Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2016
INTRODUÇÃO
As ciências sociais são o conjunto de disciplinas que estudam o Homem através das
suas relações com a sociedade e a cultura.
Historicamente, o surgimento das ciências sociais esteve associado a um conjunto
de factores que constituem suas premissas basilares, como:
A expansão europeia (século XV), que suscitou o espírito de aventura e propiciou a
recolha de material etnográfico de povos, até então, exóticos e desconhecidos, o que
ajudou a reforçar os estudos histórico-comparativos na linguística, na religião, na
folclorística, e, em geral, nos costumes. A expansão europeia ampliou o horizonte que o
Homem tinha de si, podendo compreender mais profundamente os fenómenos sociais.
Outro facto histórico que terá contribuído para a emergência das ciências sociais foi
a reforma protestante (século XVI). Esta, embora tivesse tido um cariz
exclusivamente religioso, alastrou-se para a vida política, jurídica, cultural, etc. A
Europa que apresentava uma unidade espiritual católica foi desintegrada em Estados
nacionais, que reivindicavam para si a autonomia do poder temporal relativamente ao
poder espiritual, este último sob a égide do clero. Do ponto de vista jurídico, a reforma
acarretou a liberdade de consciência, o livre-arbítrio, entre outras questões.
A revolução industrial (século XVIII), também, terá sido decisiva no surgimento
das ciências sociais. Com efeito, a invenção da máquina a vapor (James Watt)
revolucionou a actividade das fábricas. Estas, necessitadas de mão-de-obra, terão
recrutado as populações rurais, que se aglutinaram junto daquelas, originando, por um
lado, o êxodo massivo do campo e, por outro lado, a aglomeração populacional nas
cidades, tendo despertado a consciência para o ordenamento territorial e o saneamento
do meio urbano. A este fenómeno se deve o surgimento da mendicidade, da
delinquência, do agravamento das desigualdades sociais e de outros fenómenos sociais.
A revolução francesa (século XVIII), por sua vez, foi outro facto histórico
determinante para a emergência das ciências sociais. De facto, em 1789 chegou ao auge
o conflito entre a nascente burguesia capitalista e a aristocracia feudal francesas, que
teve como desfecho a destituição e a morte do Rei Luís XVI, a abolição da Monarquia e
a proclamação da República Francesa com os valores de igualdade, fraternidade e
solidariedade, como pilares da nascente burguesia.
1
A biologia e a medicina também estudam os seres humanos, mas diferem das ciências humanas na
medida em que fazem uma abordagem na perspectiva da natureza do Homem.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 4
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
As ciências humanas, à semelhança das ciências sociais, estudam os seres humanos
sob o ângulo da sua vida em sociedade. Exemplo de ciências humanas: a Ciência
política, a Sociologia, a Antropologia, as Ciências religiosas, etc. Nesse contexto, as
ciências políticas estudam as normas de organização política da sociedade, as relações
de poder, as relações sociais de produção que incidem nas decisões políticas, os
sindicatos, os grupos de pressão, os partidos políticos, etc. A Sociologia estudaria as
relações interpessoais, os padrões de comportamento colectivo, as formas de
organização social, os papéis sociais, o funcionamento das instituições sociais, etc. As
Ciências religiosas são a aplicação do saber proveniente das várias ciências humanas e
em particular da Antropologia e da Sociologia, a um campo específico do social e do
humano: a religião. A religião é um fenómeno muito importante na vida individual e
colectiva do Homem e da sua cultura. Hoje em dia, as ciências religiosas multiplicam os
seus objectos de pesquisa, versando sobre questões como os mitos em sociedades
modernas, a origem e evolução das seitas religiosas, o papel dos totens e dos tabus na
coesão das confissões religiosas, a reprodução da vida e da morte, o papel das religiões
face aos poderes políticos, etc. A Antropologia interessar-se-ia nas culturas, buscando
compreender a sua evolução ao longo do tempo e a sua relação com outras culturas.
Convém referir que a Antropologia é designada por vários nomes, a saber Etnologia (na
França), Antropologia social (na Grã-Bretanha) e Antropologia cultural (na América do
Norte).
Outras ciências humanas são: a Pedagogia, a História, a Psicologia, a Linguística, a
Psicanálise, a Economia política, a Etnografia, etc.
Em conclusão, não há diferenças temáticas nem metodológicas entre as Ciências
sociais e as Ciências humanas, porém, há sim uma diferença terminológica já que nos
países de tradição anglo-saxónica é mais recorrente a terminologia ciências sociais do
que a terminologia ciências humanas, que tende a ser mais comum nos demais países.
Bibliografia
MAIA, Rui Leandro: dicionário de Sociologia, Porto editora, 2002.
Trabalho independente
1-Debata no seu grupo sobre o objecto da de estudo da Sociologia, da Antropologia
e da Ciência política.
Texo-1
--------------------------------------------------------
Texto-2
A Psicologia e a Sociologia. Disciplinas antagónicas ou interdependentes no
estudo do social?
