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PECADO PREFERIDO
1ª Edição
 
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou
transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e
autorização por escrito do autor/editor.
 
Capa: Lilly Desiggn
Revisão: Gabrielle Andrade
Diagramação: April Kroes
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com fatos reais é mera
coincidência.  Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
código penal.
 
TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.
 
Sumário
Playlist
Nota 1
Nota 2
Aviso
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Epílogo
Cena Extra 1
Cena Extra 2
Capisplash
Notinha final
Agradecimentos
Outras Obras
 
 
 

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Para todos aqueles que fizeram tantas escolhas pensando
mais nos outros do que em si mesmos. Para todos que se
diminuíram para caber em algum lugar por acharem que era onde
pertenciam.
 
 
As pessoas sempre me falaram que era impossível viver da
escrita. Isso fez com que eu desistisse dos meus sonhos, por medo
de não conseguir me manter. Atualmente, sou uma autora
independente e a escrita é minha única fonte de renda. Esse é o
meu trabalho e é gratificante poder fazer o que eu amo e pagar
minhas contas.
Se isso for um PDF, espero que tenham plena consciência do
quanto isso me prejudica. Os livros estão de graça para assinantes
do Kindle Unlimited e por um valor acessível na Amazon. Muitos não
entendem que isso é um trabalho, assim como o de vocês. Pelo
menos da minha parte, existe muito estudo, pesquisa e conversas
com profissionais de diversas áreas. Algumas pessoas não
possuem o mínimo de empatia e pegam pesado até mesmo na
forma de falar sobre a obra, caso não as agrade.
Espero que vocês sempre sejam valorizados no trabalho de
vocês e que nunca sejam humilhados como já aconteceu comigo
em alguns casos isolados por alguns leitores. Não sejam esse tipo
de pessoa, existe sempre alguém por trás e ninguém sabe sobre
minhas dores. Minhas histórias são o meu trabalho, são a minha
vida.
Valorizem os autores nacionais.
 
Como eu sempre digo, meus personagens são reais, mesmo
que isso seja uma história de ficção. Não escrevo personagens
perfeitos, porque a verdade é que ninguém é. Nem sempre a atitude
deles vai ser o que você espera e entendo que isso pode ser
frustrante. Acredite, também é para mim.
Ainda assim, eu torço para que vocês os enxerguem da
mesma forma que eu e que se conectem com eles. Espero que se
apaixonem por Pepeu e Larissa assim como aconteceu comigo.
 
Boa leitura!
 
 
Esse livro é recomendado para maiores de 18 anos, por conter
cenas de sexo, uso de substâncias lícitas e ilícitas, violência e
palavras de baixo calão. Ele também faz menção à temas sensíveis,
tais como violência contra a mulher, aborto e abandono parental.
Apesar de não me aprofundar nos assuntos, se você não se sentir
confortável, pare a leitura. Além disso, gostaria de deixar claro que é
sempre importante buscar informação sobre educação sexual e
temas sensíveis.
E por último e não menos importante: a história tem como um
dos personagens, um animal selvagem que vive em parte no seu
ambiente natural, mas que também escolheu estar na casa de um
humano por quem ele desenvolveu um imprinting. Portanto, saibam
que manter animais silvestres não legalizados em cativeiro é crime e
não é uma prática a ser adotada. Além disso, eles podem ser
agressivos, então tenham cuidado. Vale ressaltar que todas as
cenas foram baseadas em relatos e também contaram com a
consultoria de um biólogo e uma veterinária.
Ressalto que o livro é uma obra de ficção, assim, qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência.
 
Eles querem que você se sinta mal
Pois assim eles se sentem bem
Eu nasci pobre, mas não nasci otário
Eu é que não caio no conto do vigário
:: TAMO AÍ NA ATIVIDADE – CHARLIE BROWN JR. ::
 
 
PEDRO QUEIROZ
 
Estava aberta a temporada de filhos da puta!
Era sempre assim. Janeiro e julho se tornaram os piores
meses desde que havia arranjado aquele maldito emprego. Mesmo
que no meio do ano não estivesse tão calor, a piscina continuava
lotada.
Sabe aquela história de “piriguete não sente frio”? Ricos
também não, aparentemente. As piriguetes ricas, então... Mais
evoluídas do que pokémons[1] de gelo.
Odiava trabalhar em um clube dentro de um condomínio
repleto de milionários (ou bilionários – pra ser sincero, era tanto
dinheiro que, para mim, dava no mesmo).
O local em que eu era garçom estava sempre lotado de
patricinhas e playboyzinhos da Barra da Tijuca.
Ter vinte e dois anos, ser pobre e fodido não era o problema da
minha vida e sim lidar com esse bando de pau no cu que tratava a
gente como lixo e se achava melhor que os outros porque ostentava
roupas, relógios e carros importados.
E eles eram tão fúteis. Todos eles.
Sempre me segurava para não revirar os olhos quando
chegava em uma das mesas para ouvir os comentários idiotas sobre
qualquer coisa frívola.
“Vamos de helicóptero ou carro pra Angra?”
“Você não vai usar o mesmo vestido duas vezes, não é?”
“Ah, mas foda-se que você não passou na prova, compra sua
vaga, oras.”
Patéticos.
Não aguentariam uma hora de carteira assinada.
Não suportava pessoas ricas e em especial, mulheres com
dinheiro. Não me envolvia com elas nem por um caralho. E seguia
aquilo à risca, mesmo que a tentação fosse grande. Porque era,
meu irmão, e eu podia afirmar com todas as letras. Afinal, meu pau
não era feito de ferro. Muitas das mulheres achavam que podiam
até mesmo me pagar para comê-las.
As coroas casadas, então, nem se falava...
Uma vez uma delas pediu que eu fosse limpar a piscina e eu
fui porque precisava da grana extra. Minutos depois, apareceu nua e
se jogou em cima de mim.
Foi um caos.
Eu sofria bastante importunação sexual e não era só das
mulheres. Pessoas com dinheiro tendem a achar que podem
comprar absolutamente tudo e pelo visto, até o meu cu estaria para
jogo, se eu desejasse. E isso era uma das coisas que eu mais
odiava por ter que conviver com aquele tipo de gente.
Os otários dos maridos iam explorar o proletariado nas suas
empresas e as dondocas queriam fazer o mesmo comigo... Em suas
camas.
Modéstia à parte, eu era um cara bonito. Não havia nada de
muito diferente em mim, mas sabia que chamava atenção. Meus
olhos e cabelos eram castanhos, tinha um metro e oitenta e oito e
minha pele era bem bronzeada, afinal, eu morava no RJ, porra! A
praia era o quintal da minha casa.
Na real, vivia em um pequeno apartamento em um prédio
caótico de três andares no Terreirão, uma comunidade no Recreio
dos Bandeirantes, pertinho do mar.
Então, sim, era obrigado a pegar a bosta do BRT[2] para
trabalhar todo santo dia e ter que aturar os filhinhos de papai que
não tinham noção de merda nenhuma do significado da palavra
emprego.
Eu precisava juntar dinheiro para poder largar aquela porcaria.
Minha paixão sempre foi desenhar e depois se tornou tatuar. Havia
feito cursos e já estava trabalhando em um estúdio nas minhas
folgas ou em algum horário após o expediente, mas como ninguém
me conhecia, só tinha alguns clientes fixos. O emprego do clube era
o que pagava minhas contas e também sobrava um pouco para
ajudar a Vó Dea.
Ela não era minha avó biológica e sim do Felipe, meu melhor
amigo desde que me entendia por gente. Foi ele quem me deu o
apelido de Pepeu quando ainda éramos crianças e eu passei a
chamá-lo de Pipo desde então. Eles eram minha única família e só
os dois me chamavam assim.
Assim que eu completei 16 anos fui emancipado e eu deveria
ter previsto que havia um motivo para que minha mãe fizesse isso
tão rápido, alegando que era o melhor. Era ridículo que eu ainda
acreditasse que ela nutria algum tipo de preocupação ou afeto por
mim.
Madalena sumiu com um dos seus namorados, o antigo
agente do Pipo. O babaca me espancou porque fui para cima dele
na hora em que ele agrediu minha mãe. Naquele dia, Dona Dea
ameaçou chamar a polícia e os dois roubaram todo o dinheiro do
Felipe e se mandaram.
Chegamos à conclusão de que tudo já estava arquitetado, a
briga foi só um adiantamento do que eles fariam.
Infelizmente, naquela época, eu ainda não era faixa preta em
jiu-jitsu. Estava fazendo aulas há pouco tempo e achei que daria
conta daquele merda.
Adolescentes são burros para um caralho.
E nunca mais os vi depois daquele dia. Madalena nunca foi um
exemplo, nunca foi uma mãe de verdade e sempre dizia que eu não
deveria ter nascido. E para completar, eu não tinha avós e não fazia
ideia de quem era o meu pai... Ela muito menos.
Em resumo, fui criado na casa da Vovó Dea. Cresci com o
Felipe (o Pipo) e nós éramos como irmãos de outra vida.
Aprender a se virar sozinho, dentro de uma comunidade, é a
realidade de muitos garotos e eu sempre fiz isso desde antes da
minha mãe me abandonar. Pela rotatividade de namorados que ela
tinha, sabia que eventualmente daria o fora. Tinha certeza de que se
Madalena encontrasse um cara com um pouco mais de grana, me
deixaria em um piscar de olhos.
Também era fácil a vontade de tender para o caminho errado.
Alguns dos moleques que estudaram comigo faziam toneladas de
dinheiro entrando para o crime. Ainda assim, nunca foi algo que me
encheu os olhos, então eu me ocupei. E tentava preencher meus
espaços de todos os jeitos possíveis.
Os livros foram meus melhores companheiros na infância e
adolescência, a avó de Pipo sempre arrumava alguns exemplares
da biblioteca para mim. Além disso, dentro da comunidade sempre
existiam projetos, aqueles que normalmente os ricos criam para
fazer com que sua consciência pese um pouco menos tentando
abafar a diferença de classes gritante no nosso país.
Eu larguei minha obsessão de leitor um pouco de lado quando
Felipe me deixou andar em seu skate a primeira vez. Nós criamos
essa paixão juntos, mas ele queria ser profissional e eu só estava ali
para tomar uma surra do pirralho quando o idiota me desafiava para
algumas manobras.
Pipo era um ano e alguns meses mais novo do que eu, mas eu
o chamava assim apenas pelo prazer de irritá-lo.
Ele sempre dividiu o seu skate comigo porque minha mãe
nunca gastaria um real para me dar um, mas ganhei o meu da Vó
Dea, seis meses depois. Ela juntou suas economias para comprar
um para mim.
Um belo dia, decidimos estilizar os skates e eu descobri meu
dom para a arte. Decidi o que eu queria para a minha carreira
quando tive a brilhante ideia de tatuar um Bart Simpson[3] na sua
pele, um desenho horrível que ele mantinha até hoje para queimar
meu filme.
A luta entrou na minha vida um tempinho depois, no momento
em que decidi impressionar a menina por quem eu tinha um crush, a
Vick[4]. O pai dela era dono de uma academia e eu passei a ajudar
no local à noite em troca de aulas. Ele foi a primeira pessoa a me
dar um salário e assim que consegui poupar um pouco, comprei um
perfume da Boticário[5] para ela e um skate novo pro Pipo.
Sempre fui atrás de trabalho e estudei que nem um filho da
puta na escola para poder me destacar quando fosse mandar
currículos.
Era por isso que hoje, outra vez, eu estava sendo obrigado a
aturar o grupinho mais escroto de playboys bêbados, em uma mesa
perto do bar da piscina do Mansões Golf Club.
O mais babaca era o Gregório Valença, residente de Medicina
e herdeiro da maior funerária do país. O pau no cu dizia que estava
estudando para salvar vidas, mas eu tinha certeza que ele queria
mesmo é que os pacientes fossem com Deus, direto para um dos
caixões de mogno caríssimos que ele vendia.
O filho da puta era o pior de todos e quase fez com que eu
fosse demitido do meu emprego logo na minha primeira semana.
Ele perdeu um relógio e disse que eu tinha furtado.
Na mesma hora, começou um escândalo. Porque mesmo que
eu afirmasse que não tinha nem visto aquela merda daquele
Rolex[6], em quem iriam acreditar? No “favelado” ou no mauricinho?
Naquele dia, a única pessoa perto de mim era sua namorada,
Larissa Albertelli, a filha do dono de um dos melhores hospitais do
Rio de Janeiro, o Hospital Albertelli.
Eu me lembro de, logo no meu primeiro dia, ter perdido alguns
segundos observando-a. Ela era maior do que suas amigas, um
pouco mais do que um metro e setenta e, porra, eu tinha um fraco
por mulheres altas. Os cabelos lisos e castanhos voaram no seu
rosto e fiquei levemente hipnotizado quando alguns fios se
prenderam nos lábios grossos. Seus olhos eram parecidos com os
meus e ela tinha uma bunda e um par de pernas que puta que pariu.
Poderia, sem dúvidas, me perder no meio delas...
E isso com certeza aconteceria se eu não tivesse uma norma a
seguir. A Vó Dea sempre foi muito religiosa e eu aprendi algumas
coisas, dentre elas, os mandamentos.
Tinha decidido que adicionaria alguns à lista de Moisés e que
outros não serviam bem para mim. O maior exemplo era aquele
papo de se manter puro, de não pecar contra a castidade. Quebrei
aquele mandamento bem cedo e puta que pariu, era impossível
segui-lo.
Um dos que eu tinha criado era o principal para mim, ainda
mais depois que comecei a trabalhar no clube: Não se envolver com
mulheres com dinheiro.
Então mesmo que Larissa Albertelli fosse linda e muito
gostosa, eu nunca me perderia no meio das suas pernas.
Aquele era um pecado que eu não iria cometer.
Principalmente porque ela não tinha caráter e era uma
preconceituosa de merda.
O que vocês acham que ela fez quando fui acusado? Não se
manifestou, mesmo que eu estivesse no seu campo de visão o
tempo inteiro e afirmou que não tinha visto nada.
Naquele dia quase fui demitido.
E desde então, eu odiava aquela patricinha escrota.
 
 
Quem sabe o príncipe virou um chato
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar
:: MALANDRAGEM – CÁSSIA ELLER ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Estava tomando sol na beira da piscina do clube com Lavínia e
Ana enquanto os meninos já estavam enchendo a cara logo cedo.
Por mais que eu estivesse de férias da faculdade e do estágio do
hospital dos meus pais, meu namorado era residente, então o único
momento em que ele tinha para sair com seus amigos era no final
de semana.
Para ser sincera, não era fã de nenhum deles, mas éramos um
grupo fechado e a convivência acabava se tornando meio que
“obrigatória”. Os círculos dentro do meu ciclo social sempre foram
muito inacessíveis e normalmente é como funciona com pessoas do
nosso poder aquisitivo.
— Vocês souberam da última? — Ana perguntou, levantando-
se e ajeitando o biquíni, trazendo todos os olhares na piscina para
ela.
O tecido azul claro contrastava com sua pele negra que
brilhava no sol devido ao óleo bronzeador que ela costumava
passar. As tranças caíam sobre os ombros delicadamente e ela se
movia quase como uma fada.
— Que última? — Lavínia se mexeu, curiosa, e jogou os
cabelos ruivos para trás, antes de prendê-los no topo da cabeça.
Suas bochechas estavam bem vermelhas devido ao calor e sua pele
branca em breve ganharia a mesma tonalidade.
Lavínia sempre esquecia o protetor.
— Gus pegou a madrasta dele chupando um dos funcionários
do condomínio — contou, cochichando.
— Mentira! — exclamei, chocada.
— Estou espantada que não foi minha mãe — Lavínia
respondeu em um tom amargo.
— Eu nem julgo, tem tanto homem gato trabalhando aqui. —
Ana deu de ombros e olhou para o bar. — Inclusive, eu gostaria
muito de sentar em alguns deles.
— Você está prometida — zombei.
— Prometida, não amarrada.
Ana era herdeira de uma rede de resorts e estava “prometida”
para o filho do dono de uma empresa de navios que estava dentro
do Círculo de Ouro (C.O.). Os dois tinham se conhecido há alguns
anos e ela o achou uma gracinha. Ele estava fazendo faculdade no
exterior e quando voltasse, eles iriam se conhecer um pouco melhor.
Casamentos por conveniência eram bem comuns no nosso
meio, as chamadas “junção de heranças” e era ainda mais normal
dentro dessa “sociedade”. E nossas famílias não faziam parte,
mesmo que fossem muito ricas. No Rio de Janeiro havia pessoas
com muito mais dinheiro e poder. Éramos uma escala abaixo. Eles
eram quase como uma realeza, mandavam e desmandavam em
tudo.
Ainda assim, meus pais e os de Gregório conversavam sobre
nosso casamento antes mesmo de eu menstruar. Obviamente nada
era obrigatório (bem, não sei como funcionava dentro do C.O.), mas
existia uma pressão grande de todos os lados. E esse era um dos
motivos de eu aturar as merdas que ele fazia.
— Avisei para meu pai que viria para o clube com vocês e ele
passou o café inteiro dizendo o quanto você era uma inspiração e
me questionando porque eu não era mais como você — Lavínia
contou, cheia de deboche.
— Você deveria ser mais como eu — brinquei.
— Você é um porre quando não está com a gente, Lari.
Abafei uma risada e Ana fez o mesmo.
— Meu sonho é que você me deixasse orgulhosa chutando o
babaca do Gregório.
— Ele é meu namorado, Vi.
— E é um idiota — ela lembrou, encolhendo os ombros. — Ele
está literalmente secando aquela garota no bar.
Soltei o ar, cansada. Por mais que as duas também
convivessem com ele, não gostavam do Greg, porque foram elas
que descobriram o primeiro chifre que eu levei. E nunca aceitaram o
fato de eu ter perdoado. A primeira vez que ele me traiu, eu ainda
era apaixonada. Estava sofrendo muito e acreditei quando meu
namorado disse que jamais faria aquilo de novo.
Tão burra...
Quando era mais nova, eu era louca por Gregório, mas meu
encanto acabou de verdade quando descobri que o imbecil me traía.
E por mais que estivesse saturada, tinha afeto por ele e não queria
decepcionar os meus pais, então levava o namoro da melhor forma
possível.
— Até eu estou secando a garota do bar, olha o corpo dela!
Tentei brincar e minhas amigas riram, revirando os olhos quase
em sincronia enquanto eu examinava as pessoas no local.
Eu não gostava de frequentar a piscina do clube, até porque
todos nós tínhamos uma em casa, mas meus amigos amavam
aquele point. Havia música, mulheres gostosas de biquíni e garçons
para servi-los o dia inteiro.
E era exatamente por isso que eu não suportava aquele lugar.
Odiava um dos funcionários. O idiota que sempre tinha estampado
no rosto aquele olhar cheio de julgamento para mim. Desde o
primeiro dia de trabalho, ele carregava consigo o desdém, olhando-
nos com desprezo a todo instante.
O nome dele era Pedro.
Na sua primeira semana, meu namorado teve um incidente
com ele. Um relógio sumiu e na mesma hora Gregório começou a
insinuar que o garçom havia furtado. Então, em questão de
segundos, tudo meio que se direcionou para mim e me senti
encurralada.
De um lado, meu namorado estava afirmando que eu tinha
visto o Rolex no seu pulso, do outro, o funcionário recém-
empregado que alegava que eu tinha visto que ele não tinha pego
nada.
E a verdade é que eu era míope e não vi porra nenhuma
porque estava sem as minhas lentes. Não podia atestar se aquele
desconhecido tinha ou não subtraído o objeto. Não iria me meter em
confusão por algo que não tinha certeza.
Eu fugia desses tipos de confusões, corria dos conflitos. A
última coisa que desejava era trazer algum tipo de vergonha para
minha família.
Então falei a verdade, que não tinha visto nada e o garoto
simplesmente me olhou enfurecido, como se eu fosse o pior ser
humano da face da Terra.
No momento em que tudo se esclareceu, aguardei um dos
seus horários de pausa para falar com ele longe de todos e percebi
que o babaca era um ignorante.
Meu intuito era me desculpar, explicar a situação, e Pedro me
tratou da pior forma possível. Afirmou que eu era uma patricinha fútil
e que era óbvio que desconfiaria de um cara pobre. Ainda perguntou
se eu estava ali para acusá-lo de algo mais e me irritei, retrucando
que ele não sabia nada sobre mim.
Ele riu, cheio de deboche e começou a traçar o meu perfil,
enchendo-me de estereótipos e deixando claro que eu era um lixo
de pessoa. Entramos em uma discussão e saí dali furiosa, querendo
explodir aquele escroto.
Depois daquilo, todo olhar passou a conter algo a mais, uma
carga extra de ódio. Decidi sempre responder da mesma forma e
nos poucos momentos em que interagimos, trocamos algumas
farpas.
Pedro era o típico cara babaca que se achava, que tinha raiva
de tudo e de todos e queria culpar o mundo pelos infortúnios da sua
vida. Todo o julgamento e o desgosto por estar cercado de pessoas
com mais dinheiro que ele eram visíveis por trás dos sorrisos falsos
que dava.
Ele me odiava por quem eu era, pelo meu sobrenome. Tinha
raiva do meu padrão de vida e me julgava por isso. Se achava
superior a mim, como se tivesse um caráter melhor e era por isso
que eu o odiava, porque ele representava tudo o que eu
desprezava.
Não suportava pessoas que não eram gratas pelo o que
tinham e que criavam uma concepção dos outros, baseadas em
absolutamente nada coerente. E isso acontecia comigo mais vezes
do que eu podia contar.
Eu era a filha rica e perfeitinha dos Albertelli. A garota
simpática e boazinha que fazia Medicina e namorava um dos
melhores partidos do Rio de Janeiro. E tudo bem que essa era a
imagem que eu transparecia, não me esforçava nem um pouco para
externar algo além disso, mas achava muito atrevimento que me
resumissem a apenas isso. Principalmente um babaquinha que não
tinha nem mesmo algum tipo de convívio comigo.
Ainda assim, ninguém sabia quem eu era de verdade. E
ninguém nunca saberia.
 
Você pensou que eu iria ceder pra você dessa vez?
Você pensou que eu ia fazer isso e chorar?
Não tente me dizer o que fazer
Não tente me dizer o que dizer
:: DON'T TELL ME - AVRIL LAVIGNE ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Aquela manhã estava sendo um inferno. Havia ido até a mesa
dos playboyzinhos maconheiros para levar as bebidas e fui ingênuo
de achar que passaria despercebido. Um deles reclamou que sua
erva gourmet tinha acabado e teve a pachorra de me perguntar se
eu tinha um pouco.
Eu! O cara que estava dentro do seu próprio ambiente de
trabalho. Era esse tipo de merda que me irritava, o fato de os
malditos acharem que eu era um drogado que nem eles apenas por
ser fodido de grana, por morar em uma comunidade, sendo que
eram eles que recebiam um cardápio de drogas pelo WhatsApp.
Respondi que não e enquanto me afastava, ouvi o Gregório
mais uma vez usar o termo que eles sempre usavam para falar de
mim, dizendo que eu tinha ficado irritadinho.
GBR era como eles me chamavam.
Garoto Baixa Renda.
Na verdade, era como eles se referiam à boa parte das
pessoas que não estava dentro do seu ciclo social. Os idiotas não
sabiam que eu tinha conhecimento do significado e nunca usavam a
sigla diretamente para falar comigo. O Gregório, no entanto, fazia
questão de subir o tom sempre que eu estava por perto.
Era impossível não ficar puto com a situação, mas estava
tentando respirar devagar e mentalizar o meu mantra preferido. A
imagem da minha mão no meio da cara de cada um deles. Aquilo
sempre me acalmava.
Estava saindo do bar pela lateral com uma bandeja cheia de
drinks quando alguém trombou em mim, derrubando todas as
bebidas no meu uniforme. Respirei fundo antes de levantar o olhar,
repetindo para mim mesmo que eu estava no meu ambiente de
trabalho.
— Meu Deus, seu idiota! — Aquela voz me fez tremer de ódio.
E ali estava ela, tentando limpar a saída de praia branca que
agora tinha ficado totalmente rosa por causa do Cosmopolitan[7]. Já
minha camiseta ganhara a tonalidade azul devido ao outro drink.
— Você não olha por onde anda, porra? — Meu tom saiu
agressivo, porém baixo, porque eu não era estúpido.
— Srta. Albertelli, sentimos muito. — O gerente se aproximou,
desesperado, e me deu um rápido olhar de repreensão.
Ótimo, mais um esporro por conta daquela vaca.
— O Pedro deve ter se distraído e…
— Não me distraí — retruquei. — Ela apareceu do nada.
Roberval deu uma risadinha nervosa para a garota, que estava
espumando à nossa frente, os olhos pegando fogo. Seu olhar
sempre se performava do mesmo jeito quando se direcionava para
mim.
— Pedro, vá buscar umas toalhas — ele ordenou e depois
voltou a adulá-la. — Fique tranquila, vamos levar para a lavanderia
e sua saída estará como nova em algumas horas…
Eu não continuei ali para ouvir o possível ataque que a
patricinha daria por ter uma roupa de marca manchada, uma que
com certeza custava mais do que meu salário inteiro. Deixei a
bandeja em cima do balcão e fui para o pequeno depósito em que
guardávamos alguns itens.
Tirei minha camiseta polo e comecei a vasculhar o armário em
busca de algum uniforme perdido. Era padrão que a gerência
deixasse algumas peças de cada tamanho para imprevistos como
esse, até porque os idiotas não respeitavam regras.
Os babacas do condomínio sempre achavam que estavam
acima de qualquer norma. Foda-se a área comum, foda-se que não
era permitido entrar na piscina com copo de vidro ou até mesmo
trepar nela durante a madrugada e foda-se mais que tudo a lei do
silêncio. Os filhinhos de papai faziam o que queriam porque como
um deles disse uma vez: “Foda-se, essa multa é o preço do que eu
gasto em um vinho quando vou jantar”.
Era de foder!
Alguns segundos depois, uma sombra pairou atrás de mim,
ocultando toda luz do espaço. Eu me virei e percebi que tinha sido
tarde demais, nem uma única palavra deixou os meus lábios.
Ela havia entrado praticamente como um furacão, fechando a
porta com força atrás de si.
— O que você…
— Puta que pariu! — Eu a ignorei, cruzando o pequeno
cômodo e passando por ela, tentando girar a maçaneta em vão. —
Meu Deus, você não cansa de fazer merda?
— O que eu fiz? — Um vinco se formou em sua testa e ela
cruzou os braços.
— A porta quebrou hoje pela manhã. Parabéns, estamos
presos.
— Eu não tinha como saber!
— Você não precisaria saber se não ficasse no meu caminho.
E teria sido perfeito se parasse por um segundo de fazer compras
no seu celular e olhasse para a frente. Não estaríamos aqui.
— Eu não vi você e não estava…
Dei uma risada debochada. Claro que ela não tinha visto.
— Desculpa, esqueci que nós, funcionários, somos invisíveis
pra vocês.
— Meu Deus, qual o seu problema? — ela explodiu,
balançando as mãos ao lado do corpo, claramente irritada.
— No momento, meu problema é ter que lidar com pessoas
como você — retruquei da mesma forma.
— Pessoas como eu?
Era muita audácia...
Estava farto. Estava de saco cheio daqueles idiotas falarem
comigo de qualquer jeito, de me rebaixarem sempre que tinham a
oportunidade.
— Sim, pessoas fúteis que não conseguem ver nada mais
além dos próprios umbigos — cuspi as palavras com raiva.
— Eu sou uma pessoa fútil? — Sua voz subiu para um tom
estridente e ela aproximou o rosto do meu, estreitando os olhos e
tentando soar intimidadora. — E você diz isso baseado em quê?
Desde quando você me conhece?
— Não preciso conhecer você para saber muito bem quem é.
— Você não sabe nada da minha vida, não sabe quem eu sou,
seu arrogante estúpido.
— Ah, seu status mudou desde que nos falamos da última
vez? Porque até onde eu me lembro, você continua sendo a
patricinha mimada que pede pra coar a porra da sua caipivodka
porque não quer gominhos de limão. Continua sendo a
preconceituosa de merda que achou que eu tinha furtado o relógio.
— Já disse que não vi nada. E é sério que está criticando o
meu pedido? Meu Deus, você é o pior funcionário desse clube! Eu
nunca vi nada igual.
Dei um passo à frente, chegando tão perto a ponto de não ver
mais nada ao meu redor além do castanho dos seus olhos. Era
possível ouvir a respiração ofegante farfalhando contra os meus
lábios e o seu coração retumbando na sua caixa torácica. A
vibração de ódio que emanava dos nossos corpos era como se a
qualquer momento fosse acontecer uma explosão iminente.
Meus lábios se curvaram em um sorriso desdenhoso.
— Está irritadinha porque eu não lambo o chão que você pisa
como os demais? Supera, princesa, porque eu me demito antes de
me obrigarem a fazer isso.
— Você não tem um pingo de respeito pelas pessoas e muito
menos educação. Ainda me espanta que esteja empregado, mas
aposto que a chantagem que fez é o que te mantém aqui.
— Eu não fiz chantagem alguma — afirmei, entredentes. — Foi
o que o pau no cu que você chama de namorado disse?
Ela piscou e não disse nada, confirmando o que eu imaginava.
— E é claro que você apenas balança a cabeça e acredita
nele, como se fosse uma cadela...
Eu me arrependi das palavras no momento em que deixaram
minha boca e elas foram acompanhadas de um tapa estalado no
meu rosto. Ela estava furiosa, o peito subindo e descendo sem parar
e a respiração desordenada. Fiquei totalmente sem reação, sentindo
a ardência se alastrar pela minha pele.
Nós continuamos nos encarando em um silêncio opressivo que
preenchia o ar entre nós. Aquele ódio mútuo se tornando cada vez
mais palpável.
— Nunca mais me chame assim — disse, por fim, a voz tão
cortante quanto o olhar.
Não precisei dizer nada. Não era um pedido e sim uma ordem
e a minha concordância foi tácita porque eu sabia que havia
extrapolado o limite.
Ela passou por mim, caminhou em direção a um dos armários
e começou a vasculhar algumas coisas. Seu corpo tremia como o
de um pinscher raivoso.
— O que está fazendo? — indaguei sem entender, mas ela me
respondeu com um vácuo eterno.
Arregalei os olhos quando ela veio na minha direção com um
martelo e uma chave de fenda na mão.
Fodeu, ela surtou e vai me matar. Não tinha nem um seguro de
vida para deixar para a Vó Dea. Puta que pariu, quem ia salvar o
rabo do Pipo toda vez que ele se metesse em alguma merda?
Pulei para o lado, saindo da sua frente quando percebi que ela
não pretendia me atingir. Que merda eu tinha na cabeça para ficar
preocupado com aquilo? Eu era faixa preta em jiu-jitsu e estava com
medo de que uma patricinha empalasse aquela porra no meu peito
como se eu fosse um vampiro?
Larissa se curvou sobre a porta, deu umas porradas e eu
continuei onde estava. Distância sempre é a melhor escolha perto
de pessoas claramente irritadas com objetos perfurantes na mão.
Então, alguns segundos depois, a porta se abriu, na mesma
hora em que minha boca fez o mesmo.
— Como...?
— Como eu disse, você não sabe nada sobre a minha vida —
respondeu, seca.
E saiu pela porta, deixando-me enraizado no chão, totalmente
atônito.
 
Oh, irmão, nossa conexão é mais profunda que a tinta
Das tatuagens em nossa pele
Embora não compartilhemos o mesmo sangue
Você é meu irmão e eu te amo, essa é a verdade
:: BROTHER - KODALINE::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Levantei para colocar minhas calças e observei a mulher linda
e nua deitada na cama, entre os lençóis, mexendo no celular. Luna
era sensacional e uma foda que eu adorava repetir. E se ela não
fosse tão aversa a relacionamentos, eu a pediria em namoro em um
estalar de dedos.
Aquela garota era parceira pra caralho.
Eu dei um soco em um cara por causa dela quando nos
conhecemos.
Estava na Praia da Reserva com Pipo e Luna conversava com
uma amiga no guarda-sol ao nosso lado. Um otário passou, soltou
algum comentário sobre o seu peso e eu vi as lágrimas acumularem
no canto dos seus olhos. Fiquei irritado porque ela parecia tão
animada e confortável dentro do seu biquíni vermelho de bolinhas e
o babaca surgiu das profundezas do inferno para acabar com a paz
dela.
Que se foda! Fiquei puto e acertei a cara dele.
Porra, a Luna era linda! Já estava de olho nela desde que tinha
colocado meu pé na areia. Pipo também, mas no segundo em que
ele seguiu o meu olhar e abriu um sorrisão, eu dei um tapa em sua
cabeça e avisei que não.
Nós compartilhávamos os skates e bonés... Mulher? Nem
fodendo.
— Sabe aquele grafiteiro que está espalhando capivaras pelo
Rio? — ela perguntou, chamando minha atenção.
Nos últimos meses, eventualmente, aparecia um grafite de
capivara em algum muro. Ninguém sabia quem era o cara, a gente o
chamava de CapiSplash, porque era sempre o mesmo animal com
um splash colorido atrás. Eram lugares aleatórios, sem um intervalo
de tempo definido e as capivaras sempre estavam fazendo algo
diferente. Ora ouvindo música, ora lendo, ora tomando açaí. Havia
uma boa quantidade delas e se tornou uma sensação carioca. Todo
mundo comentava sobre qual seria o próximo desenho e soube que
até mesmo faziam bolões. Eu já tinha comentado algumas vezes o
quanto achava o traço dele foda e desde então, tinha feito alguns
desenhos do animal no meu caderno.
— Sim, você viu algo novo?
— Aham! Parece que ontem apareceu uma no Chico Mendes[8]
tomando água de coco — contou, entre as risadas.
— Que foda, os gêmeos vão se amarrar! Eles ficaram loucos
nelas também quando apareceu uma com uma prancha de surf —
comentei, lembrando de contar para nossos amigos Mike e Tello,
que moravam no prédio e eram surfistas.
— Vou aparecer no estúdio no final do mês — ela avisou.
— Vai finalmente me deixar fazer uma tatuagem nesses peitos
lindos? — indaguei, curvando-me sobre ela para dar um beijo em
sua boca.
— Não, idiota! — Luna me deu um tapinha e riu, empurrando-
me para fora da cama. — Desenhe algo bonito para mim, ok?
— Pode deixar. — Terminei de vestir meu moletom, abri minha
bolsa e joguei para ela uma caixinha de chocolate importado que eu
havia ganhado de uma das dondocas do condomínio depois de ter
limpado sua piscina.
— Você precisa parar de tentar fazer com que eu me apaixone
por você, Pedro. Isso não vai rolar — ela advertiu, em um tom
brincalhão.
— E ter meu coração esmagado? Não, obrigado. — Dei uma
risada, colocando o boné e caminhando em direção à porta. — A
gente se fala!
Luna morava em um apartamento de um quarto perto do
Mansões Golf Club, então sempre que um de nós estava com
vontade de uma foda, eu ia para lá.
Demorei um pouco para chegar em casa, o ônibus estava
lotado e obviamente fui em pé. Quando desci no ponto e coloquei o
skate nos pés, sentindo a brisa gelada no rosto, a plenitude me
atingiu em cheio.
Aquela sensação era única e libertadora. E eu poderia passar
horas andando feliz pelas ruas se as calçadas do Recreio fossem
menos esburacadas.
Fui direto para a pista do Pontal porque eram dezenove horas
e Pipo estaria por lá sem sombra de dúvidas. Aquele
encrenqueirozinho fazia merda, mas era super responsável com os
treinos.
Estava me aproximando quando o vi se divertindo, realizando
algumas manobras em uma sequência de obstáculos.
— E aí, brother? — ele me cumprimentou quando me viu,
pisando no tail[9] do skate e empurrando-o para cima, para pegá-lo
com uma das mãos. — Tá cansadinho ou vai rodar hoje?
Revirei os olhos e preparei o drop[10] para entrar na pista. Ele
gargalhou, aumentou um pouco o som de Charlie Brown Jr. na
caixinha e começou a me mostrar algumas manobras que tinha
aperfeiçoado.
E nós ficamos ali por quase uma hora até que eu pedisse
arrego. Estava exausto. O dia do trabalhador brasileiro com certeza
tinha quarenta e oito horas.
— Já? — ele zombou, sentando-se ao meu lado.
— Já? Vai tomar no cu, Pipo. Trabalhei que nem um filho da
puta, tomei um banho de Lagoa Azul, recebi um tapa na cara, trepei
com a Luna e ainda aguentei uma hora rodando. Quer me foder
mais? Pelo menos me chama pra jantar, caralho.
Sua boca se abriu e ele franziu o cenho, tentando absorver a
metralhadora de informações que eu tinha cuspido de uma só vez.
— Vamos por partes, Pepeu... Banho de Lagoa Azul? O drink?
Assenti com a cabeça e passei as mãos pelo rosto, cansado.
— E como assim você tomou um tapa na cara? — Um
sorrisinho safado se formou no seu rosto. — A Luna te deu um tapa
na cara? Ela ainda está ruiva?
O babaca do meu amigo era um Papa-Ruivas. Alguns meses
atrás, Luna tinha pintado o cabelo e ele ficou louco. Se uma mulher
queria uma chance com o Pipo era só meter um tonalizante no
cabelo, sorrir para ele e em um estalar de dedos, o emocionado
arriava os quatro pneus[11].
— Mermão[12], esquece a Luna. Não foi ela e ela nunca ia
querer nada com você...
— Certeza que ela me quis aquele dia... — Ele deu de ombros.
— Quis tanto que está trepando comigo até hoje. Sou mais
foda que você, pirralho, aceita.
— Pirralho, mas pelo menos eu sei fazer um heelflip[13] sem
cair.
Ele gargalhou, jogando o corpo para trás e eu levantei o dedo
do meio na sua direção, porque era óbvio que eu sabia fazer um
heelflip.
— Se não foi a Luna, quem bateu nesse rostinho lindo? —
implicou, apertando minha bochecha.
— Aquela patricinha babaca do condomínio.
Seus olhos se arregalaram no mesmo instante, mas em
seguida suas expressões se fecharam, porque é claro que Felipe
não imaginaria que eu tinha feito merda. Sempre tentava ser um
bom exemplo e quando normalmente eu entrava em confusão, era
por causa dele, por conta do seu temperamento esquentadinho.
Pipo não gostava de levar desaforo para casa, mas quem
segurava o rojão era eu, porque ele não podia se envolver em
confusão. Entrei em muitas brigas por causa dele, em especial
quando os moleques da pista pegavam no seu pé. E eventualmente
uns babaquinhas apareciam querendo cantar de galo.
— Porra, ela fez isso de graça? Que filha...
— Eu mereci o tapa — logo me adiantei, abaixando o tom. —
Estávamos discutindo, fiquei puto e a chamei de cadela.
Seu queixo caiu ainda mais e ele parecia incrédulo agora.
— Mandou mal, hein?
— É, eu sei... Já estava puto porque um dos playboys que
andam com ela veio me perguntar se eu tinha droga.
— Padrão... — Ele deu uma risada fraca, balançando a cabeça
em uma negativa.
Porque ele entendia o significado daquilo. As pessoas sempre
esperavam que fôssemos errados. Os bandidinhos, os maconheiros,
os vagabundos... Meu irmão também sofria muito preconceito
porque além de ser pobre e morar no mesmo lugar que eu, tinha o
corpo cheio de tatuagens.
Pipo era praticamente meu portfólio ambulante.
Roberval jamais o contrataria no clube, ele mesmo olhou de
cara feia para mim no dia em que fui fazer a entrevista e reparou no
símbolo das Relíquias da Morte, de Harry Potter, no meu antebraço.
As outras três que eu tinha ficavam cobertas pelo uniforme, mas eu
sabia que se tivesse tantas como Pipo, não teria conseguido o
emprego. Ele já tinha feito alguns bicos no condomínio, mas não
gostava de como as pessoas o encaravam.
— Eu sei que você não gosta dessa garota, lembro que ela
não se manifestou no dia em que você foi acusado de furto, mas
não vale a pena passar do seu limite por conta desse tipo de gente
— respondeu, sério. — Você não é como eles.
Chegava a ser engraçado vê-lo me dando um “sermão” sobre
passar dos limites, quando era só isso o que ele fazia. Pipo estava
certo, entretanto...
— É, eu sei. Não vou deixar que ela tire a minha paz.
E repeti isso mentalmente antes do meu celular tocar. Eu
coloquei o aparelho no ouvido e soltei o ar, frustrado, quando a voz
do meu chefe ecoou do outro lado da linha.
— Pedro, boa noite. Preciso de você amanhã em um dos
eventos noturnos do clube.
— Amanhã?
— Sim, o Hélio não vai conseguir vir e estou trocando os
turnos de vocês.
Só avisa, né, filho da puta? Perguntar que é bom...
— Certo, Roberval. Evento do quê?
— Um evento dos Albertelli no salão principal. É algum tipo de
reunião com médicos e pessoas da área de saúde. Traga seu
uniforme social e esteja aqui antes das quatro horas. — E desligou.
Ótimo. Em menos de cinco segundos, ela já tinha tirado minha
paz novamente sem nem mesmo se esforçar.
 
 
Acho que eu fico mesmo diferente
Quando eu falo tudo o que penso realmente
Mostro a todo mundo que eu não sei quem sou
Eu uso as palavras de um perdedor
::PERDENDO DENTES - PATO FU::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Não tinha o menor saco para os eventos da minha família, mas
Greg amava cada um deles. Era a oportunidade que ele tinha de
fazer ainda mais contatos na área. Não era o ramo da sua família,
mas meu namorado era apaixonado por Medicina e tinha o sonho
de gerir o hospital dos meus pais comigo quando nos formássemos.
Sempre me pareceu um bom plano, mas eu nunca tive a
mesma empolgação que ele. Óbvio que gostava da possibilidade de
ajudar as pessoas e já tinha até mesmo dado ideias de alguns
projetos para os meus pais. Os dois amavam quando eu me
envolvia e era por eles que eu fazia tudo isso.
Eles sempre deixaram claro que desejavam que eu seguisse
seus passos. E como poderia ser diferente? Era o legado deles para
mim.
— Kinha, abre a porra de um sorriso, todo mundo está olhando
— Gregório pediu disfarçadamente, acenando para um dos
neurocirurgiões presentes e segurando-me pela cintura.
— Estou meio exausta hoje.
— Você não fez nada o dia inteiro, está de férias. Pelo amor de
Deus, olha as oportunidades de ouro que você tem. Até o dono da
DuploM[14] está aqui. Já volto, preciso mijar e depois você me
apresenta, ok?
Ele me deu um beijo no rosto e girei o corpo para observar
enquanto meu namorado se afastava. Passei os olhos pelo salão e
notei o idiota que tinha me chamado de cadela servindo taças de
champanhe e dando seus típicos sorrisos falsos para os
convidados. As mulheres só faltavam se derreter quando ele
aparecia nos seus campos de visão.
Como ninguém percebia que ele era uma fraude?
Ninguém era tão simpático assim!
Lavínia apareceu na minha frente, dando-me um susto e
fazendo com que minha atenção se voltasse a algo realmente
relevante. Por que estava perdendo tempo analisando o
comportamento de alguém tão canalha? Peguei a taça de
champanhe que estava em suas mãos e virei todo o conteúdo sem
que ninguém visse.
— Eita...
— Sede — expliquei quando ela arregalou um pouco os olhos
pela minha reação.
— Estou entediada! — Ela soltou o ar logo depois. — Nada de
divertido acontecendo por aqui.
Minha amiga só estava ali porque tinha sido um convite de
Inácio Albertelli, papai tinha o dom de convencer as pessoas. E
sabia que tinha feito isso porque o pai dela tinha a esperança de
que Lavínia arrumasse um bom partido.
Ela tinha uma relação bem complicada com seus pais.
— Meu Deus! O prefeito de Coroa do Sul[15] está aqui —
comentou, animada, vendo Leonardo Ortega[16] conversando com
Marco Montes.
— Amiga, claro que ele está aqui. Caso você não se lembre,
esse evento tem como foco o hospital que vamos abrir lá — lembrei,
dando uma risada.
— Você foi uma burra por não ter aproveitado a chance que a
vida te deu. Podia ter esse gostoso ao invés do idiota do Gregório…
Dei uma risada. Eu tinha passado uma noite com Leonardo
Ortega e me arrisco a dizer que foi a melhor que tive em toda minha
vida. Nós já nos “conhecíamos” de algumas festas da alta
sociedade, mas naquela noite, demos um match no Tinder no meio
do evento em que estávamos acompanhando nossos pais.
Nós dois estávamos entediados, ligamos o aplicativo e
acabamos conversando realmente, coisa que nunca tínhamos feito.
Ele me contou que em breve seria candidato a prefeito e alguma
coisa aleatória sobre o Tibet que não me lembro porque só
conseguia focar naquele par de olhos verdes.
Tomei um lindo chá de pica e na manhã seguinte o bonitinho
fez um café da manhã para mim e me pediu desculpas.
Eu fiquei meio estática, pensando: ele está se desculpando por
me comer?
Depois entendi que não, ele só explicou que tinha acabado de
terminar um namoro, que não tinha intenção de se envolver com
ninguém. Deixou claro que me achava uma garota legal e que não
seria a pessoa certa para mim naquele momento.
O cara que tinha me enforcado de noite estava preocupado
com meu bem-estar.
Eu até tentei argumentar, porque naquela manhã eu estava
querendo aceitar qualquer migalha daquele homem, mas ele
enfatizou que iria focar na sua campanha que começaria em alguns
meses e eu entendi o recado.
— Pelo amor de Deus, ele é um homem de família agora… —
lembrei, percebendo que a primeira-dama não estava com ele.
Paula Braga, uma das mulheres mais sortudas do país.
— Ele podia ter sido o homem da sua família e... Jesus, você
ainda ficou com ele com aquele cabelo horroroso…
— Ficou com quem? — Greg apareceu atrás de nós com uma
carranca no rosto.
— Ai, Gregório, deixa de ser insuportável — Lavínia rolou os
olhos e bufou. — Ninguém te chamou aqui.
— Vi, você não tem nada melhor pra fazer não?
— Já falei mil vezes que pra você é Lavínia. Vi é para os
amigos.
— Te conheço desde criança, idiota. Desde quando não sou
seu amigo?
— Isso não quer dizer nada. Enfim, você me cansa. — E saiu.
Lavínia também conhecia Gregório desde pequena, como eu
disse, nossos círculos eram bem fechados e as amizades não se
expandiam muito mais além deles. Quando minhas melhores
amigas souberam sobre a traição, tiveram uma briga gigante com
ele e passaram a cortá-lo sempre. Ana era mais maleável que a Vi,
entretanto.
— De quem ela estava falando? — indagou, ainda com um
vinco na testa.
— Do prefeito. — Apontei Leonardo Ortega com a cabeça e
ele fechou ainda mais as expressões.
— Você já deu pra ele também?
Odiava o jeito de Gregório falar sobre minhas outras
experiências, como se fosse um absurdo que eu tivesse trepado
com outros caras antes dele. Era hipócrita e machista.
— Não era virgem quando começamos a namorar, Gregório.
— Infelizmente…
Um babaca. Queria que eu fosse virgem, mas continuava
metendo o pau em outras sempre que tinha a oportunidade.
Antes que pudéssemos falar mais alguma coisa, Leonardo
percebeu que estávamos olhando para ele. Coçou a cabeça, um
pouco tímido, e se aproximou com seu amigo.
— Ei, Larissa. Tudo bom? — Ele me cumprimentou com dois
beijinhos.
— Oi, Leo — respondi, um pouco nervosa pela proximidade.
A primeira-dama que me perdoasse, mas era difícil me manter
neutra tão perto de um homem de quase dois metros de altura, um
que eu sabia do que era capaz de fazer.
— Marco, boa noite — cumprimentei o homem loiro ao seu
lado que segurava um copo de uísque.
Também já tinha encontrado o dono da DuploM em um ou
outro evento dos meus pais, mas no geral ele não costumava
comparecer.
— Gregório Valença. — Ele pigarreou, estendendo a mão para
se apresentar e puxando-me um pouco mais para perto dele. —
Namorado da Larissa.
— A primeira-dama não veio? — perguntei, olhando para os
lados.
— Não, ela não estava se sentindo muito bem.
— Eu imagino, nesse período de…
— Preciso dizer que acho que esse projeto vai ser muito
benéfico para a cidade — Greg me interrompeu, desesperado para
falar sobre o hospital. — Sou médico residente, trabalho na unidade
da Barra e apresentei várias ideias para os pais da Lari.
— Sua namorada estava falando. — Marco Montes olhou de
cara feia para o meu namorado, franzindo o cenho.
— Sem problemas, estava jogando papo fora. — Dei um meio
sorriso e os dois olharam de mim para ele.
— Sim, o projeto vai ser ótimo para Coroa do Sul — Leonardo
começou a falar para mim. — E tenho certeza de que os Albertelli
possuem grandes planos para a unidade. Teremos uma reunião em
breve... Inclusive sobre um dos projetos que foi iniciativa sua, pelo
que eu soube, Larissa. Aquele que utiliza parte dos recursos para
atender alguns pacientes do SUS. Acho ótimo o que estão fazendo,
focando nos tratamentos de câncer.
Senti meu rosto queimar e na mesma hora meu olhar cruzou
com o do Pedro, que praticamente se materializou com uma
bandeja de taças de champanhe à nossa frente. Ele sustentou o
olhar de ódio habitual para mim e respondi da mesma forma.
Gregório pegou uma das taças e sequer olhou para ele, que
inclinou minimamente a bandeja na minha direção. Eu queria virar
mais uns seis copos, mas já estava alta o suficiente e sabia que
mais algumas doses iriam me derrubar.
— Não, obrigada — respondi para ele e voltei a falar com o
prefeito. — Não é nada demais, realmente. Os tratamentos com
câncer têm um valor altíssimo e vamos focar neles.
Ouvi um ruído quase imperceptível ao meu lado.
Eu estava maluca ou o babaca fungou e saiu fazendo uma
negativa com a cabeça?
Não. Eu só podia estar paranoica.
— Eu tenho acompanhado… — Gregório começou a dizer,
mas logo Marco Montes o interrompeu:
— Só um segundo, Gregory. — Ele com certeza errou o nome
de propósito, porque falou cheio de desdém. — Ortega, me avise
sobre essa reunião, tenho certeza que podemos trabalhar em algo.
—  Depois se virou para mim. — Nós fazemos muitas doações para
os hospitais públicos de Coroa do Sul e vou ficar feliz em auxiliar
nesse projeto que você idealizou.
Ele enfatizou a palavra você e sorriu para mim.
Que homem lindo, meu Deus.
O seu celular tocou e ele se afastou um pouquinho.
— Eu reclamo que o Monge não atende ninguém e você fica
defendendo, bem feito e…
Um silêncio sepulcral havia se instalado na roda e foi
impossível não ouvir sua conversa. Leonardo soltou um “então”,
querendo preencher o espaço constrangedor e eu fiz o mesmo,
sorrindo. Logo depois, Marco pigarreou, assentiu com a cabeça e
desligou o aparelho, voltando para onde estávamos.
— Sua mulher está mandando você atender o seu maldito
celular — resmungou entredentes para o amigo e deu um sorrisinho
sem graça para nós, ajeitando o terno.
— Vocês nos dão licença? —  O prefeito se virou para o meu
namorado, cheio de deboche e continuou: — É que quando minha
mulher fala, eu a escuto e faço o que ela manda. Nos falamos
depois — avisou, puxando o amigo, mas antes eu dei uma risadinha
ouvindo o restante da conversa entre os dois.
— Ela estava gritando comigo e por que infernos você nunca
vê essa porcaria? Pra mandar vídeo daquelas merdas de roedores
filhos da puta você tem tempo, não é?
— Que babacas…
— Babacas por quê?
— Achei os dois super mal-educados.
— Você me interrompeu duas vezes, até eles perceberam —
lembrei.
Ele soltou o ar, claramente irritado e me puxou pelo braço até o
lado de fora do salão, perto da piscina. Não havia ninguém por ali
porque já estava fechado e era proibido frequentar aquela área
quando estava acontecendo algum evento.
— Está reclamando que eu te interrompi? — indagou, cheio de
ironia, soltando uma risada incrédula. — Óbvio, você estava
praticamente se jogando em cima do prefeito. Por Deus, Larissa, se
dê ao respeito.
— Você não pode estar falando sério…
— Estou sim — respondeu, sério. — Depois conversamos
sobre, vamos voltar.
— Não vou voltar, vou pra casa.
Ele parou, me olhou como se estivesse ponderando alguma
coisa e depois ajeitou as abotoaduras do terno.
— Talvez seja melhor mesmo, acho que você já bebeu demais
— disse por fim.
— Sim, você sempre sabe mais sobre mim do que eu mesma
— murmurei e ele pareceu irritadiço.
— O que isso quer dizer, Larissa?
— Nada, querido. Apenas que você me conhece muito bem.
— Sabe que sim. Enfim, digo para os seus pais que você
estava com dor de cabeça, ok?
E nem seria mentira.
Assenti e ele se virou, voltando para o salão.
No mesmo instante, fui até o bar da piscina. Sabia muito bem o
que estava fazendo, então tirei um dos grampos do cabelo e
destravei o cadeado da adega, pegando uma garrafa de
champanhe.
Foda-se, eu precisava de uma bebida e não ia voltar para a
festa em busca de álcool, correndo o risco de cruzar o caminho de
um dos amigos chatos dos meus pais ou do meu namorado.
Tirei meus sapatos, subi a barra do meu vestido até a coxa e
me sentei na borda da piscina com os pés dentro da água.
Dei um gole na bebida e finalmente pude respirar fundo,
sentindo a paz ecoar ao redor de mim mesma.
Sozinha. Eu sempre ficava bem quando ninguém estava por
perto.
 
Que ela é toda imoral, de olhar já passo mal

O encaixe foi perfeito, a sintonia surreal


:: O JOGO VIROU – STRIKE ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Roberval pediu que eu fosse até o bar da piscina pegar um
saca-rolhas porque um dos outros garçons havia quebrado os dois
da cozinha do salão de festas. Eu ainda estava me perguntando
como o idiota tinha feito isso.
Duas vezes!
No momento em que pisei do lado de fora, pisquei para ter
certeza do que estava vendo. Era uma cena bem incomum e
definitivamente não havia nada de elegante nela.
Larissa Albertelli sentada com os pés dentro da piscina,
bebendo uma garrafa de Veuve Clicquot[17] direto do gargalo.
Bem, ao menos a bebida tinha alguma “classe”.
— Você não pode beber dentro da piscina — avisei, nem
tentando esconder a falta de paciência na minha voz.
As pessoas estão certas ao dizer que o pobre não tem um
único minuto de paz. Eu poderia estar na minha casa desenhando a
próxima tatuagem do meu irmão, comendo minha garota ou até
mesmo vendo uma das novelas da minha avó, mas não. Eu estava
aqui dando esporro em patricinha mimada.
Sua cabeça girou na minha direção e ela me encarou com os
olhos estreitos, mas não me respondeu. Levou mais uma vez a
garrafa até os lábios, terminando todo o conteúdo restante como se
estivesse me desafiando. Depois a girou na mão, brincando.
Soltei o ar, cansado, e me aproximei ainda mais.
— Você não pode beber dentro da piscina e nem ficar com
vidro por perto — repeti. — Vai dar merda.
Seu corpo parecia relaxado e reparei que ela estava bem
bêbada. Certamente faria alguma cagada e se aquela garrafa
quebrasse dentro da piscina, meu chefe ia comer meu rabo.
— Garota, esse é o meu último aviso. Se continuar aí, vou te
multar.
— Faz o que você quiser. — Ela deu de ombros, deixou a
garrafa de lado e seu olhar se perdeu no horizonte.
Sempre assim, sempre com o foda-se ligado. Ricos nunca
respeitavam as regras, jogavam dinheiro fora apenas porque
queriam fazer o que bem entendiam. Não adiantava penalizá-los
com algo que não faria diferença alguma em suas vidas.
Girei nos calcanhares com a intenção de ir embora. Cheguei
até a dar alguns passos, mas desisti no meio do caminho. Se ela
quebrasse a garrafa dentro da piscina, seria uma merda do caralho.
Não, eu não iria deixar que ela fizesse o que bem entendesse.
— Você também não pode ficar aqui essa hora — continuei a
falar, dando meia-volta e parando atrás dela.
— Não me importo.
— Não me interessa se não se importa — retruquei de forma
grosseira, completamente irritado. — Além de te multar, vou chamar
um dos seguranças do evento dos seus pais.
Ela se levantou em um impulso e tudo aconteceu rápido
demais. Larissa pisou em falso, torceu o pé e derrubou a garrafa no
chão, fazendo-a rolar para o lado. Em um movimento de reflexo, eu
a puxei pelo pulso antes que ela pudesse cair dentro da piscina e
seu corpo colidiu com o meu.
Nem percebi que meu braço livre se enredou na sua cintura,
mas notei que ela prendeu o ar, um pouco sem reação pelo impacto.
Logo em seguida, os lábios entreabertos soltaram uma respiração
que fez cócegas na minha boca e toda minha atenção foi
direcionada para eles.
Não sei dizer quantos segundos se passaram, mas a
impressão que tive foi de que o mundo havia pausado ao nosso
redor e apenas a ação da sua língua umedecendo os lábios fazia
parte da realidade.
Ela tinha uma boca grossa e perfeita.
O seu coração batia forte contra o meu peito. Levantei os olhos
para encontrar os seus, a confusão refletida em sua pupila dilatada.
Caralho, não era possível que eu estivesse assim, nitidamente
hipnotizado naquela garota tão fútil. Eu a soltei quando percebi que
estávamos presos em uma espécie de bolha silente e
constrangedora.
Que diabos eu estava fazendo?
— Doida pra fazer merda, né? — bufei, pegando a garrafa no
chão. — Se eu não estivesse aqui...
— Eu não estaria ouvindo essa sua voz irritante e minha vida
seria muito melhor — retrucou de forma insolente. — Estou indo.
Tenha uma péssima noite.
I-N-S-U-P-O-R-T-Á-V-E-L.
Ela se agitou e inclinou para pegar os saltos, quase se
desequilibrando mais uma vez. Depois, começou a marchar
praticamente em zigue-zague em direção ao portão que dava
acesso à piscina e desviou de uma cadeira milímetros antes de
quase derrubá-la.
Passei as duas mãos no rosto, arrependido do que eu tinha
decidido fazer.
— Vou com você até sua casa — avisei, alcançando-a.
— Você vai o quê?
A herdeira dos Albertelli parou, deu uma risada como se eu
tivesse dito algo divertido e arqueou uma das sobrancelhas. Em
seguida, suas expressões se transformaram em um misto de
desdém com aborrecimento.
— Fica tranquilo, a cadela sabe o caminho de volta para casa.
Não preciso de você — afirmou, afastando-se.
As palavras ricochetearam em mim de novo, acertando-me
como o tapa que ela tinha me dado e fazendo com que eu
lembrasse mais uma vez da merda que eu tinha dito.
— Você quase caiu na piscina, estava até levando as cadeiras
com você durante seu trajeto e está fazendo um péssimo trabalho
tentando andar em uma linha reta. Estou apenas querendo ajudar.
Ela parou novamente e cerrou os olhos para mim, como se
estivesse me analisando, desconfiada.
— Você ameaçou me multar, me expulsou da piscina e acha
que caio nesse papo de que quer me ajudar?
— Não foi uma ameaça, eu vou mesmo te multar — avisei,
dando uma risada.
— Você é um babaca.
Ela rolou os olhos e saiu pisando firme, parecendo uma
criança mimada. Por mais que eu odiasse aquela insuportável, sabia
bem os tipos de homens que moravam naquele condomínio. Nós,
funcionários, normalmente éramos invisíveis para os ricos e
acabávamos ouvindo muitas coisas que eles diziam.
E porra, eu já tinha ouvido merda pra caralho a ponto de saber
que os próprios caras que ela chamava de “amigos” não eram de
confiança.
A cada vez que Larissa olhava para trás e percebia que eu
continuava acompanhando-a com alguns metros de distância,
soltava um ruído de frustração. Mesmo que eu estivesse sendo
“babá da patricinha”, estava me divertindo por vê-la irritada.
— É sério que vai continuar me seguindo? — ela resmungou,
parando de andar e mexendo os braços na frente do corpo. — Eu
não quero você perto de mim!
— E eu não faço o que você manda.
— Vou chamar a segurança do condomínio — ameaçou.
— E mentir mais uma vez? — indaguei, com raiva,
aproximando-me um pouco mais, porque eu sabia que não podia
gritar. — Além de me acusar de furto e de fazer chantagem, vai
dizer o quê? Que eu fiz algo com você? É isso que acha que eu
quero fazer?
— Não te conheço, só sei que é um babaca e que odeia
pessoas que tem uma situação de vida melhor do que a sua, sabe-
se lá por qual motivo e...
Era muito atrevimento e prepotência insinuar que a vida dela
era melhor do que a minha porque ela tinha dinheiro. E mais
absurdo ainda que achasse que eu apresentava algum risco
simplesmente por conta disso.
Dei um passo à frente, furioso. Quem ela pensava que era?
— E porque eu sou pobre e moro em uma comunidade eu iria
querer fazer algo com você? Acha que estou te acompanhando até
sua casa porque quero te forçar a fazer algo? — Uma risada de
escárnio escapou, mas eu estava tremendo de ódio. — Deixa eu te
dizer uma coisa... Não sou a porra de um estuprador, diferente dos
seus amigos. Não tenho nem vontade de chegar perto de você.
Ainda que eu tivesse todo o dinheiro do mundo, mesmo que você
implorasse pra que eu te fodesse ou fosse a última mulher
existente... Jamais ficaria com uma pessoa tão desprezível.
Estava espumando de ódio, cuspindo as palavras sem nem
conseguir respirar. Odiava todos os pré-conceitos e as suposições
horríveis que sempre faziam de mim. Aquelas pessoas eram
nojentas.
Nem percebi as luzes baixas do farol do carro que se
aproximava, completamente cego pela raiva.
— Boa noite, galera... — A voz de Heitor ecoou ao meu lado,
seguida por uma risada um pouco sem graça.
— Oi, Heitor — ela respondeu sem muita vontade.
— Fala aí, cara? — eu o cumprimentei, batendo em sua mão.
— Vim acompanhar sua amiga em casa porque ela estava trocando
as pernas.
— É, Lari? — Ele gargalhou. — E cadê o Gregório?
— Estou ótima. Gregório está no evento dos meus pais. Boa
noite... — Ela já tinha se virado para ir embora, mas girou a cabeça
e me fuzilou com os olhos. — Ah, e Heitor, você não deveria andar
em péssimas companhias.
Ele riu novamente.
— Entra aí no carro, Pedrão. Vamos acompanhando a Lari até
lá em casa. — E abriu a porta do carona.
— Odeio essa garota.
— Quem daqui você não odeia?
— Você... E o Pato.
Heitor jogou a cabeça para trás, explodindo em gargalhadas.
Conheci Heitor Franco em um projeto social da comunidade
(eu dava aula de luta para crianças nas minhas folgas) e digo com
convicção que ele era a única pessoa rica que prestava, ainda que
seus amigos fossem tão nojentos quanto um saco de lixo.
Uma chuva inundou o Rio de Janeiro, fodeu o teto da
academia e nós ficamos sem local para treinar. Ele surgiu pela porta
e logo pensei: “Ótimo, o salvador rico apareceu com um lugar para
que pudéssemos praticar durante aquela semana”. Até mesmo
fretou um ônibus para levá-los até o seu condomínio na Barra da
Tijuca.
Não fui com a cara dele no início.
Primeiro, porque eu sabia que era o dono de uma das boates
mais elitizadas do Rio de Janeiro, a Dräieck. Como um cara com
seus vinte e poucos anos tinha uma casa noturna sem querer ficar
ostentando?
Segundo, porque ele chegou na academia do condomínio com
um macaco-prego pendurado no ombro e eu só conseguia pensar o
quanto era ridículo um riquinho insuportável andar por aí carregando
um animal silvestre como se fosse um palhaço de circo.
Então ele me contou que o macaquinho se chamava Pato e
que ele não era legalizado. O arrombadinho começou a aparecer
dentro da casa dele, zonear a porra toda e como se não bastasse,
escolheu um dos quartos para ser seu.
O macaco decidiu “morar” na casa dele e simplesmente não
desgrudava do Heitor. Naquele dia, lembro que o animal pulou no
meu ombro assim que me viu e começou a mexer no escapulário
que eu tinha no pescoço. Ele me abraçou também e em menos de
um minuto, o Pato ganhou o meu coração.
Descobri também que todos o conheciam pelo condomínio e o
animal andava para cima e para baixo, tocando o zaralho. E eu
achei ótimo que ele aprontasse algumas merdas e fodesse com a
paz dos playboyzinhos e patricinhas.
Convivendo naquele meio, percebi que existe uma diferença
entre os ricos. Na verdade, existe mais de uma, mas Heitor não era
como a grande maioria dos que moravam ali especificamente. Os
pais dele ganharam muito dinheiro quando ele ainda era novo, então
ele tinha um pouco mais de consciência de mundo. E conforme fui
conhecendo Heitor, minhas percepções mudaram pela primeira vez.
Foi ele quem me arrumou o emprego no Mansões Golf Club.
No início, eu não queria aceitar trabalhar dentro de um condomínio
tão chique que tinha um campo de golf, uma pista de skate e um
lago!
Ainda que eu não quisesse contato com ricos, por mais que
tivesse prometido para mim mesmo que não chegaria perto daquela
gente, acabei aceitando o trabalho. Sabia que os babacas davam
boas gorjetas por te tratarem que nem merda boiando no esgoto.
No momento em que ele sugeriu o cargo, percebi que não
havia alternativa para mim. Necessitava comprar um equipamento
melhor de tatuagem e precisava juntar dinheiro para alugar um
espaço só meu em um futuro próximo.
O meu maior sonho era abrir um estúdio. E coloquei na minha
cabeça que eu iria conseguir. Mesmo que isso significasse ter que
conviver com os piores espécimes de seres humanos.
 
 
Olha, se você tivesse uma chance
Ou uma oportunidade
para ter tudo o que você sempre quis
... um momento
Você pegaria, ou deixaria escapar?
:: LOSE YOURSELF  - EMINEM ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
— Cara, eu ia te procurar logo pela manhã, acho que é o
destino termos nos encontrado hoje — Heitor comentou, encostando
no banco logo depois que a patricinha entrou em casa.
— Destino? — Dei uma risada.
— Claro! Preciso falar com você. Tem um tempinho?
— Estou trabalhando. Já vou tomar uma comida de rabo por
ter deixado meu posto pra acompanhar a mal-agradecida até em
casa. — Fitei a porta da casa à nossa frente com raiva.
Aquela garota me tirava do sério de um jeito ridículo. A
impressão que eu tinha era de que sempre que ela estava por perto
toda minha racionalidade se extinguia e me sugava para um furacão
devastador dentro de mim mesmo. Um efeito que me prendia em
uma frequência disrítmica.
— A Lari é gente boa, Pedro. Dá outra chance!
— Sem chance.
Ele deu uma risada e levantou as mãos em um sinal de
rendição. Nós já havíamos conversado bastante depois do ocorrido
com o relógio e ele entendia a forma como me sentia, mas frisou
que a Larissa não era babaca como o Gregório.
Coitado. Iludido por conta de uma amizade que eles tiveram no
passado...
Os dois foram bem próximos quando mais novos, mas
acabaram se afastando, principalmente quando ela começou a
namorar o Príncipe Fúnebre (era como ele vez ou outra chamava o
herdeiro da funerária).
— Preciso voltar pro trabalho, cara — lembrei, fugindo dos
meus pensamentos. — Nos falamos amanhã?
— Calma aí, porra. — Heitor colocou uma das mãos entre nós
e pegou o celular, deslizando o dedo para procurar algum contato
em sua lista. — Oi, Rob. Boa noite, tudo bem?
Ele fez uma pausa e revirou os olhos para mim, fazendo com
que eu abafasse uma risada. Heitor achava o meu chefe um pé no
saco, assim como qualquer outro ser humano, mas o Roberval tinha
uma queda por ele e é claro que Heitor sabia e se aproveitava disso,
chamando-o até mesmo de Rob.
— Tudo ótimo também... Olha, o Pedro foi ao banheiro e eu o
sequestrei rapidão porque precisei da ajuda dele com um
probleminha aqui em casa. — Mais uma pausa e ele sorriu para
mim em cumplicidade pela sua mentira. — Não, que isso, você é
gerente... Precisa coordenar toda uma equipe. Prometo que não vou
alugá-lo por muito tempo. Sim, claro.
E desligou.
— Ele come na sua mão, você sabe disso, não é?
— Ninguém resiste a Heitor Franco.
Soltei uma risada alta no minuto em que ele abriu um sorriso
vitorioso para mim.
— Então, você sabe que minha irmã está morando nos
Estados Unidos, certo? Te contei isso? Eu devo ter contado... —
começou a cuspir as informações de maneira ansiosa, parecendo
um pouco pensativo a cada frase. — Enfim, a idiota caiu no último
degrau da escada do shopping quando foi jogar boliche e quebrou o
tornozelo. Nossos pais como sempre estão fazendo um curso na
Europa e não vão conseguir ficar com ela. E por isso, preciso ficar
um tempo de enfermeiro até que eles possam voar pra lá.
— Que merda, ela está bem?
— Não muito, ela não pode encostar o pé no chão e está tendo
algumas dificuldades. Então estou partindo pra lá amanhã e tenho
uma proposta perfeita para você. — E abriu um sorrisinho.
— Lá vem...
— Você sabe que o Pato odeia a Lúcia que trabalha aqui em
casa, certo? Ele não dá paz para a pobre coitada e isso até me fez
reduzir os dias que ela vem.
Gargalhei, já tinha ouvido suas reclamações sobre o
macaquinho que odiava a diarista dos Franco. Pato era muito
temperamental e constantemente cagava nos retrovisores de alguns
moradores que não gostavam dele, mas eu achava isso o máximo e
por mim ele cagaria em todos os restantes.
Será que se eu ensinasse, ele faria isso no Mini Cooper[18] da
Larissa Albertelli?
O Pato era uma figura, mas Pipo o odiava, sem nenhum
motivo aparente. Quer dizer, o fato de ele tentar roubar o boné dele
algumas vezes não era uma razão lógica.
Patético.
Além disso, meu melhor amigo tinha cismado que o macaco
ficava mostrando os dentes para ele e tinha uma implicância ridícula
com o bichinho. Eu sempre argumentava que Pato estava sorrindo,
mas Felipe batia o pé e contestava que não, que ele era um macaco
do mal.
— Eu não tenho como pedir para ela ficar aqui em casa tanto
tempo e não dá pra deixar o Pato sozinho. — Sua voz caiu um tom
para algo que beirou o drama. — Meu sócio já pulou fora, ele não
tem paciência alguma com animais e você sabe como o Pato é
mimado.
Sim, o Pato era extremamente mimado. Eu ficava chocado e
sem entender como um animal silvestre gostava tanto de uma boa
vida.
— Além disso, minha arquiteta vai precisar passar aqui para
tirar as medidas do escritório que vamos reformar e o paisagista do
jardim está no meio do projeto...  — Ele fez uma expressão quase
como a do Gatinho do Shrek[19]. — Pensei em uma solução perfeita.
Você já trabalha aqui mesmo, o Pato te ama e é uma pessoa da
minha confiança. Por que você não fica esse mês morando aqui, até
eu voltar?
— Morando aqui? — Minha voz saiu estridente e até mesmo
engasguei com minha saliva.
— Sim, eu ficaria muito mais tranquilo de saber que tem
alguém cuidando de tudo.
— Meu trabalho é aqui, Heitor. Não acho que deveria misturar
as coisas, eu estaria quase vivendo como um morador e…
— Não teria problema algum. Vou deixar avisado para o
Roberval. Tem diversos funcionários que moram nas casas dos
patrões aqui do condomínio, você sabe disso. Além do mais, é algo
temporário. E vamos combinar, seria muito melhor pra você... Sem
pegar transporte todo dia... — comentou, tentando soar convincente,
apresentando o lado bom daquele absurdo.
— Eu tenho uma casa, tem a minha avó e meu irmão. Os
meus clientes do estúdio, a aula que dou semanalmente... Ah, e o
Felipe está treinando para um campeonato e em alguns dias estou
ajudando lá na pista de skate do Pontal… — comecei a me justificar,
querendo fugir.
Eu já não aguentava trabalhar naquele lugar, imagina dormir e
acordar ali? Bem na frente da casa da Patricinha da Barra mais
insuportável já nascida?
— O Felipe está mais do que convidado para vir treinar aqui. A
pista do condomínio é muito melhor do que a do Pontal,
convenhamos... Tenho certeza que ele vai topar. E você pode visitar
a dona Dea e fazer qualquer outra coisa que quiser, oras.
— Eu não acho que…
— Você estava procurando um estúdio, não estava? — Agora
ele estava me olhando com um sorriso maléfico no rosto, um que eu
aposto que o diabo usava para tentar as pessoas a cometer os
pecados. — Tenho uma loja disponível. Se ficar aqui em casa esse
tempo cuidando de tudo pra mim, os seis primeiros meses de
aluguel são por minha conta.
Puta que pariu.
— Você… — Não consegui terminar minha frase,
completamente atordoado pelas palavras que saíram da sua boca.
— Como assim?
— É um imóvel que eu alugava ali perto do Barra Shopping. O
locatário saiu no mês passado e acho que seria perfeito pra você.
Pisquei, ainda incrédulo. Heitor sabia do meu sonho e já tinha
feito duas tatuagens comigo há uns dois meses. Quando eu contei
sobre minha outra profissão, logo quando nos conhecemos, acho
que ele não levou muita fé, mas então conheceu o Pipo e ficou
alucinado com os desenhos.
Demorou bastante tempo para que ele tivesse coragem de
enfrentar a agulha, porque Heitor era cagão. E depois disso, gostou
tanto que me indicou para outros clientes.
— Você está mesmo falando sério?
— Claro, onde eu assino? — Ele deu uma risada
— Não sei se conseguiria bancar um aluguel…
— A gente vê isso depois, Pedro. Você vai gostar de ficar aqui,
tenho certeza. Pode usar o tempo livre pra fazer mais alguns
desenhos… Tenho uma amiga que curtiu bastante minha tatuagem
e disse que vai entrar em contato com você para fechar o braço.
— Mesmo?
— Sim, cara! Você é pica! Ah, e se quiser trazer uma garota…
— comentou, cheio de insinuações.
— Eu não traria nenhuma garota pra sua casa, Heitor. —
Revirei os olhos.
— Se mudar de ideia, está liberado. — Deu de ombros e logo
depois me encarou, esperançoso. — Isso quer dizer que você topa?
Confesso que não queria aceitar, já achava difícil demais lidar
com os moradores pelo tempo em que cumpria meu turno no clube.
Sabia que os babacas do condomínio soltariam piadinhas sobre eu
estar vivendo entre eles e queria muito não ficar mais irritado do que
o de costume.
Precisava de um estúdio, entretanto. Minha clientela estava
começando a aumentar e se eu tivesse o meu espaço, isso me daria
mais credibilidade e rentabilidade. Além do que, não seria
necessário pagar nenhuma porcentagem para o dono do lugar em
que eu alugava a cadeira atualmente.
Eu tinha aceitado aquele emprego no clube com um objetivo.
Seria estupidez deixar uma oportunidade daquelas passar. E “burro”
definitivamente não era uma das minhas características.
Respirei fundo, ainda sem acreditar que iria aceitar morar
dentro do ninho das cobras por semanas.
— Certo, Heitor. Eu topo.
— Boa, garoto! O meu voo é amanhã à noite. Vou deixar tudo
ajeitado pra você por aqui. Pode ficar no quarto que era da minha
irmã, ele está reformado e é bem mais confortável que o de
hóspedes.
Logo depois, desatou a falar um pouco mais sobre pedir para a
Lúcia arrumar a casa nos dias que eu estivesse lá e avisou que diria
para ela fazer comida para mim. Perdi um bom tempo tentando
argumentar, em vão. No final, ele comunicou que ela viria sim duas
vezes na semana no horário em que eu estivesse trabalhando no
clube.
Meu Deus, no que eu estava me metendo?
 

 
Voltei para casa exausto depois de um interrogatório de
Roberval sobre o que eu estava fazendo na casa dos Franco. No
início, achei que ele só estava curioso, mas depois precisei segurar
as risadas quando ele começou a me dar um sermão sobre
relacionamentos com os moradores, frisando diversas vezes que
aquele ato era extremamente proibido.
Não sabia se o idiota estava dizendo isso para mim ou para si
mesmo, mas deixei claro que eu era hétero, mesmo que Heitor
fosse um partidão.
Meu amigo era um cara bonito e era entendível que meu chefe
tivesse interesse nele. Se eu gostasse de homem, acho que teria
também. Heitor tinha descendência japonesa por parte da sua mãe
e chamava bastante atenção das pessoas quando chegava em
qualquer lugar, exibindo seu sorriso largo e cabelos pretos lisos.
Deixei minha mochila em casa e vi uma mensagem de Pipo no
meu celular dizendo que tinha janta pronta. Cruzei o pequeno
corredor que separava os dois apartamentos e abri a porta, feliz
com o cheiro da comida caseira de Dona Dea.
— Boa noite, vó. — Dei um beijo no topo da cabeça da
senhora que era a pessoa que ocupava a metade do meu coração.
Dona Dea era uma mulher robusta, de cabelos grisalhos e
curtinhos. Seus olhos eram os mais bondosos que eu já tinha visto,
mas traziam consigo uma pitada de tristeza pelas mazelas da vida.
Ela estava sentada na sua poltrona desgastada de couro,
vendo alguma reprise de uma novela aleatória da Globo e na
mesma hora colocou a mão no peito, respirando aliviada. Joguei o
meu corpo no sofá ao lado e passei as mãos pelo rosto, finalmente
relaxando.
— Graças a Deus você chegou. Já estava rezando pra Nossa
Senhora. Odeio quando fica na rua até tarde.
— Não tive muita escolha. Estava em um evento de rico e meu
maxilar está até doendo de tantos sorrisos falsos — contei e ela deu
uma risada.
— Fiz empadão de frango do jeito que gosta, deixei um
pratinho para você no micro-ondas.
— Eu já disse que te amo hoje? — indaguei, levantando e me
jogando em cima dela, enchendo-a de beijos.
Ela gargalhou.
— Sou a melhor avó do mundo, eu sei que você me ama!
— Eu amo e amo mais quando você faz meu empadão
preferido. Vou esquentar.
Levantei e fui até a cozinha, colocando o prato de comida para
aquecer no aparelho. Enquanto esperava o tempo, coloquei a
cabeça em direção à sala e perguntei:
— Cadê o Pipo?
— Jogando videogame no quarto — resmungou em voz alta.
— Passa o dia todo em cima desse skate e chega aqui em casa e
vai jogar jogo de skate. Haja paciência! Aproveita e vai pro quarto
dele porque estou vendo minha novela.
Peguei meu prato quando o alarme do micro-ondas apitou,
deixei na mesa e dei umas batidas no quarto do pirralho, seguido
por um berro para que ele viesse para a sala. Eu sempre batia na
porta do Pipo, não queria correr o risco de presenciar mais uma vez
a cena dele tocando punheta por causa de alguma ruiva.
— Eu estou vendo minha novela! — ela disse para o corredor.
— Aguenta aí, preciso falar com vocês dois — expliquei,
voltando para a mesa e me sentando para começar a comer.
— Logo na hora em que o Said[20] vai encontrar a Jade?
— Você não cansa de ver essa novela? E é só pausar, vó!
— Qual foi? — Pipo apareceu na sala e se sentou na mesa
comigo. — Chegou tarde pra caralho, hein?
— Olha a boca, Pipo!
— Foi mal, vó.
— Estou exausto — falei, enfiando um pedaço grande de
empadão na boca. — Puta que pariu, isso tá muito bom.
— Estaria melhor sem milho.
— Pepeu adora milho — ela se justificou, finalmente pausando
a novela e vindo até a mesa para se sentar conosco.
— E eu odeio — respondeu, incrédulo.
— Você pode tirar. A mão vai cair?
— E ele pode muito bem comer com uma lata do lado, não
pode?
Ele bufou e eu dei uma risada. Era sempre assim, nós sempre
brigávamos pelo preparo do empadão. Pipo odiava milho e eu
odiava azeitona, aquela merda que pegava gosto em tudo.
Continuei comendo e contando para os dois a proposta que
Heitor tinha feito. A boca de Felipe ia abrindo conforme eu explicava
e ele deu um soco na mesa em comemoração quando eu disse que
ele o chamou para treinar na pista do condomínio.
— Você vai aceitar, não vai? Por favor, diz que sim. Aquela
pista é muito boa, sabe que sou louco para rodar nela.
— Não sei se isso é uma boa ideia... — Vovó Dea parecia
cabreira. — Você vai ficar morando no local em que trabalha? Já
basta aqueles moradores idiotas que te acusaram...
— Eu não ia aceitar de jeito nenhum, mas...
— Você não faria isso por mim? Que péssimo. — Pipo colocou
a mão no peito, fingindo estar magoado e eu o olhei de cara feia.
Cara de pau do caralho, eu fazia tudo por ele.
— Não queria mesmo aceitar, mas ele me ofereceu seis meses
de aluguel em uma loja que ele tem perto do Barra Shopping.
— Meu Deus! — Ela levou as duas mãos até a boca e meu
melhor amigo fez o mesmo, em choque.
— Você vai abrir seu estúdio, porra! — Pipo se levantou tão
rápido que a cadeira caiu no chão, fazendo um estrondo e ele
correu para me abraçar.
Eu o abracei com força e permaneci assim por alguns
segundos, segurando as lágrimas. Meu irmão de vida era a pessoa
que mais torcia por mim, que estava ao meu lado para
absolutamente tudo. Felipe foi quem mais me incentivou a ir atrás
dos meus sonhos, ele literalmente me deu sua pele para isso.
Quando nos afastamos, percebi que aquela senhora que havia
me adotado como neto estava com os olhos marejados. Ela
caminhou até onde eu estava e me envolveu em um abraço,
chorando um pouco no meu peito.
— Você merece tudo isso. — Ela passou uma das mãos no
meu rosto e depois alcançou a mão livre no rosto do Felipe. — Sua
hora também vai chegar, meu amor. Tenho muito orgulho de vocês
dois e do quanto são esforçados.
— Brigado, vó — respondemos em uníssono e demos uma
risada logo em seguida, porque isso sempre acontecia.
— E esse menino é bom, não é, meu filho? — comentou,
referindo-se ao Heitor. — Gosto muito dele.
E ele era. Heitor Franco havia mudado minha vida e seria
responsável por tudo o que viria a seguir.
 
Então vai se fuder
Você e o seu rostinho lindo
Volta e vai viver
Com todos seus amigos ricos
:: JÃO – VSF ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Estava fazendo uns rabiscos no meu caderno no momento em
que olhei para minha janela, um pouco distraída.
Franzi o cenho e cerrei os olhos quando algo me chamou
atenção através das cortinas. Havia uma movimentação estranha no
quarto de hóspedes da casa ao lado. Notei uma figura alta, vestindo
uma roupa preta, mas foi só o que consegui ver diante do breu que
preenchia o cômodo. A luz da lanterna iluminava o armário como se
ele estivesse buscando alguma coisa e automaticamente meu
coração começou a bater mais rápido.
Meu deus! Tinha um assaltante na casa do Heitor.
Gregório comentou que uma semana atrás, outra casa de um
dos condomínios da Barra tinha sido invadida pela gangue chamada
Anéis de Safira[21]. Eles estavam por todos os jornais nos últimos
meses, causando um caos no Rio de Janeiro. Os membros da
quadrilha descobriam quando as pessoas estavam viajando e
invadiam as casas de forma sorrateira. Os malditos tinham até
mesmo acesso às informações da segurança dos condomínios.
E agora tinham chegado aqui!
Apaguei as luzes, sentindo minhas mãos tremendo conforme
digitava o número 190. Tentei manter a calma ao passar os dados
para o atendente, explicando o que estava acontecendo, quase em
um sussurro para não ser ouvida.
Desliguei o telefone em um movimento repentino, buscando o
silêncio completo no meu quarto. Piscava sem parar e era capaz de
ouvir minha cabeça latejando. Não conseguia me mover, estava
enraizada no chão, vendo a frustração do homem em buscar por
algo que claramente não conseguia encontrar.
Aquele cenário era diferente para mim, mesmo que eu
gostasse de me colocar em situações complicadas.
Precisava sair dali antes que ele pudesse perceber minha
presença. E se minha casa fosse a próxima? Meu Deus, eu estava
sozinha e não tinha ideia de quantos assaltantes tinha ali. Respirei
fundo, tentando racionalizar, porque eu precisava ser rápida. Peguei
um dos meus canivetes embaixo do meu colchão, calcei minhas
pantufas e desci as escadas correndo.
Passei pela entrada da minha casa e me esgueirei para dentro
do carro, quase me jogando no chão quando vi uma sombra passar
pela janela da cozinha. No momento em que fechei a porta e as
travei, percebi que estava prendendo o ar por bastante tempo.
Liguei o carro o dirigi até a portaria do condomínio, ainda
notando que minhas mãos estavam trêmulas. Aquela onda
anestesiante que misturava vários sentimentos simultâneos que se
alastravam por cada célula. Desespero, medo, alívio e um toque de
adrenalina alucinante. Uma sensação comum para mim e uma
resposta natural do meu corpo.
Encostei ao lado da guarita e liguei para o meu pai para
descobrir se ele e minha mãe ainda estavam no hospital.
Aparentemente, os dois tinham uma cirurgia e chegariam apenas no
dia seguinte pela manhã, então retive a informação do que estava
acontecendo porque não queria preocupá-los à toa.
Desci do veículo e antes que eu conseguisse avisar para a
segurança, o carro da polícia embicou na chancela.
Tássio, um dos porteiros noturnos do Mansões Golf Club,
olhou para mim receoso e percebi nitidamente o medo tomando
conta das suas feições. Não era muito comum que a Polícia
aparecesse por aqui e quando isso acontecia era a Federal
prendendo algum figurão.
— Recebemos uma denúncia e…
— Fui eu! — falei rápido, estendendo minha mão no ar. —
Invadiram a casa de um dos meus vizinhos.
O Tássio permanecia em choque, olhando sem parar para os
fuzis dos PMs encostados na janela do carro. Não demorou nem
mesmo três minutos para que os dois seguranças viessem até a
guarita para escoltar a polícia até a residência.
— Você tem certeza, senhorita Albertelli? — um deles
perguntou. — Porque até onde sabemos…
— Tenho certeza do que eu vi! — respondi um pouco irritada
por eles estarem questionando o que eu tinha presenciado. — A
casa estava totalmente apagada e alguém estava fuçando os
armários com uma lanterna!
Eles se entreolharam em cumplicidade e fizeram um sinal de
positivo para os policiais. Entrei no meu carro para segui-los até a
casa do Heitor, estaria de camarote para ver aquela gangue idiota
indo para trás das grades.
A viatura percorria o caminho devagar e eu estava logo atrás,
junto com o veículo dos seguranças. E conforme passávamos pelas
casas, reparei que algumas pessoas foram para a janela.
O grupo do condomínio começou a apitar no celular com
diversas perguntas.
“Por que a polícia está aqui?”
“O que estão fazendo?”
“Será que vão prender o Klebinho de novo?”
O Klebinho era um dos agiotas que morava no condomínio e
ele já tinha sido preso uns anos atrás. Passou um bom tempo com
tornozeleira eletrônica, exibindo-a na piscina como se fosse um
troféu.
A próxima mensagem me deixou realmente desesperada.
“Aquele é o carro da filha dos Albertelli?”
Olhando de fora, o meu carro estava entre o da polícia e o da
segurança. Como eu não tinha imaginado que poderiam achar que
eles estavam ali por minha causa?
Porra, mas que burrice a minha. Eu tinha um maldito Mini
Cooper azul!
Quando eles pararam o carro na entrada da propriedade,
reparei que ela estava toda iluminada e achei aquilo estranho. Não
fazia muito sentido que a gangue ligasse todas as luzes do imóvel
correndo o risco de serem vistos.
Então simplesmente uma figura que eu tinha o desprazer de
conhecer apareceu do lado de fora, andando pelo jardim com uma
chave de fenda na mão.
Os policiais apontaram as armas para ele, que arregalou os
olhos, sem entender nada.
Puta que me pariu.
— Parado. Polícia. Mãos na cabeça — um deles gritou e na
mesma hora a ferramenta caiu no chão e ele fez o que foi pedido,
erguendo os braços acima da cabeça e olhando para baixo.
Meu coração disparou, senti um calor sobrenatural se apoderar
do meu corpo junto com toda a vergonha. Desci do automóvel em
um movimento involuntário, junto com os homens que estavam atrás
de mim.
— Senhores… — um dos seguranças chamou os agentes.
Engoli em seco quando o olhar do Pedro desviou para o lado e
cruzou com o meu. Suas expressões de surpresa e preocupação se
fecharam na mesma hora ao perceber meu envolvimento no que
quer que estivesse acontecendo com ele.
Sim, ele iria me matar. Não tinha dúvidas de que gastaria o seu
réu primário comigo.
— Senhores, esse é o Pedro, ele trabalha no condomínio — o
funcionário avisou. — Ele está hospedado na casa do senhor Heitor,
cuidando da residência enquanto ele faz uma viagem.
Os policiais se entreolharam e abaixaram a arma. Engoli em
seco, olhando de um para o outro, completamente desconfortável.
Caminharam a passos firmes até o Pedro, mas sem deixar toda a
pose imponente para trás. Eles com certeza queriam intimidar antes
de checar o que estava acontecendo.
Era possível visualizar isso na postura, na forma como
falavam, sem deixar de encostar na arma cruzada nos seus peitos.
Os seguranças cochicharam alguma coisa e foram até lá, mas eu
não fui capaz de me mover. Conforme ele ia balançando a cabeça e
respondendo às perguntas que eu não conseguia ouvir, seu olhar
permanecia fixo em mim, crepitando ódio.
“Aqui jaz Larissa Ferraz Albertelli”, era só o que eu pensava.
Não conseguia nem piscar direito, estava focada em imaginar
que tipo de caixão Gregório iria sugerir para os meus pais
comprarem. Será que ele cobraria deles? Será que meu namorado
tentaria empurrar o caixão de mogno com pintura à mão, alegando
que eu gostaria? Era um dos mais caros... Ele sempre discutia
comigo quando eu argumentava que queria ser cremada.
Baratas comendo meu corpinho? De jeito nenhum!
Será que a Lavínia berraria com ele tentando lutar pela minha
cremação? Ana certamente causaria um alvoroço.
Perdi a noção do tempo arquitetando todo o funeral que
acontecia na minha cabeça. Nem me toquei quando as pessoas
começaram a se dissipar. Apenas permaneci ali no jardim da casa
do Heitor, abraçando meus braços até que um dos seguranças
perguntasse se eu estava bem.
Assenti no momento em que me dei conta de que o Pedro já
estava entrando na casa dos Franco, pisando firme e cheio de raiva.
Esperei alguns minutos pensando no que fazer. Eu precisava
me desculpar pelo mal-entendido. Mesmo que eu odiasse aquele
garoto arrogante, sabia o quanto ele tinha se ofendido da última vez
que algo semelhante aconteceu. E agora a culpa era inteiramente
minha.
Minhas pernas pareciam bambas enquanto eu percorria o
trajeto até a entrada da residência. Apertei a campainha, sentindo
um arrepio correr pelas minhas vértebras por estar indo de encontro
com minha morte.
— Você só pode estar de sacanagem… — Ele soltou o ar
incrédulo quando abriu a porta com o Pato no seu ombro.
O macaquinho fez um ruído, deu uma risadinha para mim e
girou a cabeça para o lado direito. Na mesma hora, o insuportável
fez menção de fechar a porta na minha cara, mas coloquei a mão na
frente, impedindo que ele fizesse isso.
— Ah, que se foda! — xingou, deixando-me parada na soleira
e voltando para dentro da casa.
Pato fez mais barulhinhos e me deu tchau com uma das mãos,
mudando de um ombro para o outro. No momento em que o Pedro
se aproximou da bancada da cozinha, o animal deu um salto e
correu para a fruteira. Pegou uma banana, estendeu para mim e
abriu um sorrisinho.
Fofo!
Ele o repreendeu com o olhar por estar sendo simpático
comigo e tirou a fruta das suas mãos. Nem se deu ao trabalho de
olhar na minha direção, começou a reorganizar as coisas que
claramente já estavam organizadas na pia da cozinha.
— Olha, eu queria pedir desculpas porque… — comecei a
dizer, quando contornei a bancada e cheguei um pouco mais perto.
— Você chamou a porra da polícia! — praticamente rosnou,
aproximando-se de mim de uma forma intimidadora. Dei um passo
para trás, encostando o quadril na pedra de mármore e o meu olhar
permaneceu fixo no dele. — Eu estava trocando a merda de um
fusível que queimou e você achou que seria interessante ligar para
o 190? É inacreditável o quanto você é preconceituosa.
— Eu não sabia que...
— Você não cansa de tentar me humilhar, garota? O que você
quer? Provar um ponto de que seu namorado estava certo quando
me acusou?
— Eu não quero fazer nada disso! — Senti um vinco se formar
na minha testa, demonstrando minha insatisfação com aquele
comentário.
— Vocês são tudo farinha do mesmo saco.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que você pensa como ele. Está sempre
esperando o pior porque eu não pertenço à sua classe social. —
Sua voz era áspera e ele estava furioso. — Não se preocupa com
os merdas que andam com o seu namorado que estão apenas
esperando por uma oportunidade pra se aproveitar de você, mas
cogita que eu faça isso.
— Eu não confio em ninguém e também não conheço você —
retruquei, como se fosse óbvio.
— E eu estaria pouco me fodendo se fosse só isso, porque
você é mulher e acho certo que desconfie de todos os caras ao seu
redor, mas não é. Porque você não agiria dessa forma com eles.
— Você não sabe disso.
Ele deu uma risada de desdém.
— Mesmo? Se um dos amigos do seu namorado estivesse na
rua do seu condomínio com você à noite, você ameaçaria chamar a
segurança?
Não respondi. Não podia dizer que eu não chamaria a
segurança nem mesmo para ele. Aquele garoto já tinha uma visão
completamente formada sobre mim e não havia motivo para tentar
fazer com que ele pensasse diferente sem me expor.
Ele nunca entenderia que eu não podia trazer algum tipo de
vergonha para os meus pais, que seria absurdo acusar um herdeiro
de alguma família tradicional do Rio de Janeiro sem um motivo
plausível. Pedro não entendia como as coisas funcionavam no
nosso círculo.
Cansei de ver garotas chorando porque foram estupradas e
nada aconteceu. Muitos dos caras que pertenciam ao meu círculo
social faziam o que bem entendiam, eles tinham quem queriam. A
nata da sociedade, muitas vezes era extremamente podre e nojenta,
porque a verdade era que o dinheiro e um bom sobrenome
encobriam quase tudo nesse país.
— Foi o que imaginei — respondeu, cheio de si e logo depois
voltou a juntar as sobrancelhas, exaltando sua irritação. — Eu não
tenho uma vidinha fácil que nem a sua, não recebi tudo de mão
beijada e nem sou herdeiro de um hospital. Eu dou valor a arregaçar
as mangas e trabalhar. Não preciso roubar pra ter nada e diferente
de você, tenho orgulho de conseguir as coisas pelo meu mérito.
Ele não fazia a porra de uma ideia.
— Eu não tenho tudo de mão beijada!
— Não? — perguntou, cheio de deboche. — Você não tem um
emprego garantido quando se formar em Medicina, doutora?
— Isso não quer dizer nada, eu ainda me esforço todos os dias
pra…
Ele deu outra risada desdenhosa.
— Para parecer perfeita? Sinto muito, molduras boas não
salvam quadros ruins — disse com desgosto e eu fiquei irritada. —
Não sei por qual motivo ainda perco meu tempo discutindo com
você. Boa noite.
Ele fez menção de se virar, mas segurei seu braço com força.
Quem ele pensava que era? Ainda estava usando uma frase do
Chorão para me ofender! Aquilo era o cúmulo.
— Estou falando com você! — Minha voz falhou um pouco,
mas eu pigarrei, tentando demonstrar que ele não me abalava.
Era uma mentira, no entanto. Aquele garoto sabia entrar no
meu sistema como ninguém.
Era impossível ignorar algo diferente dentro de um cenário em
que você fingia um papel tão bem que todos à sua volta nem sequer
desconfiavam. Era incômodo quando uma pessoa te julgava mesmo
que você desse todas as ferramentas para que ela fizesse isso. E o
principal, era libertador poder trazer o lado que eu precisava
esconder.
— Não dou a mínima. — Ele me encarou com raiva, puxando o
braço para se desvencilhar do meu aperto. — Fica fora do meu
caminho. Você sabe onde fica a saída.
E saiu pela porta da cozinha em direção ao jardim interior. Pato
estava com os olhinhos arregalados e soltou um gritinho antes de
levar as mãos até a boca e correr atrás dele.
Uma parte de mim ficou decepcionada porque talvez eu
quisesse continuar aquela briga. O ódio entre nós exaltava minha
parte verdadeira. Perto dele eu não precisava ser uma garota
perfeita, porque para ele eu certamente não era.
 
