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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP

DABANA NAMONE

EDUCAÇÃO TRADICIONAL E MODERNA NA


GUINÉ-BISSAU E O IMPACTO DA LÍNGUA
PORTUGUESA NO ENSINO: caso das crianças da etnia
Balanta-Nhacra de Tombali

ARARAQUARA – S.P.
2020
DABANA NAMONE

EDUCAÇÃO TRADICIONAL E MODERNA NA


GUINÉ-BISSAU E O IMPACTO DA LÍNGUA
PORTUGUESA NO ENSINO: caso das crianças da etnia
Balanta-Nhacra de Tombali

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de
Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como
requisito para obtenção do título de Doutor em
Ciências Sociais.

Linha de pesquisa: Diversidade, Identidades e


Direitos

Orientador: Professor Doutor Dagoberto José


Fonseca

ARARAQUARA – S.P.
2020
DABANA NAMONE

EDUCAÇÃO TRADICIONAL E MODERNA NA


GUINÉ-BISSAU E O IMPACTO DA LÍNGUA
PORTUGUESA NO ENSINO: caso das crianças da etnia
Balanta-Nhacra de Tombali

Tese de Doutorado apresentado ao Programa


de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Faculdade de Ciências e Letras –
UNESP/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Ciências
Sociais.

Linha de pesquisa: Diversidade, Identidades


e Direitos

Orientador: Professor Doutor Dagoberto José


Fonseca

Data da defesa: 10/08/2020

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:


_____________________________________________
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca
Universidade Estadual Paulista/Araraquara
__________________________________________________
Membro Titular: Prof. Dr. Edmundo Antônio Peggion
Universidade Estadual Paulista/Araraquara
___________________________________________________
Membro Titular: Prof. Dr. Alexandre Antônio Timbane
UNILAB/Campus dos Malês – BA
__________________________________________________
Membro Titular: Profa. Dra. Neusa Maria Mendes Gusmão
Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP
___________________________________________________
Membro Titular: Profa. Dra. Sabrina Rodrigues Garcia Balsalobre
UNILAB/Campus dos Malês – BA

Local: Universidade Estadual Paulista


Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
Àqueles que apesar de todas as adversidades sempre acreditaram que eu seria capaz de atingir
meus objetivos e vencer. Venci.
AGRADECIMENTOS

Ao Senhor Deus todo poderoso pela vida, saúde e fé que me deu para acreditar nos
meus sonhos.
Aos meus pais: Cam-nate Namone e Nhinte Nabissum-io (que está com Deus no
outro mundo), arquitetos de toda minha trajetória e aos meus filhos, Miguel Cam-nate de
Lima Namone e Fina Namone, que são motivos da minha luta, da minha inspiração, da minha
alegria e do meu viver.
À toda minha família, pelo apoio material e moral, encorajamento e confiança que
depositaram em mim, principalmente, ao meu falecido irmão Dr. Joaquim Namone. Que a sua
alma descanse em paz. Também, agradeço especialmente a minha namorada e noiva Gisele
Fátima de Lima, pelo amor, ajudas incalculáveis e companheirismo durante essa longa
jornada de estudos e luta.
À UNESP, pela oportunidade de me formar um cientista social, especialmente, ao
professor Dagoberto José Fonseca pela orientação, encorajamento e confiança, mesmo diante
de tantas adversidades que vivi desde a graduação. Aos membros da banca de defesa dessa
tese pelas ricas contribuições, nomeadamente, o Prof. Dr. Edmundo Antônio Peggion da
UNESP/Araraquara - SP, o Prof. Dr. Alexandre Antônio Timbane da UNILAB/Campus dos
Malês – BA, a Profa. Dra. Neusa Maria Mendes Gusmão da UNICAMP/Campinas – SP, a
Profa. Dra. Sabrina Rodrigues Garcia Balsalobre da UNILAB/Campus dos Malês – BA e as
suplentes, a Profa. Dra. Cristina Mandau Ocuni Cá do Instuto Dom Bosco da educação- CE, a
Profa. Dra. Eva Aparecida da Silva da UNESP/Araraquara - SP, a Profa. Dra. Tatiane Souza
da Universidade Federal de Uberlândia – MG. Também, as Profas. Dras. Eva Aparecida da
Silva, Rosane de Andrade Berlinck e Renata Medeiros Paoliello, ambas da
UNESP/Araraquara - SP, que contribuíram imensamente com o meu exame de qualificação.
Ao CLADIN, ao LEAD e, particularmente ao Grupo de Estudos e Pesquisas “União
Africana” (GEPUA) da Faculdade de Ciências e Letras – Campus Araraquara/UNESP que
propiciou que eu pudesse avançar, aprimorar e dialogar sobre temas relacionados aos meus
estudos e interesses acadêmico-científicos, bem como não deixaram de fazer com que eu me
comprometesse cada vez com o meu país e meu povo.
Agradeço de fundo do coração a todas as pessoas que me apoiaram direta e
indiretamente na vaquinha que fiz pela internet, na qual pedi ajuda financeira para realização
da pesquisa de campo na Guiné-Bissau, que resultou nesse trabalho, especialmente à Profa.
Dra. Sabrina Rodrigues Garcia Balsalobre pela correção dessa tese.
A escrita é uma coisa e o saber é outra. A escrita é uma fotografia do
saber, mas não saber em si. O saber é uma luz que existe no homem.
A herança de tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e
que se encontra latente em tudo o que nos transmitira [...]”

Tierno Bokar, apud Hampaté Bâ, (2010, p. 167).


RESUMO

Na Guiné-Bissau falam-se várias línguas étnicas e a língua crioula, a mais falada. Contudo, a
língua portuguesa é a oficial e a única de ensino, embora seja falada apenas por 11% da
população, cuja maioria reside na capital Bissau. A transmissão dos conhecimentos entre
diferentes grupos étnicos do país é dominada pela tradição oral. Por exemplo, a educação
entre os Balantas-Nhacra, protagonistas dessa pesquisa, é transmitida via cultura oral e na
língua materna. Sendo assim, a presente pesquisa analisou as consequências da língua
portuguesa (LP) na trajetória escolar dos estudantes em Guiné-Bissau, especialmente dos
alunos da 1ª a 4ª classe (série) da etnia Balanta-Nhacra, na região de Tombali, sul do país.
Especificamente, apresentou-se a estrutura sociopolítica, cultura material e imaterial e as
diferentes fases da educação entre os Balantas-Nhacra; descreveram-se os objetivos da
política de assimilação e da LP na educação do conquistador português no território, hoje
Guiné-Bissau; analisou-se a política linguística adotada pelo Estado da Guiné-Bissau e os
motivos que levaram a elite política (a maiora assimilada pela educação colonialista) que
dirigiu a luta de independência do país, a escolher a LP como a única do ensino no país;
discutiu-se o impacto da LP na trajetória escolar dos alunos guineenses, particularmente, os da
etnia Balanta-Nhacra na região de Tombali. Inicialmente, avançou-se com a hipótese de que a
LP contribui para o fracasso ou insucesso escolar dos alunos no país, especificamente, as
crianças Balantas-Nhacra do ensino básico da região de Tombali, porém, essa hipótese não foi
confirmada no campo. O que se confirmou, graças à observação direta, somada a análise dos
dados feitos pelo pesquisador, foi o insucesso do próprio sistema de ensino, na medida em
que a LP é a única e obrigatória no ensino. Além disso, a LP é ensinada como a língua
materna das crianças, cuja maioria desconhece o idioma, sobretudo no interior do país, caso
das crianças Balanta-Nhacra de Tombali, que só falam a língua materna, pois poucas falam o
crioulo. Portanto, concluiu-se que o insucesso escolar não é dos alunos. Estes apenas sofrem
as consequências do insucesso de sistema do ensino, pautadas na língua estranha da realidade
sociocultural guineense. Sendo assim, a tese sugere discussões sobre o impacto da LP no
ensino; mudança no currículo escolar e no planejamento linguístico; adoção da educação
intercultural focada na valorização da diversidade cultural e sociolinguística do país. Como
referenciais teóricos, optou-se pela tradição oral; pela antropologia da educação; pela
antropologia linguística e pela educação intercultural. A metodologia utilizada consiste, na
pesquisa bibliográfica/documental e a pesquisa de campo: entrevista e observação direta, nas
escolas e nas tabancas/aldeias pesquisadas.

Palavras-chave: Guiné-Bissau. Educação. Língua portuguesa. Tradição oral. Balantas-


Nhacra.
ABSTRACT

In Guinea-Bissau, several ethnic languages are spoken and the Creole language is the most
widely spoken. However, the Portuguese language is the official and the only language of
education, although it is only spoken by 11% of the population, the majority of whom live in
the capital Bissau. The transmission of knowledge between different ethnic groups in the
country is dominated by oral tradition. For example, education among Balantas-Nhacra,
protagonists of this research, is transmitted via oral culture and in the mother tongue.
Therefore, the present research analyzed the consequences of the Portuguese language (PL)
on the school trajectory of students in Guinea-Bissau, especially of students from the 1st to
the 4th grade of the Balanta-Nhacra ethnic group, in the region of Tombali, south of the
country. In particular, the socio-political structure, material and immaterial culture and the
different stages of education among the Balantas-Nhacra were presented; the objectives of the
assimilation policy and the PL in the education of the Portuguese conqueror in the territory
today Guinea-Bissau were described; the linguistic policy adopted by the State of Guinea-
Bissau and the reasons that led the political elite (the largest assimilated by colonialist
education) that led the country's independence struggle, to choose PL as the only one in the
country; the impact of PL on the school trajectory of Guinean students was discussed,
particularly those of the Balanta-Nhacra ethnic group in the Tombali region. Initially, it was
put forward with the hypothesis that PL contributes to students' failure or academic failure in
the country, specifically, the Balantas-Nhacra children of basic education in the Tombali
region, however, this hypothesis was not confirmed in the field. What was confirmed, thanks
to direct observation, added to the analysis of the data made by the researcher, was the failure
of the teaching system itself, as the PL is the only and mandatory in teaching. In addition, PL
is taught as the mother tongue of children, most of whom do not speak the language,
especially in the interior of the country, such as the Balanta-Nhacra children of Tombali, who
speak only the mother tongue, as few speak Creole. Therefore, it was concluded that school
failure is not the students'. These only suffer the consequences of the failure of the education
system, based on the strange language of Guinean socio-cultural reality. Thus the thesis
suggests discussions about the impact of PL on teaching; change in school curriculum and
language planning; adoption of intercultural education focused on valuing the country's
cultural and sociolinguistic diversity. As theoretical references, we opted for the oral tradition
as well as the anthropology of education; linguistic anthropology and intercultural education.
The methodology used consists of bibliographic/documentary research and field research:
interview and direct observation in schools and in the researched tabanca/villages.

Keywords: Guinea-Bissau. Education.Portuguese Language. Oral Tradition. Balantas-


Nhacra.
LISTA DE FOTOS

Foto 1: Aviso que incentiva/obriga o uso da língua portuguesa --------------------------------------------- 32


Foto 2: Regras de comportamento para os alunos de ensino básico, caso de EBU de Mato-Farroba -- 32
Foto 3: Escola EBU-1 DE MATO-FARROBA -------------------------------------------------------------- 622
Foto 4: Turma de 1ª classe (A) ------------------------------------------------------------------------------------ 62
Foto 5: Turma de 1ª classe (B)-----------------------------------------------------------------------------------63
Foto 6: Turma de 2ª classe ----------------------------------------------------------------------------------------- 63
Foto 7: Escola de EAG-1 TONA NAMONE ------------------------------------------------------------------- 64
Foto 8: Turma de 1ª- classe ---------------------------------------------------------------------------------------- 64
Foto 9: Turma de 2ª- classe ---------------------------------------------------------------------------------------- 65
Foto 10: Turma de 3ª- classe -------------------------------------------------------------------------------------- 65
Foto 11: Escola EBU-2 DE CUFAR ----------------------------------------------------------------------------- 66
Foto 12: Escola EBU-2 DE CUFAR (novo pavilhão) --------------------------------------------------------- 66
Foto 13: Turma de 1ª- classe -------------------------------------------------------------------------------------- 67
Foto 14: Turma de 2ª- classe -------------------------------------------------------------------------------------- 67
Foto 15: Turma de 3ª- classe -------------------------------------------------------------------------------------- 69
Foto 16: Escola EAG-2 ABÊNE ---------------------------------------------------------------------------------- 70
Foto 17: Turma de 1ª- classe -------------------------------------------------------------------------------------- 70
Foto 18: Turma de 2ª- classe -------------------------------------------------------------------------------------- 69
Foto 19: Turma de 3ª- classe -------------------------------------------------------------------------------------- 69
Foto 20: Universidade de Tumbuctu. ---------------------------------------------------------------------------- 81
Foto 21: Centro de aprendizagem e escritos medievais da Universidade de Tumbuctu. ----------------- 82
Foto 22: Griot- Contador de história da tradicação oral. ------------------------------------------------------ 81
Foto 23: Sementeira de arroz – (Buas Málu). ----------------------------------------------------------------- 137
Foto 24: Homens Balantas-Nhacra lavrando a Bolanha (A). ----------------------------------------------- 138
Foto 25: Homens Balantas-Nhacra lavrando a Bolanha (B). ----------------------------------------------- 139
Foto 26: Mulheres Balantas-Nhacra plantando arroz (A). -------------------------------------------------- 139
Foto 27: Mulheres Balantas-Nhacra plantando arroz (B). -------------------------------------------------- 140
Foto 28: Adolescente Balanta cortando arroz. ---------------------------------------------------------------- 142
Foto 29: Arroz de uma bolanha juntado no kidande. -------------------------------------------------------- 142
Foto 30: Moças Balantas chutando arroz. --------------------------------------------------------------------- 143
Foto 31: Vacas de uma família Balanta (A). ------------------------------------------------------------------ 147
Foto 32: Vacas de uma família Balanta (B). ------------------------------------------------------------------ 147
Foto 33: Gado matado na cerimônia de toca choro, (KÁFE) Balanta-Nhacra (A). --------------------- 148
Foto 34: Gado matado na cerimônia de toca choro, (KÁFE) Balanta-Nhacra (B). --------------------- 149
Foto 35: Toca choro (Káfe) como ponto de encontro de diferentes pessoas e gerações, também, espaço
de manifestação de traços diacríticos --------------------------------------------------------------------------- 149
Foto 36: Finquilim (um dos principais instrumentosmusicais Balanta). ---------------------------------- 151
Foto 37: Ancião Arima Na Kadje (tabanca de Komo) explicando como funciona a educação
masculina------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 156
Foto 38: Ancião Isnaba Na Nsanca (tabanca de Gantone) explicando como funciona a educação
masculina-----------------------------------------------------------------------------------------------------------159
Foto 39: Ancião Arima Na Kadje e homem grande Deuna Na Sanha com o pesquisador Dabana
Namone-------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 157
Foto 40: Homens grandes de Gantone na entrevista com o pesquisador Dabana Namone. ----------- 157
Foto 41: Vacas reunidas namorança (conjunto habitacional da família Balanta).----------------------- 160
Foto 42: Bidogn ne Nhare (pastores de vacas - A). ---------------------------------------------------------- 160
Foto 43: Bidogn ne Nhare (pastores de vacas - B). ---------------------------------------------------------- 161
Foto 44: Bidognne Nhare juntos com o pesquisador Dabana Namone. ---------------------------------- 161
Foto 45: Bidogn ne Nhare lutando. ----------------------------------------------------------------------------- 163
Foto 46: Bidognne Nhare com os seus cachorros ------------------------------------------------------------ 163
Foto 47: Bidogn ne Nhare pescando --------------------------------------------------------------------------- 164
Foto 48: Bidogn ne Nhare pescando e cuidando das vacas ------------------------------------------------- 164
Foto 49: Vacas pastando.----------------------------------------------------------------------------------------- 165
Foto 50: Homens grandes de Mato-Farroba, falando sobre educação entre Balantas-Nhacra.-------- 166
Foto 51: Ngháe Sonh (Ngháe pequeno). ----------------------------------------------------------------------- 169
Foto 52: Ngháe sonh mais novinhos e o mais maduros. ---------------------------------------------------- 170
Foto 53: Ngháe Nhug (Ngáe do meio) ------------------------------------------------------------------------- 172
Foto 54: Ngháe Dán (Ngáe Grande) ---------------------------------------------------------------------------- 173
Foto 55: Ngháe grande na apresentação de dança tradicional (A). ---------------------------------------- 174
Foto 56: Ngháe grande na apresentação de dança tradicional (B). ---------------------------------------- 175
Foto 57: Nghés Sonh (Nghéss pequenos) novos iniciados, na marcha de despedida (A). ------------- 177
Foto 58: Nghés Sonh (Nghéss pequenos) novos iniciados, na marcha de despedida (B). ------------- 177
Foto 59: Nghés, acompanhados por um superior ------------------------------------------------------------- 178
Foto 60: Shon. Da esquerda à direita tem o mais velho, o de meio e o mais novo ---------------------- 179
Foto 61: Nshan sonh ou Nshan Biháme (Nshan pequeno ou Nshan novos). ---------------------------- 181
Foto 62: Nshan Son maismaduros ------------------------------------------------------------------------------ 181
Foto 63: Homens grande tocando Bombolom (Mbumbur) na cerimônia de toca choro (A) ---------- 184
Foto 64: Homens grande tocando Bombolom (Mbumbur) na cerimônia de toca choro (B) ---------- 184
Foto 65: Ancião derramando aguardente à Aúle e pedindo proteção à família.............................188

Foto 66: Homens grandes, juntos e misturados --------------------------------------------------------------- 186


Foto 67: Um N´Tched tcedn (seguidor) e um Hóo(ancião - decano). ------------------------------------- 186
Foto 68: Um N´Tched tcedn (seguidor) e um Hóo (ancião - decano). ------------------------------------ 187
Foto 69: As mulheres Balantas-Nhacra explicando como funciona a educação feminina (A) -------- 188
Foto 70: As mulheres Balantas-Nhacra explicando como funciona a educação feminina (B) -------- 189
Foto 71: Menina pequena que foi levada a criação (Kirã), varendoe tirando o lixo. ------------------- 190
Foto 72: Mbi Fula Balanta pilando arroz e a pequena de lado olhando atenta e aprendendo. --------- 190
Foto 73: Mbi Fula Sonh ------------------------------------------------------------------------------------------ 192
Foto 74: Mbi Fula, carregando arroz de porto para casa (A) ----------------------------------------------- 193
Foto 75: Mbi Fula, carregando arroz de porto para casa (B) ----------------------------------------------- 193
Foto 76: Mbi Fula Nhug------------------------------------------------------------------------------------------ 194
Foto 77: Mbi Fula Dan ------------------------------------------------------------------------------------------- 195
Foto 78: Mbi Fula, saindo da pesca ---------------------------------------------------------------------------- 195
Foto 74: MBI IEGLE, coberta de roupas sagradas. ---------------------------------------------------------- 198
Foto 75: MBI-IEGLE madura ----------------------------------------------------------------------------------- 199
Foto 76: TAHTA SONH (Tahtapequenas), numa cerimônia de KÁFE (toca choro)------------------- 201
Foto 77:TAHTA NDAN (Tahta grande), numa cerimônia de KÁFE (toca choro). -------------------- 201
Foto 78: SADE, numa cerimônia de KÁFE (toca choro) --------------------------------------------------- 202
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Percentagem de falantes de diversas línguas na Guiné-Bissau --------------------------------- 27


Gráfico 2: Percentagem dos estudantes entrevistados por grupo étnico. ----------------------------------- 71
Gráfico 3: Professores entrevistados por grupo étnico -------------------------------------------------------- 72
Gráfico 4: Professores entrevistados por sexo ------------------------------------------------------------------ 72
Gráfico 5: Percentagem dos estudantes falantes por línguas maternas nas 4 escolas ------------------ 245
Gráfico 6: A língua segunda (L2) falada por estudantes entrevistados nas 4 escolas ------------------ 250
Gráfico 7: A língua terceira (L3) falada por estudantes entrevistados nas quatro escolas ------------- 251
Gráfico 8: A língua que os estudantes das 4 escolas falam em casa -------------------------------------- 254
Gráfico 9: A língua que estudantes falam na escola --------------------------------------------------------- 255
Gráfico 10: A língua que os estudantes fazem provas, segundo os professores/as --------------------- 264
LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Regiões administrativas da Guiné-Bissau ------------------------------------------------------------ 25


Mapa 2: Distribuição territorial dos grupos étnicos da Guiné-Bissau -------------------------------------- 26
Mapa 3: Mapa da alta Guiné -------------------------------------------------------------------------------------- 76
Mapa 4: Império de Gana ------------------------------------------------------------------------------------------ 78
Mapa 5: Império de Songai ---------------------------------------------------------------------------------------- 79
Mapa 6: O Império de Mali --------------------------------------------------------------------------------------- 80
Mapa 7: Mapa etnográficoda Guiné-Bissau com os principais grupos étnicos e as regiões em que se
localizam ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 123
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Regiões da Guiné-Bissau e suas respectivas capitais. ------------------------------------------- 26


Quadro 2: Código dos alunos, professores e especialistas entrevistados ---------------------------------- 70
Quadro 3: Grupo étnico a qual pertencem os estudantes entrevistados ------------------------------------ 71
Quadro 4: Os grupos e subgrupos étnicos da Guiné-Bissau ----------------------------------------------- 122
Quadro 5: Línguas pertencentes ao grupo Oeste-Atlântica ------------------------------------------------ 221
Quadro 6: Línguas pertencentes ao grupo Mande ----------------------------------------------------------- 221
Quadro 7: Dados pessoais dos estudantes de quatro (4) escolas, quanto ao sexo, idade, cidade/tabanca
e região de nascimento, grupo étnico e nível escolar--------------------------------------------------------- 240
Quadro 8: As línguas: materna (LM/L1), segunda (L2) e terceira (L3) faladas por estudantes das 4
escolas por nível de fluência ------------------------------------------------------------------------------------- 242
Quadro 9: A língua que os alunos falam em casa, na escola e com o professor na aula --------------- 253
Quadro 10: A língua que o professor fala com os estudantes na sala de aula, a língua que estudantes
falam entre si e a língua que estudantes fazem as provas---------------------------------------------------- 260
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Alunos aprovados nos exames do 1º e 2º graus, em 1917-1918 --------------------------------- 97


Tabela 2: Principais línguas por falantes monolíngues ----------------------------------------------------- 219
Tabela 3: Número e percentagem dos falantes em 1979 e em 2009 -------------------------------------- 219
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AD Ação para o Desenvolvimento

ANP Assembléia Nacional Popular

BM Banco Mundial

CEA Centro de Estudos Africanos

CEDEAO Comunidade Econômica para o Desenvolvimento dos Estados da África


Ocidental
CEEF Centros de Experimentação de Educação e Formação

CEPI Centro de Educação Popular Integrada

CEI Casa dos Estudantes do Império

CLADIN Centro de Estudos das Culturas, Línguas Africanas e da Diáspora Negra

CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

CEENC Comissariado do Estado da Educação Nacional e Cultura

EAG Escola de Auto-Gestão

EB Ensino Básico

EBC Ensino Básico Complementar

EBE Ensino Básico Elementar

EBU Ensino Básico Unificado

FARP Força Armada Revolucionária do Povo

FCFA Franco das colônias francesas na África

FCLAr Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara

FEC Fundação Fé e Cooperação

FMI Fundo Monetário Internacional

FNLA Frente Nacional de Libertação de Angola

FRELIMO Frente de Libertação para Independência de Moçambique

GEPUA Grupo de Estudos e Pesquisas União Africana

HV História de Vida
IDAC Instituto de Ação Cultural

INDE Instituto Nacional para Desenvolvimento da Educação

INEC Instituto Nacional de Estatística e censo

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa

IRFED Institut de Recherche et Formationen Educattion e Development

ISA Instituto Superior de Agronomia

LBal Língua Balanta

LC Língua Crioula

LE Língua Estrangeira

LEAD Laboratório de Estudos Africanos, Afro-Brasileiros e da Diversidade

LM Língua Materna

LN Línguas Nacionais

LO Língua Oficial

LP Língua Portuguesa

MJU Movimento Juventude Universitária

MLSTP Movimento de Libertação de São Tome e Príncipe

MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

OTAN Organização do Tratado de Atlântico Norte

PAE Programa de Ajustamento estrutural

PAI Partido Africano para a Independência

PAIGC Partido Africano Para Independência da Guiné e Cabo-Verde

PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

PCP Partido Comunista Português

PDDC Projetos de Desenvolvimentos Dirigidos pelas Comunidades

PEE Programa de Estabilização Econômica


PIDE Polícia Internacional de Defesa do Estado

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

UEMOA União Econômica e Monetária do Oeste Africano

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNITA União Nacional para Independência Total de Angola

URSS União da República Socialista Soviética

UNESP Universidade Estadual Paulista

ZL Zonas Libertadas
SUMÁRIO

Preâmbulo 20
1. APRESENTAÇÃO DA TESE . 25
2. CAMINHOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 40
2.1 Caminhos teóricos 40
2.1.1 Tradição oral como referencial teórico 41
2.1.2 Antropologia da educação como referencial teórico 46
2.1.3 Antropologia linguística como referencial teórico 51
2.1.4 Educação intercultural como referencial teórico 55
2.2 Caminhos metodológicos: pesquisa bibiográfica e documental, entrevista e
observação direta 60
3. GUINÉ ANTES E APÓS A CHEGADA DOS PORTUGUESES 76
3.1 Alta Guiné: situação geográfica e sua breve história 76
3.2 A chegada dos navegadores portugueses no território da Guiné-Bissau: a educação
lusa antes e após a Conferência de Berlim 82
3.2.2 O papel da Igreja Católica na educação lusa na Guiné Portuguesa 94
3.2.3 Reforma de ensino luso na Guiné Portuguesa e os fatores que a condicionaram 98
3.2.4 Impacto da língua portuguesa na educação lusa 100
3.3 Luta de independência e educação das zonas libertadas 103
3.3.1 Impacto da língua portuguesa na educação nas zonas libertadas 110
4 OS GRUPOS ÉTNICOS DA GUINÉ-BISSAU: CULTURA MATERIAL E
IMATERIAL ENTRE OS BALANTAS-NHACRA 116
4.1 Teoria da etnicidade, de grupos étnicos e de identidade étnica 116
4.2 Os grupos étnicos da Guiné-Bissau: diversidade em tela 122
4.2.1 Os Balantas da Guiné-Bissau: divisão em subgrupos e a organização sociopolítica 126
4.2.2 Balantas-Nhacra e a produção da existência imaterial: prática religiosa, ritos de
iniciação, cerimônia fúnebre 133
4.3 Balantas-Nhacra e a produção da existência material: agricultura e criação de gado
135
4.3.1 Produção de arroz de Bolanha/Málu 135
4.3.2 Criação de gado: vaca como bem simbólico da família 146
5 EDUCAÇÃO ENTRE OS BALANTAS-NHACRA: AS FASES DE VIDA
MASCULINA E FEMININA 154
5.1 Educação nas fases da vida masculina 158
5.1.1 Primeira fase da educação masculina: grupo de BIDOGN NE NHARE 159
5.1.2 Segunda fase da educação masculina: o grupo de NGHÁE 167
5.1.3 Terceira fase da educação masculina: grupo de BIDOGH (BLUFU em Crioulo) 175
5.1.4 Quarta fase da educação masculina: grupo de BILANTE BINDAN 179
5.2 Educação nas fases da vida feminina 187
5.2.2 Segunda fase da educação feminina: grupo de MBI FULA 191
5.2.3 Terceira fase da educação feminina: grupo de BININ BINDAN 196
6 GUINÉ-BISSAU PÓS-INDEPENDÊNCIA: POLÍTICA EDUCATIVA E
LINGUÍSTICA E SEU IMPACTO 204
6.1 Entraves da campanha de alfabetização 209
6.2 Experiência do CEPI: uma educação voltada para o desenvolvimento rural que o
governo ignorou 211
6.3 Educação de 1980 à atualidade 215
6.4 Situação sociolinguística da Guiné-Bissau 218
6.4.1 Subfamília Oeste-Atlântica 220
6.4.2 Subfamília Mande 221
6.4.3 A política linguística na Guiné-Bissau e seu impacto na educação 225
6.4.4 Consequência da língua portuguesa no insucesso escolar na Guiné-Bissau 231
7 DADOS SOCIOLINGUÍSTICOS DOS ESTUDANTES E PROFESSORES
ENTREVISTADOS: APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO 239
7.1 A língua materna (LM/L1), a língua segunda (L2) e a língua terceira (L3) dos
estudantes entrevistados 242
7.1.1 A língua balanta (LBal) como a Língua Materna (LM/L1) da maioria dos estudantes 243
7.1.2 A língua crioula (LC) como língua segunda (L2) dos estudantes entrevistados 249
7.1.3 A língua portuguesa (LP) como a Língua Terceira (L3) de 50% dos estudantes
entrevistados 251
7.2 A língua que os alunos falam em casa, na escola e com o professor na aula 252
7.2.1 A língua que o/a aluno/a fala em casa 254
7.2.2 A língua que o/a aluno/a fala na escola 255
7.3.1 A língua que o/a professor/a fala com os estudantes na sala de aula 261
7.3.3 A língua que os estudantes fazem as provas, segundo os/as professores/as 263
7.3.4 Análise e interpretação de dados 264
7.4 As opiniões dos professores e dos especialistas em educação e em línguistica sobre
ensino das línguas étnicas nas escolas 270
7.4.1 As opiniões dos professores e dos especialistas em educação e em linguistica sobre
ensino da língua crioula nas escolas 277
7.4.2 As opiniões dos professores e dos especialistas em educação e em linguistica sobre o
ensino dos nossos valores culturais nas escolas 281
8 IMPACTOS NEGATIVOS DA LP NOS ALUNOS GUINEENSES: CASO DAS
CRIANÇAS BALANTAS-NHACRA DA REGIÃO DE TOMBALI 287
8.1 A língua portuguesa é ensinada como língua materna na Guiné-Bissau 288
8.1.1 A LP como principal fator de insucesso escolar na Guiné-Bissau 291
8.1 2 Fraco domínio da LP por parte dos professores e a falta de formação docente como fator
de insucesso dessa língua 305
9. À GUISA DE CONCLUSÃO 309
REFERÊNCIAS 322
APÊNDICES 336
APÊNDICE 1 - Roteiro de entrevista para professores/as 337
APÊNDICE 2 - - Roteiro de entrevista para especialistas em linguística e em educação 340
APÊNDICE 3 - Roteiro de entrevista para estudantes 342
APÊNDICE 4 - Apresentação dos estudantes na LP, LC e língua étnica 343
20

Preâmbulo

A minha história de vida, particularmente, as consequências da língua


portuguesa na minha trajetória escolar e na de muitos alunos da Guiné-Bissau pesou na
escolha desse tema. Para entender esse problema, falo um pouco da minha trajetória
escolar. Sou da etnia Balanta-Nhacra, nasci e cresci na minha tabanca natal – Mato-
Farroba, localizada na região de Tombali, setor de Catió. Iniciei os estudos primários (1ª
classe) em 1988, aos 13 anos de idade, pois era com essa idade que a maioria das
crianças Balantas da minha época entravam para escola. Eu falava apenas a minha
língua materna (a língua Balanta), entendia poucas coisas na língua crioula e não sabia
nada da língua portuguesa (doravante LP). Foi na escola que tive o primeiro contato
com ela.
Mas, com essa idade, já sabia cuidar de vacas, porcos, cabras da família, sabia
vigiar passarinhos para não estragar arroz no viveiro (bolanha) e sabia fazer todas as
tarefas que qualquer adolescente Balanta crescido na tabanca deveria saber. Intercalava
essas tarefas com os estudos.
A minha trajetória escolar foi marcada por mudanças de aldeias para outras ou
para cidades, a fim de continuar os estudos nos níveis subsequentes. Sendo assim, entre
1988 e 1992, estudei da 1ª a 4ª classe em Mato-Farroba, minha tabanca natal; entre
1993 e 1994, estudei 5ª e 6ª classe em Bedanda, uma tabanca a mais ou menos 15
quilômetros da minha; de 1995 a 1997, estudei da 7ª a 9ª classe em Buba, cidade
localizada a mais ou menos 50 quilômetros da minha tabanca; entre 1998 e 2000,
estudei 10ª e 11ª classes na capital Bissau – a única cidade que tinha ensino médio na
época. Só que o primeiro ano letivo (1998-1999) foi anulado por conta da Guerra civil
que assolou a Guiné-Bissau entre junho de 1998 e maio de 1999. Só terminei o ensino
médio em 2000, após a retomada das aulas.
Mas, apesar de estudar da 1ª a 11ª classe sem reprovação em nenhum ano, tive
muitas dificuldades na escola, sobretudo no ensino básico, pelo fato de não dominar a
LP, pois não entendia quase nada do que os professores falavam. Mas a maioria dos
meus colegas apresentava mais dificuldades ainda nessa língua, o que resultava em
reprovações e, consequentemente, em abandono escolar de grande parte deles.
Depois que terminei o ensino médio, fiz alguns cursos de curta duração,
trabalhei como segurança no hotel Hoti Bissau, fui professor contratado na escola do
21

ensino básico Justado Vieira e depois no Liceu Dr. Agostinho Neto, mas também
procurava uma bolsa para estudar fora do país. Foi assim que, em outubro de 2005,
participei no processo seletivo para bolsas na embaixada do Brasil e passei. Logo em
março de 2006, vim para o Brasil cursar Ciências Sociais na Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Campus de Araraquara.
Meus anos iniciais do curso foram muitos difíceis, pois tinha enormes
dificuldades na LP, principalmente na parte gramatical, no que tange à produção do
texto acadêmico. Ainda hoje, tenho certas limitações nesse sentido. Além disso, outro
problema é o do português do Brasil, ele é diferente do português da Guiné-Bissau,
tanto na forma de falar como na de escrever. Esses problemas me incomodavam
bastante.
Mas o que me deixou ainda mais incomodado e que me obrigou a escolher a
LP como tema de pesquisa foi um problema que aconteceu com alguns estudantes da
Guiné-Bissau que, em 2009, chegaram ao Brasil para cursar Letras na UNESP de
Araraquara. Esses estudantes, ao iniciarem o curso de Letras, começaram a apresentar
muitas dificuldades na LP, tanto ao falar, ao ler, como escrever e esses problemas foram
se agravando até chegar ao período das provas, nas quais a maioria tirava nota zero. A
preocupação era tanta e chegou-se até uma vez que uma das professoras, indignada com
a situação, falou na reunião do conselho de curso que esses estudantes deveriam ser
mandados de volta para seu país de origem, porque ela não conseguia entender qual o
motivo deles terem tantas dificuldades na LP, se a Guiné-Bissau era um país de língua
oficial portuguesa.
A situação ficou tensa porque essa professora insistia para que esses estudantes
fossem mandados de volta para Guiné-Bissau, ou para que a UNESP encontrasse outra
saída para eles. Tal situação obrigou esses estudantes a se transferirem do curso de
Letras para outros, mas, mesmo assim, eles continuaram a enfrentar as mesmas
dificuldades, que só foram ultrapassadas individualmente ao longo dos diferentes
cursos.
Foi a partir desse momento que tomei a iniciativa de pesquisar esse tema.
Embora, a principio pretendia esse assunto envolvendo todos os estudantes de PALOPs
no Brasil e em Portugal. O que seria muito difícil, tendo em conta a sua abrangência.
Aí, a minha ex-orientadora Professora Dra. Renata Medeiros Paoliello me sugeriu a
mudar de tema para estudar o impacto da língua portuguesa nos estudantes dos PALOP,
ou simplesmente os da Guiné-Bissau no Estado de São Paulo. Mas também não tive
22

sucesso nesse segundo projeto, porque me exigia muito esforço para conseguir trabalhos
que falassem do assunto, enquanto isso o tempo passava. Eu estava no mês de março de
2018, que era o meu terceiro ano de curso do doutorado. E a minha orientadora, na
época, sentia-se, de certa forma, culpada pelo fato de eu não conseguir avançar na tese.
Ela me dizia “Olha Dabana, acho que vou solicitar à coordenadora do programa de Pós-
graduação (a Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli) para te passar para o professor
Dagoberto, pois apesar de meu esforço, sinto dificuldades em te orientar, porque não
conheço a realidade africana, em particular a do seu país”.
Passando alguns dias, o programa me mandou mensagem informando que a
partir de agora o meu orientador passava a ser o professor Dagoberto. E o professor
mandou mensagem confirmando essa mudança e explicando os motivos que levaram o
programa a tomar essa medida. Ele pediu-me, inclusive, para marcarmos uma reunião
de orientação em decorrência de elaborarmos o texto da tese para o exame de
qualificação. No momento, escorria lágrimas no meu rosto de tristeza, pois havia
perdido uma orientadora exemplar e que se esforçava muito para me orientar. Ela se
esforçou muito para me orientar no mestrado1 e conseguiu, mas não no doutorado. Ela
sempre me dizia e escrevia o seguinte: “se precisar, pode falar comigo quando e aonde
quiser”.
Mas, depois disso, eu também chorei de alegria, pois, estava sendo orientado
pelo professor Dagoberto que conhece bem a realidade africana – foco da minha
pesquisa e que foi também meu orientador na graduação e no inicio do mestrado, além
do que era o coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas “União Africana” vinculado
ao Centro de Estudos das Culturas, Línguas Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN)
e ao Laboratório de Estudos Africanos, Afro-Brasileiros e da Diversidade (LEAD) da
faculdade mencionada, grupo que eu também era membro. À época do meu ingresso no
mestrado era para o professor Dagoberto ser o meu orientador, mas ele estava com
excesso de orientandos e o programa me mudou para a professora Renata.
Nessa reunião de orientação solicitada pelo Professor Dagoberto, tendo lido o
meu projeto, ele me falou o seguinte: “Olha, Dabana, eu entendo a sua preocupação de
estudar o impacto da LP nos estudantes de PALOPs, especialmente os da Guiné-Bissau,
como também entendo sua dificuldade de avançar com esse projeto, porque além desse

1
O referido mestrado, cujo título da dissertação é intitulado “A luta pela independência na Guiné-Bissau
e os caminhos do projeto educativo do PAIGC: etnicidade como problema na construção de uma
identidade nacional”, foi realizado e defendido por mim na UNESP/Campus de Araraquara, em 2014,
graças à brilhante orientação da Profa. Dr. Renata Medeiros Paoliello. (Cf. NAMONE, 2014).
23

tema ser vasto para se estudar, há pouco tempo para você desenvolver essa pesquisa,
visto que já estamos no terceiro mês do seu terceiro ano de curso e precisamos nos
preparar para o seu exame de qualificação”.
Em seguida, o professor me disse: “Por que você não conta a sua história? Fale
do impacto da LP na sua trajetória escolar, como um Balanta que nasceu e cresceu na
sua tabanca falando a sua língua materna e aprendeu pela oralidade a sua cultura. Ou
seja, analise o impacto da LP na trajetória escolar dos estudantes Balantas da região que
você nasceu, fazendo o contraponto com a sua língua materna e com a tradição oral
balanta”. E disse: “Isso será mais fácil para você desenvolver, porque vai falar da sua
experiência”.
Ainda o professor me aconselhou dizendo o seguinte: “Mas entenda que o
problema da educação em Guiné-Bissau, como nos demais países do PALOP, se dá, na
minha hipótese, mais como uma resistência à transmissão do conhecimento e do saber
tradicional. Resistência essa construída a partir da cultura escrita estruturada pelo
conquistador e em sua língua de dominação. Nesse sentido, não há um sucesso ou um
fracasso escolar dos estudantes guineenses, em geral, e dos Balantas-Nhacra, em
particular, em decorrência da educação ser realizada na língua portuguesa. Se houver,
não é propriamente um fracasso ou um insucesso dos estudantes em ler ou escrever, mas
da elite política e socioeconômica de assimilados do país, que buscaram introduzir a LP
como a língua de ensino e de aprendizagem para toda a nação após a independência.
Pense nesse argumento para a sua pesquisa e tese de doutorado”.
O professor parecia conhecer a minha infância e lia meu pensamento. Ele sabia
e entendia o que me incomodava. Mas, na sua sugestão, deixou a entender que era para
mim começar tudo de novo. Aí, perguntei a ele: “Professor, mas vou ter que fazer outro
projeto novo, de novo?”. Ele me respondeu: “Não, Dabana, você vai continuar com o
mesmo projeto, só que em vez de estudantes do PALOP, agora você vai falar dos
Balantas”. Eu insisti: “Professor, mas não tem muitos estudos sobre esses Balantas
(Balantas-Nhacra). Como vou conseguir a referência bibliográfica?” O professor
respondeu: “Esse é seu desafio como pesquisador e isso é vantajoso para você. Porque
você mesmo terá que ser a referência, seu guia e dialogar com o seu povo, os Balantas.
Você tem que contar a sua história como um Balanta que é e tem que entrevistar os
Balantas, pois, eles que são a sua fonte. Trabalhe com a tradição oral dos Balantas”. Aí
respirei um ar de alívio, porque agora tudo parecia ficar mais fácil para mim. Ficou, de
24

fato, porque uma semana depois reestruturei o projeto e quatro meses depois eu tinha o
relatório do exame de qualificação pronto e depois segui até essa etapa final.
No entanto, estudar não foi nada fácil, porque, pelo fato de não ter bolsa, tinha
que trabalhar no cinema para me sustentar. Eu ia para aula de manhã e permanecia até
umas 11:30 horas. Então, eu saía correndo para fazer a minha marmita em casa. Eu
tinha que entrar no serviço às 14:00 e trabalhava até às 22:30 horas todos os dias.
Por outro lado, como não tive bolsa, não tinha dinheiro para comprar a
passagem, a fim de fazer a minha pesquisa de campo. Portanto, tive que tirar meu
dinheiro de rescisão de contrato com o cinema para comprar a passagem de ida. A de
volta comprei graças à vaquinha que fiz pela internet 2 e pela contribuição dada pelo
Programa de Pós-Graduação citado de R$ 1.062,00. A ideia brilhante da vaquinha foi de
minha namorada, agora noiva-esposa Gisele Fátima de Lima, a quem me faltam
palavras para agradecer.

2
Endereço da vakinha. Disponível em: <https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajuda-para-terminar-
doutorado>. Acesso: 11/04/2020.
25

1. APRESENTAÇÃO DA TESE

A presente tese analisou as consequências da LP na trajetória escolar dos


estudantes de Guiné-Bissau, especificamente de alunos do ensino básico (1ª a 4ª classe)
da etnia Balanta-Nhacra, da região de Tombali, sul do país. As práticas culturais dos
Balantas-Nhacras, como de qualquer outro grupo étnico guineense, são baseadas na
oralidade, tendo a tradição oral como a principal forma de transmissão de
conhecimentos ou saberes.
A Guiné-Bissau é um país pequeno de 36.125 km², localizado na costa ocidental
africana. Faz fronteira ao norte com a República do Senegal, ao leste e ao sul com a
República da Guiné Conacri, ao oeste é banhado pelo Oceano Atlântico. Além do
território continental, há ainda a parte insular composta por mais de 80 ilhas, conhecida
como Arquipélago de Bijagós, formando a região de Bolama Bijagós.
O país é administrativamente dividido em 08 regiões e 37 setores, incluindo o
setor autônomo de Bissau, a capital3.

Mapa 1: Regiões administrativas da Guiné-Bissau

Fonte: https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2017/01/guine-6174-p16949-memoria-
dos-lugares.html. Aceso em 20 de setembro de 2018.

3
A economia do país depende principalmente da agricultura e da pesca. A castanha de caju é o maior
produto de exportação e o arroz é o cultuvo básico de alimentação (NAMONE, 2014, p. 15).
26

Quadro 01: Regiões da Guiné-Bissau e suas respectivas capitais.


Regiões administrativas Zona de localização Capitais
Bafatá Leste Bafatá
Biombo Norte Quinhamel
Bolama Sul Bolama
Cacheu Norte Cacheu
Gabu Leste Gabu
Oio Norte Farim
Quinara Sul Buba
Tombali Sul Catió

Fonte: NAMONE, 2020

A nação é rica em diversidade cultural e linguística, fruto da presença de vários


grupos étnicos que a constituiem, dentre os quais se destacam: Fulas 28.5%; Balanta
22.5%; Mandinga 14.7%; Pepel 9.1%; Manjaco 8.3%; Beafada 3.5%; Mancanha 3.1%;
Sem etnia 2.2%; Bijagós 2.1%; Felupe 1.7%; Mansoanca 1.4%; Balanta Mané 1.0%;
Nalu 0.9%; Saracule 0.5%; Sosso 0.4% (INEC, 2009, p. 21). Existe ainda subdivisão
dentro dos respectivos grupos. Cada grupo tem a sua língua própria e forma específica
de transmissão de conhecimento/educação, baseada principalmente na tradição oral.

Mapa 2: Distribuição territorial dos grupos étnicos da Guiné-Bissau

Fonte: http://www.tchando.com/gui4.html. Acesso em 24 de setembro de 2018.


27

O país foi um dos cinco da África invadidos por Portugal4, tendo sido dominado
por este último desde 1446 até 1973, ano que conquistou a sua independência unilateral,
depois de quase 11 anos de luta armada contra colonialistas portugueses, que iniciou em
23 de janeiro de 1963 e terminou em 24 de setembro de 1973. Essa independência foi
reconhecida pelo governo luso em 10 de setembro de 1974, após a queda do regime
salazarista (NAMONE, 2014). Esse processo de luta pela independência foi dirigido por
Amílcar Cabral, fundador e líder do Partido Africano Para Independência da Guiné e
Cabo-Verde (PAIGC), movimento libertador criado para conduzir essa luta. A referida
luta contou com a participação de todos os grupos étnicos, principalmente, os Balantas,
que marcaram maior presença nela (CABRAL, 1978).
Em Guiné-Bissau, falam-se várias línguas étnicas, como também a língua
crioula, a mais falada, sobretudo nas cidades. As línguas étnicas são amplamente faladas
pelos seus respectivos grupos étnicos, caso, por exemplo, dos Balantas Nhacra,
população protagonista dessa pesquisa.
A LP é a oficial do país, mas, apesar de ser adotada como a língua oficial, é
falada por um número minoritário da população. Segundo o Instituto Nacional de
Estatística e Censo (INEC, 1991), 11% da população, enquanto que Scantanburlo (2013,
p. 28) avança com 11,08%; e Couto & Embaló (2010) consideram que 13% da
população a fala como a segunda ou a terceira línguas, cuja maioria mora nas zonas
urbanas, especialmente na capital Bissau, o que segundo os autores reflete
negativamente na aprendizagem de alunos.

Gráfico 1: Percentagem de falantes de diversas línguas na Guiné-


Bissau

Fonte: NAMONE; TIMBANE (2017, p. 51).

4
Os demais países que foram invadidos por Portugal são Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé
e Príncipe.
28

A LP não se expandiu por todo território do país devido a quatro principais


motivos:
1º) A forma como se deu o processo da conquista colonialista não permitiu que essa
língua se expandisse por todo território, pois, segundo Couto & Embalo (2010), o
território foi considerado pelos colonialistas portugueses como colônia de exploração e
não como colônia de ocupação. Ou seja, os portugueses não tinham interesse de fixar
residência nesse território, uma vez que o seu objetivo principal era explorar os recursos
e atividades comerciais, tanto que tinham mais militares e comerciantes no território;
2º) A política de assimilação, levada a cabo pelos conquistadores através do seu sistema
educativo, restringiu a expansão da LP. Essa política dividiu os nativos guineenses em
duas classes: os assimilados e os indígenas. Os primeiros tinham acesso à educação
colonialista e à LP, portanto, eram considerados os civilizados; enquanto que os
segundos não tiveram acesso nem à educação do conquistador nem à sua língua, pois
eram classificados como aqueles que não preencheram os requisitos exigidos pela
política de assimilação, sendo, portanto, considerados não civilizados. Ou seja, eram
considerados indígenas e suas culturas foram relegadas à selvageria, tendo sido não
apenas marginalizadas como também reprimidas, com o argumento de que eram
culturas de povos selvagens, portanto, deviam ser proibidas e esses indígenas tinham de
ser dominados e aculturados pelo modelo europeu.
Para além disso, é preciso destacar que os próprios nativos resistiam aderir à política de
assimilação, pretendendo preservar as suas culturas. A referida política era muito
restritiva, pois para ser considerado assimilado e, portanto, civilizado, o candidato
deveria reunir os seguintes requisitos: a) ter 18 anos completos; b) saber ler, escrever e
falar corretamente em português; c) ter profissão ou renda que lhe assegurasse o
suficiente para prover as suas necessidades e do número de familiares; d) ter bom
comportamento, uma vida correta e possuir a instrução e os costumes indispensáveis à
aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses; e) não estar
inscrito como refratário ao serviço militar e não ter desertado (ALMEIDA, 1981;
NAMONE, 2014);
3º) Os próprios nativos do território (diferentes grupos étnicos) resistiram à presença
desses invasores colonialistas, principalmente, sendo contra a usurpação dos seus
territórios e dos seus poderes, o trabalho escravo e o pagamento de imposto de palhota
(MENDY, 1994). Essa resistência acontecia ora via conflito armado ora via fuga.
Algumas etnias resistiram menos, outros mais. Por exemplo, os Bijagós foram os
29

primeiros a resistirem e os últimos a serem dominados pelos conquistadores. Os


Balantas foram chamados pelos conquistadores de rebeldes por resistirem ao trabalho
forçado e ao pagamento de imposto de palhota. Essa resistência foi um dos motivos que
obrigou muitos Balantas a imigrarem de norte para sul, para se distanciarem dos
colonialistas. No entanto, no caso dos fulas, por exemplo, apesar de oferecerem
resistências, de acordo com Mendy (1994) e Lopes (1999), muitos dos chefes Fulas
(reis) colaboraram com os conquistadores;
4º) O uso das próprias línguas étnicas pelos seus respectivos grupos étnicos, nas zonas
rurais, e a difusão da língua crioula (doravante LC) pelos guerrilheiros do PAIGC no
processo da luta pela independência, impediram a expansão da LP (COUTO &
EMBALÓ, 2010; NAMONE & TIMBANE, 2017).
Importante destacar que, antes do início da luta de independência, a LC era mais
falada nas cidades e menos no interior, onde dominavam as línguas étnicas. De acordo
com Namone e Timbane (2017),
o crioulo só passou a expandir-se no interior do país no período da
luta de independência, pois, nesse período, o crioulo serviu como
meio de comunicação entre os combatentes de diferentes etnias que
estavam na luta. Foi uma língua importante porque os guineenses
podiam se comunicar com cabo verdianos (NAMONE & TIMBANE,
2017, p. 44).

Na mesma ordem de ideia, Couto e Embaló (2010) consideram que os principais


responsáveis pelo início da disseminação do crioulo pelo interior do país foram os
independentistas liderados por Amílcar Cabral, pois,

todos os seus principais comandantes eram citadinos, frequentemente


conhecedores até da língua portuguesa, mas que tinham como
principal meio de comunicação o crioulo, mesmo quando tinham
algumas das línguas étnicas como língua materna. Como as forças
militares portuguesas, inimigas, se concentravam basicamente nas
cidades, os combatentes da liberdade tiveram que se instalar no mato
onde, [...] viviam as etnias locais, com suas respectivas línguas,
desconhecedoras de qualquer língua falada nas cidades. Assim, os
independentistas verificaram que o crioulo era a única opção
linguística para aparar as arestas das diferenças étnicas. Por isso, não
titubearam em usá-lo como meio básico de comunicação veicular
(COUTO; EMBALÓ, 2010, p. 38).

Todavia, durante o processo de luta de independência, o PAIGC implantou a


educação nas regiões que controlava, conhecidas como “Zonas Libertadas” e escolheu a
LP como a língua de ensino, depois de enfrentar dificuldades de usar a LC (NASSUM,
30

1994). Essa decisão foi tomada por Amilcar Cabral, líder dirigente dessa luta, após ter
chegado à conclusão de que tanto a LC quanto as diversas línguas étnicas faladas no
país não possuem códigos gráficos, nem as normas de escrita estabelecidas, fatos que
impediria sua adoção como línguas de ensino. Para isso, segundo Cabral, a língua
portuguesa seria a única de ensino naquele país, até que as condições reais de adoção da
língua crioula no ensino fossem criadas (CABRAL, 1979). Mas, Amilcar Cabral não
teve a sorte de ver essas condições reais se realizarem ou não, pois, foi assassinado na
vizinha Guiné Conacri, em 20 de janeiro de 1973, oito meses antes da proclamação
unilateral da independência da Guiné-Bissau.
Após a independência, a ideia de manter a LP como a oficial e a única do ensino
foi seguida pela elite política, na sua maioria assimilada e de ascendência cabo-
verdiana, que esteve no topo da lista desse processo de luta de independência, no qual
atuou na área diplomática e na estratégia militar. Sendo assim, a LP passa a ser imposta
como de uso obrigatório na escola, continuando até hoje como a única língua de ensino
em quase todas as escolas do país. Embora, recentemente, algumas poucas escolas de
autogestão5 implementam o ensino bilíngue Crioulo-português.
Sabe-se que, na Guiné-Bissau, a transmissão dos conhecimentos entre diferentes
grupos étnicos do país é dominada pela tradição oral, que é a sua principal forma de
educação ao longo de gerações. Aliás, até hoje nesse país, a cultura oral tem
predominância sobre a cultura escrita, visto que, nas zonas rurais onde reside a maioria
da população, tanto a transmissão dos saberes, como as relações sociais são baseadas na
oralidade e pelas línguas étnicas. Por exemplo, todos os seis subgrupos de Balantas da
Guiné-Bissau6 têm a tradição oral como principal forma de transmissão de
conhecimentos.
No caso específico dos Balantas-Nhacra, população protagonista dessa pesquisa,
a sua forma de educar os seus filhos e de se educarem são estritamente baseadas na
cultura da oralidade, usando a sua língua como principal veículo nesse processo
educativo. Uma criança Balanta-Nhacra que nasce e cresce na sua comunidade, aprende

5
As escolas de autogestão surgiram no país graças às iniciativas dos pais e encarregados da educação das
crianças, sobretudo, nas comunidades rurais, em colaboração com as missões da Igreja Católica, tendo em
vista sucessivas greves dos professores, que prejudicam os estudos das crianças. Nesse sentido, as
missões ajudam com materiais para construção das escolas, materiais didáticos, como também, pagam
alguma parcela do subsídio aos professores e a outros funcionários da escola, enquanto os pais pagam o
resto de subsídio e organizam a gestão da escola.
6
São eles: Balantas-Kuntóhe, ou Balantas Bravos; Balantas-Nhacra ou Balantas de dentro; Balantas-
Patch ou Balantas de Fora; Balantas-Naga ou Binaga; Balantas-Mansoanca ou Cunante; Balantas-Mané
ou Balantas Bijaa. (Detalhes seguem no capítulo 2).
31

tudo pela oralidade e através da sua língua materna: ouvindo, observando, memorizando
e praticando.
A educação entre os Balantas-Nhacra se manifesta em todas as suas práticas
culturais, (tanto na cultura material como na imaterial), mas, principalmente, nos ritos
de iniciação, tanto para o sexo masculino como para o sexo feminino e está dividida em
fases, sendo as fases do sexo masculino compostas por BIDOGN NE NHARE; NGHÁE;
BIDOG e BILANTE BINDAN e as fases do sexo feminino compostas por KINRÃ; MBI
FULA e BININ BINDÁN. Cada uma dessas fases está dividida em subgrupos, com
exceção da fase de KINRÃ (mais detalhes sobre o assunto seguem na seção 5). Esse
modelo de transmissão de saberes ou de educação continua funcionando até hoje.
Sabe-se que, assim como em todos os países do continente africano, na Guiné-
Bissau, inclusive as fronteiras linguísticas extrapolam os limites das suas fronteiras
geográficas, delimitadas violentamente pelos imperialistas europeus na Conferência de
Berlim7. Por exemplo, a língua balanta é falada na Guiné-Bissau, no Senegal, na Guiné-
Conacri e na Gambia. A sua expansão por quase toda África ocidental deve-se à
imigração ou à presença da etnia balanta nesses territórios.
Além de ser o principal veículo de comunicação, a língua é uma ferramenta
chave no processo de ensino e de aprendizagem, pois é através dela que os
conhecimentos são transmitidos. Mas se a língua de ensino não é compreendida e nem
dominada pelos estudantes, em vez de ajudar, ela torna-se o próprio obstáculo do
processo acima referido. Isso ocorre na medida em que o aluno não apenas tem
dificuldades de compreender as matérias dadas pelo professor, como também, tem
dificuldades de realizar as provas, uma vez que não consegue expressar a sua opinião
livremente no texto, devido à falta de domínio da língua do ensino.
Nas instituições de ensino da Guiné-Bissau, desde o básico ao superior, é
comum encontrar aviso que incentiva/obriga os alunos a usar a LP, seja nas cidades
como nas zonas rurais. Os avisos abaixos foram fotografados pelo pesquisador nas
instituições de ensino do país. O primeiro (cf. foto 01) foi registrado na porta da sala de

7
A Conferência de Berlim foi realizada pelos países imperialistas europeias, entre 15 de novembro de
1884 a 26 de fevereiro de 1885, na qual foi decidida a divisão do continente africano em vários territórios,
que constituem os atuais países desse continente. O objetivo dessa divisão territorial visa atender seus
interesses políticos, econômicos e culturais. Fato que violou flagrantemente os direitos fundamentais dos
africanos: seus direitos consuetudinários, suas fronteiras linguísticas e suas formas de educação, baseadas
na tradição oral. (cf. FONSECA, 2007).
32

uma das universidades do país e o segundo (cf. foto 02) na parede duma das escolas
pesquisadas na região de Tombali.

Foto 1: Aviso que incentiva/obriga o uso da língua portuguesa

Fonte: NAMONE, 2019.

Foto 2: Regras de comportamento para os alunos de ensino básico, caso de EBU de Mato-
Farroba

Fonte: NAMONE, 2019


33

O nosso interesse nesses avisos se deve ao fato de que veiculam informações


referentes à língua portuguesa, que achamos de extrema importância, na medida em que
dialogam com as reflexões tecidas nesse trabalho. O primeiro aviso trouxe três
parágrafos que dizem o seguinte:
 “Pense em português e fale em português”;
 “Quanto mais vezes se fala uma língua mais habilidade, mais domínio se terá
dessa língua”;
 “O seu sucesso escolar [o sucesso escolar do aluno] está condicionado ao
domínio da capacidade expressiva e compreensiva da língua portuguesa”.
O primeiro ponto do segundo aviso, por sua vez, destaca: “falar sempre em
PORTUGUÊS”.
Essas informações podem ser interpretadas de várias formas, dependendo do
contexto sociocultural do país, do local e das pessoas a quem elas são dirigidas. Quando
se afirma no primeiro aviso que “o seu sucesso escolar está condicionado ao domínio da
capacidade expressiva e compreensiva da língua portuguesa”, deve-se ter em
consideração que a referida capacidade expressiva e compreensiva da LP está
condicionada ao uso de uma metodologia adequada ao contexto sociolinguístico e
cultural do país em questão.
Na Guiné-Bissau, país onde esses avisos são colados, a LP é quase inexistente
no vocabulário da sua população. É um número insignificante dos guineenses que falam
essa língua como nos referimos atrás e a maioria dessas pessoas se encontra, sobretudo,
na capital Bissau ou fora do país. Ao nos deslocarmos para as zonas rurais do país,
constataremos que os avisos acima não têm enquadramento, porque ali ninguém fala a
LP no seu dia a dia. Os moradores dessa região falam as suas línguas étnicas
cotidianamente e, às vezes, o Crioulo, dependendo do lugar e se as pessoas que
conversam não são da mesma etnia. Caso contrário, ou seja, se são da mesma etnia,
preferem usar a sua língua étnica. Nas zonas rurais da região de Tombali, as crianças
entram em contato com a LP pela primeira vez na escola. As crianças Balantas
pesquisadas deparam com a LP só na escola, enquanto em casa falam a sua língua
materna (a língua étnica) regularmente.
Essas duas informações são muito importantes para nós, na medida em que
coincidiram justamente com as questões centrais que defendemos nessa tese. Pois
somos também da opinião de que: “Quanto mais vezes se fala uma língua, mais
habilidade, mais domínio se terá dessa língua”. Mas as perguntas que não querem calar
34

são: Como essas crianças e adolescentes vão ter mais habilidade, mais domínio numa
língua que nem sequer é falada na realidade cultural em que vivem, ou seja, nas suas
tabancas? Como terão o sucesso escolar numa língua de ensino na qual eles não têm o
seu domínio da capacidade expressiva e compreensiva? Como vão pensar e falar sempre
uma língua que estão tendo contato pela primeira vez na escola? A língua é
indissociável da cultura? A sua concepção do mundo não se realiza a partir da sua
língua materna e das suas referências culturais?
São essas questões que formam a espinha dorsal dessa tese. Isto é, são essas as
questões centrais que analisamos nessa tese. Desse modo, são dois os principais motivos
nos levaram a essa pesquisa: 1) a transmissão de conhecimentos, isto é, a educação entre
os Balantas-Nhacra, da região de Tombali, é baseada principalmente na tradição oral,
veiculada através da sua língua materna; 2) nessa região, ninguém fala português como
língua materna, talvez por ser uma das mais distante dos centros urbanos,
principalmente, da capital Bissau. Os seus moradores falam diariamente as suas línguas
maternas (línguas étnicas). As crianças começam a ter seus primeiros contatos com a
língua portuguesa na escola, enquanto em casa falam a sua língua materna
regularmente, embora essa língua seja ágrafa.
Essas preocupações somadas não só aos fatores históricos acima descritos, como
também a minha experiência de trajetória escolar, como um Balanta-Nhacra que nasceu
e cresceu na tabanca, que teve os seus primeiros contatos com a LP na escola e as
dificuldades decorrentes disso, são os motivos que nos levaram a escolher esse tema de
pesquisa.
Essa pesquisa, portanto, analisou as consequências da LP na trajetória escolar
dos estudantes na Guiné-Bissau, especificamente, nos alunos do ensino básico (1ª a 4ª
classe) da etnia Balanta-Nhacra, na região de Tombali. Especificamente, a pesquisa
visa: a) Analisar a política linguística adotada pelo Estado da Guiné-Bissau; b) Analisar
o impacto da LP na trajetória escolar dos alunos da etnia Balanta-Nhacra na região de
Tombali; c) Analisar e discutir a importância da educação intercultural baseada na
diversidade cultural que constitui a Guiné-Bissau; e) Discutir a importância das línguas
maternas dos alunos e valorizar a cultura oral, como também, a experiência dos alunos
no currículo escolar da Guiné-Bissau.
Inicialmente, levantamos a hipótese de que a LP contribui para o fracasso ou
insucesso escolar dos alunos no país, especificamente, as crianças Balantas-Nhacra do
ensino básico da região de Tombali, porém, essa hipótese não foi confirmada no campo.
35

O que se confirmou, graça à observação direta, somada à análise dos dados feitos pelo
pesquisador, é o insucesso do próprio sistema de ensino, na medida em que a LP é a
única e obrigatória no ensino. Além disso, ela é ensinada como a língua materna das
crianças, estas, cuja maioria desconhece esse idioma, sobretudo no interior do país, caso
das crianças Balanta-Nhacra de Tombali, que só falam a língua materna, pois poucas
falam o crioulo. Portanto, concluiu-se que o insucesso escolar não é dos alunos. Estes
apenas sofrem as consequências do insucesso do sistema de ensino pautadas em uma
língua estranha à realidade sociocultural desta nação.
Essa tese tem a importância de fomentar as discussões sobre o impacto da LP no
sistema o ensino na Guiné-Bissau. Como também abre as possibilidades para o debate a
respeito da educação intercultural, tendo em vista a diversidade cultural do país. Nesse
sentido, intenta-se incentivar debates e discussões sobre a importância do ensino das
línguas maternas dos alunos e da LC, valorizar a cultura oral e a experiência dos alunos
no currículo escolar do país.
Nessa pesquisa, usamos quatro referenciais teóricos que se seguem: trazemos a
tradição oral, como referencial teórico, especialmente, a tradição oral africana, a partir
da concepção de Hampaté Bâ (2010) e Vansina (2010). Em segundo momento,
trazemos a antropologia da educação como referencial teórico, na medida em que a
referida ciência preocupa-se em conceber a educação para além dos limites do espaço
físico da escola. Ou seja, a educação existe também onde possa não existir a escola
(BRANDÃO, 1981; ROCHA, & TOSTA, 2009; GUSMÃO, 2011; 2015).
Do mesmo modo, trazemos a abordagem teórica da antropologia linguística e o
seu diálogo com a sociolinguística, em particular, o debate referente ao preconceito
linguístico ou intolerância linguística. Destaca-se a concepção de que a língua não é
apenas um meio de comunicação, é, sobretudo, um veiculo de expressão de valores, de
crenças, de pensamentos, isto é, a expressão de identidade de seus falantes (CUNHA,
1987; DURANTI, 2001; KI-ZERBO, 2006; NGUNGA, 2007; BAGNO, 2009b, 2011;
TIMBANE, 2013; BALSALOBRE, 2015; GARCÉS, 2018).
Por último, trazemos a educação intercultural como referencial teórico
destacando seu foco na interação mútua pautada no respeito entre diversos sujeitos
envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem (WALSH, 2001; QUEIROZ,
2007; CANDAU; RUSSO, 2010; CANDAU, 2012; FLEURI, 2012).
Os caminhos metodológicos percorridos, que permitiram a realização dessa tese,
basearam-se na pesquisa bibliográfica/documental, como também na pesquisa de
36

campo, que consistiu em entrevistas e em observação direta nas escolas pesquisadas e


nas respectivas tabancas.
A tese é composta por nove seções. A primeira seção foi dedicada à
apresentação geral da tese, ou seja, a delimitação do assunto tratado: problema,
objetivos da pesquisa, a relevância do estudo, hipóteses e outros elementos necessários
para situar o tema do trabalho. Por sua vez, a segunda seção traz os referenciais teóricos
e caminhos metodológicos que acabaram de ser mencionados. São esses dois caminhos
que orientaram o desenvolvimento desta pesquisa.
Na terceira seção, fizemos uma descrição historiográfica da região conhecida
como a Alta Guiné, que é a parte do litoral norte da costa ocidental africana, a qual a
Guiné-Bissau faz parte, antes e após a Conferência do Berlim, destacando a tradição
oral como a principal forma de transmissão de conhecimentos entre os povos dessa
região. Também analisamos fundamentalmente, o modelo da educação que os
conquistadores portugueses levaram a cabo no território atualmente chamado Guiné-
Bissau antes e após a Conferência do Berlim, sobretudo, no período da luta pela
independência dirigida pelo PAIGC, entre 1963 a 1973.
A quarta seção apresenta os grupos étnicos existentes na Guiné-Bissau, mas,
antes, descrevemos a teoria da etnicidade, dos grupos étnicos e da identidade étnica na
perspectiva de Barth (1969, apud POUTIGNAT & STREIFF-FERNART, 2011,) e as
críticas direcionadas a ela. Depois, destacamos a divisão do grupo étnico Balanta em
seis subgrupos e focamos, especificamente nos Balantas-Nhacra, analisando a sua
cultura material e imaterial e seus significados para este grupo étnico. A mesma seção
tem também o intuito de mostrar que a educação entre os Balantas-Nhacra realiza-se em
todas as atividades culturais. Desta maneira, tem-se uma aprendizagem acumulada que
deve ser levada em consideração na escola.
A quinta seção foi dedicada à educação entre os Balantas-Nhacra, que é
realizada principalmente, através dos ritos de iniciação, tanto no sexo masculino como
no feminino. Em cada sexo, a educação está dividida em fases e cada fase está dividida
em subgrupos. Por exemplo, existem quatro fases da educação masculina compostas por
i) grupo de BIDOGN NE NHARE, subdividido em: FURFAT, NDAHA e NKUMAN; ii)
grupo de NGHÁE, subdividido em: NGHÁE SONH, NGHÁE NHUG e NGHÁE DAN;
iii) grupo de BIDOG, subdividido em: NGHÉS, TSHON e BIDOGN BINDÁN e iv)
grupo de BILANTE BINDAN, subdividido em: NSHAN SONH, NSHAN MON e
BUHÓO. Enquanto a educação feminina é dividida em três fases que são: i) grupo de
37

KINRÃ (que não tem subdivisão); ii) grupo de MBI FULA, subdividido em: MBI FULA
SONH, MBI FULA NHUG e MBI FULA DAN e iii) grupo de BININ BINDÁN,
subdividido em: MBI-IEGLE, THATA, SADE e BASSANA. Esta seção visa mostrar que
os Balantas-Nhacra têm a sua forma específica de educação, através da qual os mais
velhos transmitem conhecimentos aos mais novos. Essa educação é realizada oralmente
e pela língua materna. Isso significa dizer que uma criança Balanta-Nhacra, que nasce e
cresce na sua tabanca, tem uma bagagem cultural e uma experiência de aprendizagem
acumulada, que deve ser valorizada na escola. Ou seja, uma pedagogia que deve
estabelecer um diálogo com as pedagogias escolares.
Na sexta seção, analisamos a política educativa e a política linguística adotadas
pela elite política que dirigiu a luta pela independência (na sua maioria assimilada) e
que assumiu o destino do país após a independência. Constatamos que essas políticas
são estranhas à realidade sociocultural do país, pois essa elite adotou a LP não apenas
como a oficial, mas também como a única do ensino no país. As bibliografias usadas
para desenvolver essa seção apontam que a LP tem gerado consequências negativas no
processo de ensino e apredizagem na Guiné-Bissau, sobretudo, na trajetória escolar dos
alunos.
Na sétima seção, fizemos a apresentação, análise e interpretação dos dados
sociolinguísticos dos alunos e dos professores entrevistados nas quatro escolas
pesquisadas. Para os alunos, procuramos informações a respeito de seus dados pessoais
(o nome, sexo, idade, cidade ou tabanca/aldeia do nascimento, região de nascimento,
grupo étnico a que pertence e nível escolar), como também, a língua materna, a língua
segunda e a língua terceira desses estudantes e, ainda, a língua que falam em casa, na
escola e com os seus professores na sala de aula.
Para os professores, as entrevistas dizem respeito à língua que falam com seus
alunos na sala de aula, à língua que esses alunos falam entre si na sala de aula e à língua
que esses alunos utilizam para fazer as provas. O intuito dessas entrevistas é o de: i)
analisar o impacto da realidade sociolinguística desses estudantes, como também da LP
na sua trajetória escolar; ii) compreender se existe conflito linguístico na escola ou não
– em caso afirmativo, compreender o porquê; iii) estabelecer em que medida esse
suposto conflito interfere no processo de ensino e de aprendizagem e no aproveitamento
escolar do aluno ao longo da sua trajetória escolar.
Constatamos que a maioria desses alunos fala a língua balanta como materna, a
LC como segunda e a LP como a terceira de alguns, enquanto outros não têm a língua
38

terceira. Constatamos também, através de observação direta nas escolas, que a maioria
desses alunos fala com mais frequência a sua língua materna (a língua balanta) no
recinto escolar ou quando conversam entre si. Na sala de aula, a língua balanta e a LC
são as mais faladas quando esses alunos conversam entre si. A LP é a menos usada.
Alguns alunos tentam falar a LP devido à imposição ou incentivo do professor,
enquanto a maioria prefere ficar calada, quando o assunto é falar o português. Portanto,
comprovamos que esses alunos enfrentam muito conflito linguístico na escola, na
medida em que convivem com três línguas em simultâneo no ambiente escolar: a língua
étnica (no caso Balanta), a LC e a LP. Essa situação gera muitas dificuldades e
desmotivação para esses alunos, resultando inclusive nas reprovações e abandono
escolar de alguns. Portanto, sugerimos a necessidade de se valorizar e usar a língua
materna dos alunos como de ensino, como também, a escola levar em consideração a
experiência e a aprendizagem que o aluno adquiriu em casa. Ou seja, sugerimos que o
governo guineense deve urgentemente adotar a educação intercultural e ou
multicultural, com vistas a valorizar a diversidade cultural que é a riqueza que a Guiné-
Bissau tem em abundância.
Na oitava seção, analisamos as consequências negativas da LP na trajetória
escolar dos alunos guineenses, especialmente, das crianças do ensino básico (1ª a 4ª
classe) da etnia Balanta-Nhacra da região de Tombali, com base nos relatos dos
professores, pedagogos e linguístas entrevistados. Esses relatos são unânimes em
afirmar que a LP é a principal causa de insucesso escolar que esses alunos enfrentam,
justamente porque, além de não dominarem a LP, ela é ensinada como se fosse a língua
materna deles. Por outro lado, os professores desses alunos, além de a maioria não ter
formação docente, têm muitas dificuldades na LP de Portugual que é usada no sistema
de ensino guineense, incluindo os formados. Portanto, todos esses problemas resultam
nas dificuldades que muitos alunos enfretam na sua trajetória escolar.
Finalmente, na nona e última seção, além de sugestões, apresentamos as
conclusões da tese, isto é, as sínteses dos principais resultados alcançados pela pesquisa.
Ou seja, concluímos que: 1) a metodologia usada para ensinar a LP (como a língua
materna) não é adequada à realidade sociolinguística da Guiné-Bissau, pois a LP
desempenha a função da língua estrangeira para quase todos os alunos do país,
principalmente, os das zonas rurais, caso das crianças balantas-nhacra protagonistas
dessa pesquisa. Portanto, ao contrário das teses que apontam o insucesso escolar das
crianças na Guiné-Bissau, em particular na região de Tombali, na verdade, o insucesso
39

ou o fracasso é o do sistema educacional e da metodologia didático-pedagógica adotada


pelas lideranças políticas e educacionais do país desde 1973, quando de nossa
independência, enquanto país soberano, ao não terem procurado estabelecer uma
educação intercultural e ou multicultural pautada na diversidade cultural do país; 2) Ao
abraçar a língua do conquistador português no seu projeto educativo, cultural, social e
linguístico, as lideranças políticas, econômicas e ideológicas do país procuraram, sim,
dialogar com o mundo da civilização euro-ocidental, mas não conseguiram e não tem
conseguido fazer com que a sua população seja incluída no jogo político-econômico
internacional, especialmente aquela que está nas zonas rurais e sendo dependente do
orçamento governamental para ter acesso aos direitos básicos como ter uma educação
que respeita os direitos humanos e os direitos linguísticos, enquanto política de Estado.
O que faz com que se mantenha e se amplie a desigualdade social a partir de uma
educação assimilacionista, ainda que pautada em um projeto de homem novo, baseado
nos princípios dos independentistas africanos, entre os quais, não podemos deixar de
citar Amilcar Cabral e o próprio ideário do PAICG.
40

2. CAMINHOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

2.1 Caminhos teóricos

A elaboração de uma pesquisa acadêmica exige do autor a escolha de um


referencial objetivando dar embasamento teórico-metodológico à referida pesquisa.
Necessariamente, o referencial teórico tem como base as pesquisas bibliográficas
realizadas a partir do registro disponível, decorrentes de pesquisas anteriores, em
documentos impressos ou digitais, como livros, artigos, teses etc. (SEVERINO, 2002):

Utiliza-se de dados ou categorias teóricas já trabalhados por outros


pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes
dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das
contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes nos textos.
(SEVERINO, 2008, p. 122).

Sabe-se que o objetivo da tese de doutorado é o de trazer algo novo para a área
em que a pesquisa se insere. Tal novidade pode surgir a partir da contribuição das
pesquisas anteriores para a pesquisa a ser desenvolvida ou através do esforço do autor
em busca da originalidade para sua pesquisa.
É nesse sentido que essa pesquisa procura mostrar que, em sociedades
multiétnicas ou pluriétnicas como a guineense, a educação se realiza para além da sala
de aula. Ela se realiza também na vida vivida numa determinada comunidade, na prática
da tradição oral dos diferentes grupos étnicos. Por exemplo, entre os Balantas Nhacra, a
educação é efetuada em diferentes etapas de ritos de iniciação, na atividade pastoril
praticada pelos pastores de gado (Bidog ne Nhare), nos encontros realizados pelos
grupos de Nhaé, Bidogn, Bilante Bidan, Mbi-Fula, Binin Bindan. Portanto, o sistema do
ensino do país tem o desafio de reconhecer, de respeitar e de valorizar essa diversidade
cultural, pois só assim que podemos falar numa verdadeira democracia.
Sendo assim, construímos nessa seção os caminhos teóricos e metodológicos a
serem trilhados para o desenvolvimento dessa pesquisa. Caminhos esses que se iniciam
com o referencial teórico da tradição oral, especialmente a africana, a partir da
concepção de Hampaté Bâ (2010) e Vansina (2010). Soma-se ao referencial teórico da
antropologia da educação, que se faz presente nessa pesquisa e que oferece importantes
contribuições para se pensar a educação num país fortemente baseado na cultura oral.
41

Do mesmo modo, trazemos a abordagem teórica da antropologia linguística e o seu


diálogo com a sociolinguística, em particular, o debate referente ao preconceito
linguístico e ou intolerância linguística. Por último, trazemos a perspectiva intercultural
em educação para esse debate, na medida em que essa perspectiva defende a educação
pautada na interação entre diferentes sujeitos nela envolvidos, como também enfatiza o
respeito às diferenças e à diversidade cultural.

2.1.1 Tradição oral como referencial teórico

Partimos da concepção da tradição oral voltada para a realidade africana,


particularmente da África Subsaariana8, a partir da concepção de dois autores célebres
nesse assunto: Amadou Hampaté Bâ (2010) e Jan Vansina (2010). Segundo os dois
autores, a tradição oral é definida como um testemunho transmitido oralmente de uma
geração para a outra (HAMPATÉ BÂ, 2010; VANSINA, 2010).
Partimos do ponto de vista de que olhar para a tradição oral africana nos
permitirá analisar e compreender o modo como funciona a transmissão de conhecimento
entre os Balantas Nhacra na região de Tombali – sul da Guiné-Bissau. Trilhar por esse
caminho foi de suma importância para essa pesquisa, na medida em que a concepção da
tradição oral em tela permite problematizar a tensão entre a cultura oral – da chamada
educação tradicional – e a cultura escrita – da educação escolar moderna. Trazer à tona
essa tensão permite problematizar a política linguística adotada pelo Estado guineense e
sua consequência para o ensino e para a aprendizagem, particularmente na trajetória
escolar dos estudantes.
Segundo Hampaté Bâ (2010), na África Subsaariana, a tradição oral é uma
grande escola da vida, pois nela se encontram depositados todos os conhecimentos
transmitidos de boca ao ouvido entre as gerações, desde a ancestralidade. Também, na
mesma linha de raciocínio, Vansina (2010) enfatiza que a tradição oral é a expressão da
memória coletiva de uma sociedade que se explica a si mesma.
Como se sabe, na maioria dos grupos étnicos africanos, a tradição oral é a
principal forma de transmissão de conhecimentos. Assim sendo, mesmo nos locais onde

8
A África Subsaariana corresponde à parte do continente africano situado ao sul do Deserto do Saara.
Essa parte do continente africano era chamada pelos europeus e árabes de África Negra, em razão da
predominância de pessoas de pele mais escura nessa região.
42

existe a educação escolar, a educação baseada na tradição oral continua sendo


predominante, sobretudo nas zonas rurais.
É o caso da Guiné-Bissau, país no qual, até hoje, a cultura oral tem
predominância sobre a cultura escrita, visto que, nas zonas rurais onde reside a maioria
da população, as relações sociais não são baseadas na escrita, mas sim na oralidade.
Mesmo nas cidades, muitas pessoas não conseguem se distanciar da cultura da sua etnia
– baseada na tradição oral, pois a interferência do mundo rural no mundo urbano é ainda
predominante. Por exemplo, até hoje são realizados diversos tipos de ritos de iniciação
(fanado) na capital Bissau.
De acordo com Hampaté Bâ (2010), quando falamos de tradição em relação à
história africana, referimo-nos à tradição oral, pois nenhuma tentativa de penetrar à
história e ao espírito dos povos africanos terá validade a menos que se apóie nessa
herança de conhecimento transmitido de boca ao ouvido, de mestre ao discípulo,
durante os séculos e gerações.
O autor defende que “a tradição oral baseia-se em certa concepção do homem,
do seu lugar e do seu papel no universo” (HAMPATÉ BÂ, 2010, p.169). Nessa
perspectiva, a tradição oral não é algo abstrato que possa ser isolado da vida, ela é ao
mesmo tempo religião, conhecimento, ciências naturais e sociais, iniciação à arte,
história, divertimento, recreação, entre outras atividades humanas, uma vez que todo
pormenor sempre permite remontar a unidade primordial (HAMPATÉ BÂ, 2010).
Isso significa dizer que a tradição oral é concebida por Hampaté-Bâ (2010) e
Vansina (2010) como se o mundo material e o mundo espiritual estivessem entrelaçados
o tempo todo. Destacamos, como exemplo, o grupo étnico Balanta Nhacra de Tombali,
para o qual o mundo material é indissociável do mundo espiritual, pois todos os
fenômenos sejam eles naturais ou sociais – tais como falta de chuva ou a seca, mau
rendimento na colheita, epidemias e doenças, prática de rito de iniciação (Fanado na
língua crioula e Fóo na língua balanta), o casamento e outros rituais que ocorrem na
realidade social balanta – têm a sua explicação fundada no fenômeno espiritual. Para
saber interpretar esse fenômeno, a pessoa precisa necessariamente passar por diversas
fases do rito de iniciação. O que implica dizer que, na sociedade Balanta Nhacra, a
escola de iniciação é o único espaço de ensinamento e de aprendizagem dos fenômenos
que regem o funcionamento desses dois mundos, o material e o espiritual, como
também é o único lugar em que o indivíduo aprende as regras comportamentais que
representam o modo de viver nessa sociedade.
43

Vale dizer que, na sociedade balanta, uma pessoa que não passou pela escola de
iniciação, mesmo tendo diploma universitário, é considerada imatura pelo fato de
desconhecer diversos códigos que regulamentam o comportamento e a vivência nessa
sociedade. Esses códigos podem variar desde a fala, o olhar, a expressão facial, a
expressão bucal, o ruído no esôfago, o toque de tambor (bombolon em crioulo e
fimbumbur ou finkilim em balanta), o assopro do chifre do animal (ftebm), entre outros
códigos. Todos eles desempenham importante papel educativo na sociedade Balanta
Nhacra.
Na tradição oral balanta, o rito de iniciação em seus diversos estágios, seja ele
referente ao sexo masculino ou ao sexo feminino, desempenha importante papel
educativo e social, como será detalhado na terceira seção. Através do rito de iniciação,
as pessoas iniciadas recebem vários ensinamentos que servem para regulamentar seus
comportamentos na sociedade, por meio dos quais elas passarão a ser reconhecidas
como suficientemente maduras dentro da sociedade, podendo assumir grandes
responsabilidades no seio da família – maior detalhamento será oferecido na seção que
trata sobre a educação entre os Balantas Nhacra.
No entanto, no mundo moderno em que vivemos, ainda existem muitas tensões
entre a escrita e a oralidade. À escrita é associado o estatuto da cultura, da civilização,
da modernidade, do avanço científico e tecnológico; enquanto à oralidade cabe o
estatuto do primitivismo e da selvageria.
Hampaté-Bâ (2010) ressalta que, nas nações modernas, onde a escrita tem
precedência sobre a oralidade, onde o livro constitui principal veículo da herança
cultural, durante muito tempo julgou-se que povos sem escrita eram povos sem cultura
e, portanto, sem história, haja vista que os seus conhecimentos são transmitidos
oralmente, de boca ao ouvido, de geração em geração (HAMPATÉ BÂ, 2010). Sendo
assim, são tratados como atrasados, analfabetos e subdesenvolvidos, por entender-se
que seus conhecimentos não podem ser arquivados como documentos escritos, correndo
grande risco de perder detalhes ao longo do tempo. Ademais, são desvalorizados,
porque se considera que são conhecimentos banais, do tempo antigo, e não servem
como conhecimentos científicos, pois são baseados no senso comum etc.
Contudo, segundo o autor, essa não é a maneira certa de se colocar o problema,
pois para ele a escrita é uma coisa e o saber é outra (HAMPATÉ BA, 2010). Ou seja, o
44

saber vai além da escrita. Como refere um tradicionalista 9 em assuntos africanos, mestre
Tierno Bokar, citado por Amadou Hampaté Bâ,

a escrita é uma coisa e o saber é outra. A escrita é uma fotografia do


saber, mas não saber em si. O saber é uma luz que existe no homem.
A herança de tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e
que se encontra latente em tudo o que nos transmitira (TIERNO
BOKAR, apud HAMPATÉ BÂ, 2010, p. 167).