O que é a interdisciplinaridade?
Meio Comportamento
geográfico humano
Meio
recreativo
Meio Meio
religioso profissional
Outros
Como vemos no exemplo acima, a realidade sociocultural pode ser objecto de todas
as ciências sociais. Na verdade, a realidade sociocultural é só uma e única. Contudo, ela
admite diferentes perspectivas de investigação consoante as motivações do investigador.
Trabalho independente
No primeiro caso, o pensador cria doutrinas ou ideologias, que tendem a ter o seu
fundamento no senso comum, e no segundo, temos a ciência. Em tal caso, a ciência
distingue-se do senso comum pois que, a primeira estuda a realidade de forma objectiva,
procurando conhecer ou estabelecer leis e relações entre os factos, é metódica, sendo o
seu principal método é a experimentação, que se baseia em provas e factos. Enquanto o
senso comum é superficial, não se baseia em métodos concretos e depende de opiniões
não confirmadas, assim como de pronunciamentos de juízos de valor mais ou menos
preconceituosos e estereotipados em relação aos factos.
O estudo de determinados grupos raciais diferentes ou de escasso relacionamento
tem levado à formulação de estereótipos e preconceitos. Nesse contexto, a objectividade
ajudaria na busca de explicações de um fenómeno no próprio fenómeno, evitando
interpretações distorcidas decorrentes de motivações levianas de carácter individual
e/ou colectivo.
Doravante, a objectividade será o princípio fundamental para superar este problema
que decorre de estereótipo2 e noções do senso comum. Exemplo de alguns estereótipos:
1) Nas famílias pobres ocorrem com mais frequência actos de violência doméstica
dos que nas famílias ricas.
2
Representações mais ou menos preconceituosas e desligadas da realidade objectiva que levam a que
se interpretem factos de forma errada.
Bibliografia
TOMÁS, Adelino Esteves. Ensaio experimental de Sociologia, pp. 19-20
Trabalho independente
Conceitos-chave
****
Trabalho independente
Este período é assim designado porque existiu nele uma unidade em torno do
conceito de “evolução”. Este conceito, neste período, anima as pesquisas e reflexões nos
domínios da Biologia, Filosofia, Sociologia e da própria Antropologia. O período é
ainda marcado por debates ardentes, surgimento de várias revistas e numerosas
associações científicas e humanitárias como:
Estas sociedades eram tidas como humanitárias porque o motivo que deu a sua
origem estava ligado a um sentimento humanista em relação aos povos “primitivos”
face às depredações coloniais. As sociedades em si eram tidas como amigas dos povos
primitivos.
Este período vai até aos nossos dias, tendo-se caracterizado pelos avanços em vários
domínios do saber, progresso dos meios de comunicação, democratização da educação e
institucionalização da Antropologia como uma disciplina universitária. Estes factores
permitiram a publicação de escritos que puseram a ciência antropológica ao serviço não
só do colonialismo, como também das universidades.
Os povos outrora objectos de estudo de antropólogos europeus e norte-americanos
começaram a cultivar também estudos de Antropologia. A realidade sociocultural
tomou novos rumos e passou a ser analisada por olhares diversos.
Alguns antropólogos também começaram a dedicar-se aos estudos na área da
psicologia, da linguística, de folclorística e dos efeitos de perversos do urbanismo.
Bibliografia.
DE MELLO, Luiz Gonzaga, Antropologia cultural, pp. 180-197
Esta corrente parte do princípio enunciado por Charles Darwin de que o mundo vivo
é o resultado de uma longa acumulação de mutações e evoluções de espécies. Tendo
sido trazida esta ideia à Antropologia, acreditava-se que assim como as espécies
animais, as culturas também evoluem com o tempo. As culturas evoluem através de
mutações, interagindo ou não com o meio exterior.
O evolucionismo oficial é associado a académicos como Edward Burnett Tylor,
Lewis Henry Morgan e Herbert Spencer e representou uma tentativa de formalizar o
pensamento antropológico com linhas científicas modeladas conforme a teoria biológica
da evolução, ou seja, se os organismos podem desenvolver-se com o passar do tempo de
acordo com leis compreensíveis e deterministas, parece então razoável que as
sociedades também o possam.
Por conseguinte, as principais características do evolucionismo são:
O difusionismo
Trabalho independente
1- Indique os factores que originam as mudanças culturais.
2- Qual o impacto das ideias difusionistas quando assimiladas pelos povos
colonizados?
3- O aparecimento das culturas justifica-se mais pelo paralelismo cultural ou pela
teoria dos círculos culturais? Argumente a sua resposta.
O funcionalismo
O pessoal: pois toda a instituição funciona graças aos indivíduos que a compõem,
cada um dos quais realizando uma função determinada.
O estatuto: é para o autor a posição que cada indivíduo ocupara na instituição e em
função da qual espera um certo reconhecimento por parte dos outros integrantes da
instituição.
