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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE HUMANIDADES

ENTRE NARRATIVAS E IMAGENS: A REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS LIVROS


DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DE ENSINO MÉDIO

Linha de Pesquisa: Cultura e Poder

Inscrição - Número 97747


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1.0 Justificativa

A mola instigadora para essa pesquisa surgiu da atividade prática em sala de aula e em
pesquisas feitas durante a graduação utilizando o livro didático como instrumento de trabalho
e fonte de pesquisa. Em outras palavras, foi a partir da constatação da ausência das mulheres
nos livros didáticos de História que identificamos a necessidade de uma análise aprofundada
sobre o tema, pois acreditamos na urgência em oferecer aos alunos e às alunas uma leitura
histórica em que as mulheres apareçam como agentes históricos. Como destacou Pierre Nora
(1989, p. 10), “o historiador dos dias de hoje está pronto, ao contrário de seus antecessores, a
confessar a ligação estreita, íntima e pessoal que mantém com o seu trabalho”

Assim a pesquisa busca analisar como os livros didáticos de história do ensino médio
têm representado as mulheres, a partir de um corte epistemológico que engloba três edições da
avaliação do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD: 2012, 2015 e 2018. Buscando
investigar as mudanças e permanências nesses materiais no que se refere à inserção das
mulheres como sujeitos históricos em consonância com as normatizações legais dos últimos
anos e os debates trazidos a luz por diversos movimentos e pela sociedade de modo geral.

A escolha dos livros do PNLD se fundamenta por serem analisados, comprados e


distribuídos pelo Governo Federal, investimento que representa um importante capital das
finanças públicas. Além disso, esse material é distribuído para a maior parte dos estudantes
brasileiros. A escolha dos livros não foi aleatória. Optamos por aqueles mais utilizados no país,
a partir da verificação das coleções mais vendidas, ou seja, aquelas que a maioria dos
professores e professoras adotaram, a mais comprada pelo Ministério da Educação – MEC.

Buscamos investigar a esfera da representação das mulheres nos livros escolares


produzidos após um período de reformas educacionais: o processo de avaliação dos livros
didáticos empreendidos pelo PNLD (processo este que teve início em 1996), a elaboração dos
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1998) e das Diretrizes Curriculares Nacionais -
DCN (2013), além da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2017) bem como a
problematização das possibilidades de mudança.

O recorte temporal se justifica pelo interesse em analisar como a participação das


mulheres é abordada nos livros didáticos em um período mais recente, com os debates sobre
gênero e feminismo se tornando cada vez mais latentes, e que tipo de conhecimento esses textos
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produzem acerca da participação das mulheres nos eventos históricos para que possa haver uma
compreensão mais elucidativa das rupturas e continuidades presentes nas narrativas didáticas
sobre a história das mulheres. Assim, a escolha pelas publicações de livros de três períodos
diferentes foi necessária para acompanhar as mudanças historiográficas presentes nos livros
didáticos e como eles abordam a temática.

Analisando o banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível


Superior (CAPES), verificamos a baixa incidência de produções científicas que tratem da
compreensão histórica, rupturas e permanências das representações femininas nos livros
didáticos de história de ensino médio. A relevância deste estudo situa-se na necessidade de
desenvolver trabalhos historiográficos que busquem conhecer como a história das mulheres está
sendo contada nos livros didáticos de história. A maioria dos estudos sobre as representações
femininas no livro didático inserem-se no campo da Educação. Nesse sentido, este trabalho tem
como uma de suas justificativas contribuir para ampliar os estudos científicos sobre o tema.
Essa proposta de pesquisa também se justifica por ligar-se à linha de pesquisa Cultura
e Poder e consequentemente ao Programa de Mestrado e sua área de concentração uma vez que
pretendemos explorar uma ferramenta carregada de valores culturais, ao mesmo tempo em que
pode contribuir para a construção de valores capazes de romper ou legitimar as hierarquias
presentes na sociedade, propondo discussões no que se refere às construções sócio-históricas.
Buscando ainda investigar as mudanças e permanências que permeiam esse material.
Tudo isso engloba concepções culturais, valores, relações de poder e visões da sociedade
e do momento histórico que está sendo apresentado e as circunstâncias sociais, culturais e
políticas em que está sendo pensado e produzido. Não se pode separar o material do contexto
de seu tempo e do porquê de sua criação e tudo que a envolve, todas as forças sociais e culturais
presentes e em constante movimento.