Se acha malandro o bastante pra julgar

Olha o teu rabo antes de vir me esculachar

Desocupado e invejoso é o que tu é

Vê se me esquece e vai pegar uma mulher


Foda-se você

Foda-se o que eu faço e o que eu deixo de fazer


:: V.I.P (VERY IMPORTANTE POR QUE) – FORFUN ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Na manhã seguinte, todos os olhares estavam na minha
direção. Roberval avisou que isso aconteceria porque
aparentemente explicaram o que tinha acontecido no grupo do
condomínio. Ou seja, meu plano de passar despercebido durante
aquele tempo morando ali tinha ido para o ralo graças à patricinha
escrota.
Recebi uma mensagem do Heitor se desculpando e dizendo
que ele deveria ter avisado para os vizinhos, mas que nem cogitou
que algo do tipo poderia ocorrer. Ele também disse que pediria para
alguém dar uma olhada no quadro de luz, que não sabia o que tinha
acontecido.
Eu sabia: Aquela merda daquele condomínio me odiava. Até
mesmo a estrutura da casa gritava para que eu fosse embora. Não
pertencia àquele lugar e tinha certeza de que era um sinal do
universo me mandando ralar[22].
Tinha passado o meu intervalo desenhando para tentar
controlar o meu estresse, mas foi em vão. Estava apertando o lápis
com tanta força que todos os traços estavam grossos e cagados.
Desisti e respirei fundo quando o alarme da mesa dos babacas
tocou, indicando que eles queriam fazer um pedido. Andei devagar
em direção a eles, torcendo para desmaiar no meio do caminho e
não ser obrigado a atender aqueles imbecis.
Larissa estava ao lado do namorado, dentro de uma saída de
praia rosa-choque com mangas compridas e um chapéu elegante. E
mesmo que estivesse com os óculos de sol, sabia que seu olhar se
mantinha em mim.
— Olha se não é o mais novo morador do condomínio —
Bruno, um dos amigos dele, zombou.
— Precisamos falar com seu pai, Erik... — Gregório falou entre
as risadas para o filho do diretor do clube. — Não sabia que tinham
aberto um lar de acolhimento para os funcionários aqui.
— Greg... — ela o chamou, mas ele não deu a mínima.
— Não estou morando aqui, estou trabalhando — respondi,
seco. — O que vão querer?
— É verdade que os policiais estavam com fuzis? —
perguntou, fingindo uma falsa preocupação. — Deve ter sido
assustador... Se bem que você deve estar acostumado com essas
coisas, certo?
— Gregório! — A herdeira dos Albertelli foi mais incisiva dessa
vez e se levantou.
— Calma aí, Kinha. Estou falando com o Pedrinho aqui.
Tão debochado.
Era uma pena que eu fosse mais.
— Estamos no Rio de Janeiro, senhor Valença — respondi
com uma falsa cordialidade, tentando mascarar só um pouco do
sarcasmo na minha voz. — Qualquer pessoa pode ser abordada
com fuzis pela PM. Inclusive, soube que um dos moradores foi
buscar uma encomenda em Santa Tereza com um carro parecido
com o seu e os policiais o abordaram da mesma forma.
Ele me olhou com raiva porque sabia que eu estava falando
sobre um de seus amigos maconheiros, mas dois segundos depois,
abriu um sorriso mostrando todos os dentes.
— Sabemos que esses mal-entendidos acontecem, não é? —
continuou, cheio de ironia. — Larissa com certeza estranhou você
estar na casa do Heitor e por isso chamou a polícia. Sabe como é, a
gente nunca sabe quem são as pessoas de verdade.
— Eu já te disse que não sabia que era ele, Greg — ela se
justificou, tirando os óculos e olhando irritada para o namorado.
— Realmente não sabemos. — Ignorei o que ela disse e dei
um outro sorriso falso. — Já sabem o que vão pedir?
— Um combo de uísque com Red Bull. Ah, e uns bolinhos de
aipim com camarão.
— Certo, se precisarem de alguma outra coisa, só chamar. —
Eu me virei para sair dali, mas pude ouvir o restante da conversa.
— Vocês estão sendo babacas — ela brigou com os amigos.
— Lari, a gente estava brincando — um deles se justificou. —
Não precisa ficar irritada.
—  A Kinha é a defensora dos GBRs. Não começa a exagerar,
eu estava apenas puxando papo com o garçom.
— Claro, você teve um comportamento perfeitamente
adequado para alguém com seu nível de educação e etiqueta — ela
respondeu, ácida, e ele soltou uma interjeição de confusão.
Estava cortando alguns morangos para preparar o drink de
uma senhora de outra mesa quando percebi uma sombra cobrindo a
bancada do bar. Levantei os olhos para ver a patricinha maldita
mordendo o lábio inferior, inclinada sobre o balcão, fuxicando o que
eu estava fazendo.
— O que você quer? — Soltei o ar sem paciência.
— Não ligue para as merdas que eles dizem — começou a
dizer e eu arqueei uma das sobrancelhas, um pouco confuso por
aquele comentário.
— Você não precisa ser a defensora do GBR aqui — ironizei.
Seus olhos saltaram um pouco.
— Você ouviu isso? — Não precisei responder, minha
expressão dizia o suficiente e ela deixou uma respiração frustrada
escapar. — E você sabe o que significa.
Não foi uma pergunta.
— Sim, eu sei.
— Eu sempre peço para eles pararem de falar isso e...
— Você precisa de alguma coisa? — eu a interrompi, querendo
acabar com todo aquele papo furado.
Sabia o que ela estava fazendo. Aquela garota estava
tentando provar para si mesma que não era uma patricinha fútil e
preconceituosa como eu havia dito. Larissa Albertelli não estava ali
por mim e sim por ela. É o que pessoas egocêntricas fazem quando
mostramos quem são de verdade.
Sua boca se entreabriu e ela piscou devagar, mas não deixei
nenhuma brecha para que continuasse falando. Continuei a picar as
frutas, focado em não me cortar, porque do jeito que aquela garota
parecia trazer um tsunami de desastre para minha vida sempre que
estava presente, era capaz de perder um dos meus dedos.
— Uma caipivodka, por favor. E se você puder...
— Coar, eu sei.
Chata mimada do caralho.
Não levantei meus olhos, mesmo percebendo que ela
continuou imóvel por alguns segundos antes de ir embora.
Eu não estava ali para fazer com que ela se sentisse um pouco
melhor por ter sido uma pau no cu comigo mais uma vez. Por mim,
Larissa Albertelli poderia continuar lidando com aquilo no quinto dos
infernos.
 

 
Havia combinado com Pipo de dar uma volta na pista do
condomínio depois do trabalho e obviamente o pirralho estava tão
ansioso que até mesmo chegou antes do horário. Pedi que ele
esperasse na sala enquanto eu tomava um banho e meu melhor
amigo nem se importou, obcecado em dar ordens para a Alexa ligar
as luzes e objetos da casa.
Aquelas tecnologias eram muito fora da nossa realidade. Fazia
pouco tempo que a Vó Dea conseguiu comprar uma SmartTV[23],
parcelada em muitas vezes no carnê das Casas Bahia[24]. Eu não
tinha uma em casa, afinal, mal parava dentro do meu apartamento.
Passava quase todo o tempo na rua ou na casa do Pipo, então
preferi investir em um computador e um celular para fazer vídeos e
tentar divulgar o meu trabalho. E quando eu estava por lá, à toa no
meu quarto, acabava lendo algum livro ou desenhando.
Os ricos tinham tantas coisas bizarras... Ainda estava tentando
entender como algumas funcionavam.
— Eu quero casar com essa mulher — Pipo falou assim que
desci as escadas.
— Primeiro, você já é casado — lembrei e ele levantou o dedo
do meio para mim. — Segundo, não acho que a Alexa[25] seja ruiva.
— Ela faz absolutamente tudo! — ele comentou, passando os
braços em volta do aparelho e depois choramingou. — Eu odeio ser
pobre.
— Você sabe que do jeito que é, se ficar rico, vai acabar
ficando pobre de novo de tanto gastar com inutilidades. — Dei uma
risada. — Rico não passa nem aspirador, Pipo, eles têm um robô
pra isso, olha. Alexa, peça para o Roomba[26] iniciar a aspiração —
ordenei para a assistente virtual.
— Porra, minha avó ia amar um desses.
— Brother, você não vai acreditar... Até a churrasqueira lá fora
é controlada por ela. Normalmente eu não fico dando moral pra
esses ricos e pras coisas que eles ficam ostentando, mas o que me
fodeu mesmo foi a cafeteira. O Heitor sempre me oferece café
quando estou aqui e é bom pra caralho, mas acordar e o café já
estar pronto, com grãos moídos na hora? Você é louco! Isso aqui é
a elite. Fiquei me sentindo na própria Starbucks.
— Deus me livre pagar vinte contos num café, Pepeu. Só você
é maluco de fazer isso.
— Eu vou lá uma vez a cada três meses, me erra[27]!
— Meu Deus, é aquela geladeira que faz gelo? — Meu melhor
amigo olhou para o refrigerador gigante no meio da cozinha e eu dei
uma gargalhada, afirmando com a cabeça.
Ele estava animado com um copo vendo as pedrinhas de gelo
saírem pelo local indicado quando Pato surgiu pela janela da
cozinha fazendo seus típicos barulhos para chamar atenção.
— Ah não! — Pipo resmungou, fechando as expressões na
mesma hora. — Você não.
Pato saiu pulando pelos móveis até chegar no meu amigo e
pegou o seu boné. Começou a gritar, animado, quando Felipe o
olhou, comprimindo os lábios e tirando a peça das suas mãos.
— Já disse pra não encostar no meu boné!
O animal deu uma risadinha enquanto eu balançava a cabeça
em uma negativa, tentando segurar as risadas. Bati no meu ombro e
ele veio correndo para bagunçar o meu cabelo.
— Ninguém mandou você implicar com ele...
— Eu? — Felipe berrou, incrédulo, mexendo as mãos na frente
do corpo. — Estava quieto na minha e a primeira coisa que ele fez
ao entrar, foi vir me azucrinar. Como eu implico com ele?
— Felipe é muito chato, Pato. Ignora o mau humor dele. Está
tudo bem? Fez muita merda hoje? Cagou em algum retrovisor?
O animal assentiu, levantou os braços, achando graça e saiu
correndo pela casa.
— Eu não tenho mau humor! Esse macaco que é implicante.
Chega, vamos para a pista ou não?
Pato voltou correndo e carregando uma de suas roupinhas.
Porque sim, ele gostava de ser vestido. Eu disse que esse macaco
gostava de uma boa vida, não disse? E Heitor adorava fazer as
vontades dele, então simplesmente mandou fazer um armário com
diversas peças.
Ele era tratado como um filho e mesmo que fosse um animal
silvestre, era absurda a ligação que os dois tinham. Além disso, o
macaquinho gostava de todo o conforto oferecido. Era bizarro
porque ele se achava um ser humano de verdade. Um que cagava
no retrovisor alheio, mas ainda assim, um ser humano.
Pato era um animal livre, mas desde filhote começou a
aparecer no quintal da residência dos Franco. No momento em que
o dono da boate mais badalada do Rio de Janeiro percebeu que
bichinho não desgrudava mais dele, chamou diversos profissionais
para aprender a lidar com o animal, porque ele se recusava a deixar
a sua casa. Heitor também me contou que no início tentou até
mesmo deixar as janelas fechadas, mas o safado sempre dava um
jeito de entrar.
Coloquei as minicalças que ele tinha trazido e avisei que tiraria
uma foto para mandar para o Heitor. Pato posou para a câmera e
depois quis ver o resultado, clicando em alguns ícones do meu
celular e colocando a minha playlist do Spotify para tocar.
Ele adorava fuçar o aparelho e sempre comemorava dançando
quando conseguia colocar as músicas. Era engraçado pra caralho e
eu passava mal de rir todas as vezes.
— Ao menos ele tem um bom gosto para a música — Pipo
disse de má vontade quando Desvio de Conduta do Strike começou
a ecoar pela sala.
Eu e Pipo éramos viciados em bandas dos anos 2000 até hoje.
Era uma nostalgia boa da nossa infância, quando passávamos
horas vendo os caras na pista de skate. Nós tínhamos apenas 5
anos e já queríamos ser como os adolescentes. Imitávamos tudo o
que eles faziam, ouvíamos o que eles ouviam e vestíamos o que
eles vestiam. A paixão pelo skate e o nosso gosto musical foram as
coisas que restaram de herança daquela época.
Nós fomos para a pista do condomínio e rodamos por horas.
Em um dos intervalos, Pipo me contou que estava exausto do
trabalho, mas que precisava pegar mais alguns bicos com urgência.
Havia um campeonato na Flórida daqui uns meses e ele precisava
participar.
— Já te disse que vamos dar um jeito — lembrei.
— Eu vou dar um jeito, Pepeu — respondeu, revirando os
olhos.
Felipe era orgulhoso. Ele odiava aceitar meu dinheiro, o que
era ridículo, porque ele era meu irmão. A minha família era tudo o
que eu tinha, eu daria minha vida por eles.
Não queria contar que já tinha o valor para comprar a
passagem porque faltavam alguns dias pro seu aniversário e eu
queria dar de presente.
— Que nem você deu no mês retrasado quebrando o skate
daquele cara? — Cruzei os braços um pouco irritado, lembrando da
surra que eu precisei dar em um merda que apareceu lá no
Terreirão arrumando confusão com ele.
— Sabe que não foi minha culpa. Ele me expulsou da pista. A
pista que é pública!
— Promete que não vai entrar em confusão enquanto eu
estiver aqui?
— Eu nunca me meto em confusão, Pepeu. A confusão é que
se mete na minha vida — zombou e eu dei um tapa na sua cabeça.
Ele riu e se levantou, colocando o skate nos pés e voltando
para a pista. Soltei o ar, cansado, e fiquei algum tempo observando-
o fazer o que ele mais amava.
Tudo o que eu queria era que Pipo conseguisse conquistar seu
espaço. Ele já tinha se fodido muito por conta de outras pessoas e
das circunstâncias das nossas vidas.
 
Quando eu vou para casa me sentindo cansado e abatido
Eu vou para cima onde o ar é fresco e doce
Eu me livro da multidão apressada
E toda essa corrida de ratos barulhenta na rua
No telhado, o único lugar que conheço
Up On The Roof - The Drifters
:: UP ON THE ROOF - THE DRIFTERS ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Odiava quando ela vinha para o jantar. Muriel era a irmã da
minha mãe e eventualmente aparecia por aqui, trazendo consigo
seus comentários maldosos e fazendo com que eu me sentisse um
saco de merda.
— Como estão as coisas no hospital, Inácio? Aquela ala para
os pobres já deu algum dinheiro?
Meu pai deu uma risada um pouco sem graça e me encarou
antes de se virar para a bruxa. Abaixei os olhos e cutuquei os
camarões no meu prato. Cortei um pedaço pequeno e coloquei na
boca, ainda tentando segurar a vontade de vomitar que sempre
surgia no minuto em que ela pisava na sala.
— Não é nossa intenção que ela dê algum dinheiro, Muri. É um
projeto que a Larissa pensou para ajudar os necessitados.
Ela me encarou por trás da taça de vinho com desgosto.
Aquela mulher me odiava com todo o seu ser e torcia para que um
dia eu fosse atropelada por um caminhão.
E eu sabia disso porque ela mesma já tinha dito isso.
— Você não me contou como as coisas estão indo na loja —
minha mãe indagou, tentando mudar de assunto.
— Poderiam estar melhores, principalmente se tivéssemos
feito aquela reforma que comentei com você.
— Vamos ver isso mais para frente, certo? Estamos abrindo
uma outra unidade em Coroa do Sul e temos alguns projetos com o
prefeito...
— Esse idiota estragou aquela cidade — retrucou, cheia de
nojo. — Saudades de quando Miguel Montes estava naquele
gabinete. Graças a Deus me livrei da loja que eu tinha lá.
— Gostamos da gestão dos Ortega — meu pai comentou.
— Vocês gostam de ser do contra. — Deu uma risada como se
fosse uma brincadeira, mas na verdade era uma alfinetada.
Ainda assim, minha tia não era burra o suficiente para discutir
política com meus pais e arrumar um conflito. A maioria das
pessoas que tinha imóveis e empreendimentos em Coroa do Sul
preferia que as famílias ligadas a Miguel Montes estivessem no
poder.
Miguel Montes, o político corrupto.
A verdade é que quase ninguém se importava com a
corrupção de fato e aquele homem era a prova viva disso. Não me
espantaria que ele tentasse se candidatar novamente em algum
momento e ficaria ainda menos surpresa se fosse reeleito.
Ela continuou falando sobre a sua vida e a dos meus primos,
exaltando o quanto eles estavam se esforçando no primeiro período
da faculdade de Medicina.
Em algum momento, meu pai precisou atender uma ligação e
minha mãe se ausentou para dar uma olhada na sobremesa que
estava sendo preparada na cozinha.
— Ainda não desistiu do curso, cadelinha? — indagou, cheia
de maldade e na mesma hora minha respiração se tornou nula. —
Sabe que não precisa insistir nisso, certo? Minha Valentina e meu
Enrico podem muito bem cuidar de tudo quando Inácio e Laura se
aposentarem. Ninguém vai ficar chateado se você for para uma área
menos... — Ela pareceu pensativa. — Elitizada. É que existem
coisas que estão no sangue, entende?
Engoli o bolo que se formou na minha garganta e puxei uma
inspiração, tentando controlar tudo dentro de mim.
Não iria me afetar.
Não iria me afetar.
Não iria me afetar.
Muriel sorriu, sabendo que tinha me atingido. Mexi meu corpo
na cadeira, o desconforto pinicando a superfície da minha pele,
rasgando tudo e deixando à mostra aquela sensação de exposição
e vulnerabilidade.
— Obrigada pela preocupação. O curso está indo bem, Muriel
— foi a única coisa que consegui responder, mantendo minha voz
firme.
— A hora que casar com o menino dos Valença nem mesmo
vai precisar trabalhar — continuou, cheia de insinuações. —
Sinceramente, não entendo o que ele viu em você, mas talvez seja
apenas por todo o histórico da família do seu pai com a dele.
Sobressaltei quando minha mãe surgiu por trás de mim e
encostou no meu ombro, fazendo carinho.
— Calma, filha. Sou eu. — Ela deu uma risada. — Ah, a
Pavlova[28] está quase pronta.
— Sem problemas, Laurinha. Estávamos conversando sobre
como a Larissa é sortuda de ter alguém como o Gregório — contou,
olhando fixamente para mim da mesma forma ameaçadora de
sempre.
— Nós amamos o Greg. Ele é muito esforçado no hospital e
sabemos o quanto esse rapaz faz a Lari feliz. Estamos muito
ansiosos para um pedido de casamento. — Minha mãe abriu um
sorriso animado e na mesma hora senti meu estômago retorcer.
— Vamos com calma, mãe — pedi, quase em súplica, dando
uma risadinha sem graça.
O lábio superior de Muriel se ergueu uns milímetros,
demonstrando a típica microexpressão de nojo que ela fazia todas
as vezes que eu me referia à minha mãe.
— Ah, desculpa, eu me empolgo, filha. As meninas no hospital
ficam loucas em cima dele, mas ele sempre deixa claro que é
comprometido.
Tão ingênua... Gregório era tudo, menos burro. Sabia muito
bem que se me traísse com alguém dentro daquele hospital, ele se
queimaria com meus pais. E o ego dele era definitivamente maior do
que a vontade de meter o pau em alguém. Bem, era maior que o
pau também.
— Aquele homem é um santo — eu disse, escondendo todo o
sarcasmo na minha voz.
Suprimi todos os meus sentimentos durante o restante do
jantar como eu sempre fazia.
Um tempo depois que meus pais foram dormir, peguei uma
garrafa de uísque, o maço de cigarro que eu escondia para aquelas
emergências e meu saquinho de jujubas. Subi para o sótão da casa,
passando pela janela e sentando no telhado, em um espaço entre o
vidro e as telhas.
Ali era o meu refúgio pessoal desde que eu me entendia por
gente. Naquele lugar, no topo da minha casa, eu era livre para ser
quem eu era de verdade, sem julgamentos ou expectativas. Já era
normal observar as casas diante de mim e refletir sobre a vida das
pessoas que viviam embaixo delas, questionando se estavam tão
perdidas e encurraladas quanto eu.
Abri o meu isqueiro e fiquei observando a chama dançando
com a brisa gelada de julho que farfalhava no meu rosto e envolvia-
me quase como um bálsamo naquela sensação de paz que eu sabia
ser momentânea. O silêncio era reconfortante e fazia com que eu
me desconectasse de tudo à minha volta.
Segurei o cigarro entre os dedos, queimei a ponta e traguei,
deixando a fumaça escapar lentamente pelos meus lábios enquanto
observava o horizonte vazio diante de mim.
O cigarro não era um vício e sim uma válvula de escape, uma
ação que eu fazia apenas por poder fazer. Era uma questão de
controle. Naquele momento eu era a dona das minhas escolhas,
mesmo que fosse algo pequeno ou prejudicial para minha saúde.
 

 
Já era quinta-feira e eu estava imersa nos meus livros e
anotações, tentando utilizar um pouco das férias tanto do estágio
quanto das aulas para adiantar as matérias do próximo semestre. A
faculdade de Medicina não é fácil e se torna ainda mais exaustiva
quando você odeia o curso em si. Minhas notas boas vinham por
conta de todo o meu estudo e eu me forçava a isso todos os dias
porque não podia ficar para trás.
Fiquei distraída com o meu caderno quando a campainha
começou a tocar sem parar. Cruzei a sala quase correndo, irritada
com a impaciência da pessoa do outro lado.
No minuto em que abri a porta, só o que fui capaz de ver à
minha frente foram os olhos castanhos que sempre refletiam um
ódio genuíno por mim. Minha boca se entreabriu porque eu
definitivamente não esperava que ele estivesse ali. Pisquei,
percebendo que Pedro estava apreensivo, com o Pato no colo.
Havia sangue manchando sua camiseta branca, os braços e
porra, eu odiava sangue. O animalzinho me olhou em sofrimento e
eu senti meu coração apertado, a preocupação correndo pelas
minhas veias.
— Meu Deus. — Levei uma das mãos até a boca, ainda
tentando assimilar tudo.
— Ele se cortou — Pedro explicou, aflito, e deu um passo para
frente, estendendo-o para mim. — Dá um jeito. Você não é quase
médica?
— Eu sou estudante de Medicina — lembrei.
— Então faça alguma coisa — respondeu, levemente irritado.
— De que te serve essa faculdade?
— Eu trato de pessoas!
Naquele momento eu quase dei uma risada, porque o Pato
estava vestindo uma roupinha feita sob medida e me olhou quase
que ofendido.
— E daí? O macaco não é, sei lá, 90% compatível com o ser
humano? Você não tem nada aí?
— Eu... Calma, vamos nos desesperar com calma —
comentei, sentindo meu coração quase sair pela boca.
Pedro ergueu uma das sobrancelhas, cheio de deboche.
— E como seria isso?
— Estou tentando pensar, inferno! Eu não sou veterinária.
Ahn... Podemos limpar, mas...
Saí correndo em direção ao banheiro para pegar um kit de
primeiros socorros. Quando voltei para a sala, Pedro estava
cochichando algo com ele e fazendo carinho em sua cabeça.
— Cara, eu te trouxe aqui porque não sabia o que fazer.
— Traz ele aqui — pedi, apoiando todo o material na bancada
da cozinha.
Peguei um antisséptico e joguei em cima da ferida, cerrando
os olhos quando ele deu um grito de dor e tentou puxar o braço para
si. Fiz um chiado com a boca e tentei explicar que precisava limpar
o machucado e quando ele finalmente se acalmou, percebi que o
corte estava bem profundo.
— Como ele fez isso?
— Com uma faca — disse baixinho. — Sou um idiota. Esqueci
em cima da pia. Saí do trabalho correndo porque tinha que dar aula
e quando voltei, ele estava com o corte. Não sei o que estava
tentando fazer.
Aula? Fiquei me perguntando do que ele era professor, mas
não parecia um momento oportuno para sanar minhas dúvidas. Não
que ele fosse me responder, caso surgisse.
— Ele vai precisar de ponto e eu não posso fazer isso.
Precisamos levá-lo em um veterinário especializado em animais
silvestres! — expliquei, levantando os olhos para encontrar os seus,
preocupados.
— Eu... Eu não sei...
— Eu sei onde podemos ir — avisei e depois olhei para o
macaquinho, que continuava com uma expressão de dor. —
Aguenta aí, Patinho, nós vamos cuidar de você.
— Nós? — indagou um pouco confuso.
— Sim, nós — afirmei, pegando as chaves do meu carro e
fazendo um sinal com a mão para que ele me seguisse.
Um único olhar e eu pude ver sua mandíbula travar. Ele não
estava nada feliz.
 
Não me esqueço

Da maneira como isso tudo aconteceu

Você gostou de um jeito

Que eu nunca tinha visto nem parece que era eu


:: FOI DIFÍCIL – DIBOB ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
— 90% compatível com seres humanos… — lembrei em voz
alta, dando uma risada.
— Cala a boca, 190[29].
— Um. Nove. Zero?
— Sim, é como vou te chamar a partir de agora — deixou
claro, dando de ombros.
— Você é um idiota.
Revirei os olhos pelo apelido ridículo, mas estava sem
paciência alguma para começar uma nova briga com ele. Além do
mais, era a segunda vez que “acusações” eram feitas sobre ele na
minha presença, eu precisava dar uma segurada.
— E eu não estou totalmente errado sobre a compatibilidade,
já li isso em algum lugar.
— Por mais que macacos sejam bem mais agradáveis e
educados que você, as espécies ainda são diferentes… — Fiz uma
pausa, fingindo estar pensativa. — Apesar de que você poderia se
enquadrar de forma perfeita na parte do “prego”...
Ele deu uma risada que me fez rir também. Foi genuíno e
pareceu tirar um peso de suas costas. Seus olhos comprimiram, os
lábios se abriram e eu notei os dentes brancos e impecavelmente
alinhados.
Cheguei a perder a respiração por alguns segundos. Meu
Deus, tinha esquecido como ele era bonito.
Eu me lembrava do dia em que o tinha visto na piscina a
primeira vez. Cheguei até mesmo a tropeçar quando ele surgiu no
meu campo de visão. Patética. Não que eu ainda fosse o tipo de
garota que ficava secando os machos (não tinha mais 16 anos),
mas naquele dia eu o sequei tanto que não sabia como ele não
tinha ficado parecido com o Bob Esponja[30] depois de sair do mar.
Apenas com algumas horas de análise, percebi que Pedro era
mal-humorado, tinha o nariz em pé e olhava para todos à sua volta
com repulsa. E até hoje ele quase nunca sorria genuinamente,
exceto quando Heitor aparecia e ficava conversando com ele.
Talvez ele fosse afim do Heitor.
— Você sabe sorrir — impliquei.
— Não pra você — ele me cortou de maneira áspera e depois
soltou o ar, cansado. — Não quero discutir mais hoje.
— Não pretendia fazer isso.
— Quem sabe amanhã… — retrucou, cheio de ironia.
— Está marcando uma discussão comigo? — Arqueei uma das
sobrancelhas, soltando um ruído de incredulidade.
— Não preciso “marcar” uma discussão com você, 190. Ela vai
acontecer. Isto é um fato, porque você é... — Fez uma pausa,
olhando-me de cima a baixo cheio de desânimo. — Tão você.
Ele havia entendido que eu tinha me irritado com o apelido. Eu
fui burra, deveria ter rido e fingido que não me afetava.
— Você precisa ser tão insuportável sempre?
— Com você? — indagou, um sorrisinho de canto crescendo
em seus lábios. — Sempre.
Levantei para pegar um pouco de água e me livrar daquela
atmosfera hostil que sempre nos rodeava. Aquele garoto era difícil
demais de lidar e eu não entendia como alguém conseguia ser tão
cabeça dura e implicante.
Logo depois, o veterinário veio até nós com o Pato no colo e
quando Pedro o chamou, ele pulou para o meu ombro. Dei uma
risadinha, recebendo um olhar de repreensão em seguida.
Recebemos uma série de orientações e fiquei um pouco
confusa porque o veterinário estava falando como se fôssemos
cuidar do Pato juntos.
— Acho que você não vai ter problemas, você disse que fazia
Medicina, certo? Não tem tanta diferença assim — brincou.
Exceto que tinha?
Pedro arqueou uma das sobrancelhas de maneira convencida,
um “eu te disse?” estampado em cada pequena expressão do seu
rosto.
I-N-S-U-P-O-R-T-Á-V-E-L!
Pato estava fazendo barulhos, mostrando a mão enfaixada e
logo depois pulou para o ombro dele.
— Fica tranquilo, doutor. Eu entendi tudo, nunca perdi um
horário de remédio — respondeu, fazendo carinho na barriga do
macaco. — Estou acostumado, deixa comigo.
Ele estava acostumado a tomar remédios? Será que ele tinha
alguma condição crônica? Além da chatice, é claro. Será que ele
precisava se medicar porque precisava controlar toda aquela
irritação constante? Faria muito sentido!
E como se todas as peças tivessem se encaixado, tive uma
epifania. Era exatamente isso, a explicação para todo aquele ódio
gratuito de todos à sua volta.
— Toma todos os remédios na hora... Seu psiquiatra deve ficar
orgulhoso. Ele te dá estrelinhas pela pontualidade? — zombei
quando nos afastamos em direção ao balcão e nem sei ao certo o
motivo, apenas queria ter algo para implicar com ele.
Engoli em seco quando ele parou e percebi os músculos do
maxilar retesarem, mal permitindo uma leve contração dos lábios.
Mantive os olhos cravados nos dele, incapaz de me mexer, sabendo
que eu o tinha irritado.
Ok, a condição dele era um tópico sensível.
Pato olhou de mim para ele parecendo preocupado. O animal
certamente conseguia captar toda a tensão entre nós dois e tinha
sempre estampada em seu rosto uma expressão de telespectador
vendo uma cena de novela.
— Não, o oncologista da minha avó me dá estrelinhas pela
minha pontualidade — respondeu de maneira agressiva e eu prendi
a respiração, sentindo meu rosto arder de vergonha. — Você
poderia não ser tão babaca ao menos uma vez, quem sabe ganha
uma estrelinha também?
— Não foi minha intenção ser babaca — comecei a gaguejar,
tentando me justificar. — É que você está sempre tão irritado o
tempo todo... Eu, ahn... Achei que pudesse ser alguma condição e...
Na verdade... Estava brincando com o fato de você ser pontual. Não
existe problema algum em ir ao psiquiatra, eu mesma me consulto
com um. Eu achei...
— Não te dei permissão para achar nada.
As palavras foram jogadas por cima do ombro, sem que ele
nem me olhasse, na medida em que se afastava para ir até o
balcão. Eu andei mais depressa para avisar que já tinha passado o
meu cartão, que não era algo para se preocupar, mas a
recepcionista foi mais rápida que eu.
Mais um fuzilamento com o olhar. Nem ficaria espantada se
aquele garoto resolvesse me lançar uma maldição ali mesmo. Ele
estava revoltado, tentando se controlar para não se exaltar na frente
de todo mundo.
Nenhuma palavra foi dita, Pedro apenas virou de costas e saiu
pela porta do consultório. Eu corri para alcançá-lo enquanto Pato se
mexia freneticamente tentando chamar sua atenção, virando para
trás e apontando para mim.
— Você pode andar mais devagar? — indaguei um pouco
ofegante.
— Por que caralhos você acha que eu preciso do seu
dinheiro? — Arregalei os olhos quando, em um impulso, ele se virou
para trás para brigar comigo. — Por que vocês ricos tendem a achar
que podem resolver qualquer situação com seus cartões de crédito?
Não pedi para que pagasse nada. Você não precisa ser a salvadora
do mundo com a sua carteira. Você não é a porra do Batman.
— Certo — foi só o que disse, mantendo meu tom de voz
baixo.
Entendi que havia um motivo por trás. Era frustração, ego
ferido e mais algumas outras coisas que eu não conseguia
identificar por não conhecê-lo bem o suficiente. E aceitei que estava
errada. O fato de ter presumido que ele não teria dinheiro para
pagar a consulta apenas reforçava o que Pedro pensava sobre mim,
sobre meu padrão de vida e tudo o que me cercava.
Ele piscou, um pouco sem jeito pela minha resposta. Sua
expressão beirava o desapontamento por não poder continuar
aquele confronto. Eu entendia a sensação. A raiva simplesmente
insustentável querendo se sobrepor a tudo, ganhando espaço e
deixando com que a vida ao nosso redor enfim parecesse fazer
algum sentido...
Ainda assim, hoje, o cansaço falava mais alto. Seria estupidez
continuar dando murro em ponta de faca.
— Podemos voltar? — indaguei e ele apenas assentiu, sem
emitir um único som.
O silêncio sepulcral que nos acompanhou pelo caminho até o
condomínio foi desconfortável, mas cumpria o seu papel. Até
mesmo o Pato estava quieto, como se aquele machucado o tivesse
tornado incapaz de dar um grunhido sequer. Nunca tinha visto
aquele macaco mudo, mas pelo visto o ódio entre nós fazia
milagres.
Embiquei o carro na minha garagem e descemos ao mesmo
tempo. O meu coração disparou diante da possibilidade de mais
algum diálogo catastrófico. Tudo o que eu queria era me enfiar nos
meus lençóis e dormir até a manhã seguinte.
Queria esquecer que meu novo vizinho existia e que minha
vida era mais confusa do que a porra de um camaleão na frente de
um arco-íris.
— Larissa? — ele me chamou e até mesmo o macaco que
estava nos seus braços pareceu surpreso. — Obrigado por ter ido
no consultório comigo hoje. Boa noite.
— Sem problemas — retruquei, ativando a trava do veículo e
entrando na minha casa sem esperar por uma resposta.
Subi as escadas, tomei um banho demorado e vesti meu
pijama, lutando contra a vontade de subir no telhado. Eu precisava
dormir, uma noite de sono me faria acordar melhor.
Andei até a janela para fechar as cortinas e quando olhei para
frente, vi que ele estava fazendo o mesmo. Porque é claro que o
universo achava engraçado me foder. Por qual motivo ele estaria
acomodado em qualquer outro cômodo que não fosse o da frente do
meu quarto?
Mantive o olhar cravado nos dele por alguns segundos,
tentando ignorar o arrepio prolongado que parecia engatinhar pelas
minhas vértebras lentamente.
É, talvez o confronto fosse surgir mais rápido do que o
esperado.
 
Seu namorado é um cuzão
Não que eu seja melhor que ele
Mas faz partir meu coração
Te ver chorar pensando nele
:: SEU NAMORADO É UM CUZÃO - FORFUN ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Foi difícil tomar a decisão de ir até ela quando Pato se
machucou. Eu realmente lutei contra isso, porque eu não queria
olhar para a cara daquela garota de jeito nenhum, mas o meu
desespero foi maior. Tentei pensar em outras soluções, em vão. Não
sabia de nenhum veterinário no condomínio, o telefone do Heitor
estava desligado e eu me vi em total agonia. E mesmo que ela
tivesse ajudado, no final da noite ainda me senti péssimo.
Também fiquei nervoso na hora de contar para o Heitor o que
tinha acontecido e por mais que ele tenha ficado preocupado, me
tranquilizou e disse que eu não deveria ficar me culpando. Contou
também que um dia precisou levar o Pato no veterinário porque o
safado tinha se metido em uma briga com outros macacos por
causa de um chapéu.
Aparentemente, ele odiava os outros macacos.
Ainda assim, não dormi direito a madrugada inteira,
preocupado. Pato estava gemendo de dor e em algum momento,
comecei a achar que o coitado pudesse estar tendo calafrios. Eu
joguei no Google[31] para procurar alguma coisa, mas desisti de ler
as matérias porque comecei a ficar nervoso demais. Não lidava bem
com o Google desde o câncer da Vó Dea.
Decidi que iria observar seu comportamento durante as horas
que se seguiriam e caso fosse necessário, voltaria no consultório.
Deixei avisado para Roberval que precisaria ir até a casa dos
Franco em alguns momentos durante o meu expediente para olhá-lo
e ele nem contestou, apenas perguntou se eu tinha ideia de quando
o Heitor voltava.
Duas outras moradoras fizeram a mesma pergunta naquela
manhã e minha impressão era de que meu amigo já havia trepado
com ambas apenas pela forma como elas pareceram desapontadas
com o meu “não sei”.
Ele pediu que eu desse uma ajuda no restaurante, já que um
dos funcionários tinha metido um atestado na maior cara de pau.
Era só uma questão de horas para que ele se fodesse, porque o
idiota postou vários stories bebendo em uma boate na noite anterior.
Troquei de uniforme e fiquei responsável por atender os
clientes da varanda que dava vista para o lago do condomínio. E
como a minha sorte era de centavos, Inácio Albertelli e Roberta
Valença estavam com seus filhos bem naquela área.
A patricinha insuportável me encarou por alguns segundos e
franziu o cenho, ainda um pouco confusa por me ver ali. Foram
poucas as vezes em que eu precisei cobrir alguém no salão e acho
que nunca tínhamos nos cruzado.
Parecia um almoço de família, mesmo que os demais cônjuges
não estivessem presentes. Todos me cumprimentaram com um “boa
tarde” quando perguntei sobre as bebidas e o babaca do Gregório
nem mesmo olhou na minha direção, concentrado no cardápio.
Anotei os pedidos e disse que voltaria em breve. Fui até a
cozinha verificar os pratos de uma outra mesa e quando saí, tomei
um susto ao vê-la fazendo menção de entrar no banheiro feminino.
— Ahn... Olá. — gaguejei, como se fosse um idiota.
“Ahn, Olá”? Quem falava “olá”, porra?
— Como está o Pato? — questionou sem muita vontade.
— Está bem, ele ainda está com dor e...
— É só administrar os remédios da forma correta — ela me
cortou e entrou no banheiro sem dizer mais nada.
Que porra?
Foi ela quem disse e fez merda na noite anterior e ainda se
achava no direito de ser grossa? Que loucura! Mesmo depois
daquilo, eu ainda tinha agradecido! E dado boa noite! Um boa noite
que ela sequer respondeu.
Mal-educada do caralho.
Saí bufando, indignado, e fui até a adega buscar o vinho que
Inácio Albertelli havia solicitado.
Antes de chegar até a mesa, reparei em como ela parecia
desconfortável no meio daquelas pessoas. A postura estava
diferente, o olhar mais baixo e o tom de voz também.
— Você não decidiu parar de fumar, Roberta? — o pai dela
perguntou, entre as risadas, para a mãe do babaca, que tinha
apoiado uma carteira elegante de cigarros na mesa.
— Ela diz isso toda vez, Inácio — o almofadinha respondeu,
sem paciência, empurrando um dos talheres. — Fumar já é horrível,
uma mulher fumando então...
Foi impossível não olhar para a garota que eu havia visto no
telhado duas noites atrás segurando um cigarro em uma das mãos e
uma garrafa de uísque na outra. O semblante dela permanecia tão
neutro agora que eu cheguei a me questionar se estava vendo
coisas. A herdeira dos Albertelli era o exemplo de filha perfeita e
muito educada com todos à sua volta, até mesmo os funcionários
comentavam sobre isso.
Bem... Todos, exceto eu.
Estava em paz com isso porque eu também não aliviava o lado
dela, era a única cliente para quem eu tinha levantado a voz. E
mesmo que soubesse que ela era tão passiva para as coisas que o
idiota do namorado fazia, ainda me perguntava onde estava a
garota descontrolada que trocava farpas comigo. A impressão que
eu tive, mesmo que por alguns segundos, foi a de que ela vivia
dentro de uma gaiola.
Uma bem cara e provavelmente banhada a ouro, mas ainda
assim, uma gaiola.
Continuei servindo o vinho em uma das taças, tentando ignorar
aquele diálogo e os meus pensamentos aleatórios.
— Diz pra ela, Kinha. Talvez você consiga convencer minha
mãe a largar isso.
— Sério que vai começar com isso de novo, Gregório? — A
mulher mais velha revirou os olhos, fazendo um meneio com a
cabeça para me agradecer e dando um gole na sua bebida.
— Greg, você não acha que... — Larissa limpou a garganta e
olhou para o seu pai, parecendo um pouco acuada.
— Você não precisa ter vergonha. Somos quase família.
Mamãe é muito teimosa e não me ouve, então explica pra ela o que
aprendemos na faculdade, fala sobre o que você vê lá no hospital...
— Ahn... Então, Berta, como vocês sabem, eu sou totalmente
contra cigarros — ela começou a dizer e eu comprimi os lábios para
não rir.
Estava inclinado na sua frente, preenchendo uma das taças
com vinho e seu olhar cruzou com o meu. Ela parecia irritada por ter
percebido a mudança nas minhas feições, mas sustentou o contato
visual por apenas cinco segundos.
— De fato é prejudicial para a saúde, mas se você quiser,
podemos procurar algum tipo de tratamento.
— Não é questão de querer... — ele começou a resmungar.
— Vamos, Greg, deixa a Berta em paz — o pai dela pediu em
um tom apaziguador, dando tapinhas em suas costas.
— Estão prontos para pedir? — perguntei, fazendo com que
toda atenção se voltasse para mim.
— Ah, é você — Gregório finalmente pareceu notar que as
taças não se enchiam sozinhas como em Hogwarts e tinha alguém
fazendo isso no lugar.
Eu, o próprio elfo doméstico desses paus no cu.
— Vou querer a lula grelhada com um arroz negro, rapaz — o
pai dela avisou e depois pediu licença para atender uma ligação do
trabalho.
Encarei as outras três pessoas na mesa que estavam achando
que eu não tinha mais nada para fazer além de olhar para a cara
deles.
— Acho que vou querer esse filé à parmegiana... — Larissa
comentou, animada, olhando distraída para o cardápio.
— Kinha, você não ia dar uma segurada na fritura? — o
arrombado teve a pachorra de perguntar baixinho para ela. — Sabe
que o evento do hospital está chegando e seu pai comprou aquele
vestido lindo pra você que já ficou no laço.
Ela piscou e sorriu, um pouco sem graça.
Meu Deus, que filho da puta.
— Vai ser uma salada de camarões e o salmão — ele avisou,
fechando o cardápio e colocando a mão em cima da dela. — Mãe?
A garota não olhou na minha direção, tirou a mão da dele e
pegou o celular para digitar alguma coisa. Anotei o último pedido e
fui para a cozinha, sentindo uma vontade absurda de enfiar um soco
naquele babaca.
Foda-se que eu não gostasse dela, aquilo era errado pra
caralho. Como ela se sujeitava a ter um cara dizendo o que ela
deveria comer? Nunca tinha presenciado nada parecido, deveria ser
uma coisa de homens machistas ricos. Porque no Terreirão o que
mais víamos eram caras levando suas garotas para comer uns
podrões maravilhosos que chegavam a dar água na boca.
Porra, que vontade de comer um podrão.
 
Pedro: Vamos
comer um podrão hoje?
Por minha conta.
 
Luna: Gatinho, não
vai dar. Eu até queria,
mas estou pegada no
trampo .
 
Pedro:

 
 
Luna: É o Pato?

 
 
Pedro: Pela
milésima vez, Luna,
não. Só tô viciado
nessas figurinhas
porque o Heitor me
manda elas o tempo
inteiro.
 
Luna: Quero
conhecer ele!

 
Luna: O Pipo me
mandou um convite
para encontrar vocês no
eventinho que vai ter na
quinta que vem no
Pontal.
 
Pedro: Vou estar
por lá... Depois da aula.

 
Pedro: Por que o
Pipo está te convidando
pras coisas?

 
 
Luna: Sei lá, ele só
disse que seria legal.
Tenho que ir, beijos.

 
Abri o Instagram da Luna e quando olhei os stories, percebi
que ela tinha acabado de voltar a ficar ruiva, literalmente tinha
postado foto no salão.
Filho da puta talarico do caralho.
 
 
Pedro: Para de dar
em cima da minha
garota.

 
Pipo: Eu jamais
faria isso.

 
 
Pedro: Procura
outra ruiva, essa é
minha.
 
 
Pipo: Sem chance,
estou focado na minha
carreira, vou dar um
tempo de boceta.

 
 
Pedro: Pra cima de
mim? Não mete essa,
Pipo.
 
Pedro: Vou
trabalhar, hoje tá foda.

 
 
Guardei o celular e passei por mais algumas mesas enquanto
a comida não ficava pronta. O acusador de merda estava rindo e
narrando uma história sobre uma viúva de um paciente que era
professora e achava que teria dinheiro para um caixão de carvalho.
Não sei como ainda me espantava com as coisas absurdas
que saíam daquela boca. Percebi que a Larissa só parecia estar ali
de corpo, o olhar dela eventualmente se perdia em algo como uma
realidade paralela. Em alguns momentos, ela até mesmo ria de algo
aleatório, como se não estivesse ouvindo a conversa.
Ricos eram meio problemáticos.
Quando enfim a cozinha liberou os pratos, fui até a mesa.
Coloquei a parmegiana na frente dela, a salada na frente dele e no
mesmo instante, o Príncipe da Morte fechou a cara e estufou o
peito, como se fosse um galinho de briga.
— Não foi o que pedimos.
— Eu ouvi que a senhorita Albertelli queria o filé à parmegiana
e o senhor pediu uma salada. Não era isso?
Ela umedeceu os lábios e manteve o olhar cravado no meu.
— Não foi isso que pedimos — Gregório resmungou.
— Estou confuso, o senhor não queria a salada? — indaguei,
deixando apenas um resquício de deboche à mostra.
— O que aconteceu? — o pai dela perguntou, parecendo
confuso.
— Não é nada, Inácio... Pelo visto, os funcionários desse clube
não prestam atenção no que falamos.
— Filha, você não queria o filé à parmegiana?
Ela olhou de mim para o namorado e então para o pai. O
nervosismo estampado no rosto enquanto ela tentava pensar na
melhor resposta.
— Eu disse que queria a parmegiana, realmente. E o Gregório
sugeriu algo mais leve...
— Sim, pra você, Larissa — ele a cortou, ficando irritado.
— Sinto muito, não sabia que o senhor fazia os pedidos da
senhorita Albertelli. — Torci o lábio, parecendo chateado. — Quer
que leve o prato?
— Não tem necessidade alguma, rapaz — o pai dela se
adiantou. — Essa parmegiana parece bem melhor do que a salada.
— Ainda está faltando o meu prato — resmungou.
— Senhor, você pediu a salada de camarões com salmão —
menti na maior cara de pau e ele me olhou com mais ódio ainda.
Que se foda. Machista escroto do caralho.
Enfia a porra da salada no cu.
Larissa Albertelli comprimiu os lábios, deixando uma
microcurvatura de um sorriso transparecer. Eu a olhei com
cumplicidade e pela primeira vez na vida um fluxo diferente se
alternou entre nós. Uma estranha sensação reconfortante irradiou
pelo meu corpo e eu me questionei que merda era aquela.
— Vai levar mais um tempo para a cozinha preparar outro
prato, porque estamos meio cheios, mas posso solicitar.
— Não tem necessidade — o pai dela respondeu por ele e
começou a dizer em um tom brincalhão. — Gregório, aproveita o dia
de hoje para ser fitness.
Eu pedi licença e observei de camarote enquanto ele
empurrava as folhas de má vontade para dentro da boca como um
cavalo no pasto. E talvez pudesse ser uma fanfic, mas nada me
tirava da cabeça de que a sua namorada estava se divertindo e
pensando:
“Se fode aí, otário”.
 
 
Aqui nesse mundinho fechado ela é incrível
Com seu vestidinho preto indefectível
Eu detesto o jeito dela, mas pensando bem
Ela fecha com meus sonhos como ninguém
:: GAROTA NACIONAL - SKANK ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
03:00 da manhã.
Eu odiava acordar naquele horário desde meus 14 anos,
quando o Pipo me obrigou a ver o maldito filme da Emily Rose. Eu
devia ter aceitado quando ele tentou dar o play em “As Branquelas”,
mas não aguentava mais assistir aquela merda quase todo dia
porque meu irmão era viciado, então concordei.
Nós dormimos na mesma cama por uma semana e acordamos
a cada ruído, até mesmo com o estalar da geladeira. A Vó Dea não
deixou que ficássemos no quarto dela, alegando que era nosso
castigo por ver um filme daqueles numa casa abençoada.
Havia uma foto. Vergonhosa. Que ela guardava a sete chaves
junto com os santinhos que tinha do Vaticano e o primeiro CD do
Padre Marcelo Rossi.
Inferno, agora eu estava pensando naquilo. Fui até o quarto do
Pato verificar como ele estava e abafei uma risada quando vi que
ele estava roncando com um bichinho de pelúcia nos braços.
Macaco mimado do caralho.
Desci as escadas para pegar um pouco de água e notei pela
janela que minha vizinha sem educação estava chegando de carro
com os faróis apagados. A garota desceu do carro sozinha, vestindo
um moletom parecido com os que eu gostava de usar, todo preto.
Colocou uma mochila nas costas, olhou para os lados para se
certificar que não havia ninguém ao redor e entrou na sua casa.
E depois era eu que parecia um assaltante...
A curiosidade corroeu cada partícula do meu corpo. O que a
Patricinha da Barra estava fazendo em uma madrugada vestida
daquele jeito? Por que ela estava chegando na calada da noite
sorrateiramente?
Subi pulando os degraus para ver se as cortinas do seu quarto
estavam afastadas e me posicionei no escuro, atrás do tecido para
que ela não pudesse me ver.
As portas de vidro iam do chão ao teto, bem amplas. Havia
uma grade, tornando o espaço como uma espécie de sacada, bem
estreita e parando para analisar tudo era aberto e próximo demais.
Era possível ver o quarto dela inteiro do meu.
Tudo bem que aquele era o quarto da irmã do Heitor, mas
mesmo assim... Ricos não deveriam gostar de privacidade?
Todo o meu pensamento desintegrou e meu ar se tornou nulo
quando ela apareceu no meu campo de visão, somente com uma
lingerie preta de renda, soltando os cabelos que antes estavam
presos em um coque. Eu juro por todos os santos que haviam na
casa da minha avó, aconteceu em câmera lenta.
O meu pau, no entanto, ficou duro na velocidade da luz.
Caralho, odiava o quanto ela era linda. Não conseguia desviar
a atenção das pernas longas, como se estivesse enfeitiçado. Não
fazia ideia do que estava acontecendo, mas pelo visto, a renda era
um tecido mágico capaz de deixar a insuportável ainda mais
gostosa. E era ridículo porque eu a via de biquíni o tempo inteiro!
Alguém precisava me internar. Menos de uma semana
morando com os ricos e tudo o que eu queria fazer era quebrar meu
mandamento e pecar.
Puta merda, só com aquela visão eu tinha certeza de uma
coisa na vida: queria ir direto pro inferno. De tobogã, para ser mais
rápido.
QUE MERDA, PEPEU, PORRA?
Tropecei quando tentei sair daquele lugar o mais rápido
possível. Nem lembrava o que havia ido fazer ali para início de
conversa. Ah, sim, eu estava indo fuxicar a vida alheia, exatamente
como Vó Dea mandava eu não fazer.
Aquilo era o meu castigo.
MUITO BEM FEITO, TROUXA!
Abri meu celular e comecei a digitar uma mensagem para o
Pipo afirmando: “Praga de vó é real”, mas decidi apagar e voltar a
dormir. Não teria como justificar pro meu melhor amigo que tive uma
ereção apenas por ver minha inimiga declarada de lingerie. Era só
um surto, uma reação instintiva ao botar os olhos em uma mulher
gostosa.
Dormi mal pra caralho. Senti um calor desgraçado a noite
inteira e talvez tenha sido por causa de toda baixaria que rolou no
meu sonho com aquela patricinha escrota que tirava minha paz.
Acordei suado, gozado e humilhado.
Meu Deus, ela tinha feito até mesmo os meus pensamentos de
refém. Decidi tomar um banho gelado, o que me deixou com o
humor ainda pior. Não adiantou e eu tomei um segundo, lutando
contra a vontade de tocar uma punheta.
Não, eu me recusava!
Nem fodendo eu ia tocar uma pra ela.
NEM FODENDO.
NEM POR UM CARALHO!
 

 
Eu toquei uma pra ela.
E estava me odiando por isso. Também estava irritado porque
com certeza nos cruzaríamos na piscina. Era sábado e seus
amigos, como sempre, estariam por lá.
Não demorou nem mesmo cinco minutos para eu saber que
estava errado. Ninguém do grupinho dela tinha dado as caras e
aquilo era uma boa notícia. Um dia inteiro sem a Patricinha da Barra
para me azucrinar, sem pedir para coar aquela porcaria de
caipivodka de limão. Seria ótimo poder respirar o ar podre daquelas
pessoas tão fúteis sem ter a dose extra dos jovens que ali residiam.
Apenas eu e as coroas que queriam pegar no meu pau.
Acreditem, isso era melhor do que ter que aturar os
playboyzinhos.
Ainda assim, meu dia se passou arrastado e logo que meu
expediente acabou, chequei o Pato e percebi que a residência dos
Albertelli estava vazia, mas o Mini Cooper continuava na garagem.
E como eu não tinha nada a ver com aquilo, troquei de roupa
para dar um pulo em casa. Era muito melhor pegar o BRT durante
os finais de semana, sem precisar passar pela experiência de me
sentir como uma sardinha enlatada dentro de um forno elétrico no
máximo. Uma sensação única que os trabalhadores do Rio de
Janeiro sempre podiam experimentar.
Cheguei no portão do prédio e na mesma hora me senti em
casa, vendo que o Rubens do apartamento 03 estava mostrando o
celular dele para a moradora do 04.
Ambos moravam no prédio e ele constantemente tentava
ostentar suas coisas para impressioná-la. O coitado não tinha
chance, Karolayne estava focada em arrumar um velho da lancha.
— Fala aí, Pedro! Você precisa ver esse Iphone que eu
comprei para a empresa — contou, mostrando-me o aparelho. —
Sabe como é, sou um homem de negócios e os fornecedores me
ligam direto.
Ah, o Rubens se apresentava como empresário do ramo
alimentício, conhecido também por muitos como o dono da
mercearia da esquina.
— Maneiro, porra — falei, pegando o celular nas mãos. —
Depois me empresta para tirar umas fotos do Lipe?
— Claro, afinal, eu sou patrocinador do garoto!
O patrocínio: Uma vez ele pagou um dos uniformes do Pipo e
estampou as costas inteira com o logotipo do mercadinho.
— Seu Rubens, dá um pulinho aqui? — o funcionário gritou, do
outro lado da rua, e ele o olhou furioso.
— A gente se vê! Mais tarde nos falamos, Karol — respondeu,
saindo apressado.
Ele atravessou a pista aos berros com o homem, lembrando-o
que estava com o celular da empresa e que se precisava se
comunicar, deveria fazer da forma adequada. Sua voz foi se
perdendo conforme ele gritava que seu estabelecimento não era
uma bagunça.
Nós demos uma risada.
— E aí, Pedrinho? — Karolayne me cumprimentou com a voz
melosa, mexendo na barra do shortinho apertado que ela estava
usando.
A morena que era quase uma sósia da Isis Valverde me dava
muito mole desde que tinha se mudado para o prédio, uns três anos
atrás e eu tinha plena consciência de que não podia me envolver
com uma mulher que era tão desesperada por dinheiro.
Além do mais, ela era torcedora fanática do BlueDogs[32] e já
bastava o Pipo querendo jogar na minha cara sobre os
campeonatos que tinha a mais do que o Riviera FC[33]. Karolayne
estava em busca de um Banquinho 24 horas e eu definitivamente
não era um. Ela vivia tentando se infiltrar nas festas dos famosos e
foi assim que conheceu e ficou com o TH[34], atacante do time do
Blues, antes dele ser dominado pela jornalista gostosa.
E o motivo principal: Vovó Dea me mataria se eu comesse a
Karolayne.
— Karol, Karol... Como pode? — indaguei, cheio de
insinuação, chegando um pouco mais perto.
Eu disse que não podia comer, não mencionei nada sobre
flertar.
— Como pode o quê? — ela perguntou, mordendo o lábio
inferior.
— Cada vez que eu te vejo, você tá mais gata.
— Como você é bobo, Pedrinho! — E sorriu, enrolando uma
mecha de cabelo entre os dedos. — Você que tá sempre lindo.
— Fala aí, João! — cumprimentei o morador do 02 quando ele
passou por nós.
João Batista era o morador do 02 e ele estava investindo na
sua carreira de funkeiro. Era sempre um inferno quando ele e a Rita
(a avó dos gêmeos), começavam o típico duelo de músicas. Ele, de
um lado com o funk nas alturas e ela tentando barrar o volume com
algum louvor.
— João é o caralho, Pedro. É MC Cleytinho agora! — retrucou,
levemente ofendido, mas logo mudou a postura quando viu quem
estava do meu lado. — E aí, Karolzinha?
— Foi mal, Cleytinho. Vou nessa, galera... Já estou atrasado
para o jantar.
Subi as escadas e fui dar uma olhada no meu apartamento
para ver se ele não havia desmoronado. Peguei mais algumas
roupas, enfiei na mochila e atravessei o corredor, sentindo o cheiro
da comida que eu mais amava no mundo.
— Você na cozinha? — indaguei, franzindo o cenho e o Pipo
me olhou apreensivo, apoiando a tampa da panela na pia.
— Minha avó não estava se sentindo muito bem e...
Antes que meu irmão pudesse terminar, um bolo se formou na
minha garganta. Meu coração disparou e um zunido forte pareceu
cortar o meu cérebro como uma lâmina.
— O que ela tem? — O questionamento foi feito cheio de
receios, porque estava morrendo de medo da resposta.
— Calma, Pepeu. Ela se sentiu um pouco mal, a pressão
baixou e eu dei um pulo na UPA com ela.
— E você não me ligou, porra? — levantei meu tom de voz,
realmente irritado, sentindo minhas veias saltarem.
— Você estava no trabalho e...
— Foda-se, Felipe! Não foi o que combinamos, caralho —
cuspi as palavras com raiva. — Deixa de ser irresponsável!
Eu o empurrei para passar, porque ele estava obstruindo o
caminho e fui até a sala. A Vó Dea estava deitadinha no sofá com
as pernas para o alto, eu me agachei e segurei sua mão.
— Ei — cumprimentei e ela virou as costas da minha mão,
depositando um beijinho ali.
— Oi, filhinho. Vovó vai levantar, eu só estava descansando.
— Não, você vai ficar aí — avisei, sério, impedindo que ela se
movesse.
— Não briga com o Pipo, fui eu que mandei ele não te ligar.
Respirei fundo, tentando suprimir toda a raiva.
— Achei que eu fizesse parte dessa família — retruquei, não
tendo sucesso algum.
— Que palhaçada é essa, Pedro? — Ela fechou suas feições e
como me chamou pelo nome, sabia que tinha se sentido ofendida.
— Você é meu neto igual. E não que isso importe, porque você sabe
que sangue não é nada nessa família, mas se esqueceu que o seu
também corre nas minhas veias?
Ela bateu no pulso, claramente aborrecida.
— Sangue é importante pra você? — Agora seu tom foi de
desdém.
— Não, mas por qual motivo não me ligou? — Cruzei os
braços, esperando uma explicação decente.
— Porque não foi nada demais. Você sabe muito bem que fica
desesperado e foi só uma queda de pressão.
— Não fico desesperado à toa. Sua saúde é frágil. E não foi
“nada demais” — fiz as aspas no ar de forma debochada. — Felipe
disse que foram pra UPA!
— Eu não tinha certeza se era a pressão, se fosse alguma
coisa mais séria, ele teria te ligado — afirmou, olhando no fundo dos
meus olhos e aumentando o aperto na minha mão. — Brigou com
ele, não foi?
— Claro, porra.
— A boca, Pedro — ela ralhou e eu rolei os olhos,
murmurando um “desculpe” de má vontade.
Soltei o ar, cansado, e dei um beijo na sua testa, levantando
logo em seguida. Caminhei até a cozinha e avistei meu melhor
amigo encostado na parede, mexendo no celular.
— Já conversei com ela — comecei a dizer, mas ele nem
mesmo levantou os olhos, continuou me ignorando.
Cruzei o cômodo e tirei o aparelho das suas mãos, recebendo
um estalar de língua em resposta.
— Desculpa, fiquei preocupado e... Não deveria ter chamado
você de irresponsável.
Eu não deveria ter falado aquilo porque era uma grande
mentira. Pipo podia ser encrenqueiro, mas ele tinha muita
responsabilidade com as coisas de casa, com nossa avó e sua
carreira.
— Você não é a única pessoa que se preocupa com as coisas,
Pedro. E eu sei resolver os B.Os[35].
— Eu sei. E você sabe que eu acabo falando merda quando
estou irritado — lembrei, fazendo com que ele me lançasse um olhar
de desdém. — Vai me perdoar ou ficar com essa cara de cu?
Pipo desfez a careta e abriu um sorriso travesso.
— Depende, se rolar uma tattoo aqui no meu peito eu te
perdoo — brincou.
— Você fala como se precisasse pedir. Sabe que eu me
amarro em desenhar nessa pelezinha sensível de bebê — zombei,
apertando suas bochechas com uma das mãos e ele gargalhou,
dando-me um abraço. — Amo você, irmão. Desculpa mesmo pelas
merdas que eu disse.
— Pelo menos você não me chamou de cadela... — Ele
comprimiu os lábios e depois explodiu em gargalhadas. — Zoeira,
isso foi errado e você merecia mais de um tapa na cara. Amo você
também, seu vacilão do caralho. E vamos comer porque eu tô
passando mal já.
Balancei a cabeça em uma negativa e dei uma risada quando
ele começou a contar empolgado sobre a sequência de manobras
que tinha conseguido fazer mais cedo, tirando o celular do bolso
para me mostrar.
Era realmente bom estar em casa.
 
Está nos seus olhos
Eu posso dizer o que você está pensando
Meu coração está acelerado também
Não é surpresa alguma
Eu estive te observando ultimamente
Eu quero fazer isso com você
:: IN YOUR EYES - KYLIE MINOGUE ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Quando cheguei do Terreirão, notei que as luzes da casa ao
lado continuavam apagadas. Girei a chave na porta e quando abri,
Pato estava no sofá da sala, jogado em um canto, parecendo
deprimido.
— Ei, o que aconteceu? — indaguei e o macaquinho abriu e
fechou as mãozinhas, fazendo sinal para que eu fosse até ele.
Fiquei até preocupado porque a casa parecia intacta e Pato
normalmente tocava o zaralho, bagunçando tudo que estivesse ao
seu alcance. Até mesmo as tomadas eram protegidas porque ele
era muito curioso e queria fuçar cada coisinha.
Sentei ao seu lado, pegando-o no colo e ele se aninhou no
meu pescoço, praticamente implorando por carinho e dando um
beijinho no meu rosto. Notei que a temperatura do seu corpo estava
um pouco mais alta do que o normal.
— Será que você está com febre? — indaguei e ele me olhou
como se não fizesse uma porra de ideia.
Decidi fazer pipoca, porque sabia que não havia nada no
mundo que Pato amasse mais. Andei com ele até a cozinha,
deixando-o sentadinho no balcão. Na mesma hora em que eu
peguei o milho, ele começou a gritar, animado, tirando forças sabe-
se lá de onde, porque cinco segundos atrás ele parecia um
moribundo.
— Já melhorou, seu safado? — indaguei, fazendo com que ele
voltasse a ficar molenga, arrastando o braço machucado no chão.
Sabia que aquele macaco era mimado e dramático, mas ele
realmente estava mais quentinho e amuado. Já tinha dado remédio
antes de sair e achei melhor esperar o horário correto.
— Você viu se a vizinha chata passou em casa? — perguntei e
ele girou a cabeça para o lado, fazendo alguns ruídos.
Comecei a colocar os ingredientes na panela e o Pato subiu no
meu ombro. Tirou o meu boné, começou a mexer no meu cabelo e a
brincar com o meu escapulário. Ele era como um furacãozinho,
sempre ligado no 220 volts.
Fiz a pipoca e ficamos vendo filme na televisão. Achava graça
quando o macaquinho pegava algumas delas e tentava enfiar na
minha boca, mas quando eu as tirava da sua mão, ele ficava
irritado.
Em algum momento, eu levantei para pegar um pouco de
Coca-Cola e notei que a casa ao lado continuava apagada.
Era ridículo que eu estivesse tão curioso sobre o paradeiro
dela. Era sua culpa, por parecer uma porra de uma esfinge. Ora
agindo como se fosse uma princesa intocável, ora parecendo uma
delinquente.
— Será que a herdeira dos Albertelli tem dupla personalidade?
Ou será que o problema dela sou eu?
Pato me olhou e deu um gritinho, levantando uma das mãos no
ar.
— Já parou para pensar que ela pode ter vestido aquela roupa
e saído no meio da madrugada porque estava tramando um plano
para me incriminar?
Nem era uma coisa absurda, já quase tinha sido preso duas
vezes por sua causa. Na terceira já dava para pedir música no
Fantástico[36].
O macaco continuava me olhando, emitindo alguns barulhos e
eu estava certo de que ele concordava com meu raciocínio.
— Não duvido que ela tenha tirado as roupas na noite anterior
porque sabia que eu estava olhando... Talvez esse fosse o intuito
desde o início. Uma vingança porque eu tinha jogado as verdades
na cara dela.
Pato balançou a cabeça em uma negativa.
— Você não sabe de nada, Pato. As pessoas fazem coisas
absurdas por muito menos nos filmes e livros — justifiquei.
O animal pareceu concordar e depois me mostrou a mãozinha,
fazendo uma careta de dor. Antes que eu pudesse me mover,
percebi faróis se aproximando da residência ao lado. Espiei pela
janela e a vi descendo do veículo do namorado, inclinando-se um
pouco mais para dizer alguma coisa para ele. Pato percebeu a
movimentação e veio correndo para o meu ombro para ver o que
estava acontecendo do lado de fora da janela.
— Acho que devemos perguntar para patricinha se é normal
você estar tão quente... — Ele balançou a cabeça em diversas
negativas e começou a gritar em protesto. — Para com isso, tenho
certeza que você está com febre.
Ele me olhou como se julgasse até o fundo da minha alma.
— Não me olha assim, só estou preocupado com você.
Pato desceu e pegou a caixa de remédio na bancada,
balançando e mostrando-a para mim.
— Eu só quero ter certeza se está com febre mesmo, vai que
você precisa ir até o veterinário e...
O que ocorreu a seguir foi a última coisa que imaginei ser
possível. Uma afronta que eu jamais esqueceria. Aconteceu rápido
demais, eu pisquei e senti a caixinha sendo arremessada no meu
rosto. Não tive tempo de desviar, apenas senti o papelão bater com
força contra a minha pele e cair no chão.
Fui interrompido de uma forma insultante e como se não
bastasse, Pato começou a rir. Uma traição sem tamanho depois de
defendê-lo tantas vezes quando Pipo insistia em dizer mentiras
sobre ele.
Puxei o ar, tentando controlar a raiva, mas ele mostrou todos
os dentes e começou a pegar as pipocas que havia restado na
panela, gritando e arremessando-as em cima de mim.
Macaco teimoso do caralho.
Que inferno, só desejava a porra de uma opinião médica.
Queria confirmar se ele estava com febre ou era apenas a
preocupação exagerada que minha família alegava que eu tinha.
Corri até a porta, ignorando os berros estridentes e a bagunça
que ele estava fazendo. A garota que atormentava meus
pensamentos estava a alguns metros de distância dentro de um
vestidinho florido, curto e rodado. A peça era tão delicada que quem
via de longe jamais imaginaria o peso da sua mão.
O barulho que vinha de dentro da sala chamou sua atenção e
percebi que seus olhos se estreitaram na minha direção.
— Ei, 190! Pode dar um pulo aqui? — chamei, orgulhoso de
mim mesmo por não ter agido como um idiota dessa vez.
Mesmo que estivesse longe, percebi que seus ombros caíram
e ela revirou os olhos, bufando e caminhando de má vontade até a
entrada da casa do Heitor.
— O que você quer? — saiu como um resmungo no instante
em que ela encostou uma das mãos na cintura, batendo o pé no
chão.
Eu a olhei de cima a baixo e dei uma risada.
— Por que ele está assim? — Ela passou por mim e foi até o
Pato quando se deu conta do escândalo que ele estava fazendo
para se exibir.
— Acho que é febre — informei, fechando a porta e seguindo-a
até a cozinha.
— Fica calmo, Patinho — pediu, aproximando-se ainda mais
dele e fazendo carinho em seu pescoço.
O macaquinho finalmente se acalmou, agarrando-se nos
braços dela e dando beijinhos em sua pele. Observei a risada
gostosa que escapou dos seus lábios quando ela fez cosquinha em
sua barriga, fazendo-o rir também.
— Quer brincar com isso aqui? — Larissa indagou, balançando
o molho de chaves que estava no seu bolso e Pato ficou alucinado,
pulando em cima da bancada para pegar.
Ela se afastou do animal e deu alguns passos na minha
direção, diminuindo bastante a distância entre nós. Fiquei enraizado
no lugar, tentando entender o que estava acontecendo. Minha
respiração falhou e um arrepio correu do início até o final da minha
coluna no segundo em que a garota se inclinou perto do meu
ouvido.
Seus cabelos estavam mais ondulados do que o habitual e
caíam em cascata sobre os ombros, deixando apenas um pedaço
de pele branca à mostra. Era difícil não me perguntar que tipo de
desenho eu faria ali se tivesse a oportunidade.
Contive a súbita vontade de deixar que a ponta do meu dedo
percorresse a linha da clavícula marcada em busca da alcinha do
vestido que eu sabia estar perdida em meio aos fios castanhos.
— Ele está bem quentinho... Precisamos medir a temperatura
— sussurrou, como se estivesse me contando um segredo.
O calor do hálito queimou o meu pescoço e ela se afastou um
pouco para fazer contato visual. O castanho dos seus olhos era
profundo e penetrante e hoje, particularmente, havia aquela dose de
cumplicidade que experimentamos no dia anterior.
Pisquei, um pouco atordoado com a proximidade inesperada,
mas na mesma hora, ajeitei a postura e pigarrei.
— E por que está cochichando?
— Porque não quero que ele ouça que vamos enfiar um
termômetro na bunda dele — respondeu, como se fosse óbvio.
— O quê? — praticamente berrei, horrorizado.
— É como se mede a temperatura. Acha que ele pode tentar
me morder? — indagou, olhando de relance para ele.
Notei o pobre macaco brincando feliz com as chaves sem
imaginar o que estava por vir... Eu era o responsável pelo bem-estar
daquele animal e agora seus olhos com certeza ficariam opacos e
sem vida depois do que ela estava sugerindo.
Será que Pato sabia o que estava por vir? Ele com certeza não
estava preparado para se sentir invadido daquela forma. Talvez
estivesse, tendo em vista sua reação exagerada.
Deveria ter algo errado. Não era justo.
— Não. Você está de sacanagem... — Balancei a cabeça
negativamente, ainda inconformado e ela arregalou os olhos,
encarando-me como se eu fosse um ignorante.
— Não. Por que diabos você acha que eu inventaria algo
assim?
Pato sorriu para mim e senti que estava enfiando uma faca nas
suas costas. Bem, com toda certeza iríamos enfiar alguma coisa por
trás dele.
— Acha que ele vai me morder? — ela tornou a perguntar,
preocupada.
— Não acho. Quer dizer, Heitor disse que ele não tem o
costume de morder as pessoas, mas eu também não tenho e
certamente faria isso se metessem um termômetro no meu cu.
A garota tentou se manter séria, comprimindo os lábios, mas
quando eu dei uma risada, ela explodiu em gargalhadas. Seu corpo
pendeu um pouco para frente e ela encostou no meu braço, que
estava apoiado na bancada. Foi um movimento involuntário, desses
que a gente faz quando estamos à vontade com alguém e
precisamos nos equilibrar ou buscar por fôlego.
— Está achando engraçado, 190? Esse macaco vai te odiar
para sempre.
— É você quem vai segurá-lo — ela avisou, cessando as
risadas.
— Nem fodendo.
— Não vou conseguir fazer isso sozinha.
— E se ele me morder? — perguntei, preocupado.
Não era ela que estava com medo de uma possível mordida,
porra?
— Você toma ponto e uma vacina antirrábica — respondeu,
como se fosse óbvio, dando de ombros.
Minha boca entreabriu um pouco, demonstrando todo meu
horror. Eu estava certo em odiar aquela garota, ela era fria e
calculista. O verdadeiro mal encarnado em pessoa.
Avisou que ia até em casa buscar alguns utensílios e voltou
rapidamente com o objeto que faria aquele macaco me ver como
seu inimigo de morte. Deveria ter chamado meu irmão para fazer
isso no meu lugar, Pipo já achava que Pato o odiava mesmo.
Eu o segurei contra o meu corpo quando ela levantou o rabo e
inseriu o termômetro no local indicado depois de passar algo que
parecia um lubrificante na ponta. Pato soltou um ruído de tristeza,
mas se manteve quietinho no meu colo, apertando meu polegar com
a mãozinha que não estava machucada.
Pobre bicho.
Ela ficou fazendo carinho no pelo e em algum momento sua
mão encostou na minha quase que por uma fração de segundos. O
toque foi muito rápido e cessou no mesmo instante, como se nós
dois tivéssemos tomado um choque. Não nos olhamos, todo o
contexto já parecia constrangedor demais.
— Ele não está com febre — constatou depois de olhar a
marcação, indo até a pia e jogando álcool em cima do termômetro.
À toa, ele tinha sido violado à toa.
Pato me olhou e eu tenho certeza de que se ele pudesse falar,
diria: “Espero que você morra”.
— Você fez o curativo dele hoje? — ela indagou.
— Não, eu ia fazer agora à noite.
— Vou dar uma olhada.
Eu a observei organizar alguns materiais na bancada da
cozinha sem tirar o Pato do meu colo. Ele parecia extremamente
abalado e não me olhava nos olhos. A verdade é que eu nem
mesmo sabia como encará-lo depois do que havia acontecido.
— Vamos tirar isso aqui e colocar um novo, neném? —
perguntou baixinho, fazendo carinho em sua cabeça.
Havia algo na maneira como ela se movia, como falava e até
mesmo como respirava e aquela merda estava entrando no meu
sistema. Era bizarro. Não prestei atenção naquela garota por tanto
tempo e agora não conseguia tirar meus olhos dela.
Nós estávamos perto demais novamente e isso com certeza
fez com que meus músculos ficassem tensos. Com cuidado, ela
retirou o curativo e se inclinou para me mostrar o machucado,
eliminando ainda mais espaço entre nós.
— Está vendo? Está começando a cicatrizar — explicou,
levantando os olhos grandes e castanhos para mim.
Apenas assenti, impossibilitado de quebrar o contato visual
que tínhamos feito. As pupilas dela eram sempre tão dilatadas?
Larissa puxou os cabelos para trás, prendendo-os em um
coque e deixando uma quantidade absurda de pele à mostra. Porra,
aquele era o meu ponto fraco. Prestei atenção nas veias aparentes
que marcavam seu corpo, mas fui atraído pelo movimento da mão
que se direcionou até a nuca, apertando um local que parecia
enrijecido.
— Parece que tem menos sangue? — tentei puxar um assunto
buscando aliviar a tensão entre nós.
Ela deu uma risada e encostou a mão na minha para segurar a
patinha do Pato e limpar o ferimento com um algodão.
A respiração pesada, os olhares que se cruzavam e se
desviavam na mesma velocidade. Havia contato demais, eu
conseguia sentir uma espécie de corrente elétrica pronta para
explodir.
Estava quente. Pra caralho!
Eu precisava abrir uma janela com urgência para que o ar
pudesse circular. Minhas veias pulsavam conforme o calor
engatinhava pelas minhas extremidades, consumindo
absolutamente tudo e queimando-me vivo.
Puxei uma inspiração, o aroma flutuando pelo ar, deixando-me
inebriado. Ela tinha cheiro de jujuba e era viciante.
Era difícil controlar a vontade de prensá-la contra a bancada,
segurar o seu pescoço com força e passar minha língua lentamente
por ele. E juro que estava lutando contra meus maiores esforços
para não fazer isso.
Quanto tempo demorava para trocar um curativo?
Os pequenos gestos pareciam calculados para atrair toda
minha atenção. Ela umedeceu os lábios e eu precisei me controlar.
Estava irritado com a impossibilidade de tocar sua pele. Como se
cada movimento me convidasse, empurrando-me para a beira de
um precipício tentador.
Havia uma tensão palpável e algo me dizia que aquele
momento estava sendo um fardo para ela da mesma forma que era
para mim.
— Já acabei aqui — ela avisou, parecendo inquieta, os olhos
fixos nos meus.
Não consegui desviar, como se estivesse hipnotizado, sendo
sugado para aquele abismo cor de chocolate. Também não senti o
seu calor se dissipar de imediato, o que significava que sua mão
estava sobre a minha.
O barulho que o Pato fez foi o responsável por nos tirar
daquela espécie de transe. Ele saiu do meu colo, enrolando-se no
braço dela e apoiando a cabecinha perto da sua palma.
— Obrigado — respondi, enfiando minhas mãos no bolso e
dando um passo para trás.
Aquilo havia sido constrangedor.
— Bem, eu vou indo... — avisou, juntando as coisas
rapidamente dentro da maleta.
— Pode me dar o seu celular? — perguntei e me arrependi no
mesmo segundo.
— Hãn?
— Se alguma coisa acontecer... Eu prefiro... Ahn... Eu prefiro
não ter que bater na sua casa.
— Ah, certo. — Ela deixou as coisas de lado e estendeu uma
das mãos.
— Ah, o celular! — lembrei, alguns segundos depois, puxando
o aparelho do meu bolso e quase deixando que caísse no chão.
Que caralho estava acontecendo? Eu parecia uma confusão!
Ela digitou os números e me entregou o celular. Salvei o seu
contato como Patricinha Insuportável para me lembrar quem ela era,
porque pelo visto, agora o meu pau tinha mudado de lugar e estava
na minha cabeça.
Larissa se despediu do macaquinho, me deu um boa noite
rápido e caminhou até a porta. Ela girou a maçaneta e virou o corpo
para trás antes de ir embora.
— Obrigada por ontem... — disse baixinho. — No restaurante.
— Não sei sobre o que está falando — retruquei com um
sorrisinho de canto de lábio e ela respondeu da mesma forma,
fazendo um meneio com a cabeça.
De novo aquela porra de olhar. De novo aquela merda de
cumplicidade.
 
Você me deixa tão quente

Me faz querer desmaiar

Isso é tão ridículo

Eu mal consigo parar

Eu mal consigo respirar

Você me faz querer gritar


:: HOT - AVRIL LAVIGNE ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Em alguns momentos, tudo que uma pessoa quer é poder
tomar uma xícara de chá na santa paz do Senhor, mantendo o olhar
perdido nas plantas, árvores e passarinhos. Analisando a perfeita
harmonia da natureza, sempre calma e sem muitas agitações.
Sem nenhum tipo de estresse, falatório ou imagem
perturbadora.
Suspirei, deixando meus pensamentos divagarem. Era muito
mais fácil quando ele era apenas um babaca insuportável. Muito
mais simples quando o ódio que eu nutria era o único sentimento
que crescia no meu peito. E antes do maldito começar a morar na
casa da frente, meus pensamentos não eram nada impuros.
Porque agora eles eram. Eu tinha uma infinidade deles. E teria
ainda mais depois daquela visão.
Meu mais novo vizinho estava no quintal do Heitor, sem
camisa, completamente suado, socando um saco de boxe. Heitor
mantinha aquela porcaria ali só para enfeite, porque ele não batia
nem nos mosquitos da dengue. Se matriculou um mês no boxe,
comprou todos os equipamentos existentes e desistiu quando tomou
uma porrada forte demais. Já tinha visto pela janela ele mostrando o
equipamento para algum casinho, cheio de lábia, provavelmente
inventando que o MMA corria pelas suas veias.
Aquele saco enfim estava recebendo alguma atenção e eu
quase dei um pulinho no lugar quando, em um determinado
momento, o garoto que fazia da minha vida um inferno, deu um tapa
com toda força no couro.
Um calor sobrenatural me consumia de dentro para fora,
lembrando da troca de olhares da noite anterior, imaginando as mil e
uma coisas que eu deixaria que ele fizesse comigo.
Meu Deus, Larissa!
Respirei devagar, tentando prestar atenção no ar contornando
meus pulmões, fazendo o caminho correto. Pedro era gostoso e
gostaria de não ter sonhado com ele na noite anterior e acordado
totalmente molhada.
Talvez eu tenha ficado pensando tempo demais naquele idiota
arrogante. Não fazia sentido uma pessoa pedir o seu número e
sequer enviar um “oi” para que o contato ficasse salvo. E se eu
quisesse perguntar como o Pato estava? Ele era mesmo tão mal-
agradecido assim?
A chaleira tinha começado a apitar de novo na minha frente e
eu enrolei o pano na mão para pegá-la sem deixar de prestar
atenção no treino que estava acontecendo no quintal ao lado.
Mordi meu lábio inferior quando ele deu outro tapa para
segurar o saco de boxe e me inclinei um pouco para frente para ver
melhor. Como deveria ser a sensação daquela mão grossa
acertando a minha bunda algumas vezes?
Caralho, Larissa!
Um cheiro de queimado subiu pelas minhas narinas e quando
eu percebi, dei um berro, assustada, jogando o pano para frente.
— Ah, meu Deus! — berrei ao ver que uma chama tinha se
alastrado para a cortina e estava lambendo o tecido.
Puta merda, puta merda!
O alarme da casa tocava sem parar, mas eu não fazia ideia do
que fazer. Até os bombeiros chegarem, tudo já teria virado cinzas.
Meus pais iam me matar e com certeza comprariam o caixão mais
barato da funerária do pai do Gregório.
Estava muito ferrada.
A porta da minha casa se abriu e como se estivéssemos em
uma cena de filme, o Pedro surgiu correndo, ainda sem camisa e
com um extintor na mão.
Será que eu estava sonhando?
Eu nunca tinha tido sonhos com bombeiros, mas aqui estava
ele, vindo apagar o meu fogo, literalmente. Passou por mim,
empurrando-me para trás, para que eu ficasse longe da bancada e
apertou o gatilho do extintor. O seu corpo parecia ter sido esculpido,
com um bronzeado perfeito e o suor descia devagar pelas entradas
do short.
Deus do céu, eu amava entradas.
Pedro estava agitado, gritando para que eu não me
aproximasse, para que ficasse onde estava. Apenas assenti, um
pouco atordoada e levemente hipnotizada.  E observando todo o
desenrolar à minha frente, cheguei à conclusão de que seria
impossível acabar com o incêndio que acontecia embaixo da minha
saia.
Talvez, com a mangueira dele...
MEU DEUS, LARISSA, CARALHO!
— Você só faz cagada, hein, 190? — ele perguntou, ofegante
e sem paciência quando se virou para mim. — Que merda estava
fazendo?
O alarme continuava apitando. Ele largou o extintor no chão e
passou as duas mãos pelo rosto, empurrando um pouco do suor
para baixo, que desceu quase que em câmera lenta pelos gominhos
do seu abdômen.
— Ahn, eu... Estava distraída — balbuciei, forçando-me a olhar
nos seus olhos. — Como você...?
— Ouvi seu grito e depois vi o fogo subindo para a cortina —
explicou, bagunçando o cabelo e em seguida encostou as duas
mãos na cintura, virando-se para o estrago.
Seu abdômen se movimentava para dentro e para fora,
acompanhando sua respiração ofegante.
Eu precisava tirar meus olhos dele, meu Deus!
— De onde você tirou esse extintor?
— Eu vi perto do quadro de luz no dia em que você tentou me
mandar para a cadeia — debochou. — Provavelmente o Heitor tem
medo do Pato incendiar a casa.
— Ele está melhor?
— Acordei e percebi que ele não estava pela casa. Deve estar
pelo condomínio. Ele cagou em cima da minha cama, acho que
ficou ressentido.
Ele deu uma risadinha e coçou a cabeça.
Merda, ele era uma gracinha assim simpático.
— O pessoal do condomínio vai chegar daqui a pouco —
constatou, olhando para o alarme e caminhando em direção à
entrada da minha casa.
Assenti duas vezes.
— 190? — ele chamou, virando-se para trás.
— Hm? — respondi e depois me odiei por isso.
— Tente não incendiar sua cozinha na próxima vez que estiver
me secando enquanto eu treino — disse, cheio de si, dando um
sorrisinho de canto de lábio e saindo pela porta.
Deixei um gritinho de frustração escapar, sentindo minhas
bochechas queimarem. Era um castigo divino que ele tivesse me
visto, por toda a mentira que eu escondia das pessoas à minha
volta.
Babaca insuportável dos infernos.
 

