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Texto: ALMEIDA, Fábio Ferraz de.

Aspectos práticos da pesquisa empírica em direito: uma discussão a partir da


experiência etnográfica no Tribunal do Júri. Revista de Estudos Empíricos em Direito. Vol. 1, N. 2, jul., 2014, p. 25-39.
Disponível em: <https://reedrevista.org/reed/article/view/23>.

Informações extraídas pelo Lattes (Certificado pelo autor em 18/08/2022.):


Doutor pela Loughborough University, no Reino Unido (2019). Possui
graduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2009) e
mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(2013). Atualmente, é pesquisador de pós-doutorado na University of Jyväskylä,
trabalhando no projeto "Negotiating International Criminal Law: A courtroom
ethnography of trial performance at the International Criminal Court",
financiado pela Academy of Finland. Tem experiência na área de Direito, com
ênfase em Sociologia do Direito, atuando principalmente em pesquisas
empíricas em instituições ligadas ao sistema de justica no Brasil e no Reino
Unido. Membro da Socio-Legal Studies Association (Reino Unido).

Livros publicados/organizados ou edições: Ninguém quer ser jurado: uma


etnografia da participação dos jurados no Tribunal do Júri Fábio Ferraz de
Almeida; História Oral do Supremo.

Linhas de pesquisa: Teoria do Direito, Ética e Construção da Subjetividade e


Language and Social Interaction.

Projetos de pesquisa atuais: Negotiating International Criminal Law: A


courtroom ethnography of trial performance at the International Criminal
Court; JCNE/FAPERJ - A organização social dos "operadores do direito": Uma
sociologia do direito brasileiro em perspectiva comparada; Justiças,
procedimentos e conflitos: As práticas institucionalizadas de administração de
conflitos nas instituições jurídicas do Rio de Janeiro em uma perspectiva
comparada; Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito – NSD; A decisão em
ação: O raciocínio jurídico prático nas formas de administração de conflitos nas
instituições judiciais no Estado do Rio de Janeiro.

Aspectos práticos da pesquisa empírica em direito: uma discussão a partir da experiência etnográfica no
Tribunal do Júri:

Resumo do texto de acordo com o autor: “Neste artigo, estou fundamentalmente interessado em discutir os aspectos
práticos da pesquisa de campo em instituições jurídicas, a partir da experiência etnográfica no Tribunal do Júri em Juiz
de Fora/ MG. Primeiramente, explico como se deu a definição do objeto e a construção do problema de pesquisa. Em
seguida, faço uma apresentação da pesquisa de campo, mostrando o que me guiou e em que direção. Nesta parte, procuro
abordar os principais obstáculos à pesquisa encontrados ao longo do percurso. Conjuntamente, tento comentar como
surgiu a ideia das entrevistas, como as realizei, quais foram as in- quietações e como tratei os dados dessa natureza. O
que proponho é, portanto, discutir a pesquisa empírica não a partir dos seus resultados, mas do processo pela qual ela
foi construída”.

Introdução:

Nos últimos 20 anos, temos acompanhado o crescimento e a consolidação da pesquisa empírica em Direito.
Iniciativas pioneiras como as do Núcleo Fluminense de Estudos e pesquisa (NUFEP), ligado à Universidade Federal
Fluminense (UFF), e do Centro de Estudos em Direito e Sociedade (CEDES), formado por pesquisadores do antigo
Instituto Universitário foram primordiais para a institucionalização de uma agenda de pesquisa empírica em Direito
(Geraldo, Fontainha, & Veronese, 2010). Esse crescente movimento, modifica a forma como se faz e como se discute a
pesquisa em Direito, criando novos debates sobre metodologia, que por vezes foram negligenciados.

