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AS FONTES E A PROBLEMÁTICA DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO1


André Paulo Castanha/Unioeste2

Introdução

A pesquisa em história da educação está ganhando dia-a-dia mais importância no campo


educacional, visto que, cada vez mais, novos objetos estão sendo trabalhados na sua historicidade.
A história da educação, hoje, não é mais apenas legislação e administração. Ela é história de
instituições, de leitura, de professores, de disciplinas, de didáticas, de métodos, de políticas, da
relação professor-aluno, da cultura escolar. Constitui-se, portanto, numa variedade de objetos que
enriquecem este campo de estudo. Esses novos objetos, por sua vez, ampliam consideravelmente o
conceito de fontes ou documentos relevantes ao trabalho do historiador da educação.
As fontes ou documentos são requisitos fundamentais para a produção e sistematização do
conhecimento histórico. O trabalho de levantamento, catalogação, identificação e interpretação das
fontes são elementos constituintes da pesquisa histórica e representam o alicerce para a preservação
da memória histórica. Dessa forma, a compreensão do conhecimento acumulado historicamente e
da própria História são condições indispensáveis tanto para a produção de novos conhecimentos,
quanto para evitar a sua mera reprodução, ou até mesmo sua manipulação em favor de determinados
segmentos da sociedade. Portanto, conhecimento é poder.
Mas como socializar este saber, ou popularizar este poder? Somente através do
fortalecimento das pesquisas e com a criação de mecanismos de difusão das mesmas é que
poderemos tornar o conhecimento mais democrático.
Nesse sentido, nós do HISTEDOPR estamos trabalhando para ampliar as oportunidades de
pesquisa e o número de pesquisadores na região Oeste do Paraná, bem como criar espaços para a
divulgação dos trabalhos produzidos. A criação do Curso de Especialização em História da
Educação Brasileira com ênfase na pesquisa de temas e problemas regionais foi uma conquista
importantíssima, pois está propiciando discutir questões que antes ficavam de fora e que “não
interessam à graduação”.
A preocupação do grupo de pesquisa em preservar a memória histórica regional e nacional,
principalmente a história da educação ganhou outra dimensão à medida que alguns de seus
membros passaram a orientar monografias sobre a história da educação regional. Evidenciou-se
uma grande carência de acervos documentais relativamente organizados na região. Municípios,
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escolas, sindicatos, associações, etc não têm se preocupado com a preservação da memória. Esse é
um problema grave na região, principalmente se levarmos em conta a sua história recente.
Diante do fato de a região mostrar uma despreocupação com a memória histórica, o grupo
também vem desencadeando atividades que visam conscientizar as autoridades públicas, diretores
de escolas, associações e demais órgãos para que procurem organizar a documentação pertinente a
sua instituição em arquivos adequados. Além disso, também estamos nos empenhando para fazer
um levantamento e catalogação de fontes primárias e secundárias para a história da educação da
região com o objetivo de criar condições favoráveis à atividade de pesquisa.
Fazer um levantamento e catalogação dessas fontes é fundamental para preservar a
historicidade da educação regional. História de escolas (instituições de ensino), trajetórias de
professores, projetos pedagógicos, práticas educativas, políticas educacionais, educação rural,
educação indígena, educação especial, educação à distância, pesquisas temáticas, registros
iconográficos e outros são alguns temas que devem ser buscados, catalogados e preservados. O
objetivo é fazer do resgate e da catalogação dessas fontes um instrumento para preservar a história,
bem como abrir caminho para a realização de novas pesquisas, produzindo, assim, novos
conhecimentos.
O presente trabalho é apenas um ensaio inicial, que visa estimular o debate e colaborar nas
discussões sobre as questões das fontes e da pesquisa histórica. O texto procura discutir na primeira
parte vários aspectos concernentes às fontes, abordando questões conceituais e referentes ao
trabalho de análise e interpretação dos documentos. Na segunda parte apresentar-se-á algumas
informações básicas para quem vai se dedicar à prática da pesquisa em história da educação. Por
fim o texto faz algumas considerações sobre a necessidade de preservação da memória histórica.

As Fontes e a Problemática da Pesquisa

As fontes ou documentos são indispensáveis para a sistematização de todo conhecimento


histórico. O trabalho de identificação, do uso e a interpretação das fontes são elementos
constituintes do caráter e da qualidade da pesquisa histórica. As fontes não falam por si, como
afirmam os positivistas, mas são, de fato, os vestígios, as testemunhas e manifestam as ações do
homem no tempo, por isso respondem como podem por um número limitado de fatos.
Segundo Saviani:

As fontes estão na origem, constitui o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da construção
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historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico estudado.


