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UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

FUESPI – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ


NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS PORTUGUÊS

VISÃO PANORÂMICA DAS LITERATURAS


AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Assunção de Maria Sousa e Silva

FUESPI
2013
S5861v Silva, Assunção de Maria Sousa e.
Visão panorâmica das literaturas africanas de língua
portuguesa / Assunção de Maria Sousa e Silva. – Teresina :
FUESPI, 2013.
135 p.

ISBN :

Material de apoio pedagógico ao Curso de Licenciatura


Plena em Letras Português do Núcleo de Educação à Distância
da Universidade Estadual do Piauí – NEAD / UESPI, 2013.

1. Literatura africana. 2. Interrelação entre Literatura e


Identidades. 3. Vozes e Obras africanas. I. Título.
CDD: 896
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Telefones: (86) 3213-5471 / 3213-1182
Autora do Livro Web: ead.uespi.br
Assunção de Maria Sousa e Silva E-mail: eaduespi@hotmail.com

MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS


DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/ FUESPI
SUMÁRIO

Unidade 1 - Por que estudar literaturas africanas de língua portuguesa


no Brasil: a interrelação entre literatura e identidades – África /
Brasil.......................................................................................................... 7
1. Por que estudar literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil: a
interrelação entre literatura e identidades – África / Brasil .........................9
1.1 O que são as literaturas africanas de língua portuguesa? Conceitos ........ 9
1.2 A distinção entre literatura colonial e literaturas africanas e os estudos
no Brasil ................................................................................................... 10
1.3 Contextos, momentos e fases literárias ............................................. 13

Unidade 2 - Literatura angolana ..................................................................... 23


2. Literatura angolana ........................................................................................ 25
2.1 Alguns dados sobre Angola – o país ................................................. 26
2.2 A literatura angolana: contexto, princípios e fases ............................ 27
2.2.1 Texto 1 (enxerto) ................................................................... 28
2.3 Vozes poemáticas ............................................................................. 33
2.3.1 Novas vozes poéticas ........................................................... 45
2.4 Vozes da prosa: a narrativa angola ................................................... 51
2.4.1 Texto 2 (enxerto) ................................................................... 52

Unidade 3 - Literatura Moçambicana .................................................... 59


3. Literatura Moçambicana ....................................................................... 61
3.1 Conhecendo Moçambique ................................................................. 61
3.2 A literatura moçambicana: princípios e fases ..................................... 61
3.3 Vozes representativas e obras em prosa ........................................... 64
3.4 Vozes representativas e obras em poesia ......................................... 67
3.4.1Poemas moçambicanos ........................................................ 69

Unidade 4 - Literatura Caboverdiana e Guineense .............................. 77


4. Literatura Caboverdiana e Guineense ................................................. 79
4.1. Conhecendo Cabo Verde .................................................................. 79
4.1.2 A literatura caboverdiana: princípios e fases ........................ 80
4.1.2.1 – Periodização da Literatura Caboverdiana (Enxerto 1) ..... 81
4.1.2.2 Quanto às temáticas e o peso das estruturas sociais
nas produções literárias ........................................................................... 85
4.1.2.3 (Enxerto 2) .............................................................. 85
4.2 Vozes poéticas dos claridosos ........................................................... 88
4.2.1 Poemas caboverdianos......................................................... 89
4.3 Vozes da prosa caboverdiana ............................................................ 93
4.4 Conhecendo Guiné-Bissau ................................................................ 99
4.4.1 A literatura guineense: princípios e fases............................. 100
4.4.1.1 Poemas guineenses.............................................. 108
4.4.2 Vozes da prosa guineense ................................................. 110
4.4.2.1 Textos em prosa.................................................... 111

Unidade 5 - Literatura São-Tomense ................................................... 115


5. Literatura São-Tomense ..................................................................... 117
5.1. Conhecendo São Tomé ................................................................... 117
5.2 A literatura são-tomense: princípios, momentos e as vozes
representativas da poesia ...................................................................... 118
5.3 Vozes representativas da prosa ....................................................... 121
5.4 Vozes contemporâneas .................................................................... 123
5.4.1 Poemas de Conceição Lima .............................................. 126

Referências Bibliográficas .................................................................. 130


UNIDADE 1
POR QUE ESTUDAR LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA NO BRASIL: A INTER-RELAÇÃO ENTRE
LITERATURA E IDENTIDADES – ÁFRICA / BRASIL

OBJETIVOS
• Entender os porquês da inclusão das literaturas africanas de língua portuguesa
no ensino de Letras no Brasil;

• Distinguir literatura colonial de literatura africana de língua portuguesa;

• Identificar o contexto, momentos e fases gerais das literaturas africanas de língua


portuguesa.
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

1. Por que estudar literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil:


a interrelação entre literatura e identidades – África / Brasil

Diante das considerações introdutórias, o estudo das literaturas


afro-brasileira e africanas de língua portuguesa, de um lado, permite não
só um maior conhecimento da nossa história brasileira e nossa formação
cultural mas também revela ricas vivências e experiências culturais dos
povos africanos. Povos estes que constituem um dos elementos formadores
da cultura brasileira. Por outro, o estudo contribui para que se elimine a
predominância de imagem negativa e inferiorizada que comumente se tem
de África como continente constituído de países exóticos – selva e savanas
-, paupérrimos, abalados por guerras e doenças, incapazes de solucionar
seus problemas sociais, políticos e econômicos.
Não há uma África, mas várias Áfricas delineadas por seus países
multirraciais, de paisagens geográficas diversas, de etnias, costumes e
culturas diversas e diferentes e autônomos cuja tradição se reconhece
como berço real da cultura ocidental.
Estudar as literaturas africanas de língua portuguesa produzidas pelos
cinco países: Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné Bissau e São Tomé
e Príncipe permite-nos conhecer a perene ligação e relação estabelecida
literariamente entre esses países e o Brasil desde meados do século XIX,
justamente em razão dos pertencimentos identitários que vigoram a partir
da diáspora negra advinda desses países desde o século XVI. O tráfico de
escravos africanos e o próprio processo de escravidão no Brasil deixaram
marcas indeléveis em nossa sociedade, todavia a presença de africanos
enriqueceu sobremaneira o país economicamente, socialmente e culturalmente.
No contexto colonial, além dos importantes aspectos de trocas econômicas, a
literatura foi um meio de diálogo profícuo, principalmente entre Cabo Verde/
Brasil e Angola/ Brasil, fenômeno que se intensifica cada vez mais no século
XXI, como veremos no decorrer deste curso.

1.1 O que são as literaturas africanas de língua portuguesa? Conceitos

O fato de denominarmos literaturas africanas de língua portuguesa


aqui no Brasil não é motivo de polêmica, visto que a maioria dos estudiosos

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

que aqui se debruça sobre essas literaturas reconhecem e acatam tal


termo. O que é válido colocar em discussão é como essas literaturas são
conceituadas. Em África de língua portuguesa esse termo já foi algo de
boas discussões. Na historiografia crítica, o termo Literaturas africanas de
expressão portuguesa, cunhado pelo estudioso Manuel Ferreira, assegura-
se pela visão de que: “herda[ram] o português como expressão cultural
e ele faz parte da [...] cultura” (FERREIRA, 1987, p. 15), mas tendo em
vista que o termo “expressão” trazia o sentido com certo predomínio dessa
herança portuguesa na cultura africana e, portanto, demarcava uma visão
ideológica atrelada ao domínio da metrópole em época colonial, buscou-se
a denominar Literaturas africanas de língua portuguesa. Vejamos o que
diz um dos estudiosos das literaturas africanas, Alfredo Margarido:

Essas observações são indispensáveis para explicar a razão


pela qual renunciei à designação clássica de literaturas africanas
de expressão portuguesa, que também utilizei com alguma
frequência, para substituí-la pela de literaturas dos países
africanos de língua portuguesa. A primeira razão reside no lastro
neocolonialista patente numa designação como de expressão
portuguesa. Não se trata de escrever em língua portuguesa,
mas de se manter fiel à expressão portuguesa, o que seria
contraditório com a substância nacional da escrita [...]. Por outro
lado, dizendo que se trata da expressão portuguesa, reduz-
se automaticamente o campo de afirmação destas literaturas,
impedindo a integração das formas orais das línguas autóctones.
(MARGARIDO, 1980, p. 8-9)

Diante da explicação de Alfredo Margarido, reflita: nenhum termo


é neutro, todos trazem em si uma perspectiva ideológica, carregada de
intencionalidade.

1.2 A distinção entre literatura colonial e literaturas africanas e os


estudos no Brasil

Segundo Ferreira (1987) a literatura colonial surge com a chegada


dos portugueses nos países africanos que em Cabo Verde ocorreu em 1460,
Guiné Bissau (1485), Moçambique (1505), São Tomé e Príncipe (1485), São

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Paulo de Assunção de Luanda, Angola (1575). Da chegada dos portugueses


até meados do século XIX, não há registro de textos literários produzidos
nesses países. Só a partir daí é que a metrópole (Portugal) tomou medidas
para desenvolver o ensino, por exemplo, em Cabo Verde isso aconteceu
de 1845 a 1866. Foi então com a instalação do prelo nessas ex-colônias
que o quadro passou a se modificar. Isso não quer dizer que não havia
manifestação literária. As sociedades eram ágrafas, no entanto existia
uma rica literatura oral, passada de geração a geração, manifestações que
infelizmente não vamos nos deter sobre elas neste curso.
O prelo foi instalado em Cabo Verde em 1842, em Angola em 1845,
Moçambique, em 1854, São Tomé e Príncipe, em 1857 e Guiné Bissau,
1879. Só quatro anos após a instalação do prelo é que foi publicado o
primeiro livro impresso que se tem notícia: Espontaneidades da minha alma
(1849) do angolano José da Silva Maia Ferreira.
Segundo Manuel Ferreira (1987), em Literaturas africanas de
expressão portuguesa, há de se ressaltar, para efeito metodológico, as
duas linhas divisórias: literatura colonial e literaturas africanas. Para ele, a
literatura colonial, compreende-se dos textos em que
O homem negro aparece como que por acidente, o homem branco
está colocado à categoria de herói mítico, desbravador das terras
inóspitas, operador de uma cultura superior. Ele é no texto literário e
no pensamento de que o redige e organiza, o habitante privilegiado
e soberano, o prolongamento da pátria e o mítico semeador da
utopia. Nele reside o ânimo e a consciência das posses da terra e
das gentes e, com exceções a assunção do predestinado redentor
com dom imperial (FERREIRA, 1987, p. 11).

Como podemos perceber, a ideia de inferiorização do homem negro


é a tônica desses textos que se pautavam das teorias racistas que vigoram
na época como a de Gobineau e do filósofo Lévi-Bruht. Essa literatura se
intensifica nos anos 20 e 30 do século XX quando também se fortalece o
processo colonialista. Nos textos também se percebe uma visão paternalista
e exótica e “a glorificação de uma mítica imperial” (Idem, p. 21)
Para o mesmo teórico, as literaturas africanas são o oposto. Nas
literaturas africanas,

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

O universo africano perspectivado por dentro


consequentemente saneado da visão folclorista e exótica.
No material linguístico do texto o negro é privilegiado e
revestido de um sólido tratamento literário – embora não
sejam exclusivas as personagens europeias (de sinal
negativo ou positivo). É o africano que normalmente
preenche os apelos da enunciação e é ele quase
exclusivamente, enquanto personagem ficcional ou
poética, o sujeito do enunciado. Os cuidados e os
esmeros do sujeito enunciador são de organicamente
moldar o enunciado com ingredientes significativos e
representativos da especificidade africana. Se colocados,
lado a lado, dois textos, um de literatura colonial e outro
de literatura africana é como se procedêssemos a uma
justaposição de brusco contraste.
O texto colonial representa e prolonga a realidade colonial;
o texto africano nega a legitimidade do colonialismo e faz
da revelação e da valorização do universo africano, a raiz
primordial. (FERREIRA, 1987, p. 14)

Enquanto no excerto acima, para os primeiros estudiosos dessa


literatura além mar a preocupação de conceituar passava por uma
perspectiva político-ideológica, em razão das próprias circunstâncias
em que se inseria o fenômeno; para uma das estudiosas brasileiras, a
professora da USP, Tânia Macedo, os estudos sobre literaturas africanas
no Brasil é baseado por viés de valor estético.

Desenha-se, assim, entre nós, uma das balizas


que têm orientado os estudos das literaturas africanas:
o valor dos textos como produtos estéticos. Ainda que
a relação entre texto e contexto seja sempre iluminada
e a interdisciplinaridade seja uma constante em nossa
abordagem, o que tem guiado a crítica e o ensino no
Brasil é o valor estético das obras. E, no que diz respeito
a essa questão, vale lembrar que não se trata de um
esteticismo em si, e sim de iluminar a peculiaridade e as
tensões que os textos percorrem, visto serem eles fruto
de uma vivência e ambientação africanas, mas veiculados
em língua ocidental – portanto, partícipes de uma dupla
natureza. (MACEDO, 2010, p. 281)

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Agora, apresentadas concepções diferentes, mas não contrapostas,


observe o direcionamento que percorremos para estudar essas literaturas. Por
um lado, não se desconhece o peso da questão histórica que fazem parte da
condição de produção dos autores aqui estudados, visto que é crucial, por outro,
é preciso levar em conta o critério estético bem ressaltado por Tânia Macedo.

1.3 Contextos, momentos e fases literárias

Vale, porém, trazer outros oportunos elementos salientados por mais


duas estudiosas brasileiras Maria de Nazareth Soares Fonseca e Teresinha
Taborda Moreira (PUC Minas) para reforçar uma melhor compreensão
dessas literaturas africanas. Ambas, apontando para as produções que se
engendraram durante os períodos de independência e pós-independência
alertam-nos para que levemos em conta o contexto em que o escritor
africano escreve. Para elas, esse escritor africano vivia até o período da
independência entre duas realidades: a colonial e a africana e não podia
ficar alheio a isso. Então sua escrita imprimia uma tensão anunciada entre
esses dois mundos, em razão de que ele utilizava uma língua europeia e
sua escrita “registrava a tensão nascida da utilização da língua portuguesa
em realidades bastante complexas” (FONSECA; MOREIRA em pdf).

Ao produzir literatura, os escritores forçosamente


transitavam pelos dois espaços, pois assumiam as
heranças oriundas de movimentos e correntes literárias
da Europa e das Américas e as manifestações advindas
do contato com as línguas locais. Esse embate que se
realizou no campo da linguagem literária foi o impulso
gerador de projetos literários característicos dos cinco
países africanos que assumiram o português como língua
oficial. (FONSECA;MOREIRA [pdf])

As pesquisadoras também nos levam a observar quatro momentos


importantes para a “emergência das literaturas nos espaços colonizados
pelos portugueses”. Recorrendo a Ferreira (1989) indicam que o primeiro
momento refere-se ao o que ele chama de “estado de alienação”, cujos textos
poderiam ser de quaisquer outros cantos do mundo porque expressam uma

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

alienação cultural. O segundo seria a fase de “percepção da realidade” em


que se percebe a influência do meio e revela os primeiros sinais de sentimento
nacional, a saber, o sofrimento por ser negro, o negrismo e o indigenismo.
O terceiro momento implica no escritor tendo “consciência de colonizado”
em que sua produção literária engendra-se do contexto sociocultural e
geográfico, sendo, portanto, o tempo da “desalienação e do discurso da
revolta”. E o quarto e último momento é da “fase histórica da independência
nacional em que se reconstitui “a individualidade plena do escritor africano” e
que ele produz o texto com liberdade, exercendo a sua criatividade, tratando
de temas com maior alargamento e identificação com África.
Sob uma perspectiva que as autoras chamam de mais historicista,
conforme Patrik Chabal (1994), há quatro fases da abrangência das
literaturas africanas: 1) a da assimilação – em que o escritor africano imita os
modelos europeus; 2) a da resistência – em que o escritor africano defende
a cultura africana e rompe com os modelos europeus preestabelecidos,
“fase da conscientização definitiva do valor do ser africano e que coincide
com a conscientização da africanidade sob a influência da negritude de
Aimé Césaire, Léon Damas e Léopold Senghor”; 3) fase simultânea a
da afirmação do escritor africano como tal que, segundo Fonseca apud
Chabal (1994), o “escritor procurar marcar seu lugar na sociedade e
definir a sua posição nas sociedades pós-coloniais em que vive” e 4) a
atual, a fase de traçar rumos novos “para o futuro da literatura dentro das
coordenadas de cada país, ao mesmo tempo em que se esforçam por
garantir, essas literaturas nacionais, o lugar que lhes compete no corpus
literário universal”(FONSECA, MOREIRA, s/d,[em pdf])
Cabe então, a partir desses delineamentos de fases gerais do
percurso historiográfico das literaturas africanas ressaltar momentos
cruciais dos movimentos literários nos cinco países, a saber:
I - a publicação do livro de poemas “Ilha de nome santo” de Francisco José
Tenreiro, em São Tomé e Príncipe (1942);
II - a publicação da revista Claridade, em Cabo Verde (1936-1960); o
movimento “Vamos descobrir Angola” (1948)
III - a publicação da revista Mensagem (1951-1952), em Angola;

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IV - a publicação da revista Msaho (1952), em Moçambique,


V - a publicação da antologia “Mantenhas para quem luta!” (1977), pelo
Conselho Nacional de Cultura, em Guiné-Bissau.

Saiba mais

Afro-brasileira: “termo polêmico que provoca significativa discussão


junto com os outros dois: literatura afrodescendente e literatura negra
que conforme Oswaldo Camargo (1986) é aquela que revela vivências e
experiências estéticas a partir do ponto de vista da persona negra. Segundo
Macêdo, literatura afro-brasileira indicaria o conjunto de produtos, de autoria
afrodescendentes, que tematizaria a negritude a partir de uma perspectiva
interna e comprometida politicamente em recuperar e narrar a condição do
negro no Brasil.” (MACEDO, 2010, p. 279)

Diáspora (Diáspora Negra): “Com relação à diáspora africana,


podemos situá-la em três momentos: a partir da ideia de que a África é
o berço da humanidade, os africanos saíram do continente africano para
povoar os demais continentes, isso já faz parte da diáspora africana. Saíram
livremente, voluntariamente, e todo o resto da humanidade, e mesmo
aqueles que voltaram para a África e os que invadiram a África, são todos
descendentes de africanos. Isso faz parte dessa diáspora mais antiga, que
é mais conhecida como “o berço da humanidade”. A segunda diáspora é o
produto resultante do tráfico negreiro. Tráfico negreiro que levou africanos
para todos os cantos do mundo, para o continente asiático, para o continente
americano, e para a Europa. E nessa segunda diáspora os africanos não
saíram voluntariamente, foram sequestrados, amarrados, transportados e
deportados, não podemos considerá-los como imigrantes porque eles não
sabiam nem por onde iam, nem para onde estavam sendo levados, nem
por que motivo. Foi por meio dessa grande diáspora que as Américas se
desenvolveram, que a Europa se desenvolveu, com a mão de obra africana,
num mundo em que a tecnologia estava no ponto em que estamos hoje,
onde a produção e o desenvolvimento precisam do trabalho humano. Foi

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

graças a essa mão de obra escravizada que nós, os africanos, construímos


as riquezas dos países, como o Brasil. A terceira diáspora é a que data de
alguns anos antes das independências africanas, os africanos tiveram que
sair obrigados pelas condições de vida dos seus países, condições de vida
que foram deixadas pelos colonizadores, depois de anos de colonização.
A colonização não aconteceu como se esperava, e seu desenvolvimento
foi feito com dirigentes fascistas sanguinários, sustentados pelos próprios
europeus que colonizaram a África. Alguns fugiram dessas condições de
vida, das guerras, para encontrar melhores condições de vida na Europa.
Mesmo os intelectuais africanos fugiram da África porque não encontraram
melhores condições de produtividade intelectual, e muitas vezes por
causa das questões políticas foram para outros países. [...] Nós temos na
África também uma nova diáspora africana: muitos imigrantes dos países
africanos em guerra são encontrados, inclusive aqui no Rio de Janeiro, em
São Paulo e em outras cidades, alguns raros intelectuais. Mas a grande
diáspora africana está nos países ocidentais.” (MUNANGA, Kabengele In.
Entrevista ao portal Salto para o Futuro. Disponível em http://www.tvbrasil.org.
br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=85 )
Preconceito, Discriminação e Racismo: “Os preconceitos são pré-
julgamentos sobre o outro, sobre outros povos, sobre outras culturas, [...]
opiniões às vezes formalizadas, às vezes não formalizadas, acompanhadas
de afetividade, são diferentes da discriminação. A discriminação é expressa
pelos comportamentos observáveis, que podem ser censurados e até
punidos pela lei, são atitudes que não são invisíveis. Outra coisa é um
“derivado” que é chamado de racismo, que praticamente é todo um sistema
de dominação que está por trás disso, todo um sistema de dominação
sustentado por um discurso que, às vezes, tem conteúdo de uma ciência,
por ser uma pseudociência, uma doutrina que existe justamente para
justificar a dominação, a exploração do outro. Esse discurso legitimador
foi considerado, no século XVIII e XIX, como uma ciência da época,
uma ciência chamada de raciologia, mas que tem vários nomes. Mas se
olharmos bem, na história da humanidade, esse sistema é mais antigo do
que a modernidade ocidental. Nós aprendemos que isso começa com a

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modernidade ocidental, mas é muito mais antigo, podemos colocar na origem


dos contatos entre os povos, quando os europeus começaram a imigrar
e montaram seus sistemas de dominação. Alguns chamam de ideologia
esse sistema de dominação, não o sistema como tal, mas o discurso que
acompanha esse sistema de dominação e que legitima isso.” (MUNANGA,
Kabengele. Entrevista ao portal Salto para o Futuro. Disponível em http://
www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=85)
Negrismo: “corresponde a uma fase de consciência de identidade
cultural anterior à negritude e na qual as representações e as expressões do
texto literário sobressaem de um estado de espírito virado para o passado
africano em oposição aos dados da cultura européia, mas sem que tenha
sido apreendida uma conscientização libertadora, que só terminou por se
alcançada, em bloco, com a fase da negritude, nos inícios (sic) da década
de 30. Diríamos que o negrismo é uma forma de dar expressão passiva
aos valores do passado africano, enquanto a negritude é uma atitude
caracterizada pelo fato de encarar esses fenômenos numa perspectiva
dinâmica (p.90).” (FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão
portuguesa. São Paulo: Ática, 1987)
Manuel Ferreira, português, professor da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, foi quem introduziu o estudo das “literaturas
africanas de expressão portuguesa” nas universidades portuguesas, em
1974. Ele foi o primeiro pesquisador a divulgar dados para o público em
geral e para a comunidade acadêmica. Neste trabalho nos embasamos nas
pesquisas que estão nos seguintes livros deste autor: Literaturas africanas
de língua portuguesa I e II, 50 poetas africanos (antologia); No reino de
Caliban I e II.

Glossário

Agrafas: Que não tem escrita.


Diacrônico: Desenvolvimento de um campo de saber no decorrer
do tempo.

