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Por Leandro Rocha

 A questão da “oficialidade” dos documentos


nos remete a várias outras questões
relacionadas à pesquisa histórica, aos
procedimentos do historiador.
 Esse mesmo paradigma tradicional partia do
pressuposto que a história deveria ser
baseada em documentos. Até então, havia
uma grande ênfase na necessidade de buscar
a história escrita em registros oficiais,
emanados do governo e preservados em
arquivos.
 A partir dos anos 1930, surge uma outra
forma de fazer história, mais preocupada com
a análise das estruturas, onde são rejeitadas as
histórias dos acontecimentos (événementielle).
Os acontecimentos passam a ser vistos então
como não mais que uma “espuma” nas ondas
do mar da história.
 O historiador não é o cartomante capaz de
evocar a sombra do passado como um “passe
de mágica”. Só podemos alcançar o passado
através de traços, inteligíveis para nós e, na
medida em que estes traços subsistiram, em
que os reencontramos e em que somos
capazes de interpretá-los.
 "Obtemos daí um dos limites mais estreitos,
mais rígidos, onde se acha encerrado o
conhecimento histórico: a possibilidade, a
precisão, o interesse e o valor dele acham-se
determinados pelo fato brutal, totalmente
externo, da existência ou da ausência de uma
documentação conservada relativa a cada
uma das questões que a pesquisa se proporá
a abordar" (Marrou, 1978, 58 e 59).
 O oposto, isto é o excesso de documentos,
torna o historiador perdido numa floresta
impenetrável.

 Continuemos nossa discussão. Uma vez


existindo os traços, o historiador parte para
sua análise, o conhecimento histórico, um
processo coletivo de aproximação com o
passado.
 Por outro lado, tendo os documentos em
mãos, o historiador procede a diferentes
interpretações (infinitas possibilidades de
questões).
 O problema do historiador, portanto,
é não somente descobrir os
documentos (onde e como encontrá-
lo), mas o que procurar para atender à
sua pesquisa.
 O documento para o historiador tem um
significado diferente, por exemplo, daquele que
tem para o arquivista. Somente quanto o
historiador pode e sabe compreender nele alguma
coisa, isto é, quando pode se prestar para a
elaboração do conhecimento histórico, ele adquire
seu valor digamos de uso. Para o historiador, o
documento confunde-se com a memória, isto é,
com os traços do passado.
 Os procedimentos adotados pelos
historiadores na sua prática acadêmica
começam pela formulação de uma
questão. A seguir, este prepara um
dossiê de documentos que com ela
estejam relacionados. Depois, este
procede a um movimento dialético
circular entre o objeto de sua pesquisa
e o documento.
 Como vimos anteriormente, até o começo
deste século, a historiografia era
dominada por uma concepção herdada do
século XIX denominada como "historia
historizante" (Henri Berr) ou "história
factual" (événementielle, Paul Lacomb).
Era a chamada visão positivista da
história. A partir dos anos 1930, ocorre
uma mudança de postura.
 Como conseqüência, muda até mesmo a
concepção do que seja um documento de
arquivo. Muitos historiadores passaram a
discutir o problema: o que guardar nos
Arquivos Históricos se a própria história
muda historicamente e portanto, o que
consideramos imprescindível guardar hoje
pode não sê-lo amanhã? Um eterno problema
que retomaremos mais tarde quando formos
analisar essa mesma questão pelo lado da
arquivologia.
a) história Serial dos historiadores
economistas do Annales, Labrousse,
etc.
b) história quantitativa
c) New Economic History
= ênfase a novas fontes;
 Antes de 30 - documentos somente
textos, após 30 outros suportes
(escritos, cultura material, etc. =
história dos povos sem história) =
revolução quantitativa e qualitativa =
interesse da memória coletiva não se
cristaliza exclusivamente sobre os
grandes homens = novos objetos e
novas abordagens = história
problema
"A revolução documental tende também a
promover uma nova unidade de informação:
em lugar do fato que conduz ao acontecimento
e a uma história linear, a uma memória
progressiva, ela privilegia o dado, que leva à
série e a uma história descontínua. (Goff,
1992, 542)