Esse modo de pensar – de acordo com o qual povos sem tradição escrita são
povos sem cultura, sem saber ou sem conhecimento – não é verdadeirdo e nem
comprovado cientificamente. É de salientar que muitas são as vozes que criticam e
desvalorizam os conhecimentos baseados na tradição oral, visto como cientificamente
inválidos. Nosso objetivo, nesta pesquisa, visa quebrar esses paradigmas que
caracterizamos como ideológicos. Pois entendemos que qualquer conhecimento, seja ele
científico ou não, tem por baixo do “tapete” um cunho ideológico.
Ao longo dos séculos, o eurocentrismo lança luz aos conhecimentos ditos
hegemônicos produzidos na Europa ocidental. Além disso, conhecimentos usurpados de
outros povos e tornados seus também são difundidos para o resto do planeta como
verdades únicas. Em contrapartida, desvalorizam os conhecimentos das outras
realidades, sendo esses tratados como senso comum, inúteis ou sem fundamento
científico e os seus produtores classificados como selvagens.
Apesar dessas interpretações, é comprovado que povos sem tradição escrita são
detentores de conhecimentos científicos de alto nível. Dentre muitos exemplos, apenas
na área da saúde, podemos citar que muitos conhecimentos médicos sobre tratamentos
de várias doenças e conhecimentos farmacêuticos sobre plantas medicinais usados nos
países ditos “avançados” são absorvidos dos curandeiros tradicionais africanos que não
sabem ler e nem escrever as línguas europeias. Até hoje, muitos pesquisadores da área
de saúde vão à África fazer as pesquisas e apreender com esses curandeiros/médicos
tradicionais (BARROS, 2004).
A tradição oral é um conhecimento indispensável para o avanço científico e
tecnológico. Outro exemplo disso se revela em muitas pesquisas que são desenvolvidas
atualmente, na África e nos outros continentes, pelos arqueólogos, paleontólogos,

9
Tradicionalista é um africano especialista em tradição oral.
45

etnólogos, antropólogos, sociólogos, historiadores, linguistas, pesquisadores da área de


saúde e tecnólogos etc., cuja referência principal é a tradição oral.
Afirmamos que a tradição oral é um impressionante acervo de conhecimento,
pois arquiva na memória dos seus usuários um arsenal importantíssimo de
conhecimentos ancestrais que são transmitidos de geração a geração. Esses
conhecimentos são indispensáveis para a manutenção das regras de convívio e de
relação social nas comunidades que a utiliza.
Portanto, esse modo de pensar, segundo o qual os povos sem a tradição escrita
são povos sem saberes, é um olhar etnocêntrico construído nas sociedades de cultura
escrita, especificamente na Europa Ocidental, sobre os povos de cultura oral.
Mas, hoje em dia, sabe-se que isso é uma ideologia sem fundamento científico.
A partir da segunda metade do século XX até o momento atual, felizmente ou
infelizmente, assistimos ao desmoronamento desse preconceito eurocêntrico sobre a
tradição oral, graças aos notáveis trabalhos que têm sidos realizados pelos etnólogos do
mundo inteiro e pelos pesquisadores de outros ramos científicos, como também a ação
inovadora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) que levanta o véu que cobre os tesouros dos conhecimentos transmitidos
pela oralidade (HAMPATÉ BÂ, 2010).
Atualmente, diversas pesquisas científicas comprovam a validade dos
conhecimentos produzidos nas outras realidades não europeias. É o caso da tradição oral
que funciona a milênios na grande parte da África subsaariana, especialmente, nas
localidades que muitos pesquisadores ainda desconhecem, ou seja, nas aldeias do
interior, longe das grandes cidades. São as regiões que Hampaté-Bâ (2010) chama de
“África de Base” ou que Leite (2008) denomina de “África profunda”. Nessas áreas, a
tradição oral continua viva e com um grande número de seus depositários (as pessoas
mais velhas – os anciãos) ainda podem ser encontrados.
A tradição oral tem comprovado seu valor insubstituível na pesquisa etnográfica
no continente africano, tendo em conta, sobretudo, a predominância da cultura oral em
detrimento da cultura escrita. Segundo Vansina (2010), nos últimos séculos, a tradição
oral se revela na prática como a primeira fonte de pesquisa nesse continente. Na nossa
leitura, isso mostra uma inversão da pirâmide na pesquisa acadêmica voltada à África.
Ou seja, inversão do legado epistemológico das pesquisas que eram fortemente calcadas
no eurocentrismo, que segundo Gonçalves (2005, p. 10) “nos impedia de compreender o
mundo a partir do mundo em que vivemos”.
46

Sabe-se que em toda sociedade humana existe muita diversidade e, nessa


diversidade, cada grupo humano tem a sua forma de conceber o mundo, a sua forma de
educação e a sua forma de estabelecer contatos entre si, com os outros e com o mundo a
fora. Nesse sentido, cabe afirmar que para estudar e/ou compreender a educação numa
sociedade multiétnica/pluriétnica, cuja tradição oral é a principal forma de transmissão
de conhecimento, a antropologia da educação será o principal referencial teórico-
metodológico.

2.1.2 Antropologia da educação como referencial teórico

A Antropologia da Educação é de fundamental importância para analisar e


compreender a educação em sociedades multiétnicas, como a de Guiné-Bissau, país cuja
oralidade é a principal forma de transmissão de conhecimento entre os grupos étnicos
que a compõem. Desse modo, essa ciência preocupa-se em conceber a educação para
além dos limites do espaço físico da escola. Ou seja, a antropologia da educação tem a
preocupação de nos trazer à compreensão de que cada grupo social tem a sua forma
específica de transmissão de conhecimento, através do qual estabelece seu modo de
viver em sociedade e compreender o mundo. Tal é o caso da etnia Balanta Nhacra da
Guiné-Bissau.
Tendo em conta o seu método cientifico e a sua técnica de pesquisa voltada para
compreender as relações sociais em suas especificidades, consideramos que a
Antropologia da educação tem um papel central na pesquisa em educação na Guiné-
Bissau, tendo em vista a diversidade cultural desse país, representada por mais de vinte
grupos étnicos com suas práticas culturais, línguas e formas de educação específicas. É,
nesse sentido, que precisamos entender que: a) a escola não é o único lugar em que a
educação acontece; b) ela existe também onde possa não existir a escola; c) em toda e
qualquer sociedade humana, existe aprendizagem inerente à prática social dos seus
integrantes; d) os processos educativos ocorrem em meio à vida vivida, como parte das
relações humanas que não se restringem ao espaço da escola (ROCHA, & TOSTA,
2009; GUSMÃO, 2011; 2015).
Segundo Carlos Rodrigues Brandão (1981 apud Gusmão 2011), a educação
existe em todo e qualquer tipo de comunidade humana, mesmo onde não haja uma
rigorosa divisão social de trabalho entre sujeitos desiguais. Dessa forma, a escola e o
47

ensino formal podem até não existir, mas existe aprendizagem inerente à prática social e
da vida.
Nesse sentido, segundo Tosta (2013) o diálogo entre a antropologia e a educação
escolar é de fundamental importância e necessária para compreender uma das questões
fundamentais na escola: a diversidade cultural e a construção identitária que permeiam
os processos de aprendizagem e de socialização (TOSTA, 2013).
O atual contexto de exacerbação da globalização e de reivindicação das
identidades em que vivemos nos coloca os desafios de repensar a educação no mundo
todo, sobretudo nos países constituídos pela diversidade cultural como a Guiné-Bissau.
Tais desafios impõem pensar os modelos de educação que superem os modelos
herdados do passado, cujas características homogeneizantes negam a diversidade
humana e acabam por engendrar processos de exclusão de diferentes segmentos sociais
(GUSMÃO, 2011).
A Guiné-Bissau se encontra amarrada ao modelo de educação do conquistador
português que herdou logo após a independência na década de 1970 10. Esse modelo é
baseado na valorização da cultura do conquistador, especialmente a sua língua. É esse
modelo que prevalece até hoje, o que traz graves consequências para o país como um
todo e para os alunos em particular, pois a maioria não a domina, fato que prejudica a
sua aprendizagem.
Sendo assim, apostar no referencial teórico e metodológico da antropologia da
educação é de extrema importância para enfrentar esse problema. Por meio dela, é
possível entender que a educação extrapola os limites dos muros escolares. Ou seja, a
educação se realiza na prática sociocultural de cada grupo específico da humanidade,
através de diversas manifestações culturais, especialmente a tradição oral e os ritos de
iniciação.
Sendo assim, o método etnográfico é o mais privilegiado e recomendado para a
pesquisa e para se enfrentar o problema da educação na realidade cultural permeada
pela diversidade, como a de Guiné-Bissau. Defendemos o uso da etnografia, como
refere Gusmão (2015), associada às teorias antropológicas, e não apenas como técnica
de coleta de dados usada de maneira solta, como tem feito muitos pesquisadores de
outros campos científicos que desconhecem ou ignoram as teorias antropológicas.

10
Esse modelo era exercido através da chamada política de assimilação – que visava assimilar uma
pequena parcela dos nativos guineenses à cultura do conquistador, desvalorizando as culturas dos nativos
guineenses, especialmente as suas línguas.
48

A esse respeito, a antropóloga Claudia Fonseca (1999) afirma que a antropologia


não é tão aberta assim, como imaginam os pesquisadores de outras áreas que atiram na
direção do seu método – a etnografia, sem preparação adequada. Para a autora, “é
preciso ter em mente de que ao fazer parte das ciências sociais, a antropologia e seu
método não se fazem sem amarras teóricas consistentes e situadas” (FONSECA, C.,
1999, p. 62).
Da mesma forma, a antropóloga brasileira Neusa Gusmão (2015), especialista
em antropologia da educação, critica a maneira errada como os pesquisadores de outras
áreas (destacando neste caso os da educação) utilizam a etnografia na coleta de dados
para suas pesquisas do campo, sem conhecimento ou ignorando conhecimento teórico
da antropologia. Segundo Gusmão (2015):

A etnografia, prática por excelência dos antropólogos, não é apenas


uma técnica descritiva frequentemente identificada com o trabalho de
campo, a observação participante, a investigação qualitativa ou
atividades concretas como as entrevistas, o questionário ou o estudo
de caso. [...] abordar a etnografia como metodologia é compreender
que as técnicas de coletas de dados e outros recursos próprios desse
campo encontram sua natureza e amplitude a partir de uma profunda
compreensão da própria antropologia, da sua história passada e
presente (GUSMÃO, 2015, p. 26).

Sendo assim, esta pesquisa dialoga com a Antropologia da educação em torno


dos seguintes pontos: 1) fazer uma abordagem da educação a partir dos métodos e
objetos do campo das ciências sociais, especialmente, da antropologia, centrada em
processos educativos para além da escola. Ou seja, um olhar que supere as visões
fechadas da educação, como escolarizada, homogênea e reprodutivista (GUSMÃO,
2011) como a que tem lugar na Guiné-Bissau; 2) destacar a importância da etnografia,
na pesquisa educacional, não apenas como instrumento metodológico descritivo,
utilizado na técnica de coleta de dados, como tem feito muitos pesquisadores de outras
áreas disciplinares na Guiné-Bissau, sem levar em consideração os conhecimentos
teóricos da ciência antropológica; e, sim, tratar a etnografia como um profundo e
significativo processo de reflexão epistemológica e da produção de conhecimento,
especialmente, da antropologia (ROCHA & TOSTA, 2009; GUSMÃO, 2011, 2015); 3)
enfatizar as múltiplas possibilidades da etnografia como método científico aberto a
vários domínios da vida social; 4) fazer uma análise crítica, baseada no olhar da
antropologia da educação, a respeito das consequências da política oficial da educação,
49

sobretudo, a política linguística vigente no processo de ensino e de aprendizagem na


Guiné-Bissau, focando especificamente a etnia Balanta Nhacra no sul do país; 5)
discutir, através do referencial teórico da Antropologia da educação, a respeito da
necessidade de um diálogo entre educação escolar e a educação da tradição oral
praticada pelos diferentes segmentos étnicos da Guiné-Bissau, especialmente os
Balantas Nhcra; 6) enfatizar a importância da aplicação das línguas maternas dos
estudantes na escola, visando não só dialogar com a realidade do estudante, mas,
sobretudo, fazer com que ele compreenda o mundo a partir da leitura da sua própria
realidade. O que, na nossa leitura, contribuirá com o aumento de progressão escolar dos
educandos, na diminuição da evasão e na promoção da inclusão escolar, além da
melhoria de qualidade da educação escolar do país.
Esse olhar precisa ser encarado com seriedade na educação escolar guineense,
uma vez que as pessoas as quais a educação é destinada trazem de casa as bagagens
culturais ricas em suas diversificadas expressões e que devem ser valorizadas na escola.
É válido ressaltar que a diversidade cultural e identitária presente nas escolas guineenses
não nasceu nas próprias escolas. Ela é proveniente da própria realidade cultural do país
e é na escola que exerce a sua influência através da interação entre os
educandos/estudantes e os educadores/professores, advindos de diferentes segmentos
sociais. Cada educando e cada educador carrega consigo múltiplas experiências da sua
realidade cultural para a escola. Nesse contexto, o ensino guineense deve estar
preparado para lidar com a diversidade cultural trazida, especialmente, pelos alunos. E,
para dar conta dessa realidade, a antropologia da educação torna-se primordial.
Ao tratar da diversidade cultural e da construção da identidade, não se deve
esquecer que a língua é um dos elementos centrais nesses processos. Assim, é
importante compreender que a língua não é apenas um veículo de comunicação de um
determinado grupo social, ela é fundamentalmente uma ferramenta identitária desse
grupo. Sendo assim, negar a um balanta, a um fula, a um mandinga, a um pepel, a um
manjaco, a um mancanha, a um bijagó, a um beafada, a um felupe, a um nalu, ou a
qualquer outra etnia da Guiné-Bissau, a sua língua no ensino, em troca da língua do
conquistador, significa negar a sua identidade, como também, negar a diversidade que
constituí essa nação, em proveito da cultura estranha a sua realidade. É nesse contexto
que, como diz Bourdieu (1998), a língua, especialmente a língua oficial, exerce a sua
função de dominação, qual seja simbólico-cultural, política e econômica.
50

Sabe-se que a LP é totalmente inexistente no vocabulário dos grupos étnicos que


residem nas zonas rurais da Guiné-Bissau. Por exemplo, entre os Balantas Nhacra da
região de Tombali ninguém fala a LP, seja em casa como em qualquer outro ambiente.
Pelo contrário, todos falam a língua Balanta cotidianamente. As crianças estabelecem
contato com a LP, pela primeira vez, na escola e é nessa língua que todo processo de
ensino e aprendizagem ocorre, inclusive as avaliações. Aí se questiona: como essa
criança vai compreender conteúdos numa língua que ela não domina? Como ela vai
conseguir fazer provas na referida língua? Como fica o psicológico dela? A resposta é
óbvia: essa criança enfrentará muitas dificuldades de aprendizagem devido à falta de
domínio da LP e, em consequência disso, sofrerá um abalo psicológico muito profundo,
podendo interferir diretamente na sua auto-estima, gerando apatia e timidez na escola.
Não é à toa que é habitual encontrar muitos alunos guineenses que ficam o tempo todo
calados na sala de aula, ou seja, uma criança neste contexto social está condenada a
pagar um preço alto por um erro que não cometeu. O que significa, em outras palavras,
que ela está sendo direta ou indiretamente excluída do processo de ensino e
aprendizagem, ao não poder elaborar uma relação com a escrita em sua língua natal, e
ser obrigada a estabelecer esse processo na língua originária do conquistador português
e das elites políticas e econômicas dos segmentos assimilados em Guiné-Bissau. Esse é
o desafio que a sociedade atual e a educação guineense enfrentam e que a Antropologia
da educação pode nos ajudar a desvendar.
Na Guiné-Bissau, a LP é encarada como de alto prestígio social e, por outro
lado, é a principal ferramenta demarcadora de desigualdade social, na medida em que
quem a domina tem larga vantagem para conseguir emprego, bolsa de estudos e outras
oportunidades.
Essas questões precisam ser tratadas com responsabilidade e com seriedade na
educação guineense. Caso contrário, estamos perdidos num mar sem rumo e os
prejudicados não são apenas os educandos que se encontram mergulhados numa
realidade escolar estranha a sua, mas a Guiné-Bissau como um todo. Pois não se pode
esperar uma educação inclusiva e de qualidade que ignora ou desvaloriza a realidade
sociocultural de quem a ela é destinada.
Tal como a Antropologia da educação, a Antropologia linguística tem grande
importância para essa pesquisa, uma vez que pode fornecer elementos teóricos
relevantes que permitem discutir a política linguística praticada na Guiné-Bissau.
51

2.1.3 Antropologia linguística como referencial teórico

A língua é o meio que os seres humanos, enquanto seres sociais, usam para
transmitir os seus sentimentos, as suas ideias, as suas paixões, os seus conhecimentos, a
sua concepção de mundo, as suas culturas, através de um processo chamado
comunicação (NGUNGA, 2007). A comunicação é estabelecida através de vários sinais
convencionais chamados genericamente de linguagem. Ela varia de um grupo social
para outro.
Contudo, vale a pena salientar que a língua não é apenas um meio de
comunicação. Ela é, sobretudo, um veículo de expressão de valores, de crenças, de
pensamentos, isto é, a expressão de identidade de seus falantes. Segundo Cunha (1987,
p. 99), “a língua de um povo é um sistema simbólico que organiza sua percepção do
mundo”. Para Duranti (2000), se quisermos compreender o papel da língua na vida das
pessoas, precisamos ir além do estudo de sua gramática apenas, mas entrar no mundo da
ação social, no qual as palavras são encaixadas, sendo constitutivo de atividades
culturais específicas, tais como contar histórias, pedir um favor, mostrar respeito, entre
outras.
Segundo Garcés (2018), sem a linguagem humana não seria possível a existência
da cultura humana. Acrescentamos que sem a linguagem e sua composição por códigos
e diferentes formas de expressão oral ou escrita (qual seja, a linguagem gestual: verbal e
não verbal; linguagem gráfica: logográfico = pictografia, exemplo: pintura rupestre;
ideografia, exemplo: os números, significados de uma palavra; fonográfico = alfabetos,
silábicas, etc.), que diferentes grupos humanos usam para se comunicar, seria
impossível a existência da cultura humana e de sua diversidade. Daí, a importância do
estudo da Antropologia linguística.
A Antropologia linguística é definida como um ramo da ciência antropológica
que estuda o ser humano, partindo do princípio da linguagem com que se comunica 11.
Segundo Duranti (2000), a Antropologia linguística estuda o papel da língua na vida das
pessoas em todos os aspectos: na oralidade, na escrita, no gestual ou no simbolismo. Na
mesma linha de raciocínio, de acordo com Garcés (2018), a Antropologia linguística
nos permite compreender a linguagem humana como expressão da cultura. De acordo

11
Disponível em: http://cultura.culturamix.com/antropologia/antropologia-linguistica .Acesso em: 30 de
junho de 2018.
52

com o autor, existe um vínculo estreito entre a linguagem e a cultura expressa,


sobretudo no vocabulário.
Para Garcés (2018), os antropólogos usam o vocabulário como elemento chave
para entender a experiência e a realidade em diferentes culturas. Através do vocabulário,
os antropólogos tentam obter o ponto de vista dos nativos e essa perspectiva tem sido
usada amplamente nos estudos de vocabulário de cada etnia da espécie humana
(GARCÉS, 2018).
Nesse sentido, segundo autor, a Antropologia linguística como ramo da ciência
antropológica tem por finalidade: a) o estudo da linguagem como recurso da cultura; b)
o estudo de uso da linguagem como uma prática cultural. Sendo assim, de acordo com o
autor, a Antropologia linguística é fundamental para compreender as culturas humanas e
os sentidos que os seres humanos produzem através da linguagem em diferentes
culturas (GARCÉS, 2018).
Como se pode ver, qualquer língua está ligada à cultura dos seus falantes. Não
existe uma língua neutra de cultura. A língua portuguesa tem ligação com a cultura dos
seus falantes, como também as línguas maternas faladas em Guiné-Bissau – como por
exemplo a língua balanta – têm ligação com a cultura dos seus falantes. Existem termos
e vocabulários da língua balanta que não têm tradução para a língua portuguesa e vice-
versa. Às vezes, a tentativa de tradução de vocabulários de uma língua para a outra
ocasiona a perda do seu significado real.
Vejamos exemplo disso em alguns vocabulários da língua balanta nhacra. Os
vocabulários: baba e mama não têm uma tradução direta para a língua portuguesa. Na
forma de tratamento (BALSALOBRE, 2015), entre os Balantas Nhacra, o vocabulário
baba – é usado para chamar/nomear um homem balanta de idade avançada (um ancião),
podendo ser seu pai, seu tio, seu avô ou qualquer outro ancião balanta. Da mesma
forma, o vocabulário mama é usado para chamar/nomear uma mulher balanta de idade
avançada, podendo ser sua mãe, sua avó, sua tia ou qualquer outra anciã balanta. Ou
seja, na forma de tratamento da etnia Balanta Nhacra, os dois termos servem para
chamar ou nomear de maneira respeitosa a uma pessoa de idade relativamente
avançada, podendo ser o pai ou a mãe, avô ou avó, tio ou tia. Portanto, os dois
vocabulários (baba e mama) não têm uma tradução direta para a língua portuguesa, pois
não podem significar respectivamente pai/mãe; avô/avó; tio/tia ao mesmo tempo. Na
língua portuguesa, os termos pai ou mãe designam seu pai ou sua mãe biológica ou por
adoção e é o mesmo tratamento para avô/avó e tio/tia.
53

Outro exemplo: no sistema de formas de tratamento (BALSALOBRE, 2015) dos


balantas Nhacra, não existe um único pai ou uma única mãe (no caso pai ou mãe
biológicos). Todos os irmãos do seu pai são também seus pais; como todas as mulheres
do seu pai e todas as mulheres dos irmãos do seu pai são também suas mães. Só para
deixar claro que a sociedade balanta é poligâmica por parte masculina, ou seja, um
homem pode ter várias mulheres. Na maioria dos casos, a primeira mulher é que traz as
outras para o marido. Em compensação, ela é respeitada e honrada pela família do
marido. Importante ressaltar que entre os Balantas Nhacra não existem o primo/a ou os
primos/as. Todos são irmãos, o que significa dizer que o pai de um é também pai dos
outros; como também, a mãe de um é mãe dos outros irmãos. Todo esse sistema de
organização familiar é totalmente diferente na língua e na cultura portuguesa.
Manuela Carneiro da Cunha (1987) chama a atenção para a importância da
língua na construção das identidades, mostrando como os governos nacionais tentaram
reforçar uma homogeneidade linguística no interior dos Estados-nação, com o intuito de
conter conflitos por afirmação de diferenças. Segundo a autora, a língua é um sistema
simbólico que organiza a percepção de mundo de um povo. “É assim que, para ela, não
é à toa que os movimentos de libertação enfatizam ‘dialetos’ e os governos locais
combatem o polilínguísmo dentro de suas fronteiras” (CUNHA, 1987, p.100).
Nesse sentido, a autora mostra que esse sistema político e social, para construir
os Estados nacionais, passou a se voltar para a difusão de línguas oficiais, para que
todos pudessem entender e partilhar os mesmos sistemas de valores e de crenças
impostos pela soberania nacional. Mas é importante salientar que a língua não é
composta apenas de traços diacríticos usados como marcadoras das diferenças
(CUNHA, 1987); ela é também um veículo principal de transmissão da cultura, de
transmissão de conhecimentos e de compreensão do mundo. Pois uma criança que nasce
e cresce numa comunidade de um determinado grupo étnico apreende a sua língua
materna e, através dela, compreende o mundo. Isso significa dizer que a língua está
intimamente ligada à identidade cultural dos seus usuários. Daí a importância da
Antropologia linguística para a compreensão dessas realidades linguístico-culturais.
Portanto, nosso objetivo nessa tese visa estabelecer o diálogo com Antropologia
linguística com o intuito de trazer para a academia e para a sociedade a realidade
linguística e cultural da etnia Balanta Nhacra da Guiné-Bissau. Fato que é de
fundamental importância para repensar a política linguística praticada na educação
escolar no referido país. Pois negar ou ignorar as línguas maternas faladas numa dada
54

nação significa negar ou ignorar a identidade cultural do seu povo. Nesse sentido, todas
as línguas têm ligações com as culturas dos seus falantes, o que significa dizer que tem
seu valor para os seus usuários.
O grupo étnico Balanta Nhacra, como qualquer outro grupo étnico da Guiné-
Bissau, utiliza a sua língua não só na comunicação do dia a dia, mas também na
transmissão de conhecimentos às novas gerações, sendo componente importante da sua
cultura. Isso significa dizer que nenhuma língua é neutra de cultura dos seus falantes.
Tanto a língua portuguesa como as línguas locais faladas em Guiné-Bissau – o crioulo e
as línguas étnicas – identificam os seus falantes. Sendo assim, cada língua tem o seu
valor dentro do contexto social em que é usada.
Segundo os sociolinguistas, nenhuma língua tem mais valor que as outras. Para
esses cientistas e profissionais acadêmicos, a tentativa de valorizar uma língua em
detrimento das outras é um preconceito linguístico ou uma intolerância linguística
(BAGNO, 2009b, 2011; FIRMINO, 2005; NGUNGA, 2007; INTUMBO, 2007).
Portanto, nesta tese, dialogamos também com a linguística, em particular com a teoria
sociolinguística referente ao preconceito linguístico e/ou a intolerância linguística.
Cabe ressaltar que, neste novo contexto da globalização econômica, política e
social e de mundialização cultural, as línguas ditas hegemônicas (como inglês,
espanhol, francês, português etc.) exercem papel político de grande envergadura.
Principalmente, na divulgação e disseminação da cultura dos seus países de origem.
Fato que contribui e tem contribuído no desenvolvimento econômico, social e cultural
desses países. Por outro lado, as culturas e as línguas dos países conquistados pelos
imperialistas europeus são desvalorizadas e marginalizadas, sendo tratadas como
dialetos e tendo a sua condição de produção e de utilização negada. As línguas ditas
hegemônicas desempenharam fortes influências na conquista colonial, especialmente na
educação, servindo-se como elementos privilegiados de prestígio social, de ascensão
social e, principalmente, como ferramenta de desigualdade social entre os povos
conquistados.
Joseph Ki-Zerbo (2006) critica esse uso político da língua e ressalta a
importância de valorizar as línguas maternas africanas na escola. Para ele, o problema
das línguas

é fundamental, porque diz respeito à identidade dos povos. E a


identidade é necessária, tanto para o desenvolvimento quanto para a
democracia. As línguas também dizem respeito à cultura, aos
55

problemas da nação, à capacidade de imaginar, à criatividade. Quando


falamos numa língua que não é originalmente a nossa, exprimimo-nos
de forma mecânica e mimética, salvo exceções [...] não fazemos mais
do que imitar. Mas, quando nos exprimimos na nossa língua materna,
a imaginação liberta-se (KI-ZERBO, 2006, p.73).

Por essa razão, a UNESCO produziu um documento que mostra as diretrizes da


política da educação multilíngue e multicultural que os países africanos deveriam
adotar. Os países africanos, segundo a UNESCO (2010, p.4), devem:

definir uma política linguística e educativa que explicite a favor das


línguas africanas; tomar em conta as línguas africanas nos textos
legislativos (constituição, leis, decretos, etc); introduzir as línguas em
exames e concursos oficiais; utilizar as línguas africanas na
administração, na justiça, nas mídias e no ensino; cultivar a vontade
política de promover uma política de educação multilíngue e
multicultural.

Vale recordar que é desde a década de 1980 que a Declaração Universal dos
Direitos Linguísticos (UNESCO, 1986) recomenda que os direitos linguísticos sejam
considerados direitos fundamentais do homem.
Por sua vez, trazemos a perspectiva intercultural de educação para esse debate,
destacando a sua relevância para o sistema de ensino num país culturalmente
diversificado como a Guiné-Bissau.

2.1.4 Educação intercultural como referencial teórico

Em um país multiétnico como a Guiné-Bissau, onde convivem mais de vinte


grupos étnicos, seria ilusório esperar que um sistema do ensino distante dessa realidade
sociocultural gerasse resultados positivos. Ignorar esse problema significa legitimar a
discriminação, ou seja, privilegiar um grupo em detrimento de outros, fato esse que
infelizmente gera desigualdade social e conflitos sociais latentes.
Para reduzir esses problemas sociais, nada é melhor de que adotar um sistema de
ensino adequado a essa diversidade. Sendo assim, a perspectiva intercultural da
educação é, para nós, a mais viável para uma sociedade diversificada como essa, na
medida em que essa perspectiva tem como desafio, não apenas reconhecer as diferenças,
como também promover as interações entre diferentes grupos socioculturais presentes
em uma determinada sociedade (CANDAU, 2012).
56

Nessa mesma linha de raciocínio, Fleuri (2012, p. 21) considera que o desafio da
interculturalidade é o de “reconhecer as diferenças entre os agentes socioculturais no
mundo contemporâneo e de potencializar a conexão crítica, criativa e decolonial entre
seus respectivos contextos”.
De acordo com o autor, a educação intercultural consiste basicamente em:

Pensar a diversidade a partir da compreensão e do respeito à diferença


e à paridade de direitos. Pensar, agir e viver a partir de uma
perspectiva intercultural transpõe a descoberta de si mesmo e do
outro; requer ações pensadas e executadas de maneira interativa,
respeitosa, solidária, afetiva, sensível e prospectiva com vistas à
justiça e à equidade social (FLEURI, 2012, p. 17).

Walsh (2001) foi mais fundo no assunto, descrevendo a perspectiva intercultural


de forma mais crítica. Para a autora, a interculturalidade significa:

 Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e


aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade
mútua, simetria e igualdade.
 Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos,
saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um
novo sentido entre elas na sua diferença.
 Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades
sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da
sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e
confrontados.
 Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade,
que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta
criar modos de responsabilidade e solidariedade.
 Uma meta a alcançar. (Walsh, 2001, p. 10-11).

Nesse sentido, a educação intercultural visa, fundamentalmente, trabalhar as


questões relativas ao reconhecimento e à valorização das diferenças culturais nos
contextos escolares. Fato que faz dessa perspectiva ser “a mais adequada para a
construção de sociedades democráticas que articulem políticas de igualdade com
políticas de identidade e reconhecimento dos diferentes grupos culturais” (CANDAU,
2012, p. 243).
Apesar da sua controvérsia, a perspectiva intercultural da educação tem ganhado
grande impulso atualmente, especialmente nos países compostos pela diversidade
cultural. Citamos a título de exemplo, países latino-americanos, nos quais o tema da
educação intercultural tem sido a pauta, tanto nas instituições de tomada de decisão,
quanto nas de pesquisa, quais sejam: nas agendas dos movimentos sociais, nos debates
57

acadêmicos, nas audiências públicas nas câmaras dos vereadores e deputados, como nas
deliberações referentes a políticas públicas para educação (WALSH, 2001; QUEIROZ,
2007; CANDAU; RUSSO, 2010; CANDAU, 2012; FLEURI, 2012).
Falando a esse respeito, Queiroz (2007, p. 21-22) afirma o seguinte:

Desde que o termo foi cunhado na região, a aceitação da noção


transcendeu o âmbito dos programas e projetos referidos aos indígenas
e hoje um número importante de países, do México à Terra do Fogo,
veem nela uma possibilidade de transformar tanto a sociedade em seu
conjunto como também os sistemas educativos nacionais, no sentido
de uma articulação mais democrática das diferentes sociedades e
povos que integram um determinado país. Desde este ponto de vista, a
interculturalidade supõe agora também abertura diante das diferenças
étnicas, culturais e linguísticas, aceitação positiva da diversidade,
respeito mútuo, busca de consenso e, ao mesmo tempo,
reconhecimento e aceitação do dissenso, e na atualidade, construção
de novos modos de relação social e maior democracia.

Candau e Russo (2010) defendem a tese de que:

A educação intercultural na América Latina tem uma trajetória própria


e bastante original. Emerge das preocupações com a educação escolar
dos grupos indígenas, constituindo esta sua matriz de origem.
Também contribuem para o aprofundamento e enriquecimento da
perspectiva intercultural, na nossa leitura, as lutas e propostas dos
movimentos negros organizados presentes em diferentes países do
continente, assim como as múltiplas experiências de educação popular
(CANDAU; RUSSO, 2010, p. 267).

Ainda essas autoras consideram que:

Em diferentes países, a interculturalidade foi assumida por políticas


públicas distintas, particularmente no âmbito educacional, mas, em
geral, essa incorporação se deu na lógica da integração ao modelo
social e econômico hegemônico. A perspectiva crítica, em suas
diferentes configurações, tem assumido a educação intercultural como
um componente importante dos processos de transformação social e
construção de democracias em que a redistribuição e reconhecimento
se articulem. Destacamos nesta perspectiva e proposta de uma
educação intercultural crítica e de-colonial por considerá-la de
especial significado para os debates em curso no continente
(CANDAU; RUSSO, 2010, p. 267).

De acordo com as duas autoras:

Ao longo de 1980 e 1990, onze países latino-americanos


reconheceram em suas Constituições o caráter multiétnico,
pluricultural e multilíngue de suas sociedades. Como consequência,
58

políticas públicas na área educativa precisaram contemplar as


diferenças culturais. Nesse sentido, as diferentes reformas na área de
educação incorporam a perspectiva intercultural, seja como um dos
eixos articuladores dos currículos escolares, seja introduzindo
questões relativas às diferenças culturais como temas transversais
(CANDA; RUSSO, 2010, p. 263).

Estabelecendo diálogo com esses autores, defendemos a interculturalidade como


projeto coletivo, o que implica a construção de pontes dialógicas entre as diferentes
culturas. Nesse sentido, a perspectiva intercultural da educação seria, no nosso ponto de
vista, a mais adequada para Guiné-Bissau, tendo em conta a diversidade cultural
existente no país e na medida em que essa perspectiva visa estabelecer inter-relação e
interação entre diferentes segmentos socioculturais, com base no respeito à diversidade
cultural e às diferenças.
Porém, desde a independência até hoje, não houve uma perspectiva educacional
que levasse em consideração a diversidade cultural no sistema de ensino guineense. A
elite política guineense (CARDOSO, 2010), que dirigiu a luta de libertação e conduziu
o processo político de construção nacional após a independência (na sua maioria
assimilada à cultura do conquistador), optou por adotar e promover um sistema de
ensino estranho à realidade sociocultural da Guiné-Bissau.
É um sistema homogêneo, baseado no legado cultural do conquistador
português, principalmente, a sua língua, que é praticamente desconhecida pela maioria
dos alunos guineenses. O referido sistema trata alunos como sendo todos iguais,
negando às suas diferenças, suas diversidades culturais e suas línguas maternas. Esse
sistema prevalece até hoje.
Entretanto, numa sociedade multicultural, um sistema desse não teria outro
resultado a não ser a segregação social, ou seja, a discriminação e exclusão de um grupo
social do sistema de ensino em benefício de outro. Por exemplo, a sociedade guineense
considera incapazes os alunos que não dominam a língua portuguesa (oficialmente
considerada a única de ensino) e, como consequência disso, enfrentam dificuldades na
escola. Mas as perguntas que devem ser feitas são: como esses alunos terão êxito na
escola se a língua de ensino não é a sua língua dominante, isto é, a sua língua materna,
que ele fala regularmente? O fato de o aluno apresentar dificuldades na escola é culpa
dele ou dos governantes que impuseram e mantiveram a língua desconhecida pela
maioria dos alunos guineenses como a única do ensino?
59

Desde a independência do país até hoje, fala-se muito em fracasso ou insucesso


escolar e, em muitos casos, o aluno é acusado como o principal responsável disso, sendo
julgado como incapaz, desinteressado, preguiçoso, entre outros adjetivos. Mas, na nossa
leitura, essa responsabilidade não é do aluno e, sim, dos governantes que adotaram um
sistema do ensino estranho à realidade sociocultural do país. O aluno é quem sofre
diretamente as consequências provocadas pelo referido sistema.
Outro ponto importante a destacar é que a elite política guineense promoveu, via
sistema de ensino, um processo de extinção das múltiplas identidades existentes no país
(diversas identidades étnicas), em nome de uma única identidade nacional, que é mal
concebida e mal interpretada. O principal objetivo dessa última é produzir o processo de
invisibilização da diversidade cultural e as diferenças existentes na sociedade em geral e
na escola em particular.
Esse processo de negação ou invisibilização das identidades étnicas a favor da
identidade nacional está presente hoje no imaginário de muitas pessoas em Bissau,
principalmente, aquelas que se autoproclamam “civilizadas”. Ou seja, quanto mais a
pessoa se identifica como guineense sem se referir a nenhum pertencimento étnico, a
sua atitude é considerada politicamente correta. Ao contrário, quanto mais uma pessoa
vincula sua identidade a um determinado grupo étnico, mais ela é considerada tribalista.
Queremos com isso mostrar o quanto a educação ou um sistema de ensino pode
ser usado para alienar a mente humana. Mas se a educação pode ser usada para negar a
diferença e legitimar as igualdades, ela pode ser usada também para promover o
reconhecimento, o respeito, a valorização da diferença e diversidade humana, com vista
a incentivar a convivência mútua entre diferentes grupos socioculturais, como também
para enfrentar todos os conflitos sociais.
É nesse sentido que defendemos a adoção de perspectiva da educação
intercultural para o país, tendo como objetivo estabelecer a relação intercultural, na
escola. Relação essa pautada no respeito mútuo, no reconhecimento e respeito à
diversidade cultural, respeito às diferenças existentes entre alunos, como também, na
valorização das experiências coletivas de cada grupo étnico.
Do mesmo modo, defendemos, também, as mudanças no currículo das escolas
de formação dos professores guineenses, adequando-o à perspectiva intercultural, como
também, preparar adequadamente os docentes, não apenas para respeitar e valorizar a
alteridade na escola, como também para ensinar seus alunos a respeitar ao “outro”,
respeitar à diferença, valorizar e encarar a diversidade como uma riqueza cultural.
60

Portanto, trabalhar com temas transversais como o da pluralidade cultural, o de


reconhecimento do “outro”, o diálogo entre diferentes grupos socioculturais, como
também, enfrentar os conflitos provocados pela assimetria de poder entre diferentes
grupos socioculturais é mais que necessário para o sistema do ensino guineense.

2.2 Caminhos metodológicos: pesquisa bibiográfica e documental, entrevista e


observação direta

Os caminhos metodológicos percorridos que permitiram a realização desse


trabalho basearam-se tanto nas pesquisas bibliográfica e documental como na de campo
(pesquisa etnográfica). A pesquisa bibliográfica e documental foi realizada mediante
análise de fontes documentais nacionais (da Guiné-Bissau) e internacionais, tais como:
livros, teses, dissertações, artigos, relatórios, trabalhos publicados nos jornais, nos sites,
nos blogs, em Organizações Não Governamentais (ONG) nacionais e internacionais que
atuam na Guiné-Bissau e outros documentos impressos e digitais.
A maior parte dos documentos nacionais analisados são artigos e relatórios
publicados na Revista SARONDA vinculada ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
(INEP), alguns dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística e Censo (INEC),
como também, trabalhos publicados no Jornal Nô Pintcha – a mais antiga imprensa
escrita do Estado da Guiné-Bissau e alguns relatórios conseguidos através de (ONG)
nacionais e internacionais que atuam na área da educação, tais como: a Fundação Fé e
Cooperação (FEC), Effective Intervention, Ação para o Desenvolvimento (AD) e
Tininguena.
Percebe-se que, nessa pesquisa, trabalhamos com poucos documentos oficiais,
tais como: projetos políticos pedagógicos; os planos curriculares da primeira à quarta
classe (série); relatórios sobre política e planejamento linguístico; relatórios sobre a
situação da língua portuguesa no ensino no país; relatórios sobre situação do ensino em
geral, entre outros. Isso porque, além desses documentos serem pouco divulgados no
site oficial do governo ou quase não divulgado, não conseguimos obter tais documentos
no Ministério da Educação e no Instituto Nacional para Desenvolvimento da Educação
(INDE), pois apesar de termos feito pedido por escrito com assinatura do meu
orientador e de termos apresentado a carta feita com chancela da UNESP, especialmente
do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, solicitando as instituições
governamentais da Guiné-Bissau para que facultassem os documentos oficiais que o
61

pesquisador precisasse e que seriam usados para fins meramente acadêmicos, não
conseguimos ter sucesso. Fomos submetidos a um insuportável processo burocrático de
aguardar a decisão do diretor do ensino básico que estava de licença fora do país.
Depois de vencer essa etapa, fomos atrás e pediram de novo para fazer outra carta para
o Ministro que até hoje não tivemos seu retorno. Documentos oficiais que usamos
foram conseguidos graças aos trabalhos publicados, quais sejam: artigos, teses,
dissertações e relatórios que pesquisamos na internet.
Já a pesquisa de campo foi realizada na Guiné-Bissau, concretamente na região
de Tombali, setor de Catió. A pesquisa foi feita nas quatro (4) escolas, a saber: Ensino
Básico Unificado de Mato-Farroba (EBU DE MATO-FARROBA), Ensino Básico
Unificado de Cufar (EBU DE CUFAR), Escola de Autogestão de Mato-Farroba,
conhecida como Escola Tona Namone (EAG TONA NAMONE) e Escola de
Autogestão de Areia, chamada Escola Abêne (obrigado na língua balanta) (EAG
ABÊNE). As duas primeiras são do Estado e duas últimas funcionam em regime de
autogestão, ou seja, são fundadas e mantidas pela associação dos pais e encarregados da
educação, com o apoio das missões católicas. Mas, para facilitar a identificação dessas
escolas na análise de dados acrescentamos os números1 e 2 nos nomes das referidas
escolas, como se segue: (EBU-1 DE MATO-FARROBA); (EAG-1 TONA NAMONE);
(EBU-2 DE CUFAR ) e (EAG-2 ABÊNE).
A escola (EBU-1 DE MATO-FARROBA) localiza-se na tabanca de Mato-
Farroba, situada a 12 quilômetros da cidade de Catió – a capital da região de Tombali. É
uma escola pública, mas, como muitas outras, ela está abandonada à própria sorte, pois
nela há falta de recurso em todos os sentidos, desde insfraestrutura que está em estado
avançado de degradação, não há praticamente materiais didáticos para alunos e
professores, como também, falta de professores.
Devido à falta de professores para dar cobertura a todas as escolas estatais,
obrigou os pais e encarregados da educação das crianças a contratar alguns jovens dessa
tabanca e das outras vizinhas que terminaram ensino médio como professores, a quem
são pagos pelos próprios pais e encarregados dessas crianças. Entrentanto, alguns pais
não cumprem com esse dever, fato que desmotiva esses professores a ponto de alguns
não comparecerem todos os dias na escola.
Por outro lado, as escolas do Estado da Guiné-Bissau vivem quase sempre em
greves, porque os professores passam meses sem ver o pagamento dos seus salários.
Assim, eles aparecem nas aulas quando os convêm. A título de exemplo: das várias
62

vezes em que eu fui fazer a pesquisa nessa escola, encontrava apenas um professor
dando aulas para duas ou três turmas ao mesmo tempo. Ele entrava numa turma passava
apontamento no quadro e se dirigia para outra, assim sucessivamente.
Inclusive, fiz várias tentativas sem sucesso, para depois conseguir fazer uma
entrevista com o Diretor dessa escola, visto que ele se encontrava sempre ausente. Na
entrevista, ele mesmo justificou a sua ausência, pois não se sente motivado para
trabalhar, porque além de não ser pago seu salário regularmente, a escola encontra-se
praticamente abandonada pelo governo. Essa situação chega ao ponto de ele mesmo
tirar dinheiro do seu bolso para comprar cadeados para as portas da escola, além de
outras reparações custeadas por ele.

Foto 3: Escola EBU-1 DE MATO-FARROBA

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 4: Turma de 1ª- classe (A)

Fonte: NAMONE, 2019


63

Foto 5: Turma de 1ª- classe (B)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 6: Turma de 2ª- classe

Fonte: NAMONE, 2019

A escola (EAG-1 TONA NAMONE) também fica localizada na tabanca de


Mato-Farroba. É uma escola de autogestão que trabalha com ensino bilíngue (Crioulo –
português), cujos professores são colocados pelo Ministério da Educação, mas pagos
pelos pais e encarregados da educação das crianças e pela missão católica de Catió. De
64

acordo com o diretor da escola (Nghala Na Lana), 75% dos salários são pagos pelos pais
e 25% pela Missão Católica. Nessa escola, as aulas funcionam regularmente durante
todo o ano letivo e os professores não costumam faltar. Embora todos esses professores
não tivessem formação docente, são dados cursos de capacitação na área de LP e de
didática, pela ONG portuguesa: Fundação Fé e Cooperação (FEC).

Foto 7: Escola de EAG 1 TONA NAMONE

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 8: Turma de 1ª classe

Fonte: NAMONE, 2019


65

Foto 9: Turma de 2ª classe

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 10: Turma de 3ª classe

Fonte: NAMONE, 2019

A escola (EBU-2 DE CUFAR) fica localizada na tabanca de Cufar, situada à 10


quilômetros de Catió. É uma escola do Estado que funcionou como Centro de Formação
Popular Integrado (CEPI) nos finais da década de 1970 e meados de 1980. Apesar de
ser uma escola estatal com as mesmas características que a EBU DE MATO-
FARROBA, os seus professores são mais empenhados, não só devido a seus esforços
66

pessoais como também graças ao apoio dos pais e encarregados da educação das
crianças que pagam salários antecipadamente. Essa escola conseguiu também apoio de
Projetos de Desenvolvimentos Dirigidos pelas Comunidades (PDDC) financiado pelo
Banco Mundial, o que resultou na construção de mais dois pavilhões e uma sala para os
professores e refeitório. Esses tipos de iniciativas, segundo o Diretor dessa escola
(Quinito Gomes), dão mais motivação para professores continuarem a trabalhar.

Foto 11: Escola EBU-2 DE CUFAR

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 12: Escola EBU-2 DE CUFAR (novo pavilhão)

Fonte: NAMONE, 2019


67

Foto 13: Turma de 1ª- classe

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 14: Turma de 2ª- classe

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 15: Turma de 3ª- classe

Fonte: NAMONE, 2019


68

A escola (EAG-2 ABÊNE) se encontra na tabanca de Areia, localizada a 2


quilômetros de Catió. É uma escola de autogestão que trabalha com ensino bilíngue
(Crioulo – Português), cujos professores também são colocados pelo Ministério da
Educação, mas pagos pelos pais e encarregados da educação das crianças e pela missão
católica de Catió. O diretor dessa escola (Sulnate Na Bagh) explica que 75% dos
salários são pagos pelos pais e encarregados da educação das crianças e 25% pela
Missão Católica. Sendo assim, de acordo com o diretor, as aulas funcionam sem
interrupção e os professores são presentes durante todo o ano letivo e são dedicados às
suas funções. Importa assinalar que nenhum professor tem formação docente nessa
escola, porém todos recebem cursos de capacitação de três anos pela ONG portuguesa:
Fundação Fé e Cooperação (FEC), na área de LP e didática.

Foto 16: Escola EAG-2 ABÊNE

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 17: Turma de 1ª classe

Fonte: NAMONE, 2019


69

Foto 18: Turma de 2ª classe

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 19: Turma de 3ª classe

Fonte: NAMONE, 2019

A pesquisa de campo baseou-se em dois procedimentos metodológicos, a saber:


a) Entrevista realizada com 16 estudantesde de 1ª à 4ª classe [série], 8 professores
desses níveis de ensino, 2 especialistas em educação (um com mestrado em educação e
outro com especialização em psicopedagogia) e 1 especialista em linguística (língua
70

portuguesa); 17 homens e 17 mulheres da etnia Balanta Nhacra, inclusive anciãos e


anciãs.
É de se salientar que os nomes dos alunos, professores e especialistas em
educação e em linguística são mantidos em sigilo, com vista a preservar suas
identidades. No entanto, criamos códigos que nos permitem identificar o membro de
cada grupo, como se segue no quadro abaixo. Ao passo que os nomes dos homens e das
mulheres Balantas-Nhacra entrevistados não são mantidos em sigilo, visto que eles
sugeriram que fossem identificados.

Quadro 1: Código dos alunos, professores e especialistas entrevistados

Código dos alunos Código dos professores Código dos especialistas


Aluno EBU1-1; Aluna EBU1-2; Prof. EBU1-1; Prof. EBU1-2; DRE/C1; DRE/C2;
Aluno EBU1-3; Aluna EBU1-4; Profa. EAG1-1; Prof. EAG1-2; ESP/FEC1.
Aluno EAG1-1; Aluna EAG1-2; Prof. EBU2-1; Prof. EBU2-2;
Aluno EAG1-3; Aluna EAG1-4; Profa. EAG2-1; Profa. EAG2-
Aluno EBU2-1; Aluna EBU2-2; 2.
Aluno EBU2-3; Aluna EBU2-4;
Aluno EAG2-1; Aluna EAG2-2;
Aluno EAG2-3; Aluna EAG2-4.

Fonte: NAMONE, 2019

b) Observação direta que foi realizada tanto dentro das salas de aulas, como no
recinto escolar, tendo como intuito identificar como os estudantes e seus respectivos
professores lidam com a língua portuguesa (LP), a língua crioula (LC) e as línguas
étnicas, através da sua participação na aula, sua interação aluno/a e professor/a, como
também de alunos/as entre si.
Dos 16 estudantes entrevistados, 13 são da etnia Balanta-Nhacra, número que
corresponde a 81,25% e outros 3 são das etnias: Bafada, Fula e Nalu respectivamente,
correspondendo a 6,25% cada (cf. quadro 3 e gráfico 2 abaixo). Escolhemos
aleatoriamente 4 (quatro) estudantes por escola, sendo um por cada nível de
escolaridade. Desse total, oito (8) são do sexo masculino e oito (8) do sexo feminino.
71

Quadro 2: Grupo étnico a qual pertencem os estudantes entrevistados

Balanta Beafada Fula Nalu Total


13 1 1 1 16

Fonte: NAMONE, 2019

Gráfico 2: Percentagem dos estudantes entrevistados por grupo étnico.

Fonte: NAMONE, 2019

As entrevistas feitas com os alunos/as têm como objetivo analisar as


consequências da LP na sua trajetória escolar. Isto é, se eles/elas dominam essa língua a
ponto de conseguirem argumentar oralmente e por escrito ou não. Para tal, procuramos
saber qual é a língua materna - LM/L1, a língua segunda – L2 e a língua terceira – L3 de
cada um/uma deles/delas. Como também, a língua que falam em casa, na escola e com o
professor na sala de aula. (cf. Apêndice 3).
Além disso, também entrevistamos 8 (oito) professores, sendo dois por escola.
Desse total, 4 (50%) são da etnia Balanta, 3 (37,5%) da etnia Bijagó e 1 (12,5%) da
etnia Beafada.
72

Gráfico 3: Professores entrevistados por grupo étnico

Fonte: NAMONE, 2019

Desses 8 (oito) professores, 5 (62,5%) são do sexo Masculino e 3 (37,5%) do


sexo feminino, conforme demonstra o gráfico a seguir. Tentamos estabelecer a equidade
de sexo, mas acontece que nessas escolas a maioria dos professores é do sexo
masculino. Fato que talvez tenha sido causado devido a pouca participação feminina na
escola no país, principalmente nas zonas rurais. Muito embora, atualmente, essa
participação esteja crescendo paulatinamente.

Gráfico 4: Professores entrevistados por sexo

Fonte: NAMONE, 2019


73

O objetivo pretendido com os professores e com os especialistas em educação e


em linguística é para nos relatarem, através da sua experiência de vida, quando eram
alunos e agora como professores e funcionários na área da educação, como avaliam o
impacto da LP no país, especialmente na trajetória escolar dos alunos da região de
Tombali, em particular os da etnia Balanta. Para tal, perguntamos, especialmente, aos
professores, a língua que falam com seus alunos na sala de aula, a língua que estes
falam entre si e a que alunos fazem as provas. Além disso, indagamos sobre quais são
os pontos de vistas desses professores e desses especialistas acerca da implementação
das línguas étnicas, da língua crioula no ensino, como também se os valores culturais do
país devem ser ensinados na escola ou não. (cf. Apêndice 1, e Apêndice 2).
Do total de 17 homens grandes entrevistados, 8 são da Tabanca Mato-Farroba, 7
de Gantone e 2 da ilha de Komo. Ao contrário, todas as 17 mulheres grandes
entrevistadas são de Mato-Farroba – tabanca natal do pesquisador. O que facilitou os
contatos com elas, graças à ajuda da minha madrasta, a quem agradeço imensamente.
Tentamos entrevistar as mulheres das outras duas tabancas acima referidas, mas foi
difícil contatá-las para uma entrevista coletiva. É de pontuar que não poderíamos
entrevistá-las individualmente, pois além de isso levantar a suspeita de cobiça às
mulheres dos outros, esse tipo de atitude é visto pelos Balantas como falta de respeito.
Sendo assim, essa entrevista teria que ser em grupo, o que não conseguimos fazer, pois
essas tabancas são um pouco distantes de Mato-Farroba, na qual residíamos, fato que
não facilitou os contatos.
Essa entrevista teve como objetivo saber como funciona a educação entre os
Balantas-Nhacra, as suas práticas culturais, sejam elas materiais e imateriais ( tais como,
a lavoura na bolanha, o corte de arroz, o chute de arroz, o corte de palha, a pesca, as
crianças cuidando das vacas – Bidogn ne Nhare, a luta corporal entre elas, a
aprendizagem das meninas na tarefas domésticas – varrer, apanhar lixo, lavar a louça,
pilar arroz, carregar arroz, as mulheres plantando arroz, as mulheres na fabricação de sal
de cozinha, realização de ritos de iniciação – Nhaé, Nhes, Fanado/Fóo, Iegle, dentre
outras práticas).
Para essas entrevistas, elegemos a história de vida (HV) como metodologia,
pois, de acordo com Minayo (1993), a história de vida tem como principal função
retratar as experiências vivenciadas por pessoas, grupos ou organizações. Segundo a
autora, existem dois tipos de HV: a completa, que retrata todo o conjunto da experiência
vivida e a tópica, que focaliza uma etapa ou um determinado setor da experiência em
74

questão (MINAYO, 1993). Nesta pesquisa, optamos pela segunda, visto que precisamos
recolher relatos dos nossos informantes especificamente sobre a questão da educação,
seja escolar ou da tradição.
Fizemos entrevistas semiestruturadas com o intuito de permitir que os nossos
informantes se sintam à vontade para expor as suas ideias de forma livre, visando
responder as questões previamente definidas no roteiro, embora, sendo aplicadas com
base numa conversa informal. Assim, o pesquisador poderia intervir ao longo da
entrevista para direcioná-la ao seu objetivo, apenas quando fosse necessário. Segundo
Boni & Quaresma (2005, p. 75), “esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se
deseja delimitar o volume das informações, obtendo assim um direcionamento maior
para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados”.
Contudo, é bom deixar claro que não conseguimos ter êxito nesse sentido, com
os homens grandes e as mulheres grandes12 Balantas-Nhacra que entrevistamos. Ou
seja, sentimos muitas dificuldades de delinear as respostas, ou intervir ao longo da
entrevista para direcioná-la ao nosso objetivo, como sugerem (BONI & QUARESMA,
2005), pois, para os Balantas-Nhacra, interromper ou cortar palavra a pessoa para
perguntar outra coisa ou pedir que seja resumida, além de ser uma falta de respeito, se
deve entender que a resposta de qualquer pergunta tem um fato histórico por traz dela.
Posto que eles/elas não respondiam a pergunta diretamente, faziam uma retrospectiva
histórica, explicando cenários históricos dessa pergunta e muitas vezes não chegavam a
dar as respostas específicas que almejávamos. Fato que nos causou dificuldades para
resumir as ideias expressas em cada resposta.
As entrevistas foram gravadas com os seguintes materiais: uma câmera
fotográfica marca SONY CYBER-SHOT de 16.1 MEGA PIXELS, um telemóvel
(celular) marca SONY XPERIA e um segundo telemóvel marca SAMSUNG-313
ML/DS.
A seção a seguir traz a descrição e a análise historiográfica, antropológica e
sociológica sobre: 1) a Guiné-Bissau antes e após a chegada dos portugueses; 2) a
educação levada a cabo pelos invasores portugueses (doravante educação lusa ou ensino
luso) e o impacto da língua portuguesa no referido país; 3) a luta de independência e a
educação das zonas libertadas: impacto da língua portuguesa.

12
Os termos homem grande e mulher grande (em balanta Alante Ndan ou Amin Ndan) são formas de
tratamentos usados pelos Balantas-Nhacra para se dirigir a um humem ou a uma mulher que passou pelo
último rito de iniciado, principalmente, um ancião ou uma anciã.
75

Com o objetivo de situar o leitor sobre o espaço geográfico em estudo (Guiné-


Bissau), seria de fundamental importância trazer uma breve descrição geográfica e
histórica da região norte da costa ocidental africana, antes e após a Conferência de
Berlim, realizada entre 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885.13

13
A Conferência de Berlim contou com a participação de países europeus (Alemanha, Áustria, Hungria,
Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Países Baixos, Portugal, Rússia e
Suécia) e também com o Império Otomano e com os Estados Unidos. O objetivo declarado era o de
"regulamentar a liberdade do comércio nas bacias do Congo e do Níger, assim como novas ocupações de
territórios sobre a costa ocidental da África. (cf:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Berlim. Acesso em 04 de julho de 2018).
76

3. GUINÉ ANTES E APÓS A CHEGADA DOS PORTUGUESES

3.1 Alta Guiné: situação geográfica e sua breve história

A região conhecida como Alta Guiné, localiza-se no litoral norte da costa


ocidental africana. Sua extensão territorial inicia-se na foz do rio Gambia até o rio
Badama – um dos mais extensos da Costa do Marfim (PERSON, 2010). Atualmente,
nessa região, encontram-se os seguintes países: Cabo-Verde, Senegal, Gambia, Guiné-
Bissau, Guiné-Conacri, Serra Leoa, Libéria e Costa do Marfim.

Mapa 3: Mapa da alta Guiné

Fonte: https://suburbanodigital.blogspot.com/2015/04/mapa-da-guine-bissau.html

A região é rica em recursos naturais: vários tipos de minérios, florestas densas e


savanas com diversos tipos de animais em abundância. Além disso, por ser litoral,
facilita a navegação e a prática de atividades comerciais: escoamento de produtos
comerciais para outros continentes. Não é à toa que essa região foi palco de disputas
entre países imperialistas europeus, fato que, somado a outros, ocasionou a realização
da Conferência de Berlim (HERNANDEZ, 2005; KERR, 2013). O seu interior é
caracterizado por florestas e savanas, com condições climáticas favoráveis à prática de
agricultura e de criação de gado. Segundo Person (2010, p. 337), “essa parte da costa e
77

seu interior ficaram fora da área de interesse de viajantes e autores árabes”. Muito
embora o autor admita que “é provável que desde a época do Império de Gana 14
existissem relações comerciais entre a savana e as regiões cobertas de florestas”
(PERSON, 2010, p. 337). O interior dessa região também foi tardiamente e
precariamente ocupado pelos conquistadores europeus. Por outro lado, a região é
caracterizada pela fragmentação da população em vários grupos étnicos, alguns com
estruturas sociais e práticas culturais semelhantes e outros apresentam essas
características totalmente diferentes.
A tradição oral é uma realidade fortemente presente nessa região, desde os
tempos primordiais até hoje. Ela se realiza através de ritos de iniciação, de contos, de
provérbios, de instrumentos musicais, como o tambor, o bombolom (tambor feito de
tronco de árvore – muito usado pela etnia Balanta) e de outras diversas literaturas orais
que são praticadas de diferentes formas dependendo dos grupos étnicos.
É de salientar que grande parte da população dessa região resistiu fortemente à
conquista e à dominação portuguesa, como os Balantas da Guiné-Bissau, chamados
pelos lusos de “rebeldes” por resistirem até o fim à sua dominação. Muitos grupos
étnicos não foram atingidos pela cultura portuguesa e mantiveram as suas práticas
culturais. Isso não quer dizer que não tenham sofrido mudanças e adaptações ao longo
do tempo por diversos outros fatores, entre os quais os impactos, mesmo que à
distância, dessa presença lusa no litoral.
Vale ressaltar que, antes da Conferência de Berlim, o continente africano não era
dividido entre países como ocorre atualmente. Se hoje existe a delimitação geográfica
de cada um dos países africanos, como é o caso da Guiné-Bissau, essa divisão
arbitrária15 resultou do evento acima referido. Apesar de ser um assunto polêmico, que
merece debate profundo, o nosso objetivo aqui é fazer uma breve contextualização
histórica da região que é a atual costa ocidental africana, especialmente a chamada “Alta
Guiné”, região na qual se encontra a Guiné-Bissau. A proposta, portanto, é a de traçar
um panorama histórico da chegada dos conquistadores portugueses neste último
território e as atividades que ali praticaram até a saída forçada em 1974.

14
Império do Gana, Reino do Gana ou Império de Uagadu, foi um antigo império que dominou a África
Ocidental durante a Idade Média. Localizava-se entre o Deserto do Saara e os rios Níger e Senegal,
muitos quilômetros ao norte do atual país chamado Gana. Este Império foi destruído pelo Império Mali.
15
Usamos o termo “arbitrária” porque julgamos que a divisão do continente africano pelos imperialistas
coloniais violou gravemente as fronteiras étnicas e a forma de vida dos seus habitantes.
78

Antes da Conferência de Berlim, a região denominada na literatura


historiográfica de “Sudão Ocidental”, conhecida atualmente como Costa Ocidental
da África era dominada pelos grandes Impérios e Reinos que se sucederam desde os
tempos recuados da história desse continente, especialmente, a partir da Idade Média até
praticamente o século XIX. Os mais importantes deles são:
a) Império de Gana, conhecido também como Reino do Gana ou Império de Uagadu,
que atingiu seu apogeu entre os anos de 700 e 1200 da Era Cristã, cuja Capital era
Kumbi Saleh, e o seu rei era Kaya Maghan Sisse16.

Mapa 4: Império de Gana

Fonte: KI-ZERBO, 1990 apud, COSTA, 2011

b) Império de Songai ou Songhai (conhecido também como Gao, nome de sua


capital). Localizava-se na região central do atual Mali e se estendeu para oeste em
direção à costa atlântica e para leste atingindo o Níger e a Nigéria.

16
Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_do_Gana. Acesso em 04 de setembro de 2018.
79

Mapa 5: Império de Songai

Fonte: KI-ZERBO, 1990 apud, COSTA, 2011.

Songai controlou o comércio na maior parte da África Ocidental durante o


século XV e XVI. Este império foi dominado pelo Império de Mali em 1325, após
cinquenta anos Songai conquistou a independência e Sonni Ali se tornou imperador em
1464, conquistou as cidades de Tumbuctu, Jenne e outras cidades vizinhas e reconstruiu
o Império. De se referir que Songai foi um estado responsável pela grande civilização
da África Ocidental, a título de exemplo citamos a cidade de Tumbuctu – na língua
songai. A cidade de Tumbuctu é a sede de uma das mais antigas e reconhecidas
Universidades do mundo 17, como se pode ver nas duas fotos que seguem:

Foto 20: Universidade de Tumbuctu

Fonte: https://jornalggn.com.br/noticia/a-cidade-de-timbuktu-e-a-primeira-universidade-do-
mundo. Acesso em 5 de mar. de 2018.

17
Cf. https://jornalggn.com.br/noticia/a-cidade-de-timbuktu-e-a-primeira-universidade-do-mundo. Acesso
em 5 de mar. de 2018.
80

Foto 21: Centro de aprendizagem e escritos medievais da Universidade de Tumbuctu

Fonte: https://jornalggn.com.br/noticia/a-cidade-de-timbuktu-e-a-primeira-universidade-do-
mundo. Acesso em 5 de mar. de 2018.

a) Um dos Impérios africanos com maior posição de destaque é o Império do


Mali: um estado grande e rico que existiu na África Ocidental do século XIII ao XVI ,
especificamente, entre 1235 a 1600. Mali expandiu-se a partir de um pequeno reino
chamado Cangaba, às margens do rio Níger, para uma vasta área que incluía algumas
das mais importantes regiões comerciais da época.

Mapa 6: O Império de Mali

Fonte: KI-ZERBO, 1990 apud, COSTA, 2011

O Mali era um reino do povo Malinkés (da etnia Mandinga), cujo fundador foi
Sundyata Keita. Ele assumiu o poder em Cangaba, por volta de 1230, e começou a
conquistar as terras ao redor, que eram ricas em minerais valiosos como ouro e sal. O
81

comércio e a mineração de ouro foram responsáveis pela riqueza do Mali. O império


alcançou o auge no início do século XIV, durante o governo de Mansa (rei) Kankou
Moussa, que se converteu ao Islão. Em sua peregrinação a Meca, esse soberano fez-se
acompanhar de uma comitiva com 15 mil servos, cem camelos e expressiva quantidade
de ouro. Em seu retorno, determinou a construção de escolas islâmicas na cidade de
Tumbuctu. Esse próspero centro comercial tornou-se também um centro de estudos
religiosos18.
É importante ressaltar que essa história foi preservada e transmitida, sobretudo
via tradição oral, graças ao trabalho de Griots – contadores de histórias. O griot é um
mediador dentro da sociedade africana, especialmente na África subsaariana. Ele
resolve conflitos e leva à calma. Ademais, é músico, cantor, contador de histórias,
dançarino, um organizador das cerimônias sociais que utiliza a palavra como seu
principal instrumento. São aqueles que percorrem as tabancas (aldeias) transmitindo aos
nativos os dados fundamentais da sua história.

Foto 22: Griot: o contador de história da tradicação oral

Fonte: Disponível em:


https://www.google.com.br/search?biw=1360&bih=657&tbm=isch&sa=1&ei=zLa0W8JGMPBwASUi6C
oBA&q=O+griot++imagem&oq=O+griot++imagem&gs_l=img.3...2089275.2093988.0.2095925.3.3.0.0.
0.0.187.337.0j2.2.0....0...1c.1.64.img..1.1.183...0j0i67k1.0.MeI7UsVJGio#imgrc=K82RpDVdzK1CmM.
Acesso em 20 de abril 2018.

18
Cf. https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20090709091800AAnIwhO.
82

Apesar de sua vastidão, o Império do Mali não era um estado unitário nem
homogêneo, era sim formado por reinos, cidades-estados e aldeias que obedeciam
conselhos de anciãos. Sendo assim, a expansão do Império do Mali em vários
kalifados/farins (reinos) – governados por mansas (reis em mandingas) – foi
responsável pelo surgimento do reino de Gabu, também conhecido por Kaabu, reino
mandinga que existiu entre 1537 e 1867 na região da Senegâmbia (especificamente, no
nordeste da atual Guiné-Bissau, mas estendendo-se à Casamansa, no Senegal). A sua
ascensão na região se deu graças às suas origens como antiga província do Império do
Mali. Após o declínio do Império do Mali, Gabú ou Kaabú tornou-se um reino
independente (LOPES, 1999). Segundo autor, o Reino de Kaabu foi derrubado pelos
fulas.

3.2 A chegada dos navegadores portugueses no território da Guiné-Bissau: a


educação lusa antes e após a Conferência de Berlim

A chegada dos portugueses no atual território da Guiné-Bissau divide as


opiniões entres os pesquisadores do tema. Uns acreditam que Nuno Tristão teria sido o
primeiro português a pisar em solo guineense (LOPES, 1982, 1987, 1999; MENDY,
1994; AUGEL, 2007); enquanto outros defendem que teria sido Álvaro Fernandes o
primeiro português a chegar nesse território a partir de Varela – litoral norte do país
(CAMPOS, 2013; SANTY, 2016). Apesar dessa divergência de opiniões, a primeira
versão é a que prevalece até hoje na história oficial do país. Nessa versão, segundo
Augel (2007), a chegada dos navegadores portugueses na costa da Guiné foi registrada
em 1446, quando Nuno Tristão vinha da costa senegalesa com destino ao litoral da costa
ocidental africana – no trecho que, mais tarde, veio a ser denominado pelos
conquistadores de “Província Portuguesa da Guiné”, ou “Guiné Portuguesa” (AUGEL,
2007).
É de se frisar que apesar desse território ter sido efetivamente ocupado quatro
séculos depois, isto é, no século XIX, desde 1550 até 1879, a “Guiné Portuguesa” (atual
Guiné-Bissau) era uma província de Cabo Verde, tendo ambos os territórios sido
governados por um único administrador, nomeado pelo governo português (CABRAL,
1978).
Depois da sua chegada, até meados do século XIX, os portugueses limitavam a
sua ocupação às cidades litorâneas, especificamente: “Ziguinchor, Farim, Cacheu, Geba,
83

estabelecendo trocas comerciais com os chefes locais”, através de comércio baseado no


tráfico de africanos escravizados, da costa da África para o continente americano. Esses
chefes locais (na sua maioria da etnia mandinga do Reino de Kabú), em contrapartida,
recebiam o pagamento em “armas de fogo, tecidos, bebidas alcoólicas” (PAIGC, 1974,
p.70). De acordo com o PAIGC (1974), essa relação comercial baseada na escravização,
base econômica do sistema colonial tradicional – que funcionou do século XVI até
meados do século XIX–, foi o principal instrumento de desagregação das sociedades
africanas e contribuiu para o aparecimento da sociedade capitalista na Europa.
Nessa primeira fase da conquista, a educação do regime imperialista na Guiné
Portuguesa era quase inexistente, pois funcionava de uma forma isolada, limitada aos
pouquíssimos nativos chamados de assimilados, ou seja, aqueles que mantinham
relação de proximidade com os invasores portugueses. No entanto, foi justamente com a
emergência de uma nova forma de conquista, conhecida ideologicamente como sistema
colonial contemporâneo, iniciada após a Conferência do Berlim (1884-1885), que essa
educação começa a ter maior visibilidade na Guiné Portuguesa, embora limitada como
antes aos assimilados, que recebiam apenas a instrução básica: ler, escrever e falar a
língua portuguesa (FURTADO, 2005).
É importante trazer brevemente algumas teorias e conceitos que sustentaram e
justificaram a invasão e a dominação imperialista europeia no continente africano,
especialmente após a Conferência de Berlim. As teorias de caráter cultural mais usadas
como justificativa da invasão dos impérios europeus sobre outros povos, especialmente
os africanos, são o Darwinismo social e o Etnocentrismo 19 (HERNANDEZ, 2005). No
que diz respeito especificamente aos conquistadores portugueses, essas duas teorias
foram fundamentais para justificar a sua ocupação e a tentativa de dominação nos
territórios que ocuparam em África.
Nesse sentido, a cultura europeia é vista pelos conquistadores como superior do
que a cultura africana, devendo o africano ser dominado e aculturado ao modelo
europeu. Portanto, o etnocentrismo baseava-se na crença de que a “civilização
ocidental”, composta por valores cristãos, tinha validade universal. Sendo assim, os

19
O Darwinismo social refere-se à “superioridade da raça branca” e à “inferioridade da raça negra” pela
grande dificuldade de os negros “apreenderem os valores próprios da civilização ocidental”. Dessa forma,
a “raça negra” teria de viver sob a tutela da “raça branca”, para não regredir ao “estado natural de
selvageria”. Enquanto o Etnocentrismo ocorre quando um indivíduo, um grupo ou uma determinada
sociedade se julga melhor ou pior do que outro, levando em comparação os padrões culturais ou a
condição social. Ou seja, a apreciação positiva ou negativa de padrões culturais do outro.
84

povos negros para ascender precisavam ser devidamente “educados”, cabendo à Europa
essa tarefa missionária (HERNANDEZ, 2005).
Essas teorias alimentaram as políticas educativas levadas a cabo pelos
imperialistas europeus na África. Contudo, é importante frisar que, devido à contradição
e à diversidade de ponto de vista dos próprios países europeus que se lançaram à
dominação dos povos africanos, essas políticas educativas foram definidas em duas
vertentes: a política de diferenciação, desenvolvida e praticada pelos impérios inglês e
alemão, e a política de assimilação, desenvolvida e praticada pelos impérios português,
francês e belga.
A política de diferenciação adotada, sobretudo pela Grã-Bretanha, embora, fiel
ao projeto civilizatório ocidental, que via a África como periférica, tinha
paradoxalmente dois pontos básicos: baseava-se em generalizar a civilização britânica,
por outro lado, defendia a manutenção e proteção das sociedades indígenas,
incorporando os representantes africanos (chefias tradicionais) na administração indireta
das colônias. Ao mesmo tempo, introduziam a educação britânica com o objetivo de
tornar os africanos aptos a entrar na economia moderna, com o objetivo de melhorarem
suas próprias sociedades. Essa perspectiva era sustentada pela convicção de que as
mudanças econômicas, sociais e políticas deveriam ser atreladas às próprias instituições
africanas, pois seria mais eficiente construir partindo das próprias noções tradicionais de
justiça e de ordem do que impor padrões europeus compreensíveis apenas por uma
minoria (HERNANDEZ, 2005).
Por sua vez, a política de assimilação, praticada especialmente por Portugal nas
suas colônias africanas, defendia estritamente os princípios tradicionais das histórias das
nações conquistadoras. Ela tinha também como objetivo “converter” gradualmente o
africano em europeu – português (ALMEIDA, 1981; HERNANDEZ, 2005). O que
significava que a organização, o direito consuetudinário e as culturas locais baseadas na
tradição oral deveriam ser transformados. Para isso, utilizavam o ensino da língua da
metrópole (aliás a única oficial), a religião e a moral cristãs, os costumes, a tradição
escrita e o modo de vida ligados à Europa, dividindo africanos entre “assimilados/
civilizados” e “indígenas / não-civilizados” (KI-ZERBO, 1999; HERNANDEZ, 2005).
A política de assimilação era baseada na ideia de que os africanos eram povos
incivilizados que se encontravam em estado de atraso e que deveriam ser gradualmente
arrancados da sua condição de “ignorância” e transformados em indivíduos
“civilizados”, racionais e respeitáveis, podendo assim adquirir o estatuto de cidadãos
85

portugueses (NAMONE, 2014). Essa forma de classificar alguns povos como


“civilizados” e outros como “incivilizados” nos coloca diante do desafio de analisar o
conceito de civilização. Segundo Norbert Elias (1990), o conceito de civilização refere-
se a uma grande variedade de fatos:

ao nível da tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos


conhecimentos científicos, às ideias religiosas e aos costumes [...] ao
tipo de habitações ou a maneira como homens e mulheres vivem
juntos, à forma de punição determinada pelo sistema judiciário ou ao
modo como são preparados os alimentos (ELIAS, 1990, p. 23).

De acordo com o autor, “nada há que não possa ser feito de forma ‘civilizada’ ou
‘incivilizada’. Daí ser sempre difícil sumariar, em algumas palavras, tudo o que se pode
descrever como civilização” (ELIAS, 1990, p. 23). Na nossa leitura, o conceito de
civilização tem uma conotação política, sobretudo, no pensamento ocidental. Essa
discussão está presente tanto na análise de Elias (1990) como na de Cuche (2002). Na
visão de Elias, o conceito de civilização:

expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo. Poderíamos


até dizer: a consciência nacional. Ele resume tudo em que a sociedade
ocidental dos últimos dois ou três séculos se julga superior às
sociedades mais antigas ou às sociedades contemporâneas “mais
primitivas”. Com essa palavra, a sociedade ocidental procura
descrever o que lhe constitui o caráter especial e aquilo de que se
orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o
desenvolvimento de sua cultura científica ou visão do mundo e muito
mais (ELIAS, 1990, p. 23).

Enquanto Cuche (2002) traz para debate a disputa político-ideológica, que


envolveu a Alemanha e a França, a respeito do termo “cultura/civilização”. O conceito
de cultura, que no vocabulário alemão é kultur, define a especificidade da cultura do seu
povo, vista pela elite intelectual dessa nação como autêntica, em oposição ao termo
civilização – no modelo francês. No vocabulário francês, o termo civilização é usado
para qualificar a supremacia da cultura francesa, entendida como a mais avançada,
tendo sido divulgada universalmente através da Revolução Francesa e do Iluminismo.
Como afirma Cuche (2002, p. 52), “a ideia da ‘cultura’ enquanto ‘civilização’ à moda
francesa participa do otimismo do momento, isto é, da Revolução Francesa, baseado na
confiança no futuro perfeito do ser humano”.
86

É de se salientar que o termo “cultura - civilização” no vocabulário francês é


associado à ideia iluminista de civilização universal, entendida no pensamento
iluminista como o processo de arrancar a humanidade da ignorância e da irracionalidade
em direção ao progresso evolutivo – à emancipação. Ou seja, a libertação do homem das
trevas em direção às luzes, ao esclarecimento (CUCHE, 2002). Segundo o autor, o
pensamento iluminista nasceu na Inglaterra, mas se desenvolveu na França, estendendo-
se pela Europa Ocidental, sendo universalmente difundido. É nesse sentido que o
conceito de “civilização”, no modelo francês, foi expandido a todos os povos do planeta
Terra, especialmente, no período de expansão marítima e do “descobrimento” das novas
terras pelos imperialistas europeus.
De acordo com o autor, a ideologia usada era de que se alguns povos estão mais
avançados do que outros, neste caso, se os franceses particularmente são mais
avançados, que já podem ser considerados como “civilizados”, todos os povos,
inclusive os mais “selvagens”, tem a vocação para entrar no mesmo movimento de
civilização, e os mais avançados têm dever de ajudar os mais atrasados a diminuir esta
defasagem (CUCHE, 2002).
Essa ideologia civilizatória europeia, somada ao princípio evangélico da Igreja
Católica, serviu como um dos principais argumentos usados pelos conquistadores
portugueses para a inauguração da educação lusa e para a política de assimilação,
legalizada pelo “Estatuto dos Indígenas” nos territórios conquistados em África,
especialmente em Angola, em Moçambique e na Guiné Portuguesa (atual Guiné-
Bissau).
Desde a chegada dos conquistadores portugueses, em 1644, no território
atualmente conhecido como Guiné-Bissau, até a realização da Conferência de Berlim 20,
a história da sua educação não era muito conhecida, pois os próprios invasores não
deixaram muitos registros sobre seu processo educativo nesse território conquistado.
Esse registro vai aparecer de forma tímida só após a conferência acima referida (fato
que se deve à ocupação efetiva do território, isto é, a ocupação do seu interior pelo
regime imperialista). A educação realizada pelos conquistadores vai se limitar apenas às
cidades comerciais, ou seja, as cidades litorâneas, principalmente em Bissau, Bolama e

20
A Conferência de Berlim ocorreu entre 19 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885 e resultou
na partilha da África entre as potências coloniais europeias (Inglaterra, França, Portugal, Espanha,
Holanda, Itália, Bélgica e Alemanha). Esse período marca o início da conquista oficializada no continente
africano. A África foi dividida em fatias, sem que se considerassem a história, a cultura, o poder
tradicional e as fronteiras étnicas dos povos africanos (SILVA, 1997; HERNANDES, 2005).
87

Cacheu. Isso porque o interior do território foi tomado pela guerra de ocupação que
regime colonial desencadeou contra os nativos autóctones de diferentes etnias, que
lutavam contra a usurpação dos seus territórios e de seus poderes (detalhes sobre essa
guerra seguem-se ao longo dessa seção).
Entretanto, cabe ressaltar que, apesar de cinco séculos da ocupação territorial
portuguesa na Guiné-Bissau, seu sistema educativo era muito limitado e começa a ser
expandido somente nas décadas de 1950 e 1960. Os motivos dessa expansão devem-se à
emergência e ao avanço dos movimentos independentistas africanos dos territórios
conquistados pelos portugueses21, como também à pressão da comunidade
internacional, principalmente da Organização das Nações Unidas (ONU), que exigia de
Portugal a concessão de direitos à autodeterminação dos povos a ele ainda mantidos sob
a conquista colonial (SILVA, 1997; HERNANDES, 2005).
A partir das pressões feitas pela ONU, o governo salazarista passou a denominar
as terras invadidas – “suas colônias” – como províncias ultramarinas, ou seja,
províncias de Portugal de além mar. Essa estratégia, ou falsa ideia, foi propagada pela
expansão da educação e de outras políticas que tinham como intuito convencer as
Nações Unidas de que Portugal não tinha colônias, mas, sim, províncias ultramarinas,
cujos “supostos” cidadãos teriam os mesmos direitos dos cidadãos portugueses nativos.
Um exemplo notável dessa estratégia adotada em Guiné-Bissau foi o programa
chamado “política para uma Guiné melhor”, inaugurado pelo então governador António
de Spínola, na década de 1960, através do qual o governo português tentou investir na
modernização administrativa: com a expansão da educação, construção de casas
populares para os nativos, tanto das cidades como das aldeias (casas chamadas fileiras),
e também com a construção de postos de saúde, entre outros investimentos (cf. SILVA,
1997; FURTADO, 2005).
Apesar disso, esses investimentos não tiveram sucesso e continuidade devido à
intensificação da luta armada levada a cabo pelo Partido Africano para Independência
da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) contra o conquistador português. A apresentação
desse cenário é de fundamental importância para entender como se deu a educação do
conquistador na Guiné-Bissau.
Posto isso, parece-nos pertinente dividir a educação lusa implementada na Guiné
Portuguesa em duas fases: a primeira inicia-se na primeira metade do século XVI,

21
Como o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que lutou e conquistou
a independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde.
88

especificamente em 1471 e vai até a primeira metade do século XIX, em 1834, após o
governo liberal conquistar o poder em Portugal; a segunda fase inicia-se a partir dessa
última data e ganha terreno após a realização da Conferência de Berlim até o
reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal em 1974.
Na primeira fase, a educação colonial funcionava de uma forma não
institucionalizada e era ineficiente, uma vez que se limitava apenas aos africanos que
colaboravam com o regime colonial (CÁ, 2000; FURTADO, 2005). Essas pessoas são
conhecidas como os “grumetes” ou os “lançados” ou ainda os “luso-africanos”, na sua
maioria são descendentes de europeus ou de cabo-verdianos (cf. AUGEL, 2007),
vulgarmente conhecidos como “assimilados”. Eles, geralmente, ocupavam a função de
servidores lusos de baixo escalão. A respeito dessa primeira fase da educação do
conquistador, Furtado (2005) afirma que:

Inicialmente e até ao final do século XVIII, as posições dos


colonialistas eram mal conhecidas e circunscreviam-se às zonas do
litoral do país. A educação tinha uma forma não institucionalizada.
Era uma educação puramente informativa baseada em influências
diretas, em contactos permanentes com um número restrito de
populações e visava levá-las a modificarem as suas práticas e a imitar
os colonizadores. Era, no fundo, uma educação ocasional, precária e
limitada principalmente a pessoas influentes, que mostravam interesse
em colaborar com o regime colonial (FURTADO, 2005, p. 248).