Segundo o autor, a ideia de produzir este artigo surgiu após algumas reflexões que ele desenvolveu quando
iniciou a pesquisa que veio a ser a sua dissertação de mestrado. Ele menciona que ao iniciar a revisão da bibliografia
(sobre o Tribunal do Júri no Brasil), percebeu que a grande maioria dos trabalhos ignorava a questão metodológica.
Apenas as teses e dissertações realizadas em programas de pós-graduação em Sociologia e Antropologia pareciam se
esforçar para discutir como o trabalho foi efetivamente construído.

Seu trabalho é fundamentado a partir de duas questões: (i) o que é a metodologia de um trabalho acadêmico
em Direito?; (ii) como uma pesquisa empírica em Direito pode ser debatida? A ideia do autor se baseia na sua experiência
de realização de pesquisa empírica (que se deu durante o mestrado, entre 2011 e 2013). O autor explica, inicialmente,
como se deu a definição do objeto e a construção do problema de pesquisa. Em seguida, ele faz uma apresentação da
pesquisa de campo que o guiou e em qual direção. Explica ainda como surgiu a ideia das entrevistas e como elas foram
realizadas em seu trabalho.

Definindo um objeto:

O seu interesse pela dinâmica do Tribunal do Júri surgiu a partir de uma conversa com um juiz (seu vizinho,
à época). O autor tinha ingressado recentemente no mestrado. Após conversar com o referido juiz, o autor enviou o seu
trabalho de conclusão de curso, o qual era uma investigação empírica na procuradoria do INSS em Juiz de Fora/MG
(2010). Quando o juiz terminou a leitura, questionou o autor sobre a vontade de elaborar algo parecido para o mestrado,
só que desta vez, no Tribunal do Júri, onde ele trabalhava.

Embora receoso, o autor imaginava que já existia uma infinidade de trabalhos etnográficos no júri brasileiro.
Nessa época, ele não tinha se dado conta da importância de possuir o que os etnógrafos chamam de “gatekeeper”
(tradução livre: guardião dos portões ou pessoa que tem acesso a uma categoria ou status). Se ele não contasse com
alguém que abrisse as portas do tribunal, dificilmente poderia realizar a sua pesquisa de campo. Sendo assim, o autor
começou a fazer uma revisão bibliográfica sobre o que já havia sido escrito a respeito do Tribunal do Júri no Brasil,
sobretudo a partir de dados empíricos – para a sua surpresa, a grande maioria dos trabalhos empíricos vinha das áreas
da Antropologia e da Sociologia (ele cita alguns nomes relevantes: Adorno, Figueira, Kant de Lima, etc.), enquanto no
direito, o debate era resumido a questões de direito positivo e alguns poucos trabalhos interdisciplinares.
Justamente por isso, o autor aceitou o desafio de estudar, de dentro, o Tribunal do Júri em Juiz de Fora.

Construindo um problema de pesquisa:

Após definir onde fazer a pesquisa, o autor precisava escolher o que e como pesquisar. Os cânones científicos
tradicionais convencionaram que o pesquisador deve estabelecer quais problemas irá enfrentar e quais hipóteses
pretende testar ao longo da investigação. Todavia, essa postura epistemológica, não dá conta de descrever o processo
através do qual o trabalho é efetivamente construído (Latour & Wolgar, 1979; Latour, 2010; Lynch, 1997). O autor
defende que os problemas de pesquisa são construídos pouco a pouco, entre idas e vindas, do campo à análise dos dados,
já que os fenômenos sociais se encontram em constante atualização (Blumer, 1986; Coulon, 1995; Garfinkel, 1984).
O autor sabia que gostaria de compreender a dinâmica de funcionamento do Tribunal do Júri. Dessa forma,
existia a necessidade de ele ir até o tribunal e observar como as pessoas realizavam suas tarefas cotidianas por lá –
somente assim, seria possível ele vislumbrar melhor com o que trabalhar ao longo da sua pesquisa.

