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HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO:

ABORDAGENS PRÁTICAS
AULA 3

Prof. Igor Tadeu Camilo Rocha


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, vamos discutir a respeito da fonte histórica, mais


precisamente sobre um tipo delas, que é o documento escrito. Todo documento
escrito apresenta algumas características que são desafiadoras ao
pesquisador/historiador.
Além disso, existem alguns temas relevantes a serem pensados quanto a
seu acesso, conservação e leitura, o que implica que tenhamos algumas notas
iniciais sobre alguns conhecimentos necessários para qualquer pesquisa
histórica quanto às ciências que nos conferem suporte para executar uma leitura
documental.

TEMA 1 – DOCUMENTO ESCRITO E PESQUISA EM HISTÓRIA

O documento histórico é, a rigor, todo aquele registro que permanece do


passado, com base no qual o pesquisador/historiador poderá empreender uma
pesquisa histórica. Embora a ideia e o conceito de documento estejam muito
longe de serem modernos, as definições que norteiam nossos debates na
contemporaneidade remontam o próprio estabelecimento da história como
ciência. Foustel de Coulanges (1888, p. 29-30), àquela época, admitia que “a
única habilidade” do historiador “consiste em tirar dos documentos tudo o que
eles contêm e em não lhes acrescentar nada do que eles não contêm”. A ideia
era a de contar o passado tal qual ele foi, quase que se transcrevendo na obra
histórica os dados dos documentos referentes ao passado.
De lá até os dias atuais, as definições do documento, assim como seu
tratamento, mudaram bastante na historiografia. Ao contrário do que predominou
entre historiadores como Coulanges, hoje predomina relativo ceticismo quanto à
objetividade deles em retratar o passado como um todo. Grande parte disso se
deve às elaborações teóricas da Escola dos Annales, no início do século XX. Ali,
por exemplo, Le Goff (2013, p. 485), importante historiador dessa escola, diz que
o que sobrevive até o presente não é a totalidade daquilo que existiu no passado,
mas sim uma “escolha efetuada quer pelas forças que operam no
desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se
dedicam à ciência do passado e do tempo, os historiadores.”
Sem a pretensão de nos aprofundarmos no tema, devemos aqui ter em
vista que grande parte das discussões sobre a definição, a objetividade, o

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conteúdo e muitos outros aspectos do documento histórico se dão tendo em vista
a fonte escrita.
Ainda que hoje seja fundamental a importância da ampliação da noção de
documento, incorporando a ela mais elementos e linguagens que tragam
informações sobre o passado histórico que não a escrita, ainda sobrevive a
noção de que, quando existirem, os documentos escritos possuem alguma
centralidade. E isso faz bastante sentido, numa observação preliminar da própria
história dos próprios registros humanos que, posteriormente, são lidos como
documentos que sustentam empiricamente as interpretações possíveis sobre o
passado.
Certas estruturas do passado, como administrativas, legais e jurídicas, ou
mesmo determinadas expressões do pensamento, da religião, da cultura e
outros de sociedades do passado só nos são acessíveis ou o são de maneira
mais completa pela mediação feita por documentos escritos. Isso não reduz,
contudo, a importância de outros tipos documentais, como fílmicos, materiais ou
iconográficos.
Para aprofundarmos a respeito da importância das fontes escritas, será
importante aqui relembrarmos alguns pontos da taxonomia dos documentos. Os
documentos escritos, como explicado por Barros (2012), precisam ser objeto de
uma crítica do pesquisador/historiador, tendo em vista informações que o
definem, classificam e desvelam suas funções, usos e intenções, esmiuçadas ao
máximo.

1.1 Posição do documento escrito

Como vimos, um primeiro aspecto da taxonomia do documento é sua


posição. O pesquisador/historiador, quando analisar o documento quanto à sua
posição, deverá analisá-la:

1. em relação à sua época de elaboração;


2. em relação aos fatos ou ao(s) processo(s) histórico(s) que está(ão) sendo
especificamente examinado(s);
3. quanto à posição ideológica em relação aos acontecimentos narrados pelo
autor da fonte (para o caso de fontes autorais ou institucionais);
4. em relação à posição da fonte em relação ao problema tratado pelo
pesquisador/historiador (Barros, 2012, p. 134).

