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O USO DOS IMPRESSOS COMO FONTE E OBJETO DE INVESTIGAÇÃO

PARA ESTUDOS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Valdevania Freitas dos Santos Vidal


Universidade Federal de Sergipe
E-mail: vaniafreita@bol.com.br

Palavras-Chave: Impressos, História da Educação e Educação.

A imprensa como fonte de pesquisa

Assim como em outros escritos, a imprensa tem contribuído, nestes últimos


anos para historiar as pistas deixadas pelo indivíduo sobre o pensamento educacional ao
longo do século XX no Brasil. O que nos permite encontrar diversas informações das
mais variadas formas do pensamento pedagógico.
A imprensa quando se apresenta com características pedagógicas passa a ser
vista como um instrumento privilegiado para construção do conhecimento,
constituindo-se em um guia prático do cotidiano educacional e escolar, permitindo ao
“pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um determinado setor ou grupo
social, a partir da análise do discurso veiculado e a ressonância dos temas debatidos,
dentro e fora do universo escolar” (CARVALHO, 2002, p.74 -75).
Nóvoa (2002), em seus estudos faz referência às diversidades de
conhecimento que podemos adquirir sobre o processo educacional, através de uma
análise mais profunda dos impressos em seus múltiplos setores do campo social no qual
o indivíduo se mantém inserido. Além de tentar compreender, através da imprensa, a
realidade presente entre aqueles que estão envolvidos diretamente com o campo
educacional.

De facto, a imprensa revela as múltiplas facetas dos processos


educativos, numa perspectiva interna ao sistema de ensino (cursos,
programas, currículos, etc), mas também no que diz respeito ao papel
desempenhado pelas famílias e pelas diversas instâncias de socialização
das crianças e jovens. A imprensa constitui uma das melhores
ilustrações de extraordinária diversidade que atravessa o campo
educativo (NÓVOA, 2002, p.13).

A impressa passou neste sentido a ser entendida como uma inovação dentro
do campo da pesquisa, principalmente referente aos estudos pertencentes à História da
Educação. Essa nova forma de ver e escrever a História ocorreu a partir do surgimento
de uma visão ampliada sobre o uso das fontes. Visão esta que se desenvolveu através da
iniciativa de dois pensadores: Lucien Febvre e Marc Bloch, a partir de 1929 na França.
Juntos resolveram fundar a revista dos Annales, que segundo Le Goff (2003), propiciou
num “ato que fez nascer a nova história” (LE GOFF, 2003, p.129).

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Assim, instaurou-se essa nova perspectiva de uma História mais abrangente,
o que fez permitir seu enriquecimento na medida em que visava uma grande
aproximação com outras ciências, dando maior sentido para a inovação temática em
oposição a História dita tradicional, narrativa e política por uma História problemática.

Abre-se, em conseqüência, o leque de possibilidades do fazer


historiográfico, da mesma maneira que se impõe a esse fazer a
necessidade de ir buscar junto a outras ciências do homem os conceitos
e os instrumentos que permitem ao historiador ampliar sua visão do
homem (BURKE, 1997, p.07).

Ou seja, na medida em que a História tenta analisar os vestígios das ações


humanas, em relação ao que os indivíduos pensaram ou fizeram ao longo de gerações, é
necessário que o historiador venha se basear também nessa perspectiva da Nova
História, e assim deverá recorrer a outras ciências para sua fundamentação e um
entendimento através da busca de novas concepções a exemplo da Antropologia, da
Psicologia, da Economia e da Sociologia.
Para Roger Chartier (2002) a História deve travar um diálogo com outros
questionamentos – “filosóficos, sociológicos, literários, etc. Somente através desses
encontros a disciplina pode inventar questões novas e forjar instrumentos de
compreensão mais rigorosos” (CHARTIER, 2002, p.18).
A partir desse novo olhar, a História começa a procurar entender as ações
humanas por diferentes formas de conhecimento. É evidente mencionarmos ainda que
essas transformações que ocorrem com a História ao longo dos anos permitiram
também ao pesquisador fundamentar-se através de uma maior ampliação das fontes
documentais e dos procedimentos metodológicos. Que segundo Martins (2001), através
deste diálogo com a documentação, é possível perceber “os silêncios, preencher vazios,
recuperando nuanças reveladoras do processo histórico” (MARTINS, 2001, p.18).
Todavia, constata-se que a visão restrita do documento que existia entre os
Positivistas começa a ganhar uma visão mais ampla com a História Nova (Annales), que
diferente do método tradicional, não conseguiam enxergar o documento como uma
fonte única do conhecimento histórico, por isso, era preciso ir mais além e ampliar a
noção de documento, destacando a necessidade da utilização de outros recursos que
exprimam também a presença, a atividade, o gosto e a maneira de ser do homem na falta
de um documento escrito como forma de superá-lo e assim, poder fazer uso dos
métodos que também contribuíam para a formação da história.

