Você está na página 1de 277

Table of Contents

PREFÁ CIO DO EDITOR


1. O ROUBO DA NEUTRALIDADE
2. A IMORALIDADE DA NEUTRALIDADE
3. A NATUREZA DO PENSAMENTO INCRÉ DULO
4. A MENTE DO NOVO HOMEM ENRAIZADA EM CRISTO
5. REVELAÇÃ O COMO O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
6. RESUMO E APLICAÇÃ O: A AUTORIDADE AUTOATESTADORA DE
DEUS
7. TRÊ S ARGUMENTOS CONTRA O PRESSUPOSICIONALISMO
8. HUMILDE OUSADIA, NÃ O ARROGÂ NCIA OBSCURANTISTA
9. REVELAÇÃ O INESCAPÁ VEL, CONHECIMENTO INESCAPÁ VEL
10. TERRENO COMUM QUE NÃ O É NEUTRO
11. ONDE O PONTO DE CONTATO É , E NÃ O É , ENCONTRADO
12. RESUMO GERAL: CAPÍTULOS 1-11
13. A TOLICE DA INCREDULIDADE
14. UM PROCEDIMENTO APOLOGÉ TICO DE DUAS ETAPAS
15. RESPONDENDO AO TOLO
16. COSMOVISÕ ES EM COLISÃ O
17. O PONTO DE PARTIDA Ú LTIMO: A PALAVRA DE DEUS
18. RESUMO SOBRE O MÉ TODO APOLOGÉ TICO: CAPÍTULOS 13-17
19. DEUS DEVE SOBERANAMENTE CONCEDER ENTENDIMENTO
20. É PRECISO CRER PARA ENTENDER
21. ESTRATÉ GIA GUIADA PELA NATUREZA DA CRENÇA
22. NÃ O SE DEIXANDO SEDUZIR COMO EVA
23. NÃ O MENTIR PARA DEFENDER A VERDADE
24. ENCONTRANDO EFETIVAMENTE A VARIEDADE DE OPOSIÇÕ ES:
Resumo Geral (Capítulos 1-23) e Aplicaçã
25. PREPARADOS PARA ARRAZOAR
26. O CERNE DA QUESTÃ O
27. RESPONDENDO OBJEÇÕ ES
28. FERRAMENTAS DE APOLOGÉ TICA
29. APOLOGÉ TICA NA PRÁ TICA
30. O PROBLEMA DO MAL
31. O PROBLEMA DE CONHECER O “SOBRENATURAL”
32. O PROBLEMA DA FÉ
33. O PROBLEMA DA LINGUAGEM RELIGIOSA
34. O PROBLEMA DOS MILAGRES
 
SEMPRE
PREPARADOS
 
Orientaçõ es para a defesa da fé
 
 
 
 

  Editado por Robert R. Booth


 
 

 
 
 
DR. GREG L. BAHNSEN
 
 
 

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


E DITORA M ONERGISMO
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970 
www.editoramonergismo.com.br
 
1 a ediçã o, 2016
 
Tradução : Marcelo Herberts
Revisão : Felipe Sabino de Araú jo Neto
 

 
PROIBIDA A REPRODUÇÃ O POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕ ES, COM INDICAÇÃ O DA FONTE.
 
Todas as citaçõ es bíblicas foram extraídas da versã o
Almeida Corrigida e Revisada Fiel (ACF)
salvo indicaçã o em contrá rio.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Dedicató ria
Em memó ria do Dr. Greg L. Bahnsen
[17 de Setembro de 1948 ― 11 de Dezembro de 1995],
“sempre preparado” para defender a fé e
sempre preparado para encontrar seu Senhor.
 
 
 
 
 
 
 

Para aqueles que querem entender Van Til, seja para concordar, seja para
discordar, pelo menos duas coisas sã o essenciais e sã o com demasiada
frequência negligenciadas. A primeira é ler Van Til, a segunda é ler Greg
Bahnsen.
 
— Dr. K. Scott Oliphant
Autor, A batalha pertence ao Senhor
 
Greg Bahnsen foi, antes da sua morte prematura, um dos pensadores e
debatedores mais perspicazes entre os apologistas vantilianos. “Sempre
Preparados” resume bem e expõ e as passagens bíblicas que constituem o
arsenal do apologista.
— Dr. John Frame
Autor, Apologética para a glória de Deus
 
 
A mente de Greg Bahsen era nada menos do que precisa. Num mundo de
desordem e confusã o apologética, ele tinha o dom de discernir o que era e o
que nã o era relevante em uma questã o. Os antigos romanos lhe teriam dito:
“Rem acu tetigisti”. Ele podia “acertar o prego na cabeça”, conjecturar de
forma correta. Este volume contém inú meros exemplos de ele fazendo
exatamente isso.
 
— Douglas Wilson
Autor, O ateu em delírio
 
 
Greg Bahnsen era um acadêmico brilhante. Mas essa é uma descriçã o
inadequada do que ele tinha a oferecer para a igreja. O valor da sua obra nã o
era meramente acadêmico (embora também o fosse); era intensamente
prá tico. Sua capacidade de analisar a “ló gica” da incredulidade e demonstrar
sua loucura e de apresentar o evangelho como a ú nica alternativa
intelectualmente honesta eram sem igual. Em se tratando de apologética,
Bahnsen estava numa categoria só sua.
 
— Stephen C. Perks
Autor, A adoração a Baal
 
 
 
Nã o foram os escoteiros os primeiros a serem ordenados a “estar preparados”,
mas os cristã os (1 Pedro 3.15). Com a incredulidade crescendo e se tornando
mais intensa, revelando seus ferozes dentes, precisamos mais do que nunca
das ferramentas encontradas neste volume. Ao empregá -las você será capaz
de remover os caninos do anticristianismo com graça, amor e um arsenal
nuclear. Leia este livro e entã o leia-o novamente. Você se verá “armado até os
dentes” e sempre preparado.
 
— Steven M. Schlissel
Pastor, Messiah’s Congregation, Brooklyn, New York
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
SUMÁRIO
Sumário
PREFÁ CIO DO EDITOR
1. O ROUBO DA NEUTRALIDADE
2. A IMORALIDADE DA NEUTRALIDADE
3. A NATUREZA DO PENSAMENTO INCRÉ DULO
4. A MENTE DO NOVO HOMEM ENRAIZADA EM CRISTO
5. REVELAÇÃ O COMO O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
6. RESUMO E APLICAÇÃ O:  A AUTORIDADE AUTOATESTADORA DE
DEUS
7. TRÊ S ARGUMENTOS CONTRA O PRESSUPOSICIONALISMO
8. HUMILDE OUSADIA, NÃ O ARROGÂ NCIA OBSCURANTISTA
9. REVELAÇÃ O INESCAPÁ VEL,  CONHECIMENTO INESCAPÁ VEL
10. TERRENO COMUM QUE NÃ O É NEUTRO
11. ONDE O PONTO DE CONTATO É , E NÃ O É , ENCONTRADO
12. RESUMO GERAL: CAPÍTULOS 1-11
13. A TOLICE DA INCREDULIDADE
14. UM PROCEDIMENTO APOLOGÉ TICO DE DUAS ETAPAS
15. RESPONDENDO AO TOLO
16. COSMOVISÕ ES EM COLISÃ O
17. O PONTO DE PARTIDA Ú LTIMO: A PALAVRA DE DEUS
18. RESUMO SOBRE O MÉ TODO APOLOGÉ TICO: CAPÍTULOS 13-17
19. DEUS DEVE SOBERANAMENTE CONCEDER ENTENDIMENTO
20. É PRECISO CRER PARA ENTENDER
21. ESTRATÉ GIA GUIADA PELA NATUREZA DA CRENÇA
22. NÃ O SE DEIXANDO SEDUZIR COMO EVA
23. NÃ O MENTIR PARA DEFENDER A VERDADE
24. ENCONTRANDO EFETIVAMENTE A VARIEDADE DE
OPOSIÇÕ ES: Resumo Geral (Capítulos 1-23) e Aplicaçã o
25. PREPARADOS PARA ARRAZOAR
26. O CERNE DA QUESTÃ O
27. RESPONDENDO OBJEÇÕ ES
28. FERRAMENTAS DE APOLOGÉ TICA
29. APOLOGÉ TICA NA PRÁ TICA
30. O PROBLEMA DO MAL
31. O PROBLEMA DE CONHECER O “SOBRENATURAL”
32. O PROBLEMA DA FÉ
33. O PROBLEMA DA LINGUAGEM RELIGIOSA
34. O PROBLEMA DOS MILAGRES

 
 
 

PREFÁCIO DO EDITOR
 
 
O apó stolo Pedro instrui os crentes a estarem “sempre preparados
[1]
para responder [dar uma defesa — apologia ] com mansidã o e
temor a qualquer que vos pedir a razã o da esperança que há em vó s”
(1Pe 3.15). O Dr. Greg Bahnsen nã o só estava “sempre preparado”
para fazer tal defesa, como também sempre preparado para ensinar
aos outros como se preparar para essa obra essencial. Aprouve a
Deus, no mistério da sua providência, levantar esse homem
duplamente abençoado em benefício do seu povo nesta geraçã o.
Essa mesma providência misteriosa que nos deu o Dr. Bahnsen
também o chamou para casa na idade precoce de 47 anos — ele foi
para estar junto do seu Senhor em 11 de dezembro de 1995. Dr.
Bahnsen deixou em seu rastro um legado de evangelismo
apologético. Nã o só foi ele um dos principais apologistas e
debatedores do século 20, [2] enfrentando proeminentes defensores
ateístas, como também era ele alguém devotado para ver cristã os de
todos os níveis equipados e competentes para defender por si
mesmos a fé.
A defesa da fé cristã [apologética] é responsabilidade de todo
cristã o. Tal era a convicçã o sincera do Dr. Bahnsen, que devotou a
maior parte do seu ministério ao treinamento de homens e
mulheres para essa importante tarefa. Bahnsen era eminentemente
qualificado para oferecer esse tipo de treinamento e instruçã o.  Em
primeiro lugar, Dr. Bahnsen era um homem que amava e estava
comprometido com seu Senhor Jesus Cristo — ele fora chamado por
Deus para essa tarefa. Ele recebeu o título B.A. ( magna cum laude ,
filosofia) da Faculdade Westmont e entã o simultaneamente obteve
os graus M.Div. e Th.M. do Seminá rio Teoló gico Westminster ,
especializando-se em teologia sistemá tica e ética. De lá ele foi para a
Universidade do Sul da Califó rnia, onde recebeu seu Ph.D. em
filosofia, com especializaçã o no campo da epistemologia (teoria do
conhecimento). Sua tese foi sobre o tema do autoengano, fazendo
uma contribuiçã o significativa para essa importante questã o
apologética. Enquanto estudante de seminá rio, foi chamado pelo
renomado apologista Dr. Cornelius Van Til para palestrar em seu
curso de apologética. Dr. Bahnsen fez muito para explicar, aplicar e
mesmo popularizar a obra distintiva de apologética
pressuposicional do Dr. Van Til. [3]
Este volume é uma compilaçã o de materiais produzidos pelo Dr.
Bahnsen ao longo de vá rios anos e se destina a introduzir os
estudantes a importantes conceitos fundacionais essenciais para a
apologética bíblica. A primeira seçã o, previamente publicada como
plano de estudo, fornece uma explicaçã o passo a passo das questõ es
chave em apologética cristã e estabelece o suporte bíblico para o
método pressuposicional. A segunda seçã o deste volume oferece
conselhos prá ticos adicionais de como abordar uma situaçã o
apologética e fornece respostas específicas a certas questõ es
apologéticas, como “o problema do mal”. O livro conclui com um
apêndice dando uma exposiçã o detalhada da defesa da fé que o
apó stolo Paulo fez no Areó pago em Atenas, como registrado em Atos
17.
Todo crente pode tirar proveito deste material. Ele pode se provar
especialmente ú til como livro-texto para classes de aula e igrejas. À
medida que nos tornarmos mais bem equipados para defender a fé,
obteremos maior confiança e ousadia para levar a mensagem do
evangelho a todo lugar sombrio. Nenhum desafio deve intimidar o
crente enquanto ele, de forma gentil e respeitosa, fecha a boca do
incrédulo. Que Deus possa abençoar você em seu treinamento para
estar “sempre preparado”.
 
 
 
Seu servo e colega,
 
Randy Booth
Diretor da Covenant Media Foundation

 
 
 
 
 

 
 
 
 
SEÇÃO UM:
O SENHORIO DE CRISTO
NO REINO DO CONHECIMENTO
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
1. O ROUBO DA NEUTRALIDADE
 
 
O apelo para que os cristã os se rendam à neutralidade no seu
pensamento nã o é incomum. No entanto, ele atinge o pró prio
coraçã o da nossa fé e fidelidade ao Senhor.
À s vezes a exigência de se assumir uma postura neutra, uma atitude
nã o comprometida com a veracidade da Escritura, é ouvida no
â mbito da erudiçã o cristã (no campo da histó ria, ciência, literatura,
filosofia, seja qual for). Professores, pesquisadores e escritores sã o
amiú de levados a pensar que a honestidade requer que eles deixem
de lado todos os compromissos distintamente cristã os quando
estudam numa á rea que nã o está diretamente relacionada a
questõ es de adoraçã o dominical. Eles raciocinam que, desde que a
verdade é verdade onde quer que seja encontrada, devemos ser
capazes de pesquisar a verdade sob a orientaçã o dos pensadores
aclamados na á rea, mesmo sendo eles seculares na sua perspectiva.
“É realmente necessá rio manter os ensinamentos da Bíblia se você
quer entender corretamente a Guerra de 1812, a composiçã o
química da á gua, as peças de Shakespeare ou as regras da ló gica?” É
a pergunta retó rica daqueles que querem insistir na neutralidade
dos cristã os que trabalham em á reas acadêmicas.
À s vezes a demanda por neutralidade surge no reino da apologética
(a defesa da fé). Alguns apologistas nos dizem que eles perderiam
toda a audiência com o mundo incrédulo se abordassem a questã o
da veracidade da Escritura com uma resposta pré-concebida para a
questã o. Nó s devemos estar dispostos, de acordo com essa
perspectiva, a abordar o debate com os incrédulos com uma atitude
comum de neutralidade ─ uma atitude de “ninguém sabe ainda”.
Devemos assumir o mínimo possível desde o início, assim nos é dito;
e isso significa que nã o podemos assumir quaisquer premissas ou
ensinos cristã os da Bíblia.
Outras vezes, o apelo por neutralidade no pensamento do crente
vem com referência à s escolas. Alguns cristã os sentem que nã o há
uma real urgência para as escolas cristã s, que a educaçã o secular
está bem até onde vai e que ela só precisa ser suplementada com
oraçã o cristã e leitura da Bíblia em casa. Assim, a ideia é que é
possível ser neutro quando se trata de educaçã o; a fé cristã de uma
pessoa nã o precisa ditar quaisquer suposiçõ es ou formas
particulares de aprender sobre o mundo e o homem. Os fatos, assim
nos é dito, sã o os mesmos nas escolas do Estado e nas escolas
cristã s; entã o, por que insistir que seus filhos sejam ensinados por
crentes comprometidos em Jesus Cristo?
Bem, entã o nessas e em muitas outras situaçõ es nó s podemos ver
que o cristã o é exortado a abrir mã o das suas crenças religiosas
distintivas para temporariamente “colocá -las na prateleira” e
assumir uma atitude neutra em seu pensamento. Sataná s adoraria
que isso acontecesse. Mais que qualquer outra coisa, isso impediria
a conquista do mundo para a crença em Jesus Cristo como o Senhor.
Mais que qualquer outra coisa, isso tornaria os cristã os professos
impotentes no seu testemunho, sem propó sito na sua caminhada e
desarmados na sua batalha com os principados e poderes deste
mundo. Mais que qualquer outra coisa, essa neutralidade impediria
a santificaçã o na vida do cristã o, pois Cristo disse que seus
seguidores eram santificados (separados) pela verdade. E declarou
em seguida que “A tua palavra é a verdade” (Joã o 17.17).
O que quer que algumas pessoas possam dizer sobre a exigência de
neutralidade no pensamento do cristã o ─ a exigência de que os
crentes nã o sejam separados dos outros homens por sua adesã o à
verdade de Deus ─, o fato é que a Escritura difere radicalmente dela.
Ao contrá rio da demanda da neutralidade, a palavra de Deus exige
uma fidelidade sem reservas a Deus e à sua verdade em todos os
nossos pensamentos e empreendimentos acadêmicos. E o faz por
uma boa razã o.
Paulo declara infalivelmente em Colossenses 2.3-8 que “Nele
[Cristo] estã o escondidos todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento” (NVI). Note ele dizer que toda a sabedoria e
conhecimento estã o depositados na pessoa de Cristo ─ seja sobre a
Guerra de 1812, a composiçã o química da á gua, a literatura de
Shakespeare ou as leis da ló gica! Toda atividade acadêmica e todo
pensamento devem estar relacionados a Jesus Cristo, pois Jesus é o
caminho, a verdade e a vida (Joã o 14.6). Assim, evitar Cristo em seu
pensamento em qualquer ponto é ser uma pessoa equivocada,
mentirosa e espiritualmente morta. Deixar de lado seus
compromissos cristã os quando se trata de defender a fé ou enviar
seus filhos à escola é deliberadamente se afastar do único caminho
para a sabedoria e verdade que é encontrado em Cristo . Temer o
Senhor nã o é o fim ou resultado do conhecimento; reverenciá -lo é o
princípio do conhecimento (Provérbios 1.7; 9.10).
Paulo declara, entã o, que todo conhecimento deve estar relacionado
a Cristo, de acordo com Colossenses 2. Ele diz isso para a nossa
proteçã o; é muito perigoso deixar de ver a necessidade de Cristo em
todos os nossos pensamentos. Assim, Paulo chama nossa atençã o
para a impossibilidade da neutralidade “para que ninguém vos
engane com palavras persuasivas”. Em vez disso, como exorta Paulo,
nó s devemos estar arraigados e sobreedificados nele, e confirmados
na fé, assim como fomos ensinados (v. 7). Devemos estar
pressuposicionalmente comprometidos com Cristo no mundo do
pensamento (ao invés de ser neutros) e firmemente atrelados à fé
que foi ensinada; ou do contrá rio a argumentaçã o persuasiva do
pensamento secular irá nos iludir. Logo, o cristã o é obrigado a
pressupor a palavra de Cristo em todas as á reas do pensamento; a
alternativa a isso é o engano.
No versículo 8 de Colossenses 2 Paulo diz: “Tende cuidado, para que
ninguém vos faça presa sua, [4]
por meio de filosofias e vã s
sutilezas”. Ao tentar ser neutro em seu pensamento, você é um alvo
principal para ser roubado ─ roubado pela “vã filosofia” de todos os
tesouros da “sabedoria e do conhecimento” que estã o escondidos
em Cristo somente (cf. v. 3, NVI). Paulo explica que a vã filosofia é
aquela que segue o mundo e nã o a Cristo; é o pensamento que se
submete à s demandas do mundo pela neutralidade em vez de
estarmos pressuposicionalmente comprometidos com Cristo em
todo o nosso pensamento.
Você é rico em conhecimento por causa do seu compromisso com
Cristo na academia, apologética e educaçã o, ou foi roubado pelas
demandas da neutralidade?

2. A IMORALIDADE DA NEUTRALIDADE
 
 
Todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento devem ser
encontrados em Cristo; assim, se uma pessoa tentasse chegar à
verdade à parte de um compromisso com a autoridade epistêmica
de Jesus Cristo, estaria sendo roubada por meio da vã filosofia e
enganada com palavras persuasivas (veja Colossenses 2.3-8).
Consequentemente, quando o cristã o se envolve no contexto
acadêmico, apologético ou educacional, deve firmemente se recursar
a aquiescer com as demandas equivocadas da neutralidade na sua
vida intelectual; ele jamais deve consentir em renunciar à s suas
crenças religiosas distintivas “por um breve momento”, como se
fosse possível assim uma pessoa chegar “imparcialmente” a um
conhecimento genuíno. O princípio do conhecimento é o temor do
Senhor (Provérbios 1.7).
Tentar ser neutro nos empreendimentos intelectuais (na pesquisa,
na argumentaçã o, no raciocínio ou no ensino) é equivalente a se
esforçar para apagar a antítese entre o cristã o e o incrédulo. Cristo
declarou que o primeiro foi separado do ú ltimo pela verdade da
palavra de Deus (Joã o 17.17). Aqueles que desejam alcançar
dignidade aos olhos dos intelectuais do mundo usando a insígnia da
“neutralidade” só podem fazê-lo à s custas da recusa em ser
separados pela verdade de Deus. No reino intelectual eles se
integram ao mundo a tal ponto que ninguém pode dizer a diferença
entre os seus pensamentos e suposiçõ es e os pensamentos e
suposiçõ es apó statas. A linha entre o crente e o incrédulo é
obscurecida.
Essa indiscriminação na vida intelectual nã o só impede o
conhecimento genuíno (cf. Provérbios 1.7) e leva à vã ilusã o (cf.
Colossenses 2.3-8), como é também flagrantemente imoral .
Em Efésios 4.17-18, Paulo ordena aos seguidores de Cristo que “nã o
andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade da
sua mente. Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de
Deus pela ignorâ ncia que há neles, pela dureza do seu coraçã o”. Os
crentes cristã os nã o devem andar, nã o devem se comportar ou viver
de uma forma que imite o comportamento daqueles que sã o
irregenerados; especificamente, Paulo proíbe o cristã o de imitar a
vaidade da mente do incrédulo. Os cristã os devem se recusar a
pensar ou raciocinar de acordo com uma mentalidade ou
perspectiva mundana. O agnosticismo culpá vel dos intelectuais do
mundo nã o deve ser reproduzido nos cristã os como sendo uma
suposta neutralidade; essa perspectiva, essa abordagem para a
verdade, esse método intelectual evidencia um entendimento
obscurecido e um coraçã o endurecido. Ele se recusa a se curvar ao
Senhorio de Jesus Cristo em todas as á reas da vida, incluindo a
academia e o mundo do pensamento.
Uma pessoa deve fazer a seguinte escolha bá sica no seu
pensamento: ser separada pela verdade de Deus ou ficar alienada da
vida de Deus. Nã o é possível ser das duas formas. Ou ela será
separada, colocada em oposiçã o ou alienada do mundo, ou o será da
palavra de Deus. Ela permanecerá em contraste com aquele método
intelectual que se recusa a seguir. Ou ela se recusa a seguir a palavra
de Deus, ou se recusa a seguir a mentalidade vã dos gentios. Ou ela
distingue a si mesma e o seu pensamento no contraste com o
mundo, ou o faz no contraste com a palavra de Deus. O contraste, a
antítese, a escolha é clara: ou ser separado pela palavra verdadeira
de Deus, ou ser alienado da vida de Deus. Ou ter “a mente de Cristo”
(1 Coríntios 2.16), ou a “vaidade da sua [gentios] mente” (Efésios
4.17). Ou “levamos cativo todo pensamento, para torná -lo obediente
a Cristo” (2 Coríntios 10.5, NVI), ou continuamos como “inimigos no
entendimento” (Colossenses 1.21).
Aqueles que seguem o princípio intelectual da neutralidade e o
método epistemoló gico do ambiente acadêmico incrédulo nã o
honram o Senhorio soberano de Deus, coisa que deveriam fazer;
como resultado disso, seu raciocínio é tornado vã o (Romanos 1.21).
Em Efésios 4, como vimos, Paulo proíbe o cristã o de seguir essa
mentalidade vã . Paulo segue a ensinar que o pensamento do crente é
diametralmente contrá rio ao pensamento ignorante e obscurecido
dos gentios. “Mas vó s nã o aprendestes assim a Cristo” (versículo
20). Enquanto os gentios sã o ignorantes, “a verdade… está em Jesus”
(versículo 21). Ao contrá rio dos gentios que estã o alienados da vida
de Deus, o cristã o foi despido do velho homem e renovado no
espírito da sua mente (versículos 22-23). Esse “ novo homem ” é
distinto em virtude da santidade proveniente da verdade (versículo
24, NVI). O cristã o é completamente diferente do mundo no que diz
respeito ao intelecto e à academia; ele nã o segue os métodos neutros
da incredulidade, mas pela graça de Deus tem novos compromissos,
novas pressuposiçõ es no seu pensamento.
Portanto, o cristã o que se esforça pela neutralidade no seu
pensamento está na verdade se esforçando para anular o fato de que
é um cristã o! Ao negar seu compromisso religioso distintivo, ele é
reduzido a padrõ es de pensamento apó statas e absorvido no mundo
da incredulidade. Tentar encontrar um acordo entre as demandas da
neutralidade mundana (agnosticismo) e as doutrinas da palavra de
Cristo resulta na rejeiçã o do Senhorio distintivo de Cristo quando se
eclipsa o grande abismo entre o pensamento do velho homem e o do
novo homem.
Nenhuma contemporizaçã o dessas é possível. “ Ninguém pode servir
a dois senhores” (Mateus 6.24). Nã o deveria causar surpresa que
num mundo em que todas as coisas foram criadas por Cristo
(Colossenses 1.16) e sã o sustentadas pela palavra do seu poder
(Hebreus 1.3), onde todo o conhecimento está , portanto, depositado
nele que é A Verdade (Colossenses 2.3, Joã o 14.6) e deve ser o
Senhor sobre todo pensamento (2 Coríntios 10.5), a neutralidade é
nada menos do que imoralidade . “Portanto qualquer que quiser ser
amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tiago 4.4).
Você tem a coragem dos seus distintivos cristã os na academia, na
apologética e no ensino, ou tenta apagar o contraste entre o
pensamento cristã o e o pensamento apó stata seguindo as demandas
da neutralidade? Para colocar na perspectiva bíblica, essa questã o
pode ser reformulada da seguinte maneira: seu pensamento opera
sob o Senhorio de Jesus Cristo, ou você se tornou um inimigo de
Deus através de padrõ es de pensamento neutros, agnó sticos e
incrédulos? Escolha hoje a quem você vai servir!
 

 
 
3. A NATUREZA DO PENSAMENTO INCRÉDULO
 
 
Nas partes I e II do presente estudo, uma discussã o da demanda por
neutralidade em nossos empreendimentos acadêmicos, apologéticos
ou educacionais mostrou que essa demanda leva a infelizes
resultados. Ela rouba de uma pessoa todos os tesouros do
conhecimento que existem. Em segundo lugar, foi demonstrado que
tomar uma abordagem neutra para o conhecimento tem um cará ter
imoral e permite que os distintivos cristã os de uma pessoa sejam
abafados e finalmente integrados à s formas rebeldes de uma
mentalidade incrédula. Finalmente, foi observado que na realidade é
impossível o cristã o genuíno ser neutro na sua vida intelectual, pois
essa neutralidade num cristã o demandaria um compromisso duplo:
um com o agnosticismo secular, outro com a fé salvadora (isto é,
“servir a dois senhores”).
Voltando a Efésios 4 e Colossenses 2, perguntemos qual é o
verdadeiro cará ter do pensamento neutralista. Que tipo de
pensamento, afinal, é esse que nã o se baseia no ensino do Filho de
Deus, que se abstém de pressupor as doutrinas de Cristo?
Paulo nos diz em Efésios 4 que seguir os métodos ditados pela
perspectiva intelectual daqueles que estã o fora de uma relaçã o
salvífica com Deus é ter uma mente vã e um entendimento
obscurecido (vv. 17-18). O pensamento neutralista, entã o, é
caracterizado por ignorâ ncia e futilidade intelectual. Na luz de Deus
somos capazes de ver a luz (cf. Salmos 36.9). Afastar-se da
dependência intelectual da luz de Deus, a verdade sobre e de Deus, é
se afastar do conhecimento para a escuridã o da ignorâ ncia. Assim,
se um cristã o desejasse iniciar seus empreendimentos acadêmicos a
partir de uma posiçã o de neutralidade, estaria na realidade
desejando iniciar seu pensamento na escuridã o. Ele nã o permitiria a
palavra de Deus ser uma luz para o seu caminho (cf. Salmos
119.105). Para andar em neutralidade ele estaria tropeçando na
escuridão . Deus certamente nã o é honrado por esse tipo de
pensamento, e consequentemente torna esse raciocínio vão
(Romanos 1.21b). Aos olhos de Deus, neutralidade equivale a
vaidade.
Essa “filosofia” que nã o encontra seu ponto de partida e orientaçã o
em Cristo é mais tarde descrita por Paulo em Colossenses 2.8. De
tempos em tempos, tem sido erroneamente pensado que essa
passagem condena toda e qualquer filosofia, que o cristã o deve sem
exceçã o evitar o pensamento filosó fico como quem evita a praga. No
entanto, uma leitura cuidadosa da passagem irá evidenciar que esse
nã o é o caso. Paulo não desaprova a filosofia absolutamente, pois
delineia algumas exceçõ es. O que acontece é que há um tipo
particular de pensamento filosó fico que Paulo despreza. Paulo nã o é
contra o “amor da sabedoria” (isto é, “filosofia” a partir do grego)
per se . Filosofia é algo bom desde que se possa adequadamente
encontrar genuína sabedoria ─ o que significa, para Paulo, encontrá -
la em Cristo (Colossenses 2.3).
No entanto, há um tipo de “filosofia” que nã o começa com a verdade
de Deus, o ensinamento de Cristo. Antes, essa filosofia busca sua
orientaçã o e encontra sua origem nos princípios aceitos dos
intelectuais do mundo ─ nas tradiçõ es dos homens. Uma filosofia
assim é o objeto da reprovaçã o de Paulo em Colossenses 2.8. É
instrutivo para nó s, especialmente se estamos propensos a aceitar
as demandas da neutralidade em nosso pensamento, investigar as
caracterizaçõ es de Paulo desse tipo de filosofia.
Paulo diz que ela é uma “vã sutileza”. Que tipo de pensamento é esse
que pode ser caracterizado como “vã o”? Uma resposta pronta é
encontrada por comparaçã o e contraste em passagens bíblicas que
falam de vaidade (por ex., Deuteronô mio 32.47; Filipenses 2.16;
Atos 4.25; 1 Coríntios 3.20; 1 Timó teo 1.6; 6.20; 2 Timó teo 2.15-18;
Tito 1.9-10). Pensamento vã o é aquele que nã o está de acordo com a
palavra de Deus. Um estudo similar demonstrará que pensamento
“enganoso” é um pensamento que está em oposiçã o à palavra de
Deus (cf. Hebreus 3.12-15; Efésios 4.22; 2 Tessalonicenses 2.10-12;
2 Pedro 2.13). A “vã sutileza” contra a qual Paulo adverte, entã o, é a
filosofia que opera à parte da e contra a verdade de Cristo. Note a
injunçã o de Efésios 5.6: “Ninguém vos engane com palavras vãs ”.
Em Colossenses 2.8 é dito que devemos tomar cuidado para nã o
sermos roubados por meio de “vã s sutilezas”.
Paulo também caracteriza esse tipo de filosofia como sendo
“segundo a tradiçã o dos homens, segundo os rudimentos do
mundo”. Isto é, essa filosofia põ e de lado a palavra de Deus e a torna
nula (cf. Marcos 7.8-13), e faz isso partindo dos elementos de
aprendizado ditados pelo mundo (isto é, os preceitos dos homens; cf.
Colossenses 2.20, 22). A filosofia que Paulo despreza é aquele
raciocínio que segue as pressuposições (os princípios elementares)
do mundo e que, por sua vez, “nã o [é] segundo Cristo”.
Segue a partir desses pontos que o cristã o que se esforça pela
neutralidade no mundo do pensamento (1) nã o é afinal neutro e,
portanto, (2) está em risco de involuntariamente endossar
suposiçõ es que sã o hostis à sua fé cristã . Embora imagine que sua
neutralidade intelectual é compatível com uma profissã o de fé
cristã , esse crente está na verdade operando nos termos da
incredulidade! Se ele se recusa a pressupor a verdade de Cristo,
acaba em vez disso invariavelmente pressupondo a perspectiva do
mundo. Todos os homens têm suas pressuposiçõ es; nenhum é
neutro. Devem suas pressuposiçõ es ser os ensinos de Cristo ou as
vã s sutilezas contra as quais Paulo adverte? Escolha hoje a quem
você vai servir!

 
 
4. A MENTE DO NOVO HOMEM ENRAIZADA
EM CRISTO
 
 
O crente é instruído a evitar a filosofia que está enraizada em
pressuposiçõ es mundanas, humanistas e nã o cristã s (Colossenses
2.8). Ao invés disso, ele é chamado a estar enraizado em Cristo e
firmado na fé (v. 7); suas pressuposiçõ es devem ser os preceitos e as
doutrinas de Cristo, nã o as tradiçõ es fú teis dos homens (cf. vv. 3, 4,
22; 3.1-2). Isso impede a pretensã o de neutralidade e proíbe a sua
busca. Neutralidade é, na verdade, incredulidade ou agnosticismo
velado ─ um fracasso em andar em Cristo, um obscurecimento do
compromisso e dos distintivos cristã os, uma supressã o da verdade
(cf. Romanos 1.21, 25).
Assim, Paulo nos ordena a estar enraizados em Cristo e a evitar as
pressuposiçõ es do secularismo. No versículo 6 de Colossenses 2 ele
explica de forma muito simples como devemos conduzir nossa vida
(incluindo nossos empreendimentos acadêmicos) fundamentados
em Cristo, assegurando assim que nosso raciocínio seja guiado por
pressuposiçõ es cristã s. Ele diz: “Como, pois, recebestes o Senhor
Jesus Cristo, assim também andai nele”; isto é, andem em Cristo da
mesma forma como o receberam. Se fizerem isso, serã o “firmados na
fé, como foram ensinados” (NVI). Como, entã o, você se tornou
cristã o? Nesses mesmos moldes você deve crescer e amadurecer na
sua caminhada cristã .
Quando alguém se torna cristã o, sua fé nã o foi gerada pelos padrõ es
de pensamento da sabedoria mundana. Pela sua sabedoria, o mundo
nã o conhece Deus (1 Coríntios 1.21), mas considera a palavra da
cruz loucura (1 Coríntios 1.18, 21b). Se uma pessoa mantém a
perspectiva do mundo, entã o, ela nunca verá a sabedoria de Deus
pelo que ela realmente é; assim, ela nunca estará “em Cristo Jesus”,
que é feito para os crentes “sabedoria de Deus” (1 Coríntios 1.30).
Daí que a fé , ao invés da visã o autossuficiente, faz de você um
cristã o, e essa confiança é direcionada a Cristo, nã o ao seu pró prio
intelecto. Isso quer dizer que a forma como você recebe Cristo é se
afastando da sabedoria dos homens (a perspectiva do pensamento
secular com as suas pressuposiçõ es) e ganhar, pela iluminaçã o do
Espírito Santo, a mente de Cristo (1 Coríntios 2.12-16). Quando
alguém se torna cristã o, sua fé nã o se apoia na sabedoria dos
homens, mas na demonstraçã o poderosa do Espírito (1 Coríntios
2.4-5).
Além do mais, é o Espírito Santo quem faz todos os crentes dizerem
“Jesus é o Senhor” (1 Coríntios 12.3). Jesus foi crucificado,
ressuscitado e ascendido a fim de que pudesse ser confessado como
o Senhor (cf. Romanos 14.9; Filipenses 2.11). Assim, Paulo pode
resumir essa mensagem que deve ser confessada se quisermos ser
salvos como “Jesus é o Senhor” (Romanos 10.9). Para se tornar
cristã , uma pessoa deve se submeter ao Senhorio de Cristo; ela
renuncia à autonomia e se coloca sob a autoridade do Filho de Deus.
Aquele que Paulo diz recebermos, de acordo com Colossenses 2.6, é
Cristo Jesus o Senhor. Como Senhor sobre o crente, Cristo requer
que o cristã o o ame com todas as faculdades que possui (incluindo
sua mente, Mateus 22.37); todo pensamento deve ser levado cativo à
obediência de Cristo (2 Coríntios 10.5, NVI).
Consequentemente, quando Paulo nos orienta a andarmos em Cristo
da mesma forma como o recebemos, podemos ver pelo menos uma
coisa: a caminhada cristã nã o honra os padrõ es de pensamento da
sabedoria mundana, mas se submete ao Senhorio epistêmico de
Cristo (isto é, à sua autoridade na á rea do pensamento e do
conhecimento). Deste modo uma pessoa vem à fé, e deste modo o
crente deve continuar a viver e a realizar sua vocaçã o ─ mesmo
quando está envolvido com a academia, apologética ou educaçã o.
Se o cristã o evidenciar um compromisso com o Senhorio pessoal de
Cristo e pressupuser a palavra do Senhor, estará andando em Cristo
assim como o recebeu. Por meio disso você estará “enraizado nele”
ao invés de enraizado nas pressuposiçõ es apó statas da filosofia
mundana, e seremos capazes de contemplar “a firmeza da vossa fé
em Cristo” (Colossenses 2.5). Essa fé firme e pressuposicional em
Cristo resistirá à s demandas do mundo secular por neutralidade e
rejeitará os padrõ es de conhecimento e verdade do incrédulo em
favor da autoridade da palavra de Cristo. Essa fé nã o será saqueada
de todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento que estã o
escondidos em Cristo, e nã o será ludibriada pelas palavras
persuasivas e vã s sutilezas das filosofias seculares (vv. 3-8).
Portanto, a precondiçã o incondicional da genuína erudiçã o cristã é
que o crente (juntamente com todo o seu pensamento) esteja
“enraizado em Cristo” (v. 7, NVI). Curiosamente, o tempo verbal do
grego para “enraizado” neste versículo sugere uma açã o que foi
realizada no passado, mas continua a ter força ou efeito no presente
─ que é precisamente o ponto de Paulo no versículo 6! Os princípios
aplicá veis na caminhada do cristã o (inclusive no seu pensamento)
sã o os mesmos que se aplicaram na sua recepçã o de Cristo na
conversã o. O estudioso cristã o, tornando-se enraizado em Cristo ao
renunciar à autoridade da sabedoria secular para se submeter ao
Senhorio de Cristo, deve realizar seus empreendimentos acadêmicos
permanecendo da mesma forma enraizado em Cristo.
Portanto, o novo homem, o crente com uma mente renovada que foi
ensinada por Cristo, nã o deve mais andar na vaidade e escuridã o
intelectual que caracterizam o mundo incrédulo (leia Efésios 4.17-
24). O cristã o tem novos compromissos, novas pressuposiçõ es, um
novo senhor, uma nova meta e direçã o ─ ele é um novo homem. Essa
novidade é expressa em seu pensamento e sua erudiçã o, pois (como
em todas as demais á reas) Cristo deve ter a preeminência no mundo
do pensamento (cf. Colossenses 1.18b).
Devemos concordar com o Dr. Cornelius Van Til, quando ele diz:
É Cristo como Deus que fala na Bíblia. Portanto, a Bíblia nã o
apela à razã o humana como fundamento para justificar o que diz.
Ela vem ao ser humano com absoluta autoridade. Sua afirmaçã o
é que a razã o humana mesma deve ser tomada no sentido que a
Escritura a toma, a saber, criada por Deus e, portanto,
adequadamente sujeita à autoridade de Deus… Os dois sistemas,
o do nã o cristã o e o do cristã o, diferem pelo fato de as suas
pressuposiçõ es ou suposiçõ es bá sicas diferirem entre si. Sobre o
fundamento nã o cristã o o homem é assumido como o ponto de
referência final na prediçã o… O método reformado… começa
francamente “do alto”. Ele “pressupõ e” Deus. Mas ao pressupor
Deus, nã o pode em hipó tese alguma se colocar sobre uma base
neutra com o nã o cristã o… Os crentes em si mesmos nã o
escolheram a posiçã o cristã por serem mais sá bios que as outras
pessoas. O que eles têm, têm pela graça somente. Mas esse fato
nã o significa que eles devem aceitar como corretas, ou mesmo
prová veis ou possivelmente corretas, as problemá ticas do
homem caído. Porque a essência da ideia da Escritura é que
somente ela é o critério da verdade. ( A Christian Theory of
Knowledge , Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1969, pp.
15, 18, 43.)

5. REVELAÇÃO COMO O FUNDAMENTO DO


CONHECIMENTO
 
 
O novo homem em Cristo tem novas pressuposiçõ es e um novo
Senhor sobre os seus pensamentos. Em vez de lutar pela
neutralidade intelectual, ele está “enraizado nele [em Cristo]”,
andando da mesma forma como recebeu a Cristo: na fé, pela
iluminaçã o do Espírito Santo, sob a autoridade suprema de Jesus
Cristo ─ e nã o segundo os padrõ es de pensamento da sabedoria
mundana. Isto é, o cristã o pressupõe a palavra verdadeira de Deus
como seu padrão de verdade e orientaçã o.
Deus diz para aplicarmos nosso coraçã o ao seu conhecimento, se
quisermos saber a certeza das palavras da verdade (Provérbios
22.17-21). É característico dos filó sofos de hoje negar que há uma
verdade absoluta, ou negar que podemos ter certeza de conhecer a
verdade; ela nã o existe, ou é inacessível. No entanto, o que Deus
escreveu para nó s (isto é, a Escritura) pode “fazer-te saber a certeza
das palavras da verdade” (vv. 20-21). A verdade é acessível! No
entanto, para compreendê-la firmemente, devemos atentar para a
injunçã o do versículo 17b: “aplica o teu coraçã o ao meu
conhecimento”. O conhecimento de Deus é primá rio, e o que quer
que o homem conheça, só pode estar baseado numa recepçã o do que
Deus em ú ltima aná lise e originalmente conhece. O homem deve
pensar os pensamentos de Deus depois dele, pois “na tua luz
veremos a luz” (Salmos 36.9).
O testemunho de Davi era que “o Senhor meu Deus iluminará as
minhas trevas” (Salmos 18.28). Nas trevas da ignorâ ncia do homem,
a ignorâ ncia que resulta da tentativa de autossuficiência, vêm as
palavras de Deus trazendo luz e entendimento (Salmos 119.130).
Assim, Agostinho corretamente disse: “Creio para entender”.
Entendimento e conhecimento da verdade sã o os resultados
prometidos quando o homem faz da palavra de Deus (refletindo o
conhecimento primá rio de Deus) seu ponto de partida
pressuposicional para todo pensamento. “Filho meu, atende à minha
sabedoria; à minha inteligência inclina o teu ouvido; para que
guardes os meus conselhos e os teus lá bios observem o
conhecimento” (Provérbios 5.1-2).
Fazer da palavra de Deus sua pressuposiçã o, seu padrã o, seu
instrutor e guia, no entanto, exige renunciar à autossuficiência
intelectual ─ a atitude de que você é autô nomo, capaz de alcançar
conhecimento genuíno independentemente da orientaçã o e dos
padrõ es de Deus. O homem que afirma (ou busca) a neutralidade em
seu pensamento nã o reconhece sua completa dependência de Deus
em todo conhecimento no que quer que venha a compreender sobre
o mundo. Tais homens dã o a impressã o (muitas vezes) de que sã o
cristã os somente porque, como intelectos superiores, descobriram
ou verificaram (num grau elevado ou significativo) os ensinos da
Escritura. Em vez de partirem da palavra firme de Deus como
fundacional para os seus estudos, eles querem nos fazer pensar que
começam com a autossuficiência intelectual e (usando isso como o
seu ponto de partida) trabalham para uma aceitaçã o “racional” da
Escritura. Embora os cristã os possam cair num espírito autô nomo
enquanto seguem seus empreendimentos acadêmicos, ainda assim
essa atitude nã o é consistente com a profissã o e o cará ter cristã o. “O
temor do Senhor é o princípio do conhecimento” (Provérbios 1.7).
Todo conhecimento começa com Deus, e, portanto, nó s que
desejamos ter conhecimento devemos pressupor a palavra de Deus
e renunciar à autonomia intelectual. “Nã o multipliqueis palavras de
altivez, nem saiam coisas arrogantes da vossa boca; porque o Senhor
é o Deus de conhecimento” (1 Samuel 2.3).
Jeová é aquele que ensina ao homem o conhecimento (Salmos
94.10). Assim, o que quer que tenhamos, mesmo o conhecimento que
temos sobre o mundo, tem sido dado a nó s por Deus. “E que tens tu
que nã o tenhas recebido?” (1 Coríntios 4.7) Por que entã o deveriam
os homens se orgulhar de uma autossuficiência intelectual? “Para
que, como está escrito: Aquele que se gloria glorie-se no Senhor ” (1
Coríntios 1.31). Uma submissã o humilde à palavra de Deus deve
preceder toda atividade intelectual do homem. Quando os homens
nã o glorificam a Deus como deveriam (curvando ante seu Senhorio
no mundo do pensamento) ou lhe dã o graças (mesmo pelo
conhecimento que ele lhes concede), seus raciocínios se tornam
vã os e seu coraçã o se obscurece (Romanos 1.21). O homem que
alega “neutralidade acadêmica” ou “autonomia filosó fica” incorre no
julgamento de Deus sobre essa mesma á rea na qual ele se jacta ─
seu intelecto. Aqueles que se recusam a pressupor o Senhorio
epistêmico de Cristo, a verdade da Escritura como o padrã o de
conhecimento e a necessidade da luz de Deus ante a qual podem ver
luz sã o levados a pensamentos fú teis e ao obscurecimento. Apenas
examine o tipo de material “acadêmico” que é produzido pelas
universidades do nosso país: desespero existencial, relativismo em
referência à verdade, irrelevâ ncia em estudos detalhados, “avanços”
científicos desumanizadores e uma papelada política! “Porventura
nã o tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” (1 Coríntios 1.20)
Quando os homens nã o sã o administradores adequados daquilo que
Deus lhes concedeu (por exemplo, a capacidade acadêmica), Deus
tira até mesmo o que foi anteriormente possuído (por exemplo,
tornando essa erudiçã o vã , isto é, “vazia”).
No entanto, como cristã os, nó s ouvimos a palavra de Cristo, que é
capaz de nos converter das trevas para a luz (Atos 26.18). O ú nico
Deus sá bio (Romanos 16.27, NVI) que fez o mundo de acordo com a
sabedoria (Salmos 104.24) nos dá um espírito de sabedoria e
ilumina nossos olhos (Efésios 1.17-18) para que possamos tanto
conhecê-lo (em salvaçã o) como ter conhecimento sobre o seu
mundo (em verdade). O fundamento do conhecimento é a revelaçã o
de Deus. Você está fundamentado nela, ou está intelectualmente à
deriva?

6. RESUMO E APLICAÇÃO:
A AUTORIDADE AUTOATESTADORA DE DEUS
 
 
O material dos ú ltimos cinco estudos pode ser disposto no seguinte
resumo em tó picos:
 
1. Todo conhecimento está depositado em Cristo; o conhecimento
da verdade pelo homem depende do conhecimento prévio de
Deus, começa com o temor do Senhor e requer submissã o à
palavra de Deus.
2. A filosofia que nã o pressupõ e a palavra de Deus é vã sutileza; ao
suprimir a verdade, se submeter à s tradiçõ es humanas e
raciocinar de acordo com as pressuposiçõ es do mundo em vez das
de Cristo, esse pensamento leva a uma mente obscurecida e a
conclusõ es fú teis. Deus torna fú til a alardeada sabedoria do
mundo.
3. Esforçar-se para assumir uma postura neutra entre pressupor a
palavra de Deus e nã o a pressupor é uma tentativa imoral de
servir a dois senhores.
4. O pensamento neutralista apagaria o cará ter distintivo do
cristã o, obscureceria a antítese entre as mentalidades mundana e
crente e ignoraria o abismo entre o “velho homem” e o “novo
homem”. O cristã o que se esforça pela neutralidade
involuntariamente endossa suposiçõ es que sã o hostis à sua fé.
5. O cristã o é um “novo homem”, tendo uma mente renovada,
novos compromissos e uma nova direçã o ou meta, um novo
Senhor e, portanto, novas pressuposiçõ es no mundo do
pensamento; o pensamento do crente deve estar enraizado em
Cristo (da mesma forma em que ele foi convertido): submetendo-
se ao Senhorio epistêmico de Cristo e nã o aos padrõ es de
pensamento da pseudosabedoria apó stata. O cristã o renuncia à
arrogâ ncia da autonomia humana e procura amar a Deus como
toda a sua mente e raciocinar de tal maneira que Deus receba toda
a gló ria.
6. As alternativas sã o, entã o, bastante claras: ou fundamentamos
todo o nosso pensamento na palavra de Cristo e ganhamos assim
os tesouros da sabedoria e do conhecimento, ou seguimos os
ditames do pensamento autô nomo e somos assim enganados e
subtraídos de um conhecimento genuíno da verdade.
7. Portanto, a palavra de Deus (na Escritura) tem autoridade
absoluta para nó s e é o critério final da verdade.
 
A partir do fato de que Deus é o Criador soberano dos céus e da
terra, de que o mundo e a histó ria sã o somente como o plano de
Deus decreta e de que o homem é a imagem criada de Deus,
devemos concluir que todo o conhecimento que o homem tem é
recebido de Deus, que é o originador de toda a verdade e da Verdade
original. Nosso conhecimento é um reflexo, uma reconstruçã o
receptiva do conhecimento criativo, absoluto e primá rio da mente
de Deus. Devemos pensar os pensamentos de Deus depois dele ─
como a primeira premissa acima o afirma. Ao reprimir a verdade
sobre Deus, entã o, o pensamento e os esforços de interpretaçã o de
uma pessoa serã o necessariamente mal direcionados no erro e na
tolice (premissa 2). Nã o pode haver meio termo; ou uma pessoa
conscientemente começa com Deus em seus pensamentos, ou nã o
(premissa 3). Os crentes que tentam estabelecer esse meio-termo
devem entã o ou perder seu pró prio fundamento só lido, ou acabar
operando a partir da base do incrédulo (que nã o é de fato um
fundamento) ─ como indicado na premissa 4. A pró pria natureza do
que significa ser, se tornar e viver como um cristã o suficientemente
estabelece que o crente deve pressupor a verdade da palavra de
Deus e abandonar qualquer alegaçã o pecaminosa de
autossuficiência ou neutralidade (premissa 5). Assim, a pessoa é
confrontada com uma escolha ó bvia entre viver sob a autoridade de
Deus, ou nã o (premissa 6). A reflexã o sobre a distinçã o
Criador/criatura (com a qual este pará grafo abriu) nã o pode deixar
de nos levar, entã o, à conclusã o (premissa 7) de que a voz do
Criador é a voz da autoridade incontestá vel, absoluta; sua palavra
deve ser o padrã o pelo qual julgamos todas as coisas e o ponto de
partida do nosso pensamento. Esse é o ensino inevitá vel da
Escritura (a partir do qual os pontos acima foram extraídos).
Os homens deveriam perceber que quando Jesus ensinava, ensinava
com autoridade autoatestadora e nã o como alguém cujas opiniõ es
tinham de ser respaldadas com a autoridade de outras
consideraçõ es ou outras pessoas (Mateus 7.29). Assim, nenhum
homem tem a prerrogativa de colocar a palavra de Cristo em dú vida.
Se um homem nã o receber ou atentar para as palavras de Cristo, nã o
somente será um tolo que edifica sua vida sobre a areia destrutiva
(Mateus 7.26-27), como também será julgado por essas mesmas
palavras autoritativas (Joã o 12.48-50). A palavra de Deus tem
autoridade suprema. “Ai daquele que contende com o seu Criador!”
(Isaías 45.9)
O padrã o pelo qual julgamos todos os ensinamentos deve ser essa
palavra de autoridade de Deus (1 Joã o 4.11; Deuteronô mio 13.1-4):
“À lei e ao testemunho! Se eles nã o falarem segundo esta palavra, é
porque nã o há luz neles” (Isaías 8.20). Se você nã o se submeter
pressuposicionalmente à palavra autoritativa e autoatestadora de
Deus, será de “coraçã o dobre” e inconstante em todos os seus
caminhos, levado pelo vento e lançado de uma para outra parte
(Tiago 1.5-8). Em vez de ser levado pelo “Vento” do “Espírito” de
Deus, você será levado em roda por todo vento de doutrina pela
engenhosidade do pensamento humanista e astú cia do erro (Efésios
4.13-14). Portanto, devemos reter firme a confissã o da nossa
esperança cristã sem fazer concessões (Hebreus 10.23). Ouça a
afirmaçã o de Deus: “eu sou o Senhor, que falo a justiça, e anuncio
coisas retas” (Isaías 45.19). Sua palavra, desde o início, deve ser
considerada autoritativamente verdadeira; nã o se deve vacilar
nisso. A veracidade de Deus é o padrã o ú ltimo para os nossos
pensamentos: “sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem
mentiroso” (Romanos 3.4).
A palavra do Senhor é, de forma autoatestadora, verdadeira e
autoritativa. Ela é o critério que devemos usar quando julgamos
todas as outras palavras. Assim, a palavra de Deus é inexpugná vel.
Ela deve ser o fundamento mais bá sico do nosso pensar e viver
(Mateus 7.24-25). Ela é o nosso ponto de partida pressuposicional.
Todo o nosso raciocínio deve estar subordinado à palavra de Deus,
pois nenhum homem está em posiçã o de responder contra ela
(Romanos 9.20), e quem quer que contenda com Deus acabará tendo
de responder (Jó 40.1-5). Nã o devem ser as opiniõ es mutá veis dos
homens, mas a palavra autoatestadora, autoritativa e em ú ltima
aná lise verídica de Deus que tem a preeminência nos nossos
pensamentos, pois “podes trovejar com voz como ele o faz?” (Jó
40.9).

 
 
 
 
SEÇÃO DOIS:
AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS
PARA A TAREFA APOLOGÉTICA
 
 
 
 
 
 
 
 

 
7. TRÊS ARGUMENTOS CONTRA O
PRESSUPOSICIONALISMO
 
 
Temos visto que a palavra de Deus é fundacional para todo
conhecimento. Ela tem autoridade epistêmica absoluta e é a
pressuposiçã o necessá ria de todo conhecimento que o homem
possui. Todo o nosso conhecimento deve ser uma reconstruçã o
receptiva dos pensamentos primá rios de Deus; o Senhor é o
originador de toda verdade. A palavra de Deus deve ser entã o
tomada como o padrã o final da verdade para o homem. Aqueles que
fingem autossuficiência intelectual e se refreiam de pressupor a
palavra de Cristo na Escritura sã o levados à ignorâ ncia tola.
Devemos começar com Cristo no mundo do pensamento ou entã o
renunciar a qualquer esperança de obter conhecimento ─ sobre nó s
mesmos, o mundo ou Deus. Esse tem sido o testemunho da
Escritura, tal como examinamos nos nossos estudos anteriores. “O
temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os loucos
desprezam a sabedoria e a instruçã o” (Provérbios 1.7); “Nele [em
Cristo] estã o escondidos todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento” (Colossenses 2.3, NVI).
Joã o Calvino reconheceu essa perspectiva bíblica e a tomou como
fundacional para as suas Institutas da Religião Cristã :
 
Quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar
como verdadeiro e só lido conhecimento, consta de duas partes: o
conhecimento de Deus e o conhecimento de nó s mesmos . Como,
porém, se entrelaçam com muitos elos, nã o é fá cil, entretanto,
discernir qual deles precede ao outro, e ao outro origina. Em primeiro
lugar, visto que ninguém pode sequer mirar a si pró prio sem
imediatamente volver o pensamento à contemplaçã o de Deus, em
quem vive e se move… Por outro lado, é notó rio que o homem jamais
chega ao puro conhecimento de si mesmo até que haja antes
contemplado a face de Deus, e da visã o dele desça a examinar-se a si
pró prio. (Vol. I, cap. I,1)

Nã o foi sem causa que o provérbio antigo sempre e tanto recomendou


ao homem o conhecimento de si mesmo. Ora, se por ser vergonhoso
se há de ignorar quaisquer coisas que dizem respeito ao trato da vida
humana… Quanto, porém, mais ú til é o preceito, tanto mais
diligentemente nos importa ver que nã o o usemos de forma oposta, o
que vemos ter acontecido a certos filó sofos. Pois esses, enquanto
exortam o homem a que conheça a si mesmo, propõ em- lhe , ao
mesmo tempo, como fim que nã o ignore a dignidade e excelência
pessoais… Mas, o conhecimento de nó s mesmos situa-se, em primeiro
lugar, nisto: que, atentando para o que nos foi outorgado na criaçã o, e
quã o benignamente Deus continua sua graça para conosco… contudo
ao mesmo tempo reflitamos que em nó s nada subsiste de pró prio. Ao
contrá rio, de pura graciosidade possuímos tudo quanto Deus nos tem
conferido, de sorte que estejamos sempre a dele depender… é
relevante reconhecermos que fomos dotados de razã o e inteligência,
para que, cultivando uma vida santa e reta, avancemos rumo ao alvo
proposto de uma imortalidade bem-aventurada. (Vol. II, cap. I,1).

 
Essas sã o as palavras de abertura do Volume I e Volume II nas
Institutas ; Calvino considera necessá rio pressupor a palavra de
Deus tanto em “O Conhecimento de Deus, o Criador” como em “O
Conhecimento de Deus, o Redentor”. Para saber qualquer coisa
relativa à vida humana, quer no que toca à criaçã o, quer à salvaçã o, é
preciso rejeitar a autonomia promovida pelas filosofias pagã s e se
submeter à verdade de Deus e admitir total dependência dele para a
origem, orientaçã o e capacitaçã o do nosso uso da razã o. Em suma,
Cristo deve ter a preeminência (Colossenses 1.18) ─ até mesmo no
mundo do pensamento. Com essa perspectiva, Calvino ativou a mais
importante e abençoada reforma da cultura e igreja ocidental que a
histó ria moderna testemunhou.
Nã o é surpreendente que o princípio bíblico e reformado de se
pressupor a palavra e a autoridade de Cristo no mundo do
pensamento e torná -la fundacional para todo o conhecimento nos
atingiria como “dogmá ticos” ou “absolutistas”. Vivemos em uma
cultura que por tanto tempo tem estado saturada com as alegaçõ es
da autonomia intelectual e as demandas por neutralidade na
academia que essa perspectiva ímpia se entranhou em nó s: assim
como a suposta “mú sica das esferas”, ela é tã o constante e estamos
tã o acostumados com ela que nã o conseguimos discerni-la. Faz parte
do senso comum, e simplesmente contamos com ela.
Nã o é de admirar, entã o, que a posiçã o epistemoló gica do
pensamento bíblico e reformado se apresente em absoluto
contraste! Ela desafia o status quo , exige uma reorientaçã o da nossa
vida e dos nossos pensamentos e ameaça “virar o mundo de cabeça
para baixo”. Ela parece dogmá tica e absolutista porque é dogmá tica
e absolutista. O cristã o nã o deve ter vergonha desse fato. Ele deve
ter a humilde ousadia de dizer a um mundo perdido que a
mensagem cristã é incondicionalmente verdadeira e a
pressuposiçã o necessá ria de todo pensamento (absolutista), que o
evangelho de Cristo exige arrependimento (incluindo uma
“mudança da mente”) e que a palavra de Deus tem um conteú do
doutriná rio definido que é autoritativamente revelado “diretamente
do alto” (dogmá tica). Claro, a perspectiva bíblica nã o é “dogmá tica e
absolutista” no sentido zombeteiro frequentemente atribuído a
essas palavras. A alegaçã o do cristã o de que todo pensamento
requer a pressuposiçã o da palavra de Cristo nã o é arrogante,
irracional ou infundada.
Outra crítica feita contra a posiçã o da pressuposiçã o bíblica é que, se
o conhecimento só pode ser alcançado ao primeiro se pressupor a
palavra autoritativa de Deus, os incrédulos sã o privados de todo
conhecimento; nã o podemos dizer que eles sabem alguma coisa ─
até mesmo sobre os fatos mais elementares da experiência ou as
verdades da ciência. E isso parece claramente absurdo, pois
certamente alguns dos melhores cientistas no mundo têm sido
incrédulos. Como, entã o, o pressuposicionalismo explica que os nã o
cristã os sabem certas coisas?
Um terceiro argumento desenvolvido contra a perspectiva
pressuposicional é que ela impediria qualquer discussã o ou
argumentaçã o significativa com o incrédulo. Nã o haveria nenhum
“terreno comum” em que tal argumentaçã o pudesse começar.
Estando privado do conhecimento, o incrédulo nã o teria nada a
contribuir ou aprender de uma discussã o com um cristã o. Ou seja,
até que o incrédulo seja convertido, nã o há nenhuma utilidade em
falar com ele.
É claro, todos esses ataques à posiçã o da epistemologia bíblica
residem ou em mal-entendidos, ou em informaçã o incompleta. No
decorrer dos estudos subsequentes desta série vamos considerar as
três principais críticas ao pressuposicionalismo a partir da
perspectiva do ensino bíblico. Restará evidente que a posiçã o bíblica
na epistemologia nã o é infundada e arrogante, que ela garante ao
incrédulo, e nã o o priva de um conhecimento da verdade, e que ela é
a ú nica base sobre a qual a argumentaçã o com os incrédulos pode
ser realizada. Uma prévia do nosso tratamento pode ser dada aqui
encerrando com as palavras de Cornelius Van Til:
 
Os crentes nã o escolheram a posiçã o cristã porque sã o mais
sá bios do que os outros. O que eles têm, têm pela graça somente.
Mas isso nã o significa que eles aceitam as problemá ticas do
homem caído como corretas… O homem caído busca em princípio
ser uma lei para si mesmo. Mas ele nã o pode levar seu princípio à
sua plena expressã o. Ele é refreado de fazer isso… A despeito do
que faça contra Deus, ele pode e deve agir para Deus; assim, ele é
capaz de fazer uma “contribuiçã o positiva” à cultura humana. ( A
Christian Theory of Knowledge , New Jersey: Presbyterian and
Reformed, 1969, pp. 43, 44).