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Neocolonialismo: “Motivado pelo o novo tipo de capitalismo


financeiro e monopolista relacionado à segunda revolução industrial que
modificou áreas de indústria elétrica, química, metalúrgica e etc. Teve
seu momento alto nos séculos XVIII, XIX e XX e até agora no século
XXI com influências imperialistas. Apoiado pelo Estado burguês liberal,
predominância do poder econômico capitalista sob as decisões do Estado.
Justifica-se por uma missão civilizatória baseada na crença da superioridade
da civilização européia sob as demais”
Fonte:http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/neocolonialismo/neocolonialismo5.php
Gobineau: “Nascido no dia 14 de julho de 1816 em Ville-d’Avray,
comuna da França, Joseph Arthur de Gobineau exerceu atividades como
filósofo, escritor e diplomata. Durante o século XIX, suas teorias sobre o
racismo foram consideradas as mais importantes entre estudiosos do tema e
levada a cabo pelos defensores do racismo.” Fonte: http://www.infoescola.com/
biografias/arthur-de-gobineau/
Lévi-Bruht: “O pensamento de Lévy-Bruhl goza de uma posição
particularmente contraditória na história da antropologia. Por um lado,
seus escritos são tratados como a manifestação de uma personalidade
etnocêntrica formada, sobretudo, por uma miríade de conceitos pouco claros
e pela ausência de experiência em campo. O etnocentrismo de Lévy-Bruhl,
na visão de seus críticos, estaria manifesto na suposição de uma diferença
fundamental entre o pensamento ocidental e o pensamento dito primitivo,
governado pela lei da participação e indiferente às ideias de contradição e
contiguidade na relação causal. Para os seus críticos, Lévy-Bruhl não faria
outra coisa senão radicar as diferenças da ordem da cultura em diferenças
que, em última análise, passariam por diferenças de ordem natural.” Fonte:
http://classicos12011.wordpress.com/2011/04/14/comentario-levy-bruhl/.
Aimé Césaire (1913 – 2008), Léon Damas (1912 -1978), Léopold
Senghor (1906 – 2001): Nomes ligados ao termo “Negritude”. Foram
responsáveis e dinamizadores, considerados os pais do Movimento de
Negritude na Europa, na década de 1930. O termo aparece pela primeira
vez Cahier d’un retour au pays natal, livro de poemas de Aimé Césaire, em

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Paris, 1938. Aimé Césaire (martinicano), Léon Damas (ganês) e Léopold


Senghor (senegalês).
Patrik Chabal: francês, “estudou em França, nos EUA e na Grã-
Bretanha. Fez investigação e deu aulas na Universidade de Cambridge
(onde se doutorou em Ciências Políticas) e é actualmente professor no
Departamento de História do King’s College (Londres). Está envolvido num
projecto a longo prazo em que se conjuga o estudo da cultura na política
comparada e a pesquisa da teoria das ciências sociais”. Fonte: http://www.
buala.org/pt/da-fala/etiquetas/patrick-chabal.
Colonialismo: “Motivado pelo crescente mercado capitalista
comercial e mercantil, teve seu ponto ápice nos séculos XVI e XVII, apoiado
pelos Estados absolutistas e empenhava-se no esforço nas missões que
rendiam lucros e domínio de terra. Um processo de exploração cujo objetivo
é extrair os produtos tropicais e metais preciosos das colônias e importar
para a metrópole européia. Justificava-se na missão religiosa de espalhar
o cristianismo para os pagãos no mundo e converter os demais povos
ao catolicismo.” Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/neocolonialismo/
neocolonialismo-5.php.
Leituras complementares: Para maior aprofundamento sobre o
conteúdo desenvolvido nesta unidade sugerimos que leiam os seguintes
textos de nossa bibliografia básica:

1 - Sobre o panorama das literaturas africanas de língua


portuguesa,leia o texto:
FONSECA, Nazareth S; MOREIRA, Teresinha T. Panorama das literaturas
africanas de língua portuguesa. [pdf] Disponível http://www.ich.pucminas.br/
posletras/Nazareth_panorama.pdf, acessado em 02/03/2012.

2 - Um estudo das literaturas africanas sob a perspectiva diacrônica:


FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa I. São
Paulo: Ática, 1987.
_________ . Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lisboa:
Biblioteca Breve; Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1986. 2 v.

19
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

3 - Sobre o movimento da negritude que influenciou parte das


produções da fase de resistência, sugerimos o artigo “Movimento de
negritude: uma breve reconstrução histórica do professor Petrônio José
Domingues (UNIOESTE) disponível http://www.fflch.usp.br/cea/revista/africa_026/
af07.pdf.

4 - Sobre preconceito, discriminação e racismo, leia: a entrevista


completa de Kabengele Munanga ao Portal Salto para o futuro e para um
estudo mais aprofundado o livro do mesmo autor Superando o Racismo na
escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. – [Brasília]:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade, 2005, 204p. Disponível em http://www.uel.br/projetos/leafro/pages/
arquivos/MUNANGA%20K%20%20Superando%20o%20Racismo%20na%20Escola%20
(sem%20capa).PDF.

Atividades de aprendizagem

Releia o texto da unidade e responda às questões a seguir.


(Conforme a orientação do tutor podem ser escolhidas duas ou três destas
perguntas para serem respondidas como exercícios)

1 – Após a leitura do texto e com base nas informações nele contidas,


aponte como surgiram as literaturas africanas de língua portuguesa.

2 – Estabeleça diferenças entre literatura colonial e literaturas africanas.

3 – Levando em consideração as diferentes fases e/ou momentos


apresentados por Ferreira, Margarido e Chabal, exponha que critérios cada
um se apropria para delinear os momentos importantes dessas literaturas
de modo geral.

4 – Pesquise na web e escreva de forma sucinta sobre o Movimento e


Revista Claridade em Cabo Verde e da revista Mensagem em Angola. Esta

20
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pesquisa é importante porque lhe subsidiará nos estudos sobre literatura


caboverdiana e a angolana. Exponha no mural virtual socializando com
os colegas.

Resumo

Nesta unidade, apresentamos alguns elementos e conteúdos


introdutórios para a compreensão das literaturas produzidas nos cinco
países que têm como língua oficial o português. Todos eles passaram
por situações históricas semelhantes e foram afetados pelo processo de
colonização empreendido pelo colonizador português. Vimos:
 A importância e o significado dos estudos das literaturas africanas
nas universidades brasileiras.
 A relação perene entre o Brasil e os demais países africanos de língua
portuguesa desde o século XVI e permanente diálogo e reconhecimento
das heranças culturais.
 A problematização do termo literaturas africanas de expressão
portuguesa e a opção por literaturas africanas de língua portuguesa em
Àfrica; os estudos e os critérios levando em conta no Brasil.
 As distinções teóricas estabelecidas entre literatura colonial e
literaturas africanas
 Fases e momentos importantes para a compreensão dessas
literaturas de língua portuguesa no continente africano.

Atividade complementar

Fórum de discussão: Após pesquisar sobre negritude e


indigenismo na África, apresente suas considerações sobre estes
dois tópicos contrapondo-os. Obs.: Cada participante do fórum deve
expressar sua posição sobre eles e dialogar com os demais acrescentando
contraposições

21
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Para finalizar

Releia o texto da Unidade 1, reveja suas respostas nos exercícios,


revise sua pesquisa e elabore um fichamento destacando os principais
pontos desenvolvidos nesta unidade para melhor compreensão das
literaturas africanas que iremos estudar.

22
UNIDADE 2
LITERATURA ANGOLANA

OBJETIVOS
• Compreender o contexto e as condições de produção para a identificação das
temáticas desenvolvidas da literatura angolana;

• Analisar as fases e momentos importantes para a formação da literatura angolana;

• Ler e interpretar textos literários dos autores angolanos representativos.


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2. Literatura Angolana

Nesta Unidade 2 passamos a estudar de maneira panorâmica


a literatura angolana. Muito mais se teria a registrar, refletir, provocar
discussões quantos aos aspectos temáticos e formais dos textos literários
produzidos, todavia, isso não é possível em razão do propósito deste
trabalho que é de introdução aos estudos desta literatura. Dando relevância
às fases da literatura angolana, optamos apresentá-las sob o ponto de
vista diacrônico, visto que nosso objetivo é enfatizar de forma breve, mas
produtiva as temáticas, a influência da história nas condições de produção
de alguns autores representativos. É importante deixar claro que muitos e
significativos autores e autoras não serão contemplados em razão de ser
este estudo apenas preliminar e panorâmico. No entanto, apresentaremos
nas seções Saiba mais e Leituras complementares, indicativos de textos
que poderão suprir a curiosidade e a necessidade de pesquisa e de maior
aprofundamento. Diferente de outros tempos, quando iniciamos os estudos
de literaturas africanas, temos hoje uma produção acadêmica (artigo,
ensaios, resenha, etc) bastante acessível que você pode usufruir na web e
em livros impressos. É significativo também o número de autores africanos
editados no Brasil e com mais facilidade de serem encontrados nas livrarias
e bibliotecas das universidades.

25
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

2.1 Alguns dados sobre Angola - o país

Mapa Angola

Angola, capital da República de Angola, tem como língua oficial o


português, além de outras principais: Umbundu, Kimbundu, Kikongo, Cokwe, Fiote
e Kwanyama. Sua moeda nacional é a Kwanka (AOA). No país existem as religiões
Católica (51%); Protestante (17%); Animista (30%) e Outras (2%). Luanda, Huambo,
Benguela, Lobito e Lubando são as principais cidades. Há duas estações climáticas
no país: a das chuvas, período mais quente que decorre de setembro a maio, e
a de cacimbo, seca, menos quente que se estende de maio a setembro.(Fonte
consultada: Portal do Cidadão - Governo da República de Angola
Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento).
A riqueza cultura angolana manifesta-se em diferentes áreas. No
artesanato, estatuetas em madeira, instrumentos musicais, máscaras para danças
rituais, objetos de uso quotidiano caprichadamente ornamentados, pinturas de óleo
e areia se juntam às festas tradicionais realizadas pelas etnias locais expressando
seu grande valor cultura. A música também expressa diversos e importantes ritmos:
kizomba, semba, rebita, cabetula e os mais novos estilos, o zouk e kuduro. As
danças tradicionais também estão presentes no seio da cultura deste país, assim
como a sua gastronomia. A literatura, origem no século XIX carrega, em princípio
uma característica peculiar de “intervencionista” e comprometida com a história do
país para, em seguida, se fortalecer como manifestação estética.
Economicamente, segundo dados do Portal do Governo de Angola, na
década de 1990, o petróleo pesava 41%, e em 2000, 62% em contraste com o setor
de comércio e serviços. A agricultura, silvicultura, pecuária e pesca não chegam
ao total de 10% do PIB. Hoje o investimento externo no PIB é significativo para a
economia angola. Fonte consultada: http://vida1.planetavida.org/paises/angola/o-
pais-2/economia-de-angola/.

26
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Saiba mais

Sites e portais com informações atuais sobre Angola:


http://www.wayfield.com/pt/clientes/angola_hoje.php - Notícias
http://www.angola24horas.com/ - Notícias
http://jornaldeangola.sapo.ao/ - Notícias
http://www.ueangola.com/criticas-e-ensaios - União dos Escritores Angolanos

2.2 A literatura angolana: contexto, princípios e fases

Angola, como os demais países africanos de língua portuguesa, tem


uma literatura que está intimamente influenciada e relacionada com sua
realidade histórico-social. E os autores de hoje reforçam e dialogam com as
preocupações sociais e estéticas de seus precursores. Isso se acresce a
também influência da tradição oral sobre a literatura produzida, demarcando
a própria identidade cultural do país expressa nas narrativas e nos poemas
contemporâneos.
Nomes importantes como de Luandino Vieira, Pepetela e Boaventura
Cardoso, Manuel Rui, Ana Paula Tavares, Ruy Duarte de Carvalho, Ondjak,
Adriano Botelho, José Eduardo Agualusa, Isabel Ferreira, Dulce Braga,
Micaela Reis e muitos outros dimensionam um cânone que estar a se
construir. Na poesia, o fôlego que se iniciara com Agostinho Neto, António
Jacinto e Viriato da Cruz, reforçado com David Mestre, Arlindo Barbeitos,
continua reacendendo as encruzilhadas poéticas, agora com nomes que se
proliferam dando uma tônica diferencial como Paula Tavares, João Melo,
Ruy Duarte de Carvalho, José Luis Mendonça.
De maneira breve, para efeito didático e de maior compreensão
do percurso historiográfico pelo qual essa literatura vem passando,
vamos, a seguir, conhecer os períodos sistematizados pelo pesquisador
Pires Laranjeiras (Universidade de Lisboa). É preciso registrar que tais
períodos não devem ser levados como formas rígidas e inflexíveis,
eles apenas estão postos para facilitar uma compreensão do percurso
literário até então transcorrido.

27
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

2.2.1 Texto 1 (excerto)

LITERATURA ANGOLANA – PERIODIZAÇÃO

1º período, das origens até 1848, a que chamamos de Incipiência. A


literatura angolana começou, pelo menos, com o livro de Maia Ferreira, em
1849, que a introdução do prelo em Angola possibilitou. […] (p. 36)
2º período, que vai da publicação dos poemas Espontaneidades da
minha alma, de José da Silva Maia Ferreira, em 1849, até 1902. Período
dos Primórdios, que engloba uma produção poética remanescente do
romanismo, com raros tentames realistas, dos quais se destaca a noveleta
Nga mutúri (1882), de Alfredo Troni. […] (p.36)
3º Período, abrangendo sensivelmente a primeira metade do século
XX (1903-1947), de Prelúdio ao que viria a ser, na segunda metade do
século XX, o nacionalismo inequívoco e intenso.
A literatura colonial estende as suas milhares de páginas aos
leitores europeus de novidades tarzanísticas. Vigoram as temáticas da
colonização, dos safaris, da aventura nas selvas e savanas, numa panóplia
de atracção exótica. O negro é figurante ou personagem irreal. É o período
em que o romance ou a novela de Castro Soromenho ainda não se
desprenderam de um certo etnologismo mitigado, em que o negro ainda é
observado através do filtro administrativo e preconceituoso, como facto e
fautor de curiosidades. […] (p. 37)
4.° Período, entre 1948 e 1960, fulcral na Formação da literatura,
enquanto componente imprescindível da consciência africana e nacional.
Época decisiva, considerada unanimemente como a da organização literária
da nação, com base em movimentos como o MNIA1, o da Cultura e o da CEI
[Casa dos Estudantes do Império]2, além de outros contributos, como o das
1 Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, organização cultural de cunho nacionalista,
de caráter contestatório.
2 Casa dos Estudantes do Império (CEI) – local que abrigava estudantes africanos
(alguns portugueses) que iam estudar em Lisboa (1943 – 1965). A Casa que, a princípio,
surgiu para sustentar o propósito imperial e o “sentimento de portugalidade” passa a ser
inversamente o lugar de oposição ferrenha ao sistema colonial. Ali desperta nos estudantes
uma consciência crítica contra a ditadura e o sistema colonial, mas também o sentimento
de valorização das culturas de seus países colonizados.

28
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

Edições Imbondeiro (de Sá da Bandeira). O Neo-realismo cruza-se com a


Negritude. Com os ventos de certa abertura e descompressão da política
internacional, a seguir à II Guerra Mundial, na Europa, como em África,
animam-se as hostes angolanas empenhadas em libertar-se das malhas
estreitas da política colonial e, portanto, de uma cultura alienada do meio
africano. É nesse contexto brevemente favorável que surge uma actividade
marcada já fortemente por um desejo de emancipação, em sintonia com
os estudantes que, na Europa, davam conta de que, aos olhos da cultura
ocidental, não passavam todos de «cidadãos portugueses de segunda».
[…] (p. 37)
Na década de 1950, a poesia é a forma que mais convém. Aproveitam-
se as conquistas do modernismo, com o verso livre e os temas arrojados, e
toma-se o exemplo dos grandes bardos criadores de longos textos, quase
excessivos, por vezes a tenderem para o prosaico, como Walt Whitman,
Maiakovsky, Álvaro de Campos, Nazim Hikmet ou Pablo Neruda. O caminho
poético pode assim congraçar as três vertentes de júbilo ideológico: o povo,
a classe e a raça. O povo é negro, trabalhador, explorado e oprimido. Numa
palavra: colonizado. Fundamentalmente, traça-se o quadro ou alude-se a
figuras paradigmáticas de colonizados: contratados, prostitutas, escravos,
moleques, ardinas, lavadeiras, estivadores, analfabetos, serviçais, etc.
Pertencem à raça negra ou, no máximo, são mulatos, mas raros. A Negritude
concede-lhes o sentimento de exaltação da raça negra, nomeadamente na
solidariedade com os negros do Novo Mundo e, por outro lado, sublinha
o reconhecimento das raízes, que são étnicas, tribais, mergulhando nos
milénios. […] (p. 39)
5.° Período (1961-1971), relacionado com o incremento da
actividade editorial ligada ao Nacionalismo declarado ou encapotado,
em que surgiram textos de temática guerrilheira, enquanto no ghetto das
cidades coloniais, nas prisões ou na diáspora os temas continuavam a ser
os do sofrimento do colonizado, da falta de liberdade e da ânsia de tomar o
destino nas próprias mãos. Em 1961, começa a luta armada de libertação
nacional. […] (p. 39 -40)

29
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

A atribuição do grande prémio de novelística a Luuanda (1964), de


José Luandino Vieira, pela Sociedade Portuguesa de Escritores (1965),
quando este se encontrava preso por «actividades terroristas», no Tarrafal
(em Cabo Verde), despoleta uma repercussão a nível de Portugal e círculos
internacionais, tornando-o, com Agostinho Neto, o escritor mais conhecido.
Outros escritores passam pelas prisões ou aí permanecem longos anos:
Uanhenga Xitu, Manuel Pacavira, Jofre Rocha, Aristides Van-Dúnem, etc.
Luandino torna-se o responsável pela grande revolução estilística, com que
criando uma nova língua literária angolana […] (p. 40)
6º Período, de 1972 a 1980, o da Independência, repartido por dois
curtos períodos, de 1972-74 e de 1975-80, relativos, respectivamente, a uma
mudança estética acentuada, de uma modernidade acertada pelo relógio
dos grandes centros mundiais, e, por outro lado, após a independência, a
uma intensa exaltação patriótica e natural apologia do novo poder. […] (p. 41)
7º Período, (1981-1993), de Renovação, que começa com a
formação, em 1981, da Brigada Jovem de Literatura. Num primeiro
momento, a Brigada, dependente sempre do apoio estatal, partiu em
busca de certa autonomia decisória e estética, mas revelou-se herdeira do
realismo social. O objectivo fundamental era preparar alguns jovens para
o trabalho literário, tanto mais que, após a escolarização secundária, não
tinham, no país, estudos superiores de literatura desenvolvidos. […] (p. 43)
A partir de uma certa altura foi possível começar a publicação de obras
consideradas incómodas para o poder político, como o romance Mayombe,
de Pepetela, escrito ainda durante a guerrilha. Variadas tendências estéticas
e ideológicas ganharam espaço e impuseram as suas obras.

Fonte: Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão


Portuguesa (vol. 64), Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp.36-43

Ainda sobre a década de 60, correspondendo ao 5º período citado


por Laranjeira, Francisco Soares aponta:
“[…] três grupos distinguem os autores dos anos 1960: o primeiro
é constituído por aqueles que escreviam no país colonial (Arnaldo Santos,

30
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

Jorge Macedo, o trânsfuga futuro Cândido da Velha – e, na opinião de


Venâncio, João Abel); o segundo é constituído por aqueles que compunham
fora do país (e de que Manuel Rui, também ficcionista, constitui o principal
exemplo, residindo em Portugal – sendo Lara Filho um meio-exemplo, porque
escreveu em Portugal e em Angola); o terceiro é constituído por aqueles
que viviam nas zonas de guerrilha e está praticamente só representado por
Pepetela (outro escritor oriundo de Benguela, de seu nome completo Artur
Carlos Maurício Pestana dos Santos). No entanto, Pepetela (que se inicia
na antologia Contos d’Africa da Imbondeiro) só publica nos anos 70, tal
como João Abel, e os seus primeiros livros (os dos anos 60) foram escritos
em Lisboa e Argel, deles apenas sobrevivendo Muana Puó e Mayombe
(aquele escrito em Lisboa, este em Argel), pelo que a chamada literatura de
guerrilha se pode dizer que, praticada por autores revelados nos anos 60,
foi pouco significativa (dela vieram, sobretudo, As Aventuras de Ngunga).”

Francisco Soares (in Notícia da literatura angolana, IN-CM,


2001, p. 209)

Glossário

Tarzanísticas: (ou tarzanização, conforme chama Woly Soyinka,


Prêmio Nobel de literatura em 1986) forma de ver África através da figura
de Tarzan, agregada a ideia de uma África de natureza exuberante, porém
paupérrima, sem história, atrasada e etc.
Fautor: elemento que excita ou favorece

Saiba mais

Para saber mais sobre a Casa dos Estudantes do Império (CEI): site
http://www.dw.de/casa-dos-estudantes-do-imp%C3%A9rio-ber%C3%A7o-de-
l%C3%ADderes-africanos-em-lisboa/a-16233230.

31
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Leitura complementar

Artigo de Rita Chaves (USP), Pepetela: romance e utopia na história de


Angola. Disponível em http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/ecl/pdf/
via02/via02_18.pdf

Atividade de aprendizagem

Questão 1 – De acordo com a periodização delineada por Pires


Laranjeira, identifique os principais momentos propulsores para a formação
da literatura angola.
Questão 2 – Atente para o que o teórico diz sobre o 4º período e
retomando sua pesquisa sobre negritude, feita na Unidade 1, comente a
relação e a influencia deste movimento sobre as produções angolanas
da época.
Questão 3 – No 5º período, o autor refere-se à temática do
nacionalismo nos textos angolanos. Leia o poema “Consciencialização”
abaixo e faça um breve comentário sobre ele, explicando como o tema o
perpassa.

Consciencialiazação

Medo no ar!
em cada esquina sentilenas vigilantes incendeiam olhares
em cada casa
se substituem apressadamente os fechos velhos
das portas
e em cada consciência
fervilha o temor de se ouvir a si mesma

A História está a ser contada


de novo
medo no ar!

Acontece que eu
homem humilde

32
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ainda mais humilde na pele negra


me regresso áfrica
para mim
com os olhos secos. (Agostinho Neto, Sagrada esperança, 1974)

Atividade complementar

1 - Retorne a Unidade 1, atente para as fases prescritas pelas pesquisadores


Nazareth Fonseca e Teresinha Moreira, elabore um ou dois parágrafos
críticos fazendo a ponte entre aquela unidade 1 e os conteúdos que
Laranjeira apresenta a fim de ser incluído no Fórum de discussão.

