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AUTOR

O Professor Flávio Donizete Batista possui graduação em Filosofia pela Univer-


sidade do Sagrado Coração (1999), graduação em Pedagogia pelo Centro Universitário
Internacional UNINTER (2017), e mestrado em Educação pela Universidade Estadual de
Londrina (2003).
Atualmente é Coordenador do Curso de Pedagogia da FATECIE - Faculdade de
Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná e professor na área de Filosofia nos cursos de
Pedagogia, Psicologia, Administração e Ciências Contábeis.
Professor efetivo da Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação e Filosofia, atuan-
do principalmente nos seguintes temas: educação, ética, docência, ensino-aprendizagem
e relação pedagógica.
Endereço para acessar CV na Plataforma Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4266799322940706
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Olá, prezado e prezada, estudante.


Com alegria convido você a realizar um interessante estudo de Sociologia, que
ajudará a conhecer um pouco mais da sociedade em que vivemos.
O objetivo é aproximar você das investigações, reflexões e teorias das Ciências
Sociais, que nos ajudam a entender um pouco do dos elementos que constituem nosso
cotidiano vivido em sociedade.
Vamos abordar os antecedentes do estudo da sociedade, buscando conhecer um
percurso histórico que preparou o surgimento da Sociologia no final do século XIX.
Buscaremos conceituar a Sociologia, a partir daquilo que seus pensadores princi-
pais apontaram ser seu objeto específico de estudo.
Trataremos de um importante tema que é a cultura, mostrando seu significado e
sua rica diversidade, mostrando a necessidade de aprendermos a valorizar a nossa cultura
e a daqueles que são diferentes de nós.
E, por fim, vamos estudar sobre a política e o poder, tão necessários para a manu-
tenção desenvolvimento de nossa vida.
Obviamente não será possível abordar todos os itens que envolvem a vida em so-
ciedade e que são estudados pela Sociologia. Mas será uma importante oportunidade para
iniciarmos nossos estudos sociológicos, e nos despertará para novas leituras e pesquisas,
cientes de que sempre há ainda muito a aprender.

Um excelente estudo a todos.

Grande abraço.

Prof. Me. Flávio Donizete Batista.


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 5
O Pensamento sobre a Sociedade: Breve Resgate Histórico

UNIDADE II.................................................................................................... 24
O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia

UNIDADE III................................................................................................... 44
Cultura e Sociedade

UNIDADE IV................................................................................................... 62
Política e Poder
UNIDADE I
O Pensamento sobre a Sociedade:
Breve Resgate Histórico
Professor Mestre Flávio Donizete Batista

Plano de Estudo:
• A sociologia: antecedentes na história
• Os gregos e as origens do pensamento científico
• O Renascimento e as novas formas de pensar a sociedade
• Maquiavel e a emergência da Ciência Política
• O iluminismo e o liberalismo
•O positivismo de Auguste Comte e a Sociologia

Objetivos de Aprendizagem:
• Conhecer os precursores do pensamento sobre a sociedade.
• Compreender o processo de desenvolvimento histórico da ciência social.
• Estabelecer relações entre os momentos históricos e a forma de pensar a sociedade.

5
INTRODUÇÃO

Todos nós vivemos em sociedade, e até o mais remoto ermitão é um ser humano
que já foi socializado e optou pelo isolamento da sociedade. Entretanto, isolamento indi-
vidual não é isolamento da sociedade. O mero ato de pensar é um ato social; aprender a
linguagem é um ato social. Embora qualquer um de nós venha ao mundo com a capacidade
de aprender línguas, só as aprendemos em contato com o mundo social. Essa constatação
simples, “vivemos em sociedade”, deu origem a muitas reflexões sobre o lugar do indivíduo
no mundo.
Desde o fim do século XIX, essas reflexões têm sido sistematizadas em ciências,
denominadas Ciências Sociais. A proposta nesta unidade é convidar você a conhecer
alguns aspectos que antecederam na história essas ciências, nos ajudando a aumentar
nossa compreensão sobre o que significa conhecer a vida em sociedade.

UNIDADE I O Pensamento sobre a Sociedade: Breve Resgate Histórico 6


A Sociologia: antecedentes na história

A Sociologia resultou de um movimento de ideias que teve início com os gregos


antigos e foi retomado no Renascimento. Segundo Costa (2016), grandes mudanças na
sociedade ocidental - desenvolvimento do capitalismo, do colonialismo, das ciências e da
tecnologia - levaram os pensadores a se afastar da visão religiosa do mundo da época e a
analisar crítica e objetivamente a vida social. Escreve a autora:

Embora, desde os primórdios da humanidade, as forças sociais tenham agido


sobre o comportamento humano, nem sempre tivemos consciência da ma-
neira pelas quais elas se constituem e atuam sobre nós. Como nas demais
ciências, as explicações sobre a sociedade e o modo como convivemos com
ela foram regidas por crenças de base religiosa ou mítica. As ciências vão
se constituindo à medida que as crenças adotadas se tornam incapazes de
resolver nossos problemas (COSTA, 2016, p. 16).

O fato de o homem relacionar as forças da natureza com as ideias religiosas e


vê-las como deusas ou deuses não foi suficiente para responder às perguntas importantes
sobre a vida ou para resolver os problemas concretos que as sociedade enfrentavam no
dia a dia. Diante de questões como essas, era preciso estudar a natureza e a vida de forma
objetiva para obter respostas humanas sobre os problemas humanos. Assim se desenvol-
veu o pensamento científico, que, ao longo dos séculos, tentou substituir as explicações
religiosas.
O mesmo ocorreu com as Ciências Humanas. As explicações puramente filosóficas
ou religiosas mostraram-se inadequadas para atender certas necessidades de ação sobre o

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homem e sobre a sociedade. Vimo-nos obrigados a, por meio de métodos mais adequados,
desenvolver o pensamento científico sobre a sociedade. Foi assim que surgiu a Sociologia
- o pensamento científico sobre como o “eu” e os “outros” interagem, interferindo em nossa
maneira de pensar em nosso comportamento, permitindo diagnosticar situações, descrever
tendências, prever atitudes e superar obstáculos.

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Os gregos e as origens do pensamento científico.

Os gregos antigos, habitantes de uma península que se abria para o Oriente, foram
um povo original - comerciantes, navegadores e viajantes que aprenderam a conviver com
diferentes povos e culturas, dos quais receberam inúmeras influências e conhecimentos.
Além disso, desenvolveram o apreço pela reflexão, dedicando-se à Filosofia. Tinham um
estilo de vida urbano e um agudo apreço pela vida pública. Os gregos não formaram impé-
rios como os egípcios e os mesopotâmios, mas desenvolveram uma cultura diversificada,
cuja principal unidade eram as cidades-Estado. Cidades como Atenas, Esparta, Tebas e
Corinto, entre outras, eram independentes entre si e cada qual criou suas leis, a sua or-
ganização sociopolítica e as suas tradições. Entretanto, compartilhavam a mesma língua,
mitologia e tradições, denominada helenística. Essa cultura, posteriormente, foi apropriada
pelo Império Romano, que a difundiu pela Europa e pelo Oriente.
O crescimento econômico das cidades gregas, promovido pela expansão comer-
cial e colonial, com base no trabalho escravo, permitiu o surgimento de uma elite livre
das tarefas e do trabalho, com tempo e recursos para o exercício e a intensa prática da
reflexão sobre a própria cultura e daquelas advindas dos povos com quem conviviam e
comerciavam. Isso lhes permitiu desenvolver as artes, a Filosofia e o pensamento racional.
Foram capazes, então, de organizar sistematicamente diferentes áreas do conhecimento,
como a Geometria, a Filosofia e a Política. Deram grande importância ao espírito público e
à participação política, sendo responsáveis pela criação de um regime político único, com

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base na participação de parte dos cidadãos na vida pública: a democracia.
Costa (2016) acrescenta que o pensamento científico não se desenvolveu entre
os gregos antigos, como viria a se realizar na Europa, séculos mais tarde. Isso porque o
conhecimento helênico e as teorias ainda tinham a influência de uma concepção metafísica
da realidade. Entretanto, foi essa herança grega de um pensamento filosófico capaz de
conceber a vida pública e a importante ação do homem sobre a coletividade que, resgatado
na Europa a partir do século XV, lançou as bases do que viria a ser o pensamento socioló-
gico.

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O Renascimento e as novas formas de pensar a sociedade

O Renascimento é o período da história da Europa que se inicia por volta do século


XIV, quando, depois de quase mil anos de feudalismo - sociedade marcada pela proprie-
dade rural, produção agrária e servidão, assim como pelo domínio da Igreja Católica -,
desenvolve-se um novo modo de vida social com base no comércio, na vida urbana e no
poder laico. Vale destacar o que escreve Costa:

O controle das pestes que assolaram a Europa na Idade Média, a invenção


do arado, entre outros instrumentos agrários, as Cruzadas e a descoberta
de rotas comerciais como Oriente permitiram a ascensão da burguesia, uma
nova classe social que se desloca do meio agrário e passa a se dedicar ao
comércio. Aos poucos, essa atividade, inicialmente subsidiária, ganha impul-
so e, sediada nas cidades, promove o Renascimento comercial e urbano.
As navegações marítimas se intensificaram e o colonialismo se expande por
outros continentes, formando-se os Estados Nacionais, como Portugal e Es-
panha. O comércio se expande e o lucro que ele possibilita se torna, cada vez
mais, o principal objetivo das atividades econômicas (2016, p. 19).

Essas condições são elementos de um sistema econômico renovado, o capitalis-


mo, alicerçado na propriedade privada e no trabalho assalariado: inicialmente por meio do
comércio, depois, por meio da indústria.
Para que esse novo sistema tivesse pleno desenvolvimento, era preciso transfor-
mar a sociedade europeia, ainda presa aos princípios feudais, promovendo uma cultura
voltada à prosperidade material, à felicidade terrena e à vida pública, princípios que regiam
algumas sociedades da Antiguidade. Por isso, os pensadores renascentistas buscaram no

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passado as suas fontes de inspiração para a nova cultura, especialmente na cultura antiga
e na herança greco-romana. Nesta cultura antiga, seriam encontrados elementos contrários
à cultura medieval - calcada na religião e numa mentalidade conservadora do ponto de vista
moral e social, a qual dividia os seres humanos em linhagens, regiões, dinastias e relações
servis. Isso explica por que esse período foi chamado de renascimento pelos historiadores,
pois promoveu o renascer do comércio e da vida na polis.

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Maquiavel e a emergência da Ciência Política

O Renascimento revelou autores como Nicolau Maquiavel, que se destacou por sua
obra O Príncipe, considerada pioneira no desenvolvimento do pensamento político. Em seu
texto, Maquiavel analisa o exercício do poder, mostrando as condições sociais necessárias
para que um governante conquiste, mantenha e governe seu reino, acreditando que das
qualidades de liderança desse governante dependeria a felicidade de seus governados.
Maquiavel pensava realisticamente as relações de poder. Ele procurava desvendar
suas condições e variantes. Identificava nelas diferentes categorias sociais envolvidas - a
nobreza, o clero, os ministros, os militares, o povo - e mostrava como o príncipe deveria se
relacionar com cada um. Não deixou de mostrar que o governo também depende das ações
nem sempre meritórias, como a manipulação, as barganhas e o uso oportuno e estratégico
da violência. Em síntese, Maquiavel receitava doses bem medidas de persuasão, seja
pelo convencimento e eventuais benfeitorias, seja pela força bruta das armas. Maquiavel
expressava ideias pertinentes sobre a sociedade, o poder e as relações sociais.
Costa (2016) destaca que a obra de Maquiavel é considerada pelos especialistas
o primeiro estudo sistemático da Ciência Política, ou de Filosofia Moderna, mas por causa
da crueza que demonstrou ao descrever as condições de exercício do poder, foi indevida-
mente considerado defensor da doutrina de que os “fins justificam os meios”, ao aconselhar
os poderosos a assassinar, mentir e bajular, quando necessário, para conquistar ou manter
o poder. O seu livro é muito mais aprofundado do que tais classificações. Em razão desse

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pragmatismo em relação aos objetivos dos poderosos, passou-se a chamar de maquiavéli-
co todo pensador ou governante que age, a qualquer custo, para a conquista e manutenção
do poder. Maquiavelismo é o nome que recebeu a prática dessa visão pragmática e pouco
ética da política. No entanto, Maquiavel não pensava em objetivos escusos, visava apenas
assegurar a ordem social, a prosperidade e a governança dos reinos. Como cientista mo-
derno, ele analisou a sociedade como objeto, de forma isenta de partidarismos e paixões.
Assim, o Renascimento, impulsionado pelo despertar do desenvolvimento capita-
lista, lançou as bases de um pensamento laico voltado a analisar a sociedade em suas
particularidades, por meio de uma atitude crescentemente objetiva, mas distanciada dos
dogmas religiosos.