Assim, as fontes históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e flui a
história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos, são a fonte do
nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, e nelas que se apóia o conhecimento que
produzimos a respeito da história. (2004, p. 5-6).

Lombardi segue o mesmo raciocínio ao afirmar que,

As fontes resultam da ação histórica do homem e, mesmo que não tenham sido produzidas com
a intencionalidade de registrar a sua vida e o seu mundo, acabam testemunhando o mundo dos
homens em suas relações com outros homens e com o mundo circundante, a natureza, de forma
que produza e reproduza as condições de existência e de vida. (2004, p. 155).

Cabe, portanto ao pesquisador a tarefa de localizá-las, selecioná-las e interrogá-las. O


sucesso da empreitada vai depender da qualidade das perguntas que forem feitas aos documentos.
Como afirma, Ragazzini,

a fonte é uma construção do pesquisador, isto é, um reconhecimento que se constitui em uma


denominação e em uma atribuição de sentido; é uma parte da operação historiográfica. Por outro
lado, a fonte é o único contato possível com o passado que permite formas de verificação. Está
inscrita em uma operação teórica produzida no presente, relacionada a projetos interpretativos
que visam confirmar, contestar ou aprofundar o conhecimento histórico acumulado. A fonte
provém do passado, é o passado, mas não está mais no passado quando é interrogada. A fonte é
uma ponte, um veículo, uma testemunha, um lugar de verificação, um elemento capaz de
propiciar conhecimentos acertados sobre o passado. (2001, p. 14).

Os documentos que provêm do passado certamente não foram elaborados pensando no


trabalho dos futuros historiadores, mas sim visavam atender às exigências ou necessidades
específicas de um determinado momento histórico. É evidente que nem todas as ações humanas
ficaram registradas para a posteridade, pois a grande maioria acabou se perdendo no tempo e não
poderão mais ser recuperadas e contadas. Mas os “homens produziram (e ainda produzem)
artefatos, documentos, testemunhos, monumentos entre outros, que tornam possível o entendimento
do homem sobre sua própria trajetória”. (LOMBARDI, 2004, p. 155-6). Os registros históricos são
as peças usadas pelos historiadores para produzir determinadas explicações históricas. Fica claro,
portanto, que a qualidade do conhecimento histórico depende da relação dos historiadores com as
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fontes.
A pesquisa histórica surge de “achados” de novas fontes, de novas conexões entre as
mesmas, de comparações, releituras, ou de inquietações com os acontecimentos ou explicações
existentes, insatisfações que, por sua vez, são provocadas pelo aparecimento de novos pontos de
vista, de novas “teorias”, ou de novas formas de trabalhar com a documentação. (Cf. ARÓSTEGUI,
2006, p. 470).
Segundo Aróstegui, uma pesquisa histórica tem um “tema, mas a problemática de tal tema
não se resolve, evidentemente, na coleta de informações sobre ele”. Para tanto, os historiadores
devem se preocupar com o como articular sua pesquisa, levando em consideração as fontes, a
organização das informações, a tipologia e seu uso, assim como a relação com outras pesquisas da
mesma área, ou similares. Portanto, a “prática da pesquisa histórica tem de ajustar-se à definição
clara de problemas, à formulação de hipóteses, à construção de mecanismos para ‘provar’
comparativamente a adequação de suas explicações”. (Idem, p. 468-9).
Nessa perspectiva, Ragazzini estabelece três níveis de relação entre as fontes. A primeira é
a relação nas quais nasce e se produz o documento; a segunda é a relação que, no âmbito dos
acontecimentos, selecionam, conservam, inventariam e catalogam o documento. Elas podem ser
causais ou intencionais; e a terceira é a relação do leitor intérprete, ou seja, as perguntas/questões
que ele faz aos documentos. (2001, p. 14). Um trabalho consistente com a documentação deve levar
em consideração esses três níveis. Por isso é necessário fazer uma crítica ao documento, refletir
sobre os motivos de sua elaboração, sobre quem foram seus autores, por que foi
conservado/preservado, ou seja, deve-se lê-lo dentro de seu contexto.
Mas mesmo tomando estes cuidados os historiadores devem ter clareza de que a tarefa de
recontar a história é sempre limitada, pois grande parte das fontes já se perderam e as que restam
passaram por uma seleção. Esta seleção foi feita por aqueles que produziram o material, pelos que
conservaram e/ou deixaram que os documentos fossem destruídos (intencionalmente ou não) e pelo
próprio tempo. “Nesse sentido é que a história será sempre um conhecimento mutilado”, pois só
poderemos saber e conhecer a partir do que nos resta dos vestígios humanos. “O passado, nunca é
demais repetir, é uma realidade inapreensível”. (LOPES & GALVÃO, 2001, p. 79).
Ao aceitar que não é possível compreender o passado em plenitude, sempre é bom lembrar
que são as pesquisas e/ou os pesquisadores que selecionam as suas fontes por razões temáticas ou
de métodos. Por isso é importante enfatizar que são as perguntas que o pesquisador faz aos
documentos que lhes conferem sentido e, no limite, respondem a determinados fatos. “Nesse
sentido é que se diz que uma fonte nunca está esgotada e que a história é sempre reescrita, na
medida em que depende do problema proposto a ser enfrentado e, portanto, do tipo de pergunta que
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lhe é formulada”. (Idem, p. 92). Essa idéia é reforçada por Ragazzini, quando afirma que,