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Quanto à época, o pesquisador/historiador deverá identificar se é uma
fonte direta ou indireta. Aqui importa saber se o documento em questão funciona
como mediação direta ou indireta entre o leitor do presente e um fato do passado.
Por exemplo, um pesquisador/historiador que esteja investigando civilizações
nativas do Brasil no primeiro século da colonização poderá ter uma fonte direta
no relato de Hans Staden sobre os tupinambás no Brasil, publicada em 1557,
porque ele foi escrito com base em dados recolhidos e narrados pelo autor em
suas duas viagens ao Brasil, no século XVI, nas quais esteve em contato com
os mesmos tupinambás. O mesmo historiador encontrará alguma fonte indireta
se, por exemplo, analisar algum autor que escreveu sua descrição sobre o
mesmo povo levando em conta, por exemplo, os relatos de Staden.
A posição ideológica do autor do documento também é bastante
importante. Manteremos o exemplo no século XIV. Um historiador que analise a
Inquisição espanhola verá esta representada como protetora da ordem na
análise do Manual dos Inquisidores (Eymerich, 1993) na sua versão compilada
pelo inquisidor espanhol Francisco de la Peña, publicada em 1578. Por sua vez,
a mesma Inquisição será retratada como uma inaceitável tirania, de acordo com
o relato do espanhol convertido ao protestantismo e perseguido pela Inquisição
Reginaldus Montanus (Bethencourt, 2000, p. 348).
Finalmente, a posição da fonte em relação ao problema analisado pelo
historiador também é um aspecto fundamental. De acordo com o tema/problema
da pesquisa, o pesquisador/historiador deverá fazer as análises sobre a posição
do documento no seu contexto, tendo em vista também as hipóteses e objetivos
da pesquisa. Dois exemplos, aqui, para esclarecermos melhor esse ponto. Um
é o trabalho de Mattos (2014) a respeito das críticas à Inquisição de Portugal no
século XVII. Ele analisa as posições variadas de agentes produtores dessas
críticas, e o fato de elas próprias se localizarem ideologicamente contra a
instituição interessam ao problema central do trabalho. Num caminho oposto,
Feitler (2005) analisou literatura, no mesmo século, favorável à Inquisição de
Portugal. Assim, a documentação deveria ser posicionada também em função
(em termos de estar direta ou indireta relacionada aos fatos narrados, posição
social e ideológica e do documento na sua época de elaboração) desse
tema/problema.
Quanto ao primeiro elemento da taxonomia, que é a posição do
documento em relação à sua época de elaboração, a posição do documento é

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analisada em relação a pontos como sua procedência ou finalidade. Aqui se
observa se a fonte teve como emissor um agente do estado ou se é uma fonte
de natureza privada, por exemplo. Observa-se se a fonte é oficial, representa
uma instituição ou pessoa. Discutiremos mais a fundo esse ponto no próximo
título.

1.2 Documento oficial

A centralidade do documento escrito na produção histórica se deve muito


à própria definição de documento oficial. Sabemos, ao analisarmos o
estabelecimento da história como ciência, que analisar os meandros da política,
como a formação de territórios e trajetórias de reinos, monarcas e países era seu
foco principal. O documento oficial, por esse caminho, teve importância central
nessa forma de narrar o passado, já que ele oferece, pelas suas funções, acesso
a realidades administrativas, jurídicas, políticas e dos diversos âmbitos do
exercício de poder ao longo da história.
Nesse corpus documental, encontramos ofícios, ordens, alvarás,
mandatos, além de documentos como constituições, cartas régias, processos
jurídicos e criminais, decisões governamentais, entre outros, cujas funções
remetem às funções das autoridades constituídas em determinado contexto.
Um exemplo de fundo em que tais documentos são organizados e podem
ser acessados é o Arquivo Histórico Ultramarino (Portugal, S.d.), no qual estão
localizados documentos administrativos dos antigos domínios coloniais
portugueses.