8. HUMILDE OUSADIA, NÃO ARROGÂNCIA


OBSCURANTISTA
 
 
É uma pena que estudiosos, apologistas e filó sofos cristã os tenham
negligenciado tanto um estudo detalhado do livro de Provérbios nas
suas tentativas de expor e trabalhar a partir de uma epistemologia
bíblica (teoria do conhecimento). O livro é cheio de alusõ es e
insights sobre sabedoria, instruçã o, tolice, entendimento, etc.
Provérbios pode certamente nos ajudar no desenvolvimento e na
elaboraçã o da abordagem pressuposicional para o conhecimento
que foi discutida nas nossas séries anteriormente.
No ú ltimo estudo, ouvimos três argumentos comuns que sã o
dirigidos contra a posiçã o do pressuposicionalismo bíblico. O
primeiro foi que ele equivaleria a arrogâ ncia e orgulho intelectual.
Ele requer que cada pensamento seja levado em sujeiçã o a Cristo,
pois do contrá rio resultará uma ignorâ ncia tola. Ele ensina que os
homens que nã o partem de um temor de Deus nã o podem alcançar
um conhecimento genuíno seja do que for. Ele critica a atitude da
neutralidade acadêmica com a palavra de Deus. Na batalha com a
incredulidade, ele requer uma rendiçã o incondicional do nã o cristã o
e reprova a contemporizaçã o dos pensadores cristã os que desejam
tomar uma abordagem mais “razoá vel” ou “iluminada”. Ora,
pergunta-se, o que poderia gerar uma perspectiva tã o estrita como
essa, exceto uma recomendaçã o indevida dos pró prios pensamentos
e capacidades? Uma impressionante autoestima!
Como o pressuposicionalista deve responder? Deve defender a
arrogâ ncia obscurantista? Ou deve confessar que se aproximou
perigosamente da vertigem do autoengrandecimento? Ambas as
abordagens têm sido adotadas, de formas variadas, nos círculos
cristã os nos ú ltimos anos. Ambas têm feito um desserviço ao
testemunho cristã o, uma fracassando em evidenciar um necessá rio e
devido fruto espiritual, outra deixando de expor o pleno e devido
rigor do pensamento bíblico. A sabedoria de Provérbios pode nos
guiar entre esses dois extremos infelizes. Lemos em Provérbios
15.32-33:
 
O que rejeita a instruçã o menospreza a pró pria alma, mas o que
escuta a repreensã o adquire entendimento.

O temor do Senhor é a instruçã o da sabedoria, e precedendo a


honra vai a humildade.

 
Precisamos nos concentrar nos dois eixos dessa passagem.
Primeiro, o cristã o deve realmente ser ousado no seu desafio a
epistemologias incrédulas e que contemporizam. (O homem que nã o
acata a correçã o de lhe ser exigido que o seu pensamento se
submeta ao Senhorio de Cristo no mundo do pensamento faz isso
em prejuízo da pró pria alma). O cristã o deve consistentemente
testemunhar a esse pensador que o entendimento só é, de fato,
possível quando a repreensã o do desafio do evangelho é acatada.
Contemporizar com os padrõ es ou métodos incrédulos no mundo do
pensamento é fazer um grave desserviço à s necessidades das
pessoas com quem falamos: querer assumir uma posiçã o de
neutralidade seria propício a qualquer coisa, menos à saú de
espiritual dos nossos ouvintes. Os fatos devem ser apresentados
sem hesitaçã o: o raciocínio que nã o é elaborado sobre a palavra
pressuposta de Cristo é destinado à tolice intelectual e à morte
espiritual. A correçã o e a repreensã o da Escritura nã o podem ser
diluídas.
O estudioso cristã o, tanto quanto qualquer crente na obra redentora
e no senhorio de Cristo, deve comunicar à queles com quem tem
contato que o arrependimento e a fé sã o ordenados por Deus. O
estudioso cristã o deve ser ousado aqui, “destruindo os conselhos, e
toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus” (2
Coríntios 10.5). Em defesa da fé, ele deve proclamar com firmeza
que “sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso”
(Romanos 3.4). Ele deve apontar à queles que nã o pressupõ em a
verdade da palavra de Deus que sua mente precisa ser renovada
(Efésios 4.23). Porque vivem na ignorância , esses homens devem se
arrepender (Atos 17.30) ─ devem mostrar uma “mudança de mente”
(como o vocá bulo grego para “arrepender” sugere) e um
redirecionamento. O arrependimento é para a crença (por ex.,
Mateus 21.32), e a crença ou fé precede o conhecimento (2 Pedro
1.5). O caminho da ignorâ ncia para o conhecimento é trilhado pela
fé em arrependimento. De fato, o pressuposicionalismo deveria ser
apresentado de forma corajosa no mundo do pensamento, sem
desculpas pelo rigor das suas exigências.
Além disso, há um segundo eixo na passagem de Provérbios acima
citada. Nã o somente deve o nã o pressuposicionalista receber a
correçã o e repreensã o da palavra de Deus (ou seja, que o princípio
da sabedoria é o temor do Senhor), mas também o estudioso cristã o
que pressupõ e a verdade da Escritura em seus empreendimentos
intelectuais deve estar plenamente ciente de que a sabedoria que
possui não é inerentemente sua , mas repousa totalmente no temor
do Senhor. Sem essa reverência, o estudioso cristã o seria tã o tolo
quanto todos os outros homens. Sua sabedoria nã o é devido à sua
capacidade mental superior e à profundidade do seu insight ; antes,
ela foi dada por Deus. Já mencionamos acima que o arrependimento
e a fé sã o requisitos para o conhecimento. O cristã o só possui um
conhecimento da verdade porque foi-lhe dada a fé como um dom
(Efésios 2.8-9) e concedido o arrependimento pelo Senhor (Atos
5.31; 11.18). Para ter fé, você deve nascer de Deus (1 Joã o 5.1), que
dá arrependimento para um conhecimento genuíno da verdade (2
Timó teo 2.25). O cristã o só está numa posiçã o de conhecimento por
causa da graça de Deus. Seu renascimento espiritual nã o é dele
pró prio, mas unicamente o resultado da misericó rdia de Deus
(Ezequiel 11.19-20; Joã o 1.13; Romanos 9.16). Essa regeneraçã o
graciosa lhe traz uma nova mente.
De fato, como Paulo ensina, o cristã o só recebe as coisas do Espírito
ao ser transformado da hostilidade natural para a submissã o
contente. O crente tem agora a “mente de Cristo” em vez da mente
tola do homem natural (1 Coríntios 2.16, no contexto). Essa é a fonte
da sua sabedoria e conhecimento; a honra de conhecer a verdade
procede da graça imerecida de Deus. Portanto, a humildade é
condizente com o estudioso cristã o. Em Filipenses 2, onde Paulo nos
exorta a ter “a mente de Cristo”, ele segue a caracterizar Cristo como
aquele que “humilhou-se a si mesmo”. Assim, Provérbios nos ensina
que antes dessa honra que atende a instruçã o da sabedoria ─ antes
dessa sabedoria que repousa no temor do Senhor ─ está a humildade
. O estudioso cristã o nã o tem nada do que se vangloriar. Ele deve ser
humilde perante o mundo, reconhecendo que seu conhecimento
depende da obra graciosa de Deus nele.
Portanto, a epistemologia pressuposicional exige duas atitudes.
Ambas sã o inerentes à pró pria posiçã o. Em primeiro lugar, o
pressuposicionalista deve ser ousado , pois o conhecimento é
impossível à parte da pressuposiçã o da verdade de Deus. Em
segundo, ele deve ser humilde , pois a razã o pela qual ele pressupõ e
a verdade de Deus (e a ú nica forma de qualquer homem poder
chegar a essa pressuposiçã o) reside na graça de Deus somente. O
temor do Senhor é fundacional para a sabedoria, e, portanto, o sá bio
deve ser humilde. O estudioso cristã o, portanto, deve evidenciar
uma humilde ousadia na sua confrontaçã o com os outros no mundo
do pensamento.
 
Andai com sabedoria para com os que estã o de fora, remindo o
tempo. A vossa palavra seja sempre agradá vel, temperada com
sal, para que saibais como vos convém responder a cada um
(Colossenses 4.5-6).

9. REVELAÇÃO INESCAPÁVEL,
CONHECIMENTO INESCAPÁVEL
 
 
Tendo rejeitado a acusaçã o risível de arrogâ ncia obscurantista na
epistemologia pressuposicional, passamos a considerar um segundo
tipo de crítica que é normalmente feito contra tal posiçã o. Uma
teoria bíblica de conhecimento proclama a absoluta necessidade da
verdade revelada de Deus como o fundamento tá cito do
entendimento e do conhecimento.
Contra essa perspectiva tem-se insistido que o incrédulo seria
reduzido ao nível da estupidez inescapá vel — privado de todo e
qualquer conhecimento. Se as pressuposiçõ es cristã s sã o
necessá rias para o entendimento, entã o alegadamente o nã o cristã o
nã o pode entender nada! No entanto, a partir do que vemos no
mundo à nossa volta e do que lemos sobre a histó ria, é evidente que
os incrédulos têm obtido um conhecimento sobre muitas coisas.
Assim, poderia parecer que a epistemologia pressuposicional
envolve algo que é patentemente falso, em cujo caso o
pressuposicionalismo é ele mesmo falso.
Mas o pressuposicionalismo realmente implica algo assim? Nã o,
longe disso. Na verdade, o pressuposicionalista alega que somente a
sua posiçã o epistemoló gica garante que os incrédulos podem fazer
contribuiçõ es positivas ao edifício do conhecimento! O que o crítico
erroneamente inferiu é que se pressuposiçõ es reveladas sã o
necessá rias para o entendimento do mundo, entã o os nã o cristã os
sã o totalmente ignorantes, pois eles não admitem pressuposições
reveladas .
No entanto, o pressuposicionalista mantém que o incrédulo pode vir
a conhecer certas coisas ( apesar da sua deliberada rejeiçã o da
verdade de Deus) pelo simples fato de que o incrédulo tem
pressuposiçõ es reveladas — e não pode deixar de tê-las como
criatura feita à imagem de Deus e vivendo no mundo criado por
Deus. Embora ele externamente e veementemente negue a verdade
de Deus, nenhum incrédulo está internamente e sinceramente
desprovido de um conhecimento de Deus. Nã o se trata certamente
de um conhecimento salvífico de Deus, mas mesmo como um
conhecimento condenató rio a revelaçã o natural ainda fornece um
conhecimento de Deus. Assim, de acordo com a epistemologia
bíblica, embora os homens neguem o seu Criador, eles todavia
possuem um conhecimento inescapá vel dele; e porque conhecem
Deus (muito embora o conheçam em maldiçã o e reprovaçã o), sã o
capazes de chegar a uma compreensã o limitada do mundo.
Você percebe, o incrédulo é de fato uma pessoa com uma mente
dividida. No fundo todos os homens conhecem Deus como suas
criaturas , mas como pecadores todos os homens se recusam a
reconhecer seu Criador e a viver por sua revelaçã o. Assim, podemos
dizer que os homens tanto conhecem como nã o conhecem Deus; eles
o conhecem em juízo e em virtude da revelaçã o natural, mas não o
conhecem em bênçã os, a menos que isso se dê em virtude da
revelaçã o sobrenatural e da graça salvadora. Embora prejudicados
por sua condiçã o moral, os estudos do incrédulo nã o sã o totalmente
nulos. Ele pode obter conhecimento apesar de si pró prio. Em
princípio sua incredulidade impediria o entendimento de qualquer
coisa, pois (como disse Agostinho) é preciso crer para entender.
Todavia, na prática o incrédulo é refreado de seguir de forma
consistente e autodestrutiva a sua profissã o incrédula.
Se o incrédulo fosse um completo idiota, estaria livre da culpa. Mas o
ponto de Paulo em Romanos 1 é que a rebeliã o do incrédulo é
intencional e consciente; ele peca contra o seu melhor conhecimento
e é, portanto, “indesculpá vel” (vv. 20-21, NVI). E embora ele suprima
esse melhor conhecimento em injustiça (v. 18), tal conhecimento
fornece um fundamento para a sua compreensã o (limitada, mas
real) do mundo de Deus.
Uma afirmaçã o da clareza e inescapabilidade da revelaçã o natural é
algo central para a posiçã o do pressuposicionalismo bíblico. O
mundo foi criado pela palavra de Deus (Gênesis 1.3; Joã o 1.3;
Colossenses 1.16; Hebreus 1.2) e reflete por sua vez a mente e o
cará ter de Deus (Romanos 1.20). O homem foi criado à imagem de
Deus (Gênesis 1.16-27) e nã o pode assim escapar da presença
divina. Nã o há nenhum lugar para o qual o homem possa fugir para
escapar da presença revelacional de Deus (Salmos 139.8). A
revelaçã o natural de Deus se estende até ao fim do mundo (Salmos
19.1-4), e todos os povos veem a gló ria de Deus (Salmos 97.6).
Portanto, mesmo vivendo em aberta rebeliã o (idó latra), os homens
estã o na condiçã o de terem “conhecido a Deus” (Romanos 1.21) — o
Deus vivo e verdadeiro, nã o meramente “um deus”. Cristo ilumina
todos os homens (Joã o 1.9), e assim Calvino declara:
 
Pois sabemos que os homens têm essa qualidade ú nica acima dos
outros animais: que sã o dotados de razã o e inteligência e que
trazem a distinçã o entre certo e errado gravada na sua
consciência. Nã o há homem, portanto, em que certa consciência
da luz eterna nã o haja penetrado… a luz comum da natureza,
algo bem mais singelo que a fé ( Calvin’s Commentaries , tr. T.H.L.
Parker; Grand Rapids: Eerdmans 1959).

 
Porque o incrédulo é inconsistente na sua adesã o a uma negaçã o da
verdade de Deus, porque ele e o mundo nã o sã o o que ele professa
ser, certo conhecimento lhe é facultado. Assim, a antítese entre o
crente e o incrédulo é neste ponto absoluta apenas em princípio .
Van Til corretamente observa:
 
O contraste absoluto entre o cristã o e o nã o cristã o no campo do
conhecimento é dito ser de princípio. É plenamente reconhecido
o fato de que, apesar desse contraste absoluto de princípio,
existe um bem relativo naqueles que sã o maus… Até onde os
homens autoconscientemente operam com base nesse princípio,
eles nã o têm nenhuma noçã o em comum com o crente… Mas no
curso da histó ria o homem natural nã o está plenamente
autoconsciente da sua pró pria posiçã o… Ele tem dentro de si o
conhecimento de Deus em virtude da sua criaçã o à imagem de
Deus. Mas essa ideia de Deus é reprimida pelo seu princípio
falso, o princípio da autonomia. Esse princípio da autonomia é,
por sua vez, reprimido pelo poder restritivo da graça comum de
Deus… E pelo esforço do Espírito… a hostilidade dos homens é
em certa medida refreada… E assim eles podem cooperar em
virtude da contençã o ética da graça comum ( The Defense of the
Faith ; Presbyterian and Reformed, 1955, pp. 67, 189-190, 194).

 
Por meio disso o desafio do pressuposicionalismo é ainda mais
reforçado. Todo conhecimento, mesmo o conhecimento possuído
pelo incrédulo em injustiça, deve estar baseado na verdade
reconhecida sobre Deus. Logo, tanto o conhecimento do incrédulo
como a graça comum de Deus devem ser usados, não para encorajar
a neutralidade , mas para enfatizar as demandas de Deus em cada
ponto. Diz Van Til:
 
A graça comum nã o é uma dá diva de Deus pela qual seu pró prio
desafio de arrependimento aos homens que pecaram contra ele
está temporariamente obscurecido. A graça comum, em vez
disso, deve atender ao desafio divino do arrependimento. Deve
ser uma ferramenta pela qual o crente como servo de Cristo
pode desafiar o incrédulo ao arrependimento. Os crentes podem
objetivamente mostrar aos incrédulos que a unidade da ciência
só pode ser alcançada na base teísta cristã ( ibid ., p. 195).

 
Vemos entã o que a crítica esboçada no início deste estudo nã o
prejudica, mas serve antes para enfatizar ainda mais a força e a
necessidade da epistemologia pressuposicional.
 
10. TERRENO COMUM QUE NÃO É NEUTRO
 
 
Nos dois estudos anteriores vimos que a necessidade de se
pressupor a verdade revelada de Deus para obter conhecimento de
qualquer coisa ─ da composiçã o química da á gua ao caminho da
salvaçã o ─ nã o (1) produz arrogâ ncia irracional ou (2) priva os
incrédulos de um conhecimento do mundo. Uma terceira acusaçã o
contra a posiçã o epistemoló gica do pressuposicionalismo cristã o é
que ele impede uma discussã o significativa e uma argumentaçã o
bem-sucedida com os nã o cristã os. Supostamente, um
pressuposicionalista nega que haja qualquer terreno comum entre
os crentes e os incrédulos, e o apologista nã o pode assim ter
nenhum ponto de contato com o incrédulo e nenhuma base sobre a
qual transmitir ideias.
Uma resposta adequada a essa linha de ataque requer que levemos
em conta (1) o Deus que representamos, (2) o pecador a quem
falamos e (3) o contexto em que arrazoamos com ele.
O Senhor Deus é o Criador dos céus e da terra (Gênesis 1.1); nosso
entendimento deve começar aqui. Ele fez tudo (Ê xodo 20.11;
Neemias 9.6, Salmos 104.24; Isaías 44.24); “nele foram criadas todas
as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis”
(Colossenses 1.16a). Todos os homens sã o criaçã o dele, tanto o rico
como o pobre (Provérbios 22.2). E “O Senhor fez todas as coisas
para atender aos seus próprios desígnios ” (Provérbios 16.4): “Tudo
foi criado por ele e para ele” (Colossenses 1.16b). Seu domínio
soberano se estende sobre cada coisa no mundo. Ele opera todas as
coisas segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1.11), e cada
minuto do dia lhe pertence (Salmos 74.16). Ele é dono de tudo na
criaçã o e cada faceta da vida deve servi-lo. “ Do Senhor é a terra e a
sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam” (Salmos 24.1);
Deus declara: “o que está debaixo de todos os céus é meu” (Jó 41.11;
cf. Gênesis 14.19; Ê xodo 9.29; Deuteronô mio 4.39; 10.14; etc.). Como
Raabe confessou: “o Senhor vosso Deus é Deus em cima nos céus e
em baixo na terra” (Josué 2.11); assim, a magnificência, o poder, a
gló ria, a vitó ria e a majestade sã o dele, porque tudo que há nos céus
e na terra é sua possessã o (1 Crô nicas 29.11). O governo soberano
de Deus se estende até aos fins da terra (Salmos 59.13), sobre cada
alma (Ezequiel 18.4), para todas as geraçõ es (Ê xodo 15.18; Salmos
10.16; 145.13; 146.10). Portanto, o Deus que criou todas as coisas
domina sobre tudo (Salmos 103.19).
Em tal caso, tudo no reino criado deve servir, e ser usado para
servir, o Senhor Criador: “ dele e por ele, e para ele, sã o todas as
coisas (Romanos 11.36). Nã o há um só centímetro quadrado do
mundo, uma só fraçã o de segundo do tempo, que nã o seja
dependente de, controlado por, e subserviente a Deus. Portanto, o
homem é ordenado a fazer tudo para gló ria de Deus (1 Coríntios
10.31); nosso corpo deve ser apresentado como sacrifício vivo no
serviço de Deus (Romanos 12.1). Na verdade, tudo o que fazemos,
por palavras ou por obras, entra nessa ordem (Colossenses 3.17).
Mesmo o uso da nossa razã o ou mente deve estar de acordo com a
direçã o de Deus e ser para a sua gló ria (2 Coríntios 10.5), pois seu
governo soberano inclui as á reas da sabedoria e do conhecimento
(Colossenses 2.3). Assim, vemos que Deus deve ser literalmente
glorificado em todas as coisas (1 Pedro 4.11). Porque tudo e cada
á rea é criada e governada por Deus, nada está isento da exigência de
ser consagrado, ou separado, para ele ─ devemos ser santos em
“toda a [nossa] maneira de viver” (1 Pedro 1.15).
A conclusã o dessa linha de pensamento é forçosamente evidente:
nã o pode haver nenhum terreno neutro entre o crente e o incrédulo,
entre a obediência e a rebeliã o, entre respeitar e abusar do que
pertence a Deus (isto é, todas as coisas). “Ninguém pode servir a
dois senhores” (Mateus 6.24); “Quem nã o é comigo é contra mim”
(Mateus 12.30). Portanto, nã o há nenhuma á rea no mundo, em
pensamentos, em palavras ou em atos que seja irrelevante,
indiferente ou neutra em relaçã o a Deus e suas demandas. O cristã o
deve reconhecer esse fato quando lida com o incrédulo. Nã o há
assunto que ele possa discutir que esteja desprovido da influência
da questã o religiosa ou esteja livre de um compromisso religioso.
Nã o existe nenhuma zona “desmilitarizada” entre o campo da
incredulidade e as forças obedientes a Cristo. Deus é dono de tudo
ou de nada. Cada á rea da vida e cada fato é o que é por causa do
decreto soberano de Deus; assim, nã o há nenhum lugar para o qual
um homem possa fugir para escapar da influência, do controle e dos
requisitos de Deus. No mundo de Deus a neutralidade é impossível.
Ademais, Deus nã o apenas criou todas as coisas para si mesmo, e
nã o apenas governa sobre cada á rea, mas também persistente e
universalmente se revela a todos os homens. Deus nunca deixou a si
mesmo sem testemunho (Atos 14.17). Nenhum homem pode alegar
ignorâ ncia do seu Criador, pois o pró prio Deus tornou manifesto a
todos os homens o que se pode conhecer dele (Romanos 1.19). De
fato, seus atributos invisíveis sã o claramente percebidos através do
mundo criado (Romanos 1.20). Aqui, mais uma vez, devemos
concluir que nã o pode haver nenhum terreno neutro , nenhuma á rea
que deixe de exercer pressã o revelacional sobre o pecador. Onde
quer que olhe, o pecador se vê confrontado pelo Deus a quem deve
prestar contas. Nã o pode haver uma zona de segurança na qual o
pecador pode buscar refú gio. E se houvesse, o pecador ficaria ali
permanentemente para escapar do seu Criador. Mas nã o há como
escapar de Deus (Salmos 139.7-8).
Assim, o cristã o deve se esforçar para trazer os pensadores
incrédulos à plena percepçã o da reivindicaçã o abrangente de Deus
sobre eles. O Deus universalmente sustentador, universalmente
reinante e universalmente revelador do Universo nã o proporciona e
nã o pode proporcionar à criaçã o a mais mínima á rea de
neutralidade. Consequentemente, o crente está errado em buscar (e
em presumir achar) um tema que nã o desafie o incrédulo com as
demandas pressuposicionais que temos discutido nos estudos
anteriores. A esperança de que esse fato ou tó pico neutro pudesse se
tornar o ponto de partida para um argumento que
progressivamente convencesse o incrédulo da verdade da palavra
de Deus (gradualmente) é fú til. Cristo é o Senhor, mesmo no mundo
do pensamento. Nenhum fato, nenhuma á rea de conhecimento ou
sabedoria, deixa de enfatizar os requerimentos de Deus e manifestar
seu controle soberano. O ponto de partida para o entendimento nã o
é a neutralidade, mas a reverência pelo Senhor.
As consideraçõ es precedentes nã o só demonstram que nã o há
nenhum terreno neutro entre os crentes e os incrédulos, mas
também que há sempre presente um terreno comum entre o crente e
o incrédulo. O que deve ser mantido em mente é que esse terreno
comum é terreno de Deus . Todos os homens têm em comum o
mundo criado por Deus, controlado por Deus e constantemente
revelador de Deus. Nesse caso, qualquer á rea da vida ou qualquer
fato pode ser usado como um ponto de contato. A negaçã o da
neutralidade assegura, e nã o destró i, a comunalidade.

 
11. ONDE O PONTO DE CONTATO É, E NÃO É,
ENCONTRADO
 
 
Vindo à questã o do terreno comum com o incrédulo, temos primeiro
considerado o Deus a quem nó s representamos. Desde que Deus é o
criador de todas as coisas, desde que ele controla soberanamente
todos os eventos e desde que ele se revela claramente em cada fato
da ordem criada, é totalmente impossível que haja algum terreno
neutro , algum territó rio ou faceta da realidade em que o homem nã o
seja confrontado com as reivindicaçõ es de Deus, alguma á rea do
conhecimento em que a questã o teoló gica nã o tenha relevâ ncia.
Contudo, essa perspectiva garante que há um terreno comum entre o
crente e o incrédulo ─ um terreno comum de natureza metafísica. O
mundo inteiro, o reino criado e a histó ria pú blica constituem uma
comunalidade entre o cristã o e o nã o cristã o. Mas esse terreno
comum nã o é um terreno neutro; é o terreno de Deus. Nã o há
nenhum lugar para estar no mundo ─ mesmo no mundo do
pensamento ─ que nã o seja territó rio de Deus.
Além de considerar o Deus a quem representamos, devemos tomar
conhecimento da pessoa a quem falamos. Em particular, devemos
reconhecer os efeitos noéticos do pecado. A queda do homem teve
resultados drá sticos no mundo do pensamento; até mesmo o uso da
capacidade de raciocínio do homem se tornou depravado e
frustrante. Toda a criaçã o ficou sujeita à vaidade (Romanos 8.20),
trazendo assim confusã o, ineficiência e desespero cético no reino
epistêmico. Mais ainda, a corrupçã o moral dominou os pensamentos
do homem (Gênesis 6.5), de modo o uso ímpio da mente do homem
se tornou exaustivo, contínuo e inescapá vel. O homem suprime a
verdade pela injustiça para abraçar a mentira (Romanos 1.18, 25,
NVI). Na sua pseudosabedoria, o mundo se recusa a conhecer Deus
(1 Coríntios 1.21), pois Sataná s cegou os entendimentos dos
incrédulos (2 Coríntios 4.4). O homem usa sua razã o nã o para
glorificar a Deus e fazer avançar seu reino, mas para se levantar em
oposiçã o arrogante ao conhecimento de Deus (2 Coríntios 10.5).
 
Quando dizemos que o pecado é ético, isso nã o significa que o
pecado envolveu apenas a vontade do homem e nã o também seu
intelecto. O pecado envolveu todos os aspectos da personalidade
do homem. Todas as reaçõ es do homem em cada relaçã o em que
Deus o colocou foram éticas, nã o meramente intelectuais; o
pró prio intelectual é ético (Cornelius Van Til, The Defense of the
Faith . Philadelphia: Presbyterian and Reformed,1955, p. 63).

 
Nas suas Institutas da Religião Cristã , Joã o Calvino observou de
maneira bastante incisiva que os filósofos precisam ver que o
homem é corrupto em todos os aspectos do seu ser ─ que a queda
compreende as operaçõ es mentais do homem tanto quanto sua
voliçã o e suas emoçõ es.
Claro, isso enfatiza por que nã o podemos tentar encontrar um
terreno comum na interpretaçã o do incrédulo ou na sua
compreensã o autoconsciente das coisas, sejam elas as leis da ló gica,
os fatos da histó ria ou as experiências da personalidade humana. O
nã o cristã o busca suprimir a verdade, distorcê-la em um esquema
naturalista, evitar a interpretaçã o de Deus que faz das coisas e dos
eventos o que eles sã o (determinando o fim desde o princípio, Isaías
46.10). O estudioso cristã o nã o pode chegar a nada além de uma
concordâ ncia formal ; ele nã o pode encontrar um entendimento
verdadeiramente comum nas palavras e opiniõ es do incrédulo.
Especificamente, e bem no cerne das discordâ ncias com os
estudiosos ou pensadores incrédulos, devemos ver que o incrédulo
tem um diagnó stico incorreto da sua situaçã o e sua pró pria pessoa.
O nã o cristã o acha que seu processo de pensamento é normal. Ele
acha que sua mente é a corte final de apelaçã o em todas as matérias
do conhecimento. Ele toma a si pró prio como o ponto de referência
para toda interpretaçã o dos fatos. Isto é, ele se tornou
epistemologicamente uma lei para si mesmo: autônomo .
Consequentemente, a depravaçã o e suposta autonomia do
pensamento do homem impedem o cristã o regenerado de buscar
um terreno comum na perspectiva autoconsciente e reconhecida do
incrédulo sobre qualquer coisa. Ao invés de concordar com a
concepçã o, ordenaçã o ou avaliaçã o que o pecador faz da sua
experiência, o cristã o busca seu arrependimento ─ arrependimento
no mundo do pensamento. Nossa abordagem deve ser a de Isaías
55.7: “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus
pensamentos, e se converta ao Senhor”. Um paciente moribundo
pode necessitar de uma cirurgia, mas temê-la e iludir a si pró prio
achando que sua condiçã o só pede um band-aid . Um médico que
aceitasse o diagnó stico do pró prio paciente sobre si mesmo e sua
condiçã o nã o só seria um charlatã o, mas também mostraria nã o ter
absolutamente nenhuma preocupaçã o com a verdadeira saú de e
recuperaçã o do paciente. Da mesma forma, o estudioso cristã o que
realmente deseja a recuperaçã o espiritual do pensador nã o
regenerado nã o deve permitir que o incrédulo diagnostique sua
pró pria condiçã o e pensamentos e entã o prescreva uma cura
insuficiente. O pensador nã o regenerado nã o precisa meramente de
um band-aid de informaçã o adicional; ele precisa da grande cirurgia
interna da regeneraçã o. Ele precisa abandonar seus pensamentos e
ser renovado no conhecimento segundo a imagem do seu criador
(Colossenses 3.10).
No entanto, ao negar um terreno comum na á rea nã o cristã da
interpretaçã o autô noma da experiência, o pressuposicionalista não
está ensinando que nã o tem nenhum ponto de contato com o
incrédulo. O fato de que o incrédulo está errado nos seus esforços
interpretativos autoconscientes nã o significa que ele e o cristã o sã o
(epistemologicamente falando) como barcos navegando no escuro.
Pois entre o crente e o incrédulo há algo em comum que é de grande
importâ ncia; ambos sã o, independentemente das suas condiçõ es de
salvo e perdido, criaturas à imagem de Deus . Embora o nã o
regenerado precise ser renovado em relaçã o a ela, a imagem de
Deus permanece nele. O homem nã o pode deixar de ser homem, e
ser homem é ser imagem de Deus. O homem é a réplica finita de
Deus, sendo como ele em cada aspecto que é apropriado à criatura
para assemelhar-se ao seu Criador. Em razã o disso, nenhum homem
pode escapar da face de Deus, pois a imagem de Deus é levada junto
com o homem aonde quer que vá ─ mesmo no hades. Assim, o
crente pode encontrar um ponto de contato na sua discussã o com os
incrédulos bem fundo dentro deles. A criaçã o demonstra para todo o
sempre que nenhum homem está além do toque da revelaçã o de
Deus; os homens foram criados com a capacidade de entender e
reconhecer a voz do seu Criador. Van Til diz que estamos:
 
… seguros de haver um ponto de contato pelo fato de que todo
homem é feito à imagem de Deus e traz em si mesmo gravada a
lei de Deus. Neste fato sozinho (nó s) podemos descansar
seguros, com respeito ao problema do ponto de contato. Pois
esse fato faz os homens serem sempre acessíveis a Deus… Assim,
somente ao encontrar o ponto de contato no senso humano de
divindade que subjaz a pró pria concepçã o de autoconsciência do
homem como ú ltima é que podemos ser tanto fieis à Escritura
como eficazes no raciocínio com o homem natural ( ibid ., pp.
111, 112).

 
Vimos até entã o, portanto, que o pressuposicionalismo leva a sério
as doutrinas da criaçã o, da soberania de Deus, da revelaçã o natural,
da criaçã o do homem à imagem de Deus e da depravaçã o total. O
pressuposicionalismo defende que existe sem a menor sombra de
dú vida um reino de terreno comum entre os crentes e os incrédulos
(terreno que é de natureza metafísica), mas que esse terreno
comum nã o é um terreno neutro. Ademais, esse terreno nã o é
encontrado na interpretaçã o e concepçã o autô noma que o homem
natural faz da sua experiência ou dos fatos do mundo. Nã o é aí que o
cristã o tem um ponto de contato, mas sim na real condiçã o do
homem como imagem de Deus. Assim, está claro que a terceira
crítica ao pressuposicionalismo que foi ensaiada numa parte
anterior nesta série é totalmente infundada. Longe de isolar os
homens em torres de pensamento mutuamente inacessíveis, o
pressuposicionalismo assegura tanto um terreno comum como um
ponto de contato entre o cristã o e o nã o cristã o. É tudo uma questã o
de encontrá -los no lugar certo!

12. RESUMO GERAL: CAPÍTULOS 1-11


 
 
Será conveniente fazer uma pausa neste ponto e resumir a discussã o
que fizemos nos capítulos anteriores a fim de que obtenhamos uma
visã o geral concisa do nosso padrã o de pensamento.
A primeira parte desta série apresentou o Senhorio de Cristo no
reino do conhecimento e aplicou essa verdade no exercício da razã o
do homem. Nó s concluímos com Calvino que a palavra de Deus deve
ser pressuposta para que se tenha conhecimento tanto no reino da
criaçã o como no da redençã o; todavia, como a nossa cultura está
saturada com as exigências contrá rias da autonomia e da
neutralidade , há uma necessidade urgente de reforma no mundo do
pensamento. Três objeções básicas ao pressuposicionalismo na
teoria do conhecimento surgem a partir de uma cultura nã o
reformada; essas três reclamaçõ es foram subsequentemente
consideradas para demonstrar sua invalidade , exibir a força do
pressuposicionalismo e expor aspectos adicionais desta posiçã o.
 
 
O SENHORIO EPISTÊ MICO DE CRISTO
 
1. O conhecimento de Deus é original , abrangente e criativo . Nã o há
princípios ou padrõ es de verdade mais elevados que ele observe e
com os quais tente fazer seus pensamentos entrarem em
conformidade. Nã o há mistério em torno do seu entendimento, pois
este é infinito. A mente de Deus dá diversidade e ordem a todas as
coisas, garantindo assim a realidade dos particulares
(multiplicidade) e, contudo, assegurando que eles sejam inteligíveis
(unidade).
2. Todo conhecimento e sabedoria estã o depositados em Cristo , a
fonte, o padrã o e encarnaçã o da verdade.
3. A palavra de Deus tem assim autoridade suprema, absoluta e
inquestioná vel no reino do conhecimento bem como no da
moralidade.
4. Isso também significa que a palavra de Deus deve ser o padrão
final de verdade para o homem, em cujo caso ela nã o pode ser
desafiada por algum critério mais ú ltimo.
5. Consequentemente, o ensino de Cristo na Escritura tem
autoridade autoatestadora ; Cristo claramente fala com a autoridade
de Deus, é o repositó rio do conhecimento e nã o está sujeito a
nenhuma autoridade ou padrã o mais bá sico do que ele pró prio,
como “o caminho, e a verdade e a vida”. Só ele é adequado para
testemunhar de si mesmo e sua palavra.
 
 
O EXERCÍCIO DA RAZÃ O PELO HOMEM
 
1. Existe uma verdade absoluta , cujo conhecimento é acessível ao
homem; embora possa nã o conhecer exaustivamente, ele tem um
conhecimento adequado.
2. O conhecimento do homem deve ser uma reconstrução
receptiva do conhecimento original e criativo de Deus; para
chegar a um conhecimento da verdade, o homem deve “pensar
os pensamentos de Deus depois dele”.
a. O ponto de partida do conhecimento é, portanto, Deus; o
princípio do conhecimento é o temor do Senhor ─ exigindo,
portanto, respeito e submissã o.
b. Em particular, é preciso se submeter à verdade da palavra
revelada de Deus .
c. O homem deve ser grato a Deus por tudo o que ele possui,
incluindo seu conhecimento e entendimento; tudo o que temos
vem de Deus.
d. Assim, a crença precede o entendimento, e a revelaçã o
reforça a razã o; a teologia é fundacional para todas as á reas de
estudo.
e. Assim também, o homem não tem a prerrogativa de colocar
em dú vida a palavra de Deus.
3. A filosofia que suprime em vez de pressupor a verdade de Deus
evidencia a escuridã o de uma mente pecaminosa ─ ou seja, ela
está tanto numa rebelião epistemológica como moral contra Deus.
a. Esse pensamento é tornado louco por Deus e leva a
conclusõ es fú teis; ele torna o uso da razã o algo impossível.
b. O pensamento que se submete aos princípios elementares
(as pressuposiçõ es) da filosofia mundana e à s tradiçõ es dos
homens engana os homens com palavras persuasivas; ele os
conduz à destruiçã o espiritual.
4. A neutralidade na academia, apologética ou educaçã o é tanto
impossível como imoral .
a. Ninguém pode servir a dois senhores, e assim a pessoa deve
escolher entre fundamentar seus esforços intelectuais em
Cristo, ou na sua pró pria razã o autô noma; não há meio termo
entre essas duas autoridades.
b. A neutralidade apagaria o caráter distintivo da posiçã o do
cristã o e abafaria a antítese entre o pensamento piedoso e o
ímpio.
c. Um cristã o que se esforça para ser neutro nã o apenas nega o
Senhorio de Cristo no conhecimento e perde se fundamento
só lido no raciocínio, mas também involuntariamente endossa
suposiçõ es que sã o hostis à sua fé.
5. O crente é um “novo homem” em Cristo, sendo renovado na
mente .
a. A conversã o requer arrependimento (“mudança de mente”)
da tentativa de autonomia.
b. O cristã o anda pela fé , no poder regenerador e iluminador
do Espírito Santo, e nã o pelo intelecto autossuficiente.
c. Todos os pensamentos do crente sã o levados cativos e
enraizados em Cristo como seu novo Senhor. Por conseguinte,
ele pressupõe a verdade da palavra de Deus e a aplica a cada
aspecto da vida (incluindo a atividade intelectual).
d. O crente deve amar o Senhor seu Deus com toda a sua mente
, buscando em todas as coisas glorificar a Deus ─ mesmo no
mundo do pensamento.
 
 
Outros aspectos cruciais do pressuposicionalismo
 
1. Pela graça de Deus somente é que os homens vêm a pressupor
a verdade de Deus.
a. Porque é a verdade e a graça de Deus que nos transformam,
devemos ser ousados em nosso desafio à crença intelectual.
b. Uma vez que é a graça de Deus (e nã o nossa pró pria
sabedoria) que responde pela nossa mudança de mente, a
humildade é compatível com o estudioso cristã o; nã o temos
nada em nó s mesmos de que nos jactar.
c. Portanto, o que deve caracterizar os nossos estudos é a
humilde ousadia ─ e nã o a contemporizaçã o, o obscurantismo
ou a arrogâ ncia.
2. Todos os homens sã o “indesculpá veis” pela rebeliã o contra o
Senhor, pois todos os homens conhecem o Deus vivo e verdadeiro
através da sua revelaçã o comum.
a. Apesar da sua profissã o em contrá rio, até mesmo o
incrédulo conhece, a partir da natureza e da consciência, o que
se pode conhecer sobre Deus; Deus tem claramente se revelado
a todos os homens.
b. Todos os homens tentam suprimir esse conhecimento de
Deus, como é manifesto nos vá rios, multiformes e profusos
esquemas de pensamento e filosofia anticristã .
c. Mas porque o incrédulo nã o pode se livrar de um
conhecimento de Deus, porque continua a usar o “capital
emprestado” das verdades teístas, ele é capaz de chegar a um
entendimento limitado da verdade sobre o mundo e sobre si
mesmo ─ apesar, e nã o por causa, da sua tentativa de
autonomia.
3. Deus criou todas as coisas para si mesmo, dirige-as para os
pró prios fins soberanos dele e é dono de todas as coisas ─ em
cujo caso, todas coisas no reino criado deve lhe servir.
a. Isso impede a possibilidade de qualquer terreno neutro entre
o crente e o incrédulo, mas nos assegura de que há um terreno
comum abundante (metafisicamente falando) entre eles, desde
que todos os homens sã o criaturas de Deus e vivem no mundo
de Deus.
b. Como criatura de Deus, criado à imagem de Deus e vivendo
num ambiente que constantemente faz a revelaçã o de Deus ter
um efeito sobre ele, o incrédulo está sempre acessível ao
evangelho. O crente sempre tem um ponto de contato com o
incrédulo: (1) ele ser à imagem de Deus , e (2) a verdade
suprimida no seu íntimo.

 
 
 
 
SEÇÃO TRÊS:
COMO DEFENDER A FÉ
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
13. A TOLICE DA INCREDULIDADE
 
 
A declaraçã o e o desafio central da apologética cristã sã o expressos
na pergunta retó rica de Paulo: “Porventura nã o tornou Deus louca a
sabedoria deste mundo?” (1 Coríntios 1.20). Os ataques críticos que
sã o feitos contra a fé cristã no mundo do pensamento nã o podem ser
enfrentados com respostas fragmentadas e apelos à emoçã o. No
longo prazo o crente deve responder ao assalto do incrédulo
atacando a posiçã o dele nos seus fundamentos. Ele deve desafiar as
pressuposiçõ es do incrédulo, perguntar se o conhecimento é mesmo
possível, tendo em vista as suposiçõ es e perspectivas do nã o cristã o.
O cristã o nã o pode ficar para sempre na defensiva construindo
respostas atomísticas para a variedade sem fim de críticas
incrédulas; ele deve tomar a ofensiva e mostrar ao incrédulo que ele
nã o tem nenhum lugar inteligível onde permanecer, nenhuma
epistemologia consistente, nenhuma justificaçã o para o discurso
significativo, nenhuma predicaçã o ou argumentaçã o. A
pseudosabedoria do mundo deve ser reduzida à tolice ─ em cujo
caso nenhuma das críticas do incrédulo tenha qualquer força.
Se quisermos entender como responder ao tolo , se quisermos ser
capazes de demonstrar que Deus tornou louca a pseudosabedoria do
mundo, devemos primeiro estudar a concepçã o bíblica do tolo e da
sua tolice.
Na perspectiva bíblica, o tolo nã o é basicamente uma pessoa
superficial ou um analfabeto ignorante; ele pode ser muito educado
e sofisticado pelos padrõ es sociais. No entanto, ele é um tolo porque
abandonou a fonte da verdadeira sabedoria em Deus para confiar
em seus pró prios poderes (alegadamente) intelectuais
autossuficientes. Ele é impossível de ser ensinado (Provérbios 10.8)
e despreza a instruçã o (Provérbios 15.5); enquanto o sá bio dá
ouvidos ao conselho que lhe é dado, “O caminho do insensato é reto
aos seus pró prios olhos” (Provérbios 12.15). O tolo tem absoluta
autoconfiança e se imagina intelectualmente autô nomo. “O que
confia no seu pró prio coraçã o é insensato” (Provérbios 28.26). Um
tolo nã o pode pensar de si mesmo como estando equivocado
(Provérbios 17.10). Ele julga as questõ es de acordo com os seus
pró prios padrõ es pré-estabelecidos de verdade e correçã o, e assim
seus pró prios pensamentos sempre acabam no longo prazo estando
corretos. O tolo está convicto de que pode confiar em sua pró pria
autoridade racional e escrutínio intelectual. “… o tolo se encoleriza, e
dá -se por seguro” (Provérbios 14.16), e assim revela sua pró pria
mente (Provérbios 29.11).
Na realidade, esse homem autô nomo é enfadonho, teimoso, rude,
obstinado e estú pido. Ele se professa sá bio, mas com a abertura da
sua boca fica claro que ele é (no sentido bíblico) “um tolo” ─ sua
ú nica sabedoria consiste em manter-se em silêncio (Provérbios
17.28). “… o coraçã o dos tolos proclama a estultícia” (Provérbios
12.23), e o tolo expõ e a sua insensatez (Provérbios 13:16, NVI). Ele
se alimenta de estultícia (Provérbios 15.14), a derrama (Provérbios
15.2) e retorna a ela como um cã o volta ao seu vô mito (Provérbios
26.11). Ele é tã o apaixonado por sua estultícia e tã o dedicado na
preservaçã o dela que é melhor que “Encontre-se o homem com a
ursa roubada dos filhos, mas nã o com o louco na sua estultícia”
(Provérbios 17.12). O tolo nã o quer realmente encontrar a verdade;
ele só quer ser autojustificado nas suas pró prias imaginaçõ es.
Embora possa fingir objetividade, “O tolo nã o tem prazer no
entendimento, mas sim em expor os seus pensamentos” (Provérbios
18.2, NVI). Ele está comprometido com as suas pró prias
pressuposiçõ es e deseja resguardar sua autonomia. Assim, ele nã o
se apartará do mal (Provérbios 13.19) e, portanto, toda a sua fala
instruída revela nada mais que lá bios perversos e mentirosos
(Provérbios 10.18; 19.1). Ele pode falar orgulhosamente, mas “A
boca do tolo é a sua pró pria destruiçã o, e os seus lá bios um laço para
a sua alma” (Provérbios 18.7). Ele nã o resistirá no julgamento de
Deus (Salmos 5.5).
Como um homem se torna um tolo autoiludido e alegadamente
autô nomo? O tolo despreza a sabedoria e a instruçã o, recusando-se a
começar seu pensamento com reverência para com o Senhor
(Provérbios 1.7). Ele rejeita os mandamentos de Deus (Provérbios
10.8) e mesmo ousa afrontar o Todo-Poderoso (Salmos 74.22; Jó
1.22). “O pensamento do tolo é pecado” (Provérbios 24.9). O tolo
nã o é governado pela palavra de Deus; ele é iníquo, assim como o é
seu pensamento (ou seja, pecaminoso, 1 Joã o 3.4). Rejeitando a lei
ou a palavra de Deus, o tolo respeita em vez disso sua pró pria
palavra e lei (ou seja, ele é auto -nomo). A Escritura descreve as
pessoas que nã o conhecem Deus, seus caminhos e seus juízos como
loucas (cf. Jeremias 5.4). O tolo vive na ignorâ ncia prá tica de Deus,
pois em seu coraçã o (do qual procedem as fontes da vida,
Provérbios 4.23) o tolo diz que nã o há Deus (Salmos 14.1; cf. Isaías
32.6). Ele vive e raciocina de maneira ateísta ─ como se fosse seu
pró prio senhor. Em vez de ser espiritualmente dirigida, a visã o do
tolo é terrena (Provérbios 17.24). Ele serve a criatura (por exemplo,
a autoridade da sua pró pria mente) em vez do Criador (Romanos
1.25).
O homem que ouve as palavras de Cristo, mas edifica sua vida sobre
uma rejeiçã o dessa revelaçã o é um tolo (Mateus 7.26), e o homem
que suprime a revelaçã o geral de Deus no reino criado também é
descrito como um tolo (Romanos 1.18). É bastante claro, entã o, que
tolo é alguém que não faz Deus e sua revelação o ponto de partida (a
pressuposiçã o) do seu pensamento . Os tolos desprezam a pregaçã o
da cruz, se recusam a conhecer Deus e nã o podem receber a palavra
de Deus (1 Coríntios 1-2). O autoproclamado homem autô nomo, o
incrédulo, nã o se submete à palavra de Deus ou edifica sua vida e
seu pensamento nela. A descrença e a ignorâ ncia da vontade de
Deus, portanto, produzem insensatez (1 Coríntios 15.36; Efésios
5.17).
Como resultado, o tolo nã o tem a concentraçã o necessá ria para
encontrar sabedoria; em vã o pensa que ela é facilmente dispensada
ou adquirida (Provérbios 17.16, 24). Por se gloriar no homem, o
pensamento do tolo se torna fú til e vergonhoso (1 Coríntios 3); seu
coraçã o é obscurecido e sua mente é vã (Romanos 1.21). Por causa
da sua incredulidade e rebeliã o contra a palavra de Deus, o tolo não
tem lá bios de conhecimento (Provérbios 14:7). Na verdade, porque
escolhe nã o reverenciar o Senhor, o tolo odeia o conhecimento
(Provérbios 1.29). O incrédulo que critica a fé cristã é esse tolo que
estivemos descrevendo acima. Ao responder ao tolo, o apologista
cristã o deve ter como objetivo demonstrar que a incredulidade é,
em ú ltima aná lise, destrutiva de todo conhecimento. Deve ser
mostrado ao tolo que sua autonomia é hostil ao conhecimento ─ que
Deus torna louca a “sabedoria” do mundo.

 
14. UM PROCEDIMENTO APOLOGÉTICO DE
DUAS ETAPAS
 
 
“Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste
século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?”
 
Paulo poderia sustentar sua apologética para a fé cristã sobre esse
conjunto de perguntas retó ricas (1 Coríntios 1.20), sabendo que a
palavra da cruz destró i a sabedoria e mundo e aniquila seu
discernimento (v. 19). O coraçã o nã o regenerado, com sua mente
obscurecida, avalia o evangelho como fraqueza e loucura (vv. 18,
23), mas na realidade ele expressa a verdadeira sabedoria e o poder
salvífico de Deus (vv. 18, 21, 24).
O que o mundo chama “loucura” é na verdade sabedoria. Por outro
lado, o que o mundo considera “sá bio” é na verdade loucura. O
incrédulo tem seus padrõ es totalmente invertidos, e assim zomba da
fé cristã ou a vê como intelectualmente desonesta. Mas Paulo sabia
que Deus podia desmascarar a arrogâ ncia da incredulidade e expor
a lamentá vel pretensã o de conhecimento dela. “… a loucura de Deus
é mais sá bia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do
que os homens” (v. 25). Embora o incrédulo veja a fé cristã como
tola e fraca, essa fé tem a força e as condiçõ es intelectuais de expor a
“sabedoria mundana” por aquilo que ela realmente é: uma completa
loucura. Deus escolheu as (chamadas) coisas loucas do mundo para
que pudesse envergonhar aqueles que se vangloriam de sua
(chamada) sabedoria (v. 27, NVI).
Em face da revelaçã o de Deus o incrédulo é “indesculpá vel” (“sem
apologética”, cf. Romanos 1.20, no grego). Sua posiçã o intelectual
nã o tem credenciais dignas no longo prazo. Quando é defrontado
com o desafio intelectual do evangelho tal como ele seria
apresentado por Paulo, o nã o regenerado é deixado sem nenhuma
base. O resultado do encontro é resumidamente expresso por Paulo
quando ele declara: “ Onde está o sábio ? Onde está o inquiridor deste
século ?”. O fato é que Deus torna louca a sabedoria deste mundo, e
assim um incrédulo genuinamente sá bio é algo que nã o pode ser
encontrado. Jamais houve algum homem que pudesse debater e
defender adequadamente a perspectiva deste mundo (isto é, a
incredulidade). A rejeiçã o da fé cristã é algo que nã o pode ser
justificado, e a posiçã o intelectual do incrédulo nã o pode ser
genuinamente defendida no mundo do pensamento. As armas
espirituais do apologista cristã o sã o poderosas em Deus…
Destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o
conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10.4-5). O incrédulo, como
vimos no ú ltimo estudo, é na perspectiva bíblica um tolo, e como tal
sua posiçã o equivale a um ódio ao conhecimento (Provérbios 1.22,
29). Seu ataque intelectual ao evangelho deriva do que é falsamente
chamado conhecimento (1 Timó teo 6.20).
O apologista deve ter como objetivo envergonhar essa pretensã o de
conhecimento (que é, na base, um ó dio ao conhecimento); ele deve
manifestar a loucura da “sabedoria” deste mundo. Isso exige muito
mais que uma tentativa fragmentada de aduzir probabilidades vagas
de evidências isoladas em favor da racionalidade do cristianismo.
Requer, em vez disso, a demonstraçã o exaustiva da irracionalidade
do anticristianismo em contraste com a certeza da verdade que pode
ser encontrada na palavra de Deus. Dr. Van Til escreve:
 
O conflito entre o teísmo cristã o e seus oponentes cobre todo o
campo do conhecimento… A controvérsia fundamental do teísmo
cristã o é apenas esta, que absolutamente nada pode ser
conhecido a menos que Deus possa e seja conhecido… O
importante a notar é essa diferença fundamental entre o teísmo e
o antiteísmo na questã o da epistemologia. Nã o há um só ponto
no céu ou na terra sobre o qual nã o haja disputa entre os dois
partidos opostos ( A Survey of Christian Epistemology , den Dulk
Christian Foundation, 1969, p.116).

O método de raciocínio por pressuposiçã o pode ser dito indireto


em vez de direto. A controvérsia entre crentes e nã o crentes no
teísmo cristã o nã o pode ser definida por um apelo direto a
“fatos” ou “leis” cuja natureza e significado já sejam de mú tua
concordâ ncia entre as partes do debate… O apologista cristã o
deve se colocar na posiçã o do oponente, assumindo meramente
para fins de argumentaçã o que o método deste é correto, para
mostrar ao oponente que sobre tal posiçã o os “fatos” nã o sã o
fatos e as “leis” nã o sã o leis. Ele também deve pedir ao nã o
cristã o que se coloque, para fins de argumentaçã o, na posiçã o
cristã para ser-lhe mostrado que somente sobre esta base os
“fatos” e as “leis” parecem inteligíveis…

Portanto, devemos afirmar que só o cristianismo pode ser


racionalmente defendido pelos homens. E ele é absolutamente
racional. É totalmente irracional defender qualquer outra
posiçã o que nã o o cristianismo. Só o cristianismo nã o crucifica a
pró pria razã o… A melhor e ú nica prova, absolutamente certa, da
veracidade do cristianismo é que a menos que a sua verdade seja
pressuposta, nã o há prova para o que quer que seja. O
cristianismo é provado como sendo o pró prio fundamento da
noçã o mesma de prova ( The Defense of the Faith , Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1955, pp. 117-118, 396).

 
O tolo deve ser respondido mostrando-lhe sua tolice e a
necessidade do cristianismo como a pré-condiçã o da
inteligibilidade.
Em Provérbios 26.4-5 somos instruídos acerca de como
devemos responder ao incrédulo tolo ─ como devemos
demonstrar que Deus torna louca a chamada “sabedoria” deste
mundo. “Nã o respondas ao tolo segundo a sua estultícia; para
que também nã o te faças semelhante a ele. Responde ao tolo
segundo a sua estultícia, para que nã o seja sá bio aos seus
pró prios olhos”. O procedimento apologético de duas etapas
mencionado acima por Van Til é aqui descrito. Em primeiro
lugar, o incrédulo nã o deve ser respondido nos termos das
pró prias pressuposiçõ es equivocadas dele; o apologista deve
defender sua fé trabalhando dentro das suas pró prias
pressuposiçõ es. Se se render à s suposiçõ es do incrédulo, o
crente nunca irá efetivamente apresentar uma razã o para a
esperança que há nele. Ele terá perdido a batalha desde no
início, constantemente caindo em emboscadas atrá s das linhas
inimigas. Por conseguinte, a força e o desafio intelectuais do
cristianismo nã o serã o apresentados.
Mas entã o, em segundo lugar, o apologista deve responder ao tolo
de acordo com as autoproclamadas pressuposiçõ es dele (isto é,
segundo a sua estultícia). Ao fazê-lo, ele tem como objetivo mostrar
ao incrédulo o resultado dessas suposiçõ es. Levadas as
pressuposiçõ es da incredulidade consistentemente aos seus devidos
fins, elas tornam o raciocínio do homem vazio e sua experiência
ininteligível; levam, em suma, à destruiçã o do conhecimento, ao
beco sem saída da futilidade epistemoló gica, à completa loucura. Ao
se colocar na posiçã o do incrédulo e segui-la ao ponto de ela
tolamente minar os fatos e as leis, o apologista cristã o impede o tolo
de ser sá bio aos seus pró prios olhos. Ele pode concluir: “Onde está o
inquiridor sá bio deste século?”! Nã o há nenhum, pois como a
histó ria da filosofia humanista tã o claramente ilustra, Deus tornou
louca a sabedoria do mundo. Ela é frustrada pela pregaçã o “louca”
da cruz.

 
15. RESPONDENDO AO TOLO
 
 
Nos dois ú ltimos estudos começamos a olhar para a apologética a
partir do ponto de vista bíblico. Foi observado que (1) a perspectiva
intelectual do incrédulo é de um “tolo” (no sentido bíblico), (2) o
incrédulo proclama uma pseudosabedoria que é na verdade um ó dio
ao e uma destruiçã o do conhecimento, (3) Deus torna louca a
sabedoria do mundo e a envergonha por meio do seu povo, que é
habilitado a destruir toda altivez que se levanta contra o
conhecimento de Deus, e, (4) para dar uma resposta ao tolo, o crente
deve seguir um procedimento de duas etapas: (a) recusar-se a
responder nos termos das pressuposiçõ es do tolo, pois elas minam a
posiçã o cristã , e entã o (b) responder nos termos das pressuposiçõ es
do tolo para mostrar aonde elas levam, isto é, à futilidade
epistemoló gica.
Aqui encontramos o caminho que é prescrito para dar uma resposta
a todo homem que pede a razã o da esperança que há em nó s (cf. 1
Pedro 3.15). A estratégia apologética acima apresentada satisfaz a
precondiçã o estabelecida por Pedro para a defesa da fé, que os
crentes “santifiquem [‘separem’] Cristo como Senhor no coraçã o”. Ao
nos recusarmos a suspender a verdade pressuposta da palavra de
Deus quando argumentamos com aqueles que criticam a fé cristã ,
nó s reconhecemos o senhorio de Cristo sobre o nosso pensamento.
Sua palavra é a nossa autoridade ú ltima. Se fossemos arrazoar com o
incrédulo confiando nos nossos pró prios poderes intelectuais ou nos
ensinos dos (assim chamados) experts (na ciência, histó ria, ló gica,
seja no que for) mais do que na veracidade da revelaçã o de Deus,
terminaríamos o argumento (se consistente) concordando com
incrédulo. Na linguagem de Provérbios 26, responderíamos ao tolo e
acabaríamos nos fazendo semelhantes a ele .
Ademais, ao empregar o procedimento apologético delineado acima,
podemos chegar à mesma conclusã o de Paulo em 1 Coríntios 1, que
a perspectiva intelectual do incrédulo é, na sua base, loucura.
Consequentemente nó s podemos retoricamente perguntar: “Onde
está o sá bio? Onde está o inquiridor deste século?”. A verdade do
fato será abundantemente manifesta: Deus torna louca a sabedoria
deste mundo, e o faz pela palavra da cruz. Ao demonstrar ao tolo
que as suas pressuposiçõ es só podem produzir o que é falsamente
chamado de conhecimento, o crente responde de uma forma que o
tolo nã o pode ser sá bio aos seus pró prios olhos. Através disso, esse
procedimento de duas etapas na apologética pressuposicional visa
ao sucesso argumentativos sem comprometer a fidelidade
espiritual. Ele fornece um relato fundamentado da esperança cristã
e também reduz à impotência todas as posiçõ es críticas e contrá rias.
Deve ser lembrado neste ponto, claro, que o apologista deve fazer
esse trabalho destrutivo “com mansidã o e temor” (1 Pedro 3.15b).
Um sumá rio ú til e instrutivo da abordagem pressuposicional para a
apologética é dado em 2 Timó teo 2.23-25 (ARA).
 
E repele as questõ es insensatas e absurdas, pois sabes que só
engendram contendas. Ora, é necessá rio que o servo do Senhor
nã o viva a contender, e sim deve ser brando para com todos, apto
para instruir, paciente, disciplinando com mansidã o os que se
opõ em, na expectativa de que Deus lhes conceda nã o só o
arrependimento para conhecerem plenamente a verdade.
 
Primeiro, essa passagem deixa bem claro que o apologista
simplesmente nã o deve ter uma atitude arrogante ao lidar com os
incrédulos. Ele deve ser brando, paciente, manso e avesso a
contendas. Esses atributos sã o intimidadores para a maioria das
pessoas que mantêm posiçõ es doutriná rias fortes e que sã o
diligentes na defesa dessas posiçõ es. É fá cil se tornar obstinado e
zeloso em dominar seu oponente. No entanto, é a atitude oposta, que
é pacífica e branda, que demonstra que a nossa sabedoria é do alto
(Tiago 3.13-17).
Em segundo lugar, essa passagem ensina que aqueles que sã o
desafiados a defender a sua fé nã o devem consentir em responder
nos termos da incredulidade tola. Paulo nos ordena a rejeitar as
questõ es insensatas ─ isto é, as questõ es dadas a partir do ponto de
vista do tolo. Nã o devemos nos submeter à perspectiva autô noma
que suprime a verdade de Deus; nã o devemos acatar a demanda da
neutralidade agnó stica nas nossas discussõ es. A questã o que segue o
viés do tolo deve ser colocada de lado. Contudo, evitar questõ es
tolas nã o assume a forma do silêncio, pois a passagem acima indica
que nós devemos educar o questionador. Uma resposta deve ser
dada, mas nã o uma resposta que está em conformidade com as
pressuposiçõ es tolas por trá s da questã o. Do contrá rio resultará
uma contençã o em vez de educaçã o.
Em terceiro lugar, é revelado que os incrédulos “se opõ em”. Por suas
pressuposiçõ es tolas o incrédulo age na verdade contra si mesmo.
Ele suprime a verdade clara sobre Deus que é fundacional para um
entendimento do mundo e de si mesmo e afirma uma posiçã o que é
contrá ria ao seu melhor conhecimento. Ele é intelectualmente
esquizofrênico. Isso deve ficar claro para ele.
Em quarto lugar, Paulo indica que o que o incrédulo precisa nã o é
simplesmente informaçã o adicional. Em vez disso, ele precisa ter
seu pensamento totalmente modificado ; ele deve passar por uma
conversã o para um conhecimento genuíno da verdade. Até que essa
mudança ocorra, o incrédulo terá um conhecimento de Deus que o
condena (cf. Romanos 1.18ss), mas um conhecimento genuíno ou
sincero da verdade ─ um conhecimento salvífico ─ só pode vir com a
conversã o. O incrédulo deve ser ensinado a renunciar à sua
autonomia dissimulada e se submeter à palavra clara de autoridade
de Deus.
Finalmente, a passagem citada acima nã o deixa dú vidas de qual deve
ser a fonte do sucesso apologético: a vontade soberana de Deus. Um
homem só será convertido se isso lhe for concedido por Deus. Uma
vez que é Deus quem determina o destino de todos os homens (cf.
Efésios 1.1-11), é ele também quem determina se o nosso
testemunho apologético será frutífero ou nã o. Assim, cabe a nó s
evitar qualquer tentativa de “melhorar” a abordagem bíblica para a
apologética. Nosso dever é sermos fiéis à s instruçõ es do Senhor. Ele
abençoará a obediência à sua vontade; o sucesso nã o virá se
contornarmos isso.