Ao representarmos o trabalho historiográfico como uma ponte entre o presente e o


passado – que adquire a sua estabilidade à medida que estabelece um balanceamento
adequado entre a localização, a leitura e o emprego das fontes, de uma parte, e a
determinação dos problemas historiográficos, a construção e o uso dos esquemas
interpretativos -, chegamos a conclusão de que a relação do historiador com as fontes é
uma das bases, um alicerce fundamental da pesquisa. (2001, p. 15).

Ao tomarmos esta perspectiva, como suporte de trabalho devemos contestar a concepção


que considera a abordagem das fontes e o seu uso historiográfico de forma absolutamente objetiva,
subestimando os componentes subjetivos do trabalho do historiador. Nessa corrente se enquadra a
concepção positivista, que considera relevante para a história aquilo que está documentado. Diante
disso ganham importância os fatos da política institucionalizada, tais como: os atos do governo,
atuação de grandes personalidades, questões da política internacional, as guerras, etc. Para os
positivistas as fontes falam por si. (Cf. VIEIRA; PEIXOTO & KHOURY, 1995, p. 14). Da mesma
forma, contemporaneamente, também devemos contestar a concepção inversa, que enfatiza
demasiadamente o papel subjetivo do intérprete na abordagem e no uso das fontes, ou as análises
que consideram somente os aspectos macros, superestruturais, sem dar muita importância aos
documentos. Se do primeiro risco estamos, hoje, mais advertidos, quanto ao segundo permanecem
presentes os riscos de se estabelecer correlações enganosas entre as fontes e as interpretações ou
entre as interpretações e os problemas contemporâneos, as ideologias e os interesses políticos ou
teóricos imediatos.
Para se precaver de tais equívocos, Ragazzini enfatiza sobre a necessidade de se fazer um
retorno às discussões sobre as fontes, respaldado nos conhecimentos recentemente produzidos no
âmbito da metodologia e da epistemologia da história. Segundo ele,

é preciso revelar claramente todas as relações que compõem a cadeia que leva do sinal do
passado ao signo, à significação, à interpretação da história. Nesses termos, faz-se necessária
uma discussão sobre os problemas das fontes para uma História da Educação, tanto do ponto de
vista teórico quanto da prática de pesquisa. (2001, p. 16).

Discutir as fontes, fazer uma crítica dos documentos são requisitos fundamentais para
avançar com segurança no campo da investigação histórica.
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Depois dessas considerações é prudente recuperar rapidamente a relação entre fontes e


escrita da história no campo da história da educação, visto que este está em plena expansão e cada
vez mais vem incorporando pressupostos da história.
Até os primeiros trinta anos do século XX, apenas eram consideradas como fontes
documentos escritos, tidos como confiáveis, ou seja, documentos oficiais. Na História da Educação
não foi diferente, pois durante muito tempo só eram consideradas como fontes as oficiais,
principalmente as escritas, além dessas, também tinham importância obras que os educadores ou
pensadores mais eminentes da época escreviam. No entanto, aos poucos ampliou-se o uso das
fontes, pois as oficiais tornaram-se insuficientes para a compreensão de aspectos fundamentais do
processo educativo. A ampliação do conceito e uso das fontes foi um legado do grupo dos Annales.
Eles passaram a defender que os documentos não falam por si mesmo, mas sim necessitam de
perguntas adequadas. Nesse sentido a intencionalidade passou a ser alvo de preocupação por parte
dos historiadores, “num duplo sentido: a intenção do agente histórico presente no documento e a
intenção do pesquisador ao se acercar desse documento”. (VIEIRA; PEIXOTO & KHOURY, 1995,
p. 15). Ao mesmo tempo em que tivemos uma ampliação do conceito de fontes, tivemos, também
um alargamento dos temas abordados e pesquisados pelos historiadores da educação e,
conseqüentemente a incorporação de novos documentos. Segundo Lopes e Galvão,