Assim, esse objeto impõe algumas reflexões sobre conceitos plurais e complexos, como
cultura, representação e identidade que de certa forma se imbricam. Buscando, portanto,
compreender como as narrativas, os recursos imagéticos e a construção desses discursos e sua
disposição tratam a história das mulheres e o que podemos apreender diante dessas
investigações.

Esse projeto é relevante para investigações na área da História social posto que os livros
didáticos são frutos de seu próprio tempo, e refletem a sociedade ao mesmo tempo em que têm
a possibilidade de instigá-la a novas reflexões e debates. Vale destacar ainda que o debate sobre
gênero está permeado em diversos ambientes sociais, demonstrando a necessidade de promover
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debates sobre gênero e feminismo em sala de aula, sendo também relevante uma inserção mais
justa, verossímil das mulheres nos conteúdos didáticos, na história e na sociedade.

Uma preocupação recente sobre a produção de conhecimento histórico diz respeito à


sua mediação didática e adequação em diferentes níveis numa trajetória complexa que vai dos
acervos historiográficos e fontes diversas de pesquisas até os textos acadêmicos e curriculares
produzidos e mesmo materiais didáticos. É uma preocupação com a função social da pesquisa,
pois se as pesquisas históricas surgem de carências de orientação no presente, elas precisam
retornar a sociedade como resposta.

A isso se deve o interesse dessa pesquisa, que tem como principal objetivo analisar as
representações sociais das mulheres presentes nos livros didáticos utilizados em nosso país, a
partir dos conhecimentos históricos produzidos acerca da temática.

Ressaltamos, ainda, a viabilidade da pesquisa, uma vez que temos em mãos toda a
documentação necessária ao desenvolvimento do trabalho. O tempo para a reelaboração desse
projeto e a construção do texto final da dissertação é considerado viável para a execução de
todas as atividades. Deste modo, o trabalho tem plenas condições de se desenvolver dentro dos
prazos e metas estabelecidos, além de estarmos abertos a todas as possíveis contribuições e
modificações sugeridas durante o processo de orientação.

2.0 Problematização

A escola, a sala de aula e por extensão o livro didático são veículos de valores, de ideias,
culturais que acabam por ajudar a determinar o que será lembrado ou esquecido, considerado
importante ou não. Além de serem fontes históricas de extrema importância, pois contribuem
para observação e análise da sociedade de seu referido tempo. É uma fonte histórica que nos
permite vislumbrar além de outras fontes nele presentes, traços da nossa própria sociedade.

Ressalta-se que os Livros Didáticos são instrumentos essenciais dentro de sala de aula
e na formação dos cidadãos. Também é importante mencionar que os livros didáticos podem
vir a ser materiais que ocasionem nos indivíduos impactos, justamente no sentido de influenciar
em suas formas de conceberem, avaliarem o mundo concreto, problemáticas, discursos. Além
de se configurarem como uma as formas de se viabilizar o acesso às informações históricas.

O livro didático de história se configura como um corpus documental repleto de


possibilidades para investigação social e histórica. Conforme Bittencourt (2004), o livro
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didático precisa ser entendido como um veículo que transmite valores, ideologias, cultura de
uma determinada época e sociedade. Considerando essa premissa, é fundamental entender,
analisar, debater sobre as apresentações e representações referentes à História das Mulheres,
suas identidades e lutas. Torna-se imprescindível compreender o que está sendo abordado nos
livros didáticos de História do Ensino Médio em relação às mulheres, considerando nessa
análise a figura da mulher em diferentes contextos e espaços, especialmente no momento
político, social, econômico contemporâneo nacional.

