Você está na página 1de 11

1

HISTÓRIA ORAL E PATRIMÔNIO: o papel da memória e da identidade


na construção do projeto do Museu das Águas em Luzilândia

MARIA CARVALHO PINTO*

Resumo: O artigo visa uma revisão de literatura em torno da história oral, objetivando a análise
de como esta se relaciona com memórias e identidades, bem como a busca de possíveis
contribuições deste método de pesquisa na dissertação de mestrado que se propõe a elaborar
um projeto arquitetônico para o museu das águas na cidade de Luzilândia, Piauí, município
detentor de uma significativa e valiosa paisagem cultural detectável aos olhos por meio de
alguns casarões, igrejas entre outras edificações erguidas entre os séculos XIX e XX, além de
lagos, rios e cachoeiras, que juntos possuem função narrativa, revelando muito sobre os
processos de formação e transformação desse território, entretanto, convivem com a fragilidade
ou mesmo a ausência de reconhecimento. Metodologicamente o trabalho pautou-se em
fundamentações de caráter teórico e bibliográfico – estudo e coleta de dados literários já
publicados – tais como: Pollak (1992), Ferreira (2002), Meihy (2005), Halbwachs (2006),
Alberti (2008) e Rovai (2013 Na busca pela ressignificação das relações estabelecidas entre o
patrimônio, o território e a comunidade da cidade luzilandense, ou seja, da paisagem cultural,
o uso do método de história oral nas pesquisas em torno das memorias individuais e coletivas,
como das identidades, contribuem de forma significativa no projeto de concepção do museu.
Palavras-chave: História Oral, Memória, Identidade, Museu.
______________________
* Pós-graduação em Artes, Patrimônio e Museologia – Universidade Federal do Piauí – UFPI, Bacharel em
Arquitetura e Urbanismo, pelo Instituto Camilo Filho. E-mail: maria_carvalho@hotmail.com

1. INTRODUÇÃO

Conforme Castriota (2009), o termo patrimônio emana do latim patromonium, e


associado ao direito romano, significa o conjunto de bens e direitos que uma pessoa ou uma
instituição possui, o que pode configurar herança paterna, bens de família, bens materiais ou
morais pertencentes a um indivíduo, a uma mesma instituição, a um povo. Porém, nem tudo o
que é considerado patrimônio remete a algo de valor econômico, tornando, desse modo, o termo
patrimônio bem mais abrangente.
Preservar o patrimônio cultural é de extrema importância para construção e manutenção
da cultura de um determinado grupo, pois ele retém inúmeras informações e significados, sejam
de crenças, costumes ou mesmo ideais estéticos, onde a relevância desta iniciativa encontra-se
justamente nas singularidades e pormenores de cada lugar.
2