Tal como ocorreu em outros domínios da história, os historiadores da educação incorporaram a


idéia de que a história se faz a partir de qualquer traço ou vestígio deixado pelas sociedades
passadas e que, em muitos casos, as fontes oficiais são insuficientes para compreender aspectos
fundamentais: é difícil, por exemplo, senão impossível, penetrar no cotidiano da escola de
outras épocas somente através da legislação ou de relatórios escritos por autoridades do ensino.
(2001, p. 80-1).

De certa forma essa ampliação do uso das fontes acabou provocando, entre os historiadores
uma certa desconfiança e conseqüentemente um abandono das fontes oficiais. Esse abandono tem
levado muitos pesquisadores a entrar num certo modismo da história cultural, que em muitos casos
valoriza demasiadamente as fontes e as relações internas da escola, em relação ao processo mais
geral da sociedade. Trabalhos dessa natureza podem ser importantes do ponto de vista
metodológico, mas não respondem adequadamente para uma compreensão mais ampla da relação
história, sociedade e educação. Ragazzini chama a atenção para a necessidade de se articular melhor
as fontes mais gerais da educação e as fontes específicas do interior da escola. Segundo ele,
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a história da escola se escreve, também a partir da análise dos dados parlamentares, da


legislação, das normas e da jurisprudência, da administração pública, dos balanços econômicos,
enfim, de um conjunto de fontes que provém muito mais da história legislativa, do direito, da
administração pública, da economia, do Estado, dos partidos políticos, que da história da escola
e da educação. (2001, p. 19).

É necessário e fundamental pensar a história da educação articulada com as questões mais


gerais da sociedade. Na produção de uma pesquisa, deve-se levar em conta as relações complexas e
amplas do contexto cultural. No dizer de Ragazzini, “estudo e explico a educação escolar a medida
que estabeleço as suas relações com a história da família, da infância, do trabalho manual, das
profissões, do mercado de trabalho, da política e da política educacional”. Ele afirma ainda, que “as
fontes provenientes das práticas escolares não representam as únicas possibilidades para os estudos
históricos-educativos, portanto não são auto-suficientes, ainda que sejam fundamentais e
significativas”. (Idem, p. 20).
Na produção do conhecimento histórico é imperativo o uso graduado das fontes, pois os
“dados de uma escola não explicam o conjunto da pedagogia geral de uma época e, muito menos, o
contexto histórico geral e a legislação vigente”. (Idem, p. 23). Ao enfatizar a necessidade do uso
gradual e bem articulado das fontes, Ragazzini contribui efetivamente para qualificar a pesquisa
histórica na educação. Segundo ele,

Existem fontes específicas para o estudo de um autor, de um professor excepcional. Existem


fontes para o estudo de uma instituição local, uma escola, um lugar, um ambiente. Na história
local e específica de uma escola, estão dispostos todos os problemas conexos à história desse
local, não obstante eles ganhem significação somente quando colocados em contraste com
outros locais e com o abstrato médium de referência, que é à história nacional. (p. 21).

Nesse sentido, deve-se levar em conta os contextos operativos para explicar cada tema.
Muitas vezes, fontes tidas como indiretas/secundárias são mais reveladoras e permitem articular
melhor o singular com o geral. A relação entre o estudo da escola como uma instituição singular e o
processo geral da educação, necessariamente, deve ser feito. Por isso é fundamental graduar
adequadamente o uso das fontes de informação fazendo a comparação entre a história das escolas
singulares com os estudos de história geral da escola e da educação. Dessa forma, é possível ir além
do estudo das fontes singulares, possibilitando a comparação e a seriação das mesmas.
Uma das questões que incomoda muitos pesquisadores nos tempos atuais refere-se à
questão das fontes diretas e indiretas que podem ser definidas também como primárias ou
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secundárias. Como estabelecer a diferença? Esse é um problema clássico da historiografia. Segundo


Aróstegui,

Uma fonte classificada de direta era um escrito ou relato de alguma testemunha presencial de
um fato, de um protagonista, de uma documentação, às vezes, que emanava diretamente do ato
em estudo. Uma fonte indireta era uma fonte mediada ou mediatizada, uma informação baseada,
por sua vez, em outras informações não testemunhais. Em suma, tratava-se de um critério
classificador aplicável aos escritos em forma de crônicas, de memória, de reportagem. As fontes
eram de um ou outro tipo segundo a forma como a informação era reunida, segundo a
‘proximidade’ da fonte em relação aos fatos narrados. (2006, p. 494-5).