 
16. COSMOVISÕES EM COLISÃO
 
 
Em termos de princípio teorético e eventual aplicaçã o, o incrédulo
se opõ e à fé cristã com um sistema de pensamento inteiro e
antitético ─ e nã o com críticas fragmentadas simplesmente. Seu
ataque nã o é voltado meramente a determinados pontos aleató rios
do ensino cristã o, mas ao fundamento dele. A crítica particular feita
pelo incrédulo reside sobre suposiçõ es bá sicas e essenciais que
unificam e informam seu pensamento. É essa raiz pressuposicional
que o apologista deve ter como objetivo erradicar se a sua defesa da
fé deve ser eficaz.
Como o incrédulo tem um sistema implícito de pensamento que
dirige seu ataque à fé, o cristã o jamais deve se satisfazer em
defender a esperança que há nele simplesmente amarrando junto
evidências isoladas que ofereçam uma ligeira probabilidade da
veracidade da Bíblia. Cada item particular de evidência será avaliado
(tanto quanto à sua veracidade como ao seu grau de probabilidade)
pelas suposiçõ es tá citas do incrédulo; sua visã o geral de mundo e de
vida fornece o contexto em que a alegaçã o evidencial é entendida e
ponderada. O que uma pessoa pressupõ e como possibilidade irá
sempre determinar como ela classifica “probabilidade”.
Por esse motivo, a estratégia apologética que vemos descrita na
Escritura requer uma argumentaçã o no nível pressuposicional . Por
exemplo, quando Paulo esteve perante Agripa e ofereceu sua defesa
da esperança que havia nele (Atos 26.2, 6-7; cf. 1 Pedro 3.15),
declarou o fato pú blico da ressurreiçã o de Cristo (v. 26); contudo,
deve-se observar o fundamento pressuposicional e o contexto que
Paulo forneceu para esse apelo ao fato. O primeiro ponto que Paulo
se esforçou para desenvolver na sua defesa da fé foi uma questã o
pré-observacional, transcendental: o que é possível (v. 8). Deus foi
tomado como o determinador soberano do que pode e do que nã o
pode acontecer. Paulo entã o segue a explicar que o término da
hostilidade à mensagem da ressurreiçã o requer uma submissã o ao
Senhorio de Cristo (vv. 9-15). Deve-se entender qual é a autoridade
genuína e definitiva. Paulo entã o explica que a mensagem que ele
declarou requer uma “ mudança de mente ” radical
(arrependimento), convertendo-se das trevas para a verdadeira luz
e do poder de Sataná s para Deus (vv. 18-20). O incrédulo deve
renunciar ao seu raciocínio antagonístico e abraçar um novo sistema
de pensamento; assim, seus compromissos pressuposicionais devem
ser alterados. Finalmente, Paulo situou seu apelo ao fato dentro do
contexto da autoridade que a Escritura tem de pronunciar e
interpretar o que acontece na histó ria (vv. 22-23, 27). O fundamento
ú ltimo da certeza do cristã o e a autoridade que apoia a sua
argumentaçã o devem ser a palavra de Deus. Paulo só podia ir aos
fatos, entã o, nos termos de uma filosofia de fato que desse respaldo e
de acordo com os axiomas fundacionais da epistemologia bíblica .
Consequentemente o apologista precisa reconhecer que o debate
entre o crente e o incrédulo é fundamentalmente uma disputa ou
choque entre duas cosmovisõ es completas ─ entre suposiçõ es e
compromissos ú ltimos que sã o contrá rios uns aos outros. Um
incrédulo nã o é simplesmente um incrédulo em pontos separados;
seu antagonismo está enraizado em uma filosofia geral (Colossenses
2.8) que é segundo a tradiçã o do mundo; assim, ele é um inimigo de
Deus em sua mente (Colossenses 1.21; Tiago 4.4) e usa sua mente
para anular ou evitar a palavra de Deus (Marcos 7.8-13). Porque nã o
pode receber ou compreender as coisas do Espírito (1 Coríntios
2.14), o incrédulo suprime a verdade (Romanos 1.18) e exalta seu
raciocínio contra o conhecimento de Deus (2 Coríntios 10.5).
Duas filosofias ou sistemas de pensamento estã o em colisã o: uma se
submete à autoridade da palavra de Deus como uma questã o de
compromisso pressuposicional, e outra nã o. Os apelos ao fato serã o
arbitrados nos termos das pressuposiçõ es conflitantes mantidas
pelas duas filosofias; o debate entre as duas perspectivas se reduzirá
assim em ú ltimo caso ao nível da autoridade ú ltima da pessoa. Será
que isso faz a argumentaçã o terminar num empate, com cada pessoa
arbitrariamente escolhendo um ponto de partida conforme o seu
pró prio gosto subjetivo? De modo algum. Ao contrá rio, essa situaçã o
aponta para a grande necessidade de um método pressuposicional
de defesa da fé. O pressuposicionalista percebe que toda cadeia de
argumentaçã o deve terminar em um ponto de partida
autoautenticá vel; toda cosmovisã o tem suas suposiçõ es
inquestionadas e inquestioná veis, seus compromissos primitivos.
Todo debate religioso se desenvolverá numa questã o de autoridade
ú ltima. Em princípio as duas opçõ es permanecerã o em total e nítido
contraste uma com a outra. A esta altura somente um argumento
pressuposicional poderá resolver a tensã o.
Como discutido em estudos recentes nesta série, vimos que o
procedimento pressuposicional deve envolver duas etapas: (1) uma
crítica interna do sistema do incrédulo, demonstrando que a sua
perspectiva é uma destruiçã o insensata do conhecimento, e (2) uma
apresentaçã o humilde, mas ousada da razã o da esperança que há em
nó s, comunicada em termos do compromisso pressuposicional do
crente com a palavra verdadeira de Deus. Esse procedimento pode
resolver a tensã o entre autoridades concorrentes e pontos de
partida conflitantes porque indaga qual posiçã o fornece as
precondiçõ es para a observaçã o, a razã o e o discurso significativo.
A discussã o apologética nã o termina num empate porque o cristã o,
colocando-se na posiçã o do incrédulo, pode mostrar como ela
resulta na destruiçã o da experiência inteligível e do pensamento
discursivo. Se o incrédulo estivesse correto nas suas pressuposiçõ es,
entã o nada, o que quer que fosse, poderia ser entendido ou
conhecido. A filosofia do incrédulo foi afligida pela vaidade
(Romanos 1.21), de modo que seu “conhecimento” é (nos termos
das suas pró prias suposiçõ es) falsamente assim chamado (1
Timó teo 6.20) e é através dele que o incrédulo se opõ e (2 Timó teo
2.25). Ao contrapor seu pensamento tolo (em nome da “sabedoria”)
à sabedoria do evangelho (que rotula como “tola”), o incrédulo deve
ser desmascarado nas suas pretensõ es (1 Coríntios 1.18-21) e
revelado como sem desculpa para o seu ponto de vista (Romanos
1.20), mas deixado com uma mente vã , obscurecida e ignorante que
precisa ser renovada (Efésios 4.17-24, ARA).
O cristã o pode entã o ensinar ao incrédulo que toda sabedoria e
conhecimento devem tomar Jesus Cristo como seu ponto de
referência (Colossenses 2.3, NVI). O pensamento do crente, assim
como o do incrédulo, está baseado em um ponto de partida
autovalidá vel. Essa verdade ú ltima deve ser uma expressã o da
mente de Deus; só ele fala com autoridade inquestioná vel e
veracidade autoatestadora. Assim Jesus categoricamente afirmou
ser a verdade (Joã o 14.6); nã o existe padrã o mais elevado do que a
sua palavra e pessoa divina. Cristo demonstrou que Deus e a sua
palavra devem ser o ponto de partida autoautenticá vel e
indisputá vel para todo pensamento quando ele, ao contrá rio de
Adã o, se recusou a colocar o Senhor à prova (Mateus 4.7), prestando
uma obediência implícita à lei autoritativa de Deus (Deuteronô mio
6.16). O ponto de partida do cristã o, deve entã o ser observado, em
vez de destruir o empreendimento epistemoló gico fornece a
precondiçã o para a experiência inteligível e o pensamento
significativo, pois ensina que o homem foi criado para pensar os
pensamentos de Deus depois dele e assim conhecer a verdade.
Temos visto brevemente, entã o, que no fim das contas a apologética
deve introduzir à argumentaçã o pressuposicional : a destruiçã o da
filosofia do incrédulo na sua base epistemoló gica e a apresentaçã o
do ú nico fundamento viá vel para o conhecimento ─ a revelaçã o
autoritativa e autoatestadora de Deus.

 
17. O PONTO DE PARTIDA ÚLTIMO: A
PALAVRA DE DEUS
 
 
A discordâ ncia entre o crente e o incrédulo que dá origem à
necessidade da apologética, como vimos no ú ltimo estudo, nã o é
meramente sobre pontos específicos, isolados. Em princípio dois
sistemas filosó ficos completos ou perspectivas entram em conflito
quando a veracidade da fé cristã é debatida. É por essa razã o que o
apologista nã o pode se dar por satisfeito em meramente argumentar
sobre certos fatos (mesmo aqueles fatos muito especiais conhecidos
como “milagres”, como a ressurreiçã o de Cristo). A argumentaçã o
factual pode se tornar necessá ria, mas nunca é suficiente. O que
alguém considera factual, assim como a interpretação dos fatos
aceitos, será governado por sua subjacente filosofia de fato ─ isto é,
por pressuposições mais bá sicas que permeiam todas as coisas, sã o
orientadas por valores, criam categorias, determinam
possibilidades, avaliam probabilidades, sã o supra experimentais e
religiosamente motivadas. É nesse nível pressuposicional que esse
trabalho crucial na defesa da fé deve, assim, ser feito.
Isso também se manifesta de uma forma um pouco diferente. Toda
argumentaçã o sobre as questõ es ú ltimas acaba repousando
finalmente no nível das pressuposiçõ es do debatedor. Se um homem
chegou à conclusã o e está comprometido com a veracidade de um
certo ponto de vista P, quando for desafiado acerca de P, oferecerá
argumentaçã o de suporte para isso, Q e R. Mas, evidentemente,
como o seu oponente irá rapidamente apontar, isso simplesmente
muda o argumento para Q e R. Por que aceitá -los? O proponente de
P é agora chamado a oferecer S, T, U e V como argumentos para Q e
R. E assim por diante, o processo segue. O processo é complicado
pelo fato de que tanto o crente como o incrédulo estarã o envolvidos
nessas cadeias de argumentaçã o. Mas toda cadeia de argumentaçã o
deve chegar a um fim em algum lugar. As conclusõ es de uma pessoa
nunca poderiam ser demonstradas se fossem dependentes de um
regresso infinito de justificaçõ es argumentativas, pois nessas
circunstâ ncias a demonstraçã o nunca poderia ser completada. E
uma demonstraçã o incompleta nã o demonstra absolutamente nada.
No fim das contas toda argumentaçã o termina em algum ponto de
partida logicamente primitivo, uma visã o ou premissa mantida
como inquestioná vel. A apologética rastreia esses pontos de partida
ú ltimos ou pre ssuposiçõ es. Na natureza do caso essas
pressuposiçõ es sã o mantidas como autoevidentes : elas sã o a
autoridade ú ltima no ponto de vista de uma pessoa, uma autoridade
para a qual nenhuma autorizaçã o maior pode ser dada. Assim, pois,
toda argumentaçã o apologética exigirá um fundamento final como
esse, um ponto de partida ou pressuposiçã o ú ltima e autovalidá vel
para o pensamento e o compromisso. O apologista consciencioso
deve estar ciente de qual é o seu real ponto de partida.
Mas agora um problema obviamente surge. Se as cadeias de
argumento devem chegar a um fim, e se o crente e o incrédulo têm
pontos de partida conflitantes, como o debate apologético pode ser
alguma vez resolvido? Uma vez que existem diferentes autoridades
primitivas no reino do pensamento, a apologética nã o se reduz a
uma “vontade de acreditar” cega e voluntarista? A decisã o a favor ou
contra a fé nã o seria, no fim das contas, uma mera questã o de gosto
pessoal? Bem, a resposta teria de ser sim se o apologista meramente
se contentasse com argumentos e evidências para fatos isolados,
selecionados. Mas a resposta é nã o se o cristã o leva seu argumento
além dos “fatos e nada além dos fatos” para o nível das
pressuposiçõ es autoevidentes ─ as suposiçõ es ú ltimas que
selecionam e interpretam os fatos.
Nesse nível de conflito com o incrédulo o cristã o deve perguntar:
qual é realmente a pressuposiçã o inquestionável e auto evidente?
Entre o crente e o incrédulo, quem tem realmente o ponto de partida
mais certo para o raciocínio e a experiência? Qual é esse ponto de
partida pressuposicional? Aqui o apologista cristã o, defendendo
suas pressuposiçõ es ú ltimas, deve estar preparado para argumentar
pela impossibilidade do contrário ─ isto é, argumentar que a
perspectiva filosó fica do incrédulo destrói o significado, a
inteligência e a pró pria possibilidade de conhecimento, enquanto a
fé cristã fornece a ú nica estrutura e as ú nicas condiçõ es para a
experiência inteligível e a certeza racional. O apologista deve
sustentar que o verdadeiro ponto de partida do pensamento não
pode ser outro que não Deus e sua palavra revelada, pois nenhum
raciocínio é possível à parte dessa autoridade ú ltima. Aqui e
somente aqui se pode encontrar o ponto de partida genuinamente
inquestioná vel.
Deve estar claro que essa é a perspectiva da Escritura. Nossa
pressuposiçã o ú ltima e indisputá vel no pensamento e na
argumentaçã o deve ser a palavra de Deus e nã o “fatos brutos”
sustentados independentemente. Cristo demonstrou que a palavra
de Deus (e, portanto, o pró prio ensino dele) tem a mais alta
autoridade no mundo do pensamento; ela é o ponto de partida
firme, o fundamento autovalidá vel e o padrã o final da verdade.
Como tal, nada é mais ú ltimo do que ela ou pode colocá -la em
dú vida. Assim, Cristo jamais teria consentido em colocar o Senhor
Deus à prova (Mateus 4.7). Assim também, Cristo designou a si
mesmo como “a verdade” (Joã o 14.6). Cristo e a sua palavra
permanecem firmes como o ponto de verdade em ú ltima aná lise
mais estabelecido e confiá vel; só Cristo pode designar a si mesmo
como “o Amém” (Apocalipse 3.14; cf. Isaías 65.16) e prefaciar seus
pronunciamentos com “Amém, amém te digo…” (Joã o 3.3, 5, 11, etc.)
[5]
. Cristo e a sua palavra sã o verdadeiros de forma autoatestadora .
Sendo o pró prio padrã o de verdade pelo qual todas as demais
reivindicaçõ es devem ser medidas, Cristo nã o contou com o apoio
ou a evidência de outros para o seu ensino: Ele ensinou com
autoridade auto ssuficiente (Mateus 7.29). Se uma pessoa se
recusasse a receber as palavras dele, essas mesmas palavras iriam
julgá - la (Joã o 12.48-50); como provenientes do Senhor , elas têm
autoridade ú ltima e nã o sã o, portanto, objeto de contestaçã o (cf.
Mateus 20.1-15). Cristo declarou que seria mais tolerante com
Sodoma do que com aquela cidade que nã o recebesse a proclamaçã o
apostó lica, pois (como ele explicou aos apó stolos), “quem vos ouve a
vó s, a mim me ouve” (Lucas 10.10-16). A palavra divina é
autoritativa em si mesma, trazendo inerentemente a sua pró pria
evidência. Como consequência, nenhum homem tem a prerrogativa
de colocá -la em dú vida (Romanos 9.20); antes, aqueles que
contendem com Deus sã o chamados a responder (cf. Jó 38.1-3; 40.1-
5). A veracidade de Deus deve ser automaticamente pressuposta
(Romanos 3.1), pois ele fala com clareza inequívoca (Romanos 1.19-
20; Salmos 119.130).
Cristo desdenhou daqueles que buscavam sinais além da autoridade
das palavras dele (Mateus 12.39; 16.4); ciente disso, Lucas prefaciou
tal incidente com as palavras: “Antes bem-aventurados os que
ouvem a palavra de Deus e a guardam” (Lucas 11.28). Os apologistas
devem ter em mente que Cristo nã o precisa nem do testemunho
nem da gló ria do homem (Joã o 5.31, 41); seu maior testemunho vem
do Pai, falando na Escritura (Joã o 5.37, 39). A recusa dos homens de
crer na palavra de Cristo não é atribuída a uma falta de evidência
factual , mas à não permanência deles nessa palavra autoevidente de
Deus (Joã o 5.36-38). A Escritura é autoritativa em si mesma para
testificar de Cristo, pois a palavra de Deus é mais certa do que
qualquer experiência de testemunha ocular dos fatos (2 Pedro 1.16-
19). Se os homens nã o se submetem ao ponto de partida ú ltimo e
autoevidente da palavra de Deus, tampouco serã o convencidos pelo
fato de uma ressurreiçã o histó rica (Lucas 16.31). Assim, quando
alguns discípulos estiveram relutantes em crer no fato da
ressurreiçã o de Cristo, ele os repreendeu nã o por terem falhado em
acompanhar a evidência vivenciada, mas por sua hesitaçã o em crer
nas Escrituras (Lucas 24.24-27).
Assim, vemos que, em termos de um método biblicamente guiado, o
cerne da apologética cristã nã o sã o os simples fatos experienciados
(necessá rios que possam ser), mas a revelaçã o de Deus na sua
veracidade autoatestadora. Como defensores da fé, somos obrigados
a “examin[ar] os espíritos para ver se eles procedem de Deus” (1
Joã o 4.1, NVI); esse discernimento e defesa sã o exigidos no nível do
ponto de partida e das pressuposiçõ es, como também em todos os
níveis mais elevados. O padrã o final pelo qual todas as
reivindicaçõ es religiosas (afirmativas ou negativas) devem ser
testadas é o ensino apostólico (1 Joã o 4.2-3) ─ o que significa que ele
em si mesmo nã o é testado por nada mais ú ltimo; nã o há nenhuma
“autoridade superior” à pró pria palavra autoevidente de Deus.
Portanto, quando o debate apologético é centrado (em ú ltimo caso)
na questã o das pressuposiçõ es conflitantes, o crente deve defender
a palavra de Deus como o ponto de partida ú ltimo, a autoridade
inquestioná vel, o fundamento autoatestador de todo pensamento e
compromisso. No nível em que existam reivindicaçõ es conflitantes
sobre qual o ponto de partida verdadeiro e autoevidente, nossa
argumentaçã o apologética deve exigir tudo ou nada: ou a completa
rendiçã o ao Senhorio epistêmico de Cristo (Colossenses 2.3), ou a
absoluta vaidade intelectual e o correr atrá s do vento (Eclesiastes
1.13-17). Devemos argumentar a partir da impossibilidade do
contrá rio. A verdade fundamental da fé cristã nã o pode receber uma
defesa mais definitiva ou rigorosa do que essa. As simples
evidências da natureza, personalidade, ló gica ou histó ria nã o sã o
suficientes quando o debate alcança o nível pressuposicional; elas
nã o podem destruir toda altivez que se levanta contra o
conhecimento de Deus e exigir que todo pensamento seja levado
cativo à obediência de Cristo (cf. 2 Coríntios 10.4-5, ARA).
O incrédulo nã o deve ser deixado com falsas pretensõ es: como, por
exemplo, que seu problema é meramente uma falta de informaçã o,
ou que ele tã o somente precisa corrigir alguns dos seus silogismos,
ou que sua experiência e seus pensamento estã o todos corretos
naquilo que se propõ em. Na verdade, os princípios do pensamento,
da razã o e da realidade adotados pelo incrédulo levariam à completa
loucura e destruiçã o intelectual (1 Coríntios 1.20; Mateus 7.26-27).
É isso que deve ser salientado, testemunhando-se assim que o
contrário do cristianismo é impossível , enquanto que, por outro
lado, os dogmas da fé fornecem as precondiçõ es necessá rias da
inteligibilidade e do significado. Essas sã o a perspectiva e o método
bíblicos.
A fonte do problema epistemoló gico e moral do incrédulo é que ele
tem o ponto de partida autoritativo (supostamente autoevidente)
errado no seu pensamento. Deve ser ó bvio, entã o, que o apologista
só pode ajudar o incrédulo se o apologista estiver
conscienciosamente ciente da autoridade ú ltima correta ,
genuinamente autoevidente, no reino do pensamento e for fiel em
argumentar de tal forma que a sua defesa esteja enraizada nessa
pressuposiçã o (Mateus 15.14; cf. 2 Coríntios 4.4; Efésios 4.18 com
Joã o 9.39; Atos 26.18; Salmos 119.18).
Na verdade, o que ocorre é que, como muitos serã o rá pidos em
apontar, esse método pressuposicional de apologética assume a
veracidade da Escritura para argumentar pela veracidade da
Escritura. Isso é inevitá vel quando verdades ú ltimas estã o em jogo.
Contudo, nã o é algo prejudicial, pois nã o se trata de um raciocínio
em círculo plano (a saber, “a Bíblia é verdadeira porque a Bíblia é
verdadeira”). Antes, o apologista cristã o simplesmente reconhece
que a verdade última ─ a que é a mais abrangente, fundamental e
necessá ria ─ é tal que nã o pode ser defendida independentemente
das precondiçõ es que lhe sã o inerentes. Deve-se pressupor a
veracidade da revelaçã o de Deus para se poder mesmo raciocinar ─
mesmo quando o raciocínio é sobre a revelaçã o de Deus. O fato de o
apologista pressupor a palavra de Deus para manter uma discussã o
ou debater sobre a veracidade dessa palavra não anula seu
argumento, mas antes o ilustra .
18. RESUMO SOBRE O MÉTODO
APOLOGÉTICO: CAPÍTULOS 13-17
 
 
Com base nas seçõ es anteriores sobre o método apologético,
podemos agora resumir a forma como devemos proceder para
defender a esperança cristã que há em nó s:
 
 
A NATUREZA DA SITUAÇÃ O APOLOGÉ TICA
 
1. A controvérsia entre o crente e o incrédulo é, em princípio, uma
antítese entre dois sistemas completos de pensamento envolvendo
suposiçõ es e compromissos ú ltimos.
2. Até mesmo as leis do pensamento e do método, além das
evidências factuais, serã o aceitas e avaliadas à luz das
pressuposiçõ es governantes de uma pessoa.
3. Todas as cadeias de argumentaçã o, especialmente sobre questõ es
de importâ ncia pessoal ú ltima, remontam a e dependem de pontos
de partida que sã o tomados como autoevidentes; assim, a
circularidade no debate será inevitá vel. Porém, nem todos os
círculos sã o inteligíveis ou vá lidos.
4. Assim, apelos à ló gica, aos fatos e à personalidade podem ser
necessá rios, mas nã o sã o apologeticamente adequados; o que é
necessá rio nã o sã o respostas fragmentadas, probabilidades ou
evidências isoladas, mas sim um ataque à s pressuposiçõ es
subjacentes do sistema de pensamento do incrédulo.
5. O modo de pensar do incrédulo é caracterizado da seguinte forma:
a. Por natureza o incrédulo é a imagem de Deus e, assim,
inescapavelmente religioso; seu coraçã o testifica
continuamente, como o faz também a revelaçã o clara de Deus
ao seu redor, a existência e o cará ter de Deus.
b. Mas o incrédulo troca a verdade por uma mentira. Ele é um
tolo que se recusa a iniciar seu pensamento com reverência
pelo Senhor; ele nã o construirá sobre as palavras
autoevidentes de Cristo, mas suprime a revelaçã o inevitá vel de
Deus na natureza.
c. Porque nã o tem prazer no entendimento, mas escolhe servir
à criatura em lugar do Criador, o incrédulo está
autoconfiantemente comprometido com as suas pró prias
formas de pensamento; estando convencido de que nã o
poderia estar fundamentalmente errado, ele ostenta o
pensamento perverso e desafia a palavra autoatestadora de
Deus.
d. Consequentemente, o pensamento do incrédulo resulta em
ignorâ ncia; na sua mente fú til obscurecida ele realmente odeia
o conhecimento e só pode ganhar um “conhecimento”
falsamente assim chamado.
e.  Até onde ele realmente sabe alguma coisa, isso se deve à sua
dependência nã o reconhecida da verdade suprimida sobre
Deus dentro de si. Isso torna o incrédulo intelectualmente
esquizofrênico; pelo modo de pensar que defende, ele na
verdade “se opõ e a si mesmo” e mostra a necessidade de uma
radical “mudança de mente” (arrependimento) para um
conhecimento genuíno da verdade.
f.  A ignorâ ncia do incrédulo é culpá vel porque ele é
indesculpá vel por sua rebeliã o contra a revelaçã o de Deus;
portanto ele está “sem apologética” para os seus pensamentos.
g. Sua incredulidade nã o resulta de uma falta de evidência
factual, mas da sua recusa em se submeter à palavra
autoritativa de Deus desde o princípio do seu pensamento.
 
 
OS REQUISITOS DO APOLOGISTA
 
1. O apologista deve ter a atitude adequada; ele nã o deve ser
arrogante ou alguém que causa contendas, mas com humildade e
respeito deve argumentar de maneira branda e pacífica.
2. O apologista deve ter o ponto de partida adequado; ele deve
tomar a palavra de Deus como a sua pressuposiçã o autoevidente,
pensando os pensamentos de Deus depois dele (ao invés de
tentar ser neutro), e vendo a palavra de Deus como mais certa do
que até mesmo a sua experiência pessoal dos fatos.
3. O apologista deve ter o método adequado; trabalhando sobre
as pressuposiçõ es nã o reconhecidas do incrédulo e estando
firmemente enraizado na sua pró pria, o apologista deve ter como
objetivo destruir toda a altivez que se levanta contra o
conhecimento de Deus, buscando levar todo pensamento (o seu
assim como o do oponente) cativo à obediência de Cristo.
4. O apologista deve ter a meta adequada: garantir a rendiçã o
incondicional do incrédulo sem comprometer sua pró pria
fidelidade.
a. A palavra da cruz deve ser usada para expor a completa
pseudosabedoria do mundo como uma tolice autodestrutiva.
b. Cristo deve ser separado como Senhor no coraçã o, nã o se
reconhecendo assim nenhuma autoridade superior à palavra
de Deus e recusando-se a suspender o compromisso
intelectual com a sua verdade.
 
 
O PROCEDIMENTO PARA A DEFESA DA FÉ
 
1. Percebendo que o incrédulo está suprimindo a verdade em
injustiça, o apologista deve rejeitar as pressuposiçõ es tolas que
estã o implícitas nas questõ es críticas e tentar educar seu
oponente.
2. Isso envolve apresentar os fatos dentro do contexto da
filosofia bíblica de fato:
a. Deus é o determinante soberano da possibilidade e da
impossibilidade.
b. Uma recepçã o e compreensã o adequada dos fatos requer
uma submissã o ao Senhorio de Cristo.
c. Assim, os fatos só serã o significativos para o incrédulo se ele
tiver uma mudança pressuposicional de mentalidade das
trevas para a luz.
d. A Escritura tem autoridade para declarar o que aconteceu
na histó ria e para interpretá -la corretamente.
3. As pressuposiçõ es adotadas pelo incrédulo devem ser
vigorosamente atacadas, perguntando-lhe se o conhecimento é
possível, da seguinte forma:
a. Para mostrar que Deus tornou louca a sabedoria do mundo,
o crente pode se colocar na posiçã o do incrédulo e responder-
lhe segundo a sua estultícia, para que nã o seja sá bio aos seus
pró prios olhos; isto é, ele demonstra o resultado do
pensamento incrédulo com as suposiçõ es desse pensamento.
b. As afirmaçõ es do incrédulo devem ser reduzidas à
impotência e à impossibilidade por uma crítica interna do
sistema dele; isto é, ele demonstra a ignorâ ncia da
incredulidade argumentando a partir da impossibilidade de
qualquer coisa contrá ria ao cristianismo.
4. O apologista deve apelar ao incrédulo como sendo ele a
imagem de Deus que tem uma revelaçã o clara e inescapá vel de
Deus, a qual lhe dá assim um conhecimento inextirpá vel de Deus;
esse conhecimento pode ser exposto indicando expressõ es
involuntá rias ou apontando para o “capital emprestado”
(pressuposiçõ es nã o reconhecidas) que pode ser encontrado na
posiçã o do incrédulo.
5. O apologista deve declarar a verdade autoevidente e
autoritativa de Deus como a precondiçã o da inteligibilidade e o
ú nico caminho de salvaçã o do homem (de todos os efeitos do
pecado, incluindo a ignorâ ncia e a vaidade intelectual):
a. Para que nã o se torne como o incrédulo, o apologista nã o
deve lhe responder segundo a sua estultícia, mas de acordo
com a palavra de Deus.
b. O incrédulo pode ser convidado a se colocar na posiçã o
cristã para ver que ela fornece os fundamentos necessá rios
para a experiência inteligível e o conhecimento factual ─ assim
concluindo que só ela é razoá vel de se manter e que ela é o
pró prio fundamento para se provar o que quer que seja.
c. O apologista também pode explicar que a Escritura dá uma
justificativa para o estado mental (a hostilidade) do incrédulo
e o fracasso dos homens em reconhecerem a verdade
necessá ria da revelaçã o de Deus; ademais, a Escritura fornece
a ú nica saída dos efeitos dessa hostilidade e fracasso (a
futilidade e a condenaçã o).

 
 
 
 
SEÇÃO QUATRO:
AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O SUCESSO
APOLOGÉTICO
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
19. DEUS DEVE SOBERANAMENTE CONCEDER
ENTENDIMENTO
 
 
Se o cristã o deve ter sucesso na defesa da fé, deve estar preparado
para colocar em dú vida a competência do pensamento do incrédulo.
Ainda que o crente nã o tenha as credenciais impressionantes da
academia letrada possuídas pelo incrédulo, ele é capaz de fazer isso.
Os chamados “experts” letrados criticaram nosso Senhor com
respeito à s suas credenciais educacionais (Joã o 7.14-15), mas Jesus
se opô s desafiando a competência dos seus oponentes. Porque se
recusavam a fazer a vontade de Deus, nã o estavam em posiçã o de
julgar o ensino dele (vv. 17, 19). O cristã o, sendo habitado pelo
Espírito Santo (Joã o 14.17) e permanecendo firme na palavra de
Cristo (Joã o 8.31-32, NVI), conhece a verdade. Todas as coisas que
dizem respeito à vida sã o dadas através de um conhecimento de Deus
(2 Pedro 1.3), e assim aqueles que se recusam a reconhecer Deus e a
verdade sobre ele serã o levados à futilidade e ao erro em todos os
campos do pensamento (Romanos 1.18-21, ARA). Sua injustiça os
cega, e consequentemente o cristã o iluminado pode desafiar o
raciocínio do seu oponente. Até mesmo aos desprezadores cultos e
letrados do cristianismo pode ser apresentada, por qualquer crente,
uma apologética eficaz: “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste
mundo para confundir as sá bias” (1 Coríntios 1.27). O sucesso
apologético parte dessa confiança.
Essa confiança, no entanto, deve ser acompanhada de um método
adequadamente orientado. Em particular, o apologista deve se
abster de apelar aos princípios autô nomos do pensamento secular
na sua tentativa de trazer entendimento ao incrédulo, pois o
método, padrã o e ponto de partida do incrédulo sã o inerentemente
contrá rios ao entendimento salvífico que o apologista visa.
Autonomia e entendimento sã o mutuamente exclusivos. O sucesso
apologético será impedido se o crente basear seu argumento em
pressuposiçõ es incrédulas ou na atitude de autonomia; visto que
essas sã o as fontes da falta de entendimento do incrédulo, elas nã o
podem fornecer a fortiori o caminho para o entendimento.
A raça humana inteira está morta em delitos e pecados, carecendo
da gló ria de Deus (Efésios 2.1, 5, ARA; Romanos 3.23; 5.15, ARA);
como resultado, ninguém busca Deus ou tem entendimento
(Romanos 3.10-12). O pecado leva o incrédulo a exaltar suas
pró prias imaginaçõ es e a ignorar a revelaçã o de Deus; assim, a razã o
do incrédulo é sempre desviada para conclusõ es fú teis, errô neas e
injustas. Em seu coraçã o (do qual procedem as fontes da vida) o
incrédulo néscio diz que nã o há Deus, e assim ele não tem
conhecimento ou entendimento (Salmos 53.1-4; Romanos 3.10-12). O
homem com quem o apologista argumenta, entã o, carece de
entendimento e seu raciocínio é inú til. Na sua mente ele é um filho
da ira (Efésios 2.3); sua mente está em inimizade com Deus e ele é
incapaz de fazer a vontade de Deus (Romanos 8.7). As suposiçõ es
intelectuais, as operaçõ es e a competência do incrédulo que sã o
julgadas num encontro apologético, nã o a revelaçã o de Cristo. O
pensador rebelde anda de acordo com os seus pró prios
pensamentos e está , assim, aprisionado na loucura que procede do
seu coraçã o (Isaías 65.2; Marcos 7.21-22). Visto que apostata da fé,
ele inevitavelmente fala mentiras e ensina mentiras demoníacas (cf.
1 Timó teo 4.1-2; Romanos 1.25).
Essas sã o palavras duras e impopulares para os ouvidos modernos.
Porque os apologistas contemporâ neos tantas vezes compartilham
da autonomia do pensamento secular, nã o estã o dispostos a
denunciar a loucura que existe na sua raiz. Muitos fazem vista
grossa à profunda deficiência e injustiça na epistemologia nã o cristã
numa tentativa de ganhar audiência e mostrar que um acordo entre
a autossuficiência intelectual e a dependência soterioló gica de Deus
é possível. No entanto, é impossível se esquivar da denú ncia severa
que a Bíblia faz do pensamento incrédulo e da sua exposiçã o da
loucura do incrédulo. A antítese fundamental entre a epistemologia
cristã e a epistemologia apó stata deve ser enfatizada. Em contraste
com o homem cujos pensamento sã o vã os se levanta o homem que é
instruído pela lei de Deus (Salmos 94.11-12; cf. 1 Coríntios 3.20). O
cristã o se alegra de operar nã o de acordo com a sabedoria carnal,
mas (em absoluto contraste) de acordo com a graça de Deus (2
Coríntios 1.12).
Que tipo de apologética, que nã o seja para compartilhar da
autonomia do pensamento incrédulo, pode ser bem-sucedida em
trazer o incrédulo para um entendimento da verdade? A resposta é
que, assim como a pregaçã o fiel, a defesa fiel do evangelho deve
estar enraizada na Palavra e no Espírito . Deus só pode ser
conhecido por uma revelaçã o voluntá ria do Filho e do Espírito de
Deus (Mateus 11.27; 1 Coríntios 2.10); juntos eles lidam com a
hostilidade ética do homem à revelaçã o de Deus e o capacitam a ter
um conhecimento salvífico do seu Criador.
O entendimento de que o incrédulo carece só pode ser fornecido se a
mente dele foi aberta (por ex., Lucas 24.45) e ele foi convencido pelo
Espírito da Verdade (Joã o 16.8). Esse Espírito continuamente
testemunha de Cristo, conduzindo sua obra no mundo como o
representante legal de Cristo para essa defesa (isto é, o “Advogado”;
Joã o 15.26). Ou seja, o sucesso da nossa apologética depende da
obra do Espírito Santo (cf. Joã o 3.3, 8). Ademais, o incrédulo só pode
ter Deus e conhecer a verdade se permanecer na palavra de Cristo
(Joã o 8.31-32; 2 Joã o 9). Até que obtenha a mente de Cristo, ele é
totalmente incapaz de conhecer as coisas do Espírito (1 Coríntios
2.14, 16). Ter a mente de Cristo requer humildade (cf. Filipenses 2.5,
8), e, portanto, renú ncia da autossuficiência a fim de obedecer a
verdade de Deus. Só se pode chegar a um conhecimento dele, que é a
Verdade (Joã o 14.6), quando o Filho dá o entendimento que está
faltando (1 Joã o 5.20).
Portanto, o apologista é chamado a dar um testemunho fiel da
verdade, ao invés de tentar melhorar a sabedoria do Senhor por
meio de argumentos autô nomos. Sendo confiante da sua capacidade
de desafiar o pensamento apó stata, o crente deve arrazoar nã o de
acordo com os princípios do pensamento secular, mas na verdade
pressuposta da palavra de Cristo, esperando que o poder do seu
Espírito traga convicçã o, conversã o e entendimento. Uma
apologética bem-sucedida que seja feita de acordo com a Palavra e o
Espírito de Cristo é uma funçã o da graça de Deus e nã o da sabedoria
e inteligência humanas.

 
20. É PRECISO CRER PARA ENTENDER
 
 
O testemunho da Escritura é claro no ensino de que o homem nã o
pode chegar a um entendimento de Deus (e, por sua vez, do mundo
de Deus) pelo exercício da sua razã o de forma independente. Uma
pessoa nã o satisfaz primeiro seu intelecto com certas provas
autô nomas de que Deus existe e tem uma natureza particular para
só entã o, tendo alcançado esse entendimento, depositar a sua fé no
Senhor. Antes, a reverência e a fé precedem o entendimento ou
conhecimento de Deus e de tudo o que ele fez. Conhecer Deus na
salvaçã o e aproximar-se dele tem requisitos ou precondiçõ es
definidas. O mote da literatura de sabedoria é que “O temor (ou
submissã o reverente) do Senhor é o princípio (isto é, o princípio
primeiro e controlador) do conhecimento” (Provérbios 1.7). Sobre
esse versículo, Matthew Henry apropriadamente comenta: “Para a
obtençã o de todo conhecimento ú til, isto é o mais necessá rio, que
temamos a Deus; nã o estaremos qualificados a nos beneficiar das
instruçõ es que nos sã o dadas a menos que nossa mente seja imbuída
de uma reverência sagrada a Deus e cada pensamento em nó s seja
colocado em obediência a ele”.
O livro de Hebreus repetidamente toca no tema de se aproximar de
Deus ou chegar a ele (por exemplo, 4.16; 7.25; 10.22; 12.22), o que
foi possibilitado pelo ministério perfeito e pela realizaçã o da
redençã o por Jesus Cristo (cf. 8.1-13). Esse benefício da Nova
Aliança é resumidamente designado como “ conhece o Senhor” (v.
11; cf. Joã o 17.3). O pré-requisito inevitá vel para chegar ao Senhor
em conhecimento salvífico é fixado em Hebreus 11.6 como sendo a
fé; sem ela é impossível agradar a Deus. A fé nos capacita a nos
aproximar de Deus e a conhecê-lo.
O que Deus exige dos homens é que eles tenham fé no seu Filho
messiâ nico (Joã o 6.28-29), e Jesus declarou que fazer a vontade de
Deus era necessá rio se alguém fosse ganhar conhecimento da
verdadeira revelaçã o de Deus (Joã o 7.17). A partir disso é evidente
que o conhecimento autô nomo nã o seleciona primeiro a revelaçã o
genuína de Deus para só entã o confiar salvíficamente no Salvador
que é ali revelado. A fé é a precondiçã o para um entendimento
adequado. Agostinho extraiu a inferência com clareza: “O
entendimento é a recompensa da fé; portanto nã o procures
entender para crer, mas antes crê para entender” ( Homilies on the
Gospel of John 29.6). A virtude ou retidã o pessoal (isto é, a disciplina
desprezada pelos loucos que odeiam o conhecimento, Provérbios
1.7b-8, 29) é o apoio necessá rio para o conhecimento; se o coraçã o
de um homem está errado, seu pensamento será
correspondentemente fú til. Assim como o conhecimento é apoiado
pela virtude, a virtude é apoiada pela fé (2 Pedro 1.5). Assim,
devemos concluir que a fé precede o entendimento versado.
Sendo esse o caso, e visto que o arrependimento é para a fé (Mateus
21.32), o apologista deve ter como objetivo trazer ao
arrependimento aqueles vivem na ignorâ ncia (Atos 17.30). O
conhecimento só pode ser obtido quando o incrédulo se arrepende e
chega à fé em Cristo: à parte dessa radical “mudança de mente” e
confiante submissã o à verdade de Deus, o conhecimento é
automaticamente excluído. Portanto, o sucesso apologético depende
da conversã o do pecador: seu pensamento deve ser totalmente
convertido, nã o simplesmente suplementado com argumentos
autô nomos. A fé e o arrependimento, que produzem reverência pelo
Senhor, sã o fundacionais para o conhecimento, e nã o vice-versa. O
entendimento nã o é obtido na sabedoria do homem, mas apenas
quando essa pseudosabedoria é abandonada em favor da verdade
de Deus. O método apologético do crente deve levar esse fato em
consideraçã o o tempo todo: se fizer isso, o apologista será fiel e
ousado para apresentar o desafio completo da argumentaçã o
pressuposicional ao invés das tentativas fragmentadas daquelas
abordagens que nã o exortam o pecador a abandonar seu sistema de
pensamento, com suas suposiçõ es autô nomas e metodologia fú til. O
oponente do evangelho nã o chegará ao conhecimento até que
renuncie ao seu orgulho pecaminoso e alegada autossuficiência
intelectual ─ isto é, até que epistemologicamente se curve perante o
Senhor com fé em arrependimento.
Mas se a fé em arrependimento é necessá ria para que o incrédulo
veja a verdade do evangelho que defendemos, entã o o sucesso da
nossa apologética está nas mã os do nosso soberano Criador e
Redentor. Nossa polêmica será convincente somente na medida em
que os nossos ouvintes incrédulos forem renovados na sua mente e
recriados pelo Espírito de Deus na santidade da verdade (Efésios
4.23-24). Só entã o eles deixarã o de andar na vaidade da sua mente
com entendimento obscurecido e ignorâ ncia (cf. vv. 17-18).
Conhecimento requer arrependimento e fé, e assim o conhecimento
depende da graça de Deus, que concede a fé como um dom (Efésios
2.8) e dá arrependimento (Atos 5.31; 11.18). Quando o pecador é
beneficiado dessas formas pela misericó rdia e amor de Deus, ele “[é
revestido] do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento ,
segundo a imagem daquele que o criou” (Colossenses 3.10, ARA). A
fé requer que a pessoa seja nascida de Deus (1 Joã o 5.1), que dá
arrependimento para ela conhecer plenamente a verdade (2 Timó teo
2.25, ARA). Para ganhar entendimento e conhecimento, o oponente
do apologista deve chegar à fé em arrependimento, e isso ocorre nã o
por um conhecimento superior ou raciocínio inteligente da parte do
apologista, mas pela obra graciosa de Deus no pecador tal que ele
seja capacitado a conhecer a verdade da argumentaçã o e do
testemunho fiel do apologista (estando enraizados na palavra de
Cristo e sendo poderosos de acordo com o Espírito de Cristo).
Deus deve nos dar o sucesso em nossos esforços apologéticos. Assim
devemos “[andar] com sabedoria para com os que estã o de fora”
(Colossenses 4.5), nã o argumentando a partir das pressuposiçõ es
tolas da incredulidade, mas de acordo com a verdade e autoridade
pressuposta da revelaçã o sá bia de Deus no evangelho. Quando
fizermos isso, saberemos como responder a cada um (v. 6), olhando
a Deus em contínua oraçã o para que ele conceda sucesso
apologético abrindo-nos porta para a palavra (vv. 2-3). Nã o deve
proceder da nossa boca a comunicaçã o corrupta que caracteriza o
pensamento humanista (cf. Mateus 7.17-18), mas sim as boas
palavras que representam a mente de Deus (cf. Mateus 19.17) e que
podem ministrar graça aos nossos ouvintes (Efésios 4.29). A
exemplo de Paulo, nosso discurso nã o deve ser feito com as palavras
persuasivas da sabedoria humana, mas com a prova (demonstraçã o)
poderosa do Espírito (1 Coríntios 2.4), sabendo que a fé dos nossos
oponentes deve se apoiar no poder de Deus e nã o na sabedoria dos
homens (v. 5). Essa fé é para o entendimento. Consequentemente, o
apologista deve operar a partir da palavra pressuposta de Cristo, ser
constante na oraçã o e olhar para Deus para que a porta seja aberta
para a palavra (cf. Atos 14.27; 1 Coríntios 16.19; 2 Coríntios 2.12) e
sejam concedidos sabedoria, pleno conhecimento e iluminaçã o (cf.
Efésios 1.16-17, ARA).

 
21. ESTRATÉGIA GUIADA PELA NATUREZA DA
CRENÇA
 
 
Para ter sucesso em algum empreendimento, é imperativo a pessoa
saber qual é o devido fim, objetivo ou meta desse empreendimento.
O sucesso no empreendimento nã o vem acidentalmente ou
arbitrariamente, e, portanto, você nã o pode calcular que passos
tomar sem entender aonde você está indo. O fato de que a profissã o
médica tem como objetivo levar saú de aos seus pacientes tem uma
importâ ncia crítica para a determinaçã o de quais métodos e
procedimentos ela deve empregar. Um homem nã o saberá o que
fazer na construçã o da sua causa até que aprenda o que é necessá rio
fazer para impedir que o teto caia. Além disso, a meta do
empreendimento delimita os caminhos em que a pessoa pode com
sucesso realizá -lo; por exemplo, se você tem o objetivo de chegar à
Austrá lia, o sucesso disso requer a exclusã o da viagem de
automó vel.
Assim, para o apologista ter sucesso na defesa da fé, ele deve
entender a natureza da sua meta. O que ele almeja irá ditar o
método que ele deve seguir. Ora, a menos que o apologista esteja
engajado num orgulhoso jogo intelectual, a meta da sua defesa e
discussã o com o incrédulo deverá ser ver o incrédulo chegar à
crença ─ ou seja, à fé salvadora. E uma vez que compreendamos o
que a palavra de Deus ensina sobre a natureza da fé salvadora,
teremos feito um grande avanço na compreensã o de qual método de
argumentaçã o apologética deve ser seguido (em oraçã o) para se
obter sucesso.
Nã o pode haver dú vida de que a Escritura nos apresenta Abraã o
como o paradigma da fé. Por isso ele é chamado de o “pai de todos
os que creem” (Romanos 4.11). Somos chamados a andar nos seus
passos de fé (v. 12). O tipo de fé possuída por Abraã o era aquele que
nã o andava pela vista ou por autossuficiência intelectual; a
esperança que o raciocínio humano e a investigaçã o científica
podiam proporcionar nã o era a luz guia de Abraã o. Em vez disso,
Abraã o creu na promessa incrível (pelos padrõ es humanos) de que,
conquanto fosse um idoso sem um herdeiro visível, sua semente
seria incontá vel (Gênesis 15.5-6). Ele “em esperança creu contra a
esperança ”, todavia “ conforme o que lhe fora dito ” por Deus, de que
ele se tornaria pai de muitas naçõ es (Romanos 4.18). Ao contrá rio
das conclusõ es que podem ser tiradas pelo pensamento do homem,
mas de acordo com a palavra falada de Deus ─ essa era a natureza
da fé genuína. Abraã o tinha de saber o que era mais confiá vel, o que
pressupor, que padrõ es orientadores seguir. Assim, ele tã o bem
ilustrou que “a fé é… a convicçã o de fatos que se não veem ” (Hebreus
11.1, ARA). A fé nã o confia no pensamento autô nomo do homem e
no que “ vê ”, mas começa com uma convicçã o pressuposicional da
veracidade da palavra de Deus. O que nã o é visto na capacidade
humana é visto pela fé que se submete à palavra autoatestadora do
Senhor (Hebreus 11.27). A essência da fé de Sara é que ela teve por
fiel aquele que prometeu (Deus) (Hebreus 11.11). Ter total
dependência da veracidade de Deus e dar à sua palavra prioridade
epistêmica sobre a excogitaçã o do homem sã o elementos
inerradicá veis da fé genuína.
O escopo da fé, entã o, nã o é o horizonte do que as esperanças
humanas ditam como crível. Antes, o homem de fé se submete à
confiabilidade a priori da palavra de Deus ─ assim como Abraã o fez
ao obedecer à ordem de sacrificar seu ú nico filho depois de havê-lo
recebido de acordo com a promessa. Abraã o fez isso simplesmente
considerando a capacidade de Deus de até os mortos ressuscitar
(Hebreus 11.17-19). Abraã o nã o andava de acordo com a verificaçã o
demonstrá vel e a visã o que satisfazia a si pró pria; sua fé era uma fé
que colocava a capacidade e a fidelidade de Deus acima de tudo. Ele
confiou que “[nã o há ] coisa alguma difícil ao Senhor” (Gênesis
18.14) simplesmente com base em que o pró prio Deus o havia
declarado. A palavra de Deus é a sua pró pria autenticaçã o; ela é
autoritativa de forma autoatestadora. Abraã o creu na palavra de
Deus com base nos pró prios méritos dela. Ele estava plenamente
seguro e nã o vacilou na incredulidade, concentrando-se na
promessa de Deus (Romanos 4.20-21). Aqui há , de fato, fé salvadora
(v. 22)!
Dado esse exemplo claro, podemos entender por que a Escritura
ensina que nossa confiança deve estar exclusivamente em Deus, nã o
colocando nenhuma confiança na carne (cf. Filipenses 3.3). Quando
um homem confia em si mesmo ele se aparta do Senhor (Jeremias
17.5). Assim, é pura tolice os homens confiarem em seu pró prio
pensamento autoproclamado autô nomo (Provérbios 28.26). A fé
nã o pode ser plantada e crescer no solo da sabedoria humana; ela
requer, em vez disso, que se pressuponha a palavra de Deus.
Portanto, Paulo declara que seu discurso nã o estava enraizado em
palavras persuasivas de sabedoria humana “p ara que a vossa fé nã o
se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus” (1
Coríntios 2.4-5). A fé começa com o Senhor e se submete de todo o
coraçã o à sabedoria dele; ela é colocada em contraposiçã o à
confiança que se tenha no pró prio raciocínio ou entendimento. O
livro da verdadeira sabedoria nos exorta: “ Confia no Senhor de todo
o teu coraçã o, e não te estribes no teu próprio entendimento”
(Provérbios 3.5). Quando alguém voluntariamente limita a sua fé,
arvorando-se a questionar a capacidade ou verdade de Deus com
base na argumentaçã o ou intelecto humanos, isso é uma séria
provocaçã o a Deus (por ex., Salmos 78.18-22). Por consequência, a
fé obviamente nã o deve estar fundamentada no pensamento
autoconfiante do homem. Deus deve ser tomado pela sua palavra,
pois ele é a pró pria verdade.
Uma vez que esse é o fim que esperamos alcançar quando falamos
apologeticamente com o incrédulo, deve estar claro que a nossa
defesa deve estar enraizada na palavra pressuposta de Deus em vez
de ser guiada por argumentos engenhosos que repousem na
presumida autonomia intelectual. Nã o devemos, em nossa
apologética, ensinar ao incrédulo que ele deve confiar em si mesmo
para (salvificamente) confiar inteiramente no Senhor!

 
22. NÃO SE DEIXANDO SEDUZIR COMO EVA
 
 
Cristo é a pró pria sabedoria de Deus (1 Coríntios 1.24), embora o
mundo da incredulidade veja ele e o seu evangelho como loucura (v.
18). Esse fato deve tomar posse do apologista a fim de que ele
permaneça fiel à s suas pressuposiçõ es tal como encontradas na
palavra revelada de Deus, nã o obstante a demanda do mundo por
sinais e provas filosó ficas (vv. 22-23) que atendem à s suas pró prias
suposiçõ es e presumida autonomia no reino da epistemologia. Ao
atentar para a sua pró pria salvaçã o graciosa, o apologista pode ver a
completa loucura da paixã o pela sabedoria humana (v. 26). Uma
pessoa nã o se torna crente ao ouvir o mundo e a sua declarada
autonomia intelectual, mas ao se submeter de todo o coraçã o ao
Senhorio de Jesus Cristo no seu pensamento e comportamento.
Certamente, o cristã o deve arrazoar com aqueles que estã o fora da
fé, mas deve sempre lembrar que esse raciocínio não requer que ele
abandone as suas pressuposiçõ es para desempenhar a parte
enganosa de um “homem neutro” que pode de forma autossuficiente
julgar todas as reivindicaçõ es da revelaçã o de quaisquer deuses que
possam existir.
Quando o crente encontra o incrédulo, deve fazê-lo com a sabedoria
de Deus, e nã o com a sabedoria mundana que é confundida por Deus
(v. 27). Daí que Paulo nã o foi de Atenas para Corinto com a
ostentaçã o de linguagem ou sofisticaçã o filosó fica dos pensadores
que encontrou lá (2.1, ARA). Ele nã o utilizou os artigos intelectuais
atenienses. Em vez disso, sua proclamaçã o e defesa estavam
enraizadas na palavra firme de Deus (2.2-5). Sem essa palavra ou
revelaçã o de Deus nã o pode haver nenhuma base teorética para a
ló gica, ciência ou histó ria; o pensamento nã o tem nenhum conteú do
significativo, uso confiá vel ou referente e certeza objetivos à parte
de pensar os pensamentos de Deus depois dele. O sucesso
apologético depende da percepçã o disso. Com isso, o cristã o pode
ser ousado em desafiar as pressuposiçõ es incrédulas e ser fiel em
aderir à sua pró pria pressuposiçã o (permanecendo assim leal ao
senhorio de Cristo no reino do pensamento). O incrédulo só pode
lutar contra o evangelho arruinando o fundamento dos seus
pró prios esforços intelectuais. Para evitar o mesmo problema, o
defensor da fé deve em sua diretriz e pressuposiçã o mais bá sica
permanecer firme na palavra soberana de Deus. Ele precisa
argumentar a partir dessa perspectiva e nã o de uma forma que lhe
seja extrínseca ou contrá ria, nem por um só momento cedendo à s
suposiçõ es do seu oponente (cf. Gá latas 2.5).
No momento em que alguém abandona o seu fundamento certo na
palavra pressuposta de Deus, sua apologética se torna infiel e
precá ria. Uma confrontaçã o vívida desse fato pode ser tomada a
partir do relato da queda do homem no pecado de acordo com
Gênesis 3. Mesmo no jardim o homem era responsá vel por se
submeter sem contestaçã o à revelaçã o de Deus lhe dada pela
palavra especial. A estratégia de Sataná s foi entã o (assim como
agora) de trabalhar para minar a submissã o pressuposicional do
homem a essa palavra autoritativa de Deus. Ele começou colocando
a palavra em dú vida (v. 1) e entã o contradizendo-a abertamente (v.
4). A situaçã o epistemoló gica entrou em convulsã o quando Eva
começou a pensar que poderia ter um entendimento adequado e
significativo da realidade à parte da revelaçã o de Deus. Nesse caso
ela seria livre para examinar o que Deus tinha a dizer e poderia
determinar de forma autô noma a veracidade disso à luz da hipó tese
conflitante de Sataná s. Eva suspendeu a ideia de pensar os
pensamentos de Deus depois dele para se tornar a autoridade
superior no mundo do pensamento. Especificamente, ela abandonou
a lealdade ao seu Criador para ser como ele (v. 5), determinando o
bem e o mal por si mesma. Ela tomou a posiçã o de juíza “neutra” da
hipó tese de Deus, exaltando assim sua razã o “autô noma” sobre a
palavra epistemologicamente necessá ria de Deus. Por usurpar assim
as prerrogativas epistêmicas do Senhor, ela mergulhou a raça
humana na ilegalidade que sempre vemos em nó s no pensamento e
comportamento.
Jesus Cristo veio para expiar esses pecados (mesmo as
transgressõ es intelectuais contra a palavra de Deus) e para chamar
os homens de volta à firme lealdade à sua palavra revelada. O
apologista nã o pode se fazer de surdo a esse chamado e exigência,
pensando que sem isso estará mesmo assim defendendo o Senhor
da gló ria. Paulo, o apó stolo de Cristo, deixa muito claro que nó s
devemos aprender a liçã o de Adã o e Eva no jardim. Em 2 Coríntios
11.3 (ARA) ele diz: “Mas receio que, assim como a serpente enganou
a Eva com a sua astú cia, assim também seja corrompida a vossa
mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo”. As
implicaçõ es epistemoló gicas da narrativa sobre a queda do homem
no pecado eram por demais evidentes para Paulo. Assim, ele temia
que a igreja, a exemplo de Eva, pudesse ser seduzida afastando-se da
lealdade absoluta a Jesus Cristo. O que se requer do cristã o é uma
devoçã o dedicada ou adesã o sincera a Cristo o Senhor; devemos
estar livres da duplicidade em nosso pensamento. O homem de
coraçã o dobre (que tenta seguir dois senhores) é inconstante em
todos os seus caminhos (Tiago 1.8), sendo levado por todo vento de
doutrina (cf. v. 6). Assim, devemos ser purificados do â nimo dobre
(Tiago 4.8, ARA). Como Paulo indica em 2 Coríntios 11, se nã o somos
assim purificados, seremos seduzidos pelo pensamento enganoso de
Sataná s (o pai de toda mentira, Joã o 8.44) e seus ministros (v. 15).
Nenhuma corrupçã o de fora pode ser permitida em nosso
pensamento, pois ele se tornará pervertido se nos desviarmos,
pouco que seja, da palavra de Cristo. Gênesis 3 deve tornar claro a
necessidade de um método pressuposicional na apologética.
Ao tomar essa posiçã o na discussã o com a incredulidade, podemos
muito bem ser ridicularizados como nã o tendo a orató ria,
eloquência e retó rica astuta da mente acadêmica “sofisticada” que
está treinada nos caminhos da filosofia autô noma (cf. 1 Coríntios
1.17; 2.4); quando você nã o raciocina de uma forma agradá vel ao
seu ouvinte, ele o toma como um leigo em questõ es de intelecto.
Contudo, permanece o fato de que somente ao resistir ao engano a
que Eva se submeteu é que nó s podemos salvar o empreendimento
epistêmico; nó s falamos uma sabedoria que é discernida quando o
Espírito liberta a mente dos homens da escravidã o (cf. 1 Coríntios
2.6-16). Como Paulo declarou, apó s sua advertência sobre o engano
de Eva, “Eu posso nã o ser um orador eloquente; contudo tenho
conhecimento ” (2 Coríntios 11.6, NVI).

 
23. NÃO MENTIR PARA DEFENDER A
VERDADE
 
 
Uma fonte de grande decepçã o para o estudioso cristã os nos dias de
hoje é a recusa de muitos apologistas em levar em conta certos fatos
difíceis, mas indisputá veis ensinados na palavra de Deus. A
impressã o muitas vezes passada é que esses homens, enquanto
teólogos , querem admitir o que a Escritura diz sobre a natureza do
homem caído e a autoridade má xima e necessá ria da revelaçã o de
Deus em qualquer campo do conhecimento; no entanto, como
apologistas , querem agir esquecendo ou temporariamente
suprimindo essas verdades. Essa duplicidade é desonrosa para o
chamado do cristã o.
A fé salvadora nã o pode estar fundamentada na sabedoria humana
ou em pressuposiçõ es seculares: ela deve ser gerada no poder de
Deus (1 Coríntios 2.4-5). Consequentemente, o apologista nã o fala a
sabedoria deste mundo (que se reduz a nada), mas a sabedoria de
Deus (1 Coríntios 2.6-7, ARA). O reconhecimento de Cristo como a
sabedoria de Deus nã o deriva de pressuposiçõ es que negam,
ignoram ou minam esse fato; em vez disso, esse reconhecimento
resulta da operaçã o interna do Espírito Santo (1 Coríntios 2.10) que
sozinho pode nos capacitar a ganhar um conhecimento das coisas de
Deus (v. 12). Porque somente o Espírito de Deus sabe essas coisas
(v. 11), o cristã o nã o confia ou fala se baseando na filosofia, histó ria
ou ciência autô noma tal como o mundo ensina (v. 13). Seguir
pressuposiçõ es seculares incapacita a pessoa de discernir a verdade
sobre Deus (v. 14), pois elas só podem ser entendidas pela
iluminaçã o do Espírito (vv. 15-16). A pseudosabedoria do mundo,
entã o, é totalmente inadequada como fundamento ou padrã o para o
defensor da fé cristã ; ela nã o pode aperfeiçoar a mente do Senhor (v.
16), mas leva em vez disso a inevitavelmente desafiar a verdade da
revelaçã o de Deus. O sucesso apologético é impedido, portanto, ao
se depender da insensatez humana nã o autoritativa ou tentar
satisfazê-la, a qual está invariavelmente inclinada a crucificar o
Senhor da gló ria em vez de se curvar à s suas exigências soberanas
(cf. v. 8).
É o crente regenerado e iluminado, convertido da sua antiga forma
de viver em desobediência, quem ganha sabedoria, entendimento e
conhecimento; o pensamento correto está correlacionado com o
viver correto. Daí que a forma de vida do incrédulo é uma estrutura
inadequada para o apologista operar dentro dela. Se uma pessoa
continua no pecado intelectual ─ recusando-se a submeter todo
pensamento ao Senhorio de Cristo no reino do conhecimento ─, ela
nunca virá à crença salvadora. “… o apartar-se do mal é o
entendimento” (Jó 28.28, ARA), e “bom entendimento têm todos os
que cumprem os seus mandamentos” (Salmos 111.10).
Consequentemente, o apologista nã o pode tentar persuadir o
incrédulo usando o estilo de pensamento do incrédulo ou seus
padrõ es de evidência e verdade, etc. Esse procedimento
simplesmente nã o irá conquistá -lo para Cristo, mas o encorajará a
afirmar sua pró pria autoridade autô noma sobre as reinvindicaçõ es
de Cristo. No entanto, a palavra firme de Deus declara que nó s só
podemos conhecer Deus se guardarmos os seus mandamentos (1
Joã o 2.3-5), e esses mandamentos incluem nossa obrigaçã o de nos
refrear de tentar Deus (Deuteronô mio 6.16) e levar cativo todo
pensamento à obediência de Cristo (2 Coríntios 10.5, ARA). Nossa
sabedoria e entendimento nã o sã o encontrados na “inteligência” do
pensamento autô nomo, mas na obediência à lei de Deus
(Deuteronô mio 4.6). O conhecimento genuíno e a estabilidade em
face da opiniã o falsa estã o correlacionados à maturidade espiritual
na estatura de Cristo (Efésios 4.13-14); um andar agradá vel e uma
vida moralmente digna é o que leva ao conhecimento genuíno
(Colossenses 1.9-11).
Ora, é entã o francamente imoral o teó logo que vê as verdades do
alto usar um padrã o duplo, admitindo essas coisas como um
dogmá tico, mas dando uma impressã o completamente oposta no
seu procedimento apologético. O apologista nã o deve deixar o
incrédulo supor que o conhecimento é possível com base em
pressuposiçõ es autô nomas e uma vida desobediente; a palavra de
Deus jamais é verificada num contexto desses. Na sua tentativa de
fazer surgir a boa situaçã o de um incrédulo aceitando a palavra da
Escritura, o apologista fará uso de uma mentira injustificá vel se
assumir ou levar o incrédulo a pensar que o conhecimento deve ser
obtido à parte de Deus ou persistindo num modo rebelde de viver e
pensar. Nã o pode ser ignorado que o arrependimento e a fé sã o
necessá rios para um conhecimento da verdade; nã o deve ser
sugerido que o incrédulo nã o precisa de nada mais que uma prova
intelectual da veracidade de Deus de acordo com padrõ es ditados
pela ciência e filosofia secular. O fim digno de converter o incrédulo
nã o pode ser realizado com nem pode justificar o uso apologético de
meios que operem em desacordo com (ou em oposiçã o a) o ensino
da Escritura. “Mas, se pela minha mentira abundou mais a verdade
de Deus para gló ria sua, por que sou eu ainda julgado também como
pecador? E por que nã o dizemos (como somos blasfemados, e como
alguns dizem que dizemos): Façamos males, para que venham bens?
A condenaçã o desses é justa” (Romanos 3.7-8).
Os apologistas sã o proibidos de usar um método nã o
pressuposicional na defesa da fé sob a desculpa de que assim a
verdade pode abundar. O cristã o obediente nã o deixa de lado a
autoridade de Cristo no reino para argumentar com base na
“erudiçã o” autô noma. Fazê-lo seria operar com uma mentira (isto é,
a mentira satâ nica de que o conhecimento pode ser determinado à
parte de Deus: Gênesis 3.5; cf. Romanos 1.25) para defender a
verdade ! A testemunha fiel de Cristo nã o se portará como um
descrente (negando o Senhorio de Cristo) para torná-lo crente .
Homens maus nã o podem falar boas coisas (Mateus 12.34); o mau
tesouro do pensamento do incrédulo está onde está seu coraçã o
(Mateus 6.21; Lucas 6.45), do qual procedem os pensamentos maus,
enganosos e insensatos (Mateus 15.18-19; Romanos 1.21; Jeremias
17.9). Assim, sua língua é cheia de iniquidade e um mal irrefreá vel
(Tiago 3.5-8); o incrédulo urde engano com ela (Romanos 3.13-14,
ARA). Ele acha que é senhor sobre os seus lá bios (Salmos 12.4), as
quais levam-no a falar com falsidade (v. 2). Obviamente, entã o, o
apologista nã o deve pensar e falar à maneira do incrédulo. Em vez
disso, seus pensamentos e palavras devem estar enraizados na
palavra de Deus, que é pura e eternamente valiosa (Salmos 12.6-7).
É essa palavra somente que cala toda boca (Romanos 3.19, ARA) e
deixa os homens sem palavras (por ex., Jó 40.4). Devemos guardar o
depó sito apostó lico (a Escritura) nos afastando dos clamores vã os de
pseudoconhecimento (1 Timó teo 6.3-5, 20; cf. 2 Timó teo 2.14-18).
Diante de Deus e sua palavra todo o mundo deve se calar (Isaías 6.5;
Daniel 10.15; Habacuque, 2.20; Sofonias 1.7; Zacarias 2.13).
Devemos, entã o, confiar em Deus e nã o na nossa pró pria sabedoria
(Isaías 50.4-9); só entã o é que veremos o sucesso apologético à
medida em que ele nos capacite a nã o sermos confundidos e nã o
faça ninguém capaz de contender com a nossa mensagem (Isaías
50.4-9). Portanto, concluímos que o apologista deve ser
transformado por uma mente renovada e nã o deve conformar seu
pensamento ao mundo (Romanos 12.2). Ele nã o deve mentir ou
abandonar a verdade pressuposta de Deus para conseguir aceitaçã o
dessa verdade pelos que falam o mal.