Compreende-se assim, que o patrimônio identifica, ao tempo que separa uma nação ou
uma região, pois valoriza as identidades com suas singularidades. Isso se deve ao seu caráter
dinâmico, que se modifica no decorrer da história, ou mesmo atribui diferentes significados e
valores, em um mesmo contexto para um mesmo bem, por diferentes grupos.
Consoante Rovai (2013), em 1989 a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura – UNESCO, lançou as Recomendações sobre a Salvaguarda da Cultura e
Tradição Popular, destacando a importância dos modos de viver, saberes e fazeres das
comunidades tradicionais, tidas como “tesouros da humanidade”.
Posteriormente em 1993, a mesma instituição afirmou que as comunidades portadoras
da tradição deveriam ser protegidas – em virtude de suas fragilidades perante os
empreendimentos capitalistas que se apoderam de suas produções, comercializações e mesmo
ao cúmulo de seus direitos autorais em torno dos bens criados – considerando que estas
continuassem a transmitir seu patrimônio às novas gerações, produzindo-o e decidindo a
respeito de suas aplicações, significados e funções, afirmando ainda o papel fundamental do
Estado na produção de políticas públicas que levem ao êxito desse processo (ROVAI, 2013).
No Brasil, em 2020 foi instituído o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e
o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial, com o Inventário de Nacional de Referências
Culturais – INRC, no qual abraçam paisagens naturais, artes, ofícios, expressões, festas e
lugares a que a memória social atribui sentido, pertencimento, afetividade e raízes.
Diante do exposto, nota-se no espaço da sociedade contemporânea, uma grande
preocupação com a perda de sentido do passado, o que tem levado a muitas comunidades e
instituições a buscarem pela manutenção das tradições, identidades e a memória viva de seu
povo nas suas mais diversas manifestações. Destaca-se aqui, que estes podem ser transmitidos
as novas gerações por meio da oralidade, que passa a atuar como um elo entre passado e
presente. De acordo com Ferreira (2002, p. 326) a história oral pode ser aplicada como “um
instrumento privilegiado para recuperar memórias e resgatar experiências de histórias vividas”.
É nesse sentido que a presente pesquisa tem como foco uma revisão de literatura a cerca
da história oral, objetivando explorar as relações desta com memórias e identidades, bem como
a busca de contribuições deste método de pesquisa no projeto de mestrado que se propõe a
elaborar um projeto arquitetônico para o museu das águas na cidade de Luzilândia, Piauí. Para
tanto, o trabalho teve seu desenvolvimento pautado em fundamentações de caráter teórico e
bibliográfico – estudo e coleta de dados literários já publicados – tais como: Alberti (2008),
Ferreira (2002), Meihy (2005), Pollak (1992), Rovai (2013).
3

2. HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E IDENTIDADE

Segundo Queiroz (1987), a oralidade ao longo dos séculos pode ser considerada como
a maior fonte humana de preservação e divulgação de saberes, em outras palavras, a mais
significativa fonte de dados para a ciência em geral, destacando que a palavra antecedeu a
escrita, em que a mesma, quando concebida não foi mais que a cristalização do relato oral.
Gonçalves e Lisboa acrescentam (2007, p.85) que “ a fonte oral constitui como base primária
para a obtenção de toda forma de conhecimento, seja ele científico ou não”.
Se podemos arriscar uma rápida definição, diríamos que a história oral é um método
de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.) que privilegia a realização de
entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos,
conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo.
Como consequência, o método de história oral produz fontes de consulta (as
entrevistas) para outros estudos, podendo ser reunidas em um acervo aberto a
pesquisadores. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos
sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas, etc., a luz de depoimentos
de pessoas que deles participaram ou testemunharam (ALBERTI, 2008, p.18).

Meihy (2005, p. 17), afirma que “ a formulação de documentos através de registros


eletrônicos é um dos objetivos da história oral. Tais documentos, contudo, podem ser analisados
a fim de favorecer estudos de identidade e memorial cultural’. Para o pesquisador três elementos
configuram uma relação mínima de história oral, de modo que um não possuí sentido na
ausência do outro, correspondendo ao entrevistador, o entrevistado e a aparelhagem da
gravação.
Consoante Meihy (2005), a história oral é considerada como parte integrante das
discursões em torno da função do conhecimento social, entretanto, nem sempre foi assim.
Conforme os estudos de Ferreira (2002) as primeiras ações de coleta de depoimentos pessoais
com o auxílio de um gravador data de 1940, onde privilegiava-se o estudo das elites, e passou
a ter como tarefa o preenchimento das lacunas dos registros escritos por meio da composição
de arquivos com fitas transcritas.
O verdadeiro boom desse processo de seu deu entre as décadas de 1960 e 1970, Ferreira
(2002) destaca nesse período a luta pelos direitos civis, travadas pelas minorias como negros,
mulheres e imigrantes, que se tornaram os principais responsáveis pela consolidação da história
oral, que por diante passava a dar voz aos excluídos, recuperava a trajetória de grupos
dominados, resgatando do esquecimento o que a história oficial abafou por tanto tempo. Dessa
maneira, a história oral se atestava como um instrumento de construção de identidade de grupos
e mudanças sociais, contudo, essa proposta não teve boa acolhida entre a comunidade
acadêmica, em especial, pelos historiadores.
4

