Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: O artigo visa uma revisão de literatura em torno da história oral, objetivando a análise
de como esta se relaciona com memórias e identidades, bem como a busca de possíveis
contribuições deste método de pesquisa na dissertação de mestrado que se propõe a elaborar
um projeto arquitetônico para o museu das águas na cidade de Luzilândia, Piauí, município
detentor de uma significativa e valiosa paisagem cultural detectável aos olhos por meio de
alguns casarões, igrejas entre outras edificações erguidas entre os séculos XIX e XX, além de
lagos, rios e cachoeiras, que juntos possuem função narrativa, revelando muito sobre os
processos de formação e transformação desse território, entretanto, convivem com a fragilidade
ou mesmo a ausência de reconhecimento. Metodologicamente o trabalho pautou-se em
fundamentações de caráter teórico e bibliográfico – estudo e coleta de dados literários já
publicados – tais como: Pollak (1992), Ferreira (2002), Meihy (2005), Halbwachs (2006),
Alberti (2008) e Rovai (2013 Na busca pela ressignificação das relações estabelecidas entre o
patrimônio, o território e a comunidade da cidade luzilandense, ou seja, da paisagem cultural,
o uso do método de história oral nas pesquisas em torno das memorias individuais e coletivas,
como das identidades, contribuem de forma significativa no projeto de concepção do museu.
Palavras-chave: História Oral, Memória, Identidade, Museu.
______________________
* Pós-graduação em Artes, Patrimônio e Museologia – Universidade Federal do Piauí – UFPI, Bacharel em
Arquitetura e Urbanismo, pelo Instituto Camilo Filho. E-mail: maria_carvalho@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO
Compreende-se assim, que o patrimônio identifica, ao tempo que separa uma nação ou
uma região, pois valoriza as identidades com suas singularidades. Isso se deve ao seu caráter
dinâmico, que se modifica no decorrer da história, ou mesmo atribui diferentes significados e
valores, em um mesmo contexto para um mesmo bem, por diferentes grupos.
Consoante Rovai (2013), em 1989 a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura – UNESCO, lançou as Recomendações sobre a Salvaguarda da Cultura e
Tradição Popular, destacando a importância dos modos de viver, saberes e fazeres das
comunidades tradicionais, tidas como “tesouros da humanidade”.
Posteriormente em 1993, a mesma instituição afirmou que as comunidades portadoras
da tradição deveriam ser protegidas – em virtude de suas fragilidades perante os
empreendimentos capitalistas que se apoderam de suas produções, comercializações e mesmo
ao cúmulo de seus direitos autorais em torno dos bens criados – considerando que estas
continuassem a transmitir seu patrimônio às novas gerações, produzindo-o e decidindo a
respeito de suas aplicações, significados e funções, afirmando ainda o papel fundamental do
Estado na produção de políticas públicas que levem ao êxito desse processo (ROVAI, 2013).
No Brasil, em 2020 foi instituído o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e
o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial, com o Inventário de Nacional de Referências
Culturais – INRC, no qual abraçam paisagens naturais, artes, ofícios, expressões, festas e
lugares a que a memória social atribui sentido, pertencimento, afetividade e raízes.
Diante do exposto, nota-se no espaço da sociedade contemporânea, uma grande
preocupação com a perda de sentido do passado, o que tem levado a muitas comunidades e
instituições a buscarem pela manutenção das tradições, identidades e a memória viva de seu
povo nas suas mais diversas manifestações. Destaca-se aqui, que estes podem ser transmitidos
as novas gerações por meio da oralidade, que passa a atuar como um elo entre passado e
presente. De acordo com Ferreira (2002, p. 326) a história oral pode ser aplicada como “um
instrumento privilegiado para recuperar memórias e resgatar experiências de histórias vividas”.
