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DEMOCRACIA AMBIENTAL E

A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

PROTEÇÃO DE DEFENSORES
AS AMBIENTAIS
MATERIAL DIDÁTICO
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CC BY-NC-ND 4.0 Deed | Attribution-NonCommercial-NoDerivs 4.0 International | Creative Common

Democracia Ambiental e Proteção de Defensores/as Ambientais – Material Didático


Novembro/2023
ISBN: 978-65-85356-06-0

Coordenação | Olívia Ainbinder, Klei Medeiros


Autoria | Bruno Vello, Thays Lavor, Ciro Brito, Rodrigo Santos de Jesus, Dandara Rudsan Sousa de Oliveira,
Lori Regattieri, Jessica Botelho, Thiane Neves, Tatiana da Silva Lima, Eymmy Gabrielly Rodrigues da Silva e
Aianny Naiara Gomes Monteiro
Revisão | Jayane Condulo
Diagramação | Tangente Design
Foto de capa | Marcelo Camargo/Agência Brasil

Realização

Apoio financeiro

ABRAJI Transparência Internacional - Brasil


Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo Associação Transparência e Integridade

R. Barão de Itapetininga, 88, sala 807 – República Av. Brigadeiro Luis Antonio, 2.367 – Sala 541
São Paulo / SP – CEP: 01042-0011 São Paulo / SP – CEP: 01401-900
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abraji.org.br transparenciainternacional.org.br
SUMÁRIO

A TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E A DEMOCRACIA AMBIENTAL


NO BRASIL 4
BRUNO VELLO

ACESSO À INFORMAÇÃO E USO DE DADOS PARA A INVESTIGAÇÃO


JORNALÍSTICA 16
THAYS LAVOR

ESPAÇOS INSTITUCIONAIS DE PARTICIPAÇÃO AMBIENTAL:


POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES 24
CIRO DE SOUZA BRITO

RACISMO AMBIENTAL COMO MECANISMO DE EXCLUSÃO DE PROCESSOS


PARTICIPATIVOS E A OCUPAÇÃO DESSES ESPAÇOS POR POVOS
TRADICIONAIS, PELA POPULAÇÃO NEGRA E MULHERES 37
RODRIGO SANTOS DE JESUS

VIOLÊNCIAS E MECANISMOS DE DENÚNCIA E PROTEÇÃO


AOS DENUNCIANTES AMBIENTAIS 45
DANDARA RUDSAN SOUSA DE OLIVEIRA

PERSPECTIVA SOBRE REDES SOCIAIS NA DESINFORMAÇÃO SOBRE


DEFENSORES AMBIENTAIS E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL 55
LORI REGATTIERI, JESSICA BOTELHO, THIANE NEVES

COMO OS BRASILEIROS SE INFORMAM – OU DESINFORMAM:


A VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS
A PARTIR DA DESORDEM DA INFORMAÇÃO 71
TATIANA DA SILVA LIMA

ACESSO À JUSTIÇA DOS DEFENSORES AMBIENTAIS


E SEUS OBSTÁCULOS 81
EYMMY GABRIELLY RODRIGUES DA SILVA E AIANNY NAIARA GOMES MONTEIRO
A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

A TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E A
DEMOCRACIA AMBIENTAL
NO BRASIL
BRUNO VELLO

Este capítulo trará informações sobre o princípio de monitoramento da transparência pública em


da transparência pública na agenda da democra- temas ambientais e discutirá os desafios para
cia ambiental. Em primeiro lugar, será discutido ampliação da transparência no Brasil. Por fim, a
o papel e relevância da transparência pública terceira seção focará no tema dos dados aber-
na democracia ambiental, sobretudo a partir de tos, colocados aqui como uma modalidade
sua relação com a participação social. A segun- que especialmente exige a divulgação de infor-
da seção realizará um sobrevoo de iniciativas mações públicas.

1. O PAPEL DA TRANSPARÊNCIA NA DEMOCRACIA AMBIENTAL


1.1 TRANSPARÊNCIA PÚBLICA – de moldar essas decisões, um requisito para que
possam exercer esse poder é que tenham acesso
CONCEITOS BÁSICOS à informação sobre as decisões a serem tomadas
e sobre tudo o que está em jogo na tomada des-
A transparência pública constitui um relevante
sas decisões. Nesse sentido, é possível afirmar
conceito que dá base à ideia de democracia. Ela
que as práticas de transparência podem promo-
trata do acesso à informação sobre um governo
ver a prestação de contas e o controle social1.
e sua atuação, ou seja, suas decisões, políticas
públicas, planos de ação, fontes de dados e tudo Mas para que a função democrática seja exerci-
aquilo que seja considerado sua competência. da e promovida pela transparência pública, este
De um ponto de vista mais amplo, ela pode ser princípio deve se concretizar na prática política
considerada um princípio democrático, de valor cotidiana seguindo um conjunto de critérios. Em
intrínseco, a ser seguido pelos governos. Afinal, se outras palavras, para levar à boa governança,
a democracia é o tipo de governo em que as pes- ou seja, para surtir efeitos positivos, não bas-
soas afetadas pelas decisões públicas têm poder ta que iniciativas de transparência forneçam

1 RAMÍREZ-ALUJAS, A. V. Open Government y Gobernanza Colaborativa: El (inevitable) camino hacia um nuevo paradigma de Gobierno y Gestión
Pública. Estado del arte, desafíos y propuestas.Ponencia para el X Congreso de la Asociación Española de Ciencia Política y de la Administración
(AECPA): “La política en la red”. Murcia, del 7 al 9 de Septiembre de 2011.

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A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

informação. É necessário que a informação dis-


ponibilizada cumpra um conjunto de requisitos 1.2 TRANSPARÊNCIA PÚBLICA NO
quanto à relação entre os provedores de polí- ESTADO BRASILEIRO E NA POLÍTICA
ticas públicas e seus usuários. Kosack e Fung2
AMBIENTAL
indicam quatro deles:

a. A informação deve ser acessível e de interes- Com a redemocratização do Brasil e a promul-


se de pelo menos um grupo de usuários; gação da Constituição de 1988, a transparência
pública vem sendo parte importante da constru-
b. Usuários das informações devem ter al- ção institucional do Estado brasileiro. Já na Cons-
gum grau de insatisfação com as políticas tituição de 1988, o inciso XXXIII do Art. 5 estabele-
para as informações que os levem a al- ceu que “todos têm direito a receber dos órgãos
terar suas ações; públicos informações de seu interesse particular,
c. As ações dos usuários devem exercer efeitos ou de interesse coletivo ou geral, que serão pres-
sobre decisões de provedores de políticas; tadas no prazo da lei, sob pena de responsabili-
dade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja impres-
d. Provedores devem responder a essas ações
cindível à segurança da sociedade e do Estado”.
de forma construtiva, alterando rumos segui-
dos anteriormente. Este direito civil básico sustenta, então, todas as
iniciativas legislativas em termos de transparência
Esses princípios deixam claro como a transpa-
e acesso a informações que seriam estruturadas
rência também se relaciona com a promoção da
nos anos seguintes. Um dos primeiros marcos na
participação social, pois é na interação da socie-
transparência pública brasileira foi a Lei de Res-
dade com o Estado que as informações disponi-
ponsabilidade Fiscal (LRF)4, publicada em 2000,
bilizadas se tornam úteis – permitem que a so-
que determinou para o governo federal, estados
ciedade questione os governantes sobre o que (e
e municípios, a ampla divulgação de planos, orça-
como) está sendo feito e qualificam a sociedade
mentos, leis de diretrizes orçamentárias, presta-
para expor suas demandas e participar no de-
ções de contas, relatórios de execução orçamen-
bate democrático sobre propostas alternativas.
tária e de gestão fiscal. Nessa linha mais ampla da
Nesse sentido, Cordeiro, Martins, Santos et al.3
gestão orçamentária nacional, a LRF seria com-
aplicam os critérios elencados acima à realidade
pletada por outras duas leis. Em 2009, a chamada
institucional brasileiro, defendendo uma combi-
Lei de Transparência ou Lei Capiberibe, que esta-
nação de estratégias de transparência para pro-
beleceu a divulgação em tempo real de informa-
mover a participação social.
ções detalhadas sobre a execução orçamentária
Quando se fala em acesso e transparência, a e financeira do poder público em meio eletrônico.
questão é tratada como “difusão de informa- Já em 2012, a Lei da Transparência Fiscal expan-
ções”. A consolidação deste processo, toda- diu determinações da transparência relacionada
via, será verificada se for dado um passo novo a tributos pagos pelo contribuinte na aquisição de
que amplie a interação entre governo e socie- mercadorias e serviços.
dade colocando em termos práticos o que se
O principal marco legislativo quanto à transpa-
determinou, em 1988, ao estabelecer princí-
rência pública, contudo, viria em 2011, com a
pios de participação social, inscritos na Cons-
aprovação da Lei de Acesso à Informação, a LAI5,
tituição Federal.

2 KOSACK, S.; FUNG, A. Does Transparency Improve Governance? Annual Review of Political Science, v. 17, p. 65–87, 2014.
3 CORDEIRO, A., MARTINS, C.S.F., SANTOS, N. B., RIBEIRO, R. V., PETRA, T. Governo eletrônico e redes sociais: informação, participação e interação.
RECISS, v. 6, n. 2, 2012, p. 2.
4 Lei Complementar n. 101/2000.
5 Lei n. 12.527/2011.

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que regulou o acesso à informação produzida marco interessante nessa área é a Lei de Acesso
em todo o Estado brasileiro. A LAI estabeleceu à Informação Ambiental, publicada em 2003, pre-
um conjunto amplo de regras e procedimentos cedendo a LAI, portanto, em oito anos. Trata-se de
de transparência no Brasil. Determinou que a uma legislação pioneira no Brasil e no mundo, que
transparência seja a regra do poder público e determinou a divulgação pelos órgãos públicos de
o sigilo a exceção, de maneira que órgãos pú- um conjunto de informações relativas ao meio am-
blicos devem negar o acesso à informação ape- biente, tais como planos e políticas potencialmen-
nas em casos específicos e seguindo critérios te causadores de impacto ambiental, relatórios
previamente definidos na legislação. Também de monitoramento ambiental, acidentes e situa-
determina que o acesso à informação deve se- ções de risco ambiental e planos de recuperação
guir dois procedimentos básicos, que ficaram de áreas degradadas. Esta Lei também inovou ao
conhecidos como transparência ativa e passiva. determinar que órgãos públicos possam exigir a
A transparência ativa atende à regra de que os prestação de informações por parte de entidades
atores públicos devem divulgar informações de privadas sobre os impactos ambientais (efetivos
interesse público de maneira proativa, ou seja, ou potenciais) de suas atividades, independente-
independentemente de solicitações da popula- mente da existência de processos administrativos
ção. Já a transparência passiva diz respeito aos sobre o caso8. Já em 2006, a Resolução nº 379 do
procedimentos a partir dos quais o poder pú- Conselho Nacional de Meio Ambiente criou o sis-
blico deve prover informações solicitadas pelos tema de dados e informações ambientais sobre
cidadãos, os quais, por sua vez, não precisam gestão florestal no âmbito do Sistema Nacional de
justificar suas demandas para obterem respos- Meio Ambiente (SISNAMA) definindo um conjun-
tas satisfatórias. A Lei determina que o órgão to de categorias de informação mais específicas
público deve conceder o acesso a informações a serem disponibilizadas pelos órgãos públicos
solicitadas pelos cidadãos de maneira imediata. nos diferentes níveis federativos – por exemplo,
Não sendo possível o acesso imediato, o órgão autorizações de supressão da vegetação, imagens
público passa a ter um prazo de 20 dias para georreferenciadas de unidades de conservação,
conceder acesso, sendo possível a prorrogação terras indígenas e quilombolas, documentos refe-
por mais 10 dias, mediante justificativa expres- rentes ao transporte e armazenamento de produ-
sa ao requerente. Por fim, vale mencionar que tos florestais, entre outras.
a LAI definiu a Controladoria Geral da União
(CGU) como o órgão a quem os cidadãos devem Nos anos seguintes, legislações específicas às
recorrer em caso de pedidos de acesso à infor- diversas políticas ambientais instituiriam suas
mação não atendidos de maneira satisfatória. próprias regras de transparência, definindo sis-
Seu decreto regulamentador6, por sua vez, defi- temas de informação para organizar os dados
niu de maneira mais detalhada as competências relativos a essas políticas e disponibilizá-los à
da CGU, que passou a responsabilizar-se pelo população. Um exemplo é o caso do Código Flo-
monitoramento e implementação da LAI. restal, que instituiu o Cadastro Ambiental Rural,
“registro público eletrônico de âmbito nacional,
Na área ambiental, especificamente, diversas nor- obrigatório para todos os imóveis rurais com a
mas também incorporaram a transparência e o finalidade de integrar as informações ambien-
acesso à informação como diretrizes e criaram tais das propriedades e posses rurais, com-
obrigações de transparência aos órgãos públicos. pondo base de dados para controle, monitora-
A Política Nacional de Meio Ambiente7 definiu a mento, planejamento ambiental e econômico e
divulgação de informações ambientais como um combate ao desmatamento”9. Outro exemplo
de seus objetivos e obrigou o Estado a produzir importante é o Sistema Nacional de Controle
essas informações quando inexistentes. Outro da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor),

6 Decreto Federal n. 7.724/2012, Art. 68.


7 Lei nº 6.938/1981.
8 Furriela, Rachel Biderman. “A Lei Brasileira sobre Acesso à Informação Ambiental como ferramenta para a gestão democrática do meio
ambiente”. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 3. 2004. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/
view/72/72>. Acesso em: 22 out 2023.
9 Lei Federal n. 12.651/2012. Art. 29.

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instituído pelo IBAMA para integrar informações outros entes federativos, o que constitui um de-
relativas ao controle da origem da madeira, do safio especialmente relevante para o caso das
carvão e de outros produtos ou subprodutos políticas ambientais, muitas das quais com res-
florestais10. Importante destacar que ambos os ponsabilidades distribuídas entre governo fede-
sistemas integram informações federais e dos ral e governos subnacionais.

2. O ESTADO DA TRANSPARÊNCIA PÚBLICA NAS POLÍTICAS


AMBIENTAIS
2.1 INICIATIVAS DE MONITORAMENTO Uma pesquisa realizada em 2019 pelo Institu-
to de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
DA TRANSPARÊNCIA AMBIENTAL (IMAFLORA) e pelo Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento (CEBRAP) avaliou a transparên-
A seção 1 apresentou a relevância da transparên-
cia ativa e passiva do governo federal em seis
cia pública para a democracia e especificamente
diferentes políticas brasileiras nas áreas de cli-
para a democracia ambiental. Além disso, des-
ma, florestas e agricultura – Sistema Nacional
creveu como o Estado brasileiro se estruturou
de Unidades de Conservação, Concessões Flo-
para promover esse princípio ao longo dos anos,
restais, Código Florestal, Política Nacional de
com destaque para o pioneirismo exercido pela
Mudança do Clima, Planos de Ação para Preven-
área ambiental nessa esfera.
ção e Controle do Desmatamento na Amazônia
Na última década, um conjunto de iniciativas da e Cerrado (PPCDAm e PPCerrado) e Plano ABC
sociedade civil e de órgãos de controle têm se (Agricultura de Baixa emissão de Carbono)11.
organizado para monitorar a transparência pú- Para a transparência ativa, a pesquisa investi-
blica de informações ambientais no Brasil. A par- gou a divulgação proativa do governo federal
tir de estratégias específicas, as iniciativas têm em relação a 158 categorias de informação, da-
buscado identificar em que medida as regras de dos e documentos definidos a partir da análise
transparência instituídas no país têm sido cum- da normatização dessas políticas e da aplicação
pridas e desvendar os caminhos possíveis para de um questionário levantando demandas de
a ampliação da transparência ambiental. Esta informação da sociedade. Essas categorias re-
seção apresentará algumas dessas iniciativas. ferem-se a diversos aspectos das políticas, tais
De maneira geral, os resultados indicam níveis como instâncias de governança, instrumentos
intermediários de transparência pública, com de planejamento, aspectos orçamentários, en-
o governo federal apresentando índices mais tre outros. Quanto à transparência passiva, fo-
elevados e estados manifestando grande desi- ram realizados 40 pedidos de informação a oito
gualdade, com mais dificuldades em divulgar órgãos públicos diferentes.
suas informações e atender a pedidos de aces-
Sobre a transparência ativa, no total, 54% das
so à informação da sociedade. Além disso, tam-
categorias de informação buscadas foram in-
bém será possível constatar que o progresso da
tegralmente encontradas nos sites dos órgãos
transparência pública não é constante e que o
federais. Já 13% foram encontradas apenas par-
avançado arcabouço legislativo do Brasil nessa
cialmente, ao passo que 33% não foram encon-
temática depende, ao menos parcialmente, da
tradas. O gráfico abaixo ilustra os resultados.
opção de líderes governamentais para concreti-
A leitura do gráfico também revela a grande
zar-se no cotidiano da política.

10 Instrução Normativa IBAMA n. 21/2014.


11 Morgado, R.P. et al. “Sob a Lupa do Governo Aberto: uma Análise das Políticas de Clima, Floresta e Agricultura no Brasil”. Sustentabilidade em
Debate, n. 9. 2019. Disponível em: <https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/5cd01c5de6465_boletim_sob_a_lupa_gov_aberto.pdf>.
Acesso em: 29 out 2023.

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variação dos resultados nas diferentes políti- em transparência ativa, no Plano ABC, mais
cas analisadas. Por exemplo, enquanto na po- de dois terços das informações (77%) não fo-
lítica de Concessões Florestais apenas 20% das ram encontradas.
informações buscadas não foram encontradas

Gráfico: Resultado da avaliação da transparência ativa, por política (%).

Fonte: Morgado et al. (2019)

Quanto à transparência passiva, por sua vez, os mais recente do monitoramento), a organização
resultados apontaram um resultado mais positi- buscou 41 informações nos sites dos órgãos pú-
vo, com 97,5% dos pedidos respondidos dentro blicos e protocolou 119 solicitações de acesso
do prazo da legislação (20 dias, adiáveis por mais à informação via sistemas eletrônicos dos Ser-
10) e 72,5% dos pedidos respondidos de maneira viços de Informação ao Cidadão nos estados e
integralmente satisfatória. governo federal.

O Instituto Centro de Vida realiza um monito- Para o nível federal, a análise identifica um índi-
ramento contínuo da transparência ambiental, ce de transparência ativa de 77%, e transparência
focado na Amazônia Legal12. Em suas análises, passiva de 100%. O destaque positivo na transpa-
a entidade produz e divulga dois índices, um de rência ativa são informações relativas a regulari-
transparência ativa e um de transparência pas- zação e licenciamento ambiental, ao passo que
siva, e os aplica tanto aos órgãos do governo fe- informações sobre a política de regularização fun-
deral quanto aos dos governos dos estados da diária apresentam os resultados mais negativos.
Amazônia Legal. Ambos os índices consideram Os resultados estaduais, por sua vez, apresentam
não apenas a disponibilização das informações grande heterogeneidade. Para se ter uma ideia da
buscadas, mas também a qualidade com que são amplitude em que isso ocorre, o índice de trans-
disponibilizadas. Eles referem-se a seis diferen- parência ativa varia entre 11% em Tocantins a
tes agendas caras ao campo ambiental – soja, 53% no Mato Grosso. No caso da transparência
hidrelétricas, regularização ambiental, explora- passiva, o índice varia entre zero no Acre, onde ne-
ção florestal, pecuária e regularização fundiá- nhum dos pedidos de informação gerou respos-
ria. Para calcular o índice em 2023 (publicação tas, e 87,5% em Rondônia.

12 Coelho Júnior, M.G.; Valdiones, A.P. “Transparência das informações ambientais na Amazônia Legal: a disponibilização de dados públicos em
2022”. Transparência Florestal – Mato Grosso. Ano 9. 2023. Disponível em: <https://www.icv.org.br/website/wp-content/uploads/2023/04/
transp-n16-f-2.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.

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Figura: Transparência ativa e passiva nos estados da Amazônia Legal e nos órgãos federais.

Fonte: Coelho Júnior e Valdiones (2023).

Os resultados inferiores dos estados quando Público Federal, que desenvolveu em 2017 o
comparados aos do nível federal apontam para Ranking da Transparência Ambiental. O projeto
os desafios próprios da realidade federativa bra- avaliou o desempenho de 106 órgãos federais e
sileira e, portanto, para a relevância de iniciativas estaduais na divulgação de 47 informações am-
dos estados no sentido de construírem capacida- bientais consideradas prioritárias. Até o momen-
des administrativas que ampliem seu potencial to, duas rodadas de avaliação foram realizadas,
de gerar informação sobre as políticas públicas, uma em 2018 e outra em 2019. Os resultados
organizar a informação gerada e torná-la acessí- embasam a realização de Ações Civis Públicas do
vel ao público. Como uma boa prática nesse sen- MPF com alguns estados, com orientações para
tido, a pesquisa destaca a importância de que os melhoria dos índices13.
órgãos públicos desenvolvam portais dedicados
à divulgação de informações ambientais, como Uma pesquisa realizada em 2022 por organiza-
ocorre nos estados de Mato Grosso, Pará e Ron- ções integrantes da rede Observatório do Código
dônia. Esta seria, então, uma estratégia para os Florestal aprofundou as análises sobre transpa-
estados cumprirem as exigências legais sobre rência passiva, com foco ao acesso à informação
transparência sem sobrecarregar seus servido- sobre a implementação do Código Florestal pe-
res na tarefa de responder pedidos de acesso à los governos estaduais14. A pesquisa analisou o
informação individualizados. atendimento a 278 pedidos de acesso à informa-
ção enviados aos 27 estados brasileiros e Distrito
A iniciativa do Instituto Centro de Vida inspirou Federal entre 2019 e 2021. A pesquisa identificou
outra iniciativa de monitoramento da transpa- violações à Lei de Acesso à Informação em mais
rência ambiental, esta realizada pelo Ministério de um quarto dos pedidos, na medida em que

13 Disponível em: <https://transparenciaambiental.mpf.mp.br>. Acesso em: 29 out 2023.


14 Observatório do Código Floresta; Instituto Centro de Vida; Imaflora; Artigo19; Instituto Socioambiental. “O acesso à informação sobre a
implementação do Código Florestal pelos governos estaduais”. Relatório de Pesquisa. Maio, 2022. Disponível em: <https://observatorioflorestal.
org.br/wp-content/uploads/2022/08/relatorio_transp_passiva_codigo_florestal_2022.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.

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foram respondidos fora do prazo ou sequer fo- controle da transparência da gestão florestal15. Já
ram respondidos. Além disso, em 40% dos casos em 2023, a Transparência Internacional – Brasil
não foi possível obter acesso integral à informa- publicou, em parceria com o Conselho Nacional
ção solicitada, com limitações dos estados prin- de Controle Interno (CONACI), o Guia de Trans-
cipalmente para disponibilizar bases de dados parência Ativa sobre Gestão Florestal e Unidades
de formato espacial, um recurso especialmente de Conservação, que também orienta gestores
relevante para o monitoramento de políticas pú- públicos buscando ampliar a divulgação de infor-
blicas na área ambiental. Interessante também mações ambientais à sociedade.
notar que atrasos ocorridos para o envio de res-
postas aos pedidos não geraram respostas de Contudo, é importante reconhecer a ampliação
melhor qualidade, como se poderia esperar. Isso e aprimoramento da transparência pública nas
porque a taxa de respostas satisfatórias para os políticas ambientais que, no geral, são frutos de
pedidos respondidos dentro do prazo foi de 63%, opções políticas por parte dos governantes e to-
enquanto que para os que atrasaram foi de 33%. madores de decisão, de maneira que retrocessos
Entre as recomendações da pesquisa para re- também podem ocorrer. No campo ambiental,
verter os números negativos estão a instituição esse foi especialmente o caso durante o perío-
de esforços de coordenação entre os órgãos pú- do de 2019 a 2022 no Brasil. Como amplamente
blicos e estruturação de áreas responsáveis por acompanhado pelo noticiário brasileiro, a gestão
conduzir o processo de resposta aos pedidos, federal imprimiu um conjunto de ações com o ob-
com treinamento e definição de atribuições mais jetivo de reduzir a transparência e também a par-
claras de servidores em relação aos protocolos ticipação social nas políticas ambientais. Na área
de respostas a pedidos de acesso. de transparência, essas ações incluíram restrições
de comunicação nos órgãos ambientais, amea-
ças a servidores, tentativas de elevação do sigilo
2.2 TRANSPARÊNCIA AMBIENTAL de documentos públicos, apagões em bases de
ENTRE AVANÇOS E RETROCESSOS dados ambientais e deslegitimação e alterações
estruturais em órgãos públicos responsáveis pela
O acompanhamento da agenda da transparên- produção de dados sobre o desmatamento.
cia ambiental aponta um cenário de avanços ao
longo dos anos da legislação referente ao tema, Alguns exemplos incluem:
além de esforços nas instituições públicas no ■ Em julho de 2019, o Executivo impôs vetos so-
sentido de consolidar esses avanços. Para além bre a Lei Geral de Proteção de Dados e passou
das crescentes menções à transparência nas leis a permitir o compartilhamento de dados pes-
e decretos do governo federal, é notável a insti- soais de requerentes de informação. Quer di-
tuição de novos sistemas que organizam dados zer, a partir de então, que pessoas que usam
públicos e integram dados estaduais com os fe- a LAI para fazer pedidos de acesso à informa-
derais, bem como o crescente envolvimento de ção deixaram de ter a garantia de que suas in-
órgãos de controle na promoção deste princípio formações não seriam compartilhadas dentro
democrático. Quanto a este último aspecto, des- do governo;
taca-se não apenas o caso do MPF ilustrado aci-
ma, como também a estruturação da CGU como
■ Em agosto 2019, ganhou evidência a tentati-
órgão responsável pelo monitoramento da LAI no va de deslegitimação do Instituto Nacional de
Brasil após 2012, e a ampliação do envolvimento Pesquisas Espaciais (INPE) pelo governo fede-
dos Tribunais de Contas e Controladorias esta- ral, depois da publicação dos dados de alertas
duais no tema. Em 2021, a Associação dos Mem- do desmatamento do DETER, e a exoneração
bros dos Tribunais de Contas do Brasil publicou do seu diretor, Ricardo Galvão;
sua resolução nº 02, definindo diretrizes de con- ■ Em março de 2020, por meio da Portaria
trole externo relacionadas à gestão florestal, nas 560/2020, o Ministério do Meio Ambiente pas-
quais destaca-se um capítulo específico sobre o sou a centralizar demandas da imprensa ao

15 Disponível em: <https://atricon.org.br/wp-content/uploads/2021/12/Resolucao-Diretrizes-da-Gestao-Florestal.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.

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IBAMA. Mais tarde, em maio, uma nota técni- no sentido de dificultar o acesso à informação
ca estenderia restrições a redes sociais pes- no caso das políticas ambientais. Um levanta-
soais dos servidores, em um processo per- mento realizado a partir da solicitação de 321
meado de denúncias de casos de intimidação informações sobre políticas ambientais a ór-
de servidores; gãos federais apontou uma redução de 78% no
número de respostas satisfatórias em 2019, em
Em junho de 2020, a CGU determinou sigilo a
comparação com o período 2017-2018.
pareceres jurídicos da presidência que emba-
sam vetos a projetos aprovados no Congresso. Esse tipo de acontecimento reforça a relevância
Também naquele ano, foi identificada uma es- de iniciativas que monitoram a transparência
pécie de “apagão” nos dados de crimes ambien- pública e de forma mais ampla a democracia
tais, quando durante nove meses foi suspenso o ambiental, tanto por parte da sociedade civil,
acesso da sociedade aos dados de áreas embar- quanto por outras instâncias, como os órgãos de
gadas pelo Ibama16. controle17, as instituições do judiciário brasilei-
ro18 e organizações internacionais19.
Dados indicam que o conjunto de ações como as
mencionadas acima gerou resultados concretos

3. DADOS ABERTOS E TRANSPARÊNCIA PÚBLICA


3.1 O QUE SÃO DADOS ABERTOS E Dados abertos constituem, nesta perspectiva,
um formato especialmente relevante de infor-
PORQUE SÃO RELEVANTES mação para o monitoramento de políticas pú-
blicas. Esse tipo de dado alimenta um público
Como discutido na seção 1, para que a transpa-
que atua processando dados em grandes quan-
rência pública gere resultados positivos na práti-
tidades , que são então analisados, gerando
ca da vida democrática, é necessário cumprir um
diagnósticos e permitindo a identificação de so-
conjunto de critérios, sendo o primeiro deles o
luções originais para os complexos desafios das
de que “informação deve ser acessível e de in-
políticas públicas.
teresse de pelo menos um grupo de usuários”.
Meijer, Curtin e Hillebrandt (ibid.) qualificam este Para serem considerados abertos, os dados
ponto, ao argumentar que a forma como as in- são aqueles que “podem ser livremente aces-
formações são publicadas pelos provedores das sados, utilizados, modificados e redistribuídos
políticas deve ser compatível com os grupos a por qualquer um e para qualquer objetivo, su-
quem são relevantes. Segundo os autores, a de- jeito, no máximo, a requisitos sobre a citação de
pender do público a quem a informação será sua origem e a manutenção de sua abertura”20.
veiculada, pode ser mais interessante, por exem- Para isso, devem cumprir um conjunto mais
plo, publicar dados brutos ou então relatórios exigente de critérios, que incluem acessibilida-
com as análises já apresentadas em um forma- de ao público, disponibilidade em meio digital,
to mais didático.

16 Uma linha do tempo mais detalhada sobre os retrocessos pode ser acessada em IMAFLORA; Instituto Socioambiental; Artigo19. “Mapeamento
dos retrocessos de transparência e participação social na política ambiental brasileira – 2019 e 2020”. Relatório de pesquisa. Disponível em:
<https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/mapeamento_dos_retrocessos_de_transparencia_e_participacao_social_na_politica_
ambiental_.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.
17 Confira-se, por exemplo, a revisão dos sigilos instituídos entre 2019 e 2022, realizada pela CGU em 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/
cgu/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/cgu-conclui-revisao-dos-sigilos-impostos-a-documentos-de-acesso-publico>. Acesso em: 29 out 2023.
18 Confira-se, por exemplo, o caso da ADPF 623 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a participação social no Conselho Nacional do Meio
Ambiente. NEIVA; J.M.; MANTELLI, G.; GIOVANELLI, R. “STF pode fortalecer a democracia ambiental”. Jota. 6 mar 2021. Disponível em: <https://
www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stf-pode-fortalecer-a-democracia-ambiental-06032021>. Acesso em: 29 out 2023.
19 Confira-se, por exemplo, as avaliações realizadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizadas em
2022 sobre espaço cívico e governo aberto no Brasil. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/?82249/Em-carta-a-OCDE-organizacoes-da-
sociedade-civil-alertam-sobre-retrocessos-no-Brasil>. Aceso em 29 out 2023.
20 Open definition. Disponível em: <http://opendefinition.org/>. Acesso em: 29 out 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 11


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

possibilidade de ser processado por máquina,


referência em portais oficiais na internet e dis- 3.2 DADOS ABERTOS NAS POLÍTICAS
ponibilização sob licença aberta que permita AMBIENTAIS
sua livre utilização, consumo e cruzamento21.
Na democracia ambiental, o tema dos dados
Desde 2012, o Brasil tem instituído regras e abertos ganha especial relevância. Isso porque
procedimentos voltados a promover a disponi- diferentes segmentos dependem da disponibili-
bilização de dados em formato aberto no país. dade de dados públicos para realizar um conjun-
O primeiro passo nesse sentido foi tomado em to de ações que contribuem efetivamente para o
2012, quando o país instituiu a Infraestrutura sucesso das políticas ambientais.
Nacional de Dados Abertos (INDA), que definiu
procedimentos, padrões e tecnologias para a Dois exemplos permitem ilustrar o potencial do
promoção da abertura de dados. No mesmo uso dos dados abertos na agenda ambiental. O
ano, foi lançado o Portal Brasileiro de Dados Documento de Origem Florestal (DOF), constitui
Abertos, plataforma onde devem ser cataloga- registro eletrônico do transporte e comercializa-
das todas as bases de dados geridas pelos dife- ção de produtos e subprodutos florestais de ori-
rentes órgãos públicos nacionais. gem nativa, com identificação da área de explora-
ção na floresta, locais do processamento e até as
Em 2016, foi publicado o Decreto 8.777/2016, empresas consumidoras. Com o acesso ao DOF
que institui a Política de Dados Abertos do Exe- é possível aprimorar a fiscalização da produção e
cutivo Federal, que define as regras gerais que do transporte de madeira amazônica e as políti-
os órgãos federais devem seguir no que tange à cas públicas e privadas que promovam a susten-
abertura de dados. Destaca-se no texto o Plano tabilidade do setor, além da identificação de ir-
de Dados Abertos (PDA), principal instrumento regularidades. A Timberflow é uma iniciativa que
da política. Todo órgão federal deve contar com justamente coleta esses dados e os organiza em
um PDA vigente, a ser atualizado a cada dois uma plataforma pública de acesso, onde é pos-
anos, onde devem ser elencadas todas as ba- sível realizar análises sobre o setor madeireiro23.
ses de dados sob gestão do órgão e a definição
de datas de abertura para aquelas ainda não O segundo exemplo é o Cadastro Ambiental Rural
abertas. Tal definição, por sua vez, deve contar (CAR), registro criado pelo chamado novo Código
com mecanismos transparentes de priorização, Florestal (Lei nº 12.651/2012), que possui a geolo-
onde sejam incorporados processos de diálogo calização dos imóveis rurais brasileiros, com suas
com a sociedade. áreas de cobertura florestal e aquelas que, por lei,
deveriam ter a vegetação nativa conservada. Sua
Assim como no caso da LAI, a Controladoria- abertura, ainda que parcial, viabiliza iniciativas
-Geral da União (CGU) é o órgão responsável como o Termômetro do Código Florestal, plata-
pela gestão da política de dados abertos. Em forma que organiza os dados sobre implementa-
2017, a CGU instituiu um Painel de Monitora- ção do Código Florestal subsidiando diagnósticos
mento22, que permite acompanhar quais órgãos e planejamento do uso da terra e da conservação
federais já publicaram os seus PDAs e acompa- nativa no Brasil, bem como identifica as áreas com
nhar o cumprimento do cronograma de aber- passivo e excedente de vegetação nativa no país24.
tura dos mesmos.