A segunda metade do século XX é marcada por transformações que incitaram novas


discussões em volta do papel das fontes históricas, o que possibilitou que a história oral
ocupasse um novo espaço nos debates historiográficos na contemporaneidade. Entre as
mudanças Ferreira (2002) destaca a situação da “história do tempo presente” – em que esta tem
como singular o estudo de testemunhos vivos, forçando dessa maneira, o historiador a trabalhar
com depoimentos orais – e a insatisfação dos pesquisadores com os resultados da aplicabilidade
de métodos quantitativos nas suas investigações, vendo estes como insuficientes.
Em consonância com Camargo (1978), a tradição oral aos poucos passou a ser
valorizada pelas ciências sociais, evidenciando que por trás de dados estatísticos existem
comportamentos, valores, emoções que na grande maioria não são evidentes. Ao decorrer do
tempo e diante da evolução de disciplinas tais como linguística, semiótica e antropologia, foi
reconhecido que as narrativas de dado ator social têm uma lógica própria e configura-se como
linguagem, possibilitando o entendimento de fenômenos sociais que escapam ao estudo frio e
distante do pesquisador. A respeito disso Meihy (2006, p. 197) afirma que:
O uso da história oral, portanto deveria ser aplicado onde os documentos
convencionais não atuam, revelando segredos, detalhes, ângulos pouco ou nada
prezados pelos documentos formalizados em códigos dignificados por um saber
acadêmico que se definiu ao longe das políticas públicas. Aspectos subjetivos,
deformação dos fatos, mentiras, fantasias, ilusões, seriam, pois, elementos
consideráveis para quem procura mais do que a ‘verdade’ os motivos das ‘inverdades’.
Sem a consideração dos fatos ocultos, das lacunas e das subjetividades é inviável se
pensar na história oral que superaria por gênese, os documentos convencionalmente
consagrados como ‘históricos’.

Para Alberti (2008), na história oral não muito importa se em seu depoimento o
indivíduo distorceu a realidade ou teve falhas de memórias, mas a reflexão e os
questionamentos de por que razão o mesmo assimila o passado de uma forma e não de outra, e
por que este tem concepção distinta, ou não, de outros depoentes. Destaca-se que este método
apresenta especificidades, como: a condição de ser aplicado em estudos de temáticas recentes,
em que, a memória do entrevistado alcance e a construção intencional de documentos históricos
Outra singularidade a ser mencionada debruça-se no fato de que todos os trabalhos que
utilizam a história oral como método de pesquisa, têm que por obrigatoriedade disporem de
projetos de pesquisas, que apresentem hipóteses, objetivos, e uma orientação teórica definida.
Alberti (2008, p. 21) entende que a finalidade do projeto “é antes de tudo a de orientar a
pesquisa, que no caso da história oral, precede e acompanha a tomada de depoimentos. Senão
como saber que pessoas entrevistar, que perguntas formular e como orientar o tratamento da
entrevista? ”.
5