Com a Nova História e influências do marxismo, pesquisas sobre temas objetos, que
dificilmente eram alvos da historiografia tradicional, foram progressivamente justapondo-se
aos acervos existentes, enriquecendo-os. O tema de gênero e, principalmente a história das
mulheres tem ganhado visibilidade na História nas últimas décadas, com novas pesquisas
constantemente surgido, fato este que evidencia a importância não apenas para a academia, mas
também para a sociedade. Os objetos de investigação histórica pluralizam-se e, junto a isso, as
mulheres são alçadas à condição de objetos e sujeitos da história. Como salienta Rüsen (1997,
p.93), o momento atual encontra terreno fértil para o desenvolvimento dessa temática:

Quanto aos conteúdos da evocação histórica, pode-se afirmar que a historiografia pós-
moderna assume a defesa das vítimas da modernização, sobretudo das camadas sociais
inferiores -, bem como, o que deve ser esquecido, a defesa das mulheres. A história das
mulheres e dos gêneros liga-se estreitamente, em grande parte, à concepção pós-
moderna da história. Dentre as principais concepções da experiência histórica, a
historiografia pós moderna extrai sua inspiração da antropologia cultural e da etnologia.

Destacamos que representação não quer dizer o significado real de determinado objeto
ou realidade, pois depende da forma como o mundo é lido e interpretado por um grupo social.
Assim, a forma e os meios pelos quais se ensina a entender algo resultará em certos olhares
sobre os objetos, sujeitos, gêneros e diferentes culturas. Posto isso, é de significativa relevância
a afirmativa de Sabat (2004, p. 98) de que “o processo de representação, de produção de
identidades, de constituição do sujeito não é realizado de uma vez por todas; pelo contrário, é
necessário um processo de repetição contínua” para que isso ocorra. E os livros didáticos são
um excelente exemplo desse método.

Não são neutros e podem explorar, debater, problematizar ou naturalizar discursos. É


preciso levar em consideração seus lugares de produção, além do próprio processo de escolha
e ainda o seu consumo. Daí a importância de se saber quais os signos, os enunciados que são
repetidos continuamente, nos materiais imagéticos e nas narrativas dos livros didáticos, sendo
que tais manuais têm suas ditas verdades potencializadas pela legitimidade que lhes é conferida
no âmbito escolar e extraescolar.
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Assim esse estudo constitui-se como uma oportunidade para explorar e problematizar à
luz dos métodos de pesquisa em História as representações femininas nos manuais didáticos.
Sendo um recurso bastante utilizado em sala de aula – por vezes o único disponível – o livro
didático se tornou de fundamental importância para o processo de ensino e aprendizagem. Por
isso a relevância de se analisar os conteúdos presentes nesses materiais, pois eles podem
interferir na construção de valores e na construção de identidades coletivas e individuais.

Os livros didáticos extrapolam os limites aparentes e transpõem o meio sociocultural


mediante a construção de um discurso que pretende ser legitimador. São meios eficazes de
assimilação ou contraposição desse discurso. Enfim, as narrativas didáticas podem contemplar
a multiplicidade dos agentes históricos ao invés de reafirmar um padrão histórico homogêneo.
Assim, percebendo o extenso potencial do livro didático enquanto fonte de pesquisa, trazemos
as seguintes questões norteadoras: Como a atuação das mulheres, enquanto agentes históricos,
foi construída ao longo dos anos nos materiais didáticos de História? Que compreensão
histórica e abordagem referente as mulheres e o debate de gênero são utilizadas pelos livros
didáticos de História, nos textos, imagens, atividades e diferentes seções do material? Quais
foram as relações constituídas nos diferentes tempos?
Essa proposição torna-se ainda mais relevante tendo em vista que a mentalidade do
educando sobre a sociedade é constituída durante o ensino escolar, e nessa trajetória se constrói
os conceitos acerca das mulheres e suas representações, os quais são apresentados na escola,
primordialmente, por meio do livro didático (CHOPPIN, 2004).

3. Objetivos

3.1 Geral:

Analisar as representações em torno do feminino e das mudanças historiográficas


presentes nos livros didáticos de história aprovados nos Guias do PNLD dos anos 2012, 2015 e
2018 e como eles abordam a história das mulheres.