 
24. ENCONTRANDO EFETIVAMENTE A
VARIEDADE DE OPOSIÇÕES: Resumo Geral
(Capítulos 1-23) e Aplicação
 
 
Constantemente surgem situaçõ es que fornecem ocasiã o para o
cristã o defender a sua fé. A oposiçã o ao cristianismo assume
expressã o prá tica numa grande variedade de formas: no
entretenimento e na mídia popular, na propaganda de seitas e
religiõ es falsas, no ensino nas escolas e faculdades, nas observaçõ es
feitas por colegas, vizinhos e amigos, para nã o mencionar as
tendências modernas na psicologia, política, medicina e na
sociedade ─ e a lista poderia ser facilmente multiplicada. As
opiniõ es, suposiçõ es e comportamentos das pessoas que entram em
contato com a nossa vida sã o na maior parte baseadas na
hostilidade (ativa ou passiva) ao ensino da Escritura. O crente é
apologeticamente desafiado em todos os lados. Claro, sua
necessidade de defender suas crenças é grandemente aumentada na
medida em que ele inicia um testemunho evangelístico com aqueles
que o rodeiam. Assim, nã o há falta de oportunidade para se envolver
na apologética.
Nem tampouco há uma carência dos tipos de críticas e problemas
encontrados pelo apologista cristã o. Em primeiro lugar, há ataques
diretos a princípios cristã os. Alguns rejeitam Deus (ateus,
agnó sticos, céticos). Alguns rejeitam a possibilidade da revelação ;
outros rejeitam a Bíblia como sendo a revelaçã o de Deus. O ú ltimo
grupo supostamente baseia sua resposta na lógica (supondo
encontrar contradiçõ es no sistema de doutrina da Bíblia ou entre
seus relatos registrados), ou em matérias factuais (rejeitando a
precisã o textual , a veracidade histórica ou a possibilidade de
milagres na Escritura), ou em preocupaçõ es éticas (criticando as
ações ou mandamentos de Deus), ou finalmente em consideraçõ es
pessoais (dizendo que a Bíblia nã o é do seu agrado , nã o atende à s
suas necessidades , ou sendo indiferentes e relativistas ). Em segundo
lugar, existem sistemas competindo com o cristianismo evangélico.
Alguns aceitam o deus errado (deísmo, panteísmo ou as vá rias
religiõ es do mundo). Alguns aceitam a revelação errada (intuiçã o
interna ou sentido pessoal, opiniã o social ou tradiçã o humana, ou
outros escritos sagrados). E outros aceitam a interpretação errada
ou entendimento inadequado da Bíblia (como ela sendo menos do
que reivindica ser ─ nã o ortodoxia moderna ─, ou como ensinando
uma teologia e soteriologia incorretas ─ as seitas).
Portanto, a oposiçã o ao cristianismo bíblico é de muitos tipos e vem
de várias maneiras . Quando você se afasta um pouco e tem uma
ideia da intensidade e escopo dos ataques à visã o de mundo e de
vida cristã , pode facilmente ser tentado a desistir de toda esperança
de ser um apologista eficaz, exclamando “quem é suficiente para
essas coisas?” ─ especialmente se você nã o tem um treinamento
avançado nesses assuntos. No entanto, essa atitude de desespero,
essa falta de confiança, tenderia erradamente a livrá -lo de sua
responsabilidade clara e inevitá vel de estar preparado para dar uma
resposta a qualquer homem que peça uma defesa racional da
esperança (confiança) que há em você (1 Pedro 3.15). Bem, como
entã o um cristã o pode cumprir essa tarefa apologética?
A resposta está no reconhecimento de que, apesar da variedade de
críticas e dos diversos modos em que elas sã o expressas, há um
conjunto bá sico e comum de circunstâ ncias e princípios que estã o
incorporados em todo e qualquer encontro apologético. Todos os
críticos têm um problema idêntico e fundamental; o cristianismo é
sempre, e a ú nica, resposta para esse problema. É por isso que os
estudos anteriores nesta série se concentraram nos temas centrais e
nas diretrizes gerais para a apologética. Se o crente puder penetrar
no cerne da questã o e compreender os princípios bá sicos que atuam
da interaçã o apologética, ele estará preparado para toda a sorte de
desafio à fé. No fundo, é sempre uma questã o de reconhecer o
Criador soberano que claramente se revelou, bem como a total
dependência que você tem dele até mesmo no reino do pensamento
e conhecimento. As partes anteriores desta série elaboraram e
foram desenvolvidas sobre esses pontos.
Esperamos que uma breve sinopse desses estudos possa reunir tudo
de uma forma encapsulada. Começamos com o princípio
fundamental que deve guiar todo o pensamento: o senhorio de Cristo
no reino do conhecimento . Deus fala com autoridade autoatestadora,
e sua revelaçã o é o fundamento necessá rio do conhecimento do
homem. A tentativa de assumir uma postura neutra com relaçã o à
revelaçã o de Deus, entã o, é imoral e inevitavelmente leva (em
princípio) à desintegraçã o do conhecimento. Consequentemente, a
Bíblia caracteriza os pensamentos do incrédulo como vã os e tolos e
exige que o crente (que é renovado na mente) se separe do mundo
pela submissã o à palavra da verdade de Cristo como a autoridade
ú ltima. O cristã o, entã o, é resgatado da futilidade epistêmica ao
pressupor a palavra de Deus acima de todas as reivindicaçõ es
contrá rias.
Foram entã o vistas certas condiçõ es que caracterizam as situaçõ es
apologéticas e tornam possível a argumentação frutífera (em
humilde ousadia) com o incrédulo. Devido à revelaçã o inescapá vel
de Deus, todo incrédulo, porém, conhece Deus e assim (ao contrá rio
dos princípios que adota) conhece a si mesmo e o mundo em alguma
medida; por conhecerem Deus, todos os homens estã o assim sem
desculpa pela sua rebeliã o contra a verdade de Deus. Todo o reino
criado revela constantemente o Deus vivo e verdadeiro,
proporcionando assim um terreno comum abundante entre o crente
e o incrédulo. Visto que o incrédulo é sempre a imagem de Deus, e
visto que ele possui a verdade de Deus (embora suprimida), o
apologista sempre tem um ponto de contato com ele.
Como deve o cristã o defender a fé , dadas as verdades acima? Em
primeiro lugar, ele deve firmemente reconhecer que a incredulidade
resulta em loucura intelectual. Dessa convicçã o e entendimento, o
crente pode repudiar as pressuposiçõ es do incrédulo, apresentar as
reivindicaçõ es absolutas de Cristo (mesmo no reino do pensamento)
e fazer uma crítica interna ao pensamento do incrédulo ─
mostrando-lhe aonde suas suposiçõ es inevitavelmente levam. Deve
ser mostrado ao incrédulo que ele na verdade faz oposiçã o a si
mesmo. Essa abordagem pressuposicional é necessá ria, visto que
duas cosmovisõ es completas estã o sendo colocadas uma contra a
outra ─ e nã o simplesmente uns poucos fatos alegados e umas
poucas aplicaçõ es da ló gica. A pró pria possibilidade de
conhecimento fora da revelaçã o de Deus (salvíficamente
apresentada em Cristo) deve ser minada. Desde que toda
argumentaçã o sobre as questõ es fundamentais da vida e da crença
se reduz à questã o do ponto de partida de uma pessoa, o apologista
cristã o deve se manter firme na palavra de Deus, apresentando sua
natureza autoatestadora em oposiçã o à s suposiçõ es destrutivas da
incredulidade para a epistemologia.
Ao compreender esses princípios centrais e operar com base neles, o
apologista pode ter plena confiança na sua capacidade de responder
a todas as variedades de oposiçã o ao cristianismo. Finalmente,
entã o, podem ser apresentadas as condições de um tratamento
apologético bem-sucedido da incredulidade. Primeiro, o apologista
deve ser fiel à s suas pressuposiçõ es e se lembrar da natureza da fé
salvadora; trabalhando para uma submissã o incondicional à palavra
de Deus com base nos pró prios méritos dela, o crente nã o se moverá
para uma posiçã o neutra ou dará a impressã o enganosa de que a
autonomia pode levar a conclusõ es significativas e verdadeiras. Em
segundo lugar, o incrédulo deve ver que a crença é o fundamento do
entendimento; a submissã o a Cristo deve fundamentar o pró prio uso
do raciocínio. Finalmente, o sucesso só é possível se o pró prio Deus
soberanamente garante ao incrédulo um entendimento da verdade,
iluminando sua mente, convertendo seu coraçã o e lhe concedendo o
dom da fé.
O princípio resumido acima prepara o crente para responder a toda
e qualquer oposiçã o à fé, independentemente da forma ou
circunstâ ncia em que ela aparece. Cada situaçã o apologética é
caracterizada pelos seguintes fatos: a revelaçã o de Deus é na base
necessá ria para qualquer tipo de conhecimento, todos os incrédulos
sã o indesculpá veis, já que possuem e suprimem o conhecimento de
Deus, e o cristã o é caracterizado pela submissã o incondicional a
Cristo em todas as coisas. Esses fatos nã o apenas nos guiam na
forma como devemos defender a fé; eles também garantem que
podemos nos dirigir ao cerne de qualquer variedade de oposiçã o,
desmascarando-a e apresentando as reivindicaçõ es legítimas de
Cristo (2 Coríntios 10.4-5). Com Cristo “separado como Senhor em
vosso coraçã o”, o crente está “preparado” para qualquer desafio à fé;
ele pode ter genuína esperança ou confiança em olhar em frente
para a defesa da “esperança que há em vó s”. Como declara a
Escritura, “ todo aquele que crer nela não será confundido ” ─ nã o
terá motivo para se envergonhar da sua confiança e fugir em
decepçã o (Romanos 9.33, 1 Pedro 2.6).

 
 
 
 
SEÇÃO CINCO:
RESPOSTAS A DESAFIOS APOLOGÉTICOS
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
25. PREPARADOS PARA ARRAZOAR
 
 
Ela é necessária?
 
Um ímpeto de concordâ ncia piedosa me tomou quando pela
primeira vez ouvi alguém confiantemente dizer que “A palavra de
Deus nã o precisa de mais defesa do que um leã o numa jaula. Apenas
deixe o leã o solto, e ele cuidará de si pró prio!”. Parecia haver algo
muito certo nesse sentimento. Discordar dele parecia ser quase uma
irreverência.
Bem, há um elemento de verdade nessa afirmaçã o. Deus certamente
não precisa de nada ─ muito menos dos esforços insignificantes de
qualquer homem ou mulher em particular para defender a sua
palavra. Ele é o Criador dos céus e da terra, onipotente e soberano
no controle de todas as coisas. O apó stolo Paulo, quando arrazoou
com os filó sofos atenienses, desenvolveu exatamente esse ponto: ele
declarou que Deus nã o é servido pelas mã os dos homens “ como que
necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a
vida, e a respiraçã o, e todas as coisas” (Atos 17.25). Se Deus sentisse
alguma vez fome, por exemplo, ele nã o precisaria nos dizê-lo, pois a
plenitude de toda a criaçã o é sua (Salmos 50.12)! Ele nã o depende
de nada fora de si mesmo, e tudo fora dele depende dele para sua
existência, suas qualidades, capacidades, realizaçõ es e bênçã os.
“Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17.28).
Assim, é ó bvio que Deus nã o precisa do nosso raciocínio inadequado
e das nossas tentativas débeis de defender sua palavra. No entanto,
a observaçã o de aparência piedosa com que começamos ainda está
equivocada. Ela sugere que nã o deveríamos nos preocupar com os
esforços na apologética porque Deus cuidará diretamente dessas
questõ es. A observaçã o é tã o equivocada quanto dizer que Deus nã o
precisa de nó s como evangelistas (ele podia fazer mesmo as pedras
clamarem, nã o podia?) ─ e, portanto, que os esforços de testemunho
evangelístico nã o sã o importantes. Ou uma pessoa poderia
erroneamente pensar que, como Deus tem o poder e a capacidade de
fornecer alimentos e roupa à sua família sem “ajuda de nó s”, ela nã o
precisa ir ao trabalho amanhã .
Pensar assim é antibíblico. Isso confunde o que o pró prio Deus
precisa de nó s com o que Deus exige de nó s. Isso assume que Deus
ordena os fins, mas nã o os meios para esses fins (ou pelo menos nã o
a instrumentalidade dos meios criados). Nã o há necessidade de
Deus usar nosso testemunho evangelístico, nosso trabalho diá rio
por um salá rio ou a nossa defesa da fé ─ mas ele escolhe fazê-lo e
nos chama a nos aplicar nessas coisas. A Bíblia nos orienta para o
trabalho, embora Deus possa dar provisã o à nossa família de outras
maneiras. A Bíblia nos orienta a evangelizar, muito embora Deus
possa usar de outros meios para chamar os pecadores para si. E a
Bíblia também nos orienta a defender a fé ─ nã o porque Deus seria
impotente sem nó s, mas porque esse é um dos seus meios ordenados
de glorificar a si mesmo e vindicar sua verdade.
Cristo fala à igreja como um todo, por meio de Judas, ordenando-nos
a “[batalhar], diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi
entregue aos santos” (Judas 1.3, ARA). O ensino falso e herético
estava ameaçando a igreja e a sua compreensã o da verdade do
evangelho. Judas sabia muito bem que Deus estava no controle
soberano e, de fato, que a tempo Deus iria lidar diretamente com os
homens ímpios, consignando-os à condenaçã o eterna. Mesmo assim,
Judas também insistiu que seus leitores mesmos lutassem contra o
erro dos falsos ensinos, nã o sentando e esperando que o pró prio
Deus fosse simplesmente cuidar disso.
Paulo escreveu a Tito que é necessá rio que os bispos (pastores e
presbíteros) na igreja sejam especialmente aptos a refutar aqueles
que se opõ em à verdade de Deus (Tito 1.9). No entanto, essa nã o é
só a tarefa dos homens ordenados. Todos os crentes sã o ordenados a
também se engajar nela. Ao se dirigir a todos os membros da
congregaçã o, Pedro escreveu a seguinte ordem: “… santificai a
Cristo, como Senhor, em vosso coraçã o, estando sempre preparados
para responder a todo aquele que vos pedir razã o da esperança que
há em vó s, fazendo-o, todavia, com mansidã o e temor …” (1 Pedro
3.15-16, ARA). É o pró prio Deus, falando através das palavras
inspiradas de Pedro, quem nos chama como crentes ─ a todos e a
cada um de nó s ─ a estarmos preparados para defender a fé em face
dos desafios e questõ es que vêm dos incrédulos ─ qualquer um
deles.
A necessidade da apologética nã o é uma necessidade divina: Deus
certamente pode fazer sua obra sem nó s. A necessidade da
apologética é uma necessidade moral: Deus escolheu fazer sua obra
através de nó s e nos chamou para ela. Apologética é um talento
especial de alguns crentes e um hobby do interesse de outros; mas é
uma responsabilidade que Deus ordenou a todos os crentes.
 
 
O que ela não é
Devemos olhar para 1 Pedro 3.15 novamente e notar algumas
poucas coisas que a passagem nã o diz.
(1) Ela nã o diz que os crentes devem tomar a iniciativa e começar
discussõ es arrogantes com os incrédulos, dizendo-lhes que temos
todas as respostas. Nó s nã o temos de sair à procura de alguma luta.
Certamente nã o devemos ostentar ou encorajar um espírito de “Vou
provar isso para você”, uma atitude que se deleita com refutaçõ es. O
texto indica que nó s oferecemos uma defesa fundamentada em
resposta a aqueles que pedem isso de nó s, quer o façam como um
desafio aberto à integridade da palavra de Deus, quer como uma
resposta natural ao nosso testemunho evangelístico.
O texto também indica que o espírito no qual oferecemos nossa
resposta apologética é de “mansidã o e temor”. Ele nã o é pugnaz e
defensivo. Nã o é um espírito de demonstraçã o de superioridade
intelectual. A tarefa da apologética começa com humildade. Afinal, o
temor do Senhor é o ponto de partida de todo conhecimento
(Provérbios 1.7). Ademais, a apologética é realizada no serviço ao
Senhor, e “E ao servo do Senhor nã o convém contender, mas sim, ser
manso para com todos, apto para ensinar” (2 Timó teo 2.24). A
apologética nã o é um lugar para a flexã o vã dos nossos mú sculos
intelectuais.
(2) Outra coisa que 1 Pedro 3.15 nã o diz é que os crentes sã o
responsá veis por persuadir qualquer um que desafie ou questione a
fé deles. Nó s podemos oferecer razõ es só lidas para o incrédulo, mas
nã o podemos fazê-lo subjetivamente acreditar nessas razõ es.
Podemos refutar a argumentaçã o pobre dos incrédulos, mas ainda
assim nã o os persuadir. Podemos calar a boca do crítico, mas só
Deus pode abrir o coraçã o. Nã o temos a capacidade de regenerar o
coraçã o morto e dar visã o aos olhos cegos dos incrédulos nem é
nossa responsabilidade fazê-lo. Essa é uma obra graciosa de Deus.
É Deus quem deve iluminar os olhos do entendimento (Efésios
1.18). “Ora, o homem natural nã o compreende as coisas do Espírito
de Deus, porque lhe parecem loucura; e nã o pode entendê-las,
porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2.14). Até
que Deus em sua graça soberana mude o pecador a partir de dentro,
ele nã o verá o reino de Deus ou se submeterá ao Rei. Jesus ensinou
isso a Nicodemos, lembrando-lhe que “o vento [a mesma palavra
grega para “Espírito”] assopra onde quer… assim é todo aquele que
é nascido do Espírito” (Joã o 3.8). Nossa tarefa é apresentar uma
defesa e um testemunho que sejam fieis e só lidos. A tarefa da
persuasã o é de Deus. É por isso que os apologistas nã o devem
avaliar seu sucesso ou ajustar sua mensagem considerando se o
incrédulo finalmente irá concordar ou nã o com eles.
(3) Ainda outra coisa que 1 Pedro 3.15 nã o diz é que a defesa da fé
tem uma autoridade ú ltima diferente da tarefa de expor a fé. É um
erro comum entre os evangélicos imaginar que a autoridade de Deus
e da sua palavra é a base para sua teologia e pregaçã o, mas que a
autoridade para a defesa dessa fé deve ser algo diferente de Deus e
da sua palavra ─ ou do contrá rio estaríamos cometendo petiçã o de
princípio na questã o levantada pelos incrédulos. Assim, os crentes
serã o por vezes enganados em pensar que o que quer que tomem
como o padrã o ú ltimo no pensamento apologético deve ser neutro e
da concordâ ncia tanto do crente como do incrédulo; e daqui seguem
para cometer o segundo equívoco, em pensar que algo como a
“razã o” é esse padrã o comumente entendido e aceito.
Essas ideias estã o mui obviamente em desacordo com o ensino
bíblico, no entanto. Será que a apologética tem uma autoridade
epistemoló gica [6]
diferente da da exposiçã o teoló gica? Nossa
teologia está fundada na autoridade de Cristo, falando pelo seu
Espírito nas palavras da Escritura. 1 Pedro 3.15 (ARA) nos ensina
que a precondiçã o de apresentar uma defesa da fé (apologética) é
também “santificai [separai] a Cristo, como Senhor, em vosso
coraçã o”. Seria um erro imaginar que Pedro está falando aqui do
“coraçã o” como ele sendo nosso centro das emoçõ es em oposiçã o à
mente com a qual pensamos. Na terminologia bíblica o “coraçã o” é o
local do nosso raciocínio (Romanos 1.21), meditaçã o (Salmos
19.14), entendimento (Provérbios 8.5), pensamento (Deuteronô mio
7.17; 8.5) e crença (Romanos 10.10). É justamente aqui ─ no centro
do nosso pensamento e raciocínio ─ que Cristo deve ser consagrado
como Senhor, quando nos envolvemos na discussã o apologética com
os incrédulos inquiridores. Assim, a teologia e a apologética têm a
mesma autoridade epistemoló gica ─ o mesmo Senhor sobre todas as
coisas.
 
Razão e raciocínio
Os crentes que almejam defender sua fé cometem um grave erro,
entã o, quando imaginam que algo como a “razã o” deve substituir
Cristo como a autoridade ú ltima (o Senhor) em seu pensamento e
sua argumentaçã o. Eles também incorrem num pensamento muito
descuidado e confuso por causa de mal-entendidos sobre a palavra
“razã o”.
Os cristã os ficam muitas vezes perplexos com a “razã o”, sem saber
se é algo que eles devem abraçar ou evitar. Isso geralmente ocorre
porque eles nã o identificam a forma precisa em que a palavra está
sendo usada. Possivelmente ela é a palavra mais ambígua e obscura
no campo da filosofia. Por um lado, a razã o pode ser pensada como
uma ferramenta ─ a capacidade intelectual ou mental do homem.
Tomada nesse sentido, a razã o é um dom de Deus para o homem, na
verdade parte da imagem divina. Quando Deus convida o seu povo
para “Vinde, pois, e arrazoemos” (Isaías 1.18, ARA), nó s vemos que,
assim como Deus, somos capazes de estabelecer uma comunicaçã o e
um pensamento racional. Deus nos deu nossas capacidades mentais
para lhe servir e glorificar. É parte do maior mandamento da lei que
nó s devemos “[amar] o Senhor teu Deus… de todo o teu
pensamento” (Mateus 22.37).
 
A razão não é última
Por outro lado, a razã o pode ser pensada como uma autoridade ou
padrão ú ltimo e independente pelo qual o homem julga todas as
alegaçõ es de verdade, inclusive as de Deus. Nesse sentido a razã o é
uma lei em si mesma, como se a mente do homem fosse
autossuficiente, sem necessidade de revelaçã o divina. Essa atitude
geralmente leva as pessoas a pensarem que estã o numa posiçã o de
pensar independentemente, de governar sua pró pria vida e de julgar
a credibilidade da palavra de Deus baseadas em sua pró pria
percepçã o e autoridade; mais dramaticamente, essa atitude deifica a
Razã o como a deusa da Revoluçã o Francesa. “Dizendo-se sá bios,
tornaram-se loucos”, como disse Paulo (Romanos 1.22). Esse ponto
de vista da razã o nã o reconhece que Deus é a fonte e a precondiçã o
das capacidades intelectuais do homem ─ que a razã o nã o faz
sentido à parte da perspectiva da revelaçã o de Deus. Ele nã o
reconhece o cará ter soberano e transcendente do pensamento de
Deus: “Porque assim como os céus sã o mais altos do que a terra,
assim sã o… os meus pensamentos mais altos do que os vossos
pensamentos” (Isaías 55.9).
 
 
A razão como um dom de Deus
Os cristã os devem endossar o uso da razã o? Dois erros iguais, mas
opostos entre si, sã o possíveis na resposta a essa pergunta. (1) Os
crentes podem reconhecer a conveniência do uso da razã o, tomada
como sua faculdade intelectual, mas entã o escorregar para um
endosso da razã o como autonomia intelectual. (2) Os crentes podem
reconhecer a inconveniência da razã o como autonomia intelectual,
mas entã o erroneamente pensar que isso implica rejeitar a razã o
como faculdade intelectual. O primeiro grupo honra o dom da
capacidade de raciocínio do homem concedido por Deus, mas
desonra Deus através do seu racionalismo. O segundo grupo honra a
autoridade ú ltima de Deus e a necessidade de obediência em todos
os aspectos da vida do homem, mas desonra Deus através do
pietismo anti-intelectual.
Paulo contrabalança ambos os erros em Colossenses 2. Ele escreve
que “em [Cristo]… todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento estã o ocultos” (v. 3, ARA). Assim sendo, “Tende
cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias
e vã s sutilezas, segundo a tradiçã o dos homens, segundo os
rudimentos do mundo, e nã o segundo Cristo” (v. 8). Essa exortaçã o
nã o é uma diatribe contra o uso da razã o ou estudo da filosofia.
Paulo deixa claro que os crentes têm a vantagem do melhor
raciocínio e da melhor filosofia porque Cristo é a fonte de todo o
conhecimento ─ todo o conhecimento, nã o apenas de sentimentos
ou assuntos religiosos. Ademais, se há muitas filosofias que nã o sã o
“segundo Cristo”, há também aquela que o é. O anti-intelectualismo
joga fora o bebê com a banheira. Ele destró i a verdadeira sabedoria
em nome da tolice persistente.
Por outro lado, é igualmente claro a partir de Colossenses 2 que
Paulo nã o endossa o raciocínio e a filosofia que se recusam a honrar
a autoridade ú ltima do Senhor Jesus Cristo. É em Cristo que a
sabedoria e o conhecimento devem ser encontrados. Qualquer
suposta sabedoria que siga as tradiçõ es dos homens e os rudimentos
do mundo ─ em vez de Cristo ─ deve ser rejeitada como perigosa e
enganosa.
A Bíblia nos ensina, portanto, que a “razã o” nã o deve ser tomada
como uma autoridade neutra no pensamento do homem. Ela é,
antes, a capacidade intelectual com que Deus criou o homem, uma
ferramenta que deve ser usada para servir e glorificar a autoridade
ú ltima, o pró prio Deus.
 
Afiando a ferramenta
A razã o devidamente compreendida (o raciocínio) deve ser
endossada pelos crentes em Cristo. Em particular, ela deve ser
empregada na defesa da fé cristã . Essa é uma das coisas que Pedro
nos comunica quando escreveu que devemos estar sempre
“preparados para responder com mansidã o e temor a qualquer que
vos pedir a razã o da esperança que há em vó s” (1 Pedro 3.15). Uma
palavra de explicaçã o e defesa deve ser oferecida a aqueles que
desafiam a verdade da nossa fé cristã . Nó s nã o devemos obscurecer
a gló ria e veracidade de Deus respondendo aos incrédulos com
apelo à “fé cega” ou a compromissos impensados. Devemos
“[destruir] argumentos e toda pretensã o que se levanta contra o
conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10.5, NVI), percebendo o tempo
todo que nã o podemos fazer isso a menos que nó s mesmos
“[levemos] cativo todo pensamento, para torná -lo obediente a
Cristo”.
Em 1 Pedro 3.15 Pedro usa a expressã o “sempre preparados”. Isso é
significativo para aqueles que desejam honrar a necessidade bíblica
de se engajar na apologética. O que o Senhor pede de nó s é que
estejamos preparados para oferecer uma resposta em defesa da
nossa fé sempre que alguém nos pedir uma razã o. Devemos estar
“prontos” para fazê-lo ─ na verdade, “sempre prontos”. E isso
significa que é imperativo refletirmos sobre as perguntas que os
incrédulos podem provavelmente fazer e sobre os desafios que sã o
geralmente lançados contra o cristianismo. Devemos estudar e nos
preparar para dar razõ es para a nossa fé quando o infiel perguntar.
Os cristã os precisam afiar a ferramenta da sua capacidade de
raciocínio para poderem glorificar a Deus e vindicar as
reivindicaçõ es do evangelho. Devemos todos fazer os nossos
melhores esforços no serviço do nosso Salvador, que chamou a si
mesmo de “a verdade” (Joã o 14.6). Todo crente quer ver a verdade
de Cristo crida e honrada pelos outros. E é por isso que precisamos
estar “preparados para arrazoar” com os incrédulos. Este estudo e
os que se seguem pretendem nos ajudar a nos tornarmos mais bem
preparados para essa necessá ria tarefa.
 
 

26. O CERNE DA QUESTÃO


 
 
Saber e crer
 
Os cristã os sã o muitas vezes chamados de “crentes”, enquanto os
nã o cristã os sã o denominados “incrédulos”. A pró pria Escritura fala
desta maneira: lemos que “crescia mais e mais a multidã o de
crentes” (Atos 5.14, ARA), e que eles nã o deveriam se colocar “em
jugo desigual com os incrédulos” (2 Coríntios 6.14, ARA). Há
claramente duas classes de pessoas que se distinguem no fato de
crer ou nã o. Pode ser corretamente dito que o que separa os cristã os
dos nã o cristã os é a questã o da fé.
Os cristã os creem em certas coisas que os nã o cristã os nã o creem.
Os cristã os creem que as reivindicaçõ es de Cristo e os ensinos da
Bíblia sã o verdadeiros, mas os nã o cristã os nã o acreditam nessas
coisas. Os cristã os têm fé em Cristo e confiam nas suas promessas;
os nã o cristã os nã o creem nele e duvidam da sua palavra. É
absolutamente natural, entã o, que o evangelho possa ser chamado
de “a palavra da fé” (Romanos 10.8). Tornar-se cristã o implica em
você “crer em seu coraçã o que Deus o ressuscitou [Cristo] dentre os
mortos” (v. 9, NVI); da mesma forma, “é necessá rio que aquele que
se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos
que o buscam” (Hebreus 11.6). Os exemplos poderiam ser
multiplicados. O que separa os cristã os dos nã o cristã os é a questã o
da crença ou fé.
No entanto, num importante sentido, a diferença entre eles vai além,
e precisamos entender isso se vamos fazer um trabalho fiel na
defesa da fé. O cristã o alega “crer” nos ensinos da Escritura ou ter
“fé” na pessoa de Cristo [7] porque o elemento da confiança é
bastante proeminente no nosso relacionamento com o Salvador.
Mas o cristã o realmente afirma mais do que apenas crer nas
reivindicaçõ es de Cristo como verdadeiras. O cristã o também afirma
“saber” que essas reivindicaçõ es sã o verdadeiras. O que está
envolvido na fé salvadora é mais do que esperança (embora isso
esteja presente) e mais do que um compromisso da vontade
(embora isso também esteja presente). Jó confiantemente afirmou
“…eu sei que o meu Redentor vive” (Jó 19.25). Joã o indicou que
escreveu sua primeira epístola para que aqueles “que creem no
nome do Filho de Deus” “saibam que têm a vida eterna” (1 Joã o 5.13,
NVI). Paulo declarou que Deus “deu provas” de que Jesus há de
julgar o mundo (Atos 17.31, NVI). Jesus prometeu aos seus
discípulos que “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará ”
(Joã o 8.32).
De que forma o conhecimento vai além da crença? Conhecimento
inclui ter uma justificaçã o ou boa razã o para apoiar o que quer que
você creia. Imagine que eu creia que uma dada cidade tem 37 milhas
quadradas, e imagine que essa afirmaçã o se revela precisa ─ mas
imagine também que só cheguei a essa resposta por adivinhaçã o
(em vez de fazer mediçõ es, cá lculos matemá ticos, consultar um
almanaque, etc.). Eu creio em algo que se revelou verdade, mas nã o
podemos dizer que neste caso eu tinha “conhecimento”, pois eu nã o
tinha justificação para o que eu acreditava. Quando afirmamos saber
que algo é verdadeiro, estamos afirmando assim ter provas,
evidências adequadas ou uma boa razã o para isso.
A diferença entre o cristã o e o nã o cristã o nã o é simplesmente que
um crê na Bíblia, e o outro nã o. As crenças das pessoas podem ser
frívolas, aleató rias ou tolas. O cristã o também afirma que há
justificaçã o para acreditar no que a Bíblia diz. O nã o cristã o diz, ao
contrá rio, que nã o há nenhuma justificaçã o (ou justificaçã o
adequada) para acreditar nas afirmaçõ es da Bíblia ─ ou, em casos
mais fortes, diz que há justificaçã o para nã o acreditar nas
afirmaçõ es da Bíblia. A apologética equivale a uma investigaçã o e
um debate sobre quem está correto nessa matéria. Ela envolve dar
razõ es, oferecer refutaçõ es e responder a objeçõ es.
 
Cosmovisões conflitantes
Qual perspectiva é intelectualmente justificada, a do cristã o ou do
nã o cristã o? Muitos apologistas cristã os iniciantes abordam a
resposta para essa pergunta de uma forma muito simplista e
ingênua, pensando que tudo o que temos a fazer é ir atrá s da
evidência observá vel e ver qual das hipó teses é verificada. “Afinal”,
pensa-se, “é como resolvemos as divergências nos nossos assuntos
corriqueiros, assim como na ciência”. [8] Se surge uma controvérsia
sobre o preço dos ovos no supermercado, nó s podemos entrar no
carro, dirigir até o estabelecimento e conferir por nó s mesmos o
preço dos ovos na gô ndola. Se os cientistas discordam sobre a
afirmaçã o de que fumar causa câ ncer, eles podem realizar testes,
fazer comparaçõ es estatísticas, etc. Nesses casos, parece que o que
fazemos no fundo é “olhar e ver” se uma hipó tese ou o seu oposto é
verdadeiro. Claro, discordâ ncias como essa podem ser facilmente
resolvidas dessa forma somente porque as duas pessoas que
discordam acabam, todavia, concordando uma com a outra em
relaçã o a suposiçõ es mais básicas ─ tais como a confiabilidade dos
seus sentidos, a uniformidade dos eventos naturais, a precisã o na
comunicaçã o dos dados, a honestidade dos pesquisadores, etc.
No entanto, quando a disputa é sobre questõ es mais fundamentais,
como acontece entre crentes e incrédulos, apelos simples à
evidência observacional nã o precisam ser de fato decisivos. A razã o
é que as crenças mais fundamentais (ou pressuposiçõ es) de uma
pessoa determinam o que ela aceitará como evidência e determinam
como essa evidência será interpretada. Deixe-me ilustrar isso. O
naturalismo e o sobrenaturalismo sã o perspectivas conflitantes
sobre o mundo em que vivemos e o conhecimento que o homem tem
dele. O naturalista alega que aquilo que é estudado pela ciência
empírica [9] é tudo o que existe na realidade, e que todo evento
pode (em princípio) ser explicado sem recorrer a forças fora do
escopo da experiência do homem ou fora do Universo. O
sobrenaturalismo cristã o, por outro lado, acredita que existe um
Deus todo-poderoso e transcendente que pode intervir no Universo
e realizar milagres que nã o podem ser explicados pelos princípios
comuns da experiência natural do homem. Ora, ter assim relató rios
bem certificados de um evento “milagroso” nã o é por si só suficiente
para mudar do naturalista ─ e por uma boa razã o. As pressuposiçõ es
do naturalista irã o exigir que ele dispute a alegaçã o de que esse
evento realmente aconteceu, ou, alternativamente, o levarã o a dizer
que o evento está sujeito a uma explicaçã o natural, uma vez que
aprendamos mais sobre ele. A simples evidência nã o precisa
desalojar sua abordagem naturalista para todas as coisas ─ nã o mais
que a simples evidência do globo ocular poderia alguma vez refutar
a convicçã o hindu de que tudo sobre a experiência temporal do
homem é maya (ilusã o). Nossas pressuposiçõ es sobre a natureza da
realidade e o conhecimento controlam o que aceitamos como
evidência e como a vemos. [10]
Todo mundo tem o que se pode chamar de “cosmovisã o”, uma
perspectiva em termos da qual as pessoas veem todas as coisas e
entendem suas percepçõ es e sentimentos. Cosmovisã o é uma rede
de pressuposiçõ es relacionadas em termos das quais cada aspecto
da consciência e do conhecimento do homem sã o interpretados.
Essa cosmovisã o, como explicado acima, nã o é totalmente derivada
da experiência humana nem pode ser verificada ou refutada pelos
procedimentos da ciência natural. Nem todo mundo reflete
explicitamente sobre o conteú do da sua cosmovisã o ou é consistente
na sua manutençã o, mas todo mundo tem uma, nã o obstante. A
cosmovisã o de uma pessoa dá a ela uma pista da natureza, estrutura
e origem da realidade. Ela lhe diz quais sã o os limites da
possibilidade. Ela envolve uma visã o da natureza, das fontes e dos
limites do conhecimento humano. Ela inclui convicçõ es
fundamentais sobre o certo e o errado. A cosmovisã o de alguém diz
algo sobre quem o homem é, qual é o seu lugar no Universo, qual é o
significado da vida, etc. As cosmovisõ es determinam nossa aceitaçã o
e entendimento dos eventos na experiência humana e, assim,
desempenham o papel crucial na nossa interpretaçã o da evidência
ou nas disputas sobre crenças fundamentais conflitantes. [11]
Vimos acima que a apologética, dada a sua natureza, envolve uma
argumentaçã o sobre a justificação da crença ou rejeiçã o da crença. O
que acabamos de observar é que o tratamento da questã o da
justificaçã o da crença por uma pessoa será governado pela
cosmovisão ou pressuposiçõ es subjacentes dela. A apologética eficaz
necessariamente nos leva a desafiar e debater com o incrédulo no
nível das suas suposiçõ es ou compromissos mais bá sicos sobre a
realidade, o conhecimento e a ética. Nossa abordagem para a defesa
da fé será superficial e ineficaz se pensarmos que o incrédulo
simplesmente carece de informaçã o ou precisa receber evidência
observacional. [12]
A Bíblia nos ensina que as perspectivas mental e espiritual dos
crentes e dos incrédulos diferem radicalmente uma da outra. Em
princípio , e de acordo com o que eles professam , as cosmovisõ es
bá sicas ─ as pressuposiçõ es fundamentais ─ do cristã o e do nã o
cristã o conflitam uma com a outra em todos os pontos. [13] A
depravaçã o pecaminosa que permeia todo o homem nã o regenerado
atinge seu intelecto tanto quanto qualquer outra coisa. “Porquanto a
inclinaçã o da carne é inimizade contra Deus, pois nã o é sujeita à lei
de Deus, nem, em verdade, o pode ser (Romanos 8.7). A descriçã o
que Paulo faz da mente incrédula em Efésios 4.17-19 é explícita. Os
incrédulos andam na vaidade da sua mente, obscurecidos no
entendimento, na ignorâ ncia e com um coraçã o endurecido.
“Dizendo-se sá bios, tornaram-se loucos” (Romanos 1.22). Por outro
lado, é dito que os crentes sã o transformados pela renovaçã o da sua
mente (Romanos 12.2; cf. Efésios 4.23-24). Eles agora têm a mente
de Cristo (1 Coríntios 2.16) e levam cativo todo pensamento à
obediência dele (2 Coríntios 10.5, ARA). Nã o é surpreendente,
portanto, que os crentes e os incrédulos ─ com suas condiçõ es de
coraçã o e cosmovisõ es conflitantes ─ nã o partilhem realmente de
uma visã o comum do conhecimento, da ló gica, evidência, linguagem
ou verdade. Pilatos arrogantemente perguntou: “Que é a verdade?”
(Joã o 18.38). Agripa diferiu de Paulo sobre o que é “crível” (Atos
26.8). O que os incrédulos chamam de “conhecimento”, os crentes
evitam como sendo “pseudoconhecimento” (1 Timó teo 6.20). O que
os crentes chamam de sabedoria, os incrédulos chamam de loucura
(1 Coríntios 1.18-2.5).
 
A impossibilidade do contrário
Se o modo como as pessoas raciocinam e interpretam a evidência é
determinado por suas cosmovisõ es pressupostas, e se as
cosmovisõ es do crente e do incrédulo estã o, em princípio, em
completo desacordo uma com a outra, como a discordâ ncia entre
eles sobre a justificaçã o das afirmaçõ es bíblicas pode ser resolvida?
Pode parecer que toda argumentaçã o racional é impedida, visto que
os apelos à evidência e à ló gica serã o controlados pelas respectivas
cosmovisõ es conflitantes do crente e do incrédulo. Mas nã o é este o
caso.
Cosmovisõ es diferentes podem ser comparadas uma com a outra
nos termos da importante questã o filosó fica sobre as “precondiçõ es
de inteligibilidade” para suposiçõ es importantes como a
universalidade das leis da ló gica, a uniformidade da natureza e a
realidade dos absolutos morais. Podemos examinar uma cosmovisã o
e perguntar se o retrato que ela faz da natureza, do homem, do
conhecimento, etc. fornece uma perspectiva em termos da qual a
ló gica, a ciência e a ética podem fazer sentido. Nã o é compatível com
as prá ticas da ciência natural acreditar que todos os eventos sã o
aleató rios e imprevisíveis, por exemplo. Nã o é compatível com a
exigência de honestidade na pesquisa científica nenhum princípio
moral expressar algo mais que um sentimento ou preferência
pessoal. Além disso, se há contradiçõ es internas na cosmovisã o de
uma pessoa, essa cosmovisã o nã o fornece as precondiçõ es que dã o
sentido à experiência do homem. Por exemplo, se os dogmas
políticos de uma pessoa respeitam a dignidade dos homens de
fazerem suas pró prias escolhas, embora as teorias psicoló gicas dela
rejeitem o livre-arbítrio dos homens, há um defeito interno na
cosmovisã o dessa pessoa.
A alegaçã o do cristã o é que todas as cosmovisõ es nã o cristã s estã o
cercadas de contradiçõ es internas, bem como de crenças que
impedem a ló gica, a ciência ou a ética serem inteligíveis. Por outro
lado, a cosmovisã o cristã (tomada a partir da autorrevelaçã o de
Deus na Escritura) exige o nosso compromisso intelectual porque
ela fornece as precondiçõ es de inteligibilidade para o raciocínio, a
experiência e a dignidade do homem.
Em termos bíblicos, o que o apologista cristã o faz é demonstrar aos
incrédulos que, por causa da sua rejeiçã o da verdade revelada de
Deus, eles “se tornaram nulos em seus pró prios raciocínios”
(Romanos 1.21, ARA). Por meio da sua perspectiva tola eles acabam
opondo a si mesmos (2 Timó teo 2.25). Eles seguem uma concepçã o
de conhecimento que nã o merece tal nome (1 Timó teo 6.20). Sua
filosofia e suas pressuposiçõ es roubam de uma pessoa o
conhecimento (Colossenses 2.3, 8), deixando-a na ignorâ ncia
(Efésios 4.17-18; Atos 17.23). O objetivo do apologista é destruir o
raciocínio deles (2 Coríntios 10.5) e desafiá -los no espírito de Paulo:
“Onde está o sá bio? […] Onde está o inquiridor deste século?
Porventura nã o tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” (1
Coríntios 1.20).
De vá rias formas, o argumento fundamental desenvolvido pelo
apologista cristã o é que a cosmovisã o cristã é verdadeira por causa
da impossibilidade do contrá rio. Quando a perspectiva da revelaçã o
de Deus é rejeitada, o incrédulo é deixado na ignorâ ncia tola porque
sua filosofia nã o fornece as precondiçõ es do conhecimento e da
experiência significativa. Em outras palavras, a prova de que o
cristianismo é verdadeiro é que se ele não o fosse, nã o seríamos
capazes de provar nada .
O que o incrédulo precisa é nada menos do que uma mudança
radical de mente ─ de arrependimento (Atos 17.30). Ele precisa
mudar sua cosmovisã o fundamental e se submeter à revelaçã o de
Deus para que qualquer conhecimento ou experiência façam
sentido. Ele ao mesmo tempo precisa se arrepender da sua rebeliã o
espiritual e do seu pecado contra Deus. Por causa da condiçã o do
seu coraçã o, ele nã o pode ver a verdade ou conhecer Deus de uma
forma salvadora.
 
Autoengano
Até que o coraçã o do pecador seja regenerado e sua perspectiva
bá sica mudada, ele continuará a resistir ao conhecimento de Deus.
Como acabamos de dizer, dada a sua cosmovisã o defeituosa e
atitude espiritual, o incrédulo nã o pode justificar o conhecimento,
seja qual for, e nã o pode vir a conhecer Deus de uma forma
salvadora. Isso nã o significa, no entanto, que os incrédulos nã o têm
qualquer conhecimento e, muito menos, que eles nã o conhecem
Deus. O que dissemos é que eles nã o podem justificar o que sabem
(nos termos da sua cosmovisã o incrédula) e nã o podem conhecer
Deus de uma forma salvadora . A Bíblia indica que os incrédulos,
apesar disso, conhecem Deus ─ mas é um conhecimento em
condenação , um conhecimento que os capacita a saber de coisas
sobre si mesmos e o mundo ao seu redor, muito embora eles
suprimam a verdade de Deus que torna tal conhecimento possível.
De acordo com Romanos 1.18-21, os incrédulos realmente
conhecem Deus no íntimo do seu coraçã o (v. 21). De fato, o que se
pode conhecer de Deus é evidente dentro deles, e por isso eles sã o
indesculpá veis por sua incredulidade professa (vv. 19-20). Visto que
ele nã o está longe de cada um de nó s, até mesmo os filó sofos pagã os
nã o podem deixar de conhecê-lo (cf. Atos 17.27-28). Os incrédulos
“suprimem a verdade pela injustiça” (Romanos 1.18, NVI). Eles sã o
culpados de autoengano. Embora num sentido eles mui
sinceramente neguem conhecer Deus ou ser persuadidos pela sua
revelaçã o, eles estã o, contudo, enganados nessa negaçã o. Na
verdade, eles conhecem Deus, sã o persuadidos pela sua revelaçã o de
si mesmo e fazem agora o que podem para manter essa verdade fora
de vista e evitar de lidar honestamente com seu Criador e Juiz. A
racionalizaçã o e qualquer nú mero de artifícios intelectuais serã o
arrolados para eles convencerem a si mesmos e os outros de que
nã o se deve acreditar na revelaçã o que Deus faz de si mesmo. Desse
modo os incrédulos, que genuinamente conhecem Deus (em
condenaçã o), trabalham duro ─ ainda que habitualmente (e, neste
sentido, inconscientemente) ─ para enganarem a si mesmos a fim de
acreditar que nã o creem em Deus ou nas verdades reveladas sobre
ele.
É o conhecimento de Deus que todos os incrédulos têm
inevitavelmente dentro de si que lhes torna possível conhecer
outras coisas sobre si mesmos ou sobre o mundo. Porque conhecem
Deus, eles têm um argumento para as leis da ló gica, para a
uniformidade da natureza, para a dignidade do homem e para os
absolutos éticos. Consequentemente eles podem aspirar à ciência e a
outros aspectos da vida com alguma medida de sucesso ─ muito
embora nã o possam justificar esse sucesso (nã o possam fornecer as
precondiçõ es para a inteligibilidade da ló gica, ciência ou ética). Por
essa razã o, cada pedaço do conhecimento do incrédulo é uma
evidência que apoia a verdade da revelaçã o de Deus e um
indiciamento adicional contra a incredulidade no dia do julgamento.
A tarefa da apologética é despir o incrédulo da sua má scara,
mostrar-lhe que ele realmente conhece Deus o tempo todo, mas
suprime a verdade em injustiça, e que o conhecimento seria
impossível de outra forma. A apologética, conduzida dessa forma,
vai ao cerne da questã o. Ela desafia o cerne da perspectiva filosó fica
do incrédulo e confronta o autoengano que domina o coraçã o
pessoal do incrédulo.

 
 
27. RESPONDENDO OBJEÇÕES
 
 
Sob ataque
 
Os cristã os no mundo antigo sabiam o que era ser alvo de acusaçõ es
e ridicularizaçõ es por causa das suas convicçõ es e prá ticas
religiosas. O relato da ressurreiçã o de Jesus foi tomado como um
desvario (Lucas 24.11), uma mentira (Mateus 28.13-15), uma
impossibilidade (Atos 26.8). Por pregarem isso, crentes foram
presos pelos judeus (Atos 4.2-3) e escarnecidos pelos filó sofos
gregos (Atos 17.32). No dia de Pentecostes os discípulos foram
acusados de estarem bêbados (Atos 2.13). Estêvã o foi acusado de se
opor à revelaçã o anterior (Atos 6.11-14). Paulo foi acusado de
introduzir novos deuses (Atos 17.18-20). A igreja foi acusada de
insurreiçã o política (Atos 17.6-7). Especialistas contradiziam
abertamente o que os cristã os ensinavam (Atos 13.45) e
dolosamente vilipendiaram suas pessoas (Atos 14.2). Assim, por um
lado, a mensagem cristã era um tropeço para os judeus e loucura
para os gregos (1 Coríntios 1.23).
Por outro lado, os primeiros cristã os tinham de se resguardar contra
o tipo errado de aceitaçã o positiva do que proclamavam. Os
apó stolos foram confundidos com deuses por defensores da religiã o
pagã (Atos 14.11-13), receberam louvor indesejá vel de adivinhos
(Atos 16.16-18) e tiveram sua mensagem absorvida por legalistas
heréticos (Atos 15.1, 5). Crentes do século XX podem simpatizar com
os seus irmã os do mundo antigo. Nossa fé cristã continua a ver a
mesma variedade de tentativas de se lhe opor e miná -la.
Há um grande nú mero de formas em que as reivindicaçõ es de
verdade cristã s estã o sob ataque hoje. Elas sã o desafiadas quanto à
sua significabilidade. A possibilidade de milagres, de revelaçã o e de
encarnaçã o sã o questionadas. É lançada dú vida sobre a divindade de
Cristo ou sobre a existência de Deus. A exatidã o histó rica ou
científica da Bíblia é atacada. O ensino bíblico é rejeitado por nã o ser
logicamente coerente. A vida consciente apó s a morte física, a
condenaçã o eterna e uma futura ressurreiçã o nã o sã o prontamente
aceitas. O caminho da salvaçã o é visto como desagradá vel ou
desnecessá rio. A natureza de Deus e o caminho da salvaçã o sã o
falsificados por escolas heréticas de pensamento. Sistemas
religiosos concorrentes sã o contrapostos ao cristianismo ─ ou
alguns tentam assimilá -lo em suas pró prias formas de pensamento.
A ética da Escritura é criticada. A adequaçã o psicoló gica ou política
do cristianismo é menosprezada.
Essas e muitas, muitas outras linhas de ataque sã o dirigidas contra o
cristianismo bíblico. É trabalho da apologética refutá -las e
demonstrar a veracidade da cosmovisã o e proclamaçã o cristã s ─
“destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o
conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10.5).
 
 
A estrada baixa
Ao estudar as objeçõ es dos incrédulos e nos preparar para arrazoar
com eles, nó s tomamos a estrada alta da apologética, o caminho da
obediência à orientaçã o do nosso Senhor e Salvador. Sua
reivindicaçã o categó rica foi: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida;
ninguém vem ao Pai, senã o por mim” (Joã o 14.6). O apologista
responde à s objeçõ es dos incrédulos de uma forma que apresente a
verdade objetiva do cristianismo e o cará ter exclusivo do sistema.
Ele oferece razõ es para a crença, vindicando a cosmovisã o cristã
contra sistemas concorrentes de pensamento e de vida.
Nem todos os crentes (ou cristã os professos) optam por seguir essa
estrada alta. Frequentemente tem acontecido que aqueles que falam
pela fé cristã se contentam com muito menos (especialmente, mas
nã o exclusivamente, no século atual). Eles se contentam com muito
menos do que a apologética ao reduzirem o compromisso cristã o ao
subjetivismo. É certamente verdade que o cristianismo nos traz uma
sensaçã o de paz e confiança pessoal perante Deus, e essa
experiência interior de fé sendo certa e nó s mesmos vindo a estar
bem com Deus (cf. o testemunho do Espírito, Romanos 8.16) nã o
podem ser adequadamente transmitidas em palavras. No entanto,
apelos a esse sentimento interior nã o constituem um argumento que
deverá persuadir os outros da veracidade do cristianismo.
Há uma importante diferença entre confiança e certeza, [14] assim
como há uma importante diferença entre aceitabilidade subjetiva e
verdade objetiva. Confiança é uma propriedade psicoló gica, um
sentimento de convicçã o de que uma proposiçã o é verdadeira.
Muitas pessoas, no entanto, se sentem muito confiantes de coisas
que se provam notoriamente falsas; todavia, a confiança dos outros
acaba sendo confiá vel. Assim, o melhor que podemos dizer é que a
presença de convicçã o psicoló gica nã o é um indicador adequado de
quem possui ou nã o a verdade. A certeza ─ em oposiçã o à confiança
─ é tecnicamente a propriedade de uma proposiçã o (ou conjunto de
proposiçõ es), nã o de uma pessoa. A certeza de uma proposiçã o é a
propriedade de que ela nã o pode deixar de ser verdadeira. A
verdade do cristianismo nã o é simplesmente uma qualidade
autobiográ fica, dizendo-nos algo sobre a sua aceitabilidade por esta
ou aquela pessoa individual. O apologista defende a verdade
objetiva da fé. Isto é, o apologista mantém que a verdade dela tem
uma natureza pú blica, aberta à inspeçã o e independente do que
alguém pensa ou sente sobre ela (positiva ou negativamente).
Outra estrada baixa que alguns cristã os professos seguem em
resposta à s objeçõ es incrédulas à fé é a estrada do relativismo. Isso
está , em muitos casos, intimamente aliado ao subjetivismo, mas
constitui um erro distinto em si mesmo. O subjetivista suprime ou
nega a natureza pú blica da verdade cristã , mas ainda distingue a
verdade do erro; ele acredita que o cristianismo é verdadeiro ─ e
baseia isso em sentimentos indisputados ─ e, por outro lado,
acredita que o ponto de vista nã o cristã o é falso.
O relativismo, por outro lado, acredita que todas as crenças e
convicçõ es (ou todas as crenças religiosas , seja como for) sã o
condicionadas por fatores culturais e preconceitos individuais de tal
forma que nã o pode haver qualquer verdade absoluta (nã o
qualificada). Se o cristã o proclama que Deus é uma pessoa, mas os
hindus ensinam que a realidade suprema é impessoal, e se o cristã o
adverte que todos os homens responderã o a Deus pelos seus
pecados um dia, mas o líder de alguma seita insiste que Deus jamais
puniria alguém por maldades cometidas ─ o relativista diria que
essas discordâ ncias nã o podem ser resolvidas. O que é “verdade
para você” nã o é necessariamente “verdade para mim”. [15]
O
relativismo é hipó crita ou autocontraditó rio. À s vezes as pessoas
agem com relativismo, mas nã o é realmente como querem agir.
Quando as coisas vã o mal, elas querem insistir que algumas coisas
sã o absolutamente verdadeiras, embora outras nã o o sejam ─ e,
claro, elas serã o julgadas conforme onde demarcarem a linha, como
se a verdade pudesse ser mera questã o de conveniência pessoal!
Outras vezes as pessoas se contradizem ao insistir que
absolutamente nã o existe nenhuma verdade absoluta ─ fornecendo,
assim, no que dizem a pró pria base para rejeitar o que dizem.
O cristianismo nã o reivindica ser relativamente verdadeiro, mas
absoluta e universalmente verdadeiro. Além disso, como sistema
religioso, reivindica ser exclusivamente verdadeiro. [16]
Isso é,
naturalmente, bastante ofensivo em uma era pluralista e
democrá tica. “Todo mundo tem o direito de acreditar no que quiser
sobre Deus”, as pessoas irã o nos lembrar. Mas nã o é esse o ponto. O
direito de acreditar em alguma coisa nã o traduz isso em algo
verdadeiro. Algumas perspectivas religiosas ensinam que há uma
variedade de formas de se chegar a Deus ou servi-lo (como pessoa
ou objeto) ─ muitos caminhos para o topo da montanha. O
cristianismo nã o é uma delas, no entanto. As abordagens ecléticas e
variadas da religiã o podem desejar incorporar o cristianismo entre
as suas opçõ es religiosas (mais uma de muitas), mas pela sua
pró pria natureza o cristianismo nã o pode ser assimilado nas
perspectivas delas. O cristianismo afirma que somente Cristo é o
Salvador divino, afirma que somente através dele alguém pode estar
bem com Deus e afirma que aquilo que nó s cremos sobre Deus está
restrito ao que ele revela sobre si mesmo (excluindo assim a
imaginaçã o humana).
 
A estrada alta da argumentação santificada
Em oposiçã o à s estradas baixas do subjetivismo, relativismo e
ecletismo, as pá ginas do Novo Testamento nos mostram cristã os que
responderam à s objeçõ es e desafios dos incrédulos com argumentos
apologéticos para a verdade da fé. O pró prio termo “apologética”
(encontrado em 1 Pedro 3.15) era usado no mundo antigo para a
defesa que uma pessoa acusada oferecia em um tribunal de justiça.
O subjetivismo, relativismo e ecletismo nã o fariam absolutamente
nenhum bem para um réu que estivesse defendendo a sua inocência.
Os primeiros cristã os insistiram nas reivindicaçõ es de verdade e
foram capazes de defendê-las, apresentando de maneira clara a
verdade de Cristo em antítese à s ideias errô neas que a contradiziam.
E eles fizeram isso quer tendo sido antes pescadores, quer coletores
de impostos, quer estudantes acadêmicos da lei.
Observe como o Novo Testamento descreve a proclamaçã o e defesa
da fé cristã pelos seus primeiros adeptos:
 
Pedro proclamou “Saiba pois com certeza toda a casa de Israel
que a esse Jesus, a quem vó s crucificastes, Deus o fez Senhor e
Cristo” (Atos 2.36).

“Saulo, porém, se esforçava muito mais, e confundia os judeus


que habitavam em Damasco, provando que aquele era o Cristo”
(Atos 9.22).

“Paulo, segundo o seu costume, foi procurá -los e, por três


sá bados, arrazoou com eles acerca das Escrituras” (Atos 17.2,
ARA).

“Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos


tementes a Deus, bem como [17] na praça principal, todos os
dias, com aqueles que por ali se encontravam [incluindo] alguns
filó sofos epicureus e estoicos…” (Atos 17.17-18, NVI).

“E todos os sá bados disputava na sinagoga, e convencia a judeus


e gregos” (Atos 18.4).

“Durante três meses, Paulo frequentou a sinagoga, onde falava


ousadamente, dissertando e persuadindo com respeito ao reino
de Deus… [e mais tarde] passando a discorrer diariamente na
escola de Tirano” (Atos 19.8-9, ARA).

 
Quando sã o levantadas objeçõ es ao cristianismo, é nossa obrigaçã o
apresentar respostas fundamentadas em defesa. Devemos
argumentar com aqueles que se opõ em à verdade da palavra de
Deus.
Oferecer argumentos a favor de certas conclusõ es nã o deve ser
confundido com ser “argumentativo” ou contencioso na atitude. A
Bíblia nos exorta ao primeiro, embora nos proíba do segundo.
Apresentar uma razã o para a esperança que há em nó s nã o requer
que o façamos de uma forma ofensiva ou arrogante. [18] Assim,
cristã os bem-intencionados que dizem que “nã o devemos discutir
com as pessoas se quisermos ser como Cristo” têm algo valioso a
dizer, mas nã o o estã o fazendo de uma forma clara e correta.
Discutir nã o é em si mesmo errado. Os apó stolos se envolveram de
forma bastante evidente em discussõ es com incrédulos. No entanto,
os apó stolos também tinham conhecimento de um temperamento e
de uma forma de comunicaçã o que desonra o Senhor. Eles podiam
falar de “perversas contendas” ─ ou, como uma traduçã o coloca,
“atritos constantes entre pessoas que têm a mente corrompida” (1
Timó teo 6.5). A injunçã o moral categó rica para aqueles que seriam
professores cristã os é que eles “[devem instruir] com mansidã o os
que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento
para conhecerem a verdade” (2 Timó teo 2.25). Portanto, “ao servo
do Senhor nã o convém contender” (v. 24). Discutir em favor da fé
cristã pode e deve ser feito de uma maneira consistente com a
piedade cristã .
A resposta apropriada aos críticos da fé, entã o, é arrazoar com eles,
refutar objeçõ es, provar conclusõ es, oferecer argumentos. Vamos
entender mais precisamente o que isso envolve. A palavra grega
usada para “provando” em Atos 9.22 é usada para “juntar as coisas”,
como alguém faz com inferências ou ao demonstrar conclusõ es a
partir de premissas.
Num argumento a verdade de uma proposiçã o é afirmada com base
na verdade de outras proposiçõ es (premissas). Diz-se que a
conclusã o é inferida ─ “segue” ─ das premissas oferecidas. Isso nã o é
a mesma coisa que uma declaraçã o condicional, que segue o formato
“se… entã o”. “Se o Popeye é um marinheiro, entã o ele é um bêbado”
é uma declaraçã o condicional, mas nã o um argumento ─ visto que
nenhuma proposiçã o está sendo afirmada como seguindo da
evidência fornecida em outra proposiçã o ou conjunto de
proposiçõ es. Mas se alguém afirma que “Popeye é um bêbado
porque é marinheiro”, está fazendo um argumento (um muito
pobre), baseando uma conclusã o em outras premissas (neste caso,
uma dessas premissas é suprimida ou nã o mencionada).
Deve também ser notado aqui que um argumento nã o é o mesmo
que uma explicaçã o. A presença da palavra “porque” no exemplo
anterior pode ser enganosa se nã o tivermos cuidado. A palavra
“porque” amiú de expressa uma conexã o causal entre duas coisas ou
eventos, em vez de dar uma razã o (dar fundamentos para acreditar
em algo). “O pã o nã o cresceu porque Betty nã o adicionou o
fermento” é uma explicaçã o causal, nã o um argumento. A
proposiçã o seguinte a “porque” nã o tem por objetivo estabelecer a
verdade da proposiçã o precedente.
Na apologética, nossa tarefa é analisar os argumentos que sã o
desenvolvidos pelos incrédulos contra a verdade do cristianismo e
produzir argumentos só lidos em favor dela. Isso exigirá uma
compreensã o de como a verdade de uma proposiçã o pode estar
baseada na verdade de outras ─ uma compreensã o das relaçõ es
empíricas (evidência) e relaçõ es conceituais (ló gica). Fazemos uso
da nossa capacidade santificada de arrazoar e debater, usando as
ferramentas ló gicas e empíricas de raciocínio que Deus nos
concedeu, e oferecemos justificativa para crer que o cristianismo
deve ser verdadeiro e para rejeitar a perspectiva conflitante dos
incrédulos.
 