[...] a nova história tem, em primeiro lugar, objetivos de alargamento e


aprofundamento da história científica. Sem dúvida que ela encontrou
problemas, limites e, talvez, impasses. Mas continua a alargar o campo
e os métodos da história e, o que é mais importante, Stone não teve em
conta o que podia ser verdadeiramente novo, “revolucionário,” nas
novas orientações da história: a crítica do documento, o novo
tratamento dado ao tempo, as novas relações entre material e
“espiritual,” as análises do fenômeno do poder sob todas as suas
formas, não só do seu aspecto político (LE GOFF, 2003, p.143).

Além da noção metodológica, é necessário destacarmos que, com essa nova


forma de se fazer História, surge uma grande extensão da documentação histórica
também chamada de revolução documental, que passa a utilizar-se não apenas do
documento escrito, mas de tudo “o que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica tudo
o que toca pode e deve informar-nos sobre ele” (LE GOFF, 2003, p.107).

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Entretanto, cabe ao pesquisador, ao longo de sua trajetória na busca do
conhecimento de seu objeto, ter em mente, de forma clara e consciente, que uma fonte
documental não se restringe apenas aos documentos escritos, também chamados de
documentos oficiais. Mas é preciso que reconheça a existência dos documentos não-
oficiais sejam eles: palavras, paisagens, signos ou qualquer outra forma que lhe
possibilite a fundamentação da pesquisa e a probabilidade de se construir o
conhecimento histórico. Le Goff faz referência a essa questão e diz que é preciso “tomar
a palavra documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido
pelo som, imagem, ou de qualquer outra maneira” (LE GOFF, 1999, p. 98).
Presente a este fato é relevante mencionarmos as idéias de Lopes e Galvão
(2001), em seu estudo “História da Educação”, quando defendem a idéia de que após ter
sofrido a influência de novas correntes como Marxismo e a Nova História, a História da
Educação renova-se, enquanto campo de pesquisa, passando a lançar um novo olhar
sobre os objetos de análise e as suas fontes, possibilitando dessa forma que a História da
Educação tornasse fonte de

[...] estudos que investigam não somente o ensino e a escola – objetos


tradicionais da disciplina – mas também as crianças e os jovens, o livro
e a literatura, as mulheres, a violência, entre tantos outros sujeitos e
objetos que contribuem para melhor compreensão do processo
educativo do passado (LOPES e GALVÃO, 2001, p.34).

Ou seja, a História da Educação passa a ser um campo de estudo que se


propõe a pesquisar sujeitos e objetos que cercam o processo educativo das sociedades
passadas.
Diante dessa visão de ampliação das fontes que surgiu com os Annales, no
século XX, pioneiros da Nova História, com o intuito de romper com a Escola
Positivista, por acreditar que a História só poderia ter caráter de ciência se fosse
utilizada apenas com base em documentos escritos, é necessário compreender, também,
o papel do pesquisador que deve utilizar-se de um rigor metodológico e de uma crítica
profunda sobre as incertezas que uma fonte documental possa lhe apresentar.
E para isso, ele não deve ser ingênuo e procurar constatar com clareza,
informações sobre os homens que a produziram. Ou seja, devem identificar quem fala,
para quem fala e a partir de onde fala, pra assimilar os limites de cada fonte e, assim,
poder fazer conclusões sobre elas, sobre sua ou suas verdades.
Chartier (2002) também faz destaque sobre essa questão ao afirmar que,

o historiador tem a tarefa específica de fornecer um conhecimento


apropriado, controlando, dessa “população de mortos – personagem,
mentalidades, preços” que são seu objeto. Abandonar essa intenção de
verdade, talvez desmensurada mas certamente fundadora, seria deixar o
campo livre a todas as falsificações, a todos os falsários que, por
traírem o conhecimento, ferem a memória. Cabe aos historiadores,
fazendo seu ofício, ser vigilantes (CHARTIER, 2002, p.100).