1.3 Documento institucional

Nessa pesquisa histórica, o pesquisador/historiador poderá encontrar


documentos produzidos por instituições específicas, privadas ou públicas. Trata-
se aqui de documentos como atas de reuniões, relatórios, ofícios, ordens,
documentos de compra e venda, entre outros, que são parte de acervos de
empresas, associações civis ou determinados órgãos públicos, por exemplo.
A pesquisa de Barata (2006) sobre a maçonaria entre o final do século
XVIII e a Independência do Brasil em 1822 recorreu à documentação institucional
no seu corpo principal de fontes, uma vez que a documentação inquisitorial, além
de documentos produzidos por instituições maçônicas, foi consultada e

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analisada. Outro exemplo nesse sentido é o trabalho de Galvão (2015) sobre
censura e críticas à ditadura em novelas exibidas no Brasil nos anos 1970, com
base na análise de documentação institucional dos fundos dos órgãos de
censura do regime militar brasileiro, no Arquivo Nacional.

1.4 Periódicos

O pesquisador/historiador pode se deparar também, na análise da


documentação escrita, com periódicos. Entendemos aqui os periódicos num
sentido amplo, o que engloba jornais, revistas, semanários, revistas científicas,
digestivos culturais, entre muitos outros tipos de publicação que, como
característica central, têm o fato de serem publicadas regularmente em
frequência (diária, mensal, semanal etc.) predeterminada.
Esses documentos podem ser encontrados, por exemplo, nos acervos
disponibilizados pelos próprios periódicos, ou então nas seções de arquivos
dedicadas a esse tipo de documento, as hemerotecas.

Saiba mais

Abaixo, alguns exemplos de acervos que podem ser acessados:


• Acervo do jornal Folha de S. Paulo:
ACERVO Folha. Folha de S. Paulo, S.d. Disponível em:
<https://acervo.folha.com.br/index.do>. Acesso em: 14 jun. 2020.
• Hemeroteca Pública da Biblioteca Nacional:
HEMEROTECA Digital. Biblioteca Nacional Digital, S.d. Disponível em:
<https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em: 14 jun. 2020.
• Memorial da Imprensa do Arquivo Público Mineiro:
MNEMORIAL da Imprensa. Arquivo Público Mineiro, S.d. Disponível em:
<http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/memorial_imprensa/index.php>.
Acesso em: 14 jun. 2020.

1.5 Documentos paroquiais

Sobretudo a partir da década de 1980, muitos historiadores interessados


em documentação seriada e métodos quantitativos voltaram-se aos arquivos
paroquiais. Trata-se de registros de casamentos, matrimônios e óbitos feitos em

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paróquias e outras unidades administrativas da Igreja católica entre os séculos
XV e XX.
O maior acervo dessa tipologia documental é o Family Search (S.d.),
fundo que possui um grande acervo digitalizado de documentos recolhidos de
paróquias em todo o mundo. Ele é voltado, sobretudo, a pesquisas sobre
genealogias e demografia, além de ser muito utilizado em pesquisas
serializadas.

1.6 Documentos literários ou artísticos

Escritos literários, poemas, partituras musicais ou peças de teatro, por


exemplo, são exemplos importantes de documentos escritos com os quais o
pesquisador/historiador poderá se deparar nas suas pesquisas. Darnton (2014),
por exemplo, usou esse tipo de fonte para analisar a importância da poesia e da
música na veiculação de mensagens de teor político no contexto da Revolução
Francesa.
Esse tipo de escrito nos traz informações bem distintas das que
encontraremos, por exemplo, nas fontes oficiais, tendo aí outros critérios de
verdade e outras temporalidades, historicidade e visões de realidade possíveis
de serem encontradas nesse campo de fontes.

1.7 Escritos pessoais

Alguns documentos escritos são oriundos de fundos pessoais, como


cartas, diários, anotações pessoais, entre toda uma diversidade de documentos.
Alguns deles, anos depois, são transcritos e publicados, como é o caso das
Cartas Italianas, escritas pelo iluminista português Verney (2008), no século
XVIII.
Documentos dessa natureza podem ser encontrados em alguns acervos
pessoais, que chegaram às instituições arquivísticas por processos diversos,
como doações. Existe ainda a opção de o pesquisador/historiador chegar a tais
escritos no contato direto com seus autores ou familiares destes, em arquivos e
fundos pessoais.