Mas hoje, segue o mesmo autor, “a categorização direta/indireta, sem abandonar de todo
essa noção referente ao grau de originalidade da informação”, que pode ser de “primeira mão ou
não, deve atender primordialmente à funcionalidade ou idoneidade de uma fonte em relação ao tipo
de estudo que se pretende”. Dessa forma, o que define a natureza da fonte ou informação é o tipo de
pesquisa que se pretende, não mais a sua origem. De acordo com Aróstegui ainda, as “fontes podem
ser diretas para um determinado assunto e indiretas para outro”. Com isso, ganha mais destaque na
classificação das fontes a “pertinência metodológica do que à forma de reunir a informação”. (Idem,
p. 495). Ragazzini vai nesse mesmo sentido, quando afirma, que “uma fonte oficial e uma
testemunha oral não tem o mesmo valor, mas, atenção, o valor de uma ou de outra só pode ser
corretamente determinado em relação ao problema pesquisado”. E complementa:

O historiador precisa ser capaz de desvelar todas as passagens que o conduzem da fonte aos
diversos graus do contexto, de utilizar as fontes e os estudos correspondentes àquelas fontes de
forma graduada. Para isso são necessárias uma metodologia e uma teoria historiográfica
apropriadas. (2001, p. 21 e 23).

Depois de todas estas considerações, não tenho dúvidas em afirmar, que é necessário fazer
uma crítica aos documentos e retornar as fontes em determinadas situações, pois só é possível
definir tipologicamente e estabelecer os níveis de generalizações relativos nos contextos estudados
quando correlacionados com outros contextos históricos, políticos, pedagógicos, legislativos, etc.
Portanto, não se deve descartar previamente as fontes, mas sim problematizá-las, discuti-las,
levando em consideração o contexto em que foram produzidas, para quem se destinam e com quais
objetivos foram produzidas.
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As Fontes e a Prática da Pesquisa

O objetivo da prática da pesquisa é produzir um conhecimento que supere o senso comum,


por isso ela deve ser precedida de um tema, de um problema. Desta forma, ao adentrar na pesquisa
histórica é necessário um projeto, se não bem formulado, ao menos um esboço dos procedimentos
elementares para abordá-lo. Cabe ao pesquisador estabelecer um “desenho ou itinerário de maneira
explícita, que sirva de guia para seu trabalho e de orientação na busca de conclusões sobre um
objeto histórico bem definido”. Um bom planejamento deve se basear em “três níveis: o do que se
quer conhecer, o de como conhecer e o da comprovação do conhecido”. (ARÓSTEGUI, 2006, p.
468).
Um fato é inquestionável no trabalho de pesquisa. O melhor caminho para o aprendizado é
o dia-a-dia da prática da pesquisa. No entanto, algumas observações poderão contribuir para tornar
o trabalho inicial dos pesquisadores menos angustiante e talvez despertar nos iniciantes o gosto pelo
mundo dos documentos históricos. (Cf. BACELLAR, 2005, p. 24). Segundo Lopes e Galvão:

O trabalho com as fontes exige, antes de tudo, paciência. Quantas vezes ficamos horas, dias ou
semanas para encontrar um ou dois documentos que interessam à pesquisa? E quando o(s)
encontramos, quanto tempo também despendemos até darmos significação a uma palavra, uma
figura, um símbolo nele(s) contido, que insistentemente nos incomoda, nos remete a um mundo
que desconhecemos e do qual ainda não nos apropriamos? A ansiedade parece ser uma das
principais inimigas do historiador. (2001, p. 92-3).3

Afirmou-se anteriormente que as fontes são as “testemunhas que possibilitam entender o mundo e a
vida dos homens”, e que são muitos os tipos de fontes que foram produzidas ao longo da história,
na relação dos homens com os próprios homens e com a natureza. Material “lítico, cerâmico,
documentos escritos, testemunhos orais, produções iconográficas, audiovisuais, eletrônicos, etc.”.
(LOMBARDI, p. 156). Todos testemunham as ações dos homens no tempo e, portanto, podem ser
usados na produção do conhecimento. Cabe ao pesquisador selecioná-los e fazer as correlações que
forem necessárias. Mas é preciso ir além. Segundo Bacellar ao iniciar a pesquisa documental,

é preciso conhecer a fundo, ou pelo menos da melhor maneira possível, a história daquela peça
documental que se tem em mãos. Sob quais condições aquele documento foi redigido? Com que
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propósito? Por quem? Essas perguntas são básicas e primárias na pesquisa documental, mas
surpreende que muitos ainda deixem de lado tais preocupações. Contextualizar o documento
que se coleta é fundamental para o ofício do historiador. (2005, p. 63).

