de Cristo fica enfatizada mais uma vez. Veja-se
Cl 3:11; cf. Gl 3:28.

Versículos 19–22

Tema: A igreja gloriosa

I. Adoração como sua

U niversalidade (abrangendo tanto a judeus como a gentios), 3.


evidenciada pelo fato de que a igreja de judeus e gentios cresce
para ser um edifício, um templo santo no Senhor, do qual o próprio
Cristo é a principal pedra do ângulo.

EF. 2:19-22
3. Um santuário de judeus e gentios

Como resultado, uma vez que Cristo reconciliou tanto gentios como
judeus com Deus por meio de Seus sofrimentos na cruz, e que
ambos têm seu acesso num Espírito ao Pai, de modo que cessou
toda desigualdade entre estes dois grupos no que concerne à sua
posição

Efésios (Hendriksen)

165

diante de Deus, surge um pensamento natural ao qual Paulo dá


expressão com as seguintes palavras:

19. Assim que já não sois estrangeiros e forasteiros, mas sois


concidadãos dos santos e membros da família de Deus … Os
efésios, em sua maioria crentes dentre os gentios, tinham sido
“estrangeiros” (veja-se o v. 12), como se tivessem sido cidadãos de
outra nação, mas já não deviam ser considerados mais como meros
estrangeiros que estivessem visitando povo de outra nação.
Tampouco deviam ser olhados como alienados ou peregrinos,
meros gibeonitas habitando no meio de Israel sem ter obtido os
plenos direitos de cidadania. Cf. Êx 2:22; At 7:6. Ao contrário, são
“concidadãos” (palavra que ocorre unicamente aqui no Novo
Testamento) dos santos, ou seja, de todos aqueles que se achavam
separados do mundo e consagrados a Deus como povo de Sua
própria possessão. A igreja não deve ser dividida em membros de
primeira classe (judeus convertidos ao cristianismo) e de segunda
classe (gentios convertidos ao cristianismo). As condições de
admissão são iguais para todos: fé no Senhor Jesus Cristo, fé que
opera pelo amor. A categoria ou posição é também a mesma.
Expressando este conceito numa linguagem ainda mais íntima, o
apóstolo declara que estes que antes eram gentios são agora
“membros da família” de Deus. A família é uma unidade mais íntima
que um estado. “Irmãos e irmãs” (membros familiares) é um termo
mais carinhoso que “concidadãos”.
20. O duplo sentido da palavra grega oikos (família, casa) faz com
que para o apóstolo seja natural, mediante uma fácil transição,
mudar sua metáfora de vida familiar para um sentido arquitetônico.
Daí que, prossegue: edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas. 74 O

sentido em que os apóstolos e profetas eram, indubitavelmente, o


74 O fato de que o artigo não se repita antes de profetas não
significa que apóstolos e profetas indiquem aos mesmos indivíduos.
Na verdade, Ef 3:5 e especialmente Ef 4:11 mostram que este não é
o caso. Eis aqui a verdadeira razão pela cualno se repete o artigo:
os apóstolos e profetas pertencem à mesma grande categoria, vale
dizer, a de mestres da igreja.

Efésios (Hendriksen)

166

fundamento da igreja, 75 embora de forma secundária, foi tratado já


na introdução p. 52. Esta declaração não constitui de modo nenhum
contradição a 1Co 3:11, onde Paulo ensina que o fundamento real
ou primário é, e não pode ser outro senão Jesus Cristo. Na verdade,
ao chamar Cristo a “pedra angular”, ou seja, aquela parte deste
fundamento por meio do qual o resto adquire a superexcelência,
acrescenta-se brilho à metáfora. O prazeroso testemunho dado
pelos apóstolos e profetas confirmando o próprio fato de que o
fundamento básico ou primário é Cristo torna possível que, em
sentido secundário, eles, também, possam ser chamados o
fundamento da igreja. No que respeita ao termo apóstolos veja-se
sobre Ef 1:1; 4:11. A opinião de que o termo profetas conforme
usado aqui tem referência aos possuidores deste apelativo no
Antigo Testamento, tais como Moisés, Elias, Isaías, Jeremias, etc.

(segundo Lenski, op. cit., pp. 450–453), fica exposta a sérias


objeções como as seguintes: (1) Menciona-se primeiro os apóstolos,
logo os profetas; (2) o nome “fundamento” da casa, morada
compartilhada igualmente por judeus e gentios, adapta-se melhor
aos profetas do Novo Testamento que aos da antiga dispensação;
(3) de acordo com Ef 4:8–11

os profetas são ali mencionados imediatamente depois dos


apóstolos, tal como aqui em Ef 2:20, são “dons” outorgados à igreja
pelo Cristo ascendido; portanto, profetas da era do Novo
Testamento; e (4) Ef 3:5

onde a mesma expressão “apóstolos e profetas” ocorre num


contexto do qual se exclui de forma definida a referência aos
profetas do Antigo Testamento, pareceria arrebitar o argumento em
favor dos profetas do 75 Entre outras interpretações as principais
são: (1) “o fundamento dos apóstolos e profetas” significa

“Cristo, fundamento sobre o qual os apóstolos e profetas


construíram”. Objeção: isto dá lugar à uma confusão de metáforas,
visto que aqui em Ef 2:20 a Cristo lhe representa como a pedra
angular, não o fundamento. (2) Significa “o fundamento posto pelos
apóstolos e profetas”, quer dizer, o ensino de Cristo. Embora tanto
Mt 16:18 como Ap 21:14 assinalam em direção do genitivo de
aposto (os apóstolos e profetas são o fundamento eles mesmos),
não obstante, se se entender que a referência a eles como tais não
é pelo que são em si mas sim por causa de seu ofício,
representando a Cristo e seus ensinos aos homens, chegará a ser
evidente que enfim o significado (2), embora provavelmente não
tecnicamente correto, não se acha muito longe da verdade.

Efésios (Hendriksen)

167

Novo Testamento. Com relação ao ofício ou à função que estes


profetas do Novo Testamento realizavam, diferente dos apóstolos,
ver Ef 4:11.

Paulo prossegue: Sendo Cristo o próprio Jesus a principal pedra


do ângulo. 76 Outras referências a esta pedra, que claramente
mostram que ela simboliza Cristo, são Is 28:16; Sl 118:22; Mt 21:42;
At 4:11. Além de ser a pedra angular de um edifício parte do
fundamento e, por tanto, suporte da superestrutura, ela determina
sua forma final, visto que, ao estar colocada na esquina formada
pela união de dois muros primários, fixa a posição destes muros e
dos que os cruzam no resto do edifício.

Todas as demais pedras devem ajustar-se a ela. Assim também a


casa espiritual, além de descansar em Cristo, fica determinada
quanto a caráter por ele. É Ele quem define o concernente ao que
esta casa deve ser diante de Deus e qual deve ser sua função em
Seu universo. É Cristo que dá à casa sua correta direção. Os
crentes, como “pedras vivas” (1Pe 2:5), devem regular suas vidas
em conformidade com a vontade da pedra angular, Cristo.

21. O Apóstolo acrescenta: em quem todo o edifício, 77

harmoniosamente ajustado, vai crescendo para ser um templo


santo no Senhor.

76 Referente a esta pedra angular veja-se G. H. Whitaker, “The


Chief Cornerstone”, Exp. Oitava série (1921), pp. 470–472; também
J. M. Moffatt, “Three Notes on Ephesians”, Exp. Oitava série (1918),
pp. 306–317.

77 Embora o texto melhor omite o artigo, e Gram N.T., p. 772,


declara que πᾶσα οἰκοδομή em Ef 2:21

= “muito provavelmente ‘todo edifício’, eu, com muitos outros, creio


que aqui se indica somente um edifício. Razão: o v. 20 descreve
uma casa com fundamento e pedra angular, não vários edifícios. A
unidade da igreja é o que se esteve enfatizando. O leitor não foi
preparado em nenhuma parte do contexto para a ideia de vários
edifícios ou congregações separadas. Além disso, os nomes
abstratos não necessitam o artigo para ser definidos, e “todo
edifício” pode ser considerado talvez como “tudo o que se está ( ou
se esteve) construindo”. Também, sugeriu-se que é possível
considerar a palavra em questão como tendo natureza com o nome
de próprio. Também em tal caso não seria necessário o artigo. Cf.
Mt 2:3; Rm 11:26. As traduções oferecidas pela NVI, Bíblia das
Américas devem ter preferência.

Referente ao significado da palavra οἰκοδομή, em Mt 24:1 e Mc


13:1, o significado literal construção, edifício é claro. Em Ef 4:12, 16,
29 se indica edificação, edificando. Este parece ser também o
significado em Rm 14:19; 15:2; 2 Cor. 10:8; 12:19; 13:10, e nas
várias ocorrências da palavra em 1Co 14. A exata referência da
palavra de 2 Cor. 5:1 está sujeita a grande controvérsia.

Efésios (Hendriksen)

168

Acrescenta-se agora outro pensamento ao já expresso.


Aprendemos agora que Cristo, além de ser o princípio da
estabilidade e direção da igreja, é também o princípio de seu
crescimento. Todo o edifício está

“crescendo” ou “levantando-se” em razão de uma união vital com


Ele.

Não há nada estático referente a este edifício. É uma construção


viva formada por pedras vivas: os crentes. E sendo que cada pedra
viva fornece sua própria contribuição ao crescimento e beleza do
edifício, o último descreve como “harmoniosamente ajustado”. Cf. Ef
4:16. Assim o edifício está sendo aperfeiçoado sempre como “um
templo santo no Senhor”. É santo, isto é, limpo e consagrado, por
causa do sangue e o Espírito de Cristo.

Voltando agora do conceito geral à aplicação especial, Paulo


declara:

22. no qual também vós juntos com (todos os demais) estais


sendo edificados para morada de Deus em Espírito. Esta
segurança é muito alentadora. É como se o apóstolo dissesse: Este
aspecto de ser edificados corresponde a vós, efésios, como também
a outros crentes; tem relação convosco, que em maior parte sois
gentios, como também com os judeus. O amor de Deus é tão amplo
como o mar. Abrange tudo. Além disso, vós estais sendo edificados
juntos, em muito estreita associação um com o outro, mediante ativa
comunhão. É assim como se levanta gradualmente a igreja. Não
será terminada até o dia da consumação de todas as coisas.
Chegará então à sua perfeição o que agora está em princípio, ou
seja, “um lugar para morada de Deus em (quer dizer, em virtude da
operação de lavamento e transformação de) o Espírito”.
Não precisa ser provado o fato de que esta casa (família) de Deus
que se levanta e edifica para ser um templo santo no Senhor, o
lugar onde Ele habita, é uma entidade espiritual e não física. Paulo
está falando claramente a respeito da igreja gloriosa, reunida dentre
todas as nações, até que enfim “o número dos escolhidos se
complete”. Surge, no entanto, uma interrogante: Porventura existe
aqui alguma alusão, embora fosse fraca, a um templo físico, de
modo que a imagem dele servisse

Efésios (Hendriksen)

169

como uma espécie de pano de fundo? E se houvesse tal alusão,


não seria possível que pudesse projetar alguma luz sobre o
significado da passagem? Em favor da ideia de que tenha implicada
uma referência indireta a um templo literal ou a templos literais se
acha o fato de que quando, durante sua segunda viagem
missionária, o apóstolo deu uma volta pela cidade de Atenas,
observando muito de perto seus lugares e objetos sagrados,
assinalou: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há … não
vive em templos feitos por mãos (humanas)” (At 17:24). No contexto
o significado deve ter sido: «Ele não pode ser localizado em (ou
restringido a) um de vossos templos (pagãos)». Não obstante,
aplicam-se as mesmas palavras ao templo de Jerusalém, segundo
se vê pelo uso que delas faz Estêvão em At 7:46–50. Pareceria ficar
estabelecido então que quando o apóstolo concentrou sua atenção
no lugar como morada de Deus, não estava ausente de sua mente o
contraste entre o verdadeiro e o falso; e além disso sendo judeu, é
indubitável que sabia apreciar muito bem o contraste entre a sombra
e a realidade, entre tipo e antítipo. Era

“da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus” (Fp 3:5), tinha recebido


seus primeiros ensinos em Jerusalém, aos pés de Gamaliel (At
22:3). Depois de sua conversão, a voz celestial lhe tinha falado
enquanto orava no templo (At 22:17–18). Além disso, foi naquele
mesmo templo, no final de sua terceira viagem missionária, onde foi
tomado pela turba e detido (At 21). Como resultado veio seu
encarceramento, primeiro em Cesareia, logo em Roma, em seu
primeiro período, ocasião em que foi escrita Efésios, e o foram
também Colossenses, Filemom, e Filipenses. Teria sido quase
impossível, portanto, para Paulo ter escrito Ef 2:21, 22 sem pelo
menos fazer alguma alusão ao templo de Jerusalém. A maioria dos
que em qualquer sentido se referem ao assunto — muitos o evitam
totalmente — concordam com esta posição. «Ele (Paulo) pensa no
santuário de Jerusalém, que era tipo e símbolo tanto de Cristo (veja-
se Jo 2:18–22) como da igreja:: (Lenski, op. cit., p. 459). O mesmo
autor rejeita categoricamente a ideia de que Paulo pudesse, em
suas palavras, fazer também alguma referência indireta a algum
santuário pagão.

Efésios (Hendriksen)

170

Outros, no entanto, enfatizam a ideia de que «a famosa imagem do


templo espiritual, na qual talvez podemos achar algumas
reminiscências do magnífico templo de Ártemis, 78 a qual toda Ásia
e o mundo adoravam, pertence somente a Ef 2:20–22, e a nenhum
outro lugar».

Embora não seja possível provar que haja alusão à imagem que,
conforme a crença popular, tinha caído do céu, há, não obstante,
certos fatos que parecem favorecer tal conceito. Observe-se o
seguinte: (1) Já foi assinalado que as palavras de Paulo citadas em
At 17:24 são aplicáveis a qualquer templo feito pela mão humana,
seja o de Jerusalém ou outro lugar. (2) O apóstolo escreveu esta
epístola a pessoas que viviam nos arredores da própria cidade que
continha o templo de Ártemis (que os romanos identificavam com
Diana), uma das sete maravilhas do mundo antigo. (3) Durante o
ministério de Paulo em Éfeso sua pregação colidiu de frente com o
culto da deusa, fato que compreenderam em toda sua magnitude
Demétrio e os artífices que com ele trabalhavam. Ao arengar
Demétrio a seus colegas, tinha assinalado que por causa da
pregação de Paulo havia “perigo de que o templo da grande deusa
Diana cessasse de infundir respeito”. Este discurso tinha provocado
uma revolta tão agitada e acalorada que por espaço de duas horas
a turba gritou, “Grande é a Diana (Ártemis) dos efésios” (At 19:23–
41). Depois que o alvoroço tinha cessado Paulo partiu para
continuar sua viagem missionária (a terceira), a qual, segundo se
indicou, conduziu à sua prisão e encarceramento.

Agora, se aceitarmos como provável a teoria de que em Ef 2:20–22

o apóstolo está, por implicação, contrastando o santuário espiritual


com 78 De muita ajuda são as diapositivas a toda cor (N° 5) do
templo de Diana, Éfeso” da série “As sete maravilhas do mundo
antigo” em View-Master. Também a guia histórica correspondente
com sua descrição do templo (Sawyer’s, Inc., Portland, Oregon,
1962). Quanto a Éfeso e seu famoso templo cf.

Merrill M. Parvis, “Ephesus in the Early Christian Era”, The Biblical


Archeologist Reader, 2 (editado por D. N. Dreedman e E. F.
Campbell, Jr.), Nova York, 1964, pp. 331–343. No mesmo volume
também Floyd V. Filson, “Ephesus and the New Testament”, pp.
343–352. Cf.: J. T. Wood, Discoveries at Ephesus (1877); D. J.
Hogarth, The Archaic Artemisia (1908); y Forschungen in Ephesos
(1906–37), publicado por el Österreiches Archeologisches Instituto
de Viena.

Efésios (Hendriksen)

171

qualquer dos demais, seja o de Jerusalém ou o de Éfeso, 79 em que


aspecto é, precisamente, que há um contraste? Qual era a função
mais importante de todo templo terrestre que o apóstolo tinha em
mente quando escreveu dessa maneira? A resposta deve ser que o
templo literal

— mais especificamente, a parte interior ou santuário — «não foi


construído para os adoradores, mas como santuário para a
deidade»
(Moffatt). Desta maneira, mesmo quando Salomão teve clara
convicção do fato que “os céus e a terra não podem conter a Deus”,
não obstante, cria que o Senhor revelaria de alguma maneira
especial Sua gloriosa presença no templo recém terminado (2Cr 6:1,
2, 41; 7:1; cf. Êx 40:34ss.). O santuário de Sião é a morada de Deus
(Sl 132:1–5, 8, 13, 14; 135:21; etc.). Similarmente, a “cella”
(santuário interior) do templo de Éfeso era o lugar de mais
importância em todo esse edifício maravilhoso. Superava o resto do
templo quanto ao valor que lhe era concedido, e a razão era que
continha a estátua da deusa. Ela habitava ali. Verdade é,
naturalmente, que entre o lugar de morada do Senhor e o de
Ártemis em Éfeso existia um enorme contraste, ou seja, que o
primeiro era, realmente o Deus vivo que fez de Sião a Sua especial
morada, enquanto, pelo contrário, o que se adorava em Éfeso era
uma mera estátua, talvez um meteorito de grande proporção, ao
qual um hábil artista tinha dado forma humana. No entanto, diferente
de ambos, o que Paulo está fazendo ressaltar é este belo e
confortante pensamento: « Vós mesmos, efésios, sois agora o
santuário terrestre de Deus» (cf. Is 57:15; 66:1, 2; 1Co 3:16, 17; 2Co
6:16; Ap 21:3). « Vós sois sua morada, seu lar». 80 “Morada, lar”
indica permanência, beleza, íntima comunhão, proteção, amor.
Aquela morada é muito vasta. É um lar “onde não pode haver grego
nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, 79 Com o
fim de poder habitar entre os homens, Deus necessita a
comunidade de Seu povo, que tem que substituir todos os antigos
templos feitos com mãos” (Scott, op. cit. , p. 179).

80 Similarmente, a igreja é “o Israel de Deus” (Gl 6:16), a verdadeira


“semente de Abraão” (Gl 3:7, 16; cf. Rm 4:16), “raça escolhida,
sacerdócio real”, etc. (1Pe 2:9).

Efésios (Hendriksen)

172

escravo, livre” (Cl 3:11), e onde a “nova humanidade” (Ef 2:15) acha-
se em paz com seu Criador-Redentor.
Resumo de Efésios 2

O que neste capítulo descreve é o propósito universal da igreja cuja


extensão é mais ampla que qualquer oceano. Abrange judeus e
gentios, ou seja, todos os que se apropriam de Cristo mediante a fé
verdadeira.

Nos vv. 1–10 somos informados que esta universalidade foi


assegurada pelas grandes bênçãos redentores outorgadas a ambos
cujo centro está

“em Cristo”, e que constituem um paralelo de Sua ressurreição e


vida triunfante.

Paulo mostra que todos os homens acham-se por natureza mortos


mediante transgressões e pecados. São “filhos da ira”, e servos do

“príncipe do domínio do ar”. Quando a grande mudança se operou,


foi graças exclusivamente à rica misericórdia e ao grande amor de
Deus, e as superabundantes riquezas de Sua graça. A salvação é
inteiramente de Deus, até a própria fé é um “dom de Deus” . No que
respeita às boas obras, se forem consideradas como base de
defesa, são rejeitadas. Não obstante, foram preparadas ou
“confeccionadas” por Deus, visto que deu o Seu Filho e comunicou
aos Seus escolhidos fé naquele Filho, sendo as boas obras frutos
da fé. Além disso, Deus as preparou para que Seus filhos andassem
nelas. Em outras palavras, espera-se deles estas boas obras, como
obras de gratidão. Tais boas obras, tendo sido preparadas por Deus,
serão aperfeiçoadas por Ele, visto que Deus sempre termina o que
começou. Além disso, a ressurreição de Cristo dentre os mortos
implica nossa ressurreição do pecado, visto que é o Espírito do
Cristo ressuscitado e ascendido que nos “ressuscitou juntamente
com ele”. Na glória seremos sem pecado. Tudo isto se aplica à
totalidade dos filhos de Deus, tanto judeus como gentios.

A cruz, por meio da qual judeus e gentios foram reconciliados com


Deus, obteve a mútua reconciliação entre eles (vv. 11–18). Tudo isto
é
Efésios (Hendriksen)

173

um fato surpreendente, ou seja, que a mesma cruz que para judeus


constituía uma pedra de tropeço e para os gentios era loucura, foi o
meio pelo qual se garantiu a dupla reconciliação. Paulo mostra quão
agradecidos devemos estar todos por esta divina disposição. Os
judeus deviam louvar a Deus, porque mediante a cruz “a lei dos
mandamentos com suas exigências” tinha sido abolida. Mas os
gentios também tinham um motivo de ação de graças. Deviam
considerar quão grandes benefícios Cristo lhes tinha outorgado por
meio de Sua morte na cruz.

Antes tinham estado separados de Cristo; agora estão “nEle”; antes


alienados da cidadania de Israel, agora, “concidadãos dos santos e
membros da família de Deus”; antes, estranhos às alianças da
promessa, agora membros da aliança; antes, sem esperança, agora
cheios de corajosa esperança; antes, sem Deus, agora em paz com
Ele. Para ambos tanto judeus como gentios Jesus, mediante Sua
vinda e obra, tinha proclamado e estava ainda proclamando as boas
novas: “Paz a vós, os que estáveis longe e paz aos próximos”. Por
meio dEle ambos têm acesso num Espírito ao Pai.

Deste modo a igreja de judeus e gentios cresce formando um


edifício, um templo santo no Senhor, do qual Jesus Cristo é a pedra
angular (vv. 19–22). Naturalmente, o fundamento primário e real é e
não pode ser outro senão Jesus Cristo (1Co 3:11). Mas em certo
sentido

secundário os apóstolos e profetas do Novo Testamento podem


corretamente ser chamados o fundamento, sendo assim porque
dirigem a atenção de todos a Cristo como “a luz do mundo” (Jo
8:12), mas Ele chamou também aos Seus discípulos “a luz do
mundo” (Mt 5:14) porque derivam sua luz dEle. Quando se fala dos
apóstolos como o fundamento da igreja, Cristo é chamado a pedra
angular, ou seja, o princípio da estabilidade, a direção, e o
crescimento da igreja. Dia a dia estarão sendo acrescentadas
pedras vivas a este edifício, a igreja. Nenhum templo terrestre, quer
judeu ou pagão, mas somente a igreja é a morada de Deus.

Ali habita Ele. Este lar é muito amplo. Está cheio de paz, porque
judeus

Efésios (Hendriksen)

174

e gentios estando em paz com seu Criador-Redentor, acham-se em


paz entre si.

Efésios (Hendriksen)

175

EFÉSIOS 3

LUMINOSA META

Versículos 1–13

Tema: A igreja gloriosa

I. Adoração como seu

Luminosa meta

1. Para dar a conhecer aos principados e às autoridades nos


lugares celestiais a iridescente sabedoria de Deus, refletida no
mistério revelado especialmente, embora não exclusivamente, a
Paulo, ou seja, que os gentios são membros do mesmo corpo de
Cristo

EF. 3:1-13

1. A igreja deve esforçar-se para declarar a maravilhosa sabedoria


de Deus aos principados e potestades nos lugares celestiais 1. O
começo do presente capítulo, ou seja, as palavras Por esta razão,
indicam por si só sua estreita conexão material com o precedente.

Como resultado, o significado deve ser, uma vez que se outorgaram


a gentios e judeus bênçãos tão grandes — reconciliação com Deus
e entre uns e outros, e a construção de um santuário constituído por
judeus e gentios — portanto, etc. Na verdade, à vista da igual
relação estreita que existe entre os capítulos 1 e 2, e a recorrência
em Ef 3:4, 9 do conceito mistério, primeiro mencionado em Ef 1:9, é
muito provável que a conexão vá ainda mais atrás e inclua tudo o
precedido nesta epístola.

A forma de humilde gratidão e adoração continua também; veja-se


especialmente vv. 8, 14–21. «Paulo se acha prestes a reatar sua
oração em favor dos leitores … Esta oração constitui a armação de
toda a

Efésios (Hendriksen)

176

primeira parte da epístola … Seu pensamento está graduado num


tom solene» (Scott, op. cit., p. 181). A primeira parte da epístola
(cap. 1–3), que depois da saudação começou com um tipo principal
de doxologia, ou seja, “Bendito (seja)” (Ef 1:3ss.), prossegue para o
final com outro tipo central: “Agora a ele … seja a glória” (Ef 3:20,
21). Esta final doxologia se acha imediatamente precedida por uma
das mais gloriosas orações que possamos achar em parte alguma
(Ef 3:14–19), oração que, em certo sentido, já é introduzida em Ef
3:1.

Não obstante, vê-se um progresso quanto a pensamento. O capítulo


2 mostrou o que Deus tem feito. O capítulo 3, portanto, indicará o
que a igreja, mencionada claramente no v. 10, deve fazer. Indica a
elevada ou luminosa meta. Na realização deste propósito o próprio
Paulo jogou um papel proeminente, visto que a ele, e especialmente
a ele, embora não de forma exclusiva, foi revelado o grande
mistério, para que fosse publicado por todo lugar.
Assim que Paulo prossegue: eu, Paulo (cf. 2Co 10:1; Gl 5:2; Cl
1:23; 1Ts 2:18; Fm 19) prisioneiro de Cristo Jesus (cf. Ef 4:1; Fm
1:9; 2Tm 1:8). Em toda referência a si mesmo como prisioneiro
Paulo enfatiza o fato de que como tal pertence ao seu Senhor, visto
que estando a Seu serviço, e portanto, por causa dele, foi posto na
prisão.

Além disso, todos os pormenores de sua captura, assim como seus


resultados, fosse sentença de morte ou absolvição, estão nas mãos
que foram perfuradas em favor do prisioneiro, as mesmas mãos que
controlam o universo inteiro para o bem da igreja (Ef 1:22). A prisão
de Paulo é como resultado muito honorável. Na verdade, fortaleceu
seu direito como apóstolo de Jesus Cristo. E sendo que vai lembrar
à igreja sua exaltada tarefa, sua elevada meta, ou seja, declarar a
maravilhosa sabedoria de Deus, é completamente próprio para ele
fazer menção de suas cadeias como prova de sua apostolicidade
(cf. 2Co 11:16–33). Isto é ainda mais necessário visto que seus
inimigos estavam constantemente pondo em dúvida suas
demandas, segundo é evidente em 1 e 2 Coríntios, Gálatas, e 1 e 2
Tessalonicenses e em outras passagens isoladas em

Efésios (Hendriksen)

177

diferentes partes de suas epístolas. É bem possível que seus


oponentes considerassem suas prisões como gesto da falsidade de
suas pretensões.

Assim que, em lugar de evitar prudentemente este assunto, começa


a chamar audazmente a atenção para eles. Paulo enfatiza, não
obstante, que suas prisões são por uma causa válida, de modo que
seu confinamento é razão para que o escute ainda mais
atentamente o que tem a dizer. Considera-o, na verdade, uma
honra, não somente para ele mesmo mas também para eles (v. 13)
uma vez que é um prisioneiro de Cristo por vós gentios — Foi
devido ao fato ele esteve proclamando o amor de Deus a gentios e
judeus igualmente, sem nenhuma discriminação racial ou nacional,
que tinha sido posto na prisão (At 21:17ss.; 22:21–24). Os efésios
especialmente entenderam isso, porque sem dúvida, deviam ter
ouvido que no fim de sua terceira viagem missionária, foi sua
associação com Trófimo o efésio o que levou a uma falsa acusação
contra ele que terminou em sua captura e encarceramento.

Além disso, não foi só sua obra entre os gentios o que motivou seu
encarceramento, mas além disso tinha recebido a missão especial
de seu Senhor de ser apóstolo aos gentios como também aos
judeus (At 9:15).

Na verdade, a ele, diferente de outros apóstolos (Gl 2:9), tinha sido


encomendado a gloriosa missão de ser em primeiro lugar apóstolo
aos gentios (veja-se v. 8; também At 13:47; 22:21; 26:12ss.; Rm
11:13; 15:16; Gl 2:8, 9; 1Tm 2:7; Tt 1:7).

Deve-se ter em mente, com relação a isso, que o grande coração de


Paulo desejava que todos participassem de sua alegria no Senhor.
Foi ele que numa epístola escrita anteriormente havia dito: “Fiz-me
tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar
alguns” (1Co 9:22).

Mas para que o homem seja salvo deve aceitar a mensagem do


evangelho que Paulo teve a incumbência de levar. E se sua
mensagem devia ser aceita, era necessário confiar em suas
credenciais, obedecer suas exortações, apreciar suas orações. Isto
explica também a digressão (vv. 2–13), onde trata de forma mais ou
menos extensa sobre a missão dada pelo Senhor a ele. Daí que,
tendo dito “Por esta razão eu, Paulo, o

Efésios (Hendriksen)

178

prisioneiro de Cristo Jesus por vós gentios”, não acrescenta


imediatamente as palavras “dobro meus joelhos ao Pai”, mas as
reserva até o instante de chegar ao versículo 14. No entanto, não
perde de vista em momento algum sua petição. Esta se acha
definidamente em sua mente através de todo o parágrafo. Na
verdade, a inserção das palavras dos vv. 2–13 acrescentam força à
oração que ele está por expressar e à doxologia que se segue à
oração.

2. Paulo prossegue, por conseguinte: porque certamente ouvistes


da administração da graça de Deus que foi dada para vosso
beneficio. É

talvez impossível fazer uma tradução estritamente literal do que


Paulo realmente escreve. A mais próxima do original seria algo
assim como:

“Se é que ouvistes” (TB). Cf. RA 1999: “Se é que tendes ouvido”. No
entanto, tal tipo de tradução é dificilmente eficaz, visto que poderia
sugerir que Paulo estaria pondo em dúvida que os efésios, de
maneira geral, jamais tivessem ouvido a respeito da missão que o
Senhor lhe havia encomendado. Há aqueles que, partindo de uma
tradução deste tipo, argumentaram que Paulo pôde não ter escrito
Efésios, e/ou que esta epístola nunca teve o propósito de ser
dirigida a eles. Baseiam sua argumentação sobre a realidade de que
o livro de Atos atribui ao apóstolo um extenso ministério em Éfeso,
tornando impossível para Paulo ter escrito aos efésios, “Se tivestes
ouvido de minha administração”, visto que ele bem sabia que eles
deviam ter ouvido de sua administração. No entanto, tal raciocínio
não convence. Procede da hipótese que a palavrinha “se” — seja
em grego ou português — deve significar incerteza. Mas isto é
incorreto. Dois exemplos opostos no idioma português podem
esclarecer o assunto: (1) “Se a nossa equipe ganhar, teremos
celebração”. Aqui “se” expressa incerteza, mera possibilidade. (2)
“Se você não sabe o dia da sua morte, você deve estar preparado
agora”. Aqui “se” indica uma hipótese que se dá por sabida.

Efésios (Hendriksen)

179
Este “se” poderia ser traduzido “visto que”. 81 Mas, que base temos
para pensar que no caso presente “se” significa “visto que vós
ouvistes” em lugar de « talvez vós ouvistes, ou talvez vós não
ouvistes»? A resposta é que esta epístola que desde o princípio foi
considerada quase universalmente como escrito de Paulo “aos
efésios” (em algum sentido) em outros lugares claramente declara
(Ef 1:13, 2:17; 4:20) e através de toda ela se implica, que os leitores
ouviram o evangelho. Puderam acaso então não ter sabido da
participação que Paulo teve nele? Referente à obra de Paulo em
Éfeso Lucas escreve: “Todos os que habitavam na província da Ásia
ouviram a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos” (At 19:10).
Compare-se este versículo com Ef 3:2: “… ouvistes da mordomia da
graça de Deus que foi dada para vosso beneficio”.

Portanto, traduções como as que seguem devem ser consideradas


excelentes: “Vós ouvistes — não é assim? — da administração da
graça de Deus” (paráfrase do Bruce); “Se é que vós ouvistes,
conforme o presumo” (Grosheide); “… certamente vocês ouviram”
(NVI); “Vocês devem ter ouvido” (Phillips); “Na verdade vós ouvistes”
(Moffatt; N.E.B.). Naturalmente, baseado ainda nestas traduções e
interpretações devemos conceder que o “se” do original pode,
talvez, dar lugar à possibilidade de que certo número relativamente
pequeno de pessoas residentes na província da Ásia, incluídas
entre os leitores, nunca tivessem ouvido sobre Paulo e seu
ministério, ou que manifestassem não ter ouvido. Afinal de contas,
nem todas as pessoas a quem escreve esta epístola viviam dentro
da cidade de Éfeso. O setor compreendido era 81 Muitos
comentaristas mencionam o fato de que a expressão εἰ γε, usada
aqui em Ef 3:2, tem o sentido de “visto que” ou “como quiser que”.
Fazem referência a 2Co 5:3 como caso paralelo. No entanto, a
probabilidade da exatidão desta tradução não depende
exclusivamente da particula γε.

Ainda na ausência desta partículo com frequência fica eliminada a


dúvida. Assim, as palavras, “Se há, portanto, algum estímulo em
Cristo” (Fp 2:1), não significam que o apóstolo duvide de si tal
consolo existe. Ao contrário, o sentido é, “Se então houver algum
consolo em Cristo, como indubitavelmente o há”. Quanto a
ilustrações semelhantes a respeito de este segundo sentido de si”
veja-se 1Co 11:6; 15:12, 32; 2 Cor. 3:7; Fm 17; Hb 2:2.

Efésios (Hendriksen)

180

muito extenso! Além disso, já tinha passado algum tempo desde que
Paulo tinha trabalhado naquela região.

O apóstolo diz que os leitores, em sua maioria, deveriam ter ouvido


a respeito da administração da graça de Deus que lhe tinha sido
outorgada. Referente à discussão sobre a palavra administração,
veja-se a introdução p. 46. O evangelho da graça (veja-se sobre Ef
1:2; 2:5, 8) de Deus em Cristo tinha sido atribuído a Paulo como um
depósito sagrado (1Co 4:1, 2; 9:17; 1Tm 1:4; Tt 1:7). Foi concedido
para o benefício dos efésios. Cf. Cl 1:25. No caso deles isto era
aplicável, visto que a maioria deles tinham sido ganhos dentre os
gentios (Ef 3:1, 8), e, conforme já se indicou, foi especialmente aos
gentios a quem Paulo foi enviado. O apóstolo prossegue:

3. como por revelação foi dado a conhecer o mistério. Aqui


começa uma breve descrição da administração da graça que tinha
sido confiada a Paulo. Tinha relação com “o mistério”, quer dizer,
com algo que se não fosse revelado teria permanecido oculto,
segundo Paulo o indica quando escreve “como por revelação foi
dado a conhecer o mistério”. Tal revelação é geralmente em forma
de comunicação divina mediante uma voz ou uma visão. A
administração de Paulo com relação aos gentios lhe tinha sido dada
a conhecer nestas duas formas de comunicação segundo se
evidencia diretamente em passagens tais como At 16:9; 22:21;
26:17, 18; e indiretamente em At 9:15; Gl 1:11–17; 2:8. Paulo insistiu
sempre, apesar das acusações de seus críticos, que a
administração que tinha recebido não era de origem humana. Tendo
sido um dos mais estritos fariseus, jamais teria passado por sua
mente que a graça de Deus tivesse sido estendida aos gentios
como foi aos judeus e, além disso, nas mesmas condições. E no
que concerne a Pedro e outros líderes da igreja, é impossível que
deles Paulo houvesse originalmente recebido sua comissão como
apóstolo aos gentios, visto que o livro de Atos mostra quão difícil
lhes teria sido despojar-se de seu exclusivismo judaico.

Concordaram com isso unicamente depois que tiveram percebido a


graça que havia sido dada a Paulo (Gl 2:9). Pedro, na verdade, teve

Efésios (Hendriksen)

181

necessidade da visão do lençol com animais imundos (At 10:9–16) e


a repreensão de Paulo (Gl 2:11ss.) para sair de seu erro.

Em conexão com o fato de que a ele foi dado a conhecer o mistério


por revelação, Paulo acrescenta: conforme escrevi antes em
breves palavras. Calvino prefere traduzir «conforme vos escrevi
pouco tempo antes», quer dizer, perto do princípio. Ele se inclina ao
ponto de vista, mais ou menos popular em seu tempo, que a
referência é à uma epístola anterior aos efésios, carta que não tinha
sido conservada. Mas de tais epístolas não se encontra rastro
algum, e parece muito mais razoável interpretar as palavras de
Paulo como referência à breve resenha que já havia dado nesta
mesma epístola, com relação ao plano da salvação de Deus tanto
para gentios como para judeus, com especial insistência na notável
mudança de posição dos primeiros (Ef 2:11–22; cf. 1:9ss.).

Consequentemente, a cláusula: “conforme escrevi antes em breves


palavras” é equivalente a “conforme o indiquei brevemente mais
acima”.

Imediatamente depois:

4. pelo qual, lendo-o, podeis perceber meu conhecimento no


mistério de Cristo. Quando fosse lida esta epístola nas igrejas de
Éfeso e arredores, a quem estava dirigida, especialmente o
parágrafo Ef 2:11–22, os leitores e ouvintes poderiam perceber (cf.
Ef 3:20; 1Tm 1:7) o conhecimento de Paulo neste mistério de Cristo,
ou seja, o mistério do qual Cristo é ao mesmo tempo a fonte e a
substância. Poderia dizer-se que o mistério é, em certo sentido, o
próprio Cristo, que é Cristo em todas as suas gloriosas riquezas
realmente habitando mediante Seu Espírito nos corações e vidas
tanto de judeus como de gentios, unidos num corpo, a igreja. Cf. Cl
1:26, 27. 82 No entanto, aqui em Efésios o 82 Prefiro esta
interpretação àquela que procura fazer distinção muito exata entre
“o mistério” no v. 3 e

“o mistério de Cristo” no v. 4, de modo que ? ao princípio do v. 5


deveria referir-se ao primeiro, e 3b, 4 deveria construir-se como um
parêntese (como no A.V.). Mais natural, segundo meu parecer, é a
construção pela qual ? tem referência a seu antecedente mais
próximo possível. Além disso, se a expressão “este mistério …
Cristo” (Cl 1:27) não pode referir-se ao chamado dos gentios (como
realmente o faz de acordo com o contexto), por que não pudesse
também a frase “o mistério de Cristo” (aqui em Ef 1:4) descrever o
mesmo tema?

Efésios (Hendriksen)

182

verdadeiro conteúdo do mistério não é dado a conhecer senão até


chegar ao versículo 6.

Não cremos que Haendel tenha sido pretensioso quando disse que
ao começar a compor o “Coro Aleluia” pareceu-lhe como se os céus
e a terra se apresentassem desdobrados diante de seus olhos. Por
que então deveríamos criticar Paulo por dizer: “podeis perceber meu
conhecimento no mistério de Cristo”? A razão que o levou a
escrever isso foi totalmente honesta, como já se assinalou
previamente. Veja-se a introdução p. 47, e também no v. 1 mais
acima. Além disso, da maneira como Haendel procedeu em séculos
posteriores, Paulo também dá todo o crédito de sua inteligência a
Deus, não a si mesmo (vv. 3, 7, 8).
5, 6. No v. 5 Paulo continua falando a respeito do mistério
mencionado nos vv. 3 e 4, mas ainda não dá descrição alguma de
seu conteúdo. No entanto, é no v. 6 onde finalmente se indica seu
conteúdo.

É impossível interpretá-lo a menos que saibamos o conteúdo do


mistério, e se mostre o sentido em que ele se achava oculto “em
outras gerações”.

Portanto, os vv. 5 e 6 devem ser considerados juntos. O apóstolo


escreve: que em outras gerações não se deu a conhecer aos
filhos dos homens como foi revelado agora pelo Espírito a seus
santos apóstolos e profetas, ou seja, que os gentios são co-
herdeiros e membros do mesmo corpo e co-participantes da
promessa (verificada) em Cristo Jesus (transmitida) por meio do
evangelho. É um mistério que “em outras gerações”, isto é, em
outros tempos (cf. At 14:16: “nas idades passadas”), não foi dado a
conhecer aos filhos dos homens (nem sequer a ninguém) como —

significando, “tão claro como” — foi agora revelado ou aberto o véu


pelo Espírito (O Espírito Santo, que comunica Seus diversos dons a
diferentes crentes, 1Co 12:4–11). 83 Cf. Rm 16:25, 26; Cl 1:26, 27.
Isto não significa que antes de Pentecostes ninguém, nem sequer
os profetas, como Moisés, Isaías, etc. souberam nada a respeito
das futuras bênçãos das quais também os gentios seriam partícipes.
Os escritores do Antigo 83 A relação de αὐτοῦ com apóstolos, e não
com profetas, indica provavelmente “em primeiro lugar aos
apóstolos, logo também aos profetas que lhes seguiram”
(Grosheide, op. cit. , p. 52, nota 8).

Efésios (Hendriksen)

183

Testamento, na verdade, sabiam e se referiram a elas vez após vez


(Gn 12:3; 22:18; 26:4; 28:14; Sl 72; 87; Is 11:10; 49:6; 54:1–3; 60:1–
3; Os 1:10; Am 9:11ss.; Ml. 1:11, só para mencionar algumas
referências. Não obstante, o que estes profetas não deixaram claro
foi que com relação ao Messias futuro e o derramamento do Espírito
Santo a antiga teocracia seria completamente abolida e em seu
lugar se levantaria um organismo no qual gentios e judeus seriam
postos num plano de perfeita igualdade. Segundo já se tem feito ver,
até alguns dos líderes da igreja primitiva foram lentos para aceitar
este ponto. Além disso, nada deve lançar mais luz do pleno
entendimento de uma profecia — um significado que nem sempre
foi compreendido inteiramente até pelos profetas do Antigo
Testamento (1Pe 1:10) — que seu próprio cumprimento! Os santos
apóstolos e profetas da nova dispensação viveram na era de seu
cumprimento. Iluminados pelo Espírito dado à igreja no dia do
Pentecostes, acharam-se em condições de dar a conhecer com
maior clareza, como nunca antes, o significado das profecias e sua
aplicação à nova ordem de coisas. Isto é evidente ao comparar Gn
12:3; 22:18 com Gl 3:8; Is 49:6 com At 13:47; Is 54:1–3 com Gl 4:27;
Am 9:11ss com At 15:16–18; etc.

Paulo deixa nitidamente claro que o segredo não revelado


(“mistério”) tem relação não meramente com uma aliança de judeus
e gentios, ou talvez um acordo amigável para viver juntos em paz,
ou ainda uma combinação externa ou associação, mas ao contrário,
com uma completa e permanente fusão, uma união espiritual
perfeita de elementos antagônicos num organismo único, uma “nova
humanidade”

(Ef 2:15). Na casa de Deus não há inquilinos; todos são filhos.


Observe-se a ordem decisiva: Os gentios são em primeiro lugar, co-
herdeiros (implicado já em Ef 1:14; cf. Gl 3:29; 4:7). No abstrato
poderia, no entanto, ser possível para alguém fora do círculo familiar
íntimo (por exemplo, um escravo) receber participação numa
herança. De modo que o próximo termo apresenta o quadro ainda
mais claro, ou seja, membros

Efésios (Hendriksen)

184
do mesmo corpo, 84 quer dizer, que os gentios são realmente
membros da igreja de Deus (veja-se Ef 1:23; 2:16; 4:4, 16). Como
tais se acham ao mesmo nível que os outros membros. O bendito
resultado e clímax é que chegaram a ser co-participantes da
promessa (veja-se sobre Ef 2:11–13; cf. 2Tm 1:1). Sua porção é a
salvação plena, tudo isto “em Cristo Jesus”, que adquiriu méritos
para eles, e fora dEle não pode haver participação na herança ou no
corpo ou na realização da promessa. E esta maravilhosa união de
ambos que outrora foram inimigos, mas agora em Cristo chegaram
a ser um, “raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo para
própria possessão de Deus” (1Pe 2:9), foi efetuada “por meio do
evangelho” pregado, ouvido, e aceito pela fé (Rm 10:14, 15; 1Co
4:15).

Referente ao evangelho, sua essência, poder, autor, ênfase, etc.


veja-se C.N.T. sobre Filipenses, pp. 94–98.

7. Paulo volta agora àquela maneira tão pessoal de falar com que
começou nos vv. 1–4. Talvez a razão disso seja que acaba de fazer
menção do evangelho. Paulo e o evangelho são bons amigos. Em
Rm 2:16 fala de “meu evangelho”. É um evangelho no qual se gloria
(Rm 1:16, 17). Com efeito, conta-nos que foi afastado de forma
especial para pregar o evangelho (Rm 1:1). Realmente, ele não
pode compreender que Deus tenha escolhido a ele, sim, a ele
mesmo, Paulo, o grande perseguidor da igreja, para proclamar o
evangelho da graça de Deus em Cristo. Assim que, ao falar sobre o
glorioso evangelho e sua participação nele, escreve: do qual eu fui
feito ministro. Esta foi a tarefa que foi atribuída, a causa para a
qual foi chamado a servir conforme o dom da graça de Deus que
foi dada. Paulo não tinha adotado, ele mesmo, a distinção de ser
um ministro do evangelho. Não tinha constituído a si mesmo
embaixador. O ofício para o qual tinha sido investido foi um dom da
graça de Deus, fato que se enfatiza vez após vez nas epístolas de
Paulo (Rm 1:1; 1Co 1:1, 17; 15:10; 2Co 1:1; Gl 1:1; etc.). A
generosa natureza desta graça chega a ser ainda mais clara à luz
do v. 8. Mas antes 84 O termo grego σὑσσωμα, é palavra usada
somente por Paulo e escritores cristãos.
Efésios (Hendriksen)

185

de chegar a ele Paulo acrescenta: (A graça de Deus que foi dado)


segundo a operação de seu poder. O fato de este poder ter
operado vigorosamente e continuava fazendo-o na vida e ministério
do apóstolo é evidente de 2Co 11:16–33; 12:9; cf. Fp 4:13; e 1Tm
1:15, 16. Referente à operação de seu poder” veja-se sobre Ef 1:10.
No entanto, o pensamento que Paulo enfatiza é , antes, este, que
não é ele mas sim o Senhor quem merece todo o crédito por tudo o
que ele, como ministro do evangelho, em proporção aos talentos e
oportunidades que lhe foram outorgados, pôde realizar. O apóstolo
prossegue:

8. A mim, o menos importante de todos os santos, 85 foi dada


esta graça: proclamar aos gentios as boas novas das
insondáveis riquezas de Cristo. O homem que escreveu o v. 4 —
“pelo qual, lendo-o, podeis perceber meu conhecimento no mistério
de Cristo” — não tem nada de orgulhoso, e isto se vê muito claro
aqui no v. 8. Em 1Co 15:9 se acha incrustada uma observação
semelhante: “Pois sou o menor dos apóstolos, e não sou digno de
ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus”; e em
1Tm 1:15: “Fiel é esta declaração, e digna de ser recebida por
todos, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores,
dos quais eu sou o primeiro”. Sendo que na passagem presente
Paulo não dá a razão para chamar “o menos importante de todos os
santos”, não é possível para intérprete algum dar a razão
verdadeira.

O mais que podemos nos aproximar de uma sensata conjetura seria


citar a própria referência do apóstolo à sua vida anterior como
perseguidor da igreja. Observe-se a posição adiantada de “a mim”,
para ênfase.

Referente “aos gentios” veja-se Ef 3:1, 2, 6. “Insondáveis riquezas”


são riquezas que não podem ser rastreadas ou investigadas, são os
ilimitados recursos da graça de Deus em Cristo, profundidades
oceânicas que jamais chegarão a ser totalmente sondadas, ricos
tesouros impossíveis de esgotar-se. Veja-se sobre Ef 1:7 e 3:17–19.
Quem quer que anele compreender quão magnífico foi o
cumprimento que Paulo deu ao 85 A palavra ἐλαχιστατέρῳ é um
comparativo feito superlativo.

Efésios (Hendriksen)

186

trabalho que Deus lhe encomendou, quão excelente foi o uso que
fez da

“graça” (aqui, “privilégio bendito mas imerecido”) divina dada a ele


faria muito bem em ler capítulos e passagens tais como os
seguintes: Rm 5; 8; 12; 13:11–14; 1Co 13; 15; 2Co 4; 5; 2Co 8 (veja-
se especialmente 8:9); 11; Gl 5; 6; Fp 2; 3; Cl 3:1–17; 1Ts 4; 5; etc.;
além disso, e naturalmente, o relato da vida de Paulo e sua
pregação no livro de Atos.

9. Proclamar aos gentios as insondáveis riquezas de Cristo era, não


obstante, somente parte da tarefa de Paulo. Esta missão era mais
ampla em dois aspectos: a. estava relacionada não só com os
gentios mas também com todos os homens. Porventura Deus não o
havia descrito como “vaso escolhido, para levar meu nome diante
dos gentios e reis e os filhos de Israel”? (At 9:15); b. tinha relação
não só com a proclamação do evangelho mas também com a
iluminação dos olhos dos homens de modo que pudessem ver como
este evangelho, aceito pela fé, operava nos corações de todos os
homens. Não bastava somente que o mistério das insondáveis
riquezas de Cristo fosse dado a conhecer.

Naturalmente, o mistério em si é grande e maravilhoso, e revela a


salvação tanto a judeus como a gentios pela graça mediante a fé.
Mas além disso, devia focar a atenção à forma em que aquele
mistério estava realmente operando nos precisos dias de Paulo,
substituindo o temor pela confiança, a tristeza pela alegria, o ódio
pelo amor, e a inimizade pela amizade. Falando, então, a respeito
da administração ou realização do mistério, o apóstolo prossegue: e
esclarecer a todos qual é a administração do mistério que pelas
idades esteve oculto em Deus, que criou todas as coisas. No
relativo à expressão “esclarecer” veja-se sobre Ef 1:18 e 5:7–9. A
luz original é o próprio Cristo. Foi com relação a Ele que se disse, “A
luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo”
(Jo 1:9). Jesus Se chamou a Si mesmo “a luz do mundo” (Jo 8:12).
Em sentido secundário, os seguidores de Cristo, também, são “a luz
do mundo” (Mt 5:14). São castiçais (Ap 1:20). Neste aspecto, Paulo,
o grande missionário, estava agindo de forma sobressalente, dando
testemunho, até se achando na prisão, da luz do evangelho da
glória de

Efésios (Hendriksen)

187

Cristo” (2Co 4:4). Como tal, fez-se tudo para com todos, para que de
alguma maneira salvasse a alguns (1Co 9:22). Por isso que aqui em
Ef 3:9 diz, “esclarecer a todos, 86 (judeus e gentios) qual é a
administração do mistério”. Descreve o mistério dizendo “que pelas
idades esteve oculto em Deus”. Cf. Cl 1:26. Desde o começo do
tempo o mistério tinha estado oculto. Agora, não obstante, está
sendo revelado tanto pela pregação mundial do evangelho como
pela cristalização de suas preciosas verdades na conduta e vida da
igreja universal. Não está muito clara a razão de por que Paulo
acrescenta: (Deus) “que criou todas as coisas”. Se me for permitido
acrescentar somente uma explicação mais a todas as que foram
dadas por outros, diria que a expressão serve, talvez, para fixar a
atenção na soberania de Deus. É o Deus que, em virtude do fato de
ter sido o Criador de todas as coisas, demonstra ser aquele que
dispõe soberanamente de seus destinos. Em outras palavras, não
tem obrigação alguma de explicar a razão de por que o mistério foi
oculto aos gentios, e por que é agora revelado a todos, ignorando
raça ou nacionalidade. O propósito que Paulo teve em mente ao
proclamar aos gentios as boas novas das insondáveis riquezas de
Cristo, e de esclarecer a todos os homens qual é a administração do
mistério, foi que por meio destas duas (até certo ponto superpostas)
atividades, a igreja, 86 Minha própria convicção é que πάντας deve
ser conservado. No texto do N.N. omite-se. Grk. N.T.

(A-B-MW) conserva-o, embora entre parêntese e com qualificação D


(“muito alto grau de dúvida”). A evidência externa não é conclusiva.
Em tais casos não se deve seguir descuidadamente a antiga regra:

“Deve-se adotar a tradução mais difícil”. Faz tempo que esta regra
necessita uma séria modificação.

Ernest C. Colwell em seu artigo, “Biblical Cristicism: Lower and


Higher”, J.B.L. (março 1948), p. 4

está certo ao declarar, “A crítica textual hoje em dia se torna para


sua validação à uma avaliação da leitura individual de forma tal que
implica o juízo subjetivo. A tendência foi enfatizar cada vez menos
os cânones da crítica”. Um dos cânones que ele menciona se
aplicaria especialmente, conforme creio, no caso presente. É este:
“Deve-se preferir aquela tradução que melhor se acomode ao
contexto”.

indubitavelmente, as palavras do contexto precedente, ou seja,


“proclamar aos gentios as boas novas”, etc., são seguidas de forma
muito natural por “e esclarecer a todos (os homens)”. Observe-se
que o verbo φωτίζω ι seguido por um sujeito también em 1Co 4:5 e
em 2Tm 1:10. Cf. Ap 21:23. No entanto, no caso presente existe
muito pouca diferença qualquer que seja a tradução que se siga. É
como Abbott diz ( op. cit. , p. 87), “O significado geral é, na verdade,
quase o mesmo com qualquier tradução, visto que o resultado de
tirar ο?κ ΰ luz ι que todos os homens Etén capacitados para lhe ver”.

Efésios (Hendriksen)

188

constituída e fortalecida, possa expor a maravilhosa sabedoria de


Deus até ao mundo angélico. Escreve:
10. a fim de87 que agora seja dada a conhecer por meio da
igreja a iridescente sabedoria de Deus aos principados e
autoridades nos lugares celestiais. A igreja, portanto, não existe
para si mesma. Existe para Deus, para Sua glória. Quando os anjos
nos céus observam as obras e a sabedoria de Deus desdobrada na
igreja, aumentam seu conhecimento acerca de Deus a quem
adoram, regozijando-se e glorificando-O. Já estabelecemos que a
designação “principados e autoridades” refere-se aos anjos. Veja-se
sobre Ef 1:21 e C.N.T. sobre Cl 1:16 e 2:18. Os comentaristas que
adotam esta posição diferem, sem dúvida alguma, no que respeita à
classe de anjos indicados aqui (Ef 3:10). Alguns defendem a
posição de que a referência é exclusivamente aos poderes
malignos. 88

Robertson, em seu Word Pictures, Vol. IV, p. 531, identifica-os com


«os aeones gnósticos ou qualquer coisa». Greijdanus declara que
embora a referência seja, em primeiro lugar, aos anjos bons, não há
por que excluir os anjos caídos ( op. cit., p. 72). Sem dúvida, é
verdade que a expressão

“principados e autoridades” é neutra tal como “anjos”. Gabriel é um


anjo, mas Satanás também o é. Em cada caso o contexto é que
determina se a designação refere-se aos anjos em geral, como em
Ef 1:21, aos anjos caídos, como em Ef 6:12, ou aos anjos bons.
Mesmo a adição aqui em Ef 3:10 das palavras “nos lugares
celestiais” não é decisiva para determinar se a referência é aos
anjos bons, ou aos demônios, como Ef 6:12 o estabelece. No
entanto, ainda não vejo a razão para não estar de acordo com
Calvino, Bavinck, Grosheide, Hodge, Lenski, e multidão de 87 A
cláusula de propósito assim introduzida não deve ser ligada com a
cláusula subordinada imediatamente precedente. De acordo com
essa construção o sentido seria, “Deus criou todas as coisas a fim
de que os principados e as autoridades pudessem aprender mais a
respeito da maravilhosa sabedoria de Deus na esfera da redenção”.
Concordo com o Hodge, op. cit. , quando declara, “Esta conexão
das cláusulas é forçada, porque as palavras ‘quem criou todas as
coisas’ são inteiramente subordinadas … e portanto não o correto
ponto de contato para a ideia central em todo o contexto”.

