Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo:
Este texto aborda sobre fontes históricas escrita. A pesquisa histórica é uma prática que
possibilita descobertas valiosas, as vezes se aproximando da arqueologia, em que vasculhamos e
garimpamos arquivos e acervos, até encontrar as fontes que nos forneçam indícios para análise,
reflexão, escritura e divulgação dos resultados. Além da delimitação temporal, a existência de
fontes é imprescindível para a concretização de uma pesquisa histórica, sejam escritas ou não.
Nesse aspecto o jornal se torna uma possibilidade, aceito por uns e desacreditado por outros.
Assim, cientes desta problemática metodológica, buscamos autores que nos dessem condições
de compreender o jornal como fonte histórica. E para alcançar esse objetivo determinados em:
a) evidenciar a história da escrita histórica; b) apontar as possibilidades e limitações das fontes
impressas; c) analisar os jornais como possiblidade de fontes históricas. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica, em que os resultados evidenciaram a fonte jornal como uma
possibilidade válida para a construção da pesquisa histórica, desde que as ações do pesquisador
sejam orientadas por métodos que sistematizem o processo e deem condições da concretização
do discurso histórico.
Palavras-chave. Metodologia da pesquisa histórica. Fontes históricas. Jornal como fonte
histórica.
1 Introdução
Este artigo é resultado das discussões realizadas na disciplina Seminário, na linha de pesquisa
Fronteiras, Identidades e Cultura e pretende evidenciar aspectos relacionados as fontes ou
documentos históricos, especificamente os jornais. Partimos do questionamento sobre a
possibilidade ou não do jornal ser considerado como fonte histórica. Ressaltamos, que foi
utilizado o termo documento como sinônimo de fonte para a pesquisa histórica, portanto,
alternamos o uso dos dois termos, fontes e documentos. Trata-se de pesquisa bibliográfica, com
328 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, campus
de Cuiabá, Brasil. Docente do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Rondonópolis,
Rondonópolis, Brasil.
299
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
a utilização das ideias de Le Goff (2013), Certeau (2002), Reis (2003), Burke (2008), Capelato
(1988), Grespan (2008), Bouder e Martin (1983), entre outros. A reflexão e discussão sobre
fontes históricas é essencial para o entendimento do processo da pesquisa histórica, uma vez
que um dos requisitos obrigatórios para a realização de tal pesquisa é a existência de fontes.
Espera-se com este texto contribuir para as discussões sobre o tema, principalmente entre os
pesquisadores iniciantes, evidenciando autores relevantes neste cenário.
300
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
somente do ponto de vista dos homens influentes, dos heróis e daqueles que detinham o
poder, defendiam que a história poderia ser contada por meio de fatos aparentemente
corriqueiros e de pessoas simples, inclusive os pobres, mulheres, crianças, negros, que seriam
identificados nas mais diversas fontes e não somente em documentos legais e impressos.
A História Nova estimulou estudos na área que foi denominada História Cultural,
desenvolvida na década de 60 do século XX, sendo que os estudos se intensificaram, na década
de 80 e 90 do mesmo século, tendo como estudiosos: Eric Robsbawm, Edward Thompson,
Jacques Le Goff, Roger Chartier, dentre outros, que se empenharam na missão de pintar o
retrato de uma época, conforme enfatiza Burke (2008). Essa História Cultural propiciou a
emergência de estudos sobre os mais diversos temas como: história do jazz, vida cultural dos
pobres, rituais de iniciação dos artesãos, simbolismo dos alimentos, inclusive a história da
leitura, do livro e das bibliotecas (BURKE, 2008), estimulou também a utilização das mais
diversas fontes, assunto que discutiremos a seguir.
301
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
acesso às fontes porque, muitas vezes, esses documentos não são ainda de acesso público e
dependem de direitos autorais.329
A pesquisa histórica envolve - além da delimitação temporal e espacial - a captação,
seleção, organização, transcrição e análise de fontes históricas (documentos), uma vez que se
apropria das mesmas para compor seu corpus de informação que será devidamente
contextualizado, (re)significado e contemplado no âmbito da produção científica, gerando
novos conhecimentos. E o pesquisador que se envereda pelos caminhos da pesquisa histórica,
na intenção de conhecer o que ainda está obscuro, se depara com uma problemática singular:
ele não estava presente durante os acontecimentos, ele apenas tem no seu presente a pretensão
de, por meio das fontes e vestígios, “[...] apreender o mundo dos homens através do estudo de
suas experiências do passado.” (REIS, 2003, p. 241).