A pesquisa empírica é algo central nos dias de hoje, principalmente quando está voltada
aos estudos regionais e em especial se o objeto é a história da educação. Assim, deve-se chamar a
atenção para a necessidade de instrumentalizar os pesquisadores e enfatizar a importância dos
documentos. Cabe ao historiador descobrir os locais onde pode encontrar os papéis que lhe servirão
de fontes para seu objeto. Muitas vezes ele vai se deparar com “obstáculos burocráticos e a falta de
informação organizada, mesmo em se tratando de arquivos públicos”. (Idem, p. 46). Para quem vai
pesquisar a região Oeste do Paraná, certamente as dificuldades serão muitas, pois ela carece de
quase tudo no que concerne à preservação da memória histórica.
Apesar de levar em conta as carências regionais é preciso destacar que se deve conhecer
preliminarmente a estrutura administrativa que será objeto de investigação, ou que guarda os
documentos. Conhecer aquilo que se pode denominar de organograma das instâncias
administrativas e governamentais, com seus desdobramentos no espaço e no tempo, permite
entender, em linhas gerais, quais os cargos, as funções e os papéis da instituição ao longo do tempo.
Em outras palavras, cabe ao pesquisador “conhecer o funcionamento da máquina administrativa
para o período que pretende estudar”. (Idem, p. 44).
Ao chegar ao local de pesquisa, o procedimento usual é dirigir-se aos funcionários em
busca de esclarecimentos. Poucos conseguem ajudar, pois não têm uma formação arquivística
adequada, ou estão ocupando aquela função de forma temporária. Geralmente oferecem os
instrumentos de pesquisa, quando tem, sem oferecer as adequadas orientações sobre os problemas
de organização do acervo. Mas isso não deve desestimular quem inicia um processo de pesquisa.
Uma informação obtida através de um professor, colega, ou de um funcionário mais atencioso,
antigo ou experiente, pode ser o início de um trabalho muito produtivo.
Ao localizar um documento, é fundamental anotar a referência completa. Dados do autor,
destinatário, tipo, data, sem esquecer de sua localização no arquivo. Se for uma fonte básica é
importante transcrever, copiar seu conteúdo, sempre respeitando as condições essenciais para sua
preservação. Nem todo o documento pode ser xerocado, escaneado, mas o uso da maquina digital
geralmente é aceito. Ao tomar todos estes procedimentos, o pesquisador está colaborando para a
preservação do patrimônio histórico e ao mesmo tempo permitindo que outros possam checar a
informação na fonte original.
Já salientei anteriormente que a pesquisa de um determinado tema não pode ser
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empreendida com garantias científicas se não estiver instrumental e conceitualmente bem definida.
É claro que o objeto também vai sendo construído ao longo do processo, mas o avanço seguro
somente acontecerá quando o pesquisador estiver consciente de quais são seus objetivos, seus meios
ou instrumentos. Nesse sentido, Aróstegui afirma que,

por mais sumário que seja, um projeto de pesquisa deve ter uma estrutura clara, mas aberta, e
naturalmente perfectível, onde sejam fixados objetivos e meios, onde se possa ir introduzindo
diversificação e diferenciação cada vez maiores e, ao mesmo tempo maior coerência. (2006, p.
469-70).

Munido das precauções dispostas anteriormente; e de conhecimento prévio sobre o


assunto, fruto de uma boa pesquisa bibliográfica referente ao período estudado, o pesquisador estará
embasado para prosseguir no levantamento da documentação, na análise e na interpretação de suas
fontes. Ele “já pode cotejar informações, justapor documentos, relacionar texto e contexto,
estabelecer constantes, identificar mudanças e permanências e produzir um trabalho de História”.
(BACELLAR, 2005, p. 71).
No caso da pesquisa sobre temas recentes deve se considerar que são muitas as fontes
válidas para o entendimento dos problemas a serem estudados. Diante disso, volto a repetir,
privilegiar este ou aquele tipo de fonte vai decorrer do objeto de investigação.
Uma das grandes opções de fonte para o estudo de temas recentes é o testemunho oral, mas
sua utilização necessita de certos procedimentos metodológicos. Lopes e Galvão afirmam que,