88 Assim por exemplo, Franz Mussner, en Christus, Das All und die
Kirche, Trierer Theologische Studien, V. Trier, 1955, p. 21; E. F.
Scott, op. cit. , p. 189.

Efésios (Hendriksen)

189

destacados teólogos e comentaristas, que creem que Ef 3:10 está


se referindo aos anjos bons e não aos caídos.

Minhas razões são as seguintes:

(1) Aqui em Ef 3:10 não existe referência a conflito algum entre


crentes e hostes espirituais de maldade. Em Ef 6:12 o assunto é
totalmente diferente.

(2) Tanto a linguagem como os pensamentos contidos são elevados.

Bem faremos em levar a sério os comentários de Calvino. Diz:


«Alguns preferem considerar que estas palavras se referem aos
demônios, mas sem devida reflexão … Não existe dúvida a respeito
do fato de que o apóstolo se esforça em colocar na mais plena luz a
misericórdia de Deus para os gentios, e o alto valor do evangelho …
O significado de Paulo é: A igreja, constituída por judeus bem como
gentios, é um espelho, no qual os anjos observam a surpreendente
sabedoria de Deus exposta de uma forma antes desconhecida para
eles. Eles veem uma obra que é nova para eles e a razão pela qual
estava escondida em Deus».

(3) O fato de que a igreja, como obra mestra de Deus por meio da
qual se refletem Suas excelências, seja objeto de interesse e
escrutínio para os anjos bons é claro também segundo outras
passagens (Lc 15:10; 1Co 11:10; 1Pe 1:12; Ap 5:11ss.). Ef 3:10
harmoniza maravilhosamente com tudo isso.
Ora, o que os principados e potestades veem refletido na igreja é “a
iridescente sabedoria” de Deus. O adjetivo que modifica sabedoria
significa literalmente multicolorido ou muito jaspeado. A menos que
a palavra usada no original tenha perdido seu total significado
etimológico, e pudesse, portanto, ser traduzida por multiforme
(Como RA 1999, NVI) ou multilateral (L.N.T. — A. e G.), o que neste
altamente elevado contexto não é possível, ao que aqui se chama a
atenção é à infinita diversidade e resplandecente beleza da
sabedoria de Deus. Ambas as características nos trazem à memória
o arco-íris. Daí que, iridescente ou algo semelhante (como “multi-
esplendente” sugerido por Bruce) pareceria ser um equivalente
razoável, a menos que

Efésios (Hendriksen)

190

quiséssemos reter a tradução literal multicolorido. Em cada fase da


redenção (como da criação) o esplendor da sabedoria de Deus, Ele
Se revela a Si mesmo. Uma vez que nos cap. 2 e 3 de Efésios (veja-
se especialmente Ef 2:16; 3:6) o tema da reconciliação de judeus e
gentios com Deus e deles entre si mediante a cruz — o que para os
judeus era pedra de tropeço e para os gentios loucura (1Co 1:22–
25) — está sempre presente na mente de Paulo, pareceria ser que
isso é uma das manifestações da divina “sabedoria” que menciona.
Cf. Rm 16:25–27, onde a revelação do mistério é atribuído ao “único
sábio Deus”. A sabedoria de Deus reconcilia aparentes
irreconciliáveis. É assim também como se usa de novo no texto a
mesma palavra sabedoria quando em alguma parte é feita
referência ao fato de que a rejeição de Israel segundo a carne
resulta, mediante vários enlaces, na salvação de todo o povo de
Deus: “Pela transgressão deles veio a salvação às nações para lhes
provocar ciúmes … para que com motivo da misericórdia concedida
a vós (gentios), eles (Israel) também alcancem a misericórdia

… Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como da ciência


de Deus! Quão inescrutáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os
seus caminhos!” (Rm 11:11, 31, 33). Como resultado, quando nos
tempos passados alguns comentaristas, ao interpretar a expressão
“iridescente sabedoria”, puseram sua atenção sobre vários
paradoxos tais como as seguintes, que Deus em Cristo produz vida
por meio da morte, glória mediante a vergonha (a “vergonha” da
cruz), bênção por meio da maldição, poder mediante a fraqueza,
etc., seguiram simplesmente o que as Escrituras indicavam.

As dimensões reais do termo “iridescente sabedoria” são, não


obstante, mais amplíato que isto. Não existe nem uma só obra de
Deus, quer seja na criação ou, como aqui na redenção, onde aquela
sabedoria ricamente salpicada de cores (multicolorida) não se
manifeste. Vê-se na igreja como um todo quando se esforça
ardentemente para viver para a glória de Deus. Vê-se também em
cada crente individual, saído das trevas para a maravilhosa luz de
Deus. Recebemos brilhos dela agora

Efésios (Hendriksen)

191

quando estudamos as Escrituras ou quando refletimos a divina


providência em nossas próprias vidas. Pelo mar de vidro, quando
enfim todas as coisas forem apresentadas cristalinas para nós, nós
as veremos qual nunca as vimos antes, e, cheios de arroubo
diremos: “Grandes e maravilhosas são as tuas obras, ó Senhor
Deus Todo-Poderoso; justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó
Rei dos séculos! (Ap 15:3). As palavras do salmista no que respeita
às obras de Deus no plano físico serão aplicadas então, com uma
ênfase que jamais foi dada antes, também quanto ao aspecto
espiritual, ou seja: “Quão multiformes são tuas obras, ó Senhor;
todas as fizeste com sabedoria!” Quanto mais a igreja vive em
harmonia com seu elevado chamado, tanto mais os anjos estarão
em condição de ver nela a maravilhosa sabedoria de Deus.

Portanto, parte da elevada meta da igreja é manifestar em sua vida


e caráter as “excelências” de seu Criador-Redentor, de modo que os
principados e as autoridades possam, na verdade, ver esta
sabedoria.
11. O fato de que a iridescente sabedoria de Deus fosse dada a
conhecer por meio da igreja foi conforme ao propósito eterno que
ele formou em Cristo Jesus nosso Senhor. Paulo fala aqui do
plano que abrange as idades; portanto, seu propósito eterno”, é o
mesmo propósito já mencionado em Ef 1:11. Cf. 2Tm 1:9. Deus
governa as idades em toda sua continuidade e conteúdo. Já se
explicou bastante claro no capítulo 1

que este propósito está centrado em Cristo. Ele é, de fato, o eterno


fundamento da igreja. Seu próprio nome, expresso em todas as
suas palavras aqui em Ef 3:11, ou seja, “Cristo Jesus nosso
Senhor”, é essencialmente o mesmo que se menciona em Ef 1:2, 3,
17. Veja-se sobre Ef 1:2, mas observe-se que a bela palavra que
indica apropriação de fé, quer dizer, “nosso” adiciona-se somente
em Ef 1:3, 17, e na presente passagem. Há os que sustentam que
este título está apontando a Cristo em Sua manifestação aqui na
terra, e, como resultado, toda esta passagem não está abordando o
propósito em Cristo desde a eternidade mas antes, da realização
histórica deste plano. Consequentemente, interpretam as palavras
“que ele formou (ou fez) em Cristo Jesus nosso

Efésios (Hendriksen)

192

Senhor” como significando “que ele levou a cabo” nEle (assim o faz
a Bíblia das Américas). Mas embora o verbo usado permita tal
tradução, é muito difícil crer que a elevada meta de dar a conhecer a
iridescente sabedoria de Deus tenha sido já plenamente realizada. A
perfeição deste propósito será obtida somente em glória. E não
pode haver objeção ao afirmar que mesmo desde a eternidade o
plano de Deus ou propósito estava centrado naquele a que é
chamado “Cristo Jesus nosso Senhor”.

Portanto, reunindo todas as considerações, é melhor interpretar Ef


3:11
como passagem de muito alento, que assegura aos crentes que o
desígnio final de Deus para a igreja, ou seja, que serve como escola
na qual os gloriosos anjos podem aprender cada vez mais a respeito
da maravilhosa sabedoria divina, não pode fracassar em sua
realização, visto que descansa não nas movediças areias de nossos
esforços humanos, mas sobre a inexpugnável rocha da soberana e
eterna vontade do Todo-poderoso, vontade centralizada no Ungido
Salvador, quem é Senhor de toda a igreja gloriosa, assim, nosso
Senhor.

Segue:

12. em quem temos a ousadia de um confiante acesso por meio


da fé nele. Literalmente, deveríamos traduzir: “em quem temos a
ousadia e acesso em confiança”. Mas se isto é hendíadis, tem-se o
significado resultante: ousadia de confiante acesso. Aqui, a três
palavras importantes são ousadia, acesso, e confiança. A palavra
que se usa para ousadia, ou seja, parrēsia, é muito pitoresca.
Deriva-se de duas palavras gregas que significam tudo e dizendo;
ou seja, dizendo tudo. A palavra ocorre com grande frequência no
Novo Testamento, e com mais de um significado resultante. Sobre
sua conotação na presente passagem obtemos luz por meio de
passagens tais como Fp 1:20, “me levando com todo denodo
(ousadia) … Cristo seja engrandecido em meu corpo”, e por Hb
4:16,

“Cheguemos, pois, com confiança (com ousadia) ao trono da graça”

(RC). A palavra acesso já foi explicada. Veja-se sobre Ef 2:18. Foi


definida como liberdade para aproximar-se do Pai, na confiança que
nós, judeus e gentios, achamos favor para com Ele. A terceira
palavra,

Efésios (Hendriksen)

193
confiança (o mesmo significado em 2Co 1:15, mas em Fp 3:4, base
de confiança), fortalece a ideia já presente em acesso.

Sendo, então, que Cristo Jesus é nosso e nós dEle, comprados com
Seu sangue, e Seu Espírito habita em nós, sabemos que temos livre
e ilimitado acesso ao Pai. Cf. Ef 2:18. Podemos e devemos
aproximar-nos dEle sem restrição, contando a Ele todos os nossos
problemas, pedindo que nos ajude em todas as nossas
necessidades. Sabemos que nos receberá de todo coração.
Devemos pedir-lhe, especialmente, que nos torne aptos para viver
de modo que em nós sejam exibidos os frutos de Sua graça e
refletida a sabedoria de Deus, a fim de que os anjos nos possam
considerar como o espelho das virtudes de Deus. Tal ousadia e
confiante acesso é possível unicamente “por meio da fé nele”, quer
dizer, em “Cristo Jesus nosso Senhor”, o mesmo “em quem” fomos
escolhidos desde a eternidade. O propósito eterno de Deus que não
pode falhar e a redenção efetuada por Cristo nosso Senhor têm feito
possível tal acesso livre de temor.

13. O apóstolo conclui este parágrafo parentético dizendo:


Portanto, peço (a vós) que não desfaleçais por causa do que
padeço por vós, o qual é vossa gloria. Querendo significar: sendo
que fomos dotados com esta ousadia de confiante acesso, devemos
sobrepor-nos ao desalento. A alegria do Senhor deve encher nossos
corações em todo tempo, visto que ninguém nos pode arrebatar as
bênçãos que são nosso em Cristo Jesus nosso Senhor (veja-se
especialmente os vv. 6 e 12; cf. 1:3ss.). Temos no original um caso
de expressão abreviada, da qual a Bíblia, a literatura em geral,
como igualmente a linguagem humana, estão cheios. Veja-se C.N.T.
sobre o Evangelho de João, p. 219. Tudo o que realmente temos no
grego é isto: “Portanto peço não desmaiar (literalmente, comportar-
se imperfeitamente, e assim, chegar a fatigar-se; cf. 2Co 4:1, 16; Gl
6:9, 2Ts 3:13) em minhas aflições por vós”, etc. No abstrato são
possíveis vários significados. Os mais importantes são os seguintes:
(1) Portanto, peço a Deus que eu não desfaleça

(2) Portanto, peço a Deus que não desfaleçais


Efésios (Hendriksen)

194

(3) Portanto, peço a vós que não desfaleçais

Visto que nada existe no contexto que sugira a Deus como Aquele a
quem Se apresenta a petição, (1) e (2) podem ser descartados.
Também, outra razão para eliminar (1) é que dada a situação em
que o apóstolo se achava, prisioneiro em Roma, era mais provável
que desfalecessem aqueles a quem escrevia antes que ele mesmo
chegasse a tal desalento. A prova de que seja assim aparece
claramente em outra das epístolas escritas, talvez muito pouco
tempo depois, durante o mesmo período da prisão, ou seja,
Filipenses. A igreja de Filipos parece ter estado cheia de angustiosa
preocupação. Foi por essa mesma razão que Paulo se prepara a
escrever-lhes: “Quero que saibais, irmãos, que as coisas que me
aconteceram na verdade contribuíram para o progresso do
evangelho”

(Fp 1:12). É fácil entender, então, que também aqui em Éfeso e


arredores eram os leitores que se achavam em perigo de desfalecer,
mas em nenhum caso Paulo. Como resultado, a terceira
possibilidade:“Portanto, peço a vós que não desfaleçais”, é a que
eu, junto com muitos outros, aceito. É como se o apóstolo dissesse:
«Que honra para vós que diante dos próprios olhos de Deus sejais
considerados dignos de tanto sofrimento o qual eu suporto em
vosso lugar! (veja-se sobre v. 1). Quão preciosos deveis ser
semelhantes a ele! Referente à “glória” de padecer por Cristo veja-
se C.N.T. sobre Filipenses, p. 104.

Versículos 14–21

Tema: A igreja gloriosa

I. Adoração como sua

L uminosa meta
2. Conhecer o amor de Cristo que ultrapassa o conhecimento para
assim ser cheios até toda a plenitude de Deus

Efésios (Hendriksen)

195

EF. 3:14-21

2. A igreja deve esforçar-se para conhecer o amor de Cristo que


ultrapassa o conhecimento para ser cheia de toda a plenitude de
Deus. A oração de Paulo a fim de que esta elevada meta seja
crescentemente obtida. Doxologia

No parágrafo precedente Paulo assinalou que a igreja de judeus e


gentios deve viver de acordo com seu elevado chamado, de modo
que a iridescente sabedoria de Deus possa ser exposta aos
principados e autoridades nos lugares celestiais. Como se obterá
este propósito? A resposta está nos vv. 14–19, que assinalam para
o Espírito que comunica o poder e Cristo que habita no crente. Eles
capacitarão os crentes a obter uma sempre crescente, embora
necessariamente nunca completa, realização do segundo aspecto
de sua elevada meta, ou seja, aprender a conhecer o amor de Cristo
em todas as suas dimensões a fim de ser cheios de toda a plenitude
de Deus.

É muito claro o fato de que o apóstolo está ainda escrevendo a


respeito da igreja gloriosa. Na verdade, ele nos dá uma dupla
descrição do conceito igreja, chamando-a, primeiro, “toda a família
no céu e na terra”, e depois, “vós (crentes efésios) juntamente com
todos os santos”.

Igualmente, o fato de que aqui também, como nos vv. 1–13, Paulo
está centralizando nossa atenção na elevada meta, a mesma
palavra “meta”

usada por vários comentaristas, 89 é resultado das expressões:


“para que sejais capazes de compreender e conhecer; … para que
sejais cheios”. E

na verdade que ninguém pode desqualificar o adjetivo elevada como


modificativo de meta, visto que o que propósito seria mais elevado
que conhecer a largura e longitude e altura e profundidade do amor
de Cristo, a fim de ser cheio de toda a plenitude de Deus?

89 Por exemplo, Lenski, op. cit. , p. 497; e Simpson op. cit. , p. 82.

Efésios (Hendriksen)

196

Visto que a igreja em suas próprias forças jamais será capaz nem
sequer de fazer o menor avanço para conseguir este objetivo, o
apóstolo faz disso um tema de ardente intercessão. Começa
escrevendo: 14, 15. Por esta razão dobro meus joelhos diante do
Pai, de quem a família inteira no céu e na terra recebe seu
nome: a família do Pai. É

evidente que o apóstolo reassume a cláusula que começou em Ef


3:1. O

significado das palavras de abertura é como resultado o mesmo


aqui como no v. 1: visto que se outorgaram a gentios e judeus tão
ricas bênçãos — reconciliação com Deus, e reconciliação entre uns
e outros, e a construção de um santuário constituído por judeus e
gentios — por esta razão dobro meus joelhos diante do Pai. Nos
versículos intermediários 2–13 se acrescentou, não obstante, outro
elemento à primeira razão.

Paulo deixou claro que o Senhor o tinha favorecido altamente


outorgando-lhe o privilégio de proclamar aos gentios as boas novas
das insondáveis riquezas de Cristo, e capacitando-o a iluminar as
mentes e corações de todos os homens com relação ao fato de que
o maravilhoso mistério, agora revelado, está, da parte de muitos,
sendo manifestado num real diário viver, fato que surpreende e
instrui até os anjos. É
indubitável que a atuação de Deus para ele, Paulo, homem que em
si mesmo é tão indigno, o fez muito mais confiante na oração. As
bênçãos já recebidas lhe deram coragem para pedir coisas ainda
maiores.

Resumindo, podemos dizer, portanto, que o que o apóstolo quer


dizer quando aqui no v. 14 escreve “Por esta razão dobro meus
joelhos”, é o seguinte: É porque Deus manifestou uma atitude tão
bondosa para vós, efésios, e para mim, Paulo, que tenho a ousadia
e confiante acesso ao Pai no céu.

O apóstolo fala de dobrar os joelhos. A posição durante a oração


nunca é assunto indiferente. A postura desajeitada do corpo ao orar
é abominação ao Senhor. Por outro lado, é verdade também que as
Escrituras não prescrevem em lugar algum uma, e nada mais que
uma, posição correta. São indicadas diferentes posições da cabeça,
braços, mãos, joelhos, e do corpo em geral. Todas elas são
permissíveis quando

Efésios (Hendriksen)

197

simbolizam diferentes aspectos da atitude reverente do adorador,


sempre que realmente interpretem os sentimentos de seu coração.
No C.N.T.

sobre 1 e 2 Timóteo e Tito pp. 121 e 122 encontra-se uma lista de


várias posições para orar às quais as Escrituras fazem referência.
Quanto a fazê-lo de joelhos, além de Ef 3:14 veja-se 2Cr 6:13, Sl
95:6; Is 45:23; Dn 6:10; Mt 17:14; Mc 1:40; Lc 22:41; At 7:60; 9:40;
20:36; 21:5. Esta postura particular representa humildade,
solenidade, e adoração. É “ao Pai” 90 a Quem se apresenta esta
comovedora súplica, verdadeiro modelo de oração intercessória. No
entanto, deve ter-se em mente que a Pessoa a quem está dirigida é
nosso Pai não somente em virtude de nos ter criado (Ef 3:9), mas
também de nos ter redimido. Na verdade, a ênfase cai sobre o
aspecto redentor. É o Pai a quem tanto judeus como gentios têm
acesso por meio de Cristo, só mediante Ele, num Espírito (Ef 2:18).

Neste aspecto redentor ou soteriológico Ele, categoricamente, não é


o Pai de todos os homens.

Paulo dá uma descrição adicional do Pai nas seguintes palavras:


(dobro meus joelhos) “diante do patéra (Pai) de quem cada ou tudo
ou inteira (ou todos os)91 patriá no céu e na terra recebem seu
nome”. A semelhança fonética entre patēr (aqui acc. patéra) e patriá
é evidentemente um jogo de palavras a propósito. Cria um problema
de tradução. O outro problema, segundo se indica em nota 91, é se
a palavra pāsa que no original precede a patriá, deve-se traduzir
“cada” ou “toda”

ou “inteira”. As principais traduções que se sugeriram são as


seguintes: (1) cada família (A.R.V., R.S.V., N.E.B.).

Objeção: Num contexto onde a ênfase é posta do princípio ao fim da


unidade, de como judeus e gentios chegaram a ser um organismo
(Ef 90 A adição “de nosso Senhor Jesus Cristo”, no VRV 1960 e
outras, não está baseada na melhor evidencia textual. Pôde ter sido
interpolada de Ef 1:3, 7.

91 A omissão do artigo antes de πᾶσα não exclui a tradução “a


inteira” ou “toda a”. Esta omissão não é rara com substantivos
considerados já como nomeia próprios ou abstratos; é provável que
o primeiro seja o caso presente. Cf. nota 77. Assim Robertson
declara que em Ef 3:15 πᾶσα πατρία é “toda família”, embora “toda
a família” é possível (Gram. N.T. p. 772).

Efésios (Hendriksen)

198

2:14–22; 3:6; 4:4–6), e sendo uma ênfase tão marcada que o tema
de toda a epístola é a igreja gloriosa ou a unidade de todos os
crentes em Cristo, é tão duvidoso falar de cada família como o seria
em Ef 2:21 de falar de cada vários edifícios. Os que, apesar de tudo,
adotam esta tradução acham-se assediados por várias interrogantes
como: Quantas famílias tem Paulo em mente? Constituem
porventura os judeus uma família, e outra os gentios? Estão os
anjos formando uma família por si só ou temos que pensar em
várias famílias angélicas: uma família de

“principados” e outra família de “autoridades”, etc.?

(2) Toda paternidade (Phillips, Bruce). Simpson escreve que “Pai de


todas as paternidades” é tradução que tem base muito sólida ( op.
cit., p. 79).

Avaliação: Esta tradução tem certa atração; primeiro, porque o jogo


de palavras (paronomásia) do original pode-se conservar na
tradução, o qual chega a ser: “dobro meus joelhos diante do Pai de
quem toda paternidade no céu e na terra recebe seu nome”, ou algo
semelhante; segundo, porque sugere um belo e alentador
pensamento, que é totalmente verdadeiro em si, ou seja, que, ao
comparar a paternidade original do Pai celestial, qualquer outra
paternidade existente no universo é somente derivada e secundária,
um fraco reflexo. Se os pais terrestres amarem tão intensamente a
seus filhos e os atendem tão generosamente, quão maravilhoso
deve ser o amor e cuidado do Pai celestial! Este pensamento, por
sua vez, senta uma excelente base para a confiança de Paulo em
que a petição que está para começar será concedida.

Existem, não obstante, duas razões que me impedem de adotar


esta tradução: a. nada há no contexto que nos tenha preparado para
discussão do conceito abstrato de paternidade; e b. o significado de
paternidade para patriá é alheio a Lc 2:4, “José era da casa e família
de Davi”; e a At 3:25, “Em tua semente serão benditas todas as
famílias da terra”. Estas são as únicas passagens do Novo
Testamento em que ocorre o termo patriá. É evidente que mesmo
quando nem sempre se refere

Efésios (Hendriksen)
199

necessariamente a família no sentido estrito da palavra, embora


também possa indicar um grupo mais amplo de pessoas unidas por
um comum antecessor, tem sempre uma conotação concreta. Nas
referências dadas no M.M., p. 498, e no L.N.T. (A. e G), p. 642, a
fontes gregas contemporâneas, tem também um sentido concreto.

(3) A família inteira (N.V.I.: “toda a família”; nota de rodapé N.E.B.:


“sua família inteira”).

Avaliação: Considero que esta tradução é a correta. Está totalmente


em harmonia com o contexto. Na verdade, com palavras que
diferem muito levemente, o apóstolo acaba de dizer que todos os
que creem em Cristo, que judeus ou gentios, constituem agora uma
casa, sinônimo de uma família. Não só isto, mas também ainda
mencionou a relação do Pai com Sua casa ou família. Suas palavras
foram: “porque por meio dele ambos temos nosso acesso num
Espírito ao Pai. Assim que não sois mais estrangeiros e forasteiros,
mas sois … membros da família de Deus” (Ef 2:18, 19). Em
passagens subsequentes voltou a enfatizar este mesmo
pensamento, embora usando diferentes metáforas (Ef 2:20–22; 3:6).
Ele o fará novamente em Ef 4:1–6. Foi, na verdade, esta mesma
circunstância que encheu seu coração de grande regozijo.

A única desvantagem que esta tradução tem é que não mostra a


conexão obviamente intencionada entre patēr (Pai) e patriá (família),
semelhança fonética quase impossível de reproduzir em português
e reter ao mesmo tempo o significado das palavras no original. Quer
se abandone a intenção, em cujo caso a tradução de NVI ou alguma
outra semelhante, é ainda a melhor que se ofereceu: “O Pai … de
quem toda a família no céu e na terra toma seu nome”, ou se olhe
favoravelmente minha solução: “o Pai, de quem a família inteira no
céu e na terra recebe seu nome: a família do Pai”, deixo ao leitor
fazer sua própria escolha.

Talvez alguém poderia sugerir alguma forma mais adequada.


Qual é o propósito de Paulo ao vincular este modificativo às
palavras “o Pai”? Respondo: Ele provavelmente deseja indicar que
se é verídico que a relação dos crentes com seu Pai celestial é tão
estreita que

Efésios (Hendriksen)

200

constituem uma família, cujo nome — quer dizer, existência,


essência, caráter — como “a família do Pai” deriva de seu nome
“Pai”, então pode-se confiar neste Pai para a provisão de qualquer
necessidade. Ver Mt 7:11; Lc 11:13. Este modificativo, portanto,
longe de ser de pouca importância, proporciona uma introdução
adequada para a petição que Paulo deve apresentar. Outro ponto
que não deve ser passado por alto, ou seja, que, de acordo com a
cláusula, “a família no céu e na terra”, “a família do Pai”, é uma só.
Falamos da igreja militante na terra e a igreja triunfante no céu, mas
estas não são duas igrejas. São uma igreja, uma família. É a favor
desta igreja única que Cristo governa o universo inteiro (Ef 1:22, 23).
Se até para nós que vivemos no tempo de viagens a jato,
transmissões de onda curta, retransmissões automáticas de sinais
por meio de satélites sincronizados de e para qualquer lugar do
mundo, as distâncias parecem esfumar-se, de modo que lugares
que antigamente eram considerados tão afastados agora vieram a
ser vizinhos, não nos deveria ser tão difícil entender que aos olhos
de Deus que criou todas as coisas a igreja dos redimidos em glória
e a igreja dos redimidos na terra constituem uma só família. Na
verdade, nada achamos nas Escrituras que apoie a crença de que
haja contato direto entre os mortos e os que vivem. 92 Existe, não
obstante, contato indireto (Lc 15:7). Além disso, os nomes de todos
os crentes, quer estes estejam ainda na terra ou já no céu, estão
escritos num só livro da vida, e gravados no peitoral do único Sumo
Sacerdote. Também o Espírito, embora em diferente medida, habita
no coração de todos os crentes. Todos têm um Pai, de quem são
filhos por adoção (Ef 1:5; To. 8:15; Gl 4:5). Cristo, embora seja o
Filho por natureza, não Se envergonha de reconhecer estes filhos
por adoção como Seus irmãos (Hb 2:11). Cada dia os louvores da
igreja inteira, nos céus e na terra, vão dirigidas ao próprio Deus
Triúno.

O livro do Apocalipse mostra de forma especial quão estreitos são


os laços que unem aquele setor da igreja que está nos céus com a
parte 92 Veja-se o capítulo dedicado a este tema em meu livro La
Biblia y la vida venidera, T.E.L.L.

Efésios (Hendriksen)

201

que ainda está na terra. Na igreja primitiva esta gloriosa verdade


não era letra morta. Também nos tempos posteriores há aqueles
que a expressaram de forma preciosa. Assim, por exemplo, aquela
garotinha, uma de sete irmãos, dos quais dois tinham morrido,
estava com toda razão quando, segundo o famoso poema do
Wordsworth, seguia afirmando, “somos sete”. O leitor lembra, sem
dúvida, o final:

“Quantos sois vós?” foi o que eu disse,

“Se no céu dois já estão hoje em dia?”

Disposto a pequena me respondeu,

“Ó, meu amo, somos sete ainda”.

“Mas se estiverem mortos; esses dois morreram!

suas almas no céu estão hoje em dia!”

Era como falar com vento inutilmente;

A pequena sustentava firmemente,

Dizia: “Não, somos sete ainda!”


Quando recitamos o “Credo apostólico” e chegamos à linha “(creio)
na comunhão dos santos”, teremos fracassado em conceder todo o
significado a esta parte da confissão se não entendermos que
estamos confessando que “… vos aproximastes ao monte Sião, e à
cidade do Deus vivo, a Jerusalém a celestial, e às hostes
inumeráveis de anjos (categoria diferente de seres mas
interessados vitalmente em nossa salvação), à assembleia geral e
igreja dos primogênitos que estão inscritos no céu, e a Deus, o juiz
de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12:22, 23).
Teremos fracassado se não apreciarmos a memória daqueles que
em outro tempo foram nossos líderes, refletimos no êxito de suas
vidas, e imitamos sua fé (Hb 13:7). Teremos errado o alvo se não
tivermos em mente e nos confortamos no fato de que hoje também
o Cristo ascendido está em Espírito, caminhando na terra no meio
dos castiçais (Ap 1:12, 13); e se não esquadrinharmos mediante a fé
através das portas abertas do céu (Ap 4, 5, 12, 15, 19), e
percebermos

Efésios (Hendriksen)

202

a unidade com aqueles que saíram da grande tribulação e, tendo


lavado suas vestes no sangue do Cordeiro, vivem e reinam com
Cristo em glória (Ap 7:13–17; 20:4).

Quanto à própria oração intercessória, pode-se observar seu


desenvolvimento para um clímax de transcendental importância. É,
por assim dizer, uma escala formada por três degraus, uma escada
com três travessas, por meio dos quais alguém é levado até as
próprias alturas dos céus. As três partes da oração podem ser vistas
imediatamente, uma vez que os limites entre elas estão assinalados
claramente pelas palavras

“para que” nos vv. 17 e 19. 93

16, 17a. Paulo introduziu esta comovedora oração trinitária dizendo:


“Por esta razão dobro meus joelhos diante do Pai, de quem a família
inteira no céu e na terra recebe seu nome: a família do Pai”, e
prossegue, (orando) que conforme as riquezas de sua glória vos
conceda ser fortalecidos com poder por meio de seu Espírito
no homem interior, para que Cristo habite em vossos corações
por meio da fé. Deus é glorioso em todos os Seus atributos,
segundo se indicou. Veja-se sobre Ef 1:17. Seu poder (Ef 1:19; 3:7)
é infinito; Seu amor (Ef 1:5; 2:4) é grande; Sua misericórdia (Ef 1:4)
e Sua graça (Ef 1:2, 6; 2:7, 8) são ricas; sua sabedoria (Ef 3:10) é
iridescente; etc. Observe-se especialmente expressões tais como
“as extraordinárias riquezas de sua graça (expressas) em bondade”
(Ef 2:7) e compare-se “as insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3:8).
Nunca é correto enfatizar um atributo às custas de outro. 94 Hodge
está certo ao declarar: «Não se procura Seu 93 No original isto se
expressa por ἵνα no sentido final destes dois versículos. No começo
do v. 16 ἵνα

é claramente não-final.

94 Não é talvez Lenski culpado deste erro ao declarar, “A


onipotência não opera no plano espiritual, o faz a graça e nada mais
que a graça”? ( op. cit. , p. 418; e cf. pp. 426, 475). Na p. 500 este
eminente comentarista, cujas obras foram uma bênção para muitos,
censura a Calvino — como o faz com bastante frequência — pelo
que ele considera um ponto de vista errôneo. Mas se “a onipotência
não opera no plano espiritual”, teria se salvo Paulo? teria se salvo
sequer um solo pecador? No que respeita a “obra da onipotência no
plano espiritual” vejam-se as seguintes passagens do Novo
Testamento (que poderiam ser suplementados facilmente pelos do
Antigo Testamento): At 18; 10:38; Rm 1:16; 15:13, 19; 1Co 1:18, 24;
2:4, 5; 4:20; 5:4; 2Co 4:7; 6:7; 12:9; 13:4; Ef 1:19; 3:16; 6:10; Cl

Efésios (Hendriksen)

203

poder excluindo Sua misericórdia, nem de Sua misericórdia


excluindo Seu poder, mas é todo o conjunto o que O torna glorioso,
o objeto próprio de adoração» ( op. cit., p. 181). Paulo ora, portanto,
que todos os esplendorosos atributos de Deus sejam
abundantemente aplicados ao progresso espiritual daqueles a quem
escreve. De forma especial pede que Aquele que, segundo se
mostrou em Ef 1:19 (cf. Ef 3:7, 20; Cl 1:11), é a própria fonte de
poder em suas diversas manifestações, conceda aos efésios que,
de acordo com a medida da glória de Deus, sejam fortalecidos com
poder por meio de Seu Espírito no homem interior. Este

“homem interior” não é a parte racional do homem contrastada com


os baixos apetites deste. A terminologia não é a mesma de Platão
ou dos estoicos. Ao contrário, o “homem interior” é o oposto ao
homem “de fora” (ou: exterior). Cf. 2Co 4:16. O primeiro se esconde
à observação pública. O último está à vista de todos. É nos
corações dos crentes onde o princípio da nova vida se implantou
pelo Espírito Santo. Veja-se sobre Ef 3:17. O escritor está orando
então pelo seguinte, que se exerça dentro destes corações tal
influência diretiva que possam ser fortalecidos cada vez mais com o
Espírito que lhes foi comunicado. Veja-se sobre Ef 1:19; cf. At 1:8.
Outra forma de expressar o mesmo pensamento é: “que Cristo
habite em vossos corações por meio da fé”. É errônea a ideia,
bastante popular entre alguns comentaristas, de que primeiro, por
um pouco de tempo, o Espírito comunica fortaleza aos crentes,
depois do que chega um momento em que Cristo estabelece sua
morada nestes corações já fortalecidos. Cristo e o Espírito não
podem ser separados assim. Se os crentes têm o Espírito dentro de
si, então têm a Cristo dentro de si, o que é claro segundo Romanos
8, 9, 10. “Em Espírito” é como o próprio Cristo habita no ser interior
do crente. Cf. Gl 2:20; 3:2. O coração é a fonte central, tanto das
disposições como dos sentimentos e pensamentos (Mt 15:19; 22:37;
Fp 1:7; 1Tm 1:5). DEle emana a vida (Pv 4:23). Este 1:11; 2Tm 1:8;
1Pe 1:5; Ap 19:7; 21:22. Na verdade, quando o Todo-Poderoso
revela Seu poder, está revelando Seu ilimitado poder, Sua
onipotência!

Efésios (Hendriksen)

204
precioso habitar de Cristo é “por meio da fé”, que equivale à mão
que aceita os dons de Deus. A fé é a total rendição a Deus em
Cristo, de modo que se espera tudo de Deus e se entrega tudo a
Ele. Ela opera por meio do amor (Gl 5:6).

É proveitoso observar que a extensa lista de exortações (Ef 4:1–6:7)


por meio das quais o apóstolo vai insistir com os efésios a levar a
desenvolver sua salvação (Fp 2:12) acha-se incrustada entre duas
referências de oração; a primeira, aqui em Ef 3:14–19, a própria
oração de Paulo; a segunda, em Ef 6:18ss., uma exortação à
oração, em cuja relação Paulo lembra aos efésios que assim como
ele ora por eles, eles por sua vez, devem orar por ele. É como se o
escritor dissesse: Sem dúvida, os crentes devem esforçar-se por
alcançar sua meta. Têm que esforçar-se ao máximo. Não obstante,
devem lembrar sempre que à parte do poder do Espírito Santo —
ou, dizendo-o em outra forma, sem que Cristo habite neles — serão
absolutamente impotentes. “Com temor e tremor continuai
desenvolvendo a vossa salvação; porque Deus é aquele que está
operando em vós tanto o querer como o fazer por seu beneplácito”
(Fp 2:12, 13). E uma vez que tanto — em certo sentido tudo —
depende de Deus, segue-se que a oração por seu poder que
comunica fortaleza é de suma importância.

O propósito imediato do fortalecimento e da necessidade do habitar


internamente é declarado em palavras que indicam, por assim dizer,
o segundo degrau desta escala de oração:

17b–19a. para que vós, estando arraigados e fundados em


amor, 95

sejais capazes, firmes, juntamente com todos os santos, de


compreender qual seja a largura e longitude e altura e
profundidade, e conhecer o amor de Cristo que ultrapassa o
conhecimento. Sendo que a fé opera pelo 95 Na minha opinião, a
construción gramatical indica que a frase “arraigados e fundados”
pertence à cláusula de propósito introduzida por “para que” ao
princípio do v. 18 no texto grego. O trajeto da partículo ἵνα ou, se se
preferir, a situação proléptica das partículas, não é rara. Quanto à
frase “em amor”, nem aqui nem em Ef 1:4, onde também ocorre
(veja-se nota 18), necessita a cláusula precedente algum
modificativo adicional.

Efésios (Hendriksen)

205

amor, e equivale sem ele a nada (1Co 13:2), é fácil ver que se Cristo
estabelece Sua presença, habitando pela fé no coração, os crentes
estão então firmemente arraigados e fundados em amor, um amor
para com Deus em Cristo, para com os irmãos e irmãs no Senhor,
para com o próximo, e até para com os inimigos. Além disso, este
amor, por sua vez, é necessário a fim de compreender o amor de
Cristo por aqueles que O

amam. E na medida que se expande a visão dos crentes no relativo


a este amor procedente de Cristo, o amor deles por Ele e sua
habilidade de compreender o amor dEle para eles também
aumentará, etc. Desta forma estabelece-se no universo a mais
bendita e poderosa reação em cadeia.

Tudo começou com o amor de Deus pelos efésios em Cristo (Ef 1:4,
5; 1Jo 4:19). É como um círculo fechado, jamais terá fim.

As palavras, “arraigados e fundados” sugerem uma dupla metáfora:


a de uma árvore e a de um edifício. Para assegurar a estabilidade
de uma árvore requerem-se as raízes, as quais, estendem-se em
proporção à extensão dos ramos. Semelhantemente, é necessário
um fundamento, um fundamento que adequadamente sustente a
superestrutura. A árvore assim firmemente enraizada, que
representa todos os que amam ao Senhor, florescerá e produzirá o
fruto correspondente. Do mesmo modo, o edifício solidamente
fundado continuará crescendo para chegar a ser um templo santo
no Senhor, propósito que será cumprido.

Tal fruto e propósito é “compreender qual seja a largura e longitude


e altura e profundidade, e conhecer o amor de Cristo”. Sendo que tal
compreensão ou aprovação96 e conhecimento podem ser postos
em prática somente por aqueles que se acham arraigados e
fundados em amor, é evidente que a referência não é à uma
atividade puramente mental. É um conhecimento experimental,
conhecimento do coração, aquele que Paulo tem em mente. E
sendo que o coração é a própria alma e centro da vida e influi em
todas as atividades internas da vida e as expressões externas, o
que se indica é uma compreensão e conhecimento 96 M.M. p. 328,
declara que este é o uso regular que Paulo faz do verbo em ativo e
passivo.

Efésios (Hendriksen)

206

com todo o ser, isto é, com todas as “faculdades” do coração e da


mente.

E, na verdade, não se exclui a apropriação mental.

Não deve ser preciso assinalar que quando o apóstolo fala de ser
capazes (exercendo grande fortaleza inerente; veja-se sobre Ef
1:19) de compreender … e conhecer, não pensa em dois sujeitos
mas em um, ou seja, o amor de Cristo. Tão grande é esse amor que
ninguém será jamais capaz de apropriar-se dele e conhecê-lo
inteiramente por si mesmo, é por isso que diz “juntamente com
todos os santos”. Os santos se comunicarão uns aos outros suas
descobertas e experiências com relação a ele, no espírito do Sl
66:16 “Vinde, escutai, todos os que temeis a Deus, e contarei o que
tem feito por minha alma!” Esta atividade de ir conhecendo cada vez
mais a respeito do amor de Cristo começa aqui na terra, e
continuará, naturalmente, na vida vindoura. O fato de que Paulo
nesta oração, em particular, não se esqueceu da igreja no céu é
claro segundo o versículo 14. O elevado ideal é chegar a conhecer a
fundo os profundos afetos de Cristo, Sua ternura autossacrificial,
Sua compaixão ardente, e Suas maravilhosas manifestações. Tudo
isso está incluído no amor, mas não o esgota. Paulo ora para que os
leitores o apropriem para si e conheçam este amor em toda sua
largura e longitude e altura e profundidade! Aqui, conforme vejo, o
expositor deve pôr-se em guarda.

Não deve separar esta expressão, de modo que a atribuir diferentes


significados a cada uma destas dimensões. O que quer dizer é
simplesmente isto: Paulo ora para que os efésios (e todos os
crentes através dos séculos) ponham tanto interesse e zelo na
consecução de seu objetivo que jamais cheguem ao ponto de dizer:
«Chegamos ao final.

Agora já sabemos tudo o que é necessário conhecer a respeito do


amor de Cristo». Assim como Abraão recebeu o convite de olhar
aos céus e contar as estrelas, para que entendesse que era
impossível enumerá-las; e assim como hoje em dia nos insiste por
meio de um hino a contar nossas muitas bênçãos e enumerá-las
uma ar uma a fim de que sua infinita quantidade aumente nossa
gratidão e assombro, assim também o apóstolo ora para que os
leitores consigam concentrar-se tão

Efésios (Hendriksen)

207

intensamente e de forma tão exaustiva na imensidão e glória do


amor de Cristo que cheguem à compreensão de que este amor
ultrapassa o conhecimento. O coração e mente finitos nunca
poderão chegar a uma cabal compreensão ou conhecimento do
amor infinito. Mesmo na vida vindoura Deus jamais dirá aos Seus
redimidos: «Agora eu vos dei a conhecer tudo o que se pode dizer a
respeito deste amor. Fecho o livro, porque a última página foi lida».
Sempre haverá cada vez mais e ainda mais a dizer. E esta será a
bênção da vida eterna.

Isto nos introduz ao clímax. Chegamos agora no final da escala:


19b. para que sejais cheios até toda a plenitude de Deus. Cf.

sobre Ef 4:13. Em outras palavras, o conhecimento já descrito é de


caráter transformador: “E todos nós, com o rosto desvendado,
contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos
transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como
pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3:18). Contemplar a glória do amor de
Cristo significa ser transformado progressivamente nesta imagem.
Em certo sentido, este processo de transformação cessará no
momento da morte.

No preciso instante em que a alma do crente entre no céu, terá lugar


uma grande mudança, e ele, que instantes antes era ainda um
pecador, um pecador salvo, já não será mais pecador, mas
contemplará o rosto de Deus em justiça. Será então absolutamente
perfeito, totalmente impecável, obediente em todos os aspectos à
vontade do Pai (Mt 6:10; Ap 21:27). Para “todos os santos” cessará,
no sentido já indicado, na volta de Cristo. Em outro sentido, não
obstante, o processo de transformação não cessará: o crescimento,
em aspectos tais como conhecimento, amor, alegria, etc., prolongar-
se-á pela eternidade. Tal crescimento não é inconsistente com a
perfeição. Até na eternidade os crentes continuarão sendo criaturas;
portanto, finitas. O homem jamais chega a ser Deus. Deus, no
entanto, permanece para sempre infinito. Já na glória, em condição
de total ausência de pecado e morte, os indivíduos finitos se acham
em contato contínuo com o Infinito, porventura não é possível que o
finito não faça progresso nos assuntos

Efésios (Hendriksen)

208

que já se mencionaram? Quando “a plenitude de Deus” — todos


aqueles atributos divinos comunicáveis dos quais Deus está cheio:
amor, sabedoria, conhecimento, bem-aventurança, etc. — é, por
assim dizer, esvaziado em vasos de limitada capacidade, não
aumentará sua capacidade? 97 É indubitável que os crentes nunca
serão cheios com a plenitude de Deus no sentido de que cheguem a
ser Deus. Mesmo os atributos comunicáveis, na medida que existem
em Deus, são incomunicáveis. Mas o que Paulo pediu é que os
leitores sejam cheios até toda a plenitude de Deus. A perfeição, em
outras palavras, também naqueles assuntos como conhecimento,
amor, bem-aventurança, tem que ficar sempre como a meta; para
chegar a ser cada vez mais como Deus, o ideal final. O que Paulo
está pedindo, portanto, com referência especial, naturalmente, à
igreja que ainda se acha na terra, embora a resposta à oração
nunca cessará, não é nada estranho, nada novo. É uma petição
semelhante à exortação de Ef 5:1, 2 “Sede pois imitadores de Deus,
como filhos amados, e andai em amor, assim como Cristo vos amou
e se deu a si mesmo por nós, oferta e sacrifício a Deus, em
fragrante aroma”.

E outra vez: “E foi ele quem deu a alguns (ser) apóstolos … a fim de
equipar inteiramente os santos para a obra de ministério … até que
todos cheguemos à unidade da fé e do claro conhecimento do Filho
de Deus, à maturidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo”
(Ef 4:11–13).

Cf. Cl 2:9, 10.

Doxologia

20, 21. Quando o apóstolo examina as maravilhosas graças de


Deus tornadas eficazes mediante o supremo sacrifício do Seu
amado Filho, introduzindo em Sua própria família aos que em outro
tempo eram filhos da ira e lhes dando “a ousadia de confiante
acesso”, o privilégio de 97 No que respeita a todo o tema da
possibilidade de desenvolvimento na vida vindoura, permito-me
recomendar outra vez aos leitores meu livro La Biblia y la vida
venidera, edición T.E.L.L. 1970, pp.

101–106.

Efésios (Hendriksen)

209

contemplar em todas as suas gloriosa dimensões o amor de Cristo,


e a inspiradora tarefa de instruir os anjos nos mistérios da
calidoscópica sabedoria de Deus, sua alma, submersa em
maravilha, amor e louvor, expressa a seguinte sublime doxologia:
Agora a ele que é poderoso para fazer imensamente mais que
tudo o que pedimos ou imaginamos, conforme o poder que age
dentro de nós, a ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus
por todas as gerações para sempre jamais. Amém.

Imediatamente se percebe claramente que esta doxologia não só é


a conclusão adequada à oração mas também uma expressão de
gratidão e louvor muito apropriado por todas as bênçãos tão
generosamente derramadas sobre a igreja, segundo se descreveu
em todo o conteúdo precedente desta carta. Além disso, é a
maneira como Paulo acostuma dar a conhecer sua própria firme
convicção de que embora em sua oração pediu muito, Deus é capaz
de conceder até muitíssimo mais. Ao chegar a este ponto o
apóstolo, havendo-se deleitado em superlativos (veja-se C.N.T.
sobre 1 e 2 Ti. e Tito, p. 89), fala com muita firmeza.

Literalmente diz, “Agora a ele — isto é, ao Deus Triúno — que é


capaz de fazer tudo de forma superabundante, para além do que
possamos pedir ou imaginar (ou: pensar, conceber)”, etc. A fim de
apreciar inteiramente o que nestas palavras se implica, faz-se
necessário observar que o raciocínio de Paulo tomou os seguintes
passos: a. Deus é poderoso para fazer tudo o que lhe pedimos; b. é
até capaz de fazer o que não nos atrevemos a pedir mas sim
meramente imaginar; c. pode fazer mais que isso; d. muito mais; e.
muitíssimo mais. Além disso, o apóstolo acrescenta imediatamente
que não se está referindo a coisas abstratas. A onipotência revelada
por Deus ao responder a oração não é invenção da imaginação,
mas sim obra em consonância com (“conforme a”) aquela operação
de Seu poder que já está operando “dentro de nós nos tirou das
trevas nos introduzindo à luz, transformou a filhos da ira em muito
amados filhos e filhas, efetuou a reconciliação entre Deus e o
homem, entre judeus e gentios. O poder do Deus infinito foi aquele
que se

Efésios (Hendriksen)

210
exerceu ao levantar Cristo dentre os mortos, e é aquele que está
agora operando em nossa própria, e paralela, ressurreição
espiritual.

Portanto, Àquele que não precisa esforçar-se extremamente para


cumprir nossos desejos, mas o faz facilmente “seja a glória na igreja
e em Cristo Jesus”. Em outras palavras, seja rendido a Deus toda
homenagem e adoração pelo esplendor de Seus maravilhosos
atributos

— poder (Ef 1:19; 2:20), sabedoria (Ef 3:10), misericórdia (Ef 2:4),
amor (Ef 2:4), graça (Ef 2:5–8); etc. — manifestados na igreja, que é
Seu corpo, e em Cristo Jesus, Sua eminente cabeça. (Referente ao
conceito glória, veja-se C.N.T. sobre Filipenses, p. 76, nota 43). O
ardente desejo do apóstolo é que o louvor perdure “por todas as
gerações”. A palavra geração, além de outros significados, possui
duas conotações especiais que devem ser consideradas na relação
presente: a. a soma total dos contemporâneos (Mt 17:17); e b. a
duração de suas vidas na terra, ou seja, o tempo que transcorre
entre o nascimento dos pais e o dos filhos.

No caso presente, como no v. 5 e mais acima, refere-se a este


último sentido cronológico, visto que a frase “por todas as gerações”
recebe o reforço de “para sempre jamais”. A última expressão
significa exatamente o que diz. Refere-se ao transformar os
instantes do passado ao presente e para o futuro, continuando sem
cessar e sem chegar jamais a um fim. Foi curiosamente definido por
alguns como indicação do oposto ao tempo”, “tempo sem mudar”,
“existência sem tempo”, etc.

Mas quanto a criaturas e suas atividades, a Bíblia não ensina em


lugar algum tal existência sem tempo. A ideia popular, que também
se acha em alguns comentários e na poesia religiosa, a saber, que
ao morrer —

ou segundo outros, no momento da volta de Cristo — os crentes


entrarão numa existência sem tempo, não tem apoio nas Escrituras,
nem sequer em Ap 10:6 interpretado corretamente. Se os crentes
adquirirem na vida vindoura um atributo divino “incomunicável”, ou
seja, a eternidade por que não os outros também como por exemplo
a “onipresença”? Para mais sobre isso, veja-se a página anterior,
nota 97.

Efésios (Hendriksen)

211

A bendita atividade da qual os crentes provam as primícias até


agora, mas que será sua parte em grandeza superabundante e pura
durante seu estado intermediário, e até de forma mais acentuada no
dia da grande consumação, é a atividade da qual o apóstolo está
profundamente preocupado e pela qual ora intensamente. Esta
atividade consiste, portanto, no seguinte: que para todo o sempre os
membros da família do Pai atribuirão glória e honra a seu Criador-
Redentor, cujo amor, apoiado por seu ilimitado poder com que
levantou Cristo dentre os mortos, levantará seus corações a cada
vez mais altos planos de inexprimíveis deleites e reverente gratidão.
Enfim, em sua condição gloriosa, suas mentes já não mais
obscurecidas pelo pecado, avançarão de um cimo de descobertas
espirituais a outro, e logo à próxima, numa série sem-fim de
ascensões. Suas vontades, libertadas totalmente então das cadeias
escravizantes da voluntariedade, e fortalecidas com uma constante
e crescente provisão de poder, acharão cada vez mais avenidas de
prazerosa expressão. Em resumo, a salvação que se reserva aos
filhos de Deus assemelha-se às águas de saúde da visão de
Ezequiel (Ez 47:1–

5), nas quais, ao entrar, chegam aos tornozelos, logo aos joelhos,
mais para dentro até os lombos, e finalmente já não se podem
passar senão a nado. E por causa deste constante progresso em
deleite, a resposta progressiva em louvor jamais cessa, visto que

“Quando houvermos no céu dez mil anos desfrutado,

Esplendentes como o sol em seu brilhar,


Não nos restam menos dias para louvar ao Deus amado

Que no ponto venturoso ao começar”.

(John Newton)

Quando o Espírito Santo inspirou Paulo, o prisioneiro, a escrever


esta bela doxologia, o coração do apóstolo foi impulsionado pelo
mesmo Espírito a expressar sua profunda aprovação por meio do
solene

“Amém”.

Efésios (Hendriksen)

212

Resumo de Efésios 3

Paulo dirige agora sua atenção à alta meta da igreja. Esta meta tem
dois objetos: a. declarar a sabedoria de Deus (vv. 1–3) e b. aprender
cada vez mais a respeito do amor de Cristo (vv. 14–21). Nenhum é
possível sem o outro.

Paulo chega à ideia da sabedoria de Deus por meio da

contemplação do “mistério” que havia sido revelado a ele como a


nenhum outro. A palavra mistério é usada para indicar uma verdade
que se não tivesse sido revelada divinamente teria permanecido
secreta. No caso presente e frequentemente, ao usar a palavra
mistério, Paulo pensa no fato de que, de acordo com o eterno plano
de Deus, com relação à vinda do Messias e o derramamento do
Espírito, a antiga teocracia judaica seria totalmente abolida e em
seu lugar se levantaria um novo organismo no qual gentios e judeus
ocupariam lugares de perfeita igualdade. Veja-se o resumo do
capítulo 1, Nº. (7). Paulo diz: “A mim, o menos importante de todos
os santos, foi dada esta graça: proclamar aos gentios as boas novas
das insondáveis riquezas de Cristo, e esclarecer a todos qual é a
administração do mistério que pelas idades esteve oculto em Deus,
que criou todas as coisas” (Ef 3:8, 9). Ao meditar o apóstolo no fato
de que este misterioso organismo, uma igreja congregada de dois
grupos antes hostis, a saber, judeus e gentios, realmente estava
sendo estabelecido, e que o instrumento que Deus estava usando
para obtê-lo era nada menos que um inteiramente inverossímil, a
saber, a cruz, objeto de zombaria geral e ridículo, viu nisso uma
manifestação da sabedoria de Deus, ou seja, o maravilhoso poder
divino para reconciliar aparentes irreconciliáveis, para levar a cabo o
plano de graça preparado desde a eternidade. Por inspiração,
insiste que esta divina sabedoria seja dada a conhecer por meio da
igreja a todos os anjos eleitos no céu. Que a igreja de judeus e
gentios, esforçando-se para ser cada vez mais unida, seja um
espelho «no qual os anjos observem a surpreendente sabedoria

Efésios (Hendriksen)

213

de Deus desdobrada de uma forma antes desconhecida para eles»

(Calvino).

Não só a sabedoria de Deus é desdobrada na formação da igreja do


Novo Testamento, mas também o é seu amor em Cristo. O apóstolo
eleva uma oração que comove por sua profundidade de sentimento,
seu caráter trinitário e sua concentração no amor de Cristo. Ora
para que por meio do Espírito de Cristo que habita nos crentes, eles,
esforçando-se como se fossem um só homem, possam penetrar
cada vez mais profundamente nos mistérios do amor transformador
de Cristo, a fim de compreender aquele amor em todas as suas
dimensões, e entender que é tão rico e maravilhoso que jamais
poderá ser inteiramente conhecido.

O verdadeiro idealismo que sempre se esforça “em ser cheio até


toda a plenitude de Deus” é ao mesmo tempo a coisa mais prática
da terra. Quanto mais os crentes, “arraigados e fundados em amor”
(caso contrário não seriam capacitados), fizerem um estudo
devocional deste amor de Cristo, tanto mais serão cheios do ardente
desejo de falar com todos a respeito dEle. Assim os pecadores
serão ganhos para Cristo, e o Deus Triúno será glorificado. Com o
pensamento da glória de Deus em seu coração, e expressando-o
abertamente, Paulo fecha este capítulo.