21 Decreto n. 8.777, de 11 de maio de 2016.


22 Disponível em: <https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/noticias/2017/cgu-lanca-painel-de-monitoramento-de-dados-abertos-do-
governo-federal>. Acesso em: 29 out 2023.
23 Disponível em: <https://timberflow.org.br/>. Acesso em: 29 out 2023.
24 Disponível em: <https://termometroflorestal.org.br/plataforma>. Acesso em: 29 out 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 12


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

O estudo intitulado O uso de dados abertos na governança ambiental, a criação e a melhoria


prevenção, no monitoramento e no controle do de políticas públicas e privadas que combatam
desmatamento25 analisa como diferentes iniciati- práticas ilegais, que fomentem a produção flo-
vas utilizam dados em ações voltadas ao contro- restal e agrícola sustentáveis, e também que
le do desmatamento no Brasil. A pesquisa ilus- promovam a mitigação e a adaptação às mu-
tra a pluralidade de atores que se apropriam de danças climáticas. Contudo, trata-se de uma
dados abertos para fornecer soluções aos desa- modalidade de uso de informação pública alta-
fios do combate ao desmatamento: instituições mente exigente. Como cada iniciativa utiliza-se
de controle, organizações da sociedade civil, de um grande conjunto de bases de dados de
empresas e associações do setor agropecuário, maneira simultânea, o grau de abertura dessas
bancos e instituições financeiras, universidades bases é fundamental para viabilizar a atuação
e grupos de pesquisa, bem como meios de co- das iniciativas.
municação. E essa variedade de atores utilizam
Em relação às bases relevantes para as políti-
os dados abertos para cumprir um conjunto
cas ambientais, há análises concentradas em
de objetivos que contribuem com o combate
monitorar esse grau de abertura. Uma ava-
ao desmatamento ao: aprimorar processos de
liação realizada sobre 15 bases de dados am-
fiscalização e a responsabilização pelo desma-
bientais estratégicas aponta que apenas duas
tamento ilegal; produzir conhecimento técnico
delas cumprem integralmente com os critérios
e científico sobre o fenômeno e suas causas;
de dados abertos. Elas identificam como princi-
influenciar a formulação de políticas públicas;
pais gargalos27:
cumprir a legislação e compromissos públicos
sob responsabilidade do setor privado26; e in- ■ A incompletude das bases de dados, que
fluenciar decisões comerciais e cadeias produti- inviabiliza a utilização das informações , in-
vas a atuar de maneira mais sustentável. clusive em circunstâncias em que os dados
são disponibilizados apenas em alto nível de
O estudo identifica ainda que o uso dos dados
agregação;
abertos pelas iniciativas exige o processamen-
to de um alto número e variedade de bases de ■ A inexistência de possibilidade de downloads
dados. Por meio de um formulário, a pesquisa únicos das bases, que dificulta e torna mais
indagou as 11 iniciativas analisadas sobre quais lenta a obtenção dos dados completos;
bases de dados utilizam e como as avaliam. ■ A ausência de metadados, que dificulta o en-
Cada uma das 26 bases de dados indagada é tendimento do usuário quanto aos dados uti-
utilizada, em média, por sete das 11 iniciativas e lizados, detalhes de sua organização e coleta
todas as 26 bases são utilizadas por pelo menos entre outras informações;
duas iniciativas. Em média, cada iniciativa utiliza
■ Dados desatualizados, que dificultam o tra-
17 bases de dados, sendo 23 o número máxi-
balho de iniciativas de monitoramento que
mo de bases utilizadas por uma única iniciativa
dependem de uma frequência específica de
e oito o mínimo.
atualização.
Ou seja, o uso de dados públicos, quando em
Isso postula um desafio importante no senti-
formato aberto, tem grande potencial. Per-
do de ampliar a abertura de dados na agenda
mite gerar inteligência capaz de aprimorar a
ambiental brasileira, que é a necessidade de

25 VELLO, B.; MORGADO, R.; BEZERRA, M. et al. “O uso de dados abertos na prevenção, no monitoramento e no controle do desmatamento”.
Relatório de Pesquisa Imaflora. 2020. Disponível em: <https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/dados_abertos_desmatamento_final.
pdf>. Acesso em: 29 out 2023.
26 Para uma análise mais aprofundada de como empresas utilizam dados sobre desmatamento em suas decisões, confira-se: “Empresas já
utilizam dados sobre desmatamento em sua tomada de decisão”. Instituto Centro de Vida. Notícias. 25 maio 2021. Disponível em: <https://
www.icv.org.br/noticias/empresas-ja-utilizam-dados-sobre-desmatamento-em-sua-tomada-de-decisao/>. Acesso em: 29 out 2023.
27 BEZERRA, M.H.; MORGADO, R.P. “Dados Abertos em Clima, Floresta e Agricultura: uma análise da abertura de bases de dados federais (2017-
2020)”. Perspectiva Imaflora, n. 08, 2020. Disponível: <https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/1592504683-perspectiva_dados_
abertos_ambientais_final.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 13


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

melhorar a qualidade das bases de dados28. movimento de restringir ainda mais a divulgação
Gargalos como os apontados acima, a falta de de dados públicos que permitissem a identifica-
integração entre bases e a defasagem tempo- ção pessoal, como nome e CPF, mesmo em casos
ral dos dados, constituem questões recorren- de descumprimento da legislação ambiental29. Tal
temente levantadas por iniciativas de uso dos movimento, todavia, decorre de uma compreen-
dados público s. De maneira geral, esses pro- são equivocada sobre o impacto dessa legislação
blemas são associados a limitações na precisão, de que dados de identificação dos proprietários
confiabilidade e agilidade das análises. Assim, constituiriam dados pessoais sensíveis, ou que o
a superação dos problemas permitiria análises sigilo ocorreria para proteger a honra de proprie-
mais céleres e a um custo mais baixo, elevando, tários contra ações de exposição indevida.
portanto, a eficiência e o potencial de impacto
das iniciativas. Sobre esta discussão, a organização Data Privacy
realizou uma análise extensa focada no caso do
Cadastro Ambiental Rural30. O estudo aponta que:
3.3 DADOS ABERTOS, LEI GERAL DE
PROTEÇÃO DE DADOS E LEI DE A contraposição da LGPD à Lei de Acesso à Infor-
mação decorre de uma interpretação equivocada
ACESSO À INFORMAÇÃO dessas legislações, na medida em que ambas per-
mitem a divulgação de dados pessoais e fornecem
Vale ainda mencionar um desafio para o avanço proteção legal para o dado publicizado;
da abertura de dados que tem sido o acesso a
informações de identificação de proprietários e O risco potencial à honra e imagem dos proprie-
possuidores de imóveis rurais no Brasil. Esses da- tários mencionado como argumento para a não
dos estão ausentes nas bases de dados ambien- abertura dos dados contrapõe-se a uma conse-
tais, tais como o Cadastro Ambiental Rural. A falta quência concreta e positiva que a divulgação da in-
dessas informações reduz o potencial de bases formação gera para um amplo conjunto de direitos
ambientais de cumprir suas funções. Isso porque difusos e coletivos da população brasileira, sobre-
os códigos de CPF e CNPJ permitem a identifica- tudo o direito fundamental ao meio ambiente eco-
ção de proprietários responsáveis por irregula- logicamente equilibrado;
ridades ambientais, como o desmatamento não
autorizado. Além disso, trata-se de um dado que, Existe uma assimetria na transparência ativa de
se disponível, fornece melhores condições para a dados pessoais para diferentes grupos sociais.
interoperabilidade de bases de dados diferentes Beneficiários e beneficiárias de políticas públicas
que podem gerar diagnósticos sobre o uso dos têm maior exposição a dados se comparados
imóveis rurais no Brasil. a proprietários rurais, de modo que a publici-
zação de dados do CAR seria um ajuste neces-
Desde a publicação da Lei Geral de Prote- sário para maior harmonia para fins de trans-
ção de Dados no Brasil, em 2018, gerou-se um parência pública.

28 Para análises mais concentradas sobre bases de dados específicas, confira-se:


Observatório do Código Florestal; Imaflora; ICV. “Nota técnica: medidas para aprimoramento na disponibilização e acesso aos dados do
Cadastro Ambiental Rural”. 11 out 2023. Disponível em: <https://observatorioflorestal.org.br/nota-tecnica-medidas-para-aprimoramento-na-
disponibilizacao-e-acesso-aos-dados-do-cadastro-ambiental-rural/>. Acesso em: 29 out 2023.
Brasil IO. Análise das bases de dados públicas do IBAMA. Disponível em: <https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/planos-de-
acao/5o-plano-de-acao-brasileiro/compromisso-1-meio-ambiente-e-floresta/marco-2_inconsistencias_dadosambientais_contribuicao_brasilio.
pdf>. Acesso em: 29 out 2023.
Imaflora. Análise das bases de dados públicas do IBAMA. Disponível em: <https://sei.ibama.gov.br/documento_consulta_externa.php?id_
acesso_externo=659178&id_documento=14075749&infra_hash=26a8ab63b93103d5ab02eef1595415b8>. Acesso em: 29 out 2023.
29 GAIO, A.; FERREIRA, V. “Desmatamento protegido: a distorção da LGPD a serviço da destruição ambiental”. Jota. 9 set 2023. Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/desmatamento-protegido-a-distorcao-da-lgpd-a-servico-da-destruicao-ambiental-09092023>.
Acesso em: 29 out 2023.
30 Vergili, G.; Saliba, P. Políticas ambientais, transparência pública e proteção de dados: a viabilidade jurídica para compartilhamento de dados
pessoais no âmbito do Cadastro Ambiental Rural. São Paulo: Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, 2023. Disponível em: <https://www.
dataprivacybr.org/wp-content/uploads/2023/06/Relatorio-Politicas-ambientais-transparencia-publica-e-protecao-de-dados-Nova-Versao.pdf>.
Acesso em: 29 out 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 14


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo buscou introduzir as questões mais entre outras) de fazer frente a iniciativas de re-
relevantes atualmente discutidas em torno da duzir a transparência no âmbito do Estado brasi-
transparência pública nas políticas ambientais. leiro. Em nível estadual, há mais desafios, como
Trouxe alguns dos fundamentos jurídicos da apontado pelos resultados piores das avaliações,
transparência nessa área e caracterizou concei- em comparação com as avaliações federais. Par-
tualmente a transparência pública como parte te desses desafios é superar a desigualdade en-
integrante do conceito de democracia ambien- tre os estados, sobretudo no que tange às suas
tal. Ao expor alguns dos resultados de avaliações capacidades administrativas, e na definição de
sobre o status da transparência pública nas po- procedimentos e regras de gestão da informa-
líticas ambientais, o capítulo também discutiu ção que possam dar suporte a uma agenda pela
alguns dos desafios. Em suma, transparência ampliação da transparência.
pública constitui um elemento que fornece sus-
tentação à democracia ambiental, na medida em Por fim, o capítulo também discutiu a relevância
que o acesso à informação pública subsidia a do conceito de dados abertos para a democra-
participação da sociedade civil sobre as políticas, cia ambiental, na medida em que parte impor-
permitindo qualificar essa participação, amplian- tante do monitoramento das políticas ambien-
do, portanto, seu impacto potencial. tais depende que seja possível obter e analisar
uma grande quantidade de dados públicos. Ao
No governo federal, a evolução do arcabouço descrever os fundamentos da política de dados
institucional em torno deste tema tem gerado abertos no Brasil, o capítulo também apontou
resultados positivos como demonstrado nos para os maiores gargalos e desafios nesta fren-
altos índices de transparência ativa e passiva. te, dos quais incluem-se a ampliação do grau de
Ainda assim, a conservação desses resultados abertura de bases de dados ambientais estraté-
depende da escolha política pela continuidade gicas, bem como a superação do debate sobre os
da agenda da transparência e da capacidade das impactos da LGPD sobre a LAI.
instituições (órgãos de controle, sociedade civil,

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 15


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

ACESSO À INFORMAÇÃO E USO


DE DADOS PARA A
INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA
THAYS LAVOR

1. LEGISLAÇÃO RELACIONADA AO ACESSO À INFORMAÇÃO


O direito ao acesso à informação está garantido Como se pode perceber, as garantias de trans-
na Constituição da República Federativa do Brasil parência e acesso à informação têm décadas de
de 1988, que, em seu artigo 5º, determina que existência, masClique aqui para inserir texto. o
todas as pessoas possuem o direito de receber cumprimento dessa norma era um desafio para
informações dos órgãos públicos, sejam de inte- sociedade e pelos poderes constituídos (Execu-
resse particular ou gerais, além de estabelecer tivo, Legislativo e Judiciário). Com campos de in-
prazos e responsabilizar os agentes públicos que terpretação diversos e abertos, o cenário era de
não cumprirem com o que diz a norma. Essa ga- negação de acesso à informação ou cumprimen-
rantia de acesso, prevista na constituição, tem to mínimo da lClique aqui para inserir texto.ei.
inspiração na Declaração de Direitos Humanos Ou seja, o que predominava era o sigilo dos atos
da Organização das Nações, que já em 1948Cli- praticados pelo poder público, por exemplo.
que aqui para inserir texto. previa a garantia fun-
damental a todo indivíduo à liberdade de opinião A necessidade de uma norma que regulamen-
e de expressão. Tal direito abrange ainda a ga- tasse e garantisse o direito era urgente. Ou seja,
rantia de “procurar, receber e difundir, sem con- uma legislação que instituísse prazos para res-
sideração de fronteiras, informações e ideias por postas, possibilidades de recursos, responsa-
qualquer meio de expressão” bilidades, penalidades, definição do que é sigi-
loso ou não, entre outras definições. Então, em
Art. 5º, CF. (...) 2011, com a promessa de maior transparência,
XXXIII- todos têm direito a receber dos a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei
órgãos públicos informações de seu inte- 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à In-
resse particular, ou de interesse coletivo formação (LAI), para garantir o direito constitu-
ou geral, que serão prestadas no prazo da cional ao acesso de informações públicas.
lei, sob pena de responsabilidade, ressal-
vadas aquelas cujo sigilo seja imprescin- Uma das suas principais diretrizes é a publicida-
dível à segurança da sociedade e do Esta- de como preceito geral e o sigilo como exceção.
do (BRASIL, 1988) Algo inspirado na Declaração de Atlanta (2008),

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 16


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

que defende que “o acesso à informação é a re- dispositivos visando punir o Estado (caso não
gra; o sigilo é exceção”. Portanto, o seu texto ga- seja transparente), fomenta os cidadãos a sabe-
rante transparência e traz dispositivos contendo rem quais direitos possuem e a que instância re-
os regulamentos a serem observados pelo Esta- correrem para garantirem os benefícios, e ainda
do e pela população no geral. Além disso, traz determina os canais de acesso à informação.

Como podemos perceber, no Brasil, o acesso à então, precisamos estar atentos às garantias
informação está regulamentado tanto na Cons- previstas e a formulação de pedidos mais asser-
tituição como na LAI e, em virtude disso, ele não tivos. Também é fundamental conhecer as nor-
pode ser negado. Embora a Lei 12.527/2011 seja mas que amparam o direito ao acesso à infor-
regulamentadora para a efetividade desse direi- mação no Brasil.
to, há o descumprimento por parte dos poderes,

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 17


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

2. TRANSPARÊNCIA COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL


E GARANTIA DE DIREITOS
O direito de acesso às informações é o que garan- A Lei Federal nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981,
te a participação da população para que ela exer- responsável por instituir a Política Nacional do
ça o controle social e fiscalize o poder público. Ou Meio Ambiente – PNMA, em seu art. 4º, inciso V,
seja, sem transparência e acesso, as democracias prevê a divulgação de dados e informações am-
ficam fragilizadas e a tendência é o cometimento bientais para a formação de consciência pública
de arbitrariedades por parte do poder estatal. sobre a necessidade de preservação da qualidade
ambiental e do equilíbrio ecológico. Já o art. 9º dis-
A imprensa tem papel fundamental neste cená-
põe que dentre os instrumentos está a garantia da
rio, por exemplo, pois é uma instituição basilar
prestação de informações relativas ao meio am-
nas democracias contemporâneas, e é parte in-
biente, sendo o poder público obrigado a produzi-
tegrante do sistema de garantia de informações
-la, inclusive, quando inexistentes (BRASIL, 2003).
para sociedade como um todo. A transparência
e o acesso são fundamentais para o exercício do
É a PNMA, em seu art. 6º, que institui também o
jornalismo e a fiscalização do governo, pois per-
Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA),
mite jogar luz onde se quer opacidade.
o qual possui a seguinte definição: conjunto de
Em novembro de 2023, a LAI completa 11 anos “órgãos e entidades da União, dos Estados, do
de existência, e embora tenha se tornado uma Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios,
importante ferramenta de apuração jornalística bem como as fundações instituídas pelo Poder
em busca de dados e demais informações junto Público, responsáveis pela proteção e melhoria
ao poder público – o que demonstra o propósi- da qualidade ambiental […]”; e encontra-se estru-
to de fiscalização dos atos do poder público e, turado com seu órgão consultivo e deliberativo,
consequente, garantia de direitos – seu uso ain- o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONA-
da esbarra no tempo das rotinas produtivas do MA), seu órgão central, o Ministério do Meio Am-
jornalismo e na maior apropriação da técnica e biente (MMA) e seu órgão executor, o Instituto
conhecimento da norma, por exemplo. Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-
turais Renováveis (IBAMA), este criado de acordo
Se refletirmos um pouco, a transparência é um com o disposto na Lei Federal n°. 7.735, de 22 de
importante mecanismo de proteção ambiental fevereiro de 1989 (SILVA, 2003).
e compreensão das dinâmicas territoriais. A dis-
ponibilidade e o acesso a dados e informações Mas, é a publicação da Lei Federal nº. 12.527, de
ambientais são fundamentais para a garantia do 18 de novembro de 2011, conhecida como a Lei de
acompanhamento e fiscalização das políticas e Acesso à Informação (LAI), que garante robustez
indicadores ambientais, seja pela sociedade civil ao debate, posto que a regulamentação do acesso
organizada ou demais setores. à informação e os caminhos para publicidade dos
atos públicos estão nesse dispositivo legal. Segun-
No Brasil, temos um cenário de geoinformação
do Barros (2017), o direito à informação, teorica-
abundante e limitações no que se refere à trans-
parência e acesso a dados ambientais. Quanto mente, possui três dimensões, a saber: o direito
menor a esfera governamental, menos disponi- de informar (direito público subjetivo e individual,
bilidade de dados. A transparência não só per- a partir do qual se assegura a transmissão de in-
mitiria acesso público a essas informações, mas formações a terceiros e à coletividade, respeitan-
também contribuiria para que estados e municí- do a dignidade, a honra e a imagem da pessoa
pios, em posse da informação, pudessem utilizá- humana); o direito de se informar (direito indivi-
-las para o planejamento do desenvolvimento de dual e coletivo, em que o sujeito busca pelas infor-
suas regiões. Portanto, se faz necessária a ação mações desejadas sem qualquer impedimento ou
conjunta de jornalistas e da sociedade civil na co- obstrução); e o direito de ser informado (dever do
brança desses dados. Estado de informar sobre as suas ações).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 18


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Nesse sentido, Barros (2017) aponta que a infor- O acesso à informação ambiental se dá a par-
mação ambiental é uma ferramenta imprescin- tir da transparência pública (BARROS, 2008), e
dível na construção de novos valores e atitudes, cabe a esta impedir ações impróprias e even-
cujo objetivo é o desenvolvimento de uma so- tuais dos governantes e administradores, para
ciedade ativa na defesa do meio ambiente. A di- que a sociedade tenha acesso a informações
vulgação da informação (ambiental) correta per- públicas, seja no âmbito federal, estadual ou
mite a transparência ambiental, a formação da municipal, para a construção de um país demo-
opinião da sociedade sobre a proteção ao meio crático, cuja base seja o controle social com vis-
ambiente, e oportuniza a essa a se pronunciar tas a uma gestão mais eficaz e eficiente (SOU-
acerca da matéria informada (MACHADO, 2006). ZA et al., 2009).

3. FORMAS DE ACESSAR INFORMAÇÕES


As ferramentas de transparência são divididas em informações públicas e particulares, em forma-
duas categorias: ativa e passiva. A primeira refere- tos eletrônicos ou físicos. Entidades privadas
-se às plataformas de transparência governamen- sem fins lucrativos que recebem recursos para
tais, tais como: Portal da Transparência, Dados. realização de ações de interesse público tam-
gov, Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais bém estão sujeitas a pedidos de acesso à in-
(INDE), Sistema IBGE de Recuperação Automática formação. Contudo, esses pedidos não devem
(SIDRA), entre outros. E as de transparência passi- ser feitos diretamente a essas organizações,
va, os canais do e-sic, onde os cidadãos podem so- mas aos órgãos e institutos responsáveis pelo
licitar via LAI as informações que deveriam cons- repasse dos recursos.
tar nas bases ativas, porém não estão lá.

Dito isso, a LAI estabelece a publicidade como 3.1 ONDE PEDIR?


regra e o sigilo como exceção. Portanto, po-
dem ser solicitadas informações produzidas e É possível fazer pedidos ao vivo, online, por
acumuladas pela administração, assim como carta ou telefone.

ESFERA ENDEREÇO
União https://falabr.cgu.gov.br/

https://abraji.org.br/help-desk/portais-da-transparencia-
Portais da transparência e e-SIC em nível federal
e-e-sics-no-nivel-federal

https://abraji.org.br/help-desk/portais-da-transparencia-
Portais da transparência e e-SIC nos Estados
e-e-sics-nos-estados

3.2 O QUE UM PEDIDO DE Para fazer um pedido de LAI é preciso realizar


um breve cadastro no e-SIC, que contenha:
INFORMAÇÃO DEVE CONTER? nome, e-mail e CPF ou RG. Já no texto do pedi-
do, esses dados não precisam e não devem ser
Primeiramente, é importante ter claro que, qual-
apresentados, contendo, assim, apenas a espe-
quer cidadão pode fazer um pedido de acesso à
cificação da informação solicitada.
informação. Além disso, não é preciso apresen-
tar o(s) motivo(s) para a solicitação. Também não
se pode exigir, na identificação, informações que
constranjam o requerente.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 19


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

municípios, deve-se checar a regra local sobre a


3.3 PRAZOS PARA RESPOSTA A UM Lei de Acesso (se houver).
PEDIDO DE LAI
O Ministério Público Estadual, a Promotoria de
Caso disponível, a informação deverá ser apre- Justiça da sua cidade, os Tribunais de Contas,
sentada imediatamente. Se não for possível, o também são canais oficiais onde é possível de-
órgão deverá apresentar uma resposta em, no nunciar um ato de improbidade administrativa
máximo, 20 dias. Esse prazo pode ser prorroga- pelo descumprimento da Lei de Acesso à Infor-
do por mais 10 dias, desde que a entidade apre- mação, sem obrigatoriedade do acompanha-
sente motivos para o adiamento. A resposta do mento de um advogado para realizar a denúncia .
órgão pode ser:

■ data, lugar e modo para consultar as 3.5 O SIGILO E RESPECTIVOS PRAZOS


informações;
O artigo 23 da LAI diz que são consideradas in-
■ recusa do acesso, com a justificativa para tal;
formações sigilosas aquelas imprescindíveis à
■ comunicação de que não tem os dados solici- segurança da sociedade ou do Estado e, portan-
tados e indicação do órgão que os possui, ou to, passíveis de classificação cuja divulgação ou
envio direto do pedido a esse órgão. acesso irrestrito possam:

I – pôr em risco a defesa e a soberania nacio-


3.4 PEDIDO NEGADO, E AGORA ? nais ou a integridade do território nacional;

Não é preciso desanimar! Primeiramente, nega- II – prejudicar ou pôr em risco a condução de


tiva não é sigilo. E, de acordo com a LAI, o órgão negociações ou as relações internacionais do
público pode negar acesso total ou parcial a uma País, ou as que tenham sido fornecidas em
informação solicitada. Porém, é necessário justi- caráter sigiloso por outros Estados e organis-
ficar as razões pelas quais determinada informa- mos internacionais;
ção não pode ser concedida.
III – pôr em risco a vida, a segurança ou a saú-
Além disso, o órgão deverá informar ao requerente de da população;
que há possibilidade de recurso, indicando os pra-
zos e condições para tal, além da autoridade res- IV – oferecer elevado risco à estabilidade finan-
ponsável por julgá-lo. Pela norma, os prazos são : ceira, econômica ou monetária do País;
■ O requerente tem até 10 dias para recorrer V – prejudicar ou causar risco a planos ou ope-
ao órgão (a partir de quando se recebe a rações estratégicos das Forças Armadas;
negativa);
■ O Governo tem até cinco dias para responder VI – prejudicar ou causar risco a projetos de
ao recurso (primeira instância); pesquisa e desenvolvimento científico ou
tecnológico, assim como a sistemas, bens,
■ O requerente tem até 10 dias para recorrer instalações ou áreas de interesse estra-
(a partir de quando receber a resposta ao tégico nacional;
recurso);
■ O Governo tem até cinco dias para responder VII – pôr em risco a segurança de instituições ou
ao recurso (segunda instância). de altas autoridades nacionais ou estrangei-
ras e seus familiares;
Se os recursos forem negados em todas as ins-
tâncias, no caso do Executivo federal, deve-se VIII – 
comprometer atividades de inteligência,
recorrer à Controladoria-Geral da União, que bem como de investigação ou fiscalização
terá cinco dias para responder. E, acima dela, po- em andamento, relacionadas com a preven-
de-se recorrer à Comissão Mista de Reavaliação ção ou repressão de infrações.
de Informações. Nos demais poderes, estados e

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 20


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Já o artigo 24 faz referência às informações que Dito isso, uma informação só pode ser classifica-
possam colocar em risco a segurança do Presiden- da como sigilosa, quando se enquadra em algu-
te e Vice-Presidente da República e respectivos ma dessas nove hipóteses acima, previstas nos
cônjuges e filhos(as). Neste caso, as informações artigos 23 e 24 da LAI. Mas, encerrados os pra-
serão classificadas como reservadas e ficarão sob zos, a informação é pública.
sigilo até o término do mandato em exercício ou
do último mandato, em caso de reeleição. Quando sigilosa, esse tipo de informação pode
ser classificado em três diferentes graus, são eles:

CLASSIFICAÇÃO PRAZO
25 anos (único passível de prorrogação, por até igual
Ultrassecreto
período)

Secreto 15 anos

Reservado 5 anos

Caso receba uma negativa de um pedido de LAI para garantir o direito de qualquer pessoa ao
porque a informação solicitada é sigilosa, o re- acesso à informação, como realizar denúncias,
querente deve exigir que o órgão apresente o reclamações ou consultas ao invés de efetivar
Termo de Classificação da Informação (TCI), assi- um pedido de informação.
nado por uma autoridade responsável, detalhan-
do o motivo para sigilo e o prazo para liberação. Quando a resposta a um pedido está atrasa-
Ou seja, o governo não pode apenas mencionar da, por exemplo, o requerente pode acessar
sigilo sem apresentar o TCI. o pedido na plataforma do e-SIC e protocolar
uma reclamação diretamente na plataforma.
Essa reclamação é direcionada para a Ouvido-
3.6 RECLAMAÇÕES E OUTRAS ria, que verificará a procedência da mesma e
MANIFESTAÇÕES tomará as devidas providências. Este modelo
realmente funciona e é uma ótima maneira de
Uma manifestação é diferente de um pedido de cidadãos demonstrarem que conhecem seus
acesso à informação. Mas, em algumas situa- direitos e sabem usar os recursos que es-
ções, é possível recorrer a esse tipo de recurso, tão disponíveis.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 21


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

4. DADOS ABERTOS AMBIENTAIS


Em 2021, a plataforma Achados e Pedidos avaliou Porém, com a entrada do novo governo em janei-
55 itens de transparência ativa, relativos ao Mi- ro de 2023, algumas plataformas de transparên-
nistério do Meio Ambiente, e concluiu que a pas- cia ativa (que antes estavam defasadas ou inati-
ta apresenta problemas significativos de ausên- vas) voltaram a funcionar.
cia ou defasagem de dados. Esse resultado acaba
por inviabilizar a participação social da política Abaixo, é possível analisar a lista de algumas platafor-
ambiental por jornalistas, sociedade civil e pelos mas importantes para o acompanhamento das polí-
próprios povos tradicionais afetados por ela. ticas públicas na área ambiental e seus indicadores.

NOME LINK
Portal de dados abertos do Ministério do
https://dados.mma.gov.br/
Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)

https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMGE3ZTc4MmMtYmEyNi-
Painel de Dados Abertos Ambientais
00ZGM4LTlkMWUtNDIwMTJmNWMyYjZhIiwidCI6IjM5NTdhMzY3LT-
(MMA)
ZkMzgtNGMxZi1hNGJhLTMzZThmM2M1NTBlNyJ9

Infraestrutura Nacional de Dados


https://inde.gov.br/
Espaciais (INDE)

https://www.gov.br/funai/pt-br/acesso-a-informacao/dados-
Fundação Nacional dos Povos Indígenas abertos/plano-de-dados-abertos-fevereiro%202021-%20
fevereiro2023

Centro de Monitoramento Remoto – TIs https://cmr.funai.gov.br/app/#/mapa

TerraBrasilis (INPE) http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/

https://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/malhas_
Bases cartográficas (IBGE)
territoriais/malhas_municipais/municipio_2020/Brasil/BR/

https://servicos.ibama.gov.br/ctf/publico/areasembargadas/
Áreas Embargadas (IBAMA)
ConsultaPublicaAreasEmbargadas.php

Sistema Informatizado de Licenciamento https://servicos.ibama.gov.br/licenciamento/consulta_


Ambiental Federal (IBAMA) empreendimentos.php

Cadastro Ambiental Rural (Serviço


https://www.car.gov.br/publico/imoveis/index
Florestal Brasileiro)

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 22


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
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Conhecimento, Universidade Federal do Alagoas, Maceió, 2015.

BOBBIO, Norbert. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro
de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 nov. 2011. Seção 1, p. 1. Disponível
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DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 23


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

ESPAÇOS INSTITUCIONAIS
DE PARTICIPAÇÃO AMBIENTAL:
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES
CIRO DE SOUZA BRITO 1

Este capítulo tem como objetivo refletir sobre es- Num segundo momento, foca em dois pilares
paços institucionais de participação na temática das tomadas de decisão ambiental e climática
ambiental, a partir de uma conexão de três te- no Brasil: as políticas nacionais de meio ambien-
mas: democracia participativa e controle social; te e sobre mudança do clima, destacando seus
espaços de participação institucional e seu papel objetivos, diretrizes e principalmente seus ins-
na discussão e tomada de decisões ambientais trumentos de governança com foco na previsão
e climáticas; e direito à consulta prévia, livre e de atuação da sociedade civil nessa cooperação
informada e o histórico de exclusão de povos com a administração pública na tomada de deci-
indígenas e povos e comunidades tradicionais sões sobre regras, execução de políticas públicas
desse processo. e gastos públicos.

Inicialmente, aborda o conceito de democracia No terceiro tópico, aborda-se a questão da au-


participativa, a partir da discussão sobre partici- tonomia de povos indígenas e povos e comuni-
pação e controle social. O objetivo é apresentar dades tradicionais, chanceladas internacional-
a teoria sobre democracia e discutir um dos seus mente em tratados internacionais e no âmbito
principais elementos constituintes: o da partici- nacional na Constituição Federal de 1988. Foca-
pação social ativa que gera, ou deveria gerar, alto -se no direito à consulta prévia, livre e informada
controle social sobre decisões e gastos públicos. como expressão dessa autonomia, seu escopo e
Nele, indica-se marcos normativos brasileiros, desafios, tendo em vista os processos históricos
em especial a Constituição de 1988, e instrumen- de exclusão desses grupos étnico-coletivos das
tos de democracia participativa na legislação in- decisões ambientais e climáticas no Brasil.
fraconstitucional. Em seguida, trata-se da noção
de controle social, destacando definições, breve
histórico e princípios.

1 Advogado especialista em Direitos Humanos e mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará, com períodos de
estudos na Peking University, China, e na Universidade de Coimbra, Portugal. Foi professor de Direito da Universidade Federal do Oeste do
Pará e da Universidade da Amazônia. Atualmente, é analista sênior de Políticas do Clima do Instituto Socioambiental e coordenador do GT
Amazônia da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action – LACLIMA. E-mail: cirosbrito@gmail.com.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 24


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

1. DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E CONTROLE SOCIAL


1.1 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA reconhecendo mecanismos e instrumentos es-
pecíficos em complemento às instituições repre-
O conceito de democracia participativa deriva sentativas tradicionais3, e incorporou na dinâmi-
do conceito de democracia. Segundo o jurista ca política da sociedade civil organizada em suas
Paulo Bonavides (1993), democracia pode ser entidades e associações maior controle social
compreendida como a forma de exercício da (MORONI, 2005).
função governativa em que a vontade soberana
do povo se manifesta nas decisões de todas as Alguns desses instrumentos são:
questões do governo, direta ou indiretamente. ■ dos atinentes à representação, basicamente
Nesse contexto, o povo seria tanto sujeito ativo os relacionados ao sufrágio universal;
como passivo do poder legítimo.
■ daqueles tradicionalmente constantes do rol
Além de uma forma de exercício de governo, o dos instrumentos da democracia direta: ple-
autor caracteriza a democracia como um dos biscito, referendo e iniciativa popular;
mais valiosos direitos fundamentais de um or- ■ aqueles inovadores, peculiares da demo-
denamento jurídico, uma vez que incorpora os cracia participativa, que consistem nas mais
princípios da igualdade e da liberdade, e se situa variadas maneiras de participação da socie-
ao lado do direito à informação e do direito ao dade, como meio de legitimação do poder e
pluralismo (BONAVIDES, 2001). exercício da soberania popular:

Derivando da democracia, a democracia parti- ■ obrigação de os órgãos públicos presta-


cipativa se assenta no princípio da soberania rem informações de interesse particular,
popular e pode ser compreendida como aquela ou de interesse coletivo ou geral, no prazo
em que os cidadãos sentem que fazem parte da da lei (Art. 5º, XXXIII, CF/88);
nação porque têm parte real na sua condução, ■ direito de petição aos poderes públicos em
tomando parte da construção da sociedade a defesa de direitos ou contra ilegalidade ou
qual estão inseridos (CARNEIRO, 2007; BORDE- abuso de poder (Art. 5º, XXXIV, a, CF/88);
NAVE, 1994). Nesse sentido, democracia partici- ■ reconhecimento da competência do Tri-
pativa compreende a noção de participação uni- bunal do Júri, de caráter eminentemente
versal, sendo uma proposta de incorporação de popular, de participação da sociedade no
novos e modernos mecanismos de participação Poder Judiciário (Art. 5º, XXXVIII, CF/88);
da sociedade nas decisões políticas e nos atos e ■ legitimidade de qualquer cidadão para
controle da Administração Pública2. Logo, quan- propor ação popular, em defesa de direi-
to mais amplas forem as maneiras de participa- to difuso, objetivando anular ato lesivo ao
ção do cidadão opinando e decidindo, mais for- patrimônio público ou de entidade de que
talecida é a democracia participativa. O cidadão o Estado participe, à moralidade adminis-
é deslocado da posição de mero eleitor para de trativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
um indivíduo participante, fiscalizador e con- histórico e cultural (Art. 5º, LXXIII, CF/88);
trolador da atividade estatal (MACEDO, 2008;
■ participação dos trabalhadores e empre-
CARRION, 2001).
gadores nos órgãos colegiados dos órgãos
A Constituição brasileira de 1988 instituiu públicos, para defesa de interesses profis-
o paradigma da democracia participativa, sionais ou previdenciários (Art. 10º, CF/88);

2 Segundo o renomado jurista José Afonso da Silva (2000), a democracia participativa tem origem na chamada democracia semidireta, que
combinava instituições de participação direta com instituições de participação indireta.
3 “Aqui se deverá entender, como mecanismo e instrumentos da democracia participativa, toda e qualquer forma legal de controle, pela
sociedade, dos atos da administração; todo e qualquer ato de atuação popular nas decisões políticas e na gestão da coisa pública; todas as
formas que objetivem dar mais legitimidade às decisões e aos atos administrativos, por meio de qualquer instrumento legal que garanta mais
participação popular” (MACEDO, 2008, p. 188).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 25


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

colaboração de associações representati-


1.2 CONTROLE SOCIAL

vas da coletividade no planejamento muni-


cipal (Art. 29, XII, CF/88);
O chamado controle social corresponde a uma
■ colocação das contas dos municípios à dis- forma de participação popular pautada na so-
posição dos cidadãos, que poderão ques- berania popular e resguardada legal e consti-
tionar-lhes a legitimidade e a legalidade tucionalmente no Brasil (SANTOS FILHO, 2012).
(Art. 31, § 3º, CF/88); Segundo a Controladoria-Geral da União (2008),
obrigatoriedade de a Administração direta e indi- pode ser compreendido como a participação do
reta criar mecanismos para receber reclamações cidadão na gestão, fiscalização, monitoramento
relativas à prestação dos serviços públicos em e controle das ações da administração pública.
geral (Art. 37, § 3º, I, CF/88);
O controle social está diretamente ligado, por-
■ legitimidade dos cidadãos para iniciativa tanto, à ideia de participação ativa e de demo-
de leis (Art. 61, § 2º, CF/88); cracia participativa, em que são criados meca-
■ legitimidade ao cidadão, partido político, nismos político-institucionais de articulação e
associação ou sindicato, para denunciar canais orgânicos de comunicação constante,
irregularidades ou ilegalidades perante o visando fomentar o poder de fiscalizar o cum-
Tribunal de Contas da União (Art. 74, § 2º, primento das leis e a aplicação dos recursos pú-
CF/88); blicos pelo Estado (SANTOS FILHO, 2012; ELIAS &
■ participação de dois cidadãos no Conselho DAVID, 2016, p. 227).
Nacional de Justiça (art. 103-b, XIII, CF/88);
A participação social no Brasil é relativamente re-
■ participação de dois cidadãos no Conselho cente, remontando à década de 1980, no período
Nacional do Ministério Público (Art. 130-A, da redemocratização. Historicamente, o que se
VI, CF/88); vivenciou foi um longo período de centralização
■ criação de ouvidorias do Ministério Público, administrativa e financeira, desde o período colo-
em âmbito federal e estadual, para receber nial e com agravamento durante o regime ditato-
reclamações e denúncias de qualquer inte- rial de 1964, no qual a concentração de recursos
ressado contra membros ou órgãos do Mi- fiscais e a formulação de políticas nacionais foi
nistério Público (Art. 130-A, § 5º, CF/88); sem precedentes. A ampliação da participação
■ fiscalização pela sociedade quanto às ativi- social tem grande contribuição da atuação dos
dades das empresas públicas, sociedades movimentos sociais e dos sindicatos, que colabo-
de economia mista e suas subsidiárias, raram para a conformação de um novo arranjo
que explorem atividade econômica de pro- político, reduzindo o poder de comando antes
dução (Art. 173, § 1º, I, CF/88); exercido inteiramente pelo governo central. Nes-
■ colaboração da comunidade com o poder se contexto, fortaleceu-se no Brasil os debates
público, para a proteção do patrimônio sobre descentralização, sendo considerada con-
cultural brasileiro (Art. 216, § 1º, CF/88); en- dição necessária para o processo de democra-
tre outros (MACEDO, 2008, p. 188-190). tização no governo, e consolidou-se consensos
sobre a importância do papel estratégico do con-
Além da previsão constitucional, há vários ins- trole social sobre o Estado a partir da sociedade
trumentos de democracia participativa que es- civil (ELIAS & DAVID, 2016).
tão previstos na legislação infraconstitucional,
como a criação dos conselhos de direito; conse- A questão colocada por Elias & David (2016) é
lhos gestores de políticas públicas; orçamento como se dá esse controle social ou em quanto
participativo; ouvidorias; e comissões de legisla- ele se tem tornado um efetivo exercício demo-
ção participativa. Isso significa que, não somen- crático, não se o controle social melhora ou não
te os mecanismos e instrumentos atualmente os serviços públicos. Apontam as autoras que
conhecidos, mas diversos outros podem vir a não basta criar conselhos, comissões e comi-
integrar o elenco das formas que compõem a de- tês, é preciso estabelecer formas de como estes
mocracia participativa no Brasil (MACEDO, 2008). espaços influenciam as decisões institucionais,

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 26


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

uma vez que para o controle social ser exerci- clientelista no seu estilo de fazer política;
do de fato necessita de regularidades organi-
■ que a relação social fundadora dos espaços
zacionais – e são estas que consolidam o fluxo
de controle social seja capaz de estabelecer
do processo decisório e o grau de influência de
regras que definam espaços de influência,
cada instância ou unidade de organização na
rompendo a continuidade burocrática de reu-
gestão institucional.
niões sem compromisso com a alteridade;
Com efeito, demarcam cinco princípios sobre o ■ necessidade de sua institucionalização e de
controle social, quer sejam: tornar públicas as ações e decisões para os
■ suposição de um padrão de representativida- representados e para a instituição; e
de na construção, operação e gestão das polí- ■ que o controle social deve incidir não somen-
ticas sociais, com capacidade de se contrapor, te sobre a equidade dos resultados, mas tam-
influir ou assumir seu poder de mudança; bém sobre a igualdade do acesso, ou seja,
■ possibilidade de ruptura com o caráter priva- ampliar o controle social para além de meca-
tista, de favorecimentos, exercitando a cons- nismo de regulação para os serviços existen-
trução popular da democracia, que é uma tes, mas também para a perspectiva do que
exigência da sociedade brasileira, tradicio- ainda deve ser feito para garantia do direito a
nalmente autoritária, elitista, paternalista e todos. (ELIAS & DAVID, 2026, p. 232).

2. ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL E SEU PAPEL NA


DISCUSSÃO E TOMADA DE DECISÕES AMBIENTAIS
E CLIMÁTICAS
O Brasil é reconhecido mundialmente pelo sis- em momentos diferentes da democracia brasilei-
tema de democracia participativa desenvolvido ra, a primeira antes da Constituição, tendo sofri-
com a Constituição de 1988. Como mostrado an- do mudanças no seu texto nos anos posteriores
teriormente, foram criados vários mecanismos especialmente pela influência da própria Consti-
de participação social e transparência na Car- tuição de 1988, e a segunda criada mais recente-
ta Magna, que colocaram o país na vanguarda mente, em 2009. Nas duas, são previstas diferen-
ambiental e acabaram sendo exportados para tes governanças para tomadas de decisões, mas
outros países. Ademais, esses mecanismos de com relevantes previsões de participação social.
participação social não se restringiram à Cons-
tituição, tendo sido expandidos nas normativas
infraconstitucionais nos anos subsequentes e se 2.1 TOMADAS DE DECISÕES
espraiando pelos estados e municípios. São em-
blemáticas muitas medidas tomadas por meio
AMBIENTAIS
da participação social especialmente no âmbito
A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA)
de conselhos estaduais e municipais de saúde,
foi instituída pela Lei 6.938, em 31 de agosto
educação e meio ambiente.
de 1981. Ela dispõe sobre a Política Nacional do
Agora, focaremos nos espaços institucionais de Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de for-
tomadas de decisões ambientais e climáticas, mulação e aplicação, e dá outras providências.
tendo como ponto de partida da discussão duas Seu objetivo, segundo o caput do artigo 2º, é a
políticas nacionais, criadas por meio de leis fede- preservação, melhoria e recuperação da qualida-
rais, a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. de ambiental propícia à vida, visando assegurar,
6.938, de 31 de agosto de 1981) e a Política Na- no País, condições ao desenvolvimento socioeco-
cional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187, de nômico, aos interesses da segurança nacional e à
29 de dezembro de 2009). São políticas criadas proteção da dignidade da vida humana.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 27


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Foi a PNMA que criou o Sistema Nacional do ■ O CONAMA tem sua competência elencada no
Meio Ambiente, o SISNAMA, um complexo siste- artigo 8 da PNMA e no artigo 7 do seu regula-
ma de governança ambiental cooperativa entre mento, o Decreto n. 99.274, de 06 de junho de
a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e 1990, tendo mandato, entre outros, sobre:
fundações instituídas pelo Poder Público e que ■ estabelecimento de critérios sobre licencia-
sejam responsáveis pela proteção e melhoria da mento de atividades poluidoras;
qualidade ambiental; sendo composto por seis
órgãos, elencados no art. 6º da Lei 6.938:
■ homologação de acordos de transformação
de penalidades pecuniárias em obrigações de
■ Órgão superior, o Conselho de Governo: proteção ambiental;
com a função de assessorar diretamente a
■ determinação da perda ou restrição de bene-
Presidência da República na formulação da
fícios fiscais concedidos pelo Poder Público;
política nacional e nas diretrizes governa-
mentais para o meio ambiente e os recursos ■ determinação da perda ou suspensão de par-
ambientais; ticipação da Administração Pública em linhas
de financiamento em estabelecimentos ofi-
■ Órgão consultivo e deliberativo, o Conselho
ciais de crédito.
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA):
com a finalidade de assessorar, estudar e ■ acompanhar a implementação do Sistema
propor ao Conselho de Governo, diretrizes Nacional de Unidades de Conservação da Na-
de políticas governamentais para o meio am- tureza-SNUC; e
biente e os recursos naturais e deliberar, no ■ propor sistemática de monitoramento, avalia-
âmbito de sua competência, sobre normas e ção e cumprimento das normas ambientais.
padrões compatíveis com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado e essencial à sa- A composição do CONAMA foi estabelecida no
dia qualidade de vida; regulamento da PNMA, o Decreto n. 99.274. Nele,
elenca-se a composição do Conselho por plená-
■ Órgão central, a Secretaria do Meio Ambien- rio, Comitê de Integração de Políticas Ambien-
te da Presidência da República: com a fina- tais, câmaras técnicas, grupos de trabalho e gru-
lidade de planejar, coordenar, supervisionar e pos assessores; dos quais o Plenário é presidido
controlar, como órgão federal, a política na- pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do
cional e as diretrizes governamentais fixadas Clima, que o preside, e outros ministérios e se-
para o meio ambiente; cretarias de governo, representantes de todos os
■ Órgãos executores, o Instituto Brasileiro estados e do Distrito Federal, oito representan-
do Meio Ambiente e dos Recursos Na- tes de governos municipais que tenham conse-
turais Renováveis (IBAMA) e o Instituto lho de meio ambiente com caráter deliberativo,
Chico Mendes de Conservação da Biodi- oito representantes de entidades empresariais e
versidade (ICMBio): com a finalidade de 22 representantes da sociedade civil e de entida-
executar e fazer executar a política e as dire- des de trabalhadores.
trizes governamentais fixadas para o meio
A representação da sociedade civil deve seguir a
ambiente, de acordo com as respectivas
seguinte composição:
competências;
■ Órgãos seccionais, os órgãos ou entidades
■ Dois representantes de entidades ambienta-
estaduais responsáveis pela execução de listas de cada uma das regiões geográficas do
programas, projetos e pelo controle e fisca- País;
lização de atividades capazes de provocar a ■ Três representantes de entidades ambienta-
degradação ambiental; e listas de âmbito nacional;
■ Órgãos locais, os órgãos ou entidades mu- ■ Três representantes de associações legalmen-
nicipais, responsáveis pelo controle e fiscali- te constituídas para a defesa dos recursos na-
zação dessas atividades, nas suas respectivas turais e do combate à poluição, de livre esco-
jurisdições. lha do Presidente do CONAMA;

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 28


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

■ Um representante de entidades profissionais, interessados ou beneficiários, em particular


de âmbito nacional, com atuação na área am- aqueles especialmente vulneráveis aos seus efei-
biental e de saneamento, indicado pela As- tos adversos, e o estímulo ao desenvolvimento
sociação brasileira de Engenharia Sanitária e do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões.
Ambiental – ABES;
A PNMC previu instrumentos diversos para sua
■ Um representante de trabalhadores indicado
execução. Internacionalmente, a comunicação
pelas centrais sindicais e confederações de
nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Na-
trabalhadores da área urbana (Central Úni-
ções Unidas sobre Mudança; e nacionalmente, a
ca dos Trabalhadores – CUT, Força Sindical,
elaboração e execução de planos (Plano Nacio-
União Geral dos Trabalhadores – UGT, Con-
nal sobre Mudança do Clima e planos de ação
federação Nacional dos Trabalhadores na In-
para a prevenção e controle do desmatamento
dústria – CNTI e Confederação Nacional dos
nos biomas), e no tocante a financiamento de
Trabalhadores no Comércio – CNTC), escolhi-
ações climáticas, a criação de fundos (Fundo Na-
do em procedimento sob a coordenação con-
cional sobre Mudança do Clima), de dotações
junta da CNTI e da CNTC;
específicas para ações em mudança do clima no
■ Um representante de trabalhadores da área orçamento da União e de linhas de crédito e fi-
rural, indicado pela Confederação Nacional nanciamento específicas de agentes financeiros
dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agri- públicos e privados.
cultoras Familiares – CONTAG;
Institucionalmente, a previsão da implementação
■ Um representante de populações tradicio-
da PNMC se dá por meio de comitê, comissões, fó-
nais, escolhido em processo estabelecido por
rum e rede4, consolidando um aspecto de ampla
meio de ato do Ministro de Estado do Meio
consulta e participação entre diferentes órgãos e
Ambiente e Mudança do Clima;
setores de Governo e sociedade civil. Destes, cabe
■ Um representante da comunidade indígena, destacar o Fórum Brasileiro de Mudança do Cli-
escolhido em procedimento sob a coorde- ma, que foi criado em 2000 para promover um es-
nação da Articulação dos Povos Indígenas do paço de concertação de atores da sociedade e do
Brasil – APIB; e Estado, de todo o Brasil, e em 2009 reconhecido
como um dos instrumentos institucionais da Polí-
■ Um representante da comunidade científica,
tica Nacional de Mudanças Climáticas.
indicado pela Sociedade Brasileira para o Pro-
gresso da Ciência – SBPC.
Atualmente, é regulado pelo Decreto n. 9.082, de
26 de junho de 2017, que chancela a sua presi-
2.2 TOMADAS DE DECISÕES dência à Presidência da República e a composição

CLIMÁTICAS paritária entre setor público e sociedade civil, que


inclui entidades do terceiro setor, do setor empre-
A Política Nacional sobre Mudança do Clima sarial e do setor científico-acadêmico. Seu objetivo
(PNMC) foi instituída pela Lei 12.187, de 29 de é conscientizar e mobilizar a sociedade e contri-
dezembro de 2009, dispondo sobre princípios, buir para a discussão das ações necessárias para
objetivos, diretrizes e instrumentos. Seus oito enfrentar a mudança global do clima, conforme o
objetivos estão elencados no artigo 4º, dos quais disposto na Política Nacional sobre Mudança do
destacam-se: a redução das emissões antrópicas Clima e na Convenção-Quadro das Nações Unidas
de gases de efeito estufa em relação às suas dife- sobre Mudança do Clima e nos acordos interna-
rentes fontes, a implementação de medidas para cionais dela decorrentes.
promover a adaptação à mudança do clima pelas
Outro importante instrumento que está dire-
três esferas da Federação, com a participação e
tamente conectado à Política Nacional sobre
a colaboração dos agentes econômicos e sociais

4 Trata-se do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima e Comissão de
Coordenação das Atividades de Metereologia, Climatologia e Hidrologia, o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e a Rede Brasileira de
Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais – Rede Clima – todos previstos no artigo 7o da PNMC.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 29


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Mudança do Clima é a Comissão Nacional para ■ as referências técnicas para a contabilidade


Redução das Emissões de Gases de Efeito Es- das emissões reduzidas das iniciativas de
tufa Provenientes do Desmatamento e da REDD+, em conformidade com o Inventário
Degradação Florestal, Conservação dos Esto- Brasileiro de Emissões Antrópicas por Fon-
ques de Carbono Florestal, Manejo Susten- tes e Remoções por Sumidouros de Gases de
tável de Florestas e Aumento de Estoques de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo
Carbono Florestal – REDD+ – a CONAREDD, pre- de Montreal.
vista atualmente pelo Decreto n. 11.548, de 05
de junho de 2023. Sua composição segue uma lógica de paridade
entre setor público e sociedade civil, na qual, das
A Comissão Nacional para REDD+ é o órgão de 20 vagas, 10 são do governo federal e 10 da so-
execução e assessoramento aos estados, ao Dis- ciedade civil, divididas da seguinte maneira:
trito Federal e ao Ministério do Meio Ambiente e
■ Quatro entidades estaduais ou distritais de
Mudança do Clima, destinado a formular diretri-
meio ambiente dedicados ao controle das
zes e emitir resoluções sobre:
emissões provenientes do desmatamento e
■ a implementação da Estratégia Nacional de da degradação florestal, indicados pela Asso-
REDD+; ciação Brasileira de Entidades Estaduais de
Meio Ambiente – Abema;
■ o estabelecimento e o cumprimento das sal-
vaguardas de REDD+; ■ Uma de instituição de ensino superior ou de
■ os pagamentos por resultados de REDD+ no pesquisa com excelência técnica e acadêmica
País, reconhecidos pela Convenção-Quadro na área socioambiental, indicado pela Socie-
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; dade Brasileira para o Progresso da Ciência;

■ a alocação de emissões reduzidas de gases ■ Uma do setor privado, com atuação na área
de efeito estufa, incluída a definição de per- socioambiental, indicado pelo setor privado
centual destinado aos entes federativos, no em processo disciplinado por ato do Ministro
âmbito de sua competência, e aos progra- de Estado do Meio Ambiente e Mudança do
mas e aos projetos de iniciativa privada de Clima;
carbono florestal; ■ Uma de povos indígenas, indicado pela Articu-
■ a elegibilidade para acesso a pagamentos por lação dos Povos Indígenas do Brasil;
resultados de REDD+ no País; ■ Uma de povos e comunidades tradicionais,
■ a captação, por entidades elegíveis, de recur- indicado pelo Conselho Nacional dos Povos e
sos de pagamentos por resultados de REDD+; Comunidades Tradicionais; e
■ o uso de recursos de pagamentos por resul- ■ Duas de organizações não governamentais
tados de REDD+ captados pelas entidades com atuação na área socioambiental, indica-
elegíveis; do pela sociedade civil em processo discipli-
■ a regulação de padrões e metodologias téc- nado por ato do Ministro de Estado do Meio
nicas para o desenvolvimento de projetos e Ambiente e Mudança do Clima.
ações de REDD+; Além da maior participação social, pelo menos
■ a formulação, a regulação e a estruturação de em relação à composição da CONAREDD duran-
mecanismos financeiros e de mercado para te o governo 2019-2022, outra mudança foi da
fomento e incentivo à REDD+, conforme o dis- promoção da diversidade de raça e gênero na
posto nos art. 5º, art. 6º, art. 8º e art. 9º da Lei sua composição, elencada no § 4º do Artigo 4º do
nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009; e Decreto 11.548.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 30


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

3. DIREITO À CONSULTA PRÉVIA, LIVRE E INFORMADA E O


HISTÓRICO DE EXCLUSÃO DE POVOS INDÍGENAS E POVOS E
COMUNIDADES TRADICIONAIS DESSE PROCESSO
3.1 DIREITO À CONSULTA PRÉVIA, normativo supralegal, estando hierarquicamente
situada abaixo da Constituição e acima das leis
LIVRE E INFORMADA ordinárias (OLIVEIRA, 2021).

O direito à consulta prévia, livre e informada foi Segundo Garzón, Yamada & Oliveira (2016), a
originalmente previsto na Convenção nº. 169 consulta prévia é um espaço político, jurídico e
da Organização Internacional do Trabalho institucional, onde povos indígenas e povos e co-
(OIT) de 1989. Ele afirma que povos indígenas munidades tradicionais têm a oportunidade de
e tribais, que no Brasil ganham conotação participar de processos decisórios relacionados a
de povos indígenas e povos e comunida- medidas que afetem seus direitos coletivos.
des tradicionais5, devem ser consultados pe-
los Estados signatários da Convenção sempre A Convenção 169 e a jurisprudência da Corte
que forem previstas medidas administrativas Interamericana de Direitos Humanos possuem
ou legislativas suscetíveis de afetá-los direta- disposições específicas quanto ao direito de con-
mente (Artigo 6º). sulta prévia, livre e informada, como apontou Ro-
drigo Oliveira (2021, p. 2647). São elas:
A definição mais adotada de povos e comu-
nidades tradicionais é a do art. 3º, inciso I, do ■ A consulta deve ser conduzida “mediante pro-
Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, cedimentos apropriados” (Convenção nº. 169,
que institui a Política Nacional de Desenvol- art. 6º), de maneira diferenciada e em confor-
vimento Sustentável dos Povos e Comunida- midade “com as próprias tradições” do grupo
des Tradicionais: grupos culturalmente dife- consultado (CORTE IDH, 2007: 41);
renciados e que se reconhecem como tais, que ■ Deve ser feita “através das instituições repre-
possuem formas próprias de organização so-
sentativas” do grupo étnico (Convenção nº.
cial, que ocupam e usam territórios e recursos
169, art. 6º), cabendo ao próprio grupo, e não
naturais como condição para sua reprodução
ao Estado, definir sua forma de representação
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
na consulta, de acordo com suas normas e pro-
utilizando conhecimentos, inovações e práticas
cessos internos (CORTE IDH, 2008: 6; 62-63);
gerados e transmitidos pela tradição6.
■ Deve respeitar os métodos tradicionais do
A Convenção 169 da OIT foi ratificada pelo Brasil grupo étnico para a tomada de decisões
e se formalizou via Decreto Legislativo nº. 143, (CORTE IDH, 2007: 42-43), de acordo com suas
de 20 de junho de 2002, tendo entrado em vi- próprias regras (jurídicas), inclusive com uma
gor em junho de 2003. Na condição de tratado dimensão temporal que respeite as formas
internacional de direitos humanos, a Convenção como os grupos étnicos constroem suas deci-
169 foi incorporada às leis brasileiras com status sões (CORTE IDH, 2012: 49);

5 Em outro trabalho, abordei a diferença entre termos que, posteriormente, se consolidaram na arena política (BRITO, 2018, p. 05): “Há alguns
termos que são utilizados como sinônimos (mais em alguns momentos históricos do que em outros), e que são passíveis de críticas, como:
populações tradicionais, populações locais, populações tribais, comunidades locais, sociedades tradicionais e povos da floresta. Em geral, o
uso desses distintos termos revela a existência de diferentes escolas antropológicas sobre o tema. Por exemplo, a expressão “comunidades
tradicionais”, em sintonia com a ideia de “povos tradicionais” deslocou o termo “populações”, reproduzindo uma discussão que ocorreu no
âmbito da Organização Internacional do Trabalho entre 1988 e 1989 e que encontrou eco na Amazônia através da mobilização dos chamados
“povos da floresta” no mesmo período. Nesse momento, “comunidades” revestia-se de uma conotação política inspirada nas ações de partidos
e entidades confessionais, ligadas à noção de base, e de uma dinâmica de mobilização, aproximando-se da categoria “povos””.
6 “O respeito às leis, normas, instituições jurídicas e sistemas jurídicos dos grupos étnicos também é obrigação reconhecida na Declaração das
Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, da Organização das Nações Unidas, assinada pelo Brasil em 2007 (artigos 5, 27, 34 e 40). Por
sua vez, a Constituição Federal do Brasil protege e fomenta as manifestações culturais de diferentes grupos (artigo 215) e reconhece os usos,
costumes, tradições, organizações sociais e línguas indígenas (artigo 231)” (OLIVEIRA, 2021, p. 2646).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 31


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

■ Deve respeitar o “sistema particular de con- o direito do povo Saramaka a ser efetiva-
sulta de cada povo ou comunidade” (CORTE mente consultado, segundo suas tradições
IDH, 2012: 49), de acordo com suas regras (ju- e costumes, ou, se for o caso, o direito de
rídicas) de organização política (CORTE IDH, conceder ou absterse de conceder seu
2012: 63; 68). consentimento prévio, livre e informado a
respeito dos projetos de desenvolvimento
No âmbito da aplicação judicial do direito, a
ou de investimento que possam afetar seu
Corte Interamericana de Direitos Humanos
território e a compartilhar, razoavelmente,
tem algumas sentenças que foram fundamen-
os benefícios derivados destes projetos
tais para a consolidação do direito à consulta.
com o povo Saramaka, caso estes sejam
Um dos casos mais emblemáticos e que até hoje
realizados. O povo Saramaka deve ser con-
é amplamente citado nos casos de violação da
sultado durante o processo estabelecido
consulta é o do Povo Indígena Kichwa de Sara-
para cumprir esta forma de reparação.
yaku v. Equador, no qual a Corte reconheceu o
O Estado deve cumprir esta medida de
direito à consulta como um direito fundamen-
reparação em um prazo razoável (PEREI-
tal e balizado de qualquer ação estatal (PEREI-
RA, 2023, p. 28).
RA, 2023, p. 28):
Vale destacar que mesmo a consulta prévia sen-
232. O Estado, ao não consultar o Povo Sa-
do um direito endereçado aos Estados (países)
rayaku sobre a execução do projeto que
segundo a Convenção 169 da OIT, empresas e
impactaria, diretamente, no seu território,
setor privado também são obrigados a obser-
descumpriu suas obrigações, conforme
vá-lo (VIEIRA & BRITO, 2020).
os princípios do Direito Internacional e
seu próprio direito interno, de adotar to- A Convenção 169 da OIT não é o único instru-
das as medidas necessárias para garantir mento jurídico internacional a chancelar o direi-
que os Sarayaku participassem, mediante to ao consentimento prévio, livre e informado,
suas próprias instituições e mecanismos, e por meio da consulta. O Protocolo de Nagoya,
de acordo com seus valores, usos, costu- oriundo da Convenção sobre Diversidade Bio-
mes e formas de organização, da tomada lógica, também vai nesse sentido – essa Conven-
de decisões sobre assuntos e políticas que ção é responsável por delinear parâmetros para
exerciam, ou podiam exercer, influência o uso sustentável da biodiversidade e cabe lem-
em seu território, vida e identidade cultural brar que, desde 04 de março de 2021, o Brasil
e social, afetando seus direitos à proprie- é parte do Protocolo de Nagoya. Ou seja, o país
dade comunal e à identidade cultural. Por aceitou os termos do presente tratado, devendo
conseguinte, a Corte considera que o Esta- adequar as legislações internas, como é o caso
do é responsável pela violação do direito da Lei n. 13.123/2015, regulamentada pelo De-
à propriedade comunal do Povo Sarayaku, creto 8.772/2016.
reconhecido no artigo 21 da Convenção,
em relação ao direito à identidade cultural, A Lei nº 13.123/2015 é um instrumento na-
nos termos dos artigos 1.1 e 2 do mesmo cional que prevê o direito à consulta prévia, li-
instrumento (Conselho Nacional de Justi- vre e informada:
ça, 2016 p. 77).
Art. 2º Além dos conceitos e das definições
Outra decisão emblemática da Corte IDH foi do constantes da Convenção sobre Diversida-
Povo Saramaka Vs. Suriname, em que na senten- de Biológica – CDB, promulgada pelo De-
ça proferida em 28 de novembro de 2007, dentre creto nº 2.519, de 16 de março de 1998,
as recomendações impostas ao estado do Suri- consideram-se para os fins desta Lei:
name, destaca-se: VI – Consentimento prévio informado – con-
sentimento formal, previamente concedido
d) adotar as medidas legislativas, adminis- por população indígena ou comunidade
trativas ou de outra natureza que sejam tradicional segundo os seus usos, costumes
necessárias para reconhecer e garantir e tradições ou protocolos comunitários;

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 32


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

VII – protocolo comunitário – norma proce- criado, esses protocolos podem receber diferen-
dimental das populações indígenas, comu- tes denominações. Alguns grupos dão nome de
nidades tradicionais ou agricultores tradi- protocolos comunitários, evidenciando a cons-
cionais que estabelece, segundo seus usos, trução e sistematização comunitária; outros os
costumes e tradições, os mecanismos para denominam protocolos autônomos, pois são
o acesso ao conhecimento tradicional as- um retrato do direito à autodeterminação; e há
sociado e a repartição de benefícios de que aqueles que os entitulam de protocolos biocul-
trata esta Lei7. turais, pois também na sua construção podem
estabelecer as relações das comunidades com os
recursos naturais e seres vivos que compõem os
3.2 PROTOCOLOS DE CONSULTA respectivos territórios (PEREIRA, 2023).
PRÉVIA, LIVRE E INFORMADA Como os protocolos de consulta são normas
Uma forma de chancelar o direito à consulta pré- internas de caráter vinculantes, tendo aplica-
via, livre e informada, por parte das comunida- bilidade irrestrita, conforme defende Pereira
des tradicionais, é por meio da elaboração dos (2023), graças a autonomia dos povos, esses pro-
chamados protocolos de consulta prévia, que tocolos devem ser respeitados e seguidos por to-
são documentos escritos ou orais nos quais dos os membros das comunidades e também por
os grupos étnicos publicizam como deve ser agentes externos, sejam públicos ou privados.
uma consulta culturalmente adequada, do-
Ademais, vale destacar que esses documentos
cumentando suas sensibilidades jurídicas relati-
têm plena eficácia jurídica, sendo dotados de
vas à organização social e política, às formas de
juridicidade, como diversos pesquisadores e
representação e de participação, à formação e
juristas vêm apontando. Isso porque a própria
tomada de decisão, dentre outras regras jurídi-
Convenção 169 da OIT, no artigo 8º, reconhece a
cas (OLIVEIRA, 2021). A própria Convenção 169,
validade de diferentes “sensibilidades jurídicas”,
prevê a necessidade de adequação no processo
mesmo que não estatais, dos povos indígenas e
de consulta, no seu Artigo 6°, em que se destaca
“tribais” (OLIVEIRA, 2021):
a obrigatoriedade em consultar os povos inte-
ressados, mediante procedimentos apropriados
Na aplicação da legislação nacional aos po-
e, particularmente, através de suas instituições
vos interessados, seus costumes ou leis con-
representativas8.
suetudinárias deverão ser levados na devida
Os protocolos de consulta prévia podem tam- consideração. Esses povos terão o direito de
bém ser considerados um “acordo pragmático” manter seus costumes e instituições, desde
em que os grupos étnicos oferecem uma base que não sejam incompatíveis com os direi-
de comensurabilidade ao traduzirem suas sensi- tos fundamentais previstos no sistema jurí-
bilidades jurídicas, relativas ao direito à consulta dico nacional e com direitos humanos inter-
prévia, à linguagem e às categorias do direito es- nacionalmente reconhecidos. Sempre que
tatal. Trata-se, portanto, de uma retradução, na necessário, deverão ser estabelecidos pro-
qual os grupos se apropriam e traduzem o direi- cedimentos para a solução de conflitos que
to à consulta prévia, livre e informada aos seus possam ocorrer na aplicação desse princípio.
próprios significados culturais (OLIVEIRA, 2021).
Uma iniciativa inédita no Brasil foi a criação do
A depender da localidade e do contexto vivencia- Observatório de Protocolos Comunitários de Con-
do pelas comunidades em que um protocolo foi sulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado.

7 Protocolos comunitários são instrumentos previstos no Protocolo de Nagoya que permitem que comunidades tradicionais definam as
condições de acesso ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos. Mesmo respondendo a lógicas diferentes, esses protocolos
podem ser interpretados como “ancestrais” dos protocolos de consulta e, às vezes, até confundidos com eles. Mas desempenham papeis
parecidos e com finalidades afins. Todos eles têm o condão de assegurar o direito à participação dos povos e comunidades tradicionais de
forma efetiva e equitativa nas decisões que os afetam (PEREIRA, 2023, p. 38).
8 Para Jeferson Pereira (2023, p. 40), “quando a Convenção apregoa que o procedimento de consulta deve ser realizado mediante procedimentos
apropriados, preceitua que a forma e o “modus operandi” da consulta deverá obedecer às diretrizes e normativas internas de cada povo”.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 33


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Começou como um grupo de pesquisa vinculado nº 11/20206 que publicou as deliberações do Co-
à Pontifícia Universidade Católica no Estado do mitê de Desenvolvimento do Programa Espacial
Paraná e que, nos últimos anos, se tornou um Brasileiro na Sétima Reunião Plenária9.
fórum intelectual e político que congrega pes-
quisadores, juristas, lideranças de movimentos Diante desse contexto, as comunidades quilom-
sociais e organizações da sociedade civil. Esse bolas de Alcântara produziram, em outubro de
Observatório mantém um banco de dados de 2019, o seu protocolo comunitário de consulta
Protocolos elaborados no Brasil, no qual consta- e consentimento prévio, livre e informado, que,
vam, até 2022, mais de 70 protocolos de consulta nas palavras de Pereira (2023), aconteceu como
produzidos – destes, 32 de povos indígenas; 14 de uma forma reativa à expansão do Centro de
comunidades quilombolas; quatro protocolos da Lançamento (CLA).
sociobiodiversidade; 17 de outros povos e comu-
Outro caso de violações de direitos de diversos
nidades tradicionais; e três protocolos conjuntos
povos indígenas e povos e comunidades tradicio-
(PEREIRA, 2023).
nais envolve a construção de um porto no Lago do
Maicá pela Empresa Brasileira de Portos de Santa-
3.3 HISTÓRICO DE EXCLUSÃO rém (EMBRAPS), que ao pretender se instalar no

DE POVOS INDÍGENAS E POVOS E Lago do Maicá, em Santarém – Pará, apontou à


Secretaria de Meio Ambiente do Pará (SEMAS) que
COMUNIDADES TRADICIONAIS não haviam povos indígenas ou povos e comuni-
DESSE PROCESSO dades tradicionais no raio de instalação do porto.

A necessidade de consolidação do direito à con- Em janeiro de 2016, a Federação das Organiza-


sulta prévia, livre e informada em protocolos de ções Quilombolas de Santarém (FOQS) enviou
consulta se dá também por conta de uma série ao Ministério Público Federal, Ministério Público
de casos de violação desse direito. É uma res- Estadual e SEMAS, questionamentos sobre os
posta, como uma espécie de revanche política, estudos ambientais do Complexo Portuário da
de povos indígenas e povos e comunidades tra- Embraps, alegando que aquele projeto atingiria
dicionais em relação ao Estado e atores privados comunidades quilombolas de Santarém e reivin-
que insistem em adentrar os territórios tradicio- dicando a aplicação da Convenção n° 169 da OIT.
nais sem realização da consulta, reverberando o Em seguida, o MPF e o MPE/PA ingressaram com
status de exclusão a que historicamente esses uma Ação Civil Pública (ACP) na Justiça Federal de
grupos têm sido delegados. Santarém contra a EMBRAPS, ANTAQ, Estado do
Pará e União, requerendo suspensão do licen-
Um desses episódios emblemáticos foi estudado ciamento para a construção do Terminal Portuá-
pelo jurista quilombola Jeferson Pereira (2023), o rio, sob justificativa de que estudos ambientais
caso da base espacial do município de Alcânta- apresentados desconsideravam a existência de
ra, no Maranhão. O município de Alcântara conta territórios quilombolas e de outras populações
com mais de 200 comunidades quilombolas que, tradicionais diretamente afetadas pelo empreen-
desde 1983, tiveram o seu direito territorial vio- dimento; e em abril de 2016, a Justiça Federal
lado com a criação do Centro de Lançamento de liminarmente ordenou a suspensão do licencia-
Alcântara (CLA). Com o decorrer dos anos, esse mento do referido porto até que os responsáveis
empreendimento incorporou o território e teria comprovassem a realização da consulta prévia –
deixado as comunidades “à mercê”. Essa situação o que, até o momento, não aconteceu10 (AZEVE-
se agravou ainda mais com a edição da Resolução DO & BRITO, 2019).

9 “Para as comunidades quilombolas do Território de Alcântara, a Resolução n.º 11, de 26 de março de 2020, foi um ato totalmente arbitrário, mantendo
concepções de que os povos que ali habitam não têm nenhum direito. Tal ato ignora deliberadamente a existência de direitos constitucionais para as
comunidades. “Desconhecendo” os termos da Convenção 169 da OIT, promulgada pelo Decreto n.º 5.051, de 19 de abril de 2004, e os da legislação
ambiental, o “Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro” resolveu “autorizar” e “aprovar” um conjunto de “ações voltadas para as
políticas públicas destinadas às comunidades que habitam a área de interesse do Estado” (Resolução n.º 11/2020, art. 6.º, caput), sem a devida consulta e
participação dos grupos afetados, em flagrante violação dos princípios estabelecidos nas letras “a” e “b” do artigo 6.º da Convenção” (PEREIRA, 2023, p. 29).
10 Em maio de 2017, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão referida e negou o agravo de instrumento ajuizado pela Empresa
Brasileira de Portos de Santarém em face do Ministério Público Federal e Estadual (AZEVEDO & BRITO, 2019).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 34


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Além desses casos, existem vários outros que se trata da implantação de empreendimentos,
corroboram a contradição da participação social projetos de crédito de carbono e outras deci-
nas tomadas de decisões ambientais e climáticas sões administrativas e legislativas que afetam
no Brasil. Por um lado, vários mecanismos foram esses grupos étnico-coletivos diretamente, há
instituídos na Constituição de 1988 e normas uma lacuna de participação e, principalmente, de
infraconstitucionais, conformando um Estado consulta prévia, livre e informada, que também
democrático de Direito participativo e incluindo deveria ser garantida conforme tratados interna-
cada vez mais a sociedade civil e povos indígenas cionais chancelados pelo Brasil, de acordo com
e povos e comunidades tradicionais em conse- os mandamentos constitucionais e com vários
lhos, comitês, fóruns e redes. Por outro, quando dispositivos infraconstitucionais.

4. REFERÊNCIAS
AZEVEDO, André Freire; BRITO, Ciro de Souza. Interpretação intercultural do direito à consulta previa,
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DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 36


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

RACISMO AMBIENTAL COMO MECANISMO


DE EXCLUSÃO DE PROCESSOS
PARTICIPATIVOS E A OCUPAÇÃO DESSES
ESPAÇOS POR POVOS TRADICIONAIS,
PELA POPULAÇÃO NEGRA E MULHERES
RODRIGO SANTOS DE JESUS 1

Pindorama significa “região das palmeiras” ou europeus. Mesmo após 523 anos, os povos in-
“terra livre de todos os males” e é o nome utili- dígenas juntamente com a população preta e
zado pelos povos tupi-guaranis ao chegarem no quilombola, que viveram e ainda vivem neste
litoral do nosso país. É neste lugar, em 22 de abril território, são alvo e os principais vulnerabiliza-
de 1500, que testemunhamos através da história dos pelos impactos ambientais e desastres. Se
os primeiros casos de racismo ambiental no Bra- somam a eles, nesse processo, comunidades
sil. Da preservação do nosso continuum flores- tradicionais como ribeirinhos, caiçaras, fundo e
tal, dos nossos mangues, rios, córregos e fauna fecho de pasto, geraizeiros, pescadoras, maris-
silvestre, deu-se lugar à exploração dos recursos queiras, povos de terreiro, caatingueiros, ciganos
naturais, ao desmatamento e ao latifúndio pelos e entre outros.

1. RACISMO E IMPACTOS AMBIENTAIS


O termo “racismo ambiental” surgiu a partir de de Warren, Carolina do Norte, território preto e
um contexto social e político em 1981, especifi- periférico nos Estados Unidos elaborado pelo lí-
camente a partir da formulação de denúncias so- der afro americano Benjamin Franklin Chaves Jr.
bre a instalação de resíduos tóxicos no condado Pode se considerar que o racismo ambiental:

1 Geógrafo, estrategista de campanhas e porta-voz de Justiça Climática do Greenpeace Brasil

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 37


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

“[...] refere-se a qualquer política, prática ou suas plantações (WESTIN, 2020). Duas semanas
diretiva que afete de forma diferenciada ou antes da Lei de Terras vigorar, no dia 4 de setem-
prejudique (intencionalmente ou não) indi- bro de 1850, a Lei Eusébio de Queiroz foi criada
víduos, grupos ou comunidades com base e tornou a entrada e embarcação de escravos
na raça ou cor. O racismo ambiental se no Brasil vindos da África como proibidas, como
combina com políticas públicas e práticas uma espécie de pirataria. Assim, foi uma das pri-
da indústria para fornecer benefícios para meiras leis ao qual o Governo Imperial, pressio-
os brancos enquanto transfere os custos nado pela Grã Bretanha, decidiu tornar crime e
da indústria para as pessoas negras. É re- abolir o comércio de escravos no país (PINHEIRO,
forçado por instituições governamentais, 2020). Porém, essa campanha abolicionista que
jurídicas, econômicas, políticas e militares” culminou na Lei Áurea, em 13 de maio de 1888,
(OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2022) não garantiu nem direitos e nem acessos para os
negros alforriados, muito menos para os povos
O uso do conceito tem sido utilizado enquanto originários e, consequentemente, muitos torna-
uma ferramenta para ilustrar como o racismo vam a trabalhar para os mesmos senhores.
estrutural e institucional tem moldado esses
impactos ambientais desde o período da coloni- Além de não garantir acesso a educação, a mo-
zação até os dias atuais. O termo facilita a com- radia e aos serviços básicos, tal norma também
preensão para identificar quais são as pessoas não lhes dava poder de participação social nas
mais impactadas quando ocorre algum desastre tomadas de decisão que estavam ocorrendo no
ou tragédia, seja na rua, no bairro ou em uma co- final do século XIX no império, e a população ne-
munidade, ou com repercussão a nível nacional. gra e indígena continuava sendo animalizada,
sub humanizada e jogada para as periferias das
Ao olharmos para história do Brasil, analisar cidades. Não é coincidência que nos dias atuais
quem eram as classes mais favorecidas pelo Es- somente 19% da população preta e parda de-
tado e quais recebiam maiores privações e falta tém a propriedade de grandes estabelecimentos
de direitos, nos deparamos sempre com a popu- agropecuários, em comparação a 79,1% da po-
lação negra, indígena, periférica e trabalhadora pulação branca (IBGE, 2017). Com o histórico de
sendo a mais desfavorecida. E por que será? segregação, exploração e opressão que o racis-
mo estrutural orientou a construção do território
A partir da assinatura do imperador Dom Pedro brasileiro, não surpreende que somente 29,5%
II para inserir a Lei de Terras, em 18 de setem- dos cargos de gerência sejam exercidos por pes-
bro de 1850, houveram incentivos para expandir soas negras, ou que mais de 75% das pessoas
o domínio de terras no Brasil pelos lavradores, que vivem abaixo da linha da pobreza são pre-
latifundiários e posseiros que já detinham exten- tas e pardas e que, em média, cerca de 60% dos
sos loteamentos e que utilizam dessa justificativa negros estão em ocupações consideradas infor-
para despejar e matar povos indígenas dos seus mais (IBGE,2022).
territórios, e assim garantir mais espaço para

2. RACISMO AMBIENTAL A BRASILEIRA


Em toda e qualquer discussão no Brasil sobre organização do campo e das terras, os ideais po-
desigualdade e injustiças sociais, onde se tenha líticos, as leis e os regimentos jurídicos e políticos
como ponto de partida a análise das categorias estão todos dispostos sobre uma assimetria ra-
de raça, classe e gênero, a população negra, cial e de classe.
mulheres e trabalhadores estarão nos piores
indicadores pois, ao falar de racismo, estamos Por isso, falar sobre racismo ambiental no Brasil
nos defrontando com uma estrutura social é trazer à memória a consequência que o pro-
que irá permear todos os setores e sociabilida- cesso de colonização trouxe para estes corpos e
des em nosso país. A construção das cidades, a demarcar posição do negro enquanto um sujeito

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 38


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

que, ao longo dos anos, foi intencionalmente vul- desalojadas, 62 mil ocorrências de situação
nerabilizado, seja na dimensão politica, econô- de emergência e calamidade pública e mais
mica e/ou social. É também compreender que a de 500 bilhões de prejuízos econômicos por
consequência desses impactos ambientais sobre conta dos impactos com os eventos climáticos
esta população teve continuidade e intensidade extremos de inundações, alagamentos, secas,
desde 1500. É, ainda, evidenciar que territórios ondas de calor e vendavais (BRASIL, 2023);
ancestrais continuam sendo impactados com a
■ Mulheres representam mais de 60% da maio-
construção e destinação de lixões e aterros sani-
ria de mortes no evento extremo de chuvas
tários, com as consequências do desmatamento
que atingiu o município de Petrópolis, na
e o uso intensivo de agrotóxicos, com a desti-
Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2022
nação de químicos industriais, com os conflitos
(AGÊNCIA BRASIL, 2022);
territoriais, agrários e fundiários por acesso a
água, com a falta de demarcação de terras qui- ■ Recife e região metropolitana registra, no iní-
lombolas e indígenas, com ordens de despejo e cio de junho de 2022, mais de 120 pessoas
remoções forçadas durante desastres em áreas mortas por conta das fortes chuvas e desli-
de risco nas periferias e favelas das cidades. zamentos de terra, sendo a população preta
e periférica a maioria das vítimas (BRASIL DE
Alguns dados em destaque sobre racismo FATO PERNAMBUCO, 2022);
ambiental:
■ 63,8% das pessoas na área atingida pelos re-
■ De acordo com o “Mapa de conflitos: injusti- jeitos do rompimento da barragem em Bru-
ça climática e saúde no Brasil”, realizado pela madinho(MG), em 2019, são pessoas não-
Fiocruz, são mais de 620 conflitos e injustiças -brancas (AEDAS, 2022);
registrados nos últimos anos em todo territó- ■ Negros e pardos estão entre os mais afetados
rio nacional (FIOCRUZ, 2023); pela carência de saneamento no país e, por-
■ Em um levantamento realizado pela Comissão tanto, são mais sujeitos às chamadas Doenças
Pastoral da Terra, em 2022, mais de 2 mil pes- Relacionadas ao Saneamento Ambiental Ina-
soas são resgatadas de condições análogas dequado (DRSAI). Foram cerca de 97 mil óbi-
à escravidão no campo e indigenas compõe tos em função da DRSAI (CLARET JR e BARBI,
mais de 30% dos assassinatos por conflitos 2020);
agrários e por território (COMISSÃO PASTO- ■ Dos 6.329 aglomerados subnormais, que são
RAL DA TERRA, 2022);
considerados ocupações irregulares para fins
■ O Atlas Digital de Desastres Naturais do Mi- de habitação, com uma população de 11 mi-
nistério de Integração e Desenvolvimento Re- lhões de pessoas, a população branca com-
gional, de 1991 a 2022, aponta cerca de 4.728 põe cerca de 30,6% e os negros 68,6% dos
óbitos, 9 milhões de pessoas desabrigadas e residentes (IPEA, 2021).