A função: é justamente o papel que cada indivíduo irá desempenhar na instituição,
isto é, o conjunto de expectativas que os membros da instituição têm para com cada um
dos seus membros.
As normas e sanções: Malinowski observa que qualquer instituição só cumpre os
propósitos para os quais foi criada se cada membro do grupo cumprir as suas funções,
isto é, se obedecer às normas da instituição. Observa ainda que para fazer cumprir essas
funções, o grupo institui um conjunto de sanções ou de recompensas que orientam as
actuações dos seus membros.
A satisfação de necessidades: qualquer instituição, afirma Malinowski, só existe
para resolver ou satisfazer alguma necessidade do grupo. Por exemplo, funda-se a
família para satisfazer a necessidade social de procriação, a igreja para satisfazer as
necessidades espirituais do povo, a escola para satisfazer os problemas educacionais da
sociedade, etc.
***
Malinowski vê uma relação necessária entre a instituição e cada um dos elementos
que a caracterizam, isto é, toda a instituição é concebida para realizar uma função,
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 27
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
satisfazendo uma necessidade, implicando normas e sanções e atribuindo algum estatuto
social ao pessoal que a corporiza.
b) O funcionalismo de Radcliffe-Brown
Educação
Parentesco
Funerais e demais rituais
ESTRUTURA Tabus
SOCIOCULTURAL Mitos
Religião
Casamento
etc.
O estruturalismo
3
Reflexão face ao estruturalismo: Pode analisar-se a cultura ou a sociedade à margem dos
indivíduos que a compõem?
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 31
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
1.9- Perspectivas mais recentes da Antropologia
4
Genocídio cultural ou eliminação das culturas, combate contra a subsistência de uma dada cultura.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 32
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
proibição de saldar dívidas no período nocturno entre os thongas, ou a interdição do uso
da mesma casa de banho entre sogro e nora, etc.
A abordagem Etic designa os conceitos técnicos do etnólogo, expressa categorias
universais da cultura e permite que o antropólogo se comunique com outros
antropólogos, ou com o público em geral. Nesse contexto, as categorias e conceitos dos
povos nativos (Emic) só se tornam compreensíveis aos outros povos quando o
antropólogo os “eticiza”, ou seja, quando os adapta a conceitos inteligíveis, seguindo
um certo rigor científico.
Em conclusão, refere Goodenough, que a abordagem Emic corresponde à
Antropologia tradicional que faz uma pura descrição dos factos, enquanto a abordagem
Etic diz respeito à Nova Etnografia, isto é, à Antropologia com fundamentos teóricos
que recorrem a uma perspectiva científica.
Leituras complementares
Bibliografia
1- Melatti, Júlio Cezar. ‘Introdução’, In Radcliffe-Brown: Antropologia. Orgs. J.C
2-Melatti & F. Fernandes. Colecção Grandes Cientistas Sociais, São Paulo, Ática,
1978. Pp.7-35
3-Eriksen, Thomas H. & Nielsen, Finn S. História da Antropologia. Petrópolis, RJ,
Ed. Vozes, 2007.
Trabalho independente
Os seres humanos têm vivido em grupo. O primeiro contacto entre si tornou-os seres
sociais e tal facto tornou-se o primeiro fenómeno cultual. Com efeito, as diferentes
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 35
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
formas de estruturação da sociedade dão origem a complexas e diversificadas culturas, o
que nos leva a afirmar que: todo o comportamento humano tem um significado cultural.
O vocábulo “cultura” procede do verbo latino “colere” que significa cultivar a terra.
Thomas Hobbes (1588-1679) designava a cultura como o trabalho de educação do
espírito. Já no século XIX, o antropólogo Edward Tylor entendia que a “ cultura é um
conjunto complexo que compreende conhecimentos, crenças, hábitos, moral, leis, artes
do Homem, enquanto membro de uma sociedade”5
Noutro âmbito, a cultura pode ser entendida como um legado colectivo que o
indivíduo adquire do seu grupo; modo de vida global de um povo; um mecanismo para
a regulamentação normativa do comportamento, conjunto de significados e valores
partilhados e aceites por uma comunidade; etc.
Em todos os espaços e tempos, a vida humana tem acarretado crenças, criado
normas, idealizado valores, inventado instrumentos, desenvolvido aptidões, produzido
obras de arte, etc., que a caracterizam e lhe conferem autenticidade ou identidade
própria. Isto é, cada grupo humano realiza-se através de uma cultura e esta apresenta-se
como a expressão material e/ou espiritual da vida social, concretizando-se no que é
socialmente aprendido e partilhado pelos membros do grupo.
A cultura é, então, um domínio vastíssimo que abrange todas as actividades da vida
humana. Dito por palavras breves: a vida humana é um estado de cultura. Por
conseguinte, no conceito de cultura as palavras-chave são aprendizagem e partilha.
Estas palavras ajudam-nos a distinguir a herança biológica da cultural. Por exemplo, as
necessidades de sono, de respiração e de alimentação são parte da herança biológica e
acontecem com/em todos os seres humanos. Porém, os modos com satisfazer essas
necessidades, os traços peculiares de um estilo de vida, etc., são legados culturais
aprendidos e partilhados não hereditária mas, socialmente.