Principalmente quando vamos tratar sobre a imprensa que, segundo Sodré


(1999), relacionado a meios de massa tratando-se de veículo de comunicação é
importante entender que a imprensa não é “meio de massa, em nosso país. Como, aqui,
por imprensa entende-se jornal e revista, é fácil constatar que esses meios não são do
uso habitual em parcela numerosa, majoritária mesmo, do nosso povo” (SODRÉ, 1999,
p.IX).

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Em função disso, ao pesquisador é cabível saber quem são seus leitores para
entender seus escritos e suas representações, uma vez que toda fonte documental se
apresenta com verdades e mentiras, por ser ela uma expressão da vida de um homem,
composta de certezas e incertezas. Em vista disso, é preciso ter um olhar crítico e
minucioso sobre as fontes, discordando ou acreditando em todas elas, ou seja, que ele
apresente uma sensibilidade que lhe permita decifrar todas as pistas que uma
determinada fonte de informação contenha.
Todavia, convém ressaltar a questão da neutralidade das fontes e
entendermos que todas elas, sejam escritas, ilustrativas ou não, apresentam certa
intencionalidade. Pois, o documento como nos mostra Le Goff (1999), não é inócuo,
mas sim o resultado de uma “montagem, consciente ou inconsciente, da história, da
época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as
quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado,
ainda que pelo silêncio” (LE GOFF, 1999, p. 103).
O documento não é neutro e sim intencional, por isso compete ao
pesquisador levar em conta sua subjetividade e intencionalidade, submetendo-as a uma
criticidade histórica, na busca de uma maior priorização da produção do conhecimento
científico.
Nesse sentido fica evidente, que com a Nova História, que surgiu na França,
através da iniciativa de dois pensadores, a História conseguiu ganhar uma nova visão,
principalmente, em relação as fontes, que passou a ser ampliada, fazendo o pesquisador
chegar a uma compreensão dos fatos passados e a romper, de certa maneira, com a visão
tradicional, por fazer uso de outros vestígios além das fontes escritas, devido toda fonte
documental ser uma expressão da produção humana. Sejam elas escritas ou não, cabe ao
historiador saber fazer uso delas para compreender o processo vivido por seu objeto de
estudo, para construção de um processo histórico que permita alcançar uma maior
cientificidade.
Desse modo, podemos perceber que os impressos nos possibilitam conhecer
uma realidade impregnada, não apenas no campo dos acontecimentos e fatos
educacionais, mas sobre todos os ocorridos que se desenrolaram naquele momento, e
que podem ou não, estarem associados aos episódios ligados à educação. Como bem
nos mostra Catani e Bastos (2002),

A imprensa educacional, segundo Pierre Ognier, é um corpus


documental de vastas dimensões pois constitui-se em testemunho vivo
dos métodos e concepções pedagógicas de uma época e da ideologia
moral, política e social de um grupo profissional. Desse modo, é um
excelente observatório, uma fotografia da ideologia que preside. Nessa
perspectiva, torna-se um guia prático do cotidiano educacional e
escolar, permitindo ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico
de um determinado setor ou de um grupo social a partir da análise do
discurso veiculado e da ressonância dos temas debatidos, dentro e fora
do universo escolar (CATANI e BASTOS, 2002, p. 05).

Contudo, ao analisarmos o uso dos impressos para os estudos de temas


educacionais, é necessário mencionarmos que a pesquisa não se restringe apenas a
investigar impressos produzidos por professores, alunos ou pessoas ligadas ao setor
educacional, mas a tudo o que se refere ou trás informação sobre esse setor de pesquisa,
seja de uma instituição privada ou pública, feita pele Estado, Sindicatos, Associações,
Igreja ou qualquer outro setor.

