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Anais do Encontro Nacional de História da UFAL, Nº 12, Set/2021 – ISSN 2176-284X

A imprensa escrita como fonte na pesquisa histórica

Sheila Cristina Ferreira Gabriel328

Resumo:
Este texto aborda sobre fontes históricas escrita. A pesquisa histórica é uma prática que
possibilita descobertas valiosas, as vezes se aproximando da arqueologia, em que vasculhamos e
garimpamos arquivos e acervos, até encontrar as fontes que nos forneçam indícios para análise,
reflexão, escritura e divulgação dos resultados. Além da delimitação temporal, a existência de
fontes é imprescindível para a concretização de uma pesquisa histórica, sejam escritas ou não.
Nesse aspecto o jornal se torna uma possibilidade, aceito por uns e desacreditado por outros.
Assim, cientes desta problemática metodológica, buscamos autores que nos dessem condições
de compreender o jornal como fonte histórica. E para alcançar esse objetivo determinados em:
a) evidenciar a história da escrita histórica; b) apontar as possibilidades e limitações das fontes
impressas; c) analisar os jornais como possiblidade de fontes históricas. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica, em que os resultados evidenciaram a fonte jornal como uma
possibilidade válida para a construção da pesquisa histórica, desde que as ações do pesquisador
sejam orientadas por métodos que sistematizem o processo e deem condições da concretização
do discurso histórico.
Palavras-chave. Metodologia da pesquisa histórica. Fontes históricas. Jornal como fonte
histórica.

1 Introdução
Este artigo é resultado das discussões realizadas na disciplina Seminário, na linha de pesquisa
Fronteiras, Identidades e Cultura e pretende evidenciar aspectos relacionados as fontes ou
documentos históricos, especificamente os jornais. Partimos do questionamento sobre a
possibilidade ou não do jornal ser considerado como fonte histórica. Ressaltamos, que foi
utilizado o termo documento como sinônimo de fonte para a pesquisa histórica, portanto,
alternamos o uso dos dois termos, fontes e documentos. Trata-se de pesquisa bibliográfica, com

328 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, campus
de Cuiabá, Brasil. Docente do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Rondonópolis,
Rondonópolis, Brasil.

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a utilização das ideias de Le Goff (2013), Certeau (2002), Reis (2003), Burke (2008), Capelato
(1988), Grespan (2008), Bouder e Martin (1983), entre outros. A reflexão e discussão sobre
fontes históricas é essencial para o entendimento do processo da pesquisa histórica, uma vez
que um dos requisitos obrigatórios para a realização de tal pesquisa é a existência de fontes.
Espera-se com este texto contribuir para as discussões sobre o tema, principalmente entre os
pesquisadores iniciantes, evidenciando autores relevantes neste cenário.

2 Os caminhos da escrita da história


A necessidade de se registrar a história remonta, no Ocidente, à antiguidade grega. Os
gregos percebiam a história como individual e local, registravam o presente, não se
preocupando necessariamente com o futuro, que seria uma continuação daquele.
Consideravam a história como imutável, posto que os seres humanos seriam imutáveis, como o
próprio circuito solar e as estações, nesse aspecto, Reis (2003, p. 18) ressalta que para os gregos
“A natureza das coisas seria crescer e declinar e nada de novo ocorreria sob o sol.”
Um segundo momento da escrita da história, estaria relacionado aos romanos, que
iniciariam a ideia de história universal, cujo final seria a salvação. A escrita da história não
estaria mais condicionada ao individual e local, preocupava-se com o futuro, em relação às
conquistas políticas (romanização, o mundo todo seria controlado pelos romanos) e religiosas
(tudo se submetia a vontade divina) a serem empreendidas (BOUDER; MARTIN, 1983).
Até o século XVIII, a história não tinha a pretensão de ser científica. Isso só ocorreu a
partir do século XIX, com os preceitos do positivismo de Auguste Comte, que pensou a ciência
social e humana com a utilização dos métodos aplicados às ciências exatas. O método ideal
estudaria o fato histórico de curta duração, desconsidera de suas operações a subjetividade,
tanto da fonte, quanto do pesquisador, de forma que a fonte deveria ser apenas escrita e
voluntária, focando os sujeitos que praticavam grandes feitos e que estivessem posicionados no
topo da hierarquia. Era destacada a história política e desconsiderado todos os demais aspectos,
como o social, econômico, estético, cultural etc. A fonte ou documento, nesse contexto, seria o
que fundamentaria a escrita da história (LE GOFF, 2013; BOUDER; MARTIN, 1983;
GRESPAN, 2008).
Posteriormente, outras abordagens se fizeram presente, como o materialismo histórico e
a História Nova. Esta, especificamente, foi resultado de um movimento da Escola dos Annales,
que considerava a História não apenas como constituída pelos fatos políticos e religiosos; e