Por outro lado, Ocuni Cá (2005) ressalta que desde a descoberta da Guiné-
Bissau por Nuno Tristão, em 1446 e após dois séculos, não havia praticamente nenhum
sinal de atividades educacionais dos portugueses naquele território. Segundo o autor,

quando o padre jesuíta António Vieira parou em 1652, em Cabo


Verde, interrompendo a viajem que faria ao Brasil, pediu a D. João IV
missionários para a população da Guiné, onde havia falta de quem a
catequizasse e ensinasse, não havia nela nenhum rastro de cristandade,
nem cruzes nas povoações ou nome de santos (CÁ, 2005, p. 29).

De acordo com Almeida (1981), os portugueses não tinham interesse em


ministrar qualquer tipo de ensino às populações conquistadas, pois as suas preocupações
eram mais voltadas para as “atividades econômicas que desenvolviam nas colônias”
(ALMEIDA, 1981, p. 30-31). Por isso, a educação lusa, nessa primeira fase, era
ineficiente e restrita apenas a um número muito reduzido dos nativos que tinham
relações de proximidade com os conquistadores.
89

A segunda fase se inicia em 1834 e ganha terreno após a realização da


Conferência de Berlim (1884-1885), tornando-se ainda mais visível nas décadas de
1950, 1960 e 1970. A educação notável nessa segunda fase foi registrada após o
governo liberal assumir o poder em Portugal no ano de 1834. Segundo Almeida (1981),
este governo tentou implementar um projeto educacional na Guiné Portuguesa, mas este
não teve por objetivo abranger a maioria da população, atingindo apenas um reduzido
número dos que residiam nos centros urbanos, enquanto isso, as zonas rurais só foram
atingidas pela atividade educativa das missões religiosas, especialmente as católicas,
que “se limitavam a ensinar religião” (ALMEIDA 1981, p. 32).
De acordo com Almeida (1981), desde 1834 até 1926, as medidas educacionais
estabelecidas por decretos não chegaram a produzir resultados reais na Guiné-Bissau.
Faziam parte da política educacional que Portugal adotava para todas suas colônias na
África, especialmente, Angola, Guiné Portuguesa e Moçambique, colônias nas quais
funcionava o Estatuto de Indígena de forma mais acentuada. A autora considera que,
apesar das políticas unificadas, essas colônias eram exploradas de modos diferentes, na
realidade. Angola e Moçambique possuíam muitos recursos naturais e Portugal,
dependente da Inglaterra, desde o início do século XVIII, favorecia um pouco mais seus
territórios conquistados que recebiam mais investimentos dos países capitalistas mais
desenvolvidos como a Inglaterra. Como a Guiné-Bissau apresentava poucos interesses
para esses países, ficava em segundo plano, também para Portugal. No entanto, “a
legislação reguladora da educação colonial, do governo liberal até o início da ditadura
salazarista, por mais modificações pelas quais possa ter passado, não correspondeu às
medidas concretas na Guiné-Bissau” (ALMEIDA, 1981, p. 32).
Almeida (1981) ainda considera que, depois da Revolução de 9 de setembro de
183622, tendo o novo regime se mantido até 1868, o Estado toma o lugar das missões
religiosas no ensino luso. A partir de então, a política educacional é estabelecida por
leigos. Apesar disso, nada mudou na situação do ensino luso, pois a atividade educativa
promovida depois dessa mudança era muito reduzida, limitada a alguns centros urbanos.
Das medidas legais relativas à educação nesse período, o decreto mais importante foi o
que criou, em 1845, as escolas públicas nos territórios portugueses (ALMEIDA, 1981).

22
Revolução de Setembro é a designação dada ao golpe de Estado que ocorreu em Portugal a 9 de
setembro de 1836 que derrubou o Devorismo (grupo de políticos liberais que se instalou) e levou à
promulgação da constituição portuguesa de 1838 (cf.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_Setembro).
90

A educação seria dada em dois níveis: primeiro nas escolas


elementares, para o ensino da leitura, da escrita, da aritmética, da
doutrina cristã e da história de Portugal; enquanto que o segundo nível
seria ministrado nas escolas “principais”, localizadas nas capitais das
colônias, para o ensino do português, desenho, geometria,
contabilidade, economia da colônia e física aplicada (ALMEIDA,
1981, p. 33).

É de salientar que, em todos os períodos acima mencionados, a educação oficial


do Estado na Guiné Portuguesa limitava-se apenas aos centros urbanos, restrita,
sobretudo aos filhos dos portugueses e aos nativos assimilados. As zonas rurais, nas
quais reside a maioria da população, não contavam praticamente com educação oficial,
visto que essas regiões não eram e nunca foram efetivamente ocupadas pelo
conquistador luso, ocupação essa que vai se iniciar somente após a Conferência do
Berlim, muito embora tenha sido marcada com cenas de guerra entre militares
portugueses e nativos indígenas23.
Cabe, no entanto, destacar que a Conferência de Berlim foi determinante para a
tomada de medidas legais relativas à ocupação efetiva e à educação nos territórios
portugueses em África. Um dado histórico importante a recordar é que, a partir dessa
Conferência, o comércio escravista foi proibido e segue-se a fase da ocupação efetiva e
povoamento crescente desses territórios conquistados no continente africano
(HERNANDEZ, 2005; KERR, 2013).
Com a partilha da África pelos impérios europeus, os conquistadores
portugueses iniciaram a ocupação efetiva nos territórios sob sua jurisdição, tendo como
objetivo a realização de atividades econômicas com vistas ao desenvolvimento da
metrópole. Para o efeito dessa nova ocupação, Portugal levou a cabo violentas guerras
de conquistas do interior das colônias, onde encontrou a resistência dos nativos.
Na Guiné Portuguesa, esse conflito, a que o governo português deu nome de
“Campanha de pacificação ou domesticação dos indígenas”, durou quase 50 anos, pois a
etnia Bijagó, das ilhas do mesmo nome, só foi derrotada em 1936 (MENDY, 1994).
Esse conflito ocorreu porque o governo luso obrigava os nativos a pagar o imposto de
palhota24, a realizar trabalho forçado sem remuneração, tendo seus poderes e privilégios

23
Um maior detalhamento sobre essa guerra será realizado ainda nesta seção.
24
Palhotas são casas cobertas de palha ou ramos de árvores. Esse é o modelo de construção de casas de
vários países africanos. Por sua vez, o Imposto de Palhota é um tributo que os conquistadores portugueses
cobravam por cada casa dos nativos africanos dos territórios conquistados. Esse imposto era pago ou em
dinheiro ou em produtos agrícolas (arroz, milho, feijão, entre outros) ou em animais (vacas, porcos,
cabras, galinhas) ou ainda em trabalho manual.
91

sido usurpados, além de castigo corporal ao qual foram submetidos. Em contrapartida,


os nativos não aceitavam a ocupação dos seus territórios e a usurpação dos seus poderes
e soberania pelo poder lusitano. Fato que culminou na tão conhecida “Campanha de
pacificação da Guiné Portuguesa à resistência dos nativos”25. É de se referir que essa
resistência se dava ora em forma de fuga, ora em forma de conflito armado contra os
conquistadores (MENDY, 1994).
Eis alguns casos dessa resistência: i) a invasão do grupo étnico Papel/Pepel de
Itim, Antula e Bandim (bairros periféricos da capital Bissau), que se uniram aos
“Balantas” de Cumere, para assaltar a praça (centro) da capital. Essa invasão foi
registrada em 1893; ii) em 1897, verificou-se a resistência de Infale Sonco – rei da etnia
Beafada, que controlava o território onde atualmente situa-se grande parte da região de
Oio, localizado no norte de Guiné-Bissau; iii) entre 1908 e 1909, os Beafadas de
Quinara (uma região localizada no sul do país), também reagiram à ocupação dos seus
territórios pelos conquistadores, e os incendiaram quase até Bolama, antiga capital da
Guiné-Bissau; iv) outra etnia que declarou guerra contra os conquistadores portugueses
foi a Manjaco, que nunca admitiu a permanência lusa no seu território, localizado na
região de Cacheu, norte da Guiné-Bissau; v) a etnia Balanta, por seu lado, também
resistiu à presença da autoridade portuguesa na sua região, que compreende grande
parte de Oio, algumas partes de Cacheu e Bafatá, entre o norte e o leste do país. Apesar
dos portugueses estabelecerem um posto militar em Porto Goli, lugar estratégico deles
no Oio, de vez em quando os Balantas preparavam silenciosamente as ofensivas a este
aquartelamento; vi) em 1900, a etnia Bijagó, residente nas ilhas do mesmo nome, foi a
primeira a entrar em conflito armado com os portugueses e viria também a ser a última
conquistada, em 1936. Esse grupo, principalmente os habitantes da ilha de Canhabaque,
resistiu durante todo esse período à dominação lusa e ao pagamento do imposto de
palhota; vii) para além dessas etnias acima mencionadas, outras etnias tais como:
Felupes de Susana e de Varela, as Oincas de Oio, Fulas pretos de Gabu, registraram
fortes resistências ao pagamento do imposto de palhota (MENDY, 1994; NAMONE,
2014).

25
A campanha de pacificação foi, na verdade, um conflito sangrento que os sucessivos governadores da
Guiné Portuguesa levaram a cabo contra os nativos das diferentes etnias do território. O objetivo dessa
campanha era neutralizar, pela força das armas, a resistência dos nativos, que se recusavam a pagar os
impostos de palhotas, resistindo à usurpação dos seus poderes e privilégios e à interdição da sua tradição
cultural, exigindo a liberdade nos seus territórios (NAMONE, 2014, p. 48).
92

O grupo étnico Balanta é um dos que mais resistiu à dominação e à violência


lusa, particularmente, ao trabalho forçado e ao pagamento de imposto de palhota –
cobrado a cada residência26. Essa etnia recebeu dos conquistadores o apelido de “tribo
rebelde”, devido a sua resistência ao longo do período da ocupação lusa até a luta de
independência da Guiné-Bissau, na qual a presença dos Balantas foi muito marcante. É
de se salientar que, em decorrência da violenta campanha de pacificação, somada a
outros motivos pessoais, muitos balantas optaram por imigrar do Norte, Centro, ou
Leste (regiões que registravam maior presença do governo português) para o Sul do país
(conhecida como tchon nalu – terra da etnia Nalu), com o intuito de se distanciar do
poder dominante luso, como também em busca de novas terras propícias e favoráveis à
prática da agricultura.
Contudo, sublinha-se que, apesar dessa ocupação territorial, a Guiné Portuguesa
nunca foi colônia de ocupação (de habitação), e sim de “exploração”. Por isso, a
presença dos portugueses na Guiné-Bissau foi sempre inexpressiva: até a
independência, em 1973, a população portuguesa não passava de 5.000 habitantes
(ALMEIDA, 1981, p.36). Mas, apesar do pequeno número dos portugueses no
território, Amílcar Cabral (1978) argumenta que a conquista de parte do território
permitiu aos portugueses: explorar e marginalizar violentamente as populações
guineenses, pilhar as suas terras e os seus produtos, obrigar os habitantes locais a
cultivar certos gêneros alimentícios, realizar trabalho forçado. A sua vida, coletiva e
privada, passou a ser totalmente controlada, utilizando-se ora da persuasão ora da
violência (CABRAL, 1978).
Paralelamente a isso, o governo luso adotou várias medidas jurídico-
administrativas para os nativos desses territórios, através dos denominados “diplomas
legais”. Um dos mais conhecidos e problemáticos desses diplomas é o Estatuto dos
Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, aprovado por
Decreto-lei de 20 de maio de 1954.

26
Sendo os maiores produtores de arroz no país, os Balantas, especialmente os do Sul, eram obrigados a
ceder boa parte desse produto para o pagamento de tributo ao governo luso. A cobrança de impostos era
realizada pelos cipaios – soldados africanos a serviço do regime colonialista, comandados por um oficial
luso. O ancião Isnaba na Nsanca da aldeia de Gantone e o ancião Arima Na Katche da aldeia de Komo
lembram-se de castigo que as pessoas sofriam nesse período. Os dois relataram que, além de as aldeias
serem obrigadas a pagar imposto de palhota, seus moradores eram obrigados a realizar trabalho forçado,
como carregar pedras que são usadas na construção de estradas, sem nenhuma remuneração. Nesse
trabalho, havia pressão psicológica (insulto), violência corporal (chicotada) e bofetada (levar tapa na cara)
por parte dos cipaios. (Ancião Isnaba na Nsanca. Gantone/Guiné-Bissau e ancião Arima Na Katche.
Komo/Guiné-Bissau. jul.: 2019. Entrevista consedida a Dabana Namone).
93

3.2.1 Estatuto do Indígena da Guiné Portuguesa

O Estatuto do Indígena era uma lei que visava à “assimilação” dos nativos na
cultura lusa. Essa lei estabelecia três grupos populacionais: os indígenas, os assimilados
e os brancos, estes últimos os portugueses natos. Os primeiros eram considerados como
aqueles que não têm direitos civis ou jurídicos e nem cidadania. Segundo este estatuto,

são considerados indígenas os indivíduos da raça negra e os seus


descendentes que nasceram ou vivem habitualmente na província, sem
possuir ainda a instrução e os costumes pessoais e sociais
indispensáveis à aplicação integral do direito público e privado dos
cidadãos portugueses (ALMEIDA, 1981, p. 36).

O estatuto do indígena era o principal instrumento jurídico no qual se baseava a


educação lusa na Guiné-portuguesa, pois eram definidas em seu texto as condições que
o africano deveria preencher para ser considerado “assimilado”. Ou seja, para adquirir o
“estatuto de assimilado”, isto é, ser considerado “civilizado” e cidadão português, seria
necessário ao africano preencher os seguintes requisitos:

1- Ter 18 anos completos;


2- Ler e escrever corretamente em português;
3- Ter profissão ou renda que lhe assegurasse o suficiente para prover
as suas necessidades e do número de familiares;
4- Ter bom comportamento, uma vida correta e possuir a instrução e
os costumes indispensáveis à aplicação integral do direito público e
privado dos cidadãos portugueses;
5- Não estar inscrito como refratário ao serviço militar e não ter
desertado (ALMEIDA, 1981, p. 37).

Era também fundamental, quando os agentes do governo luso visitassem a


residência do requerente ao “estatuto de assimilado”, para avaliar as suas qualificações,
que existisse uma mesa de jantar, cadeiras, pratos, colheres, facas, garfos e demais
objetos da vida “civilizada”, bem como a fotografia do Presidente da República
portuguesa exposta em lugar de destaque (MENDY, 1994).
Mas, apesar de os “civilizados” serem considerados cidadãos portugueses, na
prática, não usufruíam desse direito, o que faz acreditar que os “civilizados” tinham um
fim determinado, como argumenta Ferreira (1974). Segundo o autor, em vários
documentos oficiais e em discursos das autoridades portuguesas, está explícito o lugar
94

destinado aos africanos: “civilizar significa tornar o africano útil à sociedade


portuguesa”. O objetivo da educação proposta pelos lusos era:

Dar à população indígena uma formação nacional e moral e de


inculcar a um e outro sexo, hábitos de trabalho e competências
técnicas que respondam à situação e às necessidades das economias
regionais; a educação moral visará curar a preguiça e preparar os
futuros artesãos e trabalhadores rurais, produzir o que é preciso para
satisfazer suas próprias necessidades e cumprir suas obrigações sociais
(FERREIRA, 1974 p. 70).

A obrigação social era o trabalho forçado, isto é, a prestação de serviço à


autoridade portuguesa nos territórios conquistados. Também os “indígenas” eram
obrigados a pagar imposto de palhota [palhoça] (tributo cobrado por cada habitação dos
nativos). Para pagarem, tinham que ter dinheiro ou prestar serviço nas companhias
portuguesas até atingir o valor cobrado, transferindo a maior parte das suas rendas para
a economia da metrópole. O então Ministro das Colônias, Marcello Caetano, lançava,
em 1954, a seguinte proposta sobre a participação dos nativos africanos:

Os nativos da África devem ser dirigidos e organizados por europeus,


mas são indispensáveis como auxiliares. Os negros devem ser
encarados como elementos produtivos organizados, ou a serem
organizados, numa economia dirigida por brancos (CAETANO 1954,
apud ALMEIDA, 1981, p. 38).

Importante ressaltar que o governo luso mantinha relação estreita com a Igreja
Católica. Essa relação tinha como principal objetivo submeter os africanos à dominação
lusa através da evangelização.

3.2.2 O papel da Igreja Católica na educação lusa na Guiné Portuguesa

É sabido que a Igreja Católica desempenhou um papel de relevância na política


de assimilação levada a cabo pela educação lusa para indígenas da Guiné portuguesa,
como também, contribuiu diretamente para a afirmação da dominação imperialista no
continente africano, através das “missões civilizadoras”. A estratégia adotada e o
discurso usado pelos conquistadores para expandir a sua dominação eram simplesmente
o de que pretendiam evangelizar os africanos, ou seja, trazer “Deus” para eles. Assim,
para o senso comum europeu, os africanos acreditavam em feitiçarias e demais crenças
próprias de uma mentalidade primitiva. E, por isso, eles deveriam submeter-se à
95

“civilização”, através da evangelização, cabendo à Igreja Católica esse importante


papel.
Segundo Fanon (1979), a estratégia do conquistador era a de convencer os
indígenas de que o colonialimo iria arrancá-los das trevas e que a sua partida significaria
retorno dos indígenas à barbárie, ao aviltamento, à animalidade (FANON, 1979). É com
base nessa ideologia evangelizadora que a Igreja Católica Romana se afirma enquanto
braço direito dos regimes coloniais (espanhol e português), na evangelização dos povos
ditos “gentios” das terras “descobertas” (MENDY, 1994).
Na Europa, especialmente na Espanha e em Portugal, a relação entre a Igreja e o
Estado é histórica e a conquista torna-a ainda mais forte, com o objetivo de evangelizar
os “indígenas” dos territórios conquistados. A política oficial que os conquistadores
portugueses levavam a cabo na África, sobretudo entre os séculos XVI e XIX, defendia
a tese de que “a população africana estava a assimilar de boa vontade a civilização
portuguesa, sendo a religião católica a maior condutora dessa missão civilizadora” (CÁ,
2008, p.36). O Estado português reconhece a importância histórica da Igreja Católica,
pois, segundo a Constituição Portuguesa de 1933, a religião Católica Apostólica
Romana é “a religião tradicional da Nação Portuguesa” (MENDY, 1994, p.16). Para o
então Presidente do Conselho do Estado Novo português Marcello Caetano:

O colonialismo português atribuía grande importância ao factor


religioso na civilização dos gentios por causa da convicção de que a
unidade política deriva da unidade moral, definida como unidade de
credo, língua e sentimentos. […] a difusão do catolicismo entre os
africanos garantiria um elo importante com a Mãe Pátria (CAETANO
apud MENDY, 1994, p.316).

No que se refere à educação, na Guiné Portuguesa, a Igreja Católica ofereceu


forte apoio, sobretudo na implantação e no funcionamento do sistema educativo luso,
dedicando-se a educar os “indígenas”, enquanto o Estado colonial se responsabilizou
pela educação dos chamados “assimilados” ou “civilizados”. O papel da Igreja Católica
na educação lusa foi substancial, na medida em que ajudou a implementar a “política de
assimilação”, que invocava a “civilização”. Política essa que legitimava a presença do
conquistador português na África.
A instrução pública, na sua forma institucionalizada, esteve praticamente
abandonada na Guiné Portuguesa durante décadas:
96

As escolas missionárias organizadas a partir de 1932, antes, portanto


da Concordata de 1940 e do Estatuto Missionário de 1941, ofereciam
um ensino primário com qualidade superior ao ensino oficial, embora
em simultâneo com ensino da religião católica (FURTADO, 2005, p.
254).

Enquanto isso, a educação pública manteve-se restrito aos assimilados durante


esse período. Segundo Carreira (1953), a educação nas colônias africanas,
especificamente, em Angola, Guiné Portuguesa e Moçambique, era exercida de formas
distintas para as zonas urbanas e para as zonas rurais. Nestas últimas, o autor identificou
a modalidade de ensino: i) educação direta, confiada ou às instituições criadas por
iniciativa privada, ou ao serviço de administração colonial e de seus agentes locais. O
objetivo era que estes últimos mantivessem contatos permanentes com os nativos e, por
isso, encontravam-se em melhores condições de educá-los. De acordo com o autor, essa
educação funcionava com base na aplicação de métodos desumanos da política de
indigenato, permitindo a concretização dos objetivos administrativos de obrigar os
nativos a modificar seu comportamento e a renunciar aos seus princípios para seguir os
modelos impostos; ii) educação indireta, exercida pela imposição de costumes, trajes,
atitudes etc. Essa forma de educar era facilitada pelo desenvolvimento do funcionalismo
público, comércio, indústria e também pelo êxodo rural em direção às cidades:

Dessa educação resultaram os assimilados, desenraizados das suas


origens, rejeitados tanto pela sua própria comunidade, por não se
identificarem com os usos e costumes da sua cultura original, como
pelos ditos civilizados, por carecerem de certos requisitos exigidos
pela classe (CARREIRA, 1953, p. 96-98).

A respeito da referida educação, dados estatísticos apresentados por Davidson


(1975) mostram que durante o período de vigência do sistema educativo do
conquistador na “Guine Portuguesa”, desde 1471 até 1973:

Apenas 1% da população local podia completar a educação elementar;


porém só 0,3% tinham chegado à situação de assimilado e podia
esperar ir um pouco mais além. Havia apenas uma escola secundária
oficial na qual cerca de 60% dos seus alunos são europeus. Não existia
qualquer tipo de educação superior. Até 1960, num total de 544.184
recenseados, apenas 11 guineenses haviam atingido a licenciatura e
todos eles como portugueses assimilados vivendo em Portugal, 14
tinham ensino técnico ou profissionalizante, 33 tinham formação
média (DAVIDSON, 1975, p.26).
97

Por sua vez, Furtado (2005, p. 251) considera que a instrução pública era,
contudo, muito limitada e elitista. Em toda a Guiné-Bissau, as estatísticas publicadas em
1918, referentes ao ano de 1917-1918, apresentavam um total de 63 alunos que tinham
conseguido aprovações nos exames do 1º grau (de 1ª e 3ª classe) e 2º grau (4ª classe),
como se pode verificar pela Tabela nº 1 a seguir.
Vale lembrar que os conteúdos cobrados nesses exames dizem respeito à
realidade portuguesa: língua portuguesa, história, geografia, literatura, entre outros
assuntos de Portugal. Do mesmo modo, a maioria dos professores e das professoras era
portuguesa (cf. FERREIRA, 1974; ALMEIDA, 1981; CÁ, 2008).

Tabela 1: Alunos aprovados nos exames do 1º e 2º graus, em 1917-1918

Graus Bolama Bissau Bafatá Farim Cacheu Totais


1º 16 11 5 2 1 35
(1ª a 3ª classe)
2º 17 9 2 - - 28
(4ª classe)
Totais 33 20 7 2 1 63

Fonte: Boletim Oficial nº 12 de janeiro de 1918 apud Furtado, 2005.

A partir desses dados, podemos concluir que poucos nativos guineenses tiveram
acesso à educação lusa, pois se consideramos que essas cidades são as que
apresentavam maiores números de habitantes nesse período de conquista colonial, e se
muitos nativos tivessem acesso a essa educação, seria razoável ter mais estudantes
aprovados nos exames acima mencionados. Mas o que se revela é o inverso.
É de se salientar que a educação lusa funcionava predominantemente nas cidades
com maior influência dos conquistadores portugueses, como essas constantes na tabela
acima. Essas cidades apresentam as seguintes características: são litorâneas e, portanto,
favoráveis às atividades comerciais, talvez, por isso tenham sido as primeiras ocupadas
pelos invasores portugueses.
98

3.2.3 Reforma de ensino luso na Guiné Portuguesa e os fatores que a


condicionaram

Nas décadas de 1950 e 1960, a opressão cotidiana vivenciada pela maioria da


população dos territórios africanos conquistados pelos lusos agravava-se, na medida em
que se tornavam mais rígidas as imposições do Estado Novo português, como também,
na medida em que se organizavam os movimentos de libertação nesses territórios. Ao
mesmo tempo, o governo luso iniciou a implementação das reformas administrativas
nesses territórios na tentativa de minimizar a crise que enfrentava, isto é, a contestação
do movimento anticolonialista e as críticas da comunidade internacional: “Os
organismos internacionais como a ONU e a OTAN empreendiam duras críticas ao
regime colonial salazarista, condenando-o formalmente no ano de 1957” (BOAVIDA,
1967, p. 104).
Os movimentos independentistas dos territórios africanos conquistados por
Portugal surgiram da década de 1950, sendo depois organizados na forma de partidos.
Em Angola, formaram-se o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para
Independência Total de Angola (UNITA); em Moçambique, destacou-se a Frente de
Libertação para Independência de Moçambique (FRELIMO); em São Tomé e Príncipe,
o Movimento de Libertação de São Tome e Príncipe (MLSTP); e, em Guiné-Bissau e
Cabo-Verde, o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC),
destacando-se como o único movimento que buscou a independência de dois países.
Angola, Guiné-Bissau e Moçambique iniciaram a luta armada de independência
em 1961, 1963 e 1964 respectivamente. Com efeito, o governo português temia o
colapso da sua economia, que obviamente dependia dos territórios conquistados na
África. Sendo assim, segundo Almeida (1981), o regime salazarista procurou neutralizar
a ação revolucionária com a adoção de medidas que minorassem o descontentamento
nos territórios colonizados:

A tentativa de integrar os africanos aos objetivos portugueses,


substituindo a discriminação aberta pela intensificação da
"assimilação", caracteriza a nova orientação para as colônias. Suas
primeiras consequências são a abolição do Estatuto do Indígena e a
reforma do ensino primário (ALMEIDA, 1981, p.41).
99

O surgimento dos movimentos independentistas e a sua ação armada fizeram


com que, nas décadas de 1960 e 1970, o governo luso implementasse reformas em
diversas áreas da administração nos territórios africanos conquistados, especialmente no
setor da educação. O intuito era evitar qualquer sanção da comunidade internacional e
tentar desmentir as denúncias dos movimentos independentistas sobre a violência que
aquele regime praticava contra os nativos africanos.
Com efeito, em 1964, o governo de Marcelo Caetano iniciou a realização da
reforma do ensino nos territórios supracitados, sobretudo no ensino primário, que era o
nível prioritário para qualquer mudança na educação lusa, pois era o nível de
escolarização que atingia os africanos (ALMEIDA, 1981). De acordo com Almeida
(1981), essa reforma pretendia alcançar os seguintes objetivos:
1º) assimilar cada vez mais a população africana. O objetivo era permitir maior acesso
dos africanos à educação lusa, embora mantendo o ensino de língua portuguesa, história
e geografia de Portugal. Nesse sentido, os novos livros produzidos para a África
acrescentavam ilustrações que apresentavam negros e mestiços “assimilados”, vivendo
em harmonia com os portugueses, orgulhando-se das suas aparências de “civilizados” e
renegando os traidores, isto é, os africanos que lutavam pela independência. Por outro
lado, os alunos africanos deveriam conhecer bem a história de Portugal que, juntamente
com a língua portuguesa e a aritmética, faziam parte dos exames finais do curso
primário. A título de exemplo, para um africano conseguir um emprego que não fosse
manual, mesmo ganhando um salário mínimo da época, era indispensável à
apresentação do certificado de história de Portugal. E, nessa história, os territórios
africanos conquistados pelos lusos eram mencionados a partir de seu “descobrimento”
pelos conquistadores e do ponto de vista da “missão civilizadora” dos europeus na
África (ALMEIDA, 1981).
2º) A formação de mão-de-obra africana, particularmente em Angola e Moçambique.
Nesses territórios, havia a necessidade de formar mão de obra qualificada, tanto para
servir os portugueses como para as empresas de outros países que lá investiam.
Enquanto isso, na Guiné portuguesa (Guiné-Bissau), os poucos “quadros médios”
necessários à economia da colônia eram, na sua maioria, europeus e uns poucos cabo-
verdianos. Não havia indústrias, portanto, eram pouquíssimas as oportunidades de
utilização de mão de obra especializada em qualquer setor. Por isso, o objetivo
português de formação de mão de obra não se referia prioritariamente à Guiné-Bissau.
Sendo assim, a educação dos guineenses praticamente se restringia ao curso primário
100

(geralmente incompleto) para os poucos que conseguiam acesso à escola, apesar da


reforma implementada.
3º) fazer campanha contra a independência. A intenção de aumentar o número dos
“assimilados” através da educação visava, também, enfrentar a concorrência das escolas
abertas nas zonas libertadas pelos movimentos independentistas, como o caso do
PAIGC na Guiné-Bissau. Dessa forma, as reformas do ensino colonial visavam também
tentar provar aos anticolonialistas e às populações locais que o sistema colonial
propiciava o desenvolvimento dos povos colonizados, tendo como alvo desmantelar os
movimentos independentistas (ALMEIDA, 1981, p.43).

3.2.4 Impacto da língua portuguesa na educação lusa

Como é de conhecimento geral, em qualquer grupo humano, a língua é um


elemento integrante da cultura e os dois são inseparáveis. Sendo assim, a língua
desempenha papel importante, tanto na disseminação da cultura, como na afirmação da
identidade de um determinado grupo étnico, de uma determinada comunidade ou de
uma determinada nação, seja na cultura, na economia ou na política.
Na educação lusa, a língua portuguesa serviu como o principal meio de
difusão, de dominação e de transmissão da cultura lusitana – dita civilizada – aos
nativos africanos. Ao mesmo tempo, essa língua serviu como ferramenta de divisão dos
guineenses entre classes – “assimilados = civilizados” e “indígenas = selvagens”. Esses
últimos foram segregados, marginalizados e mantidos à margem da sociedade lusa, ao
mesmo tempo suas culturas e suas línguas foram desvalorizadas, sendo tratadas como
dialetos.
Para a realização desse objetivo de dominação, os conquistadores portugueses
usaram seu sistema educativo e a sua língua como alicerces, o que permite separar os
africanos (neste caso, os guineenses) em dois grupos: os assimilados e os indígenas. Por
outro lado, o sistema colonialista separou esse território em dois mundos: o da cultura
escrita – portanto, civilizado avançado – e o da cultural oral, selvagem e atrasada, sendo
esse último relegado ao abandono.
É com base nesta estratégia de dominação que o estatuto do indigenato
determinava que o africano soubesse ler, escrever e falar corretamente a língua lusitana.
Além disso, se cumprisse os demais requisitos exigidos seria considerado assimilado e
civilizado. Sendo assim, o africano “indígena” que quisesse adquirir estatuto de
101

assimilado, teria que renunciar a sua cultura e a sua língua em proveito da cultura
europeia “civilizada”, devendo falar corretamente a língua portuguesa. A esse respeito,
levantam-se as seguintes questões: como um nativo “indígena” que nasceu e
permaneceu residente em um meio social cujas pessoas falam determinada língua,
estando ele ligado sempre à tradição oral – a base da sua cultura – conseguiria assimilar
e “falar corretamente” a língua portuguesa num modelo da educação que ensina apenas
o básico (rudimento)? Para falar corretamente uma língua, precisaria-se compreender a
sua estrutura gramatical, ou pelo menos praticá-la diariamente ao longo de tempo para
ter o seu domínio. Em que medida, portanto, a língua portuguesa poderia se expandir a
todo território guineense numa educação que dividia a população do mesmo território
em duas classes, dando privilégio a uns em detrimento dos outros? Essas são questões,
entre outras, que essa pesquisa procura responder.
Cabe ressaltar que é na base dessa ideologia de “dividir para melhor dominar”
que a língua portuguesa foi instituída como a única de ensino na educação lusa na Guiné
Portuguesa. Sendo assim, o africano (assimilado) que a falava se sentia orgulhoso, pois
se considerava civilizado ao modelo ocidental, renegando a sua cultura e a sua língua.
Além disso, a língua portuguesa possibilitava ascensão social a quem a falava, pois,
através de seu domínio, os assimilados conseguiam emprego na administração colonial
(apesar da baixa remuneração) e uma vida razoavelmente organizada ao estilo
português. Ao passo que os nativos “indígenas”, que não falavam a língua do
conquistador, eram marginalizados e excluídos da educação lusa. Por outro lado, os
próprios indígenas resistiram à aculturação portuguesa, mantendo-se afastados e
resistentes à cultura do dominador a qual não se sentiam identificados, conservando as
práticas das suas culturas materiais e imateriais.
A língua portuguesa foi usada na educação lusa também para estigmatizar e
desvalorizar as línguas étnicas e a língua crioula faladas em Guiné-Bissau. Essas línguas
são preconceituosamente chamadas pelos conquistadores de dialetos, ou ladim, línguas
dos pretos, línguas de povos selvagens ou ainda línguas dos cães27 (ZAMPARONI,
2002) e eram proibidas, principalmente nas cidades ou nas instituições públicas.
Enquanto isso, a língua portuguesa era vista como a de privilégio e da civilização.
A esse respeito, Albert Memmi (1966) afirma que:

27
Grifo nosso.
102

a língua do colonizado, aquela que é alimentada por suas sensações,


suas paixões e seus sonhos, aquela na qual se liberam a ternura e os
espantos aquela, enfim, que reúne a maior carga afetiva, é justamente
essa que é menos valorizada. Ela não tem nenhuma dignidade no país
nem no conjunto dos países. Se quer conseguir um trabalho, construir
seu espaço, existir na cidade ou no mundo, ela tem primeiro que se
dobrar face à língua dos outros, a dos colonizadores, seus senhores.
No conflito linguístico que habita o colonizado, sua língua materna é
humilhada, esmagada (MEMMI, 1966, apud AUGEL, 2007, p. 167).

Até hoje, muitas pessoas consideram as línguas africanas como dialetos. Mas,
contemporaneamente, o termo “dialeto” levanta muitos debates entre os linguistas, pois
para muitos sociolinguistas é um preconceito linguístico tratar uma língua falada por um
determinado grupo humano como “dialeto”. Segundo Timbane (2013, p. 264), “um
dialeto não é uma língua, pois esse termo traz uma sensação preconceituosa, uma
sensação de inferioridade.” De acordo com Bagno (2011),

O emprego do termo dialeto, fora dos estudos científicos, sempre tem


sido carregado de preconceito racial e/ou cultural. Nesse emprego,
dialeto é uma forma errada, feia, ruim, pobre ou atrasada de se
falar uma língua. Também é uma maneira de distinguir as línguas dos
povos civilizados, brancos, das formas supostamente primitivas de
falar dos povos selvagens. Essa separação é tão poderosa que se
enraizou no inconsciente da maioria das pessoas. Inclusive das que
declararam fazer um trabalho políticamente correto (BAGNO, 2011,
p.38028).

Para o autor, a separação entre língua e dialeto é meramente de cunho político,


sem fundamentos científicos, portanto, escapa dos critérios que os linguistas tentam
estabelecer para delimitar tal separação (BAGNO, 2011). Sendo assim, de acordo com
Timbane, “todas as línguas africanas têm as mesmas competências que uma outra língua
qualquer, quer dizer, têm uma gramática, um léxico, uma morfologia, uma sintaxe
próprias” (TIMBANE 2013, p. 264).
Esse preconceito linguístico contra as línguas africanas estava muito presente
na educação lusa, tanto que era proibido aos estudantes falarem crioulo ou línguas
étnicas na sala de aula ou no recinto escolar, sob pena de serem punidos pelo professor
ou pela direção da escola. Essa prática do conquistador foi herdada e se mantém até hoje
no ensino guineense, pois os estudantes/educandos guineenses continuam sendo
punidos quando falam suas línguas maternas dentro das salas de aula.

28
Grifo nosso.
103

No entanto, apesar de todas essas tentativas de desvalorizar as culturas dos


nativos guineenses e as suas línguas maternas, não ocorreu um efetivo avanço da LP, ao
contrário, ela continua restrita apenas a poucos guineenses. Segundo Cruz (2013, p. 29),
“a situação que tinha sido criada durante o período da colonização não permitiu que a
língua e cultura portuguesas se expandissem à totalidade do território guineense, mas se
distribuísse duma forma muito desigual”.
É válido ressaltar que, desde quando a educação lusa foi implantada na antiga
Guiné Portuguesa (atual Guiné-Bissau), a língua portuguesa foi a única de ensino, tanto
para os assimilados como para indígenas e, até hoje, após quatro décadas da
independência, essa língua continua sendo a única de ensino. É com base na educação
lusa e no conhecimento básico ou avançado da língua portuguesa que os assimilados
(em sua maioria cabo-verdianos ou seus descendentes) conseguiam se alistar como
funcionários públicos de baixo escalão na administração colonialista, enquanto a
esmagadora maioria dos indígenas foi excluída dessa categoria, a despeito do processo
discriminatório a que foi submetido pelos colonialistas portugueses.

3.3 Luta de independência e educação das zonas libertadas

A história da libertação dos povos da Guiné-Bissau não é recente, pois os cinco


séculos da presença dos conquistadores portugueses no território foram marcados pelas
lutas permanentes (resistências) deflagradas pelos nativos contra os invasores lusos. Por
exemplo: Nuno Tristão, que pela história de Portugal foi o primeiro português que
chegou ao território que é hoje Guiné-Bissau, foi morto pelos nativos. Os colonialistas
portugueses enfrentaram também a resistência dos nativos de diferentes etnias, que
lutavam contra o processo violento a que foram submetidos no período da ocupação
efetiva desse território realizada após a Conferência de Berlim, como atrás referimos.
Embora esses enfrentamentos não significassem a eliminação total do diálogo e de
relações aparentemente saudáveis entre as partes, sobretudo entre as elites locais e os
portugueses.
No entanto, cabe destacar que a luta de independência desencadeada pelo
Partido Africano pela Independência da Guiné-Bissau e Cabo-Verde (PAIGC) –
liderado por Amílcar Cabral – teve, como pano de fundo histórico, as lutas anteriores
(resistências dos nativos). Ou seja, essa última luta se consolidou graças a uma longa
tradição de resistência dos nativos à dominação colonialista. Como diz Carlos Lopes, “a
104

luta de libertação nacional representou apenas a passagem das resistências étnicas ao


combate moderno de tipo nacionalista” (LOPES, 1999, p. 19). O que diferencia essas
duas lutas? A diferença é que a primeira era praticada de forma dispersa e isolada por
cada grupo étnico, enquanto, na segunda, o PAIGC conseguiu estrategicamente unir os
diferentes grupos étnicos da Guiné-Bissau para lutar contra os colonialistas portugueses
– estes considerados, por esse partido, como inimigo comum dos povos africanos.
Ao falar da luta pela independência da Guiné-Bissau e Cabo-Verde levada a
cabo pelo PAIGC e das atividades desenvolvidas ao longo dela, não podemos deixar de
descrever resumidamente a trajetória do seu principal líder – Amílcar Cabral –, filho de
Juvenal Cabral e de Eva Pinhal Évora, ambos cabo-verdianos que imigraram para a
Guiné Portuguesa. O pai Juvenal era professor – funcionário de Estado português – e a
mãe Eva trabalhava como comerciante. Amílcar Cabral nasceu em Bafatá, uma cidade
situada a leste da Guiné-Bissau, a 12 de setembro de 1924, onde iniciou os estudos
primários, e depois seguiu com o pai para Cabo Verde, para concluir o ensino médio.
Por ser um estundante dedicado, em 1945, conseguiu uma bolsa de estudos para cursar
Engenharia Agronômica, no Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa
(PAIGC, 1974; IGNATIEV, 1984; SEMEDO, 2009; CASSAMA, 2014; NAMONE,
2014).
Ao chegar à Lisboa e iniciar os estudos universitários, Cabral manifestou a
preocupação de integrar-se às correntes do pensamento político e cultural existentes na
época: o Movimento Juventude Universitária (MJU) e os movimentos que lutavam pela
paz. Já integrado, ele participou da Campanha pela Paz, de movimentos da juventude
progressista, e contribui com a construção das bases para a conscientização política dos
estudantes africanos. Além disso, Cabral foi um dos integrantes da Casa dos Estudantes
do Império (CEI), como também, um dos fundadores do Centro de Estudos Africanos
(CEA). Nesse último, os estudantes se reuniam para discutir, entre outras coisas, as
estratégias e as ações políticas com vistas a organizar não só os seus colegas africanos,
mas também europeus e demais estudantes e ativistas políticos de outros continentes,
além de fazer as suas ideias de independência chegarem a toda África, através de
manifestações literárias e poéticas, divulgadas dentro e fora do Portugal.
Amílcar Cabral e seus colegas estudantes – apelidados de “geração de Amilcar
Cabral” (MATEUS, 1999) – vieram a liderar o processo de independência dos países
africanos conquistados por Portugal (Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique
e São Tomé e Príncipe), dentre os quais: Agostinho Neto, Eduardo Mondlane,
105

Marcelino dos Santos, Mário Pinto de Andrade, Vasco Cabral, o próprio Amílcar
Cabral, entre outros. Eles receberam influência de várias organizações de cunho
político-cultural, tais como: Movimento Pan-Africanista29; Partido Comunista
Português (PCP)30; Movimento de Unidade Democrático ala Juvenil (MUD Juvenil),
Clube Marítimo Africano, Conferência de Bandung, entre outras organizações (cf.
NAMONE, 2014).
Sendo assim, em 1952, após concluir a formação e trabalhar como pesquisador
na Estação Agronômica Nacional, em Lisboa, Cabral manifestou o desejo de regressar à
sua terra natal, a então Guiné Portuguesa. Aprovado em concurso, foi contratado pelo
Ministério do Ultramar como adjunto de serviços agrícolas e florestais da Guiné
Portuguesa, na Estação Agrária Experimental de Pessubé, em Bissau. Em 1953, foi
nomeado pelo governo da Província da Guiné Portuguesa para dirigir um
recenseamento agrícola (IGNATIEV, 1984; CASSAMA, 2014). A exigência do
trabalho o fez visitar todos os cantos do território, o que lhe possibilitou ter contato com
as populações camponesas, com quem mais tarde contou na luta de independência. É de
se salientar que esse trabalho agronômico no campo permitiu a Cabral ter um contato
mais próximo com as diferentes etnias do país.
Em 1954, após terminar o recenseamento agrícola, ele tentou criar um clube
desportivo e recreativo, mas na verdade seu objetivo era preparar clandestinamente uma
juventude revolucionária e anticolonialista, tendo como finalidade desencadear o
movimento de independência. Depois de ser descoberto pela Polícia Internacional de
Defesa do Estado (PIDE), o clube foi interditado pelo governo local e Amílcar Cabral
foi obrigado a regressar a Portugal com direito a visitar a família uma vez por ano.
Justamente em uma dessas visitas, no ano de 1956, Cabral com a colaboração dos
cincos camaradas (Aristides Pereira, Luiz Cabral, Fernando Fortes, Júlio de Almeida e
Elizes Turpan) fundaram o PAIGC, numa reunião clandestina na casa de Aristides
Pereira (IGNATIEV, 1984).
Desde a sua fundação, de 1956 até março de 1972, o PAIGC era um Movimento
Revolucionário de Libertação, cuja sigla era PAI – Partido Africano para a
Independência; depois desta última data, foi transformado em Partido Africano para

29
Pan-africanismo é um movimento político, filosófico e social que promove a defesa dos direitos do
povo africano e da unidade do continente africano no âmbito de um único estado soberano para todos os
africanos, tanto na África como na diáspora (HERNANDEZ, 2005).
30
Este partido, durante muitos anos, foi a única força oposicionista organizada que apoiava as
reivindicações da juventude universitária, às quais os estudantes das colônias africanas também aderiam
ativamente (cf. MATEUS, 1999).
106

Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), através da realização de uma


Assembleia Geral que elaborou a primeira Carta Constituinte da Guiné-Bissau
(IGNATIEV, 1984; NAMONE, 2014).
De acordo com Ignatiev (1984), o objetivo inicial do PAIGC era tentar negociar
pacificamente a independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Com esse intento, o
Bureau Político do Partido enviou ao governo português um memorando, em 1960,
propondo o início da negociação. Entretanto, o governo de Salazar nem pensou em
responder a este apelo e simplesmente ignorou a hipótese, mesmo com a pressão da
Organização das Nações Unidas (ONU) que, no dia 15 de dezembro de 1960, na 15ª
sessão da Assembleia Geral, quando aprovou, por 68 votos a favor, 6 contra e 17
abstenções, a resolução que declarava que “o governo português era obrigado a
apresentar relatórios sobre a situação dos seus territórios coloniais [...], Portugal não
cumpriu a resolução” (IGNATIEV, 1984, p. 164).
Insistindo em busca da negociação pacífica, segundo Ignatiev (1984), o PAIGC
enviou um memorando à ONU e, em seguida, publicou uma nota aberta ao governo de
Portugal, propondo mais uma vez a negociação da entrega pacífica do poder ao povo da
Guiné e de Cabo Verde. Não houve resposta satisfatória do governo português, muito
pelo contrário: o governo reprimia com violência qualquer manifestação dos nativos.
Foi assim que, no dia 3 de agosto de 1959, em Bissau, a manifestação dos estivadores e
marinheiros do porto do Cais de Pindjiguiti, que estavam em greve, culminou num
massacre dos grevistas pela PIDE, que matou a tiros em torno de cinquenta
manifestantes e feriu por volta de cem dos seus integrantes.
Este massacre foi a última gota d’água que fez transbordar o copo. Ou seja,
tratava-se de um sinal evidente de que se esgotava a possibilidade de negociação
pacífica com o regime invasor. Desse modo, o PAIGC foi obrigado a mudar de
estratégia, iniciando assim a mobilização popular para a luta armada, sobretudo das
populações camponesas. Segundo Lopes (1982), a mobilização dos camponeses dos
diferentes grupos étnicos guineenses para a luta armada não era uma tarefa fácil, pois os
dirigentes do PAIGC tinham que convencê-los sobre os motivos que justificariam pegar
em armas contra o colonialismo português. Os dirigentes do partido usavam estratégias
que despertassem a reflexão. Faziam perguntas que levavam as pessoas a recordarem
dos atos violentos e preconceituosos que os colonialistas praticavam contra elas:
107

Era necessário explorar as contradições sociais tais como os trabalhos


forçados, a obrigação do pagamento de impostos, o tratamento racista,
a utilização sexual das mulheres etc. e ao mesmo tempo era necessário
pôr perguntas diretas que provocassem a reflexão: quem constrói as
estradas? A quem beneficia? (LOPES, 1982, p. 24-25).

Foi com esta estratégia que o PAIGC conseguiu o apoio da população dos
diferentes grupos étnicos guineenses para a luta, sobretudo no sul do país, onde há
florestas densas favoráveis à guerra de guerrilhas. Essa região é ocupada
majoritariamente pelos Balantas-Nhacra.
Depois de conquistar o apoio popular, o PAIGC saiu da clandestinidade e adotou
a tática de guerrilha, iniciando assim a ação direta, isto é, a sabotagem contra os
interesses econômicos colonialistas, mediante a destruição de estradas, pontes, redes
elétricas e sistemas de comunicação.
No plano externo, de 1960 a 1962, o partido iniciou a formação dos militantes e
quadros do partido, que contou com o apoio de seguintes países: União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) – atual Rússia –, China, Cuba, Checoslováquia,
República Democrática de Alemanha, Marrocos, Argélia. Esses países, sobretudo, a
Rússia, a China e Cuba, ajudaram não só com a formação dos quadros militares e
políticos do partido, como também deram importante apoio bélico e logístico, dentre os
quais: armas e munições de altas potências, medicamentos, gêneros alimentícios,
médicos, entre outros.
Salienta-se que a Guiné Conacri desempenhou um papel fundamental nessa luta,
uma vez que era o país no qual estava instalada a direção do partido. Com efeito, o
PAIGC iniciou a luta armada em 1963, com um primeiro ataque ao aquartelamento
português de Tite, no sul da Guiné-Bissau. Um ano depois, os portugueses sofreram a
primeira e maior derrota militar, na conhecida batalha de “Komo”, também na região
sul do país. Segundo Lopes (1982),

o ataque durou cerca de três meses e levou à morte 650 homens. Foi a
mais importante batalha da luta armada guineense. Tratava-se de uma
região que o PAIGC já havia libertado e que os colonialistas
pretendiam recuperar, mas o seu fracasso foi total (LOPES, 1982, p.
25).

No mesmo ano de 1964, o PAIGC organizou um importante acontecimento


político no período da luta armada: o primeiro congresso do partido, denominado
Congresso de Cassacá, (realizado na tabanca do mesmo nome, localizado no sul do
108

país, na divisa com a República da Guiné-Conacri). Esse Congresso ocorreu entre 13 e


17 de fevereiro do mesmo ano. O seu objetivo era: 1) organizar as atividades políticas e
armadas do partido, entre as quais a aprovação do programa do partido e a criação da
Força Armada Revolucionária do Povo – FARP; 2) discutir como administrar as regiões
que estavam sendo libertadas, sobretudo no que dizia respeito à educação, à saúde, à
defesa e à segurança e ao abastecimento alimentar; 3) corrigir os erros cometidos por
alguns dirigentes do partido contra as populações e punir os respectivos infratores.
Foi nesse congresso que o partido tomou a iniciativa de dar início ao
cumprimento do seu projeto educativo nas zonas libertadas, através do programa que
estabeleceu, entre outras, as seguintes metas para a educação: a) desenvolvimento
progressivo da educação, desde a básica, a técnica até a universitária; b) liquidação
rápida do analfabetismo; c) liquidação total do complexo criado pelo colonialismo,
especialmente, no que refere à cultural; d) desenvolvimento das línguas nativas e do
crioulo, com a criação da escrita para essas línguas e proteção e desenvolvimento da
literatura e das artes nacionais (CEENC, 1976). Foi assim que, em 1964, após a
realização do Congresso de Cassacá, o PAIGC iniciou a chamada educação alternativa
nas zonas libertadas.
Mas as metas que a elite pensante, ou a elite política revolucionária do PAIGC
(Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luis Cabral e outros dirigentes), pretendia para a
educação na Guiné-Bissau são contraditórias em si mesmas. Por quê? Porque não tem
cabimento falar em “analfabetismo” numa sociedade dominada pela cultura oral como a
de Guiné-Bissau, principalmente, nessa época em que o território vivia a fase amarga da
luta armada e num momento em que mais de 90% da população não tinha acesso à
cultura escrita. A contradição dessa elite ficou mais evidente ainda quando falavam em
liquidação rápida do analfabetismo e em liquidação total do complexo criado pelo
colonialismo, especialmente, no que refere à cultura. A questão é: como acabar com um
complexo criado pelo colonialismo, se o termo “analfabetismo” a que essa elite se refere
é outro complexo usado pelo regime colonialista para justificar a dominação dos outros
povos, principalmente os que têm a oralidade como principal ferramenta de educação?
O que fica evidente é que essa elite, por ser assimilada pela educação lusa, tinha
dificuldade em perceber que os conceitos que usava atendiam apenas à realidade do
conquistador e, portanto, eram e são incompatíveis com a realidade sociocultural da
Guiné-Bissau naquele momento da década de 1970, e que continuam em desacordo com
a realidade atual do país quando se aborda o projeto educacional da nação como um
109

todo, especialmente nesse universo empírico locus de nossa pesquisa, ou seja, as zonas
rurais.
Gostaria, mais uma vez, de chamar a atenção para o fato de que o conceito de
analfabetismo só faz sentido em sociedades pautadas pela cultura escrita. Portanto, é
uma grande contradição usar esse conceito no projeto de educação pensado para Guiné-
Bissau nessa época de luta. Também, não devemos perder de vista que o conceito de
analfabetismo foi um dos pilares utilizados pelos colonialistas para justificar a
dominação dos outros povos, ditos analfabetos, incivilizados ou selvagens e que
precisavam ser basicamente instruídos, ou seja, alfabetizados para assimilarem às
culturas do conquistador dita civilizada.
Voltando ao projeto educativo do PAIGC, importa referir que, para atingir os
objetivos traçados no Congresso de Cassacá, o partido iniciou a criação de instituições
jurídico-administrativas nas regiões que conquistou – isto é, nas Zonas Libertadas (Z.L),
dentre os quais o sistema educativo. A educação nas zonas libertadas tinha como
objetivo contrapor-se à educação lusa, ou seja, era uma resistência e um meio de
transformação administrativa das áreas rurais controladas pelo partido, gerando um
isolamento do sistema dos invasores portugueses.
As escolas implementadas nessas regiões, segundo Cá (2005, p. 48), “na sua
primeira fase estavam representadas pelas escolas do campo, onde se encontravam
crianças esquecidas e rejeitadas pela educação colonial”. Elas eram ensinadas a ler, a
escrever e a contar sem se considerar questões pedagógicas, pois na época não havia
professores com formação pedagógica para realizarem o processo de alfabetização e
letramento. Os professores eram monitores escolares sem formação adequada e eram
orientados a ensinar as crianças a disciplina: “formação militante” e “noções de política
que abriam horizontes de reflexão sobre as razões da luta do país, da África e do
mundo” (ANDRADE, 1981, 125-126).
Desse modo, essa educação funcionava de maneira informal, pois, segundo
Cabral (1979), qualquer pessoa podia ser professor, seja ela dirigente do PAIGC,
combatente do partido, ou qualquer pessoa da comunidade, bastando passar a sua
experiência de vida para os mais jovens. Significa dizer que era uma educação baseada
na tradição oral, através da experiência dos mais velhos (anciãos), mesclando-se com
um elemento da modernidade, isto é, da escrita. Tal educação ocorria embaixo das
árvores, podendo ser de dia ou à noite em volta da fogueira, em barracas improvisadas,
onde o tronco das árvores era usado como cadeiras.
110

Em termos objetivos, essa educação deveria cumprir duas missões fundamentais:


combater a ideologia colonialista e todas as suas práticas nefastas, como também
combater os “aspectos negativos” e prejudiciais das crenças tradicionais, para, assim,
começar uma vida nova (CABRAL, 1979). Para Cabral, a cultura do conquistador teve
como objetivo fundamental “dividir os africanos para melhor reinar” e incutir na sua
mente a cultura europeia, através de uma educação baseada na chamada política de
assimilação.
Nesse sentido, a única saída para Cabral seria trabalhar muito para liquidar os
“aspectos negativos” da cultura do conquistador, como também os “aspectos negativos”
da cultura nativa (CABRAL, 1979). Esse combate só seria realizado através do que ele
chamou de “resistência cultural”, ou seja, um povo que valoriza a sua cultura é capaz de
se mobilizar e se unir na luta para defendê-la (CABRAL, 1979). Por isso, ele caracteriza
a luta armada pela independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde como “fato cultural
e fator da cultura”, porque, para ele, os povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde
souberam unir-se para lutar por uma única causa: expulsar o inimigo comum, o
conquistador português. Dessa forma, Cabral dizia que “todos os que sabem ensinam
aos que não sabem” (CABRAL, 1977, p. 157).
Mas em qual língua essa educação ocorria? Como o PAIGC enfrentou o
problema da língua de ensino nas Z.L. durante a luta e após a independência? É o que
veremos na sessão a seguir.

3.3.1 Impacto da língua portuguesa na educação nas zonas libertadas

Um povo é livre no momento em que adquire a consciência da sua palavra.


(PAULO FREIRE, 2003)

Quando o PAIGC iniciou a luta de independência nas Z.L., os seus combatentes


usavam normalmente, nas reuniões que faziam com as populações, o kriol (a língua
crioula) e as línguas étnicas, seja com ou sem intérprete. Isso dependia da situação
linguística de quem usasse a palavra, levando também em consideração a língua da
tabanca (aldeia) onde a reunião estivesse sendo realizada. No entanto, quando o partido
iniciou a educação nas Z.L, decidiu adotar o kriol como língua de ensino. Pouco tempo
depois, essa língua foi abandonada, através da decisão de Amilcar Cabral – líder do
PAIGC – ao chegar à conclusão de que o kriol dificultava esse processo de ensino que
se pretendia dinâmico, visto que a língua crioula não dispunha de escrita normalizada a
111

ser adotada, e que o país carecia de quadros especializados capazes de normalizar e


fixar a sua escrita. Isso se dava, sobretudo, porque durante os cinco séculos da conquista
portuguesa na Guiné-Bissau, havia um número muito reduzido de guineenses com
formação técnica e superior. Segundo Pereira e Motta (1976, p.106-107), desde 1471 até
1961, “apenas se formaram 14 guineenses com curso superior e 11 de nível médio e
técnico” e não havia professores com formação docente, pois a maioria era jovem que
só tinha a 4ª classe (PEREIRA, MOTTA, 1976, p. 106).
Salienta-se que, mesmo que o partido tivesse professores formados, as
dificuldades de se ensinar crioulo ou línguas étnicas prevaleceriam, porque essas línguas
não tinham, e ainda não têm, escrita formalizada. Além disso, a própria situação
linguística não era considerada como prioridade naquele momento para os combatentes
do PAIGC (NASSSUM, 1994). A prioridade era a unidade da população da Guiné-
Bissau de diferentes etnias e de alguns cabo-verdianos na luta para libertação dos dois
territórios (Guiné-Bissau e Cabo Verde) da dominação imperialista. Sendo assim,
qualquer ideia que incentivasse a diversidade cultural ou linguística seria vista como
ameaçadora ao projeto de “unidade e luta e unidade bi-nacional em dois países que o
partido pretendia realizar” (CABRAL, 1976; 1977; 1978; 1979).
Nesse sentido, Cabral (1979) afirma que pensar o crioulo ou qualquer outra
língua étnica da Guiné-Bissau como língua do ensino seria “oportunismo da cultura”, o
que deveria ser combatido, pois essas línguas não têm as normas escritas e são apenas
usadas na oralidade:

Devemos combater tudo quanto seja oportunismo, mesmo na cultura.


Por exemplo, há camaradas que pensam que, para ensinar na nossa
terra, é fundamental ensinar em crioulo já. Então outros pensam que é
melhor ensinar em fula, em mandinga, em balanta. Isso é muito
agradável de ouvir, os balantas, se ouvirem isso, ficam muito
contentes. Mas agora não é possível. Como é que vamos escrever em
balanta? Quem sabe a fonética do balanta? Ainda não se sabe, é
preciso estudar primeiro mesmo em crioulo. Eu escrevo, por exemplo,
n´ca na bai [não vou]. Um outro escreve n´ka na bai [também não
vou]. Dá na mesma. Não podemos ensinar assim. Para ensinar uma
língua escrita, é preciso ter uma maneira certa de a escrever, para que
todos a escrevam da mesma maneira, senão é uma confusão do diabo
(CABRAL, 1979, p. 101).

Cabral (1979) afirma que a língua crioula será ensinada na Guiné-Bissau, tal
como desejam muitos camaradas do seu partido, mas isso só será realizado depois de
muitos estudos bem feitos a respeito dela. Por enquanto, a língua de ensino no país seria
112

a língua portuguesa, pois, para o autor, todas as línguas são válidas para os guineenses,
tanto a língua portuguesa como a língua crioula e que ninguém é filho mais puro da
Guiné-Bissau, só pelo fato de falar apenas o crioulo:

Mas muitos camaradas, com sentido oportunista, querem ir para frente


com o crioulo. Nós vamos fazer isso, mas depois de estudarmos bem.
Agora a nossa língua para escrever é o português. Por isso que tudo
vale a pena falar-se aqui, tanto o português como o crioulo. Não
somos mais filhos da nossa terra se falarmos crioulo, isso não é
verdade. (CABRAL, 1979, p. 102).

Cabral percebeu de forma clara os problemas reais que seu partido enfrentava
nesse período da luta e seu desdobramento após a independência da Guiné-Bissau. De
fato, trata-se de um território caracterizado por uma diversidade cultural e linguística
muito acentuada, cuja tradição oral é a base da relação social de quase 100% (cem por
cento) da população, que se comunicava com as línguas maternas faladas, sendo todas
ágrafas. Ou seja, o PAIGC teria grandes desafios a enfrentar na educação,
especialmente quando o assunto era a língua de ensino. Diante desses desafios, não
restava dúvidas para o líder do PAIGC de que a língua portuguesa teria que ser a única
de ensino na Guiné-Bissau, até que, depois da independência, o país reunisse as
condições viáveis para ensinar as línguas maternas, especialmente o crioulo (CABRAL,
1979). Para o autor, a língua portuguesa é a única no país com características que a
língua crioula e as étnicas não tinham (a escrita). Além disso, é ela que o país pode usar
para comunicar-se com o mundo, para avançar na ciência e na tecnologia. Cabral (1979)
afirma que a única coisa que nós, os guineenses e os cabo-verdianos, podemos
agradecer aos “tugas”31 – os portugueses – depois de ter roubado tanto na nossa terra, é
o fato de estes nos “deixarem a sua língua”, o que “é uma honra”.
Para tal, Cabral (1979) chama atenção aos camaradas do seu partido que, para
levar o povo à frente e avançar na ciência, o português teria que ser a língua do ensino
na Guiné-Bissau, até que se estabelecessem as regras gramaticais para o crioulo. Ele
concluiu dizendo que se ensinassem aos alunos guineenses como o crioulo surgiu da
língua portuguesa e das línguas africanas. Isso facilitaria a aprendizagem da língua
lusitana.

31
Tugas é o termo designativo de “português” em Guiné-Bissau.
113

Nós, Partido, se queremos levar para frente o nosso povo durante


muito tempo, [...] para escrevermos, para avançarmos na ciência, a
nossa língua tem que ser o português. [...] Até um dia em que de facto,
tendo estudado profundamente o crioulo, encontrando todas as regras
de fonéticas boas para o crioulo, possamos passar a escrever o crioulo.
[...] Se nas nossas escolas ensinamos aos nossos alunos como é que o
crioulo vem do português e do africano, qualquer pessoa saberá
português muito mais depressa. O crioulo prejudica quem aprende o
português, porque não sabe qual é a ligação que existe entre o
português e o crioulo, mas se se conhecer a ligação que há isso facilita
aprender o português (CABRAL, 1979, p.105-106).

Segundo Nassum (1994), após o líder do PAIGC chegar a esta conclusão, o


Partido optou pela adoção do português, a única língua na Guiné-Bissau com qualidades
que faltavam ao kriol. De acordo com C.E.E.N (1976), apesar de o partido optar pela
adoção do português como a língua de ensino, as consequências de seu uso logo se
fizeram sentir: “sua limitação na expressão livre; na transmissão do conhecimento
adquirido; na aprendizagem das várias matérias, no aparecimento de um novo modo de
expressão linguística fruto da interferência do crioulo no português” (EDUCAÇÃO Nº
4, C.E.E.C, 1976, p. 21). Ou seja, do mesmo modo que o PAIGC teve dificuldade de
ensinar em crioulo, teve em ensinar língua portuguesa, na medida em que essa língua
não faz parte da comunicação e das relações sociais das populações das Z.L, que o
partido controlava. Isso significa dizer que a língua portuguesa era praticamente
desconhecida nessa região, pois as populações que ali residiam se comunicavam usando
apenas as suas línguas étnicas ou a língua crioula – a qual era utilizada quando a
comunicação ocorria entre pessoas de etnias diferentes ou no contato entre pessoas da
zona rural e de centros urbanos.
Essa problemática ou essa ambiguidade nos leva a colocar as seguintes questões:
tendo em conta que as relações sociais ou as práticas sociais nas Z.L eram 100% (cem
por cento) baseadas na tradição oral, onde cada etnia falava a sua língua, tendo o crioulo
como a língua de comunicação inter-étnica, de que modo o PAIGC ensinaria uma única
língua que a população dessa região desconhecia – a LP? Quais foram às consequências
do ensino da LP nas Z.L? Como a etnia Balanta, a mais representativa nessa região, e
que também marcou a maior presença na luta de independência da Guiné-Bissau, lidou
com essa educação? E quais são as consequências da língua portuguesa na educação
escolar guineense atualmente, especialmente na etnia Balanta? Essas e outras questões
relacionadas a elas formam a espinha dorsal dessa tese, portanto, serão anlisadas com
profundidade ao longo do seu desenvolvimento.
114

No que diz respeito às Z.L., a literatura aponta que o ensino na língua portuguesa
teve dificuldade de se afirmar nessas zonas e essa dificuldade persiste no país até o
momento atual, visto que tanto os professores como os estudantes não tinham e ainda
não têm domínio desse idioma, especialmente a sua estrutura gramatical, uma vez que
não é a que os guineenses usam no dia a dia em casa (PEREIRA, 1976, ALMEIDA,
1981; FURTADO, 2005; CÁ, 2005; CANDÉ, 2008; CRUZ, 2013; NAMONE;
TIMBANE, 2017). Até o presente, as tradições orais, as línguas étnicas e o crioulo
continuam fazendo parte da comunicação cotidiana desses estudantes e dos professores,
o que impede o domínio da língua portuguesa.
A maioria dos estudantes nas Z.L. era formada por filhos de combatentes em luta
e os órfãos de guerras (como, por exemplo, os filhos dos combatentes balantas). Esses
estudantes não falavam a língua portuguesa, pois nasceram e cresceram nas suas
tabancas, localizadas nas zonas rurais, nas quais só falavam a língua da sua etnia e um
pouco de crioulo. Os que tinham domínio da LP eram filhos de dirigentes do PAIGC –
Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luiz Cabral e outros que passaram pelo processo de
assimilação através da educação lusa –, a maioria de origem cabo-verdiana, os quais já
falavam a língua portuguesa em casa. O que significa dizer que os filhos dos dirigentes
do Partido teriam maior facilidade de apreender as matérias ensinadas em língua
portuguesa em comparação aos filhos dos combatentes oriundos das comunidades
rurais, onde essa língua é desconhecida.
Bourdieu (1998) problematiza essa questão quando afirma que os filhos dos pais
com maior capital cultural adquirido pelos estudos têm maior chance de obter bom
rendimento e de se destacarem na escola, em comparação aos filhos cujos pais são
desprovidos desse capital. Contudo, é uma tendência, o que não quer dizer que seja
regra geral, pois depende também do esforço e de grau de inteligência de cada pessoa.
Por exemplo, na Guiné-Bissau há muitos estudantes oriundos do interior, cujos pais são
desprovidos de capital cultural (na perspectiva bourdienana), que se destacam na escola
mais do que os da cidade, cujos pais são mais escolarizados.
No caso específico da etnia Balanta-Nhacra residente no sul do país, que
também participou massivamente na luta de independência, apesar de um número
considerável dos seus filhos ingressarem na educação das Z.L, grande parte deles teve
dificuldade de progredir, porque enfrentava dificuldades em aprender LP. Essa
dificuldade somada a outras questões culturais (tais como ajudar na lavoura) obrigavam
muitos a abandonar os estudos. Nesse sentido, para muitos pais, a educação formal,
115

entendida por eles como de brancos, não tinha sentido real para suas vidas. O que tem
sentido para eles é o trabalho no campo (lavoura e todos os trabalhos ligados à vida da
comunidade – tabanca). Por isso, muitos pais preferiam que seus filhos estivessem na
lavoura e não na escola. Muito embora, hoje em dia, a percepção esteja mudando, pois
muitos pais, sobretudo os mais jovens, descobriram a importância da escola para o
futuro dos seus filhos, fato que os motiva a matricularem seus filhos na escola.
A seção a seguir foi dedicada à análise descritiva do grupo étnico Balanta da
Guiné-Bissau, especificamente, os Balantas-Nhacra residentes na região de Tombali –
sul do País – com destaque à sua produção de existência material (agricultura e
pecuária) e imaterial (ritos de iniciação, casamento e cerimônias fúnebres).
116

4 OS GRUPOS ÉTNICOS DA GUINÉ-BISSAU: CULTURA MATERIAL E


IMATERIAL ENTRE OS BALANTAS-NHACRA

Antes de descrever os grupos étnicos que compõem a Guiné-Bissau,


especialmente os Balantas, com destaque específico para os Balantas-Nhacra, é
importante fazer a descrição analítica das teorias da etnicidade, grupos étnicos e
identidade étnica, dialogando com Barth (1969, apud POUTIGNAT & STREIFF-
FERNART, 2011); Cunha (1987) Cuche (2002) e outros autores.

4.1 Teoria da etnicidade, de grupos étnicos e de identidade étnica

Segundo Poutignat e Streiff-Feanrt (2011), os conceitos de etnicidade, grupo


étnico e identidade étnica passaram por uma trajetória de grandes transformações na
segunda metade do século XX, especialmente, a partir da linhagem fundada por Fredrik
Barth na década de 1960. No texto introdutório da obra coletiva publicada sob sua
direção em 1969, intitulada “A organização social da diferença de cultura”, Barth
(1969) teceu duras críticas aos conceitos de grupo étnico, etnicidade e identidade étnica
usados pelos antropólogos até no período acima citado. Na literatura antropológica até
então, o termo grupo étnico era geralmente entendido para designar uma população que:

1) perpetua-se biologicamente de modo amplo; 2) compartilham


valores culturais fundamentais, realizados em patente unidade nas
formas culturais; 3) constitui um campo de comunicação e de
interação; 4) possui um grupo de membros que se identifica e é
identificado por outros como se constituísse uma categoria
diferenciável de outras categorias do mesmo tipo (BARTH 1969, apud
POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 2011, p. 189-190).

Barth (1969) considera essa definição como ideal e “não muito diferente em seu
conteúdo da proposição tradicional que postula uma raça = uma cultura = uma
linguagem = uma sociedade = uma entidade que rejeita ou discrimina outras” (apud
POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 2011, p. 191). Para ele, os grupos étnicos não são
unidades sociológicas discretas, nem unidades sociais estruturadas em torno de traços
culturais distintivos, portadores da especificidade grupal.
Na definição de Barth, os grupos étnicos são vistos como uma forma de
organização social que se identifica e é identificado por outros como se constituísse uma
117

categoria diferenciável de outras categorias do mesmo tipo. Ou seja, o que define o


grupo étnico é:

a característica da auto-atribuição ou da atribuição por outros a uma


categoria étnica. Uma atribuição categórica é uma atribuição étnica
quando classifica uma pessoa em termos de sua identidade básica mais
geral, presumivelmente determinada por sua origem e seu meio
ambiente. Na medida em que os atores usam identidades étnicas para
categorizar a si mesmos e outros, com objetivo de interação eles
formam grupos étnicos nesse sentido organizacional (BARTH 1969,
apud POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 2011, p. 193-194).

Barth trabalha com uma concepção dinâmica e política da etnicidade, conforme


a qual a identidade étnica (ou qualquer identidade coletiva) é construída e transformada
na interação entre grupos sociais, através de processos de exclusão e inclusão,
estabelecendo limites ou fronteiras entre tais grupos e definindo os seus integrantes.
Nesta perspectiva, “a identidade é uma construção que se elabora em uma relação que
opõe um grupo aos outros com os quais mantém contato” (BARTH, 1969 apud
CUCHE, 2002, p. 182).
O ponto central da tese de Barth assenta-se na ideia das fronteiras étnicas. Para
ele, o que define o grupo étnico não é a matéria cultural, como acreditavam os
antropólogos seus antecessores, mas sim,

as fronteiras étnicas, pois, elas canalizam a vida social, elas acarretam


[...] uma organização muito complexa das relações sociais e
comportamentais. Também, as situações de contacto social entre
culturas diferentes estão implicadas na manutenção da fronteira étnica
(BARTH 1969, apud POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 2011, p.
195-196).

Barth (1969), citado por Poutignat e Streiff-Fernart (2011), critica as concepções


que defendem o isolamento geográfico e social como principal fator explicativo para
manutenção das fronteiras étnicas. Para ele:

A manutenção das fronteiras não resulta do referido isolamento, mas


sim, da própria inter-relação social, pois quanto maior a interação,
mais patente ou marcado será o limite étnico. As fronteiras persistem
apesar do fluxo de pessoas que a atravessam. Em outras palavras, as
distinções de categorias étnicas não dependem de uma ausência da
mobilidade, de contato ou de informação. Mas, acarretam processos
de exclusão e de incorporação pelos quais categorias discretas são
118

mantidas (BARTH 1969, apud POUTIGNAT; STREIFF-FERNART,


2011, p. 188).

Na verdade, o que interessa para Barth nessa parte não é o conteúdo cultural,
pois, para ele, a cultura não é a causa principal e, sim, a consequência, ou seja, o
resultado. O importante para ele é o limite negociado pelo grupo étnico em contextos
precisos, ao desenvolver sua interação com os demais (POUTIGNAT; STREIFF-
FERNART, 2011).
Essa perspectiva interacionista, defendida por Barth, tem como objetivo
ultrapassar a oposição entre as concepções objetivista e subjetivista da identidade
(CUCHE, 2002). Segundo o autor, a perspectiva objetivista concebe a identidade a
partir de certos critérios considerados objetivos, tais como: “origem comum (a
hereditariedade, a genealogia), a língua, a cultura, a religião, a psicologia coletiva (a
personalidade básica), o vínculo com um território etc.” (CUCHE, 2002, p. 180).
Portanto, um grupo sem estes elementos não pode reivindicar uma identidade cultural
autêntica.
Ao contrário, a concepção subjetivista entende a identidade como sentimento de
vinculação ou identificação a uma coletividade imaginada. Para esta perspectiva, “a
identidade é uma questão de escolha individual arbitrária: cada indivíduo seria livre para
escolher suas identificações” (CUCHE, 2002, p. 180).
De acordo com Cuche (2002), a perspectiva interacionista defendida por Barth
recusa a assumir uma das duas concepções, pois para essa corrente teórica,

adotar uma abordagem puramente objetiva ou puramente subjetiva da


identidade seria fazer abstração do contexto relacional em que ela se
constitui. Somente o contexto relacional pode explicar o porquê, por
exemplo, em um dado momento tal identidade é afirmada ou, ao
contrário, reprimida (CUCHE, 2002, p.182).

De acordo com Cuche (2002), Barth (1969) define a identidade étnica como um
modo de categorização utilizado pelos grupos para organizar as suas trocas. Para este
último,

o importante não é inventariar traços culturais distintivos para


descrever a identidade de um grupo, mas localizar aqueles que são
utilizados pelos membros deste grupo para afirmar e manter uma
distinção. Uma cultura particular não produz por si só uma identidade
diferenciada; esta resulta unicamente das interações entre os grupos e
119

os procedimentos de diferenciação que eles utilizam em suas relações.


[...] Em consequência disso, os membros de um grupo não são vistos
como definitivamente determinados por sua vinculação étnico-
cultural, pois eles são os próprios atores que atribuem uma
significação a esta vinculação, em função da situação relacional em
que se encontram. Portanto, a identidade se constrói e se reconstrói
constantemente no interior das trocas sociais (BARTH, 1969, apud
CUCHE, 2002, p. 182-183).

Barth (1969) argumenta ainda que “o que cria fronteiras entre grupos étnicos não
é a diferença cultural, mas sim a vontade de se diferenciar e o uso de certos traços
culturais como marcadores de uma identidade específica” (BARTH, 1969 apud
CUCHE, 2002, p. 200). De acordo com este autor,

as fronteiras etno-culturais são demarcações sociais susceptíveis de


serem constantemente renovadas pelas trocas. Portanto, elas não são
imutáveis, pois qualquer mudança na situação social, econômica ou
política pode provocar deslocamentos de fronteiras (BARTH, 1969
apud CUCHE, 2002, p. 201).

Essa concepção relacional da etnicidade, defendida por Barth foi criticada por
alguns antropólogos contemporâneos. Por exemplo, Poutignat & Streiff-Fenart (2011)
consideram que o ponto fraco de Barth é que ele usa os conceitos de organização e de
interação social de forma muito geral, para analisar todo tipo de identidade coletiva
(religiosa, política, familiar, de classe social, de geração, etc.), isto é:

Toda vez que está em causa à relação entre “eles” e “nós”. É aí que se
apaga a própria noção de etnicidade: continua sem resposta a questão
de saber o que é especificamente “étnico” na oposição entre “eles” e
“nós” e nos critérios de pertença que fundam esta oposição.
Certamente Barth concorda que traços culturais diferenciadores
traçam a linha de demarcação entre grupos étnicos, mas pouco lhe
importando quais, uma vez que podem variar no decorrer do tempo e
ao sabor das interações com outros grupos (BARTH, 1969, apud
POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 2011, p.12).

Por outro lado, Manuela Carneiro da Cunha (1987), apesar de defender esta
concepção, referente ao fato de que a etnicidade é uma organização eminentemente
política utilizada pelos grupos étnicos para marcar a sua identidade, ela critica a ideia
interacionista, segundo a qual a etnicidade é uma retórica, utilizada por um grupo para
marcar as suas fronteiras perante os outros em contato. Cunha (1987) defende que a
etnicidade tem o importantíssimo significado para grupos que operam politicamente
120

como categorias que selecionam para demarcar sua identidade. Portanto, ela se apóia na
idéia de Lèvi-Strauss, segundo a qual “os traços culturais selecionados por um grupo ou
fração de uma sociedade não são arbitrários, embora sejam imprevisíveis” (LÈVI-
STRAUSS, 1958 apud CUNHA, 1987, p. 103).
A autora vai ainda mais a fundo na questão para mostrar como a cultura joga um
papel importante no fenômeno chamado etnicidade. Para ela, a etnicidade não é
aleatória, mas sim uma linguagem, não no sentido de remeter a algo fora dela, mas no
de permitir a comunicação no sentido antropológico do termo. Isto é, a etnicidade é uma
representação que permite a comunicação entre os grupos étnicos numa determinada
sociedade, na qual este fenômeno se opera. Segundo a autora, a etnicidade é uma forma
de organização política utilizada pelos grupos étnicos em intenso contato. Enquanto
forma de organização política, ela só existe em um meio mais amplo (daí a sua
exacerbação em situações de contato muito próximo com outros grupos), e é esse meio
mais amplo que fornece as categorias dessa linguagem (CUNHA, 1987).
Ao contrário de Barth, Cunha (1987) destaca a importância da cultura nesse
cenário. Segundo ela, a cultura original de um grupo étnico na diáspora ou na situação
de intenso contato não se perde ou se funde simplesmente, e sim adquire uma nova
função e que se acresce a outras, enquanto se torna cultura de contraste. Nesse novo
processo, a cultura tende a se acentuar, tornando-se mais visível, e a se simplificar,
reduzindo-se a um número menor de traços que se tornam diacríticos.
A autora dá ênfase à língua, afirmando que a língua de um povo é um sistema
simbólico que organiza sua percepção do mundo, portanto, ela serve como elemento
diferenciador por excelência, como se revela na importância conferida aos “dialetos 32”
na organização dos movimentos separatistas. E destaca: “não é à toa que os movimentos
separatistas enfatizam dialetos e os governos nacionais combatem o polilinguismo
dentro das suas fronteiras” (CUNHA, 1987, p. 99-100). Portanto, alguns traços culturais
são selecionados pelos grupos étnicos para marcarem a sua identidade.
Cunha (1987) reconhece que o problema do uso da etnicidade levanta muitas
polêmicas, na medida em que toca diretamente na questão da adequação da identidade

32
Em casos como esse, utilizamos o conceito de línguas étnicas em vez de “dialetos”, pois, de acordo
com os linguistas, especificamente os sociolinguístas, o conceito de “dialeto” tem sido utilizado como
estereótipo para classificar as línguas das minorias étnicas como inferiores. O que para eles é um
preconceito linguístico que vem reforçando intolerância linguística. De acordo com os sociolíngustas,
todas as línguas são válidas como tais (cf. NGUNGA, 2007, BAGNO, 2009b, TIMBANE, 2013, entre
outros).
121

étnica como autoconsciência de grupos. E, portanto, subentende juízos de valor e


questões de legitimação, tanto de tais organizações quanto de estudos sobre elas
(CUNHA, 1987). Para a autora, “a etnicidade é uma categoria nativa, isto é, usada por
agentes sociais para os quais ela é relevante” (CUNHA, 1987, p. 107). No seu ponto de
vista, é um equívoco considerar a etnicidade uma categoria desprovida do sentido real,
como tem sido feito por autores interacionistas.
A autora critica que a linguagem em que se expressa a etnicidade não pode ser
reduzida a simples retórica, que lhe seja exterior, mas é uma linguagem dada
simultaneamente com a realidade que expressa, no meio de alguns grupos sociais que
operam com esta categoria. Ela chama atenção para o fato de se lembrar do respeito que
cada país deve à diversidade cultural dos povos que o compõem (CUNHA, 1987).
Na sua crítica a teoria barthiana da etnicidade, Villar (2004), considera que:

Talvez a prova mais contundente da importância da teoria barthiana da


identidade étnica seja a quantidade de defesas e críticas granjeadas ao
longo do tempo. Trata-se, sem dúvida, de um marco na teoria
antropológica. É indiscutível sua relevância na fundamentação
teórico-metodológica da etnicidade (Wallman 1991; Briones e Siffredi
1989; Cohen 1978) nas pesquisas sobre suas implicações pragmáticas
ou políticas (Morin e Saladin D'Anglure 1997; Fenton 1999) e,
inclusive, nos estudos de caso (Skar 1997). Mas justamente por sua
enorme difusão, vejo-me obrigado a opor-lhe alguns reparos. As
formulações barthianas encobrem, ou melhor, sustentam-se sobre uma
peculiar concepção das relações entre o ser humano e sua vida em
sociedade. Não podemos aceitar sem mais a idéia de um ator que
“opta” ou “escolhe” em cada contexto uma identidade étnica, para
abandoná-la tão logo que ela lhe resulte inconveniente (VILLAR,
2004, p. 183-184).

Na nossa leitura, a perspectiva barthiana da etnicidade é elaborada tendo como a


base empírica um grupo étnico específico pesquisado por ele, portanto, essa concepção
é limitada. Para Barth, “na medida em que os atores usam identidades étnicas para
categorizar a si mesmos e aos outros, com objetivo de interação eles formam grupos
étnicos nesse sentido organizacional” (BARTH 1969, apud POUTIGNAT; STREIFF-
FERNART, 2011, p. 193-194). No nosso ponto de vista, essa teoria é usada de forma
generalizada, mas, na verdade, não dá conta das culturas específicas e dos diversos
grupos étnicos, como, por exemplo, os diferentes grupos étnicos da Guiné-Bissau.
122

4.2 Os grupos étnicos da Guiné-Bissau: diversidade em tela

A Guiné-Bissau é um país constituído por diversos grupos étnicos, compostos a


partir de diferentes troncos genealógicos que os identificam. Dentre esses grupos, há
também divisão em subgrupos, sendo que cada um apresenta suas respectivas tradições
culturais, suas línguas e suas estruturas sociais.

Quadro 3: Os grupos e subgrupos étnicos da Guiné-Bissau

Fonte: Lino Bicari (1990, p. 6).


123

Mapa 7: Mapa etnográficoda Guiné-Bissau com os principais grupos étnicos e as regiões em


que se localizam

Fonte: Lino Bicari (1990, p. 5).

Ao descrever os grupos étnicos na Guiné-Bissau, Lepri (1986) divide-os em três


categorias, como se seguem:
a) O grupo dos indígenas (aborígenes);
b) Os grupos de influência árabe; e
c) O grupo dos assimilados.
Segundo o autor, o primeiro grupo pode ser dividido em dois subgrupos: os da
organização social de tipo “horizontal” ou “comunitária” e os de tipo tributária:

O grupo dos indígenas (aborígenes), o mais heterogêneo,


representado por grupos étnicos com valores, organização e modo de
produção próprios, que podem ser agrupados em dois subgrupos: i) os
de organização social de tipo horizontal, “comunitária”: os Balanta e
os seus subgrupos; os Banhus, os Felupes e os Baiotes (Diolas), os
Biafadas; ii) os de organização de tipo “tributária”, do grupo dos
Brames, Manjacos e Pepéis (LEPRI, 1986, 63).