 
Depois que ele saiu foi um caos. Os funcionários do
condomínio apareceram, os bombeiros chegaram e algum tempo
depois, minha mãe voltou para casa no meio do expediente junto
com Gregório. Por mais que fosse domingo, os três tinham saído
bem cedo para a cirurgia de um político que já estava agendada,
mas apenas o meu pai ficou por lá.
Agora, eu estava na Dräieck porque era o aniversário de um
dos nossos amigos. A boate do Heitor era a mais badalada do Rio
de Janeiro, mesmo com os diversos relatos de furto do local. Muita
gente “perdia” itens que nunca eram encontrados e isso acabou
virando uma espécie de marketing. O nome significava triângulo em
alguma língua que eu não me lembrava e as pessoas começaram a
dizer que ali era um portal para o Triângulo das Bermudas.
Isso aconteceu alguns meses depois da abertura da casa, um
vídeo viralizou e tudo explodiu. As pessoas passaram a frequentar a
boate com a expectativa de perder algum objeto apenas para
divulgar nas redes sociais os seus relatos.
Confesso que tinha minhas desconfianças. Estava quase certa
de que tudo era uma jogada de marketing do próprio Heitor. Não me
espantaria que fosse um cliente frequente, entretanto. Sabia de
algumas pessoas que tinham dinheiro e furtavam itens de lojas
apenas porque achavam divertido.
Já tinha conversado com Heitor e ele sempre achava graça
demais de tudo, alegando que não fazia ideia, que talvez lá
realmente fosse um portal. Até parece, aquela mentira de que ele
não sabia de nada apenas dava mais força para a minha primeira
teoria.
— Ei, Greg... Por que está com essa cara? — indaguei para o
meu namorado emburrado, sentado na ponta do camarote.
Já tinha bebido três doses de tequila com Lavínia e Ana no
bar, então me joguei em cima dele, forçando um abraço.
— Estou meio puto, Kinha.
— Ah nãoooooo... — Fiz um biquinho e ele revirou os olhos,
dando uma risada sem muita vontade, mas puxando-me para o seu
colo.
— Sabe que queria ter participado da cirurgia hoje —
resmungou.
— Não pedi para você largar o seu trabalho.
— Claro, com certeza faria muito sentido não voltar com a sua
mãe sendo que você tentou incendiar a sua casa — ele bufou e fiz
menção de me levantar.
Gregório me puxou de volta pela cintura e segurou o meu
rosto, fazendo carinho.
— Não vai embora... — pediu, encostando os lábios nos meus.
— Só estou um pouco estressado. As coisas no hospital são
cansativas e eu fiquei preocupado pra caralho com você.
Ele encostou a testa na minha e olhou no fundo dos meus
olhos.
— Não sei o que seria de mim sem você... Eu te amo,
desculpa se estou sendo um idiota.
Em momentos como aquele, eu realmente acreditava que meu
namorado me amava. Conseguia vislumbrar os lados bons do nosso
relacionamento, lembrava de como as coisas eram fáceis no
passado. Em algumas ocasiões, eu até mesmo esquecia de todas
as vezes que ele tinha me traído. Era sempre mais fácil quando
havia álcool correndo pelas minhas veias ou quando estava me
sentindo carente.
Havia duas de mim. E uma versão tinha repulsa da outra. Em
ocasiões assim, eu afundava ainda mais a parte inquieta, a mais
julgadora, a que se perguntava que merda eu estava fazendo com a
minha vida.
E naquelas frações de segundos, acreditava que seria capaz
de lidar com todo o destino que eu tinha pela frente. Gregório estava
muito longe de ser perfeito para mim, mas para todo mundo que nos
cercava, ele aparentava ser. E isso era o que importava.
— Greg, o Cadu está no bar arrumando confusão. — Um dos
amigos dele pulou dentro do camarote, agitado. — A Lavínia ficou
puta que sujaram a roupa dela e foi chamar a segurança.
— Que merda! — Greg soltou o ar, cansado, tirando-me do
seu colo. — Fica aqui, Kinha.
— Não arruma confusão! — pedi, mas ele ignorou.
Ele saiu praticamente correndo e eu o segui, sem que ele
percebesse. Quando chegamos perto do balcão, eu fechei os olhos
sem acreditar em quem estava do outro lado.
Por que infernos esse idiota estava sempre metido em tudo?
Cadu havia se debruçado no bar. Estava aos berros com o
Pedro, que se encontrava com o maxilar trancado e os braços
cruzados como se fosse um armário bloqueando uma porta.
— Você não manda em nada aqui. Sabe de quem eu sou filho?
— o amigo do Gregório berrou, revoltado.
— Não sei e não me importo — ele respondeu, áspero.
— Esse fodido está tirando uma com a minha cara, Greg.
Disse que não vai mais me servir! — Cadu se queixou para o amigo
e depois olhou revoltado para seu alvo. — Tá achando que é quem?
Eu pago seu salário, seu pobre de merda. Você não manda em
nada aqui.
Dei um passo para frente para ouvir melhor e o olhar do Pedro
desviou para mim. Na mesma hora, meu namorado se virou para
trás porque percebeu que a atenção dele tinha se direcionado para
outra coisa.
— Volta pro camarote, Kinha — ele pediu por trás do ombro e
depois se aproximou do balcão. — Não tem motivo pra essa
confusão, Cadu. Ele vai voltar a te servir e...
— Não, eu não vou. Esse bêbado idiota já quebrou duas
garrafas, um copo e quase acertou um dos barmen. Já solicitei
educadamente que seu amigo se retire da casa antes que eu chame
a segurança — afirmou sem pestanejar.
Gregório deu uma risada, com certeza se sentindo insultado.
— Acha que só porque está morando na casa do Heitor, isso
significa que manda no bar dele? — indagou, cheio de desdém. —
Abaixa sua bolinha, você é só um garçom e não manda em porra
nenhuma.
— Gregório... — eu o chamei, mas ele nem mesmo se virou.
— Infelizmente para vocês, eu sou a pessoa responsável hoje.
— Pedro abriu um sorrisinho, divertindo-se com aquilo.
— Ele está ali, moço. — A voz da minha melhor amiga ecoou
atrás de mim. — Já quebrou duas garrafas de tequila e manchou
meu vestido novo da Gucci.
— Segurança, pode levar esses dois — Pedro deu a ordem
com um tom de voz firme e na mesma hora os quatro homens
gigantes seguraram os braços do Gregório e do Cadu, arrastando-
os para fora.
Nós o seguimos pelo meio da multidão até o hall da entrada da
boate.
— Vai tomar no cu, Lavínia — Cadu chiou quando paramos
perto dos caixas.
— Aprende a beber, seu idiota! — ela retrucou com raiva. — E
você me deve R$ 3.000,00. Lari, vou voltar lá pra dentro, espero
você.
Claro que minha amiga estava possessa por conta do seu
vestido, podiam jogar uma garrafa na cabeça dela, mas se a roupa
fosse atingida, o caos se instaurava. E sabia bem o motivo da Vi
cobrar pela peça, ela estava com raiva e de saco cheio, porque
dinheiro não era o problema. Nossos pais faziam questão de nos
dar um cartão especificamente para roupas e nunca reclamavam
sobre a fatura.
— Já vai tarde... Ah, e Lavínia, você é intrometida pra caralho!
— Gregório berrou e ela levantou o dedo do meio para ele.
— A culpa é daquele GBR filho da puta — Cadu continuou a
dizer, revoltado.
— Você tem sorte dele não ter chamado a polícia, você podia
ter machucado alguém, Cadu — briguei, irritada.
— Sorte? — Meu namorado soltou uma risada sem humor. —
Esse arrombado está se divertindo com tudo isso. Deixa de ser
otária, Larissa.
— Por que sua namorada está defendendo esse bosta?
— A Kinha não pode ver um vira-lata, se esqueceu? — ele
desdenhou, como se estivesse enjoado. — Nunca vi ter tanto apego
com pobre.
Eu o olhei com os olhos pegando fogo. Odiava a forma como
ele se referia às pessoas que não tinham o nosso padrão social. Já
tinha pedido tantas vezes para que tivesse mais respeito por elas.
— Você está sendo um babaca.
— Foda-se, Larissa. Tem noção do quanto é humilhante ser
expulso? A gente tá aqui toda semana! Eu tive um dia de merda e
só queria relaxar um pouco. Era aniversário do Romeu e agora a
gente vai ter que ir embora...
— A gente? — indaguei.
Ele piscou, um pouco confuso.
— Você vai ficar aí?
— Vou. É aniversário do nosso amigo e eu pedi para você não
arrumar confusão — falei, deixando-o ainda mais irritado.
— Faz o que você quiser, Larissa. — Ele deu de ombros e se
virou para o caixa para pagar sua comanda.
— Vai pra casa? Me liga quando chegar? — perguntei,
aproximando-me um pouco e ele riu.
— Nem fodendo. Você não vai ficar aí se divertindo, Kinha? —
Agora ele estava sendo muito debochado. — Eu vou fazer a mesma
coisa. Boa noite.
— Boa noite.
E foi só o que eu respondi porque a outra parte minha queria
mesmo era mandar o Gregório tomar no meio do cu.
 
O fogo em chamas normalmente nos mataria
Mas com todo esse desejo, juntos, nós somos vencedores
Eles dizem que estamos fora de controle e outros dizem que somos pecadores
Mas não deixe eles estragarem nossos belos ritmos
:: FIRE ON FIRE - SAM SMITH ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Subi as escadas que davam até o escritório do Heitor para
avisar o que havia ocorrido. O som da música no primeiro andar
estava alto demais e queria que ele entendesse, porque sabia que
os arrombados tentariam ligar e eu precisava dar a minha versão.
Como eventualmente eu fazia alguns bicos e conhecia a casa
de festas muito bem, meu mais novo chefe perguntou se seria
possível cuidar de tudo naquela noite. Explicou que o gerente tinha
sido demitido dois dias atrás e seu sócio precisou fazer uma viagem
de emergência para São Paulo.
Assim que contei sobre o ocorrido, ele me disse que fiz o certo,
que depois se entenderia com os dois e daria um esporro em ambos
porque a Dräieck não era bagunça. Ainda ficava impressionado na
confiança que Heitor tinha em mim e nem mesmo sabia o que tinha
feito para ganhá-la.
Estava saindo do cômodo, caminhando pelo corredor escuro e
distraído mandando uma mensagem para o Pipo no meu celular. No
segundo em que senti um puxão no braço, o cheiro de jujubas
pareceu preencher todo o ar ao meu redor.
Aquela área da boate era inacessível para os clientes e eu não
fazia ideia de como ela tinha chegado ali. Levantei meus olhos para
encontrar os seus, vendo de forma vítrea a sua cor, mesmo que a
luz se encontrasse fraca e quase nula. Era como se a tonalidade
estivesse gravada na minha memória depois de tanto ver meu
reflexo atrás deles queimando de ódio.
— Seu namorado é um cuzão, 190 — falei, antes que ela
pudesse começar o sermão que imaginei que tinha preparado.
Dei uma risada mental, lembrando da música do Forfun, uma
banda dos anos 2000 que tinha exatamente esse nome.
— Quando vai parar de me chamar assim?
Ela me soltou e franziu o cenho, deixando toda a irritação
transparecer. Dei uma risada da sua pergunta.
— Eu não vou.
— Por quê?
— Porque te irrita e eu não gosto de você — respondi, como
se fosse óbvio.
— Você é tão insuportável. — Seus olhos reviraram como
sempre faziam para praticamente qualquer frase que saía da minha
boca.
— E ainda assim você está aqui — comentei, em um tom
sugestivo, dando um passo para frente e colocando-a contra a
parede. — O que está fazendo aqui?
Ela recuou, engolindo em seco, mas sem interromper nosso
contato visual. Foi impossível não sorrir mentalmente, satisfeito em
ver que ela parecia desconfortável.
Naquela manhã, eu percebi que a herdeira dos Albertelli
estava observando meu corpo quase que hipnotizada durante o
treino. E permaneceu por todo tempo em que eu fiquei dentro da
sua casa tentando apagar o fogo que ela tinha começado.
Cheguei à conclusão de que aquele desejo não era unilateral e
que havia uma forma melhor de lidar com a situação sem quebrar o
meu mandamento de vida. Porque eu não iria, nem fodendo, mesmo
que estivesse louco para meter o meu pau naquela porra de boceta
burguesa.
O que dificultava era o fato daquela insuportável estar sempre
por toda a parte, tirando minha paz. Então, decidi que usaria aquilo
para provocá-la até que se afastasse. E a verdade é que seria
maravilhoso me divertir um pouco às suas custas.
Foda-se que ela tinha me ajudado com todo o lance do Pato,
eu ainda a odiava e aquele sentimento jamais iria embora.
Sabia muito bem que a patricinha que tinha saído diretamente
do filme da Barbie não iria meter um par de chifre no Ken, mesmo
que o gostoso do Max Steel[37] aqui estivesse à disposição. Ela
nunca trairia aquele babaca por mais que ele fosse um merda de ser
humano.
Estava louco para vê-la se contorcer como um maldito inseto
depois de algumas borrifadas de inseticida, entretanto.
— Queria saber uma coisa... — começou a dizer e fiz um
meneio com a cabeça para que continuasse. — Está se sentindo
vingado?
— Eu? — Dei uma risada. — Vingado pelo quê?
— Por aquele dia do relógio — respondeu. — Você expulsou o
Gregório daqui, mas só quem estava fazendo merda era o Cadu.
— Achei que você era apenas a defensora dos GBRs. Virou a
dos babacas também?
— Não vim defendê-lo. Afinal, está se sentindo vingado?
Me aproximei um pouco mais e percebi que seu olhar desceu
para a minha boca, fazendo com que eu abrisse um sorrisinho de
imediato. Era bom me sentir no comando, eu gostava quando sabia
que tinha aquele tipo de efeito em uma garota.
— Por que acha que sou uma pessoa vingativa? — continuei
os questionamentos, adorando vê-la encurralada.
Ela soltou o ar pela boca, como se minha pergunta não fizesse
sentido.
— Vai me dizer que você não é vingativo?
— Não disse que eu não era. — Mais um sorriso e eu percebi
toda a raiva crescendo nas suas feições.
Era tão fácil irritá-la.
— Sim, eu sou vingativo, mas vai precisar de muito mais pra
eu me sentir vingado.
Eu podia ouvir a pergunta “o quê?” martelando na sua cabeça
e a luta interna, quase como se estivesse se desafiando a fazê-la.
— O que está fazendo aqui? — tornei a perguntar, percebendo
que meu rosto estava próximo demais.
— Já... Te disse — ela engasgou as palavras, umedecendo os
lábios em seguida e eu fiz a idiotice de olhar para eles.
Merda de boca grossa e linda do inferno.
— Você mente bem pra todo mundo à sua volta, 190... É uma
pena que eu saiba a verdade.
— É? — Sua sobrancelha arqueou e ela mudou o tom para
desafiador, chegando alguns milímetros mais perto. — E o que acha
que estou fazendo aqui?
Mordi o meu lábio inferior e não fui capaz de segurar uma
risadinha. Peguei uma das suas mechas de cabelo e enrolei entre
meus dedos, como se não pudesse me conter. Coloquei os fios
atrás do ombro, deixando que minha mão resvalasse na pele,
sentindo a resposta imediata em um arrepio.
Ela prendeu o ar quando eu me inclinei em sua direção, mas
desviei a boca para perto do seu pescoço. Puxei uma respiração,
irritado comigo mesmo pela súbita vontade de sentir meus lábios
contra ele.
— Acho que precisa de alguém que dê conta de você... —
sussurrei, percebendo a inquietação do seu corpo.
— Eu tenho um namorado — retrucou, como se aquilo tivesse
relevância.
— É? E onde ele está? — Minha pergunta foi feita olhando
dentro dos seus olhos e a resposta veio em um silêncio contrariado.
— Tenho uma teoria... Acho que está aqui porque aquele merda não
supre as suas... — Fiz uma pausa. — Necessidades.
— Você é um babaca… — Ela fez menção de sair, mas
coloquei meu braço para impedir.
— Diz pra mim, 190… Ele realmente dá conta de você? — falei
baixinho, contra os seus lábios, nunca deixando de manter meu
olhar fixo no dela.
A tensão sexual entre nós dois crescia, incitando-me a
continuar e praticamente implorando por algum tipo de ação. O calor
que emanava do seu corpo estava me deixando alucinado e a
respiração descompassada queimava não só a minha boca, como
também meus neurônios.
Ela iria recuar.
Ela iria recuar.
E eu comecei a não querer que isso acontecesse.
Em segundos, me perdi no joguinho que estava tentando fazer,
em uma mistura inconsciente de uma aceitação verbal e não verbal
do meu corpo. Foda-se, eu queria sucumbir. Desejava quebrar o
meu mandamento agora, mais do que qualquer outra coisa.
A frase “eu te odeio” dançava na ponta da minha língua, a
irritação começando a me deixar desnorteado. Porque eu não
conseguia uma explicação lógica para o que estava acontecendo.
Estava com raiva de todo o efeito que aquela garota parecia ter
sobre mim naquele momento.
— Por que acha que ele não dá conta de mim? — Havia um
pouco de atrevimento no tom, algo que não fui capaz de identificar,
mas me baqueou.
— Você me olharia da forma que me olha, se ele desse? — Foi
uma pergunta genuína, porque já estava confuso pra caralho. —
Você estaria aqui, se ele desse?
— Quer saber o que estou fazendo aqui? — perguntou de
forma sedutora.
Tudo o que consegui fazer foi uma concordância com a cabeça
antes que ela torcesse a mão na minha camiseta, puxando-me para
si e colando os lábios nos meus. Soltei a respiração dentro da sua
boca, quase que em um alívio por finalmente sentir o seu gosto.
Sua língua se empurrava contra a minha de um jeito agressivo,
como se ela também estivesse com ódio de si mesma por estar se
rendendo ao que quer que fosse aquilo entre nós dois.
Todo o controle se esvaía. De forma contínua. Em uma espiral
infinita.
— Porra! — sussurrou, junto com um gemido dentro da minha
boca, fodendo-me por completo.
Uma das minhas mãos livres encontrou sua nuca, agarrando
os seus cabelos com força, puxando-a cada vez mais para mim.
Minha outra mão se mantinha ao redor da sua cintura de uma forma
urgente, como se eu estivesse desesperado para prolongar um
momento que sabia que seria único na minha vida.
Mais um aperto e eu pendi sua cabeça para trás, descendo a
boca para explorar sua mandíbula, o pescoço e o que mais eu fosse
capaz. Era possível sentir suas veias pulsando contra a minha
língua, o gosto doce de bala se espalhando pelo meu céu da boca.
Desci a mão para baixo da sua bunda, levantando-a um pouco
mais na parede. Fechei os olhos quando percebi que meu pau
estava duro e alinhado contra a sua boceta, apenas imaginando a
possibilidade de fodê-la contra aquela parede.
Ignorei todos os avisos internos que estavam sendo ofuscados
pela euforia tangível dos nossos corpos. Em uma mistura de
mordidas, puxões e respirações incompletas, eu quebrei. Aquele
beijo era quente como o inferno. E eu deixei que ela me queimasse,
exatamente como uma vítima voluntária de um incêndio.
— Eu estava certo... — respondi ofegante, forçando-a a me
encarar. — Ele realmente não dá conta de você.
— Será? — Ela mordeu o lábio inferior que já estava bem
inchado e deu uma risada. — Talvez eu só esteja procurando uma
forma de me vingar também...
Eu parei o que estava fazendo, afastando seu rosto do meu.
Uma enxurrada de pensamentos errados começou a inundar a
minha cabeça, tentando arrombar as portas que eu mantinha muito
bem travadas e deixando em primeiro plano minhas inseguranças.
Eu odiei aquela merda.
A garota na minha frente cessou as risadas e franziu o cenho,
um pouco confusa pela minha reação.
— Foi por isso que me beijou? — perguntei, sério, e depois
deixei que o desdém me anestesiasse por completo, suprimindo
toda a raiva que eu estava sentindo. — Por que queria dar o troco
no seu namorado que encheu sua cabeça de chifres?
Todos seus músculos enrijeceram e Larissa trancou o maxilar
como se estivesse moendo os dentes, furiosa pelo que eu tinha dito.
— Peguei em um ponto sensível? — debochei. — Eu duvido
que ele dê conta de você enquanto trepa com metade das mulheres
do Rio de Janeiro, mas se está tão certa disso, talvez seja melhor
terminar na cama dele, se ela já não estiver ocupada.
— Você é muito escroto... — ela cuspiu as palavras e se virou
para ir embora, praticamente marchando.
— Não mais do que você. — Minha voz ecoou no corredor
antes que ela pudesse sair do meu campo de visão.
A raiva trepidou dentro do meu estômago, espalhando-se
como a labaredas do incêndio que eu tinha sido capaz de controlar
mais cedo. Parecia bem mais difícil agora, sentindo-o correr por
cada célula, tentando explodir pelas minhas extremidades.
Ela era como gasolina.
 
 
Não se preocupe

Eu não quero mais te ver

E nunca quero te encontrar de novo

Mais uma coisa

Quando está brava, você é uma babaca

E então me trata como se eu não valesse nada


:: WORTH NOTHING – TWISTED ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Eu não deveria ter feito aquilo. Era uma completa idiota por
achar que, de alguma forma, o resultado seria diferente do que tinha
sido. Havia me deixado levar, por todas as insinuações, a sedução e
o sorrisinho traiçoeiro que ele tinha. Tudo o que o imbecil queria
fazer era ter uma oportunidade para jogar na minha cara o quanto
minha vida era patética e me humilhar mais um pouco.
Eu percebi o que ele estava fazendo… E mesmo assim eu caí.
O errado me atraía de uma forma que eu jamais saberia
explicar. Não era só um escape da vida fictícia que eu precisava
manter.
Eu queria a adrenalina, o perigo, o averso.
— Ei, amigaaaaa. Por que está com essa cara? — Ana
perguntou, jogando-se em cima de mim e me enchendo de beijos.
— Ela precisa de comida... — Lavínia declarou, entre as
risadas, e se jogou no montinho que tinha se formado em cima de
mim. — Ou talvez levar uma boa de uma comida...
— Não fica triste por conta daquele idiota do Gregório.
— Você tinha que ver o papelão, Ana... — minha amiga
comentou, balançando a cabeça em discordância e jogando os
cabelos para trás. — Alguém viu meu celular?
— Não e eu não estou triste por causa dele — afirmei. —
Gregório é adulto e sabe o que faz.
— Eu disse que era fome!
Demos risadas e descemos para tomar café. O pai da Vi abriu
um sorrisão ao me ver e nos cumprimentou, parecendo animado.
Ele adorava quando nós aparecíamos para poder tentar convencer
a filha a seguir o nosso caminho, voltar para a faculdade e encontrar
um cara que tivesse alguma boa posição social.
Ele perguntou se queríamos tapioca e pediu para a moça que
trabalhava lá fazer. E como sempre acontecia, começou a divagar
sobre os assuntos que minha amiga tentava fugir.
— Como está na faculdade, Ana?
— Está legal, tio, mas estava precisando de férias! — Ela deu
uma risadinha e deu um gole no seu café.
— Lari, seu pai disse que você está se saindo super bem no
hospital... Conversamos na semana passada e ele falou mais uma
vez que seria incrível se a Vi entrasse para o curso, já que trancou
Direito e não quer voltar de jeito nenhum.
— Pai, eu não vou fazer Medicina — decretou, tentando não
subir o tom de voz.
— Acho que a Medicina realmente não é pra Vi — falei,
tentando brincar. — Do jeito que é esquecida, é a cara dela deixar
alguma coisa dentro de um paciente.
Elas gargalharam, concordando e ele abafou uma risada, meio
a contragosto.
— Fora as roupas monstruosas que vocês usam... — minha
amiga lembrou. — Acho que você é uma das poucas que consegue
ficar minimamente bem dentro de um jaleco.
— Mas existem outras áreas em que ela não precisaria
operar... — Ele voltou a olhar para a filha, um pouco sério,
ignorando seu comentário. — Espero que no evento de amanhã
você faça alguns contatos que te animem para fazer alguma coisa.
Você vai fazer vinte e dois anos, Lavínia, e passa todo o seu tempo
sem fazer nada...
— Estive pensando sobre isso, sempre te vejo fazendo
doações, mas como eu não tenho dinheiro, posso doar esse meu
tempo todo. Estava conversando com uma das funcionárias daqui
do condomínio e ouvi dizer que lá no Terreirão eles tem um projeto
muito legal de lutas e também fazem algumas campanhas...
Ele soltou um ruído de incredulidade, impedindo que a filha
terminasse a frase. Comprimi os lábios para não rir, vendo-o ficar
vermelho pela irritação, a veia na testa pulsando sem parar.
— Você não vai pro meio da favela! E nem tem que ficar de
papo com essas pessoas que trabalham aqui! — avisou de forma
rígida, mas em um tom de voz baixo para que a funcionária que
estava na cozinha não pudesse ouvir.
— Comunidade... — corrigi baixinho enquanto levava minha
xícara até a boca, mas ele nem mesmo ouviu.
— Tem sorte que sua mãe não está ouvindo esses absurdos
que você está dizendo — continuou, ríspido. — A gente te dá tudo,
você deveria ser mais grata, como as meninas. É difícil até mesmo
ter uma manhã tranquila, sem seus comentários desnecessários,
Lavínia. — Depois, olhou para mim. — Larissa, vê se coloca algum
juízo na cabeça da sua amiga.
Ele respirou fundo e levantou, ajeitando a postura deixando
claro que aquela discussão tinha chegado ao fim. Pediu licença,
afirmando que estava atrasado para o trabalho e deu um sorriso
sem muita vontade antes de se retirar do cômodo.
“Você deveria ser mais grata, cadelinha.”
Aquela frase me trouxe uma infinidade de memórias, puxando-
me para uma parte que eu não gostava de visitar. Até mesmo o pai
da minha melhor amiga esperava algo de mim e era muito difícil
deixar tudo de lado. Lavínia estava com um sorrisinho satisfeito no
rosto por ter tirado seu pai do sério e muitas vezes eu a invejava por
se impor daquele jeito.
— Eu é que deveria colocar menos juízo na sua cabeça — ela
murmurou para mim, rindo e eu balancei a cabeça, segurando as
risadas.
Eu nunca seria aquela pessoa. Entendia os sacrifícios que
precisava fazer porque eu era sim grata e nunca iria querer que
meus pais pensassem o contrário. Eles tinham me dado tanto e eu
não tinha coragem de recompensá-los com decepções.
 

 
E como uma filha perfeita, eu estava em mais um evento com
um vestido elegante e exibindo meus sorrisos falsos para toda a alta
sociedade do Rio de Janeiro. Era um baile de gala beneficente do
Círculo de Ouro e mesmo que não fizéssemos parte, eles
chamavam algumas famílias tradicionais apenas para mostrar que
eram superiores a nós.
O sentimento de pertencimento não era o mesmo, isso eu
poderia afirmar. Cada uma das pessoas que estava ali sabia muito
bem o seu lugar dentro da cadeia de status social. Aquelas festas
ocorriam com bastante frequência, mas as duas edições principais
aconteciam no início e meio do ano.
Era um evento muito fechado, com os políticos mais
importantes, os famosos que eram relevantes e os donos das
maiores empresas do país. Meus olhos passaram rapidamente pela
porta quando avistei o prefeito e a primeira-dama de Coroa do Sul,
chamando toda a atenção dos fotógrafos. Aquela mulher vestia
vermelho como nenhuma outra.
Marco Montes estava logo atrás com sua noiva, o anel da
família reluzindo nos seus dedos para que todos pudessem invejar.
O dono da DuploM era um dos solteiros mais cobiçados do país e
no passado, as mulheres faziam fila para deitar em sua cama, mas
Alice Rossi o havia tirado do mercado. Ela usava um vestido azul-
marinho e parecia um pouco desconcertada com toda a atenção,
mas os dois formavam um casal adorável. Os Montes já tinham
pertencido ao C.O., mas saíram quando Miguel Montes foi preso.
— Acabei de esbarrar com aquele fofoqueiro filho da puta no
banheiro — Gregório comentou baixinho. — Não sei o que esse
idiota está fazendo aqui...
Samuel Medici era o colunista da QueenG! que amava contar
os podres sobre os famosos e também sobre as famílias
importantes do estado do Rio de Janeiro. E Gregório o odiava
porque ele tinha feito uma matéria uns anos atrás expondo um
esquema de lavagem de dinheiro da família dele. Mesmo que os
Valença tivessem abafado tudo, isso quase custou alguns milhões a
menos na conta bancária da família.
— Chamaram ele da última vez também — comentei.
— Pelo visto qualquer um pode frequentar esses eventos
agora — resmungou, ajeitando o terno.
No dia seguinte da boate, Gregório me mandou uma
mensagem dizendo que tinha resolvido ir dormir e depois apareceu
na minha casa, todo meloso com flores, como ele sempre fazia
depois que comia alguém.
Era um movimento recorrente e eu já tinha percebido há um
bom tempo. Comecei a reparar depois de ver notificações na tela do
celular ou após ouvir algum comentário que escapava de um dos
seus amigos. Ele não fazia ideia de que eu tinha percebido e nem
nunca saberia porque eu gostava de ter controle sobre os meus
chifres.
Meu Deus, eu era patética.
A foda que tivemos pela manhã tinha sido frustrante. Por mais
que Gregório fosse o famoso Soca Fofo e eu gostasse mais dos
Soca Forte, o sexo era aceitável. O pau dele não era grande coisa,
mas isso nunca foi um problema para mim. No início eu estava
realmente apaixonada, agora não mais. E no geral, o sexo não era
ruim, apenas morno e sem graça.
O motivo da decepção era outro. Eu estava dando para ele,
mas tudo o que eu desejava era que o garçom mais prepotente e
desprezível do Rio de Janeiro estivesse me comendo.
Argh!
Eu odiava aqueles eventos, eram sempre insuportáveis. Todos
perguntando sobre quando minha faculdade acabaria, afirmando
que eu seria uma médica incrível assim como os meus pais e meu
futuro noivo. Gregório adorava os holofotes, então ele falava bem
mais, contando todos os seus feitos e sempre dando uma
exagerada.
Ele sumiu algum tempo depois, mas fiquei com os meus pais
na mesa porque o jantar tinha sido servido. Decidi ir ao banheiro e
quando estava voltando, Lavínia me interceptou, puxando-me pelo
braço para que eu fosse com ela até o bar.
— Viu quem está aí? — indagou, apontando com a cabeça
para o loiro alto à nossa frente.
Dante Perazzo, um dos herdeiros de uma das maiores
petroleiras do país estava conversando com Yuri Menin, o caçula do
banqueiro mais rico do Brasil. A fortuna daquelas duas famílias era
tão imensa que eu me perguntava como eles não cuspiam dinheiro
ao falar.
— Homem bonito do caralho — comentei, soltando um suspiro
ao olhar para o Dante.
— Prefiro o Yuri.
Eu e Lavínia sempre ficávamos observando os caras bonitos
nos eventos e fazíamos isso desde que éramos pequenas, mas
atualmente nunca encontrávamos uma oportunidade. Havia uma
lista em algum lugar no fundo de uma das nossas gavetas com
notas e tudo, uma que fizemos no auge dos nossos dezesseis anos
e estávamos com fogo na periquita.
— O Domênico está por aí também — ela comentou, falando
sobre o outro herdeiro. — Se você não tivesse se enrolado com o
Gregório, tenho certeza que estaria com um deles.
Dei uma risada e depois percebi que foi alta demais. Limpei a
garganta, ignorando alguns olhares que se direcionaram para mim.
— O Dom é velho demais para mim, Vi.
— Trinta e dois é velho onde? — indagou, chocada.
— São dez anos a mais, amiga — argumentei, mas ela deu de
ombros. — E ele é meio amargurado, está sempre de cara fechada.
Deus me livre.
O Yuri deu um tchauzinho na nossa direção e a Lavínia abriu
um sorriso safado na mesma hora. Ele cutucou o amigo e os dois
vieram até nós, cumprimentando-nos com dois beijinhos.
Nós ficamos conversando um pouco sobre a vida e bebendo
champanhe. Eles eram bem agradáveis e engraçados. Para ser
sincera, o filho mais novo dos Perazzo tinha minha atenção desde
quando eu era mais nova. Ele sempre foi lindo e era um pouco mais
velho, então eu me derretia por ele toda vez que o via. Obviamente
não queria entrar em uma disputa com sua ex, todo mundo sabia
que uma hora eles se casariam. Ambos eram do Círculo de Ouro,
então eu não tinha chance alguma perto dela.
O papo estava tão legal que nem mesmo percebi o momento
em que meu namorado passou por mim e me olhou irritado. Ele
sabia como eu me sentia a respeito do Dante, porque antes mesmo
de começarmos a namorar, éramos amigos e o assunto surgiu vez
ou outra.
Pedi licença e o segui até o lado de fora do salão. Greg estava
apoiado em uma pilastra afastada, digitando enfurecidamente algo
no celular e eu me aproximei. Era em um jardim aberto e o local
estava mal iluminado, sem ninguém por perto.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, olhando para os
lados.
— Tomando um ar — respondeu, seco. — Seus pais já foram
com os meus. Eles decidiram beber um uísque na sua casa.
— Aconteceu alguma coisa?
— Meu Deus, Larissa. Você é sonsa ou se faz? — retrucou de
maneira ríspida, levantando a voz para mim e dando um passo para
frente. — Eu não posso sair de perto de você que te vejo em cima
de algum macho diferente.
Gregório estava bêbado e fiquei me perguntando em que
momento aquele homem tinha bebido tanto, porque eu não tinha
notado. Tudo bem que ele tinha sumido por um tempo, mas não era
comum que perdesse a linha nessas festas. Ninguém fazia aquilo,
ninguém queria correr o risco de um vexame e nunca mais ser
convidado.
— Eu estava conversando e se você vai continuar sendo um
babaca, estou indo.
Fiz menção de me virar, mas senti sua mão agarrando o meu
braço sem nenhuma sutileza.
— Estou falando com você! — O aperto aumentou, a raiva
estampada em cada uma das suas feições. Ele olhou para meu
vestido com desgosto, levantando a alcinha com tanta força que eu
a senti romper. — Primeiro, você veio pra cá vestindo essa porra
dessa roupa...
— Me larga, Gregório. — Eu tentei me soltar, mas ele estava
segurando forte demais. Eu lutei para engolir o bolo que estava se
formando na minha garganta, o desespero começando a subir pelas
minhas extremidades. Aquilo nunca tinha acontecido antes e ele
parecia transtornado.
— Esses caras parecem urubus em cima de você, porra! E não
satisfeita, ainda vem pra festa com os peitos quase de fora e fica
dando mole pro merda do Dante.
Meu estômago retorceu, meu coração disparou e eu senti
meus olhos lacrimejarem. Meu braço já estava dolorido e eu estava
agoniada sem conseguir alcançar minha bolsa.
— Você está... Me machucando! — Minha voz falhou um
pouco e na mesma hora, ele olhou para baixo e me soltou.
— Desculpa, Lari, eu não... — ele começou a gaguejar, em
desespero, percebendo que meu braço estava vermelho demais.
Ignorei o latejar da minha pele, puxando uma respiração para
tentar administrar toda a raiva que se apoderava de mim. O
formigamento de alívio corria para a ponta dos meus dedos, que se
moveram agilmente em busca do meu canivete na bolsa.
Eu sempre andava com ele. Sabia bem quem eram as
pessoas que me cercavam e do que eram capazes. Confesso que
nunca tinha imaginado usá-lo com o meu namorado e talvez fosse
uma reação até mesmo exagerada, mas permiti me perder em meio
ao meu próprio caos.
Porque eu estava cansada, prestes a transbordar e aquilo
havia sido a última gota d’água.
Dei um passo à frente, colocando-o contra a parede e seus
olhos se esbugalharam no segundo em que viu a lâmina se abrindo.
— Lari... O que... Você está fazendo, porra? — ele balbuciou
as palavras, assustado, e levantou as mãos como se estivesse se
rendendo.
Naquele momento, eu afundei a mulher que o namorava e
deixei em evidência o meu lado obscuro, a parte viciada em
adrenalina, a que gostava do que era considerado duvidoso ou
errado. A garota que eu me perguntava se eu teria sido por
completo, se minhas oportunidades fossem outras.
— Você prestou atenção na aula de anatomia, Gregório? —
perguntei, deixando toda a crueldade e o desdém encharcarem
minhas palavras. — Sabe que veia é essa?
Eu cutuquei um pouco abaixo da sua virilha com a ponta do
meu canivete e ele apenas balançou a cabeça positivamente, o
pânico estampado em suas expressões, congelando seus
movimentos.
— Porque se você é burro pra tocar em mim desse jeito, pode
ser que você não tenha aprendido nada na faculdade.
— Kinha, por favor... — ele implorou. — O que você...
— Nunca mais toca em mim. Se fizer de novo isso que fez
hoje, se falar um pouco mais alto ou se levantar a mão na minha
direção, eu entro no seu quarto no meio da noite e furo você.
Sua boca se entreabriu um pouco mais, ele parecia
horrorizado.
— Não estou brincando. Não seria a minha primeira vez.
E naquele momento, ele finalmente viu a minha versão por
inteira.
 
Você deixou ela de lado
Vai pagar pela mancada
Pode acreditar!
Então já era
Eu vou fazer de um jeito
Que ela não vai esquecer
:: PAPO RETO - CHARLIE BROWN JR. ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Estava saindo da pista de skate quando percebi uma linha de
fumaça pairando no ar alguns poucos metros de distância. Era só o
que faltava, aqueles maconheiros de merda iriam ficar queimando
ponta no único local que eu gostava desse condomínio, me
obrigando a sentir aquele fedor horrível.
Conforme me aproximei, o cheiro de cravo inconfundível do
Gudang Garam[38] adentrou minhas narinas, trazendo de volta
algumas memórias da minha adolescência. A razão do meu
tormento estava sentada em um banquinho, olhando absorta para o
nada com parte do corpo encostada na parede.
Dei mais uns passos e ela percebeu minha presença, virando
a cabeça na minha direção. Eu notei o inchaço de choro no seu
rosto e desci os olhos para o braço, percebendo a alça do vestido
arrebentada e uma marca levemente roxa.
Meu coração bateu mais rápido quando comecei a imaginar a
imensidade de coisas ruins que poderiam ter ocorrido com ela. Eu
esperei um momento, tentando lutar com meu instinto protetor, para
ver se Larissa se manifestaria. Dei mais um passo à frente e
encontrei mais silêncio.
Os poucos segundos rastejaram lentamente, como se fossem
horas enquanto eu tentava controlar a onda de fúria que estava
começando a irromper dentro de mim.
— Quem fez isso com você? — perguntei, forçando os meus
dentes em busca de algum controle.
— Eu sei cuidar de mim mesma e já resolvi.
— Não perguntei se você resolveu.
Ela levantou os olhos para encontrar os meus e deu uma
risada sem humor. Depois, levou o cigarro até a boca, tragando-o
lentamente antes de responder:
— Você não precisa se importar.
— Você não decide nada por mim — respondi, sem paciência.
— Foi ele, não foi? Aquele pau no cu do seu namorado.
— Está caçando um motivo para finalmente poder se vingar
dele?
— Não estou caçando... — Franzi o cenho e me interrompi,
irritado com aquelas suposições, tentando isolar a vontade de
quebrar de porrada o filho da puta que tinha encostado nela. — Eu
só quero a porra de um nome!
— Pra quê? Eu já disse que resolvi, isso não é o suficiente?
— Não.
— É uma pena, porque eu não vou te dizer nada. — Ela deu
de ombros, brincando com o cigarro entre os dedos.
— Meu Deus, como você é teimosa e insuportável! — quase
gritei, balançando as mãos ao lado do corpo, frustrado. — Por que
não quer me falar?
— Porque eu mal te conheço e tenho a certeza de que vai
querer ir atrás dele... — Abri a boca para falar, mas ela continuou,
em um tom sério e definitivo: — E eu não quero e nem vou lidar com
essa situação e você não tem direito a voz nisso.
Comprimi os lábios, colocando todo meu esforço em desviar os
olhos do hematoma do seu braço. Ela sentiu um calafrio, decorrente
da brisa gelada que passou por nós e eu tirei meu moletom,
entregando-o em suas mãos, ainda irritado por suas palavras.
Estava dividido entre a fúria e a preocupação, o aperto na
minha garganta aumentando e restringindo o meu oxigênio de correr
de forma natural.
Ela nem mesmo contestou, vestiu o casaco que ficou gigante
em seu corpo e enfiou as mãos nos bolsos da frente, parecendo
confortável.
— Obrigada.
“Obrigado você”, pensei. Estava realmente agradecido por não
precisar olhar a cada segundo para o hematoma, por poder ter um
diálogo sem ter o desejo de arrebentar de porrada o responsável por
deixá-la naquele estado.
— Você está certa — afirmei, ainda relutante. — Eu não tenho
voz e nem quero te expor. Não vou fazer nada que não quiser.
Ela me deu um meio sorriso, parecendo grata.
— Por que está aqui no meio do nada?
— Não posso chegar em casa assim, meus pais estão
acordados.
— Quer ir para a casa do Heitor? Você pode tomar um banho
quente e colocar outra roupa... — sugeri e ela me encarou um
pouco receosa, como se estivesse ponderando.
Como eu era idiota, ela tinha acabado de passar por algo
traumático e eu estava sugerindo que fosse para dentro de uma
casa fechada comigo!
— Tudo bem — respondeu, deixando-me um pouco surpreso.
— Se você não se sentir confortável, não precisamos ir. Posso
te fazer companhia aqui mesmo em um local aberto...
— Fica tranquilo, eu sei que você não tem nem vontade de
chegar perto de uma pessoa tão desprezível quanto eu — disse
com desdém, mas havia um pouco de ressentimento pela frase que
eu tinha dito uns dias atrás, quando a acompanhei até em casa. —
Além do mais, eu disse que sei me cuidar.
— Eu não... — comecei a dizer no momento em que ela se
levantou e fui interrompido logo em seguida.
— Vamos?
Andamos pelo condomínio lado a lado pela calçada. Já estava
tarde, então não havia ninguém nas ruas. Eu abri e fechei a boca
umas seis vezes pensando se deveria puxar algum tipo de assunto,
mas o silêncio parecia confortável para ela, então me mantive
quieto.
Era um pouco agoniante não saber o que tinha acontecido,
não poder tomar uma atitude. Estava acostumado a tirar satisfação
quando ameaçavam apenas relar a mão no Pipo.
Assim que entramos na casa, procurei pelo Pato e percebi que
ele estava pela rua. Desde o fatídico dia, o macaquinho estava me
dando um gelo, voltando apenas em alguns momentos para comer
ou dormir (e eu aproveitava para medicá-lo nessas horas). Ela
perguntou como ele estava e dei um breve resumo enquanto
subíamos as escadas até o quarto em que eu estava ficando.
Tirei uma calça de flanela e uma camiseta do armário e
entreguei nas suas mãos, avisando que estaria lá embaixo caso ela
precisasse de alguma coisa.
Era impossível não estar nervoso com tudo aquilo e conter a
vontade de cuidar dela. Eu sabia que era superprotetor com as
pessoas à minha volta, mas normalmente a gente fazia isso pelas
pessoas que gostava, certo? Não pelas que odiava.
Fiquei pensando no que fazer e cheguei à conclusão de que
ela provavelmente estaria com fome, então fui preparar alguma
coisa para alimentá-la. Não queria esquentar uma das refeições que
a funcionária do Heitor tinha cozinhado. Queria fazer algo por ela e
nem mesmo entendia o porquê.
Quando eu a vi descendo as escadas, minha respiração
falhou. Os cabelos molhados, o rosto sem nenhuma maquiagem,
dentro das minhas roupas que eram largas demais para sua
estrutura.
Uma sensação estranha tomou conta de mim, como se aquilo
fosse uma espécie de memória reconfortante. Não sabia explicar,
mas parecia certo. Algo como chegar em casa e ver Pipo e a Vó
Dea e saber que aquilo era meu, que me pertencia.
— Ei… — ela falou, caminhando até a bancada e parando
para analisar o meu caderno que estava jogado ali por cima.
Passou os dedos por uma das ilustrações e levantou os olhos
castanhos para mim. Uma mecha caiu sobre eles e eu segurei o
impulso de colocá-la atrás da sua orelha.
Estava com um pouco de dificuldade de entender aquela
conexão momentânea que pairava entre nós.
— É seu? — respondi com uma afirmação silenciosa e ela
pareceu surpresa, virando uma das páginas para encontrar mais
desenhos. — Nossa… Você é bom.
Senti meu rosto queimar. Eu normalmente nem deixava as
pessoas espiarem meu caderno, mas não queria pagar de babaca
depois do que tinha acontecido com ela, então permiti que a
enxerida vasculhasse tudo.
— Capivaras? — indagou, não conseguindo conter uma
risada.
— Fiquei um pouco obcecado com elas depois que um artista
de rua começou a espalhá-las pelo Rio.
Ela me olhou como se eu estivesse falando outra língua e eu
apenas balancei a cabeça para indicar que aquilo não importava.
Era óbvio que ela não sabia nada sobre artistas de rua, vivia
cercada dentro de uma redoma de cristal.
— É bobeira.
— Você apenas gosta de desenhar? — Sua atenção nunca
deixava o caderno, a ponta dos dedos contornando as linhas. —
Porque deveria realmente investir nisso.
— Eu sou tatuador — contei.
Ela piscou, chocada, finalmente olhando-me nos olhos. Sua
boca se entreabriu em formato de ‘O’ e logo depois seu rosto se
retorceu, como se estivesse desconfiando de que aquilo fosse uma
brincadeira.
— Você? Você é tatuador? Sério?
— Por que a relutância em acreditar?
Aquela típica sensação começou a me preencher, porque
imaginava uma infinidade de coisas preconceituosas saindo da sua
boca.
— Achei que tatuadores fossem cheios de tatuagens… — foi
só o que disse, encolhendo os ombros.
— Achei que patricinhas fossem mais delicadas... — impliquei,
arrancando um sorriso dela.
Então eu percebi que Larissa Albertelli estava realmente
sorrindo para mim, de alguma coisa que eu tinha dito. Uma
sensação de borbulhamento começou a dar as caras dentro do meu
estômago.
— E essas? — perguntou, observando as borboletas que eu
tinha feito. — Também está obcecado com borboletas?
— Estou testando uns desenhos para a minha garota — falei e
ela piscou, parecendo confusa.
Eu deixei de lado a informação de que tinha decidido desenhar
uma borboleta na manhã em que vi uma pousando na sua mão
enquanto ela tomava sol, distraída. Aquela cena havia se incrustado
na minha cabeça e eventualmente eu me pegava pensando nela.
— Você namora? Eu não fazia ideia, eu…
— Não namoro — deixei claro e me questionei se havia uma
fagulha de alívio na forma como seus ombros relaxaram.
— É que você disse “minha garota”.
— Ela não precisa ser minha namorada para ser minha garota.
Nós mantivemos um contato visual pelo que durou cerca de
dez segundos, mas a impressão é de que estávamos presos naquilo
por horas a fio. O ar ao nosso redor parecia ter paralisado e tudo o
que passou a existir naquele momento foi a forma como ela
umedeceu os lábios, puxando o inferior entre os dentes, pensativa.
Seu telefone vibrou dentro da bolsa que ela tinha deixado em
cima do balcão da cozinha assim que chegamos e aquele fluxo
constante entre nós se quebrou.
Notei a foto gigante do babaca no seu Iphone de última
geração. Nem mesmo sabia em qual versão aquela merda estava,
não tinha dinheiro para comprar mesmo. O meu era um modelo
velho da Samsung que eu comprei do Rubens uns meses atrás.
Confirmei minhas suspeitas quando ela recusou a ligação e
olhou para baixo, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha,
parecendo inquieta.
— Fiz algo para você comer — avisei, em uma tentativa de
abafar aquele clima merda que tinha ficado no cômodo.
— Você? — Seus olhos se estreitaram.
— Não é nada de mais, só um misto quente.
— Mas você tirou as bordinhas do pão? — perguntou e no
momento em que eu fechei a cara, ela gargalhou.
Balancei a cabeça, revirando os olhos e não consegui deixar
de esboçar uma risada fraca.
— Eu estava com um “vai à merda” na ponta da língua.
Seus olhos se fixaram no meu e ela inclinou um pouco na
pedra da ilha da cozinha, voltando a arrastar os dentes pelos lábios.
— Tenho certeza que sim.
— Acho bom você comer e não reclamar, porque aqui nessa
casa eu não sou obrigado a fazer suas vontades — zombei,
pegando o sanduíche que estava perto do fogão e cortando-o ao
meio.
Ela sorriu, achando graça.
— Pedro? — Ergui a cabeça e emiti um ruído para que ela
continuasse a falar. — Obrigada por não me odiar hoje.
— Não se acostume, 190.
 
Boca fechada, sem embaraços
Eu te dei todas as chances de ser um bom rapaz
Mas fui vencida pelo cansaço
Nosso amor foi enterrado e descansa em paz
:: TÔ NEM AÍ - LUKA ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Aquela noite tinha sido absurda em tantos níveis que nem
mesmo era capaz de descrever a quantidade de coisas que
passaram pela minha cabeça. Assim que saí da festa, após ter
ameaçado Gregório com o canivete, avisei para os meus pais que
iria dormir na casa da Lavínia e acabei dormindo no sofá do Heitor.
Depois que Pedro preparou um sanduíche para mim, sugeriu
que assistíssemos a um filme. E foi o que fizemos, em total silêncio,
um de cada lado do móvel até que eu pegasse no sono.
Por mais que eu não gostasse daquele garoto, ainda estava
encucada com o fato de me sentir tão à vontade perto dele. Bem,
ainda ficava desconfortável em muitos momentos, principalmente
quando ele estava sem camisa ou olhando para mim de uma forma
que molhava minha calcinha.
Não fazia ideia de quando foi que todo o ódio se misturou com
o desejo, minimizando-o para perturbar ainda mais a minha paz.
Eu gostei da preocupação, ainda que não fosse necessária. E
confesso que teria achado maravilhoso que ele desse umas
porradas no idiota do meu namorado.
Meu namorado.
Pisquei, lembrando-me do título que ele tinha. E eu o havia
ameaçado com um canivete apontado para sua veia femoral.
Acho que Gregório era meu ex-namorado agora.
Aquele pensamento me deixou levemente desesperada,
porque eu não fazia ideia do que diria para minha família. O pânico
rastejou pela minha coluna diante da possibilidade de que o babaca
poderia contar para os meus pais o que eu tinha feito.
Ele não teria coragem...
O meu celular vibrou ao meu lado, quebrando meu
pensamento por completo e com o susto, quase deixei que caísse
dentro da minha banheira. A notificação que subiu fez meu coração
acelerar minimamente e eu me senti uma idiota por isso.
O que estava acontecendo?
 
Número
desconhecido: Pato
expulsou você da casa
logo cedo?
 
Lari: Não, apenas
achei que já tinha
abusado demais da sua
paciência. Deve ter um
limite, eu acredito.
 
Número
desconhecido: Pra
você? Um limite bem
curto.
 
Dei uma risada. E fiquei alguns segundos observando a tela do
celular. Apertei o botão para ver a foto de perfil do WhatsApp. Ele
estava na orla da praia, sem camisa e com um skate nas mãos.
Como alguém podia ser tão gostoso?
As entradas na cintura eram lindas e os gominhos pareciam ter
sido esculpidos um a um. Aquilo era uma pintinha?
Tentei dar um zoom, mas minha mão esbarrou e eu cliquei no
ícone do telefone, fazendo uma ligação sem querer.
Puta merda. Puta merda.
Antes que eu pudesse digitar alguma desculpa, outra
mensagem apareceu na tela da conversa, deixando meu rosto
completamente vermelho de vergonha.
 
Número
desconhecido:
Admirando minha foto,
190?
 
Lari: Nem reparei
que estava com foto, o
celular caiu na minha
cara!

 
Ele não respondeu e eu senti o calor se espalhando pelas
minhas bochechas. Levantei da banheira, amarrei a toalha no corpo
e fui até a janela para espiar.
A casa inteira estava fechada, mas era de se esperar. O Pedro
já deveria estar no clube trabalhando.
Coloquei uma roupa de manga comprida e desci as escadas
para tomar café com os meus pais. Os dois quase nunca paravam
em casa e eram poucos os momentos em que conseguíamos fazer
refeições juntos. O hospital demandava muito tempo de ambos e eu
sabia que em breve esse seria o meu destino também.
— Bom dia, meu amor — meu pai falou, dando um beijo na
minha cabeça assim que passei por ele.
— Bom dia!
— Filha, está tudo bem com você e o Greg?
A pergunta da minha mãe, cheia de preocupação, fez com que
um arrepio gelado corresse pelas minhas vértebras, congelando
meus músculos e sangue.
Merda, merda do caralho.
— Ahn... Por que está perguntando isso? — Limpei a
garganta, fingindo indiferença e tentando focar no meu pão para que
eles não vissem a minha cara de mentirosa.
— Achei que viriam para cá depois e você mandou uma
mensagem dizendo que iria ficar na casa dos Bittencourt.
— Ah, é que a Vi não estava se sentindo muito bem, então
fiquei um pouco com ela e o Greg foi para a casa.
A campainha tocou e a Flávia, a moça que trabalhava na casa,
apareceu alguns minutos depois, um pouco sem graça, pedindo que
eu fosse até a sala.
E quando cheguei no cômodo, fiquei incrédula.
Havia cerca de duzentos arranjos espalhados por todo canto.
E por alguns segundos, eu me esqueci e pensei: Porra, será que
Gregório participou de uma suruba? Então me lembrei do incidente
da noite anterior, aquelas não eram flores de desculpas por uma
traição.
Rosas, tulipas, girassóis e espécies que nem mesmo tinha
visto antes. Minha boca estava entreaberta e eu não conseguia
emitir nenhum som, pensando que merda aquele idiota tinha feito
mandando aquilo tudo para minha casa.
Minha mãe passou por mim, dando um gritinho animado e
levando a mão até o rosto, parecendo encantada. Ela caminhou até
alguns arranjos, passando os dedos pelas pétalas e simplesmente
do nada, começou a chorar!
— Minha filha, que coisa mais linda — comentou, chorosa,
colocando uma das mãos no meu rosto. — Inácio, vem aqui!
Meu pai passou pelo portal, em choque.
— O que está acontecendo? Viramos uma floricultura agora?
— Foi o Greg! — o gritinho esganiçado da minha fez com que
eu sentisse dor nos ouvidos.
— Por que você está chorando, mulher, pelo amor de Deus?
— Ah, porque isso é muito lindo! — começou a dizer. — Você
não fica emocionado de saber que a nossa garota encontrou alguém
tão incrível? — Depois, se virou para mim e eu dei um sorriso
encabulado. — A gente sempre soube que vocês eram perfeitos um
para o outro. O Greg é um homem maravilhoso. De uma boa família,
bem apessoado, médico e é completamente apaixonado por você.
Fiquei algum tempo estática. A pressão ressoando pelos meus
ossos, o aperto sufocante que me impedia de respirar e aquele
sentimento de encurralamento que sempre me açoitava.
— Ele só podia não tentar quebrar minhas pernas assim —
meu pai cochichou para mim e eu abafei uma risada. — Agora vou
ter que fazer algo grandioso ou sua mãe vai ficar jogando na minha
cara que não sou romântico.
— Meu Deus, um buquê de jasmim! Inácio, olha que lindo...
— Realmente, tudo muito adorável — ele constatou,
encostando em um dos arranjos. — Gregório tem muito bom gosto e
sua mãe está certa. É um alívio saber que você está com alguém
que pode te proporcionar essas coisas. A filha dos Godoy outro dia
apareceu com um pé-rapado e ontem ficamos sabendo que ele
invadiu a mansão essa semana e roubou todas as joias da família...
Acho que fazia parte daquela gangue que está assaltando as casas
nos condomínios aqui da Barra.
— Graças a Deus não temos com o que nos preocupar. —
Minha mãe respirou aliviada. — Acho que eu não aguentaria passar
pelo que a Martinha está passando, roubaram até o anel da bisavó
dela...
O telefone da minha mãe tocou e ela atendeu a chamada de
vídeo e eu tomei um susto quando Gregório surgiu na tela. Ele
parecia um pouco abatido, mas forçou um sorriso feliz.
— Bom dia! A Lari não me atendeu...
— Ela está aqui! — minha mãe gritou, eufórica, virando o
celular para mim. — Apaixonada pelas flores que você mandou.
— É? — Ele não parecia muito convencido e se esticou um
pouco para me ver na câmera.
— Claro. Não é, minha filha?
— Sim, mãe. São lindas.... — Abri um sorriso mais falso que
uma nota de três reais. — Obrigada, Greg.
— Venha jantar hoje à noite, ordens do seu chefe — meu pai
brincou.
— Claro, estarei aí!
Conforme eles conversavam animados sobre o prato, deixei
que minha cabeça me transportasse para qualquer lugar que não
fosse ali. Eu me mantive no meu limbo pessoal, tentando pensar em
como administraria aquela situação.
Não fazia ideia do que fazer, de como nossa relação seria
daqui para frente e raciocinar sobre aquilo parecia exaustivo
demais. Era impossível não repassar na minha mente a forma como
meus pais lidavam com a situação. Eles estavam tão felizes, tão
animados... Como eu poderia tirar isso deles? Tantos planos, tanto
investimento para que eu simplesmente jogasse tudo no ralo, como
se fosse uma ingrata?
Nem sei o que respondi ao me despedir, apenas voltei para a
mesa, alegando que estava faminta e ignorei todas as flores. As
meninas mandaram uma mensagem no grupo me chamando para ir
para a piscina, mas eu não podia simplesmente aparecer no clube
de biquíni exibindo o hematoma no meu braço.
Que ódio desse desgraçado, estava um calor do caralho.
 

 
Logo depois do café, liguei o ar no máximo e fiquei no meu
quarto estudando um pouco. Passei o restante da tarde zapeando
pela Netflix até desistir e optar pela série que eu sempre escolhia:
Brooklyn 99.
Tirei uma soneca, vi vídeos no TikTok e ignorei as cento e vinte
e três mensagens do Gregório no meu celular. Não estava com a
mínima vontade de lidar com aquilo, mas sabia que não teria para
onde fugir. Ele estaria chegando em alguns minutos e eu precisava
pensar no que fazer.
A campainha tocou antes do esperado, enquanto eu ainda
estava finalizando minha maquiagem. Não sabia se os meus pais já
tinham chegado, então achei que seria melhor me manter no quarto
e deixar que a Flávia atendesse a porta.
Cruzei o cômodo, percebendo que as cortinas da casa da
frente estavam abertas. Não demorou muito para que ele
aparecesse no meu campo de visão com uma toalha amarrada na
cintura e o celular em uma das mãos. As gotas do cabelo molhado
percorriam um caminho tortuoso do pescoço para o peito e eu
nunca desejei tanto na minha vida ser a água do chuveiro do Heitor.
Pedro estava distraído, andando pelo quarto e provavelmente
procurando suas roupas. Deu uma risada, olhando para o celular e
seus dedos se moveram agilmente enquanto digitava alguma coisa.
Deus, ele estava se movimentando demais. E se aquela toalha
caísse?
Será que era pecado rezar por isso?
Em algum momento, ele afastou o aparelho e se olhou pela
câmera. Apoiou o polegar na dobra felpuda do tecido, abaixando-o
só um milímetro. Percebi seu rosto se repuxar em um sorrisinho ou
algo que se assemelhava a isso e me perguntei para quem será que
o insuportável estaria enviando aquilo.
Talvez fosse para a garota dele.
Ouvi batidas na minha porta e sobressaltei, afastando-me da
janela para ver quem estava interrompendo o único momento de
felicidade do meu dia. E óbvio que Gregório era o responsável!
— Oi, Lari — cumprimentou baixinho, com um olhar de
cachorro abandonado no meio da estrada.
— O que você quer?
— Será que podemos conversar?
— Não.
— Certo — respondeu, deixando-me surpresa. — Eu só queria
me desculpar e te dizer algumas coisas, mas não vou impor nada.
Pisquei, ainda um pouco sem reação. Gregório não era aquela
pessoa, tudo nele parecia diferente. A postura, as expressões, o tom
de voz. Ele estava armando alguma coisa, disso eu não tinha
dúvidas.
— Trouxe chocolates pra você... E um presente — contou,
estendendo uma caixa de chocolates belgas e uma outra da Tiffany
& Co.
Que ódio, eu amava as peças da Tiffany.
— Acha que vou te perdoar por causa disso? — respondi
entredentes, mantendo o meu tom de voz bem baixo para que
ninguém pudesse ouvir. — Acha que seja lá o que você comprou na
Tiffany vai cobrir o hematoma que deixou no meu braço?
Ele ficou branco. Eu literalmente vi todo o sangue do seu rosto
se esvair. Sua boca se entreabriu, mas nenhuma palavra foi dita.
Agora eu tinha certeza de que ele estava prestes a colapsar e óbvio
que era pelo medo de que eu pudesse fazer um exame de corpo de
delito.
— Você... Eu... — Gregório começou a gaguejar. — O que eu
fiz não tem desculpas, Kinha. Eu não percebi que estava apertando
seu braço com força, eu juro que jamais te machucaria.
— Você machucou — lembrei, sentindo toda a agonia da noite
anterior.
— Você quer ir na delegacia?
— Eu não vou na delegacia. Se é sua preocupação, fique
tranquilo. Não vou envolver meus pais nisso, o que eu disse na noite
anterior permanece — afirmei e ele arregalou um pouco mais os
olhos.
— Não quero que você me odeie.
— Eu não te odeio, Gregório. Atualmente, você é indiferente
para mim.
— Você parece outra pessoa... — comentou de modo
contemplativo.
— Não sou. Você apenas não me conhece.
— Eu sei que o que eu fiz foi absurdo, mas faço o que for para
você me desculpar. Por favor, não termina comigo... Você sabe que
somos bons juntos, qualquer um pode ver isso, até mesmo o Inácio
e a Laura. Viu como os dois ficaram felizes hoje? Por favor, me
deixa tentar ganhar sua confiança de novo?
Olhei no fundo dos seus olhos, tentando vincular suas palavras
com tudo o que tinha ponderado naquela tarde. Não fazia ideia de
como os meus pais iriam reagir se eu terminasse meu
relacionamento. Eles estavam preocupados com o novo hospital,
sobrecarregados com trabalho e ainda teriam que lidar com os
comentários que viriam decorrente disso.
— Eu faço qualquer coisa — insistiu.
— A partir de hoje, o que teremos é um namoro puramente de
fachada — avisei, entredentes, apontando um dos dedos perto do
seu rosto. Ele deu um passo para trás, mas concordou
veementemente com a cabeça. — Eu realmente não quero frustrar
os meus pais, então tudo vai continuar da mesma forma. Você pode
continuar comendo quem quiser, mas não vai abrir a boca ainda que
eu esteja trepando com o Rio de Janeiro inteiro. Não vai falar a
respeito da minha roupa ou sobre o que eu como... E se tocar em
mim de novo, sabe muito bem o que vou fazer.
— Certo! — disse, levantando as duas mãos em um sinal de
rendição e logo depois, abriu um sorrisinho sedutor. — Ontem
quando você estava com o canivete... — fez uma pausa e suspirou.
— Merda, essa sua versão me excita.
— Foda-se. Toca uma punheta então, porque não vou trepar
mais com você — avisei, passando por ele e descendo as escadas.
Era só o que me faltava!
 
 
Garota riquinha
Ela tem vivido em seu mundo privilegiado
Assim como qualquer pessoa normal tem seus desejos
E agora ela está procurando por um homem simples
É isso que eu sou
:: UPTOWN GIRL - BILLY JOEL ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
O jantar tinha sido ótimo e agora estávamos tomando um vinho
na sala de estar e discutindo um pouco mais sobre alguns pacientes
do hospital. Um tédio descomunal e eu só queria o meu telefone,
mas reparei que estava tão nervosa que nem mesmo tinha tocado
nele.
— Vocês viram meu celular? — perguntei, procurando o
aparelho pela sala.
— Acho que não desceu com ele, Kinha.
— Eu pego, estou indo lá em cima. — Minha mãe já estava no
pé da escada e eu apenas agradeci, voltando a tomar o meu vinho.
Ela voltou algum tempo depois e eu passei o dedo pelas
minhas notificações, percebendo que havia uma do número
desconhecido. Abri em um movimento instintivo e na mesma hora
cuspi todo o líquido que estava na minha boca.
Puta merda. O babaca havia enviado a foto para mim. E logo
depois colocou a mensagem: Pra você não precisar ficar espiando
pela janela todos os dias, 190.
Prepotente do caralho!
— Está tudo bem? Você engasgou? — Gregório perguntou,
preocupado.
Ele apoiou uma das mãos nas minhas costas e eu apenas
lancei um olhar de repreensão, fazendo com que se afastasse
imediatamente.
— Meu Deus, filha! — meu pai exclamou, vindo até mim com
um guardanapo.
— Está tudo bem — afirmei, acalmando-os. — Sério, eu estou
bem! Acho que já vou tomar um banho e ir dormir, se estiver tudo
bem para vocês.
— Claro, também preciso ir. Cirurgia amanhã cedo — ele
lembrou, olhando para o relógio e se levantando.
Comecei a subir as escadas, mas minha mãe deu uma risada
e eu percebi o que tinha feito.
— Filha, que isso. Não vai se despedir do seu namorado? —
ela indagou, antes que eu pudesse me virar.
Dei um sorriso falso e desci os degraus. Sabia que seria difícil
me acostumar com toda aquela história de namoro de fachada, mas
não queria contato nenhum com Gregório. Então apenas andei com
ele até a porta e fingi que estava me despedindo do meu namorado
do lado de fora.
Não perdi nem mesmo dois minutos, dei boa noite e corri para
o meu quarto, ainda irritada com a mensagem e destinada a
responder aquele desaforo.
Não podia acreditar no quanto aquele idiota se achava. Como
tinha tanta certeza de que eu estava olhando para ele? Era a minha
janela, eu poderia muito bem estar observando o jardim, os
pássaros ou até mesmo procurando pelo Pato!
 
Lari: Por que me
mandou isso?

 
Lari: Não estava te
olhando!

 
Lari: E por qual
motivo se acha tanto?

 
Lari: Isso é
insuportável, sabia?

 
Lari: Você não é
grande coisa.

 
Número
desconhecido: A vista
do telhado realmente é
boa.
 
Número
desconhecido: Obrigado
pela dica.

 
Lari: O quê?

 
Lari: Você está no
meu telhado?

 
Número
desconhecido: Não. Por
que eu estaria no seu
telhado?

 
Joguei uma água no corpo e coloquei meu pijama. Fiquei
alguns minutos pensando se deveria ou não ir até ele. Algo dentro
de mim sussurrava que eu precisava dizer que ele não podia ficar
me enviando aquelas coisas porque não havia interesse nenhum da
minha parte. Lembrava também que aquele beijo tinha sido um erro
decorrente de algumas doses extras de tequila.
Já a outra voz berrava, me mandando deixar aquilo de lado.
E obviamente eu ignorei a voz mais alta. Peguei meu cigarro,
um saco de jujubas e me preparei para fazer um caminho que eu
não fazia há muitos anos.
Eu e Heitor éramos muito amigos na infância e eventualmente
nossos pais nos mandavam ir dormir cedo demais. Um dia,
resolvemos abrir um caminho na cerca viva que dividia nossos
jardins para podermos invadir a casa um do outro.
Ainda havia uma chave dentro do quadro de luz e eu a usei
para abrir a porta do quintal, sentindo a adrenalina correr pelas
minhas veias.
Tão idiota. Se ao menos eu estivesse usando alguma outra
ferramenta para invadir... Era só a porra de uma chave!
Subi as escadas e soltei o ar no momento em que vi a figura à
minha frente, do outro lado da janela, vestindo um moletom preto
com o capuz sobre a cabeça. As minhas duas vozes internas
brigaram mais um pouco e eu me questionei mais uma vez o que
havia de errado comigo.
Acho que nunca saberia.
Pedro estava distraído, olhando para o nada e sobressaltou-se
quando eu me movimentei de dentro da casa para o telhado.
— Que susto, porra! — O garoto colocou a mão no peito,
soltando o ar devagar e eu passei por trás dele, sentando-me do
outro lado. — Como subiu aqui?
Percebi seu olhar julgador observando meu pijama rosa e
aquilo me irritou ainda mais. Era realmente revoltante a forma como
ele me encarava em alguns momentos, deixando claro o quanto me
achava uma patricinha mimada.
Abri o saco de jujubas e estendi (sem muita vontade) para ele,
que negou com a cabeça.
— Eu que deveria te perguntar isso... — comentei, pegando
uma e acendendo o meu cigarro. — “Obrigado pela dica”?
Ele fez uma careta da minha combinação e riu, mas continuou:
— Eu te vi outro dia e fiquei me perguntando o que diabos
você fazia no telhado da sua casa.
— Gosto de subir lá para pensar.
— E para fumar — comentou, mais uma vez com aquele tom
de superioridade. — Seus pais não sabem sobre os seus vícios?
— Não é um vício.
Ele deu uma risada.
— É a frase que um viciado falaria.
— Acredite no que quiser — retruquei, soltando a fumaça
lentamente, sem paciência.
— Achei que você queria que eu mudasse minha percepção
sobre você — comentou com um leve desdém. — Não é isso que
vem fazendo desde que me conheceu?
— Não poderia me importar menos sobre o que você pensa de
mim.
Ele arregalou um pouco os olhos e deu uma risada, cutucando
os cadarços do tênis surrado que estava usando.
— E o que está fazendo aqui, 190?
— Vim fumar e pedir para você parar de agir como se eu fosse
obcecada por você ou algo do tipo — expliquei bem devagar, porque
talvez ele tivesse algum problema para entender. — Eu
definitivamente não sou.
— Porque eu não sou grande coisa? — debochou.
— Não, você não é!
— E ainda assim, você me beijou — lembrou, achando graça
de toda minha irritação.
— Eu tinha bebido demais e você estava se insinuando.
Ele gargalhou, jogando o corpo para trás.
— Me insinuando?
— Você sabe o que fez — falei, cerrando os olhos. — Enfim,
eu não queria te beijar... E nem quero — repeti para que não
houvesse dúvidas. — De jeito nenhum.
— Vai me contar o que aconteceu ontem? — ele perguntou,
ignorando totalmente o meu momento de desabafo e explicações.
— Pra quê quer saber?
— Apenas quero saber — respondeu, seco.
— Você vai ficar na sua?
— Já disse que sim.
Suspirei em desistência e apaguei o meu cigarro. Ele já tinha
me visto naquele estado e entendia em partes o que tinha
acontecido. Talvez fosse mais agoniante guardar isso somente para
mim. Seria bom dividir aquilo com alguém... Eu já armazenava
tantas outras coisas dentro da minha cabeça e do meu coração.
Além do mais, ele conhecia uma parte de mim que eu não
tinha coragem de mostrar para mais ninguém. Nenhuma das
pessoas do meu círculo me via explodir, eu mantinha o pé em cima
da bomba por muitos anos.
— Estávamos discutindo… — contei, baixinho. — Gregório
segurou no meu braço forte demais.
— Seu vestido estava rasgado — lembrou e eu percebi que
sua mandíbula estava cerrada.
— Ele estava incomodado com a minha roupa.
Um vinco se formou na sua testa e ele pareceu ainda mais
revoltado.
— Isso é errado pra caralho.
— É, eu sei. — Soltei o ar, em desistência, peguei umas
jujubas e tornei a olhar para o horizonte, perdida nos meus
pensamentos.
A minha vida era mesmo um caos.
A brisa gelada bateu no meu rosto e eu respirei devagar,
tentando aproveitar um pouco da paz que eu quase nunca tinha.
Não estava preocupada por estar ao lado da pessoa que mais me
tirava do sério, do cara que eu sabia me odiar simplesmente por ter
uma classe social diferente da sua. Ainda assim, parecia natural.
— Você disse que tinha resolvido. O que você fez? —
questionou, algum tempo depois.
— Eu o ameacei com meu canivete.
— Você o quê? — Sua voz subiu um tom.
Dei uma risada, achando graça com toda sua surpresa.
— Eu encostei o meu canivete na perna dele e ameacei
acertar uma veia importante. E sabe o mais bizarro? Acho que ele
ficou excitado.
— Você anda com um canivete? — Ele continuava incrédulo.
— Eu disse que sabia me cuidar.
— É, pelo visto você realmente sabe.
Sua cabeça se inclinou para o lado e eu apoiei meu cotovelo
no joelho, mantendo minha mão perto do rosto. Ele abriu um meio
sorriso para mim, quase como se estivesse orgulhoso, mesmo que
isso não fizesse nenhum sentido. Ainda assim, sustentei o olhar fixo
no dele e respondi da mesma forma, sentindo minhas bochechas
esquentarem.
Alguns segundos depois, Pato apareceu, subindo no meu
pescoço. O safadinho esperou que estivéssemos distraídos para
pegar o meu saquinho de jujubas e sair correndo.
— Ele é foda! — Pedro gargalhou e fiz o mesmo.
— A patinha está melhor?
— Está sim, tenho feito tudo direitinho.
— Acho que ele já está bem, soube que cagou na porta de
entrada do Gus — contei, lembrando da mensagem que recebi da
Ana mais cedo.
— E eu jamais o recriminaria por isso. Na verdade, amanhã
vou comprar mais dessas jujubas para ele — brincou e eu dei uma
risada.
— Pedro? — Comprimi os lábios, não conseguindo me
segurar. — Posso te fazer uma pergunta?
Ele me deu um longo olhar, como se estivesse ponderando,
mas eu não esperei por uma resposta.
— Você era o funcionário que a madrasta do Gus estava
chupando?
O garoto ao meu lado piscou, perplexo.
— Óbvio que não. Tá de sacanagem? — A cara de ofendido
dele me fez ter certeza de que não era uma mentira. — Meu Deus!
O que te fez pensar isso?
— Nada demais, era só uma dúvida. Aposto que muitas
mulheres daqui do condomínio dão em cima de você.
— E eu nunca fiquei com nenhuma delas — afirmou, sério.
— Não? — Arqueei uma das sobrancelhas com desdém e ele
revirou os olhos.
— Você não conta — resmungou e eu dei uma risada.
— Não é minha culpa, você fica distribuindo fotos suas por aí...
Sabe quem foi?
— Sei.
— Então me conta! — pedi, inclinando-me mais um pouco,
agitada, e ele deu uma risada me olhando de cima a baixo e
soltando o ar, como se não acreditasse.
— Fofoqueira.
— Sou mesmo. Anda!
— Não vai abrir essa sua matraca pra ninguém, muito menos
para as suas amiguinhas patricinhas fofoqueiras — avisou, com um
dos dedos apontados na minha direção.
— Prometo. Anda!
— Foi o Caio — contou, rindo e eu fiz uma careta, porque com
tanto homem bonito trabalhando ali, o pobre do Caio era um dos
mais caidinhos. — Não o demitiram para não causar um escândalo
maior.
— Meu Deus...
— Agora, mantenha essa boca fechada... E pra deixar claro,
eu não distribuo minhas fotos por aí, apenas para as fãs — zombou
e eu o olhei de cara feia.
— Bem, eu acho que vou indo... — avisei depois de ficarmos
em silêncio por alguns minutos, levantando-me e olhando para ele
quase em desistência. — Apenas pare de ser tão... Insuportável.
Nem toda mulher está desesperada por você.
Ele riu e esperou que eu passasse pela janela.
— 190?
Como se eu fosse uma idiota, atendi ao chamado e me inclinei
para ouvir o que ele tinha a dizer. Um sorrisinho convencido cresceu
no seu rosto e eu senti vontade de empurrar ele do telhado e tive
que me segurar ainda mais depois do comentário que se seguiu:
— Nem toda mulher está desesperada por mim, mas nós dois
sabemos que esse não é o seu caso.
 
 
Ela achou meu cabelo engraçado
Proibida pra mim no way
Disse que não podia ficar
Mas levou a sério o que eu falei
:: PROIBIDA PRA MIM - CHARLIE BROWN JR. ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Observei meu reflexo no espelho, mexendo no meu novo
cabelo. Balancei a cabeça negativamente, ainda sem acreditar nas
coisas que eu fazia por causa do Felipe.
Aquele era o meu dia de folga e meu irmão tinha vindo para o
condomínio andar de skate. As miniaturas de playboys que
moravam no Mansões Golf Club ficaram fissurados com suas
manobras na pista e obviamente Pipo achou o máximo, exibindo-se
sempre que podia e eventualmente ensinando algo para os
moleques.
Em algum momento, ele parou o treino do nada e disse: “Tive
uma ideia do caralho, vamos pintar seu cabelo?”. Mandei que
parasse de inventar ideia e ele insistiu um pouco mais. Acabei
usando a desculpa de que não tinha nenhum produto e que não iria
sair do condomínio para comprar nada, crente que aquilo seria um
ponto final.
Havia me esquecido com quem estava falando e foi burrice
minha não prever que Pipo já tinha tudo esquematizado. O
arrombado tirou todos os produtos da mochila e veio com um papo
de que tinha visto algumas pessoas no TikTok fazendo aquilo e
finalmente meus vídeos iriam bombar.
Nós dois tentávamos produzir conteúdo para nossas redes e
sabíamos que se algo viralizasse, nossas carreiras poderiam
decolar. Então usávamos boa parte do nosso tempo livre para
gravar vídeos, ele fazendo suas manobras e eu tatuando alguém.
Já tinha postado alguns conteúdos que tiveram uma boa
visualização, mas as merdas das redes sociais não estavam
entregando nada atualmente e aquilo estava deixando ambos
frustrados, o que fazia com que Pipo tivesse essas ideias aleatórias.
Então, como se fôssemos dois desocupados, deixei que ele
platinasse o meu cabelo. E vendo no espelho, cheguei à conclusão
de que tinha gostado do resultado mais do que imaginava e ele
ficaria se achando o fodão por causa disso.
— Nevou[39]! — Pipo deu um berro, entre as risadas, no minuto
em que eu desci as escadas para exibir meu novo look.
Pato tinha acabado de entrar pela cozinha. Olhou para mim e
começou a gritar, dando risadas e pulando até chegar no meu
ombro para mexer nos meus fios. Colocou alguns na boca e eu tirei,
preocupado se poderia ter algum resquício de descolorante.
Na mesma hora, toda a alegria do Felipe se esvaiu e ele
revirou os olhos e cruzou os braços, claramente irritado pela
presença do animal.
— Curtiu, Pato? — perguntei e ele começou a balançar a
cabeça freneticamente e a mexer no próprio cabelo. — Não, brother,
não posso pintar seu pelo com isso.
Ele me deu uns tapinhas com a mão que não estava com o
curativo, demonstrando sua insatisfação. Eu continuei explicando
que não poderia fazer aquilo e ele começou a bagunçar todo o
balcão, puto. Eu disse que aquele macaco odiava ser contrariado,
não disse? Depois do escândalo, subiu as escadas correndo para o
quarto.
— Por isso ele é assim, você fica mimando esse macaco —
meu irmão resmungou.
— Ele merece ser mimado, ele é fofinho.
— Não, eu sou fofinho — retrucou, como se fosse uma criança
birrenta de oito anos. — Ele é um macaco que veio diretamente do
inferno para atormentar todos os seres existentes no planeta.
Olhei para o sofá e franzi o cenho, vendo o moletom que eu
tinha emprestado para a patricinha da casa ao lado.
— Onde pegou isso? — perguntei, mostrando a peça para ele.
— Cara, a maior gata apareceu aqui e disse que você
esqueceu no bar da piscina — contou, animado. — Porra, ela é
linda, deve ter um metro e oitenta, umas pernas que puta merda...
Um metro e oitenta... Pipo era muito exagerado. Ela não tinha
mais do que um metro e setenta e cinco.
Dei um tapa na sua cabeça e ele gemeu de dor, esfregando a
cabeça.
— Pra quê isso, porra?
— Essa é a patricinha babaca que quer me ver preso —
contei, levemente irritado.
— A que bateu na sua cara? — Ele comprimiu os lábios,
porque era óbvio que não iria esquecer aquilo.
Não respondi. Apenas o olhei com uma carranca.
— Nossa, você disse que essa menina era uma escrota...
Achei super simpática! Ela me deu jujubas.
— E daí, porra?
— E daí? Eram jujubas cheias de açúcar em volta! — ele se
justificou, como se aquilo fizesse algum sentido.
Automaticamente, fui capaz de sentir o seu cheiro e gosto,
mesmo que ela não estivesse presente no cômodo. Como uma
espécie de memória afetiva, mas uma bem ruim que eu desejava
esquecer.
— É assim que as merdas acontecem. A Vó Dea não te
ensinou a não aceitar doce de estranhos?
Pipo abriu um sorrisinho, cheio de malícia e antes que ele
pudesse dizer qualquer coisa, sabia que vinha alguma palhaçada.
— Sim, mas ela não disse nada sobre gostosas. — Ele
gargalhou e depois ficou pensativo. — Acho que minha sorte está
mudando, sabe? Talvez seja o fim da era das ruivas.
O incômodo começou a formigar as minhas extremidades. E
não era nada parecido com o que eu sentia quando meu melhor
amigo soltava algum comentário sobre a Luna. Era mais potente e
levemente desesperador, porque eu não podia dizer para ele que já
tinha beijado aquela garota. Pipo tinha pleno conhecimento sobre o
meu mandamento e sabia como eu me sentia a respeito de
envolvimentos com mulheres com dinheiro. Eu não queria que ele
jogasse na minha cara que eu era um hipócrita de merda.
Foda-se, Pepeu! Foi só um beijo, você não está envolvido. Se
o Pipo quiser ficar com ela, o azar é dele.
Não, eu não queria aquele tipo de desgraça para o meu irmão.
Já tinha alertado várias vezes para que ficasse longe de patricinhas,
ele sabia como eu me sentia sobre. Felipe não ia me dar aquele
desgosto nunca.
— Você tinha que ver como ela ficou olhando para minhas
tatuagens!
— Sai dessa, Pipo. Acha mesmo que essa garota vai ter algum
interesse em um pobre fodido que nem a gente?
— Vai que ela veio pra provar que realmente “toda patricinha
adora um vagabundo”? — Ele deu uma risada, achando muita graça
e eu percebi que meus dedos já estavam brancos por segurar o
estofado do sofá com força demais. — Sério, brother, ela tá tão na
minha...
— Esquece essa porra, Felipe.
— Ih, ficou estressado — zombou, levantando as mãos perto
do rosto. — Está com ciuminho?
— Ciuminho é o caralho! Ela não é legal, coloca isso na sua
cabeça.
— Cara, mas ela me deu...
— Se você falar das porras das jujubas de novo, eu te dou um
chute no saco — avisei e ele comprimiu os lábios.
— A Luna vai no evento hoje? Acho que você está precisando
urgente de uma foda — ele concluiu e eu soltei o ar, sem paciência
alguma.
Não tive tempo de responder, Pato apareceu carregando uma
de suas roupinhas e foi a deixa para que meu melhor amigo
avisasse que estava dando o fora com a desculpa de que iria passar
no mercado para comprar Coca-Cola para a Vovó Dea.
A casa do Heitor tinha uma infinidade de livros e aproveitei o
tempo livre para começar a ler um deles. Não tinha muita grana para
gastar com edições novas, comprava a maioria nos sebos,
principalmente quando dava um pulo em Copa[40]. E sempre que
sobrava uma grana extra, gastava em uma livraria ali por perto que
se chamava “Jardim Secreto”.
Quando eu era novo, o senhor Adalberto, o dono, deu um livro
para mim porque me viu completamente hipnotizado por uma edição
especial de Percy Jackson. Eu estava passando com a minha mãe
pela rua e fui totalmente atraído pela vitrine.
Tentei convencer Madalena a me dar e a resposta foi um berro,
alegando que eu era louco por achar que ela gastaria dinheiro em
um monte de papel.
Minha mãe nunca entenderia que aquele era o meu refúgio,
que dentro daquelas páginas eu era capaz de vivenciar uma história
que não era tão caótica e ruim como a minha. Ela não fazia ideia de
que aqueles papéis me possibilitariam viajar para lugares que nossa
condição jamais permitiria. E o principal, aquela mulher não sabia
que dentro de cada uma das linhas e parágrafos eu podia sentir a
força das palavras transformando a imaginação em realidade.
A campainha tocou e me levantei, carregando o livro na mão
instintivamente. Abri a porta para dar de cara com ela, mordendo o
lábio inferior e torcendo as mãos uma na outra. Sua expressão
mudou completamente quando ela reparou no meu cabelo e um
sorriso surgiu no seu rosto.
— O que você fez? — perguntou, rindo, como se achasse
graça.
— É essa a pergunta que vai fazer? — Cruzei os braços e
percebi que ela continuava com aquele sorrisinho na cara. — O que
foi?
— Nada... É só engraçado.
Ela não deveria ter educação? Tanto dinheiro e não tinha feito
uma aula de etiqueta? Sério que estava caçoando da porra do meu
cabelo?
— Engraçado por...? — indaguei, sentindo a irritação começar
a crescer dentro de mim.
— Meu Deus, como você é marrento[41]! — Ela soltou outra
risada e revirou os olhos, começando a explicar. — Eu só achei
engraçado porque você definitivamente não é o tipo de pessoa que
eu imagino platinando o cabelo.
— Por que não? — Eu continuava puto, mas estava curioso
para ver que merda ela falaria.
— Porque você é chato — disse, dando de ombros e
novamente abrindo um sorrisinho prepotente, como se tivesse
provado um ponto.
— E você é um poço de diversão — respondi sarcasticamente.
— O que está fazendo aqui, falando nisso? Veio na minha porta pra
me insultar?
— Eu conheci o seu irmão... — ela comentou, tentando espiar
por trás de mim. — Ele já foi?
— Já — retruquei, seco e fechei a cara para demonstrar minha
insatisfação.
Que porra ela queria saber do Felipe?
— Ele é casado — foi a primeira coisa que me veio à cabeça e
ela franziu o cenho, parecendo confusa.
Porra, ele me mataria se soubesse que eu estava dizendo
aquilo para as mulheres.
— Ok, obrigada pela informação aleatória.
— O que você quer? — tornei a perguntar, sem paciência
alguma.
— Ahn, eu deixei seu moletom aí... — começou a falar e eu
percebi que ela encarou os pés por alguns segundos e depois
levantou os olhos na minha direção. — Você viu?
— Vi. Obrigado.
— E eu estava pensando... Eu vou dar um pulo no Posto 12[42]
agora e como seu irmão claramente não mora aqui, pensei que
talvez pudessem querer uma carona. Não sei se você precisa
buscar algo em casa...
— Meu irmão já foi — disse categoricamente. — E eu estou
indo para lá, mas vou de ônibus.
— Sério isso? — Ela cruzou os braços e bateu um dos pés no
chão. — Prefere andar até o ponto no calor do que ir comigo de
carro?
Arqueei uma das sobrancelhas, como se confirmasse para ela
que aquele questionamento era óbvio.
— Estou oferecendo uma carona, você não precisa ser um
babaca a respeito disso também! — Seu tom de voz subiu e toda a
irritação começou a transbordar. — Estou tentando agradecer de
alguma forma o que fez por mim aquele dia, mas é impossível
quando você é um arrogante e...
— Meu Deus, mulher! — Deixei que meus ombros caíssem em
desistência. — Tá! Se prometer calar a boca, eu vou com você!
Ela comprimiu os lábios e estreitou os olhos na minha direção
e eu tinha certeza de que estava segurando um palavrão bem feio.
Avisei que iria buscar minha mochila e voltei alguns minutos depois
com ela nas costas.
Saímos da casa do Heitor em direção ao seu carro e no
momento em que abri a porta do carona, eu me perguntei o quão
louco eu deveria estar para me enfiar mais uma vez naquele maldito
Mini Cooper azul.
 
Eu devo ficar?
Seria um pecado?
Se eu não consigo evitar
Me apaixonar por você?
:: CAN'T HELP FALLING IN LOVE - ELVIS PRESLEY ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Eu era uma vergonha para mim mesma.
Fiquei um bom tempo encarando o moletom na minha cadeira
e não resisti ao impulso de afundar o meu rosto no tecido. O cheiro
dele era reconfortante e eu havia percebido isso na noite em que
vesti sua roupa.
Tentei identificar durante alguns minutos, completamente
inebriada e experimentando uma sensação de calor nostálgica.
Depois, percebi que aquele perfume gostoso me trazia recordações
das viagens que eu fazia para os Alpes Suíços com meus pais.
Porra, ele tinha cheiro que assemelhava com o de neve com
lascas de madeira secas. E eu era obcecada por aquele aroma.
Quando percebi o que estava fazendo, resolvi lavar o casaco,
irritada comigo mesma por estar cheirando o moletom do cara que
eu dizia odiar. No primeiro momento, eu realmente fui até a casa
dele para entregar a peça, afinal, seria muito descaso ficar com a
sua roupa e não dar uma satisfação.
Foi frustrante quando outra pessoa abriu a porta. O irmão dele
se apresentou, disse que ele estava no banho e eu briguei com a
vontade de dar tchau e ir para o meu quarto ver se ele resolvia
passar de toalha novamente.
Larissa Albertelli: um caso perdido.
Felipe perguntou se eu gostaria de entrar. Falei que sim e até
mesmo ofereci as jujubas que estavam no meu bolso, tentando criar
algum tipo de motivo para permanecer ali. Foi impossível não tirar
os olhos da imensidão de tatuagens que ele tinha, perguntando-me
qual delas o Pedro tinha feito.
Minutos depois, eu me lembrei de que não éramos amigos,
que não fazia sentido algum que ficasse ali esperando por sua
chegada e me despedi, voltando para casa.
E no instante em que pisei dentro da minha residência,
comecei a criar motivos para voltar até lá.
Sim, eu era patética, já tinha chegado a essa conclusão.
— Que livro estava lendo? — indaguei, tentando suprimir
aquele silêncio mortificante entre nós dois dentro do carro.
Ele se mexeu, parecendo um pouco eufórico e se virou para
mim, finalmente tirando os olhos da rua.
— Misery, do Stephen King, conhece?
— Nunca ouvi falar — respondi, prestando atenção no
retrovisor.
— Nunca ouviu falar do Stephen King? — ele quase berrou, a
incredulidade presente em cada palavra.
— Já sim, mas nunca li nada dele. Não gosto de filmes de
terror.
— Nem eu, mas esse é de suspense... Não adianta, o cara é
foda e esse livro é muito bom.
Dei uma risada da sua animação e olhei de relance para o
carona, fazendo com que ele pigarreasse, voltando a manter sua
postura de marrentinho.
— E qual é a história?
— Um escritor sofre um acidente de carro e é resgatado por
uma senhora, que é sua fã — contou, tentando não demonstrar
entusiasmo, mas falhando miseravelmente nisso. Ele até mesmo
estava mexendo as mãos. — Então ela o sequestra e faz com que
ele escreva um livro com um final adequado para uma história que
ela não gostou.
— Meu Deus! — Esbocei uma risada, um pouco chocada. —
Que loucura.
— Pois é, mas confesso que gostaria de fazer isso com alguns
autores — brincou, rindo também.
— Mesmo? Qual deles? E o que você mudaria?
— Pra começar, eu faria a autora de Harry Potter manter o
Fred vivo...
— Meu Deus, sim! — dei um berro, tirando totalmente minha
atenção do trânsito.
— Pelo amor de Deus, 190, olha pra frente! — ele pediu,
instintivamente tentando alcançar o volante que eu tinha soltado.
— Desculpa, eu apenas não supero essa morte. Pra quê matar
um dos gêmeos? — indaguei, triste com a lembrança.
— Não aceito essa porra também — falou, dando uma risada e
eu olhei para ele, abrindo um sorrisinho débil ao ver o quanto o
maldito ficava lindo daquele jeito.
Como alguém que tinha aquele sorriso podia viver emburrado?
— Qual é a sua casa? — perguntei, curiosa. — E não diga que
não tem uma porque essa sua tatuagem aí não engana ninguém.
— Sonserina, óbvio — retrucou, cheio de si, exatamente como
um sonserino faria. — E a sua?
— Corvinal, a maior de todas!
— Deve ser... — comentou, cheio de desdém.
Voltei minha atenção para o trânsito e um babaca não ligou a
seta e jogou o carro em cima de mim. Acelerei, furiosa, e enfiei a
mão na buzina, tentando ultrapassar o filho da puta.
— Meu Deus, o que está fazendo? — Sua indagação veio
cheia de preocupação e suas mãos voaram para segurar o painel do
carro.
— Esse idiota de merda me fechou! — expliquei. Eu estava
revoltada, então decidi parear o carro e em seguida, abri o vidro e
gritei: — Seu filho da puta! Enfiou a seta no cu?
O babaca do carro ao lado começou a buzinar e me xingar de
volta, mas eu acelerei, deixando-o para trás. Puxei o ar e deixei que
a adrenalina da explosão me anestesiasse como uma droga
viciante.
Eu amava o trânsito caótico do Rio de Janeiro. Sabia muito
bem que não deveria gritar com as pessoas naquelas situações,
mas eu precisava de minidoses de explosão, canalizando todo meu
estresse para alguma coisa.
Percebi que estávamos em silêncio e quando olhei de canto de
olho para o lado, Pedro parecia horrorizado.
— Desculpa, fico um pouco estressada quando estou atrás do
volante.
— Não brinca? — Sua voz saiu meio falha e senti meu rosto
ficando vermelho.
— Te assustei?
— Um pouco... Normalmente quando você está gritando, é
comigo.
Dei uma risada e ele fez o mesmo, finalmente relaxando os
músculos no banco. Depois, aumentou o volume da música, quando
percebeu que estava tocando Strike[43] na minha playlist.
— Você escuta Strike? — Seu questionamento veio cheio de
perplexidade.
— Gosto bastante de bandas do início dos anos 2000 —
contei, arriscando um olhar rápido em sua direção.
— Eu também — murmurou e tive a impressão de que ele
estava falando consigo mesmo.
— Escuto Avril Lavigne[44] toda semana. Minha playlist é a
coisa mais nostálgica que tem... — comentei, dando uma risada e
voltando a prestar atenção no retrovisor.
— Posso? — perguntou, apontando para o meu celular e eu
assenti com a cabeça.
Ele pegou meu aparelho e começou a fuçar pelo meu
Spotify[45]. Espiei para ver suas expressões, um sorrisinho de canto
surgindo nos seus lábios conforme o dedo deslizava para baixo.
— Blink, Offspring, Sum 41, Green Day, Charlie Brown... — ele
foi listando as bandas, um pouco perplexo.
Uma ligação foi o suficiente para que suas feições se
fechassem e pelo painel, constatei que era Gregório me ligando. Ele
devolveu o celular para o apoio antes que eu pudesse rejeitar a
chamada.
Aquela nuvem constrangedora voltou a nos rodear, eliminando
todo e qualquer momento agradável que tínhamos tido. Não havia
intimidade alguma entre nós dois. Não faria sentido eu explicar o
motivo de Gregório estar me ligando e ele certamente não iria
querer saber.
— Afinal, o que vai fazer no Recreio? — ele perguntou,
claramente incomodado com o silêncio.
— Estou louca para comer um bolo de uma confeitaria que tem
lá... — menti, porque eu não podia dizer que na verdade eu estava
apenas procurando uma desculpa para interagir com ele. — E você?
Sabia que nada daquilo fazia sentido. Tinha plena consciência
de que o Pedro não gostava de mim e para ser honesta, eu
continuava odiando aquela personalidade insuportável que ele tinha.
Ainda assim, era impossível ignorar toda a química e o fato de não
parar de pensar no nosso beijo.
— Vou dar aula — contou, arrancando-me dos meus
pensamentos.
— Aula? De quê?
Ele me olhou como se realmente não quisesse prolongar o
assunto.
— Dou aula de jiu-jitsu para algumas crianças... — Ele fez uma
pausa. — E por favor, guarde sua expressão de surpresa para você.
— Eu não sei nada sobre você, qualquer coisa que me disser
vai causar surpresa.
— Porque você já tem uma imagem pré-definida de mim —
afirmou, seco.
— E você não tem uma ao meu respeito? — Virei a cabeça
para seu lado e arqueei uma das sobrancelhas.
Ele ponderou por alguns segundos.
— Justo.
Alguns minutos depois, fez sinal e apontou o local em que
desceria, uma academia bem na frente da Praça do Pontal, quase
ao lado da confeitaria que eu gostava de ir.
Nós permanecemos cerca de três batidas do meu coração nos
encarando, assim que parei no acostamento, deixando o alerta
ligado. Ele limpou a garganta, agradeceu pela carona e saiu do
carro rapidamente, colocando a mochila nas costas.
A porta se fechou e eu soltei uma respiração, em seguida, me
assustei quando o ouvi bater de leve na janela do carona. Apertei o
botão para abaixar o vidro e ele se apoiou, colocando parte do corpo
para dentro assim que eu abri.
— Vê se não arruma confusão no trânsito, 190.
— Não posso prometer isso.
Ele deu um sorriso. Um que me deixou completamente
embasbacada e fez meu coração me trair, disparando um pouco
mais.
Havia algo naquele cabelo que o deixava ainda mais
irresistível e quando ele sorriu daquela forma, eu desconfigurei.
Todo o conjunto gritava problema. Sabe aquele tipo de garoto com
jeito ordinário e safado que existe apenas para acabar com a sua
vida? Era exatamente isso.
Ali, eu tive a certeza de que meus pensamentos impuros não
iriam embora tão cedo, pelo contrário, eles seriam elevados à
décima potência.
Naquele momento, eu soube que me encontrava muito fodida.
 