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O Iluminismo e o Liberalismo

A liberdade guiando o povo, de Eugéne Delacroix (1830)

Imagem: http://editoraunesp.com.br/blog/os-impactos-historicos-da-revolucao-francesa

À medida que o capitalismo se desenvolvia, estimulando o avanço da ciência,


acentuava-se na sociedade ocidental a prevalência da racionalidade e do pensamento lai-
co. Costa (2016) escreve que cada vez mais se acreditava na capacidade do pensamento
racional poder desvendar a natureza do mundo em suas diferentes instâncias e aspectos.
Paralelamente, as nações também se transformavam e, com elas, o nacionalismo, esse
sentimento de pertencimento a um território governado por um poder que o administra. Os

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anseios por prosperidade, justiça e bem-estar se intensificavam e o Estado era conclamado
a criar as condições necessárias para isso. Novas aspirações, novos valores e uma atitude
diferente diante da sociedade e da realidade circundante provocaram o surgimento de um
movimento filosófico conhecido por Iluminismo.
Esse movimento de ideias era impulsionado pelo crescimento das descobertas
e avanços dos métodos e instrumentos científicos de investigação da realidade, da vida
urbana e também pelo colonialismo, que permitia aos europeus conviverem cada vez mais
intimamente com culturas diferentes da sua, algumas vezes de forma tensa, outras vezes
com maior capacidade de diálogo, embora sempre com uma tentativa, por parte das potên-
cias europeias, de estabelecer trocas assimétricas e lucrativas. E se por um lado havia o
anseio por progresso, por outro também crescia a consciência de que a sociedade europeia
apresentava problemas e injustiças de difícil solução. A Igreja Católica, em particular, era
questionada, e já não se acreditava no poder da fé ou da religião na solução dos problemas
sociais.
Diversos pensadores se dedicaram ao estudo da sociedade, das relações políticas
e econômicas, como Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778) e Jean-Jacques Rous-
seau (1712-1778). Este último, na obra Do Contrato Social, desenvolve a tese de que a vida
política resultaria de uma decisão coletiva pela qual os membros de uma sociedade abrem
mão de sua liberdade em prol do bem comum - seria a origem, assim, da organização do
Estado tal como o pensador formulou.
A expansão do comércio e da manufatura capitalista, bem como do assalariamento
do trabalhador, exigiam uma atitude mais contundente contra a monarquia absolutista e as
relações servis, resquícios do período medieval. Esses anseios se traduziam por um desejo
cada vez maior por liberdade, que se tornou um dos principais objetivos do Iluminismo. Não
se defendia simplesmente a liberdade de decisão do cidadão na sua vida cotidiana, mas,
principalmente, a liberdade da nação em relação aos poderes absolutos do rei; do traba-
lhador em relação aos laços de servidão; e do comércio em relação às restrições impostas
ao livre funcionamento do mercado. Os filósofos procuravam defender esses princípios
compondo uma tendência filosófica e política a que se deu o nome de liberalismo.
Rousseau, por exemplo, considerava a liberdade um dom natural, próprio da dig-
nidade humana - à capacidade de cada um de nos de se autodeterminar em função de
uma ideia, de um ideal ou do bem comum -, um princípio de liberdade humanista e que
corresponde a um estado interior de autonomia e independência. É dessa liberdade que
o homem só abriria mão, em parte, para a criação das instituições políticas que passaram
a governar as nações em nome da coletividade. Esse era o contrato social que exigia um

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Estado livre e democrático.
Adam Smith, considerado o pai da Economia Moderna, defendia um princípio de
liberdade diferente do de Rousseau - uma liberdade que pertence à regulamentação na-
tural das relações humanas, especialmente as econômicas. Dando origem ao liberalismo
econômico, essa noção de liberdade justificava a defesa do livre funcionamento das leis
de mercado, de oferta e procura, sem a intervenção de medidas econômicas reguladoras,
como taxas ou impostos. Ao Estado caberia apenas defender a livre operação dessas leis
e a adequada transação de mercadorias, fossem elas trabalho, matéria-prima, produtos
ou moedas. O liberalismo econômico expressava os anseios dos capitalistas, cujos lucros
passaram a advir principalmente da expansão comercial local e internacional, do aumento
da produção manufatureira e do trabalho assalariado. O liberalismo política e a defesa da
democracia também faziam parte desse ideário e foram tema de autores como Montesquieu.
Embora fossem diferentes os princípios de liberdade que esses pensadores defendiam, as
teorias desenvolvidas revelam a importância do tema no meio intelectual da época.
Tendo essas ideias como foco, o Renascimento e o Iluminismo prepararam o ter-
reno para que, no século XIX, a Sociologia se desenvolvesse como ciência social e campo
do saber.

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O positivismo de Auguste Comte e a Sociologia

Augusto Comte retratado em um selo impresso na România, em 1958

Os avanços da ciência, os aumentos dos lucros e da produtividade fizeram com


que o racionalismo e a confiança no conhecimento objetivo fossem alçados no posto de
princípios quase inquestionáveis.
A doutrina da Igreja Católica perdia espaço na sociedade em transformação, pois
não acompanhava a evolução da ciência nem era capaz de orientar a nova vida social,
que se distanciava cada vez mais das velhas tradições e concepções da moral e virtude
valorizadas pela Igreja. A ideia de que o conhecimento científico era seguro e de que suas
leis eram confiáveis deu origem a um movimento filosófico que se tornou conhecido como
positivismo. Inspirado pelo sucesso alcançado pelas Ciências Físicas e Biológicas, o posi-

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tivismo dedicou-se a estudar o comportamento humano e a sociedade. Concebia o mundo
social como um organismo vivo, constituído de partes integradas e em funcionamento. O
adepto mais importante dessa tendência foi o francês Auguste Comte, o primeiro a propor a
Sociologia como uma ciência. Foi ele também que, percebendo que o combate às crenças
religiosas deixava a população desamparada e descrente, resolveu criar uma “religião
científica”, na qual os cientistas ocupariam o lugar dos sacerdotes.
Costa (2016) lembra que foi assim que, depois de séculos de reflexão filosófica e
de um mundo convulsionado por intensas transformações, chegamos à formação de um
campo de conhecimento que tem por objeto de estudo a vida em sociedade.
Propondo-se a um estudo sistemático das relações humanas em coletividade, a
Sociologia permite identificar aquilo que, além das circunstâncias físicas e naturais, além
do caráter ou da psiquê dos interagentes, influencia o comportamento dos seres humanos
em sociedade.
Araújo (2013) escreve que o último século apresentou profundas e intensas trans-
formações no modo de viver em sociedade. Fronteiras e alianças entre países se alteram,
as grandes potências econômicas tentam manter sua posição dominante, muitos povos
e nações clamam por paz e justiça, avanços tecnológicos surpreendem, a quantidade e
a variedade de informações aumentam, artistas buscam ser ouvidos, vistos ou lidos. As
estruturas familiares se diversificam, instituições tradicionais da política ora ganham, ora
perdem credibilidade, a economia se torna mundialmente interligada. Regimes políticos
entram em colapso; mobilizações sociais convergem e divergem sobre os problemas e
soluções para os problemas de seu tempo.
Para completar, é neste contexto que as Ciências Sociais

apresentam-se para analisar e tentar explicar que está acontecendo no âmbi-


to político, econômico, cultural e social da realidade complexa que existe sob
a aparência das mudanças sociais. As Ciências Sociais indagam constante-
mente sobre o que se altera e o que permanece, o que rompe com estruturas
antigas e o que se constitui como novo na sociedade (ARAÚJO, 2013, p. 11).

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SAIBA MAIS
A Sociologia se desenvolveu durante o período histórico que denominamos
Modernidade, que se inicia no século XV, na Europa, com o renascimento urbano,
comercial e cultural, e se estende até os últimos vinte e cinco anos do século XX.
Diversos autores consideram que a Modernidade termina quando o fim da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1991) possibilita a comunicação mais efetiva
e relações mais estreitas entre os países, antes divididos pela oposição entre dois
impérios - o estadunidense e o soviético.
Uma nova realidade geopolítica e a chamada III Revolução Tecnológica
(revolução informática), segundo esses autores, entre os quais o sociólogo Pierre
Levy (1956-), teriam posto fim à modernidade, desencadeando um período histórico
conhecido como Pós-Modernidade.
A nova conjuntura têm obrigado os sociólogos a repensar as relações
nacionais e internacionais e a rever conceitos e metodologias. Estudar as novas
configurações sociais da sociedade globalizada e analisar as consequências do de-
senvolvimento tecnológico sem precedentes são os grandes desafios da atualidade.

REFLITA
“O progresso não é mais do que o desenvolvimento da ordem.” (Augusto Comte)
A expressão é o lema político do positivismo, forma abreviada do lema religioso
positivista.
(CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994, p. 59).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois dessa unidade, na qual procuramos mostrar que a Sociologia resultou de


uma conquista lenta, gradual e crescente, vamos dar continuidade ao nosso estudo espe-
rando que, com os conhecimentos que aqui apresentamos, você possa entender de outra
forma a realidade que nos cerca.
Vimos que já há muito tempo o homem pensa sua vida em sociedade, mas com di-
ferentes perspectivas e instrumentos. A Ciência Social não surgiu do nada, mas é resultado
de um longo processo histórico.
Que nosso estudo nos ajude a resgatar um esforço imenso desenvolvido por nos-
sos antepassados para entender a sociedade como uma instância diferente e específica da
vida humana.

Leitura Complementar

Artigos e textos diferentes que tragam informações interessantes, atuais, dicas,


casos reais ou aplicação de conceitos que o aluno está aprendendo tornam a leitura mais
empolgante e auxiliam na fixação do que foi estudado.

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Material Complementar

LIVRO (OBRIGATÓRIO)
Título: Fazenda-modelo
Autor: Chico Buarque de Holanda.
Editora: Civilização Brasileira, 1989.
Sinopse: Trata-se de uma obra ficcional que mostra as tendências
negativas da sociedade em que vivemos. Por meio desse texto, é
possível pensar os problemas sociais e entender de que forma a
literatura e a ficção podem contribuir para isso.

FILME/VÍDEO (OBRIGATÓRIO)
Título: A invenção da infância, de Liliana Sulzbach
Ano: 2000.

Sinopse: O documentário mostra os relatos das crianças sobre


a infância e as dificuldades de ser criança em variados grupos
sociais
Link do vídeo: http://portacurtas.org.br/filme/?name=a_inven-
cao_da_infancia

WEB (OPCIONAL)
Apresentação do link: Sociedade Brasileira de Sociologia.
Fundada em 1937, primeiramente como uma sociedade estadual, Sociedade Pau-
lista de Sociologia, e rebatizada e transformada em sociedade científica atuante em escala
nacional e internacional em 1950, como Sociedade Brasileira de Sociologia, a SBS é uma
entidade jurídica sem fins lucrativos, de direito privado, que busca reunir institucionalmen-
te pesquisadores brasileiros atuantes nas áreas de Sociologia e Ciências Sociais afins.
Desde 1987, mantém a regularidade bienal de seus Congressos Brasileiros de Sociologia.
Somando-se a outros eventos, apoiados e realizados em co-parceria institucional, e a um
leque de publicações editadas, a história da Sociedade Brasileira de Sociologia é marcada
pelo constante debate e interação de sua pauta acadêmico-científica com os problemas e
questões interpostos ao desenvolvimento do país.
• Link do site: http://www.sbsociologia.com.br/2017/index.php?formulario=asocie-
dade&metodo=0&id=1

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REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Silvia Maria de; BRIDI, Maria Aparecida; MOTIM, Benilde Maria Lenzi. Sociolo-
gia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto. Disponível em: http: <//fcv.bv4.digitalpages.com.
br>

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994, p. 59.

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 5 ed. São Paulo:Mo-


derna, 2016.

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UNIDADE II
O Pensamento Clássico e
Contemporâneo da Sociologia
Professor Mestre Flávio Donizete Batista

Plano de Estudo:
● O que é sociologia e qual seu objeto?
● Émile Durkheim: fatos sociais, solidariedade mecânica e orgânica
● Karl Marx
● Max Weber
● Teorias sociológicas contemporâneas

Objetivos de Aprendizagem:
● Compreender o conceito de Sociologia.
● Conhecer qual seu objeto a partir de seus teóricos.
● Conhecer o pensamento dos clássicos e dos contemporâneos da Sociologia.

24
INTRODUÇÃO

O que é essa coisa chamada “o social” que os sociólogos estudam? Podemos dizer
que o social é o ponto de partida. Muitas pessoas preferem ver a vida humana como algo
biológico, individual, econômico ou religioso, mas para os sociólogos, o ponto de partida
sempre está em tudo o que é ser social. Essa é uma ideia com vários significados. E
queremos em nosso estudo aprender como a Sociologia encara e relaciona esses mesmos
significados para, ao final, compreender como o homem vive em sociedade.
As pessoas vivem juntas, ou seja, em sociedade. E os cientistas sociais são os
interessados em entender como acontece essa vida em sociedade. Quais são as formas de
convivência entre as pessoas? Que relações são fundamentais em uma sociedade? Como
funciona uma sociedade? Por que as pessoas, em geral, fazem coisas muito parecidas?
Como as sociedades mudam? Por que a vida em sociedade produz diferenças tão grandes
entre seus membros? Quais os fatores diferenciam grupos ou sociedades? Por que algu-
mas são tão exploradas, subjugadas e até mesmo escravizadas?
Vejam quantas perguntas. Talvez não demos conta de todas nesse estudo. Mas
é esta busca pela compreensão cada vez maior de nossa própria vida em sociedade que
estamos dando continuidade na unidade que se inicia. E que busquemos sempre mais
conhecimentos sobre nossa vida em sociedade.
Tenhamos todos um bom estudo.