Efésios (Hendriksen)

214

EFÉSIOS 4:1-16

ORGÂNICA UNIDADE (EM MEIO DE DIVERSIDADE) E O

CRESCIMENTO EM CRISTO

Tema: A igreja gloriosa

II. Exortação descrevendo e insistindo a todos à

O rgânica unidade (em meio de diversidade) e o crescimento em


Cristo

É tão claro como a luz do dia e admitido universalmente que esta


seção, especialmente nos versículos de abertura, está insistindo na
unidade. Além disso, esta unidade não é externa nem mecânica,
mas interna e orgânica. Não é imposta por autoridade exterior, mas
por obra do poder de Cristo que habita nos crentes, opera de dentro
do organismo da igreja. Portanto, os que em seu afã ecumênico
anelam apagar todos os limites denominacionais para criar uma
gigantesca super-igreja não encontram apoio algum aqui. Por outro
lado, tampouco o podem achar os que exageram as diferenças e até
obstaculizam a cooperação eclesiástica quando esta é possível sem
sacrificar nenhum princípio real.

Os primeiros seis versículos poderiam resumir-se da seguinte


maneira: a igreja é espiritualmente uma; portanto, que seja
espiritualmente uma! Isto não implica contradição alguma visto que
significa que os crentes devem “fazer todo o esforço possível para
preservar a unidade comunicada pelo Espírito Santo mediante o
vínculo de (que consiste em) a paz”.

Não obstante, esta unidade não é uma em que o indivíduo torna-se


meramente um “dente de uma roda”. A iniciativa pessoal ou a
expressão individual, longe de ser esmagada, recebe estímulo,
conforme o indicam claramente os vv. 7–12, 16. Também a unidade
não é um fim em si

Efésios (Hendriksen)

215

mesma. Não consiste num desejo superficial de estar juntos sob o


lema de:

“Teus amigos são os meus, e meus amigos os teus;

e quanto mais nos juntemos, tanto mais felizes seremos”.

Ao contrário, é uma unidade que tem o propósito de constituir-se em


bênção de uns com os outros, de modo que a igreja possa ser
edificada, e assim, ser uma bênção para o mundo. Há trabalho a
realizar, conforme o mostra claramente o v. 12. E para levar a cabo
a tarefa atribuída, os crentes devem cooperar, contribuindo cada um
com sua parte para o crescimento interno da igreja. Isto se torna
ainda mais necessário ao considerar que os oponentes são muito
ardilosos (v. 14). É

evidente que nesta seção a ideia de crescimento é tão importante


como a de unidade. Se houvesse alguma diferença quanto à ênfase,
eu diria que a primeira é ainda mais proeminente, especialmente
nos vv. 12–16. No versículo 15 o apóstolo expressa a ideia de
crescimento nas seguintes palavras: “… para que nós, nos
apegando à verdade em amor, cresçamos em todas as coisas
naquele que é a cabeça, a saber, Cristo”.
Portanto, considerando tudo o que foi dito, pareceria que o subtítulo
unidade orgânica (em meio de diversidade) e crescimento em Cristo
provê a verdadeira chave do conteúdo desta seção.

1. O apóstolo começa dizendo: Eu, portanto, o prisioneiro no


Senhor, suplico-vos que vivais vidas dignas da vocação com
que fostes chamados. Paulo “o prisioneiro” (aqui “no Senhor”; cf.
2Tm 1:8; em Ef 3:1 e em Fm 1:9 “de Cristo Jesus”, sem diferença
essencial quanto a significado) foi fiel ao seu encargo, como o
demonstra o fato de sua prisão, consequência de sua lealdade.
Portanto, ele é o mais qualificado para insistir com os leitores a ser
igualmente fiéis, isto é, a “viver vidas dignas de sua vocação” (cf. Fp
1:27; Cl 1:10; 1Ts 2:12; 3 Jo 6). Tomara que seu comportamento
esteja à altura das responsabilidades que seu novo relacionamento
com Deus lhes impôs e das bênçãos que este

Efésios (Hendriksen)

216

chamado eficaz (a respeito disso veja-se sobre Ef 1:18) trouxe sobre


eles. No que respeita a estas responsabilidades, os leitores tinham
sido predestinados para adoção (Ef 1:5). Portanto, sua obrigação é
comportar-se na forma que se espera dos filhos adotados pelo Pai
celestial: crendo em Seus ensinos, confiando em Suas promessas,
e fazendo Sua vontade.

E quanto às bênçãos, estas foram descritas nos capítulos


anteriores: eleição, redenção, o ser selados, revivificados,
reconciliados não só com Deus, mas também com os que em outro
tempo foram seus inimigos, tendo liberdade de acesso ao trono da
graça, etc. É indubitável que se espera deles uma vida de gratidão,
abundando em boas obras como fruto! É como se Paulo dissesse:
«Se vós sois crentes, e desejais ser conhecidos como tais, vivei
como crentes». Faz lembrar a maneira como Mardoqueu respondeu
às acusações daqueles que o acusavam de recusar obedecer a
ordem do rei para inclinar-se diante de Hamã. Ele simplesmente
respondeu: «Sou judeu» (implicado em Et 3:4). «Deves ser o que
és!» é o que Paulo parece dizer. Continua este pensamento
acrescentando:

2, 3. com toda humildade e mansidão, com paciência,


suportando-vos uns aos outros em amor, fazendo todo esforço
para preservar a unidade comunicada pelo Espírito pelo vínculo
(que é) a paz. A sétupla descrição da vida cristã é muito parecida
com a que se encontra na epístola gêmea (veja-se Cl 3:12–15). 98
Para evitar repetição me permito, como resultado, pedir que o leitor
consulte C.N.T. sobre Colossenses e Filemom, pp. 181–186. O que
se apresentará é material adicional, não uma mera repetição.
Embora não se possa pretender dar uma lista completa de
qualidades que os crentes deveriam revelar em suas vidas, a lista
de Efésios apresenta uma ampla caracterização desta nova
disposição e conduta. A primeira coisa que se nomeia é a
humildade.

Tendo recebido bênçãos tão grandes cujo verdadeiro valor não é


expressável em palavras, é totalmente adequado que os
beneficiários 98 Acrescentam-se ali compaixão, bondade,
clemência, e gratidão a lista de sete características mencionadas
aqui em Efésios.

Efésios (Hendriksen)

217

sejam cheios desta virtude básica de humildade. Observe-se a


ênfase:

“toda humildade e mansidão”. A humildade foi chamada a primeira,


segunda, e terceira essência da vida cristã. A menção de humildade
conduz naturalmente a de mansidão. O indivíduo manso é lento
para insistir em seus direitos. percebe que diante da vista de Deus
não tem direitos por natureza. Todos os seus direitos foram
recebidos pela graça.
E embora diante dos homens às vezes deva exigir seus direitos (At
16:35–40), nem por isso se apressa a entrar em rixa por causa
deles.

Antes, prefere “sofrer” a ofensa em vez de infligi-la (1Co 6:7).

Juntamente com Abraão deixa que Ló escolha para si o melhor (Gn


13:7–18), com grande recompensa … para Abraão! Exerce a
paciência.

Na igreja primitiva era muito necessário enfatizar esta virtude, no


tempo em que os crentes sofriam incompreensões, aspereza e
crueldade da parte daqueles que não compartilhavam sua fé. Por
exemplo, não era fácil de modo algum a situação de uma esposa
cristã casada com um não-crente.

No entanto, se o seu esposo queria viver com ela em relação


matrimonial, a esposa devia permanecer com ele e procurar, por
meio de sua conduta piedosa, ganhá-lo para Cristo. Desta maneira,
a graça da paciência seria maravilhosamente ilustrada em sua vida.
Veja-se 1Co 7:13 e 1Pe 3:2. Esta graça, não obstante, devia ser
exibida não só com relação aos “de fora,” mas também com
referência aos crentes da congregação. Todos têm suas faltas e
fraquezas. Que cada um diga a si mesmo então: «Já que Deus foi
tão paciente comigo, mesmo quando aos Seus olhos de santidade
meus pecados sobressaem de forma muito mais clara que as faltas
de meu irmão diante de meus olhos, eu devo, sem dúvida, ser
paciente com meu irmão”.

A menção da paciência é seguida pela qualidade de suportar ou ser


indulgente. O apóstolo diz literalmente ao combinar as duas
virtudes,

“suportando-vos uns aos outros em amor”. A pessoa que suporta a


ofensa procura não dar importância a ela. Conserva-se firme,
cabeça levantada — conforme o implica a derivação da palavra no
original —
não se deixa comover, mas se mantém erguido e firme. Também
nós às

Efésios (Hendriksen)

218

vezes usamos expressões semelhantes quando dizemos “deves


aguentar, tolerar, seu mau comportamento”. Não obstante, ao dizer
isso nós nem sempre lhe damos o significado que o apóstolo tinha
em mente. Podemos referir-nos simplesmente a sofrer uma ofensa
sem mostrar visível ressentimento, embora poderíamos estar
“fervendo” em nosso interior!

No entanto, Paulo, muito equilibradamente combina a indulgência


da qual fala com a disposição interna de amor. Em todo lugar
enfatiza esta virtude de afetividade, carinho verdadeiro e terno para
com o irmão, o vizinho, e até para com o inimigo, o nobre esforço
em servi-lo e jamais o prejudicar de forma alguma. Além dos
versículos em Colossenses aos quais se fez referência
anteriormente, cf. Rm 12:9–21; 1Co 8:13; 9:22; 10:33; e Gl 5:22,
selecionando só umas poucas referências entre muitas que se
poderiam mencionar. O capítulo mais completo e

impressionantemente comovedor a respeito do amor para com


todos é 1Coríntios 13. Para apreciá-lo devidamente, deve ser lido,
se for possível, no original, e se não pelo menos em várias versões!

Agora, se com a ajuda do Espírito Santo e a oração, alguém se


esforça verdadeiramente em conduzir-se assim de modo que sua
vida resplandeça com estas virtudes, a unidade, da qual Paulo
falará a seguir será verdadeiramente promovida. A unidade
espiritual indicada aqui é um requisito indispensável para adiantar a
saúde e felicidade da igreja, para promover a causa das missões, e
para ganhar a vitória sobre Satanás e seus aliados. Não vem por si
só, mas é resultado de esforço e oração; esforço, visto que o
apóstolo diz “fazendo todo esforço” (“sendo diligente”, “pondo o
maior empenho”, cf. 2Tm 2:15), e fazendo-o constantemente
(observe-se o gerúndio, continuativo); e a oração, pois se refere a
uma unidade “do Espírito” (expresso literalmente, mas que significa:
comunicada pelo Espírito); daí que é o resultado de intensa oração
(Lc 11:13). Trata-se da unidade de judeus e gentios, conforme foi
enfatizado por Paulo (Ef 2:11–22; 3:6)

, de propósi o muito elevado (Ef

3:10, 18, 19), e de afeto verdadeiro (Ef 4:2; 5:1–2).

Efésios (Hendriksen)

219

Esta unidade é promovida pela paz. Cf. 1Co 14:33; 2Co 13:11; Fp
4:7; Cl 3:15; 2Ts 3:16; 2 Ti. 2:22. Aqui em Efésios o apóstolo já se
referiu a ela em Ef 1:2; 2:14, 15, 17; e o fará outra vez em Ef 6:15,
23.

Quando existe contenda há falta de unidade. Por outro lado, a paz


promove a perpetuidade da unidade. Daí que, afinal de contas, não
nos deve surpreender quando Paulo escreve: “fazendo todo esforço
para preservar a unidade comunicada pelo Espírito mediante o
vínculo (“de”, ou seja, que consiste em) a paz”. Este vínculo ou laço
que une os crentes é a paz, tal como em Cl 3:14 é o amor. Isto não
encerra nenhuma contradição, visto que é justamente o amor o que
torna possível a paz.

Daí que tanto aqui em Ef 4:2, 3 como em Cl 3:14, 15, o amor e a


paz são mencionados em estreita sucessão. Na verdade, se for
correto dizer que a estabilidade do teto depende em certo sentido do
fundamento que sustenta toda a superestrutura, logo é correto
também dizer que a estabilidade do teto depende da segurança dos
muros que diretamente o sustentam. E sendo que especialmente
em Efésios o apóstolo se preocupa tão detalhadamente com a paz
estabelecida entre Deus e o homem, produzindo assim a paz entre
judeus e gentios, é perfeitamente natural que aqui fale da paz como
o vínculo. Qualquer que seja o sentido que se prefira tomar, a paz
espiritual é sempre o dom do amor. Dá como resultado a unidade.

A exortação para que os leitores vivam em amor e unidade (vv. 1–

3) é seguida por uma descrição desta unidade. Nesta descrição a


unidade e todas aquelas características relacionadas com ela se
consideram primeiro derivadas do Espírito, que passou a habitar nos
corações dos crentes; dali retrocede ao Senhor (Jesus Cristo), cujo
sacrifício vicário tornou possível o dom do Espírito, e, finalmente, vai
até Deus o Pai, que deu o Seu Filho e que, junto com o Filho, foi
também o Doador e aquele que enviou o Espírito. Em relação
estreita com o Espírito mencionam-se outros dois elementos de
unidade cristã, perfazendo três no total: “um corpo, um Espírito, uma
esperança”. Igualmente, com relação ao Senhor, acrescentam-se
mais dois, resultando outra vez uma tríade: “um Senhor,

Efésios (Hendriksen)

220

uma fé, um batismo”. O Pai é mencionado separadamente, uma vez


que as seis que já foram mencionadas têm sua origem nEle, no
sentido de que tudo o que está associado com o Espírito e com o
Filho deve, necessariamente, estar também associado com o Pai,
visto que ele “está sobre todos e por todos e em todos”. Como
resultado, o que aqui temos é uma sétupla descrição de uma tríplice
unidade, uma declaração do caráter da unidade cristã e de sua fonte
trinitária.99

4. A primeira tríade é (Há) um corpo e um espírito, assim como


também fostes chamados numa esperança que vossa vocação
vos trouxe.

Naturalmente, o “um” corpo é a igreja constituída por judeus e


gentios (Ef 2:14–22), uma” família no céu e na terra (Ef 3:15).
Embora em certo sentido somos muitos, não obstante somos um
corpo em Cristo (Rm 12:5). Há um só pão, um corpo (1Co 1:17).
Além disso, este corpo ou igreja não é de origem terrestre nem uma
instituição de feitura humana, mas produto do Espírito Santo; daí
que é, “um corpo e um Espírito”. O

urgente convite do evangelho (o chamado externo) foi aplicado aos


corações dos efésios por meio do Espírito, produzindo o chamado
interno ou eficaz. Veja-se em Ef 1:18 e 4:1. Seu chamado deu-lhes
esperança, uma esperança firmemente arraigada nas promessas de
Deus que não podem falhar. Foi a esperança de receber a herança
entre os santos na luz (cf. Ef 1:18 com Cl 1:12), como recompensa
bondosa de Deus por uma vida consagrada a Ele. Creio que a razão
principal de porquê este chamado os encheu de esperança foi que a
posse do Espírito em seus corações constituía um objeto antecipado
de sua herança (Ef 1:14), e como tal uma promessa ou garantia da
glória vindoura, glória que chegaria não só ao separar-se a alma do
corpo, mas também especialmente no grande dia da consumação
de todas as coisas na volta de Cristo. Os frutos (Gl 5:22, 23) que o
Espírito, que habita em e 99 Não creio que exista aqui necessidade
alguma de sondar mais profundamente no significado dos números
dos elementos que se mencionam aqui. Encontro que o simbolismo
numérico de Lenski ( op.

cit. , pp. 510, 511) é difícil de aceitar, e em todo caso,


desnecessário, visto que agora nos preocupa o livro de Efésios e
não o de Apocalipse.

Efésios (Hendriksen)

221

santifica os crentes, estava lhes outorgando eram “as primícias” (Rm


8:23), um deleite antecipado de um futuro e inefável deleite.

O Espírito, no processo de comunicar aos efésios o chamado eficaz,


produziu neles também a união, de modo que chegaram a ser um
organismo espiritual: “Porque por um mesmo Espírito todos nós
fomos batizados para ser constituídos num só corpo, ora sejamos
judeus ou gregos, ora sejamos servos ou livres; e a todos nos fez
beber de um mesmo Espírito”. (1Co 12:13; cf. 3:16; 6:19; Rm 8:9,
11). Tal como o corpo humano está inteiramente impregnado por
seu espírito e por isso é um e pode funcionar como unidade,
cooperando os membros entre si, assim acontece ta bém co

m a igreja que, ao habitar nela o Espírito e

sendo totalmente influenciada por Ele, constitui um só organismo e


funciona como tal.

5. Logo a segunda tríade: um Senhor, uma fé, um batismo. Este


Senhor é “o Senhor Jesus Cristo”. É nosso Senhor no sentido de
que nos havendo comprado pertencemos. Ele é nosso dono, ama-
nos, cuida de nós, e nos protege. Aceitamos seu senhorio,
reconhecemo-Lo como nosso Libertador e Soberano, confiamos
nEle, obedecemos-lhe, amamos a Ele, e O adoramos (Ef 1:2, 3, 15,
17; 2:21; 3:11, 14; 4:1; etc.; cf. 1Co 6:13–15, 20; 7:23; 12:3, 5; Fp
2:11; 1Pe 1:18, 19; Ap 19:16). Ora judeu ou gentio, servo ou livre,
homem ou mulher (Gl 3:28; Cl 3:11), ora no céu ou ainda na terra
(Rm 14:9), todos confessamos o único Senhor como nosso. Nós o
abraçamos com uma fé. O que se quer significar por esta única fé?
É porventura a fé no sentido objetivo, corpo de doutrina, credo (Gl
1:23; 6:10; Fp 1:27 e frequentemente nas Epístolas Pastorais) ou é
a fé em seu sentido subjetivo, confiança em nosso Senhor Jesus
Cristo e em Suas promessas? Existe entre os comentaristas grande
diversidade de opiniões com relação a este problema.100 Em minha
100 Em favor do sentido objetivo estão Westcott e Lenski (“uma
verdade”), embora hajamos de admitir que o último não exclui
totalmente o sentido subjetivo. Diz, “ ‘uma fé’ inclui nossa crença
pessoal, mas a ênfase está na fé cristã como tal, o que constitui sua
essência”. Simpson recusa fazer escolha

Efésios (Hendriksen)

222
opinião, o sentido que aqui se indica é o subjetivo. É uma fé — não
é histórica, nem de milagres, nem temporal, mas sim de confiança
genuína

— por meio da qual nos entregamos ao único Senhor Jesus Cristo.


É

verdade que não podemos separar o subjetivo do objetivo: quando


alguém se rende a Cristo como seu Senhor, está aceitando ao
mesmo tempo o corpo de doutrina com relação a Ele. No entanto,
isto não é o mesmo que dizer que o termo fé esteja sendo usado
aqui com duplo sentido. O fato de que a fé seja mencionada
imediatamente depois de Senhor e que seja seguida imediatamente
por batismo, tudo numa muito breve oração, pareceria indicar que a
tríade é uma unidade estreitamente entretecida (o que é verdade
também com relação à primeira tríade, mencionada no v. 4). Como
resultado, concordo com Scott, op. cit., p.

204, que declara: «É melhor considerar toda a oração como


expressão de um só fato fundamental: ‘um Senhor em quem todos
cremos e em cujo nome fomos batizados’ ».

Com relação a “um” batismo Grosheide declara: «Existe somente


um batismo que é recebido por muitos (talvez um número de
pessoas simultaneamente). Todos os membros da congregação são
batizados da mesma forma, e bem podemos assumir que é depois
ou em conexão com o mesmo sermão e seu ensino». Por meio do
batismo foi selada a comunhão dos crentes com seu Senhor (Gl
3:27). “No batismo repousa a evidência de que todo tipo de pessoas
(cf. Gl 3:28), sem discriminação alguma, participam da graça de
Cristo” (H. N. Ridderbos, The Epistle of Paul to the Churches of
Galatia, um volume do New International Commentary on the New
Testament, Grand Rapids, MI, 1953, p. 147).101

alguma. Hodge e Greijdanus aceitam a teoria de que o termo


segundo seu uso aqui combina a fé subjetiva e a objetiva. Abbott,
Grosheide, Robertson, e Scott, favorecem o sentido subjetivo.
101 Fez-se a pergunta de por que Paulo faz menção de só um
sacramento, quer dizer, o batismo. Por que não inclui também a
Ceia do Senhor? Lenski, tendo enumerado várias respostas que
rejeita, declara categoricamente: “A resposta é que uma Seita inclui
um sem-número de bebês e crianças, dos quais nenhum está em
condição de receber a Ceia do Senhor” ( op. cit. p. 514). No entanto,
a inclusão dos infantes — porque devem ser incluídos — não
elimina o fato de que o Senhor instituiu somente uma verdadeira
Ceia do Senhor. Como resultado, parecer-me-ia melhor a
observação do Grosheide:

Efésios (Hendriksen)

223

6. Com o propósito de mostrar a unidade dentro da Trindade como


base fundamental da unidade da igreja, o apóstolo, voltando-se
agora ao Pai, escreve: um Deus e Pai de todos, quem (está)
sobre todos e por todos e em todos. A ênfase aqui, como em Ef
1:3, 17; 2:18; 3:14, 15, está na paternidade redentora. A primeira
pessoa da divina Trindade é nosso Pai em Cristo. Ele é “o Pai de
quem toda a família no céu e na terra recebe seu nome”. Na
verdade, como nosso Pai, Ele é também nosso Criador, visto que é
o Criador de todas as coisas (Ef 3:9). Este fato faz com que a
paternidade se destaque de forma ainda mais maravilhosa na esfera
da redenção. Deus voltou a criar o que já tinha criado, de modo que
Lhe pertencemos em sentido duplo, e portanto Lhe devemos com
maior razão toda nossa devoção. Mas a ênfase está posta aqui em
Sua paternidade com relação à família dos crentes, o que é evidente
não só pelo fato de que tal é o sentido predominante do uso do
termo Pai em Efésios, mas também pelo contexto imediato. A
primeira pessoa da Trindade é, portanto, Pai de todos, 102 ou seja,
de todos aqueles que pertencem à família da fé. O fato de que estes
sejam convertidos de origem judaica ou gentílica não tem
importância, mas que sejam convertidos. Como tal tem com todos
seus filhos uma relação tríplice: Como Pai está “sobre todos”,
porque exerce controle sobre todos. Está, não obstante, também
“por todos”, visto que abençoa a todos por meio de Cristo nosso
Mediador. E

está “em todos”, porque nos atrai para Seu coração no Espírito. É
assim como os três fios formam um só fio, e percebemos que o
Espírito em quem está centrado o v. 4, e o Senhor (Jesus Cristo),
centro do v. 5, não devem ser considerados entidades separadas.
Adoramos a um Deus (Dt 6:4), não a três deuses. Embora seja
verdade que as Escrituras atribuam a eleição especialmente ao Pai,
a redenção especialmente ao Filho, e a santificação especialmente
ao Espírito, entretanto, em cada um destes

“Faria notar que quando a própria pessoa não dá a razão para omitir
um assunto, é difícil para qualquer outra pessoa dizer qual é a
razão” ( op. cit. , p. 63, nota 7).

102 Todo o contexto indica claramente que a palavra πάντων não é


neutra aqui. Na conexão presente o apóstolo não está discutindo a
relação de Deus com o universo ou a natureza.

Efésios (Hendriksen)

224

aspectos cooperam os três. Nunca operam com propósitos


conflitivos.

Como com frequência se recalcou, o Pai ideou nossa salvação, o


Filho a comprou, o Espírito a levou a cabo. Além disso, a unidade
em diversidade que pertence à Trindade é a base da unidade
essencial no meio da variedade circunstancial que caracteriza a
igreja, e à qual Paulo agora dirige a atenção.

7. Escreve: Mas a cada um de nós esta103 graça foi dada dentro


dos limites que Cristo atribuiu (literalmente, “conforme à medida
do dom de Cristo”). O apóstolo se preocupou em detalhe com a
unidade da igreja.
Tal coisa era necessária, visto que é unicamente quando a igreja
reconhece sua unidade e se esforça cada vez mais em preservá-la,
cooperando cada membro com todos os outros, que o evangelho
avançará com poder entre as nações, a própria igreja se regozijará,
Satanás tremerá, e o nome de Deus será glorificado. No entanto,
esta unidade permite a diversidade de dons entre os muitos
membros deste corpo único. Na verdade, esta mesma diversidade,
longe de destruir a unidade, promovê-la-á se for usada
corretamente. O uso correto do dom, quer dizer, da dotação
particular (veja-se sobre Ef 3:2, 7) que Deus em Sua graça outorgou
a alguém, implica o seguinte: a. que o agraciado o reconhecerá,
sem dúvida, como um dom, e não como resultado de sua própria
habilidade ou produto de seu engenho; b. que considera seu dom
como um entre muitos e limitado em seu alcance, um dom com
medida; e c. que será diligente para usá-lo não para sua própria
glória, mas em beneficio de todo o corpo, e assim para a glória de
Deus. O melhor comentário sobre este versículo é o que o próprio
Paulo escreve em 1

Coríntios 12, todo o capítulo. Nos vv. 4–6 declara, “Mas há


diversidade de dons, mas a gente mesmo é o Espírito: e há
diversidade de ministérios, mas a gente mesmo é o Senhor; e há
diversidade de operações, mas o próprio Deus é aquele que opera
todas as coisas em 103 Visto que Paulo se referiu previamente à
administração da graça de Deus”, que foi dada (Ef 3:2) e ao “dom da
graça de Deus” (Ef 3:7), o artigo ἡ antes de χάρις em Ef 4:7 é
totalmente natural. Não vejo razão, portanto, com B, D*, etc., para
omiti-lo.

Efésios (Hendriksen)

225
todos”. E de forma muito significativa acrescenta, “A cada um porém
lhe é dada a manifestação do Espírito para o proveito de todos” (v.
7).

Parece que na igreja primitiva — como também hoje em dia —


existia um duplo perigo: a. que aqueles que tinham recebido dons
muito especiais tendiam a superestimar sua importância, atribuíam-
nos a eles mesmos, e não os usavam para o benefício de toda a
igreja; e b. que os que não tinham sido dotados de forma tão notável
pareciam sentir-se desalentados, pensando que não eram úteis na
igreja. Não somente Paulo reagiu contra este verdadeiro perigo,
também o fez Tiago com sentido ligeiramente diferente: “O irmão,
porém, de condição humilde glorie-se na sua dignidade, e o rico, na
sua insignificância …” (Tg 1:9, 10). O

verdadeiro alento e a lição gloriosa para cada qual devem ser


sempre:

«Recebi meu dom, seja este grande ou pequeno, do próprio Cristo.


104

Devo usá-lo, portanto, como Ele requer. O Doador não me falhará


ao usar meu dom para o benefício de todos».

Mas porventura será realidade que aquele Jesus que uma vez
andasse sobre a terra seja agora tão eminente, tão glorioso, e tão
ricamente investido de autoridade que seja capaz de outorgar Seus
dons à igreja e a seus membros em tão profusa quantidade? Em
resposta a esta pergunta o apóstolo escreve sobre o Cristo
ascendido e os dons que outorgou e que ainda está outorgando. O
que se diz nos vv. 8–16 deve realmente ser tomado como uma
unidade. No entanto, sendo que a referência à ascensão de Cristo e
suas implicações se acham especialmente nos vv. 8–10, estes
serão estudados em primeiro lugar.

8–10. Portanto ele diz: Quando subiu ao alto levou cativo uma
multidão de cativos, e deu dons aos homens. — Agora, esta
expressão,

ascendeu, o que pode significar senão havia (previamente)105


descido às 104 Não vejo boa razão para considerar τοῦ Χριστοῦ
como genitivo objetivo (Lenski, op. cit. , p. 517:

“o dom outorgado a Cristo”). Ef 3:2, 7 como também 1 Cor. 12:4–11


apontam em direção de considerar estes dons especiais como
provenientes de Cristo e de seu Espírito. Ef 4:8 aponta na mesma
direção: “deu dons aos homens”.

105 Quando o código B e a maioria dos últimos manuscritos e


versões acrescentam πρῶτον (primeiro, previamente, veja-se A.V.)
depois de “desceu” provavelmente o fazem para fazer mais claro o
texto.

Efésios (Hendriksen)

226

regiões106 mais baixa que a terra? 107 Aquele que desceu é o


mesmo que também ascendeu mais alto que todos os céus
para que pudesse encher todas as coisas.

As palavras “portanto” devem ser interpretadas aqui como indicando


algo como “de acordo com isto”. Por direção do Espírito Santo Paulo
cita uma passagem nos Salmos (Sl 68:18; LXX 67:19) que tem
relação com o presente tema. Não pretende citá-lo literalmente, mas
antes, como ocorre com frequência em tais casos, esclarecer uma
passagem mostrando como o que é dito no saltério concernente a
Deus

acha seu cumprimento em Cristo. 108 Se temos em mente o caráter


típico da antiga dispensação, o fato de que «o Novo Testamento
explica ao Antigo», de modo que não estamos diante de duas
Bíblias, mas uma Bíblia inspirada pelo mesmo autor original, o
Espírito Santo, não nos será possível achar defeito algum neste
método.
A expressão “ele diz” significa “Deus diz”. Isto se vê bastante claro
no contexto de passagens tais como Rm 9:25; Gl 3:16, 17; e Hb
1:5–7; e pode deduzir-se também de outras passagens como Rm
15:10; 1Co 6:16; 2Co 6:2; etc. 109 Continua com a aplicação de Sl
68:18 referente à ascensão de Cristo e aos dons concedidos. Na
A.V. esta passagem diz assim: “subiste ao alto, levaste cativo o
cativeiro; recebeste dons para os Embora a intenção deste
agregado é de apreciar, a versão não tem bastante apoio textual
para ser aceita. Não obstante, pode-se inserir na tradução entre
parêntese, para esclarecer o significado do texto, como o fiz eu.

106 A omissão da palavra “partes” ou “regiões” em p46 D* G, etc., é


de menor importância, uma vez que afeta ao significado de forma
muito leve, se é que o faz; visto que no contexto presente, depois de

“desceu ao neutro pl. τὰ κατώτερα ainda deveria ser traduzido como


“as regiões mais baixa (ou partes ou terrenos ou algo semelhante)”.

107 Ou, “às regiões mais baixas (literalmente “partes”) da terra?” É


provável esta ou a outra tradução sem que haja diferença essencial
quanto ao significado resultante. Em favor da as regiões mais baixas
da terra” dá-se a razão de que seria a contraparte de “mais alto que
todos os céus” no próximo versículo.

108 Referente a outros casos nos quais o que se diz de Deus no


Antigo Testamento refere-se a Cristo no Novo, compare Êx 13:21
com 1Co 10:4; Is 6:1 com Jo 14:21; e Sl 102:25–27 com Hb 1:10–
12.

109 A respeito disso veja-se B. B. Warfield, The inspiration and


Authority of the Bible. Filadélfia, 1948, pp. 299–348. A refutação que
faz do ponto de vista contrário que sustenta Abbott é interessante e,
conforme vejo, convincente.

Efésios (Hendriksen)

227
homens”. No A.R.V. a primeira linha é idêntica; a segunda diz,
“levaste os cativos”. No entanto, isto não implica mudança
fundamental, uma vez que “cativeiro” pode-se interpretar com o
significado de “uma hoste de cativos” (veja-se Jz 5:12), tal como, por
exemplo, “a circuncisão”

significa “os circuncidados” (Ef 2:11). A terceira linha é “recebeste


dons entre os homens”. Parece que Paulo tinha em mente a versão
da passagem da LXX, com o que, no que respeita aos pontos que
requerem comentário, nossa versão concorda substancialmente,
embora não em todos os seus pequenos detalhes. No entanto, na
aplicação do apóstolo —

porque, tal como se lê a passagem dos Salmos em Ef 4:8 é uma


aplicação, antes que uma citação literal — as palavras sofrem três
mudanças. Duas delas, não obstante, são de tão pouca importância
que podem ser considerados numa nota. 110 A única mudança
realmente importante é esta, que a passagem que estava usando
declara que Aquele que ascendeu recebeu dons, mas o apóstolo ao
referir-se a esta passagem diz que deu dons. De acordo com a
passagem do Antigo Testamento, a Deus lhe apresenta, conforme
parece, como descendo do céu para fazer guerra contra seus
inimigos. Ascende outra vez vitorioso, carregado com despojos. O
que é que dá a Paulo direito para aplicar esta recepção de dons à
atividade de Cristo na forma de dar dons à igreja? São muitas as
explicações que se ofereceram com as quais não cansarei ao leitor.
a qual eu aceito é a seguinte: Sob a direção do Espírito Santo Paulo
tem todo direito para fazer esta aplicação, visto que o vencedor
recebe os despojos com o propósito de reparti-los. Ao ascender
Cristo ao céu, não voltava com as mãos vazias. Ao contrário, como
resultado de sua obra de mediação realizada voltou para o céu
triunfante, sendo totalmente dono da salvação para o Seu povo.
Este povo estava em sua procissão triunfal.

110 Ou seja, a segunda pessoa (“ascendeste”) foi mudada à terceira


(“ele ascendeu”); e o verbo finito foi transformado num particípio
(“tendo ascendido”). Quanto a “tu” ou “ele”, exceto pelo fato de que
o que no Antigo Testamento aplica-se a Deus diz-se aqui
concernente a Cristo (sobre o qual já comentei), não existe variação
essencial. E a mudança do verbo finito ao particípio é meramente
assunto de estilo.

Efésios (Hendriksen)

228

Eram cativos em fila, como se estivessem acorrentados ao seu


carro. Era uma grande hoste de cativos. Entre eles estava Paulo,
destinado juntamente com os demais a espalhar por todo mundo a
fragrância do evangelho. Graças sejam dadas a Deus! Veja-se 2Co
2:14. Agora, Cristo recebeu a fim de dar. Tinha ganho com o fim de
outorgar. Recebeu estes cativos com o propósito de dá-los ao reino,
para a obra do reino. Razões para adotar esta interpretação:

1. O costume muito estendido de que o vitorioso dividia os despojos


é também reconhecido nas Escrituras. Foi assim como Abraão, ao
derrotar Quedorlaomer e seus aliados tomou o despojo com a
intenção de dá-lo: a Ló, o que este tinha perdido; a Melquisedeque,
os dízimos; a Aner, Escol e Manre, suas partes (Gn 14). Porventura
Davi não recebeu também despojos para reparti-los? (1Sm 30:26–
31). Os inimigos de Israel, também, tinham o costume de dividir os
despojos, primeiro tomando-os e depois distribuindo-os (Jz 5:30).

2. Is 53:12 diz com referência ao Messias vindouro, “e com os fortes


repartirá os despojos”.

3. De acordo com At 2:33 Pedro no dia do Pentecostes lembra de


forma bem específica aos que o ouviam que “tendo recebido do Pai
a promessa do Espírito Santo, Ele (Cristo) derramou o que vedes e
ouvis”.

4. O Saltério no Targum aramaico e também na Peshita diz: “deste


dons aos homens”. À raiz desta interpretação deve ter havido uma
tradição muito antiga. Agora o targum explicou as palavras do
salmista como referindo-se a Moisés, o qual recebeu a lei no Sinai a
fim de dá-la ao povo de Israel. De qualquer maneira, o receber
implica o dar.

5. Esta explicação se ajusta ao contexto presente no qual os


apóstolos, profetas, evangelistas, etc., descrevem como os dons do
Cristo ascendido à igreja.

Quando Paulo acrescenta “Agora, esta expressão, ascendeu, o que


pode significar senão que havia (previamente) descido …?” A lógica
não salta à vista imediatamente. Uma ascensão não pressupõe
necessariamente uma prévia descida. Por exemplo, o fato de que
Elias

Efésios (Hendriksen)

229

subisse ao céu não significa que ele haja antes descido do céu. A
solução se baseia no fato de que Paulo não está estabelecendo
uma regra geral mas que se está referindo a Cristo, e dizendo que
em Seu caso implica uma (prévia) descida. Isto é assim, visto que,
conforme vimos, a ascensão de Cristo foi gloriosa. Recebeu as
boas-vindas ao céu da parte de seu Pai (Jo 20:17); At 1:11), e a sua
entrada à glória todo o céu se regozijou (Ap 12:5, 10). Agora, esta
ascensão por meio da qual Ele, sendo vencedor sobre Satanás, o
pecado, e a morte, voltou a entrar no céu com todos os méritos de
Seu sacrifício expiatório jamais teria sido possível se não tivesse
descido das glórias do céu à vergonha e sofrimento do mundo. É
simplesmente outro modo de dizer que a exaltação de Cristo foi o
resultado de Sua humilhação, humilhação tão profunda e
indescritível que o apóstolo a caracteriza dizendo que

“desceu às regiões mais baixas da terra”. Esta expressão do v. 9


está em contraste direto com “mais alto que todos os céus” do v. 10.
As duas expressões podem ser entendidas somente quando se
examinam em relação uma com a outra. E devem ser consideradas
de modo que correspondem à mesma pessoa: “Aquele que desceu
é o mesmo que também ascendeu mais alto que todos os céus”.
Paulo é o melhor comentarista de suas próprias palavras. Provê
este comentário em Fp 2:5–11: “Esvaziou-se a si mesmo … e se fez
obediente até a morte; sim, e morte na cruz. Pelo que Deus o
exaltou ao máximo”, etc. 111

111 Sendo que a interpretação que se dá aqui da expressão “ele


subiu às regiões mais baixa que a terra”

se ajusta ao contexto e está em harmonia com a própria declaração


de Paulo em Filipenses, escrita durante o mesmo período da prisão,
entrarei em comentar outras explicações: (1) A descida refere-se à
sepultura de Cristo ou a entrada de seu corpo ao jardim de José.

Objeção: isto não serve. A sepultura está incluída, indubitavelmente,


mas só como parte da profunda humilhação de Cristo.

(2) Indica a descida de Cristo ao inferno — geralmente, mas nem


sempre, pensa-se que ocorreu durante o intervalo entre sua morte e
a ressurreição — com propósito que foi exposto de diversas
maneiras: a. libertar as almas dos santos do Antigo Testamento do
Limbus Patrum; b. proclamar a graça aos perdidos ou a alguns
deles; c. fazer zomba a Satanás com o anúncio de seu (de Cristo)
vitória, etc. Com relação a c. fez-se a observação de que à chegada
de Cristo os demônios se espantaram tanto que alguns deles
saltaram pelas janelas do inferno!

Efésios (Hendriksen)

230

Para os crentes de cada época é verdadeiramente um alento saber


que aquele que ascendeu mais alto que todos os céus, expressão
que não deve ser tomada no sentido meramente literal, mas
expressando majestade e exaltação à direita do Pai de modo que
reina sobre todo o Objeção: Nada há no contexto nem tampouco no
Sl 68:18 ou em Efésios que sugira tal descida.
Tampouco há indicação disso em Filipenses 2, nem em lugar
alguém das epístolas de Paulo. De acordo com os Evangelhos o
Cristo agonizante encomendò sua alma ao Pai. No dia da
ressurreição foi devolvida ao corpo de onde tinha sido tomada.
Quanto a 1 P. 3:19 e 4:6, se estas passagens, que não podemos
considerar agora, interpretam-se contextualmente, tampouco
ensinam nada parecido. Basta dizer por agora que se referem à
pregação àquelas que, embora agora estão mortos, viviam na terra
quando receberam as advertências de Deus.

(3) Refere-se a uma descida subsequente à ascensão mas antes da


segunda vinda.

Objeção: Deixando fora de consideração o uso retórico ou figurativo


do verbo καταβαίνω em Rm 10:7, que não se pode usar nem para
defesa nem refutação da teoria em questão, pode-se dizer com
segurança que em nenhum lugar do Novo Testamento o verbo tem
tal referência. Em 1Ts 4:16 usa-se com relação à segunda vinda. As
outras passagens pertinentes que falam da descida de Cristo
ocorrem no evangelho de João (Jo 3:13; 6:33, 38, 41, 42, 50, 51,
58). Todos eles têm referência à descida de Cristo na encarnação,
mesmo quando em Jo 3:13, como também aqui em Ef 4:9, a
ascensão menciona-se antes da descida. Observe-se a ordem
oposto em Ef 4:10. Nada há no contexto de Ef 4:8–

10 que dê a entender uma descida postascensión. Sl 68:18, que


aqui em Efésios aplica-se à ascensão de Cristo, interpreta-se
também melhor como uma descida antropomorfológica de Jeová (cf.
Hc 3) seguido por ascensão. “No Salmo aquele que ascendeu foi
Jeová, mas isto foi somente depois que houve primeiro descido à
terra para o bem de seu povo desde sua habitação habitual no céu”

(Salmond, op. cit. , p. 326).

(4) O que aqui temos é matéria de simples aposto. A tradução


correta é: “O desceu às partes mais baixa, ou seja, a terra” (Hodge).
Calvino estava a favor desta interpretação, e assim muitos outros
comentaristas.
Avaliação: Esta é uma teoria muito atrativa. apelou-se às passagens
do Evangelho de João referidos baixo (3) em apoio a ela. Minha
vacilação para aceitá-la é a objeção que compartilho com muitos
comentaristas, ou seja, que se Paulo tivesse desejado meramente
dizer que Jesus desceu à terra, o habíra podido declarar de forma
muito mais singela que inserindo a referência às regiões mais
baixa”. daí que as passagens do Evangelho de João não são
inteiramente paralelos. No entanto, em sua análise final a diferença
entre o ponto de vista de Calvino, Hodge, etc. e aquele que eu e
muitos outros sustentamos, chega a ser mínimo se este descida à
terra se interpreta em seu sentido mais amplo, vale dizer, como uma
encarnação que compreende profunda humilhação: “Jesus de seu
alto trono veio para este mundo a morrer”. Assim Calvino comenta a
respeito do descida de Cristo à terra como segue: “E quando foi que
Deus desceu mais baixo que quando Cristo esvaziou-se a si mesmo
(Fp 2:7)? Se houve alguma ocasião em que … Deus ascendesse
gloriosamente, esta foi ao ser Cristo levantado desde nossa mais
baixa condição na terra, e recebido na glória celestial”. Aqui os dois
pontos de vista, o de Calvino e aquele que eu favoreço, embora
estejam baseados em diferentes traduções do texto, coincidem
totalmente!

Efésios (Hendriksen)

231

universo e sobre toda criatura (Ef 1:20–23), é sempre o mesmo


Jesus, cheio do mesmo terno amor e compreensiva preocupação
que exibiu quando na cruz do Calvário desceu às regiões mais
baixas da terra, quer dizer, à experiência das muito baixas
profundidades, as próprias agonias do inferno (Mt 27:46).
Acrescente-se a esta a igualmente alentadora verdade de que
quando Ele voltar nas nuvens de glória será ainda “este mesmo
Jesus” (At 1:11) a amante e única cabeça que governa a única
igreja. Que notável incentivo para o espírito de unidade que deve
reinar entre todos os membros da igreja!

Este mesmo Jesus


“Este mesmo Jesus!” Ó, quão docemente

As palavras soam ao nosso ouvido,

São quais belas e longínquas melodias

Em noite tensa de temor sinistro!

Aquele Varão de dores, ali só,

Suporta o peso do pecado maldição,

Seus amigos O deixaram em abandono

Nas horas tenebrosas de aflição.

“Este mesmo Jesus!” o quadro ao lembrar

Daquele dia tão horrível e oneroso,

Ao espírito contrito lhe ilumina

Qual raio da noite poderoso.

Adoramo-Lo levantando nossas almas,

“Este mesmo Jesus”, amado com delícia,

Sim, é o mesmo bondoso Salvador

Já sentado no grande trono de justiça.

(Frances Ridley Havergal)

Paulo conclui este desenvolvimento sobre a humilhação de Cristo e


sua consequente exaltação, acrescentando que o propósito foi “a
fim de que pudesse encher todas as coisas”.

Efésios (Hendriksen)
232

Isso tem sido interpretado de forma variada com os significados de:


(1) a fim de que pudesse cumprir todas as predições;

(2) a fim de que pudesse cumprir toda a obra que foi atribuída; (3) a
fim de que pudesse encher o universo com Sua onipresença; e (4)
mais especificamente, a fim de que sua natureza humana, incluindo
Seu corpo, pudesse entrar no pleno desfrute e exercício das divinas
perfeições, e chegar assim a ser permanentemente onipresente,
onipotente, etc.

Rejeição todas estas interpretações porque, a meu ver, são alheias


ao presente contexto. Isto que digo aplica-se claramente a (1) e (2)
sobre o qual nada se diz no contexto. Quanto a (3), favorecido por
Hodge e outros, não se vê muito claro como Cristo, por meio de Sua
ascensão, pôde chegar a ser onipresente. No que respeita à Sua
deidade, já era onipresente. E quanto à Sua natureza humana, a
menos que aceitemos a proposição geral de que por meio da
ascensão se comunica à natureza humana algo próprio da natureza
divina — o que não é a posição reformada — é difícil entender como
a natureza humana poderia agora chegar a ser onipresente. E
quanto a (4), que é a posição luterana (veja-se Lenski, op. cit., pp.
524, 525), referente à qual existe diferença de opinião entre os
teólogos luteranos, novamente a conexão entre a comunicação dos
atributos divinos à natureza humana, por um lado, e os dons de
apóstolos, profetas, etc., dos quais o contexto fala, não é muito
clara. Além disso, os relatos da ascensão como se acham em Lc
24:50–

53 e At 1:6–11, ao mesmo tempo que descrevem claramente a


transição de Cristo, quanto à Sua natureza humana, de um lugar a
outro, nada diz absolutamente a respeito de alguma mudança nesta
natureza de modo que agora tenha entrado no pleno desfrute e
exercício das divinas perfeições. Também, é difícil conceber como
pode a natureza humana continuar sua existência se está fundida
com a divina.
Penso que uma melhor interpretação é a que proporciona o contexto
imediato, tanto precedente como o que segue, e que é a seguinte:
que como resultado da descida ao inferno do Calvário onde realizou
a

Efésios (Hendriksen)

233

expiação pelo pecado, que serviu como evidência do fato que a


expiação tinha sido totalmente aceita, Cristo, como o já exaltado
Mediador, enche todo o universo com “bênçãos” ou, se você preferir,
com “dons”, os mesmos dons que havia ganho: salvação plena e
livre e os serviços daqueles que o proclamam; como os apóstolos,
profetas, evangelistas, etc. Aqui, também é melhor deixar que Paulo
seja seu próprio intérprete.

Ele já chamou a Cristo, Aquele “que enche tudo em todas as


coisas”, o que se interpretou como significando, em parte, que para
seu programa universal Cristo enche Sua igreja com Seus
generosos dons. Veja-se Ef 1:23, cf. 1:3; Jo 1:16; 1Co 12:5, 28–32.
É a alguns destes “dons” do Cristo ascendido que Paulo dirige sua
atenção ao prosseguir: 11. E foi ele quem deu a alguns para (ser)
apóstolos; e a alguns, profetas; e a alguns, evangelistas; e a
alguns, pastores e mestres. O Cristo ascendido deu o que tinha
recebido: homens que deviam render serviço à igreja de forma
especial. Antes de descrever cada um dos grupos mencionados
nesta passagem, corresponde fazer as seguintes observações
gerais:

1. A intenção de Paulo não é nos proporcionar uma lista completa


de oficiais segundo se vê ao fazer uma comparação com 1Co 12:28.
Na última passagem há algo como uma enumeração semelhante
mas não há menção específica de evangelistas. A combinação
“pastores e mestres”

também se omite, mas se acrescentam outros funcionários não


incluídos em Ef 4:11. Embora não exista justificação bíblica alguma
para a tendência a eliminar a ideia de “ofício” e “autoridade”, 112
uma vez que 112 Assim como A. Harnack em The Constitution and
Law of the Church, Nova York, 1910, p. 5, cita com devida
permissão as palavras de outro: “A aparição da lei eclesiástica e a
constituição da igreja é uma apostasia das condições dispostas pelo
próprio Jesus e as quais foram cumpridas ao princípio”. A posição
destes homens — entre os quais podem ser mencionados também
E. De Witt Burton, C. Von Weizsäcker, F. J. A. Hort, etc. — é que os
apóstolos não deviam ser em sentido alguém oficiais eclesiásticos
mas sim meros portadores da mensagem; que não estavam
investidos de autoridade sobre vida e doutrina mas sim somente
dotados de dons espirituais especiais; ou que, se eles exerceram
alguma autoridade, esta não foi oficial mas sim orgânica, espiritual,
ética. Scott particulariza, “Ainda não existia um ministério oficial”, op.
cit. , p. 210; e a observação do Beare, “O ministério de função
somente era conhecido a Paulo”, op. cit. , p. 691, assinala na
mesma direção. Veja-se a refutação desta

Efésios (Hendriksen)

234

estes conceitos estão claramente implicados em Mt 16:18, 19; Jo


20:23; At 14:23; 20:28; 2Co 5:3, 4; 10:8; 1Tm 1:18; 3:1, 5; 4:14;
5:17; 2Tm 4:1, 2; Tt 1:5–9; 3:10, não obstante, «a ênfase nesta
passagem (Ef 4:11) não se acha nos apóstolos, profetas, etc., como
oficiais, e sim como dons de Cristo à Sua igreja» (Roels, op. cit., p.
185).

2. A razão por que em Ef 4:11ss. o apóstolo, cujo coração se


comove pelos perdidos (1Co 9:22) não enfatiza aqui o crescimento
numérico da igreja, mas antes, seu crescimento em amor e outras
qualidades espirituais, pode ter sido que o último é requisito
indispensável do primeiro.

3. Para que a igreja possa ser forte deve ter não somente bons
líderes (v. 11), mas também bons e ativos seguidores (v. 12). A
plena salvação não se pode obter até que todos os filhos de Deus a
obtenham juntos, fato que Paulo expressa belamente em 2Tm 4:8, e
que aqui em Efésios põe em relevo por meio do uso constante da
palavra todos (Ef 1:15; 3:18, 19; 6:18).

4. Visto que aqui em Ef 4:11 todos aqueles que servem a igreja de


forma especial — não somente “apóstolos, profetas, e evangelistas”,
mas também “pastores e mestres” — são designados como dons de
Cristo para a igreja, eles devem ser objetos do amor de toda a
igreja. Se, ao estar eles representando verdadeiramente a Cristo,
são rejeitados, então o rejeitado é o próprio Cristo.

5. E por outro lado, há aqui implicada uma admoestação para os


próprios líderes, ou seja, que os dons não lhes foram dados para
seu bem pessoal, mas em beneficio do corpo de Cristo, a igreja.

A seguir é dada uma breve descrição dos “dons” aqui enumerados:


a. Apóstolos, em sentido estrito da palavra, são os Doze e Paulo.

Eles são as testemunhas titulares da ressurreição de Cristo,


revestidos de autoridade eclesiástica universal e vitalícia sobre vida
e doutrina, mas ideia por O. Linton, Das Problem der Urkirche in der
Neuere Forschung, Upsala 1932, p. 71ss; y C.

B. Bavinck, Art. “Apostel” en Christelijke Encyclopaedia, Vol. I, pp.


143–145.

Efésios (Hendriksen)

235

introduzidos aqui, como já se indicou, com o fim de enfatizar o


serviço que prestam. Uma ampla apresentação das características
do apostolado plenário é oferecida no C.N.T., 1 e 2 Timóteo e Tito,
pp. 59–61.

b. Profetas, novamente no sentido estrito da palavra (visto que no


sentido amplo cada crente é um profeta), são os órgãos ocasionais
da inspiração, por exemplo Ágabo (At 11:28; 21:10, 11). Juntamente
com os apóstolos são descritos como “o fundamento da igreja”. Cf.
sobre Ef 2:20 e 3:5; e veja-se At 13:1; 15:32; e 21:9.

c. Evangelistas, tais como Filipe (assim designado em At 21:8; sua


atividade é descrita em At 8:26–40) e Timóteo (2Tm 4:5), são
missionários itinerantes, de posição menor que os apóstolos e
profetas.

Filipe é mencionado primeiro como um dos sete homens escolhidos

“para servir às mesas” (At 6:2). Timóteo era um dos ajudantes e


representantes de Paulo. Para maiores detalhes sobre ele e a
natureza de sua obra ver C.N.T. sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 42–
48, 179–182, 353. Sabemos que Timóteo foi ordenado para seu
ministério (1Tm 4:14), como também Filipe (At 6:6). Para que classe
de ministério foram estes homens ordenados? No caso de Filipe é
evidente que foi ordenado como

“diácono” embora o termo diácono não se usa em Atos 6. Havemos


então de supor que quando foi usado pelo Senhor para a conversão
do eunuco etíope estava operando, por dizê-lo assim, “por conta
própria”, ou servindo num ofício diferente? Igualmente, temos que
dar por sentado que Timóteo serviu em dois ministérios diferentes:
a. como vigário apostólico, e b. como evangelista? Não é porventura
mais harmonizável com a informação bíblica que deduzamos de
Atos 6 que os únicos homens aptos para ser escolhidos diáconos
deviam ser aqueles “cheios do Espírito de sabedoria”, “cheios de fé”,
e que, por conseguinte, Filipe foi diácono-evangelista? Fazemos
plena justiça ao ofício de diácono se passarmos por alto este ponto
de vista? E não está porventura a situação de Timóteo indicando
também a flexibilidade de seu ofício? Se Timóteo, como evangelista
ou missionário itinerante, pode servir melhor aos interesses da igreja
sendo representante de Paulo, por que não tem que

Efésios (Hendriksen)

236
funcionar como tal? De igual maneira hoje em dia, em lugar de estar
multiplicando ministérios, não seria melhor pôr em prática toda a
implicação deste ofício e imitar a flexibilidade da igreja primitiva,
considerando também que os carismas especiais da igreja primitiva
não são nossos no presente? A igreja de hoje não é capaz de
produzir um apóstolo como Paulo, nem um profeta como Ágabo.
Não necessita de um Timóteo para servir como delegado apostólico,
nem um Filipe, a quem lhe falasse um anjo do Senhor e que fosse
“arrebatado” pelo Espírito. No entanto, bem como a igreja primitiva,
a de hoje tem ministros, anciãos, e diáconos. Também tem o
Espírito Santo como naquele então. E agora tem a Bíblia de forma
completa. Tomara que todos os ofícios sejam usados ao máximo
conforme o demandem as circunstâncias, e num espírito de
verdadeiro serviço.

d. Pastores e mestres. É melhor considerá-los um grupo. 113 Hodge

observa: «Não existe evidência nas Escrituras de haver um grupo


de homens autorizados a ensinar, mas não autorizados a exortar. O
caso é pouco menos que impossível» ( op. cit., p. 226). Estou
totalmente de acordo com isso. O que aqui temos, portanto, é uma
designação de ministros de congregações locais, «anciãos docentes
(ou supervisores)».

Por meio da exposição da Palavra eles pastoreiam seus rebanhos.


Cf. At 20:17, 28; também Jo 21:15–17. Tal coisa não se pode fazer
devidamente sem amor ao Senhor.

12. Declara-se agora o propósito dos dons de Cristo: a fim de


equipar inteiramente os santos para a obra de ministério, para a
edificação do corpo de Cristo. A versão RC divide este versículo
em três frases separadas como segue: “querendo o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para
edificação do corpo de Cristo”. Seguindo 113 As palavras τούς δε
não se repetem antes de διδασκάλους. Esta falta de repetição não é
suficiente por si só para provar que se refere a um só grupo, veja-se
nota 74. No entanto, no caso presente temos um paralelo em 1Tm
5:17b onde se mencionam homens que, além de exercer a
supervisão sobre o rebanho juntamente com os demais anciãos,
também trabalham na palavra e o ensino. Estes pastores e mestres
são um grupo.