Identificando o verdadeiro réu
A ú ltima observaçã o destaca o fato de que a apologética tem uma
natureza tanto defensiva quanto ofensiva; ela nã o só responde à s
críticas, mas também apresenta seu pró prio desafio ao pensamento
dos incrédulos. Na verdade, a apologética deve realçar a ironia do
fato de que aqueles que exigem uma defesa para Deus sã o, por meio
disso, aqueles que no fim das contas mais mostram ter necessidade
de uma defesa filosó fica e pessoal.
Os incrédulos tomam sua autonomia intelectual como algo tã o certo
que acham difícil acreditar que nã o estã o, epistemoló gica ou
moralmente, em nenhuma posiçã o de questionar Deus e a sua
palavra revelada. Isso é bem descrito por C. S. Lewis:
 
O julgamento pode até acabar na absolviçã o de Deus. Mas o
importante é que o homem está na tribuna, e Deus no banco dos
réus. [19]

 
Deus, em sua Santa Palavra, revelou a falta de santidade dessa
atitude. “Nã o tentareis o Senhor vosso Deus” (Deuteronô mio 6.16),
conforme decretou Moisés. Quando Sataná s tentou Jesus para fazer
isso ─ pressionar Deus a oferecer prova da veracidade da sua
palavra (como citada por Sataná s) ─ Jesus repreendeu Sataná s, “o
acusador”, com essas mesmas palavras do Antigo Testamento. Ele
declarou: “Também está escrito: Nã o tentará s o Senhor teu Deus”
(Mateus 4.7). Nã o é a integridade, veracidade e conhecimento de
Deus que sã o de algum modo suspeitos, realmente, mas sim aqueles
que o acusam e exigem provas para satisfazer a sua pró pria maneira
de pensar ou viver.
Ao responder as objeçõ es dos incrédulos, o apologista nã o deve
perder de vista essa profunda verdade. Compete a nó s oferecer uma
defesa fundamentada ao incrédulo, lidando de uma forma honesta e
detalhada com as críticas que ele possa ter. A apologética cristã nã o
é servida pelo obscurantismo e por generalidades. Porém, ao mesmo
tempo, nossos argumentos apologéticos devem servir para
demonstrar que o incrédulo nã o tem nenhum fundamento
intelectual sobre o qual pode manter oposiçã o à revelaçã o de Deus.
Nossa argumentaçã o deve acabar mostrando que as pressuposiçõ es
(a cosmovisã o) do incrédulo levariam consistentemente à loucura e
à destruiçã o do conhecimento. Nesse caso, e dado o estilo de vida
pecaminoso do incrédulo, é o incrédulo realmente ─ e nã o Deus ─
quem está afinal “no banco dos réus”, tanto epistemologicamente
como moralmente.

 
 
28. FERRAMENTAS DE APOLOGÉTICA
 
 
Nã o se pode esperar que um exército trave uma batalha bem-
sucedida se os seus soldados nã o estã o familiarizados com as vá rias
armas que têm à sua disposiçã o para lidar com o inimigo. Assim
também, um construtor nã o pode construir ou reformar uma casa se
nã o souber que tipos de ferramentas de carpinteiro e de hidrá ulico
lhe estã o disponíveis e como deve usá -las. Da mesma forma, os
cristã os que querem defender a fé devem se preparar para
responder à s críticas dos incrédulos familiarizando-se com as
“ferramentas” de raciocínio e argumentaçã o que podem ser listadas
na apologética.
 
Sendo racional, em sentido geral
 
“Deus nã o foi tã o parcimonioso com os homens para fazê-los tã o
somente criaturas de duas pernas, deixando para Aristó teles
torná -los racionais.” Assim escreveu John Locke (1632-1704).
[20]

 
O gracejo se refere à famosa obra de Aristó teles sobre ló gica e
silogismo, Organon (“O Instrumento” ou “ferramenta” de
conhecimento), em que o antigo filó sofo estabelece regras de
raciocínio e distingue entre formas corretas e incorretas de
argumentaçã o. Locke nã o estava convencido do benefício
epistemoló gico da forma silogística de raciocínio (a saber, premissa
maior, premissa menor, conclusã o deduzida) explorada por
Aristó teles. Locke teria sido muito mais feliz com Novum Organum
(“Novo Instrumento”) de Francis Bacon, que foi publicado em 1620
e explorou as regras do raciocínio científico ou indutivo ─ que foi
mais tarde melhorado com o “Sistema de Ló gica” (1843) de John
Stuart Mill, cujo entendimento pró prio das ferramentas da
racionalidade foi por sua vez ampliado e melhorado por estudos do
século XX sobre ló gica, argumento e método.
Locke era, claro, o famoso filó sofo só cio-político inglês que foi autor
dos “Dois Tratados sobre o Governo”, bem como um estudante do
processo humano de conhecimento que se tornou conhecido com o
pai do “empirismo britâ nico”. Ele foi criado num lar puritano e viveu
até os acontecimentos que deflagraram a Assembleia de
Westminster. Foi contemporâ neo de Milton, Newton e Boyle ─ e a
exemplo desses grandes homens das letras, abertamente professava
a fé cristã , tendo alta consideraçã o pela Bíblia.
 
A Sagrada Escritura é para mim, e sempre o será , o guia
constante do meu assentimento; e sempre atentarei para ela
como contendo a verdade infalível em relaçã o à s coisas que sã o
do mais alto interesse… Onde possa eu querer a evidência das
coisas, ali estará o fundamento suficiente para a minha crença,
pois Deus o disse; e deixarei e condenarei qualquer opiniã o
minha tã o logo me seja mostrado que ela é contrá ria a qualquer
revelaçã o da Sagrada Escritura. [21]

 
Aos 63 anos de idade, no ano de 1695, Locke lançou um tratado
intitulado “A Razoabilidade do Cristianismo como entregue nas
Escrituras”. [22]
Cinco anos antes (1690) Locke havia pulicado sua obra mais
conhecida sobre a teoria do conhecimento, “Ensaio acerca do
Entendimento Humano”. Nela ele lamentou o fato de a palavra
“razã o” ser muitas vezes usada como se fosse oposta à “fé”. Ele
escreveu que, na sua opiniã o, a fé nã o deveria ser provida de nada
“exceto a boa razã o”, dispensando assim qualquer tensã o entre elas.
Locke insistiu que crer nas coisas arbitrariamente, à parte da razã o,
era insultar nosso Criador. Assim sendo, os cristã os eram chamados
a entender, aperfeiçoar e treinar sua faculdade de raciocínio. Com
isso, nó s certamente devemos concordar ─ mesmo nã o podendo
seguir completamente a epistemologia ou as conclusõ es teoló gicas
de Locke. Certamente devemos dominar a diferença entre as formas
confiá veis e nã o confiá veis de raciocínio se quisermos honrar a
Cristo e nos tornar eficazes no serviço a ele.
Deus quer que sejamos racionais: exercitar e aperfeiçoar nossa
capacidade de raciocínio entendendo, expondo e defendendo as
verdades da Escritura. E como Locke observou, essa capacidade de
raciocínio nã o começa ou termina com o ensino de Aristó teles. Ser
racional é um traço muito mais amplo do que o uso de silogismos
(embora eles certamente tenham o seu papel nisso). O tipo de
racionalidade ou raciocínio que vamos empregar na defesa da fé
cristã envolve nã o apenas o estudo da ló gica formal (padrõ es ou
formas abstratas de inferência), mas também uma atençã o para as
falá cias informais na linguagem comum, o uso do raciocínio
indutivo, [23] a manipulaçã o da evidência empírica na histó ria,
ciência, linguística, etc., [24] e especialmente uma reflexã o sobre as
demandas de uma cosmovisã o adequada em termos da qual todo
pensamento faz sentido. [25]
De fato, Deus não foi “parcimonioso” na sua provisã o de vá rias
ferramentas que os defensores da fé podem usar para confrontar
cosmovisõ es opostas e refutar a argumentaçã o daqueles que
desafiam as Escrituras. Essas ferramentas também sã o ú teis na
formulaçã o coerente e apresentaçã o da cosmovisã o cristã com base
nos ensinamentos da Bíblia. Ao explorar essas ferramentas de
racionalidade (ou as formas conspícuas em que elas sã o violadas),
podemos melhorar nossa capacidade de apresentar uma resposta
para a esperança que há em nó s como crentes, bem como obter uma
compreensã o sobre os erros elementares no raciocínio que sã o
amiú de cometidos pelos incrédulos.
 
Conjectura preconceituosa
Muitas vezes vamos descobrir que os incrédulos, tanto instruídos
como nã o instruídos, tomam a ofensiva contra o cristianismo antes
de terem se familiarizado com o que estã o falando. No lugar da
pesquisa e da avaliaçã o honesta das evidências disponíveis sobre
algum aspecto da Bíblia, muitos incrédulos optam pela conjectura
pessoal sobre o que lhes “parece prová vel”.
Por exemplo, desde que a Bíblia foi supostamente escrita tantas
centenas de anos atrá s, “parece prová vel” para muitos incrédulos
que nó s nã o podemos confiar no texto da Bíblia que temos em
nossas mã os hoje. Certamente os escribas alteraram e
suplementaram o texto original a tal ponto que nã o podemos estar
certos do que foi realmente escrito por Moisés, Jeremias, Joã o ou
Paulo (se é que esses personagens realmente foram os autores); até
onde sabemos, o que lemos nas nossas Bíblias veio da pena de
algum monge da “idade das trevas”! Esse tipo de crítica ignorante
parece ser intelectualmente sofisticado para alguns incrédulos.
Afinal de contas, na nossa experiência humana natural, mensagens
que sã o passadas de um locutor para outro geralmente ficam
truncadas, distorcidas ou aumentadas, nã o é o mesmo?
Para os incrédulos que raciocinam dessa forma (sobre este ou
muitos outros assuntos relacionados à Bíblia), nã o devemos cansar
de apontar que eles estã o se baseando na conjectura, nã o na
pesquisa. Pode “parecer prová vel” que o texto bíblico nã o seria mais
confiá vel ou autêntico depois de todos esses anos, mas essa
“probabilidade” é uma avaliaçã o que se baseia no preconceito. O
primeiro preconceito é a suposiçã o de que o texto bíblico nã o é
diferente de qualquer outro documento escrito que encontramos em
nossa experiência humana natural ao longo da histó ria ─ o que,
claro, é uma petição de princípio no pró prio fundamento daquilo que
o crente e o incrédulo estã o argumentando! Se a Bíblia é, como ela
afirma, a palavra inspirada do Deus Todo-Poderoso, a histó ria da
sua transmissã o textual pode muito bem ser totalmente diferente da
de outros documentos humanos, já que Deus teria ordenado que seu
texto fosse preservado com maior integridade do que o texto dos
livros comuns.
A segunda indicaçã o de preconceito é que o incrédulo nã o oferece
qualquer evidência concreta de que (digamos) algum monge
medieval adulterou o texto antes de nó s hoje. Esse tipo de
observaçã o é simples e arbitrariamente levantado como uma
hipó tese que deve ser endossada pela sua “probabilidade” em vez de
suas credenciais empíricas. Claro, se queremos seguir por esse
caminho, poderíamos ─ com igual arbitrariedade ─ conjecturar que
as palavras que nos chegaram como sendo de Paulo foram na
verdade escritas nã o anos depois, mas anos antes da época de Paulo!
A arbitrariedade é um amigo volú vel do estudioso. Livres de
qualquer demanda por evidência, poderíamos acreditar em
qualquer nú mero de coisas conflitantes.
A terceira indicaçã o de preconceito na crítica do incrédulo é que ele
nã o leva em conta a evidência real que está publicamente disponível
sobre o texto da Escritura. Se o crítico tivesse separado um tempo
para considerar esse aspecto, nã o teria feito a estranha avaliaçã o de
que o texto bíblico nã o é confiá vel. Isso me influenciou
sobremaneira apó s ter feito um curso avançado sobre Platã o na pó s-
graduaçã o, um curso que levou em conta a crítica textual do corpo
literá rio das obras de Platã o. Nosso mais antigo manuscrito
existente de uma obra de Platã o data bem antes de 900 D. C.
(“Oxford B”, encontrado num monastério de Patmos por E. B.
Clarke), e devemos lembrar que Platã o é pensado como tendo
escrito cerca de 350 anos antes de Cristo ─ deixando-nos assim com
uma diferença de mais de doze séculos. Por contraste, os primeiros
fragmentos do Novo Testamento datam menos de 50 anos apó s a
escrita original; a maior parte dos nossos manuscritos existentes
mais importantes remontam a 200-300 anos apó s a composiçã o
original. O texto do Novo Testamento é notavelmente uniforme e
bem estabelecido. A confiabilidade do texto do Antigo Testamento
foi demonstrada pela descoberta dos Manuscritos do Mar Morto.
A precisã o e autenticidade geral do texto bíblico é bem conhecida
dos estudiosos. Frederick Kenyon concluiu: “O cristã o pode tomar a
Bíblia inteira em suas mã os e dizer sem medo ou hesitaçã o que
defende estar nela a verdadeira Palavra de Deus, transmitida sem
nenhuma perda essencial de geraçã o a geraçã o, ao longo dos
séculos”. [26] Avaliaçõ es como essa de estudiosos competentes
poderiam ser facilmente multiplicadas ─ o que apenas acaba
mostrando o preconceito que opera no pensamento dos incrédulos
que descuidadamente criticam a Bíblia por “muito provavelmente”
ter um texto duvidoso.
Quando defendemos a nossa fé cristã , entã o, devemos estar
constantemente atentos com a forma como o raciocínio dos
incrédulos repousa sobre a conjectura preconceituosa. Ele surge
repetidamente. Já ouvi até mesmo algumas pessoas vociferarem a
opiniã o radical de que “nó s nã o temos nenhuma base histó rica ou
literá ria para acreditar que Jesus até mesmo existiu”! Você consegue
identificar as indicaçõ es ó bvias de preconceito aqui? Essa crítica
simplesmente toma como certo que a Bíblia mesma nã o deve ser
tomada, de nenhuma forma, como uma fonte literá ria de informaçã o
histó rica ─ contrariando a prá tica geral de até mesmo historiadores
incrédulos do mundo antigo. Ademais, essa crítica nã o mostra
familiaridade com as alusõ es seculares a Jesus na literatura antiga ─
como a referência feita pelo historiador romano Tá cito a “Christus”
que sofreu “a penalidade extrema… nas mã os de um de nossos
procuradores, Pô ncio Pilatos” ( Anais 15.44), ou a referência do
historiador judeu Josefo a Tiago “o irmã o de Jesus, que é chamado
Cristo” ( Antiguidades 20:9), etc. Críticas como essa acabam
normalmente nos dizendo mais sobre o crítico (por ex., seus
preconceitos, o que ele nã o está lendo) do que sobre o objeto da sua
crítica.
Houve uma época em que os críticos ridicularizavam o Antigo
Testamento por ele mencionar uma tribo de pessoas, os hititas, que
(ainda) era desconhecida fora da Bíblia; essas falhas presumidas no
registro bíblico eram consideradas uma razã o para torná -lo inú til
como um documento histó rico ─ até que monumentos e artefatos
hititas começaram a ser descobertos por aí ─ Archemish por
arqueó logos, começando em 1871. A civilizaçã o hitita é hoje uma
das culturas mais bem conhecidas do mundo antigo!
A arqueologia tem vez apó s vez provado ser inimiga dos críticos da
Bíblia, desenterrando seus preconceitos negativos e confirmando a
precisã o das Escrituras em particularidades histó ricas. H. M.
Orlinsky escreveu:
 
“Cada vez mais a antiga visã o de que os dados bíblicos eram
suspeitos e até prová veis de serem falsos, a nã o ser que
corroborados por fatos extrabíblicos, está dando lugar a uma
visã o que sustenta que, em geral, os relatos bíblicos sã o mais
prová veis de serem verdadeiros do que falsos…” [27]

 
Até mesmo um á rbitro tã o antipá tico como a revista Time , em um
artigo intitulado “Quã o verdadeira é a Bíblia?”, teve de admitir:
 
“Depois de mais de dois séculos enfrentando as mais pesadas
armas científicas que poderiam ser mobilizadas, a Bíblia
sobreviveu ─ e talvez seja melhor para o cerco. Mesmo nos
pró prios termos dos críticos ─ o fato histó rico ─, as Escrituras
parecem mais aceitá veis agora do que eram quando os
racionalistas começaram o ataque”. [28]

 
O simples ponto que eu quero desenvolver aqui é que os apologistas
precisam estar preparados para expor as conjecturas
preconceituosas dos incrédulos quando elas aparecerem. Muitas das
preconcepçõ es negativas mantidas por aqueles que criticam a Bíblia
ou o cristianismo se provam arbitrá rias ou constrangedoras, quando
colocadas contra a parede; essa pressã o deve ser humilde, mas
aplicada com confiança. Há um grande nú mero de pessoas que
rejeitam as Escrituras com base em coisas, no fim das contas, sobre
as quais nã o estã o realmente familiarizadas ou nã o sã o versadas.
Devemos apontar quã o insensato é se basear no preconceito e na
conjectura em qualquer á rea ─ mas especialmente quando se trata
de questõ es de consequências eternas. Quanto mais as pessoas
conhecerem “os fatos” sobre o texto e os relatos histó ricos da Bíblia,
menos prová vel será rejeitarem o livro.
 
Predisposição filosófica indisputada
Outra ferramenta que o apologista pode usar ao argumentar com
aqueles que sã o críticos da mensagem bíblica é expor os pré-
compromissos filosó ficos do crítico que foram tomados como certos
ao invés de abertamente debatidos e defendidos. Aqui está ainda
outro indicador amplo de como os incrédulos falham em serem
racionais na sua abordagem.
Considere o seguinte. Mesmo que suficiente evidência externa e
corroborante a partir da crítica textual, da arqueologia e das ciências
relacionadas estivesse disponível para autenticar todos os dados
ordiná rios (linguísticos, culturais, cronoló gicos, etc.) que
encontramos na literatura da Escritura, ainda restariam
características importantes ─ na verdade, as características mais
importantes ─ da narrativa bíblica nas quais os incrédulos
conscientes acabariam intelectualmente tropeçando. Nã o apenas
lemos sobre os hititas, sobre lugares elevados, casas, batalhas
militares, migraçõ es e casamentos na Bíblia, mas também nos
deparamos com curas, ferros de machado flutuantes, carros de fogo,
á gua transformada em vinho, nascimento virginal e ressurreiçõ es.
Quando os incrédulos leem sobre eventos milagrosos na Bíblia, sua
primeira inclinaçã o é dizer que essas coisas nã o podem acontecer,
desacreditando assim o relató rio escrito delas. “Todos nó s sabemos
que as pessoas nã o podem andar sobre a á gua; assim, essa histó ria
deve ter sido inventada”.
Cada um de nó s está familiarizado com essa linha de raciocínio. Nó s
mesmos a seguimos no caixa do supermercado quando vemos a
fantá stica manchete do tabloide (“Mulher dá à luz a seu pró prio
pai!”). O argumento implícito é que essas coisas sã o impossíveis e,
portanto, nã o poderiam ter acontecido. Os incrédulos descartam de
antemã o a possibilidade de eventos milagrosos e, à luz dessa
premissa implícita, lançam um olhar duvidoso sobre a narrativa
bíblica. “Jesus nã o ressuscitou dos mortos porque todos nó s
sabemos que mortos nã o ressuscitam”. Os incrédulos facilmente
assumem que as pessoas que vivem no século XX iluminado,
científico, nã o podem aceitar as superstiçõ es, mitos e contos de fada
da Bíblia. Afinal de contas, nó s usamos refrigeradores e
computadores hoje!
Para conduzir seu pensamento de forma totalmente racional, no
entanto, os incrédulos que duvidam da narrativa bíblica dos
milagres devem fazer uma pausa para reconhecer e escrutinar sua
premissa-controle. “Nó s sabemos que milagres sã o impossíveis.”
Nó s sabemos isso? Os incrédulos acham que sabem que esses
eventos nã o podem ocorrer porque, tendo uma perspectiva
científica, estã o convencidos de que toda a natureza opera de uma
forma previsível, legiforme. “Os milagres seriam contrá rios à s
regularidades da nossa experiência ordiná ria, nã o seriam
previsíveis”, protestam eles ─ ao que o apologista astuto deve
responder: “Mas nã o é esse justamente o ponto?”. Se os milagres nã o
fossem extraordiná rios, nã o seriam milagres.
A predisposiçã o do incrédulo contra eventos extraordiná rios precisa
ser desafiada pelos seus fundamentos racionais. Será que o
incrédulo sabe que toda a natureza opera de maneira legiforme?
Que nunca pode haver exceçõ es? É muita coisa para saber,
envolvendo percepçõ es sobre a pró pria natureza da realidade e os
limites metafísicos da possibilidade. Que justificaçã o o incrédulo
tem para os seus pontos de vista aqui? Se, em vez disso, a
cosmovisã o cristã é verdadeira, os milagres nã o sã o de antemã o um
problema filosó fico; um Criador e Governador todo-poderoso do
mundo certamente poderia fazer coisas que estã o além das
regularidades ordiná rias da experiência humana e lhe sã o contrá rias
─ como ressuscitar mortos. Rejeitar a Bíblia por causa do seu relato
de milagres é, assim, filosoficamente uma petiçã o de princípio.
O problema aqui não é que os críticos do cristianismo têm
pressuposiçõ es filosó ficas que eles trazem para as evidências e
usam no seu raciocínio. Isso é inevitá vel, para qualquer um ─ quer
incrédulo, quer crente. A ideia de que nó s podemos ser
caracterizados pela neutralidade filosó fica na academia e na
argumentaçã o é ingênua e irrealista; de fato, eu argumentaria que
ela é impossível. O problema nã o é que os incrédulos têm suas
pressuposiçõ es, mas sim que eles frequentemente nã o reconhecem
essas pressuposiçõ es por aquilo que sã o e nã o oferecem nenhuma
garantia ou defesa para elas ─ especialmente em contraposiçã o à s
pressuposiçõ es conflitantes das outras pessoas (como os cristã os).
Obviamente, os crentes e os incrédulos abordam o registro bíblico
dos milagres com diferentes suposiçõ es de controle sobre o que é
possível, sobre a existência e o poder de Deus, sobre a intervençã o
de Deus no mundo, etc. Parte da tarefa da apologética é revelar o
cará ter e a funçã o dessas pressuposiçõ es conflitantes na discussã o
entre os cristã os e os nã o cristã os. O debate nã o deve, claro,
terminar nesse ponto, como se ficá ssemos num impasse intelectual
insolú vel em meio a perspectivas filosó ficas ú ltimas. O passo
seguinte envolve argumentaçã o e comparaçã o acerca das
pressuposiçõ es (ou cosmovisõ es) opostas do crente e do incrédulo,
levando-nos assim para mais perto do cerne da apologética
filosó fica como discutido em estudos anteriores. Somente a
cosmovisã o cristã dá sentido à ló gica, ciência, moralidade, etc., para
as quais ambos os lados da disputa apelam ─ para nã o dizer que só
ela, de fato, dá sentido ao pró prio processo de raciocínio e
argumentaçã o.
 
Pecados intelectuais-chave
A primeira ferramenta de raciocínio apologético que temos
considerado é a de apontar para a conjectura preconceituosa em que
os incrédulos facilmente caem quando procuram uma maneira de
questionar a verdade do cristianismo. Uma segunda ferramenta a
ser usada na apologética é expor a predisposição filosófica
indisputada que está geralmente embalada na crítica gerada pelos
incrédulos.
Ao utilizar artifícios como esses, o apologista procura desvelar as
“pressuposiçõ es” do incrédulo que determinam (involuntariamente
ou à s vezes conscientemente) as conclusõ es que ele irá alcançar.
Estamos constantemente à procura de suposiçõ es cruciais e
indisputadas.
Em outros momentos o apologista terá de desafiar nã o
simplesmente a natureza das pressuposiçõ es do incrédulo, mas o
fato de que essas pressuposiçõ es sã o arbitrárias ou inconsistentes .
Na verdade, esses sã o precisamente os dois pecados-chave para
qualquer estudioso: a arbitrariedade no seu pensamento ou a
incoerência entre diferentes aspectos do seu pensamento (e da sua
viva). Os defensores da fé jamais devem se cansar de apontar isso.
Se as pessoas sã o autorizadas a acreditar simplesmente em
qualquer coisa que quiserem com base na pura conveniência,
tradiçã o ou preconceito, elas abandonaram o curso da
racionalidade, que exige ter uma boa razã o para as coisas em que
acreditamos e fazemos. Por outro lado, se as pessoas sã o
autorizadas a afirmar (ou a confiar em) certas premissas, só para
mais tarde abandonar ou contradizer essas mesmas premissas, elas
violaram as exigências fundamentais do raciocínio só lido. Em ambos
os casos o pensamento e as crenças de uma pessoa se tornam
imprevisíveis e nã o confiá veis.
 
Pressuposições que não são compatíveis umas com as outras
Quando falamos com os incrédulos sobre suas visõ es ─
especialmente sua cosmovisã o ─ devemos ser especialmente
sensíveis para ouvir ou discernir quais sã o as suposiçõ es-controle
deles sobre a natureza da realidade (metafísica), sobre a natureza
do conhecimento (epistemologia) e sobre o que é certo ou errado no
comportamento humano (ética).
Embora nem todo mundo pense de forma clara e específica sobre
essas questõ es no abstrato (de acordo com princípios subjacentes),
e embora nem todo mundo seja capaz de afirmar abertamente e
explicitamente quais sã o as suas suposiçõ es operantes, todo mundo
utiliza alguma perspectiva bá sica sobre a realidade, o conhecimento
e a conduta. Como podemos dizer, todo mundo “faz” filosofia, mas
nem todo mundo a faz bem ─ nem todo mundo reflete
autoconscientemente sobre essas questõ es e procura ter uma
perspectiva coerente e consistente.
Assim, os cristã os devem aprender a ouvir atentamente o que os
críticos da fé estã o dizendo e procurar identificar o que está sendo
simplesmente assumido pelo crítico. Devemos apontar e entã o
analisar e criticar as pressuposiçõ es dos nossos oponentes. Pela
pró pria natureza do caso, o conflito entre o incrédulo obstinado e o
crente fiel se reduzirá a uma questã o envolvendo suas diferentes
pressuposiçõ es.
Quando identificamos as pressuposiçõ es do incrédulo, vemos caso
apó s caso (na verdade em todos os casos, em ú ltima aná lise) que o
incrédulo tem uma tensã o nã o gerenciada e insolú vel entre as suas
suposiçõ es operantes. Suas crenças bá sicas sobre a realidade, ou
sobre o conhecimento, ou sobre a ética nã o sã o compatíveis umas
com as outras ─ nã o funcionam harmoniosamente umas com as
outras ou se contradizem diretamente. Consideremos abaixo uma
série de exemplos simples disso.
(1) Tensã o dentro da perspectiva ética de uma pessoa: Imagine que
o seu vizinho expressa uma perspectiva que pode ser resumida nas
palavras de um conhecido comercial de cerveja: “Só se vive uma vez
na vida; assim, vá atrá s de todo prazer que puder obter!”. Isto é, o
prazer é o valor principal na vida, e nã o nenhuma prestaçã o de
contas pela nossa conduta apó s esta vida. Por outro lado, imagine
que esse mesmo vizinho expressa indignaçã o sobre uma ocorrência
bem documentada de brutalidade policial, ou sobre a opressã o e
invasã o de uma naçã o mais fraca por algum tirano, ou sobre penas
leves contra estupradores, ou sobre subornos aceitos por oficiais do
governo, ou sobre ó dio e discriminaçã o racial, etc. (faça a sua
escolha). Estas duas visõ es ─ que o prazer é o valor mais elevado,
mas a brutalidade (etc.) deve ser condenada ─ expõ e uma tençã o
conceitual dentro do pensamento do seu vizinho. Ele nã o está sendo
consistente. Afinal, se policiais, estupradores, tiranos (etc.) obtêm
prazer com o que estã o fazendo para os outros, eles devem, na
hipó tese do seu vizinho (“ir atrá s de todo prazer que puder obter”),
exercer essas mesmas atividades contra as quais seu vizinho se volta
e condena.
(2) Tensã o dentro da perspectiva epistemoló gica de uma pessoa:
Imagine que você tem um amigo que é crítico da sua fé cristã ,
dizendo que você é supersticioso e crédulo. De acordo com ele, nã o
devemos acreditar em nada que nã o seja verificado (ou verificá vel)
pela observaçã o ou, mais amplamente, pelas nossas percepçõ es
sensoriais: traduzindo em miú dos, “ver para crer”. O problema dos
cristã os, no entender dele, é que eles creem em coisas simplesmente
com base na suposta autoridade de Deus (falando na Bíblia). Entã o
você discute isso melhor com o seu amigo. Você pergunta como ele
veio a ser da opiniã o de que o conhecimento está limitado à
observaçã o. Ele explica que esteve fazendo um curso na faculdade
local (ou lendo um livro na biblioteca), e o professor (autor) o
convenceu de que, para determinar o que acreditar neste mundo, só
podemos confiar em nossos sentidos. Você localiza a tensã o
imediatamente! Seu amigo critica os cristã os por crerem em coisas
nã o pela verificaçã o observacional, mas sob a autoridade de outrem
(Deus) ─ e, todavia, ele pró prio veio a crer no que faz nã o pela
verificaçã o observacional, mas sob a autoridade de outrem (seu
professor)!
Na verdade, a tensã o no pensamento dele é ainda pior.
Independentemente de como ele chegou à sua visã o de que o
conhecimento está limitado à observaçã o, essa visã o em si é
autocontraditó ria. Imagine algumas coisas que nó s conhecemos e
podemos verificar pelo uso dos nossos sentidos. Eu sei que há um
pá ssaro cantando do lado de fora da minha janela. Eu sei que o fogo
é quente. Eu sei que a malá ria é aliviada pelo quinino. Eu sei que
meu filho cortou a grama. E eu sei dessas coisas porque as percebi
(ou poderia tê-las percebido) com os meus pró prios sentidos. Ora, o
que dizer disso? Seu amigo alega saber que o conhecimento está
limitado à observaçã o. Será que ele tem alguma percepçã o sensorial
dessa pretensa verdade (como tenho quando vejo meu filho
cortando a grama)? É claro que nã o. Ele nã o poderia “observar” uma
limitaçã o conceitual, muito menos uma limitaçã o universal. Ele nã o
“viu” que todo conhecimento está limitado ao que nó s podemos ver.
Portanto, há uma contradiçã o insolú vel no pensamento do seu
amigo.
(3) Tensã o dentro da perspectiva metafísica de uma pessoa: Imagine
que seu professor na escola ensina uma visã o behaviorista do
homem, alegando que todo comportamento humano é determinado
por fatores antecedentes (particularmente condicionamentos
estímulo-resposta) e será previsível se conhecermos todos esses
fatores. Em ú ltima aná lise e em princípio, argumenta o professor, o
livre-arbítrio humano é uma ilusã o. Todos nó s pensamos e fazemos
o que fomos condicionados a pensar e a fazer, dados os vá rios
fatores do nosso ambiente. Imagine também que quando chega a
hora de você realizar o exame final no curso desse professor, você
trapaceia no exame e é flagrado pelo professor. Ele fica indignado e
insiste em aplicar uma puniçã o severa (digamos, ser reprovado no
curso). Se ele faz isso, expõ e um conflito aberto nas suas visõ es da
natureza humana, nã o é mesmo? Ao punir você, ele assume que você
era livre para escolher a forma como lidar com o teste: você poderia
estudar muito e se preparar para responder à s questõ es sozinho, ou
poderia mais eficientemente “pegar carona” no esforço despendido
no teste pelo estudante de cujo papel você copiou. Se você nã o
poderia deixar de fazer o que fez ─ dado o seu condicionamento
prévio e as variá veis do seu ambiente ─, nã o teria sentido puni-lo
por fazer o que previsivelmente fez. No entanto, isso é precisamente
o que o professor ensinou a você na sala de aula sobre a natureza
humana, em primeiro lugar.
(4) Tensã o entre a epistemologia e a metafísica de uma pessoa:
Imagine que você tenha um colega de trabalho que se formou na
faculdade e se imagina um intelectual em matéria de religiã o. De
acordo com ele, nã o existe nenhum Deus e nenhum reino espiritual
(ou eventos espirituais, forças espirituais), qualquer que seja. Este
mundo físico é tudo o que existe na realidade. Além disso, esse
colega acha intelectualmente impossível aceitar a perspectiva cristã
porque ela contém o que ele considera contradiçõ es ló gicas em si
(digamos, que Deus é um, mas também três, ou que Deus é amoroso
e todo-poderoso, mas há mal no mundo). De acordo com ele, nada
que possamos conhecer como sendo verdadeiro pode conflitar com
as leis da ló gica. O problema velado no pensamento do nosso colega
é que sua visã o da realidade (metafísica) nã o é compatível
absolutamente com sua visã o do conhecimento (epistemologia). Ele
nã o pode estar simultaneamente e consistentemente comprometido
com as leis da ló gica e com a visã o de que a realidade tem uma
natureza unicamente física. E a razã o é ó bvia: as “leis da ló gica” nã o
têm uma natureza física. Você nã o pode tocar ou saborear uma lei da
ló gica; tampouco pode identificar essa lei com um instrumento
sofisticado desenvolvido por um físico. As leis da ló gica nã o sã o
físicas, e assim, a partir da perspectiva do seu colega, as leis da
ló gica nã o sã o de forma alguma reais.
 
Falácias lógicas comuns
Acabamos de mencionar as leis da ló gica (e como o materialismo as
impossibilita). [29] Porque as leis da ló gica sã o tã o importantes para
a argumentaçã o e o raciocínio ─ precisamente do que a apologética
trata, como dissemos antes ─, devemos fazer uma pausa agora para
nos familiarizar com algumas das diretrizes mais comuns para o
raciocínio. Uma defesa eficaz da fé exigirá um uso há bil da ló gica
para enfrentar os desafios dos incrédulos e refutar seus argumentos,
bem como para fazer uma crítica interna da pró pria perspectiva
bá sica do incrédulo.
Ló gica é o estudo das linhas corretas (confiá veis) e incorretas (nã o
confiá veis) do raciocínio ou da argumentaçã o. O ló gico está
preocupado em aprender que (a) tipos de premissas ou (b) padrõ es
de inferência podem ser invocadas que levem à verdade nas
conclusõ es de uma pessoa. Quando consideramos os tipos de
premissas que sã o utilizadas num argumento formulado em uma
conversa informal (nas “línguas naturais” como o inglês, alemã o,
chinês, etc.), diz-se que estamos lidando com a ló gica informal ─ nã o
porque ela é de alguma forma casual, mas porque ela nã o se
preocupa com as linguagens “formais” (sistemas de símbolos,
conectivos, etc.). A ló gica formal , como o pró prio nome indica, está
preocupada com as formas de argumentaçã o ou padrõ es de
raciocínio (onde os predicados ou premissas foram despidos do seu
conteú do particular e tornados abstratos ao se lhes atribuir um sinal
ou símbolo formal, como se faz na á lgebra).
As falá cias informais apontam para a nã o confiabilidade de certos
tipos de premissas em garantir a verdade das conclusõ es delas
inferidas. Algumas das falá cias informais mais frequentes no
raciocínio seriam as seguintes:
 
(1) Apoiar a conclusã o no apelo ao sentimento popular;
(2) Apoiar a conclusã o no apelo à emoçã o (pena, medo, etc.);
(3) Apoiar a conclusã o no apelo contra (ou a favor de) uma
pessoa, autoridade, circunstâ ncias ou histó ria de alguém que
defende determinada tese;
(4) Apoiar a conclusã o no apelo a premissas que provam (no
mínimo) algo totalmente diferente;
(5) Apoiar a conclusã o no apelo à ausência (ou ignorâ ncia) de
premissas que provam o contrá rio.
 
Em cada um dos tipos anteriores de raciocínio falacioso (1-5) a
verdade da premissa (ou premissas) usada num argumento é
irrelevante para a verdade da conclusã o proposta. Mesmo
admitindo a(s) premissa(s), a conclusã o nã o precisa
necessariamente seguir dela(s); consequentemente, essas linhas de
pensamento nã o sã o confiá veis. Em outras formas de raciocínio
falacioso (6-10), a verdade da conclusã o nã o segue confiavelmente
da(s) premissa(s) por causa do pensamento ambíguo ou confuso.
Aqui estã o alguns exemplos comuns:
 
(6) Apoiar a conclusã o no apelo a uma premissa (ou premissas)
onde os termos nã o estã o sendo usados no mesmo sentido, ou
onde questõ es de gramá tica ou ênfase tornam o sentido (e,
portanto, a verdade) da(s) premissa(s) incerto;
(7) Apoiar a conclusã o no apelo a uma premissa que é meramente
a reafirmaçã o da conclusã o ou assume a conclusã o como certa;
(8) Apoiar a conclusã o no apelo a uma premissa que é afirmada de
maneira excessivamente geral (que nã o reconhece qualificaçõ es
importantes, ou que é conhecida como verdadeira apenas num
nú mero limitado ou conjunto atípico de casos);
(9) Apoiar a conclusã o no apelo a uma premissa (ou premissas)
de forma que confunda os atributos das “partes” de algo com os
atributos do “todo”;
(10) Apoiar a conclusã o no apelo a uma premissa (ou premissas)
de forma que confunda as conexõ es causal e temporal entre os
eventos, confunda diferentes tipos de “causaçã o” ou ignore a
complexidade das causas para algo.
 
Finalmente, há os tipos de falá cias informais no raciocínio (11-15)
que traem a parcialidade na mente ou no método da pessoa que
propõ e o argumento em questã o ou uma distorçã o dos fatos. Alguns
exemplos disso sã o:
 
(11) Apoiar a conclusã o na incapacidade de alguém de oferecer
uma só resposta simples ou clara para uma pergunta complexa
(levantando mais de um problema), uma pergunta ardilosa
(emocionalmente carregada) ou uma pergunta enganosa (criando
uma impressã o falsa ou desviando a atençã o do assunto
específico);
(12) Apoiar a conclusã o numa escolha forçada entre duas
alternativas que sã o erroneamente apresentadas como as ú nicas
opçõ es;
(13) Apoiar a conclusã o numa linha de raciocínio que evidencia o
uso de um padrã o duplo ou alegaçã o especial;
(14) Apoiar a conclusã o numa comparaçã o errada entre duas
coisas (que se parecem uma com a outra, mas num sentido
irrelevante ou insignificante);
(15) Apoiar a conclusã o no equívoco de tratar atributos concretos
ou séries de eventos específicos como se fossem entidades em si
mesmos (abstraçã o ou hipostatizaçã o metafó rica).
 
Além dos quinze tipos acima de falá cias informais no raciocínio, os
cristã os que desejam defender a fé de forma eficaz devem estar
familiarizados com as falá cias formais comuns que sã o cometidas no
raciocínio e também com as linhas positivas mais eficazes ou
frequentes de argumentaçã o que estã o disponíveis. Por exemplo:
 
(16) A falá cia de afirmar o consequente é cometida quando alguém
afirma uma premissa condicional (Se P, entã o Q), afirma o que está
implicado (Q) e conclui que isso prova o que leva a essa implicaçã o
(P). Esse padrã o de raciocínio nã o é confiá vel, como podemos ver a
partir destes exemplos: “Se Milton escreveu Hamlet , entã o Milton é
um grande autor. Mas Milton é realmente um grande autor. Portanto
ele escreveu Hamlet ”.
(17) A falá cia de negar o antecedente é cometida quando alguém
afirma uma premissa condicional (Se P, entã o Q), nega a premissa da
qual a implicaçã o é extraída (P) e conclui que o que foi dito estar
implicado (Q) nã o deve proceder. Esse padrã o de raciocínio é tã o
inconfiá vel quanto aquele que acabamos de examinar. Tome um
exemplo: “Se Castro atirou em Kennedy, entã o Castro é um canalha.
Mas Castro nã o atirou em Kennedy. Portanto ele nã o é um canalha”.
(18) Uma forma muito valiosa de argumentaçã o, conhecida como
“silogismo disjuntivo”, segue da seguinte maneira: você primeiro
demonstra a premissa de que (pelo menos) uma de duas
proposiçõ es é verdadeira: P ou Q. A seguir, prova que uma dessas
proposiçõ es nã o é verdadeira (isto é, demonstra nã o Q). A partir
dessas duas premissas, pode-se validamente inferir que a
proposiçã o P deve ser verdadeira. Exemplo: “Samantha envenenou o
chá , ou seu marido cometeu suicídio. Mas Samantha nã o envenenou
o chá . Portanto seu marido deve ter cometido suicídio”.
(19) Outra linha persuasiva de raciocínio (quando usada com
cautela) é conhecida como argumentar “ a fortiori ” ─ argumentar do
caso menor para o caso maior. Se alguém entende corretamente a
natureza da grandeza que é dito ser aumentada, o raciocínio do caso
menor para o caso maior pode ser muito penetrante. “Se Deus
considera aqueles que nunca ouviram o evangelho responsá veis,
quanto mais julgará com severidade aqueles que ouviram o
evangelho, e abertamente o repudiaram.”
(20) Talvez a ferramenta mais poderosa de refutaçã o que o
apologista pode usar é a linha de argumento conhecida como “
reductio ad absurdum ” ─ o projeto de reduzir a premissa particular
ou posiçã o geral do seu oponente ao absurdo. Ao utilizar esse tipo
de argumento, seu objetivo é mostrar que a premissa do oponente
implica uma conclusã o que é sabidamente falsa. Sendo este o caso, a
premissa em questã o também deve ser falsa. (Essa é uma regra na
ló gica formal conhecida como “ modus tollens ”: a partir de “Se P,
entã o Q” e da adiçã o de “nã o Q”, resulta necessariamente a
conclusã o “nã o P”.) Aqui está um exemplo: “Se nã o há nenhum
princípio moral universal (como defende o relativista), entã o é
invá lido uma cultura condenar as atividades de outra cultura. Mas,
certamente, é moralmente adequado condenarmos na Alemanha as
atrocidades nazistas contra os judeus (ou na Índia na incineraçã o
forçada de uma viú va na pira do funeral do seu marido, etc.).
Portanto o relativismo nã o é verdadeiro”.
 
Comportamento que trai a crença declarada
Finalmente, para destacar uma ferramenta que é ú til e necessá ria
para o apologista cristã o, devemos mencionar que nã o é uma marca
de racionalidade a pessoa afirmar uma coisa, mas entã o viver o
contrá rio dela. Isso pode ser considerado um tipo de hipocrisia
moral, mas é igualmente uma forma de irracionalidade ou
inconsistência ou tensã o no raciocínio ─ visto que uma crença está
operando quando a pessoa afirma linguisticamente uma posiçã o,
mas uma crença conflitante é evidente quando essa pessoa se
comporta de uma forma contrá ria a essa posiçã o.
A vida do incrédulo está repleta dessa inconsistência. Ele irá
pressupor a dignidade humana e comparecerá a um funeral para
homenagear um parente ou amigo falecido, mesmo tendo antes
argumentado que o homem nã o é, em princípio, diferente de
qualquer outro produto da evoluçã o como um cavalo ou cachorro. O
incrédulo insistirá que o homem nã o passa de um complexo de
fatores bioquímicos controlados pelas leis da física ─ e em seguida
beijará sua esposa e seus filhos quando chegar em casa, como se
tivessem amor uns pelos outros. Ele argumentará que nas relaçõ es
sexuais “vale tudo” (nã o há absolutos morais) ─, mas entã o condena
de forma indignada molestadores de crianças ou repudia
moralmente a necrofilia. Ele irá sugerir que as coisas que acontecem
no Universo acontecem aleatoriamente ─ por “acaso” ─, mas entã o
se voltará e buscará regularidades, explicaçõ es legiformes de
eventos e a uniformidade ou previsibilidade nas coisas estudadas
pela ciência natural. O nã o cristã o nã o tem uma cosmovisã o viá vel, e
expõ e a fraqueza dela toda vez que se volta para a sua vida.
 
Recapitulação
Deus nã o foi “parcimonioso” na sua provisã o a nó s de uma
variedade de ferramentas eficazes para responder à s críticas dos
incrédulos e refutar as alegaçõ es das suas cosmovisõ es conflitantes.
Ao lidar com o incrédulo, o cristã o deve estar alerta para apontar, no
crítico,
(1) suas conjecturas preconceituosas,
(2) sua predisposiçã o filosó fica indisputada,
(3) pressuposiçõ es que nã o sã o compatíveis umas com as outras,
(4) falá cias ló gicas, e
(5) o comportamento que trai suas crenças declaradas.
Ao fazer isso, realizamos uma das tarefas-chave da apologética:
refutar desafios e oferecer uma crítica interna da posiçã o a partir da
qual essas críticas surgem.

 
 
29. APOLOGÉTICA NA PRÁTICA
 
 
É hora de fornecer uma ilustraçã o concreta ou aplicaçã o prá tica dos
princípios e ferramentas para a defesa da fé cristã que foram
discutidos em nossos estudos anteriores. Manuais de treinamento
sobre combate a incêndios nã o apagam incêndios; mas o combate
real a incêndios, sim. E quando tudo foi dito e feito, nã o é a teoria de
apologética que irá defender a fé e calar a boca dos críticos. Só a
prática da apologética poderá fazer isso.
 
 
Revisão
 
Vamos resumir o que foi dito até agora sobre a forma de abordar a
tarefa da apologética.
1. Engajar-se na apologética é uma necessidade moral para todos
os crentes; nó s devemos estar “sempre preparados” para oferecer
uma resposta para a esperança que há em nó s (1 Pedro 3.15);
2. Para evitar mal-entendidos, apontamos que a apologética não é:
(a) pugnaz,
(b) uma questã o de persuasã o ou
(c) baseada numa autoridade ú ltima diferente da teologia.
3. Para o cristã o, a “razã o” deve ser usada como uma ferramenta,
nã o como a autoridade ú ltima, em nosso pensamento.
4. Nossa reivindicaçã o ante o mundo é que os crentes “sabem” que
a Bíblia é verdadeira ─ nó s temos uma justificaçã o adequada para
acreditar nas suas reivindicaçõ es.
5. O conflito entre crentes e incrédulos está em ú ltima aná lise nas
suas diferentes cosmovisõ es ─ estruturas de pressuposiçõ es em
termos das quais toda experiência é interpretada e o raciocínio
guiado.
6. Consequentemente, precisamos argumentar a partir da
“impossibilidade do contrá rio”, mostrando que somente o
cristianismo fornece as precondiçõ es de inteligibilidade para o
raciocínio e a experiência do homem. Se o cristianismo nã o fosse
verdadeiro, o incrédulo nã o poderia provar ou entender nada.
7. Os incrédulos sã o autoenganados: eles conhecem a verdade
sobre Deus, mas a suprimem (racionalizando a evidência clara
dentro e ao redor deles).
8. O verdadeiro réu, intelectualmente e moralmente, é o incrédulo
─ nã o Deus.
9. Há uma grande variedade de diferentes tipos de ataques contra
o cristianismo, e eles nã o podem ser tratados adequadamente por
defesas que repousem no:
(a) subjetivismo,
(b) relativismo ou
(c) ecletismo.
10. O apologista deve usar a argumentaçã o. A argumentaçã o
santificada nã o precisa ser contenciosa; descobrimos que a
argumentaçã o santificada com os incrédulos é justificada pelo
exemplo bíblico.
11. Uma argumentaçã o afirma a verdade de uma proposiçã o com
base na de outras.
12. A racionalidade na argumentaçã o é mais ampla do que
simplesmente usar as regras de deduçã o silogística.
13. Deus quer que dominemos as ferramentas da racionalidade na
defesa da fé. Nossa tarefa é refutar os desafios dos incrédulos e
oferecer uma crítica interna da posiçã o a partir da qual esses
desafios surgem.
14. Os dois pecados intelectuais-chave que sã o cometidos pelas
pessoas sã o:
(a) inconsistência e
(b) arbitrariedade.
15. Ao lidar com o incrédulo, o cristã o deve estar alerta para
apontar, no crítico,
(a) suas conjecturas preconceituosas,
(b) sua predisposiçã o filosó fica indisputada,
(c) pressuposiçõ es que nã o sã o compatíveis umas com as
outras,
(d) falá cias ló gicas e o comportamento que trai suas crenças
declaradas.
 
Procurando um incêndio para combater (Bertrand Russell)
Seria instrutivo e ú til para os leitores podermos tomar a abordagem
para a apologética acima desenvolvida para colocá -la em uso num
caso concreto. Precisamos de um incêndio para apagar, seguindo as
diretrizes do nosso manual anterior de combate a incêndios.
Uma excelente oportunidade de praticar nossa defesa da fé cristã é
fornecida por um dos mais notá veis filó sofos britâ nicos do século
XX: Bertrand Russell. Russell nos ofereceu um exemplo claro e
incisivo de desafio intelectual à veracidade da fé cristã ao escrever
um artigo que especificamente se destinava a mostrar que nã o
devemos acreditar no cristianismo. O título do seu famoso ensaio
era “Por que nã o sou cristã o”. [30] Bertrand Russell (1872-1970)
estudou matemá tica e filosofia na Universidade de Cambridge e
iniciou ali sua carreira de professor. Como filó sofo, escreveu obras
respeitadas (sobre Leibniz, sobre a filosofia da matemá tica e a teoria
dos conjuntos, sobre a metafísica da mente e da matéria, sobre
problemas epistemoló gicos) e foi influente nos desenvolvimentos da
filosofia da linguagem no século XX. Ele também escreveu
extensivamente numa veia mais popular na literatura, educaçã o e
política. A controvérsia o rodeava. Ele foi demitido pela Trinity
College por atividades pacifistas em 1916; foi preso em 1961 em
conexã o com uma campanha pelo desarmamento nuclear. Suas
visõ es sobre a moralidade sexual contribuíram para a anulaçã o da
sua nomeaçã o para ensinar na Universidade da Cidade de Nova York
em 1940. No entanto, Russell era altamente respeitado como
estudioso. Em 1944 ele voltou a ensinar em Cambridge, e em 1950
se tornou o beneficiá rio do Prêmio Nobel de Literatura.
Apesar de toda a sua estatura como filó sofo, nã o se pode dizer que
Russell tenha sido seguro de si e consistente nos seus pontos de
vista sobre realidade ou conhecimento. Nos primeiros anos ele
adotou o idealismo hegeliano ensinado por F. H. Bradley.
Influenciado por G. E. Moore, mudou para uma teoria platô nica das
ideias. Desafiado por Ludwig Wittgenstein de que a matemá tica
consiste meramente de tautologias, ele se voltou para o atomismo
metafísico e linguístico. Adotou o realismo extremo de Alexius
Meinong, para só mais tarde se voltar para o construcionismo ló gico.
Entã o, seguindo a orientaçã o de William James, Russell abandonou o
dualismo mente-matéria em favor da teoria do monismo neutro. Por
fim, Russell propô s o materialismo com fervor, apesar de sua
insatisfaçã o com seu atomismo ló gico anterior tê-lo deixado sem um
relato metafísico alternativo do objeto das nossas experiências
empíricas. Lutando com problemas filosó ficos nã o muito diferentes
daqueles que frustraram David Hume, Russel reconheceu em seus
ú ltimos anos que a busca pela certeza é um fracasso.
Essa breve histó ria da evoluçã o filosó fica de Russell é ensaiada para
que o leitor possa avaliar corretamente a força e a autoridade da
plataforma intelectual a partir da qual Russell ousaria criticar a fé
cristã . O brilhantismo de Russell nã o está em dú vida; ele era um
homem talentoso e inteligente. Mas a troco de quê? Ao criticar os
cristã os por suas visõ es da realidade ú ltima, de como sabemos o que
sabemos e de como devemos viver a nossa vida, tinha Bertrand
Russell uma alternativa defensá vel a partir da qual lançar seus
ataques? De modo nenhum. Ele nã o podia dar uma justificativa da
realidade e saber ─ tendo como fundamento e de acordo com os
critérios do seu pró prio raciocínio autô nomo ─ qual delas era
convincente, razoá vel e segura. Ele nã o podia dizer com certeza o
que era verdade sobre a realidade e o conhecimento, mas estava,
nã o obstante, firmemente convencido de que o cristianismo era
falso! Russell estava disparando uma arma descarregada.
Bertrand Russell nã o fazia segredo do fato de que intelectual e
pessoalmente desdenhava da religiã o em geral e do cristianismo em
particular. No prefá cio ao livro dos seus ensaios críticos sobre o
tema da religiã o, ele escreveu: “Estou firmemente convencido de
que as religiõ es sã o nocivas, tanto quanto estou de que sã o falsas”.
[31]
Ele repetidamente acusa de uma forma ou de outra que um
homem livre que exerce sua capacidade de raciocínio nã o pode se
submeter a dogmas religiosos. Ele argumentou que a religiã o era um
obstá culo para a civilizaçã o, que ela nã o podia curar nossos
problemas e que nó s nã o sobrevivemos à morte.
Somos apresentados a uma expressã o desafiadora de materialismo
metafísico ─ talvez o ensaio mais notó rio de Russell para um pú blico
leitor popular ─ no artigo (publicado pela primeira vez em 1903)
intitulado “A Adoraçã o de um Homem Livre”. Ali ele conclui: “Breve
e impotente é a vida do homem; sobre ele e toda a sua raça cai lenta
e certa a ruína negra e impiedosa. Cega para o bem e o mal,
desatenta à destruiçã o, segue a matéria onipotente o seu curso
implacá vel”. Em face desse niilismo e subjetivismo ético, Russell,
todavia, chama os homens a um revigoramento da adoraçã o do
homem livre: “adorar no santuá rio que suas pró prias mã os
construíram; nã o intimidado pelo império do acaso…”. [32]
Esperançosamente a contradiçã o descarada na filosofia de vida de
Russell já é evidente para o leitor. Ele afirma que nossos ideais e
valores nã o sã o objetivos e apoiados pela natureza da realidade; de
fato, que eles sã o fugazes e condenados à destruiçã o. Por outro lado,
bem ao contrá rio disso, Russell nos encoraja a afirmar os nossos
valores autô nomos em face de um Universo que nã o tem valores ─ a
agir como se eles realmente equivalessem a algo digno, fossem
racionais e nã o meramente resultado do acaso. Mas, acima de tudo,
que sentido Russell poderia esperar dar a um valor imaterial (um
ideal) em face de uma “matéria onipotente” que é cega para os
valores? Russell só conseguiu dar um tiro no pró prio pé.
 
Por que Russell disse que não poderia ser cristão
O ensaio “Por que nã o sou cristã o” é o texto de uma palestra que
Russell realizou na Sociedade Secular Nacional em Londres em 6 de
março de 1927. É justo reconhecer, como Russell comentou, que
restriçõ es de tempo o impediram de entrar em grandes detalhes ou
dizer tanto quanto gostaria sobre as questõ es que ele levantou na
palestra. No entanto, o que ele disse já é bastante suficiente para
encontrarmos falhas.
Em termos gerais, Russell argumentou que nã o poderia ser cristã o
porque:
(1) a Igreja Cató lica Romana está enganada ao dizer que a
existência de Deus pode ser provada pela razã o pura;
(2) defeitos sérios no cará ter e ensino de Jesus mostram que ele
nã o era o melhor e mais sá bios dos homens, mas de fato
moralmente inferior a Buda e Só crates;
(3) as pessoas aceitam a religiã o por motivos emocionais,
particularmente com base no medo, o que “nã o é digno de seres
humanos que se respeitam”; e que a religiã o cristã “foi e ainda é o
principal inimigo do progresso moral no mundo”.
 
Tensões internas
O que é extraordiná rio sobre esse rosá rio de queixas contra o
cristianismo é a inconsistência e a arbitrariedade de Russell. A
segunda razã o oferecida acima pressupõ e algum padrã o absoluto de
sabedoria moral pelo qual alguém poderia nivelar Jesus como
inferior ou superior aos outros. Da mesma forma, a terceira razã o
pressupõ e um critério fixo para o que é ou nã o é “digno” de seres
humanos que se respeitam. Entã o, novamente, a queixa expressa na
quarta razã o nã o faz nenhum sentido a menos que seja
objetivamente errado ser um inimigo do “progresso moral”; na
verdade, a pró pria ideia de “progresso” moral assume um ponto de
referência estabelecido para a moralidade pelo qual se pode avaliar
o progresso.
Ora, se Russell estivesse raciocinando e falando nos termos da
cosmovisã o cristã , sua tentativa de avaliar a sabedoria moral, a
dignidade humana e o progresso moral ─ bem como de julgar
negativamente deficiências nessas matérias ─ seria compreensível e
esperada. Os cristã os têm um padrã o de moralidade universal,
objetivo e absoluto na palavra revelada de Deus. Mas obviamente
Russell nã o quis falar como se tivesse adotado perspectivas e
premissas cristã s! Com que base, entã o, poderia Russell emitir suas
avaliaçõ es e julgamentos morais? Em termos de qual visã o da
realidade e do conhecimento ele assumiu que havia qualquer coisa
como um critério objetivo de moralidade do qual poderia considerar
Cristo, os cristã os e a igreja como estando aquém?
Russell foi embaraçosamente arbitrá rio a esse respeito. Ele
simplesmente assumiu, como uma predisposiçã o filosó fica
indisputada, que havia um padrã o moral para aplicar e que ele
poderia presumir ser o porta-voz e juiz a aplicá -lo. Poderíamos
facilmente rebater Russell ao simplesmente dizer que ele escolheu
arbitrariamente o padrã o errado de moralidade. Por questã o de
justiça, os oponentes de Russell devem poder usar tanta
arbitrariedade como ele na escolha de um padrã o moral, e podem
entã o escolher um padrã o diferente do dele. E assim o argumento
dele cai por terra.
Ao assumir a prerrogativa de emitir julgamentos morais, Russell
evidenciou que suas pró prias pressuposiçõ es nã o sã o compatíveis
umas com as outras. Ao oferecer um juízo de valor condenató rio
contra o cristianismo, Russell se envolveu num comportamento que
traiu suas crenças professas em outro lugar. Em sua palestra, Russell
professou que este era um mundo de acaso que nã o mostra
nenhuma evidência de desígnio, onde as “leis” nã o sã o nada mais do
que médias estatísticas que descrevem o que aconteceu. Ele
professou que o mundo físico pode ter sempre existido e que a
inteligência e a vida humana surgiram da forma explicada por
Darwin (seleçã o natural evolucionista). Nossos valores e esperanças
sã o o que “nossa inteligência pode criar”. Permanece o fato de que,
segundo “as leis ordiná rias da ciência, você tem de supor que a vida
humana… neste planeta se extinguirá no devido tempo”.
Isso simplesmente equivale a dizer que os valores humanos sã o
subjetivos, fugazes e autocriados. Em suma, sã o relativos. Mantendo
esse tipo de visã o de valores morais, Russell foi totalmente
inconsistente ao agir como se pudesse assumir um tipo
completamente diferente de visã o de valores, declarando uma
avaliaçã o moral absoluta de Cristo ou dos cristã os. Um aspecto da
rede de crenças de Russell tornou um outro aspecto do seu conjunto
de crenças ininteligível.
O mesmo tipo de tensã o interna dentro das crenças de Russell é
evidente acima no que ele tinha a dizer sobre as “leis” da ciência. Por
um lado, essas leis sã o meramente descriçõ es do que aconteceu no
passado, diz Russell. Por outro lado, Russell falou das leis da ciência
como fornecendo uma base para projetar o que vai acontecer no
futuro, a saber, a decadência do sistema solar. Esse tipo de dança
dialética entre visõ es conflitantes da lei científica (falando
epistemologicamente) ou entre visõ es conflitantes da natureza do
cosmo físico (falando metafisicamente) é característico do
pensamento incrédulo. Esse pensamento nã o está em harmonia
consigo mesmo e é, portanto, irracional.
 