A pesquisa de campo:

A pesquisa teve início em dezembro de 2011. O autor relata como foi a dinâmica para sua chegada até o
Tribunal do Júri, que fica localizado no centro da cidade de Juiz de Fora. O autor descreve o prédio do fórum: é um
prédio de quatro andares onde funciona a Justiça Estadual. No primeiro piso há a parte de distribuição e de protocolo,
onde os advogados entregam suas peças processuais, que são direcionadas às respectivas secretarias. As varas criminais,
incluindo o Tribunal do Júri, ficam no terceiro piso. É interessante que o autor relata TUDO, até mesmo que os portões
do salão do júri estavam fechados quando ele chegou. Ele relata que, assim que a sala foi aberta, ele e as demais pessoas
entraram e se dirigiram às primeiras fileiras, mas o autor optou por ficar a uma distância um pouco maior, onde além de
ouvir bem o que era falado no julgamento, pudesse também observar a movimentação das pessoas que sentaram à sua
frente.

Diante desse primeiro contato, o autor destaca as primeiras pistas de como e com o que trabalhar, haja vista
que percebeu que: 1) o papel do juiz aparentava ser mais importante do que imaginava, era ele quem resumia o conteúdo
dos autos, tentando “traduzir” os termos jurídicos para uma linguagem ordinária; 2) os jurados já pareciam possuir certa
intimidade com o juiz e com os procedimentos, pois em momento algum pediram uma segunda explicação do que
deveria ser feito; 3) o juiz aproveitava o tempo dos debates orais do promotor e do advogado de defesa para realizar
uma série de tarefas práticas a respeito de outros processo (como, por exemplo, assinar papéis) e 4) existia um projeto
para se criar uma associação dos jurados de Juiz de Fora.

Ao final do júri, o autor foi até o gabinete do juiz para conversar, oportunidade em que foi combinado que ele
iniciaria um estágio dentro da secretaria. Tal estágio teria início em janeiro, com o fim do recesso. Assim, o autor poderia
observar de perto os plenários do júri e a dinâmica do trabalho dos servidores (escreventes, assessores e escrivã). Isso
significaria que o autor se tornaria um “membro”, no sentido etnometodológico (a etnometodologia como o estudo dos
etnométodos, isto é, das técnicas culturais utilizadas pelas pessoas para realizar suas tarefas práticas cotidianas) – isto
é, aprendendo as práticas comuns de um determinado grupo social, ele passaria a compartilhar sua linguagem e os
significados de suas ações (Coulon, 1995, p. 47-48; Garfinkel & Sacks, 1970).

Uma observação importante trazia pelo autor: as questões práticas de pesquisa, embora pareçam distantes das
preocupações intelectuais dos pesquisadores, são fundamentais. Realizar uma pesquisa de campo implica em definir
onde fazer, como fazer, com quem falar, como falar, etc. Isto tudo modifica a forma como o trabalho é construído,
devendo sempre estar explicitado ao longo da pesquisa.

Prosseguindo, o autor esclarece que durante o período em que era estagiário/pesquisador no Tribunal do Júri,
ele conseguiu compartilhar e experimentar o mundo social dos que ali trabalham. Todavia, se tornar membro não
significava que o autor seria igual aos servidores, pois as implicações práticas do que acontecia no trabalho eram
diferentes para eles e para o autor (ele cita como exemplo a sua chegada atrasada ou saída adiantada, para ele não gerava
qualquer tipo de reprimenda; já para os servidores, era motivo de comentários debochados ou, até mesmo, uma
advertência formal por parte do juiz).
Obstáculos práticos da pesquisa:

Os problemas de pesquisa são, antes de qualquer coisa, obstáculos práticos (Becker, 1998; Fontainha, 2012;
Geraldo, 2011). Assim que o autor optou por realizar de uma etnografia no Tribunal do Júri em Juiz de Fora alguns
questionamentos foram feitos por ele: o que observar? De onde observar? Por quanto tempo observar? O que anotar?
Como anotar? Com quem interagir? Como interagir?