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Na obra de Clarice Nunes sobre “Anísio Teixeira: a poesia da ação” é
evidente e profundo o entendimento sobre seu objeto de pesquisa, quando ela nos
mostra que:
Novos depoimentos sobre Anísio surgem após sua morte, em artigos
publicados em jornais e periódicos específicos como a Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos e o Anuário Acadêmico de Letras,
entre outros, além de pequenas publicações como a que lhe dedicou a
Fundação Getúlio Vargas e o Instituto Brasileiro de Geografia
(NUNES, 2000, p. 13).

Os impressos nesse contexto auxiliaram a autora na busca de informações


sobre sua personagem, presente no contexto da época, trazendo dados nesses impressos
sobre o que pensavam ou escreviam a seu respeito.
No trabalho de Marta Maria Chagas de Carvalho sobre “Molde Nacional e
Fôrma Cívica”, podemos constatar, também, o uso dos impressos como um mecanismo
que lhe possibilitou obter elementos sobre seu objeto de estudo, além de ter sido usado
como mecanismo de esclarecimento em outras fontes de conhecimento.

A partir das informações colhidas neste exame, o corpus documental


foi expandindo para publicações dos conselheiros mais atuantes, para
reportagens e artigos de jornais e de revistas que ampliassem e
esclarecessem as informações veiculadas nas referidas atas
(CARVALHO, 1998, p. 05).

Nesse viés, a imprensa nos proporciona conhecer os diversos semblantes do


processo educativo, permitindo através destes escritos, sejam eles feitos por
profissionais da educação ou não, distinguir as discussões, polêmicas e conflitos que
perpassam e envolvem os indivíduos ou acontecimentos no campo educacional. Pois, “a
controvérsia não deixa de estar presente, no diálogo com os leitores, nas reivindicações
junto aos poderes públicos ou nos editoriais de abertura” (CATANI e BASTOS, 2002,
p. 07).
A imprensa é segundo Nóvoa (2002), talvez, o melhor caminho para
compreender as dificuldades de articulação entre a teoria e a prática, vista como o senso
comum que “perpassa as páginas dos jornais e das revistas ilustra uma das qualidades
principais de um discurso educativo que se constrói a partir de diversos actores em
presença (professores, alunos, pais, associações, instituições, etc.)” (NÓVOA, 2002,
p.13).
Diante de tais indagações, nos remetemos mais uma vez a comungar das
idéias de Nóvoa (2002), quando afirma ser a imprensa um bom caminho para
apreendermos a multiplicidade da área educacional. E assim, ao analisarmos os escritos
é possível,
apreender discursos que articulam práticas e teorias, que se situam no
nível macro do sistema mas também no plano micro da experiência
concreta, que exprimem desejos de futuro ao mesmo tempo que
denunciam situações do presente. Trata-se, por isso, de um corpus
essencial para a história da educação, mas, também para a criação de
uma outra cultura pedagógica (NÓVOA, 2002, p.11).

É interessante destacarmos o quanto a imprensa tem contribuído para o


desenrolar da História, em específico, queremos evidenciar aqui os escritos referentes a
educação, que vem ganhando espaço desde a década de 1970. Já que se participava da
idéia de reconhecer a “importância de tais impressos e não era nova a preocupação de se

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escrever a História da imprensa, mas relutavam em mobilizá-los para a escrita da
História por meio da imprensa” (LUCA, 2006, p.111).
Os Ideários presentes entre os pesquisadores pela busca da verdade absoluta,
da objetividade e neutralidade, têm estabelecido neste sentido uma “hierarquia
qualitativa dos documentos”.

Nesse contexto, os jornais pareciam pouco adequados para a


recuperação do passado, uma vez que essas “enciclopédias do
cotidiano” continham registros fragmentários do presente, realizados
sob o influxo de interesses, compromissos e paixões. Em vez
permitirem captar o ocorrido, dele forneciam imagens parciais,
distorcidas e subjetivas (LUCA, 2006, p.112).