=PASSAGEM DA ARQUIVOLOGIA À GESTÃO DE


DOCUMENTOS E À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
 A história tradicional dedicava-se a
memorizar os monumento do passados
transformando-os em simples
documentos. A história hoje transforma
os documentos em monumentos
 No estudo histórico da memória
histórica, é necessário dar uma
importância especial às diferenças
entre sociedade de memória
essencialmente oral e sociedade de
memória essencialmente escrita =
domesticação do pensamento
selvagem.
 Analisando documento/monumento como
materiais da memória coletiva e da história,
Le Goff (1992,535), nos informa que o que
sobrevive (tanto de documentos quanto dos
monumentos) não é o conjunto daquilo que
existiu no passado, mas uma escolha
efetuada quer pelas forças que operam na
história, quer pelos que se dedicam à ciência
da história (os historiadores).
 monumento - memini (memória)
 = fazer recordar = sinal do
passado.
 documento - derivado de docere =
ensinar - evoluiu para prova e se
difunde na linguagem jurídica
francesa no sec. XVII e no sec. XIX,
para os positivistas = fundamento do
fato histórico =
 “a única habilidade do historiador
consiste em tirar dos documentos
tudo o que eles contêm e em não lhes
acrescentar nada do que eles não
contêm”.
 A oposição entre uma memória coletiva
que seria popular e oral e uma memória
histórica, erudita e escrita não é pertinente.
A memória histórica tradicional é feita
sistematicamente a partir de uma série de
instituições, da escola aos arquivos,
passando pelas festas e pelos monumentos
de comemoração. Verifica-se uma
justaposição entre a memória e a história.
Como examinar as diversas articulações em
cada um de nós? Essa é a tarefa teórico-
metodológica da ciência histórica hoje.
a) Sobre Arquivos Permanentes
• BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes:
tratamento documentos. São Paulo, T.A Queiroz,
1991.
Trata-se do único manual sobre o tema em língua
portuguesa. Sugiro em especial a leitura do cap. 1 "Da
administração à história: ciclo vital dos documentos" e
os cap. 7 e 8 respectivamente "Identificação de fundos
e Sistemáticas de Arranjo" que descrevem os principio
que norteiam a organização e funcionamento dos
Arquivos Históricos ou Permanentes.
b) Sobre Pesquisa Histórica e documentos de arquivo
• BURGUIÈRE, André. Dicionário das Ciências
Históricas. Rio de Janeiro, Imago, 1993.
Ver o verbete "Documento" que traz uma excelente síntese
da relação história / documentos desde a publicação do "De
re Diplomática" de Mabillon (1681) até a chamada Nova
Historia.
• CARDOSO, Ciro Flamarion; BRIGNOLI, Hector Pérez.
Os métodos da História. Rio de Janeiro, Edições Graal,
1979.
Ver especialmente o Cap I que trata da evolução da ciência
histórica do fato singular à história serial e o Cap. V que faz
uma síntese da História Demográfica.
• DUBY, Georges. A história Continua. Rio de Janeiro,
Zahar; ed. UFRJ, 1993.
George Duby nos dá uma lição prática do historiador e
suas dificuldades no exercício de sua profissão, a questão
dos documentos enquanto material bruto, sua análise e
finalmente, seu reviver enquanto narrativa histórica feita por
historiador de ofício.
• LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas,
Ed. Unicamp, 1992.
O último capítulo deste livro, intitulado
Documento/Monumento, o autor analisa o lento triunfo do
documento sobre o monumento e propõe uma nova
forma de erudição, de critica do historiador que assim
retomaria os aspectos do documento que o transformam
em um monumento, feito intencionalmente por uma dada
sociedade em um dado momento histórico
• MARROU, Henri-Irénée. Sobre o conhecimento
histórico. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
Este autor, principalmente no cap. 3 "a história faz-se com
documentos e no cap. 5 "do documento ao passado", faz
uma brilhante síntese dos problemas que envolvem o
historiador e suas relações com os documentos.
• PROST, Antoine. Douza leçons sur l´histoire. Paris,
Seuil, 1996.

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