“Razão pura”
Na primeira razã o dada por Russell para o porquê de nã o ser cristã o,
ele aludiu ao dogma da Igreja Cató lica Romana de que “a existência
de Deus pode ser provada pela razã o pura”. [33] Ele entã o se volta
para alguns dos argumentos mais populares apresentados para a
existência de Deus que estã o (supostamente) baseados nessa “razã o
pura” e facilmente descobre serem insatisfató rios. Nã o é necessá rio
dizer, claro, que Russell pensava estar derrotando esses argumentos
de razã o pura por meio da sua pró pria razã o pura (superior).
Russell nã o discordava de Roma em que o homem pode provar
coisas com a sua “razã o natural” (à parte da obra sobrenatural da
graça). De fato, ao final da sua palestra, ele conclamou seus ouvintes
a “uma perspectiva destemida e inteligência livre”. Russell
simplesmente discordava que a razã o pura levasse alguém a Deus.
De diferentes formas, e com diferentes conclusõ es finais, tanto a
Igreja Romana como Russell encorajavam os homens a exercerem
sua capacidade de raciocínio autonomamente ─ à parte do
fundamento e das restriçõ es da revelaçã o divina.
O apologista cristã o nã o deve deixar de expor esse compromisso
com a “razã o pura” por conta da predisposiçã o filosó fica indisputada
que isso representa. Ao longo de sua palestra, Russell simplesmente
toma como certo que a razã o autô noma permite ao homem saber
coisas. Ele fala livremente do seu “conhecimento do que os á tomos
realmente fazem”, do que “a ciência pode nos ensinar” e de “certas
falá cias bem definidas” cometidas em argumentos cristã os, etc. Mas
isso simplesmente nã o é aceitá vel. Como filó sofo, Russell deu a si
mesmo um passe livre; ele hipocritamente deixou de ser tã o
autocrítico no seu raciocínio quanto rogou que os outros o fossem
consigo mesmos.
O problema persistente que Russell simplesmente nã o enfrentou é
que, com base no raciocínio autô nomo, o homem nã o pode dar uma
explicaçã o adequada e racional do conhecimento que adquirimos
através da ciência e da ló gica. O procedimento científico assume que
o mundo natural opera de maneira uniforme, em cujo caso nosso
conhecimento observacional de casos passados fornece uma base
para predizer o que vai acontecer em casos futuros. No entanto, a
razã o autô noma nã o tem base alguma para acreditar que o mundo
natural irá operar de maneira uniforme. O pró prio Russell afirmou
(à s vezes) que este é um Universo do acaso. Ele jamais poderia
reconciliar essa visã o da natureza sendo aleató ria com sua visã o de
que a natureza é uniforme (como a “ciência” pode nos ensinar”).
Assim acontece com o conhecimento e uso das leis da ló gica (em
termos das quais Russell definitivamente insistiu que as falá cias
devem ser evitadas). As leis da ló gica nã o sã o objetos físicos no
mundo natural; elas nã o sã o observadas pelos sentidos do homem.
Além do mais, as leis da ló gica sã o universais e imutá veis ─ ou do
contrá rio elas se reduzem a preferências relativistas para o
pensamento em vez de requisitos prescritivos. No entanto, o
raciocínio autô nomo de Russell nã o poderia explicar ou justificar
essas características das leis ló gicas. A razã o pura de um indivíduo
está limitada ao escopo do uso e das experiências dela, em cujo caso
ela nã o pode se pronunciar sobre o que é universalmente
verdadeiro (descritivamente). Por outro lado, a razã o pura de um
indivíduo nã o está em nenhuma posiçã o de ditar (prescritivamente)
leis universais do pensamento ou nos assegurar de que essas
estipulaçõ es para a mente se provarã o de alguma forma aplicá veis
ao mundo do pensamento ou da matéria fora da mente do indivíduo.
[34]

A cosmovisã o de Russell, mesmo à parte das suas tensõ es internas,


nã o poderia fornecer um fundamento para a inteligibilidade da
ciência ou da ló gica. A razã o “pura” de Russell nã o poderia justificar
o conhecimento que os homens prontamente ganham no Universo
de Deus, um Universo soberanamente controlado (e por isso
uniforme) e interpretado à luz da mente revelada do Criador (e por
isso existem leis imateriais do pensamento que sã o universais).
 
Conjectura preconceituosa e falácias lógicas
Devemos notar, por fim, que a posiçã o de Russell contra ser cristã o
está sujeita à crítica por causa de sua dependência da conjectura
preconceituosa e de falá cias ló gicas. Sendo esse o caso, nã o se pode
pensar que Russell demonstrou suas conclusõ es ou deu uma boa
razã o para a sua rejeiçã o do cristianismo.
É de espantar, por exemplo, que o mesmo Russell que poderia ser
cheio de escá rnio com cristã os do passado por causa da ignorâ ncia e
falta de erudiçã o deles poderia sair a dizer algo tã o ignorante e
impreciso como isto: “Historicamente é bastante duvidoso que
Cristo tenha mesmo existido, e se de fato existiu, nã o sabemos nada
sobre ele”. Mesmo ignorando as referências seculares a Cristo no
mundo antigo, a observaçã o de Russell simplesmente ignora os
documentos do Novo Testamento como testemunhos iniciais e
autênticos da pessoa histó rica de Jesus. Dada a relativa pouca idade
desses documentos e o nú mero relativamente grande deles, se
Russell “duvidava” da existência de Jesus Cristo, ele deve ou ter
aplicado um evidente padrã o duplo em seu raciocínio histó rico, ou
sido um agnó stico sobre virtualmente toda a histó ria antiga.
Qualquer que seja o caso, obtemos uma percepçã o da natureza
preconceituosa do pensamento de Russell quando se tratava de
considerar a religiã o cristã .
Talvez a falá cia ló gica mais ó bvia na palestra de Russell aparece na
forma como ele prontamente se desloca de uma avaliaçã o das
crenças cristã s para uma crítica aos crentes cristã os. E ele deve ter
sabido mais. Bem no início da sua palestra, Russell disse: “Por
cristã o, nã o me refiro a qualquer pessoa que tente viver de maneira
decente e de acordo com sua ó tica. Acho que você deve ter certa
quantidade de crenças definidas antes de se achar no direito de se
chamar cristã o”. Isto é, o objeto da crítica de Russell deveria ser,
pelo pró prio testemunho de Russell, nã o o estilo de vida dos
indivíduos, mas as reivindicaçõ es doutriná rias que sã o essenciais
para o cristianismo como um sistema de pensamento. A abertura da
sua palestra foca na sua insatisfaçã o com essas crenças (a existência
de Deus, a imortalidade, Cristo como o melhor dos homens).
No entanto, mais para o final da sua palestra, a discussã o de Russell
faz uma inflexã o para falaciosamente argumentar contra os defeitos
pessoais dos cristã os (impingir regras restritivas contrá rias à
felicidade humana) e a suposta gênese psicoló gica das suas crenças
(na emoçã o e no medo). Isto é, ele cede à falá cia de argumentar ad
hominem . Ainda se o que Russel tivesse a dizer nessas questõ es
fosse justo e preciso (nã o é), permaneceria o fato de que Russell
desceu para o nível de argumentar contra uma reivindicaçã o de
verdade com base em seu desgosto pessoal e psicologizaçã o
daqueles que pessoalmente professam essa reivindicaçã o. Em
outros cená rios, Russell o filó sofo teria sido o primeiro a criticar um
estudante por fazer algo assim. Isso nã o é nada menos que uma
falá cia ló gica vergonhosa.
Observe brevemente outros defeitos na linha de pensamento de
Russell aqui. Ele presumiu saber a motivaçã o de uma pessoa em se
tornar cristã ─ muito embora a epistemologia de Russell nã o desse a
ele nenhuma garantia para achar que poderia discernir essas coisas
(sobretudo com facilidade e à distâ ncia). Ademais, Russell presumiu
saber a motivaçã o de toda uma classe de pessoas (incluindo aquelas
que viveram há muito tempo) baseado numa amostra muito, muito
pequena da sua pró pria experiência atual. Essas sã o pouco mais do
que generalizaçõ es precipitadas e infundadas que só nos falam (se
mesmo isso) do estado de mente e dos sentimentos de Russell na
sua antipatia ó bvia e emocional com os cristã os.
Mas entã o isso nos deixa face a face com uma falá cia final e
devastadora no argumento de Russell contra o cristianismo ─ o uso
de padrõ es duplos (e de alegaçã o especial implícita) no seu
raciocínio. Russell queria criticar os cristã os pelo fator emocional
em seu compromisso de fé, e, no entanto, o pró prio Russell
evidenciava um fator emocional semelhante em seu pró prio
compromisso pessoal anticristã o. Na verdade, Russell abertamente
apelou aos sentimentos emocionais de coragem, orgulho, liberdade
e autoestima como base para a sua audiência evitar de ser cristã !
Da mesma forma, Russell tentou repreender os cristã os pela sua
“perversidade” (como se pudesse existir algo assim dentro da
cosmovisã o de Russell) ─ pela sua crueldade, guerras, inquisiçõ es,
etc. Russell nã o parou nem um momento, no entanto, para refletir na
violência e crueldade muito maiores cometidas por nã o cristã os ao
longo da histó ria. Gengis Khan, Vlad o Empalador, Marquês de Sade
e toda uma hoste de outros açougueiros nã o eram conhecidos na
histó ria por sua profissã o cristã , afinal de contas! Isso é tudo
convenientemente varrido para debaixo do tapete no desdém
hipó crita de Russell pelos erros morais da igreja cristã .
O ensaio de Russell “Por que nã o sou cristã o” nos revela que até
mesmo a elite intelectual deste mundo é refutada pelos seus
pró prios erros na oposiçã o à verdade da fé cristã . Nã o há
credibilidade num desafio ao cristianismo que evidencie conjectura
preconceituosa, falá cias ló gicas, predisposiçã o filosó fica
indisputada, um comportamento que traia crenças declaradas e
pressuposiçõ es que nã o sã o compatíveis umas com as outras. Por
que Russel nã o foi cristã o? Dado o seu esforço fraco nas críticas,
teríamos de concluir que nã o foi por razõ es intelectuais.

 
 
30. O PROBLEMA DO MAL
 
 
Passemos agora a examinar alguns dos tipos mais bá sicos e
recorrentes de objeçõ es que sã o levantadas contra a fé cristã por
aqueles que discordam da cosmovisã o cristã ─ seus antagonistas
intelectuais, escarnecedores cultos ou religiõ es concorrentes. Nosso
objetivo será de sugerir como um método pressuposicional de
apologética poderia responder a esses tipos de argumentos contra o
cristianismo (ou contra alternativas a ele) como uma filosofia de
vida, conhecimento e realidade.
Talvez o desafio mais intenso, penoso e persistente que os crentes
ouvem sobre a verdade da mensagem cristã vem sob a forma do que
é chamado de “o problema do mal”. O sofrimento e o mal que vemos
por toda parte parece clamar contra a existência de Deus ─ ao
menos de um Deus que é tanto benevolente como todo-poderoso.
Esse é considerado por muitos como sendo o mais difícil de todos os
problemas que o apologista enfrenta, nã o só por causa da aparente
dificuldade ló gica dentro da perspectiva cristã , mas também por
causa da perplexidade pessoal que qualquer ser humano sensível
sentirá quando confrontado com a terrível miséria e maldade que
podem ser encontradas no mundo. A desumanidade do homem com
o homem é notó ria em todas as épocas da histó ria e em todas as
naçõ es do mundo. Há uma longa histó ria de opressã o, indignidade,
brutalidade, tortura e tirania. Encontramos guerra e assassinato,
ganâ ncia e luxú ria, desonestidade e mentiras. Encontramos medo e
ó dio, infidelidade e crueldade, pobreza e hostilidade racial. Além
disso, mesmo no mundo natural, nos deparamos com tanta dor e
sofrimento aparentemente desnecessá rios ─ defeitos congênitos,
parasitas, ataques de animais violentos, mutaçõ es causadas por
radiaçã o, doenças debilitantes, câ ncer mortal, fome, ferimentos
terríveis, tufõ es, terremotos e outros desastres naturais.
Quando o incrédulo olha para esse infeliz “vale de lá grimas”, sente
que há uma forte razã o para duvidar da bondade de Deus. Por que
deveria existir tanta miséria? Por que ela deveria ser distribuída de
uma forma tã o aparentemente injusta? É isso que você permitiria,
caso fosse Deus e pudesse impedi-lo?
 
Levando o mal a sério
É importante que o cristã o reconheça ─ de fato, insista sobre ─ a
realidade e gravidade do mal. O assunto do mal nã o é simplesmente
um jogo intelectual de salã o, uma questã o indiferente, uma forma
relativista ou caprichosa de querer ver as coisas de determinada
maneira. O mal é real. O mal é feio.
Só quando trazemos uma carga emocional e somos intelectualmente
sensíveis acerca da existência do mal é que podemos apreciar a
profundidade do problema que os incrédulos têm com a cosmovisã o
cristã ─ mas, igualmente, podemos perceber por que o problema do
mal acaba confirmando a perspectiva cristã ao invés de enfraquecê-
la.
Quando falamos sobre o mal com os incrédulos, é crucial que ambos
os lados “joguem pra valer”. O mal deve ser levado a sério “ como
perverso ”.
Uma passagem bem conhecida da pena do romancista russo Fió dor
Dostoievsky mexe de imediato com as nossas emoçõ es e nos faz
insistir sobre a perversidade dos homens, por exemplo, de homens
que sã o cruéis com criancinhas. Ela é encontrada em seu romance
Irmãos Karamázov . [35] Ivan faz sua queixa a Alió cha:
 
“Compara-se por vezes a crueldade do homem com a dos animais
selvagens; mas isso é uma grande injustiça e ofensa para com
estes. Uma fera jamais pode ser tã o cruel como o homem, tã o
artisticamente cruel…

No entanto, tenho ainda melhor, Alió cha, a propó sito de crianças


russas. Havia uma menina de cinco anos que era odiada por seu
pai e sua mã e… Você percebe, tenho de repeti-lo, é uma
característica especial de muitas pessoas esse prazer de torturar
crianças, e somente as crianças… É exatamente a condiçã o de
indefesa que seduz o torturador; exatamente a confiança
angélica da criança que nã o tem refú gio nem a quem se dirigir
que excita os maus instintos dele…

Essa pobre criança de 5 anos era sujeita a toda forma possível de


tortura por aqueles pais instruídos. Açoitavam-na,
espezinhavam-na sem razã o até seu corpo ficar coberto de
equimoses. Imaginaram por fim um refinamento de crueldade:
pelas noites glaciais, no inverno, encerravam a menina na
privada, sob pretexto de que ela nã o pedia a tempo, à noite, para
ir ali… Esfregavam-lhe no rosto e enchiam a boca dela com
excrementos, e era sua mã e, sua pró pria mã e quem fazia isso. E
essa mã e podia dormir tranquila, insensível aos gemidos da
pobre criança! Pode você entender por que uma pequena
criatura, que sequer consegue compreender o que lhe acontece,
deve bater com seus pequeninos punhos no coraçã o dolorido, no
frio e na escuridã o, e derramar suas lá grimas nã o ressentidas
para o gentil e querido Deus protegê-la? … Entende você por que
essa infâ mia deve ser e é permitida? O mundo inteiro de
conhecimento nã o faz jus à oraçã o dessa criança ao ‘gentil e
querido Deus’! …

Imagine que os destinos da humanidade estejam entre tuas mã os


e que, para tornar as pessoas definitivamente felizes,
proporcionar-lhes afinal a paz e o repouso, seja essencial e
inevitá vel torturar até a morte uma pequena criatura apenas ─
aquela criança que batia no peito com seu pequeno punho, por
exemplo ─ e basear sobre suas lá grimas nã o vingativas a
felicidade futura. Consentiria você, nestas condiçõ es, em edificar
semelhante felicidade? Responda-me, e responda sem mentir.”

“Nã o, nã o consentiria,” disse Alió cha suavemente.


 
Incidentes e soliló quios como este poderiam ser multiplicados vezes
sem conta. Eles provocam uma indignaçã o moral em nó s. Eles
também provocam uma indignaçã o moral no incrédulo ─ e esse fato
nã o deve ser desconsiderado pelo apologista.
Certa vez quando estive fazendo um programa de rá dio com a
participaçã o dos ouvintes, uma pessoa ligou e foi muito sarcá stica
com a minha declaraçã o de que nó s devemos cultuar e adorar a
Deus. O ouvinte queria saber como alguém poderia adorar um Deus
que permitia o abuso sexual e a mutilaçã o de um bebê, como ele
havia testemunhado em certas fotografias de um tribunal no
julgamento de algum exemplar horrível da humanidade. A descriçã o
foi repugnante e certamente provocou repulsa em todos os que a
ouviram. Eu sabia que o ouvinte queria forçar sua hostilidade ao
cristianismo duramente sobre mim, mas fiquei na verdade feliz por
ele ter ficado tã o irado. Ele estava levando o mal a sério . Sua
condenaçã o ao abuso de crianças nã o era simplesmente uma
questã o de preferência pessoal para ele. Por essa razã o, percebi que
nã o seria difícil mostrar por que o problema do mal nã o é realmente
um problema para o crente – mas sim para o incrédulo. Mais tarde
falaremos mais sobre isso.
 
O mal como um problema lógico
Nem sempre o “problema” do mal foi bem compreendido pelos
apologistas cristã os. À s vezes eles reduzem a dificuldade do desafio
do incrédulo ao cristianismo concebendo o problema do mal como
sendo simplesmente a apresentaçã o raivosa de evidências
contrá rias à suposta bondade de Deus. É como se os crentes
professassem a bondade de Deus, mas os incrédulos tivessem seus
contraexemplos. Quem desenvolve o melhor argumento a partir dos
fatos ao nosso redor? O problema é apresentado (erroneamente)
como uma questã o de quem tem evidências mais significativas para
o seu lado do desacordo.
Por exemplo, lemos um apologista popular dizer o seguinte sobre o
problema do mal: “Mas em ú ltima aná lise, a evidência para a
existência do bem (Deus) nã o está viciada pela anomalia do mal”. E
por que nã o? “O mal permanece um mistério que causa
perplexidade, mas a força do mistério nã o é suficiente para exigir
que joguemos fora a evidência positiva para Deus, para a realidade
do bem… Embora não possamos explicar a existência do mal, essa não
é uma razão para desconsiderarmos a evidência positiva para Deus ”.
[36]
Isso subestima seriamente a natureza do problema do mal. Nã o é
simplesmente uma questã o de pesar a evidência positiva contra a
evidência negativa para a bondade no mundo de Deus ou no plano
de Deus (digamos, para a redençã o, etc.). O problema do mal é um
desafio muito mais sério para a fé cristã do que isso.
O problema do mal equivale à acusaçã o de que existe uma
incoerência lógica dentro da perspectiva cristã ─
independentemente de quanto mal exista no Universo em
comparaçã o com quanta bondade pode ser encontrada. Se o
cristianismo é logicamente incoerente, nenhuma quantidade de
evidência positiva e factual poderá salvar sua verdade. A
inconsistência interna por si só tornaria a fé cristã intelectualmente
inaceitá vel, mesmo admitindo que pudesse haver uma grande
quantidade de indicativos ou evidências em nossa experiência para
a existência da bondade ou para Deus de outra forma consideradas.
O filó sofo escocês do século XVIII David Hume expressou o
problema do mal de maneira forte e desafiadora: “ [Deus] quer
impedir o mal, mas nã o é capaz? Entã o ele é impotente. Ele é capaz,
mas nã o está disposto? Entã o ele é malévolo. Ele tanto é capaz como
está disposto? De onde, entã o, vem o mal?”. [37] O que Hume estava
argumentando é que o cristã o nã o pode logicamente aceitar estas
três premissas: Deus é onipotente, Deus é onibenevolente e, no
entanto, existe mal no mundo. Se Deus é onipotente, deve ser capaz
de impedir ou eliminar o mal, se o quiser. Se Deus é onibenevolente,
certamente quer impedir ou eliminar o mal. No entanto, é inegá vel
que o mal existe.
George Smith afirma o problema da seguinte forma em seu livro
“Ateísmo: O Argumento contra Deus” [ Atheism: The Case Against
God ]: [38] “Em resumo, o problema do mal é este: … Se Deus sabe
que existe mal, mas nã o pode impedi-lo, ele nã o é onipotente. Se
Deus sabe que existe mal e pode impedi-lo, mas nã o deseja fazê-lo,
ele nã o é onibenevolente”. Smith pensa que os cristã os nã o podem
logicamente ter ambas as coisas: Deus é totalmente bom assim como
totalmente poderoso.
Portanto, a acusaçã o que os incrédulos fazem é que a cosmovisã o
cristã é incoerente; ela adota premissas que sã o incompatíveis entre
si, dada a existência de mal neste mundo. O incrédulo argumenta
que mesmo se fosse aceitar as premissas da teologia cristã
(independentemente da evidência a favor ou contra elas
individualmente), essas premissas nã o seriam compatíveis umas
com as outras . O problema do cristianismo é interno ─ um defeito
ló gico que até mesmo o crente deve reconhecer, contanto que
admita realisticamente a presença de mal no mundo. Esse mal,
pensa-se, é incompatível ou com a bondade de Deus, ou com o poder
de Deus.
 
Para quem o mal é logicamente um problema?
Deve ser ó bvio, apó s uma reflexã o, que nenhum “problema do mal”
pode pressionar os crentes cristã os a menos que alguém possa
legitimamente afirmar a existência de mal neste mundo. Nã o há nem
mesmo aparentemente um problema ló gico se tivermos de lidar
com somente estas duas premissas:
 
1. Deus é totalmente bom.
2. Deus é totalmente poderoso.
 
Essas duas premissas nã o criam em si mesmas nenhuma
contradiçã o. O problema só surge quando adicionamos a premissa:
 
3. O mal existe (acontece).
 
Assim, é crucial para o argumento do incrédulo contra o
cristianismo estar numa posiçã o de afirmar que existe mal no
mundo ─ apontar para algo e ter o direito de avaliá -lo como um
exemplo de mal. Se é o caso de que nada mau existe ou sequer
acontece ─ isto é, que o que as pessoas inicialmente acreditam ser
mau nã o pode ser razoavelmente considerado um “mal” ─, nã o há
nada inconsistente com a teologia cristã e que exija uma resposta.
O que o incrédulo quer dizer com “bom”, ou por qual padrã o o
incrédulo determina o que conta como “bom” (de modo que o “mal”
é, portanto, definido ou identificado)? Quais sã o os pressupostos em
termos dos quais o incrédulo faz qualquer julgamento moral?
Talvez o incrédulo considere “bom” qualquer coisa que evoca a
aprovaçã o pú blica. Porém, nesse caso a declaraçã o “A vasta maioria
da comunidade entusiasticamente aprovou e tomou parte no ato
mau” nunca poderia fazer sentido. O fato de um grande nú mero de
pessoas se sentir de uma certa forma nã o convence (ou nã o deveria
racionalmente convencer) ninguém de que esse sentimento (sobre a
bondade ou maldade de algo) está correto. A ética nã o se reduz a
estatística, afinal de contas. Normalmente as pessoas pensam na
bondade de uma coisa como sendo aquilo que evoca a sua aprovaçã o
─ em vez de a aprovaçã o delas constituir a bondade dessa coisa! Até
mesmo os incrédulos falam e agem como se houvesse traços
pessoais, açõ es ou coisas que possuem a propriedade da bondade
(ou maldade) independentemente das atitudes, crenças ou
sentimentos que as pessoas possam ter sobre esses traços, açõ es ou
coisas. [39]
Há ainda outros problemas em considerar “bom” qualquer coisa que
evoca a aprovaçã o do indivíduo (em vez do pú blico em geral). Isso
nã o só igualmente reduz ao subjetivismo, como também
absurdamente implica que dois indivíduos nã o podem fazer
julgamentos éticos idênticos. Quando Bill dissesse “Ajudar os ó rfã os
é bom”, ele nã o estaria dizendo a mesma coisa que Ted ao dizer
“Ajudar os ó rfã os é bom”. A declaraçã o de Bill significa “Ajudar os
ó rfã os evoca a aprovaçã o de Bill”, enquanto que a declaraçã o de Ted
significaria “Ajudar os ó rgã os evoca a aprovaçã o de Ted” ─ que sã o
duas coisas totalmente diferentes. Essa visã o nã o só tornaria
impossível duas pessoas fazerem julgamentos éticos idênticos, como
também implicaria (absurdamente) que os pró prios julgamentos
éticos de uma pessoa nunca poderiam estar equivocados, a menos
que sucedesse de ela interpretar mal os seus pró prios sentimentos!
[40]

O incrédulo pode se voltar, entã o, para um entendimento


instrumental ou consequencial do que constitui a bondade (ou
maldade) objetiva. Por exemplo, uma açã o ou traço é bom se tende a
atingir um determinado fim, como a maior felicidade do maior
nú mero de pessoas. A irrelevâ ncia de tal noçã o para fazer
determinaçõ es éticas é que precisaríamos ser capazes de estimar e
comparar felicidades, bem como ser capazes de calcular todas as
consequências de qualquer dada açã o ou traço. Isso é simplesmente
impossível para mentes finitas (mesmo com a ajuda de
computadores). Porém, mais devastadora é a observaçã o de que o
bem só pode ser tomado como sendo o que promove a felicidade
geral se for antecedentemente o caso de que a felicidade
generalizada é em si mesma “boa”. Qualquer teoria de ética que
foque na bondade de alcançar um determinado fim (ou
consequência) só fará sentido se ela puder provar que o fim
escolhido (ou a consequência) é bom (boa) de buscar e promover.
As teorias instrumentais de bondade devem finalmente abordar a
questã o da bondade intrínseca para que possam determinar
corretamente quais devem ser suas metas.
Filosoficamente falando, o problema do mal acaba sendo, portanto,
um problema para o pró prio incrédulo. Para usar o argumento a
partir do mal contra a cosmovisã o cristã , ele deve primeiro ser
capaz de mostrar que seus julgamentos sobre a existência do mal
sã o significativos ─ o que é precisamente o que sua cosmovisã o
incrédula é incapaz de fazer.
 
O incrédulo leva o mal a sério, então?
Os incrédulos se queixam de que certos fatos evidentes sobre a
experiência humana sã o inconsistentes com as crenças teoló gicas do
cristã o sobre a bondade e o poder de Deus. Essa queixa requer que o
nã o cristã o afirme a existência de mal neste mundo. O que, no
entanto, foi pressuposto aqui?
Tanto o crente como o incrédulo vã o querer insistir que certas
coisas sã o má s, por exemplo os casos de abuso de crianças (como os
já mencionados). E vã o falar como se levassem esses julgamentos
morais a sério e nã o simplesmente como expressõ es de preferência,
gosto pessoal ou opiniã o subjetiva. Eles vã o insistir que essas coisas
sã o verdadeiramente ─ objetivamente, intrinsecamente ─ má s. Até
mesmo os incrédulos podem ficar abalados na sua defesa fá cil e
simplista do relativismo em face de atrocidades morais como
guerra, estupro e tortura.
Mas a questã o, logicamente falando, é como o incrédulo pode dar
sentido a levar o mal a sério ─ e nã o simplesmente como algo
inconveniente ou desagradá vel, ou contrá rio aos seus desejos. Que
filosofia de valor ou moralidade o incrédulo pode oferecer que
tornará significativo condenar alguma atrocidade como
objetivamente má ? A indignaçã o moral que é expressa pelos
incrédulos quando eles se deparam com as coisas má s que
transpiram neste mundo nã o é compatível com as teorias de ética
que os incrédulos defendem, teorias que se provam arbitrá rias ou
subjetivas ou de cará ter meramente utilitá rio ou relativista. Na
cosmovisã o do incrédulo, nã o há nenhuma boa razã o para dizer que
alguma coisa tem uma natureza má , mas apenas a partir do
sentimento ou da escolha pessoal.
É por isso que me sinto encorajado quando vejo incrédulos, por uma
questã o de princípio, ficando muito indignados com alguma açã o
má . Essa indignaçã o exige que a pessoa recorra ao cará ter absoluto,
imutá vel e bom de Deus para ter sentido filosó fico. A expressã o de
indignaçã o moral nã o passa de uma evidência pessoal de que os
incrédulos conhecem esse Deus no fundo do seu coraçã o. Eles se
recusam a permitir que os julgamentos sobre o mal sejam reduzidos
ao subjetivismo.
Quando o crente desafia o incrédulo sobre esse ponto, o incrédulo
provavelmente muda de atitude e tenta argumentar que o mal está ,
em ú ltima aná lise, baseado nas escolhas e no raciocínio humano ─
sendo assim relativo ao indivíduo ou à cultura. E nesse ponto o
crente deve enfatizar a incoerência lógica dentro do conjunto de
crenças do incrédulo. Por um lado, ele acredita e fala como se
alguma atividade (por ex., o abuso de crianças) fosse em si mesmo
errada, mas por outro lado acredita e fala como se essa atividade só
fosse errada se o indivíduo (ou a cultura) escolhesse algum valor
que é inconsistente com ela (por ex., o prazer, a maior felicidade
para o maior nú mero de pessoas, a liberdade). Quando o incrédulo
professa que as pessoas determinam os valores éticos por si
mesmas, está implicitamente defendendo que aqueles que cometem
o mal nã o estã o realmente fazendo nada mau, tendo em vista os
valores que eles escolheram para si mesmos. Dessa forma, o
incrédulo que está indignado com a maldade fornece as pró prias
premissas que filosoficamente sancionam e permitem esse
comportamento, embora ao mesmo tempo o incrédulo queira
insistir que esse comportamento não é permitido ─ é “mau”.
O que descobrimos, entã o, é que o incrédulo deve secretamente
depender da cosmovisã o cristã para dar sentido ao seu argumento a
partir da existência do mal que é motivado contra a cosmovisã o
cristã ! O antiteísmo pressupõ e o teísmo para fazer seu argumento.
O problema do mal é, portanto, um problema ló gico para o incrédulo
em vez de para o crente. Como cristã o, posso dar pleno sentido à
minha condenaçã o e repulsa moral do abuso de crianças. O nã o
cristã o nã o pode. Isso nã o significa que eu posso explicar por que
Deus faz o que faz ao planejar a miséria e a maldade neste mundo.
Significa simplesmente que o ultraje moral é consistente com a
cosmovisã o do cristã o, com suas pressuposiçõ es bá sicas sobre a
realidade, o conhecimento e a ética. A cosmovisã o (de qualquer
variedade) do nã o cristã o nã o pode, em ú ltimo caso, justificar esse
ultraje moral. Ela nã o pode explicar a natureza objetiva e imutá vel
de noçõ es morais como bem ou mal. Assim, o problema do mal é
precisamente um problema filosó fico para a incredulidade. Os
incrédulos seriam obrigados a apelar à pró pria coisa contra a qual
argumentam (um senso divino, transcendente de ética) para o seu
argumento ser garantido.
 
Resolvendo o alegado paradoxo
O incrédulo poderia neste ponto protestar dizendo que mesmo que,
como nã o cristã o, ele nã o possa significativamente explicar ou dar
sentido para a visã o de que o mal objetivamente existe, ainda resta,
todavia, um paradoxo no conjunto de crenças que constitui a
cosmovisã o do próprio cristão . Dados os seus compromissos e a sua
filosofia bá sica, o cristã o certamente pode alegar, e alega, que o mal
é real; e, contudo, o cristã o também acredita em coisas sobre o
cará ter de Deus que juntas parecem incompatíveis com a existência
do mal. O incrédulo poderia argumentar que independentemente da
inadequaçã o ética da sua pró pria cosmovisã o, o cristã o ainda está ─
nos próprios termos do cristã o ─ bloqueado numa posiçã o
logicamente incoerente ao manter as três proposiçõ es seguintes:
 
1. Deus é onibenevolente.
2. Deus é todo-poderoso.
3. O mal existe.
 
No entanto, o crítico ignora aqui uma forma perfeitamente razoá vel
de concordar com todas essas três proposiçõ es.
Se o cristã o pressupõe que Deus é perfeitamente e totalmente bom ─
como a Escritura nos exige pressupor ─, ele está comprometido em
avaliar tudo dentro da sua experiência à luz dessa pressuposiçã o.
Por conseguinte, quando o cristã o observa coisas ou eventos maus
no mundo, ele pode e deve manter consistência com sua
pressuposiçã o sobre a bondade de Deus inferindo agora que Deus
tem moralmente uma boa razão para o mal que existe. Deus
certamente deve ser todo-poderoso para ser Deus; nã o devemos
pensar que ele seja sobrepujado ou frustrado pelo mal no Universo.
E Deus certamente é bom, o cristã o irá professar ─ de modo que
qualquer mal que encontramos deve ser compatível com a bondade
de Deus. Isso quer dizer que Deus planejou os eventos maus por
razõ es que sã o moralmente recomendá veis e boas. Dito de outra
forma, o aparente paradoxo criado pelas três proposiçõ es acima é
facilmente resolvido adicionando esta quarta premissa a eles:
 
4. Deus tem uma razã o moralmente suficiente para o mal que existe.
 
Quando todas essas quatro premissas sã o mantidas, nenhuma
contradiçã o ló gica pode ser encontrada, nem mesmo uma aparente.
Faz parte, precisamente, da caminhada na fé e do crescimento na
santificaçã o do cristã o extrair a proposiçã o 4 como uma conclusã o
das proposiçõ es 1-3.
Pense em Abraã o quando Deus lhe ordenou sacrificar seu ú nico
filho. Pense em Jó quando ele perdeu tudo o que dava prazer e
felicidade à sua vida. Em cada caso Deus tinha uma razã o
perfeitamente boa para a miséria humana envolvida. Era uma marca
ou façanha da fé eles nã o vacilarem na sua convicçã o da bondade de
Deus, apesar de nã o serem capazes de ver ou entender por que Deus
estava lhes fazendo aquilo. De fato, mesmo no caso do maior crime
em toda a histó ria ─ a crucificaçã o do Senhor da gló ria ─, o cristã o
professa que a bondade de Deus nã o era inconsistente com o que as
mã os de homens iníquos fizeram. O assassinato de Cristo foi algo
mau? Certamente. Deus teve uma razã o moralmente suficiente para
ele? Tã o certo quanto. Com Abraã o, nó s declaramos: “Nã o faria
justiça o Juiz de toda a terra?” (Gênesis 18.25). E essa bondade de
Deus está além de desafio: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo
homem” (Romanos 3.4, ARA).
 
O problema não é lógico, mas psicológico
Acontece que o problema do mal nã o é uma dificuldade ló gica,
afinal. Se Deus tem uma razã o moralmente suficiente para o mal que
existe, como a Bíblia ensina, sua bondade e poder nã o sã o desafiados
pela realidade dos eventos e coisas má s na experiência humana. O
ú nico problema ló gico que surge em conexã o com as discussõ es
sobre o mal é a incapacidade filosó fica do incrédulo de justificar a
objetividade dos seus juízos morais.
O problema que os homens têm com Deus quando se encontram
face a face com o mal no mundo nã o é ló gico ou filosó fico; é mais
psicoló gico. Podemos achar emocionalmente muito difícil ter fé em
Deus e confiar na sua bondade e poder quando não nos é dada a
razão por que coisas ruins acontecem a nó s e a outros.
Instintivamente pensamos com nó s mesmos “por que essa coisa
terrível aconteceu?”. Os incrédulos internamente também gritam
por uma resposta a essa pergunta. Mas Deus nã o fornece sempre (na
verdade, raramente) uma explicaçã o aos seres humanos para o mal
que eles vivenciam ou observam. “As coisas encobertas pertencem
ao Senhor nosso Deus” (Deuteronô mio 29.29). Poderíamos nã o ser
capazes de compreender os caminhos sá bios e misteriosos de Deus,
ainda que ele nos os revelasse (cf. Isaías 55.9). Contudo, permanece
o fato de que ele nã o nos disse por que a miséria, o sofrimento e a
injustiça fazem parte do seu plano para a histó ria e para nossa vida
individual.
Assim, entã o, a Bíblia nos convida a confiar em que Deus tem uma
razã o moralmente suficiente para o mal que pode ser encontrado
neste mundo, mas ela nã o nos diz qual é essa razã o suficiente. O
crente muitas vezes luta com essa situaçã o, andando pela fé e nã o
pelo que vê. O incrédulo, porém, acha a situaçã o intolerá vel para o
seu orgulho, sentimentos ou racionalidade. Ele se recusa a confiar
em Deus. Ele nã o crerá que Deus tem uma razã o moralmente
suficiente para o mal que existe, a menos que lhe seja dada essa
razã o para o seu pró prio exame e avaliaçã o. Traduzindo em miú dos,
o incrédulo nã o irá confiar em Deus a menos que Deus se subordine
à autoridade intelectual e avaliaçã o moral do incrédulo ─ a menos
que Deus consinta em trocar de lugar com o pecador.
O problema do mal se resume à questã o de saber se uma pessoa
deve ter fé em Deus e na sua palavra ou deve, em vez disso,
depositar fé no seu pró prio pensamento e valores humanos. O
problema do mal se torna em ú ltima aná lise uma questã o de
autoridade ú ltima na vida de uma pessoa. E nesse sentido, a forma
como os incrédulos lutam com o problema do mal nã o passa de um
testemunho contínuo da forma como o mal entrou na histó ria
humana em primeiro lugar. A Bíblia indica que o pecado e todas as
misérias que o acompanham entraram neste mundo pela primeira
transgressã o de Adã o e Eva. E a questã o com a qual Adã o e Eva
foram confrontados outrora foi precisamente a questã o que os
incrédulos enfrentam hoje; devemos ter fé na palavra de Deus
simplesmente no seu assim-disse, ou devemos avaliar Deus e sua
palavra com base em nossa pró pria autoridade moral e intelectual
ú ltima?
Deus ordenou a Adã o e Eva nã o comerem de certa á rvore, testando-
os para ver se tentariam definir o bem e o mal por si mesmos.
Sataná s veio e desafiou a bondade e verdade de Deus, sugerindo que
Deus tinha motivos ignó beis para impedir Adã o e Eva de se deleitar
com a á rvore. E nesse ponto o curso inteiro da histó ria humana
dependia de se Adã o e Eva iriam confiar na bondade de Deus e
pressupô -la. Como isso nã o aconteceu, a raça humana tem sido
visitada com tormentos demais e muito dolorosos para contabilizar.
Quando os incrédulos se recusam a aceitar a bondade de Deus com
base em sua pró pria autorrevelaçã o, simplesmente perpetuam a
fonte de todos os nossos infortú nios humanos. Em vez de resolver o
problema do mal, eles sã o parte do problema.
Portanto, nã o se deve pensar que “o problema do mal” é qualquer
coisa como uma base intelectual para a falta de fé em Deus. É , antes,
simplesmente a expressão pessoal dessa falta de fé. O que
descobrimos é que os incrédulos que desafiam a fé cristã acabam
raciocinando em círculo. Porque carecem da fé em Deus, eles
começam com o argumento de que o mal é incompatível com a
bondade e o poder de Deus. Quando lhes é apresentada uma soluçã o
logicamente adequada e biblicamente sustentada para o problema
do mal (a saber, Deus tem uma razã o moralmente suficiente, mas
oculta para o mal que existe), eles se recusam a aceitá -la novamente
por causa de sua falta de fé em Deus. Eles prefeririam ficar
incapazes de dar uma justificativa para qualquer espécie de
julgamento moral (sobre coisas sendo boas ou má s) do que se
submeter à autoridade moral definitiva e incontestá vel de Deus.
Esse é um preço muito alto a pagar, tanto filosó fica como
pessoalmente.
 
 
31. O PROBLEMA DE CONHECER O
“SOBRENATURAL”
 
 
A fé cristã , conforme definida pela revelaçã o bíblica, ensina uma
série de coisas que nã o estã o restritas ao reino da experiência
temporal do homem ─ coisas sobre um Deus invisível, sua natureza
triú na, a origem do Universo, a regularidade da ordem criada, anjos,
milagres, a vida apó s a morte, etc. Esses sã o precisamente os tipos
de afirmaçõ es que os incrédulos mais frequentemente consideram
objetá veis.
A objeçã o é que essas afirmaçõ es sã o sobre questõ es transcendentes
─ coisas que vã o além da experiência humana cotidiana. O Criador
triú no existe além da ordem temporal; a vida apó s a morte nã o faz
parte das nossas observaçõ es ordiná rias neste mundo, etc. Se o
incrédulo está acostumado a pensar que as pessoas só podem
conhecer coisas baseadas no e pertencentes ao “aqui e agora”, as
afirmaçõ es do cristã o sobre o transcendente sã o uma afronta
intelectual.
 
A afronta ao transcendente
Aqueles que nã o sã o cristã os muitas vezes irã o assumir que o
mundo natural é tudo o que há , em cujo caso ninguém pode
conhecer coisas sobre o “sobrenatural” (o que quer que ultrapasse
os limites da natureza). Nos círculos filosó ficos, as discussõ es e
debates sobre essas questõ es caem dentro da á rea de estudo
conhecida como “metafísica”. Como se poderia esperar, essa divisã o
da investigaçã o filosó fica é geralmente um foco de controvérsia
entre escolas de pensamento conflitantes. Mais recentemente, o
empreendimento inteiro da metafísica se tornou ele mesmo foco de
controvérsia.
Ao longo dos dois ú ltimos séculos se desenvolveu uma mentalidade
que é hostil a qualquer afirmaçã o filosó fica que tenha um cará ter
metafísico. Está claro para a maioria dos estudantes que a antipatia
pela fé cristã tem sido o fato primá rio e motivador nesses ataques.
Contudo, essa crítica tem sido generalizada na forma de um
antagonismo penetrante com quaisquer afirmaçõ es que sejam
similarmente “metafísicas”. Essa atitude antimetafísica foi um dos
ingredientes cruciais que moldaram a cultura e a histó ria ao longo
dos ú ltimos duzentos anos. Ela alterou os pontos de vista comuns
sobre o homem e a ética, gerou uma reformulaçã o radical das
crenças religiosas e afetou significativamente perspectivas que vã o
da política à pedagogia. Consequentemente, uma grande parte das
questõ es ou desafios céticos que sã o dirigidos contra a fé cristã
estã o enraizados na ou sã o coloridos por esse espírito negativo em
relaçã o à metafísica.
 
Definindo o metafísico
Antes que possamos nos debruçar sobre os argumentos
antimetafísicos que sã o comumente ouvidos hoje em dia, seria ú til
entender melhor o que se entende por “metafísica”. Essa é uma
palavra técnica que raramente é usada fora dos círculos acadêmicos;
ela nã o deve nem mesmo fazer parte do vocabulá rio da maioria dos
cristã os. Nã o obstante, a concepçã o da metafísica e a reaçã o a ela
que pode ser encontrada nos círculos acadêmicos definitivamente
irá tocar e ter um impacto na vida do crente ─ em termos dos
ataques populares à fé que ele deve responder ou até mesmo em
termos da forma como a religiã o cristã é retratada e apresentada no
pú lpito.
Frequentemente é dito que a metafísica é o estudo do “ser”. Mais
revelador seria se escrevêssemos que a metafísica estuda o “ser” ─
isto é, questõ es sobre a existência (“ser ou nã o ser”). A metafísica
pergunta “ o que é que existe?” E que tipos de coisas existem? Assim,
o metafísico está interessado em saber sobre distinções
fundamentais (isto é, as classes bá sicas das coisas que existem) e
similaridades importantes (isto é, a natureza essencial dos membros
dessas classes). Ele busca as explicações ou causas finais para a
existência e a natureza das coisas. Ele quer entender os limites da
realidade possível, os modos de existir e as inter-relaçõ es das coisas
existentes.
Deveria ser ó bvio entã o, ainda que de forma elementar, que o
cristianismo propõ e uma série de afirmaçõ es metafísicas definidas.
 
Distinções fundamentais
A Escritura nos ensina que “há um só Deus, o Pai, de quem é tudo… e
um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual sã o todas as coisas” (1
Coríntios 8.6). Todas as coisas, de todos os tipos, foram criadas por
ele (Joã o 1.3; Colossenses 1.16). Mas ele é antes de todas as coisas, e
por meio dele todas as coisas subsistem (Joã o 1.1; Colossenses 1.17).
Ele mantém ou sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder
(Hebreus 1.3). Portanto, existir é ser divino ou criado. Em Deus
vivemos, e nos movemos, e existimos (Atos 17.28). Ele, no entanto,
tem a vida em si mesmo (Joã o 5.26; Ê xodo 3.14). O Deus vivo e
verdadeiro confere a unidade distinguível ou natureza comum à s
coisas (Gênesis 2.19), categorizando as coisas ao colocar sua
interpretaçã o sobre elas (por ex., Gênesis 1.5, 8, 10, 17; 2.9). É
também ele quem faz com que as coisas sejam diferentes umas das
outras (1 Coríntios 4.7; Ê xodo 11.7; Romanos 9.21; 1 Coríntios 12.4-
6; 15.38-41). A similaridade e a distinçã o, entã o, resultam da obra
criativa e providencial de Deus. Tanto a existência como a natureza
das coisas encontram sua explicaçã o nele ─ quer ocasional (Efésios
1.11), quer teleoló gica (Efésios 1.11). Deus é a fonte de toda
possibilidade (Isaías 43.10; 44.6; 65.11) e, assim, por sua pró pria
vontade e decreto define os limites da realidade possível.
 
Uma metafísica abrangente
“Metafísica” também pode ser visto como uma tentativa de
expressar o esquema inteiro da realidade ─ de todas as coisas
existentes. O metafísico deve resolver relatos conflitantes sobre a
verdadeira natureza do mundo (em contraste com as meras
aparências), e ele faz isso em termos de uma estrutura conceitual
ú ltima. A metafísica tenta dar sentido ao mundo como um todo ao
articular e aplicar um conjunto de paradigmas centrais, reguladores,
organizadores característicos. Esses princípios regem ou orientam a
maneira como uma pessoa inter-relaciona e interpreta as diferentes
partes da sua vida e experiência. Todo mundo usa algum sistema de
generalidades ú ltimas sobre a realidade, de critérios de avaliaçã o e
de relacionamentos estruturantes. Nã o poderíamos pensar ou dar
sentido a coisa alguma sem alguma visã o coerente da natureza e
estrutura geral da realidade.
Ao invés de lidar com apenas um departamento distinguível de
estudo ou á rea limitada da experiência humana (por ex., biologia,
histó ria, astronomia), a metafísica é abrangente ─ preocupada com e
relevante para o mundo inteiro. Por essa razã o, as visõ es metafísicas
de uma pessoa irã o afetar todas as demais investigaçõ es em que ela
possa se envolver, iluminando uma ampla gama de assuntos e
formando os “princípios primeiros” para outras disciplinas
intelectuais.
 
A metafísica cristã
A fé cristã , por esse motivo, também compreende um sistema
metafísico. A Escritura ensina que todas as coisas sã o de Deus, sã o
por Deus e sã o para Deus (Romanos 11.36). Devemos pensar os
pensamentos de Deus depois dele (Provérbios 22.17-21; Joã o 8.31-
32). Desta forma podemos compreender e interpretar o mundo
como um todo. A palavra de Deus nos dá luz (Salmos 119.130), e o
pró prio Cristo é o gerador da vida que dá luz aos homens (Joã o 1.4)
e em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estã o
ocultos (Colossenses 2.3, ARA). Assim, podemos discernir a
verdadeira natureza da realidade em termos da palavra de Cristo:
“na tua luz veremos a luz” (Salmos 36.9).
A Bíblia apresenta um esquema metafísico definido. Ela começa com
Deus que é um espírito puro, pessoal, infinitamente perfeito (Ê xodo
15.11; Malaquias 2.10; Joã o 4.24). O Deus triú no (2 Coríntios 13.14)
é ú nico em sua natureza e obras (Salmos 86.9), autoexistente
(Ê xodo 3.14; Joã o 5.26; Gá latas 4.8-9), eterno (Salmos 90.2),
imutá vel (Malaquias 3.6) e onipresente (Salmos 139.7-10). Tudo o
mais que existe foi criado a partir do nada (Colossenses 1.16-17;
Hebreus 11.3), seja o mundo material (Gênesis 1.1; Ê xodo 20.11),
seja o reino dos espíritos (Salmos 148.2, 5), seja o homem. O homem
foi criado à imagem de Deus (Gênesis 1.27), um ser que exibe tanto
um cará ter material, como imaterial (Mateus 10.28), sobrevivendo
corporalmente à morte (Eclesiastes 12.7; Romanos 2.7) com
consciência pessoal de Deus (2 Coríntios 5.8) e aguardando a
ressurreiçã o corporal (1 Coríntios 6.14; 15.42-44).
Na criaçã o, Deus fez todas as coisas de acordo com a sua sabedoria
insondá vel (Salmos 104.24; Isaías 40.28), atribuindo a todas as
coisas a natureza definida delas (Isaías 40.26; 46.9-10). Deus
também determina todas as coisas com sua sabedoria (Efésios 1.11)
─ preservando (Neemias 9.6), governando (Salmos 103.19) e
predeterminando a natureza e o curso de todas as coisas, sendo
assim capaz de realizar milagres (Salmos 72.18). O decreto pelo qual
Deus providencialmente ordena os eventos histó ricos é eterno,
eficaz, incondicional, imutá vel e abrangente (por ex., Isaías 46.10;
Atos 2.23; Efésios 3.9-11).
Essas verdades sã o paradigmá ticas para o crente; sã o princípios
ú ltimos da realidade objetiva, devendo ser distinguidas das ilusõ es
apresentadas em visõ es de mundo contrá rias. O que o mundo
incrédulo vê como sabedoria é na verdade loucura (1 Coríntios 1.18-
25). Visto que os entendimentos dos incrédulos estã o cegos (2
Coríntios 4.4), eles erram segundo a fé descrita acima, tendo,
portanto, apenas o que é “falsamente chamado conhecimento” (1
Timó teo 6.20-21, NVI). Por exemplo, apoiando-se na aparência de
total regularidade, uma metafísica incrédula nã o ensina que Cristo
voltará a intervir no processo có smico para julgar os homens e
determinar seu destino eterno (cf. 2 Pedro 3.3-7).
 
 
Distinguindo a aparência da realidade
Portanto, a Bíblia distingue a aparência da realidade e fornece uma
estrutura conceitual ú ltima que dá sentido ao mundo como um todo.
A metafísica bíblica afeta nossa perspectiva e nossas conclusõ es em
cada campo de estudo ou empreendimento e serve como o ú nico
fundamento para todas as disciplinas, da ciência à ética (Provérbios
1.7; Mateus 7.24-27).
 
Questões últimas
Assim, a “metafísica” estuda questõ es ou assuntos como a natureza
da existência, os tipos de coisas que existem, as classes das coisas
existentes, os limites da possibilidade, o esquema ú ltimo das coisas,
a realidade versus a aparência e a estrutura conceitual abrangente
usada para dar sentido ao mundo como um todo. Nã o é difícil
entender, entã o, como o termo “metafísica” veio para conotar o
estudo do que está “além do reino físico”. A simples inspeçã o ocular
de situaçõ es isoladas e específicas no mundo físico nã o pode
responder questõ es metafísicas como aquelas recém enumeradas. A
experiência pessoal limitada de um indivíduo nã o pode garantir uma
estrutura abrangendo todo tipo de coisa que possa existir. A
experiência empírica nos dá meramente uma aparência das coisas; a
experiência empírica nã o pode por si só corrigir ilusõ es ou nos levar
além da aparência para qualquer mundo ou reino da realidade que
exista por trá s. E ela tampouco pode determinar os limites do
possível. Uma experiência particular do mundo físico nã o lida com o
mundo como um todo. E a natureza da existência tampouco se
manifesta na simples percepçã o sensorial de qualquer objeto físico
ou de um conjunto deles.
 
Realidade suprassensível
Consequentemente, a metafísica estuda em ú ltima aná lise a
realidade nã o sensível ou suprassensível . Dada a natureza do caso, o
metafísico examina questõ es que transcendem a natureza física ou
questõ es removidas de experiências sensoriais específicas. E, no
entanto, é alegado que os resultados da metafísica nos dã o
declaraçõ es inteligíveis e informativas sobre a realidade. Isto é, a
metafísica faz afirmaçõ es que têm conteú do substantivo, mas que
nã o sã o totalmente dependentes da ou restritas à experiência
empírica (observaçã o, sensaçã o).
Por essa razã o, os meios pelos quais as reivindicaçõ es metafísicas
sã o intelectualmente apoiadas nã o se limitam à observaçã o natural e
à experimentaçã o científica. Aqui reside a ofensa da metafísica à
mente moderna. [41] A metafísica presume dizer-nos algo sobre o
mundo objetivo que nó s nã o percebemos diretamente na
experiência comum e que nã o pode ser verificado através dos
métodos da ciência natural.
Claro, a antipatia com a metafísica é ainda mais pronunciada no caso
do cristianismo porque suas reivindicaçõ es sobre o esquema inteiro
das coisas incluem declaraçõ es sobre a existência e o cará ter de
Deus, sobre a origem e a natureza do mundo, bem como sobre a
natureza e o destino do homem. Esses ensinos nã o se originam na
experiência direta e ocular do mundo físico, mas transcendem
sensaçõ es específicas e derivam da revelaçã o divina. Eles nã o sã o
verificados empiricamente de forma ponto a ponto. A Escritura faz
pronunciamentos absolutos sobre a natureza do mundo real como
um todo. A doutrina bíblica apresenta verdades que nã o sã o
circunscritas ou limitadas pela experiência pessoal e que nã o sã o
qualificadas ou relativizadas pela pró pria maneira de um indivíduo
olhar para as coisas. Essas reivindicaçõ es autoritá rias sobre essas
questõ es difíceis e de grande alcance sã o ofensivas para o estado de
espírito cético e os preconceitos religiosos dos dias atuais. A era
moderna tem um espírito contrá rio a reivindicaçõ es filosó ficas
(especialmente religiosas) que falem de qualquer coisa
sobrenatural, qualquer coisa “além do físico”, qualquer coisa
metafísica.
 
Motivações puras?
Seria proveitoso fazer uma pausa e refletir sobre um comentá rio
perspicaz feito por um autor recente na á rea da metafísica filosó fica.
W. H. Walsh escreveu: “Devemos reconhecer que a reaçã o contra [a
metafísica] tem sido… de fato tã o violenta a ponto de sugerir que as
questõ es envolvidas na controvérsia devem ser algo mais do que
acadêmicas”. [42] Precisamente. As questõ es sã o de fato mais do que
acadêmicas. Sã o uma questã o de vida e morte ─ vida e morte
eternas. Cristo disse: “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só ,
por ú nico Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Joã o
17.3). No entanto, se o incrédulo pode permanecer na alegaçã o de
que esse Deus não pode ser conhecido porque nada que transcenda o
físico (nada “metafísico”) pode ser conhecido, a questã o do destino
eterno nã o é levantada. Os homens, assim, podem pensar e agir
como querem, sem se distrair com questõ es sobre a sua natureza e
destino.
Os homens vã o, por assim dizer, construir um telhado sobre a sua
cabeça na esperança de manter do lado de fora qualquer revelaçã o
inquietante de um Deus transcendente. A perspectiva antimetafísica
da era moderna funciona simplesmente como um telhado ideoló gico
protetor para o incrédulo. O fato é que nã o se pode evitar os
compromissos metafísicos. A pró pria negaçã o da possibilidade de o
conhecimento transcender a experiência é em si mesma um
julgamento metafísico. Assim, a questã o nã o é se devemos ter
crenças metafísicas, mas sim, em ú ltima aná lise, qual tipo de
metafísica devemos afirmar. Ao considerar essa questã o, lembre-se
da observaçã o franca de Friedrich Nietzsche:
 

O que nos incita a olhar todos os filó sofos de uma só vez, com
desconfiança, e troça, é… [que] eles todos reagem como se
tivessem descoberto e alcançado suas opiniõ es reais através do
autodesenvolvimento de uma dialética pura, fria e indiferente
com o divino…; quando no fundo essa é apenas uma suposiçã o,
um palpite, na verdade um tipo de “inspiraçã o” ─ mais
frequentemente um desejo do coraçã o que foi filtrado e tornado
abstrato ─ que eles defendem com razõ es que buscaram apó s o
fato. Sã o todos defensores [advogados pagos] que se ressentem
desse nome, e na maior parte das vezes porta-vozes astutos dos
seus preconceitos que batizaram como “verdades”…
Gradualmente se tornou claro para mim o que toda grande
filosofia tem sido: a saber, a confissã o pessoal do seu autor e uma
espécie de livro de memó rias involuntá rio e inconsciente;
também, que as intençõ es morais (ou imorais) em toda filosofia
constituem o germe real da vida a partir do qual toda a planta
cresceu. [43]

 
O apó stolo Paulo nos ensina que todos os incrédulos (incluindo
Nietzsche) “suprimem a verdade pela injustiça” (Romanos 1.18,
NVI); eles tentam esconder a verdade sobre Deus de si mesmos por
causa da sua vida imoral. “A mentalidade da carne é inimiga de
Deus” (Romanos 8.7, NVI) e “[pensa] coisas terrenas” (Filipenses
3.18-19). Aqueles que sã o inimigos na sua mente pelas suas obras
má s (Colossenses 1.21) e sã o loucos em seu raciocínio (Romanos
1.21-22; 1 Coríntios 1.20) sã o conduzidos particularmente a uma
metafísica antibíblica (por exemplo, “Todas as suas [do ímpio]
cogitaçõ es sã o que nã o há Deus”, Salmos 10.4) ─ disfarçadas como
uma postura antimetafísica em geral.
 
O argumento contra a metafísica
A razã o filosó fica mais comum desenvolvida pelos incrédulos, de
Kant aos positivistas ló gicos do nosso século, para o antagonismo à s
reivindicaçõ es metafísicas é de forma bastante simples a alegaçã o de
que a “razã o pura”, à parte da experiência dos sentidos, nã o pode
fornecer conhecimento factual. As declaraçõ es metafísicas falam de
uma realidade suprassensível que nã o é diretamente experimentada
ou verificada pela ciência natural; pode-se dizer, entã o, sem rodeios
que a metafísica é uma espécie de “notícias de nenhum lugar”.
Aqueles que sã o antagonistas à metafísica argumentam que todas as
declaraçõ es informativas ou factuais sobre o mundo objetivo devem
ser derivadas empiricamente (com base na experiência, observaçã o,
sensaçã o) e, portanto, o conhecimento humano nã o pode
transcender a experiência particular, física, ou a aparência dos
sentidos.
De acordo com Kant, as discussõ es metafísicas se ocupam com
definiçõ es puramente verbais e suas implicaçõ es ló gicas; portanto,
sã o arbitrá rias, suspensas no céu e resultam em divergências
insolú veis. As declaraçõ es metafísicas nã o têm nenhum significado
real. Por natureza, o conhecimento humano é dependente dos
sentidos, e assim o raciocínio jamais pode conduzir alguém a
conclusõ es que se apliquem fora do reino empírico.
 
Positivismo lógico
Os positivistas ló gicos intensificaram a crítica de Kant. Para eles as
afirmaçõ es metafísicas nã o eram apenas definiçõ es vazias sem
significâ ncia (sem referentes existenciais), eram literalmente sem
sentido . Porque as afirmaçõ es metafísicas nã o podiam ser
submetidas ao teste crítico da experiência dos sentidos, conclui-se
que elas nã o tinham sentido.
Assim, pois, os oponentes da metafísica (e, desse modo, da teologia
da Bíblia) veem o raciocínio metafísico como estando em conflito
com a ciência empírica como a ú nica forma de se adquirir
conhecimento. Enquanto o cientista chega a verdades contingentes
sobre a forma como as coisas aparecem aos nossos sentidos, o
metafísico visa a verdades absolutas ou necessá rias sobre a
realidade que de alguma forma está por trá s dessas aparências. Um
abismo se coloca entre as verdades do fato empírico (à s quais se
chega com base na informaçã o dos sentidos) e as verdades da razã o
especulativa (que só poderiam ser convençõ es verbais arbitrá rias
ou conceitos organizados que sã o inaplicá veis fora da esfera da
experiência). Nesse caso, de acordo com o dogma moderno, todas as
declaraçõ es significativas e informativas sobre o mundo eram
consideradas de natureza empírica.
O argumento contra as afirmaçõ es metafísicas, entã o, pode ser
resumido da seguinte forma:
 
(1) nã o pode haver uma fonte nã o empírica de conhecimento ou
informaçã o sobre a realidade, e
(2) é ilegítimo fazer inferências a partir do que é percebido pelos
sentidos sobre o que deve se situar fora da experiência.
 
Em suma, só podemos saber como factualmente significante o que
podemos experimentar diretamente com os nossos sentidos ─ o que
anula a significabilidade das afirmaçõ es metafísicas e a possibilidade
do conhecimento metafísico.
 
Padrões duplos e petição de princípio
Podemos começar nossa resposta considerando (2) acima. Devemos
primeiro perguntar por que os metafísicos (e os teó logos) nã o
devem raciocinar a partir do que é conhecido na experiência
sensorial para algo que está além da sensaçã o. Afinal, nã o é isso
precisamente o que os cientistas empíricos fazem todos os dias? Eles
continuamente raciocinam do visto para o nã o visto (por exemplo,
ao falarem de partículas subatô micas, forças gravitacionais
computacionais, alertarem contra a radiaçã o simplesmente com
base em seus efeitos, prescreverem remédios para uma infecçã o
invisível com base numa febre observada, etc.). Certamente parece
um capricho daqueles que possuem tendências antimetafísicas
proibir o teó logo de fazer o que é permitido ao cientista! Essa
inconsistência trai uma mente que se predispô s a certos tipos de
conclusã o sobre a realidade. O que seria esperado é que todo mundo
jogasse de acordo com as mesmas regras.
Além disso, é importante notar que o ponto (2) acima nã o é de fato
relevante para fazer um argumento contra a metafísica bíblica. O
cristianismo nã o vê suas reivindicaçõ es metafísicas (teoló gicas,
sobrenaturais) como tentativas nã o guiadas ou arbitrá rias de tentar
raciocinar do mundo visto para o mundo nã o visto ─ projeçõ es nã o
justificadas da natureza para o que está além dela. Em primeiro
lugar, o cristã o afirma que Deus criou este mundo para refletir sua
gló ria e ser um constante testemunho dele e seu cará ter. Deus
também criou o homem como sua pró pria imagem, determinou a
forma como o homem pensaria e aprenderia sobre o mundo e
coordenou a mente do homem e o mundo objetivo para que o
homem inevitavelmente conhecesse o Criador sobrenatural pelo
conduto do reino criado. O pró prio Deus pretendeu e tornou
inevitá vel que o homem aprendesse sobre o Criador a partir do
mundo à sua volta. Isso equivale a Deus vindo ao homem por meio
da ordem temporal e empírica e nã o ao homem tateando em direçã o
a Deus. Isso equivale a dizer que o mundo natural em si nã o é
aleató rio e sem uma pista quanto ao seu significado ú ltimo,
deixando o homem na especulaçã o arbitrá ria e em projeçõ es
metafísicas.             
Além do mais, dados os efeitos intelectualmente corruptores da
queda do homem no pecado e a rebeliã o contra Deus, a mente do
homem nã o foi deixada para conhecer a Deus com base na pró pria
experiência e interpretaçã o autô noma do mundo pelo homem. Deus
se comprometeu a tornar a si mesmo conhecido ao homem por meio
da revelaçã o verbal ─ usando palavras (escolhidas por Deus) que
sã o exatamente apropriadas para a mente do homem (criado por
Deus) chegar a conclusõ es corretas sobre seu Criador, Juiz e
Redentor.
A teologia cristã nã o é resultado de uma exploraçã o autossuficiente
e de uma argumentaçã o a partir da experiência empírica bruta e
autô noma do homem acerca de um deus que está além e por trá s da
experiência. Pelo contrá rio, o cristã o afirma, com base na declaraçã o
da Escritura, que os nossos princípios teoló gicos residem na
autorrevelação do Criador transcendente. A teologia nã o opera do
homem para Deus, mas de Deus para o homem (via revelaçã o
verbal, infalível; cf. 2 Pedro 1.21).
Portanto, a polêmica antimetafísica ─ já vista como arbitrá ria e
inconsistente ─ comete uma petiçã o de princípio fundamental. Se o
Deus retratado na Bíblia realmente existe, nã o há nenhuma razã o
para excluir a possibilidade de que o homem, que vive no reino da
“natureza”, obtenha um conhecimento do “sobrenatural”. Deus criou
e controla todas as coisas, de acordo com o relato bíblico. Dada essa
perspectiva, Deus certamente pode suscitar que o homem aprenda a
verdade sobre ele tanto pela ordem criada como por um conjunto de
mensagens divinamente inspiradas. Quando o incrédulo defende
que nada na experiência temporal, limitada e natural do homem
pode proporcionar um conhecimento do metafísico ou do
sobrenatural, ele está simplesmente usando uma forma indireta de
dizer que o relato bíblico de um Deus que se faz claramente
conhecido na ordem criada e na Escritura está equivocado.
Essa petiçã o de princípio é por vezes velada no incrédulo, pela sua
tendência de reformular a natureza da verdade teoló gica para ela
ser antropocêntrica e enraizada inicialmente na experiência
humana, empírica. No entanto, o pró prio ponto de divergência entre
o crente e o incrédulo se resume à afirmaçã o de que o ensino cristã o
está enraizado na autorrevelaçã o da verdade de Deus tal como
encontrada no mundo à nossa volta e na palavra escrita. Nã o há
nenhuma razã o para pensar que a teologia está intelectualmente
obrigada a se desenvolver sobre o fundamento da experiência
sensorial humana, a menos que se esteja pressupondo de antemã o
que todo conhecimento deve em ú ltima aná lise derivar de
procedimentos empíricos. Mas é exatamente esse o ponto da
controvérsia. A polêmica antimetafísica nã o é uma razã o que
justifica rejeitar o cristianismo; é simplesmente uma reformulaçã o
da pró pria rejeiçã o.
 