Efésios (Hendriksen)

237

esta linha encontram-se as versões A.V., A.R.V., e R.S.V. Em


primeiro lugar, deve-se assinalar que o original não fala da obra do
ministério”

mas da obra de ministério”, ou seja, de realizar serviços específicos


de várias classes. Mas ainda com esta mudança seria sempre uma
tradução pobre, visto que poderia deixar facilmente a impressão de
que os santos podem ser “aperfeiçoados” sem servir-se uns aos
outros e à igreja. Não deve haver vírgula entre a primeira e a
segunda frase. Uma solução melhor, segundo meu parecer, é a que
favorecem Salmond e Lenski. Eles eliminam as duas vírgulas. A
ideia resultante é que Cristo deu a alguns homens como apóstolos,
outros, como profetas, etc., com o propósito de

“aperfeiçoar” (cf. 1Ts 3:10; Hb 13:21; 1Pe 5:10) ou prover a equipe


necessária para todos os santos para a obra de ministrar uns aos
outros a fim de edificar o corpo de Cristo. Cedo à possibilidade de
que esta construção seja a correta. O significado, então, não diferiria
muito substancialmente da terceira tradução principal, a qual eu,
junto com vários outros, ainda daria preferência. De acordo com
este ponto de vista, a oração não leva duas vírgulas (V. M., etc.)
tampouco é sem vírgula (Salmond e Lenski), mas leva uma vírgula,
114 e esta vai depois da palavra “ministério”. Isto manifesta que o
propósito imediato dois dons de Cristo É ou ministério realizado por
tudo ou rebanho; seu propósito fundamental É a edificação dou
corpo de Cristo, ou seja, a igreja (vexa--se sobre Ef 1:22, 23).

A lição importante aqui ensinada é que não somente os apóstolos,


profetas, evangelistas, e aqueles chamados “pastores e mestres”,
mas a igreja inteira deve estar ocupada no trabalho espiritual. Aqui
se está pondo em relevo “o sacerdócio universal dos crentes”.
“Tomara que todo o povo do Senhor fosse profeta!” (Nm 11:29). A
assistência à igreja deveria significar mais que “ir escutar o Rev. X”.
A menos que, com relação ao culto, haja uma adequada
preparação, um desejo de comunhão 114 A teoria concorda com a
pontuação de N. N. no texto grego; também com o do N.T. gr. (A-B-
M-W).

Efésios (Hendriksen)

238

cristã, uma participação de todo coração, e um espírito de adoração,


existe o perigo que se transforme num sacrilégio dominical. E
também, durante a semana cada membro deve equipar-se a si
mesmo para realizar um “ministério” definido, seja comunicando
alento aos doentes, ensinando, evangelizando a vizinhança,
distribuindo folhetos, ou qualquer obra para a qual esteja
especialmente equipado. O significado de Ef 4:11, 12 é, além disso,
que a tarefa dos oficiais da igreja é equipar a igreja para estas
tarefas. É, no entanto, importante acrescentar a tudo isso que «a
efetividade do testemunho positivo e consciente do cristão depende
em grande parte da vida do crente naqueles momentos não
dedicados a tal testemunho» (Roels, op. cit., p. 196).

O ideal que se tem em vista com relação à edificação do corpo de


Cristo está declarando no versículo 13:

13. até que todos cheguemos à unidade da fé e do claro


conhecimento do Filho de Deus. Isto nos faz voltar novamente
para a unidade espiritual requerida no v. 3, e a “uma fé” a qual se
fez referência no v. 5. Faz-nos lembrar também Ef 3:19: “para que
sejais cheios até toda a plenitude de Deus”. Quando o v. 13 é
considerado à luz dos versículos precedentes fica evidente que o
que o apóstolo tem em mente é que a igreja inteira —

consistindo não só de apóstolos, profetas, evangelistas, “pastores e


mestres”, mas também outros — deve ser fiel ao seu chamado de
servir, para a edificação do corpo de Cristo, de modo que a
verdadeira unidade e crescimento espiritual sejam promovidos.
Observe-se, “todos cheguemos”. Não há lugar na igreja para
parasitas, mas só para abelhas diligentes. Aos tessalonicenses o
apóstolo havia dito: “porque ouvimos que alguns entre vós se estão
comportando de forma desordenada, não sendo aplicados
trabalhadores, mas curiosos intrometidos” (2Ts 3:11).

Paulo censura severamente esta atitude. É precisamente a unidade


o que se promove quando todos estão ocupados nos assuntos da
igreja e quando os membros se dedicam a fazer o serviço para o
qual o Senhor os equipou. Assim aconteceu com frequência com
jovens que começam a impregnar-se de entusiasmo ao
desenvolver-se neste ou naquele

Efésios (Hendriksen)

239

programa da igreja. Por exemplo, a junta de missões domésticas de


certa denominação iniciou um programa de atividades do verão.
Este programa requer dos jovens envolvidos nele que, em diferentes
lugares através de todo o país, e por várias semanas do verão,
recebam não só instrução especial com relação aos propósitos e
métodos missionários, mas também façam contatos com aqueles
que não foram antes ganhos para Cristo. Eles levam a mensagem,
ensinam, organizam várias atividades sociais e religiosas, não lhes
importa viver por algum tempo num setor de classe muito baixa em
estreito e benéfico contato com a comunidade. Como brilham os
olhos destes jovens quando voltam!

Agora têm uma experiência a contar e são vistos com aceso


interesse para Cristo e a igreja como nunca tiveram antes. Com
frequência estes contatos feitos durante o verão continuam por meio
de correspondência e visitas. Além disso, as sociedades de jovens e
as congregações que tomaram parte patrocinando o programa, e
estando assim também implicadas, recebem nova bênção quando
as jovens testemunhas voltam com seus informes. Desta maneira,
promoveu-se a unidade, unidade de fé em Cristo e de conhecimento
— não só intelectual mas também conhecimento do coração — do
Senhor e Salvador, a quem por sua majestade e magnificência, é
chamado aqui “o Filho de Deus” (cf. Rm 1:4; Gl 2:20; 1Ts 1:10).
Deste modo todos os crentes avançam rumo à

maturidade. A figura fundamental é a de um homem forte,


amadurecido, bem formado (não unicamente um “ser humano”).
Esta maturidade descreve em Cl 4:12 como segue: “inteiramente
assegurados em toda a vontade de Deus”. Uma tábua detalhada a
respeito do significado da palavra amadurecido é oferecida no
C.N.T. sobre Filipenses, p. 197, nota 156. Tal como a um homem
fisicamente robusto pode ser descrito como cheio de viril fortaleza e
sem defeito, assim também o indivíduo espiritualmente amadurecido
— a maturidade que deve ser o ideal — é sem defeito espiritual,
cheio do bem, ou seja, de toda virtude cristã que provém da fé no
conhecimento do coração do Filho de Deus. Continua: à medida da
estatura da plenitude de Cristo. Poderia traduzir-se também,

Efésios (Hendriksen)

240

«a uma medida de idade caracterizada pela plenitude de Cristo» (cf.

Lenski, op. cit., pp. 532, 536). 115 Quer se procure na figura
fundamental plenitude de idade ou plenitude de estatura, em
qualquer dos casos é uma “plenitude de Cristo” (assim também
Grosheide, op. cit., p. 68, nota 26). É a plenitude dAquele que
cumpriu totalmente a missão terrestre para a qual foi ungido, e que
anela comunicar salvação plena e gratuita aos que creem nEle.

Com frequência surge a pergunta: Podem os crentes durante a vida


presente chegar a esta “medida da estatura da plenitude de Cristo”?
De acordo com alguns, sim. Lenski, por exemplo, menciona Paulo
como um dos que obteve tal plenitude ( op. cit., p. 533). No entanto,
a própria passagem não ensina isso. Sem dúvida, podemos aceitar
que nem todos permanecem como “bebês” em Cristo. Algum grau
— ou melhor, um alto grau — de maturidade pode-se obter aqui
agora mesmo. E quanto mais sinceramente se esforcem os santos
em alcançá-la, realizando com humildade e de todo coração a obra
de serviço de uns para outros e para o reino em geral, tanto mais
avançarão para este ideal. No entanto, aquela plena maturidade
espiritual, que em seu mais alto grau alcança a

“medida da estatura da plenitude de Cristo”, não é realizável antes


da morte. Paulo seria um dos primeiros em admitir isso. Observe-se
o que disse com relação a si mesmo em Rm 7:14: “mas eu sou
carnal, vendido sob o poder do pecado”; e o que teria que dizer
muito pouco depois que esta carta aos efésios tivesse chegado a
seu destino: “Irmãos, eu não creio havê-la ainda alcançado; mas
uma coisa (faço), esquecendo o que fica atrás e me estendendo ao
que está adiante, prossigo para a meta, para o galardão da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3:13, 14).

115 A palavra ἡλικία pode referir-se tanto a idade como a altura ou


estatura. Assim, Zaqueu era pequeno de estatura (Lc 19:3), Sara
tinha passado a idade para conceber (Hb 11:11). O homem nascido
cego, curado por Cristo, tinha chegado à idade de maturidade legal
(Jo 9:21, 23). Ninguém pode acrescentar um côvado ao longo de
sua vida (Mt 6:27; Lc 12:25, V.M.). Em passagens tais como Lc 2:52
(“Jesus crescia em sabedoria e estatura”; mas segundo outros, “em
sabedoria e idade”) e Ef 4:13 existe uma marcada diferença de
opinião entre os comentaristas quanto ao significado: estatura ou
idade.

Efésios (Hendriksen)

241

Com relação ao resto, quanto a grau, tempo e possibilidades de


alcançá-

lo, veja-se sobre Ef 3:19 onde está analisado o mesmo tema.


No entanto, é possível obter um excelente crescimento em
maturidade por meio do esforço humano que emana de e é
sustentado do princípio ao fim pelo Espírito Santo. Isto é evidente
segundo as palavras que seguem:

14, 15.… para que116 já não sejamos mais crianças levados


daqui para lá pelas ondas e levados em redemoinho por toda
rajada de vento de doutrina, pelas mutretas dos homens, por
(sua) astúcia para tramar o erro; antes, apegando-nos à
verdade em amor, cresçamos em todas as coisas nele que é a
cabeça, a saber, Cristo.

O ideal da plena maturidade cristã está caracterizado no v. 14 por


meio de seu aspecto negativo e no v. 15 por seu aspecto positivo.
Em seu esforço para alcançar a meta e avançar naquela direção, os
crentes são estimulados pelo desejo de já não ser mais como
crianças necessitadas num barco que não podem controlar no meio
do mar agitado pelas ondas na tempestade. Paulo sabia muito bem
o que significava “ser lançado daqui para lá” pelas ondas. Enquanto
escrevia esta carta, deve ter tido presente diante de si o quadro de
gráfico espanto vivido na viagem que o levou à sua atual prisão em
Roma (At 27:14–44, especialmente o v. 27).

Mas o ser levados daqui para lá e girados em redemoinho “por toda


rajada de vento de doutrina” é ainda pior que experimentar os
perigos do mar. O que era realmente que o apóstolo tinha em mente
quando assim admoestou os efésios? 117 Bem faremos aqui em ter
em mente dois fatos: a. que a maioria dos leitores eram na verdade
recentes convertidos do paganismo; e b. que, embora devamos,
portanto, deduzir que a descrição era especialmente aplicável a
eles, entretanto, o apóstolo não pode ter estado pensando somente
nestes convertidos do mundo gentílico, visto 116 A partícula ἵνα tem
claramente aqui um sentido sub-final. Não pode significar aqui “a fim
de que se chegou já ao clímax no v. 13. A gente não chega à
medida da estatura da plenitude de Cristo” (v.

13) a fim de não ser levado etc., e a fim de crescer (vv. 14, 15).
117 Isto foi discutido de um modo extremamente interessante por J.
M. Moffatt, “Three Notes on Ephesians”, Exp., Oitava série, N° 87
(abril, 1918), pp. 306–317.

Efésios (Hendriksen)

242

que usa a primeira pessoa plural, dizendo, “que já não sejamos mais
crianças levados daqui para lá”, etc. O fato de que os pagãos em
sua cegueira e superstição sejam com frequência arrastados pelas
ondas e os ventos da opinião pública, dando ouvidos às últimas
novidades, ilustra-se graficamente no relato de Lucas sobre a
experiência de Paulo e Barnabé em Listra. Primeiro sustentaram
que Paulo era Mercúrio, e Barnabé Júpiter. Pouco depois esta
mesma gente se deixou persuadir pelos ímpios judeus e
apedrejaram a Paulo, deixando-o quase morto (At 14:8–20).

Mas até os seguidores de Jesus têm muito que aprender com


relação a isto. Um caso típico de instabilidade, antes de chegar a
ser de fato “uma rocha”, foi Simão Pedro. Nos Evangelho ele é
descrito como homem que oscila constantemente de um extremo a
outro. Nós o vemos agora caminhando ousadamente sobre as
águas (Mt 14:28); a seguir se acha gritando: “Senhor, salva-me!” (Mt
14:30). Num momento faz uma gloriosa confissão (Mt 16:16). Ainda
não se apagam os ecos desta notável declaração, quando começa a
repreender o próprio Cristo a quem tinha confessado (Mt 16:22).
Promete sua vida por Jesus (Jo 13:37).

Horas mais tarde, ele se acha repetidamente vociferando “não sou


seu discípulo” (Jo 18:17, 25). Depois da vitoriosa ressurreição de
Cristo corre atrás de João rumo à tomba. Ao chegar, entra nela
antes que João (Jo 20:4–6). Em Antioquia primeiro despreza todas
as ideias de segregação racial e come com os gentios. Logo, ele se
afasta totalmente dos convertidos do mundo pagão (Gl 2:11, 12).

Além de suas dificuldades com Pedro, Paulo teve outras tristes


experiências com a confusa e flutuante humanidade. Em sua
primeira viagem missionária, João Marcos o tinha abandonado (At
13:13; 15:38).

Os gálatas se apartaram do evangelho (Gl 1:6). E durante este


mesmo tempo, enquanto Paulo escrevia suas “epístolas
carcerárias”, alguns dos membros da igreja de Colossos devem ter
estado num verdadeiro perigo de dar ouvidos aos falsos filósofos. O
apóstolo sabe que não há nada tão estabilizador como ocupar-se
dia após dia em serviço cheio de amor para Cristo. Ninguém
aprende a verdade mais rápido que aquele que, com

Efésios (Hendriksen)

243

sinceridade de coração e consagração, ensina outros. Tomara que


então, que os efésios desviem sua atenção das “mutretas dos
homens”, e se submirjam totalmente na obra do reino. O
pensamento do contexto aqui é: todos os santos, sob a direção dos
apóstolos, profetas, evangelistas,

“pastores e mestres”, unidos como um homem para a obra do


ministério.

O termo “mutretas”, que se aplica a todos aqueles que na verdade


tentavam desviar os crentes, é kubeia, de kúbos, que significa cubo,
dado. Paulo tem em mente, então, o jogo de dados no qual eram
usadas mutretas ou enganos para ganhar. Daí que a palavra chegou
a significar mutreta; aqui “mutretas humanas”, «literalmente o
talento, a prontidão para usar qualquer meio para tramar o erro». Os
pensamentos e planos destas ardilosas pessoas estavam
constantemente dirigidos para (grego πρός) «os métodos para
enganar». Cf. Cl 2:4, 8, 18, 23; logo também Rm 6:17, 18; 2 Cor.
2:17; 11:13; Gl 2:4.

Agora, o erro jamais pode ser vencido por mera negação. Contra os
enganos dos mestres do erro os efésios deviam apegar-se à
verdade, isto é, praticar a integridade. 118 E o que ministério (veja-
se v. 12) pode ser mais nobre que aquele que, resistindo
resolutamente ao erro, opondo contra ele a fidelidade “da palavra e
a vida”, realiza tudo isso num 118 Concordo com a declaração do
Simpson: “É difícil decidir se o verbo significa falar ou agir com
sinceridade” ( op. cit. , p. 99). Enquanto que alguns insistem em que
ἀληθεύω não significa realmente

“falando a verdade” mas sim “se apegando-se à verdade” ou


“vivendo a verdade”, é um fato que as passagens à quais se refere
L. N. T. (A. y G.), p. 36, mostram que “falando a verdade”, tanto aqui
como em Gl 4:16, é também psible. Do mesmo modo em Josefo,
Guerra judaica III. 322, lemos, “…

pensando que o homem pudesse estar falando a verdade …” e em


seu Life 132: “Até os habitantes de Tarichaeae criam que os jovens
falavam a verdade”. A possibilidade de que seja correta esta
tradução aqui em Ef 4:15 deve, portanto, ser admitida. O
pensamento expresso neste caso não é tão alheio ao contexto para
fazê-lo parecer como impossível. Por outro lado, existem duas
razões porque eu, não obstante, daria uma pequena margem à
tradução “se apegando-se à verdade” ou “praticando a sinceridade”.
Em primeiro lugar, se em 4:15 o significado é “falando verdade”, o
apóstolo estaria caindo em repetição em Ef 4:25, onde a tradução
“falando verdade” não deixa lugar a dúvidas. Em segundo lugar, o
verbo usado em Ef 4:15 “não precisa ser restringido a veracidade na
palavra”

(Robinson, op. cit. , p. 185); especialmente não no presente caso


onde o contexto pareceria , antes, assinalar em direção de sendo
veraz ou mantendo a veracidade em oposição ao engano dos
homens que usam mutretas e tramas perversas.

Efésios (Hendriksen)

244

espírito de amor? Existem dois grandes inimigos contra um


ministério próspero, quer este se desenvolva entre crentes ou entre
não-crentes. Um é o apartar-se da verdade, o acomodar-se à
mentira, seja em palavras ou em atos. O outro é a fria indiferença
com relação a corações e vidas, dificuldades e provas, das pessoas
que se ostensivamente está procurando persuadir. Paulo tem a
verdadeira solução: a verdade tem que ser posta em prática com
amor (Ef 3:18; 4:2; 5:1, 2), que era exatamente o que ele fazia
constantemente (2Co 2:4; Gl 4:16, 19; 1Ts 2:7–12); e ensinava
outros a fazê-lo (1Tm 4:11–13). Na verdade, o amor (para o qual
veja-se Ef 4:2) deve caracterizar todos os aspectos da vida.

Mediante tal comportamento comunicaremos bênçãos não somente


a outros, mas também a nós mesmos, visto que “cremos em todas
as coisas nele que é a cabeça, a saber, Cristo”. Temos que crer em
maior união com Ele. A mesma intimidade da consciente unidade
com Cristo está enfatizada em Rm 6:5, onde a ideia é expressa
dizendo que os crentes são “plantados juntamente” com Ele. Tais
declarações não destroem de modo algum a infinita distinção entre
Cristo e os crentes. Não indicam identidade mas intimidade. A
distinção entre os crentes e seu Senhor se enuncia claramente aqui,
visto que Ele é chamado “a cabeça” e eles são designados “todo o
corpo”. O que se quer expressar ao dizer crescer em Cristo está
interpretado pelo próprio apóstolo em Fp 1:21 - “Porque para mim o
viver (é) Cristo, e o morrer (é) lucro”. Em outras palavras:

“Logo nem uma parte do dia ou da noite

Seja achada livre de consagração,

Mas minha vida inteira seja em cada passo,

Com Ele deleitosa e firme comunhão”.

(Horatius Bonar)

16. Paulo conclui esta seção dizendo, de quem todo o corpo,


harmoniosamente ajustado e unido por cada junta que
sustenta, conforme a energia que corresponde à capacidade de
cada parte em particular, leva
Efésios (Hendriksen)

245

a cabo o crescimento do corpo para sua própria edificação em


amor.

Como cabeça Cristo faz com que seu corpo, a igreja, viva e cresça
(cf.

Cl 2:19). Ele é sua Cabeça Orgânica. Como cabeça exerce também


autoridade sobre a igreja; realmente, o faz sobre todas as coisas em
favor da igreja (Ef 1:20–23). Ele é sua Cabeça Governante. Quando
Cristo é chamado cabeça da igreja fica difícil aceitar que alguma
destas duas ideias esteja totalmente ausente, não obstante, às
vezes uma conotação recebe maior ênfase e em outros casos a
outra, conforme o indica o contexto. E em passagem como Ef 5:23,
24, ambas as ideias ( crescimento e guia) são destacadas. Na
passagem presente (Ef 4:16) é evidente que a ênfase recai na
relação orgânica. As palavras usadas mostram uma marcada
semelhança com as que achamos em Cl 2:19: “…

a cabeça, da qual todo o corpo, sustentado e unido por juntas e


ligamentos, cresce com um crescimento (que é) de Deus”. O fato de
que o corpo humano — que é a figura básica — está, na verdade,

“harmoniosamente ajustado e unido por cada junta” é uma


maravilha. É, no entanto, sabido por todos, e a ciência mais
moderna e sofisticada não o refuta. A mensagem central de Paulo,
tanto aqui na passagem de Efésios como no paralelo de
Colossenses é este, que é a Cristo a quem toda a igreja deve seu
crescimento. Tal como o corpo humano, ao achar-se devidamente
sustentado e unido, experimenta um crescimento normal, assim
também a igreja, quando cada um de seus membros sustenta e
mantém contato com os demais, e sobretudo com Cristo, poderá,
sob o providencial cuidado de Deus (ou de Cristo, como é aqui em
Efésios:
“Cristo, de quem”), avançar de graça em graça e de glória em glória
(cf.

1 Cor. 12). Há, não obstante, duas importantes adições na


passagem de Efésios, pontos que não se enfatizam na passagem
paralela de Colossenses.

1. que o corpo está ajustado e unido … conforme à energia que


corresponde à capacidade de cada parte em particular. Significa que
na igreja, também, cada membro espiritualmente vivo faz sua parte,
realizando seu ministério conforme a habilidade que Deus lhe
outorga.

Efésios (Hendriksen)

246

Esta é uma bela repetição do pensamento introduzido através de


todos os versículos precedentes desta seção, especialmente os vv.
7, 12, 13.

2. abandonando a figura básica, quando todas as “partes”

individuais (membros) cooperam, a igreja inteira cresce


espiritualmente para sua própria edificação em amor. O amor ao
qual se faz referência é o mesmo que se menciona no v. 2; veja-se
nesse versículo. Com esta maravilhosa palavra Paulo põe termo a
esta notável seção. 119

Pensamentos em Efésios 4:1–16

(um pensamento para cada versículo)

Veja-se versículo

1. O melhor método missionário é a vida realmente consagrada.

2. As qualidades que Cristo demanda de nós são aquelas que Ele


mesmo manifestou com Seu exemplo.
3. Embora, realmente, a paz é um dom comunicado pelo Espírito
Santo, é ao mesmo tempo resultado do esforço humano.

4. A igreja não é instituição de confecção humana, mas sim o


produto do Espírito Santo cujo chamado ao arrependimento e a
seguir a Cristo em serviço devemos obedecer. A obediência ao
chamado comunica esperança.

5. O “único” Senhor Jesus Cristo, em quem todos os cristãos creem


e em quem todos foram batizados, funde a todos os filhos de Deus
num

corpo, tanto os que estão na terra como os que já estão no céu.

6. Referente à primeira pessoa da Santa Trindade; como Pai é

“sobre todos” , visto que exerce controle sobre todos. Ele é, não
obstante, também “por todos”, uma vez que abençoa a todos por
meio de Cristo nosso Mediador. E é “em todos”, porque nos atrai
perto de Seu 119 Quanto a problemas concernentes à comparação
que se faz da relação entre Cristo e seus seguidores, por um lado,
com o corpo humano e seus membros, pelo outro, veja-se C.N.T.
sobre Cl 2:19, pp. 150, 151.

Efésios (Hendriksen)

247

coração em Espírito. Deste modo temos a convicção de que


adoramos a um Deus, e não a três deuses. É então uma estultícia
dizer: «Deus está morto mas Cristo ainda vive». Os três são Um.

7. O talento é um dom, e Deus não outorgou a ninguém todos os


dons. O fato de que qualquer habilidade de uma pessoa seja um
dom deve mantê-la em humildade, porque o “que tens tu que não
tenhas recebido?”(1Co 4:7). Deve também lhe servir de alento, visto
que conhece o caminho para o Doador e seus inesgotáveis dons.
8. Não somente os sofrimentos, morte, sepultura, e ressurreição de
Cristo foram a nosso favor; foi também Sua ascensão. Ascendeu
não só para receber glória para Si, mas também para outorgar dons
aos homens.

9. A doutrina da descida de Cristo ao inferno no Calvário deve ser


reafirmada. Se nosso Salvador não sofreu os tormentos do inferno
por nós, pode porventura ser nosso substituto?

10. Amou-nos o Cristo que desceu com um amor tão profundo e


íntimo que nada nesta terra pode ser comparado a ele? O Cristo
que ascendeu não nos ama menos!

11. Um apóstolo foi um dom de Cristo à igreja. Isto foi o caso


também com relação ao profeta, e ao evangelista. Hoje em dia,
igualmente, o homem a quem Cristo atribui a obra de ser “um pastor
e mestre” deve ser reconhecido como tal. E quando este, ao fazer a
obra do qual lhe enviou, é rejeitado, aqueles responsáveis por tal
pecado estão rejeitando o próprio Mestre.

12. É dever do pastor imprimir naqueles que estão sob seu cuidado
o dever e privilégio do ministério leigo. O corpo de Cristo é edificado
como é devido somente quando cada membro faz a sua parte.

13. É-nos pedido não somente unidade mas também crescimento. O

tema deste capítulo é Orgânica unidade e crescimento. «Rumo ao


alto!»

deve ser nosso lema. E chegar “à medida da estatura da plenitude


de Cristo” nosso anelo.

14. A igreja deve enfatizar o ensino da sã doutrina.

Efésios (Hendriksen)

248
15. Contra os enganos dos adversários a igreja deve praticar a
verdade; não obstante, sempre no contexto do amor.

16. Tal como o corpo humano, estando bem composto mediante


cada junta, cresce em fortaleza, assim também a igreja, quando
recebe o apoio ativo de cada membro, cada um agindo de acordo
com sua habilidade, será edificada em amor.

Efésios (Hendriksen)

249

EFÉSIOS 4:17 – 6:9

GLORIOSA RENOVAÇÃO

Versículos 4:17–5:21

Tema: A igreja gloriosa

II. Exortação insistindo à Gloriosa renovação

1. a todos

EF. 4:17 – 5:21

O tema de renovação é sugerido em Ef 4:23, onde Paulo diz aos


efésios: “deveis renovar-vos”. Esta renovação implica, além disso,
uma mudança completa, básica, uma separação do mundo ao qual
antes tinham servido, e uma adesão a Cristo, seu novo Senhor e
Salvador a quem tinham recebido e confessado. Segundo as
próprias palavras de Paulo, isto é despojar-se do velho homem e
vestir-se de novo homem (Ef 4:22, 24). Ora, o que governa toda
esta seção é o conceito da total transformação nascida do Espírito:
Ef 4:17–6:9. Paulo está dizendo ao longo de todo o
desenvolvimento: «destruam o velho e adotem o novo».

Contrasta continuamente estas duas classes de disposições e


condutas. É
assim como insiste que a falsidade seja substituída pelo falar a
verdade (Ef 4:25); a ira pecaminosa, pela qual não é pecaminosa (Ef
4:26); o roubo, pela atitude de compartilhar (Ef 4:28); a conversação
corrupta, pelas palavras edificantes (Ef 4:29); a amargura, cólera, e
ira, pela bondade, compaixão e amor (Ef 4:31–5:2); a obscenidade e
piadas vulgares, por ações de graças (Ef 5:3, 4), etc.

Ao dar termo as admoestações gerais (Ef 4:17–5:21) e ao


apresentar aquelas que concernem a grupos especiais (Ef 5:22–
6:9), a ideia de renovação continua. Os maridos devem amar, não
odiar, sua esposa (Ef 5:28, 29). Os pais não devem provocar a ira os
seus filhos,

Efésios (Hendriksen)

250

mas educá-los meigamente na disciplina e admoestação do Senhor


(Ef 6:4). Os escravos devem prestar serviço não como aos homens,
mas como ao Senhor (Ef 6:5–8). Os amos devem deixar as
ameaças e tratar a seus escravos com consideração (Ef 6:9).

Embora, certamente, tal renovação seja assunto de um tenaz e


contínuo esforço da parte dos crentes, um processo de diária
conversão, não obstante, como já se disse, é inteiramente obra do
Espírito Santo (Ef 4:30–5:18), visto que é somente por meio do
Espírito que os homens podem desenvolver o esforço necessário e
ter êxito. Daí que é uma transformação ou santificação cheia de
glória, e nada menos que uma mudança das lúgubres trevas à
gloriosa luz (Ef 5:7–14).

Consequentemente, não me é possível encontrar um título melhor


para esta seção que o de Gloriosa renovação (da igreja).

A seção que cobre as admoestações gerais contém quatro partes


que podem dividir-se como segue: Ef 4:17–24; 4:25–5:2; 5:3–14; e
5:15–21.
a. Ef. 4:17-24

“Despojai-vos do velho homem. Renovai-vos. Revesti-vos do novo


homem” .

17. O parágrafo começa como segue: Isto, portanto, digo e


testifico no Senhor, que já não andeis assim como andam os
gentios. A palavra

“portanto” conecta o presente parágrafo com tudo o que se disse


antes em Ef 4:1–16. «Em razão de vossa alta vocação e de vosso
dever para prestar serviço para a edificação do corpo de Cristo, não
deveis mais vos conduzir como os gentios». O apóstolo introduz
esta admoestação com toda a autoridade que lhe é possível reunir.
Diz: “digo e testifico”. Como Bengel assinalou: quando o apóstolo
admoesta, ele o faz de maneira que os que a recebem ajam
livremente; quando alenta, é para que ajam alegremente; e quando
testifica é para que ajam reverentemente (com adequado respeito
para com a vontade de Deus). Observe-se também,

Efésios (Hendriksen)

251

“no Senhor”. Está falando e testificando na esfera do Senhor, com


sua autoridade e para o bem de Sua causa. Cf. At 2:26; Gl 5:3; 1Ts
2:12.

Não devem mais se comportar como gentios, 120 visto que já não
são mais gentios. Se analisarmos esta declaração, fica claro que
aqui se combinam duas ideias: a. Abandonem sua antiga forma de
vida (cf. Ef 2:1–3, 12; 4:14, 22); e b. não imitem a seu atual meio
ambiente mau.

Com relação à conduta dos gentios Paulo acrescenta: na futilidade


de sua mente. A tradução “vaidade” em lugar de “futilidade” não é
errônea, uma vez que esta última é um dos significados da primeira.
Não obstante, uma vez que “vaidade” também tem outro significado
muito diferente, mas bastante comum, como por exemplo, orgulho
excessivo, presunção, deve preferir-se “futilidade”. O apóstolo
enfatiza um ponto de suma importância, ou seja, que todos os
esforços que os gentios desdobram para alcançar a felicidade
terminam em frustração. Suas vidas são uma longa série de
expectativas frustradas. É como perseguir algo e nunca alcançá-lo,
uma flor sem fruto. Cf. Rm 8:20. Todos os rios vão ao mar, mas o
mar jamais se enche. O olho nunca se satisfaz de ver nem o ouvido
de ouvir. Toda esta busca de riquezas, honra, alegria, etc., não é
mais que “Procurar apanhar ventos” (Ec 1:7, 8; 3:9). Suas mentes

ou intelectos ficam sem fruto. Não produz nada que satisfaça.


Prossegue: 18, 19. estando entenebrecidos em seu
entendimento, separados da vida de Deus por causa da
ignorância que há neles devido à dureza de seus corações,
porque se calejaram e se entregaram à libertinagem para a
prática ávida de todo tipo de impureza.

A fim de observar todo o quadro de trágica desesperança, estes


versículos devem ser considerados como uma unidade. Então fica
claro que a futilidade que caracteriza a mente do gentio é resultado
de um entendimento obscurecido e a separação da vida proveniente
de Deus, e por sua vez, ambos são a consequência de um tipo de
ignorância que de modo algum tem desculpa, mas é devido a um
voluntário endurecimento 120 A versão sobre a qual a RA e outros
baseiam sua tradução “não como os outros gentios”, é fraca.

Efésios (Hendriksen)

252

e entrega a uma desenfreada libertinagem de todo gênero. Estando


entenebrecidos é algo que aconteceu no passado, mas que tem
efeito contínuo. 121 O “entendimento” ou a capacidade de raciocinar
equilibradamente tinha sofrido os efeitos do pecado. O
entendimento é considerado aqui como se fosse um olho cegado.
Tal obscurecimento, além disso, é muito mais grave que a cegueira
física, visto que o homem que sofre esta cegueira sabe e o
reconhece diante de outros, mas a pessoa que é cega no aspecto
espiritual é cega até para reconhecer sua própria cegueira (Jo 9:40,
41). Tais pessoas não só habitam nas trevas, mas também as trevas
habitam nelas. Foram embebedadas, do mesmo modo que um dia
serão embebedada com (“beberão”) a ira de Deus (Ap 14:10).
Contraste-se estes olhos cegos com os olhos “iluminados” dos
crentes (Ef 1:18). Estão, além disso, alienados ou separados, 122 e
isto não só da “cidadania de Israel” como se indicou anteriormente
(Ef 2:12), mas também da vida de Deus”, isto é, de Deus como fonte
de vida eterna. A origem deste obscurecimento e separação pode
ser achada em sua ignorância culpada, condição que atraíram sobre
si, endurecendo seus corações contra a vontade de Deus. Em
algum tempo, em longínquas épocas, seus antecessores tinham
recebido a revelação especial de Deus, mas eles a tinham rejeitado.
Tinham transcorrido muitos séculos. Agora seus distantes
descendentes estavam sufocando até a luz da revelação geral de
Deus na natureza e na consciência com nefastos resultados. O
quadro, em sua espantosa realidade, é descrito em Rm 1:18–32; cf.
Ef 2:12 e 2:17. O próprio centro de seu ser, seu coração

se tinha “calejado” por determinação própria. No que respeita a

“calejado,” a RA diz: “tornado insensíveis” e a NVI diz: “perdido toda


a sensibilidade”, o que é também uma excelente tradução, sendo a
raiz deste gerúndio «tendo chegado a uma condição de libertação
de dor», e 121 Este é o sentido de perfeito perifrástico. Não deveria
ser necessário particularizar que ὄντες no v.

18 e οἵτινες no v. 19, masculinos, referem-se a τὰ ἔθνη neutro. Isto


não é de modo nenhum raro e é uma construção ad sensum.

122 Outro particípio perfeito, construído como entenebrecido.

Efésios (Hendriksen)

253
assim, no general, «tendo chegado a ser insensíveis» referindo-se
aqui à voz divina, à verdade de Deus.

Há aqueles que enfatizam muito a sensibilidade. Sua religião nunca


vai além das emoções. Acham-se descritos em Mt 13:5, 6, 20, 21.
Não estão firmemente arraigados. Têm falta de convicção. Os
gentios a quem Paulo está descrevendo aqui como caso exemplar
tinham tomado a direção totalmente oposta, o que é muitíssimo pior.
Ao dizer constantemente “Não” à voz de Deus que fala pela
consciência e por meio de lições que nos têm provido a natureza e a
história, eles chegaram a endurecer-se como pedras, mortos a toda
capacidade de responder ao bem e edificante. No entanto, não
mortos a todo sentimento e a todo desejo. Agora, ao longo da
história houve gente que se orgulhou do fato de poder esmagar
todos os sentimentos. Envergonhavam-se de derramar lágrimas e
até se mostravam totalmente indiferentes para reagir diante de
qualquer influência externa. Assim, por exemplo, o ideal estoico foi
libertar-se de toda emoção (“apatheia”).

Vem ao caso a história do jovem espartano que tinha roubado uma


raposa e a tinha escondido debaixo da sua túnica; preferiu que o
animal destroçasse suas vísceras antes que deixar-se trair pelo
mais leve movimento de seus músculos. Em colônias de budistas a
maior virtude é eliminar as paixões, e o céu (‘Nirvana”) é definido
como a cessação de todos os desejos naturais. E entre os índios
americanos, um iroquês que foi capturado se manteve à altura de
sua dignidade não somente suportando estoicamente a tortura, mas
também reagindo diante dela com perfeita equanimidade. O que
temos aqui, em Ef 4:18, 19, é algo muitíssimo pior.

As pessoas às quais Paulo escreve não procuravam sufocar todo


sentimento. Longe disso! Sua oposição não era a todo tipo de
desejos.

Ao contrário, somente eliminavam os desejos relacionados com o


bem.
Tinham aversão a todo desejo que os pudesse aproximar de uma
boa harmonia com a vontade de Deus. Opondo-se constantemente
à consciência, resistindo suas advertências e apagando seus
alarmes,

Efésios (Hendriksen)

254

tinham chegado ao ponto em que a consciência tinha deixado de


inquietá-los. Estava cauterizada (1Tm 4:2). Naturalmente que
tinham sentimentos e mantinham vivos os desejos, ou seja,
sentimentos e desejos para fazer o mal. Abandonaram-se ao vício.
Entregaram-se a ele (segundo o expressa literalmente o original). O
resultado de tão baixa rendição é sempre que, se persistirem nele,
Deus entrega o pecador para que sofra todas as consequências de
seu pecado, como ensina claramente Êx 8:15, 32; cf. Êx 9:12; Rm
1:24, 26, 28 (onde o mesmo verbo

“entregar”, é usado da mesma maneira como aqui em Ef 4:19). Cf.


Ap 22:11. O vício ao qual se abandonaram é chamado libertinagem
ou

“lascívia” (cf. Rm 13:13; 2Co 12:21; Gl 5:19). A literatura daquela


época era profundamente imoral. O mundo romano tinha chegado a
ser tão corrompido que algum tempo mais tarde Orígenes declara
que quando as pessoas daqueles dias cometiam adultério e
prostituição não eram considerados violadores dos bons costumes.
Tem-se dito que não foi a lava mas a luxúria o que sepultou a cidade
do Herculano. E os afrescos que se acharam entre as ruínas da
vizinha Pompeia mostram que esta cidade não era melhor.

O apóstolo diz que os gentios de quem fala abandonaram-se à


libertinagem “para a prática ávida (literalmente: prática em avidez)
de todo tipo de impureza”. A pessoa ávida é aquela que se excede.
Deseja
“ter mais que o devido”. Ignora os direitos e sentimentos de outras
pessoas. Vai além do que é devido e não tem nenhum respeito por
lei, ou dignidade, ou propriedade alguma. Cf. 5:3, 5; Cl 2:5; 1Ts 4:6.
Mediante sua desenfreada luxúria e licenciosa agressividade está
cavando sua própria sepultura. Observe-se especialmente: todo tipo
de impureza. Em Ef 4:25–31; 5:3–11, 15, 18; cf. Rm 1:26–32 se
detalha tais tipos de impureza.

20. No entanto, em princípio as pessoas a quem Paulo se dirige


pertencem a uma categoria diferente. Foi assim desde que Cristo
entrou em seus corações e vidas. Daí que Paulo continua: Vós, no
entanto, não aprendestes assim a Cristo. No original a oração
começa com a palavra

Efésios (Hendriksen)

255

vós, recebendo assim grande ênfase, como se dissesse: «Vós não


aprendestes a Cristo de modo que continuem vivendo como estão
fazendo os gentios”. Aprender a Cristo é mais que aprender a
respeito de Cristo. Os efésios não somente tinham recebido um
corpo de doutrina, ou seja, a respeito de Cristo e não somente
tinham observado na vida dos que a haviam trazido o que esta
doutrina era capaz de realizar, mas além disso, eles mesmos por um
ato de fé comunicada pelo Espírito tinham recebido este Cristo em
seus corações. Com alegria tinham recebido o sacramento do santo
batismo. E por meio de uma constante participação dos meios da
graça, por meio da oração e resposta a ela, por meio de um diário
viver de acordo com os princípios da verdade do evangelho, tinham
aprendido a Cristo, sim, ao próprio Cristo em sua própria pessoa.

Paulo apresenta aqui a apropriação de Cristo e a salvação nEle


como resultado de um processo de aprendizagem, uma
aprendizagem de coração e mente. Em outras palavras, os crentes
não são salvos de uma só vez. Não se transformam totalmente num
instante. Eles aprendem.
Houve uma mudança básica operada pelo poder de Deus. esta
mudança é seguida por um progresso constante em santificação,
constante mas não necessariamente uniforme. Em algumas
pessoas foi mais claramente evidente que em outras. Às vezes o
avanço foi a passos aumentados, outras vezes, ao compasso do
passo de tartaruga. Certamente que houve períodos de reveses e
retrocessos. No entanto, o ponto que o apóstolo enfatiza é que,
qualquer que tenha sido o grau de progresso na aprendizagem, eles
definitivamente não tinham aprendido a Cristo como defensor do
pecado e o egoísmo, da lascívia e a libertinagem. Suas mentes
tinham cessado de ser fúteis e seus entendimentos de ser
tenebrosos. Prossegue:

21 … pois certamente vós ouvistes dele e fostes ensinados


nele. Já se deu uma explicação justificando esta tradução — “pois
certamente”, onde RA traduz: “se é que” — na exposição de Ef 3:2
onde ocorre um

“porque certamente” semelhante. Muitos dos efésios tinham sido


ensinados pelo próprio Paulo durante seu prolongado ministério em

Efésios (Hendriksen)

256

Éfeso (At 19; 20:17–35). O apóstolo tinha tido a oportunidade de


chegar não só aos que realmente viviam dentro da cidade de Éfeso,
mas também às pessoas do território circundante. Muitos tinham ido
à cidade para assistir a festas, para negócios, ou para outros
propósitos. Outros, indubitavelmente, tinham ido ali com o propósito
expresso de ver e ouvir Paulo. Mas além disso houve multidões das
cidades e aldeias dos arredores que ouviram o evangelho dos lábios
daqueles que o receberam de Paulo (At 20:17). Deve
constantemente ter-se em mente que esta epístola é, com toda
probabilidade, uma carta dirigida à uma vasta multidão de pessoas,
muitas das quais não viviam em Éfeso. Era provavelmente uma
carta circular. Veja-se a Introdução, pp. 61–65. Os leitores, então,
tinham ouvido de Cristo e tinham sido ensinados não somente a
respeito dele mas nele”; ou seja, que toda a atmosfera era cristã.
Cristo, falando através de Seus embaixadores, era o Mestre. Era
além disso o tema. Prossegue: como é em Jesus que (a) verdade
reside. A verdade em relação ao homem caído em pecado, a sua
desesperada condição devido à sua natureza, à salvação obtida por
Cristo, à necessidade da fé que opera pelo amor, aos principados de
conduta cristã, etc.: todas estas doutrinas tinham a Cristo como seu
próprio centro. Nos sofrimentos e morte de Cristo na cruz os leitores
tinham podido ver quão profunda era sua queda e como se fez
necessária para eles a morte do Filho unigênito de Deus, morte que
foi tanto dolorosa como vergonhosa. Em Sua triunfante ressurreição,
ascensão e coroação tinham recebido uma prova positiva de que a
salvação tinha sido obtida.

Por meio da constante ênfase de Cristo sobre o fato de que o


indivíduo deve ir a Ele e confiar inteiramente nEle, receberam a lição
sobre a necessidade da fé como o órgão de apropriação da
salvação. O

maravilhoso exemplo do Mestre quanto a humildade, autossacrifício,


amor, etc., foi dado para instrução. Além disso, não havia dito o
próprio Cristo “Eu sou o caminho e a verdade e a vida”? (Jo 14:6).
Não era Ele a própria encarnação da verdade, a verdade em
pessoa? Não estavam escondidos nEle “todos os tesouros da
sabedoria e o conhecimento”,

Efésios (Hendriksen)

257

escondidos para ser revelados? (Cl 2:3) Porventura não era Ele a
verdade ativa e vivente, a verdade que torna livre o homem (Jo 8:32;
17:17), a precisa resposta à pergunta de Pilatos (Jo 18:38)?

O v. 21b tem caráter de parêntese. Continua agora a ideia central já


expressa no v. 21a: “pois certamente vós ouvistes dele e fostes
ensinados nele”, e escreve Paulo:
22–24. (tendo sido ensinados) que quanto à vossa passada
maneira de vida deveis123 despojar-vos do velho homem, que
se está corrompendo por meio de enganosos desejos, e ser
renovados no espírito de vossas mentes, e vos vestir do novo
homem, criado segundo (a semelhança de) Deus em verdadeira
justiça e santidade.

O que se tinha ensinado aos efésios “em Cristo” era nada menos
que a necessidade de uma mudança radical em sua perspectiva
mental e forma de vida, um giro de 180 graus. Sua anterior forma de
vida (Ef 2:2, 3; 4:17–19; 5:8, 14; cf. Cl 1:21; 2:13; 3:7) devia cessar.
A ordem a respeito da norma que, desde o instante de entrar em
contato vital com Cristo, devia controlar seu ser inteiro em todas as
suas manifestações, e confrontá-los cada dia e cada hora, era
precisa e cortante: “despojai-vos do velho homem”, ou seja, “a
antiga natureza, tudo aquilo que é alheio à graça” (Cl 3:9; cf. Rm
6:6), e “reveste-vos do novo homem”, quer dizer,

“a nova natureza, o que conseguistes ser, devem ser, e podeis


chegar a ser somente mediante a graça” (Cl 3:10; cf. Gl 3:27). Foi
uma formulação sumária124 de tremenda envergadura. Em certo
sentido, eles 123 Por causa da cláusula de parêntese (“conforme é
em Jesus que (a) verdade reside”, v. 21b) que tem lugar entre o
verbo principal “fostes ensinados” (v. 21a) e os infinitivos regidos por
ele, vale dizer

“despojar” (aoristo médio, v. 22), “vestir” (aoristo médio, v. 24) e “ser


(constantemente) renovados”

(presente passivo, v. 23), o sujeito destes infinitivos “vós” (ὑμᾶς) foi


indicado.

124 Estes aoristos “despojar” e “vestir” não indicam que as ações às


quais se referem são feitas de uma vez por todas, neste ou aquele
instante da vida dos leitores. Eles simplesmente resumem. dão uma
olhada geral. Não indicam absolutamente nada com relação a se
este despojar do homem velho e vestir do novo têm lugar num
instante ou cobre uma vida inteira. O aoristo de Jo 2:20 refere-se à
uma atividade que já tinha durado quarenta e seis anos! Aqui em Ef
4:22–24 é a natureza das ações indicadas e o contexto em que o
aoristo ocorre — o fato de que se acham unidos mediante o infinitivo
durativo presente que se refere ao processo contínuo de renovação
mental — o que estabelece o caráter vitalício da ação de despojar e
vestir.

Efésios (Hendriksen)

258

já se tinham despojado do velho homem e vestido do novo, isto é,


no momento de render seus corações a Cristo e lhe haver
professado publicamente na hora do batismo. Mas a conversão
básica deve ser seguida pela conversão diária. Mesmo quando em
princípio o crente já foi feito nova criatura (ou “criação”), sempre
será pecador até o momento de sua morte. A velha natureza, com a
qual os efésios tinham estado tão intimamente ligados por tantos
anos, não se tira de si tão facilmente. Livrar-se dela é tarefa difícil e
dolorosa. Equivale, na verdade, a uma crucificação (Rm 6:6). Isto é
assim ainda mais porque de contínuo nos promete tanto. Está se
“corrompendo continuamente”

mediante as ilusões da cobiça e aqueles enganosos maus


desejos125 com suas grandiosas promessas e insignificantes
realizações. Além disso, estes enganos corruptos existem, onde
quer se ache presente a velha natureza, seja no não-crente como
no crente. O crime de Caim na pessoa de seu irmão, fato que
imediatamente após ser planejado parecia tão atrativo, resultou
somente em maldição. A presumida coroa de Absalão, tão
deslumbrante no princípio, terminou em sua horrível morte. A vinha
tão deliciosa e convenientemente situada que Acabe, a fim de obter
tão apreciado despojo não tinha vacilado em sacrificar a vida de
Nabote, atraiu a ruína à casa de Acabe e sua posteridade. As trinta
moedas de prata que se vislumbravam tão resplandecentes nos
planos de Judas, ao ser já sua possessão queimaram suas mãos,
torturaram sua alma, e empurraram o traidor para o caminho da
forca e do inferno. E sem deixar de lado um dos escolhidos de
Deus, a Davi, que num momento de fraqueza, cheio de apaixonado
deleite com o pensamento de dias futuros prazenteiros com o
propósito de seus anelos carnais, foi forçado a ouvir as palavras do
Senhor que como trovão brotaram de lábios do profeta:

“Tu és o homem. A espada não se separará da tua casa”. Na


verdade, a velha natureza ostenta uma taça de ouro, mas ao
examiná-la se acha que 125 Com relação à palavra ἐπιθυμία veja-se
C.N.T. sobre 2 Tim. 2:22, especialmente a nota 147, pp.

307, 308.

Efésios (Hendriksen)

259

não contém senão imundícia e abominação (cf. Ap 17:4). É por isso


que os efésios foram advertidos solenemente que se despojassem
do velho homem, que lutassem contra ele com implacável vigor sem
desmaiar a fim de desfazer-se totalmente dele.

Mas assim como “o velho homem” é totalmente mau, “o novo


homem” é inteiramente bom. Este é “criado à imagem de Deus”. Cf.
Cl 3:10. Outras passagens explicativas se acham em Ef 2:10; 2Co
5:17; Gl 6:15; e Tt 3:5. Dia a dia esta nova criação avança “em
verdadeira justiça e santidade”. A passagem paralela de
Colossenses (Ef 3:10) acrescenta

“pleno conhecimento”. A graça restaura o que o pecado danificou


ruinosamente. Deus não somente imputa mas também comunica
justiça ao pecador a quem Ele se compraz em salvar. É assim como
o crente começa a cumprir seus deveres para com seu próximo.
Mas a justiça nunca anda sozinha. É acompanhada sempre da
santidade, de modo que a pessoa regenerada e convertida cumpre
suas obrigações também com referência a Deus. Cf. Lc 1:75; 1Ts
2:10; Tt 1:8. Além disso, a justiça e santidade que Deus outorga são
verdadeiras, 126 não enganosas, como o são as cobiças que
emanam da velha natureza. Conduzem a vida à sua verdadeira e
predestinada realização. Satisfazem.

Quanto à figura de “despojar-se” e “vestir-se”, refere-se,


naturalmente, ao que alguém faz com a roupa. Frequentemente tal
vestimenta indica a natureza do caráter, seja bom (Jó 29:14; Sl
132:9; Is 11:5; 61:10) ou mau (Sl 73:6; cf. Sl 35:26; 109:29). Quão
firmemente este roupagem se apega a ele! Mas esta figura não se
limita às Escrituras.

Chegou a ser parte da literatura geral. Acha-se também nas orações


dos 126 Literalmente “justiça e santidade da verdade” (de acordo
com o qual seria provavelmente a melhor versão). Assim também no
v. 22 “concupiscências do engano”. À vista da presencia do artigo
antes de engano e antes de verdade alguns negam o caráter
adjetivado destes modificativos. O significado viria a ser então
“concupiscências que brotam de (o) engano (ou: decepção)”, e
“justiça e santidade que brotam de (a) verdade”. É duvidoso, no
entanto, que haja boa base para este afinação. De qualquer maneira
é claro que as concupiscências, por um lado, e a justiça e santidade
pelo outro, acham-se aqui contrastadas quanto a seu caráter e valor.

Efésios (Hendriksen)

260

filhos de Deus: “Ó, Senhor, despoja-nos do nós mesmos e veste-nos


de Ti mesmo,”.

É necessário tanto o descartar o homem velho como o vestir o novo.

Alguns enfatizam constantemente o negativo. Tal religião é a de,


“não isto ou não aquilo”. Outros se opõem a todo “não”, e se sentem
orgulhosos ao superenfatizar o positivo. As Escrituras evitam ambos
os extremos. Efésios contém muito do “fazer” e muito do “não fazer”.
Na vida presente ambas as coisas são necessárias. São
inseparáveis e apontam para atividades simultâneas.
Isto é o que Paulo quer significar quando declara que os efésios
tinham sido ensinados a “despojar-se” do velho homem e a “vestir-
se”

do novo. Uma pessoa não poderá fazer quase nada com uma única
folha de tesoura. As duas folhas operando em conjunto formam a
tesoura que pode fazer o trabalho. A pessoa que diz “sim” a Cristo
está dizendo

“não” a Satanás. Não obstante, embora ambos sejam necessários, a


ênfase contínua de Paulo é no positivo. “Vencei o mal com o bem”
(Rm 12:21; cf. 13:14). Assim o é em Ef 4:22–24, visto que somos
ensinados que a única forma como alguém pode ter êxito
progressivo para despojar do velho homem e vesti-lo do novo127 é
por meio da renovação no espírito da mente de alguém. Tal
renovação é basicamente obra do Espírito de Deus influindo
poderosamente o espírito do homem, que aqui, como também em
1Co 4:21; Gl 6:1; e 1Pe 3:4 refere-se à atitude mental, ou estado da
mente, ou disposição, com relação a Deus e às realidades
espirituais.

127 No v. 23 observe-se νέος-ον como elemento componente do


verbo renovados, enquanto que no v.

24 o adjetivo que modifica “homem” é καινός-ον. Em Cl 3:10 não


obstante os papéis se invertem.

Consequentemente, embora seja verdade que basicamente ωέος


indica novo quanto a tempo, enquanto καινός refere-se a novo
quanto a qualidade, é óbvio que a distinção não se pode exigir nem
aqui nem em Colossenses.

Efésios (Hendriksen)

261

b. Ef. 4:25 – 5:2


“Não deis ao diabo ponto de apoio. Sede imitadores de Deus”.

25. O apóstolo avança do geral ao particular: Portanto,


descartando a falsidade, falai verdade cada um (de vós) com i
seu próximo. Não há dúvida que existe relação entre esta
admoestação e o parágrafo precedente e isto é claro pela repetição
da palavra “despojando-se” ou

“descartando” (é o mesmo verbo no original; cf. vv. 22 e 25) e da


referência à “verdade” (cf. v. 25 com vv. 15, 20, 24). Baseado nesta
relação tão evidente alguém poderia interpretar o pensamento de
Paulo nesta parte da seguinte maneira: «Já que em Cristo fostes
ensinados a despojar-vos do homem velho e vos vestir do novo,
portanto despojai-vos da falsidade e falai a verdade”.

No entanto, enfrenta-se imediatamente a aguda diferença de opinião


entre os expositores quanto à tradução e o significado destas
palavras. A melhor forma, talvez, para deixar claro a diferença seria
resumir o ponto de vista de um representante de cada uma das
teorias opostas. O primeiro ponto de vista é o seguinte: O que Paulo
diz é que visto que os efésios tinham descartado definitivamente a
falsidade, ou seja, quando aceitaram a verdade do evangelho deve
agora falar verdade cada um com seu vizinho. O segundo é: “Não é
necessário traduzi-lo ‘tendo-vos despojado’, o que pareceria implicar
uma separação cronológica entre as duas ações (isto é, entre o
tempo em que se despojam da falsidade e o tempo em que falam a
verdade)”. 128 Gramaticalmente ambas as traduções — “tendo vos
despojado” e “despojando-vos” (ou

“descartando”) — são possíveis. Em favor do primeiro ponto de vista


pode-se dizer que os efésios tinham experimentado a conversão
básica.

