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HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA
1 . INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade efetuar uma reflexão acerca das possibilidades
da utilização de fontes orais como ferramenta de pesquisa histórica, seus usos e técnicas a fim
de que dela se possa extrair a informação, senão precisa, pelo menos aproximada da realidade
de fatos históricos que, pelas circunstâncias, pelos locais, pelo ambiente ou pelo
distanciamento temporal, não produziram fontes materiais, como as documentais,
cartográficas, fotográficas, iconográficas, arqueológicas ou outras usadas tradicionalmente na
pesquisa histórica ou, se as produziram, foram perdidas ao longo do tempo.
Porém a fonte histórica oral não precisa necessariamente ser utilizada apenas quando
da verificação de ausência total de outras possibilidades. Pode, e é bastante frequente, que
historiadores lancem mão da oralidade como forma complementar de elucidar um
determinado acontecimento, utilizando o relato oral como fonte para desvendar algum aspecto
do fato cujas demais fontes não deram conta de elucidar de forma plena ou definitiva.
Trata-se de uma metodologia utilizada por pesquisadores das mais variadas áreas das
Ciências Humanas, que tem como finalidade básica a produção de fontes para pesquisa,
conforme afirma Verena Alberti1 em “Fontes Orais: Histórias Dentro da História” 2,
O trabalho com a História oral se beneficia de ferramentas teóricas de diferentes
disciplinas das Ciências Humanas, como a Antropologia, a História, a Literatura, a
Sociologia e a Psicologia, por exemplo. Trata-se pois, de metodologia
interdisciplinar por excelência. (Fontes Históricas, p. 156)
*
Graduado em História (Licenciatura Plena) pelo Centro Universitário Campos Andrade-UNIANDRADE,
especialista em Gestão Educacional pelo Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa e Pós-Graduação-CENSUPEG,,
mestre em História e Regiões pelo Programa de Pós-Graduação em História-PPGH da Universidade Estadual do
Centro-Oeste/UNICENTRO, professor QPM da rede pública do Estado do Paraná, presidente do Instituto
Histórico e Geográfico de São Mateus do Sul-Pr.
1
Verena Alberti, formada em história, mestre em antropologia social e doutora em teoria da literatura, procura
trabalhar com o instrumental teórico dessas três disciplinas em suas atividades de pesquisa e ensino. É
pesquisadora plena do CPDOC-Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da
Fundação Getúlio Vargas. Coordenadora da Documentação; Coordenadora do Setor de História Oral do CPDOC;
Presidente da Associação Brasileira de História Oral. Tem larga experiência na realização de pesquisas de
história oral, incluindo a constituição, a gestão e a preservação de acervos, além da transcrição e publicação de
entrevistas. Em torno dessa metodologia, publicou Manual de história oral (1990, 2004) e Ouvir contar: textos
em história oral (2004), além de diversos artigos. (Fonte: http://cpdoc.fgv.br/equipe/VerenaAlberti).
2
Capítulo do livro Fontes Históricas, Ed. Contexto, 2005
A fonte oral somente passou a ter importância, ou passou a ser considerada como
uma possibilidade concreta de se obter informação sobre o passado de grupos humanos,
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3
Leopoldo Von Ranke, historiador alemão (1795-1886). Peter Burke descreve o paradigm tradicional da
história como “história rankeana”, em alusão às discussões elaboradas pelo historiador alemão.
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O autor utiliza como base para seu o artigo o filme Little big man (ou Pequeno grande homem, no título em
português) de 1970, dirigido por Arthur Pen, o qual retrata Jack Crabb (protagonizado pelo ator Dustin
Hoffman), que na década de 1960 passa seus últimos dias de vida em um asilo para velhos, onde é visitado por
um historiador que deseja conhecer passagens de sua vida. Após certa resistência Crabb concorda, manda ligar o
gravador e passa relatar fatos importantes de sua vida.
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indivíduo até então não era confiável do ponto de vista do historiador, como capaz de
transmitir informações precisas sobre o passado, uma vez que, ainda segundo os ditames da
Escola Metódica, não há como comprovar a veracidade daquilo que ele disse ao pesquisador
sem a análise de documentos escritos.
No Brasil, conforme afirmam Marietta de Moraes Ferreira 5 e Janaína Amado6,
organizadoras do livro Usos & Abusos da História Oral, a introdução da história oral se deu
na década de 1970, porém a expansão de seu uso e consequente popularização entre os
historiadores se deu a partir dos anos 19907, a partir da multiplicação de eventos voltados à
discussão do tema, bem como da incorporação por programas acadêmicos das premissas da
oralidade enquanto meio para busca de informação e produção de fontes.