 
Vem, vem com tudo, me leva pro seu mundo
Toda patricinha adora um vagabundo
:: CHAMPANHE E ÁGUA BENTA - CHARLIE BROWN JR. ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Estava no final da aula quando a vi espiando pelo vidro. Que
merda ela estava fazendo aqui agora? Entendia que se sentia grata
por eu ter feito o mínimo naquela noite, mas não queria aquela
proximidade.
Não queria ser obrigado a sentir aquele cheiro e
definitivamente desejava muita distância daquela boca. Tenho
certeza de que Eva se sentiu da mesma forma com a porra da cobra
do Éden tentando fazer com que ela mordesse a merda da maçã.
E como se fosse totalmente normal, a patricinha entrou na
sala, exibindo aquelas malditas pernas que atormentavam meu sono
ultimamente.
— Presta atenção nessa fuga de quadril[46], Lucas... —
comentei ao ver meus dois alunos em combate.
Tentei ignorar sua presença, mas percebi a movimentação das
crianças, cochichando e fiz um chiado para que ficassem em
silêncio.
— Vamos, Juju. Continua, bora... Montou[47]. Isso, agora um
Armlock[48]! — incentivei, apoiando na cintura e analisando os
movimentos de ambos. — Segura o braço dela, Lucas!
O Lucas deu duas batidinhas no chão, em desistência.
— De pé os dois — solicitei. — Muito bom... Cumprimenta e
senta lá.
Pedi para que todos eles se reunissem para finalizar o treino e
as crianças vieram em fileirinha, bem educadas como eu tinha
ensinado. Passei as informações e o “dever de casa” e elas todas
ficaram na posição para a saudação final.
— Oss[49] — falei e eles repetiram o cumprimento.
— Ei, tio Pedro! — Babi, a minha aluna mais novinha, de cinco
anos, veio correndo e puxou a minha faixa.
— Não é pra puxar, Babi! — avisei e ela pediu desculpas,
colocando as duas mãos na boca para cobrir um sorrisinho
travesso.
— Sua namorada está ali — falou, mais alto do que deveria,
atraindo toda a atenção dos demais alunos.
— Ela é sua namorada? — um deles berrou, lançando um
olhar apaixonado para a Larissa.
— Ei, você é namorada do tio Pedro? — a Juju perguntou para
ela, animada. Era foda, a Juju adorava fofocar. — O cabelo dele
está irado, não é?
Mais uma imensidão de comentários e conforme eles eram
feitos, o rubor nas bochechas da Patricinha da Barra aumentava.
— Ei, ei. Chega! Ela não é minha namorada — deixei claro e
fiquei surpreso com a quantidade de ruídos desanimados que
preencheram a sala.
Abri a porta para deixar que os pais entrassem e conversei um
pouco com alguns deles antes de me despedir e liberá-los para ir
embora. Assim que a sala esvaziou, eu fechei a porta, apoiando-me
de lado e cruzando os braços como se estivesse esperando por
uma explicação.
— Eles são fofos.
— Sim, eles são — retruquei. — O que está fazendo aqui?
Seu celular tocou e ela fez um sinal com as mãos para que eu
esperasse. Soltei o ar em frustração por estar lidando com aquilo e
comecei a arrumar algumas coisas que as crianças tinham
espalhado.
— Não, eu não sei a hora que vou chegar — ela murmurou, se
afastando um pouco mais. — Pra quê você vai ficar aí? Não,
Gregório, não faço ideia de que horas vou chegar.
Percebi que estava apertando forte demais o cone que tinha
usado para o treino quando ele se quebrou na minha mão. O
babaca continuava atrás dela mesmo depois de tudo o que tinha
acontecido?
Ela deu um meio sorriso e se aproximou novamente de mim,
enfiando o celular na bolsa.
— Acabei demorando e ia te perguntar se você precisa de
carona para voltar.
— Sei que disse que está buscando uma forma de me
agradecer, mas não precisa, ok? Não quero você atrás de mim.
— Não estou atrás de você — ela exclamou, claramente
ofendida. — Apenas estou sendo educada e oferecendo uma
carona já que tenho que te aturar como meu vizinho!
— Não vou voltar agora — afirmei. — Vai ter um rolê[50] daqui a
pouco ali na pista de skate.
— Ahn... Ok. Tudo bem então. Eu vou indo...
Era quase como se a patricinha estivesse desapontada por
não poder fazer a sua boa ação pelo coitado do GBR.
Ela girou nos calcanhares e começou a andar até a porta.
Merda. Merda do caralho!
Passei uma das mãos pelo rosto, sabendo que me
arrependeria do que estava prestes a fazer. Ela claramente não
queria voltar para casa para encontrar o pau no cu do ex-namorado
agressor.
— Você... Ahn... Você quer ficar? — perguntei, odiando-me por
ter titubeado.
— Ficar? — Ela se virou e me encarou com expectativa.
— Você não parece muito animada para voltar para casa —
justifiquei e depois tentei mudar o meu tom para algo zombeteiro. —
Já que estava até agora esperando pelo cara que mais odeia...
Ela riu.
— Ficou tão óbvio? — brincou e eu assenti. — Afinal, o que vai
ter na pista de skate?
— Um eventinho... A galera normalmente fica ali bebendo,
conversando e vendo os caras fazendo as manobras. Dessa vez, os
donos de uns foodtrucks se reuniram e vão dar um prêmio pra quem
ganhar.
— Você vai participar? — Quis saber, parecendo animada e
antes que eu pudesse perguntar como ela tinha chegado naquela
conclusão, Larissa se adiantou: — Já vi você andando com um
skate pelo condomínio.
— Vou. Não pretendo ganhar — avisei. — Felipe é o fodão do
skate e o prêmio já é dele... Apenas vou participar porque se der
alguma merda, ele não perde a grana.
— Ah, que legal! Ele vai estar lá então...
Fechei a cara, parando para refletir que não deveria ter
sugerido porra nenhuma que ela fosse para o evento.
— Vou tomar um banho ali no vestiário. Então... Você pode me
esperar, se quiser... Ou pode voltar pra casa. Tanto faz.
A patricinha franziu o cenho, parecendo confusa e avisou que
me esperaria sentada ali mesmo, em um dos bancos da sala.
Meu Deus, eu parecia um idiota perto dela.
 

 
Nós estávamos sentados em um banco, observando os
skatistas que já tinham começado a rodar na pista e ela fez uma
infinidade de perguntas sobre o que estava acontecendo.
Não demorou nada para Pipo aparecer, ficando todo
animadinho ao vê-la ao meu lado.
— Você de novo, Jujubinha.
JUJUBINHA?
Fiz uma careta na mesma hora e Larissa deu uma risada,
jogando o corpo para frente. Meu irmão se inclinou para dar dois
beijinhos nela e depois veio me abraçar.
— Eu disse que ela tava na minha — cochichou no meu
ouvido.
— Estão esperando você na pista — respondi, seco.
— Larissa, não é? — ele perguntou, conforme foi se afastando.
— Você vai ter um show de graça hoje. Não sei o que o Pepeu te
disse, mas ele não chega aos meus pés dentro dessa pista.
— Pepeu? — Sua sobrancelha se arqueou e um sorrisinho
malicioso surgiu no seu rosto.
— Só ele me chama assim — eu a cortei, levantando-me logo
em seguida. — Quer beber alguma coisa?
— Estou dirigindo.
— Eu posso dirigir, se você quiser beber.
— Você não vai beber?
— Não bebo.
— Não bebe? É por causa de religião? — Ela parecia
realmente chocada e eu neguei com a cabeça. — Fez promessa?
— Não, 190. Deixa de ser intrometida. Vai querer beber ou
não?
— Bem, se você vai ser o motorista, óbvio.
Ela começou a tirar o dinheiro da carteira, mas eu revirei os
olhos e saí andando, ignorando os gritinhos que ela deu para
chamar minha atenção.
— Fala aí, Julinho! — cumprimentei o dono de um dos bares lá
do Terreirão que estava com uma barraquinha no evento. — Me vê
uma caipivodka de limão coada.
— Coada, Pedrinho? — Ele gargalhou.
— Tô com uma Patricinha da Barra que é cheia de frescura —
expliquei, irritado comigo mesmo.
Aquela frase era toda errada. Eu não estava com ninguém!
— Mandou bem, cara.
— Ela não é nada minha...
— Sei bem como é — falou em um tom sugestivo e deu uma
piscadinha como se fôssemos cúmplices. — Diga para a sua garota
que faço a caipi dela do jeito que ela gosta.
— Ela não é minha garota, Júlio.
— Claro que não. — Outra piscadinha antes de se virar para o
lado. — Fala aí, Cleytinho, vai querer o que hoje, meu consagrado?
— Fala aí, João! — cumprimentei, balançando a cabeça em
uma negativa pelo comentário inicial do Júlio.
— MC Cleytinho, Pedro, porra! — ele berrou e eu joguei um
“desculpa” por trás do ombro.
Estava caminhando para o local em que estávamos e percebi
que ela estava segurando um pratinho, tentando cortar um cachorro-
quente com talheres de plástico.
Parecia um filme de terror. Foi impossível não rir com a cena
da patricinha tentando comer um dogão de garfo e faca.
— Você vai queimar o meu filme — avisei, entregando o copo
descartável de caipivodka em suas mãos.
— Own, você pediu para coarem! Obrigada. — Ela fez uma
vozinha melosa e eu tornei a revirar os olhos, rindo.
— Não estava com saco para suas reclamações.
— Eu comprei um cachorro-quente pra você.
Ela me entregou um outro pratinho com talheres e eu comecei
a repetir “não” várias vezes, vendo a confusão se formar no seu
rosto. Sentei ao seu lado, peguei o pratinho que estava por baixo do
seu cachorro-quente e o entreguei na sua mão.
— Vai todo mundo achar que você é um alienígena —
expliquei. — Ninguém come isso assim.
— É gigante, eu vou me sujar inteira! — retrucou, indignada.
— Pra isso existe o guardanapo, conhece? — falei, cheio de
ironia, e ela estreitou os olhos para mim, fazendo uma careta.
Foi uma catástrofe, mas no final, ela conseguiu comer boa
parte do cachorro-quente. A outra metade dos ingredientes foi parar
no pratinho que ela manteve em seu colo.
Fui para a pista e momentos depois, percebi que ela tinha ido
até a barraquinha e voltado com mais dois copos gigantes de
caipivodka. E não fazia ideia de como ela foi capaz de conseguir
aquilo, o Júlio era chato demais, quase nunca dava um chorinho[51]
pro pessoal.
— Achei que você odiasse a Jujubinha — Pipo zombou,
mexendo no meu cabelo.
— Para de chamar ela assim, é ridículo. E eu continuo
odiando.
— Mesmo? E por que ela está aqui? — Um sorrisinho
prepotente se esticou nos seus lábios. — Foi realmente pra me ver?
— Te ver o caralho, Felipe. Ela está tentando limpar a barra
dela depois de ter chamado a polícia aquele dia na casa do Heitor.
Joguei algumas verdades na cara dela e desde então, está tentando
não parecer a garota preconceituosa que eu sei que ela é. Você
sabe bem como ricos são...
— Sei bem — comentou, distraído com o rolamento do skate.
— Ela me ofereceu carona, eu disse que vinha pra cá e aqui
estamos nós. Enfim, vê se ganha essa porra.
— Acha mesmo que os idiotas da Barra têm alguma chance?
— ele perguntou, dando uma risada.
Três dos moleques que iam competir tinham expulsado o Pipo
de uma pista uns anos atrás porque ele estava fazendo graça e foi
uma confusão do caralho. Eles apareceram aqui na nossa área para
quebrar o meu irmão na porrada, mas para o azar deles, eu estava
de folga.
A competição começou e ajudei a eliminar uns três caras para
facilitar a vida do Pipo, mas acabaram sorteando nossos nomes e
ele me humilhou (como sempre), tirando-me da jogada.
Saí da pista e percebi que a Larissa estava batendo palma e
gritando junto com a maioria das pessoas, sorrindo para mim e
comemorando. Achei aquela animação toda muito esquisita, mas
olhei para o lado e vi uns quatro copões de capivodka empilhados.
Estava caminhando na sua direção quando fui interceptado por
Luna no meio do caminho e ela se jogou nos meus braços.
— Cheguei, gatinho — disse, sorridente e eu olhei para o lado,
percebendo que a patricinha estava me observando, curiosa,
enquanto sugava mais um pouco do drink por um canudinho rosa.
Como ela tinha conseguido um?
Dei um beijo rápido nos seus lábios e ela sorriu para mim. Não
sabia o motivo de estar me sentindo ansioso, mas meu coração
começou a bater rápido demais.
— Porra, Pedro... Você tá gostoso pra caralho com esse
cabelo — ela sussurrou no meu ouvido, cheia de segundas
intenções.
— Não fala assim — pedi, respirando fundo.
Afastei um pouco o corpo do dela e arrisquei uma olhada para
o lado, percebendo que a atenção da 190 tinha se voltado para a
pista.
— Você mandou muito bem, mas podemos ir para o meu
apartamento trepar? — Ela mordeu o lábio de uma forma sexy.
— Luna... — chamei em um tom de alerta e ela me olhou,
cheia de expectativas. — Por mais que eu quisesse, não vai rolar.
— Está tudo bem?
— Sim, só que eu estou acompanhado — comecei a dizer e
ela arregalou os olhos, dando um passo para trás e tirando as mãos
de mim.
— Desculpa, gatinho. — Ela cobriu a boca com uma das mãos.
— Puta merda.
— Não, não estou em um encontro — tratei de me explicar. —
É só uma garota aleatória que eu conheço.
— Ah, tudo bem. Eu já estou indo, de qualquer forma, passei
só pra te ver rapidinho.
— Você não quer esperar? — perguntei, encostando na sua
cintura. — Eu te deixo em casa.
— Não, fala sério. As meninas tinham me chamado pra um
barzinho, eu disse que se você não quisesse fazer nada, encontraria
com elas. E já que vamos ficar no 0 x 0...
— Você vai tentar marcar um gol com outra pessoa — concluí
e ela encolheu os ombros, dando uma risadinha e lançando um
beijinho no ar antes de se virar.
Eu disse que a Luna era parceira pra caralho, não disse?
Voltei para o banco e ela me olhou de canto de olho, cheia de
julgamento, sem parar de beber no seu canudinho rosa. Não
gostava do que estava sentindo, era quase como se eu tivesse feito
alguma coisa errada. A presença da patricinha definitivamente me
afetava e eu já estava irritado com isso. Era minha culpa por dar
trela demais, por vez ou outra ser simpático. Para quê eu estava
falando com ela sobre livros para início de conversa, porra?
— Aquela era a sua garota?
— Sim — respondi, olhando para frente para ver o meu irmão
mandando um darkslide[52] perfeito.
— Ela é bem bonita.
— Sim, ela é.
— Você mandou bem lá na pista — comentou, voltando a
prestar atenção na competição.
— Valeu.
— Você disse que o seu irmão era foda, mas porra, ele parece
profissional!
Dei uma risada, concordando.
— Ele vai ser em breve, se Deus quiser.
— Você aprendeu a andar com ele? — Ela não tirou os olhos
da pista.
— Sim.
— Você fez alguma daquelas tatuagens?
— Todas elas.
Ela me olhou e piscou, incrédula, mas logo depois focou na
competição, vibrando quando ele entrou no corrimão com um
Hardflip[53] e saiu com um Ollie 360[54] que fez a galera ir à loucura.
Foi impossível não rir, naquele ponto, o idiota só estava se
exibindo para humilhar os babacas que ele odiava.
— Certeza que vai ganhar hoje, esses caras são lixos perto
dele — concluiu como se fosse expert no assunto, sendo que não
sabia nem o que era um drop.
Aquela enxurrada de perguntas e comentários estavam me
tirando do sério. Comecei a ficar preocupado com as possibilidades
que estavam cutucando minha cabeça. Por que infernos ela não
parava de falar do Felipe?
— O Felipe gosta de ruivas.
— Ok? — Saiu como uma pergunta e uma risada abafada. —
Vou manter a Lavínia longe dele então.
Que porra aquilo queria dizer? Por qual motivo ela manteria a
melhor amiga dela longe do Pipo? Será que ela realmente estava
afim do meu melhor amigo?
Assim que o Pipo ganhou o prêmio, veio correndo na nossa
direção e pulou em cima de mim, quase me derrubando no chão.
— Você é ridículo — falei, rindo. — Precisava humilhar os
cuzões?
— Claro! Qual seria a graça se eu não fizesse isso?
— Parabéns! — ela comemorou, erguendo os braços no ar e
ele a abraçou, agradecendo, como se aquela merda fosse
supernormal.
Eles nem eram amigos, porra!
— Já estamos indo, Pipo — avisei, respirando fundo, irritado
comigo mesmo pela reação que eu estava tendo.
— Mas já?
— Pipoooooooo? — Larissa estendeu as vogais com um tom
choroso e eu percebi que ela estava mais bêbada do que eu
imaginava. — Que fofo!
— Sou fofo mesmo. — Ele deu uma risadinha convencida para
ela.
— Posso te chamar de Pipo?
— Não — eu a cortei e meu irmão comprimiu os lábios,
tentando segurar uma risada.
— Só se você entrar pra família... — Seu tom era sugestivo e
eu franzi o cenho, demonstrando toda minha insatisfação pelo
comentário.
— Estamos indo, te ligo mais tarde — avisei, puxando-a
levemente pela cintura para que ela me acompanhasse. — Vê se
vai pra casa e não se mete em merda, porra.
— Tchau, Pipo! — a insuportável berrou, conforme nos
afastávamos, acenando animadamente. — Seu irmão é muito gente
boa. Você poderia ser mais simpático como ele... Podemos comprar
mais uma caipivodka antes de ir?
— Você está bem pra continuar bebendo?
— Estou ótima! — retrucou, fingindo estar ofendida e depois
gargalhou, jogando o corpo em cima do meu. — Vamos no Julinho!
Dei uma risada quando ela fechou um dos olhos para apontar
para o lugar certo e saiu marchando até lá.
— Fala aí, Pedrinho! Sua garota é uma figura.
— Shhhhhhhhh... — Ela colocou o indicador na frente dos
lábios e o Julinho assentiu com a cabeça, entrando na onda. — Eu
não sou a garota dele.
Ele estava acostumado a lidar com bêbados, então começou a
preparar outra bebida para ela.
— Você sabia que ele reclama de fazer minha caipivodka com
limão, Julinho?
— Sério, Pedrinho? Aí não pode, meu querido... Como dizer
não pra esse doce de garota? — Eu olhei para ele com repreensão
por estar dando trela para ela e sua resposta foi um encolher de
ombros e uma risada.
— Viu? — indagou, cheia de si. — Eu sou um doce de garota.
— Não, você não é.
Julinho entregou o drink para ela novamente dentro de um
copo maior com canudo rosa e ela estendeu uma nota de cinquenta
reais para ele.
— Vou pegar o troco, calma aí...
— Não! Fica com o troco. Obrigada, Julinho. Boa noite!
Ele fez menção de me entregar o restante, mas eu disse que
não precisava. Não era meu dinheiro, porra, se ela queria distribuir
por aí, azar era o dela. Começamos a caminhar em direção ao carro
e no meio do trajeto, sua bolsa caiu no chão. Peguei as coisas
rapidamente e resolvi carregar porque ela estava tão desatenta que
era capaz de alguém passar de bike e puxar.
Me inclinei para abrir a porta do carro, mas Larissa se meteu
no meio, ficando de frente para mim. Seus olhos estavam fixos nos
meus e eu podia sentir o meu braço roçando no dela. O cheiro do
perfume doce dela estava me deixando levemente zonzo e tudo o
que eu queria era sair dali.
Perto demais, ela estava muito perto.
— Estou tentando abrir a porta, 190.
— Antes me responde uma coisa?
— O que é?
— Acha que ficaria legal uma tatuagem aqui? — perguntou,
abrindo dois botões do decote da blusa que estava usando.
Ela indicou um local bem perto da borda meia taça do sutiã de
renda branco e levantou os olhos para cima, mordendo o lábio
inferior. Engoli em seco, tentando respirar e percebendo que era
incapaz de tal coisa.
Foda-se, eu nunca mais tiraria aquela visão da minha cabeça.
— Sim, agora vamos embora, por favor — implorei, fechando a
sua blusa de qualquer jeito e olhando para os lados.
Abri a porta e finalmente consegui colocá-la no banco do
carona e quando eu entrei no carro, o som já estava nas alturas
tocando All the Small Things, do Blink-182.
Durante todo o caminho, ela cantou todas as letras das
músicas. Em algum momento, ainda abriu o teto solar e colocou o
corpo para fora, deixando-me sozinho dentro do carro com aquelas
pernas perfeitas que ela tinha. Eu pedi que ela descesse segundos
depois, com medo que se machucasse de alguma forma.
E graças ao meu bom Deus, a patricinha me obedeceu.
Nós chegamos e eu entrei na garagem com os faróis
desligados, não queria correr o risco de alguém me ver ali. Desci do
carro rapidamente e a deixei na porta de casa.
— Certo, só me diz uma coisa, 190... Como conseguiu
convencer o Júlio a te dar copos grandes e um canudo rosa?
— Eu disse... Eu sou um doce de garota — falou, dando um
sorriso para mim, antes de entrar em casa.
— Não, você não é — afirmei para mim mesmo, dando uma
risada para a porta fechada.
 
 
Está ficando tarde para desistir de você
Eu bebi da fonte do meu diabo
Lentamente
Está tomando conta de mim
:: TOXIC - BRITNEY SPEARS ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Eu estava chegando no campo de golf com Gregório quando
senti vontade de me jogar do carrinho e fingir um desmaio. Não,
aquilo não podia ser sério. Ao lado do meu pai, seu sócio e mais
alguns outros clientes estava a razão para todo o caos na minha
vida.
Pisquei e mexi nos olhos com cuidado para ajeitar minha lente
porque talvez ela estivesse com problema, mas não.
Era ele mesmo, dentro do uniforme que os funcionários do
campo de golf utilizavam. Claro, era óbvio que bem no dia em que
eu precisava estar presente em um dos eventos que meu pai tinha
inventado, ele tinha trocado de posto. Por que diabos o destino o
deixaria na piscina, como sempre, servindo drinks quando tinha a
oportunidade de me foder?
No minuto em que paramos na frente de todos, Pedro olhou de
mim para o Gregório, viu que ele estava de mãos dadas comigo e
no mesmo instante, trancou o maxilar.
— Lari, minha querida, como você está? Greg está te dando
muito trabalho? — um dos amigos do meu pai brincou e eu abri um
sorriso tímido e neguei com a cabeça.
Gregório havia ficado na minha casa me esperando na noite
anterior até um pouco antes de eu voltar e só desistiu porque, em
algum momento, eu mandei uma mensagem avisando que não
voltaria naquela noite.
Assim que me viu, tentou perguntar onde eu estava, mas o
cortei e disse que não devia explicações para ele. Fiquei surpresa
quando sua resposta se limitou a uma concordância e um pedido de
desculpas.
Era estranho. Ainda não sabia lidar muito bem com o fato do
meu ex/atual namorado estar agindo daquela forma, porque ele
nunca gostava de ser contrariado, principalmente por mim.
A impressão que eu tinha agora era de que se mandasse
Gregório ficar de quatro como um cachorro para buscar a bola de
golf, ele obedeceria.
Eu o cumprimentei e o Pedro me respondeu com um “boa
tarde” seco, sem nem me olhar nos olhos. E conforme os minutos
foram passando, notei que havia tanto julgamento na forma como
me encarava que eu comecei a deixar a típica irritação que o
acompanhava me preencher.
— Pai, pode me ajudar aqui? — perguntei, afastando-me de
todos para fazer minha jogada e depois cochichei: — Tem certeza
que precisamos de um funcionário aqui?
— Não seja boba, Lari. O rapaz está ali para ajudar e já fez
isso algumas vezes para mim. Greg não vai beber e vai dirigir um
dos carrinhos, ele pode buscar as coisas e carregar os tacos, se
necessário. Pode deixar, vou dar uma boa gorjeta para ele, ok?
Todo o tempo que se arrastou foi um martírio. Gregório me
fazia algum tipo de carinho a cada oportunidade, estava
supermeloso e como se não bastasse, pedia tudo para o Pedro, até
mesmo a água do cooler.
Ele não tinha a porra de uma mão para pegar as coisas,
inferno?
Já estava ficando bem aborrecida pela forma como o Pedro
me olhava, dando algumas risadinhas desdenhosas sempre que eu
falava alguma coisa com o meu namorado ou sobre ele com um dos
amigos do meu pai.
— Rapaz, você pode, por gentileza buscar um pouco mais de
champanhe? — meu pai pediu para ele assim que chegamos no
próximo local do campo.
— Claro, senhor Albertelli.
— Eu vou com você — avisei e meu pai me olhou confuso. —
Preciso ir ao banheiro e buscar um remédio em casa.
— Ah, certo... — Ele se virou para o Pedro. — Você pode
esperá-la para voltar, tudo bem?
— Tudo bem.
— Eu posso ir com você, Kinha.
— Não. Não precisa, querido — falei, encostando em seu
braço e depois me afastei um pouco. — Fique aí, eles já beberam e
esse veículo pode ser perigoso.
Dei uma risada e ele fez o mesmo, lembrando de uma vez em
que ficamos bêbados com nossos amigos, decidimos pegar um
desses carrinhos de golf e acabamos no hospital com o braço do
Cadu quebrado.
Subi no carrinho e ele esperou que eu sentasse para dar
partida. Nenhum comentário ou olhar na minha direção conforme
íamos percorrendo o longo caminho até o restaurante, afinal,
estávamos em um dos buracos mais afastados do campo.
— Por que está agindo assim? — indaguei, não me
aguentando mais.
Ele não me respondeu. Observei que seus dedos seguravam
com força o volante e ele mantinha a mandíbula cerrada, nunca
desviando os olhos do trajeto.
— Será que você pode parar? Quero falar com você.
— Não tenho nada pra falar com você — retrucou, áspero.
— Mas eu tenho! Pode parar?
— Tenho certeza de que seu pai e seu namorado perfeito não
vão gostar de te ver de papo com o GBR aqui. — Ele soltou o ar,
abafando uma risada cheia de ironia. — E eu também não estou
com vontade de perder o meu emprego, o que certamente vai
acontecer se meu chefe me ver no meio do campo de golf tendo
uma discussão com uma patricinha mimada.
— Apenas para o carro! — pedi, aumentando meu tom de voz
e ele finalmente fez o que eu estava pedindo.
Levantei do lugar e me posicionei na sua frente, fazendo um
movimento com as mãos para que ele fosse para o banco do lado
para que eu pudesse dirigir. Ele se arrastou de má vontade e cruzou
os braços enquanto eu mudava o percurso para um local onde sabia
que era impossível que nos ouvissem.
Havia uma parte do campo que estava sempre deserta. Era
cheia de árvores que cercavam um pequeno depósito e eu já tinha
fugido para lá em alguns momentos porque precisava de um cigarro.
A verdade é que eu conhecia todos os esconderijos daquele
condomínio.
Encostei o carrinho atrás da casinha, ao lado de uma das
árvores.
— Qual é o seu problema? — perguntei, assim que desci. —
Por que está sendo mais babaca do que o normal?
— Você é inacreditável! — Ele deu uma risada, balançando a
cabeça negativamente. — O cara te deixou com um hematoma e
você está com ele novamente?
— Você não entende...
— Eu? Eu não entendo? — Ele deu um passo para frente,
aproximando-se de mim.
Recuei, não queria que ele ficasse perto demais. Era difícil
quando sua boca estúpida estava a centímetros de distância da
minha. E não, também não desejava que o idiota continuasse
jogando na minha cara e debochando sobre o fato de eu estar
sempre tão vulnerável na sua presença.
— Você não tem o direito de se meter na minha vida —
retruquei. — E nem mesmo de criticar minhas decisões.
— Você esqueceu o que aconteceu alguns dias atrás? Ou será
que sua memória apenas armazena sua lista de compras? —
indagou de uma forma maldosa.
— Você é tão ignorante! Está sempre tentando trazer para
primeiro plano o fato de eu ter dinheiro, reduzindo-me a uma
patricinha...
— Você é a porra de uma patricinha! — ele berrou, o nariz
quase junto ao meu. — E você me tira do sério! Eu não quero
proximidade, eu tento te repelir de todas as formas, mas você
continua a me rondar como um maldito urubu. Insiste em me
atormentar!
A sensação que eu tinha é de que ele queria passar os braços
ao redor do meu pescoço e me estrangular. E por alguns milésimos
de segundo, eu me perguntei como seria isso. Como seria deixar
toda a raiva explodir e dominar cada compartimento do meu corpo.
Mantive meu queixo erguido, mas dei mais um passo para trás
e percebi que estava encurralada em um tronco de árvore. Meu
olhar permanecia fixo no dele, ignorando totalmente os lábios,
mesmo que ainda estivessem em movimento. Aquilo era essencial
para controlar meus pensamentos, fingindo que eles não estavam
buscando uma forma de penetrar minha mente.
— E-eu? — Minha voz falhou. — Eu insisto em te atormentar?
É você que está irritado porque me viu com meu namorado.
Seu rosto se retorceu no instante em que a última palavra saiu
da minha boca, incapaz de processar seu nível de nojo.
— Ele não gosta de você, te trata como lixo e mesmo assim,
você continua lambendo o chão que esse merda pisa — ele
começou a dizer, entredentes, o tom de voz subindo a cada palavra.
— Você tem ideia da quantidade de chifres que tem na cabeça, sua
idiota? Sabe como ele te vê, 190? Apenas como um depósito de
porra!
As frases, cheias de desprezo, deixaram seus lábios,
sufocando o ar ao nosso redor com desgosto.
Quem ele pensava que era?
Deixei toda a fúria me consumir e quando percebi, minha mão
estava pronta para acertar outro tapa na sua cara prepotente. Eu
queria calá-lo de qualquer forma, ele não tinha o direito de falar de
mim como se soubesse de alguma coisa.
Sua mão envolveu o meu pulso com firmeza, impedindo-me de
ir adiante e seu olhar cravou ainda mais no meu, quase como se me
desafiasse a continuar. A mão livre encontrou o meu pescoço,
mantendo-me contra o tronco da árvore. Sentia todo o meu corpo
tremendo, a respiração descontrolada e o meu peito subindo e
descendo sem parar.
Ele abaixou o olhar para a minha boca, chegando tão perto a
ponto de roçar na minha. Umedeceu os lábios devagar e eu pude
sentir meu corpo começando a derreter.
— Você gostou de bater na minha cara? Isso te deixa
molhada? Porque a única forma de eu permitir que faça isso de
novo é se eu estiver metendo o meu pau na sua boceta.
A forma como aquelas frases foram ditas me desmontou, a
raiva ecoando e se enredando na tensão sexual que flutuava entre
nós.
O ódio e o desejo. Crescendo e incitando-me. Ameaçando me
asfixiar.
Tudo dentro de mim pegava fogo, as brasas rastejando e
incendiando cada célula que fosse capaz de alcançar. Foi difícil
resistir ao desejo de estremecer e eu me vi impotente quando um
arrepio se tornou visível na minha pele.
Sua mão subiu, os dedos entranhando-se nos meus fios,
torcendo meu cabelo e aumentando o aperto. Entreabri a boca, não
conseguindo soltar um único ruído e ele segurou meu queixo com a
outra mão, descansando o polegar no meu lábio inferior. Era
possível sentir o calor pinicando minhas beiradas, ardendo por trás
dos meus olhos e se acumulando entre as minhas pernas.
— O que foi, 190? — Um sorrisinho sarcástico surgiu no seu
rosto. — Está imaginando?
Ele estava ciente. Ele sabia bem o efeito que ele causava em
qualquer mulher. Aquele babaca arrogante tinha um espelho em
casa.
— N-Não. Porque isso... Isso d-definitivamente não vai
acontecer — afirmei, mesmo contra todas as minhas vontades,
irritada por tropeçar nas palavras.
Conseguia sentir o peso da hipocrisia pairando sobre mim. Era
tão mais fácil mentir, era como eu sabia gerir a minha vida.
— Não? — Seus lábios se esticaram um pouco mais e agora
ele parecia estar se divertindo.
Eu era um poço de mentiras, mas aquela, definitivamente, era
a mais difícil de contar. Porque mesmo que minhas palavras fossem
uma réplica falsa do que eu desejava externar, meu corpo
denunciava cada uma das minhas falhas.
A verdade é que eu o queria.
Desesperadamente.
Ele inclinou um pouco minha cabeça para o lado e eu deixei,
fechando os olhos no segundo em que seu rosto roçou no meu e eu
senti o hálito quente na minha orelha.
— Eu vou te dar uma única chance de ser honesta —
sussurrou, arrancando mais alguns arrepios. — O quanto você quer
que eu te foda?
Pedro se afastou para me olhar nos olhos e abriu um outro
sorrisinho quando percebeu que eu estava praticamente zonza. A
forma como ele segurava meu cabelo, com força, impedindo-me de
ir embora... Era como se ele realmente não quisesse me largar.
E tudo parecia vítreo como a água. Os toques inapropriados, a
cumplicidade em excesso, a evidência de tudo o que desejávamos
fazer um com o outro.
— Você é um grosso, um ignorante... — comecei a dizer,
deixando a raiva me guiar. — E eu preciso controlar minha vontade
de dar na sua cara a cada comentário escroto que você faz.
O babaca estava achando graça. Ele já tinha percebido que eu
estava entregue e mesmo sentindo seu pau duro contra o meu
corpo, eu precisava equilibrar o jogo.
Levaria os pensamentos deles para o meu inferno pessoal, um
inferno em que somente ele comandava agora.
— Você sabe o tanto que eu te odeio? — indaguei de forma
sensual, aproximando o meu rosto do dele.
— Diz pra mim... — incentivou, cheio de insinuação, apertando
o corpo ainda mais no meu.
— Eu te odeio muito. A ponto de não conseguir concluir uma
porra de pensamento sequer. E esse, seu babaca julgador
insuportável... Esse é o quanto eu quero que você me foda.
 
 
Então o que está tentando fazer comigo?
Não conseguimos parar, somos inimigos
Mas nos damos bem quando estou dentro de você
Você é como uma droga que está me matando
Eu te elimino totalmente
Mas eu fico nas alturas quando estou dentro de você
:: ANIMALS - MAROON 5 ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
O beijo não começou gentil, nada entre nós era assim e eu
definitivamente não desejava que fosse.
Estava completamente submersa no gosto maravilhoso de
menta de alguma balinha que ele deveria ter comido. As línguas
quentes se entrelaçando em uma espiral, um sufocamento viciante
pela escassez de ar, os toques e apertos desesperados.
Meu coração pulsava desenfreadamente querendo romper o
meu peito, porque eu não conseguia entender como algo que eu
considerava tão errado podia parecer tão certo.
Cada poro do meu corpo se arrepiou quando ele desceu a
boca pela minha mandíbula, lambendo meu pescoço
preguiçosamente, deixando um “porra” escapar.
Era difícil me manter em pé, então ancorei os braços nos seus
ombros e automaticamente ele subiu uma das mãos pela minha
panturrilha, agarrando a minha coxa com força. E eu deixei que ele
me erguesse contra a árvore, sem nem me importar com o fato das
minhas costas estarem sendo arranhadas pelo tronco.
A ardência proveniente da agressividade com que ele me
segurava era enlouquecedora, mas não mais do que a frustração
gerada pela fricção dos tecidos entre nós.
— Fala pra mim, 190… — ele sussurrou contra os meus
lábios, segurando o meu rosto com a mão livre, cobrindo-o quase
inteiro e quebrando minha respiração. — Quem você é quando está
fodendo? A princesinha perfeita que mostra pro mundo ou a
desgraçada que fode com a minha paz?
Ele sorriu e eu segurei o seu rosto também, dando um
sorrisinho sarcástico como os que ele costumava abrir para mim.
Abaixei os olhos para os seus lábios, rocei os meus neles e os puxei
com força, antes de afirmar dentro da sua boca:
— Eu sempre vou ser a desgraçada que fode com a sua paz.
Mais um sorriso e dessa vez ele parecia até mesmo orgulhoso.
Deus, aquele era o sorriso mais excitante que eu já tinha visto e
minha calcinha até mesmo pesou depois. Eu queria mais daqueles.
E faria o que o maldito quisesse se o resultado fosse ele olhando
para mim daquela forma.
Engasguei uma respiração quando senti sua mão subindo
devagar pelo meio das minhas coxas. Pedro nunca tirava aquela
expressão prepotente do rosto e ela se intensificou quando afastou
minha calcinha e sentiu a umidade quente da minha boceta.
— Puta merda... — Saiu como uma lufada de ar e quando eu
soltei um gemido baixo, ele encostou a testa na minha, como se
buscasse por força. — Essa é forma como você me odeia?
— Ah, eu te odeio bem mais por isso.
Seus dedos massagearam meu clitóris e eu me mexi, ansiosa,
louca para que ele aumentasse o ritmo. Puxei uma respiração,
cravando as unhas nos seus braços. Era difícil me controlar e ele
percebeu isso, dando uma risadinha, achando graça.
— Você sabe que eu não sou como os playboys que já te
comeram, certo?
— Eu não... — respondi, ofegante. — Não esperava que
fosse...
— Preciso que hoje você seja a princesinha perfeita, 190...
Porque quando eu te foder, você vai querer gritar.
— Fica tranquilo, GBR. — Ele abriu um sorriso maior no
momento em que usei o apelido, achando graça de toda a
hostilidade. — Eu posso ficar quietinha como uma princesa se você
prometer me foder como uma puta.
— Caralho! — Ele mergulhou na minha boca, como se fosse
incapaz de se conter.
O beijo foi intenso e ele não parou de me masturbar conforme
brincava com a minha língua. Os dentes arranhavam meus lábios,
desciam pelo meu pescoço e voltavam para a minha boca em uma
velocidade sobrenatural. Era como se todos os pontos do meu corpo
estivessem em sintonia, ativados e pulsando pelos seus toques.
Fiz menção de tirar suas calças, mas ele segurou meus pulsos
acima da minha cabeça e fez uma negativa com a cabeça.
— Eu quero te chupar...
— Não temos tempo pra isso!
— Deixa eu reformular... Eu vou te chupar — garantiu e eu
pisquei, ainda buscando qualquer resquício da minha sanidade que
ele tinha pisoteado.
No mesmo instante, Pedro se abaixou, ficou de joelhos e me
olhou com um sorrisinho safado. Passou uma das minhas pernas
por cima do seu ombro, afastou minha calcinha e respirou
lentamente contra a minha boceta.
Minha alma pareceu sair do meu corpo ao sentir a língua
quente e macia lambendo toda a minha extensão. Joguei a cabeça
para trás e cravei minhas unhas no seu couro cabeludo,
comprimindo os lábios para abafar um gemido que tentava escapar.
Aquela cena era simplesmente de tirar o fôlego. Os cabelos
platinados, os olhos castanhos me fitando cheios de desejo, o
punho enrolado no tecido da minha saia, ancorando-me para mover
os meus quadris...
Era incrível como sua língua girava lentamente, atingindo o
ponto perfeito e fazendo com que uma espécie de névoa densa
nublasse meu cérebro. E ela era só o que eu via agora, por trás das
minhas pálpebras fechadas.
Os lábios eventualmente pressionavam meu clitóris inchado e
ele o sugava sem parar. Os movimentos se alternavam em uma
coordenação perfeita e somente quando ele deu uma risada, eu
percebi que estava dizendo uma infinidade de palavrões
desconexos.
Não conseguia entender como uma boca que dizia tantos
absurdos era capaz de fazer aquilo.
Mais um gemido e eu arqueei as costas, arranhando-as ainda
mais no tronco de árvore e se aquela merda estivesse em carne
viva, não daria a mínima.
Ele não podia parar. Decidi que o mundo poderia acabar ali
mesmo, com aquele homem chupando minha boceta, se aquela
fosse uma promessa de eternidade. Queria prolongar aquela
sensação até o final dos meus dias.
Agitava meus quadris contra seu rosto, completamente
enlouquecida, sentindo o orgasmo se aproximando cada vez mais.
Já nem conseguia discernir mais o que ele estava fazendo, mas eu
estava pingando.
Era possível ver estrelas todas as vezes em que ele se
afastava alguns milímetros para dar uma lambida com a língua bem
aberta, deixando apenas a ponta rodear o meu clitóris pulsante em
seguida.
E como se soubesse exatamente como chegar no meu limite,
ele intensificou o ritmo, chupando-me com mais força enquanto
meus nervos eram arrebentados um a um junto com o orgasmo que
fez todo o meu corpo se contorcer.
Notei que não me lembrava de como era o simples ato de
respirar, completamente fora do eixo. Nem mesmo conseguia abrir
os olhos e percebi que meu lábio inferior estava doendo de toda a
força que fiz para segurar o grito que quis fugir da minha garganta.
Seus braços estavam segurando minhas pernas com firmeza e
ele levantou, voltando a ficar de frente para mim. Abri os olhos para
encontrar os seus, ardendo de desejo e o rosto completamente
molhado. Eu o beijei, amando o meu gosto se misturando com o
dele, impregnado na sua língua, na sua boca e na sua pele.
Sua respiração era tão precária quanto a minha e tive certeza
disso no segundo em que ele parou, segurando o meu rosto e me
encarou.
— Gostei de ver, 190. Quietinha, exatamente como eu
mandei... — analisou, passando o polegar pelo meu lábio,
hipnotizado. — E porra, que boceta gostosa do caralho.
Havia tanto desejo refletido naquelas pupilas que eu nem
mesmo conseguia raciocinar, mas o que mais me deixava ansiosa
era a impressão de uma promessa tácita de que aquele garoto
acabaria comigo.
Eu estava pronta para queimar com ele. E viraria cinzas, se ele
quisesse.
Não me aguentei e comecei a desafivelar o cinto da calça que
o Pedro estava usando e o barulho do metal ecoou na minha mente,
fazendo com que minha excitação aumentasse.
Deus, eu estava louca para ver o pau daquele homem.
— Tem roupa demais entre a gente — resmunguei e ele deu
uma risada contra o meu pescoço.
Sua língua deslizou perto da minha orelha e eu senti um
arrepio escalando pela minha coluna. Nem mesmo tive tempo de me
recuperar porque um outro veio em seguida quando ele respirou,
deixando o calor queimar a minha pele.
— Estamos dentro de um campo de golf, no meio do dia. Não
vamos tirar nossas roupas — afirmou e eu soltei o ar, frustrada por
saber que não poderia apreciar aquele corpo maravilhoso com
cuidado. — E se formos pegos, vou dizer que você caiu sentada em
cima do meu pau.
Dei uma risada alta e ele fez o mesmo, voltando a me beijar.
— Além disso, você fica muito gostosa com essa roupa...
— Hm... Uma roupa de patricinha — zombei. — Achei que
odiasse isso.
— Foda-se, eu nunca fui muito coerente.
Finalmente consegui me livrar das calças e envolvi seu pau
com uma das mãos e quase chorei, percebendo que ele era grosso
e tinha o tamanho perfeito. Será que aquele era o agradecimento do
universo por eu abrir mão de tanta coisa na minha vida?
— Porra! — ele xingou, mordendo meu ombro assim que fiz
um movimento para cima e para baixo.
Mal consegui me empolgar porque depois de algumas
bombeadas, ele tirou minha mão. Puxou minha perna para cima,
pressionou seu corpo contra o meu e segurou seu pau, arrastando a
glande pela minha boceta.
Soltamos uma dupla de palavrões em sincronia e eu o encarei,
cheia de expectativa. A impressão que eu tinha é de que nós dois
entraríamos em combustão.
Juntos.
E como se não pudesse esperar nem mais um segundo, ele
meteu em mim devagar, indo até o fundo e arrancando um gemido
incontrolável da minha boca.
Tudo começou lento demais e o maldito estocou algumas
vezes tão vagarosamente que eu me perguntei se ele era sádico.
Fiz menção de me impulsionar, mas ele bateu com a minha cintura
contra a árvore e me olhou no fundo dos olhos com repreensão.
Minha cabeça pendeu para trás quando ele me atingiu com
mais força e antes que eu pudesse soltar um único ruído que fosse,
ele o abafou com um beijo. Era urgente, quente e se intensificava
junto com a movimentação dos nossos quadris.
Meu Deus, eu estava literalmente trepando em uma árvore!
Nosso ritmo se tornou frenético em pouco tempo e ele
começou a socar forte, tapando a minha boca com uma das mãos
porque eu já estava gemendo ininterruptamente e alto demais.
— Mandei você gemer baixo — ordenou e eu apenas assenti,
mantendo os olhos fixos nos dele.
Minha boceta estava pulsando, pingando e eu já estava zonza
com a falta de ar. Ele se enterrava em mim e por mais que minha
cabeça e costas estivessem se chocando contra a árvore, tudo no
que eu conseguia focar era naquela sensação de preenchimento
maravilhoso.
De novo.
Mais uma vez.
Sem parar.
Apenas instinto. Nenhum controle.
E já não sabia mais o que era céu ou inferno, porque tudo
havia se misturado, formando uma coisa só, algo completamente
surreal.
Ele descobriu minha boca e me puxou para um beijo
desesperado e desceu mordendo meu queixo, maxilar e todas as
partes que ele conseguia alcançar. A língua quente lambendo cada
ponto pulsante do meu pescoço, deixando-me com ainda mais
tesão.
— Meu Deus, você é tão gostoso — arfei, deixando minha
cabeça pender ainda mais para trás.
Todos os meus músculos pareciam não existir mais, era como
se eu fosse apenas uma boneca de pano que ele conseguia
manusear sem nenhuma dificuldade.
Cerrei os olhos e choraminguei quando ele foi até o final,
arrancando os fios do meu autocontrole. Era uma tortura deliciosa
tê-lo imóvel dentro de mim, sendo capaz de sentir seu pau por
inteiro.
— Qual é a sensação ter o meu pau na sua boceta? É como
você sonhou, 190? — perguntou, cheio de si, agarrando meu
pescoço.
Arqueei uma das sobrancelhas. Era surreal o quanto aquele
babaca se achava!
— O que te faz pensar que eu sonhei com isso?
— Você não sonhou? — ele sussurrou no meu ouvido e
mordeu o lóbulo da minha orelha, fazendo com que eu fechasse os
olhos novamente. — Porque eu sim.
Ele estocou devagar, trazendo um formigamento ainda maior
no meu ventre e eu não sabia se o efeito era dos nossos corpos
impelindo um contra o outro ou daquela frase.
— Quero ouvir você dizer o que imaginou... — soprou contra
os meus lábios, arrastando os dentes por eles.
— Quer saber quais foram meus pensamentos sobre você
estar me comendo? — O meu questionamento saiu em um tom
meloso e eu me contorci um pouco nos seus braços.
— Isso, linda. E quero saber todos os detalhes...
Um sorriso malicioso se abriu e um arrepio contornou minha
coluna. Era jogo baixo ele me chamar de linda naquelas
circunstâncias
— Não sei se eu deveria... — Mordi o lábio inferior quando ele
foi mais fundo.
— Fala pra mim... — implorou, segurando meu rosto e
beijando minha boca. — Vamos lá, bem obediente, como a
princesinha perfeita que você prometeu ser.
— “Mesmo que você implorasse para que eu te fodesse ou se
fosse a última mulher existente... Jamais ficaria com uma pessoa
tão desprezível” — repeti uma das coisas que ele tinha dito para
mim, abrindo um sorrisinho sarcástico. — É disso que eu me
lembrava toda vez que pensava em você.
— Quer mesmo me irritar ainda mais? — perguntou sério,
segurando meu pescoço.
— A verdade jogada na sua cara te irrita? — indaguei em um
tom desafiador, erguendo o queixo para ele.
— Você, no geral, me irrita.
— Diz o cara com o pau enterrado na minha boceta... —
Estalei a boca e ele respirou fundo, deslizando o polegar pela linha
da minha garganta.
— Eu já disse que sou contraditório, você não precisa trazer
isso o tempo inteiro para a mesa.
— Se te irrita, eu vou trazer.
— Aí está você, a desgraçada que fode com a minha paz!
Seu olhar desviou para minha boca e ele tornou a colá-la na
minha, a raiva derretendo-se sob os toques. Nem percebi o
momento em que ele puxou minhas pernas e as envolveu na sua
cintura, direcionando-nos até os bancos traseiros do carrinho de
golf, sem tirar o pau de dentro de mim.
Nós não rompemos o beijo, parecia humanamente impossível
descolar minha boca da dele. Éramos como dois em um só,
fundidos no calor das nossas línguas e cada sensação parecia
eletrizante em cada milímetro de pele que ele encostava.
Quando dei por mim estava sentada em cima dele, cavalgando
e amando a angulação dos nossos corpos que tínhamos
encontrado. Sua mão patinou pela minha coxa até a bunda e ele
deu um tapa de leve no local.
— Mais forte — pedi.
Ele sorriu e repetiu o movimento com um pouco mais de
firmeza. Eu segurei seu rosto com uma das mãos, arranhei os
dentes pelo seu maxilar, mordendo seus lábios em seguida.
— Está com dó? — sussurrei dentro da sua boca, dando um
sorrisinho safado. — Pode descontar sua frustração no tapa que eu
dei na sua cara.
Não estava preparada para que ele voltasse a torcer o punho
com a mão livre nos meus cabelos, dando um puxão para trás na
mesma hora em que acertou um tapa com toda força na minha
bunda. A ardência se espalhou, fechei meus olhos e um sorrisinho
satisfeito surgiu involuntariamente no meu rosto.
Ele me ergueu um pouco, enterrando-se mais fundo e
aumentando ainda mais a velocidade e fazendo com que o carrinho
balançasse sem parar. Meu corpo estava totalmente arqueado e a
fricção do meu clitóris arrastando no seu pau enquanto ele entrava e
saía de mim era enlouquecedora. Minhas unhas arranhavam as
suas costas e ele estava certo, eu precisava gritar e estava
desesperada por isso.
— Puta merda, você tá me fodendo rebolando desse jeito —
ele confessou, observando enquanto meu corpo ondulava.
Era maravilhoso saber que ele estava fora de si, mas desejava
mais. Queria desnorteá-lo da mesma forma que fazia comigo.
Queria monopolizar seus suspiros e quebrá-lo por completo.
Usei minhas mãos para segurar nas barras laterais que
sustentavam o teto do carrinho e comecei a usá-las para me
impulsionar e cavalgar com mais rapidez, rezando para aquilo não
virar. Pedro engasgou alguns palavrões, agarrando minha bunda e
voltando a golpeá-la em um ritmo constante. E eu continuei, amando
a expressão de fascínio que crescia no seu rosto enquanto ele
repetia sem parar o quanto eu era gostosa.
Minha respiração falhou quando ele gemeu perto do meu
ouvido. Puta merda, o som daquele homem gemendo com aquela
voz grave me assombraria para o resto da vida.
— Odeiovocê — ele murmurou rápido demais.
— O que foi que disse? — indaguei em um tom desafiador,
segurando seu rosto e forçando-o a olhar nos meus olhos.
— Nada.
Dei um tapa no seu rosto de leve e ele fechou os olhos,
respirando fundo, provavelmente tentando conter a vontade de me
estrangular.
— Você disse que eu podia fazer isso quando seu pau
estivesse na minha boceta — murmurei dentro da sua boca. — E eu
descobri que isso realmente me deixa molhada. Agora, o que foi que
você disse?
Pedro umedeceu os lábios e me olhou cheio de ódio. Sentei
com toda força no seu pau e ele passou as duas mãos pelo rosto,
abafando diversos palavrões simultaneamente. Não demorou para
que envolvesse o meu pescoço em uma tentativa de controle, mas
eu não parei o que estava fazendo.
— Eu... Odeio... Você — ele disse pausadamente, uma palavra
sendo proferida a cada sentada.
Não sabia explicar, mas toda aquela tensão entre nós era
devastadora. Eu podia sentir o calor, a irritação, a sedução e todo o
resto irradiando ao nosso redor, enrolando-se pelos meus ossos,
vértebras, inundando meu cérebro e me impedindo de pensar em
qualquer outra coisa.
— Vou gozar se continuar assim, porra — ele resmungou,
tentando segurar meus quadris para que eu fosse um pouco mais
devagar. — E quero você gozando comigo.
— Meu Deus... Eu estou quase lá... — avisei, comprimindo os
lábios para não gemer alto demais.
Ele arrastou minha boceta devagar pelo seu pau e eu tropecei
na minha respiração. Pedro meteu mais algumas vezes, agarrando
meu corpo contra o dele com tanta força que eu nem mesmo
conseguia me mover.
— Porra! — nós dissemos em uníssono.
O orgasmo me arrebentou e eu mordi seu ombro para segurar
o grito que eu queria dar. Eu fui liquefazendo no calor do seu corpo,
os espasmos me fazendo tremer um pouco mais, correntes elétricas
invisíveis que começavam nas pontas dos meus dedos e até o meu
interior.
Meu corpo pesou e ele me beijou preguiçosamente, segurando
o meu rosto com as duas mãos de um jeito carinhoso. E se eu não
conhecesse bem aquele garoto no qual eu estava sentada, acharia
que ele não queria mais me soltar.
Acontece que eu sabia. E mesmo depois de uma foda
espetacular, ele ainda me odiava por quem eu era.
 
Me diga uma coisa, garota
Você está feliz neste mundo moderno?
Ou você precisa de mais?
Existe algo mais que você está procurando?
:: SHALLOW (FEAT. BRADLEY COOPER) - LADY GAGA ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Existia um lugar reservado para mim no inferno.
Eu havia criado um mandamento. UM. Uma porra de um só.
Claro que eu tentava seguir ao máximo os que a minha avó
tinha me ensinado, mas havia quebrado a merda do único que
inventei por escolha própria.
Ou será que não tinha? Uma foda não poderia ser considerado
um envolvimento, certo?
Passei as mãos no rosto, sem acreditar no que tinha acabado
de acontecer. Não tivemos muito tempo de conversar, quando ela
olhou a hora no celular e notou que estávamos ausentes há um bom
tempo, fomos correndo para o bar.
Peguei as duas garrafas de Veuve Clicquot e balancei a
cabeça, refletindo que juntas elas davam quase um terço do meu
salário. Chequei o horário novamente, tentando pensar na desculpa
que daríamos para toda aquela demora.
“Desculpa, senhor Albertelli, demorei para trazer seu
champanhe porque estava comendo sua filha em cima do carrinho
de golf”, não me parecia uma justificativa muito agradável.
Ela havia dito que precisava ir ao banheiro para se limpar e
refletindo sobre a sua fala, eu pisquei, pela primeira vez
raciocinando de verdade sobre o que tínhamos feito.
Caralho, eu trepei com a patricinha sem camisinha. Eu tinha
gozado dentro dela e era por isso que ela precisava se limpar,
porque minha porra provavelmente estava escorrendo para fora.
PUTA. QUE. PARIU.
Puxei o ar, sentindo o desespero começar a engatinhar pelas
minhas beiradas, sufocando-me totalmente. Um bolo se formou na
minha garganta, o medo paralisante se acumulando no meu
estômago.
Não, aquilo não podia ser real. Eu era cuidadoso ao extremo.
Como, como eu tinha sido burro de esquecer de encapar a porra da
minha piroca antes de meter em uma mulher?
Eu não deveria ter ignorado os cinquenta alertas que piscavam
na minha cabeça como um outdoor me mandando ficar longe dela.
Aquela garota me cegava pela raiva e me deixava completamente
louco de desejo. Como eu achei que daria certo?
Larissa Albertelli não era certa para mim. E sabia muito bem
disso, como o resultado de dois mais dois ser quatro. A sua conta
bancária existia para comprovar aquela alegação.
Nós não éramos compatíveis e nem nunca seríamos.
Tentei controlar minha respiração, lembrando que ela
namorava e com certeza trepava com o filho da puta sem camisinha
e como se não fosse o suficiente, o arrombado comia o Rio de
Janeiro inteiro!
Meu Deus, o que eu tinha feito da minha vida?
Se alguma coisa acontecesse seria minha culpa. Mais uma vez
minha responsabilidade por tomar uma decisão impulsiva sem
raciocinar!
— Você pegou tudo o que precisava? — ela perguntou,
arrancando-me dos meus pensamentos.
Apenas assenti, entrando no carrinho e começando a dirigir de
volta para o campo. Minha cabeça parecia um furacão, atingindo-me
com todos os cenários absurdos que minha mente louca criava.
— Pedro... Está tudo bem?
— Sim, tudo bem.
Eu precisava fazer um exame. Urgente.
— Eu... Ahn... Não usei camisinha — falei, como se não
conseguisse mais segurar.
Ela riu e franziu o cenho, encarando-me como se eu fosse um
completo idiota. Porque é claro que ela sabia. Como ela não
saberia? Sua boceta estava cheia da minha porra!
— Na hora eu também não pensei nisso — confessou. — Mas
tudo bem, eu tomo pílula.
Pisquei, parando para pensar que existia um outro cenário
merda. Em momento nenhum tinha passado pela minha cabeça dar
um herdeiro bastardo para os Albertelli.
Porra, se ela tomava pílula, provavelmente transava com o
merda sem proteção. Meu estômago retorceu um pouco mais, meu
coração disparou desenfreadamente e quase me esqueci de que
estava no controle do carrinho.
— Eu só transo de camisinha — foi só o que consegui dizer,
tentando prestar atenção no gramado à minha frente, mas sentindo-
me enjoado.
Eu queria vomitar. Parei o veículo e tentei puxar o ar. A
respiração paralisada fechando minha garganta, congelando minhas
veias e descamando toda a culpa e trazendo-a para a superfície.
Não sei o que ela disse, sua voz parecia longe demais.
Lutei para engolir a saliva, tentando eliminar a angústia e todo
o pavor que tentavam se apoderar de mim.
— Pedro! — ela me chamou, segurando meu rosto, trazendo
toda a minha atenção para o castanho dos seus olhos.
Eles normalmente refletiam raiva, mas agora só havia
preocupação. Eu estava ofegante, buscando focar no caminho que
o oxigênio precisava fazer para chegar aos meus pulmões.
— Está tudo bem — afirmou e mesmo que eu quisesse
acreditar, algo dentro de mim me impedia.
Eu era fodido demais, ela não fazia ideia.
— Você está tendo uma crise de ansiedade — explicou com
calma, fazendo movimentos circulares nas minhas costas. —
Respira fundo.
O calor do seu corpo em contato com o meu era reconfortante.
Fechei os olhos, voltando a me concentrar em reestabelecer o
controle até que ele voltasse para o primeiro plano.
— Estou bem. Fiquei preocupado porque você namora e...
— Eu conheço meu namorado — respondeu com tom amargo.
— Uso camisinha também.
— Olha, isso que aconteceu hoje... — Olhei para ela e
comecei a dizer, mas me interrompi quando ela suspirou, dando
uma risada.
— Não pode acontecer novamente? — indagou, achando
graça. — Fica tranquilo, não vai. Acho que era só algo que eu
precisava tirar do meu sistema.
Foi impossível não me sentir um pouco ofendido, mas dois
segundos depois cheguei à conclusão de que ela estava certa. Nós
trepamos como dois animais no cio em um espaço público porque
toda a tensão entre nós era esmagadora demais.
Não havia mais nada agora.
— Você está bem mesmo? — tornou a questionar, a
preocupação voltando a se fazer presente na voz.
— Sim. Está tudo bem.
Nós voltamos até o local em que eles estavam e rapidamente
ela começou a explicar o motivo pelo qual tínhamos atrasado.
Precisei conter uma risada com o teatro porque a cara de pau
estava parecendo indignada falando sobre o carrinho ter dado
problema no meio do caminho. Inventou que precisou me ajudar a
empurrar o veículo e eu quase gargalhei imaginando a cena.
— É sério isso, rapaz? — o pai dela perguntou, completamente
descrente, dando uma risada. — Não imagino minha princesinha
fazendo isso.
— Eu disse que não precisava de ajuda, mas...
— É sério, eu vou fazer uma reclamação com a coordenação
do clube — resmungou, como a patricinha perfeita que todos
imaginavam que ela era. — Minha unha quebrou, estou suada,
cansada... Até minhas costas estão doendo! Tudo o que aconteceu
foi traumático demais.
E nesse momento, ela me olhou em cumplicidade, com um
sorrisinho traiçoeiro no rosto, cheio de insinuação e eu virei de
costas, balançando a cabeça em uma negativa.
 

 
Estava sentado no telhado quando notei uma sombra se
movimentar atrás de mim, ocultando parte da iluminação que vinha
de dentro da casa. Na mesma hora, virei o rosto para vê-la subindo
a janela e andando com cuidado na minha direção.
— Boa noite — cumprimentou, sentando-se ao meu lado.
— Boa noite. Sem cigarro dessa vez?
— Eu disse que não sou viciada.
Dei uma risada e ela esticou o braço, entregando um envelope
nas minhas mãos. Pisquei, um pouco confuso, porque não fazia
ideia do que era aquilo.
— São meus testes.
Abri e fechei a boca, sem acreditar. Eu realmente não
esperava que ela fosse se dar ao trabalho, afinal, já tinha me dito
que usava preservativo nas suas relações com o filho da puta.
— Não precisava...
— Você parecia desesperado mais cedo e fiquei pensando que
isso talvez fosse uma questão pra você — explicou, com um sorriso
simpático, abaixando toda e qualquer uma das minhas defesas.
— Eu não tenho um pra você aqui — comecei a dizer. — Mas
eu faço a cada dois meses, tenho o último na minha casa e…
Seus olhos se arregalaram um pouco.
— Você transa tanto assim? Ahn... Com pessoas aleatórias?
Achei engraçadinha a expressão que surgiu no seu rosto. A
ingenuidade e a surpresa se misturando no rubor das suas
bochechas.
— Respondendo suas perguntas: Sim, eu transo bastante,
mas não com pessoas aleatórias. E como eu te disse antes, eu
sempre uso camisinha. O que aconteceu hoje foi um deslize meu.
— Você é hipocondríaco ou algo do tipo? Pra quê faz tantos
exames? — foi uma pergunta genuína, mas eu franzi o cenho, me
perguntando de onde ela tirava aqueles questionamentos.
— Não, 190, eu sou doador de sangue.
— Ah... — Ela riu e o vermelho no seu rosto aumentou. —
Posso te fazer uma pergunta?
— Não acha que já fez o suficiente? — Ela negou com a
cabeça e eu suspirei, cansado.
— Aquele dia você falou sobre o oncologista da sua avó… —
comentou, pensativa. — É pra ela que você doa sangue?
— Ela teve leucemia e está em remissão, não está precisando
de sangue no momento, mas no INCA[55] e no Hemorio[56] sempre
tem gente precisando.
— Graças a Deus que ela está em remissão, fico feliz.
— Nada é certo, não é? — respondi, deixando a típica raiva
começar a dar as caras sempre que esse assunto entrava em pauta.
— Essa merda de doença pode voltar a qualquer instante.
— Não pensa assim, as chances são muito pequenas.
— Você não entende… Foi muito agressivo, ela precisou de
transfusão e a chance de voltar é, sim, relevante.
— É por isso que ficou tão preocupado? — Ela fez uma
expressão como se tivesse desvendado um mistério, o tom de voz
caindo um pouco, quase como para si mesma. — É por isso que
quase não tem tatuagens… Ahn… Você parou de fazer por causa
dela?
Afirmei, sentindo meus olhos arderem ao lembrar daquela
época. Não sabia o motivo de estar ali me “abrindo” com a pessoa
que eu menos suportava, mas falar sobre a doença da Vó Dea
sempre me deixava vulnerável. E nós sempre fazemos coisas
estúpidas quando estamos expostos.
— Nós ficamos sabendo que havia algo de errado quando eu
tinha 18 anos, mas eu era um idiota inconsequente e estava
empolgado pra fazer minhas tatuagens com um cara que curtia
muito. Juntei meses de dinheiro pra isso. — Dei uma risada sem
vontade, balançando a cabeça, irritado comigo mesmo. — Tão
estúpido.
Ela me encarou, prestando atenção.
— O médico chegou a comentar sobre os riscos, mas nós
achamos que tudo ficaria bem porque a Dona Dea era braba... —
Ela sorriu e eu fiz o mesmo, tentando esconder toda a dor que
rastejava pelo meu peito. — Os meses se seguiram, os resultados
começaram a piorar e foi muito difícil. Em algum momento, ela
precisou de transfusão e nós nem chegamos a cogitar que isso
pudesse de fato acontecer. Quando a merda apertou, descobrimos
que o Pipo não podia doar por conta do hipertireoidismo e eu porque
tinha feito as tatuagens… Naquela época, o prazo era de 12 meses
e ainda faltavam três para o prazo acabar.
Respirei fundo e fiquei em silêncio por alguns segundos,
olhando o horizonte à minha frente. Esfreguei o rosto rapidamente e
me forcei a manter as lágrimas no lugar.
— Ela e Pipo são A- e não podem receber de qualquer pessoa.
— E você é O-, doador universal — ela concluiu e eu apenas
afirmei com um meneio.
— A ironia é que meu sangue era exatamente o que ela
precisava e nós nem compartilhamos o mesmo material genético. —
Ela abriu a boca, mas eu me adiantei. — Ela praticamente me criou,
mas eu e Felipe não somos irmãos de sangue. E eu não pude
ajudar a única mulher que foi minha família porque fui um
inconsequente de merda.
O meu peito se apertou com as lembranças, as cenas sendo
repassadas na minha cabeça, desmoronando uma a uma e levando-
me para aquele buraco que eu sempre demorava a sair. Sentia os
músculos da minha mandíbula doerem pela força que eu fazia
apertando meus dentes para tentar não desabar. E eu era um idiota,
deveria ter bloqueado aquele assunto assim que ela mencionou a
primeira vez.
— Você não tinha como saber que isso ia acontecer.
Dei outra risada sem humor. Virei meu rosto para encará-la, o
olhar brilhando e cheio de compaixão. Era como se ela de fato
acreditasse naquilo, como se estivesse me dando um voto de
confiança que eu nem mesmo merecia.
A sensação de conforto voltou a me preencher e eu nem
entendia o que causava aquilo, mas naquele momento, ela parecia
realmente estar preocupada com o meu bem-estar.
— Sim, eu tinha. E ela quase morreu por isso. Os estoques
estavam baixos, principalmente do sangue dela. Nós literalmente
batemos de porta em porta dos nossos vizinhos implorando para
que alguém fosse doar. Nem mesmo conseguia olhar na cara do
meu irmão direito — confessei. — Ele ficou transtornado, quase
quebrou uma cadeira do INCA em uma das vezes que estivemos lá.
Foram três meses de desespero, sem a gente saber se ela ficaria
viva. Até que o prazo expirou e eu consegui ser doador dela.
— Você se culpa e tem medo de isso acontecer de novo,
certo?
Assenti, sem dar mais uma única palavra. Já estava
arrependido demais de ter contado toda a história para ela.
— É por isso que não bebe também? — indagou, como se
estivesse me decifrando por inteiro.
— Ela pode precisar de mim — foi só o que eu disse.
Eu tinha prometido para mim mesmo que sempre estaria a
postos, que nunca mais seria pego de surpresa caso minha avó
tivesse algum problema. Ela e Pipo sempre repetiam que eu não
deveria ser tão desesperado, mas eles não entendiam. Nunca tive
alguém de verdade na minha vida. Antes deles, ninguém nunca se
importou comigo. O que eu fazia não era nada diante do fato de que
aqueles dois tinham me dado uma família. Como eu não seria
grato? Como eu não abdicaria do mínimo por eles?
— Você não deveria colocar toda essa responsabilidade em si
mesmo. E também não precisa abrir mão de absolutamente tudo,
existem opções e…
Ela nunca entenderia sobre sacrifícios.
— Sei o que estou fazendo — eu a cortei. — Podemos não
falar mais disso?
Eu nem entendia o motivo de ter dito tudo aquilo para ela, me
abrindo daquele jeito com uma pessoa que eu nem gostava para
início de conversa. Ela não sabia como era minha vida, minhas
dificuldades. Não sabia o que era enfrentar uma fila do SUS, correr
atrás de remédios. Aquela garota tinha a porra de um hospital, um
cartão de crédito ilimitado, roupas que valiam mais do que o meu
salário de um ano inteiro, o que ela saberia sobre as minhas dores?
— Tudo bem — respondeu baixinho.
— Já que hoje estamos compartilhando bem mais do que
nossos fluidos... — comecei a dizer, dando uma risada e ela fez o
mesmo. — Por qual motivo você vai ao psiquiatra?
A patricinha estreitou os olhos.
—  Você me fez uma pergunta muito invasiva — me justifiquei.
— Justo... — Deu de ombros e exalou o ar, parecendo
exausta. — Por conta da ansiedade...
Ela fez uma pausa e eu aguardei, sem quebrar o contato
visual.
— Eu espero que eventualmente os remédios me consertem
— saiu como um desabafo.
Ainda estava tendo um pouco de dificuldade de entender o que
estava acontecendo em cima daquele telhado, mas tendo em vista
que o dia todo havia sido tão atípico, aquele comentário parecia ser
a menor das coisas.
— Você não precisa ser consertada, 190... E um remédio não
vai fazer isso.
— Não? — Ela riu, arqueando uma das sobrancelhas. Era
quase como se me chamasse de idiota. — E o que vai?
— Se livrar das relações que não te fazem bem pode ser um
começo — respondi, sendo o mais direto possível.
Dessa vez, foi ela quem deu uma risada sem vontade alguma.
— Isso não vai acontecer.
A frase veio como se colocasse um ponto final e eu conhecia
bem aquele tom. Ainda assim, aquela resposta não me agradou.
Trouxe consigo todo aquele furacão da manhã e o incômodo por ela
ainda estar junto daquele agressor de merda.
Precisava ficar na minha, controlar minhas emoções, porque
nós não tínhamos relação alguma e se ela queria foder a própria
vida, eu não tinha nada a ver com isso.
Larissa Albertelli não era certa para mim.
 
Você é uma arma carregada
Não há para onde correr
Ninguém pode me salvar
O estrago está feito
:: YOU GIVE LOVE A BAD NAME  - BON JOVI ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Ana era foda. Sempre que pegava minhas roupas, não
devolvia e agora eu tinha que andar até a casa dela para buscar
porque a bonita estava na praia com a Lavínia. Eu passei o convite
de acompanhá-las porque Gregório resolveu marcar um café da
manhã com os pais dele.
Quando cheguei na residência da minha amiga, a moça que
trabalhava lá já sabia que aquilo era constante e me deixou entrar,
toda simpática, explicando que precisava voltar para a cozinha.
Estava passando pela sala quando vi o Felipe na área externa
da piscina com o celular apontado para o rosto, tirando várias fotos,
dando linguinha entre outras coisas.
Dei uma risada e ele tomou um susto, deixando o aparelho cair
no chão, todo atrapalhado.
— E aí, Larissa! Tudo bom? — Ele coçou a cabeça, olhando
para baixo, um pouco tímido por ter sido “pego no flagra”.
— Oi! Tudo bem e você? — perguntei, me aproximando um
pouco mais para prestar atenção nos desenhos que o Pedro tinha
feito. — Não sabia que você costumava trabalhar por aqui.
— Ah, eventualmente o Pepeu me passa alguns bicos,
normalmente venho limpar as piscinas quando não tem ninguém em
casa.
— Você já limpou a nossa?
— A sua nunca... — Ele deu uma risada sem graça. — Meu
irmão não é seu maior fã.
—  Eu também não sou fã dele.
— Justo.
— Você pode limpar a nossa quando terminar aqui... — sugeri.
— Isso se quiser... Se não tiver algum compromisso. O menino que
costuma ir, faltou essa semana e tem uma porrada de folhas
espalhadas por lá.
— Mesmo? — Ele pareceu animado. — Estou quase
acabando aqui. Tem certeza?
— Claro, eu vou pegar algo no quarto da Ana e espero você.
— Poxa, supertopo! Brigadão.
Subi as escadas e notei que o quarto da minha melhor amiga
estava uma zona, mas não demorou até que eu achasse o vestido
que queria usar. Tinha sido um presente da mãe do Gregório e
mesmo que eu odiasse a peça, ela sempre mencionava que nunca
me via com ela.
Assim que voltei para a sala, percebi que ele estava me
esperando, digitando freneticamente no celular, dando algumas
risadinhas. Certeza que estava falando com algum contatinho.
Nós saímos da casa e ele pegou o skate que estava encostado
perto da entrada e colocou embaixo do braço. Tentei puxar assunto
sobre o dia que tínhamos nos encontrado no evento e ele começou
a se empolgar falando sobre manobras entre outras coisas. Era
legal ver uma pessoa falando sobre algo que amava fazer com tanta
paixão, mas em algum momento, o Felipe pareceu frustrado,
dizendo o quanto o esporte era desvalorizado no país e
mencionando que teve algumas dificuldades no passado, então se
sentia atrasado em relação aos outros skatistas.
— Hoje em dia, se um vídeo viralizar pode mudar muita coisa
pra gente, principalmente em relação a patrocinadores. É importante
ser notado, estar na mira dos caras, sabe?
— Com certeza, a internet ajuda muito nisso.
— Sim! — Ele levantou os braços, concordando comigo. — Eu
vivo falando isso pro Pepeu. Vejo uns tatuadores aí que ficaram com
as agendas lotadas depois que alguns vídeos bombaram no TikTok.
— Mesmo?
— Aham e fico tentando criar novas coisas pra ver se a gente
consegue estourar.
— Que tipo de coisas?
— O novo cabelo dele é uma delas — contou, dando uma
risada. — Gato daquele jeito, platinado... Eu gravei um vídeo foda
dele ontem tatuando uma gata maravilhosa!
Um incômodo pareceu pinicar a superfície da minha pele.
— Hm... Legal.
— Legal? — Sua voz saiu meio estridente. — Maneiro pra
caralho, isso sim! Vou postar em breve. Preciso gravar uns vídeos
meus antes para editar tudo de uma vez... Essa semana eu inventei
de colar um tripé no skate, mas na primeira manobra quebrou.
— Colar no skate?
— Fiz uma gambiarra[57], usei um Durepoxi[58] pra tentar pegar
uns ângulos maneiros.
Que porra era Durepoxi?
— Você não tem uma GoPro[59]?
Ele gargalhou.
— Tá zoando, né? O máximo que eu tenho é um suporte de
cano de pvc com encaixe pro celular que eu fiz pro Pepeu me filmar.
— Eu tenho uma sobrando em casa. Comprei uma nova na
minha última viagem pra Disney e essa ficou esquecida no fundo do
armário... É sua, se quiser.
Sua boca se entreabriu e ele piscou três vezes, sem acreditar.
— Não, eu não poderia aceitar — respondeu, balançando a
cabeça negativamente, como se estivesse tentando convencer a si
mesmo de que não podia fazer aquilo.
— É sério, é um modelo antigo, mas acho que vai servir pra
você.
— Não poderia...
As palavras diziam uma coisa, mas suas expressões
exaltavam o quanto ele queria aquela câmera. Era engraçado
porque ele não conseguia esconder, mesmo que estivesse tentando
muito.
— Não — disse categoricamente, fazendo um movimento
cortando o ar. — Realmente não tem necessidade.
— Bem, você apenas vai estar sendo burro se não aceitar.
Dei de ombros e ele deu uma risada.
— Acho que vai ser legal para os dois, dá pra fazer vídeos
muito bons com ela, pegar uns ângulos diferentes... Eu juro pra
você, vou ficar mais feliz de saber que tem alguém usando a câmera
do que ela ficando no fundo meu armário.
— Tô sem palavras, cara. Como meu irmão não gosta de
você?
— Não é?
— Obrigado de verdade, a limpeza da piscina é por minha
conta. Na real, até o dia do meu último suspiro de vida, sua piscina
estará limpa — afirmou de um jeito dramático e eu gargalhei.
— Não, não precisa e eu vou pagar.
— Então não temos negócio. — Ele deu de ombros e eu revirei
os olhos.
— Certo, eu preciso me arrumar e trago a câmera daqui a
pouco, tudo bem?
O Felipe assentiu, mostrei para ele o local em que ficava a
piscina e subi para o meu quarto. A minha manhã seria longa e
cansativa e eu precisava de um bom banho quente para poder
desempenhar uma boa atuação, repleta dos meus sorrisos falsos e
comentários tediosos.
 

 
Logo depois do café da manhã, Gregório disse que todos
estavam na piscina e perguntou se podíamos passar lá. E eu afirmei
que sim, mesmo sem vontade alguma, porque eu sempre o
acompanhava.
Por mais que estivéssemos mentindo e nos dias atuais nojo
fosse o maior sentimento que eu nutria pelo meu ex-namorado, os
toques não eram bem um problema. Entre nós dois, eles eram
normais e automáticos. Eu havia anestesiado tantas coisas no
decorrer do tempo em que ficamos juntos que nada daquilo era uma
questão para mim.
Percebi que ele estava mais receoso ao encostar em mim, no
entanto. Normalmente se limitava a segurar minha mão, fazer algum
carinho no meu braço, no meu joelho ou apenas me dar um beijo
bem rápido nos lábios.
Nós estávamos sentados nas cadeiras da piscina e o Cadu
estava contando sobre a noite anterior. Pelo visto, eles tinham ido
em um clube de lutas clandestinas e ele “acabou” com o cara que o
desafiou.
Isso era um dos programas que eles gostavam de fazer, em
especial o Cadu. Quando descobri que esses locais existiam, fiquei
chocada, era um submundo muito bizarro.
Gregório já tinha lutado algumas vezes, mas eu odiava aquela
merda e nunca tinha comparecido. Normalmente, eles pagavam
uma grana alta para meter a porrada em homens que eram mais
fracos que eles e eu não compactuava com nada daquilo.
Então eu estava viajando e pensando em milhares de outras
coisas enquanto o idiota do Cadu contava vantagem sobre ser um
covarde do caralho. Duvido que se metesse com um dos caras das
“casas” do clube, que levavam as competições bem mais a sério e
tinham rixas pesadas entre eles, pelo que o Gregório tinha contado
uma vez.
— A princesinha do Quimeras Flamejantes estava lá... Se ela
não fosse filha daquele psicopata, eu já teria enterrado meu pau
nela.
Sério, eu às vezes me perguntava se eles podiam me ver ali,
porque era como se eu fosse totalmente invisível.
— Não mete essa, Cadu, aquela deusa nunca te daria moral
— um dos meninos falou.
— Era capaz da lunática cortar teu pau fora — Gregório
comentou, dando uma risada.
— Greg, eu aposto que ela faria o que aquela... — Cadu
começou a dizer com um tom malicioso, mas logo depois olhou para
mim e limpou a garganta para engolir um comentário.
Eventualmente, os meninos soltavam algumas coisas nas
entrelinhas sobre alguma mulher com quem o Gregório tinha
trepado, mas sempre paravam a frase no meio e eu fazia cara de
paisagem, fingindo que nem tinha ouvido nada.
Eu percebi a inquietação, agora muito maior do que o usual.
Ele se mexeu desconfortável na cadeira, apertou a mão que
descansava no meu joelho e deu uma risadinha sem graça.
— Ahn... Faria o que aquela moça disse, lembra? Da última
vez que fomos lá e ela comentou sobre a princesa do Quimeras
Flamejante ter feito um voto de castidade.
Aquela frase nem mesmo fazia sentido. Cadu era muito burro.
— Sei lá, Cadu. Não presto atenção em outras mulheres, eu
namoro.
Como era um falso mentiroso.
— Ahn, eu vou ao banheiro — avisei, ignorando toda aquela
baboseira.
Enquanto me afastava, eu ouvi um tapa estalado na cabeça de
alguém que tive certeza ser o Cadu e Gregório resmungou alguma
coisa que não fui capaz de ouvir, mas não tinha dúvidas de que era
um esporro por ele não saber segurar sua língua.
Passei pelo bar e o meu olhar encontrou com o do Pedro, mas
reparei que ele estava de cara fechada e a típica raiva refletida nas
suas pupilas. Por mais bizarro que fosse, sabia bem qual era seu
status normal de ódio e quando ele se elevava um pouco mais, era
por algum motivo específico.
E baseado na nossa última interação, tinha certeza que estava
furioso por eu estar com Gregório. Era ridículo que ele me julgasse
daquele jeito pelas minhas escolhas, sendo que eu não tinha pedido
nenhum tipo de ajuda ou algo parecido.
Apoiei minhas mãos na pia depois de lavá-las e fiquei
encarando meu reflexo no espelho, ouvindo a minha parte interna
que eu mantinha enclausurada dando uma risada debochada. Ela
me julgava tanto quanto ele e eu tinha certeza de que era por causa
dessa minha versão maldita que eu tinha me rendido tão fácil para o
idiota arrogante.
— E é sério que acha normal continuar com esse cara depois
do que aconteceu? É revoltante ver ele passando a mão em você
sabendo que seu braço continua roxo por trás dessa maquiagem. —
Sua voz ecoou dentro do banheiro, fazendo com que eu me
sobressaltasse.
Virei o rosto para vê-lo trancando a porta atrás de si. Ele
cruzou os braços e me olhou com raiva. Óbvio, era óbvio que ele
estava puto por conta de uma bobeira. Revirei os olhos, caminhando
até onde ele estava, decidida a ir embora, fugindo de uma
discussão.
— Ele é meu namorado e já te disse que você não tem que se
meter nas minhas decisões.
— Por que deu uma câmera pro meu irmão?
— Porque eu não estava usando e imaginei que pudessem
aproveitar para fazer vídeos — expliquei e apoiei minha mão na
maçaneta, apontando com os olhos para que saísse do caminho.
— Você não cansa? — Ele mexeu os braços, demonstrando
toda sua impaciência.
— Oi?
— Meu Deus! É ridículo o quanto tenta desesperadamente se
mostrar uma boa pessoa, querendo o tempo todo provar que é algo
diferente do que eu imagino.
— Você está sendo um babaca de graça.
— Não, eu não estou! O problema é você achar que pode
chegar balançando essa sua carteira cara como se fosse a merda
do Silvio Santos tacando aviãozinho pros pobres. Entende de uma
vez por todas, eu não quero o seu dinheiro, não preciso dele e você
não tem que se meter na minha vida!
Ele estava furioso, o olhar fixo no meu, queimando de ódio
como costumava ser. Aquela era a nossa dinâmica, sempre fora.
Acontece que agora era muito mais difícil ignorar toda a atmosfera
que vinha acompanhada da raiva, ecoando entre os nossos corpos.
— Para de supor que eu preciso de ajuda, porra! — ele
praticamente rosnou, com o nariz quase colado no meu. — Nós não
somos amigos, nós trepamos e foi isso. Não temos relação alguma.
Você não precisa ser uma maldita ONG.
Sentia cada partícula vibrar de uma forma que somente ele era
capaz de fazer, uma resposta automática do meu corpo sempre que
estávamos em uma discussão. Era difícil distinguir o que eu queria
fazer mais: agredi-lo ou beijar aquela boca estúpida.
Umedeci os lábios e os contrai, percebendo que aquela ação
capturou sua atenção por dois segundos.
— Não sei por qual motivo ainda perco o meu tempo. — Dei
uma risada sem humor. — Não estou aqui pra ser sua ONG, não
quero provar merda nenhuma pra você. Por que eu iria querer?
Você é desagradável e arrogante. Acha mesmo que estou
preocupada com a imagem que tem de mim, Pedro? Eu sei que ela
é a pior de todas, mas estamos empatados, porque eu te vejo da
mesma forma. E eu não fiz por você, fiz pelo seu irmão.
Aquela frase pareceu deixá-lo ainda mais aborrecido e ele
explodiu:
— Que caralhos você quer com o Felipe? Por que está tão
obcecada por ele? Puta que pariu, você me tira tanto do sério...
Ele segurou meu pescoço, fazendo com que minhas costas
batessem de leve na parede. Encostou a testa na minha e respirou
fundo, como se estivesse buscando algum tipo de autocontrole. Eu
repeti o seu movimento com a mesma intenção.
— Que inferno, eu quero te beijar — confessou baixinho.
— Mas você não vai — afirmei, tirando a coragem do cu.
— Porque você não quer? — a pergunta retórica foi
sussurrada contra os meus lábios e ele olhou para o meu rosto
devagar para prestar atenção nos detalhes.
— Não quero — menti.
— Mesmo?
Não respondi e ele abriu um sorrisinho prepotente.
— Vamos ver o quanto você consegue.
— O-o que?
Eu era uma idiota.
— Aguentar... — Ele quase roçou os lábios nos meus, o aperto
na minha garganta aumentando um pouco mais. — Eu vou te fazer
admitir que você quer.
— Eu... Eu... — Limpei a garganta, tentando buscar algum tipo
de dignidade no fundo do meu âmago. — Não vou querer.
— Não? — O polegar em cima dos meus lábios me desmontou
e eu engoli uma respiração, desesperada para ceder.
— Kinha? — A voz do Gregório ecoou distante.
— Filho da puta! — ele xingou, afastando o rosto do meu,
fechando as expressões. — Odeio que ele te chame assim.
Franzi o cenho e aproveitei a deixa para me desvencilhar dele
e de toda a tentação. Porque, foda-se, eu queria de novo e chegava
a ser vergonhoso o fato de que tudo o que eu conseguia pensar era
nele metendo em mim em todas as posições possíveis.
Eu havia feito isso a manhã inteira, até mesmo durante o café
da manhã com os pais do Gregório. No restaurante havia um
balanço, eu imaginei ele me comendo ali. Olhei para o lado e avistei
uma réplica de uma cabine de Londres e imaginei ele me fodendo
contra os vidros.
Meu Deus, eu estava completamente louca.
E presa naquele inferno pessoal.
 
Mas se eu tiver que pecar, peco até no fim

Vou te provar que é melhor assim


:: PECADO PREDILETO - STRIKE ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Eu estava deitada na minha cama quando meu celular vibrou
ao meu lado.
Arrogante
Estúpido: Para título de
informação: estou
saindo do banho.
 
Engasguei com a minha própria saliva quando a ansiedade
começou a tomar conta do meu corpo. Meu coração disparou
apenas pela antecipação de vê-lo de toalha e eu puxei o ar,
tentando me controlar.
Não, eu não iria até a janela.
Nem fodendo.
 
Lari: E o que eu
tenho a ver com isso?