Haviam, portanto, já repudiado definitivamente a mentira ao aceitar


a 128 O primeiro ponto de vista é o de Lenski, discutido com
acostumada energia, op. cit. , pp. 573, 574.
Faz até a seguinte declaração, “O particípio é … aoristo, daí que
não: ‘desprezando a falsidade’ ”. Mas certamente deve ter estado a
par do fato que existe também tal coisa como um particípio aoristo
de ação simultânea! O segundo ponto de vista é o de Abbott, op. cit.
, p. 139.

Efésios (Hendriksen)

262

verdade. O significado de Ef 4:25 poderia ser então: «Sede


consequentes. Fazei com que vossa vida adorne vossa profissão.
Tendo vos despojado da falsidade, praticai agora a verdade». Esta
linha de pensamento estaria também completamente em harmonia
com a lógica de Paulo segundo é expresso, por exemplo, em Ef
4:1ss. e em outros lugares.

No entanto, embora se deva conceder que é possível que esta


teoria seja correta, parece-me que os melhores argumentos estão
em favor da teoria oposta. A que se deve que tantos tradutores e
intérpretes a adotaram? A tradução que eu apoio, salvo algumas
pequenas variações, ou seja, “Portanto, descartando a falsidade,
falai a verdade cada um (de vós) com o seu próximo” é a que se
acha na TB, Bíblia das Américas, e essencialmente nas versões dos
que usam dois imperativos: “Terminai com a falsidade; falai a
verdade um ao outro” (Bruce; e cf. Phillips, N.E.B., Williams, Beck,
etc.). As razões são indubitavelmente as seguintes: a. tem-se a
impressão de que o despojar-se da falsidade e o falar verdade são
simplesmente dois lados da mesma moeda; e b. é muito manifesto
que o apóstolo, com base no parágrafo anterior, começa agora a
detalhar as áreas nas quais a conduta cristã deve ser dada a
conhecer, sendo uma delas a prática da verdade. Para a maioria
dos intérpretes estes atos devem ter sido tão evidentes que ao
comentar esta passagem nem sequer discutiram a possibilidade de
algum ponto de vista oposto.

Todo missionário que tenha trabalhado por algum tempo entre


aqueles que ainda vivem em trevas pode testemunhar que não só o
pensar ideias falsas, mas também definidamente o falar mentiras e
propagar falsos rumores é característico no mundo pagão. Para
aqueles que se tinham convertido muito recentemente não deve ter
sido fácil terminar com este maligno hábito. Esta pôde bem ter sido
a razão por que Paulo, quer direta ou indiretamente, menciona vez
após vez a necessidade de acabar definitivamente com a anterior
forma de conduta com relação a isto, e adotar um sistema de
normas inteiramente novo.

Alguns, baseados em Ef 4:15, 22, 25; 6:14, sugeriram ainda que em

Efésios (Hendriksen)

263

Éfeso e seus arredores os membros da igreja tinham uma conduta


bastante desonesta (veja-se Grosheide, op. cit., p. 69). No entanto,
embora fosse assim, a falsidade e desonestidade são coisa típica na
forma de vida dos gentios (Rm 1:29) tanto naqueles tempos como
hoje.

A melhor forma de destruir a mentira é falar a verdade. Isto é o que


Paulo realmente quer significar ao dizer “falai verdade cada um (de
vós) com o seu próximo”, citando substancialmente Zc 8:16.
Especialmente para aqueles membros das congregações que
conheciam o Antigo Testamento, ou seja, para os cristãos judeus, o
fato de que esta fosse uma citação da sagrada literatura
acrescentava força à exortação. Segundo a opinião do Hodge a
palavra “vizinho”, embora tenha o significado comum de próximo,
sem importar seu credo ou nacionalidade, aqui se está referindo ao
irmão crente ( op. cit., p. 268); não querendo indicar que seria
perfeitamente correto mentir então aos não-crentes, mas antes, o
contexto exige esta interpretação. Creio que Hodge está certo, uma
vez que o contexto é: porque somos membros uns dos outros.
Isto nos faz lembrar Ef 2:13–22; 3:6, 14, 15; 4:1–6, 16, passagens
que enfatizam a ideia de que embora os crentes sejam muitos, ao
mesmo tempo são um, quer dizer, um corpo com Cristo como sua
cabeça. A mentira não somente é perniciosa porque não leva a sério
a excelência intrínseca da verdade, mas também porque causa
dificuldades, fricção, desunião e amargura na igreja. A lei do amor
implica indubitavelmente a verdade.

26, 27. A próxima admoestação específica está relacionada com


assuntos tais como ira e ressentimento: Irai-vos, e não pequeis.
Estas palavras nos trazem à memória Sl 4:4 (LXX: Sl 4:5), que o
apóstolo aplica aqui a seu próprio propósito. As palavras não se
devem interpretar separadamente, como se o sentido fosse, a.
“deveis irar-vos de vez em quando”, e b. “não pequeis”. Tampouco é
verdade que aqui se proíba toda ira. Aqueles que, mediante
estranho raciocínio, apoiam esta

“interpretação” o fazem conectando-o com o versículo 31, mas veja-


se mais adiante o comentário correspondente. O sentido é
simplesmente,

“Que vossa ira não esteja misturada com pecado”. A ira em si


mesma

Efésios (Hendriksen)

264

não é necessariamente pecaminosa. É atribuída até a Deus (1R.


11:9; 2Rs 17:18; Sl 7:11; 79:5; 80:4, 5; Hb 12:29), e a Cristo (Sl 2:12;
Mc 3:5; Jo 2:15–17). Na verdade, nos tempos em que vivemos bem
se poderia usar um pouco mais de “santa indignação” contra todo
tipo de pecado. Por outro lado, quanto mais ira um crente usar
contra seus próprios pecados, tanto melhor será. No entanto, a ira,
especialmente com relação ao próximo, degenera facilmente em
ódio e ressentimento. Amar o pecador ao mesmo tempo que se
odeia seu pecado requer uma boa porção de graça. Uma
exclamação como «não posso suportar este indivíduo», é algo que
sai às vezes até dos lábios de membros da igreja com referência a
outros. É por esta razão que o apóstolo acrescenta imediatamente:
não se ponha o sol sobre vosso irado estado de ânimo. 129
Tendo falado sobre a ira, o apóstolo aponta agora àquilo em que
facilmente pode degenerar a ira, ou seja, o espírito de
ressentimento, de irado estado de ânimo, o semblante antissocial
que é sinal de ódio e de atitude que não perdoa. O dia não deve
terminar assim. Antes que amanheça um novo dia, não, mas antes
que o sol se ponha — o que para o judeu significava o final de um
dia e o começo do próximo — o perdão genuíno não só deve ter
enchido o coração, mas também deve, em todo o possível, ter-se
manifestado abertamente de modo que o próximo tenha sido
beneficiado por esta bênção. Phillips, embora não esteja realmente
traduzindo, dá o verdadeiro sentido da passagem ao parafrasear
como segue: “nunca te deites zangado”. Paulo prossegue … e não
deis ao diabo130 ponto de apoio. Literalmente, “E não deis lugar
ao diabo”. O

diabo rapidamente aproveitará a oportunidade para mudar nossa


indignação, seja justa ou injusta, em ofensa, rancor, fonte de ira,
resistência ao perdão. Paulo se achava muito consciente da
realidade, 129 Por meio desta tradução tanto o sentido como a
semelhança fonética das palavras usadas no original para “ira” e
“irado estado de ânimo” se preservam.

130 Quando diábolos vai precedido pelo artigo é definidamente “o


diabo” o qual se indica. Como adjetivo se traduz “caluniosos
(indivíduos)”, logo, “caluniadores” (1Tm 3:11; 2Tm 3:3; Tt 2:3). Para
evitar então um mal entendido, a tradução aqui em Ef 4:27 deve ser
necessariamente “o diabo”.

Efésios (Hendriksen)

265

poder, e engano do diabo, conforme o mostra em Ef 6:10. O que dá


a entender, portanto, é que desde o começo o diabo deve ser
resistido (Tg 4:7). Não se deve conceder-lhe lugar algum, nenhuma
entrada, nenhum ponto de apoio onde colocar um pé. Não se deve
ceder a ele em nenhum ponto nem transigir com ele em aspecto
algum. Não se deve deixar a ele nenhuma oportunidade para
aproveitar nossa ira e obter seus sinistros propósitos.

28. Da advertência contra a falsidade e o irado estado de ânimo o


apóstolo passa à admoestação contra o roubo. Escreve: Aquele
que furta, não furte mais. Não está dizendo “Aquele que furtava”
(RC 1998), mas sim “Aquele que furta”. Refere-se provavelmente a
pessoas que antes de sua conversão costumavam enriquecer-se
com base no furto, etc., e que agora se achavam em perigo de
reincidir, usando diferentes meios desonestos. Mas temos que supor
que na congregação à qual Paulo escreve havia ladrões? Minha
resposta é que existe pelo menos o perigo muito real de que alguém
pudesse cair de novo neste pecado. Não se deve esquecer que
alguns, talvez muitos, daqueles primeiros convertidos eram
escravos. Bem, a falta de fidelidade em assuntos materiais era
característica nos escravos, tal como hoje em dia os “servos” em
regiões pagãs nem sempre são honestos, mas furtam
frequentemente coisas pertencentes a seus padrões quando estes
não os veem. De acordo com Fm 18 — epístola escrita durante este
mesmo período da prisão e enviada mais ou menos ao mesmo
tempo — Paulo suspeitava de Onésimo, o escravo que fugiu por ter
procedido mal com seu amo com relação a isso. E depois de ser
libertado de sua prisão atual (a primeira em Roma) Paulo escreveria
a Tito: “Exorta aos escravos que sejam submissos em tudo a seus
próprios amos … não furtando, mas dando evidência de suprema
fidelidade” (Tt 2:9, 10). Não é porventura provável que até o escravo
“convertido”, num momento de fraqueza dissesse «Meu amo saiu.
Agora é minha oportunidade para lhe tirar algo.

Afinal de contas ele me deve muito mais, e com que direito extrai
todo este trabalho de mim? Então, se eu lhe tiro alguma riqueza,
não estou

Efésios (Hendriksen)

266
acaso lhe privando de algo ao qual não tem direito?» No entanto,
não devemos pensar unicamente nos escravos. O pecado contra o
qual Paulo pronuncia advertências era e ainda é característico do
paganismo.

Qual é a solução que Paulo propõe? Deseja que os efésios acabem


com o roubo e pratiquem a honestidade. Mas ainda deseja mais.

Compreende que no fundo do pecado do furto jaz uma falta mais


básica, ou seja, o egoísmo. Daí que ataca a própria raiz do mal,
visto que, ao desviar a atenção do ladrão, seja real ou em potencial,
de si mesmo e para as necessidades do próximo, esforça-se em lhe
dar um novo interesse na vida, uma nova alegria. Por isso escreve:
mas antes, trabalhe, fazendo com suas próprias mãos o que é
bom, para que tenha algo que compartilhar com o necessitado.
O ladrão deve deixar de roubar e começar a realizar um trabalho
duro e honesto. Paulo usa a palavra trabalho com relação à obra
manual (1Co 4:12; 2Tm 2:6; cf. o nome em 1Ts 1:3; 2:9; 2Ts 3:8); e
também em conexão com obra religiosa (Rm 16:12 duas vezes; 1Co
15:10; Gl 4:11; Fp 2:16; 1Ts 5:12; 1Tm 4:10; 5:17). Aqui em Ef. 4:28
tem referência a trabalho manual, conforme o indica a frase “com
suas próprias mãos”. Ao usar suas mãos em trabalho honesto, o
trabalhador estará realizando algo bom em lugar do que é mau e
contrário à lei de Deus. Quanto a ganhar a vida, o próprio Paulo
tinha dado um excelente exemplo. Não somente cumpriu uma boa
quantidade de trabalho religioso, da melhor qualidade, quase
incrível, mas também em algumas ocasiões trabalhou até com suas
próprias mãos para prover suas necessidades e as de outros.
Achava-se em condição de dizer aos tessalonicenses: “Porque
lembrais, irmãos, nossa fadiga e árduo trabalho: de noite e de dia
(estivemos) trabalhando num ofício (ou: “trabalhando para nos
sustentar”), a fim de não ser uma carga a nenhum de vós enquanto
vos proclamávamos o evangelho de Deus” (1Ts 2:9; cf. At 20:33,
34). Referente a uma exposição detalhado do ensino de Paulo com
relação a trabalho e remuneração por ele, veja-se C.N.T. sobre 1 e 2

Tessalonicenses, pp. 75–80, 232, 233.


Efésios (Hendriksen)

267

Paulo enfatiza o fato de que o trabalhador não deve pensar somente


em si mesmo, mas também em seu irmão, especialmente naquele
que sofre necessidade. O próprio apóstolo era homem terno e
extremamente compreensivo (Gl 6:10), sempre “desejoso de ajudar
o pobre” (Gl 2:10).

E naturalmente que os ajudou! De fato, a mesma viagem


missionária que foi a causa de sua presente prisão tinha sido uma
viagem em favor dos pobres de Jerusalém. Tinha estado reunindo
recursos para os necessitados daquela cidade. Estes irmãos em
aflição eram muito queridos para ele, e ao alentar aquelas igrejas,
até aquelas cuja membresia provinha principalmente do mundo
gentílico, para abrir sua mão ao necessitado, estava ao mesmo
tempo obtendo seu propósito de unir as várias igrejas numa
comunhão de amor e mútua ajuda. (At 24:17; Rm 15:26; 1Co 16:1–
9; 2Co 8:9). Em tudo isso não fazia outra coisa senão seguir o
exemplo de seu Senhor e Salvador, que estando ainda na terra,
falou vez após vez da obra de misericórdia e cujo compassivo
coração comoveu-Se profundamente diante da miséria do pobre (Mt
5:7; 19:21; 25:35, 36; Lc 4:18; 6:20; 14:13, 14; 16:19–31; Jo 13:29).

29. Cf. sobre Ef 5:4. Da advertência contra a atitude imprópria para


as coisas materiais Paulo prossegue com uma admoestação contra
o uso indevido da língua, também contrapondo neste caso o positivo
ao negativo, em Espírito de Rm 12:21 “vence com o bem o mal”.
Escreve: Nenhuma palavra corrompida saia da vossa boca.
Palavra corrupta é aquela que está podre, putrefata; portanto
corruptora, pervertedora, injuriosa (Mt 15:18). Bem podemos supor
que estes novos conversos à fé cristã tinham vivido num meio
ambiente impuro, onde a conversação soez, em banquetes,
reuniões sociais e festas era o pão de cada dia dos presentes. A
mudança experimentada ao sair deste ambiente tóxico e entrar na
atmosfera pura e sã da comunhão cristã deve ter significado para
eles nada menos que uma revolução. Mesmo cristãos bastante
crescidos em santificação confessaram às vezes o fato de quão
difícil em certas ocasiões é purificar suas mentes totalmente das
palavras e a melodia desta ou daquela grosseira música de
botequim. Odiaram-na,

Efésios (Hendriksen)

268

lutaram contra ela, estiveram seguros de tê-la expulso para sempre


de seus pensamentos, quando repentinamente, ei-la ali outra vez,
pronta para invadir e torturar com sua presença novamente.
Acontece assim também com certas frases ou palavras vis, e até
blasfêmias, tão comuns no período de pré-conversão da vida, que
costumam irromper em momentos de descuido, contaminando a
atmosfera. Lembremos a Pedro que, sendo apóstolo do Senhor,
“começou a amaldiçoar e a jurar” quando supunha que sua vida se
achava em perigo (Mt 26:74). Também aqui, o único remédio, além
da oração, é encher a mente e coração com o que é puro e santo,
no espírito de Gl 5:22 e Fp 4:8, 9. Consequentemente, Paulo
prossegue: … mas sim (somente) a (palavra) que seja boa para
edificação, isto é, para “edificar o corpo de Cristo” (Ef 4:12),
segundo a necessidade (literalmente, “edificação da necessidade”,
significando: a edificação requerida pela necessidade concreta ou
específica), a fim de comunicar graça aos que ouvem, quer dizer,
para que recebam dela beneficio espiritual. Isto nos lembra Cl 4:6,
“Que vossa palavra sempre seja com graça, temperada com sal,
para que saibais como responder a cada indivíduo”. Cf. Cl 3:16.

Notamos um paralelo interessante entre os vv. 25, 28 e 29. Em cada


caso o apóstolo insiste com os leitores a ser bênção para todos
aqueles com quem se relacionem diariamente. Se somente houver
abstenção da falsidade, do furto, e da linguagem corrupta, o
resultado nunca será positivo. O cristianismo não é uma religião de
um mero “não fazer”, e os cristãos não devem conformar-se sendo
meros zeros. Em lugar disso, devem imitar o exemplo de seu
Mestre, cujas palavras eram tão cheias de graça que a multidão se
maravilhava (Lc 4:22). “E a palavra a seu tempo, quão boa é!” (Pv
15:23).

30. Quando o apóstolo admoesta contra o mau comportamento e


insiste com todos os leitores a observar uma conduta cristã, nunca
deixa de considerar a todos os leitores “interessados”. Já mencionou
o próximo, o diabo, os necessitados, e os que ouvem (vv. 25, 27, 28,
29).

Não nos surpreende, então, que agora se refere à parte mais


interessada,

Efésios (Hendriksen)

269

na verdade mais interessada, ou seja, o Espírito Santo. Escreve: E


não entristeçais o Espírito Santo de Deus em quem fostes
selados para o dia da redenção. Diz-se às vezes que a igreja não
tem feito plena justiça à doutrina do Espírito Santo; que foi
descuidada ao não conceder a Ele a mesma atenção que se
outorga ao Pai e ao Filho. Pode ser que isto seja verdade. No que
respeita a Paulo, não obstante, tal acusação não diz respeito. O
termo “o Espírito Santo” ocorre umas trinta vezes em suas epístolas,
se incluirmos tais sinônimos apelativos como “Espírito de Deus”,
“Espírito de Cristo”, etc. Além disso, contei pelo menos setenta
casos nos quais eu pelo menos interpretaria a palavra pneuma (que
aparece sem o adjetivo “santo”) como referência à terceira pessoa
da Santa Trindade. Sobre este tema existe, não obstante, certa
diferença de opinião entre os expositores. Seja como for, a epístola
aos efésios menciona o Espírito Santo vez após vez, usando o
mesmo termo (Ef 1:13; 4:30) ou simplesmente a designação: “o
Espírito” (Ef 1:17; 2:18, 22; 3:5, 16; 4:3, 4; 5:18; 6:17, 18). Existe o
consenso geral que na maioria destes casos a referência é ao
Paracleto.

A razão pela ocorrência tão seguida é óbvia: Paulo deseja imprimir


em nós que fora de Deus não podemos ser salvos; quer dizer, que
tudo o que tem que bom em nós tem sua origem no Espírito Santo.
Ele comunica vida e também a sustenta. Ele faz com que se
desenvolva e chegue a seu destino final. Portanto, é Ele o autor de
toda virtude cristã, de todo bom fruto. Daí que, sempre que o crente
contamina sua alma, dando lugar a pensamentos ou sugestões
enganosas, de vingança, de cobiça, ou de imundícia, está
entristecendo o Espírito Santo. Isto se faz ainda mais real visto que
é o Espírito que habita nos corações dos crentes, fazendo deles Seu
santuário, Seu templo (Ef 2:22; 1Co 3:16, 17; 6:19). Mediante
imaginações, reflexões, ou motivações de maldade de todo tipo este
Espírito que habita em e santifica o crente, o Filho de Deus sofre,
por assim dizer, a quebra de Seu coração. Além disso, o Espírito
não somente nos salva, mas também nos enche da alegria e da
segurança da salvação; visto que, tal como já o deixamos claro, e se
repete em

Efésios (Hendriksen)

270

essência aqui em Ef 4:30, foi “nele (“em conexão com”, e por isso
também “por meio de”, ele) que fomos “selados para o dia da
redenção”, aquele grande dia da consumação de todas as coisas,
quando nossa libertação dos efeitos do pecado for completada. É o
dia da volta de Cristo, quando nosso corpo, atualmente em baixeza,
renovado à semelhança do corpo glorioso de Cristo, se reunirá à
sua alma redimida para que em corpo e alma a inteira multidão
vitoriosa habite no novo céu e a nova terra para glorificar a Deus
para sempre jamais. A própria meditação sobre o cumprimento
desta esperança deveria ter em nós um efeito purificador (1Jo 3:2,
3). Quanto à explicação mais ampla, veja-se em Ef 1:13, 14; cf. Lc
21:28; Rm 8:23. É por isso que o recair em atitudes e práticas pagãs
é sinal de ruim ingratidão. Em que forma tão intensa deve isso
entristecer o Espírito que habita em nós! Poderíamos considerar
esta expressão altamente antropomórfica, e realmente o é, tanto
aqui como em Is 63:10 de onde é tomada. É, não obstante, em certo
sentido, o antropomorfismo mais alentador, visto que não pode
deixar de nos lembrar “o amor do Espírito” (Rm 15:30), que “nos
anela zelosamente” (Tg 4:5). Assim é o contexto também em Isaías.
Leia-se Is 63:10 em conexão com o versículo que o precede.
Certamente que

“entristecer o Espírito” não é termo tão forte como “resistir” ao


Espírito (At 7:51); o que por sua vez não é tão terminante como
“apagar o Espírito” (1Ts 5:19). No entanto, um primeiro passo em
má direção facilmente conduz ao próximo. Tomara que os efésios e
todos aqueles ao longo dos séculos para cujo benefício foi escrita a
epístola tomem seriamente esta advertência! Observe-se também a
ênfase com que o nome completo do Consolador se expressa: “o
Espírito Santo de Deus”, ou, até de forma mais literal “o Espírito, o
Santo, de Deus”, com ênfase especial em Sua santidade. Acentua-
se tanto a Sua majestade quanto o Seu poder santificador. É “santo”
e isto não só com referência à Sua imaculada santidade própria,
mas também como a própria fonte de santidade para todos aqueles
em cujos corações Ele Se digna habitar!

Efésios (Hendriksen)

271

31. Agora Paulo volta novamente a considerar os pecados da língua


(cf. vv. 25 e 29 mais acima). Mencionam-se seis detalhes
específicos ao continuar: Toda amargura e cólera e ira e gritaria e
maledicência sejam tiradas de vós, juntamente com toda
malícia. A amargura é a disposição de uma pessoa com a língua
aguda como uma flecha, e afiada como uma navalha. Guarda
ressentimento contra seu próximo e assim o “fura”, estando sempre
pronto para “perder os estribos” com respostas que mordem ou
ferroam. A cólera ou fúria (latim: furor), é uma forte paixão de
antagonismo que se expressa por meio do tumultuoso estalo, a
réplica acalorada. Seu uso aqui, ocorrendo na má companhia de
palavras tais como amargura e gritaria (contrário ao seu uso no v.
26), indica homicídio potencial (Mt 5:21, 22). A ira (o mesmo em
latim) é a indignação que domina, quando o coração ruge como um
forno que arde.
A gritaria (cf. At 23:9) é a explosão violenta de uma pessoa fora de
si que começa a gritar a outros. A maledicência ou calúnia é a
linguagem ofensiva, seja contra Deus ou contra o próximo. 131 Esta
lista sobre o mau uso da língua se resume nas palavras “juntamente
com toda malícia”.

Malícia não significa meramente “travessura” mas, em geral, é a


perversa inclinação do pensamento, a maligna ou vil disposição que
se deleita até em infligir dano ou ferir o próximo. «Que todas estas
coisas sejam tiradas de vós», diz Paulo sob a inspiração do Espírito
Santo.

32. Agora, em sua análise final o abandonar as malignas


disposições, palavras, e ações já mencionadas pode-se realizar
somente por meio da aquisição e o desenvolvimento das virtudes
opostas.

Consequentemente, voltando-se mais uma vez às exortações


positivas, o apóstolo prossegue: E sede bondosos os uns para
com os outros, compassivos. Isto se pode comparar com Cl 3:12,
13 “Revesti-vos, pois, 131 A palavra grega usada é blasfêmia. Mas
no grego a palavra tem um significado algo mais amplo que o
português. Enquanto que o português refere-se a uma linguagem
abusiva com relação a Deus ou coisas religiosas, vale dizer,
irreverência desafiante, no original refere-se a insultos dirigidos ora
contra Deus ora contra os homens. No caso presente, conforme o
indica o contexto, está-se referindo claramente ao último:
expressões escarnecedoras e insolentes dirigidas contra o próximo,
calúnia, difamação, maledicência.

Efésios (Hendriksen)

272

como escolhidos de Deus, santos e amados, de um coração de


compaixão, bondade, humildade, mansidão, suportando-vos uns
aos outros e perdoando-vos uns aos outros se alguém tiver queixa
contra outro. Assim como o Senhor vos perdoou, assim fazei-o
também vós”. A bondade é aquela graça de benevolência
comunicada pelo Espírito, o inteiramente oposto à malícia ou
maldade mencionada no v. 31. A bondade dos primeiros cristãos era
sua própria recomendação diante de outros (2Co 6:6). Deus,
também, é bondoso (Rm 2:4; cf. 11:22), e somos exortados a ser
como Ele com relação a isso (Lc 6:35). Quando uma pessoa
bondosa ouve uma intriga, não corre ao telefone a compartilhar com
outros tão “delicioso bocado”. Se lhe contam as falhas do próximo,
ele trata, se pode fazê-lo honestamente, de pôr em relevo até onde
for possível suas boas qualidades, fazendo uma justa
compensação. A bondade identifica o homem que tomou seriamente
1Co 13:4. A compaixão (cf. 1Pe 3:8 e o “coração de compaixão” de
Cl 3:12) dão a entender um profundíssimo sentimento, “um vivo
anelo com o intenso afeto de Cristo Jesus”. 132 Paulo acrescenta:
perdoando-vos uns aos outros, assim como Deus em Cristo
vos perdoou. Colossenses diz: “assim como o Senhor”; Efésios:
“assim como Deus em Cristo”. Não há diferença essencial. O Pai, o
Filho, e o Espírito Santo são um. Cooperam em todas estas
atividades que dizem respeito à nossa salvação. Perdoar

“assim como Deus em Cristo” perdoou significa: assim tão livre,


generosa, profunda, espontânea, e entusiastamente. Como apoio a
esta interpretação, veja-se passagens tais como Mt 18:21–27, 35 e
Lc 23:34.

Além disso, todas as injúrias que nós tenhamos sofrido por causa da
má disposição de nosso próximo jamais poderão ser comparadas
com as ofensas que Ele, que nunca cometeu pecado, teve que
suportar: ao ser 132 A pessoa compassiva tem “boas vísceras” vale
dizer, as que são o assento de, ou afetadas por, os profundos e
poderosos sentimentos de amor e piedade. Isto indica a derivação
da palavra usada aqui no original. Quanto ao problema relacionado
com o uso do termo “vísceras” veja-se C.N.T. sobre Filipenses, pp.
71, 72, nota 39.

Efésios (Hendriksen)

273
cuspido, desprezado, coroado com espinhos, crucificando. Com
tudo isto, estendeu seu perdão! E ao fazê-lo legou um exemplo (1Pe
2:21–25).

Mas fez ainda mais que isso. Deixou-nos também um motivo para
exercer o perdão. Tendo nos perdoado tanto, não devemos também
nós perdoar? Veja-se novamente Mt 18:21–35. Tal exemplo e tal
motivo, no entanto, têm relação com algo mais que o mero dever
perdoar. Tocam toda a ampla área do amor, da qual o exercício do
perdão é somente uma de suas manifestações, e na verdade, uma
das mais importantes. O amor deve manifestar-se em todas as
áreas de nossa vida, o amor moldado segundo e motivado pelo
amor de Deus em Cristo. Daí que Paulo continua:

5:1, 2. 133 Sede pois imitadores de Deus como filhos amados.


Vez após vez Jesus e os apóstolos enfatizaram o fato de que os
crentes devem empenhar-se em ser imitadores de Deus. Ora, para
a geração atual de uma era que anuncia orgulhosamente « Nós
conquistamos o espaço», e que faz Deus descer ao nível de um
bonachão Papai Noel pode não parecer tão vergonhoso o procurar
imitar a Deus. Mas se, pela graça do verdadeiro Deus vivo, as
palavras: “Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus” têm ainda algum
significado para nós, este cortante mandamento de imitá-Lo bem
poderia nos frustrar. Diante de Sua majestade permanecemos em
temor reverente. Como podemos imitar a quem nem 133 Se com
Lenski e outros deveríamos começar uma seção totalmente nova
aqui para coincidir com a divisão dos capítulos, considerando que
quando Paulo usa “Portanto (pois)” introduz com frequência algo
novo (Ef 4:1, 17; 5:15; e assim também 5:1), ou , antes, juntamente
com o Bruce, Hodge, Scott, e muitos outros, incluir Ef 5:1, 2 com os
versículos precedentes (de modo que, p. ex. Ef 4:25–5:2) formem
um parágrafo), é principalmente assunto preferivelmente. Bons
argumentos podem-se aduzir em favor de ambas as posições. A
presença de “portanto (pois)” em 5:1, não é para a primeira destas
dois posições conclusivo, visto que esta palavra em nenhuma
maneira introduz um parágrafo novo (veja-se Ef 5:7). Além disso,
por que haveria se necessário admitir uma grande brecha entre Ef
4:32 e 5:1 e somente uma transição natural entre Ef 5:2 e 5:3? O
novo conceito que se introduz em Ef 5:1 é, afinal de contas, uma
conclusão lógica e consequência do expresso em Ef 4:32. Simpson
particulariza,

“aqui não existe uma real separação” ( op. cit. , p. 114). Por outro
lado, com relação a 5:3, Grosheide declara, “Com a menção de
imoralidade o apóstolo chegou a um assunto totalmente novo”. Uma
boa forma de tratar Ef 5:1, 2 poderia ser muito bem a seguida por
vários exegetas quer dizer, considerando-o um sub-parágrafo dentro
de parágrafo Ef 4:25–5:2.

Efésios (Hendriksen)

274

sequer podemos compreender? Juntamente com Zofar sentimo-nos


inclinados a dizer: “Porventura, desvendarás os arcanos de Deus ou
penetrarás até à perfeição do Todo-Poderoso? Como as alturas dos
céus é a sua sabedoria; que poderás fazer? Mais profunda é ela do
que o abismo; que poderás saber?” (Jó 11:7, 8). Com Isaías vemos
o Senhor sentado num trono, supremo e exaltado, e ouvimos as
vozes dos alados serafins, enquanto cobrem seus rostos e seus
pés, exclamando continuamente: “Santo, santo, santo é o Senhor
dos exércitos; toda a terra está cheia da sua glória”. E igualmente
respondemos: “Ai de mim!

Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros … os meus


olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (Is 6:1–5). Antes que
imaginar até levemente que nós, criaturas do pó, pudéssemos
alguma vez ser capazes de imitar a Deus, sentimo-nos desmaiar e
cair de joelhos dizendo, com Pedro: “Aparte-te de mim, Senhor,
porque sou homem pecador” (Lc 5:8). E podemos entender por que
João, sentindo-se igualmente aniquilado, disse: “Quando o vi, caí
como morto a seus pés” (Ap 1:17).

Somente num espírito de temor reverente podemos estudar


devidamente o glorioso tema da “imitação de Deus”. Só então porá
o Senhor Sua direita sobre nós e dirá: “Não temas!” A obediência ao
mandamento de imitá-Lo é, afinal, possível. Isto é assim pelas
seguintes razões: a. somos criados à Sua imagem; b. o Espírito que
capacita habita em nós; e c. por meio de Sua graça regeneradora e
transformadora chegamos a ser Seus filhos, ou seja, imitadores.
Naturalmente que não podemos imitar a Deus, criando um universo
e sustentando-o dia a dia, ou desenhando um método para
satisfazer as demandas da justiça e misericórdia e assim salvar o
homem do abismo ao qual ele mesmo se lançou, ou ressuscitando
os mortos, ou criando um novo céu e uma nova terra. Mas em nossa
forma finita podemos e devemos imitá-Lo, isto é, copiar Seu amor.

É surpreendente as muitas vezes que Jesus e Seus apóstolos


enfatizaram o fato de que os crentes devem esforçar-se em ser
imitadores de Deus (Mt 5:43–48; Lc 6:35; 1Jo 4:10, 11), e de Cristo,
que equivale

Efésios (Hendriksen)

275

essencialmente ao mesmo (Jo 13:34; 15:12; Rm 15:2, 3, 7,; 2Co


8:7–9; Fp 2:3–8; Ef 5:25; Cl 3:13; 1Pe 2:21–24; 1Jo 3:16; lista de
passagens que de maneira nenhuma é completa). Ao acrescentar
que as pessoas aludidas devem fazê-lo como filhos, a ideia recebe
grande reforço, como se dissesse: «Não são porventura os filhos
imitadores por excelência, e porventura não sois vós filhos de
Deus?» Além disso o modificativo

“amados” acrescenta ainda mais peso à exortação, visto que


também existe semelhança no fato de que é justamente o filho que
é o objeto do amor que estará mais desejoso de imitar aos que o
amam. Paulo acrescenta: e andai em amor, ou, deixai que o amor
seja a norma de vossa vida. Que ele seja o que caracterize todos
vossos pensamentos, palavras, e atos. Referente a andai, cf. Ef
2:10; 4:1, 17; 5:8, 15.
Prossegue: assim como Cristo vos amou. Não é qualquer coisa
que o homem deseje dignificar com o nome de “amor” o que tem
que regular nossos pensamentos e conduta, mas unicamente
aquele amor de Cristo, o amor abnegado e que tinha propósito, tem
que ser nosso exemplo. E para ser ainda mais específico,
acrescenta-se: e se deu a si mesmo por134 nós.

Aqui não deve escapar à nossa atenção que quando Paulo insiste
com os leitores a imitar a Deus, ao mesmo tempo ilustra este amor
de Deus

dirigindo nossa atenção ao que Cristo fez por nós. Isto na verdade
indica não somente que o Pai e o Filho são em essência o mesmo,
mas também que quando o Pai faz algo, Ele o faz em conexão com
o Filho (Ef 4:32) e que um deles não nos ama menos que o outro.

134 Em conexão com a preposição ὑπέρ devem ser evitados dois


extremos: a. dizer que ὑπέρ = ἀντί.

Embora, baseando-se na ocorrência de ὑπέρ em passagens tais


como Gl 2:20; 3:13 e em cartas antigas onde um indivíduo assina
em lugar de outro, sustentou-se esta absoluta identidade de
significado, é no entanto muito duvidoso que estas dois preposições
como tais sempre tenham exatamente a mesma força. Além disso,
não necessitamos Ef 5:2 para provar a expiação vicária. Isto o
ensina bastante claro Mt 20:28; Mc 10:45; Jo 1:29; At 20:28; 1Co
6:20; Ef 1:7; Hb 9:28; 1Pe 1:18, 19; 2:24, especialmente se se
interpretam à luz de Êx 12:13; Lv 1:4; 16:20–22; 17:11; e Is 53.
Devemos nos cuidar também de b. que nega que, à luz de todas as
Escrituras, ὑπέρ, conforme usa-se aqui, implica a morte vicária de
Cristo. Sem dúvida alguma que ela está implicada aqui, visto que
conforme a todo o desenvolvimento da doutrina bíblica, em que
outra forma poderia ter morrido Cristo por nós — vale dizer, em
nosso favor, em nosso proveito — mas morrendo em nosso lugar?

Efésios (Hendriksen)

276
Em seu grande amor Cristo Se entregou a Si mesmo por nós,
submetendo-Se voluntariamente a Seus inimigos, e como resultado
ao Pai. Esta entrega foi genuína. Não foi imposta (Jo 10:11, 15).
Entre aqueles pelos quais Cristo Se entregou assim voluntariamente
como oferta pelo pecado achava-se também Paulo, o grande
perseguidor. Ao pensar no grande amor de Cristo, sente-se tão
impressionado que muda os pronomes, de modo que vós (“assim
como Cristo vos amou”) transforma-se em nós (“e se deu a si
mesmo por nós”). O apóstolo jamais fala de forma abstrata.
Compare-se Gl 2:20: “o Filho de Deus, o qual me amou e se
entregou a si mesmo por mim”. Cf. Gl 1:16. É àquele espírito, o de
dar-Se a Si mesmo sacrificial e voluntariamente, ao qual se insiste
com os crentes a imitar.

É o autossacrifício voluntário de Cristo durante todo o período de


sua humilhação e especialmente na cruz ao que aqui se denomina
oferta e sacrifício135 a Deus. Foi uma oferta porque Ele a pôs
voluntariamente (Is 53:10). Foi um sacrifício, e como tal bem pode
lembrar a fumaça que se elevava do altar quando a oferta queimada
se consumia totalmente, simbolizando a entrega inteira a Deus. Mas
embora a palavra usada no original nem sempre seja preferida a
sacrifícios consumidos sobre o altar, mas pode ter também uma
referência mais ampla (para o qual veja-135 A palavra προσφορά é
de um significado muito geral. Poderia incluir ofertas de paz,
oblação, e libação tais como as oferecidas por (ou para) os que
desejavam ser libertados de um voto nazireu temporal (At 21:26).
Poderia referir-se também a ofertas ou dádivas para os pobres, de
qualquer tipo (At 24:17) ou até aos gentios, agora cristãos, como
oferta a Deus (Rm 15:16). Em Hb 10:10, 14 refere-se a Cristo
oferecendo-se a si mesmo pelo pecado, uma vez por todas.

A palavra θυσία, também é de uma conotação muito ampla. É muito


comum sua relação com os sacrifícios de sangue ou com o altar
sobre o qual estes se oferecem (Mc 12:33; Lc 2:24; Lc 13:1; At 7:42;
1Co 10:18). Deste modo quadra com o autossacrifício de sangue
oferecido por Cristo sobre a cruz (Hb 7:27; 10:12; cf. 10:27). No
entanto seu uso não está limitado a ofertas de sangue ou a tudo o
que se consuma sobre o altar. A oferta de Abel estava relacionada
com sangue; não a de Caim. Não obstante, usa-se a mesma palavra
θυσία para ambas ofrendas o sacrificios (Heb. 11:4). É também a
palavra para descrever a doação que Paulo recebeu dos filipenses
de mão de Epafrodito (Fp 4:18). Em Fp 2:17; Hb 13:15, 16; e 1Pe
2:5 a palavra usa-se em sentido figurativo. A vida e conduta cristã
que brota da fé, o sacrifício de louvor, a bondade e a generosidade,
todas estas coisas, ao ser oferecidas a Deus em espírito correto de
humildade e gratidão, são sacrifícios.

Efésios (Hendriksen)
277

se nota 135), entendemos, com base em outras passagens das


Escrituras (p. ex., Mt 26:36–46; 27:45, 46; 2Co 5:21; cf. Isaías 53)
que no que respeita à Sua natureza humana Cristo foi realmente
consumido pela ira de Deus no sentido que «o peso de nossos
pecados e da ira de Deus lhe angustiou no Getsêmani a tal ponto
que Seu suor foi como grandes gotas de sangue» levando-O a
sofrer «o vitupério e a angústia mais profunda do inferno, em corpo
e alma, no madeiro da cruz, ao exclamar em grande voz: Deus meu,
Deus meu, por que me abandonaste”. Assim levou a cabo sua obra
e cumpriu as profecias, especialmente no que respeita ao Salmo
40:6 (LXX; Sl 39:7, 8). Naquela passagem são usadas as mesmas
duas palavras, oferta e sacrifício, mas agora na ordem inversa,
sacrifício e oferta, em conexão com a oferta que faz o Messias de Si
mesmo a Deus: “Não te deleitaste com holocaustos e ofertas pelo
pecado …

Então, eu disse: Eis aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu
respeito), para fazer, ó Deus, a tua vontade”. Segundo o escritor da
Epístola aos Hebreus a passagem está apropriadamente aplicada a
Cristo e seu autossacrifício (Hb 10:5–7). Logo, com relação a esta
oferta e sacrifício a Deus, que constitui um exemplo e motivação
para nós, Paulo acrescenta: em aroma fragrante; literalmente,
(“uma aroma de grato aroma”). Cf. Êx 29:18; Ez 20:41; Fp 4:18.
Significa que esta oferta e sacrifício foi — e o é em nosso caso se o
fazemos no espírito que o fez Cristo — agradável a Deus. Toda obra
emanada do amor e gratidão para o Altíssimo, seja de Abel, (Gn
4:4), ou de Noé (Gn 8:21), ou dos antigos israelitas (Lv 1:9, 13, 17)
ou dos crentes da nova dispensação que se consagram a Ele (2Co
2:15, 16), é agradável a Deus. Única e exemplar entre todas elas é
o sacrifício voluntário de Cristo. Contudo, o espírito do Salvador
deve refletir-se dia a dia e hora após hora nos corações e vidas de
Seus seguidores136 “em aroma fragrante”.

136 Sobre a imitação de Cristo cf. Willis P. De Boer, The Imitation of


Paul, An Exegetical Study, disertación doctoral presentada en la
“Universidad Libre” de Amsterdã; Kampen, 1962.

Efésios (Hendriksen)

278

c. Ef. 5:3-14

“Vós em outro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor;
andai sempre como filhos de luz” .

A gloriosa renovação da qual Paulo fala em toda esta seção (Ef


4:17–6:9) convida ao autossacrifício em vez da autoindulgência.
Sendo que nos versículos precedentes se enfatizava grandemente o
autosacrifício seguindo o exemplo de Cristo, agora se aborda a
atenção no diametralmente oposto: a autoindulgência. Expressando-
a de forma diferente, a exortação “andai em amor” é seguida aqui
pela condenação da perversão do amor. Paulo não economiza
palavras ao prosseguir: 3. Mas imoralidade e impureza de
qualquer classe, ou avareza, nem sequer se mencionem entre
vós. A lista de vícios que aqui começa pode ser comparada com
outras semelhantes nas diferentes epístolas de Paulo (Rm 1:18–32;
1Co 5:9–11; 6:9, 10; Gl 5:19–21; Cl 3:5–9; 1Ts 4:3–7; 1Tm 1:9, 10;
2Tm 3:2–5; e Tt 3:3). Cristo, e somente Ele, provê o exemplo, a
motivação, e o poder para vencê-los. O v. 3 aborda a perversão
sexual de todo tipo. Embora a imoralidade (cf. Mt 5:32; 15:19; 19:19;
Jo 8:41; 1Ts 4:3) refere-se basicamente às relações sexuais ilícitas,
inclui provavelmente relações ilícitas e clandestinas de todo tipo.

A perversão no plano sexual era, e é hoje em dia, característica do


paganismo. Com frequência está intimamente associada com a
idolatria.

O fato de que até aqueles que se tinham entregue a Cristo não


tivessem totalmente eliminado de si este pecado é evidente ao
examinar-se 1Co 5:1ss. É também implicado na presente epístola Ef
5:27? Condena-se aqui a impureza ou sujeira não somente em atos,
mas também em palavras, pensamentos, intenções do coração,
desejos, e paixões. A frase

“de qualquer classe” cobre um grande território! Para avareza (cf. Ef


4:19) o apóstolo usa uma palavra que significa exceder-se. Avareza
é egoísmo. É o que caracteriza aquele que amontoa dinheiro. No
entanto, na conexão presente, devido à sua estreita associação com
a imoralidade e a impureza, bem se pode aplicar à voraz
determinação em assuntos de

Efésios (Hendriksen)

279

sexo, às custas de outros: ultrapassar-se além do que é devido e


defraudar o irmão (cf. 1Ts 4:6 onde o verbo relacionado é usado
numa conexão semelhante). “Nem sequer se mencionem entre vós”,
diz Paulo, querendo significar: deveis manter-vos tão afastados
deste tipo de pecado que até a mais leve suspeita de sua existência
deve ser eliminada de uma vez por todas. Não pôde ter querido
dizer que nunca se devia discutir o tema do sexo, e que nunca
deviam ouvir-se advertências com relação ao pecado de imoralidade
e aqueles relacionados com ela, visto que ele mesmo no preciso
instante o está discutindo e dando advertências a respeito. Com
relação à desejável ausência de transgressões neste aspecto Paulo
acrescenta: como convém aos santos. Não são santos (cf.

Ef 1:1) os que foram separados por Deus para ser Sua exclusiva
possessão? Não se dedicaram, mediante o poder do Espírito
santificador, inteiramente a seu Senhor, e portanto também a uma
nova vida?

4. Alguns pecados que nem sequer deviam ser mencionados


destacam-se quando o apóstolo prossegue: tampouco
obscenidade nem fala néscia nem sagacidade para contar
piadas vulgares. Obscenidade ou falta de vergonha abrange mais
que “linguagem vergonhosa” (Cl 3:8).
Inclui todo pensamento, imaginação, desejo, palavra, ou ato do qual
um crente sensível às demandas da santa lei de Deus e que tem a
convicção de viver constantemente diante de Sua presença,
envergonhar-se-ia. Fala néscia é o tipo de conversação que se
esperaria ouvir dos lábios de um néscio ou de um ébrio. O próximo
termo é de difícil tradução.

Considerado à luz de sua derivação é muito inocente, visto que


significa literalmente «algo que muda facilmente». O que mais se
aproximaria quanto ao seu significado etimológico seria
variabilidade; isto também teria relação com mudar facilmente. A
pessoa versátil é capaz de mudar com naturalidade de um tema a
outro sem sentir-se estranho com nenhum deles. A palavra que o
apóstolo emprega era igualmente usada em sentido favorável para
designar o indivíduo vivamente engenhoso.

No entanto, para certos oradores resulta muito fácil levar a


conversação para as expressões sujas e indecorosas. Parecem ter
uma mente tipo

Efésios (Hendriksen)

280

tacho de lixo, e cada tema sério de conversação lhes lembra alguma


ilustração ou piada colorida. A palavra usada em Ef 5:4 chegou a
significar brincadeiras vulgares, acuidade para contar piadas
vulgares ou grosseiras. Não achamos nada de mal num piada. Todo
mundo precisa do bom humor. Mas aquele ao qual Paulo se refere
deve ser cuidadosamente evitado. Em consideração a tais práticas o
apóstolo acrescenta: coisas que não convêm. São impróprias
porque não são dignas da vocação com que os crentes foram
chamados. Veja-se sobre Ef 4:1. Qual, é então, o remédio para os
vícios mencionados? O apóstolo responde a este assunto dizendo:
mas antes, ação de graças. Veja-se mais adiante sobre Ef 5:20.
Quando a mente e o coração se acham centralizados em «todas as
coisas belas e resplandecentes» que Deus nos outorga e que ainda
tem entesouradas para nós, o interesse na desprezível indecência
se desvanece. Assim que o apóstolo opõe a ação de graças contra
a vulgar sagacidade. Esta tradução não somente dá o sentido, mas
além disso conserva o jogo de palavras do original ( eucharistía
oposto a eutrapelía). Forte e claro louvor deve substituir à aguda
(mas grosseira) fraseologia. Prossegue:

5. Porque disto podeis estar bem seguros, que nenhuma


pessoa imoral ou impura ou indivíduo avaro — que é igual a ser
idólatra — tem herança alguma no reino de Cristo e de Deus. O
apóstolo deseja enfatizar este muito importante ponto, ou seja, que
a imoralidade e a salvação são coisas opostas. Daí que diz algo que
literalmente quase poderia ser traduzido assim: «Porque estes vós
sabeis, sabendo». No entanto, visto que no original o verbo finito e o
particípio que o segue não são formas da mesma palavra, uma
tradução literal melhor seria: «Porque isto vós sabeis,
reconhecendo». Muitos tradutores e intérpretes, embora difiram no
relativo a esta expressão, têm sentido que a verdadeira razão pela
qual o apóstolo faz uso destas duas palavras quando uma teria sido
suficiente, é porque desejava fazer uma ênfase especial no que
estava para dizer. Se aceitarmos esta posição, a tradução poderia
ser: «Porque disso podeis

Efésios (Hendriksen)

281

estar bem seguros». 137 O fato do qual os efésios poderiam estar


bem seguros é o seguinte, que ninguém que pratica os pecados
mencionados no v. 3 (e elaborados no v. 4) tem herança alguma no
reino de Cristo e de Deus. Uma destas práticas pecaminosas é a
avareza. O chamar uma pessoa de “indivíduo avaro” equivale a
chamá-lo “idólatra” (cf. Cl 3:5) e isto é claro mesmo o examinando
superficialmente, visto que tal pessoa está adorando a alguém que
não é o Deus vivo e verdadeiro. Esse alguém é ele mesmo. Fez de
si mesmo um ídolo e, portanto, é idólatra. Para um judeu, como
Paulo e alguns dos efésios, não havia pecado maior que a idolatria
(cf. 1Jo 5:21).
Embora moral e espiritualmente as condições entre os leitores não
podem ter sido muito más — visto que Paulo louva aos efésios em
termos inequívocos (Ef 1:15) e não tem para eles nenhuma crítica
direta ou indireta — não obstante fica a impressão de que ainda
havia bastante lugar para progresso. O perigo de cair nos erros do
gnosticismo dissoluto jamais foi eliminado. Este parece ter sido o
caso especialmente na Ásia Menor. Poucos anos depois, durante
seu segundo aprisionamento romano, Paulo teria que lembrar a
Timóteo este perigo (2Tm 3:1–9).

Naquele tempo Timóteo estava provavelmente levando a cabo um


ministério em Éfeso. João, também, ao escrever a pessoas da
mesma 137 Com Robertson, Word Pictures, Vol. IV, p. 542,
considero ἴστε como presente indicativo e não imperativo. Sua
tradução é, “Vós sabeis reconhecendo por vossa própria
experiência”. Nesta tradução está implicado o fato de que
basicamente o verbo finito refere-se a um conhecimento intuitivo ou
derivado da reflexão, e o particípio a um conhecimento resultante da
observação e/ou da experiência.

Hodge ( op. cit. , p. 285) pensa que o verbo finito refere-se ao que
Paulo havia dito no v. 3, o particípio ao que vem a seguir no v. 5.
Embora esta separação pode parecer um tanto artificial, não
obstante as mesmas palavras do v. 5 provam que Paulo retrocede
ao que havia dito no v. 3. Outros apelam a um hebraísmo familiar
conforme ao como se duas formas da mesma palavra ocorrem em
sequência imediata fortalecem a ideia expressa: Assim “morrendo
morrerá” significa “na verdade morrerá”; cf.

“abençoando abençoarei” e “multiplicando multiplicarei”. No entanto,


a linguagem que se usa aqui em 5:5 não é exatamente o mesmo,
visto que o verbo finito e o particípio são formas de verbos
diferentes. Segundo o modo de ver de vários tradutores, a
combinação das duas forma gregas com um significado tão próximo
poderia apesar de tudo conduzir a uma ênfase semelhante ao do
hebraismo.
Se não, então a tradução mais literal do Robertson deve ser
considerada correta.

Efésios (Hendriksen)

282

região, teve que combater este nefasto erro (1Jo 3:4–10; Ap 2:6, 14,
15, 20). Cf. 2Pe 2:12–19 e Jd 4, 8, 11 e 19).

Com um amante coração de pastor, então, Paulo comunica esta


advertência. Ninguém que continue na prática dos vícios pagãos,
quer seja seguindo o hábito velho e a linha de menor resistência ou
baseando-se em alguma desculpa raciocinada (Rm 6:1), tem parte
naquele único reino, ou seja, o de Cristo e de Deus. Cf. Ap 21:27;
22:15. É, naturalmente, impossível falar a respeito do reino de Cristo
sem falar do reino de Deus. Em princípio, este reino se acha agora
presente nos corações e as vidas dos filhos de Deus. Um dia será
sua de forma completa (1:18; 3:6). Veja-se C.N.T. sobre
Colossenses e Filemom, pp.

78, 79, especialmente nota 47. Prossegue:

6. Que ninguém vos engane com palavras vãs. Cf. Cl 2:4, 8; 1Tm
2:14; Tg 1:26. Palavras vazias ou vãs são aquelas vazias da
verdade e cheias do erro. Ao ser tomadas a sério resultarão na
ruína do pecador: pois por causa destas coisas a ira de Deus
vem sobre os filhos de desobediência. Cf. Cl 3:6. Por meio do
que foi chamado “tempo presente profético” (cf. Jo 4:21; 14:3) Paulo
enfatiza o fato de que a vinda da ira de Deus, que virá aos que
vivem nos pecados mencionados nos vv. 3–5 e que escutam
palavras vãs fazendo crer que tudo vai bem, é tão certa como se já
tivesse chegado, e em princípio realmente chegou. Estas sinistras
práticas atraem o desagrado de Deus da mesma maneira que um
alvo iluminado do inimigo atrai as bombas. A ira da qual fala-se aqui,
embora em certo sentido está sempre presente, acha-se também
em caminho, até que no dia da grande consumação de todas as
coisas seja plenamente revelada (cf. Jo 3:36; Rm 2:5–11; 2Ts 1:8–
10; Ap 14:9–12), porque os “filhos de desobediência” são “filhos da
ira” (veja-se sobre Ef 2:2).

Não obstante, não deve escapar a nossa atenção que até esta
severa advertência tem como fim o arrependimento, como o mostra
a terna exortação que segue nos vv. 7 e 8. Vejam-se também vv. 10,
14–17; e cf.

Ap 2:16, 21, 22; 3:19; 9:20, 21. Assim como um pai suplica a seu
filho a

Efésios (Hendriksen)

283

quem ama muita, assim o faz também este prisioneiro de Cristo,


herói da fé que se enfrenta à possibilidade de uma sentença de
morte portanto pesa cada uma de suas palavras, continua:

7. Portanto, não sejais partícipes com eles, “co-participantes” (cf.


Ef 3:6) de seu pecado, sua culpa, e seu castigo eterno. Cf. 2Co 6:4–
18.

Querendo dizer: à vista do maravilhoso amor e misericórdia de Deus


em Cristo, do chamado celestial que se vos estendeu, de vossa
própria profissão de fé, e da ira de Deus que vem sobre os filhos de
desobediência, pensai em vosso caminho, andai nas várias de luz e
terminem para sempre com as obras das trevas. Prossegue: 8.
porque em outro tempo éreis trevas. No tempo passados (Ef 2:1–

3, 11, 12; 4:14, 17) os efésios tinham sido trevas. Cf. Ef 4:18,

“entenebrecidos em seu entendimento, estranhados da vida de


Deus”, etc. Não só tinham estado em trevas como rodeados de um
ambiente perverso, mas sim eles mesmos tinham sido parte
integrante daquele reino. As trevas tinham estado dentro deles, quer
dizer, as escuridões da falta do conhecimento verdadeiro de Deus
(2Co 4:4, 6), da depravação (At 26:18), e do abatimento (Is 9:1, 2).
Continua: mas agora (sois) luz no Senhor. Agora pertencem ao
reino da luz, visto que entraram no verdadeiro conhecimento de
Deus (Sl 36:9), justiça e santidade (Ef 4:24), felicidade (Sl 97:11; Is
9:1–7). Somente é “no Senhor”, quer dizer, em relação vital com ele,
que agora podem ser luz. Além disso, sendo agora luz,
converteram-se em fonte de luz: desde eles a luz irradia para todos
aqueles com quem se relacionam. Do instante em que Jesus, “a luz
do mundo” (Jo 8:12), entrou em seus corações (2Co 4:6), eles por
sua vez, em sua própria forma modesta, chegaram a ser “a luz do
mundo”

(Mt 5:14). Por meio de sua conduta refletem a Cristo, como a lua
reflete a luz do sol. Portanto, andai sempre como filhos de luz.
Aqui achamos outro belo semitismo: eles são agora, pela graça de
Deus, a descendência mesma daquele que é a luz verdadeira. Já
não são mais “filhos da ira”

(Ef 2:3) ou “filhos de desobediência” (Ef 2:2; 5:6), mas sim “filhos de
luz”. Devem ser então consequentes. Em sua vida diária têm que
ser e

Efésios (Hendriksen)

284

constantemente manter-se fiéis ao que em princípio já chegaram a


ser.