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somente do ponto de vista dos homens influentes, dos heróis e daqueles que detinham o
poder, defendiam que a história poderia ser contada por meio de fatos aparentemente
corriqueiros e de pessoas simples, inclusive os pobres, mulheres, crianças, negros, que seriam
identificados nas mais diversas fontes e não somente em documentos legais e impressos.
A História Nova estimulou estudos na área que foi denominada História Cultural,
desenvolvida na década de 60 do século XX, sendo que os estudos se intensificaram, na década
de 80 e 90 do mesmo século, tendo como estudiosos: Eric Robsbawm, Edward Thompson,
Jacques Le Goff, Roger Chartier, dentre outros, que se empenharam na missão de pintar o
retrato de uma época, conforme enfatiza Burke (2008). Essa História Cultural propiciou a
emergência de estudos sobre os mais diversos temas como: história do jazz, vida cultural dos
pobres, rituais de iniciação dos artesãos, simbolismo dos alimentos, inclusive a história da
leitura, do livro e das bibliotecas (BURKE, 2008), estimulou também a utilização das mais
diversas fontes, assunto que discutiremos a seguir.

3 As fontes: suas possibilidades e limitações


As fontes são suportes de informação, produtos das experiências humanas, elaborados
de forma intencional, onde indivíduos, ou instituições, registram e compartilham seus
conhecimentos, deixando para a posteridade suas considerações sobre um dado pesquisado, ou
sobre sua sensibilidade. Assim, os documentos se tornam fonte para que outros possam beber
novos conhecimentos e o passado, nessa perspectiva, se torna “[...] sólido na estrutura do
tempo.” (REIS, 2003, p. 182), pois estas fontes permitem o diálogo entre indivíduos que vivem
ou viveram em tempos diferentes. Cabe ressaltar que a diferença entre uma fonte para estudos
diversos de uma fonte histórica é a condição de produção, neste caso a fonte histórica é sempre
uma fonte primária, que foi produzida no período que está sendo estudado pelo historiador,
uma fonte que ainda não foi analisada naquela perspectiva que o pesquisador está investigando
naquele momento.
Com a História Nova houve o aumento da diversidade de documentos a serem
utilizados pelo historiador, que criou maiores possibilidades, mas também algumas
dificuldades. Para alguns assuntos há uma gama enorme de fontes e a dificuldade resulta em
decidir o que utilizar e como organizar tais documentos; em outras situações há dificuldade no

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acesso às fontes porque, muitas vezes, esses documentos não são ainda de acesso público e
dependem de direitos autorais.329
A pesquisa histórica envolve - além da delimitação temporal e espacial - a captação,
seleção, organização, transcrição e análise de fontes históricas (documentos), uma vez que se
apropria das mesmas para compor seu corpus de informação que será devidamente
contextualizado, (re)significado e contemplado no âmbito da produção científica, gerando
novos conhecimentos. E o pesquisador que se envereda pelos caminhos da pesquisa histórica,
na intenção de conhecer o que ainda está obscuro, se depara com uma problemática singular:
ele não estava presente durante os acontecimentos, ele apenas tem no seu presente a pretensão
de, por meio das fontes e vestígios, “[...] apreender o mundo dos homens através do estudo de
suas experiências do passado.” (REIS, 2003, p. 241).
Na perspectiva das fontes históricas, estas são os documentos que, segundo Le Goff
(2013), foram escolhidos pelo históriador para serem a base de suas análises, portanto, tornam-
se documentos históricos. Nesse contexto, o documento, engavetado, guardado em um arquivo
é apenas um suporte que contem dados ou informação, porém quando ele recebe o olhar
crítico e analítico do historiador, ele se torna documento histórico. Esses documentos, segundo
Le Goff (2013, p. 485) “[...] não são o conjunto daquilo que existiu no passado [...]”, mas uma
escolha do historiador que faz um recorte do fato histórico, no tempo e no espaço e isto, por si
só, já envolve a subjetividade.
Nesse contexto, Karnal e Tatsch (2011, p. 24) conceituam documento histórico como
“[...] qualquer fonte sobre o passado, conservado por acidente ou deliberadamente, analisado a
partir do presente e estabelecendo diálogos entre a subjetividade atual e a subjetividade
pretérita.” Portanto, os documentos históricos, não falam por si só e não são originariamente
neutros, possuem subjetividade, posto que foi uma criação humana, e recebe no processo de
análise do pesquisador/historiador (sujeito que possui subjetividade), interpretações que não
são neutras, mas constituídas de ideologias e percepções pessoais a partir das vivências e
conhecimentos teóricos do pesquisador.
Essa subjetividade porém, não desautoriza a cientificidade da pesquisa histórica, uma
vez que será o método adotado pelo pesquisador, para o trabalho com as fontes, que propiciará