Autoengano filosófico
Somos levados, entã o, para o nú mero (1) acima, o primeiro passo
fundamental no argumento contra a metafísica. O que devemos fazer
com a afirmaçã o de que “todo conhecimento significante sobre o
mundo objetivo é de natureza empírica”? A resposta mais ó bvia e
filosoficamente significante seria que se a declaraçã o anterior fosse
verdadeira, entã o ─ com base na sua alegaçã o ─ jamais poderíamos
saber que ela é verdadeira. Por quê? Simplesmente porque a
declaraçã o em questã o não é ela mesma conhecida como resultado
da experiência e de testes empíricos. Portanto, de acordo com suas
pró prias normas rigorosas, a declaraçã o nã o poderia equivaler a um
conhecimento significante sobre o mundo objetivo. Ela
simplesmente reflete o viés subjetivo (talvez sem sentido!) de quem
a profere. Logo, o antimetafísico nã o só tem suas pró prias
conclusõ es preconcebidas (pressuposiçõ es), mas também se verifica
que ele nã o pode viver de acordo com elas (cf. Romanos 2.1). Com
base nas suas pró prias suposiçõ es, ele refuta a si mesmo (cf. 2
Timó teo 2.25). Nas palavras de Paulo acerca daqueles que
suprimem a verdade de Deus em injustiça, “seus pensamentos
tornaram-se fú teis” (Romanos 1.21, NVI)!
 
Dificuldades adicionais
Há mais outras dificuldades com a posiçã o expressa por (1). Nó s
podemos facilmente ver que ela equivale a uma pressuposiçã o para
o incrédulo. Que evidência ou base racional existe para a posiçã o de
que todo conhecimento deve ser de natureza empírica? Essa nã o é
uma conclusã o mantida por outro raciocínio, e a premissa nã o
admite verificaçã o empírica, visto que lida com o que é
universalmente ou necessariamente o caso (e nã o com uma verdade
histó rica ou contingente). Além disso, a pró pria declaraçã o impede
qualquer outro tipo de verificaçã o ou suporte que nã o seja a
evidência ou garantias empíricas. Assim, o oponente antimetafísico
da fé cristã mantém esse dogma de forma pressuposicional ─ como
algo que controla a investigaçã o, em vez de ser resultado da
investigaçã o.
Essa pressuposiçã o antimetafísica, contudo, tem resultados
devastadores. Note que se todo conhecimento deve ser de natureza
empírica, a uniformidade da natureza nã o pode ser conhecida como
verdadeira. E sem o conhecimento e a segurança de que o futuro
será como o passado (por ex., se o sal se dissolveu em á gua na
quarta-feira, ele fará o mesmo, e nã o explodirá , na á gua na sexta-
feira), nã o poderíamos fazer projeçõ es e generalizaçõ es empíricas ─
em cujo caso o empreendimento inteiro da ciência natural seria
minado.
 
Sem previsibilidade
Os cientistas nã o poderiam chegar a mesmo uma conclusã o
confiá vel, racionalmente justificada sobre futuras interaçõ es
químicas, sobre a rotaçã o da Terra, sobre a estabilidade de uma
ponte, sobre os efeitos medicinais de uma droga ou sobre qualquer
outra coisa. Toda e qualquer premissa que entrasse em seu
raciocínio sobre uma situaçã o específica num momento específico e
num lugar específico teria de ser individualmente confirmada de
forma empírica.
Nada experimentado no passado poderia se tornar uma base para
expectativas sobre como as coisas poderiam acontecer no presente
ou no futuro. Sem certas crenças sobre a natureza da realidade e da
histó ria ─ crenças que sã o de cará ter supraempírico ─, o processo
de raciocínio e aprendizado empírico se tornaria impossível.
Nesse ponto podemos ser ainda mais enfá ticos, argumentando que
se uma pessoa pressupõ e que todo conhecimento deve ser de
natureza empírica, ela nã o apenas mina a ciência e refuta a si
mesma, como de fato destró i toda argumentaçã o e raciocínio.
Engajar-se na avaliaçã o de argumentos é reconhecer e utilizar
proposiçõ es, critérios, regras e relaçõ es ló gicas, etc. No entanto,
coisas tais como essas (proposiçõ es, relaçõ es, regras) nã o sã o
entidades empíricas que podem ser descobertas por um dos cinco
sentidos.
De acordo com o dogma do empirismo, nã o faria sentido falar dessas
coisas ─ nã o faria sentido, por exemplo, falar da validade e
invalidade em um argumento, tampouco falar sobre premissas e
conclusõ es. Tudo que você teria seria um evento eletroquímico
contingente no cérebro físico de um estudioso seguido
contingentemente por outro.
Se esses eventos sã o pensados como seguindo um padrã o, devemos
(novamente) observar que sobre bases empíricas, nã o se tem uma
justificativa para falar de um tal “padrã o”; só eventos específicos sã o
experienciados ou observados. Ademais, mesmo se houvesse um
padrã o nos eventos eletroquímicos do cérebro, ele seria acidental e
nã o uma questã o de atender à s regras da ló gica. Na verdade, as
“regras da ló gica” seriam na melhor das hipó teses imperativos
pessoais expressos como a preferência subjetiva de uma pessoa
para pessoa. Em tal caso nã o haveria absolutamente nenhum ponto
para argumentar e raciocinar. Um evento eletroquímico no cérebro
nã o pode ser significativamente dito como “vá lido” ou “invá lido”.
 
Naturalismo versus sobrenaturalismo como cosmovisões
Já foi dito o suficiente para deixar claro que tipo de situaçã o temos
quando um incrédulo argumenta contra a reivindicaçã o de
conhecimento do cristã o sobre o “sobrenatural” ─ quando o
incrédulo assume uma posiçã o antimetafísica contra a fé. O crente
defende, com base na revelaçã o infalível do Criador transcendente,
certas coisas sobre a realidade invisível (por ex., a existência de
Deus, a providência, a vida apó s a morte, etc.). O conhecimento
dessas matérias nã o é problemá tico dentro da cosmovisã o do
cristã o: Deus sabe todas as coisas, tendo criado tudo de acordo com
o seu sá bio conselho e determinado as naturezas individuais de cada
coisa; por sua vez, ele criou o homem à sua pró pria imagem, capaz
de pensar os pensamentos de Deus depois dele com base na
revelaçã o, tanto geral (na natureza) como especial (na Escritura).
Assim, o homem tem a capacidade racional e espiritual de aprender
e compreender verdades sobre a realidade que transcendem sua
experiência temporal, empírica ─ verdades que sã o reveladas pelo
seu Criador. É evidente que o cristã o defende a possibilidade do
conhecimento metafísico, portanto, ao apelar a certas verdades
metafísicas sobre Deus, o homem e o mundo. Ele raciocina
pressuposicionalmente, argumentando com base nas próprias
premissas metafísicas que o incrédulo alega serem impossíveis de
conhecer em virtude da sua natureza metafísica.
No entanto, o incrédulo antimetafísico tem seus pró prios
compromissos metafísicos aos quais está pressuposicionalmente
comprometido e aos quais apela nos seus argumentos (por ex.,
somente particulares ou individuais sensíveis existem). Seu ateísmo
materialista e naturalista é tomado como uma verdade definitiva
sobre a realidade, caracterizando universalmente a natureza da
existência, orientando-nos sobre como discernir a aparência da
realidade e repousando em consideraçõ es intelectuais que nos
levam para além da simples observaçã o ou experiência sensorial.
Essa perspectiva “deste mundo” do incrédulo é uma opiniã o
metafísica tanto quanto o é o ponto de vista “de outro mundo” que
ele atribui ao cristã o.
O que é flagrantemente ó bvio, entã o, é que o incrédulo repousa em e
apela a uma posiçã o metafísica para provar que nenhuma posiçã o
metafísica pode ser conhecida como verdadeira! Ele irô nica e
inconsistentemente mantém que ninguém pode conhecer verdades
metafísicas e, no entanto, ele pró prio tem conhecimento metafísico
suficiente para declarar que o cristianismo está errado!
O que ocorre é que duas filosofias pressuposicionais completas se
colocam uma contra a outra quando o antimetafísico argumenta
com o cristã o. As afirmaçõ es metafísicas do cristianismo sã o
baseadas na autorrevelaçã o de Deus. Ademais, elas sã o consistentes
com as suposiçõ es da ciência, com o raciocínio ló gico e com a
inteligibilidade da experiência humana. Por outro lado, o incrédulo
que alega que o conhecimento metafísico é impossível raciocina com
base em pressuposiçõ es que sã o arbitrariamente aplicadas,
autorrefutá veis, incapazes de passar pelo crivo das suas pró prias
exigências e que minam a ciência e a argumentaçã o ─ na verdade
minam a utilidade dos pró prios procedimentos empíricos que sã o
tornados o fundamento de todo conhecimento!
Isso simplesmente equivale a dizer que a posiçã o antimetafísica tem
como resultado a total revogaçã o nã o simplesmente do
conhecimento metafísico, mas de todo conhecimento, seja qual for.
Para argumentar contra a fé, o incrédulo deve cometer suicídio
intelectual ─ destruindo o pró prio raciocínio que ele fingiria estar
usando contra a verdade de Deus! Esse é um preço pessoal e
filosó fico muito alto a pagar por preconceitos e pressuposiçõ es que
uma pessoa espera formarem um teto para protegê-la da revelaçã o
de Deus.

 
 
32. O PROBLEMA DA FÉ
 
 
O compromisso cristão sacrifica a fé?
 
De acordo com uma antiga anedota, “Fé é acreditar no que você sabe
que nã o é verdade”. Nã o é difícil ver por que algo assim seria dito. A
tendência para as pessoas ─ quer acreditem em afirmaçõ es
fantá sticas sobre visitantes extraterrestres, quer acreditem em
alegaçõ es patéticas sobre a honra de um político desacreditado ─
que tenham evidências ou argumentos escassos para apoiar suas
convicçõ es pessoais é facilmente ceder à afirmaçã o de que elas
“simplesmente têm fé” de que o que acreditam é verdade, [44]

mesmo havendo, para outros, muito boas razõ es para nã o acreditar


nisso. As pessoas deveriam saber que o que elas dizem nã o é
verdade, mas mesmo assim persistem em acreditar nisso ─ em
nome da “fé”.
Essa concepçã o da fé como um compromisso pessoal cego é um dos
principais obstá culos que se colocam no caminho dos incrédulos
quando se trata de dar um ouvido honesto ao cristianismo. Eles têm
uma dificuldade feroz e fundamental de se tornar cristã os porque,
eles imaginam, a fé religiosa os obriga a sacrificar a razã o
completamente e a confiar cegamente em alguma pretensa
revelaçã o de maneira arbitrá ria, sem discernimento.
No seu “Dicioná rio de Filosofia”, Peter Angeles oferece duas
definiçõ es de “fé”, entre outras: “crença em algo apesar da evidência
em contrá rio” e “crença em algo mesmo na falta de evidência”. [45]
Dado qualquer um desses entendimentos populares do termo ─
pelos quais o que o cristã o chama de “fé” é concebido como
contrá rio à razã o, ou pelo menos sem razõ es ─, o cristianismo
aparenta ser bastante racional. “Fé” se torna um chavã o para o ato
de colocar seu intelecto em confusã o, suspender uma atitude
cautelosa e crítica para com as coisas e fazer um compromisso
pessoal sem evidência só lida.
 
 
Variedades de irracionalismo
O cristianismo é acusado de irracionalidade por muitas pessoas, mas
nem todos os críticos querem dizer a mesma coisa. Algumas
distinçõ es devem ser estabelecidas para uma maior clareza.
Algumas pessoas contrapõ em a fé cristã com a razã o porque sentem
que os ensinamentos da Bíblia sã o em si mesmos irracionais. Por
exemplo, algumas pessoas consideram a ideia de Deus se tornando
homem (a encarnaçã o) uma noçã o contraditó ria; para elas, o
conceito de Deus-homem é incoerente, uma (alegada) violaçã o de
certas leis ló gicas elementares que todos os homens reconhecem.
Quando acusam o cristianismo de ser irracional, é nesse sentido que
elas querem dizer que seus dogmas sã o iló gicos.
Outras pessoas acreditam que nã o há absolutamente nenhuma
comprovaçã o empírica (observacional) para certas reivindicaçõ es
histó ricas grandiosas encontradas na Bíblia: por exemplo, que o Sol
ficou parado, que Jesus multiplicou os pã es ou que homens
levantaram dos mortos. Se a fé cristã requer afirmar esses tipos de
temas nã o factuais (como lhes parecem ser), as pessoas
considerarã o o cristianismo como contrá rio à razã o.
Os dois tipos anteriores de críticos querem acusar o cristianismo de
irracionalidade por causa de imperfeiçõ es intelectuais específicas
dentro do conjunto de proposiçõ es que os crentes afirmam ─ quer
imperfeiçõ es ló gicas, quer imperfeiçõ es empíricas. Esses tipos de
ataques a especificidades bíblicas requerem que os apologistas
ofereçam respostas focadas que lidem com os detalhes de cada
diferente desafio ─ pelo menos façam isso no início da resposta a
essas acusaçõ es do incrédulo. (Questõ es pressuposicionais, em
ú ltima aná lise, precisarã o ser abordadas e discutidas, é claro.) Mas
nossa preocupaçã o atual está realmente numa versã o mais
devastadora da alegaçã o de que o cristianismo é irracional.
 
Afirmando o absurdo
Muito mais intelectualmente viciada é classe de críticos que julgam a
fé cristã como irracional porque concebem os cristã os como pessoas
dedicadas a acreditar no absurdo (por causa da absurdidade da fé
cristã ). Como vistos pelos críticos, os crentes religiosos se glorificam
no fato de que o objeto da sua fé nã o tem suporte racional, é
aparentemente falso e deve ser aprovado a despeito do bom senso e
de razõ es contrá rias. Alguns incrédulos têm dado a impressã o ─ nã o
sem a “ajuda” condená vel de muitos teó logos modernos ─ de que o
cristianismo é indiferente à ló gica, ciência, evidência ou (até mesmo)
à verdade.
Algumas pessoas têm sido enganadas a ponto de sentir que os
cristã os realmente elevam o valor da fé pessoal na proporçã o direta
ao grau em que ela deve ser duvidosa, cega ou mística. [46] Da
mesma forma, se pensa que os crentes degradam o valor da fé na
medida em que ela esteja em sintonia com a boa razã o. Em “O
Anticristo: Uma Tentativa de Crítica do Cristianismo” [ The
Antichrist: Attempt at a Critique of Christianity ] (1895), Friedrich
Nietzsche expressou seu escá rnio com essa atitude dizendo “Os
meios da fé nã o querem saber o que é verdade”.
No entanto, todas as críticas que seguem nessa linha fluem de um
erro fundamental em relaçã o à natureza da fé cristã . Como J.
Gresham Machen corajosamente colocou em seu livro “Que é a fé?”,
“cremos que o cristianismo nã o floresce nas trevas, mas na luz”.
Machen escreveu que “um dos meios que o Espírito usará ” para
trazer um reavivamento da religiã o cristã “é um despertar do
intelecto”. Ele resistiu fervorosamente “à oposiçã o falsa e desastrosa
que foi criada entre conhecimento e fé”, argumentando que “em
nenhum ponto a fé é independente do conhecimento sobre o qual
está logicamente baseada”. Refletindo na famosa declaraçã o bíblica
sobre a fé em Hebreus 11.1 (“a prova das coisas que se nã o veem”),
Machen declarou: “A fé nã o precisa ser humilde demais ou
apologética demais perante o tribunal da razã o; a fé cristã é uma
coisa absolutamente razoá vel”. [47]
Independentemente do que certos porta-vozes equivocados possam
dizer ─ quer sejam entusiastas, místicos, emocionalistas,
voluntaristas, fideístas ─ a pró pria Bíblia (o guia e padrã o do
cristianismo) nã o é indiferente à s tolices ló gicas ou erros factuais. A
religiã o cristã nã o coloca a “fé” contra a razã o, a evidência ou (acima
de tudo) a verdade.
Foi apenas para vindicar a verdade das suas alegaçõ es e concepçõ es
religiosas que Moises desafiou os magos da corte do Faraó e Elias
competiu com os sacerdotes de Baal, e zombou deles, no Monte
Carmelo. Os profetas do Antigo Testamento sabiam que suas
palavras seriam demonstradas verdadeiras quando seus
prognó sticos ou previsõ es fossem cumpridos na histó ria para que
todos pudessem ver. Quando Cristo apareceu, ele mesmo afirmou
ser “a Verdade”! Sua ressurreiçã o foi um milagre e sinal poderoso,
fornecendo evidência para a veracidade das suas afirmaçõ es e para
a mensagem apostó lica. A despeito do que judeus e gregos
pudessem pensar, escreveu Paulo, o evangelho é de fato a pró pria
sabedoria de Deus que destró i a arrogâ ncia da filosofia mundana (1
Coríntios 1.18-25). Ele disse que aqueles que se opõ em ao evangelho
sã o os que têm apenas algo que é “falsamente chamado
conhecimento” (1 Timó teo 6.20, NVI).
Por causa dessa atitude, Paulo estava ansioso para “arrazoar”
(disputar, debater) diariamente na praça com os filó sofos em Atenas
(Atos 17.17-18). Ele nã o hesitou em fazer sua argumentaçã o perante
o tribunal ateniense que julgava professores novos e controversos,
declarando: “Esse, pois, que vó s honrais, nã o o conhecendo, é o que
eu vos anuncio” (v. 23). [48] Claramente, ele nã o estava promovendo
o valor dos absurdos! Na verdade, se as afirmaçõ es cardeais da fé
fossem comprovadamente falsas, Paulo teria sido obrigado a admitir
que nossa fé religiosa é equivocada e vã (por ex., 1 Coríntios 15.14).
A pró pria atitude de Pedro, mesmo como um pescador sem
instruçã o, foi tornada inequivocadamente clara quando ele afirmou
com confiança que “[nã o estivemos] seguindo fá bulas
engenhosamente inventadas” (2 Pedro 1.16) ─ assim como quando
exigiu que todo crente estivesse pronto para apresentar uma defesa
fundamentada para a esperança que havia nele (1 Pedro 3.15). Jesus
categoricamente ensinou a palavra de Deus na Escritura: “a tua
palavra é a verdade” (Joã o 17.17). A perspectiva ousada da Bíblia
sustenta que no grande dia final do juízo, a razã o pela qual os
homens serã o condenados por Deus é que eles preferiram acreditar
“em mentira” (Romanos 1.25) ao invés de confiar nas afirmaçõ es do
pró prio Filho de Deus.
Consequentemente, quando os incrédulos repudiam o cristianismo
por sua suposta meta da irracionalidade religiosa, o apologista deve
decisivamente corrigir essa concepçã o equivocada. A fé cristã nã o
visa a afirmar o que é absurdo, jubilando na irracionalidade. Esse
pensamento interpreta mal a natureza da fé como apresentada pela
Bíblia. A noçã o cristã de fé ─ diferentemente da maioria das outras
religiõ es ─ nã o é um salto arbitrá rio de emoçã o, uma tentativa cega
de compromisso, colocando o intelecto em espera. Para o cristã o, a
fé (ou crença) está bem fundamentada.
Na verdade, como cristã os, afirmamos que o conteú do da nossa fé é
o que qualquer pessoa razoá vel deveria endossar, nã o só porque ela
está em total acordo com a ló gica e os fatos (quando devidamente
considerados), mas também porque sem a cosmovisã o cristã a
pró pria “razã o” se torna arbitrá ria ou sem sentido ─ se torna
ininteligível.
 
Fé versus prova
Outros oponentes da fé cristã , como mais uma classe de críticos em
adiçã o a aqueles considerados em nosso ú ltimo estudo, protestam
contra a presença de absolutamente qualquer atitude de fé (ou
confiança) no sistema de pensamento de uma pessoa. Eles
defendem, de forma arrogante, se nã o ingênua, que nã o acreditarã o
em nada que nã o lhes tenha sido primeiro totalmente provado. Eles
sã o conduzidos pela prova, nã o pela fé!
Eles gostam de pensar que deles é o espírito de René Descartes
(1596-1650), o erudito francês e teó rico do conhecimento que se
tornou o primeiro filó sofo da “Era da Razã o”. Descartes se
preocupava em que os homens deveriam se esforçar para
compreender e seguir um método confiá vel e adequado para
chegarem à s suas crenças. [49] De acordo com o modo de pensar de
Descartes, esse método seria o de criticar e duvidar de tudo o que
ele pudesse, nã o aceitando como verdadeiro nada que nã o fosse
claramente reconhecido como tal (coisas que sã o autoevidentes) ou
que nã o fosse completamente apoiado por outras verdades
fundacionais claras e distintas.
Descartes procurou duvidar de todo pensamento que lhe viesse à
cabeça (por ex., ele realmente está comendo uma maçã , ou apenas
sonhando que faz isso?) até chegar a algo que fosse indubitá vel. A
dú vida sistemá tica lhe abriria a porta para a certeza final. [50]

Contudo, Descartes reconheceu que nã o poderia, em ú ltima aná lise,


duvidar de todas as coisas. O indubitá vel acabaria sendo o ponto de
parada do seu método ─ e o ponto de partida teó rico para todos os
outros raciocínios.
Os macacos modernos de Descartes que afirmam duvidar
absolutamente de tudo e nã o aceitar nada, exceto mediante prova,
agem ou falam como tolos arrogantes. Ninguém pode duvidar de
tudo. Ninguém. Se uma pessoa realmente fosse duvidar de tudo ─ da
sua memó ria das experiências passadas, das suas sensaçõ es atuais,
das “conexõ es” entre as experiências, dos significados das suas
palavras, dos princípios pelos quais raciocina ─ ela nã o estaria de
fato “pensando” (muito menos duvidando), e nã o haveria “ela” para
pensar ou nã o. Um conjunto fundamental (logicamente bá sico) de
crenças ─ uma fé ─ é inescapá vel para qualquer um.
Os homens só conseguem iludir a si mesmos quando dizem que nã o
aceitarã o nada sem provas ou demonstraçõ es ─ que nã o admitem
nenhum lugar para a “fé” na sua perspectiva ou no seu viver. Assim,
esses incrédulos que criticam os cristã os por apelarem à “fé” sã o
hipó critas intelectuais ─ homens que nã o podem viver e nã o vivem
segundos os seus pró prios padrõ es declarados de raciocínio.
 
 
“Sem suposições” não faz sentido
A atitude que finge que nã o deve haver nenhum elemento dentro do
compromisso cristã o que nã o tenha sido provado de maneira
independente é ilustrada pela declaraçã o de C. Gore: “Parece-me que
o caminho certo para quem nã o pode aceitar a mera voz da
autoridade, mas sente a obrigaçã o imperativa de ‘enfrentar os
argumentos’ e pensar de maneira livre é começar do início e ver até
onde pode reconstruir suas crenças religiosas passo a passo sobre
um fundamento seguro, na medida do possível sem quaisquer
suposiçõ es preliminares…”. [51]
Aqui nos é dito que devemos
examinar as hipó teses religiosas desde o início sem suposiçõ es
preliminares ─ sem pressuposiçõ es.
Claro, isso é literalmente impossível. Nã o pode ser feita uma
demonstraçã o completa de cada uma de nossas crenças por meio de
outras crenças independentes. Quando eu demonstro a verdade de
que o gelo derrete à temperatura ambiente, faço uso de certos
padrõ es e procedimentos de demonstraçã o. Mas pode ser feita a
pergunta se escolhi os critérios corretos para usar na demonstraçã o
da minha conclusã o. Além disso, posso ter eu certeza de que usei
corretamente os padrõ es e procedimentos escolhidos? Para
prosseguir “sem suposiçõ es”, eu precisaria demonstrar que meus
métodos de demonstraçã o sã o os corretos e que minha execuçã o
desses métodos foi impecá vel. Mas isso exigirá uma argumentaçã o
ou prova adicional sobre a prova usada para a veracidade e validade
da minha demonstraçã o original. E assim por diante seguiríamos.
Se nenhum ponto de partida pode ser assumido numa
demonstraçã o, nenhuma demonstraçã o pode iniciar ─ ou terminar,
dependendo de como você olha para isso.
Se um incrédulo considera o cristianismo irracional pelo simples
fato de este permitir que algo seja aceito sem uma demonstraçã o
independente, o incrédulo em questã o é irrealista e deve ser
pressionado para ver que ele acaba refutando a si mesmo (nã o
simplesmente os cristã os) nos termos desses valores e exigências.
Assim, a atitude incrédula dele é que acaba por ser a verdadeira
atitude irracional , pois inconsistentemente requer algo dos seus
oponentes que ela mesma nã o está em condiçõ es de oferecer. Uma
atitude como essa torna impossível o conhecimento do que quer que
seja para criaturas finitas e falhas ─ e se mostra assim
supremamente irracional.
 
O tipo de evidência na qual a fé se apoia
O problema com a fé cristã , entã o, nã o pode ser que ela envolve
compromissos pressuposicionais. Assim, passemos a considerar
uma ú ltima categoria de incrédulos que criticam a “fé” cristã como
irracional. Esses críticos reconhecem que os crentes têm evidências
e raciocínios que arrolam em suporte à s suas crenças e admitem que
ninguém ─ nem mesmo os céticos religiosos ─ podem proceder
intelectualmente sem suposiçõ es nem provar tudo em que
acreditam por consideraçõ es independentes. Ao que eles objetam,
no entanto, é ao tipo de evidência a que os cristã os apelam e ao tipo
de pressuposiçõ es em termos das quais eles raciocinam. Em suma,
eles objetam à ideia de acreditar em algo com base na autoridade
pessoal de Deus e nã o com base nas normas impessoais e
universalmente aceitas da observaçã o, ló gica, utilidade, etc.
Os cristã os podem ter evidências, entã o, para a sua fé, mas se trata
totalmente do tipo errado de evidência, diz o incrédulo. Por
exemplo, em seu livro francamente intitulado “Religiã o sem
Revelaçã o”, Julian Huxley diz: “Creio firmemente que o método
científico, embora seja lento e nunca afirme levar à completa
verdade, é o ú nico método que a longo prazo dará fundamentos
satisfató rios para as crenças” e “com toda a certeza, nã o sabemos
nada além deste mundo e da experiência natural”. [52] Para Huxley, a
fé cristã nã o deveria estar fundamentada na autoridade revelada (já
que todo conhecimento metafísico é impedido por decreto), mas na
autoridade da ciência natural.
O que Huxley abertamente expõ e aqui é o seu pró prio compromisso
de fé com seu preconceito contra o cristianismo. Tendo dito, por um
lado, que o método científico nã o pode dar a verdade completa , ele
dá meia-volta e, por outro lado, baseado na autoridade do alegado
método científico, descarta completamente saber qualquer coisa
além do mundo natural! Por que Huxley descarta o tipo de evidência
oferecida pelos cristã os para a sua fé (revelaçã o de Deus)? Por causa
da sua própria fé e devoçã o à ciência natural.
Em “Deus e a Filosofia”, Antony Flew também expressa a crítica do
incrédulo à fé cristã por esta se apoiar na autoridade. “Nã o pode ser
permitido aqui um apelo à autoridade como algo final e primordial.
Pois o que está precisamente em questã o é o status e a autoridade
de todas as autoridades religiosas… [É ] inerentemente impossível
que a fé ou a autoridade sirvam elas mesmas de credenciais ú ltimas
da revelaçã o”. [53] O ensino da Escritura nã o pode ser aceito sob a
autoridade de um Deus que ali fala, diz Flew, porque é precisamente
essa autoridade que está em discussã o pelo incrédulo.
Isso só pode significar, entã o, que Flew determinou de antemã o que
Deus nã o pode ser a autoridade última . Para ele, sempre deve haver
algo independente de Deus que seja mais autoritativo e em termos
do que a autoridade de Deus pode ser aceita. Nem pode a autoridade
de Deus ser inescapá vel e autovalidável , de acordo com Flew: “o
filó sofo que examina um conceito nã o está nesse momento o
empregando; por mais que em outras circunstâ ncias ele possa
desejar ou precise fazê-lo”. [54]
Será que Flew está realmente fingindo que ele mesmo, como
filó sofo, estrita e simplesmente adere a este pré-requisito geral ─
que nã o podemos examinar algo enquanto simultaneamente o
empregamos? Isso simplesmente nã o acontece, e Flew deveria saber
mais. Aqueles que examinam e discutem sobre a ló gica
simultaneamente empregam essa mesma ló gica em seus exames.
Aqueles que examinam e avaliam os poderes e a confiabilidade do
globo ocular simultaneamente empregam seus globos oculares.
Rejeitar e automaticamente impedir a possibilidade de que os
cristã os examinem e discutam sobre a autoridade da revelaçã o de
Deus enquanto simultaneamente empregam (assumindo, aplicando)
a autoridade da revelaçã o de Deus é pouco mais que um preconceito
arbitrá rio da parte de Flew.
Flew simplesmente nã o permitirá o pensamento de que a
autoridade de Deus é auto validá vel. O que é notá vel na recusa dele
ou de qualquer outro incrédulo em se submeter na fé à autoridade
de Deus com base nessa mesma autoridade é que ele, desse modo, só
revela estar comprometido de antemão contra o ensino cristã o. Ou
seja, isso revela um ó bvio compromisso de fé pessoal com a
proposiçã o de que nã o pode haver um Deus que fala com uma voz
de autoridade inescapá vel, ú ltima e autovalidá vel sobre o homem e
seu pensamento. [55]
Para Flew, Deus nã o pode ter esse tipo de autoridade final, mas
apenas uma autoridade que seja primeiro autorizada pelo raciocínio
do homem. No fim das contas, Flew e outros incrédulos insistem que
o homem nã o deve ser reduzido a curvar-se em abjeta dependência
do seu Criador como a autoridade final. Pode haver outras
autoridades autovalidá veis reconhecidas ou consideradas como uma
possibilidade, mas não Deus . Eles só irã o tolerar o Criador em seu
pensamento nos termos ditados pela criatura ─ particularmente se
ele jamais confrontar os homens com a inescapabilidade racional e a
autoridade ú ltima do Criador deles!
Como Van Til observa: “O homem natural assume entã o que tem o
critério final da verdade dentro de si . Toda forma de autoridade que
chegue a ele deve se justificar pelos padrõ es inerentes ao homem e
operativos à parte da autoridade que fala”. [56] Em outro lugar ele
havia observado que “Se nó s é que devemos determinar os
fundamentos da autoridade, nã o aceitamos mais a autoridade na
autoridade”. [57] Isso simplesmente significa que o incrédulo nã o
permitirá que Deus seja e fale como Deus ─ seja a autoridade ú ltima
e autoautenticá vel. Essa posiçã o e privilégio serã o atribuídos pelo
incrédulo a outra coisa, algo que seja parte da criaçã o (como a
experiência, o raciocínio do homem) [58] e assim será tratado
implicitamente como um ídolo. “… e adoraram e serviram a coisas e
seres criados, em lugar do Criador” (Romanos 1.25, NVI).
O ponto principal, entã o, é que criticar a “fé” irracional do cristã o é
nada mais do que expressar uma fé religiosa diferente ─ uma fé que
de uma forma ou de outra adota a autossuficiência e autoridade
ú ltima da mente e do raciocínio humanos. Essa é de fato uma “fé”
irracional”, dada a histó ria e experiência tristes da humanidade ─
assim como as tensõ es racionais nã o resolvidas dentro da filosofia e
ciência autô nomas.

 
 
33. O PROBLEMA DA LINGUAGEM RELIGIOSA
 
 
O falar de Deus é significativo?
Nos círculos filosó ficos durante grande parte do século XX, duas
questõ es que dominaram as discussõ es na filosofia da religiã o ─ e,
portanto, duas das polêmicas mais populares contra a credibilidade
intelectual do compromisso cristã o ─ se centraram na
significabilidade do discurso religioso.
O discurso religioso envolve falar sobre Deus, imortalidade,
milagres, salvaçã o, oraçã o, valores, ética, etc. Falar da existência ou
dos atributos de Deus, por exemplo, é fazer declarações religiosas.
Toda religiã o que é promulgada publicamente deve em alguma
medida usar o discurso religioso. E os cristã os em particular se
engajam extensivamente em declaraçõ es sobre Deus e sua fé; afinal,
o cristianismo é preeminentemente uma religiã o de revelaçã o
verbal de Deus e uma profissã o pessoal de fé. Assim, os cristã os
estã o sempre falando “religiosamente” ─ em sermõ es, oraçõ es,
confissõ es, liçõ es didá ticas, catecismos, testemunhos pessoais,
câ nticos, exclamaçõ es, conselho e encorajamento, etc.
O desafio feito por muitos filó sofos modernos é que falar desse jeito
nã o é realmente significativo (em qualquer sentido cognitivo), ainda
que tenha a aparência enganosa de o ser. Por muitos e muitos anos
pode ter parecido que, quando os cristã os usavam a linguagem em
relaçã o a Deus e à salvaçã o, era possível dar bastante sentido ao que
eles estavam dizendo. Nem todo mundo acreditava que o que os
cristã os declaravam era verdadeiro , claro, mas ao menos se pensava
que o falar de Deus por parte dos crentes fazia (ou implicava)
afirmaçõ es que carregavam um significado racionalmente
inteligível, se nã o espiritualmente intoxicante. Mas isso nã o é assim,
segundo muitos filó sofos da época recente.
 
Pior do que falso
A magnitude da acusaçã o que foi feita contra a inteligibilidade do
cristianismo deve ser apreciada pelos crentes. Quando filó sofos
alegam que o falar de Deus é sem sentido , estã o dizendo algo muito
mais forte e muito mais devastador do que dizer que a fala sobre
Deus é falsa . Sua crítica é que as declaraçõ es religiosas nem mesmo
se qualificam como falsas (ou verdadeiras), pois nã o equivalem a
uma fala que faz sentido cognitivo ─ que busca transmitir
informaçã o ─ em primeiro lugar. (Pense nisso da seguinte forma:
uma coisa é criticar o Chicago Cubs por nã o ter ganhado o
campeonato de 1991, e outra totalmente diferente é acusar que o
Cubs, para início de conversa, nã o é nem mesmo uma equipe de
baseball .)
Portanto, a linguagem religiosa, muitos acusariam, é simplesmente
sem sentido. “Nevou em Dallas no verã o passado” é uma sentença
significativa, mas falsa. Ela faz uma afirmaçã o cognitivamente
significativa, mas que está errada. Porém, “Soma ú ltimo galanteio
neve” nã o faz realmente nenhuma afirmaçã o inteligível, mas é
simplesmente sem sentido (em qualquer leitura normal), nã o
transmitindo nada que possa ser verdadeiro ou falso.
Assim também, muitos críticos alegam que as declaraçõ es do
cristianismo nã o estã o sujeitas à condiçã o de ou verdadeiras, ou
falsas. Elas nã o fazem nenhuma alegaçã o significante sobre o mundo
(ou sobre o mundo da experiência humana, de qualquer forma).
Assim, elas sã o cognitivamente sem sentido, de uma das seguintes
formas.
A declaraçã o de uma exclamaçã o como “Ai!” nã o é nem verdadeira,
nem falsa (ela nã o afirma nada), mas tem meramente uma funçã o
linguística expressiva . Muitos defendem que a linguagem religiosa
deveria ser interpretada da mesma forma, como uma fala emotiva
em vez de informativa.
Outros foram mais longe. Para eles, a fala sobre Deus nã o faz
absolutamente nenhuma diferença prática para as observaçõ es ou
operaçõ es de uma pessoa sobre o mundo físico. Isto é, as
reivindicaçõ es feitas pelos crentes religiosos e as contra-
reivindicaçõ es feitas pelos seus oponentes nã o têm nenhum “valor
de caixa” conflitante e distinto no domínio pú blico. Crentes e
incrédulos percebem e fazem exatamente as mesmas coisas.
Consequentemente, suas respectivas interpretaçõ es ou explicaçõ es
do que eles percebem e fazem sã o tomadas como totalmente sem
sentido ─ uma diferença que “nã o faz nenhuma diferença”. Uma fala
vazia.
Outros foram ainda mais longe que isso. O discurso religioso é para
eles simplesmente ininteligível, uma tagarelice supersticiosa que nã o
pode ser traduzida racionalmente. Quando as pessoas falam sobre
Deus, vida apó s a morte, milagres ou salvaçã o, estã o envolvidas em
uma espécie de ritual linguístico que é aprendido por imitaçã o e
transmitido sem compreensã o cognitiva. Isso explica por que os nã o
iniciados ─ os incrédulos ─ nã o podem ter as declaraçõ es religiosas
“colocadas em sua pró pria língua”, nã o “compreendem”, nã o se
sentem intelectualmente compelidos a afirmar o que os crentes
dizem e, de fato, ligam muito pouco para isso, afinal. É apenas um
balbucio sem sentido.
 
(1) Verificacionismo
Como indicado acima, a significabilidade da linguagem religiosa tem
estado sob ataque de duas formas nos círculos filosó ficos durante
este século. Precisamos olhar para cada uma delas. A primeira pode
ser designada como o desafio “verificacionista” ao discurso religioso,
e a segunda designada como o desafio “falsificacionista”. Nem uma,
nem outra se mostrou bem-sucedida.
Na primeira parte deste século uma escola de pensamento
conhecida como positivismo ló gico zelosamente promoveu a ciência
empírica e menosprezou qualquer tipo de metafísica. De acordo com
os positivistas, qualquer proposiçã o poderia ser testada quanto à
significabilidade aplicando-lhe o “princípio da verificaçã o”.
O positivismo ló gico reconhecia dois tipos diferentes de sentenças
significativas. Determinadas sentenças numa língua seriam
conhecidas como verdadeiras ao se fazer simplesmente uma aná lise
ló gica e linguística delas (por exemplo: “todos os solteiros nã o sã o
casados” pode ser verificado por uma referência a leis da ló gica e
definiçõ es semâ nticas). No entanto, essas verdades (chamadas
“analíticas”) sã o desprovidas de informaçã o significante sobre o
mundo da experiência ou observaçã o, e assim sã o triviais. Para que
uma sentença nos diga algo interessante ou tenha um componente
factual, sua verdade deve ser verificá vel olhando para além da ló gica
e do significado as observaçõ es ou experiências da pessoa no
mundo. Assim, uma sentença significante (nã o trivial) só é
significativa, de acordo com o verificacionista, se puder ser
confirmada empiricamente; sua verdade ou falsidade faria uma
diferença em nossa experiência do mundo. Sentenças significativas
deveriam ser traduzíveis ou em termos de observaçã o somente
(descriçõ es da experiência imediata), ou num procedimento usado
para confirmar a sentença empiricamente.
O efeito da aplicaçã o do princípio da verificaçã o, concluíram os
positivistas, seria, a partir de um ponto de vista científico, a rejeiçã o
de todas as reivindicaçõ es metafísicas (incluindo a teologia) e todas
as reivindicaçõ es éticas como absurdas. Visto que a linguagem
religiosa dos cristã os está cheia de termos que nã o sã o tomados da
observaçã o (por ex., Deus, onipotência, pecado, expiaçã o) e de
afirmaçõ es para as quais nã o há meios empíricos de confirmaçã o
(por ex., Deus é triú no, Jesus intercede pelos santos), o princípio da
verificaçã o do positivismo ló gico parecia descartar a
significabilidade do que os cristã os diziam.
 
 
O que vale para um, vale para o outro
No entanto, como se verifica, o efeito de aplicar o princípio da
verificaçã o de significabilidade foi muito diferente do que os
positivistas ló gicos tinham previsto e pretendido. O resultado de
aplicar o critério da verificaçã o de forma generalizada foi, na
verdade, mais do que constrangedor para os críticos da linguagem
religiosa.
Como você pode ver, o positivista ló gico ─ assim como o cristã o ─
tem uma visã o particular do mundo, do homem e da realidade como
um todo. E essa perspectiva leva o positivista ló gico ─ assim como o
cristã o ─ a endossar e seguir certos padrõ es ou regras para o
raciocínio e comportamento humanos. Para o positivista ló gico, nã o
existe uma realidade sobrenatural, e o homem é só mais um
componente aleató rio do mundo físico (embora incrivelmente ─
quase miraculosamente! ─ complexo). Dada essa perspectiva, os
homens sã o obrigados a viver e a falar de certa maneira. Falar sobre
pessoas, coisas ou eventos que transcendam o mundo físico deve ser
proibido; essa fala nã o deve sequer ser aceita como significativa.
Por outro lado, o cristã o ─ como temos indicado ─ também tem
convicçõ es sobre a natureza da realidade (por ex., Deus é um
espírito que criou o mundo) em termos das quais os homens sã o
obrigados a viver e a falar de certa maneira (por ex., oferecendo
louvor ao seu Criador por todas coisas, nã o falando como se
existisse algo mais certo ou autoritativo do que o Criador, etc.).
Em suma, tanto o positivista ló gico como o cristã o têm cosmovisõ es.
Ora, seria possível o princípio da verificaçã o desqualificar a
significabilidade da cosmovisã o do cristã o como uma cosmovisã o e
não danificar igualmente a cosmovisã o do positivista como também
uma cosmovisão ? De modo nenhum. Por mais estritamente empírico
que o positivista ló gico possa querer ser (em relaçã o estreita com os
detalhes observacionais), até ele nã o pode deixar de usar noçõ es
filosó ficas ou princípios abstratos em seu raciocínio e teorizaçã o.
O componente-chave no desafio verificacionista à linguagem
religiosa era naturalmente o princípio da verificaçã o em si. Esse
padrã o ou regra era crucial para a cosmovisã o do positivista ló gico.
Consequentemente, o apologista cristã o deve perguntar se o
princípio da verificaçã o em si é ou (1) uma verdade trivial da ló gica
e semâ ntica, ou (2) uma sentença que pode ser confirmada
empiricamente. Claramente, a resposta é nã o para ambas as opçõ es
─ em cujo caso, o desafio verificacionista ao cristianismo mina a si
mesmo (se é que mina alguma coisa).
Essa resposta ao princípio da verificaçã o, usado como uma arma
contra a linguagem religiosa e a inteligibilidade do cristianismo em
particular, revela que o verificacionismo nã o era nada mais que uma
racionalizaçã o do preconceito religioso. E esse preconceito contra o
falar de Deus era tã o escancaradamente tolo que se autodestruiu;
ele descartou sua própria significabilidade ao longo do caminho.
 
 
A fé dedicada do positivista
Apesar de toda a sua hostilidade intelectual à religiã o e ao
cristianismo, o verificacionista era claramente tã o “religioso” em sua
devoçã o à s suas pressuposiçõ es subjacentes quanto qualquer
devoto do cristianismo.
Para o positivismo ló gico, a prá tica da ciência natural, com seus
resultados impressionantes, era perfeitamente aceitá vel do jeito que
se dava; sua autoridade e supremacia eram tomadas como certas ─
da mesma forma que o cristã o toma a autoridade ú ltima da Bíblia
como certa. A ciência natural nã o pedia uma apreciaçã o crítica e
possível correçã o ou reforma mais do que o cristã o pensaria que a
Bíblia tem erros a serem corrigidos. Em vez disso, de acordo com o
positivismo ló gico, a ú nica coisa que a ciência natural exigia era ter
suas bases empíricas elucidadas ─ o que o princípio da verificaçã o
tentou fazer. Da mesma forma, o cristã o simplesmente sente que a
Bíblia precisa ser elucidada e explicada, pois seu valor e sua verdade
devem ser ó bvios para qualquer ouvinte honesto.
O positivismo ló gico era, ironicamente, muito parecido com uma fé
religiosa ─ uma fé na ciência natural (que poderia ser chamada de
“cientificismo”). Isso se tornou muito aparente quando a tentativa
positivista de elucidar o fundamento estritamente empírico da
ciência natural fracassou pelo cará ter autorrefutá vel do princípio da
verificaçã o. Quando a elucidaçã o falhou, o positivista ló gico nã o
renunciou à sua fé original na ciência natural. Ele agiu como um
“verdadeiro crente”. Ele manteve esse compromisso com a ciência, a
despeito dos seus problemas filosó ficos.
Claro, essa fé dedicada do positivista ló gico na ciência natural nã o
tinha sido adquirida através da aplicaçã o rigorosa de algo tal como o
método científico. O compromisso com a autoridade precípua da
ciência natural nã o era cientificamente fundamentado. Era um salto
de fé pessoal.
 
 
Muito restritivo embora muito inclusivo
A outra coisa constrangedora sobre usar o princípio da verificaçã o
para desafiar a significabilidade de qualquer língua sobre metafísica,
teologia ou ética é que o princípio era simultaneamente muito
estreito e ainda assim muito amplo!
Em primeiro lugar, ele era muito estreito ou restritivo porque
descartava sentenças que qualquer pessoa razoá vel, mesmo os
positivistas, estaria disposta a afirmar como significativas (como
“Há um passado”, “Toda pessoa tem uma mã e”).
Ademais, o princípio da verificaçã o teria resultado em julgar o
resultado pretendido da ciência natural ─ o queridinho dos
positivistas ló gicos! ─ como sem sentido. É característico da ciência
natural pretender fazer declaraçõ es universalmente quantificadas
(tais como “Todas as baleias sã o mamíferos”) ou generalizar leis que
também sã o de cará ter universal (tais como “Em todos os casos, a
á gua se expande ao congelar”). Por causa do seu cará ter universal,
no entanto, nenhuma declaraçã o desse tipo pode ser plenamente
verificada por qualquer pessoa finita ou grupo finito de
pesquisadores. Nesse caso, as generalizaçõ es científicas cairiam no
limbo da falta de sentido.
Também se provou impossível para os positivistas ló gicos dedicados
reduzir de forma bem-sucedida até mesmo sentenças mais simples
de observaçã o totalmente na forma de relatos de dados dos
sentidos. “Uma maçã está sobre a mesa” se tornou algo parecido
com “Um conjunto de qualidades [a, b, c…] está em x;y;z
[especificaçõ es tridimensionais] em t [especificaçã o temporal]”. Até
mesmo os famosos esforços de Rudolf Carnap de realizar esse tipo
de traduçã o reducionista ficaram sobrecarregados com a linguagem
da ló gica e matemá tica (por ex., “conjuntos”) e com a linguagem
sobre a localizaçã o (por ex., “está em”), expressõ es indefinidas e
estranhas que nã o expressavam os dados dos sentidos.
Assim, o princípio da verificaçã o nã o se mostrou, em ú ltima aná lise,
amigá vel para os que o defendiam, uma vez que excluía expressõ es e
generalizaçõ es que eles desejariam manter como significativas. Os
positivistas ló gicos têm uma fé dedicada na ciência natural, e,
contudo, o pró prio princípio da verificaçã o deles teria tornado sem
sentido o programa, os procedimentos e os resultados da ciência
natural. De forma conspícua, o princípio da verificaçã o se tornou
demasiadamente restritivo para o positivista.
Por outro lado, porém, havia um sentido em que o princípio da
verificaçã o se revelava embaraçosamente aberto, permitindo a
muitas expressõ es o status privilegiado de serem qualificadas como
significativas. Isso tornava o princípio demasiadamente inclusivo.
A. J. Ayer foi talvez o positivista ló gico mais conhecido do mundo
inglês. Na primeira ediçã o do seu famoso livro “Linguagem, Verdade
e Ló gica”, Ayer defendeu que uma sentença é significativa quando,
em conjunçã o com outras premissas, pode-se deduzir uma
declaraçã o de observaçã o que nã o poderia ter sido derivada
somente das outras premissas. [59] Isso era totalmente inú til. Com
um pouco de imaginaçã o, um ló gico poderia usar esse critério e
mostrar que absolutamente qualquer declaraçã o pode passar no
teste [60] ─ em cujo caso o critério de verificabilidade de Ayer
permite que todas as declaraçõ es sejam consideradas significativas.
 
 
Mantendo a fé
Nã o surpreenderá o leitor que Ayer tentou remediar essa situaçã o
revisando o critério de verificabilidade na segunda ediçã o do seu
famoso livro. Essa manobra revela que Ayer nã o era um estudioso
imparcial, buscando seguir de uma forma neutra a evidência aonde
quer que ela levasse. Ele tinha uma conclusã o particular em mente
desde o início, desejando assim moldar e revisar seus princípios
adotados até que (esperançosamente) eles provassem o que ele
originalmente queria. Os incrédulos nã o sã o muito sutis sobre
deixar suas pró prias pressuposiçõ es e preconceitos religiosos à
mostra. Eles também “mantém a fé”!
Ayer agora permitia que as declaraçõ es fossem verificadas direta ou
indiretamente. Mas mais importante, ele também prescreveu que as
premissas que sã o conjugadas com qualquer declaraçã o de teste
para deduzir alguma outra declaraçã o de observaçã o devem incluir
apenas declaraçõ es de observaçã o, verdades analíticas ou
declaraçõ es independentemente verificá veis. [61] Isso nã o ajudou.
Com base na abordagem revisada de Ayer, um ló gico inteligente
ainda pode mostrar que qualquer declaraçã o de teste ou sua
negaçã o pode ser verificá vel (direta ou indiretamente) [62]

tornando assim todas as declaraçõ es mais uma vez significativas.
O que descobrimos, entã o, é que o “verificacionismo” simplesmente
nã o poderia afirmar sua pró pria posiçã o de forma convincente. O
princípio da verificaçã o do significado cognitivo era autodestrutível;
além disso, era simultaneamente muito restritivo e também muito
inclusivo. Consequentemente, o verificacionismo nunca esteve em
condiçõ es de desafiar com êxito a significabilidade do discurso
religioso.
 
 
(2) Falsificacionismo
A segunda maneira pela qual os filó sofos incrédulos tentaram
criticar a significabilidade da linguagem religiosa no século XX pode
ser chamada de “falsificacionismo”. Os falsificacionistas eram tã o
dedicados à autoridade da ciência natural quanto os positivistas
ló gicos. Entretanto, os falsificacionistas estavam dolorosamente
cientes do fracasso dos positivistas ló gicos em formular
convincentemente o princípio da verificaçã o do significado ou salvar
a si mesmos da sua aplicaçã o fatal.
Ainda assim, eles queriam garantir a posiçã o honrosa da ciência
natural e distingui-la claramente de modos de pensar
desacreditados, como superstiçã o, má gica, metafísica e religiã o. A
linguagem da religiã o (etc.), de acordo com o falsificacionista, nã o
pertence ao domínio da “ciência genuína”. A ciência está ligada a
uma base empírica ou compromisso processual que nã o caracteriza
a religiã o. A partir de uma aná lise, diz o falsificacionista, a conversa
religiosa dos crentes revela em ú ltimo caso nã o fazer sentido.
Para o falsificacionista, o que torna a ciência genuína “científica” é
que as teorias que ela irá afirmar serã o em princípio falseáveis por
meio de métodos empíricos. Essa é uma condiçã o necessá ria para
uma abordagem verdadeiramente científica acerca do que os
homens racionais irã o acreditar. Consequentemente, se alguma
teoria ou afirmaçã o nã o é empiricamente falseá vel, esse defeito por
si só já é suficiente para descartá -la como cognitivamente sem
sentido. De acordo com o falsificacionista, uma afirmaçã o
significativa na ciência deve estar sujeita à refutaçã o (em teoria).
Isso nã o significa que as afirmaçõ es científicas devam ser refutadas
para serem “científicas” (o que tornaria todas as afirmaçõ es
científicas falsas por definiçã o!) ─ mas que elas devem ser
empiricamente refutáveis em alguma circunstâ ncia concebível.
A grande vantagem de tomar essa abordagem, se você defende a
supremacia da ciência natural e seus procedimentos, é que as
generalizaçõ es que o cientista almeja (por ex., “todos os planetas
giram em torno de um eixo”) nã o sã o descartadas como sem sentido
em virtude de nã o serem totalmente verificá veis. As generalizaçõ es
da ciência natural, mesmo aquelas que sã o verdadeiras, estarã o
sempre abertas à refutaçã o ou falsificaçã o (por ex., apenas para o
caso de encontrarmos alguma vez um planeta que nã o gira em torno
de um eixo). A incompletude da induçã o nã o mais é um golpe contra
a significabilidade ou cará ter científico de uma generalizaçã o
empírica sobre o mundo natural.
 
 
O famoso desafio de Flew
Talvez a mais bem conhecida crítica à linguagem religiosa na
segunda metade do século XX tenha vindo da pena engenhosa do
filó sofo inglês Antony Flew e atacado a significabilidade do discurso
religioso a partir da perspectiva do falsificacionismo. Flew
desenvolveu seu ponto repetindo uma pará bola contada certa vez
por John Wisdom, comentando entã o sobre o defeito das
declaraçõ es teoló gicas que a pará bola ilustrava.
 
Era uma vez dois exploradores que chegaram a uma clareira na
floresta. Na clareira estavam crescendo muitas flores e ervas
daninhas. Um dos exploradores diz: “Algum jardineiro deve estar
cuidado desse terreno”. O outro discorda: “Nã o há nenhum
jardineiro”. Entã o eles montaram suas barracas e ajustaram o
reló gio. Nenhum jardineiro é alguma vez visto. “Mas talvez seja
um jardineiro invisível”. Entã o instalam uma cerca de arame
farpado. Eles a eletrificam. Patrulham com sabujos… Mas
nenhum grito a sugerir que algum intruso recebeu um choque.
Nenhum movimento da cerca a trair algum alpinista invisível. Os
sabujos nunca latem. Mesmo assim o crente nã o está convencido.
“Mas há um jardineiro invisível, intangível, insensível a choques
elétricos, um jardineiro que nã o tem odor e nã o faz som, um
jardineiro que vem secretamente para cuidar do jardim que ele
ama”. Entã o o cético perde a paciência: “Mas o que resta da sua
afirmaçã o original? De que modo o que você chama de um
jardineiro invisível, intangível, eternamente imperceptível difere
de um jardineiro imaginá rio ou mesmo de nenhum jardineiro?
[63]

 
Tendo contado a histó ria, Flew segue seu comentá rio fazendo uma
forte crítica à linguagem religiosa: alguém pode dissipar a afirmaçã o
dele completamente sem perceber que ele fez isso. Alguém pode
acabar por dissipar sua afirmaçã o completamente sem sequer
perceber que o fez. Uma hipó tese audaciosa pode, entã o, ser
destruída pouco a pouco, uma morte por mil qualificaçõ es.
 
E é nisso que, parece-me, está o perigo peculiar, o mal endêmico,
da declaraçã o teoló gica… Pois se a declaraçã o é de fato uma
afirmaçã o, ela será necessariamente equivalente a uma negaçã o
da negaçã o dessa afirmaçã o. E qualquer coisa que pese contra a
afirmaçã o ou que induza o orador a retirá -la e admitir que ela
estava equivocada precisa ser parte (ou o todo) do significado da
negaçã o dessa afirmaçã o… E se nã o há nada que uma suposta
afirmaçã o negue, nã o há nada que ela também afirme: sendo
assim, ela nã o é realmente uma afirmaçã o. [64]

 
Flew suspeitava do discurso religioso porque notou que os crentes
eram propensos a se manter apegados à s suas convicçõ es mesmo
quando estavam cientes de aparentes evidências contrá rias a essas
crenças. Eles qualificam e defendem, entã o qualificam e defendem
um pouco mais. Começaria a parecer que eles resguardam suas
reivindicaçõ es teoló gicas contra todas e quaisquer objeçõ es ou
refutaçõ es. Mas assim sendo, isso tornaria as convicçõ es religiosas
impermeá veis à falsificaçã o ─ tornaria a linguagem religiosa
compatível com todos os estados de coisas possíveis no mundo.
Visto que o falar de Deus nã o equivaleria a negar nada, nã o haveria
nada intelectualmente em jogo nas declaraçõ es teoló gicas. E assim,
sendo nã o falseá veis, elas nã o equivaleriam a afirmaçõ es genuínas
ou significativas em primeiro lugar, sugeriu Flew. Este é o problema
com a linguagem religiosa.
 
 
Convicções fortes são, por sua própria natureza, não
cognitivas?
Muitos autores subsequentes que refletiram sobre a crítica de Flew
à significabilidade do discurso religioso observaram, de uma forma
ou de outra, que ele falhou em distinguir adequadamente entre uma
proposição logicamente resistente à falsificaçã o e a pessoa que
acredita nessa proposiçã o psicologicamente resistindo à sua
falsificaçã o.
Uma proposiçã o ou afirmaçã o linguística que seja logicamente
compatível com todos e quaisquer estados de coisas pode, de fato,
ser considerada uma proposiçã o que resiste à falsificaçã o; como
Flew corretamente observou, na teoria entã o nada pode
possivelmente contradizer a proposiçã o. Ela deve ser julgada como
vazia. Mas uma pessoa pode resistir a ser persuadida de que sua
crença foi falseada por evidência contrá ria mesmo quando a
proposiçã o em que ela acredita contradiz (descarta) logicamente
certos estados de coisas. Ele deveria ser simplesmente julgada como
obstinada.
Flew confundiu uma característica do comportamento humano
(defender diligentemente as pró prias crenças) com uma
característica conceitual de algumas declaraçõ es linguísticas
(logicamente nunca precisando de uma defesa). E ao fazê-lo, ele
aparentemente nã o notou que sua polêmica contra o discurso
“religioso” era na verdade uma polêmica contra todo discurso
“comprometido” ─ as declaraçõ es e respostas linguísticas das
pessoas que mantêm certas crenças dogmaticamente.
Se pensarmos nisso por um momento, é ó bvio que as pessoas
podem manter, e de fato mantêm, convicçõ es fortes sobre uma série
de coisas e nã o simplesmente sobre tó picos religiosos
(estreitamente compreendidos). À s vezes, crenças sobre eventos
histó ricos sã o fervorosamente apresentadas e defendidas (por
exemplo, que Lee Harvey Oswald nã o agiu sozinho no assassinato do
presidente Kennedy). À s vezes, crenças sobre matérias científicas
sã o zelosamente defendidas (por exemplo, que os implantes
mamá rios de silicone nã o causam câ ncer, etc.). Praticamente
qualquer tipo de crença pode ser mantida de forma tenaz e
defendida em grande extensã o ─ da mecâ nica de automó veis à
honra da família. Parte do que significa dizer que as pessoas
mantêm suas convicçõ es “fortemente” é precisamente que elas
resistem a ter essas convicçõ es refutadas. Isso implica que a
convicçã o deve ser nã o cognitiva?
Ora, os cientistas frequentemente mostram uma teimosia intelectual
acerca das suas teorias sobre o mundo natural. Eles podem estar
bastante comprometidos com as conclusõ es a que chegam e as quais
publicam. Quando uma evidência ou raciocínio sã o defendidos
contrariamente à s suas visõ es, eles defendem ou qualificam essas
visõ es e muitas vezes “batem o pé” contra a refutaçã o. [65]
Geralmente isso não é tomado como um sinal de que suas teorias
científicas devem ser vazias de qualquer reivindicaçã o significativa
sobre o mundo ─ sendo assim cognitivamente sem sentido. Isso
geralmente é tomado apenas como a marca de uma crença
profundamente arraigada sobre a qual estã o fortemente
persuadidos (ou ao menos sã o pessoalmente motivados). O status
ló gico da crença em questã o nã o é afetado pela conduta pessoal do
indivíduo que a propõ e ou defende (isto é, o grau da disposiçã o dele
em abandonar a crença).
Uma vez que os cientistas naturais ─ e qualquer pessoa que tenha
convicçõ es fortes sobre qualquer coisa ─ se comportam exatamente
da mesma forma que os crentes religiosos, a crítica de Flew da
significabilidade cognitiva da linguagem religiosa deveria, com
justiça, ser aplicada à linguagem da ciência natural também. O
discurso científico que resiste à refutaçã o, que é o que costuma
acontecer, seria consignado ao status de falta de sentido cognitivo.
Nã o era isso o que Flew pretendia fazer! Na verdade, em se tratando
de qualquer assunto, o único discurso “significativo”, de acordo com
a linha de pensamento de Flew, seria o discurso daqueles que sã o
hesitantes, questionadores ou incertos ─ o que é certamente uma
avaliaçã o irracional.
 