3.2 Específicos:

• Identificar as diferentes concepções de representação, livro didático e gênero na


bibliografia;
• Investigar como a história das mulheres e o debate de gênero vem sendo pensado
e inserido nas narrativas e imagens do livro didático;
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• Analisar as rupturas e permanências referentes as representações do feminino


nos livros didáticos de história de ensino médio aprovados pelo PNLD nos anos
de 2012, 2015 e 2018 da modalidade Ensino Médio, a partir dos textos, imagens,
atividades, manual do professor e diferentes seções deste material;

4.0 Historiografia

Durante a história as mulheres foram representadas de maneiras distintas, de acordo com


o que a sociedade naquele tempo e local pensavam ser adequado para o papel da mulher. Assim
temos diversas mulheres, apresentadas de formas ainda mais diversas na literatura, nas artes, na
política, na educação, ou como aqui exploramos, nos Livros Didáticos.

Abordado por diversos autores o conceito de representação tem sua etimologia do latim
repraesentare alusivo a tornar presente ou apresentar de novo. Chartier (1990) e Pesavento
(1995) destacam a ambiguidade do vocábulo, ora associado à presença, ora à ausência. Para o
primeiro autor, o conceito de representação dar a ver uma ausência, isto é, um sujeito ou objeto
que não pode se fazer presente é lembrado, quando se cria uma “imagem”, não de forma
idêntica, entretanto análoga, por meio de atribuições e significados imaginados. A título de
exemplo, no livro didático, as mulheres não estão presentes de “carne e osso”, todavia existe
uma construção imaginária nos textos, poemas. Conseguimos identificar que representação é
um termo que não caminha sozinho, estando frequentemente imbricado com a questão da
identidade e da cultura ou mesmo da própria realidade. Na concepção de Santos (2011, p. 36):

Alguns conceitos atuam como satélites ao de representação, talvez por serem


epistemologicamente relacionáveis: real, realidade, identidade, linguagem, discurso e
cultura. Algo que já havia sido percebido também por Henri Lefebvre (2006), para quem
a representação possui as seguintes características enquanto conceito: 1) emerge e
formula em condições históricas; 2) possui limites que devem ser circunscritos; 3)
suscita novos conceitos; 4) condessa uma gênese que implicitamente o acompanha
requerendo assim, um trabalho de genealogia; 5) pretende ser verdadeira e atuante e 6)
tem caráter dinâmico.

O próprio conceito de representação estar suscetível às condições e transformações


históricas, sendo dinâmico. Dessa forma nota que representações são passiveis de sofrerem
influências da história, com isso demonstra sua dinamicidade. Essas acompanham o momento
histórico de uma determinada sociedade, estando em constante ruptura.

As figuras femininas foram representadas em toda a história de maneiras distintas,


variando conforme o tempo, o espaço e as concepções, percepções aplicadas. No século XX
por exemplo, vemos a emersão do feminismo e a imprensa inicia o processo de comentar,
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abordar os papeis de gêneros, especialmente os papeis destinados ao sexo feminino as,


atividades e iconografias que presentificam a sua ausência.

Segundo Pinto (1999) houvesse também mudanças nessas representações com a


chegada da modernidade e dos ideais de civilidade, que chegam ao Brasil no começo do século
XX, importados principalmente da França. Para ela esses ideais influenciavam na vida dessas
mulheres, através do cinema ou de algumas revistas. Ajudavam assim a moldar padrões sociais,
a nova mulher, a mulher moderna era incentivada não mais como dona-de-casa, mas aquela que
trabalhava fora, sob influência francesa, especialmente na Belle Époque.

A questão da representação torna-se tão fundamental, quando tratamos de mulheres,


porque sua história sempre foi contada por outros. E sempre postas em destaque às figuras
masculinas, patriarcais. A representação do sexo feminino produzida pela ciência é marcada
pela falta. A mulher frequentemente mostrada como passiva e vazia que não podia manifestar
inclusive seu interesse amoroso ou sexual por nenhum homem, tendo sempre que esperar a
atitude desse para que algo pudesse se concretizar (PERROT, 2006).