Ao ano de 2020 e 2021 acrescentou-se a problemática do distanciamento social devido ao COVID-19, que
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impossibilitou o acesso físico aos arquivos.

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a objetividade necessária ao caráter da história como ciência, será o método que dará condições
ao historiador de organizar sua atividade de pesquisa, relacionando o momento empírito com a
teoria (GRESPAN, 2008). Para Grespan (2008) há necessidade de ultrapassar a polarização
sujeito-objeto (tanto das Escola Histórica alemã, quanto da Escola Metódica francesa e das
visões pós-estruturalistas), considerando que há subjetividade no objeto, que não é “puro” e
também “[...] o que há de objetivo, de determinação histórica no sujeito do conhecimento, que
não pode jamais ser considerado neutro.” Sendo assim, retomando Karnal e Tatsch (2011, p.
23) o documento “[...] não é tão autônomo como sonhavam positivistas, nem tão submisso
como defende parte do pós-estruturalismo.”
Le Goff (2013) ressalta que durante os séculos XVII e XVIII o documento foi
denominado mais comumente como monumento, que por sua vez, segundo o mesmo autor,
remete à memória, a recordação e seria toda concretização material do espírito humano que se
perpetua, ele atesta que o monumento é “[...] tudo aquilo que pode evocar o passado[...] é um
legado à memória coletiva.” Sendo assim, o monumento seria qualquer recurso material
elaborado pelo ser humano no decorrer de sua trajetória e mantido e/ou conservado para a
posteridade. Foucault ([200-?] apud LE GOFF, 2013) afirma que na história tradicional o
monumento era memorizado e transformado em documento e que na historia atual os
documentos são transformados em monumento. Nesse aspecto, entendemos que há o
exercício da crítica interna do documento, de extrair a memória contida no suporte, de
desestruturar o documento, evidenciando seu aspecto de monumento, expondo suas
subjetividades.
Le Goff (2013) aponta que na concepção positivista, o documento remetia a
objetividade, a manifestação física (escrita) do fato histórico, o próprio testemunho histórico,
que após comprovada sua autenticidade, seria o suporte da verdade histórica. Nessa
perspectiva, o historiador competente iria extrair do documento, o que ele traz de verdade, não
eliminando nem acrescentando nada, ele deveria se manter “[...] o mais próximo possível do
texto.” (LE GOFF, 2013, p. 487), nesse contexto o documento seria sinônimo de texto e não
de discurso.
Havia nesse contexto, o foco no documento escrito como fio condutor da pesquisa, isso
se modifica no decorrer do tempo, principalmente no século XX com os preceitos da História
Nova, exercitada pela Escola dos Annales. Essa abordagem ampliou as possibilidades de temas,
objetos e fontes de pesquisa. Houve iniciativas de estudos que privilegiavam a longa duração,