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 25


1. O que é Sociologia e qual seu objeto?

Sociologia é a ciência que estuda as relações sociais, as instituições sociais e a


sociedade. É, pois, uma ciência social que dispõe de um conjunto acumulado de conheci-
mentos e que se propõe a fornecer respostas acerca do ser humano. Gil (2011) acrescenta
que a Sociologia não estuda a ação das pessoas isoladamente, mas trata das atitudes e
dos comportamentos das pessoas como situações coletivas, que podem ser explicadas
pelas relações que estabelecem entre si.
O interesse da Sociologia são as situações cujas causas não são buscadas nas
personalidades individuais, mas sim na sociedade, nos grupos sociais ou nas relações que
se estabelecem entres seus membros. Assim, o objeto da Sociologia - ou seja, aquilo que
ela estuda - são as relações que as pessoas estabelecem entre si na sociedade: coopera-
ção, competição, conflito, interdependência.
Os sociólogos não se interessam, portanto, pelo estudo das pessoas isoladamente,
mas enquanto membros dos diferentes grupos, organizações ou comunidades que com-
põem a sociedade. Podemos, portanto, definir Sociologia como o estudo da sociedade.
Esta definição, no entanto, mostra-se muito ampla já que não possibilita caracterizar com
precisão o conceito de sociologia. Todo comportamento humano se dá em algum tipo de
sociedade ou é influenciado por fatores sociais. Não é por ocorrer numa sociedade que um
fato se torna objeto da investigação sociológica. Um fato é realmente entendido como so-
ciológico quando se procura entendê-lo no que diz respeito às relações que se estabelecem

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 26


entre os seres humanos e as circunstâncias sociais que os afetam. Mas não há consenso
entre os principais autores quanto ao objeto da Sociologia. Para um autor como Émile
Durkheim, este objeto é constituído pelos fatos sociais. Para Max Weber, é a ação social.
Para os sociólogos que se apoiam nas ideias de Karl Marx, são as relações de produção.
Quanto a essa dificuldade de se definir seu objeto, Gil escreve:

Podemos admitir que a Sociologia, como qualquer ciência jovem, tem um


problema relacionado à precisão conceitual. Assim torna-se razoável também
admitir que não haja um consenso entre os diversos autores acerca de seu
objeto. E que essas divergências entre os autores não são insuperáveis, já
que podem ser explicadas em virtude de corresponderem a abordagens do
mesmo objeto sob perspectivas diferentes (GIL, 2011, p. 27).

A principal fonte de divergência entre os autores refere-se à objetividade do conhe-


cimento sociológico. Para alguns autores, o conhecimento sociológico é objetivo, exterior
aos indivíduos, cabendo ao sociólogo manter-se neutro na investigação dos fatos sociais.
Estes autores tendem a privilegiar o papel das instituições sociais que obrigam os indiví-
duos a adotarem comportamentos que são exteriormente definidos. Para outros autores, a
sociedade é uma construção social, que depende dos significados atribuídos pelos indiví-
duos. Estes autores tendem a privilegiar o papel ativo dos indivíduos nas escolhas sociais.
Para outros autores, por fim, o aspecto mais evidente da sociedade é a desigualdade e a
dominação de alguns indivíduos por outros. Estes autores tendem a privilegiar o estudo
dos conflitos que se verificam na sociedade. Esses três enfoques derivam principalmente
da influência de Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, que dá origem às principais
vertentes teóricas da Sociologia.

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 27


2. Émile Durkheim

Para esse sociólogo a sociedade prevalece sobre o indivíduo. Ela deve ser enten-
dida como um conjunto de normas de ação, pensamento e sentimento que não existem
apenas nas consciências individuais, mas que são construídas exteriormente. Gil (2011)
lembra que, na vida em sociedade, os seres humanos se defrontam com regras de conduta
que não foram diretamente criadas por eles, mas que existem e devem ser seguidas por
todos, pois sem elas a sociedade não existiria.

2.1 Fatos sociais

Imagem: https://cafecomsociologia.com/fato-social-durkheim/

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 28


Durkheim acredita que o objeto da Sociologia é o fato social, que ele define como
formas de agir, pensar e sentir que são externas ao indivíduo e a ele se impõem, mas que
orientam seu comportamento, muitas vezes sem que ele perceba que está sendo influen-
ciado. Falar o idioma de um país onde nascemos é, por exemplo, um fato social - não
depende de nossa escolha nem de nossa vontade e impõe-se à nossa maneira de agir,
com uma força externa a nós.
Para explicar melhor, Costa (2016) escreve que aprender o idioma e nos expres-
sarmos por intermédio dele, resulta do poder coercitivo dos fatos sociais sobre nosso com-
portamento e nossa forma de ser. Da mesma forma, os hábitos alimentares e a maneira de
se vestir, em dada sociedade, impõem-se a nós, independentemente de nossa vontade. Já
encontramos esses fatos formulados ao nascer e a ele nos adaptamos. Para compreender
como as forças sociais atuam, o sociólogo precisa analisar as manifestações e as regulari-
dades dos fatos sociais, pois, em si mesmos, eles são inapreensíveis. Daí a importância das
estatísticas, que são uma forma de os fatos sociais se tornarem evidentes ao pesquisador.
Durkheim afirma que os fatos sociais são uma força exterior ao indivíduo. Gil (2011)
lembra que as maneiras de agir e sentir são exteriores às pessoas, pois constituem herança
própria da sociedade, que são transmitidas de geração para geração e atuam sobre elas
independentemente de sua adesão consciente. O exemplo acima do uso de um idioma
também se refere a essa característica dos fatos sociais.
A generalidade, bem como a coercitividade e a exterioridade, é outra característica
dos fatos sociais. Trata-se da repetição dos fatos sociais em todos os indivíduos de uma
sociedade ou grupo, pelo menos, na maioria deles. Em decorrência dessa generalidade, os
fatos sociais manifestam sua natureza coletiva ou um estado comum à sociedade ou grupo,
como, por exemplo, os tipos de vestimenta, as formas de relacionamento, as crenças, os
princípios morais.
Durkheim distingue a consciência individual da consciência coletiva. Esta última
resulta da união das consciências particulares que agem e reagem umas sobre as outras
e dão origem a uma realidade nova, mais rica e desejável do que a condição individual de
cada identidade particular. Assim, o social transcende o individual e propicia integração,
equilíbrio e bem-estar. A consciência coletiva era entendida como o sistema de represen-
tações coletivas numa determinada sociedade. Exemplos dessas representações coletivas
seriam a linguagem, as crenças religiosas ou um conjunto de práticas de trabalho encontra-
das em determinada sociedade.

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 29


2.2 Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica

Imagem: https://pt.slideshare.net/98698999/mile-durkheim-54363064

Gil (2011) escreve que a definição da natureza dos fatos sociais constitui a maior
contribuição de Durkheim à Sociologia. Mas ele dedicou-se também a estudos compara-
tivos da sociedade procurando apreender seu desenvolvimento e as tendências de sua
evolução. Buscava identificar fases que mostrassem as transformações das sociedades ao
longo do tempo ou das diversas fases históricas.
Para ele, as principais forças da vida social estavam nas tradições e nos costumes
que alicerçam os deveres de uns para com os outros, como membros de uma mesma
comunidade. Três instituições colaboram para intensificar essas integrações: a família,
o Estado e as corporações profissionais, assim como as leis, que costuram e legitimam
direitos, deveres e reciprocidades.
Nesse contexto, os indivíduos desenvolvem relações de solidariedade cuja função
permite distinguir dois tipos de sociedade - as de solidariedade mecânica e as de solidarie-
dade orgânica.
A solidariedade mecânica é característica das sociedades pré-capitalistas e de
alguns grupos sociais do meio rural. Nelas, os indivíduos se relacionam principalmente por
meio da família, da religião e dos costumes. A divisão social do trabalho é simples ou quase
inexistente e a consciência coletiva tem forte poder de coerção sobre os indivíduos.
Já a solidariedade orgânica é típica das sociedades capitalistas, do meio urbano e
industrial, em que os indivíduos se tornam interdependentes, unidos pela intensa divisão
social do trabalho e laços impessoais, que substituem a integração pessoal e familiar das
sociedades agrárias. Nessas sociedades, a consciência coletiva é enfraquecida, pois, ao
mesmo tempo que os indivíduos se tornam mutuamente dependentes, cada um se espe-

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 30


cializa em determinada atividade, e dessa forma tende a desenvolver maior autonomia
pessoal. Ao contrário da solidariedade mecânica, a diferenciação entre os indivíduos, e não
a semelhança, é mais valorizada.
Por fim, a influência de Durkheim sobre a Sociologia contemporânea é muito ex-
pressiva. Gil escreve:

As correntes sociológicas conhecidas como estruturalista, funcionalista e


estrutural-funcionalista fundamentam-se em suas ideias. Mas estas também
têm sido objeto de muitas críticas por muitos sociólogos. A principal crítica
refere-se ao caráter consensual e estático de suas teorias que contribuiria
para a manutenção do status quo (GIL, 2011, p. 29).

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 31


3. Karl Marx

Cristina Costa (2016) lembra que Karl Marx não se dedicou explicitamente à disci-
plina de Sociologia. Inclusive nem esse nome aparece em suas obras. No entanto, está na
base de todo o desenvolvimento dessa ciência nos anos que se seguiram. Para explicar a
origem do capitalismo e a natureza da organização econômica, formulou uma teoria abran-
gente e universal que procura dar conta de toda e qualquer forma produtiva criada pelo ser
humano em qualquer tempo e lugar. Os princípios dessa teoria é que dão origem ao que
ele mesmo definiu como materialismo histórico e que constitui o principal método de análise
dos sociólogos de orientação marxista.
Em sua obra A Ideologia Alemã, de 1845, escrita em parceria com Friedrich Engels,

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 32


Marx sintetiza a dinâmica da vida em sociedade da seguinte forma: os homens produzem
suas representações e suas ideias sobre as relações sociais em que vivem concretamente.
Esse conjunto de relações de produção que os homens estabelecem para sobreviver é a
base econômica da sociedade sobre a qual se assenta o aparato de relações de natureza
política, jurídica, científica, religiosa, etc.. É o que Marx denomina modo de produção.
Essa é uma realidade histórica e, portanto, mutável. A forma com que os homens
produzem socialmente sua sobrevivência material se acha condicionada por determinado
desenvolvimento das forças produtivas e pelas relações que a elas correspondem. Assim,
o processo da história tem sido explicado como uma sucessão de diferentes modos de
produção - o primitivo, o asiático, o escravista, o feudal, o capitalista -, cada qual com suas
relações sociais. Marx dedicou-se ao estudo das transformações sociais e econômicas
de cada período histórico. Analisou a Revolução Industrial e percebeu de que forma os
artesãos, aos poucos, faliram, por causa da concorrência com a produção em massa, que
barateava os produtos e contava com muitos recursos tecnológicos. Foram, então, obriga-
dos a trabalhar nas manufaturas que dominaram a produção de bens, ganhando salários
cujo valor era vinculado não à riqueza produzida pelo seu trabalho, mas ao tempo e à força
de trabalho despendidos na produção.
Karl Marx, escreve Araújo (2013), a partir da realidade estudada produz uma teo-
ria da acumulação tomando as características das relações de produção na sociedade
capitalista - entendida como relações entre proprietários e não proprietários dos meios
de produção. Basicamente, esta teoria explica como ocorre o crescimento do capital na
sociedade capitalista. Na medida em que o trabalhador aluga a sua força de trabalho ao
capital para produzir, ou seja, transforma os meios materiais de produção em mercadorias
com o seu trabalho, não recebe o que lhe é devido. Esse “valor a mais” que ele produz é
apropriado pelo capitalista. Assim, em contínuo movimento, cresce o capital, o conjunto dos
meios de produção, não só em volume, mas também em nível técnico e tecnológico.
As contradições perpetuavam-se porque os capitalistas também passaram a ocu-
par o governo, dominar as comunicações e pautar o desenvolvimento científico para que
ele pudesse contribuir cada vez mais com a economia. Todo esse processo colaborou para
o que Marx chamou de alienação do trabalhador, entendida com a situação de desapropria-
ção do trabalhador do fruto de seu trabalho e da consciência individual de ser o produtor da
verdadeira fonte de riqueza no mundo.
A história do homem, segundo Marx, é a história da luta de classes. Gil (2011)
explica que entre as classes existe um permanente conflito, decorrente da luta constante
por objetivos opostos. Embora nem sempre esse conflito se manifeste de forma declarada,

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 33


as divergências, oposições e antagonismos são inerentes a todas a relações sociais que
se manifestam nos mais diversos níveis da sociedade, em todos os tempos, desde o surgi-
mento da propriedade privada. Completa Gil:

Para Marx, todos os conflitos na história têm sua origem na contradição entre
as formas produtivas e as relações de produção. Dessa forma, a família, a
religião, as formas de governo, as leis, as ideias políticas e os valores sociais,
constituem apenas aspectos da sociedade, cuja explicação depende do de-
senvolvimento e do colapso dos modos de produção (GIL, 2011, p. 31).