Na perspectiva das fontes históricas, estas são os documentos que, segundo Le Goff
(2013), foram escolhidos pelo históriador para serem a base de suas análises, portanto, tornam-
se documentos históricos. Nesse contexto, o documento, engavetado, guardado em um arquivo
é apenas um suporte que contem dados ou informação, porém quando ele recebe o olhar
crítico e analítico do historiador, ele se torna documento histórico. Esses documentos, segundo
Le Goff (2013, p. 485) “[...] não são o conjunto daquilo que existiu no passado [...]”, mas uma
escolha do historiador que faz um recorte do fato histórico, no tempo e no espaço e isto, por si
só, já envolve a subjetividade.
Nesse contexto, Karnal e Tatsch (2011, p. 24) conceituam documento histórico como
“[...] qualquer fonte sobre o passado, conservado por acidente ou deliberadamente, analisado a
partir do presente e estabelecendo diálogos entre a subjetividade atual e a subjetividade
pretérita.” Portanto, os documentos históricos, não falam por si só e não são originariamente
neutros, possuem subjetividade, posto que foi uma criação humana, e recebe no processo de
análise do pesquisador/historiador (sujeito que possui subjetividade), interpretações que não
são neutras, mas constituídas de ideologias e percepções pessoais a partir das vivências e
conhecimentos teóricos do pesquisador.
Essa subjetividade porém, não desautoriza a cientificidade da pesquisa histórica, uma
vez que será o método adotado pelo pesquisador, para o trabalho com as fontes, que propiciará
Ao ano de 2020 e 2021 acrescentou-se a problemática do distanciamento social devido ao COVID-19, que
329
302
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
a objetividade necessária ao caráter da história como ciência, será o método que dará condições
ao historiador de organizar sua atividade de pesquisa, relacionando o momento empírito com a
teoria (GRESPAN, 2008). Para Grespan (2008) há necessidade de ultrapassar a polarização
sujeito-objeto (tanto das Escola Histórica alemã, quanto da Escola Metódica francesa e das
visões pós-estruturalistas), considerando que há subjetividade no objeto, que não é “puro” e
também “[...] o que há de objetivo, de determinação histórica no sujeito do conhecimento, que
não pode jamais ser considerado neutro.” Sendo assim, retomando Karnal e Tatsch (2011, p.
23) o documento “[...] não é tão autônomo como sonhavam positivistas, nem tão submisso
como defende parte do pós-estruturalismo.”
Le Goff (2013) ressalta que durante os séculos XVII e XVIII o documento foi
denominado mais comumente como monumento, que por sua vez, segundo o mesmo autor,
remete à memória, a recordação e seria toda concretização material do espírito humano que se
perpetua, ele atesta que o monumento é “[...] tudo aquilo que pode evocar o passado[...] é um
legado à memória coletiva.” Sendo assim, o monumento seria qualquer recurso material
elaborado pelo ser humano no decorrer de sua trajetória e mantido e/ou conservado para a
posteridade. Foucault ([200-?] apud LE GOFF, 2013) afirma que na história tradicional o
monumento era memorizado e transformado em documento e que na historia atual os
documentos são transformados em monumento. Nesse aspecto, entendemos que há o
exercício da crítica interna do documento, de extrair a memória contida no suporte, de
desestruturar o documento, evidenciando seu aspecto de monumento, expondo suas
subjetividades.
Le Goff (2013) aponta que na concepção positivista, o documento remetia a
objetividade, a manifestação física (escrita) do fato histórico, o próprio testemunho histórico,
que após comprovada sua autenticidade, seria o suporte da verdade histórica. Nessa
perspectiva, o historiador competente iria extrair do documento, o que ele traz de verdade, não
eliminando nem acrescentando nada, ele deveria se manter “[...] o mais próximo possível do
texto.” (LE GOFF, 2013, p. 487), nesse contexto o documento seria sinônimo de texto e não
de discurso.
Havia nesse contexto, o foco no documento escrito como fio condutor da pesquisa, isso
se modifica no decorrer do tempo, principalmente no século XX com os preceitos da História
Nova, exercitada pela Escola dos Annales. Essa abordagem ampliou as possibilidades de temas,
objetos e fontes de pesquisa. Houve iniciativas de estudos que privilegiavam a longa duração,
303
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
304
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
305
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
1945 - sobre as fontes escritas, especificamente documentos oficiais emanados pelas Secretarias
de Educação e Secretaria de Cultura, e pela própria Biblioteca Pública Estadual de Mato
Grosso (objeto da pesquisa) e jornais que fazem referência ao objeto de estudo e ao contexto
cultural de Cuiabá no período de 1930 a 1945. A seguir, discutiremos sobre os jornais como
fonte histórica.