O objetivo da sua pesquisa de campo era tentar acompanhar um pouco do trabalho rotineiro de cada um dos
funcionários do tribunal. Ele menciona que, além do juiz, eram seis escreventes, uma escrivã, dois assessores, dois
oficiais de justiça e uma estagiária. Trabalhavam para o juiz ainda, um motorista, um segurança e uma secretária e todos
eram importantes para a realização das tarefas cotidianas.

Na primeira semana, o autor se dedicou a acompanhar o trabalho da escrevente que estava substituindo a
escrivã. Todavia, tão logo percebeu que essa estratégia não seria a mais adequada, haja vista a disposição metódica de
reciprocidade ou de continuidade entre suas tarefas. Por mais que as tarefas de cada um deles fossem bem definidas,
volta e meia um conversava com o outro buscando algum tipo de esclarecimento. Sendo assim, o autor decidiu dar
prioridade às audiências e aos júris e, quando não houvesse nenhum dos dois eventos (o que representava a maior parte
do tempo), ele ficaria dentro do cartório observando o trabalho dos funcionários e ajudando no que fosse possível.

Ele esclarece que ter que observar todos esses cenários não foi uma tarefa fácil. Ele sempre tinha um bloco e
uma caneta, mas como os estagiários no Brasil não possuem o costume de fazer anotações, a sua posição de pesquisador
acabava sendo mais nítida. Assim, a posição do autor como como estagiário/pesquisador era ambígua. As anotações do
autor eram rascunhos de um caderno de pesquisa de um etnógrafo. Essas anotações concentraram-se em três momentos
e espaços distintos: (1) as audiências, (2) os júris e (3) o trabalho interno na secretaria.

O autor menciona que tomar notas nas audiências e nos júris era uma tarefa menos trabalhosa, pois em geral
ele apenas um observador. Nas audiências, ele relata que buscava se sentar na cadeira ao lado do escrevente responsável
por datilografar o que o juiz ditava ao longo dessa etapa processual. Nessa posição, ele conseguia escutar bem o que
promotor, juiz, testemunhas e réu falavam. Além disso, ao ficar de frente para o público facilitava a sua tarefa de observar
como as pessoas que assistiam às audiências se comportavam.

Posteriormente, outros questionamentos surgiram: o que observar? De onde?

O autor procurava se sentar num lugar onde ele pensava que poderia prestar a atenção em tudo o que ocorria
no júri. Ao longo das semanas, ele foi percebendo que poderia trocar de posição durante os júris, buscando escutar
melhor o que estava sendo dito e observar mais detalhadamente as reações dos jurados. Mesmo definindo o que observar
e de onde observar, restava saber O QUE anotar. Ele passou a apresentar os seguintes questionamentos: como definir o
tipo de anotação a se fazer? Quão de talhadas deveriam ser as minhas notas? Eu deveria tentar anotar as frases por
inteiro, palavra por palavra? Deveria colocar minhas impressões a respeito do que observara? A preocupação do autor
era: se ele anotasse uma fala completa, poderia perder a fala seguinte; se não anotasse, poderia perder uma ideia
essencial. A partir disso ele chegou à seguinte conclusão: ele decidiu fazer aquilo que estava ao seu alcance, sem se
preocupar com o que supostamente era perdido, porque a pesquisa é feita na “ordem do possível” (Drupet, 2010).