O autor enfatiza com maior detalhe a organização sociopolítica destas três etnias
Bijagós, Balantas e Banhus, dizendo o seguinte:

Os Bijagós, embora eles pertençam ao subgrupo com organização


social de tipo horizontal, têm características próprias, pois são os
únicos que se baseiam no sistema matrilinear. Os Bijagós encontram-
124

se no processo de transição para sociedades classistas. Os Balantas,


[...] representam uma sociedade tipicamente horizontal em que a
autoridade máxima é o chefe da Tabanca. Porém, as suas
prerrogativas não são superiores aos outros membros. São também os
maiores produtores de arroz. Uma grande parte dos Balantas foi
sujeita ao fenómeno de mandinguização, convertendo-se ao Islão e
adoptaram o nome de Manes, daí os Balantas-Manés. O outro grupo
afetado por essa aculturação foram os Banhus, hoje praticamente em
desaparecimento. Os grupos étnicos representados nos dois subgrupos
praticam religiões africanas e foram designados genericamente por
“animistas” pelos europeus, não possuindo uma escrita própria. Usam
frequentemente as suas línguas étnicas entre si nas suas tabancas
(LEPRI, 1986, 63).

O segundo grupo é composto por grupos étnicos Fulas e Mandingas e têm como
principal característica a fé islâmica. De acordo com o autor, eles são:

Grupos de influência árabe, constituído pelos Fulas e Mandingas,


cujas organizações mais impressionaram os colonialistas. Os Fulas
utilizam uma escrita com caracteres árabes. São grupos de religião
muçulmana e as suas sociedades funcionam com base nos princípios
do Alcorão. Esses grupos representam sociedades organizadas e
hierarquizadas com base em princípios familiares, político-religiosos e
profissionais. Possuem um artesanato bastante desenvolvido. Falam
preferencialmente as suas línguas étnicas entre si nas suas tabancas
(LEPRI, 1986, 63-64).

Já o terceiro grupo, no ponto de vista do autor é formado por aqueles resultantes


de influência do processo de conquista portuguesa no território da Guiné-Bissau, ou
seja, os assimilados. Eles são constituídos por:

Funcionários superiores, médios, assalariados, pequenos funcionários,


empregados de comércio e pequenos proprietários agrícolas, resultam
de influências dos europeus, sobretudo portugueses, e representa uma
minoria, localizada fundamentalmente em Bissau. Praticam a religião
cristã, utilizam a escrita e a língua portuguesa. Foi no seio desse
pequeno grupo que nasceu o movimento para a libertação nacional,
organizado e conduzido por Amílcar Cabral (LEPRI, 1986, 64).

É importante destacar que Lepri (1986) fez essa descrição dos grupos étnicos da
Guiné-Bissau baseando-se na teoria formulada por Amilcar Cabral, segundo a qual o
que explica diferentes formas de participação dos grupos étnicos do país na luta pela
independência se relaciona com a organização sociopolítica de cada um. Nesse sentido,
para Cabral (1978), alguns grupos são de organização social de tipo horizontal, cuja
relação social funciona de maneira igualitária, sem hierarquia de poder, de líder e
125

liderados, como por exemplo, os Balantas, os Felupes; há outros de estrutura social de


tipo vertical, ou seja, hierárquicas, a exemplo de Fulas e Mandingas; enquanto outros
apresentam organização social intermediárias, dentre eles, os Manjacos, Mancanhas e
Pepeis. Com o efeito, segundo o autor, os grupos cuja organização sociopolítica é de
tipo “horizontal”, como os Balantas, participaram massivamente na luta, porque não
queriam se submeter ao poder dos colonialistas, ou seja, são iguais e querem continuar
sendo iguais na sua terra. Ao passo que os da estrutura social de tipo vertical, como
fulas, segundo o autor, aliaram-se ao conquistador devido a sua organização social
baseada na hierarquia de poder.
Consideramos que essa teoria nada mais é do que ponto de vista pessoal de
Amilcar Cabral, pois ela carece de um estudo empírico consistente, baseado na
observação participante junto desses grupos étnicos. Só um estudo empírico sério sobre
os referidos grupos étnicos pode confirmar ou refutar essa teoria. Mas, infelizmente, até
hoje nenhum estudo confiável foi realizado nesse sentido.
É de salientar que os recenseamentos da população por habitação, que vêm
sendo efetuados na Guiné-Bissau após a independência até hoje, deixam muito a
desejar, visto que o Instituto Nacional de Estatística e Censo (INEC), que é a instituição
responsável por realizar esse estudo, vem se deparando com dificuldades de várias
ordens, entre os quais: a falta de recursos financeiros, humanos e logísticos e,
principalmente, a instabilidade política com que o país vem se deparando até hoje. Esses
fatos inviabilizam a realização de um recenseamento geral da população com vistas à
produção de dados estatísticos credíveis. Por exemplo, dois recenseamentos gerais de
população e habitação realizados, em 1979 e em 1991, pelas autoridades nacionais, são
na verdade atualização dos dados de recenseamentos feitos pelos conquistadores
portugueses nas últimas décadas antes de início da luta de libertação (NOBREGA,
2003).
Entretanto, apesar de não serem dados confiáveis, são as únicas bases de
informações oficiais que temos para usar como referência. Nesse sentido, segundo o
recenseamento geral da população e habitação, realizado pelo Instituto Nacional de
Estatistica e Censo (INEC, 1991), os grupos étnicos com importância numérica são
Balantas 26%; Fulas33 25,4%; Mandinga 13,7%; Manjacos 9,2%; Papeis/Pepeis, 9,2%;
Mancanhas/Brames 3,54%; Beafadas 3,2%; Bijagós, 2,1%; Felupes 1,43%, Nalús e

33
Atualmente, os Fulas são a maioria no país, tendo em vista a imigração de grande contigente deles
vindos principalmente da vizinha Guiné Conacri.
126

Sossos 1,2% e outros34, 5,3%. Os grupos minoritários no país são: Pajadincas, Banhus,
Bambarás, Bagas, Cassancas entre outros em estado de extinção (INEC, 1991). Esses
dados nos deixem com certas dúvidas, visto que a “miscigenação étnica atingiu um
nível consideravel” no país, derivado de casamentos interétnicos (CARDOSO, 1995, p.
279). Portanto, é impossível falar de grupo étnico no país sem levar em consideração
esse fenômeno.
Portanto, o nosso intuito nessa seção é falar dos Balantas, sua subdivisão e sua
organização sociopolítica, com ênfase nos Balantas-Nhacra, sem pretendermos ser
essencialistas, ou seja, levando em consideração a existência da miscigenação étnica no
país.

4.2.1 Os Balantas da Guiné-Bissau: divisão em subgrupos e a organização


sociopolítica

O grupo étnico Balanta (BRASSA na língua balanta) encontra-se localizado na


África Ocidental, especificamente na região que compreendem os seguintes países:
Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Gâmbia e Senegal.
Os estudos sobre a origem dos Balantas são ainda incipientes, fato que exige
novas pesquisas. A fonte que tivemos acesso aponta que os arqueólogos creem que o
povo que viria a ser os Balantas migrou para a atual Guiné-Bissau em grupos pequenos
entre os séculos X e XIV d.C. Durante o século XIX, espalharam-se ao longo da área do
mesmo país e ao sul do Senegal, de forma a resistirem à expansão do reino de Gabu 35.
Segundo a fonte citada em nota de rodapé, a tradição oral entre os Balantas diz que estes
migraram para o oeste africano desde a área onde são hoje o Egito, o Sudão e a Etiópia
para escapar da seca e das guerras. São majoritariamente agricultores e criadores de
gado, principalmente vacas e porcos.
Os Balantas da Guiné-Bissau são divididos em seis subgrupos: a) Balantas-
Cuntohe, ou Balantas Bravos (Brassa Bintohe – na língua balanta); b) Balantas-
Nhacra36 ou Balantas de dentro (Brassa Buungue); c) Balantas-Patch ou Balantas de
Fora; d) Balantas-Naga (Binaga); e) Balantas-Mansoanca ou Cunante (Bishane) e f)

34
Percentagem acrescentada por Nóbrega (2003), sem citar os respectivos grupos étnicos.
35
Cf. «Kultur Balanta». West AfricanLanguagesandCultures. Disponível em:
<https://web.archive.org/web/20150414065301/http://www.laaf.me/en/culture/balante.php>. Acesso em
12abril de 2019.
36
Nhacra é nome de uma pequena cidade localizada na região de Oio.
127

Balantas-Mané ou Balantas-Bijaa (Brassa Bissonh) – estes últimos foram dominados e


submetidos pelos Mandingas do Reino de Káabu à religião islâmica, passando adquirir
sobrenome Mané – que pertence à algumas famílias Mandingas, daí o nome Balantas-
Mané. A referida dominação é conhecida na literatura historiográfica como
Mandiguização (LEPRI, 1987).
Sobre esse assunto, Cabral (1978, p. 124) refere-se que “na nossa terra muitos se
tornaram fulas: os mandingas antigos viraram fulas”. E segue o autor falando da
aculturação feitos pelos mandingas a outros grupos étnicos bissau-guineenses:

Os mandingas mesmo, que vieram, conquistaram até a região de


Mansoa e mandiguisaram as pessoas, transformaram-nos em
mandingas. Os Balantas recusaram-se e muita gente diz que a própria
palavra balanta significa aqueles que recusam. O balanta é aquele que
não se convence, que nega. Mas, não recusou tanto, porque existe o
balanta-mane o mansoaner. Sempre aparecem alguns que aceitaram e
foram aumentando aos poucos, aceitaram ser muçulmanos. Balantas,
papel, mancanha etc., era tudo gente do interior da África que os
mandingas empurraram para junto do mar (CABRAL, 1978, p. 124).

É de se ressaltar que as principais diferenças entre os Balantas estão


localizadas na língua (sotaques, que são diferentes de um subgrupo para outro,
principalmente os Balantas-Mansoanca que falam a língua totalmente diferente da dos
outros Balantas) e nas práticas religiosas (com destaque para os Balantas-Mané que
praticam a religião islâmica, enquanto os outros praticam principalmente as religiões
tradicionais africanas). Muito embora, atualmente, haja muitos Balantas Católicos,
Evangélicos e Muçulmanos.
Na Guiné-Bissau, os Balantas se encontram localizados, principalmente, nas
regiões Norte e Sul, com um número reduzido no Leste, especificamente na região de
Bafatá, na qual estão presentes Balantas-Nhacra e Balantas-Cuntohe. Os maiores
grupos étnicos dessa região são Fulas e Mandingas. No Norte, os Balantas ocupam as
regiões OIO e CACHEU. A região de OIO, concretamente nos setores de Nhacra,
Mansoa, Mansaba e Farim, é fortemente habitada pelos Balantas-Nhacra (Brassa
Buhungue37) e pelos Balantas-Mansoanca (Bishane), embora haja a presença de outros

37
Importante explicar que termo Buhungue acima mencionado significa na língua balanta nome de um
tipo de passarinhos migratórios, que vivem em grupos e se alimentam principalmente de arroz. Acredita-
se que o nome Buungue de Brassa Buhungue é atribuído aos Balantas-Nhacra em função de sua forte
migração de Norte, - região de OIO para Sul (TOMBALI) em busca de terras favoráveis à prática de
agricultura. Pois, os Balantas Nhacra são os que mais migram internamente em busca de melhores terras
para lavoura de arroz (Máalu na língua balanta)
128

grupos étnicos, tais como Mandingas, Fulas, Pepeis etc. Já os Balantas-Cuntohe


concentram-se em grande número no setor de Bissorã.
Na região de CACHEU, encontram-se Balantas-Patch, Balantas Naga e
Balantas-Mané em número considerável, concretamente, no setor de Bula, Engoré e São
Domingo. Contudo, a região é habitada majoritariamente pelos grupos étnicos
Manjacos e Mancanha. O Sul do país, concretamente, nas regiões de QUINARA e
TOMBALI, é majoritariamente habitado pelos Balantas-Nhacra e um número reduzido
de Balantas-Cuntohe, sobretudo, na última região. Apesar de QUINARA ser
considerada terra de grupos étnicos Biafadas e TOMBALI dos Nalus, segundo Cardoso
(2002, p. 31), “o grupo étnico Balanta hoje constitui a população maioritária
[majoritária] no sul, a região para onde começaram migrar no final de século XIX, a
partir da região de Oio, no Norte”.
Os Balantas são conhecidos como um grupo étnico cuja organização sócio-
política é composta de forma “horizontal”, igualitária, sem hierarquia de poder, isto é,
sem um chefe máximo (CABRAL, 1978). A sua sociedade é organizada e dirigida pelo
conselho dos homens e mulheres grandes, isto é, os anciãos e as anciãs.
Vejamos a explicação de Amilcar Cabral sobre a organização sócio-política de
alguns grupos étnicos da Guiné-Bissau. Cabral (1978, p. 101) afirma que “a análise da
situação social da Guiné-Bissau serviu de base à luta de libertação nacional”. Nessa
análise, o autor classifica a organização sócio-política dos grupos étnicos da Guiné-
Bissau em quatro categorias, sendo que a primeira e a segunda formam pólos opostos.
Segue a classificação:
1. Os grupos étnicos com estrutura sócio-política “semi-feudal38”, representados
pelos Fulas e Manjacos que apresentam uma organização social estruturada de forma
“vertical”, ou seja, em forma de pirâmide: chefe máximo (régulo), nobres e
subordinados, entidades religiosas, artesões e os dioulas ou comerciantes ambulantes e,
por último, os súditos – os camponeses (CABRAL, 1978):

Pode verificar-se, mesmo sem fazer análise econômica de cada um


desses grupos, que os chefes e os grupos que os rodeiam têm ainda –
apesar da manutenção de determinadas tradições referentes à
coletivização das terras – privilégios muito importantes no âmbito da
propriedade da terra e da exploração do trabalho alheio. Os
camponeses, que dependem dos chefes, são obrigados a trabalhar para
eles durante um certo período do ano. [...] O grupo camponês,

38
Negrito nosso.
129

geralmente desprovido de direitos, é o verdadeiro explorado da


sociedade fula. Aparte a questão da propriedade, a situação das
mulheres é um elemento de comparação muito importante. Entre os
fulas a mulher não goza de nenhum direitos sociais; participa na
produção, mas não colhe os seus frutos. Por outro lado, a poligamia é
uma instituição muito respeitada, sendo a mulher considerada, de certa
forma, como propriedade do marido (CABRAL, 1978, p. 101).

Cabral (1978) faz uma explicação mais detalhada sobre a sociedade fula e a
manjaca, classificando-as como estratificadas e hierarquizadas de cima para baixo. Ele
afirma o seguinte:

Os Fulas e os Manjacos têm chefe, mas, não imposto pelo tuga; é a


própria evolução da sua história. [...] Como dizemos, a sociedade fula,
por exemplo, ou a sociedade manjaca, já é uma sociedade que tem
gente (classe) de baixo para cima [...] uns são mais do que outros.
Quer dizer, as sociedades manjaca e fula são chamadas sociedades
verticais. Em cima há o chefe, a seguir os religiosos, a gente grande da
religião que, com os chefes, formam uma classe, a seguir vem outros
de profissões diversas (sapateiros, ferreiros ouvires) que em qualquer
sociedade não têm direitos iguais aos de cima (CABRAL, 1978,
p.124-125).

2. No lado oposto, encontram-se os Balantas, que Cabral (1978) chama de


sociedade “sem Estado39”. Entre os Balantas, no pólo oposto:

Encontramos uma sociedade completamente desprovida de


estratificação e onde só o conselho dos velhos da tabanca [aldeia] ou
de conjunto das tabancas pode tomar decisões relativas à vida dessa
sociedade [...] para eles, a terra é propriedade da aldeia, mas cada
família recebe uma parcela necessária a sua subsistência; os meios, ou
melhor, os instrumentos de produção pertencem quer a família quer ao
indivíduo. Os Balantas, apesar de revelarem fortes tendências para a
poligamia, são na sua grande maioria monógamos. A mulher participa
na produção, mas é proprietária do que produz o que lhe confere uma
situação privilegiada, pois a sua liberdade é efectiva, exceto no que se
refere ao filho, que o chefe da família pode sempre reclamar; é
necessário detectar aqui uma razão econômica, ou seja, a força de uma
família é, sobretudo representada pelo número de braços capazes de
trabalhar (CABRAL, 1978, p. 101).

O autor explica que a sociedade balanta é chamada “horizontal”, por quê:

Não tem classes por cima umas das outras. Os Balantas não têm
chefes grandes, os “tugas” [portugueses] é que lhes arranjaram chefes.

39
Negrito nosso.
130

Cada família, cada morança tem a sua autonomia e se há algum


problema, são os conselhos dos velhos que o resolve, mas não há um
Estado, não há nenhuma autoridade que manda em toda gente
(CABRAL, 1978, p. 124).

Cabral vai nos permitir fazer ressalva à sua afirmação referente à mulher balanta,
quando afirma que “a mulher participa na produção, mas é proprietária do que produz o
que lhe confere uma situação privilegiada, pois a sua liberdade é efectiva,” (Cabral,
1978, p. 101). Falta esclarecer que tipo de produção a mulher tem pleno direito de
propriedade. Na verdade, a produção que pertence à mulher balanta é aquela feita num
espaço menor e em pequena escala, por exemplo, uma pequena produção de mancara
(amendoim), de batata, de mandioca, de arroz, ou de legumes ou verduras. Essa sim é a
sua propriedade pessoal, que ela normalmente usa para comprar as suas roupas e as dos
filhos, mas, muitas vezes, ela a usa também para ajudar no sustento de sua família e do
marido. Existe, por sua vez, a propriedade da família, em que a mulher participa
ativamente na produção, que não é para ela pessoalmente e sim para benefício da
família como um todo. Por exemplo, o arroz produzido em grande escala nas bolanhas,
em que a mulher balanta participa intensamente, isto é, a qual cabe a ela a
responsabilidade de plantar, não é para benefício pessoal dela, mas para consumo da
família.
3. Segundo o autor, “existem diferentes situações intermediárias40 entre estes dois
grupos extremos” (CABRAL, 1978, p. 101). Nesse sentido, de acordo com o autor:

Existem entre animistas – no seio dos quais se encontra uma


coincidência entre semi-feudalismo e islamismo e nenhuma
organização de Estado – um grupo étnico, os Manjacos, que, a quando
da chegada dos portugueses, já mantinha relações que se poderiam
classificar como feudais (CABRAL, 1978, p. 101).

4. De acordo com Cabral (1978, p. 101):

existem um grupo minoritários, formado por pequenos proprietários


africanos que constitui uma transição; este grupo, de certa
importância, revelou-se muito activo no âmbito da luta de libertação
nacional.

A classificação de Amilcar Cabral sobre os grupos étnicos da Guiné-Bissau e as


suas estruturas sócio-políticas, segue, na nossa leitura, a perspectiva evolucionista,
40
Negrito nosso.
131

como também é construída com base na concepção político-ideológica do contexto


histórico marcado pela vida política e revolucionária do autor. Contudo, seus escritos,
além de serem ricos em detalhes, são contemporâneos, na medida em que servem como
referências fundamentais para problematizar o contexto sócio-histórico e cultural dos
países africanos da língua oficial portuguesa (PALOP), especialmente a Guiné-Bissau e
Cabo Verde.
Voltaremos aos Balantas, pois o nosso interesse nessa seção é descrever a
organização sócio-política desse grupo étnico, especialmente, os Balantas-Nhacra.
Nesse sentido, continuamos dialogando com Amilcar Cabral.
Para Cabral (1978), a fácil adesão dos Balantas à luta de libertação nacional
[1962-1973] deve-se essencialmente à forma como a sua sociedade se encontra
organizada, isto é, na base da justiça e da igualdade social, sendo livres e querendo
continuar a ser livres na sua terra. Ou seja, a forma como a sociedade balanta se
estrutura (estrutura horizontal, ou seja, igualitária) joga importante papel na sua tomada
de decisão:

Nesta sociedade do mato, grande número de Balanta pegou na luta e


não é por acaso, não é porque Balantas são melhores que outros. É por
causa do tipo da sociedade que eles têm sociedade horizontal41 (rasa),
mas, de homens livres, que querem ser livres, que não têm nenhuma
opressão em cima, a não ser opressão dos tugas. (CABRAL, 1978,
p.125).

Cabe destacar que, em comparação com outros grupos étnicos que compõe a
Guiné-Bissau, os Balantas são os que mais participaram na luta pela independência
desse país e são, até hoje, maioria nas forças armadas guineenses. Os motivos que
levaram a sua participação massiva, tanto nessa luta como na forma armada, variam de
acordo com a opinião de cada analista. Portanto, é um dos assuntos que merecem um
estudo aprofundado, o que não é nosso foco nessa altura. Justamente por esse motivo,
sugerimos aos pesquisadores, interessados em estudar os Balantas, a estudar esse tema
tão relevante.
Voltando ao tema da estrutura sócio-política balanta, é de frisar que os
estudiosos compartilham a ideia de que os Balantas são conhecidos como povo
socialmente igualitário. É um povo que detesta a hierarquia social baseada nos líderes e

41
Grifo nosso.
132

liderados, como também, recusa a submissão ou a dominação de qualquer espécie. De


acordo com Cammilleri (2010, p. 37),

a história do povo BALANTA/BRASA evidenciou a bravura


demonstrada por esta sociedade para defender o seu território
geográfico como espaço necessário para viver em dignidade,
harmonia e liberdade, pressupostos indispensáveis à vida humana.

Pinto (2009) destaca a resistência dos Balantas à submissão e à dominação:

O povo balanta resistiu à hegemonia mandinga (Kaabú – séculos XV a


XIX), às investidas do Islão e até, em grande medida, à colonização
portuguesa. Esta resistência à penetração estrangeira ou estranha
associada à ausência de um Estado valeu-lhe a imagem, sob o ponto
de vista dos europeus, de não mais que uma anarquia. [...] A
preservação da sua autonomia e organização política é uma das
principais causas da significativa mobilidade que os balanta têm
demonstrado ao longo dos tempos, juntamente com a procura de
novos solos para cultivo. Desde que chegaram ao vale do Geba, no
século XVI, vão fazendo sucessivas movimentações e alastrando a sua
presença pelo território guineense. A conclusão da conquista do
território continental da Guiné, no final dos anos 1920, e a
consequente generalização do trabalho forçado e dos impostos, leva a
uma migração balanta massiva em direcção aos territórios situados ao
longo dos braços de mar do sul. Estas frequentes migrações
promoveram a troca de caracteres culturais entre os balanta e os outros
povos junto dos quais se instalam (é uma causa para alguma
diversificação dentro da etnia (PINTO, 2009, p. 47).

Não é por acaso que tanto os imperadores Mandingas do reino de Kaabú, como
os conquistadores portugueses, os chamavam de rebeldes, após tentativas frustradas de
dominá-los, com exceção dos Balantas Mané, que foram dominados pelos Mandingas
como acima mostramos. Aliás, Seide (2017, p. 21) afirma que “é por conta da sua
rebeldia que originou o seu nome atual BALANTA”. Corroborando com Cammilleri
(2010, p. 15), para quem, na língua Mandinga, o termo “(EBALANTA) significa homem
rebelde, que não se submete de jeito algum”. O autor explica que se fizéssemos a
decomposição da palavra ficaria: E (eles), BALA (negar), NTA (morfema repetitivo) =
eles continuam a negar, a recusar (CAMMILLERI, 2010, p. 15). De acordo com Seide
(2017, p. 21), “numa tradução livre, significa rebelde, resistente, bravo ou simplesmente
aquele que não se submete”.
Talvez daí a origem de nome Balanta, pois, segundo o autor, ela foi atribuída
pelos Mandingas ao grupo étnico Balanta antes da chegada dos portugueses na costa da
133

Guiné e esse nome se tornou mais vulgar e acabou prevalecendo até dias de hoje.
Contudo, Frehu (2013) contraria o ponto de vista dos dois autores acima mencionados.
Para ele, o nome Balanta vem do termo (Bilante), que na língua balanta significa
homens. Segundo o autor, os conquistadores portugueses copiaram esse nome das
mulheres balantas que, na conversa entre elas, perguntavam umas as outras onde estão
os Bilantes (homens) e foi a partir desse momento em que os portugueses começaram a
chamar essa etnia de Balanta.
O que é inegável é que os Balantas são resistentes a qualquer tipo de dominação
ou submissão. Esse fato influencia na sua migração do norte para sul do país, com o
objetivo de afastarem-se dos perseguidores (Imperadores Mandingas e conquistadores
portugueses), como também em busca de terras férteis para agricultura.
Sendo assim, considerando os propósitos desta pesquisa, as questões que devem
ser feitas são: até que ponto essa resistência ajuda ou atrapalha no processo de ensino e
de aprendizagem dos jovens Balantas na educação básica? Em que medida essas
questões culturais entram em conflito com a cultura do conquistador, em particular a sua
língua? Em que medida a educação dos Balantas-Nhacra (baseada na cultura oral) entra
em conflito com a cultura escrita? Portanto, a análise da estrutura sociopolítica de
qualquer outro grupo étnico, como o caso aqui de Balantas, em especial os Balantas-
Nhacra, é de suma importância, na medida em que nos permite averiguar e/ou
questionar até que ponto ela interfere no processo de ensino e aprendizagem dos
Balantas e na aceitação ou não da LP nesse processo. Essas são, entre outras questões,
que essa pesquisa visa analisar.
É impossível falar de Balantas-Nhacra na região de Tombali, sem falar da sua
produção de existência material – produção agrícola, especialmente de arroz (MAALU)
e pecuária Gado/Vaca (NHAARE) e imaterial (cerimônias tradicionais, ritos de iniciação
e culto às divindades – Aule/Gkletcha).

4.2.2 Balantas-Nhacra e a produção da existência imaterial: prática religiosa, ritos


de iniciação, cerimônia fúnebre

Os Balantas-Nhacra têm como principal crença a religião tradicional africana,


baseada na adoração de uma divindade chamada genericamente pelos Balantas de
134

Aúle42 ou Fad ne kpan (o protetor da morança43). Tal Aúle/Fad, feito de paus ou ferros
é fixado numa pequena barraca (Fram) ou junto de uma árvore caseira, chamada
Mkubm, que ficam na entrada da morança ou no meio dela. Balantas-Nhacra fazem
adoração a esse Fad ou Kgletcha – (nome chamado no momento de pedido) pedindo a
proteção, a saúde, a paz e alimentos à família, sendo tal pedido feito pelo ancião da
morança. Dependendo de grau da cerimônia, matam-se a galinha e a cabra, jogando-lhe
o sangue, ou simplesmente faz-se a comida com leite de vaca para a oferenda.
Todas as atividades realizadas pelos Balantas-Nhacra (a produção agrícola, os
ritos de iniciação, os casamento, as festas, as viagens, dentre outros) iniciam-se primeiro
pelo pedido de proteção e que todas as maldades sejam evitadas pelo Aúle ne Quetada
(divindade da tabanca) ou Fad ne Kpan (protetor da morança).
Acredita-se que haja pessoas mal intencionadas, isto é, os feiticeiros que sempre
aproveitam qualquer oportunidade ou situação para fazer mal as outras pessoas. O
feiticeiro, na concepção desses grupos étnicos, é a pessoa que faz contrato com o
Irã/Aúle em troca de algum benefício e, em consequência disso, entrega uma pessoa ou
um animal como pagamento. Existem muitas acusações de feitiçaria entre os Balantas-
Nhacra. Acusações que, muitas vezes, termina em violência, até inclusive a morte do
acusado.
Na concepção dos Balantas-Nhacra, não existe morte natural. Toda morte leva à
investigação do xamã. Logo que morre a pessoa, a família indigita dois grupos de duas
pessoas (um homem e uma mulher) para fazer a investigação (kibele Nchique) ao
chique/Quéda (xamã). Depois de fazer o cruzamento dessas duas investigações e a
partir das informações obtidas é que se decide como será o funeral. Se as informações
indicam, por exemplo, que a pessoa falecida era feiticeira, aí os Balantas amarram um
Mtchatch (djon gago em crioulo), que é um objeto feito de paus amarrados e coberto de
panos e é carregado por dois homens grandes, enquanto um terceiro que faz perguntas a
tal Mtchatch, isto é, ao falecido. Por exemplo, você participou na morte de fulano? Se é
verdade, as duas pessoas que carregam esse Mtchatch movimentam em direção ao
entrevistador. Segundo a crença balanta, é a pessoa falecida que está revelando os
crimes que cometeu. É, assim, que esse falecido segue revelando as maldades que fez
contra outras pessoas: as pessoas que matou, as doenças que provocou a outras pessoas.

42
Nome de Aúle é dado a qualquer divindade ou entidade espiritual, podendo ser de casa ou do mato. No
entanto, Aúle de casa é conhecido com o nome de Fad.
43
Conjunto de casas de um agregado familiar.
135

Assim também, se a pessoa falecida não cometeu nenhum crime e se foi morta
por alguém a investigação vai revelar isso. Muito embora o nome da pessoa que matou
não seja mencionado diretamente, o xamã dá pistas que levam as pessoas a adivinhar se
é fulano ou sicrano.
A produção de existência imaterial entre os Balantas-Nhacra consiste
fundamentalmente nos diversos tipos de ritos de iniciação, que são as principais formas
de transmissão de conhecimentos dos mais velhos para os mais novos entre gerações.
Esses ritos de iniciação desempenham função pedagógica de alto nível, pois são através
deles que os iniciados são ensinados a se comportar e assumir grandes
responsabilidades, tanto na sociedade Balanta, como em qualquer outra sociedade.
Existem diversas fases de ritos de iniciação para ambos os sexos: masculino e
feminino. Para o sexo masculino, há três fases de iniciação, a saber: NHÁE (iniciação
para grupos de moços que ainda não podem casar), NGHES (iniciação para grupos de
moços que agora podem casar) e FÓO (iniciação para grupos de homens grandes, onde
o agora iniciado pode assumir a responsabilidade da morança e da sua família). Para
além dessas fases de iniciação, há também a de BIDOGN NE NHARE, que apesar de
não ser rito de iniciação em si, é uma fase de aprendizagem para uma criança
(moçinho). Ele adquire muitas experiências que servem para sua vida futura. Já para o
sexo feminino, são duas as fases de iniciação: MBI-FULA (iniciação para entrar no
grupo de meninas/moças ainda não casadas) e IEGLE (noiva/a menina casada). Como
também existe a fase de KINRÃ, que apesar de não ser uma iniciação, é uma importante
fase da educação para a vida futura da menina. (Síntese de entrevistas com homens e
mulheres grandes no campo).

4.3 Balantas-Nhacra e a produção da existência material: agricultura e criação de


gado

4.3.1 Produção de arroz de Bolanha/Málu

Os Balantas são conhecidos, desde sempre, como grandes produtores de arroz na


Guiné-Bissau. Neste caso, destancam-se os Balantas-Nhacra, conhecidos como os
maiores produtores de arroz de bolanha 44. Em função disso, imigraram em grande

44
Terreno alagado na época chuvosa e preparado especificamente para produção de arroz. Ela é dividida
em forma de vários campinhos de futebol – conhecidos na língua crioula como prik, e em balanta fuil.
136

quantidade, no início de século XX, do Norte para Sul, principalmente, para a região de
Tombali, que é uma das mais férteis do país, favorável à produção agrícola. Segundo
Handem,

é frequente encontrar, nos escritos coloniais, várias referências às


qualidades dos rizicultores BRASSA [Balantas]. Em 1949, J.P. Garcia
de Carvalho, chefe do posto administrativo de Bedanda na região de
Tombali, afirmou que os Balantas-Brassas eram “não somente a tribo
cultivadora de arroz, mas também a que presta melhor a toda espécie
de trabalho a que propomos realizar” (HANDEM, 1986, p. 56).

Os Balantas habitam de preferência nas terras baixas do litoral, próximo dos rios
e mares, ou seja, na área conhecida como “a 3ª zona ecológica do país: a faixa costeira
coberta de tarrafes (mangal) e palmares (palmeiras), e que fica parcialmente inundada
na estação da chuva” (HANDEM, 1986, p. 56). Tombali é a região com estas
características, sendo a que apresenta a maior produção de arroz no país. Por isso, essa
região é conhecida como o celeiro econômico da Guiné-Bissau.
A relação dos Balantas com a terra funciona, fundamentalmente, no plano
espiritual. Não é apenas uma boa condição climática que favorece a produção agrícola
(uma boa safra), mas, sim, a mediação estabelecida com o Aúle ne Quintada (Irã, ou
seja, grande divindade protetora da aldeia). Pois é a mediação com esse Aúle ne
Quintada que vai garantir a chuva que favorece a produção e, consequentemente, uma
boa colheita. Por isso, todo o sistema de produção de Balantas-Nhacra inicia-se
primeiro por um pedido de proteção feito através de uma prática ritual. Deste modo,
antes de iniciar as atividades agrícolas, os homens grandes – os anciãos da Tabanca
fazem um ritual matando uma vaca, um porco ou uma cabra (bode) para pedir proteção
ao Aúle ne Quintada, para que haja chuva em abundância a fim de garantir uma boa
colheita (safra).
Esse ritual costuma ser realizado no início da época chuvosa (entre maio e
junho). Após a realização dessa cerimônia, a família dona da tabanca45 autoriza o início
das lavouras – preparando um pequeno espaço na saída da morança, onde é deitada a
semente de arroz, o que sinaliza que qualquer pessoa da tabanca pode começar a sua
lavoura. Mas, antes desse anúncio, ninguém pode começar a lavoura, pois isso significa

45
Vale esclarecer que cada tabanca balanta tem o seu dono/proprietário, que é a primeira pessoa que
fixou residência nela. Nesse caso, a sua família alargada (morança) é considerada a dona da tabanca.
137

a violação do direito da família dona da tabanca – que pode até levar a morte de quem
desobedecer a essa regra cultural.
Após esse ritual, começa-se a preparação do terreno (Bolanha em crioulo e
Sambe em balanta). A lavoura compreende três etapas: a primeira começa com a
preparação de terreno para sementeira de arroz – (Buas Malu). Esse terreno pode ser o
quintal de casa ou um lugar mais próximo da casa. Também essa sementeira é preparada
na Bolanha, num terreno específico. Depois de o arroz crescer, será arrancado e levado
para semear em cada unidade de bolanha (prik);

Foto 23: sementeira de arroz – (Buas Málu).

Fonte: NAMONE, 2019

A segunda etapa compreende em virar o terreno, já na bolanha, para cobrir


parcialmente o capim (chamada na língua balanta de Guabe). A terceira consiste em
cobrir esse capim totalmente com a lama, para que o arroz possa ser semeado (Hatche).
Depois dessa terceira etapa, a bolanha é coberta de água durante duas ou três semanas
para permitir a fertilização do solo, pois só depois desse período que o arroz pode ser
plantado, o que permite seu desenvolvimento saudável.
É de salientar que, entre os Balantas-Nhacra, existe uma divisão sexual de
trabalho. Por exemplo, o trabalho de lavoura é da responsabilidade dos homens, que no
ato da lavoura utilizam um quibinde (ou arado em Crioulo), que é um instrumento
composto por uma vara amarada a uma pá (duas madeiras) e, na parte final da pá,
138

encontra-se uma lâmina de ferro bem afiada (Pugn), como se seguem nas fotos abaixo.
Enquanto o ato de plantar arroz fica sob a responsabilidade das mulheres, que fazem um
trabalho minucioso, pois as plantas do arroz são enterradas uma a uma no solo, com o
dedo polegar ou com ajuda de um pau bifurcado (HANDEN, 1986). Apesar de existir a
divisão sexual do trabalho, há a colaboração entres as partes, por exemplo, enquanto os
homens estão na lavoura, as mulheres preparam o almoço e levam para eles na bolanha,
como também quando as mulheres estão plantando arroz, os homens ajudam elas a
arrancar arroz e levar para bolanha que elas estão plantando.
Esse trabalho agrícola é executado pela camada mais jovem da tabanca de
ambos os sexos em colaboração com os adultos que não chegaram à terceira idade.

Foto 20: Homens Balantas-Nhacra lavrando a Bolanha (A).

Fonte: NAMONE, 2019


139

Foto 21:Homens Balantas-Nhacra lavrando a Bolanha (B).

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 22: Mulheres Balantas-Nhacra plantando arroz (A).

Fonte: NAMONE, 2019


140

Foto 27: Mulheres Balantas-Nhacra plantando arroz (B).

Fonte: NAMONE, 2019

Depois da plantação, começa a fase de vigia de arroz para não ser estragado
pelos animais ou aves, como testemunha Handen (1986):

Quando o transplante termina, os camponeses têm que cuidar e vigiar


a cultura. Trata-se então de lutar contra toda a gama de animais
destruidores, insetos, roedores ou pássaros e contra as ervas daninhas.
Precisam igualmente de vigiar o nível da água e controlar a resistência
dos diques. Nesta fase, todos os membros da família são mobilizados.
As crianças, raparigas e rapazes dos seis aos quatorze anos, tratam de
afastar os animais devastadores e de proceder a capinagem de moitas
das ervas daninhas. São ajudados neste trabalho pelos pais quando são
poucos numerosos. O controle da resistência dos diques é da
responsabilidade dos mais velhos dos adultos. Quando se verifica um
dique a ceder sob a pressão das águas, todos os aldeões, homens e
mulheres, vêm ajudar a família vitimada, a efetuar uma rápida
reparação (Handen, 1986, p. 60).

É de se enfatizar que os trabalhos agrícolas são feitos manualmente, o que


implica gasto de muita energia física e muito tempo para produzir uma bolanha grande.
Para minimizar esses desperdícios de energia e tempo, os Balantas-Nhacra contam com
sistema de cooperação, chamado por Imbali (1992) de entre-ajuda. Como funciona
esse sistema? Em cada tabanca, os Balantas-Nhacra de Tombali formam grupos de 15,
20, 30 ou mais membros, composto por uma, duas, três ou quatro moranças. Esses
grupos são chamados de Fpasna (grupo de lavoura) quando é grupo de homens e de
141

Fsukna (grupo de plantar arroz) se é de mulheres. Existem também grupos formados


por jovens da mesma faixa etária (Mandjua em crioulo e Mduf em balanta) podendo ser
grupo de Ngháe ou de Mbi Fula46. Esses grupos se mobilizam ou são sempre solicitados
para ajudar uma pessoa com a sua lavoura ou para plantar arroz no caso das mulheres,
sendo que a pessoa a ser ajudada tem como dever de lhes retribuir com algum gesto
simbólico, podendo ser uma bebida alcoólica e/ou um porco. O grupo pode também
contrair empréstimo a uma pessoa, por exemplo, de um porco, bebida alcoólica ou
dinheiro e, em contrapartida, faz um trabalho para o dono (lavoura, plantação de arroz,
corte de arroz).
Segundo Handen (1986), no trabalho de arroz, os Balantas contam com três tipos
de cooperação:

A primeira é restrita a nível só de uma mesma morança, que reúne um


só grupo de trabalho, no caso pertencente a esta mesma morança; a
segunda vem da cooperação alargada que reúne a colaboração de
pessoas da outra morança de um ou de dois sexos
(masculino/feminino); e a terceira e última vem da questão de
parentesco que é realizada através de relações sociais de produção
assim para estabelecer reciprocidade entre um segmento dum mesmo
clã (p. 62).

Este sistema de cooperação tem um caráter pedagógico, na medida em que é


uma forma da família, de parentes e amigos ajudar uns aos outros nessa tarefa árdua de
produção de arroz e para que a pessoa ajudada possa tirar proveito da sua produção.
Destaca-se o fato de que o ciclo de atividade de produção de arroz entre os
Balantas-Nhacra é praticamente anual, uma vez que o período da lavoura até a
sementeira começa de julho a novembro, enquanto o da colheita de arroz até seu
transporte para casa decorre de dezembro a junho.
Para cortar arroz, usa-se uma faca típica (kibon). O trabalho de corte de arroz é
feito pelos homens (cf. a primeira foto abaixo), enquanto as mulheres se encarregam de
arrumar arroz no mesmo espaço em que foi cortado – fuil (prik em crioulo). Depois
dessa etapa, todo o arroz dessa unidade de produção será transportado pelas mulheres
para arrumar em um único lugar específico chamado (kidande) formando (Fkuni), ou
seja, todo arroz de unidade de produção juntado num único lugar (cf. a segunda foto
abaixo). Nesse lugar, o arroz fica por algum tempo – mais ou menos de um a três meses

46
O grupo de Ngháe é a segunda fase da educação masculina, entre os Balantas-Nhacra e o grupo de Mbi
Fula é a segunda fase da educação feminina. Para mais informação, confira a subseção intitulada: as fases
da educação dos Balantas-Nhacra.
142

para depois ser abatido/chutado tirando os grãos (cf. a terceira foto abaixo), que depois
de serem peneirados pelas mulheres são transportados de canoa para casa.

Foto 23: Adolescente Balanta cortando arroz

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 29: Arroz de uma bolanha juntado no kidande.

Fonte: NAMONE, 2019


143

Foto 30: Moças Balantas chutando arroz.

Fonte: NAMONE, 2019

Percebe-se que o trabalho de produção de arroz é rotineiro e cíclico, o que além


de exigir muito esforço físico, demanda muita mão-de-obra familiar para garantir a
produção em grande escala. Por isso, entre os Balantas-Nhacra, os filhos são mão-de-
obra indispensável. Portanto, quanto mais filhos um homem tiver, maior a sua mão-de-
obra, consequentemente, maior será a sua produção. Talvez esse seja um dos motivos
culturais que levam homens Balantas a se casar com duas, três, quatro ou mais
mulheres.
Destaca-se que, até hoje, muitos Balantas resistem em mandar seus filhos para a
escola, justamente porque os filhos são mão-de-obra para esses pais. Eles têm medo de
mandar os filhos para escola, porque depois eles abandonam os pais com a lavoura,
além de que o próprio estudo não tem retorno para os filhos e, consequentemente, para
os pais. Dentre os filhos que vão para a cidade estudar, muitos abandonam os estudos e
não voltam para ajudar os pais com a lavoura. Os que conseguem terminar os estudos
(concluir ensino médio) não arrumam emprego e muitos acabam por ficar também na
cidade, deixando os pais com a lavoura na tabanca.
A produção de arroz entre os Balantas-Nhacra não tem como finalidade garantir
o lucro econômico. É o que Cabral (1978, p. 124) explica, quando se refere ao fato de
que, na sociedade balanta, “quanto mais terra tu lavras, mais rico tu és, mas a riqueza
144

não é para guardar, é para gastar, porque um indivíduo não pode ser muito mais que o
outro”.
Na mesma chave, Imbali (1992, p. 4) afirma que “os comportamentos dos
produtores BALANTA não se definem exclusivamente em função dos critérios
econômicos de rentabilidade monetária”. Ou seja, eles não produzem arroz para
comercialização em larga escala ou exportação e, sim, como bem de consumo familiar,
pois os Balantas-Nhacra usam arroz como principal produto de troca por outro produto.
Por exemplo: usam arroz para comprar bebidas alcoólicas, tabacos, animais, roupas,
ingredientes para preparar a comida, dentre outros. Apesar disso, atualmente, devido à
liberalização econômica, muitos jovens também conseguem vender uma parte de arroz
produzido para comprar produtos e abrir seus negócios (uma taberna, por exemplo).
O arroz serve também para garantir a realização das práticas culturais – ritos de
iniciação, cerimônias (toca choro47 em crioulo e Káfe em balanta), casamento e outras
festas. Se não tiver uma boa safra, os Balantas não conseguem realizar essas festas, pois
não terão como receber a multidão que vem para esses eventos. Por exemplo, se uma
família não tiver arroz não consegue realizar a cerimônias de toca choro dos seus entes
queridos (pais, mães ou tios e tias). Ou seja:

O arroz continua a ser uma preocupação constante do camponês


BALANTA. A vida social, assim como a organização econômica do
povo BALANTA é dominada pela preocupação relativamente com a
produção rizícola. Todo o processo fúnebre, que é importante para
sociedade depende da produção de arroz (MAALE). Nota-se que para
além de arroz ser um alimento importante, interfere também nas
manifestações socioculturais do povo BALANTA (HANDEN, 1986,
p.64).

O arroz também é um bem de prestígio. Um membro da família que tem bastante


arroz é respeitado, admirado, como também é símbolo de honra para família, sobretudo
para suas irmãs, primas e sobrinhas. Desse modo, quando o arroz é levado para casa,
são elas as primeiras a se beneficiar, porque, na regra dos Balantas-Nhacra, elas podem
levar a quantidade que acharem suficiente, sem serem impedidas pelo proprietário. Este
gesto é encarado como forma de prestigiar a família. Imbali (1992) explica
detalhadamente como acontece essa questão de prestígio:

47
É uma cerimônia festiva realizada pelos balantas e por outros grupos étnicos da Guiné-Bissau, entre os
quais: Pepel, Mancanha, Manjaco, em homenagem à alma de um ancião ou ancião falecido.
145

Pelas obrigações sociais, a partir do momento que o arroz é


transportado para casa, começa-se, logo, a sua distribuição, que é feita
em função da quantidade colhida e da generosidade do camponês, isto
é, quanto mais uma pessoa der, melhor se falará dela e maior será seu
prestígio. [...] Os amigos ou todas as pessoas que participaram no
trabalho, salvo os parentes, recebem sem reclamarem (por delicadeza)
aquilo que o proprietário ou a sua primeira mulher lhes darem. As
parentes (irmãs, primas, sobrinhas...) esta categoria reclama por
direito uma parte da produção, mesmo que não tenha participado no
trabalho. Como parentes, elas têm o direito a tomar a quantidade que
julgarem suficientes sem que o proprietário tenha o direito de impedi-
las de o fazerem. O arroz assim tomado pelas parentes será levado
para casa dos seus maridos sem que estes tenham direito sequer a um
quilo. Em geral, este arroz é vendido, e com o dinheiro assim obtido
elas compram, na maioria dos casos, panos que servirão para as
futuras cerimônias funerárias em casa dos seus pais, no sítio onde
foram colher arroz. Isto talvez explique a atitude passiva do
proprietário face às suas parentes no momento da distribuição do arroz
(IMBALI, 1992, p. 11).

A questão de trocas econômicas visando à obtenção de lucros não era bem vista
pelos Balantas-Nhacra. Acerca disso, uma pesquisa feita pelo sociólogo guineense Faustino
Fidut Imbali, em 1992, tinha como objetivo entender por que os Balantas-Nhacra de
Tombali48, apesar de serem os maiores produtores de arroz na Guiné-Bissau, são os que
menos praticam a atividade comercial e um dos que mais passam fome no período de crise
alimentar. Na nossa leitura, o resultado obtido pelo Imbali (1992) sugere que o problema
está na organização sociocultural desse grupo étnico. Pois, segundo o autor,

para os Balantas-Nhacra, a prática comercial significava a procura de


riqueza individual, o que é contrário às regras de funcionamento da
sua sociedade, pois eles rejeitavam ou simplesmente marginalizavam
quem tentasse essa prática (IMBALI, 1992, p. 12).

Ainda de acordo com o autor:

Até uma data bem recente (meados dos anos 1980), não havia
praticamente atividades comerciais entre os BALANTA da zona
estudada, em que o dinheiro entrasse como intermediário principal,
isto é, os produtos eram trocados pelo arroz, em outras palavras, arroz
era a moeda principal. Com a expansão do mercado, esta situação tem
vindo a mudar, embora timidamente, já que até hoje a maior parte das
transações praticadas entre os BALANTA faz-se sem passar pela
moeda (IMBALI, 1992, p. 13).

48
O universo empírico da pesquisa foi na tabanca de Mato-Farroba e Gantone, localizadas a 12 e 13 Kms
respectivamente da cidade de Catió – a capital da região de Tombali.
146

Gostaríamos de reforçar essa tese de Imbali (1992), pois para além de


pertencermos a essa etnia, a nossa experiência de convivência de mais de trinta anos
com os Balantas-Nhacra, e agora como pesquisador desse grupo étnico, nos permite
confirmar essa tese. Assim sendo, a organização sociocultural Balanta-Nhacra, como
disse Cabral (1978), é horizontal, ou seja, funcional na base de igualdade. Do mesmo
modo que reprovam a figura de líder ou chefe máximo, também reprovam a figura do
patrão, ou de um balanta que seja economicamente rico. Pois, para eles, o bem é
concebido no sentido coletivo, portanto, se um balanta quer ter um bem só para ele, isto
é, quer ser rico economicamente, esta atitude é vista com certo preconceito. Ou seja, a
pessoa é tratada como individualista e egoísta.
Apesar disso, atualmente, essa atitude tende a mudar paulatinamente, mas ainda
enfrenta muita resistência. De um modo geral, a riqueza para os Balantas-Nhacra
consiste na enorme quantidade de arroz que um membro da família pode ter ou na
quantidade de cabeças de vaca que uma pessoa pode ter. No entanto, essa riqueza não
pertence apenas ao dito proprietário e, sim, à família toda, principalmente o gado
(vacas, sobretudo).

4.3.2 Criação de gado: vaca como bem simbólico da família

Em termos gerais, os Balantas, e em especial os Balantas-Nhacra, são grandes


criadores de gado (vacas, porcos, cabras e carneiros), como também de aves,
principalmente galinhas e patos. A importância atribuída ao gado deve-se não apenas ao
uso que fazem dela na agricultura, mas também nas cerimônias tradicionais,
especialmente, pelo valor simbólico atribuído ao gado, principalmente à vaca. Seguem
alguns detalhamentos acerca desse valor atribuído ao gado:
 Na agricultura e nas cerimônias tradicionais: na agricultura, por exemplo, o
porco é dado a um grupo de pessoas em troca da lavoura. Além disso, um proprietário
pode pedir a ajuda de um grupo de pessoas para lavrar a sua bolanha, matando um
porco para ele. Nas cerimônias tradicionais, a cabra, o carneiro e a galinha – e, às vezes,
a vaca – são os animais mais matados para fazer pedidos de proteção ao Aúle ne
quintada ou Aúle ne Kpan (Irã/ Divindade da tabanca ou da morança).
 Valor simbólico atribuído ao gado, principalmente à vaca: para os Balantas
da Guiné-Bissau em geral, e para os Balantas-Nhacra em particular, o gado representa o
símbolo de poder. Desse modo, quem tem gado (as vacas, principalmente) é admirado,
147

respeitado, honrado, prestigiado, portanto, considerado rico. Ele costuma ter muitos
amigos importantes, ter muitas mulheres, muitos filhos, ter enormes bolanhas (terrenos
de lavoura) e muito arroz, entre outros. Mas, também, tem muitos inimigos invejosos,
portanto, enfrenta muitas guerras.

Foto 31: Vacas de uma família Balanta (A)

Fonte: CÁ, C., (2015, p. 182-183).

Foto 3224: Vacas de uma família Balanta (B)

Fonte: CÁ, C., (2015, p. 182-183).


148

Quando uma pessoa desse tipo morre, na sua cerimônia de toca choro, seja
Kiritch Kisonh ou Kiritch Kidán (Káfe)49 é sacrificado muito gado, sobretudo, as vacas
e os porcos. Isso ocorre porque seus familiares, parentes, amigos/as, cunhados/as,
amigos da sua família, querem matar uma vaca ou um porco para mostrar a honra e o
respeito que têm. Além disso, a pessoa que matou o animal pode se exibir e mostrar o
seu poder. Por isso, na cerimônia de toca choro, os Balantas muitas vezes costumam
matar muito gado (vacas e porcos). Ou seja, é uma demonstração de poder simbólico
entre os Balantas.

Foto 3325: Gado matado na cerimônia de toca choro (KÁFE) Balanta Nhacra (A)

Fonte: NAMONE, 2019

49
Se a pessoa que morreu é nova, a cerimônia é considerada Kiritch Kisonhe. No entanto, se o/a
falecido/a é maior de idade, a cerimônia é considerada Kiritch Kidánh ou simplesmente Káfe. Mas é
impotante salientar que uma pessoa importante desse tipo que referimos acima, mesmo sendo ainda um
pouco nova, o seu toca choro costuma ser considerado Káfe, como sinal de honra a sua pessoa.
149

Foto 34: Gado matado na cerimônia de toca choro (KÁFE) Balanta-Nhacra (B)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 35: Toca choro (Káfe) como ponto de encontro de diferentes pessoas e gerações e também
como espaço de manifestação de traços diacríticos

Fonte: NAMONE, 2019


150

Esse tipo de cerimônia costuma reunir muitas pessoas de diferentes etnias e de


status sociais, vindos de diferentes cantos do país, sejam elas amigos da família ou não.
Na maioria das vezes, a pessoa que tem muito gado ou é um grande ladrão de
gado, ou tem forte relação de amizade e de cooperação com os ladrões. Ela pode
também ter conseguido esses animais em troca de arroz ou de outros bens ou, ainda, em
troca das filhas, através do pagamento de dote da família do marido pelo casamento.
Os Balantas são conhecidos, na Guiné-Bissau, como famosos ladrões do gado.
Mas o roubo entre os Balantas, segundo Amílcar Cabral (1978), tem uma função
esportiva. Para ele, o Balanta não rouba para enriquecer, mas para mostrar a sua
habilidade perante o público e perante a vítima. Para nós, o roubo das vacas que os
Balantas praticam deve-se exatamente a essa função simbólica atribuída ao gado, ou
seja, ter muito gado simboliza ter poder, tal como foi referido atrás.
Por isso que, na cosmologia Balanta-Nhacra, acredita-se que em qualquer
família nasce um ladrão, como também nascem pessoas destinadas a desempenhar ouros
papéis. Como explica o homem grande Iarriassi Na Ndegde:

Na família Balanta, nascem todos os tipos de filhos/as: o/a protetor/a –


que nasce para defender a família em qualquer circunstância; o/a
pacificador/a, – aquele que quando a família enfrenta qualquer
problema basta uma palavra dele e o problema será resolvido; o/a
preguiçoso/a – aquele/a que não gosta de trabalho; o/a ladrão/ladra –
aquele que rouba o gado ou aquela que usa a sua influência para
outras pessoas (homens) roubarem o gado para abastecer a sua família
e dar o poder e honra a esta. (Iariassi Na Ndegde. Gantone/ Guiné-
Bissau, jun. 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Importante deixar claro que o roubo de vacas praticado pelos Balantas, no tempo
antigo (durante o período colonialista), é diferente do roubo do tempo atual. Segundo as
palavras de homens grandes entrevistados, naquela época, o roubo de gado tinha grande
significado, porque a vaca era roubada para benefício da família, para enriquecer a
família, para dar honra e respeito à família e não para o beneficio do indivíduo que a
rouba.
Por isso, é importante reforçar esse ponto acerca dos Balantas-Nhacra: para eles,
a vaca não é bem pessoal do seu dono em si, é bem da família. E, em hipótese nenhuma,
o dono pode vender ou matar para comer, ou, ainda, para fazer qualquer outra coisa com
a sua vaca sem o aval da família. É a família, portanto, que decide o que deve fazer com
a vaca, não o dono ou o ladrão que a roubou e a trouxe para casa. Por isso que, segundo
esses homens grandes, um ladrão de gado era muito protegido e defendido pela família
151

e pela comunidade. Por isso, quando ele era pego no roubo, a sua família ou os seus
parentes se mobilizavam para pedir perdão e pagar a multa cobrada pela família vítima
de roubo.
Quando é para cumprir rito de iniciação (fanado na língua crioula e Fóo na
língua balanta), essa pessoa é honrada pela família, pintando seu corpo com a tintura
vermelha (extraida da árvore Pungha) e rodeando seu corpo com cordas cujas pontas
são amarradas a estacas de madeira – tipo pregos. Essas cordas e estacas são parecidas
às que são usadas para amarrar e prender uma vaca que a família acaba de adquirir, ou
seja, uma vaca roubada. Enquanto isso, tocam Finquilim ou Bombolom para honrá-lo.
(Finquilim ou Bombolom é um instrumento musical feito de tronco de árvore – Cf. foto
abaixo).

Foto 3626: Finquilim (um dos principais instrumentos musicais Balanta)

Erro! Fonte de referência não encontrada.

Fonte: CÁ, C., (2015, p. 177)

Mas, para esses homens grandes, hoje em dia, os jovens roubam as vacas só para
matarem e venderem ou, ainda, venderem vivas e usar esse dinheiro para beber, fazer
fama, e cobiçar mulheres dos outros. Ou seja, o roubo de gado não tem mais aquele
significado simbólico do tempo antigo e eles lamentam, por outro lado, que jovens
Balantas que roubam vacas hoje não conhecem as técnicas de roubo. Segundo eles, não
152

se pode sair roubando gado das pessoas aleatoriamente, porque o roubo tem suas regras,
por exemplo, não se pode roubar gado de um parente, ou de uma família de segundo ou
terceiro grau que mora numa outra tabanca distante. Por isso, no tempo antigo, a família
era consultada pelos ladrões, ou seja, as pessoas mais velhas das famílias eram
consultadas e indicavam onde se poderia ou não se poderia roubar. Eram esses mais
velhos que indicavam também a quem os ladrões poderiam se dirigir para pedir
orientação na tabanca que pretendiam roubar e quais caminhos estratégicos poderiam
usar para fugir (Síntese de entrevistas realizadas com homens grandes de Gantone e
Mato-Farroba, junho e julho de 2019).
Portanto, o gado (a vaca) é símbolo de poder entre os Balantas-Nhacra. Por isso,
nas cerimônias de toca choro, é habitual ver os famosos ladrões dançando e se exibindo
com a corda rodeada ao corpo, proferindo palavras que simbolizam coragem, habilidade
de roubar e poder – o que para os Balantas representa valentia e, também, risco de vida.
Lembro-me de uma cerimônia de toca choro em que fui fazer etnografia. Muitos
jovens traziam vacas e porcos para matar. Nessa ocasião, os famosos ladrões – donos
desses animais – dançavam e exibiam facões e remos de canoa. Um deles dizia:
“enquanto outros homens dormiam à noite com as suas esposas, eu trabalhava”. Ou
seja: enquanto vocês homens dormiam à noite com as vossas mulheres, eu roubava o
vosso gado!
É de salientar que o nosso intuito sobre esse assunto não visa fazer apologia ao
roubo de gado praticado pelos Balantas, nem tão pouco defendê-lo, muito pelo
contrário. O objetivo aqui é descrever a produção material e imaterial dos Balantas-
Nhacra. Neste caso específico, o propósito é o de destacar a importância atribuída ao
gado e o valor simbólico da vaca na interpretação desse grupo étnico.
Para concluir, cabe esclarecer que a descrição que fizemos nessa seção visa
trazer à tona as manifestações culturais dos Balantas-Nhacra, tendo como objetivo
mostrar que a língua não está isolada da cultura. Ela é uma ferramenta integrante da
cultura. Isto significa dizer que ensinar uma língua numa realidade social em que ela é
desconhecida, gera conflito linguístico, para o aprendiz (criança/adolescente), na
medida em que ela/ele está acostumada/o a interpretar o mundo a partir da sua língua e,
portanto, partindo da sua realidade cultural.
Por exemplo, a concepção de mundo de uma criança nascida e crescida nessa
realidade cultural é diferente da concepção de mundo de uma criança nascida e crescida,
por exemplo, em Portugal ou no Brasil. Será diferente, até mesmo, de uma criança de
153

outra etnia da Guiné-Bissau, por exemplo, uma criança da etnia Fula no interior de
região de Gabú ou de uma criança da etnia Bijagó numa das ilhas de mesmo nome.
Assim, o que está em causa aqui são as vivências e as convivências com a sua própria
realidade cultural.
Por tudo isso, gostaríamos de reforçar que a língua não está desvinculada da
cultura. Nesse sentido, uma criança Balanta-Nhacra aprende a falar qualquer língua,
tendo como referência os códigos da sua língua e da sua cultura. É a mesma coisa para
uma criança de qualquer região de Portugal. Ou seja, cada ponto de vista é visto a
partir de um ponto. Isto é, uma criança Balanta-Nhacra enxerga o mundo a partir de
ponto de vista da sua referência cultural, como também uma criança portuguesa
enxergar o mundo a partir do ponto de vista da sua referência cultural.
Portanto, quando se pensa na questão da educação, especialmente na questão da
língua de ensino, a diversidade cultural deve ser levada em consideração, pois cada
grupo humano, ou grupo étnico, tem a sua forma de educação e a sua língua própria.
Desse modo, os Balantas-Nhacra têm a sua língua e a sua forma de educação
(transmissão de conhecimentos) baseada na oralidade. Educação essa que descrevemos
na seção a seguir.
154

5 EDUCAÇÃO ENTRE OS BALANTAS-NHACRA: AS FASES DE VIDA


MASCULINA E FEMININA

O conceito de “educação” ainda divide as opiniões entre os especialistas. Muitos


falam da educação quando na verdade se referem apenas àquela realizada na escola.
Segundo Lepri (1987), na maioria das vezes, o conceito da educação é empregado de
maneira restritiva, ou seja, como equivalente de “escola” ou “escolarização”. Neste
caso, fala-se do “Ministério da Educação” para designar o Ministério de escolarização,
fala-se das “ciências da educação” para designar as ciências do campo escolar, fala-se
da “educação comparada” para fazer comparação dos sistemas escolares. De acordo
com o autor, deste modo às sociedades africanas, as asiáticas, as do Pacífico, ou as
europeias que não têm relação direta com a escola, são encaradas como sociedades sem
educação.
Contudo, atualmente, essa concepção da educação tem recebido muitas críticas
dos especialistas, segundo as quais ela nada mais é do que uma visão eurocêntrica da
educação, que valoriza apenas uma forma de educação escolar em detrimento de outras
formas de educação. Raúl Iturra (2009) explica como se materializa o saber ou o
conhecimento nos grupos sociais onde se predomina a memória oral, bem como nos
grupos sociais onde a escrita é predominante:

Nos grupos sociais onde existe uma predominância da memória oral, o


saber ou conhecimento materializa-se na sistematização ou
classificação dos seres humanos em genealogias e hierarquias;
enquanto que nos grupos sociais onde predomina a memória escrita, o
conhecimento materializa-se em textos que consignam factos e que
são sujeitos de interpretação (ITURRA, 2009, p.1).

Queremos, com isso, realçar que a perspectiva antropológica da educação tem


sido de extrema importância na sociedade moderna, uma vez que, segundo essa
perspectiva, a educação não se limita apenas ao espaço restrito da escola e, sim, ela
ocorre também na vida vivida pelos diferentes grupos humanos, como parte das relações
sociais que estabelecem (ROCHA, & TOSTA, 2009; GUSMÃO, 2011; 2015). O que
significa dizer que cada grupo humano tem a sua forma específica de educação ou de
transmissão dos conhecimentos através dos quais os seus filhos ou as novas gerações
aprendem como viver em sociedade. Esse é o caso da educação entre os Balantas-
Nhacra.
155

Relatos de um dos homens grandes entrevistados na tabanca de Gantone servem


como respostas para quem acha que povos sem escrita são povos sem história, sem
cultura e, portanto, sem educação, como segundo Hernandez (2005) acreditavam os
consquistadores europeus em relação aos povos africanos. Esse homem grande disse o
seguinte:

Se alguém diz que nós Balantas não temos história é porque essa
pessoa não nos conhece, não conhece a nossa cultura. Nós temos
muitas histórias ricas. A nossa história não é muito conhecida porque
não a escrevemos, não temos a escrita. Os brancos que podiam saber
da nossa história por quê? Porque eles que têm a escrita. Porque o que
você escreve e guarda fica arquivado e, se a nova geração que chega
souber ler, vai ver que tem uma história escrita em tal época. Mas
como não escrevemos o que fazemos? Guardamos a nossa história na
cabeça. Por isso que fazemos ritos de iniciação em várias fases da vida
para transmitir aos iniciados a nossa educação, para eles também
transmitirem esses ensinamentos às gerações vindouras. Esses ritos de
iniciação, ou seja, essa transmissão de conhecimentos que fazemos em
várias fases de idade é que é a nossa escrita. Porque você não pode
deixar escapar o que aprendeu desde furfat, Ndaha, Nkuman, Ngháe
Sonh, Ngháe Nhogn, NgháeDán, Nghés, Shon, Adogn Dán, Nshan
Sonh, Nshan Mon e Buhoó. Esses conhecimentos são cuidadosamente
memorizados pelos mais velhos de cada fase de idade e transmitidos
aos novos iniciados e, assim, sucessivamente. Também, as mulheres
fazem a mesma coisa (Iariassi Na Ndegde. Gantone/Guiné-Bissau,
jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Para entender como funciona a educação entre os Balantas-Nhacra,


precisaríamos analisá-la em cada fase da vida, tanto no sexo masculino como no
feminino, desde a infância até a idade adulta. Nessas diferentes fases, um Balanta-
Nhacra aprende através de ensinamentos – e também através da própria vivência –
acerca de todos os tipos de conhecimentos, regras comportais, atitudes e práticas que
regulamentam o modo de viver nessa sociedade. As explicações detalhadas dessa
educação foram dadas por diferentes pessoas dessa etnia – homens e mulheres.
Começaremos com esses anciãos e seus seguidores:
156

Foto 27: Ancião Arima Na Kadje (tabanca de Komo) explicando como funciona a educacao
masculina

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 38: Ancião Isnaba Na Nsanca (tabanca de Gantone) explicando como funciona a educação
masculina

Fonte: NAMONE, 2019


157

Foto 39: Ancião Arima Na Kadje e homem grande Deuna Na Sanha com o pesquisador Dabana
Namone

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 40: Homens grandes de Gantone na entrevista com o pesquisador Dabana Namone

(Da esquerda à direita: IariIassi Na Ndegde, Ancião Isnaba Na Nsanca, Fogna Na Nsanca, Ndjif Na
Nsanca, Blata Na Mbuna, Demna Na Iala; Alsau Na Biana)

Fonte: NAMONE, 2019


158

5.1 Educação nas fases da vida masculina

Os guineenses fazem sempre uso da oralidade na sua vida quotidiana. Nas zonas
rurais, as atividades diárias de cada grupo étnico são baseadas estritamente na oralidade,
como é o caso dos Balantas-Nhacra. Assim, uma criança balanta, desde que se entende
como gente, aprende todas as suas tarefas domésticas através da oralidade.
Segundo a explicação dos BILANTE BIDAN (homens grandes) acima
mencionados, na sociedade Balanta, quando nasce uma criança (seja menino ou
menina), ele/ela mantém-se sempre ligado/a à mãe durante todo processo de
amamentação, que dura entre dois a três (2 a 3 anos50). Porém, a partir de três a cinco (3
a 5 anos – período de desmame), a criança começa a desvincular-se pouco ao pouco de
sua mãe. A partir desse período, a educação das crianças deixa de ser um papel
exclusivo das mulheres e passa a ser separada por sexo: os meninos começam
paulatinamente a lidar com as tarefas masculinas e as meninas com as tarefas femininas.
As tarefas das meninas serão explicadas, com mais detalhes, no item da educação
feminina.
Na educação masculina, a partir de quatro (4 anos) em diante, os Balantas-
Nhacra começam a atribuir nomes a cada faixa etária dos meninos. A faixa etária de
quatro a cinco (4 a 5 anos) ganha o nome de MOSCLAS (aquele que lambe a colher ou a
pá de mexer a comida). O nome é dado considerando que o menino, nessa idade, ainda
não se desligou totalmente da mãe e da avó e, no momento em que elas fazem a comida,
quando provam o sal, ele também pede para provar. Daí o nome MOSCLAS.
Com a idade compreendida entre cinco a seis (5 a 6 anos), surge a classe de
NIDAWÁE: aquele que, ao chorar, chama sempre o nome da mãe ou fala que vai dar
queixa à mãe. Com essa idade, o menino já está se afastando da mãe e começa a ter
mais contato com seus colegas de idade ou com os mais velhos do que ele. Como na
brincadeira, entre eles acontecem brigas e uma ou outra criança chora chamando a mãe,
pois ela ainda é tida como protetora. Por isso, o nome NIDAWÁE.
Após esse período, começa a fase de transição da criança, quer dizer, de
desligamento total da proximidade com a mãe para entrar no grupo BIDON NE NHARE
(grupo de pastores de vacas). Nesse momento, o menino começa a aprender mais com

50
No entanto, segundo dois anciãos acima mencionados (Arima na Kadje e Isnaba na Nsanca), no tempo
antigo (tempo deles), a criança mamava até 5 ou 6 anos de idade.
159

os irmãos mais velhos, ou com o pai ou o avô a cuidar dos animais: vacas, porcos,
cabras etc. Ele começa também a dormir junto com os irmãos mais velhos e a comer
junto com os colegas de idade. Ele aprende a lutar e a ganhar mais coragem, entre
outros aprendizados. É, nesse período, que começa a primeira fase da educação dos
Balantas-Nhacra.

5.1.1 Primeira fase da educação masculina: grupo de BIDOGN NE NHARE

Na cultura dos Balantas-Nhacra, a primeira fase da educação masculina inicia-se


com o grupo BIDOGN NE NHARE (pastores de vacas). Fazem parte dele as crianças de
mais ou menos 6 a 12 ou 13 anos de idade. A principal tarefa dessas crianças é cuidar
dos animais da família, principalmente as vacas: ou seja, leva-se o gado de manhã para
o pasto, cuida-se dele lá, traz de volta para casa no final da tarde para recolhê-lo na
psanga (a casa destinada às vacas) e coloca-se a fogueira feita de farelo de arroz, de
modo a produzir fumaça para afastar os mosquitos que podem atrapalhar o descanso do
gado. Segundo Cammilleri (2010):

É tarefa destas crianças reunirem as vacas por volta das sete de


manhã, levá-las para uma determinada pastagem sempre dentro do
território pertencente à aldeia (2/3 km de raio), vigiá-los para não
caírem nos poços ou nas covas, impedir que sejam roubadas ou
perdidas. Por volta do meio-dia, LEEM AF KO (sol sobre a cabeça),
reconduzem a manada para casa, para o bebedouro e descanso. Só
nesta altura, os pequenos pastores comem a sua refeição em casa. Nas
primeiras horas da tarde (KIIDU KCIK), acompanham novamente a
manada para as pastagens mais próximas por que ao pôr-do-sol,
KIIDU KCIOLLE (tarde fria), todo gado deve descansar na PSANGE
(estábulo de cada proprietário) (CAMMILLERI, 2010, p. 58-59).
160

Foto 41: Vacas reunidas na morança (conjunto habitacional da família Balanta)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 42: Bidogn ne Nhare (pastores de vacas) A

Fonte: NAMONE, 2019


161

Foto 43: Bidogn ne Nhare (pastores de vacas) B

Fonte: NAMONE, 2019

É de se destacar que essas crianças recebem o ensinamento pastoril desde casa,


através dos seus pais ou encarregados da educação ou, ainda, pelos seus irmãos ou
primos maiores, que os ensinam a maneira correta de lidar com as vacas, como
domesticá-las para não se tornarem agressivas, por exemplo: oferecer a comida na boca
(manga, caju, etc.), dar água, chamá-las pelo próprio nome e acariciá-las. Assim, os bois
tornam-se mais dóceis e deixam as crianças montarem neles.

Foto 28: Bidogn ne Nhare juntos com o pesquisador Dabana Namone

Fonte: NAMONE, 2019


162

O grupo de BIDOGN NE NHARE é composto por três subgrupos de idade:


FURFAT (cuja idade corresponde a 6-8 anos), NDAHA, (entre 8-10 anos) e NKUMAN
(de 10-12 anos). Os FURFAT são os iniciantes na atividade pastoril, cabe a eles
aprender com os mais velhos na hierarquia a maneira correta de controlar as vacas para
não se dispersarem, como conduzi-las de casa até a pastagem e levá-las de volta para
casa. São ensinados também a conhecer as vacas de cada morança inclusive pelos seus
nomes, bem como aprender a montar nelas. Ademais, eles são ensinados a lutar, a
ganhar coragem, entre outros ensinamentos. NDAHA são os meninos do meio. Cabe a
eles a função de ensinar os FURTAF tudo que diz respeito à atividade pastoril, qual seja:
conduzir e controlar as vacas, respeitar e obedecer às ordens dos mais velhos. Já os
NKUMAN são os mais velhos, a quem cabe a função de controlar as atividades dos
mais novos e direcioná-los de melhor forma possível. São eles também os responsáveis
por vigiar as vacas para não desaparecerem ou serem alvos dos ladrões, pois são eles
que respondem pelo desaparecimento ou por qualquer problema que acontece com a
vaca na pastagem. Cabe também a eles a função de punir (húla – bater com palmatória)
os mais novos quando estes cometem algum erro. Segundo o depoimento de Ancião
Isnaba Na Nsanca e do homem grande Iariassi Na Degde:

Na regra de BIDOGN NE NHARE, os novos têm por obrigação de


obedecer às ordens dos mais velhos, caso contrário serão punidos
(húla – bater com palmatória) e tudo isso faz parte do aprendizado).
Por exemplo, se os mais velhos mandarem os novos irem buscar as
frutas, quais sejam mangas, caju, foles, farroba etc. Ou matar ratos, ou
pescar o peixe, imediatamente os menores têm por obrigação de ir. E
tudo que os menores encontrarem, sejam frutas que colheram, animais
que mataram, ou peixes que pescaram são entregues aos mais velhos a
quem cabe o poder de dividir a comida (Ancião: Isnaba Na Nsanca e
homem grande Iariassi Na Negde. Gantone/Guiné-Bissau, jul.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

É nesta fase de BIDOGN NE NHARE que estes pequenos pastores começam a


aprender as técnicas e as regras da luta e a se defenderem dos adversários. Para isso,
organizam as lutas entre si, com o intuito de descobrir quem são os mais fortes, os mais
habilidosos e os mais corajosos. Elas servem também como treinamento para um
possível campeonato de luta contra seus colegas de outras tabancas.
163

Foto 45: Bidogn ne Nhare lutando

Fonte: NAMONE, 2019

É nessa atividade pastoril que essas crianças aprendem também as técnicas de


pescar, de colher frutas e de caçar animais selvagens de pequeno e médio porte. E os
frutos colhidos nessas atividades de caça, pesca ou colheita, servem como alimentação
para eles mesmos no local da pastagem.
Cabe enfatizar que, nas técnicas de caça, por exemplo, os cachorros são sempre
os melhores companheiros de BIDOGN NE NHARE, uma vez que eles desempenham
um papel importantíssimo no momento da caça, ou seja, um cachorro experiente e
habilidoso pode matar um animal selvagem de pequeno ou médio porte em fração de
segundos.

Foto 46: Bidogn ne Nhare com os seus cachorros

Fonte: NAMONE, 2019


164

Foto 29: Bidogn ne Nhare pescando

Fonte: NAMONE, 2019

É importante observar que, enquanto os mais velhos pescam, os menores que


ainda não sabem pescar ficam segurando os peixes e olhando as vacas para elas não
dispersarem ou fugirem para o mato. Mas sempre deve haver um menino maior na
companhia deles, para orientar e para dar voz de comando aos menores a correrem e a
controlarem qualquer vaca que estiver se afastando da manada. Quanto a esse assunto,
Iariassi Na Ndegde – um dos homens grandes entrevistados – afirmou o seguinte:

Quando as vacas estão se dispersando, os BIDOGN NE NHARE


maiores dão a voz de comando aos pequenos dizendo em voz alta
(oouo...oouo). Aí os pequenos correm para juntar a manada. O
primeiro a chegar tem por direito de bater nos colegas com a
palmatória (húla). É assim que funciona a regra deles (Iariassi Na
Ndegde. Gantone/Guiné-Bissau, jul.: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Foto 30: Bidogn ne Nhare pescando e cuidando das vacas

Fonte: NAMONE, 2019


165

Foto 49:Vacas pastando

Fonte: NAMONE, 2019

Um assunto importante que merece destaque e que consta num dos relatos
desses homens grandes, embora mais jovem, revela a tensão entre a tradição oral
balanta e a tradição escrita. Segundo sua explicação, alguns pais ou encarregados de
educação não deixam seus filhos estudarem para estes se dedicarem exclusivamente nas
atividades BDOGN NE NHARE (cuidar de vacas). O que, segundo eles, demostra a
importância que o Balanta atribui ao gado (considerado sinônimo de poder). Para os
informantes, na tradição Balanta-Nhacra, quanto mais vacas uma pessoa tiver, mais
admiração e mais respeitada ela será na sociedade, tendo em vista que as vacas e os
porcos são animais indispensáveis na cerimônia de Cáfe (toca choro Balanta51). Isto é,
quanto maior o número de vacas e porcos abatidos numa cerimônia de Cáfe – toca
choro realizada por determinada família – maior admiração, valentia e respeito essa
família conquista do público. Por isso, segundo esses homens grandes, muitos pais, em
vez de mandar os filhos para escola, preferem mandá-los cuidar de gado para não se
perder ou ser roubado pelos ladrões.

51
Cáfe ou toca choro é uma cerimônia que os Balantas fazem para homenagear a alma de um idoso/a que
morreu.
166

Foto 50: Homens grandes de Mato-Farroba, falando sobre educação entre Balantas-Nhacra

(De lado esquerdo: Psina Na Nquetch-nha, Ndami Na Nful, Uibiten Na Bitugh, Bidin-te Na Brama. De
lado direito: Sínate Na Ufna, Kpansau Na Lassa, Camtala Na Bitã, João Na Ufna e Malam Na Brama.)

Fonte: NAMONE, 2019.

Além de falta de incentivo dos pais ou encarregados de educação, ainda de


acordo com esses homens grandes, muitas crianças abandonam os estudos tendo em
conta a longa jornada que enfrentam na atividade pastoril, visto que elas não conseguem
conciliar essa atividade com os estudos, acabando por desistir. Relatam, também, que
mesmo aquelas que continuam seus estudos não conseguem ter um bom rendimento
escolar devido à falta de tempo suficiente dedicado aos estudos, haja vista que, muitas
vezes, aqueles que estudam de manhã cuidam de gado à tarde e os que estudam à tarde
cuidam do gado de manhã.
Como se pode perceber, essa educação não acontece num ambiente fechado
(como a escola) e muito menos é feito por um professor específico. Ela acontece ao ar
livre, seja em casa, no mato, ou na bolanha (fazenda agrícola), na vivência do dia a dia,
a partir da qual as crianças aprendem na própria língua materna, memorizando e pondo
em prática tudo o que foram ensinadas. Portanto, para os Balantas-Nhacra, qualquer
adulto ou qualquer pessoa experiente é considerado um educador. De acordo com Cá
(2015):

Além dos pais, no caso dos meninos, e das mães, no caso das meninas,
as irmãs ou os irmãos também são vistos como referência para essas
crianças, sem esquecer que também outros adultos da família podem
167

participar desse processo de ensino e aprendizagem, visto que se tem a


informação de que o pai ou a mãe não são as únicas figuras que
podem dar instrução aos filhos, toda a família também pode orientar
os iniciantes (CÁ, 2015, p. 186).

Nota-se que esses conhecimentos são passados oralmente e assimilados pelos


aprendizes, que também têm o dever de transmitir conhecimentos adquiridos aos futuros
integrantes e, assim, sucessivamente. É nesse sentido que depois, de um tempo, os mais
velhos dos grupos de BIDOGN NE NHARE passam para a segunda fase da educação
masculina, isto é, o grupo de NGHÁE.

5.1.2 Segunda fase da educação masculina: o grupo de NGHÁE

Entre os Balantas-Nhacra, o grupo de NGHÁE é a segunda fase da educação


masculina, porém é nele que se realiza o primeiro rito de iniciação reconhecido e
respeitado pela sociedade Balanta e por outras.
Para realizar o rito de indicação com vistas à consagração dos novos integrantes,
o grupo NGHÁE reúne-se numa assembleia na qual os mais velhos anunciam a data da
realização da cerimônia. No dia da realização do ritual, os meninos do meio (Ngháe
Nhug) dirigem-se às casas dos pais daqueles que serão iniciados para pedir autorização
ao ancião responsável pela família. Uma vez autorizados, eles levam os mais novos ao
mato para submetê-los ao ritual. Nessa cerimônia, o iniciado rebece vários
ensinamentos e regras comportamentais, sendo preparado para ser uma pessoa idônea e
responsável na sociedade, devendo respeitar rigorosamnte as regras de NGHÁE.
O grupo está dividido em hierarquia, sendo composto por três subgrupos da
mesma faixa etária (colegas de idade) e cada subgrupo leva 2 ou 3 anos para passar de
fase. Portanto são eles:
a) NGHÁE SONH (Ngháe pequeno), de mais ou menos 13 a 15 anos;
b) NGHÁE NHUG (Ngháe do meio), entre 16 a 18 anos;
c) NGHÁE DÁN (Ngháe Grande), entre 19 a 21 anos.

a) NGHÁE SONH (Ngháe pequeno): para entrar nesse grupo, os NKUMAN (aqueles
meninos maiores entre BIDOGN NE NHARE) são capturados e levados pelo grupo de
NGHÁE para serem iniciados (BIET NGHÁE), passando agora a fazer parte desse
grupo. O menino já não é mais NKUMAN, agora é NGHÁE SONH.
168

A partir desse momento, ele não tem mais a obrigação de cuidar das vacas, salvo
em caso de a família não ter uma criança para essa tarefa, mesmo assim, ele só pode
desempenhar essa função de forma limitada e em caso excepcional, com a autorização
aprovada pela assembleia de NGHÁE DAN. Essa função agora fica sob responsabilidade
dos irmãos ou primos menores. Em caso de falta deles, a responsabilidade é da família
(pai ou qualquer membro da família), pois o novo iniciado agora vai dedicar maior parte
do seu tempo fazendo trabalhos mais pesados e de maior responsabilidade, tais como:
lavoura, cortar arroz, cortar palha para cobrir a casa, cortar paus para fazer a vedação da
morança (conjunto de casas da família) etc. Ou seja, ele passa agora a fazer todos os
trabalhos que uma pessoa adulta faz na sua casa, podendo solicitar apoio dos seus
colegas. Também tem que participar sempre nas atividades organizadas ou nos trabalhos
realizados pelo gupo de NGHÁE e estar sempre junto dos seus colegas.
Esses novos iniciados são caracterizados pelo tipo de vestimentas que usam e
seus comportamentos dóceis de obediência e respeito aos mais velhos. Quando acabam
de ser iniciados, levam no pescoço, nos braços e na cintura os aneis (Iotch ne Ngháe)
feitos de cordas de fibras de um tipo de árvore rasteiro, amarram uma banda de tecido
na cintura afiada a uma concha de um marisco marinho (Ftífo), amarram também um
outro tipo de tecido na cintura, cortado em bandas (Nlatar), usam uma blusa típica feita
de bandas de pano (Ncanamae), colocam pulseira de alumínio (Quichot) no pulso
esquerdo (cf. a imagem abaixo)52. Cada um desses instrumentos tem um significado
simbólico na cultura NGHÁE. Por exemplo, a concha de marisco amarrada na cintura
(cf. a cintura do segundo moço, da esquerda à direita) serve como protetor, para além de
outros significados secretos que não podemos divulgar. Portanto, eles devem saber o
significado de cada vestimenta e instrumento que usam, pois são cobrados pelos mais
velhos para explicar o que cada um desses instrumentos ou roupas representa e quem
não sabe ou erra é castigado ou punido – o grupo a qual pertence pode sofrer a multa
por causa do erro de um membro.

52
Esses Ngháe Sonh não usaram tanto Nlatar, como Ncanamae e quichot nesta imagem.
169

Foto 51: Ngháe Sonh (Ngháe pequeno)

Fonte: NAMONE, 2019.