Ora, a cultura, enquanto uma aprendizagem social compreende traços de índole
espiritual ou imaterial e material. Os traços imateriais (espirituais) da cultura são ideais,
crenças, costumes, dogmas, hábitos, preceitos, religiões, tabus, rituais, etc., de uma
sociedade. Outrossim, os valores revestem-se como traços imateriais da cultura de
capital importância, porquanto as vivências colectivas assentam neles. Assim, as ideias
do altruísmo/egoísmo, bem/mal, escravidão/liberdade, justiça/injustiça apreço/desprezo,
5
TYLOR, Edward. Primitive Culture, London, 1871, p.1
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 36
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
etc., condicionam e moldam efectivamente o comportamento dos homens e das
mulheres pela aprendizagem social.
Por seu turno, os traços materiais da cultura abarcam obras de arte, meios de
comunicação, literatura, técnicas, instrumentos de trabalho, etc. Os traços materiais da
cultura reflectem a luta do Homem pela sobrevivência e neles encontra-se o sentido da
evolução que se constata graças à reacção do Homem sobre a natureza.
Naturalmente, como partes integrantes da cultura, os traços materiais e imateriais
(espirituais) não existem uns independentemente dos outros, mas interagem produzindo
a identidade cultural. Com efeito, a inovação tecnológica, ao promover maior domínio
da natureza trouxe uma alteração dos valores, dos costumes e das tradições da
sociedade. Assim aconteceu com os valores políticos, económicos e morais da Idade
Média que se alteraram radicalmente em consequência da ascensão política e económica
da burguesia liberal. O mesmo acontece hoje em dia com os meios de comunicação
(Rádio, Internet, Televisão, Telemóvel, etc.) que têm posto em contacto directo povos
portadores de culturas diferentes, criando espaços transculturais com novas formas de
estar, novos hábitos e valores.
Hoje, os meios de comunicação (traços materiais da cultura) ilustram uma
interacção dialéctica que se estabelece entre as diferentes culturas. Por consequência, a
comunicação em tempo real, a globalização da economia, a abolição das fronteiras
nacionais, etc., são factores que permitem pensar numa “Aldeia Global” e exprimem a
alteração colossal dos traços imateriais da cultura, ou seja, dos costumes, das crenças,
dos comportamentos e dos valores dos povos que interagem no sentido de mudança
cultural.
Características da cultura
Para além das características mencionadas mais acima, Martinez (2009) consideram
fundamentais as seguintes características:
A cultura é simbólica: porque é o conjunto de significados e valores transmitidos
através de símbolos e sinais.
A cultura é social: Por causa do seu carácter simbólico, ela é transmitida e
comunicada socialmente por meio de hábitos, costumes e preceitos que padronizam os
comportamentos dos indivíduos. Ela pertence ao grupo humano e não é individual
Bibliografia
MARTINEZ, Lerma Francisco, Antropologia cultural, Paulinas. Editorial, pp.49-60.
A vida em grupo pressupõe uma certa ordem. Tal ordem resulta do facto de a vida
social colocar um sem-número de indivíduos detentores de comportamentos próprios e
diferentes uns dos outros, cada um dos quais agindo no sentido de satisfazer as
respectivas necessidades.
Ora, se cada indivíduo agir somente em função dos seus arbítrios, das suas
motivações e interesses, seguir-se-á a «guerra de todos contra todos6», dificultando a
vida social. Deste modo, no seu papel de socialização, o grupo (a sociedade) exige que
6
Expressão originalmente usado por Thomas Hobbes para designar o Estado Natural da sociedade no
qual primava a ausência da legalidade impondo-se a lei dos mais fortes.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 38
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
cada um dos seus membros reconheça que o seu comportamento deve obedecer a um
conjunto de normas que defendem e garantem a ordem social, preservando a
subsistência do grupo em si. Nesse sentido, as atitudes de cada indivíduo devem
obedecer ao padrão vigente e aceite como válido.
Ora, cada grupo social tem os seus padrões que representam comportamentos
esperados dos seus membros e que variam de sociedade para sociedade. Por exemplo, o
reconhecimento da liberdade religiosa constitui-se num padrão que se espera de uma
sociedade dada, porém, pode não ter sentido em sociedades onde se preza o extremismo
religioso.
Portanto, a vida sociocultural tem-se manifestado elaborado regras e normas
exteriores ao indivíduo, independentes da sua consciência, mas que a ele se impõe,
dando-lhe a conhecer qual deve ser o seu comportamento, de tal modo a ser reconhecido
como membro dessa sociedade. Cada indivíduo é, portanto, convencido a comportar-se
de acordo com as normas social e culturalmente vigentes e consubstanciadas nos valores
aceites pelo grupo.