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1.8 Outros tipos de documentos escritos

Sem dúvida, essas tipologias documentais que vimos anteriormente não


abarcam toda a diversidade de documentos escritos aos quais o
pesquisador/historiador terá acesso em suas pesquisas. Os escritos são tão
diversos quanto as trajetórias humanas e os variados circuitos de elaboração de
escritos, bem como suas funções e intencionalidades.
Assim sendo, de acordo com o recorte temático e cronológico da
pesquisa, o pesquisador/historiador irá se deparar com especificidades da
cultura escrita próprias do contexto histórico em que o documento escrito foi
elaborado. Dentre essas particularidades estão a língua, os caracteres (letras,
símbolos, sinais, signos etc.), materiais (pedra, argila, papiro, papel, mídias
digitais etc.), funções, posições, intencionalidades, entre muitos outros fatores
que merecem atenção.

1.9 Toda leitura documental é uma leitura crítica

Os vários desenvolvimentos da teoria da história, das suas metodologias


e das historiografias de todos os temas históricos mostraram claramente que a
tarefa do historiador é mais complexa do que coletar informações de
documentos. Nenhuma fonte histórica é total, ou seja, não concede algum
acesso por inteiro a uma realidade do passado. Pelo contrário, ela sempre
mostra, com mais ou menos detalhes, com intencionalidades e com base em
posições diversas em seus contextos de produção, aspectos e leituras que foram
possíveis de serem feitas por seus produtores em sua época.
Dessa maneira, um primeiro posicionamento que deve ser adotado pelo
pesquisador/historiador quando acessa um documento, escrito (como os que
estamos aqui analisando) ou não, é que ele traz possibilidades e limites quanto
ao acesso a contextos do passado.
Sendo assim, um pesquisador/historiador habilidoso chegará a boas
análises do passado fazendo os devidos cruzamentos de fontes e dados obtidos
nas análises documentais, que consistem nos cotejos, comparações,
aproximações, confrontamentos e diversas outras operações que coloquem os
dados de múltiplos documentos para dialogarem entre si.
É fundamental, ainda, que o pesquisador/historiador tenha constante
diálogo com os debates teóricos e metodológicos da área e também de outras

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ciências, além da historiografia (clássica e recente) do recorte temático
escolhido, de maneira a se obter o instrumental teórico para problematizar
devidamente as possibilidades e as limitações do documento.

TEMA 2 – LER UM DOCUMENTO ANTIGO

Para classificar documentos segundo as categorias analisadas até aqui,


o pesquisador/historiador precisará, antes de tudo, de recursos que lhe permitam
decodificar a mensagem condida no documento escrito. Em outras palavras,
será necessário lê-lo. Isso parece uma asserção óbvia, mas não é, pois
documentos do passado apresentam dificuldades diversas aos leitores do tempo
presente.
A começar por sua forma. É importante sempre ter em mente que os
documentos históricos foram forjados em seus respectivos contextos, e não
necessariamente (ou muito raramente) são pensados para legar informações a
pessoas de séculos posteriores a ele. Ofícios, cartas ou certidões, por exemplo,
que podem vir a ter grande valor para quem os pesquise séculos depois de
emitidos, mas foram feitos de acordo com necessidades práticas de seu
contexto.
Dessa maneira, é importante ao pesquisador/historiador dialogar com
outras ciências que lidam com a documentação histórica, de maneira a
possibilitar e melhorar seu acesso ao conteúdo dos documentos.

2.1 Diplomática

De acordo com Bellotto (2002, p. 13), a diplomática ocupa-se da estrutura


formal dos documentos. Seu objeto são os elementos intrínsecos e extrínsecos
a ele, de maneira a se levantarem dados como datação, identidade, integridade
e autenticidade de um documento.
Embora a diplomática tenha seu campo independente de atuação, não
sendo acessória a outras ciências, é por meio dela que informações importantes
ao pesquisador/historiador serão obtidas, reforçando-lhe um caráter
propedêutico (no sentido de um conhecimento que, se dominado, dá acesso a
outros). A diplomática terá o instrumental teórico e técnico para mapear a
tramitação, analisando forma do documento, assinaturas, datas e fórmulas de

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um documento administrativo, por exemplo. Assim como é ela quem poderá
checar se determinado documento é um original ou uma cópia.