O mito um por um
O comentá rio de Antony Flew sobre a pará bola do jardineiro
invisível obtém sua persuasã o do mito de que as crenças mantidas
pelas pessoas sã o aceitas ou rejeitadas à luz da evidência empírica
uma a uma. Isto é, pensa-se (erroneamente) que nó s
observacionalmente testamos e racionalmente avaliamos apenas
uma crença individual de cada vez. Supostamente o estudioso
cientificamente orientado toma uma ú nica proposiçã o como isolada
de qualquer outra proposiçã o que ele afirmaria ser verdadeira e a
compara entã o com a evidência empírica que está disponível (ainda
que a relevâ ncia e a força dessa evidência sejam independentemente
e indiscutivelmente estabelecidas de antemã o).
Essa, porém, nã o é de fato uma descriçã o precisa da forma como as
pessoas realmente chegam à s crenças ou as testam à luz da
evidência empírica. Ademais, de um ponto de vista conceitual, o
retrato do escrutínio de crenças uma a uma para a falsificaçã o
empírica é totalmente artificial e impossível.
As crenças que as pessoas mantêm estã o sempre ligadas a outras
crenças por relaçõ es concernentes ao significado linguístico, à
ordem ló gica, à dependência evidencial, à explicaçã o causal, a
autoconcepçõ es e concepçõ es indexicais, etc. Afirmar “Vejo uma
joaninha na rosa” é afirmar e assumir uma série de coisas
simultaneamente ─ algumas bastante ó bvias (por ex., sobre o uso de
palavras em português, sobre a identidade pessoal, sobre um evento
perceptivo, sobre categorias de insetos e flores, sobre relaçõ es
físicas), outras mais sutis (por ex., sobre a competência linguística,
entomoló gica e botâ nica da pessoa, sobre a normalidade dos seus
olhos e tronco encefá lico, sobre teorias de refraçã o da luz, sobre
gramá tica e semâ ntica compartilhada, sobre a realidade do mundo
externo, sobre as leis da ló gica, etc.).
A rede de todas essas crenças em conjunto encontra o tribunal de
qualquer experiência empírica. [66] Quando é detectado um conflito
entre essa rede de crenças e a experiência empírica, tudo o que
sabemos é que precisará ser feito algum tipo de ajuste nas crenças
para restaurar a ordem ou consistência. Mas nã o há maneira de
determinar de antemã o que mudança específica uma pessoa vai
escolher para eliminar o conflito dentro do seu pensamento.
Se Sam diz que viu uma joaninha na rosa, mas todos os seus amigos
dizem que nã o viram uma joaninha, de quais crenças ele abrirá
mã o? Há toda uma série de possibilidades. Talvez seus amigos nã o
saibam a diferença entre pulgõ es e joaninhas. Talvez haja uma
mancha nos ó culos dele. Talvez a iluminaçã o seja inadequada.
Talvez ele nã o entenda o uso da palavra em português “rosa”. Talvez
seus amigos estejam consumindo drogas. Talvez estiveram olhando
para uma rosa diferente. Talvez a joaninha tenha rapidamente
voado embora. Talvez ele esteja sonhando. Talvez nossos sentidos
nos enganem. Talvez só os “puros de coraçã o” podem ver joaninhas
mansas, e os amigos dele sã o perversos… Há tantas possibilidades
de corrigir suposiçõ es anteriores, indo desde o que parece razoá vel
até ao que parece faná tico ou extremo. O ponto é, simplesmente, que
o que a contra-evidência da observaçã o de Sam vai falsear é algo
ambíguo e incerto.
Lembre-se da histó ria do psiquiatra que estava tratando um homem
que acreditava estar morto. Aconselhar o pobre homem sobre sua
neurose parecia nã o levar a lugar algum. Finalmente um dia o
psiquiatra decidiu usar um teste empírico para convencer o paciente
do seu erro. Ele perguntou ao homem se mortos sangram, ao que o
homem respondeu “nã o”. Entã o o psiquiatra picou um dedo do
homem com um alfinete e pediu para o homem prestar atençã o: ele
estava sangrando, logo nã o poderia estar morto. E a isso o paciente
respondeu que ele, entã o, deveria ter estado errado: mortos
sangram sim ! O psiquiatra nessa piada erroneamente pensou que o
dedo sangrando seria uma contra-evidência que falsearia uma
crença específica do paciente (a saber, que ele estava morto),
quando na verdade era igualmente possível ela falsear uma crença
relacionada (a saber, que mortos nã o sangram).
Visto que a experiência ou evidência empírica nunca falseiam de
forma decisiva qualquer crença específica na rede de convicçõ es de
uma pessoa, sucede que é possível (mesmo que pareça irracional
para os outros) uma pessoa escolher tratar quaisquer de suas
crenças ─ sobre o que quer que seja ─ como convicçõ es centrais em
relaçã o à s quais qualquer outra crença deve primeiro se submeter
quando uma contra-evidência é oferecida. Ou seja, dado o fato de
que toda uma rede de crenças, em vez de crenças individuais
isoladas, satisfaz o teste da evidência observacional, entã o qualquer
crença pode ser tratada como nã o falseá vel. Isso é uma característica
de todas as crenças. A falseabilidade nã o é inerentemente uma
característica de qualquer crença específica ou crença sobre
qualquer assunto específico. Isso é tã o verdade para as crenças
“religiosas” (estritamente entendidas) quanto para as crenças sobre
o mundo natural.
O falsificacionista nã o relegará com sucesso a linguagem religiosa à
desgraça da falta de sentido, a menos que o faça à s custas de
consignar todo discurso à mesma desgraça. Embora possa haver
algo de errado ou faná tico na maneira particular em que um crente
resguarda suas convicçõ es da refutaçã o, esse fato ainda assim nã o
impugna a significabilidade da sua linguagem religiosa. Ela é
simplesmente a linguagem da convicçã o forte e da crença
firmemente entrincheirada ─ a linguagem da pressuposiçã o.
 
 
Flew também tem suas pressuposições
Todo pensador concede status preferencial a algumas de suas
crenças e à s afirmaçõ es linguísticas que as expressam. Essas
convicçõ es privilegiadas sã o “centrais” para a sua “teia de crenças”,
sendo tratadas como imunes à revisã o ─ até que a pró pria rede de
convicçõ es seja alterada. [67]
Essas crenças centrais têm
significâ ncia cognitiva (isto é, nã o sã o simplesmente verdades
estipuladas em virtude das definiçõ es e da ló gica), e, todavia,
resistem à falsificaçã o empírica em um grau ou outro (dependendo
de quã o fixas e centrais sã o no sistema). [68] A realidade da natureza
e do comportamento humanos deve ser reconhecida: nossos
pensamentos, raciocínio e conduta sã o governados por convicçõ es
pressuposicionais que sã o questõ es de profunda preocupaçã o
pessoal, que estã o longe de serem vazias ou triviais e à s quais
buscamos intelectualmente nos agarrar e defender “até o fim”.
Por mais irreligioso que Antony Flew possa ser como pessoa, ele
também possui compromissos fundamentais aos quais
“religiosamente” adere. Ele tenta alinhar seu pensamento e sua vida
a essas pressuposiçõ es pessoais ─ o que significa que, ao ser
confrontado com o que parece ser contra-evidência, ele qualificará e
defenderá a linguagem pela qual expressa essas pressuposiçõ es. Ele
trata as declaraçõ es sobre elas como nã o falseá veis! Como apontado
por John Frame, “tanto Flew como o cristã o estã o no mesmo barco”.
Cada qual tem suas pressuposiçõ es para as quais acreditam haver
extensa evidência, e cada qual faria mudanças extensivas dentro dos
seus respectivos sistemas de pensamento para resguardar essas
pressuposiçõ es ─ compromissos do coraçã o e convicçõ es
governantes da vida ─ da refutaçã o.
Frame ilustra isso por meio de uma paró dia inteligente que reverte
o ponto da famosa pará bola de Flew:
 
Era uma vez dois exploradores que chegaram a uma clareira na
floresta. Um homem estava lá puxando ervas daninhas, aplicando
fertilizante e podando os galhos. O homem se voltou para os
exploradores e se apresentou como o jardineiro real. Um
explorador apertou a mã o e trocou gentilezas. O outro ignorou o
jardineiro e se virou: “Nã o pode haver jardineiro nesta parte da
floresta”, disse ele; “deve ser algum truque”. Eles acampam.
Todos os dias o jardineiro chega e cuida do terreno. Logo o
terreno irrompe com flores perfeitamente arranjadas. “Ele só
está fazendo isso porque estamos aqui ─ para nos enganar e
fazer pensar que esse é um jardim real”. O jardineiro os leva a um
palá cio real, introduz os exploradores a uma fila de oficiais que
verificam o estado do jardineiro. Entã o o cético tenta um ú ltimo
recurso: “Nossos sentidos estã o nos enganando. Nã o há nem
jardineiro, nem flores, nem palá cio, nem oficiais. Ainda é tudo
uma farsa!”. Entã o o crente perde a paciência: “Mas o que resta
da sua afirmaçã o original? De que modo essa miragem, como
você a chama, difere de um jardineiro real?”. [69]

 
Como o desafio dos positivistas ló gicos, o desafio falsificacionista de
Flew à significabilidade cognitiva da linguagem religiosa foi um
fracasso. Na tentativa de desacreditar a cosmovisã o da fé cristã , ele
(como os positivistas) acabou desacreditando a significabilidade de
toda linguagem, incluindo a linguagem da ciência e o discurso sobre
suas próprias convicçõ es mais estimadas. A autorrefutaçã o é a
refutaçã o mais dolorosa de todas.
Assim, podemos concluir nossa resposta. A alegaçã o de “problemas”
com a significabilidade da linguagem religiosa que foi apresentada
tanto por verificacionistas como falsificacionistas neste século
acabou revelando, na verdade, as inconsistências e preconceitos
religiosos dos críticos do cristianismo.

 
 
34. O PROBLEMA DOS MILAGRES
 
 
Com frequência a mente moderna acha abominá vel a ocorrência ─
ou mesmo a possibilidade ─ de milagres. Os milagres abalariam
nossas visõ es simplistas (e impersonalistas) da previsibilidade e
uniformidade do mundo à nossa volta. Os milagres indicariam que
há um reino de mistério inescrutá vel para a (alegada) autonomia da
mente do homem. Os milagres testemunhariam um Poder
transcendente e autoconsciente no Universo que os incrédulos
acham inquietante. Assim, em vez de examinar se os milagres de
fato ocorreram ou de levar a sério seus relatos e seu significado, é
melhor, pensam os incrédulos, descartar sua possibilidade de
antemã o.
Assim, ouviremos críticos do cristianismo dizerem coisas como:
“Como alguém que sabe um pouquinho de ciência de ensino médio
pode acreditar que uma virgem pode conceber uma criança, um
homem pode andar sobre a á gua, uma tempestade pode ser
acalmada com uma ordem, um cego ou aleijado pode ser
instantaneamente curado ou um cadá ver pode ressuscitar? O mundo
moderno sabe mais! As reivindicaçõ es de milagre do cristianismo
sã o evidências da sua irracionalidade e seu cará ter supersticioso”.
Diante dessa zombaria e provocaçã o, os cristã os por vezes se
acovardam em silêncio, quando na verdade o crítico é quem deveria
ser intelectualmente envergonhado ─ envergonhado por sua
ignorâ ncia histó rica, bem como pelos defeitos ló gicos no seu
pensamento.
 
Difamando o passado
No desafio hipotético à credibilidade do cristianismo que é expresso
cima (que busca ser representativo dos comentá rios e da
mentalidade negativa real dos incrédulos que encontramos), você
notará que há uma suposiçã o nã o questionada e arrogante de que
uma mentalidade crítica sobre os milagres é propriedade exclusiva
do “mundo moderno”. Com sarcasmo o filó sofo David Hume
observou que constitui uma forte presunçã o contra todos os relatos
sobrenaturais e milagrosos eles serem vistos abundar
principalmente entre as naçõ es bá rbaras e ignorantes; ou se
aconteceu de algum povo civilizado já admitir qualquer deles,
poder-se-ia verificar que esse povo os recebera de ancestrais
ignorantes e bá rbaros… [70]
Vez apó s outra você encontrará nã o cristã os que simplesmente
tomam como certo que as pessoas no mundo antigo acreditavam
que os milagres ocorriam, a bem da verdade, porque elas (a) eram
muito cientificamente estú pidas para saber mais, (b) eram crédulas
e ingênuas e/ou (c) eram fascinadas e á vidas por encontrar, em
qualquer lugar que pudessem, vestígios de magia na sua
experiência.
Evidentemente, nessas três classes deveríamos nos perguntar se o
mundo moderno iluminado tem algum motivo para se orgulhar,
realmente. Nã o é nem um pouco difícil localizar hoje pessoas
cientificamente estú pidas, mesmo graduados na faculdade. Veja-os
tentar “consertar” coisas com um martelo, lidar com uma barata
indesejada ou racionalizar seu tabagismo; ouça suas receitas
caseiras para a ressaca. E o que dizer da credulidade e magia! Em
nosso mundo moderno “ó -que-inteligente”, você já ouviu falar de
esquemas de investimento “enriqueça rapidamente”, modismos de
dieta, febre de loteria ou da maravilha dos cristais (ou pirâ mides,
etc.)?
Ou ouça todos aqueles artistas respeitados em programas de
entretenimento da TV falando a audiências grandes e atentas sobre
“a sua vida anterior”, ou sobre o poder de cura da meditaçã o, ou
sobre o “karma social” e a “mã e terra”, ou sobre a “face humana” da
tirania comunista em nosso século, etc. Dificilmente essas sã o
evidências de uma mente crítica ou racionalidade superior.
 
Acredite ou não, o ceticismo está aí
 
As pessoas de pensamento lú cido devem se acautelar de
generalizaçõ es descuidadas e convenientes sobre, ou comparaçõ es
entre, uma era (ou cultura) e outra.
Mais ainda, elas devem evitar de manifestar o tipo de ignorâ ncia
histó rica que imagina que as pessoas que viveram antes da nossa
era moderna iluminada nunca tinham, em geral, um espírito crítico
ou eram prontamente enganadas (ou mais facilmente do que nó s)
para aceitar estó rias de milagres. Afinal, qual é a fonte da expressã o
ocasionalmente ainda usada em nossos dias “ele é apenas um Tomé
duvidoso”? Você se lembra de Tomé, chamado Dídimo (o “Gêmeo”),
do relato do evangelho de Joã o da ressurreiçã o de Cristo (Joã o
20.24-29)? No decurso da histó ria subsequente ele veio a ser
chamado de “o Tomé desconfiado” só por causa da sua mentalidade
cética em relaçã o a um dos maiores milagres na Bíblia. Tomé nã o
aceitaria prontamente o testemunho dos outros apó stolos de que
tinham visto o Salvador ressurreto.
E ele nã o estava sozinho nesse espírito de incredulidade. Mesmo
aqueles que encontraram Cristo pessoalmente depois que ele
ressuscitou dos mortos nã o estavam esperando animadamente ou
pulando entusiasmados pela oportunidade de crer que um milagre
havia ocorrido. Dois discípulos na estrada para Emaú s (Lucas 24.13-
31) assim como Maria Madalena (Joã o 20.1, 11-16) estavam tã o
pouco inclinados a crer nesse milagre que nem sequer reconheceram
Jesus quando o viram. (A psicologia da Gestalt nos ajuda a entender
esse tipo de experiência, que todos nó s já tivemos ao “ver” uma
pessoa que conhecemos, mas nã o a reconhecer “fora do contexto
normal” ou num cená rio inesperado .) Mateus relata que mesmo na
presença do Senhor ressuscitado e sabendo quem ele era, “alguns
duvidaram” (Mateus 28.17).
Quando o evangelho do Salvador ressuscitado foi levado para o
mundo antigo, houve ─ assim como agora ─ um antagonismo geral à
credibilidade dessas alegaçõ es. Paulo proclamou a ressurreiçã o de
Cristo perante o Concílio do Areó pago em Atenas, mas o poeta grego
É squilo muitos anos antes já havia relatado, na histó ria da pró pria
fundaçã o do Areó pago, ali estar declarado que uma vez que um
homem morre, “nã o há ressurreiçã o”. O mundo antigo tinha sua
quota de ceticismo e denú ncia dos milagres. Lucas escreveu que
quando o discurso de Paulo no Areó pago o levou à afirmar sobre a
ressurreiçã o de Cristo, sua audiência dificilmente poderia ser
caracterizada por uma credulidade geral e predisposiçã o da vontade
para afirmar o milagre! Antes, “como ouviram falar da ressurreiçã o
dos mortos, uns escarneciam ” e outros mais educadamente
deixaram para ouvir Paulo outra hora (Atos 17.32). A
ridicularizaçã o dos milagres nã o começou no mundo moderno da
ciência iluminada.
Como a nossa pró pria cultura hoje, o mundo antigo era
intelectualmente um caldeirã o de diversidade. Tal como nó s, ela
tinha sua quota de pessoas supersticiosas e de mentalidade mística;
como é o nosso caso, ela tinha pessoas cujo pensamento era
ignorante, mal-informado, preguiçoso, estú pido, iló gico e simpló rio.
Mas também como a nossa pró pria era, o mundo antigo tinha
inúmeras pessoas que eram céticas e cínicas. (Na verdade, esses
eram mesmo os nomes de duas escolas proeminentes da filosofia
grega antiga no período do Novo Testamento!) Inú meras pessoas no
mundo antigo tinham um espírito crítico sobre relatos de
maravilhas naturais e poderes má gicos. Muitos nã o só duvidavam
das alegaçõ es de milagres e os achavam incríveis, como até mesmo
excluíam a pró pria possibilidade dessas coisas ocorrerem.
 
As reivindicações de verdade do cristianismo
 
Tanto era esse o caso que você notará o apó stolo Pedro sentir
necessidade de fazer a seguinte declaraçã o na sua segunda epístola
geral: “Porque nã o vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo seguindo fá bulas engenhosamente inventadas,
mas nó s mesmos fomos testemunhas oculares da sua majestade” (2
Pedro 1.16, ARA). Pedro sabia que seria fá cil as pessoas “anularem”
as reivindicaçõ es dos cristã os como apenas mais um falató rio ocioso
e contaçã o de histó rias; ele sabia que as pessoas da sua pró pria
geraçã o haviam rejeitado a proclamaçã o da igreja sobre Jesus
porque nã o acreditariam em alegaçõ es sobre milagres. Longe de
serem estú pidos e crédulos, os contemporâ neos de Pedro tinham de
se assegurar de que os relatos apostó licos de Jesus nã o eram fá bulas
engenhosamente inventadas, mas a verdade do testemunho ocular.
Era importante para o testemunho cristã o em meio a uma cultura
incrédula que os seguidores de Jesus tivessem uma reputaçã o de
nã o “se ocup[ar] com fá bulas” (1 Timó teo 1.4, ARA) ou entreter
histó rias “de velhas caducas” (1 Timó teo 4.7, ARA) ─ isto é, relatos
ficcionais que sã o o pró prio oposto “da verdade” do cristianismo (2
Timó teo 4.4). De muito bom grado o mundo hostil dos homens
irregenerados gostaria de rejeitar as afirmaçõ es da narrativa dos
evangelhos como sendo da mesma natureza mítica ─ fabulosa, nã o
confiá vel, exagerada.
O ponto aqui, mui simplesmente, é que os críticos contemporâ neos
da fé cristã que automaticamente rejeitam e ridicularizam as
reivindicaçõ es de milagre da Bíblia por cauda da alegada
credulidade e ignorâ ncia generalizadas do mundo antigo só trazem
vergonha sobre si mesmos por seus pró prios preconceitos
ignorantes e generalizaçõ es injustificadas. Como hoje, os defensores
da fé no mundo antigo encontravam negatividade e oposiçã o
significativa sobre a alegada ocorrência de milagres ─ hostilidade
variando de repú dios filosó ficos sofisticados à profunda zombaria.
Se certas pessoas que viviam naqueles dias chegaram à crença de
que Jesus havia nascido de uma virgem, caminhado sobre a á gua,
curado doentes e levantado dos mortos, isso não foi porque elas
categoricamente eram pessoas fracas de espírito e idiotas
ignorantes, prontas a acreditar em toda e qualquer fá bula que
surgisse em seu caminho.
 
Incorrendo em petição de princípio
 
O incrédulo que rejeita de antemã o o relato bíblico dos milagres nã o
só deveria ter vergonha da sua calú nia arrogante contra a alegada
ignorâ ncia e credulidade do mundo antigo, como também deveria
ficar envergonhado com o cará ter logicamente falacioso do seu
“raciocínio”. Considere novamente nossa declaraçã o anterior de um
incrédulo hipotético que resume os comentá rios reais que ouvimos
dos nã o cristã os: “Como alguém que sabe um pouquinho de ciência
de ensino médio pode acreditar que uma virgem pode conceber uma
criança, um homem pode andar sobre a á gua, uma tempestade pode
ser acalmada com uma ordem, um cego ou aleijado pode ser
instantaneamente curado ou um cadá ver pode ressuscitar? O mundo
moderno sabe mais! As reivindicaçõ es de milagre do cristianismo
sã o evidências da sua irracionalidade e seu cará ter supersticioso”.
Geralmente os incrédulos que falam dessa maneira ignoram
totalmente o cará ter fá tuo e falacioso do que estã o dizendo e
sugerindo. Eles amiú de pensam que estã o tratando as reivindicaçõ es
de milagre da Bíblia como uma evidência independente de que a
cosmovisã o cristã é racionalmente inaceitá vel. Seu raciocínio é algo
como isto: nó s já sabemos que milagres nã o ocorrem (“Como alguém
pode acreditar…”), e como o cristianismo alega que essas coisas
impossíveis ocorreram (por ex., nascimento virginal, ressurreiçã o),
podemos tirar a conclusã o de que o cristianismo deve ser falso. Mas
essa conclusã o nã o é tanto “tirada” quanto tomada como certa desde
o princípio. A negaçã o da pró pria possibilidade dos milagres nã o é
um elemento de evidência para rejeitar a cosmovisã o cristã , mas
simplesmente uma manifestaçã o específica da pró pria rejeiçã o.
Somente se a cosmovisã o cristã fosse falsa é que a possibilidade dos
milagres poderia ser convincentemente excluída. De acordo com o
relato da Escritura, Deus é o Criador transcendente e onipotente dos
céus e da terra. Tudo deve sua pró pria existência e cará ter à
definiçã o e ao poder criativo dele (Gênesis 1; Neemias 9.6;
Colossenses 1.16-17). Ele faz as coisas do jeito que sã o e determina
como irã o funcionar. “… seu entendimento é infinito” (Salmos
147.5). Além disso, Deus soberanamente governa cada evento que
transpira, determinando o que, quando, onde e como as coisas
acontecem ─ do movimento dos planetas aos decretos dos reis até
os pró prios cabelos da nossa cabeça (Efésios 1.11). De acordo com a
Bíblia, ele é onipotente e tem o controle total do Universo. Isaías 40
celebra numa famosa fraseologia a criaçã o, delimitaçã o, direçã o,
providência e poder de Jeová (vv. 12, 22-28). Ele tem a mesma
liberdade e controle sobre a ordem criada que o oleiro tem sobre o
barro (Romanos 9.21). Como afirma o salmista, “nosso Deus está nos
céus; fez tudo o que lhe agradou” (Salmos 115.3).
 
 
Fé vs. fé
 
Mui simplesmente, de acordo com o testemunho bíblico, “o Senhor
Deus Todo-Poderoso reina” (Apocalipse 19.6). Portanto, nos termos
da cosmovisã o cristã , nã o há nada “muito difícil” para Deus fazer de
acordo com a sua pró pria vontade santa (Gênesis 18.14). Por causa
de quem ele é, “a Deus tudo é possível” (Mateus 19.26; cf. Marcos
14.36). Nada pode estorvar sua mã o ou impedi-lo de realizar o que
ele deseja.
Agora, entã o, se esse Deus retratado nas pá ginas da Bíblia realmente
existe, seria absurdo tentar descartar a possibilidade dos milagres.
Deus poderia realizar qualquer coisa ─ da divisã o do Mar Vermelho
à ressurreiçã o dos mortos. É importante ter isso em mente quando
encontramos incrédulos que confiantemente rejeitam o cristianismo
e ridicularizam sua credibilidade com base nas suas afirmaçõ es
fantá sticas sobre os milagres que ocorreram na histó ria. Declarar de
antemã o que os milagres narrados na Bíblia não ocorreram porque
tais milagres não poderiam ocorrer e, “portanto”, que o cristianismo
é falso, é simplesmente incorrer na “petiçã o de princípio” que separa
os crentes dos incrédulos. É tomar como certo o que o incrédulo
precisa provar ─ que a cosmovisã o cristã nã o é verdadeira.
Assim, como você percebe, dada a ridicularizaçã o comumente feita
pelos incrédulos sobre a incredibilidade dos milagres, o alegado
problema com esses eventos se resume aos preconceitos pessoais
do incrédulo disfarçados de “racionalidade moderna”. O incrédulo
que impetuosamente e retoricamente pede “mostre como alguém
com uma educaçã o moderna poderia acreditar em milagres”,
repudiando assim a respeitabilidade intelectual do cristianismo,
está , a partir de uma análise , afirmando nã o mais do que isto: “A
menos que a cosmovisã o cristã seja verdadeira, a presença de
reivindicaçõ es de milagre na Bíblia é evidência de que a cosmovisã o
cristã nã o é verdadeira”. Que coisa banal.
O que geralmente descobrimos, entã o, é que os incrédulos que
rejeitam os relatos de milagre na Bíblia estã o simplesmente dando
expressã o aos seus pró prios preconceitos filosó ficos ─ seu
compromisso pressuposicional com um entendimento
exclusivamente naturalista do mundo em que vivemos. Esse pré-
compromisso filosó fico hostil nã o foi demonstrado como
verdadeiro, mas simplesmente assumido de uma forma acrítica.
A natureza pressuposicional da disputa sobre os milagres se torna
muito clara quando paramos e analisamos o que queremos dizer ao
falar de um “milagre”.
 
 
O conceito do “milagroso”
 
A palavra “milagre” nã o aparece no texto da Escritura. Os eventos
registrados na Bíblia que estaríamos inclinados a rotular de
“milagres” sã o, em vez disso, chamados no Antigo e Novo
Testamentos de “sinais”, “maravilhas”, “obras/atos [de Deus]”, “o
que é maravilhoso, surpreendente”, “pressá gios” ou “poderes”. As
palavras bíblicas, assim, enfatizam uma ou mais das seguintes
características:
 
1. O cará ter incrível e extraordiná rio dos eventos sendo descritos
(cheio de admiraçã o, evocando espanto),
2. A dificuldade desses eventos que excedem a capacidade
humana normal (cheio de poder, um ato de força divina) e/ou
3. O propó sito desses eventos que apontam para além de si
mesmos para alguma verdade ou liçã o teoló gica especial (sinais,
pressá gios).
 
O que é interessante para os nossos propó sitos é que, embora
aludam a ele, essas características nã o equivalem por si só ao
conceito pleno de milagre como discutido em círculos religiosos e
filosó ficos. A ênfase conotativa das palavras bíblicas é um pouco
diferente do (embora nã o contrá ria ao) que é enfatizado na palavra
inglesa moderna “milagre”.
Há eventos que claramente vã o além da capacidade ou força
humana comum (cf. 2); mas eles também nã o seriam (à parte da
pura retó rica, de novo) seriamente chamados de “milagres”. Um
furacã o é muito mais forte do que um homem, e nenhum mero
homem tem a capacidade de gerar ou impedir um furacã o. Mas
furacõ es nã o sã o eventos milagrosos em si mesmos. Na verdade, há
alguns meteorologistas que podem explicar com baste detalhe os
fatores naturais que originam os furacõ es, podem relatar como eles
agem e se dissipam e podem até mesmo fazer um trabalho
razoavelmente exato de predizer quando eles ocorrerã o e que curso
vã o tomar. Mas nenhum meteorologista pode dar um relato causal
de Jesus acalmando uma tempestade no mar com um simples
comando verbal.
Devemos observar, também, que os seres humanos sã o expostos a
eventos e coisas naturais ─ como a beleza do mar ou a
grandiosidade das estrelas ─ que apontam para além de si mesmos à
maravilha teoló gica e gló ria de Deus o Criador, de acordo com
Salmos 19 e Romanos 1. No entanto, em nosso discurso comum nã o
falamos do mar agitado ou dos planetas em ó rbita como “milagres”.
Eles sã o sinais, até sinais que nos deixam com um senso de
admiraçã o. Contudo, sã o também bastante “naturais”. Ao contrá rio
de transformar á gua em vinho ou levantar dos mortos.
O que chamamos de “milagres” sã o mais do que eventos incríveis,
mais do que ocorrências poderosas, mais do que liçõ es teoló gicas
em pará bolas. O que distingue o evento “milagroso” de todas essas
outras grandes coisas que acontecem é o seu cará ter
especificamente sobrenatural. O milagre é um evento extraordiná rio
e assombroso que em seu cará ter (ou por vezes no seu timing ) nã o
pode ser explicado por princípios naturais conhecidos ou controlado
por meros seres humanos. Essa é a sua qualidade sobre natural.
 
Alguns desvios conceituais
A sobrenaturalidade de um evento que deve ser classificado como
“milagre” tem sido amiú de mal-interpretada, até mesmo por
apologistas bem-intencionados da fé. Antes de analisarmos mais
diretamente a qualidade sobrenatural dos milagres, devemos cuidar
para evitar certos caminhos filosó ficos ou teoló gicos enganadores.
 
Milagres como uma diretiva pessoal
À s vezes se pensa que os milagres sã o sobre naturais porque
constituem intrusõ es divinas nas operaçõ es normais e previsíveis
do que é por outro lado um domínio “fechado” e autoperpetuador da
“natureza”. Metá foras mecâ nicas sã o frequentemente usadas para
fazer um retrato dessa ordem natural; por exemplo, a metá fora de
um reló gio bem projetado que Deus inventou, finalizou, do qual se
afastou e que agora corre sozinho ─ exceto por aquelas raras
ocasiõ es em que o relojoeiro entra para interferir na forma como
queria que o reló gio operasse.
A maneira mais filosoficamente sofisticada de descrever essa
situaçã o é falar de uma “lei natural”. Os eventos que transpiram no
Universo, quer sejam monumentais, quer sejam minú sculos, sã o
vistos como inevitá veis e previsíveis de acordo com fatores causais
que podem, na teoria, ser descritos em princípios sistemá ticos,
legiformes. Muitos filó sofos gregos antigos (por ex., Herá clito, os
estoicos) conceberam uma “razã o” ou “logos” eterno e impessoal
governando ou fluindo através do reino da matéria, organizando
assim todo movimento ou atividade numa ordem racional.
A versã o religiosa dessa noçã o de que existem “leis da natureza”
postula um Deus pessoal como a origem do mundo material e dos
princípios causais pelos quais este opera, mas esse Deus (e o
exercício livre ou arbitrá rio da sua vontade onipotente), no entanto,
está “separado” do funcionamento ordiná rio e contínuo do mundo
que ele fez. Deus escolheu nã o governar diretamente cada detalhe
no mundo criado na base do momento a momento, e assim a
“natureza” tem leis inerentes a ela que determinam o que as coisas
sã o e como as coisas acontecem. Variaçõ es nessa concepçã o do
mundo de Deus como governado por leis naturais impessoais sã o
encontradas em uma ampla gama de profissõ es cristã s, do deísmo
ao tomismo (catolicismo romano) ao arminianismo evangélico.
Dada a concepçã o acima, a sobre naturalidade de um “milagre”
consiste na sua “violaçã o” das leis da natureza. Deus interfere no
maquiná rio do mundo agindo nos seus [mundo] procedimentos e
açõ es dirigidos por leis. Essa, no entanto, é uma maneira defeituosa
e terrivelmente equivocada de pensar sobre o cosmo e sobre Deus. A
autorrevelaçã o de Deus nas Escrituras nã o oferece nenhum suporte
para a ideia de que existem leis impessoais da natureza que fazem o
mundo operar mecanicamente e com uma inevitabilidade que é livre
(ordinariamente) das escolhas da vontade de Deus. Na verdade, a
Bíblia nos oferece uma visã o do mundo que é totalmente contrá ria a
isso, uma visã o onde Deus e seus agentes sã o vistos como íntima,
contínua e diretamente envolvidos em todos os eventos detalhados
que transpiram na ordem criada.
Deus pessoalmente criou e agora pessoalmente dirige todos os
acontecimentos no mundo. Assim, sustentar toda a vida animal e
renovar as plantas neste mundo sã o uma obra do Espírito de Deus
(Isaías 63.14; Salmos 104.29-30); o Espírito de Jeová está
intimamente envolvido com os processos do mundo criado, desde o
desvanecimento das flores à conduçã o das correntes de á guas
(Isaías 40.7; 59.19). A vontade decretiva de Deus governa todas as
coisas que acontecem, da mudança das estaçõ es (Gênesis 8.22) aos
cabelos na nossa cabeça (Mateus 10.30). Até mesmo os eventos
aparentemente fortuitos nesta vida sã o planejados e conduzidos por
sua vontade soberana (Provérbios 16.33; 1 Reis 22.28, 34). Paulo
declara que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho da sua
vontade” (Efésios 1.11, ARA). Isto é, ele está por trá s de todas as
coisas que acontecem. Nã o há um reino semi-autô nomo, auto-
operante da “natureza” cujas leis impessoais sã o ocasionalmente
“violadas” pelo Deus que se revela nas pá ginas da Bíblia. Nada é
independente dele e de sua vontade soberana, imanente, pessoal.
 
Milagres como providência super-ordinária
Outra concepçã o equivocada da qualidade sobre natural dos eventos
milagrosos defende que, embora Deus planeje e cause tudo o que
acontece no mundo, ele à s vezes executa suas escolhas por um
poder mais “direto” ou “imediato” e nã o através dos meios
ordiná rios da sua providência pessoalmente em açã o no mundo
natural. Como exemplo da diferença, poderíamos pensar na maneira
como Deus normalmente exerce sua providência para trazer pã es ao
mundo ─ plantando e colhendo o trigo no devido tempo,
trabalhando na cozinha com uma receita, assando a massa, tirando-a
do forno, etc. Por contraste, pensa-se que Deus pode
“milagrosamente” produzir o mesmo efeito, mas sem usar os meios
normais dentro do mundo criado. Ele pode “imediatamente” trazer
pã es à existência, como fez Jesus com a multiplicaçã o de cinco pã es
para alimentar cinco mil pessoas (Mateus 14.19-21). Um milagre,
entã o, vem para ser visto como uma “providência extraordiná ria”,
um evento incomum produzido pelo poder “imediato” de Deus.
Essa generalizaçã o nã o é clara. Por que o assar de pã o nã o é dito ser
realizado pelo poder “imediato” de Deus? Porque ele utiliza os meios
de calor produzidos pela queima de madeira. Mas entã o por que a
queima de madeira (ou as interaçõ es químicas envolvidas, etc.) nã o
é dita ser realizada pelo poder “imediato” de Deus? Parece que os
exercícios mediato e imediato da vontade de Deus sã o apenas
relativamente (ou subjetivamente) distinguidos pela forma como
escolhemos olhar para o processo envolvido. A generalizaçã o que
estamos considerando é também apressada e falaciosa. Nem todos
os “milagres” bíblicos podem ser prontamente classificados como
atos “imediatos” do poder de Deus. A separaçã o do Mar Vermelho
para a fuga dos hebreus do Egito foi uma das maiores e bem
lembradas maravilhas do Antigo Testamento. No entanto, Ê xodo nos
diz que Deus a realizou por meio do fenô meno natural de um forte
vento oriental. Um dia Jesus curou um homem cego através do meio
natural de aplicar lama (saliva e sujeira) nos seus olhos. Quando
Jesus acalmou a tempestade no lago, utilizou o meio natural da sua
voz humana para repreender as ondas. A ideia de o milagre ser algo
sobre natural porque é um ato “direto” de Deus intervindo na
operaçã o comum do mundo cria mais dor-de-cabeça conceitual do
que o resolve.
 
Milagres das trevas
Outro mal-entendido da sobrenaturalidade dos eventos milagrosos
é detectado na convicçã o comum de que “milagres” só podem ser
genuinamente realizados pelo Deus vivo e verdadeiro ─ em cujo
caso qualquer caso devidamente autenticado de ocorrência
milagrosa funciona como um marcador ou evidência de que Deus
está agindo, geralmente confirmando a aprovaçã o divina da
mensagem ou da pessoa do milagreiro. Mas essa premissa está
simplesmente em desacordo com o pró prio testemunho bíblico.
No dia do julgamento haverá pessoas que realizaram obras
poderosas, tendo até mesmo expulsado demô nios, que nã o terã o a
aprovaçã o ou aceitaçã o de Deus (Mateus 7.22-23). A Escritura nos
diz que quando Moisés realizou milagres pelo poder de Deus
perante do Faraó , os magos da corte puderam reproduzir alguns
deles, obviamente pelo poder maligno de Sataná s (por ex., Ê xodo
7.11-12). Falsos profetas (Deuteronô mio 13.1-2) e falsos messias
(Mateus 24.24) sã o reconhecidos na palavra de Deus como tendo o
poder de realizar milagres. Um líder bestial em Apocalipse 13.13-15
atribuiu a ele a realizaçã o de grandes milagres, como fazer fogo
descer do céu e uma está tua falar. Por que homens ímpios realizam
esses feitos milagrosos? Para enganar os homens e levá -los ao erro
teoló gico, para seduzi-los a mentiras (cf. Deuteronô mio 13.2;
Apocalipse 13.14). Por conseguinte, a Bíblia pode descrever esses
milagres malignos como “prodígios de mentira” (2 Tessalonicenses
2.9) porque sã o eventos incríveis que mentem sobre Deus e
enganam o seu Povo ─ e não (como alguns intérpretes impõ em
sobre o texto) porque sã o “pseudo” milagres (falsos, que fazem de
conta, ilusó rios). Eles sã o maravilhas reais que afastam as pessoas
da verdade.
E assim o “poder sobrenatural” por trá s da realizaçã o de um milagre
pode ser o Deus vivo e verdadeiro a quem as pessoas devem adorar
e obedecer, mas também pode ser o Príncipe das Trevas, o diabo,
que quer enganar os homens e levá -los ao erro que acarreta a
condenaçã o da alma. (É claro que, como o livro de Jó nos ensina, até
mesmo as realizaçõ es de Sataná s ocorrem em sujeiçã o à direçã o
soberana de Deus. Sataná s nã o é um poder genuinamente autô nomo
no Universo.)
 
[1]
“Sempre prontos”, na versã o bíblica usada pelo autor. [N. do T.]
[2]
Isso é algo reconhecido até mesmo por muitos dos oponentes teoló gicos do
Dr. Bahnsen. Poucos, se mesmo algum, se lhe igualavam quando se tratava de
acuidade intelectual e habilidades de debate. Um exemplo perfeito das suas
habilidades apologéticas pode ser testemunhado no seu famoso debate na
Universidade da Califó rnia, Irvine, em 1985, com o promotor do ateísmo Dr.
Gordon Stein.
[3]
“Apologética pressuposicional” é uma escola distinta de método
apologético, colocando-se em oposiçã o aos métodos “clá ssico” (tomista) e
fideísta. Este livro é uma explicaçã o e aplicaçã o do método apologético
pressuposicional.
[4]
Na versã o traduzida do autor, “para que ninguém vos roube, …”. [N. do T.]
[5]
Conforme o original. As traduçõ es da Bíblia em português trazem “Em
verdade, em verdade te digo…” (ARA), “"Digo-lhe a verdade" (NVI), entre
outras. [N. do T.]
[6]
“Epistemologia” se refere à teoria de conhecimento (sua natureza, fontes,
limites) de uma pessoa. Quando perguntamos “Como você sabe que isso é
verdade?” (ou “Como você poderia justificar essa afirmaçã o?”), estamos
fazendo uma pergunta epistemoló gica.
[7]
Diz-se que o que quer que se origine além da experiência temporal do
homem ou exceda essa experiência finita “transcende” o homem.
[8]
Essa visã o também é imprecisa e ingênua no tocante à experiência comum
e à prá tica da ciência, mas este nã o é o lugar para entrar numa longa e
detalhada discussã o da natureza teoricamente impregnada de todo
conhecimento humano. Observar que “há uma rosa no jardim” implica em si
mesmo pressupor uma série de outras crenças que sã o de natureza teorética e
nã o observacional.
[9]
“Empírico” é um termo aplicado a aquilo que é conhecido pela experiência,
observaçã o ou percepçã o sensorial. O “empirismo” como escola de
pensamento ousadamente reivindica que todo o conhecimento do homem
depende de meios empíricos.
[10]
Perceberemos isso se prestarmos atençã o à histó ria registrada na Bíblia.
Os israelitas viram milagres em primeira mã o no deserto, mas mesmo assim
duvidaram de Deus e o desobedeceram. Os líderes judeus viram Jesus
ressuscitar Lá zaro dentre os mortos e como resposta conspiraram matar
Jesus! Eles pagaram os soldados para mentir sobre a pró pria ressurreiçã o do
Senhor! O Senhor nos deu uma abundâ ncia de evidência empírica da
veracidade dele, mas a forma como a evidência é tratada é determinada por
compromissos e crenças mais fundamentais na vida de uma pessoa. “Se nã o
ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarã o persuadir, ainda que
ressuscite alguém dentre os mortos (Lucas 16.31, ARA).
[11]
Por exemplo, alguém que rejeite a realidade das entidades abstratas (por
ex., um nominalista como David Hume) nã o admitirá , assim, a legitimidade da
intuiçã o na sua teoria de conhecimento (como foi o caso de Platã o, por
exemplo, ao ver o conhecimento como uma “reminiscência” das ideias ou
formas transcendentes). Alguém que pense nos objetos de conhecimento
como discretos e claramente categorizá veis como verdadeiros ou falsos (por
ex., Hume novamente) terá dificuldade para argumentar significativamente
com alguém que considere a verdade como sendo o todo da realidade e as
proposiçõ es discretas como nada mais do que aproximaçõ es (por ex., Hegel).
A teoria de conhecimento e a visã o de realidade de uma pessoa se afetam
mutuamente.
[12]
É claro que em alguns casos o que o incrédulo precisa é simplesmente da
evidência que está à nossa disposiçã o em favor de certas afirmaçõ es na Bíblia.
Por exemplo, uma pessoa pode estar tã o enganada sobre religiã o por causa
das vozes hostis e preconceituosas à sua volta (das salas de aula à mídia
popular) que tem a impressã o infundada de que absolutamente “nenhuma
pessoa pensante” vê alguma credibilidade no criacionismo, na precisã o
histó rica ou textual da Bíblia, etc. A mente dela precisa ser saneada desse
equívoco. Ela pode ficar bastante espantada ao descobrir que cientistas,
historiadores e outros acadêmicos muito competentes podem apresentar
evidência convincente a favor das reivindicaçõ es cristã s na ciência ou na
histó ria. Se isso é tudo que ela precisa para fazer uma leitura mais aberta e
honesta da mensagem da Escritura, tudo bem. Contudo, na maioria dos casos a
resistência dos incrédulos à evidência é mais de princípio e mais tenaz do que
isso.
[13]
Logo veremos que o incrédulo nã o vive consistentemente de acordo com
os princípios que professa. Até certo ponto isso também é verdade do crente.
Portanto, a antítese entre eles nã o é realmente completa ou absoluta, embora
o seria em princípio.
[14]
Na linguagem coloquial em inglês essa distinçã o é facilmente obscurecida,
claro. Nó s ouvimos alguém dizer que “se sente confiante” de que seu time
ganhará o campeonato mundial, e o mesmo sentimento é expresso quando ele
diz que “sente certeza” de que seu time ganhará .
[15]
O leitor nã o deve ignorar a perversã o que essa expressã o idiomá tica
insidiosa representa à língua inglesa. A verdade nã o é algo relativo à pessoa.
Dizer que uma proposiçã o é “verdade para mim” é simplesmente uma forma
enganosa de dizer que eu acredito nessa proposiçã o. Colapsar a verdade em
crença tem sérias consequências para a teoria de conhecimento de uma
pessoa.
[16]
Isso nã o deve ser confundido com dizer que a verdade se restringe ao
conteú do do cristianismo ou à s palavras da Bíblia. Há muitas outras verdades
além das que se encontram reveladas na Escritura (por ex., a verdade de que a
á gua congela a 32º Fahrenheit). No entanto, nã o há nenhuma verdade que
conflita ou compete com aquelas encontradas na Escritura.
[17]
Note que a atividade de Paulo é a mesma, quer seus ouvintes já tivessem
um conhecimento prévio da palavra de Deus (Antigo Testamento) e um
respeito por ela, quer nã o. Ele “discutia” com os judeus na sinagoga da mesma
forma que discutia com os filó sofos gregos nas ruas.
[18]
Essa advertência tem de ser dada, já que aparentemente muitos crentes
que se entregam à apologética sã o propensos a uma falta de mansidã o na
apresentaçã o do seu argumento. Para o bem da sua pró pria santificaçã o e para
a honra do Senhor cuja palavra eles defendem, todo apologista precisa orar
para que seus argumentos nã o se tornem contenciosos, para que ele nã o
deslize da defesa do seu Senhor para a defesa de si mesmo. A humildade nã o é
incompatível com a ousadia.
[19]
C. S. Lewis, God in the Dock: Essays on Theology and Ethics , ed. Walter
Hooper (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), p. 244.
[20]
An Essay Concerning Human Understanding , Livro IV, Capítulo XVII (New
York: Dover Publications, 1959 [1690]), vol. 2, p. 391.
[21]
Citado pelo editor na “Introduçã o” a John Locke, The Reasonableness of
Christianity as Delivered in the Scriptures , ed. George W. Ewing (Chicago:
Gateway Edition, Henry Regnery Co., 1964 [1695]), p. xi.
[22]
Locke explicou que o livro fora principalmente concebido como uma
refutaçã o dos deístas; estes, contudo, aplaudiram a ênfase de Locke sobre o
lugar da razã o na religiã o, levando assim estudiosos de segunda ordem a
precipitadamente classificarem Locke como deísta. O calvinista inglês John
Edwards (nã o confundir com o norte-americano Jonathan Edwards) distorceu
as intençõ es de Locke ainda mais, difamando-o com os epítetos de ateísmo e
socinianismo.
[23]
Para um texto ú til sobre ló gica informal, formal e indutiva, veja Irving M.
Copi, Introduction to Logic (New York: Macmillan Publishing Co., 1978 [5ª
ed.]).
[24]
Os leitores devem aqui consultar vá rios textos ú teis sobre “evidências”
cristã s, mas também devem acompanhar discussõ es sobre o uso variado dos
dados observacionais na argumentaçã o e formaçã o de teorias: por exemplo,
W. V. Quine e J. S. Ullian, The Web of Belief , 2ª ed. (New York: Random House,
1978); Stephen Toulmin, The Uses of Argument (Cambridge: University Press,
1969); Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions , 2ª ed.
(Chicago: University Press, 1970).
[25]
Veja as obras de Cornelius Van Til aqui (disponíveis pela Presbyterian and
Reformed Publishing Co.): por exemplo, The Intellectual Challenge of the
Gospel (1953), The Defense of the Faith (1955), A Survey of Christian
Epistemology (1969).
[26]
Citado em Greg L. Bahnsen, “The Inerrancy of the Autographa”, Inerrancy ,
ed. Norman L. Geisler (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1980), p.
187.
[27]
Ancient Israel (Ithaca, New York: Cornell University Press, 1954), p. 6.
Assim também, W. F. Albright escreveu que “os dados arqueoló gicos e
inscricionais têm demonstrado a historicidade de inú meras passagens e
declaraçõ es do Antigo Testamento” (“Archeology Confronts Biblical Criticism”,
The American Scholar , vol. 7 [Primavera de 1938], p. 181).
[28]
Ediçã o de 30 dezembro de 1974, p. 41.
[29]
A imaterialidade das leis (da ló gica, da moralidade, etc.), na verdade a
imaterialidade dos conceitos, da justiça, do amor, etc. nã o representa nenhum
problema filosó fico automá tico para a cosmovisã o cristã . As leis da ló gica sã o
um reflexo humano da mente de Deus e do pensamento de Deus acerca das
relaçõ es conceituais e/ou evidenciais de prova entre verdades (ou conjunto
de verdades). As leis ló gicas sã o elaboraçõ es do fato que Deus nã o contradiz a
si mesmo (sua palavra nã o é si e nã o, 2 Coríntios 1.18) e que é impossível que
ele minta (Hebreus 6.18).
[30]
O artigo é encontrado em Bertrand Russell, Why I Am Not a Christian, And
Other Essays on Religion and Related Subjects , ed. Paul Edwards (New York:
Simon and Schuster, Clarion, 1957), pp. 3-23.
[31]
Ibid ., p. vi.
[32]
Ibid , pp. 115-16.
[33]
Na sua palestra, Russell mostra uma curiosa e caprichosa mudança no
tocante ao padrã o que define o conteú do de crenças “cristã s”. Aqui ele
arbitrariamente assume que o que o magistério romano diz é o padrã o da fé
cristã . No entanto, no pará grafo imediatamente anterior, Russell afirmou que
a doutrina do inferno nã o era essencial para a crença cristã porque o Conselho
Privado do Parlamento Inglês assim decretou (com a dissidência dos
Arcebispos de Cantuá ria e Iorque). Em outro lugar Russell se afasta desse
critério de cristianismo e condena o ensino de Jesus, baseado na Bíblia, de que
os impenitentes enfrentam condenaçã o eterna. Russell nã o tinha nenhum
interesse em ser consistente ou justo ao lidar com o cristianismo como seu
oponente. Quando conveniente, ele definia a fé segundo a Bíblia, mas quando
era mais conveniente para os seus propó sitos polêmicos, ele passava a definir
a fé de acordo com o Parlamento Inglês ou a Igreja Cató lica Romana.
[34]
Aqueles que estã o familiarizados com a obra detalhada (e notá vel,
seminal) de Russell na filosofia apontariam que, apesar do brilho de Russell,
sua “razã o pura” jamais poderia resolver certos paradoxos ló gicos e
semâ nticos que surgem no seu relato da ló gica, matemá tica e linguagem. Seus
seguidores mais reverentes admitem que as teorias de Russell sã o passíveis
de crítica.
[35]
Trad. C. Garnett (New York: Modern Library, Random House, 1950), do
livro V, capítulo 4. A citaçã o aqui é tirada da seleçã o encontrada em God and
Evil: Readings on the Theological Problem of Evil , ed. Nelson Pike (Englewood
Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1964).
[36]
R. C. Sproul, Objections Answered (Glendale, CA: Regal Books, G/L
Publications, 1978), pp. 128, 129.
[37]
Dialogues Concerning Natural Religion , ed. Nelson Pike (Indianapolis:
Bobbs-Merrill Publications, 1981), p. 88.
[38]
Buffalo, New York: Prometheus Books, 1979.
[39]
O intuicionismo sugeriria que a bondade é uma propriedade (bá sica ou
simples) indefinível que nã o conhecemos empiricamente ou através da
natureza, mas “intuitivamente”. O que, no entanto, é uma “propriedade nã o
natural”, a menos que estejamos falando de uma propriedade “sobrenatural”
(a pró pria coisa em disputa com o incrédulo)? Ademais, o intuicionismo nã o
pode fornecer uma base para saber que nossas intuiçõ es estã o corretas: nã o
só temos de intuir a bondade da caridade, mas também temos de intuir que
essa intuiçã o é verdadeira. É um fato bem conhecido e embaraçoso que nem
todas as pessoas (ou todas as culturas) têm intuiçõ es idênticas sobre o bem e
o mal. Essas intuiçõ es conflitantes nã o podem ser racionalmente resolvidas
dentro da cosmovisã o do incrédulo.
[40]
Dificuldades semelhantes acompanham a ideia de que os termos éticos
nã o funcionam e nã o sã o usados para descrever alguma coisa, mas
simplesmente dar expressão à s emoçõ es de alguém. A teoria relacionada
(performativa) da linguagem ética conhecida como “prescritivismo” sustenta
que as declaraçõ es morais nã o funcionam para descrever as coisas como boas
ou má s, mas simplesmente para levar o(s) ouvinte(s) de alguém a se
comportar(em) ou sentir(em) de certa maneira. Com base nessa teoria,
nenhuma atitude ou açã o é boa ou má em si mesma, e fica-se sem uma
explicaçã o de por que as pessoas saem por aí “orientando” os outros com
imperativos supérfluos e velados como “Ajudar os ó rfã os é bom”.
[41]
Antony Flew escreve: “De forma nã o surpreendente, muitos críticos têm
argumentado que a realizaçã o de pelo menos alguns desses objetivos
[metafísicos] é em princípio impossível. Assim, tem-se mantido que a mente
humana nã o tem meios de descobrir fatos fora do reino da experiência dos
sentidos… Outra crítica é que desde que nenhuma experiência concebível
poderia capacitar-nos a decidir entre, por exemplo, as declaraçõ es de que a
realidade consiste de apenas uma substâ ncia (monismo) ou de infinitamente
muitas (monadologia), elas tampouco servem a qualquer propó sito na
economia do nosso pensamento sobre o mundo, e igualmente nã o sã o nem
verdadeiras, nem falsas, mas sem sentido” (“metaphysics” em A Dictionary of
Philosophy , rev. 2ª ed. New York: St. Martin’s Press, 1984, pp. 229-230).
[42]
Metaphysics (New York: Harcourt, Brace, & World, 1963), p. 12.
[43]
Beyond Good and Evil , “On the Prejudice of Philosophers”, trad. Walter
Kaufmann (New York: Vintage Books, 1966), pp. 12, 13.
[44]
Pessoas que falam dessa maneira parecem ignorar o cará ter trivial ou
tautoló gico dessa afirmaçã o. “Ter fé” que algo é verdade (por ex., que Elvis
está vivo e morando em Idaho) é o mesmo que “acreditar” que a alegaçã o em
questã o é verdadeira; essas sã o diferentes formas semâ nticas de expressar a
mesma coisa. Por conseguinte, quando uma pessoa diz que “acredita” em algo
“simplesmente por fé” (sem uma explicaçã o adicional), ela simplesmente nos
diz que “acredita porque acredita”.
   Nã o ignoro que muitas pessoas religiosas, incluindo filó sofos que refletem
sobre questõ es religiosas, pensam na “fé” como estando em uma categoria
diferente da “crença”. A primeira é tida como uma questã o pessoal de
confiança ou compromisso, ao passo que a segunda é uma questã o de
intelecto. Por exemplo, num ensaio intitulado “Fé e Crença”, o filó sofo de
Oxford H. H. Price afirmou: “Fé, entã o, é algo muito diferente da crença ‘nisso’
e certamente nã o se reduz a ela nem é definível em termos dela… Certamente,
quando uma pessoa está realmente na atitude da fé, ela nunca diria que
acredita que Deus a ama. O que acontece, em vez disso, é que ela sente o amor
de Deus por ela… Isso nã o parece ser, afinal de contas, uma questã o de
acreditar” ( Faith and the Philosophers , ed. John Hick [New York: St. Martin’s
Press, 1964], p. 11). Estipulaçõ es verbais como essas podem ser feitas, e pelo
que posso perceber, sã o muitas vezes feitas; mas exigiria um esforço heroico
fazer essa distinçã o conceitual entrar em conformidade verbal com o uso
neotestamentá rio do verbo grego “ pisteuo ” e do substantivo “ pistis ”.
[45]
Peter A. Angeles, Dictionary of Philosophy (New York: Barnes & Noble,
1981), p. 94.
[46]
Cf. “A dú vida, como o lado escuro do aspecto cognitivo da fé, é um
ingrediente essencial para a fé… Uma mente vívida está em Angst nas
encruzilhadas diá rias, e diariamente faz uma escolha, fazendo-a, como diria
Kierkegaard, ‘em temor e tremor’”. Geddes MacGregor, Philosophical Issues in
Religious Thought (Boston: Houghton Mifflin, 1973), p. 239.
[47]
J. Gresham Machen, What is Faith? (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans
Publishing, 1925), pp. 18, 26, 94, 243.
[48]
Na traduçã o livre da versã o usada pelo autor, “o que adoram, mostrando
sua ignorâ ncia, eu autoritativamente vos declaro”. [N. do T.]
[49]
E quanto à s crenças deles sobre o método adequado , entã o? Essas crenças
também chegam por meio desse método adequado? Caso sim, elas nã o têm
nenhuma autoridade ou fundamento independente (que nã o caia em petiçã o
de princípio)! Caso nã o, o que é considerado o método adequado para chegar
a crenças nã o é fundacional, no fim das contas.
[50]
Descartes sentiu que seu método o havia finalmente levado à verdade
indubitá vel e fundacional de que ele mesmo existia. Ainda que tudo o mais em
que ele acreditasse fosse uma ilusã o, ele ao menos precisava existir para ter a
dú vida em primeiro lugar. Portanto o famoso ditado “Penso, logo existo”. Mas
Descartes nã o foi aqui suficientemente escrupuloso como filó sofo. Ao tomar
“Penso” como sua premissa, ele já tinha caído em petiçã o de princípio quanto
à sua existência (afirmando o “Eu” implícito). Isso nã o era mais ú til, realmente,
do que argumentar “Eu exalo mau cheiro, portanto existo”. Descartes deveria
ter postulado mais estritamente apenas que “Pensamento está ocorrendo” ─
do que não segue logicamente que “eu existo”.
[51]
C. Gore, Belief in God (New York: Penguin, 1939), p. 12.
[52]
Julian Huxley, Religion without Revelation (New York: Mentor, 1957), pp.
15, 17.
[53]
Antony Flew, God and Philosophy (New York: Harcourt, Brace and World,
1966), pp. 159, 161.
[54]
Ibid, p. 26.
[55]
Parte do cará ter autovalidá vel (autoautenticá vel) dessa revelaçã o
autoritativa é que sem ela o raciocínio, a ciência e a ética se tornam
ininteligíveis, filosoficamente falando. A autoridade de Deus é necessá ria para
a utilidade e autoridade intelectual (subordinada) dos pró prios princípios que
os incrédulos se propõ em a usar ao testar a autoridade de Deus. Ninguém
pode utilizar o raciocínio sem simultaneamente, ainda que implicitamente e
sem reconhecer isso, empregar a perspectiva da revelaçã o de Deus. Assim, as
afirmaçõ es cristã s sobre o cará ter autovalidá vel da revelaçã o de Deus nã o sã o
meramente um testemunho subjetivo ou estã o além uma demonstraçã o ou
discussã o racional.
[56]
Cornelius Van Til, The Defense of the Faith (Philadelphia: Presbyterian and
Reformed, 1955), pp. 145.
[57]
Ibid, p. 49.
[58]
Note bem que a “razã o” é aqui criticada como uma autoridade ou padrã o
(que se coloca acima de Deus em julgamento), mas não absolutamente como
uma ferramenta ou instrumento (que seja usada sob Deus, para a gló ria dele).
Claro, o incrédulo deve usar sua capacidade de raciocínio para ouvir, ponderar
e (esperançosamente) adotar as reivindicaçõ es da palavra de Deus. Isso nã o
significa que a norma de controle pela qual ele usa seu raciocínio deve ser a
razã o em si mesma. (Nessas discussõ es seria de bom alvitre perguntar o que
exatamente se quer dizer com “razã o”.)
[59]
A. J. Ayer, Language, Truth and Logic (New York: Dover Press, 2ª ed.
1952), p. 39.
[60]
Qualquer declaraçã o de teste (T) pode ser conjugada com a premissa “Se
T, entã o O” (onde O representa uma declaraçã o de observaçã o). Note que a
premissa que acabamos de afirmar nã o implica por si só logicamente a
declaraçã o de observaçã o (O); nem a declaraçã o de observaçã o segue
diretamente da declaraçã o de teste (T). No entanto, quando T é tomado com a
premissa aqui sugerida, a declaraçã o de observaçã o (O) pode ser de fato
deduzida.
[61]
Language, Truth and Logic (2ª ed.), p. 13.
[62]
Alonzo Church demonstrou isso de forma breve, mas devastadora, na sua
resenha à segunda ediçã o do livro de Ayer ( Journal of Symbolic Logic v. 14
[1949], p. 53). Onde O n representa uma declaraçã o de observaçã o, qualquer
declaraçã o de teste (T) pode ser conjugada com qualquer declaraçã o de
observaçã o (O 1 ) e a seguinte premissa complexa: [(nã o O 1 e O 2 ) OU (O 3 e 
nã o T). Quando fazemos isso, nã o T passa no teste de ser diretamente
verificá vel (por silogismo disjuntivo), enquanto T pode ser conjugado com a
premissa complexa dada aqui para passar no teste de Ayer de ser
indiretamente verificá vel.
[63]
Veja Karl Popper, The Logic of Scientific Discovery (London: Hutchinson,
University Library, 1959 [original alemã o, 1935]).
[64]
Antony Flew, “Theology and Falsification”, New Essays in Philosophical
Theology , eds. Antony Flew & Alasdair MacIntyre (New York: Macmillan Co.,
1964 [1955]), pp. 96, 97, 98.
[65]
Cf. Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions , 2nd rev. ed.
(Chicago: University of Chicago Press, 1970 [1962]).
[66]
Nossas afirmaçõ es sobre o mundo externo nã o enfrentam o tribunal da
experiência sensorial individualmente, mas apenas como um corpo
corporativo”. Isso foi observado e discutido por Willard Van Orman Quine em
“Two Dogmas of Empiricism”, From a Logical Point of View , 2ª ed. (New York:
Harper Torchbooks, 1961), p. 41.
[67]
Isso nã o implica que a teoria de conhecimento seja em ú ltima aná lise
relativista ou voluntarista. Ela aponta para a necessidade da argumentaçã o
transcendental na apologética ─ mostrando como as pressuposiçõ es do
cristã o fornecem as precondiçõ es de inteligibilidade (na ciência, ló gica, ética,
etc.) e fazendo uma crítica interna das filosofias de vida concorrentes para
demonstrar que elas nã o fazem isso.
[68]
As pressuposiçõ es nã o sã o o ú nico fator no desenvolvimento de um
sistema de crenças. Devido a diferentes compromissos secundá rios,
influências sociais, experiências pessoais, critérios de racionalidade,
capacidades intelectuais (etc.), duas pessoas que compartilham as mesmas
pressuposiçõ es podem, todavia, gerar diferentes “redes” de crenças.
[69]
John M. Frame, “God and Biblical Language”, God’s Inerrant Word , ed. J. W.
Montgomery Minneapolis: Bethany Fellowship, 1974), p. 171.
[70]
David Hume, “Of Miracles” em An Inquiry Concerning Human
Understanding , ed. Charles W. Hendel (Indianapolis: Boobs-Merrill Co., [1748]
1955), p. 126

Você também pode gostar