No rito de inicação, o iniciado recebe vários ensinamentos e regras


comportamentais, sendo preparado para ser uma pessoa idônea e responsável na
sociedade. A ele é ensinado muitas lições de vida que visam torná-lo maduro e com
responsabilidade, devendo ser uma pessoa respeitosa e respeitada, obediente e
comprometida a realizar todas as tarefas de casa que agora é incumbido, antes mesmo
de ser solicitado para tal. Também deve cuidar da higiene pessoal, devendo tomar banho
logo ao amanhecer e sempre que precisar para se manter limpo e cuidar do seu visual.
Respeitar a ordem dos pais e dos mais velhos, devendo cumprir rigorosamnte as regras
de NGHÁE. Deve também respeitar a namorada que a ele será dado pelo grupo de MBI
FULA (grupo das meninas), com quem no primeiro momento não pode cruzar no
caminho e muito menos conversar tendo que fugir dela e vice-versa até serem
autorizados pelos mais velhos (grupo de NGHÁE DAN e de MBI FULA DAN). Só
depois dessa autorização é que eles podem conversar, se abraçar e dar um beijinho na
boca, nada mais do que isso. A respeito da conversa entre os namorados que, ainda, não
são liberados para tal, o homem grande Pansau Na Lassa explica que:

Se um NGHÁE SONH cruza com a sua namorada no caminho ou se


eles conversarem e se isso for descoberto os dois vão apanhar muito.
Namorado vai ser punido com espancamento pelo NGHÁE DAN e
namorada também será espancada pelas IMBI FULA DAN e cada
170

grupo será multado, porque isso fere muito as regras das duas partes.
Isto é, os dois desobedeceram ao que foram ensinados. (Pansau Na
Lassa. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jul.: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Nas fotos abaixo, os da esquerda são os recém-iniciados que ainda não são
liberados para conversar com as suas namoradas; enquanto os da foto à direita já são
liberados, podendo conversar e namorar as moças a eles designadas. O próprio uso ou
não de alguns acessórios já representa os que são mais novinhos – e ainda não têm
certas liberdades – e os que são mais maduros e têm mais liberdades.

Foto 52: Ngháe sonh mais novinhos e os mais maduros

Fonte: NAMONE, 2019

Portanto, são muitos os ensinamentos que esses moços aprendem. A ponto de


esses ensinamentos serem organizados em vários conteúdos (variando entre 20 ou
mais). Há conteúdo que ensina como se comportar em casa, na rua; outra que ensina
qual deve ser seu comportamento ou atitude quando tem um desgosto (por exemplo,
morte de uma pessoa nova); outro para o que deve fazer quando recebe visita de um
hóspede, especialmente, uma menina; entre outros. Todos esses conteúdos são
ensinados oralmente pelos seus superiores hierárquicos (NGHÁE NHUG), com a
orientação e supervisão de NGHÁE DAN. Todos os conteúdos que foram ensinados
devem ser bem memorizados e armazenados na mente pelo iniciado, pois serão
cobrados na prova oral, com todos os detalhes, e quem errar é encaminhado junto dos
171

NGHÁE DAN para ser castigado. Sobre esse assunto, o homem grande Pansau Na Lassa
comentou o seguinte:

Quando um erra na chamada oral, os NGHÁE NHUG o encaminham


para cúpula de NGHÁE DAN após testemunhar a estes qual foi o erro
que o menor cometeu estes o espancam exigindo para memorizar o
que ele foi ensinado e fazer exercício em casa ou esclarecer as suas
dúvidas junto de um NGHÁE NHUG ou com um colega dele que
entende da matéria. (Pansau Na Lassa. Mato-Farroba/Guiné-Bissau,
jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

A rotina geral desses iniciados – de comportamento na sociedade, de trabalho,


de cuidar de higiene, de participação na sociedade NGHÁE, entre outras – é sempre
monitorada pelo subgrupo NGHÁE NHUG (NGHÁE DO MEIO). Em caso de
descumprimento de alguma regra, o subgrupo comunica a ocorrência aos mais velhos
(NGHÁE DAN), a quem cabe fazer o julgamento e tomar as medidas punitivas cabíveis,
que é bater com a vara/ramo de árvore no infrator para que ele não cometa mais
qualquer tipo de erro. Importa referir que quanto mais erros a pessoa cometer, mais
apanha.
b) NGHÁE NHUG (Ngháe do meio): são os responsáveis pela educação e/ou
orientação dos NGHÁE SONH, segundo as regras estabelecidas pela sociedade NGHÁE.
Também cabe a eles fiscalizar se os mais novos estão ou não cumprindo as regras. Em
caso de descumprimento das regras, os do meio têm dever de comunicar a infração aos
mais velhos a quem cabe decidir as punições cabíveis. Por isso, entende-se que eles
também devem obediência aos seus superiores hierárquicos (NGHÁE DAN). Devem
também cumprir as suas obrigações de educar e orientar os menores de melhor forma
possível, praticando boas atitudes que servem de exemplo para os novinhos.
Os NGHÁE NHUG são mais livres em comparação aos menores, podendo no
momento de festas (exemplo: toca choro) enfeitar o corpo com qualquer instrumento
para chamar atenção do público, a ponto de um leigo poder confundi-los com os seus
superiores hierárquicos. Mas a regra é clara: no momento da festa, eles devem usar
sempre instrumentos marcadores de diferenças, que os distinguem dos mais velhos, tais
como: passar argila branca no corpo, usar nos braços argolas de fibra de tamanho médio
e com as pontas cortadas, podendo deixar um ou outro com ponta aguda, não abusar de
enfeite ou de extravagância. Tudo isso é para não se confundir com os mais velhos, que
usam argila vermelha no corpo, levam nos braços argolas de fibra grandes com as
172

pontas agudas, podendo usar qualquer enfeite e abusar de extravagância (cf. as duas
fotos a seguir).
Foto 53: Ngháe Nhug (Ngáe do meio)

Fonte: NAMONE, 2019

c) NGHÁE DAN (Ngháe Grande): são os mais velhos do grupo NGHÁE, a quem cabe
fiscalizar se os inferiores na hierarquia estão cumprindo ou não às regras do grupo, caso
contrário, aplicam punição cabível, que varia de multa a castigo corporal. Cabe a eles
também tomar as medidas contra qualquer membro do grupo que cometer um ato que
fere seus princípios e que é reprovável pela sociedade balanta, como por exemplo,
engravidar uma menina (MBI FULA) ou ter relação sexual com uma mulher – posto que
nenhum NGHÁE deve engravidar uma menina e muito menos ter relação sexual com a
mulher casada.
173

Foto 31: Ngháe Dán (Ngáe Grande)

Fonte: NAMONE, 2019

De modo geral, NGHÁES apresentam algumas características típicas que os


identificam, especificamente as formas como se vestem e se comportam perante o
público: cobrem o corpo com lama (argila), enfeitam os braços, pescoço, cintura e pés
com argolas feitas de fibras de árvores rasteiras, às vezes carregam bolsas de tecidos
feitos com folhas de palmeira, apresentam atitudes de coragem e brutalidade. São
geralmente conhecidos como aqueles que vivem sempre juntos, tendo certa liberdade
perante seus pais ou responsáveis legais. Dormem sempre juntos nas casas dos colegas
(no quarto, na sala ou na varanda), ou nas barracas improvisadas num lugar específico
da aldeia, andam em grupo, comem juntos.
Também são autênticos animadores das festas nas tabancas, pois viajam de
tabanca em tabanca, organizando e competindo no campeonato de luta livre,
participando das festas, especialmente, a de Káfe (toca choro – cerimônia de festa em
homenagem a um ancião ou uma anciã falecido/a), a de Kussunde (festa realizada
quando um bairro recebe visita de outro na mesma tabanca), a de Fibalak (cantar o pau
– festa de competição entre dois cantores influentes de cada bairro de uma mesma
tabanca) e a de nhere ne Ngháe (dança de Ngháe – competição de dança entre duas
tabancas), como também, a festa de Carnaval. Estas festas reúnem grande público e
movimentam a economia local. Cammilleri (2010) explica que:
174

Geralmente chega um momento nesta fase que esses jovens fazem um


ritual em que organizam um retiro espiritual, [...] escolhem uma casa
onde vão ficar por um período determinado, promovendo debates
entre si, realizando visitas aos familiares, sempre andam em grupo, e
também são prestigiados em cerimônias de “toca choro” ou de
casamento (CAMMILLERI, 2010, p. 66).

Eles são geralmente conhecidos como animadores das tabancas. O tempo todo
tocam vários tipos de instrumentos, tais como: tambores de diferentes tipos (Ciko,
Dondon, Tumba), também sopram chifre da Gazela (Ftebm), usam apitos de diferentes
tipos (de alumínio, de metal, de plástico ou de pau), usam na cintura instrumentos
metálicos que provocam muito barulho (Kpãe). Tudo isso é para chamar atenção ou
encantar o público que os assiste. Nas cerimônias de toca choro, ou em outras festas,
organizam campeonato de danças como também de luta corporal, na qual competem
NGHÁES de diferentes tabancas para o público avaliar quem são os vencedores – o que
dá orgulho e prestígio ao vencedor, pois significa a demonstração da força e de poder.

Foto 55: Ngháe grande na apresentação de dança tradicional (A)

Fonte: NAMONE, 2019


175

Foto 32:Ngháe grande na apresentação de dança tradicional (B)

Fonte: NAMONE, 2019

É o grupo que faz o trabalho mais pesado da comunidade: lavoura, corte de


arroz, construção da casa, vedações e limpeza do ambiente – e competem em todas
essas atividades. Também têm fama de grandes comedores, “qualidade bem expressa
pelo ditado: N’HAE MOM SEE KANTE RITH BOTO que traduzido quer dizer: O
N’HAE está saciado quando, para além do estômago, tenha enchido também o saco que
leva a tiracolo” (CAMMILLERI, 2010, p. 66).
Mas, como tudo na vida tem seu limite, depois de um tempo (2 ou 3 anos) esses
NGHÁE DAN serão submetidos a outro rito de iniciaçao, que é de BIDOGH (BLUFU
em crioulo), que é a terceira fase da educação masculina.

5.1.3 Terceira fase da educação masculina: grupo de BIDOGH (BLUFU em


Crioulo)

O principal fator que distingue o grupo de NGHÁE ao de BIDOGH é a liberdade


de poder casar-se e de constituir família. Assim sendo, na regra de Balantas-Nhacra,
principalmente, no sul do país 53, em hipótese alguma um NGHÁE pode casar-se. Para
poder se casar, ele precisa passar pelo rito de iniciação de BIDOGH, a fim de ser
53
Já nas regras de Balantas-Nhacra do norte, NGHÁE pode casar, mesmo assim, continua praticando a
mesma cultura.
176

transformado em NGHÉS. Nesse rito, ele é preparado para conviver com as mulhres,
para ser futuro marido e pai de família.
Tal como o grupo de NGHÁE, o grupo de BIDOGH também é composto por três
sobgrupos:
a) Nghés: recém-iniciados;
b) Tshon: entre estes, há vários subgrupos da mesma faixa etária, de 3 a 4;
c) Bidogh Bindan: são aqueles que estão no topo da hierarquia desse grupo.

a) NGHÉS: para entrar no grupo de BIDOGH, todos os NGHÁE DAN (NGHÁE


GRANDE) são levados a um lugar específico no mato para serem submetidos ao rito de
iniciação (KIHNGHÉS) e, então, passam a ser NGHÉS SONH (NGHÉS PEQUENOS).
A partir desse momento, eles passam a ter grande responsabilidade familiar, pois, agora,
podem se casar e formar família. Por isso, são ensinados a melhor forma de se
comportar na sociedade enquanto pessoas maduras, responsáveis e dignas de exemplo,
devendo assumir a responsabilidade de todo trabalho da família, respeitar todas as
pessoas, sobretudo as mulheres e, especialmente, a/as futura/s esposa/s e a família, além
de receber e tratar o hóspede da melhor forma possível. Ou seja, ele deve respeitar e
cumprir todas as regras de BIDOGH.
As características principais de NGHÉS são: a sua forma de vestir, mais ou
menos parecida com a das mulheres; tratamento de higiene; sua postura corporal ao
andar e seus comportamentos dóceis. Enquanto recém-iniciados, cobrem o corpo com
um pano típico, amarram lenço na cabeça, tecem os cabelos, usam brincos, colares,
pulseiras, uma bermuda típica (fundinho) e uma sombrinha para esconder o rosto. Usam
também bastante perfume e outros produtos de higiene para manter um cheiro
agradável. Falam baixo e ajoelham para cumprimentar as pessoas, um gesto de respeito
e obediência, segundo as regras de BIDOGH e andam em grupo, formando uma fila
única, tendo o mais baixo na frente e o mais alto atrás. Ademais, eles mantêm a cabeça
enclinada para baixo, estando sempre acompanhados, orientados e protegidos pelos seus
superiores hierárquicos (SHON).
Nessa cerimônia de iniação, os iniciados recebem uma formação intensiva de
seis dias consecutivos. Ao terminar a formação, os BIDOGH BINDAN organizam uma
festa de despedida, na qual esses iniciados visitam as famílias, andando de casa em casa
por toda tabanca, sempre rodeados por seus superiores hierárquicos, como sinal de
177

proteção contra qualquer tipo de feitiçaria. Esses cantam e dançam fazendo peditório de
dinheiro, arroz, galinha ou qualquer produto.

Foto 337: Nghés Sonh (Nghéss pequenos) novos iniciados, na marcha de despedida (A)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 34: Nghés Sonh (Nghéss pequenos) novos iniciados, na marcha de despedida (B)

Fonte: NAMONE, 2019


178

Geralmente, NGHÉS chamam muita a atenção das mulheres, de quem merecem


muito carinho: elas tecem os seus cabelos, compram as suas roupas, seus acessórios,
produtos de higene e lavam suas roupas. Ou seja, elas que cuidam do visual deles. Por
isso, muitas mulheres novas (SHATA SONH) fogem dos seus maridos para se casar com
NGHÉS.

Foto 59: Nghés, acompanhados por um superior

Fonte: NAMONE, 2019

b) SHON: é o sugrupo daqueles que são superiores a de NGHÉS. As pessoas


pertencentes a esse subgrupo têm a função de ensinar e dar conselho ao NGHÉS.
Contudo, a referida classe está subdividida em várias categorias de idade e de
hierarquia, podendo cada categoria escolher um nome pelo qual serão sempre
chamados. Importante explicar que, no que diz respeito ao poder, a categoria mais baixa
deve obediência à alta, indo sucessivamente até chegar à classe de BIDOGN BINDAN.
179

Foto 60: Shon. Da esquerda à direita tem o mais velho, o de meio e o mais novo

Fonte: NAMONE, 2019

c) BIDOGN BINDAN: a quem cabe à função de fiscalizar o cumprimento das regras,


de aplicar a punição e as multas.
Cabe salientar que, muito embora o grupo de BIDOGN tenha a sua autonomia na
tomada de decisão no que diz respeito especificamente a sua sociedade, ele deve
respeito e obediência ao grupo maior, ou seja, o de BILANTE BINDAN, que é a última
fase da educação masculina.

5.1.4 Quarta fase da educação masculina: grupo de BILANTE BINDAN

O grupo de BILANTE BINDAN é a quarta e última fase da educação masculina


entre os Balantas-Nhacra. É esse grupo que toma as decisões mais importantes que
regulamentam a vivência na sociedade Balanta, dependendo do caso, consultam as
mulheres grandes (BINIM BINDAN).
O Grupo de BILANTE BINDAN é composto por três subgrupos, a saber:
a) NSHAN SONH OU NSHAN BIHÁME (Nshan pequeno ou Nshan novos);
b) NSHAN MON (Nshan preto, os de meio);
c) BUHÓO (os anciãos, que são os responsáveis da morança).
180

a) NSHAN SONH ou NSHAN BIHÁME (Nshan pequeno ou Nshan novos)


São os mais novos, os que acabam de ser iniciados. Essa iniciação os confere,
entre outras coisas, a autonomia e a libertade na tomada de certas decisões relativamente
a sua família. Por exemplo, ele pode sair da morança na família nuclear, junto com a
mulher e os filhos, bem como pode fazer a sua morança em outra tabanca, onde se
sente seguro, podendo cuidar e proteger a sua família, sem precisar de autorização de
ninguém. Pode ir ao kibele nsike (consultar um curandeiro) quando um membro da sua
família estiver doente, como também, pode fazer as cerimônias de livramento ou de
proteção da sua família das enfermidades – essas coisas ele não podia fazer antes da
iniciação. Ele também é mandatário e porta-voz do ancião responsável da família
nuclear. Nesse caso, ele é o indicado pelo ancião para realizar kibele nsike (consultar um
curandeiro) quando um membro da família está doente ou quando acontece algum
problema anormal na família.
Quando morre uma pessoa na tabanca, cabe a eles a responsabilidade de
organizar e de reunir todas as condições para que o funeral e a cerimônia de toca choro
se realize com êxito. São eles que buscam Bombolom (tambores feito de tronco de
árvores) e levam à casa da família do malogrado para realizar a cerimônia de toca
choro. Além disso, são eles os primeiros a tocar esses Bombolom. Em suma, são eles
que organizam todas as tarefas básicas que permitem a realização de quaisquer eventos
organizados pelo BILANTE BINDAN.
O grupo de NSHAN SONH recém-iniciado usa o barite vermelho na cabeça com
a ponta virada para frente. Depois de passar algum tempo, ou seja, quando saem dessa
fase de novatos, ou são liberados, eles começam a usar o barite vermelho com a ponta
virada para o lado esquerdo (cf. as fotos abaixo). Essas atitudes têm significados,
portanto são linguagens.
181

Foto 61: Nshan sonh ou Nshan Biháme (Nshan pequeno ou Nshan novos)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 6235: Nshan Son mais maduros

Fonte: NAMONE, 2019

Para entrar no grupo de BILANTE BINDAN, começando pelo subgrupo de Nshan


sonh, a pessoa pertencente ao grupo de Bidogn, independentemente da sua idade ou de
classe de idade – seja ele: Nghéss ou Shon ou Bidogn Bindanh (Adogn Dánh no
singular) –, precisa passar pelo rito de iniciação de BILANTE BINDAN, chamado FÓO.
182

Esse rito é realizado no mato, onde os BITANTE BIDAN ficam junto com os iniciados
durante três meses, ensinando-lhes tudo o que diz respeito à sociedade de BILANTA
BINDAN.
É de salientar que, para ser iniciado no FÓO, não se decide ir por livre e
espontânea vontade, mas é a família que indica as pessoas que devem ir. Nesse caso, a
posição na hierarquia ou a idade não contam muito, pois o que é levado em
consideração é a posição que a pessoa ocupa na linhagem familiar mais alargada
(parentesco). Como explica o homem grande Ndjif Na Nsanca:

A pessoa pode ser nova, por exemplo, um Nghéss, mas, se nasceu na


posição mais alta na família, é ela que tem por direito de passar em
primeiro lugar no ritual de FÓO de que, por exemplo, um Adogn Dan
(aquele mais velho entre grupo de Bidogn) que, embora seja mais
velho pela idade, nasceu na posição inferior, o que fez com que não
chegasse a sua vez de ir no FÓO. (Ndjif Na Nsanca. Gantone/Guiné-
Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Vamos esclarecer a explicação desse homem grande. O que ele explicou é o


seguinte: por exemplo, duas pessoas são irmãos do pai (supomos um fulano A e um
fulano B). Só que o fulano A é bem mais velho que o B, inclusive o primeiro filho desse
A (que damos nome C) é mais velho que o B – que é irmão de A. Quando chega o ano
de fanado (FÓO), esse B é que vai a ritual e não o C. Pois apesar de C ser mais velho
pela idade, é o B que ocupa a posição mais alta na hierarquia familiar, por ser irmão de
A que é o pai do C. Essa hierarquia é respeitada pelos Balantas-Nhacra, por isso que,
muitas vezes, há uma pessoa mais jovem iniciada e outra com a idade relativamente
mais avançada que ainda não passou pelo rito de iniciação FÓO.
De acordo com a regra de Balantas-Nhacra, um homem grande iniciado não
pode sentar-se junto com os Bidog/blufus, pois pressume-se que ele pode falhar e
revelar-lhes segredos dos homens grandes, que uma pessoa não iniciada não poderia, em
hipótese alguma, saber (Ndjif Na Nsanca. Gantone/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).
É nesse rito de iniciação que os iniciados aprendem a tocar Bombolom (na línga
crioula) e Mbumbur, no plural ou Fimbumbur, no singular, (na língua balanta). É onde
eles aprendem a linguagem de Mbumbur, por exemplo, quando uma pessoa é chamada
no bombolom, quem entende essa linguagem já sabe que é o fulano de tal que está sendo
chamado. Como disse o homem grande N´tamuta Na Bitã:
183

É no fanado (FÓO) que a pessoa aprende a tocar Bombolom


(Mbumbur) e é onde a pessoa é ensinada a língua falada no
Bombolom. Tem muitas pessoas que já sabem tocar antes de FÓO,
mas não sabem o que estão falando, ou seja, não conhecem os
significados do que estão falando. Por exemplo, eu já sabia tocar, mas
não entendia a linguagem. É como você cantar uma música numa
língua que nem sequer sabe falar, mas você decorou a música, por isso
consegue cantar. É a mesma coisa para quem sabe tocar Bombolom
antes de passar pelo rito de iniciação (FÓO), toca, mas não sabe o que
está falando. Portanto, é no mato (A FLAK) que essa pessoa vai
aprender a língua falada no Bombolom (Mbumbur). Pois é lá que são
ensinadas todas as línguas de Mbumbur. Por isso, qualquer pessoa
iniciada, pelo menos entende o básico dessa língua. Pelo menos,
quando é chamada, entende que é ela que é chamada, se não entende,
a pessoa que entende e que está por perto dá sinal para ele. Muitas
vezes, essa pessoa que não entende é chamada pelo tocador de surdo
no Mbumbur, o que é vergonhoso, porque a pessoa que aprendeu
durantes três meses no mato e mesmo assim, não sabe pelo menos que
é ela que está sendo chamada. (N´tamuta Na Bitã Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Portanto, um Nshan sonh – que acaba de ser iniciado – aprende muitas coisas no
mato. Uma delas é a língua do Bombolom (Mbumbur). Mas se uma pessoa que tenha
passado pelo rito de iniciação de BILANTE BIDAN, tendo ficado três meses no mato e,
mesmo assim, não entenda o básico dessa língua é chamado de surdo, o que é
vergonhoso, porque não trata-se de simples surdez. Segundo homem grande N´tamuta
Na Bitã esse termo tem um significado profundo na interpretação dos BILANTES
BIDAN (N´tamuta Na Bitã Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jul.: 2019. Entrevista concedida
a Dabana Namone).
184

Foto 36: Homens grandes tocando Bombolom (Mbumbur) na cerimônia de toca choro (A)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 37: Homens grandes tocando Bombolom (Mbumbur) na cerimônia de toca choro (B)

Fonte: NAMONE, 2019

b) NSHAN MON (Nshan preto, os de meio): é a categoria que vem depois de NSHAN
SONH. Eles têm, entre outras funções específicas, lavar e vestir o cadáver antes de ser
enterrado. Um Nshan Mon pode desempenhar a função de ancião da morança, em caso
de ausência deste.
185

Para um NSHAN SONH transitar para sugrupo de NSHAN MON, precisaria


iniciar outros Nshan Sonh, ou seja, essa transição só acontece depois de realização de
outro rito de iniciação. O período de intervalo entre um rito de iniciação ao próximo
varia entre 15 a 20 anos, pois dependem de vários fatores culturais e ambientais.
c) BUHÓO (os anciãos, que são os responsáveis pela morança): é a categoria dos
mais velhos do Grupo BILANTE BINDAN, ou seja, os Anciãos. São eles que dão
veredicto final nas decisões mais importantes seja na morança (família alargada), na
tabanca, como também na sociedade de BILANTE BINDAN.
A função principal de Buhóo é cuidar e proteger a morança contra qualquer tipo
de enfermidade. Como pedido de proteção, este ancião invoca a divindade (Aúle em
balanta e Irã em crioulo) afixada no meio da morança ou na varanda da casa, jogando
comida e derramando bebida alcoólica nele para pedir a proteção à família.

Foto 65: Ancião derranando aguardente à Aúle e pedindo proteção à família

Fonte: NAMONE, 2019

Existem diferenças de categorias entre BILANTE BINDAN que são atribuídas


tendo em conta as sequências sucessivas de ritos de inicação (FÓO) os quais a pessoa
presenciou após ser iniciada. Essas diferenças de categorias são notáveis na forma como
usam o chapéu (Barete vermelho) e na posição em que este chapéu é colocado. Esses
186

traços diacríticos são marcadores da hierarquia e são exibidos com mais frequência num
evento onde os homens grandes (BILANTE BINDAN) estão reunidos, tais como:
cerimônia de toca choro (kiricht), casamento, entre outros.

Foto 386: Homens grandes, juntos e misturados

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 67: Um N´Tched tcedn (seguidor) e um Hóo (ancião / decano)

Fonte: NAMONE, 2019


187

Foto 39: Um N´Tched tcedn (seguidor) e um Hóo (ancião / decano)

Fonte: NAMONE, 2019

Nesses tipos de eventos, os recém-iniciados (Nsha nsonh ou Nshan Biháme), por


exemplo, usam barete vermelho com a ponta inclinada ligeiramente para frente, na
sequência os Nshan Mon (Nshan preto) inclinam a ponta de barete ligeiramente para
esquerda. Aqueles que seguem os anciãos mais velhos, ou seja, os (Bintched tchedn),
que estão na transição para última fase de BUHÓO, são identificados pela posição de
barete vermelho virado para direita. Enquanto os anciãos (BUHÓO) costumam virar o
lado amarelo do barete para fora, podendo ser virado parcialmente ou totalmente (cf. as
duas úlitimas fotos acima). Todos são códigos que representam a posição hierárquica
desse grupo na sociedade Balanta.

5.2 Educação nas fases da vida feminina

Para o sexo feminino, há apenas três fases de educação: a de grupo de MBI


FULA SOHN no processo de KINRÃ, grupo de MBI FULA e a de BNIN BINDAN.
188

5.2.1 Primeira fase da educação feminina: Kinrã ne Mbi Fula (levar à menina à
criação)

Existe, entre os Balantas Nhacra, uma prática cultural que é levar as meninas
para criação, chamada em língua balanta de KINRÃ, ou em outras palavras B´lab ne Mbi
Fula (levar a menina à criação). Ela funciona da seguinte forma: quando nasce uma
menina, uma das tias paternas (irmã ou prima do pai) pode, por direito, pedir essa
menina para criação e depois dá-la como a nova esposa ao marido. Segundo a
explicação das mulheres grandes (Toiole Na Sanha e Bininba Na Mbana), o pedido de
criação é feito pela tia à sua família, levando para o efeito um pano que depois será
entregue à mãe do bebê e bebidas alcoólicas para os mais velhos da família: homens e
mulheres. Se o pedido for aceito, depois de 4 ou 5 anos, a tia pode levar a criança para
criação (Toiole Na Sanha e Bininba Na Mbana. Mato-Farroba/Guiné-Bissau. Jul.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone). A partir de então, essa criança jamais trata
aquela tia como tal, e sim como Fada Nin ou Baba Nin (pai materno) ou simplesmente
Nrã (a criadora).

Foto 69: As mulheres Balantas Nhacra explicando como funciona a educação feminina (A)

Fonte: NAMONE, 2019


189

Foto 40: As mulheres Balantas Nhacra explicando como funciona a educação feminina (B)

Fonte: NAMONE, 2019

É nesse processo de KINRÃ que, segundo essas mulheres54, a menina vai


aprender a fazer as tarefas domésticas, das mais simples às mais complexas, tais como:
catar a água, lavar a louça, varrer a casa, cuidar dos bebês, pilar arroz, cozinhar. De
acordo com essas mulheres, essas tarefas aumentam gradualmente de acordo com a
idade da menina. Além disso, a menina é ensinada a se comportar como mulher na
sociedade. Essa fase de educação é semelhante à de BIDOGN NI NHARE, que
descrevemos atrás.

54
Aqui fizemos o resumo geral das informações que essas mulheres nos passaram. Porém, ao longo do
texto destacaremos as contribuições individuais de cada uma delas. Importante salientar que as mais
novas não falaram nenhuma palavra sequer, ou seja, permaneceram caladas ao longo de toda entrevista.
Supomos que isso seja obediência e respeito às regras. Pois, nas regras dos Balantas-Nhacra, no meio dos
mais velhos, o menor só tem direito a palavra se for autorizado, caso contrário, essa é considerada Bdjem
(desrespeito aos mais velhos).
190

Foto 71: Menina pequena que foi levada a criação (Kirã), varrendo e tirando o lixo.

Fonte: Namone, 2019

Foto 72: Mbi Fula Balanta pilando arroz e a pequena de lado olhando atenta e aprendendo

Fonte: CÁ, C., (2015, p. 177)

É de esclarecer que há também caso de a menina não ser levada para criação
(Kirã) desde pequena, mas somente quando ela atingir a idade de casamento. Nesse
caso, ela aprende as tarefas domésticas e todos os ensinamentos referidos na casa dos
seus pais (com a mãe ou com as outras mulheres que ali estão).
Depois que a menina cresce e atinge a idade de mais ou menos 17 a 18 anos, ela
se casa, passando a ser a nova esposa do marido da sua mestra. É assim que muitas
meninas são dadas ao casamento na sociedade balanta. Elas não têm a liberdade de
191

escolher o marido, que se dá através de processo de KINRÃ. Embora a menina, nessa


condição, possa fugir e arranjar o novo marido da sua escolha, mas isso só pode
acontecer depois de ela cumprir toda etapa de ritual de casamento (KIHÉCLE – noiva
nova), feito pelas BININ BINDAN (mulheres grandes). Essa etapa se encerra depois de
ela ter o/a primeiro/a ou o/a segundo/a filho/a, ou seja, depois de passar para fase de
SHATA.
É importante deixar claro que, no que tange ao termo MBI FULA, há que se
separar o termo comum MBI FULA (uma menina) do de grupo ou fase de idade MBI
FULA. O primeiro refere-se a qualquer menina, desde a criança até a idade de
casamento. Enquanto o segundo termo diz respeito ao grupo de idade das meninas de
mais ou menos 12 a 18 anos, isto é, as adolescentes e as jovens que já passaram pelo
rito de iniciação de MBI FULA, mas que ainda não são casadas. Essa é a segunda fase
da educação feminina.

5.2.2 Segunda fase da educação feminina: grupo de MBI FULA

O grupo de MBI FULA é a primeira fase de idade na qual as meninas passam


pelo primeiro rito de iniciação feminina, realizada pelas superioras na hierarquia. Esse
grupo e o de HGHÁE mantêm uma relação direta, ou seja, são parceiros ou
companheiros de relacionamento. Um grupo de MBI FULA é composto por três
subgrupos de idade:
a) MBI FULA SONH (Mbi Fula pequeno);
b) MBI FULA NHUG (Mbi Fula do meio);
c) MBI FULA DÁN (Mbi Fula grande).

a) MBI FULA SONH (Mbi Fula pequeno): para serem iniciadas, as Mbi Fula Sonh,
estando ou não no processo de KINRÃ, ao atingirem certa idade (11 a 12 anos), elas são
levadas pelas mais velhas para bolanha – fazenda distante da aldeia, onde os Balantas
cultivam arroz –, especificamente, no mangal (tarafe) para serem iniciadas (Biétma
Kifúla), passando a fazer parte de grupo de MBI FULA. Nesse ritual, a assembleia de
MBI FULA realiza várias reuniões no mesmo lugar, num período de mais ou menos 15
dias, ensinando as novas ingressantes a ter bom comportamento na sociedade: respeitar
e obedecer às ordens das pessoas mais velhas, especialmente, a Rã (criadora); fazer a
tarefa doméstica (varrer a casa, pilar o arroz, catar a água, pescar, cozinhar, lavar louças,
192

carregar arroz, plantar arroz etc.) sem antes ser chamada para tal. Também recebem
ensinamento de como devem lidar com o grupo de NGHÁE, especialmente, o primeiro
namorado, com quem não se pode cruzar no caminho ou cumprimentar sem a
autorização das superiores (MBI FULA DAN). Caso contrário, podem sofrer punição
que varia entre multas e chutes.
Elas são identificadas pelas suas vestimentas e por seus comportamentos.
Quando recém-iniciadas, usam pulseiras de alumínio no braço, amarram um pano na
cintura e usam blusas sempre limpas, cuidam dos cabelos, falam baixos, são obedientes
e respeitosas.

Foto 73: Mbi Fula Sonh

Fonte: NAMONE, 2019

Elas devem obediência sempre às mais velhas. Quando fazem um trabalho, por
exemplo, carregar arroz, nas regras MBI FULA SONH, tem por obrigação de carregar
utensílios das mais velhas, o que significa ter respeito para com os mais velhos, mesmo
havendo outras meninas menores, tal como segue na segunda foto abaixo.
193

Foto 7441: Mbi Fula, carregando arroz do porto para casa (A)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 42: Mbi Fula, carregando arroz do porto para casa (B)

Fonte: NAMONE, 2019

Como dissemos anteriormente, o grupo de MBI FULA tem uma relação de


parceria ou companherismo com o grupo de NGHÁE. Nessa relação, as meninas
menores (MBI FULA SONH) têm grande responsabilidade. Por exemplo, quando chega
194

um visitante NGHÁE na tabanca, o dever delas é contraírem empréstimo de uma


galinha e vinho (cana ou outro tipo) para receber o hóspede, fazendo-se presente nesse
evento seus superiores hierárquicos (MBI FULA NHUG e MBI FULA DAN) e o grupo
de NHÁE. A galinha é morta por um dos NGHÁE DÁN e as meninas preparam um prato
típico de galinha para o visitante.

b) MBI FULA NHUG (Mbi Fula do meio): são responsáveis por educar e orientar as
novas iniciadas, segundo as regras estabelecidas pelo grupo. Também cabe a elas
fiscalizar se as menores estão ou não cumprindo as regras. Caso contrário, comunicam a
infração às mais velhas a quem cabe decidir a punição.

Foto 43: Mbi Fula Nhug

Fonte: NAMONE, 2019

c) MBI FULA DAN (Mbi Fula grande): são as mais velhas, a quem cabe observar e
fiscalizar se as inferiores na hierarquia estão cumprindo as regras corretamente, caso
contrário podem aplicar punição cabível.
195

Foto 44: Mbi Fula Dán

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 7845: Mbi Fula saindo da pesca

Fonte: NAMONE, 2019

É de salientar que cada MBI FULA deve ter o seu namorado no grupo de
NGHÁE, sendo que o namoro segue de acordo com a faixa etária de ambas as partes. Ou
seja, o namorado de MBI FULA SONH (MBI FULA PEQUENO) deve ser de grupo de
NGHÁE SONH (NGHÁE PEQUENO); do mesmo modo, o namorado de MBI FULA
196

NHUG (MBI FULA DO MEIO) deve ser do grupo de NGHÁE NHUG (NGHÁE DO
MEIO); e, ainda, o namorado de MBI FULA DÁN (MBI FULA GRANDE) deve ser um
NGHÁE DAN (NGHÁE GRANDE). Os namorados são escolhidos na assembleia de MBI
FULA de acordo com os critérios estabelecidos pelo grupo, depois a decisão é
comunicada ao grupo de NGHÁE.
Importa frisar que, na sociedade balanta, uma MBI FULA jamais pode se casar
ou ter filhos sem ter passado pelo rito de iniciação de casamento (KPAL). A gravidez,
neste caso, é considerada um erro gravíssimo e repudiado, podendo acarretar sérios
problemas de saúde tanto para a mãe como para o futuro bebê e até levar a morte. Para
evitar esses problemas, ela precisa passar pela cerimônia de purificação (lavagem). Uma
MBI FULA grávida é uma vergonha e desonra para sua família e para suas colegas. Por
isso, quando uma menina fica grávida, ela sofre muitas torturas psicológicas e até
tortura física, podendo levá-la a morte55.
Portanto, para uma MBI FULA poder se casar e engravidar, ela deve passar pelo
rito de iniciação de BNIN BINDAN, ou seja, a realização de casamento (KPAL), que é a
terceira fase da educação feminina. Nesse momento, ela não é mais MBI FULA e, sim,
uma MBI IEGLE (noiva).

5.2.3 Terceira fase da educação feminina: grupo de BININ BINDAN

O grupo de BININ BINDAN é a terceira e a última fase da educação feminina.


Ela é composta por quatro subgrupos:
a) MBI IEGLE (noiva), contado a partir do casamento ao nascimento do segundo filho;
b) THATA, contado a partir de segundo filho até o início da menopausa (sendo
composta por dois subgrupos: Thata sonh = as pequenas e Thata Dan = as grandes);
c) SADE (da menopausa ao início de terceira idade);
d) BASSANA (a partir da terceira idade).

a) MBI IEGLE: é a noiva nova que acaba de ser casada, passando pelo rito de iniciação
de BININ BINDAN (KPAL). A partir desse momento, ela é transformada numa pessoa
adulta, madura e responsável na sociedade, tendo que obedecer as regras e as ordens de
55
A título de exemplo, lembro-me do caso de uma moça que engravidou e, em consequência disso, foi
espancada pelas colegas até a morte e as meninas foram presas por quase um ano. Esse fato aconteceu
em 1994, na tabanca de Mato-Farroba, região de Tombali.
197

BININ BINDAN, especialmente, a sua mestra (Nrã), como também, respeitar e obedecer
ao seu marido.
A cerimônia de casamento KPAL funciona da seguinte forma: assim que chegar
o ano da menina ser dada ao casamento, a família do marido (anciãos e anciãs) faz o
pedido de casamento à família da esposa com antecedência de mais ou menos seis
meses, levando bebidas alcoólicas e folhas de tabaco. Em contrapartida, a família da
esposa determina o valor do dote a ser pago pela família do marido. Se as duas partes
chegarem a um acordo, a data de casamento é marcada e a moça é avisada. Antes da
data de casamento, a moça é levada pelas mulheres grandes e acompanhada pelas suas
colegas para se despedir da sua família e de parentes que residem em diferentes
tabancas. Elas cantam e dançam, homenageando a moça. A família e os parentes, por
seu lado, parabenizam a menina, presenteando-a com dinheiro, arroz, galinhas, porcos
etc. Esses presentes são usados para comprar suas roupas e a dos futuros filhos, pois
agora ela vai passar para uma nova fase (fase adulta) e de grande responsabilidade
familiar.
No dia de KPAL (casamento), a moça é levada pelas BININ BINDAN (grupo de
mulheres grandes) para a casa do responsável da família do marido (pai ou avô) para
cumprir o ritual, tornando-a IEGLE (noiva). Ela é coberta de pano preto na cabeça e de
outras cores amarradas no tronco até os pés. Vestidos que ela vai usar durante dois ou
três meses.
198

Foto 46: MBI IEGLE, coberta de roupas sagradas.

Fonte: NAMONE, 2019

No sexto dia após a cerimônia de KPAL, a noiva é levada a um rio para fazer a
lavagem de purificação (Kuhasse). Apenas depois dessa data que ela pode começar a
dormir com o marido. Nesse dia de Kuhasse, todos os homens são expulsos da morança
(conjunto de casas de uma família) pelo dia todo, num raio de 200 metros ou mais, pois
o evento é sagrado e têm muitos segredos que homens não podem saber. Por isso, eles
são proibidos de ficar perto, sob pena de serem punidos com multa ou com feitiço, que
pode levar o infrator à loucura ou à morte.
Durante esse tempo, ela é ensinada sobre todas as regras de mulheres grandes.
Essas regras ela deve respeitar e cumprir, sobretudo, respeitar e obedecer ao seu marido,
199

a sua mestra e às mulheres grandes. Sendo assim, a ela é indicada uma conselheira a
quem cabe à responsabilidade de acompanhá-la e orientá-la nessa jornada de KIEGLE
(noivado). A partir desse momento, essa IEGLE (noiva) passa a ser responsável por
todas as tarefas domésticas: pilar arroz, varrer a casa, catar a água, cozinhar, lavar a
louça etc.
Um dos comportamentos típicos de IEGLE é de ajoelhar, estendendo as mãos no
chão e curvando a cabeça para cuprimentar um visitante que chega a casa, ou qualquer
pessoa com quem ela se cruza no caminho. Ela também se mantém sempre calada
durante o período que cobre a cabeça com o pano, podendo falar o mínimo necessário e
em voz baixa apenas com as mulheres.
Depois de deixar de usar pano na cabeça e no tronco, ela passa a usar uma blusa
longa que cobre seu tronco até aos pés. É o período em que a maioria já se encontra
grávida. Nesse período, a ela é dada a liberdade de conversar com as pessoas.

Foto 47: MBI-IEGLE madura

Fonte: NAMONE, 2019


200

O período de KIEGLE (noivado) dura aproximadamente quatro ou cinco anos.


Depois desse período, a IEGLE (a noiva) passa para a fase de TAHTA.
b) THATA: é a fase na qual a mulher adquire a liberdade e a autonomia de tomar as
decisões pessoais por conta própria, podendo desobedecer a ordem do marido. A partir
desse momento, ela pode viajar para visitar os familiares, viajar junto com outras
mulheres de grupo de trabalho quando solicitadas para plantação de arroz (suk) numa
outra tabanca, pode ir às festas nas outras tabancas, com ou sem permissão do marido.
De acordo com Seide (2017),

é a fase que a mulher exprime seus desejos, por exemplo, ir visitar


parentes que moram longe em relação a onde ela morra. Esse desejo
não pode ser refutado pelo próprio marido, isso mostra o sinal da
independência da mulher BALANTA, de não ficar submissa a tudo
que o marido dita. É nessa fase que as mulheres BALANTA passam a
assumir a vida comunitária, ajudando em tudo que se faz na
comunidade e, ao mesmo tempo, cuidando da família (SEIDE, 2017,
p. 27).

Ou seja, é a partir dessa idade de TAHTA que a mulher Balanta-Nhacra começa a


exercer a sua liberdade de escolha. Ela pode arrumar um namorado da sua idade,
podendo até fugir para se casar com ele, abandonando o primeiro marido. Essa fase é
marcada por muitas tensões e brigas entre o ex-marido e a ex-esposa. Muitas vezes, essa
tensão envolve a família de ambas as partes, principalmente, por causa do dote. Ou seja,
se a ex-esposa não gerar nenhum filho no primeiro casamento, isso pode criar
desentedimento entre as duas famílias por causa do dote que a família do ex-marido
pagou a família da ex-mulher.
Necessário relembrar que existem dois subgrupos de THATA: Thata Sonh (Thata
pequena) e Thata Dan (Thata grande). O primeiro subgrupo corresponde a fase que vem
depois de IEGLE (noiva) até o período de terceiro ou quarto filho. O segundo vem
depois dessa idade, a da menopausa (cf. as duas fotos a seguir). Cabe a esses dois
subgrupos executar e orientar as tarefas doméstica e todo trabalho que é da
responsabilidade feminina. Na festa (por exemplo, na cerimônia de KÁFE – toca
choro), cada grupo usa uniformes típicos que a identificam.
201

Foto 48: TAHTA SONH (Tahta pequenas), numa cerimônia de KÁFE (toca choro)

Fonte: NAMONE, 2019

Foto 49: TAHTA NDAN (Tahta grande), numa cerimônia de KÁFE (toca choro)

Fonte: NAMONE, 2019

c) SADE é o subgrupo que comprende a idade de menopausa ao início da terceira idade


(entre 50 a 60 anos de idade). Elas são responsáveis por cuidar de crianças quando as
mães estão ocupadas no trabalho.
202

Foto 50: SADE, numa cerimônia de KÁFE (toca choro)

Fonte: NAMONE, 2019

d) BASSANA: é o grupo de início de terceira idade aos 70 anos. Elas que coordenam o
grupo de BININ BIDAN. Elas se dedicam mais às atividades domésticas que não exigem
muita força física, mas que exigem muito domínio técnico. São as atividades mais
artesanais, tais como: fabricação de sal, fabricação de sabão, extração de óleo de palma
(azeite de dendê), tecelagem de redes de pesca, de bordados, preparo de hortaliças,
dentre outras.
Uma criança Balanta Nhacra nascida e crescida na sua tabanca convive com
essa educação, com esse tipo de transição de conhecimento. Muitas passaram por uma
ou por outra fase dessa educação. Muitos meninos passaram pela fase de BIDOGN NE
NHÁRE, como também, muitas meninas pela fase de KINRÃ ou mesmo de MBI FULA,
portanto, eles ou elas têm uma larga bagagem cultural que vão levar como experiência
para o resto da sua vida. E essa bagagem cultural deve ser reconhecida e valorizada na
escola.
Esses conhecimentos são transimitos oralmente dos mais velhos aos mais novos
e esses, por sua vez, têm o dever de memorizá-los e transmiti-los às gerações vindouras.
De salientar que essa forma de educação continua organizando o modo de viver entre os
Balantas-Nhacra da Guiné-Bissau.
203

Vale ressaltar que cada grupo étnico do país tem a sua forma específica de
educação baseada na tradição oral e transmitida através da língua materna. Poranto, as
questões que se colocam são: como a política estatal lida com essa forma de educação?
Qual é o impacto da política educativa e linguística no sistema de ensino guineense?
204

6 GUINÉ-BISSAU PÓS-INDEPENDÊNCIA: POLÍTICA EDUCATIVA E


LINGUÍSTICA E SEU IMPACTO

Definir uma política linguística e educativa que explicite a favor das línguas africanas [...];
cultivar a vontade política de promover uma política de educação multilíngue e multicultural
(UNESCO, 1986).

A República da Guiné-Bissau surgiu graças à dura luta armada de libertação de


11 anos (1963-1973), que colocou frente a frente o regime colonialista português e o
Movimento de libertação Nacional – denominado Partido Africano para Independência
da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC) – liderado por Amílcar Cabral. Com o efeito, o dia 24
de setembro de 1973 foi marcado como a data de nascimento do Estado da Guiné-
Bissau, com a proclamação da sua independência em Madina de Boé, no leste do país e,
em 10 de setembro de 1974, Portugal reconheceu o país como independente.
A partir dessa data, os “combatentes revolucionários” do PAIGC – representados
por algumas personalidades cabo-verdianas e/ou seus descendentes (assimilados cuja
maioria trabalhava antes como funcionários no governo colonial) e por guineenses, na
sua maioria, operários de baixo escalão (estivadores, eletricistas,
carpinteiros/marceneiros, pedreiros, além de desempregados e os camponeses) – saíram
das Z.L. para assumir o poder na capital Bissau. A regra do partido era clara: só podia
ocupar função no governo quem tivesse participado da luta armada. Sendo assim, os
cargos governamentais foram distribuídos, dando prioridade aos revolucionários
letrados do partido, ou seja, à elite política assimilada à cultura lusa, que atuava na
diplomacia e na estratégia militar da luta pela independência, a qual agora passou a
ocupar as funções de ministros, secretários de Estados, dentre outros, haja vista que
essas pessoas detinham alguns conhecimentos administrativos. Os combatentes que
estavam com as armas nas mãos na frente de combate eram, na sua maioria,
provenientes da camada considerada indígena e que não teve acesso à escola no regime
colonialista (NAMONE, 2014).
Com a entrada dos combatentes em Bissau, “impunha-se a criação de novas
relações de poder, pois era preciso contar com uma nova lógica e uma nova entidade: o
Estado com sua racionalidade intrínseca” (LOPES, 1999, p. 20). Para este autor, a
realidade social do país modificou-se completamente a partir da independência, com a
reintrodução, no seio do PAIGC, das contradições e dos interesses pessoais da elite
política que conduziu esse processo. A fase imediatamente anterior à tomada do poder
205

estatal (isto é, a da proclamação da independência e da distribuição de cargos políticos)


não criou as mesmas condições que a etapa anterior, a da luta, aquela em que o partido
havia criado as condições que permitiram o funcionamento da estrutura administrativa
nas regiões libertadas. Com efeito, datam dessa fase de proclamação de independência
os conflitos no seio do partido que dariam origem a certos acontecimentos políticos
posteriores, sendo o golpe de Estado de novembro de 1980 o mais importante entre eles
(LOPES, 1999).
Após a independência total do país em 1974, o Partido Africano para
Independencia da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC), enquanto partido único legitimado
pela Constituição da República – Constituição de Boé – como força dirigente da
sociedade, vanguarda e motor da luta pela independência (CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA DA GUINE-BISSAU, 1973), assumiu o destino do país instaurando um
regime autocrático e centralizado. Como partido único, o PAIGC “era o detentor
absoluto do controle político e administrativo do país que se estendia ao poder político,
às acções do Estado e do governo e às relações entre essas instâncias e a sociedade civil,
as organizações de massas e os órgãos de comunicação social” (KOUDAWO; MENDY,
1996, p. 29). De acordo com Koudawo e Mendy (1996, p. 29):

A ideologia do Partido era na sua essência socialista e muito próxima


do marxismo e do leninismo. Porém, em termos de actuação prática,
as posições divergiam e a tendência dominante era de um
pragmatismo cujos excessos conduziram a um afastamento cada vez
mais dos princípios defendidos durante a luta pela libertação nacional.

Com todo esse poder concentrado no PAIGC, não foi tão difícil instalar os
órgãos centrais, mas foi complicado fazê-los funcionar, pois, segundo Furtado (2005),

este período de transição brusca da gestão de uma parcela de território,


em situação de guerra, para a administração de um território em toda a
sua complexidade e em condições de paz, de falta de quadros em
número e em qualidade e de experiência administrativa foi marcado,
de uma forma geral, por momentos de indefinição e de contradições,
por um certo caos administrativo (FURTADO, 2005, p. 346).

No setor da educação, as primeiras iniciativas do PAIGC foram marcadas


fortemente pela visão de uma “educação libertária” já em vigor durante a luta armada. A
generalização dessa educação era ditada pelo fato de a “libertação de dois terços do
território que compõem as zonas libertadas não ter sido acompanhada pela consequente
206

extensão do sistema de educação do PAIGC, que contava em 1972 com 164 escolas,
258 professores e 14.531 alunos” (KOUDAWO, 1995, p. 108), pois o agravamento da
guerra limitava a extensão da educação às zonas libertadas. Entretanto, após a
independência, importava não apenas assegurar a máxima cobertura dessa região, mas
também introduzir o sistema educativo do partido nas zonas que tinha permanecido sob
controle da administração colonial até 1974 (os centros urbanos como Bissau, Bafatá,
Gabu e outros), onde a necessidade de estender a nova educação era agravada pela
necessidade sentida pela direção do PAIGC de descolonizar as mentes das pessoas
consideradas submetidas por largo período de tempo ao sistema do ensino colonial
(KOUDAWO, 1995). Os desafios a se enfrentar eram visíveis. Vejamos:
 A jovem nação se encontrava num estado de extrema pobreza, resultado tanto da
exploração colonialista, como de 11 (onze) anos de luta armada de libertação, com
elevadas taxas de analfabetismo (99%), uma acentuada assimetria entre a capital e as
regiões do interior e uma notável inexistência de recursos humanos qualificados nas
diferentes áreas de administração;
 Aumento explosivo da procura dos alunos pelo ingresso à escola, tendo em conta
a ideia eufórica dos independentistas de formar um “Homem Novo” com vistas à
reconstrução nacional.
 Por outro lado, o partido viu-se confrontado com a coexistência de dois sistemas
de educação contraditórios: a) o sistema introduzido pelos portugueses durante a
dominação colonial, concentrado nos centros urbanos; e b) um sistema educativo que o
partido estava construindo, nas zonas libertadas, pelo qual a escola se integrava ao
trabalho produtivo na vida das tabancas.
No entanto, este último ponto se constituiu como o maior desafio para o governo
do PAIGC, pois o intuito era transformar os dois sistemas contraditórios num único que
correspondesse à realidade do país (KOUDAWO, 1995). Para o efeito, duas alternativas
foram apresentadas:
A primeira alternativa foi a de fechar as escolas herdadas do colonialismo até a
concepção de um projeto global para o país, em que se definisse uma política
educacional clara e se formassem os quadros necessários à execução das devidas
tarefas. Tratava-se de construir um novo sistema educativo, para um novo contexto
social, orientado para objectivos genuínos, decorrentes dos novos ideais político-
ideológicos forjados durante a luta da libertação nacional;
207

A segunda alternativa seria a de conservar a infraestrutura educacional


existente, abrindo as portas para um maior número de estudantes, substituindo todos os
quadros indesejáveis e introduzindo as reformas de conteúdos mais pertinentes.
Significava prosseguir com um sistema educativo herdado, que havia sido construído
sob a óptica dos colonialistas portugueses, introduzindo nele modificações pontuais para
fazer face à inevitável explosão escolar, enquanto se construía paralelamente o novo
sistema, numa segunda etapa.
Face às fortes pressões políticas e sociais alimentadas pela euforia da
independência, o governo elegeu a segunda opção. Isto é,

adopção de medidas políticas que favorecessem a manutenção do


velho sistema, a introdução de forma gradual de reformas pontuais
para não paralisar as escolas, e que permitisse preparar, quanto antes,
um novo projecto educativo, criando espaço para o aprofundamento
das experiências das Zonas Libertadas (FURTADO, 2005, p. 336).

Essa reforma iniciou-se pela mudança dos conteúdos do sistema educativo


colonial, com destaque especial para as seguintes disciplinas: história, geografia, língua
portuguesa e literatura, que eram consideradas as mais carregadas da ideologia colonial.
Assim, foi instituído um sistema de ensino que permitisse que os alunos guineenses
estudassem a sua própria história, a sua cultura, a sua geografia, e não a história, a
cultura e a geografia de Portugal. Entretanto, essas disciplinas eram ensinadas em LP e,
assim, na época, muitos estudantes começaram a ter contato com ela na escola. Como se
pode ver, as medidas tomadas no quadro da reforma empreendida foram: i) a
manutenção do português como língua do ensino; ii) a substituição dos materiais
didáticos usados no ensino colonial por materiais produzidos e usados no ensino nas
zonas libertadas. Esses novos materiais também eram escritos em português. Essa ação
foi considerada pelo governo como o primeiro experimento no setor da educação (CÁ,
2008).
Na perspectiva do governo, essa reforma pretendia colocar em prática dois
objetivos fundamentais: 1º) concretizar o direito de cada cidadão à educação e ao saber,
dando a todos as mesmas oportunidades; e 2º) criar um sistema educativo que
favorecesse, particularmente, o desenvolvimento de valores culturais nacionais e que
fosse capaz de transmitir igualmente os valores universais necessários ao
desenvolvimento individual e coletivo. Para o efeito, foram anunciadas quatro tarefas:
a) reformas completas dos programas escolares, visando a sua adaptação às realidades
208

socioculturais e de desenvolvimento, pela ligação da escola à vida, a fim de transformá-


la num elemento ativo e integrado do desenvolvimento global da nova nação africana;
b) democratizar e tornar gratuito o ensino de forma a oferecer a todos as mesmas
oportunidades; c) formar localmente o pessoal técnico indispensável ao
desenvolvimento do país e d) ensinar em língua nacional (CÁ, 2008, p. 115-116).
Importante referir que essa reforma foi contraditória em seus pontos principais,
na medida em que determina a manutenção do português como língua de ensino e, ao
mesmo tempo, propõe-se a ensinar nas línguas nacionais. Faltou, portanto, uma
definição clara de como aplicar essas duas medidas na prática. Na verdade, a tão
proclamada valorização das culturas e línguas nacionais se limitou apenas ao plano
teórico-discursivo do governo, uma vez que, até hoje, nenhuma medida plausível foi
tomada no sentido de viabilizar os estudos linguísticos (produção de materiais didáticos,
especialmente dicionários, gramáticas e outros materiais escolares) com vistas a
promover à escrita das línguas nacionais e a sua utilização nas escolas. Sendo a LP
mantida como a única de ensino, parece contraditório e ambíguo falar em “democratizar
o ensino de forma a dar a todos as mesmas oportunidades” (CÁ, 2008, p. 115-116), se
na verdade a democratização do ensino significa não apenas dar acesso gratuito a todos,
mas também e fundamentalmente ensinar os alunos nas suas línguas maternas
respeitando as suas diversidades.
Portanto, as próprias intenções de se usar as línguas nacionais no ensino e de se
criar um sistema educativo que favorecesse o desenvolvimento dos valores culturais
nacionais não se concretizaram, apesar de algumas tentativas de promover a
alfabetização nas línguas balanta, fula, mandinga e crioulo, como também a inicativa
de ensinar valores culturais nacionais promovidas pelo Centro de Educação Popular
Integrado (CEPI). Essas iniciativas foram interrompidas por alegada falta de
financiamento.
A pretendida reforma estava pautada em opções pouco realizáveis, pois, segundo
Furtado (2005),

nenhuma dessas opções tinha sido sustentada por um conhecimento


profundo da complexa situação herdada que havia resultado das
políticas anteriores e, sobretudo das medidas populistas coloniais nos
seus últimos momentos de governação. Nem foi elaborado um
projecto propriamente dito que enquadrasse de forma coerente as
reformas educativas no contexto de um projecto mais amplo da
sociedade que se pretendia construir. Partia-se assim para uma
209

reforma muito difusa, sem uma tipologia definida (FURTADO, 2005,


p. 335).

Uma reforma dessa natureza deveria se basear: a) numa análise credível de suas
consequências futuras; b) num estudo de campo abrangente e viável que visasse
conhecer, a fundo, a realidade sócio-econômica, cultural e linguística do país, com a
participação das próprias comunidades; e c) num estudo preventivo sustentável em
termos de captação de recursos humanos, materiais e financeiros que permitissem a sua
efetiva viabilidade.
A título de exemplo, a campanha nacional de alfabetização levada a cabo na
época revelou a falta de um estudo e planificação credível que avaliasse seu
enquadramento à realidade cultural do país, como também tornou evidente a falta de
uma planificação antecipada do seu custo em termos de recursos humanos, materiais e
financeiros.

6.1 Entraves da campanha de alfabetização

A campanha de alfabetização foi promovida pelo Comissariado do Estado da


Educação Nacional (atual Ministério de Educação Nacional) e contou com o apoio de
equipe do Instituto de Ação Cultural (IDAC), coordenado pelo pedagogo brasileiro
Paulo Freire. De fato, houve uma iniciativa louvável de governo ao convidar Paulo
Freire e sua equipe para ajudar na materialização dessa campanha, porém o governo não
reuniu condições políticas e materiais para a sua efetiva realização.
Antes de iniciar a campanha, o próprio Paulo Freire informou ao Comissário de
Estado da Educação Nacional, Mário Cabral, que a sua equipe pretendia, em primeiro
lugar, fazer um estudo do campo visando constatar in loco a realidade vivida pela
população guineense (FREIRE, 1978).
Freire (1978) estava ciente de que a Guiné-Bissau havia passado por uma
experiência de luta armada de libertação, que não somente marcou a consciência de sua
população, como também afetou a sua condição material, restando para o povo a tarefa
de reconstrução do país. Nesse sentido, o modelo de alfabetização a implementar para
contribuir com o processo de reconstrução e desenvolvimento do país não deveria partir
da equipe de IDAC, mas do próprio povo guineense, dos seus líderes, educadores, junto
com os alfabetizandos.
210

Para Freire, a campanha de alfabetização a implementar em Guiné-Bissau


deveria seguir a perspectiva libertadora que o país vinha desenvolvendo, dando
continuidade ao esforço formidável que o seu povo, junto com seus líderes, começaram
a fazer no período da luta pela independência, para a “conquista das suas palavras”. No
entanto, tal campanha não poderia escapar da realidade do seu povo, da sua atividade
produtiva, da sua cultura. Para isso, exige-se, de fato, uma “ajuda mútua”, um “trabalho
coletivo” baseado no “humanismo”, na “conscientização” e no “diálogo consistente e
permanente”, dentro do “círculo da cultura” da própria população envolvida (FREIRE,
1978, p.92).
É de se lembrar que, na concepção freiriana da alfabetização, o “alfabetizando”
não deve ser apenas o objeto do processo de aprendizagem, mas também o seu sujeito.
Nesse processo, o alfabetizando deve aprender a dizer a sua palavra, através dos
processos de “codificação” e “decodificação”, a partir dos quais ele compreende o seu
mundo, o que lhe permite refletir criticamente sobre o processo de aprendizagem
(FREIRE, 1975).
Para o autor, a alfabetização desse tipo se faz numa dimensão da ação cultural
libertadora, tendo em conta a realidade social que se busca transformar. Com efeito,
essa alfabetização não deve ser pensada isoladamente, mas sempre em relação a outros
aspectos da ação cultural, tomada em sua globalidade. Portanto, “discuti-la significa
discutir a política econômica, social e cultural do país” (FREIRE, 1978, p.15).
Nesse sentido, Freire (1978) alerta o governo guineense de que a concepção
crítica de Amílcar Cabral sobre o “papel da cultura na luta de libertação”, que este
último classifica como “fato cultural e fator da cultura”, é fundamental para se pensar à
referida campanha de alfabetização.
Isto significa dizer que, para concretizar essa tarefa importante de campanha
nacional de alfabetização, o governo teria primeiro que levar em conta a realidade
política, econômica, social e cultural do país. Isso os dirigentes do PAIGC no poder não
fizeram. Portanto, apesar do esforço do governo em dinamizar a referida campanha, ela
não teve continuidade devido à falta de recursos humanos, materiais de instrução, como
também dos meios financeiros e logísticos. Segundo Furtado (2005),

o não preenchimento de muitas destas condições originou o insucesso


dessa primeira campanha de alfabetização. [...] Os factores de
insucesso mais importantes deveram-se, fundamentalmente, à
deficiente organização, programação e preparação da acção. Os
211

reflexos dessa fragilidade fizeram-se sentir na organização da


campanha e na preparação dos recursos humanos necessários
(animadores locais, coordenadores e outros). Estas lacunas afectaram
a previsão dos recursos materiais e dos suportes didácticos específicos
cuja insuficiência, quantitativa e qualitativa se fez sentir ao longo de
toda a campanha (FURTADO, 2005, p. 352).

Fato importante a se destacar refere-se à adopção de uma metodologia de


alfabetização inadequada às realidades do campo e dos camponeses. Por exemplo, a
língua de alfabetização (LP) era desconhecida pela maioria esmagadora da população
camponesa. É bom recordar que o país tinha acabado de conseguir a sua independência
total, libertando-se de uma administração cuja política de educação abrangia apenas
uma minoria (civilizados), reunida nas cidades. No interior do país onde residia (e
reside) a maioria da população, representada por numerosos grupos étnicos, havia um
“índice de analfabetismo” – na perspectiva ocidental – que rondava os 90%. A situação
exigia uma estratégia de alfabetização que devia necessariamente ter em conta esta
realidade. Seria necessário contar com as estruturas do Comissariado de Estado da
Educação Nacional, regionais e locais, o que efectivamente não aconteceu. A
campanha, “devido à sua insuficiente preparação, não motivou e nem mobilizou
suficientemente os próprios animadores, alfabetizandos e a população em geral”
(CEEN, 1980, p. 17).
Um modelo de educação que julgamos ser adequado à realidade da Guiné-
Bissau após a independência, e que deveria merecer atenção do governo, foi a
experiência educativa promovida pelo Centro de Educação Popular Integrada (CEPI).

6.2 Experiência do CEPI: uma educação voltada para o desenvolvimento rural que
o governo ignorou

O CEPI é uma instituição dinamarquesa de cooperação e desenvolvimento,


voltado para os países em desenvolvimento, especialmente os países africanos recém-
independentes, cujo objetivo visa promover a educação e o desenvolvimento integrado
nas zonas rurais.
A experiência do CEPI teve início na África graças à forte intervenção de uma
instituição estrangeira, o Institut de Recherche et Formation en Educattion et
Développement (IRFED). Ele emergiu no contexto africano dos anos 1970 e, a partir
dele, numerosas tentativas de reformas e de adequação de escolas às necessidades locais
212

estavam em curso nos países recém-independentes. Neste contexto, a ruralização da


educação era uma das vias mais exploradas (KOUDAWO, 1995).
Com o acesso da Guiné-Bissau à independência, tendo em conta a sua
experiência de luta marcada pela mobilização das populações rurais para essa missão
libertadora, e, ainda, somado ao projeto de sociedade que o PAIGC reivindicava, o
IRFED viu neste país uma oportunidade para a implementação dos Centros de
Educação Popular Integrada (CEPI) ao serviço de uma nova sociedade (NAMONE,
2014).
Tendo feito um estudo de campo aprofundado sobre a realidade sociocultural da
nova nação recém-independente e analisando o projeto do governo no setor da
educação, o CEPI inspirou-se na experiência de educação promovida pelo PAIGC nas
zonas libertadas, levando também em consideração o projeto de reforma do ensino de
1976. Sendo assim, seguiu-se “o modelo de ensino de base (EB) estabelecido pelo
PAIGC, dividido em dois ciclos: um da primeira à quarta classe (série), denominado
Ensino Básico Elementar (EBE), e o segundo da quinta e da sexta classe, Ensino Básico
Complementar (EBC)” (SENA, 1995, p. 66).
O CEPI propõe uma educação que fisesse articulação eficaz entre a escola e a
comunidade camponesa, na tentativa de contrapor-se a uma visão clássica de educação e
de desenvolvimento, que sempre privilegia a cidade. Ou seja, a política do CEPI visava
inverter esta abordagem, promovendo o desenvolvimento a partir do campo, agindo nas
tabancas [aldeias], na representação das comunidades locais que agrupava a maioria dos
habitantes do país e que valorizava seus meios de produção, com vistas a criar um
modelo de desenvolvimento para o sucesso da construção nacional (SENA, 1995).
Com efeito, o CEPI instalou-se nas zonas estritamente rurais, no meio camponês
dominado pela atividade agrícola e pela “cultura tradicional”, com 4 (quatro) centros de
formação, 2 (dois) no Sul (um em Bedanda e um em Cufar) e 2 (dois) no Norte (um em
Bará e um em Có), ministrando o ensino ao nível da quinta e da sexta classe (série) e
projetando abrir uma perspectiva sobre o ensino secundário para que os alunos que
terminavam a 6ª classe pudessem continuar sua formação, na hipótese de se decidir criar
um colégio de vocação rural. No que diz respeito às atividades educativas, cada CEPI
deveria desenvolver três eixos de atividades:
 A educação dos jovens: 1) esta atividade tinha a participação da comunidade
rural, associada, de vários modos, às atividades escolares do Centro; 2) os comitês de
tabancas (os chefes das aldeias) eram consultados sobre assuntos da escola e até sobre a
213

avaliação do rendimento dos alunos; 3) os artesãos da comunidade participavam, a


partir das suas técnicas; 4) os camponeses contribuíam e, às vezes, participavam, no
controle dos trabalhos escolares sobre a memória coletiva das comunidades, com a
reconstrução da história de jogos cênicos; 5) a organização do ensino tinha como
referência o trabalho da comunidade rural, em sua relação com o meio físico e social; 6)
os grandes temas eram estudados através de uma abordagem interdisciplinar: a
agricultura e a pecuária, a saúde, o artesanato e a técnica, o povo e a cultura; 7) os
conteúdos das disciplinas escolares tradicionais deviam ser trabalhados através destes
temas; 8) o calendário escolar era adaptado ao calendário agrícola da tabanca; 9) os
procedimentos didáticos compreendiam três momentos: i) observação de fenômenos na
realidade ambiental da tabanca; ii) tratamento escolar do fenômeno, em que se
procurava uma interpretação científica da realidade observada; iii) regresso à realidade
para transformá-la através de trabalhos práticos ou produtivos, concebidos como
verdadeiras intervenções na realidade física e social das tabancas;
 A animação da comunidade: era feita animação sociocultural junto das
comunidades mais próximas de cada Centro. Essa tarefa era realizada a partir das
atividades escolares, indicando como as comunidades são associadas a estas. A linha
temática “o povo e a cultura” tinha como foco do trabalho escolar a cultura e a vida
social das comunidades em geral. Os professores e os alunos realizavam as atividades
orientadas para a animação, tais como: a) reuniões periódicas com os anciãos; b) trocas
de experiência de alfabetização; c) e realização das atividades culturais com os jovens,
dentre as quais a criação e a organização de unidades de produção entre jovens; d)
lançamento de projetos de pesquisa rural; e) trabalho de produção de instrumentos para
uso comunitário, entre outros.
 A formação dos professores: por um lado, formavam-se professores pela ação e
na prática e, por outro, através de seminários periódicos de curta duração (três ou quatro
dias por ano escolar). Ademais, os professores faziam cursos de um mês ou um mês e
meio durante o período de férias, para além dos cursos de nivelamento sobre as
disciplinas do ensino e de uma formação em disciplinas de ensino geral secundário e de
cursos profissionalizante nas áreas de ciências sociais, economia e de temas ligados à
pedagogia e à psicologia. Os professores tinham perfil de agentes de desenvolvimento
rural, faziam parte de uma equipe intersetorial e polivalente, orientada para a
intervenção social. Também a ação educativa ou escolar era considerada como uma
entre outras intervenções pedagógicas para o desenvolvimento (SENA, 1995, p. 70-72).
214

A iniciativa do CEPI foi louvável do ponto de vista do desenvolvimento da


comunidade e de pensar uma educação voltada para a realidade dos alunos, em que
todos (alunos, pais e encarregados de educação, homens grandes e jovens) da tabanca
pudessem participar.
Vale frisar que o CEPI se manifestou em torno da problemática da língua de
ensino e do ensino da LC. Sena (1995, p.75) lembra que:

O CEPI colocou o problema da língua de ensino e do ensino da língua


nacional [a língua crioula], neste caso o português que era, sobretudo,
uma língua estrangeira. Na realidade, um guineense deveria “possuir”
três línguas – a língua da tabanca, que é em geral a língua da sua
etnia, o crioulo-português, língua franca das zonas de mestiçagem
cultural como as cidades e seus subúrbios e o português adotado como
língua nacional, mas na orealidade pouco falado e compreendido nas
cidades.

Interessante à proposta colocada pelo autor nesta óptica. Ou seja, por que não
um plurilinguismo a partir de uma perspectiva inovadora e inclusiva dos membros da
comunidade (alunos, professores, pais e encarregados de educação e homens grandes)?
Ao longo de sete anos do seu funcionamento (1977-1984), o CEPI formou
quadros de alta qualidade de reconhecimento nacional e internacional. Muitos egressos
são atualmente altos funcionários em diversos setores de atividade, dentre os quais:
agricultura, pecuária, educação, animação cultural, gestão de conflitos e as organizações
não governamentais (ONG) que atuam nas zonas rurais.
Apesar de sua rica experiência, o sistema de ensino do CEPI não recebeu
incentivo do governo no sentido de promover a sua expansão e garantir a sua
continuidade, nem beneficiou de seu pleno apoio para uma articulação eficaz com o
resto do sistema educativo do país. Pelo contrário, o CEPI foi abandonado e em seu
lugar o governo criou os centros de experimentação de educação e formação (CEEF).
Segundo Koudawo (1995, p.116-117), “a falta de encorajamento pelo governo e
a não compreensão da função e da finalidade do CEPI estão na origem do abandono
desta experiência educativa na década de 1980”. É obvio que o governo não consegue
pensar em um sistema de educação voltado para o desenvolvimento rural e adequado à
necessidade do país se, efetivamente, não se sabe que tipo sociedade pretende construir
e que tipo de desenvolvimento rural deseja para o país. “Na ausência destes elementos
de referência, a única solução é recusar toda e qualquer educação voltada ao mundo
rural e adotar um referencial exógeno” (SENA, 1995, p. 72).
215

6.3 Educação de 1980 à atualidade

A década de 1980 foi marcada pela crise política, decorrente do golpe de Estado
denominado Movimento Reajustador 14 de Novembro, liderado pelo ex-primeiro
ministro João Bernardo – Nino Vieira, um dos grandes comandantes da frente de luta de
libertação. Esse golpe derrubou Luiz Cabral do poder, rompendo assim com o projeto
de Unidade Guiné-Cabo Verde, tendo como consequência a revisão constitucional e,
por conseguinte, a revisão do projeto educativo do PAIGC – baseado em um modelo
socialista.
Esse período (de 1980 até 1993) foi marcado pela constante crise política, dentre
a qual se destaca o caso de 17 de outubro de 1985, ou seja, a suposta tentativa de golpe
de Estado frustrado, cujos pressumíveis autores (nomeadamente Paulo Correia – vice-
presidente da República e Ministro da Justiça e do Poder local –, Dr. Viriato Pã –
Procurador Geral da República – e mais quatro outros) foram condenados à pena de
morte que culminou com o fuzilamento de seis indivíduos e mais de 50 pessoas
condenadas a vários anos de prisão. Essas e outras crises políticas cíclicas provocaram
uma crise social aguda.
A par disso, a comunidade internacional não poupava críticas e sanções ao
regime de partido único na época, com todas suas vicisitudes, incentivando a abertura
do país ao neoliberalismo. Foi assim que o regime iniciou a abertura política voltada aos
países capitalistas. Um exemplo dessa abertura política é a assinatura de acordos de
cooperação com estes países e com as instituições financeiras internacionais, orientadas
pelo programa neoliberal de ajuste estrutural. Para minimizar a crise econômica que
assolou o país, o governo recorreu ao Banco Mundial (BM) e ao Fundo Monetário
Internacional (FMI), com os quais o governo assinou acordo no âmbito do Programa de
Ajuste Estrutural (PAE) e do Programa de Estabilização Econômica (PEE), tendo como
objetivo a renegociação da dívida externa e a concessão de financiamento com vistas à
reestruturação da economia e do investimento no setor econômico e social do país.
Para a concessão desse financiamento, essas agências internacionais exigem do
governo a realização de reformas institucionais em todos os setores da administração
pública e privada do país. No setor da educação, a reforma visa: i) tornar o ensino
básico gratuito com o intuito de aumentar o acesso das crianças à educação básica; ii)
ampliar a infraestrutura escolar, a produção e a distribuição de materiais didáticos; iii)
reduzir o índice de analfabetismo dos adultos.
216

Não queremos afirmar que as instituições internacionais de fomento, tais como


Banco Mundial e FMI, não se preocupam com uma educação de qualidade, mas não é
menos verdade que seus objetivos fundamentais relacionam-se mais com números, ou
seja, interessa mais a essas instituições ver reduzido o índice de analfabetismo,
aumentar o acesso das crianças à escola, aumentar a infraestrutura escolar de modo a
atender a população escolar, etc. Queremos com isso dizer que, para o BM e o FMI, a
qualidade do ensino não ocupa o primeiro plano, mas o segundo ou o terceiro. Acerca
disso, em um documento do Ministério da Educação Nacional, intitulado ‘estratégia
para o desenvolvimento do sector da educação’, consta que:

é indispensável optar por uma política educativa que privilegie, nos


próximos anos, a qualidade do ensino, particularmente no ensino
básico, e é exigida uma melhor correspondência entre potencial
formativo do país e as necessidades sócio-econômicas do
desenvolvimento (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1988, p. 1).

Ainda o documento reconhece que “não resta dúvida de que o sistema de ensino-
formação da Guiné-Bissau tem estado muito aquém das reais necessidades do país,
sobretudo em termos de sua adequação” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1988, p. 2).
A partir de década de 1990, apesar de o BM e o FMI terem ainda forte influência
no setor social guineense, a educação foi orientada para atender as recomendações da
Declaração Mundial sobre a Educação Para Todos aprovada na Conferência de Jontiem
(1990), realizada na Tailândia, na qual consta que cada pessoa, seja criança, jovem ou
adulto, deveria ter acesso às oportunidades educativas direcionadas para a satisfação das
suas necessidades básicas de aprendizagem (leitura, escrita, expressão oral, cálculo,
resolução de problemas) e os conteúdos básicos de aprendizagem (conhecimentos,
habilidades, valores e atitudes) necessários à sobrevivência e ao pleno desenvolvimento
de potencialidades. Esses instrumentos permitiriam ao ser humano viver e trabalhar com
dignidade, participar no desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões
fundamentais e continuar a aprender.
No entanto, a sua aplicação deveria ser adaptada às realidades dos países e das
culturas com o decorrer do tempo. Porém, esses objetivos não foram atingidos, tendo
em conta a constante instabilidade política, principalmente, a guerra civil de 1997-1998,
que provocou profunda destruição do país, cujas consequências vivemos até hoje.
Igualmente, os objetivos da Conferência Internacional sobre Educação para todos,
realizado em Dacar (Senegal) e os objetivos de Desenvolvimento do Milênio, previstos
217

até 2015, consideravam criar condições para que o direito à educação fosse uma
realidade para os países em vias de desenvolvimento e que contribuísse para a redução
da pobreza, particularmente, oferencendo atenção especial à educação das raparigas
(meninas). Essas metas não foram atingidas pela Guiné-Bissau, pois uma parte
considerável dos guineenses não tem acesso à educação, sobretudo nas zonas rurais.
Além disso, a qualidade do ensino é extremamente fraca, tendo em vista que o
sistema de ensino adotado é totalmente distante da realidade do país (o seu modo de
produção material e imaterial, como também a sua diversidade cultural). É um sistema
homogêneo e pautado na lógica do conquistador, isto é, promove valores culturais deste
último e, em contrapartida, nega a diversidade cultural, marginaliza as identidades
étnicas, desvaloriza as tradições orais existentes no país e invisibiliza as diferenças
existentes entre alunos na sala de aula. Um sistema desse tipo, numa sociedade plural
como a Guiné-Bissau, não teria outro resultado a não ser aumentar cada vez mais a
desigualdade social, conflitos sociais e a miséria.
Portanto, queremos chamar atenção para o fato de que o PAIGC, apesar do seu
discurso optimista e encorajador de reconstrução nacional após a independência, na
prática, deixou a sociedade guineense muito a desejar, pois o partido não conseguiu
traduzir em medidas concretas todas as orientações que prometia à população antes e
depois da independência, sobretudo à população camponesa, a maioria do país. O
governo não conseguiu implementar todas as orientações desenhadas, tendo em conta a
escassez de recursos, sobretudo recursos humanos qualificados, e a pouca experiência
dos próprios governantes, que não tinham a qualificação técnica necessária para
administrar o país e suprir a grande demanda da população.
Nesse sentido, a educação levada a cabo na Guiné-Bissau, desde a
independência até os dias de hoje, não correspondeu às expectativas da maioria da
população, portanto, não atendeu às necessidades do país. Assim sendo, mesmo
defendendo teoricamente uma educação que promovesse valores nacionais, na prática, o
Estado guineense herdou o modelo educativo colonialista de forma paradoxal, tendo a
LP – desconhecida pela maioria do público estudantil – como a única de ensino, sem, no
entanto, criar condições viáveis que permitissem o uso das línguas nacionais.
Entre os vários sectores, a educação foi assumida como uma tarefa exclusiva de
responsabilidade do Estado, contudo, as experiências educativas realizadas nessa área,
para responder à necessidade do seu alargamento à maior parte da população, não
chegaram a atingir os objetivos propostos. Isso porque tais experiências, importadas na
218

sua maioria do modelo europeu, foram aplicadas, ignorando-se a realidade


socioeconômica e cultural do país, traduzindo-se no insucesso de sua inadequação ao
contexto sociocultural que deveria dar resposta.
As instituições de ensino tiveram e ainda têm dificuldades em adaptar os
currículos escolares, pois além de o Ministério da Educação se deparar com a falta de
quadros qualificados na área de pesquisa em educação, deparou-se também com falta de
professores com formação docente. Além disso, existem muitos professores com
limitações na LP, fato que aumenta cada vez mais o nível de incerteza com relação à
aprendizagem dos alunos, pois questiona-se como um professor, que não domina a
língua imposta como obrigatória ao ensino, vai ensinar os alunos nessa língua? Qual
resultado de aprendizagem se espera desses alunos? A tendência de esses resultados
serem indesejáveis em termo de qualidade é maior.

6.4 Situação sociolinguística da Guiné-Bissau

A Guiné-Bisssau é um país multilíngue/plurilíngue, onde estima-se que sejam


faladas mais ou nemos 30 línguas, sendo que algumas se encontram quase em estado de
extinção. De acordo com Grimes (1988) apud Itumbo (2007, p.4), “atualmente, a
Guiné-Bissau tem cerca de 22 línguas, embora nem sempre seja claro quantas destas são
apenas variedades de uma mesma língua”.
É de se salientar que, até hoje, não há dados estatísticos oficiais que demonstrem
o número das línguas faladas no país, pois o primeiro recenseamento geral da população
e habitação realizado em 1979 apresenta apenas os números dos falantes de 12 (doze)
principais línguas faladas no país, juntando, porém, outras línguas minoritárias em um
único bloco, sem mencionar os seus nomes. Além disso, esse recenseamento dividiu os
falantes em quatro grupos: os que falam uma só língua = 429.843; os que falam duas
línguas = 239.701; os que falam três línguas = 94.739; os que falam quatro e mais
línguas = 24.460; e número inválidos = 381 (INSTITUTO NACIONAL DE
ESTATÍSTICA E CENSO – INEC, 1979).
219

Tabela 2: Principais línguas por falantes monolíngues

Nome das línguas Total de falantes


Português 215
Crioulo 33.622
Balanta 114.733
Beafada 6.090
Bijagó 4.543
Felipe 8.836
Fula 130.997
Mancanha 2.751
Mandinga 54.386
Manjaco 38.987
Nalu 984
Papel 21.786
Outras línguas n.e. 11.087
Estrangeira 466
Total 429.843

Fonte: GUTERRES, A.; GRILO, E. M., 1986, 7256.

Scantamburlo (2013, p. 27) acrescenta mais 16 línguas minoritárias,


apresentadas por ordem alfabética, como se segue: Bagas, Baiotes, Bambarãs,
Banhuns, Cassangas, Conhagui, Cobianas (ou Coboianas), Jacancas, Jalofos (ou
Wolof), Landumãs, Padjadincas (ou Badjaranca), Saracolés (ou Soninkés), Sereres
(ou Nhomincas), Sossos (ou Jaloncas), Tandas, Timenés.
Já no recenseamento geral de população e habitação de 2009, foi realizada uma
comparação entre o número de falantes de 1979 com o de 2009, somando as
percentagens dos respectivos dados como se segue abaixo (INSTITUTO NACIONAL
DE ESTATÍSTICA E CENSO – INEC, 2009):

Tabela 3: Número e percentagem dos falantes em 1979 e em 2009.

LÍNGUA (%) NÚMERO DE FALANTES


ANO 1979 e 2009 1979 2009
Crioulo Guineense 44,31% 349.638 673.880
Balanta 24,54% 193.722 373.212
Fula 20,33% 160.499 231.774
Português 11,08% 87.464 168.508
Mandinga 10,11% 79.790 153.756
Manjaco 8,13% 64.194 123.643
Papel 7,24% 57.202 110.108
Biafada 1,97% 15.551 29.960
Bijagó 1,97% 15.546 29.960

56
Grifo nosso.
220

Mancanha 1,86% 14.682 28.287


Felupe 1,48% 11.701 22.508
Nalú 0.31% 2.491 4.715
Inválidos 0,05% 381 760
TOTAL 133,38% 1.052.861 1.951.071

Fonte: SCANTAMBURLO, 2013, p. 28.

Nessa tabela, não foi levada em consideração a língua francesa, que atualmente
ocupa um lugar de prestígio na Guiné-Bissau, sobretudo depois da liberalização do
Comércio e da adesão do país, em 1997, à Comunidade Econômica para o
Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e à União Econômica e
Monetária do Oeste Africano (UEMOA), adoptando o Franco das colônias francesas na
África (FCFA) como moeda. Atualmente, muitas pessoas consideram que a
percentagem dos falantes dessa língua é igual ou superior a dos falantes de LP, tendo
em conta a forte imigração dos países vizinhos, maioritariamente francófonos, tendo
também crescido o número de estudantes guineenses que escolhem esses países
francófonos para fazer a formação superior, tendo em conta a vantagem dessa língua
para o acesso ao mercado de trabalho. Além disso, não consta nessa tabela a língua
árabe, falada por muitas pessoas que professam a religião islâmica, que atualmente
ocupa a primeira posição no país.
Outro estudo feito pelos linguistas Mann e Dalby (1987 apud
SCANTAMBURLO, 2013, p. 22-23) destaca que, na Guiné-Bissau, além do crioulo e
do português, falam-se mais outras 25 línguas étnicas, pertencentes a duas subfamílias:
Oeste-Atlântica e Mande das sete famílias Niger-Congo.