2.3 Vozes poemáticas

Na exposição de Laranjeira, vários nomes importantes fazem parte da


historiografia literária angolana. São vozes que buscam, frente ao contexto sócio-
histórico e político de Angola, revelar, sob o ponto de vista poético o sentimento
por sua terra e sua gente, cuja fonte situa-se no livro Espontaneidades da minha
alma, do poeta José da Silva Maria Ferreira, de 1849.
Em um primeiro momento, a descrição da terra, sobretudo nas
narrativas, dar-se através da tônica de exaltação da paisagem, sob o
ponto de vista romântico, marcadamente moldados pela dicção portuguesa
e européia. Como vimos, o despertar para os problemas e conflitos que
o colonialismo, já no século XX, provocava no seio desta mesma terra e
de seus sujeitos promove uma literatura que impõe deliberadamente uma
visão de combate e de resistência. Assim a partir dos anos 50, autores
importantíssimos estão conjuntamente envolvidos por um sentimento
nacional e expõem a sua consciência de promover uma literatura capaz
de intervir em prol da libertação do povo angolano. Por esta via, justifica-
se que o poeta também será o militante e assim a poesia vai ser uma das
armas de combate e de resistência. Como prenúncio de 1948 [surgimento
da antologia de Sédar, Senghor Anthologie de La nouvelle poésie noire
ET malgache de langue française, publicada na Europa], intelectuais e

33
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

estudantes angolanos lançam a proposta e assumem veementemente o


movimento Vamos descobrir angola, cujos objetivos eram romper com o
“tradicionalismo cultural imposto pelo colonialismo; debruçar-se sobre
Angola e sua cultura, suas gentes e seus problemas; atentar para as
aspirações populares, fortalecendo as relações entre literatura e sociedade;
conhecer profundamente o mundo angolano de que eles faziam parte,
mas que não figurara nos conteúdos escolares aos quais tiveram acesso”
(Fonsera, em [pdf].
Isto é confirmado por outro teórico, Carlos Ervedosa, quando diz:
o vermelho revolucionário das papoilas dos trigais europeus encontraram-
no, os poetas angolanos nas pétalas de fogo das acácias, e a cantada
singeleza das violetas, na humildade dos ‘beijos-de-mulata’ que crescem
pelos baldios ao acaso’ (Fonseca apud Everdosa, 1974, p. 107).
Desta fase evidenciamos três poetas: i – Agostinho Neto; ii –
António Jacinto e, iii – Viriato da Cruz. E da poesia contemporânea, leremos
mais três: iv - João Melo, v - Rui Duarte de Carvalho, e vi – Paula Tavares.
Vamos aos poemas.

Agostinho Neto
http://eportuguese.blogspot.com.br/2009/09/antonio-agostinho-neto.html

I – Agostinho Neto (António Agostinho Neto. Nasceu em Angola,


1979; morreu em 1973. Militante político é preso por duas vezes pela PIDE.
Sua prisão desencadeia protestos e grandes adesões e solidariedade de
intelectuais como Jean-Paul Satre, André Mauriac, Simone de Beauvoir,

34
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

Nicolás Guillén, dentre outros artistas e intelectuais do mundo inteiro.


Em dezembro de 1957, é eleito presidente do MPLA e depois foi primeiro
presidente eleito da República Popular de Angola. Tem colaboração
dispersas em jornais angolanos e portugueses. Participou de várias
antologias. Obras mais difundida: Sagrada Esperança (1974); Poemas
(1961); Com occhi asciutti (1963). Foi primeiro presidente da União dos
Escritores de Angola.

Criar

Criar criar
criar no espírito criar no músculo criar no nervo
criar no homem criar na massa
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
sobre a profanação da floresta
sobre a fortaleza impudica do chicote
criar sobre o perfume dos troncos serrados
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
gargalhadas sobre o escárnio da palmatória
coragem nas pontas das botas do roceiro
força no esfrangalhado das portas violentadas
firmeza no vermelho-sangue da insegurança
criar
criar com os olhos secos

Criar criar
estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar paz com os olhos secos.
Criar criar
criar liberdade nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor

35
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas


[simuladas
criar
criar amor com os olhos secos.

(Sagrada Esperanças, 1974; 50 poetas africanos, p. 30-


31)

Adeus à hora da largada

Minha Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe


a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas
[do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos

36
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com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz


os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

(Sagrada esperança, 1974; No reino de Caliban II, 1976,


p. 102-103)

II – Antònio Jacinto (Antònio jacinto do Amaral Martins. Luanda,


1924. Morreu em Lisboa, 2001. António Jacinto teve um percurso de vida
essencialmente marcado pelo envolvimento político contra a colonização
e o regime fascista que perdurava em Portugal. Em consequência disso
foi preso a primeira vez em 1959 e novamente em 1961, sendo desta vez
condenado a 14 anos de cadeia (o julgamento aconteceu apenas em 1963)
pena que iria cumprir no tristemente célebre campo do Tarrafal, na ilha de
Santiago, em Cabo Verde. Em 1972 foi libertado, mas com residência fixa
em Lisboa. No ano seguinte fugiu para Argel, indo depois integrar a guerrilha
do MPLA. Foi um destacado dirigente daquele movimento de libertação e
após a independência de Angola foi Ministro da Cultura, de 1975 a 1978.

Fonte:http://resistente.3e.com.pt/joomla/index.php?option=com_content&view=article&i
d=39:antonio-jacinto-poeta-angolano&catid=2:trabalhos-publicados)

37
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Monangamba

Naquela roça grande não tem chuva


é o suor do meu rosto que rega as plantações:

Naquela roca grande tem café maduro


e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.

O café vai ser torrado


pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,


aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?


Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
“porrada se refilares”?

Quem?

Quem faz o milho crescer


e os laranjais florescer
- Quem?

Quem dá dinheiro para o patrão comprar


maquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,


ter barriga grande - ter dinheiro?

38
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

- Quem?

E as aves que cantam,


os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
̶ “Monangambééé...”

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras


Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras

̶ “Monangambééé...”

(Poemas, 1961, No reino de Caliban II, 1976, p. 135-


136)

Poema da alienação

Não é este ainda o meu poema


o poema da minha alma e do meu sangue
não
Eu ainda não sei nem posso escrever o meu poema
o grande poema que sinto já circular em mim

O meu poema anda por aí vadio


no mato ou na cidade
na voz do vento
no marulhar do mar
no Gesto e no Ser

O meu poema anda por aí fora


envolto em panos garridos
vendendo-se
vendendo

“ma limonje ma limonjééé”

39
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

O meu poema corre nas ruas


com um quibalo podre à cabeça
oferecendo-se
oferecendo

“carapau sardinha matona


ji ferrera ji ferrerééé...”

O meu poema calcorreia ruas


“olha a probíncia”  “diááário”
e nenhum jornal traz ainda
o meu poema

O meu poema entra nos cafés


“amanhã anda a roda amanhã anda a roda”
e a roda do meu poema
gira que gira
volta que volta
nunca muda

“amanhã anda a roda


amanhã anda a roda”

O meu poema vem do Musseque


ao sábado traz a roupa
à segunda leva a roupa
ao sábado entrega a roupa e entrega-se
à segunda entrega-se e leva a roupa

O meu poema está na aflição


da filha da lavadeira
esquiva
no quarto fechado
do patrão nuinho a passear
a fazer apetite a querer violar

O meu poema é quitata


no Musseque à porta caída duma cubata

40
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

        
“remexe remexe
paga dinheiro
vem dormir comigo”

O meu poema joga a bola despreocupado


no grupo onde todo o mundo é criado
e grita

“obeçaite golo golo”

O meu poema é contratado


anda nos cafezais a trabalhar
o contrato é um fardo
que custa a carregar

“monangambééé”

O meu poema anda descalço na rua

O meu poema carrega sacos no porto


enche porões
esvazia porões
e arranja força cantando

“tué tué tué trr


arrimbuim puim puim”

O meu poema vai nas corda


encontrou sipaio
tinha imposto, o patrão
esqueceu assinar o cartão
vai na estrada
cabelo cortado
        
“cabeça rapada
galinha assada
ó Zé”

41
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

picareta que pesa


chicote que canta

O meu poema anda na praça trabalha na cozinha


vai à oficina
enche a taberna e a cadeia
é pobre roto e sujo
vive na noite da ignorância
o meu poema nada sabe de si
nem sabe pedi
O meu poema foi feito para se dar
para se entregar
sem nada exigir

Mas o meu poema não é fatalista


o meu poema é um poema que já quer
e já sabe
o meu poema sou eu-branco
montado em mim-preto
a cavalgar pela vida.

(Poemas, 1961; No reino de Caliban II, 1976, p. 136-137)

Glossário

Monangamba: carregador, contratado, serviçal, indivíduo muito pobre e


mal vestido.
Matona: peixe miúdo
Ferrera: peixe de Angola
Ji ferrera ji ferrerééé: pregão para anunciar a venda do peixe com o
mesmo nome.

III – Viriato da Cruz (Viriato Clemente da


Cruz. Porto Amboim, Angola, 1928 – Pequim, 1973 – um dos fundadores
do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948) e da revista
Mensagem (Luanda) Co-fundador do MPLA, além de seu secretário geral.

42
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

Dissidente do MPLA, exila-se na China. Sua obra: Poemas, 1961) da Casa


dos Estudantes do Império) (Fonte: FERREIRA, 50 poetas africanos,

Makèsú “Kuakié!... Makèzú, Makèzú...”

̶ “Kuakié!... Makèzú... Makèzú...” “Antão, véia, hoje nada?”


“Nada, mano Filisberto...
O pregão da avó Ximinha Hoje os tempo tá mudado...”
É mesmo como os seus panos
Já não tem a cor berrante “Mas tá passá gente perto...
Que tinha nos outros anos. Como é aqui tá fazendo isso?”

“Não sabe?! Todo esse povo


Avó Xima está velhinha
Pegô num costume novo
Mas de manhã, manhãzinha,
Qui diz qué civrização:
Pede licença ao reumático
Come só pão com chouriço
E num passo nada prático
Ou toma café com pão...
Rasga estradinhas na areia...

E diz ainda pru cima


Lá vai para um cajueiro
(Hum... mbundu Kene muxima...)
Que se levanta altaneiro
Qui o nosso bom makèzú
No cruzeiro dos caminhos
É pra véios como tu.”
Das gentes que vão p´ra Baixa.
“Eles não sabe o que diz...
Nem criados, nem pedreiros Pru qué Qui vivi filiz
Nem alegres lavadeiras E tem cem ano eu e tu?”
Dessa nova geração
Das “venidas de alcatrão” “É pruquê nossas raiz
Ouvem o fraco pregão Tem força do makèzú!...”
Da velhinha quitandeira.
(Poemas, 1961; No reino de Caliban II
Antologia panorâmica de poesia africana
de expressão português, 1974, p. 164-165.)

43
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Sô Santo
Banquetes p´ra gentes desconhecidas
Lá vai o sô Santo... Noivado da filha durando semanas
Bengala na mão Kitoto e batuque pró povo cá fora
Grande corrente de ouro, que sai da Champanha, ngaieta tocando lá dentro...
lapela Garganta cansado:
Ao bolso... que não tem um tostão. “coma e arrebenta
e o que sobra vai no mar...”
Quando sô Santo passa
Gente e mais gente vem à janela: Hum-hum
- “Bom dia, padrinho...” Mas deixa...
- “Olá!...” Quando Sô Santo morrer,
- “Beçá cumpadre...” Vamos chamar um Kimbanda
- “Como está?...” Para ngombo nos dizer
- “Bom-om di-ia sô Saaanto!...” Se a sua grande desgraça
- “Olá, Povo!...” Foi desamparo de Sandu
Ou se é já própria da Raça...”
Mas por que é saudado em coro?
Porque tem muitos afilhados? Lá vai...
Porque tem corrente de ouro descendo a calçada
A enfeitar sua pobreza?... A mesma calçada que outrora subias
Não me responde, avó Naxa? Cigarro apagado
Bengala na mão...
- “Sô Santo teve riqueza...
Dono de musseques e mais musseques... ... Se ele é o símbolo da Raça
Padrinho de moleques e mais moleques... ou a vingança de Sandu...
Macho de amantes e mais amantes,
Beça-nganas bonitas (Poemas, 1961; No reino de Caliban
Que cantam pelas rebitas: II Antologia panorâmica de poesia
“Muari-ngana Santo africanas de expressão portuguesa,
dim-dom 1974, p. 166-167)
ualó banda ó calaçala
dim-dom
chaluto mu muzumbo
dim-dom...”
Sô Santo...

44
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Glossário

Kuakié:amanheceu!
Makèzu: composto de cola e gengibre. Desjejum tradicional de composto
de noz de cola, também conhecido como obi, fruto das plantas pertencentes
ao gênero Cole da subfamília Sterculioideae e gengibre, que é mastigado.
Baixa: centro da cidade. No tempo colonial, habitado pelos brancos.
Mbundu kene muxima: O quimbundo (as pessoas) não têm coração.
Musseques: bairro de lata periférico da Luanda, geralmente de terrenos
arenosos (Um – onde; seke, areia)
Beça-nganas: raparigas
Muari-ngana: senhor, patrão, chefe
Ualó banda ó calaçala: ei-lo subindo a calçada
Kitoto: cerveja de milho
Chaluto mu muzumbo: de charuto ou cigarro nos lábios
Kimbanda: (quimbanda), curandeiro
Ngombo: deus da verdade

Atividades de aprendizagem

1 – Leia atentamente os poemas, vá ao glossário, e procure entender


a temática, a alusão ao contexto social angolano e os sentidos do uso de
expressões orais à luz dos conteúdos estudados anteriormente.
2 – Releia o poema “Sô Santo”. De que se trata? O que Sô Santo
representa? Que são os outros sujeitos que de interlocução com Sô Santo?
Para além do diálogo que se estabelece entre os personagens, o que o
poema faz alusão a quê? Atentando para as duas últimas estrofes, como o
eu poético enuncia a presença de Sô Santo? E o que se pode concluir do
poema?

2.3.1 Novas vozes poéticas

Atualmente, a literatura angolana constitui-se dessas variadas

45
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

tendências estéticas e ideológicas. Poetas como José Luis Mendonça, Ruy


Duarte de Carvalho, João Maimona, Ana Paula Tavares e tantos outros
utilizam uma escrita literária que revigoram o passado à luz da memória.
Realizando-se em contexto de rasuras e “esfacelamentos do projeto social
coletivo, a nova ótica lírica precisa encontrar nas águas do passado os
elementos essenciais para exorcizar a dor a morte e a dor (Fonseca apud
Carvalho, 2003, p. 45). Como exemplo trazemos dois destes poetas da
nova voz angolana: Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho.

Ana Paula Ribeiro Tavares


http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/capas/obras-literarias/ana-paula-ribeiro-tavares.php

I) Ana Paula Ribeiro Tavares: (Lubango, província da Huíla,1952)


Passou parte da sua infância naquela província, onde fez os seus estudos
primários e secundários. Iniciou o seu curso de História da Faculdade de
Letras do Lubango (hoje ISCED-Lubango), terminando-o em Lisboa. Em
1996 concluiu o Mestrado em Literaturas Africanas. Atualmente vive em
Lisboa, onde lecciona na Universidade Católica de Lisboa, encontrando-se
a fazer o seu doutoramento. Em 2011 reuniu seus seis livros de poemas em
Amargos como frutos, lançado no Brasil pela Editora Pallas. Além deles tem
dois livros de crônica: O sangue da buganvília (1998) e A cabeça de Salomé
(2004) e um romance Os olhos do homem que chorava no rio (2005).
Fonte: http://www.ueangola.com/bio-quem/item/68-ana-paula-tavares.

46
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

Rapariga

Cresce comigo o boi com que me vão trocar


Amarraram-me às costas, a tábua Eylekessa

Filha de Tembo
organizo o milho

Trago nas pernas as pulseira pesadas


Dos dias que passaram...

Sou do clã do boi —

Dos meus ancestrais ficou-me a paciência


O sono profundo do deserto,

a falta de limite...

Da mistura do boi e da árvore


a efervescência
o desejo
a intranqüilidade
a proximidade
do mar

Filha de Huco
Com a sua primeira esposa
Uma vaca sagrada,
concedeu-me
o favor das suas tetas úberes.

(TAVARES, Paula. Amargos como


frutos Poesia reunida, p. 49)

***

As coisas delicadas tratam-se


com cuidado
filosofia cabinda
Desossaste-me
cuidadosamente
inscrevendo-me
no teu universo
como uma ferida

47
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

uma prótese perfeita


maldita necessária
conduziste todas as minhas veias
para que desaguassem
nas tuas
sem remédio
meio pulmão respira em ti
o outro, que me lembre
mal existe

Hoje levantei-me cedo


pintei de tacula e água fria
o corpo aceso
não bato a manteiga
não ponho o cinto

VOU
para o sul saltar o cercado.
(TAVARES, Paula. Amargos como frutos, Poesia reunida,
p. 55)

Rui Duarte de Carvalho


http://texto-al.blogspot.com.br/2010/08/na-morte-de-ruy-duarte-de-carvalho.html

II) Rui Duarte de Carvalho – nasceu em Santarém, Portugal, em 1941,


passa a infância e adolescência em Angola, acompanhando o pai, caçador
de elefantes, pelo deserto do Namíbe. Morre na Namíbia (2010). Estudou
cinema em Londres e antropologia em Paris. É doutor em Antropologia,
pela École des Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris. Lecionou

48
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

na Universidade de Luanda e foi professor convidado na Universidade de


Coimbra e da Universidade de São Paulo (USP). Referência como escritor
da língua portuguesa, de seus estudos antropológicos, surge um de seus
romances “Vou visitar pastores” (1999), sobre os Kuvale, sociedade pastoril
do sudoeste de Angola. Na poesia escreveu “Chão de oferta” (1972), “A
decisão da idade” (1976), Como se o mundo não tivesse leste (1977),
Exercícios de crueldade (1978),Hábito da terra (1988), “Lavra poesia
reunida 1970 -2000” (2005).

Fonte consultada: http://www.lusofoniapoetica.com/artigos/angola/rui-duarte-carvalho/


biografia-ruy -duarte-carvalho.html

Venho de um sul

Vim ao leste
dimensionar a noite
em gestos largos
que inventei no sul
pastoreando mulolas e anharas
claras
como coxas recordadas em Maio.
Venho de um sul
medido claramente
em transparência de água fresca de amanhã.
De um tempo circular
liberto de estações.
De uma nação de corpos transumantes
confundidos
na cor da crosta acúlea
de um negro chão elaborado em brasa.

(CARVALHO, Ruy D. A Decisão da Idade, União dos


Escritores Angolanos, 1976)

49
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

O Sul

O sol o sul o sal


as mãos de alguém ao sol
o sal do sul ao sol
o sol em mãos do sul
e mãos de sal ao sol

O sal do sul em mãos de sol


e mãos de sul ao sol

um sol de sal ao sul


o sol ao sul
o sal ao sol
o sal o sol
e mãos de sul sem sol nem sal

Para quando enfim amor


no sul ao sol
uma mão cheia de sal?

Poema “O Sul”. In: Ruy Duarte de Carvalho. A Decisão


da Idade. Luanda, União dos escritores Angolanos,
1976, p.5.

Atividade de aprendizagem

1 – Ana Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho, dois representativos


escritores e poetas da literatura angolana na contemporaneidade. Em seus
poemas, o contexto histórico-social parecem ser elementos importantes
para os efeitos e jogos de sentidos, trazendo para o centro dos poemas
vozes que por vezes estavam marginalizadas na sociedade. Diante destas
considerações, escolha um dos poemas de cada autor acima e identifique
os recursos e elementos poéticos de que eles se valem produzir efeitos de
sentidos.

2 – “Rapariga”, na língua portuguesa (de Portugal e dos países


africanos), significa moça, jovem. Pesquise uma pouco sobre os termos:

50
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

“tábua Eylekessa”, “Tembo”, “Filha de Huco” e mais sobre a importância e


sentido do boi na cultura tradicional angola e interprete o poema “Rapariga”
de Paula Tavares.

2.4 Vozes da prosa: a narrativa angola

Na narrativa angola, podemos destacar, ainda na metade do século


XIX, a noveleta Nga Mutúri, de Alfredo Troni (1845-1904). Esse jornalista
nasceu em Coimbra e chegou a Luanda, onde faleceu em 1873. Sua novela,
centrado na mestiça cidade de Luanda, apresenta o quadro da sociedade
luandense, com linguagem depurada, estilo irônico e certa malícia, porém,
“no toque de relevo da crítica de costumes sobressai a alienação trazida
pela assimilação cultural e a transparência da coisificação do homem negro
na estrutura instável colonizado/colonizador” (FERREIRA, 1977, p. 17).
No entanto, são os escritores Antônio de Assis Júnior, Castro Soromenho
e Oscar Ribas, aqueles considerados precursores da moderna literatura
angola. Segundo Fonseca e Moreira [em pdf], o romance O segredo da morta
(1935) de Antônio de Assis Júnior (Luanda, 1887 – Lisboa, 1960) é apontado
pelo crítico angolano Luiz Kandjimbo (1997) como o marco inicial da literatura
angolana. Este romance apresenta elementos significativos do momento em
que o “desenvolvimento socioeconômico provoca fortes mudanças culturais,
mexendo no cotidiano daquelas populações fixadas em torno de Luanda e das
localidades próximas, situadas nas atuais províncias de Icolo e Bengo, Malange
e Kuanza Norte”(Fonseca Apud Chaves, 1999, p.65).
Castro Soromenho (Chinde, Zambézia, Moçambique, 1919 – São
Paulo, Brasil, 1968) que retoma a temática de O segredo da morta é
considerado por Pires Laranjeira (1995) o primeiro romancista africano neo-
realista. Soromenho escreve a trilogia Terra morta (1949) Viragem (1957)
e A chaga (1970) que traduz os problemas advindos da relação entre a
administração colonial e os africanos, “resultando em dramas da violência
ou prepotência, da assimilação e hierarquização das relações sociais, muito
marcadas pela ascendência étnica e posicionamento das personagens no
quadro colônia”. (Idem, Ibidem)

51
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Oscar Ribas (Luanda, 1909 – Lisboa, 2004), ficcionista e poeta tematiza


as tradições orais angolanas e a sociedade crioula. Dele destacamos o
romance Uanga (Feitiço), (1950 ou 1951), em que as “contradições vividas
pelo escritor como intelectual e pesquisador mostram-se de forma bastante
evidente tanto na fabulação romanesca quanto no modo como o autor
interfere na trama, permitindo ao leitor perceber a presença do pesquisador
nas informações de cunho etnográfico que costuram a história” (FONSECA;
MOREIRA, Idem).
Mas o que mais se evidencia na literatura angolana é uma
preocupação de escrever a nação. Daí a pesquisadora Inocência Mata
(2001, p. 63) dizê-la uma “literatura de nação” que “assume a coletividade
da voz” e assim visibiliza a terra, a paisagem (agora sobre outros aspectos),
as tensões, as relações, a memória que resgata o esquecido e que recria a
história sob outra ótica. Por este raciocínio, trazemos novamente a pesquisa
das professoras Fonseca e Moreira para termos mais informações sobre
escritores importantíssimos da atual ficção angola:

2.4.1 Texto 2 (excerto)

Tal intenção [delinear os contornos da terra angolana] está presente


mesmo na ficção de tendência etnográfica de Oscar Ribas, mas irá tomar
uma feição significativa em escritores como José Luandino Vieira, defensor
de um projeto literário marcado não apenas pelo engajamento e pela
utopia, mas por um expressivo trabalho com a linguagem, visível em seus
livros Luuanda (1974), Nós, os do Makulusu (1975) e João Véncio: os seus
amores (1979). Sobre essa proposta literária, evidente também em vários
outros romances do escritor, diz Vima Martin (2006, p. 216): “Seja através
do exercício da escritura do conto e do romance, a opção de Luandino
Vieira foi por ficcionalizar os desafios vividos pelos marginalizados que
habitam a periferia de Luanda e atestar o seu potencial de resistência”.
A obra mais recente do escritor, O livro dos rios (VIEIRA, 2006),
segue outros percursos. Afasta-se dos musseques e da cidade de Luanda,
temas presentes na maioria dos seus livros anteriores, sem abandonar um
modo de contar característico da discursividade oral. Ao contrário, propõe

