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PROTEÇÃO DE DEFENSORES
AS AMBIENTAIS
MATERIAL DIDÁTICO
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SUMÁRIO
A TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E A
DEMOCRACIA AMBIENTAL
NO BRASIL
BRUNO VELLO
1 RAMÍREZ-ALUJAS, A. V. Open Government y Gobernanza Colaborativa: El (inevitable) camino hacia um nuevo paradigma de Gobierno y Gestión
Pública. Estado del arte, desafíos y propuestas.Ponencia para el X Congreso de la Asociación Española de Ciencia Política y de la Administración
(AECPA): “La política en la red”. Murcia, del 7 al 9 de Septiembre de 2011.
2 KOSACK, S.; FUNG, A. Does Transparency Improve Governance? Annual Review of Political Science, v. 17, p. 65–87, 2014.
3 CORDEIRO, A., MARTINS, C.S.F., SANTOS, N. B., RIBEIRO, R. V., PETRA, T. Governo eletrônico e redes sociais: informação, participação e interação.
RECISS, v. 6, n. 2, 2012, p. 2.
4 Lei Complementar n. 101/2000.
5 Lei n. 12.527/2011.
que regulou o acesso à informação produzida marco interessante nessa área é a Lei de Acesso
em todo o Estado brasileiro. A LAI estabeleceu à Informação Ambiental, publicada em 2003, pre-
um conjunto amplo de regras e procedimentos cedendo a LAI, portanto, em oito anos. Trata-se de
de transparência no Brasil. Determinou que a uma legislação pioneira no Brasil e no mundo, que
transparência seja a regra do poder público e determinou a divulgação pelos órgãos públicos de
o sigilo a exceção, de maneira que órgãos pú- um conjunto de informações relativas ao meio am-
blicos devem negar o acesso à informação ape- biente, tais como planos e políticas potencialmen-
nas em casos específicos e seguindo critérios te causadores de impacto ambiental, relatórios
previamente definidos na legislação. Também de monitoramento ambiental, acidentes e situa-
determina que o acesso à informação deve se- ções de risco ambiental e planos de recuperação
guir dois procedimentos básicos, que ficaram de áreas degradadas. Esta Lei também inovou ao
conhecidos como transparência ativa e passiva. determinar que órgãos públicos possam exigir a
A transparência ativa atende à regra de que os prestação de informações por parte de entidades
atores públicos devem divulgar informações de privadas sobre os impactos ambientais (efetivos
interesse público de maneira proativa, ou seja, ou potenciais) de suas atividades, independente-
independentemente de solicitações da popula- mente da existência de processos administrativos
ção. Já a transparência passiva diz respeito aos sobre o caso8. Já em 2006, a Resolução nº 379 do
procedimentos a partir dos quais o poder pú- Conselho Nacional de Meio Ambiente criou o sis-
blico deve prover informações solicitadas pelos tema de dados e informações ambientais sobre
cidadãos, os quais, por sua vez, não precisam gestão florestal no âmbito do Sistema Nacional de
justificar suas demandas para obterem respos- Meio Ambiente (SISNAMA) definindo um conjun-
tas satisfatórias. A Lei determina que o órgão to de categorias de informação mais específicas
público deve conceder o acesso a informações a serem disponibilizadas pelos órgãos públicos
solicitadas pelos cidadãos de maneira imediata. nos diferentes níveis federativos – por exemplo,
Não sendo possível o acesso imediato, o órgão autorizações de supressão da vegetação, imagens
público passa a ter um prazo de 20 dias para georreferenciadas de unidades de conservação,
conceder acesso, sendo possível a prorrogação terras indígenas e quilombolas, documentos refe-
por mais 10 dias, mediante justificativa expres- rentes ao transporte e armazenamento de produ-
sa ao requerente. Por fim, vale mencionar que tos florestais, entre outras.
a LAI definiu a Controladoria Geral da União
(CGU) como o órgão a quem os cidadãos devem Nos anos seguintes, legislações específicas às
recorrer em caso de pedidos de acesso à infor- diversas políticas ambientais instituiriam suas
mação não atendidos de maneira satisfatória. próprias regras de transparência, definindo sis-
Seu decreto regulamentador6, por sua vez, defi- temas de informação para organizar os dados
niu de maneira mais detalhada as competências relativos a essas políticas e disponibilizá-los à
da CGU, que passou a responsabilizar-se pelo população. Um exemplo é o caso do Código Flo-
monitoramento e implementação da LAI. restal, que instituiu o Cadastro Ambiental Rural,
“registro público eletrônico de âmbito nacional,
Na área ambiental, especificamente, diversas nor- obrigatório para todos os imóveis rurais com a
mas também incorporaram a transparência e o finalidade de integrar as informações ambien-
acesso à informação como diretrizes e criaram tais das propriedades e posses rurais, com-
obrigações de transparência aos órgãos públicos. pondo base de dados para controle, monitora-
A Política Nacional de Meio Ambiente7 definiu a mento, planejamento ambiental e econômico e
divulgação de informações ambientais como um combate ao desmatamento”9. Outro exemplo
de seus objetivos e obrigou o Estado a produzir importante é o Sistema Nacional de Controle
essas informações quando inexistentes. Outro da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor),
instituído pelo IBAMA para integrar informações outros entes federativos, o que constitui um de-
relativas ao controle da origem da madeira, do safio especialmente relevante para o caso das
carvão e de outros produtos ou subprodutos políticas ambientais, muitas das quais com res-
florestais10. Importante destacar que ambos os ponsabilidades distribuídas entre governo fede-
sistemas integram informações federais e dos ral e governos subnacionais.
variação dos resultados nas diferentes políti- em transparência ativa, no Plano ABC, mais
cas analisadas. Por exemplo, enquanto na po- de dois terços das informações (77%) não fo-
lítica de Concessões Florestais apenas 20% das ram encontradas.
informações buscadas não foram encontradas
Quanto à transparência passiva, por sua vez, os mais recente do monitoramento), a organização
resultados apontaram um resultado mais positi- buscou 41 informações nos sites dos órgãos pú-
vo, com 97,5% dos pedidos respondidos dentro blicos e protocolou 119 solicitações de acesso
do prazo da legislação (20 dias, adiáveis por mais à informação via sistemas eletrônicos dos Ser-
10) e 72,5% dos pedidos respondidos de maneira viços de Informação ao Cidadão nos estados e
integralmente satisfatória. governo federal.