 
Ele não me respondeu, o que fez com que eu ficasse ainda
mais agoniada. Olhei para o horário, pensando que eu tinha apenas
alguns segundos para decidir.
Não, eu não iria até a janela.
Nem fodendo.
Aquilo era ridículo. Como ele tinha a audácia de me mandar
uma mensagem daquelas? Agindo como se eu fosse uma
desesperada que não consegue se conter.
Nunca que eu iria até aquela janela.
Nem por um caralho.
Deveria ter um motivo para ele mandar aquilo além de me
provocar, não era possível. Se bem que ele era um babaca e
também não gostava de mim, então me torturar parecia um bom
passatempo parando para pensar.
Foda-se, eu ia até a janela.
Peguei meu celular e caminhei até o meio do meu quarto,
ficando de frente para a janela da casa do Heitor. Havia uma
poltrona no meio e eu me perguntei o motivo daquele móvel estar
ali, porque normalmente ele ficava no canto do cômodo.
Ele não estava ali e eu queria dar as costas e voltar para
minha cama. Sentia o meu coração bombardeando meu peito com
força, aquele arrepio gelado escalando pela minha coluna. Era
quase como se eu fosse um animal esperando para ser capturado.
Prendi a respiração quando ele apareceu completamente nu,
com a toalha nos ombros e as mãos segurando cada uma das
pontas.
Puta que pariu.
Ele balançou o cabelo, chacoalhando os fios entre os dedos e
levantou os olhos para encarar os meus, esboçando um sorrisinho
convencido. O babaca sabia que eu estaria ali e eu me odiava por
isso.
Ainda assim, permanecia enraizada no chão, incapaz de fazer
qualquer outra coisa. Tive vontade de chorar quando ele rodeou a
cadeira, ficando de frente para mim.
DE. PAU. DURO.
E que piroca linda do caralho...
O acúmulo de água caía dos cabelos platinados, percorrendo
lentamente o seu peito e descia como se tivesse uma mira: as
entradas.
Deus, aquelas entradas!
O aperto entre as minhas pernas aumentou e eu me segurei
para não cruzá-las involuntariamente. Ele riu, provavelmente da
cara de idiota que eu estava esboçando e digitou alguma coisa no
celular.
Só me dei conta de que ele estava mandando uma mensagem
para mim quando o celular vibrou na minha mão, porque eu
permanecia hipnotizada naquele corpo.
 
Arrogante
Estúpido: Pega uma
cadeira, 190.
 
Levantei os olhos do celular e reparei que ele estava sentado
na poltrona, de pernas abertas e os braços apoiados nos encostos
laterais.
Olhei novamente para a mensagem.
E para ele.
E para a mensagem.
E para o pau dele.
 
Arrogante
Estúpido: Mandei pegar
a porra de uma cadeira.
 
Arrogante
Estúpido: Agora.

 
Pisquei e torci o meu celular nas mãos. E como se eu fosse
uma cadela adestrada, fui até a cadeira que ficava na minha
escrivaninha e arrastei até metade do meu quarto.
Sentei de frente para ele e minha respiração descompassou
ainda mais quando percebi que o insuportável estava sorrindo, com
a língua encostada nos dentes superiores, parecendo satisfeito.
Ele envolveu o pau com uma das mãos sem quebrar o contato
visual comigo, mantendo o celular na outra. Fez um movimento
devagar e eu umedeci os lábios, sentindo-os completamente secos.
Minha respiração tremia e a adrenalina disparava pelas minhas
veias desenfreadamente. Estava muito quente no quarto, como se
um vulcão tivesse entrado em erupção ao meu lado. E a janela
aberta não fazia diferença alguma, mantendo aquela sensação de
ter a minha pele queimando viva.
A forma como ele me olhava de um jeito quase que
predatório...
Eu precisava me controlar. Não podia deixar tão nítido o
quanto aquele imbecil me afetava.
 
Arrogante
Estúpido: Abre as
pernas.

 
Eu me odiei no mesmo segundo pelo movimento
autoconsciente e ele sorriu um pouco mais, trazendo toda aquela
onda que tinha me atingido no dia anterior.
 
Lari: Eu não vou
fazer nada.

 
 
Arrogante
Estúpido: Não mandei
você fazer nada, 190.
Só quero ver quanto
tempo vai aguentar com
essas pernas abertas.

 
Filho da puta.
Ele continuou movimentando a mão, os olhos fixos no meu
corpo, ora focando nas minhas pernas, ora focando no meu rosto. E
eu estava literalmente imóvel na cadeira, sem mexer um músculo,
apenas sentindo minha boceta pulsando mais do que qualquer
coisa.
Não demorou muito para que ficasse ofegante e eu prendi a
respiração novamente quando ele cuspiu um pouco nas mãos e
aumentou o ritmo, deixando com que ela deslizasse com mais
facilidade.
Eu queria chorar de verdade. Nunca tive tanta vontade de me
masturbar em toda a minha vida e ela se intensificou no momento
em que ele mordeu o lábio inferior e jogou a cabeça um pouco para
trás.
 
Arrogante
Estúpido: Puta merda.

 
Arrogante
Estúpido: Você vê como
você me deixa, 190?
 
Lari: Achei que te
deixasse irritada.

 
Arrogante
Estúpido: Esse é
exatamente o problema.
Você me irrita pra
caralho.
 
Lari: Você é um
ignorante e eu odeio
você.
 
Arrogante
Estúpido: É, eu sei.
Foda-se.
 
Arrogante
Estúpido: Agora abre os
botões da blusa.
 
Lari: Pede com
educação, grosso.

 
Ele riu e digitou toda a mensagem, quase gargalhando.
 
Arrogante
Estúpido: Sou mesmo,
sua visão está ótima.
 
Lari: Idiota.

 
Arrogante
Estúpido: Abre os
botões da blusa pra
mim, por favor, linda.
 
Ah, foda-se, eu já tinha perdido toda a minha credibilidade
mesmo.
Usei minha mão livre para tirar os botões das casinhas
lentamente e ele se inclinou um pouco para frente, parecendo
ansioso. Eu estava sem sutiã, porque o tirei no segundo em que
pisei no meu quarto, como sempre fazia.
Abri o suficiente para que ele pudesse ver alguma coisa
porque, assim como ele, eu sabia provocar.
Meu Deus, eu me sentia dentro de uma versão mais
tecnológica e pornográfica do clipe de You Belong With Me, da
Taylor Swift.
 
Arrogante
Estúpido: Você é uma
filha da puta, sabia?
 
 
Lari: Não mais do
que você.

 
Arrogante
Estúpido: Eu nem pude
ver esses seus peitos
perfeitos quando
estávamos trepando.
 
Lari: Sinto muito,
perdeu sua chance.

 
Arrogante
Estúpido: Vamos ver.

Ele era tão sexy e tocando punheta ficava mais ainda. As


expressões de prazer que ele esboçava me deixavam louca,
antecipando o que faria em seguida.
Minha vontade era arrastar minha boceta na cadeira ou em
qualquer outro lugar. Fechei alguns milímetros as pernas e me mexi
agoniada na cadeira quando ele fechou um pouco os olhos. Já
estava alucinada.
 
Arrogante
Estúpido: O que você
acha que eu faria com
você se estivesse aí?
 
 
Lari: Gritaria
comigo.

 
Ele deu uma risada e eu mordi o lábio inferior, sorrindo
também.
 
Arrogante
Estúpido: Certo, além
do óbvio.
 
Arrogante
Estúpido: Não morde a
boca assim.
 
Arrogante
Estúpido: Foda-se,
vamos parar com essa
brincadeira.
 
Arrogante
Estúpido: Vem pra cá.

 
Arrogante
Estúpido: Você tá me
deixando maluco.
 
 
 
Ótimo, eu estava começando a ficar no controle. Isso era bom,
certo? Provocá-lo era melhor do que ser provocada por ele.
Então eu fiz o que nunca achei que faria na vida. Cheguei os
quadris até a beirada da cadeira, abri mais as minhas pernas,
coloquei a calcinha para o lado e respirei aliviada quando meus
dedos se arrastaram pela minha boceta encharcada.
Ele deixou o celular cair em cima do seu pau e xingou um
palavrão, fazendo com que eu comprimisse os lábios. Inicialmente,
ele parou de se tocar, completamente estático, olhando para mim de
um jeito que eu jamais iria esquecer.
Aquele olhar. Aquele olhar era uma perdição. Porque refletia
tanta coisa que eu nem mesmo era capaz de explicar, mas a forma
como ele me desejava era mais nítida do que uma água cristalina.
 
Arrogante
Estúpido: Por favor, vem
pra cá.

 
Eu ignorei a mensagem, arqueei as costas e fiquei mais
exposta. Por alguns segundos, eu me perdi naquela sensação, mas
a vontade de vê-lo era maior, então ajeitei a postura para encontrá-
lo completamente sedento do outro lado da janela.
Nós continuamos nos masturbando, os olhares cravados um
no outro e a impressão que eu tinha era de que nada poderia
quebrar aquela conexão. Os movimentos pareciam no mesmo ritmo
e conforme eu intensificava, ele fazia o mesmo, acompanhando.
Eventualmente jogava a cabeça para trás, xingava algum
palavrão e em um determinado momento, quando eu enfiei meus
dedos na minha boceta e levei até a boca, eu achei que ele iria pular
a janela e vir me comer.
 
Arrogante
Estúpido: Eu odeio
você.
 
Arrogante
Estúpido: Mais do que
qualquer coisa.
 
Lari: É recíproco.

 
Eu estava quase e comecei a esfregar os dedos no meu clitóris
mais rápido. Eles estavam melados e deslizando com uma
facilidade absurda. Percebi que ele acompanhou o ritmo e pela
forma como parecia inquieto, também estava próximo.
Eu gozei com força, arqueando as costas e jogando a cabeça
para trás, mas um barulho familiar fez com que meu coração
disparasse. Abri os olhos para ver o Pato empoleirado na minha
janela e não consegui conter o gritinho, caindo da cadeira pelo
susto.
Um palavrão alto ecoou da casa ao lado e o Pedro parecia
frustrado pra caralho, amarrando a toalha na cintura.
O quente das minhas bochechas nem era uma consequência
do esforço que eu tinha feito e sim por estar completamente
envergonhada, me perguntando se o macaco fofoqueiro tinha me
visto tendo um orgasmo.
Saí da janela e fui para o banheiro com o celular, incapaz de
voltar para o cômodo depois do que tinha acontecido. Era muita
humilhação.
 
Arrogante
Estúpido: Eu odeio o
Pato mais do que eu te
odeio.
 
Foi impossível não dar uma risada.
 
Lari: Meu Deus.

 
Lari: Será que ele
me viu?

 
Arrogante
Estúpido: Não, ele
apareceu depois.
 
Arrogante
Estúpido: E eu estava
quase lá.
 
Arrogante
Estúpido: Macaco filho
da puta.
 
Arrogante Estúpido:

 
 
Lari:
kkkkkkkkkkkkkkkk

 
Arrogante
Estúpido: Você me
deixou na mão e ainda
está rindo?
 
Posicionei meu celular na frente do espelho e abaixei minha
saia, ficando apenas com a calcinha de renda. Mandei uma foto
sugestiva que mostrava parte da minha bunda, barriga e um pouco
de peito.
 
Arrogante
Estúpido: Tá, eu me viro
com isso...
 
Arrogante
Estúpido: Por hora.

 
Dei uma risada, mordi o lábio inferior e fiquei sentada
encarando a tela do celular, deslizando o dedo para ler as
mensagens que tínhamos trocado.
E eu odiei o fato do meu coração estar tão acelerado e não
conseguir tirar um sorriso ridículo do rosto.
 
 
Mente pra mim, foge de mim
A gente jura que não conta
Desse nosso jeito, mas não é porque eu te odeio
Que eu não posso mais beijar tua boca
:: PILANTRA (PART. ANITTA) – JÃO ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Aquela tarde tinha sido uma punheta. Literalmente!
Estava frustrado por ter sido interrompido na hora em que
estava quase gozando, nem mesmo consegui aproveitar a vista à
minha frente porque o enxerido do Pato surgiu das profundezas do
inferno depois de sumir por tanto tempo.
Ele andava meio ausente e fiquei me perguntando se ainda
estava puto com o lance do termômetro ou se tinha arrumado uma
namorada para fazer macaquices.
Heitor tinha me pedido para dar um pulo na Dräieck hoje para
cobrir um dos funcionários que tinha faltado. E tudo estaria ótimo se
eu não estivesse vendo-a junto com o namorado no camarote a
alguns metros de distância.
Não fazia ideia de quando aquilo havia começado a me
incomodar tanto, transformando-se em uma raiva irracional, mas eu
ficava furioso toda vez que via os dois juntos.
Acho que ela não tinha notado a minha presença até o
momento em que foi ao balcão com suas amigas para tomar
algumas doses de tequila.
Ela estava com uma maquiagem mais forte, o preto delineando
os olhos e deixando-a ainda mais sexy com um vestidinho preto e
curto de lantejoulas. Eu senti meu coração disparar conforme vi
aquelas pernas lindas caminhando na minha direção, o olhar
pegando fogo.
Debruçou-se no bar, o decote ficando ainda mais em
evidência, tirando totalmente a minha paz. As lembranças daquela
tarde inundaram minha mente e minha vontade era de puxá-la por
cima do balcão e beijar aquela boca que parecia muito convidativa
pintada com um batom vermelho marcante.
Ali não havia nenhum resquício da patricinha perfeita que eu
conhecia. Ela estava literalmente vestida como a desgraçada que
tirava minha paz.
— Você por aqui, GBR? — ela brincou, quase aos berros,
demonstrando que já estava alegrinha pelo álcool.
Sorri, como se não pudesse me conter. A música estava alta
demais, então era normal que nos inclinássemos um pouco para
conversar com os clientes.
E eu acho que ultrapassei alguns centímetros, quase falando
no seu ouvido.
— O que vai querer, 190? O que eu não te dei essa tarde?
Ela se afastou e puxou os lábios inferiores com os dentes,
soltando-os lentamente, escondendo o sorrisinho safado que queria
dar.
— Não estou tão bêbada assim — respondeu de forma
implicante.
Filha da puta linda do caralho.
Servi as três doses que ela pediu e depois saiu do bar,
direcionando-se para a pista à minha frente e entregando os
copinhos para as amigas.
E então a minha tortura começou e eu percebi que estava
completamente refém daquela mulher. Ela começou a dançar de
forma sensual, descendo e subindo, rebolando sem tirar os olhos de
mim. A boca que cantava as letras da música de vez em quando me
dava um sorriso malicioso, um que estava fodendo com a minha
sanidade mental.
— É a última — ela decretou quando veio novamente até o
balcão e eu ri, descrente. — Depois vou para algo mais leve.
— E aí, gatinha... Qual seu nome? — Um babaca aleatório
apareceu ao lado dela e eu fechei a cara no mesmo instante.
— Ei, ei! — Comecei a levantar a voz para ele quando percebi
que ele veio se esfregando. — Não encosta nela.
Ela me encarou, arqueando uma das sobrancelhas.
— Desculpa, cara, não sabia que ela estava acompanhada. —
Ele levantou os braços em rendição e saiu na mesma hora.
— O que foi isso?
— O cara estava em cima de você.
— E eu já disse que sei me defender, lembra? E quem disse
que eu não queria conversar com ele? — Sua pergunta estava cheia
de insinuações e eu fiquei puto pra caralho.
— Está saindo com outros caras?
— Está com ciúmes? — indagou, divertida.
— Não, mas você tem namorado, caso não se lembre.
— E isso não te impediu de me comer — disse, achando graça
de toda a situação, tirando-me ainda mais do sério.
Eu não tinha resposta para aquele comentário, porque era
verdade.
— Quando vai parar de fazer esses joguinhos comigo?
— Quando vai deixar de ser um grosso e tentar ao menos ser
agradável?
Ela saiu e voltou a dançar com suas amigas e não olhou mais
para mim. Era frustrante pra caralho porque eu não sabia como lidar
com aquela garota. Eu nunca tinha tido problemas antes e
realmente me esforçava quando colocava meus olhos em alguém.
Tá, eu precisava ser mais agradável, mas era foda porque ela
azucrinava o meu juízo e eu não tinha vontade alguma de ser
simpático. Tentei colocar toda raiva que eu sentia por ela de lado,
decidi deixar em segundo plano todas as percepções que eu tinha
sobre o seu jeito de levar a vida.
Sim, eu estava desesperado a esse ponto. Porque tudo o que
eu pensava agora era em beijar aquela boca irritante. Eu podia
ignorar alguns princípios por conta de umas fodas, certo? Não
passaria disso, ela tinha a porra de um namorado.
Reparei que ela tentou vir até o bar, mas uma das suas amigas
a puxou porque alguma música tinha começado e eu dei uma risada
com sua animação. Comecei a preparar a bebida que eu sabia que
ela iria pedir e brinquei com o guardanapo na minha frente, fazendo
uma rosa.
Ok, eu sabia ser agradável. Eu levava chocolates para a minha
garota e já tinha até mesmo dado uma caneca para Luna de
ursinhos porque achei a cara dela. Além disso, tinha sido um ótimo
namorado para minha última ex (mesmo que não fosse recíproco) e
para a vaca escrota que partiu meu coração anos atrás.
Coloquei a flor de papel em cima do seu drink assim que ela
chegou, com um canudinho rosa e ela sorriu, satisfeita.
— Viu? Você consegue não ser um ogro sempre — comentou,
estendendo o cartão de consumação para mim.
— Por minha conta hoje, 190.
— Você realmente não precisa... — começou a dizer, mas eu
fechei a cara e ela se interrompeu. — Certo. Obrigada.
Ela voltou para a pista e quando encontrou as amigas,
começou a pular, erguendo as mãos no ar. Passei um pano no
balcão e atendi mais alguns clientes, forçando-me a não deixar que
minha atenção ficasse focada nela.
Era difícil pra caralho, no entanto.
Percebi que a minha patricinha parou de olhar para o bar,
dançando de costas e eu não sabia se ela estava me provocando,
rebolando a bunda para mim ou se simplesmente tinha decidido
fingir que eu não existia.
As duas opções eram frustrantes.
Lavínia Bittencourt apareceu algum tempo depois, sozinha. Ela
estreitou os olhos e riu quando percebeu que eu estava ali.
— Você está aqui de novo! — concluiu como se fosse uma
grande descoberta, mas relevei porque ela estava meio bêbada.
— Estou. E aí, o que vai querer?
— Um Cosmopolitan, um mojito e uma capividoka de limão. —
Comecei a preparar os drinks e ela suspirou, olhando para os lados
e tamborilando as unhas no balcão. — Sem confusões com idiotas
hoje? O Cadu é um babaca, na verdade, todos eles são.
— Sem confusões por enquanto.
— Achei que ter expulsado eles dois foi pouco.
Abri um sorriso. É, talvez o Heitor não fosse o único rico
sensato dentro daquele condomínio.
— Cuidado, está falando do namorado da sua melhor amiga —
instiguei.
— Gregório é um merda. — Ela deu de ombros, virando-se
para trás para vê-lo no camarote.
Eu gargalhei quando ela enfiou um dos dedos na garganta,
fingindo que estava forçando um vômito.
— Se eu pudesse escolher pela minha amiga, ela estaria
pegando metade dessa festa.
Pronto, agora eu estava puto novamente com o cenário
hipotético que ela tinha desenhado.
— Meu Deus, obrigada, eu esqueci de pedir para coar a caipi
da Lari, ainda bem que você lembrou — ela comentou quando
coloquei um dos drinks na sua frente. E depois fez um biquinho. —
Ei, eu também quero um canudinho rosa.
Sério, duas patricinhas.
Bufei, trocando o canudo e a ruiva bateu palminhas
comemorando e depois tentou equilibrar as três bebidas nas mãos e
voltou para a pista. E mesmo assim, a desgraçada continuou de
costas.
Porra, como ela me irritava!
Logo depois, o babaca que ela chamava de namorado
apareceu com uns dois amigos e começaram a dançar com as
meninas. Eu cheguei à conclusão que odiava vê-la perto dele, tinha
vontade de socá-lo toda vez que encostava na pele dela. Não
conseguia entender de jeito nenhum o motivo de estarem juntos
depois do que tinha acontecido.
Decidi que iria ao banheiro, já estava de saco cheio. Joguei
uma água no rosto e fiquei me encarando no espelho, sentindo-me
um otário. Em que momento tudo tinha desandado, porra?
Assim que saí, percebi que ela estava parada na porta com
uma expressão divertida. Olhei para os lados e percebi que estava
cheio de gente, então eu a puxei para trás de uma pilastra
escondida.
— O que está fazendo, seu louco? — ela perguntou, olhando
ao redor, preocupada em sermos vistos.
Eu apoiei os dois braços na parede, na altura do seu rosto,
para que não fosse possível que ninguém a identificasse.
— Para de fazer joguinhos comigo, Larissa.
— Você nunca me chama de Larissa — constatou, pensativa.
— Você me confunde pra caralho — confessei, deixando a
frustração presente naquela frase.
Seus olhos piscaram devagar, um efeito retardatário do álcool.
Sua boca entreabriu alguns milímetros e todo meu foco se
direcionou para eles como sempre acontecia agora. Meu Deus, ela
era tão linda que me irritava. Passei a ponta do polegar para limpar
um pouco do batom que estava borrado e percebi que ela engoliu
em seco e parou de respirar.
Desviei e deixei a ponta do meu nariz se arrastar no seu
maxilar e respirei devagar perto da sua orelha, esperando pelo
arrepio da sua pele.
— Para de fugir de mim — sussurrei, satisfeito em comprovar
minha teoria, vendo seus pelos se eriçarem na mesma hora.
— Eu... N-não fujo.
— Sim, você foge. E eu tentei ser agradável e você começou a
me ignorar.
— Eu só estava dançando — disse, com toda sua cara de pau.
— Pra mim? — indaguei, voltando a olhá-la nos olhos e
arqueando uma sobrancelha.
Nossas bocas estavam tão próximas, quase se tocando. Era
como se existisse uma espécie de vidro invisível que as separava.
Não queria quebrar a barreira até que a patricinha me dissesse para
fazer aquilo, eu queria vê-la no mesmo desespero que eu me
encontrava, porque já me sentia com o ego ferido o suficiente
depois de ela ter dito que não queria me beijar.
— O mundo não gira em torno do seu pau, GBR.
— Estou pouco me fodendo para o mundo, 190. O mundo
poderia queimar e eu não daria a mínima. No momento, a única
coisa que eu quero é você.
Mais uma respiração interrompida e ela fez menção de
avançar, mas eu me afastei, com um sorrisinho vitorioso no rosto.
Iria ao menos tentar ganhar um pouco de poder de volta.
— Mudou de ideia? — perguntei e ela me olhou com raiva,
fazendo menção de sair.
Eu a prendi contra meu corpo, mantendo-a na mesma posição
e olhei no fundo dos seus olhos. Uma das minhas mãos segurava
parte do seu rosto e pescoço e arrastei o meu polegar pela sua pele,
fazendo com que suas pálpebras se fechassem junto com uma
inspiração profunda.
— Achei que eu era apenas algo que você precisava tirar do
seu sistema.
— Você é — respondeu de forma insolente.
Apesar da irritação persistente que ela me causava, eu estava
gostando de toda aquela dinâmica. Era uma montanha-russa de
frustração, desejo, raiva e diversas outras coisas que somente ela
era capaz de proporcionar. E aquilo era viciante para um caralho.
— Quer me beijar?
Ela não respondeu.
— Eu disse que ia fazer você admitir — sussurrei contra os
seus lábios. — Para de fugir de mim.
— Eu odeio você.
— E isso não foi impedimento algum pro que fizemos até
agora.
Aquela expectativa aumentada pelas respirações instáveis e
os olhos que crepitavam desejo fazia com que o calor corresse de
forma selvagem de cima para baixo, enredando-se nas minhas
vértebras, acumulando-se abaixo da minha cintura.
— Para de fugir de mim. Me diz o que você quer.
— Que inferno, eu quero te beijar — confessou, repetindo a
minha frase, quase que em um sussurro.
Antes que ela conseguisse puxar o ar, grudei meus lábios nos
dela, apertando-a ainda mais contra a parede e percebendo seu
corpo se derreter nos meus braços.
Suas mãos rodearam meu pescoço, brincando com os meus
fios de cabelo e fazendo carinho na minha nuca. Desci os beijos por
sua mandíbula e ela inclinou a cabeça para o lado, dando-me
acesso ao seu pescoço e soltando um gemido que me deixou louco.
Amaldiçoei o universo inteiro quando senti seu celular vibrando
na bolsa. Ela choramingou dentro da minha boca, como se não
quisesse parar, mas aquela merda continuava tocando.
— Não atende — pedi entre os beijos.
— Eu disse que só iria ao banheiro — explicou, interrompendo
o beijo, contrariada e ofegante.
Ela parecia uma bagunça agora, o rosto todo borrado de
batom. Passei o polegar para limpar e ela se manteve inerte,
olhando-me de um jeito sexy e confirmando o quanto eu estava
fodido.
— Preciso ir.
E saiu, deixando-me ali, parado e com uma ereção.
Sério, aquela patricinha iria acabar com minha estabilidade
mental.
 
 
Então eu amo quando você liga de surpresa
Porque eu odeio quando o momento é previsível
Então vou cuidar de você, você, você
Vou cuidar de você, você, você, você, sim
:: EARNED IT - THE WEEKND ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Ficava impressionada em como Muriel tentava sugar o dinheiro
dos meus pais. Ela tinha uma condição de vida muito boa, mas a
fortuna da minha família vinha mesmo do meu lado paterno. O
hospital era do meu avô, que já tinha falecido, e a família da minha
mãe perdeu muito dinheiro no decorrer dos anos.
Então ela ficava em cima deles, como um urubu atrás de
carniça, querendo expandir os seus negócios e tentando
desesperadamente colocar os meus primos para ocupar o espaço
que seria meu no hospital.
Sabia que o meu pai não queria nada disso, ele desejava que
eu assumisse tudo, repetindo diversas vezes que era o seu legado
para mim.
Ela tinha convencido mamãe a dar uma festa para minha prima
no nosso jardim, então ao invés de estar na casa ao lado trepando
com meu vizinho insuportável, eu me mantinha sentada na mesa
com um sorriso falso no rosto, fingindo que estava amando toda
aquela palhaçada.
Já era a terceira vez que a bruxa mencionava o fato da minha
prima Valentina estar se destacando tanto na faculdade. Eu não me
dava muito bem com nenhum dos dois, sabia que ambos me
odiavam assim como sua mãe.
Pensar na noite anterior fazia com que aquele evento fosse um
pouco menos desgastante. Pedro tinha me mandado uma
mensagem no meio da festa, perguntando com quem eu voltaria
para casa e quando eu respondi: “você sabe com quem”, ele ficou
off-line.
Não tinha visto movimentação pela casa durante o dia, então
deduzi que ele estava trabalhando, mas logo me ocupei ajudando
minha mãe com os preparativos da festa.
No final do dia, meus pais receberam uma ligação urgente do
hospital e precisaram sair correndo, deixando-me lá com aquelas
cobras. E eu sabia o que sempre acontecia quando ficava sozinha
na presença de Muriel.
Estava na cozinha roubando alguns docinhos que já tinham
sido recolhidos, tentando pensar em uma desculpa para sair dali.
Ela entrou, carregando aquele olhar de desprezo e se apoiou ao
meu lado na bancada da cozinha.
— Você é mesmo uma ingrata, não é?
— Não sei do que está falando.
— Seu pai estava sugerindo que minha Valentina te
acompanhasse no hospital e você deu um jeito de colocar uma
coisa contra.
— Eu apenas disse que não sabia como seriam as coisas
quando eu voltasse de férias do estágio devido a minha carga
horária.
— Realmente vemos que você não tem nosso sangue,
desprezando a família que te acolheu... — Ela deu uma risada
desagradável.
Meu estômago retorceu, as gotas de suor se acumulando atrás
da minha nuca. Eu me forcei a contar as minhas respirações para
acalmar a onda de raiva que começava a estourar dentro de mim.
Não aguentava mais toda aquela humilhação e a forma como ela
me rebaixava. Sempre me calava, permitindo que Muriel me
tratasse como lixo.
— Você nunca me acolheu, você sempre foi uma vaca...
A frase foi interrompida pelo tapa na cara que eu recebi com
força no rosto. Levei uma das mãos até a bochecha, um pouco
atônita porque já fazia alguns anos que ela não me batia. Ela tremia
de ódio e estava ofegante, olhando-me de cima a baixo, cheia de
asco.
— Tantos filhos legítimos que minha irmã perdeu... — cuspiu
as palavras, como se estivesse enojada. — Mas é claro que a
cadela mal-agradecida tinha que vingar. Por que não faz um favor
para o mundo e ingere uns comprimidos a mais?
Forcei meus olhos para segurar as lágrimas que queriam fugir.
Eu estava prestes a desabar quando ela deixou o cômodo e voltou
para o jardim. E assim que ela saiu, eu caí contra a parede,
deslizando até o chão e afundando meu rosto nas mãos, tentando
conter o choro.
Fiquei alguns minutos ali, soluçando baixinho e me
perguntando como alguém poderia ser tão ruim. E eu nunca fiz nada
para que ela me odiasse tanto, eu até mesmo me anulava para ser
a filha perfeita para os meus pais. E era tão exaustivo ter que
parecer perfeita o tempo todo.
Limpei as lágrimas e me levantei, vestindo minha armadura e
deixando a parte que estava morta dentro de mim para que ninguém
pudesse ver. Precisava sair dali antes que eu desabasse por
completo.
 
Lari: O que está
fazendo?

 
Estúpido
Arrogante: Voltando
para o condomínio.
 
 
Lari: Posso usar o
seu telhado hoje?

 
 
Estúpido
Arrogante: O seu me
parecia intacto mais
cedo.
 
Lari: Um dos meus
primos vai dormir no
sótão hoje, minha casa
está cheia e eu
simplesmente quero sair
daqui.
 
Estúpido
Arrogante: Você precisa
de alguma coisa?
 
 
Lari: Do seu
telhado.

 
Lari: E talvez de
uma garrafa de uísque
do Heitor.
 
 
Estúpido
Arrogante: Bem, você
sabe o caminho.

 
Voltei para o jardim e quando percebi que ninguém estava
prestando atenção, me esgueirei pela cerca viva que dividia as
casas e fui para a residência dos Franco.
Peguei uma garrafa de Jack Daniel’s do bar do Heitor e subi
para o telhado, irritada comigo mesma por não ter pegado o meu
cigarro. Merda, eu realmente precisava de um agora.
Respirei aliviada quando passei pela janela e caminhei
devagar para o lado oposto da minha casa. Não queria correr o risco
de alguém me ver do sótão ou do jardim. Abri a garrafa, dei um
grande gole e fiquei ali, observando o crepúsculo pintar o céu de
preto, dando lugar às estrelas que costumavam ser minha
companhia.
Não sei dizer quanto tempo fiquei ali, porque tinha deixado o
meu celular em cima da cama, mas um terço da garrafa havia ido
embora no momento em que ele chegou.
Virei a cabeça para vê-lo andando com cuidado até chegar
perto do local em que eu estava. Não me importei de provavelmente
estar com os olhos vermelhos por ter chorado e nem com a imagem
que eu passaria. Eu não precisava de máscaras perto dele.
Tive a comprovação quando ele se sentou perto de mim, levou
uma das mãos até o bolso do moletom, tirando um maço de cigarro
e um isqueiro. Entreabri a boca, surpresa.
— Você sabe qual cigarro eu fumo?
— É um cheiro meio inconfundível — disse, dando de ombros.
— E difícil pra caralho de achar, hein? Puta merda.
Dei uma risada, franzindo um pouco o cenho. Não sabia o que
parecia menos inacreditável: ele trazer um maço do meu cigarro ou
ter rodado alguns locais procurando.
— Eu não te pedi um maço, pedi? — perguntei,
verdadeiramente confusa.
Ele me olhou e suspirou.
— Não, mas eu imaginei que você precisasse de um.
— Obrigada. Você estava certo.
Abri a carteira e coloquei um dos cigarros na boca, cobrindo a
ponta com a mão para acender. Fechei os olhos e traguei, sentindo
todos os meus músculos relaxarem, sendo invadida por aquela
anestesia momentânea.
Ele abafou uma risada e mexeu no cadarço do tênis.
— Bem, já estou indo... — ele disse, fazendo menção de se
levantar.
— Não... Você não precisa ir. — Segurei seu braço e ele olhou
para o local, mantendo-se no lugar.
— Não acho que você vai me querer aqui.
— Eu não me importaria se você ficasse — murmurei.
— Na verdade, acho que nem quero ficar. — Sua resposta saiu
áspera e cheia de ressentimento.
— Por quê?
— Não vou ficar aqui te vendo desse jeito, ouvindo você dizer
que ele te machucou se vai me impedir de fazer alguma coisa. Eu
tenho um limite e ele é bem curto.
— O Gregório não fez nada dessa vez.
— Eu só preciso de um nome — falou entredentes e eu
apenas dei uma risada sem humor, voltando a colocar o cigarro nos
lábios.
— Minha tia e não acho que você possa resolver nada.
Os seus ombros caíram e ele pareceu relaxar um pouco. Soltei
o ar lentamente, observando a fumaça ser levada com a brisa fria
que passou.
— O que ela fez?
Apoiei meu queixo no punho fechado e estreitei de leve os
olhos em sua direção, tentando decidir até quanto eu deveria
compartilhar com ele. Dei uma batida no cigarro para tirar o excesso
de cinzas e o encarei por mais alguns segundos.
Era tentador poder desabafar e de alguma forma, algo me dizia
que ele guardaria o meu segredo. Pedro parecia um cara com
princípios e eu sabia que jamais se venderia. Ainda assim ele me
odiava, ele poderia querer se vingar de alguma forma.
— Eu não vou contar nada pra ninguém, 190... Se é com isso
que está preocupada.
Ponderei um pouco mais, as palavras coçando na minha
língua que já estava um pouco dormente. Dei um outro gole no
uísque como se estivesse buscando por coragem e soltei o ar em
desistência.
— Minha mãe teve seis abortos — comecei a dizer e na
mesma hora sua boca se separou e seus olhos se abriram um
pouco, demonstrando que eu o tinha pego de surpresa. — Na sua
última gravidez, assim que descobriu, ela decidiu passar alguns
meses em São Paulo, perto dos melhores especialistas. Meus pais
alugaram uma casa e ficaram por lá com o auxílio da Iolanda, a
moça que trabalhava na casa deles.
Ele piscou, prestando atenção. Traguei o cigarro mais uma vez
e observei o horizonte diante de mim. Eu nunca tinha contado
aquela história em voz alta, nunca tinha dito nada para ninguém. Era
como se um bloco de concreto finalmente parasse de me sufocar,
saindo de cima do meu peito, então eu continuei:
— Iolanda se envolveu com um cara aleatório quando ainda
estava no Rio e quando foi para São Paulo descobriu que já estava
grávida de cinco meses. Minha mãe disse que as duas foram muito
parceiras durante a gravidez, mas que acabou não resistindo ao
parto. Meu pai descobriu que ela não tinha família e tomou a
decisão de esperar que eles voltassem para o Rio para procurar as
autoridades e decidir o que fariam comigo, mas mamãe teve o
sétimo aborto algum tempo depois.
Minhas lágrimas acumuladas estavam tornando minha visão
turva e eu passei uma das mãos rapidamente para secá-las.
— Minha mãe acabou se apegando a mim no seu luto pela
filha que ela não teve e eles me adotaram e fingiram para o mundo
todo que nada tinha acontecido. Os dois disseram que era difícil
demais ter que explicar para as pessoas mais uma vez e que Deus
tinha me colocado no caminho deles.
— E ninguém sabe disso? — foi só o que ele perguntou, com a
voz um pouco arranhada.
Balancei a cabeça em uma negativa, sem olhar para ele e
apaguei o cigarro. Não queria ver suas expressões e nem mesmo
tinha certeza do motivo. Era difícil demais lidar com aquilo e eu
nunca tinha contado para alguém para sequer imaginar alguma
reação. Eu tinha medo do que podia ver, do julgamento, da
decepção.
— Bem, só a minha tia sabia. E ela deixou escapar quando eu
tinha idade suficiente para entender. Então eu perguntei e eles me
contaram tudo, foram sinceros e disseram que aquilo não fazia
diferença alguma, que eu era, sim, a filha deles.
— Você é filha deles — afirmou e eu arrisquei olhar para ele,
dando um meio sorriso.
— Eu sei, mas depois desse dia, minha tia Muriel passou a
fazer da minha vida um inferno. Sempre que estava sozinha comigo,
me batia, me chamava de cadela, vira-lata, bastardinha, entre outras
coisas.
— Sinto muito por aquele dia... — murmurou, parecendo
envergonhado. — Eu nunca pedi desculpas por ter te xingado e sei
que o que eu disse foi errado, mas eu não imaginava...
Ele não conseguiu terminar, apenar manteve o olhar fixo no
meu.
— Estou me sentindo tão babaca — saiu como uma confissão,
eu tive a certeza, apenas pela forma como ele me olhou que ele
estava verdadeiramente arrependido.
— É, você foi um babaca — lembrei, dando uma risada.
— Você deveria ter me batido com mais força — ele tentou
brincar, parecendo triste.
— É, eu deveria.
— Você nunca contou para os seus pais? Sobre a sua tia?
— Ela me ameaçava, alegando que se eu dissesse algo para
minha mãe, ela daria um jeito de contar para a mídia e que isso
acabaria com os dois. Cresci com esse terror psicológico, com medo
de decepcionar meus pais, sendo chamada de ingrata sempre que
fazia algo diferente do esperado. — As palavras saíram amargas da
minha boca e eu senti minha voz embargar. — Eu nunca fui ingrata,
eu sempre fiz tudo para ser a filha perfeita pra eles desde que
descobri toda a história.
Limpei uma das lágrimas que escorreu. Aquele redemoinho do
passado queria rasgar o meu peito e me arrastar para um buraco,
mas eu puxei uma respiração para contê-lo como costumava fazer.
Encarei minhas mãos, torcendo-as e cutuquei minhas unhas,
tentando conter minha ansiedade, mas ele entrelaçou os dedos nos
meus, impedindo que eu continuasse.
Levantei os olhos para encontrar os dele, marejados.
— É por isso que você é tão diferente quando está perto
deles... — concluiu baixinho, sem soltar minha mão.
— Eu faço o que preciso fazer. Eles sempre tiveram
expectativas, eles me deram tudo o que eu tenho, me acolheram
quando poderiam ter me mandado para algum lugar absurdo. O
mínimo que eu posso fazer é ser a filha que eles querem. Eu não
sou uma pessoa ingrata — reafirmei.
— Eu não disse que você era.
— E eu estou tão cansada. Porque não importa o que eu
faça... — Soltei sua mão e cobri os olhos, impossibilitada de conter
o choro. — Hoje mais uma vez ela disse que eu deveria morrer.
Senti o seu corpo junto do meu, envolvendo-me em um abraço
e eu apenas o abracei de volta, afundando meu rosto no seu peito.
Ele não disse nada e aquele silêncio era tudo o que eu
precisava. Era difícil pensar ou buscar uma lógica para aquela
conexão que pairava entre nós dois, mas ela era real e eu não
conseguia mais ignorá-la.
Havia algo quando eu estava com ele, quando sentia o seu
calor se fundindo com o meu, fosse pelos nossos corpos ou pela
atmosfera densa que criávamos sempre que discutíamos. Éramos
como duas substâncias de características opostas entrando em
contato e gerando uma reação química.
As batidas do seu coração ecoavam contra os meus ouvidos,
trazendo uma sensação de calmaria inesperada. E eu submergi
naquele som, esquecendo de tudo ao meu redor.
— 190? — perguntou contra os meus cabelos, penteando os
meus fios com os dedos.
— Hm?
— Me deixa cuidar de você hoje?
E eu apenas assenti, incapaz de sair dos seus braços.
 
E eu me lembro
De nós dois juntos deitados na sua cama
Minha camisa te servia de pijama
:: MORENA – SCRACHO ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Eu mal consegui dormir naquela noite. Ela adormeceu nos
meus braços no meio do telhado e eu a carreguei para dentro da
casa. O pequeno trajeto foi difícil, mas Larissa parecia dopada, nem
sequer se mexeu. Foi apenas quando eu fiz menção de sair da
cama, que a Bela Adormecida resmungou alguma coisa que não
consegui entender e se apertou contra o meu corpo, impedindo-me
de sair.
Então eu meio que fiquei ali, deitado com ela em cima do meu
peito respirando pesadamente.
Me senti um idiota em vários momentos daquela noite. Porque
eu realmente não a conhecia, não fazia ideia de todo o peso que
aquela garota carregava. Definitivamente eu a julguei mal, porque
ela parecia, sim, entender sobre sacrifícios e tinha uma vida inteira
para comprovar isso.
Fiz uma retrospectiva daqueles últimos dias e também das
vezes em que interagimos no passado, percebendo o quanto ela se
anulava perto das outras pessoas.
Não comigo. Comigo Larissa Albertelli conseguia ser
verdadeira.
Ela não tinha preocupação do que eu pensaria se explodisse
na minha presença, se gritasse e mostrasse que algo realmente a
incomodava. De alguma forma, dentro de um lugar que parecia uma
prisão para nós dois, criamos uma válvula de escape. Analisando,
era isso que as nossas brigas eram, acima de tudo.
Meus pensamentos se desintegraram quando eu caí no sono e
depois acordei com o sol batendo no meu rosto. Tentei me mexer
com cuidado, mas não tive muito sucesso, porque ela despertou
logo em seguida.
— Bom dia — falou, sonolenta, cobrindo o rosto e saindo de
cima de mim, para deitar ao meu lado, com a cabeça no travesseiro.
Eu me virei para ficar de frente para ela. Era ridículo o quanto
aquela garota era bonita e ali, deitado ao seu lado, percebi que eu
poderia passar horas categorizando cada detalhe do seu rosto.
— Bom dia, 190. Dormiu bem? Está melhor?
— Uhum. — Ela se encolheu um pouco e cobriu parte do rosto,
parecendo envergonhada. — Ainda não acredito que falei aquele
monte de coisa pra você.
— Ainda não acredito que você passou por aquele monte de
coisa.
Ela sorriu um pouco sem graça.
— Sinto muito que tenha passado por isso — falei, sentindo o
meu peito apertar.
— Obrigada.
— Está com fome?
— Você não precisa… — Ela fez menção de se levantar. — Eu
vou pra casa…
— Perguntei se está com fome — eu a interrompi, encostando
minha mão no seu braço para que ela se mantivesse como estava.
— Toma um banho se quiser ou dorme mais um pouco, eu já volto.
Joguei uma água no corpo rapidamente e fui até a cozinha.
Percebi que Pato tinha passado por ali porque a típica zona que ele
fazia não deixava dúvidas. E como se não bastasse, o safado
também havia roubado algumas frutas.
Eu queria fazer algo para que ela se sentisse bem. Estava me
sentindo um merda por ter sido um babaca tantas vezes.
Preparei algumas coisas e subi as escadas tentando carregar
a bandeja que eu tinha achado em um dos armários. Assim que
pisei no sótão, notei que ela estava dentro do meu moletom, no
meio dos lençóis. O ar estava ligado, então fazia sentido que ela
estivesse vestida daquele jeito.
A patricinha tinha tomado banho, os cabelos estavam um
pouco molhados, como se ela tivesse usado o secador para tirar o
excesso da água. Ela me encarou com expectativa e foi impossível
não pensar uma infinidade de coisas vendo-a ali, sentada na cama
dentro da minha roupa.
— Peguei emprestado, tudo bem?
—  Ele fica melhor em você do que em mim.
Dei de ombros e me sentei de frente para ela. Seus olhos
percorreram a bandeja que eu havia colocado entre nós.
— Não acredito que você cortou as bordinhas do pão! — Ela
comprimiu os lábios, segurando uma risada e me encarou, um
pouco desconfiada. — Achei que não fazia minhas vontades.
— Isso sou eu tentando não ser um babaca.
Ela abriu um sorriso e mordeu o queijo quente, soltando um
ruído de satisfação e fazendo com que eu risse em resposta. Fiz o
mesmo, porque eu já estava morrendo de fome.
— Tinha geleia... — comentei entre as mordidas. — Só que eu
não sabia se você gostava.
— Eu odeio geleia.
— Eu também odeio. O café está bom? Eu trouxe açúcar...
— Não, pelo amor de Deus! — Ela esticou a palma da mão
quando eu fiz menção de pegar. — Eu odeio café com açúcar!
— Hmmm… E o que mais você odeia? — perguntei, curioso.
— Além de você? — brincou, tomando um gole da bebida.
Gargalhei, percebendo que um rubor repentino surgiu no seu
rosto por trás da xícara.
Ela estava corando, porra. Para mim!
Que ódio, por que em alguns momentos ela era tão bonitinha?
— Além de mim, obviamente. Eu sei que estou no topo da sua
lista.
— Será? Será que você tem essa relevância toda? — implicou
e eu levei uma das mãos até o peito, fingindo ter sido atingido. — O
topo da minha lista é um lugar muito disputado.
— É mesmo? Contra o que eu estou concorrendo?
— Bem, vamos lá... Eu odeio meu carro.
Eu ri, achando graça.
— Sério isso?
— Se eu pudesse escolher, acho que teria um Jeep, mas o
meu pai me deu aquele, dizendo que era minha cara. Na época, ele
disse que era quase como um carro da Barbie.
— E isso é ruim? Você é praticamente uma Barbie — lembrei,
em um tom zombeteiro, e ela revirou os olhos.
— Eu odeio a Barbie.
Dei uma risada, mordendo o último pedaço do meu pão e
limpando as mãos em cima da bandeja.
— Vamos lá, 190… O que mais?
— Eu odeio Medicina — ela soltou um muxoxo.
Pisquei, sem acreditar.
— Por que você… — comecei, mas me interrompi quando ela
me deu um olhar debochado. — Você faz por causa dos seus pais,
é claro.
Ela esticou um pouco os lábios, sem muita vontade.
— Odeia fazer compras também? — Tentei fazer uma
pergunta divertida para tirar aquela expressão de desânimo do seu
rosto.
— Não, eu realmente amo fazer compras — confessou,
choramingando.
— São coisas relevantes, não acho que eu tenha chances de
ganhar o primeiro lugar.
Minha atenção se desviou para sua boca quando ela prendeu
os dentes, puxando os lábios inferiores antes de me encarar de um
jeito que fez meu pau se apertar nas calças.
— Ah, você tem… — respondeu, cheia de insinuações.
— Tenho? — indaguei, entrando na dela e chegando a bandeja
que estava entre nós para o lado.
— Eu odeio o fato de você estar sempre com um sorrisinho
ridículo na cara.
Eu avancei um pouco, chegando mais perto dela e abri um
sorriso convencido. Sua respiração travou e ela arranhou as unhas
pela minha coxa devagar, apoiando as mãos ali.
— Esse?
— Uhum...
— Hm… Certo. E o que mais você odeia em mim? — sussurrei
no seu ouvido, não conseguindo me manter longe.
— Odeio suas entradas — confessou, colocando a mão abaixo
da minha cintura.
— Minhas entradas? — Eu quase gargalhei.
— Sim, elas são um pesadelo!
— Odeia quando eu te seguro assim? — perguntei,
envolvendo seu pescoço com uma das minhas mãos, observando
suas pálpebras se fecharem devagar.
Ela apenas assentiu e abriu os olhos em seguida, revelando o
meu reflexo nas pupilas dilatadas, mais escuras do que nunca.
Merda, eu não podia continuar com aquilo. Era frustrante pra
caralho saber que ela estava dando para mim e para aquele otário
ao mesmo tempo. Então, assim que a patricinha inclinou o rosto
para me beijar, eu me afastei um pouco, encarando-a sério.
— O que foi?
Respirei fundo quando ela ficou de joelhos e literalmente veio
para cima de mim, sentando no meu colo com as pernas abertas.
Puta merda, ela estava sem calcinha?
— Você disse que cuidaria de mim, não disse? — ela
perguntou no meu ouvido com um tom meloso, arrastando os lábios
pela minha orelha.
Foda-se, eu deveria ganhar um prêmio por estar ao menos
tentando resistir àquilo.
— Não vamos fazer isso de novo — avisei, segurando seus
pulsos para criar um pouco mais de espaço entre nós.
— Ainda está irritado pelo dia da boate — ela concluiu.
— Eu sei muito bem interpretar as coisas. E ele é o seu
namorado, não é? Você me beija, mas volta pra casa com ele...
— Eu não estou com ele. Não de verdade.
Que porra? Pisquei algumas vezes, tentando assimilar as duas
frases que tinham saído da sua boca.
— Oi?
— É um namoro de fachada.
— Desde quando? — perguntei, chocado.
— Desde o dia em que eu o ameacei com um canivete —
respondeu, como se estivesse falando sobre a chuva caindo pela
janela.
— Por que não terminou com ele de uma vez?
— Eu não posso fazer isso.
— Por causa dos seus pais — concluí novamente e ela
assentiu, chateada. — Isso é bizarro pra caralho, 190.
— É a minha vida.
Seus ombros se encolheram e eu soltei seus braços. Um
suspiro deixou seus lábios e ela se movimentou para sair de cima
de mim.
— Você não está trepando com ele? — indaguei, segurando-a
pela cintura, mantendo-a no lugar.
— Não... — sussurrou, segurando o meu rosto e afundando as
unhas pelos meus cabelos. — Mas eu realmente gostaria de fazer
isso com você.
Deslizei o polegar pelos seus lábios, completamente louco
para beijar aquela boca. Sabia que mais uma vez não seria
suficiente para mim, não tinha sido naquele dia. Eu a queria e não
só por um dia ou uma noite, queria fodas e fodas seguidas até que
ela não aguentasse mais, até que a porra do meu pau esfolasse.
— Se fizermos isso hoje... Vai continuar fugindo de mim?
— Eu percebi que é impossível fugir de você.
 
Ela adora me odiar não me dá trela não
Se desespera e depois come na minha mão
Se faz de santa mas é só pra me afrontar
Mulher insana quer causar meu fim
Se chego ela derrete, se perde pra mim
Entre quatro paredes nosso caos exala perdição
:: NO VENENO – STRIKE ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Eu tinha a total intenção de aproveitar aquele beijo que não
consegui na noite da boate e dar a devida atenção à sua boca. O
único problema é que ela estava esfregando a porra da boceta no
meu pau com tanta força, rasgando todo o meu foco.
Não duvidaria se rasgasse minha bermuda também. Era de um
tecido bem vagabundo e eu tinha comprado por vinte reais quando
fui até o Saara[60].
— Não acredito que estava sem calcinha esse tempo todo —
falei, subindo as mãos por sua coxa e levantando o moletom.
— Eu não tinha uma limpa — justificou, fazendo um biquinho.
— Você é uma filha da puta, isso sim.
Ela riu e eu puxei seus lábios com os dentes, voltando a beijá-
la e deixando que as minhas mãos vagueassem por suas curvas.
Não consegui me conter, cobrindo seu corpo com o meu e deitando-
a na cama.
Continuei beijando seu pescoço de força intensa, desesperado
para provar cada centímetro daquela pele perfeita. Meu corpo
parecia em chamas e meu pau latejava diante da expectativa de vê-
la totalmente nua, deitada embaixo de mim. Decidi que ainda não
era o momento, ela estava perfeita dentro do meu moletom.
Fiquei de joelhos entre as suas pernas e a encarei por alguns
segundos. Queria fazer tantas coisas que nem mesmo conseguia
raciocinar. Ela pareceu perceber minha reação e se contorceu um
pouco, abrindo um sorriso meio safado e meio tímido naqueles
lábios grossos, vermelhos e úmidos.
Boca linda do caralho que ficava ainda mais maravilhosa
depois dos meus beijos.
Eu a segurei pelos joelhos, abrindo suas pernas em um
movimento mais agressivo, louco para ver aquela boceta totalmente
exposta para mim. Estava sonhando com a porra daquela visão há
dias, a incerteza dominando todos os meus pensamentos dia e
noite. E a imagem ultrapassou todas as minhas expectativas.
Puxei um dos seus tornozelos, trazendo-o até a altura da
minha boca. Comecei a trilhar um caminho com a minha língua,
provando cada milímetro das pernas perfeitas que ela tinha. Mordi a
panturrilha, observando o vermelho marcar a sua pele e amando o
efeito daquilo.
Minha marca. Nela.
Eu repeti a ação e me afastei um pouco, notando o branco
ganhar outra tonalidade. Nem mesmo sabia porque estava tão
fascinado, mas aquele sentimento possessivo me consumiu.
Por mais que eu amasse marcar as pessoas com minha tinta e
os meus traços, cheguei à conclusão de que nada parecia mais
prazeroso do que marcá-la por inteiro com a minha boca. Como se
fosse minha.
E talvez o motivo fosse o mais óbvio: ela não era.
Bem, hoje seria diferente. Hoje Larissa Albertelli seria minha
pelo tempo que eu quisesse.
Entreabri suas pernas ainda mais, aproximando o meu rosto
no meio delas e adorando a forma como ela se contorceu de
maneira ansiosa, os olhos grandes vidrados em mim, brilhando por
antecipação. Perdi algum tempo beijando o interior da sua coxa,
sentindo meu pau se apertar com a visão.
— O que está esperando? — ela perguntou, parecendo
agoniada pela espera.
Eu a olhei no fundo dos olhos e dei um tapa na sua boceta,
fazendo com que suas costas arqueassem.
— Meu Deus! — ela gemeu, voltando a me encarar ainda mais
sedenta.
— Você não decide nada aqui, 190. Você me deixou louco por
tempo demais, então cala essa boca, porque hoje sou eu quem
manda nessa porra. Ouviu?
Ela manteve o olhar fixo no meu, um sorrisinho travesso
crescendo no rosto. Dei um tapa com mais força pela falta de
resposta e ela xingou, tornando a se contorcer.
— Ouviu?
— U-uhum — murmurou baixinho, mas sem parar de me olhar
do jeito que só ela sabia: como a desgraçada que tirava minha paz.
— Então me responde quando eu te fizer uma pergunta. E não
fecha a porra dessas pernas.
Afundei meu rosto na boceta quente e molhada, quase
gozando com o contato e o gemido que veio em resposta. Eu a
lambi devagar, aproveitando cada pulsação e separei mais as suas
coxas, respirando contra sua entrada.
Pressionei meus lábios e brinquei com a língua com
movimentos circulares, sugando o clitóris inchado que parecia
latejar dentro da minha boca.
Puta que pariu, ela era deliciosa.
As unhas cravaram no meu couro cabeludo quando eu forcei o
rosto com um pouco mais de rigidez, aumentando o ritmo. Não
demorou muito para que uma das pernas viesse parar no meu
ombro, deixando-me com mais tesão ainda.
Eu a chupei de forma ininterrupta, completamente obcecado
por cada uma das reações que seu corpo performava. Os gemidos
seguidos pelos palavrões eram a minha parte favorita.
Altos. Descontrolados. Sem pudores.
Era uma coisa maravilhosa foder aquela boceta com a minha
língua, mas eu não me aguentei e meti dois dedos nela,
estimulando-a ainda mais. E eu continuei, sem parar até que seus
gritos se tornassem mais constantes, ecoando pelo quarto e
deixando-me cada vez mais duro.
— Puta merda... — ela choramingou, mexendo-se agitada. —
Eu estou quase!
Quando percebi que ela estava puxando meus cabelos em
uma tentativa de se esfregar ainda mais contra mim, segurei os
pulsos ao lado do seu corpo, recebendo um resmungo em seguida.
— Eu disse que você podia gozar? — indaguei, sério,
levantando um pouco o rosto para vê-la com uma expressão
totalmente frustrada.
— Meu Deus, por que está parando? — Ela parecia
desesperada, tentando se soltar.
Da forma como eu queria.
— Você vai gozar quando eu decidir... — Dei uma lambida
lânguida. — Quantas vezes eu quiser... — Mais uma. — E não vai
reclamar.
Então eu a chupei novamente, com mais força dessa vez,
arrancando o que eu imaginei ser a sua sanidade pelo gemido longo
que escapou da sua boca.
A minha paixão por boceta era algo antigo, desde antes de eu
descobrir como meter em alguém. A primeira vez que eu chupei
uma, fiquei tão excitado que nem mesmo me importei com o fato de
que não ia comer a garota. Era minha parte preferida do sexo e eu
nunca abria mão.
E enquanto eu estava ali, com o rosto enterrado nela, descobri
que estava apaixonado pela boceta da patricinha insuportável.
Estava fazendo uma tortura com ela, sabia disso. Quando
percebia que estava perto do limite, diminuía os movimentos,
voltando a lambê-la de um jeito preguiçoso.
Era excitante vê-la alternar entre a irritação e a súplica. Era
maravilhoso vê-la fora de si. E eu simplesmente não conseguia
parar.
— Por favor... — implorou, ofegante, pelo que eu supus ser a
vigésima vez.
— Quer gozar?
— Sim! Pelo amor de Deus! — Ela levantou um pouco para me
olhar nos olhos, transtornada.
— O quanto você quer?
— Muito. Muito, por favor.
— Tão perfeita assim, implorando... — falei, soltando seus
pulsos e agarrando uma de suas coxas, mordendo-a de leve. — Vou
fazer você gozar agora, linda.
Lambi seu clitóris mais algumas vezes, arrastando minha
língua para cima e para baixo e eventualmente chupando-o com um
pouco mais de força. Eu aumentei a intensidade e as unhas
compridas fincaram nas minhas mãos, demonstrando toda sua falta
de controle.
Os gemidos se estenderam e ela tremeu, sendo atingida por
uma onda de orgasmo. O corpo se contorcendo, as pernas se
fechando em um movimento não pensado e a voz falhando. Ela
estava escorrendo e eu aproveitei para lambê-la mais um pouco,
enlouquecido com os espasmos maravilhosos do seu corpo.
Não me aguentei e engatinhei por cima dela, limpando minha
boca com os dedos e na mesma hora seus olhos pareceram
escurecer ainda mais.
— Meu Deus, como você é gostoso — ela disse em voz alta,
mas eu tinha certeza de que era para ser um pensamento.
Dei uma risada.
— Você é gostosa e sua boceta é... Caralho, eu acho que não
existe uma palavra no dicionário pra expressar o que eu acho da
sua boceta.
Eu a beijei calorosamente, adorando o seu gosto se
misturando em nossas línguas. Era difícil calcular quanto tempo as
coisas demoravam para acontecer quando eu estava com ela
porque eu me perdia por completo.
— Mandei fechar as pernas? — perguntei, ainda dentro da sua
boca, afastando-as com meu joelho.
— Não — respondeu, balançando a cabeça em uma negativa
e olhando nos meus olhos.
— Muito bem, 190 — falei, descendo a mão pelo seu corpo e
voltando a encontrar sua boceta encharcada.
Eu a peguei de surpresa e ela arregalou um pouco os olhos,
entreabrindo os lábios em um gemido silencioso. Puta merda do
caralho!
Puxei seus lábios inferiores com os dentes e esfreguei seu
clitóris. Ela estava tão melada que meus dedos estavam
escorregando quando entravam e saíam dela. Suas pálpebras se
fecharam quando fui um pouco mais fundo.
— Olha pra mim — ordenei e ela gemeu com o estalo do tapa
que eu tornei a dar. — Quero ver você gozando nos meus dedos.
— Não... Não acho que vou conseguir...
— Eu acho bom você conseguir.
Embolei o moletom acima do seu peito e os observei,
completamente rígidos e empinados para mim. Porra, ela era toda
perfeita, do topo da cabeça até os pés. Um gemido baixinho
escapou da sua boca quando agarrei um deles com força e cobri o
mamilo com meus lábios, sugando-o e brincando com a língua.
Eu me sentia como uma pessoa faminta em um banquete, sem
saber qual parte provar, minha atenção se desviando cada hora
para uma parte do corpo. Queria tudo, queria ela por inteiro.
Chupei seu peito com mais força e a masturbei no mesmo
ritmo, enterrando meus dedos nela até que ela gritasse mais alto.
Voltei a olhá-la no rosto e seus olhos estavam fechados, então eu a
acertei com mais um tapa.
— Olha pra mim, porra!
Ela choramingou e se forçou a abrir as pálpebras. Ela ficava
linda assim, gemendo com a boca aberta, o olhar fixo no meu. Havia
um incentivo por trás daqueles olhos, era quase como se estivesse
de acordo com o que quer que eu quisesse fazer com ela.
Aumentei o ritmo freneticamente, atingindo o seu ponto G
enquanto ela movia os quadris em desespero. Não demorou muito
para que viesse de novo, mas eu não esperava que ela fosse jorrar
daquela forma e pela expressão no seu rosto, nem ela.
— Ah, meu Deus! — Ela ficou vermelha.
— Meu caralho! — exclamei, completamente duro, espalhando
todo o líquido por sua boceta. Não me aguentei e desci,
desesperado para lamber toda sua extensão. — Que delícia, porra!
Ela tentou fechar as pernas de novo, mas eu as agarrei com
força.
— Por favor, caralho. Eu não vou aguentar!
Sabia que ela estava sensível, que não demoraria para gozar
uma terceira vez. Estava louco para enterrar meu pau nela, mas foi
impossível não continuar chupando aquela boceta molhada. E eu fiz
isso enquanto ela se contorcia, as lamentações ecoando pelo
quarto, me masturbando ao mesmo tempo porque já não aguentava
mais.
— Me... Fode, Pedro! Pelo... Amor... De Deus — ela suplicou
pausadamente.
— Ainda não.
— Deixa... Eu te chupar...
— Ainda não.
— Eu n-não aguento...
A frase se quebrou quando ela gritou, denunciando mais um
orgasmo. Na mesma hora, eu fiquei de joelhos e elevei o seu
quadril. Puxei suas pernas para cima em um movimento ágil,
metendo meu pau nela devagar para aproveitar cada uma das
contrações.
Joguei a cabeça para trás quando sua boceta molhada se
envolveu no meu pau. Seus tornozelos estavam na altura do meu
pescoço, as coxas presas nos meus braços e eu comecei a estocar
nela em um ritmo mais lento, amando todo o aperto.
Aquela posição era sensacional e pela forma como ela gemia,
estava adorando. Meus dentes se arranhavam por sua panturrilha e
eu não parava, sendo guiado pelos incentivos que saíam da sua
boca.
Era quase impossível formar a porra de um pensamento sem
que ele se desintegrasse no segundo em que ela soltava um ruído
ou um palavrão. Eu a desejava em tantas posições que precisei
mudar pouco tempo depois.
— Fica de quatro — mandei, soltando suas pernas e saindo de
dentro dela.
Ela piscou devagar, um pouco atordoada, como se o seu
cérebro também estivesse com algum efeito mais lento.
— De quatro, linda. — Dei um tapa na sua coxa de leve para
chamar sua atenção e ela abriu um sorriso safado e se virou na
mesma hora, empinando a bunda para mim. — Isso, perfeita, agora
tira esse moletom e abre mais essas pernas pra mim.
Ela fez exatamente o que eu mandei, ficando totalmente nua
na minha frente. E aquela visão... Porra, era o meu fim.
Foi impossível não passar a minha língua do início da sua
boceta até o final antes de posicionar meu pau na entrada. Puxei
uma respiração, hipnotizado por aquela bunda gostosa e acertei um
tapa, ansiando para ver a vermelhidão se alastrar.
— Mais forte — pediu.
— Já disse que você não decide nada hoje — lembrei, batendo
com mais força e seu corpo se repuxou.
— Só, por favor... Me fode com força?
— Eu não pretendia te foder de outro jeito, 190.
Dei uma risada e a levantei pela cintura, apoiando uma de
suas mãos na cabeceira da cama. Eu a segurei de uma forma mais
bruta e me enterrei nela da mesma maneira, indo até o fundo.
Seu corpo foi para frente com a intensidade e ela gritou. Porra,
aquela filha da puta ia me foder muito. Estava com tanto tesão que
minhas bolas já estavam doendo.
Enrolei seu cabelo no meu punho, usando-o para impulsionar e
comecei a estocar em um ritmo vertiginoso. O espaço entre nós
parecia mínimo, nossos corpos se chocando sem parar, os sons dos
quadris batendo um no outro, ecoando pelo quarto em uma mistura
de gemidos, palavrões e respirações entrecortadas.
Desferi uma dezena de tapas na sua bunda enquanto ela
implorava por mais. Eu estava amando ver o desenho da minha
mão na sua pele, mas não demorou muito para que eu colasse meu
corpo nas suas costas, puxando-a para um beijo.
Eu não interrompi os movimentos, continuei me empurrando
para dentro dela enquanto rolava um dos mamilos nos meus dedos
e segurava seu pescoço com a outra mão, restringindo um pouco do
seu ar.
— Sim, continua, por favor — pediu, quase em súplica,
fazendo carinho na minha perna.
— Gosta que te enforquem? — sussurrei contra sua nuca, sem
me mexer.
Deslizei a língua pela sua pele, chupando-a e provocando um
arrepio.
— Transei com um cara que me enforcou uma vez... — contou
baixinho, com a voz já rouca e o corpo ondulando sob o meu toque.
— Gregório tinha medo, disse que vira e mexe alguém morre
assim...
— Fica tranquila, 190. Não vou deixar você morrer — garanti,
dando uma risada e beijando seu ombro. — Você já me causou
problemas demais com a polícia.
Ela se virou um pouco e eu a beijei, perdendo-me no gosto da
sua boca. Estava um pouco irritado com o fato de que ela parecia
perfeita para mim e eu não entendia como aquilo era possível.
Tornei a entrar e sair dela devagar e depois intensifiquei os
movimentos, aumentando o aperto de um lado do pescoço. E eu a
fodi brutamente, puxando sua cintura para encontrar os meus
quadris em uma constância surreal.
O coração pulsava desesperadamente dentro do meu peito e o
calor incontrolável que se estendia por todas as minhas
extremidades faziam com que minha respiração se tornasse uma
confusão. O que era ridículo, porque eu era um atleta e nem mesmo
a luta me deixava daquele jeito.
Pelo visto, meu treino de nada me servia, já que mal estava
conseguindo dar conta de respirar depois de alguns minutos
comendo a patricinha.
Cardio de cu é rola.
Aquela mulher ia acabar comigo e nossa foda era a prova.
Eu a virei de frente para mim, erguendo seus quadris na altura
dos meus e me enterrando nela mais uma vez sem diminuir o ritmo.
Chupei o seu peito, brincando com a língua e ela voltou a gemer
mais alto.
— Puta que pariu!
— Tá gostando do meu pau fodendo sua boceta apertada,
linda? — perguntei, prendendo um dos mamilos entre os meus
lábios.
— Sim, continua assim...
Envolvi minha mão no pescoço, agora analisando suas
expressões com mais precisão. Seus olhos encontraram os meus,
completamente enevoados, a respiração começando a falhar.
Eu fui até o fundo.
Uma.
Duas.
Três vezes.
O suor correndo pelos nossos corpos, as palavras
incompletas, incoerentes. As línguas se misturando em uma
sincronia dessincronizada.
Não era só uma tensão sexual que emanava de nós dois. Ia
muito além da névoa densa que sempre nos cercava. Era um
conjunto de sensações que transpassavam o que estava
acontecendo. Uma conexão que eu nunca tinha experimentado
antes, algo que nem mesmo parecia concreto.
Ela se fundiu em mim. Como sangue e tinta. Impossível de
apagar.
— Está quase lá, não é? — perguntei, mas ela apenas
respondeu com a cabeça, como se fosse incapaz de falar pela falta
de oxigênio. — Pede pra mim, gostosa.
—  Me... Faz gozar... Por favor! — As palavras saíram
arranhadas, como se sua garganta não tivesse mais forças.
Vê-la naquele estado era enlouquecedor. E eu havia feito isso
com ela.
— Você vai gozar no meu pau e depois eu vou gozar nessa
boca perfeita — avisei, passando o polegar pelos seus lábios. —
Ok?
— O-ok — afirmou, mordendo o lábio inferior quando eu me
inclinei uns centímetros, arrastando o meu pau ainda mais no seu
clitóris.
Me impulsionei mais rápido, vendo-a começar a se contorcer
embaixo de mim, categorizando aquela imagem perfeita para
guardá-la dentro do meu cérebro. Ela era linda e assim, sendo
fodida por mim, ficava ainda mais.
Precisei me segurar quando o orgasmo a atingiu, fazendo todo
o seu corpo tremer e ficar mole logo em seguida. E eu a beijei como
se o mundo não existisse mais. Porque a verdade é que se eu
abrisse os olhos e ele estivesse em ruínas, eu não ligaria.
— Tudo bem? — perguntei, arrastando meu nariz em seu
pescoço e ela balançou a cabeça, beijando o meu ombro.
Seus dentes se arrastaram, subindo até o meu ouvido e ela
mordeu o lóbulo da minha orelha, deixando o hálito queimar a minha
pele.
— Deixa eu chupar esse seu pau maravilhoso...
Eu me afastei para olhá-la, cheia de expectativa, com um
sorrisinho malicioso no rosto. Ela umedeceu os lábios, atraindo toda
minha atenção e meu foco sumiu em uma fração de segundos.
Segurei seu rosto e tornei a beijá-la e ela girou por cima de
mim, descendo a língua devagar pelo meu peito e abdômen. Parou
na frente das minhas entradas e foi impossível não rir quando ela
praticamente choramingou.
Coloquei um travesseiro nas costas porque eu queria observar
bem aquela cena, mas no momento em que a sua língua se
arrastou pelo meu pau, fechei os olhos, jogando a cabeça para trás
de forma involuntária.
— Puta merda.
Abri as pálpebras para ver aquela patricinha que tirava minha
paz me lambendo devagar, o olhar fixo no meu. Agarrei sua nuca
em um instinto e soltei um gemido no momento em que ela me
engoliu por inteiro.
Uma das mãos estimulava minhas bolas e a outra segurava
com firmeza na minha coxa. Seus lábios se apertaram ainda mais, a
língua mole deslizando ao redor do meu pau.
Fez uma pausa, lambendo a minha glande e logo depois me
chupou, indo até o fundo da garganta. Ela me estimulou com uma
das mãos enquanto pagava o boquete e eu me empurrei contra sua
boca, não conseguindo me conter.
Gemi mais alto quando ela engasgou um pouco, cuspindo no
meu pau e voltando a movimentá-lo para cima e para baixo. Seus
olhos lacrimejaram um pouco e segurei seu rosto, fazendo carinho
com o polegar.
Ela sorriu, satisfeita, repetindo o movimento.
— Gosta quando eu faço isso? — perguntou, girando a língua
em torno da cabeça do meu pau e sugando em seguida.
— Porra, 190! Sim, você está perfeita.
Ela me chupou de novo, aumentando o ritmo e eventualmente
forçando meu pau no fundo da garganta. Já estava louco,
desesperado para gozar e pulsando na sua língua.
Xinguei mais alguns palavrões, minha cabeça começando a
nublar pela sensação daquela boca perfeita sugando a cabeça do
meu pau, indo e voltando e provando cada parte dele.
Seus olhos nunca desviavam dos meus.
— Eu vou gozar! — avisei e ela se mexeu, ansiosa,
aumentando o ritmo.
Arqueei um pouco as costas, fechando as pálpebras quando
senti minha porra jorrar dentro da sua boca. Ela não parou de me
chupar, continuou deslizando os lábios pelo gozo que ainda saía do
meu pau.
Linda pra caralho.
— Abre a boca — mandei e ela obedeceu, mostrando a língua
para mim, toda safada.
Puta merda.
— Agora engole, linda.
Ela fez exatamente o que falei, limpando o canto dos lábios até
que não restasse uma única gota.
Eu a puxei para um beijo urgente. E naquele momento,
enquanto eu sentia o meu gosto na sua língua, concluí que nunca
mais tiraria aquela imagem da minha cabeça. E tive a certeza de
que sim, eu tinha pecado.
Eu tinha pecado pra caralho.
 
 
Venha para a cama, eu serei sua garota
Vivendo para você
Ah, mas você está vivendo para ela
Eu enlouqueço, fico brava quando ela está tocando em você como agora
:: I'LL BE YOUR GIRL - CARLY RAE JEPSEN ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Estava destruída, assada e por mais que parecesse
humanamente impossível, eu queria mais. Nós tínhamos trepado
por seis horas quase sem pausas e perdi a conta de quantas vezes
tinha gozado.
A impressão que eu tinha era de que nossos corpos não
queriam distância um do outro, nossas línguas se fundindo em uma
só, incapazes de se separar por mais do que alguns minutos.
Parecia irreal.
Merda do caralho, eu era muito azarada. Primeiro foi o prefeito
que disse que não queria nada comigo e agora eu tinha tomado um
chá de pica do cara que dizia me odiar.
Nem sabia que meu corpo podia aguentar tanto, nunca tinha
acontecido nada do tipo e eu me sentia como uma daquelas
protagonistas de livros ou filmes irreais que tinham uma boceta de
aço.
Suspirei, ofegante, olhando para o teto. Ele parecia exausto ao
meu lado, deitado na mesma posição desde que tinha me soltado,
dizendo que estava um pouco sem ar. E eu continuava na
expectativa, sem saber se continuaríamos ou não.
— Puta merda! — ele xingou e veio para cima de mim
novamente.
Ok, nós iríamos de novo.
Deus, tenha misericórdia da minha alma.
Pedro segurou meu rosto entre o polegar e o indicador e me
observou por alguns segundos antes de soltar um ruído de
frustração e me beijar de um jeito preguiçoso.
— Que inferno, 190! — exclamou entre o beijo, mas se
interrompê-lo. — Eu simplesmente não consigo tirar minhas mãos
de você.
— Eu não estou pedindo para você fazer isso.
— É, mas meu pau tá inchado já e eu preciso sair.
— Você disse que era sua folga — lembrei, triste, apertando o
seu corpo contra o meu.
— Que eu tirei por causa do aniversário do Pipo.
— E você deixou para comprar o presente de última hora?
— Pobre não faz essas coisas, Larissa — ele contou, rindo, e
eu fiz o mesmo. — Eu já comprei faz tempo, em uma promoção.
— Então por que precisa ir agora?
— Comprei a passagem para o campeonato que ele vai
participar, na Flórida. E como não queria entregar um papel escroto,
a Luna fez uma embalagem diferente e preciso buscar.
Ele me deu um beijo rápido e se sentou na cama, alongando
um pouco o pescoço. Depois, começou a digitar alguma coisa no
celular e deu uma risadinha de alguma coisa que leu.
Um incômodo cresceu no meu estômago ao ouvir aquele
nome. O que era ridículo e irracional. Meu corpo precisava parar de
fazer coisas do tipo quando eu o imaginava com outras mulheres.
— Ah, legal. Quer uma carona? Eu posso te deixar lá depois...
— Não, não precisa. A Luna mora aqui perto e minha avó
chamou ela também.
— Achei que ela não era sua namorada... — comentei de uma
forma despretensiosa, tentando não deixar nenhum resquício de
irritação na minha voz.
— Ela não é. — Ele riu.
— Isso me parece um namoro.
Tentei não parecer uma criança emburrada e descruzei os
braços que tinha cruzado involuntariamente, mas era assim que eu
me sentia. Ele se virou para trás, dando um sorrisinho prepotente
que tinha a capacidade de me deixar molhada em segundos.
Segurou meu rosto e desviou a boca até perto do meu ouvido,
chupando um ponto específico antes de dizer:
— Se fosse um namoro, eu não estaria nessa cama com você
— sussurrou, arrancando um arrepio. — Se fosse um namoro, 190,
não tinha te comido em todas as posições que eu comi... E nem
estaria pensando em quais outras eu ainda vou comer.
Pedro me beijou com força e depois se levantou, avisando que
iria tomar um banho porque estava com o cheiro da minha boceta
por todo o seu corpo. Fiquei irritada porque minha vontade era
mandar que não tomasse banho nenhum, mas apenas sorri
debilmente enquanto o observava (quase babando) andando com
aquela bundinha linda pelo quarto.
— Preciso tomar um também — falei, distraída, e ele mordeu o
lábio quando percebeu que eu estava secando seu corpo.
— Se você entrar nesse banheiro comigo, a última coisa que
vou conseguir fazer é tomar banho. Já está sendo uma dificuldade
chegar até lá com você me olhando assim.
Eu ergui os braços, deixando o lençol que estava preso no
meu peito cair e levei as mãos até os cabelos para prendê-los em
um coque. Ele observou minha ação e jogou a cabeça para trás,
como se estivesse irritado consigo mesmo. Passou as mãos pelo
rosto e voltou, pulando em cima de mim enquanto eu gargalhava.
Beijou meus lábios com urgência em meio a diversos xingamentos e
todo aquele calor voltou a me derreter por inteira.
 

 
PEDRO QUEIROZ
 
— Trepou antes de chegar aqui, não foi? — Pipo perguntou,
arrancando-me dos meus pensamentos.
— O quê? Como você sabe?
— Porque está destruído — ele comentou, olhando-me com
pena. — Ela acabou com você, não foi?
— QUÊ? — Abaixei o tom quando percebi que tinha me
exaltado um pouco. — Ela quem?
— A Luna, seu idiota — cochichou, apontando com a cabeça
para a garota que estava do outro lado da sala conversando com
um dos gêmeos.
— Sim, acabou comigo — menti, comendo uma coxinha. —
Onde vovó escondeu os docinhos?
— Nos fodemos dessa vez, irmãozinho. Já procurei em tudo o
que é lugar. E aí, quando vou ganhar meu presente? — Aquele
questionamento já tinha sido feito cinco vezes desde que cheguei,
quinze minutos antes.
— Já disse, assim que nossa avó voltar da casa da Rita.
Ela tinha descido até lá para terminar de finalizar o bolo que
tinha feito para o Felipe.
— Trouxe a Luna... — comentou, sugestivo. — Isso está me
cheirando a namoro. Acha que ela está mudando de ideia?
— Não, ela só é simpática e educada demais para recusar um
convite.
— Talvez ela esteja aqui por mim, então... — zombou e eu dei
um tapa na sua cabeça, fazendo-o rir.
Ele pegou o boné que estava na minha cabeça e trocou com o
que estava usando, alegando que o meu combinava mais com sua
roupa.
— Postei aquele vídeo seu agorinha.
— Que vídeo? — Luna apareceu, pendurando-se no meu
ombro.
— Esse que o Pepeu tá tatuando a gostosa.
Era um vídeo de uma das minhas clientes da última semana.
— Porra, ficou irado! — ela comentou, puxando o celular. — E
realmente, uma gostosa. Solteira?
— Solteira, Luna, até segui no Insta. A gata me deu maior
condição... — contou, se achando.
Pior que dessa vez tinha dado mesmo.
— Como que não daria? Tu é um lindo, Lipe — Luna elogiou,
fazendo com que ele abrisse o maior sorrisão.
— Viu, Pepeu? Luna me acha um lindo — disse, convencido,
fazendo com que ela desse uma risada.
— Lipe, corre aqui — Mike, um dos gêmeos, chamou.
— Você gosta, né? — Balancei a cabeça negativamente e ela
gargalhou.
— Eu acho ele lindo mesmo e se não fosse por você... —
insinuou. — Afinal, vai querer dormir lá em casa hoje?
— Sem chances, gata. Tô cansado pra caralho.
— É, eu também. Não dormi nadinha noite passada.
— Noite agitada? — perguntei, com o olhar distraído, dando
uma risada de uma dancinha que o Tello estava fazendo para os
meninos.
— O babaca do meu ex me ligou e apareceu lá em casa.
— O que aconteceu? — perguntei, preocupado. — Precisa que
eu resolva?
— Não, fica calmo — pediu, entre as risadas, porque ela me
conhecia. — Só discutimos um pouco e eu acabei dando pra ele.
— Toda vez essa porra, hein, Luna? — respondi, irritado.
— Pois é! Tá vendo por qual motivo eu não namoro?
— Você só namorou uns arrombados, queria o quê?
Ela riu, concordando.
— Como se seus namoros fossem diferentes... — Soltei o ar
frustrado, porque era verdade. — Brigada pela companhia hoje, eu
realmente precisava disso.
— Fala sério!
— E como estão as coisas? E o Pato?
— Ele deu uma sumida depois que metemos um termômetro
no cu dele — contei, rindo e ela fez o mesmo. — Mas o Heitor disse
que é sempre assim. Ele fica puto e querendo dar um gelo na gente
para demonstrar sua insatisfação.
— Eu preciso conhecer essa figura.
— Voltei! — minha avó gritou, com o bolo nas mãos e depois
colocou em cima da mesa.
— Libera os docinhos e ninguém se machuca — Pipo berrou e
ela disse que não.
— Aproveita que a sua avó chegou e vai com ela dar o
presente dele logo — Luna deu a deixa e eu assenti.
Fiz um sinal para a Vó Dea e puxei o pirralho pelo braço até o
quarto. Fechamos a porta e minha avó bateu palminhas, animada,
porque já sabia o que daríamos para ele.
— Meu presente? — perguntou, ansioso.
Entregamos uma caixinha de papel que a Luna tinha mandado
fazer. Havia um desenho de um mapa e uma linha que ia do Rio de
Janeiro até a Flórida com um bonequinho em cima de um skate. Ele
observou os detalhes e deu uma risada, franzindo um pouco o
cenho, sem entender.
— Abre, meu filho — minha avó incentivou.
Ele abriu e seu queixo caiu, junto com a caixinha e ele ficou
estático olhando para o papel. Pipo estava tremendo um pouco, os
olhos se movendo com rapidez de um lado para o outro enquanto
ele tentava ler os dados da passagem.
— Puta que pariu!
— A boca, Pipo! — ela brigou.
— Caralho, eu não acredito que vocês fizeram isso! — Sua voz
saiu baixinha agora e ele nos olhou, sem reação.
— Foi basicamente seu irmão... — Seu olhar veio para mim e
eu sabia que havia um pouco de repreensão, porque ele não queria
que eu gastasse o meu dinheiro com ele.
— Para com isso, Vó. É um presente nosso.
— Vocês não precisavam... — Ele tornou a encarar o papel,
ainda sem acreditar. — Isso é muito caro, Pepeu e você precisa
juntar para o estúdio...
Era foda. Eu sabia que ele estava se matando de trabalhar
para poder pagar as coisas da viagem e até mesmo prejudicando os
treinos. Claro que eu tinha um plano e uma reserva para o estúdio,
mas minha família estava acima de qualquer coisa.
— De que adianta conseguir realizar meu sonho se você não
puder realizar o seu? — Dei de ombros e ele balançou a cabeça
negativamente, suspirando.
Porque ele pensava a mesma coisa e eu sabia disso. Felipe
não tinha como argumentar comigo porque os meus sonhos
também eram deles. Porque éramos irmãos, mesmo que nosso
sangue não fosse o mesmo. Nós havíamos escolhido aquele vínculo
e ele era forte justamente por isso.
Seus olhos estavam marejados e não demorou até que Pipo
se jogasse em cima da gente para um abraço. Demos uma risada
enquanto ele repetia diversos “obrigados” e “eu amo vocês”.
Meu irmão começou a falar desenfreadamente, fazendo planos
e minha avó balançava a cabeça positivamente, empolgada com
tudo o que ele dizia. Aquela sensação de paz voltou a me preencher
quando olhei para os dois, mas de uma forma diferente. As duas
pessoas mais importantes da minha vida estavam ali e ainda assim,
tive a impressão de que faltava alguma coisa.
 
Meus dedos delineiam cada um de seus contornos
Pintando um retrato com minhas mãos
Num vaivém, nós nos balançamos
Como galhos numa tempestade
Que mude o tempo
Ainda estaremos juntos no final
:: SUNDAY MORNING - MAROON 5 ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Estava de férias, mas a semana que se seguiu foi mais
cansativa do que qualquer uma que tinha tido durante o ano. Eu e
Pedro simplesmente não sabíamos mais a definição de pausa.
Nós transávamos por toda a parte e eu já estava começando a
achar que não havia um único lugar daquele condomínio que ele
não tinha me comido.
Começou no dia seguinte, depois de eu ter passado mais de
seis horas sendo macetada por aquele homem gostoso do caralho.
Eu fui para a piscina com Lavínia e Ana e nossos olhares
simplesmente não desviaram um do outro. Eu pedi cerca de seis
garrafinhas de água apenas para que ele viesse até onde
estávamos.
Fui até o banheiro, ele me seguiu, avisou que eu precisava
parar de olhar para ele daquele jeito e me beijou. Depois, disse que
tinha colocado um aviso de “Manutenção” na porta assim que entrou
e acabamos transando ali mesmo.
Então o caos começou. Qualquer lugar parecia apto para nós
dois se estivesse vazio e longe de câmeras e como se não fosse
suficiente, ainda dormíamos juntos em algumas noites na casa do
Heitor. Meus pais estavam viajando em um congresso com o
Gregório, o que tornou tudo muito mais fácil.
Eu cheguei até mesmo a perder a consulta com minha
esteticista no Recreio porque decidi dar uma carona para ele buscar
algumas coisas em casa. E quase fomos pegos no flagra pelo Pipo,
que apareceu algum tempo depois e alegou que ele estava tocando
punheta, já que não permitiu sua entrada no apartamento. Naquele
dia, também provei o empadão da avó dos dois, porque ele pegou
um pedaço escondido, alegando que levaria para a casa do Heitor.
Pedro era simplesmente viciante, mas não era só isso. Ele era
uma companhia agradável e eu gostava das nossas conversas, de
poder ser eu mesma sem precisar fingir. E por mais que ele fosse
mais fechado, acabava se abrindo e compartilhando alguma coisa
da sua vida se eu insistisse um pouco mais. Sentia-me como um
martelinho que ia quebrando aquela casca dura aos poucos.
Nós ficamos conversando umas duas noites no telhado depois
de um sexo violento, eu fumando dentro de uma das suas camisetas
largas e boné e ele acabando com as minhas jujubas. Era como se
aquele local fosse nosso ponto de conexão e foi assim que descobri
que o motivo pelo qual ele começou a lutar e toda a história da sua
mãe.
Percebi que aquele garoto era muito apaixonado pela avó e
pelo irmão e que fazia de tudo pelas duas pessoas que o
acolheram.
Em uma semana, eu notei muitas coisas, inclusive um vínculo
maior entre nós se formando involuntariamente. Não era como se
quiséssemos isso e acho que até mesmo estávamos lutando contra,
mas parecia inevitável.
Durante os dias que se seguiram, eu ouvi sobre o seu sonho
de abrir um estúdio, sobre querer mostrar a sua arte para o mundo.
Pedro desejava deixar a sua marca, inspirar pessoas e ser
relevante. E era fácil demais me identificar com aquilo.
Ele me contou sobre os livros que gostava de ler, sobre as
crianças que ensinava, sobre a época da doença da sua avó e
também sobre todas as merdas que ele já tinha se metido por causa
do Pipo.
E tive a constatação de que o marrentinho que dizia me odiar
tinha um coração gigante.
Em contrapartida, eu desabafei a respeito dos meus
problemas, sobre como me sentia presa dentro de uma redoma de
vidro, vendo todas as pessoas viverem suas vidas como gostariam.
Ele não me julgou dessa vez, na verdade, não fez isso em nenhum
dos momentos. Pelo contrário, Pedro afirmou que entendia os
sacrifícios, mas que talvez fosse importante que eu quebrasse essa
barreira, porque não era justo que eu não pudesse viver minha vida.
— Por que está me olhando assim? — perguntou, abrindo um
sorriso lindo que fez meu coração acelerar.
Agora o meu coração disparava ainda mais todas as vezes em
que ele me olhava ou sorria para mim.
— Nada, só estou secando você, como eu sempre faço —
brinquei.
Nós estávamos no chão da sala da casa do Heitor depois de
transarmos no tapete, porque parecia longe demais subir para o
quarto.
— Eu te entendo, eu sou muito gostoso.
Dei um tapinha no seu braço e ele me puxou para um beijo,
deslizando os dedos pelo meu corpo lentamente e observando o
movimento.
— A sua pele parece a porra de uma tela branca pra mim —
comentou, passando a ponta do indicador pelas minhas veias
aparentes. — Tenho vontade de desenhar em você inteira.
Eu ri e me levantei, indo até a minha bolsa e pegando um
hidrocor preto que tinha no estojo e entregando-o nas suas mãos.
Pedro piscou, um pouco sem reação e eu achei fofo porque ele se
assemelhava a uma criança prestes a ganhar um brinquedo.
— Sério?
— Vá em frente.
Ele começou a desenhar pelas minhas pernas, fazendo
algumas linhas, concentrado. Vê-lo daquele jeito, colocando seus
traços na minha pele, me trazia uma sensação de plenitude
inexplicável.
Dei uma risada quando notei que no meio de diversas
borboletas e flores o idiota escreveu os números 1-9-0 gigantes.
— Você poderia fazer uma em mim — sugeri, encolhendo os
ombros. — Não isso aí, obviamente.
Pedro se afastou e me encarou um pouco em choque.
— Você? Quer que eu tatue você?
— Eu sempre quis uma tatuagem e eu fiquei apaixonada nos
seus desenhos desde que os vi...
— Ficou apaixonada nos meus desenhos? — indagou, um
pouco cético, estreitando os olhos.
— Sim, principalmente na borboleta azul que você fez “pra sua
garota”. O que é uma pena... Acho que aquele desenho ficaria bem
em mim — tentei não ser debochada, mas foi impossível.
E me senti uma idiota depois que as palavras deixaram a
minha boca, em especial porque o maldito abriu um sorrisinho
cínico. Ele segurou meu tornozelo e me puxou para cima, para que
eu me sentasse no seu colo. Segurou meu rosto com uma das
mãos, desceu os olhos para a minha boca e a pergunta foi soprada
nos meus lábios:
— Por que esse tom? Está com ciúmes?
Eu vacilei, abrindo e fechando a boca antes de negar de uma
vez, o que fez com que ele achasse graça.
— Não, foi apenas um comentário.
— Hm... — Ele arrastou o nariz pelo meu pescoço e depositou
um beijo ali, bem perto da minha orelha. — Posso te contar um
segredo, 190?
Cantarolei um ruído de concordância, fechando os olhos e
aproveitando a sensação do toque na minha pele.
— Você estava na piscina um dia... — começou a dizer, dando
vários beijos pelo meu ombro. — Tão gostosa dentro de um biquíni
azul... Tinha dado um chilique comigo porque sua caipivodka estava
azeda e eu tinha esquecido de coar...
Dei uma risada, deixando minha cabeça tombar um pouco
para o lado, para que sua língua percorresse meu pescoço. Deus,
eu não sabia mais como conseguia ter algum foco perto daquele
homem.
— E você disse que estava azeda como eu — lembrei
baixinho.
— Eu não esqueci porra nenhuma — confessou, rindo contra
minha pele. — E não botei açúcar de propósito.
— Você é um babaca — sussurrei, mordendo seu lábio.
— E você, uma insuportável — disse, segurando meu maxilar
com força. — De qualquer forma, nesse dia, uma borboleta pousou
em você na hora que estava tomando sol. Ela era azul também.
Então, 190... Mesmo você me deixando louco, eu estava pensando
em você na hora em que desenhei a borboleta. Ela é sua, se você
quiser. Eu nunca mostrei ela pra Luna.
Pisquei devagar e mais uma vez minha frequência cardíaca
aumentou. Eu não sabia como lidar com ele quando era fofo,
quando fazia minhas vontades ou ficava me encarando como se eu
fosse a coisa mais perfeita existente na Terra. Será que ele olhava
assim para a garota dele?
Era muito mais simples quando eu não me perguntava se ele
estava com ela quando não estava comigo. Muito mais fácil quando
era um arrogante babaca que me julgava dia e noite.
Suspirei, beijando-o logo em seguida.
— Por qual motivo diz essas coisas? Acho que a sua sigla
deveria mudar de GBR para GP — sussurrei baixinho e ele me
afastou um pouco pelo pescoço para me olhar nos olhos.
— Está me chamando de Garoto de Programa, porra?
— Não. — Dei uma risada. — Garoto Problema.
— Sou um problema? — perguntou, roçando os lábios nos
meus e eu senti meu corpo ficar mole com o seu toque.
— Na minha vida, sim.
— Por quê?
— Porque você é a definição de confusão... Você acaba com o
meu equilíbrio e eu não consigo ver uma saída para isso que
começamos.
— Quer uma saída para o que começamos? — Arqueou uma
das sobrancelhas.
— Não.
— Bom, porque acho que podemos aproveitar um pouco mais
antes de procurarmos uma.
Ele me beijou até que meu ar se tornasse nulo, até que eu só
pudesse ouvir o meu coração pulsando nas minhas veias, querendo
rasgá-las. Ele me beijou intensamente até que eu esquecesse meu
nome ou qualquer coisa ao nosso redor. Ele me beijou até que eu
quisesse uma coisa e apenas uma.
— Pedro, o que eu preciso pra ser a sua garota? — deixei o
questionamento escapar, praticamente dentro da sua boca.
Seu corpo se afastou do meu instantaneamente e ele cerrou
um pouco os olhos, analisando-me por completo.
— Você não pode ser a minha garota
— Por que não?
— Eu tenho um mandamento.
— Mesmo? — Dei uma risada, mas ele não pareceu achar
graça. — E qual é?
— Não me envolvo com mulheres ricas — disse
categoricamente. — E é um mandamento sério que eu criei, 190...
Tipo os que a gente segue na igreja. Bem, eu sigo quase todos...
Sobre a parte da castidade eu fui obrigado a cometer pecado... —
Ele parou, um pouco pensativo, e desceu os olhos pelo meu corpo.
— E bem, também não fui muito fiel seguindo o “não desejar a
mulher do próximo”. Mas o que eu criei é o principal e esse eu
realmente sigo.
— Sinto te informar então, mas acho que você já está pecando
— brinquei.
— Não estou envolvido com você — afirmou, parecendo
irritado.
— Não?
Antes que ele pudesse responder, meu celular tocou e a foto
do Gregório apareceu, fazendo com que ele fechasse ainda mais as
expressões. Não atendi, mas ele enviou uma mensagem, dizendo
que estava chegando na minha casa em alguns minutos com sua
mãe.
— Preciso ir... — avisei e ele resmungou um “ok” de má
vontade. Eu o beijei e perguntei baixinho: — Tem certeza que não
está envolvido?
— Tenho. Estamos transando, isso não é um envolvimento.
Além do mais, você tem um namorado, não tem?
— Achei que pra ser sua garota, a palavra namoro não
precisava estar envolvida...
— Você não pode ser minha garota. E nós não estamos
envolvidos — disse por fim. — Você deveria ir... Seu namorado não
está te esperando?
— Sim, ele está — respondi, sentindo minha língua amarga.
Levantei do seu colo, vesti minhas roupas e saí pela porta,
deixando dentro daquela casa a única realidade que eu queria ter.
 