a utilização da história oral, muitas vezes considerada simples pelos pesquisadores, propõe, na
verdade, uma série de problemas. Inicialmente, destacam-se, como se viu, a imprevisibilidade e
o não-controle da situação, o que requer do pesquisador a disposição e a habilidade para a
escuta. Em muitos casos, é necessário relativizar as respostas dadas pelos entrevistados. Sabe-se
que a memória é seletiva, que os depoimentos mudam no decorrer do tempo, que muitas vezes
os entrevistados falam o que imaginam que devem falar para aquele interlocutor especifico,
sobre o qual criam certas expectativas e ao qual atribuem determinados valores. (2001, p. 89).

Não há dúvidas de que a subjetividade está presente em todas as fontes históricas, mas na
história oral acredita-se que ela esteja mais explícita. Por isso é importante que o pesquisador
procure perceber o significado dos fatos destacados e/ou omitidos, preocupando-se mais com a
qualidade e não com a quantidade das entrevistas realizadas. Além disso, não deve se limitar o
tempo de duração das entrevistas, respeitando sempre a velocidade e as formas de se expressar de
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cada indivíduo.
No desenvolvimento de um projeto de história oral deve-se ter o cuidado de elaborar fichas
biográficas a partir do currículo dos entrevistados, destacando os aspectos significativos de sua
trajetória. O roteiro deve levar em consideração a origem, formação, influências, marcos
significativos, mas não deve haver rigidez nesta ordem cronológica, pois cada depoente segue
rumos mais ou menos seqüenciais, embora, em algumas ocasiões, fiquem lacunas que têm a
intenção de esconder algum período ou situação embaraçosa em sua vida.
Nunca se deve esquecer que uma entrevista é uma troca de experiência entre duas pessoas,
na qual o entrevistado sempre espera que o pesquisador faça alguma pergunta. Se isso não ocorrer,
o entrevistado ficará perturbado, surpreso e assustado, não sabendo o que fazer. A entrevista
puramente espontânea não existe. Uma regra básica em história oral é que nunca se deve
interromper um depoimento e nunca demonstrar desinteresse pela fala do entrevistado. Uma das
grandes virtudes do pesquisador que trabalha com esta metodologia é saber ouvir. (Cf. FREITAS,
2002).
Com relação ao uso, utilização e escolha das fontes é preciso destacar que cabe ao
historiador eleger, organizar e interpretar em conformidade com suas opções metodológicas e
teóricas. Sobre isso Lombardi afirma o seguinte:

creio que tanto ontem como hoje o privilegiamento de um único tipo de fonte não seja o
caminho metodológico mais adequado no fazer cientifico do historiador. Em outras palavras,
não se deve a princípio excluir nenhum tipo de fonte, pois a diversificação pode revelar aspectos
e características diferenciadas das relações do homem, que seja com outros homens ou com o
meio em que vive. (2004, p. 158).

Quanto maior for a diversidade de fontes, mais rico e mais confiável pode ser o trabalho,
desde que o autor consiga explorá-las adequadamente. Lopes e Galvão lembram que o “cruzamento
e o confronto das fontes poderá também ajudar no controle da subjetividade do pesquisador”. Por
isso, é conveniente, sempre que necessário, voltar às fontes e “problematizar o problema à luz da
literatura que lhe é pertinente, propor questões, buscar fontes, rever a literatura diante dos dados
obtidos, checar as questões e reformulá-las se for o caso”. (2001, p. 93). Sempre é bom reforçar que
os documentos isolados têm seu valor, mas não se devem fazer generalizações das informações para
o restante da sociedade, sem levar em consideração os procedimentos apontados anteriormente.
Um outro aspecto importante na prática de pesquisa refere-se à forma de se organizar para
desenvolver o trabalho. As experientes pesquisadoras Lopes e Galvão dão ótimas dicas, as quais
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concordo plenamente. Segundo elas,

É preciso, antes de mais nada, que o pesquisador ‘invente’ um método que melhor funcione para
explorar cada documento e, ao mesmo tempo, o conjunto dos documentos. É preciso que o
pesquisador saiba lidar com a grande dose de imprevisibilidade que sempre acompanha o fazer
histórico. Não há métodos infalíveis e cada historiador tem o seu: há aqueles que preferem a
copia manual dos documentos, os que organizam fichas, os que separam o material por pastas,
os que se utilizam do computador, os que pintam trechos diferentes de cores diversas, os que
elaboram quadros, os que fazem tudo isso ao mesmo tempo. O imprescindível é dar
inteligibilidade ao material de que se dispõe e uma das ferramentas mais importantes para que
isso ocorra é o necessário estabelecimento de categorias. (Idem, p. 94-5).