O Instituto Centro de Vida realiza um monito- Para o nível federal, a análise identifica um índi-
ramento contínuo da transparência ambiental, ce de transparência ativa de 77%, e transparência
focado na Amazônia Legal12. Em suas análises, passiva de 100%. O destaque positivo na transpa-
a entidade produz e divulga dois índices, um de rência ativa são informações relativas a regulari-
transparência ativa e um de transparência pas- zação e licenciamento ambiental, ao passo que
siva, e os aplica tanto aos órgãos do governo fe- informações sobre a política de regularização fun-
deral quanto aos dos governos dos estados da diária apresentam os resultados mais negativos.
Amazônia Legal. Ambos os índices consideram Os resultados estaduais, por sua vez, apresentam
não apenas a disponibilização das informações grande heterogeneidade. Para se ter uma ideia da
buscadas, mas também a qualidade com que são amplitude em que isso ocorre, o índice de trans-
disponibilizadas. Eles referem-se a seis diferen- parência ativa varia entre 11% em Tocantins a
tes agendas caras ao campo ambiental – soja, 53% no Mato Grosso. No caso da transparência
hidrelétricas, regularização ambiental, explora- passiva, o índice varia entre zero no Acre, onde ne-
ção florestal, pecuária e regularização fundiá- nhum dos pedidos de informação gerou respos-
ria. Para calcular o índice em 2023 (publicação tas, e 87,5% em Rondônia.
12 Coelho Júnior, M.G.; Valdiones, A.P. “Transparência das informações ambientais na Amazônia Legal: a disponibilização de dados públicos em
2022”. Transparência Florestal – Mato Grosso. Ano 9. 2023. Disponível em: <https://www.icv.org.br/website/wp-content/uploads/2023/04/
transp-n16-f-2.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.
Figura: Transparência ativa e passiva nos estados da Amazônia Legal e nos órgãos federais.
Os resultados inferiores dos estados quando Público Federal, que desenvolveu em 2017 o
comparados aos do nível federal apontam para Ranking da Transparência Ambiental. O projeto
os desafios próprios da realidade federativa bra- avaliou o desempenho de 106 órgãos federais e
sileira e, portanto, para a relevância de iniciativas estaduais na divulgação de 47 informações am-
dos estados no sentido de construírem capacida- bientais consideradas prioritárias. Até o momen-
des administrativas que ampliem seu potencial to, duas rodadas de avaliação foram realizadas,
de gerar informação sobre as políticas públicas, uma em 2018 e outra em 2019. Os resultados
organizar a informação gerada e torná-la acessí- embasam a realização de Ações Civis Públicas do
vel ao público. Como uma boa prática nesse sen- MPF com alguns estados, com orientações para
tido, a pesquisa destaca a importância de que os melhoria dos índices13.
órgãos públicos desenvolvam portais dedicados
à divulgação de informações ambientais, como Uma pesquisa realizada em 2022 por organiza-
ocorre nos estados de Mato Grosso, Pará e Ron- ções integrantes da rede Observatório do Código
dônia. Esta seria, então, uma estratégia para os Florestal aprofundou as análises sobre transpa-
estados cumprirem as exigências legais sobre rência passiva, com foco ao acesso à informação
transparência sem sobrecarregar seus servido- sobre a implementação do Código Florestal pe-
res na tarefa de responder pedidos de acesso à los governos estaduais14. A pesquisa analisou o
informação individualizados. atendimento a 278 pedidos de acesso à informa-
ção enviados aos 27 estados brasileiros e Distrito
A iniciativa do Instituto Centro de Vida inspirou Federal entre 2019 e 2021. A pesquisa identificou
outra iniciativa de monitoramento da transpa- violações à Lei de Acesso à Informação em mais
rência ambiental, esta realizada pelo Ministério de um quarto dos pedidos, na medida em que
foram respondidos fora do prazo ou sequer fo- controle da transparência da gestão florestal15. Já
ram respondidos. Além disso, em 40% dos casos em 2023, a Transparência Internacional – Brasil
não foi possível obter acesso integral à informa- publicou, em parceria com o Conselho Nacional
ção solicitada, com limitações dos estados prin- de Controle Interno (CONACI), o Guia de Trans-
cipalmente para disponibilizar bases de dados parência Ativa sobre Gestão Florestal e Unidades
de formato espacial, um recurso especialmente de Conservação, que também orienta gestores
relevante para o monitoramento de políticas pú- públicos buscando ampliar a divulgação de infor-
blicas na área ambiental. Interessante também mações ambientais à sociedade.
notar que atrasos ocorridos para o envio de res-
postas aos pedidos não geraram respostas de Contudo, é importante reconhecer a ampliação
melhor qualidade, como se poderia esperar. Isso e aprimoramento da transparência pública nas
porque a taxa de respostas satisfatórias para os políticas ambientais que, no geral, são frutos de
pedidos respondidos dentro do prazo foi de 63%, opções políticas por parte dos governantes e to-
enquanto que para os que atrasaram foi de 33%. madores de decisão, de maneira que retrocessos
Entre as recomendações da pesquisa para re- também podem ocorrer. No campo ambiental,
verter os números negativos estão a instituição esse foi especialmente o caso durante o perío-
de esforços de coordenação entre os órgãos pú- do de 2019 a 2022 no Brasil. Como amplamente
blicos e estruturação de áreas responsáveis por acompanhado pelo noticiário brasileiro, a gestão
conduzir o processo de resposta aos pedidos, federal imprimiu um conjunto de ações com o ob-
com treinamento e definição de atribuições mais jetivo de reduzir a transparência e também a par-
claras de servidores em relação aos protocolos ticipação social nas políticas ambientais. Na área
de respostas a pedidos de acesso. de transparência, essas ações incluíram restrições
de comunicação nos órgãos ambientais, amea-
ças a servidores, tentativas de elevação do sigilo
2.2 TRANSPARÊNCIA AMBIENTAL de documentos públicos, apagões em bases de
ENTRE AVANÇOS E RETROCESSOS dados ambientais e deslegitimação e alterações
estruturais em órgãos públicos responsáveis pela
O acompanhamento da agenda da transparên- produção de dados sobre o desmatamento.