Doravante, o valor será o modo de ser ou de agir que um indivíduo ou uma
colectividade reconhecem como ideal e que fazem com que os comportamentos aos
quais são atribuídos sejam desejáveis (TOMÁS, 2007:52)
Exemplo de valores: altruísmo, equidade, solidariedade, liberdade, caridade,
humildade, honestidade, temperança, justiça, bondade, modéstia, etc.
Exemplo de contra-valores ou valores negativos: egoísmo, arrogância, avareza,
avidez, incontinência, desonestidade, corrupção, vingança, vaidade, luxúria,
hostilidade, hedonismo, etc.
A vida em sociedade decorre dos valores que, como já dissemos, são independentes
da vontade e da consciência do indivíduo, tudo o qual nos permite elaborar a seguinte
síntese (MAIA; 2002:398):
Leituras complementares
O ser humano orienta o seu comportamento em função dos valores que a sociedade
preza ou privilegia. Por tal razão, e, a fim de fazermos uma aproximação ao
comportamento desejável, propusemo-nos a tarefa de fazer uma análise axiológica que
permita compreender a importância metodológico-prática da transmissão de valores
que, por sua essência, podem contribuir para o desenvolvimento de condições menos
propensas ao desvio de normas culturais.
A sinceridade: este valor implica simplicidade, veracidade e exclui o fingimento, a
hipocrisia e a dissimulação. A sinceridade pode estender-se a duas vertentes:
Sinceridade para consigo próprio.
A primeira é importante para gozar-se de óptima saúde mental pois que, quando um
indivíduo não é sincero sente-se mal consigo próprio, pelo que não pode encontrar
sossego.
7
Palavra de origem anglo-saxónica que se pode traduzir como retroacção.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 40
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
situação tal como é, pois isso evita que as coisas se disfarcem camuflando a falsidade
numa verdade fictícia.
O diálogo: o valor do diálogo acarreta conversações entre duas ou mais pessoas.
Um diálogo pleno permite encontrar acções favoráveis à cooperação social e aos
interesses comuns a todos.
Um bom diálogo requer que a pessoa se abra à outra, a respeite, a escute, usando
uma linguagem acessível e deixando de lado o medo, a prudência excessiva e o
tratamento sarcástico. Quando um destes elementos falha, engendra-se a desconfiança
e a discórdia. O diálogo é o valor pelo qual se reduzem as diferenças ideológicas,
religiosas, étnica, políticas, culturais, etc. Ironicamente, os Acordos Gerais de Paz de
04 de Outubro de 1992 resultaram do diálogo, o que alerta para a importância deste
valor.
Assim, para um diálogo adequado recomendamos a selecção discreta de palavras,
pois uma palavra qualquer pode causar conflitos; uma palavra cruel pode destruir a
vida; uma palavra amarga pode romper com todas as vivências e sentimentos que se
geram ao longo da infância e da adolescência como etapas mais importantes na
formação da personalidade e na aquisição da auto-estima.
A auto-estima: tem a ver com a opinião ou a impressão que cada qual tem de si
próprio. Quando a partir da infância a criança é ajudada a descobrir o melhor da sua
personalidade e quanto mais amor, carinho e atenção receber, melhor conceito terá de
si própria.
A pessoa com alta auto-estima caracteriza-se pelo optimismo e por enfrentar com
coragem e valentia qualquer meta que se propuser. Pelo contrário, a baixa auto-estima
implica o pessimismo, o fracasso, a timidez, a ausência de confiança em si mesma, a
falta de comunicação, etc.
A estimulação de jogos e de brincadeiras na infância e na adolescência pode ajudar
a elevar a auto-estima por meio de valorações positivas relativamente ao adolescente.
A auto-estima é um valor muito importante na formação e consolidação da
personalidade do indivíduo, mas, o seu excesso pode impulsionar e gerar a arrogância,
a imodéstia, o menosprezo pelos outros, etc.
A paz: a paz é um valor sem cuja prática é inútil falar de entendimento entre
pessoas, de cooperação altruísta na sociedade, de aceitação das diferenças individuais
(raça, etnia, aptidão física, etc.).
Bibliografia
1-MAIA, Leandro Rui. Dicionário de Sociologia, Porto Editora, Porto, 2002.
4- TOMÁS, Adelino Esteves. Ensaio Experimental de Sociologia, UniSaF, 2007.
Dado que cada sociedade gera a sua cultura, é natural que possua os seus padrões de
cultura, ou seja, tipos formais de comportamento individual ou colectivo que
condicionam e explicam as atitudes do grupo.
Assim, a compreensão dos comportamentos humanos exige conhecimento dos seus
padrões de cultura. Tal conhecimento permite entender certos comportamentos que, de
outro modo, pareceriam um contra-senso, uma aberração ou uma irracionalidade.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 42
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
Os padrões de cultura são um código que torna inteligível o fenómeno cultural que
acontece nos diferentes grupos e o modo de reacção que cada grupo apresenta face a um
determinado estímulo. Ora, dos múltiplos modos de reacção aos diferentes estímulos
infere-se a multiplicidade de padrões de cultura.