Sendo assim, não existia uma maneira correta ou natural de se escrever sobre o que se observava. Ora, as
questões de interpretação e de percepção, são diferentes descrições das mesmas situações e eventos; elas são escritas de
diferentes pontos de vista; elas moldam e apresentam o que aconteceu de diferentes maneiras. Isso porque, em parte, os
pesquisadores observam pessoas e ocasiões distintas e, também, porque cada um deles fez diferentes escolhas quando
escreveram (Emerson, Fretz, & Shaw, 1995, p. 4-11). Por isso, o autor passou a fazer anotações densas (com diálogos
completos e detalhados) e outras menos refinadas (como ideias gerais). O autor ressalta que, quando o trabalho era
interno, os obstáculos eram ainda mais complexos, haja vista ser difícil fazer anotações de cinco pessoas trabalhando
quase que a tarde toda num espaço aproximado de 70 m² - e, por isso, ele teria que lidar com isso de outra maneira.
Quando o autor estava fora da secretaria, ele podia escrever em seu bloco quase o tempo todo (dentro da secretaria ele
não ficava à vontade, já que não queria que os funcionários ficassem desconfortáveis).

O autor estava naquele ambiente numa dupla condição estagiário/pesquisador; já os servidores não. Nesse
sentido, o autor percebeu que gostaria de preservar a espontaneidade do momento, tomando notas assim que as coisas
fossem faladas e as cenas fossem vistas. Mas, ao mesmo tempo, pensava que sacar o caderno de anotações e tomar notas
poderia arruinar o momento e quebrar a confiança das pessoas. Ele precisou pensar uma forma para lidar com esse
obstáculo e a solução encontrada foi: deixar as anotações para momentos como o lanche e para o final do expediente.
Assim, ele fazia pequenas notas, que poderiam ativar a sua memória à noite, que era o período que ele retornava para
casa e construía um caderno de anotações mais denso. O autor esclarece que essa estratégia exigiu um esforço extra da
sua parte. Escrever um caderno de campo mais denso depois da saída do campo de pesquisa possibilitava a construção
de anotações mais lógicas e detalhadas sobre o que o autor experimentara ao longo do dia (e por questões de facilidade,
ele decidiu fazer suas anotações seguindo uma ordem cronológica).

Outro questionamento que o autor levantou no texto foi: o que ele poderia falar? O que ele não poderia dizer?
O autor salienta que sua posição ambígua (estagiário/pesquisador) possibilitava o aprendizado das tarefas cotidianas de
trabalho e, em outros momentos, ele era reconhecido como pesquisador recebendo informações relevantes sobre o
funcionamento da instituição. Nessa posição, o autor tinha certa autonomia.

Importante destacar que, para ele, as interações com os demais funcionários levantavam uma questão ética de
pesquisa. Sua posição enquanto pesquisador exigia um cuidado muito especial no modo como trataria o que ele
vivenciou ao longo do trabalho de campo. O intuito do autor não era de denunciar alguém ou alguma prática e, sim,
descrever a organização das práticas sociais observadas. O que difereciava o autor não era uma capacidade distinta de
examinar as coisas, mas uma posição diferente dentro da instituição e algum conhecimento metodológico que lhe
permitia perceber a organização dos fenômenos de acordo com determinadas regras que a ciência coloca aos
pesquisadores.

O autor menciona uma situação que vivenciou, na qual uma senhora foi até o balcão e aparentava estar
embriagada. Ela procurava um determinado defensor público. A assessora do juiz a levou até sala de espera do defensor.
Ela disse que a mulher estava mesmo com um baita “bafo de cana”. Ao final, os escreventes perguntaram ao autor se
ele iria colocar esse episódio da mulher bêbada na sua dissertação. Essa passagem fez com que o autor refletisse sobre
o seu trabalho. Isso porque, por mais que um trabalho científico vá ser avaliado por uma banca acadêmica, ninguém
melhor do que os próprios “membros” para analisar a descrição fina daquilo que lhes é familiar (eles se reconhecem no
que está escrito).