cia ambiental aponta um cenário de avanços ao
longo dos anos da legislação referente ao tema, Alguns exemplos incluem:
além de esforços nas instituições públicas no ■ Em julho de 2019, o Executivo impôs vetos so-
sentido de consolidar esses avanços. Para além bre a Lei Geral de Proteção de Dados e passou
das crescentes menções à transparência nas leis a permitir o compartilhamento de dados pes-
e decretos do governo federal, é notável a insti- soais de requerentes de informação. Quer di-
tuição de novos sistemas que organizam dados zer, a partir de então, que pessoas que usam
públicos e integram dados estaduais com os fe- a LAI para fazer pedidos de acesso à informa-
derais, bem como o crescente envolvimento de ção deixaram de ter a garantia de que suas in-
órgãos de controle na promoção deste princípio formações não seriam compartilhadas dentro
democrático. Quanto a este último aspecto, des- do governo;
taca-se não apenas o caso do MPF ilustrado aci-
ma, como também a estruturação da CGU como
■ Em agosto 2019, ganhou evidência a tentati-
órgão responsável pelo monitoramento da LAI no va de deslegitimação do Instituto Nacional de
Brasil após 2012, e a ampliação do envolvimento Pesquisas Espaciais (INPE) pelo governo fede-
dos Tribunais de Contas e Controladorias esta- ral, depois da publicação dos dados de alertas
duais no tema. Em 2021, a Associação dos Mem- do desmatamento do DETER, e a exoneração
bros dos Tribunais de Contas do Brasil publicou do seu diretor, Ricardo Galvão;
sua resolução nº 02, definindo diretrizes de con- ■ Em março de 2020, por meio da Portaria
trole externo relacionadas à gestão florestal, nas 560/2020, o Ministério do Meio Ambiente pas-
quais destaca-se um capítulo específico sobre o sou a centralizar demandas da imprensa ao
IBAMA. Mais tarde, em maio, uma nota técni- no sentido de dificultar o acesso à informação
ca estenderia restrições a redes sociais pes- no caso das políticas ambientais. Um levanta-
soais dos servidores, em um processo per- mento realizado a partir da solicitação de 321
meado de denúncias de casos de intimidação informações sobre políticas ambientais a ór-
de servidores; gãos federais apontou uma redução de 78% no
número de respostas satisfatórias em 2019, em
Em junho de 2020, a CGU determinou sigilo a
comparação com o período 2017-2018.
pareceres jurídicos da presidência que emba-
sam vetos a projetos aprovados no Congresso. Esse tipo de acontecimento reforça a relevância
Também naquele ano, foi identificada uma es- de iniciativas que monitoram a transparência
pécie de “apagão” nos dados de crimes ambien- pública e de forma mais ampla a democracia
tais, quando durante nove meses foi suspenso o ambiental, tanto por parte da sociedade civil,
acesso da sociedade aos dados de áreas embar- quanto por outras instâncias, como os órgãos de
gadas pelo Ibama16. controle17, as instituições do judiciário brasilei-
ro18 e organizações internacionais19.
Dados indicam que o conjunto de ações como as
mencionadas acima gerou resultados concretos
16 Uma linha do tempo mais detalhada sobre os retrocessos pode ser acessada em IMAFLORA; Instituto Socioambiental; Artigo19. “Mapeamento
dos retrocessos de transparência e participação social na política ambiental brasileira – 2019 e 2020”. Relatório de pesquisa. Disponível em:
<https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/mapeamento_dos_retrocessos_de_transparencia_e_participacao_social_na_politica_
ambiental_.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.
17 Confira-se, por exemplo, a revisão dos sigilos instituídos entre 2019 e 2022, realizada pela CGU em 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/
cgu/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/cgu-conclui-revisao-dos-sigilos-impostos-a-documentos-de-acesso-publico>. Acesso em: 29 out 2023.
18 Confira-se, por exemplo, o caso da ADPF 623 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a participação social no Conselho Nacional do Meio
Ambiente. NEIVA; J.M.; MANTELLI, G.; GIOVANELLI, R. “STF pode fortalecer a democracia ambiental”. Jota. 6 mar 2021. Disponível em: <https://
www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stf-pode-fortalecer-a-democracia-ambiental-06032021>. Acesso em: 29 out 2023.
19 Confira-se, por exemplo, as avaliações realizadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizadas em
2022 sobre espaço cívico e governo aberto no Brasil. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/?82249/Em-carta-a-OCDE-organizacoes-da-
sociedade-civil-alertam-sobre-retrocessos-no-Brasil>. Aceso em 29 out 2023.
20 Open definition. Disponível em: <http://opendefinition.org/>. Acesso em: 29 out 2023.
25 VELLO, B.; MORGADO, R.; BEZERRA, M. et al. “O uso de dados abertos na prevenção, no monitoramento e no controle do desmatamento”.
Relatório de Pesquisa Imaflora. 2020. Disponível em: <https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/dados_abertos_desmatamento_final.
pdf>. Acesso em: 29 out 2023.
26 Para uma análise mais aprofundada de como empresas utilizam dados sobre desmatamento em suas decisões, confira-se: “Empresas já
utilizam dados sobre desmatamento em sua tomada de decisão”. Instituto Centro de Vida. Notícias. 25 maio 2021. Disponível em: <https://
www.icv.org.br/noticias/empresas-ja-utilizam-dados-sobre-desmatamento-em-sua-tomada-de-decisao/>. Acesso em: 29 out 2023.