Mas a partir de um novo olhar sobre as fontes documentais, estabelecidas


pela Nova História, surge um alargamento do pensar histórico. E a imprensa segundo
Luca (2006) embebido das idéias de José Honório Rodrigues, passa a enxergar o jornal
“como uma das “principais fontes de informação histórica,” ponderava que “nem
sempre a independência e exatidão dominam o conteúdo editorial,” caracterizado como
mistura do imparcial e do tendencioso, do certo e do falso” (LUCA, 2006, p.116).
Desse modo, ao fazermos uso da imprensa como mecanismo de
investigação, é necessário nos atermos também a suas armadilhas, e não aceitarmos
totalmente o que encontramos. Aproximando-se de seu objeto de estudo sem antes
filtrá-la através de uma crítica bem mais severa.
Assim, não se deve tomar o documento como a única verdade, seja ele
ligado aos impressos ou a qualquer outro, pois este se mantém cheio de
intencionalidades, interesses próprios e representações, e o pesquisador neste sentido
deve estar alerta para tais questões.

Assim sendo, tomamos a imprensa periódica, em princípio, como


veiculadora de interesses, como um produto social emergente na
sociedade urbana e industrial. Destarte, recusa-se terminantemente a
idéia de que a imprensa seja apenas veiculadora de informações, [...]
imbutida de imparcialidade e de neutralidade diante dos
acontecimentos, como se essa imprensa pudesse constituir uma ilha
diante da realidade histórica na qual se insere (ARAÚJO, 2002, p.94-
95).

É notório percebermos o jogo de interesses e intenções que é visto e


mostrado nos escritos impressos. Pois como nos diz Certeau (2003), “em geral, esta
imagem do “público” não se exibe às claras.”

Mas ela costuma estar implícita na pretensão dos “produtores” de


informar uma população, isto é, “dar forma” às práticas sociais. Até os
protestos contra a vulgarização/vulgaridade da mídia dependem
geralmente de uma pretensão pedagógica análoga: levada a acreditar
que seus próprios modelos culturais são necessários para o povo em
vista de uma educação dos espíritos e de uma elevação dos corações, a
elite impressionada com o “baixo nível” da imprensa marrom ou da
televisão postulada sempre que o público é modelado pelos produtos
que lhes são impostos (CERTEAU, 2003, p.260).

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Dentro desse panorama em que se encontrava a realidade dos impressos, e
por ser um instrumento de pesquisa que, segundo Catani e Bastos (2002), se apresenta
como importante fonte de informação para a história da educação, deve-se enquanto tal
submeter-se ao crivo de uma adequada crítica documental. Já que a imprensa é vista
como um mecanismo que,

[...] capta, transforma e divulga acontecimentos, opiniões e idéias da


atualidade – ou seja, lê o presente – ao mesmo tempo em que organiza
um futuro – as possíveis conseqüências desses fatos do presente – e,
assim, legitima, enquanto passado – memória – a leitura desses mesmos
fatos no presente futuro (CATANI e BASTOS, 2002, p.49-50).

Zaia Brandão, na obra “A Intelligentsia Educacional”, usa o pensamento de


Chartier para nos mostrar as idéias deste em relação a escrita e suas representações
quando nos mostra que,

[...] nenhum texto - mesmo aparentemente mais documental, mesmo o


mais objetivo (...) – mantém uma relação transparente com a realidade
que apreende. O texto, literário ou documental, não pode nunca anular-
se como texto, ou seja, como um sistema construído consoante
categorias, esquemas de percepção e de apreciação [...] aquilo que é
real, efectivamente, não é (ou não é apenas) a realidade visada pelo
texto, mas a própria maneira como ele a cria, na historicidade da sua
produção e na intencionalidade da sua escrita (BRANDÃO, 1999, p.15-
16).

Assim, podemos constatar o quanto a imprensa tem contribuído para a


construção e o entendimento da História da Educação, e ao mesmo tempo rompido com
o preconceito, uma vez que como fonte de informação não era vista como um veículo
impresso neutro, em vista disso é necessário destacar o cuidado que deve existir por
parte do pesquisador, e olhar com mais cautela e criticidade suas idéias e não enxergá-
las como uma verdade única que não precisa ser questionada. Isso é válido não só para
os impressos, mas para toda fonte documental. Desse modo, fica nítido o papel que a
imprensa nas últimas décadas vem mostrando para os estudos dentro da História da
Educação.