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estudos quantitativos com utilização de séries documentais, abordagens econômica e não


apenas política, posteriormente abordagens sociais e culturais e ainda, a aceitação de estudos
que envolviam as representações as ideias, as mentalidades (BURKE, 2008).
O documento, nessa perspectiva, toma uma nova forma, uma nova concepção, continua
a ser protagonista, mas não o único, evocando também aspectos da memória coletiva
(Monumento), assim, Le Goff (2013) entende que houve, portanto modificação no sentido do
documento e este seria considerado pelo historiador como documento monumento, uma vez
que não estaria mais condicionado a se constituir como texto escrito, mas seria suporte da
memória coletiva. O conceito de documento para a História Nova amplia-se para todo o
resultado da manifestação humana, registrada em suportes diversificados (LE GOFF, 2013).
Porém, esta ampliação de possibilidades documentais colocaria como problemática a
validação ou autenticidade do documento. Tudo poderia ser documento histórico? Para Le
Goff (2013) a autenticidade estaria vinculada as condições de produção, distribuição do
documento e ao seu status como instrumento de poder e autoridade.
Na verdade, após apropriação das teorias, compreendo que cabe ao historiador com a
utilização de um método adequado, e utilizando-se de recursos diversos (como exemplo estudo
comparativo e triangulação entre fontes diversas) e suas análise, conferir ao documento ou fonte
a autenticidade necessária para que seja um recurso válido na pesquisa. O documento só se
tornará documento histórico se for visualizado e evidenciado por um historiador, porque
enquanto objeto arquivado ou guardado nas estantes ou gavetas, ele será apenas um
documento. O que fará com que ele se torne uma prova, evidência ou vestígio histórico, será o
olhar do historiador (de seu lugar de fala), suas análises (de posse de uma ampla e profunda
fundamentação teórica) e o registro da síntese deste pesquisador (o discurso). É esta operação
historiográfica que possibilitará ao documento contribuir para a construção do conhecimento
histórico (CERTEAU, 2002).
O pesquisador necessita executar uma seleção cuidadosa e criteriosa das fontes, pois
muitas vezes, estas, estão dispersas e devem ser localizadas e selecionadas; deve estar atento a
questão da preservação física dos documentos, que frequentemente se encontram em má
conservação, tendo o pesquisador que manuseá-lo de forma cuidadosa para não danificá-lo
ainda mais; sendo importante já se ter uma pré-pesquisa para saber se existe alguma fonte
disponível e se estas poderão ser manuseadas. Nesse cenário, o pesquisador deve se preparar
para lidar com: dificuldade na localização dos acervos documentais; a dispersão dos materiais e

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perda de tempo para localizá-los e reuní-los; a tendência à desoganização dos materiais


acumulados, devendo portanto, manter um controle permanente sobre os mesmos
(CAPELATO, 1988).
Nosso posicionamento em relação as fontes/documentos, está em consonância com a
História Cultural, porque nessa perspectiva, os sujeitos são as fontes/documentos, os vestígios,
os rastros, os indícios, que podem ser textuais ou não. É para eles que o pesquisador volta seu
questionamento e diálogo para compor seu corpus, que permitirá a concretização da
investigação (BURKE, 2008; GINZBURG, 2006). Nesse contexto, os documentos seriam todo
o suporte que possa conter informação, ou seja, todo o resultado concreto das ações humanas,
intencionais ou não, constituídos nas diversas instâncias da vida humana, além dos escritos,
soma-se os documentos iconográficos, arqueológicos, fontes orais “[...] e todo e qualquer
mecanismo que possibilite uma interpretação.” (KARNAL; TATSCH, 2011, p. 22).
São os documentos que possibilitam ao historiador o diálogo necessário à captação das
informações pertinentes ao estudo, para tanto, o pesquisador precisa se despir de pré-conceitos
e posicionar-se, tanto no contexto da época em que as fontes foram produzidas, quanto munir-
se das teorias disponíveis sobre o objeto e de suas percepções contemporâneas. Caberá ao
historiador identificar as condições de produção do documento, caracterizar sua estrutura física,
levantar questionamentos e manter-se atento às respostas, que muitas vezes estão implícitas nas
entrelinhas. Quanto a isso Burke (2008, p. 33) afirma que “Os historiadores culturais têm de
praticar a crítica das fontes, perguntar por que um dado texto ou imagem veio a existir, e se, por
exemplo, seu propósito era convencer o público a realizar alguma ação.” No contexto da
História Nova, muda-se o foco do documento para o problema e da pura objetividade para as
possíveis subjetividades, inerentes ao documento e ao sujeito investigador, dessa forma, será a
questão de pesquisa que irá direcionar os questionamentos destinados ao documento, este não
mais falará por si só, conforme a visão positivista.
Sendo assim, a tarefa do historiador é singular, porque mesmo não estando presente no
momento dos eventos ou acontecimentos, ele, por meio das fontes/documentos, realizará um
exercício de questionamento e criticidade das fontes, para tentar evidenciar uma versão do que
ocorreu.
Como abordado, há na atualidade, possibilidades diversificadas de fontes. O nosso
interesse se detém, em um primeiro momento - em função da pesquisa a ser empreendida no
doutorado, que abordará sobre: O Universo do livro em Cuiabá-MT no período de 1930 a