Hall (2002) nos apresenta a ideia de representação como algo fundamental para
pensarmos e compreendermos como se organiza e se processa o mundo cultural. Para ele as
representações tem papel central não apenas nos estudos culturais, como também nos estudos
da sociedade visto que o que está sendo representado e como está sendo tem o intuito de passar
alguma mensagem, de dizer algo para o mundo, algo que tenha significação. Quem representa
está buscando mostrar o mundo e as coisas da maneira como lhe tem significado.

Como mencionado anteriormente as representações compõem um conjunto de aspectos


culturais de uma determinada sociedade e existem, devido a sua importância lutas de
representação. Chartier (1990, p.60) afirma que:

“as lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor a sua
concepção de mundo social, os valores que são seus e o seu domínio.”

Ressalta-se também quanto as lutas de representação, que elas podem se configurarem


como formas de dominação e de imposição de ideias e de cristalização de pensamentos ou
sujeitos. Elas demonstram a forma como a sociedade vislumbra aquele objeto/ser e que isso não
é feito de forma neutralizada, mas que constitui uma série de interesses pautadas na manutenção
da ordem social estabelecida.
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Para Bordieu (apud Pesavento, 1995, p.15) “as representações estão ligadas a questões
de estratégias de poder.” São atos de apreciação e de reconhecimento em que os agentes
envolvidos, sendo seres sociais colocam sua bagagem cultural e os seus interesses. Assim
representações são produtos estratégicos de interesses e de manipulações, Pesavento alega
(1995, p. 15):

[...] no domínio da representação, as coisas ditas, pensadas e expressas tem sentido além
daquele manifesto. Enquanto representação do real o imaginário é sempre referência
um ‘outro’ ausente. O imaginário, renuncia, se reporta e evoca outra coisa não explicita
e não presente. Este processo, portanto, envolve a relação que se estabelece entre
significantes (imagens, palavras), com os seus significados (representações,
significações), processo este que envolve uma dimensão simbólica. (PESAVENTO,
1995, p. 15)

As representações não são uma cópia fiel ao que se pretende representar, mas que
contém significações diversificadas. Assim as mulheres representadas em tantos momentos no
decorrer da história, são descrições que buscam se aproximar da realidade de uma época, sem,
no entanto, transgredi-la.

Quando tratamos do termo gênero ele pode aparecer nos estudos e das discussões
historiográficas e no movimento feminista, como uma diferenciação para o termo sexo,
utilizado para separar o masculino e o feminino em termos biológicos, ocasionando em não
abarcar questões referentes às construções sociais. A respeito dessa problemática, Pinsky
(2013) assevera:

Os estudiosos que passaram a empregar o conceito de gênero inspiraram-se na


Gramática, mas deram-lhe um outro significado, utilizando-o para marcar uma distinção
entre cultura e biologia, social e natural. Assim, quando a palavra sexo é utilizada, vem
à mente a biologia, algo ligado a natureza. O termo gênero, por sua vez faz referência a
uma construção cultural: é uma forma de enfatizar o caráter social, e, portanto, histórico,
das concepções baseadas nas percepções das diferenças sexuais. (PINSKY, 2013 p. 11)

No Brasil, o uso do termo surge nos anos de 1980 em uma articulação entre a academia
e os movimentos sociais, destaque para o feminismo, tendo sido debatido como tema das
Ciências Sociais por esse movimento como forma de questionar e reivindicar a situação social
das mulheres. (SCAVONE, 1996)

Esse conceito foi usado ainda para legitimar discussões acerca dessa área de pesquisa,
visto que nomenclaturas como mulher e feminismo carregavam dentro dos espaços de discussão
uma carga de preconceito e discriminações (HEILBORN; SORJ, 1999). Em sua utilização
recente mais simples o termo ‘gênero’ é apontado como um sinônimo de ‘mulheres’, justamente
o primeiro sugere seriedade, uma objetividade e neutralidade, que foge do termo ‘mulher’.
Assim temos ainda, segundo Scott (1989, p.75):
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Enquanto o termo ‘História das Mulheres’ proclama sua posição política ao


afirmar (contrariamente as práticas habituais) que as mulheres são sujeitos
históricos válidos, o termo ‘gênero’ inclui as mulheres, sem lhes nomear e
parece assim não constituir uma forte ameaça. (SCOTT, 1989, p. 75).