É nesse sentido que a presente pesquisa tem como foco uma revisão de literatura a cerca
da história oral, objetivando explorar as relações desta com memórias e identidades, bem como
a busca de contribuições deste método de pesquisa no projeto de mestrado que se propõe a
elaborar um projeto arquitetônico para o museu das águas na cidade de Luzilândia, Piauí. Para
tanto, o trabalho teve seu desenvolvimento pautado em fundamentações de caráter teórico e
bibliográfico – estudo e coleta de dados literários já publicados – tais como: Alberti (2008),
Ferreira (2002), Meihy (2005), Pollak (1992), Rovai (2013).
3
Segundo Queiroz (1987), a oralidade ao longo dos séculos pode ser considerada como
a maior fonte humana de preservação e divulgação de saberes, em outras palavras, a mais
significativa fonte de dados para a ciência em geral, destacando que a palavra antecedeu a
escrita, em que a mesma, quando concebida não foi mais que a cristalização do relato oral.
Gonçalves e Lisboa acrescentam (2007, p.85) que “ a fonte oral constitui como base primária
para a obtenção de toda forma de conhecimento, seja ele científico ou não”.
Se podemos arriscar uma rápida definição, diríamos que a história oral é um método
de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.) que privilegia a realização de
entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos,
conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo.
Como consequência, o método de história oral produz fontes de consulta (as
entrevistas) para outros estudos, podendo ser reunidas em um acervo aberto a
pesquisadores. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos
sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas, etc., a luz de depoimentos
de pessoas que deles participaram ou testemunharam (ALBERTI, 2008, p.18).
Para Alberti (2008), na história oral não muito importa se em seu depoimento o
indivíduo distorceu a realidade ou teve falhas de memórias, mas a reflexão e os
questionamentos de por que razão o mesmo assimila o passado de uma forma e não de outra, e
por que este tem concepção distinta, ou não, de outros depoentes. Destaca-se que este método
apresenta especificidades, como: a condição de ser aplicado em estudos de temáticas recentes,
em que, a memória do entrevistado alcance e a construção intencional de documentos históricos
Outra singularidade a ser mencionada debruça-se no fato de que todos os trabalhos que
utilizam a história oral como método de pesquisa, têm que por obrigatoriedade disporem de
projetos de pesquisas, que apresentem hipóteses, objetivos, e uma orientação teórica definida.
Alberti (2008, p. 21) entende que a finalidade do projeto “é antes de tudo a de orientar a
pesquisa, que no caso da história oral, precede e acompanha a tomada de depoimentos. Senão
como saber que pessoas entrevistar, que perguntas formular e como orientar o tratamento da
entrevista? ”.
5
Compactuando com está ideia, Gonçalves e Lisboa afirmam que (2007) a história oral
é, ao mesmo tempo, uma fonte e uma técnica, mas a grande inquietação é transformá-la em
metodologia, compreendida como um conjunto de processos articulados entre si, cujo intuito é
alcançar resultados fidedignos que proporcionem a construção de conhecimento.
Assinala-se que este método de pesquisa pode ser utilizado por diversas disciplinas
inclusas nas ciências humanas, destacando que a mesma possui uma estreita relação com
categorias como biografia, tradição oral, linguagem falada, métodos qualitativos e memória,
em que esta última mais à frente será explorada. Quanto aos documentos produzidos pela
oralidade, Alberti (2008, p. 23) diagnostica que:
A principal característica do documento de história oral não consiste no ineditismo de
alguma informação, tampouco o preenchimento de lacunas de que se ressentem os
arquivos de documentos escritos ou iconográficos, por exemplo. Sua peculiaridade –
e a da história oral como um todo – decorre de toda uma postura com relação a história
e às configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme
concebido por quem viveu. É neste sentido que não se pode pensar na história oral
sem pensar em biografia e memória. O processo de recordação de algum
acontecimento ou alguma impressão varia de pessoa para pessoa, conforme a
importância que se imprime a esse acontecimento no momento em que ocorre e no(s)
momento(s) em que é recordado. Isso não quer dizer – e as ciências da psique já o
disseram – que tudo o que é importante é recordado; ao contrário, muitas vezes
esquecemos, deliberada ou inconscientemente, eventos e impressões de extrema
relevância.
ao projeto matriz dois, pois o município luzilandese encontra-se locado ao entorno do Delta das
Américas, configurando uma das principais portas de entrada para importantes complexos
naturais e turísticos, tais como a Cachoeira do Urubu em Esperantina, os Lençóis Maranhenses,
o próprio Delta do Parnaíba, entre outros.