Compactuando com está ideia, Gonçalves e Lisboa afirmam que (2007) a história oral
é, ao mesmo tempo, uma fonte e uma técnica, mas a grande inquietação é transformá-la em
metodologia, compreendida como um conjunto de processos articulados entre si, cujo intuito é
alcançar resultados fidedignos que proporcionem a construção de conhecimento.
Assinala-se que este método de pesquisa pode ser utilizado por diversas disciplinas
inclusas nas ciências humanas, destacando que a mesma possui uma estreita relação com
categorias como biografia, tradição oral, linguagem falada, métodos qualitativos e memória,
em que esta última mais à frente será explorada. Quanto aos documentos produzidos pela
oralidade, Alberti (2008, p. 23) diagnostica que:
A principal característica do documento de história oral não consiste no ineditismo de
alguma informação, tampouco o preenchimento de lacunas de que se ressentem os
arquivos de documentos escritos ou iconográficos, por exemplo. Sua peculiaridade –
e a da história oral como um todo – decorre de toda uma postura com relação a história
e às configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme
concebido por quem viveu. É neste sentido que não se pode pensar na história oral
sem pensar em biografia e memória. O processo de recordação de algum
acontecimento ou alguma impressão varia de pessoa para pessoa, conforme a
importância que se imprime a esse acontecimento no momento em que ocorre e no(s)
momento(s) em que é recordado. Isso não quer dizer – e as ciências da psique já o
disseram – que tudo o que é importante é recordado; ao contrário, muitas vezes
esquecemos, deliberada ou inconscientemente, eventos e impressões de extrema
relevância.

Memória é a capacidade de reter e recordar de um passado. São os acontecimentos ou a


exposição a alguns fatos que se armazenam no cérebro humano, sendo contribuinte para que o
homem se situe no tempo e, assim, possa refletir sobre a sua existência. A memória pode referir-
se a lembranças de fragmentos da infância, da adolescência ou simplesmente a busca por uma
experiência do passado. Pollak (1992) entende a memória como sendo inicialmente um
fenômeno individual, próprio de cada indivíduo.
Porém, segundo Halbwachs (2006) a memória abrange um fenômeno coletivo, não
sendo apenas individual, mas uma construção social, fruto das relações entre os indivíduos e os
grupos. Um indivíduo sozinho, não é capaz de construir lembranças, ao menos não pode
sustentá-las por um longo período, necessitando do testemunho do grupo para fomentá-las,
assim, compondo-se em coletiva. Halbwachs (2006, p. 29), ainda afirma que “recorremos a
testemunhas para reforçar ou enfraquecer e também completar o que sabemos de um evento
sobre o qual já temos algumas informações. ”.
A memória individual se encontra inserida na memória coletiva, funcionando como um
fragmento dos fatos vivenciados pelo grupo, em que o sujeito se torna instrumento de memória
ainda quando lembra individualmente. Conforme Pollak (1992), lembrar não é o simples ato de
rever, mas de refazer, um reconstruir, um repensar com imagens e ideias de um tempo presente
6

a experiência do passado. É conveniente ter em mente que a percepção sobre as coisas se


modificam ao longo da passagem do tempo e, com elas, os juízos de realidade e de valor. Pollak
(2012, p.2) atesta os elementos constitutivos da memória individual e coletiva:
Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos pessoalmente. Em segundo lugar,
são os acontecimentos ‘vividos por tabela’, ou seja, acontecimentos vividos pelo
grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos dos
quais a pessoa nem sempre participou, mas que, no imaginário, tomaram tamanho
relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou
ou não. Se formos mais longe, a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar
todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um
grupo. É perfeitamente possível que, por meio da socialização política, ou da
socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção ou identificação com
determinado passado, tão forte que podemos falar de uma memória quase herdada.

Pollak (1992) chegou à conclusão de que em todos os níveis, a memória é um fenômeno