A cultura, por seu turno, aparece como sendo algo relativo, pois não há culturas
inferiores nem culturas superiores, mas culturas diferentes (relativismo cultural).
O relativismo cultural, em oposição ao etnocentrismo, debate-se com a necessidade
de superação de discursos estereotípicos e preconceituosos face às práticas culturais. A
ignorância do relativismo cultural tem impedido que alguns grupos étnicos aceitem os
outros e tem levado à exaltação e ao reconhecimento do seu grupo como o melhor, o
mais perfeito e único digno de respeito (etnocentrismo).
O etnocentrismo tem justificado o surgimento de um sem-número de
comportamentos preconceituosos, designadamente o da superioridade e da pureza
racial. Por conseguinte, o etnocentrismo é um padrão de cultura que refere ao facto de
cada povo ou etnia pressupor a superioridade da sua própria cultura. Assim, por
exemplo, quando a civilização ocidental pretende que os diferentes povos adoptem os
seus costumes religiosos, artísticos, políticos, económicos, arquitectónicos,
pedagógicos, etc., está a tomar uma postura etnocêntrica.
Outras formas de manifestação do etnocentrismo são a xenofobia, o racismo, o
tribalismo, o apartheid, o chauvinismo, etc.
Vantagens Desvantagens
Etnocentrismo Protege a cultura da invasão de Gera sentimento de ódio, preconceito e
outras culturas. desrespeito pelas culturas exógenas.
Permite valorizar os aspectos do Dificulta o desenvolvimento do diálogo
interior de uma cultura. intercultural.
Abre espaço para conflitos étnicos,
religiosos e raciais entre os povos.
Leituras complementares.
A noção de cultura está associada a todas as sociedades. O indivíduo, seja qual for
o seu estatuto, é um ser não apenas social mas, sobretudo, cultural. Pela constituição
do seu espírito, ele organiza o seu mundo mental, o seu sistema de relações e, até
mesmo, um grande número de dados fisiológicos, segundo regras estabelecidas no seu
contexto sociocultural. Daí decorre que os indivíduos que nascem numa dada
sociedade adoptem os comportamentos ditados pela sociedade onde vivem.
O modo de comportamento baseado na cultura estabelecida numa sociedade é
adquirido espontânea e quase inconscientemente por cada um dos seus membros.
Constitui-se como um sistema de referência que molda os comportamentos e
hierarquiza os valores em função dos padrões de cultura nela privilegiados.
Trabalho independente
1- Tendo em conta a asserção “ Não há culturas superiores nem culturas
inferiores.”
a) Diga duas vantagens e duas desvantagens do etnocentrismo.
b) Comente a importância dos valores como garantes da coesão social.
c) Porque se pode afirmar que “todo o comportamento humano tem um significado
cultural”?
d) Quais os traços imateriais da cultura?
e) Explique a relação entre os traços materiais e imateriais da cultura?
A endoculturação
A criança ao nascer é apenas um ser que responde aos estímulos biológicos
(respiração, sono, alimentação, satisfação de necessidade metabólicas, etc.). Porém,
desde cedo ela vai incorporar formas de ser, designadamente a forma de se alimentar, o
local onde satisfazer necessidades metabólicas, utensílios para servir os alimentos, etc.,
isto é, ela vai ajustar as suas reacções individuais aos padrões de cultura da sociedade de
que faz parte.
A endoculturação é o processo pelo qual cada grupo adapta a organização biológica
dos seus neo-natos (recém-nascidos) a um conjunto de dogmas culturais pré-existentes.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 45
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
A endoculturação permite que a criança assuma uma orientação do seu
comportamento, tenha consciência de si e dos outros, adquirindo uma personalidade
própria. Quer dizer, a endoculturação diz respeito à dinâmica interna de uma cultura
particular. Trata-se de um processo condicionado consciente ou inconscientemente
pelos limites impostos pelos padrões culturais e resume-se à:
Adaptação da vida individual aos hábitos, valores e tradições socialmente
aceites.
Aprendizagem de comportamentos e hábitos do grupo.
Moldagem da personalidade dos indivíduos.
Duração do processo, começando com o nascimento do indivíduo e estendendo-
se até à morte.
A desculturação
A aculturação
Este processo é referente às relações estabelecidas entre povos portadores de
culturas diferentes e à possibilidade de um deles apreender parte da cultura do outro,
isto é, um acto que permite que um povo assimile total ou parcialmente uma cultura
exógenas.
Leituras complementares
A aculturação
(…) Os vencidos querem sempre imitar o seu vencedor nos seus aspectos
característicos, copiando o vestuário, os actos, os hábitos e todos os outros aspectos. A
razão disso é que alma vê sempre perfeição nos traços daquele que é o «senhor» e de
quem ela é escrava. A alma do inferior julga o superior perfeito, quer porque o comove,
quer porque ela considera erradamente que a sua própria escravidão é devida, não à
sua derrota, mas à perfeição do seu vencedor.