52
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

uma contação recortada por rememorações sobre rios – “Isto é, conheço


rios. De uns dou relação, de outros, memória” (p. 17) –, mas não se furta às
lembranças que as águas largas, lentas, dormidas permitem evocar.
Acreditando ser a literatura um dos elementos formadores da
identidade de um país, Pepetela, nome artístico de Artur Carlos Maurício
Pestana dos Santos, nascido em Benguela, em 1941, é um dos maiores
escritores angolanos, ligado a uma vertente ficcional que assume, por
vezes deliberadamente, a função social da literatura. Seus vários romances
registram a intenção de permanecer junto daqueles que ficaram do lado
de fora na distribuição do “mel”, metáfora com que o autor, implícito no
romance Jayme Bunda, agente secreto (PEPETELA, 2001, p. 85),
alude à perversa divisão de renda e de direitos que o panorama do pós-
independência angolano acentua. O escritor publicou três romances no
período anterior à independência: As aventuras de Ngunga (1977), Muana
Puó (1978) e Mayombe (1980). Os demais livros foram publicados após
a independência, e neles pode ser identificada uma revisão melancólica
da utopia revolucionária, como em A geração da utopia (1992), mas
também se acentua a visão irônica sobre os desmandos da classe que
assumiu os destinos da nova nação. O romance A gloriosa família (1997)
faz uma incursão pela história de Angola e retoma dados importantes
relativos aos interesses de diferentes poderes, expondo as armações
necessárias à sustentação dos negócios gerenciados por aventureiros de
várias nacionalidades durante o longo e lucrativo período do comércio de
escravos.
Manuel Rui, poeta e ficcionista, teve vários livros publicados antes
da independência. Seu livro de maior alcance entre os leitores angolanos e
estrangeiros é, sem dúvida, Quem me dera ser onda, cuja primeira edição,
em 1991, foi seguida de outras edições em língua portuguesa e em vários
outros idiomas. Como afirma Luiz Kandjimbo (1997), a ficção de Manuel
Reis é marcada por um realismo social que assegura ao escritor o manejo
de instrumentos capazes de tornar risíveis as situações enfocadas. O riso
e a ironia são as armas com que esse escritor angolano disseca o cotidiano
das gentes simples ou critica o modo de vida dos mais abastados. Em

53
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Quem me dera ser onda, um porco simboliza situações típicas de uma


Angola que tem de conviver com a construção de um novo tempo e com
a precariedade dos instrumentos de que dispõe para fazê-lo. Em alguns
contos magistrais como “A grade”, do livro 1 morto & os vivos (1993), ou
“Rabo de peixe frito e rusga”, do livro Saxofone e metáfora (2001), a ironia
costura situações corriqueiras do universo urbano luandense, permitindo
que o leitor se aperceba de outras histórias que são contadas no burburinho
da enunciação.
Um outro escritor significativo na literatura angolana atual é
Boaventura Cardoso, cultor de uma vertente literária que explora a ironia,
a sátira e os recursos da carnavalização, sem desprezar as possibilidades
inventivas da linguagem. Os contos de seus livros O fogo da fala (1980), cujo
título indica a percepção da linguagem como o fogo que aquece ou destrói,
e Dizanga dia muenhu (1988), que reelabora formas de narração muito
adequadas aos temas abordados, intensificam um projeto de escrita que se
elabora próxima às potencialidades da fala, do sopro da palavra viva, que
é sempre fogo tomado em sua polissemia. Seus livros mais recentes, Maio,
mês de Maria (1997) e Mãe, materno mar (2001), traduzem a maestria
do escritor tanto com relação ao trabalho sempre inovador no nível da
linguagem, quanto com relação à perspicácia imaginativa utilizada para
enfocar situações típicas dos novos enfrentamentos propostos à literatura,
que quer estar sempre atenta à fala, ao fogo que anima as conversas e dá
firmeza ao que é narrado. (FONSECA; MOREIRA, [em pdf])

Há muito outros escritores que poderiam ser contemplados aqui


para que você, aluno, tivesse uma melhor ideia da escrita ficcional angola
atual, mas o espaço e o propósito deste curso são limitados, e algo de
maior monta pediria mais tempo e aprofundamento nas discussões. Fica,
portanto, assinalada a importante instituição literária, a União dos Escritores
Angolanos (http://www.ueangola.com/), cujos membros dinamizam e divulgam
a literatura angolana para o mundo.

54
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

Atividade de aprendizagem

1 – As pesquisadoras citadas no texto acima referem-se aos


precursores da literatura angola. O que marca a produção destes precursores
e que temática vai ser retomada pelos escritores atuais?
2 – Luandino Vieira, Pepetela, Manuel Rui e Boaventura Cardoso
são nomes indispensáveis para a consolidação da literatura angola hoje.
Procure pesquisar sobre dois dele (história, biografia, participação política
e literária) e em seguida escreva sobre sua importância.
3 – Leia o conto “Estória da galinha e do ovo” de Luandino Vieira,
disponível aqui http://pt.scribd.com/doc/77281452/10/Anexo-2-Contos-de-Luandino-
Vieira, ou aqui http://pt.scribd.com/doc/77281452/10/Anexo-2-Contos-de-Luandino-
Vieira , em seguida, comente o enredo: a intriga, o problema, a resolução
do problema; os personagens e suas representações, as posições de cada
um e as contraposições; a linguagem e o narrador, tentando relacionar com
o que você leio sobre a ficção angola. Socialize com os seus colegas da
turma.

Leitura complementar

1 - Para mais informações sobre os autores angolanos, acesse:


http://www.ueangola.com/. Neste site, você tem uma ampla visão sobre o que
se vem produzindo na poesia e na prosa angolana, como também ensaios
críticos sobre essas produções.
2 – Um breve estudo sobre a literatura angolana: FONSECA, Nazareth
S; MOREIRA, Teresinha Taborda. Panorama das literaturas africanas de
língua portuguesa. [pdf] Disponível http://www.ich.pucminas.br/posletras/Nazareth_
panorama.pdf, acessado em 02/03/2012.
3 – Antologia organizada pelo Manuel Ferreira, que nos permite uma
visão geral dos poetas dos cinco países africanos de língua portuguesa
que produziram até a independência nacional de cada um, na década de
1970. FERREIRA, Manuel. 50 poetas africanos.1ª edição. Lisboa: Plátano
Editora. s/d,

55
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Para um maior aprofundamento sobre literatura angola, recomedamos:


4 - CHAVES, Rita. A formação do romance angolano. São Paulo:
USP, 1999.
5 - ERVEDOSA, Carlos. Roteiro da literatura angolana. Luanda:
União dos Escritores angolanos, 1979. (Coleção 2K).

Atividade complementar

Fórum: Socialize o pequeno texto que você elaborou sobre o conto “Estória
da galinha e do ovo” de Luandino Vieira.

Resumo

Nesta Unidade 2, fizemos uma breve explanação sobre a poesia e


a ficção angolana com o intuito de relacionar com os períodos delineados
pelo pesquisador Laranjeira. Apontamos os principais poetas da geração
Mensagem que tiveram uma preocupação tanto política quanto literária
para a libertação da nação angolana do jugo colonizador: Agostinho Neto,
António Jacinto e Viriato da Cruz e outros que tiveram uma participação
significativa no contexto poético da nação angolana como Cordeiro da
Mara, Maurício Gomes, Alda Lara, Manuel António, Mário de Andrade
ficando para que se interesse aprofundar com as indicações de textos
para pesquisa. No campo ficcional, embasados na pesquisa de Nazareth
Fonseca e Teresinha Moreira, obtivemos uma visão rápida, mas produtiva
sobre os nomes da ficção angola a partir dos precursores Antônio de Assis
Júnior, Castro Soromenho e Oscar Ribas e assentamos o foco em quatro
escritores que marcam de forma indelével o cânone literário angolano:
Luandino Vieira, Pepetela, Manuel Rui e Boaventura Cardoso. Vale dizer,
da mesma forma, sobre muitos outros importantes poetas e ficcionistas de
singulares perfis que não foram mencionados, mas que merecem, em outra
oportunidade, detemo-nos sobre seus escritos: David Mestre, João Melo
e Arlindo Barbeitos, que imprimem uma mudança estética e temática na
literatura angolana a partir dos anos 70. A Unidade 2 também visibilizou

56
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a presença da escritora, poetisa e romancista, Ana Paula Tavares, voz


feminina que se destaca no cenário contemporâneo.

Para finalizar

Releia os textos estudados e faça o seu fichamento, incluindo as


pesquisas realizadas por você, nesta unidade.

57
UNIDADE 3
LITERATURA MOÇAMBICANA

OBJETIVOS
• Conhecer as fases e momentos decisivos da literatura moçambicana;

• Identificar os representantes da prosa e da poesia moçambicanas e suas ligações


com a literatura brasileira;

• Compreender as temáticas e os elementos estéticos contidos nos textos


moçambicanos.
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3. Literatura Moçambicana

3.1. Conhecendo Moçambique

A literatura moçambicana não difere no seu


percurso de formação das demais literaturas africanas
de língua portuguesa, porém, ao contrário de Angola,
não se registra produções poéticas no século XIX.
Decerto que, segundo Ferreira (1987), a poesia de
característica moçambicana só vem aparecer no
século XX. Como nos demais países africanos de
língua portuguesa, o contexto sócio-histórico faz parte
do pano de fundo para as criações literárias. Rui de
Noronha (1909 – 1943) é considerado o precursor da
poesia com poemas que revelam o conto estreitamente
http://olamariana.
ligado às coisas da terra. Contudo a poesia se blogspot.com.
manifesta pela primeira vez coletivamente em “Poesia br/2012_02_01_ar-
chive.html
em Moçambique” (1951), pelo núcleo cultural da já
extinta CEI (Casa dos Estudantes do Império) em
Lisboa. Como em Angola, por exemplo, os jornais, no início do século XX,
tiveram uma função preponderante para a divulgação dos ideais que se
contrapunham ao colonialismo. Jovens intelectuais fundaram jornais que
muito influenciaram a formação da literatura de Moçambique. Foram de
suma importância as revistas literárias Msaho (1952), Paralelo (1957 –
1961) e Charrua (1984), e jornal O brado africano (1955), visto que a partir
dessas publicações apareceram novos escritores e se fortaleceram outros
contribuindo para a formação e consolidação da literatura moçambicana.

3.2 A literatura moçambicana: princípios e fases

Os atuais estudiosos dessa literatura delineiam três fases importantes


no processo de construção da literatura moçambicana: a fase colonial, a
fase nacional e a pós-colonial. No entanto, os primeiros estudos, e aqui
nos embasamos novamente em Pires Laranjeira, Literaturas africanas de
expressão portuguesa (1995), asseguram que até a década de 1990, houve
cinco períodos, a saber:

61
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

1º período: inicia-se com entrada dos portugueses e vai até a


publicação de O livro da dor de João Albasini. “Período da Incipiência”, que
se modifica com a introdução do prelo, em 1854, porém ser frutos literários
como em outros países africanos.
2º período: que se estende a partir de O livro da dor até o fim da
II Guerra Mundial, onde aparecem poemas dispersos de Rui de Noronha
que depois publica em seu livro Sonetos (1946). Noronha herda tópicos e
traços do romantismo português e ultrapassando abarca temas e tópicos
que indiciam o prenúncio de uma moçambicanidade. Durante os primeiros
anos após a II Guerra, a literatura moçambicana começa a apresentar uma
época de autonomia com novos rumos a serem estabelecidos. Este período
é identificado por outros estudiosos como a fase colonial da literatura
moçambicana, a fase dos precursores.
3º período: de 1945/48 a 1963, considerada a mais importante
pela “intensiva formação da literatura moçambicana”. Para os atuais
estudiosos é o início da fase nacional da literatura moçambicana. Neste
período, impõe-se uma “consciência grupal” influenciada pelo neorrealismo
e posteriormente, a partir dos anos 50, pelo movimento de Negritude. Dois
poetas são representantes chaves: Noémia de Sousa e José Craveirinha.
Publica-se o jornal Msaho (1952), único número, que foi proibido pela
censura, o qual trazia um compromisso com a cultura moçambicana.
4º período: de 1964 a 1975. Período que compreende o Início
da luta armada de libertação nacional e até a independência do país.
Conhecido como período do desenvolvimento da literatura moçambicana é
caracterizado por uma efervescente participação literária com nomes como
Eugénio Lisboa, Rui Knopfli, Luís Bernardo Honwana. Este último, autor do
conhecido livro de contos Nós matamos o cão tinhoso (1964) é que inicia
a era a narrativa moderna em Moçambique. É a fase nacional ou também
chamada nacionalista.
Também em 1964, Craveirinha publica, pela CEI, Chigubo. Em
1966, Orlando Mendes, publica Portagem, que é considerado o primeiro
romance moçambicano. A FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique)
edita o primeiro volume de Poesia de combate e em 1974, Craveirinha

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publica Karingana ua karingana, (1974) coletânea de poemas produzidos


desde 1945. Nos anos 60 e 70, portanto, estão em atividade escritores que
expressam uma identidade nacional.
5º período: de 1975 a 1992. É denominado de período de
“Consolidação” visto que não há mais questionamentos “quanto à autonomia
e extensão da literatura moçambicana”. Depois da independência (1975
– 1982) vêm a tona escritos que tinham sido engavetados e estavam
dispersos como, por exemplo, Silêncio escancarado (1982), de Rui Nogar
(1935 -1993). Nos anos 80, Craveirinha publica Cela 1 (1980), Karingana
Ua Karingana (2ª edição) (1982) e Maria (1988). Há de se considerar, neste
período, as produções poéticas de Rui Knopfli fora de África que, segundo
Laranjeira, representa o “patrimônio literário moçambicano”.
Abrindo novos horizontes, distante da literatura engajada, as
primeiras produções do que viriam a ser hoje o mais conhecido autor
moçambicano fora de África, o poeta, contista e romancista Mia Couto.
Em 1983, Mia Couto publica seu primeiro livro de poema Raiz de orvalho.
Tem-se início a novíssima geração por intermédio da revista Charrua que
teve oito números com a participação de Ungulani Ba Ka Khosa, Hélder
Muteia, Pedro Chissano, Juvenal Bucuane e etc). Em 1986, Mia Couto
publica o livro de contos Vozes anoitecidas (1986) que vem trazer novas
abordagens de temas e tabus, mas é com Terra Sonâmbula (1992), seu
primeiro romance, que coincide com a abertura política do pais que se pode
considerar o final do período de pós-independência.
Podemos inferir que as produções pós-independência são as que
podem ser incluídas como produções da fase pós-colonial delineada pelos
novos estudiosos da literatura moçambicana. Segundo Fonseca & Moreira,
na fase pós-colonial, “os autores assume um tom individual e intimista para
relatar a sua experiência pós-colonial” [em pdf]. Aqui podemos destacar:
Ungulani Ba kA Khosa (membro da AEMO), Mia Couto, Luis Carlos
Patraquim, Paulina Chiziane, Suleiman Cassamo e Lilia Momplé.

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

3.3 Vozes representativas e obras em prosa

Mia Couto e Paulina Chiziane têm tido uma recepção importante de


suas obras fora do país, sobretudo aqui no Brasil.

Mia Couto
http://catracalivre.com.br/sp/tag/mia-couto/

I) Mia Couto (Beira, 1955, filho de pais portugueses), intensifica


seu vigor poético para a ficção, intercalando narrativas curtas (contos e
crônicas) entre os romances publicados. Narrativas curtas, por exemplo,
estão nos livros: Cronicando (1988), Cada homem é uma raça (1990),
Estórias abensonhadas (1994), Contos do nascer da terra (1997), Na berma
de nenhuma estrada (2001), O fio das missangas (2003), O país do queixa
andar (2005) e Pensatentos (2005). Dentre os romances destacamos: Terra
sonâmbula (1994), A varanda do frangipani (1996), Vinte e zinco (1999),
Mar me quer (2000), Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra
(2002), O outro pé da sereia (2006), O gato e o escuro (2008) (infantil),
Veneno de deus remédio do diabo (2008), A confissão da leoa (2012). E
se Obama fosse africano (2011) (reunião de palestras que o autor vem
proferido nos últimos tempos)
Este autor se evidencia pelas escolhas de temas que desenvolve em
suas narrativas tendo sempre Mocambique como lugar das interlocuções
e consequentemente como espaço de reflexões da própria literatura
moçambicana. Vejamos a seguir uma breve destaque de sua obra feito
pelas pesquisadoras Nazareth Fonseca e Teresina Moreira:
Suas obras problematizam a instabilidade na qual está mergulhado o
povo moçambicano, a corrupção em todos os níveis do poder, as injustiças

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como consequências de um racismo étnico, a subserviência perante o


estrangeiro, a perplexidade face às rápidas mudanças sociais, o desrespeito
pelos valores tradicionais, a despersonalização, a miséria. De maneira
geral, nas narrativas de Mia Couto os motivos afloram de histórias com algo
isólito. O insólito é acompanhado por episódios satíricos, que imprimem
dimensões hilariantes às histórias. O leitor é confrontado com situações que
interseccionam elementos da esfera do real e do onírico, do mundo dos vivos
e dos mortos, dos feitiços e do sobrenatural. Tema recorrente nas narrativas
de Mia Couto é a decadência social, evidenciada pela intervenção de
algumas personagens, quando tecem críticas explícitas à conjuntura hostil
na qual imperam a ausência de valores éticos e morais, a perda da memória
e da dignidade humana e os desajustes econômicos e culturais vividos no
país. A linguagem de Mia Couto é fortemente influenciada pela tradição
oral africana. O autor viola padrões da língua portuguesa, numa manifesta
postura de invenção de um novo registro discursivo. As transgressões de
regras lingüísticas estabelecidas manifestam a criatividade e a inventividade
pessoal do autor, tanto no plano lexical quanto no plano da sintaxe narrativa.
(FONSECA; MOREIRA, em pdf)

Paulina Chiziane
http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questoes-de-genero/265-generos-em-
noticias/16623-o-feminismo-negro-de-paulina-chiziane

II) Paulina Chiziane (Moçambique,1955), escreve, nos anos 80


contos publicados dispersos e que já apresentam sua densidade dramática.
É primeira mulher romancista de Moçambique. Escreve em 1990, Balada de
amor ao vento. Dessa balada de amor, firma-se no cenário internacional com
Ventos do Apocalipse (1999) que narrativiza a guerra e suas consequências

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

para os sujeitos moçambicanos, evidenciando a presença feminina. A partir


daí publica O sétimo juramento (2000), Niketche, uma história de poligamia
(2004), O alegre canto da perdiz (2008) e Nas mãos de Deus (2012).
Paulina Chiziane desenvolve uma narrativa em que a voz do feminino
recupera as histórias da tradição ressignificando-as. Enfatiza as marcas do
discurso da oralidade e a voz feminina aponta para um questionamento e
para a ruptura daquilo que aprisiona e oprime as atitudes e desejos femininos.
Outro autor que vale ressaltar é Suleiman Cassamo (Marracuene,
Maputo, 1962). Colaborador das revistas Charrua, Gazeta de Artes e
Letras, Notícias e Eco, etc. Publicou O regresso do morto (1989), Amor de
Baobá (1997) e Palestra para um morto (1999).

Atividades de aprendizagem

1 – Como ocorre a consolidação da literatura moçambicana?


2 - No 3º período delineado por Pires Laranjeira que corresponde a fase
nacional indicada por Fonseca e Moreira, surgem duas vozes importantes
para a literatura moçambicana: Noémia de Sousa e José Craveirinha. Leia
os poemas no final desta unidade e comente suas temáticas relacionando
com o contexto social moçambicano na época.

Atividade complementar

Fórum: Leia o conto “A cantadeira” de Mia Couto, disponível em http://


ricardoriso.blogspot.com.br/2008/04/mia-couto-cantadeira-conto.html, e comente-o
com seus colegas sobre o enredo, as personagens e a linguagem, sobretudo
os neologismos construídos e destaque o que mais lhe impressionou,
relacionado com as informações passadas nos textos da Unidade 2.

Saiba Mais

AEMO (Associação dos Escritores Moçambicanos): Associação


fundada a 31 de agosto de 1982 com o objetivo de dar a conhecer, através de
publicações, as obras e os autores de literatura moçambicana. Assim sendo,

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surgiram coleções como Karinga (para obras em prosa), Timbila (para obras
de poesia) e Início (para obras de jovens escritores). A revista Charrua, já
extinta, foi uma das vias de divulgação de jovens escritores, da qual fazia
parte Ungulani Ba Ka Khosa. Para além das publicações, a associação
também organiza conferências, jornadas e debates que visam a divulgação
da literatura moçambicana no país. Para tal, foi instituído o Círculo de
Leitores da Associação dos Escritores Moçambicanos (CLAEMO). O
escritor José Craveirinha foi o primeiro presidente da associação. (Fonte:
http://www.infopedia.pt/$associacao-dos-escritores-mocambicanos-(aemo))

Glossários

Chigubo – Xigubo: termo de origem onomatopaica que designa


a dança de exaltação guerreira antes e depois da batalha, no sul de
Moçambique.
Karingana-ua-karingana: modo tradicional de começar uma
história. Significa era uma vez.
Msaho: canção chope acompanhada de marimba; o verso de
composição musical próprio dos timbileiros chopes; encontro de timbileiros.

3.4 Vozes representativas e obras em poesia

José Craveirinha
http://www.triplov.com/acacio/craveirinha.html

Juntando-se às vozes representativas da poesia como Noémia de


Sousa e José Craveirinha, vale ressaltar as vozes contemporâneas da

67
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

poesia moçambicana. Luis Carlos Prataquim e Eduardo White. Ambos


apontam novos rumos para a produção literária.