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1945 - sobre as fontes escritas, especificamente documentos oficiais emanados pelas Secretarias
de Educação e Secretaria de Cultura, e pela própria Biblioteca Pública Estadual de Mato
Grosso (objeto da pesquisa) e jornais que fazem referência ao objeto de estudo e ao contexto
cultural de Cuiabá no período de 1930 a 1945. A seguir, discutiremos sobre os jornais como
fonte histórica.

3.1 Fontes escritas: jornais


Os jornais como fonte histórica só foram considerados na historiografia com as
premissas defendidas pela terceira geração da Escola dos Annales, que ampliaram as
possibilidades de temas, objetos e fontes.
Porém, no Brasil, as iniciativas foram de escrever a história da Imprensa, e não a história com o
uso da imprensa, sendo a primeira obra sobre história da imprensa, de maior fôlego, produzida
por Nelson Werneck Sodré, em 1966. Sodré aborda o período de 1808 a 1960 e dentre outros
assuntos, ressalta a chegada dos primeiros jornais em terras brasileiras. Relata que o primeiro
jornal impresso no Brasil foi a Gazeta do Rio de Janeiro, publicado em 1808, sendo um
produto da imprensa oficial, que divulgava os assuntos relacionados a monarquia portuguesa.
Outro jornal publicado por um brasileiro no mesmo ano, só que um pouco antes que a Gazeta,
foi o Correio Brasiliense de Hipólito José da Costa, porém, impresso em Londres. Hipólito,
sem o conrole imposto pelo governo português, tinha maior liberdade de divulgar os assuntos
relacionados ao Brasil e ao cenário internacional (CAPELATO, 1988).
Após 1970, iniciaram-se de forma tímida as pesquisas que se utilizaram dos jornais
como fontes históricas, porém, havia no inconsciente acadêmico a desconfiança em relação a
esses suportes como fontes, pela sua relação ambígua entre imparcial e tendencioso. Nesse
aspecto, há o discurso dos jornalistas, afirmando que divulgam a notícia dos acontecimentos, tal
como eles ocorreram, ou seja, a verdade dos fatos (LUCA, 2008). Porém, desconsideram do
processo os fatores que envolvem a sua produção, desde a escolha do que terá ou não
cobertura jornalística; de como o acontecimento será abordado no texto escrito (falando de
imprensa escrita); o que será excluído ou mantido; se virá na página principal, ou impresso em
um pequeno espaço do todo. Claro que não se pode desconsiderar que a notícia divulgada terá
relação com a realidade vivenciada, no entanto, de acordo com Darnton (2010) não podemos
considerar a notícia como aquilo que realmente ocorreu, mas “[...] uma história sobre o que
aconteceu.”, o autor defende que a informação não deveria ser encarada:

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[...] como se assumisse a forma de fatos objetivos ou pepitas de realidade


prontas para serem garimpadas em jornais, arquivos e bibliotecas, mas como
mensagens que são constantemente remodeladas em seu processo de difusão.
Em vez de lidar com documentos fixos e estabelecidos, precisamos lidar com
textos múltiplos, mutáveis.” (DARNTON, 2010, p. 48).

Talvez a desconfiança e desconforto de alguns históriadores em aderirem ao jornal ou


revista como fonte histórica, foi o fato de terem conhecimento desta impossibilidade de
neutralidade e objetividade total das fontes jornalísticas. No entanto, deve-se considerar que isto
se aplica a qualquer fonte histórica que, produzida por seres humanos, não são passíveis de
neutralidade. Destarte, a percepção em relação aos jornais foi se modificando e, atualmente, há
diversos trabalhos que se utilizam desse suporte como fonte única ou principal para o
desenvolvimento de pesquisas históricas. A respeito do periódico como fonte histórica
Capelato (1988, p. 13) ressalta que os jornais são:

Manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado, a imprensa


possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos
tempos [...] A imprensa registra, comenta e participa da história. Através dela
se trava uma constante batalha pela conquista dos corações e mentes[...].