2.2 Paleografia

A paleografia, a rigor, define um campo de estudos sobre as escritas


antigas. Ao pesquisador/historiador, ela também tem caráter propedêutico, por
possibilitar o acesso direto ao documento escrito sem depender de uma
transcrição prévia, total ou parcial, ou comentários dela (Andrade et al., 2014).
Sua importância é fundamental e, por isso, teremos outro artigo voltado
totalmente à paleografia. Aqui nos importa pontuar que a linguagem do
documento oferece barreiras para o acesso do pesquisador/historiador às suas
informações.
Os caracteres (como letras, números e símbolos, por exemplo) surgem
como um primeiro obstáculo quanto à leitura de escritos de outra época.
Conhecendo os caracteres, ainda há a mutabilidade constante da linguagem.
Ainda que o documento esteja na mesma língua nativa do
pesquisador/historiador, surgem dificuldades como arcaísmos, abreviaturas,
fórmulas ou regras gramaticais não mais usadas. Quando se acessa um
documento noutra língua, a dificuldade é aumentada.

TEMA 3 – CONSERVAÇÃO DE UM DOCUMENTO

Os documentos que acessamos para a pesquisa histórica são guardados


e conservados em algum lugar, segundo alguns critérios. Devemos ter atenção
a dois apontamentos importantes a todo profissional que for lidar com pesquisas
históricas:

• Nem todo documento é conservado e os que são serão escolhidos para


tanto mediante critérios diversos;
• Escolhas e trajetórias dos fundos e acervos documentais, assim como as
políticas e critérios das instituições arquivísticas que o conservam, são tão
importantes ao pesquisador/historiador quanto o próprio documento;

Sobre esse aspecto, Caio Boschi (2012, p. 98) explica de maneira bem
clara:

Ignorar a procedência dos documentos, a forma e as casualidades na


constituição dos acervos, a trajetória das instituições que os produzem

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e que os guardam são graves descuidos cometidos por
pesquisadores... É essencial, pois, que os historiadores participem das
discussões e dos trabalhos relativos a disposição e ao armazenamento
dos conjuntos documentais recolhidos aos arquivos permanentes.

A arquivologia possui e constrói critérios e políticas para conservação e


descarte de documentos. As instituições arquivísticas, assim como os conselhos
nacionais e regionais relacionados à área, além dos que lidam com patrimônio e
memória, desenvolvem sistemas e tabelas de catalogação por função e
temporalidade de documentos, informações com as quais são feitas a sua gestão
(Oliveira, 2007). Dessa maneira, tais normas e políticas, além de tabelas,
catálogos e listas de documentos, precisam ser conhecidas para se procurar um
documento. Junto a isso, a própria trajetória dele até a instituição arquivística e
os critérios de guarda e conservação usados quanto a um documento específico
devem ser objeto de atenção durante uma pesquisa.

3.1 Descarte do documento

Todos os arquivos, instituições arquivísticas e conselhos que aprovam e


formulam políticas arquivísticas possuem claras diretrizes a respeito do descarte
e eliminação dos documentos. O descarte de documentos consiste na
eliminação daqueles que já cumpriram a sua função e não apresentam valor
histórico ou funcional.
É preciso entender que a função dos arquivos não é a de acumular
indefinidamente os documentos. A seleção do que deve ser acumulado e,
consequentemente, o que não deve, necessita de critérios claros. E nem todos
os arquivos possuem, a rigor, uma função histórica. Alguns podem ter finalidades
distintas, como aqueles vinculados a tribunais de justiça ou empresas privadas
ou públicas.
Dessa maneira, o pesquisador/historiador que for a um arquivo precisa,
também, ter em mente que a importância que um documento, fundo ou acervo
tem para a sua pesquisa não necessariamente corresponde àquela que eles
possuem ao arquivo em questão. Assim, um conhecimento quanto às políticas
da instituição arquivística, sua gestão e curadoria, além do diálogo com
profissionais do local, também são importantes à pesquisa.