[...] somente nos anos 90 a história oral experimentou aqui uma expansão mais
significativa. A multiplicação de seminários e a incorporação pelos programas de
pós-graduação em história de cursos voltados para a discussão da história oral são
indicativos importantes da vitalidade e dinamismo da área. (Ferreira e Amado, p.
IX)
Porém, a oralidade, assim como os demais tipos de fontes aceitos pelas escolas
historiográficas, não pode ser usada de forma aleatória ou indiscriminada, como se pudesse
ser considerada verdade absoluta em qualquer circunstância. Assim como em fontes
documentais ou outras, a fonte oral necessariamente precisa ser submetida ao rigor científico,
para que, de sua análise se possa extrair a informação que se busca, com a máxima precisão
possível.
Feitas estas considerações iniciais, o propósito desta reflexão é fazer uma análise,
mesmo que breve e superficial, das possibilidades oferecidas pela oralidade enquanto fonte,
capaz de elucidar fatos ou períodos históricos, ou quando não, fornecer pistas substanciais
para o acesso a outras fontes. Também é propósito desta reflexão analisar algumas técnicas e
métodos a serem aplicados à análise de fontes históricas orais, de modo a atribuir-lhe a
5
Marieta de Moraes Ferreira é Doutora em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense – UFF;
realizou pós-doutorado na École des Hautes Etudes em Sciences Sociales-EHSS, Paris (1996-97), como bolsista
da CAPES. Diretora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getulio Vargas-CPDOC/FGV (1999-2005); professora do Departamento de História do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro-IFCS/UFRJ (desde1988); presidente da Associação
Brasileira de História Oral-ABHO (1994/96); presidente da International Oral History Association-IOHA
(2000/2002); editora da Revista Estudos Históricos - CPDOC (desde 1993); membro do Comitê Editorial da
Revista História Oral;
6
Janaína Amado é professora titular do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), onde
ensina história moderna e história do Brasil; doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo
(1976) e estágios de pós-doutorado no Woodrow Wilson Center for Scholars (washington D.C.,1989), na Johns
Hopkins University (Baltimore, 1990), Universidade de Lisboa (Lisboa, 1996-97) e The Newberry Library
(Chicago, 2000).Atuou como Fulbright Professor em Manhattanville College (Nova York, 2005-6). em
experiência na área de História, com ênfase em História Moderna e História do Brasil
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As autoras contrariam o professor Antonio Cesar de Almeida Santos, que afirmou que no Brasil os relatos orais
em pesquisa acadêmica remontam aos anos de 1950.
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confiabilidade que lhe foi negada pelos historiadores metódicos e resgatada pelos
idealizadores da Nova História.
científico do termo, mas apenas mais uma fonte para pesquisa histórica que poderá ser tomada
como ferramenta por historiadores acadêmicos que eventualmente estejam pesquisando na
mesma área. Além de ter tornado pública a sua fonte de pesquisa, esse pesquisador
transforma-se ele próprio em fonte de pesquisa, uma vez que seu trabalho ao ser utilizado
como fonte por pesquisadores acadêmicos sofrerá certamente a crítica interna 8 e externa9
típica do rigor metodológico.
8
Introdução aos Estudos Históricos. História - UFF - Profª Ana Maria Mauad Crítica interna: “a hermenêutica
impõe freqüentemente o recurso a um estudo lingüístico, a fim de determinar o valor das palavras ou das
frases[...], por outro lado, a hermenêutica obriga a interrogar-se sobre as intenções das pessoas que produziram
os documentos”(p.104). Disponível em http://ieh-uff.blogspot.com.br/ em 10/07/2017, 6:39h
9
Grifo do autor. A crítica externa só se dará quando o conteúdo da entrevista estiver sendo utilizado por outro
pesquisador que não o que produziu a entrevista. Nesse caso a autenticidade da transcrição precisa ser verificada,
o que não ocorre quando o próprio entrevistador está utilizando o conteúdo como fonte de pesquisa, já que,
implícito está, que se o documento (no caso a transcrição da entrevista) foi produzido por ele próprio, logo trata-
se de documento original, dispensando-se nesse caso a verificação da autenticidade..