3. RACISMO AMBIENTAL NA AGENDA CLIMÁTICA E A FALTA DE


PARTICIPAÇÃO SOCIAL
As atuais discussões que envolvem a categoria frequentes na escala global. Isso deriva do fato
raça, gênero e clima na agenda climática, dialo- de estarmos vivenciando as consequências da
ga com uma série de reivindicações por justiça crise climática, a partir do aumento de gases de
advindas dos territórios e periferias das cidades efeito estufa.
brasileiras que estão e foram afetadas por even-
tos climáticos extremos nos últimos anos. As se- Esse cenário de desastres apresenta inúmeros
cas e estiagens prolongadas, chuvas torrenciais fatores para a discussão pública e política, pois
e concentradas, ondas de calor, geadas, ciclo- expõe o quão vulnerabilizadas essas popula-
nes e vendavais, estão cada vez mais intensos e ções em áreas de risco estão, mediante a falta

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 39


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

de planejamento urbano para conter esses im- tempestade, e até mesmo o medo a partir do
pactos. São inúmeros os casos de famílias que vi- contato com a experiência do desastre, que se
venciaram episódios de enchentes que levaram deflagra em um trauma psicológico.
seus imóveis e bens materiais ou até mesmo a
presença de um deslizamento que soterrou um Em julho de 2023, no estado de Alagoas, 23,6
parente, um vizinho ou amigo. Tantas comunida- mil pessoas ficaram desalojadas e desabrigadas
des periféricas atingidas direta ou indiretamen- após fortes chuvas, segundo balanço divulgado
te ao longo desses anos, seja por não conseguir pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Ce-
acessar o transporte público ou porque teve sua dec) até a publicação deste texto. E 31 cidades
energia desligada ou casa danificada durante a estão em situação de emergência.

Fonte: ©Edvan Ferreira / Agência Alagoas

Essa percepção do risco e convivência com os O ato “1 Ano de Luto, 1 Ano de Luta” aconteceu
desastres têm proporcionado mobilizações pú- no dia 28 de maio de 2023, em Recife. Ele con-
blicas e um envolvimento da sociedade civil na tou com a participação de diversos coletivos da
discussão climática. Lideranças comunitárias, sociedade civil com o objetivo de lembrar as ví-
movimento negro, quilombola, representantes timas das inundações e deslizamentos de terra,
dos povos indígenas, da juventude e das diver- tendo por foco pautar a ausência de uma políti-
sas comunidades tradicionais têm se debruçado ca pública de adaptação climática para o Estado
sobre a relação com a falta de políticas públicas de Pernambuco.
e a proteção de vidas mediante a crise climática,
pressionando o debate por mais participação
social no planejamento urbano e territorial.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 40


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Fonte: © Joyce Diva / Greenpeace

Durante muitos anos, o debate meteorológico cli- Esse processo de participação social na constru-
matológico sobre as mudanças climáticas, através ção e formulação de políticas públicas é o que
de conferências e congressos científicos e insti- tem garantido direitos à população vulnerabiliza-
tucionais, reunia o mesmo público com temáti- da ao longo da história do Brasil. A possibilidade
cas que nem sempre levavam em consideração de receber um aluguel social perante à emer-
a vulnerabilidade social enquanto um elemento gência, a solicitação do acesso à moradia digna,
fundamental para recomendação de práticas e a resposta popular contra a ordem de despejo,
políticas públicas. Os estudos sofisticados com a reparação dos bens e itens perdidos mediante
metodologia eficiente no debate sobre projeções desastres, são alguns exemplos do que a mobili-
e cenários futuros do aquecimento global sem- zação dos movimentos sociais e incidência polí-
pre tiveram o objetivo de formular diagnósticos tica nos espaços institucionais têm conquistado
para que o Brasil pudesse ter um levantamento ao longo de todo o processo de luta e reivindica-
atual dos desafios que o esperam. Atualmente, é ção dos direitos.
a dimensão econômica, política e sociológica que
ganha a centralidade das análises, a partir da par- Mesmo sendo um instrumento legítimo e cons-
ticipação dos coletivos e movimentos organizados titucional, ainda não se possui uma integridade
pautando sobre o clima através das experiências por parte do Estado na construção coletiva das
e tecnologias sociais de seus territórios. políticas. As repartições públicas e as instituições
brasileiras ainda não aderiram completamente
A dimensão da urgência e da emergência se às múltiplas vozes e diferentes demandas popu-
configura com grande importância na agenda lares pela garantia de direitos em espaços como
climática para que se possa pressionar pela ce- audiências públicas, conselhos e conferências
leridade das ações e mecanismos de políticas climáticas. O processo de participação popular
públicas de prevenção e adaptação climática. é entendida enquanto parcialidade, ou seja, es-
Afinal, pelo histórico de negligência que o Brasil colhe-se uma etapa (geralmente a final) para le-
possui e perante a falta de infraestrutura pública gitimar o que já foi definido institucionalmente
e instrumentos para garantir proteção e resiliên- e, a partir disso, realizam e elaboram “a consulta
cia à vida da população preta, pobre, indígena e pública” como único mecanismo de contemplar
periférica, a incidência política direta é uma das a percepção das pessoas sobre planos e estraté-
respostas da sociedade civil diante do contexto gias climáticas. Logo após, costuma-se adequar
da falta de direitos. ou criterizar o próprio relato ou comentário da

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 41


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

população para a proposta inicial já definida, necessária da população brasileira, sendo 56%
esvaziando totalmente o conteúdo possivel- composta por pessoas negras. Esse isolamento
mente contraditório ao que a política instituía. de informações também dificulta na associa-
Isso recorrentemente acontece nas discussões ção e relação que o clima possui com o debate
do plano diretor, dos planos de ação climática, político sobre as cidades, sobre a busca por di-
dos planos municipais e estaduais de adaptação reitos e proteção de vidas. Dados de pesqui-
climáticas e etc. sa inédita do Greenpeace Brasil, coletados em
todo o território nacional pelo IPEC (Inteligên-
Nas audiências públicas, o tempo das falas sem- cia em Pesquisa e Consultoria Estratégica) so-
pre é controlado por algum mecanismo de mar-
bre a percepção do brasileiro com os eventos
cação, não somente como um mecanismo de
climáticos extremos, revelam que, para 62%
ordem do espaço mas também de controle do
dos brasileiros, as pessoas pobres são as mais
conteúdo a ser proferido. Os espaços com maior
afetadas por estes eventos. Os números tam-
tempo e atenção são sempre destinados pela
bém mostram que 77% dos moradores das
apresentação ou discussão técnica e sistematiza-
capitais brasileiras desconfiam da capacidade
da sobre clima, a partir de técnicos, servidores
de suas prefeituras para prevenir ou reduzir
ou organizações brancas, em contraposição ao
impactos de desastres causados pelas mudan-
momento de fala das comunidades e popula-
ças climáticas. Ainda nesse quesito, o recorte
ções pretas, indígenas e periféricas (que, nesse
por raça revela que 72% das pessoas negras
momento, sempre há uma dispersão da mesa
(pretas e pardas) desconfiam das prefeituras,
central ou a saída de algum representante oficial
enquanto entre brancos esse número é de
para atender uma outra agenda durante a au-
63%. O índice mais alto de confiança nas pre-
diência). É de fácil percepção a dimensão da es-
feituras para proteger a população de desas-
cuta ativa assimétrica nos dois momentos elen-
tres climáticos está entre pessoas de 60 anos
cados, seja por uma tensão generalizada, pelo
ou mais, em 26%. Já a maior desconfiança está
teor e intensidade da denúncia proferida pelas
entre brasileiros de 25 a 34 anos: 72% confiam
comunidades, ou pela legitimação das notas téc-
nicas dos especialistas. A supervalorização dos pouco ou nada nas gestões municipais (IPEC e
dados estatísticos e quantitativos em detrimento GREENPEACE, 2023).
dos relatos, vivência e experiências dos corpos
Se deparar com o desafio da desconfiança da
presentes é notável na publicação da síntese em
população preta nas instituições e espaços de
relatório, ofício ou ata ao final das sessões.
tomadas de decisão, é entender a contradição
É importante também destacar o elemento da do papel do Estado ao longo do tempo enquan-
representatividade e composição de conselhos to agente que legitima as diferentes formas de
e fóruns. Ao analisar a composição dos comitês, opressão e racismo, desde o Brasil império até
conselhos, fóruns e ouvidorias, sempre é des- os dias atuais com a falta de serviços básicos e
tinado um número mínimo de participação da violência policial e, ao mesmo tempo, entender
sociedade civil e, muitas vezes, sendo represen- que são esses espaços os meios de disputa para
tadas por grandes instituições de terceiro setor, conquistar direitos para os territórios. É, ainda,
sem levar em consideração associações, redes e entender que o racismo estrutural e institucio-
coletivos que possuem uma atuação territorial nal invisibiliza nossos corpos enquanto agentes
e que também possuem instrumentos e pers- políticos de transformação social, mas que a
pectivas para contribuir para o debate público. organização para ocupar o Estado é necessária,
E isso irá se aprofundar se pensarmos na gover- como forma de tensionar os poderes instituídos
nança a nível estadual e federal, onde o critério e demandar reparação necessária para enfren-
de quem poderá estar na mesa se torna cada tamento à crise climática e resiliência dos nos-
vez mais parcial. sos territórios.

Esse cenário também é um retrato de como os Enquanto o racismo ambiental estiver impactan-
debates sobre clima circulam sobre os mesmos do nossos territórios, o aquilombamento e o al-
grupos e espaços, sem alcançar a massificação deamento será a nossa resposta de resistência.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 42


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propriedades. Acesso em: 1 nov. 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 44


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

VIOLÊNCIAS E MECANISMOS DE
DENÚNCIA E PROTEÇÃO AOS
DENUNCIANTES AMBIENTAIS
DANDARA RUDSAN SOUSA DE OLIVEIRA

1. INTRODUÇÃO
Sabemos que o Brasil é um país que abriga ecos- Infelizmente, nosso país se destaca não apenas
sistemas que são vitais para a manutenção da pela sua biodiversidade, mas também por ser
vida no planeta, entre eles o cerrado, a Amazô- um dos países com o maior número de defen-
nia, os pampas gaúchos. Somos o país com uma sores ambientais mortos em decorrência de seu
das maiores biodiversidades do planeta e que ativismo. A violência contra defensores ambien-
beneficia a todos, porém defendidos arduamen- tais tornou-se uma mancha sombria na história
te por poucos. Defensores e defensoras de di- do Brasil, levantando questões profundas sobre
reitos humanos ambientais arriscam suas vidas os desafios enfrentados por aqueles que lutam
para proteger os biomas, comunidades, povos e para proteger a terra, a água e o ar que todos
ecossistemas sustentáveis. compartilham. A questão da violência contra
defensores ambientais é complexa e multiface-
A história do Brasil é entrelaçada com a explo- tada, com raízes profundas em questões sociais,
ração de suas vastas riquezas naturais. Desde a econômicas e políticas. Enquanto o país luta
chegada dos colonizadores europeus até os dias para equilibrar seu desejo por desenvolvimento
atuais, a busca por lucro e desenvolvimento fre- econômico com a necessidade de preservar seu
quentemente esteve em conflito com a conser- patrimônio natural, os defensores ambientais se
vação ambiental. No entanto, o movimento de tornam alvos de interesses conflitantes. Empre-
defensores ambientais surgiu como uma respos- sas envolvidas em atividades de desmatamento,
ta a essa tensão constante. Pessoas de todas as mineração, agronegócio e construção, muitas
origens e idades, conscientes da importância da vezes, veem esses ativistas como obstáculos aos
preservação ambiental, uniram-se para enfren- seus lucros, levando a confrontos frequentes e,
tar as crescentes ameaças à natureza e ao clima. em casos extremos, à violência.
Eles desempenham um papel crucial na cons-
cientização pública, no ativismo e na fiscalização Outro fator significativo é a impunidade que mui-
das atividades que impactam negativamente tas vezes prevalece no Brasil quando se trata de
o meio ambiente. crimes contra defensores ambientais. O sistema

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 45


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

de justiça muitas vezes falha em responsabili- forçados a intensificar seus esforços em defesa
zar os agressores, criando um ambiente propí- do meio ambiente.
cio para a escalada da violência. A negligência
Neste contexto, esta análise se propõe a apro-
do Estado em garantir a proteção adequada a
fundar algumas compreensões sobre a violência
esses ativistas também contribui para o pro-
contra defensores ambientais no Brasil, exami-
blema, deixando-os vulneráveis a ameaças e
nando fatores e implicações desse fenômeno
agressões. Além disso, as tensões políticas e as
perturbador. Também serão exploradas dife-
mudanças nas políticas de conservação ambien- rentes medidas necessárias e outras já em curso
tal no Brasil desempenham um papel crucial. para proteger os que defendem o meio ambien-
As políticas governamentais que promovem a te. Lembrando, por fim, que esta é uma questão
exploração desenfreada dos recursos naturais que não só impacta o Brasil, mas tem implicações
podem desencadear uma reação adversa por globais na luta contra as mudanças climáticas e
parte dos defensores ambientais, que se veem na conservação da biodiversidade.

2. VIOLÊNCIA CONTRA DEFENSORES AMBIENTAIS NO BRASIL


A luta pela proteção do meio ambiente no Brasil entanto, esses ativistas se deparam com a oposi-
tem uma longa história, marcada por desafios e ção de interesses poderosos que se beneficiam
conquistas notáveis. Em meio a uma das maiores da exploração desenfreada, tornando-se alvos
concentrações de biodiversidade do mundo, o país de violência que, por sua vez, é multifacetada e
se tornou um campo de batalha onde defensores tem raízes profundas em questões sociais, eco-
ambientais enfrentam ameaças crescentes. Neste nômicas e políticas. (POLICARPO, 2023).
cenário, é imperativo dedicarmos esforços para en-
tendermos as raízes dessa violência, as implicações [...] os conflitos envolvendo o uso e o con-
para a sociedade e o meio ambiente e as medidas trole de terras são uma questão central na
necessárias para combater esse fenômeno. maioria dos países onde as ameaças con-
tra os defensores das questões ambientais
A violência praticada contra ativistas na estão presentes. Grande parte da crescen-
Amazônia brasileira tem se agravado nos te violência, assassinatos e repressão con-
últimos anos. Entender a violência contra tra os defensores está ligada a esses con-
defensoras de direitos humanos e do meio flitos e à busca do crescimento econômico
ambiente não é simples, mas é fundamen- baseado na extração de recursos naturais
tal. [...] Trata-se de uma violência contra [...]. O problema é agravado pela extrema
mulheres e, como tal, muitas vezes, sequer desigualdade na propriedade da terra, que
também é um dos principais impulsiona-
é percebida, não é registrada nem em ór-
dores da desigualdade social e econômica,
gãos oficiais e nem por instituições. Muitas
principalmente na América Latina, pois o
delas têm que deixar seus territórios para
processo de colonização na região deixou
se proteger. (GIANNINI, 2022).
profundas marcas de violência histórica.
(CONECTAS, 2022).
A história do nosso país é intrinsecamente liga-
da à exploração de seus recursos naturais e de
Algumas das principais causas incluem:
comunidades, que remonta ao período colonial.
A extração de minerais, a expansão da agricul- ■ Conflito de interesses: empresas envolvidas
tura e o desenvolvimento da infraestrutura fre- em atividades de desmatamento, mineração,
quentemente estiveram em conflito com os es- agronegócio e construção muitas vezes veem
forços de conservação. Com o tempo, surgiram os defensores ambientais como obstáculos
movimentos de defesa ambiental que visavam aos seus lucros, o que pode levar a confron-
proteger o vasto patrimônio natural do país. No tos e ameaças;

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 46


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

■ Impunidade: a falta de responsabilização pe- [...] governos nacionais e organizações su-


los crimes cometidos contra defensores am- pranacionais devem se comprometer a
bientais cria um ambiente propício para a es- denunciar e investigar esses assassinatos
calada da violência, uma vez que os agressores e, em última análise, fazer justiça. Significa
acreditam que não sofrerão consequências; que os governos devem garantir a proteção
das pessoas defensoras, denunciando e in-
■ Negligência estatal: o Estado, muitas vezes,
vestigando seus assassinatos como meio
falha em garantir a proteção adequada a es-
de acesso à justiça. Significa que as empre-
ses ativistas, deixando-os vulneráveis a amea-
sas devem garantir que suas operações não
ças e agressões;
causem nenhum dano. E é claro que signifi-
■ Tensões políticas: mudanças nas políticas de ca que todos nós devemos seguir expondo
conservação ambiental e o enfraquecimento essas histórias, não apenas para lembrar
das regulamentações podem agravar os con- aqueles que caíram, mas para continuar
flitos, à medida que os defensores ambientais seu trabalho, tão urgente e necessário, di-
intensificam seus esforços em resposta a tais zendo ao mundo exatamente por que eles
políticas. foram mortos. (GLOBAL WITNESS, 2022).

Esta violência contra defensores ambientais A violência contra defensores ambientais no Bra-
tem implicações profundas para a socieda- sil é um desafio grave que exige uma resposta
de e o meio ambiente, como a perda de vidas coletiva. A proteção dos ecossistemas e recursos
humanas e a fragilização da democracia, uma naturais do país depende do trabalho de de-
vez que a violência prejudica a liberdade de ex- fensores e defensoras ambientais que estão na
pressão e a participação cívica, enfraquecendo linha de frente das ações de resistência, deven-
os pilares da vida em sociedade democrática, do a sociedade e o governo unirem forças para
assim como enfraquece a capacidade de prote- garantir que a luta pela conservação ambiental
ger ecossistemas críticos, o que pode resultar seja marcada por diálogo, respeito e proteção,
em danos ambientais irreparáveis. Além disso, em vez de violência e impunidade. A superação
a violência contra defensores ambientais no desse problema é essencial não apenas para o
Brasil tem implicações universais, já que afeta Brasil, mas para o mundo, à medida que enfren-
os esforços globais de combate às mudanças tamos desafios globais relacionados às mudan-
climáticas e à conservação da biodiversidade ças climáticas e à preservação da biodiversidade
(POLICARPO, 2023). (PONTES, 2023).

3. VIOLÊNCIA CONTRA DEFENSORES AMBIENTAIS NA AMAZÔNIA


A Amazônia é um dos ecossistemas mais diver- Mais de um em cada cinco assassinatos
sos e vitais do planeta, assim como abriga comu- de defensores da terra e do meio am-
nidades e povos tradicionais que, através de seus biente no mundo, registrados em 2022,
conhecimentos ancestrais, protegem e mantêm ocorreram na Amazônia. No total, 177
a floresta em pé. No entanto, a proteção desse pessoas perderam a vida em todo o pla-
território e de seus povos tem gerado uma cres- neta, sendo 39 (22%) na maior floresta
cente onda de violência contra defensores que tropical. É o que mostra levantamento da
se dedicam à defesa do meio ambiente e dos mo- organização não governamental Global
dos de vida sustentáveis. Para que consigamos Witness, que há mais de uma década de-
elaborar estratégias eficazes de proteção desses nuncia ameaças e mortes daqueles que
atores, é necessário explorarmos cotidianamen- se dedicam à defesa do meio ambiente
te suas causas, implicações e medidas necessá- e da terra, entre eles indígenas, guar-
rias para proteger tanto o meio ambiente quanto das-florestais, autoridades e jornalistas.
aqueles que o defendem (VASCONCELLOS, 2019). (AGÊNCIA BRASIL, 2023).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 47


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

A violência contra defensores ambientais na segurança; assim como esforços para a cons-
Amazônia é alimentada por várias causas, incluin- cientização pública, pois a sociedade precisa ser
do interesses econômicos, uma vez que a explo- sensibilizada sobre a importância da Amazônia
ração de recursos naturais, como a extração de e o papel vital desempenhado pelos defensores
madeira, mineração e a expansão do agronegó- ambientais. Por fim, é fundamental fortalecer as
cio, frequentemente entra em conflito com os regulamentações que protegem defensores am-
esforços de conservação. Empresas e indivíduos bientais e legislações de proteção ambiental apli-
envolvidos nesses setores veem os defensores cáveis (PONTES, 2022).
ambientais como obstáculos ao seu lucro. “A ló-
gica internacional da divisão do trabalho colocou o Como sistematicamente as entidades de
país na posição de um mero produtor de commo- defesa dos direitos humanos têm denun-
dities, principalmente agrícolas e minerárias. São ciado, a impunidade tem sido uma das
setores que exigem contínua expansão de terras. E principais causas da continuidade dos
essa expansão ocorre sobre territórios que já estão assassinatos no campo. Financiados por
ocupados há séculos”. (Pontes, 2022, p.1). A falta de latifundiários representantes do agrone-
responsabilização por crimes contra defensores gócio, pistoleiros continuam a assassinar
ambientais também é outro fator que permite trabalhadores rurais sem-terra, indígenas,
que a violência continue sem consequências le- quilombolas, extrativistas, pescadores,
gais, criando um ambiente de impunidade, já que posseiros, assentados e lideranças que fa-
a ausência de proteção eficaz por parte do Esta- zem a luta pelo direito ao acesso e à per-
do deixa os defensores ambientais vulneráveis a manência na terra. Sem punição exemplar
ameaças e ataques (VASCONCELLOS, 2019). para os criminosos, a impunidade funciona
como uma espécie de “licença para matar”,
As explicações históricas estão associadas ao ou seja, o pistoleiro, assalariado do crime,
modelo de desenvolvimento econômico impos- que comete um assassinato a mando de
to pelo Estado brasileiro à Amazônia paraense. alguém, e não é punido, não pensará duas
Esse regime, baseado na exploração dos bens vezes para aceitar outra empreitada crimi-
naturais e na concentração da terra, se concre- nosa, da mesma forma, funcional para o
tiza através de grandes projetos minerários atre- mandante da morte. (JUSTIÇA GLOBAL &
lados a obras de infraestrutura, como hidrelé- TERRA DE DIREITOS, 2022).
tricas e ferrovias, impactando sobre territórios
indígenas, quilombolas e camponeses. No mes- A violência contra defensores ambientais na Ama-
mo sentido, o amplo processo de concentração zônia é um desafio urgente e que tem consequên-
e apropriação ilegal da terra marginaliza e torna cias profundas para o meio ambiente, comuni-
vulnerável a população rural. (CBDDDH, 2020). dades locais e o mundo em geral. A proteção da
Amazônia é uma preocupação global, e a seguran-
Combater a violência contra defensores ambien- ça dos ativistas é crucial para garantir a sobrevi-
tais nesta região requer ações coordenadas em vência deste ecossistema e suas comunidades. A
várias frentes, como a responsabilização e que ação coletiva, a responsabilização dos agressores
os agressores sejam identificados e processa- e a proteção eficaz são passos essenciais para pre-
dos de acordo com a Lei; garantia de segurança servar a Amazônia e proteger a vida e trabalho de
dos defensores ambientais sob responsabilidade defensores e defensoras, cujas ações são de suma
do Governo, fornecendo recursos e treinamen- importância para a manutenção da democracia e
to adequados às autoridades responsáveis pela para a luta por justiça ambiental e climática.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 48


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4. VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES DEFENSORAS AMBIENTAIS


Outro ponto sensível ao analisarmos as violên- estruturais, como a falta de acesso a recursos
cias perpetradas contra defensores ambientais financeiros e a posições de liderança em orga-
são as violações contra mulheres defensoras do nizações ambientais. São barreiras que tornam
meio ambiente. De acordo com a CPT (2022), de ainda mais desafiador o trabalho dessas mulhe-
2015 até 2021, 24 mulheres foram mortas em res, que frequentemente precisam equilibrar
áreas de conflitos no campo brasileiro. No mes- as responsabilidades de cuidar de suas famílias
mo período, 40 sofreram tentativa de assassina- e comunidades enquanto lutam pela proteção
to e cerca de 200 foram ameaçadas de morte1. ambiental. Mesmo com a evidente importância
do papel desempenhado por mulheres defen-
As mulheres envolvidas na defesa do meio am- soras do meio ambiente e suas comunidades,
biente enfrentam diversos desafios em seu tra- as violências e ameaças em múltiplas formas
balho cotidiano. Um dos mais proeminentes é são constantes e cada vez mais letais. “Isso ocor-
a violência e ameaças à sua segurança pessoal. re em função da sua liderança com relação às
Muitas defensoras enfrentam perseguição, inti- causas em que atuam, dos interesses conflitantes
midação e até mesmo violência física devido ao que despertam, e também da construção históri-
seu ativismo, estando estas sujeitas a dinâmicas ca e social que gera expectativas com relação ao
de violência especificas e que merecem atenção, seu papel como mulher na sociedade”. (IGARA-
pois ‘todos os meses, em média, registram-se três PÉ, 2022, p.2-3).
casos de ameaças, mortes ou tentativas de assassi-
nato de mulheres ativistas de causas ambientais no Mulheres ativistas em prol de direitos figuram
país’ (Az Mina, 2022). como um desvio na expectativa sobre o papel
que deveriam exercer e, com frequência, são pu-
O trabalho desempenhado por defenso- nidas por isso. Assim, além de enfrentar os ato-
res e defensoras de direitos humanos e do res diretamente relacionados às violações das
meio ambiente é, por si só, um trabalho de causas em que atuam, elas também enfrentam
risco. De maneira geral, essas pessoas es- desigualdades e discriminações estruturais, e so-
tão mais expostas a perseguições, violên- frem com isso. Os ataques que elas sofrem re-
cias, difamações, suspensões de direitos presentam não só um risco pessoal a cada uma
trabalhistas, e dificuldade de crescimento delas, mas também aos direitos, meios de vida e
profissional nas organizações das quais fa- povos que elas defendem. A sua proteção é, por-
zem parte. Em casos mais graves, esses ris- tanto, essencial. (IGARAPÉ, 2022).
cos são efetivados e acontecem os assassi-
natos ou “desaparecimentos”. No entanto, De acordo com a Revista AzMina (2022), 26 mu-
grande parte das ameaças a essas mu- lheres foram ameaçadas em 2021, além de duas
lheres não figura entre os riscos mais co- mortes e quatro tentativas de assassinato. As que
muns associados à luta em defesa da vida. sofrem mais perigo são as posseiras, sem-terra,
Algumas ameaças, associadas à forma de indígenas e quilombolas. Elas estão nas cinco re-
vida e subsistência, à família, à solidão, à giões do país, em 18 estados, mas sobretudo no
invisibilidade e ao silenciamento, são mais norte e nordeste – no Pará, Maranhão, Rondônia,
recorrentes entre mulheres defensoras do Pernambuco, Bahia e Amazonas – e lideram suas
que entre os homens. (IGARAPÉ, 2022). comunidades. Nos relatórios da Comissão Pasto-
ral da Terra, quase metade (42%) das mulheres
Além das ameaças diretas à segurança, essas mu- foram identificadas como sendo lideranças. (RE-
lheres ativistas também enfrentam obstáculos VISTA AZMINA, 2022).

1 A CPT monitora os casos que são publicizados, ou que chegam até eles, para elaborar um relatório anual com os crimes e conflitos no campo.
Mas não divulga com um recorte de gênero, separando as mulheres em perigo, mortas ou ameaçadas. A Revista AzMina fez esse levantamento
a partir dos dados de 2015 até o último relatório publicado em abril de 2022 (relativo a 2021). Revista Eletrônica Outras Mídias. https://
outraspalavras.net/outrasmidias/defensoras-do-meio-ambiente-na-mira-da-violencia/

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 49


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Diante desses desafios, é fundamental que o go- viabilização das necessidades primárias,
verno, organizações não governamentais e a so- principalmente quando o assunto é man-
ciedade civil em geral estejam cientes dos riscos ter a vida das suas famílias. Tais intera-
enfrentados pelas mulheres defensoras do meio ções englobam atividades como a coleta
ambiente, e trabalhem em conjunto para garan- de água para a preparação de alimentos e
tir sua proteção. Medidas como a criação de pro- limpeza, a busca de alimentos em rios e re-
gramas de proteção, a conscientização pública cifes, coleta de lenha, cultivo da terra, além
e a implementação de leis mais rigorosas para de muitas outras atividades ligadas às ta-
punir agressores são fundamentais. Programas refas de cuidado e sobrevivência. Assim,
de proteção podem incluir o fornecimento de ameaçar esses recursos naturais é tam-
medidas de segurança pessoal, levando em con- bém colocar em xeque a sobrevivência de
sideração as dinâmicas específicas de violência e comunidades inteiras e dessas mulheres.
violações, para as defensoras mais ameaçadas. (IGARAPÉ, 2022).
(PONTES, 2022).
A sensibilização pública é crucial para pressio-
O mau uso de recursos naturais e degrada- nar por mudanças políticas e para chamarmos
ção do meio ambiente estão cada vez mais atenção da sociedade sobre a importância do
associados a uma forma de violência con- trabalho dessas mulheres e de proteger suas vi-
tra mulheres indígenas e de populações das. Por parte do Estado, programas de prote-
tradicionais. Segundo um levantamento ção precisam ser revisados e fortalecidos, assim
realizado pelo Programa das Nações Uni- como leis funcionais e a aplicação efetiva delas
das para o Desenvolvimento (PNUD), as devem ser implementadas, visando dissuadir po-
mulheres são o principal ponto de conexão tenciais agressores e garantir que a justiça seja
com as diferentes pessoas e instituições e feita quando ocorrerem ataques.

5. MECANISMOS DE DENÚNCIAS DE VIOLÊNCIAS


Os mecanismos de denúncia de violência contra ■ Polícia Civil e Federal: autoridades policiais,
defensores ambientais desempenham um pa- em nível estadual e federal, são responsáveis
pel importante de diversas maneiras, uma vez por investigar crimes relacionados à violência
que são por meio deles que conseguimos mini- contra defensores ambientais. As vítimas ou
mamente a responsabilização que permite que testemunhas podem denunciar diretamente
agressores sejam identificados, processados e às delegacias de polícia;
responsabilizados legalmente por suas ações, ■ Ministério Público: é responsável por pro-
dissuadindo futuras agressões. Esses mecanis- mover ações legais contra agressores e ga-
mos também são fontes seguras para relatar rantir que sejam responsabilizados. Qualquer
ameaças e ataques, onde defensores podem pessoa pode denunciar violência ambiental
receber proteção adequada das autoridades, re- ao Ministério Público;
duzindo sua vulnerabilidade. A denúncia pública
■ Defensoria Pública: oferece assistência jurí-
de casos de violência chama a atenção para a si-
dica gratuita às vítimas de violência, incluin-
tuação dos defensores e fortalece a conscientiza-
do defensores ambientais, que muitas vezes
ção sobre a importância da proteção ambiental,
enfrentam desafios econômicos ao buscar
assim como mecanismos de denúncia frequente-
justiça;
mente conectam as vítimas a serviços legais que
podem ajudar a buscar justiça (CBDDDH, 2020). ■ ONGs e Movimentos Sociais: organizações
não governamentais e movimentos sociais
No Brasil, vários mecanismos de denúncia foram desempenham um papel vital na conscienti-
estabelecidos para combater a violência contra zação sobre a violência e na mobilização para
defensores ambientais, incluindo: a proteção de defensores ambientais;

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 50


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

■ Ouvidorias Ambientais: alguns estados uma percepção comum entre a sociedade


brasileiros possuem ouvidorias ambien- civil de que os funcionários são diretamen-
tais, que servem como canais de denúncia e te responsáveis pelas violações dos direi-
apoio a questões ambientais e à proteção de tos humanos, aumentando a falta de con-
defensores. fiança e o conflito social. (JUSTIÇA GLOBAL
& TERRA DE DIREITOS, 2022).
Apesar da existência de mecanismos de denún-
cia, defensores ambientais no Brasil enfrentam
Para melhorar a eficácia dos mecanismos de de-
desafios significativos ao denunciar violência,
núncia de violência contra defensores ambientais
como a falta de responsabilização de agressores
no Brasil, é fundamental fortalecermos a respon-
que, em muitos casos, mina a confiança nos me-
sabilização de agressores, garantindo que a impu-
canismos de denúncia. Esses atores enfrentam
nidade seja reduzida, proporcionando proteção
ameaças frequentes por denunciar violência, tor-
segura aos defensores que denunciam violência,
nando o processo de denúncia arriscado e a falta
ampliando assim a conscientização sobre a im-
de recursos para investigações e proteção ade-
portância da proteção destes ativistas. A proteção
quada pode limitar a eficácia dos mecanismos de
dessas pessoas é essencial para a preservação do
denúncia (CBDDDH, 2020).
meio ambiente e a promoção da justiça. A exis-
tência de mecanismos de denúncia eficazes é um
O medo de denunciar a própria inoperân-
passo importante na busca por um Brasil onde
cia das instituições e os inúmeros casos de
aqueles que defendem o meio ambiente e os di-
agressão perpetrados pelas forças do Es-
reitos socioambientais de povos e comunidades,
tado reduzem a confiança nas instituições,
possam ter suas vidas salvaguardadas pelo Esta-
que são vistas como inimigas e não como
do e seja tema sensível a toda população.
garantidoras de direitos. Mesmo a violên-
cia institucional e a corrupção produziram

6. MECANISMOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO


A DEFENSORES
Em um contexto em que defensores de direitos O PPDDH é uma iniciativa do governo brasileiro
humanos, comunicadores e ambientalistas en- em parceria com organizações da sociedade civil.
frentam crescentes ameaças e perigos em suas Seu principal objetivo é oferecer medidas de pro-
lutas, programas de proteção desempenham teção e apoio a defensores em situações de risco
um papel crucial na garantia de sua seguran- devido às atividades que desempenham. O pro-
ça. O Programa de Proteção aos Defensores de grama opera por meio de um conjunto de ações
Direitos Humanos, Comunicadores e Ambien- coordenadas, sendo análise de risco, que consis-
talistas no Brasil (PPDDH), instituído em 2004, te em avaliação detalhada e feita para identificar
apesar de suas fragilidades, continua sendo um o grau de risco enfrentado pelo defensor. Isso
importante marco na proteção de defensores e inclui considerar ameaças e vulnerabilidades es-
comunicadores na agenda de meio ambiente, pecíficas. Com base na análise de risco, medidas
sendo essencial o estudo aprofundado acerca de proteção são desenvolvidas, podendo incluir
de sua importância, funcionamento e impacto escoltas, abrigos seguros, treinamento em segu-
deste mecanismo no trabalho de defensores e rança, entre outras ações. Defensores protegidos
defensoras ambientais (BASTOS, 2021)2. são monitorados continuamente para avaliar a
eficácia das medidas de proteção e fazer ajustes

2 BASTOS, Vanessa Lisboa. Monografia. AÇÃO PÚBLICA PARA A PROTEÇÃO DE DEFENSORAS E DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS NO
BRASIL. UNB, Brasília – DF: 2021. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/30345/1/2021_VanessaLisboaBastos_tcc.pdf. Acesso em:
03/11/2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 51