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TEMA 4 – RESTAURANDO UM DOCUMENTO

Quando falamos de documentos escritos, sabemos que grande parte


deles estará em superfícies moles, como papiro, couro, peles e, sobretudo, no
papel – especialmente tratando-se de documentos antigos disponíveis nos
arquivos brasileiros sobre a história do Brasil. São materiais cuja deterioração
natural é sempre um importante problema ao pesquisador/historiador. É aí que
vemos o papel da preservação e da restauração de documentos.
No trato com documentos históricos, entendemos como preservação o
estabelecimento de uma política geral e, com base nessa política, o
planejamento junto a outras duas áreas, a de conservação preventiva e a de
restauração, visando ações para retardar e prolongar a vida útil dos acervos
culturais, por meio da prevenção e do combate à sua deterioração (Beck;
Guimarães, 2007, p. 47).

4.1 Conservação preventiva dos documentos

A conservação preventiva consiste na adoção de procedimentos que


estabilizem ou amenizem os processos de degradação dos acervos. Essa
degradação natural dos suportes pode acontecer devido a fatores intrínsecos
(acidez, oxidação, baixa qualidade do suporte, etc.) ou extrínsecos (umidade,
ação de insetos, poluição atmosférica, manuseio e armazenamento impróprios
etc.). Instituições arquivísticas possuem setores de conservação próprios, nos
quais os procedimentos nesse sentido são executados, além de também serem
responsáveis por auxiliar eventuais pesquisadores quanto ao melhor manuseio
desses documentos.

Saiba mais

A seguir, alguns exemplos de ações de conservação preventiva em


instituições arquivísticas no Brasil.
• Preservação de documentos – Arquivo Público do Estado do Paraná:
PRESERVAÇÃO de documentos. Arquivo Público do Paraná, S.d. Disponível
em:
<http://www.arquivopublico.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteud
o=37>. Acesso em: 14 jun. 2020.
• Conservação do acervo e bens materiais – Biblioteca Nacional
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CONSERVAÇÃO do acervo e bens materiais. Biblioteca Nacional, S.d.
Disponível em: <https://www.bn.gov.br/biblioteca-
nacional/atividade/conservacao>. Acesso em: 14 jun. 2020.
• Laboratório de conservação e restauração Museu Imperial – Rio de
Janeiro:
LABORATÓRIO de conservação e restauração. Museu Imperial, S.d.
Disponível em: <https://museuimperial.museus.gov.br/laboratorio-de-
conservacao-e-restauracao/>. Acesso em: 14 jun. 2020.

4.2 Restauração de documentos

Eventualmente, os documentos terão algum dano que precisará de ações


pontuais para que dados e parte de sua estrutura material não sejam perdidos
definitivamente. Para tanto, existem os procedimentos de restauração do
documento.
Por restauração denominamos uma política de intervenção individual, que
pode ser considerada uma política a ser definida com antecedência e de acordo
com os recursos que a instituição possui, tais como laboratório de restauração
e restauradores treinados adequadamente para o tratamento dos documentos
que não estão em condições de manuseio e, por conseguinte, de acesso (Beck;
Guimarães, 2007, p. 50).
Tentativas de restauro realizadas por pessoas que não possuem o devido
treinamento e domínio das técnicas apropriadas, assim como desconhecem o
material apropriado à manutenção de documentos e seu manuseio, podem
provocar danos ainda maiores neles, com perdas ainda mais significativas (ou
mesmo total) de informação.

TEMA 5 – ALGUNS OUTROS CONHECIMENTOS RELEVANTES PARA O


ACESSO AO DOCUMENTO ESCRITO

Os documentos, na sua diversidade, contêm muitas informações. Como


já dissemos, são tão variadas quanto os contextos históricos em que são
produzidos ou suas finalidades. Também como vimos há pouco a respeito da
importância da diplomática e paleografia, há outros conhecimentos de

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substantiva importância para se decodificarem informações que constam nos
documentos.