6.4.1 Subfamília Oeste-Atlântica

A subfamília Oeste-Atlântica tem como característica a presença de “prefixos de


classe e de concordância”, como as línguas Bantu. Por isso, essas línguas têm também o
nome de “Semi-Bantu”, pelo facto de que os números de prefixos de classe são
reduzidos. Estão divididas em três grupos: Norte, Bijagó e Sul (op. cit, p. 22-23).
221

Quadro 5: Línguas pertencentes ao grupo Oeste-Atlântica


GRUPO NORTE LÍNGUA

Do Senegal - Fula, Jalofo (Wolof), Serere (Nhominca).


Bak - Balanta de Nhacra, de Fora, Bravos, Naga, Mané;
- Djola-Felupe, Djola-Baiote;
- Manjaco/Mancanha/Pepel.
Tanda-Jaad-Nun - Tanda, Conhagui;
- Beafada, Padjadinca (Badjaranca);
- Banhum, Cobiana (Caboiana), Cassanga.
Nalú - Nalú
GRUPO BIJAGÓ - Bijagó (Língua falada no Arquipélago homónimo, com
diferenças dialectais marcadas, conforme cinco grupos de
ilhas: Canhabaque-Bubaque, Orango-Uno, Formosa,
Caravela-Caraxe, Soga-Ilha das Galinhas).
GRUPO SUL - Baga, Landumã, Timenés (ou línguas “Mel”, uma raiz
comum que significa “língua”);
- Mansoanca (ou Mansonca ou Sua), grandes e pequenos:
vivem perto de Mansoa e no tempo colonial eram
erroneamente denominados também “Cunantes”.

Fonte: MANN & DALBY 1987 apud SCANTAMBURLO, 2013, p. 22-23.

É de se salientar que as línguas étnicas com maior percentagem de falantes do


país encontram-se nessa subfamília. Como, por exemplo, as línguas Balanta, Fula,
Manjaco e Papel.

6.4.2 Subfamília Mande

A subfamília Mande tem como característica o uso de “sufixos” e compreende dois


grupos, os Mande Tan, que vivem no norte do país, e os Mande Fu, que vivem no Sul e na
Guiné-Conacri.

Quadro 6: Línguas pertencentes ao grupo Mande

GRUPO LÍNGUAS OU POVO FALANTE

Mande Tan (Norte) Bambarãs, Mandinga, Saracolés, Jacancas.

Mande Fu (Sul) Sosso (Jaloncas).

Fonte: MANN & DALBY 1987 apud SCANTAMBURLO, 2013, p. 23.


222

O país carece de um estudo linguístico atualizado e credível, tendo em vista


vários fatores, dentre os quais a instabilidade política, a falta de recursos financeiros e a
pouca vontade do governo nessa matéria. Isso torna difícil descrever com precisão as
línguas faladas no país. Contudo, apresentamos as mais faladas: Crioulo, Fula, Balanta,
Mandinga, Português, Papel, Manjaco, Mancanha, Beafada, Bijagó, Nalu, Francês,
Inglês, Árabe, Felupe, Mansoanca.
Atualmente, a língua crioula (LC) é a mais falada no país, segundo estimativa de
Sani (1999, p. 99) “60 a 70% do guineenses a utiliza como língua veicular, a língua
materna – LM/L1 ou a língua segunda – L2, sobretudo, nas zonas urbanas e suburbanas,
sendo a língua de comunicação inter-étnica (para outros, é a língua de unidade
nacional). Ao passo que nas zonas rurais, principalmente nas tabancas com
predominância de um grupo étnico, as pessoas preferem as suas línguas étnicas. Neste
caso específico, o crioulo é usado apenas quando um dos interlocutores não sabe falar a
mesma língua étnica ou pertencer a outro grupo étnico.
A LC falada na Guiné-Bissau surgiu do contato do português com as línguas
africanas, facilitando à comunicação entre os africanos dada a diversidade linguística da
região. Ela ter-se-ia formado entre o fim do século XVI e o início do século XVII. É
falada também na região sul do Senegal, a Casamansa (EMBALÓ, 2008, p.102), como
também em Cabo-Verde e em São Tomé e Princípe, com diferentes sotaques.
O crioulo guineense evoluiu, ao longo da história, para língua utilitária,
propagada pelos lançados e grumetes nas suas expedições comerciais, sendo usado
fundamentalmente nos centros urbanos, apesar do preconceito dos invasores
portugueses, tanto contra ele, como contra qualquer outra língua africana. Mas, a partir
dos anos vinte do século XX, o crioulo começou a ser estigmatizado com maior
intensidade, pois a sua utilização passou a ser proibida pelas autoridades colonialitas, o
mesmo acontecendo com as línguas das comunidades etnolinguísticas. A partir desse
período, a LC passou a ser vista como uma língua de “não civilizados” e, por sua vez,
aqueles que falassem português eram considerados “civilizados”. Essa situação
prevaleceu nas áreas do território ocupadas pelos portugueses até à independência em
1974 (EMBALÓ, 2008).
Entretanto, nas regiões libertadas pelo PAIGC, desde o início da mobilização das
populações para a luta armada, a LC conheceu uma enorme expansão, e, foi durante a
223

luta de libertação, que ela adquiriu o estatuto de língua de unidade nacional, pois era a
principal língua que os combatentes usavam entre si e com a população:

Pois considerava-se a língua portuguesa como a língua do inimigo –


colonizador, ao mesmo tempo em que o uso concomitante de várias
línguas nativas não dava conta de um relacionamento comunicativo
que envolvesse a nação em sua totalidade. Assim, o crioulo passa a ter
esse papel intercessor, nem é a língua do invasor nem a língua de
apenas uma etnia (CARIOCA, 2015, p. 101).

Depois da independência, a sua utilização generalizou-se, invadindo todas as


instituições públicas e privadas e atualmente é a língua mais falada em todos os órgãos
de comunicação social, embora a imprensa escrita seja ainda dominada pela LP; no
parlamento – Assembleia Nacional Popular (ANP) –, as sessões deliberativas são
proferidas em LC; nos ministérisos, nas secretarias do Estado e nas direções gerais, os
funcionários comunicam-se em LC; nas instituições de ensino básico, médio e superior,
apesar da imposição de uso obrigatório da LP, esta é reservada apenas às salas de aulas,
enquanto que no recinto escolar tanto os estudantes como os professores recorrem a LC.
Nos mercados, nos meios de transportes, a LC é a mais falada. Ou seja, a LC é falada
em grande parte de território nacional, pois serve como meio que facilita a comunicação
entre diferentes grupos étnicos do país.
Nas cidades, a LC é a língua materna (L1) da maioria das pessoas, sobretudo na
camada juvenil, mas, no interior, poucas pessoas a têm como a L1. Geralmente, nas
tabancas, ela é a língua segunda (L2) ou a língua terceira (L3) da grande maioria, pois
muitas pessoas falam as suas línguas étnicas diariamente, sendo assim, as crianças
crescem falando as suas línguas étnicas como a L1. Só entram em contato com a LC
principalmente na escola, em convívio com os seus colegas de outras etnias ou em
contato com pessoas vindas da cidade. Igualmente, é na escola que as crianças começam
a ter contato com a LP.
A LP é a única língua oficial e do ensino no país, pois todos os documentos
oficiais são nela escritos, como também todos os discursos oficiais são escritos e
produzidos nessa língua. Porém, poucos guineenses têm a LP como L1, ou seja, são
casos excepcionais de guineenses casados com estrangeiros (portugueses e brasileiros)
que falam o português com os filhos em casa.
Entende-se por língua materna a primeira língua adquirida pela criança, a qual
tem geralmente a família como principal transmissora. É também designada Língua
224

Primeira (L1) “por ser a primeira língua de aprendizagem da criança e com a qual esta
estabelece os seus primeiros laços afectivos, sendo estes determinantes para o seu
desenvolvimento cognitivo e social” (GROSSO, 2010, p. 63). Para Spinassé, (2006, p.
5) a aquisição da Língua Materna faz parte da formação do conhecimento de mundo do
indivíduo, pois além de competência linguística, adquire também os valores pessoais e
sociais. No entanto, segundo a autora,

a Língua Materna ou a Primeira Língua (L1) não é, necessariamente, a


língua da mãe, nem a primeira língua que se aprende. Tão pouco trata-
se de apenas uma língua. Normalmente é a língua que aprendemos
primeiro e em casa, através dos pais, e também é frequentemente a
língua da comunidade. Entretanto, muitos outros aspectos linguísticos
e não-linguísticos estão ligados à definição (SPINASSÉ, 2006, p. 5).

Nesse caso, segunda a autora, “a língua dos pais pode não ser a língua da
comunidade, e, ao aprender as duas, o indivíduo passa a ter mais de uma L1 (caso de
bilinguismo). Uma criança pode, portanto, adquirir uma língua que não é falada em
casa, e ambas valem como L1” (SPINASSÉ, 2006 p. 5).
No que se refere à Segunda Língua (L2), de acordo com a mesma autora, a sua
aquisição se dá “quando o indivíduo já domina em parte ou totalmente a(s) sua(s) L1,
ou seja, quando ele já está em um estágio avançado da aquisição de sua Língua
Materna. Para o domínio de uma L2, é exigido que a comunicação seja diária e que a
língua desempenhe um papel na integração em sociedade” (SPINASSÉ, 2006, p. 5).
Importa dizer que ainda não há consenso entre os linguistas sobre o conceito de
língua segunda (L2) e de língua estrangeira (LE) (LEIRIA, 2004). Por exemplo,
pesquisadores da escola gerativista, não distinguem os dois conceitos,

fazendo equivaler à aquisição de uma língua estrangeira ao processo


de aquisição de uma língua adicional, isto é, de uma língua adquirida
em fase posterior à L1. Na base desta paridade está o pressuposto de
que o processo de aprendizagem é equivalente, isto é, assume-se que o
ser humano possui apenas uma forma de assimilar conhecimento
linguístico não-nativo (FLORES, 2013, 10).

Na visão de Spinassé (2006), tanto a aquisição da L2 como a da LE se


confundem pelo fato de serem desenvolvidas por indivíduos que já possuem habilidades
linguísticas de fala. Mas, para a autora, “uma diferenciação entre essas duas formas de
aquisição de língua não-materna, baseia-se fundamentalmente no referido papel ou
função da L2 na cultura do falante” (SPINASSÉ, 2006, p. 5). No entanto, o aprendizado
225

de uma língua estrangeira (LE) não se estabelece com um contato tão grande ou tão
intenso com ela. Segundo Silva (2005, p. 99), uma Língua Estrangeira é aprendida sob
condições formais, geralmente em contexto escolar.
Sendo assim, cabe analisar a política linguística adotada pelo governo, desde a
independência até hoje, e a posição ocupada pela LP, como também seu impacto no
processo de ensino e de aprendizagem na Guiné-Bissau, tendo em conta a diversidade
sociocultural e linguística do país.

6.4.3 A política linguística na Guiné-Bissau e seu impacto na educação

Tal como a maior parte dos países africanos, a Guiné-Bissau é considerada um


país multilíngue, tendo em vista a coexistência de várias comunidades nacionais ou
grupos étnicos com suas culturas e línguas maternas específicas. Além disso, ainda há a
língua crioula – que é de comunicação interétnica e a mais falada –, a LP que é a oficial,
e também as línguas francesa, árabe e inglesa, consideradas as estrangeiras.
Segundo Crispim (1994, S/P), em espaços físicos linguisticamente
diversificados, o Estado tem a necessidade de adotar uma política linguística para
regular o uso das línguas existentes no território, com destaque para três domínios: “na
administração, nos meios de comunicação social e na educação”. Entende-se por
política linguística a determinação do Estado por meio de lei, decreto ou outro
documento legal acerca do uso da língua na sociedade (CRISPIM, 1994, S/P). Para sua
efetiva implementação, “o Estado conta com a ajuda de linguistas que organizam,
estruturam, criam dicionários, gramáticas, manuais e livros escolares” (TIMBANE,
2013, p. 44).
Perante esse quadro linguístico, a nova classe dirigente, isto é, a elite política
assimilada saída da independência (CARDOSO, 2004) tinha que escolher uma das duas
opções: 1) Manter em toda a rede da administração, pública e privada, a língua
portuguesa; ou 2) Promover as línguas étnicas e o crioulo para substituírem a língua
portuguesa naquela tão importante função (CRISPIM, 1994, S/P).
No entanto, a primeira opção foi escolhida. Ou seja, fez-se aquilo que
políticamente se entendeu ser conveniente: a adoção do português como a língua oficial
e do ensino, passando as restantes a serem designadas como apenas línguas nacionais.
De acordo com Cruz (2913, p. 30),
226

a importância política da língua portuguesa já estava estabelecida e


reconhecida, como resulta claro do excerto de Amílcar Cabral. Os
independentistas tinham assumido, no âmbito político, muito antes da
independência, que o português seria a língua oficial do novo país.

Sendo assim, na interpretação da autora, o governo saído da independência vê a


necessidade de conservação da LP para manter os contatos com outros países e para o
conhecimento científico, por isso ela foi adoptada como a língua oficial (LO),
assumindo o estatuto de língua da administração, da justiça, da legislação, de
comunicação com o exterior e de educação, regendo-se pela norma-padrão do português
europeu.
É óbvio que, após a independência da Guiné-Bissau, estava em jogo a
construção da nação, agora teoricamente independente, seu reconhecimento no exterior,
sua inserção no conserto das nações, sua capacidade de dialogar fora do espaço
nacional, tendo em vista a sua necessidade de obtenção de apoios e trocas
internacionais, preceitos esses indispensáveis à sobrevivência de qualquer Estado
Soberano e ainda em construção. Nesse contexto, a LP é de extrema importância para o
país estabelecer contatos com os parceiros internacionais. Porém, isso não justifica o
fato de negarmos as nossas línguas maternas no sistema de ensino em prol da LP, pois
devemos reconhecer que o uso das nossas línguas no currículo escolar é também de
fundamental importância para promover uma educação de qualidade de que a Guiné-
Bissau tanto necessita.
Tambem é evidente que, no início da independência, as línguas nacionais (LN) –
incluindo o crioulo e as línguas étnicas – não reuniram condições que permitissem usá-
las como de ensino, pois não dispunham da escrita formalizada para tal, como
reconhece Cruz (2013, p. 38):

As línguas étnicas, que formam, no seu conjunto, o quadro do


multilinguismo na Guiné-Bissau, são todas línguas de expressão
meramente oral. O crioulo, apesar da existência de alguns registos
escritos nesta língua – textos poéticos –, não passa, no estado atual, de
uma língua oral, uma vez que a sua grafia não está normalizada.
Portanto, o guineense acaba por fazer sempre uso da oralidade na sua
vida quotidiana.

Contudo, dizer que essas línguas não têm escrita por isso não podem ser usadas
no ensino é, na nossa visão, apenas pretexto que visa encobrir o verdadeiro motivo, ou
no mínino falta de vontade política. Vale lembrar que nenhuma língua surgiu com a sua
227

escrita, na medida em que as línguas escritas que existem hoje foram transformadas
como tais a partir de alfabetos já existentes. Portanto, os dirigentes guineenses poderiam
investir nesse sentido, criando condições para a realização dos estudos e produção de
materiais didáticos nas nossas línguas maternas, começando pela língua crioula, o que
permitiria usá-las como de ensino.
Aliás, causa estranheza dizer, atualmente, que a língua crioula da Guiné-Bissau
não tem escrita, pois existem muitos registros escritos nessa língua. A título de
exemplo, podemos citar: textos literários – poesias, romances e contos, escritos por
guineenses –, textos bíblicos e materiais escolares escritos pelas missões católicas e
evangélicas, e ainda resumos de trabalhos acadêmicos escritos por estudantes
guineenses da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
(UNILAB) etc. O que falta é sistematização e formalização da escrita dessa língua pelo
poder público. Ou seja, o que assistimos na Guiné-Bissau é que, além de constante
ruptura institucional que coloca em risco qualquer projeto governamental, há pouco
interesse dos nossos governantes em usar as LN (crioulo e as línguas étnicas) como de
ensino, em proveito da LP, a qual, até hoje, ocupa posição muito frágil no país, como
mostramos em algumas seções deste trabalho.
Segundo Machado (1996, p. 186), entre os cinco países africanos de língua
oficial portuguesa (PALOP, a saber, Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique
e São Tomé e Príncipe), “é na Guiné-Bissau que o português encontra uma posição mais
frágil, devido às dificuldades que o país encontra para desenvolver as estruturas de
apoio ao ensino da LP”.
Acrescentamos mais três fatores como decisivos para a fragilidade da LP: a)
apesar de ela ser oficialmente considerada como língua de ensino, na prática, é raro
encontrar família guineense que a fala cotidianamente fora do ambinte escolar; b) a LC
encontra-se em expansão acelerada e assume cada vez mais a função de língua de
unidade nacional; c) as línguas étnicas são fortemente implantadas nas zonas de maior
concentração das etnias que as falam.
Nessa ordem de ideia, Santos (1987) considera que, muito embora o estatuto
oficial da LP seja importante nas relações políticas, económicas e culturais com o
exterior e internamente em alguns espaços institucionais como a escola, a sua
consequência negativa logo se apresenta, ou seja, ela não encontra tradução na vida
quotidiana da população, pois não é em português que a grande maioria aprende a falar,
228

mas, sim, na LC e nas línguas étnicas. Seguindo o mesmo raciocínio, Candé (2008)
sustenta que:

as escolas guineenses são frequentadas por alunos de diversas culturas


e línguas e apesar do estatuto da LP como língua de ensino é na escola
que grande parte das crianças guineenses a contacta pela primeira vez
sendo o crioulo e as outras LN constantemente utilizadas nas salas de
aula. Assim, para as crianças e jovens que falam apenas as suas LM e
que não têm a oportunidade de adquirir a LP naturalmente em
contexto informal, antes da sua entrada na escola, o português pode ter
um estatuto mais próximo da LE do que da L2 (CANDÉ, 2008, p. 21).

Concordamos com Candé (2008), quando afirma que para as crianças e jovens
que falam apenas as suas LM e que não têm a oportunidade de adquirir a LP no
ambiente familiar ou em outro ambiente social, antes da sua entrada na escola, o
português pode ter um estatuto mais próximo da língua estrangeira – portanto, ela está
mais para LE do que para L2. Nesse caso, levamos em consideração o conceito de
Português como Língua Estrangeira que, segundo Flores (2013, p. 10), “aplica-se
apenas aos casos dos alunos que aprendem o português em contexto de instrução formal
(na escola) e não têm qualquer contacto com ela fora da sala de aula”. Portanto,
podemos afirmar que a LP é LE para estudantes das zonas rurais, por exemplo, das
quatro escolas pesquisadas na região de Tombali (Guiné-Bissau), em que a LP é usada
apenas na sala de aula, enquanto no recinto escolar e em casa esses alunos falam as suas
línguas étnicas e/ou a LC. Isso se deve ao fato de que estes estudantes entram em
contato com a LP pela primeira vez apenas na escola.
Pode-se concluir que a LP não foi escolhida para atender a necessidade
comunicativa e educativa da grande maioria dos alunos guineenses, mas sim a) para
privilegiar um pequeno grupo social no país; b) como língua de se estabelecer contatos
com o mundo a fora; e c) como a língua oficial que visa promover a unidade nacional.
Pois, na formação dos Estados nacionais modernos, a língua oficial simboliza a unidade
nacional. Sendo assim, em vários países africanos, a política linguística tem como
objetivo principal a unificação do povo à nação. Nesse contexto, a língua oficial
desempenha a função de poder simbólico ou relação de força simbólica dessa
unificação.
Na sua análise sobre o papel político que a língua, especialmente a língua oficial,
desempenha nas relações sociais de um país, particulamente na educação, Bourdieu
(1998) compara essa relação à estabelecida no mercado econômico – nesse caso, trata-
229

se do que ele chama de “mercado linguístico”. Segundo o autor, “no mercado


linguístico, as trocas linguísticas, isto é, as relações de comunicação por excelência são
também relações de poder simbólico onde se atualizam relações de força entre locutores
ou seus respectivos grupos” (BOURDIEU, 1998, p. 23-24). Ou seja, a troca linguística é
também, “uma troca econômica que se estabelece em meio a uma determinada relação
de força simbólica entre um produtor, provido de um dado capital linguístico, e um
consumidor (ou um mercado), capaz de propiciar um certo lucro material ou simbólico
(op. cit, 1998).
Bourdieu (1998) nos alerta para o fato de que a língua é um fenômeno social que
ultrapassa a sua dimensão simbólica interna e envolve a dimensão externa, em diversos
aspectos: geográficos, etnológicos, históricos e políticos dos seus falantes. Nesse
sentido, segundo Antunes (2009),

a língua deixa de ser apenas um conjunto de signos (que tem um


significante e um significado); deixa de ser apenas um conjunto de
regras ou um conjunto de frases gramaticais, para se definir como ‘um
fenômeno social, como uma prática de atuação interativa’, dependente
da cultura de seus usuários, no sentido mais amplo da palavra. Assim,
a língua assume um caráter político, um caráter histórico e
sociocultural, que ultrapassa em muito o conjunto de suas
determinações internas. Ainda que consistentes e sistemáticas
(ANTUNES, 2009, p.21).

Na concepção de Bourdieu (1998) é no mercado linguístico que a língua oficial


desempenha um papel de destaque na relação de consumo entre o produtor e o receptor.
Pois, para o autor,

o que circula do mercado linguístico não é a língua, mas discurso


estilisticamente caracterizado, ao mesmo tempo de lado da produção
na medida em que cada locutor transforma a língua comum num
idioleto e do lado da recepção, na medida em que cada receptor
contribui para produzir a mensagem que ele recebe e aprecia
importando para ela tudo o que constitui sua experiência singular e
coletiva (op. cit, 1998, p. 25).

Bourdieu (1998, p. 53) defende que

os discursos não são apenas a não ser excepcionalmente signos


destinados a serem compreendidos, decifrados; como são também
signos de riqueza a serem avaliados, apreciados, e signos de
autoridade a serem acreditados e obedecidos.
230

De acordo com o autor, a língua oficial está enredada pelo Estado, tanto em sua
gênese como em seus usos sociais, sendo inculcada por este e legitimada pelos seus
aparelhos ideológicos: a escola e várias outras instituições públicas. Bourdieu (1998)
defende que é na formação do Estado-nação que se criam as condições que legitimam o
mercado linguístico. Mercado esse que confere poder à língua oficial, vista enquanto
elemento regulamentador de todas as práticas linguísticas:

É no processo de constituição do Estado que se criam as condições da


constituição de um mercado linguístico unificado e dominado pela
língua oficial: obrigatória em ocasiões e espaços oficiais (escolas,
entidades públicas, instituições políticas etc.). Esta língua de Estado
torna-se a norma teórica pela qual todas as práticas linguísticas são
objetivamente medidas (op. cit, 1998, p. 32).

No entendimento do autor, o campo linguístico, enquanto sistema de relações de


força propriamente linguísticas, é fundado na distribuição desigual do capital linguístico
(op. cit, 1998). Nesse sentido, a língua legítima – a língua oficial – tende a se sobrepor
as outras em torno e através de diversos mecanismos, entre os quais: a autoridade a ela
delegada e o prestígio social que o seu uso confere aos seus usuários.
Guiné-Bissau é um caso típico desse cenário linguístico, haja vista que a língua
portuguesa não se distribui de forma igualitária para todas as suas regiões. Ela se
restringe principalmente à capital Bissau e a algumas cidades do país. A população do
interior, a maioria no país, desconhece tal idioma. Contudo, a língua portuguesa confere
prestígios sociais – alcançados por meio de emprego, de oportunidade de se passar num
processo seletivo para bolsa de estudos etc. –, aos usuários que a falam fluentemente,
principalmente, às pessoas mais influentes no país em termos de capital cultural, social
ou econômico (BOURDIEU, 1987, 1998). Esse cenário fez com que esse idioma fosse
legitimado como o oficial e fosse mantido como o único de ensino no país. Enquanto
isso, as línguas africanas (Crioulo, Balanta e outras línguas étnicas) continuam ágrafas
(não possuem escritas, pois não têm gramáticas e dicionários formalizados), portanto,
não reuniram condições normativas para serem usadas nas escolas.
Concordamos que muitas línguas africanas sejam ágrafas, o que não tira a sua
legitimidade nem qualidade de línguas. Ser uma língua ágrafa não significa ausência de
gramática e de dicionário. Tanto a gramática quanto o dicionário são elementos
abstratos que ficam no sistema linguístico, na memória dos falantes e que são
reconhecidos, identificados e utilizados pelos falantes de uma determinada língua.
231

Infelizmente, os líderes independentistas africanos não tiveram uma visão ampla da


riqueza e da importância das suas línguas como instrumentos de comunicação e de
transmissão do saber, por isso, ainda muitos países não as reconheceram no ensino.
O que assistimos é que grande parte dos países africanos colonizados pela
Europa adotaram as línguas dos colonizadores como oficiais e únicas de ensino, atitude
que desvalorizou as línguas locais, que ficaram confinadas nas áreas rurais e isoladas,
correndo o risco de desaparecer nas próximas décadas. A Guiné-Bissau é um exemplo
disso. Portanto, o que falta analisar com muita profundeza é o impacto da ‘língua
privilegiada’ (nesse caso a LP) no processo de ensino-aprendizagem nos referidos
países, e é o que se pretende abordar na seção a seguir.

6.4.4 Consequência da língua portuguesa no insucesso escolar na Guiné-Bissau

A Guiné-Bissau é um dos países africanos com altas taxas de analfabetismo 57,


especialmente nas zonas suburbanas e rurais. O grande problema é o ensino em língua
portuguesa, porque a “grande maioria dos alunos, principalmente das zonas rurais
nascem e crescem sem ter contato nenhum com o português. O contato com o português
inicia-se na 1ª série de ensino com 7, 8 ou 9 anos, atitude que dificulta a aprendizagem”
(NAMONE; TIMBANE, 2018, p. 15).
Alguns autores vêm chamando atenção relativamente à metodologia utilizada no
ensino da LP na Guiné-Bissau. A LP é ensinada segundo a metodologia da língua
materna – LM, independentemente se a escola se encontra na cidade ou nas zonas
rurais. Ou seja, as diversidades culturais e linguísticas do país não são levadas em
consideração. Segundo Candé (2008),

o ensino da LP na Guiné-Bissau praticamente não beneficia de uma


didáctica de língua não materna (LNM), sendo geralmente realizado
no quadro da LM em que os alunos aprendem a gramática e a escrita
de forma automática (p. 21).

A autora adianta ainda que o ensino de língua portuguesa é desenvolvido por


processos didáticos que se assentam na repetição e na memorização, isto é, o aluno não

57
Se entendermos o analfabetismo como um conceito que define a pessoa desprovida de conhecimento da
escrita.
232

é levado a perceber o conteúdo até ao ponto de poder relacioná-lo com a sua realidade,
num contexto comunicativo (CANDÉ, 2008). “Os alunos decoram frases
mecanicamente, sem nenhum senso crítico, porque o ensino da gramática ou o
funcionamento da língua é exclusivamente baseado na memorização” (COUTO;
EMBALÓ, 2010, p.41). Essa atitude reflete negativamente no resultado do aluno, pois,
em momentos de avaliação, esses alunos não conseguem desenvolver seu próprio
raciocínio.
A metodologia da memorização inibe a criatividade do aluno e faz com que ele
fique preso em frases pré-elaboradas e ditas pelo professor, o que acarreta graves
consequências para o próprio aluno, em particular, e para o sistema de ensino em geral.
Uma das principais consequências desse método é o maior índice de reprovações e
abandono escolar, fato que também não contribui para a melhoria de qualidade da
educação (NAMONE; TIMBANE, 2018). Acerca disso, Chico (2012, p.70) nos chama
atenção:

A metodologia adotada para se ensinar o português na Guiné-Bissau


tem revelado grandes deficiências. [...] As estratégias utilizadas pelos
professores são as do ensino tradicional de línguas, em que se dá mais
atenção ao estudo da gramática (baseado essencialmente na
memorização das regras gramaticais), sem uma preocupação com a
reflexão que possa permitir uma avaliação de ensino e aprendizagem
da língua em questão.

De acordo com Cruz (2013, p. 35),

o conhecimento do funcionamento da língua é fundamental, mas a


língua deve ser ensinada com o propósito de vir a ser utilizada nos
processos de comunicação e não para memorizar esterilmente as
regras, sem saber aplicá-las em situações de uso da língua. O ideal
seria compreender e dominar na prática o uso de diversos itens
gramaticais no contexto real de comunicação.

Ainda Cruz (2013, p. 38) critica que “a escola guineense parte do princípio de
que os alunos já sabem falar a LP antes de entrarem para a escola [...]. Esquece-se, no
entanto, que a língua que falam antes de irem para a escola não é a língua de ensino”. A
autora critica a própria metodologia utilizada no ensino do Português na Guiné-Bissau,
pois, segundo ela, a língua portuguesa é ensinada como se fosse a língua materna dos
alunos.
233

Outro problema grave, que também contribui para o insucesso da LP no ensino


guineense, é a falta de preparação adequada dos professores, especificamente no
domínio da LP. Essa dificuldade apresentada pelo professor na referida língua, seja em
termo oral ou escrito, reflete negativamente na aprendizagem dos alunos. Segundo
Semedo (2011, p. 14), o grande problema da educação na Guiné-Bissau reside na falta
de professores qualificados, pois muitos professores não possuem formação docente,
principalmente nas zonas rurais, devido à falta de docentes nas redes públicas de ensino.
Em consequência disso, eles apresentam deficiência na LP, deficiência essa que se
estende também aos professores formados, visto que a variação de português ensinada
nas escolas guineenses não é da Guiné-Bissau e sim de Portugal.
A respeito dessas dificuldades dos docentes perante a LP, a Profa. EAG2-2
afirma o seguinte:

Imagine os professores saem de formação sem saber falar a LP bem.


(...) Muitas das vezes você vê um professor formado na escola 17 de
fevereiro, com dificuldade de expressar a LP, tem dificuldade até de
trabalhar com as crianças na sala de aula. Por isso que falo que o
Ministério da Educação deveria pôr como obrigatório o professor
que não sabe falar a LP, que não conhece a gramática, não pode dar
aulas. Porque se você recebe formação mal vai ensinar as criaças
mal e elas vão aprender mal. (Profa. EAG2-2. Areia/Guiné-Bissau,
jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

O Prof. EBU2-1 reclama ainda que eles (professores) não gostam de falar a LP,
explicando que, quando um professor fala a LP com seu colega, ele em vez de
responder em português, responde em crioulo. Ele vai ainda mais longe, afirmando que
a Guiné-Bissau tem problema sério no ensino, pois há muitos diretores de escolas que
têm também muitas dificuldades de leitura:

Nós professores não usamos a LP, quando você fala português com
seu colega ele te responde só em Crioulo, isso não é bom. No meu
ponto de vista, vejo que devemos encarar a LP como a nossa língua
oficial, como língua de inter-relação social, como língua de
cooperação, como língua do colono e em qualquer serviço público que
você vai percebe que todos os documentos estão escritos somente na
LP. Portanto, devemos encará-la com seriedade. (...) Se você dá aula e
mistura com outros professores vai ver que temos problema sério. Um
dos exemplos disso aconteceu num curso de língua portuguesa que
fizemos. O curso foi realizado pela Fundação Fé e Cooperação – FEC,
(uma instituição portuguesa que atua na área da Educação), aí você vê
o grau de dificuldade de um diretor de escola para ler o texto. Muitos
lêem como se fossem alunos de 1ª classe. Ou seja, lê com muitas
234

dificuldades, fazendo interrupções desnecessárias. É lamentável isso


para o nosso ensino. (Prof. EBU2-1. Cufar/Guiné-Bissau, jun./jul.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Veja que perante esse fato, os professores refugiam-se no uso excessivo da


gramática, passando todo o tempo a corrigir erros ortográficos e outros aspectos
gramaticais que não contribuem para o desenvolvimento comunicativo do aluno
(BALDÉ, 2013). Nota-se que o ensino da LP se pauta mais na memorização das regras
gramaticais, ao passo que a maior dificuldade dos alunos, na verdade, se relaciona
fundamentalmente com a incapacidade de produção oral e escrita.
Embaló (2008) reconhece, por outro lado, que embora o crioulo não seja a língua
de ensino, “não deixa de ser o recurso de muitos professores, que por deficiência do
próprio conhecimento do português a ele recorrem na sala de aula” (EMBALÓ, 2008, p.
102). Cruz sugere que para que um professor esteja em condições de ensinar uma
língua, a primeira condição é:

Ter o domínio da competência comunicativa nessa mesma língua.


Contrariamente ao que seria desejável, nota-se que um grande número
dos professores guineenses atuais de Língua Portuguesa não tem uma
proficiência adequada, o que tem consequências nefastas num âmbito
pedagógico muito alargado, se considerarmos que se trata dum
instrumento de trabalho basilar para os docentes de todas as áreas
(CRUZ, 2013, p. 34).

A melhoria da proficiência dos docentes na língua portuguesa é um fator-chave


para elevar a qualidade do ensino, mas só isso não basta, porque se os alunos não sabem
falar essa língua e o professor não sabe falar a língua dos alunos, estamos perante outro
entrave. A situação fica ainda mais complicada se os alunos e o professor não tiverem
materiais didáticos de apoio ao processo de ensino, como é o caso nas escolas públicas,
principalmente no interior do país.
A falta de materiais didáticos é outro fator de insucesso da LP e,
consequentemente, de insucesso escolar no ensino guineense. Muitos professores
carecem de materiais de apoio para a realização da sua tarefa de docente. E, sem
alternativa, muitos docentes utilizam materiais didáticos produzidos e usados em
Portugal ou no Brasil. Cruz (2013) destaca esse ponto ao referir que:

A escassez de materiais didáticos, principalmente no que respeita aos


manuais de língua portuguesa, obriga os docentes a procurar, com os
poucos meios disponíveis, os manuais de português feitos para o
235

ensino em países onde é a língua materna, como Portugal ou o Brasil,


o que tem como efeito que cada professor crie assim o seu próprio
currículo, delineado a partir dos conteúdos oferecidos no manual a que
teve acesso e, portanto, desadequado para o contexto guineense,
desviando-se, assim, duma forma considerável daquilo que foi traçado
pelo Ministério da Educação, o qual, por sua vez, não consegue
disponibilizar os recursos didáticos e pedagógicos que permitiriam aos
professores implantar no terreno as orientações governamentais no
que respeita ao ensino e aprendizagem da língua portuguesa (p. 35).

Esse problema ajuda a piorar a qualidade do ensino no país, pois materiais dessa
proveniência são inadequados à realidade dos alunos guineense, principalmente os do
interior e esse fato pode interferir negativamente na sua aprendizagem. Constatamos in
loco essa falta de materiais didáticos nas escolas pesquisadas, sobretudo nas públicas,
como relatam os professores entrevistados nessas escolas. Sobre esse assunto, o Prof.
EBU1-1 afirma o seguinte:

Dificuldade maior que deparamos é de material didático como você


pode ver aqui na nossa escola. Alunos não têm material didático, nem
secretaria a escola tem. Nada... nada... nada... Alunos não têm nem
livro nem gramática nem material para fazer exercício. Aqui cada
professor elabora seu plano de aula de acordo com os materiais que
tem e dá aula de acordo com seu plano de aula. Às vezes na mesma
classe (série) um professor dá um conteúdo enquanto outro trabalha
com outro conteúdo. (Prof. EBU1-1. Mato-Farroba/Guiné-Bissau,
jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

O relato desse professor deixa claro que falta um plano de ensino adequado,
fornecido pelo Ministério da Educação para todas as escolas. Entretanto, mesmo que
existisse um plano, faltam materiais de apoio que acompanhem esse plano. Por outro
lado, falta uma rigorosa inspeção por parte do Ministério, a ponto de permitir que cada
professor trabalhe do seu jeito. O Prof. EBU1-1 considera ainda que:

Hoje em dia os alunos de Guiné-Bissau estudam quase, sem materiais


didáticos, a não ser apenas seu caderno, principalmente, esses alunos
de ensino elementar, só seu caderno, lápis ou caneta, só isso, só, só,
só... Nem um livro sequer o aluno tem que o professor pode usar para
dar trabalho de casa (TPC – Trabalho Para Casa), como cópia. Porque
cópia que ajuda o aluno a melhorar a caligrafia. Mas, sem livro de
leitura, sem nenhum tipo de livro, como o professor pode dar TPC ao
aluno? Olha?... Isso tudo é desprezo do governo pela educação.
Porque se quem manda não olha para educação, não fornece materiais
didáticos o ensino vai continuar mal como está. Por isso que o ensino
da Guiné-Bissau está péssimo e péssimo mesmo. (Prof. EBU1-1.
236

Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a


Dabana Namone).

Por outro lado, a Profa. EAG2-2 afirma que,

o Ministério da Educação deve fornecer livros às escolas. Aqui em


Guiné-Bissau, principalmente na região de Tombali, recebemos livros
uma vez a cada três anos, tais livros passam pelas mãos de três grupos
de alunos. Quer dizer, no início de cada ano entregamos os livros aos
alunos e no final de ano recolhemos, no começo de outro ano antes de
entregar os livros a outro grupo fazemos um trabalho duro de apagar
todas as escritas dos alunos anteriores para depois entregá-los aos
novos. Às vezes, os livros rasgam ou perdem as páginas ou ficam
sujas, porque são crianças. Por isso, acho que o Ministério da
Educação deve dar todo seu empenho no sentido de nos fornecer
materiais didáticos. (Profa. EAG2-2. Areia/Guiné-Bissau, jun./jul.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Relativamente à qualidade da educação, o próprio Ministério da Educação


identifica de uma forma geral, os seguintes entraves: “(i) insuficiência de número de
professores formados; (ii) falta de meios didáticos e manuais escolares; (iii) falta de
incentivos (subsídio de isolamento, alojamento); (iv) dificuldade de recrutamento e
retenção de professores em zonas isoladas; (v) existência de salários baixos e
pagamentos irregulares; (vi) elevada taxa de abandono escolar e de reprovação,
principalmente nas zonas rurais; (vii) deficiente domínio da Língua Portuguesa”
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL, 2003).
Perante essa situação enfrentada pela LP na Guiné-Bissau, o linguista japonês
Atsushe Ichinose (1996) questiona se a LP difundiu-se suficientemente no país para ser
a língua do povo? Os guineenses podem-se orgulhar do sucesso na educação escolar
através desse idioma? Os guineenses conseguiriam obter, com o auxílio do português, o
conhecimento científico e tecnológico da modernidade para desenvolvimento do seu
país? Não se notam hoje, na sociedade guineense, os efeitos negativos que resultaram da
escolha do português como a língua oficial e de ensino no país? (ICHINOSE, 1996,
p.123).
O autor utilizou exemplos do Japão para mostrar o potencial que a língua
materna tem no desenvolvimento da educação de qualquer país, dizendo que:

O Japão, como os outros países não ocidentais, introduziu educação


escolar do tipo europeu para a sua modernização. A diferença entre o
Japão e os países africanos é que aquele país oriental não adotou uma
língua europeia como a língua de ensino na escola, utilizando o
237

japonês desde a educação primária até a superior, embora tivesse


havido quem defendesse que a língua japonesa não era apropriada
para o ensino das ciências modernas, por pensar-se que era ilógica.
Ninguém hoje em dia pode negar que a escolha do japonês para o
ensino escolar tenha facilitado aos alunos o acesso à escola e à
aprendizagem durante as aulas, pela simples razão de que as crianças
podem entender o que os professores dizem. Isso significa que a
língua japonesa possibilitou a participação direta do povo no ensino
escolar e esta adesão completa da população, por sua vez, viabilizou o
desenvolvimento econômico do Japão moderno. Portanto, é
recomendável e inevitável a utilização na escola das línguas dos
alunos (ICHINOSE, 1996, p. 127-128).

Concordamos com o professor Ichinose quando afirma que a LP,


contrariamente ao que se deseja, não está ainda enraizada satisfatoriamente na sociedade
guineense para poder garantir ao povo a aquisição do conhecimento científico e
tecnológico dos tempos modernos. Embora a opção do português como a língua do
ensino na Guiné-Bissau não seja o único fator, ela originou e origina insucesso escolar,
considerado um dos maiores problemas sociais da sociedade guineense pós-
independência. Por quê? Porque a língua de casa é diferente da língua da escola. Isso
implica começar do zero, ter as primeiras lições em português, fato que pode retardar o
desenvolvimento das crianças.
Para Ichinose (1996), uma das graves consequências sociais do insucesso
escolar é o subdesenvolvimento econômico, visto que a formação de pessoal qualificado
dos setores chaves da modernização, tanto industrial como comercial, faz-se nas
escolas, como provam os países avançados economicamente. No entanto, as instituições
educacionais da Guiné-Bissau não têm funcionado de maneira satisfatória, pois a
política educacional que o país adotou, tendo o português como a língua de ensino,
“além das consequências imediatas em nível pessoal ao aluno, já que provoca um
insucesso escolar bastante generalizado, também contribui substancialmente para o
atraso econômico e tecnológico que o país enfrenta atualmente” (op. cit, p. 125-126).
Ademais, segundo o autor, o fracasso escolar do país em larga escala deixa o
problema social da época colonial por resolver, abrindo fosso profundo entre a elite
minoritária, com habilitações adquiridas através do ensino escolar, e a massa da
população majoritária, que não possui essas habilitações, o que torna difícil a
consolidação da verdadeira democracia no país, já que o regime democrático se baseia
na participação popular e na discussão de assuntos de interesse de todo povo (op. cit, p.
126).
238

As contribuições desse autor são de suma importância, pois servem como lição
de reflexão para os goverrnantes guineenses repensarem a política linguistica vigente no
país, desde a independência até hoje. Política essa que teoricamente atribuiu a LP o
estatuto de língua oficial (LO) e do ensino, porém, na prática, ela desempenha
consequências negativas na trajetória escolar dos estudantes guineenses, especialmente
nas zonas rurais onde as línguas étnicas e a LC são predominantes, impedindo a
evolução da LP. Portanto, tendo em vista essa grave situação, o governo guineense
deveria rever a sua política linguística, promovendo a escrita e a normatização gráfica
da LC e das línguas étnicas, com o intuito de se adaptar o sistema de ensino à realidade
sociolinguística dos alunos na sua diversidade.
Os dados sociolinguísticos dos estudantes das 4 (quatro) escolas pesquisadas,
mostram a necessidade de adotar as línguas maternas dos alunos no currículo escolar
guineense. Ademais, revelam a importância de esse currículo se pautar na valorização
da diversidade cultural do país, como também a importância de se valorizar as
experiências coletivas do grupo étnico que alunos levam de casa para a escola.
239

7 DADOS SOCIOLINGUÍSTICOS DOS ESTUDANTES E PROFESSORES


ENTREVISTADOS: APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

Esta seção apresenta, analisa e interpreta dados das entrevistas que realizamos
com os estudantes das 4 (quatro) escolas 58 pesquisadas na região de Tombali,
concretamente, no setor de Catió e seus respectivos professores. Para os alunos,
procuramos informações a respeito de seus dados pessoais (nome, sexo, idade, cidade
ou tabanca/aldeia do nascimento, região de nascimento, grupo étnico a que pertence e
nível escolar), como também, a língua materna, a língua segunda e a língua terceira
desses estudantes e ainda a língua que falam em casa, na escola e com os seus
professores na sala de aula. Para os professores, as entrevistas dizem respeito à língua
que falam com seus alunos na sala de aula; a língua que esses alunos falam entre si na
sala de aula; e a língua em que esses alunos fazem as provas.
O intuito dessas entrevistas é o de analisar o impacto da realidade
sociolinguística desses estudantes, como também da LP, na sua trajetória escolar. Existe
conflito linguístico na escola, ou não? Em caso afirmativo, por quê? Em que medida
esse conflito interfere no processo de ensino e de aprendizagem e no aproveitamento
escolar do aluno ao longo da sua trajetória escolar? Em caso negativo, por quê?
Para entrevistar os estudantes, elaboramos três tipos de questionários como
descrito abaixo:
a) O primeiro tipo visa obter dados pessoais do estudante, tais como: 1) nome, 2)
sexo, 3) idade, 4) Cidade ou tabanca/aldeia do nascimento, 5) região de nascimento 6)
grupo étnico a que pertence e 7) nível escolar.
b) O segundo tipo tem como objetivo obter dados sociolinguísticos de cada
estudante entrevistado, sendo assim, perguntamos: 1) a sua língua materna (L1); o seu
nível de fluência: fluente, razoável, básico, péssimo ou não a fala; 2) a sua língua
segunda (L2); seu nível de fluência: fluente, razoável, básico, péssimo ou não a fala; 3)
a sua língua terceira (L3); seu nível de fluência: fluente, razoável, básico, péssimo ou
não a fala; 4) a língua que fala em casa; 5) a língua que fala na escola; 6) a língua que o
professor fala com eles na sala de aula; 7) a língua que fala com o professor na sala de
aula (cf. Apêndice: 3).

58
São as escolas apresentadas no primeiro capítulo, na parte da metodologia.
240

c) Já no terceiro tipo, pedimos aos estudantes que se apresentem nas três línguas:
na Língua Portuguesa (LP); na Língua Crioula (LC); e na língua étnica de cada um/a,
falando o seu nome, sua idade, onde mora e qual classe (série) estuda. (cf. Apêndice: 4)
O quadro que segue apresenta os dados pessoais dos estudantes entrevistados nas
quatro (4) escolas. Isto é, seus nomes, sexo, idade, cidade ou tabanca de nascimento,
região de nascimento, grupo étnico a qual cada um pertence e seus níveis escolares.

Quadro 7: Dados pessoais dos estudantes de quatro (4) escolas, quanto ao sexo, idade,
cidade/tabanca e região de nascimento, grupo étnico e nível escolar

EBU-1 DE MATO-FARROBA

Nome Sexo Idade/anos Cidade/tabanca de Região de Grupo Nível


fictício de nascimento nascimento étnico escolar
estudante

Aluno M 12 Mpuncuda Tombali Balanta 1ª classe


EBU1-1

Aluna F 13 Cadique Mbitna Tombali Balanta 2ª classe


EBU1-2

Aluno M 13 Iussi Tombali Balanta 3ª classe


EBU1-3

Aluna F 16 Mato-Farroba Tombali Balanta 4ª classe


EBU1-4

EAG-1 TONA NAMONE (MATO-FARROBA)

Nome Sexo Idade/anos Cidade/tabanca de Região de Grupo Nível


fictício de nascimento nascimento étnico escolar
estudante

Aluno M 9 Gantone Tombali Balanta 1ª classe


EAG1-1

Aluna F 15 Komo Tombali Balanta 2ª classe


EAG1-2

Aluno M 12 Mato-Farroba Tombali Balanta 3ª classe


EAG1-3

Aluna F 18 Komo Tombali Balanta 4ª classe


EAG1-4

EBU-2 DE CUFAR
241

Nome Sexo Idade/anos Cidade/tabanca de Região de Grupo Nível


fictício de nascimento nascimento étnico escolar
estudante

Aluno M 9 Cubumban Tombali Fula 1ª classe


EBU2-1

Aluna F 10 Cabedu Tombali Nalu 2ª classe


EBU2-2

Aluno M 16 Farim Oio Balanta 3ª classe


EBU2-3

Aluna F 16 Cadique Ialá Tombali Balanta 4ª classe


EBU2-4

EAG-2 ABÊNE (AREIA)

Nome Sexo Idade/anos Cidade/tabanca de Região de Grupo Nível


fictício de nascimento nascimento étnico escolar
estudante

Aluno M 10 Barea Tombali Beafada 1ª classe


EAG2-1

Aluna F 11 Areia Tombali Balanta 2ª classe


EAG2-2

Aluno M 12 Sua Tombali Balanta 3ª classe


EAG2-3

Aluna F 14 Sua Tombali Balanta 4ª classe


EAG2-4

Fonte: NAMONE, 2019

Fatos importantes a destacar nesse quadro são as seguintes: a) as tabancas


(aldeias) nas quais nasceram os estudantes entrevistados têm a etnia Balanta como
dominante, com exceção da cidade de Farim e a tabanca de Barea (a primeira é a capital
da região de Oio, sendo habitada por diferentes grupos étnicos e a segunda é habitada
majoritariamente pela etnia Beafada); b) as quatro (4) escolas pesquisadas são
localizadas nas tabancas dominadas pela etnia Balanta, tendo também a língua balanta
como a mais falada. Inclusive as pessoas pertencentes às outras etnias que moram
nessas tabancas falam a língua balanta sem dificuldades. Sendo assim, a probabilidade
da maioria dos estudantes dessas quatro escolas serem falantes da língua balanta é muito
242

maior. O que não quer dizer que a LC não seja usada nessas tabancas, ela é usada sim,
sobretudo, no ambiente de contato interétnico, por exemplo, na escola.
A seguir, apresentamos os estudantes segundo a língua materna (L1), a língua
segunda (L2) e a língua terceira (L3) nas quatro escolas pesquisadas.

7.1 A língua materna (LM/L1), a língua segunda (L2) e a língua terceira (L3) dos
estudantes entrevistados

O Quadro que segue apresenta a língua materna (LM/L1), a língua segunda (L2)
e a língua terceira (L3) dos estudantes estrevistados nas 4 (quatro) escolas.

Quadro 8: As línguas: materna (LM/L1), segunda (L2) e terceira (L3) faladas por estudantes
das 4 escolas por nível de fluência

EBU-1 DE MATO-FARROBA

NOME DO/A LÍNGUA MATERNA (L1) - LÍNGUA SEGUNDA LÍNGUA


ALUNO/A (nível de fluência) (L2) - (nível de fluência) TERCEIRA
(L3) - (nível
de fluência)

Aluno EBU1-1 Balanta (fluente) Crioula (razoável) Não fala a


L3

Aluna EBU1-2 Balanta (fluente) Crioula (razoável) Não fala a


L3

Aluno EBU1-3 Balanta (fluente) Crioula (razoável) Portuguesa


(péssimo)

Aluna EBU1-4 Balanta (fluente) Crioula (razoável) Portuguesa


(não fala)

EAG-1 TONA NAMONE (MATO-FARROBA)

NOME DO/A LÍNGUA MATERNA LÍNGUA SEGUNDA LÍNGUA


ALUNO/A (L1) - (nível de fluência) (L2) - (nível de fluência) TERCEIRA
(L3) - (nível de
fluência)

Aluno EAG1-1 Balanta (fluente) Crioula (básico) Não fala a L3

Aluna EAG1-2 Balanta (fluente) Crioula (básico) Não fala a L3

Aluno EAG1-3 Balanta (fluente) Crioula (razoável) Portuguesa


243

(péssimo)

Aluna EAG1-4 Balanta (fluente) Crioula (fluente) Portuguesa


(péssimo)

EBU-2 DE CUFAR

NOME DO/A LÍNGUA MATERNA LÍNGUA SEGUNDA LÍNGUA


ALUNO/A (L1) - (nível de fluência) (L2) - (nível de fluência) TERCEIRA
(L3) - (nível de
fluência)

Aluno EBU2-1 Fula (péssimo) Crioula (fluente) Balanta


(péssimo)

Aluna EBU2-2 Sosso (péssimo) Crioula (fluente) Não fala a L3

Aluno EBU2-3 Crioula (fluente) Balanta (fluente) Portuguesa


(básico)

Aluna EBU2-4 Balanta (fluente) Crioula (fluente) Portuguesa


(razoável)

EAG-2 ABÊNE (AREIA)

NOME DO/A LÍNGUA MATERNA LÍNGUA SEGUNDA LÍNGUA


ALUNO/A (L1) - (nível de fluência) (L2) - (nível de fluência) TERCEIRA
(L3) - (nível de
fluência)

Aluno EAG2-1 Crioula (fluente) Portuguesa (péssimo) Não fala a L3

Aluna EAG2-2 Balanta (fluente) Crioula (razoável) Não fala a L3

Aluno EAG2-3 Balanta (fluente) Crioula (fluente) Portuguesa


(razoável)

Aluna EAG2-4 Balanta (fluente) Crioula (fluente) Portuguesa


(razoável)

Fonte: NAMONE, 2019

7.1.1 A língua balanta (LBal) como a Língua Materna (LM/L1) da maioria dos
estudantes

Na Guiné-Bissau, as línguas étnicas são as línguas maternas (L1) da maioria da


população das zonas rurais, enquanto a LC é a língua materna (L1) da grande parte dos
244

habitantes dos centros urbanos. No caso específico dessa pesquisa, a língua balanta é a
língua materna da maioria dos estudantes entrevistados, como revelam o quadro (08)
acima e o gráfico (5) abaixo.
Nota-se que, dos 16 (dezesseis) estudantes entrevistados, 12 (doze) falam a
língua balanta como língua materna (L1), 2 (dois) falam a língua crioula como língua
materna (L1), 1 (um) fala a língua fula como língua materna (L1) e outro 1 (um) fala a
língua sosso como língua materna (L1). Deste modo, na EBU-1 DE MATO-
FARROBA, 4 (quatro) estudantes (100%) consideram a língua balanta como a L1.
Também, na EAG-1TONA NAMONE, localizada na mesma tabanca de Mato-Farroba,
4 (quatro) indicaram a língua balanta como a L1, correspondente a (100%); já na EBU-
2 DE CUFAR, o cenário é totalmente diferente, ou seja, 1 (um) estudante (25%)
apresenta a língua fula como a L1; do mesmo modo, 1 (um) estudante (25%) escolheu a
língua sosso como a L1, apesar de pertencer à etnia Nalu, também 1 (um) (25%),
embora, seja da etnia Balanta considera a língua crioula (LC) como a L1, (isso se deve
ao fato de ele ter nascido na cidade de Farim – a capital da região de Oio), enquanto que
outro 1 (um) (25%) considera a língua crioula como a L1. Por último, na EAG
ABÊNE, localizada na tabanca de Areia, três (3) estudantes (75%) declararam ter a
língua balanta como L1 e 1 (um) (25%) fica com a língua crioula como a L1. (cf.
gráfico 5 abaixo).
245

Gráfico 5: Percentagem dos estudantes falantes por línguas maternas nas 4 escolas

120%
100% 100% Balanta como (L1)
100%
80% 75% Crioulo como (L1)

60% Português como


40% (L1)
25%25%25%25% 25% Sosso como (L1)
20%
0%0%0%0% 0%0%0%0% 0% 0%0%0% Fula como (L1)
0%
EBU-1 de EAG-1 TONA EBU-2 de EAG-2 ABÊNE
MATO- NAMONE CUFAR (Areia)
FARROBA (Mato-Farroba)

Fonte: NAMONE, 2019

Apesar de a etnia Balanta ser a mais numerosa na região de Tombali e a sua


língua ser a mais falada nessa região, como também pela maioria dos alunos, a língua
balanta não é ensinada na escola e nem tem a escrita formalizada. Tais fatos se
verificam também em todas as línguas étnicas faladas na Guiné-Bissau. A LP é, ainda, a
única língua de ensino, de aprendizagem e de comunicação escolar na maioria das
escolas do país, pois todas as disciplinas são ensinadas nela.
Embora, atualmente, algumas escolas de autogestão (entre a Igreja Católica e os
pais e encarregados da educação das crianças de algumas tabancas) implementem o
ensino Bilíngue crioulo-português, essa iniciativa ainda é tímida no país. Além disso,
na região de Tombali, esse projeto tem sido implementado nas tabancas com maior
predominância de um determinado grupo étnico, citamos como exemplo as escolas de
autogestão das seguintes tabancas: Mato-Farroba, Areia, Komo, Catungo, Ilheu de
Fanda – todas dominadas pela etnia Balanta, fato que segundo a nossa análise dificulta
um pouco o sucesso desse projeto, porque a maioria dos alunos que frequentam essas
escolas são balantas e muitos não dominam tanto a LC quanto a LP que são as línguas
usadas pelos professores nesse projeto. O relato da Profa. EAG2-2 é esclarecedor desse
tipo de ocorrência, apesar de ela criticar apenas a LP:

A parte negativa da língua portuguesa é outra coisa, porque


principalmente, aqui nas tabancas... até aqui estamos na situação
menos pior em relação as pessoas que moram nas ilhas. Pois, lá o
246

professor pode falar a LP e os alunos não compreendem nada. Eu


trabalhei por dois anos na ilha de KOMO, lá, a maioria dos alunos
nem sabe falar a LC, enquanto mais a LP, a maioria fala só a língua
balanta. Foi uma dificuldade enorme, porque eu não sabia falar a
língua balanta, mas tive que aprender a língua balanta lá, para puder
explicar a matéria a eles, em balanta. Como eu fiz para aprender a
língua balanta? Saía todos os dias de manhã com o meu caderno e
perguntava as pessoas como chama isso, como chama aquilo, assim
sucessivamente até aprender. Por isso que o Padre entendeu que deve
implementar o crioulo nesse tipo de situação. (Profa. EAG2-2.
Areia/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Veja que esses alunos balantas não têm dificuldades apenas na LP, também, têm
dificuldades na LC. A única saída que a professora encontrou para fazer os alunos
compreenderem a explicação das matérias era aprender a língua materna deles. No
entanto, apesar de os/as professores/as usarem a língua balanta como de reforço, uma
vez que a maioria é balanta ou aprende a falar a língua balanta, o uso dessa língua
parece não ser o suficiente para esgotar os problemas enfretados pelos alunos, porque
esses alunos não fazem avalições na língua balanta, mas, na LC e na LP que eles ainda
não dominam. Podem até entender as perguntas se forem explicadas em balanta, mas
não saberão respondê-las em crioulo ou em português, porque não têm conhecimento
suficiente dessas línguas para poder elaborar respostas nelas, a não ser que sejam
perguntas diretas do tipo “o que é tal coisa?” ou “defina tal coisa”. Essas perguntas
podem ser encornadas e depois respondidas tal como está escrito no seu caderno, fato
que induz muitos alunos guineenses a encornar as definições. Mas se for uma pergunta
de correspondência, uma pergunta dissertativa ou uma explicação, o aluno já não
consegue se expressar, porque lhe falta a capacidade argumentativa na língua de ensino.
Percebemos que muitos alunos ficam tímidos, passivos e não conseguem expor
suas opiniões ou dúvidas na sala de aula, justamente porque têm dificuldades de falar a
língua de ensino – a LP. Percebemos também que, quando um aluno fala errado a LP, os
seus colegas riem dele e seu erro é encarado como piada. Isso, além de ser bullying,
contribui para baixa autoestima e desmotivação do aluno. O que leva a considerar que,
nesses tipos de caso, a LP reproduz a desigualdade de aproveitamento escolar, na
medida em que o aluno que a tem como L1 ou L2 tem maior chance de conseguir
melhor aproveitamento escolar em relação àquele que a tem como LE.
No caso de Moçambique, em que, segundo PNUD (2000) apud Neto; Norte
(2008, p, 3-4), “apenas 6,5% da população tinha português como língua materna,
247

acredita-se que a adoção desta como a língua do ensino oficial tem sido desvantajosa
para o sistema educacional e reprodutora de desigualdade social”. Nesse sentido,
NGUNGA (2000) afirma que, nas primeiras séries do sistema escolar, a língua tem sido
um dos fatores que inviabilizam a progressão escolar, porque a maioria das crianças que
ingressam na escola pela primeira vez não sabe falar a língua oficial de ensino – no
caso, a língua portuguesa.
Importa salientar que existe um debate sobre o efeito das línguas maternas no
desempenho educacional da população. Nesse sentido, a UNESCO (2000) aponta que
crianças que iniciam a carreira escolar na sua língua materna têm melhor desempenho
escolar nas primeiras séries. Este debate é reforçado por especialistas em ensino de
línguas maternas, que consideram a língua materna de fundamental importância no
processo de ensino e de aprendizagem de qualquer estudante:

As vantagens de se ensinar na língua materna nos dá mais facilidade


de aprender, porque os conceitos são melhor apreendidos; também
facilita aprendizagem de uma segunda língua, já que a estão escutando
constantemente na sala de aula ou fora dela, onde o diálogo ocorre em
ambas as línguas. Ao haver compreensão, existe mais qualidade no
próprio trabalho, graças à aquisição de uma segunda língua, já que há
experiência de comparação entre ambas as gramáticas.
Acompanhamos de perto os alunos que já manejam duas línguas; para
eles é ainda mais fácil uma terceira, que, no caso da nossa escola, é o
inglês (GARRILLO, 2009, p. 213-214).

Segundo o autor, para além de facilitar a aprendizagem do aluno, o ensino na


língua materna faz com que:

O aluno desenvolva seus valores, aceitando a si mesmo e aos demais


tais como são. Demonstra segurança ao assumir para si mesmo o que é
e a capacidade que possui, por meio da criação e da participação em
sua própria língua, de forma oral e escrita. O conhecimento de uma
segunda e uma terceira lhes serve para melhorar sua prática linguística
(GARRILLO, 2009, p. 213-214).

Ao tratar da implementação do ensino de línguas nacionais em Moçambique,


através de projeto de ensino bilíngue Línguas Bantu – Português, Abdula (2013)
aponta três fatores que levaram à sua implementação: a) Razões linguístico-
pedagógicas, b) razões culturais e de identidade e, c) a língua como direito. Para ele:
248

a) Razões linguístico-pedagógicas têm a ver com o conhecimento


linguístico que o indivíduo/falante tem em relação a sua língua
materna. Os alunos contemplados pelo ensino bilíngue quando entram
pela primeira vez na escola, eles já têm consigo adquiridas as
competências básicas da sua língua materna. Eles já conhecem a
gramática e são capazes de formar frases compreensíveis dentro das
suas línguas, inclusive fazer operações matemáticas. b) Razões
culturais e de identidade. Uma das componentes básica no processo de
ensino-aprendizagem é a transmissão de valores culturais, tradicionais
entre outros, que dizem respeito aos valores da sociedade onde se
pretende implementar o currículo, neste caso concreto o do ensino
bilíngue. Há uma necessidade de valorizar todos esses valores
culturais que identificam cada comunidade linguística. c) A língua
como direito. Do mesmo modo que todo indivíduo tem vários direitos
previstos pela constituição e pelas diferentes leis, direitos tais como
acesso à saúde, à educação, à escolha de religião, à liberdade, por aí
em diante, o mesmo acontece com o direito linguístico previsto pela
Declaração Universal dos Direitos Linguísticos. Partindo deste
pressuposto, todas as línguas são consideradas iguais (ABDULA,
2013, p. 228).

Ki-Zerbo (2006) defende que os países africanos precisam promover a educação


em suas línguas maternas, justificando que a escolarização nas línguas maternas abre
espaço à identidade de cada indivíduo.
Entretanto, na Guiné-Bissau, as línguas étnicas não são ensinadas nas escolas.
Como a língua balanta é a mais falada na maioria das tabancas da região de Tombali,
ela deveria ser implementada junto com a LC nas escolas dessas tabancas. Assim
sucessivamente nas outras tabancas predominadas por outros grupos étnicos.
Mas, as línguas étnicas não são ensinadas e nem têm escritas formalizadas e a
língua crioula (guineense) – apesar de ter hoje grafia bastante desenvolvida, que deveria
ser oficialmente sistematizada e formalizada – não é reconhecida. Os motivos dessa não
formalização são eminentemente políticos. Pois, de acordo com Diallo (2007), muitos
guineenses são contra a implementação das línguas étnicas no ensino, pensando que a
sua implementação poderia incentivar o tribalismo, ameaçando a unidade nacional. Por
isso que, segundo o autor, “na maioria dos casos é escolhida uma língua exógena,
pensando assim que o monolinguismo é sinónimo de unidade nacional e o
plurilinguismo, um inimigo desta unidade” (DIALLO, 2007, p. 21). Ainda de acordo
com o autor:

Este fantasma parece continuar a pairar ainda na mente de alguns dos


nossos concidadãos, ao ponto de instituir aulas especiais de língua
portuguesa aos representantes do povo [deputados], numa instituição
249

onde esta língua nem sequer é utilizada nas discussões e debates dos
diplomas que vão reger os destinos do povo. (DIALLO, 2007, p. 21).

Fato que, na nossa leitura, significa a negação da nossa identidade cultural em


detrimento da identidade estranha a nossa realidade sociocultural e sociolinguística. É
uma ideia que veio de cima para baixo, ou seja, uma ideia propagada após a
independência pela nossa elite política em proveito de interesses próprios. Trata-se de
uma elite política, na sua maioria assimilada, que nega a sua realidade cultural em
proveito da realidade cultural colonialista. Uma elite educada nas escolas/universidades
europeias, no modelo colonialista (CARDOSO, 2010; NAMONE, 2014). Por isso,
defendia um nacionalismo equivocado, perverso e opressor das realidades culturais dos
territórios que pretendia libertar do jugo colonialista. Pois o objetivo principal era:
matar as etnias para fazer nascer à nação (MAZULA 1995; CABAÇO, 2007; BORGES,
2017).

7.1.2 A língua crioula (LC) como língua segunda (L2) dos estudantes entrevistados

Nas entrevistas, a maioria dos alunos confirmou ter o crioulo como língua
segunda. A LC é atualmente a mais falada no país, sendo a L1 de muitos citadinos,
enquanto nas áreas suburbanas e rurais desempenha a função de L2 de maioria dos
habitantes, especialmente a camada juvenil, incluindo a maioria dos estudantes. Como
se pode ver no gráfico a seguir, num total de 16 estudantes entrevistados, 14 falam a LC
como L2, enquanto 1 (um) indicou a língua balanta como a L2 e outro 1 (um) conta a
LP como a L2:
250

Gráfico 6: A língua segunda (L2) falada por estudantes entrevistados nas 4


escolas

120%
100% 100% Balanta como L2
100%
75% 75% Crioulo como L2
80%
60% Português como
40% 25% 25% L2
Sosso como L2
20%
0% 0%0%0% 0% 0%0%0% 0%0%0% 0% 0%0%
0% Fula como L2
EBU-1 de Mato- EAG-1 TONA EBU-2 de Cufar EAG-2 ABÊNE
Farroba NAMONE (Areia)
(Mato-F)

Fonte: NAMONE, 2019

Verifica-se que, na EBU-1 DE MATO-FARROBA, quatro estudantes (100%)


indicaram a língua Crioula (LC) como a L2; também o cenário é o mesmo na EAG-1
TONA NAMONE; enquanto na EBU-2 DE CUFAR três estudantes (75%) consideram
que é a língua crioula e um (25%) menciona a língua Balanta como a segunda; já na
escola EAG-2 ABÊNE, três (75%) de estudantes citaram a língua crioula como a
segunda e um (25%) considera a língua portuguesa como a segunda (cf. quadro 08 e
Gráfico 6).
Apesar disso, na observação direta realizada, constatamos que, tanto na escola
de EBU-1 DE MATO-FARROBA quanto na escola EAG-1 TONA NAMONE, a
maioria dos estudantes fala mais a língua materna (L1) do que a língua segunda (L2),
isto é, falam mais a língua balanta do que a LC no recinto escolar. Enquanto na escola
EBU-2 de CUFAR e na escola EAG-2 ABÊNE, estudantes falam mais a LC do que a
língua balanta ou outras línguas étnicas no recinto escolar.
A conclusão tirada é de que, nas duas primeiras escolas, entre 90% e 95% dos
seus estudantes são da etnia balanta. Sendo assim, a tendência dos seus estudantes de
falar a língua balanta é maior do que o crioulo ou outra língua étnica, ao passo que nas
outras duas últimas, apesar de a maioria dos estudantes serem da etnia balanta, registra-
se a presença de outras etnias, principalmente Nalus, Beafada e Fulas. Portanto,
consideramos que essa miscigenação étnica obriga os estudantes a usar a LC para
facilitar a interação entre as partes.
251

7.1.3 A língua portuguesa (LP) como a Língua Terceira (L3) de 50% dos
estudantes entrevistados

Com relação à lingua terceira (L3), verifica-se que do total de 16 estudantes, oito
(50%) consideram que falam a LP como L3, sete (43,75%) não a têm e um (6,25%) tem
a língua balanta como L3.
No que se refere às escolas, verificamos que na EBU-1 DE MATO-FARROBA
dois (50%) reportaram ter a língua portuguesa (LP) como terceira e outros dois (50%)
afirmaram não ter nenhuma língua terceira. O mesmo cenário se verifica na EAG-1
TONA NAMONE. Referente à EBU-2 DE CUFAR, dois (50%) citam a língua
portuguesa (LP) como terceira, enquanto um (25%) considera a língua Balanta como a
sua terceira e outro (25%) não tem nenhuma língua terceira. Na EAG-2 ABÊNE, dois
(50%) estudantes revelaram ter a LP como a terceira e outros dois (50%) declaram não
ter L3 (cf. quadro 08 e Gráfico 7).

Gráfico 7: A língua terceira (L3) falada por estudantes entrevistados nas quatro escolas

60% 50% 50% 50% 50% Balanta como


50% L3
40% Crioulo como
30% 25%
L3
20% Português
10% 0%0% 0%0% 0%0% 0%0% 0% 0%0% 0%0% 0%0% como L3
0%
Sosso como
EBU-1 de Mato - EAG-1 TONA EBU-2 de Cufar EAG-2 ABÊNE
L3
Farroba NAMONE (Mato- (Areia)
F)

Fonte: NAMONE, 2019

É importante perceber que todos esses estudantes não falam a LP como língua
materna (L1), nem como língua segunda (L2), sendo a terceira de apenas 8 (oito). Essa
ocorrência chamou a nossa atenção, uma vez que o uso da LP acontece apenas na sala
de aula, pois no recinto escolar tanto os/as alunos/as como os/as professores/as falam o
crioulo ou as línguas étnicas.
Sendo assim, resolvemos pedir para os/as estudantes se apresentarem na LP,
falando o nome completo, a idade, onde mora (nome da tabanca de residência) e classe
252

(série) que estuda. No que se refere aos 8 (oito) estudantes que não falam nenhuma
língua terceira, na apresentação individual, cada um reafirmou que não sabe falar a LP.
Enquanto dos outros 8 (oito) que afirmaram ter a LP como a terceira língua (L3), sendo
dois por escola fizeram as seguintes apresentações na referida língua:
 Aluna EBU2-4: “Eu chamo-me Aluna EBU2-4, tenho 16 ano de idade, moro num
Cufar, eu estudo 4º ano”.
 Aluno EAG2-3: “Bo tari, eu chamo-me Aluno EAG2-3, tenho 12 ano idade, moru
em Sua, estudamos 3ª classe”.
 Aluna EAG2-4: “Eu chamo-me Aluna EAG2-4, tenho 14 ano idade, moro em Sua,
estuda 4ª classe”.
 Aluno EBU1-3: “Eu chama-se nome Aluno EBU1-3, ami tenho 13 ano ami mpadido
na Iussi, na estuda 3ª classe”.
 Aluno EAG1-3: “Aluno EAG1-3, moro em Mato-Forroba, 3ª class, tenha 12
ano....idade”.
 Aluna EAG1-4: “Chama-me Aluna EAG1-4, more em Mato Farroba, ntene 18 ano,
na estuda 4ª- classe”.
 Aluno EBU2-3: “Chamo-me Aluno EBU2-3, tenho 16 ano de idade, moro em
Cufar”. [O estudante não terminou a sua apresentação. ]
 Aluna EBU1-4, da escola (EBU-1 DE MATO-FARROBA), apesar de dizer que a
sua língua terceira (L3) é a LP, não conseguiu se apresentar nela, afirmando que não
sabe falar a referida língua.
Portanto, esse teste, somado às observações diretas que realizamos nessas
escolas, permitiu-nos concluir que a grande maioria desses alunos/as apresentaram
muitas dificuldades na LP ensinada nas escolas guineenses. Contudo, muitos desses
alunos conseguem ler e escrever algumas frases em LP, como alguns mostraram. Agora,
para eles se expressarem oralmente em LP, interpretar um texto, ou escrever um texto
de forma livre já é mais difícil.

7.2 A língua que os alunos falam em casa, na escola e com o professor na aula

O quadro a seguir mostra a língua que os alunos falam em casa, na escola e com
o professor na sala de aula. O objetivo é entender qual é a língua mais falada em cada
253

um desses espaços, como também, analisar o porquê de ela ser a mais falada e qual o
seu impacto na aprendizagem do aluno.

Quadro 9: A língua que os alunos falam em casa, na escola e com o professor na aula

Nome do aluno/a A língua que o A língua que o (a) aluno (a) A língua que o
(a) aluno (a) fala fala na escola (a) aluno (a) fala
em casa com o prof (a) na
aula

EBU-1 DE MATO-FARROBA

Aluno EBU1-1 Balanta Crioula/Port. Portuguesa#59

Aluna EBU1-2 Balanta Crioula Port./Crioula

Aluno EBU1-3 Balanta Crio./Balan./Port Crioula

Aluna EBU1-4 Balanta Crioula Crioula

EAG-1 TONA NAMONE

Aluno EAG1-1 Balanta Crioula/Balanta Balant./Crioula

Aluna EAG1-2 Balanta Crioula Crioula/Port.

Aluno EAG1-3 Balanta Crioula Portuguesa

Aluna EAG1-4 Balanta Crioula Port./Crioula

EBU-2 DE CUFAR

Aluno EBU2-1 Balanta Crioula Crioula

Aluna EBU2-2 Balanta Crioula Crioula

Aluno EBU2-3 Crioula Crioula Portuguesa

Aluna EBU2-4 Crioula Portuguesa# Portuguesa

EAG-2 ABÊNE-Areia

Aluno EAG2-1 Balanta Crioula Crioula

Aluna EAG2-2 Balanta Crioula Crioula

Aluno EAG2-3 Crioula Crioula Crioula

Aluna EAG2-4 Balanta Crioula Port./Crioula

Fonte: NAMONE, 2019

59
Na língua em que consta jogo da velha (#), significa que o aluno não conseguiu se apresentar nessa
língua, apesar de dizer que a fala.
254

7.2.1 A língua que o/a aluno/a fala em casa

Verifica-se, no quadro (09) acima, que de um total de 16 estudantes entrevistados


nas quatro escolas, 13 (treze), ou seja 81,25%, falam a língua balanta em casa, contra 3
(três), isto é 18,75%, que falam a LC em casa. Desses treze estudantes que falam a
língua balanta em casa, 4 (quatro) deles são da escola EBU-1 DE MATO-FARROBA, o
que corresponde a 100% dos entrevistados nessa escola. Também outros 4 (100%) são
da escola EAG-1 TONA NAMONE; enquanto 2 (50%) são da escola EBU-2 DE
CUFAR e 3 (75%) da escola EAG-2 ABÊNE. Por outro lado, dos 3 (três) estudantes
que falam crioulo em casa, 2 (dois) deles são da escola EBU-2 DE CUFAR, o que
corresponde a 50% dos 4 (quatro) estudantes entrevistados nessa escola e 1 (25% dos 4
entrevistados) é da escola EAG-2 ABÊNE. (cf. gráfico 8 abaixo).

Gráfico 8: A língua que os estudantes das 4 escolas falam em casa

Fonte: NAMONE, 2019

O que chama nossa atenção, tanto no quadro (09) como no gráfico (8), é que
nenhum desses estudantes fala a LP em casa, seja como língua materna (L1) ou como
língua segunda (L2). Isso ocorre pelo fato de que os moradores dessas localidades (as
tabancas em que a pesquisa foi realizada) não falam a LP no seu cotidiano. Eles falam
as suas línguas étnicas (a língua balanta principalmente) e o Crioulo, neste último caso,
quando se comunicam com as pessoas de outras etnias que não sabem falar a língua
local.
Procuramos também saber qual é a língua que os alunos mais falam na escola,
especificamente, no recinto escolar e o que causa essa ocorrência.
255

7.2.2 A língua que o/a aluno/a fala na escola

Nota-se no quadro (09) acima que do total de 16 estudantes entrevistados nas 4


escolas, 12 (75%) falam apenas a LC na escola, contra 4 (25%) que falam,
respectivamente: Crioulo/Balanta/Português; Crioulo/Português; Crioulo/Balanta e
Portuguesa. Desses 12 estudantes que falam a LC na escola, 4 (100%) são da escola
EAG-2 ABÊNE, 3 (75%) da escola EAG-1 TONA NAMONE, outros 3 (75%) da escola
EBU-2 DE CUFAR e 2 (50%) da escola EBU-1 DE MATO-FARROBA.
Enquanto dos outros 4 estudantes que falam uma ou mais línguas na escola, 2
(50%) são da escola EBU-1 DE MATO-FARROBA, sendo que 1 (25%) fala as três
seguintes línguas na escola: Crioulo/ Balanta/ Português e outro (1 = 25%) fala
Crioulo/Português na escola. Já na escola EAG-1 TONA NAMONE, 1 (25%) fala
respectivamente: Crioulo/Balanta na escola, enquanto na EBU-2 DE CUFAR, 1 (25%)
fala apenas o Português na escola. Segundo este último estudante, o professor os obriga
a falar língua portuguesa na escola. (cf. o gráfico 9 abaixo).

Gráfico 9: A língua que estudantes falam na escola

120% 100%
100% Língua balanta
75% 75%
80% Língua crioula
60% 50%
Língua portuguesa
40% 25%25% 25% 25%
20% Línguas crioula/portuguesa
0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%
0% Línguas criola/balanta
EBU-1 DE EAG-1 TONA EBU-2 DE EAG-2 ABÊNE
MATO- NAMONE CUFAR Línguas Cri/balan/portug.
FARROBA

Fonte: NAMONE, 2019

Portanto, o resultado geral indica que do total de 16 (100%) estudantes


entrevistados, a maioria, ou seja, (12 = 75%), fala a LC na escola (tanto na sala de aula
como no recinto escolar). Dividindo esse resultado por escola, teremos 100% na escola
256

EAG-2 ABÊNE, 75% na escola EBU-2 DE CUFAR, outro 75% na escola EAG-1
TONA NAMONE e 50% na escola EBU-1 DE MATO-FARROBA.
Se fizermos uma análise com base nesse resultado, em que a LC aparece como a
mais falada, podemos, portanto, concluir que isso ocorre devido ao fato de que a
referida língua é a mais usada num ambiente em que interagem pessoas de diferentes
etnias, como no caso da escola, no mercado, nas cidades e em outros lugares similares.
Portanto, sendo a escola um lugar de interação entre diferentes grupos étnicos, a
probabilidade de o aluno falar a LC (tida como a língua de comunicação interétnica)
nesse lugar é maior. Porém, a observação direta que fizemos nas escolas pesquisadas
permitiu-nos constatar os seguintes cenários:
 Primeiro cenário: na escola EBU-1 DE MATO-FARROBA, localizada na
tabanca do mesmo nome, verificamos que na sala de aula: os estudantes falam a língua
Balanta quase exclusivamente entre si. Só falam o crioulo, quando conversam com o
professor ou com o colega de outra etnia. Apesar de a LP ser a obrigatória nessa escola,
ela é quase inexistente no vocabulário dos estudantes. Isso se agrava, talvez, porque os
professores aparecem nas aulas quando os convêm, alegando estado de abandono em
que são relegados pelo governo, que levam meses sem pagar salários e subsídio de
isolamento. No recinto escolar: os estudantes falam quase exclusivamente a LBal60.
Também nessa escola quase todos os estudantes são Balantas, com exceção de um
número reduzido de outras etnias que também falam a LBal com muita fluência.
 Segundo cenário: na escola EAG-1 TONA NAMONE, também localizada na
tabanca de Mato-Farroba, constatamos que, na sala de aula, os estudantes falam com
mais frequência a língua balanta, principalmente os de 1ª, 2ª e 3ª classe. Essa situação
muda aparentemente quando o professor exige deles o uso do Crioulo. Os da 4ª classe
falam mais a LC e um pouco da LP, fato que se deve ao incentivo do professor, pois a
escola trabalhar com o projeto Bilíngue Crioulo-Português, por isso, essas duas
línguas são encorajadas, embora as línguas étnicas (caso da língua balanta, a dominante
na tabanca) não seja rigorosamente proibida. No recinto escolar, a LBal é usada quase
que exclusivamente.
Acredita-se que o uso da língua balanta acontece com mais frequência, porque
os estudantes dessas três classes são quase todos da etnia balanta, com exceção de dois,

60
Usamos abreviatura Lbal para designar a língua balanta.
257

sendo um da etnia Mandinga e outro da etnia Fula (2ª e 3ª classe respectivamente), que
falam a língua balanta fluentemente.
Verificamos também que, muitas vezes, os professores recorrem à língua balanta
para esclarecer as dúvidas dos estudantes, já que todos os professores falam balanta
perfeitamente, mesmo um que é da etnia Bijagó fala a língua balanta sem a menor
dificuldade. A fala da Profa. EAG1-1 é reveladora disso: “na nossa escola, a maioria
dos alunos só fala balanta, até quando falo em crioulo alguns ficam me olhando
pãããã...[risos]. Isso quer dizer que não entendem muita coisa em Crioulo, só em
Balanta. Mesmo assim, insisto em Crioulo para ajudá-los a ter habilidade”. (Profa.
EAG1-1. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone). A professora afirma ainda o seguinte:

aqui na nossa escola adotamos o projeto Bilíngue: Português e


Crioulo, por isso que ensinamos mais o crioulo nas 1ª e 2ª classe para
ajudar os alunos a compreender. Até explico em Balanta para aqueles
que têm dificuldade em Crioulo comprenderem melhor, para saírem
com alguma coisa, porque aqui nessa sala todos são Balantas. (Profa.
EAG1-1. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

É de se salientar que a tabanca onde se localiza a escola é exclusivamente


habitada pelos Balantas, com a exceção de um número de quatro ou cinco famílias de
pequenos comerciantes que ali residem, os quais falam balanta fluentemente.
 Terceiro cenário: na escola EAG-2 ABÊNE, na sala de aula, estudantes falam
predominantemente a LC, mas, de vez em quando, alguns da etnia balanta usam a sua
língua étnica em vez de Crioulo, o que ocorre com mais frequência na 1ª e 2ª classe,
enquanto na 3ª e 4ª classe os alunos falam com mais frequência a LC e um pouco da LP.
Isso se deve também ao incentivo dos professores. Já no recinto escolar, estudantes
falam com mais frequência a LC, depois vem a LBal, que os pertencentes a essa etnia
preferem usar quando conversam entre si. Também a escola trabalha com o projeto
Bilíngue Crioulo-Português, de modo que essas duas línguas são bastante encorajadas.
Contudo, apesar de as línguas étnicas não serem incentivadas na sala de aula também
não são rigorosamente proibidas.
A tabanca de Areia onde fica localizada essa escola é habitada maioritariamente
pelos Balantas, embora com registro de pouca presença dos Nalus, Beafada e Fulas. Por
se localizar a mais ou menos três quilomentros da cidade de Catió (a capital regional) e
por ser a única escola de ensino Bilingue mais próximo, ela acaba atraindo estudantes
258

da cidade e de outras tabancas, de modo que a consideramos a escola mais miscigenada


etnicamente, em comparação as outras. Apesar disso, os estudantes balantas são
dominantes.
 Quarto cenário: na escola EBU-2 DE CUFAR, na sala de aula, os estudantes
falam mais a LC e alguns tentam falar a LP, devido à imposição dos professores que
exigem o uso dessa última língua. Enquanto no recinto escolar, a LC é a mais falada
pelos estudantes e, em segundo lugar, vem a LBal, que os da etnia Balanta usam com
mais frequência quando conversam entre si.
A tabanca de Cufar é dominada pela etnia balanta, mas tem uma vila onde a
maioria dos moradores são beafadas.
259

7.2.3 A língua que o/a aluno/a fala com o professor (a) na sala de aula

Nota-se que, do total de 16 estudantes entrevistados nas 4 escolas, de acordo


com o quadro (09) acima, 7 (sete) confirmam que falam apenas a LC com o professor
na sala de aula, enquanto 5 (cinco) disseram que falam apenas a LP com o professor, 3
(três) afirmaram que falam a LC e a LP com o professor e, por último, 1 (um) diz que
fala a LBal e a LC com o professor na sala de aula.
Sendo assim, na escola EBU-1 DE MATO-FARROBA, 2 (dois) estudantes
dizem que falam a LC com o professor, enquanto 1 (um) afirma que fala a LP e a LC
com o professor e outro 1 (um) diz que fala a LP com o professor. Porém, os dois
últimos não conseguiram se apresentar na LP, quando foram solicitados pelo
pesquisador para fazer uma apresentação.
Enquanto na escola EAG1 TONA NAMONE, 1 (um) estudante afirma que fala a
língua Balanta e a LC com o professor na sala de aula, outro 1 disse que fala duas
línguas com o professor, a LC e a LP, também 1 outro afirma que fala apenas a LP com
o professor, apesar de se apresentar com muitas dificuldades na LP, misturando a LC
com a LP. Finalmente, o último estudante afirma que fala duas línguas com o professor,
a LP e a LC, mas, também, apresentou-se com muitas dificuldades na LP falando mais o
crioulo em vez de português.
Também, na escola EBU-2 DE CUFAR, 2 afirmaram que falam a LC com o
professor na sala de aula e outros 2 falam apenas a LP com o seu docente. Embora, o
primeiro fizessse uma apresentação incompleta apresentando dificuldade na LP,
enquanto o último estudante fez uma apresentação razoável. E, por último, na escola
EAG2 ABÊNE, 3 estudantes falam apenas a LC com o professor e 1 fala apenas a LP
com o professor na sala de aula, sendo a sua apresentação classificada como razoável.
Portanto, de acordo com esse resultado, a maioria dos alunos (7) falam a LC
com o professor na sala de aula, em seguida vem a LP com (5) alunos, embora 3 deles
não conseguissem se apresentar na LP, e outro dois fizeram uma apresentação
considerada razoável.
260

7.3 A língua que o professor fala com seus alunos na sala de aula, a língua que os
alunos falam entre si e a língua que eles fazem as provas

A seguir apresentamos o quadro sobre a língua que o professor fala com os


estudantes na sala de aula, a língua que estudantes falam entre si e a língua que
estudantes fazem as provas.