Imprensa: objeto de investigação

O uso dos impressos vem ganhando espaço, não apenas como fonte de
pesquisa, mas como objeto de estudo para o entendimento de temas relacionados à
educação. O despertar de interesse de muitos pesquisadores fez com que essa temática
ganhasse novos ambientes.

As pulsões contemporâneas em torno da pesquisa histórico-educacional


têm eleito também a imprensa como fonte e objeto seus. Jornais e
revistas e, particularmente, as revistas pedagógicas – por vezes,
também denominadas por imprensa pedagógica – têm sido enfocadas
diversamente, seja do ponto de vista teórico-metodológico, seja do
ponto de vista da periodização (ARAUJO e SCHELBAUER, 2007,
p.5).

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Carvalho e Inácio Filho (2007), também fazem menção ao desenvolvimento
das pesquisas que tomam a imprensa como objeto de investigação, principalmente, no
campo educacional. Desse modo, afirmam que têm surgido importantes trabalhos os
quais adotaram como objeto de estudo a imprensa educacional, dando assim uma grande
contribuição tanto em “termos de percepção da realidade como de demonstração
metodológica de novas formas de se compreender a educação pela utilização de outras
fontes de informação” (CARVALHO e INÁCIO FILHO, 2007, p. 53).
A “imprensa, sem dúvida, tem configurado como uma dessas novas fontes e
possibilitado, por meio de diversos olhares, a constituição do retrato de um tempo”
(SCHELBAUER, 2007, p.7). Novóa (2002) observa esse mesmo fato quando diz que:

Na verdade, é difícil encontrar um outro corpus documental que traduza


com tanta riqueza os debates, os anseios, as desilusões e as utopias que
têm marcado o projecto educativo nos últimos dois séculos. Todos os
Actores estão presentes nos jornais e nas revistas: os alunos, os
professores, os pais, os políticos, as comunidades... As suas páginas
revelam, quase sempre “a quente”, as questões essenciais que
atravessaram o campo educativo numa determinada época. A escrita
jornalística não foi ainda, muitas vezes, depurada das imperfeições do
quotidiano e permite, por isso mesmo, leituras que outras fontes não
autorizam (NÓVOA, 2002, p.30-31).

É na imprensa que se manifestam vozes que, muitas vezes, não seriam


ouvidas por outros veículos impressos como nas produções acadêmicas ou em livros.
Portanto, é possível através dos jornais, meios de comunicação, conhecer os fatos e
“apreender as multiplicidades do campo educativo”.

Basta ver, por exemplo, o papel extremamente activo desempenhado


pelos professores do ensino primário na dinamização de jornais locais
ou regionais, a importância crescente da imprensa de iniciativa dos
estudantes ou a ação cada vez mais pública dos escritos produzidos
pelas mulheres (NÓVOA, 2002, p.31).

Assim, é por intermédio dos veículos impressos que se manifestam idéias,


problemas, contradições, relações entre teorias e práticas ou acontecimentos ligados ou
não ao meio educacional. Pois esta proximidade em relação ao acontecimento, o caráter
“fugaz e polêmico, a vontade de intervir na realidade que lhe conferem este estatuto
único e insubstituível como fonte para o estudo histórico [...] da educação e da
pedagogia” (NÓVOA, 2002, p.31).
O trabalho de Vanilda Paiva sobre Paulo Freire consegue demonstrar como
os problemas ligados ao campo educacional e ao personagem ao qual ela investigava
(Paulo Freire) eram revelados na imprensa. Isso é demonstrado pela autora quando
descreve dizendo que,

por ocasião do seu lançamento, o programa foi saudado pela imprensa


conservadora do País como um grande acontecimento, sendo ressaltado
em diversos jornais e revistas que a alfabetização em larga escala
através de um método rápido como o do Prof. Paulo Freire desagradava
tanto aos coronéis udenistas e pessedistas quanto aos comunistas,
porque ele ensinava não apenas a ler e escrever, mas também a amar a
democracia (PAIVA, 1983, p.24).