A Sociologia de inspiração marxista difere, portanto, da Sociologia fundamentada


nas ideias de Durkheim. Enquanto este vê a sociedade como integrada, formando um todo
coeso e mantido por regras de convivência, Marx acentua o conflito e a luta de classes, co-
locando as relações de poder e de força como centrais para a explicação do funcionamento
da sociedade.

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 34


4. Max Weber

Cristina Costa inicia sobre Weber escrevendo o seguinte:

Com os olhos voltados para sociedades como a França e a Inglaterra, política


e economicamente estabelecidas, Marx e Durkheim pensaram a sociedade
a partir de suas estruturas. O primeiro, a partir das forças produtivas e o
segundo, enfatizando as instituições como a família e o Estado. Max Weber,
embora influenciado por ambos, não privilegiou essa visão macrossociológi-
ca assim como a ideia de um desenvolvimento histórico comum a todas as
sociedades, fosse ele o materialismo histórico ou e evolucionismo positivista
(COSTA, 2016, p. 47).

Para entendermos como Weber desenvolveu suas análises da vida social é preciso
dizer que, ao contrário de seus antecessores, ele não opõe indivíduo e sociedade, mas os

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 35


integra em uma ação social, um dos conceitos teóricos mais importantes de sua obra. Para
ele, uma ação social é uma ação orientada por um agente social (um ser humano), que lhe
dá sentido, ou seja, uma motivação subjetivamente elaborada. Essa ação é orientada em
função de alguém (outro ser humano) de que o agente espera resposta ou reciprocidade. A
motivação da ação encontra sua causa tanto no contexto histórico em que se realiza como
na subjetividade de que têm a iniciativa da ação. Como se percebe, o indivíduo, agente de
uma ação, é categoria relevante da ação social. Buscar o motivo que guia a ação de uma
pessoa é um dos principais objetivos da investigação.
Por exemplo, explica Costa (2016), se uma pessoa se dirige a alguém na rua para
pedir-lhe informação, põe em prática uma ação social, cujo sentido é dado pela sua moti-
vação - obter orientação. Quando uma pessoa perguntada responde, oferecendo-lhe para
ajudar aquele que busca informação ou, ao contrário, negando-se a orientá-lo, estabelece
com ele uma relação social, ou seja, uma ação recíproca. Os sentidos das ações e das
relações sociais dependem do contexto. Ou seja, a rua pode ser perigosa, fazendo com
que o perguntado tenha medo de falar com estranhos. Em outras palavras, a ação social e
a relação social dependem de fatores pessoas e externos, como a educação ou o medo de
estranhos, além das circunstâncias históricas.
Para Weber, há diferentes tipos de ação social, que podem ser classificadas, de
acordo como o modo com que os indivíduos orientam suas ações, em:
Ação tradicional: determinada por um hábito ou costume arraigado;
Ação afetiva: determinada por afetos ou estados sentimentais;
Ação racional com relação a valores: determinada pela crença consciente num
valor considerado importante, independentemente do êxito desse valor na realidade;
Ação racional relativa a fins: determinada pelas expectativas em relação ao com-
portamento tanto das pessoas como dos objetos.
Nenhuma dessas ações envolve apenas o contexto social ou a subjetividade indi-
vidual, mas acima de tudo os integra, e pode desvendar a natureza da personalidade do
agente, assim como a dinâmica da vida social. Por outro lado, as diversas ações sociais
promovem ações em cadeia, isto é, o motivo de uma ação leva à reação da pessoa, com
quem o primeiro agente interage. O trabalho do sociólogo é desvendar essas conexões e
reciprocidades.
Gil (2011) lembra que, diferentemente de Durkheim, Weber encara os fatos sociais
não como coisas, mas como acontecimentos que o cientista percebe e procura desvendar.
Weber não analisa as regras e normas sociais como exteriores ao indivíduo, mas como um
conjunto de ações individuais. Cabe ao cientista o objetivo de

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 36


compreender o que dá sentido à ação social. O que implica admitir que as
ideias coletivas, como Estado, as religiões e o mercado econômico, só exis-
tem porque muitos indivíduos orientam reciprocamente suas ações num de-
terminado sentido e estabelecem relações sociais que são mantidas conti-
nuamente pelas atitudes individuais (GIL, 2011, p. 33).

O contraste da abordagem de Weber com a de Marx fica bem evidente em sua


interpretação de classe social. Enquanto Marx vê as classes sociais como formações de-
terminadas por fatores econômicos, sobretudo pela posse dos meios de produção, Weber
admite que a noção de classe social refere-se não apenas aos aspectos objetivos relati-
vos à produção, mas também às percepções subjetivas de poder, riqueza, propriedade e
prestígio social. Dessa forma, numa pesquisa com o objetivo de verificar a desigualdade
entre grupos de classe alta e de classe média, conduzida sob o enfoque weberiano, os
pesquisadores teriam não apenas que verificar se as diferenças existem em virtude do
poder e da riqueza, mas também como as pessoas em cada grupo sentem-se acerca do
seu próprio poder e do poder dos outros.

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 37


5. Teorias sociológicas contemporâneas

Imagem: http://almaprolixa.blogspot.com/2008/12/sociologia-contempornea-e-seu-esforo.html

Silvia Araújo (2013) escreve que, ancoradas ou não nos autores clássicos, novas
teorias e abordagens das Ciências Sociais são concebidas no compasso das mudanças
sociais. Veremos algumas características gerais do pensamento de alguns sociólogos mais
representativos do século XX: o norte-americano Talcott Parsons (1902-1979), o francês
Pierre Bourdieu e os autores alemães da chamada Teoria Crítica, denominada Escola
de Frankfurt, na década de 1920. São representantes da Teoria Crítica, em diversos mo-
mentos do século XX: Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-1973), Walter
Benjamin (1892-1940), Herbert Marcuse (1898-1979), Erich Fromm (1900-1980) e Jürgen
Habermas (1929-).
A Sociologia mais recentemente produzida pensa a sociedade pela ótica de sujeitos
ativos em relações. Araújo (2013) lembra que, ao desenvolver, nos anos 1950, uma teoria

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 38


geral dos sistemas sociais, Parsons está pensando na inter-relação entre as partes, numa
ação humana que é individual e também coletiva. Quando a Teoria Crítica elege a razão
e a sociedade contemporânea como objeto de estudo, tece críticas a uma concepção de
mundo que não respeita a liberdade e a autodeterminação. Bourdieu, com sua teoria das
práticas sociais, mostra como os atores sociais internalizam os valores, as normas e os
princípios, na sociedade global.
Tal qual a produção dos clássicos, a Sociologia contemporânea enfoca a questão
da mudança social. Talcott Parsons pondera que um sistema social complexo não é total-
mente estável nem muda como um todo. Esse pensamento compatível com a metodologia
estrutural-funcional que ele desenvolve, ou seja, considera que o sistema social é mantido
pelas forças institucionais e padrões culturais.
Utilizando-se de conceitos como cultura, indústria cultural, Estado, legitimação,
razão, pós-modernidade, autoridade, crise, transformação, os estudiosos da Teoria Crítica
empregam a metodologia dialética que se vale da razão para resgatar o passado e com-
preender as limitações do presente. Nesse caso, toda mudança social é acompanhada de
um saber histórico, concebido como lógica da contradição social.
Conhecer é desenvolver o espírito crítico e também a crítica social. O estudo das
Ciências Sociais nos revela os mecanismos de poder que nos fazem acreditar serem “na-
turais” muitos fenômenos que caracterizam a sociedade. Por essa razão, Pierre Bourdieu
afirma que o conhecimento exerce um efeito libertador (ARAÚJO, 2013). Por meio do
conhecimento, a sociedade reflete, volta a olhar sobre si mesma, e seus agentes sociais
descobrem quem realmente são e o que fazem. Bourdieu embasa seu pensamento na ideia
da reprodução social, como as transformações culturais que acontecem na educação e na
sociedade de massa.
É importante descobrir-se como sujeito portador de uma herança social e perceber
que o indivíduo e sociedade são elementos que se influenciam mutuamente. Essa é uma
das condições para os cientistas sociais produzirem ciência, o que implica desenvolverem
um conjunto de conceitos capazes de interpretar a realidade e derivarem esse conhecimen-
to de uma concepção de mudança que lhe é implícita.
Com um corpo organizado de saberes, a Sociologia procura dar entendimento
à condição de “estarmos no mundo”, e não prover certezas absolutas. Desse modo, o
conhecimento sociológico tem um compromisso com o desenrolar das ações concretas,
históricas, pelas quais o ser humano constrói a si e seu mundo social, político, econômico,
cultural (ARAÚJO, 2013).

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 39


SAIBA MAIS
SOCIOLOGIA DO FUTURO
A primeira década do novo milênio apresentou desafios que refletiram situa-
ções, acontecimentos e rupturas que colocaram os sociólogos num estado de alerta,
próprio de quem reconhece que seu objeto científico está sempre em movimento.
Octavio Ianni, ao analisar esse período de transformação - ele viveria brevemente,
pois faleceu em 2004 - apontou os seguintes aspectos essenciais para a construção
de uma Sociologia do futuro;
Novo ciclo da revolução burguesa. O surgimento de uma sociedade global,
que substitui as sociedades nacionais, provoca uma transformação das “forças pro-
dutivas”. Esta, por sua vez, desencadeia o desenvolvimento de um novo ciclo da
revolução burguesa, também global.
Rupturas histórica e epistemológica. Elas colocam em xeque os conceitos
básicos da Sociologia, entre eles os do indivíduo e sociedade, sociedade civil e es-
tado, comunidade e sociedade. Isso exige novas formas de analisar e entender as
questões sociológicas.
Por fim, Ianni ressalta que a construção de uma visão de mundo, especial-
mente quando envolve o futuro, acaba levando à construção de uma utopia. Assim, a
visão sistêmica suscita a ideia de que o futuro pode ser o presente aprimorado. Um
futuro construído pelos indivíduos, pois a base de apoio é a existência de cada um.
Assim, a perspectiva dialética da história, ao propor desvendar as contradições, leva
a crer num futuro em que indivíduos e coletividades chegarão à emancipação.
Nas palavras de Ianni:
“[...] É possível dizer que no futuro se esconde a utopia. Pode ser a proje-
ção do presente, aprimorado ou purificado; mas também pode ser uma projeção do
passado, idealizado. Há sempre algo de utopia ou nostalgia, quando se pensa o
futuro, enquanto mundo possível, almejado. [...] Há futuros catastróficos, de par em
par com futuros paradisíacos. Em todos os casos, o futuro guarda algo de histórico
ou supra-histórico. Mesmo quando enraizado na previsão científica, o futuro que se
desenha adquire algo de suspenso no espaço e no tempo, como fantasia ou alegoria.
É por meio de fantasia e alegoria que se torna possível o reencantamento do mundo”.
(IANNI, Octavio. Futuros e utopias da modernidade. Revista de Comunica-
ções e Artes da ECA-USP, n. 22, 2001).

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 40


REFLITA
“Na sala de aula, o professor precisa ser um cidadão e um ser humano rebelde”.
Florestan Fernandes, um dos mais influentes sociólogos brasileiros.
(FERRARI, Marcio. Florestan Fernandes. Disponível em: http://educarparacrescer.
abril.com.br/aprendizagem/florestan-fernandes-307905.shtml)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos mostrar nesta unidade as principais ideias dos autores clássicos da


Sociologia. Estas ideias serviram de base para seus sucessores, que construíram as pró-
prias obras ao rever, reler e criticar esses autores.
São estes autores - Durkheim, Marx e Weber - que nos ajudam a iluminar o cami-
nho quando a realidade, sempre dinâmica e à frente das análises, nos coloca diante de
situações novas.
Que este estudo nos ajude cada vez mais a compreendê-los, para que suas contri-
buições sempre nos ajudem a melhor entender nossa sociedade.

Leitura Complementar (Opcional)

Artigos e textos diferentes que tragam informações interessantes, atuais, dicas,


casos reais ou aplicação de conceitos que o aluno está aprendendo tornam a leitura mais
empolgante e auxiliam na fixação do que foi estudado.

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 41


Material Complementar

LIVRO (OBRIGATÓRIO)
Título: Casa-Grande & Senzala.
Autor: Gilberto Freyre.
Editora: Global, 2006.
Sinopse: Gilberto Freyre procurou responder o que é ser brasilei-
ro, retratando as relações sociais a partir de documentos pessoais
e públicos sobre o cotidiano do brasileiro.

FILME/VÍDEO (OBRIGATÓRIO)
Título: O Bem Amado, Guel Arraes
Ano: 2010.

Sinopse: Inspirado na obra homônima de Dias Gomes (1922-


1999), romancista, dramaturgo e autor de telenovelas, o filme trata
sobre o coronelismo por meio do protagonismo do prefeito Odorico
Paraguaçu, cujo cenário são as estruturas da sociedade e da so-
ciabilidade brasileira, com o apoio político das irmãs Cajazeiras,
ao mesmo tempo em que denuncia a hipocrisia que encobre a vida
política.