Devem andar e continuar andando como filhos de luz; ou seja, que o


verdadeiro conhecimento de Deus e de sua vontade seja
constantemente sua norma: que a justiça e a santidade
caracterizem suas atitudes, palavras, e atos; e que a alegria da
salvação seja o conteúdo de suas vidas. Sobre “andar” cf. Ef 2:10;
4:1, 17; 5:2, 15. É evidente que isto é o que são e que isto deve ser
seu andar, segundo a declaração de parêntese que segue:

9. porque o fruto da luz138 (consiste) em toda bondade e


justiça e verdade — Como se sabe se a gente andar ou não como
filho de luz? A resposta é que a luz produz fruto, e este fruto suprirá
a evidência necessária (Mt 5:16; 7:20). As virtudes do coração e da
vida dos quais procedem os bons atos têm que ser considerados
luz, fruto. Paulo menciona toda bondade, termo muito geral, oposto
a “toda malícia” (Ef 4:31). Tal bondade é a excelência moral e
espiritual de todo tipo criada pelo Espírito Santo. Outra forma de
considerar esta bondade é chamando-a justiça, a alegria de fazer o
que é próprio aos olhos de Deus, seguindo o caminho reto sem
desviar-se jamais dele. E ainda outra descrição é verdade:
integridade, confiabilidade, em oposição a farsa, falsidade e
hipocrisia que caracterizava o antigo modo de vida em que os
efésios anteriormente tinham andado (4:14, 25; 5:6).

Voltando agora para a cláusula central do versículo 8b, “Andai


sempre como filhos de luz”, Paulo acrescenta:

10. comprovando o que agrada ao Senhor. Querendo significar:


Ao andar constantemente como filhos de luz, e produzindo assim os
frutos de luz, estareis, por meio de vossas mesmas atitudes e atos,
comprovando ou verificando139 o que agrada ao Senhor. Esta é a
gloriosa 138 A variante “fruto do Espírito”, embora apoiada não só
por muitos manuscritos recentes e inferiores mas sim até pelo
valioso p46, é provavelmente uma semelhança de Gl 5:22.

139 O verbo δοκιμάζω tem vários significados: a. pôr à prova,


examinar (1Co 11:28; 2Co 13:5); b.

comprovar ou verificar por meio de ensaio (1Co 3:13; 1Pe 1:7); e c.


aprovar (1Co 16:3). Aquì, o segundo significado é aquele que mais
se adapta ao contexto.

Efésios (Hendriksen)

285

resposta de Paulo a pergunta, “Como posso saber se realmente sou


filho de Deus, filho do qual Deus se agrada?” A resposta equivale ao
seguinte:
“Não te preocupe nem especule nem ande filosofando nem
argumentando. Segue adiante e faz a vontade de Deus conforme foi
revelada. A prova ou a evidência que buscas te será provida em
abundância. Terá a comprovação em teu coração. A segurança ou a
paz será destilada em tua vida como as gotas de orvalho são
destiladas peladamente sobre as folhas”. Esta é a resposta que
achamos através das Escrituras (Rm 8:16; 12:1, 2; 2Co 5:9; Fp 4:6,
7, 18; Cl 1:10; e 2Pe 1:5–

11). Visto que Jesus como a luz do mundo esteve sempre


caminhando na luz e fazendo a vontade do Pai (Jo 4:34; 5:30; 6:38),
não tem que surpreender-nos de modo algum que mais de uma vez
recebeu a segurança de que o Pai se agradou dele (Mt 3:17; 17:5;
cf. 12:18). E, embora nós, seus seguidores, na vida presente não
temos que esperar ouvir o que ele ouviu, quer dizer, uma voz
audível do céu, não obstante nos será comunicada pelo Espírito
Santo também essa segurança quando andarmos na luz.

Outra terna exortação, expressando de forma negativa o que nos


versículos 8–10 foi feito de forma positiva, vem a seguir, uma
advertência que nos lembra o v. 7. Paulo com todo amor suplica: 11.
E não tomem parte alguma nas infrutíferas obras das trevas.
Por obras das trevas se entendem coisas tais como imoralidade,
impureza, avareza, obscenidade, fala néscia, etc. (5:3, 4) e também
aquelas que se mencionam em Ef 4:25–32; em resumo, qualquer e
todas as obras que pertencem ao reino da depravação e inspiradas
por seu príncipe. Tais obras recebem o nome de infrutíferas. São
estéreis no sentido de que não glorificam a Deus, não atraem ao
próximo para Cristo, e não produzem satisfação ou paz interna.
Observe-se que Paulo não aceita zona de meia luz. Embora de
acordo com as Escrituras existem graus de pecaminosidade e
também graus de santidade, no entanto não existe região de claro-
obscuro. é-se um crente ou um não-crente. As obras pertencem ou
à luz ou às trevas. Os que juraram lealdade ao rei do reino

Efésios (Hendriksen)

286
da luz não devem tomar parte alguma nas vãs, fúteis, totalmente
frustrantes, obras das trevas.

Significa então que os efésios devem separar-se de toda pessoa no


mundo; que devem constituir-se em ermitões e apartá-lo mais longe
possível dos homens maus? De maneira nenhuma! Embora não são
do mundo, não obstante estão no mundo y tienen una misión que
cumplir.

Pablo dice: antes, denunciai-as, 140 quer dizer, estas infrutíferas


obras das trevas. Os que pertencem ao reino da luz não podem ser
neutros com relação às obras das trevas. Os arranjos ficam também
descartadas definitivamente. Por exemplo, se Deus disser, “Me
adorai somente ”,e outro diz, “adorai ídolos”, não será aceitável
adorar a Jeová sob o símbolo de imagens que logo se
transformarão em ídolos. O pecado de Jeroboão foi abominação a
Jeová (1Rs 12:25–33). O pecado deve ser exposto. Não se faz
nenhum “bem” a uma pessoa má fazendo crer que é um bom
sujeito. Um tumor canceroso deve ser extirpado e não abastado.

Não é nenhuma obra de amor suavizar as coisas de modo que as


terríveis maldades cometidas pelos quais ainda vivem no reino das
trevas se considerem como algo não tão mau apesar de tudo. Com
relação a isto Paulo prossegue:

12. porque é vergonhoso até mencionar as coisas feitas por


eles em segredo.

Mas se a pessoa sente-se envergonhada de até mencionar os


terríveis atos dos que vivem em trevas, como se pode expor tais
obras?

Lenski responde, “as declarar em nossas reprovações é vergonhoso


não para aquele que faz a declaração ao as reprovar, senão para
aquele que faz essas obras” ( op. cit., p. 609). Esta explicação, no
entanto, impressiona-me como artificial. Pergunto-me se algum leitor
imparcial das Escrituras tivesse chegado jamais a tal conclusão. Se
o apóstolo disser aos efésios que exponham as obras das trevas,
não quer acaso dizer que eles (e todos aqueles para os quais a
carta foi escrita, através da 140 Para uma discussão do verbo
ἐλέγχω e uma tabulação das dez e sete vezes que aparece no Novo
Testamento veja-se C.N.T. Evangelho de João, p. 596, nota 352.

Efésios (Hendriksen)

287

história) devem as expor? Assim que ao acrescentar imediatamente


depois que é vergonhoso até mencionar estas práticas secretas,
não está acaso querendo dizer o seguinte: “Vós deveis as expor,
visto que são tão perversas, que para qualquer um até mencioná-las
é vergonhoso?” Mas como lhes seria possível as expor e no entanto
não as mencionar? A resposta que resulta clara Segundo todo o
contexto é que por meio de uma vida de bondade e justiça e
verdade (v. 9) devem eles dar a conhecer o contraste que existe
entre as obras dos que andam na luz e as obras dos que andam em
trevas. Há pecados tão totalmente repulsivos que é muito melhor
não mencioná-los jamais. As condições no mundo pagão da Ásia
Menor parecem ter sido especialmente más. Roland Allen, em sua
obra, Missionary Methods: St. Paul’s or Ours? , Londres, terceira
edição, 1953, p. 49, observa, “Se a atmosfera moral da Grécia foi
má, na Ásia Menor foi até pior”. Paulo continua:

13. Mas quando todas estas (práticas iníquas) são expostas


pela luz141 tornam-se visíveis. Significando: quando, mediante o
vivo contraste da conduta dos crentes como “filhos de luz” , os
terríveis atos de maldade que caracterizam aos filhos de
desobediência” ficam assim expostos, estas horríveis práticas se
veem tal como realmente são. A verdade disto fica demonstrada
pela regra que se expressa na declaração seguinte: porque tudo o
que se faz visível é luz; isto é, tudo, sejam atitudes, palavras,
práticas, etc., que se tem feito manifesta por meio deste contraste,
perde seu caráter oculto, toma a natureza de luz, vê-se tal como
verdadeiramente é.
Nos vv. 11–13 a ênfase recaiu nos atos , antes, que nos criadores.
O

que se expôs foram os atos. No entanto, compreende-se


imediatamente que ao deixar ao despido as ímpias obras dos
homens, os criadores são indiretamente reprovados. Lhes faz ver
quão grandes são seus pecados e 141 Segundo meu parecer a
frase ὑπὸ τοῦ φωτός modifica a ἐλεγχόμενα que lhe precede, tal
como no v.

12 a frase paralela ὑπʼ αὐτῶν deve ser construída como a


similarmente imediata palavra γινόμενα.

Efésios (Hendriksen)

288

misérias; e como resultado, a necessidade de uma mudança de vida


radical. A transição à próxima linha resulta então muito natural: 14.
Pelo qual diz: “Desperta, tu que dormes e levanta-te dentre os
mortos, e Cristo resplandecerá sobre ti”.

Não existe boa razão para interpretar “(ele) diz” de forma diferente
de Ef 4:8; daí que deve ser, “Deus diz”, visto que o apóstolo
obviamente considera estas palavras como inspiradas. De onde
provêm? Entre as muitas respostas as duas mais conhecidos são: a.
Is 60:1 (e talvez certas passagens um tanto semelhantes como Is
9:2; 26:19; 52:1); b. um antigo hino cristão. Quanto à primeira,
favorecida por Calvino, Findlay, Hodge, e outros, parece que hoje
tende a ser abandonada imediatamente ao considerar a observação
de que não há, ou há muito pouca semelhança entre Ef 5:14 e Is
60:1. No que a mim concerne, quanto mais estudo Is 60:1 à luz de
seu próprio contexto tanto mais começo a ver certas semelhanças.
Talvez seria de utilidade colocar os duas passagens um ao lado do
outro:

Isaías 60:1 Efésios 5:14


Levanta-te, resplandece; Desperta, tu que dormes, Porque veio tua
luz, E levanta-te dentre os mortos, E a glória do Senhor há E Cristo
resplandecerá sobre ti nascido sobre ti.

1. No contexto da passagem de Isaías à filha do Sião ela é


representada como abandonada, sua terra como desolada (Is 62:4).

Lemos a respeito de cativos e prisioneiros (Is 61:1). Também a


passagem de Efésios pressupõe uma condição de miséria, o sonho
da morte que tinha descido sobre os leitores.

Efésios (Hendriksen)

289

2. Em ambas as passagens é ordenado aos descritos como estando


no sono ou morte para que se levantem. Cf. Ro. 13:11; 1Ts. 5:6.

3. Nos dois casos os exortados recebem alento.

4. A essência deste alento é a mesma em ambos os casos, ou seja,


que se outorgará luz ao que até este momento esteve em trevas.

5. Em Isaías Aquele que comunica essa luz é o Senhor, num


contexto que Jesus interpretou como referência a Si mesmo. Cf. Is
61:1, 2a com Lc 4:16–21. Cf. nota 108. Em Efésios, Aquele que
resplandece sobre o qual antes se achava em miséria é Cristo.

6. Em Isaías 40–66 a libertação do cativeiro babilônico mediante


Ciro, ungido do Senhor (veja-se especialmente caps. 40–48) parece
ser símbolo da libertação do cativeiro espiritual mediante o “servo do
Senhor” ungido gloriosamente (veja-se especialmente caps. 49–57).
Os caps. 58–66, nos quais ocorre Is 60:1, falam da glória da Sião
redimida.

Não é impossível, portanto, que a igreja primitiva da nova


dispensação visse Cristo nesta passagem (Is 60:1) como Aquele
que faz com que a luz da salvação resplandeça sobre os que se
levantam de seu mortal sono de pecado. Se a Jesus foi possível
interpretar a passagem de Isaías 61

como uma referência a Si mesmo, como já se indicou (veja-se baixo


5), por que teria que considerar-se impossível explicar ou pelo
menos aplicar similarmente uma passagem do capítulo
imediatamente precedente?

Minha própria convicção é, portanto, que a teoria de acordo com a


qual, seja direta ou indiretamente, a passagem de Efésios em
questão tem sua base em Is 60:1 não deve ser tão rapidamente
descartada como assunto já definido. Pode ser que não haja
suficiente razão para considerar totalmente estabelecida a conexão
entre estas duas passagens, mas não existe certamente base
alguma para rejeitar até a possibilidade de tal conexão.

Mesmo assim, não obstante, poderia haver um elemento de verdade


na teoria b. É concebível que embora Ef 5:14 esteja em sua análise
final baseada em Is 60:1, a maneira como a passagem se reproduz
aqui por

Efésios (Hendriksen)

290

Paulo corresponda a algumas linhas de um hino cristão primitivo.


Em outras palavras, o hino pôde ter estado baseado na passagem
de Isaías. É

claro de qualquer maneira que quando Paulo escrevia o que agora


chamamos capítulo de Efésios, tinha em mente alguns hinos, visto
que os menciona muito próximos, ou seja, Ef 5:19. Agora, se Ef 5:14
foi tirado de algum hino, não pode acaso ter sido de um hino de
Páscoa de Ressurreição, segundo o qual a comemoração da
ressurreição física de Cristo lembrava ao leitor viver uma vida em
harmonia com sua ressurreição espiritual, estando ambas as
ressurreições relacionadas entre si como causa e efeito? Ou era
talvez uma canção que se cantava em conexão com o batismo dos
que professavam ter sido despertados de seu sono e levantados
dentre os mortos quando aceitavam a Cristo, e que por meio deste
hino se insistia com eles para morrer mais plena e constantemente
ao “velho homem” e vestir-se crescentemente dia a dia

“do novo homem”? Devemos confessar que ninguém sabe


realmente de forma segura nem a origem destas linhas nem o
alcance e a forma de seu uso na igreja primitiva. Pelo que estamos
certos, no entanto, é o fato de que no presente contexto não se
acham fora de lugar. Aplicam-se ao homem que ainda vive segundo
os costumes pagãos. Quando as obras ímpias de tal pessoa ficam
expostas, deve destacar-se claramente a única forma de escapar,
de modo que possa despertar de seu sonho, levantar-se dentre os
mortos (cf. Lc 15:32) e Cristo possa resplandecer sobre ele.

No entanto, à luz de todo o contexto precedente (veja-se


especialmente vv. 3–11) é evidente que o apóstolo não só tem em
mente o pagão mas também e especialmente o convertido. O
interesse de Paulo é mostrar que aquele que renunciou os
perversos caminhos do mundo deve viver uma vida consistente com
sua nova posição. Portanto, em lugar de continuar tomando parte
nas obras infrutíferas das trevas, deve sair totalmente de seu sono e
levantar-se e abandonar todos os aspectos dos perversos caminhos
dos quais se acham espiritualmente mortos. O

glorioso resultado será que Cristo resplandecerá sobre ele. Este


parece ser o significado da passagem.

Efésios (Hendriksen)

291

No entanto, isto leva a outra pergunta. Estas linhas que o apóstolo


cita e às quais dá sua aprovação, não estarão realmente invertendo
a ordem dos elementos no processo de salvar-se? Não parecem
ensinar que é o homem quem se volta para Deus antes que Deus
ao homem?
Pareceria que é ao pecador a quem se insiste para despertar de seu
sono espiritual, e levantar-se dentre os mortos (implicando uma
ressurreição de sua morte em pecado), e somente então Cristo
resplandecerá sobre ele. A resposta é: a. Há uma longa lista de
passagens tanto no Antigo como no Novo Testamento que se
poderia aplicar a mesma objeção, se esta fosse válida (p. ex., Dt
4:29; 30:1–10; Sl 50:14, 15; 55:16; Is 55:6, 7; Jr 18:5–10; Mt 11:28–
30; At 16:31; Ap 3:20). b. Estas passagens enfatizam a
responsabilidade humana, c. Nenhuma delas ensina que o homem,
em suas próprias forças, é capaz de despertar e levantar-se dentre
os mortos. Isto o pode fazer somente mediante a graça de Deus e o
poder do Espírito Santo. O próprio fato de ser chamado a levantar-
se dentre os mortos implica isso (veja-se o que se diz sobre isso na
interpretação de Ef 2:1–9). No processo de salvação é Deus que
sempre toma a iniciativa. Ninguém é capaz de converter-se a menos
que Deus o tenha regenerado. Do mesmo modo, depois que a
verdadeira conversão teve lugar não existe momento algum em que
a pessoa possa fazer algo de valor espiritual à parte de seu Senhor,
d. Temos que lembrar também que Cristo não é somente o Alfa
(princípio) da salvação; é também o Ômega (fim); quer dizer, não é
somente Aquele que origina a salvação; é também aquele que
galardoa. Portanto, quando mediante a graça e o poder divinos o
pecador despoja-se da velha natureza e se veste da nova, quando
desperta e se levanta cada vez mais dentre os mortos, então a luz
de Cristo resplandece sobre ele, iluminando sua vida inteira com
terno, maravilhoso, suave resplendor, o resplendor da amorosa
presença do Salvador. É assim que “o caminho dos justos é como a
luz da aurora, que vai aumentando até que o dia é perfeito” (Pv
4:18).

Efésios (Hendriksen)

292

d. Ef. 5:15-21

“Não vos embriagueis com vinho, mas enchei-vos do Espírito”


Continuando sua carinhosa exortação com relação à gloriosa
renovação da igreja, Paulo escreve:

15. Tende muito cuidado, pois, como andais. 142 Outra vez aqui,
em completa harmonia com o que se veio dizendo antes, é-nos
mostrado quão necessário é que os crentes mostrem em toda forma
e todo tempo que realmente repudiaram sua velha natureza e
abraçaram a nova e piedosa vida. Esta é a única forma eficaz de
comprovar nosso próprio estado na salvação, expondo as
infrutíferas obras das trevas, insistindo com os obreiros de maldade
ao arrependimento, e realizando tudo isso para a glória de Deus.
Prossegue: não como néscios, mas sim como sábios.

Cf. 1:8, 17; Cl 1:9, 28; 3:16; 4:5. Os néscios são aqueles que, não
tendo entendimento nas coisas pertencentes a Deus e à salvação,
não desejam alcançar a alta meta e, portanto, não sabem nem se
importam em saber quais são os melhores meios para chegar a ela.
Dão capital importância ao que realmente é de pouco valor ou até
prejudicial, e não têm apreço pelo que é imprescindível.
Comportam-se conforme isso mesmo. Por outro lado, os sábios têm
um entendimento correto e andam segundo ele.

Fazem também uso judicioso de seu tempo. Com isto em mente


Paulo continua:

16. aproveitando ao máximo a oportunidade. Não têm que


esperar que a oportunidade lhes caia do céu, mas devem buscá-la
(comprá-la) 142 Deveríamos ler, “Olhai portanto quão
cuidadosamente estais andando” ou , antes, “Olhai portanto
cuidadosamente como andam”? Em outras palavras, Qual é a forma
correta, πῶς ἀκριβῶς ou ἁκριβῶς

πῶς? Em defesa de ambos os pode-se apresentar bom número de


exemplos. Quanto a mim, eu gosto do raciocínio do Foulkes em
favor do segundo significado. Escreve assim, “Este é um
mandamento que essencialmente quadra melhor com a pena de
Paulo que o de andar ‘exatamente’ ou
‘estritamente’. Paulo pôde ter usado corretamente esta palavra em
sua forma superlativa quanto a sua anterior vida de fariseu (At 26:5),
mas ao usar a com relação à vida cristã teria sido uma grande
insinuação a um renovado legalismo” ( The Epistle of Paul to the
Ephesians, An Introduction and Commentary, Grand Rapids, MI,
1963, p. 149). No entanto, em qualquer dos casos, a ênfase se acha
na importância da conduta cristã.

Efésios (Hendriksen)

293

sem poupar o custo. À luz de todo o contexto a oportunidade aludida


consiste em mostrar por meio de suas vidas e conduta o poder e a
glória do evangelho, expondo assim a maldade, abundando em
boas obras, obtendo segurança de salvação para si mesmos,
fortalecendo a comunhão, ganhando pessoas para Cristo, e através
de tudo isso glorificando a Deus. A oportunidade perdida jamais
volta. Que se use então ao máximo. Leia-se Mc 1:21–34 e observe-
se quanto pôde realizar Jesus num só dia, e o que fez muito cedo
no próximo dia (Mc 1:35).

Paulo acrescenta: porque os dias são maus. Um simples olhar ao


contexto precedente (veja-se especialmente Ef 4:14, 17–19, 25–31;
5:3–7, 10–12; cf. Rm 1:18–32) mostrará quão indescritivelmente
maus eram os dias em que esta epístola foi escrita. Exortações
semelhantes se acham em Rm 13:11–14; 1Co 7:29; 2Co 6:14–18;
Gl 6:9, 10; e Cl 4:5. Prossegue: 17. Portanto, não sejais
insensatos, mas entendei qual (é) a vontade do Senhor. Repete-
se a admoestação do v. 15 — “não como néscios” —

com pequena diferença em sua linguagem. Os efésios não devem


ser

«irrefletidos ou sem entendimento». Não devem mostrar “falta de


sensatez”, o que equivale a dizer que não sejam néscios. A palavra
conectiva “portanto” pode ser interpretada, à luz do contexto
precedente, como dizendo: já que o perigo é tão grande, a maldade
tão espantosa, a oportunidade tão preciosa, e à vista da
necessidade de uma constante vigilância, de um intenso esforço, de
um firme zelo, não deveis ser opostos à razão. Ao contrário,
entendei seja qual é a vontade do Senhor, a saber, do Senhor Jesus
Cristo. Veja-se Ef 2:21; 4:1; 5:10. Não dependais de vossa própria
perspicácia. Não considereis o conselho de outras pessoas como a
prova final da verdade. Que a vontade de vosso Senhor, conforme
Ele a revelou por Sua própria palavra e exemplo e pela boca de
Seus mensageiros escolhidos, seja vossa norma e guia. Veja-se Ef
5:10; cf. Rm 12:2; 1Pe 2:21.

Uma das mais notáveis manifestações de “falta de sensatez” é a


bebedeira. Seu antídoto “ser cheios do Espírito” indica uma avenida

Efésios (Hendriksen)

294

muito melhor de verdadeiro entendimento. Daí que existe uma dupla


relação entre os vv 17 e 18. Paulo escreve:

18. E não vos embriagueis com vinho, o qual está associado


com a vida dissoluta, mas enchei-vos do Espírito.

Há tempo quando o alvoroço do coração e mente está inteiramente


dentro de seu lugar. As Escrituras mencionam gritos de alegria (Sl
5:11; 32:11; 35:27; etc.), plenitude de alegria (Sl 16:11), novas de
grande alegria (Lc 2:10), alegria inexprimível e cheia de glória (1Pe
1:8). Não obstante, o alvoroço é impróprio quando a forma de
produzi-lo é também incorreta. Assim que é impróprio buscar
excitação por meio do excessivo uso do vinho. O que se proíbe é o
abuso do vinho, não seu uso (1Tm 5:23). Tal abuso era um perigo
real na igreja primitiva, como certamente o é hoje em dia, e isto fica
demonstrado por restrições como as que seguem: “O bispo deve ser
irrepreensível … não dado ao vinho (alguém que se detenha junto a
seu vinho)” (1Tm 3:3; cf. Tt 1:7); “Os diáconos do mesmo modo
(devem ser) dignos, não … viciados em muito vinho”
(1Tm 3:8); e “Exijam das anciãs igualmente (que sejam) reverentes
em seu porte … não escravas de muito vinho” (Tt 2:3).

A intoxicação não é o remédio eficaz para os ansiedades e


preocupações desta vida. A pretensa ajuda que provê não é real. É
o pobre substituto do diabo para “a alegria inexprimível e cheia de
glória”

que Deus provê. Satanás está sempre substituindo o mal pelo bem.
Não foi porventura chamado «o imitador de Deus»? O embebedar-
se com vinho está “associado com a vida licenciosa” ou “conduta
dissoluta”,

“temeridade” (Tt 1:6; 1Pe 4:4). Caracteriza a pessoa que, ao


continuar assim, não pode ser salva. 143 Mas não precisa continuar
assim. O filho 143 Há aqueles que assinalam que etimologicamente
ἀσωτία descreve a condição da pessoa que não pode ser salva.
Mas aqui se tem que determinar primeiro qual é o verdadeiro
significado da palavra salvo em tal caso. E até se isto fosse
determinado, continua sendo verdade que, embora a derivação e
história das palavras é útil e arrojam algo de luz sobre os
significados, é muito mais importante o uso real da palavra num
contexto dado. Como resultado, se eu declarar que a pessoa em
questão, se seguir assim, não pode ser salva, tal conclusão não se
baseia em etimologia, nem em semântica, mas em claro ensino
bíblico (1Co 6:9, 10).

Efésios (Hendriksen)

295

pródigo da inesquecível parábola viveu dissolutamente (advérbio


análogo do nome dissolução ou vida dissoluta que ocorre aqui em
Ef 5:18). A extravagância e a falta de sobriedade achavam-se
combinadas em sua conduta, tal como com toda probabilidade se
acham combinadas no significado da palavra “vida dissoluta” usada
nesta passagem da carta de Paulo aos efésios. No entanto, houve
salvação para ele ao arrepender-se. Tomara que todo aquele que
leia isto se sinta animado (Is 1:18; Ez 33:11; 1 Jo 1:9).

O remédio real para combater a pecaminosa embriaguez é aquele


que assinala Paulo. Insiste-se com os efésios a buscar uma fonte de
regozijo mais elevada, muito melhor. Em vez de embebedar-se
devem encher-se. Em lugar de embebedar-se com vinho devem ser
cheios do Espírito. Observe-se o duplo contraste. Embora seja
verdade que o apóstolo faz uso de uma palavra, ou seja, pneuma,
que ao ser traduzida pode às vezes ser escrita com e outras vezes
sem maiúscula inicial (quer dizer, “Espírito” ou “espírito”), no caso
presente deve escrever-se com maiúscula, como o é com muita
frequência. Sem dúvida, Paulo estava pensando na terceira pessoa
da Trindade, o Espírito Santo. Como evidências em apoio deste
ponto de vista temos: a. a expressão “cheio com” ou “cheio do
pneuma, sendo a referência ao Espírito Santo, é muito comum nas
Escrituras (Lc 1:15, 41, 67; 4:1; At 2:4; 4:8, 31; 6:3; 7:55; 9:17; 13:9);
144 e b. o contraste mesmo aqui em Ef 5:18 entre embebedar-se
com vinho e ser cheio do pneuma ocorre também, embora de forma
levemente diferente, em At 2:4, 13, onde a referência só pode ser ao
Espírito Santo. 145

144 O fato de que aqui em 5:18, como uma exceção, diga ἐν


πνεύματι não invalida esta conclusão. A preposição ἐν cobre uma
área muito ampla, especialmente no grego koinê, no caso presente
uma área provavelmente ampliada ainda mais pela influência de b
hebreu, já direta, ou indiretamente através da LXX. Também, a
sugestão de que a desacostumada frase do caso presente foi
escolhida a fim de dar a entender o fato de que o Espírito Santo não
só é o agente por quem os crentes são cheios mas também Aquele
em quem são cheios, é algo que não deve ser levianamente
descartado.

145 Este ponto de vista aceito por quase a maioria de que a


referência aqui em 5:18 é ao Espírito Santo deve ser portanto
mantido contra Lenski que o chama “impossível” ( op. cit. , p. 619).

Efésios (Hendriksen)
296

Além disso, os antigos usavam doses abundantes de vinho não só


para esquecer as preocupações e adquirir jovialidade, mas também
para entrar em comunhão com os deuses, e mediante esta
comunhão receber conhecimento enlevado impossível de receber
de outra maneira. Essa tolice, que com frequência estava
relacionada com as orgias dionisíacas, é contrastada pelo apóstolo
com o êxtase sereno e a doce comunhão com Cristo que ele mesmo
estava experimentando em Espírito ao escrever esta epístola aos
efésios (veja-se sobre Ef 1:3; 3:20). O que então diz é o seguinte: A
bebedeira não conduz a nada bom, mas ao vício; ela não vos
brindará prazer legítimo, nem conhecimento útil, nem tranquilidade
perfeita. Não vos ajudará, mas vos prejudicará. Deixa um amargo
sabor e provoca intermináveis calamidades (cf. Pv 23:29–32). Mas o
contrário, o ser cheios com o Espírito, vos enriquecerá com os
apreciados tesouros de alegria permanente, profundo entendimento,
satisfação interna. Aguçará vossas faculdades para receber a divina
vontade. Observe-se o contexto imediato, v. 17 “Portanto, não sejais
insensatos, mas entendei qual (é) a vontade do Senhor”. Portanto,
“não vos embriagueis com vinho, mas enchei-vos do Espírito”. 146

Sendo assim cheios com o Espírito os crentes não só desfrutarão de


esclarecimento e regozijo, mas além disso expressarão
jubilosamente seu vivificante conhecimento da vontade de Deus.
Revelarão suas descobertas e sentimentos de gratidão. Daí que
Paulo prossegue: 19. falando uns aos outros com salmos e
hinos e cantos espirituais. O

termo salmos tem com toda probabilidade refere-se,, pelo menos


principalmente, ao Saltério do Antigo Testamento; hinos,
principalmente aos louvores dados a Deus e a Cristo no Novo
Testamento (v. 14 mais acima, onde Cristo é louvado como a fonte
de luz, contendo talvez linhas de um destes hinos); e finalmente,
cantos espirituais, principalmente à poesia lírica sagrada abordando
temas não diretamente relacionados com 146 Sobre esta passagem
cf. J. M. Moffat, “Three Notes on Ephesians”, Exp. Oitava série, N°
87 (abril, 1918), pp. 306–317.

Efésios (Hendriksen)

297

o louvor a Deus ou a Cristo. Pode existir, no entanto, certa


superposição no significado destes três termos segundo o uso que
Paulo faz deles aqui.

O ponto a recalcar é que os crentes devem falar uns aos147 outros


por meio destes salmos e hinos e cantos espirituais. Não se procura
uma mera recitação do que tenham aprendido de cor. «Filha, sabes
tu que o teu Redentor vive?» diz o diretor à solista. Logo depois de
uma resposta afirmativa ele prosseguiu: «Então canta-o outra vez,
mas desta vez faça com que sintamos». Assim o fez ela, e houve
lágrimas de alegria e ação de graças em todos os olhos. Continua:
cantando e fazendo melodia de vosso coração ao Senhor. A
ideia de alguns148 que nas duas partes deste versículo o apóstolo
faz referência a duas classes de canto: a. audível (“falando”) e b.
inaudível (“na quietude do coração”), deve ser descartada. Se tal
tivesse sido sua intenção, teria inserido a conjunção e ou e também
entre as duas partes. As duas são evidentemente paralelas.

A segunda explica e completa a primeira: Ao os crentes se


reunirem, não devem dedicar-se a festas desordenadas, mas a
edificar-se mutuamente, falando-se um ao outro num cantar cristão,
fazendo-o de coração, à glória e honra de seu bendito Senhor.
Devem fazer música com a voz (“cantando”) ou em qualquer forma
correta, seja por meio de voz ou instrumento musical (“fazendo
melodia”). Cf. Rm 15:9; 1Co 14:15; Tg 5:13. Referente a maiores
detalhes de interpretação, veja-se C.N.T. sobre Colossenses e
Filemom, pp. 189–190, onde se discute amplamente uma passagem
muito semelhante (Cl 3:16).

Por meio de salmos, hinos, e canções espirituais os crentes


manifestam sua gratidão a Deus. Neste tema Paulo se estende
agora como segue:

20. dando graças sempre por todas as coisas em nome de


nosso Senhor Jesus Cristo a (nosso) Deus e Pai. Veja-se o que
já se disse 147 O reflexo ἑαυτοῖς usa-se aqui como recíproco como
foi o caso em Ef 4:32; portanto, não é “para vós” (Lenski) nem é
“entre vós”, mas sim “uns para com os outros”. Veja-se C.N.T. sobre
Colossenses e Filemom, p. 187, nota 136.

148 Veja-se Salmond, op. cit. , p. 364.

Efésios (Hendriksen)

298

anteriormente a respeito desta passagem em p46. Além disso,


acrescenta-se o seguinte:

Ação de graças correta

1. O que é?

Ação de graças é o reconhecimento agradecido dos benefícios


recebidos. Pressupõe que a pessoa ocupada nesta atividade
reconhece três coisas: a. que as bênçãos que desfruta lhe foram
outorgadas, de modo que honestamente não pode atribuir-se crédito
por elas; b. que é totalmente indigno delas; e c. que são grandes e
muitas.

Paulo já mencionou o dar graças neste capítulo (Ef 5:4). Refere-se a


isto vez após vez em suas epístolas. Considera-o tão importante
que deseja que os crentes “superabundem em ação de graças” (Cl
2:7). A gratidão é o que completa o ciclo por meio do qual as
bênçãos derramadas nos corações e vidas dos crentes voltam ao
Doador em forma de adoração contínua, amorosa e espontânea.
Seguida corretamente, tal ação de dar graças é uma atitude e ação
que o crente mesmo perpetua, visto que implica uma lembrança e
recontagem de bênçãos recebidas.
Naturalmente, tal recontagem ou concentração da atenção sobre as
bênçãos faz com que estas ressaltem mais claramente, dando como
resultado novas ações de graças. A expressão de gratidão é,
portanto, a mais feliz resposta aos favores imerecidos. Enquanto
dura, os ansiedades tendem a desaparecer, as queixas se
desvanecem, aumenta a coragem para enfrentar o futuro, formam-
se resoluções virtuosas, experimenta-se a paz, e Deus é glorificado.

2. Quando deve ter lugar?

O apóstolo diz, “sempre”. É próprio dar graças depois que se


recebeu a bênção, isto é, quando a situação que produziu o alarme
passou e se restaurou a calma, assim como os israelitas o fizeram
depois de ter cruzado o mar Vermelho (Êx 15); e como o escritor do
Salmo 116

Efésios (Hendriksen)

299

o fez depois que o Senhor ouviu sua oração; e como o fará um dia a
gloriosa multidão nas margens do mar de cristal (Ap 15). É próprio
também dar graças no meio da angústia, como o fez Jonas quando
esteve

“no ventre do peixe” (Jn 2:1, 9). É ainda próprio cantar canções de
louvor e ação de graças antes que a batalha tenha começado, como
o ordenou Josafá (2 Cr. 20:21). Os crentes podem e devem dar
graças sempre porque não existe nem um só momento em que não
se achem sob o olho atento do Senhor cujo nome mesmo indica que
Suas misericórdias são imutáveis e que jamais falharão.

3. Por que coisas deve dar-se graças?

Paulo responde, “por todas as coisas”. Daí que a gratidão deve ser
sentida e expressa por bênçãos físicas e espirituais; “comuns” e
extraordinárias; passadas, presentes e futuras (as últimas, porque
estão incluídas numa promessa infalível); pelas coisas recebidas e
até pelas não recebidas. Deve ter-se constantemente em mente que
aquele que, sob a direção do Espírito Santo deu esta exortação,
achava-se na prisão ao escrever este mandamento. Não obstante,
apesar de suas cadeias, melhor dizendo por causa de suas cadeias,
deu graças a Deus (Fp 1:12–14).

Podia alegrar-se em fraquezas, injúrias, privações, e frustrações


(2Co 12:10). Vez após vez, estando na prisão, Paulo dá graças a
Deus e exorta seus leitores a ser agradecidos também (Ef 1:16; 5:4,
20; Fp 1:3, 12–21; Cl 1:3, 12; 2:4; 3:17; 4:2; Fm 4). Isto pode
parecer muito estranho. É, no entanto, inteiramente consistente com
o resto dos ensinos de Paulo, visto que harmoniza
maravilhosamente com a segurança que “aos que amam a Deus
todas as coisas cooperam para o bem” e que “em todas estas
coisas somos mais que vencedores por meio daquele que nos
amou” com um amor do qual jamais seremos separados (Rm 8:28–
39).

Efésios (Hendriksen)

300

4. Como se deve dar graças?

A resposta é “em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”, visto que foi
Ele que ganhou todas estas bênçãos para nós, de modo que as
recebemos

“junto com ele” (Rm 8:32). É também Ele quem purificará nossas
petições e ações de graças e, assim purificadas, apresentá-las-á,
junto com Sua própria intercessão, diante da presença do Pai.

5. A quem deve ser oferecida?

Responde-se: “a (nosso) Deus e Pai”. Há aqueles que jamais dão


graças. Assim como o rico insensato da parábola narrada em Lc
12:16–
21 eles parecem atribuir-se o crédito por tudo o que possuem ou
realizaram. Há outros que se sentem obrigados ao próximo.
Reconhecem causas secundárias, mas nunca a Primeira Causa
(Rm 1:21). Mas, sendo que os efésios sabiam que todas as suas
bênçãos emanavam constantemente de Deus, o Deus que em
Cristo Jesus era seu Pai, e pelo fato de que também se achavam
conscientes do fato de que eles constituíam parte da “família do Pai”
(veja-se sobre Ef 3:14, 15), de modo que os benefícios que tinham
recebido, que estavam recebendo, e que ainda haveriam de
receber, procediam de Seu amor, deviam ser capazes de entender a
razoabilidade da exortação de que a este Deus e seu Pai deviam
atribuir ação de graças e louvor constante.

Tendo exortado os efésios no que respeita aos seus deveres para


com Deus, de forma muito lógica Paulo conclui esta seção
exortando-os com relação a suas obrigações um para com o outro.
Ele o faz com palavras que constituem ao mesmo tempo uma
excelente transição para os pensamentos que o terão ocupado no
próximo parágrafo. 149

149 Com Bíblia das Américas e Lenski incluo este versículo na


presente seção, contrário à separação de parágrafos achada em
RA, NVI, Hodge, etc. As razões dadas por Lenski para proceder
assim são igualmente as minhas, vale dizer, a. a oração
simplesmente prossegue com um gerúndio durativo semelhante aos
que precedem; b. a menção de mútua submissão aqui no v. 21
difere da submissão das esposas a seus esposos, filhos a seus
pais, e escravos a seus amos, que se discute na próxima seção; e c.
um novo tema começa com o v. 22; tábua de deveres domésticos.

Efésios (Hendriksen)

301

Paulo esteve insistindo com os efésios a expressar suas ações de


graças a Deus mediante salmos, hinos, e cânticos espirituais.
Agora, a fim de que isto seja feito eficazmente duas coisas são
necessárias: a. que a ação de graças e o louvor sejam oferecidos de
forma correta e à pessoa apropriada, e b. que haja harmonia entre
os que cantam. Num coro cada cantor deve saber seu lugar de
modo que sua voz possa combinar com a dos outros. Numa
orquestra não deve haver discordância. Daí que Paulo declara:

21. submetendo-vos 150 uns aos outros em reverência a Cristo.


151 Vez após vez nosso Senhor, quando estava na terra, enfatizou
este mesmo pensamento, quer dizer, que cada discípulo devia estar
disposto de ser o menor (Mt 18:1–4; 20:28) e lavar os pés dos
outros discípulos (Jo 13:1–

17). O mesmo pensamento se expressa substancialmente em Rm


12:10:

“preferindo-vos em honra, uns aos outros” e em Fp 2:3 “não


(fazendo) nada por ambição pessoal ou por vanglória, antes, com
uma atitude humilde, cada um estimando o outro como melhor que
ele mesmo”. Cf.

1Pe 5:5. O afeto de uns com os outros, a humildade, e o ânimo


disposto a cooperar com os outros membros do corpo são as
virtudes que se acham implicadas aqui em Ef 5:21. O pensamento
da passagem faz lembrar o que o apóstolo havia dito anteriormente
nesta mesma epístola:

“com toda humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos


uns aos outros em amor, fazendo todo esforço para preservar a
unidade É necessário acrescentar, não obstante, que a relação
entre o v. 21 e os que seguem é estreita, pelo fato de que em ambos
os casos o assunto de boa vontade para submeter-se é discutido.
Na verdade o v. 22 presta o predicado implicado do v. 21. Observe-
se como N.E.B., provavelmente para indicar a natureza transitória
do v. 21, faz dele um pequeno parágrafo independente.

150 A construção mais singela consistiria em considerar os cinco


particípios presentes — falando, cantando, fazendo melodia, dando
graças, submetendo(vos) — como regidos por “enchei-vos com o
Espírito” (Ef 5:18). Assim construídas, todas têm a força de
imperativo presente. Quando alguém é cheio do Espírito, seu desejo
será preocupar-se das atividades indicadas pelos particípios. A
atitude hostil para estas atividades, ou uma atitude de indiferença ou
da assim chamada neutralidade, mostra que no indivíduo a quem
isto se aplicaria não habita o Espírito.

151 Os melhores manuscritos dizem Χριστοῦ, não Υεοῦ no qual RC


1998 baseia sua frase “no temor de Deus”.

Efésios (Hendriksen)

302

comunicada pelo Espírito mediante o vínculo (que é) a paz” (Ef 4:2,


3).

Paulo sabia por experiência o que poderia acontecer numa igreja se


esta regra fosse desobedecida (1Co 1:11, 12; 3:1–9; 11:17–22;
14:26–33).

Portanto, enfatiza o fato de que “em reverência a Cristo”, ou seja,


com uma consideração consciente de Sua vontade claramente
revelada, cada membro do corpo deve voluntariamente reconhecer
os direitos, necessidades, e desejos dos outros. Assim os crentes
estarão em condição de apresentar uma frente unida ao mundo,
será promovida aquela bênção de uma verdadeira comunhão cristã,
e Deus em Cristo será glorificado.

Efésios (Hendriksen)

303

EF. 5:22 – 6:9

Versículos 5:22–6:9

Tema: A igreja gloriosa

II. Exortação
insistindo à Gloriosa renovação

2. a grupos em particular

Segundo se indicou anteriormente (veja-se p. 226) aqui continua o


tema Gloriosa Renovação, mas desta vez aplicado a grupos
especiais; como segue: as esposas e seus esposos (Ef 5:22–33); os
filhos e seus pais (Ef 6:1–4); e os escravos e seus amos (Ef 6:5–9).

a. Ef. 5:22-33

“Esposas, (sujeitai-vos) a vosso próprio marido. Maridos, amai a


vossa esposa”.

22. Esposas, (sujeitai-vos)152 a vosso próprio marido como ao


Senhor. Parte do material achado em Ef 5:22–6:9 é paralelo a
Colossenses 3:18–4:1. Toda vez que isto acontece, dirijo o leitor ao
C.N.T. sobre Colossenses e Filemom, pp. 195–205, quanto a
detalhes exegéticos. Isto dará maior lugar para estender-se no
presente comentário sobre as passagens de Efésios que não se
acham em Colossenses.

Não existe na terra instituição mais sagrada que a família. Nenhuma


é tão básica. Conforme é a atmosfera religiosa na família, assim
será na igreja, na nação, e na sociedade em geral. Agora, com
bondosa compreensão da mulher, o Senhor, que sabe perfeitamente
que dentro do 152 É indubitável que o verbo deve ser tirado do
versículo precedente (cf. o mesmo verbo em Cl 3:18).

Efésios (Hendriksen)

304

núcleo familiar a maior parte do cuidado dos filhos descansa sobre a


esposa, teve por bem não sobrecarregá-la. É por isso que colocou a
responsabilidade fundamental no que respeita à família sobre os
ombros do esposo, de acordo com os dotes que lhe foram dadas na
criação. Então aqui, por meio de Seu servo, o apóstolo Paulo, o
Senhor atribui à esposa o dever de obedecer a seu esposo. Tal
obediência tem que ser uma voluntária submissão de sua parte, e
isto somente a seu próprio marido, não a qualquer homem. O que
facilita esta obediência, por outro lado, é que lhe é pedido fazê-lo
“como ao Senhor”, quer dizer, como parte de sua obediência a Ele,
Ele mesmo que morreu por ela. Prossegue: 23. porque o marido é
a cabeça da esposa. Um lar sem cabeça é um convite ao caos. É
causa de desordem e desastre pior ainda que aquele que se produz
quando uma nação está sem governante ou um exército sem
comandante. Por excelentes razões (veja-se 1Tm 2:13, 14) foi do
agrado de Deus atribuir ao esposo a tarefa de ser cabeça da esposa
e, portanto, da família. Isto de ser cabeça, além disso, implica algo
mais que só ter o mando, o que é claro pelas palavras que vêm a
seguir, assim como Cristo é a cabeça da igreja (sendo) ele
mesmo o Salvador do corpo.

Esta declaração pode ser surpreendente para os que tiveram o


costume de enfatizar a autoridade do esposo sobre a esposa.
Indubitavelmente, ele tem essa autoridade e lhe corresponde
exercê-la, mas nunca de forma dominante. A comparação de Cristo
como a cabeça da igreja (cf. Ef 1:22; 4:15; Cl 1:18) revela o sentido
em que o marido é a cabeça da esposa. É sua cabeça quanto a
estar vitalmente interessado no bem-estar dela. É seu protetor. Seu
modelo é Cristo quem, como a cabeça da igreja, é seu Salvador! O
que Paulo quer dizer, então, equivale ao seguinte: A esposa deve
submeter-se voluntariamente ao seu esposo a quem Deus lhe
atribuiu como cabeça dela. Ela tem que reconhecer que, em sua
qualidade de cabeça, seu esposo se acha tão intimamente unido a
ela e tão profundamente preocupado com seu bem-estar, que sua
relação para ela tem como base o interesse sacrificial de Cristo por
Sua igreja, a qual comprou com seu próprio sangue! Vêm-nos à
mente aquelas

Efésios (Hendriksen)

305
passagens do Antigo Testamento que vividamente descrevem o
amor do Senhor por Seu povo. Há, por exemplo, a história da
inquebrantável ternura de Oseias para com sua esposa Gômer.
Embora esta não tenha sido e foi atrás de outros “amantes” e
concebendo “filhos de fornicação”, no entanto Oseias, em lugar de
rejeitá-la, desliza-se a lugares de vergonha, compra-a por quinze
siclos de prata e um ômer e meio de cevada, e a restaura à sua
anterior situação de honra (Os 1–3; 11:8; 14:4).

Referente a outras passagens que descrevem o maravilhoso e


vindicador amor do esposo (do Senhor) veja-se Is 54:1–8; 62:3–5; Jr
3:6–18; 31:31–

34. Então, tomara que a esposa obedeça ao seu esposo que a ama
tanto!

E que tenha sempre em mente que ao ser obediente a seu esposo


está obedecendo a seu Senhor.

Nem todos aceitam esta interpretação sobre a passagem. Além dos


que interpretam a cláusula, “(sendo) ele mesmo o Salvador do
corpo”

como referência direta não a Cristo, mas ao esposo como defensor


da esposa (em cujo caso a tradução deve ser salvador, não
Salvador), interpretação tão discordante com as palavras que
imediatamente precedem que não vale a pena comentá-la, estão
também aqueles que creem que a referência a Cristo como o
Salvador da igreja é algo mencionado de passagem, ou talvez
expressa «uma relação de Cristo e sua igreja sem analogia entre a
relação do esposo e sua esposa» (Hodge, op. cit., p. 313). Não se
explica por que exatamente o apóstolo tenha inserido esta cláusula
se nada tivesse tido que ver com o assunto tratado.

Por outro lado, Calvino, ao comentar as palavras “E ele é o Salvador


(el Salvador”) do corpo”, faz a seguinte e muito acertada
observação: «O
pronome ele segundo alguns refere-se a Cristo; e segundo outros
ao esposo. A aplicação mais natural, segundo minha opinião, é a
Cristo, mas sempre com uma projeção ao tema presente. Neste
ponto, como também em outros, a semelhança deve ser mantida».
Incidentalmente, é bom chamar a atenção ao fato de que no próprio
caso de Calvino a semelhança entre a. o amor de Cristo e sua
preocupação para com a igreja e b. o amor e preocupação de
Calvino para com Idelette era

Efésios (Hendriksen)

306

evidente. Contrário à opinião de muitos que sempre estão


descrevendo a Calvino como um indivíduo duro e autocrático,
achamo-nos diante de um homem que amava a sua esposa
meigamente; ao mesmo tempo ela lhe obedecia com a mesma alta
devoção. 153 P. Schaff diz, ao comentar a respeito do caráter de
Calvino, e especialmente sobre a relação dele com sua esposa:
«Nada pode ser mais injusto que acusar Calvino como frio e
incompreensivo» ( History of the Christian Church, Nova York, 1923,
Vol. VII, p. 417).

Paulo resume o conteúdo dos vv. 22 e 23 como segue:

24. Pois bem, 154 assim como a igreja está sujeita a Cristo
assim também as esposas (devem estar sujeitas) a seu marido
em tudo. A submissão motivada não só pela convicção «Isto é bom
e justo porque Deus o demanda», mas também por um amor em
resposta ao amor de Cristo (1Jo 4:19). Que isto mesmo seja a
realidade com relação à submissão das esposas a seu esposo.
Além disso, a obediência não deve ser parcial, de modo que a
esposa obedeça a seu esposo quando acontece que os desejos
dele coincidem com os dela, mas completa: “em tudo”.

Esta frase não deve, por outro lado, ser interpretada como se
dissesse
“absolutamente tudo”. Se o esposo demandasse dela algo contrário
aos 153 Consulte-se Idelette, de Edna Gerstner, Grand Rapids, MI,
1963. É uma novela biográfica rica em detalhes autênticos. Cf. L.
Penning, Life and Times of Calvin, traduzido por B. S. Berrington,
Londres, 1912, pp. 145–148.

154 A interpretação de ἀλλά como se fosse sempre adversativa


conduziu a várias interpretações errôneas das quais uma delas é
que o apóstolo quis dizer, “Mas embora a relação de Cristo com a
igreja é única, uma vez que ele é o Salvador do corpo e como tal
não pode ser imitado, no entanto as esposas devem estar sujeitas a
seus maridos”, etc. O que se esquece é o fato de que ἀλλά tem
outros significados à parte de mas, mas, no entanto. Concordo com
o Grosheide quando diz que no caso presente ἀλλά resume ( op. cit.
, p. 87). Este ponto de vista está também de acordo com o L.N.T. (A.
e G.), p. 38 que interpreta o significado da partícula segundo seu
uso aqui em Ef 5:24 como: agora, então; significado Nº. 6. É
verdade que há um sentido em que a obra de Cristo por meio da
qual salvou à igreja não pode ser imitada, segundo já se explicou
em detalhe em meu comentário sobre Ef 5:1. Há, no entanto,
também um sentido em que o amor sacrificial de Cristo pode e deve
nos servir de exemplo. Naturalmente, João 3:16 é verdade, mas
também o é 1 João 3:16! Negar isto, como acontece com
frequência, até no nome do calvinismo, é uma superposição de
doutrina sobre a exegese de Calvino, coisa que jamais ele haveria
aceito, segundo se indica em seu próprio comentário sobre esta
passagem.

Efésios (Hendriksen)

307

princípios morais e espirituais estabelecidos pelo próprio Deus, a


submissão seria incorreta (At 5:29; cf. 4:19, 20). Feita esta exceção,
não obstante, sua obediência deve ser completa.

A exortação dirigida aos esposos começa como segue: 25.


Maridos, amai a vossa esposa, assim como também Cristo
amou à igreja e se deu a si mesmo por ela. O amor requerido
deve ser bem cimentado, íntegro, inteligente, e definido, um amor
em que toda a personalidade — não somente as emoções, mas
também a mente e a vontade — se expresse. 155 A principal
característica deste amor, não obstante, é que é espontâneo e
abnegado, visto que se compara ao amor de Cristo que I levou a
dar-Se a Si mesmo pela igreja. Um amor mais excelente que este
não é concebível (Jo 10:11–15; 15:13; 1Jo 3:16). Cf.

Ef 5:2.

Quando um marido crente ama a sua esposa desta forma, a


obediência da parte dela se torna fácil. «Meu esposo me ama de
forma tão profunda e é tão bom comigo que me apresso a lhe
obedecer». É bela uma relação assim!

Cristo amou a igreja e se deu a si mesmo por ela:

26. para santificá-la, separando-a para Deus e Seu serviço,


positivamente; e negativamente: purificando-a, quer dizer,
libertando-a da culpa do pecado e da corrupção (Hb 9:22, 23;
10:29), sendo este um processo necessário que se desenvolve
simultaneamente e não termina até a morte.156 Prossegue: pelo
lavamento de água. Quanto ao primeiro 155 Baseio esta
interpretação não tanto no uso de ἀγαπάω em lugar de φιλέω aqui
em Ef 5:25, como na maneira como o amor que se requer dos
maridos se acha descrito, vale dizer, tendo como modelo o amor de
Cristo para com a igreja. Quanto ao verbo ἀγαπάω mesmo em
comparação com φιλέω, Paulo usa este último somente duas vezes
(1Co 16:22 e Tt 3:15). Usa ñagapáv mais de trinta vezes.

Evidentemente o verbo ἀγαπάω, embora na maioria dos casos


(como aqui), retendo tudo seu significdo característico, começa a
deslocar ao verbo φιλέω, absorvendo algo de seu conteúdo. Nem
sempre pode-se demonstrar que existe uma clara distinção. Veja-se
C.N.T. sobre o Evangelho segundo João, pp. 771–775.
156 O fato de que o subjuntivo ativo aoristo ἁγιάσῃ ι seguido pelo
particνpio ativo aoristo καθαρίσας

nγo significa necessariamente que por sua morte Cristo primeiro


limpa a seu povo e entγo subsequentemente o santifica. O aoristo
como tal pode referirse tanto à ação antecedente como à

Efésios (Hendriksen)

308

substantivo, aqui como em Tt 3:5 que é o único outro lugar onde


ocorre esta palavra no Novo Testamento, a tradução correta é com
toda probabilidade lavamento, antes que lavatório ou fonte para
lavar. 157 Mas enquanto que em Tt 3:5 (sobre o qual veja-se C.N.T.
sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 444, 445) fala-se de “um lavamento
da regeneração e renovação pelo Espírito Santo”, a passagem de
Efésios menciona o lavamento de água em conexão com a palavra
falada. Embora estas duas passagens, sem dúvida, estejam
estreitamente relacionadas, não são idênticas. Este “lavamento de
(ou: “com”) água” aqui em Ef 5:26

dificilmente pode ter relação com algo que não seja o batismo. Isto é
bastante claro. No entanto, significa isto que o rito como tal tem o
poder de purificar ou santificar? Se assim fosse deveria retratar-me
de tudo o que disse faz um momento no sentido de que a
santificação e o limpamento constituem dois aspectos de um
processo que dura toda a vida. Então o significado chegaria a ser
simplesmente o seguinte: «Cristo amou a igreja e Se entregou por
ela a fim de que por meio do rito do batismo com água pudesse
santificá-la e purificá-la». Neste caso um rito externo comunicaria
um benefício interno. Que tremendo significado receberia o batismo
com água! Este rito seria capaz de solucionar praticamente tudo.
Havendo alguém sido batizado, muito pouco mais lhe seria
necessário. A morte de Cristo teria tido lugar somente para fazer
possível esta e única experiência, de modo que por meio dela
aquele que a experimentasse pudesse ser salvo pela eternidade.
Não são muitos os simultânea. No caso presente é difícil construir
este particípio no primeiro sentido. O fato de que verbo e particípio
com aoristos, além disso, não indicam de modo algum o período de
tempo compreendido, seja este curto ou longo. Embora seja
verdade que a justificação tem lugar uma vez por todas, enquanto
que a santificação é um processo contínuo, a passagem presente
não prova de maneira nenhuma que o particípio purificando-a se
refira exclusivamente à justificação, enquanto o verbo santificar a se
refira exclusivamente à santificação. A distinção é talvez
simplesmente entre os aspectos negativo e positivo da operação do
Espírito Santo nos corações e vidas dos filhos de Deus.