27 BEZERRA, M.H.; MORGADO, R.P. “Dados Abertos em Clima, Floresta e Agricultura: uma análise da abertura de bases de dados federais (2017-
2020)”. Perspectiva Imaflora, n. 08, 2020. Disponível: <https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/1592504683-perspectiva_dados_
abertos_ambientais_final.pdf>. Acesso em: 29 out 2023.
melhorar a qualidade das bases de dados28. movimento de restringir ainda mais a divulgação
Gargalos como os apontados acima, a falta de de dados públicos que permitissem a identifica-
integração entre bases e a defasagem tempo- ção pessoal, como nome e CPF, mesmo em casos
ral dos dados, constituem questões recorren- de descumprimento da legislação ambiental29. Tal
temente levantadas por iniciativas de uso dos movimento, todavia, decorre de uma compreen-
dados público s. De maneira geral, esses pro- são equivocada sobre o impacto dessa legislação
blemas são associados a limitações na precisão, de que dados de identificação dos proprietários
confiabilidade e agilidade das análises. Assim, constituiriam dados pessoais sensíveis, ou que o
a superação dos problemas permitiria análises sigilo ocorreria para proteger a honra de proprie-
mais céleres e a um custo mais baixo, elevando, tários contra ações de exposição indevida.
portanto, a eficiência e o potencial de impacto
das iniciativas. Sobre esta discussão, a organização Data Privacy
realizou uma análise extensa focada no caso do
Cadastro Ambiental Rural30. O estudo aponta que:
3.3 DADOS ABERTOS, LEI GERAL DE
PROTEÇÃO DE DADOS E LEI DE A contraposição da LGPD à Lei de Acesso à Infor-
mação decorre de uma interpretação equivocada
ACESSO À INFORMAÇÃO dessas legislações, na medida em que ambas per-
mitem a divulgação de dados pessoais e fornecem
Vale ainda mencionar um desafio para o avanço proteção legal para o dado publicizado;
da abertura de dados que tem sido o acesso a
informações de identificação de proprietários e O risco potencial à honra e imagem dos proprie-
possuidores de imóveis rurais no Brasil. Esses da- tários mencionado como argumento para a não
dos estão ausentes nas bases de dados ambien- abertura dos dados contrapõe-se a uma conse-
tais, tais como o Cadastro Ambiental Rural. A falta quência concreta e positiva que a divulgação da in-
dessas informações reduz o potencial de bases formação gera para um amplo conjunto de direitos
ambientais de cumprir suas funções. Isso porque difusos e coletivos da população brasileira, sobre-
os códigos de CPF e CNPJ permitem a identifica- tudo o direito fundamental ao meio ambiente eco-
ção de proprietários responsáveis por irregula- logicamente equilibrado;
ridades ambientais, como o desmatamento não
autorizado. Além disso, trata-se de um dado que, Existe uma assimetria na transparência ativa de
se disponível, fornece melhores condições para a dados pessoais para diferentes grupos sociais.
interoperabilidade de bases de dados diferentes Beneficiários e beneficiárias de políticas públicas
que podem gerar diagnósticos sobre o uso dos têm maior exposição a dados se comparados
imóveis rurais no Brasil. a proprietários rurais, de modo que a publici-
zação de dados do CAR seria um ajuste neces-
Desde a publicação da Lei Geral de Prote- sário para maior harmonia para fins de trans-
ção de Dados no Brasil, em 2018, gerou-se um parência pública.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo buscou introduzir as questões mais entre outras) de fazer frente a iniciativas de re-
relevantes atualmente discutidas em torno da duzir a transparência no âmbito do Estado brasi-
transparência pública nas políticas ambientais. leiro. Em nível estadual, há mais desafios, como
Trouxe alguns dos fundamentos jurídicos da apontado pelos resultados piores das avaliações,
transparência nessa área e caracterizou concei- em comparação com as avaliações federais. Par-
tualmente a transparência pública como parte te desses desafios é superar a desigualdade en-
integrante do conceito de democracia ambien- tre os estados, sobretudo no que tange às suas
tal. Ao expor alguns dos resultados de avaliações capacidades administrativas, e na definição de
sobre o status da transparência pública nas po- procedimentos e regras de gestão da informa-
líticas ambientais, o capítulo também discutiu ção que possam dar suporte a uma agenda pela
alguns dos desafios. Em suma, transparência ampliação da transparência.
pública constitui um elemento que fornece sus-
tentação à democracia ambiental, na medida em Por fim, o capítulo também discutiu a relevância
que o acesso à informação pública subsidia a do conceito de dados abertos para a democra-
participação da sociedade civil sobre as políticas, cia ambiental, na medida em que parte impor-
permitindo qualificar essa participação, amplian- tante do monitoramento das políticas ambien-
do, portanto, seu impacto potencial. tais depende que seja possível obter e analisar
uma grande quantidade de dados públicos. Ao
No governo federal, a evolução do arcabouço descrever os fundamentos da política de dados
institucional em torno deste tema tem gerado abertos no Brasil, o capítulo também apontou
resultados positivos como demonstrado nos para os maiores gargalos e desafios nesta fren-
altos índices de transparência ativa e passiva. te, dos quais incluem-se a ampliação do grau de
Ainda assim, a conservação desses resultados abertura de bases de dados ambientais estraté-
depende da escolha política pela continuidade gicas, bem como a superação do debate sobre os
da agenda da transparência e da capacidade das impactos da LGPD sobre a LAI.
instituições (órgãos de controle, sociedade civil,
que defende que “o acesso à informação é a re- dispositivos visando punir o Estado (caso não
gra; o sigilo é exceção”. Portanto, o seu texto ga- seja transparente), fomenta os cidadãos a sabe-
rante transparência e traz dispositivos contendo rem quais direitos possuem e a que instância re-
os regulamentos a serem observados pelo Esta- correrem para garantirem os benefícios, e ainda
do e pela população no geral. Além disso, traz determina os canais de acesso à informação.
Como podemos perceber, no Brasil, o acesso à então, precisamos estar atentos às garantias
informação está regulamentado tanto na Cons- previstas e a formulação de pedidos mais asser-
tituição como na LAI e, em virtude disso, ele não tivos. Também é fundamental conhecer as nor-
pode ser negado. Embora a Lei 12.527/2011 seja mas que amparam o direito ao acesso à infor-
regulamentadora para a efetividade desse direi- mação no Brasil.
to, há o descumprimento por parte dos poderes,
Nesse sentido, Barros (2017) aponta que a infor- O acesso à informação ambiental se dá a par-
mação ambiental é uma ferramenta imprescin- tir da transparência pública (BARROS, 2008), e
dível na construção de novos valores e atitudes, cabe a esta impedir ações impróprias e even-
cujo objetivo é o desenvolvimento de uma so- tuais dos governantes e administradores, para
ciedade ativa na defesa do meio ambiente. A di- que a sociedade tenha acesso a informações
vulgação da informação (ambiental) correta per- públicas, seja no âmbito federal, estadual ou
mite a transparência ambiental, a formação da municipal, para a construção de um país demo-
opinião da sociedade sobre a proteção ao meio crático, cuja base seja o controle social com vis-
ambiente, e oportuniza a essa a se pronunciar tas a uma gestão mais eficaz e eficiente (SOU-
acerca da matéria informada (MACHADO, 2006). ZA et al., 2009).