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

quando necessário, tendo em alguns casos, inclu- do programa, sendo um componente valioso na
sive, colaboração com organizações da sociedade proteção daqueles que lutam por causas huma-
civil para garantir a implementação eficaz das me- nitárias e ambientais no Brasil. Para fortalecer o
didas de proteção (VASCONCELLOS, 2019). programa e melhorar a proteção oferecida, é ne-
cessário, entre outras coisas, aumentar o finan-
Frente à verticalização da política de Pro- ciamento e recursos disponíveis para o mesmo
teção de Defensoras(es) de Direitos Huma- estabelecer fluxo simplificado de coordenação
nos dos últimos cinco anos, a sociedade entre agências governamentais e organizações
tem se organizado de forma a reconfigu- da sociedade civil.
rar as instâncias de poder que restringem
a participação social. Conforme indicou SR O Programa não tem conseguido atuar
(2021), diante do esvaziamento da política com um ponto focal de articulação com
de proteção e da redução das suas capa- os órgãos estatais capazes de atuar dire-
cidades, as organizações da sociedade ci- tamente para a resolução dos conflitos ge-
vil reestruturaram a sua atuação. Antes, radores das ameaças, permitindo a perpe-
desempenhavam atividades de monito- tuação dos conflitos nos quais os(as) DDHs
ramento, aperfeiçoamento da política e estão inseridos(as). Da mesma forma, a
definição de estratégias. Posteriormente, ausência de confiança dos(as) DDHs na
retirados os recursos participativos, as ins- atuação do Estado, responsável pela pro-
tituições desenvolveram dispositivos pró- teção, mas também identificado como um
prios para proteger as(os) defensoras(es). violador de direitos e principal agente de
Notadamente, uma estrutura de execução criminalização da luta, apresenta-se como
das medidas realizadas de forma insufi- uma barreira ao avanço de uma política
ciente pelo Estado. (BASTOS, 2021). de proteção melhor estruturada. (JUSTIÇA
GLOBAL & TERRA DE DIREITOS, 2022).
O programa desempenha um papel crucial na
proteção de defensores de direitos humanos, Além dos mecanismos nacionais, há mecanismos
internacionais que desempenham um papel im-
comunicadores e ambientalistas, uma vez que
portante na proteção dos defensores ambientais:
oferece medidas que podem salvar vidas e re-
duzir a vulnerabilidade dos defensores; ajuda a ■ Relatores Especiais da ONU: relatores es-
garantir que aqueles que violam os direitos dos peciais da ONU sobre questões de direitos
defensores sejam responsabilizados legalmente; humanos, como defensores de direitos hu-
permite, em tese, que os defensores continuem manos, têm como objetivo investigar e rela-
suas atividades e lutas em prol dos direitos hu- tar violações de direitos humanos, incluindo
manos e do meio ambiente e também contribui aquelas contra defensores ambientais;
para aumentar a sensibilização sobre as amea-
■ Comissão Interamericana de Direitos Hu-
ças enfrentadas pelos defensores, sensibilizando
manos: a Comissão Interamericana de Direi-
a sociedade para a importância de suas causas
tos Humanos (CIDH) da OEA recebe denúncias
(AGÊNCIA BRASIL, 2022).
e monitora a situação dos direitos humanos
Apesar de sua importância, o PPDDH não está nas Américas, incluindo a proteção de defen-
sores ambientais;
isento de desafios, como os desmontes ocorridos
nos últimos anos a restrições orçamentárias, que ■ Tratados Internacionais: tratados como o
limitam sua capacidade de proteger um número Acordo de Paris e a Convenção sobre Diver-
maior de defensores. Também há o problema da sidade Biológica estabelecem compromis-
coordenação entre diferentes agências governa- sos internacionais para a proteção do meio
mentais e organizações da sociedade civil, que ambiente e, indiretamente, dos defensores
atualmente é complexa e dificulta a operação ambientais.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 52


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das reflexões e informações trazidas nes- papel importante ao dar visibilidade às questões
te capítulo acerca das violências e dos mecanis- ambientais e às histórias dos denunciantes.
mos de denúncia e proteção aos denunciantes
ambientais no Brasil, percebemos a nítida impor- A proteção de mulheres defensoras do meio am-
tância de estudos aprofundados sobre o tema. biente no Brasil é uma causa que merece aten-
O Brasil enfrenta uma série de desafios na pre- ção e ação imediata. Garantir a segurança e o
servação do meio ambiente, o que torna o papel bem-estar dessas mulheres é fundamental para
dos denunciantes ambientais fundamental para o futuro sustentável do país e para a preservação
a manutenção da sustentabilidade e da saúde do de seu patrimônio natural. A conscientização, a
planeta. No entanto, denunciar práticas ambien- proteção legal e o apoio da sociedade são ele-
tais prejudiciais coloca os denunciantes em situa- mentos essenciais para enfrentar os desafios
ções de risco, incluindo ameaças à sua segurança que elas enfrentam em sua luta pela proteção do
pessoal, perseguição e até mesmo violência. Essas meio ambiente no Brasil. É responsabilidade de
ameaças podem ser direcionadas tanto contra in- todos trabalhar juntos para criar um ambiente
divíduos quanto contra comunidades inteiras que seguro e acolhedor para essas mulheres corajo-
se mobilizam contra a degradação ambiental. sas, que desempenham um papel tão importan-
te na defesa do meio ambiente e na construção
Mecanismos de denúncia e proteção são essen- de um futuro mais sustentável.
ciais para garantir que os defensores ambientais
possam cumprir seu papel de maneira segura e Por fim, a proteção dos denunciantes ambientais
eficaz. Isso inclui a criação de canais de denún- está diretamente ligada à proteção do meio am-
cia confiáveis, desburocratização dos programas biente e das futuras gerações. O Brasil tem o poten-
de proteção, a implementação de legislação que cial de ser um líder na conservação e na promoção
proteja os denunciantes e o fornecimento de me- da sustentabilidade, e o papel dos denunciantes é
didas de segurança pessoal, quando necessário. basilar nesse processo. Portanto, é responsabilida-
Além disso, a sensibilização da população é funda- de de todas as pessoas apoiar e proteger aqueles
mental, pois quanto mais a sociedade entender e que dispõem de suas vidas para trabalhar denun-
defender a importância do trabalho dos defenso- ciando práticas prejudiciais ao meio ambiente, suas
res ambientais, mais pressão será exercida sobre comunidades, povos e ecossistemas, na tentativa
as autoridades e empresas para agirem de ma- de assegurar um futuro mais saudável e equilibra-
neira responsável em relação ao meio ambiente. do, onde a vida humana seja prioridade no desen-
Neste cenário, a mídia também desempenha um volvimento de políticas públicas.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 53


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

8. REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASIL. Amazônia reúne 22% das mortes de defensores da terra em todo o mundo.
Brasília – DF: 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-09/
amazonia-reune-22-das-mortes-de-defensores-da-terra-em-todo-o-mundo. Acesso em: 02/11/2023.
BASTOS, Vanessa Lisboa. Monografia. AÇÃO PÚBLICA PARA A PROTEÇÃO DE DEFENSORAS E
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL. UNB, Brasília – DF: 2021. Disponível em: https://
bdm.unb.br/bitstream/10483/30345/1/2021_VanessaLisboaBastos_tcc.pdf
CBDDDH - Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. Vidas em luta:
criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil: volume
III. Disponível em: https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Dossie-Vidas-em-Luta.pdf.
CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Brasil é o país que mais mata ativistas pela terra, de acordo com relatório
da Global Witness. São Paulo: 2022. Disponível em: https://www.conectas.org/noticias/brasil-e-o-pais-que-
mais-mata-ativistas-pela-terra-de-acordo-com-relatorio-da-global-witness/. Acesso em: 01/11/2022.
CPT – Comissão Pastoral da Terra. Dossiê: Conflitos no Campo no Brasil 2022. Disponível em: https://
www.cptnacional.org.br/component/jdownloads/download/26-documentos/14073-politica-e-regras-
de-uso-dos-dados-do-centro-de-documentacao-dom-tomas-balduino-da-comissao-pastoral-da-terra.
Acesso em: 04/11/2023.
GIANNINI, Renata. Via Mídia Ninja: 8 em cada 10 defensoras ambientais sofreram violência na
Amazônia brasileira, aponta pesquisa. Entrevista, Rio de Janeiro: 2022. Disponível em: https://
midianinja.org/news/8-em-cada-10-defensoras-ambientais-sofreram-violencia-na-amazonia-
brasileira-aponta-pesquisa/. Acesso em: 27/10/2023.
GLOBAL WITNESS. Década de resistência: Dez anos informando sobre o ativismo pela terra e pelo
meio ambiente ao redor do mundo. Disponível em: https://www.globalwitness.org/pt/decade-
defiance-pt/. Acesso em: 01/11/2023.
INSTITUTO IGARAPÉ. Guia de Proteção de Defensoras Ambientais. Guia Eletrônico. Rio de Janeiro, 2022.
Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2022/04/Guia-de-protecao-a-defensoras-
de-direitos-humanos-e-meio-ambiente-Instituto-Igarape.pdf. Acesso em: 04/11/2023.
JUSTIÇA GLOBA, TERRA DE DIREITOS. Olhares críticos sobre mecanismos de proteção de defensoras
e defensores de direitos humanos na América Latina. São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.
global.org.br/wp-content/uploads/2022/12/Olhares-Criticos-sobre-mecanismos-de-protecao-na-AL.
pdf. Acesso em: 03/11/2023.
POLICARPO, Marina. A História dos Movimentos Ambientalistas no Brasil em décadas. ECOPÉDIA
– Enciclopédia de Sustentabilidade. Revista Eletrônica. Disponível em: https://123ecos.com.br/docs/
movimento-ambientalista-no-brasil/#:~:text=Os%20primeiros%20movimentos%20ambientalistas%20
no,no%20Rio%20Grande%20do%20Sul. Acesso em: 01/11/2023.
PONTES, Nádia. Brasil foi 2º país mais letal para ambientalistas em 2022: De 177 assassinatos de
defensores do meio ambiente no ano passado, 34 ocorreram no Brasil, aponta Global Witness.
Jornal Brasil de Fato. 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/12/brasil-foi-2-
pais-mais-letal-para-ambientalistas-em-2022. Acesso em: 02/11/2023.
REVISTA AZMINA. Defensoras do meio ambiente na mira da violência. 2022. Disponível em:
https://outraspalavras.net/outrasmidias/defensoras-do-meio-ambiente-na-mira-da-violencia/.
Acesso em: 04/11/2023.
VASCONCELLOS, Patrícia M. C. Vozes da exclusão: os assassinatos de defensores de direitos humanos
na Amazônia. RIDH – Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, UNESP, São Paulo: 2019. Disponível
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DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 54


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

PERSPECTIVA SOBRE REDES


SOCIAIS NA DESINFORMAÇÃO
SOBRE DEFENSORES AMBIENTAIS
E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
LORI REGATTIERI, JESSICA BOTELHO, THIANE NEVES

1. APRESENTAÇÃO
A proposta desta apostila é trabalhar com o Como um dos caminhos de combate à desinfor-
fenômeno da desinformação desde uma pers- mação, as violências sistemáticas contra ativistas
pectiva do direito à informação e o exercício e defensores em geral é o cuidado digital como
pleno da cidadania nas telecomunicações. ação de proteção coletiva e autonomia. Na apos-
Assim, em parceria com o Centro Popular de tila é apresentada uma reflexão a partir de dois
Comunicação e Audiovisual (CPA), plataforma episódios específicos: a Marcha das Mulheres
eco-mídia (Tecnologias Justas e Sustentáveis) Negras de 2015 e o assassinato da vereadora ca-
e Rede Transfeminista de Cuidados Digitais, rioca Marielle Franco, e como ambos foram e são
apresentamos análises de situações concretas, decisivos para que o campo dos cuidados digitais
ganhasse mais projeção no Brasil. Para isto, é im-
refletimos sobre eventos que foram alvo de
portante conhecer o que vem por trás dos mo-
campanhas coordenadas de desinformação,
nopólios de empresas da comunicação digital,
dialogamos com pesquisas acadêmicas, relató-
como o Google, e conhecer algumas sugestões
rios de análise de políticas públicas e nossas
de como adotar novas ferramentas no cotidiano.
experiências ativistas e vivências comunitárias
de fortalecimento de laços, promoção de di- A compreensão e a gestão de questões críticas
reitos e o reconhecimento da diversidade de no campo socioambiental exigem que as pes-
culturas tecnológicas e práticas informacionais soas sejam bem informadas, pois isso permite
parte do cotidiano dos defensores ambientais. a tomada de decisões e contribui para o enga-
Essa apostila é, então, uma co-construção e jamento cívico. A ausência de informações qua-
um convite a uma conversa permanente sobre lificadas prejudica particularmente territórios
esses assuntos. impactados pela desinformação socioambiental,

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 55


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

criando uma necessidade urgente de soluções e fundos de sustentabilidade para produtores de


que abordem essa complexa questão que inclui conteúdo trabalhando em alinhamento com os
o fortalecimento de iniciativas de jornalismo local princípios de justiça ambiental.

2. PANORAMA DA DESINFORMAÇÃO SOCIOAMBIENTAL E O


IMPACTO NOS DEFENSORES E POLÍTICA AMBIENTAL
O alarme foi soado mais fortemente em 2022, úl- ambiente, alegando, por exemplo, que as quei-
timo ano de mandato do então presidente da Re- madas são naturais ou até mesmo que o des-
pública, Jair Messias Bolsonaro. De acordo com matamento é essencial para o desenvolvimento
um relatório da Global Witness1, desde 2012, fo- econômico. Segundo, age para deslegitimar e
ram registradas impressionantes 1.910 mortes desacreditar argumentos científicos, culturas e
de defensores ambientais em todo o mundo. tradições comunitárias de manejo e uso da ter-
Dessas, 376 ocorreram no Brasil. Em 2022, 177 ra, além de promover campanhas permanentes
pessoas foram mortas em crimes ligados à luta de difamação contra defensores ambientais, pin-
pela preservação ou defesa de territórios impac- tando-os, em alguns casos, como obstáculos ao
tados pela violência ligada a questões ambien- progresso ou até mesmo como criminosos2.
tais, sendo mais de um quinto dessas mortes na
região da Amazônia. Ainda especificamente em A morte de defensores ambientais e as cam-
2022, o Brasil lamentou 34 mortes de defensores panhas que seguem na tentativa de difamar as
ambientais. Esses números são sobre pessoas e vítimas, como Dom Philips e Bruno Pereira, são
materializam uma realidade assustadora: defen- testemunho trágico das consequências da desin-
der o meio ambiente no Brasil pode ser uma sen- formação. Se as contribuições valiosas e o legado
tença de morte. Mas o que torna o cenário ainda de tais indivíduos são eclipsadas por campanhas
mais desafiador é a desinformação socioambien- de difamação e desinformação, toda a sociedade
tal que permeia a sociedade e os meios de comu- é impactada, as famílias ainda mais e, às vezes,
nicação, muitas vezes difamando a atuação e a por um longo tempo. Além disso, a desinforma-
história de defensores ambientais. ção impede uma ação coletiva eficaz para abor-
dar as raízes dos problemas socioambientais,
E por que é tão crucial compreender a desin- climáticos e de segurança alimentar. Sem um
formação socioambiental? Porque ela molda entendimento claro e uma comunicação trans-
as percepções individuais e a opinião pública parente, fica difícil para a sociedade se mobilizar
que, por sua vez, influenciam as decisões polí- contra as ameaças ao nosso meio ambiente.
ticas. Uma população mal informada pode não
perceber a urgência em proteger seu ambien- Por isso, é imperativo combater a desinforma-
te natural ou pode ser levada a crer que os de- ção socioambiental em todas as suas formas,
fensores ambientais são inimigos. Este cenário desde a informação errônea, a propaganda
torna ainda mais arriscado o trabalho desses exagerada e as campanhas de difamação. Ao
defensores, que já enfrentam ameaças tangíveis entender suas origens, métodos e impactos, po-
em seu dia a dia. demos desenvolver estratégias para desmasca-
rar falsidades, proteger os defensores do meio
A desinformação socioambiental funciona como ambiente e, em última análise, garantir um futu-
uma ferramenta de dupla ação. Primeiro, ser- ro mais sustentável e seguro para todos. O re-
ve para justificar políticas prejudiciais ao meio latório da Global Witness e as tristes estatísticas

1 Sempre em pé: Defensores da terra e do meio ambiente à frente da crise climática https://www.globalwitness.org/pt/standing-firm-pt/#top-
findings-2022-pt
2 É falso que polícia descobriu que WWF Brasil financiou queimadas no Pará em 2019 https://www.aosfatos.org/noticias/e-falso-que-policia-
descobriu-que-WWF-Brasil-financiou-queimadas-no-para-em-2019/

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 56


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

que ele apresenta são um lembrete contunden- desinformação não é apenas uma questão de
te da realidade que muitos defensores ambien-
correção factual, mas uma luta pela justiça e re-
tais enfrentam. Cada número representa uma
vida perdida, uma voz silenciada. O combate à paração pelas vidas que já se foram.

3. NAVEGANDO PELA DESINFORMAÇÃO: COM A MINHA BÚSSOLA


VOU CRIANDO UM MAPA
A desinformação, especialmente na era digi- cíclicos, permanentes ou ocasionais) e topológi-
tal, é comparável a uma tempestade violenta cos (considerando os meios ou espaços por onde
que desorienta navegadores em alto mar. A se propaga). Pode ser uma história fabricada que
tecnologia permitiu que todo tipo de conteúdo, se espalha nas redes sociais, um vídeo manipula-
informações (verdadeiras ou falsas) ou propa- do que distorce a realidade ou estatísticas tiradas
ganda, mesmo que compatíveis com a realidade do contexto para servir a uma agenda particular.
e até as mais exageradas ou até enganosas, se
espalhassem rapidamente, alcançando bilhões Assim como um mapa retrata elevações, de-
de pessoas em questão de segundos. Esta tem- pressões e rios, nosso “mapa da desinforma-
pestade de informações exige uma abordagem ção” deve detalhar os diferentes métodos e
sistemática para decifrar o que é factual e o que plataformas usados para disseminar falsida-
é fabricado, o que é manipulado e o que é de- des. Além disso, o cenário da desinformação é
liberadamente descontextualizado. O desafio é dinâmico. Da mesma maneira que a paisagem
imenso, pois as ferramentas que temos à dis- de um território pode mudar com fenômenos
posição, como os motores de busca e as redes naturais e os efeitos das mudanças climáticas, a
sociais, são os mesmos canais que também são paisagem digital está em constante fluxo. Novas
explorados para disseminar a desinformação plataformas surgem, algoritmos são atualizados
socioambiental. e tendências de consumo de conteúdo mudam
rapidamente. A interação com plataformas de ví-
Neste cenário tumultuado, surge a necessi- deos curtos modificam também práticas de leitu-
dade de um mapa que nos guie. Assim como ra, o tempo de atualização da aba “para você” na
o marinheiro usa uma bússola e mapas para se plataforma X pode ser o curto ou longo período
orientar em mares desconhecidos, precisamos para uma viralização massiva. Portanto, nosso
de ferramentas e estratégias para navegar pelo mapa não pode ser estático, deve ser atualizado
vasto oceano da informação online. Isso não regularmente para refletir a realidade em cons-
significa apenas identificar áreas problemáticas, tante mudança da era digital.
mas também iluminar caminhos seguros que
nos levem a portos de reflexão e criticidade so- Outro aspecto crítico ao mapear a desinfor-
bre o conteúdo que estamos a navegar. mação é identificar suas fontes, atores ou
grupos interessados. Assim como um rio tem
O primeiro passo, semelhante ao trabalho de sua nascente, a desinformação tem suas ori-
um cartógrafo, é identificar os contornos do gens. Pode ser o trabalho de atores mal-inten-
fenômeno da desinformação que estamos li- cionados (como corporações, setores políticos,
dando, fazendo algumas perguntas: o conteú- nações estrangeiras e empresários oposito-
do desinformativo é um ataque pessoal ou res), ou até mesmo pessoas que participam da
uma campanha contra um projeto? A desin- amplificação da desinformação socioambiental
formação vem em ondas, é uma reação ou é sem perceber. Ao identificar e entender essas
uma ação permanente? A desinformação não fontes e interesses, podemos tomar medidas
é um fenômeno uniforme, ela tem várias esfe- para conter a propagação da desinformação
ras e manifesta-se de diferentes maneiras, con- na origem. E, enquanto trabalhamos para criar
solidando aspectos temporais (que podem ser este mapa, é crucial não esquecer o elemento

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 57


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

humano. Por trás de cada postagem, imagem entrevistados, 51% afirmaram checar a veraci-
ou vídeo, há pessoas – algumas enganadas, ou- dade das informações online. No entanto, essa
tras tentando enganar. É fundamental abordar proporção cai significativamente para 37%
a desinformação não apenas como um proble- quando se observa apenas os usuários que
ma técnico, mas também como um desafio so- acessam a internet exclusivamente pelo celu-
cial, cultural, ideológico e subjetivo. lar. Devemos compreender porque as pessoas
são atraídas por informações falsas e como po-
Por fim, a nossa bússola também preci- demos cultivar um espírito crítico e uma mente
sa identificar pontos mais granulares nas questionadora diante de um mundo hiperco-
águas tempestuosas da desinformação. nectado e acelerado.
Uma boa cartógrafa navega bem informada,
conhecendo até aqueles locais de bancos de Em resumo, na era da desinformação, criar
areia. Nossas reflexões com base em pesqui- um mapa é mais do que uma necessidade –
sas e dados do setor das tecnologias de co- é um exercício constante de atualização para
municação e informação consideram fatores navegação em águas que correm rapidamente,
estruturais afetando as condições de consumo cuja informação desagua como um turbilhão. Ao
de conteúdo e, principalmente, como as pes- criar esse mapa com esta apostila, estamos não
soas acessam à informação no dia a dia. O rela- apenas protegendo a nós mesmos, mas tam-
tório recente TIC Domicílios 20223 apontou que bém construindo um mapa para as gerações
92 milhões de brasileiros, o que corresponde futuras, assegurando que elas possam navegar
a 62% dos usuários de internet do país, nave- pela era digital com confiança. E, enquanto a ta-
gam na internet somente por meio de seus te- refa pode parecer desafiadora, com a bússola
lefones móveis. Pela primeira vez, a pesquisa certa e uma abordagem colaborativa, podemos
também explorou as habilidades digitais dos criar um mapa que nos guie com segurança
usuários da internet. Foi revelado que, dos através da tempestade de desinformação.

4. CONCEITO DE DESINFORMAÇÃO SOCIOAMBIENTAL:


INFORMAÇÕES E REFLEXÕES RUMO A UM ECOSSISTEMA
INFORMACIONAL CONFIÁVEL
A era da informação tornou a comunicação mais povos indígenas e quilombolas, foram margina-
acessível, mas também mostrou que concentra- lizados com a mídia tradicional não lhes conce-
ção estrutural de poder nas mãos de poucos con- dendo espaço para vocalizar suas reivindicações.
tinua causando graves problemas também nos A desinformação socioambiental pode variar
tempos da digitalização. O Brasil não está imu- desde a romantização e a elaboração de mitos
ne a esse fenômeno, especialmente na área no ancorados em discussões complexas, como a
campo dos direitos e acesso à informação. ideia que a Amazônia seria o “pulmão do mun-
do”4 até a negação do impacto humano sobre as
Do desmatamento à transição energética, da mudanças climáticas.
questão fundiária aos direitos indígenas e qui-
lombolas, cada tema apresenta uma teia de in- Quando se trata do Brasil, as ramificações da
formações e desinformações. O mais alarmante desinformação ressoam profundamente, afe-
é que, muitas vezes, comunidades tradicionais, tando não apenas a percepção pública, mas

3 92 milhões de brasileiros acessam a Internet apenas pelo telefone celular, aponta TIC Domicílios 2022https://cetic.br/pt/noticia/92-milhoes-de-
brasileiros-acessam-a-internet-apenas-pelo-telefone-celular-aponta-tic-domicilios-2022/.
4 A Amazônia é o pulmão do mundo? Reportagem no site ‘Conexão Planeta’ conta com breve texto de Antonio Nobre, reconhecido pesquisador
do campo das ciências climáticas, comentando essa frase por muito tempo senteciada e fonte de mitos e desinformação. Acessado em: https://
conexaoplaneta.com.br/blog/a-amazonia-e-o-pulmao-do-mundo/#fechar.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 58


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

também as políticas, o meio ambiente e os pró-


prios defensores ambientais. Esta seção procura 4.2 TIPOS DE DESINFORMAÇÃO
elucidar o conceito de desinformação socioam- SOCIOAMBIENTAL
biental, mapear o terreno onde a desinforma-
ção emerge e se reproduz e a necessidade de
■ Desinformação intencional: durante dé-
entender a desinformação socioambiental em cadas, determinados grupos no Brasil e no
diferentes aspectos. mundo têm se beneficiado da exploração de-
senfreada de recursos. Para continuar essas
práticas, corporações e políticos disseminam
4.1 DEFININDO A DESINFORMAÇÃO conscientemente desinformação. Um exem-

SOCIOAMBIENTAL plo são as campanhas que negam os impac-


tos da mineração em terras indígenas.
No âmago da discussão, a desinformação so- ■ Erros não intencionais: nem toda desinfor-
cioambiental pode ser entendida como a di- mação é maliciosa. Às vezes, as pessoas com-
fusão intencional ou não intencional de infor- partilham informações erradas por não terem
mações incorretas, enganosas ou distorcidas todos os fatos ou por mal-entendidos. No Bra-
relativas a questões socioambientais. A desin- sil, isso é visto frequentemente em debates
formação socioambiental busca, muitas vezes, sobre agrotóxicos e seu impacto na saúde e
influenciar a percepção pública, promovendo no meio ambiente.
agendas específicas, seja por interesses econô-
■ Distorções por falta de contexto: a falta de
micos, políticos ou ideológicos. No cerne des-
contextualização pode levar a percepções er-
te conceito, está a manipulação de narrativas
rôneas. Um exemplo são as discussões sobre
que afetam tanto o meio ambiente quanto as
eventos climáticos extremos e adaptação,
comunidades diretamente afetadas por uma
com uma cobertura pouco aprofundada so-
campanha desinformativa.
bre políticas públicas.

5. GOVERNANÇA E INTEGRIDADE NAS PLATAFORMAS DE


REDES SOCIAIS
No panorama contemporâneo, as plataformas governos, tornando o campo multisetorial da
de redes sociais tornaram-se catalisadoras cen- governança da internet e integridade informa-
trais na disseminação de informações. No entan- cional cruciais.
to, esse poder, quando não regulado de forma
adequada, pode impulsionar ondas de desin- No contexto brasileiro, isso é exacerbado pela
formação, particularmente em temas sensíveis desinformação em torno de temas como des-
como o negacionismo climático e o ataque aos matamento, queimadas e o ciclo produtivo de
direitos indígenas e quilombolas já consolidados commodities. A governança e integridade infor-
na constituição. macional nas plataformas de redes sociais, por-
tanto, torna-se fundamental para proteger o am-
A ascensão das redes sociais revolucionou o biente informacional e mitigar a propagação de
modo de interação entre pessoas e pessoas ou desinformação socioambiental. Considerando a
pessoas e conteúdo, transformou a distribuição importância da Amazônia para a regulação cli-
de dados e como a informação é compartilhada mática global e a rica sociobiodiversidade brasi-
e consumida globalmente. Entretanto, ao passo leira, garantir a integridade das informações em
que plataformas de redes sociais exploraram consonância com a ciência climática e florestal
esses espaços online como um espaço de pro- eleva o padrão do consumo de conteúdo nas
paganda, o problema da manipulação em lar- redes sociais. Um argumento irrefutável sobre a
ga escala e a rápida disseminação de conteúdo importância da governança é que a desinforma-
acontece com pouca atenção das empresas e ção socioambiental, se não for controlada, pode

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 59


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

resultar em políticas públicas falhas, práticas em- Campanhas de difamação, muitas vezes patrocina-
presariais predatórias e uma sociedade mal in- das por interesses corporativos ou políticos, explo-
formada, perpetuando danos ao meio ambiente ram essas brechas, distorcendo a realidade sobre
e aos povos que dele dependem. questões como queimadas, desmatamento e o
papel de certos setores na degradação ambiental.
Campanhas orquestradas têm negado ou mi-
nimizado a crise climática, o papel humano no Com o reconhecimento global da disseminação
aquecimento global e a gravidade das queimadas de desinformação, plataformas como Facebook,
e desmatamento nos biomas brasileiros. Recue- Twitter e YouTube introduziram mecanismos
ro e Soares (2020) mostraram que grande parte para monitorar e combater informações falsas.
do discurso desinformativo sobre as queimadas Usando algoritmos avançados e parcerias com
no Pantanal em 2020 se originaram no próprio verificadores de fatos, elas tentam identificar
Facebook. Tal desinformação pode ser perigosa, e rotular conteúdo duvidoso. No contexto so-
pois explora vieses de desconfiança em comu- cioambiental brasileiro, por exemplo, postagens
nidades densamente conectadas, desviando a falsas que alegam que o desmatamento não está
atenção das políticas necessárias e descredibi- acontecendo5 ou informações equivocadas so-
lizando os cientistas e ativistas que trabalham bre produção de soja e o destino dessa produ-
pela preservação do bioma. ção6 não acendem alerta nas redes sociais, pois
são observadas como questões de opinião.
A integridade informacional e a governança nas
plataformas digitais não são apenas essenciais A ascensão do negacionismo climático e desin-
para a democracia e o bem-estar social, mas formações relacionadas à preservação ambien-
também para a preservação ambiental. É crucial tal tem consequências diretas para o Brasil. A
garantir uma governança robusta e boas pro- desinformação sobre os índices de desmatamen-
postas regulatórias para criar um ambiente in- to e queimadas é frequentemente usada como
formacional que favoreça o diálogo construtivo ferramenta de propagação de agendas políticas
e baseado em fatos. Proteger esse ambiente é, ou econômicas, que visam favorecer setores
portanto, não apenas uma questão de integrida- específicos e grupos políticos, em detrimento
de das plataformas, mas uma responsabilidade da conservação ambiental. O ciclo produtivo de
para com o futuro socioambiental do país. commodities, por exemplo, é muitas vezes dis-
torcido, gerando uma visão imprecisa sobre as
reais consequências ambientais e sociais da pro-
5.1 PLATAFORMAS E ENFRENTAMENTO dução em larga escala sem uma análise de longo
À DESINFORMAÇÃO SOCIOAMBIENTAL prazo dos impactos do uso da terra.

O enfrentamento à desinformação socioambiental A magnitude e a complexidade da desinforma-


no Brasil apresenta desafios singulares. Um dos ção socioambiental no Brasil exigem uma abor-
principais obstáculos é a baixa efetividade da mo- dagem multifacetada. A autorregulação das
deração de conteúdo no idioma português. Muitas plataformas de mídia social tem se mostrado
ferramentas e algoritmos são projetados com foco insuficiente. É imperativo que os órgãos regula-
principal em idiomas como o inglês, deixando o dores brasileiros estabeleçam parâmetros obje-
português em segundo plano. Ademais, os depar- tivos para a responsabilidade das plataformas e
tamentos de integridade e diálogo das plataformas fomentem a criação de mecanismos de comba-
com a sociedade civil e governos ou são inexisten- te à difamação de defensores ambientais, bem
tes ou atuam de forma limitada no Brasil. A falta como intervenções no nível da moderação de
de representatividade local significa que muitas conteúdo especificamente voltadas para a rea-
nuances culturais e contextuais são perdidas. lidade e contexto socioambiental brasileiro. A

5 Recorde de calor, muito fogo, herança maldita e a maldição da desinformação https://apublica.org/2023/07/recorde-de-calor-muito-fogo-


heranca-maldita-e-a-maldicao-da-desinformacao/.
6 Maior parte do lucro da produção da soja no Brasil vai para o exterior https://www.wwf.org.br/?86521/Maior-parte-do-lucro-da-producao-da-
soja-no-Brasil-vai-para-o-exterior-aponta-estudo.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 60


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

ausência de uma governança efetiva e de integri- informadas, políticas públicas inadequadas e na


dade informacional nas redes sociais pode cul- perpetuação de práticas insustentáveis diante da
minar em debates divisionistas, audiências mal emergência climática.

6. A ESCALA LOCAL E GLOBAL DA DESINFORMAÇÃO


SOCIOAMBIENTAL: DESERTO DE NOTÍCIAS E SOLUÇÕES
QUE VÊM DO TERRITÓRIO
Nossa proposta para pensar soluções a partir do Já as organizações de movimentos sociais
território começa, antes, no entendimento da de- progressistas trabalham baseadas em uma
sinformação como um problema multifatorial e agenda emancipatória, atuando em redes
que se materializa em diferentes escalas. Para na- e articulando ações coletivas com objetivo
vegar no entendimento desta perspectiva no con- de construir resistência e fomentar inclusão
texto socioambiental, vamos explorar uma situação social (GOHN, 2010). Essas redes conformam
concreta, embora hipotética nesse caso, onde uma diversidade de territórios, uma vez que cada
cidade periodicamente enfrenta as consequências instituição corresponde a um grupo, uma co-
do desmatamento e dos incêndios florestais. munidade, uma luta em si que começa, geral-
mente, no local onde os direitos são violados
a. As escalas ou buscando uma mudança estrutural. Essas
redes podem se organizar, mas não estão li-
Tomamos a escala como referência às di-
mitadas, às seguintes configurações:
mensões de um território, uma informação
crucial para interpretação de dimensões e ■ Associações de bairro ou comunitárias:
limites geográficos. De modo geral, é uma essas organizações incluem associações
medida. Entendemos que a sociedade se de moradores, grupos de ação comunitá-
ordena sistematicamente com base em dife- ria e comitês que se dedicam a melhorar a
rentes níveis. O Estado brasileiro, por exem- qualidade de vida em escala local;
plo, se organiza por meio de estruturas que ■ Organizações de classe associativa ou
compreendem os três poderes fundamen- representativa: nesta categoria estão or-
tais: Legislativo, Executivo e Judiciário. Cada ganizações sem fins lucrativos, grupos de
um desses poderes opera através de subdi- voluntários e coletivos de bem-estar co-
visões para atender a regras e princípios de munitário, que trabalham para fortalecer
governança. O Executivo, por exemplo, cujo laços e recursos nas escalas local/regional;
princípio norteador é o pacto federativo, em ■ Cooperativas Trabalhistas e Centrais Sin-
que a organização política obedece um go- dicais: envolve cooperativas de trabalha-
verno central (federal) e os governos subna- dores, sindicatos de profissionais e organi-
cionais (estaduais e as prefeituras). zações em âmbito regional e nacional que
representam os interesses dos trabalhado-
Essa organização é essencial para garantir que res, incluindo aqueles que são autônomos;
as responsabilidades legais sejam cumpridas
■ Movimentos Nacionais: Esta categoria
de maneira adequada e eficiente, com vistas
abrange movimentos sociais, campanhas de
a assegurar que as necessidades e demandas
justiça social e redes de ativismo que bus-
dos cidadãos sejam atendidas em todos os ní-
cam criar mudanças e conscientização em
veis da administração pública. Além disso, a in-
nível nacional sobre questões específicas.
dependência dos poderes executivo, legislativo
e judiciário ajuda a evitar a concentração ex- Para atender a diversas demandas e exercer
cessiva de poder e a garantir o respeito às leis influência política, a atuação desses agentes
e à Constituição. É um princípio fundamental (Estado e sociedade civil) muitas vezes se en-
da democracia e do Estado de Direito. trecruza, podendo, em alguns casos, colaborar

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 61


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

ou entrar em conflito uns com os outros. A reorganizações significativas devido à profun-


governança socioambiental segue essa di- da integração das tecnologias de informação
nâmica. Numa situação, por exemplo, em que e comunicação, com a internet desempenhan-
um município é periodicamente afetado pela do um papel central por impulsionar esse pro-
fumaça resultante de incêndios causados pelo cesso. Nesse cenário, movimentos coletivos
desmatamento, é implementado um protoco- socioambientais precisam reajustar estraté-
lo de operações. Isso envolve a contratação de gias para apoiar a incidência política e a atua-
brigadistas, de responsabilidade dos governos ção no território.
federais e estaduais7, e a aplicação de técnicas
de manejo integrado do fogo, muitas vezes feito Usamos a ideia de ecossistema para explicar
por organizações ambientalistas que atuam nos a noção de diferentes organismos interagindo
territórios impactados pelo desmatamento. entre si em um ambiente, de modo que esta-
belecem dinâmicas comunitárias. Os elemen-
Além disso, as medidas de resposta imediata tos de um ecossistema midiático referem-se a
que são tomadas no local para prestar socor- veículos de informação multifacetados, seja a
ro às pessoas afetadas pelo fogo e controlar imprensa tradicional ou de legado ou comuni-
os danos ambientais também deveriam ser cação popular, e ao ambiente onde circulam
coordenadas pelo poder público. No entanto, as informações produzidas por esses e outros
não é incomum que comunitários em parce- agentes, como o Estado, o setor privado e a
rias com organizações ajam por conta própria própria população.
na ausência de amparo estatal. As implica-
ções desse envolvimento, em um primeiro Defensores e ativistas socioambientais têm
momento, são positivas. Porém, o contexto que conviver com as consequências da desin-
da desinformação impulsionado por uma formação socioambiental, que se materializa
intensa polarização política pode levar à cri- de duas maneiras: pela falta de informação
minalização dessas redes solidárias, como ou pela circulação de informações enviesa-
ocorreu com brigadistas voluntários de das ou falsas. Aprender como se dá esse pro-
Santarém (PA) em 20198. cesso até causar impacto direto e indireto na
atividade da entidade é crucial para o empo-
b. No território da comunicação deramento, auto-organização e resiliência
frente a desafios e mesmo a ataques direcio-
Um território é um ecossistema, não só do
nados, uma vez que narrativas de desinfor-
ponto de vista da biodiversidade e da comu-
mação socioambiental baseiam-se em atores
nidade, mas também da informação. Por
sociais reais para criar figuras de inimigos
isso, o sentido de escalas que também esta-
que querem tomar de assalto um patrimônio
mos trazendo aqui é uma combinação com
nacional, resgatando o discurso ufanista da
elementos de processos comunicativos, como
Ditadura Militar.
alcance (exposição da/à informação) e públi-
co-alvo. O papel de cada participante em um
c. A imprensa
ato comunicativo é igualmente indispensável
para que entendamos como as relações so- A imprensa pode ser vetor de desinformação,
ciais se estruturam e se desenvolvem em pro- mas também pode ser aliada. As informações
cessos de troca de informações. repassadas pelos veículos tradicionais de in-
formação são enviesadas de acordo com in-
A busca por esse entendimento perpassa teresses econômicos e políticos ou não dão
pelos questionamentos e problematizações conta da realidade de outros agentes sociais.
da sociedade como um todo, pois o tecido Essas informações são as que conduzem
social está constantemente passando por as dinâmicas sociais. Resgatando a crítica à

7 Ibama contrata apenas metade de brigadistas autorizados pelo MMA para a temporada do fogo https://fiquemsabendo.com.br/meio-
ambiente/ibama-brigadistas-temporada-do-fogo.
8 A caçada aos brigadistas. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/especiais/a-cacada-aos-brigadistas/. Acesso em: 27 de outubro de 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 62


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

agenda neoliberal que, a partir dos anos 1960, d. Comunicação popular


deturpou o significado de informação, Serra-
A compreensão e a prática de uma comuni-
no (2010, p.19) diz que “uma vez que é consi-
cação que também é uma ferramenta de luta
derada uma mercadoria, a informação deixou
pela qualidade de vida de uma população vis-
de ser submetida aos critérios tradicionais da
ta como minoritária e marginalizada, ou pela
verificação, da autenticidade, do erro. Agora é
manutenção de direitos básicos, remontam
regida pelas leis do mercado”.
aos anos 1970 um período em que o Brasil es-
tava sob o jugo de uma ditadura militar. Esse
Em um país de dimensões continentais onde
contexto enfatiza a importância dos movimen-
se materializam desafios de diversas ordens,
tos sociais. A finalidade dessa comunicação é
exigindo, assim, políticas públicas nas dife-
clara: representar “um grito, antes sufocado,
rentes escalas, o jornalismo também deman-
de denúncia e reivindicação por transforma-
da uma espécie de operação adaptada para
ções” (GOHN, p.14). Essa “denúncia” é gesta-
cada território. Nessa lógica, faz sentido que
da a partir de uma concepção que enxerga a
o jornalismo local tenha o potencial de vetor
comunicação popular como libertadora, re-
de transformação social e fortalecimento
volucionária, portadora de conteúdos críticos
da democracia por meio do empoderamento
e reivindicativos, apontada como alternativa
da informação. Porém, a proximidade com o
aos meios de comunicação tradicionais, “a
poder local e os desafios, principalmente com
grande imprensa” (CANCLINI, 1987).
a sustentabilidade financeira, faz com que co-
municadores locais sejam mais vulneráveis.
Fora dos centros urbanos, principalmente
nas capitais, é a comunicação popular que
Esses fatores explicam, em parte, a existência
denuncia, relata, organiza e coleta dados ne-
dos chamados “desertos de notícia”9, mu-
cessários para a apresentação de problemas.
nicípios que não possuem nenhum veículo
A comunicação produzida no âmbito dos
jornalístico produzindo notícias de interesse
movimentos sociais, por vezes, dá conta de
público na escala local. A falta de imprensa
adicionar as camadas de complexidade ne-
é mais um indício de escassez de infraes-
cessárias para compreender determinados
truturas e políticas públicas do que neces-
contextos. No entanto, há também casos de
sariamente o isolamento de comunidades.
rádios e TVs comunitárias que acabam repro-
Mesmo quando olhamos para cidades que
duzindo o tipo de conteúdo e narrativas dos
contam com uma imprensa farta, a quali-
veículos comerciais.
dade da informação fornecida também é
questionável. Muitos conteúdos reproduzem
desinformação socioambiental, reforçam es-
tereótipos sobre povos originários e alimen-
tam discursos de ódio contra ativistas, princi-
palmente mulheres.