Pensando as entrevistas:
O autor descreve que ter ido ao Tribunal do Júri todos os dias o possibilitou a ter uma imensidão de dinâmicas
específicas e contextuais. Por ele não ter se restringido à observação das sessões de julgamento do júri, ele aduz que
isso foi uma opção muito interessante, já que a partir disso ele teve acesso a uma ampla gama de práticas que, embora
fundamentais para a realização ordenada do trabalho rotineiro, são negligenciadas pelas pesquisas em Direito e em
Ciências Sociais. Inclusive, foi a partir de conversas com os escreventes que ele descobriu e entendeu como é feita, por
exemplo, a seleção das pessoas para integrar a lista de jurados, de onde eram sorteados aqueles que efetivamente
participavam do júri. Em razão dessas conversas, o autor teve acesso ao jurado mais antigo do tribunal, o qual foi o
primeiro entrevistado. De acordo com Coulon (1995):

Captar o ponto de vista dos membros não consiste simplesmente em escutar o que dizem nem mesmo
em pedir-lhes que explicitem o que fazem. Isto implica situar as descrições deles em seu contexto, e
considerar os relatos dos membros como instruções de pesquisa (p. 91).

Relata o autor que ao longo das primeiras duas entrevistas, ele buscou seguir os ensinamentos de Coulon e
deixou que os próprios membros me sinalizassem para onde caminhar. Diante das conversas, foi sugerido ao autor que
ele entrevistasse o presidente e o vice-presidente da Associação dos Jurados de Juiz de Fora (todavia, como essa pessoa
estava com sérios problemas pessoais, o autor optou por não o entrevistar).

Embora o autor tivesse a intenção de conversar, uma pesquisa possui um cronograma e um prazo a serem
cumpridos. Então, não é possível passar a vida toda colhendo dados e experimentando essas idas e vindas do campo à
análise, o que acaba gerando violações na “maneira como a pesquisa deveria ser feita”.

Realizando as entrevistas:

O autor tinha como objetivo realizar entrevistas com os jurados vem desde o início do projeto de pesquisa – o
que incluía, ainda, entrevistas do tipo semi-diretiva com outros funcionários envolvidos nas dinâmicas de trabalho do
tribunal (advogados, promotores, etc.). Entretanto, em razão do tempo escasso, da dificuldade de agendar datas e
horários com cada um deles e da necessidade de se fazer um recorte de pesquisa menos amplo, optei por entrevistar
apenas os jurados. Além disso, de certa forma, as conversas diárias com os funcionários supriam parte dessa demanda.
A partir disso, o autor buscava compreender melhor a entrada deles num contexto institucional marcadamente técnico e
burocratizado, ou seja, como eles dão conta de realizar suas tarefas práticas de jurados. Como se manifestavam pouco
ao longo dos júris, o autor tinha a necessidade de escutar os jurados, mesmo que fosse num contexto completamente
diferente, no caso, o de uma entrevista acadêmica.

Sendo assim, ele reflete: definir quem entrevistar é sempre um problema! Num primeiro momento, ele definiu
como estratégia a escolha aleatória levando em consideração a lista de jurados de 2012 (10 a 15 pessoas). Mas, essa
ideia não durou muito. O autor começou entrevistando o jurado mais antigo do tribunal (jurado há 34 anos) – e, assim,
percebeu que não adiantaria planejar uma lista de entrevistados a priori, já era melhor deixar que cada jurado indicasse
outro e, assim, por diante.

Em resumo: ele menciona que tinha dúvidas se os jurados aceitariam ser entrevistados e refletiu bastante sobre
o local em que as entrevistas deveriam ser realizadas. Ao entrar contato com o primeiro entrevistado, ele pediu ao autor
que entrasse em contato na semana seguinte. Quando o contato foi retomado, o entrevistado se colocou à disposição,
mas esclareceu que a entrevista não poderia ultrapassar 40 minutos. O autor foi até a casa do entrevistado que ficava
próxima a uma avenida movimentada da cidade. Ao observar a vizinhança, notou que as casas eram antigas, algumas
com pinturas desgastadas e portões velhos, inferi que se tratava de um bairro de classe média baixa. Ao tocar a
campainha, o entrevistado o atendeu e logo eles foram até o primeiro cômodo da casa, que tinha uma sala de televisão
bem simples, com um sofá antigo e uma poltrona. Antes do autor entrar no assunto da entrevista, ele conversar com o
entrevistado um pouco (sobre futebol, crescimento da cidade), pois queria deixa-lo confortável e relaxado.