ESFERA ENDEREÇO
União https://falabr.cgu.gov.br/
https://abraji.org.br/help-desk/portais-da-transparencia-
Portais da transparência e e-SIC em nível federal
e-e-sics-no-nivel-federal
https://abraji.org.br/help-desk/portais-da-transparencia-
Portais da transparência e e-SIC nos Estados
e-e-sics-nos-estados
Já o artigo 24 faz referência às informações que Dito isso, uma informação só pode ser classifica-
possam colocar em risco a segurança do Presiden- da como sigilosa, quando se enquadra em algu-
te e Vice-Presidente da República e respectivos ma dessas nove hipóteses acima, previstas nos
cônjuges e filhos(as). Neste caso, as informações artigos 23 e 24 da LAI. Mas, encerrados os pra-
serão classificadas como reservadas e ficarão sob zos, a informação é pública.
sigilo até o término do mandato em exercício ou
do último mandato, em caso de reeleição. Quando sigilosa, esse tipo de informação pode
ser classificado em três diferentes graus, são eles:
CLASSIFICAÇÃO PRAZO
25 anos (único passível de prorrogação, por até igual
Ultrassecreto
período)
Secreto 15 anos
Reservado 5 anos
Caso receba uma negativa de um pedido de LAI para garantir o direito de qualquer pessoa ao
porque a informação solicitada é sigilosa, o re- acesso à informação, como realizar denúncias,
querente deve exigir que o órgão apresente o reclamações ou consultas ao invés de efetivar
Termo de Classificação da Informação (TCI), assi- um pedido de informação.
nado por uma autoridade responsável, detalhan-
do o motivo para sigilo e o prazo para liberação. Quando a resposta a um pedido está atrasa-
Ou seja, o governo não pode apenas mencionar da, por exemplo, o requerente pode acessar
sigilo sem apresentar o TCI. o pedido na plataforma do e-SIC e protocolar
uma reclamação diretamente na plataforma.
Essa reclamação é direcionada para a Ouvido-
3.6 RECLAMAÇÕES E OUTRAS ria, que verificará a procedência da mesma e
MANIFESTAÇÕES tomará as devidas providências. Este modelo
realmente funciona e é uma ótima maneira de
Uma manifestação é diferente de um pedido de cidadãos demonstrarem que conhecem seus
acesso à informação. Mas, em algumas situa- direitos e sabem usar os recursos que es-
ções, é possível recorrer a esse tipo de recurso, tão disponíveis.
NOME LINK
Portal de dados abertos do Ministério do
https://dados.mma.gov.br/
Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMGE3ZTc4MmMtYmEyNi-
Painel de Dados Abertos Ambientais
00ZGM4LTlkMWUtNDIwMTJmNWMyYjZhIiwidCI6IjM5NTdhMzY3LT-
(MMA)
ZkMzgtNGMxZi1hNGJhLTMzZThmM2M1NTBlNyJ9
https://www.gov.br/funai/pt-br/acesso-a-informacao/dados-
Fundação Nacional dos Povos Indígenas abertos/plano-de-dados-abertos-fevereiro%202021-%20
fevereiro2023
https://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/malhas_
Bases cartográficas (IBGE)
territoriais/malhas_municipais/municipio_2020/Brasil/BR/
https://servicos.ibama.gov.br/ctf/publico/areasembargadas/
Áreas Embargadas (IBAMA)
ConsultaPublicaAreasEmbargadas.php
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, T. J. T. Uma proposta de modelo de processo para publicação de dados abertos conectados
governamentais. 2015. 221 f. Dissertação (Mestrado em Modelagem Computacional do Conhecimento)
– Instituto de Computação, Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional do
Conhecimento, Universidade Federal do Alagoas, Maceió, 2015.
BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do
art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro
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ESPAÇOS INSTITUCIONAIS
DE PARTICIPAÇÃO AMBIENTAL:
POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES
CIRO DE SOUZA BRITO 1
Este capítulo tem como objetivo refletir sobre es- Num segundo momento, foca em dois pilares
paços institucionais de participação na temática das tomadas de decisão ambiental e climática
ambiental, a partir de uma conexão de três te- no Brasil: as políticas nacionais de meio ambien-
mas: democracia participativa e controle social; te e sobre mudança do clima, destacando seus
espaços de participação institucional e seu papel objetivos, diretrizes e principalmente seus ins-
na discussão e tomada de decisões ambientais trumentos de governança com foco na previsão
e climáticas; e direito à consulta prévia, livre e de atuação da sociedade civil nessa cooperação
informada e o histórico de exclusão de povos com a administração pública na tomada de deci-
indígenas e povos e comunidades tradicionais sões sobre regras, execução de políticas públicas
desse processo. e gastos públicos.
1 Advogado especialista em Direitos Humanos e mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará, com períodos de
estudos na Peking University, China, e na Universidade de Coimbra, Portugal. Foi professor de Direito da Universidade Federal do Oeste do
Pará e da Universidade da Amazônia. Atualmente, é analista sênior de Políticas do Clima do Instituto Socioambiental e coordenador do GT
Amazônia da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action – LACLIMA. E-mail: cirosbrito@gmail.com.
2 Segundo o renomado jurista José Afonso da Silva (2000), a democracia participativa tem origem na chamada democracia semidireta, que
combinava instituições de participação direta com instituições de participação indireta.