Pensar gênero é buscar uma investigação sobre os papeis em que são colocados às
mulheres e os homens, estabelecendo relações de poder dominadoras do segundo para com o
primeiro. Um reflexo dessa dominação está justamente no fato de não pensamos a história do
gênero masculino, pois a história de uma forma geral foi a história de homens como
protagonistas, e da “História das Mulheres” como uma construção a parte (PEREIRA, 2013).

Evidencia-se que a representação da mulher, enquanto gênero feminino está associada


tanto a sua história, quanto a outros eventos que contribuíram para a determinar o que é ser
mulher, como deveria agir e como era vista, tratada. Compreendemos assim que para construir
uma nova história em que as mulheres são sujeitos ativos, faz-se necessário entender os
significados da constituição da identidade do gênero feminino e como a história está sendo
pensada.

Para Bassanezi apud Pinsky (2011, p. 9):

Nesse sentido, uma das propostas da História preocupadas com gênero é


entender a importância, os significados e a atuação das relações e das
representações de gênero no passado, suas mudanças e permanências dentro
dos processos históricos e suas influências nesses mesmos processos.
(BASSANEZI, 1992 apud PINSKY, 2011, p.9)

Enfatiza-se é preciso pensar a identidade da mulher, no sentido de recuperar a sua


história enquanto gênero. Nesse sentido torna-se de suma importância essa reflexão para
analisar os Livros Didáticos, especialmente uma análise voltada a apresentação, representações
ou silenciamento.

5.0 Metodologia

A natureza do nosso trabalho é qualitativa de carácter descritivo e explicativo, em


virtude de descrevermos a compreensão histórica e as mudanças historiográficas acerca do
feminino no livro didático; concomitantemente realizaremos uma análise explicativa desse
tratamento. A classificação da pesquisa com base nos procedimentos metodológicos é de caráter
documental, uma vez que, corroboramos com Alain Choppin (2004), o qual afirma que o livro
didático assume a função documental, como apresentador de documentos que estimulam o
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confronto de ideias e o desenvolvimento crítico dos discentes. Sendo assim, para nós
historiadores, ele adquire também a função depositária, enquanto documento que comporta em
si outros documentos, dentre eles: imagens, textos, poemas, letras de música, trechos de
documentos oficiais. Tornando-se fonte fecunda acerca da cultura escolar e do ensino
(CHOPPIN, 2004).
O trabalho se enquadra nas investigações que versam no método de análise de
conteúdo, por meio do qual tomamos por base o instrumento de coleta denominado roteiro
semiestruturado que, por sua vez, nos auxilia na visualização das mulheres nos textos, imagens,
atividades, no manual do professor, nas diferentes seções do material e na apreensão da
historicidade acerca do(a) mesmo(a). Bem como, o roteiro é flexível, o que permite a inclusão
de novos questionamentos caso seja identificada a necessidade.
Nossas categorias conceituais e seus respectivos autores são: livro didático de Circe
Bittencourt (2004) e Alain Choppin (2004), representação de Roger Chartier (1990) e gênero
de Joan Scott (1989) e Carla Bassanezi Pinsky (2011). Por meio de tais categorias
operacionalizaremos e articularemos a problemática, os documentos e conceitos, a fim de
costurar teoria e empiria, objetivando compreender a historicidade da mulher no livro didático
e as mudanças temporais na construção do conhecimento acerca desse sujeito.
Os procedimentos metodológicos dessa pesquisa consistem da revisão bibliográfica a
respeito do livro didático, gênero e representação, leitura direcionada por meio de fichas de
leitura. Na sequência realizaremos a análise dos livros didáticos do Ensino Médio do 1°, 2° e
3° anos, da disciplina de História- os quais se encontram em nossas posses - sendo que para
cada série do ensino médio será analisada as duas coleções mais adotadas de acordo com o
Sistema de Controle de Materiais Didáticos - SIMAD. Cada coleção didática do Ensino Médio
é composta de três livros e seus respectivos manuais do professor.
Nessa etapa da pesquisa, o objetivo é problematizar como o livro didático compreende
a história das mulheres e sua abordagem acerca do gênero e suas representações, o que permite
enxergar como este material promove a construção de propostas de debates historiográficas e
de ensino acerca das mulheres e ressaltar as limitações e potencialidades desse recurso
pedagógico quando se trata da referida temática.