Ora, quando este erro de interpretação se instala na alma do vencido transforma-se
numa sólida crença. A alma adapta-se, então, às maneiras de ser do vencedor e
acomoda-se a ele. Eis, pois, a aculturação.
Adaptado: Ibn Khaldum
O texto de Ibn Khaldum, historiador afro-árabe do século XIV relata uma situação
em que o fenómeno sociocultural de aculturação está patente, pelo que da sua leitura
devemos extrair as seguintes ideias:
A dinâmica e a mudança cultural são inevitáveis e resultam das sucessivas
alterações das estruturas da sociedade.
A transculturação
A subcultura e a contracultura
Leituras complementares
A contracultura
Paralelamente à cultura oficial legada pela família, pela escola, pela igreja, pelos
meios de comunicação, pelo Estado, etc., vemos aparecer, assim, uma contracultura.
A contracultura não se define linearmente como a negação da cultura oficial. A
negação da cultura dominante pressupõe que aquele que a nega se situe em função
daquilo que é negado. Quer dizer, deve-se ser suficientemente culto e possuir-se meios
intelectuais fornecidos pela cultura oficial para que a sua herança cultural se possa
repudiar. Por isso é que as classes excluídas do saber raramente podem revoltar-se
Bibliografia
1-TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia Cultural, 9ª edição, pp. 272/288.
2-BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos etno-antropológicos, pp. 95/137.
Trabalho independente.
1- O que pode acontecer com um sujeito que não aceita agir ou comportar-se em
função dos valores da sua sociedade?
2- Apresente argumentos que fundamentam a ideia da dinâmica cultural?
8
SILIYA, Carlos Jorge: Ensaio sobre a Cultura em Moçambique, p. 52
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 52
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
designadamente hindus, persas, árabes, chineses, etc. Esses povos, embora
ostentassem outro estatuto, partilharam com a população indígena as vicissitudes do
colonialismo, e hoje não se pode aludir à riqueza da nossa cultura sem considerar
esta parte da nossa moçambicanidade.
9
MONDLANE, Eduardo Chivambo: Lutar por Moçambique, pag. 46.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 53
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
Em conclusão, há uma cultura moçambicana que decorre da fusão dos vários povos
que habitaram esta parte oriental da África, porém, as tradições dos povos originais têm
sido marginalizadas ao longo da história, por vezes, designadas misteriosas e atrasadas,
e outras vezes, manipuladas como instrumentos de atracção turística.
Neolocal: é a família cujo casal tem uma residência independente da dos pais de
ambos os cônjuges. Este tipo de residência é mais frequente em sociedades urbanizadas,
onde o estilo de vida exige uma autonomia das famílias.
Bibliografia
1-DE MELO, Luíz Gonzaga. Antropologia cultural, pp. 316/339
2-BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos etno-antropológicos, pp. 289/294.
O lovolo é uma prática cultural por meio da qual se unem duas pessoas (homem e
mulher) pelo casamento condicionado ao pagamento real ou simbólico de um dote. Este
dote pode ser uma enxada, uma cabeça ou várias de vaca, dinheiro em numerário ou
outros bens de natureza material ou pecuniária.
O jovem que tenciona contrair o casamento informa aos seus tutores (pais ou
padrinhos) sobre a sua intenção e estes marcam uma agenda de visita à família da
pretendida noiva com a finalidade de participar-lhes a pretensão do seu filho/afilhado.
Uma vez recebidos os hóspedes estabelecem-se garantias, designadamente uma lista
contendo a descrição dos itens que serão objectos do próprio lovolo. A lista pode incluir
O lovolo como símbolo de união matrimonial permite que uma das famílias
envolvidas adquira um novo membro, e a outra, o perca. Deste modo, a mulher
adquirida, ainda que conserve o seu apelido (o nome do seu clã) torna-se propriedade do
novo grupo familiar, pertencem a este grupo tanto ela como os filhos que gerar. Não é
uma escrava, nem é propriedade individual do marido, mas uma propriedade colectiva
do grupo.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 58
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
Junod (1996: 257) faz as seguintes considerações a respeito dos efeitos do lovolo:
A mulher é reduzida a uma situação de inferioridade pelo facto de ter sido paga.
a) A rapariga casada fica a mercê da família do marido. Em caso da morte do
marido ela pode ser entregue a um velho asqueroso por quem ela não sente
qualquer atracção, por causa de uma velha dívida de lovolo; b) a mulher
trabalha para o marido e para os parentes dele, que lhe dão muito pouco em
Por tudo o acima descrito, conclui-se que seja falso dizer que o lovolo é um
contrato entre duas famílias com a finalidade de garantir que a mulher seja tratada
decentemente pelo marido e vice-versa. Parece-nos que em vez de esta prática obrigar
os nubentes a prestarem cuidados recíprocos, serve para legitimar comportamentos
androcêntricos e machistas de índole patriarcal.
Bibliografia
JUNOD, Henri Alexandre. Usos e costumes bantu, Editor Arquivo Hist. de Moç.,
Tomo I Maputo, 1996.