3 “Aqui se deverá entender, como mecanismo e instrumentos da democracia participativa, toda e qualquer forma legal de controle, pela
sociedade, dos atos da administração; todo e qualquer ato de atuação popular nas decisões políticas e na gestão da coisa pública; todas as
formas que objetivem dar mais legitimidade às decisões e aos atos administrativos, por meio de qualquer instrumento legal que garanta mais
participação popular” (MACEDO, 2008, p. 188).
uma vez que para o controle social ser exerci- clientelista no seu estilo de fazer política;
do de fato necessita de regularidades organi-
■ que a relação social fundadora dos espaços
zacionais – e são estas que consolidam o fluxo
de controle social seja capaz de estabelecer
do processo decisório e o grau de influência de
regras que definam espaços de influência,
cada instância ou unidade de organização na
rompendo a continuidade burocrática de reu-
gestão institucional.
niões sem compromisso com a alteridade;
Com efeito, demarcam cinco princípios sobre o ■ necessidade de sua institucionalização e de
controle social, quer sejam: tornar públicas as ações e decisões para os
■ suposição de um padrão de representativida- representados e para a instituição; e
de na construção, operação e gestão das polí- ■ que o controle social deve incidir não somen-
ticas sociais, com capacidade de se contrapor, te sobre a equidade dos resultados, mas tam-
influir ou assumir seu poder de mudança; bém sobre a igualdade do acesso, ou seja,
■ possibilidade de ruptura com o caráter priva- ampliar o controle social para além de meca-
tista, de favorecimentos, exercitando a cons- nismo de regulação para os serviços existen-
trução popular da democracia, que é uma tes, mas também para a perspectiva do que
exigência da sociedade brasileira, tradicio- ainda deve ser feito para garantia do direito a
nalmente autoritária, elitista, paternalista e todos. (ELIAS & DAVID, 2026, p. 232).
Foi a PNMA que criou o Sistema Nacional do ■ O CONAMA tem sua competência elencada no
Meio Ambiente, o SISNAMA, um complexo siste- artigo 8 da PNMA e no artigo 7 do seu regula-
ma de governança ambiental cooperativa entre mento, o Decreto n. 99.274, de 06 de junho de
a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e 1990, tendo mandato, entre outros, sobre:
fundações instituídas pelo Poder Público e que ■ estabelecimento de critérios sobre licencia-
sejam responsáveis pela proteção e melhoria da mento de atividades poluidoras;
qualidade ambiental; sendo composto por seis
órgãos, elencados no art. 6º da Lei 6.938:
■ homologação de acordos de transformação
de penalidades pecuniárias em obrigações de
■ Órgão superior, o Conselho de Governo: proteção ambiental;
com a função de assessorar diretamente a
■ determinação da perda ou restrição de bene-
Presidência da República na formulação da
fícios fiscais concedidos pelo Poder Público;
política nacional e nas diretrizes governa-
mentais para o meio ambiente e os recursos ■ determinação da perda ou suspensão de par-
ambientais; ticipação da Administração Pública em linhas
de financiamento em estabelecimentos ofi-
■ Órgão consultivo e deliberativo, o Conselho
ciais de crédito.
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA):
com a finalidade de assessorar, estudar e ■ acompanhar a implementação do Sistema
propor ao Conselho de Governo, diretrizes Nacional de Unidades de Conservação da Na-
de políticas governamentais para o meio am- tureza-SNUC; e
biente e os recursos naturais e deliberar, no ■ propor sistemática de monitoramento, avalia-
âmbito de sua competência, sobre normas e ção e cumprimento das normas ambientais.
padrões compatíveis com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado e essencial à sa- A composição do CONAMA foi estabelecida no
dia qualidade de vida; regulamento da PNMA, o Decreto n. 99.274. Nele,
elenca-se a composição do Conselho por plená-
■ Órgão central, a Secretaria do Meio Ambien- rio, Comitê de Integração de Políticas Ambien-
te da Presidência da República: com a fina- tais, câmaras técnicas, grupos de trabalho e gru-
lidade de planejar, coordenar, supervisionar e pos assessores; dos quais o Plenário é presidido
controlar, como órgão federal, a política na- pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do
cional e as diretrizes governamentais fixadas Clima, que o preside, e outros ministérios e se-
para o meio ambiente; cretarias de governo, representantes de todos os
■ Órgãos executores, o Instituto Brasileiro estados e do Distrito Federal, oito representan-
do Meio Ambiente e dos Recursos Na- tes de governos municipais que tenham conse-
turais Renováveis (IBAMA) e o Instituto lho de meio ambiente com caráter deliberativo,
Chico Mendes de Conservação da Biodi- oito representantes de entidades empresariais e
versidade (ICMBio): com a finalidade de 22 representantes da sociedade civil e de entida-
executar e fazer executar a política e as dire- des de trabalhadores.
trizes governamentais fixadas para o meio
A representação da sociedade civil deve seguir a
ambiente, de acordo com as respectivas
seguinte composição:
competências;
■ Órgãos seccionais, os órgãos ou entidades
■ Dois representantes de entidades ambienta-
estaduais responsáveis pela execução de listas de cada uma das regiões geográficas do
programas, projetos e pelo controle e fisca- País;
lização de atividades capazes de provocar a ■ Três representantes de entidades ambienta-
degradação ambiental; e listas de âmbito nacional;
■ Órgãos locais, os órgãos ou entidades mu- ■ Três representantes de associações legalmen-
nicipais, responsáveis pelo controle e fiscali- te constituídas para a defesa dos recursos na-
zação dessas atividades, nas suas respectivas turais e do combate à poluição, de livre esco-
jurisdições. lha do Presidente do CONAMA;
4 Trata-se do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima e Comissão de
Coordenação das Atividades de Metereologia, Climatologia e Hidrologia, o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e a Rede Brasileira de
Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais – Rede Clima – todos previstos no artigo 7o da PNMC.