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Além de ser uma fonte indispensável para o entendimento dos estudos
ligados a História da Educação ao mesmo tempo em que vem ganhando cada vez mais
espaço, dentro dessa área de conhecimento, é perceptível o alargamento do uso dos
impressos como objeto de estudo. Uma vez que é através de uma análise mais
aprofundada de um impresso que se torna possível conhecer o que os indivíduos ligados
a educação pensavam ou inscreviam a respeito dos fatos e como as idéias eram
mostradas aos seus leitores.

Vê-se, assim, que a utilização da imprensa, como objeto de análise, em


muito enriquece a observação histórica, principalmente no que
concerne à educação: normalmente a imprensa é utilizada apenas como
um recurso complementar, porém nos últimos anos vem contribuindo
sobremaneira para novos estudos ligados ao campo educacional
(CARVALHO, 2002, p.72).

Entre as várias obras que já fazem uso dos impressos como fonte e objeto de
estudo, podemos destacar, nesse artigo, o trabalho de Marcus Aurélio Taborda de
Oliveira sobre a Educação Física escolar e Ditadura Militar no Brasil.

É preciso reconhecer a dupla possibilidade de utilização de periódicos


pela história da educação: como fonte e como objeto. Partindo das
possibilidades apresentadas pela análise de periódicos para a escrita da
história da educação, naquilo que diz respeito especificamente à
conformação das práticas escolares, bem como os objetivos desse
trabalho (OLIVEIRA, 2003, p.79).

Ainda nessa mesma linha de pensamento procuraremos destacar o


pensamento de Catani e Bastos (2002), indagando em relação a dupla alternativa dos
estudos referentes a História da Educação quando estas mencionam as investigações
relacionadas às revistas para a pesquisa educacional.

[...] dupla alternativa que as revistas de ensino oferecem aos estudos


histórico-educacionais ao serem tomados simultaneamente como fontes
ou núcleos informativos para a compreensão de discursos, relações e
práticas que as ultrapassam e as modelam ou ao serem investigadas, de
um ponto de vista mais interno, se assim se pode dizer, quando então
configuram-se aos analistas como objetos que explicitam em si
modalidades de funcionamento do campo educacional (CATANI e
BASTOS, 2002, p.7).

Dantas (2008) cita o pensamento de Barreira, quando este em seus estudos


sobre o uso dos periódicos como possibilidade de estudo para a História da Educação,
faz referência aos impressos como objeto de estudo e de investigação, vindo nos afirmar
que:
Eleger periódicos como objeto de estudo permite que o historiador
amplie suas fontes tradicionais e, assim, tenha acesso aos dispositivos
discursivos que configuram determinados campos dos saber. [...] No
que diz respeito aos estudos sobre História da Educação Brasileira, esse
tipo de documentação permite que se ultrapasse a mera história das
idéias pedagógicas. Ao relacionar o texto o seu uso a que foi
submetido, o pesquisador consegue fazer o que Chartier (1987) designa
por ‘captar a história de determinado impresso’ e assim, perceber os
conflitos, maiores e menores que ocasionou desde sua produção até sua

9
circulação e sua apropriação pelos leitores (BARREIRA. Apud:
DANTAS, 2008, p.15).

Entretanto, fica evidente o quanto a imprensa vem ganhando espaço nestes


últimos anos, no ramo da pesquisa, em específico da História da Educação, tanto no seu
uso como fonte e também como objeto. E o quanto estas informações presentes em um
veículo impresso têm para oferecer na busca de um maior entendimento sobre o
funcionamento do campo educacional.

Considerações Finais

Ao traçarmos o espaço que a imprensa conseguiu alcançar dentro das


pesquisas em História da Educação, é notório constatarmos o quanto no decorrer deste
processo o olhar do pesquisador foi rompendo seu preconceito e abrindo novos olhares
e horizontes através destes escritos para compreender o processo histórico dentro do
contexto educacional. Neste sentido, fica evidente que o uso dos impressos para o
entendimento de um objeto é de fundamental importância, pois permite ver os fatos por
um novo caminho. Estudar o próprio impresso como objeto permite ainda mais inovar
as pesquisas dentro dos estudos em História da Educação.

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