9 ATLAS Jornalismo de Dados. Disponível em: https://www.atlas.jor.br/.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 63


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7. AS SOLUÇÕES QUE VÊM DO TERRITÓRIO: ESTRATÉGIA POLÍTICA


DE COMBATE À DESINFORMAÇÃO SOCIOAMBIENTAL
O processo de desinformação influencia a vida quanto ações e projetos institucionais próprios
cotidiana em diferentes contextos e medidas, alinhados à prática da comunicação popular.
se revelando como parte de um emaranhado
A abordagem para combater a desinformação
de interesses econômicos e políticos que inter-
não se limita apenas a aumentar a produção
ferem diretamente em processos democráticos
de informação de qualidade, pois já existe in-
e no exercício da cidadania. Considerando que
formação de qualidade disponível (sem entrar
a cidadania não pode ser exercida plenamente
nos meandros do mercado). O ponto-chave é
sem qualidade e diversidade de mídia e fontes
avaliar as escalas de alcance da desinformação
de notícias, cabe questionar: quando não há
que prejudica e/ou ataca o defensor ambiental
imprensa, como se informar? Uma comunidade e sua organização para, então, observar as pos-
sem imprensa é mais vulnerável à desinforma- síveis soluções. Isto porque a desinformação
ção? Tais perguntas auxiliam a desenhar o diag- socioambiental é um problema multifatorial e
nóstico do ecossistema midiático em que orga- que, consequentemente, demanda ações per-
nizações socioambientais atuam para elaborar sonalizadas para cada território e em diferentes
soluções que partem do território, incidindo po- escalas. Algumas perguntas para auxiliar a pen-
liticamente pela comunicação. sar a relação entre organização comunitária e
soluções para desinformação socioambiental:
O defensor ambiental encontrará oportunida-
des para atuar efetivamente no território por 1. No território em que você atua, quais são os
veículos de informação e como eles operam?
meio do engajamento na organização de co-
munidades. Independente da constituição do 2. Se você estiver em um território com pouca
ecossistema midiático local, o ponto de partida presença de imprensa, de que outra maneira
é a compreensão da agenda socioambiental por as pessoas conseguem informações locais?
parte da comunidade, uma vez que a conexão 3. Como a informação socioambiental pode ser
com o território e com os problemas vivencia- um fator importante para o território?
dos é o que permite reunir e envolver as pes-
4. Por que é importante que as pessoas sejam
soas na causa. Para combater a desinformação
informadas sobre a agenda socioambiental?
socioambiental, portanto, busca-se o fortaleci-
mento e a colaboração ativa na construção de 5. Qual o prejuízo de uma população sem
uma comunicação cidadã capaz de abordar ade- informação?
quadamente a agenda de luta em questão. Esse 6. Como essa realidade da falta de informação
esforço pode englobar tanto a imprensa local socioambiental pode mudar no território?

8. CUIDADOS DIGITAIS COMO AÇÃO COLETIVA DE PROTEÇÃO E


AUTONOMIA
Os investimentos grandiosos da extrema direita 2015? Naquela ocasião, a Marcha das Mulheres
no ciberespaço brasileiro para vender suas ideo- Negras foi alvo de violência física de homens
logias em combos de desinformação cresceram brancos armados e também foi alvo do spray de
significativamente nos últimos dez anos (2013- pimenta da Polícia Militar, que forçou a narrativa
2023). Quem se lembra do acampamento gol- de que o grupo de mulheres ameaçava (apesar
pista na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, de desarmadas) o acampamento que pedia in-
que pedia intervenção militar em novembro de tervenção militar.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 64


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Rapidamente a informação do ataque ganhou E temos visto os impactos de todos esses fenôme-
grande repercussão no Facebook, deixando tanto nos de desinformação e perseguição digital (stalking)
os movimentos quanto os familiares das mulheres no trabalho dos movimentos de resistência política,
presentes na Marcha em estado de tensão e aten- de jornalistas, de pesquisadores e pesquisadoras,
ção, buscando informações corretas e concretas do além de demais vozes que lutam por direitos huma-
que estava acontecendo. Foi pela rede de mulheres nos. Desde então, o medo passou a ser a principal
que estava na Marcha, com acesso ao Facebook, moeda de troca dos gabinetes de desinformação.
que muitas outras pessoas conseguiram saber no-
tícias de que nada mais grave tinha acontecido.
8.1 CUIDADOS DIGITAIS
A Marcha das Mulheres Negras de 2015 foi a pri-
meira, na história do Brasil, que reuniu mulheres Quase três anos depois da Marcha de 2015, outro
negras do campo e das cidades, ambientalistas, grande ataque à atuação política de mulheres ne-
defensoras dos territórios, quilombolas, pro- gras: o assassinato da vereadora carioca Marielle
fessoras, comunicadoras, estudantes, artistas, Franco10 e, nos dias seguintes, uma avalanche de
políticas, trabalhadoras sexuais, trabalhadoras afrontas à sua reputação que espalharam diver-
domésticas, campesinas, marisqueiras, quebra- sas mentiras sobre sua conduta e suas relações.
deiras, mulheres líderes de movimentos por mo- Marielle vinha sendo observada e vigiada espe-
radias e de justiça ambiental. Foram 50 mil mu- cialmente pelo Facebook pois, como pessoa públi-
lheres negras (ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES ca, publicava sua agenda de trabalho como forma
DE MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS, 2016) que de transparência e diálogo com seus seguidores.
pediam pelo bem viver, pelo fim do racismo e Foi então que ficou fácil entender onde a vereado-
das violências racistas e sexistas. ra estaria na noite de 18 de março de 2018.

O cuidado com a informação verdadeira foi garan- O assassinato repercutiu fortemente entre os mo-
tida pela coletividade, porque múltiplas mulheres vimentos feministas de todo o Brasil. Grupos de
foram imediatamente ao Facebook e ao Twitter mulheres se organizaram amplamente, adotando
para retomar a narrativa explicando o que de fato estratégias articuladas e frentes de trabalho para
tinha acontecido e, só então, portais e jornais no- garantir participação coletiva e combater a vio-
ticiaram o episódio de ataque. Sabemos que é um lência contra lideranças políticas no país. Dessas
péssimo trocadilho, mas só armadas de um tele- mobilizações também surgem grupos dedicados
fone móvel e munidas de conexão à internet com ao cuidado físico e digital de ativistas, pessoas dos
qualidade, é que a Marcha de Mulheres Negras movimentos feministas que já trabalhavam com
2015 não sucumbiu à tentativa de desinformação. informação, comunicação e segurança digital e,
desde então, mobilizam um campo de atuação
Porém, dada a dimensão da exposição e a visibilida- que chamamos de cuidados digitais:
de, algumas destas mulheres foram drasticamente
perseguidas, ameaçadas ou sofreram ataques em Cuidados digitais são uma forma de abor-
suas contas e perfis, bem como tiveram dados va- dar a segurança digital a partir da perspec-
zados como endereço, CPF, nome de filho. Na ver- tiva do cuidado cotidiano. Uma vez que o
dade, muitas destas táticas de disputa de narrativa online e offline são indissociáveis, e que as
e proliferação de desinformação por parte da ex- tecnologias digitais fazem parte do nosso
trema direita já eram usadas muito antes da Mar- dia a dia, o que afeta nossos dados impacta
cha. Várias destas pessoas precisaram excluir ou também nossos corpos. Assim, na perspec-
mudar de perfil nas redes sociais, outras passaram tiva dos cuidados digitais, cuidar dos nossos
a usar apelidos. Blogs e sites liderados por mulhe- dados é também cuidar do nosso corpo, e
res negras também precisaram revisar e monitorar esse cuidado precisa ser feito cotidiana-
suas senhas e acessos diariamente até que as ten- mente, como um hábito, uma cultura, uma
tativas de invasão diminuíssem (nunca cessaram). política. (AMARELA, FOZ, 2022, p. 11)

10 Caso Marielle Franco: Veja aqui a lista de fake news já desmentidas pela Agência Lupa https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/07/24/caso-
marielle-veja-as-fakes-sobre-o-assassinato-ja-desmentidas-pela-lupa.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 65


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Tratar uma realidade hostil e de violências contra digital. Compreender que segurança tem íntima
lideranças ativistas de forma afetuosa e cuidado- relação com infraestruturas políticas que possi-
sa, sem imprimir medo, mas provocando os mo- bilitem acesso, opções de escolha, estabilidade,
vimentos para que se protejam coletivamente e consistência, linguagem e todo um conjunto de
por meio do cuidado digital também asseguram recursos e dispositivos de tecnologia de qualida-
sua autonomia em alguma medida. Para isso, é de, infraestruturas digitais que não monitorem ou
preciso também vencer as brechas digitais de comercializem os rastros e os dados das pessoas,
gênero, raça, territórios (CARDOZO, 2022) e es- uma legislação que leve em conta as amplas ocor-
timular a participação de coletivos, organizações rências e plataformas que atendam a critérios de
e pessoas físicas para a melhor compreensão regulação para combater desinformação, discur-
do funcionamento de aplicativos e plataformas sos de ódio e todo tipo de violência digital.
como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube,
WhatsApp. E ainda, acima disso, que se perce- Portanto, nem sempre as infraestruturas estatais
bam também produtores e produtoras de tecno- e comerciais garantem segurança ou de fato nos
logias, e não apenas as pessoas consumidoras. protegem de violências. Muitas vezes, é preciso
compartilhar as infraestruturas para que todas
Estudos comprovam, inclusive, que mulheres ne- as pessoas acessem os direitos, e esse senso de
gras são as mais violentadas também nas redes proteção coletiva tem fortalecido o campo dos
sociais (TRINDADE, 2020), bem como os estados cuidados digitais, o cuidado que reverbera entre
amazônicos são onde mais morrem defenso- os grupos, por meio de acordos e códigos que
res dos territórios e ativistas pelo direito à terra considerem todas as pessoas envolvidas.
(BRONZE, 2023), ambos perfis que são recorren-
tes alvos dos maniqueísmos da extrema-direita e Lembremos que a infraestrutura de segurança
seu trabalho em prol da desinformação. pública não garantiu a segurança física das mu-
lheres na Marcha de Mulheres Negras em 2015,
Por isso, o cuidado digital “parte de pedagogias e sim a proteção coletiva da informação que ga-
feministas e antirracistas, e trabalha com uma no- rantiu que a mentira em favor dos agressores
ção expandida de tecnologia”, bem como a meto- virasse verdade. Da mesma maneira, os códigos
dologia traz “o afeto como fio condutor da apren- de conduta do Facebook não impedem a ampla
dizagem” e “a partir de uma perspectiva integral, circulação de desinformação e de ataques aos
entendendo que as diferentes esferas do campo direitos humanos, já que esses códigos não con-
da segurança (como segurança física, digital, psi- sideram todas as subjetividades envolvidas em
cossocial e etc.) estão intimamente ligadas e pre- sua plataforma. A proteção coletiva é nossa prin-
cisam caminhar juntas” (AMARELA, FOZ, 2022). No cipal infraestrutura política.
relatório sobre achados e recomendações sobre
cuidados digitais e filantropia da ONG FASE, as No campo dos cuidados digitais, existem in-
autoras identificam, inclusive, que aplicar a meto- fraestruturas digitais que de fato prezam pela
dologia em processos continuados e acompanha- proteção coletiva, como as infraestruturas pro-
mentos a longo prazo são muito mais efetivos do porcionadas por coletivos feministas no Brasil,
que as oficinas pontuais, e que isso só é possível na América Latina, e também por organizações
com a participação das organizações financiado- que integram o movimento Software Livre e tra-
ras. Os cuidados digitais precisam ser vistos como balham para oferecer plataformas transparentes
parte da mobilização e comunicação comunitária, quanto ao método de trabalho e seguem uma
com co-responsabilização e co-criação dos cuida- ética que visa a proteção e a privacidade.
dos que fazem sentido aos grupos.

8.3 AUTONOMIA
8.2 PROTEÇÃO COLETIVA
Assim como as infraestruturas proprietárias e
“O que te dá segurança?” é uma pergunta-chave estatais nem sempre garantem segurança, o
que podemos fazer e responder coletivamente monopólio de ferramentas digitais não nos per-
para começar e ampliar o diálogo sobre o cuidado mite autonomia. Para a liberdade e a segurança

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 66


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

na escolha de serviços e infraestruturas digitais, hackers e movimentos feministas buscam solu-


é preciso um compromisso maior dos órgãos cionar as demandas e construir infraestruturas
que têm o poder de decisão sobre os critérios digitais que respeitem a autonomia de grupos,
de responsabilidade e ética dessas infraestru- povos e pessoas.
turas. Entretanto, novamente os movimentos

9. ALGUMAS DICAS E SUGESTÕES


a. Boas práticas com senhas Nestas três opções temos: letra maiúscula,
número, caractere especial (espaços são ca-
Existem muitas orientações sobre senhas em
racteres especiais) e, além disso, são todas
vários manuais sobre “segurança da informa-
frases com mais de dez caracteres. Simples
ção”, mas que não conseguem explicar de ma-
e ao mesmo tempo bem elaboradas. Então,
neira tranquila qual a importância de termos
mãos à obra para melhorar suas senhas! \o/
boas práticas nesse sentido. Podemos compa-
rar isso com nossa rotina doméstica: nós apa-
b. Mensageiros instantâneos
gamos as luzes, tiramos eletrônicos da toma-
da, desligamos o gás, colocamos cadeado no Existem muitos aplicativos próprios para
portão ou ferrolho na porta. São medidas que mensagens instantâneas, os mais popula-
atenuam nossas vulnerabilidades e dificultam res no Brasil são o WhatsApp, o Messenger
que pessoas indesejadas entrem em nossos e o Telegram. Os três são serviços gratuitos
lares. Nossas senhas são exatamente o cuida- e vinculados a grupos comerciais. São bons
do com nossos lares e nossas portas, mas no aplicativos, mas que precisam ser vistos com
universo das redes sociais, e-mails e sites em cuidado, pois seus sistemas não são transpa-
geral. Então, se cuidamos de casa por ser um rentes e, mesmo que alguns tenham cripto-
patrimônio pessoal, que tal cuidarmos do nos- grafia em mensagens e ligações, não sabe-
so patrimônio digital da mesma forma? Suas mos ao certo o que é feito com nossos dados,
senhas não precisam ser estrambólicas, mas já que não existe uma ética que nos assegure
podem ser bem elaboradas. É possível mistu- a transparência.
rar elementos na senhas e, mesmo assim, dei-
xá-las simples para nós e quase impossível de No site Prato do Dia - A refeição dos seus cui-
serem desvendadas por pessoas maliciosas. dados digitais11, é possível aprender como
configurar esses aplicativos para seu uso de
Exemplos: forma menos vulnerável, como a autenti-
cação de dois fatores e outras informações
Vamos d0brar a meta!
importantes para nossos acessos nos servi-
Ficou inelegivel por 8 anos
ços de mensagem.
desinformac@ao eh Crime!

11 https://pratododia.org/pt/.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 67


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Porém, a sugestão é que coletivos e organizações contas invadidas ou negociadas no mercado


testem o uso do Signal, um aplicativo de mensa- digital. Conheça o RISEUP e o PROTONMAIL,
gens também gratuito, cuja transparência nos e teste essas novas experiências!
possibilita a segurança de que os dados e privaci-
dade são respeitados e não comercializados. d. Navegadores e buscadores

A mesma lógica de monopólio vale aqui: o


Na imagem a seguir, trazemos uma tabelinha
Chrome é um navegador incluso no pacote
que é bastante usada por várias organizações
Google e, muitas vezes, já vem até instalado
e que mostra as características de cada aplica-
em computadores e dispositivos móveis. Por-
tivo de mensagens.
tanto, vale a mesma reflexão sobre a perma-
nência desses monopólios em nossos hábitos
c. E-mails seguros
de comunicação. Outras possibilidades de na-
O pacote de serviços digitais do Google é qua- vegador são o Firefox e o TOR, cujos trabalhos
se um monopólio no Brasil, pois tanto pessoas são mais responsáveis com dados de usuários
físicas quanto jurídicas (e também o terceiro e trazem algumas configurações pensadas no
setor) usam os serviços da empresa do grupo cuidado coletivo.
Alphabet. Mas é importante lembrar: cuidado
com o que se entrega a esses serviços “gratui- O mesmo vale para os buscadores. Uma su-
tos”, pois há episódios de vazamento de da- gestão para substituir o Google, por exemplo,
dos pelo Gmail, como consta nesta matéria é o Duck Duck Go, que atua na mesma ética
do site Gizmodo. de proteção e privacidade, sem procurar por
rastros digitais.
Mas nem tudo está perdido! Existem outros
serviços de e-mail que são muito responsáveis Para conhecer mais sobre os cuidados digitais e
no cuidado com dados de usuários e mantém solicitar cursos e formações para coletivos e as-
a comunicação bastante protegida, além de sociações, procure organizações feministas que
serem ótimos serviços para que pessoas que tenham como ética o combate a desinforma-
trabalham com informação não tenham suas ção, o racismo, a LGBTfobia e demais violências.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 68


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Por fim, os cuidados digitais são uma das pos- do Telegram14, que divulgavam desinformação
sibilidades de protegermos nossas comuni- sobre o projeto. As empresas foram notificadas
cações e combater os grandes gabinetes que pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e também
hoje existem para construir desinformação. pelo MInistério Público Federal (MPF) para que
retirassem as falsas informações sobre o PL 2630
UMA INFORMAÇÃO MUITO IMPORTANTE: e também desenvolvessem estratégias de com-
bate à desinformação. Então, é preciso ter muita
Em maio de 2023, diante do debate do Projeto
atenção sobre as práticas dessas empresas que
de Lei 263012, conhecido como PL das Fake News,
acabam lucrando milhões com a desinformação.
foram denunciadas campanhas do Google13 e

10. PARA SABER MAIS


■ Empowering community-driven alliances against social-environmental and climate disinformation, por
Lori Regattieri, Jéssica Botelho e Eliana Quiroz, na Branch Magazine #6: https://branch.climateaction.
tech/issues/issue-6/empowering-community-driven-alliances-against-social-environmental-and-
climate-disinformation/
■ TIC Domicílios: https://cetic.br/pesquisa/domicilios/
■ A Propaganda Desinformativa no Projeto de Destruição Nacional Bolsonarista: A desinformação
como estratégia de governo na agenda socioambiental durante a presidência de Jair Bolsonaro (PL)
https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/28005
■ NetLab lançou o relatório “Panorama da Infodemia Socioambiental: uma análise multiplataforma
do ecossistema brasileiro de mídia digital (2021-2023): https://www.netlab.eco.ufrj.br/blog/
panorama-da-infodemia-socioambiental-uma-analise-multiplataforma-do
■ Agronegócio e extrema direita impulsionam máquina de fake news sobre aquecimento global: https://
apublica.org/2023/06/agronegocio-e-extrema-direita-impulsionam-maquina-de-fake-news-sobre-
aquecimento-global/
■ Jornalismo: falta de veículos abre espaço para desinformação e reprodução de releases em sites
do Amazonas https://infoamazonia.org/2022/03/07/jornalismo-falta-de-veiculos-abre-espaco-para-
desinformacao-e-reproducao-de-releases-em-sites-do-amazonas/
■ Projeto Combate à Desinformação sobre a Amazônia Legal e seus Defensores, Intervozes:
https://intervozes.org.br/wp-content/uploads/2023/04/INTERRelatorioICS-2.pdf
■ Os impactos das infraestruturas de conexão nos ciberativismos de mulheres negras na Amazônia,
por Geisa Santos da Silva, Luis Gustavo de Souza Azevedo e Thiane de Nazaré Monteiro Neves Barros
https://www.cgi.br/media/docs/publicacoes/1/20230427163434/3-coletanea-artigos-tic-governanca-
genero-raca-diversidade.pdf

12 Para conhecer mais sobre o PL 2630: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944


13 Neste link, algumas notícias sobre as denúncias: https://duckduckgo.com/?t=ffab&q=google+faz+campanha+contra+PL+&ia=web
14 Aqui também reunimos alguns resultados de busca sobre “Telegram e a desinformação”: https://duckduckgo.
com/?t=ffab&q=telegram+e+a+desinforma%C3%A7%C3%A3o&ia=web

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 69


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DE MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS. Marcha das Mulheres Negras
(e-book). Disponível em < https://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/e-bookMMnegras200916.
pdf > Acesso em 27 de out 2023.

AMARELA. FOZ. Cuidados digitais e filantropia: ACHADOS E RECOMENDAÇÕES BÁSICAS. Disponível em


<https://fase.org.br/wp-content/uploads/2022/10/Cuidados-digitais-e-filantropia.pdf> Acesso em
27 de out 2023.

BRONZE, Giovanna. Amazônia lidera com mortes de ambientalistas e defensores do meio ambiente,
aponta relatório. Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/amazonia-lidera-com-mortes-
de-ambientalistas-e-defensores-do-meio-ambiente-aponta-relatorio/> Acesso em 27 de out 2023.

CANCLINI, Néstor García. ¿De qué estamos hablando cuando hablamos de lo popular?. Comunicación y
culturas populares en Latinoamérica, p. 21-37, 1987.

CARDOZO, Glenda Dantas. A atuação estratégica de mulheres negras no combate às brechas digitais
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GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo. 1.
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RECUERO, Raquel; SOARES, Felipe Bonow. A Desinformação sobre Meio Ambiente no Facebook: O caso
das Queimadas no Pantanal Brasileiro. Journal of Digital Media & Interaction, v. 3, n. 8, p. 64-80, 2020.
DOI: 10.34624/jdmi.v3i8.21243.

SERRANO, Pascual. Desinformação: como os meios de comunicação ocultam o mundo. Rio de Janeiro:
Espalhafato, 2010.

TRINDADE, Luis Valério. Mídias sociais e a naturalização de discursos racistas no Brasil. In Silva, T (Org).
Comunidades, algoritmos e ativismos digitais: Olhares afrodiaspóricos (p. 25-41). São Paulo, SP/Brasil:
LiteraRUA, 2020.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 70


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

COMO OS BRASILEIROS SE INFORMAM


– OU DESINFORMAM: A VIOLÊNCIA
POLÍTICA CONTRA DEFENSORES DE
DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA
DESORDEM DA INFORMAÇÃO
TATIANA DA SILVA LIMA 1

A criminalização da pobreza não é um fenômeno Lula da Silva, visitou o Complexo do Alemão, em


novo. Trata-se de uma manifestação global per- 12 de outubro de 2022 e, posteriormente, após a
meada de preconceito, xenofobia, racismo, clas- cerimônia de posse do mesmo, em Brasília, em 1º
sismo e discriminação social contra as populações de janeiro de 2023. Em entrevista concedida ao
mais vulneráveis em todo o mundo. Mas, no Brasil, RioOnwatch, Raull Santiago descreve a situação
segundo colocado no ranking de países com maior usada para disseminação de fake news contra ele.
tempo médio diário gasto nas redes sociais, esse
fenômeno ganha cada vez mais espaço no meio “Eu estava no jantar no Palácio do Itamaraty
digital a partir da criação intencional de desinfor- e havia vários ministros, pessoas famosas,
mação para produção de violência política contra gente de vários lugares do mundo, dentre
defensoras e defensores de direitos humanos. eles, o ministro do Supremo Tribunal Federal
[STF] Alexandre de Moraes. Eu, junto ao Rene
Um dos casos mais recentes aconteceu com o ati- Silva, e o Preto Zezé, da CUFA, tiramos uma
vista e defensor de direitos humanos ambiental selfie com o ministro. Aí postei no meu status
e antirracista, Raull Santiago, integrante do Co- no feed do Instagram e, automaticamente,
letivo Papo Reto e do Coletivo Movimentos, cria essa foto viralizou com os dizeres de que o
e morador do Complexo do Alemão (zona norte Alexandre de Moraes havia tirado fotos com
do Rio de Janeiro). Ele foi vítima de diversas no- lideranças do PCC [Primeiro Comando da Ca-
tícias falsas que começaram a circular no dia em pital] durante o jantar oferecido na posse”.
que o então candidato à presidência, Luiz Inácio

1 Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista e comunicadora popular e repórter especial do RioOnWatch. Mestra em Mídia e Cotidiano pela UFF e
doutoranda em Comunicação pela mesma instituição, ela integra o Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão.
Atua também como editora de jornalismo no jornal Fala Roça e como assessora de comunicação na área de proteção de defensoras e defensores
de direitos humanos. Ainda, atua como professora de jornalismo no curso de Comunicação Popular do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 71


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

A mentira disseminada associava os premiados controlar a narrativa e defender a vítima de uma


mobilizadores comunitários de favela e ativistas tempestade de desinformações que tentam con-
de direitos humanos, dois cariocas e um cearen- vencer a opinião pública de que aquela vida, na
se, (re)conhecidos mundo afora por sua dedica- verdade, não tem valor social.
ção ao fortalecimento e melhoramento de seus
territórios – todos homens negros, sendo um de Em suma, que aquele corpo sem vida (ou preso,
pele clara e dois de pele preta – ao crime de trá- torturado ou machucado) não era alguém dig-
fico de drogas na cidade de São Paulo. Se antes no do Estado e da sociedade lamentar pela sua
“crias” (moradores de favelas e periferias) eram morte. Um processo de gestão da vida de corpos
vítimas da criminalização da pobreza a partir da marcados ou deixados para morrer, isto é, uma
versão policial apresentada em delegacias, autos política da morte que Achille Mbembe (2018)
de processos judiciais e, inclusive, em reporta- conceitua como necropolítica. Um fenômeno dis-
gens publicadas em jornais, hoje, no Brasil hiper- cursivo social decorrente do racismo estrutural
conectado pelas mídias sociais, corpos negros brasileiro que, inclusive, está presente nas narra-
oriundos de favelas e periferias – conhecidos ou tivas jornalísticas há pelo menos quatro décadas.
não – passaram a ser alvos abertamente do dis- Afinal, quem nunca ouviu no telejornal local ou
curso de ódio, preconceito e racismo estrutural nacional, além de ler em páginas de jornais, as
e ambiental brasileiro a partir da desordem da expressões “cidadão de bem” ou “sem antece-
informação causada por desinformação produ- dentes criminais”? A problematização e reflexão
zidas estrategicamente para “matar” reputações sobre a produção simbólica e concreta de tais
como um tiro de fuzil mata pessoas negras em narrativas jornalísticas e suas consequências em
territórios periféricos urbanos e rurais. congressos acadêmicos ou profissionais da área
é um fenômeno recente – em parte, somente
Trata-se de notícias falsas construídas e dissemi- possível pela visibilidade de vozes periféricas tra-
nadas para violar direitos e, sobretudo, criminali- zida pela internet e pelas mídias sociais.
zar defensores de direitos humanos por meio de
seus territórios, identidades e/ou vulnerabilida- De acordo com uma pesquisa realizada pela
de social em um cenário de generalização online agência de marketing digital Sortlist, em média,
da criminalização da pobreza, isto é: a imputação contando com horário online tanto trabalhando
de suspeição moral, ética e criminosa às práticas quanto no lazer, o brasileiro gasta 10 horas e 8
e ações de uma pessoa em decorrência de achis- minutos por dia navegando na internet, o equi-
mos sociais, estigmas, locais de moradias, raça e valente a 154 dias por ano. O relatório Digital
até de sociabilidade, uma vez que diversas pes- 2022 reforça a presença dos brasileiros online,
soas periféricas acabam sendo criminalizadas so- ao mostrar que há cerca de 171,5 milhões de
cialmente por serem amigas de pessoas que te- usuários de redes sociais no Brasil. Os dados, co-
nham ou respondam a algum processo criminal. letados em janeiro de 2022, revelam que 79,9%
da população brasileira utiliza alguma rede social
Não é à toa ou mera coincidência que qualquer no seu dia a dia.
família de pessoas oriundas de favelas cujo pa-
rente tenha sido morto em situação de confron- Já no recente relatório “Desigualdades informa-
to e/ou operação policial nas favelas e periferias tivas: entendendo os caminhos informativos dos
– e até zonas rurais ou de cidades do interior brasileiros na internet”, mostra e identifica como
em conflitos de terras, por exemplo – recorra a os brasileiros se informam. O estudo, produzido
apresentação da carteira de trabalho do morto pelos pesquisadores do Aláfia Lab – laboratório
como uma prova de que a vítima do assassinato de pesquisa que se concentra nas áreas que en-
era um trabalhador ou até um estudante. Neste trelaçam internet, política e sociedade –, foi lan-
último caso, mães e familiares vítimas de violên- çado no final de outubro de 2023. Para atingir
cia do Estado chegam a levar a camisa da escola, o objetivo, os pesquisadores coletaram dados
geralmente da rede pública de ensino, mancha- quantitativos obtidos através de um painel onli-
da de sangue em audiências, protestos, atos e na ne (com convites aleatorizados), respondido por
mídia. Ambas as categorias discursivas, trabalha- 1.000 pessoas de todas as regiões do país, entre
dor e estudante, são uma forma da família tentar 27 de abril e 9 de maio de 2023. Os participantes

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 72


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

respondiam a um conjunto de perguntas refe- chamada de fake news (notícias falsas), porque
rente ao consumo de informação, cujo objetivo se compreende como notícias ou informações
foi investigar como esses hábitos variam de acor- verificáveis de interesse público. Neste contexto,
do com gênero, renda, idade e raça. a expressão “notícia falsa” é uma figura retórica
que danifica a credibilidade da informação verifi-
A pesquisa constatou que os brasileiros amam cada, isto é, a noção do que é uma notícia.
as mídias sociais. Embora as plataformas deem
cada vez menos visibilidade para notícias, 94% Ainda de acordo com o First Draft (2020), o termo
das pessoas utilizam as redes sociais para se “fake news” também não deve ser mais utilizado
informar – a ordem de preferência é: Facebook porque fracassa em capturar a nova realidade da
(42,4%), Instagram (27,3%) e YouTube (14,2%), sociedade constituída pelo digital. Além disso, a
respectivamente. Na sequência, estão os sites de expressão é amplamente usada por políticos em
busca (92%), portais de notícias e aplicativos de todo o mundo para desacreditar e atacar o jorna-
mensagens, ambos com (86%). lismo profissional. Para o First Draft (2020), a rea-
lidade sobre a qual estamos inseridos é de um
Enquanto o uso de redes sociais, por exem- mundo onde a desinformação é produzida como
plo, cai significativamente com aumento um conteúdo intencionalmente falso e criada
das faixas etárias e com a diminuição da para causar danos, sendo motivada por três fa-
renda, o uso do WhatsApp é constante- tores distintos: ganhar dinheiro; ter influência
mente alto entre todas as segmentações política internacional ou nacional; ou causar pro-
de idade, renda, gênero e raça. No What- blemas por causa disso, sendo que, quando a de-
sApp, a proximidade da fonte de informa- sinformação é compartilhada, muitas vezes, [ela]
ção é um fator preponderante, com 75,3% se transforma em mesinformação.
das pessoas obtendo informações exclu-
sivamente ou principalmente por meio de A maior parte desse conteúdo nem é falso;
conversas individuais. Por outro lado, o muitas vezes é verdadeiro, usado fora de
Telegram favorece o contato com grupos contexto e armado por pessoas que sabem
e canais, que não necessariamente reque- que falsidades baseadas em um núcleo de
rem proximidade. (Santos, N.; Almada, M. verdade têm mais probabilidade de serem
P.; Carreiro, R.; Cerqueira, E. 2023, p. 8) tomadas como verdade e compartilhadas.
Além disso, a maior parte disso não pode
Portanto, não é coincidência que a criminaliza- ser descrita como “notícia”. São rumores à
ção da pobreza tenha tanta aderência na arena moda antiga, memes, vídeos manipulados,
pública das redes sociais e dos grupos de men- “anúncios micro-localizados” hiperseg-
sagens trocadas por aplicativos, tornando esses mentados e fotos antigas compartilhadas
“canais de mídias” a principal fonte da dissemina- novamente como se fossem novas (FIRST-
ção de desinformação e que, a partir daqui, pas- DRAFT, 2020, p.8).
so a nomear como “desordem da informação”
(FIRSTDRAFT, 2020). Esse termo se refere a fatos Portanto, a disseminação de desinformação e a
que não são totalmente falsos, mas que podem desordem da informação que estamos enfren-
desinformar, a depender de como são apresen- tando diariamente ao consumir conteúdos na
tados em forma de notícia ou conteúdo infor- internet a partir das mídias – qualquer tipo de
macional em mídias sociais que, de acordo com mídia – deve ser um problema tratado como
a publicação First Draft, possui sete categorias: um risco potencial para defensores de direitos
sátira ou paródia (memes), conteúdo enganador, humanos. Não é uma mera disputa de narrati-
conteúdo impostor, conteúdo fabricado, cone- va sociológica, ideológica, partidária ou ainda
xão falsa, conteúdo falso e contexto manipulado. como “brincadeiras”, já que os efeitos dessas
desordens informacionais e desinformação tra-
Mas é necessário, primeiro, compreender o que zem sérias consequências que expõe pessoas
é uma desinformação. Segundo o Manual Para de grupos específicos (mulheres, LGBTQIAPN+,
Educação e Treinamento de Jornalismo, produzi- população negra, quilombola, indígenas, ribeiri-
do pela Unesco, a desinformação não deve ser nhas, geraizeiras), categorizados como minorias

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 73


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

ou periféricos ao risco, o que na prática expõe Precisamos entender que a política tam-
defensoras e defensores de direitos humanos à bém marca (e é marcada por) essas pes-
violência política, estando vivos ou mortos. soas, que têm sua participação na vida pú-
blica e sua expressão alvejadas.” (Tranjan,
Na camada digital da criminalização da pobreza em entrevista concedida ao RioOnWatch,
através da desinformação, podemos identificar o publicada originalmente em 23 de março
uso de imagens ou vídeo manipulados, de tex- de 2023, nos idiomas português e inglês).
tos ou áudios com informações mentirosas ou
desonestamente editados e tiradas proposital- De acordo com o Guia Violência Política e Eleitoral
mente de contextos ou, ainda, em sátiras, piadas no Brasil realizado pelas organizações Terra de
e inofensivos memes. A desordem informacional Direitos e Justiça Global, a violência política pode
promove um verdadeiro tribunal sobre o direito ser entendida como:
à vida e a morte em aplicativos de mensagens,
reproduzindo violências contra pessoas de di- Atos físicos, de intimidação psicológica e/ou
ferentes grupos socialmente minoritários, cujas discriminatórios, agressões, disseminação
lideranças são geralmente pautadas pela luta de discursos de ódio e conteúdo ofensivo
por direitos humanos e que passam a ser vítima contra grupos historicamente discrimina-
através da camada digital do fenômeno da vio- dos, em especial, pessoas eleitas, candi-
lência política. Essa é a opinião de Maria Tranjan, datas, pré-candidatas ou designadas para
representante da Rede de Proteção a Jornalistas exercer papel de representação pública e/
e Comunicadores e coordenadora da área de ou política, com objetivo de suspender, in-
Proteção e Participação Democrática da organi- terromper, restringir, ou desestabilizar seu
zação de direitos humanos ARTIGO 19 – entida- exercício livre e pleno de representação e
de-membro do Comitê Brasileiro de Defensoras participação política. (2020, p.14)
e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH).
O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores
Ela explica que o fenômeno da violência política
de Direitos Humanos (CBDDH), composto por 48
nas redes sociais no Brasil se estende para além
entidades da sociedade civil e dos movimentos
de episódios de violência direcionada a políticos
sociais durante as eleições de 2022, lançou o
no exercício do mandato ou de candidatos a car-
Guia Prático de Proteção à Violência Política Para
gos no período eleitoral. Em entrevista concedi-
Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, em
da ao RioOnWatch, publicada originalmente em
resposta ao aumento de casos registrados de
23 de março de 2023, nos idiomas português e
violência política contra defensores de direitos
inglês, ela afirma:
humanos no Brasil diante da realidade da pola-
rização política deflagrada no Brasil.
“Uma boa parte do campo considera que
só candidatas/eleitas podem sofrer essa Nas Eleições de 2022, o estado democrático de
forma de violência política. Mas a gente [da direito estava em risco e havia a necessidade prá-
ARTIGO 19] tem construído no sentido de tica de municiar ddhs – candidatos ou não – para
compreender que, quando a violação con- se protegerem da violência política elaborada
tra comunicadores tem caráter político, [e] através das redes sociais não apenas por amea-
é motivada por posicionamento ou cober- ças ou discursos de ódio, mas também por meio
tura política, é também uma forma de vio- da criminalização das formas de ser, existir, per-
lência política… Se esvaziarmos episódios tencer de grupos minoritários, cujas lideranças
que não dizem respeito a mandatos eleti- comunitárias de movimentos de reivindicação
vos da carga política que está ao redor da de direitos são formadas por defensoras e de-
violência, acabamos por invisibilizar desde fensores de direitos humanos. Assim, a violência
uma jornalista que sofreu ameaças por política é compreendida como: toda ação de pes-
determinada cobertura política, até casos soas e agentes públicos que busca desestimular
como o de Mestre Moa [além e ddh dire- ou impedir que agentes das pautas de direitos
tamente ligados a área ambiental em qui- humanos participem de esferas políticas de
lombos, indígenas territórios geraizeiros]. atuação (coletivos, comunidades, movimentos,

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 74


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

sindicatos, conselhos, comitês, campanhas, elei- saúde, pela efetivação de direitos huma-
ções). Essa violência geralmente está associada nos que, em grande parte, já são previstos
à discriminação, preconceito, misoginia, sexismo, constitucionalmente (DOSSIÊ VIDAS EM
racismo e homofobia. “São ameaças e agressões LUTA, 2022, p. 14).
que reproduzem discurso de ódio contra as dife-
renças sociais, sexuais, étnicas, raciais e culturais Portanto, falamos aqui de povos e comunidades
que caracterizam a sociedade brasileira” (CBD- tradicionais no Brasil, que têm sua existência
DH, 2022, p. 9-10). coletiva e individual, identificando-se a partir do
território, de seus modos de vida, práticas, costu-
Para o Comitê Brasileiro DDH, o que estrutura a mes e tradições. São grupos com uma íntima re-
violência contra defensoras e defensores de di- lação com o ambiente em que vivem e que lutam
reitos humanos “é um estado ancorado no racis- para a manutenção de sua identidade enquanto
mo e no sexismo e em um sistema econômico povo, como pessoas e comunidades indígenas,
no qual o lucro e a riqueza de alguns valem mais quilombolas, geraizeiras, ribeirinhas, mas tam-
do que a vida de determinadas pessoas” (DOSSIÊ bém comunidades urbanas nas cidades mora-
VIDAS EM LUTA, 2022, p. 13). Assim, quanto mais doras de áreas periféricas. São comunidades em
uma pessoa ou coletividade está fora de um pa- que a reivindicação de direitos é a tônica da vida,
drão branco, masculino, sexualmente normativo pois as políticas públicas não chegam e a efetiva-
e rico, mais vai sofrer com as desigualdades, afir- ção dos direitos sobre os territórios em que ha-
ma o CBDDH. Neste contexto, o Comitê Brasilei- bitam, em geral, há séculos, tem se tornado cada
ro de DDH, compreende como: vez mais precária e distante.