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XIV)
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Citado por Verena Alberti, Histórias Dentro da História, in. Fontes Históricas
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O ipsis verbis significa “mesmas palavras” e é empregado para se referir a uma linguagem oral, ou seja,
quando ocorre a reprodução total de um discurso ou fala. ( https://www.significados.com.br/ipsis-verbis-e-ipsis-
litteris/, acesso em 17/07/2017, 08:58h)
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5 . Conclusão
A oralidade, como visto, se apresenta então como uma possibilidade concreta de
fonte para a pesquisa histórica, assim como para pesquisas em outras áreas do conhecimento
(Antropologia, Geografia, Sociologia, etc.), oferecendo grandes possibilidades ao pesquisador
na obtenção de informações e na elucidação de determinados fatos relativos ao objeto de
pesquisa inerente ao seu projeto.
O aproveitamento da oralidade entretanto nem sempre se encerra em si própria como
fonte única dentro de uma determinado projeto, e é frequente que isso ocorra, esse tipo de
fonte ser usado associado aos outros tipos de fontes materiais, como documentais,
cartográficas, iconográficas, arqueológicas, etc., aparecendo nesse caso a fonte oral como
elemento de complementação de pesquisa, na elucidação definitiva de aspectos importantes
do objeto pesquisado e não suficientemente explicados pelas demais fontes pesquisadas.
O reconhecimento da oralidade como fonte, ocorrida a partir da Escola Nova, que na
prática acabou reinserindo o homem ou a mulher comum, no contexto historiográfico,
enquanto fonte de pesquisa, trouxe consigo a necessidade de estabelecimento de
determinadas regras ou técnicas para sua utilização, afim de que a pesquisa possa extrair desse
tipo de fonte, informações o mais aproximadas possível da verdade que se busca dentro do
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Volátil como o éter; impalpável (http://www.aulete.com.br/etéreo, acesso em 18/07/2017, 09:30h); vaporoso,
fluído, aéreo, volátil (https://www.sinonimos.com.br/etereo/, acesso em 18/07/2017, 09:32h)
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projeto de pesquisa. Percebe-se segundo a análise de Ferreira e Amado (p. IX), que essas
técnicas foram sendo aprimoradas ao longo do tempo, na medida em que correu a partir da
década de 1990, uma “multiplicação de seminários e a incorporação pelos programas de pós-
graduação em história de cursos voltados para a discussão da história oral”. Esse interesse da
academia pela oralidade como fonte, certamente levou ao aprimoramento dos métodos de
pesquisa com fontes orais, estabelecendo novos parâmetros pra utilização de desse recurso.
Verifica-se entretanto, que muitos pesquisadores, sobretudo os não ligados à
academia, muitas vezes fazem uso equivocado da fonte oral, sem que tomem os cuidados
metodológicos que envolvem o manuseio e interpretação desse recurso, o que acaba
eventualmente produzindo análises equivocadas, ou quando não, superficiais a respeito do
tema pesquisado, o que pode levar à produção de um trabalho com informações imprecisas
que podem induzir seu leitor a erro, ou, a um entendimento superficial.
É preciso, pois, que ao lançar mão da oralidade como fonte de pesquisa histórica, o
historiador se aproprie de conhecimento suficiente a respeito das técnicas e métodos para
utilização desse recurso, a fim de que possa efetivamente produzir um trabalho que, se não
retratar a verdade histórica, se aproxime ao máximo possível dela.
Referências
ALBERTI, V. Fontes Orais: Histórias Dentro da História. In: . Fontes Históricas. São
Paulo: Contexto, 2005. cap. 5, p. 155 – 202.
BURKE, P. A NOVA HISTÓRIA, SEU PASSADO E SEU FUTURO. In: . A escrita da
História: novas perspectivas. 7a. ed. S. Paulo: Editora UNESP, 1992. cap. Introdução, p. 1 –
13. ISBN 85-7139-027-4. Disponível em: <http://etnohistoria.fflch.usp.br/sites/etnohistoria.
fflch.usp.br/files/Burke_Nova_Historia.pdf>. Acesso em: 10/07/2017.
FERREIRA, M. de M.; AMADO, J. Apresentação. In: . Usos & Abusos da História Oral. 3a.
ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. cap. Apresentação, p. vii – xxv. ISBN 85.225.0200-5.
GOFF apud. ALBERTI Verena. in. F. H. J. L. História e Memória. 1a. ed. [S.l.]: Edições 70,
2000.
SANTOS, A. C. de A. FONTES ORAIS: TESTEMUNHOS, TRAJETÓRIAS DE VIDA E
HISTÓRIA. Disponível em: <http://www.uel.br/cch/cdph/arqtxt/
Testemuhostrajetoriasdevidaehistoria.pdf>. Acesso em: 07/07/2017.