Imersa num espaço onde a predominância de árvores palmáceas como o tucum, a
carnaúba e a palmeira, e ao mesmo tempo contornada ao norte pelo rio Parnaíba, teve
em seu percurso histórico uma economia que tinha como base principal a colaboração
entre o rio, servindo de escoadouro para produção agrícola, atividades comerciais e
extrativistas (COSTA, 2013, s.p.).
4. CONCLUSÃO
Compreende-se que hoje a ideia de patrimônio não abrange apenas a bens de natureza
material, mas abraça ainda a sentidos, valores, saberes, costumes entre outras coisas que podem
ser adquiridas por meio da troca de relações coletivas. Consoante Rovai (2013, p.9) “Não cabe
ao intelectual decidir, a priori o que preservar para determinado grupo, mas entender o que é
patrimônio para esses membros, quem são os sujeitos que partilham seus saberes e afazeres, e
como se dão a circulação, a apropriação e o acesso das pessoas àquilo que produziram”.
O presente projeto tem como uns dos seus objetivos que o museu proposto seja visto
pela comunidade como um lugar de identidade, onde ela se veja representada e lhes
proporcionem autoestima. Diante disso, primeiro se faz necessário descobrir o que sociedade
reconhece como patrimônio, o que para eles remetem a sua identidade. Para que se alcance
essas respostas é preciso imergir na história desse povo, o que pode ser feito por meio da
exploração de suas memórias individuais e coletivas, o que permite o acesso a informações que
nem sempre são encontradas na forma de documento.
O método de história oral se tornou na contemporaneidade bastante valorizado pelas
ciências sociais, pois vai além do que os dados estáticos revelam. Dessa maneira, é de suma
importância a convivência e a observação da coletividade a ser investigada, como também a
realizações de entrevistas com os mesmos, em que nestas, nem sempre os fatos possuem a maior
relevância, mas a reflexão e os questionamentos de por que razão o entrevistado compreende o
passado de uma forma e não de outra, e por que este tem concepção distinta, ou não, de outros
depoentes, observando sempre a sua forma comportamental, focando em seus silêncio,
esquecimentos, valorizações entre outra manifestações.
Conclui-se, portanto, que o uso do método de história oral na pesquisa que visa a
elaboração do projeto do museu das águas em Luzilândia, pode contribuir na ressignificação
das relações estabelecidas entre o patrimônio, o território e a comunidade da cidade
luzilandense, ou seja, da paisagem cultural do município, pois por meio dos relatos orais será
possível redescobrir elementos das memorias individuais e coletivas como também das
identidades, sendo estes, elementos que interferem diretamente no projeto de concepção do
museu.
11
REFERÊNCIAS
CAMARGO. A história oral e política. In: MORAES, M. de. História oral. Rio de Janeiro:
Diadorim, FINEP, 1994.
CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: Valores e sociedade civil. Belo Horizonte: IEDS,
2009.
COSTA. John. História e memória de uma cidade-beira: entre o fluvial e o terrestre no espaço
socialmente compartilhado de Luzilândia (1960-1980). In: XXVII Simpósio Nacional de
História, Natal, 2013, s.p.
FERREIRA, Marieta. História, tempo presente e história oral. Topoi. Rio de Janeiro, 2002.
MEIHY, J.C.S.B. Manual de história oral. 5 ed. São Paulo: Loyola, 2005.
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos. Vol. 05, n.10. Rio de
Janeiro: FGV, 1992.
QUEIROZ, M. I. P. Relatos Orais: do indizível ao dizível. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 39, n.
3, p.272-286, mar. 1987.
ROVAI, Marta. Tradição oral e patrimônio imaterial: o papel da memória na luta por políticas
públicas na Comunidade Canária, Maranhão. RESGATE, [s.l], v. 21, p. 7-16, jan. – dez. 2013
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1994.