WEB (OPCIONAL)
• Biblioteca Virtual CEBRAP. O site visa circular os conhecimentos de suas pes-
quisas, documentadas em livros, relatórios, projetos, periódicos e documentos sonoros e
audiovisuais das correlatas das Ciências Humanas.
• Link do site: http://cebrap.org.br/bv

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 42


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Silvia Maria de; BRIDI, Maria Aparecida; MOTIM, Benilde Maria Lenzi. Sociolo-
gia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto. Disponível em: http: <//fcv.bv4.digitalpages.com.
br>

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 5 ed. São Paulo:Mo-


derna, 2016.

GIL, Antonio Carlos. Sociologia Geral. São Paulo: Atlas, 2011

IANNI, Octavio. Futuros e utopias da modernidade. Revista de Comunicações e Artes da


ECA-USP, n. 22, 2001.

UNIDADE II O Pensamento Clássico e Contemporâneo da Sociologia 43


UNIDADE III
Cultura e Sociedade
Professor Mestre Flávio Donizete Batista

Plano de Estudo:
● Os sentidos da palavra cultura.
● Cultura, etnocentrismo e relativismo cultural.
● Diversidade cultural.
● Diversidade cultural na sociedade brasileira.
● Mudanças culturais na sociedade.
● A sociedade do espetáculo: cultura de massa

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar cultura e perceber suas variações.
● Entender a diversidade cultural como sinal de riqueza das sociedades.
● Promover a prática do respeito diante das muitas diferenças culturais, superando todo
preconceito e discriminação.

44
INTRODUÇÃO

Olá, prezado estudante. Olá, prezada estudante.


Nesta unidade será apresentado o conceito de cultura como um conjunto de hábi-
tos, valores, formas de ver o mundo e comportamentos que variam no tempo e no espaço,
de acordo com a história e as condições existenciais de cada grupo social. Trataremos
sobre a diversidade cultural na sociedade brasileira, e veremos como a identidade cultural
envolve a experiência e a consciência de pertencer a um coletivo.
Todos produzem cultura, e os grupos minoritários produzem culturas próprias,
alternativas ou contra-hegemônicas. Desde que se firmou a sociedade de massas, nossos
hábitos culturais também passaram a ser influenciados pelos meios de comunicação de
massa.
Que nosso estudo nos ajude a compreender e a valorizar as diferentes manifesta-
ções culturais e tornar consciente a nossa própria identidade cultural.
Um excelente estudo para todos.

UNIDADE III Cultura e Sociedade 45


1. OS SENTIDOS DA PALAVRA CULTURA

A palavra cultura vem do latim colere, que significa o cultivo da terra, ou seja, a
agricultura. Com o tempo, por força da capacidade metafórica da linguagem humana, isto
é, da capacidade de desprender-se do que é concreto e material para se referir ao que é
imaterial e abstrato, o termo cultura passou a designar aquilo que se cultiva mentalmente,
não mais semeando apenas a terra, mas também o espírito. Assim, por exemplo, atividades
de cunho religioso, como as preces, que se faziam para obter uma melhor colheita, também
passaram a fazer parte da cultura (COSTA, 2016).
Geralmente, quando falamos de cultura, a primeira ideia que nos vem à mente é
algo relacionado ao teatro, à música, à literatura, à pintura, à escultura e a outras áreas das
artes. Mas também são considerados como elementos culturais de grande relevância as
festas tradicionais, as lendas, o folclore e os costumes de um povo. Seu significado abrange
ainda os meios de comunicação de massa, como a televisão, o rádio, a mídia impressa,
a internet, o cinema, etc. cultura, portanto, não se resume só às manifestações artísticas,
às tradições e aos hábitos de uma dada coletividade. Na Sociologia e na Antropologia, o
conceito de cultura também está relacionado aos conhecimentos, às ideias e às crenças de
uma sociedade e/ou das diversas sociedades.
Silvia Araújo (2011) escreve que o termo cultura foi aplicado em português por
bastante tempo como sinônimo de erudição, mas não existe diferença em termos de im-
portância entre a chamada “alta cultura” e as expressões culturais populares, pois ambas
(cada uma a seu modo) são criadas e cultivadas pela participação efetiva do ser humano na

UNIDADE III Cultura e Sociedade 46


sociedade. Assim podemos conceber cultura como a totalidade de conhecimentos, crença
e expressão emocional, à qual se somam as regras estabelecidas, os hábitos, comporta-
mentos e habilidades adquiridas no convívio dos membros de uma sociedade.
Os nossos gostos não são, por exemplo, determinados antes do nascimento; ao
contrário, resultam das relações que estabelecemos com os outros indivíduos e com o meio
em que vivemos. Eles são construídos culturalmente no conjunto do processo de interação
social, o qual se dá pela comunicação e pela ação recíproca entre os indivíduos e os grupos
sociais. Assim, aprendemos a gostar de rock, de filmes de ação com os amigos e até de
consumir certos tipos de alimentos em vez de outros.
Alguns entendimentos são fundamentais para o estudo da cultura. Araújo (2011)
refere-se a três importantes axiomas desta esfera da vida em sociedade:
A cultura é uma característica do ser humano como ser social.
A cultura é adquirida, um comportamento aprendido, como um patrimônio social.
Por meio da cultura se estabelece uma parte da relação ser humano-sociedade-
-mundo.
A cultura é um nível particular da realidade social muito importante, pois suas di-
mensões objetiva e subjetiva não se contrapõem, ao contrário, elas se complementam e
estão relacionadas numa organicidade vital. O fazer, o saber, o conviver dos seres humanos
produzem padrões particulares de estar na sociedade; produzem cultura. Cultura, portanto,
não se aplica a um grupo, ou a este ou àquele segmento social, mas está em nível global,
dada a amplitude do campo da experiência existencial (ARAÚJO, 2013).

UNIDADE III Cultura e Sociedade 47


2. Cultura, Etnocentrismo e Relativismo cultural

No final do século XIX, o antropólogo alemão Franz Boas construía uma crítica
à ideia de civilização de teorias evolutivas muito fortes na época, que estabeleciam uma
hierarquia entre os civilizados europeus (e norte-americanos) e as demais populações, que
eram escalonadas entre mais e menos atrasadas (MACHADO, 2014).
Para Boas, as diferentes populações que existem no mundo têm diferentes culturas
e é praticamente impossível estabelecer entre elas qualquer tipo de hierarquia, uma vez
que cada povo tem sua história particular, preenchidas por interesses tão diferentes, que
qualquer comparação só seria possível se fosse utilizada uma medida de análise, que
seria sempre arbitrária. Ou seja, a comparação para estabelecer uma hierarquia sempre
deveria adotar algum critério, tomado de alguma população, e nesse processo a própria
comparação seria injusta.
Igor Machado (2014) lembra que assim, Boas inaugurava o que mais tarde ficou
conhecido como relativismo cultural: uma tomada de posição perante a diferença cultural,
segundo a qual cada cultura deve ser avaliada apenas em seus próprios termos. Portanto,
é uma forma de encarar a diversidade sem impor valores e normas alheios. Podemos
considerar o relativismo uma inversão do evolucionismo: se este escalona as diferenças a
partir de valores específicos das sociedades ocidentais, o relativismo evita qualquer tipo de
escala, analisando as diferenças segundo os termos da própria sociedade da qual fazem
parte.
Tendência inversa ao relativismo cultural é o etnocentrismo, quando se julga outra

UNIDADE III Cultura e Sociedade 48


cultura segundo os próprios parâmetros culturais. Por exemplo, considerar uma população
indígena atrasada porque lhe faltam determinadas tecnologias é etnocentrismo. Se adotar-
mos outros critérios, esse “atraso” pode ser questionado. Levando em conta a capacidade
de se manter estável ao longo do tempo (o que chamamos de sustentabilidade), as so-
ciedades que nos pareciam primitivas ganham um estatuto muito mais “civilizado”, já que
o nosso modelos de vida, baseado no consumo intenso, não é sustentável a longo prazo
(MACHADO, 2014).
O etnocentrismo é o mecanismo principal das classificações evolucionistas, en-
quanto o relativismo cultural é o motor de um pensamento não preconceituoso e preocupa-
do em romper com as classificações hierárquicas. O conceito antropológico de cultura não
pode existir sem o relativismo cultural e a crítica ao etnocentrismo.
As Ciências Sociais, em especial a Antropologia, ao ampliar nosso conhecimento
acerca de outras culturas e suas expressões, nos ajudam a relativizar nossa visão de
mundo. Em outras palavras, fazem refletir sobre as diferenças entre as diversas culturas e
aprimoram a perspectiva por meio da qual percebemos e interpretamos a própria cultura.
Esse processo também nos ensina que muitos comportamentos e visões de mundo que
nos parecem “naturais” ou “biológicos” na verdade são produtos da cultura, já que variam
em diferentes grupos e sociedades.
Machado (2014) escreve que o reconhecimento da existência do outro, de culturas
de diferentes grupos, povos e sociedades (a alteridade), implica a experiência do contato
com outras culturas, a aceitação das diferenças. Essa é uma forma de desvendar alguns
aspectos da nossa cultura que antes passavam despercebidos.

UNIDADE III Cultura e Sociedade 49


3. Diversidade Cultural

A diversidade cultural diz respeito às distintas maneiras segundo as quais socieda-


des e grupos sociais se organizam e se relacionam entre si e com a natureza. Vivências em
outras sociedades, leituras variadas, viagens, filmes retratando diferentes costumes podem
constituir em instrumentos que nos permitem refletir sobre o quanto somos diferentes ou
iguais em relação a outros povos e culturas. Constatada a coexistência e a convivência
de diferentes culturas, cabe às Ciências Sociais não apenas estudá-las e compará-las de
maneira a evidenciar as diferenças nos modos de vida, mas favorecer a reflexão sobre a
própria sociedade, seus valores e costumes (ARAÚJO, 2013).
Tantas são as culturas quantos são os povos, os grupos sociais e as etnias exis-
tentes. Para além da diversidade de culturas, as relações entre as diferentes culturas são
marcadas pela desigualdade. Os interesses e as visões de mundo são distintos, gerando
tensões no âmbito das sociedades e certa hierarquização entre os povos e nações decor-
rentes de disputas de fundo político e econômico. Essa diferenciação social está explicitada,
muitas vezes, na busca por emprego, nos diferentes locais de moradia, na necessidade de
povos se deslocarem e/ou se abrigarem em acampamentos. Esses são apenas exemplos
de conflitos de interesses que podem implicar a luta por espaço físico e cultural com os
quais os grupos sociais se identificam culturalmente.
Em decorrência de processos históricos de dominação e migração, entre outros,
ocorrem também processos de interação social que implicam difusão e reconfiguração

UNIDADE III Cultura e Sociedade 50


da cultura, traços ou manifestações culturais específicos. É como se sociedades distintas
convivessem no interior de um mesmo grande grupo social.
Araújo (2013) lembra que a interação social gera novas formas de identidade cultu-
ral. A consciência de pertencer a determinado grupo social - seja por caracteres comuns de
gênero ou de origem étnica, seja por interesses específicos, profissão, atividades realiza-
das, crenças e costumes semelhantes - aproxima os indivíduos em determinada sociedade,
levando à formação de agrupamentos de diversos tamanhos. Nesse sentido, a identidade
cultural é aquela marca característica de um grupo social que partilha um ideal, valores,
costumes e comportamentos formados ao longo da sua história.
É a partir de nossa identidade cultural que construímos a ideia de “eu”, “nós” e
“outros”. A forma como o fazemos muitas vezes constrói fronteiras sociais ligadas à classe
socioeconômica, à raça, ao gênero, ou mesmo a outros fatores como o bairro onde mora-
mos, os programas de TV de que gostamos, ou tipo de roupa que preferimos, etc. Por meio
destes e de muitos outros elementos combinados, identificamos “semelhantes” e “outros”
nas pessoas com quem compartilhamos a vida social. Algumas dessas fronteiras sociais,
aliadas a tendências etnocêntricas que reproduzimos até hoje - embora tenham sido mais
populares antes do século XX -, formavam as chamadas “teorias” sociais racistas.
No decorrer do colonialismo do século XIX, emergiram diversas “teorias” racistas
que tomaram a forma de “teorias sociais”, uma vez que os países europeus precisavam do
aval da ciência para justificar suas ações imperialistas na África e na Ásia, bem como as
ações pregressas, durante a colonização das Américas, quando os europeus subjugaram
indígenas e negros, forçando-os ao trabalho escravo e na lavoura. Nestes casos, as teorias
sociais desobrigavam os grupos dominantes europeus de tratarem como seres humanos
os indígenas e negros escravizados, uma vez que não eram considerados “semelhantes”, e
sim “inferiores”. Essas teorias hoje são totalmente rechaçadas e recusadas pelas Ciências
Sociais, pois não têm validade científica alguma; declaravam-se teorias, mas sempre foram
ideologias (ARAÚJO, 2013).