Nesse contexto, sem desconsiderar a subjetividade das fontes, que como já abordado,
sempre serão resultados de ações humanas, portanto nunca neutras, o historiador poderá
utilizar dos recursos metodológicos disponíveis para, por meio de análise crítica, garantir a
objetividade necessária aos resultados das análises. O historiador deve, a partir do seu
problema, dirigir alguns questionamentos à sua fonte: “Quem são seus proprietários? A quem
se dirige? Com que objetivos e quais os recursos utilizados na batalha pela conquista dos
corações e mentes?” (CAPELATO, 1988, p. 14).
Segundo a mesma autora, todos os jornais tem o objetivo de atingir um determinado
público, atraindo-o para o compartilhamento dos seus interesses, sempre com o objetivo de
conseguir adeptos para uma causa, seja ela política, empresarial ou outra. Portanto, o conteúdo
e a materialidade do jornal se concretizará de acordo com o público a que ele pretende atingir e

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para isso serão utilizadas estratégias como ilustrações, charges, conteúdo mais sóbrio ou
sensacionalista, dependendo do objetivo da publicação (CAPELATO, 1988).
Luca (2008) comenta sobre as mudanças ocorridas na maneira de se abordar a notícia,
dizendo que inicialmente os jornais possuiam claramente o objetivo de doutrinação (séculos
XVIII e XIX) e que a partir da década de 50 do século XX, o foco passou para a veiculação de
informação. Porém, é claro que a apropriação de cada informação pelo leitor acontecerá de
formas diversas, dependendo dos conhecimentos acumulados no decorrer de sua vida e do
contexto histórico, social, político e cultural em que ele vive (CHARTIER, 1999).
Portanto, para lidar com a problemática das informações contidas nos jornais, o
pesquisador deve observar no processo de análise, as condições de sua produção, que envolve a
materialidade a técnica e o conteúdo, que para a autora possuem historicidade, devendo o
historiador identificar a função social da publicação. Em relação a materialidade, Luca (2008)
ressalta que o historiador deve buscar se inteirar do processo de produção do jornal, sua
aparência física, capa, formato, tipo de papel, diagramação, qualidade da impressão, uso ou não
de ilustrações. Chartier (1999) enfatiza que a materialidade, o suporte, poderá fornecer pistas a
respeito de um determinado objeto, que este aspecto influencia na apropriação do leitor
(pesquisador). Sobre isso o autor diz que:

[...] a forma do objeto escrito dirige sempre o sentido que os leitores podem
dar àquilo que leem. Ler um artigo em um banco de dados eletrônico, sem
saber nada da revista na qual foi publicado, nem dos artigos que o
acompanham, e ler o “mesmo” artigo no número da revista na qual apareceu,
não é a mesma experiência. O sentido que o leitor constrói, no segundo caso,
depende de elementos que não estão presentes no próprio artigo, mas que
dependem do conjunto dos textos reunidos em um mesmo número e do
projeto intelectual e editorial da revista ou jornal.

Quanto a técnica, o historiador deve estar atento a “[...] estruturação e divisão do


conteúdo, as relações que manteve (ou não) com o mercado, a publicidade, o público a que
visava atingir, os objetivos propostos.” (LUCA, 2008, p. 138), considerando que fazer uma
leitura crítica da fonte envolve historicizá-la e esclarecer o porque dentre um montante de
fontes, elas foram escolhidas.