Luis Carlos Prataquim


http://delagoabayword.wordpress.com/category/literatura-mocambique/luis-carlos-patraquim/

III) Luis Carlos Prataquim é autor de A inadiável viagem (1985),


Monção (1898), Vinte e tal novas formulações e uma elegia carnívora
(1991), Mariscando luas (1992) e Lindemburgo blues (1997). Para Carmem
Tindó Secco, pesquisadora e professora da UFRJ, Prataquim desenvolve
o “exercício da metapoesia e o jogo onírico da linguagem”. Do manuseio
de novas técnicas, vigora em sua poesia cadência e jogo intertextual com
outras vozes importantes da literatura moçambicana. O poeta também traz
em sua poesia marca intertextual com vozes de nossa literatura. Segundo
estudo da professora Elisalva Madruga (2003), o poeta moçambicano
trava um diálogo poético revitalizador com o mineiro Carlos Drummond de
Andrade. Nos poemas de Patraquim ecoam ou ressoam o sentimento do
mundo de Andrade como também fazem problematizar, sob o ponto de
vista moçambicano as pedras no meio do caminho. Diz o poeta:
Devo a Drummond uma exigência e uma aprendizagem: sair das
palavras em estado de dicionário, procurar a chave. A minha. E louvo e
convoco Craveirinha e Grabato e Herberto e o poeta cujo nome e texto nunca
conhecerei e que, algures, no Tempo, terá escrito o poema que anularia toda a
minha demanda porque nele me encontraria.” (Entrevista a Floriano Martins.
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Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/BLBLluiscarlospatraquim01.html)
Patraquim escreveu Monção, edições 70/INLD, Maputo, 1980. A
inadiável viagem, AEMO (Associação Dos Escritores Moçambicanos),
Maputo, 1985. Vinte e tal novas formulações e uma elegia carnívora, ALAC,
Lisboa, 1992. Mariscando luas, de parceria com Ana M. Leite e Chichorro
(pintura), Veja, Lisboa, 1992. Lidemburgo blues, caminho, Lisboa, 1997.
O osso côncavo, Caminho, Lisboa, 2005. Foi distinguido com o Prémio
Nacional de Poesia, Moçambique, em 1995.
IV) Por fim, Eduardo White tende a recuperar, conforme Fonseca
[em pdf] “as marcas e os lugares da moçambicanidade e faz um pacto com
o que é o sustentáculo da vida: os sentimentos de afetividade pela terra e
pelos homens que povoam ‘o país dos sabores’. O escritor publica: Amar
sobre o Índico (1984), Homoíne (1987), O país de mim (1988), Poemas
da ciência de voar e da engenharia de ser ave (1992), Os materiais do
amor (1996), O desafio à tristeza (1996) e Janela para oriente (1999).
Fonseca [em pdf] acrescenta que ele “faz parte da geração que viveu a
experiência da guerra e suas adversidades, [...] redimensiona a sua voz
poética arrumando as aflições, as carências individuais, para atingir o todo,
a coletividade inserida num cenário histórico e envolvido num processo de
transformação constante”.

3.4.1 Poemas moçambicanos

I ) Noémia de Sousa

Se me quiseres conhecer

Se me quiseres conhecer,
estuda com olhos bem de ver
esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas
talhou e trabalhou
em terras distantes lá do Norte.

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Ah, essa sou eu:


órbitas vazias no desespero de possuir vida,
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enormes, espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura...
Torturada e magnífica,
altiva e mística,
África da cabeça aos pés,
- ah, essa sou eu

Se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos dos muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melancolia se evolando
duma canção nativa, noite dentro...

E nada mais perguntes,


se é que me queres conhecer...
Que não sou mais que um búzio de carne,
onde a revolta de África congelou
seu grito inchado de esperança.

(SOUSA, Noémia. Sangue negro, 1988, p. 49-50)

Saiba mais

Sobre Noémia de Sousa, conheça o artigo “Memória e Resistência


na Poesia de Noémia de Sousa e Esmeralda Ribeiro”. Disponível em http://
www.ueangola.com/criticas-e-ensaios/item/337-mem%C3%B3ria-e-resist%C3%AAncia-
na-poesia-de-no%C3%A9mia-de-sousa-e-esmeralda-ribeiro.

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II) Craveirinha

Quero Ser Tambor

Tambor está velho de gritar


ó velho deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero


Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra


Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens


eu quero ser tambor
E nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!

Oh velho Deus dos homens


deixa-me ser tambor
só tambor!

(CRAVEIRINHA, José. Antologia poética, 2010, p. 62-63)

71
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

III) Rui knoplif

Naturalidade

Europeu me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem raiz de algum


pensamento europeu,
É provável...Não. É certo,
mas africano sou.
Não sei se o que escrevo tem raiz a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável ... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.


Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.

(Knoplif, Rui, O país dos outros, 1959, p. 15; 50


poetas africanos, s/, 378)

IV) Eduardo Write

Mastro
Mastro,
Eis que dentro deste instante
O mundo se principia a iniciar.

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Musgo verde
Sal das praias
Resto que nutro
No hálito quente dos animais.
(Amar sobre o Índico, 1984, p. 15)

V) Luis Carlos Patraquim:


METAMORFOSE
Ao Poeta José Craveirinha

quando o medo puxava lustro à cidade


eu era pequeno
vê lá que nem casaco tinha
nem sentimento do mundo grave
ou lido Carlos Drummond de Andrade

os jacarandás explodiam na alegria secreta de serem


vagens
e flores vermelhas
e nem lustro de cera havia
para que o soubesse
na madeira da infância

sobre a casa

a Mãe não era ainda mulher


e depois ficou Mãe
e a mulher é que é a vagem e a terra
então percebi a cor
e metáfora
mas agora morto Adamastor
tu viste-lhe o escorbuto e cantaste a madrugada
das mambas cuspideiras nos trilhos do mato
falemos dos casacos e do medo
tamborilando o som e a fala sobre as planícies verdes
e as espigas de bronze
as rótulas já não tremulam não e a sete de Marco
chama-se Junho desde um dia de há muito com
meia dúzia
de satanhocos moçambicanos todos poetas
gizando
a natureza e o chão no parnaso das balas
falemos da madrugada e ao entardecer
porque a monção chegou

73
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

e o último insone povoa a noite de pensamentos


grávidos
num silêncio de rãs a tisana do desejo
enquanto os tocadores de viola
com que latas de rícino e amendoim

percutem outros tendões da memória


e concreta
a música é o brinquedo
a roda
e o sonho
das crianças que olham os casacos e riem
na despudorada inocência deste clarão matinal
que tu
clandestinamente plantaste
AOS GRITOS.

(PATRAQUIM,In.http://www.lusofoniapoetica.
com/artigos/luis-carlos patraquim/Metamorfose.
html)

Atividade de aprendizagem

1 – Após a leitura dos poemas acima, escolha dois, destaque o tema


de cada um e a posição do eu lírico frente à realidade que o cerca.

Leitura complementar

Sugestão de leitura: Contos e Romances, supracitados, de Mia


Couto e Paulina Chiziane.

Atividade complementar

Assistia aos curtos vídeos de Mia Couto e faça um comentário crítico


sobre a importância deste autor para a literatura moçambicana e a relação
literária entre ele e nossos escritores brasileiros. Socialize com seus colegas
no Fórum.
http://www.youtube.com/watch?v=SzNedHwwPmI
http://www.youtube.com/watch?v=Ez2ruo-UE_E

74
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Resumo

Nesta Unidade 3, vimos os períodos que indicam o percurso de


formação e consolidação da literatura moçambicana, na tentativa de mostrar
que as condições históricas foram deveras importantes para a produção dos
escritores. Vale ressaltar a presença singular de dois poetas que exaltaram
seu meio Noémia de Sousa e José Craveirinha. Na prosa, impossível nos
determos nesta literatura sem mencionarmos ou lermos Mia Couto e Paulina
Chiziane, atualmente, nomes mais conhecidos e reconhecidos da Literatura
de Moçambique. A ligação da literatura brasileira com as africanas, vinda
de muitos anos, se acentua em Moçambique com a influência de Carlos
Drummond de Andrade em Luis Carlos Patraquim, como vimos no poema
“Metamorfose”. Ademais, outros autores são importantíssimos, porém aqui
não temos condições de abarcá-los.

Para finalizar

Releia a Unidade 3 e faça seu fichamento-síntese, necessário para


assegurar sua aprendizagem.

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UNIDADE 4
LITERATURA CABOVERDIANA E GUINEENSE

OBJETIVOS
• Discutir a relação dos textos literários caboverdianos e guineense com a
situação ou contexto sócio-histórico e cultural e Cabo Verde e Guiné Bissau,
respectivamente;

• Entender a importância do movimento Claridade (Cabo Verde), da Antologia


Mantenhas para que luta (Guiné Bissau) e dos autores/as evidenciados para o
desenvolvimento da literatura desses dois países;

• Identificar e refletir sobre a relação intertextual entre as produções literárias


caboverdianas e de autores brasileiros.
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4. Literatura Caboverdiana e Guineense

4.1. Conhecendo Cabo Verde

Cabo Verde: breve informes sobre o país


O território da República de Cabo Verde é composto pelas ilhas de
Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal, Boa Vista, Maio,
Santiago, Fogo e Brava, e pelos ilhéus e ilhotas que historicamente sempre
fizeram parte do arquipélago de Cabo Verde. Tem como língua oficial o
Português. A Capital da República de Cabo Verde é a cidade da Praia, na
ilha de Santiago.
Os recursos econômicos de Cabo Verde dependem sobretudo da
agricultura e da riqueza marinha. A agricultura sofre frequentemente os
efeitos das secas. As culturas mais importantes são o café, a banana, a
cana-de-açúcar, os frutos tropicais, o milho, os feijões, a batata doce e
a mandioca. O sector industrial encontra-se em pleno desenvolvimento e
podemos destacar a fabricação de aguardente, vestuário e calçado, tintas
e vernizes, o turismo, a pesca e as conservas de pescado e a extração de
sal, não descurando o artesanato. A banana, as conservas de peixe, o peixe
congelado, as lagostas, o sal e as confecções são os principais produtos
exportados. A moeda corrente é o Escudo de Cabo Verde. As remessas da
emigração, o auxílio externo e a gestão cuidada dos pagamentos ao exterior
preservam a estabilidade da moeda caboverdiana. Atualmente vigora entre
Cabo verde e Portugal um acordo de cooperação cambial que estipula a
convertabilidade do escudo cabo-verdiano face ao escudo português.
Geografia: Situadas a 455 Km da Costa Africana, as ilhas de Cabo
Verde estendem-se por cerca de 4033 Km2 e foram formadas pela acumulação
de rochas, resultantes de erupções sobre as plataformas submarinas. [...].
Algumas ilhas são áridas, mas noutras a vegetação é exuberante, tropical. O
relevo da maior parte das ilhas é acidentado, com altitudes que ultrapassam
os mil metros em algumas ilhas atingindo mesmo 2.882 metros na ilha do
Fogo. As três ilhas mais orientais têm um relevo mais plano e um clima mais
árido por estarem expostas aos ventos secos e quentes do sahara. As costas
são caracterizadas pelos contrastes entre as falésias altas e abruptas caindo
a pique sobre o mar e as vastas praias de fina areia.

79
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

O clima das ilhas mais acidentadas é variado e com alguma


pluviosidade. É temperado graças à acção moderadora que o oceano e os
ventos alísios exercem sobre a temperatura, sendo que as médias anuais
raramente se elevam acima dos 25ºC, nunca descendo abaixo dos 20ºC. A
temperatura da água do mar varia entre 21ºC em Fevereiro e Março e 25ºC
em Setembro e Outubro. A estabilidade climatérica de Cabo Verde garante
a possibilidade de se fazer turismo todo o ano.
Em Cabo Verde, a taxa anual de crescimento demográfico e a de
mortalidade são baixas, comparadas às taxas médias de outros países
com rendimento médio. A esperança média de vida é de 62 e 65 anos,
respectivamente para homens e mulheres. A população residente no país é
estimada em 434.263 habitantes, sendo uma população jovem com média
de idade de 23 anos. A falta de recursos naturais e as escassas chuvas
no arquipélago determinaram a partida de muitos caboverdianos para o
estrangeiro. Atualmente a população caboverdiana emigrada é maior do
que a que vive em Cabo Verde.
Fonte: Site oficial do Governo de Cabo Verde. http://www.governo.
cv/, acessado em 15/04/2013.

4.1.2 A literatura caboverdiana: princípios e fases

Retomamos a orientação metodológica aventada por Pires Laranjeira,


já referida nas unidades anteriores, vamos conhecer um pouco a vida literária
deste arquipélago. E aqui como nas demais literaturas ora estudadas, urge
entender que a literatura caboverdiana só pode ser compreendida, aceitando
um argumento do militante e poeta Amilcar Cabral, de se considerar a
relação daquela com o contexto sócio-histórico e cultural dos escritores:
ora desprendidos das coisas da terra, desligados de seu meio, produzindo
uma poesia que revigora o amor, a inquietude íntima, a exaltação patriótica
e saudosismo, tônica que persiste anterior à revista Claridade; ora abrindo
os olhos, descobrindo-se e rompendo uma nova forma de ver sua terra e seu
povo, conforme os auspícios da revista Claridade.

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È a partir do aparecimento da revista Claridade que se pode falar


da Literatura de Cabo Verde, segundo os próprios caboverdianos como
Amílcar Cabral e Osório de Oliveira.

4.1.2.1 – Periodização da Literatura Caboverdiana (Enxerto 1)

1ºPeríodo, das origens até 1925. a que chamaremos de Iniciação,


por, a par de grandes vazios, abranger uma variada gama de textos (não
necessariamente literários) muito influenciados pelas duas fases do baixo
romantismo e do parnasianismo (embora com iniciativas de alguma vocação
regionalista ou mesmo de «vocação patriótica», no primeiro quartel do séc.
XX), antes da fase moderna.
Em Cabo Verde, após a introdução do prelo, em 1842, e a publicação
do romance cabo-verdiano de José Evaristo d’Almeida, O escravo (1856),
em Lisboa, segue-se um longo período (ainda hoje mal conhecido no que
respeita ao século XIX), até a publicação do livro de poemas Arquipélago
(1935), de Jorge Barbosa, e da revista Claridade (1936), Fundada por
Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, entre outros […]. A criação,
em 1866, do Liceu-Seminário de São Nicolau (Ribeira Brava), que durou
até 1928, muito contribuiu para o surgimento de uma classe de letrados
equiparável ou superior a dos angolanos. Em 1877, criou-se a imprensa
periódica não oficial. […] (p. 180)
O 2° Período, de 1926 a 1935, a que chamamos Hesperitano,
antecede a modernidade que o movimento da Claridade (1936) encarnou.
Desde os primeiros tempos, até ao final deste 2° Período, entendemos,
com Manuel Ferreira, que vigorou o Cabo-verdianismo, caracterizado como
de «regionalismo telúrico», mas que, nalguns textos, se expande para
temas e elementos recorrentes da literatura cabo-verdiana, como os da
fome, do vento e da terra seca, ou de certa insatisfação e incomodidade,
numa atmosfera muito próxima do naturalismo. (p. 181)
O fundamento que leva a que se possa designar tal período
como Hesperitano ressalta da assunção do antigo mito hesperitano ou
arsinário. Trata-se do mito, proveniente da Antiguidade Clássica, de

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que, no Atlântico, existiu um imenso continente, a que deram o nome


de Continente Hespério. As ilhas de Cabo Verde seriam, então, as ilhas
arsinárias, de Cabo Arsinário, nome antigo do Cabo Verde continental,
recuperado da obra de Estrabão. (p. 181)
Os poetas criaram o mito poético para escaparem idealmente à
limitação da pátria portuguesa, exterior ao sentimento ou desejo de uma
pátria interna, íntima, simbolicamente representada pela lenda da Atlântida,
de que resultou também o nome de atlantismo hesperitano, por oposição
ao continentalismo africano e europeu. […] (p. 181) [Esse mito ressoa nos
poemas de Pedro Cardoso, José Lopes, Eugênio Tavares e Jorge Barbosa]
3.° Período, que principia no ano de 1936 (ano da publicação da
revista-mater Claridade) e vai até 1957, muito mais tarde do que a fase
a que Luís Romano chama dos “Regionalistas ou Claridosos” (para ele
termina com os neorrealistas da revista Certeza, de 1944) […].
Ainda em 1941, sai Ambiente, livro de poemas de Jorge Barbosa.
António Nunes publica, depois, os Poemas de longe (1945) e Manuel Lopes,
os Poemas de quem ficou (1949), a que se segue o romance fundador
Chiquinho (1947), de Baltasar Lopes, passando pelo Caderno de um ilhéu
(1956), de Jorge Barbosa, e o primeiro romance de Manuel Lopes, Chuva
braba (1956). Todos sem interferência da Negritude, mas, curiosamente,
coincidindo no tempo as publicações de neorrealistas e claridosos, não sem
que, entretanto, fossem impressos livros deslocados no tempo, como os
Lírios e cravos (1951), de Pedro Cardoso, e as Poesias (1952), de Januário
Leite, poetas do caboverdianismo. […] (p. 182)
4.° Período, indo de 1958 a 1965, em que, com o Suplemento
Cultural, se assume uma nova caboverdianidade que, por não desdenhar
o credo negritudinista, se pode apelidar de Caboverdianitude, que, desde
a sua tênue assunção por Gabriel Mariano, num curto artigo (1958), até
muito depois do virulento e celebrado ensaio de Onésimo Silveira (1963),
provocou uma verdadeira polemica em torno da aceitação tranquila do
patriarcado da Claridade. Do Suplemento Cultural do Boletim Cabo Verde
fizeram parte Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Aguinaldo Fonseca, Terêncio
Anahory e Yolanda Morazzo. […] (p. 183)

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5.° Período, entre 1966 e 1982, do Universalismo assumido,


sobretudo por João Vário, quando o PAIGC (acoplando forças políticas de
Cabo Verde e da Guiné-Bissau) se achava já envolvido, desde 1963, na luta
armada de libertação nacional, abrindo, aquele poeta, muito mais cedo do
que nas outras colónias, a frente literária do intimismo, do abstraccionismo
e do cosmopolitismo: aliás, só depois da independência, e passado
algum tempo, surgiu descomplexada e polémica, sobretudo em Angola
e Moçambique. Podemos datar de 1966, com a impressão dos poemas,
em Coimbra, de Exemplo geral, de João Vário (João Manuel Varela), essa
viragem, que, diga-se, pouco impacto veio provocar. [...] (p. 183)
6.° Período, de 1983 à actualidade, começando por uma fase
de contestação, comum aos novos países, para gradualmente se vir
afirmando como verdadeiro tempo de Consolidação do sistema e da
instituição literária. O primeiro momento é dominado pela edição da revista
Ponto & Vírgula (1983-1987), liderada por Germano de Almeida e Leão
Lopes […]. Na segunda metade da década de 80, convivem as edições
consagradas, com a aparição de algumas revelações, a mais significativa
das quais provinda exactamente do grupo editor da revista Ponto & Vírgula,
o romancista Germano de Almeida. [...] (p. 184)
(LARANJEIRA, Pires. Literaturas Africanas de Expressão
Portuguesa, vol. 64, , Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp.180-185).
O discurso das revistas Claridade e Certeza foi transcendido e o
ciclo das secas, a insularidade, a tensão entre partir e ficar não poderiam
ser eternos. Os sonhos passam a ser outros e os poetas caboverdianos
passam a cantá-los. Atualmente, esta literatura constitui-se de vozes que
até então não tinham destaque: as vozes femininas que se juntam as de
autores já consagrados. São escritoras que vêm produzindo esteticamente,
sem deixar de lado as preocupações políticas e circundando seu discurso
pela via da memória e da experiência do quotidiano.

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Vera Duarte
http://brasilcaboverde.blogspot.com.br/2010/10/vera-valentina-benros-de-melo-duarte.html

Em 1991, publica-se Mirabilis: de veia ao sol, antologia organizada por


José Luís Hopffer Almada, reunindo os “novíssimos poetas de Cabo Verde”.
Nos poemas reside uma profunda reflexão sobre a atualidade caboverdiana.
Entre os escritores presentes, destacam-se Dina Salústio, Vera Duarte que
vão centrar suas poéticas nas questões predominantemente femininas, isto é
visibilizam os problemas, as necessidades e os anseios das caboverdianas.
Enquanto Dina Salústio tanto na prosa quanto nos poemas evoca as vivências
e as experiências das mulheres como sujeitos que agem no cenário de
marginalização, no vagão do silenciamento e da submissão; Vera Duarte
destaca as questões femininas na poesia assinalando o lugar do feminino, o
direito feminino à eroticidade do próprio corpo e da voz”, implementando uma
poética de contestação da submissão” [por que tal ser passa]. (SECCO IN.
Algumas tendências da poesia cabo-verdiana hoje. [em pdf]).
Para Simone Caputo, professora da USP, uma das reconhecidas
estudiosa da literatura caboverdiana, as questões relacionadas à
caboverdianidade a que se refere Margarido (no item 4.1.2.1 a seguir) como
a seca, a chuva, a fome, o trabalho, a pesca da baleia, o mar, a insularidade,
a emigração, agora são retomados em outro contexto juntamente com
outros e novas questões como as desigualdades sociais, o desencanto,

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o desespero, a solidão, a morte, a existência pessoal, o humor, a ironia, a


indagação sobre Deus, aglutinando aspectos locais e, por consequente,
nacionais com universais.
Além dessas duas contistas e poetisas, há de se registrar também
outros poetas mirabílicos da antologia: Manuel Delgado, Canabrava,
Corsino Fortes, David Hopffer Almada, Kaliosto Fidalgo, Orlando Rodrigues,
Euricles Rodrigues, Alzira Cabral, Alberto Lopes, Ana Júlia Sanças e outros.

Sabia mais

Site sobre a literatura Caboverdiana da Profa. Dra. Simone Caputo: http://


www.simonecaputogomes.com/literatura.htm .
Recomendamos o texto antológico “Apontamentos sobre a poesia
caboverdiana” de Amilcar Cabral disponível na web.

4.1.2.2 Quanto às temáticas e o peso das estruturas sociais nas


produções literárias

Assinalando que para compreendermos as contradições internas da


poesia africana é indispensável conhecer as estruturas sociais em que ela
apareceu, Alfredo Margarido, conhecido estudioso das literaturas africanas
de língua portuguesa, apresenta-nos o seguinte quadro:

4.1.2.3 (Enxerto 2)

As constantes da poesia cabo-verdiana derivam do condicionamento


geo-sumano e os seus elementos podem enunciar-se do seguinte modo:
a inquietação (provocada pela instabilidade econômica do arquipélago
devida especialmente ao regime de chuvas), a seca, a fome, o desejo de
evasão, a hora di bai (a hora da partida), a saudade; elementos a que
se pode acrescentar um complemento, a impossibilidade de partir que é
determinada também pela situação financeira aspirante à emigração. O
poeta caboverdiano é um insular por excelência. A sua situação no tempo

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não pode ser considerada, no entanto, como uma totalidade, mas antes
como uma série de valores compósitos por vezes, na medida em que nas
ilhas crioulas se encontram lado a lado formas de modernismo gritante
a que se opõem arcaísmos tenazes. Por isso o poeta começa por lutar
contra o isolamento forçado que fez muito naturalmente do mar a rota
de esperanças raramente satisfeitas. O homem de Cabo Verde é um ser
inquieto, sempre atormentado pelo desejo e pela esperança da partida.
Trata-se duma esperança ilusória mas à qual não pode furtar-se, dadas as
condições econômicas da ilha: o homem é o ser da fome. A opressão que
o cabo-verdiano sente ao contacto com esta terra árida, desolada durante
longos e intensos períodos de seca geradores de forma, domina toda a
poesia local. No vértice da pirâmide social, os poetas fazem-se assim
eco dum povo que protesta contra o condicionamento geoeconômico do
arquipélago, que nenhuma intervenção técnica eficaz melhorou. É por isso
que grande número de poemas canta o drama do povo perante a seca, os
homens morrendo com os animais, rebentando por caminhos perdidos à
procura de água e pasto. Outros poemas exprimem, em contrapartida, a
esperança de que venha chuva e outros ainda entoam o cântico exultante
do povo depois da chuva, quanto todo o arquipélago entrevê um ano de
abundância que fará recuar por muito tempo o espectro da fome. A hora da
partida (hora di bai) representa no complexo psicológico do homem cabo-
verdiano um sentimento colectivo: o sentimento de que a emigração constitui
a única solução válida para os problemas económicos. E é naturalmente na
hora da partida que surge a inquietação provocada pela ruptura dos laços
que prendem o ser humano à sua terra natal: o ritmo pelágico, na hora da
partida, não anula os laços telúricos tradicionais do homem cabo-verdiano.
Na verdade podemos afirmar que entrevemos na poesia cabo-verdiana a
existência de dois ritmos que polarizam as grandes linhas de força da vida
coletiva. [...]
Deste modo descobrimos os dados duma tragédia eterna
que obriga ao êxodo de grandes massas de habitantes, quer para os
Estados Unidos (direcção cada vez menos tomada devido às dificuldades
econômicas e outras com que o cabo-verdiano depara) quer para São

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Tomé e Príncipe, ou ainda para Dakar ou para a Guiné-Bissau. A emigração


para São Tomé e Príncipe tem lugar em condições realmente dramáticas:
o emigrante vai aí trabalhar como operário nas plantações (roças) de café
e de cacau, por um período nunca inferior a dois anos. [...] Essa emigração
deu origem a um cancioneiro de que Oswaldo Alcântara, Gabriel Mariano,
Onésimo Silveira e Ovídio Martins são os representantes mais marcantes.
(p.44-46)
A chuva é outro tema fundamental da poesia cabo-verdiana. O
sonho do poeta assenta sempre na representação dum mundo futuro,
no qual a água dos canais, cantando e saltando livremente, impregnaria
a terra selvagem e árida do arquipélago. Em quase todos os poetas se
encontra um tal tema mas é António Nunes quem o exprime em toda a sua
amplitude pois o poeta vive em função do paraíso futuro que tudo parece
proibir mas que a máquina poderia tornar possível. Esse mito da fertilização
total determinada pela técnica permite revelar outro aspecto da vida do
arquipélago voltada para o passado. (p. 47)
(MARGARIDO, Alfredo. Estudos sobre literaturas das nações
africanas de língua portuguesa. Lisboa: A regra do jogo edições, 1980.)