Rigor, método, seriedade, disciplina e paciência são atributos necessários para quem se
aventura na difícil empreitada de produzir e aprimorar os conhecimentos históricos sobre a
educação brasileira e regional.

Considerações Finais

A região Oeste do Paraná, na qual estamos inseridos, é relativamente nova se tomarmos


como referência a história do Paraná e do Brasil. Entretanto, pouco conhecemos sobre essa história,
pois grande parte dela tem sido perdida em função da ausência de acervos documentais que
possibilitem sua preservação e/ou reconstrução. Se persistirmos neste caminho, também acabaremos
perdendo a história que ainda está por ser realizada. São poucos os órgãos na região que se
preocupam com a preservação da memória. Instituições/órgãos dessa natureza geralmente não são
prioritários aos olhos governamentais, e as existentes são tratadas como “instituições de segunda
categoria, verdadeiros depósitos de papéis velhos e de funcionários problemáticos”. Arquivo morto
é a expressão utilizada para definir os setores que cuidam da documentação. (BACELLAR, 2005, p.
49).
Se as fontes são o ponto de origem, a base e o sustentáculo para a produção do
conhecimento histórico em educação brasileira e regional, cabe a nós, enquanto indivíduos, grupos
ou instituição criar, organizar, manter formas e instrumentos para a preservação e disponibilização
das múltiplas formas de fontes para a história da educação. Da mesma forma, é de grande
importância trabalharmos para desenvolver uma consciência e uma prática documentária de
individualização, catalogação e conservação dos documentos nas diversas instituições regionais,
14

sejam elas: prefeituras, escolas, associações, sindicatos, cooperativas, etc. Por outro lado, essa nova
cultura arquivística-documentária não poderá se desenvolver sem os instrumentos adequados de
difusão e circulação das informações, tais como: catálogos e coletâneas para a divulgação dos dados
e dos resultados obtidos nas pesquisas históricas.
Preservar a memória histórica é um grande desafio que precisamos enfrentar, pois um povo
sem memória é um povo sem História. E um povo sem História é um povo sem Identidade.

Bibliografia
ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: Edusc, 2006.
BACELLAR, Carlos. “Fontes documentais: uso e mau uso dos arquivos”. In: PINSKI, Carla B.
(Org). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
FREITAS, Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas,
2002.
LOMBARDI, José Claudinei. “História e historiografia da educação: atentando para as fontes”. In:
LOMBARDI, J. C. e NASCIMENTO, M. I. M. (Org). Fontes, História e Historiografia da
Educação. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 141-176.
LOPES, Eliane M. T. e GALVÃO, Ana M. de O. História da educação. Rio de Janeiro: DP&A,
2001. (Coleção: O que você precisa saber sobre).
RAGAZZINI, Dário. “Para quem e o que testemunham as fontes da história da educação?”. In:
Educar em revista. n. 18/2001. Curitiba: Editora UFPR, 2001 p. 13-28.
SAVIANI, Dermeval. “Breves considerações sobre fontes para a história da educação”. In:
LOMBARDI, J. C. e NASCIMENTO, M. I. M. (Org). Fontes, História e Historiografia da
Educação. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 3-12.
VIERA, M. do P. de Araújo; PEIXOTO, M. do R. da C. e KHOURY, Y. M. A pesquisa em
história. 3 ed. São Paulo: Ática, 1995.

1
Discussão desenvolvida na Disciplina História, Historiografia e Levantamento de Fontes, ministrada no Curso de
Especialização em História da Educação Brasileira, realizado pelo Colegiado de Pedagogia da Unioeste – Campus de
Cascavel, nos anos de 2004 e 2006.
2
Professor do Colegiado de Pedagogia da Unioeste – Campus de Cascavel. Membro do grupo de pesquisa
HISTEDOPR – GT local do HISTEDBR, onde desenvolve pesquisa na Linha: História, Sociedade e Educação. É
doutorando em Educação pela UFSCAR. E-mail: acastanha@brturbo.com.br
3
Carlos Bacellar Acrescenta: “A paciência é uma arma básica do pesquisador em arquivos: paciência para descobrir os
documentos que deseja, e paciência para passar semanas, quando não meses ou anos, trabalhando na tarefa de cuidadosa
leitura e transcrição das informações encontradas”. (p. 53).

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