construído social e individualmente, quando se trata da memória herdada, entende ainda que
existe uma ligação fenomenológica muito próxima entre a memória e o sentimento de
identidade, sendo a primeira constituinte do segundo. Compreende-se assim, que a memória
seja individual ou coletiva corresponde a uma condição de extrema importância do sentimento
de continuidade e de coerência de um indivíduo ou de um grupo em sua reconstrução de si.
Portanto conclui-se que a memória é determinante na reconstrução de identidades. A
mesma pode ser tida como uma relação que se estabelece entre o presente e o passado, onde
promove a reconstrução do mesmo, auxiliado por elementos do presente. Sobre a dissertativa,
Rezende (1997), atesta que o historiador escreve sobre o passado, fundamentado nas projeções
de sua época e nas indefinições do seu tempo, buscando contribuir no preenchimento das
lacunas, contudo, sem omitir as diversidades ou promover um discurso homogêneo.
Velho (1994) considera a memória como fragmentada, entendendo que a lógica da
identidade se encontra subordinada a organização desses pedaços, fragmentos de fatos e
episódios separados. Diante disso, é possível chegar ao entendimento de que a aplicabilidade
do método de história oral poderá levar a organização dessas memórias.
É importante ressaltar ainda a significância dos lugares na construção da memória, pois
eles são os agentes construtores de imagens concisas para que a mente humana posteriormente
possa processa-las e recorda-las. Segundo os estudos de Poulet (1992, p. 54), “Graças à
memória, o tempo não está perdido, e, se não está perdido, também o espaço não está. Ao lado
do tempo reencontrado, está o espaço reencontrado”.
A memória individual pode contribuir para resgatar a memória da cidade. Por meio
delas e de seus registros pode-se atingir momentos urbanos que já se foram e formas
que desapareceram. A contribuição desse resgate para a identidade de um lugar é de
grande importância, daí a necessidade de valorizar as histórias orais contadas pelos
mais velhos (OLIVEIRA, 2015, p. 34).
7

É fundamental o entendimento de que a memória individual é subjetiva, variante


conforme o sujeito, provocando imprecisões e deturpações. A construção da memória da cidade
deve se valer de dados objetivos, mas não impede o uso moderado da subjetividade, realizada
com precauções, sendo necessário um mínimo de consentimento entre as lembranças dos
indivíduos para que se integrem, construindo desse modo um patrimônio de recordações.
Conclui-se, portanto, que o uso do método de história oral na pesquisa que visa a
elaboração do projeto do museu das águas em Luzilândia, pode contribuir na ressignificação
das relações estabelecidas entre o patrimônio, o território e a comunidade da cidade
luzilandense, ou seja, da paisagem cultural do município, pois por meio da oralidade será
possível redescobrir elementos das memorias individuais e coletivas como também das
identidades, sendo estes, elementos que interferem diretamente no projeto de concepção do
museu.

3. BREVE APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA: O Ecomuseu das águas como um


instrumento de valorização da paisagem cultural luzilandense

O Ecomuseu das Águas como um instrumento de valorização da paisagem luzilandense


corresponde a uma pesquisa de caráter participante que será desenvolvido dentro do programa
de pós-graduação em Artes, Patrimônio e Museologia da Universidade Federal do Delta do
Parnaíba, tendo como objetivo primeiro a elaboração de um projeto arquitetônico para abrigar
o proposto museu na cidade de Luzilândia, visando que este possa vir a atuar como um
equipamento de socialização em uma da áreas mais significativas para a história da cidade.
Intenta-se ainda que esta instituição seja vista pela comunidade como um lugar de identidade,
onde eles se vejam representados e lhes proporcionem autoestima.
O trabalho configura um subprojeto associado ao Projeto Matriz 2 (dois) nomeado de
Ecomuseu Delta do Parnaíba – MUDE, que tem como foco a pesquisa, a documentação e
comunicação do patrimônio cultural e ambiental da Área de Proteção Ambiental (APA) do
Delta do Parnaíba, onde se desenvolvem prestações de serviços as comunidades deltaicas,
principalmente no que diz respeito a ações socioculturais, educativas e de reconhecimento dessa
paisagem cultural.
Ressalta-se, contudo, que o projeto será desenvolvido na cidade de Luzilândia, Piauí,
estando, portanto, fora da extensão da APA, apesar disso, a proposta relaciona-se diretamente
8

ao projeto matriz dois, pois o município luzilandese encontra-se locado ao entorno do Delta das
Américas, configurando uma das principais portas de entrada para importantes complexos
naturais e turísticos, tais como a Cachoeira do Urubu em Esperantina, os Lençóis Maranhenses,
o próprio Delta do Parnaíba, entre outros.
Imersa num espaço onde a predominância de árvores palmáceas como o tucum, a
carnaúba e a palmeira, e ao mesmo tempo contornada ao norte pelo rio Parnaíba, teve
em seu percurso histórico uma economia que tinha como base principal a colaboração
entre o rio, servindo de escoadouro para produção agrícola, atividades comerciais e
extrativistas (COSTA, 2013, s.p.).