Defensoras e defensores de direitos hu- De acordo com o estudo Desigualdades sociais


manos, são aquelas pessoas que lutam por cor ou raça no Brasil, realizado pelo IBGE em
para mudar essa realidade, a partir de 2019, pessoas negras são a maioria das pessoas
seus locais de atuação. São organizações, que moram em residências sem abastecimento
movimentos sociais, povos e comunidades de água, sem coleta de lixo, e sem esgotamento
que lutam por melhores condições de vida, sanitário. Já em relação à realidade fundiária, se-
por um meio ambiente equilibrado e pro- gundo pesquisa feita a partir dos dados de IBGE
tegido, pela proteção de seus territórios (2019) pela Agência Pública, há mais produtores
tradicionais, por terra, moradia, pelo direi- negros que brancos no Brasil. No entanto, a po-
to das mulheres, pelo direitos das pessoas pulação negra tem posse majoritariamente de
serem livres para exercerem sua sexuali- menores propriedades (cinco hectares). Inclusive,
dade, sua identidade de gênero, contra a quanto maior o tamanho da propriedade, menos
violência que sofre a juventude negra, pelo os negros são proprietários. Já as pessoas bran-
desencarceramento, por trabalho, pela cas são donas de quase 60% das terras do Brasil.

1. CRIMINALIZAÇÃO DE DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS


Sete dias após o primeiro episódio do uso da foram, mais uma vez, acusadas de associação ao
imagem de Raull Santiago e Rene Silva, a desin- tráfico de drogas por diversos tipos de desordem
formação em conteúdos falsos, manipulados ou informacional. Chama atenção que a nova onda
desonestamente retirados de contexto e mani- de fake e, consequentemente, de violência polí-
pulados na internet, em 2 de janeiro de 2023, no- tica contra os ddhs, aconteceu após a invasão e
vas desinformações foram propositalmente pro- a depredação dos prédios públicos do Supremo
duzidas para serem disseminados em grupos do Tribunal Federal, Senado Federal e Câmara dos
Telegram, WhatsApp, Twitter, TikTok e Instagram. A Deputados, na Praça dos Três Poderes, em Bra-
grande maioria incitando, de acordo com Raull sília, em 8 de janeiro, realizada por bolsonaristas
Santiago, o ódio e a violência contra as lideran- que não aceitavam o resultado das eleições de-
ças comunitárias do Complexo do Alemão que mocráticas de 2022.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 75


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Desde que a intervenção federal foi decretada no Instagram. Na descrição da página, eles expli-
pelo agora Presidente da República, Luiz Inácio cam um pouco de quem são, em uma tentativa
Lula da Silva, acarretando a prisão de milhares de controlarem as narrativas construídas sobre
de “patriotas” que participaram dos atos da ex- suas próprias vidas: “Acusados por fake news de
trema-direita, esses grupos passaram a disse- serem infiltrados nos atentados em Brasília, aqui
minar notícias falsas nas redes sociais, em uma mostram suas rotinas e lutas pessoais e pela FA-
tentativa de se desvincularem dos crimes come- VELA em que vivem, o CPX”. O objetivo central
tidos. Para isso, criaram a narrativa de que su- era hackear a desinformação e publicizar quais
postos infiltrados – como Rene Silva e, principal- eram as notícias falsas disseminadas em grupos
mente, Raull Santiago – teriam entrado no meio de mensagens por aplicativos, apresentando a
das “caravanas de patriotas” para cometerem cri- narrativa verdadeira através dos posts no Insta-
mes contra os prédios públicos e os difamarem. gram. Além disso, a ação também teve o intuito
A prática do uso da desinformação é hábito de de “blindar ele [Raull Santiago] e os três amigos
grupos extremistas de direita, sendo largamente de possíveis violências políticas, policiais e de
usada para promover uma guerra cultural de dis- bolsonaristas nas redes e nas ruas”, conforme
puta de narrativas. explica Santiago. “Nossa intenção é mostrar que
[nós] os [supostos] ‘depredadores’, na verdade,
Uma das principais fotos manipuladas com de- fazemos trabalhos incríveis para melhorar a rea-
sinformação traz a imagem de Raull em uma laje lidade da sociedade, a partir de nossas próprias
no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, fave- favelas e periferias”.
la onde vive e trabalha como gestor de diversos
projetos sociais. Na foto, ele está acompanhado De acordo com Raull Santiago, o monitoramen-
dos amigos Anthony Benné, Rildo Riele e Tiago to das “notícias falsas” vinculando a imagem e
da Purificação. Três jovens negros e empreen- nome dele, além dos amigos nas mídias sociais,
dedores sociais que, junto com Raull, foram acu- seguiu três linhas discursivas. Primeiro, acusou
sados de formar um “bando” para depredar os ele e Rene Silva de serem chefes do tráfico por
prédios públicos, em Brasília. usarem o boné com a sigla CPX, que significa
Complexo do Alemão ou Complexos – em refe-
“Meu amigo Tiago Purificação, por exem- rência a conjuntos de favelas no Rio de Janeiro –
plo, nunca havia ido a Brasília. Ele foi co- e não uma sigla de facções criminosas do varejo
migo no dia 1º de janeiro e voltou no dia do comércio de drogas, conforme disseminada
2 de janeiro. Já o Anthony Benné e o Rildo por grupos bolsonaristas durante as eleições de
Riele nunca nem foram a Brasília. Mas as 2022. Posteriormente, grupos de extrema-direita
fakes [news] veiculadas falam como se to- passaram a incitar, através destas ações de de-
dos nós tivéssemos lá participando daque- sordem de informação, a mobilização de ataques
la coisa absurda”. (RIOONWATCH, 23 de de ódio e violência física, psicológica e simbóli-
março de 2023). ca contra eles. E, por último, as publicações com
imagens editadas passaram a incentivar que
Ele relata nesta entrevista que, além do medo de policiais fossem atrás dos jovens (todos negros)
acontecer uma “violência física” com os amigos, para cometer atos de violência física, incluindo a
lamentava que os jovens também perderam dois afirmação: “vamos caçar [eles]”.
trabalhos publicitários em decorrência da ima-
gem negativa associada à figura deles na mídia. Em virtude disso, Santiago, junto com os amigos,
Isso configurou um processo de destruição não denunciaram o caso à Delegacia de Crimes Ra-
apenas de reputações, mas cujos efeitos se ex- ciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), em 9 de
pandem até sobre a vida econômica para jovens janeiro de 2023. Ele também produziu um dos-
negros moradores de favelas, que se tornaram siê com um mapeamento das fakes news e pes-
vítimas mais uma vez dos sistemas que perpe- soas que as compartilharam para ser entregue
tuam a desigualdade e racismo no Brasil. à Delegacia de Repressão aos Crimes de Infor-
mática (DRCI), em outra queixa-crime. À época,
Como resposta ao processo de criminalização, os Rene Silva, premiado em 2018 como um dos 100
quatro jovens criaram o perfil @osinfiltradoscpx, afrodescendentes mais influentes do mundo e

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 76


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

fundador do Voz das Comunidades – mídia co- posicionando muito forte nas redes sociais.
munitária também reconhecida internacional- Mas não é só isso. O fato de ser um jovem
mente – afirmou em entrevista concedida para negro da favela também conta. A vulnera-
o RioOnWatch que o processo de criminalização bilidade da gente acaba sendo muito maior
através da divulgação de “notícias falsas” ocorreu
do que a de outras pessoas brancas e de
devido às lideranças comunitárias terem mani-
outros lugares políticos apoiando o Lula,
festado voto a favor do presidente Lula, nas elei-
sabe? Porque um branco não fica tanto em
ções de 2022, no ato realizado em 12 de outu-
vulnerabilidade… agora, um jovem negro
bro daquele ano.
da favela, que historicamente é marginali-
“Eu me posicionei a favor da campanha do zado, dito como lugar de bandido e trafican-
Presidente Lula nas eleições. Antes mesmo te, falar de um presidente incomoda, né?”
da visita dele no Alemão, eu já estava me (RIOONWATCH, 23 de março de 2023).

2. MAS, QUEM É RAULL SANTIAGO?


Cria do Complexo do Alemão, Raull Santiago é a presença do Bolsonaro na presidência do
defensor dos direitos humanos no Rio de Janeiro. nosso país. Aí vêm as eleições [2022], né? E
Em 27 de março de 2014, co-fundou o Coletivo aí a gente explode no radar deles quando
Papo Reto: um Coletivo de Comunicação Inde- o Lula vem ao Complexo do Alemão. Mais
pendente que iniciou as atividades documentan- ainda porque, quando Hector [um mobi-
do a vida no Complexo do Alemão. No começo, lizador do Voz das Comunidades] entrega
a intenção do grupo era chamar a atenção para um boné do CPX para Camila Moradia, que
o que estava acontecendo na favela em meio à coloca esse boné no Lula. Esse boné vira-
pacificação do Complexo do Alemão, destacando liza no final da corrida do segundo turno
a violência policial que era ignorada pela mídia da eleição, como uma fake news, né? Cri-
tradicional. Cria da primeira geração de jovens minalizando aí não só nós, mas, a partir do
de favelas com acesso a smartphones, Raull vem Complexo do Alemão, todas as periferias
desde então usando seus perfis nas mídias so- e favelas, no sentido em que se acusa a
ciais, que hoje somam quase 600.000 seguido- sigla a ter relação ao crime, né? Quando
res, para se comunicar. Apesar disso, a visibilida- a própria unidade de Polícia Pacificadora
de não blindou o corpo e a imagem de Santiago e nos complexos do Alemão e da Penha e,
nem tampouco de Rene Silva, fundador do jornal em outras áreas, usam a abreviação CPX
Voz das Comunidades, de serem alvos de desin- para falar de “complexo”. Nós, moradores
formação, tendo a vida exposta ao risco. e moradoras, usamos CPX como referência
ao lugar onde a gente vive (RIOONWATCH,
Para ele, a visibilidade justamente se tornou uma 23 de março de 2023).
ferramenta de proteção ao mesmo tempo que
colocou tanto ele como outras lideranças da fa- Segundo ele, os diversos posts com manipula-
vela no “radar da ultradireita grupos conservado- ção de dados, informações, contextos e acusa-
res, do bolsonarismo e do fascismo”. ções difamatórias começaram a ser postados
por “várias pessoas das minhas redes sociais,
Eu acredito que desde a época do golpe da principalmente no Twitter e no Instagram”, o
Dilma, época que a gente já postava textos marcando nas publicações. Foi assim que ele
nas redes sociais contra governos autoritá- tomou conhecimento do que estava aconte-
rios, entramos no radar da ultradireita, do cendo. “Estavam botando a minha cara no meio
bolsonarismo, do fascismo. O Bolsonaro dos atos de terrorismo e vandalismo [da tenta-
ganha, a gente continua ali ferrenho, né? tiva de golpe de 8 de janeiro], me associando
Contra todo o significado perverso do que àquelas imagens”.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 77


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Em entrevista concedida à autora deste capítu- não, tenho uma rede social com bastante
lo, quando repórter especial do RioOnWatch, seguidor e tenho um contato direto com
Santiago foi questionado se o apoio nas elei- a imprensa de vários veículos nacionais e
ções de 2022 ao Presidente Lula que desenca- internacionais, que seguem me ajudando,
deou as “notícias falsas”, era considerado por dando a notícia de que aquilo é fake, ex-
ele como um processo de criminalização da po- plicando e me ajudando a multiplicar essa
breza. Também lhe foi perguntado qual foi o seu contranarrativa. Mas, eu fiquei preocupa-
maior medo com a circulação e disseminação do com os outros jovens negros da foto,
de memes, posts e “notícias falsas” usando sua principalmente porque eles trabalham
imagem. Surpreendentemente, Raull expôs mais muito na rua. Os meninos foram a minha
uma vez a visibilidade como uma ação mobiliza- maior crise. Mas, a gente conversou bas-
dora de extremos: risco e proteção. tante, denunciou junto esses casos, fomos
juntos abrir o boletim de ocorrência [de
Olha, infelizmente, não é a primeira vez crime racial e cibernético]. Inclusive, tam-
que eu passo por uma situação de fake bém por segurança de todos nós. Fizemos
news. O meu medo, por exemplo, nessa isso como uma ferramenta de segurança
fake news recente da depredação em Bra- e blindagem, caso passemos por alguma
sília, foi sobre os meninos que estavam situação de violência direta, caso vire uma
numa das fotos comigo. Eu, querendo ou coisa física, né?

3. DE CARNE, SANGUE, PELE E OSSO


Sendo [a autora] assessora de comunicação localizada no município de Simões Filho, estado
na área de proteção a defensoras e defensores da Bahia –, chocou o país e seu corpo não deve
de direitos humanos, repórter e editora de jor- ser esquecido por nós, bem como sua vida.
nalismo há quase vinte anos de experiência em
cobertura de cidade, segurança pública, violên- Mãe Bernardete estava sob proteção do Estado e
cia armada e no campo de pautas de direitos registrada no Programa de Proteção aos Defen-
humanos, é possível aprender que ações de vi- sores de Direitos Humanos no Brasil quando foi
sibilidade e comunicação precisam ser pensadas assassinada. Ela era mãe de Flávio Gabriel Pacífico
estrategicamente, sendo sempre acompanhada dos Santos (Binho do Quilombo), liderança quilom-
de uma análise de situações de riscos. O campo bola da comunidade Pitanga dos Palmares, tam-
da visibilidade como ferramenta de proteção não bém assassinado, em 2017. A CONAQ denunciou
necessariamente garante ou blinda uma fonte, o caso no Conselho de Direitos Humanos das Na-
sendo defensora de direitos humanos – ou não – ções Unidas para alertar sobre a violência no país
de serem alvos de atentados, seja nas favelas ou e pedir que o estado brasileiro se responsabilize e
periferias ou em áreas rurais e ambientais. adote medidas concretas. A yalorixá e defensora
de direitos humanos vivia sob ameaças desde que
Inclusive, nem mesmo a inserção de um DDHs no passou a cobrar justiça pelo assassinato do filho.
Programa Nacional de Proteção a Defensoras e Por isso, ela foi incluída no Programa Nacional de
Defensores de Direitos Humanos, consegue blin- Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Co-
dar ou garantir a vida de DDHs no Brasil. Ações municadores e Ambientalistas (PPDDH), em 2017.
de visibilidade e comunicação precisam ser usa- Foi assassinada com mais de 20 tiros disparados,
das de forma estratégica e não como uma regra sendo 12 diretamente em seu rosto. Morreu sem
universal para todos os casos de DDHs em situa- conseguir a paz da justiça para seu filho. Foi assas-
ção de risco de morte e ameaçados. Em 17 agos- sinada praticamente na frente de seus netos.
to de 2023, o assassinato da quilombola Mãe
Bernadete, coordenadora Nacional da CONAQ – A Comunidade Pitanga dos Palmares luta há
e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, anos pela regularização fundiária mas, até agora,

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 78


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

o processo não foi concluído pelo Instituto Na- em todo o território nacional. Como afirma a jor-
cional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), nalista Mariana Belmont, organizadora do livro:
deixando o território vulnerável a invasões e as Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Bra-
pessoas sujeitas a violações do direito à terra, sil, aqui, neste país, “o racismo ambiental chegou
à água e à vida por grupos ligados à especula- com as caravelas”. E completo: com as caravelas
ção imobiliária, interessados em ocupar a área. e navios negreiros, a violência contra todo corpo
Vivem na comunidade cerca de 289 famílias e que respire e que não seja branco. Se há carne,
tem 854,2 hectares, reconhecidos em 2017 pelo sangue e osso revestido de pele de cor, então,
Relatório Técnico de Identificação e Delimitação esse corpo é uma vida que pode ser arrastada
– RTID do Instituto Nacional de Colonização e Re- pela necropolítica do Estado brasileiro.
forma Agrária (Incra).
Portanto, jornalistas e a mídia brasileira em ge-
Em 29 de outubro de 2023, José Alberto Moreno ral precisam compreender que, ao citar, pautar,
Mendes, 47 anos, conhecido como “Doka”, foi mais apurar e produzir reportagens sobre defenso-
um corpo tombado no chão do Brasil. Segundo le- ras e defensores ambientais, bem como notícias
vantamento da Campanha Nacional de Combate com demais defensoras e defensores de direitos
à Violência no Campo, com o caso de Doka, entre humanos, devem ser pensadas a partir de um
2005 e 2023, foram 50 quilombolas assassinados conjunto de estratégias com pactuação de com-
no país, sendo 20 vítimas de execução no Mara- promissos de redução de danos para DDHs para
nhão e 16 na Bahia. O Maranhão contabiliza 40% além da própria equipe de jornalismo na produ-
dos quilombolas assassinados no Brasil nos úl- ção da matéria – que também são, em grande
timos 18 anos. Doka era do povoado Jaibara dos maioria, profissionais com compromisso com os
Rodrigues, integrante do Território Quilombola direitos humanos. Todos podem se tornar alvos,
Monge Belo, em Itapecuru-Mirim, a 122 km da ca- mas defensoras e defensores de direitos huma-
pital do Maranhão. Presidente da Associação de nos – ambientais ou não – permanecem em seus
Moradores do Quilombo de Jaibara dos Rodrigues, territórios enquanto muitos profissionais de jor-
ele estava próximo de sua casa quando dois pisto- nalismo voltam seguros para casa.
leiros em uma moto preta dispararam cinco tiros.
É estratégico que profissionais de mídia possam
Dados do Relatório Global de Expressão indicam compreender que, no Brasil, quando falamos de
que o exercício da liberdade de expressão atingiu conflitos territoriais, violência no campo em fa-
seu menor patamar no mundo todo em 20 anos. velas e nas periferias do interior e das cidades,
No estudo, mais uma vez o Brasil se destaca ne- bem como crimes ambientais, consequentemen-
gativamente, apresentando a queda mais expres- te, estamos contando histórias de pessoas. Elas
siva no indicador de liberdade de expressão em não são meros números ou nomes empilhados
todas as comparações realizadas. Nesse contexto, em relatórios e boletins de ocorrência policial ou
a proteção e segurança das defensoras e defen- hospitalares. Mais do que dados e números, jor-
sores ambientais se torna um tema ainda mais nalistas e a mídia geral devem procurar organiza-
importante. Dados da Comissão Pastoral da Terra ções da sociedade civil para serem escutadas na
(CPT), uma das organizações que compõem o Co- construção de pautas, produção de reportagens
mitê, apontam que o Brasil registrou, em média, e, sobretudo, não apenas para terem o espaço
um conflito no campo a cada quatro horas. Em de uma aspa. Suas vozes são importantes para
2022, foram registrados 2.018 casos de conflitos apoiar o trabalho e, acima disso, proteger junto
no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais com a ação e comunicação: todos os defensores
de 80,1 milhões de hectares de terra em disputa de direitos humanos do Brasil.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 79


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

4. REFERÊNCIAS
BELMONT, Mariana. Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil. Org: Instituto de Referência
Negra Peregrum. São Paulo, 2023.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1, 2018.

SANTOS, N.; ALAMDA, M. P.; CARREIRO, R.; CERQUEIRA, E. Desigualdades informativas: entendendo os
caminhos informativos dos brasileiros na internet. Salvador: Aláfia Lab, 2023. 38 p. Disponível em https://
alafialab.org/wp-content/uploads/2023/10/Relatorio-desigualdades-informativas-Alafiala-2023_
compressed.pdf. Acesso em outubro de 2023.

Guia prático de proteção à violência política para defensoras e defensores de direitos humanos. Comitê
Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: 2022. Disponível em
https://comiteddh.org.br/wp-content/uploads/2022/09/cbddh_guia_violencia_politica.pdf. Acesso em
outubro de 2023.

RIOONWATCH. Violência Política Através de Notícias Falsas: Uma Nova Face da Criminalização da Pobreza
e de Lideranças Comunitárias nas Favelas. RioOnWatch: 23 de março de 2023. Disponível em <https://
rioonwatch.org.br/?p=65680>. Acesso em outubro de 2023.

LAURIS, Élida; HASHIZUME, Maurício. Violência Política e Eleitoral no Brasil: panorama das violações de
direitos humanos de 2016 a 2020. Curitiba: Terra de Direitos e Justiça Global, 2020. <https://www.
global.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Relat%C3%B3rio_Violencia-Politica_FN.pdf>. Acesso em
outubro de 2023.

V Dossiê Vidas em Lutas: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos
no Brasil 2019-2022. 4. ed. Rio de Janeiro: Justiça Global, 2022. <https://comiteddh.org.br/wp-content/
uploads/2022/12/af-vidas-em-luta-2022-web-_VF.pdf>. Acesso em outubro de 2023.

Journalism, ‘Fake News’ & Disinformation: Handbook for Journalism Education and Training. Publicado
em 2018 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 80


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

ACESSO À JUSTIÇA DOS


DEFENSORES AMBIENTAIS E
SEUS OBSTÁCULOS
EYMMY GABRIELLY RODRIGUES DA SILVA E
AIANNY NAIARA GOMES MONTEIRO

1. O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA


A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) estabe- na busca da solução pacífica de conflitos e do re-
leceu, enquanto um direito fundamental, a ina- conhecimento de direitos (Sadek, 2014).
fastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV). Isso
significa que qualquer cidadão que se sinta lesa- Dentre as instituições, temos as funções essen-
do ou ameaçado em seus direitos pode ter seu ciais à justiça, “com a previsão de um Ministério
pleito analisado pelo Poder Judiciário. Público com poderes extraordinários, como não
há em lugar nenhum do mundo, a criação da Ad-
O acesso à justiça é um princípio muito importan- vocacia-Geral da União e das Defensorias Públi-
te. Ele não significa apenas poder recorrer ao Po- cas e a atribuição de dignidade constitucional à
der Judiciário sempre que um direito seja amea- advocacia privada” (Toffoli, S.d. p. 14). Assim, o
çado. Esse direito envolve também uma série de processo será tão mais efetivo quanto mais paci-
instituições estatais e não estatais e, conforme ficadora for a solução por ele encontrada.
especificado no texto constitucional, existem vá-
rios mecanismos e instituições que podem atuar Nesse sentido, existem instituições que são essen-
ciais ao acesso à justiça, vejamos algumas delas.

2. INSTITUIÇÕES DE ACESSO À JUSTIÇA EM TEMAS AMBIENTAIS E


DE DEFESA DE DIREITOS HUMANOS

2.1 O JUDICIÁRIO especializadas, com competência exclusiva para


questões agrárias. Além disso, sempre que for
A Constituição Federal de 1988 estabelece que, necessário à eficiente prestação jurisdicional, o
para dirimir um conflito fundiário, o respectivo juiz far-se-á presente no local do litígio (art. 126,
Tribunal de Justiça proporá a criação de varas parágrafo único).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 81


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça como aqueles que envolvem comunidades indí-
(CNJ) (2013), no Brasil, 11 Tribunais de Justiça e 2 genas (BRASIL, 1988, 1993). Neste último caso,
Tribunais Regionais Federais possuem varas es- em razão da matéria federal, a atribuição na
pecializadas em questões agrárias, que têm atri- atuação é do Ministério Público Federal.
buição para julgar ações possessórias, ações de

2.3 A DEFENSORIA PÚBLICA


desapropriação para fins de reforma agrária.

2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO Conforme estabelecido no art. 134 da Constitui-


ção Federal de 1988, a Defensoria Pública é uma
O Ministério Público (MP) é uma instituição es- instituição criada para prestar assistência ju-
sencial à função jurisdicional do Estado. Cabe ao rídica gratuita às pessoas que não têm con-
MP a defesa da ordem jurídica, do regime de- dições financeiras para pagar um advogado.
Assim, cabe à Defensoria Pública a orientação
mocrático e dos interesses sociais e individuais
jurídica, a promoção dos direitos humanos e
indisponíveis, conforme disposto no art. 127 da
a defesa, em todos os graus, judicial e extraju-
Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma
dicial, dos direitos individuais e coletivos, de
instituição que tem como princípios a unidade,
forma integral e gratuita, aos necessitados.
a indivisibilidade e independência funcional.
Isso porque a Constituição Federal de 1988 ga-
É importante destacar que o MP brasileiro é
rantiu que o Estado prestará assistência jurídica
estruturado em:
integral e gratuita àqueles que comprovarem in-
suficiência de recursos financeiros. Portanto, é
por meio da Defensoria Pública que este direito
Ministério Público Ministério Público
da União dos Estados
fundamental é efetivado.

Assim como o Ministério Público, a Defensoria


Pública também tem atribuição em matérias
Ministério federais, por meio da Defensoria Pública da
Público
Federal União (por exemplo: programas de moradia do
governo federal, impactos socioambientais em
terras indígenas e quilombolas, garantia do direi-
Ministério to à saúde aos indígenas que apresentam sinto-
Público mas clínicos decorrentes de cadeias produtivas)
Militar
e em matérias estaduais, através da Defensoria
Pública dos respectivos Estados.

Ministério Para acessar aos serviços de uma Defensoria Pú-


Público do
Trabalho blica, é necessário apresentar alguns documen-
tos e atender a critérios de renda individual e fa-
miliar. Esses critérios variam conforme o estado,
Ministério portanto, é importante consultar o site da Defen-
Público do Distrito
Federal e
soria do seu estado, para conhecê-los.
Territórios

2.4 ADVOCACIA POPULAR


Quando se trata de matéria ambiental, podem
atuar tanto o Ministério Público dos Estados A advocacia popular também exerce um impor-
como o Ministério Público Federal, promoven- tante papel de acesso à justiça para quem não
do o inquérito civil para apurar denúncias, bem possui meios financeiros de arcar com a assis-
como ajuizando ação civil pública, para a prote- tência jurídica. Assim, a advocacia popular atua
ção do patrimônio público e social, do meio am- no assessoramento jurídico e na defesa judicial e
biente e de outros interesses difusos e coletivos, extrajudicial de grupos sociais vulnerabilizados,

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 82


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

especialmente em demandas que envolvem di- responsável, dentre outras funções, por fisca-
reitos humanos, para pessoas necessitadas. lizar a Política Nacional de Direitos Humanos,
podendo sugerir e recomendar diretrizes para
No entanto, estes advogados e advogadas não a sua efetivação; articular-se com órgãos fe-
estão ligados a instituições públicas, como a derais, estaduais, do Distrito Federal e muni-
Defensoria Pública. Eles possuem registro na cipais encarregados da proteção e defesa dos
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que é a direitos humanos; expedir recomendações a
entidade de representação e regulamentação da entidades públicas e privadas envolvidas com
advocacia no Brasil. É importante destacar que a a proteção dos direitos humanos, fixando pra-
OAB também desenvolve um importante papel zo razoável para o seu atendimento ou para
ao possibilitar a criação de comissões temáticas justificar a impossibilidade de fazê-lo; realizar
(em âmbito nacional e estadual), que reúnem representações junto aos órgãos públicos (Po-
juristas com interesses comuns, bem como o in- lícia Civil, Ministério Público, Congresso...) para
centivo ao aperfeiçoamento profissional através que estes realizem as medidas legais previstas
da Escola Superior da Advocacia. na Lei nº 12.986/2014, relacionadas aos direitos
humanos; realizar procedimentos apuratórios
Na temática ambiental e agrária, a advocacia po-
de condutas e situações contrárias aos direitos
pular atua na defesa de comunidades vulnerabili-
humanos e aplicar sanções de sua competência,
zadas e que são afetadas desproporcionalmente
dentre outras atribuições dispostas na lei.
por impactos ambientais, na responsabilização
de empresas que causam danos ambientais e
em um papel muito importante que é a educa- 2.6 OUVIDORIAS
ção jurídica, levando informações e formações
para as comunidades sobre seus direitos. As ouvidorias são mecanismos institucionais que se
concretizam enquanto um canal de comunicação
entre a sociedade e as instituições ligadas à ou-
2.5 CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS vidoria. Elas desempenham um papel fundamental
HUMANOS (CNDH) para coletar informações, denúncias, reclamações,
responder pedidos de acesso à informação, bem
O Conselho Nacional de Direitos Humanos como sugestões relacionadas à atividade do órgão.
(CNDH) é um órgão colegiado, ligado ao Ministé-
rio dos Direitos Humanos e da Cidadania, e que À nível nacional, temos algumas ouvidorias im-
tem por finalidade promover e defender os di- portantes, como a Ouvidoria Agrária, atual-
reitos humanos no Brasil, por meio de ações mente ligada ao Ministério do Desenvolvimento
preventivas, protetivas, reparadoras e san- Agrário e Agricultura Familiar, que dentre as suas
cionadoras das condutas e situações de ameaça competências, é responsável por elaborar perio-
ou violação desses direitos1. dicamente o mapeamento das demandas regis-
tradas junto à Ouvidoria, e apresentar à Presi-
Ele foi instituído originariamente em 1964, com dência do INCRA para subsidiar a administração
a criação do Conselho de Defesa dos Direitos na tomada de decisões.
da Pessoa Humana (CDDPH), no entanto, o co-
legiado foi transformado em Conselho Nacional É importante registrar que, apesar de não se-
dos Direitos Humanos pela Lei n° 12.986, de 2 de rem instituições expressamente previstas como
junho de 2014. A atuação do CNDH não depen- de acesso à justiça, existem órgãos fundiários,
de da provocação das pessoas ou das coletivi- ambientais e de gestão, a nível federal, com di-
dades ofendidas. ferentes atribuições. É imprescindível conhecê-
-los quando se trata de defensores ambientais e
O colegiado é composto por representan- conflitos e violências decorrentes da ausência ou
tes de órgãos públicos e da sociedade civil e é precariedade da atuação destes órgãos. Vejamos:

1 São Direitos Humanos sob a proteção do CNDH os direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos ou sociais previstos na Constituição
Federal ou nos tratados e atos internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 83


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

ÓRGÃOS FEDERAIS

ÓRGÃO ATRIBUIÇÃO
É uma autarquia federal, cuja missão prioritária é executar a reforma agrária
Instituto Nacional de e realizar o ordenamento fundiário nacional, vinculado ao Ministério do
Colonização e Reforma Desenvolvimento Agrário (MDA).
Agrária (INCRA) É responsável pela regularização fundiária dos imóveis, sendo a instituição
pública competente, na esfera federal, pela titulação dos territórios quilombolas.

É o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, vinculada ao Ministério dos


Fundação Nacional do Índio Povos Indígenas, que coordena e executa a política indigenista do Governo
(FUNAI) Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos
indígenas no Brasil.

É uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança


do Clima (MMA). Tem como atribuições principais: exercer o poder de
polícia ambiental; executar ações das políticas nacionais de meio ambiente,
Instituto Brasileiro do
referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao
Meio Ambiente e Recursos
controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais
Naturais (IBAMA)
e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes
emanadas do MMA; e executar as ações supletivas de competência da União,
de conformidade com a legislação ambiental vigente.

É uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança


do Clima (MMA), que tem por competência, dentre outras questões, realizar
a gestão de florestas no âmbito federal, apoiar, fomentar e gerir políticas
públicas relacionadas ao Cadastro Nacional de Florestas Públicas gerir o
Sistema de Cadastro Ambiental Rural, integrado ao Sistema Nacional de
Informações Florestais; coordenar, em âmbito federal, o CAR e apoiar a sua
Serviço Florestal Brasileiro implementação nos entes federativos; apoiar a implementação dos programas
(SFB) de regularização ambiental nos entes federativos; integrar, no âmbito do
Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, os dados e as informações
relativos às propriedades e às posses rurais registradas no CAR e nos demais
cadastros e bancos de dados relacionados com o planejamento territorial,
ambiental, e econômico dos imóveis rurais; e coordenar a elaboração do
programa de regularização ambiental, a ser instituído pela União, nos termos
do disposto na Lei nº 12.651, de 2012.

Instituto Chico Mendes


de Conservação da É responsável por gerir, proteger, monitorar e fiscalizar as 335 Unidades de
Biodiversidade Conservação Federais (UC) existentes no Brasil e é vinculado ao Ministério do
Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
(ICMBio)

É um órgão vinculado ao Ministério de Gestão e Inovação em Serviços


Públicos, responsável pela gestão do Patrimônio da União. Entre suas
responsabilidades está a autorização para a ocupação dos imóveis públicos
Superintendência do federais, estabelecendo diretrizes para alienação de imóveis, cessão onerosa
Patrimônio da União (SPU) ou gratuita, entre outras formas de destinação, objetivando a melhor gestão
deste patrimônio. Também promove a gestão dos terrenos de marinha, das
praias marítimas e fluviais e o controle do uso dos bens de uso comum do
povo, entre outras atribuições.