 
Você poderia me amar em vez de todos os namorados que você tem?
Saiba que eu faria você esquecer todos esses homens galinhas ricos
Beije-me
Se você vai partir meu coração, este é um bom começo
:: KISS IT OFF ME - CIGARETTES AFTER SEX
 
PEDRO QUEIROZ
 
Eu não pensava em mais nada que não fosse a maldita.
Agora o babaca do Príncipe Fúnebre tinha voltado de viagem e
estava como um urubu em cima dela. Ele apareceu com flores e
chocolates em um dos dias que ela estava na piscina e seus amigos
ficaram fazendo piadinhas e pedindo para que tirassem uma foto se
beijando.
Ela o beijou.
Foda-se que não foi um superbeijo, eu fiquei puto igual.
Me irritava a forma como eles pareciam naturais, porque
mesmo que Larissa afirmasse que não tinham nada, havia muita
intimidade entre os dois.
Ela havia perguntado o que fazer para ser a minha garota e
aquilo me quebrou por completo. Eu sabia bem que Larissa
Albertelli não poderia ser minha, que a patricinha era totalmente
proibida para mim e fora do meu alcance.
Porra, ela estava em um namoro de fachada com um merda
porque era incapaz de se impor. Nunca que aquela garota abriria
mão de alguma coisa para ficar comigo.
Eu entendia como as coisas funcionavam. Rico não se
misturava com pobre. E a verdade é que eu estava com ódio por ter
me colocado naquela situação. Porque sim, mesmo que eu tivesse
plena consciência de tudo, eu queria que ela fosse minha.
E olhando-a se arrumar na minha frente, admirando o próprio
reflexo enquanto alisava o vestido elegante e ria para mim, eu senti
as porras das borboletas no estômago.
Não! Aquilo não podia ser real.
Não tinha sido isso que eu pedi, meu Deus.
Eu não desejava aqueles malditos insetos farfalhando dentro
de mim.
Na verdade, queria uma daquelas raquetes elétricas.
Eu queria matar todas elas!
Patético, era assim que me sentia. E como se não bastasse,
estava tão incomodado que quando soube que o pai dela sediaria
um daqueles eventos que costumava fazer no clube, me voluntariei
para servir.
— Pode me ajudar? — perguntou, vindo até mim.
Ela estava linda com um vestido preto, o decote nas costas era
praticamente todo aberto, com umas tiras bem fininhas e cruzadas.
Respirei fundo, tentando controlar o caos que começava a se
instaurar dentro de mim sempre que Larissa Albertelli se aproximava
demais.
Afastei seu cabelo, colocando-o de lado e ajeitei as amarras
devagar, observando sua pele se arrepiar no momento em que meu
dedo roçou nela. Dei um puxão mais forte no final, fazendo com que
ela engasgasse uma respiração e colando seu corpo no meu.
Mais uma inspiração profunda, o cheiro de jujuba me deixando
inebriado. Depositei um beijo no seu ombro e deslizei uma das
mãos da cintura para sua bunda.
FODIDO. Era como eu estava.
Percebi um sorrisinho safado no minuto em que se virou,
empurrando-me em uma poltrona logo em seguida. O sorriso não
deixou seu rosto quando ela levantou umas das pernas, apoiando-a
no meio do meu peito para que eu amarrasse sua sandália e eu
segurei seu pé, encarando-a no fundo dos olhos.
— Você não vale nada, 190. Sabe disso, não é?
— Eu nunca disse que valia, GBR.
Arrastei o polegar pela sua panturrilha e observei o movimento,
admirando mais uma vez as pernas perfeitas que aquela garota
insuportável tinha. Deixei que minha mão deslizasse devagar antes
fechar a fivela da sandália. Levantei os olhos para vê-la divertida
com a minha tortura e depois a filha da puta fez o mesmo com a
outra perna. Repeti o movimento, mas, dessa vez, segurei antes de
abaixá-la, dando um beijo no seu tornozelo.
Na hora em que eu sugeri que ela se arrumasse na casa do
Heitor, não imaginei que seria aquela tortura. Eu estava vestindo-a
quando deveria estar tirando suas roupas, porra! Era tão injusto...
Tudo porque queria ganhar mais algum tempinho de foda antes do
evento.
— Obrigada. — Ela se inclinou e deu um beijo na minha boca
antes de voltar para o espelho.
Ela era linda. Com maquiagem, sem, vestida daquele jeito ou
usando um saco de batatas. Acho que se Larissa ficasse do avesso,
ainda assim seria perfeita. Eu estava completamente obcecado por
ela, pelas curvas do seu corpo, seus olhos, seus lábios grossos, seu
cheiro e sua pele virgem que implorava por um dos meus desenhos.
Onde eu tinha me metido, meu Deus?
Os pais dela já estavam no evento e o babaca do namorado de
fachada a pegaria na frente da sua casa em alguns minutos. Não
demorou para que ela se despedisse e eu fui para o salão porque
não era herdeiro de porra nenhuma e precisava trabalhar.
 

 
Eu realmente odiava ficar perto de ricos. Todas aquelas
conversinhas me tiravam do sério e chegava a ser patético saber o
quanto eles rasgavam dinheiro e depreciavam as pessoas. E como
se não bastasse, precisei ouvir um filho da puta debochando com
um outro figurão rico que quanto mais pessoas ficavam doentes, era
melhor para eles.
Que lindo! A verdadeira medicina por amor!
Estava puto (na real, eu já era por natureza) e comecei a ficar
ainda mais quando vi aquele arrombado de merda segurando sua
cintura, inclinando-se um pouco mais para cochichar alguma coisa
em seu ouvido.
Ela riu para ele e revirou os olhos.
Odiava aquela porra de intimidade dos dois.
Ainda assim, era muito prazeroso saber que eu estava
comendo a mulher que o almofadinha achava ser dele. Porque
mesmo que o namoro fosse falso, sabia que Gregório Valença
conseguia o que desejava e ele queria a mulher que estava comigo.
Depois de algum tempo, Larissa caminhou até o bar e pediu
um drink. Achei que voltaria para o lado do Gregório, mas ela
encontrou um homem que estava roubando olhares de diversas
mulheres desde que tinha chegado e resolveu se sentar em um dos
bancos em frente ao balcão.
Em algum momento, seu olhar encontrou o meu e ela abriu um
sorriso quase que provocativo. A desgraçada sabia que eu estava
irritado e parecia estar achando graça nisso.
Quase deixei a bandeja cair quando ela jogou a cabeça para
trás, rindo e encostou no braço do cara. Perdi a compostura no
segundo em que seu olhar veio até mim novamente enquanto ela
prendia os lábios inferiores entre os dentes.
No outro lado do salão, o herdeiro dos Valença também
parecia puto, vendo a cena. Ele balançou a cabeça diversas vezes e
saiu da rodinha em que estava. Parou ao meu lado, pegou uma taça
de champanhe e virou de uma só vez, os olhos fixos nela. Depois,
repetiu a ação e se afastou um pouco para ligar para alguém.
— Eu não sei o que fazer mais — ele desabafou com a pessoa
do outro lado da linha, cochichando.
Claro que o idiota nem notou minha presença. Eles nunca
faziam tal coisa. Nós, funcionários, não éramos nada para eles. Era
praticamente como usar a Capa da Invisibilidade[61]. Quem diria que
para ter este artefato você precisava ser um garçom e não um
bruxo? E eu esperei minha carta de Hogwarts por tanto tempo e só
o que precisava era mandar um currículo...
— Achei que estávamos bem, hoje as coisas pareciam como
antes, mas agora ela está conversando com o babaca do Domenico,
que nem era pra estar aqui! A família dele não está no meio de um
escândalo? — Ele fez uma pausa e soltou um ruído de
concordância. — Pois é, e ela me disse que eu não poderia dar um
pio, que ela ia trepar com o Rio de Janeiro inteiro.
RIO DE JANEIRO INTEIRO? QUE PORRA?
— Ela mal me respondeu enquanto eu estava na viagem — ele
continuou. — Eu não sei mais o que fazer pra reconquistar a Lari,
mas fica difícil se ela estiver com outros caras…
Eu me afastei de novo, abaixando a bandeja assim que as
taças se esgotaram e a segurei com tanta força que meus dedos
provavelmente estavam brancos.
Estava furioso. Completamente cego de ciúmes. Primeiro,
porque havia a possibilidade de ela estar com outros caras, até
porque eu fui um idiota de dizer com todas as letras que ela não era
minha garota. Segundo, porque o filho da puta estava contando para
alguém sobre eles estarem em uma boa situação e também sobre
todo o esforço para tentar reconquistá-la. Certeza que a parte da
agressão ele havia deixado de fora.
Mandei uma mensagem para ela, pedindo que me encontrasse
perto da piscina. Avisei ao Roberval que precisava fazer uma
ligação para o Heitor porque algo tinha acontecido na casa e na
mesma hora ele me liberou.
Não demorou muito para que ela pisasse do lado de fora e eu
a puxei pelo pulso para trás de uma pilastra escondida e a coloquei
contra a parede. Larissa deu uma risadinha divertida e me beijou
calorosamente, derretendo quase toda minha postura.
Quando minha mente começou a enevoar, eu me afastei e
segurei seu pescoço, balançando a cabeça em uma negativa.
— Por que está me testando? — perguntei, sério, olhando para
a sua boca antes de olhar para os seus olhos.
— Não fiz nada — respondeu, cheia de cinismo, encolhendo
um pouco os ombros.
— Odeio quando aquele idiota encosta em você — confessei
baixinho contra os seus lábios. — E achei um outro motivo para te
odiar, 190.
— Mesmo? Qual?
— Odeio ver você de papinho com outros caras... — comentei
no seu ouvido, deslizando a mão livre por sua coxa. — Odeio
imaginar o que eles podem querer fazer com você...
Suas pernas se separaram um pouco no momento em que eu
esfreguei os dedos por cima da renda da calcinha preta que eu
sabia que ela estava usando. Observei os seus olhos se fechando
ao afastar o tecido e massageei o seu clitóris lentamente.
— Quietinha... — mandei, vendo que ela arfou um pouco mais
alto. — Olha pra mim.
Suas pálpebras se abriram na mesma hora e eu enterrei dois
dedos na sua boceta, que já estava melada. Eu ficava louco de
saber que a maldita ficava molhada tão rápido, apenas com um
beijo meu, porque meu pau ficava duro só de pensar nela.
— Eu odeio o fato de você me tirar tanto do sério.
— Eu te tirei do sério? — Ela tentou me puxar para um beijo,
mas eu mantive o aperto no seu pescoço.
— Sabe que sim... Não quero que você fique com esse cara.
— Então fecha os olhos, GBR — retrucou de forma insolente.
Respirei fundo, mantendo meu olhar no dela, pegando fogo de
ódio. A posição da minha mão estava propícia para estrangular
aquela maldita que dissecava a minha paz. Eu nem mesmo
conseguia pensar direito quando estávamos tão perto.
— Eu não sou sua garota, esqueceu?
— E por isso você vai sair trepando com meio mundo?
— Eu posso, se quiser. — Ela deu de ombros.
— Você está me deixando puto.
— Está com ciúmes? — perguntou, abrindo um sorrisinho
prepotente.
— Sabe que sim — respondi, seco.
— Quanto?
— Pra caralho.
Ela arrastou os lábios pelos meus, puxando-os com os dentes
e dando leves mordidas antes de sussurrar, cheia de deboche:
— Por quê? Achei que não estava envolvido comigo, que não
podia quebrar o seu mandamento...
— Foda-se, Larissa, você é a porra do meu pecado preferido.
Um microssorriso naquela boca perfeita e eu mergulhei nos
seus lábios como se minha vida dependesse daquilo. Deixei que
nossas línguas se perdessem uma na outra até que eu não fizesse
mais ideia do que havia ao meu redor. Eu a beijei até colocar fogo
no papel em que tinha escrito o meu mandamento dentro do meu
cérebro. O incêndio se alastrou, tomando conta de todo o meu
mundo... E eu amei o fato de ele ter virado cinzas.
Minha mão voltou a se arrastar pela boceta apertada,
deslizando com mais facilidade. Já estava quase gozando nas
calças enquanto engolia os gemidos baixinhos que ela dava dentro
da minha boca. Tudo o que eu conseguia pensar era no clitóris
inchado entre os meus dedos, desesperado para ser chupado.
— Ninguém mais vai te deixar como eu te deixo... — afirmei,
aumentando um pouco mais o ritmo. — Ouviu, 190?
Suas costas se arquearam quando aumentei um pouco o
ritmo, a respiração se quebrando em um palavrão silencioso que
não consegui escutar.
— S-sim... Meu Deus!
Eu sabia que ela estava quase lá porque agora eu conhecia
cada ação do seu corpo. Tinha transado com aquela mulher mais
vezes do que podia contar em um curto período de tempo, mas eu
entendia totalmente o seu funcionamento.
— Você me irritou tanto hoje... — falei, diminuindo os
movimentos.
Ela me olhou, quase chorosa, as mãos torcendo a camisa do
meu uniforme, o corpo se contorcendo contra o meu, o clitóris
latejando nos meus dedos.
— Desculpa. Desculpa. Não para, Pedro. Por favor.
— Eu sei que você está quase, linda.
— Por favor... — ela soprou contra os meus lábios, me
beijando.
Parei o que estava fazendo, erguendo um pouco o seu corpo
na parede e puxando sua calcinha para baixo, tirando-a. Ela piscou,
confusa, na hora em que seus saltos encostaram no chão
novamente e eu coloquei a peça entre nós dois, quase na frente do
seu rosto.
— Está vendo isso aqui?
— O que está... — Sua voz engasgou. — O que está fazendo?
Eu guardei a calcinha no meu bolso, voltei a segurar o seu
pescoço com uma das mãos e deslizei o polegar pela linha da sua
garganta, sentindo-a engolir em seco. Arrastei meus dentes pelo
seu maxilar e direcionei minha boca bem perto do seu ouvido, vendo
seus pelos se eriçarem quando respirei contra sua pele.
— Você vai entrar nessa festa e vai ficar sem calcinha o resto
da noite se quiser que eu te faça gozar. Ela vai ficar no meu bolso
pra você se lembrar quem é que manda na porra da sua boceta. —
Voltei a olhar nos seus olhos e sussurrei nos seus lábios: — A partir
de hoje, 190... Sua boca é minha, seus olhares são meus, sua
boceta é minha. Você inteira é minha. Ouviu?
Ela apenas assentiu, como se fosse incapaz de fazer qualquer
outra coisa.
— Perfeito — disse, dando um beijo rápido nos lábios e
fazendo carinho no seu rosto. — Porque se eu vou pecar, você vai
pro meu inferno junto comigo.
 
No carro, eu mal posso esperar
Para te levar para o nosso primeiro encontro
Tudo bem se eu segurar a sua mão?
É errado se eu pensar que dançar é um saco?
Você gosta do meu cabelo estúpido?
:: FIRST DATE - BLINK-182
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Faltavam poucos dias para a volta às aulas, então minha tia
resolveu aparecer para um chá da tarde com os meus primos em
mais uma tentativa de infiltrá-los no hospital dos meus pais.
Passei todo o tempo ouvindo minha mãe dizer o quanto estava
ansiosa para que eu voltasse à rotina, animada em me mostrar
todas as coisas que eu odiaria aprender. Um mês de férias com
certeza era pouco para mim, eu queria uma vida inteira longe do
hospital, faculdade e qualquer coisa que estivesse ligado à
Medicina. Conforme a conversa desenrolou, eu vi que daria merda.
Obviamente todo o falatório teria uma consequência, porque Muriel
permaneceu me encarando cheia de ódio.
Assim que eu fui até o banheiro, ela me interceptou no
caminho, me chamou de cadela ingrata, como sempre fazia e teceu
comentários maldosos, mais uma vez deixando claro que eu não
pertencia àquele mundo, que minha mãe era uma coitada iludida e
que eventualmente eu iria me voltar contra ela porque eu era o fruto
podre da família.
Dessa vez, ao invés de pegar o meu cigarro e as minhas
jujubas para subir para o telhado, eu liguei para ele. Porque a única
coisa que eu queria era sua companhia, porque ele havia se tornado
meu refúgio.
— Ei... — falei baixinho, cutucando minhas unhas. — Tudo
bem?
— Que voz é essa?
— Recebi minha visita preferida — contei, dando uma risada
sem humor. — Queria, ahn...
— Quer me encontrar aqui na academia? A gente pode fazer
alguma coisa depois que eu terminar a aula.
— Agora? Mas eu nem me arrumei...
— Agora, 190. Já vai pegar um trânsito do caralho. Então, a
não ser que esteja pelada, vem como está...
Olhei meu reflexo no espelho e suspirei, irritada com a roupa
que estava usando. Nenhum programa parecia muito adequado
para usar um shortinho jeans preto e uma blusinha larga de malha
colorida. Botei minhas botinhas de couro, peguei minha bolsa e
avisei para minha mãe que iria sair com a Ví.
Eu cheguei na academia a tempo de vê-lo dentro da sua roupa
de jiu-jitsu. Porra, aquele homem ficava lindo de qualquer jeito, mas
com aquele kimono preto, com as duas mãos apoiadas na faixa da
mesma cor, minha calcinha chegou a pesar. E observar sua
interação com as crianças fazia um comichão tomar conta de todo o
meu corpo.
Os pequenos começaram a cochichar quando me viram,
falando que a namorada do Tio Pedro estava ali de novo. Ele revirou
os olhos, chamando a atenção de alguns deles e mandou que
voltassem a prestar atenção no que ele estava falando.
Logo depois, colocou os alunos para fazerem um cabo de
guerra, o que tornou a aula ainda mais caótica. Um dos meninos
caiu em cima de uma garotinha e seus olhos ficaram cheios de
lágrimas ao segurar o pezinho com dor. Pedro correu até a Juju (eu
ouvi seu nome), bem preocupado, mas logo depois que ele
massageou o local, ela o abraçou e disse que estava bem.
Era muito fofo observar sua interação com as crianças, a forma
como ele era cuidadoso e superprotetor com cada uma delas. O
idiota convencido estreitou os olhos para mim e deu uma risada,
provavelmente achando graça da expressão embasbacada que
deveria estar no meu rosto. Meu corpo chegava a estar mole, minha
cabeça pendendo para o lado e eu até mesmo suspirei. Meu Deus,
chegava a ser ridículo o quanto eu estava de quatro por ele.
A aula acabou algum tempo depois e quando finalmente a sala
ficou vazia, ele veio até o local em que eu estava sentada, segurou
o meu rosto e me beijou.
— Oi — falei, sentindo minhas bochechas corarem no instante
em que ele se afastou um pouco para me olhar.
— Oi... — Ele riu e voltou a me beijar, parando alguns
segundos depois para me olhar preocupado. — Você está bem?
— Tudo bem.
— O que aquela puta disse agora?
— Nada de muito diferente. Eu só precisava sair um pouco de
casa.
— Já disse que deveria dar o troco. Colocar laxante na bebida
dela, sei lá... Eu poderia fazer isso, você pode sugerir um dia na
piscina...
Eu gargalhei, já era a terceira vez que ele sugeria que eu me
vingasse dela de alguma forma.
— Não vou te meter em problemas. Além do mais, acho que
alguém já se vingou por mim... — Comprimi os lábios, lembrando da
sua expressão no almoço de hoje quando ela comentou sobre o que
tinha acontecido. — Alguém pichou uma piroca gigante no muro da
casa dela.
Pedro deu uma risada.
— Do nada? — ele perguntou, um pouco confuso, e eu dei de
ombros. — De qualquer forma, ainda acho que é pouco. Voto pelo
laxante.
— Você é muito bobo. E então, o que vamos fazer? Porque eu
estou horrível com essas roupas, mas você me mandou sair e fiquei
com medo de atrasar demais... E dependendo de onde formos, não
quero estar mais desarrumada do que as outras pessoas —
comecei a me justificar e ele desceu os olhos para analisar o que eu
estava vestindo.
— E é impossível você estar horrível, 190 — afirmou,
colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e prestando
atenção no movimento antes de fazer contato visual. — Você
poderia estar com um saco de lixo e ainda assim, eu não
conseguiria parar de te olhar.
Meu coração acelerou um pouco mais e eu senti aquela
sensação que estava se tornando comum no meu estômago, um
redemoinho que se alternava entre o quente e o gelado.
— Você precisa parar de ser fofo — pedi, roçando os lábios
nos dele.
— Eu gosto de ver você ficando vermelha — confessou, rindo.
Fomos interrompidos pelo toque do meu celular e ele bufou
assim que viu a foto do Gregório na tela. Levantou-se e começou a
arrumar as coisas enquanto eu atendia a ligação, sem paciência
alguma.
Expliquei que não voltaria para casa hoje e pelo silêncio que
se seguiu, tive certeza de que meu “namorado” odiou, mas se
limitou a pedir que eu desse notícias quando chegasse e lembrou
que tínhamos um jantar naquela semana com um casal de médicos
do hospital.
Antes que eu desligasse, uma mulher entrou na sala. Ela
estava vestindo um kimono azul e foi até Pedro, abraçando-o e
dando dois beijinhos no seu rosto. Ela gargalhou de alguma
piadinha que ele fez e eu me mantive no celular, perguntando algo
para Gregório e fingindo que estava prestando atenção nas coisas
que ele estava dizendo.
Certeza que eles já tinham se pegado. Eu apostaria o meu cu
naquilo. A forma como ela o olhava chegava a ser ridícula. Minha
respiração descompassou quando ele puxou a barrinha da faixa
preta dela, como se estivesse brincando com alguma coisa.
Que ódio.
Eles olharam para mim e ela levantou uma das mãos, me
dando um tchauzinho, bem simpática. Tirei o celular do ouvido
rapidamente e fiz o mesmo, ignorando os ciúmes e repetindo para
mim mesma que eu não era uma desequilibrada.
Ela saiu algum tempo depois e eu continuei ouvindo a voz de
Gregório, que estava tagarelando sobre uma cirurgia complicada
que tinha feito. Pedro avisou mexendo a boca que iria tomar um
banho e saiu por uma das portas.
Fiquei vendo alguns vídeos do TikTok enquanto esperava por
ele, que voltou pouco tempo depois com a mochila nas costas,
falando para irmos. E estaria tudo bem se ele não tivesse feito o que
fez em seguida.
Não estava preparada para aquilo e meu coração também não.
Porque ele simplesmente entrelaçou os dedos nos meus assim que
saiu da sala, andando por todo o caminho da academia de mãos
dadas comigo, despedindo-se das pessoas.
Ele. Estava. Andando. De. Mãos. Dadas. Comigo.
Como se eu fosse a garota dele.
Eu queria gritar, dentro de mim parecia uma adolescente de 15
anos depois de dar o seu primeiro beijo. Era patético, ridículo e
ainda assim, não havia sensação melhor.
 

 
Ele me convenceu a ir em um karaokê no Terreirão porque
disse que seria divertido. No início, eu disse que não iria cantar nem
se ele me chupasse por duas horas seguidas, mas depois que ele
perguntou “tem certeza?”, tomei algumas doses de tequila e decidi
cantar “Perigosa”, das Frenéticas. Qual era a graça de ir para um
karaokê se não era para passar vergonha?
Me empolguei vendo-o rir, com a língua apoiada no dente
superior, balançando a cabeça negativamente no momento em que
eu cantei:
 
“Eu tenho veneno
No doce da boca
Eu tenho um demônio
Guardado no peito
Eu tenho uma faca
No brilho dos olhos
Eu tenho uma louca
Dentro de mim...”
 
Eu amava o jeito como ele me olhava agora, uma mistura de
“quero te matar” com “sou louco por você”. E eu sabia exatamente o
significado daquele olhar.
— Como eu me saí? — perguntei assim que acabei a música,
voltando para a mesa que nós dois estávamos.
— Você definitivamente é muito desafinada.
Ele gargalhou e eu entreabri a boca, chocada com toda sua
honestidade. Acertei um tapa no seu braço, mas quando fui dar o
segundo, ele segurou meu pulso e me puxou para um beijo.
— Na próxima, você deveria chamar o seu namorado aqui e
cantar aquela música do Porta dos Fundos[62]... — ele começou a
dizer, gargalhando, e eu franzi o cenho, confusa.
— Quê?
— Você nunca viu?
Ele abriu o celular e colocou a música para tocar e eu explodi
em gargalhadas ao perceber que a letra tinha sido feita para mim.
 
“Meu amor, eu já não amo mais você
Esse namoro já acabou há muito tempo
E só você não percebeu
Meu amor, eu não aguento mais você
Agora mesmo te olhando me veio um refluxo
Mas já desceu”
 
E ainda tinha uma parte em que ela cantava:
 
“Gregório, meu amor, eu tenho ódio de você
E quando você vai gravar um vídeo pro Porta dos Fundos
Eu dou pro porteiro”
 
Fiquei pensativa porque se trocasse a palavra por “garçom”, eu
diria que os atores estavam realmente fazendo uma homenagem
para a minha vida.
— Pior que ele usa bastante verde! — falei, assim que acabou
a música, ainda entre as risadas. — Ai, minha barriga está doendo!
Ainda estava rindo no momento em que seu celular tocou e ele
fez um sinal de silêncio, encostando o indicador nos lábios. Pedro
sempre atendia quando seu irmão ligava, mesmo que estivéssemos
no meio da foda, porque tinha medo de alguma coisa acontecer com
a sua avó.
— Fala, Pipo... Tô num barzinho. Ah, eu achei que você fosse
treinar, brother, por isso nem te chamei. — Uma pausa. — Não, não,
já estou quase indo embora. Vai dormir que amanhã você trabalha
cedo, porra.
E desligou.
— Tudo bem?
— Ele só queria saber se estava tudo bem porque eu sumi —
explicou, comendo uma das batatinhas que tinha acabado de
chegar na nossa mesa.
— Você realmente não contou pra ele sobre nós dois?
Pedro já tinha me dito que não falaria para o Felipe sobre
estarmos transando. Pelo visto, o irmão sabia sobre todo aquele
discurso de mandamento idiota e ele não desejava ser chamado de
hipócrita. Disse que já bastava sua consciência fazendo isso todas
as vezes que colocava os olhos em mim.
— Não e já disse que não vou.
— Achei que não se importasse, já que estava andando
comigo de mãos dadas na academia.
Ele estreitou os olhos para mim, como se não acreditasse no
que eu estava dizendo.
— Eu fiz isso? — perguntou, parecendo realmente não ter
percebido. Eu assenti com a cabeça. — Porra, não me liguei. Meu
irmão nunca vai na academia, de qualquer forma, mas desculpa,
alguém poderia ter visto. E você tem um namorado. — A última
frase saiu cheia de deboche.
— Não me importo, estamos bem longe do condomínio e tenho
certeza de que não conheço ninguém aos arredores. Eu não estaria
aqui com você, te beijando a cada oportunidade se estivesse
preocupada com isso...
— Você realmente não consegue se conter perto de mim, não
é, 190? — indagou, com um sorrisinho convencido nos lábios,
puxando-me para mais perto pela cintura.
— Sabe que não... — falei, beijando sua boca.
No meio do beijo, ele começou a rir porque uma mulher com
voz de taquara rachada começou a cantar uma música do Roberto
Carlos.
— Vamos lá, Pepeu — impliquei e ele me olhou com
repreensão por eu ter usado aquele apelido. — É a sua vez... Quero
ver como você vai se sair.
— Acho que preciso salvar as pobres almas desse lugar
dessa... — Ele se levantou e olhou para a mulher, cheio de pena. —
Desgraça.
— Vai cantar uma música pra mim? — indaguei, mordendo o
lábio inferior.
Pedro se inclinou na minha direção e segurou meu rosto entre
uma das mãos.
— Linda... — sussurrou contra a minha boca, mordendo-a de
leve. — Eu faço o que você quiser, se continuar me olhando assim.
Ele me beijou rápido e saiu em direção ao palco. Conversou
alguma coisa com o homem que escolhia as músicas na televisão e
ficou fazendo expressões de sofrimento toda vez que a mulher
atingia uma nota mais alta.
Então chegou a sua vez e ele pegou o microfone, parecendo
bem à vontade no meio de tanta gente. O início da música do
Charlie Brown começou a tocar e foi impossível segurar as risadas.
 
“Ela achou meu cabelo engraçado
Proibida pra mim no way
Disse que não podia ficar
Mas levou a sério o que eu falei
Eu vou fazer de tudo que eu puder
Eu vou roubar essa mulher pra mim
Eu posso te ligar a qualquer hora
Mas eu nem sei seu nome”
 
Ele estava lindo, dentro de uma jaqueta jeans, com aquele
cabelo platinado que o deixava ainda mais sexy. Pedro cantava
animado, mexendo as mãos no alto, tentando agitar a plateia.
Movia-se como se fosse dono daquele palco e as mulheres do lugar
estavam hipnotizadas.
Ele não olhou para nenhuma delas, entretanto. Seu olhar se
manteve fixo em mim e somente em mim.
E quando ele finalizou a música com a frase: “Se não eu, quem
vai fazer você feliz?”, eu me perguntei a mesma coisa.
A sensação era de que Pedro estava fazendo aquele
questionamento para mim. E ali, olhando no fundo dos seus olhos,
eu soube. Ninguém nunca tinha tido aquele efeito em mim. Sentada
em uma cadeira em um karaokê dentro do Terreirão, eu tive a
constatação de que ninguém além dele me faria feliz.
 
Mas está tudo bem pois eu amo o jeito que você mente
Eu amo o jeito que você mente
Eu não posso te dizer o que realmente é
Eu só posso dizer qual é a sensação
E agora é uma faca de aço na minha traquéia
:: LOVE THE WAY YOU LIE – EMINEM ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Uma coisa que ninguém sabia era que Larissa Albertelli era
impulsiva. E pelo visto, depois de umas doses de caipivodka, isso
duplicava umas dez vezes.
Tínhamos saído do karaokê e ela disse que queria tirar uma
foto no chafariz de uma praça que costumava ficar fechada. Eu
estava achando que tudo não passava de uma brincadeira e tentei
puxá-la para irmos embora porque não desejava que fôssemos
assaltados.
E como se fosse totalmente normal, ela tirou o canivete da
bolsa, um outro pedaço de metal e destrancou o cadeado da
corrente que ficava ao redor do portão. Pisquei, chocado, e ela deu
um sorrisinho travesso.
— Como fez isso?
— Segredo — falou baixinho, agarrando meu pulso para que
eu entrasse no parque atrás dela.
Tudo naquela garota me intrigava. Em especial, o fato de que
em alguns momentos ela parecia outra pessoa. Eu sabia que
ninguém conhecia aquela faceta e não conseguia entender o motivo
de ela sempre tê-la mostrado para mim. E isso me deixava um
pouco irritado, porque tinha a impressão de que éramos feitos um
para o outro.
Nunca tinha me aberto tanto com alguém como tinha feito com
ela. Claro que já tinha conversado com Luna sobre a doença da
minha avó, meus outros relacionamentos, mas era diferente. Larissa
tinha uma forma de cavar mais fundo, de fazer com que eu me
abrisse mais. Era quase como se eu pudesse vê-la como uma parte
da minha família, se é que aquilo fazia algum sentido.
Eu só tinha tido aquele sentimento uma vez antes e foi o que
me destruiu por completo.
— Pepeu — ela chamou, sorrindo, as bochechas ficando
vermelhas porque ela sabia que eu ficaria irritado.
— Já falei para não me chamar assim, Larissa.
— Você já tinha visto essa? — indagou, esticando o braço para
mostrar o desenho da capivara com um kimono de jiu-jitsu que
estava na parede à nossa frente.
Dei uma risada, balançando a cabeça negativamente e ela se
sentou na frente do chafariz.
— Não, eu vi a bailarina que ele fez no Marapendi[63], outro dia
— contei, sentando-me ao seu lado. — Você viu?
Ela negou com a cabeça, parecendo distraída com o desenho.
— Isso é sangue? Você se machucou? — perguntei, notando
uma manchinha vermelha nos seus jeans.
Sua preocupação durou alguns segundos, mas em seguida
Larissa deu uma risada e disse que era batom, que deveria ter
esbarrado em algum lugar. Percebi que uma brisa gelada passou
por nós e tirei minha jaqueta jeans para que ela vestisse, amando o
sorriso lindo que ela me deu em resposta. A patricinha amava usar
minhas roupas e também meu boné. E eu também amava isso.
— Quem era a mulher lá na academia? — quis saber, depois
de comtemplar mais algum tempo a parede.
— A Aline, a outra professora que dá aula para as crianças.
— Hm... — Ela se virou e me deu um olhar longo antes de se
virar novamente para a parede.
— O que quer saber, 190? — perguntei, achando graça.
— O que rola entre vocês dois?
— Nós ficamos algumas vezes quando éramos mais novos,
mas ela namora uma menina agora — contei e observei seus
ombros relaxando na mesma hora.
Isso é o que me fodia. Porque eu sabia que ela também tinha
ciúmes de mim. E já estava mais do que claro que Larissa gostava
de transar comigo, mas era isso.
Aquele era o limite dela.
E eu... Bem, eu já tinha ultrapassado o meu.
— Está com ciúmes? — perguntei, apenas por implicância.
— Você sabe que sim... — respondeu, olhando no fundo dos
meus olhos.
— Aline é só minha amiga, não quero nada com ela. A mulher
que eu quero já está comprometida.
— Ela está? — Cerrou os olhos, achando graça. — Com
quem?
— Com um merda.
Eu cheguei mais perto e a virei de frente para mim, colocando
suas pernas uma de cada lado da minha cintura. Ela passou os
braços pelo meu pescoço e sorriu, fazendo um biquinho logo depois.
— Coitada...
— Pois é — concordei, enterrando o rosto no seu pescoço,
deixando meu nariz se arrastar por sua pele até que minha boca
estivesse perto do seu ouvido. — Ele é médico, tem dinheiro e carro
importado, mas é o meu nome que ela geme todas as noites em que
está comigo.
— Quando não está com você também — sussurrou baixinho.
Suspirei fundo, olhando dentro da sua íris e nem mesmo tentei
ignorar os insetos malditos que decidiram criar uma casa dentro do
meu estômago. Entendi que eliminá-los era impossível, eu teria que
conviver com aquelas pragas.
— Você fode com minha sanidade, 190.
— Que bom.
— Que bom?
— Nada mais justo, porque você já fodeu com a minha faz
tempo, GBR. — Ela sorriu, dando um beijo na minha boca.
Ouvimos um barulho e ela arregalou os olhos, puxando-me
pelo braço para que eu corresse. Nós saímos disparado, como se
fôssemos loucos, correndo pelo meio da rua até que ninguém
pudesse nos alcançar.
Depois, Larissa apoiou as mãos no joelho, tentando buscar por
fôlego e começou a rir. Resmungou que suas pernas estavam
doendo e perguntou se podia subir nas minhas costas até que
chegássemos no carro.
Eu disse que não, ela choramingou, colocando as mãos na
frente do rosto e implorou mais uma vez com uma voz melosa.
Revirei os olhos, puto comigo mesmo e com a incapacidade que eu
tinha desenvolvido de negar as coisas para aquela patricinha
mimada.
Ela deu um pulo para subir nas minhas costas e prendeu as
pernas na minha cintura. Envolveu os braços no meu pescoço como
se fosse o Pato e depositou um beijinho perto da minha nuca, me
abraçando com força.
E então toda a minha irritação se dissipou e o calor começou a
irradiar das minhas extremidades até o centro do meu peito. E ele
continuou a me queimar conforme ela ria contra a minha pele,
divertindo-se e distribuindo diversos beijos onde podia alcançar.
Antes eu estava preocupado em pecar, em descumprir o
mandamento que eu tinha criado. Agora eu me via na beira de um
precipício, encarando-o como se estivesse prestes a pular.
Eu sabia que não me recuperaria da queda. Aquilo já tinha
acontecido antes, mas agora parecia trinta mil vezes pior.
Ela me deu mais um beijo e eu liguei o foda-se.
 

 
Estava deitado na minha cama e Pato tinha resolvido me fazer
companhia porque pelo visto estava carente. Tirei uma foto dele
agarrado no meu pescoço, exatamente como ela tinha feito naquela
noite e enviei na nossa conversa.
 
Pedro: Qual é a
tara de vocês em se
agarrar no meu
pescoço?
 
190: Ele é cheiroso
e acho que o Pato se
sente meio que na
floresta.
 
 
Pedro: Na
floresta?

 
190: Você tem
cheiro de neve e
madeira seca.
 
 
Pedro: Neve?
Neve tem cheiro, porra?

 
190: kkkkkkkkkk

 
190: Tem, seu
idiota. Sei lá, você tem
um cheiro bom.
 
Pedro: Que legal,
69 contos no perfume
pra ter cheiro de difusor
de ambiente.
 
190: Não é cheiro
de difusor, meu Deus,
Pedro. É um cheiro
gostoso, nostálgico, eu
cheguei a comparar
com minhas férias nos
Alpes Suíços.
 
190: 69 reais?

 
190: Tem certeza?

 
Pedro: Sim,
comprei com a Rita, é
de uma revista que ela
vende.
 
190: Revista? Tem
certeza?

 
 
Pedro: Tenho, mas
de qualquer forma, que
bom que você gosta do
meu cheiro de neve...
 
Pedro: Seja lá o
que é isso.
 
Abri outro aplicativo quando subiu uma mensagem dela que
chegou a me deixar animado. Alguns segundos depois percebi que
não era um convite e eu me lembrei sobre o que estávamos falando.
 
190: 69?

 
190: Sério?

 
190:

 
 
Pedro: Sim. Sabe
o que isso quer dizer?

 
190: Que é barato
demais para um cheiro
tão bom?
 
Pedro: Não, 190.

 
Pedro: Significa
que é o destino
mandando eu te chupar
enquanto você me
chupa.
 
Pedro:
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

 
Pedro:

 
 
Ela não respondeu e fiquei alguns minutos olhando para a tela
do celular, com aquela imagem rodeando minha cabeça.
 
Pedro: 190?

 
Pedro:

 
Pato começou a fazer uma zona no quarto, jogando minhas
roupas que estavam na cadeira no chão. Depois, me fez segui-lo até
o quarto e eu perdi uma meia hora vestindo algumas roupinhas que
ele selecionou.
Meu celular tocou no quarto e eu o deixei brincando com
alguns bloquinhos de encaixar que ele gostava de empilhar. Era o
Heitor e ele queria saber como estavam as coisas. Eu disse que
tudo estava bem, que o projeto no jardim estava ficando bem legal.
Nós conversamos um pouco mais e ele perguntou se eu me
importava de ficar um pouco mais do que o combinado. Respondi
que não sem nem pensar direito e depois me odiei um pouco mais
por estar tão rendido por aquela maldita a ponto de me esquecer
que tinha uma casa que não era aquela. Heitor se despediu logo
depois, explicando que precisava ir ao mercado e eu desliguei.
A notificação de quase uma hora atrás apareceu na tela e meu
coração disparou.
 
190:
HAHAHAHAHAHA

 
190: Vem aqui e a
gente resolve isso.

 
E junto com a mensagem havia uma foto da sua mão por
dentro da calcinha. Na mesma hora o meu pau ficou duro e eu
comecei a pensar em como escalaria a porra daquela janela.
Coloquei uma roupa e saí, cruzando a cerca que dividia as
casas no local em que ela sempre passava para subir no telhado.
Percebi que havia umas jardineiras de pedra na parede lateral ao
seu quarto e chegava a ser ridículo porque parecia quase uma
escadinha em zigue-zague. Me apoiei em uma delas e em menos
de três minutos estava na sacada do seu quarto.
As luzes estavam apagadas e andei lentamente, esticando as
mãos para tatear a cama que eu sabia estar em algum lugar ali por
perto. Encostei no colchão e subi em cima dele, tentando não fazer
nenhum barulho, porque sabia que seus pais poderiam estar em
casa.
— Ei... — eu a cutuquei, mas tomei um susto na hora em que
ela se movimentou, vindo para cima de mim e eu senti alguma coisa
de metal na minha garganta.
A luz do abajur se acendeu e meus olhos se arregalaram ao
perceber que ela estava sentada no meu colo, só de camiseta e
calcinha e com um canivete no meu pescoço.
A postura intimidadora, a respiração ofegante e o peito subindo
e descendo sem parar me deixaram mais duro do que eu estava
quando vi a sua foto.
Larissa demorou alguns segundos para entender o que estava
acontecendo, mas antes que pudesse se mexer, eu a puxei pela
nuca, até que seu rosto estivesse quase encostado no meu. Ainda
podia sentir a lâmina contra a minha pele no momento em que ela
respirou na minha boca.
— Agora eu entendi o que o babaca quis dizer sobre ficar
excitado porque você o ameaçou com seu canivete, 190.
— Você me assustou. Eu estava dormindo — ela se justificou.
— Você me mandou vir... — falei, passando o dedo por dentro
da tira da sua calcinha fina. — Não dá pra você mandar uma foto
daquelas e esperar que eu não faça nada.
Um sorrisinho safado surgiu no seu rosto.
— Está excitado, não está? — perguntou baixinho, roçando a
boceta no meu pau devagar e passando a língua pelo meu pescoço.
— Pra caralho.
Ela apertou um pouco mais o canivete na minha garganta e eu
senti uma leve ardência, mas não me importei nem um pouco.
Porque eu ficava alucinado quando aquela garota colocava as
garrinhas de fora e deixava à mostra a parte meio insana que tinha.
Sua boca resvalou devagar até que ela chegasse em um ponto
abaixo do meu pescoço, lambendo-o vagarosamente, fazendo o
meu pau dobrar de tamanho.
— Eu vou sentar na sua cara enquanto chupo o seu pau e
você vai gozar na hora que eu quiser, ouviu? — sussurrou, fazendo
com que um arrepio escalasse pela minha coluna.
— O que você quiser, caralho — falei, completamente
hipnotizado e ela sorriu, fechando o canivete e beijando a minha
boca.
Porque era a verdade. Se Larissa Albertelli era um demônio e
a responsável pelos meus pecados, eu estava mais do que feliz por
ter vendido meu corpo e minha alma para ela.
 
Você em casa comigo
Mas você está com outro cara, yeah!
Eu sei que nós não temos muita coisa pra dizer
Antes que eu te deixe ir embora, yeah!
Eu disse: Você quer ser minha garota?
:: ARE YOU GONNA BE MY GIRL? – JET ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Eu estava na Dräieck com o Pipo porque estava com falta de
pessoal e me arrependi de ter avisado para Larissa que iria
trabalhar naquela noite, pois ela arrumou um jeito de aparecer na
boate. E obviamente o filho da puta a acompanhou, já que não
desgrudava dela, como um maldito cachorro.
Suas amigas, Ana e Lavínia, estavam junto e as três haviam
escolhido um lugar bem na nossa frente para dançar. Como eu me
concentraria no trabalho com a desgraçada rebolando a bunda
daquele jeito?
Era foda.
Não conseguia tirar os meus olhos dela e depois percebi que
meu irmão estava praticamente babando na filha dos Bittencourt.
— Sai dessa — avisei, assim que acompanhei seu olhar
hipnotizado na ruiva.
— O quê?
Ele se virou para mim como se tivesse sido pego no flagra.
Balancei a cabeça em uma negativa e continuei a secar um dos
copos que estava no balcão.
— Você. Babando pela ruiva.
— Ela é linda, caralho.
— Foda-se. Isso aí é furada, irmãozinho. Todas essas
patricinhas são. Vai por mim, você não vai querer entrar nisso.
Segue a porra do meu mandamento.
— Você precisa parar de generalizar as coisas... — começou a
dizer, mas se calou no segundo em que eu lancei um olhar de
repreensão para ele.
Porque Pipo sabia, ele lembrava muito bem de tudo o que
tinha acontecido e do quanto uma patricinha fodeu com a minha
vida. Felipe estava dentro das suas plenas faculdades mentais para
saber que eu não desejava o mesmo para ele.
Olhei para a morena na minha frente, a dona das pernas mais
perfeitas do mundo e do olhar expressivo que sempre escurecia ao
me ver. Soltei o ar quando ela sorriu disfarçadamente para mim,
antes de jogar os cabelos para o lado e fechar as pálpebras,
sentindo a música.
Eu estava muito fodido.
— Sério, Pipo. Esquece essa ruiva — falei, sério. — Tem outra
ali perto do banheiro que provavelmente tem uma conta bancária
menor e vai te trazer menos problemas.
— Viu a Jujubinha ali? — ele perguntou, cheio de graça e eu
dei com um pano de prato na sua barriga.
— Para de chamar ela assim, porra.
Felipe me analisou e sorriu, o deboche estampado em cada
uma das suas feições. Eu odiava o quanto meu melhor amigo me
conhecia e como podia perceber minhas modificações de humor.
— Você é tão hipócrita, Pedro... Quanto tempo demorou pra
quebrar seu mandamento de merda com ela?
— Quê? — Minha voz saiu estridente. — Nunca comi a
Larissa, Felipe.
Ele cruzou os braços e riu, cheio de desdém, olhando para ela
em seguida.
— Então você não vai se importar se eu... — começou a dizer,
mas eu o interrompi.
— Fica longe dela.
— Não vou — retrucou, arqueando uma das sobrancelhas
como se estivesse me desafiando.
Filho da puta teimoso!
— Vai sim.
— Não, inclusive eu acho que vou agora mesmo falar com ela
e ver se ela quer sair depois daqui.
Respirei fundo quando ele se virou, indicando que iria sair do
bar. Passei a mão no rosto e segurei seu braço, mantendo-o no
lugar. Ele olhou para baixo e depois para mim.
— Felipe, não! — Minha voz saiu firme e eu senti toda a raiva
ecoar pelas palavras. — Falei pra ficar longe dela, porra.
— Por quê?
Mais uma arqueada de sobrancelha daquele pirralho insolente
do caralho. Era possível sentir o aborrecimento me bombardeando,
fazendo meus músculos enrijecerem com a tensão.
— Porque você sabe bem que eu não divido mulheres com
você e ela é minha! — soltei, sentindo meus pulmões
descontrolados e minhas veias congelando.
— Eu sei que ela é sua, idiota. — Ele riu, dando um tapa no
meu ombro. — Não precisa se descontrolar, estava apenas te
testando.
Pisquei, um pouco atônito.
— Chega a ser ofensivo, Pepeu. Eu te conheço a vida inteira,
já vi como você olha pra ela. E sei que está puto por estar rendido
pela patricinha que você jurou odiar.
Meus ombros relaxaram e tornei a passar a mão pelo meu
rosto, sentindo-me mais derrotado do que nunca. Meu irmão
continuava rindo da minha desgraça.
— Eu estou tão fodido, cara. Quebrei a merda do meu
mandamento e tô completamente de quatro por essa filha da puta.
— Bem, graças a Deus você admitiu. É um alívio, porque já
não aguentava mais esconder de você.
— Esconder o quê, Felipe?
— Fui demitido da mercearia e estou pegando a patricinha do
lado da sua.
Olhei para ele sem acreditar.
— Você o quê?
— Tô namorando.
— Está o quê? — Minha voz estava esganiçada.
Como assim namorando?
— Como assim namorando, porra? Desde quando conhece a
Lavínia?
— Uma semana.
— E está namorando? — As palavras pareciam mais absurdas
na medida em que iam deixando a minha boca.
Ok, Pipo era um emocionado do caralho, mas uma semana?
Aquilo não era real, ele com certeza estava me trollando.
— Você sabe como é o amor e tudo o mais... Você deveria
fazer o mesmo e pedir a Jujubinha em namoro.
— Ela já tem um namorado. — As palavras saíram arranhando
a minha garganta e eu olhei para o babaca que tinha saído do
camarote e estava chegando perto dela na rodinha.
— Vovó vai comer seu rabo se souber que você virou comedor
de casadas — zombou, gargalhando.
— Ah, não fode, Pipo.
Fui para o outro lado do balcão porque estava irritado e não
queria ver os dois juntos. Aquilo estava me tirando do sério e
consumindo a minha paz.
Fiquei prestando atenção em duas garotas gravando stories
dizendo que o anel de uma delas havia sumido, achando a maior
graça. Elas berravam que havia algo de sobrenatural no lugar, que
podiam até mesmo sentir as energias.
Sério, ricos eram patéticos.
Não sabia mais se tudo era marketing ou se as pessoas
mentiam mesmo, mas Heitor sempre afirmava que não fazia ideia
do que rolava ali dentro, alegando que apenas “foi com a maré”.
Não demorou para que ela viesse até onde eu estava, me
encarando com aqueles olhos que sempre refletiam um raio de
desejo.
— Está se fazendo de difícil hoje, GBR? — perguntou baixinho
quando me inclinei um pouco para falar com ela.
Rolei os olhos e comecei a preparar sua bebida.
— Sério que vai me ignorar?
— Não estou te ignorando.
Apenas puto porque o seu namorado não descola de você.
— Está irritadinho porque vim aqui hoje?
— Não, Larissa, estou irritadinho pela sua companhia —
retruquei, cheio de deboche.
Ela me olhou parecendo triste.
— Eu só queria te ver.
E simplesmente assim, toda minha raiva foi eliminada.
Suspirei, tentando ignorar o quanto aquela garota era linda,
desesperado para fazer com que meu coração parasse de querer
rasgar o meu peito sempre que eu olhava no fundo dos seus olhos.
— Vem atrás de mim — mandei, deixando o meu posto e ela
deu a volta no balcão, passando no meio de algumas pessoas.
Encontrei um espaço escuro, entre duas paredes e no
momento em que ela passou, puxei seu braço. Ela riu enquanto eu
a colocava contra a parede e beijava sua boca.
— Meu irmão já sabe — contei e seus olhos se arregalaram
um pouco. — Pelo visto não consigo esconder o jeito como olho pra
você, pego sua mão no meio da rua sem perceber... Acho que sou
péssimo nisso de romance proibido.
Ela deu uma risada, pendurando-se no meu pescoço e
inclinando um pouco a cabeça para o lado para me olhar.
Estava completamente apaixonado por cada detalhe do seu
rosto, por sua voz (mesmo sabendo que ela era péssima cantando)
e por toda a irritação que aquela desgraçada me causava. Estava
apaixonado pela garota que era proibida para mim, pela patricinha
que tinha um namorado diante da sociedade e trepava comigo às
escondidas.
Ainda assim, eu me sentia um idiota porque sabia que no
momento em que eu saísse da casa do Heitor e no instante em que
suas férias acabassem, aconteceria o mesmo com aquele absurdo
que começamos.
— Você é lindo — disse baixinho, arrastando o nariz no meu e
fazendo com que aquele pensamento negativo queimasse.
Era muito mais fácil ignorar o futuro de merda e me manter em
um presente em que o corpo dela estava colado junto ao meu.
— Não, você é linda... — Eu a beijei novamente, segurando
seu rosto com possessividade. — Merda, eu preciso voltar. Como
vai voltar pra casa?
— Como acha, Pedro?
Ela voltaria com ele. Porque Gregório Valença era o seu
namorado.
Puxei uma respiração, empenhado em não entrar em uma
discussão.
— Não confio nele perto de você. Está com seu canivete?
— Eu sempre estou com meu canivete — lembrou, com um
sorriso meio maníaco.
— Ótimo, essa é a minha garota.
— Então finalmente eu sou uma das suas garotas? — indagou,
mordendo o lábio inferior e eu segurei seu rosto, olhando para ela
sério.
— Você é “a” minha garota, 190. A única que eu tenho, a única
que eu quero.
E ela sorriu satisfeita, roubando todo o meu fôlego.
 
Mas eu ainda posso sentir seu cheiro na minha roupa
Sempre esperando que as coisas mudem
Mas nós voltamos aos seus jogos
Noites longas, devaneios
Açúcar e anéis de fumaça, eu tenho sido um tolo
:: STRAWBERRIES & CIGARETTES - TROYE SIVAN
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Pedro estava puto. Eu não tinha dúvidas disso.
O amigo do Gregório tinha pedido novamente para que
tirássemos uma foto juntos, alegando que queria fazer um vídeo de
férias e precisava de uma parte romântica.
Então eu estava no seu colo, distribuindo sorrisos falsos
enquanto ele me abraçava e me enchia de beijos para a câmera.
— Mais uma. Um beijão agora, Lari!!!! — o Cadu berrou, entre
as risadas.
— Sem beijão, seus pervertidos — Gregório disse, tentando
soar razoável. — Minha mulher não é bagunça!
— Você pode parar com isso, eu sei o que está fazendo —
falei baixinho no seu ouvido, logo depois que dei um beijo rápido na
sua boca e me levantei, alegando que iria ao banheiro.
Ele me seguiu e eu não percebi até que ouvisse ele me
chamando.
— Kinha?
— O que foi?
— Está desconfortável? Vou pedir para eles pararem.
— Como você é sonso, Gregório.
— O que eu fiz? Os meninos estão brincando. Eles não sabem
que não estamos realmente juntos.
— Corta essa, Greg.
— É sério! — Ele se aproximou e segurou uma das minhas
mãos. — Eu estou tentando aqui, Lari. Desde aquele dia tenho
buscado ser um cara melhor pra você.
— Pra mim? — Dei uma risada debochada. — Você tem que
ser uma pessoa melhor e ponto. Não por mim.
— Mas eu quero ser. Por você! Nós somos certos um pro outro
e vamos continuar sendo — afirmou, fazendo com que eu engolisse
em seco. — Qualquer um sabe disso.
— Greg, você deveria ocupar sua cabeça com alguma garota e
me deixar um pouco em paz.
— Que outra garota? — respondeu, parecendo ofendido e eu
cheguei a rir, porque só podia ser uma piada. — Eu disse a verdade
quando pedi outra chance. Não quero saber de mulher alguma, tudo
o que eu quero é você.
— Certo. — Abafei uma risada.
— Bem, você pode pensar o que quiser. Você é a mulher certa
pra mim e eu só fui burro demais de não ver isso antes — disse,
segurando o meu rosto. — E eu entendo que você esteja com raiva
de mim, mas você me amou um dia, Larissa, eu só preciso trazer
isso de volta.
Que porra?
Acho que ele percebeu a confusão estampada no meu rosto e
avisou que iria voltar para a piscina. Sugeriu que eu fizesse um
pouco de sauna para relaxar e não precisar ficar ouvindo as merdas
que os meninos estavam dizendo. Eu respondi que iria fazer
exatamente isso e ele foi embora.
Olhei para o lado para ver o Pedro apoiado em uma parede, de
braços cruzados, a raiva queimando em seus olhos. Ótimo, ele tinha
ouvido tudo aquilo.
Ele não disse nada, apenas balançou a cabeça em uma
negativa para o chão e fez menção de se afastar.
— Ei, deixa eu falar com você? — pedi, assim que o alcancei.
— O que foi? — perguntou, sem paciência alguma.
Eu o puxei até a sauna depois de checar que ela estava
desligada e não tinha ninguém ali. A área externa do condomínio já
estava bem menos movimentada porque muita gente já tinha
voltado para a rotina e o mesmo aconteceria comigo naquela
semana.
— Preciso voltar pro trabalho — avisou, apoiando as costas na
parede. — O que quer?
— Não adianta você ficar com raiva de mim! — Franzi o cenho,
ficando um pouco irritada por sua postura.
— Eu quero que esse merda pare de encostar em você a cada
segundo, porra! — Sua voz subiu um tom e as veias do pescoço
ganharam protuberância.
— Tecnicamente, ele é meu namorado, Pedro — falei baixinho.
— Foda-se! Eu deveria ser o seu namorado! — gritou,
ofegante, cortando o ar com a mão.
Engasguei uma respiração. O oxigênio ficou preso nos meus
pulmões que pareciam estar sendo esmagados pelo meu coração,
as batidas tão fortes a ponto de senti-lo nas minhas veias.
— O-o quê?
— Estou cansado dessa merda, não aguento mais — começou
a dizer, a raiva presente em cada uma das sílabas. — Não quero
mais ficar me esgueirando por aí como se o que estivéssemos
fazendo fosse errado.
Meus músculos retesaram, meus ossos pesaram e eu tinha a
impressão de que tudo ao meu redor desmoronaria.
— Pedro, você precisa ser racional.
— Como eu vou ser racional, Larissa? Que inferno do caralho,
eu nem consigo mais pensar direito e me sinto um idiota em boa
parte do tempo.
— Mas eu nunca menti ou te enganei... Por que está se
sentindo um idiota?
— Porque eu estou completamente apaixonado por você,
porra! — berrou, como se estivesse com raiva do que estava
sentindo. — Que ódio, que inferno do caralho!
Eu queria gritar. Queria jogar meus braços ao redor do seu
pescoço e beijar a sua boca, afirmando que sentia o mesmo.
Eu sabia o que aquilo significava, no entanto.
Porque uma coisa era eu estar apaixonada e manter isso para
mim, fingir que aquele sentimento não existia, exatamente como
fazia com todas as coisas que não tinham espaço na minha vida
falsa. Outra coisa era arrastá-lo para isso comigo. Não era certo.
Engoli o bolo que se formou na minha garganta e forcei os
olhos para não chorar.
— Pedro... Eu não posso.
Ele abafou uma risada.
— Claro que você não pode.
— Você não entende... — Franzi as sobrancelhas e me
aproximei um pouco mais, mas quando tentei encostar no seu
braço, ele se afastou. — Não é como se eu não quisesse, eu
simplesmente não posso! Já expliquei mil vezes que não dá pra
fazer o que eu bem entender.
— Não mete essa, você faz o que te deixa confortável.
— Você não está sendo justo — murmurei, triste.
— Foda-se! Você não está sendo comigo também.
— Quando começamos isso, não imaginei que iríamos nos
envolver tanto. Você sabe sobre a minha vida, eu achei que a gente
estava se divertindo e...
Mais uma risada, cheia de escárnio.
— Eu sabia que não estava errado sobre você.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que eu deveria ter seguido a porra do meu
mandamento. Mas você me deixou te tocar, te beijar, te foder — ele
cuspiu as palavras, cheio de ódio e decepção. — Porra, você me
deixou cuidar de você! Pediu para ser minha garota, afirmou que
estava louca por mim, simplesmente pra me dizer que eu sou a
porcaria de um passatempo? Não acredito que estou passando pela
mesma merda de novo por conta de uma patricinha egocêntrica!
— Eu não sou egocêntrica!
— Sim, você é!
Controlei minha respiração, contendo a raiva que estava
sentindo dentro do meu corpo. Não queria explodir, não queria
rebater e tentar justificar porque eu estava literalmente pisando no
seu coração depois de ele se declarar para mim.
— O que quis dizer com “de novo”? — a pergunta saiu
baixinha.
— Você não é a primeira que faz isso comigo, não se sinta
especial — retrucou, cheio de desgosto.
— É por isso que odeia pessoas com dinheiro? Porque uma
garota rica quebrou seu coração?
— Ela não só quebrou meu coração. — Seus olhos estavam
ardendo e a impressão que eu tinha era de que ele explodiria tudo à
sua volta, se pudesse. — Ela me humilhou, disse que me amava e
me fez acreditar que tínhamos um futuro. Depois, admitiu que
estava comigo porque achou que conseguiria acesso a drogas com
mais facilidade. Riu da minha cara e afirmou que uma pessoa do
nível dela jamais se envolveria com um pobre fodido e que eu era
um idiota por pensar o contrário.
Havia dor e ressentimento no seu tom. Sua mandíbula estava
apertada, as narinas levemente dilatadas enquanto ele buscava por
algum controle de respiração.
— Eu não odeio pessoas ricas só por causa da minha ex. Ela
só abriu a porta para me mostrar a podridão que vocês são. Odeio
pessoas ricas porque elas pisam em todo mundo que está abaixo,
porque são cheias de preconceitos e estão constantemente
tentando viver a porra de uma vida perfeita que não existe. E antes
que você abra a boca... Não, você não é diferente dela.
Minha voz se extinguiu. Eu abri e fechei a boca algumas
vezes, ponderando. Ele estava machucado, isso era nítido para
mim. Dependendo do que eu falasse, só pioraria as coisas. Queria
que ele entendesse, mas ao mesmo tempo, parecia inútil.
— Eu não sou como ela — retruquei, me sentindo ofendida,
porque eu jamais faria algo parecido.
— Não? Porque a verdade é que eu sou sim só uma diversão
pra você, assim como fui pra ela. Você gosta de ser rebelde quando
ninguém está vendo, Larissa. Você gosta do errado. E é assim que
me vê, não é? Como uma parte do seu escape. Sou exatamente
como suas idas ao telhado ou o cigarro que você fuma. Sou a porra
de uma válvula e você nunca me escolheria, nunca abriria mão do
que tem se fosse o necessário pra ficar comigo. — Ele me encarou,
os lábios tremendo um pouco e os olhos levemente molhados.
Naquele momento, não havia somente indignação e sim dor
misturada com rejeição. Era possível ver o quanto ele estava se
forçando a ficar firme, como estava se segurando para manter a
postura, mascarando o quanto estava machucado.
— Não é como eu te vejo. Eu gosto de verdade de você, mas
não é uma questão de escolha, é apenas como as coisas são. Você
sabe muito bem todos os sacrifícios que eu faço, sabe que eu não
gosto da vida que eu tenho — tentei dizer em um tom mais calmo,
mantendo minha respiração sob controle, buscando prender minhas
lágrimas dentro dos olhos.
— Tem certeza, Larissa? — perguntou, cheio de ironia. A
mistura de sentimentos que se alternavam dentro dele era visível,
mas a raiva prevalecia. — Talvez isso é o que você diz para si
mesma pra aceitar que escolheu o caminho mais fácil. Talvez seja
mais fácil você se anular completamente e viver sua vida cheia de
luxo. Talvez você não esteja realmente fazendo um sacrifício, talvez
esteja apenas sendo covarde.
Foi como um tapa invisível na cara. Apertei meus dedos uns
nos outros, tentando controlar minha ansiedade. Não era justo que
ele supusesse algo daquela forma, principalmente depois de ter me
aberto tantas vezes. Ainda assim, a palavra covarde ficou pairando
na minha cabeça e começou a se incrustar no meu cérebro como se
fosse tinta de tatuagem.
— Você está sendo babaca — foi só o que consegui dizer.
— É... Talvez eu esteja. — Ele deu de ombros. — Então
continue nessa sua vida ridícula porque talvez, no fundo, você goste
dela. Continue o seu namoro perfeito com o filho da puta que te
deixou com um hematoma. Continue com o merda que meteu um
apelido com uma conotação sexual em você.
— Oi? — Minhas sobrancelhas se juntaram.
— Acha que ele te chama de Kinha por causa de Bonekinha?
— Ele deu uma risada sem humor. — Não, Larissa. Ele te chama
assim porque depois que você pagou o primeiro boquete pra ele, o
escroto começou a dizer para os amigos que você tinha uma
Bokinha de Veludo. Era “Kinha” para que ninguém entendesse, mas
você ouviu um dia e ele inventou essa desculpa.
Minha boca se abriu. Não que eu não esperasse algo tão baixo
do Gregório. Na real, minha perplexidade era porque estava tão
apaixonada na época que nem estranhei quando ele ficou nervoso e
claramente deu uma desculpa no momento em que eu cheguei de
surpresa, ouvi o apelido e perguntei o motivo dele ter me chamado
daquele jeito.
Seus olhos estavam brilhando e percebi que não havia nada ali
além de decepção. Nem a raiva estava presente. Era como se eu o
tivesse quebrado por completo.
Estava prestes a desabar. Queria me explicar e dizer que
mesmo que eu também estivesse apaixonada por ele, aquele
relacionamento nunca daria certo. Não havia forças dentro de mim
para jogar tudo para o alto e viver a vida que eu gostaria.
Eu não era uma cadela ingrata. Eu tinha uma obrigação com
os meus pais, um compromisso. Minha mãe me acolheu depois de
inúmeras perdas. Ela não precisava ter feito isso, poderia ter me
jogado em um orfanato. Seria entendível depois de tudo o que
passou.
Aquela mulher tinha mentido para o mundo para que eu não
sofresse algum tipo de preconceito, para que eu fosse vista como
um deles pela sociedade. Os dois me deram tudo e sonharam a vida
inteira com uma filha que fosse como eles.
E mesmo sabendo que não era como eles e que nunca me
encaixaria por completo, faria de tudo para compensar o fato de eu
ser um estrago total. Mesmo que eu não merecesse, como eu não
seria a filha que eles desejavam depois de tantos sacrifícios que
meus pais fizeram por mim?
— Vive a porra da sua vida perfeita de Barbie, 190. E por favor,
esquece que eu existo.
As suas palavras cortaram meu coração como a faca afiada do
meu canivete. Sobressaltei com a batida da porta quando ele saiu
por ela, completamente transtornado.
Senti meus joelhos falharem e caí sobre eles, incapaz de
conter as lágrimas, porque naquele momento eu soube que tinha
destruído a única coisa boa e verdadeira que tinha acontecido na
minha vida.
 
Você me faz lembrar de uma menina que eu conheci
Eu vejo o rosto dela sempre que eu
Eu olho para você
Não acredito em todas as coisas
Que ela me fez
É por isso que eu não posso ficar com você
:: U REMIND ME – USHER ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Eu tomei um porre depois de muito tempo. Acabei com uma
garrafa de tequila sentado na pista de skate da Praça do Pontal
enquanto Pipo me julgava em pensamento.
Passei horas, bêbado, listando uma infinidade de motivos para
que ele não se envolvesse com a filha dos Bittencourt, chamando-o
de louco por ter começado um namoro sem sequer conhecê-la
direito. Repeti várias vezes que ele deveria ir atrás da esposa dele,
como se isso não fosse um absurdo.
Meu irmão não disse nada, entretanto. E pelo menos, não me
xingou dessa vez por ter trazido seu casamento falido para a
conversa.
Ele sabia o quanto aquilo estava acabando comigo, o quanto
doía ter que passar pela mesma coisa de anos atrás. Era horrível e
eu não sabia se tinha energia suficiente para continuar perto dela.
Sentia-me em uma espiral de más decisões, vendo todas as
vozes de alerta na minha cabeça rindo de forma debochada, como
ela tinha feito no passado.
Minha cabeça doía, meus olhos ardiam e havia uma bola presa
na minha garganta que ameaçava me sufocar. Eu estava no meu
limite, inundado com as cenas humilhantes do passado, as frases
sendo repetidas na minha mente até que eu me questionasse o
quanto eram reais.
“Você nunca vai servir como um namorado pra mim, Pepeu.
Não há nada que você possa me oferecer, sequer consegue me
arrumar um baseado. O que você achava? Que eu largaria minha
mansão para morar nesse chiqueiro em que vive? Eu só queria um
pouco de diversão, um pouco de rebeldia. No final do dia, você vai
continuar sendo um pobre fodido servindo as mesas dos
restaurantes que eu como.”
Eu era tão idiota e aquele sentimento de culpa nunca ia
embora. Fui eu que deixei que a Pilar entrasse na minha vida. Fui
eu que permiti que ela me chamasse do apelido que só minha
família chamava. E agora eu tinha feito o mesmo com Larissa
Albertelli.
Havia entregado o meu coração de bandeja para que ela
pegasse o seu canivete e o dissecasse, cortando cada uma das
fibras e nervos até que não restasse mais nada realmente meu, até
que ele não me pertencesse mais.
Queria que a dor parasse, mas era como um deslizamento de
pedras, uma caindo sobre a outra até que eu me sentisse totalmente
soterrado.
E quando percebi, estava chorando, abraçado com o meu
irmão. Nem sei quanto tempo fiquei assim, mas fui me acalmando
conforme as repetições de “tudo vai ficar bem” foram sendo ditas.
Nós repetimos isso um para o outro tantas outras vezes. Era
quase como uma promessa que fizemos ainda na infância.
Foi o que eu disse pra ele quando Felipe quebrou a mão
quando éramos crianças.
Foi o que respondeu na hora em que eu cortei a perna ao cair
de skate.
Foi o que falei no velório da sua mãe.
Foi o que ele me afirmou na noite em que eu fui espancado
pelo meu padrasto.
Era o que dizíamos todo dia um para o outro na época em que
a nossa avó estava doente.
— Eu não quero voltar pra lá, Pipo — afirmei, limpando o rosto.
— Não quero ter que olhar pra janela da frente e dar de cara com
ela.
— Tudo bem, vamos resolver.
— Eu prometi para o Heitor que cuidaria do Pato...
— Posso fazer isso, Pepeu.
— Você? — Foi impossível não dar uma risada fraca. — Você
odeia o pobre coitado.
— É, mas você é meu irmão e se aquele lugar está sendo ruim
pra você, não vou te deixar ficar lá — afirmou, sério. — Então fale
com o Heitor que vai precisar ficar uns dias em casa. Precisa que eu
te cubra no trabalho também?
— Não, ela volta pro estágio do hospital essa semana e em
seguida para a faculdade. Nem vamos nos esbarrar.
Ela voltaria para sua vida feita de ilusões, retornaria para seu
mundinho de luxo e hipocrisia. E eventualmente se lembraria de
mim, quando fosse até o telhado porque precisava descarregar sua
raiva, no momento em que precisasse de um “respiro”.
Como eu não percebi essa merda antes? Todos os sinais
estavam ali. Nós literalmente passávamos horas conversando no
telhado, no exato lugar em que ela ia para sair da sua bolha.
Foi muita idiotice me deixar levar pelos olhos lindos que aquela
desgraçada tinha, pela voz suave e a pele perfeita. Uma burrice sem
tamanho acreditar nas coisas legais que me disse, nas vezes em
que pareceu querer realmente ser minha. Eu nunca deveria ter
esquecido de como ela de fato era e ignorado o mundo em que
vivia.
Por que diabos eu deixei chegar naquele ponto? De estar tão
apaixonado a ponto de não querer mais ninguém, de fazer todas as
suas vontades e de abrir mão do que eu tinha prometido para mim
mesmo?
Era como se eu fosse um caso perdido. Porque mesmo depois
de tudo, eu ainda a queria. Não estava sofrendo apenas pelas
coisas que nós dois tínhamos dito, por ter tido uma epifania e
percebido o que era aquela relação. Na verdade, estava quebrado
porque sabia que não a teria mais.
Meu irmão me olhou e suspirou, perdendo o olhar no horizonte
logo em seguida. Talvez Felipe também estivesse preocupado do
seu mais novo relacionamento estar fadado ao fracasso. Ou talvez a
patricinha dele não fosse tão passiva quanto a minha.
Voltamos andando para a casa e Karolayne estava no portão,
conversando com Tello, que estava babando por ela.
— Ei, que carinha é essa, Pedrinho? — perguntou, fazendo um
biquinho e se pendurando nos meus ombros. — Meu Deus, garoto,
achei que tinha parado de beber.
— É, eu também — respondi, abrindo um sorrisão.
— Porra, com a gente você não bebe! — Tello resmungou.
— Ué, vamos beber agora! — respondi, como se fosse óbvio.
— Não, ele já bebeu o suficiente — Pipo afirmou, cruzando os
braços. — Agora eu vou cuidar desse bêbado.
— Posso cuidar dele — Karol sugeriu, cheia de segundas
intenções.
Eu deveria comer a Karolayne. Me parecia muito inteligente
curar o meu coração partido com uma surra de boceta.
— Donatello! Já mandei subir — Rita berrou da varanda,
olhando de cara feia para Karol. Depois, enfiou a cabeça para
dentro da casa. — Mike, vai buscar seu irmão.
— Desce aí, Tortuguita 2 — gritei para o Michelangelo,
gargalhando. — Vamos pintar a Capela Sistina!
— Vai tomar no cu, Pedro! — Ele apareceu na janela e me deu
o dedo do meio.
— Mais do que já tô tomando?
Pipo riu da minha pergunta.
— Fala aí, Dona Rita! — berrei, rindo, quando vi que ela
continuava olhando para o Tello. — Cleytinho disse que vai colocar
um funk nas alturas hoje.
— Ah, mas não vai, não! — ela começou a reclamar e seu neto
me olhou, balançando a cabeça, puto por eu ter iniciado aquilo e eu
gargalhei, achando graça. — Eu vou reclamar com Rubens, ele se
diz síndico dessa espelunca, mas deixa esse abusado tocar essas
músicas cheias de indecência o dia inteiro. Tá repreendido em nome
de Jesus! Isso aqui é um prédio de família, abençoado por Deus.
Onde já se viu?
— Ô, tia, você não inventa de botar essas suas músicas hoje
não. — Cleytinho apareceu na janela, olhando para cima.
— Rita, a novela vai começar! — Nossa avó também surgiu na
janela e depois olhou para baixo. — Pepeuzinho, você está aqui!
Eu olhei para cima e sorri, acenando. Observando as pessoas
do meu prédio se comunicando aos berros, em um caos que era
somente nosso.
— Já subo aí — avisei. — Vou comprar uma coquinha[64] com o
Pipo.
Disse para Tello e Karolayne que já voltava e dei uma chave
de pescoço no meu irmão, andando com ele em direção à mercearia
do Rubens.
— Acho que vou dar um pulo na Karol.
— Não vai, não — afirmou, sério, tentando fugir do meu
abraço.
Tirei seu boné e ele revirou os olhos, quando comecei a correr
pelo meio da rua com ele.
— Meu Deus, esqueci do quanto você fica chato bêbado.
— Não fode, pirralho! Tá chato pra caralho, hein?
— É? Você acha? Porque é assim que você é comigo quando
eu bebo demais — disse, cheio de deboche. — E não, não vou
deixar você ir pra casa da Karol. Se fizer isso, vou contar pra nossa
avó e você nunca mais vai ter paz.
— Você não faria isso.
— Não? — Arqueou uma das sobrancelhas.
— X9[65] do caralho.
— É! Sossega esse cu, as coisas vão melhorar, Pepeu. Essa
semana você fez aquela tatuagem irada da Medusa naquele cara e
a edição está ficando muito boa... Ainda vai demorar um pouco, mas
tô sentindo que o vídeo vai dar bom — comentou e depois se virou
para o amigo quando chegamos no balcão. — Fala aí, Arthur... Me
vê uma Coca!
Ele fez um sinal positivo e se afastou.
— Vou pintar o meu cabelo — decretei, por fim, depois de me
olhar no espelho. — E não acredito que o Rubens te demitiu e
deixou esse lerdo aqui.
— Fala aí, Pedro! — Ele apareceu logo depois com a bebida.
— Como estão as coisas lá no condomínio dos ricaços?
— Uma merda — respondi, puto. — Ninguém ali presta. Já te
falei para ficar longe de mulheres ricas? Porque você deveria. Não
segue o idiota do meu irmão aqui...
— Ai, caralho! — Pipo bufou, passando as mãos no rosto, sem
paciência.
— Não, Arthur, vamos conversar.
— Pepeu, bebe essa merda porque você precisa meter um
açúcar pra dentro — pediu, empurrando a garrafinha nas minhas
mãos.
— Quer um canudo? — Arthur perguntou.
— Não ofereça canudos pros outros, Arthurzinho. Muito menos
se forem rosas. Você tenta ser legal e sabe o que acontece? Pisam
em você.
— Tá certo. — Ele riu, um pouco confuso.
Como ele não via o problema daquilo?
— Tô mesmo! — Bati no balcão e depois apontei o dedo para
Felipe, de uma forma ameaçadora.
Ele era meu irmão, ele precisava entender!
— E você presta bem atenção, porque aquela patricinha
também gosta de canudos rosas. E sabe o que acontece com
pessoas que gostam de canudos rosas?
— Elas pisam em você? — indagou, abafando uma risada.
— Sim, porra! Exatamente isso. — Segurei seu rosto com as
duas mãos. — Escuta seu irmão mais velho, Pipo. Essa aí é outra
furada.
— Pode deixar que eu sei me virar, Pepeu.
Ele não sabia de porra nenhuma. Acabaria com o coração
quebrado como eu. Porque Felipe era bom demais para acreditar
em todos que fossem minimamente simpáticos com ele e uma coisa
que ele não entendia era que aquelas pessoas não estavam nem aí
para nós.
Meu irmão jamais entenderia que os ricos não nos viam como
gente. Que na realidade éramos invisíveis, uma escada que eles
usavam para alcançar as coisas que desejavam. Nós não
passávamos de um palanque, prontos para sermos pisoteados por
eles.
 
Você nunca vai estar sozinho
De agora em diante
Mesmo que você pense em desistir
Eu não vou deixá-lo cair
Você nunca vai estar sozinho
Vou te abraçar até a dor passar
:: NEVER GONNA BE ALONE – NICKELBACK ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Odiava o hospital e toda a rotina que vinha com ele. A única
parte que me reconfortava era saber como estava indo o projeto em
parceria com o SUS e ter a certeza de que aquelas pessoas
poderiam ter um atendimento melhor. De resto, o que sobrava eram
as fofocas dos médicos e enfermeiros, o sofrimento dos pacientes e
toda aquela babação de ovo por conta do meu sobrenome.
Estava de saco cheio de Gregório também, porque eu o
confrontei sobre o apelido e ele chorou, alegando que no início era
uma brincadeira. Afirmou que era um imbecil, mas que como eu
tinha gostado do apelido, continuou me chamando daquele jeito.
Não que aquilo fizesse mais alguma diferença na minha vida,
esperava qualquer coisa dele, mas estava insuportável tê-lo atrás de
mim querendo se desculpar. A única parte boa era a infinidade de
chocolates que ele trazia, porque estava na merda desde o dia em
que eu e Pedro tínhamos brigado, uma semana atrás. Tentei
mandar algumas mensagens no seu celular, mas não foi uma
surpresa perceber que fui bloqueada.
Ele não tinha voltado para a casa do Heitor, aparentemente
Felipe o tinha substituído e agora estava cuidando do Pato, bem a
contragosto. Já tinha ouvido alguns dos seus berros pela casa,
xingando o macaco por ter roubado seu boné ou algo parecido. E
como se não bastasse, a coisa mais bizarra de todas aconteceu:
minha melhor amiga estava em um relacionamento com ele.
Tudo bem que era um namoro falso, como ela mesma tinha
admitido, mas ainda assim...
Eu invejava Lavínia e como ela se impunha. Sabia muito bem
que seus pais eram demônios encarnados em pessoas e mesmo
que tentassem fazer da sua vida um inferno, ela batia de frente.
Minha amiga era muito diferente de mim, mesmo que nossas
realidades fossem semelhantes. Nunca teria coragem para enfrentar
os pais que ela tinha, mal conseguia fazer isso com Muriel, que
deveria pertencer ao mesmo clã de criaturas sombrias.
Coragem.
A palavra ecoou na minha cabeça.
É, talvez ele estivesse certo.
Eu era covarde. Uma covarde de merda.
Não era como os meus pais, nunca seria.
Engoli em seco, tentando suprimir a vontade de chorar, que
começava a me rondar. Era só o que eu fazia agora.
Sentia falta dele e do jeito como me olhava. Sentia falta dos
beijos, das conversas, de poder ser eu mesma na sua frente. Sentia
falta de ser chamada de 190, dos carinhos, das risadas e até
mesmo de como ele me irritava.
Suspirei, brincando com a minha salada, incapaz de comer
qualquer coisa. Sobressaltei quando meu celular tocou e meu
coração disparou ao ver o nome dele na tela. Minhas mãos
começaram a tremer, a euforia tomou conta do meu corpo por
completo e minha respiração se tornou uma bagunça ridícula.
Acho que eu estava hiperventilando.
Atendi a ligação, tentando me manter equilibrada, mas tudo se
quebrou quando sua voz saiu desesperada do outro lado da linha.
— Larissa, eu preciso da sua ajuda — foi só o que disse.
— O que aconteceu?
— Eu não sei mais o que fazer!
Seu tom estava embargado, ele com certeza havia chorado.
— Minha avó está passando mal, nós trouxemos ela na UPA,
mas a máquina de tomografia está quebrada e esses filhos da puta
não fazem nada! — ele pareceu gritar, furioso, para alguém que
estava perto ouvir.
Puxei o ar para conter minha respiração. Pedro já estava
surtando, eu não podia seguir pelo mesmo caminho. Ele cuidou de
mim nas vezes que precisei, se manteve forte quando eu estava
desabando. Era o mínimo que eu deveria fazer por ele, controlar a
porra do meu desespero.
— Vou resolver — afirmei, sem nem saber o que faria. — Me
manda sua localização, te ligo daqui a pouco.
Ele não questionou, apenas agradeceu, como se acreditasse
em mim. E eu saí correndo igual uma destrambelhada sem nem me
importar se pareceria uma louca. Passei por meia dúzia de médicos
que me olharam cheios de julgamento e quando finalmente cheguei
na sala do meu pai, meu coração estava prestes a sair pela boca.
— Seu pai está em uma reunião — a secretária dele disse.
— É urgente — avisei, passando por ela e entrando na sala.
— Lari... — Ele me encarou um pouco surpreso e indicou com
a cabeça para as pessoas sentadas na mesa, mostrando-me que
não estávamos sozinhos.
— Preciso falar com você — deixei claro, mantendo meu tom
firme para que ele não me pedisse para sair. — Agora, pai.
Gregório se mexeu na cadeira e só naquele momento eu
percebi que ele estava na sala. Ele me olhou confuso, mas mantive
meu olhar fixo na única pessoa com quem queria falar.
— Podem nos dar licença? — meu pai pediu de maneira
cordial. — Terminamos essa reunião mais tarde...
— Eu acho que tenho uma cirurgia... — Gregório começou a
dizer, mas se interrompeu na hora que o fuzilei com o olhar e
imediatamente começou a pegar os cadernos em cima da mesa.
Apertei a cadeira na minha frente enquanto esperava os
funcionários saírem do cômodo. A ansiedade estava corroendo
minhas beiradas e tudo o que eu tinha vontade de fazer era gritar
com aqueles médicos lerdos para que saíssem logo dali.
— Está tudo bem? Por que está assim? — indagou,
preocupado, aproximando-se um pouco mais. — O que aconteceu
pra você interromper minha reunião desse jeito?
— Pai, eu preciso que você mande uma ambulância para
buscar a avó do Pedro.
Seu rosto se retorceu em uma careta.
— Quem é Pedro?
— O Pedro, que trabalha no condomínio. A avó dele passou
mal, está na UPA, mas não tem máquina e simplesmente não estão
dando a devida atenção — disparei, quase atropelando as palavras,
mexendo minhas mãos de forma frenética.
— Filha... — Meu pai segurou meu rosto com carinho. — Sei
que você se importa com as pessoas mais humildes, mas não
podemos sair acolhendo qualquer um...
— Ele não é qualquer um — afirmei, franzindo o cenho.
— Você não precisa se importar com os funcionários, isso é
uma responsabilidade do condomínio e tenho certeza de que vão
dar o suporte necessário para o rapaz.
— Pai! — gritei, furiosa. — Eu me importo com ele!
Não consegui conter a lágrima que escapou. Estava prestes a
desabar ali mesmo. Meu pai limpou a garganta e me deu um olhar
longo, quase como se estivesse tentando ver através de mim.
— Esse garoto é importante pra você?
— Ele é a única pessoa importante pra mim — confessei com
a voz trêmula.
— Certo — foi só o que ele disse, indo até sua mesa e tirando
o telefone do gancho. — Renata, manda agora uma ambulância
para... — eu entreguei o meu celular com a localização e ele repetiu
para a secretária. — Nome de...
— Dea Oliveira — murmurei e ele repetiu.
— E prepare um quarto na ala presidencial do hospital, eu
estou descendo para deixar a equipe de sobreaviso.
Ele desligou e me encarou por alguns segundos. Sabia bem
que havia uma imensidão de perguntas na cabeça do meu pai, mas
ele não as fez, guardou para si e apenas me certificou:
— Fica tranquila, vamos resolver.
Mandei uma mensagem para o Pedro, avisando que a
ambulância estava a caminho e segui o meu pai pelo hospital
enquanto ele fazia algumas ligações, mobilizando Deus e o mundo
para fazer o que eu tinha pedido.
Como? Como eu poderia não ser grata pela família que eu
tinha?
Não demorou muito para que eles chegassem e na mesma
hora em que isso aconteceu, a equipe a direcionou para uma
triagem, mantendo-a deitada na maca.
Pedro desceu do veículo e eu suspirei. Ele vestia o típico
moletom preto e agora seu cabelo tinha voltado para a cor natural,
castanho. Nossos olhares se cruzaram e finalmente me senti inteira
depois de tantos dias incompleta.
Meio que corri ao seu encontro e quando cheguei, não
consegui me conter e o abracei. Seu rosto se afundou no meu
pescoço e eu fiz o mesmo, respirando fundo para sentir o seu
cheiro. Ele sussurrou um “obrigado” baixinho no meu ouvido e me
apertou com mais força.
Estava presa na sensação do coração pulsando
desenfreadamente contra o meu peito, do calor da sua respiração
na minha pele e do meu cheiro preferido. Naquele momento, eu não
queria que ele me soltasse nunca mais. Tentei até mesmo ignorar o
farfalhar no meu estômago, mas era impossível.
Nos afastamos e eu vi o Felipe ao seu lado, cutucando as
unhas com os dentes, nervoso. Fui até ele e o abracei também,
porque mesmo que a gente mal se conhecesse, tinha um carinho
enorme por aquele garoto.
— Obrigado por fazer isso pela vovó, Lari — ele disse, como
se estivesse prestes a chorar.
Pedro limpou o rosto com as costas das mãos e olhou para
cima, tentando conter as lágrimas. Eu conseguia ver todo o seu
desespero marcado nas expressões, no olhar. Sabia o quanto ele
tinha medo de que algo acontecesse à única pessoa que tinha
cuidado dele.
— Não é nada demais — garanti. — Vamos?
Eles assentiram e os direcionei para dentro do hospital até a
ala da triagem enquanto questionava algumas coisas para os dois
para entender melhor o que tinha acontecido com ela.
— Vó, essa aqui é a Larissa, ela vai ajudar a gente — o Felipe
falou assim que chegou perto do leito em que a tinham colocado.
A mão da senhora já tinha se agarrado aos dedos dos netos e
ela me deu um sorriso simpático, quase sem forças. Eu a
cumprimentei, mas logo a enfermeira voltou, pedindo um pouco de
espaço para aferir mais uma vez sua pressão.
O médico começou a fazer diversas perguntas e eu prestei
atenção em tudo, para ver se poderia ajudar de alguma forma.
Depois de examiná-la, ele fez um exame de toque e mencionou que
poderia ser o apêndice. Solicitou uma tomografia e na mesma hora
correram com ela para a sala de imagem.
— Fiquem calmos, a avó de vocês está nas mãos dos
melhores médicos… — afirmei.
— Cara, ela vomitou muito — Felipe comentou, passando a
mão no rosto. — Mal estava conseguindo ficar em pé.
— Ela teve reações parecidas um pouco antes da gente
descobrir o câncer — Pedro justificou, olhando inquieto por cima do
meu ombro, por onde ela tinha saído.
— Eu realmente acho que não é isso. Ele encostou na área do
apêndice e ela sentiu muita dor. Fiquem aqui, vou buscar uma água
pra vocês.
Senti o ar fugir de forma errada dos meus pulmões quando
Pedro segurou o meu pulso. Seu olhar parecia me implorar para não
sair dali, mas eu disse que voltava em dois minutos e ele fez um
meneio com a cabeça, concordando.
Voltei com café e água e eles agradeceram. Pipo acabou com
as duas garrafinhas, mas Pedro continuou imóvel, encostado na
parede, com os músculos tensos.
Meu pai apareceu algum tempo depois. Olhou de mim para ele
e então para o Felipe. Os cumprimentos foram rápidos e os dois
tentaram agradecer pela ajuda, mas meu pai disse que estava tudo
bem e explicou que de fato era uma apendicite e precisariam operar
com urgência.
Ele fez um questionário com os meninos e o Pedro sabia
literalmente cada detalhe a respeito de tudo relacionado ao histórico
médico da Dona Dea. Na verdade, estava até mesmo com pastas e
uma pilha de exames e prontuários na mochila do Felipe.
Percebi que eles insistiram um pouco na questão do câncer e
no momento em que meu pai se afastou, pedi que fizesse um
checkup geral nela depois da cirurgia, ao menos para tranquilizar os
meninos.
Nós fomos para o quarto que tinham preparado para quando
ela voltasse do centro cirúrgico. Meu pai escolheu um dos melhores
e os dois se entreolharam, chocados, assim que pisaram no
cômodo.
O hospital dos meus pais tinha um conceito forte de hotelaria
atrelado à assistência médica. Nós éramos referência dentre os
hospitais de luxo do Rio de Janeiro, havia até mesmo um chef de
cozinha que preparava as refeições.
— Meu Deus, isso é um hotel? — Felipe quase gritou,
examinando o quarto. — Tem uma sala aqui, Pepeu. Caralho, é
maior do que o nosso apartamento.
— Puta merda, eu não sei como vou pagar isso — Pedro
murmurou, quase que para si mesmo.
— Você não vai pagar nada — deixei claro e quando ele abriu
a boca para contestar, eu o olhei, séria. — Não está aberto à
discussão.
— Eu não posso aceitar isso, vocês vão ter custos e...
— Já disse que não é discutível.
— Larissa... — ele me chamou em repreensão.
— Sei que você não gosta que eu apareça com a minha
carteira querendo salvar o mundo como se eu fosse o Batman —
respondi, cheia de ironia e ele deu uma risada fraca. — Mas apenas
me deixe fazer isso, ok?
— Isso é um hospital particular.
— Nós temos um programa em parceria com o SUS — contei
e ele franziu o cenho, sem entender. — Acho que ela vai entrar
dentro das vagas.
Ela não iria. Bem, pelo menos eu não achava que fosse, afinal,
o problema da Dona Dea não tinha nada a ver com o programa. Eu
tinha pedido um favor direto para o meu pai, não por uma vaga no
programa.
— Como assim?
— Nós pegamos alguns pacientes de câncer e tratamos aqui.
Com o histórico dela, vou dar um jeito de encaixá-la nas vagas, ok?
Você não precisa se preocupar com absolutamente nada.
Ele me olhou cheio de desconfiança, os lábios comprimidos e
os olhos cerrados.
— Por que eu nunca te ouvi falar disso, 190?
Meu estômago deu uma cambalhota e o calor irradiou do
centro até o meu peito, queimando absolutamente tudo no caminho.
Meu Deus, como eu sentia falta dele.
— Sei lá, Pedro — respondi baixinho. — Você tem alguns
valores enraizados e esse projeto é meu. Acho que não queria que
você assumisse que era uma forma de fazer algo para que minha
consciência de garota rica e mimada pesasse um pouco menos.
Acho que o deixei sem reação, porque seus ombros caíram na
mesma hora e ele me olhou um pouco triste.
— Não pensaria isso de você.
— Não? — Dei uma risada sem humor.
Lavínia chegou na mesma hora, mudando o foco da nossa
atenção. Correu até Felipe, abraçando-o com força e depois deu um
beijo rápido na sua boca, segurando seu rosto e cochichando
alguma coisa. Franzi o cenho, porque para um namoro de mentira,
eles pareciam bem reais.
Eles conversaram baixinho e depois minha amiga veio até mim
com um olhar no rosto que claramente indicava que ela desejava
explicações. Porque é claro que não fazia sentido nenhum eu estar
ali, dentro de um quarto com os dois, quando ninguém mais sabia
do meu envolvimento com o Pedro.
Eu a puxei em um canto e informei que contaria tudo para ela
mais tarde, mas minha amiga apenas deu uma risada, olhou de mim
para o Pedro e disse que já tinha conseguido entender tudo.
É, ele estava certo ao dizer que era péssimo nisso de romance
proibido.
Os garotos ficaram algum tempo conversando baixinho no
sofá. A perna do Pedro nunca parava de balançar, seu olhar se
desviando para a porta a todo instante. Felipe não estava muito
diferente, roendo as unhas e claramente tentando se manter mais
estável.
A relação deles era pura demais, como se fossem de fato
ligados a um vínculo inexistente. E era bonito ver o quanto se
preocupavam um com o outro, como buscavam minimizar as
aflições e medos que sabiam ter.
Pedro saiu do quarto, alegando que precisava de um café e
também ligar para Roberval para dar notícias. Fiquei mexendo no
meu celular e ignorei todas as mensagens do Gregório perguntando
onde eu estava.
— Vocês sabem que só eu estou no quarto, certo? E eu sei
que o namoro de vocês é de mentira — impliquei quando vi Lavínia
e Pipo de mãos dadas, conversando.
Os dois ficaram vermelhos, separando as mãos na mesma
hora, quase como se tivessem sidos pegos no flagra e eu ri,
achando graça.
— Ah, nem vi que ele saiu — Vi mentiu, dando uma risadinha
nervosa e se levantando em direção à porta. — Estamos só
treinando, precisamos manter os personagens. Não é? A-Acho
que... Ahn... Vou ao banheiro.
Ela saiu e Felipe se acomodou mais no sofá. Apoiou as costas
no encosto e me encarou com os olhos estreitos.
— Qual é, Larissa? Está tentando estragar meu esquema?
— O que aconteceu com o Jujubinha? — indaguei, dando uma
risada.
— Não é nada pessoal, só que ainda estou puto porque você
partiu o coração do Pepeu — confessou, um pouco sem graça.
— Eu não sou uma vadia sem coração, Pipo. O meu está
quebrado igual.
Ele suspirou, balançando a cabeça.
— Nunca disse isso. É só... — Ele soltou o ar novamente,
cansado. — É foda ver as coisas se repetindo. A Pilar acabou com
ele.
Pilar. Esse era o nome dela.
— E sei que você não é como ela, você não estaria nos
ajudando se fosse. Ainda assim, eu não posso ser seu maior fã no
momento — admitiu, dando uma risada.
— Tudo bem. Eu também não sou minha maior fã no
momento.
Dei um sorriso sem humor. Minha vontade era dizer para ele
que eu nunca tinha sido fã de mim mesma. Não gostava da versão
que eu apresentava para o mundo, apenas simpatizava com quem
eu era quando estava na presença de Pedro.
 