6.0 Fontes

As fontes utilizadas no trabalho se constituem nos próprios materiais didáticos e


previamente selecionados de acordo com os Guias do PNLD esquematizados abaixo. Serão
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utilizadas as duas coleções mais adotadas em cada um dos guias. Além disso utilizaremos como
fontes conceituais as bibliografias apresentadas e outras que se mostrarem pertinentes no
decorrer do estudo.

ANO COLEÇÃO AUTORES EDITORA


GUIA- PNLD
2012 História – Das Cavernas Patricia Ramos Braick Editora Moderna
ao Terceiro Milênio
Myriam Becho Mota
2012 Estudos de História Helena Guimarães Campos Editora FTD
Mônica Liz Miranda
Ricardo de Moura Faria
2015 História, Sociedade & Alfredo Boulos Júnior Editora FTD
Cidadania
2015 História – Das Cavernas Patricia Ramos Braick Editora Moderna
ao Terceiro Milênio
Myriam Becho Mota
2018 História, Sociedade & Alfredo Boulos Júnior Editora FTD
Cidadania
2018 História Global Gilberto Cotrim Editora Saraiva
Tabela 01 – Coleções didáticas utilizadas como fonte de pesquisa
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7.0 Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, C. M. F. Livros didáticos entre textos e imagens. In: O saber histórico na


sala de aula. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2004. Cap. 5, p. 69-90.
CHARTIER, ROGER. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. 3 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand, 1990
.
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. 2 ed.
Porto Alegre: Universidade/UFRGS, cap. 03, p. 61-80, 2002.
CHOPPIN, Alain. A construção histórica do feminino e do masculino, Gênero e Cultura:
Questões contemporâneas. 2 ed. Porto Alegre, 2004.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
HEILBORN, Maria Luiza e SORJ, Bila. “Estudos de gênero no Brasil”, in: MICELI, Sérgio
(org.) O que ler na ciência social brasileira (1970-1995), ANPOCS/CAPES. São Paulo: Editora
Sumaré, p. 183-221,1999
SANTOS, Dominique Vieira Coelho. Acerca do conceito de representação. Revista de Teoria
da História. Goiás, v.3 n. 6, p. 27 -53, dez. 2011.
SCAVONE, Lucila. Tecnologias reprodutivas: gênero e ciência. 3 ed. São Paulo: Unesp.
1996.
PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de Gênero e História social. 2 ed. Curitiba: World Laser,
2011.
PINSKY, Carla Bassanezi. A Era dos Modelos Rígidos. São Paulo: Contexto, cap. 15 p. 469-
512, 2013.
PERROT, M. Minha história das mulheres. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006.
PEREIRA, Alline Mikaela. A representação da mulher no Livro Didático de História. 2013.
50 f. Monografia - Especialização em Educação: Métodos e Técnicas de Ensino, Universidade
Tecnologica Federal do Paraná, Curitiba, 201
PESAVENTO, Sandra Jatay. Em busca de outra História: imaginando o imaginário. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 15, n 29, p. 9-27, jan./jun. 1995.
PINTO, Maria Inês M. B. Cultura de Massas e Representações femininas na pauliceia dos anos
20. Revista Brasileira de História, São Paulo. v.19, n.38, p.139-163, jun.1999.
NORA, Pierre et al. Ensaios de Ego-História. Lisboa: Edições 70 – Brasil, 1989.

RÜSEN, Jorn. A História entre a modernidade e a pós-modernidade. Trad. Peter Naumann.


Revista História: Questões e debates, Curitiba, v. 14, n. 26/27, jan/fev, 1997.
SABAT, Ruth. Só as bem quietinhas vão casar. In: MEYER, Dagmar; SOARES, Rosângela
(org.). Corpo, gênero e sexualidade. Porto Alegre: Mediação, 2004. p. 95-106.
14

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. 2 ed. Recife: SOS Corpo.
1989.

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