Atividade de aprendizagem

1 - Releia o excerto 2, do texto de Alfredo Margarido, e responda:


a) Que fatores socioeconômicos são determinantes para a intervenção
cultural dos poetas caboverdianos?
b) O tema da evasão tem significativa importância na poesia cabo-verdiana.
Por quê? Que tensões provocam? Qual o papel do poeta na sociedade
caboverdiana?
c) O autor aponta dois ritmos que polarizam as linhas de força da vida
coletiva. Quais são eles? De onde eles provêm? Por quê?
d) Justifique o tema da chuva para os poetas caboverdianos.

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4.2 Vozes poéticas dos claridosos

Onésimo Silveira
http://www.rtc.cv/index.php?paginas=21&id_cod=5146

Não se pode falar da poesia caboverdiana sem que não se refira ao


movimento dos Claridosos. Este movimento inicia-se conjuntamente com
a publicação da revista com o mesmo nome que tinha como fundadores:
Oswaldo Alcântara, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira e Ovídio Martins, já
citados no texto anterior.
Em Cabo Verde, a produção literária não pode ser investigada sem
que se tenha como ponto de partida a presença da revista e movimento
Claridade, no século XX. Baltazar Lopes, Jorge Barbosa, Manuel Lopes
e outros vão propor analisar a sociedade cabo-verdiana, sob o jugo do
colonizador, com a perspectiva de destituir força e domínio do colonizador
para, conhecendo intimamente a “alma do povo cabo-verdiano”, imprimir
no contexto literário a frágil realidade geográfica das ilhas, o quotidiano,
a tristeza, o medo, as frustrações humanas, para mostrar que não tinha
como falar da terra sem falar do homem que a habita e sobrevive nela. À
medida que isso se realizava, a poética da literatura cabo-verdiana indicava
caminhos de consolidação de uma postura político-ideológica que procurava
“romper com os arquétipos europeus, orientar a sua atividade criadora
para as motivações de raiz cabo-verdiana, conforme Ferreira (1987, p.
42) e “renovar os valores e motivações próprios da terra” (Laranjeira,1995,
p.190), compreendo que, consoante Manuel Lopes, “renovar não é criar
nova alma, mas procurar reencontrá-la no aluvião dos lugares que a inércia

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estratificou e adaptá-la às condições de vida do seu tempo.Arrancar a alma


viva do acervo de experiência cristalizadas” (Laranjeira,1995:190-191).
Manuel Lopes indica, citando José Osório de Oliveira, que “caboverdianizar
a literatura”, à semelhança dos brasileiros em 22, é “nacionalizar
definitivamente a literatura” com “a descoberta do homem e da paisagem
brasileira”. Portanto isso exigiu dos autores uma consciência política e
social da função da literatura (Laranjeira,1995) que estava no cerne da
produção dos claridosos e pós-claridosos.

Atividade de aprendizagem

1 – Releia o enxerto 1 – periodização e o texto acima 4.1.4 e, em


seguida, explique o que veio a ser o sentimento de caboverdianidade.

4.2.1 Poemas caboverdianos

(1) Prelúdio
E a vegetação
Quando o descobridor chegou cujas sementes vieram presas
à primeira ilha nas asas dos pássaros
nem homens nus ao serem arrastadas para cá
nem mulheres nuas pelas fúrias dos temporais.
espreitando
inocentes e medrosos Quando o descobridor chegou
detrás da vegetação. e saltou da proa do escaler varado na praia
enterrando
Nem setas venenosas vindas do ar o pé direito na areia molhada
nem gritos de alarmes e de guerra
ecoando pelos montes. E se persignou
receoso ainda e surpreso
Havia somente pensando n’El-rei
as aves de rapina nessa hora então
de garras afiadas nessa hora inicial
as aves marítimas começou a cumprir-se
de voo largo este destino ainda de todos nós.
as aves canoras
(Jorge Barbosa, Caderno de um ilhéu,
Assobiando inéditas melodias.
1956; No reino do Caliban, p. 90-91)

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

(2) I (3) Unidos Venceremos

Referem lendas antigas Estendemos as mãos


Que lá nos confins do mar desesperadamente estendemos as mãos
As Herpérides ficavam Por sobre o mar
E o seu formoso pomar. As ondas não são muros
são laços
Paraíso de ventura, de sargaços
Que de encantos lá havia! que servirão de leito
Era a terra mais danosa à grande madrugada
Que a rosa do sol cobria. Nosso amor de liberdade
e de justiça
Palácios com portas de oiro será contemplado
E varandas de marfim e o nosso povo terá direito ao pão
Por toda parte se viam, povo que trabalha
Não tinham conta sem fim. mas não come
Povo que sonha
Os muros da Cidade eram o obterá
De pórfiro e diamante; Temos a ternura das nossa ilhas
Arder pareciam quando temos a certeza das nossas rochas
Se erguia o sol no Levante. [...] Estendemos as mãos
desesperadamente estendemos as mãos
(Pedro Cardoso. Hespérides, caboberdianamente estendemos as mãos
1930. 50 poetas africanos, por sobre o mar.
s/d, 160-161)
(Onésimo Silveira. No reino de Caliban,
p. 187)

(4) Anti-evasão (5) Itinerário de Pasárgada

Pedirei IV
Suplicarei Saudade fina de Pasárgada...
Chorarei
Não vou para Pasárgada Em Pasárgada eu saberia
onde é que deus tinha depositado
Atirar-me-ei no chão o meu destino...
e prenderei nas mãos convulsas
ervas e pedras de sangue É na altura em que tudo morre...
(cavalinhos de nosso senhor correm no céu;
Não vou para Pasárgada a vizinha acalenta o sono do filho rezingão;
Tói Mulato foge a bordo de um vapor;
Gritarei o comerciante tirou a menina de casa;

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Berrarrei os mocinhos da minha rua cantam:


Matarei Indo eu, indo eu,
A caminho de Viseu...)
Não vou para Pasárgada.
Na hora em que tudo morre,
(Ovídio Martins, No reino esta saudade fina de pasárgada
de Caliban, p. 186) é um veneno gostoso dentro do meu
coração.

(Osvaldo Alcântara – pseudônimo de


Baltasar Lopes da Silva, Atlântico, nº 3,
(6) 1946; No reino do Caliban, p. 184)

Um pilão fala
Árvores de fruto (7) Nova Largada
Ao meio dia
E tambores erguem Oh ídolo de pouca terra
Na colina De coração a bombordo
Um coração de terra batida Naquela homilia /
De terra & sangue /
E longe Em transfusão /
Do marulho à viola fria O peito já louco de marulho
Reconheço o bemol De coração a bombordo
Da mão doméstica
Que solfeja (Corsino Fortes, Árvores
e tambor, 1986, p. 27).
Mar & monção mar & matrimônio
Pão pedra palmo de terra
Pão & patrimônio. (9) Companheiro

(Corsino Fortes, Pão e E ao findar


fonema,1974, p. 17).   esta injusta caminhada
longa e dolorosa
e da qual nos ficou
(8) Setembro para sempre
uma subterrânea marca de dor...
Carregámos às nossas costas
o saco pesado da revolta quero-te debaixo dos frescos lençóis
cheio de mil sampés, punhais feitos das ervas dos campos
afiados e ódios acumulados que
nossos corpos ardentes
Peregrinámos terralonginquamente tornarão húmidos de amor
com os pés comidos e sangrantes
e a cabeça gritando maldições quero-te vindo cansado
de tanto sofrimento humano ao sol fecundo do meu país

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Mil revoltas explodiram em nós buscando em meus lábios frescos


calados ao som de tiros e sangue descanso
... e as grilhetas nos estrangularam e força para a nova caminhada

Mas um dia a dor acabou-se quero-te nas tardes tranquilas


quando as trincheiras se calam
Num setembro de chuvas e o pensamento
abundantes voa
a água varreu o lamaçal em sonhos de sahel redimido
limpou os corpos caídos
levou dejectos e tudo e à noite quando o escuro vier
e apenas deixou despir-me-ei de tudo menos de ti
- redimidos – abraçar-te-ei forte quanto puder
os homens, a terra e, sobre esta terra
e o futuro. sagrada
abriremos nossas comportas
(Vera Duarte, Amanhã
Amadrugada, 1993, p.67) (Vera Duarte, Amanhã
Amadrugada, 1993, p. 104)

Atividade de aprendizagem

1 – Primeiro aprecie os poemas caboverdianos acima elencados.


Releia os textos de Pires Laranjeira e Alfredo Margarido. Agora comente
a temática de pelos menos três poemas, relacionando-os à realidade
caboverdiana apresentada e às temáticas exploradas.

2 – Três poetas tematizam o tópico da evasão. Rapidamente podemos


identificar que eles usam o recurso da intertextualidade com um dos nossos
poetas: Manuel Bandeira. Esta é uma das marcas da literatura caboverdiana,
sobretudo das décadas de 1960 e 70. O modernismo brasileiro suscitou um
diálogo poético profícuo entre Brasil e Cabo Verde. Identificando-se com os
modernistas brasileiros, os poetas caboverdianos por motivos vários, desde
as semelhanças geográficas com o nordeste brasileiro à necessidade de
ruptura com o processo de colonização, apropria-se de caros temas e
motes de nossos poetas, seja sob o recurso da paráfrase ou da paródia,

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para assim, sem abre mão de suas peculiaridades, cantar sua terra, seus
problemas e expressar uma identidade estético-literária. Diante deste breve
comentário, leia o poema “Vou me embora pra Pasárgada” de Manuel
Bandeira, “Anti-evasão” de Ovídio Martins e Itinerário de pasárgada, de
Oswaldo de Alcântara. Em seguida, explique as posições dos dois poetas
caboverdianos diante do tema em diálogo com Bandeira.
3 – Explique a condição do eu lírico em um dos poemas de Vera
Duarte.

4.3 Vozes da prosa caboverdiana

Manuel Lopes
http://www.africanidade.com/articles/390/1/AAores-homenageia-escritor-cabo-
verdiano-Manuel-Lopes/Paacutegina1.html

Entre os prosadores caboverdianos podemos destacar os da


geração Claridade: Manuel Lopes e Baltasar Lopes que ante o espírito do
movimento da Claridade publicam contos e romances que vêm, conforme
o primeiro, “fincar os pés no húmus cabo-verdiano” ou, o segundo, “pensar
nos nossos problemas”. No segundo número da revista Claridade, Manuel
Lopes publica “Galo cantou na baia” (1959), conto que antecipa a ficção
neorrealista portuguesa. Segundo, Pires Laranjeira, o conto é “um projeto
de autoafirmação de identidade, onde as motivações sociopolíticas são
postas em evidência” (Laranjeira, 1995, p. 196). Outros romances Chuva
brava (1956), com o qual Manuel Lopes ganhou o prêmio Fernão Mendes
Pinto e Flagelados do vento leste (1960) também tratam das “dramáticas

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consequências das cíclicas calamidades em Cabo Verde, pondo em relevo


outro confronto, o da chuva/seca, que estigmatiza o homem, tornando-o
passivo e minguando o seu ânimo” (Idem, p. 197).
Outro nome importante da narrativa caboverdiana é Orlanda Amarilis
que apresenta sua visão da vida contemporânea. Mesmo tendo uma
produção reduzida Ilhéu dos pássaros (1983), A casa dos mastros (1989) e
Cais-do-Sodré te Salamansa (1991) é uma das referências nas narrativas
curtas que explora questões significativas da cultura caboverdiana com a
insularidade com suas nuances e sentidos de prisão e liberdade em relação
aos lugares onde as mulheres circulam.
Por fim, podemos destacar também Germano Almeida, já referido,
que talvez seja o escritor mais conhecido fora do arquipélago. Autor de O
testamento do senhor Nepumoceno da Silva Araújo (1989), O meu poeta
(1992), A ilha fantástica (1994), Estórias de dentro de casa (1996), Eva
(2006), dentre outras, seu estilo é marcado pelo humor, “abordando fatos
concretos da realidade do país numa prosa fluida que se vale de magistrais
pinceladas pitorescas e coloridas”, atesta Fonseca em Panorama das
literaturas africanas de língua portuguesa [em pdf].

Textos em prosa
(1) Fragmento do conto “Galo cantou na baia”

“A última que fez entusiasmou deveras .(...) Foi depois dum baile
no Tolentino, na madrugadinha (...) com o vento do mar a bater-lhe na cara
e as ondas fosforescentes ali a dois passos rebolando na areia invisível,
‘como Vênus na sua luminosa aparição, parte onda parte mulher...ou meia
morna’.(...)
Quando sinto que estou para ‘ter morna’, procuro sombra. E sombra
com mar diante. Só com mar diante...
A mesma inquietação voltou a formigar-lhe lá dentro, transformada
em vagas palavras confusas e em notas de música sem sentido. Esta,
não obstante, já revelava um ritmo embalado, de remo na forqueta, mas
era, por enquanto, uma melopéia estranha, elementar, quase reminiscente,

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toada de coisa recordada, sons ainda dúbios em busca de equilíbrio (...).


De súbito estacou. Apurou os ouvidos. Suspenso assim alguns
segundos entre a realidade e o sonho, escutou dentro do cérebro um
chacoalhar de vozes e ecos. Tói reconheceu o atalho que, habitualmente,
o levava aos ocultos tesouros. (...)
A quadra saíra assim inteirinha, de improviso.(...) Vênus nascia
completa, com cabeça, tronco e membros, e alma. Declamou, cantarolando,
duas, três vezes a quadra recém-nascida das ondas do mar” (LOPES, Galo
cantou na baia,1984. 15-17).

(2) Fragmento do conto “Álcool na noite”


“A noite estava serenamente calma e o calor convidava a estar-
se a olhar para as estrelas, preguiçosamente (...). De lá das bandas do
cemitério uma voz canta uma morna. Tudo normal se a voz não parecesse
sair dos intestinos de algum bicho em vez de uma garganta humana, por
muito desafinada que fosse. Era de uma mulher, reconheci com mais
cuidado. Aliás, eram as vozes de duas mulheres. A segunda faz coro com
obscenidades e a desarmonia, o desleixo transparecido e o despudor
agridem os ouvidos. (...) Vêm-se aproximando. E estão bêbadas. (...) Sinto
raiva. Agora posso vê-las no arco iluminado pelo candeeiro. Parecem-me
jovens. (...) A noite não tinha mais magia. Acho que nem estrelas. (...) vou
pensando, enquanto desço as escadas.
E os passos falam vergonha, humilhação e revolta. E pena.”
(SALÚSTIO, Dina. Mornas eram as noites. 1994, pp. 46-47. )

Atividade de aprendizagem

1 - Um dos grandes temas da narrativa caboverdiana é a morna. A


morna é ritmo genuinamente de Cabo Verde propagado no Brasil pela voz
da cantora de pés descalço Cesária Évora, falecida em 2012. Mais do que
um ritmo musical, a morna é um tema usado pelos mais variados autores
caboverdianos de todos os tempos. Manuel Lopes, no seu conto, “Galo
cantou na baia”, apresenta-nos o personagem guarda Tói que bem discute

95
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

a construção e presença da morna no arquipélago. Nos dois fragmentos


acima, um do próprio Manuel Lopes e outro de Dina Salústio, o ambiente
está impregnado do som e ritmo da morna. Procure explicar o sentido da
morna nestes dos fragmentos.
2 – Ouça algumas mornas de CESÁRIA ÉVORA disponíveis na web
e comente, na atividade complementar Fórum, sua temática, sua melodia e
seu ritmo. Será uma atividade prazerosa.

Glossário

Claridosos: nome dados aos participantes da Revista Claridade, marco


da caboverdianidade. Principais nomes-fundadores: Baltasar Lopes, Jorge
Barbosa e Manuel Lopes.
Claridade: Revista lançada em março de 1936 e sobreviveu até março
de 1937. A revista cumpria uma ideia de se afastar do cânone português
e imprimir uma voz que expressasse os anseios do povo caboverdiano,
naquilo de mais genuíno. Valorizava a terra, a língua crioula, que durante
o regime colonial foi reprimida. Apresentou-se como em defesa das raízes
caboverdianas.
Evasão: ato de evadir-se, de ir-se. O movimento de saída dos caboverdianos
de sua terra em busca de trabalho e sustento.
Mirabilis: é a designação comum às plantas do gênero Mirabilis L., da
família das nictagináceas, que reúne 54 espécies, nativas de regiões
subtropicais das Américas (principalmente do Sudoeste da América do
Norte) e apenas uma espécie do Himalaia.
Morna: música típica, dolente, romântica.

Saiba mais

Hespérides: o mito da ilhas de hespérides surge da necessidade


de fuga ao jugo colonial português. A instabilidade e o vazio só
poderiam ser preenchidos miticamente. Daí a apropriação do mito
grego, sobretudo, pelos poetas José Lopes e Pedro Cardoso aos textos

96
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

de Platão. A ideia: “As ilhas de Cabo Verde seriam, portanto, destroços


deste misterioso continente. E porque filhas de Hésperis [ninfas do
entardecer] chamar-se-ia hesperitanas ou Jardim das Hespérides”,
cita Elisa Andrade em “Do mito à história” In Cabo Verde insularidade e
literatura, coordenado por Manuel Veiga, disponível em http://books.google.
com.br/books?id=KJE99vLo1uwC&pg=PA19&lpg=PA19&dq=Hesp%C3%A9rides+cabo+verd
e&source=bl&ots=ZPFPGb2u82&sig=HQ7tj4pu0fn1kfQMrxle1mlyRi0&hl=pt-BR&sa=X&ei=gL-
VuUbHvIoSo9gTqm4CgDg&ved=0CEIQ6AEwAw#v=onepage&q=Hesp%C3%A9rides%20

cabo%20verde&f=false .

Mirabilis de veias ao sol: Antologia dos novíssimos poetas cabo-verdianos,


organizada por José Luís Hopffer Cordeiro Almada. Lisboa: Caminho, 1991.

Sobre a Literatura de Cabo Verde: http://lusofonia.com.sapo.pt/caboverde.htm


e Contravento, pedra-a-pedra. I Seminário Internacional de Estudos
Caboverdianos in www.seminariodeestudoscaboverdianos.org .

Sobre Corsino Fortes, recomendamos o site:


http://www.portalentretextos.com.br/colunas/poiesis/corsino-fortes-um-poeta-da-terra-
que-nasceu-para-amar-e-ser-amado,269,7797.html
Sobre Vera Duarte, recomendamos a entrevista com a autora em:
http://www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/edicao/03/Entrevista%20-%20Vera%20
Duarte.pdf
http://www.ueangola.com/criticas-e-ensaios/item/235-ainda-e-sobretudo-a-
paix%C3%A3o-o-arquip%C3%A9lago-da-paix%C3%A3o-de-vera-duarte

Leitura complementar

Sobre Vera Duarte, recomendamos a entrevista com a autora em:


http://www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/edicao/03/Entrevista%20-%20Vera%20
Duarte.pdf
http://www.ueangola.com/criticas-e-ensaios/item/235-ainda-e-sobretudo-a-
paix%C3%A3o-o-arquip%C3%A9lago-da-paix%C3%A3o-de-vera-duarte

Sobre Dina Salústio e Vera Duarte, recomendamos:

97
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

http://www.africaeafricanidades.com.br/documentos/14152011-01.pdf
Sobre a literatura caboverdiana, Simone Caputo faz percurso teórico do
início até a atualidade no artigo Metamorfoses da literatura cabo-verdiana
do nascimento à atualidade: da produção de Manuel Lopes aos novos
paradigmas visuais. Disponível em http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/mes/08.
pdf .

Atividade complementar

1 - Pesquise mais sobre a influência da literatura brasileira na


literatura angolana para, em seguida, escolher um poeta brasileiro e outro
caboverdiano e interpretar poemas de ambos que mantém relação de
intertextualidade. Para apoio, procure ler o texto: África Brasil entrelaces
poéticos da professora Elisalva Madruga Dantas, (UFPB), contido no livro
África, escritas literárias, organizado pela Profa. Carmém Tindó Secco et
all, Editora UFRJ/UEA, 2010, caso não seja possível, pesquise na Google
acadêmico artigos ou ensaios sobre o tema. Envie para o dispositivo Mural
e peça para seus colegas da turma emitir opiniões.
2 – Fórum 1: ouça as mornas cantadas por Cesária Évora, disponível
na web, e, em seguida, socialize suas impressões sobre a temática, a
melodia e o ritmo e relacione com os fragmentos em prosa lidos nesta
Unidade 2.
Ou
Fórum 2 – Assista ao Vídeo Código de Vida (partes 1 e 2), entrevista
com Corsino Fortes, disponível em http://www.rtc.cv/index.php?paginas=47&id_
cod=23743 e comente os pontos importantes da poesia e da participação
deste poeta na literatura de Cabo Verde.