Trabalho independente
1- Os povos que os portugueses encontraram no território hoje designado por
Moçambique tinham as suas culturas típicas que os distinguiam de outros povos
do mundo. Tinham os seus modos de vida, uma visão concreta do mundo e
manifestações religiosas ou crenças (Manual, 2016: 24).
a) O que entende por identidade cultural moçambicana?
b) Por que se pode afirmar que a política de assimilação, assumida pelos portugueses,
era uma forma de subvalorização da cultura dos moçambicanos?
c) Justifique as razões por que se pode afirmar que, quanto ao estudo das culturas, a
Nova Etnografia forneceu uma abordagem qualitativamente mais rica do que a
Antropologia tradicional.
d) Comente a seguinte frase: “A vida em sociedade é um estado de cultura”.
Leituras complementares
10
JUNOD, Henri Alexandre. Usos e costumes bantu, Editor Arquivo Hist. de Moç., Tomo I Maputo,
1996.
11
ANTÓNIO, Rita-Ferreira. Povos de Moçambique: história e Cultura. Porto, Afrontamentos, 1975,
p.10.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 63
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
masculina e a puberdade feminina tinha uma celebração apropriada e geralmente
impregnada de misticismos e reservada apenas às senhoras adultas e anciãs da
comunidade.
Entre todos os ritos de passagem, a cerimónia de iniciação de meninas e de
meninos eram, irrefutavelmente, a que maior importância revestia para as
comunidades matrilineares macuas. A iniciação masculina servia para atribuir ao
jovem, o estatuto de adulto e implicava entre outras coisas a morte da criancice e o
abandono do nome que se ostentava antes da iniciação. Os iniciados eram/são
submetidos a duras provas de coragem, de resistência à fome e de submissão. A
iniciação decorre na floresta entre trinta (30) e quarenta e cinco (45) dias em que os
iniciados são instruídos para a humildade, o respeito e culto aos antepassados. Findo o
tempo de quarentena, os jovens voltam a aldeia onde lhes são reconhecidos os direitos
de participar em funerais, de contrair matrimónio e de procriar. A iniciação feminina é
mais simplificada, cingindo-se em instruções relativas aos cuidados com a
maternidade, à obediência ao futuro marido, e algumas restrições alimentares nos
períodos menstruais. 12 Entre os macondes do planalto de Mueda, os rituais da
puberdade tanto masculinos como femininos envolviam indivíduos de várias aldeias
vizinhas, estabelecendo laços de convívios e de amizade entre pessoas que, de outro
modo, seriam estranhas. As cerimónias da puberdade masculinas e femininas,
diferentes em rituais, têm como elemento convergente a presença de máscaras e de
dança do Mapiko, que se tornou um símbolo desta celebração. Para os ajauas do
Niassa também matrilineares como os macondes e os macuas, mas muito islamizados, a
iniciação dos rapazes limitava-se à circuncisão com um ou outro ritual de culto aos
espíritos. Após a conversão ao islamismo, os sheike (sacerdote muçulmano) aprovava a
sua circuncisão. Os candidatos eram apresentados pública e solenemente pelos chefes
locais das linhagens. Daí, dirigiam-se ao acampamento acompanhados por mestres,
anciãos e padrinhos. Ali permaneciam até a cicatrização das feridas, recebendo, no
entanto, vários ensinamentos.
Portanto, nas sociedades Moçambicanas de origem bantu, os ritos de passagem da
adolescência à vida adulta foram muito valorizados no passado, continuando nalgumas
comunidades rurais a sê-lo nos nossos dias, embora bastante simplificados. Contudo, é
de realçar que a prática da circuncisão não foi um uso generalizado em todas as etnias
12
MEDEIROS, Eduardo. Os Senhores da floresta: ritos de iniciação dos rapazes Macuas e Lómuès.
CAMPOS DAS LETRAS-Editores. S.A., 2007.
Manual de Antropologia Sociocultural, 2016. 64
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
de Moçambique. Por exemplo, nalgumas etnias do Sul do país, ela fora praticada num
passado remoto, mas foi caindo em desuso, tal como aconteceu com os tsongas.
Noutras etnias, a circuncisão não era conhecida, mas passou a ser praticada por
influência de povos vizinhos, em particular dos islamizados. Em qualquer dos casos, os
ritos da puberdade estavam relacionados, em todas as etnias, com a passagem para a
idade viril nos rapazes e com a primeira menstruação nas meninas, eles precediam o
casamento e serviam como meio de preparação para a vida conjugal.
Características da religião
1- JUNOD, Henri Alexandre. Usos e costumes bantu, Editor Arquivo Hist. de Moç.,
Tomo I Maputo, 1996.
2- MEDEIROS, Eduardo. Os Senhores da floresta: ritos de iniciação dos rapazes
Macuas e Lómuès, pp. 16-24.
3- RODRIGUES, Donizete. Sociologia da religião: uma introdução. Edições
Afrontamento, Porto, 2007.