Figura 1. Localização do Piauí e Luzilândia.

Fonte: IBGE, 2018, modificado pela autora.

Conforme relatos orais, as primeiras narrativas em torno da história de Luzilândia


relacionam-se a chegada de descendentes de portugueses, que organizados em caravanas
chegaram a essas terras e se defrontaram lá, com os primeiros habitantes, uma comunidade
indígena de característica nômade, que por vezes, residiam em palafitas, os mesmos eram
detentores de uma cultura própria, onde, dialogavam por meio de uma língua nativa. Destaca-
se que a abundância de água nessa região favoreceu a essa presença indígena como a instalação
de fazendas de gado.
9

A cidade em questão é detentora de uma significativa e valiosa paisagem cultural –


aquela que resulta da relação do homem com a natureza – que apesar de ameaçada ainda é
detectável aos olhos por meio de alguns casarões coloniais e ecléticos, igrejas e outras
edificações que foram erguidas entre os séculos XIX e XX, como também por lagos, rios e
cachoeiras, que juntos passam a ter função narrativa, revelando muito sobre os processos de
formação e transformação desse território.
A principal problemática da presente pesquisa debruça-se na fragilidade ou mesmo na
ausência de reconhecimento da paisagem cultural luzilandense. Neste município a relação com
as águas foi estabelecida desde a sua origem, contudo, nota-se que ao passar do tempo, técnicas
encentrais que remetem a cultura da pesca ou mesmo a fluvial de um modo geral, - que
anteriormente marcavam seus modos de viver – estão sendo deixadas de lado por parte da
comunidade, que em meio a modernização distanciam-se de suas relações com o rio,
comprometendo assim a história, a identidade, o patrimônio e mesmo as atividades econômicas
da cidade.
Um outro problema a ser enfatizado corresponde a situação do patrimônio edificado de
Luzilândia, quando não submetidos a processos de intervenções desastrosas, que na maioria das
vezes resultam na descaracterização dos bens, ou mesmo a sua completa demolição –
promovendo perca de identidade –, permanecem em situação de abandono e de marginalização,
colocando o entorno em situação de perigo. É importante mencionar que o conjunto patrimonial
imóvel da cidade não apresenta nenhuma forma de salvaguarda, seja por meio de políticas
públicas ou por iniciativas da comunidade, que não conhecem e nem se reconhecem nos
mesmos.
Nesse sentindo, a escolha do edifício para abrigar o Ecomuseu das Águas de Luzilândia
tem como base o problema anteriormente mencionado. Dessa forma, tomou-se como opção
uma estrutura que abrigava no passado – em um momento de prospera situação econômica e
sociocultural – um restaurante as margens do Rio Parnaíba, situado especificamente no
complexo conhecido pelo nome de Ribeirinha.
Hoje a edificação apresenta uma situação de completo abandono e má conservação, de
forma que este projeto se propõe a realizar um trabalho de reabilitação e ressignificação do
edifício de forma participativa, intentando que os antigos moradores que ali vivenciaram os
momentos áureas do local, possam enxergar no museu um lugar de memória, de
reconhecimento e de identidade com a paisagem cultural das águas luzilandenses.
Neste sentido, o uso da metodologia da história oral pode contribuir neste projeto como
um todo, na forma de suscitar a memória coletiva local, rememorando os saberes relacionados
10

ao cotidiano da comunidade em questão, possibilitando assim, que estes sejam expostos no


Museu das águas, comunicando e valorizando o patrimônio material e imaterial da cidade e
acima de tudo, das dinâmicas e lógicas sociais de patrimônios vivos de Luzilândia.