Quadro 10: A língua que o professor fala com os estudantes na sala de aula, a língua que
estudantes falam entre si e a língua que estudantes fazem as provas

EBU-1 DE MATO-FARROBA

Nome fictício do A língua que o prof./a A língua que os A língua que os


prof./a fala com os estudantes estudantes falam entre estudantes fazem
na sala de aula si na sala de aula as provas

Prof. EBU1-1 Portuguesa Crioula; balanta e Portuguesa


portuguesa

Prof. EBU1-2 Portuguesa e Crioula Crioula e balanta Portuguesa

EAG-1 TONA NAMONE (MATO-FARROBA)

Nome do prof./a A língua que o prof./a A língua que os A língua que os


fala com os estudantes estudantes falam entre estudantes fazem
na sala de aula si na sala de aula as provas

Profa. EAG1-1 Crioula e balanta Balanta e crioula Crioula e


portuguesa

Prof. EAG1-2 Portuguesa e crioula Crioula e portuguesa Portuguesa

EBU-2 DE CUFAR

Nome do prof./a A língua que o prof./a A língua que os A língua que os


fala com os estudantes estudantes falam entre estudantes fazem
na sala de aula si na sala de aula as provas

Prof. EBU2-1 Portuguesa e crioula Crioula e portuguesa Portuguesa

Prof. EBU2-2 Portuguesa e crioula Crioula e portuguesa Portuguesa

EAG-2 ABÊNE (AREIA)

Nome do prof./a A língua que o prof./a A língua que os A língua que os


fala com os estudantes estudantes falam entre estudantes fazem
na sala de aula si na sala de aula as provas
261

Profa. EAG2-1 Crioula e portuguesa Crioula, balanta e Crioula


Portuguesa

Profa. EAG2-2 Crioula e portuguesa Crioula e Portuguesa Portuguesa

Fonte: NAMONE, 2019

7.3.1 A língua que o/a professor/a fala com os estudantes na sala de aula

Como se pode observar no quadro (10) acima, as respostas dos professores


variam de acordo com a opinião de cada um. Por exemplo, na escola EBU-1 DE
MATO-FARROBA, o Prof. EBU1-1 afirma que fala apenas a LP com os alunos na sala
de aula, enquanto o Prof. EBU1-2 diz que fala a LP e a LC com os seus. Na escola
EAG-1 TONA NAMONE, a Profa. EAG1-1diz que fala a LC e a LBal com os seus
alunos na sala de aula, explicando que usa esta última como de reforço para facilitar a
compreensão dos alunos; ao contrário, o Prof. EAG1-2 afirma que fala a LP e a LC com
os seus, sendo esta última usada como de reforço. Já na escola EBU-2 DE CUFAR, os
dois professores (o Prof. EBU2-1 e o Prof. EBU2-2) confirmaram que falam a LP e a
LC com seus alunos na sala de aula, sendo que a última é usada apenas como de
reforço, isto é, na hora de explicar as matérias. A mesma explicação foi dada também
pelas duas professoras da escola EAG-2 ABÊNE (a Profa. EAG2-1 e a Profa. EAG2-2),
confirmando que falam a LC e a LP com seus alunos na sala de aula.
Porém, ao assistirmos as aulas desses professores, observamos que, nas escolas
do Estado – ou seja, EBU-1 DE MATO-FARROBA e EBU-2 DE CUFAR –, os
professores falam com mais frequência a LP com os alunos na sala de aula e usam a LC
como de reforço, para facilitar o entendimento dos alunos sobre as matérias dadas.
Como realmente confirmaram três dos quatro professores entrevistados nessas escolas
(o Prof. EBU1-2, o Prof. EBU2-1 e o Prof. EBU2-2). Embora essas matérias sejam
dadas na LP e, no recinto escolar, os/as professores/as falam com mais frequência a LC
com os alunos.
Todavia, o Prof.EBU1-1, apesar de dizer que fala apenas a LP com seus alunos
na sala de aula, na verdade, ele usa também a LC como de reforço e inclusive dá alguns
exemplos em língua balanta, como constatamos quando assistimos às aulas dele. Porém,
a resposta do referido professor de que fala apenas a LP com seus alunos na sala de aula
nos chama atenção. Por quê? Porque muitos professores ainda têm medo de declarar que
262

falam as línguas nacionais (crioulo e as línguas étnicas) na sala de aula, pois o uso
dessas línguas era proibido nas escolas, sendo a LP dada como a única que deveria ser
falada. Embora, atualmente, o Ministério da Educação recomende o uso dessas línguas
apenas como de reforço, mesmo assim, alguns professores ainda sentem medo de usá-
las na presença, por exemplo, de inspetor, como afirma o DRE/C2:

Tenho notado muito isso quando faço inspeção: já vi muitos


professores a explicar as matérias em crioulo para os alunos, mas
quando percebem que o inspetor está vindo, eles começam logo a falar
a língua portuguesa. Mas, aí eu falo: qual é o problema? Se os alunos
têm dificuldade na LP porque não usar as línguas que eles entendem
melhor como de reforço? [...] Depois, passei a falar para os referidos
professores de que devem sim usar a língua que o aluno entende
melhor para ajudá-lo a compreender as matérias (DRE/C2.
Catió/Guiné-Bissau, jun. 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Enquanto nas duas escolas de autogestão (EAG-1 TONA NAMONE e EAG-2


ABÊNE), percebemos que os/as professores/as falam mais a LC e a LP com seus alunos
na sala de aula, enquanto que a LBal é usada pelos professores/as que a falam para
esclarecer as dúvidas dos alunos que têm dificuldades nas LC e LP. Contudo, na EAG-1
TONA NAMONE, os professores usam com mais frequência a LBal para esclarecer as
dúvidas dos alunos, pois muitos destes ainda não dominam a LC.
Constatamos também, nas duas escolas, que na sala de aula os professores usam
mais a LC nas classes (séries) iniciais (1ª e 2ª classes) do que a LP. Nessas classes, essa
língua é dada como uma disciplina, tendo carga horária redugida. Já nas 3ª e 4ª classes,
a LP passa a ter carga horária maior do que a LC, que passa a ser uma disciplina.
263

7.3.2 A língua que os estudantes falam entre si na sala de aula, segundo os/as
professores/as

Nesta parte, as respostas dos professores igualmente variam de acordo com o


ponto de vista de cada um. Entretanto, na escola EBU-1 DE MATO-FARROBA, o Prof.
EBU1-1 explica que seus alunos falam a LC, a LBal e a LP entre si na sala de aula,
enquanto o Prof. EBU1-2 diz que seus alunos falam a LC e a LBal entre si na sala de
aula. Ao passo que na escola EAG-1 TONA NAMONE, de acordo com a Profa. EAG1-
1, seus alunos falam a LBal e a LC entre si na sala de aula, enquanto o Prof. EAG1-2
afirma que seus alunos falam a LC e a LP entre si na sala de aula. Já na escola EBU-2
DE CUFAR, os dois professores (o Prof. EBU2-1 e o Prof. EBU2-2) disseram que seus
alunos falam a LC e a LP entre si na sala de aula. Finalmente, na escola EAG-2
ABÊNE, a Profa. EAG2-1 explica que seus alunos falam a LC, a LBal e a LP entre si na
sala de aula, enquanto a Profa. EAG2-2 diz que seus alunos falam a LC e a LP entre si
na sala de aula.
No entanto, quando assistimos às aulas nas quatro escolas percebemos que
dificilmente os alunos falam a LP entre si na sala de aula, ao contrário, falam mais a LC
ou a LBal. Eles usam a LP somente no ato da leitura ou quando respondem as perguntas
do professor (cujas respostas costumam ser em frases curtas como: sim ou não), ou
quando o professor exige que falem em português, (neste caso, a maioria prefere ficar
calada, talvez por medo de errar).
Importa frisar que o uso da LP é mais exigido nas escolas de Estado (EBU-1 DE
MATO-FARROBA e a EBU-2 DE CUFAR) do que nas escolas de autogestão (EAG-1
TONA NAMONE e a EAG-2 ABÊNE). Fato que indica que as escolas do Estado estão
ainda mais vinculadas às ideias de obrigatoriedade de uso da LP em detrimento das
línguas étnicas e do Crioulo. Enquanto as escolas de autogestão mostram-se ser mais
abertas ao uso da LC e a LP, como também das línguas étnicas. Pois o principal
objetivo de criação do projeto de ensino bilíngue é permitir que as línguas dos alunos,
principalmente a LC, sejam usadas no ensino em comunhão com a LP.

7.3.3 A língua que os estudantes fazem as provas, segundo os/as professores/as

Verifica-se no quadro (10) acima e no gráfico (10) abaixo que, do total de 8


(oito) professores entrevistados, 6 (75%) dizem que seus alunos fazem provas apenas
264

em LP. 2 (dois) deram respostas contrárias, ou seja, 1 (12,50%), da escola EAG-2


ABÊNE, diz que seus alunos fazem provas apenas na LC e outro (12,50%), da escola
EAG-1 TONA NAMONE, afirma que seus alunos fazem provas na LC e na LP. Dos 6
(seis) que disseram que seus alunos fazem provas na LP, 2 (dois) são da EBU-1 DE
MATO-FARROBA, 2 (dois) da escola EBU-2 DE CUFAR, 1 (um) da escola EAG-1
TONA NAMONE (MATO-FARROBA) e outro (um) da EAG-2 ABÊNE (AREIA).

Gráfico 10: A língua que os estudantes fazem provas, segundo os professores/as

12,50%

12,50%

A LP apenas
A LC e a LP
75%
A LC apenas

Fonte: NAMONE, 2019

Mas, na nossa observação direta nas escolas, constatamos que os alunos das duas
escolas do Estado (EBU-1 DE MATO-FARROBA e EBU-2 DE CUFAR) fazem provas
exclusivamente na LP, como foi confirmado pelos respectivos professores. Enquanto
nas duas escolas de autogestão (EAG-1 TONA NAMONE e EAG-2 ABÊNE), alunos
de 1ª e 2ª classes fazem todas as provas na LC, somente a prova da disciplina de
Português que é feita na LP, enquanto que os da 3ª e 4ª classes fazem todas as provas na
LP e a da disciplina de Crioulo é feita na LC.

7.3.4 Análise e interpretação de dados

O que chama a nossa atenção é que, apesar de a LP ser a menos falada pela
maioria dos alunos, como mostram os dados, ela continua sendo considerada a única
língua de ensino, sobretudo, nas escolas estatais. Portanto, estamos perante duas
265

situações linguísticas de cunho político ainda muito presentes na Guiné-Bissau: 1º) o


ensino guineense ainda está muito vinculado ao programa de submersão das línguas
étnicas e do crioulo à LP e 2º) a LP é encarada como de alto prestígio social. Segundo
Callewaert (1995), o ensino do sistema oficial guineense funciona na base de programa
de submersão, na medida em que as línguas maternas (as línguas étnicas e a língua
crioula) são inundadas pela língua segunda, a LP 61. Nesse sentido, segundo o autor, “os
alunos que têm uma língua materna de pouco prestígio socio-cultural são obrigados a
aceitar um ensino numa língua estrangeira de alto prestígio”. (CALLEWAERT, 1995, p.
37). Para o autor, o programa de sumersão funciona de seguinte forma:

Os alunos são organizados em turmas onde não há alunos que falem


esta língua estrangeira, e onde o professor não fala a língua materna
dos alunos. A língua de ensino constitui um perigo para a língua
materna no sentido que a língua materna é substituída, esquecida,
proibida e não se desenvolve. A língua materna permanece
subordinada (CALLEWAERT, 1995, p. 38).

É importante afirmar que a maioria dos professores guineenses fala uma ou mais
línguas étnicas e o crioulo. Contudo, merece destaque o fato de que, às vezes, os
professores são colocados em regiões, áreas ou comunidades dominadas por uma
determinada língua étnica que não fala. Neste caso, justifica-se o programa de
submersão, na medida em que os alunos são obrigados a falar a língua de ensino e
proibidos de falar a sua LM/L1. Na década de 1990, em que esse autor fez pesquisa
sobre o assunto, tanto a LC como as línguas étnicas eram muitos probidas nas escolas.
O autor esclarece ainda que:

Uma variante desse programa surge quando os alunos de populações


locais maioritárias ou minoritárias cuja língua materna é de pouco
prestígio vêem-se forçados a aceitar um ensino numa língua
estrangeira, antigamente colonial, de alto prestígio. Os alunos são
organizados em turmas que incluem alunos com diferentes línguas
maternas ou com uma única língua materna, muitas das vezes sem
alunos que falem a língua estrangeira. Não existe um ensino nas
línguas maternas. É possível que o professor nem sequer entenda a
língua materna dos alunos. Como resultado disso, os alunos não
aprendem a língua estrangeira de maneira adequada e

61
O autor considera, nesse caso, a LC como a L1 e a LP como L2, fato que leva a crer que ele se refere às
zonas urbanas, pois nas zonas rurais, como no contexto dessa pesquisa, a LP desempenha função da
língua estrangeira (LE), levando em consideração o conceito de língua estrangeira, como destacamos num
dos capítulos anteriores.
266

simultaneamente também não aprendem a sua língua materna de uma


maneira formal para serem alfabetizados nela. Os alunos aprendem a
aceitar a superioridade da língua estrangeira (CALLEWAERT, 1995,
p. 38).

Contudo, entendemos que o próprio conceito da língua de maior ou menor


prestígio sócio-cultural é questionável, na medida em que qualquer língua pode ser
encarada como de alto prestígio para os seus falantes, em comparação com outra língua
pouco falada ou não falada na comunidade dos referidos falantes. Além disso, essas
questões de submersão e de prestígio da língua dita hegemônica colocam em debate a
questão central dessa pesquisa, ou seja, qual é o impacto da língua hegemônica (caso da
LP) no processo do ensino e de aprendizagem numa sociedade muiltilíngue como a
guineense, uma vez que os alunos não a dominam? 62
Importante reafirmar que a língua é um dos componentes da cultura. Segundo
Cunha (1987, p. 99), “a língua de um povo é um sistema simbólico que organiza sua
percepção do mundo”. Entretanto, se a língua materna do aluno não é ensinada na
escola significa também que a sua cultura é ignorada. Na nossa observação direta nas
escolas pesquisadas, constatamos que nem a língua balanta – que é a (LM/L1) da
maioria desses alunos – nem alguns aspectos da cultura material ou imaterial, seja da
etnia balanta, seja de qualquer outra etnia, são discutidos na sala de aula, justamente
porque componentes da diversidade cultural não fazem parte dos currículos escolares da
Guiné-Bissau.
O sistema do ensino guineense – além de estar ainda preso ao legado
colonialista, ou seja, valoriza mais a realidade cultural do conquistador em detrimento
da nossa – é marcado por um caráter padronizador, homogeneizador e monocultural,
que nega as diversidades culturais e linguísticas constituintes da sociedade guineense.
Segundo Gusmão (2011, p. 34), “Pensar dessa forma é desconhecer a história como
processo e fazer dela algo congelado num tempo pretérito”. No currículo guineense, as
relações entre escola e cultura(s) são tratadas do ponto de vista eurocêntrico, visto que
aspectos sociolinguísticos e culturais dos diferentes grupos étnicos do país são
sacrificados nas escolas em benefício de aspectos sociolínguisticos e culturais lusos.

62
O assunto será analisado no próximo capítulo.
267

As experiências que os alunos Balanta-Nhacra de Tombali adquirem em casa,


através da sua vivência na comunidade não são valorizadas na escola. Sendo assim, o
processo educativo basea-se apenas no ensino e no modelo português e ignora
aprendizagem do aluno. Ou seja, parte-se do princípio de que a escola é o único lugar
em que esse aluno deve receber conhecimentos para sua vida futura. Esses
conhecimentos são atrelados à visão de mundo eurocêntrico, que trata outras culturas
como primitivas, selvagens e exóticas.
Nesse sentido, faço minhas as palavras de Iturra (1990) quando afirma que as
instituições escolares negam a heterogeneidade e as condições socioculturais dos
alunos, na medida em que praticam apenas o ensino e negam a aprendizagem que os
alunos adquirem na sua rcomunidade:

A heterogeneidade encontra-se institucionalmente negada, como


negada está a condição sócio-cultural dos alunos, na medida em que a
escola pratica o ensino e nega a aprendizagem. Isto é, a escola
organiza os processos de compreensão da realidade como universal e
única, tomando por base um saber formal e abstrato distanciado do
aluno, de sua vida e experiência. O saber que se ensina é então,
redutor de culturas que informam as realidades vividas dos sujeitos e
desloca suas vidas das problemáticas imediatas que as envolve,
acreditando que o aluno é uma tábula rasa sobre a qual deve-se
inscrever o conhecimento tido como real e legítimo. Assim, a escola
representa um saber positivista perante um saber cultural. (ITURRA,
1990, p.55).

Para Santos (1989), citado por Gusmão (2000), a questão está no fato de haver
um mecanismo que separa a educação do ensino, e nisto que reside a esquizofrenia da
escola:

Educação seria tudo o que se transmite, de qualquer maneira, formal


ou informalmente, todo o tempo, aos menos experientes, sem objetivo
específico. O ensino seria uma particularização da educação, através
de determinada maneira (isto é, utilizando a escola), formal ou
informalmente, num tempo exclusivo, com o objetivo específico de
treinar uma competência particular. Pois bem: é evidente que não se
pode colocar as pessoas que educam no lugar das que ensinam.
Estamos condenados a lamentar essa contradição para sempre?
(SANTOS, 1989 apud GUSMÃO, 2000, p. 20).

Nessa forma de pensar:


268

Os que ensinam preocupam-se em, utilizando a escola e sua


organização num dado tempo, treinar seus alunos para competências
específicas: somar, dividir, contar, ler, escrever... Imaginam ser esse o
caminho legítimo de, tomando seus alunos como iguais, instaurar um
processo democrático, já que todos aprendem as mesmas coisas, têm
acesso às mesmas informações, ainda que possam ser portadores de
outras informações aí não consideradas. Para esse professor, a
diversidade do social, tão difícil de ser tratada, fonte de tantos
desencontros, seria finalmente erradicada e as trajetórias diferenciadas
de seus alunos resultariam de competências individuais que independe
dele próprio enquanto professor. Além de um engano, tal postura é um
equívoco e resulta em uma prática autoritária, constituindo um olhar
que não vê o outro que aí está, pois o vê de cima e distante
(GUSMÃO, 2000, p. 20).

Para a autora, “o desafio que permanece é, então, compreender a educação


enquanto processo de aprendizagem, baseado na comunicação e na troca permanente
entre diferentes” (GUSMÃO, 2000, p. 21).
As críticas desses autores se aplicam em relação ao sistema de ensino praticado
na Guiné-Bissau, que se baseia apenas no ensino dos conteúdos estabelecidos e nega a
aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, a partir das observações diretas que fizemos
nas diferentes escolas, constatamos que as bagagens culturais que os alunos Balantas
pesquisados adquirem em casa são ignoradas. Por exemplo, no que se refere às técnicas
de Bidogn ne Nhare (a forma de cuidar das vacas), qual significado os Balantas-Nhacra
atribuem ao gado, principalmente à vaca? Sobre as técnicas agrícolas: qual é o
significado da produção de arroz para os Balantas? Como funciona a produção e
distribuição entre os Balantas-Nhacra? Questões relativas à cultura imaterial, dentre
outros conhecimentos, além de serem menosprezados, são encarados com preconceito e
estereótipo.
No entanto, é justamente nessa experiência que esses alunos constroem a sua
visão de mundo. É essa bagagem cultural que os permite ter um senso crítico sobre a
sua e sobre qualquer realidade social. Essa experiência sociocultural, juntamente com as
suas línguas maternas, é que são desvalorizadas na escola. Isso significa que eles estão
sendo impedidos de estabelecer um olhar crítico sobre as realidades sociais as quais
estão inseridos, inclusive à realidade que vivem na própria escola.
Em outras palavras, esses alunos estão sendo progressivamente silenciados, pois
se as pessoas são impedidas de expressar suas opiniões, seus sentimentos na língua que
dominam (sua LM) e se não conseguem expressar essas opiniões e esses sentimentos na
269

língua que não dominam, mas que é imposta como obrigatória na escola, significa que
elas estão sendo silenciadas.
De igual modo, se a escola não valoriza a diversidade cultural do contexto social
na qual está inserida significa que seus alunos estão sendo silenciados e tratados como
simples objetos do processo de ensino e aprendizagem, na medida em que esse processo
é pautado no caráter homogeneizador e monocultural, negando a diversidade cultural e
sociolinguística dos seus sujeitos ativos (os alunos).
É de se salientar que, atualmente, vivemos num contexto de globalização e
mundialização cultural em que essa consciência do caráter homogeneizador e
monocultural da escola é cada vez mais intensa. Entretanto, também está mais presente
a consciência da necessidade de se romper com essas práticas e de construir práticas
educativas que valorizem a diferença, a diversidade cultural e a heterogeneidade.
Segundo Candau (2011, p.13), “não há educação que não esteja imersa nos processos
culturais no contexto em que se situa. Nesse sentido, não é possível conceber uma
experiência pedagógica desvinculada totalmente das questões culturais da sociedade”,
porque a escola é por excelência um espaço de convivência intercultural.
Consoante Gómez (2001), citado por Candau (2011), a escola é um espaço de
cruzamento de culturas, portanto, um espaço fluido e complexo, atravessado por tensões
e conflitos:

A escola é um espaço ecológico de cruzamento de culturas, cuja


responsabilidade específica a distingue de outras instâncias de
socialização e lhe confere identidade e relativa autonomia. É a
mediação reflexiva daquelas influências plurais que as diferentes
culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações
(GÓMEZ, 2001, apud CANDAU, 2011, p. 15).

É nesse contexto que, segundo Iturra:

A pluralidade cultural de grupos étnicos, sociais ou culturais necessita


ser pensada como matéria-prima da aprendizagem, porém nunca como
conteúdo de dias especiais, datas comemorativas ou momentos
determinados em sala de aula. Fazer isso é "congelar" a cultura,
reificá-la, transformá-la em recurso de folclorização e como tal
acentuar as diferenças. Nesse processo, rompe-se a possibilidade de
comunicação e de aprendizagem para reforçar os mecanismos
discriminatórios e a desigualdade, instaurando a impossibilidade da
troca e dos processos de equidade entre sujeitos diferentes (ITURRA,
1990, p. 31).
270

Nesse sentido, a negação da heterogeneidade do aluno significa negar a sua


condição sociocultural (GUSMÃO, 2000). Sendo assim, entrevistamos professores e
especialistas em educação e em línguística, uma vez que são eles os que mais lidam com
essas questões nas suas atividades profissionais.

7.4 As opiniões dos professores e dos especialistas em educação e em línguistica


sobre ensino das línguas étnicas nas escolas

Na entrevista que fizemos com os professores e especialistas em educação,


percebemos que a questão de ensino das línguas étnicas divide opiniões entre eles. Para
a maioria dos professores, as línguas étnicas não devem ser implementadas oficialmente
como de ensino, devendo servir apenas como línguas de reforço para esclarecer as
dúvidas dos alunos que apresentam dificuldades na LP. Por sua vez, uma professora e
os especialistas em educação e em linguística são da opinião de que essas línguas devem
ser implementadas como de ensino no país.
Iniciamos com o Prof. EBU1-1 que discorda da implementação das línguas
étnicas no ensino, sugerindo que tanto as línguas étnicas como a LC devem ser usadas
apenas como reforço. Para ele, a LP é única que deve ser levada a sério:

Para mim, as línguas étnicas devem ser implementadas, mas, muito


pouco, só para fazer com que os alunos da mesma etnia compreendam
a matéria com mais facilidade. Assim também, o Crioulo pode ser
implementado pouco. O que deve ser mais implementado e levado a
sério é a língua portuguesa. (Prof. EBU1-1. Mato-Farroba/Guiné-
Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

O Prof. EBU1-2, também, segue a mesma ideia de não implementação das


línguas étnicas nas escolas, ressaltando que se forem implementadas, que sejam apenas
para reforço escolar. Segue seu ponto de vista:

No meu ponto de vista, as línguas étnicas não devem ser


implementadas, mas se forem implementadas não é para ser contínua,
mas para servir apenas como línguas de reforço para quando os alunos
não compreenderem o que o professor falou em português, o professor
pode recorrer a essa língua étnica do aluno para esclarecer a sua
dúvida, isto é, se o professor sabe falar tal língua. Por exemplo, se eu
falo de galinha, cadeira ou mesa aí posso explicar ao aluno na sua
língua materna que é isso, isso, isso que acabei de falar em português.
Assim, na próxima vez que eu repetir as mesmas coisas, o aluno vai
logo saber que é tal coisa que eu falei. É só nesse caso que as línguas
271

étnicas podem ser implementadas para fazer o aluno compreender


mais fácil. (Prof. EBU1-2. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

A profa. EAG1-1 também discorda ao declarar que não é admissível ensinar as


língas étnicas na escola, porém explica por que usa a língua balanta com seus alunos:

As línguas étnicas? Não. Não é admissível serem ensinadas, mas


como eu vejo dificuldades dos alunos nas outras línguas (LC ou LP),
por isso que recorro à primeira língua que eles aprenderam a falar logo
que nasceram que é a língua Balanta, isto é, para ajudá-los a entender
mais rápido. (Profa. EAG1-1. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

O Prof. EAG1-2 acha que, em vez das línguas étnicas, seria então melhor
implementar a LC, deixando aquelas apenas como de reforço:

Mbom... Acho que se for para implementar, devemos então


implementar a língua Crioula (LC) e não as línguas étnicas. As línguas
étnicas podem servir apenas como de resforço, porque se notarmos,
por exemplo, quando o professor explica a matéria em português e o
aluno não compreende, explica em Crioulo ainda assim o aluno não
compreende, então recorremos à língua étnica dele para fazer com que
esteja dentro do assunto. Às vezes, o aluno pode compreender mais ou
menos o assunto na LP ou na LC, mas ainda fica com dúvidas, mas se
o professor explicar o assunto na língua materna de tal aluno é fácil
dele compreender o que tratamos. (Prof. EAG1-2. Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

O Prof. EBU2-1 segue reforçando a mesma ideia de que as línguas étnicas


devem ser usadas apenas na oralidade, servindo como de reforço, para facilitar a
compreensão dos alunos. E explica o porquê disso:

Mbom, acho que as línguas étnicas podem ser implementadas, mas


para funcionar só na oralidade, servindo apenas como língua de
reforço para facilitar mais a compreensão dos alunos. Porque, por
exemplo, no interior como numa tabanca na qual você encontra aluno
que nem Crioulo sabe falar e muito menos Português, portanto se o
professor não sabe falar essa língua étnica tal aluno aprende com
dificuldade e se o professor não domina aquela língua, portanto, vai
transmitir conhecimento com dificuldade. (Prof. EBU2-1.
Cufar/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida ao Dabana
Namone).
272

Veja a contradição! Ao mesmo tempo em que esse professor nega a


implementação das línguas étnicas no ensino, ele mesmo lembra de um caso que
aconteceu com um colega dele, que é professor na região de Gabu – dominada pela
etnia Fula. Esse caso mostra a necessidade de se implementar as línguas étnicas no
ensino guineense. Segue a explicação:

Lembro-me de caso concreto de um colega professor que foi colocado


na região de Gabú, ele não fala a língua fula, a mais dominante
naquela região. Acontece que quando ele explica toda matéria e
pergunta aos alunos: vocês compreenderam? Os alunos respondem
balançando a cabeça para direita e para esquerda, sinalizando que não
compreenderam. Ele não sabe falar a língua fula e os alunos mal
entendem a LC e muito menos a LP, portanto, são muitas dificuldades.
(Prof. EBU2-1. Cufar/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Por isso, o professor avança com o seguinte ponto de vista:

No meu ponto de vista, o Ministério da Educação deveria fazer a


colocação de professores de acordo com critérios linguísticos, ou seja,
se um professor sabe falar a língua balanta, portanto, deve ser
colocado na região onde a língua balanta é dominante, aquele que sabe
falar fula também deve ser colocado na região com predominância da
língua fula, assim sucessivamente. (Prof. EBU2-1. Cufar/Guiné-
Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Por sua vez, o Prof. EBU2-2 considera que as línguas étnicas não devem ser
usadas na sala de aula como instrumento de trabalho, mas apenas como línguas de
apoio:

Mbom...Tem momento que pode ser adotado, por exemplo, no caso de


aluno que falei63. Quer dizer você não vai adotá-lo como seu
instrumento de trabalho para todo momento estar a falar a língua
balanta, ou a língua fula, ou a língua bijagó não sei o quê. Mas tem um
momento, até tem um apontamento de 4ª classe, tem um momento que
o professor pode falar português com os alunos se não
compreenderem você muda para língua materna, só para colocá-los
dentro de assunto. Quer dizer, só por alguns minutos depois volta para
língua de trabalho. Ou seja, as línguas étnicas podem ser usadas na
escola apenas como de apoio. (Prof. EBU2-2. Cufar/Guiné-Bissau,
jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

63
É um dos casos que anotamos numa das passagens desse trabalho. De um aluno balanta que disse ao seu
colega que não entendeu a explicação que o Prof. EBU2-2 deu na LP e o colega dele explicou o fato ao
professor, que se sentiu comovido com a situação, uma vez que ele professor também não sabe falar a
língua materna do aluno – a língua balanta.
273

Já a Profa. EAG2-2 afirma diretamente que não é necessário ensinar as línguas


étnicas e explica o porquê:

No meu ponto de vista acho que não é necessário ensinar as línguas


étnicas na escola, porque quase toda criança que nasceu e cresceu
junta da família na tabanca, penso que sabe falar aquela língua étnica,
porque nossas mães falam as línguas étnicas conosco. Sendo assim,
acho que não temos a necessidade de implementar as línguas étnicas
no ensino, porque já que implementamos o Crioulo acho que é para
nos facilitar na Guiné-Bissau. E se você sabe falar a LC pode
comunicar com as pessoas em qualquer canto do país. (Profa. EAG2-
2. Areia/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

É de se salientar que esses professores, apesar de opinarem contra a


implementação das línguas étnicas no ensino, são unânimes em dizer que essas línguas
devem servir apenas como de reforço para ajudar os alunos a comprender as matérias
com maior facilidade. Esse fato mostra a necessidade e a importância de se usar essas
línguas maternas dos alunos como de ensino.
Porém, as respostas negativas desses professores sugerem que eles não
receberam a formação que trata da importância da língua materna e de se discutir as
questões das diversidades culturais na escola. O que significa dizer também que essas
questões não são discutidas tanto no ensino básico unificado (ensino básico e
fundamental) ou no liceu (ensino médio) e nem sequer nas escolas de formação dos
professores.
Por outro lado, uma professora e três especialistas (um em linguística e dois em
educação) defendem a implementação das línguas étnicas no ensino, baseando-se nos
argumentos de que o ensino na língua materna (caso das línguas étnicas para a maioria
desses alunos) facilita não só a aprendizagem do aluno como também facilita a
aquisição das outras línguas.
A Profa. EAG2-1 foi à única dentre os/as professores/as que defendeu o ensino
das línguas étnicas na escola. Ela justifica a sua afirmação com o seguinte argumento:
“Acho que as línguas étnicas devem ser ensinadas sim, inclusive nessa escola usamos as
línguas étnicas, para fazer o aluno entender e estar dentro de assunto, ééé, [risos]”. Na
sequência do diálogo, o pesquisador pergunta: “aqui a maioria dos alunos é da etnia
balanta, mas também, têm das outras etnias, não é? Ao que a professora EAG2-1
responde: “Temos mais Balantas depois vem Nalu”. A seguir, o pesquisador insiste: “E
274

como vocês usam essas línguas étnicas?” Acompanhem a resposta da Profa. EAG2-1: “Os da
etnia nalu não têm problema de falar a língua crioula, temos mais dificuldades com os da etnia
balanta. Porque eles só falam balanta em casa, só balanta, balanta, balanta. Agora, os Nalus
não têm problema porque falam mais a LC em casa”.
O DRE/C2, que é licenciado em língua portuguesa, concorda com a
implementação das línguas étnicas no ensino:

Acho que as línguas étnicas podem ser adotadas como de ensino, até
porque algumas organizações como ONG Effetivo Intervencion
experimentou o ensino bilíngue: língua balanta - LP com as crianças
de tabanca Gantone e encaixou. Os professores dessa organização
mostravam às crianças uma imagem que elas conhecem na sua
comunidade e na sua língua e chamavam o seu nome na língua balanta
depois explicavam como a mesma imagem é chamada na LP, então,
fizeram essa interligação entre as duas línguas e funcionou, pois, essas
crianças passaram a falar a LP com muita facilidade. Portanto, pode
funcionar com as línguas étnicas sim. Por exemplo, se você for dar
aulas na área povoada pelos fulas, se você iniciar com a LP que nunca
tiveram contato vão ter dificuldades, mas se você partir da língua
deles fazendo interligação com a LP vai encaixar. Mesma coisa, se
você explicar uma operação matemática na LP esses alunos vão ter
dificuldades. Exemplo, uma criança que nem passou pelo jardim de
infância e começa a primeira classe com seis anos de idade se você
falar a LP com ela vai ficar te olhando pããã... Nem sabe se essa língua
é da Guiné-Bissau. Mas, se o professor domina a língua fula, por
exemplo, pode explicar aquela operação matemática nessa língua,
depois volta para a LP, assim, fica mais fácil a criança familiarizar
com essa língua. Então, as nossas línguas étnicas podem ser
aproveitadas, podem até não serem as línguas que todos os conteúdos
serão trabalhados, mas, que servem como línguas de suporte de
aprendizagem. (DRE/C2. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

O DRE/C1, que é especialista em psicologia da educação, também concorda que


“sim, as línguas étnicas, sobretudo a mais dominante na comunidade/tabanca deve ser
ensinada, desde o jardim de infância ao último nível do primeiro ciclo (4ª classe)”. A
fim de ilustrar essa discussão, segue um excerto do diálogo:

Pesquisador: “O senhor disse a pouco que para tirar nosso ensino da


situação degradante em que está devemos usar as línguas étnicas e a
língua crioula no ensino básico, mas essas línguas não têm escrita
formalizada. Te pergunto: como usar uma língua que não tem escrita
formalizada no nosso ensino básico?”
DRE/C1: “Muito bem. Sabe uma coisa? Nós guineenses temos uma
doença. Valorizamos mais o que é do outro de que o que é nosso. Ou
seja, valorizamos mais a cultura do outro de que a nossa. Não é o bem
comum que os Balantas, os Mandingas, os Fulas, os Pepel, etc., têm
275

no seu território que traz outros bens? Esses países africanos, outros
até falam quase que exclusivamente as línguas maternas das suas
comunidades nos meios de comunicação social em detrimento das
línguas internacionais. Por quê? Porque valorizaram primeiramente as
suas próprias línguas”. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

O DRE/C1 chama atenção ao fato de que nós guineenses temos que valorizar,
em primeiro lugar, as nossas línguas maternas, porque só valorizando-as é que vamos
desenvolver estudos sobre elas. Ele acrescenta:

Muitas das vezes dizemos que existem vocábulos da LP, por exemplo,
que não sabemos traduzir para nossas línguas maternas, mas, não.
Porque não fizemos estudos a esse respeito e precisamos fazê-los.
Porque existem vários significados entre línguas. É só fazer a
comparação. Por exemplo, se eu te digo que isso aqui é um óculos e
depois falo que é uma coisa que se usa para proteger os olhos, não é a
mesma coisa que eu falei? É a mesma coisa. Porque na LP ou na LC
posso dizer que é óculos, mas, na língua balanta, por exemplo, posso
dizer que é coisa de proteger os olhos. Não é óculos que falei? É
óculos. O nosso problema é que não fizemos estudos das nossas
línguas e quando você não faz estudo de uma língua, terá logo
dificuldades de traduzi-la na escrita. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau,
jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Para justificar a afirmação acima, este especialista em psicologia da educação


mencionou como exemplo, o padre e linguista italiano Luigi Scantaburlo, que escreveu
um dicionário em Crioulo guineense, no qual aparecem vários vocabulários
emprestados das línguas étnicas faladas no país:

Aliás, tem um padre, bom, não sei se é padre ou missionário 64 que


escreveu um dicionário da língua crioula, mas, para escrevê-lo utilizou
muitos vocábulos das línguas maternas (línguas étnicas). Agora, como
não podemos desenvolver estudos dessas línguas? Podemos sim. A
escrita é o quê? Ou está aonde? A escrita está na língua. Se eu for
escrever agora nas línguas: balanta, pepel, mandinga, etc., não vou
inventar as letras e nem a escrita, porque a escrita já está inventada há
séculos, é dentro dessa escrita que cada um vai utilizar para figurar as
palavras existentes na sua língua étnica. Por exemplo, você é da etnia
balanta não é? [pesquisador: sim]. DRE/C1: Então, você com nível
escolar que tem, com capacidade e conhecimento da língua balanta, da
língua portuguesa e da língua crioula que tem, se você sentar para
fazer estudos de língua balanta vai ter dificuldade? [pesquisador: não

64
O informante se refere ao padre italiano: Luigi SCANTABURLO, que além desse dicionário, também,
escreveu vários materiais didáticos na LC, usados atualmente no projeto de ensino bilíngue: Crioulo-
Português. Ele é um dos grandes influenciadores do projeto de ensino bilíngue Crioulo-Português na
Guiné-Bissau, especialmente nas ilhas de Bijagós.
276

sei] DRE/C1: não vai ter. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019.


Entrevista concedida a Dabana Namone).

Ele insiste enfatizando que não valorizamos as nossas línguas étnicas e destaca a
intolerância que alguns guineenses têm contra a pessoa que fala a sua língua étnica no
meio do público diverso:

Problema é que não valorizamos o que é nosso. Não sei se você já


reparou: por exemplo, se você falar a sua língua étnica onde há muitas
pessoas, muitas das vezes você é visto como menos civilizado. Afinal,
onde está a civilização? Aliás muitas pessoas formadas não sabem o
significado do termo civilização. Então, temos grandes dificuldades.
Mas, temos capacidades de desenvolver os estudos das nossas línguas
para traduzi-las nos materiais do ensino e aprendizagem para futuras
gerações. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

Para DRE/C1, as nossas línguas étnicas estão caminhando para a extinção, pois,
“estão perdendo terrenos para a língua crioula, porque hoje em dia a nova geração fala
língua étnica misturada com o Crioulo”. E lamenta que:

daqui a segunda e terceira geração, a pessoa vai saber apenas que


pertence a uma determinada etnia, mas que nem sabe como se fala a
sua língua étnica. Portanto, estou plenamente de acordo para usarmos
as nossas línguas maternas no ensino de pequena infância ou até
primeiro ciclo. Mas, primeiro temos que fazer estudos de nossas
línguas, porque também não faz sentido aprendermos uma língua na
qual não podemos traduzir nada cientificamente, por isso que
precisamos estudá-las. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

E conclui fazendo algumas perguntas: a LP não é língua materna dos povos


portugueses e é a língua de ensino de lá? Então, a língua balanta, a língua pepel, a
língua fula etc. não podem ser a língua de ensino no nosso país? Por quê? Porque não
lutamos para desenvolver os estudos sobre elas. E cita Cabo Verde como exemplo dos
países qua estão lutando para implementar as suas línguas maternas:

Por exemplo, Cabo Verde está lutando muito, fazendo paralelismo entre o
Crioulo caboverdiano e o português até no ensino secundário. Por quê?
Porque qualquer cabo-verdiano sabe falar a LC perfeitamente, pode falar a
LP errada, mas não a LC. Por isso que decidiram investir na LC. E nós
guineenses, o que estamos a fazer? Estamos a forçar a LP. Se muitas pessoas
ainda não sabem falar a LC, como a LP vai ser a nossa língua de ensino? Ela
é, mas não deveria ser. Não podemos negar a LP, porque ela que é a nossa
277

língua de comunicação com o mundo, mas devemos estudar as nossas


línguas maternas (Crioulo e as línguas étnicas) e fazê-las ser paralelas com
outras línguas. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

7.4.1 As opiniões dos professores e dos especialistas em educação e em linguistica


sobre ensino da língua crioula nas escolas

Perguntamos aos professores e aos especialistas em educação e em linguística se


a língua crioula deve ser implementada no ensino guineense, sobretudo na educação
básica. Para o Prof. EBU1-1, a língua crioula não deve ser implementada no ensino e
justifica o porquê:

No meu ponto de vista, a língua crioula não deve ser implementada


porque é uma língua... como se diz.... é uma língua comum que
diferentes etnias de um país [Guiné-Bissau] usa para se comunicar,
portanto, é muito complicado implementá-la no ensino. Além disso,
parece que é uma língua falada apenas em três ou dois países: Guiné-
Bissau e Cabo-Verde. Sendo assim, não vai prestar para nada; não
vamos longe com ela. Para mim, a língua oficial portuguesa deve ser
mantida, mas, para isso, o governo deve valorizá-la no sentido de
melhorá-la na escola. O governo deve trabalhar com seriedade no
sentido de fazer com que ela seja forte no ensino. (Prof. EBU1-1.
Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Por outro lado, o Prof. EBU1-2 concorda que a LC pode ser implementada no
ensino e justifica a razão da sua aceitação:

No meu modo de ver, a língua crioula pode ser implementada, porque


tem inclusive algumas pessoas que trabalham com textos de língua
crioula, algumas escolas que trabalham com a língua crioula como
essa de Autogestão aqui de Mato-Farroba [escola de autogestão Tona
Namone]. Acho que fazem isso para facilitar os alunos em termo de
língua, ou seja, trabalham com a língua crioula para depois transitar
para língua portuguesa. Mas, penso que é uma forma de tirar o aluno
da sua língua materna para língua crioula, porque o aluno fala a língua
crioula fica mais fácil transitar para língua portuguesa. (Prof. EBU1-2.
Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Ele pensa que essa ideia de usar a LC no ensino é uma forma de tirar o aluno da
sua língua materna para língua crioula, pois se o aluno fala a língua crioula fica mais
fácil transitar para língua portuguesa. Igualmente, a Profa. EAG1-1 é da opinião de que
278

a LC deve ser implementada no ensino, porque os alunos têm mais domínio dela em
comparação à LP:

A língua crioula? Eu vejo que é bom ensiná-la, porque como eu disse


antes os alunos têm mais domínio da língua crioula em comparação à
língua portuguesa. Por isso que eu digo que esses alunos de base é
bom ensiná-los em Crioulo do que em português, para ajudá-los a
compreender melhor as matérias. (Profa. EAG1-1. Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Para o Prof. EAG1-2, a LC deve ser ensinada para ajudar os alunos a


compreender as matérias. Para ele, os alunos têm dificuldades na LP, por isso os
professores devem usar a LC para facilitar a compreensão dos alunos:

Crioulo... é muito bom também, pois ajuda o aluno a comprender


melhor as matérias. Se notarmos, principalmente, no nosso ensino os
meninos [no caso, as crianças] têm maior dificuldade para
compreender a LP. Por isso que é bom nós professores basearmos um
pouco na língua crioula (LC) a fim de fazer com que os alunos
estejam dentro de assunto que tratamos. (Prof. EAG1-2. Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

No ponto de vista do Prof. EBU2-1, sendo a LC semelhante com as línguas


étnicas e sendo a língua mais falada no país, deve ser usada apenas na imprensa para os
comunicados que são escritos em crioulo, mas não para o ensino básico. Este deve ser
reservado somente à LP. O professor lembra que a LP está ganhando mais destaque nos
países vizinhos, caso específico do Senegal:

Mbom, para mim, o Crioulo como é a língua semelhante com as


línguas maternas [línguas étnicas], depois é a língua mais usada,
porque às vezes a pessoa é de uma etnia, mas não sabe falar a sua
língua étnica, apenas fala o Crioulo. Agora, penso que mbom, a LC
pode ser usada somente para esses comunicados que são escritos e
transmitidos em crioulo, talvez aí que ela tem a vantagem, mas do
resto penso a LP que deve ganhar espaço no ensino básico. Porque
hoje a LP está a ganhar muito espaço no Senegal, os senegaleses estão
se formando muito na LP. Existem muitos professores senegaleses que
dominam a LP mais que os guineenses. Sim. Vamos ter problemas
depois, porque você vai ver um estrangeiro que fala e escreve
português melhor que você. Isso começa a se verificar. (Prof. EBU2-1.
Cufar/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).
279

De acordo com o Prof. EBU2-2, a LC não dever ser ensinada na escola porque
não é a nossa língua de negócio com o mundo a fora. Como exemplo, o professor diz
que se um funcionário sair do país para resolver assunto de Estado nos outros países não
vai falar a LC e, sim, a LP:

Mbom, eu sou de opinião de que a LC não deve ser adotada como de


ensino, tendo em conta que não é um instrumento que você tem como
oficial para fazer um negócio fora. Por exemplo, se você como
funcionário de Estado for para Senegal, Gâmbia ou Guiné Conacri
fazer um negócio de Estado, não pode utilizar o Crioulo porque não é
todo mundo que vai entender o que fala ou escreve senão apenas os
seus conterrâneos que estão nesses países. Mas, se for o português
talvez permita algumas pessoas entender. Embora, que nesses países
se fala mais francês ou inglês. (Prof. EBU2-2. Cufar/Guiné-Bissau,
jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

A profa. EAG2-1 é da opinião de que a LC deve ser usada no ensino para


facilitar a compreensão dos alunos, contudo, ela reconhece que os estudantes oriundos
das tabancas aprensentam maiores dificuldades na LC em comparação com aqueles dos
centros urbanos (caso de cidade de Catió). Por isso, segundo ela, a sua escola
implementou o ensino bilíngue, a qual ensina não apenas a LC e a LP, mas também dão
reforço nas línguas étnicas para melhor enquadrar os estudantes:

Acho que a LC dever ser usada sim. Quer dizer no caso de cidade
como caso aqui de Catió, as crianças do centro da cidade não têm
problema, mas aquelas do interior que saem das tabancas para estudar
aqui apresentam maior dificuldade. Por isso que o projeto bilíngue foi
implementado, pois não usamos apenas língua crioula e a língua
portuguesa, mas usamos também as línguas étnicas como de reforço,
para facilitar a compreensão dos alunos que ainda têm dificuldades
naquelas duas línguas. (Profa. EAG2-1. Areia/Guiné-Bissau, jun;
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

De acordo com a Profa. EAG2-2: “para mim se for implementada, que sejam
somente nas escolas primárias (de 1ª a 4ª classe), porque os alunos de ciclos (5ª e 6ª
classes) ou liceus (7ª a 12ª classes) já sabem falar a LC”. (Profa. EAG2-2. Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
Por sua vez, DRE/C1 concorda que a LC deve ser implantada no primeiro ciclo
(1ª a 4ª classe) e deve ser mista. Ou seja, deve ser um ensino bilíngue (entre línguas
étnicas e a LC), porque, segundo ele, essa é a fase em que a familiarização da criança
com a língua depende do meio onde ela vive. Portanto, no seu ponto de vista, o ensino
280

de LP deve começar só a partir do segundo ciclo (de 5ª classe em diante) e justifica o


porquê:

Com certeza, a LC deve ser implantada no primeiro ciclo (1ª a 4ª


classe). Porque é a fase que na familiarização da criança com a língua
depende do meio onde ela vive. Porque a criança não vai sair de uma
comunidade balanta, ou pepel, ou manjaco e chega à escola para
estudar 1ª classe e você fala que tem que apreender na LP. Ela não vai
conseguir. E exatamente, roubamos talentos das nossas crianças.
Porque as nossas crianças têm inteligência natural de alto nível.
Agora, nós que estamos a diminuir a capacidade de nosso ensino. No
meu ponto de vista, o ensino de LP deve começar só a partir do
segundo ciclo (de 5ª classe em diante), porque essas fases são de
consolidação de aprendizagem e se a criança não aprendeu na primeira
fase como ela vai consolidar? Portanto, o nosso ensino deve começar
com a LC, até na pequena infância deve ser mista entre línguas étnicas
e a LC. Deve ser mista exatamente porque hoje na Guiné-Bissau não
há uma comunidade que não tem mistura étnica, isso significa dizer
que se usamos uma só língua materna penalizamos logo outras
crianças. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

Mas, para ele, se tiver uma etnia predominante naquela comunidade, pode-se
usar aquela língua como de reforço à LC, por exemplo, uma criança da etnia Pepel, que
mora na comunidade dominada pelos Balantas, tem tendência de dominar a língua
balanta. Além disso, ela tem dupla vantagem, porque “aprende a língua balanta e a LC e
em pé de igualdade com os seus colegas Balantas. Também na passagem para outros
níveis, eles seguem em pé de igualdade com a mesma capacidade de aprendizagem,
para depois ir aprender a LP”. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).
Ainda o DRE/C1, avança com a opinião de que:

Hoje nas tabancas é difícil uma pessoa falar a sua língua étnica sem
tocar na LC, sobretudo, a camada mais jovem. Isso significa dizer que
estamos em condição de aprender com as nossas línguas étnicas e com
o Crioulo para que nos outros níveis aprendermos com a LP.
(DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Por seu lado, o DRE/C2 é da opinião de que a LC pode ser implementada desde
que seja adotada uma escrita que a torne de uso convencional, pois, para ele, em nada
adianta ensinar uma língua que não é convencional até na escrita e dá exemplo de termo
281

crioulo: “Cuma” com letra “C” e “Kuma” com letra “K” que para ele sugere
ambiguidade, os dois significa em português “como vai?”. Segue sua opinião:

Até que pode ser, porque há dias alguns colegas estiveram numa
conferência na cidade de Cacheu em que essa questão foi discutida.
Essa questão está sendo pensada, porque para você adotar a LC como
de ensino primário tem que ser uma língua convencional até na
escrita. Não é? Porque, por exemplo, se eu falar “Cuma” e outra
pessoa fala “Kuma”, (como em português) alguém pode dizer que
primeiro está errado enquanto outro pode dizer que segundo está
errado. Isso pode acontecer porque a LC ainda não é convencional,
pois todas as línguas têm as suas regras gramaticais, embora exista
uma gramática implícita que é nativa, exemplo, se eu pronunciar uma
palavra em crioulo alguém pode-me dizer que não é assim que se fala,
é assim. Embora, não temos uma gramática escrita que balize todas as
regras (DRE/C2. Catió/Guiné-Bissau, jun; 2019. Entrevista concedida
a Dabana Namone).

Na opinião desse licenciado em LP, temos a LC como a língua de uso cotidiano,


então, só faltam consumar algumas regras dela na escrita. Nesse sentido, ele concordaria
que LC pode ser adotada como língua de ensino.

7.4.2 As opiniões dos professores e dos especialistas em educação e em linguistica


sobre o ensino dos nossos valores culturais nas escolas

Pensando na diversidade cultural que compõe a sociedade guineense e da


importância de se discuti-la na escola, questionamos aos professores e especialistas em
educação e linguística se os nossos valores culturais devem ser ensinados nas escolas ou
não. Seguem abaixo as opiniões deles a esse respeito.
Na opinião do Prof. EBU1-1, não se devem ensinar, “porque na escola você vai
para apreender outra coisa que não é a mesma realidade de que tal educação de base que
você recebeu em casa. São diferentes, por isso que para mim é não”. (Prof. EBU1-1.
Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
Por seu lado, o Prof. EBU1-2 é da opinião de que os valores culturais devem ser
ensinados na escola. Ele afirma: “Quase diria que educação ensinada em casa, ou seja, a
educação de base, grande parte dela é ensinada na escola. Embora, a de casa é ensinada
oralmente ou pelo gesto e a da escola pela escrita”. (Prof. EBU1-2. Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone). Mas
282

ele explica que não significa ensinar os valores culturias na escola da mesma forma que
são ensinados em casa, pois:

Na escola você tem que usar exemplo para fazer a comparação e


explicar ao aluno de que tal coisa que em casa se chama assim ou se
faz assim, na escola é assim que se chama ou assim que se faz. Por
exemplo, varrer a casa, lavar os pratos, cozinhar. Você pode pedir
para eles fazer desenho de uma criança varrendo a casa, outra lavando
pratos e outra cozinhando, por aí vai. Isso significa mostrar para o
aluno de que aqueles valores que aprende em casa são ensinados
também na escola, mas, pela escrita. (Prof. EBU1-2. Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

A Profa. EAG1-1 acha apenas aspectos positivos dos valores culturais que
devem ser ensinados, deixando de lados aspectos negativos. Ela acredita que, muito
embora não possamos ensinar todos os aspectos positivos, é possível apontar alguns que
podem ser ensinados:

Por exemplo, como a pessoa deve comportar na sociedade, não


insultar as pessoas, fazer as tarefas domésticas, manter higiene etc.
Até porque aqui na escola ensinamos aspectos da cultura. Embora, não
podemos ensinar todos os aspectos da cultura na escola, pois se
ensinarmos tudo será uma mistura enorme e acaba sendo um tumulto.
(Profa. EAG1-1. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

Para o Prof. EAG1-2, os nossos valores culturais devem ser ensinados, o que
para ele é louvável. Ele sugere que às crianças devam ser ensinados pelo menos nossos
valores comportamentais:

Eu sempre digo que isso é muito bom. Os nossos valores culturais


devem ser ensinados sim e é de louvar. Desde já, devem ser
implementados na escola, mesmo que não sejam todos ensinados na
sua essência, mas que tratemos de algumas partes. Por exemplo,
podemos ensinar as crianças como se comportar e como deve se
inserir em qualquer sociedade para não cair nas asneiras. (Prof.
EAG1-2. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

O Prof. EBU2-1também concorda que os nossos valores culturais devem ser


ensinados na escola, porque têm os bons que devem continuar. Mas, segundo ele, há
outros que são de antiguidades e alguns devem ser anulados ou devem ser contados
283

apenas como história e lembrança de como eram os nossos antepassados, suas culturas e
valores:

Nossos valores culturais devem ser ensinados, pois tem aqueles bons
que devem continuar a existir, mas têm outros que eu vejo que são de
antiguidades que alguns devem ser anulados ou devem ser contados
apenas como história e lembrança de como eram os nossos
antepassados, suas culturas e valores que elas têm e não têm. Caso
concreto de algumas culturas como recrutamento de Nghaé. Até
desejo que mesmo que continua, mas que as crianças que passaram
por ela sejam fortemente educadas e orientadas de como comportar na
sociedade, não ofender as pessoas, respeitar qualquer que seja pessoa:
os mais velhos, a família e de que a partir desse momento você não
pode dirigir palavras ofensivas a ninguém, não pode roubar, não pode
fazer isso, isso, isso. De que deve seguir apenas um bom caminho.
Hoje em dia o aluno dirige ofensas a outros colegas na frente do
professor. (Prof. EBU2-1Cufar/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

Para o Prof. EBU2-2, os nossos valores cultuais devem ser ensinados, porque
têm muita importância para nossa sociedade. O professor critica que os jovens
guineenses estão adotando valores culturais de outros países em detrimento dos valores
culturais das nossas etnias e usa o carnaval brasileiro, como exemplo:

Se você notar, por exemplo, vou para o caso do carnaval. Agora,


estamos a adotar o carnaval brasileiro. Hoje no carnaval as pessoas se
preocupam em comprar suas roupas de vestir para roncar nas barracas
e nos bares. Portanto, as nossas culturas estão perdendo seus valores.
Ninguém se preocupa em mostrar as culturas de Balantas, de Bijagós,
de Fulas, de Manjacos. Se tivéssemos uma disciplina que fala das
nossas culturas, elas ficarão internamente na nossa sociedade, mas,
estamos a negar a nossa cultura em troca da cultura de outro.
Acabaremos por complicar a nossa sociedade. (Prof. EBU2-2.
Cufar/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

A Profa. EAG2-1também concorda com o ensino de nossos valores culturais


inclusive, segundo ela, a escola em que trabalha ensina esses valores e explica como
esse intercâmbio cultural é realizado:

Sim, os nosssos valores culturais devem ser ensinados. Inclusive,


ensinamos alguns aspectos aqui na escola, porque nem todas as
crianças recebem o mesmo tipo de ensinamento em casa. Então, aqui
na escola ensinamos os alunos a conhecer a cultura de outras etnias,
ou seja, há uma troca de experiência entre os próprios alunos. Por
exemplo, a cultura de Nalu e a de Balanta são diferentes, nesse
284

sentido, orientamos os alunos a fazer intercâmbio cultural, no sentido


de um conhecer e respeitar a cultura do outro. (Profa. EAG2-1. Areia
/Guiné-Bissau, jun/jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Já a Profa. EAG2-2 discorda com o ensino de nossos valores culturais na escola.


Para ela, isso é difícil e explica o porquê:

Mbom, eu acho que é difícil porque, por exemplo, eu não conheço


valores culturais de outra etnia, só conheço da minha etnia. Agora, se
eu for ensinar, vou ensinar só os valores da minha etnia, mas acontece
que tem muitos alunos e professores de outras etnias, aí fica difícil. A
não ser que escolhemos um dia especial de cultura, onde podemos
pedir a um dos encarregados de educação de cada etnia para contar
valores da sua cultura. (Profa. EAG2-2. Areia/Guiné-Bissau, jun./jul.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Para DRE/C2, os nossos valores culturais devem ser ensinados sim, pois,
segundo ele, temos valores culturais ricos e completos:

Por que estamos falando dos valores culturais de outros povos, por
exemplo, de Portugal e não os nossos? Em vez de falar aos alunos, a
contar a história de Luiz de Camões, por que não falamos para cada
um contar a história de sua etnia? (DRE/C2. Catió/Guiné-Bissau, jun.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

De acordo com DRE/C1, nossos valores culturais devem ser ensinados muito
mais, muito mais, pois na sua opinião os valores culturais são o início da civilização
humana. Afirma que muitos conhecimentos de algumas culturas específicas foram para
a ciência. Para ele, temos valores culturais muito ricos, mas os desprezamos e dá
exemplo desses tipos de desprezos:

Quando um pesquisador desenvolve estudos sobre uma cultura


específica, às vezes, muitos conhecimentos dessa cultura são
traduzidos para a ciência. Temos valores culturais muito ricos que não
têm em vários lugares do mundo e são as nossas riquezas, só que nós
os desprezamos. Imagine se você agora coloca os nossos vestidos
tradicionais e sai andando na rua, as pessoas vão te chamar de gentio
ou quem sabe nada. Mas, nos outros países africanos, até o Presidente
da República usa roupas típicas, rodeia [enrola] pano no pescoço,
outros na cabeça e não sei o quê mais..., mas é a sua cultura, faz parte
da sua tradição e eles a valorizam. Você pode sair da sua terra com
seus ternos e sua gravata, mas quando você chega à terra dele vai
encontrá-lo com seu pano rodeado no corpo, outro amarrado na
cabeça, porque é a cultura dele. Você tem a sua cultura e a respeita,
285

ele também tem a dele e a respeita da mesma forma. (DRE/C1. Catió


/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Ele explica ainda que, na Guiné-Bissau, há muitas práticas culturais de


diferentes etnias que são riquíssimas, mas não as valorizamos, enquanto em nível
mundial, são muito valorizadas, por exemplo:

Quando participamos de encontros internacionais de cultura,


participamos exatamente a partir de culturas das nossas etnias, mas
poucos encontros internacionais que não ganhamos. Por que sempre
ganhamos? Porque temos uma coisa que é valorizada no mundo a fora
e que nós desvalorizamos.
Em qual parte de mundo que você ouviu dizer que se toca
bombolon?65. Os brancos fabricaram telefone, mas nós, mesmo sem
telefone, podemos tocar bombolon para transmitir o nosso pensamento
aos outros em toda parte da Guiné-Bissau. Portanto, onde está à
diferença entre estes dois meios de comunicação? Só porque
bombolon não grava? Nosso problema é que negamo-nos a nós
mesmos, mas temos coisas importantes que outras partes do mundo
não têm. E se quisermos aqui podemo-nos comunicar uns com os
outros à vontade. (DRE/C1. Catió /Guiné-Bissau, jun.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

Este especialista explica que, nos tempos passados, quando não tínhamos
telefone, nem utilizávamos correios, nem rádios, nossos antepassados se comunicavam
sem problemas:

Por exemplo, se falecer uma pessoa lá na ilha de Komo e começarem


a tocar bombolon de lá, as pessoas desse lado vão ouvir e vão saber
quem faleceu e de qual família é. Assim, passarão a informação até os
familiares muito distantes, através de bombolon. Mas não é a mesma
informação que ouvi através de bombolon que iria ouvir pelo telefone,
de que é o fulano de tal que morreu? (O DRE/C1. Catió /Guiné-
Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Ainda de acordo com ele, temos muitas coisas importantes que negamos e
estamos a perder as nossas tradições, os nossos valores culturais:

65
Bombolon (em crioulo) ou Fibumbur (em balanta) é um instrumento musical e de comunicação
utilizado principalmente pela etnia balanta, tanto na cerimônia de toca choro, quanto para comunicar
falecimento de um homem grande balanta (LANTE NDAN), como também para chamar uma reunião entre
homens grandes (BILANTE BIDAN). Bombolon ou Fibumbur é feito de tronco de árvore grande e
consistente, que é aberto ao meio e cavado por dentro até atingir uma grande profundidade, contendo dois
lábios que permitem a saída de som bem alto.
286

Nós somos um povo que para falarmos da civilização temos que


assentá-la na nossa realidade, na nossa tradição. Mas hoje os nossos
valores estão se perdendo. Olha hoje que tipo de sociedade temos?
Antes, as tabancas tinham as formas de educar os seus filhos, outra
coisa: ninguém desobedecia as regras estabelecidas pelos mais velhos,
pois são valores culturais, valores morais da comunidade que ninguém
tinha coragem de desobedecer. Mas hoje não sobramos com nenhum
valor. Os valores ocidentais que queremos adotar, não os recebemos
direito, por exemplo, vocês que estudam no Brasil quando chegarem
aqui vão querer impor a realidade de lá, os que estudam em Marrocos
vão querer impor a realidade daquele país, os que estudam na China
também, por aí vai. Agora, qual é a realidade que vamos seguir, já que
negamos a nossa? (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

O especialista em educação conclui o seu raciocínio dizendo que “temos que


mostrar os nossos valores acima de todos outros. Se quisermos ter ensino de qualidade,
temos que pensá-la a partir de nossa realidade, caso contrário estamos perdidos”.
(DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
Defendemos que qualquer país deve ensinar seus valores culturais na escola,
aliás, não há como falar em educação sem falar da(s) cultura(s). Qualquer tipo da
educação, seja ela escolar ou não escolar, é indissociável da(s) cultura(s), portanto, todo
processo educativo visa transmitir a(s) cultura(s).
Nas sociedades multiculturais em que vivemos, o tema da cultura tem ganhado
espaço de debates nas agendas das políticas públicas de vários setores, mas
principalmente na educação. Hoje, temas como diversidade, multiculturalismo,
interculturalidade, transculturalidade são transversais às políticas educacionais de vários
países do mundo. Mas não é o que acontece na Guiné-Bissau, apesar de ser um país rico
em diversidade cultural e reconhecida internacionalmente pela sua riqueza cultural,
tendo ganhado vários festivais mundiais na exibição das suas diversas manifestações
culturais.
Os nossos valores culturais devem ser valorizados e ensinados na escola, ou seja,
o nosso sistema de ensino deve atender a nossa realidade cultural em toda sua
especificidade. Mas, em vez disso, os nossos valores culturais têm sido negativados e
ignorados pelas nossas lideranças políticas, em contrapartida promovem uma política de
educação pautada na assimilação dos valores culturais do conquistador, principalmente
a sua língua. E isso vem gerando consequências negativas na trajetória escolar dos
nossos alunos, o que comprova o insucesso do nosso sistema de ensino e da LP.
287

8 IMPACTOS NEGATIVOS DA LP NOS ALUNOS GUINEENSES: CASO DAS


CRIANÇAS BALANTAS-NHACRA DA REGIÃO DE TOMBALI

No que se refere à cooperação internacional, segundo os nossos informantes


(professores e especialistas em educação na Guiné-Bissau), a LP desempenha papel
fundamental para a inserção da Guiné-Bissau na comunidade internacional –
nomeadamente Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) –, como também na inserção dos
guineenses no mundo globalizado, seja em termos de negócios, seja em termos de
oportunidades de conseguir emprego nas instituições internacionais. No entanto, no
setor da educação, a LP aparece como a principal causa das dificuldades que os alunos
enfrentam na sua trajetória escolar, sobretudo, nas zonas rurais.
Na região de Tombali, por ser uma região habitada maioritariamente pela etnia
Balanta-Nhacra, obviamente, a maioria dos alunos e das alunas são desta etnia. Há
escolas dessa região que têm inclusive 99% dos alunos e das alunas originários da etnia
Balanta. Acontece que todos esses alunos e alunas falam a sua língua materna
cotidianamente em casa, cujos dados foram mostrados no quadro e no gráfico referente
às línguas maternas deles. Mas eles/as falam essa língua também nas escolas,
principalmente no recinto escolar, como destacamos anteriormente. Em segundo lugar,
vem a LC. Já a LP é falada somente na sala de aula e, na maioria das vezes, apenas pelo
professor. Alguns alunos/as tentam falar, o que acontece em grande medida devido à
imposição ou ao incentivo do/a professor/a, enquanto a maioria apresenta dificuldades
de falar essa língua, preferindo ficar calada.
Tendo em conta esses fatos, procuramos analisar o impacto da LP na trajetória
escolar desses/as alunos/as, uma vez que apesar de ser a principal língua do ensino é a
menos falada pelos alunos. Nesse sentido, a nossa experiência de campo (observação
direta nas salas de aulas e as entrevistas com os professores, especialistas em educação e
em linguística, como também com os próprios alunos balantas) nos permite constatar
que a LP desempenha consequências negativas na trajetória escolar dos alunos
guineenses, especialmente os que menos contato têm com ela, tendo em vista a
metodologia ulitizada para ensiná-la, como demonstrado no item a seguir.
288

8.1 A língua portuguesa é ensinada como língua materna na Guiné-Bissau

Na Guiné-Bissau, a LP é ensinada como língua materna – L1/LM. Mas o fato é


que ela não é a língua materna (LM/L1) nem a língua segunda (L2) da maioria dos
alunos. De acordo com Couto e Embaló (2010, p.47):

O português até hoje não é praticamente falado como língua vernácula


na Guiné-Bissau. Ele só é adquirido como língua primeira, materna,
por uma insignificante franja de filhos de guineenses que, tendo
estudado em Portugal ou no Brasil, adotaram-na como língua de
comunicação familiar.

Os relatos dos nossos informantes, que seguem abaixo, revelam que a


metodologia utilizada para ensinar a LP não é adequada à realidade sociolinguística dos
alunos balantas pesquisados na região de Tombali. Aliás, o quadro (08) e os gráficos (5,
6 e 7) sobre a língua que esses alunos falam como a língua materna (LM/L1), como
língua segunda (L2) e como língua terceira (L3) reforçam essa tese.
Segundo ESP/FEC1, “nos programas curriculares da Guiné-Bissau, a LP é
encarada como a língua materna dos alunos. Ou seja, como se todos os alunos que
entram na 1ª classe já soubessem falar LP”. (ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone):

Isto é, o aluno logo desde a 1ª classe o que vai aprender é igual ao


aluno de 1ª classe, por exemplo, em Portugal ou no Brasil. O fato é
que os alunos de Portugal e do Brasil já sabem a língua portuguesa
quando vão para escola. E os alunos da Guiné-Bissau, a maioria,
quase todos – então nas regiões de Quinara e Tombali eu imaginaria
que 99% – não sabem a LP. Não sabem falar, nem ouvir, nem ler e
nem escrever e quando entram para escola, o programa curricular da
Guiné-Bissau não está adaptado e vai começar a falar da gramática,
dos verbos, dos advérbios, das preposições para o aluno como se ele já
soubesse falar a LP. Mas o aluno não sabe falar a LP e nem tem
minimamente a noção de como se comunicar nessa língua.
(ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Nesse sentido, o referido professor e coordenador pedagógico da Fundação


Portuguesa Fé e Cooperação (FEC) na Guiné-Bissau sugere que o Ministério da
Educação guineense deve ensinar a LP como língua estrangeira (LE) e explica suas
razões:
289

A LP deve ser ensinada como se fosse uma língua estrangeira (LE) do


aluno. Porque em primeiro lugar o aluno tem que aprender a expressar
oralmente da LP; tem que aprender primeiros os vocabulários dessa
língua e não dar mais atenção à parte formal, por exemplo, os verbos,
os pronomes, os advérbios etc. Quando aprendemos uma língua
estrangeira, por exemplo, a língua inglesa, no primeiro ano os verbos
são dois ou três. A maioria das coisas que você aprende são os
vocabulários, pequenas frases, como cumprimentar as pessoas, como
falar vou à feira fazer compras, como pedir as coisas, perguntar
quanto custa. Ou seja, aprender coisas do cotidiano do dia a dia,
aprender os sons daquela língua, aprender as semelhanças daquela
língua com a sua língua materna. (ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau,
out: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Mas, para ele, não é isso que está sendo feito com as crianças guineenses. O que
ocorre hoje na Guiné-Bissau é como se a LP fosse língua materna delas, partindo do
princípio de que elas já sabem falar a LP. Nesse contexto, o aluno estuda LP até a
sétima, oitava e nona classe, mas, mesmo assim, não sabe usá-la para se comunicar. Ou
seja, o aluno faz um percurso de 7 a 9 anos ouvindo a LP sem conseguir falar o idioma:

Eu falo isso porque sou o professor desses níveis. Mas, se você


perguntar as coisas formais da LP, por exemplo, o tempo verbal ou o
que é um nome, o que é um verbo, o que é um adjetivo, eles sabem.
Aquelas coisas formais de uma língua, os bons alunos sabem. Por
quê? Porque o programa curricular da Guiné-Bissau, ou seja, o
currículo que os professores têm que cumprir (e a culpa também não é
deles), é um currículo formal e tradicional da LP, que ensina os
verbos, as classes das palavras, como dividir os parágrafos, tipos de
textos. Mas há pouco espaço para treinar a oralidade e acho que a
oralidade que é o segredo de qualquer língua. (ESP/FEC1.
Buba/Guiné-Bissau, out: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

O DRE/C2, por seu lado, critica também a metodologia utilizada no ensino da


LP na Guiné-Bissau, o que para ele contribui, em grande medida, para o fracasso
escolar de muitos estudantes das zonas rurais guineenses. Para ele também, a LP deveria
ser ensinada como a L2 ou até como LE e justifica essa afirmação:

A metodologia que é utilizada para ensinar a LP na Guiné-Bissau não


é das melhores, ou seja, provoca fracaso escolar nos alunos, sobretudo
nas zonas rurais. Pois ensinamos a LP como se fosse a língua materna
do aluno (L1), enquanto deveríamos ensiná-la como a língua segunda
(L2) ou até a língua estrangeira (LE). Porque imagine um nativo que
nasceu numa determinada zona, por exemplo, aqui na região de
Tombali – predominada pela etnia Balanta – para um aluno balanta
falar a LP tem que fazer a ligação entre três línguas: primeiro da
290

língua balanta (LBal) para LC e desta para LP. Isso cria muias
dificuldades para ele. (O DRE/C2. Catió /Guiné-Bissau, jun.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

Ainda o DRE/C2 critica que, em vez de ensinar o aluno a ter contato e aprender
os vocabulários da LP através da oralidade, fazendo-os dialogar entre si, eles são
ensinados logo de início apenas a gramática:

Se você ensinar o aluno baseando-se apenas na gramática, tais como:


o que é verbo, o que são os pronomes, os adjetivos, entre outros, será
que esse aluno um dia vai conseguir comunicar na LP? Achamos que
não. Por que não ensinamos a LP como a L2? Por que não fazemos os
alunos de 1º e 2º anos ter contato com a língua portuguesa criando-os
diálogo, estimulando-os a falar? (DRE/C2. Catió/Guiné-Bissau, jun.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Chico (2012) já vinha chamando atenção sobre a metodologia usada para ensinar
a LP nas escolas guineenses, ao considerar que:

A metodologia adotada para se ensinar o português na Guiné-Bissau


tem revelado grandes deficiências, porque as estratégias utilizadas
pelos professores guineenses são as do ensino tradicional de línguas,
em que se dá mais atenção ao estudo da gramática (baseado
essencialmente na memorização das regras gramaticais), sem uma
preocupação com a reflexão que possa permitir uma avaliação de
ensino e aprendizagem da língua em questão (CHICO, 2012, p. 70).

Diallo (2007) foi mais radical no assunto, considerando que nenhum país do
mundo conseguiu desenvolver-se na base de um sistema educativo em que o ensino é
exclusivamente ministrado numa língua em que a maioria da população ignora. Para ele
“o desenvolvimento durável é possível só quando acompanhado por um sistema
educativo em que as comunidades beneficiárias se apropriam dele” (DIALLO, 2007, p.
8). E ainda afirma que

a utilização da língua materna garante a continuidade do


desenvolvimento psico-motor, afectivo e cognitivo da criança: tirar-
lhe esta oportunidade, significa colocá-la deliberadamente numa
situação de desequilíbrio permanente. Ora, na criança, um simples
conflito linguístico pode degenerar conflitos extra-linguísticos que
podem afectar a sua personalidade (DIALLO, 2007, p. 11).
291

Mas este problema continua sendo ignorado, até hoje, pelos sucessivos
governantes guineenses, que em vez de adotar uma metodologia de ensino da LP
adequada à realidade sociolinguística do país, continuam ensinando-a como a LM/L1
para os alunos, cuja maioria não tem o mínimo conhecimento dela.

8.1.1 A LP como principal fator de insucesso escolar na Guiné-Bissau

Tendo em conta os fatos acima relatados, consideramos que, apesar de não ser o
único, a LP é o pricipal fator de insucesso escolar na Guiné-Bissau, na medida em que é
ensinada como a LM/L1 num país cuja maioria dos alunos a tem como língua
estrangeira (LE).
Importa referir que, inicialmente, avançamos com a hipótese de que a LP
contribui para o fracasso ou insucesso escolar dos alunos no país, especificamente, as
crianças Balantas-Nhacra do ensino básico da região de Tombali, porém essa hipótese
não foi confirmada no campo. O que se confirmou é o insucesso do próprio sistema de
ensino, na medida em que a LP é ensinada como a língua materna das crianças, cuja
maioria a desconhece, sobretudo no interior do país, caso das crianças Balanta-Nhacra
de Tombali, que só falam a língua materna, pois poucas falam o crioulo. Portanto,
concluiu-se que o insucesso escolar não é dos alunos. Estes apenas sofrem as
consequências do insucesso no sistema de ensino pautado em uma língua estranha à
realidade sociocultural desta nação.
Falando dos principais fatores que causam as dificuldades dos alunos, inclusive
as reprovações, O Prof. EBU2-2 fez uma observação crítica nesse sentido, enfatizando
aspectos negativos da LP no ensino guineense atualmente. Como exemplo disso, o
professor lembra um fato que aconteceu entre ele e um aluno da etnia Balanta dentro da
sala de aula, na escola de ensino básico unificado de Cufar na qual trabalha:

Imagine, por exemplo, nessas regiões, caso concreto aqui no sul, a


maioria dos alunos falam a língua da sua etnia. Aliás, aconteceu
comigo aqui na escola mesmo a menos de dois meses o seguinte:
expliquei as matérias em português, no final, um aluno virou e falou
com o seu colega na língua balanta: “tudo que o professor falou até
agora não entendi nada”. Logo, o colega dele virou para mim e disse
em crioulo: purssor, nha colega fala kuma i ka ntindi nada ki bu fala.
[professor, meu colega diz que não entendeu nada que você disse até
agora]. Aí, perguntei: por quê? Ahah...kima i ka sibi papia purtuguis.
[Ahah... ele diz que não sabe falar o português] – respondeu o colega.
Olha só... Isso me marcou muito, pois acontece que o mesmo aluno
292

não domina também a língua crioula e eu não domino a língua


balanta, apesar de que consigo bentear um pouquinho [entender e
falar um pouquinho], devido os anos que estou aqui em Cufar. Ou
seja, isso cria um pouco de limitação ao aluno. O aluno fica limitado e
mesmo que tem dúvidas fica com dificuldade de apresentá-las, porque
tem medo de se falar errado os colegas vão rir dele na sala. Por isso,
se verifica na sociedade, às vezes você que tem dificuldade de falar
uma língua fica com medo de falar porque acha que se falar errado as
pessoas vão rir. (Prof. EBU2-2. Cufar /Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

O caso relatado por esse professor sobre seu aluno não é um caso isolado. É,
sim, o retrato de um problema que a maioria dos alunos enfrenta na escola,
principalmente nas zonas rurais, como é o caso dos alunos balantas pesquisados. A LP é
praticamente inexistente no seu vocabulário, fato que gera muitas dificuldades ao longo
da trajetória escolar deles.
Pecebe-se que esse aluno, além de ter dificuldades na LP e na LC, apresenta
também outros problemas decorrentes do anterior, isto é, timidez, medo ou vergonha de
apresentar suas dúvidas e expressar suas opiniões na sala de aula. Nesse caso, apesar de
estar com dúvidas, ele mesmo não conseguiu apresentá-las ao professor. Isso acontece
porque o aluno/a fica com medo ou vergonha de falar a LP, pensando que se errar será
alvo de ridicularização por parte dos seus colegas. Ou seja, é uma realidade que
acontece com muitos estudantes guineenses, que ficam praticamente passivos na sala de
aula devido ao fato de ter dificuldades na LP, ficam com medo ou vergonha de falar
para não sofrer bullying por parte dos colegas, fato que obriga muitos/as a ficarem o
tempo todo calado/a na sala de aula.
O Prof. EBU2-2 aponta ainda as consequências negativas da LP no ensino
básico, dizendo o seguinte:

No ensino básico o que acontece? Você explica a matéria, passa um


exercício no quadro e explica e alunos compreendem bem, agora, para
eles te devolver ou responder aquele exercício na LP é onde eles
enfrentam dificuldades, sobretudo, na escrita. Essa é uma das
consequências negativas da LP. Se fossem nas suas próprias línguas
eles não teriam dificuldade em responder. (Prof. EBU2-2. Cufar
/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Ademais, a Profa. EAG1-1 explica:


293

O que mais causa dificuldades nos alunos é a língua portuguesa,


porque eles não têm habilidade na língua portuguesa, por falta de
hábito de falar e escrever. Por exemplo, esses aqui [referindo-se aos
alunos da escola em que ela dá aula] falam sempre a língua balanta,
porque quase todos são Balantas, o que interfere na aprendizagem
tanto da língua crioula como da língua portuguesa. (A Profa. EAG1-1.
Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).