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No tocante ao conteúdo, que envolve o processo de apropriação por meio da leitura, o


historiador deverá se munir de um método, análise do discurso por exemplo, que lhe dê
condições de lidar com o conteúdo que possui, originalmente, subjetividade e ainda sofrerá
uma análise composta da subjetividade do outro (o próprio historiador), uma vez que não há
possibilidade de neutralide absoluta do pesquisador, mas um esforço de comprensão, crítica,
reflexão e objetivação dos resultados considerando, conforme Certeau (2002), que o processo
historiográfico infere um lugar social do pesquisador, sua técnica e sua escrita.
Portanto, para lidar com o conteúdo das fontes, o historiador precisa ter claro seu objeto,
problema, objetivos, para que elabore as questões necessárias às fontes e esteja atento aos
detalhes, vestígios e com as “lentes” corretas enxergue as possíveis respostas. De posse dos
dados fornecidos pelas fontes, o historiador poderá, junto com o arcabouço teórico-
metodológico, elaborar sua síntese e registrá-la, construindo portanto, por meio das fontes, um
discurso, ou seja um conhecimento histórico (CERTEAU, 2002).
Entendemos que, na verdade, todas as fontes sejam elas escritas, iconográficas,
arqueológicas ou outra, traz consigo a subjetividade inerente ao ser humano que a produziu,
porque há intencionalidade nas suas ações; mas que há também objetividade, uma vez que os
seres humanos são constituídos pela razão e emoção que vivem em constante disputa, a
objetividade também ocorre por meio do método científico utilizado e da organização das
ideias, culminando em um texto científico (objetivo, que se dá a ver), no entanto sempre
permeadas por sua subjetividade. Então, consideramos a fonte jornal como uma possibilidade
válida para a construção da pesquisa histórica, desde que as ações do pesquisador sejam
orientadas por métodos que sistematizem o processo e deem condições da concretização do
discurso histórico.

4 Considerações
O texto visou abordar sobre o caminho da historiografia, evidenciando aspectos
relacionados as fontes históricas jornais. Nesse sentido, acreditamos que alcançamos o objetivo
e enfatizamos a relevância da discussão sobre fontes/documentos históricos, considerando
imprescindível a divulgação das produções sobre, ou, que envolva o assunto. Ou ainda, a
divulgação das próprias fontes que foram encontradas no processo de pesquisa que porventura
sejam desconhecidas do grande público.

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Tomar conhecimento do que acontece, principalmente em relação à vida do outro, do


seu presente e do seu passado, mobiliza diversos profissionais sejam repórteres, cineastas,
artistas plásticos, autores, historiadores, etc.; conhecer o “outro” é uma busca constante de nós
seres humanos. E uma das maneiras de se “conhecer” o outro é por meio da pesquisa histórica,
que se concretiza por meio do exercício historiográfico do pesquisador, que utilizando-se de
fontes/documento e método(s), faz a análise, a crítica, a síntese e registra este novo
conhecimento, que se tornará novo documento (CERTEAU, 2002).
Inserindo-me no universo da pesquisa histórica, percebi as inúmeras possibilidades de
estudo das questões culturais e de fontes, a quase obsessão dos pesquisadores históricos em
vasculhar documentos em busca de pistas que lhe direcionem às respostas(s) aos seus
questionamentos. Por outro lado, percebi também, que nem todos os pesquisadores se
dispõem a caminhar pela pesquisa histórica por considerarem-na um trabalho insalubre,
cansativo, monótono, uma vez que se fica horas, dias, meses e até anos debruçados sobre
inúmeros documentos, algumas vezes muitíssimo danificados, em busca de alguma informação
que lhe possibilite construir um conhecimento a partir de dados que se não fossem
visualizados, ficaria ali, inerte, sem significação.
Por todas as possibilidades e dificuldades, a pesquisa histórica é atraente e sedutora nos
levando a reconstruir e preservar as construções elaboradas através dos tempos e espaços
trilhados pelo homem e são as fontes históricas que permitem ao historiador executar sua
“operação historiográfica”, citando Certeau (2002), sendo os jornais uma possibilidade valiosa
para a pesquisa histórica, desde que seja utilizado o método adequado para sua análise.
Enfim, ao considerar que não há sociedade sem sujeitos e que sem estes não há
conhecimento (REIS, 2003), são os sujeitos que, com suas experiências e memórias,
possibilitam a construção do conhecimento histórico, utilizando-se de “[...] códigos lingüísticos,
práticas especializadas, regimes de verdade, poderes institucionais que são finitos e históricos.”
(REIS, 2003, p. 156).

Referências
BOUDER, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Portugal: Europa América, 1983.
BURKE, Peter. O que é história cultural?. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto,
1988. (Coleção Repensando a História).

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CERTEAU, Michel de. A Operação historiográfica. In: CERTEAU, Michel de. A Escrita da
história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
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