Descendo e escorregando
por toda a cascata, com voce
Minha garota de olhos castanhos
Você é minha garota de olhos castanhos.
:: BROWN EYED GIRL - GREEN DAY ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Aquele dia tinha sido uma montanha-russa de emoções, mas
somente quando o senhor Albertelli entrou no quarto dizendo que
minha avó estava bem e que já estava subindo, que fui capaz de
sentir o oxigênio voltar para os meus pulmões.
Minha cabeça parecia um turbilhão e até mesmo me esqueci
do que tinha acontecido no dia anterior, mas dentro de um cômodo
com ele, os pensamentos me inundaram novamente.  Merda, agora
a situação tinha ficado ainda mais complicada.
Um dia antes da minha avó passar mal, eu estava cobrindo um
dos caras no restaurante em que o pai dela estava almoçando com
dois empresários. Em algum momento, o senhor Albertelli saiu da
mesa e atendeu uma ligação, cochichando algo sobre Iolanda estar
pedindo por mais dinheiro e mandando a pessoa do outro lado da
linha dar um jeito porque a mulher não parava de ligar de números
diferentes e ele estava em reunião.
Iolanda.
Senti um martelo acertar meu cérebro na mesma hora. Aquele
era o nome da mãe biológica dela, não era?
Passei as mãos no rosto e tentei vasculhar as minhas
memórias. Não tinha cem porcento de certeza se aquele era mesmo
o nome da mãe da Larissa, porque ela só a mencionou duas vezes,
mas um sentimento estranho queimou dentro de mim e meu instinto
gritou que era.
Disquei o seu número várias vezes na noite anterior, mas
desisti, sem saber qual era a melhor forma de dar a notícia. Na real,
nem sabia ao certo se aquilo era uma notícia!
Acabei decidindo não contar nada naquele momento, estava
preocupado com a possibilidade de estar confundindo os nomes,
então achei melhor pensar um pouco antes de fazer alguma merda.
E então, minha avó passou mal.
Tinha certeza que o pai dela não havia notado minha presença
e foi algo rápido demais, mas pelo jeito como estava me encarando,
cheguei a me questionar se ele sabia.
O homem me olhava de uma maneira diferente, um pouco
cabreiro, quase como se estivesse tentando ler meus pensamentos.
Eventualmente, seu olhar se desviava para o meu irmão e eu tinha
certeza de que ele estava tentando entender o motivo da sua filha
querer nos ajudar.
Será que ele achava que os pobres estavam chantageando a
patricinha?
Será que sabia que eu tinha ouvido?
Não, eu estava louco. A forma como estava me olhando era
apenas por conta da sua filha, por não saber o que diabos estava
acontecendo ali. Eu era a porra do funcionário do condomínio e ela
a herdeira de todo seu império, claro que aquele homem estaria
confuso por Larissa me ajudar.
— Senhor Albertelli, obrigado de verdade por toda ajuda. Eu e
meu irmão não sabemos como agradecer — comecei a dizer e
Felipe balançou a cabeça em concordância, praticamente repetindo
minhas palavras.
— Fiquem tranquilos, ela vai ficar bem — assegurou, sempre
muito educado. — E a Lari me falou sobre o histórico da avó de
vocês, vamos fazer uma bateria de exames e realizar um PET
Scan[66] para eliminar qualquer preocupação. Já faz um bom tempo
que ela não faz um exame mais completo.
— A fila está gigante — Pipo explicou.
— Sim, sei como é, a gente atende alguns pacientes do SUS
por aqui. Entendemos como o sistema de saúde pública ajuda as
pessoas, mas existe muito a ser melhorado, principalmente em
relação à gestão. Enfim, é complexo e perderíamos horas discutindo
sobre. — Ele deu uma risada fraca e se virou para a filha. — Se
precisar de qualquer coisa, só me ligar.
Ele deixou o quarto dizendo que voltaria mais tarde porque
entraria em outra cirurgia em alguns minutos. Na mesma hora, os
enfermeiros entraram com uma maca e Larissa e Lavínia saíram
para nos dar um pouco de privacidade, alegando que ficariam pela
área comum perto dos quartos.
Os homens a colocaram na cama que deveria ser o preço de
um carro zero e ela sorriu para nós, um pouco grogue, soltando
alguns gemidinhos de dor conforme tentava se movimentar um
pouco.
Ela estava bem fraquinha e fomos até a beira da cama para
que ela não precisasse fazer muito esforço para falar. Odiava vê-la
assim, todas as memórias ruins da época da doença inundavam
minha cabeça e eu ficava na merda.
— E aí, Dona Dea? — Pipo falou assim que ela deu uma
tossidinha. — Pronta pra outra?
— Gente, parece que eu renasci! E o que é isso, minha Nossa
Senhora? — Ela examinou o quarto, horrorizada. — Estamos em
um hotel?
— Fica tranquila, apenas descansa. Eu e Pipo estamos
cuidando de tudo e em breve vamos pra casa.
— Nem faço questão — brincou e nós demos uma risada.
— Faz sim, sua santa grávida vai sentir sua falta — ele
zombou.
— Mais respeito com a santa, Felipe!
— Ué, mas ela está gravida mesmo — respondi, como se
fosse óbvio e recebi um olhar de cara feia.
Eu estava tendo pensamentos com aquilo desde que meu
irmão tinha me ligado para contar sobre a nova imagem da Vó Dea,
uns dias depois que trepei com a Larissa a primeira vez sem
camisinha. Ele tinha criado toda uma teoria a respeito dela. Sério,
chegava a ser mirabolante, vocês teriam que ler o livro da vida dele
para entender o que se passava naquela cabecinha.
— Estou com sede — ela resmungou. — E com sono.
— Você não pode beber nada por enquanto, vó.
— Tenta dormir um pouco — Pipo sugeriu.
Pipo foi com Lavínia em casa buscar algumas roupas para
mim, porque ele tinha uma competição no dia seguinte. Meu irmão
sabia que eu era mais desesperado e gostava de controlar toda
essa dinâmica de hospital. Não precisei de muito para convencê-lo a
me deixar ficar. Eu me sentia mais seguro no hospital por causa dos
meus medos, já ele, queria distância daquele lugar, por toda a raiva
que sentia.
Vovó Dea apagou algum tempo depois e Larissa ligou para o
restaurante e pediu algo para comermos. Fiquei horrorizado quando
os pratos chegaram, tão sofisticados quanto os do restaurante do
clube.
Eu estava dentro de um hospital comendo salmão com crosta
de gergelim e brotinhos de feijão em cima. Mandei uma foto para
Felipe e ele respondeu me xingando e dizendo que queria trocar de
lugar. Em seguida, mandou uma figurinha do Jogos Vorazes com a
Katniss Everdeen dizendo “I volunteer as tribute”[67].
Mostrei a tela para Larissa e sua risada ricocheteou pelo
cômodo e cravou no meu peito, irradiando o típico calor por ele.
Porra, como eu sentia falta dela.
Nós conversamos um pouco sobre assuntos aleatórios, mas
era como se estivéssemos pisando em ovos. Ela explicou um pouco
mais sobre como seria o pós-operatório e depois avisou que
precisava falar com seu pai.
Larissa voltou quase uma hora depois. Eu estava na área
comum, encostado em uma parede, assoprando o chocolate quente
que tinha pegado da máquina.
— Como ela está? — perguntou, encostando ao meu lado.
— Apagada. Quer?
Ofereci o copinho para ela, que negou com a cabeça,
mostrando o pacotinho de jujubas nas mãos. Deu uma risada e
esticou para mim.
— Não, obrigado. — Não queria comer as balinhas que tinham
o gosto do beijo dela, já estava fodido o suficiente.
Merda, eu precisava conversar com ela. Como caralhos eu
falaria sobre o que tinha ouvido? Aquele não parecia um momento
oportuno. Nem sabia como ela iria reagir. E se fosse realmente a
mãe dela? Aquilo significava que ela estava viva, certo? Que os pais
dela tinham mentido.
Que inferno do caralho!
Fui até o lixo e descartei o copinho vazio depois de beber todo
seu conteúdo.
— Você não precisa ficar — falei, parando na sua frente.
Seus olhos encontraram os meus e puxei uma respiração
profunda pelo nariz, forçando todos aqueles sentimentos para longe.
Era ridículo o quanto eu era fraco.
— Eu quero ficar.
— Está aqui o dia inteiro.
— Não me importo — afirmou, sem quebrar o contato visual.
— Pode me responder uma coisa?
— Sim.
— Quando eu te disse que ia resolver... — Ela fez uma pausa
e sorriu. — Até agora não acredito que nem me perguntou o que eu
faria.
Joguei a cabeça para trás, rindo também.
— Eu imaginei que você tinha um plano. E se ele não desse
certo, tinha chances de você aparecer no meio do SUS com seu
canivete, ameaçando Deus e o mundo. Na verdade, eu acho que
contava com isso.
— Me parece algo que eu faria — respondeu, satisfeita.
“Me parece algo que a minha garota faria”, pensei, sentindo
todo o peso no meu estômago. Categorizei mais um dos sorrisos
que ela deu no meu vasto acervo. Já era difícil tentar congelar
minhas emoções longe, mas com ela assim tão perto se tornava
insuportável. Larissa derretia tudo ao meu redor.
— Não sei o que fazer para te agradecer.
— Você poderia não me odiar — sugeriu, prendendo o lábio
inferior entre os dentes.
Todo meu foco se direcionou para eles, se soltando quase em
câmera lenta. Eu era completamente fascinado pela sua boca e em
menos de um segundo, eu me esqueci de tudo. Segurei seu
pescoço e parte do rosto, deslizando o polegar por sua mandíbula.
Analisei o meu movimento, deixando que a névoa que a rondava
emaranhasse no meu cérebro.
— Acha que eu te odeio?
— Sim.
Ela piscou devagar, os lábios levemente abertos.
Deus, eles estavam implorando.
— Eu não conseguiria te odiar mesmo se tentasse demais,
190.
Segurei seu rosto com as duas mãos e colei a minha boca na
dela, beijando-a devagar, louco para sentir cada uma das sensações
mais uma vez. Eu não tive pressa e me permiti me perder na sua
língua quente, engolindo seus suspiros até que sua respiração e a
minha fossem apenas uma.
— Porra, como eu senti sua falta — sussurrei, entre os beijos.
— Eu também — ofegou. — Mas... E-eu acho que precisamos
conversar...
Ela me afastou um pouco e eu encostei a testa na dela,
completamente atraído pelos lábios molhados, não querendo
desgrudar deles.
— Não, não precisamos.
— Pepeu... — chamou baixinho e eu fechei os olhos,
respirando fundo.
A verdade é que eu gostava de como Larissa pronunciava o
meu apelido e era foda porque parecia certo pra caralho. Não a
corrigi dessa vez, não tinha forças para afastá-la quando sabia que
era o que ela desejava.
— Por que está aqui comigo, 190? — perguntei, olhando no
fundo dos seus olhos.
— Porque me importo. Porque mesmo que você não acredite,
eu também sou completamente apaixonada por você. E eu sempre
vou ser sua, não importa o que aconteça.
O ar fugiu dos meus pulmões. Os músculos enrijeceram. O
coração martelou ininterruptamente contra minhas costelas.
— E no momento eu não posso jogar toda a minha vida pro
alto. E eu sei que isso não é o bastante pra você, mas...
— Larissa? — eu a interrompi e ela comprimiu os lábios. — É
o bastante por agora.
Então eu a beijei mais uma vez.
E não só por precisar desesperadamente dela, mas também
porque a necessidade era maior que a minha dor.
 
Sei que ele até se esforça
Mas pra ela eu sou perfeito
Formado e bem sucedido
Mas fui eu que fiz direito
Sempre será o segundo
Porque dela eu sou o primeiro
:: DESENCANE – STRIKE ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
O quarto em que estávamos era gigante e dividido em dois
espaços. Larissa avisou que ficaria na sala ao lado para que minha
avó tivesse mais privacidade e eu acabei dormindo no sofá-cama ao
lado da maca, preocupado que ela precisasse de alguma ajuda.
Os enfermeiros entraram a noite inteira e ela resmungou
bastante de dor e sede nos momentos em que estava acordada,
porque os médicos ainda não tinham liberado que tomasse água.
Dona Dea fez uma infinidade de perguntas para Larissa
quando ela acordou e as duas conversaram bastante. O fôlego da
velhinha ficou a mil quando a minha patricinha mencionou uma
viagem que fez até a Terra Santa e quis saber tudo o que ela tinha
visto. Nem parecia que tinha sido operada e estava fazendo drama
uns minutos antes.
Depois avisou que iria dormir e nós fomos tomar café na sala
ao lado enquanto entrávamos em uma discussão sobre qual era o
melhor episódio de Halloween de Brooklyn 99, a maldita série que
ela tinha me viciado.
Larissa disse que precisaria passar em casa e Pipo me ligou
algum tempo depois dizendo que tinha ganhado a competição e que
me renderia hoje no hospital. Tentei argumentar que não tinha
necessidade, que poderia ficar lá, mas ele lembrou que eu tinha um
emprego.
Roberval tinha sido legal. Ele normalmente não era, mas eu
não costumava faltar e sempre cobria quando precisavam de
pessoal. Além disso, o Heitor gostava de mim e ele que não iria
querer parecer um babaca insensível se existia a chance de eu
comentar algo.
Ainda assim, achei válido dar um pulo no condomínio, levar o
atestado que tinham dado para minha avó e checar se estava tudo
bem com Pato. Heitor mandou diversas mensagens preocupado,
afirmando que se eu precisasse de qualquer coisa, era só pedir.
Falou também que pediria para a moça que trabalhava lá deixar
comida para o Pato, que eu não tinha que me preocupar com nada
além da Dona Dea.
Quando eu estava saindo do hospital, uma Mercedes preta
parou na minha frente e eu suspirei, irritado, já sabendo quem
estava dentro.
— E aí, Pedro? Fiquei a par do que aconteceu com sua avó —
ele disse, com um falso pesar. — Sinto muito.
Sentia porra nenhuma.
— Obrigado — respondi, um meio sorriso falso estampado nos
lábios.
— Só achei muito estranho ela ter se internado logo aqui. Sem
querer parecer um babaca, mas sabemos que com o seu salário do
clube, você não consegue nem pagar um exame de sangue aqui.
Respirei fundo, apertando os dedos nas mãos e ele observou o
movimento, divertindo-se um pouco.
— É, tenho sorte da Larissa gostar de mim.
Que se foda!
Suas expressões se fecharam na mesma hora e uma risada
sem humor escapou dos seus lábios. Ele apertou os dedos no
volante, os nós ficando brancos.
— Minha namorada é muito boa mesmo, gosta de cuidar dos
menos favorecidos.
Filho da puta do caralho.
A palavra “namorada” atingiu minha pele como um ferro em
brasa. Puxei mais uma respiração, tentando me controlar, porque
minha vontade era socar aquela cara desde o dia em que o vi a
primeira vez, mas o desejo só se tornou latente no segundo em que
soube que havia machucado Larissa.
— Estive pensando em uma forma de ajudar também...
— Não preciso da sua ajuda.
— Calma, cara. Você nem ouviu minha proposta. — Ele deu
uma risada. — Eu luto com alguns dos moleques em um clube,
estamos sempre procurando adversários e pagamos um bom
dinheiro por isso.
Não, aquilo não podia ser real.
Será que era um milagre da santa grávida?
— Quer me pagar para lutar com você?
— Sim, mas você precisa saber que é uma coisa meio sem
regras... — explicou, tentando soar como uma pessoa muito correta.
— Por isso, nós pagamos um bom valor. Sabe como é, as vezes os
caras precisam de alguns pontos...
E deu uma risadinha debochada, a mesma que eu dei em
pensamento, mas escondi com um balançar de cabeça, afirmando
que entendia.
O filho da puta queria me fazer de saco de pancadas.
Provavelmente estava puto porque ela tinha me ajudado e agora
estava buscando uma forma de me bater sem que eu fosse até a
polícia depois.
Eu disse que ricos são uns filhos da puta, não disse? Já tinha
ouvido um dos seus amigos conversando com um cara que pegou a
namorada com outro e sugerindo que eles espancassem o homem.
Quando o corno disse que não, porque não desejava receber um
processo, o Cadu explicou sobre o clube.
E claro que ele pensou em fazer o mesmo comigo. O idiota só
não sabia que eu era faixa preta em jiu-jitsu e eventualmente
treinava boxe. Não podia deixar aquela oportunidade passar. Era
quase como se o universo estivesse me dando um presente! Quem
joga fora um presente de Deus?
— Quanto vocês pagam? — perguntei, fingindo estar
ponderando e ele abriu um sorriso largo.
— Cinco.
Cinco mil, porra?
— Dez — falei, sabendo que ele pagaria.
— Certo. — Ele sorriu novamente, puxando um bloquinho e
anotando um endereço. — Esteja lá hoje, às dez horas da noite. A
senha para entrar no clube está no papel.
Que se foda, ia tirar o máximo de dinheiro daquele pau no cu e
ainda ia enfiar a porrada no escroto.
Ele não gostava de machucar as pessoas?
Eu iria fazer o mesmo com ele.
 

 
Contei para o meu irmão para avisar onde estaria naquela
noite, caso desse alguma merda. Ele disse que nem fodendo me
deixaria ir sozinho e na mesma hora deu um jeito de pedir para a
Rita ficar com nossa avó no hospital.
Não curti muito a ideia, mas Vovó Dea achou o máximo,
afirmando que sua amiga ficaria louca naquele lugar. Ela estava
agindo como se estivesse em um hotel, de férias, alegando que Rita
precisava de um descanso dos gêmeos.
Descanso. No hospital.
Aquelas velhinhas eram fodas!
Tudo bem que havia uma televisão gigante, comidas chiques,
um iPad acoplado na cama, tudo dentro de um quarto que era maior
que nossa casa, mas agir como se fosse uma colônia de férias era
de foder.
Pipo tinha pedido o carro emprestado da Lavínia e acreditem,
ele chegou a cogitar fazer uma camisa com o meu rosto para usar.
Sinceramente, não sabia o que Felipe tinha na cabeça, na moral.
Imagina chegar no lugar onde aconteciam lutas clandestinas
como se estivéssemos em uma torcida do Big Brother Brasil?
Nós estacionamos ao lado de uma boate no final da Barra da
Tijuca, mas havia uma observação no papel que dizia: “entrada dos
fundos”.
— Porra, tô me sentindo num filme! — Pipo comentou,
animado.
— Daqueles que os mocinhos morrem?
— Não, idiota. Daqueles que os mocinhos metem a porrada
em todo mundo.
— Como se você fosse meter a porrada em alguém — falei,
rindo.
— Eu não. É pra isso que tenho você. — Gargalhou e depois
ficou pensativo. — Se bem que... Isso aqui é ilegal, certeza que não
dá merda com a polícia. Saudades de bater em uns babacas sem
ter a preocupação de foder meu futuro que já é certo.
— Meu Deus, é insuportável o quanto você se acha!
— Eu me acho porque sou foda. Só me falta dinheiro, porque
talento eu tenho de sobra.
Eu o olhei perplexo e balancei a cabeça em uma negativa, sem
acreditar no tamanho daquele ego.
— É mentira? — Não respondi e ele correu na minha frente,
rindo. — É? É mentira?
— Não, Pipo. Chato pra caralho. Eu, hein?!
— Vou arrumar alguém pra socar hoje também.
— Não inventa merda, caralho. Vai socar ninguém, porra. Vai
ficar quietinho no banco com essa sua cara de sonso aí que você
faz toda vez que eu vou bater em alguém.
— Que babaca! Sou eu que te aviso quando está na hora de
correr.
— Isso aconteceu uma vez! Uma vez! — respondi, irritado,
lembrando da única briga que eu arreguei.
Sabia que iria perder porque era contra cinco caras gigantes.
Se fossem três... Talvez até quatro. Mas cinco? Não dava para
arriscar.
Soltei o ar, puto, ajeitei o boné e bati na porta, vendo uma
pequena fresta se abrir, revelando o olho de uma mulher.
— Senha?
— Inferno? — Fiz uma careta quando li o papel, mas a porta
se abriu logo em seguida.
Fomos entrando no lugar e aos poucos, o som de música alta
e vozes animadas começaram a encher meus ouvidos. Andei a
passos firmes, meu coração batendo forte no peito enquanto Pipo
só faltava pular com tanta agitação.
Nossas bocas se entreabriram quando cruzamos o corredor de
entrada e descemos a escada, vendo um novo universo diante de
nós. Aquela porra era como uma espécie de submundo.
Meus olhos levaram alguns segundos para se ajustar à luz
forte do ambiente. Era tanta informação que nem conseguia
processar direito. Um tipo de galpão gigante e luxuoso, com áreas
reservadas e minirringues. No meio, no local mais iluminado, havia
uma arena muito maior, com grades escuras.
As pessoas lutavam nas menores enquanto as demais torciam,
gritando seus nomes e fazendo apostas. Havia um painel gigante
com divisões e nomes esquisitos e quem estava liderando o maior
deles era alguém chamado Quimeras Flamejantes.
Certeza que era um viciado em Harry Potter.
Conforme fomos caminhando, percebi que na verdade existiam
grupos, como, sei lá, clubes. As pessoas usavam camisas, moletons
e jaquetas e olhavam seus “adversários” com ódio.
Que porra era aquela?
— Viu? Eu deveria ter feito uma camiseta pra você — Pipo
cochichou quando uma gostosa passou vestindo um cropped escrito
Viúvas Negras.
— Cala a boca, Pipo!
Havia um camarote superior com umas três poltronas
vermelhas de couro que estavam vazias. Ainda estava examinando
o local quando as luzes se apagaram e eu segurei no braço do meu
irmão, assustado, pensando que íamos morrer. Então, uma voz
grossa ecoou pelo espaço:
— Boa noite, senhoras e senhores. Bem-vindos a mais uma
noite no Hell Fight[68].
— Porra, a gente tá realmente dentro de um filme! — Pipo
comemorou, animado, praticamente pulando em cima de mim
quando as luzes acenderam, dando um foco maior no ringue
principal.
Muitos se direcionaram para a arena maior e nós fomos meio
que carregados pela multidão. Não fazia ideia de onde estava o
Gregório, mas também não iria achar naquele momento, então nós
ficamos assistindo a luta.
Ela não durou muito, o cara que começou a disputa com uma
camiseta do Quimeras Flamejantes apagou em cinco minutos o
adversário que tinha uma tatuagem gigante no peito escrito Filhos
dos Falcões.
A plateia começou a se dissipar, voltando para seus locais de
origens e então eu o vi, caminhando na minha direção com os
babacas do condomínio.
— E aí? — ele cumprimentou, cruzando os braços quando
chegou perto de mim. Olhou para o Felipe de cima a baixo com uma
expressão de nojo.
Fechei minhas expressões, trancando o maxilar. Coloquei
minhas mãos no moletom e ajeitei a postura, fazendo um meneio
com a cabeça e olhando-o da mesma forma. Ele queria me colocar
medo? Quase dei uma risada. Eu era muito mais intimidante do que
um almofadinha de merda que estava usando uma camiseta da
Lacoste.
— Onde vamos lutar? — perguntei.
— No ringue dos Falcões — respondeu, apontando com a
cabeça para o lado.
— E o que estamos esperando?
— Está com pressa pra tomar porrada, GBR? — Cadu
perguntou, rindo de forma debochada.
— Só quero acabar logo com isso e pegar meu dinheiro.
Falando nisso... Como faremos?
Ele digitou alguma coisa no celular e mandou que eu
colocasse meu PIX, me direcionando para o local indicado logo em
seguida. Felipe estava de cara fechada, olhando cheio de ódio para
os amigos do Gregório.
Aparentemente, o babaca já tinha deixado tudo esquematizado
e algumas pessoas começaram a se aproximar quando começamos
a tirar nossas roupas. Notei uma morena de olhos verdes rondando
o ringue e quando alguém percebeu sua presença, toda a atenção
se voltou para ela. A garota tinha duas tranças, vestia um top com o
moletom por cima e emblema de uma Quimera bordado no peito.
— Precisa de luvas? — um dos caras perguntou quando se
aproximou de mim.
— Não, eu trouxe as minhas.
Tirei meu moletom e a calça, ficando apenas com a bermuda
que costumava usar para treino. Fiz um alongamento rápido,
sentindo toda a adrenalina correr pelas minhas veias. Passei os
olhos pelo local, as pessoas estavam começando a se agitar à
nossa volta, loucas por um show. O som da música era abafado
pelo falatório, os gritos e os barulhos de socos e chutes nas
pequenas arenas ao lado. Havia alguém fumando Gudang e eu me
perguntei se Larissa me odiaria pelo que eu estava prestes a fazer.
Ela tinha resolvido o problema, mas eu queria finalizá-lo de
vez.
Um árbitro se colocou entre nós dois e eu o fuzilei com os
olhos, apertando o meu maxilar enquanto fazia o mesmo com o meu
punho. Gregório era um pouco mais alto do que eu e também tinha
um bom físico, mas aquilo não me preocupava nem um pouco.
Ele manteve os olhos fixos em mim e eu fiz o mesmo,
controlando minha respiração e eliminando a raiva do meu sistema
por alguns minutos. Eu sabia que em uma luta, a batalha mental era
a mais importante e nada podia me desconcentrar.
As “regras” foram explicadas, mas basicamente só havia uma:
parar quando o adversário batesse com uma das mãos no chão ou
gritasse para parar.
Ah, ele definitivamente gritaria quando eu acabasse.
Dei um passo à frente e ele fez o mesmo. O homem ainda
estava com uma das mãos entre nós e Gregório me encarou cheio
de ódio. Nós nos cumprimentamos e recuamos logo em seguida.
— Hoje eu vou te colocar no seu lugar, GBR — falou
entredentes. — E você nunca mais vai chegar perto da minha
mulher.
Ele avançou com um soco, mas eu esquivei, dando uma batida
fraca em sua cabeça, como se fosse um dos meus alunos.
— Minha mulher — eu o corrigi, dando um sorrisinho de
escárnio.
— Sua? — Ele riu. — Ela nunca te levaria a sério, você não
passa de um favelado fodido que vai passar os restos dos dias
lavando copos.
Fui para cima dele, acertando um soco com toda a força em
seu abdômen, o som seguido pelo grito de dor ecoou pelo galpão
enquanto ele se contorcia de dor, tentando se manter em pé.
Dei uma volta pela arena, observando-o até que ele corresse
na minha direção, revoltado. Deixei que ele me acertasse uma das
vezes porque sabia que isso faria com que seu ego gritasse mais
alto. Nem liguei para a ardência do provável corte no meu supercílio.
Nós prosseguimos trocando alguns golpes mais violentos e as
pessoas ao nosso redor berravam, vibrando a cada soco ou chute
que dávamos um no outro.
Não teria graça acabar com ele tão rápido. Agora eu estava
me divertindo, vendo-o ficar desesperado ao perceber que eu sabia
o que estava fazendo.
Estudei seus movimentos, tentando encontrar uma abertura.
Notei que Gregório tinha uma falha em sua defesa, mantendo sua
mão direita baixa, como se estivesse se protegendo de um golpe no
corpo que eu havia dado.
Avancei, fingindo um chute na perna e desferi um upper[69] que
passou pela sua guarda, acertando em cheio o queixo do
arrombado, fazendo-o urrar de dor. Abri um sorriso e deixei meus
olhos correrem pelos espectadores e minha visão ficou levemente
prejudicada pelas luzes coloridas que piscavam em intervalos
regulares.
Nesse momento, ele veio para cima de mim e mesmo
desviando para o lado, seu soco atingiu meu rosto com força.
Umedeci os lábios, sentindo o gosto metálico de sangue na minha
boca, o que fez com que minha irritação crescesse um pouco mais.
Desferi mais algumas sequências de cruzados, seguidas por
uma joelhada em seu estômago. O babaca se livrou dos meus
braços e mudou a postura, dando um passo para trás antes de
erguer sua mão para preparar um jab[70].
Estava cansado de brincar, então acertei um chute alto no seu
queixo, fazendo-o cambalear. Abracei seu tronco e fui para o
clinche[71], provocando sua queda, afinal, o chão era meu parquinho.
Gregório tentou fugir, mas eu o dominei, pressionando meu
joelho com força em sua costela. Montei em cima dele e desferi uma
série de socos rápidos em seu rosto enquanto ele tentava manter a
guarda alta.
— Você é um filho da puta e um covarde do caralho — falei
sem parar de golpeá-lo.
Ele conseguiu inverter um pouco as posições, mas ajustei um
triângulo em seu pescoço e me desvencilhei, entrando com um
armlock. Fechei meu pé na sua costela e quando vi sua mão livre,
apliquei um mão de vaca[72], já prevendo o que eu desejava fazer.
A quantidade de palavrões que ele xingava era como música
para os meus ouvidos. Cheguei o rosto dele o mais perto que
consegui sem prejudicar o aperto do golpe e olhei no fundo dos
seus olhos.
— Babaca escroto — ele cuspiu as palavras com raiva.
— Você deixou quatro dedos marcados na pele dela —
lembrei, sentindo toda a fúria irradiar por dentro de mim, forçando
seu pulso. — Mas eu vou quebrar a sua mão inteira para você
aprender a não tocar mais em mulher nenhuma, seu filho da puta.
E foi o que eu fiz, adorando o som do osso se quebrando nas
minhas mãos, ouvindo-o berrar de dor e bater com a mão livre no
chão. A multidão ficou silenciosa por um momento, antes de
começar a gritar e aplaudir em delírio.
Me desvencilhei, dando um pulo para ficar de pé, tendo uma
visão linda do agressor de merda chorando no chão. Ele levantou os
olhos, incrédulo, e eu esbocei um sorrisinho cínico, satisfeito pelo
que eu tinha feito.
— Esse é o seu lugar, seu playboyzinho de merda — vociferei,
olhando-o com desprezo. — E você nunca mais vai encostar as
mãos na minha mulher.
— Ela não é sua! — Ele se levantou, furioso.
— É o que vamos ver — falei, tirando minhas luvas e deixando
a arena.
Seus amigos estavam em choque, enraizados do lado de fora,
sem acreditar no que tinha acontecido. Um deles correu para dentro
do ringue quando Gregório gemeu de dor novamente.
Pipo estava aos berros e pulou em cima de mim sem nem se
importar com o fato de eu estar totalmente suado.
— Você. É. Foda! — falou pausadamente, segurando meu
rosto e me dando um beijo na bochecha. — Caralho!
— Ei, novato — um homem alto me abordou na hora em que
eu estava colocando meu moletom para ir embora. — Sou o Bóris.
— Boa noite — eu o cumprimentei quando ele esticou a mão,
apresentando-me também. — Pedro.
— Bom trabalho hoje, Pedro.
— Obrigado.
— Tu deve ser do jiu-jitsu, certo?
— Sim.
— Você é bom... E me parece ter o que é necessário. Tenho
uma vaga na minha equipe — ele disse, indicando o espaço em que
a garota que eu tinha visto estava.
— Vaga? — indaguei, um pouco confuso.
— Está vendo aquele cara ali? — Apontou para um homem de
cabeça raspada com um leão tatuado no peito. — Aquele é o Max,
um dos meus melhores lutadores. Ele tem fama, a mulher que
quiser e faz um dinheiro forte por mês. Estamos sempre de olho em
quem pode se tornar um vencedor aqui dentro.
— Valeu, Bóris, mas vim aqui por motivos pessoais. Não quero
essa fama e já tenho a mulher que eu quero. Não desejo essa vida
para mim, talvez essa seja a história de um outro cara.
Ele comprimiu os lábios, demonstrando um pouco de
decepção e depois fez um meneio com a cabeça e foi embora.
— Mano, certeza de que isso não é um filme? — Pipo
perguntou, completamente chocado.
— Tenho.
Se a minha vida fosse um filme ou um livro, eu certamente já
teria achado a autora e chutado a bunda dela por fazer com que eu
me apaixonasse por uma patricinha rica ao invés de uma simples
camponesa com uma CLT e o nome sujo no Serasa.
 
Então eu escapei pro jardim para ver você
Nós ficamos quietos, porque nos matariam se soubessem
Então feche seus olhos
Fuja dessa cidade por um momento, uh, oh
:: LOVE STORY - TAYLOR SWIFT ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Depois que saímos do clube, Pipo me deixou no condomínio e
eu pedi que ela me encontrasse no telhado com um maço dos seus
cigarros e um kit de primeiros socorros. Ela me ligou na mesma hora
e eu expliquei que estava bem, só com um corte no supercílio e
outro no lábio.
Ela já estava lá quando eu cheguei, munido de uma das
garrafas de uísque que eu tinha tirado do bar do Heitor. Sabia que
seria importante para que Larissa digerisse as coisas que eu
precisava contar.
— Ei... — falei, me sentando ao seu lado.
— O que aconteceu? — indagou, preocupada, chegando mais
perto e segurando o meu rosto.
— Estou com medo de te dizer.
— Anda, Pedro! — Ela apertou meu braço bem no lugar que
ele tinha acertado com força e soltei um gemido de dor.
— Meti a porrada no seu namorado — contei, vendo seus
lábios se entreabrirem. — E talvez eu tenha me empolgado um
pouco e quebrado a mão dele.
Ela cobriu a boca e arregalou os olhos, como se não
acreditasse. Respirei fundo, já preparando todo o meu discurso.
— Sei que você já tinha dito que resolveu a situação, mas se
coloca no meu lugar, linda... — tentei argumentar, sendo um fofo e
segurando a sua mão. Ignorei o fato de que ela estreitou os olhos
quando eu a chamei daquele jeito. — Ele mexeu com você e eu
simplesmente não consigo esquecer essa merda. E não é como se
eu tivesse buscado por isso, o Gregório é quem veio atrás de mim e
me ofereceu dinheiro para ser seu oponente em uma luta.
Quando disse a última frase, reparei que ela não ficou
surpresa, apenas soltou o ar em desistência, balançando a cabeça
minimamente em uma negativa. Ela pegou o kit de primeiros
socorros e molhou um algodão com alguma solução líquida.
— Ele sabe sobre nós dois — respondeu.
— Eu percebi. E bem... — Fiz uma pausa e a olhei nos olhos.
— Acho que não restaria muitas dúvidas depois que eu berrei na
cara dele que você era minha.
— Fez isso?
Notei um lampejo de satisfação, uma microcurvatura de sorriso
se formando. Assenti, mas como se ela estivesse se recriminando,
deu uma risada nervosa e passou as mãos no rosto.
— Meu Deus, como ele vai operar as pessoas com a mão
quebrada?
Comprimi os lábios. Não tinha pensado naquilo.
— Não pensei nisso — confessei e ela me olhou, cheia de
julgamento.
— Claro que você não pensou...
— Ai! — resmunguei quando ela apertou o algodão no meu
supercílio, limpando o local sem ser muito gentil. — Mãozinha
pesada da porra, hein, 190?
— Inconsequente... — bufou, passando agora a limpar um
pequeno corte no canto do meu lábio.
— Hipócrita — devolvi com uma risada, porque ela sabia ser
bem inconsequente também.
— É o que eu sou? — implicou com o rosto bem perto do meu,
apertando o algodão na ferida.
Eu a puxei pela cintura e segurei seu rosto, roçando meus
lábios nos dela, antes de dizer praticamente dentro da sua boca:
— Sim. Uma hipócritazinha linda pra caralho.
Nós nos beijamos com urgência e não me importei nem um
pouco com o machucado ou o fato de que o gosto de sangue estava
se misturando nas nossas línguas. E descobri que gostava ainda
mais dos seus beijos em cima daquele telhado após participar de
um evento meio apocalíptico.
— Está me odiando? — perguntei, me afastando um pouco e
colocando uma mecha de cabelo atrás da sua orelha.
Um sorriso se abriu no seu rosto, fazendo meu coração
disparar.
Inferno de garota linda.
— Eu não conseguiria te odiar mesmo se tentasse demais,
Pepeu — respondeu baixinho, encostando a testa na minha.
— Continue com isso em mente, porque tem algo mais que
preciso te dizer.
Ela se afastou para me olhar nos olhos, a preocupação
surgindo no seu rosto. Entrelacei os dedos nos dela, tentando
reprimir sua ansiedade e um pouco da minha também. Respirei
fundo, como se estivesse buscando por coragem.
— Um dia antes da minha avó passar mal, eu ouvi uma coisa e
fiquei martelando se deveria te contar. Aí tudo aconteceu e desde
então não consigo achar o momento certo. Também não acho que
agora seja o ideal, mas eu simplesmente não consigo mais olhar pra
você sabendo que estou te escondendo algo que pode ser
relevante.
— Para de falar em enigma, Pedro!
— Eu ouvi o seu pai no telefone com alguém falando sobre
uma tal de Iolanda. Esse é o nome da sua mãe biológica, certo?
— Sim. — A voz saiu quase inaudível e suas sobrancelhas se
juntaram, demonstrando confusão. — Mas o que há de errado
nisso?
— Eles não te disseram que ela tinha morrido?
— Sim, ela morreu no parto.
— Eu ouvi seu pai dizendo que a Iolanda estava pedindo mais
dinheiro, ligando de diferentes números...
Ela continuou me encarando, confusa, como se eu estivesse
falando em uma outra língua.
— Não estou entendendo.
— Morto não pede dinheiro, Larissa.
— Não, isso não faz sentido — afirmou, balançando a cabeça
negativamente, incapaz de acreditar. — Pode ter sido qualquer outra
Iolanda.
— Sério? Quantas Iolandas você conhece?
— Só ela, mas... — Larissa se interrompeu e me olhou por
alguns segundos, suas feições congeladas. — Eles não mentiriam
para mim.
Eu guardei o meu “não?” para mim mesmo, mas acho que ela
percebeu pelas minhas expressões, porque fechou a cara na
mesma hora, ficando um pouco irritada.
— Eles não mentiriam para mim, Pedro — afirmou.
— Eu não disse nada.
— Você não precisa, não é? — retrucou de forma irônica. —
Esse seu olhar julgador é tão transparente quanto a água.
Apertei sua mão na minha e observei meu movimento antes de
levantar os olhos para ver os seus brilhando. Era nítida a luta interna
que parecia estar acontecendo na sua cabeça, tentando assimilar
tudo o que eu tinha dito.
— Desculpe, não foi minha intenção.
Ela se soltou, pegando um dos seus cigarros e acendendo-o
na mesma hora. Tragou a fumaça e observou sua casa ao lado sem
dizer uma única palavra.
Seu polegar batia na ponta do cigarro, os pés balançando sem
parar e eu permaneci em silêncio, dando espaço para que ela
pudesse pensar.
— Não sei o que fazer — disse depois de algum tempo.
— Você não precisa fazer nada.
— Eu não posso confrontar meus pais assim, o que eles
pensariam? — Ela parecia inquieta, falando rápido, quase
atropelando as palavras. — Que eu desconfio deles? Que sou uma
filha da puta ingrata que acha que eles mentem?
Havia muita dor nas suas palavras e eu sabia que ela estava
segurando as lágrimas, mesmo que não precisasse fazer isso na
minha frente. Chegava a ser bizarro o quanto eu a conhecia mesmo
que estivéssemos naquela dinâmica há um pouco mais de um mês.
— Você não é ingrata, Larissa. Não é porque a vaca fodida
vive afirmando isso que é verdade.
Larissa soltou o ar. Abriu o uísque, dando um grande gole e
sem nem tirar os olhos do horizonte, estendeu a garrafa para mim.
— Por mais que eu queira beber hoje... — comecei a dizer e
ela me encarou com o olhar um pouco vazio, piscando devagar. —
E acredite, eu quero muito... Acho melhor não.
— Pode beber, Pedro.
— Pipo não está aqui e não posso correr o risco de alguma
coisa acontecer com a minha avó e...
— Pedro! — ela me chamou. — Você pode beber, se quiser.
Você não precisa mais se preocupar com isso. Eu nunca vou deixar
que falte nada pra ela, ok?
— Você não pode me afirmar isso...
Larissa me olhou, séria, e apertou minha mão com força. Seus
olhos estavam cheios de lágrimas, como se ela fosse desabar a
qualquer instante e eu senti os meus arderem na mesma hora.
— Eu te prometo. Eu sei que você tem receio de beber e
precisar, sei lá, dirigir para levá-la em algum lugar, sei que não faz
suas tatuagens por medo de ela ficar doente de novo e precisar de
sangue.
A impotência que eu sentia pela forma como ela conseguia me
enxergar era esmagadora e me deixava extremamente vulnerável.
Como aquele tipo de conexão podia ser tão real? Em alguns
momentos, apenas pela forma como ela me olhava, eu me
perguntava se aquela garota era uma extensão de mim, se era
capaz de sentir exatamente o que eu sentia.
— Mas isso acabou — continuou. — Não importa o que
aconteça entre a gente, você nunca mais vai passar pelo que você
passou, entendeu? Eu doaria o meu sangue, roubaria do hospital
dos meus pais, ameaçaria Deus e o mundo com meu canivete, se
fosse necessário. Foda-se, eu faria qualquer uma dessas coisas por
você.
Uma parte de mim realmente acreditava nas suas palavras. E
a outra se perguntava por qual motivo aquelas “promessas” não
pareciam suficientes, se questionava o porquê de ela afirmar que
faria tanto (e de fato fazer), mas não conseguir assumir um
relacionamento comigo.
Era foda, eu me afogava em uma imensidão de dúvidas e
inseguranças. O passado brigando por atenção, tentando ganhar
um novo plano na minha consciência. Era exaustivo lutar contra a
avalanche de sentimentos que se alternava dentro de mim.
Em momentos como aquele, eu tinha certeza de que ela era
minha, mas em outros, saber disso não parecia o bastante. Aquele
não era o momento certo para trazer aquele tópico à tona e para ser
sincero, eu nem mesmo tinha forças.
Estava decidido a aceitar o que ela tinha a oferecer, mesmo
que não fosse bem o que eu desejava.
Suspirei, assentindo com a cabeça e levei a garrafa até a
minha boca, deixando que o uísque descesse pela minha garganta
queimando tudo. E porra, a sensação era anestésica, exatamente
como eu precisava.
 
Você e eu deveríamos fugir por um tempo
Eu quero apenas estar sozinho com seu sorriso
Compre alguma bala e cigarros e nós entraremos em meu carro
Vamos explodir o som e vamos dirigir para Madagascar
:: M+M'S - BLINK-182 ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
O que ele havia me contado não parava de martelar em minha
cabeça. Por mais que eu desejasse confrontar meus pais de
imediato, tinha medo e além disso, não queria correr o risco de
descobrirem que Pedro tinha me dito alguma coisa.
Então esperei alguns dias até que Dona Dea saísse do
hospital e me mantive com uma máscara de indiferença por todo o
tempo que permanecemos juntos no mesmo lugar.
Minha mãe veio conversar comigo no dia em que voltei para
casa, querendo entender mais sobre minha relação com ele,
dizendo que não fazia ideia de que éramos próximos. Eu expliquei
que ficamos amigos quando ele se mudou para a casa ao lado e ela
disse que tudo bem, mas que meu namorado provavelmente ficaria
com ciúmes de toda aquela proximidade.
Como se eu me importasse...
Agradeci pelo conselho e na manhã seguinte percebi que ela
já tinha conversado com o meu pai, porque ele me mandou uma
mensagem dizendo que estavam fazendo todos os exames da avó
do meu AMIGO.
— Você deveria ir — falei para Gregório depois que
terminamos de jantar com os meus pais.
Ele tinha ido ao banheiro e eu o alcancei, já querendo mandá-
lo embora. Queria aproveitar que os dois estavam juntos e
finalmente tirar aquela sensação de sufocamento do meu peito. Não
aguentava mais.
— Pra você ir se encontrar com ele? — respondeu, irritado.
— Sim, exatamente por isso, agora xô — falei, fazendo um
gesto como se estivesse enxotando-o. — Já deu a sua hora.
— Aquele marginal quebrou a minha mão, Larissa. Você está
se envolvendo com um criminoso!
Ele repetia essa maldita frase como um papagaio desde o dia
seguinte à luta, quando foi até minha casa para dizer que estava
preocupado com a minha segurança. A cada oportunidade que
tinha, ele lembrava que Pedro tinha batido nele, forçando uma barra
sobre ser uma vítima.
— Gregório, já te disse que sei que foi você quem o chamou
para brigar...
— Porque eu estava com ciúmes — justificou, como se fosse
aceitável.
Descobri naquele dia que ele tinha visto nós dois nos beijando
no hospital. Ficou irritado e achou que daria uma surra no Pedro,
intimidando-o para não chegar mais perto de mim. Foi incrivelmente
satisfatório afirmar que o GBR que ele odiava era faixa preta em jiu-
jitsu. Eu sentia vontade de rir toda vez que lembrava da expressão
de idiota no seu rosto, porque até o momento, Gregório estava
alegando que ele apenas teve sorte na luta.
— Já te disse mil vezes que eu e você não temos nada, então
engole seus ciúmes e não se mete mais na minha vida — respondi
baixinho, entredentes. — Eu disse, se quisesse dar para o Rio de
Janeiro inteiro, você não abriria a boca.
— Mas ele é um favelado, um marginal!
— Para de falar assim! — briguei, irritada. — Chega a ser
ridículo, quando você não é nem 10% do homem que ele é.
Aquela frase o baqueou. Gregório comprimiu os lábios,
claramente em desacordo com o que eu tinha dito, mas apenas
respirou fundo e abaixou o tom de voz.
— Ele não é certo pra você — foi só o que disse, apoiando a
mão no meu ombro. — Eu sou, Lari. E você é a mulher perfeita e
única pra mim, amor. Você sempre foi minha...
— Gregório, eu não sou sua — afirmei, me desvencilhando. —
Não mais. Nunca mais.
— Tudo bem. — Ele fez um meneio com a cabeça a
contragosto. — Pelo visto, esse idiota entrou na sua mente, mas eu
não vou desistir de você.
— Por favor, desista de mim — incentivei, dando uma risada,
mas Gregório me encarou triste e foi embora.
Meus pais ainda estavam conversando na sala de jantar e eu
avisei que Gregório tinha ido embora, fazendo com que minha mãe
soltasse um muxoxo, alegando que ainda iríamos comer a
sobremesa.
— Preciso falar com vocês — soltei, junto com uma lufada de
ar.
Não dava mais para segurar aquilo, eu estava prestes a
explodir. Nunca, em toda a minha vida, eu tive tanta dificuldade para
guardar algo que me incomodava.
Era como se houvesse um bloco de concreto em cima do meu
peito e podia sentir a garganta se fechando. Meu estômago retorceu
e eu tive a sensação de que estava prestes a vomitar. O medo
parecia rastejar pela minha espinha, congelando todas as minhas
veias. Merda, de onde eu tiraria coragem?
A voz da vagabunda da Muriel ecoava na minha cabeça, cheia
de ódio, mandando que eu fosse em frente.
“Isso mesmo, Larissa. Desconfie das pessoas que te
acolheram, sua cadela ingrata e imunda”.
Recuei, dando um passo para trás e os dois me olharam,
preocupados. Conseguia ouvir os batimentos cardíacos martelando
atrás dos meus tímpanos. O que eu estava pensando? Eu não
deveria... Aquilo não era certo.
E se fosse tudo um engano? Como eu justificaria toda minha
desconfiança?
— Filha, estou ficando preocupada. — A voz da minha mãe
parecia longe. — Inácio!
— Lari...
O rosto do meu pai apareceu diante de mim, o aperto forte nas
minhas mãos trazendo-me um pouco mais de segurança. Seu olhar
vagueava pelo meu rosto, tentando entender minhas reações. Eles
me amavam, não tinha dúvidas daquilo. Se tudo fosse um engano,
eu imploraria pelo perdão.
— Filha, fala com a gente. Você está grávida? É isso?
Balancei a cabeça em uma negativa e torci os lábios,
cutucando meus dedos de maneira ansiosa. Respirei fundo,
isolando o desespero que estava me consumindo e deixei que meu
olhar caísse sobre eles.
— Eu... Ahn... A Iolanda está viva?
Os dois se entreolharam ao mesmo tempo com uma
expressão que me quebrou. Não precisava de uma confirmação,
apenas a troca de olhares foi o suficiente para comprovar que sim,
meus pais tinham mentido para mim a vida inteira.
— Larissa... — meu pai começou a dizer com uma voz calma.
Meu coração afundou dentro de mim. O acúmulo de lágrimas
turvou minha visão, o nó que queimava minha garganta parecia
crescer cada vez mais, restringindo meu oxigênio. Estava prestes a
desabar, meu mundo inteiro parecia ruir aos meus pés.
— Vocês mentiram pra mim esse tempo todo? — indaguei com
a voz engasgada, as cordas vocais doendo da força que eu fazia
para não chorar.
— Filha, ela entrou em contato você? Como você descobriu
isso?
Franzi o cenho, sério que ela estava me perguntando aquilo?
Os dois praticamente se esqueceram da minha presença e meu pai
olhou irritado para minha mãe. Eu nem conseguia compreender se
estava triste ou com ódio, ambos os sentimentos se alternando
dentro de mim.
— Eu disse para você resolver, Laura!
Minhas mãos tremiam e a decepção me atingiu como uma
onda, arrastando-me para um mar furioso. A raiva queimava dentro
de mim e a sensação de receber uma facada no peito me rasgava
por completo, tirando-me de um casulo, libertando todas as minhas
máscaras.
Ela borbulhou, fundindo-se com a decepção que se espalhava
como um vazio profundo. Apertei meus punhos, buscando ignorar
os nós apertados que contraíam o meu estômago mais e mais,
prestes a explodir.
— Foda-se como eu descobri! — respondi de forma agressiva,
fazendo com que eles arregalassem um pouco os olhos. — Sério
que estão preocupados com isso?
— A gente fez o que era melhor pra você, Larissa — meu pai
explicou, mantendo o tom de voz firme.
— O melhor pra mim? — Dei uma risada de desdém, meus
músculos retesando. — Vocês falaram que minha mãe biológica
morreu! Quando ela estava por aí!
Eu nunca tinha visto Laura Albertelli sem palavras, mas ela
estava completamente muda, com os olhos marejados e os pés
enraizados no chão. Como se estivesse impossibilitada de se
mexer.
— Você não a conhece — ele disse, encostando no ombro da
esposa.
— Não interessa! Eu deveria decidir se queria uma relação
com ela ou não! — A imensidão de perguntas parecia derreter o
meu cérebro, transformando tudo em lama, deixando-me ainda mais
perdida. — Por que fizeram isso? Vocês me compraram dela ou
algo do tipo?
— Claro que não, Larissa! — meu pai retrucou, ofendido. —
Ela precisa saber, Laura.
Olhou para minha mãe, que fez uma negativa com a cabeça e
começou a chorar sem parar, afundando as mãos no rosto, como se
não pudesse suportar.
— A Iolanda é dependente química, Larissa — contou,
soltando o ar. — Nós descobrimos isso um pouco antes de ela
engravidar e a mantivemos conosco, dando todo o suporte. Ela
voltou a consumir nas semanas seguintes que você nasceu e um
dia...
Ele puxou o ar e fechou os olhos. Os soluços da mulher à
minha frente se intensificaram e eu senti as lágrimas quentes
descendo pela minha bochecha, não conseguindo mais segurar. Vê-
la daquele jeito acabava comigo e era difícil ignorar, mesmo com
raiva por toda a mentira.
— Ela quase te matou. — A voz embargada da minha mãe
ecoou pelos meus ouvidos. — Você era apenas um bebezinho e ela
deixou que sufocasse no vômito porque estava preocupada demais
injetando... — Havia muita dor nas suas palavras e eu as senti,
perfurando meu peito. — E não foi só uma vez, Larissa. Quando
aconteceu novamente, nós demos um basta e, sim, arrumamos um
jeito de te tirar dela.
Minha garganta se fechou por completo e a sensação era de o
ar não conseguir alcançar os meus pulmões. Os dois me olhavam
de uma forma que eu nunca tinha visto antes. O medo transbordava
em cada palavra que saía, encharcada também com tristeza e
indignação.
— Ela nos disse que deveríamos pagar se queríamos tanto
você e nós a ameaçamos, alegando que a mandaríamos para a
prisão. Fizemos de tudo, até mesmo tentamos interná-la em uma
clínica e quando Iolanda saiu, só queria saber de dinheiro. — Um
suspiro cansado deixou os seus lábios e minha mãe apertou sua
mão. — Ela sumia por um tempo e voltava querendo mais. E nunca,
nunca sequer perguntou como você estava, Lari. E temos uma
infinidade de mensagens para provar, se você acha que pode ser
uma mentira. Infelizmente não é. N-nós apenas... Não queríamos
essa mulher na sua vida.
Não sabia o que dizer ou questionar. Nem mesmo conseguia
raciocinar direito depois de receber tantas informações de uma só
vez.
Durante toda a minha vida, eu imaginei como minha história
seria diferente se eu tivesse conhecido a minha mãe biológica.
Sempre me perguntei como seria se eu fosse filha de uma mulher
humilde, se morasse na comunidade em que ela viveu.
Por volta dos meus dezesseis anos, eu comecei a me
questionar sobre minhas amizades, minhas escolhas e o que eu
faria se minhas oportunidades fossem outras.
Então eu decidi explorar a comunidade em que ela havia
morado, a Cidade de Deus e foi lá que percebi que meu mundo era
um grão de areia perto do restante do universo. E naquela época,
eu descobri sobre meus privilégios.
Menti muitas vezes que estava indo para o shopping para me
meter em um galpão de artes, onde aprendi a desenhar. As pessoas
não me davam muita bola, não sabiam que aquela menina com
moletom preto e boné virado para trás, que mais parecia um garoto,
era, na verdade, a herdeira de um dos maiores hospitais do Rio de
Janeiro.
Ali eu era apenas a Lissa, uma adolescente que não tinha
grana e estava deslumbrada em aprender sobre a arte do grafite.
Ali, eu fiz um dos meus melhores amigos, o garoto que me ensinou
a usar o meu canivete e arrombar cadeados. Juninho dizia que eu
precisava saber me defender e fugir, principalmente se pretendia
grafitar escondida por aí.
Eu parei de frequentar a CDD quando ele morreu, vítima de
uma bala perdida. Fiquei completamente destruída e tomei a
decisão de que nunca mais pisaria naquele lugar. O medo de que os
meus pais precisassem passar pelo mesmo que a dona Gorete me
afundou, mandando-me de volta para a minha bolha.
Depois de algum tempo, eu vendi algumas bolsas e roupas
caras que eu tinha e dei todo o dinheiro para ela, pedindo que
saísse de lá. Um ano depois, soube que ela descobriu um câncer de
mama que resultou em uma metástase por conta de toda a demora
do sistema de saúde pública. E foi assim que eu tive a ideia do
projeto no hospital dos meus pais.
Eu entendi que mesmo que eu me mantivesse dentro da minha
bolha, podia furá-la quando fosse necessário. Cheguei à conclusão
de que minha bolha poderia ser um pouco maior se eu desejasse.
— Preciso de um tempo e de espaço — foi só o que eu falei.
Eles tentaram se aproximar, mas eu dei um passo para trás,
recuando. Nem mesmo sabia o que estava fazendo.
Saí pela porta, sentindo meu coração apertar e entrei no meu
carro, rápido, girando a chave na ignição e dando partida.
Eu precisava de distância.
De tudo e de quase todos.
 
É, cê é linda até quando não quer
De camisão com a gola toda solta
Toda largada tomando café
Então faz logo as malas e vem morar comigo
:: COMPENSA – ALMAR ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Heitor voltou três dias depois da cirurgia da minha avó e
Roberval adiantou uns dias das minhas férias para que eu ficasse
com ela.
Ele sempre pedia que déssemos preferência para os meses
com menos movimento na piscina e eu gostava de pegar uns dias
no meio de agosto e a maior parte no início do ano. Sempre um
descanso depois de passar tanto tempo aturando aqueles ricos
insuportáveis.
Dessa vez, eu estava me recuperando de ter vivido uns seis
meses em um pouco mais de 30 dias. Comecei julho achando que
seria mais um mês infernal e agora estava todas as manhãs
completamente rendido pela garota que eu jurei odiar, tirando as
casquinhas do seu pão de forma porque ela era uma fresca do
caralho.
Quando a minha patricinha chegou pedindo abrigo, fiquei um
pouco preocupado. Cheguei a perguntar se ela não preferia ir para
um hotel, afinal, eu não tinha nem a porra de uma televisão.
Uma negativa com a cabeça foi o suficiente e naquela noite,
Larissa chorou no meu peito até que a exaustão a fizesse desmaiar
de sono, quase pela manhã. E algumas horas depois, tive que levá-
la para almoçar na casa da Vovó Dea, visto que eu estava de
enfermeiro e também faria a comida.
Expliquei para os dois que ela ficaria uns dias comigo porque
tinha tido uns problemas familiares, mas foi quase como dizer para
minha velhinha que havia uma celebridade no prédio.
Horas depois, quando fui na mercearia comprar uma Coca-
Cola, todos já estavam sabendo que “a minha namorada” estava no
prédio. E nem adiantava tentar dizer o contrário.
Não que eu fizesse questão, porque era o título que eu queria
que ela tivesse mesmo, mas ouvir aquilo me fazia mais mal do que
bem. Ninguém sabia, no entanto, e estavam em polvorosas.
O Mike teve a pachorra de aparecer lá dizendo que a Dona
Rita precisava de uma xicrinha de açúcar para o café.
Dona Rita era diabética.
Quando voltei, cheguei à conclusão de que a patricinha tinha
uma fã. Vovó Dea chegou até mesmo a mostrar todos os seus
santos e depois disparou a falar sem parar, me contando sobre a
viagem que a Larissa tinha feito ao Vaticano. Sabia tantos detalhes
que cheguei a perguntar se ela era a guia.
Mostrou, inclusive, a porra da foto horrorosa que ela escondia,
aquela minha e do Pipo dormindo agarrados que eu desejava
queimar. As duas assistiram novela juntas e depois Pipo a alugou
por horas, fazendo uma infinidade de perguntas sobre a Lavínia,
tentando sugar o máximo de informações sobre sua nova
namorada.
E em questão de horas, Larissa Albertelli parecia um membro
da minha família e quando ela me chamou de Pepeu, em algum
momento, eu senti aquele vazio se preencher como nunca tinha
acontecido antes. A sensação que eu havia tido algumas semanas
atrás sobre faltar alguma coisa simplesmente desapareceu.
Suspirei, percebendo que o que faltava era ela, a desgraçada
que fodia com a minha paz.
Nos dias que se seguiram, nós dormimos juntos todas as
noites, mesmo que passássemos mais tempo conversando do que
de fato dormindo.
Transamos bastante também, porque pelo visto meu pau
curava tristeza e decepções.
Ela foi no shopping e voltou com uma televisão de última
geração, como se aquilo fosse supernormal. Eu fiquei puto e mandei
que ela devolvesse, mas Larissa apenas choramingou, dizendo que
precisava ver filme para ficar um pouco mais feliz. E como se não
bastasse, mostrou duas sacolas com uns quatro quilos de Fini,
chocolates e jujubas que tinha comprado nas Lojas Americanas.
No dia seguinte, retornou com plantinhas e itens de decoração,
não só para a minha casa, como para a casa da minha avó, que
ameaçou até mesmo se levantar para fazer um bolo para o novo
amor da sua vida: Larissa Albertelli.
Conversou com os gêmeos, ficou com ciúmes da Karolayne e
ouviu por quase uma hora o Rubens falar sobre seu
empreendimento do outro lado da rua.
Fomos à praia, andamos de skate na pista do Pontal e ela me
acompanhou na aula de jiu-jitsu, carregando um saco de jujubas
que ofereceu para a turma antes do treino. Todos ficaram alucinados
de açúcar e quando eu a olhei, irritado, ela apenas encolheu os
ombros, pedindo desculpa e fazendo com que eu revirasse os olhos.
Nós maratonamos todos os filmes de Harry Potter na maldita
televisão da discórdia e entramos em várias discussões sobre
alguns personagens complexos. E depois, eu a obriguei a ver
Karatê Kid, porque ela nunca tinha assistido e eu não podia estar
com uma mulher que não conhecia os ensinamentos do Senhor
Miyagi.
Em um dos dias, desenhei por toda sua pele e testei uma
infinidade de decalques nela. E nós finalmente escolhemos uma
data para fazer a sua borboleta azul.
A patricinha andou por todo o meu apartamento de calcinha,
com minhas camisetas, moletom e meu boné. E porra, ela ficava
linda com o meu boné, em especial quando sorria atrás de uma
xícara de café.
E em um pouco mais de uma semana que passamos juntos,
eu cheguei à conclusão de que estava mais do que apaixonado por
ela, de que podia passar uma vida inteira com aquela mulher ao
meu lado.
— Por que você não faz um desenho aqui? — ela perguntou,
alisando a parede da sala que era de frente para a porta.
— Eu sempre penso nisso, mas vou deixando pra depois... —
comentei, tirando os olhos do livro que estava lendo.
Larissa estava analisando a parede cuidadosamente e eu dei
uma risada, achando graça. A coitada com certeza já estava
entediada.
— 190? — chamei e ela se virou, um pouco aérea. — Vem cá.
— O que foi? — perguntou, caminhando na minha direção e se
sentou no meu colo, dando um beijo na minha boca.
Foda-se, eu não precisava de mais nada.
— Seus pais ligaram o dia inteiro hoje... — falei, mostrando as
ligações no seu celular. — Eles devem estar preocupados.
Ela já havia respondido algumas mensagens, mentindo que
estava em um hotel e só precisava de um tempo para absorver tudo.
Eu imaginei que eles estivessem surtando, já que a filha, além de
não estar em casa, estava faltando as aulas e o estágio no hospital.
— Estão desde ontem querendo confirmar se eu vou na festa
de aniversário do hospital, no final de semana.
— E você vai?
— Não sei. É superimportante pra eles e meu pai está
tentando conseguir alguns clientes muito grandes, mas... — seu
olhar se perdeu um pouco e ela suspirou.
— Já vou estar trabalhando — lembrei. — Você não vai estar
sozinha.
— Eu sei... — Ela sorriu, voltando a parecer pensativa.
Deslizei o polegar por sua perna, afundando meu rosto no seu
pescoço e depositando um beijo no local. Depois, se aninhou no
meu colo e manteve sua cabeça encostada no meu peito.
— Pepeu? — chamou.
— Hm?
— Eu sou uma péssima pessoa por não querer encontrar essa
mulher? — perguntou baixinho, quase como se tivesse medo de
dizer aquelas palavras.
— Nem todo mundo nasceu pra ser mãe, Larissa. Isso é uma
porra de um conceito escroto que a sociedade machista inventou —
falei, soltando o ar, cansado. — Se minha mãe voltasse com o rabo
entre as pernas, eu sequer olharia na cara dela.
Ela se ajeitou para ficar frente a frente, os olhos fixos em mim.
Então eu continuei:
— A gente não precisa se diminuir para caber em algo que não
quer, em relações que não vão nos fazer bem apenas porque existe
um laço sanguíneo. É plasma, com uma infinidade de outras coisas
que o compõem. É matéria e apenas isso. A sua família, assim
como a minha, é quem te criou, as pessoas que fizeram tudo por
você. É um elo de alma e ele é mais forte que qualquer matéria. No
nosso caso, o sangue não significa absolutamente nada. Você não
tem que reencontrar essa mulher só porque ela te deu a vida.
Seus olhos estavam molhados e eu limpei com o polegar uma
lágrima que ameaçou escorrer, dando um beijo no lugar logo em
seguida. Senti suas mãos agarrarem o meu braço com força, como
se não quisesse que eu saísse dali. Eu odiava vê-la assim, perdida
e quebrada, sem saber o que fazer, sem toda a força que eu
enxergava nela.
— Você está certo — assentiu, balançando a cabeça.
 

 
— Brother, o vídeo tá bombando! — Pipo entrou no meu
apartamento correndo e eu cobri a Larissa antes que ele entrasse
no quarto.
— Ai, não, porra! — resmungou quando me viu pelado só com
o travesseiro na frente do pau.
— Bater que é bom, né, porra? — gritei, fechando a porta
enquanto ele voltava para a sala, xingando.
O idiota invadia minha casa, empatava minha foda e ainda se
achava no direito de ficar puto. Olhei para Larissa, que estava
completamente vermelha, com o lençol cobrindo boa parte do rosto
e suspirei.
— Desculpa, somos caóticos.
Ela deu uma risadinha enquanto eu vestia minha boxer e uma
bermuda.
— Já volto.
Fui para a sala e Pipo fez uma careta, olhando na altura da
minha virilha.
— Sério?
— O que foi? — perguntei, exasperado, mexendo os braços
freneticamente. — Esperava que meu pau estivesse como, Felipe?
Eu tava trepando, porra!
— Meu Deus, que mau humor para alguém que estava
trepando... — comentou em um tom julgador, voltando a atenção
para o celular.
Fui até o sofá em que ele estava e dei um tapa na sua cabeça.
— Claro, realmente faz muito sentido eu estar de bom humor.
Estava no meio de uma foda e agora estou de pau duro no meio da
minha sala porque o pirralho do meu irmão é um inconveniente do
caralho!
— Blá, blá, blá... — debochou, mostrando a tela do aparelho
para mim. — Olha isso aqui!
O vídeo que ele tinha postado há alguns minutos já tinha mais
de oitocentas mil visualizações.
— As mulheres estão loucas com você! — contou, rindo.
— Quem? — A voz curiosa de Larissa ecoou por trás das
minhas costas e ela se inclinou para ver o aparelho.
Na mesma hora, meu celular, que estava no braço do sofá,
começou a tocar.
— Pedro, boa tarde — a secretária do estúdio em que eu
alugava a cadeira desatou a falar, um pouco agitada. — As pessoas
estão ligando pra cá sem parar atrás de você.
— É sério?
Pisquei, um pouco incrédulo, e Pipo começou a me bater no
braço, perguntando quem era e o que a pessoa estava falando. Eu
fiz um sinal para que esperasse, mas ele começou a escalar em
cima de mim para tentar ouvir enquanto eu o empurrava para longe.
— Pelo visto, um vídeo seu viralizou — contou, rindo. —
Ficaram loucos com aquela Medusa que você tatuou no Theo. Estão
ligando e pedindo vaga com “o cara que fez a Medusa”. Estou
marcando todos os horários que você tem livre, mas já não sei o
que fazer aqui. Ainda está de férias?
— Sim, até o final de semana.
— Ok, vou pedir que te mandem mensagem para passar o
orçamento e depois retorno com as marcações. Beijinhos.
— Quem era, porra? — Pipo indagou, irritado. — Nunca vi não
passar a fofoca na hora.
Eu me sentei no sofá, sem acreditar e Larissa encostou no
meu ombro, preocupada. Não conseguia acreditar no que estava
acontecendo, que havia uma caralhada de gente que queria fechar
comigo por conta de um desenho meu que tinham visto. Era difícil
descrever a euforia, as mãos tremendo um pouco, o farfalhar no
estômago, indicando uma energia positiva que transbordava de
dentro de mim.
Era a minha arte, a coisa que eu mais amava fazer no mundo.
E as pessoas estavam buscando por mim.
— Era a secretaria do estúdio — contei, abrindo um sorriso
involuntário. — E ela acabou de reservar minha agenda inteira.
— Puta merda! Que foda, irmão! Eu disse que você era foda...
— Pipo gritou, pulando em cima de mim novamente. — Você é foda.
Eu te amo! Porra, não tem ninguém mais foda que você na
tatuagem... Porque se fosse no skate... — brincou, enchendo-me de
beijos até que eu o empurrasse, rindo.
Larissa estava vendo a cena, gargalhando e como Pipo
adorava uma atenção, meu irmão voltou para cima de mim e
segurou meu rosto com uma das mãos, espremendo-o.
— Me agradece, sua putinha, anda — continuou, entre as
risadas.
— Obrigado! Porra, chato pra caralho...
— Anda. Quem é o mais foda? — Ele me deu um cutucão com
força e eu o xinguei. — Hein? Quem é o melhor
irmão/assessor/gostoso/skatista já nascido nesse mundo?
— Não acho que existam muitos desses e sem forçar no
gostoso... — zombei e ele me deu um beliscão.
— Quem é?
— Você, Pipo! Mas que inferno...
— Eu mesmo! Já sabe, né, Jujubinha? Quando precisar de
qualquer dica de redes sociais, eu sou seu cara.
— Dica tipo as que a Vi está te dando? — Larissa arqueou
uma das sobrancelhas e ele estreitou os olhos para ela.
— Desde quando ela tem um vídeo com 1 milhão? Enfim, o
aprendiz superou o mestre...
— Bateu um milhão? — indaguei, confuso.
— Vai bater. Porque eu sou foda... — Ele checou o celular e
abriu um sorrisinho convencido. — Eu disse, sou foda.
E mostrou a tela, revelando que o vídeo tinha passado de um
milhão de visualizações.
— Agora eu vou pra pista gravar uns vídeos, porque o meu
tem que viralizar também — avisou, levantando-se.
— Claro que vai, você é foda. — Larissa deu uma risadinha e
ele piscou para ela, saindo pela porta.
Eu a olhei, um pouco sem reação, e ela abriu um sorriso largo,
pulando em cima de mim. Deu um beijo rápido na minha boca e
deixou que a respiração fizesse cócegas nos meus lábios.
— Estou feliz por você — sussurrou.
— Ainda não estou conseguindo processar — confessei,
soltando o ar e rolando o dedo pela tela do meu celular, vendo os
números subindo ainda mais. — Tem noção do que é ter tanta gente
vendo e compartilhando a sua arte?
Ela me olhou com uma expressão indecifrável e comprimiu os
lábios, parecendo pensativa. Claro que ela não fazia ideia do que eu
estava falando.
Balancei a cabeça, indicando que deixasse para lá e ela sorriu
novamente, afirmando que estava orgulhosa, que meu trabalho era
incrível e todo mundo precisava ver.
Não sabia bem discernir a montanha-russa de emoções dentro
de mim, exaltando as infinitas possibilidades futuras. Cada partícula
do meu corpo vibrava, emanando uma energia diferente, algo que
beirava a esperança.
Naquele momento, eu senti, pela primeira vez, que talvez sim,
talvez eu estivesse a poucos passos de realizar o meu maior sonho.
 
E eu sei como é ser feliz de mentira
Eu tenho feito um bom trabalho
Em fazê-los pensar que estou bem
Mas eu espero não piscar
:: FAKE HAPPY – PARAMORE ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Eu acordei decidida a resolver minha vida.
Estava cansada de me esconder, de tentar criar milhares de
possibilidades irreais na minha cabeça enquanto o tempo ia
correndo.
Durante todos os dias que passei na casa de Pedro, eu
cheguei a algumas conclusões. Não era justo que eu exigisse dos
meus pais honestidade quando eu havia mentido por toda a minha
vida para eles.
Era hipócrita.
Não eram coisas bobas. Criei uma persona bem diferente do
que eu realmente era, aceitei seguir o que sabia que eles queriam
para mim e mantive em segredo tanto sobre mim mesma. E assim
como eles, fiz tudo por amor.
Acontece que depois de refletir tanto, entendi que mesmo que
a justificativa parecesse válida, não era certo mentir para as
pessoas que me amavam. As perspectivas poderiam ser diferentes,
mas no fundo, o sentimento era o que importava. Eu os amava
independente de qualquer versão, erro do passado ou decisão que
eles tomaram e eu considerei errada. Um pequeno desvio de
conduta não resumia um ser humano inteiro.
Estava cansada de me sentir sufocada, de querer gritar e não
poder. Viver uma vida que não me pertencia havia me exaurido por
completo. Precisava colocar tudo em pratos limpos e mostrar quem
era Larissa Albertelli, eles gostando ou não. Eu não era só um
sobrenome, uma filha, uma herdeira. Eu era tão mais do que isso...
E Pedro me mostrou isso. Ele se apaixonou pela versão cheia
de falhas que eu tentei esconder do mundo. Era injusto que eu
mantivesse o relacionamento mais honesto que tinha em toda a
minha vida em segredo. Não queria uma vida sem ele, na verdade,
nem mesmo conseguia mais visualizar uma.
Havia uma parte de mim que ele não conhecia e por mais que
eu achasse que ele ficaria animado, tinha receio da sua reação. Eu
pensei em muitas formas de contar para ele sobre a “Lissa”, mas
acho que nada seria mais eficaz do que mostrar.
 

 
Quando cheguei na soleira de casa, dobrei a parte do moletom
do Pedro que estava usando e tinha manchado um pouquinho com
spray. Respirei fundo antes de abrir a porta, buscando por coragem.
Meus pais já estavam me esperando na sala, porque eu havia
mandado uma mensagem avisando que chegaria em alguns
minutos. Eu fui até cada um deles e permaneci uns bons segundos
presa em um abraço.
— Lari, minha filha, a gente sente muito mesmo por ter
escondido de você sobre a Iolanda — minha mãe começou a dizer
com os olhos marejados.
— Por favor, não vá embora antes de ouvir a gente — meu pai
pediu, a voz um pouco embargada também.
Não gostava de vê-los assim, visivelmente abalados. Era nítido
o quanto os dois pareciam estar pisando em ovos, tentando buscar
as palavras certas para iniciar aquela conversa.
— Eu fiquei um bom tempo tentando absorver tudo... —
comecei, olhando para as suas mãos, que apertavam as minhas
com força. — E sei que estão preocupados, se perguntando se eu
quero algum tipo de relação com ela.
Os dois se entreolharam, nervosos.
— Vamos entender se... — minha mãe começou a dizer.
— Não quero encontrar essa mulher — me adiantei, sentindo o
gosto amargo na minha boca.
O alívio amorteceu boa parte da preocupação que estava
presente nas expressões de ambos. Meu pai finalmente se
movimentou, o olhar fixo em mim, como se questionasse o que eu
estava afirmando.
— Você tem certeza?
As sobrancelhas franzidas demonstravam incerteza. Era quase
como se ele não quisesse fazer aquele questionamento, como se
tivesse receio de que eu pudesse mudar minha resposta.
— Tenho. Se ela de fato quisesse algum tipo de contato
comigo, teria vindo até mim e não ficaria tentando chantagear
vocês. E foi isso o que ela fez, não foi?
Minha mãe assentiu, comprimindo os lábios.
— Sim. Nós não queríamos que você sentisse esse tipo de
rejeição, Larissa — explicou, encostando no meu braço com um
olhar triste.
A ardência dos meus olhos me incomodava, porque eu havia
refletido muito sobre aquilo nos dias em que fiquei longe deles. Eu
me perguntei sobre coisas que nunca foram uma preocupação para
mim. Não entendia o fato de uma mãe não ter um vínculo com um
filho, não conseguia conceber a ideia de sequer querer saber sobre
o seu bem-estar.
Estar com Pedro foi importante. As coisas que ele me disse
curaram uma ferida que se abriu sem que eu nem esperasse,
trazendo uma dose de insegurança para a minha vida.
Nesse quesito, havia muita semelhança entre as mulheres que
nos deram a vida. Pedro me disse que passou muitos anos se
martirizando por isso, questionando-se se o problema estava nele.
Dona Dea e Pipo foram essenciais para que ele se desse
conta de que as pessoas apenas davam o que elas tinham para
oferecer e que nem sempre a forma como lidavam com a vida dizia
respeito a nós. Não havia absolutamente nada que pudéssemos
fazer para que fosse diferente, porque o problema estava nelas
mesmas.
— Filha? — meu pai me chamou, arrastando-me dos meus
pensamentos.
— Eu fiquei muito magoada por vocês terem mentido para
mim... — confessei, apertando um pouco o meu maxilar. — E com
muita raiva também.
— Sabemos disso e sentimos muito, estávamos apenas
querendo proteger você... — ela disse.
Puxei uma respiração, na intenção de obter coragem. Meu
peito estava agitado, a adrenalina e o medo percorrendo minhas
veias e se entranhando em cada espaço vazio. Queria empurrar os
meus receios para debaixo do tapete, controlar as reações do meu
corpo, mas parecia impossível.
— Acontece que não me pareceu muito justo que eu ficasse
irritada por algo sendo que venho escondendo coisas de vocês por
tanto tempo.
Eles se olharam mais uma vez, comunicando-se
silenciosamente antes de voltarem a me encarar.
Nenhuma palavra era dita, mas o pânico crescia nas feições
de cada um deles. O tremor nos lábios entreabertos, as narinas
dilatadas e as respirações que começaram a se tornar mais
ofegantes.
— Eu passei toda a minha vida tentando ser grata a vocês, por
tudo o que fizeram por mim, por terem me acolhido, me dado um lar,
educação e todo o resto. E eu venho fazendo isso desde que
descobri que era adotada, desde que soube toda a história de vocês
— contei, desistindo de tentar segurar as lágrimas. — Sempre quis
que vocês tivessem a filha perfeita, porque eu sentia que estava
ocupando o lugar da filha que você perdeu na sua última gestação.
Minha mãe levou a mão até a boca, perplexa, e começou a
chorar baixinho, retorcendo os lábios para não deixar que nenhum
soluço fugisse da sua garganta.
— Filha, você nunca ocupou o lugar de ninguém — meu pai
afirmou, limpando uma lágrima também. — O que te fez pensar
isso?
— Muriel faz questão que eu me lembre disso até hoje.
E então foi como se uma torneira fosse aberta com tanta força
a ponto de estourar o bico. Eu me deixei transbordar.
Emocionalmente e fisicamente. As palavras saíam da minha boca
como se eu não tivesse mais controle algum sobre nada.
Contei sobre tudo, sobre todas as coisas que ela fez comigo
pela vida inteira, sobre o fato de constantemente andar pelas ruas
com um bloco de concreto invisível apertado no meu peito que me
impedia de respirar.
Eu expliquei sobre os meus medos, sobre meus complexos,
sobre minha síndrome de impostora. Ressaltei várias vezes que
nunca me achei digna o suficiente para pertencer àquela família
porque eu me via diferente demais dos dois.
Chorei até que as lágrimas me faltassem e a ponto da minha
voz ficar rouca por toda a força que eu estava fazendo, as palavras
arranhando minhas cordas vocais, querendo se desprender.
A cada frase que eu ia dizendo, um grama de peso era retirado
de mim. A cada batimento do meu coração, um eco de
arrependimento e coragem pulsava, incentivando-me a ir mais
fundo.
A sensação era como se eu tivesse pulado em um abismo,
sem ter certeza do que teria ao final dele, mas ainda assim, era
libertador.
Eles ouviram tudo atentamente, meu pai se revoltou com a
minha tia e minha mãe teve seu coração partido, afinal, era sua
irmã. Os dois entraram em uma pequena discussão, até que eu
chamasse a atenção deles, alegando que ainda não tinha terminado
tudo o que eu tinha para dizer.
— Eu não estou namorando o Gregório. Já faz muito tempo
que não gosto dele, que venho mantendo esse relacionamento
porque sei que vocês tinham planos para nós dois.
— Meu Deus, Larissa! — Minha mãe passou as mãos pelo
rosto, transtornada.
— Não posso fazer mais isso, eu amo outra pessoa.
— O rapaz que trabalha no condomínio — meu pai concluiu e
eu assenti.
— E eu não quero ouvir a opinião de vocês sobre isso — falei,
mantendo minha voz firme. — Não me importo se ele não tem
dinheiro, se não pertence a uma família rica ou se acham que não é
o cara perfeito pra mim. Simplesmente... — Soltei o ar, cansada,
porque eu já estava exausta. — Não posso e nem vou abrir mão do
Pedro.
— Acha que não acharíamos ele perfeito pra você porque ele é
pobre? Por Deus, Larissa, que tipo de imagem errada passamos
para você? — ele indagou, sentindo-se ofendido.
Pisquei, um pouco atônita, porque esperava algum tipo de
resistência. Antes do Gregório, comecei a ficar com um garoto que
era classe média, um amigo de amigos nossos e meus pais
colocaram mil defeitos.
— Vocês sempre exaltaram o fato de Gregório ser de uma boa
família, com o mesmo padrão de vida que o nosso... E quando eu
me envolvi com o Zion, vocês não gostaram e disseram que ele não
era certo para mim porque não tínhamos os mesmos princípios...
— Porque aquele moleque era um traficante, Larissa! —
respondeu com uma leve indignação. — Pelo amor de Deus! Pensa
que eu não o investiguei? Acha que eu deixaria qualquer pessoa se
aproximar de você sem uma rápida pesquisa?
— Você investigou o Pedro?
— Óbvio, o que acha que eu sou? — Jogou as mãos para o
alto. — Eu sou seu pai, me preocupo com você. E não tenho nada
contra o garoto, ele é trabalhador e sei que também não está atrás
de você por interesse, dá pra ver que não é muito fã de pessoas
com dinheiro. Bem, sei que ele gosta do Heitor e o filho dos Franco
também está sempre falando bem ao seu respeito.
— É verdade, a Claudia já deu em cima dele várias vezes —
minha mãe contou, em um tom de fofoca.
— Sério? — indaguei, chocada e ela assentiu.
Tudo bem que a mãe da minha melhor amiga dava em cima de
qualquer novinho gostoso, mas o idiota nunca tinha me dito nada.
— Sim, você sabe como ela é...
— A Claudia não tem bom senso algum, o garoto tem a idade
da filha dela! — meu pai resmungou, balançando a cabeça em uma
negativa, cheio de desgosto.
Suspirei, refletindo sobre tudo o que eu tinha dito naquele curto
espaço de tempo. Resolvi deixar de lado a respeito do que o
Gregório tinha feito comigo. Não me parecia o momento.
Colocar em pauta todas as traições e a agressão era
informação demais para que eles processassem. E hoje seria a
festa do hospital e meu pai precisava que tudo fosse perfeito, não
queria correr o risco de ele ver o idiota do meu ex e partir para cima
dele.
— Lari... — ela me chamou, abalada, apoiando as mãos nas
minhas. — Ainda não acredito que você fez isso tudo porque achou
que era o que queríamos e acredito que temos uma parcela de
culpa por nunca notar nada.
— Vocês não têm culpa de nada.
— Em parte, temos. Nunca questionamos o fato de você
aceitar tudo sem reclamar e convenhamos, isso não é normal,
principalmente para uma adolescente. — Meu pai deu uma risada
sem humor. — Você odeia Medicina, não odeia?
Comprimi os lábios, ponderando. Talvez aquele fosse o maior
dos baques do dia. E eu conseguia entender, porque quase todos os
pais tinham esperanças de que os filhos seguissem seus passos.
— Sinto muito — saiu em uma lufada de ar e ele suspirou.
— Eu tive minhas desconfianças algumas vezes, achei que
talvez fosse querer fazer Artes Plásticas, já que vivia desenhando
por aí... — ele começou a falar e abri a boca, porque nunca imaginei
que eles tivessem reparado nos meus desenhos.
— Sim, sabemos que você gosta de desenhar, mas nunca
achei que fosse algo que quisesse compartilhar, então deixamos
quieto — minha mãe disse, com uma risada fraca. — De qualquer
forma, quando eu era mais nova, diversas coisas me deixavam
desconfortável na faculdade também, então achei que era só
impressão minha... Você sempre foi independente demais, sempre
lidou bem com seus problemas, não imaginei que fosse realmente
algo que pudesse te machucar — comentou, triste. — Eu só... Não
consigo entender porque achou que não poderia contar essas
coisas pra gente.
— Nem eu sei ao certo, como eu disse, nunca achei que
pertencia ao mundo de vocês...
— Você é o nosso mundo, Larissa. Não existe isso — ele
retrucou, exasperado. — E a sua vida, suas escolhas, são somente
suas. Talvez algumas delas não vão nos deixar felizes, mas isso é
uma consequência. Seu avô, no início, também não queria que eu
casasse com a sua mãe, nós tivemos alguns conflitos.
Abri a boca, sem acreditar. Nunca tinha ouvido nada daquilo
antes. Ele limpou a garganta e apoiou a mão no ombro da minha
mãe, fazendo carinho em sua pele.
— Olha o que eu teria deixado de viver se tivesse permitido
que ele escolhesse por mim? Nem sempre os pais sabem o que é o
melhor para a gente — ele ponderou um pouco e depois franziu o
cenho, apontando o dedo para mim. — Mas às vezes sabem, então
você precisa nos ouvir em determinados momentos.
Dei uma risada, afirmando com a cabeça e eles sorriram em
resposta, vindo até mim e me envolvendo em um abraço. Nós
permanecemos dentro de uma névoa de desculpas, carinhos e
lamentações sobre o passado até que percebêssemos que já
estávamos atrasados para o evento.
E antes de subir a escada para me arrumar, dei uma última
olhada para os meus pais sentados no sofá. Eles estavam de mãos
dadas, com as testas apoiadas uma na outra, conversando baixinho.
Naquele momento, eu me senti leve, o peso caindo dos meus
ombros por completo. Ainda tinha a sensação de que minha boca
formigava por toda sinceridade dita. E por mais que eu estivesse
sobrecarregada, inundada com tantas emoções, sentia a minha
alma lavada.
Todos os bloqueios sendo incinerados, a sensação de alívio
finalmente sobrepondo todos os sentimentos, antes reprimidos, em
uma espécie de catarse.
Minha perspectiva estava diferente, como se eu tivesse saído
de um quarto escuro depois de dias, direto para o sol. Era como se,
enfim, eu pudesse ver o mundo nas cores que ele realmente tinha.
E meu Deus, aquilo era libertador.
 