UNIDADE III Cultura e Sociedade 51


4. Diversidade cultural na sociedade brasileira

O Brasil é uma nação pluriétnica e multicultural, composta por diversas formas


de organização social de diferentes grupos. Podemos observar essa diversidade e suas
variações, por exemplo, entre os proprietários de terras, os dirigentes e os representantes
políticos, os moradores das favelas nas grandes cidades, a população jovem que cursa o
Ensino Médio em escolas públicas. Neste país com indivíduos tão diferentes entre si - pela
cor da pele, pela classe social a que se integram, pela região onde moram, pela geração a
que pertencem, etc. - existem um racismo difuso e uma discriminação velada, porém efeti-
vos. Esses sentimentos perpassam as relações sociais, seja no trabalho, seja na escola, e
se expressam na intolerância e na não aceitação da diferença, seja ela de cor de pele, de
comportamento, de costumes e de aparência (ARAÚJO, 2013).
Desconsiderar a diversidade cultural, muitas vezes, nos impede de perceber que a
desigualdade social e a discriminação restringem o acesso aos bens materiais e culturais
por amplos setores da população. Desencadeadas pelo preconceito e pela concentração
de renda (e de poder), novas formas de exclusão social derivam hoje do desemprego, do
trabalho precário, das exigências da tecnologia informacional, próprias do moderno proces-
so de produção capitalista.
Ainda que indivíduos e famílias pertencentes a grupos denominados minorias este-
jam conseguindo galgar posições valorizadas social e economicamente pela conquista de
um emprego formal ou de melhores condições de vida, superando preconceitos, barreiras
econômicas e culturais, os dados estatísticos brasileiros revelam a persistência da desi-

UNIDADE III Cultura e Sociedade 52


gualdade social racial. Escreve Araújo:

O racismo é uma construção histórica que resiste no campo simbólico, ou


seja, nas ideias que as pessoas têm sobre “ser negro” e “ser branco”. Os
estudos sobre esse tema sugerem que o combate ao preconceito precisa ser
enfrentado pelo Estado por meio da educação e de políticas afirmativas, com
o objetivo de desenvolver a cidadania plena, isto é, com todos os direitos
sociais e políticos assegurados (ARAÚJO, 2013, p. 135).

Há, no mundo atual, intenso imbricamento cultural entre as realidades locais e


a global. O diverso e o diferente se ampliam para além das questões étnico-raciais. As
demais culturas estrangeiras, especialmente as europeias e a estadunidense, influenciam
na constante transformação da cultura brasileira, seja pela presença do imigrante em nossa
história, seja pelo desenvolvimento do mercado de consumo - moda, tecnologia, artes,
conhecimentos variados - e dos meios de comunicação de massa.

UNIDADE III Cultura e Sociedade 53


5. Mudanças culturais na sociedade global

Como produtores e consumidores de cultura, os grupos socioculturais se diferen-


ciam e podem reproduzir simbolicamente as relações de poder vigentes, e até contestar
determinadas formas culturais no interior de sua comunidade e da sociedade. De que modo
distinguimos uma comunidade de uma sociedade, ainda mais quando as relações entre as
realidades locais e a global tendem a ser mais intensas e interinfluentes?
O desenvolvimento da sociedade moderna mostrou que as relações sociais tendem
a mesclar o que é comum (partilhado em pequenos grupos) com o que se apresenta na
extensão da sociedade. Comunidade também pode se referir, genérica e idealmente, a
um modelo de vida coletiva, não necessariamente delimitado no espaço geográfico (caso
das comunidades que não estão próximas, mas se apoiam), que apresentam interesses
comuns e ligações afetivas (ARAÚJO, 2013).
O processo de globalização, no que se refere às diversas culturas, apresenta uma
ambivalência: por um lado, pode representar algum risco para as identidades culturais de
variados grupos sociais locais quando em contato ou sob o domínio de uma outra cultura
(certa tendência de homogeneização); por outro lado, a diversidade tende a se reafirmar
também, seja pela via da resistência, seja pelo uso de suas tecnologias (como a internet)
para a difusão de suas manifestações.
De fato, com a globalização emergiu o debate sobre “a cultura global”. Alguns
autores consideram que a globalização levaria à homogeneização cultural. No entanto,
as relações em sociedade são mais complexas. Não podemos afirmar que há uma cultura

UNIDADE III Cultura e Sociedade 54


global de modo definitivo nem que a globalização padronizou os povos culturalmente, já
que estes se apropriam da “cultura global” de várias formas. Sobre a tentativa de homoge-
neização da cultura e os movimentos de resistência, Araújo escreveu:

Na contramão das mudanças acarretadas pela globalização, alguns grupos


sociais tendem a criar resistências à homogeneização da cultura. A questão
da identidade desponta como um elemento-chave nesse processo de afirma-
ção. As minorias sociais alimentam a ideia de identidade para buscar reco-
nhecimento e inserção social quando grandes transformações as atingem e
menosprezam seus modos de vida ou suas “comunidades” (ARAÚJO, 2013,
p. 139).

As minorias sociais não são definidas pela questão numérica, mas pelas dificuldades
impostas a esses grupos no acesso às instâncias de poder e pela situação discriminatória e
excludente em que se encontram. Por exemplo, o número de indivíduos que se consideram
negros e pardos no Brasil, segundo o IBGE, corresponde proporcionalmente à população
que se diz branca. Entretanto, se comparados aos brancos, apresentam reduzida presença
em funções socialmente mais valorizadas e com melhores salários. Colocadas em situa-
ções como essas, sobretudo por fatores históricos, tais minorias enfrentam dificuldades em
manter ou melhorar sua condição socioeconômica e em expressar suas tradições culturais.
Muitas manifestações culturais alternativas são consideradas contra-hegemônicas,
por serem reações à cultura dominante e à sua visão do mundo. Hegemonia cultural é o
conceito utilizado pelo cientista político italiano Antonio Gramsci para designar a dominação
de uma classe social sobre a outra fundada na ideologia e, portanto, no convencimento (e
não na coerção) (ARAÚJO, 2013).

UNIDADE III Cultura e Sociedade 55


6. A sociedade do espetáculo: cultura de massa.

O desenvolvimento dos meios de comunicação, como a fotografia, rádio, o cinema


e a televisão, deu um impulso enorme à indústria cultural, que acabou por ganhar cada vez
mais espaço na sociedade moderna, abalando a dominância da alta cultura na sociedade.
Além de se tornar um dos mais lucrativos setores da economia moderna, principalmente no
século XX, a indústria cultural se mostrou capaz de produzir informação e reunir grupos de
pessoas em torno de seus veículos de comunicação. E, à medida que essa produção foi
ganhando espaço, melhores tecnologias de difusão de imagens, sons e textos desenvolve-
ram-se, minimizando a experiência dos indivíduos com a realidade e o contato com o outro.
Os veículos de comunicação passaram cada vez mais a dominar a produção cultural da
sociedade e formam a principal referência para o público em geral (COSTA, 2016).
Entretanto, apesar de seu sucesso, muitos autores viram com desconfiança o
poder que os meios de comunicação e a indústria cultural conquistaram entre as pessoas e
passaram a questionar sua legitimidade. Cientistas sociais alertaram para os malefícios de
se deixar guiar pelo poder manipulador da cultura de massa. Costa escreve que um deles,
“Guy Débord, em suas críticas à indústria cultural, chamou a sociedade contemporânea, na
qual se dá sua máxima expansão, de sociedade do espetáculo” (2016, p.179).
Hoje, o rádio, a televisão, o cinema e, mais recentemente, a internet, absorvem
a atenção de todos, e levam à decadência as famílias circenses tradicionais, superando
um tempo em que o circo foi relevante diante do pouco entretenimento nas cidades mais

UNIDADE III Cultura e Sociedade 56


distantes da capital e representava a grande possibilidade de consumo cultural.
Esses meios de comunicação e outros mais são representativos da indústria cul-
tural, um termo empregado pela primeira vez em 1947, pelos sociólogos alemães Max
Horkheimer e Theodor Adorno, para dizer que a produção artística e cultural veiculada pelos
meios de comunicação de massa insufla o consumo por ser transformada em mercadoria.
Os produtos culturais - publicações impressas, DVDs e filmes, obras de arte, composições
culturais, etc. - se assemelham assim, de certa forma, aos produtos industriais.
A sociedade contemporânea institui uma cultura do lazer padronizada pelos meios
de comunicação de massa. Essa aproximação da cultura com o produto industrial estimula
o público a esperar por próximos lançamentos - de músicas, filmes, equipamentos de som
e imagem - que se tornam bens rapidamente obsoletos. Logo, a cultura tem, na atualidade,
sua face mais visível na forma de bens e serviços e, muitas vezes, nem percebemos sua di-
mensão de uma produção acumulada, transmitida e herdada socialmente (ARAÚJO, 2013).
Araújo (2013) diz ser a cultura fruto do empenho acumulado de diversas gerações e
de vários grupos sociais que dela participam de diferentes formas - produzem, compartilham
e reproduzem cultura, em seus aspectos materiais e imateriais. A cultura é um trabalho de
muitas gerações.

UNIDADE III Cultura e Sociedade 57


SAIBA MAIS
No século XX, as mais duras críticas ao conceito de cultura partiram de um
movimento em Antropologia denominado pós-modernismo: um conjunto de autores
passou a duvidar da possibilidade de falar sobre a cultura dos outros. Para eles,
quando um antropólogo fazia o seu trabalho, que era basicamente descrever as
sociedades, ou grupos dentro de sociedades ele exercia um poder absoluto: sua
descrição passava a ser vista como absoluta e verdadeira.
Do ponto de vista dos críticos do conceito de cultura, o processo funciona
assim: a cada descrição, temos uma representação criada por quem descreve. Aque-
le que é descrito, por sua vez, nunca tem sua própria voz ouvida. Ou seja, quando
alguém o descreve, produz imagens sobre os quais o indivíduo descrito não tem
nenhum controle.
Por exemplo, na maior parte das escolas brasileiras a comemoração do Dia
do Índio é feita com base em ideias e imagens genéricas, que não se referem a uma
etnia ou população específica. Como se sabe, os diversos grupos indígenas do Brasil
vivem em sociedades muito distintas entre si, com diferentes visões sobre o mundo e
sobre a natureza. Nenhum indígena é representado no Dia do Índio: comemoramos
uma imagem, criada pela sociedade não indígena, que está muito distante da diver-
sidade presente nos grupos indígenas que vivem no Brasil.
Retomando a crítica dos antropólogos pós-modernistas do final do século
XX, eles diziam que as descrições feitas pelos intelectuais eram autoritárias, pois não
davam voz aos descritos: sempre alguém falava por eles. E, para esses antropólogos,
o conceito de cultura era o veículo dessa descrição autoritária.

REFLITA
Assim falou Boas: “Como ser pensante, o resultado mais importante desta viagem,
para mim, está no fortalecimento do meu ponto de vista de que a ideia de um in-
divíduo “culturado” (culto) é simplesmente relativa: o valor de um pessoa deve ser
atribuído pela “cultura do coração”. Esta qualidade está presente ou ausente entre os
esquimós tanto quanto entre nós”.
(MACHADO, Igor José de Renó. Sociologia Hoje. São Paulo: Ática, p. 49, 2014.).

UNIDADE III Cultura e Sociedade 58


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade vimos um pouco da discussão realizada pelas Ciências Sociais sobre
o conceito de cultura. Percebemos que é um dos conceitos mais importantes para conhecer
a sociedade, suas manifestações e sentidos, que ajudam em uma melhor compreensão
sobre sua maneira de existir.
Que este estudo tenha nos ajudado a aprender a importância de se respeitar as di-
ferentes culturas, uma vez que todas elas representam um modo de viver e de se identificar,
em meio a tantos grupos, superando assim, atitudes etnocêntricas.
Vamos prosseguir nosso estudo. Há muito mais coisa importante pela frente.

Leitura Complementar

Artigos e textos diferentes que tragam informações interessantes, atuais, dicas,


casos reais ou aplicação de conceitos que o aluno está aprendendo tornam a leitura mais
empolgante e auxiliam na fixação do que foi estudado.

UNIDADE III Cultura e Sociedade 59


Material Complementar

LIVRO (OBRIGATÓRIO)
Título: Maíra.
Autor: Darcy Ribeiro
Editora: Brasiliense.
Sinopse: Maíra é um romance de ficção escrito pelo antropólogo
Darcy Ribeiro, que apresenta sua trama em meio a uma tribo fic-
tícia - os Mairuns - que guarda inúmeras correspondências com
outros grupos indígenas.

FILME/VÍDEO (OBRIGATÓRIO)
Título: A Caverna dos Sonhos Esquecidos, de Werner Herzog.
Ano: 2010.

Sinopse: Documentário filmado em 3D, por Werner Herzog, quan-


do ele teve acesso à caverna de Chauvet-Pont D’Arc, no sul da
França, onde foram encontradas as mais antigas pinturas rupes-
tres de que se têm conhecimento. Com uma intensa exploração de
possibilidades de filmagem da caverna, entremeada por entrevis-
tas informativas e contundentes, o filme testemunha o surgimento
da cultura humana e de seu simbolismo peculiar.

WEB (OPCIONAL)
• Museu da Imigração do Estado de São Paulo: O Museu está localizado no antigo
prédio da Hospedaria do Imigrante, fundada em 1887, e pretende ser um espaço de refle-
xão sobre a contribuição dos inúmeros grupos de mais de 70 diferentes nacionalidades que
por ali passaram, ajudando a construir o estado e o país. Pretende ser também um ponto
de encontro das comunidades de imigrantes. O Museu organiza eventos, oferece cursos
e possui acervo documental, de memória oral e digital. No site é possível fazer a consulta
on-line sobre os documentos existentes.
• Link do site: http://museudaimigracao.org.br

UNIDADE III Cultura e Sociedade 60


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Silvia Maria de; BRIDI, Maria Aparecida; MOTIM, Benilde Maria Lenzi. Sociolo-
gia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto. Disponível em: http: <//fcv.bv4.digitalpages.com.
br>

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 5 ed. São Paulo:Mo-


derna, 2016.