306
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
Nesse contexto, sem desconsiderar a subjetividade das fontes, que como já abordado,
sempre serão resultados de ações humanas, portanto nunca neutras, o historiador poderá
utilizar dos recursos metodológicos disponíveis para, por meio de análise crítica, garantir a
objetividade necessária aos resultados das análises. O historiador deve, a partir do seu
problema, dirigir alguns questionamentos à sua fonte: “Quem são seus proprietários? A quem
se dirige? Com que objetivos e quais os recursos utilizados na batalha pela conquista dos
corações e mentes?” (CAPELATO, 1988, p. 14).
Segundo a mesma autora, todos os jornais tem o objetivo de atingir um determinado
público, atraindo-o para o compartilhamento dos seus interesses, sempre com o objetivo de
conseguir adeptos para uma causa, seja ela política, empresarial ou outra. Portanto, o conteúdo
e a materialidade do jornal se concretizará de acordo com o público a que ele pretende atingir e
307
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
para isso serão utilizadas estratégias como ilustrações, charges, conteúdo mais sóbrio ou
sensacionalista, dependendo do objetivo da publicação (CAPELATO, 1988).
Luca (2008) comenta sobre as mudanças ocorridas na maneira de se abordar a notícia,
dizendo que inicialmente os jornais possuiam claramente o objetivo de doutrinação (séculos
XVIII e XIX) e que a partir da década de 50 do século XX, o foco passou para a veiculação de
informação. Porém, é claro que a apropriação de cada informação pelo leitor acontecerá de
formas diversas, dependendo dos conhecimentos acumulados no decorrer de sua vida e do
contexto histórico, social, político e cultural em que ele vive (CHARTIER, 1999).
Portanto, para lidar com a problemática das informações contidas nos jornais, o
pesquisador deve observar no processo de análise, as condições de sua produção, que envolve a
materialidade a técnica e o conteúdo, que para a autora possuem historicidade, devendo o
historiador identificar a função social da publicação. Em relação a materialidade, Luca (2008)
ressalta que o historiador deve buscar se inteirar do processo de produção do jornal, sua
aparência física, capa, formato, tipo de papel, diagramação, qualidade da impressão, uso ou não
de ilustrações. Chartier (1999) enfatiza que a materialidade, o suporte, poderá fornecer pistas a
respeito de um determinado objeto, que este aspecto influencia na apropriação do leitor
(pesquisador). Sobre isso o autor diz que:
[...] a forma do objeto escrito dirige sempre o sentido que os leitores podem
dar àquilo que leem. Ler um artigo em um banco de dados eletrônico, sem
saber nada da revista na qual foi publicado, nem dos artigos que o
acompanham, e ler o “mesmo” artigo no número da revista na qual apareceu,
não é a mesma experiência. O sentido que o leitor constrói, no segundo caso,
depende de elementos que não estão presentes no próprio artigo, mas que
dependem do conjunto dos textos reunidos em um mesmo número e do
projeto intelectual e editorial da revista ou jornal.
308
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
4 Considerações
O texto visou abordar sobre o caminho da historiografia, evidenciando aspectos
relacionados as fontes históricas jornais. Nesse sentido, acreditamos que alcançamos o objetivo
e enfatizamos a relevância da discussão sobre fontes/documentos históricos, considerando
imprescindível a divulgação das produções sobre, ou, que envolva o assunto. Ou ainda, a
divulgação das próprias fontes que foram encontradas no processo de pesquisa que porventura
sejam desconhecidas do grande público.
309
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
Referências
BOUDER, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Portugal: Europa América, 1983.
BURKE, Peter. O que é história cultural?. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto,
1988. (Coleção Repensando a História).
310
Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X
CERTEAU, Michel de. A Operação historiográfica. In: CERTEAU, Michel de. A Escrita da
história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1999.
GRESPAN, Jorge. Considerações sobre o método. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes
históricas. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2008. P. 291-300.
GINZBURG, Carlo. O Queijo e os vermes. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.
KARNAL, Leandro; TATSCH, Flavia Galli. A memória evanescente. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (org.). O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto,
2011.
LE GOFF, Jacques. Documento Monumento. In: LE GOFF, Jacques. História e Memória. 7.
ed. Campinas: Ed. Unicamp, 2013. p. 485-499.
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p.111-153.
REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade.
Brasília: UNB, 2003.
311