A preocupação do autor era a autorização para gravar a conversa, mas ele ressalta que o gravador era uma
ferramenta importante para conseguir se concentrar no entrevistado, a fim de não danificar as interações ao longo da
conversa (olhando apenas para um caderno, por exemplo). Ele conta que o entrevistado aceitou a gravação e, como
forma estratégica, ele colocou o gravador fora do campo de visão do entrevistado. As respostas dele eram curtas e até
mesmo gaguejava, essa postura continuou até quando o autor já havia desligado o gravador. Somente quando o autor
disse “Está certo Sr. Vilson (nome fictício), muito obrigado pela conversa”. Essa frase marcou o final de um determinado
tipo de interação e depois disso, os dois voltarem a conversar, só que sem “estarmos numa entrevista”. Isso fez toda a
diferença já que as falas do entrevistado pareciam estar mais espontâneas – eram falas mais longas, inclusive – e sua
postura havia mudado; ele ria mais e não gaguejava. O autor concluiu a partir disso que, o que faz de uma entrevista
uma entrevista é seu caráter formal e seus marcadores de início e de fim.

Diante dessa reflexão, o autor decidiu modificar algumas características para a entrevista seguinte – deveria
minimizar a formalidade e essa artificialidade. O autor passou a não marcar os encontros como “entrevistas” e, sim,
como “conversas”. O contato do outro jurado foi passado pelo primeiro entrevistado e a conversa com este outro jurado,
segundo o autor, foi bem mais fácil. Eles marcaram na residência do segundo entrevistado, que ficava no centro da
cidade, numa rua movimentada, a duas quadras do fórum. Tratava-se de um prédio, com poucos andares. Após explicar
o objetivo da conversa, a gravação foi aceita pelo segundo entrevistado e ele se mostrou à vontade. Em meio a conversa,
ele fez referência à postura do autor durante a conversa: “Leandro: - Eu te falei no princípio do nosso bate-papo. (...)
Ele tem que perceber... Você tá falando comigo e tá com uma postura de que o papo está interessante. Se ele não
estivesse interessante, você teria uma outra postura.” [Ele movimenta-se no sofá, mostrando uma postura de quem
estaria pouco interessado, com o corpo mais “jogado” no sofá]”.

O autor considerou a frase em questão expressiva, pois mostra a importância da forma que o pesquisador deve
se comportar ao longo de uma entrevista. O fundamental nessas cenas é parecer interessado, por mais que em
determinados momentos da conversa isso seja uma tarefa árdua. O interesse do entrevistado é, muitas vezes, reflexo da
postura do entrevistador. Além disso, o autor não tinha perguntas pré-formuladas; não havia um roteiro e no seu caderno,
ele anotava apenas algumas palavras-chaves ou outras coisas que poderiam ajuda-lo caso ele não percebesse alguma
pista deixada pelo entrevistado. Após essa conversa, o autor foi levado ao presidente da Associação dos Jurados da
cidade de Juiz de Fora/MG. Nessa oportunidade, a entrevista foi realizada numa praça, embora fosse um local aberto
não era barulhento, dando à gravação qualidade razoável.