Eu deveria ter calado minha boca, as coisas pioraram
Enquanto as palavras escorregavam pela minha língua, elas soaram estúpidas
Se esse velho coração pudesse falar, diria que você é a única
:: MISUNDERSTOOD - BON JOVI ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Ela tinha enviado uma mensagem avisando que estava tudo
bem entre eles e que depois da festa queria conversar comigo. Foi
impossível controlar o peso que atingiu o meu estômago, porque
não fazia ideia do que aquela merda queria dizer.
Se ela estava bem com os pais e precisava conversar comigo,
não era um bom sinal. Larissa já tinha dito diversas vezes que eles
desejavam que ela continuasse com o Príncipe Fúnebre.
Passei as mãos no rosto e tentei afastar aqueles pensamentos
porque precisava continuar trabalhando. As taças dos ricos não se
encheriam sozinhas.
Ela chegou algum tempo depois, linda, dentro de um vestido
azul-marinho longo elegante. Não ousei me aproximar, preocupado
com as suas reações depois daquela conversa.
Me mantive distante, servindo o lado oposto da festa e ela
estava tão ocupada conversando com alguns figurões que nem
mesmo se locomoveu demais pelo salão.
Não sabia ao certo se era toda a irritação pinicando minha pele
ou se hoje aquelas pessoas estavam soltando mais comentários
babacas do que o normal, mas já estava estressado em menos de
duas horas de evento.
Em algum momento, seu olhar se cruzou com o meu e ela
sorriu em cumplicidade, fazendo com que meu peito afundasse,
queimando tudo por dentro e derretendo toda minha raiva.
Não sabia como Larissa era capaz de fazer aquilo, de
transformar tudo em cinzas com apenas um único gesto. E o
desesperador é que isso era perigoso. Não queria mais me colocar
em situações desconfortáveis, que me machucariam apenas para
ficar com ela, mas parecia impossível deixá-la ir.
Algum tempo depois se iniciou uma entrega de prêmios e o pai
de Larissa subiu ao palco para receber o seu, pedindo que sua filha
e esposa o acompanhassem.
Ele fez todo um discurso sobre sua profissão, seu legado e o
quanto sua família era importante para que ele tivesse conquistado
tudo aquilo. E quando fez menção de descer, o almofadinha enviado
das profundezas do umbral o interrompeu, pegando o microfone e
se posicionando no meio do pequeno palco.
Larissa o encarou sem entender e depois fez o mesmo com os
pais, que pareciam confusos também. Gregório encostou na sua
cintura, impedindo que ela saísse do lugar e seus olhos examinaram
o local até que encontrassem os meus.
Aquela raiva habitual começou a me preencher. Isso acontecia
sempre que era obrigado a ver qualquer interação entre os dois,
mas hoje parecia diferente. Estava pressentindo que aconteceria
alguma merda.
— Inácio, nós todos somos gratos por ter um profissional tão
incrível quanto você. E digo não só como um futuro membro da sua
família, como também em nome de todos os médicos do hospital...
É um privilégio conviver com você.
Futuro membro da sua família.
O pai dela deu uma risadinha e agradeceu, inclinando-se um
pouco para o que pareceu tomar o microfone de sua mão, mas
Gregório se afastou e continuou:
— Queria aproveitar esse momento para dizer que você e
Laura são inspirações para mim e eu desejo não só ter sucesso na
minha carreira como vocês, mas também no meu casamento com
sua filha. E é por isso que hoje... — Ele fez uma pausa e ajoelhou.
Engoli em seco contra o aperto forte na minha garganta, a
minha respiração começando a descompassar.
Ela me olhou, o desespero refletido em seus olhos.
Andei na direção do palco, em um movimento involuntário,
mas meu mundo ruiu quando ela fez uma negativa com a cabeça,
indicando que eu não fizesse nada.
Na verdade, seu olhar estava implorando para que eu não
desse mais nenhum passo.
Por mais que eu estivesse agitado, a sensação é de que tudo
dentro de mim estava morto. Porque naquele gesto eu podia ver
com clareza a resposta de tudo.
Parei de andar, arrastando as mãos pelo cabelo sem me
importar se eles ficariam bagunçados. Girei nos calcanhares,
incapaz de presenciar o restante daquela tortura, sentindo meu
coração rasgar no peito mais uma vez.
O súbito calor que subiu pelo meu pescoço me fez ferver. Era
frustrante pra caralho ver aquela cena e saber que a sua família
provavelmente soltaria fogos depois do pedido. Eles nunca me
aceitariam pela forma como eu cresci, pela minha condição social,
por eu não ter um diploma e todas aquelas merdas que ricos tinham.
E eu estava farto de tudo aquilo.
— O que está fazendo? — Roberval indagou quando passei
por ele na cozinha, tirando o meu uniforme.
— Indo embora.
— Está louco? Estamos no meio do evento...
— Foda-se! — retruquei, ríspido. — Não tenho mais condições
de ficar aqui!
— Você acabou de voltar de férias — retrucou, como se aquilo
fizesse algum sentido.
Merda de gravata filha da puta. Arranquei com força, nem me
importando com a ardência no meu pescoço pelo puxão.
— Pedro, não estou entendendo, você não pode simplesmente
ir embora sem um motivo. Não vou permitir que...
— Não preciso da sua permissão, estou me demitindo. Passar
bem. — Abri um sorriso forçado e saí pela porta lateral, ignorando
seus chamados.
Todo o meu corpo tremia e minha cabeça se resumia a uma
bagunça irregular. Caminhei apressado pela piscina até chegar em
uma das ruas, o barulho dos sapatos batendo no asfalto pareciam
compassar com as batidas rápidas do meu peito.
Estava mais do que focado a sair dali, ir embora e nunca mais
pisar naquele condomínio. Eu havia quebrado meu mandamento por
ela, deixado de lado tudo o que eu tinha medo simplesmente porque
queria estar ao seu lado. Ignorei todos os avisos, o meu passado e
as percepções que eu sabia estarem certas.
Um burro do caralho!
— Pedro! — Sua voz congelou cada um dos meus músculos e
eu senti meu corpo indo para frente quando minhas pernas se
enraizaram no chão de forma instintiva.
Lutei para respirar, porque até mesmo isso parecia um esforço
agora.
— Estou falando com você! — O som dos seus sapatos ecoou
atrás de mim e eu enfim consegui voltar a andar. — Pedro, que
inferno!
Não olhei para trás.
— Volte para sua festa — gritei por cima do ombro.
— Quero falar com você, será que pode parar?
Eu fiz o que ela pediu, fechando os olhos e respirando com
força. Virei para encará-la, ofegante, com os saltos nas mãos e a
barra do vestido na outra.
— Eu não quero você perto de mim, Larissa! — repeti as
palavras que ela me disse um dia, sentindo o gosto amargo na
minha boca.
— E eu não faço o que você manda — retrucou da mesma
forma, irritada com o que eu tinha dito.
— Apenas vá embora.
— Será que você pode esperar? Você saiu correndo como um
desesperado e eu preciso voltar lá para falar sobre o projeto...
— Volte pra lá — incentivei, aumentando o meu tom de voz. —
É exatamente onde você pertence, não sei como ainda tem dúvidas.
Suas expressões se fecharam na mesma hora.
— Deixa de ser infantil, Pedro.
— Infantil? — Dei uma risada debochada. — Sou infantil por
estar cansado disso tudo? Por não querer viver nesse limbo
aguardando pelo momento em que vai tomar alguma atitude e parar
de fazer as coisas que esperam de você?
Ao redor, tudo parecia embaçado, meus sentidos afetados pela
turbulência de emoções dentro de mim. A garganta apertada
restringia o meu ar e meus lábios estavam tão secos que deixavam
um gosto amargo na minha boca.
Uma rachadura. E eu estava prestes a quebrar por inteiro.
— Eu já desisti de tentar entender o que se passa na sua
cabeça e criar justificativas para suas decisões — cuspi as palavras,
cada sílaba carregada de ódio. — Estou cansado dessa merda...
Sim, eu a odiava demais agora por tudo o que aquela garota
maldita tinha me feito passar. Por ter brincado com o meu coração
com seu canivete, espetando-o de novo e de novo. Talvez eu não a
conhecesse de verdade como imaginava. Talvez Larissa Albertelli
fosse uma sádica filha da puta empenhada em se vingar de mim.
Apertei os punhos, irritado comigo mesmo por pensar aquelas
coisas. Parecia irracional e idiota, mas, foda-se, não queria ser
lógico naquele momento.
— Me deixa falar, inferno! — ela gritou de volta, furiosa.
— Não! Eu não quero ouvir o que tem pra dizer — retruquei,
ríspido, não dando a mínima se estava a plenos pulmões. — Você
passou dias comigo, afirmou que estava apaixonada e jurou que
faria o que fosse por mim, mas isso não é o suficiente, caralho. Isso
não me faz bem. Eu tentei, mas não dá, então vive a porra da sua
vida como acha melhor, no seu mundo de arco-íris e jujubas e
apenas me deixe em paz!
Tomei um susto quando ouvi uma voz familiar chamar o meu
nome, fazendo com que eu sobressaltasse. Nem percebi quando o
carro do Heitor parou ao nosso lado e meu amigo olhou de mim
para ela, um pouco receoso e constrangido.
— Está tudo bem aqui? — perguntou, sem jeito.
Chegava a ser irônico as similaridades de como tudo aquilo
tinha começado. Nós dois discutindo no meio da rua e sendo
interrompidos por Heitor. O início e o fim, lado a lado.
Sentia-me extremamente vulnerável, exausto. Meus olhos
ardiam na mesma intensidade que a minha garganta por toda a
força que eu fazia para não desabar.
Minhas pernas pareciam fracas e eu duvidei que elas
pudessem me sustentar por muito mais tempo. A angústia parecia
me consumir por completo, uma tempestade interna que eu não
conseguia conter.
— Não. E eu preciso que me tire daqui — respondi para ele,
entrando no carro, ignorando o fato de que ela gritou meu nome três
vezes.
Foda-se. Tudo o que eu queria fazer era dar o fora dali.
Heitor acelerou com o carro e só então eu percebi que Pato
estava no seu ombro. Ele girou a cabecinha e sorriu para mim.
— Desculpa por isso — falei, quando olhei o retrovisor e vi que
ela já estava longe.
— Que merda aconteceu?
— Eu posso te contar isso em outro momento? — perguntei e
ele assentiu, parando na frente da chancela do condomínio. —
Onde está indo com o Pato, afinal?
— Ele queria dar uma volta de carro...
O macaquinho fez alguns barulhos e foi até o volante, tentando
apertar a buzina e me fazendo gargalhar.
— Macaco mimado do caralho — falei, fazendo com que o
Heitor desse uma risada, concordando.
 

 
Tinha desligado o meu celular, porque pressentia que ela fosse
me mandar uma infinidade de mensagens e eu não queria ouvir
mais nenhuma desculpa. Subi as escadas do prédio já irritado por
saber que as coisas dela estariam espalhadas por lá.
Abri a minha porta, fechando-a com força logo em seguida e
acendi as luzes, jogando as chaves na mesinha ao lado da entrada.
Então, meu olhar se direcionou para a parede e eu franzi o cenho,
sem entender porra nenhuma, porque havia um desenho gigante do
CapiSplash grafitado ali. Era uma capivara andando de skate com
um macaco no ombro.
— O que tá acontecendo? Por que está batendo a porta
assim? — Pipo perguntou atrás de mim, assim que abriu a porta.
Ele olhou para a frente e seu queixo caiu.
— Caralho, mano! O CapiSplash invadiu sua casa! — ele
berrou, agitado, chegando perto do grafite. — Meu Deus, que
privilégio! Ele escolheu seu apartamento para... — Felipe se
interrompeu e estreitou os olhos na minha direção. — Não, espera...
O CapiSplash é você?
— Eu não. Tá louco?
Que pergunta idiota. Como eu esconderia aquilo dele?
Pipo continuou me olhando com desconfiança até que eu
revirasse os olhos e cruzasse os braços, puto por aquela palhaçada.
Ele chegou mais perto e tirou alguma coisa da parede.
— Você tem algo para me contar? — indagou, parecendo
preocupado.
— Contar o quê, inferno? Já disse que não sou eu!
Era só o que me faltava.
— Você é bi, cara?
— Eu sou o quê? — Dei uma risada, sem entender.
— Está com mais alguém além da Jujubinha?
— Não estou...
— Tudo bem você ser bissexual, Pepeu — disse com um tom
calmo, chegando mais perto de mim e encostando no meu ombro.
— Pode ser honesto comigo, irmão. Não sei o que te fez pensar que
não poderia me contar algo do tipo...
— Não gosto de rola, porra! E se eu gostasse, você saberia,
seu idiota, não teria problema em dizer. De onde você tirou isso?
— O CapiSplash... Te pedindo em namoro? — explicou,
mostrando um post-it para mim.
Como assim namoro?
“Todo mundo sabe quem eu sou, mas ninguém me conhece de
verdade. Não faz sentido querer deixar minha marca pelo mundo
sem poder compartilhar isso com o garoto que eu quero que seja
meu namorado diante de todos. O que eu faço é o meu maior
segredo, mas você nunca mais vai ser.”
Eu era um idiota de merda.
Não deixei que ela falasse, despejei as porras das minhas
frustrações e não a ouvi. Ignorei o fato de que Larissa sorriu para
mim na festa diversas vezes como se não houvesse nada de errado
entre nós. Deixei de lado até mesmo o fato de que parecia mais leve
perto dos seus pais.
E como se não bastasse, ela me chamou três vezes e eu a
ignorei, entrando no carro e indo embora.
Meu Deus, como eu era burro!
Lembrei da minha avó dizendo que Pedro negou Jesus a
mesma quantidade de vezes e quase dei uma risada com minha
associação. Seria cômico se não fosse trágico.
Encarei o papelzinho e olhei para frente mais uma vez,
tentando assimilar não só o que estava no papel, mas também o
que estava diante de mim.
Caralho, a 190 era a porra do CapiSplash!
 
Ele é próximo da minha mãe e conversa sobre negócios com meu pai
Ele é charmoso e cativante, e eu estou confortável
Mas eu sinto falta de gritar e brigar e beijar na chuva
E são duas da manhã e eu estou amaldiçoando o seu nome
Você está tão apaixonada que age insana
E esse é o jeito que eu te amei
:: THE WAY I LOVED YOU - TAYLOR SWIFT ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Deixei o Pipo dentro do apartamento e desci as escadas
correndo, tentando pedir um Uber. Eu quase nunca usava o
aplicativo, mas tinha ali para caso alguma emergência acontecesse
com a Vó Dea.
Aquela porra era um perigo, de cinco em cinco reais, você falia
no final do mês com chances de ter que fazer um empréstimo no
BMG.
Quase quebrei meu celular quando o babaca do motorista
cancelou a corrida. Demorou mais cinco minutos até que o aplicativo
encontrasse um outro e como se não bastasse, começou a chover
na hora em que entrei no carro.
Ótimo, trânsito na Zona Oeste com chuva era sempre uma
delícia. E como se não bastasse, estava tocando, no mais alto
volume, um sertanejo sofrência.
Pobre só toma no cu, até quando tenta dar uma de rico
pedindo carro de aplicativo.
Quando finalmente percebi a letra da música, dei uma risada,
chocado em como o universo estava me chamando de otário de
todas as formas possíveis.
 
“Arrumei a mala a mais de uma semana
Só falta você me chamar pra eu fugir com você
Mudei meu status, já tô namorando
Antes de você aceitar, já te assumi pro Brasil
 
Por que te amo eu não sei
Mas quero te amar cada vez mais
O que na vida ninguém fez
Você fez em menos de um mês.”
 
Ótimo, agora o motorista estava cantando.
Respirei fundo, pensando que eu merecia estar passando por
aquilo. Tentei ligar para ela algumas vezes, mas só caía na caixa
postal. A chuva melhorou um pouco por um tempo, mas quando
estávamos chegando, piorou.
Pedi que ele entrasse no condomínio e quando estava no meio
do caminho para o salão, eu a vi pisando firme, descalça, no meio
da chuva. Falei para o homem que parasse o carro ao seu lado e
abri a janela.
— O que está fazendo? Está caindo um temporal... Entra no
carro? — pedi e ela me olhou com os olhos queimando de ódio.
Ela não respondeu, apenas continuou andando e o motorista
acelerou para acompanhá-la.
— Pelo amor de Deus, você está ensopada! Entra aqui.
— Não! — vociferou, voltando a andar olhando para frente.
— Que merda de teimosia do caralho, Larissa!
Pedi que o motorista encerrasse a corrida, puxei uma
respiração e saí do carro, sentindo as gotas fortes começarem a
molhar o meu rosto e toda a minha camiseta.
— Onde está indo? — perguntei, apertando meus passos para
encurtar a distância entre nós.
— Pra casa.
— No meio da chuva? A pé? Por que não pediu para alguém
te levar?
— Não quero que ninguém me leve a lugar nenhum —
retrucou cheia de rispidez.
— Dá pra você me esperar? Quero falar com você.
— Ah, agora você quer falar comigo? Porque eu não quero
mais, outra hora a gente se fala — disse, como uma criança
mimada.
Mesmo emburrada, toda ensopada e com o vestido rasgado,
ela estava linda.
Eu corri para alcançá-la e segurei seu pulso, fazendo com que
ela se virasse pra mim. Os lábios trêmulos e molhados estavam
entreabertos e Larissa engasgou uma respiração quando eu dei
mais um passo para frente, eliminando o espaço dos nossos corpos.
— Está sendo irracional andando assim no meio da chuva...
— Eu? — Sua voz saiu esganiçada e suas sobrancelhas se
juntaram, demonstrando toda sua indignação. Então ela começou a
gritar, a raiva e o desdém vibrando por cada uma das suas palavras:
— Eu estou sendo irracional? Você é simplesmente insuportável
com todas as suas suposições! E sequer me deixou falar qualquer
coisa... E quando eu decidi ir atrás de você, começou a chover. Torci
o meu pé, meu salto quebrou, prendi o vestido na porra de um
arame. — Comprimi os lábios para abafar uma risada e ela ficou
mais irritada ainda. — E tudo isso é sua culpa. Porque você é um
idiota estúpido que não consegue entender...
Em um impulso, segurei seu rosto com as duas mãos e a calei,
beijando sua boca com urgência. Acariciei sua pele molhada, o calor
derretendo o frio da água gelada que caía sobre nós.
Eu me perdi no incêndio que se apoderou do meu corpo.
Na mistura de chuva, saliva e respirações entrecortadas.
Nas línguas se fundindo até que parecessem apenas uma.
O barulho da água ao nosso redor fazia com que o tempo
parecesse suspenso. E eu só conseguia focar no coração que
pulsava com força contra o meu. A chuva parecia levar embora
qualquer tipo de ressentimento, deixando de lado todas as minhas
inseguranças.
Deus, eu era completamente apaixonado por ela.
Eu me afastei um pouco, apenas o suficiente para que eu
pudesse olhar no fundo dos seus olhos.
— Desculpa, 190 — pedi baixinho. — Fui um babaca...
Quando você fez um sinal para que eu não me aproximasse, achei
que iria aceitar o pedido de casamento.
— Você é tão irritante! Eu fiz o sinal porque não queria mais
um show, além do que Gregório já estava dando. A festa era
importante para os meus pais e achei que seria muito absurdo criar
um escândalo desnecessário sendo que eles foram tão incríveis
quando eu contei que estávamos juntos.
— Você... — As palavras sumiram e eu arregalei os olhos, sem
acreditar.
— Sim, eu contei sobre nós e eles não entenderam nada
quando Gregório me pediu em casamento. Foi constrangedor!
— Seus pais simplesmente aceitaram? — tornei a questionar,
ainda perplexo.
— Sim, mas isso não faria diferença. Eu vim aqui decidida e
contei que não estava com Gregório. Disse que amava outra pessoa
e não queria e nem poderia abrir mão dela.
O ar me faltou por alguns segundos quando as palavras foram
ditas de forma tão natural, como se ela nem mesmo tivesse se dado
conta. Apoiei minha testa na dela, a água escorrendo pelos nossos
rostos.
— Você me ama? — sussurrei contra os seus lábios e ela
respirou fundo.
— O que acha, seu idiota?
— Acho que precisa dizer mais uma vez.
— Eu amo você — disse, quase como um sopro sibilante,
encostando os lábios novamente nos meus. — E sinto muito por
você ter sentido que não era uma escolha real. Sinto muito por ter
mantido você em segredo e por demorar tanto para conseguir
romper minhas próprias barreiras.
Ela estava prestes a chorar e não eram apenas os olhos
marejados que indicavam isso, a voz embargada também a
denunciava.
— A verdade é que nunca existiu uma dúvida, Pepeu... Você
não se importou com os meus defeitos e exaltou minhas
imperfeições até que eu mesma pudesse aceitá-las com mais
facilidade. Você fez com que a minha solidão fosse um pouco
menos só, se é que isso faz algum sentido. — Ela sorriu,
arrancando o meu ar. — Você me mostrou que eu poderia ser grata
sem abrir mão de ser eu mesma. Me deu coragem para enfrentar as
coisas que mais tinha medo. Você roubou meu sono, meu fôlego e
meu coração. E fez tudo isso sem nem ao menos tentar. Não quero
te fazer mal, eu nunca quis.
Seu olhar abaixou e eu ergui seu rosto para que ela me
encarasse.
— Você sabe que ninguém faz uma tatuagem com o intuito de
apagar, não é, 190? As pessoas fazem porque querem eternizar
algo, por desejarem manter algo vivo na sua pele para sempre. Eu
poderia marcar a porra da minha pele inteira e ainda assim, não
seria o suficiente para demonstrar a sua permanência em mim. Eu
te amo e não sei mais o que é o antes de você, Larissa. E a
impressão é que nada mais vai fazer sentido se você não estiver por
perto. Você marcou meu coração, minha alma e o que quer mais
que faça parte de mim. E fez tudo isso sem nem ao menos tentar. —
Abri um sorriso e ela fez o mesmo.
— Você me ama? — ela perguntou da mesma forma.
— Eu peguei um Uber pra vir até aqui — falei, rindo e ela fez o
mesmo. — O que acha, sua idiota?
— Acho que precisa dizer mais uma vez.
— Eu amo você, 190 — afirmei contra a sua boca.
— Também amo você, Pepeu.
Nós nos beijamos de novo, de um jeito preguiçoso, como se
nada mais à nossa volta existisse. O universo se resumindo apenas
ao movimento das nossas línguas quentes se entrelaçando, ao
toque da minha pele na dela, arrepiada.
A chuva aumentou mais e eu não dei a mínima,
completamente extasiado no seu gosto, na temperatura do seu
corpo tentando esquentar o meu. Porra, ela era perfeita e a
impressão de que eu tinha era de que éramos um só.
— Quero que você faça minha tatuagem — falou, entre o beijo.
Cantarolei uma concordância, de olhos fechados, sem parar de
beijá-la.
— Quero que faça hoje — disse, afastando-se um pouco e
abrindo um sorrisinho animado.
Eu a olhei e pisquei. Ela não estava falando sério.
— Hoje?
— Sim, você não tem a chave do estúdio?
— Eu tenho, mas...
Larissa fez um biquinho e eu bufei.
— Achei que íamos ter um puta sexo de reconciliação e você
quer me colocar pra trabalhar? Você realmente odeia pobre, 190?
Ela gargalhou, me dando um beijo rápido e continuou com uma
voz melosa:
— Por favooooor, hoje é o dia perfeito. Pra marcar o nosso
namoro e...
Eu suspirei, ainda sem acreditar. Segurei seu rosto e deslizei o
polegar por suas bochechas molhadas.
— Você vai mesmo ser minha namorada?
— Só se fizer minha borboleta hoje — brincou e eu revirei os
olhos, dando um beijo na sua boca e tirando-a do chão.
— O que eu não faço por você, sua patricinha mimada do
caralho?
Ela deu um gritinho e sorriu, enchendo-me de beijos enquanto
eu a apertava contra o meu corpo, afundando meu rosto no seu
pescoço e sentindo o meu cheiro preferido.
Olhei para o céu e percebi que a chuva tinha parado e se não
estivesse de noite, provavelmente haveria um arco-íris no céu. E eu
sabia disso porque era como meu coração parecia agora: um
mundo de arco-íris e jujubas.
Meu Deus, como eu era brega!
 
Uma mudança de ritmo faz você ir e vir
Montada em asas das borboletas
E hoje à noite eu vou tatuar você
:: TATTOO YOU - ROYAL DOGS ::
 
LARISSA ALBERTELLI
 
Eu passei o caminho inteiro contando para ele a respeito dos
meus grafites, de como eu tinha começado. Mencionei as
dificuldades do que eu fazia, a vez em que eu precisei usar o meu
canivete porque um cara tentou me assaltar no meio da rua. Falei a
respeito do Juninho, sobre minhas idas na Cidade de Deus e todo o
resto. Pedro quis saber o motivo das Capivaras e eu expliquei.
Contei que era o animal preferido do meu amigo e que um pouco
antes de morrer, ele me deu uma pelúcia que tinha desde pequeno,
uma capivarinha de uma promoção que vinha no Guaraná Antártica.
Pedro ouviu atentamente e apoiou uma das mãos na minha
perna, fazendo carinho, quando eu fiquei um tanto emotiva pelo
assunto.
Era uma sensação tão incrível poder compartilhar aquilo com
outra pessoa, falar sobre algo que eu amava fazer, sobre um
passado que ninguém imaginava.
Em alguns momentos quando eu era nova, chegava a me
perguntar se tudo o que eu vivi não passava de um sonho, de uma
ilusão na minha cabeça. E saber que outra pessoa conhecia a
minha história aquecia o meu coração, tornando-a mais real e
palpável.
Pedro olhou nos meus olhos em algum momento e afirmou
que meu trabalho era incrível. Deixou claro que tinha orgulho e que
estava honrado de ser a única pessoa a saber quem eu era.
Ele disse que me amava várias outras vezes também,
derretendo o meu coração por completo.
— A capivara com o kimono... — ele ponderou, algum tempo
depois.
— Sim, eu também fiz pra você — admiti e ele sorriu.
— Ainda não acredito que ia para a Cidade de Deus! Estava
atuando com todo aquele lance de não conseguir comer um
cachorro-quente?
— Claro que não, eu nunca nem tentei comer um cachorro-
quente lá. Sabia que entregaria que eu era uma patricinha na
mesma hora — contei, rindo.
Nós chegamos no estúdio e ele abriu a porta, direcionando-nos
para o local que costumava atender. Eu já tinha ido até lá durante o
tempo em que fiquei na sua casa, mas parecia diferente agora, com
o ambiente totalmente vazio e mal-iluminado.
Pedro pegou duas toalhas e me deu uma. Eu tinha trazido uma
muda de roupas das que deixava no carro e comecei a me trocar
enquanto ele buscava algum material. Decidi ficar só de camiseta e
calcinha, afinal, eu pretendia fazer minha tatuagem no interior da
coxa.
Ele voltou e me olhou de cima a baixo, dando um suspiro.
Depois, tirou sua camiseta também, fazendo com que eu perdesse
alguns minutos, hipnotizada, vendo-o se secar.
— Só você pra me fazer vir aqui, todo molhado, quase dez
horas da noite... — disse, soltando o ar em um chiado e espirrando
álcool por toda a maca.
— Vai ser rapidinho.
— Você está parecendo o Pipo quando cisma com algum
desenho e quer que eu faça na mesma hora — contou, dando uma
risada e batendo no estofado para que eu fosse até lá. — Senta
aqui.
Subi no local indicado e me sentei de pernas cruzadas, vendo-
o mexer em alguma coisa do desenho que ele tinha deixado lá em
sua gaveta. Nós já tínhamos testado o decalque em vários lugares
do meu corpo porque eu era indecisa.
Pedro colocou as luvas, ajeitando algumas coisas na bancada
e mexeu em uma luminária, trazendo mais luz para a maca em que
eu estava, já que o restante da sala não era tão iluminado.
— Já decidiu onde vai querer? — ele perguntou, virando-se
para mim e olhando para cima para encontrar os meus olhos.
Engasguei uma respiração, porque ele estava sentado em uma
cadeira baixa, a cabeça na altura da maca. Eu me virei, ficando de
frente para ele, vendo-o acompanhar com o olhar.
Passei uma das pernas por cima da sua cabeça, apoiando o
calcanhar na borda da maca e me abri inteira, indicando o interior da
minha coxa esquerda, perto da virilha.
Sua boca se entreabriu um pouco durante a minha ação, os
olhos fixos na parte inferior do meu corpo. Eu estava com uma
calcinha de renda branca que ele adorava e eu já conseguia sentir a
umidade ultrapassando o tecido apenas por olhá-lo por tempo
demais.
— Você só pode estar de sacanagem... — falou, voltando a me
olhar nos olhos e eu mordi o lábio inferior, sentindo meu rosto
esquentar. — Você me odeia?
— Não...
— Claro que odeia — resmungou, tentando ajeitar a postura.
Ele respirou fundo e pegou um lencinho com sabonete e
esfregou devagar pelo local, tentando não desviar o olhar de um
ponto específico. Passou a lâmina de barbear e me olhou
novamente, a vontade de me matar estampada nas suas pupilas
dilatadas.
— Quer parar de me olhar com essa cara? — ele pediu, sério,
e eu senti vontade de rir por toda a força que ele fazia para se
manter neutro.
— Que cara?
— De safada, porra.
Pedi desculpas e me mexi um pouco, afastando mais as
pernas e recebendo outro olhar de reprovação. Ele aplicou algum
outro produto que usava para deixar o desenho marcado na minha
pele e pegou um espelho para me mostrar, os olhos fixos em mim,
queimando.
Merda, eu não iria aguentar também.
— Sério, isso é algum tipo de tortura, certeza. — Sua voz saiu
baixa e grave quando ele olhou para minha calcinha mais uma vez.
— Meu Deus, você sequer consegue se concentrar —
impliquei e ele me olhou cheio de ódio.
— Não me testa, Larissa...
Eu ri e ele ligou a máquina e parou em frente à minha pele,
encarando-a por alguns segundos.
— Você sabe tatuar mesmo? — instiguei, achando graça. —
Por que está demorando tanto? Será que sabe mesmo?
— Você é mesmo meu inferno, sua maldita.
— É assim que fica com as suas clientes, Pedro?
Ele me olhou de novo, ainda mais irritado. Deixou a pistola de
lado e tirou as luvas, rasgando-as pelo movimento. Levantou e
segurou meu pescoço com força, olhando para a minha boca.
— Você não é minha cliente, caralho. Você é o tormento da
porra da minha vida, 190. Como espera que eu consiga me
concentrar com o cheiro da sua boceta na minha cara sendo que sei
exatamente o gosto que ela tem?
— Então para de tentar se concentrar e fode ela.
— Porra!
Pedro agarrou minha perna com agressividade com a mão
livre, fincando os dedos e afastando-a ainda mais para se posicionar
melhor. Puxou meu corpo pelo pescoço e me beijou com urgência.
— Eu vou foder sua boceta, linda — sussurrou contra os meus
lábios —, mas antes eu vou te chupar, porque estou louco pra fazer
isso desde o segundo em que você abriu essas porras dessas
pernas perfeitas pra mim.
Sua boca se arrastou pela minha e ele desceu, sentando na
cadeira e puxando meu quadril até a borda da maca. Eu caí para
trás com o solavanco e me apoiei com os cotovelos.
Porra, eu estava cheia de tesão. Vê-lo entre as minhas pernas
era a visão mais perturbadora e mais maravilhosa de todas. E aquilo
consumia os meus sonhos, meus pensamentos, minha mente por
completo.
Sentia minha boceta latejando e quase vi estrelas quando seus
dedos a esfregaram por cima da renda.
— Toda molhada, 190... — comentou com uma falsa
reprovação, estalando a boca antes de dar um sorrisinho
prepotente. — E nem é da chuva.
— Muito.
Arfei mais uma vez com o tecido roçando sobre o meu clitóris
inchado. Ele estava me torturando assim como eu tinha feito alguns
minutos atrás. Era possível ver todo o desejo embebido nos seus
olhos, transbordando, mas pouca movimentação.
— Fica quieta — mandou em um tom autoritário, fazendo cada
partícula do meu ser vibrar.
Seus dedos brincaram com a tira da calcinha e Pedro a retirou
lentamente, arrastando a ponta dos dedos pelas minhas pernas e
provocando uma sequência de arrepios do início ao final da minha
coluna.
O indicador contornou o desenho de borboleta devagar e eu
me mexi, ansiosa. Então ele veio, o tapa forte ardendo minha boceta
e irradiando por todo o meu abdômen.
— Mandei ficar quieta!
— Tá foda, Pedro, porra...
Mais um e quando eu me contorci, ele segurou meus pulsos ao
lado do meu corpo, enfiando o rosto entre as minhas pernas e
deslizando a língua de maneira preguiçosa pela minha virilha.
Ele lambeu cada centímetro da minha boceta, nunca
encostando no clitóris, deixando-me completamente alucinada.
Então, ele passou a ponta da língua, só para me deixar ainda mais
desesperada.
Tudo o que eu queria era que ele me chupasse com vontade,
mas ele continuou testando a minha sanidade mental. Cada vez que
sua língua encontrava meu clitóris era como uma prova de que o
céu existia. E em seguida, havia uma constatação do inferno
também.
E ele fez isso tantas vezes que nem mesmo estava
conseguindo raciocinar mais, porque até mesmo minha cabeça
estava pulsando.
— Por favor... — eu implorei, não aguentando mais.
— Não quis provocar, sua desgraçada? — Ele levantou os
olhos para me encarar e depois voltou a olhar hipnotizado para
minha boceta.
Soltou um dos meus pulsos e esfregou os dedos por ela,
fazendo com que minhas costas arqueassem na mesma hora.
— Tão melada, porra — murmurou, me penetrando com dois
dedos.
— É assim que você me deixa — respondi com um tom de voz
sedutor.
— Isso tudo é pra tentar me convencer a te fazer gozar mais
rápido? — perguntou, cheio de sarcasmo, sem parar de me
masturbar.
— Eu faço o que você quiser, lindo... — soltei em uma lufada
de ar.
— Perfeita.
Suas mãos deslizaram por baixo da minha coxa e ele me
deixou ainda mais exposta, segurando-me por baixo dos joelhos.
— Porra de boceta gostosa do caralho! — falou, antes de
afundar o rosto por inteiro, chupando-me com vontade.
Ele rodeou o meu cu com a língua, brincando um pouco antes
de voltar a dar atenção para o meu clitóris inchado. A essa altura eu
já estava deitada, com a cabeça jogada para o lado de fora da
maca.
Os gemidos incompletos e os palavrões que saíram da minha
boca ecoavam pela sala, todo o meu corpo queimando de dentro
para fora como se tivesse jogado gasolina. Seus dentes arranhavam
minha pele, a respiração formigando na minha coxa, bunda, boceta
e onde mais ele pudesse alcançar.
Pedro estava me chupando sem pausas enquanto metia os
dedos em mim com força e de forma rápida. Conseguia sentir o
sangue subindo para a minha cabeça, nublando todos os meus
sentidos.
— Gosta disso, não é? — ele perguntou com a voz rouca e eu
me limitei a cantarolar uma afirmação, incapaz de dizer mais nada.
— Quero você gozando na minha boca, amor.
Ele mergulhou mais uma vez, rodeando o meu clitóris com a
língua em um ritmo que eu sabia que não duraria muito tempo. E
era o que ele queria. Pedro já estava cansado dos joguinhos e louco
para se enterrar em mim.
Aquela mistura de sensações me deixava tonta, quase
atordoada. Uma corrente elétrica percorria meu corpo, demandando
ser liberada.
Então fui completamente consumida. Eu me contorci por inteiro
e gemi tão alto que minhas cordas vocais arderam.
— Puta merda, Larissa! — ele soltou, lambendo minha barriga.
Puxou meu corpo para que eu ficasse sentada e me beijou de
forma intensa, acabando com o restante de oxigênio que ainda
restava dentro de mim.
Eu amava sentir o meu gosto na sua boca e saber que ele
ficava alucinado com isso me deixava ainda mais. O nosso beijo era
uma paleta de sabores, uma combinação de nuances que se
mesclavam em camadas, criando uma composição única.
Ele me puxou de novo para a beirada da maca e eu quase me
desequilibrei. Abaixou a calça, roçando a cabeça do pau na minha
boceta molhada e gemendo entre o beijo.
— Não me tortura mais — supliquei.
Sua mão envolveu meu pescoço com um pouco de brutalidade
e ele me forçou a olhá-lo nos olhos. Arrastou os lábios nos meus e
sussurrou:
— Quer que eu te foda agora?
— Sabe que sim.
— Quanto? — Um sorrisinho filho da puta cresceu em seus
lábios e eu engasguei uma respiração quando ele se encaixou em
mim, colocando apenas a cabeça na entrada da minha boceta.
— Pra caralho!
— Me pede, linda — mandou. — Pede pra eu foder essa
boceta apertada e toda gozada... Pede pra eu encher ela de porra.
— Me fode. Fode minha boceta, goza dentro de mim... Faz o
que quiser comigo!
Ele sorriu, satisfeito, e me beijou preguiçosamente enquanto
metia em mim, indo até o fundo. Fechei os olhos, entranhei minhas
unhas nas suas costas e um gemido longo fugiu da minha garganta.
Pedro se empurrou mais uma vez, os movimentos começando
a se intensificar quase em sincronia com a quantidade de palavrões
que deixavam os nossos lábios.
Uma estocada me atingiu com mais força, fazendo com que eu
visse uma tela branca por dentro das pálpebras. As mãos firmes
seguravam meus quadris, trazendo-os para frente e para trás em
um ritmo vertiginoso.
— Você é tão gostosa, caralho... — sussurrou contra o meu
ombro, antes de dar uma mordida com força.
Sabia que ficaria visível no dia seguinte e isso me deixou com
mais tesão ainda, porque eu amava quando ele me marcava.
Eu era dele. A porra da garota dele.
Pedro poderia me marcar por inteira, se quisesse.
Um arrepio escalou pela minha espinha, meu coração
martelando de um jeito descompassado no meu peito.
— Meu Deus! — gritei quando ele me atingiu forte e aumentou
o ritmo, chegando até mesmo a empurrar a mesa para frente.
Ele gemeu, xingou e me beijou, tudo ao mesmo tempo, sem
parar de meter em mim. Era um ritmo frenético que eu amava, que
me arremessava para fora do meu eixo, desestabilizando tudo
dentro de mim.
— Pe-droooo! Por-raaaa! — As vogais se distenderam em um
choramingo, as sílabas se quebrando a cada vez que ele me
acertava.
— Vem cá...
Suas mãos agarraram minha cintura e ele me virou, curvando-
me sobre a maca e metendo em mim logo em seguida, sem nem me
dar chance para qualquer objeção.
Não que eu fosse fazer isso. Eu jamais faria isso.
Prendi a respiração quando ele bateu na minha bunda com
força, puxando-a contra os seus quadris. O calor dos nossos corpos
esquentando, intensificando a ponto de entrar em ebulição.
Era possível sentir toda nossa conexão e em momentos como
aquele, ela parecia se desprender de nós como se não fosse capaz
de ser contida, pairando ao nosso redor, mostrando-se presente.
Éramos um só. Entranhados. Como as linhas de tintas que ele
iria gravar na minha pele.
Minhas pernas já estavam fracas e senti uma leve tontura no
momento em que ele puxou meus cabelos, fazendo um rabo de
cabelo malfeito. Sua outra mão estava entre a maca e meu corpo,
impedindo que eu me machucasse, amortecendo o impacto pela
força que ele estava impelindo contra mim.
— Pedro, e-estou quase — avisei com a voz trêmula.
— Eu também! — disse, ofegante, e soltou um gemido em
seguida. — Puta merda, aguenta só mais um pouco, linda.
Nós continuamos. Os corpos se aproximando, buscando o
alívio de uma tensão quase que opressora, ansiosos para se
derreterem em um êxtase que era somente nosso. Em uma potência
capaz de transcender qualquer coisa material.
Ele se enterrou bem fundo. Agarrou minha bunda com força,
soltando um gemido e na mesma hora todo o meu corpo
estremeceu. O aperto na minha cintura aumentou e seu corpo
pesou contra minhas costas enquanto ele arrastava os lábios pela
minha pele, beijando-a devagar.
— Porra, eu amo você.
— Também amo você — respondi, passando os dedos por
suas coxas.
Pedro saiu de dentro de mim e deu um passo para trás.
— Eu amo a visão da minha porra escorrendo pela sua boceta
— falou, passando a mão na minha bunda. — Caralho!
— É? — perguntei em um tom malicioso, virando-me para ele.
Seu olhar parecia hipnotizado em mim. Sentei de novo na
maca, de pernas abertas e esfreguei os dedos na minha boceta
melada e os levei até a boca. Lambi devagar, com um sorriso safado
no rosto e completamente desnorteada pelo jeito como ele me
olhava.
— Você é... Porra! — Segurou meu rosto com as duas mãos e
me beijou, incapaz de completar a frase.
— O tormento da sua vida? — indaguei, mordendo o lábio
inferior.
— A porra do tormento da minha vida!
Eu sorri.
— Seu decalque já era — ele disse, depois de me beijar por
algum tempo.
— Podemos mudar pro ombro?
— Você é de foder!
— Como se você fosse conseguir me tatuar ali embaixo... —
Cruzei os braços, tentando justificar minha mudança de ideia.
— Tá bem, 190... Agora que já marquei você inteira com minha
mão, com a minha boca, vamos para as agulhas — afirmou, com
um sorrisinho divertido.
 
 
 
É um pouquinho engraçado esse sentimento aqui dentro
Eu não sou do tipo que consegue disfarçá-los facilmente
Não tenho muito dinheiro, mas, cara, se eu tivesse
Eu compraria uma casa bem grande pra gente morar
:: YOUR SONG - ELTON JOHN ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Os pais de Larissa tinham uma viagem marcada de férias para
uns dias depois da festa do hospital, eles passariam quase duas
semanas na Índia e para ser sincero, eu agradeci ao universo,
porque ainda não me sentia cem por cento preparado para interagir
com eles agora que estávamos em um relacionamento.
Um pouco antes de irem, os três tiveram mais algumas
conversas. Ela decidiu largar a faculdade e o estágio no hospital, e
Inácio Albertelli sugeriu que minha namorada morasse sozinha.
Disse que ela havia passado muito tempo da sua vida presa a eles e
que Larissa precisava de um espaço só dela para se conhecer, para
testar coisas novas e descobrir o que queria fazer da sua vida.
Eu concordava com aquilo, sabia que ela precisava explorar
tudo o que nunca teve coragem por achar que seus pais não
aprovariam. Achei que perderíamos horas buscando por um lugar,
mas nem me surpreendi quando a minha patricinha apareceu lá em
casa dizendo que seu pai tinha comprado um apartamento para ela
perto do meu estúdio.
Comprado. Um apartamento. Como se fosse um pacote de
bala.
Sabia que a nossa diferença social ainda seria uma barreira a
ser quebrada, em especial por mim. Tinha consciência de que teria
que me acostumar cada vez mais com nossas realidades opostas
agora que estávamos em um relacionamento.
Ainda assim, isso não me preocupava na mesma intensidade.
Óbvio que eu ainda ficaria chocado com muitas coisas e puto com
outras, porque eu continuava não sendo fã de pessoas ricas, mas
me parecia muito mais irrelevante agora.
Com a quantidade de trabalho que eu tinha marcado, cheguei
à conclusão de que meu padrão de vida também subiria, mas nesse
caso, era um alívio, porque tudo o que eu desejava era dar uma vida
melhor para a minha família, sem tantas dificuldades.
As duas semanas que se seguiram foram um caos. Eu precisei
atender a caralhada de cliente que tinha marcado no estúdio
enquanto fazia a reforma da loja que tinha alugado com o Heitor.
Ele e Pipo apareceram para me ajudar com os reparos e
também fomos caçar alguns móveis básicos para o espaço. Era
foda quando Larissa era uma gastadeira compulsiva e queria
comprar todos os itens de decoração existentes ou os móveis mais
caros.
Nós dois pintamos a loja, ajeitamos os poucos reparos que
tinham na parede e depois fizemos um grande mural na recepção
com os nossos desenhos.
E porra, acho que desenhar com ela era uma das minhas
coisas preferidas na vida agora. Nós transformamos juntos uma
parede em branco, marcando-a com texturas, cores, ilustrações. E a
cada traço, pincelada ou borrifada de tinta eu via tudo ganhando
vida. Nossa história sendo criada do zero, sem segredos e refletida
no que amávamos fazer. O nosso amor e nossa arte, lado a lado,
misturados, sendo um só.
Eu começaria a atender em uma semana, mas o que mais me
preocupava naquele momento era escolher a roupa certa para o
encontro com os pais dela.
— Você não vai assim, não é? — minha avó perguntou quando
eu cheguei na sua casa, com uma camisa de botões e uma gravata.
Lavínia estava mexendo no celular, sentada no sofá e quando
me viu, abafou uma risada.
— Ei, o que tem de errado com minha camisa?
— Fala aí... — Pipo apareceu na sala de toalha. — Meu Deus,
você vai pra um enterro?
Sua namorada gargalhou e eu olhei para ela de cara feia. Era
assim que ela me tratava depois de eu permitir que namorasse meu
irmão?
— Vai dar meia hora de cu, Pipo — xinguei e me desculpei na
mesma hora em que vi o olhar de ódio de Dona Dea. — E você para
de rir. Vó, tá ruim mesmo?
— Tá péssimo, mano. — Ele coçou a cabeça e começou a
falar, todo sério: — Bota uma gola V preta, aquelas mais cavadas,
sabe?
— Que mané gola V preta cavada, porra! — Revirei os olhos,
desfazendo o nó da gravata. — Eu lá tenho cara de quem usa gola
V cavada?
— Pedro, posso dar meu conselho? — a ruiva perguntou,
séria. — Coloca aquela de manga comprida verde que eu dei pro
Pipo de presente — sugeriu.
— Isso! — minha avó concordou. — É bom que ela é
quentinha e tá sereno, depois fica gripado por aí...
— Boa! — Pipo correu até o quarto e tropeçou no skate que
estava jogado no meio do caminho, tropicando e quase ficando
pelado no meio da sala.
— Tira essa porcaria de skate do meio da casa, Felipe — ela
berrou para o quarto, porque ele já tinha corrido. — Depois se
quebra todo!
Ele voltou alguns segundos depois e jogou a peça, que peguei
no ar, trocando de roupa ali mesmo.
— E agora?
— Tá lindo, Pepeuzinho! — Ela sorriu, bem bonitinha, levando
as mãozinhas na bochecha quando passou por mim, andando em
direção ao seu quarto.
— Tu é muito fofa, vó — falei, sem conseguir me conter,
apertando-a em um abraço e dando um beijo estalado em sua
bochecha.
— Ah, eu também quero! — Pipo fez um biquinho debochado e
eu corri atrás dele e fiz o mesmo, gargalhando. — Tá bom, já sei
que você me ama. Principalmente depois de ter feito sua página
bombar.
— Pipo gosta de gozar com o pau dos outros, né, Lavínia? —
perguntei para ela, que deu uma risada.
— Pois é, se não fossem as minhas dicas...
— Nem vem com essa, eu sou o pica das galáxias das redes
sociais... E do skate.
— Tá bom, fodão. Tô indo — avisei, caminhando até a porta,
mas depois que saí, tornei a colocar parte do corpo para dentro da
casa. — Vocês dois vão na boate hoje, não vão?
Heitor havia nos chamado para ir, mas eu tinha um encontro
com meus sogros e estava exausto, então passei o convite.
— Sim — responderam em uníssono.
— Vê se não leva seu escapulário e você, Lavínia, dá uma
segurada nas joias... Essa semana, o Heitor disse que sumiu coisa
à beça.
— Já te falei, é a porra do macaco do inferno que está
roubando as coisas.
Eu o olhei, perplexo. Sério que ele iria continuar insistindo
naquele absurdo? Felipe era tão implicante. Só porque o
macaquinho eventualmente roubava o seu boné, ele cismou que
Pato furtava as coisas das pessoas!
— Cara, é muito feio você culpar um animal de cometer
crimes. Tchau.
 

 
Tinha a impressão de que iria vomitar, ali mesmo, em cima da
mesa de jantar. Estava nervoso pra caralho, morrendo de medo de
falar alguma merda. Era muito diferente de trabalhar para eles,
porque antes, se eu fodesse com tudo, a única coisa que poderia
perder era o meu emprego.
Agora o que estava em jogo era Larissa. Não queria que seus
pais me odiassem ou achassem que ela poderia arrumar algo
melhor. Bem, talvez eles já achassem isso.
Empurrei aqueles pensamentos traiçoeiros para debaixo de um
tapete na minha mente e respirei fundo, prestando atenção no que o
pai dela estava falando.
Merda, eu nem mesmo me lembrava o que era. Não dava nem
para sorrir e concordar, porque pelas expressões fúnebres em seus
rostos era alguma merda.
— Uma pena, era tão novinha... Eu gostava tanto dela — a
mãe dela se lamentou.
Viu? Sabia que alguém tinha morrido.
— Ela tinha um cheiro horrível. — Larissa fez uma cara de nojo
e eu a cutuquei por baixo da mesa, fazendo com que me olhasse
sem entender.
Porra, falar que a morta fedia era foda.
— Ah, eu tinha um certo apego...
— Mãe, não é como se ela fosse única — Larissa disse,
soltando o ar. — Você pode muito bem comprar outra igual.
Comprar? Uma pessoa?
Porra, tinha me perdido de novo.
— Chega de falar de bolsas, vocês duas... — O pai dela deu
uma risada. — Eu e o Pedro estamos entediados aqui.
Dei uma risada sem graça, agradecendo por elas estarem
falando de bolsa.
— Desculpe. — Larissa corou e apertou minha mão, limpando
a garganta em seguida. — Então, eu decidi que vou começar dois
cursos no mês que vem.
— Mesmo? — A mãe dela perguntou, animada. — Cursos de
quê?
— Um de design gráfico e outro de tatuagem.
Ótimo momento para contar para os seus pais que você estava
cogitando, em um futuro, trabalhar comigo, Larissa. Meus parabéns
pelo timming perfeito, linda.
Agora eles iriam me odiar achando que eu queria levar a
princesa deles para marcar as pessoas que nem gado.
— O Pedro é tatuador, não é? — a mãe dela perguntou, já
sabendo a resposta.
— Sim, senhora.
— Laura, querido.
— Sim, senhora Laura — respondi, nervoso.
Que porra estava acontecendo comigo, caralho?
Eles riram, balançando a cabeça em uma negativa.
— Larissa nos contou que estava ajudando a montar o seu
estúdio... — o pai dela deu continuidade ao massacre que eu
imaginei que viria. — Apenas tome cuidado com alguns
fornecedores, não é fácil ser empresário.
Eu engasguei com a água que tinha levado até a boca.
— Acho que o senhor está exagerando... Não sou empresário
— expliquei. — Eu sou o artista.
— Certo, mas se está abrindo sua empresa, também é um
empresário. Podemos bater um papo sobre isso em um outro
momento, mas você precisa se enxergar como uma empresa além
de artista. Eu tenho um colega que tem uma agência de marketing e
ele pode te explicar um pouco mais sobre o branding do negócio.
Pisquei, confuso, e apenas concordei, porque não queria
parecer burro.
— Papai, você está deixando o Pedro assustado — Larissa
brincou, quando eu apertei sua mão com mais força sem nem
mesmo perceber.
— Desculpe, é minha veia de empresário — disse entre as
risadas. — Vamos falar de um tema mais leve... Você gosta de
futebol? Qual seu time, rapaz?
— Riviera FC — respondi, já com medo, sem nem conseguir
respirar.
Meu cu não passava nem wi-fi.
Um grande sorriso contornou seus lábios e ele abriu os braços,
em comemoração.
— Isso! Agora sim! — comemorou. — Finalmente um genro
pra ver os jogos do Riv comigo.
— Você vê os jogos do Riv? — perguntei, um pouco confuso.
— Vê nada, pai. — Larissa fez um chiado com a boca.
— Hoje em dia nem tanto... Nunca tenho companhia e depois
que o time perdeu o patrocínio da DuploM, o time ficou péssimo.
— É, a melhor amiga dele foi para o Botafogo... — lembrei,
balançando a cabeça em uma negativa ao me lembrar que Duda
Mazza tinha saído do clube e levou consigo o patrocínio do
playboyzinho dono da DuploM.
— É complicado, o Marco é botafoguense, está em casa agora
— contou, abafando uma risada.
Nós ficamos conversando um bom tempo e eu finalmente
consegui relaxar quando o pai dela contou que quando era mais
novo teve uma fase rebelde em que ia para o Maracanã escondido
do pai e ainda se meteu em uma briga de torcida.
A mãe dela bebeu algumas taças a mais de vinho e acabou
contando que a vagabunda da Muriel tinha sido presa aquela tarde
por ter sido racista com um funcionário do condomínio em que ela
morava.
Ela tinha cortado laços com a irmã e não sabia dos detalhes,
quem tinha relatado tudo foi uma mulher chamada Gertrudes, que
pelo visto era uma amiga fofoqueira do ciclo deles.
Eu deixei escapar um “bem-feito, espero que apodreça lá” e o
pai dela concordou comigo, claramente irritado.
Dava para ver que a mãe de Larissa ainda estava magoada
com o que tinha descoberto sobre a sua irmã, o olhar vazio que fitou
o nada seguido por um suspiro de frustração demonstrava isso.
Havia começado a noite acreditando que a família dela me
diminuiria de alguma forma por conta da minha condição social,
profissão ou qualquer outra coisa. Ainda estava com dificuldades de
acreditar que eles haviam aceitado tudo sem nenhuma resistência.
E conforme a noite foi passando, fui percebendo que aquelas duas
pessoas estavam de coração aberto para mim.
A quantidade de sorrisos genuínos e felizes que ela me deu
naquela noite fizeram com que o meu coração se mantivesse
quente. Pela primeira vez, eu conseguia ver a mulher que eu amava
sendo ela mesma na frente de alguém que não fosse eu.
E foi um bom sentimento.
Vê-la bem e confortável consigo mesma me fazia bem. Eu
queria que o mundo conhecesse Larissa Albertelli por quem ela era
de verdade, porque ela era linda por inteiro.
Nós tínhamos resolvido dormir na casa dos seus pais porque
já estava tarde e assim que os dois nos deram boa noite, ela sugeriu
que fôssemos para o seu telhado.
Nós nos sentamos lado a lado, como costumávamos fazer, e
Larissa acendeu um cigarro, olhando para o horizonte.
— Eu disse que você era uma viciada — zombei e ela me
empurrou, rindo.
— Sabe que faz tempo que eu não fumo, seu idiota... Estava
nervosa pra caralho hoje — contou.
— Eu também, mas tudo deu certo, não deu?
— Mais do que certo, Pepeu — afirmou e eu rolei os olhos
quando ela fez umas bolinhas de fumaça com a boca, divertida.
— Uma dúvida, 190... Foi você que fez a piroca no muro da
vaca, não foi?
Larissa estreitou os olhos, encarando-me através da fumaça
do cigarro. Colocou a mão no peito, como se estivesse se sentindo
muito ofendida.
— É isso que pensa?
— Sim — respondi rindo.
— Acha que eu faria isso?
— Não, tenho certeza de que a minha garota faria isso.
Suas bochechas ficaram vermelhas e ela mordeu o lábio
inferior, escondendo um sorrisinho safado e tirando o meu fôlego
como sempre fazia.
Definitivamente a minha garota. E a única. Para sempre.
 
A gente é tão diferente
Horóscopo não mente
Eu sou de fogo, você é um furacão
Mas você tomou de assalto
Joguei minhas mãos pro alto
Foi assim que se rendeu meu coração
:: O PROBLEMA É QUE CÊ SABE - ONZE:20 ::
 
PEDRO QUEIROZ
 
Em seis meses, o meu estúdio estava bombando e eu tinha
uma infinidade de vídeos viralizados nas redes sociais. Umas
semanas depois da inauguração, comecei a trabalhar que nem um
filho da puta e Larissa insistia para que eu dormisse lá. E não
demorou nem mesmo um mês para que eu me mudasse de vez.
De início, achei que fosse absurdo, cheguei a pensar que
aquilo foderia com nosso relacionamento e que era muito
precipitado para um namoro de tão pouco tempo.
Era difícil não acordar olhando para ela todas as manhãs e
comecei a perceber que sempre que isso acontecia, meu mau
humor era elevado à quinta potência. E acreditem, não tinha nem
coerência, porque dez minutos depois eu estava na cozinha
resmungando e me perguntando por qual motivo alguém se
incomodava com as bordinhas do pão.
Ela tinha cinco tatuagens espalhadas pelo corpo agora e
estava pensando na sexta. Uma borboleta azul, uma capivara
comendo jujuba, as Relíquias da Morte, e as assinaturas dos pais.
E em todas elas, a desgraçada me fez testar o decalque
centenas de vezes até que decidisse o local exato.
Eu ensinei diversas técnicas enquanto Larissa fazia o curso e
era empolgante vê-la tão animada ao aprender tantas coisas novas.
O traço da minha garota era foda e eu estava fascinado pelos seus
desenhos. E quando ela terminou, eu finalmente tirei uma semana e
deixei que ela tatuasse uns dez desenhos em mim de uma vez.
Foi difícil, mas importante quebrar aquela barreira pessoal. Por
mais que ainda tivesse medo de que algo acontecesse com a minha
avó, eu não tinha dúvidas de que poderia contar com ela. E era por
isso que agora, no meu pulso estavam os números 1-9-0.
Eu gostava da vida que estávamos construindo juntos, de
saber que havia uma força quase que sobrenatural que nos unia
cada dia mais.
— Está preocupado com hoje? — ela perguntou, arrancando-
me dos meus pensamentos.
Nós iríamos em algum evento chique que sua família tinha sido
convidada. Por mais que ela vivesse uma vida bem diferente da
antiga, ela ainda era Larissa Albertelli, a herdeira de um dos maiores
hospitais do Rio. E eu sabia disso quando começamos, sabia o que
viria com aquele sobrenome.
Eu teria que continuar aturando ricos, mas estava lidando até
bem com isso. Antes eu era obrigado a servi-los e ter que escutar a
infinidade de merdas que diziam, hoje, ao menos, eu estava ao lado
dela ouvindo os podres de cada um deles.
Bem, pelo menos o babaca do Gregório não estaria presente.
Ela contou o que ele tinha feito algum tempo depois, os pais de
Larissa o demitiram e o babaca resolveu fazer um curso fora do
país.
— Preocupado?
— De precisar dar os seus típicos sorrisos falsos? Aqueles
insuportáveis que você distribuía quando trabalhava no condomínio?
— Não.
Ela veio até mim, enrolando os braços no meu pescoço.
— Mentiroso.
— Não é mentira — afirmei, segurando seu rosto. — Você
ainda não entendeu que por você eu iria em milhares de eventos
que odeio, comeria aquelas comidas bizarras, aturaria os idiotas dos
amigos dos seus pais? Eu aguentaria uma vida infinita de sorrisos
falsos e de pessoas vazias, Larissa. E eu faria isso por uma
eternidade se significasse ver o seu sorriso no final do dia.
Seus olhos brilharam e ela sorriu, tímida. Inclinou-se um pouco
e deu um beijo no meu pescoço, passando a ponta do nariz pela
minha pele.
— Eu amo tanto você...
— Eu também amo você.
O barulho da porta chamou nossa atenção e meu queixo caiu
quando Lexie Taylor e Samuel Medici entraram pela porta no que
parecia ser uma discussão. O colunista segurava dois capacetes de
moto e a ruiva movimentava as mãos com rapidez, como se
estivesse irritada com algo que ele havia feito, mas quando os dois
perceberam que estávamos vendo aquela cena, ela simplesmente
sorriu e nos deu bom dia.
— Você é o Pedro Queiroz, não é? — indagou, simpática,
estendendo a mão.
— S-sou eu — gaguejei, limpando a garganta e Larissa abafou
uma risada.
— Temos um horário marcado com você.
— Não tem, não... — respondi, franzindo o cenho e depois dei
uma risada sem graça, percebendo que poderia ter soado um tanto
grosseiro. — Desculpe, é que eu me lembraria se vocês tivessem.
— Não marcamos com nossos nomes verdadeiros — ela
contou baixinho, em segredo. — Não queria causar um tumulto no
seu estúdio.
— Ah, sim... Muito obrigado, mas não me importaria se
causasse. Você pode causar o tumulto que quiser.
Ela riu e seu namorado estreitou os olhos na minha direção,
tentando parecer um pouco intimidador.
— Essa é minha namorada, Larissa — falei, puxando-a para
frente, porque a última coisa que eu queria na minha vida era
despertar o ódio daquele cara. — Muito sua fã.
As expressões do jornalista se suavizaram e finalmente
consegui respirar na Santa Paz de Deus. As duas se
cumprimentaram e Lexie elogiou a borboleta que eu tinha feito.
Os dois explicaram que tinham visto meu perfil nas redes
sociais e gostaram demais dos meus traços. Agradeci mil vezes e
fui buscar o desenho que já havia esboçado para eles quando
recebi a mensagem do que descobri ser a assistente da Lexie.
Ambas eram uma lâmpada do Aladdin, mas com estilos diferentes
uma da outra. Ele queria uma old school[73], já ela uma aquarela.
Aproveitei e mandei uma mensagem para o Pipo dizendo: “Teu
pôster tá aqui no meu estúdio” e deixei o celular em algum canto, no
silencioso, já prevendo as suas ligações.
Pelo tempo em que eu estava tatuando, Larissa ficou
conversando com a Lexie Taylor, fazendo uma infinidade de
perguntas sobre o reality e dizendo que odiou todos os caras que
passaram por lá. E foi só nessa hora que o Samuel Medici tirou a
carranca do rosto desde que o assunto tinha se iniciado.
Eles eram engraçados juntos e confesso que não imaginava
ver aquele homem que sempre estava debochando de Deus e o
mundo ser tão atencioso. Acho que perguntou umas dez vezes se
ela estava bem ou com dor.
Quando eu os vi entrando por aquela porta, não imaginei que
poderia divulgar nada, afinal, existia todo um mistério sobre as
tatuagens de Lexie Taylor. Quase engasguei no instante em que ela
simplesmente avisou que filmaria todo o processo e me marcaria em
cada um dos vídeos das suas redes sociais.
Ali, naquele momento, eu soube que toda a minha vida iria
mudar. Eu seria o cara que tatuou “A” Lexie Taylor, uma das garotas
mais amadas do país inteiro.
Assim que eles passaram pela porta, foi como se todo um
peso saísse de cima de mim e eu consegui respirar direito,
ignorando as ondas furiosas que formavam um redemoinho.
— Tem ideia do que aconteceu aqui? — Larissa perguntou,
também parecendo tão chocada quanto eu.
— Não.
— Você ganhou tanto seguidor que meu celular travou —
contou, rindo, mostrando o meu perfil que ficava logado no seu
aparelho.
— Caralho! — Passei as mãos pelo rosto e tateei meus bolsos
à procura do meu. — Viu meu celular?
— Não, liga pra ele. — Ela me entregou e eu franzi o cenho
quando procurei meu número.
Não encontrei em “Pedro”, nem “Pepeu”, nem “GBR” e nem
“Arrogante Insuportável”. Que porra? Fui até o WhatsApp e busquei
pela minha foto, vendo que meu nome estava como “190”.
— Por qual motivo no seu celular o meu número está salvo
como 190? Você é 190, não eu — lembrei, dando uma risada.
Ela sorriu, dando um beijo na minha boca e depois deixou que
as palavras queimassem os meus lábios:
— Porque quando tudo dá errado é pra você que eu ligo. Você
fez um trabalho mais eficaz do que a polícia... Bem, ao menos
comigo.
— Por que você é tão fofa e linda, inferno? — perguntei,
segurando seu rosto e esmagando-o em um beijo. — Mas acho que
você precisa colocar 190 e 193.
— 193? — Sua sobrancelha se arqueou.
— Porque sou eu que apago o seu fogo,190 — zombei e ela
gargalhou.
Larissa mordeu o meu lábio inferior e deu um sorrisinho
safado.
— Não, GBR, você começa o incêndio inteiro dentro de mim.
 
 

 
 
 
 
 
 
 
Hoje eu acordei disposto a dominar o mundo
Com garra e disposição pra atacar
O inimigo é falho e pelas costas joga sujo
Mas meu Deus é forte e nada vai nos derrubar
:: DOMINAR O MUNDO - MC MENOR MR ::
 
PATO FRANCO
 
Eu estava entediado, cansado de ter que lidar com aquelas
macacas. Ser um bad monkey não era nada fácil. Desde que eu
tinha me rebelado contra os da minha própria espécie, me tornei um
símbolo de desejo pelas fêmeas.
Era difícil ser eu.
O que eu podia fazer se preferia lidar com humanos?
Na verdade, nunca foi minha intenção. A primeira vez que eu
invadi a casa dos Francos, foi para pegar algumas frutas porque os
otários deixavam tudo em cima do balcão. Era menos trabalhoso do
que caçar.
Então eu descobri um negócio chamado pipoca que foi minha
perdição. A casa tinha diversas coisas maneiras e o cara que ficava
por lá era divertido também. No início, ele se irritava um pouco e eu
o perturbava imitando os barulhos dos patinhos do lago do
condomínio porque o ouvi dizer que sempre dava dor de cabeça.
Heitor tentou fechar as janelas para me impedir de entrar, mas eu
arrumava um jeito, então acabei vencendo-o pelo cansaço.
Pensei: vou ficar por aqui... Os humanos eram bem mais úteis
que meus semelhantes e ainda faziam minhas vontades, como os
servos que eu merecia ter. Minha ideia era apenas usá-los, mas
algumas semanas depois, Heitor me ganhou, eu entrei para a
família.
Ele me deu até mesmo um guarda-roupas quando percebeu
que eu tentava imitá-lo. E porra, eu era estiloso pra caralho, sempre
que eu saía da casa com meus looks, quase todas as fêmeas
ficavam loucas. Eu as tratava com um pouco de desprezo,
mostrando quem mandava, quem era o macho alfa. A única que não
me dava moral era Pandora, uma idiotinha que morava na árvore
perto da casa dos Bittencourt.
Não havia ninguém no mundo que eu amasse mais do que o
meu pai. Ele tinha me dado tudo e eu faria qualquer coisa por
aquele humano.
Também gostava do Pedro, tirando o dia em que ele enfiou o
termômetro no meu cu. Aquilo foi uma trairagem pesada e se ele
estivesse na minha comunidade, teria sido recebido com chuva de
cocô, mas como sou muito educado, me limitei a cagar em sua
cama.
Nada mais justo.
Afinal, sou um Franco. E os Francos sempre prezavam por
uma boa educação.
Eu me divertia bastante pelo condomínio, cagando nos
retrovisores dos humanos babacas e adorando ver suas reações
exageradas. Meu pai resmungava, mas tio Pedro me disse uma vez
que eu era um bom macaco por fazer isso.
Quase o perdoei pela invasão ao meu corpo.
Caminhei pelo condomínio e quando cheguei na pista de
skate, percebi que Pedro estava com o otário. Corri até eles e
peguei o telefone do Felipe, o amigo que ele chamava de irmão.
Coitado do Pedro, tinha uma linha tão baixa de aceitação para
que alguém como o Felipe fosse considerado membro da sua
família.
Ele estava morando na minha casa agora, para cuidar de mim
enquanto meu pai viajava porque a minha tia tinha quebrado o
tornozelo. Eu tentei me enfiar na sua mala, mas fui barrado com a
justificativa de que macacos não podiam andar de avião, então eu
precisava ficar em terra firme.
Meu cu. Desculpinha tosca para não pagar uma primeira
classe para mim.
— E aí, Pato? — Pedro falou quando me viu e estendeu a mão
e eu fui até ela, cumprimentando-o com um toquinho. — Deixa eu
ver essa patinha.
Tá boa, porra, chega.
— Já disse que ele é dramático, Pepeu — o imbecil falou. —
Tá bom faz tempo já.
Já foi dar meia hora de cu hoje? Incrível como esse merdel
amava me expor.
Fui até ele, subi no skate que estava apoiado entre as suas
pernas e peguei seu celular, fazendo com que suas expressões se
fechassem no mesmo instante. O Pedro riu e eu sorri em resposta,
correndo para longe dele.
— Devolve meu celular, seu macaco do inferno. — Felipe
quase tropeçou no irmão e veio para cima de mim.
Comecei a correr pela pista, rindo da cara dele enquanto me
seguia. Depois subi em uma árvore, me divertindo às suas custas
enquanto o trouxa pulava sem parar tentando me alcançar.
Ai, era tão bom.
— Tá vendo, porra? Manda ele me devolver, Pepeu!
— Ele vai trazer de volta, cara — Pedro o tranquilizou, entre as
gargalhadas. — Sossega.
— Seu ladrãozinho de merda — berrou. — Já te disse! Você tá
vendo? É ele que rouba as coisas na boate.
Eu?
Dei uma risadinha.
— Ele tá mostrando os dentes pra mim de novo, Pepeu!
— Para de acusar o pobre do animal. Ele só está brincando
com você, tadinho.
Sim, só brincando. Hihihi.
— Esse bicho é o mal encarnado — falou e depois voltou a
olhar para mim, cheio de ódio. — Acha que não sei qual é a dele?
Tenho certeza que ele tem um manual pra fazer todos vocês de
otário.
— Manual? — Pedro riu.
Essa eu quero ver.
— Sim — berrou, começando a enumerar. — Item número 1:
Irrite outros macacos a ponto deles te expulsarem.
Nunca foi minha culpa, eles apenas não sabem lidar com meu
sucesso.
— Item número 2: Ache um rico trouxa para te bancar.
Que audácia falar assim do meu pai.
Mostrei novamente os dentes e ele me deu o dedo do meio.
— Item número 3: Faça amizade com idiotas e desacredite
quem desconfia da sua índole verdadeira.
Na verdade, você é o idiota.
— Item número 4: Roube joias.
Levei as mãos até a boca, ofendido.
— Item número 5: Engane o país inteiro fingindo ser adorável e
domine o mundo.
Ponderei, pensativo. Eu ficaria bem sentado na cadeira da
presidência, o passado havia mostrado que eu era mais inteligente
que alguns governantes.
Desci da árvore, entreguei o celular para o Pedro para mostrar
que eu era um doce de animal e fazer com que o otário do Felipe
parecesse um doido com mania de perseguição.
A ideia dele não era ruim... Talvez eu pudesse, sim, estar no
meio daquelas pessoas para um bem maior.
Deixei os dois ali e fui correndo para minha casa. Subi no
telhado e tirei uma das telhas onde eu guardava meus bibelôs.
Peguei uma pulseirinha de corações verdes e a analisei. Tinha
tirado de uma cantora ruiva e famosa alguns meses atrás e ela
certamente valeria uma grana. Comecei a separar todas as minhas
economias, decidido a traçar um plano para dominar o mundo.
Todos saberiam quem era o icônico Pato Franco.
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
MARCO MONTES
 
Era um absurdo que eu tivesse que esperar sentado em uma
sala com pessoas comuns como se fosse um qualquer. E como se
não bastasse, havia uma porra de uma mulher tossindo feito uma
condenada, provavelmente com alguma doença contagiosa.
Se eu ficasse doente e precisasse ser internado, aquele
Louva-Deus Filho da Puta Herdeiro Perdido dos Vinte Chakras iria
ouvir.
Levantei, saindo de perto do aeroporto de germes e mandei
uma mensagem para Rossi dizendo que o amigo dela era um
péssimo prefeito, cheio de descaso com as pessoas que residiam
em Coroa do Sul. E avisei que se pegasse uma doença e morresse,
era o seu amiguinho que ela deveria culpar.
A resposta foi uma risada e um “eu te amo”, como se isso
apagasse toda minha frustração.
Quando finalmente a secretária me chamou, ajeitei meu terno
e entrei no gabinete.
— Sério, cara, você precisa parar de vir aqui. — Ele me deu
uma rápida olhada e continuou assinando alguns documentos.
— É um absurdo você me deixar esperando quase meia hora...
— Quinze minutos — ele me corrigiu e eu bufei, irritado.
— Quase meia hora — insisti. — Em uma sala com uma
pessoa tossindo!
— O que aconteceu, Montes?
— Paula poderia ter ido parar na porra do hospital e eu estaria
esperando meia hora para te avisar, porque nem o caralho do
celular você atende... — continuei a falar, ignorando sua pergunta e
despejando toda minha irritação.
— Se Paula estivesse no hospital, o hospital teria me ligado
antes de você conseguir chegar aqui — retrucou, cheio de si.
— Maldita foi a hora em que autorizei que você namorasse ela.
Ele esticou as costas na cadeira, me lançou um olhar de
desdém e riu.
— E desde quando você autorizou?
— Você não sabe de nada, Ortega. E eu não vou perder meu
tempo discutindo com você. Preciso falar sobre algo sério.
— Vamos lá... — respondeu com uma risada e eu o olhei com
raiva.
O Monge idiota não levava nada a sério. Por que diabos eu
tinha votado nele?
— Você viu o que o seu amiguinho pau no cu do Medici
publicou?
Agora Ortega e Paula tinham virado melhores amigos do
casalzinho famoso. Desmarcaram três jantares com a gente para
encontrá-los e como se não bastasse, ainda chegaram atrasados no
aniversário da prima do Nick.
Ele leu a matéria, deu uma risada e me olhou confuso.
— O que eu tenho a ver com isso?
— Tem uma pessoa vandalizando as ruas com esses bichos
do demônio. Tenho certeza que em breve isso vai começar a
aparecer aqui e você, como prefeito, precisa deixar bem claro que
esse animal perigoso não é uma coisa fofinha e engraçada. As
crianças vão começar a achar que é normal...
— Pelo amor de Deus, Montes, é um grafite.
— Que se foda! — retruquei, exasperado. — Está por toda a
parte. Com roupa de bailarina, tomando água de coco, ouvindo
música... Um absurdo!
— Não foi você que tentou colocar o chifre de unicórnio em
uma?
Senti meu sangue ferver. Paula era uma traidora de merda.
Ele fez um estalo com a língua e gargalhou.
— É, ela me contou.
— Eu estava bêbado, era um moleque inconsequente... E é
totalmente diferente de ter uma pessoa propagando esses bichos
assim.
O idiota não me respondeu, deu uma risada para o celular e
ficou distraído por alguns segundos antes de dizer:
— Alice me mandou uma mensagem dizendo que Paula está
louca para ir em uma pizzaria hoje.
— Não vou fazer o que essa traidorazinha quer. — Sua
sobrancelha se arqueou, cheio de deboche
— Não?
Soltei o ar em desistência. Já tinha um tempo que eu estava
sendo obrigado a seguir as vontades dela
— Que horas? Na verdade, estou até chocado que você não
chamou seu melhor amigo para ir junto.
— Ele não é meu melhor amigo — falou, soltando um chiado
com a boca. — Meu melhor amigo é...
— Eu mesmo, me chamou? — George tinha entrado na sala e
estava sorrindo de orelha a orelha. — E aí, Marco? O que faz aqui?
— Vim tratar de um assunto importante, mas o prefeito está
me tratando com descaso, como sempre faz com os moradores da
cidade que se preocupam com o bem-estar da população.
— Apareceu alguma capivara em algum lugar? — ele
perguntou, prendendo o riso e eu o olhei de cara feia.
— Você está atrapalhando minha reunião — respondi e
George ergueu as duas mãos no alto, rindo e saindo logo em
seguida da sala.
— Montes, pronto... Lembrei de algo que posso fazer para
resolver seu problema — ele disse, sério, e eu pisquei, um pouco
incrédulo.
— Finalmente!
O Monge começou a remexer na sua gaveta e tirou um papel,
colocando em cima da sua mesa. Eu me aproximei para ler e o olhei
cheio de ódio enquanto ele comprimia os lábios para segurar uma
risada.
“Retiro Espiritual para Limpeza e Harmonização Energética do
Corpo e Mente através de Cristais”.
— Sabe onde enfiar esses cristais, Ortega? — respondi
entredentes, sentindo minhas veias do pescoço saltarem.
— Sem abaixar o nível, eu sou o prefeito — lembrou, rindo.
— Que não faz porra nenhuma.
— Sério, posso ir junto. Lá você vai entender que a paz vem
de dentro de você. Toda essa sua agressividade não te faz bem,
cara — começou a falar em um tom calmo.
Meu Deus, eu não sabia como Paula conseguia aguentar.
— Esse retiro pode ser bom e tem uma médium em Três
Amores que pode te ajudar com todo esse medo. Talvez algumas
sessões de...
— Ah, Ortega, vai pra puta que pariu! — falei, saindo do
escritório.
Ótimo, mais uma vez o inútil não faria nada.
Que se foda!
Se aquelas malditas capivaras aparecessem em qualquer
muro da cidade, eu mesmo iria lá com um balde de tinta branca.
 
 
 

 
As capivarinhas já são minha marca e não tinha como elas não
estarem presentes no livro novo, então eu dei um jeitinho de inseri-
las. Eu sempre quis que existisse uma parte do meu universo no
mundo, então pensei em uma ação de marketing que pudesse fazer
exatamente isso.
Queria que as artes da Larissa fossem reais, que a gente
pudesse ver os desenhos dela por aí. Em contato com o artista
Gitirana, contei minha ideia e ele embarcou nessa comigo.
Gitirana é um talentoso artista bastante conhecido no Rio de
Janeiro, principalmente pelos grafites que faz na cidade. Formado
em design gráfico, trabalhou por quase 10 anos na Rede Globo, no
Departamento de Artes Cenográficas e além disso atualmente
também é tatuador.
Seus desenhos são únicos e reconhecidos de longe pelos
moradores do Recreio e Barra, locais onde estão expostas a maioria
das suas artes.
Foi incrível a possibilidade de trabalhar com ele e unir duas
artes diferentes (o grafite e a escrita) em um projeto diferente e
único.
Tivemos o apoio e autorização dos parques Chico Mendes e
Marapendi, através dos gestores Valéria, Renata e Jorge, que
também aceitaram fazer parte do projeto. Então, hoje vocês podem
visitar os locais e se sentirem um pouco mais perto da nossa
protagonista!
 

Parque Natural Municipal de Marapendi


Avenida Alfredo Baltazar da Silveira, - Recreio dos Bandeirantes
Rio de Janeiro
Parque Natural Municipal Chico Mendes
Av. Jarbas de Carvalho, 679 - Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro

 
Então é isso... Para alegria de vocês e tristeza do Marco, as capivarinhas
estão por aí.
 
 
 
 
 

Fico muito feliz que tenha terminado o livro e do fundo do meu


coração, espero que tenha gostado. Eu escrevi com todo o meu
amor, de verdade. Eu me apaixonei por essa história, pelos
personagens e espero que o mesmo tenha acontecido com vocês.
Sinta-se à vontade para deixar uma avaliação (vou adorar ler)
e também para me procurar nas redes sociais para falar (ou surtar)
comigo. Eu amo conversar e fazer amizade. Amo pra caralho...
kkkkkkkk
Caso não tenha curtido, tudo bem. Acredito que nem todas as
histórias se conectam com as pessoas da mesma forma. Ainda
assim, espero que um dia, alguma outra conquiste você.
Ah, e se quiser conhecer mais do meu trabalho, não deixe
de ler a série “E se...”.
Beijos,
Tati.
EM BREVE
LIVRO 2 DA DUOLOGIA
 

 
SINOPSE
 
:: New Adult :: Fake Dating :: Insta Love ::
 
 
Felipe Oliveira passou por situações que o afastaram de seu
sonho por muito tempo, agora, ele está decidido a fazer tudo o que
for necessário para mudar não apenas a sua vida, mas de toda sua
família.
 
Lavínia Bittencourt cresceu rodeada por empregadas e babás,
mas nunca pelos seus pais. O seu círculo social está repleto de
pessoas esnobes, arrogantes e mesquinhas, porém, apesar dela ser
uma tremenda barbie, tenta ao máximo não ser igual a tudo aquilo
que ela tanto odeia.
 
Ele é um skatista amador em busca do seu sonho.
Ela é uma patricinha que nunca sonhou.
Ele é de uma comunidade.
Ela é da alta sociedade.
Ele precisa de dinheiro.
Ela, de um namorado falso.
 
Problema. É isso que dá quando dois completos opostos
fazem um acordo, mas entre competições de skate, problemas
familiares, risos e eventos chiques, se perdem nos personagens até
finalmente se encontrarem um no outro.
No entanto, a diferença social é algo pequeno perto do que
precisarão enfrentar.
 
 
A todos os leitores que deram uma chance para conhecer o
meu trabalho, que vibram e se apaixonam pelas minhas histórias.
Ao meu marido fofoqueiro, Thyerry, que precisa ser controlado
porque quer contar tudo antes do tempo pros meus leitores.
Obrigada por ler cada linha e por se empolgar com minhas histórias.
Você é para sempre o meu garoto, meu GBR e o meu 190.
Agradeço à minha outra metade, Mari, que espera para ler
cada um dos meus agradecimentos apenas esperando uma
validação do meu amor. Te amo, amo suas ideias loucas, até
mesmo as mais absurdas, tipo o Pato dirigindo um carro e
atropelando a Muriel.
Camis, eu ainda fico chocada em como nossas mentes
trabalham e no fato de sermos tão iguais e diferentes ao mesmo
tempo. Essa duologia foi uma experiência muito incrível e estou
completamente apaixonada pelo universo que a gente criou e por
toda a troca que tivemos. Não sei como te agradecer por ter incluído
o Pipo e a Vi na minha vida e por todo o resto que só você sabe.
Helene, obrigada por sempre estar comigo, por se apaixonar
por mais uma das minhas histórias e por ser a cerejinha no topo do
bolo, mesmo no laço, antes da festa começar! Kkkkkkkk
Cookie, obrigada por toda a inspiração, por ser o melhor amigo
de todo o mundo. Eu tenho muito orgulho de quem você é.
A todas da minha equipe que estão comigo nos bastidores,
auxiliando em cada processinho, cuidando das minhas coisinhas e
me ajudando a ser uma profissional melhor. Tati e April, sou muito
grata por fazerem parte da minha trajetória até hoje e por me
amarem mesmo eu sendo uma amiga relapsa em alguns momentos.
Bru, obrigada por me mandar respirar, me lembrar de tomar água e
fazer tudo do jeito que eu amo. Gabi, você foi incrível nesse
lançamento, obrigada por entender meus surtos e acompanhá-los.
Rosi, você é maravilhosa, eu te amo demais e agradeço todos os
dias por te ter na minha vida.
Malu A., obrigada por me contar um pouco mais sobre o
mundinho das pessoas ricas, você foi de grande importância para
essa história.
A Thyenny, que correu super atrás para que o projetinho do
CapiSplash desse certo, precisou tirar todas as minhas dúvidas
veterinárias e até mesmo aceitou (em nome da literatura) receber
um golpe de jiu-jitsu da sua esposa. Carol, obrigada também por
todo auxílio, vocês são incríveis.
Isa, Aline e Carol, obrigada por betarem meu livro, por ficarem
loucas e apaixonadas por Pepeu e Larissa me pedindo mais
capítulos. Vocês me deram um gás absurdo, acreditaram na história
quando muitas vezes eu não acreditei. Amo vocês.
Às meninas do meu grupo de Sprint por todo incentivo para
que esse livro saísse, mesmo eu sendo uma pau no cu em alguns
momentos comendo um cheddar na frente da câmera.
Bu, Dri, Stef e Mi, obrigada por toda amizade e força sempre.
À Bebelzinha e Laís, que cuidam do meu grupo com tanto
carinho e a todos os leitores que estão lá diariamente me enchendo
de amor.
A todas as minhas parceiras e influencers, que estão ao meu
lado, me divulgando, torcendo por mim e fazendo de tudo para
pregar a palavra de Tati Biasi.
A todas as pessoas que estão ao meu lado diariamente, me
auxiliando de alguma forma, me dando força e a todos que vão me
perdoar por ter esquecido alguém, porque minha memória já foi com
Deus.
 
 
 
CONHEÇA OUTRAS OBRAS DA AUTORA
 

E SE EU PRECISASSE DE VOCÊ?
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Alice Rossi tem uma vida sexual um pouco frustrante. Marco
Montes tem uma vida sexual invejável.
Ambos se odeiam desde que se entendem por gente, mas
Alice vê sua vida virando de ponta cabeça quando descobre uma
traição de seu namorado e aceita se mudar temporariamente para o
apartamento da sua melhor amiga. Existe apenas um porém, ela
mora com Marco.
Depois de muitos encontros frustrantes e uma noite atípica, os
dois acham termos para a convivência se tornar mais tolerável.
Sem envolvimento. Sem exclusividade. Sem beijos.
Eles não contavam que o universo, intitulado por Alice como
seu arqui-inimigo, fosse criar uma forma de aniquilar todas as
questões do passado, reduzindo a pó tudo o que antes era tão bem
definido entre os dois.
Marco Montes poderia descrever esse livro como: a nerd
insuportável que odeia o gostoso empresário e dá um jeito de foder
com toda sua vida.
 
 
 
 
 
E SE EU ME IMPORTASSE?
LIVRO 2 DA SÉRIE 'E SE'
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Paula Braga nunca se importou com ninguém além dos seus.
Leonardo Ortega se importa com qualquer ser humano que cruza
seu caminho.
Ela é a Princesa da Tríade do Mal. Ele é o Garoto de Ouro da
cidade.
O ódio sempre ditou a relação dos dois. E quando a fase mais
esperada da vida de Leonardo se inicia, ele descobre que Paula
será responsável por cuidar da sua imagem para que seja eleito o
Prefeito de Coroa do Sul.
Mesmo que Leonardo repita milhares de mantras na sua
cabeça, a raiva de Paula por ele parece incontrolável e seu jeito o
tira do sério. E por mais que seja difícil trabalharem juntos, com o
tempo, se torna ainda pior permanecerem separados.
Totalmente opostos e capazes de criar uma química de intensa
potência quando toda raiva explode entre eles.
 
E SE VOCÊ SOUBESSE?
LIVRO 3 DA SÉRIE 'E SE'
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Duda Mazza sempre soube lidar com seus sentimentos.
Nicolas Guedes construiu uma barreira em seu coração.
O ódio que se transformou em amizade. A amizade que se
transformou em amor.
Um acontecimento altera tudo, desestabilizando o que antes
parecia tão intocável. Duda se vê tendo que lidar com as
consequências de um segredo de sua família escondido por anos.
Nick precisa entender como ultrapassar seus medos e
inseguranças.
Em um momento em que todas as relações são postas à prova
e os sentimentos são questionados, ambos precisam aprender
como domar seus próprios demônios.
A história dos dois parecia escrita, mas sempre houve uma
parte que não foi contada. E agora, existia uma outra que ditava
novas direções.
TODAS AS NOSSAS ESTRELAS
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Samuel Medici é um colunista de fofocas que odeia famosos.
Conhecido por seu humor ácido e por não perdoar as celebridades,
ele diz o que pensa, sem medo de retaliações.
Lexie Taylor é uma artista que cresceu na mídia e não suporta
os fofoqueiros de plantão. Sempre com o rosto estampado nas
colunas da QueenG!, o maior site de fofocas do Brasil, tem uma lista
de namoros fracassados.
 
Tudo muda quando Lexie ganha o seu próprio reality show:
“Quem vai ficar com Lexie?” e se vê indo para um resort em Angra
dos Reis em busca de um namorado.
 
O que ela não contava era que Samuel Medici, seu maior
pesadelo, também estaria lá. Em uma confusão de dinâmicas,
provas, encontros e desencontros os dois vão percebendo que o
ódio é apenas uma combustão para algo ainda mais forte.
 
 
[1]
Pokémons são criaturas ficcionais do desenho animado Pokémon.
[2]
A NTU e a Embarq Brasil apresentam o Bus Rapid Transit (BRT), um sistema rápido por
ônibus que já é parte das soluções para a mobilidade urbana na superfície.
[3]
Bart Simpson é um personagem criado por Matt Groening.
[4]
Vick é uma personagem do livro “Não se Apaixone”, da autora Camila Cocenza.
[5]
O Boticário é uma empresa de cosméticos e perfumes brasileira.
[6]
Rolex S.A. é uma empresa suíça fabricante de relógios de pulso de luxo.
[7]
Drink.
[8]
Parque Chico Mendes, localizado no Rio de Janeiro e atualmente no local pode ser
encontrado o grafite mencionado no livro.
[9]
Parte de trás do skate.
[10]
Descida no skate.
[11]
Gíria para ficar apaixonado.
[12]
Forma contraída da expressão "meu irmão", gíria muito utilizada por cariocas.
[13]
Manobra de skate.
[14]
Empresa farmacêutica fictícia de Marco Montes, personagem principal do livro da
autora “E se eu precisasse de você?”.
[15]
Cidade fictícia da série “E se”, da autora.
[16]
Personagem da série “E se”, da autora.
[17]
Veuve Clicquot é uma marca de champanhe de Reims, França.
 
[18]
Modelo de carro da marca Mini.
[19]
Gato de Botas é um personagem de Shrek, uma franquia de filmes de animação.
[20]
Said e Jade são personagens da novela “O Clone”, exibida na Rede Globo em 2001 e
atualmente no catálogo do Globoplay.
[21]
Gangue fictícia.
[22]
Gíria que significa ir embora.
[23]
Smart TV é uma expressão do âmbito da tecnologia e que significa "televisão
inteligente".
[24]
Casas Bahia é uma popular rede de varejo de móveis e eletrodomésticos do Brasil.
[25]
A Amazon Alexa, também conhecida como Alexa, é uma assistente virtual desenvolvida
pela Amazon.
[26]
Roomba é um aspirador robótico fabricado e vendido pela iRobot.
[27]
Expressão que significa ‘me esquece’, ‘me deixa em paz’.
[28]
A pavlova é uma sobremesa em forma de bolo e a base de merengue, cujo nome é
uma homenagem à bailarina russa Anna Pavlova.
[29]
Lê-se: Um. Nove. Zero.
[30]
Bob Esponja é um personagem de um desenho animado.
[31]
Site de busca.
[32]
Time fictício da série “Artilheiros”, das autoras: Camila Cocenza, Maya Passos, Carina
Reis e Jéssica Luiza.
[33]
Time fictício da série “E se”, da própria autora.
[34]
Personagem principal do livro “Plano de Jogo”, da autora Camila Cocenza.
[35]
 É uma gíria que vem do significado da sigla "boletim de ocorrência". Significa que algo
deu errado, que existe um problema.
[36]
O “pedido de música” tradicional no programa Fantástico, da TV Globo, é uma
brincadeira que os apresentadores fazem com os atletas de futebol que marcam três ou
mais gols em uma mesma partida. A música escolhida aparece ao fundo enquanto passam
imagens do jogador em tela.
[37]
Boneco.
[38]
O Gudang Garam, também conhecido como Cigarro de Bali, é um produto da Indonésia
com sabor de cravo.
[39]
Gíria utilizada para dizer que a pessoa platinou o cabelo.
[40]
Copa é abreviação de Copacabana, bairro do Rio de Janeiro.
[41]
Gíria utilizada para denominar uma pessoa que se acha, que não dá muita moral para
ninguém, que não leva desaforo para casa, meio briguento, seco.
[42]
Área localizada no Recreio dos Bandeirantes.
[43]
Strike é uma banda de rock brasileira formada em 2003 na cidade de Juiz de Fora, em
Minas Gerais.
[44]
Avril Lavigne é uma cantora e compositora franco-canadense.
[45]
Spotify é um serviço de streaming de música.
[46]
Movimento de jiu-jitsu.
[47]
A montada é a posição suprema, na qual o lutador do jiu-jitsu exerce amplo domínio
sobre o rival.
[48]
A chave de braço — também conhecida pelo termo em inglês, armlock — é um golpe
de jiu-jitsu no qual o lutador pega o braço do adversário e coloca-o entre suas pernas.
[49]
Cumprimento utilizado dentro das artes marciais, principalmente no jiu-jitsu brasileiro.
[50]
Gíria que pode significar uma volta, um passeio ou algum evento.
[51]
O “chorinho” do carioca refere-se ao pedido de uma dose extra.
[52]
Manobra de skate.
[53]
Manobra de skate.
[54]
Manobra de skate.
[55]
Instituto Nacional de Câncer.
[56]
O Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO) é uma
unidade de saúde do Estado do Rio de Janeiro, no Brasil.
[57]
Gíria que significa uma solução improvisada para resolver um problema ou uma
necessidade.
[58]
É um adesivo termofixo que endurece quando mistura a resina epóxi com um agente
catalisador, também chamado popularmente de “endurecedor”.
[59]
GoPro é uma linha de câmeras de ação.
[60]
Saara é considerado o maior shopping a céu aberto do Estado. Formado por onze ruas
nas adjacências da Rua da Alfândega, reúne mais de 800 lojas, a maioria voltada para o
comércio popular.
[61]
A Capa da Invisibilidade é uma capa criada para esconder aquele que a usa,
mencionada no livro da saga Harry Potter.
[62]
Porta dos Fundos é uma produtora de vídeos de comédia veiculados na internet.
[63]
Parque Natural Municipal de Marapendi, localizado no Rio de Janeiro e atualmente no
local pode ser encontrado o grafite mencionado no livro.
[64]
Coca-Cola.
[65]
Gíria que significa pessoa que trai a confiança de alguém; dedo-duro.
[66]
O PET Scan é um exame de imagem similar à tomografia computadorizada, mas com
capacidade de identificar alterações nas células em estágios muito iniciais.
[67]
Frase do filme Jogos Vorazes, que significa “Eu me ofereço como tributo” e muito
utilizada em memes.
[68]
Casa de luta clandestina fictícia.
[69]
O uppercut é um golpe desferido de baixo para cima que visa atingir o queixo do
oponente.
[70]
O jab é um soco utilizado nas artes marciais.
[71]
Arte de um combate em que o lutador abraça o adversário para lhe impedir os golpes
[72]
A mão de vaca no Jiu-Jitsu, nada mais é do que uma finalização que força a articulação
do punho.
[73]
Old school e aquarela são estilos de tatuagem.

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