MACHADO, Igor José de Renó. Sociologia hoje. São Paulo: Ática, 2014.

UNIDADE III Cultura e Sociedade 61


UNIDADE IV
Política e Poder
Professor Mestre Flávio Donizete Batista

Plano de Estudo:
● Política e poder
● A liderança nos grupos humanos
● O espaço público como uma construção grega
● Sobre a liderança e o poder
● Estado e sociedade
● Concepções de Estado e sociedade civil moderna
● O que é o Estado?
● Estado e Governos
● Partidos políticos e o quadro partidário no Brasil
● Perspectivas teóricas acerca da política: funcionalista e do conflito
● Poder e autoridade

Objetivos de Aprendizagem:
● Conhecer as relações de poder existentes na sociedade.
● Entender o que e o Estado moderno.
● Estabelecer distinções entre Estado e Governo.
● Compreender a importância do sistema democrático para nosso sistema político.

62
INTRODUÇÃO

Prezados estudantes:
Nesta unidade estudaremos um campo específico da sociedade humana: o das
relações de poder, por meio das quais somos capazes de interferir nos comportamentos e
nos sentimentos dos membros de grupos, sejam eles os integrantes da família, os amigos
ou a sociedade como um todo.
Essa sobre discussão sobre política e poder teve início há muitos séculos e conti-
nua ainda hoje despertando em nós o interesse para conhecer como se dão essas relações
e como toda a sociedade é influenciada pelos seus desdobramentos.
Vamos ao estudo. Um bom trabalho para todos. Aproveitem.

UNIDADE IV Política e Poder 63


Política e poder

1.1. A liderança nos grupos humanos

É possível que o poder que alguns seres humanos passaram a exercer sobre os
membros de seu grupo tenha obedecido a critérios existentes entre quase todos os grupos
de mamíferos, especialmente os primatas, nos quais o poder é exercido pelos mais velhos
e mais fortes. Mas, à medida que o ser humano começou a diferenciar-se e a substituir o
comportamento “natural” por normas ditadas pela cultura, outros aspectos passaram a ser
importantes. Entre eles, destacamos o exercício das funções religiosas, uma vez que a
crença na capacidade de que algumas pessoas pudessem estabelecer uma relação com
as divindades e fazê-las intervir na realidade em momentos difíceis passou a ser importante
(COSTA, 2016).
Assim como a religião, o desenvolvimento da cultura passou a dar voz de comando
a certos membros de um grupo. Os guerreiros mais hábeis, capazes de defender seu grupo
de animais ou de inimigos, também devem ter adquirido algum poder de liderança.
À medida que os grupos humanos cresceram, espalharam-se pelos continentes,
desenvolveram estilos de vida peculiares, criaram novos idiomas e formas de viver -, é pre-
sumível que a coesão entre os membros tenha se tornado maior que as lideranças tenham
passado a ser necessárias, perpetuando-se na defesa e da manutenção desses grupos.
O crescente abandono da vida nômade e o avanço da agricultura também trouxe-

UNIDADE IV Política e Poder 64


ram novas necessidades de defesa de territórios e de organização do trabalho. Isso levou à
divisão de tarefas, que foi facilitada com a instituição da vida coletiva e civil e a incumbência
de estabelecer regras de liderança e poder na vida comum.
A importância crescente das estruturas de poder, organizadas para a defesa dos
territórios e de suas populações, além de gerir e desenvolver a economia, fez com elas
se tornassem um tema importante para os filósofos sociais, antecessores dos sociólogos.
Desde a Antiguidade, na Grécia, os filósofos buscaram entender como certas pessoas e
grupos são capazes de fazer com que os outros se comportem de acordo com o desejo
deles e aparentemente abandonem seus próprios desejos e interesses.

UNIDADE IV Política e Poder 65


1.2 O espaço público como uma construção grega

Os gregos, ao dedicarem esforços para entender como deveria ser organizada a


vida civil das suas cidades-estados, chamadas de pólis, acabaram por criar o termo politiké,
campo da ação humana que se destinava a bem administrar, com justiça e legitimidade, as
regras da vida pública (COSTA, 2016).
Em cada uma de suas cidades-estados, os gregos tinham suas próprias divinda-
des, leis e instituições. Essa independência assegurava a não existência de um poder
central grego, e a autonomia das cidades representava, para seus habitantes, o espaço da
identidade civil.
Diferente de outros povos antigos, os gregos desenvolveram um estilo de vida par-
ticipativo e flexível. A cidadania, condição de que gozavam os homens livres, era respeitada
e apreciada, e a participação política ocupava espaço considerável na vida civil da Grécia,
dando origem à democracia, que significava, literalmente, poder do povo.
A democracia grega, entretanto, não tinha ainda o significado que o regime veio
a ter na modernidade. Era um sistema no qual as decisões políticas eram tomadas pelo
voto direto dos cidadãos, conjunto formado por proprietários de terras, artífices, militares e
comerciantes enriquecidos. Escravos, estrangeiros, camponeses e mulheres estavam ex-
cluídos da cidadania. Por esse conjunto corresponder, na realidade, a um pequeno número
de pessoas (estima-se em cerca de 10% da população), a votação podia ser direta - cada
cidadão expunha oralmente suas ideias e levantava a mão para votar nas assembleias

UNIDADE IV Política e Poder 66


populares.
A Ágora, parte central da cidade, era o centro da vida grega, o coração da cidade,
com a qual os cidadãos se identificavam intimamente por representar um espaço de deli-
beração política.
O pensador alemão Jürgen Habermas (COSTA, 2016) considera que o espaço
público, com o significado atual de espaço coletivo e compartilhado por todos, nasceu com
a democracia grega. Tal espaço distingue-se do espaço doméstico, privado e íntimo, onde
se dá o trabalho e a reprodução da vida. No espaço público, na Ágora, se dá a práxis ou
ação sobre a vida coletiva, os acordos, a luta e a guerra.

UNIDADE IV Política e Poder 67


1.3 Sobre a liderança e o poder

Iniciamos dizendo que o estabelecimento do homo sapiens implicou dois aspectos


fundamentais: em primeiro lugar, o estabelecimento da vida coletiva e da sociabilidade,
obrigando os nossos antepassados a conviver uns com os outros de forma próxima e es-
treita (COSTA, 2016).
Em segundo lugar, o abandono do comportamento guiado apenas por instintos em
favor de um tipo de ação baseado na cultura - espaço de articulação tanto das relações da
vida coletiva como das formas de representação simbólica, que organiza e fundamenta essa
sociabilidade. Nesse sentido, o poder, como a capacidade de influenciar o comportamento
e as formas de interpretação simbólica (valores, ideias e sentimentos) dos membros de um
grupo, deixou de se manifestar apenas como obediência ao princípio da força. Entre os
humanos, o poder adquiriu formas mais sofisticadas de expressão e manifestação, criando
espaços autônomos de relacionamento e vida coletiva: as instituições especialmente desti-
nadas a estabelecer, legitimar e distribuir o poder.
Os gregos criaram formas novas de pensar, viver e instituir as relações de poder,
ao valorizar o espaço público como diferente do espaço da propriedade privada, como
uma instância da sociedade a ser compartilhada, diferente e oposta à vida familiar. Nela,
deveriam se dar, segundo determinadas regras, os embates e a disputa por supremacia
e dominação. Esse espaço adquiriu crescente importância e se tornou independente da
religião e da economia, embora continuasse a estabelecer relações como esses campos

UNIDADE IV Política e Poder 68


da vida social. Assim, criava-se a política como área do conhecimento e como forma de
atuação na sociedade. Os membros que compartilhavam essa vida pública e civil, em vista
dessa nova condição das relações sociais, foram considerados cidadãos e conclamados a
disputar a possibilidades de intervir nos acontecimentos e nas decisões.
Essa novidade não parou de crescer e constituiu uma das instâncias significativas
das sociedades moderna e contemporânea que, sucessivamente, revisitam o passado em
busca de transparência, legitimidade e justiça social (COSTA, 2016).

UNIDADE IV Política e Poder 69


2. Estado e sociedade

Desde a Idade Moderna, o exercício do poder político legítimo é considerado em


nossa sociedade uma atividade própria do Estado. Um dos primeiros estudiosos a fornecer
as bases para essa concepção foi o historiador e diplomata italiano Nicolau Maquiavel
(1469-1527). Dando conselhos ao governante para que fosse temido pelos governados,
Maquiavel também adverte que ele não pode ser odiado. Vê-se então, desde essa época,
a ideia de que, para aceitar a dominação, a sociedade precisa considerá-la legítima (ARAÚ-
JO, 2013).
Hoje, pode-se afirmar que o Estado tem como função assegurar, por meio de polí-
ticas públicas, certas condições de vida que a sociedade considera necessárias à popula-
ção. Não há, no entanto, unanimidade quanto ao papel dessa instituição social, tampouco
quanto às interpretações teóricas a respeito dele. É fato que esse é um tema controverso.

2.1 Concepções de Estado e sociedade civil na Idade Moderna

A primeira definição de sociedade civil foi elaborada pelo filósofo inglês Thomas
Hobbes (1588-1679). Ele acreditava que, em seu estado natural, os homens lutavam uns
contra os outros pelo poder e por riqueza. Por isso, os indivíduos abrem mão da liberdade
e concebem regras de convivência a fim de garantir condições mínimas de estabilidade.
Forma-se, assim, a sociedade civil - que, no pensamento de Hobbes, é sinônimo de Estado.
Para o filósofo inglês John Locke (1632-1704), a sociedade civil é mais um apri-

UNIDADE IV Política e Poder 70


moramento do estado natural do que uma solução para ele. O homem, livre e igual por
natureza, precisa de um poder imparcial e legítimo para mediar conflitos, garantindo os
direitos que já tinha no estado natural: direitos à vida, à liberdade, à saúde e à propriedade.
Além da ideia de igualdade no nascimento, o respeito à propriedade como um direito natural
do homem está em conformidade com os fundamentos liberais da burguesia em ascensão
na Inglaterra do século XVII.
Conforme a burguesia e o Estado moderno se consolidavam na Europa, a noção
de sociedade civil foi se distanciando da sociedade política. Durante a Idade Média, tanto
o poder como a propriedade eram hereditários. Na sociedade burguesa moderna, esses
dois aspectos se desvinculam: embora, na sociedade civil, a propriedade continue sendo
transmitida de pai para filho, o poder político passa a obedecer a normas e leis próprias.
Garante-se a democracia no âmbito da sociedade política, desde que esta não interfira na
propriedade e na livre iniciativa econômica (ARAÚJO, 2013).
Se Locke considerava a propriedade privada um direito natural, para o filósofo
suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ele era justamente a origem da desigualdade
e da corrupção moral. A sociedade civil, instaurada com a invenção da propriedade, seria
uma degeneração do estado de natureza, no qual os seres humanos eram bons, livres e
felizes. Para Rousseau, os indivíduos só recuperariam as qualidades perdidas quando a
sociedade civil se transformasse em sociedade política, na qual a vontade geral do povo
seria soberana - ou seja, na qual as regras e leis a serem seguidas emanassem do próprio
povo.

2.2 Enfim, o que é o Estado?

Não há uma visão única sobre a resposta a essa pergunta. Na interpretação do


filósofo alemão Friderich Engels (1820-1895), o Estado é um produto da sociedade e seu
papel é amortecer os conflitos sociais, evitar os choques entre as classes e, de certo modo,
assegurar a reprodução do sistema social (ARAÚJO, 2013).
Já o filósofo político grego Nicos Poulantzas (1936-1979) pensa o Estado como uma
relação de forças, uma relação de poder entre as classes sociais e no próprio interior delas.
Para Louis Althusser (1918-1990), filósofo francês, o Estado é composto por aparelhos
ou instituições sociais (como é o caso do exército, da administração, do sistema judiciário
e do aparato da polícia) e tem por função a repressão, ou seja, a manutenção da ordem
social. Esta, por sua vez, é moldada por interesses da classe dominante, que faz com que
o Estado esteja ao seu serviço (ARAÚJO, 2013).

UNIDADE IV Política e Poder 71


Na concepção do sociólogo Max Weber, o Estado só pode existir quando os seres
humanos se submetem à autoridade de um grupo dominante. Nesse sentido, quando essa
instituição se constitui, estabelece-se uma relação de “dominação do homem sobre o ho-
mem”, um “monopólio da violência legítima”. Em outras palavras, trata-se da obediência
da população a um grupo dominante mediante uma violência reconhecida e amparada
legalmente (ARAÚJO, 2013).