Por seu turno, o Prof. EAG1-2 segue apontando o mesmo problema:

Os alunos têm dificuldades sim. A primeira dificuldade é da língua. Se


notarmos, como eu disse no início, o aluno sai da tabanca, na família
falando a sua língua materna (L1) ao chegar à escola tudo muda, ou
seja, o aluno começa a lutar para se enquadrar na língua da escola, isto
é, a LP ou a LC. Isso dificulta a sua aprendizagem. [...] Na escola, o
professor tem que ter a concentração, porque se ele explicar as
matérias apenas em português, a maioria dos alunos não compreende,
só um ou dois vão compreender. Por isso que digo que primeiro fator
é a língua portuguesa. (Prof. EAG1-2. Mato-Farroba/Guiné-Bissau,
jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Também, a Profa. EAG2-2 acha que o primeiro fator de dificuldade dos alunos
está na falta de domínio da LP:

Para mim, o primeiro fator é o não domínio da língua portuguesa,


porque em casa alunos falam as línguas maternas e quando chegam na
escola para estudar deparam com a língua portuguesa que nunca
aprenderam a falar, fato que prejudica sua aprendizagem, gerando
muitas dificuldades e reprovações. A dificuldade da língua é muito
maior nos alunos da 1ª classe, em comparação aos da 2ª classe. Mas,
aqui na nossa escola há pouco número de reprovações. (Profa. EAG2-
2. Areia/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

O Prof. EBU1-1também lamenta que:

O problema da língua portuguesa na Guiné-Bissau, hoje em dia, é


muito grave. Dantes a língua portuguesa era muito importante porque
é uma língua que optamos como a oficial, mas, em poucos anos, ela
tornou-se muito negativa devido a negligência do governo da Guiné-
Bissau, porque agora as pessoas optaram mais pela língua crioula
(LC) de que pela língua portuguesa. Mas a língua do ensino é a LP. É
obrigatório o professor falar a LP com os alunos na sala de aula. (Prof.
EBU1-1 Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

Por outro lado, o mesmo professor disse:


294

[...] Na verdade, a língua portuguesa é nossa língua oficial, mas temos


diferentes linguas étnicas. Numa tabanca como essa [Mato-Farroba],
principalmente no ensino elementar, o professor tem que utilizar
português pouco, crioulo pouco e língua étnica pouco para que o aluno
consiga acompanhar a matéria. Porque se o professor falar apenas a
língua portuguesa, os alunos ficam totalmente perdidos. Na verdade,
caso o professor saiba falar a língua étnica dominante na tacanca onde
ele dá aula, obrigatoriamente tem que tocar nela para facilitar a
compreensão dos alunos, caso contrário, os alunos ficam totalmente
perdidos. Porque se o professor falar o português, o aluno fica
perdido, se recorre ao Crioulo o aluno apanha, mas não percebe bem o
que foi dito, portanto, obrigatoriamente, o professor tem que tocar na
sua língua étnica. Aí aluno fala “hahaha... era isso que o professor
queria dizer?” (Prof. EBU1-1 Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

Percebe-se que, primeiramente, o professor se contradiz em si mesmo, depois


consertou seu argumento. No primeiro momento, ele afirma que em poucos anos a LP
se tornou negativa devido à negligência do governo guineense, porque agora as pessoas
optaram mais pela LC de que pela LP, reafirmando que a língua do ensino é a LP e, por
isso, é obrigatório o professor usá-la com os alunos na sala de aula. Depois, ele
reconhece que no ensino elementar o professor deve utilizar um pouco da LP, um pouco
da LC e um pouco da língua étnica dominante na tabanca, pois se o professor falar
apenas a LP os estudantes ficam totalmente perdidos.
Esse tipo de contradição é muito comum de se ouvir nas opiniões dos
guineenses, o que supõe que é uma ideia socialmente construída pela elite política com
objetivo de tirar proveito e que alguns guineenses passam a reproduzir negando o fato
real. Ou seja, estamos dizendo que há muitos guineenses que reconhecem que os alunos
têm dificuldades na LP como também reconhecem a importância do Crioulo e das
línguas étnicas na superação dessas dificuldades. Mas, quando são questionados se o
Crioulo e as línguas étnicas devem ser implementados no ensino, eles recusam ou falam
que essas devem servir apenas como de reforço. Foi essa a opinião da maioria dos
professores entrevistados, com relação ao ensino da LC e das línguas étnicas. Mas, por
outro lado, são da opinião de que as dificuldades dos alunos estão relacionadas com a
falta de compreensão da LP.
Para o Prof. EBU1-2, a maior causa de dificuldades e reprovação dos alunos está
relacionada com a falta de domínio da LP:
295

Porque em casa o aluno fala a sua língua materna e na escola tem que
apreender digamos, a língua moderna, quer dizer a LP. Mas, nesse
sentido, o que o professor deve fazer não é entrar profundamente na
LP, mas, ir lentamente com o aluno para conseguir enquadrá-lo na LP,
ensinando-o coisas básicas, como por exemplo: pedir licença, pedir
água, pedir isso, falar aquilo e outro. Assim, ele vai aprendendo a
chamar outras coisas pouco a pouco e somando as palavras na LP e
não na língua de casa. Logo, em termos de falar a LP na escola o
aluno pode ainda ter dificuldade, mas, se o professor expressar, aquele
aluno vai compreender. [...] Mas, também, a causa de reprovação
deve-se à falta de interesse dos próprios alunos. (Prof. EBU1-2 Mato-
Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Já o Prof. EBU2-1, no primeiro momento, avalia que a LP tem sua forma


positiva em vários aspectos, relatando que, após a independência, alunos que estudavam
até 4ª classe se destacavam na LP mais de que os da 12ª classe atual. Motivo pelo qual
ele critica a forma como essa língua tem sido encarada atualmente:

Bom, eu avalio a LP como sendo boa e positiva, pois, tirando o fato de


que é a língua do colono, é uma língua que usamos nos serviços
públicos, no serviço de identificação, nas escolas. É uma língua que
mais facilita a nossa compreensão na Guiné-Bissau, mesmo que você
seja de outra etnia basta aprender a LP torna-se mais fácil se
comunicar com outras pessoas. Também, ela pode ser utilizada e
traduzida para línguas de diferentes tribos que tem na Guiné-Bissau,
basta ter uma pessoa de cada uma dessas tribos que sabe falar a LP.
Isso é muito bom. Mas, uma coisa é certa, nos primeiros tempos, ou
seja, nas décadas passadas depois da independência a forma como a
LP era encarada é totalmente diferente com o tempo atual. As pessoas
estudavam de 1ª a 4ª classe e sabiam conjugar os verbos em
português, sabiam escrever cartas, sabiam fazer redação, sabiam fazer
muitas coisas. Ao contrário, hoje não é assim. Hoje mesmo a pessoa
que concluiu décimo segundo ano (12º ano) de escolaridade não tem
desenvoltura na LP, nem sabe fazer redação. Se você a surpreender
com alguma questão ou diálogo em português, ela apresenta
dificuldades, a expressão propriamente dita é outra. (Prof. EBU2-1.
Cufar/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

O professor afirma que a LP tem mais consequências positivas do que as


negativas na escola e justifica a sua afirmação:

Consequências negativas, penso que são poucas ou não existem,


porque imagine um aluno de pré-primário, se você começar ensiná-lo
somente na LP antes de fazer o quarto ano de escolaridade mesmo que
não baste escrever bem, vai expressar corretamente. Portanto, penso
que ela não tem consequência negativa. Para mim, a LP tem mais
296

consequência positiva que negativa na escola. Porque, se o aluno usá-


la diariamente ou em todas as circunstâncias, ele sai do ensino básico
com uma capacidade muito pesada para entrar no liceu, onde vai saber
desenvolver a LP direito, sabendo expressar e escrever corretamente
sem nenhuma dificuldade. (Prof. EBU2-1. Cufar/Guiné-Bissau,
jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

A justificativa desse professor, de que “a LP tem mais consequências positivas


que as negativas na escola, porque, se o aluno usá-la diariamente ou em todas as
circunstâncias, ele sai do ensino básico com uma capacidade muito pesada para entrar
no liceu”, não se encaixa na realidade social da região onde essa pesquisa foi realizada.
Primeiro: porque a metodologia que é utilizada no ensino da LP não é apropriada à
realidade sociolinguística dessa região, pois ela é ensinada como se fosse a língua
materna (L1) do aluno, como foi referido atrás. Segundo: porque na tabanca que esse
professor leciona (Cufar) ninguém fala a LP em casa. O aluno entra em contato com ela
somente na sala de aula, enquanto no recinto escolar ou em casa ele fala somente a sua
língua étnica e/ou o Crioulo.
Lembrando que os moradores dessa tabanca são majoritariamente Balantas,
tendo um número reduzido de Beafadas e ambos falam diariamente as suas línguas
étnicas e o Crioulo, mas a língua balanta é dominante, pois, os Beafadas de Cufar falam
a língua balanta sem dificuldades, devido a seus contatos permanentes com os balantas
– que são dominantes nessa região.
Concordamos com a afirmação do professor de que se a criança for ensinada na
LP desde o pré-primário até o quarto ano de escolaridade, ela sai falando português
corretamente. Mas isso raramente acontece nessa realidade social.
A seguir, a Profa. EAG2-1considera a LP como principal causa de dificuldades
dos alunos na escola. Pois, para ela, “muitos alunos têm dificuldade na escrita da LC e
pior ainda na LP, o que gera muitas dificuldades inclusive a reprovação”. A professora
afirma ainda que “a reprovação decorre também por causa de excesso de faltas como
também, por falta de incentivo dos pais” e conclui dizendo:

Na minha opinião, as consequências da LP na educação básica são


negativas, porque a criança aprende com mais facilidade e mais rápido
na primeira língua, ou seja, a sua língua materna. Por exemplo, essas
que ainda não sabem falar a LC se você ensiná-las nas suas línguas
étnicas, vão apreender mais rápido. Agora, se forem ensinadas na
língua que não dominam, vão apreender com dificuldade. (Profa.
EAG2-1. Areia/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).
297

O DRE/C1 traz mais detalhes sobre o assunto, apontando a incompreensão da


LP como principal causa de dificuldades e de reprovações dos alunos. Mas, para ele, a
culpa não é do professor nem do aluno, o problema está na aplicação de metodologia
errada para ensinar a LP:

O maior causador das dificuldades e reprovações dos alunos está na


incompreensão da língua do ensino (a LP). Por que reprovar significa
o quê? Significa que o aluno estudou até o final do ano, foi avaliado e
em consequência dessa avaliação foi reprovado. Se o aluno não
conseguir resultado que o permite passar, significa que sua
aprendizagem é insuficiente e quando é assim, temos que procurar
fatores que provocaram tal insuficiência e se você pesquisar vai
descobrir que o primeiro fator é a língua. Aprendizagem dos nossos
alunos está fraca, mas a culpa não é do professor nem dos alunos e,
sim, da incompreensão da língua de ensino (LP). Porque aplicação do
método depende mais do domínio de língua. (DRE/C1. Catió/Guiné-
Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

O DRE/C1 aponta ainda outro erro que muitos professores guineenses cometem
contra seus alunos:

Não sei se você já reparou, muitas das vezes quando um professor


manda um aluno escrever uma frase no quadro, mesmo que este sabe
o que foi pedido, na hora de escrever ele escreve exatamente no seu
sotaque, logo você pode dizer que a frase está errada, mas o aluno a
escreveu no seu sotaque. A frase está mal escrita ortograficamente,
mas o seu significado é exatamente aquilo que o professor pediu.
Agora, na correção o professor corrige a frase como errada, por causa
de erro ortográfico, mas o significado está certo. Quer dizer, temos
dificuldades de distinguir erro ortográfico de erro de significado da
pergunta e reprovamos muitos dos nossos alunos por causa disso. [...]
O fato é que o aluno aprende várias disciplinas dentro de seu nível de
estudos, por exemplo, um aluno de 4ª classe estuda a língua
portuguesa, mas também estuda matemática, ciências integradas e
expressões e cada disciplina tem seus componentes. Se numa
avaliação de ciências integradas o aluno escrever uma frase
ortograficamente mal, mas o seu significado está certo e se o professor
corrigi-la mal, quem está errado? O professor ou o aluno? Errado é o
professor, pois não é nas ciências integradas que ele deve corrigir
erros ortográficos, mas sim na disciplina de português. Nas ciências, o
professor precisa saber se o aluno sabe interpretar o significado
daquele assunto ou daquela frase e se ele sabe, então, a frase está
correta. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).
298

O DRE/C1 lamenta que “os nossos professores não estão muito preparados para
lidar com esse tipo de problema e reprovam muitos alunos por causa disso”. E volta a
reafirmar:

Mas o fator principal de grandes reprovações no nosso sistema de


ensino é a LP. Porque “quando a aprendizagem está na LP e o aluno
não a entende e em decorrência disso não consegue responder a
pergunta do professor exatamente como este deseja, então, este aluno
é reprovado”. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).

Este especialista em educação considera ainda que a falta de compreensão da LP


é que obriga muitos alunos a decorar o texto, pois, para ele, a aprendizagem parte da
compreesão da língua. Ora, se o aluno não entende a língua da escola, obviamente, terá
dificuldade no processo de ensino e de aprendizagem, porque o aluno consegue ler o
texto, mas não sabe o significado do que ele está lendo, por isso que, segundo ele, o
aluno memoriza as matérias para conseguir fazer as provas. Mas, depois de dois anos, se
você fizer uma pergunta a esse aluno sobre as mesmas matérias, ele não vai saber
responder, porque já esqueceu. Mas se você perguntar ao aluno que domina a LP, ele
vai dar a resposta certa, porque entendeu o assunto de que se trata. Por isso, ele defende
que a LC e as línguas étnicas deveriam ser as línguas de ensino no país. Ou, pelo
menos, o nosso ensino deveria ser bilíngue – com a LP apoiada pela LC. Nesse caso, a
LC, por mais que possa parecer difícil, tem os termos que vem das nossas línguas
étnicas. Sendo assim, não podemos fazer ao contrário, porque no nosso meio social, a
criança nasce e vive durante seis anos sem ter contato com a LP, já que não a temos
como a língua de base. Portanto, a falta de jardim infantil ou pré-escolar em todo
território nacional, no qual a crianças de três anos poderia começar a aprender a LP,
deixou a situação ainda mais complicada:

A aprendizagem parte de compreensão da língua. Por exemplo, se eu


deixar esse chapéu aqui sem tocar e falo para você chapéu e se você
não conhece a língua que falei não vai saber o que acabei de falar. Ora
o que acontece nas nossas comunidades escolares é que a LP está
muito reduzida e se não nos apoiarmos na língua crioula ou nas
línguas étnicas o nosso sistema de ensino não será sólido e,
consequentemente, a aprendizagem não será consistente. Pois o aluno
apreende um determinado assunto a partir dos livros, mas na prática
não sabe o que é isso. Não sabe por que isso acontece? Porque ele
apreendeu apenas com as palavras, mas não sabe seus significados.
Portanto, isso obriga os alunos a memorizar muito, mas muito mesmo
299

para guardar aquelas palavras na cabeça. Ora, se eles conhecessem os


significados daquelas palavras não precisavam memorizá-las e se você
os perguntar sobre tal assunto em qualquer momento vão te dar
resposta certa, porque captaram o seu significado. Ora, se o aluno
memorizar um assunto agora e daqui a dois anos você o perguntar
sobre o mesmo assunto ele não vai saber responder ou pode dar
resposta errada, porque esqueceu aquelas palavras. Por isso que
aprendizagem dos nossos alunos está afetada, por causa da língua. Por
isso que sugerimos num fórum que o ensino na Guiné-Bissau deve ser
bilíngue. Isto é a LP apoiado com a LC. Porque a LC por mais que
pode parecer difícil ela tem os termos que vem das nossas línguas
étnicas. Sendo assim, não podemos fazer ao contrário, porque se você
aprende o português fora do Crioulo vai ter dificuldade, porque no
nosso meio social a criança nasce e vive durante seis anos sem ter
contato com a LP, porque não temos a LP como de base, ela apóia-se
numa outra língua que aprendemos de base. (DRE/C1. Catió/Guiné-
Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

O referido informante ressalta também que se mantivermos a LP no nosso


ensino básico, ela vai continuar a degradar:

A nossa sociedade não é dominada pela LP, mesmo as pessoas


letradas da nossa sociedade não falam a LP. Até nos nossos lugares de
serviço, por exemplo, se você é Balanta e eu também sou Balanta
preferimos falar a língua Balanta de que no Crioulo, só mudamos para
o Crioulo se chegar pessoas que não são da nossa etnia. Agora,
quando vamos falar a LP na nossa sociedade, para ela dominar o
nosso sistema de ensino? Por exemplo, grandes intelectuais do nosso
país basta um falar você sabe logo de que etnia ele é. Ou seja, é fácil
saber a etnia da pessoa só através do seu sotaque. Aquele sotaque vem
da aprendizagem da língua logo na primeira fase. (DRE/C1.
Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

O DRE/C1 lamenta ainda que o nosso ensino tem deficiência de língua, mas não
descobrimos e estamos a forçá-lo e, consequentemente, estamos a degradar nosso
sistema. Explica que podemos utilizar materiais didáticos, mas são apenas materiais de
apoio, o veículo principal é a língua. Por isso, para ele:

O ensino na primeira infância deve ser na língua materna no caso aqui


de Tombali, na língua dominante da comunidade onde a escola se
encontra, se a criança começa aprender desde o jardim os objetos do
meio circundante a partir da sua língua materna, vai começar a ganhar
maturidade de aprendizagem e quando ela entrar no primeiro ciclo (1ª
a 4ª classe) não vai mais procurar a noção de como deve aprender,
mas de o que deve aprender. Porque como deve aprender ela já sabe,
só lhe falta saber o que deve aprender. (DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau,
jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
300

O DRE/C2, que é especialista em LP, explica que vários fatores contribuem para
dificultar a aprendizagem do aluno ao longo de sua trajetória escolar, a língua é uma
delas. Pois, para ele, não adianta a pessoa dizer que o seu foco é, por exemplo, a
matemática, querendo com isso desprezar a língua, porque a língua é transversal a todas
as áreas de conhecimento:

Mbom... Podemos mencionar muitos fatores que dificultam


aprendizagem do aluno como você frisou. A língua é uma delas.
Imagine se aluno não tem domínio da língua é uma das causas de
reprovação, às vezes a pessoa fala não, meu foco é seguir a área de
matemática, não tenho nada a ver com as línguas. Mas, para fazer
qualquer operação matemática, primeiro, você tem que ler e
compreender a pergunta para poder fazer a operação. Por exemplo, no
ensino básico, o primeiro ciclo se vier a pergunta: A Fulé comprou
não sei o quê, o quê, o quê, depois ofereceu tal, tal, tal... Mas, se o
aluno não conseguir descodificar essa mensagem vai saber que é
subtração? Não consegue saber. Então, se a nível de língua é fraca
automaticamente, nível de compreensão também torna-se baixo,
porque o aluno não consegue compreender. Mesmo nas ciências
integradas ou expressão, (desenho) se o professor pedir para colocar
compasso no ponto tal e girar até tanto... Se você não dominar a língua
não vai conseguir manejar aquele compasso, porque não entendeu a
mensagem. Nas ciências integradas também, se você não tem domínio
da língua não vai dominar seus conteúdos, por aí vai. Por isso que a
língua é transversal a todas as áreas curriculares. (DRE/C2.
Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Esse inspetor em educação afirma ainda que

às vezes, o professor na hora de explicar as matérias usa os termos


mais difíceis e o aluno que não compreende a LP fica perdido. Por
isso que nossos alunos às vezes ficam passivos, não são ativos na sala
porque não conseguem comunicar na LP. O professor por seu lado não
cria ambiente de diálogo entre alunos na sala. Nós professores não
incentivamos os alunos a ser criativos e autônomos na procura dos
seus próprios conhecimentos. Tem professores que usam aquele
método antigo (de professor expositivo, se achando detentor de todos
os saberes, que considera que alunos não sabem nada só ele que sabe
tudo). É errado isso, porque tem os alunos que vem com sua
experiência de casa, às vezes eles sabem muitas coisas que nós
professores não sabemos. (DRE/C2. Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).

Monteiro (1993) afirma que muitos jovens guineenses enfrentam grandes


dificuldades na aprendizagem da língua portuguesa na escola, por não ser a língua que
301

usam em casa. De acordo com o autor, a dificuldade é maior nos estudantes cujas
famílias são desprovidas de capitais – quais sejam, cultural, econômico, político ou
social – especialmente os das zonas rurais, que enfrentam realidades escolares distantes
da sua, fato que provoca um índice lamentável de evasão escolar (MONTEIRO, 1993).
Na mesma linha de pensamento, Cá (2015) considera que o fracasso dos alunos deve ser
analisado por vários fatores e um desses fatores é o linguístico. Pois, para essa autora:

Muitos alunos abandonam a escola ainda muito novos e apresentam


baixos níveis de aprendizagem, porque não têm um domínio
satisfatório e nem trazem de casa uma base linguística que lhes
permitam um uso equilibrado da língua. A linguagem da escola, a
legítima, tem limitado o processo de ensino-aprendizagem desses
alunos, sobretudo das camadas populares, principalmente das zonas
rurais (CÁ, 2015, p. 164).

Muito embora Cá (2015) possa se referir, como a maioria dos estudiosos, ao


fracasso escolar dos estudantes guineenses, consideramos que o fracasso é do sistema
educacional guineense e não das crianças que são submetidas a esse sistema de ensino
baseado em uma língua estrangeira, mas que se quer oficial. Daí, talvez insida o motivo
da resistência em aprendê-la na escola, até porque não é a língua que estão habituadas a
utilizarem no dia a dia.
Nas observações de aulas feitas pela autora, nas duas escolas que ela pesquisou
em Bissau, capital do país, constatou-se que:

A comunicação entre a professora e os alunos é bastante fraca e,


normalmente, as perguntas da professora nunca têm respostas longas,
quando não se trata de “sim” ou “não”. Verificou-se, ainda, que os
alunos quando respondem, as respostas são em crioulo, mesmo sendo
feita a pergunta em português e, na sequência de uma resposta em
crioulo, a professora em algumas vezes reprova a opinião pela
intervenção da língua de ensino. Quando a professora insiste em
orientar a discussão em português, normalmente o ritmo da
participação cai e os alunos tornam-se passivos (CÁ, 2015, p. 164-
165).

Segundo a autora, as dificuldades de comunicação, de leitura e da escrita


encontradas pelos alunos na resolução dos exercícios, têm a ver com o problema da
língua de ensino:
302

Como se pode notar, por exemplo, em alguns exercícios propostos


pela professora, como “ordenar a frase”, “identificação de palavras”,
“ligar e formar as palavras” etc. Para qualquer criança que tenha o
português como LM ou que tenha um conhecimento razoável da
língua, a compreensão seria mais eficiente. No entanto, pode-se pensar
que as dificuldades encontradas na resolução dos exercícios não
deixam de ser de ordem linguística (CÁ, 2015, p. 165).

A diversidade linguística dos alunos, ou seja, as línguas maternas faladas pelos


alunos em casa ganham destaque no trabalho dessa pesquisadora, fatos que ela relata
nos seguintes termos: “ficamos surpreendidas com as diversidades de culturas nas
nossas salas de aulas”. “Acreditamos que essa diversidade torna-se um obstáculo para o
sucesso no ensino do português” (CÁ, 2015, p. 165).
Ainda a autora constatou, nas duas escolas, que as crianças são confrontadas em
aprender a língua de ensino e, ao mesmo tempo, o código da língua escrita, como se
fosse a LM:

Como vimos nos depoimentos dos professores, os alunos que chegam


da zona rural muitas das vezes não falam o português e nem o crioulo;
falam as suas línguas maternas apreendidas no meio familiar, usadas
apenas nas suas comunidades e, que não têm ligação com a língua
portuguesa que se aprende na escola (CÁ, 2015, p. 165).

Na verdade, o insucesso na aprendizagem do português enquanto língua do


ensino traduz-se numa enorme iliteracia no seio da sociedade guineense. Segundo Cruz
(2013, p. 32) “o escasso domínio da língua portuguesa, sobretudo na sua vertente oral,
potencia a interferência do crioulo no português e vice-versa, criando uma situação que
só eleva ainda mais esta iliteracia”.
Por seu lado, o ESP/FEC1 afirma que há dois ou três fatores que dificultam a
aprendizagem dos alunos guineense na escola, inclusive provocando reprovações. Mas,
para ele, um fator muito importante é a LP e outros são, por exemplo, empenho do
aluno, o próprio professor, a maneira como é feita a prova. Para ele, esses últimos são
iguais para alunos de todo mundo. “Ora, por que falei que a LP é o fator mais
importante”? (ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out.: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone):

Porque, imagine, as provas todas são feitas na LP. Ora, se um aluno


chega por exemplo a 5ª classe sem saber falar o português, sem saber
interpretar as frases simples em português, apesar de saber ler e
escrever, mas, não consegue interpretar aquilo que está a ler, é difícil
303

ele fazer provas, porque a partir da 5ª classe já são várias disciplinas,


vários professores, já é diferente do primeiro ciclo – que normalmente
é um professor que acompanha. A partir do 7 ano, acontece também o
mesmo problema, quer dizer, na viragem do ciclo (do primeiro para
segundo ciclo e do segundo para terceiro ciclo) e no secundário pior
ainda. O que eu tenho notado? Tenho notado que os alunos que têm
mais facilidade na LP conseguem interpretar com mais facilidade as
perguntas e quando estão a estudar, interpretar aquilo que estão a ler.
Ora, se o aluno está estudando um suporte teórico, por exemplo da
Biologia – que tem muitas definições, tem muitos conceitos e se ele
não entende aquilo que está a estudar na LP, como é que vai conseguir
escrever no texto? Só tem duas opções: ou o aluno vai decorar, mas
não compreendeu nada ou vai fazer a cábula (vai copiar). E se a
pergunta não vier de uma forma que é para decorar, se é, por exemplo,
uma pergunta de correspondência ou de comportar um conceito, o
aluno já vai ficar bloqueado. Pois o que ele fez foi decorar as
definições, mas ele não sabe o que isso significa. Se o professor faz
uma pergunta que não é definição, o aluno já não consegue responder.
Da minha experiência com meus alunos, é isso que acontece, ou seja,
faço perguntas de correspondência ou de escolha múltipla que não é
definição direta, o aluno tem dificuldade em responder, porque não
percebe a pergunta, não consegue interpretar a pergunta. Então, eu
acho que a LP é um fator determinante para o aproveitamento do
aluno na escola. Porque o professor vai falar em português,
apontamentos são em português, as avaliações são feitas em português
e se o aluno tem dificuldades nessa língua, vai também ter dificuldade
em interpretar, em escrever, entender o que realmente a pergunta
pretende que ele responda. (ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).

O relato desse professor, também coordenador pedagógico, enfatiza dois


problemas que são muito comuns e que acontece com muitas frequências com os alunos
guineenses, inclusive, os professores e os alunos conhecem muito bem esses problemas.
São as famosas “decorar os apontamentos” e a “cábula” (a cópia). Esses problemas
acontecem justamente porque o aluno não entende a LP na qual todos os conteúdos são
ensinados. Os alunos têm muitas dificuldades de expressar nessa língua, por isso que na
prova, não conseguem expor suas ideias nessa língua. E como eles fazem para se dar
bem na prova? A saída para ele é: ou decorar todos os apontamentos para eventualmente
responder uma possível pergunta que vier desse apontamento ou fazer a cábula. Agora,
como disse o professor ESP/FEC1, “se a pergunta não vier de uma forma que é para
decorar, se é, por exemplo, uma pergunta de correspondência”, de explicar ou discorrer
sobre um conceito, o aluno fica bloqueado, porque não consegue expor as suas ideias na
LP e também não consegue fazer a cábula numa pergunta dessa natureza. (ESP/FEC1.
Buba/Guiné-Bissau, out.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
304

Se a pergunta vier: o que é o verbo? O que é a matemática? Ou define a


biologia? O aluno que decorou consegue reproduzir as respostas dessas perguntas e
aquele que não decorou pode cabular. Mas se a pergunta vier: qual é a importância da
matemática na nossa vida? O aluno que não domina a LP não consegue responder uma
pergunta dessa, porque a pergunta exige uma resposta dissertativa, que esse aluno não
consegue elaborar por falta de domínio da LP. Isso acontece com a grande maioria dos
alunos guineenses, justamente porque não domina a LP.
Veja que esses problemas perseguem o aluno ao longo da sua trajetória escolar!
Alguns conseguem superar rápido, mas para muitos essa superação é muito lenta.
Muitos entram na Univerdidade sem saber se expressar bem, tanto por escrito como
oralmente na LP, e enfrentam graves problemas por conta disso. Lembro-me do caso
dos estudantes da Guiné-Bissau que vieram em 2009 fazer curso de Letras na UNESP
de Araraquara-SP. Eles enfrentaram problemas sérios no primeiro ano do curso, pois a
maioria tirava nota zero nas provas por causa das dificuldades que tinham para fazer as
provas dissertativas na LP. Chegou uma vez que umas das professoras deles, indignada
com esses estudantes, falou na reunião de conselho dos cursos que esses estudantes
deveriam ser mandados de volta para seu país de origem, pois ela não conseguia
entender por que eles tinham tantas dificuldades na LP, se a Guiné-Bissau é um país de
língua oficial portuguesa.
A situação ficou tão tensa, porque essa professora insistia para que esses
estudantes fossem mandados de volta para Guiné-Bissau, ou para que a UNESP
encontrasse outra saída para eles. Tal situação obrigou esses estudantes a pedirem
transferência do curso de Letras para outros, mas, mesmo assim, eles continuaram a
enfrentar as mesmas dificuldades, que só foram ultrapassadas individualmente ao longo
dos diferentes cursos. Tal problema foi um dos principais motivos que fez com que a
FCLAr/UNESP implementasse o exame de português como língua segunda para os
estudantes estrangeiros, independentemente se o estudante era oriundo de um dos país
de língua oficial portuguesa ou não.
Veja que o problema da LP no ensino é muito sério na Guiné-Bissau! E que nada
adianta dizer simplesmente “mas é um país da língua oficial portuguesa”, ou “é da
Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP)”, ou “é um País Africano da
Língua Oficial Portuguesa (PALOP)”! Cada país tem a sua história, a sua realidade
cultural, sociolinguística, bem como educacional.
305

O que acontece com a LP na Guiné-Bissau é reflexo disso. Pois, durante cinco


séculos, esse território foi ocupado pelos colonialistas, contudo, a LP não se implantou
nesse território devido a dois dos principais fatores: a) o território foi considerado
colônia de exploração e não de ocupação/residência, por isso, era ocupado por militares
e comerciantes que residiam apenas em algumas cidades litorâneas. Couto e Embaló
(2010, p. 47) escrevem: “Devido ao fato da Guiné-Bissau ter sido apenas uma fonte de
fornecimento de escravos e de algumas mercadorias para os exploradores portugueses
até praticamente o século XIX, sua ocupação e colonização sempre foi muito precária”;
b) os diferentes grupos étnicos resistiam à dominação colonialista e a política de
assimilação, a qual tinha como um dos critérios para o nativo que quisesse adquiri-la
falar, ler e escrever a LP, e ainda abandonar a sua cultura e a sua língua nativas. Por
isso, após a independência, mais de 95% da população não sabia falar a LP (cf.
ALMEIDA, 1981; COUTO, H. H. do; EMBALÓ, 2010). Desse modo, os grupos
étnicos continuam a usar as suas línguas maternas e o Crioulo – o qual se difundiu para
o interior graças à luta de libertação. Por isso, até hoje, a LP continua na prática como
LE no país, a LC é mais usada nas cidades e é de comunicação interétnica, e as línguas
étnicas são as mais usadas no interior pelos respectivos grupos étnicos.
Por outro lado, a falta de domínio da LP por parte dos professores, somado a
falta de formação docente contribuem para agravar esse quadro de insucesso da LP no
sistema de ensino guineense.

8.1 2 Fraco domínio da LP por parte dos professores e a falta de formação docente
como fator de insucesso dessa língua

Na Guiné-Bissau, de modo geral, muitos professores/as não dominam a LP (de


Portugal que o Estado guineense tenta impor no ensino), porque além de não terem a
formação específíca nessa língua, raras vezes, a falam. Ou seja, eles usam a LP apenas
na sala de aula. Além disso, a maioria não tem formação docente, principalmente nas
zonas rurais, onde a grande parte tem apenas 12º ano de escolaridade e outros,
sobretudo, os mais antigos, embora com experiência de docência acumulada, têm
apenas 9º ano de escolaridade. Ademais, os formados que são colocados no interior
ficam temporariamente, depois pedem transferência para capital (Bissau), em busca de
outra formação ou de outro emprego adicional para melhorar a sua condição de vida e
306

da sua família. Isto acontece porque, no interior, eles são abandonados à própria sorte.
Segundo ESP/FEC1:

É necessária a capacitação dos professores na LP. Porque há muitos


professores que não têm domínio da LP. Ora, como podem ser
professores dessa língua? Os professores têm muitas dificuldades e
isso acontece porque muitos não têm formação inicial, alguns
terminam 12º ano e já são professores, mesmo sem dominar a LP.
Mesmo os que fizeram curso de LP também têm algumas
dificuldades, embora não muitas, porque sabem exprimir, sabem
muitas coisas, mas o curso em si dedica mais tempo na parte formal e
menos na parte da oralidade, leitura e escrita. (ESP/FEC1.
Buba/Guiné-Bissau, out.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Por seu lado, o Prof. EBU2-2 responsabiliza o Estado da Guiné-Bissau pelo mau
desempenho da LP no ensino, afirmando, dentre outras coisas, que os professores
precisam de reciclagem para melhorar seu nível de LP e não só:

O fato é que a LP não está a evoluir na Guiné-Bissau e o culpado é o


próprio Estado, porque, por exemplo, nós professores precisávamos de
um seminário de reciclagem em LP no final de cada ano letivo, pelo
menos de quinze ou trinta dias, para melhorar nosso nível de
português. Pois, mesmo que um professor tem formação, tem
programa e segue todos os anos o mesmo programa, dá a mesma
matéria todos os anos, um dia ele pode entrar na turma sem materiais
didáticos e dar aula à vontade, porque já dominou todos aqueles
conteúdos. Agora, o professor também precisa aperfeiçoar a LP e
saber outras coisas, pois, o mundo está a evoluir a cada dia, a
tecnologia está em constante evolução, veja! (Prof. EBU2-2.
Cufar/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).

Cruz (2013, p. 33) opina que “a LP tem tido muitas dificuldades para se afirmar
como a língua de comunicação no contexto escolar da Guiné-Bissau, isto para não
falarmos no quotidiano da vida social dos guineenses”. Para a autora,

esta situação advém da fragilidade do sistema educativo e do fracasso


generalizado no processo de ensino e aprendizagem do português,
sobretudo devido à falta de preparação linguística adequada dos
professores, independentemente da sua disciplina de especialização
(CRUZ, 2013, p. 33).

Embaló (2008, p. 102) reconhece que o crioulo, embora não seja a língua de
ensino, “não deixa de ser o recurso de muitos professores, que por deficiência do
307

próprio conhecimento do português” a ele recorrem na sala de aula. Numa linha


convergente, Semedo (2011, p. 14) acrescenta que o grande problema da educação na
Guiné-Bissau reside na falta de professores qualificados. De acordo com Cruz (2013, p.
32):

Se o sistema educativo carece de professores qualificados, isto


significa que o ensino de qualidade está longe de ser uma realidade
neste país. Dito de outra maneira, só é possível pensar num ensino de
qualidade quando for possível ter professores qualificados e a base
para esta qualificação é o domínio da língua portuguesa. Dado que,
atualmente, nem a maioria dos professores domina a língua oficial,
nem os alunos a sabem falar quando entram para a escola.

A própria condição das escolas em que esses professores lecionam precisa ser
colocada em pauta: degradação de infraestrutura escolar, baixos salários – que ainda não
são pagos corretamente –, número em excesso de alunos por turma, dentre outros
fatores que os desmotivam, fazendo agravar ainda mais o insucesso escolar.

O contexto em que esses professores ensinam: salas de aula


inadequadas, turmas numerosas, salários baixos e amontoados em
atraso. Esses aspectos são fatores de desmotivação, o que não abona
para a construção de um ensino que se deseja de qualidade. Ainda
assim, a melhoria da proficiência na língua portuguesa é um fator-
chave para elevar a qualidade do ensino, pelo que se torna
indispensável investir na formação linguística dos docentes, a começar
pela sua competência oral (CRUZ, 2013, p.33).

A nossa experiência de campo nos permite perceber de fato que os professores


têm muitas dificuldades na LP. Pois, nas entrevistas que fizemos em português, a
maioria teve muitas dificuldades para expressar as suas opiniões, limitando-se a falar
pouco e com muitos erros de concordância, dentre outros. Gostaríamos de explicar em
poucas palavras essa experiência. A primeira entrevista com os professores foi feita em
Crioulo, na qual os professores deram muitas opiniões a respeito das questões
colocadas, só que tivemos dificuldades na transcrição para a LP, porque tinham algumas
palavras que sentíamos dificuldade para traduzir. Sendo assim, voltamos para o interior,
achando que seria melhor entrevistar os referidos professores na LP. Foi nessa ocasião
que constatamos in locus que eles tinham muitas dificuldades na LP, mesmo os
formados. Sendo assim, decidimos por manter as entrevistas em Crioulo, pois são mais
ricas em detalhes.
308

Essas dificuldades acontecem porque esses professores, além de muitos não


terem formação adequada na LP, praticamente não usam essa língua no seu dia a dia. Se
um professor apresenta dificuldade em LP, o que será dos seus alunos, que também não
falam cotidianamente? Esses alunos terão maiores dificuldades na sua trajetória escolar,
porque além de a LP ser única em todas as disciplinas ensinadas, ela é mal ensinada
pelo professor. Entretanto, a culpa não é dos professores e, sim, do Estado (governo)
guineense, que adotou o português de Portugal como o único obrigatório no sistema de
ensino, porém não formou e nem forma os professores para trabalhar com essa língua
adequadamente. Além disso, adotou uma metodologia do ensino na qual a LP é
ensinada como a LM das crianças, num contexto cultural em que ela nem é a L2.
Nos dados coletados, notamos que a maioria dos professores tem a preferência
pela manutenção da língua oficial (LP) no ensino, preferindo que as línguas étnicas e a
LC sejam usadas apenas como reforço. Ao mesmo tempo, defendem que a LP cria
dificuldade na trajetória escolar dos alunos, inclusive as reprovações. Portanto, esses
professores estão perante uma situação contraditória: apesar de reconhecerem a
importância das línguas maternas na trajetória escolar dos alunos, fatos revelados pela
realidade sociolinguística, esses professores continuam defendendo a manutenção da LP
como a única de ensino. A conclusão a que chegamos é de que a eles é vendida a ideia
de que a LP é a língua de prestígio social para Guiné-Bissau. Isso pode até ser verdade,
mas a realidade sociolinguística do país vai na contra mão dessa ideia de se utilizar essa
língua como a única do ensino e ainda ensinada como a LM/L1 dos alunos.
Somos da opinião de que a LP deve ser ensinada nas escolas guineenses sim,
mas, desde que seja abordada a partir de uma perspectiva da língua estrangeira no país,
sobretudo nas zonas rurais, pois nessas zonas ela é encarada como tal.
309

9. À GUISA DE CONCLUSÃO

Nós guineenses devemos valorizar as nossas línguas maternas, pois elas são as
nossas riquezas culturais. Desse modo, apenas valorizando-as que vamos começar a
investir no sentido de devesnvolver suas escritas e usá-las no ensino. Fato que ajudaria
não apenas a elevar a autoestima das nossas crianças, como também contribuiria para a
progressão escolar delas e tornaria a nossa educação inclusiva e de qualidade.
Para tirar o nosso sistema de ensino da situação degradante em que se encontra,
devemos implementar um ensino bilíngue (Crioulo-Português) em todo o território
nacional. Nesse sentido, no ensino básico (1ª a 6ª classe), devemos usar a LC como a
principal de ensino, uma vez que ela é falada pela maioria da população e a LP seria
apenas um disciplina, sendo ensinada como L2. No ensino fundamental (7ª a 9ª classe),
a LP continuaria como disciplina, ensinada como L2, mas com carga horária maior. Já
no ensino médio (10ª a 12ª classe), seria o inverso, ou seja, a LP passaria a ser ensinada
como língua básica de ensino e o crioulo como disciplina.
Contudo, sabemos que uma parcela considerável dos guineenses ainda não
domina a LC, como também, a grande parte das nossas crianças não a tem como LM,
sobretudo nas zonas rurais. Nesse sentido, nas regiões em que a maioria das crianças
não domina este idioma, podemos experimentar o ensino trilíngue (língua étnica
dominante na região-Crioulo-Português). Por que a língua étnica dominante na região?
Cito como exemplo a experiência que tivemos na pesquisa de campo que deu origem a
essa tese. Nesta pesquisa, constatamos que numa dada região geográfica onde
predomina uma determinada etnia, as crianças de outras etnias que residem na mesma
área têm maior tendência de falarem a língua dessa etnia. Por exemplo, nas escolas
pesquisadas na região de Tombali, setor de Catió, a maioria das crianças de outras etnias
falava a língua balanta – dominante nessa área – praticamente em pé de igualdade com
as crianças balantas.
A minha sugestão é a de que, nessas áreas, pode-se experimentar ensino
trilíngue: língua étnica dominante-Crioulo-Português nas escolas localizadas nas áreas
com essas características. Aí vamos avançando e enfrentando os futuros problemas ou
desafios que vão surgindo em decorrência dessa mudança de currículo escolar. Mas isso
é uma sugestão minha. Outras pessoas podem ter sugestões melhores que essa, então,
vamos colaborar para melhorar a qualidade do nosso sistema de ensino e promover o
310

desenvolvimento do nosso país. Nesse sentido, eu vejo o ensino bilíngue ou trilíngue


como uma das possibilidades.
Para esse modelo de ensino bilíngue ou trilíngue surtir efeitos, nossos
governantes devem não apenas valorizar as línguas locais, mas, sobretudo, ter vontade
política de colocar esse modelo de ensino na prática, devendo investir na formação de
especialistas no assunto e disponibilizar recursos financeiros suficientes para a
realização de amplos estudos linguísticos, com vistas à produção de materiais didáticos
nessas línguas.
Outros países africanos já deram exemplo, usando as suas línguas maternas no
ensino associadas à língua do colonizador, através de ensino. Kaschula (2004, apud
TIMBANE, 2013, p. 34) nos traz o exemplo da África do Sul, país cujas línguas de
origem africanas são tornadas oficiais e usadas nas escolas, nas instituições públicas,
enfim, são oficiais plenamente e o número de falantes tende a aumentar.
Em Moçambique, o ensino bilíngue foi experimentado em 1992, com a
introdução da 1ª classe nas províncias de Tete com alunos falantes da língua Nyanja e
Gaza com falantes da língua Changana (BENSON, 1997, p. 4). Em 1993, foi
experimentado outro projeto de ensino bilíngue, que consiste na introdução de línguas
nacionais nos primeiros anos do ensino primário, para posteriormente adotar-se apenas
o português (como segunda língua) nas restantes classes (LOPES, 1998 apud NETO,
2008, p. 4):

Este projeto contempla duas escolas na província de Gaza, ao sul de


Moçambique, cuja língua materna é xichangana e três em Tete, que se
localiza no Centro, que tem cinyanja como língua materna. As
avaliações da primeira fase do projecto apontam para resultados
positivos, na medida que os pais estão interessados em que os filhos
tenham um ensino bilíngue. Nesse sentido, a vantagem citada diz
respeito ao aspecto cultural em si, assente na valorização da
identidade africana (LOPES, 1998 apud NETO, 2008, p. 4).

Entre 1993 a 1997, foi experimentado esse tipo de ensino com as seguintes
línguas: xichangana-português (na província de Gaza) e nyanja-português (na província
de Tete). Essa experiência deu resultado positivo, pois o número de reprovação
diminuiu consideravelmente em relação aos anos anteriores, quando o ensino era apenas
na LP (NGUNGA, NHONGO, LANGA et al. 2010).
O modelo de ensino bilíngue apresenta-se dividido em três fases
correspondentes aos ciclos, que perfazem no total, três (3) ciclos: primeiro ciclo, que
311

abrange os alunos da 1ª e 2ª classes; segundo ciclo, 3ª, 4ª e 5ª classes; e o terceiro ciclo,


que abrange os alunos das 6ª e 7ª classes. No 1º e 2º ciclos, “a língua usada como meio
de ensino não é a língua portuguesa, mas sim as línguas moçambicanas, e no 3º ciclo
acontece o inverso, a língua usada como meio de ensino é a língua oficial”.
(INDE/MINED, 2003, p.78).
Abdula explica (2013, p.229) que “a introdução das línguas nacionais no sistema
de ensino é um grande feito para a educação moçambicana”. De acordo com
INDE/MINED (2003, p. 127),

a introdução das línguas moçambicanas no ensino contribui para a


valorização e manutenção da língua e da cultura, bem como para o
desenvolvimento da auto-estima, afirmação da sua identidade e atitude
mais positiva em relação à escola.

Para Firmino (2005, p. 67), “qualquer pessoa que fala a sua L1 é socialmente
entendida como um forte indicador da sua identidade étnica”.
Em Cabo-Verde, a experiência de Educação Bilíngue iniciou-se em 2013/2014
no 1º ciclo, enquadrado num doutoramento sobre a introdução da educação bilíngue em
cabo-verdiano e português (CARDOSO; MATIAS, 2016). O projeto do ensino bilíngue
partiu da linguista Ana Josefa Cardoso. Discorrendo acerca desse projeto de ensino
bilíngue em Cabo-Verde, Rosa (2017, p. 6) afirma o seguinte:

Não podemos continuar a fingir que a nossa língua materna não existe
e mantê-la fora do sistema educativo. Não me parece sensato
continuar a fazer ouvidos moucos e fingir que no final da escolaridade
todos os alunos têm um domínio suficiente do português para as suas
necessidades, quando nem sequer têm consciência das diferenças entre
a sua língua materna e o português. [...] É necessário olhar para a
educação bilíngue com seriedade, investir na formação de professores
e na criação de condições para que não se mantenha eternamente
como uma experiência dependente apenas da boa vontade e do
empenho de algumas pessoas.

De acordo com Rosa (2017, p. 5), “o projeto tem como objetivo principal
valorizar a língua materna, mas também através da língua materna, promover uma
melhoria no que diz respeito ao ensino/aprendizagem da língua portuguesa”. Na
observação da autora, “a língua caboverdiana hoje tem seu alfabeto, sua gramática
própria e suas regras de escrita, um conjunto que viabiliza o ensino da língua materna
nas escolas” (ROSA, 2017, p. 3).
312

Em Angola, o ensino bilíngue está ainda na fase experimental. Como disse


CHICUMBA (2019):

Com vista a resolver o problema que se colocava no que dizia respeito


ao ambiente de diversidade linguística do país, estabeleceu-se o
programa de educação bilíngue como uma das metas a atingir. Este
programa, ainda em fase de experimentação, previa a introdução no
Sistema Nacional de Educação e Ensino de todas as línguas faladas no
território como línguas de escolarização, objetivo a alcançar a médio
prazo. A importância dedicada à educação bilingue surgiu da
necessidade de tornar o processo de ensino-aprendizagem acessível e
menos traumatizante, principalmente para as crianças que têm uma
língua materna diferente da língua oficial do sistema de ensino (p. 68).

Pois, de acordo com o autor,

a educação bilíngue visa à melhoria da qualidade de ensino, amplia as


oportunidades educacionais de grupos linguísticos marginalizados e
ajuda a colmatar lacunas relacionadas com o aproveitamento escolar
dos alunos que não dominam a língua de ensino, situação que se
verifica durante o processo de ensino-aprendizagem em sociedades
multilingues e multiculturais (CHICUMBA, 2019, p. 69).

Desse modo, segundo Chicumba (2019), a valorização das línguas nacionais


deve começar na política educativa, pois é nos bancos da escola que se começa o
processo de prestigiação da língua materna (LM) outra que não o português.
Percebe-se que esses países, cuja maioria teve o mesmo processo histórico que a
o nosso decidiram mudar o rumo da sua politica educativa, pautando-se na valorização
da sua realidade sociocultural. Portanto, a Guiné-Bissau não pode ficar parada no
tempo. O país deve adotar um sistema de ensino que atende e valoriza a sua diversidade
cultural.
Nesse sentido, sugerimos ao governo guineense uma proposta metódica que
chamamos de Pedagogia Balanta. Essa pedagogia é definida como um método que visa
estudar todos os tipos de saberes, conhecimentos e educação transmitidos pela cultura
oral de um determinado grupo étnico. É um método cujo objetivo visa dialogar com as
ciências sociais em educação, especialmente a antropologia da educação. Ou seja,
analisar e compreender não só a educação escolar como também a educação para além
dos limites específicos da escola, especialmente nas sociedades multiétnicas como a
guineense, cuja oralidade é a principal forma de transmissão de conhecimentos. No caso
específico desta pesquisa, a Pedagogia Balanta tem a sua base assentada na tradição oral
313

do grupo étnico Balanta-Nhacra da região de Tombali. Partimos desse enfoque para


dialogar com a educação escolar, especificamente no que diz respeito à consequência da
língua portuguesa no processo de ensino e de aprendizagem no país, especialmente na
etnia acima referida.
O termo Pedagogia Balanta surgiu através da nossa profunda reflexão e análise
a respeito da importância que a tradição oral tem para pensar a educação nos países
caracterizados por essa forma de transmissão de conhecimento como a Guiné-Bissau,
podendo contribuir significativamente na melhoria do planejamento das políticas
educacionais.
Observa-se que, desde o período da invasão dos conquistadores portugueses até
hoje, tanto os saberes, os conhecimentos e a educação da tradição oral, como as línguas
maternas dos estudantes não mereceram a devida atenção na educação escolar no
território agora chamado Guiné-Bissau. Ao contrário, esses saberes são desvalorizados,
reprimidos e proibidos, através da imposição de políticas educacionais e linguísticas
estranhas à realidade local. Essa atitude demonstra a incapacidade dos governantes
guineenses de lidar com a diversidade cultural do país, desde o período da
independência.
Constata-se que a política educacional e a política linguística vigentes no país
são fotocópias do modelo português, cuja única língua de ensino é a língua portuguesa.
O fato preocupante é que essa língua não faz parte da realidade social da maioria dos
estudantes, pois muitos estudos apontam que apenas 11% dos guineenses falam essa
língua (COUTO & EMBALÓ, 2010; SCANTAMBURLO, 2013; CÁ, 2015).
Na nossa reflexão, partimos do princípio de que se a pedagogia é definida como
a ciência que tem como “objeto de estudo a educação, o processo de ensino e a
aprendizagem, cujo sujeito é o ser humano enquanto educando 66”. Portanto, pode-se
afirmar que o grupo étnico Balanta tem uma pedagogia, que é usada para educar os seus
filhos ou a nova geração e para se educarem, usando a sua própria língua nesse
processo. É a essa pedagogia que damos o nome de Pedagogia Balanta, ou seja, um
processo de ensino e de aprendizagem que esse grupo étnico usa para se educarem.
Portanto, é uma pedagogia, que difere das que tem apenas a educação escolar como
objeto de estudo e a escola como espaço privilegiado de estudo.

66
Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia. Acesso em 17 de junho de 2018.
314

Significa dizer que a Pedagogia Balanta direciona seu foco para estudar a
educação, ou os conhecimentos transmitidos pela oralidade e a relação que esses
conhecimentos estabelecem com os transmitidos na escola. O intuito aqui é mostrar
como os conhecimentos da oralidade que o aluno guineense (por exemplo, Balanta) traz
de casa, ou seja, - adquirida através da experiência coletiva e da cultura singular do seu
grupo étnico - podem servir como subsídios importantes para auxiliá-lo a estabelecer
um diálogo crítico com os conteúdos ensinados na escola. Para isso, a valorização da
sua língua materna, como também da diversidade cultural, torna-se fundamental.
O que significa dizer que a educação escolar deve começar na língua materna do
educando, levando em consideração a sua realidade cultural. Isso significa dizer que o
aluno deve ser um sujeito atuante no processo de ensino e aprendizagem e não apenas o
seu objeto (FREIRE, 1975). Pois o aluno não é uma tábula rasa (ITURRA, 1990). Ele
traz a sua bagagem cultural para a escola e essa bagagem deve ser respeitada e
valorizada. Queremos com isso dizer que a língua materna do aluno deve ser valorizada
e ensinada na escola, pois é através dela que o aluno compreende o mundo.
A língua portuguesa deve ser introduzida paulatinamente nos níveis avançados, a
partir de uma metodologia que a coloca no seu devido lugar – de língua estrangeira que
ela é para maioria dos alunos guineenses. Assim sendo, não se pode esperar o sucesso
escolar do aluno a partir de uma língua que ele desconhece.
Nesse contexto, a Pedagogia Balanta surge exatamente para levantar o véu da
tradição oral e mostrar a sua importância na educação escolar e na pesquisa científica.
Na nossa leitura, em uma sociedade multiétnica, onde a oralidade tem predominância
sobre a escrita, a educação escolar deve estabelecer um diálogo com a educação
transmitida pela tradição oral, valorizando as línguas maternas dos alunos. Caso
contrário, ela deixará de atender suas principais funções: a inclusão social e a qualidade.
No caso específico dessa pesquisa, pretendemos analisar e interpretar as consequências
da LP no processo de ensino e de aprendizagem, ou seja, na trajetória escolar dos alunos
da Guiné-Bissau, especialmente na etnia Balanta-Nhacra na região de Tombali e trazer
para a academia a importância de saberes, de conhecimentos e da educação transmitida
através da tradição oral no referido grupo étnico.
É importante destacar que apesar de ter seu foco voltado para estudar a tradição
oral, a Pedagogia Balanta não nega a educação escolar ou a tradição escrita, pelo
contrário, estabelece relação com ela. Ou seja, a Pedagogia Balanta preocupa-se em
chamar a atenção de que, para a educação escolar ser inclusiva e de qualidade, ela
315

precisa necessariamente, estabelecer um diálogo permanente e necessário com a


educação transmitida fora da escola, ou seja, da tradição oral, especialmente, em
sociedades nas quais a oralidade é a principal forma de transmissão de conhecimentos
como na Guiné-Bissau. Adiantamos que este diálogo entre a oralidade e a escrita pode e
deve ser estabelecido também na sociedade ou nos países caracterizados por grande
diversidade cultural e que têm povos, mesmo que sejam poucos, que usam a oralidade
como forma de transmissão dos conhecimentos.
Sublinhamos que essas duas formas de educação ou de transmissão de
conhecimento (a da tradição oral e a da tradição escrita) não devem ser pensadas de
forma hierárquicas. Ou seja, é de se considerar que uma não é superior ou é inferior a
outra. Muitas pessoas pensam que a educação transmitida pela escrita é superior à
transmitida pela oralidade – que a primeira é formal, moderna e de valores
civilizacionais; e a segunda é informal, primitiva e da selvageria; que, por meio da
primeira, pode-se transmitir um conhecimento científico e por meio da segunda, não; de
pensar que o indivíduo que tem a escrita como sua referência cultural é alfabetizado e o
que tem a oralidade como referência cultural é analfabeto. Estas e outras denominações
preconceituosas e classificatórias são apenas de cunho ideológico e etnocêntrico, fatos
que não levam a nenhum avanço cultural ou científico (FONSECA, 2006, 2008, 2012).
Defendemos a ideia de que a classificação de povos da tradição escrita como
alfabetizados e os da tradição oral como analfabetos está sendo mal empregada, pois
não se deve considerar uma pessoa da cultura oral como um analfabeto, visto que a
escrita não faz parte da sua referência cultural. Esse termo só cabe à pessoa que tem a
tradição escrita como sua referência. De igual modo, não se deve chamar uma pessoa da
tradição escrita como adogh ou alufú (que na língua balanta significa aquele que não
passou por ritos de iniciação e, portanto, considerado imaturo). Se a pessoa pertencer à
sociedade balanta, com certeza, podemos chamá-la de adogh ou alufú, caso contrário,
esse termo não terá enquadramento nessa pessoa. Entretanto, na nossa leitura, isso não é
uma maneira correta de se colocar as coisas no seu devido lugar.
Consideramos que, muito embora as duas formas de transmissão de
conhecimento sigam perspectivas diferentes, elas são paralelas, têm o mesmo objetivo:
educar, ensinar, ou transmitir saberes e conhecimentos. Sendo assim, na nossa leitura,
essas duas formas de transmissão de conhecimentos devem estabelecer um diálogo.
Esse diálogo visa, sobretudo, dar qualidade à educação escolar/da escrita, atendendo o
seu objetivo democrático: inclusão, respeito à diversidade cultural e à alteridade, temas
316

caros a atual realidade social do mundo globalizado em que vivemos (FONSECA, 2003;
2012). Isso significa também valorizar as línguas maternas dos alunos, pois não
podemos pensar na educação escolar de qualidade, deixando de lado às diversidades
culturais contidas nelas, deixando de lado as línguas maternas e a forma de transmissão
de conhecimento das pessoas as quais é destinada essa educação. É para tudo isso que a
Pedagogia Balanta visa contribuir.
Gostaríamos de enfatizar que para se constituir enquanto método de pesquisa, a
Pedagogia Balanta tem por objetivo dialogar com os seguintes referenciais teóricos e
metodológicos: a) a Tradição Oral, b) a Antropologia da educação; c) a Antropologia
linguística; d) Educação multicultural e e) Educação intercultural. O intuito é que esses
referenciais nos permitam tecer um panorama mais abrangente das teorias sociais que
debruçam sobre as questões da educação, permitindo-nos fazer uma análise sócio-
antropológica da educação na Guiné-Bissau.
Constatamos que: a) a educação guineense segue um modelo exógeno e
homogêneo de ensino, o qual desvaloriza os conhecimentos locais e as línguas maternas
dos alunos. b) os conhecimentos de outras áreas como – por exemplo, a antropologia da
educação, que analisam a educação para além do espaço físico da escola – são
ignorados; c) a educação guineense é analisada somente de um ponto de vista
homogênea e positivista, tendo a escola como único lugar de transmissão de
conhecimento.
O processo educativo guineense é tratado como “ensino-aprendizagem”, ou
seja, com hífen (-). Mas esse processo não deveria ser encarado assim. Deveria ser
ensino e aprendizagem com a letra (e). Por quê? Porque o hífen (-) tem como
significado juntar as duas coisas separadas: ensino e aprendizagem, com intuito de
usar o ensino escolar como condição que leva à aprendizagem. Ou seja, nega-se a
aprendizagem que o aluno traz de sua comunidade.
É para essa questão que Iturra (1990) chama a nossa atenção, quando refere-se
que as instituições escolares negam a heterogeneidade e as condições socioculturais dos
alunos, na medida em que praticam apenas ensino e negam a aprendizagem que o aluno
adquiriu através das experiências coletivas e da cultura singular do seu grupo étnico.
Na instituição chamada escola, supõe-se que o ensino leva à aprendizagem. Por
exemplo, o que acontece nas escolas de Tombali pesquisadas reflete a ideia
conservadora de que é o ensino que leva à aprendizagem daí, portanto, ensino-
aprendizagem e não ensino e aprendizagem. Em outras palavras, o que acontece é
317

disjunção ou ruptura entre ensino e aprendizagem, posto que se rompe o vivido, o


percebido e o concebido naquilo que é a historicidade dos sujeitos e sua realidade
sociocultural.
Porém, devemos ter em mente de que ensino não é imediatamente
aprendizagem. A aprendizagem contém o ensino, enquanto transmissão do que é
sabido no meio social – a socialização (DURKHEIM, 1967) – mas o que é vivido como
experiência e descoberta nas relações de sociabilidade (SIMMEL, 1983) que dá
substância ao ensino e ao fato de não ser absoluto, estático, mas dinâmico e em
movimento.
Sendo assim, sugerimos que, na escola, o ensino e a aprendizagem devam
dialogar, pois é o espaço por excelência para estabelecer esse diálogo. Só que muitas
vezes, esse diálogo não acontece. Por exemplo, o aluno leva aprendizagem adquirida
através das experiências coletivas do seu grupo étnico para escola, mas ela é ignorada
dentro da sala de aula, como é o caso dos alunos Balantas-Nhacra pesquisados.
Portanto, defendemos que a escola deve trabalhar com ensino (e)
aprendizagem, ou seja, fazer ensino e aprendizagem dialogarem. Significa, em outras
palavras, dizer que devemos valorizar e fazer valer as bagagens culturais dos alunos na
escola, bem como valorizar e fazer valer as suas línguas maternas. Ademais, favorecer o
diálogo e as trocas de experiências entre alunos e criar um clima favorável para que isso
aconteça.
O objetivo da pedagogia Balanta é que esse diálogo faça surgir uma luz no fim
do túnel, no sentido de contribuir com a reflexão a respeito de uma educação inclusiva e
de qualidade na Guiné-Bissau. Nesse sentido, devemos, necessariamente, valorizar a
receita de casa e dialogar com outros conhecimentos que possam nos ajudar a melhorar
a nossa educação. Para tal propósito, devemos valorizar os conhecimentos transmitidos
pela oralidade, bem como a diversidade cultural que constitui este país.
A Guiné-Bissau deve valorizar a divesidade cultural de todos os grupos étnicos
que compõem o país, pois a diversidade cultural é riqueza para qualquer sociedade
humana. A sua valorização deve partir da escola, que é por excelência o espaço de
intercâmbio cultural e social. Por isso, o currículo escolar do país deve se pautar na
interculturalidade, devendo ter como meta atender a heterogeneidade e a pluralidade
cultural constituinte da sociedade.
Sabe-se que a educação não se restringe ao espaço físico da escola. Ela se realiza
também fora da escola, na forma da vivência de cada grupo humano, na sua forma de
318

conceber o mundo, na sua cultura material e imaterial, e a língua é o principal veículo


de transmissão desses conhecimentos.
Para os Balantas-Nhacra, a educação acontece em todas as atividades praticadas
por eles, seja na transmissão de valores culturais e na experiência de vida, observando e
praticando. Nas fases da vida masculina, a educação acontece na atividade pastoril entre
Bidogn ne Nhare; nas diferentes atividades culturais e na transmissão de conhecimentos
entre Nháe; nos trabalhos que realizam nas tabancas; na sua forma se relacionar com o
grupo de Mbi Fula; como também, a educação acontece nas diferentes fases de
transição, tanto de Nhés, de Shon, de Bidogn Bidan e Bilante Bidan.
Assim como nas diferentes fases da educação feminina: desde a fase de criação
(Kinrã); na realização das tarefas domésticas pelas meninas/raparigas (Mbi fula); nas
atividades culturais praticadas por elas, quais sejam: na pesca, nos trabalhos que elas
são chamadas a realizar nas tabancas; nas festas que organizam; nas suas relações
sociais que mantêm com os grupos de Nhaé; como também a educação que acontece na
fase de noiva (Iegle), de moça (Thata), de senhora - fase de menopausa (Sadé), na de
terceira idade as mais idosas (de Bassana a Ndolo). Portanto, o ensino guineense deve
manter estreita ligação entre a cultura escrita e a cultura oral, tendo a LM/L1 do aluno
valorizada e implementada nas escolas.
A língua representa a identidade cultural dos seus falantes. Tal como a LP, as
línguas étnicas e a LC faladas no país, além de ser o veículo principal de comunicação
para os seus usuários, é através delas que seus falantes organizam a sua concepção de
mundo. Por exemplo, uma criança balanta não pensa ou sonha na LP, ela pensa e sonha
na língua balanta. A sua imaginação acontece nessa língua. Portanto, negar a língua
materna dos balantas, fulas, mandingas, pepeis, manjacos bajagos beafadas,
mancanhas, felupes e de outros grupos étnicos guineenses na escola significa negar a
sua identidade e a sua riqueza cultural.
A valorização das línguas maternas dos alunos na escola é um desafio que os
intelectuais guineenses e a sociedade em geral devem encarar como benéfica para o
país. Pois, como dizem os especialistas no assunto, o ensino na língua materna, além de
facilitar a aprendizagem do aluno e elevar a sua autoestima, facilita a sua aprendizagem
nas outras línguas. Portanto, a criação de condições propícias que permitam a realização
de estudos, de pesquisas e de produção dos materiais didáticos nas línguas maternas e
no crioulo deve ser a primeira prioridade do governo guineense. É de extrema urgência
319

a criação de condições favoráveis à implementação das línguas maternas no sistema do


ensino do país.
Concordamos com a afirmação de Cá (2015), segundo a qual, se a língua
materna adquirida pela criança em casa não é utiliza no processo de ensino e
aprendizagem, podem-se criar barreiras na aquisição da aprendizagem da língua de
ensino. Para a autora:

A escolha da língua de ensino tem levado a preocupação no sistema


educativo. Não querendo com isso dizer que a língua é o único fator,
mas devemos levar em consideração que a língua de ensino tem sido
um dos principais fatores na aprendizagem dos nossos alunos, pois é
aprendida só, ou quase, na aula, ou seja, fora dela os estudantes falam o
crioulo e outras línguas (CÁ, 2015, p. 166).

Quando se fala da democratização do sistema escolar em Guiné-Bissau,


entendemos que não se pode democratizar a educação para que chegue a todos os
cidadãos, se não se levar em consideração as línguas maternas dos alunos no processo
de ensino e de aprendizagem.
A LP é de extrema importância para a Guiné-Bissau, pois através dela
estabelecemos laços políticos, econômicos e culturais com o mundo afora. Por isso, seu
conhecimento e domínio é de fundamental importância para os alunos guineenses. Mas
a metodologia até hoje utilizada para ensiná-la (sendo encarada como a LM/L1 do
aluno) deve ser invertida, pois essa metodologia vai na contramão da realidade
sociolinguistica de diferentes segmentos sociais constituintes desse país. Posto que mais
de 95% dos alunos guineenses não têm a LP como a LM/L1.
Na prática, a LP é a língua estrangeira para grande maioria dos alunos. Em
algumas regiões do país, por exemplo a região de Gabú e a de Gacheu, a maioria dos
alunos falam mais o francês do que o português, tendo em conta que essas regiões
fazem fronteiras com os vizinhos Guiné Conacri e Senegal, países que têm o francês
como a língua oficial. Portanto, a LP deve ser ensinada aos alunos guineenses como a
língua estrangeira, principalmente nas zonas rurais, como a região de Tombali, alvo
dessa pesquisa.
A nossa experiência de campo com as crianças balantas nas escolas é prova de
que a LP dever ser ensinada como LE para elas, pois, como mostramos ao longo dessa
tese, elas enfrentam dificuldades nas escolas justamente por falta de domínio da LP – a
principal de ensino. Não é que essas crianças sejam menos inteligentes, por não
320

conseguir falar ou expressar suas opiniões por escrito ou oral na LP, o fato é que não
dominam essa língua a ponto de poder se expressar e de fazer avaliações nela. Elas são
muito inteligentes, pois conseguem expressar as suas opiniões livremente e com
sabedoria na sua língua materna (a língua balanta), o que não conseguem fazer na LP,
simplesmente por falta de domínio desta.
Como podemos constatar nos relatos dos professores e de especialistas em
educação e em linguística que entrevistamos, a LP é um dos principais fatores, senão o
mais decisivo, no insucesso escolar na Guiné-Bissau. Desse modo, os alunos enfrentam
dificuldades no processo de ensino e de aprendizagem, porque não dominam a LP,
dificuldades essas que os perseguem ao longo da trajetória escolar e da vida. Muitos
entram na universidade apresentando as mesmas dificuldades.
Os relatos dos nossos informantes atentam para o fato de que o não domínio da
LP obriga os muitos alunos a decorar os conteúdos das disciplinas, sendo a única saída
para eles conseguirem se sair bem nas provas – enquanto outros recorrem à cábula para
conseguirem tirar notas positivas. Mas, se a prova exigir uma resposta dissertativa, ou
para aluno expressar a sua opinião, a maioria já não consegue ter êxito, porque não
domina a LP a ponto de poder expressar a sua opinião no texto de forma livre.
As dificuldades que esses alunos Balantas-Nhacra pesquisados enfrentam na
escola por causa da LP não estão restritas apenas a eles, mas acontece também com os
alunos de outras etnias e em outros cantos do país. Fato que revela que a política
linguística e o planejamento linguístico da Guiné-Bissau devem ser revisados e
adequados a sua realidade sociolinguística, cultural e educacional.
A medida urgente que o governo guineense deve tomar no setor da educação é a
redefinição de uma política linguística que leva em consideração a diversidade
linguística da Guiné-Bissau. Para isso, é preciso investir na produção e distribuição de
materiais didáticos das línguas étnicas e do Crioulo, tendo em conta a realidade
específica de cada região, criando condições para que o ensino plurilíngue seja eficaz e
eficiente.
Estamos conscientes que a pesquisa está muito longe de esgotar os problemas
que o tema suscita, mas, antes, levanta possibilidades para que novas pesquisas possam
ser realizadas com a mesma preocupação. Portanto, a nossa tese vai nessa direção, isto
é, apontar que o sistema educacional da Guiné-Bissau, em particular o que atinge a
população da região de Tombali, está em franca dissonância com a realidade
sociocultural vivida pelas crianças, adultos e idosos, bem como não atende também a
321

maioria dos professores que somente utilizam a língua portuguesa no seu ofício de
ensinar, ou seja, o seu uso fica restrito à sala de aula.
Além disso, transparece-nos que a etnia Balanta-Nhacra – a partir de sua cultura
e de sua altivez, de ter lutado e resistido ao conquistador português, de não aceitar as
estruturas de poder vinculadas à hierarquia – também estabelece de maneira apropriada,
segundo as suas convicções, uma resistência à língua portuguesa, posto que ela
representa uma língua estrangeira, alheia aos seus interesses, aos sentidos e aos
símbolos que guardam e constatam como valor cultural e humano, os quais expressam
no seu dia a dia em língua Balanta.
Assim, somos contrários às teses que apontam o insucesso escolar das crianças
na Guiné-Bissau, em particular na região de Tombali. No entanto, a partir da vasta
literatura acadêmica e científica arrolada nesse estudo, podemos afirmar que o insucesso
ou o fracasso é o do sistema educacional e da metodologia didático-pedagógica adotada
pelas lideranças políticas e educacionais do país desde 1973, quando de nossa
independência, enquanto país soberano, ao não terem procurado estabelecer uma
educação intercultural.
Ao abraçar a língua do conquistador português no seu projeto educativo,
cultural, social e linguístico, as lideranças políticas, econômicas e ideológicas presentes
na Guiné-Bissau procuraram, sim, dialogar com o mundo da civilização euro-ocidental,
mas não conseguiram e não têm conseguido fazer com que a sua população seja incluída
no jogo político-econômico internacional, especialmente aquela que está nas zonas
rurais e sendo dependente do orçamento governamental para ter acesso aos direitos
básicos, como ter uma educação que respeita os direitos humanos e os direitos
linguísticos, enquanto política de Estado. Esse contexto faz com que se mantenha e se
amplie a desigualdade social a partir de uma educação assimilacionista, ainda que
pautada em um projeto de homem novo baseado nos princípios dos independentistas
africanos, entre os quais, não podemos deixar de citar Amilcar Cabral e o próprio
ideário do PAICG.
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Tl1dSQHCtnLt3DPGdL4ygRvS4G-
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gs_l=img.3...2089275.2093988.0.2095925.3.3.0.0.0.0.187.337.0j2.2.0....0...1c.1.64.img.
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336

APÊNDICES
337

APÊNDICE 1 - Roteiro de entrevista para professores/as

Ficha social de infortmante

Nome normal ---------------------------------------Nome fictício--------------------------------

Sexo: M ( ) F ( )

NOTA: questões a seguir devem ser respondidas apenas por escrito.

Cidade ou tabanca/aldeia de nascimento------------------Região de nascimento-------------

A sua idade?-------------------

Seu nível de escolaridade?---------------curso/s?-----------------------instituição/ões de


ensino?------------------país/países?--------------------

Nome de escolas e das cidades ou tabancas/aldeias onde estudou na Guiné-Bissau, de


1ª- a 11ª- classe?

1ª- a 4ª- classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia------------------------;

5ª- a 6ª- classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia------------------------;

7ª- a 9ª- classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia------------------------;

10ª- a 11ª-classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia---------------------.

Sua/s profissão/ões?-----------------------------------lugar de trabalho?------------------------

Pertence a algum grupo étnico? Sim () não (). Se sim, qual? ------------------------Se não,
porquê --------------------------------------------------

Qual é a sua língua materna LM? --------------Você a fala fluente () razoável () pouco ()
não fala ()?

Qual é a sua língua segunda L2? --------------Você a fala fluente () razoável () pouco ()
não fala ()?

Qual é a sua língua terceira L3 / estrangeira LE? --------------você a fala fluente ()


razoável () pouco () não fala ()?

Nível de escolaridade em que o senhor dá aula--------------qual disciplina o senhor


ministra? --------------

Qual língua o senhor fala com os estudantes na sala de aula? ---------------------


338

Qual/is língua/s os estudantes falam na sala de aula? -------------- Nivel de fluência:


falam fluente () razoável () pouco () mal () péssimo ()?

Nivel da escrita: Escrevem bem () razoável () pouco () mal péssimo ()?

Em qual língua esses estudantes fazem as provas? -------------------------

O senhor acha que eles enfrentam ou não as dificuldades na prova e reprovam por causa
da língua de ensino? sim (), não (), porquê? ---------------------------------

NOTA: As questões a seguir podem ser respondidas por escrito ou oralmente.

1. Sabe-se que após a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau,


pelo PAIGC em 1973, o primeiro governo nomeado na época adotou a língua
portuguesa como a única tanto oficial como de ensino, e ela continua a desempenhar
essas funções até hoje, (se tirarmos dessa cena as línguas francesa, inglesa e árabe, que
são as estrangeiras ensinadas em algumas escolas guineenses). Tendo em conta a
decisão do governo acima referida e considerando que o país é composto por
diversidade cultural e linguística, como senhor/a avalia a língua portuguesa e as línguas
locais no ensino do país neste longo período, especialmente, na educação básica?--------
2. Na sua opinião, quais são as consequências positivas e negativas da língua
portuguesa naeducação básica na Guiné-Bissau?---------------------------------------
3. Sobre a língua crioula, senhor/a acha que ela deveria ou deve ser usada no
ensino na Guiné-Bissau ou não? Sim (), não (). Por quê?--------------------------------------
4. Sobre as línguas étnicas, senhor/a acha que elas deveriam ou devem ser usadas
no ensino na Guiné-Bissau ou não? Sim (), não (). Por quê?----------------------------------
5. A maioria das nossas crianças, especialmente, as das zonas rurais falam as suas
línguas maternas diariamente em casa, porém, ao chegar à escola deparam com uma
língua muitas das vezes desconhecida - a língua portuguesa, a qual não só são obrigados
a aprender como também suas aprendizagens são avaliadas nela. Isso interfere no
processo de ensino e aprendizagem dessas crianças? Sim () Não (). Por quê? Ou quais
são seus comentários a esse respeito?-----------------------------------
6. O que o Ministério da Educação deve fazer para a melhoria do ensino e aprendizagem
na Guiné-Bissau, relativamente às questões da língua portuguesa e das línguas
nacionais?----------------------------------
6. A educação dita “tradicional” de diferentes grupos étnicos que compõem a
Guiné-Bissauébaseada principalmente na oralidade (tradição oral) e nas línguas
maternas (línguas étnicas). Isso tem algumas consequências na trajetória escolar dos
339

alunos que passam por essa realidade ou não. Sim (), não (). Se sim, quais? E por quê?
Se não por quê?-------------------------------------
7. Na sua opinião, os nossos valores culturais deveriam ser ensinados na escola ou
não? Sim (), não (). Se sim, qual aspecto, por exemplo, e por quê? Se não, Por quê?------
OBS: Se o(a) senhor/a quiser escrever no verso da folha e também se quiser dizer algo a
mais, fica a vontade.

Muito obrigado pela sua atenção!


340

APÊNDICE 2 - - Roteiro de entrevista para especialistas em linguística e em


educação

Ficha social de infortmante

Nome normal ---------------------------------------Nome fictício--------------------------------

NOTA: questões a seguir devem ser respondidas apenas por escrito.

Sexo: M ( ) F ( )

Cidade ou tabanca/aldeia de nascimento------------------Região de nascimento-------------

A sua idade?-------------------

Nível de escolaridade?---------------curso/s?-----------------------instituição/ões de
ensino?------------------país/países?--------------------

Nome de escolas e das cidades ou tabancas/aldeias onde estudou na Guiné-Bissau, de


1ª- a 11ª- classe?

1ª- a 4ª- classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia------------------------;

5ª- a 6ª- classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia------------------------;

7ª- a 9ª- classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia------------------------;

10ª- a 11ª-classe: escola/s--------------------------cidade/tabanca/aldeia---------------------.

Sua/s profissão/ões?-----------------------------------lugar de trabalho?------------------------

Pertence a algum grupo étnico? Sim () não (). Se sim, qual? ------------------------Se não,
porquê ------------------------------------------------------------------------------------------------

NOTA: questões a seguir podem ser respondidas apenas oralmente.

5. Sabe-se que após a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau,


pelo PAIGC em 1973, o primeiro governo nomeado na época adotou a língua
portuguesa como a única oficial e a única de ensino, e ela continua a desempenhar essas
funções até hoje, (se tirarmos dessa cena as línguas francesa, inglesa e árabe, que são as
línguas estrangeiras ensinadas em algumas escolas guineenses). Tendo em conta a
decisão do governo acima referida e considerando que o país é composto por
diversidade cultural e linguística, como senhor/a avalia a política linguística guineense
neste longo período, especialmente, na educação básica?--------------------------------------
341

6. Na sua opinião, quais são as consequências positivas e negativas da língua


portuguesa na educação básica na Guiné-Bissau?------------------------------------------
7. Sobre a língua crioula, senhor/a acha que ela deveria ou deve ser usada no
ensino na Guiné-Bissau ou não? Sim (), não (). Por quê?--------------------------------------
8. Sobre as línguas étnicas, senhor/a acha que elas deveriam ou devem ser usadas
no ensino na Guiné-Bissau ou não? Sim (), não (). Por quê?----------------------------------
9. A maioria das nossas crianças, especialmente, as das zonas rurais falam as suas
línguas maternas diariamente em casa, porém, ao chegar à escola depara com uma
língua muitas das vezes desconhecida - a língua portuguesa, a qual não só são obrigados
a aprender como também suas aprendizagens são avaliadas nela. Isso interfere no
processo de ensino e aprendizagem dessas crianças? Sim () Não (). Por quê? Ou quais
são seus comentários a esse respeito? --------------------------------------
8. O que o Ministério da Educação deve fazer para a melhoria do ensino e
aprendizagem na Guiné-Bissau no que toca especificamente à política linguística?-------
9. A educação dita “tradicional” de diferentes grupos étnicos ou sociais que
compõem a Guiné-Bissau é baseada principalmente na oralidade e nas línguas maternas
(línguas étnicas). Isso tem algumas consequências na trajetória escolar dos alunos que
passam por essa realidade ou não. Sim (), não (). Se sim, quais? E por quê? Se não por
quê?---------------------------------------------------------------
10. Na sua opinião, os nossos valores culturais deveriam ser ensinadas na escola ou
não? Sim (), não (). Se sim, qual aspecto, por exemplo, e por quê? Se não, Por quê?------
OBS: Se o(a) senhor/a quiser escrever no verso da folha e também se quiser dizer algo a
mais, fica a vontade.

Muito obrigado pela sua atenção!


342

APÊNDICE 3 - Roteiro de entrevista para estudantes

Ficha social de infortmante (estudante)

Nome normal: ----------------; e nome fictício--------------nome da escola-------------------

Sexo: M ( ) F ( )

1. Quantos anos você tem?-------------- anos;

2. Cidade ou tabanca/aldeia de nascimento? ----------Região de nascimento?--------

3. Pertence a alguma etnia/grupo étnico? Sim () não () Se sim, diga qual?............


Se não, diga porquê --------------

4. Qual classe você estuda? --------------

5. Qual é a sua língua materna LM? -------------- Você a fala fluente () razoável ()
pouco () mal () não fala ()?

6. Qual é a sua língua segunda L2? --------------Você a fala fluente () razoável ()


pouco () mal () não fala ()?

7. Qual é a sua língua terceira L3? --------------Você a fala fluente () razoável ()


pouco () mal () não fala ()?

8. Qual língua você fala em casa? ---------E qual língua você fala na escola? --------

9. Quando o professor ensina vocês, qual língua ele fala? ----------------------

10. Qual língua você fala com o professor na sala de aula? ----------------------

11. Apresente-se em português, falando seu nome, sua idade, de onde você é e qual
classe (série) você estuda: Apresentou-se fluente () razoável () pouco () mal () não se
apresentou ();

12. Apresente-se em Crioulo, falando seu nome, sua idade, de onde você é e qual
classe (série) você estuda: Apresentou-se fluente () razoável () pouco () mal () não se
apresentou ();

13. Apresente-se na sua língua étnica, falando seu nome, sua idade, de onde você é e
qual classe (série) você estuda: Apresentou-se fluente () razoável () pouco () mal () não
se apresentou ().
343

APÊNDICE 4 - Apresentação dos estudantes na LP, LC e língua étnica

No teste que fizemos com os estudantes entrevistados, os quais solicitamos que cada um
se apresente nas três línguas a seguir: a língua portuguesa, a língua crioula e na sua
língua etnica, falando seu nome, sua idade, a tabanca que mora e qual classe (série)
estuda. Na língua crioula a maioria das apresentações foi classificada como razoável,
nas línguas todas as apresentações foram classificadas como fluentes, com exceção de
uma estudante da etnia nalu que afirma que entende a língua nalu, porém, não sabe
expressar nela. Já na LP o resultado foi totalmente diferente, ou seja, no total de 16
(desesseis), 9 (nove) não conseguiram se apresentar, 3 (três) se apresentaram mal -
cometendo erros básicos e misturando a LP com a LC -, outros 3 três fizeram uma
apresentação razoável, cometendo poucos erros e apenas 1 (um) apresentou-se
fluentemente, como se segue abaixo.

EBU-1 DE MATO-FARROBA

Aluno EBU1-1

1) Apresentação na língua portuguesa: o estudante disse que não sabe falar a lingua
portuguesa e, portanto, não se apresentou;

2) Apresentação na língua crioula: o estudante apresentou-se fluentemente;

3) Apresentação na língua balanta: o estudante apresentou-se fluentemente;

Aluna EBU1-2

1) Apresentação na língua portuguesa: a estudante disse que não sabe falar português e,
portanto, não se apresentou;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se razoavelmente;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante apresentou-se fluentemente;

Aluno EBU1-3

1) Apresentação na língua portuguesa: eu chamasse nome Aluno EBU1-3, ami tenho 13 ano
ami mpadido na Iussi, na estuda 3ª- classe. Ou seja, o estudante apresentou-se com muitas
dificuldades, misturando português com o Crioulo. Apresentação classificada como fraca;

2) Apresentação na língua crioula: o estudante apresentou-se razoavelmente;


344

3) Apresentação na língua balanta: o estudante apresentou-se fluentemente;

Aluna EBU1-4

1) Apresentação na lin língua gua portuguesa: a estudante não respondeu nada, ficou quieta e
com vergonha;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se razoavelmente;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante apresentou-se fluentemente;

EAG1 TONA NAMONE

Aluno EAG1-1
1) Apresentação na língua portuguesa: o estudante não se apresentou, afirmando que não
sabe falar a língua portuguesa;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se de forma fraca;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante apresentou-se fluentemente;

Aluna EAG1-2

1) Apresentação na língua portuguesa: a estudante não se apresentou, afirmando que não


sabe falar a língua portuguesa;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se pouco;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante apresentou-se fluentemente;

Aluno EAG1-3

1) Apresentação na língua portuguesa:Aluno EAG1-3, moro em Mato-Forroba, 3ª- class,


tenha 12 ano....idade; ou seja, o aluno fala a língua portuguesa com muitas dificuldades, cometendo
erros básicos. Apresentação foi classificada como fraca;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se razoavelmente;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante apresentou-se fluentemente;

Aluna EAG1-4

1) Apresentação na língua portuguesa:chama-me Aluna EAG1-4, more em Mato Farroba,


ntene 18 ano, na estuda 4ª- classe. Classificamos essa apresentação como fraca;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se fluentemente;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante apresentou-se fluentemente;


345

EBU-2 DE CUFAR

Aluno EBU2-1

1) Apresentação na língua portuguesa: o estudante não sabe se apresentar em português e


aparenta estar tímida;

2) Apresentação na língua crioula: o estudante apresentou-se fluentemente;

3) Apresentação na língua fula: o estudante apresentou-se pouco razoavelmente;

Aluna EBU2-2

1) Apresentação na língua portuguesa: a estudante afirma que não sabe se apresentar em


português e se apresentou em Crioulo;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se razoavelmente;

3) Apresentação na língua nalu: a estudante não se apresentou, pois afirma que entende a
língua nalu, porém não sabe se expressar nela.

Aluno EBU2-3

1) Apresentação na língua portuguesa: chamo-me Aluno EBU2-3, tenho 16 ano de idade,


moro em Cufar,....,o estudante não falou o resto. Portanto, a apresentação foi classificada como
razoável.

2) Apresentação na língua crioula: o estudante apresentou-se fluentemente;

3) Apresentação na língua balanta: o estudante apresentou-se fluentemente.

Aluna EBU2-4

1) Apresentação na língua portuguesa:Eu chamo-me Aluna EBU2-4, tenho 16 ano de idade,


moro num Cufar, eu estudo 4º- ano: a apresentação foi classificada como razoável;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se fluentemente;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante apresentou-se fluentemente.

EAG-2 ABÊNE

Aluno EAG2-1

1) Apresentação na língua portuguesa: o estudante não conseguiu se apresentar na língua


portuguesa;
2) Apresentação na língua crioula: o estudante apresentou-se fluentemente;
346

3) Apresentação na língua beafada: o estudante apresentou-se fluentemente;

Aluna EAG2-2

1) Apresentação na língua portuguesa: a estudante afirma que não sabe fala a língua
portuguesa;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se razoavelmente;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante fala balanta fluentemente;

Aluno EAG2-3

1) Apresentação na língua portuguesa: Bo tari, eu chamo-meAluno EAG2-3, tenho 12 ano


idade, moru em Sua, estudamos 3ª- classe. A apresentação foi classificada como razoável;

2) Apresentação na língua crioula: o estudante apresentou-se fluentemente;

3) Apresentação na língua balanta: o estudante fala balanta fluentemente;

Aluna EAG2-4

1) Apresentação na língua portuguesa: Eu chamo-me Aluna EAG2-4, tenho 14 ano idade,


moro em Sua, estuda 4ª- classe; A apresentação foi classificada como razoável;

2) Apresentação na língua crioula: a estudante apresentou-se fluentemente;

3) Apresentação na língua balanta: a estudante fala balanta fluentemente;

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