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FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

4.4 Conhecendo Guiné-Bissau

Mapa Guiné-Bissau

DADOS SOBRE GUINÉ BISSAU – o país


Nome Oficial: República da Guiné-Bissau
Área: 36.125 km² Capital: Bissau.
População: 1,6 milhão de habitantes (estimativa 2010)
GEOGRAFIA:
Localização: Continente Africano (costa centro-oeste)
Cidades Principais: Bissau, Bissorá, Safim, Cacine, Catió, Bafatá
Clima: equatorial.
DADOS CULTURAIS E SOCIAIS:
Composição da População: balantas (30%), fulanis (20%), maniacas
(14%), outros (36%)
Idioma: português (oficial) crioulo e dialetos regionais.
Religiões principais: crenças tradicionais (cerca de 45%), islamismo
(42%)
IDH: 0,289 (baixo) - Pnud 2010
ECONOMIA:
Principais atividades econômicas: agricultura, pesca e mineração
PIB (Produto Interno Bruto): US$ 459 milhões (2009)
Força de trabalho: 645 mil (2008)
Moeda: franco CFA

99
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

A Guiné-Bissau possui um património cultural bastante rico e


diversificado. As diferenças étnicas e linguísticas produziram grande
variedade a nível da dança, da expressão artística, das profissões, da tradição
musical, das manifestações culturais. A dança é a verdadeira expressão
artística dos diversos grupos étnicos. Os povos animistas caracterizam-se
pelas belas e coloridas coreografias, fantásticas manifestações culturais
que podem ser observadas correntemente por ocasião das colheitas, dos
casamentos, dos funerais, das cerimónias de iniciação. O estilo musical
mais importante é o gumbé. O carnaval guineense, completamente original,
com características próprias, tem evoluído bastante, constituindo uma das
maiores manifestações culturais do País. O músico José Carlos Schwarz
é ainda hoje considerado um dos maiores nomes de sempre da música
guineense.
Fonte: http://www.fao.org/tc/cplpunccd/paginas-nacionais/guine-bissau/en/

4.4.1 A literatura guineense: princípios e fases

A literatura guineense é tardia. Apareceu bem depois das outras


literaturas das ex-colônias. Os estudiosos admitem que o atraso se deu
em virtude das condições socioculturais que não foram propícias. Guiné
esteve por muito tempo sob a administração do governo geral da colônia
de Cabo Verde, era um lugar de exploração de tráfico de escravo e não
de povoamento. Em razão disso, outras medidas importantes para o
desenvolvimento do país foram tardias. O estabelecimento de ensino
secundário só foi implantado somente 1958, de forma restrita, excluindo

100
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

99,7% da população muito anos depois de Cabo Verde que teve a seu
primeiro liceu em 1860. A imprensa chegou à Guiné apenas em 1879,
enquanto que nas outras ex-colônias isto se deu em 1842 e 1857. Os
expedientes oficiais (boletins) com secções literárias começaram a existir
apenas a partir de 1880 e perdura até 1974. A primeira editora, a Editora
Nimbo, que teve uma duração passageira, chegou em 1987, depois da
independência. Tudo isso e além da falta de bibliotecas, de editoras, e de
ações por parte da União Nacional de Artistas e Escritores contribuíram
para o limitado desenvolvimento da literatura. Mesmo diante desses
entraves, podemos identificar quatro fases na literatura de Guiné Bissau,
segundo Filomena Embaló, escritora e teórica desta literatura que nasceu
em Angola, mas é guineense de coração. Vamos a suas considerações
sobre a periodização da literatura guineense:

I. A fase anterior a 1945

Autores marcados pelo cunho colonial


Os primeiros escritos no território guineense foram produzidos por
escritores estabelecidos ou que viveram muitos anos na Guiné, muitos
deles de origem cabo-verdiana. A maior parte das suas obras têm um
caracter histórico, com a excepção da de Fausto Duarte (1903-1955), que
se destacou como romancista, Juvenal Cabral e Fernando Pais Figueiredo,
ambos ensaístas, Maria Archer, poetisa do exotismo, Fernanda de Castro,
cuja obra dá conta das transformações sociais da colónia na época e
João Augusto Silva, que recebeu o primeiro prémio de literatura colonial.
Porém a maior parte destes autores caracterizam-se por uma abordagem
paternalista e/ou próxima do discurso colonial.
Durante este período apenas uma figura guineense se destaca: o
Cónego Marcelino Marques de Barros que deixou trabalhos no domínio da
etnografia, nomeadamente “A literatura dos negros” e uma colaboração com
carácter literário dispersa em obras diversas. A ele se deve a recolha e a
tradução de contos e canções guineenses em diferentes publicações e numa
obra editada em Lisboa em 1900, intitulada “Contos, Canções e Parábolas”.

101
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

II. O período entre 1945 e 1970

Uma poesia de combate


É neste período que surgem os primeiros poetas guineenses: Vasco
Cabral e António Baticã Ferreira. Amilcar Cabral, com uma dupla ligação
à Guiné e Cabo Verde, faz também parte desta geração de escritores
nacionalistas. A literatura deste período caracteriza-se pelo surgimento da
poesia de combate que denuncia a dominação, a miséria e o sofrimento,
incitando à luta de libertação. Embora os primeiros poemas de Amilcar
Cabral revelem um autor cabo-verdiano, a maior parte da sua obra literária
é dominada por um cunho universalista, marcada pela contestação e
incitação à luta:
“Ah meu grito de revolta que percorreu o mundo
que não transpôs o mundo
o Mundo que sou eu !
Ah ! meu grito de revolta que feneceu lá longe
Muito longe
Na minha garganta !
Na garganta mundo de todos os Homens”
(“Poema”, Antologia Poética da Guiné-Bissau, Editorial Inquérito,
1990, pág. 39)

Vasco Cabral é certamente o escritor desta geração com a maior


produção poética e o poeta guineense que maior número de temas abordou.
A sua pluma passa do oprimido à luta, da miséria à esperança, do amor
à paz e à criança. (...) Inicialmente com uma abordagem universalista, a
sua obra se orienta, a partir dos anos 1960 para a realidade guineense3.
Em 1981, publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado “A luta é a
minha primavera”, obra que reúne 23 anos de criação poética entre 1951 e
1974. Esta obra foi ulteriormente publicada pela União Latina numa versão
trilingue português, francês e romeno.

3 Fernando J. B. Martinho, no Prefácio da primeira edição de « A luta é a minha primavera »

102
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

“Mãe África
Vexada
Pisada
calcada até às lágrimas
confia e luta
e um dia a África será nossa…”

(África ! Ergue-te e caminha » Antologia Poética da Guiné-


Bissau, Lisboa, op. c. pág. 49.)

“ …Ah ! Comme il me plairait


d’embrasser sur la bouche l’aurore
et de promener mes doigts
dans la chevelure de l’avenir
pour que paix et liberté
soient universelles.”

“Desabafo” (Confidence), extrait de “A luta é a minha


primavera”, version trilingue, pág. 236)

III. Dos anos 1970 ao fim dos anos 1980

Uma literatura exclusivamente poética: da poesia de combate à


poesia intimista
Com a independência do país, surge uma vaga de jovens poetas,
cujas obras impregnadas de um espírito revolucionário, manifestam um
carácter social. Os autores mais representativos são: Agnelo Regalla,
António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwartz, Helder
Proença, Francisco Conduto de Pina, Félix Sigá.
O colonialismo, a escravatura e a repressão são denunciados
por esses autores que, no pós independência imediato apelam para a
construção da Nação e invocam a liberdade e a esperança num futuro
melhor. O tema da identidade é abordado através de diferentes situações:

103
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

a humilhação do colonizado, a alienação ou assimilação e a necessidade


de afirmação da identidade nacional.
Note-se porém que a questão de identidade não é apresentada
como um factor de oposição entre o indivíduo e a sociedade na qual
este evolui. Ela é analisada como um conflito pessoal do indivíduo, que
consciente do seu desfasamento cultural em relação à sociedade de
origem, procura identificar-se com as suas raízes, da qual foi afastado pela
assimilação colonial. Por conseguinte, nesta abordagem não se põe em
causa a pertença do indivíduo à sociedade em questão.
Embora o recurso ao crioulo seja marginal, os autores afirmam-se
como cidadãos africanos. Vejamos:

Agnelo Regalla (tema do assimilado)

Fui levado
a conhecer a nona sinfonia
Beethoven e Mozart
na música
Dante, Petrarca e Bocácio
na literatura
… Mas de ti mãe África ?
Que conheço eu de ti ?
a não ser o que me impingiram
o tribalismo, o subdesenvolvimento
e a fome e a miséria como complementos…

(“Poema de um assimilado”, Antolologia poética da Guiné-


Bissau, op. c. Pág. 118)

Helder Proença (temas: reconstrução e esperança)

…É assim que vamos tecendo as nossas manhãs


de ferro e terra batida

104
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

são as cores da nossa vida


onde a juventude se forja
- ardente e gloriosa no peito palpitante do futuro - …
(“Assim respira a minha Pátria » Antologia Poética da Guiné-
Bissau, op c. page 84)

As primeiras publicações poéticas surgem em 1977 com a edição


da primeira antologia “Mantenhas para quem luta”, editada pelo Conselho
Nacional da Cultura. No ano seguinte, é publicada a “Antologia dos novos
poetas / primeiros momentos da construção”. Estas duas obras consagram
uma poesia que instiga à reconstrução do jovem país.
Ainda em 1978, Francisco Conduto de Pina publicou o seu primeiro
livro de poemas “Garandessa di nô tchon” e Pascoal D’Artagnan Aurigema
editou ‘Djarama”.

Helder Proença publicou em 1982 “Não posso adiar a palavra” com


duas obras poéticas.
Em 1990, surgiu uma nova colectânea poética, a “Antologia Poética
da Guiné-Bissau” editada em Lisboa pela Editorial Inquérito, reunindo
obras de quinze poetas, dos quais a maioria produz ainda uma poesia
característica desta época.

IV. A partir da década de 1990

Uma poesia mais intimista.


O desencantamento dos sonhos do pós-independência imediato fez
com que a euforia revolucionária desse lugar a uma poesia que se tornou
mais pessoal, mais intimista, com a deslocação dos temas Povo-Nação
para o Indivíduo. Outros temas passaram a inspirar a criação literária, tais
como o amor. De entre os seus autores citemos: Helder Proença, Tony
Tcheca, Félix Sigá, Carlos Vieira, Odete Semedo.

105
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

“Quisera
nesta vida
… afagar teus cabelos
sugar o doce dos teus olhos
transportar em arco-íris
o néctar da tua boca
e juntos caminharmos
ante a ânsia e o sonho …”

(Tony Tcheca, “Ânsia e sonho”, 1981,   Antologia poética da


Guiné-Bissau, op.c. pág. 151)

“A vida
nasce de gotas de Amor
- a morte
acontece no tempo
entre mim e a vida
paira um vácuo
- com sorriso
aguardo o destino.

(Francisco Conduto de Pina, « A vida », 1996, O Silêncio


das  Gaivotas, Bissau, Centro Cultural Português, 1996)

Embora o português continue a ser a língua dominante na poesia


guineense, o recurso ao crioulo tornou-se mais frequente, quer pela escrita
em crioulo, quer pela utilização de termos e expressões crioulas em textos
em português. Empregando o crioulo, os autores põem em evidencia a
riqueza metafórica dessa língua, profundamente enraizada na cultura
popular.
Odete Semedo, que utiliza tanto o português como o crioulo,
reivindica pertencer a duas culturas:

106
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

“Em que língua escrever


as declarações de amor ?
em que língua contar as histórias que ouvi contar ?
… Falarei em crioulo ?
Falarei em crioulo !
mas que sinais deixar aos netos deste século ?
ou terei que falar nesta língua lusa
e eu sem arte nem musa
mas assim terei palavras para deixar...”

(Odete Semedo, “Em que Língua Escrever ?», Entre o Ser e o


Amar, INEP, Bissau 1996, pág. 11)

Várias são as publicações que dão conta destas inovações na


literatura bissau – guineense: “O Eco do Pranto” de Tony Tcheca em 1992,
uma antologia temática sobre a criança, editada pela Editorial Inquérito em
Lisboa ; “O silêncio das gaivotas” em 1996, o segundo livro de poemas de
Francisco Conduto de Pina ; “Kebur – Barkafon di poesia na kriol”, uma
recolha de poemas em crioulo, editada pelo Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisa (INEP) em 1996 ; “Entre o Ser e o Amar “, uma recolha bilingue
português-crioulo de poemas de Odete Semedo, publicada também pelo
INEP em 1996 ”Noites de insónia em terra adormecida”, um outro livro
de poemas de Tony Tcheca publicado também em 1996 e “Um Cabaz de
Amores - Une corbeille d’amours”, recolha bilingue português-francês
de poemas de Carlos Edmilson Vieira, publicada em 1998 pelas Editions
Nouvelles du Sud em Paris.
As primeiras bandas desenhadas de Fernando Júlio, exclusivamente
em crioulo, apareceram na década de oitenta. Trata-se essencialmente de
sátiras sociais que tiveram um grande sucesso. A música, onde a poesia
crioula tem quase a exclusividade, foi também marcada pela exultação da
reconstrução nacional.
Fonte: http://www.didinho.org/resenhaliteratura.html#_edn3, acessado em
10/04/2013.

107
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Glossário

Mantenhas: (crioulo) saudações, cumprimentos.

Saiba mais

Mantenhas para quem luta! – a nova poesia de Guiné Bissau (1977):


Antologia que se revelam 14 jovens poetas, cujo prefácio vinculava-se as
produções à ideologia revolucionária do momento histórico vivido, com uma
retórica de assumido compromisso político. A temática de dimensão social:
anticolonialismo, a denúncia da precariedade social, da repressão política,
de que Pindjiguiti é o símbolo. (LARANJEIRA, 1995, p. 360)

Para aprender mais

Procure ler a resenha de Filomena Embaló sobre a literatura guineense


em http://www.didinho.org/resenhaliteratura.html#_edn3, em novembro de 2004,
acessado em 15/04/2013.

4.4.1.1 Poemas guineenses

Odete Semedo (foto) Maria Odete Semedo nasceu em Guiné Bissau


(1959).Foi Presidente da Comissão Nacional para a UNESCO - Bissau.
Fundadora da “Revista de Letras, Artes e Cultura Tcholona”. Publicou um
livro de poemas “Entre o Ser e o Amar”, em Bissau (1996). Ex-ministra, e
membro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, para as áreas de
Educação e Formação.
Bissau sukuru
Bissau é um enigma
Bissau sukuru
Bissau é um enigma Guiné fundu
Guiné é um mistério murgudjadu na kasabi
mergulhada numa profunda angústia n na ntera
eu a construir paké nha ermon
e tu a destruíres n punta?
porquê, meu irmão si kaminhu i um son son
pergunto
se o caminho é único
(SEMEDO, No fundo do canto, p. 54/55)

108
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Quando tudo começou Bissau não quis acreditar

Bissau não quis acreditar Bissau kA mistiba fia


no que via Nin na ke k’i na sinti
no que estava a sentir
Bissau dispidi di si fidjus
Bissau despediu-se de seus filhos num, i mborka
nua deitou-se de bruços pa risibi kalef
para receber chicotadas pa risibi limbida
para receber açoite di nhara sikidu ku si fidida
com ramos espinhosos Bissau kA fia.
de nhára-sikidu
Bissau não quis acreditar (SEMEDO, No fundo do canto, p. 70-71)

Otcha kusas kunsa Bissau ka misti fia

Tony Tcheca (António Soares Lopes) – natural de Bissau, poeta e


jornalista, um dos nomes representativos da literatura gineense. Coordenou
três antologias: Matenhas para quem luta, Antologia da poesia moderna
guineense, Eco do pranto e Noites de Insónia na Terra Adormecida (1987).
Segue um dos seus poemas.

Batucada na noite há merengada chanel


e antilhesas na madrugada paco rabane
Bissau cresce Lufadas de amor água cheiro
quando o sol desce moldam corpos suor
vem com o fio da noite suarentos de ardor e dior
e só adormece há um saracoteio ça va comme ça…
quando amanhece permanente O old scotch
O álcool na passarelle da noite dá o toque final
e o week-end sedas flutuantes É fatal
inflamam corpos coxas remexendo afinal porque não…
cheios de adornos num sincopado A batucada cresce
Na noite que dá síncope abre o espaço
há insónias O odor a cidade não dorme.
e sónias de muitos nomes mastiga o ar
não é só o mote sem pudor mistura-se Fonte: http://sibila.com.
aqui há funky confunde-se br/mapa48guinebissau.
catinga html.

109
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

4.4.2 Vozes da prosa guineense

É recente o aparecimento da prosa guineense – 1993 – com


Domingas Sami uma coletânea de contos sobre a condição feminina na
sociedade guineense. Abdulai Silá lança o romance Eterna Paixão (1994)
e publicou outros dois: A última tragédia, traduzido para francês e Mistida
(1997). Este escritor destaca na sociedade colonial dos dois seguimentos
presentes: colonizador e o colonizado. Com efeito, Silá alude à transição
para uma sociedade pós-colonial focando a nova elite que ao conquistar o
poder, põe-se em contradição entre o discurso revolucionário e de combate
à opressão com a prática de governar desastrosa para o povo do país.
“Mistida publicado um ano antes do início da guerra civil de 1998/1999 é
considerada pelos críticos literários como uma obra profética”, diz Filomena
Embaló.
Carlos Lopes, produtor de uma obra marcada pelo caráter histórico,
sociológico e político, publica Corte Geral, em 1997, crônicas, carregadas
de humor revelando as situações surreais que imprimem a sociedade
guineense.
Em 1998 aparece na cena literária Filinto Barros com o romance
Kikia Matcho, revelando o mundo místico e mágico africano, “abordando a
vida decadente da capital nos anos 1990 e o sonho falhado que representa
a emigração”. Prosseguindo a viva produção guineense, Filomena Emboló
publica seu primeiro romance, Tiara (1999), em que tematiza a integração
familiar e social na sociedade africana. Carlos Edmilson Viera, em 2000,
edita seu conto em “Contos de N’Nori”, onde recolhe histórias de lendas
e costumes populares, compreendendo as “vicissitudes sociais e políticas
da sociedade guineense. Por fim, a literatura contemporânea Bissau-
guineense, apresenta-se sob diversas forma e gêneros retratando aflições,
desilusões, medos, aspirações dos sujeitos guineenses diante da situação
política, social e econômica toma conta do país.

110
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4.4.2.1 Textos em prosa

Abdulai Silá

Mistida (Fragmento)

[...]
– Afinal, quem és tu? – indagou algo intrigada Mama Sabel (...)
– Eu sou a mulher dele...
– De quem?
– Do professor!
– Mas qual professor? (...)
– E quantos professores nesta terra é que foram afastados dos
seus alunos, das suas escolas, das suas famílias? Quantos?
– Hmmm?
– Um só!
– Tens a certeza?

– (...) É propaganda, mera propaganda. É pura invenção desses djidius de


caneta que andam por aí e que, em vez de escreverem sobre os verdadeiros
acontecimentos, relatar tal e qual as barbaridades que acontecem quase
todos os dias nesta terra e que de facto valem a pena pôr no papel, não,

111
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

metem–se a inventar, a contar kafumban (...) Senão, repara só no final


dessas passadas absurdas e em que ninguém deve acreditar: um professor
foi para Woyowayan e ficou lá exilado, o outro até é deportado para São
Tomé! (...) Será que não entenderam o Testamento do tal Régulo, que disse
que professor é a profissão mais honrosa que pode haver na nossa terra,
que era um couro que devia estar

acima de todos os outros? (...)

– Olha Ndani, eu estou plenamente de acordo contigo quanto a esta questão


dos djidius de caneta. E sabes porquê? (...) Sabes o que é que um desses
djidius de caneta fez comigo? Nem vais acreditar... é pior que a história dos
professores...Só porque queria aproveitar–se da cantiga de um outro djidiu,
resolveu mudar o meu nome ao escrever uma passada que eu mesma lhe
contei! (...) Pois, acredita mesmo que ele foi até ao ponto de me mudar o
nome... o meu único nome! Mas quem é que nesta terra não conhece como
é que eu me chamo? Eu pergunto: quem é que não conhece o meu nome?

– Mbubiii! – gritaram de uma voz as crianças recém–chegadas.

(Abdulai Sila, Mistida, 1997, p. 209–212)

Glossário

Djidius – aedo, griots, que atuam sobretudo para os nobres.

Atividade de aprendizagem

1 – Você tem acima poemas de Odete Semedo, retirado do livro “No fundo
do canto em que a autora escreve em português, mas também no seu
dialeto crioulo. Diante do contexto literário de Guiné Bissau, explique porque
a autora tem a preocupação de poetisar bilíngüe.
2 – Quem seria esse “eu” e o “tu” na interlocução que se realiza no poema
“Bissau é um enigma”. Jusfique o estado emocional do eu lírico.

112
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

3 – Em “Quando tudo começou Bissau não quis acreditar”, que imagem do


país se nos apresenta.

Atividade complementar

Faça uma síntese das informações desta subunidade 4 – a poesia e


a prosa guineense. Antes, porém, pesquise mais. Socialize no Fórum.

Resumo

Nesta unidade, na primeira parte, você conheceu um pouco da


literatura caboverdiana, seus períodos, seus momentos importantes e os
autores-fundadores do movimento dos claridosos. Podemos ver que esta
literatura deve ao movimento Claridade e aos seus representantes um vigor
e densidade que promove o espírito de caboverdianidade. Como vimos
também a influência do modernismo brasileiro para a moderna literatura
caboverdiana a partir do diálogo intertextual entre os Claridosos e nosso
poeta modernista Manuel Bandeira, sem esquecer que outros movimentos
de diálogos existiram. Vale ressaltar também a presença da escrita feminina.
Dina Salústio e Vera Duarte com suas prosas e poesia, respectivamente,
que trazem discussões significativa sob o ponto de vista feminino. Na
segunda parte, discorremos sobre a tardia literatura guineense. A filiação,
ligação e rompimento com a literatura caboverdiana na figura de Amilcar
Cabral, as preocupações estético-literárias dos autores contemporâneos e
os momentos importantes da prosa e da poesia, que ressoa nomes como
de Abdulai Silá e Odete Semedo.

Para finalizar

Não se esqueça de fazer suas considerações sínteses do que


aprendeu nesta Unidade. Isso é importante para a apreender os conteúdos
dando-lhe segurança quanto ao temas abordados.

113
UNIDADE 5
LITERATURA SÃO-TOMENSE

OBJETIVOS
• Saber sobre o contexto literário são-tomense;

• Refletir sobre a temática e os elementos estéticos que compõem a produção de


autores/as são-tomenses nos momentos importantes da prosa e da poesia;

• Discutir sobre as propostas literárias das vozes contemporâneas que se destacam


no cenário literário são-tomense.
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5. Literatura São-tomense

5.1. Conhecendo São Tomé

São Tomé e Príncipe é um arquipélago. Eram ilhas desertas antes


da chegada dos portugueses em 1485. Depois passaram a ser usadas
como ponto de entreporto e começaram a ser habitadas por portugueses
e africanos de outros cantos do continente. Produtos como café e cacau
movimentaram sua precária economia sustentável.
Na literatura produzida tardiamente, Caetano Costa Alegre é um dos
seus primeiros poetas como também um dos primeiros poetas negros de
expressão portuguesa. A literatura são-tomense nos traz um dos principais
nomes da literatura africana de língua portuguesa, Francisco José Tenreiro
porque foi o que deu início a uma temática cara aos africanos, a temática
da negritude. Além de Tenreiro é necessário ressaltar: Tomás Medeiros,
Alda Espírito Santo, Maria Manuela Margarido, Fernando Reis e a poetisa
contemporânea de destaque Conceição Lima.
De um país de cultura singular, a literatura de São Tomé e Príncipe
tem seu marco inicial com a publicação do poema “Ilha de nome Santo” de
Francisco José Tenreiro.