157 Simpson, que fez um estudo especial desta palavra, assinala


que o vocábulo usado na LXX para o lavatório do judaísmo era ὁ
λουτήρ, não τὸ λουτρόν, e que λουτρον, tanto no grego apartamento
de cobertura como no helênico, significa com frequência tanto o ato
do lavamento como a vasilha ou o lugar da ablução. Consulte-se
sua obra, The Pastoral Epistles, Londres, 1954, pp. 114ss.

Efésios (Hendriksen)

309

que apoiariam tão extremado ponto de vista. Não obstante devemos


nos cuidar de não ir muito naquela direção geral. 158

Não é o rito do batismo com água o que salva. É “o lavamento de


água em conexão com a palavra falada” o que se usa como meio de
santificação e limpamento. Nada existe no contexto que nos indique
que

“a palavra falada” se ache restringida à fórmula batismal. Deixemos


que Paulo seja seu próprio intérprete. No capítulo que vem
imediatamente (Ef 6:7) diz aos efésios: “E tomai … a espada do
Espírito que é a palavra falada de Deus”. Na verdade, não quis dizer
que a espada do Espírito que os crentes devem esgrimir seja
somente a fórmula batismal!
Naturalmente que é o evangelho, a inteira Palavra de Deus.
Compare-se a petição de Cristo, “Santifica-os na verdade; tua
palavra é verdade” (Jo 17:17). Daí que com relação à presente
passagem (Ef 5:26) a correta interpretação é que, quando o
significado do batismo se explica a, e é entendido por, e é aplicado
mediante a operação do Espírito Santo à mente e coração dos que
recebem o batismo — e, naturalmente, que isto tem lugar durante a
vida inteira — o propósito da morte de Cristo se torna eficaz e os
crentes são santificados e purificados. Não há dúvida de que o
batismo é importante. É uma bênção maravilhosa. Não é somente
um símbolo, mas também um selo, uma representação e uma
segurança definida do fato de que a bondosa promessa de salvação
terá indubitavelmente seu cumprimento na vida do indivíduo
batizado que confia nele. Por meio deste precioso sacramento o
convite de graça à uma entrega inteira se torna muito vívida e muito
pessoal. No entanto, 158 É interessante ler os pontos de vista
expressos muito positivamente por Lenski concernente a este
assunto, op. cit. , pp. 632–635. Enfatiza o fato de que Paulo se está
referindo ao batismo com “água verdadeira”, “água, muito
definidamente”. Além disso, faz insistência em que este batismo
com água é um “lavamento de regeneração em Espírito Santo” (Tt
3:5), e que a frase “em conexão com a palavra falada” refere-se
inquestionavelmente à fórmula batismal pronunciada pelo qual o
administra.

Quanto à declaração do Robertson, vale dizer, “Nem ali (1Co 6:11)


nem aqui (Ef 5:26) quer Paulo dizer que o limpamento ou a
santificação teve lugar no lavamento salvo de forma simbólica”.

Particulariza, “O grego mais evidente não é prova contra o


preconceito dogmático — advertência para os exegetas”. A
advertência com relação ao preconceito dogmático devia ser
tomada muito em conta por todos nós. Foi tomada bem em conta
por Lenski?

Efésios (Hendriksen)

310
fora da palavra aplicada pelo Espírito ao coração não tem eficácia
para salvar. Cf. Jo 3:5; Rm 10:8; 1Pe 1:25. É tal como Calvino, ao
comentar sobre esta passagem, diz: «Se a palavra for retirada, todo
o poder dos sacramentos desaparece. Que outra coisa são os
sacramentos senão selos da palavra?… a palavra aqui significa a
promessa, que explica o valor e uso dos sinais”.

Tendo declarado no v. 26 o propósito imediato da humilhação


voluntária de Cristo (v. 25), agora no v. 27 Paulo indica o propósito
final; ou, expressando-o de forma diferente, mostra o fim para o qual
Cristo santificou e purificou a igreja:

27. a fim de poder apresentar a igreja a si mesmo esplendorosa


em pureza. A igreja é até agora em essência “a esposa de Cristo”.
No entanto, ainda não se manifestou como tal em toda sua beleza.
As bodas é algo reservada para o futuro.

Para entender a passagem presente é preciso lembrar os costumes


nupciais implicados nas Escrituras. Primeiro, existia o compromisso.
Isto era considerado mais sério que o que é um “noivado” no dia de
hoje. Os votos do casamento eram pronunciados e aceitos diante de
testemunhas para logo receber a bênção de Deus. Desde aquele
dia o noivo e a noiva são legalmente esposo e esposa (2Co 11:2).
Logo vem o intervalo entre o compromisso e a festa de bodas.
Talvez o noivo pôde ter eleito este período para pagar o dote ao pai
da noiva, isto é, se não ter sido feito antes (Gn 34:12). Logo vem a
preparação e a procissão, prelúdio da festa de bodas. A noiva se
prepara e adorna. O noivo se embeleza com seu melhor traje, e,
acompanhado de seus amigos, aqueles que cantam e levam tochas,
dirige-se à casa de sua noiva. Ele recebe a noiva e a conduz, com
uma procissão de volta ao lugar onde se realizará a festa de bodas.
Finalmente chega o grande momento: a festa de bodas, incluindo o
banquete de bodas. As festividades podem durar sete dias ou até
quatorze (Mt 22:1–14).

Agora, vez após vez as Escrituras comparam a relação de amor


entre o Senhor e Seu povo, ou entre Cristo e a igreja, com a relação
do
Efésios (Hendriksen)

311

esposo com sua esposa (Sl 45; Is 50:1; 54:1–8; 62:3–5; Jr 2:32;
3:6–18; 31:31–34; Os 1–3; 11:8; 14:4; Mt 9:15; Jo 3:29; 2Co 11:2;
Ap 19:7; 21:2, 9). A igreja está comprometida com Cristo. Cristo
pagou o dote por ela. Comprou a que é em essência — e o será
escatologicamente — sua esposa:

“Para fazê-la esposa quis

Dos céus descer,

E Seu sangue por purificá-la

Na horrível cruz verter”.

Samuel J. Stone, linhas tiradas do hino:

“Da igreja o fundamento”, tradução de J. B. Cabrera

O “intervalo” de uma separação relativa chegou. Refere-se à


dispensação inteira entre a ascensão de Cristo ao céu e Sua volta.
É

durante este período quando a noiva deve preparar-se. Deve


embelezar-se de linho fino, puro e resplandecente. Referente à
significado metafórica veja-se Ap 19:8. Paulo, não obstante, olha
esta preparação da esposa do ponto de vista divino. É o próprio
esposo, Cristo, que aqui em Ef 5:27 é descrito preparando aquela
que um dia será manifestada como Sua esposa, a fim de que seja
“esplendorosa em pureza”. A apresentação a que aqui se refere
deve considerar-se como definitivamente escatológica, quer dizer,
como referindo-se à grande consumação quando Cristo voltar nas
nuvens de glória. Não somente é verdade que “a esposa do
Cordeiro” prepara-se a si mesma (Ap 19:7), e não somente com
vistas ao futuro realizam os servos que Deus atribuiu um trabalho a
respeito (2Co 11:2; Fp 1:10; 2:16; Cl 1:28; 1Ts 2:19, 20; 1Jo 2:28),
mas o próprio Cristo a prepara a fim de apresentá-la a Si mesmo. O
ponto que se enfatiza é, naturalmente, que ela, a igreja, nada pode
fazer em suas próprias forças. Deve toda sua beleza a Ele, o
esposo.

É por esta razão única que quando ela se manifestar em plenitude


será vista tão resplandecente em pureza que poderá responder à
descrição que

Efésios (Hendriksen)

312

aqui se dá, ou seja, não tendo mancha nem ruga nem outra coisa
semelhante, mas sim fosse santa e imaculada. A palavra
“mancha” está confinada no Novo Testamento a esta passagem e
2Pe 2:13. No última passagem a palavra usada no original se
traduziu “manchas” (Nova Tradução na Linguagem de Hoje), e
“borrões” (VM). Ali se refere a pessoas. M. M., p. 584 cita uma
passagem na qual se aplica similarmente e pode traduzir-se
“escória” (“A escória humana da cidade”). A palavra

“ruga” se acha no Novo Testamento somente aqui em Ef 5:27. Não


ocorre nem na Septuaginta nem nos apócrifos, mas não se procura
algo pouco comum. É inútil procurar distinguir entre a referência
resultante ou o sentido metafórico destas duas palavras. A
combinação de ambas na passagem presente simplesmente
enfatiza o fato de que quando naquele grande dia o vitorioso Senhor
dos senhores e Rei dos reis apresentar a igreja a Si mesmo, ela não
terá mancha moral ou espiritual alguma. Por causa de Seu grande
amor por ela (observe-se a conexão entre o v. 27 e 28) o esposo a
apresentará a Si mesmo “santa e imaculada” (ver Ef 1:4

quanto à sua explicação). É claro que esta obra de prazeroso


reconhecimento público realiza-a com miras a Si mesmo, para que
com isso Ele se regozije e seja glorificado, visto que a salvação
nunca tem sua meta final no homem, mas sempre em Deus. No
entanto, não são estas maravilhosas boas-vindas que a esposa
receberá também sua honra suprema? Não indica também que ela
é e será para sempre o objeto do supremo deleite do esposo? Cf. Sf
3:17.

28. Desta maneira os maridos também devem amar a sua


própria esposa como o seu próprio corpo. Não querendo dizer:
devem amar a sua própria esposa tal como amam o seu próprio
corpo, mas devem amar a sua própria esposa como sendo esta seu
próprio corpo. O esposo é a cabeça da esposa como Cristo é a
cabeça da igreja. Então, assim como a igreja é o corpo de Cristo,
assim também a esposa é em certo sentido o corpo do esposo. Tal é
a íntima relação que existe entre ambos. Portanto, os esposos
devem amar a sua esposa. O pensamento do v. 25 é repetido e
fortalecido aqui. À luz do contexto que imediatamente precede (vv.
26 e

Efésios (Hendriksen)

313

27) o pensamento expresso agora é que não só os esposos devem


amar a sua esposa com um amor que chegue ao sacrifício
voluntário, tal como o amor de Cristo para com a igreja, mas além
disso, ao fazê-lo assim, devem ajudar a sua esposa no progresso de
seu santificação.

Indubitavelmente é uma grande responsabilidade! Os esposos


devem amar a sua esposas pelo que ela é e devem amá-la até o
ponto de ajudá-la a ser o que deve ser. Aquele que ama a sua
própria esposa, a si mesmo se ama, visto que, como já se
implicou na declaração precedente, a esposa é parte dele, quer
dizer, chegou a constituir uma íntima unidade com ele.

Veja-se o v. 31. Paulo está pensando já nas palavras de Gn 2:24


que citará muito em breve. Agora, se esta verdade, quer dizer, que a
esposa é o corpo do esposo, foi bem assimilada, então o esposo
indubitavelmente amará a sua esposa.
29. porque ninguém jamais aborreceu a sua própria carne, a
saber, o seu próprio corpo; ao contrário, sustenta-a, supre seu
alimento, etc., e a acaricia. Referente a sustenta, cf. sobre Ef 6:4; e
a acaricia, 1Ts 2:7.

Cada uma destas palavras por direito próprio, e ainda mais em


combinação entre si, indica o cuidado que se presta ao corpo. Na
verdade, Paulo não está pensando somente em que o corpo
necessita unicamente alimento, vestimenta, e proteção suficientes
para obter uma mera existência; refere-se realmente àquele
generoso, esmerado, constante e compreensivo cuidado que
concedemos a nossos corpos.

Prossegue: assim como também Cristo (o faz com) a igreja, 30.


porque somos membros de seu corpo.). 159 Em nenhum instante
Cristo deixa de cuidar meigamente de Seu corpo, a igreja. Estamos
debaixo da Sua constante vigilância. Seus olhos estão
permanentemente sobre nós, do começo do ano até o final dele (cf.
Dt 11:12). Portanto, 159 Embora Hodge, Simpson e outros
favorecem a retenção das palavras “de sua carne e de seus ossos”

(NKJV 1982), os últimos pretendendo que têm “forte apoio dos


MSS”, e os primeiros que “são requeridas pelo contexto”, não posso
me unir a sua companhia. A evidência externa em favor desta
retenção não me impressiona como mais forte que a qual há para
sua omissão, e pelo fato de que no parágrafo presente a unidade de
Cristo e sua igreja se enfatizou vez após vez, não vejo que se perca
algo ao deixá-los fora.

Efésios (Hendriksen)

314

lançamos toda nossa ansiedade sobre Ele, conscientes de Sua


pessoal preocupação (1Pe 1:7) por nós, objetos de sua muito
especial providência.
É surpreendente como o apóstolo, que se esteve referindo a Cristo
como a cabeça e à igreja como Seu corpo (ver especialmente vv. 23
e 29) e quem, por clara implicação, descreveu-o como o esposo e a
igreja como a esposa (v. 27), agora repentinamente faz referência
aos membros individuais dAquele corpo, e ainda mais
surpreendente, embora não fosse do que lhe é habitual, inclui-se a
si mesmo: “somos membros de seu corpo” (Cf. Rm 12:5). A razão
disso deve ser que Paulo, o prisioneiro — isto nunca se deve perder
de vista — está profundamente tocado por este maravilhoso fato de
que sua própria vida, também, está no amor dAquele que se acha
no trono de celestial majestade; e, acrescenta Paulo, por assim
dizer, assim o é para a vida de todos os crentes. Paulo amava a
todos e jamais pensava somente em si mesmo (2Tm 4:8). Consola
ao apóstolo o refletir na verdade de que «Cristo não nos abandona
quando a tempestade aumenta, e sentimo-nos confortados visto que
ele está perto». Portanto, também, esse é seu argumento, como
membros de seu corpo, incitados por Seu exemplo e capacitados
por Seu Espírito, devemos fazer com outros como Cristo fez
conosco. E pelo fato de que Cristo, como nossa cabeça, tão
esmeradamente vela por nós, membros de Seu corpo, tomara que
os maridos tomem esta verdade a peito e se esforcem por emular a
Cristo no amoroso cuidado que abordam sobre seu corpo, ou seja,
sobre sua esposa. Isto também está em harmonia com o
mandamento divino160 em Gn 2:24, ordenança que esteve no pano
de fundo do pensamento de Paulo todo esse tempo e que 160
Como G. Ch. Aalders assinalou em seu comentário Het Boek
Genesis (volume em Korte Verklaring der Heilige Schrift), Kampen,
1949, Vol. I, p. 127, é sem dúvida alguma um mandamento ou
ordenança divina. Se os que opinarem que a passagem de Gênesis
(seja atribuído a Moisés ou a Adão) indica meramente o que
comumente acontece, ou profeticamente, o que geralmente
acontecerá, quer dizer, que um homem deixará a seu pai e a sua
mãe, etc., o Senhor não teria apelado a ele como à uma ordenança
de Deus (Mt 19:5, 6).

Efésios (Hendriksen)
315

agora finalmente cita, quase exatamente161 de acordo com a


tradução grega da Septuaginta da passagem hebraica:

31. “Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e se unirá
à sua esposa” . As palavras “por isso” não têm valor conectivo aqui
no v. 31.

Pertencem ao contexto de Gênesis. Adão se regozijou quando


recebeu Eva da mão do Senhor Deus. Deu expressão à sua alegria
e à sua fé declarando: “Isto é agora, osso de meus ossos e carne de
minha carne!

Ela será chamada Ishshah (Varoa), porque do Ish (Varão) foi


tomada”

(Gn 2:23). E segue: “Por isso deixará o homem a seu pai e a sua
mãe”, etc. O raciocínio de Gênesis seguiria como resultado a
seguinte ordem: pelo fato de que, em virtude de criação, o laço entre
esposo e esposa é mais forte que qualquer outra relação humana,
sendo superior até que a existente entre pais e filhos, estabelece-se
,portanto, que o homem deve deixar a seu pai e a sua mãe e se
unirá à sua esposa. Deus baseia bondosamente Sua ordenança
matrimonial sobre a própria inclinação natural do homem, a atração
ou desejo com que o Todo-Poderoso dotou o homem. Prossegue a
citação: “e os dois serão uma só carne”. Além de qualquer
significado relativo da unidade de mente, coração, propósito, etc.,
basicamente, e segundo as palavras ( unir, carne) em sua
combinação implicam, a referência é à união sexual. Cf. 1Co 6:16.
Em sentido muito real, então, eles já não são mais dois mas um. Ao
considerar o fato de que tal íntimo ato conjugal figura aqui num
contexto de amor tão profundo, tão abnegado, tão terno e puro que
é (este amor) paralelo ao modelo de Cristo para sua igreja, fica
evidente que jamais se ofereceu mais nobre descrição da relação
entre o esposo e sua esposa, e nem sequer é possível. De
passagem, é-nos mostrado aqui também que a vida cristã integral
abrange todas as fases da vida sem excluir o sexo. A cadeia de
nossa conduta como crentes é tão forte como o mais fraco dos 161
A frase ἀντὶ τοῦτο, com a qual a passagem abre aqui em Ef 5:31 e
que foi interpretada de várias maneiras, não deveria apresentar
dificuldade alguma. Representa o hebraico ‘al-keñ = “por isso”. A
Septuaginta tem ἕνεκεν τοῦτου: por causa disto, mas o significado é
sempre o mesmo. Veja-se minha dissertação doutoral The Meaning
of the Preposition ἀντί in the New Testament, 1948, p. 93.

Efésios (Hendriksen)

316

elos. Observe-se também, que de acordo com esta passagem os


dois —

não os três, quatro, cinco, ou seis — são uma carne. Cf. Mt 19:5, 6.
Aqui se condena todo adultério e promiscuidade, não importa como
seja chamado. Cf. Mt 5:32; Rm 7:1–3.

Paulo acrescenta:

32. Este mistério é grande, mas falo com referência a Cristo e à


igreja. Numa nota ofereço uma lista de várias explicações que não
aceito. 162 Se não se tiver em mente o contexto será impossível
uma correta interpretação. Paulo acabava de falar a respeito de uma
ordenança do casamento, segundo a qual duas pessoas chegam a
um estado de união tão íntima, que em certo sentido chegaram a
ser um.

“Este mistério é grande”, diz. Deve, portanto, estar referindo-se ao


casamento. No entanto, deixa bem claro que não está falando única
e exclusivamente do próprio casamento. Menciona de forma
inconfundível mais uma vez o laço existente entre esta ordenança e
a relação Cristo-igreja. O que se quer significar aqui pelo mistério,
ou seja, pelo segredo que se não fosse revelado teria ficado oculto?
É-me impossível achar melhor resposta a este assunto que a que
oferece Robertson em seu Word Pictures, Vol. IV, p. 547:
«Evidentemente, Paulo quer dizer que o mistério é a comparação
que se faz do casamento com a união entre Cristo e a igreja». A
união de Cristo com a igreja, que moveu o Filho unigênito de Deus
de forma tal que da relação de eterno deleite na 162 As seguintes
são somente algumas entre as muitas que se ofereceram. O
mistério é: O propósito de Deus de reunir todas as coisas em Cristo,
a unidade dos crentes com Cristo, o fato de que dois possam chegar
a ser um, a atração misteriosa do macho rumo à fêmea e vice versa,
o sacramento do casamento. O ponto de vista católico romano está
de acordo com a tradução que se acha na Vulgata: sacramentum
hoc magnum est. Calvino comenta: “Não têm base para tal
declaração (que o casamento é um sacramento), a menos que
tenham sido enganados pelo duplo significado de uma palavra
latina, ou , antes,, por sua ignorância no grego. Se se tivesse
observado o fato muito simples que a palavra mistério é a palavra
usada por Paulo, jamais se teria produzido este erro. Vemos o
martelo e a bigorna usada para fabricar este sacramento … Este
disparate foi fruto de uma tremenda ignorância”. E a verdade, na
verdade, é que para que seja sacramento algo devia ter sido
instituído por Cristo e se isto deve ser “um sinal visível de uma graça
invisível” (Agostinho), então o casamento não se pode chamar
propriamente um sacramento.

Efésios (Hendriksen)

317

presença de Seu Pai se submergisse nas espantosas trevas e


terríveis angústias do Calvário, salvando o Seu povo rebelde, eleito
dentre todas as nações, e até chegando a habitar em seus corações
por meio do Seu Espírito, a fim de apresentá-los — embora
totalmente indignos — a Si mesmo como Sua própria esposa, com
quem chegou a ter tão íntima comunhão que não existe no mundo
metáfora alguma que se lhe possa aplicar, tal união é em e por si
mesma um mistério. Cf. 3:4–6; Cl 1:26, 27. Mas o fato de que este
maravilhoso amor, esta ditosa relação Cristo-igreja, veja-se
realmente refletido aqui na terra na união de um esposo com sua
esposa, de modo que, mediante o poder do primeiro (Cristo-igreja),
este último (esposo-esposa) seja capaz de funcionar mais
gloriosamente, brindando a ambos a suprema felicidade, bênção à
humanidade, e glória a Deus; na verdade, isto é o supremo mistério!

Este conceito do casamento não deve ser jamais esquecido pelos


que se uniram pelos laços do casamento cristão. O esposo deve
perguntar-se cada dia: «Está revelando meu amor por minha esposa
as características do amor de Cristo por sua igreja?» Tal ideal nunca
deve ser abandonado. Um próximo passo para a realização disto é
mencionado nas palavras a seguir:

33. Não obstante, que cada um de vós ame a sua própria


esposa como a si mesmo. Observe-se: “sua própria esposa”, não
é qualquer um outra; “cada um”, não há lugar para exceções; “como
a si mesmo”, nada menos; «constantemente» (implicado no
presente imperativo durativo) não às vezes sim e outras vezes não.
E no que concerne à esposa: e veja a esposa que respeite a seu
marido (veja-se sobre o v. 22). A tradução

“respeite” é provavelmente a melhor. Na versão inglesa “temor”

(A.R.V.) fica um tanto ambígua. Embora talvez não seja uma


tradução errônea, uma vez que o verbo temor pode ser empregado
no sentido de reverência (RC 1998: “reverencie”), no entanto, pelo
fato de que, devido ao uso popular esta palavra leva a pensar em
pavor, medo, espanto, e pelo fato de que “No amor não há temor;
mas perfeito amor lança fora o temor” (1Jo 4:18), é talvez melhor
usar a palavra “respeite” (RA 1999).

Efésios (Hendriksen)

318

Veja a esposa, portanto que “renda tudo com relação a seu esposo”

(N.E.B.).

b. Ef. 6:1-4
“Filhos, obedecei a vossos pais.

Pais, educai-os meigamente”.

6:1. Filhos, obedecei a vossos pais. Compare as seguintes


passagens: Êx 20:12; 21:15–17; Lv 20:9; Dt 5:16; 21:8; Pv 1:8; 6:20;
30:17; Ml.

1:6; Mt 15:4–6; 19:19; Mc 7:10–13; 10:19; 18:20; Cl 3:20. O apóstolo


pressupõe que entre aqueles que estarão escutando a leitura desta
epístola nas várias congregações haverá crianças também. Estão
incluídos na aliança de Deus (Gn 17:7; At 2:38, 39), Jesus lhes
amava (Mc 10:13–16). Se Paulo estivesse conosco hoje em dia se
horrorizaria diante do espetáculo oferecido por algumas igrejas onde
as crianças assistem à Escola Dominical e logo abandonam o
templo precisamente antes de começar o serviço de adoração. Ele
tem uma mensagem dirigida direta e especificamente às crianças.
implica-se claramente que também os sermões de hoje em dia
devem ser tais que até as crianças possam entendê-los e obter
proveito e gozo deles, pelo menos em certo grau, segundo sua
idade, etc., e em certas ocasiões o pastor deve abordar sua atenção
direta e especialmente a eles.

O que Paulo diz às crianças é que devem obedecer a seus pais.


Esta obediência, além disso, deve fluir não só do sentimento de
amor, gratidão, e estimativa pelos pais, embora estas motivações
são de grande importância, mas também e especialmente por
reverencia ao Senhor Jesus Cristo. Paulo diz que deve ser uma
obediência no Senhor, e acrescenta, porque isto (o obedecer) é
justo. A atitude correta do filho ao obedecer a seus pais deve ser
portanto a seguinte: Eu devo obedecer a meus pais porque o
Senhor me pede isso. O que ele diz é justo pela simples razão de
que o diz ele! É ele quem determina o que é justo e o

Efésios (Hendriksen)

319
que não o é. É por isso que quando obedeço a meus pais estou
obedecendo e agradando a meu Senhor. Quando lhes desobedeço
estou desobedecendo e lhe desagradando a ele. É verdade que
quando Deus —

ou se se preferir, Cristo — dá esta ordem está exibindo sua


sabedoria e amor. Por obra de Deus estes filhos devem sua
existência a seus pais. Os pais, além disso, têm mais idade, mais
experiência, sabem mais, e por regra geral são mais sábios. Por
outro lado, dadas condições normais, até o tempo do casamento
ninguém ama a estes filhos mais meigamente que seus pais. E
mesmo depois que a relação entre pais e filhos foi substituída (em
certo sentido) pelo laço mais íntimo esposo-esposa, os pais, se
ainda viverem, continuam lhes amando não menos que antes.

A ênfase de Paulo no fato de que tal obediência é justa, fortalece-se


com uma referência a um divino mandamento expresso:

2, 3. “Honra a teu pai e a tua mãe”, que é um mandamento de


primordial significado, com uma promessa anexa: “para que te
vá bem” e permaneças na terra longo tempo. O apóstolo mostra
sua excelência quanto à pedagogia, porque como até hoje em dia
os dez mandamentos encontram-se entre aquelas porções bíblicas
que as crianças memorizam em sua mais terna idade, assim — e
provavelmente ainda mais — o era também em Israel. E porventura
não podemos crer que até os filhos das famílias cristãs primitivas
gentílicas recebiam ensino muito cedo o Decálogo, de modo que se
acentuasse seu sentido de culpa e a necessidade urgente que
tinham do Salvador, e sua gratidão para Deus pela salvação
recebida pudesse achar uma expressão adequada mediante uma
conduta consagrada? 163

163 Nos ensinos de Jesus há constante referência aos dez


mandamentos seja um grupo ou separados (Mt 5:27–32; 15:4–6;
19:18, 19; 22:37–40; Mc 10:19; 12:28–31; Lc 18:20; e talvez Jo
4:24). Paulo também se refere a um ou mais deles não somente
aqui em Ef 6:2, 3, mas também em Rm 7:7–12; 13:8–10; Gl 5:14,
mas nunca como meios para salvação. O Didaquê, que se situa no
lapso 120–180 d.

C., inicia-se com um sumário da lei e no segundo capítulo menciona


vários de seus mandamentos. Cf.

a chamada Letter of Barnabas, capítulos 15 e 19. Parece que não


só os judeus ensinavam diligentemente os mandamentos a seus
filhos e aos prosélitos gentios, mas também estes mandamentos
figuravam proeminentemente no ensino cristão, embora,
naturalmente, o propósito de estes ensinos diferia grandemente em
ambos os setores.

Efésios (Hendriksen)

320

A citação é de Êx 20:12 e Dt 5:16, sendo a primeira parte


literalmente de acordo com a Septuaginta. Honrar o pai e a mãe
significa mais que lhes obedecer, sobretudo se esta obediência for
interpretada no sentido meramente externo. É a atitude interna do
filho para seus pais a qual se busca no requerimento de honrá-los.
Toda obediência egoísta, ou de má vontade, ou sob terror, deve ser
descartada no ato. Honrar implica amar, estimar altamente, e
mostrar um espírito de respeito e consideração. Esta honra deve ser
para ambos os pais, visto que no que se refere ao filho são iguais
em autoridade. O que vem a seguir, a saber,

“que é o primeiro mandamento com promessa” (RA 1999, RC 1998,


NVI, e de forma muito semelhante, também Phillips, Moffatt,
Weymouth, Berkeley) produziu muitas dificuldades, já que um
mandamento anterior, considerado por muitos como o primeiro e,
por outros como o segundo, também tem uma promessa anexa: “e
faço misericórdia a milhares, aos que me amam e guardam os meus
mandamentos” (Êx 20:6). Naturalmente que esta promessa precede
a que acompanha o mandamento de honrar o pai e a mãe.
Como pode então Paulo dizer que este último é o primeiro
mandamento com promessa? Eis aqui algumas soluções que se
apresentam:

1. Paulo quer dizer: o primeiro mandamento da segunda tábua da


lei. Objeção: A divisão em seções ou tábuas não é sempre a
mesma.

Além disso, os judeus consideravam geralmente o mandamento de


honrar o pai e a mãe como parte da primeira tábua.

2. Era o primeiro mandamento que falava especialmente ao coração


da criança e que tinha para ele especial significado. Objeção: O
texto não diz: “o primeiro mandamento para a criança”, e sim com
uma promessa”.

3. Era realmente o primeiro mandamento com promessa, visto que a


primeira promessa (Êx 20:6) é de caráter geral. É uma promessa
para todos os que amam a Deus e guardam os seus mandamentos.
Objeção: Embora deva reconhecer-se a natureza geral daquela
primeira promessa,

Efésios (Hendriksen)

321

é, não obstante, certo que ela se acha unida ao segundo (ou


primeiro, segundo a forma de contar) mandamento, de modo que o
mandamento dos filhos honrem a seus pais não era o primeiro com
uma promessa anexa.

4. Era o mandamento mais importante de todo o Decálogo, o


primeiro, portanto, em categoria, embora não em sua ordem
numeral.

Avaliação: Creio que esta explicação está mais perto da verdade,


embora seja ainda errônea. Não é acaso o primeiro mandamento
“Não terás outros deuses além de mim” [Êx 20:3, NVI], pelo menos
tão importante como o quinto (ou o quarto)?

Existe, no entanto, outra solução que eu pessoalmente aceito como


correta. Chegamos a ela tendo em mente duas coisas: a. que a
palavra traduzida primeiro pode indicar categoria como também
sequência numérica. Assim, quando o escriba perguntou a Jesus
“Qual é o primeiro mandamento de todos?” não quis dize “Qual
mandamento é mencionado primeiro?” mas sim “Qual é o primeiro
em importância?” E b. o original não diz “o primeiro mandamento”;
diz, “um mandamento primordial”, quer dizer, “mandamento de
primordial significado”, não necessariamente o mais importante de
todos.

Em que sentido é verdade que este mandamento seja de tal


extraordinário significado, sendo tão importante na verdade, que em
Lv 19:1ss. a lista de mandamentos postos sob a divisão geral
“Sereis santos, porque eu o Senhor, vosso Deus, sou santo” se
inicia precisamente com este? A resposta se acha na promessa
acrescentada a ele, ou seja, “para que te vá bem e permaneças na
terra longo tempo”. Observe-se a leve mudança quanto a palavras
do que se encontra em Êx 20:12 e Dt 5:16.

Paulo, por inspiração divina, desconecta a promessa de sua antiga


forma teocrática. Não fala de viver longo tempo “na terra que Deus
te dá” mas de permanecer na terra longo tempo. No entanto, a
promessa “para que te vá bem” (Dt 5:16) foi conservada. Quando se
levanta a objeção de que apesar da promessa muitos filhos
desobedientes prosperam e chegam a avançada idade, enquanto
que grande número de filhos obedientes

Efésios (Hendriksen)

322

morrem a anterior idade, a resposta é que o princípio (ou norma


geral) expresso é, não obstante, inteiramente válido. Claro, o ser
obediente ou desobediente aos pais não é o único fator que
determina o tempo que uma pessoa vive, mas é um fator
importante. A desobediência a pais piedosos é sinal de vida
indisciplinada. Conduz ao vício e à dissipação.

Isto, por sua vez, junto com outras coisas semelhantes, encurta a
vida.

Por exemplo, quando um pai piedoso adverte o seu filho a respeito


do vício do tabaco, o uso do álcool, pecados relacionados com o
sexo, etc., e o filho desatende seu conselho, está seguindo um
caminho que em geral não conduz a uma longa vida sobre a terra.
Além disso, deve-se levar em conta que embora um filho chegue a
uma idade centenária, enquanto continuar em sua maldade não lhe
irá bem. Não terá paz!

Vivendo, como o fazemos, numa era em que os assuntos de


autodisciplina e respeito pela autoridade são mal vistos, faríamos
bem em levar a sério o que se ensina em Ef 6:2, 3. Filhos
indisciplinados significam ruína para a nação, para a igreja e para a
sociedade! A promessa de Deus de recompensar a obediência
ainda está em vigência.

Estas admoestações não se dirigem somente às esposas, aos


filhos, e aos escravos. Também são para os esposos, os pais, e os
senhores. A gloriosa renovação deve ser experiência de todos.
Assim que Paulo, depois de ter-se dirigido aos filhos, volta-se agora
aos pais, e especialmente aos chefes de lar, embora com aplicação
também às mães.

4. E pais, não provoqueis à ira a vossos filhos. Observe-se quão


justas são as exortações. O dever das esposas não é enfatizado às
custas do dos maridos, nem o dos escravos descuidando o dos
senhores. Assim também aqui: a admoestação dirigida aos pais
segue muito de perto à dirigida aos filhos. Embora seja verdade que
a palavra “pais” às vezes inclui as “mães” (Hb 11:23), tal como
“irmãos” pode incluir “irmãs”, e que as instruções dadas aqui
indubitavelmente se aplicam também às mães, no entanto, é difícil
que seja correto no caso presente substituir a palavra “pais”
(incluindo pais e mães) por “pais” (no sentido masculino).

O fato de que no v. 1 Paulo empregue a palavra mais comum para


pais

Efésios (Hendriksen)

323

parece indicar que aqui no versículo 4 é precisamente o significado


masculino. A razão por que o apóstolo se dirige especialmente a
eles poderia bem ser a. porque é sobre eles como cabeças de seus
respectivos lares que descansa a responsabilidade da educação
dos filhos; e b.

porque eles, talvez, em certos casos necessitam ainda mais que as


mães a admoestação que aqui se dirige.

A passagem paralela (Cl 3:21) tem: “Pais, não exaspereis a vossos


filhos”, significando: ““Não os amargureis ou irriteis”. Existe muito
pouca diferença essencial entre isto e “não provoqueis à ira a
vossos filhos”. O substantivo análogo é “irado estado de ânimo” (Ef
4:26).

Algumas formas como os pais podem chegar a ser culpados deste


erro ao criar a seus filhos são as seguintes:

1. Por excesso de proteção. Os pais, e também as mães, têm tanto


temor que possa acontecer algo aos filhinhos, que os encerram com
cerca por todos lados: “Não faças isto e não faças aquilo. Não vá a
este lugar, não vá ao outro”, até que este processo de mimar chega
ao ponto onde quase podemos ouvir dizer ao seu renovo: “Não
tentes entrar na água até que tenhas aprendido a nadar”. Mas
devem nadar! Naturalmente que os filhos devem receber
advertência com relação a grandes perigos. Por outro lado, é
preciso certa quantidade de risco para seu desenvolvimento moral e
espiritual. Se o passarinho permanecer na segurança de seu ninho
jamais aprenderá a voar. Além disso, a atitude superprotetora tende
a privar às crianças de confiança e a infundir neles o irado estado de
ânimo, especialmente quando se comparam a si mesmos com
outras crianças que não recebem este tratamento especial.

2. Por favoritismo. Isaque preferiu a Esaú antes que a Jacó. Rebeca


preferiu a Jacó (Gn 25:28). Os tristes resultados de tal parcialidade
são bem conhecidos.

3. Por desalento. Eis aqui um exemplo tomado da vida diária:

“Papai, estudarei com dedicação e serei médico”, ou talvez


advogado, professor, mecânico, ministro, ou seja lá o que for. A
resposta do pai foi:

“É melhor você esquecer. Tal coisa nunca vai acontecer”.

Efésios (Hendriksen)

324

4. Por não reconhecer o fato de que o filho está crescendo e,


portanto, tem direito a ideias próprias, e que não é necessário que
seja uma cópia exata de seu pai para ter êxito na vida.

5. Por descuido. No conflito que se produziu entre Davi e seu filho


Absalão, foi o erro somente de Absalão? Porventura não foi também
Davi, em parte, culpado por descuidar o seu filho? (2Sm 14:13, 28).

6. Por meio de palavras ásperas e crueldade física direta. Estamos


diante de um pai que gosta de exibir sua autoridade e força superior.

Desafia seus filhos e lhes inflige duros castigos físicos, e isto


chegou a ser um hábito para ele. Os registros dos juizados estão
cheios de casos de incrível crueldade para crianças, meninas, e até
bebês.

Paulo põe o positivo diante do negativo ao continuar: mas sim criai-


os meigamente. Os pais — e também as mães — devem prover o
alimento aos seus filhos, não só o material, mas também o espiritual
e o mental. Devem nutri-los (veja-se sobre Ef.5:29), criá-los
ternamente. 164

«Que sejam apreciados ternamente» (Calvino). Por outro lado, isto


não exclui a firmeza: na disciplina e admoestação do Senhor. Em
Hb 12:11

esta palavra “disciplina” é usada com referência a “castigo”, o qual,


embora no momento que é administrado possa não ser agradável, é
apreciado depois e produz excelente fruto. Cf. 1Co 11:32; 2Co 6:9;
2Tm 2:25. Em 2Tm 3:16 esta “disciplina” é “para instruir na justiça”.
A

“disciplina”, então, pode ser descrita como educação mediante regra


e normas, recompensas, e se for necessário, castigos. Refere-se
especialmente ao que se faz com uma criança.

O significado da palavra traduzida “admoestação” vê-se claro em


1Co 10:11. “Estas coisas foram escritas para nossa admoestação”,
e em Tt 3:10, “Depois de uma primeira e segunda advertência (ou:
admoestação), evites uma pessoa que causa divisões”. Portanto,

“admoestação” é a ação formativa por meio da palavra falada, seja


ela de 164 Pelo fato de que ἐκτρέφετε usa-se aqui como antônimo
de provocar a ira, deve fazer toda justiça a seu prefixo; daí que o
amor deve substituir à ira. Os filhos devem ser educados
meigamente.

Efésios (Hendriksen)

325

ensino, de advertência, ou de alento. Refere-se primariamente ao


que se diz à criança. Pareceria que “admoestação” é uma forma
mais suave que
“disciplina”. No entanto, deve ser intensa, não só uma fraca
observação como: “Não, filhos meus, porque não é boa fama esta
que ouço” (1Sm 2:24). Na verdade, dá-se a entender claramente
que Eli “os não repreendeu (a seus filhos)” (1Sm 3:13). 165

Toda esta disciplina e admoestação deve ser “no Senhor”. Tal tem
que ser sua qualidade. Deve ser o equivalente de uma disciplina
cristã, e portanto, em seu sentido mais amplo, deve incluir
indubitavelmente o dar ao filho um sincero exemplo de vida e
conduta cristãs. Toda a atmosfera em que esta disciplina se
administra deve ser tal que o Senhor possa colocar sobre ela Seu
selo de aprovação.

Com relação a isso, não estaria bem passar por alto o fato de que
segundo esta passagem (e cf. Dt 6:7) nem o estado nem a
sociedade em geral nem mesmo a igreja é primariamente
responsável por formar a juventude, embora eles tenham interesse
nisso e tenham um grau de responsabilidade a respeito. Mas sob a
economia de Deus o filho pertence antes de mais nada aos pais.
São eles os que devem vigiar até onde for possível para que as
agências que exercem grande influência sobre a educação das
crianças sejam definidamente cristãs. O próprio centro da disciplina
cristã é o seguinte: conduzir o coração da criança ao coração de seu
Salvador. 166

165 Veja-se Trench, Synonyms of the New Testament, párrafo lxxxii,


um excelente estudo dos dois termos παιδεία e νουθεσία.

166 Referente à uma discussão sobre o tema Princípios e métodos


de educação em Israel: Pano de fundo para a compreensão de 2
Timóteo 3:15 veja-se C.N.T. sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 334–
337.

inclui-se uma breve bibliografia na nota 160 da p. 339.

Efésios (Hendriksen)

326
c. Ef. 6:5-9

“Escravos, sede obedientes a vossos senhores.

Senhores, deixai as ameaças”.

Um desenvolvimento mais ou menos detalhado do que as

Escrituras ensinam sobre a escravidão encontra-se no C.N.T. sobre


Colossenses e Filemom, pp. 262–266.

5. Escravos, obedecei aos que são vossos senhores segundo a


carne.

Paulo não defende a imediata, completa emancipação dos


escravos.

Tomava a estrutura social como a encontrava e por meios pacíficos


se esforçava para torná-la o oposto. Sua norma equivale ao
seguinte: Que o escravo obedeça de todo coração a seu senhor, e
que o senhor seja amável para ele. Assim a má vontade,
desonestidade, e preguiça do escravo serão substituídas por um
serviço voluntário, pela honestidade, e a laboriosidade; a crueldade
e a brutalidade do senhor, pela consideração e o amor. A escravidão
deveria ser abolida a partir de dentro e assim a velha sociedade
seria substituída por uma nova, resultado de uma gloriosa
transformação. “Sede obedientes” é o mesmo mandamento que foi
usado com referência aos filhos no v. 1. Achamos alento nas
palavras

“senhores segundo a carne”, visto que implica: «Vós tendes outro


Senhor, que vela sobre vós, é justo e misericordioso em todo Seu
proceder, e diante dEle sois responsáveis tanto vós como vossos
senhores terrestres». Prossegue: com temor e tremor. Cf. 2Co
7:15.

Devem ser cheios deste espírito por causa de sua condição de


escravos?
Não, o “temor e tremor” convém a todo aquele a quem o Senhor lhe
atribui uma tarefa (Fp 2:12), sem excluir-se o próprio Paulo (1Co
2:3).

Não significa que os escravos devem aprovar os métodos tirânicos


ou que devem morrer de medo diante de seus senhores. Significa,
realmente, que devem estar cheios de um espírito solícito e
consciente ao reconhecer a verdadeira natureza de seu dever, ou
seja, conduzir-se com seus senhores de forma tal que estes, sejam
crentes ou não, possam ver o

Efésios (Hendriksen)

327

que a fé cristã faz dentro dos corações dos que a praticam, sem
excluir os escravos. Isto implica, naturalmente, que os escravos
reconheçam suas próprias limitações e peçam ao Senhor que os
torne aptos para alcançar este alto propósito. Prossegue: com
sinceridade de coração; ou «com simplicidade de coração». Ou
seja, deixando as aparências, com integridade e retidão (cf. 1Cr
29:17). Esta obediência deve ser prestada como a Cristo, quer
dizer, com plena convicção de que o fazem para seu Senhor
celestial, o Senhor Jesus Cristo. Portanto:

6. não à maneira de servir à vista, como os que agradam aos


homens, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a
vontade de Deus. A obediência não deve ser simplesmente para
ser vistos por seus senhores com propósito egoísta. Não têm que
buscar agradar os homens com o propósito final de buscar seu
próprio proveito. O apóstolo quer dizer, então: «Que vosso serviço
seja cheio de energia e entusiasmo como se fosse feito para Cristo,
visto que realmente é feito para Cristo. É a ele quem vós pertenceis.
Tomai então vosso trabalho e levantai-o a um plano superior. Fazei
a vontade de Deus de todo coração, com todo entusiasmo. E
lembrai que não tendes nada de que vos envergonhar.
Vosso próprio Senhor foi um servo, o servo do Senhor. Foi Ele quem
Se cingiu de uma toalha e lavou os pés de Seus discípulos (Jo
13:1–20).

Também foi Ele quem disse, ‘Porque o Filho do homem não veio
para ser ministrado (ou: para ser servido) senão para administrar
(ou: servir), e dar sua vida em resgate por muitos’ (Mc 10:45). E foi
ele quem ‘se aniquilou a si mesmo, tomando a forma de servo … se
humilhou a si mesmo e se fez obediente até a morte, e morte de
cruz’ (Fp 2:7, 8)”.

Prossegue: de boa vontade servindo como ao Senhor e não aos


homens.

Em espírito as pessoas cessam de ser escravos logo que começam


a trabalhar para o Senhor e já não trabalham primariamente para o
homem. Muito além de seu senhor veem a seu Senhor celestial.
Valha esta ilustração: Ao perguntar-se o a um homem que conduzia
tijolos em seu carrinho de mão, o que fazia, sua resposta foi: “Estou
construindo

Efésios (Hendriksen)

328

uma catedral para o Senhor”. Com esta convicção ele punha toda
sua alma na obra. Paulo termina sua admoestação aos escravos
dizendo: 8. sabendo que qualquer bem que cada um fizer, o
mesmo voltará a receber da parte do Senhor, (seja) escravo ou
livre. Em Deus não há acepção de pessoas (Lv 19:15; Ml. 2:9; At
10:34; Cl 3:25; Tg 2:1). Isto é declarado de forma muito enérgica,
visto que o apóstolo diz literalmente,

“sabendo que cada um (observe-se a posição adiantada de “cada


um” a fim de enfatizar) o que fizer (que é) bom, isto voltará a receber
do Senhor, seja escravo, ou livre”. É a bondade intrínseca que se
faz, a qual se levará em conta no dia do juízo. E tal bondade
intrínseca não se determina pela posição social do que a faz, haja
este sido escravo ou senhor. Mt 25:31–46 realça isso de maneira
maravilhosa. É a natureza da obra o que determina a recompensa.
E naquela “natureza” está incluída, naturalmente, a motivação. Não
somente o que alguém disse ou fez é importante, mas também e
especialmente, por que o disse ou o fez.

Provam seus atos se realmente foi sincero no que disse? (Mt 7:21–
23).

Aqui se menciona somente o bem. Do bem e o mal fala-se em Ec


12:14; Cl 3:25; e 2Co 5:10. Qual é a razão desta diferença?

Simplesmente não o sabemos. Pode haver algo de fato na resposta


de alguns que dizem que aqui se menciona só o bem para maior
alento aos efésios. É verdade, de qualquer maneira, que nenhum
bem é feito em vão. «Há somente uma vida (nesta terra); esta logo
passará. Só aquilo que se faz para Cristo permanecerá». O ensino
de que o Deus Triúno, ou que o Senhor Jesus Cristo em sua
qualidade de Juiz, recompensará os serviços prestados com amor e
obediência a Ele, é claro segundo muitas passagens das Escrituras:
Gn 15:1; Rute 2:12; Sl 19:11; 58:11; Is 40:10, 11; 62:11; Jr 31:16; Mt
5:12; 6:4; 25 (o capítulo inteiro); Lc 6:35; 12:37, 38; 1Pe 1:17; 2 Jo 8;
e Ap 2:7, 10, 11, 17, 23, 26–28; 3:4, 5, 9–12, 20, 21; 22:12. Esta
recompensa é totalmente de graça, não por méritos.

Assim como por causa do pecado todos os homens acham-se


condenados diante de Deus (Rm 3:22, 23), assim também por
causa da graça todos os

Efésios (Hendriksen)

329

crentes sejam escravos ou livres, receberão recompensa pelo bem


que tiverem feito.

Entre aqueles a quem esta epístola foi escrita não havia


provavelmente muitos “donos de escravos”. Cf. 1Co 1:26–28. Mas
ao menos havia alguns. Na verdade, o mesmo mensageiro que
levou esta epístola a seu destino, entregou também outra, uma
dirigida a um

“senhor”, chamado Filemom. Esta ia pelo mesmo conduto quando


os colossenses também receberam sua epístola. É necessário,
então, dirigir algumas palavras também aos senhores, mas como
estes eram relativamente poucos em número, e como já parte da
exortação que tinha sido dada aos escravos estava cheia de
significado implícito para os senhores, a exortação dirigida
especificamente a estes últimos podia ser breve:

9. E senhores, fazei as mesmas coisas para com eles. A


cooperação é uma rua de mão dupla. Deve ser mostrada por ambos
os grupos: senhores e escravos. Assim que Paulo está realmente
dizendo aos senhores: “Promovei o bem-estar de vossos escravos
do mesmo modo que esperais que eles promovam os vossos.
Mostrai o mesmo interesse neles e seus assuntos como esperais
que eles o mostrem em vós e nos vossos assuntos”. Prossegue: e
deixai as ameaças. Em outras palavras,

«Que vossa atitude seja positiva, não negativa». Portanto, não deve
ser,

«A menos que faças isto, eu te …», mas antes: «Visto que és bom e
fiel escravo, eu te darei uma generosa recompensa». Diante da
ameaça, o escravo se achava indefeso. Não tinha meios para
defender-se, nem mesmo, vulgarmente falando, perante a lei. Mas
como crente, sim, tinha um verdadeiro Defensor: sabendo que
(aquele que é) o Senhor deles e de vós está nos céus, e não há
parcialidade com ele. Veja-se Tiago 5. Por causa de tudo o que já
se disse sobre o tema da imparcialidade (veja-se v.

8), não é necessário ampliá-lo mais.

Efésios (Hendriksen)

330
Resumo de Efésios 4:17–6:9

Esta seção está formada por duas divisões principais. Na primeira


(Ef 4:17–5:21) a exortação é dirigida à igreja inteira; na segunda (Ef
5:22–6:9), aos diferentes membros da família: esposas, esposos;
filhos, pais; escravos, senhores. O tema general é Gloriosa
renovação (da igreja). Esta renovação ou transformação tem as
seguintes características:

(1) Como já se indicou, tem referência à igreja em geral, mas


também ao membro individual.

(2) É tanto negativa (“despojai-vos do homem velho”) como positiva


(“revesti-vos do homem novo”). Referente ao primeiro veja-se Ef
4:17, 22, 25a; etc.; referente ao segundo, Ef 4:23, 24, 25b, 28b, 32;
5:1, 2; etc. Enfatiza o positivo no sentido em que o mal deve ser
vencido pelo bem (Ef 5:18–21).

(3) Opõe-se ao desenfreio (Ef 5:3–7, 18a) e incentiva à abnegação


(Ef 5:2, 25).

(4) Seu autor é o Espírito Santo (Ef 4:30; 5:18), mas reconhece
plenamente o papel da responsabilidade humana (em todas as
exortações).

(5) Relaciona-se com o passado (rompam com ele, Ef 4:17, 22), o


presente (sede o que sois, Ef 5:8), e o futuro (a herança ou a
experiência da ira de Deus, o que é que será? Ef 5:5, 6).

(6) Combate pecados específicos: imoralidade, cobiça, falsidade,


ira, desonestidade, linguagem corrupta, calúnia, malícia, bebedeira,
etc.

(Ef 4:25–31; 5:18; etc.) mas também a natureza maligna


fundamental (Ef 4:17, 22). Igualmente, recomenda virtudes
específicas; veracidade, laboriosidade, generosidade, falar bondoso,
amabilidade, ternura, disposição para perdoar, amor, ação de
graças, justiça (Ef 4:25, 28b, 29b, 32; 5:2, 4b, 9), mas também a
natureza básica boa (Ef 4:23, 24).

(7) É justa com todos e crê no princípio de reciprocidade nas


relações humanas (e especialmente na família. Ef 5:22–6:9).

Efésios (Hendriksen)

331

(8) Deriva seu exemplo, motivação, e fortaleza de Cristo (Ef 4:32;


5:2, 23, 24).

(9) Desterra as trevas e dá as boas-vindas à luz (Ef 5:14–17).

(10) Produz regozijo, visto que faz com que aquele que o
experimente prorrompa em prazerosa ação de graças, no cantar de
salmos, hinos, e cantos espirituais, e no fazer melodia de coração
ao Senhor.

Efésios (Hendriksen)

332

EFÉSIOS 6:10-24

ARMADURA EFICAZ. CONCLUSÃO

Tema: A igreja gloriosa

II. Exortação insistindo a todos a vestir-se com o que Deus proveu à


igreja, quer dizer, a e ficaz armadura. Conclusão 1. “REVESTI-VOS
DE TODA A ARMADURA DE DEUS” (EF 6:10–20) Tendo já sido
apresentado, da igreja, seu

E terno fundamento

U niversalidade de propósito
L uminosa meta

O rgânica unidade e crescimento, e

G loriosa renovação,

só resta a exortação que os crentes se armem a si mesmos com o


que Deus proveu à igreja para este fim, a:

E ficaz armadura. A isto segue a conclusão de toda a epístola: uma


cálida recomendação para o portador da epístola e uma igualmente
cálida e singular bênção.

Em todas as seções precedentes Paulo descreveu a salvação como


sendo, por um lado, o resultado da soberana graça de Deus, e por
outro, a recompensa prometida ao esforço humano. O último se
torna possível do começo até o fim só por obra do primeiro. Estes
dois elementos — a graça divina e a responsabilidade humana —
combinaram-se muito maravilhosamente nesta sessão final. O
homem deve equipar-se com um traje completo de armas, ou seja, é
ele quem deve usá-lo. É também ele mesmo, quem deve fazer uso
de toda esta armadura. Não obstante, as armas levam o nome de
“toda a armadura de Deus”. É Deus quem as

Efésios (Hendriksen)

333

forjou. Deus é Aquele que as dá. Em nenhum instante o homem é


capaz das usar efetivamente se não é pelo poder de Deus.

Mas qual é a razão para que seja absolutamente indispensável


lançar mão desta armadura formidável, tão essencial que sem ela é
impossível a salvação? A resposta é que a igreja tem um inimigo
infernal empenhado em sua destruição. Assim que Paulo começa
sua extraordinária exortação final com relação à eficaz armadura,
dizendo: 10. Finalmente, 167 buscai vossa (fonte de) poder168
no Senhor e na força do seu poder. É o exercício ou manifestação
do poder do Senhor o que constitui a fonte de poder para os
crentes. 169 Separado de Cristo o cristão nada pode fazer (Jo 15:1–
5). São como ramos cortados da videira.