É uma instituição pública voltada para a promoção e a preservação dos


valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência
negra na formação da sociedade brasileira, vinculada ao Ministério do
Turismo. Ao longo dos anos, a FCP tem trabalhado para promover uma
Fundação Cultural Palmares política cultural igualitária e inclusiva, que contribua para a valorização da
(FCP) história e das manifestações culturais e artísticas negras brasileiras como
patrimônios nacionais. Além disso, desde 2003, a FCP tem competência para
emitir certificação às comunidades quilombolas e sua inscrição em cadastro
geral. A certificação reconhece os direitos das comunidades e dá acesso aos
programas sociais do Governo Federal.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 84


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

3. O USO DE MÉTODOS CONSENSUAIS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO


DE CONFLITOS PELO PODER JUDICIÁRIO
Atualmente, o acesso à justiça se configura en- A Lei nº 13.140/2015 trata sobre a mediação entre
quanto o “acesso à ordem jurídica justa”, por meio particulares como meio de solução de controvér-
de uma nova cultura de acesso à justiça pautada sias e sobre a autocomposição de conflitos no âm-
na pacificação. Conforme destacado por Lagrasta, bito da administração pública, com disposições ge-
Azevedo e Napoleão (2020), o incentivo à utiliza- rais, sobre mediadores extrajudiciais e judiciais, o
ção dos métodos consensuais ou adequados de procedimento de mediação judicial e extrajudicial e
solução de conflitos pelo Poder Judiciário visa as disposições da autocomposição quando a parte
tornar efetivo o acesso à justiça, como “acesso à for pessoa jurídica de direito público (BRASIL, 2015).
ordem jurídica justa”, o que reflete não só o direi-
to do jurisdicionado de recorrer ao Poder Judiciá- Observa-se que nas formas autocompositivas,
rio, mas principalmente o direito de obter uma os envolvidos e a comunidade são protagonis-
solução célere, justa, adequada e efetiva para tas, empoderados, legitimados que constroem as
o seu conflito. soluções para o problema, com foco no diálogo,
na colaboração, harmonização e comunicação
Os números sobre a atuação do Poder Judiciá- (NAKAMURA, 2022).
rio nacional revelam que o processo judicial, em
seu modo tradicional, não tem dado conta da Além disso, os juízes, advogados, defensores pú-
enorme conflitualidade existente no país. Assim, blicos e membros do Ministério Público deverão
é necessário refletir sobre a importância de se estimular a conciliação, a mediação e outros
fomentar a utilização de mecanismos alternati- métodos de solução consensual de conflitos,
vos de resolução de conflitos, os quais, muitas inclusive no curso do processo judicial (BRASIL,
vezes, se revelam mais adequados à pacificação 2015, art. 3º, § 3º). Portanto, há uma diretriz im-
social (Toffoli, S.d) pondo ao Poder Público a obrigação de privile-
giar a busca da pacificação social. (LAGRASTA;
Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015, AZEVEDO; NAPOLEÃO, 2020).
estabeleceu expressamente que toda ameaça ou
lesão a direito poderá ter apreciação jurisdicio- O quadro abaixo resume o conjunto de normas
nal, e que, nesse contexto, o Estado promoverá, criadas com o objetivo de estimular a implemen-
sempre que possível, a solução consensual dos tação dos métodos consensuais ou adequados
conflitos (BRASIL, 2015, art. 3º, § 2º). de solução de conflitos no judiciário:

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos
de interesses no âmbito do Poder Judiciário, disposta na Resolução CNJ nº 125/2010, que busca a consolidação de uma
política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), editou a Resolução n° 118, de 1º de dezembro de 2014, que dispõe
sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público, visando a implementação e
adoção de mecanismos de autocomposição, como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e as
convenções processuais, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão sobre tais mecanismos.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), editou a Resolução n° 10, de 17 de outubro de 2018, destinada
aos agentes e instituições do Estado, inclusive do sistema de justiça, com medidas que devem ser adotadas, nos
casos de conflitos coletivos pelo uso, posse ou propriedade da terra, em área urbana ou rural, envolvendo grupos
que demandam proteção especial do Estado, tais como os defensores ambientais, objetivando a solução pacífica e
definitiva destes conflitos.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), editou a Resolução n° 17, de 06 de agosto de 2021, que reconheceu
que a prática de despejos, remoções e deslocamentos forçados de grupos que demandam proteção especial do Estado
implicam violações de direitos humanos e devem ser evitados, buscando-se sempre soluções alternativas.

A Resolução n. 510, de 26 de junho de 2023, regulamentou a criação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) e dos Tribunais, respectivamente, da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias e das Comissões Regionais de
Soluções Fundiárias, que institui diretrizes para a realização de visitas técnicas nas áreas objeto de litígio possessório
e estabelece protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis
de moradia coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis, objetivando auxiliar a solução pacífica de
conflitos derivados destas ações, conforme a decisão do STF na ADPF 828.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 85


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Desse modo, é imprescindível estimular, apoiar e ambientalistas e comunicadores no geral conhe-


difundir a sistematização e o aprimoramento das çam os métodos e as estruturas criadas para sua
práticas e métodos autocompositivos, de modo implementação e possam obter respostas mais
a possibilitar que defensores e defensoras, céleres dos tribunais.

4. OBSTÁCULOS AO ACESSO À JUSTIÇA


Mesmo com a existência de instituições de aces- que não conhecem seus direitos. Além disso, a
so à justiça, no Brasil, ainda são encontrados al- complexidade das informações jurídicas, as
guns obstáculos, que dificultam ou impedem que quais são apresentadas de forma demasiada-
os cidadãos tenham seus direitos plenamente mente técnica, tornam difícil a compreensão
garantidos. Em geral, o custo elevado dos pro- para os cidadãos comuns, o que também dificul-
cessos judiciais, que demandam pagamento de ta o entendimento de quais procedimentos são
honorários, perícias e custas judiciais, pode ser necessários para buscar o judiciário.
um elemento dificultador para as pessoas, espe-
cialmente as de baixa renda. A cultura da litigância no país ainda é um obs-
táculo de acesso à justiça, mesmo com o incenti-
A morosidade também é um obstáculo ao aces- vo ao uso de métodos consensuais.
so à justiça. A tramitação processual no Brasil
muitas vezes é lenta, em razão de diversas situa- No entanto, defensores de direitos humanos,
ções (quantidade de processos a serem julgados, ambientalistas e comunicadores enfrentam obs-
diferentes recursos que são interpostos para táculos mais específicos, que decorrem da natu-
protelar o andamento do processo). reza sensível das atividades que desenvolvem.
Vejamos alguns exemplos:
Outro obstáculo que podemos apresentar é a
falta de informação por parte dos cidadãos,

ALGUNS OBSTÁCULOS AO ACESSO À JUSTIÇA


Um dos grandes obstáculos de acesso à justiça pelos defensores
de direitos humanos, ambientalistas e comunicadores é a falta de
Impunidade investigações eficazes e a ausência de salvaguardas adequadas. Esses
fatores levam a um cenário em que violadores não são efetivamente
responsabilizados, o que gera desconfiança no sistema judicial.

Os defensores de direitos humanos, ambientalistas e comunicadores


frequentemente enfrentam ameaças, intimidações e até violência
física em decorrência do trabalho desenvolvido e dos temas sensíveis
Ameaças e violência
como a defesa de questões ambientais, indígenas e a violência policial.
O tratamento hostil acaba por desencorajar a busca pelo judiciário,
uma vez que a segurança pessoal desses atores fica ameaçada.

Especialmente aqueles que atuam em questões controversas, acabam


Criminalização das atividades
sendo estigmatizados pela sociedade. Isso pode ser um empecilho na
dos defensores, ambientalistas e
obtenção de respostas imparciais, considerando o preconceito e a visão
comunicadores
suspeita pelas autoridades.

Os defensores podem não ter acesso à informações estratégicas ou a


Acesso à informação jurídica recursos jurídicos para compreender plenamente os procedimentos e
recursos legais disponíveis para resolver casos de violações.

A ausência de recursos financeiros e técnicos pode limitar a capacidade


Ausência de recursos financeiros
dos defensores de direitos humanos de buscar a justiça de maneira
e técnicos
eficaz.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 86


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Diante desses obstáculos, é necessário unir es- o papel dos defensores de direitos humanos,
forços, seja no âmbito nacional como local. O ambientalistas e comunicadores. Vejamos como
fortalecimento das instituições de justiça e a pro- ocorre o acesso à justiça e as instituições de aces-
moção de uma cultura que valorize e respeite so à justiça no Estado do Pará.

5. O ACESSO À JUSTIÇA NO ESTADO DO PARÁ


5.1 B
 REVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO cooperativas, que protegem seus territórios e o
meio ambiente, demandando do Estado ações
ESTADO DO PARÁ concretas para a proteção da vida e resolução
dos conflitos sociais, ambientais e fundiários.
O estado do Pará está localizado em uma região
de fronteira agrícola, energética e portuária, No estado do Pará, o Programa de Proteção aos
além de conter grande estoque de terras públi- Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) foi ins-
cas. No entanto, a situação de indefinição fun- tituído pela Lei Estadual nº 8.444 de 06/12/2016,
diária do estado, gerada pela falta de definição que também criou o Conselho Estadual de Prote-
do que é terra pública e o que já foi privatizado, ção aos Defensores de Direitos Humanos (CEP-
causa insegurança quanto aos direitos de uso, DDH), vinculados, originalmente, à estrutura
posse e propriedade da terra e, consequente- da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do
mente, colisão entre interesses privados, públi- Pará (SEJUDH).
cos e coletivos.
Em 2018, foi assinado o termo de colabora-
Estudos demonstram que existem mais matrícu- ção entre Governo Federal e Estadual (SEJUDH)
las de áreas registradas nos cartórios de registro e escolhida a entidade Sociedade, Meio Am-
de imóveis do estado do Pará do que terra (TREC- biente, Educação, Cidadania e Direitos Huma-
CANI; MONTEIRO; FERREIRA, BRITO; GOMES, nos, (SOMECDH) para executar o programa no
2023). Além disso, os processos de reforma agrá- Estado do Pará.
ria no Instituto Nacional de Colonização e Refor-
ma Agrária (INCRA), e regularização fundiária da Atualmente, após a edição da Lei Estadual nº
Superintendência do Patrimônio da União (SPU) 9.888, de 5 de abril de 2023, o programa passou
e Instituto de Terras do Estado do Pará (ITERPA) a integrar a estrutura da recém-criada Secreta-
possuem tramitação lenta e burocrática, espe- ria de Estado de Igualdade Racial e Direitos
cialmente quando se trata de territórios coletivos Humanos (SEIRDH), que tem por missão plane-
de quilombos e comunidades tradicionais. jar, coordenar, articular a execução de políticas
públicas de promoção, proteção e defesa dos
Verifica-se, ainda, ausência de prioridade para direitos humanos.
políticas de saúde, educação, segurança e orde-
namento fundiário no campo. O resultado des- O principal público do PPDDH do Pará são pes-
sa política desordenada é a privatização dos re- soas que atuam na defesa de direitos territo-
cursos naturais e a grilagem de terras públicas, riais e ambientais. É importante ressaltar ainda
que coloca o estado do Pará dentre os maiores que, além do PPDDH, o estado do Pará também
índices de violência no campo, segundo os dados criou o Programa Estadual de Assistência a Ví-
publicados pelo Centro de Documentação Dom timas, testemunhas e Familiares de Vítimas de
Tomás Balduino (CEDOC), da Comissão Pastoral Crimes (PROVITA/PA), que estejam coagidas ou
da Terra (CPT, 2022). expostas à grave ameaça em razão de colabo-
rarem com a investigação ou processo criminal,
Essa situação coloca em posição de maior expo- conforme dispõe a Lei Estadual n° 6.325, de 14
sição e vulnerabilidade lideranças locais, indíge- de novembro de 2000. Hoje, a entidade execu-
nas, quilombolas e comunidades tradicionais, tora do PROVITA no Pará é o Grupo de Mulheres
líderes sindicais e presidentes de associações e Brasileiras (GMB).

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 87


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

O estado do Pará também possui o Programa de meios convencionais, por meio da prevenção ou
Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados da repressão da ameaça, de acordo com o Decre-
de Morte (PPCAAM), cuja finalidade é proteger to Estadual n° 1.178, de 12 de agosto de 2008. O
crianças e adolescentes expostos à grave e imi- Programa é executado pelo Centro de Defesa da
nente ameaça de morte, quando esgotados os Criança e do Adolescente (CEDECA):

PROGRAMAS DE PROTEÇÃO EXECUTADOS NO PARÁ


Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Estado do Pará (PPDDH/PA), instituído pela Lei
Estadual nº 8.444 de 06/12/2016, com a finalidade de adotar medidas para a proteção e assistência aos defensores
de direitos humanos ameaçados de morte em decorrência de sua atuação no estado do Pará.

Programa Estadual de Assistência a Vítimas, testemunhas e Familiares de Vítimas de Crimes (PROVITA/PA),


criado pela Lei Estadual n° 6.325, de 14 de novembro de 2000, com a finalidade de garantir segurança a pessoas
vítimas e testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com
a investigação ou processo criminal.

Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM/PA), instituído pelo Decreto
Estadual n° 1.178, de 12 de agosto de 2008, com a finalidade assegurar medidas de proteção à preservação da
integridade física e a prestação de assistência às crianças e adolescentes que se encontrem em situação de ameaça
de morte, podendo, excepcionalmente, receber casos de permuta de outros PPCAAM’s das unidades federativas.

Nesse aspecto, é relevante que, no Brasil, em es- Essas varas possuem sedes nas regiões agrá-
pecial no Pará, existam estruturas especializadas rias definidas através de resolução do Tribunal,
no judiciário e no executivo com a finalidade de podendo ser deslocadas de um município para
atuar em casos de conflitos agrários coletivos, re- o outro, dentro da mesma região, sempre que o
duzindo assim as possibilidades de uso indevido interesse da prestação jurisdicional o exigir. As
da estrutura estatal para criminalização da atua- regiões agrárias no Pará foram definidas pela Re-
ção dos defensores ambientais. solução nº 21/20063, que dividiu a jurisdição em
cinco Regiões Agrárias: Região Agrária de Cas-
tanhal, composta por 76 municípios (1ª Região
5.2 I NSTITUIÇÕES DE ACESSO À Agrária); Santarém, com 19 municípios (2ª Região
JUSTIÇA EM TEMAS AMBIENTAIS Agrária); Marabá, abrangendo 23 municípios (3ª

NO ESTADO DO PARÁ Região Agrária); Altamira, responsável por 11


municípios (4ª Região Agrária), e Redenção, por
15 municípios do Estado (5ª Região Agrária).
5.2.1 O Judiciário
Em 2023, a referida resolução foi alterada e con-
No estado do Pará, a Constituição do Estado de solidou as disposições sobre a localização das se-
1989 previu a criação das varas especializadas des e jurisdição das Varas Agrárias do Estado do
com competência para as questões agrárias no Pará. Desse modo, hoje, a divisão geográfica das
Tribunal de Justiça do Estado. Assim, em 1993, Regiões Agrárias no Pará pode ser identificada
foram criadas 10 varas privativas na área de Di- no mapa a seguir:
reito Agrário, Minerário e Ambiental2.

2 Lei Complementar nº 14/1993


3 Esta resolução foi revogada em 2023 pela Resolução nº 11/2023 – TJPA.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 88


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Figura 1 – Regiões Agrárias no Estado do Pará

Fonte: elaborado por Eymmy Silva (2023), a partir da Resolução TJPA nº 11/2023

O Tribunal de Justiça do Estado do Pará definiu Também estão no escopo das Varas Agrárias as
as atribuições das varas especializadas em maté- matérias referentes a registros públicos e ações
ria agrária na Resolução n° 018/2005-GP, ao esta- de desapropriação e servidões administrativas em
belecer que as questões agrárias sujeitas à juris- áreas rurais (PARÁ, 2005, Arts. 2º e 3º). Portanto, as
dição do juízo agrário são aquelas que envolvem Varas Agrárias não possuem competência, em pri-
os litígios coletivos pela posse e propriedade meira vista, para dirimir conflitos individuais pela
da terra em área rural, podendo ainda julgar posse da terra, tão pouco para apreciação de cri-
demandas individuais desde que haja inte- mes comuns cometidos no campo. Ou seja, no caso
resse público evidenciado na questão (PARÁ, de defensores ambientais, crimes como ameaças,
2005, Art. 1º). homicídios, lesões corporais ou demais danos que
necessitem intervenção judicial no âmbito criminal,
O que são litígios coletivos pela posse e pro- são julgados pelos juízes das varas criminais dos
priedade da terra? municípios onde os delitos foram praticados.

São conflitos que envolvem uma pluralidade de


5.2.2 O Ministério Público
sujeitos em um dos polos da ação possessória,
ou seja, da ação judicial cujo objeto entre os en- Com a criação e instituição das varas agrárias,
volvidos é a disputa pela posse da área. Portanto, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA),
são aquelas ações que envolvem trabalhadores criou as promotorias regionalizadas e especiali-
rurais em áreas de acampamento ou assenta- zadas em matéria agrária, no total de cinco car-
mentos, povos indígenas, quilombolas e comuni- gos, respeitando a jurisdição das cinco regiões
dades tradicionais em face de particulares, em- agrárias definidas pela Resolução nº 21/2006 do
presas ou mesmo o Estado. Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 89


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Um dos pressupostos para assumir os referidos Conforme a Resolução nº 007/2018, do Colégio


cargos é que o Promotor de Justiça tenha sido de Procuradores de Justiça do Estado do Pará,
aprovado em curso de aperfeiçoamento de Di- que dispõe sobre a normatização interna das
reito Agrário, organizado pelo Ministério Pú- atribuições dos cargos de Promotor de Justiça
blico, preferencialmente com a colaboração das Agrário, cabe às promotorias agrárias do Mi-
Universidades e da Ordem dos Advogados do nistério Público do Estado do Pará:
Brasil – Seção do Pará4 (PARÁ, 1989, art. 167, § 5º).

ATRIBUIÇÃO DAS PJS AGRÁRIAS


Atuar nos feitos que tramitam nas Varas Agrárias;

Intervir, desde o início, nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra em área rural e demandas
em que se revele interesse público ou social (art. 178, I e III, do Código de Processo Civil), visando a paz e o
cumprimento do princípio constitucional da função social da terra;

Atuar nos conflitos agrários, nas esferas extrajudicial e judicial, privilegiando, sempre que possível, a adoção de
mecanismos de autocomposição, de forma autônoma ou em ações conjuntas com órgãos públicos e/ou com
entidades da sociedade civil;

Acompanhar as políticas públicas de ordenamento territorial rural e os processos de regularização fundiária.

Zelar pela adequada aplicação da lei de registros públicos em imóvel rural;

Atuar na garantia dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais;

Atuar, em conjunto ou separadamente, pelo cumprimento da função social da terra rural, conforme art. 186 da
Constituição Federal e demais normas pertinentes;

Atuar, em conjunto ou separadamente, no enfrentamento à violência no campo, acompanhando políticas públicas


na área de segurança pública, bem como cientificando os órgãos com atribuições para adoção de medidas cabíveis,
sem prejuízo de colaboração com a Promotoria Criminal ou de Controle Externo;

Acompanhar políticas públicas voltadas à promoção e proteção dos direitos humanos em áreas rurais;

Atuar, em conjunto ou separadamente, na promoção de políticas públicas agrárias, fundiárias e agrícolas que
viabilizem os direitos de cidadania rural, com especial destaque para os temas da soberania e segurança alimentar
e educação do campo, entre outros.

Destaca-se que o MP pode atuar tanto judicialmente como extrajudicialmente, vejamos:

ATUAÇÃO JUDICIAL ATUAÇÃO EXTRAJUDICIAL


Resolução nº 18/2005 – TJ-PA: ■ Inspeção ou visita ao local do conflito;
Art. 1º – As questões agrárias sujeitas à competência das ■ Reuniões para mediação do conflito;
varas agrárias são as ações que envolvam litígios coletivos
pela posse e propriedade da terra em área rural. ■ Instaurar procedimentos para apurar irregularidades
ou dirimir conflitos (Procedimento Preliminar, Inqué-
Ex. Ações de reintegração de posse, interdito proibi- rito Civil) ou para acompanhar processos de regulari-
tório, declaração de domínio, usucapião, anulação de zação fundiária ou de reforma agrária (Procedimento
registro imobiliário, entre outras. administrativo);
Art. 178. do CPC/2015 – Participação do MP nas ações ■ Atendimento ao público: Notícia de fato
que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e
nas demais causas em que há interesse público e social. ■ Termo de Ajustamento de Conduta.

Portanto, no Pará, a atuação da Promotoria de com atribuição em matéria penal. Desse modo,
Justiça Agrária é matéria cível, sendo a matéria cri- no que tange os crimes eventualmente pratica-
minal competência do promotor do local do delito dos contra defensores ambientais ou que tenham

4 Conforme disposto na Constituição do Estado do Pará de 1989, art. 167, § 5º.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 90


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

sido a eles imputados, os procedimentos de inves- Proteção para análise dos casos e definição de
tigação ou denúncias apresentadas ao judiciário medidas de proteção e segurança. Também são
são conduzidos pelos promotores criminais dos oficiados os promotores locais para conhecimen-
municípios onde tenha ocorrido a prática delitiva. to e adoção de medidas cabíveis.

Em relação aos defensores ambientais, a Promo- O MPPA faz parte dos conselhos dos programas
toria de Justiça Agrária recepciona as denúncias de proteção de defensores de direitos humanos e
de violações de seus direitos, instaurando proce- de vítimas e testemunhas, onde também se mani-
dimentos extrajudiciais para acompanhamento festa sobre os casos apresentados sugerindo me-
e determina diligências como expedição de ofí- didas de proteção a serem adotadas em cada si-
cios às delegacias especializadas em conflitos tuação, além de fazer o seu acompanhamento em
agrários ou à Secretaria de Segurança Pública procedimentos extrajudiciais, a critério dos pro-
para providências, bem como aos Programas de motores com competência para atuação no feito.

O Ministério Público do Estado do Pará instituiu o Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição no


âmbito do Ministério Público do Estado do Pará (NUPEIA/MPPA), por meio da Resolução nº 003/2018-CPJ, de
01 de março de 2018, responsável por atuar na implementação e adoção de mecanismos de autocomposição no
âmbito do MPPA, auxiliando os membros do Ministério Público nesta temática.

O Ministério Público do Estado do Pará criou as Câmaras de Tratamento de Conflitos Agrários e Fundiários (CTCAFs),
instituídas pela Resolução nº 010/2018-CPJ/MPPA, de 3 de maio de 2018, no âmbito das Promotorias de Justiça Agrárias,
com o objetivo de “fomentar o tratamento judicial e extrajudicial dos conflitos, por meio de autocomposição e outras
metodologias aplicáveis, nos feitos de atribuição das Promotorias de Justiça Agrárias que envolvam conflitos agrários
e fundiários” (Art. 1º). Atualmente, o MPPA dispõe de duas Câmaras, instaladas através da Portaria nº 6.418/2019-MP/
PGJ, de 31 de outubro de 2019, no âmbito das Promotorias de Justiça da 1ª e 2ª Regiões Agrárias, Castanhal e Santarém,
respectivamente, com protocolos específicos.

5.2.3 A Defensoria Pública No Pará, todos os 144 municípios do estado são


atendidos pelas Defensorias Agrárias. Destaca-
No âmbito da matéria agrária, as Defensorias -se que há um Defensor ou Defensora Agrária
Agrárias também estão organizadas nas cinco na sede de cada uma das cinco regiões agrá-
regiões Agrárias, que reúnem um conjunto de rias (DPE Agrária, 2022a). A Resolução CSDP nº
municípios, conforme definido pelo Tribunal de 064/2010, estabelece, em seu art. 4º, as funções
Justiça do Estado na Resolução nº 21/2006, alte- institucionais das Defensorias Públicas Agrárias:
rada em 2023 pela Resolução nº 11/2023 – TJPA.

FUNÇÕES DA DEFENSORIA PÚBLICA AGRÁRIA


Mediar os conflitos agrários, primando pela solução extrajudicial dos litígios coletivos pela posse ou propriedade
da terra em imóveis rurais, através da conciliação;

Assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerentes;

Promover ações coletivas que visem a garantia de direitos sociais como o acesso à terra, moradia, educação,
saúde e transporte, observando, assim, os princípios da prevalência e efetividade dos direitos humanos, da
primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais, todos insculpidos no Artigo 5º da
Lei Complementar 054/2006, de 07 de fevereiro de 2006;

Acompanhar o cumprimento de mandados de busca e apreensão, reintegração, manutenção e imissão de


posse, dentre outros, requerendo às autoridades públicas e seus agentes, bem como particular, todas as
medidas necessárias a resguardar e evitar a violação dos direitos fundamentais do trabalhador rural legalmente
necessitado, nos ditames da legislação vigente;

Solicitar a instauração de inquérito policial para investigar atos de violência contra trabalhadores rurais
legalmente necessitados e acompanhar os procedimentos já existentes, nos ditames da legislação vigente;

Encaminhar para o Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PEPDDH), pessoas
envolvidas em conflitos agrários que estejam sofrendo violação dos seus direitos fundamentais;

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 91


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

FUNÇÕES DA DEFENSORIA PÚBLICA AGRÁRIA


Fazer gestão junto aos órgãos públicos responsáveis pela regularização fundiária e reforma agrária e proteção
ao meio ambiente, bem como aos órgãos do Sistema de Justiça Agrária visando obter providências necessárias e
eficazes a garantir o acesso à terra, evitando a violência no campo e a impunidade;

Manter ações preventivas e educacionais, visando a conscientização dos direitos e deveres da pessoa humana.

Por meio do Núcleo das Defensorias Públicas (NDDH). Esse Conselho constitui órgão colegiado
Agrárias do Estado do Pará, foi publicado um re- de caráter consultivo, deliberativo e normativo,
latório de monitoramento dos casos de homicí- que reúne segmentos representativos da área
dios, registrados entre os anos de 2002 a 2022, governamental e sociedade civil, vinculado à Se-
por motivação fundiária e agrária. O objetivo é cretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos.
verificar a aplicação da lei penal e/ou entraves na
conclusão desses processos, de modo a aperfei- O Conselho decide a respeito da inclusão do De-
çoar os trabalhos desenvolvidos pela Defensoria fensor ou Defensora no Programa, bem como
Pública e na realização de políticas públicas des- sobre as medidas de proteção adotadas em cada
tinadas ao enfrentamento da violência relaciona- caso. O pedido de inclusão deve ser endereçado
da aos conflitos agrários, com adoção de medi- à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, que
das preventivas (DPE, 2022b). exerce a presidência do Conselho. A Defensoria
Agrária também acompanha processos criminais
A análise constatou, dentre outras conclusões, que tenham como vítimas defensores de direi-
que há destacada morosidade na conclusão dos tos humanos, de modo que se tenha a regular
processos judiciais; existência de problemas na investigação de homicídios, já que a impunidade
investigação criminal (o que tem gerado os pe- também agrava o ciclo de violência na área rural
didos de arquivamentos de inquérito pelo Minis- (DPE Agrária, 2022a).
tério Público); inexistência de processos identi-
ficados como homicídio de pessoas indígenas e 5.2.4 Delegacia Especializada em
quilombolas em nenhuma das quatro fontes pes- Conflitos Agrários (DECA)
quisadas, na medida em que muitos casos são
noticiados pela mídia; e ausência de monitora- A Delegacia Especializada em Conflitos Agrários
mento dos casos e/ou publicidade (DPE, 2022b). (DECA) foi criada pelo Decreto Estadual nº 2690,
de 18 de dezembro de 2006, como órgão da ad-
As Defensorias Agrárias atuam para assegurar ministração corporativa e atuação executiva da
o direito à vida de defensores e defensoras de Polícia Civil do Estado do Pará, ligada à Divisão
direitos humanos, que possuem luta coletiva Especializada em Meio Ambiente. A DECA possui
pelo acesso à terra e recursos naturais. No caso atribuição de apurar crimes vinculados a ques-
de ameaça ou violação ao direito à vida ou inte- tões agrárias ou decorrentes de conflitos fundiá-
gridade física de defensores e defensoras de di- rios; criar e manter atualizados banco de dados
reitos humanos, a Defensoria Agrária atua para de casos de conflitos e de outras ocorrências
assegurar a inclusão destes nos programas de na área de conflitos agrários; responsabilizar-se
proteção de defensores de direitos humanos, pelos bens, valores e objetos arrecadados ou
bem como no caso de vítimas e testemunhas apreendidos pela delegacia, enquanto não enca-
(DPE Agrária, 2022a). minhados à Justiça; e desempenhar outras ativi-
dades correlatas ou atribuídas, de acordo com a
Além disso, no estado do Pará, a Defensoria com-
missão e funções do órgão.
põe o Conselho do Programa Estadual de Prote-
ção aos Defensores de Direitos Humanos (PEPD- Cabe, desse modo, à DECA a apuração dos crimes
DH)5, sendo representada pelo Núcleo de Defesa que tenham relação com as questões agrárias ou
dos Direitos Humanos e Ações Estratégicas que sejam decorrentes de conflitos fundiários no

5 Instituído pela Lei Estadual nº 8.444/2016.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 92


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

Estado, a fim de que se proceda uma apuração Ministério Público para apresentação de denún-
adequada com a devida responsabilização dos cia perante o judiciário.
autores dos crimes e da resolução do conflito e
consequente pacificação social. À nível estadual, também existem alguns órgãos
importantes quando se trata de defensores am-
A DECA tem a atribuição de apurar os crimes bientais e conflitos e violências decorrentes da
e, após a instauração e conclusão de inquéri- ausência ou precariedade da atuação destes
to policial, submeter o relatório conclusivo ao órgãos. Vejamos:

ÓRGÃOS ESTADUAIS (PARÁ)

ÓRGÃO ATRIBUIÇÃO
É uma autarquia estadual que executa a política agrária do estado, em tudo quanto se
Instituto de referir às suas terras devolutas, bem como realiza a regularização fundiária, coletiva e
Terras do Estado individual, em terras de domínio do Estado do Pará (Lei Estadual nº 4.584, de 08/10/1975),
do Pará (ITERPA) sendo a instituição pública competente, na esfera estadual, pela titulação dos territórios
quilombolas.

Secretaria de Criada em 2023, a SEPI/PA tem por missão planejar, coordenar e articular a execução de
Estado dos Povos políticas públicas de interesse dos povos indígenas, em consonância com as diretrizes dos
Indígenas do órgãos federais, voltadas à promoção, proteção e defesa dos povos originários, no âmbito
Pará (SEPI) do Estado do Pará (Lei Estadual nº 9.886, de 03/04/2023).

Secretaria Criada em 2023, é o órgão da administração direta, vinculada ao Governador do Estado,


de Estado tem por missão planejar, coordenar, articular a execução de políticas públicas de promoção,
de Igualdade proteção e defesa dos direitos humanos, e desenvolver projetos voltados à promoção e
Racial e Direitos proteção do idoso, da juventude, dos direitos das etnias, das pessoas com deficiência, da
Humanos população LGBTQIA+ e à prevenção e erradicação da tortura e do trabalho escravo, no
(SEIRDH) Pará (Lei Estadual nº 9.888, de 05/04/2023).

Secretaria de
É a instituição do estado do Pará que tem como missão promover a gestão ambiental
Estado de Meio
integrada, compartilhada e eficiente, compatível com o desenvolvimento sustentável,
Ambiente e
assegurando a preservação, a conservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade
Sustentabilidade
de vida (Lei Estadual nº 5457, de 11/05/1988).
(SEMAS)

É uma autarquia estadual que exerce a gestão das florestas públicas estaduais, visando
a produção sustentável e a preservação da biodiversidade, incluindo, entre suas funções,
a gestão da política estadual para produção e desenvolvimento da cadeia florestal; e a
Instituto de
execução das políticas de preservação, conservação e uso sustentável da biodiversidade,
Desenvolvimento
da fauna e da flora terrestres e aquáticas no Estado. A missão institucional é promover
Florestal e da
o desenvolvimento sustentável dos diferentes segmentos florestais do estado do Pará,
Biodiversidade
por meio de políticas públicas e da gestão das florestas. Além disso, a instituição também
do Estado do
visa a gestão da biodiversidade e a execução das políticas de preservação, conservação e
Pará (Ideflor-Bio)
uso sustentável da biodiversidade, da fauna e da flora terrestres e aquáticas no Estado,
garantindo a transparência e a democratização dos benefícios trazidos por esses recursos
à sociedade (Lei Estadual n° 6.963, de 16 de abril de 2007).

É uma empresa pública de administração indireta do Pará, vinculada à Secretaria de


Empresa de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (SEDAP), e tem por objetivo
Assistência colaborar com a SEDAP na formação das políticas de Assistência Técnica e Extensão
Técnica e Rural e planejar, coordenar e executar programas de assistência técnica e extensão
Extensão Rural rural visando a difusão de conhecimentos de natureza técnica, econômica e social, para
do Estado do aumento da produção e produtividade agrícolas e a melhoria das condições de vida no
Pará (EMATER) meio rural do estado do Pará, de acordo com as políticas de ação do Governo Estadual e
do Governo Federal.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 93


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

6. REFERÊNCIAS
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questões agrárias. 2013. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/onze-tjs-e-dois-trfs-possuem-varas-
especializadas-em-questoes-agrarias/. Acesso em: 11 nov. 2023.

CPT. Conflitos no Campo Brasil. 2022. Goiânia: CPT Nacional, 2023. Disponível em: https://www.
cptnacional.org.br/downlods?task=download.send&id=14302&catid=41&m=0. Acesso em: 10 out. 2023.

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Curso de Formação de Conciliadores e Mediadores Judiciais. Conselho Nacional de Justiça. 2020.

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7. LEITURA COMPLEMENTAR
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de Justiça Agrária da 2ª Região. Disponível em: https://www2.mppa.mp.br/data/files/18/10/82/
A1/85FA0810D8166608180808FF/PROTOCOLO%20CTCAF_2%20Regiao.pdf. Acesso em: 28 out. 2023.

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www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

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Humana em Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH; revoga as Leis nºs 4.319, de 16 de
março de 1964, e 5.763, de 15 de dezembro de 1971; e dá outras providências. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12986.htm. Acesso em: 14 nov. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como
meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração
pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e
revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997 Disponível em: https://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em: 20 out. 2023.

BRASIL. Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Dispõe sobre a organização, as atribuições
e o estatuto do Ministério Público da União. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
LCP/Lcp75.htm. Acesso em: 10 nov. 2023.

BRASIL. Resolução CNJ nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional
de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras
providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_comp_125_29112010_1908201915
0021.pdf. Acesso em: 10 out. 2023.

COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ (CPJPA). Resolução nº 010/2018 – CPJ, de


03 de maio de 2018. Institui as Câmaras de Tratamento de Conflitos Agrários e Fundiários, no âmbito
das Promotorias de Justiça Agrária, no Ministério Público do Estado do Pará, e dá outras providências.
Disponível em: https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/index.php?action=MenuOrgao.
show&id=6769&oOrgao=94. Acesso em 28 out. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre
a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder
Judiciário e dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_comp_125_29
112010_19082019150021.pdf, Acesso em: 27 out. 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 95


A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL - BRASIL

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Resolução nº 510, de 26 de junho de 2023. Regulamenta a


criação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais, respectivamente, da Comissão
Nacional de Soluções Fundiárias e das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, institui diretrizes
para a realização de visitas técnicas nas áreas objeto de litígio possessório e estabelece protocolos para
o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis de moradia
coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/
original13433320230628649c3905c2768.pdf. Acesso em: 31 out. 2023.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CNMP). Resolução n° 18, de 01 de dezembro


de 2014. Dispõe sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério
Público e dá outras providências. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/
Resolucao-118-1.pdf. Acesso em: 27 out. 2023.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (CNDH). Resolução n° 10, de 17 de outubro


de 2016. Dispõe sobre soluções garantidoras de direitos humanos e medidas preventivas em
situações de conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos. Disponível em: https://www.gov.br/
mdh/pt-br/assuntos/noticias/2018/outubro/resolucao-para-garantia-de-direitos-humanos-em-
situacoes-de-conflitos-por-terra-e-aprovada-pelo-conselho-nacional-dos-direitos-humanos/copy_of_
Resoluon10Resoluosobreconflitospossessriosruraiseurbanos.pdf. Acesso em: 31 out. 2023.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (CNDH). Resolução n° 17, de 06 de agosto de 2021.
Reconhece como conduta contrária aos direitos humanos a realização de despejos, remoções e
deslocamentos sem ordem judicial e dispõe medidas preventivas e soluções garantidoras de direitos
humanos. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/resolucao-n-17-de-06-de-agosto-
de-2021-. Acesso em: 31 out. 2023.

PARÁ. Constituição do Estado do Pará. 05 out. 1989, Disponível em: https://acesse.one/kteCj. Acesso
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PARÁ. Conselho Superior da Defensoria Pública. Resolução nº 064 de 04 de outubro de 2010. Cria e
Regulamenta o Núcleo das Defensorias Públicas Agrárias – NDPA. Diário Oficial nº. 31767 de 06/10/2010.

PARÁ. Decreto nº 2.690, de 18 de dezembro de 2006. Homologa a Resolução nº 002, de 7 de dezembro


de 2006, do Conselho Superior da Polícia Civil, que aprovou o Regimento Interno da Polícia Civil do
Estado do Pará. Disponível em: https://acesse.one/z0z9g. Acesso em: 20 out. 2023.

PARÁ. Decreto n° 1.178, de 12 de agosto de 2008. Institui o Programa de Proteção à Crianças e


Adolescentes Ameaçados de Morte - PPCAAM, seu Conselho Gestor, e dá outras providências. Disponível
em: https://www.ioepa.com.br/pages/2008/08/13/2008.08.13.DOE_5.pdf. Acesso em: 28 out. 2023.

PARÁ. Lei nº 9.888, de 5 de abril de 2023. Dispõe sobre a Secretaria de Estado de Igualdade Racial e
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PARÁ. Lei nº 6.325, de 14 de novembro de 2000. Dispõe sobre a criação do Programa Estadual de
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provita.pdf. Acesso em: 27 out. 2023.

PARÁ. Lei n° 8.444, de 06 de dezembro de 2016. Institui o Programa de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos do Estado do Pará e cria o Conselho Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos
Humanos. Diário Oficial nº. 33267de 09/12/2016.

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PARÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Resolução nº 018/2005-GP. Disponível em: https://www.
tjpa.jus.br/CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=8800. Acesso em: 20 out. 2023.

PARÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Resolução nº 21/2006. Dispõe sobre a localização das sedes
e jurisdição das Varas Agrárias do Estado.

PARÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Resolução nº 11, de 10 de maio de 2023. Consolida as
disposições sobre a localização das sedes e jurisdição das Varas Agrárias do Estado do Pará. Disponível
em: https://www.tjpa.jus.br//CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=1302581. Acesso em: 26 out. 2023.

DEMOCRACIA AMBIENTAL E PROTEÇÃO DE DEFENSORES/AS AMBIENTAIS – MATERIAL DIDÁTICO 97


Realização

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