4. CONCLUSÃO

Compreende-se que hoje a ideia de patrimônio não abrange apenas a bens de natureza
material, mas abraça ainda a sentidos, valores, saberes, costumes entre outras coisas que podem
ser adquiridas por meio da troca de relações coletivas. Consoante Rovai (2013, p.9) “Não cabe
ao intelectual decidir, a priori o que preservar para determinado grupo, mas entender o que é
patrimônio para esses membros, quem são os sujeitos que partilham seus saberes e afazeres, e
como se dão a circulação, a apropriação e o acesso das pessoas àquilo que produziram”.
O presente projeto tem como uns dos seus objetivos que o museu proposto seja visto
pela comunidade como um lugar de identidade, onde ela se veja representada e lhes
proporcionem autoestima. Diante disso, primeiro se faz necessário descobrir o que sociedade
reconhece como patrimônio, o que para eles remetem a sua identidade. Para que se alcance
essas respostas é preciso imergir na história desse povo, o que pode ser feito por meio da
exploração de suas memórias individuais e coletivas, o que permite o acesso a informações que
nem sempre são encontradas na forma de documento.
O método de história oral se tornou na contemporaneidade bastante valorizado pelas
ciências sociais, pois vai além do que os dados estáticos revelam. Dessa maneira, é de suma
importância a convivência e a observação da coletividade a ser investigada, como também a
realizações de entrevistas com os mesmos, em que nestas, nem sempre os fatos possuem a maior
relevância, mas a reflexão e os questionamentos de por que razão o entrevistado compreende o
passado de uma forma e não de outra, e por que este tem concepção distinta, ou não, de outros
depoentes, observando sempre a sua forma comportamental, focando em seus silêncio,
esquecimentos, valorizações entre outra manifestações.
Conclui-se, portanto, que o uso do método de história oral na pesquisa que visa a
elaboração do projeto do museu das águas em Luzilândia, pode contribuir na ressignificação
das relações estabelecidas entre o patrimônio, o território e a comunidade da cidade
luzilandense, ou seja, da paisagem cultural do município, pois por meio dos relatos orais será
possível redescobrir elementos das memorias individuais e coletivas como também das
identidades, sendo estes, elementos que interferem diretamente no projeto de concepção do
museu.
11

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2008.

CAMARGO. A história oral e política. In: MORAES, M. de. História oral. Rio de Janeiro:
Diadorim, FINEP, 1994.

CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: Valores e sociedade civil. Belo Horizonte: IEDS,
2009.

COSTA. John. História e memória de uma cidade-beira: entre o fluvial e o terrestre no espaço
socialmente compartilhado de Luzilândia (1960-1980). In: XXVII Simpósio Nacional de
História, Natal, 2013, s.p.

FERREIRA, Marieta. História, tempo presente e história oral. Topoi. Rio de Janeiro, 2002.

GONÇALVES, Rita; LISBOA, Teresa. Sobre o método da história oral em sua


modalidade trajetórias de vida. Katal. Vol. 10, n. esp. Florianopolis, 2007.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

MEIHY, J.C.S.B. Manual de história oral. 5 ed. São Paulo: Loyola, 2005.

POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos. Vol. 05, n.10. Rio de
Janeiro: FGV, 1992.

QUEIROZ, M. I. P. Relatos Orais: do indizível ao dizível. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 39, n.
3, p.272-286, mar. 1987.

REZENDE, Antônio. Desencantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de XX.


Recife: FUNDARPE, 1997.

ROVAI, Marta. Tradição oral e patrimônio imaterial: o papel da memória na luta por políticas
públicas na Comunidade Canária, Maranhão. RESGATE, [s.l], v. 21, p. 7-16, jan. – dez. 2013

VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1994.

Você também pode gostar