A conversa teve início com o seguinte questionamento por parte do entrevistado: “Mas então, Fábio, o que é
que você quer saber?”. O autor esclarece que essa frase é perturbadora para o pesquisador, pois a ele cabe a tarefa
perceber a organização da experiência social daqueles que observa e com quem conversa ao longo da investigação.
Ainda assim, ele tentou iniciar a conversa até chegar ao Tribunal do Júri e as perguntas posteriores, assim, eram
formuladas a partir do que eu havia entendido das respostas anteriores. Ao longo da conversa, o entrevistado perguntou
se o autor conversaria com mais alguém e ele informou que pensava em entrevistar o vice-presidente da Associação e
também alguns jurados novatos, para estabelecer uma comparação. O entrevistado foi irônico e disse que talvez não
seria interessante entrevistar um novato, pois provavelmente ele não saberia nada sobre o Tribunal do Júri. Diante dessa
reação, o autor acabou entrevistando uma jurada que havia participado de poucos julgamentos, há cerca de dois anos.
Ela foi minha última entrevistada. O interessante é que esse último entrevistado, ajudou o autor a compreender o que
uma pessoa espera de uma entrevista - o entrevistado possui uma ideia de por que ele foi escolhido e, assim, havia uma
expectativa de que o entrevistador anseie por determinadas informações, no caso, sobre o Tribunal do Júri e a Associação
dos Jurados. O autor encerra esse tópico concluindo que, não é possível negar, portanto, a natureza diferente dos dados
coletados nas entrevistas em relação àqueles advindos da observação participante. Nesse sentido, a pergunta essencial a
ser respondida é: como aquilo que ocorre num contexto de entrevista pode se relacionar com o que é observado fora
dela?

Intensificando a análise dos dados:

Afirmar que análise dos dados coletados é um passo posterior à própria coleta parece contraditório ao que
experimentei ao longo do trabalho, segundo o autor. Isso porque, a pesquisa é um processo dialético, entre as idas e
vindas, do laboratório ao campo (Blumer, 1986; Geraldo, 2011). O autor sempre refletiu sobre que havia visto e
experimentado a cada dia e em seu caderno de campo, tinham comentários que o ajudaram a definir um caminho de
pesquisa. Assim, ele afirma que a análise dos dados foi elaborada desde o início da investigação. Todavia, NÃO É falso
afirmar que a análise é intensificada a cada dia de pesquisa, pois a cada dia que se passava, possuía mais dados e mais
reflexões sobre eles. O autor relata que no início tinha apenas uma vaga ideia do que era o Tribunal do Júri, mas que
graças à experiência adquirida no campo, tudo isso se tornou menos nebuloso. Um exemplo que ele cita é que, ele sabia
como eram os critérios para a escolha dos jurados somente de acordo com o Código de Processo Penal. A partir da
prática (conversas com os escreventes), ele descobriu que a lista de jurados é feita por meio da justiça eleitoral; depois
disso, é feita uma triagem pela escrivã, na qual ela tenta montar uma lista em que as pessoas sejam disponíveis para
atuar nos júris.

Essa experiência é significativa em dois sentidos: no primeiro, ela valoriza a investigação empírica, pois
mostra como o “direito nos livros” é bastante diferente do “direito em ação”; no segundo, ela reforça a ideia de que não
faz muito sentido, nesse tipo de trabalho, pensar em hipóteses e problemas de pes- quisa antes da ida ao campo. Ademais,
o autor considerou que as observações no campo e as entrevistas permitiram que ele percebesse a importância da rotina
de trabalho no tribunal e de sua relação com a criação da Associação dos Jurados e com a discussão sobre democracia
e participação popular.

Considerações finais:

O autor conclui o artigo considerando que: uma pesquisa qualitativa implica em contornar determinados
obstáculos. Antes de serem problemas teóricos, esses obstáculos são também questões práticas. O que estudar? Onde
realizar a pesquisa? Quais métodos empregar? Entre outros questionamentos prévios. Para ele, a pesquisa é uma
construção que envolve muitas idas e vindas. Definir um objeto, construir uma problemática, realizar o trabalho de
campo e analisar os dados coletados não são etapas sucessivas de uma investigação científica. Por isso, discutir uma
pesquisa não é apenas, portanto, debater sobre seus resultados, mas, sobretudo, descrever como ela foi realizada.

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