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3. Estado e governos

Ao mesmo tempo em que o Estado se revela necessário na sociedade atual, é


também foco de contradições e problemas de diversas ordens. Na contemporaneidade,
podemos observar, por exemplo, as disputas pelo poder estatal entre as classes sociais e
pelos grupos de diferentes partidos políticos (ARAÚJO, 2013).
Além da centralização da administração da coisa pública, um dos aspectos do
desenvolvimento do Estado moderno é seu vínculo mais característico com a democracia
- um regime político em que o poder é legítimo por se originar do povo e se apoiar nele.
Independentemente da forma e do conteúdo que o Estado possa assumir historicamente,
trata-se de uma instituição social arraigada, distinta do conceito de governo. Os governos
são formados pelos grupos que temporariamente ocupam o aparelho de Estado para gerir
o poder político; eles passam, mas o Estado permanece.
As mudanças no Estado se relacionam em geral com os grupos que estão no poder
e com seus próprios projetos. Essa é a eterna contradição do Estado: teoricamente existe
para todos, mas muitas vezes serve apenas a alguns grupos econômicos, aos mercados e
às elites. Quando certos governos buscam cooptar o Estado e tendem a se confundir com
ele, resultam prejuízos para a cidadania. Assim o vê a Ciência Política, a ciência social que
estuda os fenômenos de natureza política, o Estado e suas formas de organização, os pro-
cessos de tomada de decisões políticas, os sistemas e regimes políticos, e as instituições
sociais destinadas a garantir justiça, direitos e segurança aos cidadãos (ARAÚJO, 2013).
Os partidos políticos ou certos grupos sociais no poder podem conferir determinadas

UNIDADE IV Política e Poder 73


características ao Estado. No Estado corporativo, por exemplo, organizam-se corporações
para representar politicamente os diferentes interesses econômicos, industriais e profissio-
nais. Com isso, muitas vezes, os interesses desses grupos sociais misturam-se com os do
aparelho público, como ocorreu no fascismo italiano entre 1922 e 1943. Outro exemplo de
apropriação do Estado foi a República brasileira entre 1889 a 1930, chamada por alguns
de “República dos coronéis” ou “dos fazendeiros”. Esses colocavam o Estado a serviço de
seus interesses particulares, e não da coletividade e do povo, como prevê o termo república
(em sua origem - res pública, em latim, significa “coisa pública”).

UNIDADE IV Política e Poder 74


3.1 Partidos políticos e o quadro partidário no Brasil

Os partidos políticos são agrupamentos sociais em que se organizam as diferentes


correntes ideológicas, cada qual com a sua concepção de forma de governo, de exercício
do poder, de participação na política e de solução para os problemas de um país (ARAÚJO,
2013).
Ainda que suas ideologias e propostas apresentem muitas semelhanças entre si,
a multiplicidade de partidos políticos têm sido uma das características da política brasi-
leira neste início de século. Em 2013, mais de trinta agremiações políticas de diferentes
tamanhos compunham o quadro partidário, mas apenas as bancadas de quatro partidos
concentravam a metade dos deputados do Congresso: PMDB, PSD, PSDB e PT.
Os partidos políticos são importantes instrumentos da democracia, pois é por meio
deles que os cidadãos podem participar de um coletivo, discutir propostas, pensar solu-
ções para problemas sociais, escolher seu representantes para se candidatar nas eleições
de todos os níveis. No século XX, os partidos concentraram as aspirações políticas dos
cidadãos, ao propiciarem condições de participação e de militância muitas vezes ligada a
movimentos sociais.
O papel social dos partidos na formação política vem se alterando pela crise das
ideologias e pela fragmentação das classes sociais, entre outros fatores. Ainda assim, é
difícil imaginar uma democracia sem partidos.

UNIDADE IV Política e Poder 75


4. Perspectivas teóricas acerca da política

Algumas das mais antigas questões formuladas acerca da constituição das insti-
tuições políticas são as que se referem a como o estado-nação se tornou uma sociedade
coesa e como uma nação desenvolve leis que unem sua população, criam uma sociedade
organizada, conferem autoridade ao governante e restringem a necessidade do uso da
força física. Respostas a essas questões têm sido oferecidas por sociólogos vinculadas a
duas perspectivas: à teoria funcionalista e à teoria do conflito (GIL, 2011).

4.1 Perspectiva funcionalista

Para os funcionalistas, segundo Gil (2011), as sociedades se constroem com base


num sistema de valores. As democracias ocidentais, por exemplo, fundamentam-se em
valores como trabalho, realização, oportunidades iguais e liberdade de construir seu próprio
destino. Estes valores, por sua vez, são aprendidos pelas crianças no âmbito de sua família
e das demais instituições sociais e passados para as gerações seguintes.
Nas sociedades em que impera um sistema racional-legal de autoridade, os valores
sociais é que formam suas leis e políticas. Se a população valoriza a realização pessoal, as
leis protegem o direito de buscá-la. Se a população valoriza a liberdade, as leis a protegem
e as políticas encorajam a liberdade. Assim, em nossa sociedade ninguém pode ser forçado
a praticar determinada religião e o casamento é entendido como uma questão de escolha

UNIDADE IV Política e Poder 76


pessoal. As instituições políticas passam leis e desenvolvem políticas que refletem os valo-
res da população. Assim, essas instituições têm como principal função sustentar os valores
da sociedade dominante e arbitrar os conflitos quando estes ocorrerem.

4.2 Perspectiva do conflito

A perspectiva do conflito, conforme apresentado por Gil (2011), difere radicalmente


da teoria funcionalista. Ela também assume que as sociedades são fundamentadas num
conjunto de valores, mas que são determinados pelas necessidades humanas. Alguns
grupos, no entanto, conseguem dispor de uma quantidade maior de recursos e utilizam-
-nos para ampliar seu poder. Assim, como esses grupos contratam pessoas para trabalhar
para eles na esfera econômica, também usam seus recursos para contratar pessoas para
proteger seus interesses na esfera política. O capitalismo não seria, portanto, um sistema
essencialmente democrático, à medida que se caracterizasse pela ampla concentração
de riqueza e de poder. Os detentores do capital utilizariam sua riqueza para influenciar
líderes políticos e provocar a queda de indivíduos ou governantes que contrariassem seus
interesses.
C. Wright Mills (1968), um sociólogo norte-americano associado à teoria do confli-
to, cunhou o termo elite do poder para argumentar que nos Estados Unidos um pequeno
número de pessoas é que toma as decisões nas três mais importantes organizações que
dominam a sociedade norte-americana: governo, grandes corporações e forças armadas.
Assim, sociólogos vinculados a essa perspectiva questionam o caráter democrático da so-
ciedade norte-americana. Para eles, a concentração de riqueza e de poder em tão poucas
mãos é tão grande que impede a manifestação dos segmentos médios da população e, por
consequência, essa elite não encontra real oposição (GIL, 2011).

UNIDADE IV Política e Poder 77


5. Poder e autoridade

O poder é o componente fundamental do sistema político. Segundo Gil (2011),


para Weber o poder significa toda oportunidade de impor sua própria vontade, no interior
de uma relação social, até mesmo contra resistências. Assim, o poder pode ser exercido
tanto no âmbito de grandes organizações como no de pequenos grupos ou mesmo numa
associação íntima. O poder, por sua vez, pode manifestar-se por influência, coerção ou
autoridade.
Influência é o poder de persuadir. Esta modalidade de poder pode derivar de fatores
como atração pessoal, prestígio ou riqueza. A coerção ocorre quando o poder decorre de
uma força superior que é imposta aos outros. Todos os governos se valem da coerção,
embora muitos reconheçam que só deve ser utilizada como último recurso. A autoridade,
por fim, refere-se ao poder que é institucionalizado e considerado apropriado e aceitável por
aqueles a quem cabe obedecer. Trata-se, portanto, do poder legítimo. Pessoas conferem
ao governante ou ao administrador a autoridade para governar ou dirigir e obedecem-no de
bom grado, sem que se torna necessário o uso da força (GIL, 2011).
Vemos que o poder não pode ser compreendido como uma via de mão única.
Ele depende da legitimidade da dominação; ou seja, é preciso que esta seja aceita pelos
dominados para que se mantenha (ARAÚJO, 2013).
Em uma visão mais alargada, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) desta-
ca que o poder se encontra em todas as relações sociais, e não apenas no Estado. Assim,

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o poder está presente na microrrelações: na família (onde existe a autoridade do pai e
da mãe), na sala de aula (na relação entre professor e aluno), nas instituições religiosas
(com a autoridade do padre, do pastor ou de outros líderes em relação aos seus fiéis), nas
relações de gênero (entre homens e mulheres), etc. (ARAÚJO, 2013).
Podemos identificar relações de poder e exercício da política em todas as esferas
de nossa vida. O poder está difuso, heterogêneo, na tensão existente nas relações sociais.
Poder é uma prática social, no sentido de que é algo que se exerce e se efetua, e há
sempre múltiplas resistências dentro da própria rede de poder. Para Foucault, é possível
verificar esses poderes mínimos em qualquer situação concreta.

SAIBA MAIS
Zygmunt Bauman (1925-2017) escreve:
“Esta ideia [de cidadão como membro de um corpo político e titular do de-
cidir, com outros membros, sobre direitos e deveres, prerrogativas e obrigações] foi
lançada na fundação de uma democracia moderna e da visão de república - res pu-
blica - como um corpo político cujos membros deliberam coletivamente sobre como
moldar as condições de sua coabitação, cooperação e solidariedade.
Tal modelo de democracia moderna nunca foi completamente implementado.
[...] Enquanto poderes constituídos promovem o governo de poucos, a democracia é
uma constante alegação em nome de todos[...]
(BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias
vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p.74).

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REFLITA
Para pensar: Quais práticas de nossa sociedade levam a identificar o caráter
político afirmativo da democracia? Em que aspectos a realidade atual do país se
distancia dessa ideia inicial?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade estudamos algumas questões ligadas à política e ao poder existen-


tes em nossa sociedade. Vimos como é importante entendermos as relações existentes
entre política, poder e sociedade, pois estamos imersos nessas relações cotidianamente.
Que possamos ter compreendido um pouco mais sobre o funcionamento de nossa
sociedade, para assim podermos participar de modo mais consciente e efetivo da constru-
ção de uma sociedade que seja, de fato, democrática.
Grande abraço a todos.

Leitura Complementar

Artigos e textos diferentes que tragam informações interessantes, atuais, dicas,


casos reais ou aplicação de conceitos que o aluno está aprendendo tornam a leitura mais
empolgante e auxiliam na fixação do que foi estudado.

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Material Complementar

LIVRO (OBRIGATÓRIO)
Título: O que são direitos da pessoa
Autor: Dalmo de Abreu Dallari
Editora: Brasiliense.
Sinopse: Toda pessoa tem direitos. Isso acontece em qualquer
parte do mundo. Assim, por exemplo, todos têm direito à vida, não
importando a idade, a cor, o lugar de nascimento, a preferência po-
lítica, a profissão, a riqueza ou a pobreza, ou qualquer outro fato.
Por que existem esses direitos? Como se justifica a existência de
injustiças apoiadas pelo direito? E se o direito é útil ou necessário
para os seres humanos, como se explica que os direitos não sejam
respeitados por todos?

FILME/VÍDEO (OBRIGATÓRIO)
Título: dois dias, uma noite.
Ano: 2014.

Sinopse: Sandra tem apenas um final de semana para convencer


seus colegas de trabalho a abrirem mão de um bônus salarial para
que ela possa manter seu emprego. O filme mostra o que é um
pleito democrático e o que não é democracia direta, quando as
pessoas podem se manifestar aberta e nominalmente a favor ou
contra uma proposta.

WEB (OPCIONAL)
• AVAAZ.Org: Avaaz significa “voz” em várias línguas europeias, do Oriente Médio
e asiáticas. Ele pretende ser um veículo de mobilização em torno de questões mundiais,
como a pobreza e as guerras. É uma iniciativa internacional que opera em 15 línguas dife-
rentes. Mobiliza campanhas instantâneas relacionadas a crises que ocorrem em qualquer
lugar do mundo.
• Link do site: www.avaaz.org/po/about.php

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REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Silvia Maria de; BRIDI, Maria Aparecida; MOTIM, Benilde Maria Lenzi. Sociolo-
gia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto. Disponível em: http: <//fcv.bv4.digitalpages.com.
br>

COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 5 ed. São Paulo:Mo-


derna, 2016.

GIL, Antonio Carlos. Sociologia Geral. São Paulo: Atlas, 2011

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CONCLUSÃO

Chegamos ao final de nosso estudo da disciplina de Sociologia Geral. Espero que


tenha sido muito proveitoso para que você tenha conhecido um pouco mais da sociedade
em que vivemos.
Fizemos um breve percurso histórico sobre o surgimento da Sociologia, apresen-
tando os principais pontos das teorias de seus clássicos fundadores, ficando claro que
trata-se de uma ciência em franco desenvolvimento.
A cultura também foi um importante conteúdo, que nos ajudou a perceber a ne-
cessidade de valorizarmos a nossa e as culturas dos outros grupos e povos. Só assim
aproveitaremos de toda a sua riqueza e diversidade.
Também discutimos sobre a política e poder, relações inseparáveis da vida em
sociedade. Destacamos a importância da democracia para a constituição de um estado
que, de fato, possa cumprir seu papel de garantir a vida e a vida com direitos para todos.
Que esses pontos estudados e tantos outros que, por questões óbvias de espaço e
tempo tiveram que ficar de fora desse estudo, possam ser buscados oportunamente para a
continuidade do estudo da Sociologia. Isso porque não podemos nos esquecer que sempre
há muito ainda para aprender.

Grande abraço a todos. Um muito obrigado.

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