117
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

5.2 A literatura são-tomense: princípios, momentos e as vozes


representativas da poesia

Inocência Mata, pesquisadora são-tomense, professora da


Universidade de Lisboa e estudiosa da literatura são-tomense, apresenta-
nos um quadro que não se embasa em período ou fases, mesmo porque a
literatura são-tomense está em processo de formação, mas em momentos
que são bastante significativos para que compreendamos o desenvolvimento
da literatura deste arquipélago.
Segundo Mata (1995), a literatura de São Tomé e Príncipe tem suas
raízes no século XIX e início do século XX, com a participação da elite
são-tomense, através das publicações em jornais, revistas e boletins de
associações, tais quais O africano, A voz d’África, O negro, A verdade e
O correio d’África. Eram periódicos não oficiais e não governamentais que
já refletiam sobre a realidade da população, o abuso de poder, a violência
contra o negro e as terras expropriadas dos nativos, por exemplo. Nesses
suportes publicavam poemas que expressavam uma consciência unitária e
libertária.
Com Caetano Costa Alegre (1864 – 1890) “as manifestações literárias
são-tomenses começam a delinear-se como sistema” (Idem, p. 336). Por
este poeta vão aparecer os primeiros indícios de negrismo na poesia
africana que, configurando uma etnicidade, será retomado sob diferente
viés em outros momentos e em outros lugares da literatura africana de
língua portuguesa.

118
FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

A minha cor é negra,


Indico luto e pena;
É luz que nos alegra,
A tua cor morena.
É negra a minha raça,
A tua raça é branca,
[...] Todo eu sou um defeito,

Sucumbo sem esperanças, [...] (Costa Alegre, 2006)

I) Marcelo da Veiga (1892 - 1977), na primeira metade do século XX


(1917), imprime um discurso de identidade e da pátria, ressaltando a cor, os
costumes, os distintivos traços étnico-culturais que constituem a cultura são-
tomense evocando a coletividade da voz. Um dos poetas que mais produziu,
sua poesia que se desenvolve durante décadas revela “uma mudança
evolutiva no processo de conscientização do homem social em contexto
colonial” (Mata, 1995, p. 337). No poema “África é nossa!”, por exemplo, o
poeta defende a independência de São Tomé e Príncipe e denuncia a terra
violada e usurpada pelo colonizador. A denuncia, a ironia e valorização da
cultura são aspectos peculiares da poesia de Marcelo da Veiga.

O Batuque

I
Nestas noites assim de tanto frio
Noites de nostalgia,
Noites de medo e azar
Em que o vento p’la serra uiva sombrio,
A minha alma repleta de agonia
Voa aflita p’ra o meu distante lar
Noites da minha terra!...
Èbrias de encanto e de perfume que erra...
Noites faulhando lume qual se os astros
Descessem e na terra então, de rastros
Reluzissem!

[...] (VEIGA, Inédito, No reino do Caliban, p. 459)

119
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

(foto) II) Francisco José Tenreiro (1921 – 1963) , que publicara Ilha de
nome santo, em 1942, na coleção neo-realista Novos cancioneiros, em
Coimbra, torna-se, segundo Manuel Ferreira (1976, p. 423) o “primeiro
poeta verdadeiramente africano de expressão portuguesa”. O poeta são-
tomense era também geógrafo, sociólogo, crítico literário e professor. A sua
tese de doutoramento (Faculdade de Lisboa) em 1961, é obra pioneira nos
estudos sobre São Tomé e Príncipe, mas na poesia, Tenreiro impulsiona
a literatura são-tomense. Seu poema “Coração de África”, conforme Mata
(1995, p. 338), que

sintetiza o sentir que então se vivia entre os africanos da Casa


dos Estudantes do Império, fora, significativamente, o poema
seleccionado para integrar o caderno de Poesia negra de
expressão portuguesa (1953), primeira manifestação assumida
da Negritude na literatura africana de língua portuguesa,
organizado de parceria com Mário Pinto de Andrade [...]

Em 1967, a poesia de Tenreiro é reunida em Obra poética de Francisco


José Tenreiro e reeditado por Manuel Ferreira em 1982. O primeiro poeta da
Negritude de língua portuguesa legou “Ilha de nome santo”, poesia insular
que, ainda segundo Mata, revitaliza “signos e símbolos emblemáticos do
mundo negro-africano, vinculado aos modelos tutelares da consciência
negra nos Estados Unidos, Cuba e Haiti e redimensionados pelo movimento
da Negritude” (Idem, p. 339). Este e outros poemas como “Exortação” e
“Negro de todo o mundo”, chamados negritudinistas, tematizam e discutem
questões como estigmas, desagregação e dispersão do negro na diáspora,
expressão de forma contundente a realidade do mundo negro africano
acompanhado de um sentimento de orgulho da raça, evidenciando os
elementos ancestrais e cosmogônicos da mãe/terra, a esperança e a
certeza de um estado modificador da situação do negro no mundo.

Canção do Mestiço (Fragmento)


Mestiço!

Nasci do negro e do branco

120
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e quem olhar para mim


é como que se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de que me vê.
[...]
Mestiço
Quando amo a branca
Sou branco...
Quando amo a negra
Sou negro...
Pois é...

(TENREIRO, Ilha de nome santo, 1942; No reino de Caliban, 1976, p. 437)

Considera-se que Marcelo da Veiga, Francisco José Tenreiro, Alda


do Espírito Santo, de poesia dispersa e só acolhida em 1978 no livro É
nosso o solo sagrado da terra, Manuela Margarido, autora de Alto como
silêncio e Tomás Medeiros, sem livro publicado, mas de participação em
periódicos, sejam os formadores da “matriz nacionalista” com escritos que
denunciavam uma

assumida vinculação à ideologia estética do Neo-realismo e


configura[vam] dois núcleos temáticos: de novo a afirmação
cultural, de uma insularidade africana, e a reivindicação do solo
pátrio, realizando o discurso anti-colonial de identidade, e a
denúncia da precariedade social das ilhas (Mata, 1995, p. 344)

Acrescenta-se, então, que a produção destes escritores que


tendiam para a denuncia, a resistência e a subversão passou a ser um
meio de afirmação político-ideológico contra o processo de manutenção da
exploração do colonial.

5.3 Vozes representativas da prosa

Seguindo a linha de raciocínio de Inocência Mata, em vias paralelas


à poesia de cunho nacionalista, pautado pelo social e consequentemente

121
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

anti-colonial, seguia uma escrita, ficção narrativa realizada por escritores


da metrópole (Portugal) radicados em São Tomé e Príncipe.

Nos anos 30 aparecem crônicas e contos sobre São Tomé e


Príncipe nos livros Fortunas d’África (1933) de Manuel Récio e Domingos
S. de Freitas, Novela africana (1933) de Julião Quintinha e outros, mas é
Fernando Reis e Luis Cajão os mais representativos desta literatura. Diz
Inocência Mata (1995, p. 346):

Oscilando entre uma dimensão nativista e uma dimensão


apologética, essa literatura configura fundamentalmente uma
modalização da colonialidade realizada no plano literário e que
faz intertexto com outras formas do discurso colonial. Isto é:
no processo de significação textual, esse macrotexto narrativo
constitui a ilustração literária da ideologia colonial. [...]
A temática insular desta literatura revela a dimensão mítica da
ideologia colonial: a exemplaridade sócio-económica da roça,
a multirracialidade e a mestiçagem como demonstração da
humanidade do processo colonizador ou esforço épico dos seus
agentes. [...]
As diferenças entre os dois discursos, o nacional e o colonial,
não se esgotam na semântica dos núcleos temáticos e dos
motivos composicionais. As formas, o modo de representação
e os processos estilíticos, portanto, a estruturação textual/
estratégias narrativas, a construção de personagens
(geralmente metropolitanos) e suas relações, a mobilização dos
recursos estilísticos e o engendramento dos signos ideológicos
e os simbólicos são elementos que permitem a percepção das
matrizes fundadoras dos dois discursos. Essa prosa de ficção
poder ser considerada como colonial e o seu corpus pretendia-
se vinculado à literatura portuguesa, de que faz realização
regional(ista). [...].

Atualmente a literatura são-tomense, depois de ter passado por um


período de euforia e panfletarização, igual as outras literaturas africanas de
língua portuguesa, após a independência de celebração da reconstrução
nacional, aparecem novos nomes que o tempo se encarrega de afirmá-los

122
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como vozes contemporâneas de fôlego renovador: Aíto Bonfim, Fernando


de Macedo, Frederico Gustavo dos Anjos, Francisco Costa Alegre e
Sacramento Neto.
Fernando de Macedo, com os livros Anguéné (1989) e Mar e mágoa (1994)
lança um novo olhar e evidencia em sua escrita os sujeitos da nação são-
tomense que vem sendo excluídos do processo no contexto pós-colonial,
evidenciando os sentidos, a cultura, sinais e signos da cultura angolar que
ficaram à margem.

Atividades de aprendizagem

1 – Retome a Unidade I, onde apresentamos a linhas gerais das literaturas


africanas de língua portuguesa, reveja o que já se estudou sobre o
Movimento da Negritude e comente a poesia de Francisco José Tenreiro à
luz daquelas considerações.

2 – Diferencie a proposta de Caetano Costa Alegre da de Francisco José


Tenreiro quanto a posição do negro na literatura são-tomense.

3 – Ao discorrer sobre a prosa são-tomense, Inocência Mata enfatiza os


aspectos sociais e estilísticos encontrados nas narrativas dos escritores
são-tomenses. Quais podemos destacar e em que contribuem para
reconhecermos essas manifestações como um sistema literário?

5.4 Vozes contemporâneas

Conjuntamente com Aíto Bonfim, Maria Olinda Beja, Francisco Costa


Alegre, Amadeu Quintas da Graça, Manuel Bernardo, Jerónimo Salvaterra,
Manuel Teles Neto e Alcino de Sousa que vêm produzindo a partir do
final do século XX, um das principais vozes que despontam no cenário
da literatura de São Tomé e Principe é a de Conceição Lima. A poetisa
se destaca pela sua veia incisiva crítica quanto a realidade do país. Com
uma poesia dignamente elaborada e substantiva, Lima tematiza a memória

123
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

dos ancestrais, a memória familiar, carregada de um lirismo que se junta


à dimensão épica, referida pelos estudiosos de sua poética. A seguir um
excerto de um dos nossos trabalhos sobre a autora a ser publicado.

(Enxerto)
Nascida em Santana da ilha de São Tomé, São Tomé e Príncipe,
em 1961, Maria da Conceição de Deus Lima, estudou jornalismo, trabalhou
na imprensa escrita e televisionada de seu país. Participou ativamente
da cultura da ilha, fundando em 1993, o semanário independente “O país
Hoje”, já extinto. Estudou no King’s College de Londres, onde se licenciou
em Estudos Afro-Portugueses e Brasileiros. Atualmente é jornalista na
BBC, tem publicado três livros de poemas “O Útero da Casa” (2004), “A
Dolorosa Raiz do Mincondó” (2006) e “O país de Akendenguê” (2012).
Considerada uma das vozes de destaque na poesia africana do período
pós-colonial, começou a escrever na década de 70, e em 1979, participou
da Sexta Conferência de Escritores Afro-Asiático. A partir deste período,
Lima começou a publicar poemas em jornais e antologia, sendo esses
recolhidos e publicados no seu primeiro livro supracitado.
Conceição Lima sobressai-se no contexto da literatura são-
tomense cuja preocupação estética apresenta uma superação da fase
de “panfletização e sloganização da escrita” advinda da voz de Alda
Espírito Santo, momento em que, segundo Inocência Mata, “a ideologia se
sobrepunha ao trabalho da palavra poética” (Mata, 2010, p. 71). Lidar com
as palavras surge de suas relações familiares. Em encontro4 com alunos
do Colégio de Amorim, Póvoa de Varzim/Portugal (2009), Conceição Lima
reporta-se ao ensinamento do pai sobre o poder da palavra. Quando
pequena, o pai compunha canções para a mãe quando esta ficava zangada
com ele e então Lima percebia que as palavras então tinham poder de lhe
voltar à tranquilidade, visto que a mãe voltava às pazes com o pai. Todavia,
a menina também notava que as palavras feriam, já que a zanga da mãe
também era porque antes o pai a tinha magoado através de palavras. Lendo
os poemas de Lima, há de se reparar a força que as palavras impõem nos
4 “Encontro emocionado de Ivo Machado e Conceição Lima com alunos do Colégio de
Amorim” http://www.cm-pvarzim.pt/, 2009.

124
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versos, repercutindo efeitos de sentido que tanto comungam para a alegria,


a esperança nos dias melhores, diante à face dolorosa da vida.
O poema aqui selecionado para tratarmos da visão imaginada de
nação, está contido no primeiro livro O útero da casa (2004), em que se
pode perceber o eco de vozes dos que tiveram a capacidade de resistir
ao empreendimento do poder hegemônico com silenciamento e omissão
sobre os segmentos subalternizados.
Recorrendo mais uma vez às considerações da pesquisadora
Inocência Mata sobre a escrita de Conceição Lima, vale considerar sua
reflexão quando diz:
Desde O útero da casa que Conceição Lima tem vindo a denunciar
um olhar homogeneizante do nacional pela exposição de outros segmentos
que fazem parte da nação, mas que tanto o discurso colonial quanto o
discurso nacionalista mantiveram omitidos. (Mata, 2010:79)
Lima se distancia de uma visão de celebração e de encantamento
descomprometido dos feitos históricos para apontar um olhar sobre as
confluências identitárias que constituem a cultura e a história de São Tomé
e Príncipe. Neste sentido, o poema “Afroinsularidade” seria um canto de
consciência não para negar a existência da versão referencial e oficial no
discurso de construção da nação, mas para questionar o ponto de vista o
qual se pretende único e dominador. Em diálogo profícuo com a poética
harmoniosa de Francisco José Tenreiro5, preservando a importância e o
legado deste poeta, porém indicando as rasuras e as lacunas que o tempo
e as circunstâncias da presença forçaram-no a caminhar pelo princípio
harmonizador, a são-tomense revela uma postura “descolonizadora
da palavra poética” (Mata, 2010), procedendo duas “vertentes” no
questionamento da história colonial e nacionalista, como assim situa a
pesquisadora Inocência Mata: a primeira, numa atitude de “desvelamento
dos lugares facturantes que ficaram à margem do ‘relato da nação’, postura
em que sinaliza os “nichos da [sua] memória histórica e política” (Mata,

5 Poeta, referência da literatura são-tomense, escreveu de forma vivaz entre as décadas


de 40 a 60, produziu poemas em explicitam o amor à terra são-tomense, sua formação
cultural; estudioso da geografia humana em que considera o sujeito africano como
“flutuante” na composição cultural. (Mata, 2010).

125
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

2010:141), exemplificado no poema “Os heróis”; e a segunda, a visibilização


dos segmentos “sonegados no actual agenciamento identitário da nação,
afinal ‘comunidade imaginada’(Idem, p.141), exposto no poema “Os rios da
tribo”. (SILVA, Assunção; BEZERRA, Emília. “O poeta come amendoim”,
de Mário de Andrade e “Afroinsularidade”, de Conceição Lima: o poético
reescrevendo a nação. [em pdf])

5.4.1 Poemas de Conceição Lima

a) PROPOSTA

Apaguem os canaviais, os cacauzais, os cafezais


Rasurem as roças e a usura de seus inventores
Extirpem a paisagem da verde dor de sua íris
E eu vos darei uma narrativa obliterada
Uma esparsa nomenclatura sedenta de heróis.

(LIMA, O útero da terra, 2004)

b) A HERANÇA

Sei que buscas ainda


O segredo fulgor dos dias
Anunciados.
Nada do que te recusam
Devora em ti
A memória dos passos calcinados.
É tua casa este exílio
Este assombro esta ira.
Tuas as horas dissipadas
O hostil presságio
A herança saqueada.
Quase nada.
Mas quando direito e lúgubre
Marchas ao longo da Baía
Um clamor antigo
Um rumor de promessa
Atormenta a Cidade.
A mesma praia te aguarda
Com seu ventre de fruta e de carícia
Seu silêncio de espanto e de carência.
Começarás de novo, insone

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Com mãos de húmus e basalto


Como quem reescreve uma longa profecia.

(LIMA, 2004, O útero da terra, p. 21-22)

c) AFROINSULARIDADE

Deixaram nas ilhas um legado


de híbridas palavras e tétricas plantações
engenhos enferrujados proas sem alento
nomes sonoros aristocráticos
e a lenda de um naufrágio nas Sete Pedras

Aqui aportaram vindos do Norte


por mandato ou acaso ao serviço do seu rei:
navegadores e piratas
negreiros ladrões contrabandistas
simples homens
rebeldes proscritos também
e infantes judeus
tão tenros que feneceram
como espigas queimadas

Nas naus trouxeram


bússolas quinquilharias sementes
plantas experimentais amarguras atrozes
um padrão de pedra pálido como o trigo
e outras cargas sem sonhos nem raízes
porque toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso
todas as mãos eram negras forquilhas e enxadas

E nas roças ficaram pegadas vivas


como cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um
escravo morto.

E nas ilhas ficaram


incisivas arrogantes estátuas nas esquinas
cento e tal igrejas e capelas
para mil quilómetros quadrados
e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios.
E ficou a cadência palaciana da ússua
o aroma do alho e do zêtê d’óchi
no tempi e na ubaga téla
e no calulu o louro misturado ao óleo de palma
e o perfume do alecrim

127
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

e do mlajincon nos quintais dos luchans

E aos relógios insulares se fundiram


os espectros — ferramentas do império
numa estrutura de ambíguas claridades
e seculares condimentos
santos padroeiros e fortalezas derrubadas
vinhos baratos e auroras partilhadas

Às vezes penso em suas lívidas ossadas


seus cabelos podres na orla do mar
Aqui, neste fragmento de África
onde, virado para o Sul,
um verbo amanhece alto
como uma dolorosa bandeira.

(LIMA, Conceição, O Útero da Casa, 2004, p. )

Glossário

Ússua: dança tradicional de sala da Ilha são tomense.


Zêtê d’óchi: azeite doce
Tempi: (crioulo forro) panela de barro
Ubaga tela: (crioulo lungie) panela de barro
Calulu:prato típico da culinária são-tomense
Mlajincon: manjericão
Luchans:espécie de terreiro, situado no interior da ilha, a volta do qual
estão dispostas as casas de pessoas da mesma família.

Saiba mais

Sobre Manuela Margarido sugerimos a leitura do artigo:


MATA, Inocência. Manuela Margarido: uma poetisa lírica entre o cânone e
a margem. In. Literatura Scripta. Revista do Programa de Pós-graduação
em Letras e do Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros da PUC Minas, vol.
8, nº 15, 2º semestre de 2004.

Leitura complementar

128
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Conheça mais Conceição Lima nos vídeos disponíveis na web:


https://www.youtube.com/watch?v=esnzLmnRPQM

Atividade complementar

Fórum:
A poetisa Conceição Lima produz uma poética intensa e densa que discorre
sobre a imaginada nação são-tomense explorando diversos aspectos. Leia
e se possível releia os poemas aqui elencados e discuta com seus colegas
sobre a forma como ela apresenta o seu lugar, a sua terra.

Resumo

Nesta unidade 5, conhecemos um pouco alguns aspectos importantes da


literatura são-tomense a partir da sua origem. Como as demais literaturas
dos cinco países africanos que vimos estudando, a literatura são-
tomense passa por um processo de afirmação e de fortalecimento. Como
enfatizamos, nomes como Caetano Costa Alegre, Francisco José Tenreiro
e de Conceição Lima podem ser considerados os principais representantes
desta literatura em diferentes tempos e circunstâncias. A poesia, portanto,
parece ser mais forte e ilustrativa da postura dos escritores frente a sua
realidade sócio-histórica. A prosa ainda carece de produções que dê vigor
e consolide a narrativa nos tempos atuais. Isto não quer dizer que não
exista. Mas a presença de Fernando de Macedo e de Conceição Lima,
como vozes da contemporaneidade faz parte de um projeto de injeção e
revigoramento na releitura da nação são-tomense.

Para finalizar

Reveja o que estudamos nesta Unidade 5, destaque aquilo que você


considera mais relevante e faça o fichamento dela .

129
Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

Referências Bibliográficas

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Coleção Ensaio -40; Editorial Nzila, 2007.
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FERREIRA, Manuel. No reino de Caliban. Lisboa: Serra Nova, 1976.
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africana de expressão portuguesa II Angola São Tomé e Príncipe. Lisboa:
Seara Nova, 1976.
FERREIRA, Manuel. (Org.) No reino de Caliban Antologia panorâmica da
poesia africana de expressão portuguesa I Cabo Verde e Guiné Bissau.
Serra Nova, 1975.

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FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português

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NEVES, João A. das. Poetas e contistas africanos de expressão portuguesa.
São Paulo: Ed. Brasiliense, 1963.

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Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

________ . No país de Akendenguê. Ed. Especial. Lexonics, 2012.


________ . No fundo do canto. Belo Horizonte: Nandyala, 2007 (Coleção
Para Ler África, v. 1)
PATRAQUIM, Luís Carlos. Monção. Edições 70. Lisboa, 1980.
SALÚSTIO, Dina. Mornas eram as noites. Praia: Instituto Caboverdiano do
Livro e do Disco, 1994.
SECCO, Carmen L. T. R. (Org.). Antologia do mar na poesia africana de
língua portuguesa do século XX: Moçambique, São Tomé e Príncipe e
Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: UFRJ, Coordenação dos Cursos de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas e Setor de Literaturas Africanas de
Língua Portuguesa, 1999. v.3.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E
DIVERSIDADE (SECAD). Orientações e ações para a educação das
relações étnico-raciais. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006)
SEMEDO, Odete Costa. No fundo do canto. Belo Horizonte: Nandyala,
2007.
SOUSA, Noémia. Sangue negro. 1988.
SILA, Abdulai. Mistida. Bissau: Ku Si Mon Editora, 1997.
http://lusofonia.com.sapo.pt/glossario_africano.html

VEIGA, Manuel. Cabo Verde insularidade e literatura. Cidade de Praia,


Cabo Verde: Edições Karthala, 1998. Disponível em http://books.google.
com.br/books?id=KJE99vLo1uwC&pg=PA19&lpg=PA19&dq=Hesp%C3%A9rides+cabo+verd
e&source=bl&ots=ZPFPGb2u82&sig=HQ7tj4pu0fn1kfQMrxle1mlyRi0&hl=pt-BR&sa=X&ei=gL-
VuUbHvIoSo9gTqm4CgDg&ved=0CEIQ6AEwAw#v=onepage&q=Hesp%C3%A9rides%20
cabo%20verde&f=false.

WHITE, Eduardo. Amar sobre o Índico. Maputo, Associação dos Escritores


Moçambicanos, 1984.

132
AVALIAÇÃO DO LIVRO

Prezado(a) cursista:

Visando melhorar a qualidade do material didático, gostaríamos que


respondesse aos questionamentos abaixo, com presteza e discerni-
mento. Após, entregue a seu tutor esta avaliação. Não é necessário
identificar-se.

Unidade:____________ Município: _________________


Disciplina:___________ Data: _____________________

1. No que se refere a este material, a qualidade gráfica está visual-


mente clara e atraente
( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM

2. Quanto ao conteúdo, está coerente, contextualizado à sua prática


de estudos
( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM

3. Quanto às atividades do material, estão relacionadas aos conteú-


dos estudados e compreensíveis para possíveis respostas.
( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM

4. Coloque abaixo suas sugestões para melhorar a qualidade deste


e de outros materiais.
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