■ a alocação de emissões reduzidas de gases ■ Uma do setor privado, com atuação na área
de efeito estufa, incluída a definição de per- socioambiental, indicado pelo setor privado
centual destinado aos entes federativos, no em processo disciplinado por ato do Ministro
âmbito de sua competência, e aos progra- de Estado do Meio Ambiente e Mudança do
mas e aos projetos de iniciativa privada de Clima;
carbono florestal; ■ Uma de povos indígenas, indicado pela Articu-
■ a elegibilidade para acesso a pagamentos por lação dos Povos Indígenas do Brasil;
resultados de REDD+ no País; ■ Uma de povos e comunidades tradicionais,
■ a captação, por entidades elegíveis, de recur- indicado pelo Conselho Nacional dos Povos e
sos de pagamentos por resultados de REDD+; Comunidades Tradicionais; e
■ o uso de recursos de pagamentos por resul- ■ Duas de organizações não governamentais
tados de REDD+ captados pelas entidades com atuação na área socioambiental, indica-
elegíveis; do pela sociedade civil em processo discipli-
■ a regulação de padrões e metodologias téc- nado por ato do Ministro de Estado do Meio
nicas para o desenvolvimento de projetos e Ambiente e Mudança do Clima.
ações de REDD+; Além da maior participação social, pelo menos
■ a formulação, a regulação e a estruturação de em relação à composição da CONAREDD duran-
mecanismos financeiros e de mercado para te o governo 2019-2022, outra mudança foi da
fomento e incentivo à REDD+, conforme o dis- promoção da diversidade de raça e gênero na
posto nos art. 5º, art. 6º, art. 8º e art. 9º da Lei sua composição, elencada no § 4º do Artigo 4º do
nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009; e Decreto 11.548.
O direito à consulta prévia, livre e informada foi Segundo Garzón, Yamada & Oliveira (2016), a
originalmente previsto na Convenção nº. 169 consulta prévia é um espaço político, jurídico e
da Organização Internacional do Trabalho institucional, onde povos indígenas e povos e co-
(OIT) de 1989. Ele afirma que povos indígenas munidades tradicionais têm a oportunidade de
e tribais, que no Brasil ganham conotação participar de processos decisórios relacionados a
de povos indígenas e povos e comunida- medidas que afetem seus direitos coletivos.
des tradicionais5, devem ser consultados pe-
los Estados signatários da Convenção sempre A Convenção 169 e a jurisprudência da Corte
que forem previstas medidas administrativas Interamericana de Direitos Humanos possuem
ou legislativas suscetíveis de afetá-los direta- disposições específicas quanto ao direito de con-
mente (Artigo 6º). sulta prévia, livre e informada, como apontou Ro-
drigo Oliveira (2021, p. 2647). São elas:
A definição mais adotada de povos e comu-
nidades tradicionais é a do art. 3º, inciso I, do ■ A consulta deve ser conduzida “mediante pro-
Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, cedimentos apropriados” (Convenção nº. 169,
que institui a Política Nacional de Desenvol- art. 6º), de maneira diferenciada e em confor-
vimento Sustentável dos Povos e Comunida- midade “com as próprias tradições” do grupo
des Tradicionais: grupos culturalmente dife- consultado (CORTE IDH, 2007: 41);
renciados e que se reconhecem como tais, que ■ Deve ser feita “através das instituições repre-
possuem formas próprias de organização so-
sentativas” do grupo étnico (Convenção nº.
cial, que ocupam e usam territórios e recursos
169, art. 6º), cabendo ao próprio grupo, e não
naturais como condição para sua reprodução
ao Estado, definir sua forma de representação
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
na consulta, de acordo com suas normas e pro-
utilizando conhecimentos, inovações e práticas
cessos internos (CORTE IDH, 2008: 6; 62-63);
gerados e transmitidos pela tradição6.
■ Deve respeitar os métodos tradicionais do
A Convenção 169 da OIT foi ratificada pelo Brasil grupo étnico para a tomada de decisões
e se formalizou via Decreto Legislativo nº. 143, (CORTE IDH, 2007: 42-43), de acordo com suas
de 20 de junho de 2002, tendo entrado em vi- próprias regras (jurídicas), inclusive com uma
gor em junho de 2003. Na condição de tratado dimensão temporal que respeite as formas
internacional de direitos humanos, a Convenção como os grupos étnicos constroem suas deci-
169 foi incorporada às leis brasileiras com status sões (CORTE IDH, 2012: 49);
5 Em outro trabalho, abordei a diferença entre termos que, posteriormente, se consolidaram na arena política (BRITO, 2018, p. 05): “Há alguns
termos que são utilizados como sinônimos (mais em alguns momentos históricos do que em outros), e que são passíveis de críticas, como:
populações tradicionais, populações locais, populações tribais, comunidades locais, sociedades tradicionais e povos da floresta. Em geral, o
uso desses distintos termos revela a existência de diferentes escolas antropológicas sobre o tema. Por exemplo, a expressão “comunidades
tradicionais”, em sintonia com a ideia de “povos tradicionais” deslocou o termo “populações”, reproduzindo uma discussão que ocorreu no
âmbito da Organização Internacional do Trabalho entre 1988 e 1989 e que encontrou eco na Amazônia através da mobilização dos chamados
“povos da floresta” no mesmo período. Nesse momento, “comunidades” revestia-se de uma conotação política inspirada nas ações de partidos
e entidades confessionais, ligadas à noção de base, e de uma dinâmica de mobilização, aproximando-se da categoria “povos””.
6 “O respeito às leis, normas, instituições jurídicas e sistemas jurídicos dos grupos étnicos também é obrigação reconhecida na Declaração das
Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, da Organização das Nações Unidas, assinada pelo Brasil em 2007 (artigos 5, 27, 34 e 40). Por
sua vez, a Constituição Federal do Brasil protege e fomenta as manifestações culturais de diferentes grupos (artigo 215) e reconhece os usos,
costumes, tradições, organizações sociais e línguas indígenas (artigo 231)” (OLIVEIRA, 2021, p. 2646).
■ Deve respeitar o “sistema particular de con- o direito do povo Saramaka a ser efetiva-
sulta de cada povo ou comunidade” (CORTE mente consultado, segundo suas tradições
IDH, 2012: 49), de acordo com suas regras (ju- e costumes, ou, se for o caso, o direito de
rídicas) de organização política (CORTE IDH, conceder ou absterse de conceder seu
2012: 63; 68). consentimento prévio, livre e informado a
respeito dos projetos de desenvolvimento
No âmbito da aplicação judicial do direito, a
ou de investimento que possam afetar seu
Corte Interamericana de Direitos Humanos
território e a compartilhar, razoavelmente,
tem algumas sentenças que foram fundamen-
os benefícios derivados destes projetos
tais para a consolidação do direito à consulta.
com o povo Saramaka, caso estes sejam
Um dos casos mais emblemáticos e que até hoje
realizados. O povo Saramaka deve ser con-
é amplamente citado nos casos de violação da
sultado durante o processo estabelecido
consulta é o do Povo Indígena Kichwa de Sara-
para cumprir esta forma de reparação.
yaku v. Equador, no qual a Corte reconheceu o
O Estado deve cumprir esta medida de
direito à consulta como um direito fundamen-
reparação em um prazo razoável (PEREI-
tal e balizado de qualquer ação estatal (PEREI-
RA, 2023, p. 28).