5.1 Numismática

A numismática engloba um campo de estudos sobre a história que


abrange os aspectos econômicos, artísticos e simbólicos das cédulas e moedas
que já existiram em algum contexto histórico, sem, no entanto, ser confundida
com o colecionismo desses materiais. Esse campo engloba ainda o
conhecimento sobre outros objetos monetiformes (ou seja, usados em algum
momento com função análoga a de moedas).

5.2 Heráldica

A heráldica existe desde a Idade Média, englobando ciência e arte de se


descreverem escudos e brasões de famílias, regiões, clãs, grupos, países,
territórios e outros. Seu objeto engloba as linguagens e iconografia desses
brasões, que trazem informações importantes sobre seus contextos históricos.

5.3 Braquigrafia

A braquigrafia compreende o campo de análise de escritas reduzidas, seja


por abreviaturas e reduções de escrita diversas, pelo uso de determinados
símbolos e sinais gráficos. Existem dicionários que auxiliam paleógrafos na
leitura desses sinais, a respeito dos quais nos aprofundaremos em outra ocasião,
quando estudarmos as noções básicas de paleografia.

NA PRÁTICA

A prática aqui proposta visa proporcionar o contato do


pesquisador/historiador com o ambiente do arquivo. Como dissemos, o
conhecimento de seu funcionamento, conceitos e procedimentos é fundamental
para se estabelecer um contato profícuo com a documentação em todas as suas
nuanças.

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Saiba mais

• A primeira atividade proposta é um tour virtual pelo arquivo do Instituto


Histórico Geográfico da Bahia. Nela, é possível conhecer os setores,
ambientes, lugares de guarda e manutenção de documentos, entre diversos
outros pontos. É importante, por exemplo, ter atenção à própria disposição
espacial do arquivo, seus setores, funções, acervos, entre vários outros
aspectos:
IGHB – Instituto Geográfico Histórico da Bahia. Disponível em:
<http://www.bahiaview360.com.br/ighb360/>. Acesso em: 14 jun. 2020.
• Esse tour também pode ser acessado no site da Prefeitura de Salvador, na
aba de divulgação da tour virtual:
TOUR VIRTUAL no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Prefeitura de
Salvador, S.d. Disponível em:
<https://www.salvadordabahia.com/eventos/ficaemcasa-tour-virtual-no-
instituto-geografico-e-historico-da-bahia/>. Acesso em: 14 jun. 2020.
• A outra atividade proposta é assistir aos vídeos institucionais do Arquivo
Público do Paraná, voltados aos temas da restauração e conservação de
documentos.
VÍDEOS sobre conservação de documentos. Arquivo Público do Paraná,
S.d. Disponível em:
<http://www.arquivopublico.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conte
udo=107>. Acesso em: 14 jun. 2020.
O acesso também pode ser feito procurando o site do Arquivo Público do
Paraná, em seguida, dentro dele, a guia Preservação de documentos,
seguindo pela guia Vídeos sobre conservação de documentos. O objetivo é
observar todo o complexo processo de preservação e conservação dos
documentos, envolvendo os laboratórios, materiais e pessoal especializados,
além das unidades específicas dos arquivos nas quais esse processo é
realizado.

FINALIZANDO

Nesta aula, analisamos como o historiador deve lidar com o documento


escrito. De início, retomamos o ponto de que eles devem ser analisados na sua
tipologia e classificados a fim de serem guardados e disponibilizados.

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Ainda vimos que, nas tipologias escritas de documentos históricos, se
apresentam alguns problemas que dificultam sua leitura pelo
pesquisador/historiador do presente, como dificuldades quanto à grafia e a
linguagens do passado.
Não obstante, vimos ainda alguns apontamentos importantes sobre a
conservação dos documentos, sua restauração e políticas de descarte e
conservação deles nos arquivos, de maneira a entendermos que é fundamental
que o pesquisador/historiador conheça, ainda que por alto, as políticas de
conservação, descarte e restauração dos arquivos que pesquisa.

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REFERÊNCIAS

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