Por outro lado, em estreita relação com seu Senhor podem fazer
tudo o que é preciso fazer: «Tudo posso fazer nele quem infunde o
poder em mim» (cf. Fp 4:13; cf. 2Co 12:9, 10; 1Tm 1:12). A razão é
que o poder do Senhor é infinito. Foi pelo Seu poder que Deus não
só criou os céus e a terra, fez os montes tremer, as rochas fundir-se,
o Jordão voltar atrás, esmiuçar os cedros do Líbano, despir os
bosques, mas especificamente, segundo já se enfatizou no contexto
de Efésios, por Seu poder a. fez com que o Salvador se levantasse
dentre os mortos (Ef 1:20) e b. que seus escolhidos fossem
revivificados de seu estado de morte em delitos e pecados (Ef 2:1).
É então como se Paulo dissesse: «Se eu insistir convosco para
buscardes vossa fonte de poder no Senhor e na força do Seu poder,
não vos estou pedindo algo que não seja razoável, visto que vós
bem sabeis que Sua onipotência revelou-se por meio destas duas
167 À vista do presente contexto existe somente uma mínima
diferença no significado entre τοῦ λοιποῦ

(“com relação ao resto”) e τὸ λοιπόν (“quanto aos demais”). Também


a forma de traduzir aqui poderia ser “finalmente”. Assim o é também
no N.T.L., (A. e G.), p. 481; Lenski, op. cit. , p. 657; e Robertson,
Word Pictures, Vol. 4, p. 549. Contrástese Simpson, op. cit. , p. 142.

168 O assunto de si este presente imperativo deve construir-se


como médio ou como passivo (cf. At 9:22; Rm 4:20; 2Tm 2:1) é
acadêmico, visto que o meio, “vos fortaleça”, ou o passivo, “sede
fortalecidos”, unem-se por causa do modificativo “no Senhor”.

169 Referente ao significado dos substantivos δύναμις (implicado no


verbo ἐνδυναμοῦσθε), κράτος e ἰσχύς veja-se sobre Ef 1:9.

Efésios (Hendriksen)

334
obras maravilhosas. Daí que não estamos tratando com coisas
abstratas, mas do poder de Deus demonstrado no curso da história
do homem. Vós estais inteirados, portanto, do fato de que ao pedir
que vos fortaleça, Ele certamente vos ouvirá, visto que é poderoso
para fazer imensamente mais que tudo o que peçamos ou
imaginemos» (cf. Ef 3:20).

Paulo continua:

11. Revesti-vos de toda a armadura de Deus para que possais


estar firmes contra os métodos ardilosos do diabo. Poderia nos
vir à mente a pergunta: «À vista do fato que mediante as duas
maravilhosas obras já mencionadas nos é bem claro que o poder de
Deus em Cristo é imensamente superior ao de Satanás e seus
aliados, necessitamos porventura preocupar-nos tanto com os
arremessos do príncipe do mal?»

A resposta é: «A evidência desta superioridade não diminui de modo


nenhum a seriedade de qualquer possível conflito em qualquer ‘dia
mau’

nem dá segurança certa de vitória em batalha particular alguma»


(Roels, op. cit., p. 216). Estou em completo acordo com as palavras
citadas, e gostaria de acrescentar que, olhando do ângulo da
responsabilidade humana, é até possível dizer que não somente
esta ou aquela batalha particular, mas toda a guerra será perdida a
menos que haja esforço da nossa parte. É verdade que o conselho
de Deus desde a eternidade jamais falhará, mas é verdade também
que no plano de Deus desde a eternidade ficou estabelecido que a
vitória seria concedida aos que vencerem (Ap 2:7, 11, 17, etc.). Os
vencedores são os conquistadores, e a fim de conquistar devemos
lutar!

Além disso, a guerra deve ser empreendida energicamente, visto


que o adversário é nada menos que ho diábolos, ou seja, o diabo
(Mt 4:1, 5, 8, 11; Jo 8:44; 1Pe 5:8; Jd 9; Ap 2:10; 12:9; 20:2). É
evidente que o apóstolo cria na existência de um príncipe do mal
pessoal. Estava escrevendo a pessoas muitas das quais, antes de
sua muito recente conversão à fé cristã, tiveram grande temor dos
espíritos malignos, como é certo também hoje entre os pagãos. É
quase impossível apreciar quão difundido, obcecante, e esmagador
é este medo dos demônios que

Efésios (Hendriksen)

335

achamos através do paganismo. De que maneira Paulo rebateu


esse medo? Porventura ele disse o que muitos dizem hoje em dia
«O mundo dos espíritos malignos é uma grande irrealidade, pura
invenção da imaginação»? Naturalmente que não. Em lugar disto,
sem aceitar a demonologia ou animismo pagão, enfatiza a grande e
sinistra influência de Satanás. De igual modo procedem outros
escritores inspirados. O que todos eles dizem ao descrever o poder
do demônio pode-se resumir mais ou menos como segue: «Tendo
sido expulso do céu, está cheio de fúria e inveja. Sua ação malévola
está dirigida contra Deus e Seu povo.

Portanto, seu propósito é destronar o seu grande Inimigo, e lançar


todo o povo de Deus — na verdade, a toda — pessoa — ao inferno.
Ele anda ao redor como leão rugidor, buscando a quem devorar.
Tem um exército poderoso e bem organizado (como veremos), e
estabeleceu um posto avançado dentro dos próprios corações
daqueles que quer destruir.

Além disso, seus métodos, diz Paulo, são ardilosos (veja-se sobre
Ef 4:14). São as artimanhas do enganador. Os crentes não ignoram
esta verdade (2Co 2:11). Ora, esta expressão “métodos ardilosos”
séria oca e sem sentido se não lhe damos um conteúdo bíblico.
Alguns destes manhosos ardis e malignos estratagemas são:
misturar o erro com verdade suficiente para que isso resulte
aceitável (Gn 3:4, 5, 22); citar (realmente citar erroneamente!) as
Escrituras (Mt 4:6); disfarçar-se de anjo de luz (2Co 11:14) e induzir
a seus “ministros” a fazer o mesmo
“aparentando ser apóstolos de Cristo” (2Co 11:13); arremedar a
Deus (2Ts 2:1-4, 9); fortalecer a crença na mente humana de que
ele nem sequer existe (At 20:22); penetrar lugares onde não se
espera que o faça (Mt 24:15; 2Ts 2:4); e sobretudo prometer ao
homem que por meio das más atuações pode-se chegar a obter o
bem (Lc 4:6, 7).

Em vista de tudo isso, então, pode-se ver muito claro o por quê, em
nome de seu Senhor, o apóstolo dá a ordem de ação: “Revesti-vos
de toda a armadura de Deus”. Não vos esqueçais esqueçam de
nenhuma de suas partes. Precisamos de todas. Não ouseis avançar
contra o diabo e suas hostes com equipe de vosso próprio arsenal.
Antes, dizei com Davi:

Efésios (Hendriksen)

336

“Eu não posso andar com isto, porque nunca o pratiquei” (1Sm
17:39).

Armas tais como a confiança em méritos humanos ou na própria


erudição e capacidade mental, ou no isolamento do mundo, ou na
invocação do santos e anjos, ou na teoria de que o pecado, a
enfermidade, e Satanás não existem, etc., não serão de valor algum
no

“dia mau”. Portanto, «revesti-vos de toda a armadura de Deus ,


forjada e provida por Ele. Revesti-vos com ela, equipai-vos de modo
que possais estar de pé, não estar ociosos, e sim no meio da
batalha estar firmes e defender o campo contra os ardilosos
métodos do diabo». Prossegue: 12. Porque nossa luta não é
contra a carne e o sangue, mas contra os principados, contra
as autoridades, contra os governantes mundiais destas trevas,
contra as hostes espirituais de maldade nas regiões celestes.

A razão do caráter urgente desta exortação é que não estamos


lutando contra “a carne e o sangue”, 170 quer dizer, contra homens
frágeis (Gl 1:16), cheios de fraquezas físicas e mentais
(respectivamente 1Co 15:50

e Mt 16:17). Ao contrário, esta luta é contra uma grande hoste


supramundana de espíritos malignos; o próprio diabo e todos os
demônios sob seu comando. Estes anjos caídos são aqui descritos
como

“principados” e “autoridades” (a respeito disso veja-se Ef 1:21 e


C.N.T.

sobre Cl 1:6); como “governantes mundiais destas trevas”, ou seja,


como aqueles que — sob a providência permissiva de Deus —
controlam tiranicamente o mundo da ignorância, do pecado, e da
angústia; e como

“as hostes espirituais de maldade nas regiões celestes”, ou seja, no


plano supramundano. O termo, “regiões celestes”, embora por todas
as partes, incluindo-se aqui, tem referência ao que em certo sentido
muito amplo poderíamos chamar “a esfera celestial”, não pode ter
aqui exatamente o mesmo significado que em outros lugares.
Enquanto que nas demais passagens de Efésios indica o céu de
onde descem as bênçãos (Ef 1:3), onde Cristo está entronizado à
direita de Deus (Ef 1:20), onde os 170 Literalmente aqui e em Hb
2:14 “sangue e carne”, mas é inútil procurar buscar uma diferença
de significado importante entre a ordem das palavras aqui e sua
inversa em Mt 16:17; 1Co 15:50; e Gl 1:16.

Efésios (Hendriksen)

337

redimidos estão sentados com Cristo Ef 2:6), e onde os anjos eleitos


têm sua morada (Ef 3:10), na presente passagem (Ef 6:12) deve
referir-se à região sobre a terra, mas debaixo do céu dos redimidos;
em outras palavras, deve indicar aqui o que em Ef 2:2 é chamado “o
império do ar”. Sendo que a referência é aos “governantes mundiais
destas trevas”
com os quais os crentes devem disputar. Esta alteração na
aplicação do termo não deve produzir problemas. Veja-se
novamente Ef 2:2.

Quando o apóstolo implica que devemos “lutar” contra grande


número de hostes espirituais com “toda a armadura de Deus”,
incluindo armas tais como escudo e espada (vv. 16 e 17), não se
deve acusá-lo de inconsistente, como se tivesse começado com a
ideia dos crentes opondo-se ao inimigo no campo de batalha, e
depois tivesse mudado rapidamente do cenário do campo de
batalha ao de um ginásio. A explicação correta é provavelmente
muito simples: o apóstolo quer dizer que a batalha é um encontro
corpo a corpo tão violento que a este respeito equivale a uma luta.
Se esta é uma metáfora mista, então não há inconsistência, uma
vez que a natureza da luta contra o diabo e seus sequazes é tão
intensa e pessoal. Paulo repete e também desenvolve o
pensamento já expresso no versículo 11, dizendo:

13. Portanto, tomai toda a armadura de Deus. A linguagem que


aqui se usa é muito cortante. O mandamento é terminante, como se
dissesse,

«Não permitais que o inimigo vos surpreenda sem defesa. Tomai


vossa armadura. Fazei-o imediatamente, sem vacilar nem perder
tempo. E

lembrai: tomai a armadura completa!” 171 O propósito é: para que


possais resistir no dia mau, quer dizer, no dia das duras provas,
os momentos críticos de vossa vida em que o diabo e seus
subordinados vos assaltarão com grande intensidade (cf. Sl 41:2;
49:5). E sendo que nunca se sabe o momento em que estas crises
ocorrem, a implicação clara é: estai preparados sempre.

171 A urgência do mandamento vê-se pelos cinco aoristos que se


usam numa só oração.

Efésios (Hendriksen)
338

No entanto, devemos cuidar para não inferir que o cristão imagina


aqui sentado, lançado atrás, por assim dizer, esperando no refúgio
de sua fortaleza o ataque de Satanás. O contexto (veja-se sobre os
vv. 17 e 19) não dá lugar para esta interpretação que é bem comum.
O estar (de pé) que Paulo menciona (vv. 11, 14) não é como o de
um muro de tijolos que espera, por assim dizer, passivamente o
assalto do aríete. Os soldados aqui referidos são descritos vestidos
para a batalha e lançando-se à luta.

Estão defendendo-se e ao mesmo tempo atacando. Devem fazer


uso de toda a armadura de Deus e é somente então que se acham
em condição de “resistir”, ou seja, rebater o inimigo, opor-se a ele,
172 rejeitar suas investidas e ainda avançar no campo inimigo, uma
vez que a oração continua, dizendo: e tendo feito tudo, estar
firmes. Supõe-se que eles terão realizado inteiramente — terão
prosseguido até o fim, segundo se implica no original — coisas
maravilhosas. O resistir ao diabo, opor-se a ele tem o confortante
resultado de que, pelo menos no momento, o diabo terá fugido (Tg
4:7; cf. Mt 10:22).

Para dar ainda mais realidade ao caráter e necessidade desta


batalha contra o diabo e suas hostes, luta que é intensa e
veemente, considere-se seu significado na vida e obras do próprio
Paulo. Para ele tinha sido, e/ou era até agora, uma luta contra a
maldade e violência judaica e pagã inspirada por Satanás; contra o
judaísmo entre os gálatas e outros; contra o fanatismo entre os
tessalonicenses; contra as contendas, a fornicação, e os litígios
entre os coríntios; contra o insipiente gnosticismo entre os efésios e
muito mais forte entre os colossenses; contra as lutas por fora e
temores por dentro; e o último em ordem mas não em importância,
contra a lei do pecado e da morte, operando dentro de seu próprio
coração.

172 ἀντιστῆναι de ἀνθίσημι, composto de ἀντία, que ocorre também


nas seguintes passagens: Mt 5:39; Lc 21:15; At 6:10; 13:8; Rm 9:19;
13:2; Gl 2:11; 2Tm 3:8; 4:15; Tg 4:7; e 1Pe 5:9. Enquanto que em
todas estas passagens significa resistir, em alguns implica resistir
com êxito (Lc 21:15; At 6:10; Rm 9:19). No caso presente (Ef 6:13) o
caráter bem-sucedido da resistência sobressai especialmente pelas
palavras: “e tendo feito tudo, estar firmes”. Cf. a nota 161.

Efésios (Hendriksen)

339

Poderia considerar-se como dito muito gasto, mas é verdade que a


melhor defesa é o ataque. Todas as viagens missionárias de Paulo
podem considerar-se como ação de guerra ofensiva. Paulo invadia
os territórios que outrora tinham pertencido ao diabo, porque “o
mundo inteiro está no maligno” (1Jo 5:19). A razão de ter realizado
estas incursões em território hostil, e continuaria fazendo isso ainda
mais, era que o diabo possuía algo que o apóstolo desejava
ardentemente, ou seja, as almas dos homens. Paulo as desejava
para apresentá-las a Deus. Desejava de todo coração ser usado
como agente de Deus para resgatar os homens do reino das trevas
e transferi-los ao reino da luz. Toda vez que se refere a este tema
usa uma linguagem que expressa profundo sentimento (Rm 1:13;
10:1; 1Co 9:22; 10:33; etc.). Paulo sabia amar ardentemente!

Vemos, então, que para interpretar corretamente o que o apóstolo


quis significar por esta batalha, deve-se ter em mente que a igreja e
Satanás são inimigos declarados. Lançam-se um contra o outro.
Chocam-se violentamente!

Com tudo isso à maneira de introdução e mostrando por que os


crentes devem a qualquer custo estar totalmente equipados para a
batalha contra as forças infernais, passa agora a descrever partes
de sua armadura. Com este fim o apóstolo faz uso de seis
metáforas derivadas da armadura do hoplita romano, o legionário
que ia fortemente armado à batalha. Há, certamente, também, uma
sétima arma, o clímax de todas.

Mas esta sétima arma ocupa um posto especial, não se usa para ela
nenhuma figura ou metáfora. Para examinar devidamente as seis é
necessário ver todo o quadro de uma vez. Como resultado, os vv.
14–17

são impressos em uma linha:

14–17. Portanto, estai firmes,

a. tendo cingido o cinturão da verdade ao redor de vossa


cintura, b. y tendo vestido a couraça de justiça, c. tendo calçado
os pés com a prontidão derivada do evangelho da paz,

Efésios (Hendriksen)

340

d. e sobretudo, tendo tomado o escudo da fé, por meio do qual


poderão apagar todos os dardos acesos do maligno;

e. e tomai o elmo da salvação,

f. e a espada do Espírito que é a palavra falada de Deus.

Ao fazer a pergunta «Qual foi a origem desta figura?», a resposta


está longe de ser unânime. Alguns pensam que várias das peças da
armadura mencionada aqui foram naturalmente sugeridas pelo
guarda romano ao qual Paulo se achava preso mediante uma
“cadeia” ou com algemas (v. 20). Mas é difícil crer que um guarda
dentro da prisão usasse um grande escudo como aquele que se
menciona no v. 16. Tampouco serviria de base para o simbolismo
que achamos aqui o soldado equipado levianamente com arco e
flechas. Quanto ao guerreiro romano, o historiador grego Políbio o
descreve com um escudo, uma espada, dois dardos, um elmo,
caneleiras, e uma proteção para o coração ou algo mais elaborado
em seu lugar. Imediatamente vê-se que Paulo não menciona
caneleiras nem dardos. Por outro lado, sim, menciona um cinto ou
cinturão e, por implicação, o calçado. Talvez a melhor resposta à
interrogante concernente à origem pareceria inclinar-se na seguinte
direção geral: o apóstolo tem em mente o soldado romano
inteiramente armado, mas ao usar suas metáforas recebe
constantemente a influência de passagens do Antigo Testamento
tais como Is 11:5; 49:2; 59:17; etc., as quais não copia ao pé da
letra, mas as adapta ao seu propósito.

Devemos ter em mente também, que muito tempo atrás Paulo já fez
uso de uma linguagem semelhante: “Mas visto que nós
pertencemos ao dia, sejamos sóbrios vestindo-nos com uma
couraça de fé e de amor, e por elmo (a) esperança de salvação”
(1Ts 5:8). Cf. 1Co 9:7; 2Co 6:7. Mais tarde escreveria 2Tm 2:3, 4.
Afinal de contas, as figuras que se acham em Ef 6:4–17 poderiam
sugerir a um sofrido veterano de guerra como Paulo.

Ao estudar as diferentes partes da armadura há um detalhe que não


devemos esquecer, a saber, a (numa maneira geral) ordem natural
em que se mencionam as diferentes partes da armadura: em
primeiro lugar o

Efésios (Hendriksen)

341

soldado ajustaria o cinturão, logo colocaria a couraça, e depois as


sandálias. Também, tendo tomado o escudo com sua mão esquerda
e mantendo-o assim, não lhe seria muito fácil seguir imediatamente
o curso da ação ao tomar sua espada com a mão direita, sem
colocá-la na bainha, mas sustentando-a em sua mão para ser usada
imediatamente, visto que agora não teria a mão esquerda livre para
tomar o elmo. Como resultado a ordem é, escudo, elmo, espada.
Esta, na verdade, não era a única sequência possível, e talvez nem
sequer foi a ordem verdadeira que o soldado seguiu para equipar-
se.

A ordem: elmo, espada, e escudo é aquela que resulta mais lógico.

Mas possivelmente, com o fim de seguir o caminho para um clímax,


Paulo menciona primeiro as armas que numa guerra física seriam
consideradas defensivas, e reserva a espada como arma mais
enfática e obviamente ofensiva para a culminação final.

Agora, antes de dispor-se a travar batalha com um inimigo tão


formidável como o é o diabo e suas hostes, bem faria alguém em
fazer a pergunta: « Quero realmente lutar com ele? Tenho clara
consciência de esta batalha espiritual? » É por isso que Paulo diz:
“Portanto, estai firmes, tendo o cinturão apertado da verdade ao
redor de vossa cintura”.

O cinto ou cinturão, falando de batalha física, apertava-se ou


grampeava ao redor da curta túnica que usava o soldado. Assim os
membros ficavam acondicionados para a livre ação.

Tanto a couraça como a espada (esta última enquanto não se


usava) ficavam asseguradas à cintura. Como resultado, o cinturão
era de suma importância. Era algo básico. Assim também no conflito
espiritual a verdade — que Paulo veio enfatizando continuamente e
opondo-a ao engano que caracteriza o homem mundano (Ef 4:15,
25; 5:6, 9) — é a qualidade básica que necessita o guerreiro
espiritual. Por verdade se entende aqui a sinceridade da mente e do
coração, remoção de todo engano e hipocrisia. É “verdade que deve
existir no coração” (Sl

Efésios (Hendriksen)

342

51:6). 173 “Quem for tímido e medroso, volte” (Jz 7:3) e mais de
dois terços do exército voltou! Na batalha contra Satanás e seus
exércitos não há lugar para Demas! A sinceridade é um arma
poderosa, e não somente defensiva. Sob circunstâncias iguais, a
pessoa sincera parece ser de muito mais bênção aos que se
relacionam com ela que o hipócrita.

A segunda pergunta é: « Levo a classe de vida que me capacita


para entrar neste conflito? » Coloquei-me “a couraça de justiça”? Cf.
Is 59:17.
Na figura do fundo descreve-se a couraça como a defesa, cobrindo
o corpo do pescoço até as coxas. Consistia em duas partes (cf. 1Sm
17:5, 38; 1Rs 22:34; 2Cr 26:14; Ne 4:16). Espiritualmente falando, a
couraça representa a vida devota e santa, retidão moral (Rm 6:13;
14:17). Deve-se lembrar que em 1Ts 5:8 Paulo fala da “couraça de
fé e amor”. Em cada um dos dois casos anteriores em Efésios a
palavra “justiça” foi usada no sentido ético (Ef 4:24; 5:9). E em 2Co
6:7 Paulo menciona as

“armas da justiça, quer ofensivas, quer defensivas”, ou seja, armas


tais que permitem rebater os ataques de qualquer ponto que estes
venham.

Isto ocorre num contexto onde se menciona também a pureza, a


bondade, etc. Além disso, deve-se ter em mente que o apóstolo
esteve nesta epístola fazendo grande insistência na necessidade de
viver vidas dignas da chamada com que foram chamados (Ef 4:1).
Fora de tal vida o suposto cristão não tem defesa contra as
acusações de Satanás. Não tem segurança de sua salvação. E
além disso, carece de poder de ataque, visto que o testemunho de
seus lábios não tem eficiência, seus semelhantes não chegam a ser
ganhos para Cristo, e o maligno não é vencido. Por outro lado,
quando se acha presente a justiça na conduta, em quão poderosa
arma defensiva e ofensiva se converte! 174

173 Assim interpretam a figura Calvino, Erdman, Greijdanus,


Salmond, Scott, e outros.

174 Esta explicação é favorecida por Calvino, Erdman, Salmond,


Westcott, etc. Por outro lado, Lenski a rejeita e interpreta a figura
como referindo-se à justiça imputada, op. cit. , p. 667. Naturalmente,
é verdade que a justiça imputada e comunicada nunca se podem
separar. Podem, não obstante, ser distinguidas. Pelas razões que já
se deram, a referência aqui em Ef 6:14 é à justiça comunicada.

Efésios (Hendriksen)

343
« Estou preparado para a luta? », é a próxima pergunta. Em outras
palavras, tenho calçado meus pés com “a prontidão derivada do
evangelho da paz”? O significado desta expressão foi muito
discutido.

Em todo caso, devem ser admitidos os seguintes fatos: a. A fim de


aumentar a facilidade de movimento sobre os diferentes tipos de
caminhos, os soldados costumavam usar sapatos “salpicados
abundantemente com agudos pregos” (Josefo, Guerra judaica VI, i,
8).

Assim, uma importante razão para o êxito de Júlio César como


general foi o fato de que seus homens usaram sapatos militares que
lhes fizeram possível cobrir longas distâncias em períodos tão
curtos que vez após vez surpreenderam os seus inimigos
desprevenidos, aqueles que se enganaram ao pensar que ainda
tinham bastante tempo para preparar a defesa adequada. Nas
vitórias obtidas por Alexandre, o Grande, este mesmo fator jogou
um papel muito importante. Como resultado, um calçado adequado
significa prontidão. b. Toda pessoa que experimenta no fundo de
seu coração a paz de Deus que ultrapassa todo entendimento, a
própria paz que proclama o evangelho, libertou-se de uma enorme
carga. A convicção de ser reconciliado com Deus mediante o
sangue de Cristo concede a coragem e zelo para combater o bom
combate. Se o evangelho, que se recebe mediante a fé, não lhe
brindou esta paz, como poderia estar preparado para travar esta
batalha? c. O fato de que esta prontidão deriva-se realmente do
evangelho cuja mensagem ou conteúdo é paz, é evidente segundo
passagens tais como Ef 2:15, 17; cf. Rm 5:1. A expressão “tendo
calçado os pés com a prontidão derivada do evangelho da paz”, tem
então bom sentido. Aqui, novamente, o crente possui um arma
dupla, defensiva e ofensiva.

« Sou capaz de me defender contra os ataques de Satanás? » Entre


as armas defensivas estavam o escudo para a proteção do corpo
(especialmente o coração, pulmões, e outros órgãos vitais) e o elmo
que protegia a cabeça. Quanto ao escudo, do qual se faz aqui
referência, media 1,25 m de altura por 0,75 m de largura, e era de
forma oblonga coberto com couro. Era algo assim como uma “folha
de porta” que

Efésios (Hendriksen)

344

protegia contra os dardos submersos em breu ou algum material


semelhante e que se acendiam antes de ser disparados. Ao estes
se chocarem contra os escudos suas pontas se embotavam e suas
chamas se extinguiam. De igual modo o exercício da fé que Deus dá
capacita “para apagar todos os dardos acesos do maligno”. Na
aljava do diabo há todo tipo de projéteis ardentes. Paulo menciona
“tribulação, angústia, perseguição, fome”, etc. Alguns destes dardos
acendem dúvida, outros lascívia, cobiça, vaidade, inveja, etc.
Somente abandonando o eu e olhando ao Deus Triúno, depositando
toda confiança nEle com relação à vida, a morte, e a eternidade,
confiando em Sua palavra de revelação e promessa, é possível
repelir esta chuva de dardos acesos. A situação era totalmente
desesperadora para Jairo quando seus servos chegaram com a
notícia “Tua filha morreu; não incomodes mais o Mestre”. Mas Jesus
respondeu: “Não temas; crê somente” (Lc 8:49, 50). Mas a fé é mais
que um arma defensiva. É também “a vitória que vence ao mundo”
(1Jo 5:4).’175 Certamente, este escudo deve ser usado “além de
toda outra coisa”.

“E tomai o elmo da salvação”, diz Paulo, tomando esta metáfora de


Is 59:17. No entanto, Paulo aplica a figura de forma diferente, visto
que em Isaías é o Senhor quem usa um elmo, mas aqui em Efésios
são os crentes os chamados a recebê-lo. Em 1Ts 5:8 o apóstolo
identificou o elmo com “a esperança da salvação”, aqui com a
própria salvação. A diferença não é talvez tão importante como
parece, uma vez que a salvação é ao mesmo tempo uma possessão
presente e uma herança que não se recebeu totalmente nesta vida;
como resultado, o objeto da esperança firmemente ancorada.

“Tomai”, diz Paulo. O verbo poderia traduzir-se também: aceitai.


Da mesma forma que um elmo era aceito por um soldado da mão
do oficial encarregado da provisão e distribuição, assim a salvação e
tudo 175 Enquanto que a grande maioria dos comentaristas
consideram este escudo como símbolo da fé em ação, o qual,
conforme vejo, é a explicação correta, Lenski põe a ênfase no
conteúdo objetivo da fé”

( op. cit. , p. 671).

Efésios (Hendriksen)

345

relacionado com ela, incluindo a fé pela qual a aceitamos (Ef 2:8), é


um dom gratuito de Deus. O elmo de bronze e ferro (1Sm 17:5, 38;
2Cr 26:14; cf. 1Mc. 6:35) provia um bom grado de proteção para a
cabeça, como o fazia a couraça para o coração, etc. No período
herodiano usava-se extensamente os elmos gregos e romanos
feitos tanto de bronze como de couro. É fácil ver que para a
salvação cristã é realmente um arma de defesa. Se não fosse pelo
fato de que em meio das penalidades e perseguições a segurança
da salvação tanto presente como futura cheia do coração do crente,
este poderia facilmente abandonar a luta. É

justamente este precioso tesouro o que lhe dá alento e força para


prosseguir com a luta, visto que quanto a si mesmo sabe que o que
Deus começou o aperfeiçoará até o fim (Sl 138:8; Fp 1:6). Quanto a
seu próximo a quem o crente provido de seu elmo procura resgatar
do poder das trevas, a palavra de Deus jamais voltará vazia, mas
fará o que Ele quer (Is 55:11). É por isso que o cristão continua a
luta, com “serena segurança” claramente visível em sua aparência e
porte e com um testemunho na flor de lábios. É evidente, então, que
tampouco o elmo conforme o interpreta Paulo aqui (= salvação) é só
peça de arma defensiva. Não é porventura verdade que os cânticos
de salvação, considerados como parte essencial da redenção,
constituem uma poderosa arma tanto ofensiva como defensiva na
armadura do cristão?
A pergunta final é: « Aprendi a arte da guerra ofensiva? » estivemos
estudando as armas que geralmente se consideram defensivas. Não
obstante, vimos que embora nos conflitos físicos tal descrição pode
ser perfeitamente adequada, no combate espiritual não o é em toda
sua extensão. Mesmo a verdade ou integridade — o cinturão — não
é exclusivamente defensiva. É cativante! A justiça — a couraça —
não somente serve como proteção; ganha também o próximo para
Cristo, para que Deus seja glorificado (Mt 5:16). A paz que dá a
prontidão para a batalha espiritual — o calçado — provê tempo e
energia para invadir os domínios do inimigo e arrebatar-lhe os
despojos que tinha tomado. A fé — o escudo — vence o mundo,
recapturando os perdidos. E a

Efésios (Hendriksen)

346

salvação — o elmo — entra cantando ao campo onde o inimigo tem


seus prisioneiros, dando-lhes liberdade. Mas embora tudo isto seja
verdade indubitável, não obstante, a arma mais evidentemente
ofensiva, tanto no combate físico como no espiritual, é sem dúvida,
a espada. Paulo diz: “(e tomai) a espada do Espírito que176 é a
palavra de Deus”.

A figura de fundo é a da espada curta, a qual o soldado romano,


pesadamente armado, levava e esgrimia. 177 Com ela não só se
defendia, mas irrompia nas filas do inimigo, ganhando vitórias.
Como já se indicou (veja-se sobre Ef 5:26), esta espada é o
evangelho (cf. 1Pe 1:25), a voz de Deus; se você quiser, a Bíblia,
toda a Palavra de Deus. Foi primeiro pronunciada por ele, e agora
Seus servos a proclamam a outros.

Enquanto o que se prega estiver inteiramente em harmonia com a


revelação especial de Deus conforme foi subsequentemente posta
de forma escrita ou impressa no que hoje chamamos a Bíblia,
continua sendo a mesma espada a que se faz referência aqui. Até o
mais leve desvio da palavra que originalmente foi dada é,
naturalmente, palavra de homem, não de Deus. Os erros de
transcrição ou tradução, de doutrina ou de ética, não importa quão
veementemente sejam defendidos do púlpito, não são parte da
palavra falada (ou: expressa). É esta palavra a que

“permanece para sempre” (Is 40:8), e não pode ser derrotada. Os


martelos que ousem destruí-la serão esmiuçados. A bigorna
permanece.

Esta palavra falada é chamada “a espada do Espírito”, porque foi


dada pelo Espírito (2Tm 3:16; 2Pe 1:21) e, possivelmente, também
porque o Espírito é quem a aplica ao coração. Os soldados de
Cristo tomam a palavra, obedecem-na, guardam-na em seus
corações, e a levam a todas as nações. A espada assim esgrimida,
é “viva e eficaz, mais cortante que toda espada de dois gumes; que
penetra até partir a alma e o espírito, as juntas e os tutanos,
discerne os pensamentos e as intenções 176 O neutro ὅ pode ser
devido à influência de ρῆμα, que é enfatizado.

177 Este μάχαιρα diferencia-se de ρομφαία (Lc 2:35; Ap 1:16; 2:12,


16; 6:8; 19:15, 21). O último é a pesada e grande espada que
procede da boca de Cristo conforme a viu João numa visão em
Patmos.

Efésios (Hendriksen)

347

do coração” (Hb 4:12). 178 Esgrimindo esta poderosa espada Paulo


e seus companheiros ganharam surpreendentes vitórias. E toda
vitória que se ganhe hoje em dia, seja em nosso país ou em países
estrangeiros, é o resultado do manejo desta espada. Deus não está
morto! Vive e fala em e por meio de Sua mensagem.

É por meio dela que se revela o estado do homem diante de Deus, e


fica exposta sua condição pecaminosa. Por meio dela, também, ao
ser aplicada ao coração do homem pelo Espírito, este é guiado de
seu pecado ao Salvador, e a uma atitude de ação de graças e
louvor. Por meio dela se desvanecem as dúvidas, os temores
desaparecem, obtém-se a segurança da salvação, e Satanás foge.
Quando Jesus foi tentado, respondeu a cada palavra do diabo,
apelando à Palavra escrita de Deus!

Os quatro “todos” 179 da oração A palavra de Deus que se dirige ao


homem (v. 17) é, sem dúvida, muito poderosa, especialmente
quando se acha em íntima relação com a palavra do homem dirigida
a Deus (vv. 18–20), não como se Deus e o homem estivessem em
igual nível, mas porque a palavra do homem dirigida a Deus é dada
pelo Espírito, guiada pelo Espírito (“em Espírito”). Paulo escreve:

18. Por meio de toda oração e súplica, orando em todo tempo


em Espírito, e em vista disto, estando alerta em toda
perseverança e súplica, por todos os santos.

Contra tão grande inimigo nada pode fazer o soldado em sua


própria força. Por isso, enquanto toma e coloca cada peça da
armadura e faz uso dela, deve orar pedindo a bênção de Deus.

1. A variedade da oração: “toda oração e súplica”.

178 Nesta passagem a “palavra” é λόγος, não ρῆμα, mas o


pensamento central é o mesmo para ambas, visto que os dois
termos são coextensivos.

179 A palavra πᾶς (“todo”) usa-se quatro vezes no versículo 18:


πάσης, παντί, πάσῃ y πάντων, quatro diferentes formas.

Efésios (Hendriksen)

348

O apóstolo faz especial insistência em que a comunhão do soldado


com seu General — a comunhão do crente com seu Deus — não
deve ser só de um tipo. São muitos os que sempre estão pedindo
coisas. Toda sua vida de oração consiste nisso. Mas a oração — a
primeira menção da palavra é muito geral — não deve incluir
somente clamores de ajuda, mas também confissão de pecado,
profissão de fé, adoração, ação de graças, intercessão. Além disso,
a vida de oração deve ser definida, não somente dizer “Ó Senhor,
abençoa a todo o que espera tua bênção”, o que é muito geral, mas
“súplicas” ou “petições” por necessidades definidas, rogos por
bênçãos específicas. Isto significa que a pessoa que ora deve estar
em conhecimento de situações concretas em seu redor, ou pelo
menos não deve achar-se limitado a seu próprio horizonte reduzido,
deve conhecer as situações onde sua ajuda é necessária. Deve
separar, talvez, hoje para enfatizar esta necessidade, amanhã para
lembrar outra.

2. O “quando” e o “onde” da oração: “em todo tempo … em Espírito”.

A oração em tempo de «grande calamidade» ou «catástrofe» é algo


muito na moda. Para muitas pessoas, imagino, o «Dia de ação de
graças»

vem somente uma vez por ano. É o dia fixado pelo governo nacional
ou pela igreja. O apóstolo ensina aos leitores a vir a Deus “em todo
tempo”.

“Reconhece-o em todos os teus caminhos” (Pv 3:6).

Quanto ao “onde” da oração, não temos que confinar a “Jerusalém”

ou a “este monte,” mas deve ser sempre “em (a esfera de) o


Espírito”, quer dizer, «com Sua ajuda» e «em harmonia com Sua
vontade» segundo se acha revelada na Palavra que Ele inspirou.

3. A forma da oração: “estando alerta em toda perseverança e


súplica”. Cf. Cl 4:2.

Os que não permanecem “alerta” e são deixados e indiferentes no


que respeita a seus lares, no que passa nas ruas de sua cidade, de
sua região ou província, em seu país, em sua igreja, em sua
denominação, ou no mundo terão uma vida de oração muito
restringida. Os que não conhecem a vontade de Deus, porque
dedicam um tempo ínfimo ao
Efésios (Hendriksen)

349

estudo das Escrituras, não poderão colher os frutos da oração. Os


que não conhecem as promessas não podem pretender «entrar nas
profundidades das promessas de Deus» em seus períodos
devocionais, nem podem participar da profunda e satisfatória
comunhão com Deus.

Como resultado, orarão somente de vez em quando. Não haverá

“perseverança” e somente escassa “súplica” (petições por bênçãos


definidas).

4. Os sujeitos indiretos da oração: “por todos os santos”

Cristo, durante sua peregrinação na terra deu importância enorme à


oração intercessora (oração por outros), conforme se vê em várias
ocasiões (Mt 9:18–26; 15:21–28; 17:14–21; etc.). Em Paulo se
observa a mesma atitude. O coração de nosso Grande Intercessor
que não somente intercede por nós, mas realmente vive com este
fim determinado (Hb 7:25), sente-Se intimamente comovido com
estas petições! Assim a comunhão dos santos se mantém viva e
real.

Nesta comunhão de oração o judeu convertido não deve esquecer o


crente gentio, nem o ancião esquecer o jovem, nem o livre o que
está na prisão, nem vice-versa. Deve haver oração “por todos os
santos”. Em Deus não há acepção de pessoas. Até este ponto o
apóstolo disse muito pouco sobre sua própria situação pessoal. Não
se mostra queixoso.

Menciona brevemente o fato de achar-se escrevendo na qualidade


de prisioneiro (Ef 3:1; 4:1), e também insistiu com os efésios a “não
desalentar-se” pelo que sofria em favor deles (Ef 3:13). Mas isto foi
tudo; e mesmo em tais passagens não pensou em si mesmo tanto
quanto no bem-estar dos leitores.
Mas agora, já chegando ao final, centraliza por breves momentos a
atenção em si mesmo, em suas próprias necessidades, e pede que
quando se ofereçam orações “por todos os santos” ele, também,
seja lembrado de forma especial. Observe-se, não obstante, quão
nobremente se expressa: 19. e (orando) por mim, para que ao
abrir minha boca me conceda mensagem, a fim de que possa
dar a conhecer com ousadia o mistério do evangelho. Cf. Cl 4:2,
3; mesmo esta oração que solicita a seu favor

Efésios (Hendriksen)

350

resulta ser uma petição pelo avanço do evangelho! Paulo entendia


que o Senhor o havia escolhido para ser um líder proeminente.
Como tal, descansava sobre seus ombros uma pesada carga de
responsabilidade!

No entanto, acha-se muito consciente de sua própria fraqueza e do


fato de ser um necessitado do poder e direção divinos em cada
momento de sua vida. Assim que, tal como o fez em outras ocasiões
(Rm 15:30; 1Ts 5:25; 2Ts 3:1, 2) e estava fazendo agora em outra
epístola (Cl 4:3), pediu que os leitores se lembrassem dele em suas
orações. No entanto, não pede que orem para que seja libertado da
prisão. O que solicita é que invoquem a bênção de Deus sobre ele
para que seja uma eficaz testemunha de Cristo. Parece dizer:
«Peçam a Deus que me conceda duas coisas, a. ‘que ao abrir
minha boca tenha uma mensagem’ (Mt 10:19), e b. ‘coragem em
todo tempo para pregar dignamente a mensagem» (Cf.

At 4:13). Em seu zelo pela salvação dos pecadores para a glória de


Deus o apóstolo considera até as circunstâncias difíceis presentes
como uma boa oportunidade para dar a conhecer a todos — os
guardas que eram intercambiados constantemente, as visitas, o
tribunal romano no caso que fosse (ou fosse outra vez) chamado a
comparecer — “o mistério do evangelho” (= “o mistério concernente
a Cristo”, Cl 4:3), a verdade bendita que havia ficado um segredo
por não tê-la revelado Deus, ou seja, que em Cristo há salvação
plena e gratuita para todo aquele que O

abraça pela fé, até para gentios e judeus com base em perfeita
igualdade.

Cf. 3:3, 4, 9; Rm 16:25; Cl 1:26, 27; 2:2; 4:3; 1Tm 3:9, 16.
Prossegue: 20. pelo qual sou embaixador em cadeias. O fato de
que quando Paulo chegasse a Roma fosse preso a um soldado
romano por meio de uma cadeia algemada ao seu pulso acha-se
implicado em At 28:20.

Embora sua primeira prisão em Roma, durante a qual escreveu


Colossenses, Filemom, Efésios, e Filipenses, não parece ter sido
tão dura e severa como o seria a segunda, o fato é que sempre era
“um prisioneiro” (Referente à sua primeira prisão, compare-se Ef
3:1; 4:1

com At 28:16, 30. Quanto à segunda veja-se 2Tm 1:12; 2:3, 10; 4:6–
8, 14–16).

Efésios (Hendriksen)

351

Sua prisão, não obstante, não constitui uma vergonha. A verdade do


assunto é que ele é, e se acha muito consciente disso, um
embaixador180

em cadeias, apesar de tudo o que o homem possa pensar. Que


paradoxo!

Porventura um embaixador não é livre? Não obstante, eis aqui um


representante oficial dAquele que é Rei dos reis e Senhor dos
senhores, e este embaixador encontra-se acorrentado! Tomara que
jamais se esqueça de quem é representante. Portanto, sempre que
proclame o glorioso mistério do evangelho deve fazê-lo de forma
consequente com seu elevado ofício. “Orai”, diz, que quando o
proclame possa falar com denodo como devo falar; virtualmente
repetindo com o fim de enfatizar o que disse no versículo anterior.

Sobre este alto nível Paulo finaliza a parte principal de sua epístola.

Esteve apresentando «os benefícios divinos que possuímos em


Cristo».

Como embaixador equipado com esta mensagem escreve,


defendendo e ao mesmo tempo atacando; reagindo contra qualquer
um que quiser desejar opor-se ao evangelho de seu Senhor e ao
mesmo tempo tomando a iniciativa e com esta mensagem invadindo
o território do inimigo. Não está esta passagem (Ef 6:19, 20)
arrojando luz acerca da forma em que a passagem que
imediatamente precede “toda a armadura de Deus” deva ser
interpretada, ou seja, como indicando uma armadura que é ao
mesmo tempo defensiva e ofensiva? É como se ouvíssemos o
apóstolo fazendo uma súplica dizendo:

“Somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus rogasse


por meio de nós; rogamo-vos em nome de Cristo: reconciliai-vos
com Deus! Ao que não conheceu pecado, por nós o fez pecado,
para que nós fôssemos feitos justiça de Deus nele” (2Co 5:20, 21).

180 O verbo usado é πρέσβεύω, significando: “sou um πρεσβευτής,


um embaixador”. Esta palavra πρεσβύρης nγo deve confundir-se
com πέσβύτνς ancião (Fm 9).

Efésios (Hendriksen)

352

2. CONCLUSÃO (EF 6:21–24)

O detalhe de informação contido nos vv. 21 e 22, incluindo uma


cálida recomendação a favor de Tíquico, portador destas epístolas
(Colossenses, Filemom, Efésios), é quase idêntico ao de Cl 4:7, 8.
As pequenas diferenças podem ser apreciadas ao comparar as
passagens paralelas de Efésios e Colossenses na p. 27. Se
Colossenses (coluna direita) foi escrita antes de Efésios (coluna
esquerda), segundo o que eu tenho suposto, então a palavra
“também” (em “para que vós também saibais a meu respeito e o que
faço”) aqui em Ef 6:21 pode-se explicar com o seguinte significado:
«vós bem como os colossenses». A passagem inteira de Efésios é:

21, 22. Mas para que vós também saibais a meu respeito e o
que faço, Tíquico, o irmão amado e fiel ministro no Senhor, vos
informará de tudo, a quem vos envio com este propósito, para
que conheçais nossas circunstâncias e para que ele console os
vossos corações.

Tíquico181 foi um dos íntimos amigos e mensageiros altamente


apreciados por Paulo. Era oriundo da província da Ásia, e tinha
acompanhado o apóstolo quando este, no final da terceira viagem
missionária, voltava da Grécia através da Macedônia e logo após
cruzar a Ásia Menor dirigia-se a Jerusalém numa missão de
caridade (At 20:4); quer dizer, naquela viagem Tíquico se adiantou a
Paulo da Macedônia a Trôade, e o esperava naquela cidade. E
agora, uns quatro anos mais tarde, depois de ter estado algum
tempo com Paulo em Roma durante sua primeira prisão, Tíquico foi
comissionado pelo apóstolo para levar estas cartas ao seu destino,
sendo isto evidente na presente passagem, a passagem paralela de
Colossenses, e a comparação de Cl 4:9 com Fm 1, 8–22. É lógico
que Tíquico, tendo recém-estado algum tempo com Paulo e sendo
um “irmão amado” — um membro da família de Deus, 181 Quanto
ao significado do nome veja-se C.N.T. sobre Filipenses, pp. 162,
163, nota 116, onde se dá explicação para muitos outros nomes
pessoais também. Para mais dados sobre Tíquico, p. ex., sua
relação com Paulo depois de sua primeira prisão em Roma, veja-se
C.N.T. sobre Tt 3:12 e 2Tm 4:12.

Efésios (Hendriksen)

353
juntamente com todos os crentes — e “fiel ministro no Senhor” —
servo especial de Cristo, leal a seu Mestre em todo aspecto — fosse
a pessoa indicada para suprir, enquanto ia de igreja em igreja, toda
a informação necessária a respeito de Paulo, seus companheiros, e
irmãos crentes de Roma. Além disso, o material para escrever não
era nem abundante nem barato como o é hoje em dia; as
circunstâncias nas quais Paulo devia ditar suas cartas não eram
inteiramente favoráveis; e, algumas coisas resultam melhor ao falá-
las que ao escrevê-las, especialmente se são dirigidas a um extenso
número de leitores (o que era também o caso dos colossenses,
conforme o indica Cl 4:16, embora talvez de forma mais limitada). A
mensagem oral que Tíquico devia levar não seria unicamente
informativa, mas também de consolo. Por esta razão Paulo diz:
“para que conheçais nossas circunstâncias e para que ele console
vossos corações”, o último, sem dúvida, acalmando seus temores
(veja-se sobre Ef 3:13; cf. Fp 1:12–14) e provendo uma “atmosfera”
de consolação e fortalecimento espiritual baseada nas promessas
de Deus. A consolação mais eficaz de todas seria a própria carta de
Paulo levada por Tíquico.

Segue a bênção final:

23. Paz (seja) aos irmãos, e amor com fé, de Deus o Pai e o
Senhor Jesus Cristo. Paz, amor, e fé se acham entre os temas
mencionados com maior frequência nesta epístola. Quanto à paz
veja-se Ef 1:2; 2:14, 15, 17; 4:3; e Ef 6:15; quanto ao amor entre os
irmãos ou dentro da congregação (incluindo o amor do esposo para
com a esposa) veja-se Ef 1:15; 4:2, 15, 16; 5:25, 28, 33; em sentido
mais geral: Ef 3:17; 5:2a; ao amor de Deus em Cristo para os
crentes: Ef 1:4; 2:4; 3:19; 5:2b; e quanto à fé veja-se Ef 1:15; 2:8;
3:12, 17; 4:5, 13; 6:16. Estas eram as qualidades específicas que se
fazia necessário enfatizar naqueles dias e época. Não é isto
porventura verdade no presente?

A paz que o apóstolo tem em mente é a harmonia entre os irmãos.

No entanto, ela não pode existir a menos que mediante a fé em


Cristo e Seu sacrifício expiatório tenha sido previamente
estabelecida no coração

Efésios (Hendriksen)

354

dos crentes em particular. É impossível separar estes dois atos. O


amor, também, embora aqui outra vez e enfaticamente aquela que
deve existir entre os irmãos, não se pode isolar do amor para Deus
em Cristo; e ambos são a consequência do amor de Deus em Cristo
para todos os que Lhe pertencem. A fé significa confiança no Deus
Triúno que Se revelou à igreja em Jesus Cristo. É o dom de Deus
(Ef 2:8). O v. 2 acrescenta graça.

Há aqueles que fazem especial insistência no que para eles deve


ser

“a ordem inversa” das coisas aqui mencionadas. Segundo seu modo


de ver, nesta enumeração o efeito precede à causa, a ordem
“própria” seria: primeiro a graça, uma vez que é a este atributo
divino ao qual o homem deve tudo; logo a fé, porque é o fruto da
graça; e finalmente a paz e o amor, como filhos gêmeos da fé.
Pessoalmente não tenho objeção alguma contra esta representação
sempre que haja lugar para uma importante qualificação.
Indubitavelmente, a graça de Deus é básica.

Nenhuma das outras poderá aproximar-se dela jamais como causa


ou fonte de qualquer qualidade virtuosa ou atividade no homem. No
entanto, a inter-relação entre as coisas mencionadas aqui é
muitíssimo mais rica e mais generosa que o que a simples
sequência: graça — fé indica. Cada qualidade, tão logo se faça
presente, age sobre as outras e as enriquece. Quanto mais alguém
exercita sua fé no Senhor Jesus Cristo, tanto mais florescerá em
sua vida a obra da divina graça; e assim também com relação às
outras. O amor foi descrito como o fruto da fé, mas também este
enriquece à fé; etc. Todas as qualidades, atitudes e atividades
procedem de “Deus o Pai”, que é sua fonte, e do “Senhor Jesus
Cristo” (veja-se sobre Ef 1:17), quem ao derramar Seu sangue
mereceu como dons para seus filhos. A igualdade perfeita do Pai e
o Filho faz-se outra vez claramente evidente: uma preposição (“de”)
precede a ambos. Prossegue:

24. Graça (seja) com todos os que amam a nosso Senhor Jesus
Cristo com (um amor) imperecível. Assinalou-se uma vez que no
v. 23 o amor a que se faz referência é “enfaticamente aquele que
existe entre os

Efésios (Hendriksen)

355

irmãos”. Aqui no v. 24 o amor que se enfatiza é o amor ao Senhor


Jesus Cristo. A graça foi a raiz deste amor. O enriquecimento em
graça é o fruto do amor cujo objeto é o Salvador. Uma vez que o
amor de Cristo se acha presente no coração não se pode
desvanecer visto que é uma dotação divina. O apóstolo diz
literalmente “Graça” — quer dizer, a própria graça que é muitas
vezes referida (veja-se especialmente Ef 2:5–

8) — “(seja) com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo


com (um amor) em indestrutibilidade”. Referente a indestrutibilidade
(nome) ou incorruptibilidade cf. Rm 2:7; 1Co 15:42, 50, 53, 54; 2Tm
1:10. Se for construída esta última frase como advérbio não há
conflito com a boa gramática; quanto ao que modifica, é certamente
mais natural que pertença a amam que a outra palavra mais remota.
Como resultado, em harmonia com muitos intérpretes, e também
com muitos tradutores, eu então traduzo da seguinte maneira: “os
que amam imperecivelmente”, que é igual a dizer: «Graça (seja)
com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com um amor
que, uma vez presente, jamais pode perecer».

Pensamentos em Efésios 6:10–24

(um pensamento para cada versículo)

Veja-se o versículo
10. A exortação para buscar nossa fonte de poder no Senhor é
muito razoável, visto que o Senhor demonstrou Seu poder vez após
vez tanto na natureza como na graça e ainda continua fazendo isso.

11. A omissão de uma só peça na armadura é perigosa, porque o


diabo muito em breve descobrirá o calcanhar de Aquiles.

12. A negação da existência e atividade de um diabo pessoal e suas


bem organizadas hostes está se tornando cada dia mais estúpida.

13. A fim de poder estar firmes no dia mau ou de crise, estai firmes
agora mesmo!

Efésios (Hendriksen)

356

14. Toda resolução sincera de lutar contra Satanás no poder do


Senhor, apoiada por uma boa conduta, aponta para a vitória. Fazei,
portanto, uso de toda a eficaz armadura dada por Deus.

15. É o coração livre de culpa aquele que produz agilidade nos pés.

16. Contra os relâmpagos do Sinai, a fúria do inferno, e o ridículo


dos ateus está a firme âncora da fé em Deus e em Sua promessa
que sempre nos dá a vitória.

17. A segurança da salvação é contagiosa: quase todo mundo se


agrada em ouvir a música marcial de um exército que marcha para a
vitória. A palavra de Deus é mais poderosa que qualquer espada de
dois gumes.

18. Se a vida de oração é fraca, não será que não se tem feito
justiça aos quatro “todos” deste versículo?

19. Há grande poder na oração intercessora.

20. Há aqueles que se orgulham em falar “francamente”. É muito


melhor pedir graça para falar “com denodo”.
21. Os crentes têm vivo interesse no bem-estar de outros.

22. Dar informação pode ser perfeitamente apropriado,

especialmente quando o propósito é fortalecer o coração dos


ouvintes.

23. A paz que ultrapassa todo entendimento, o amor que entre as


três maiores virtudes é a maior, e a fé que vence ao mundo, estes
três tesouros preciosos são dados de presente a todo aquele que
sinceramente os pede a Deus o Pai e o Senhor Jesus Cristo.

24. Os dons da graça de Deus são imperecíveis.

Efésios (Hendriksen)

357

BIBLIOGRAFIA

Quanto a outros títulos veja-se a lista de abreviaturas ao princípio


deste volume.

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Document Outline
COMENTÁRIO DO NT (H & K)
EFÉSIOS
CONTEÚDO
Abreviaturas
Introdução
II. Comparação com Colossenses
III. Paternidade literária
IV. Destino e propósito
V. Tema e esboço
Efésios 1
Ef 1:1, 2 - Saudação de abertura
Ef. 1:3–14
Ef. 1:15-23
Resumo de Efésios 1
Efésios 2
Ef. 2:1–10
Ef. 2:11-18
Ef. 2:19-22
Resumo de Efésios 2
Efésios 3
Ef. 3:1-13
Ef. 3:14-21
Resumo de Efésios 3
Efésios 4:1-16
Pensamentos em Efésios 4:1–16
Efésios 4:17 – 6:9
Ef. 4:17 – 5:21
a. Ef. 4:17-24
b. Ef. 4:25 – 5:2
c. Ef. 5:3-14
d. Ef. 5:15-21
Ef. 5:22 – 6:9
a. Ef. 5:22-33
b. Ef. 6:1-4
c. Ef. 6:5-9
Resumo de Efésios 4:17–6:9
Efésios 6:10-24
1. “Revesti-vos de toda a armadura de Deus” (Ef 6:10–
20)
2. Conclusão (Ef 6:21–24)
Pensamentos em Efésios 6:10–24
Bibliografia
Table of Contents
COMENTÁRIO DO NT (H & K)
EFÉSIOS
CONTEÚDO
Abreviaturas
Introdução
II. Comparação com Colossenses
III. Paternidade literária
IV. Destino e propósito
V. Tema e esboço
Efésios 1
Ef 1:1, 2 - Saudação de abertura
Ef. 1:3–14
Ef. 1:15-23
Resumo de Efésios 1
Efésios 2
Ef. 2:1–10
Ef. 2:11-18
Ef. 2:19-22
Resumo de Efésios 2
Efésios 3
Ef. 3:1-13
Ef. 3:14-21
Resumo de Efésios 3
Efésios 4:1-16
Pensamentos em Efésios 4:1–16
Efésios 4:17 – 6:9
Ef. 4:17 – 5:21
a. Ef. 4:17-24
b. Ef. 4:25 – 5:2
c. Ef. 5:3-14
d. Ef. 5:15-21
Ef. 5:22 – 6:9
a. Ef. 5:22-33
b. Ef. 6:1-4
c. Ef. 6:5-9
Resumo de Efésios 4:17–6:9
Efésios 6:10-24
1. “Revesti-vos de toda a armadura de
Deus” (Ef 6:10–20)
2. Conclusão (Ef 6:21–24)
Pensamentos em Efésios 6:10–24
Bibliografia

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