RA, 2023, p. 28):
Vale destacar que mesmo a consulta prévia sen-
232. O Estado, ao não consultar o Povo Sa-
do um direito endereçado aos Estados (países)
rayaku sobre a execução do projeto que
segundo a Convenção 169 da OIT, empresas e
impactaria, diretamente, no seu território,
setor privado também são obrigados a obser-
descumpriu suas obrigações, conforme
vá-lo (VIEIRA & BRITO, 2020).
os princípios do Direito Internacional e
seu próprio direito interno, de adotar to- A Convenção 169 da OIT não é o único instru-
das as medidas necessárias para garantir mento jurídico internacional a chancelar o direi-
que os Sarayaku participassem, mediante to ao consentimento prévio, livre e informado,
suas próprias instituições e mecanismos, e por meio da consulta. O Protocolo de Nagoya,
de acordo com seus valores, usos, costu- oriundo da Convenção sobre Diversidade Bio-
mes e formas de organização, da tomada lógica, também vai nesse sentido – essa Conven-
de decisões sobre assuntos e políticas que ção é responsável por delinear parâmetros para
exerciam, ou podiam exercer, influência o uso sustentável da biodiversidade e cabe lem-
em seu território, vida e identidade cultural brar que, desde 04 de março de 2021, o Brasil
e social, afetando seus direitos à proprie- é parte do Protocolo de Nagoya. Ou seja, o país
dade comunal e à identidade cultural. Por aceitou os termos do presente tratado, devendo
conseguinte, a Corte considera que o Esta- adequar as legislações internas, como é o caso
do é responsável pela violação do direito da Lei n. 13.123/2015, regulamentada pelo De-
à propriedade comunal do Povo Sarayaku, creto 8.772/2016.
reconhecido no artigo 21 da Convenção,
em relação ao direito à identidade cultural, A Lei nº 13.123/2015 é um instrumento na-
nos termos dos artigos 1.1 e 2 do mesmo cional que prevê o direito à consulta prévia, li-
instrumento (Conselho Nacional de Justi- vre e informada:
ça, 2016 p. 77).
Art. 2º Além dos conceitos e das definições
Outra decisão emblemática da Corte IDH foi do constantes da Convenção sobre Diversida-
Povo Saramaka Vs. Suriname, em que na senten- de Biológica – CDB, promulgada pelo De-
ça proferida em 28 de novembro de 2007, dentre creto nº 2.519, de 16 de março de 1998,
as recomendações impostas ao estado do Suri- consideram-se para os fins desta Lei:
name, destaca-se: VI – Consentimento prévio informado – con-
sentimento formal, previamente concedido
d) adotar as medidas legislativas, adminis- por população indígena ou comunidade
trativas ou de outra natureza que sejam tradicional segundo os seus usos, costumes
necessárias para reconhecer e garantir e tradições ou protocolos comunitários;
VII – protocolo comunitário – norma proce- criado, esses protocolos podem receber diferen-
dimental das populações indígenas, comu- tes denominações. Alguns grupos dão nome de
nidades tradicionais ou agricultores tradi- protocolos comunitários, evidenciando a cons-
cionais que estabelece, segundo seus usos, trução e sistematização comunitária; outros os
costumes e tradições, os mecanismos para denominam protocolos autônomos, pois são
o acesso ao conhecimento tradicional as- um retrato do direito à autodeterminação; e há
sociado e a repartição de benefícios de que aqueles que os entitulam de protocolos biocul-
trata esta Lei7. turais, pois também na sua construção podem
estabelecer as relações das comunidades com os
recursos naturais e seres vivos que compõem os
3.2 PROTOCOLOS DE CONSULTA respectivos territórios (PEREIRA, 2023).
PRÉVIA, LIVRE E INFORMADA Como os protocolos de consulta são normas
Uma forma de chancelar o direito à consulta pré- internas de caráter vinculantes, tendo aplica-
via, livre e informada, por parte das comunida- bilidade irrestrita, conforme defende Pereira
des tradicionais, é por meio da elaboração dos (2023), graças a autonomia dos povos, esses pro-
chamados protocolos de consulta prévia, que tocolos devem ser respeitados e seguidos por to-
são documentos escritos ou orais nos quais dos os membros das comunidades e também por
os grupos étnicos publicizam como deve ser agentes externos, sejam públicos ou privados.
uma consulta culturalmente adequada, do-
Ademais, vale destacar que esses documentos
cumentando suas sensibilidades jurídicas relati-
têm plena eficácia jurídica, sendo dotados de
vas à organização social e política, às formas de
juridicidade, como diversos pesquisadores e
representação e de participação, à formação e
juristas vêm apontando. Isso porque a própria
tomada de decisão, dentre outras regras jurídi-
Convenção 169 da OIT, no artigo 8º, reconhece a
cas (OLIVEIRA, 2021). A própria Convenção 169,
validade de diferentes “sensibilidades jurídicas”,
prevê a necessidade de adequação no processo
mesmo que não estatais, dos povos indígenas e
de consulta, no seu Artigo 6°, em que se destaca
“tribais” (OLIVEIRA, 2021):
a obrigatoriedade em consultar os povos inte-
ressados, mediante procedimentos apropriados
Na aplicação da legislação nacional aos po-
e, particularmente, através de suas instituições
vos interessados, seus costumes ou leis con-
representativas8.
suetudinárias deverão ser levados na devida
Os protocolos de consulta prévia podem tam- consideração. Esses povos terão o direito de
bém ser considerados um “acordo pragmático” manter seus costumes e instituições, desde
em que os grupos étnicos oferecem uma base que não sejam incompatíveis com os direi-
de comensurabilidade ao traduzirem suas sensi- tos fundamentais previstos no sistema jurí-
bilidades jurídicas, relativas ao direito à consulta dico nacional e com direitos humanos inter-
prévia, à linguagem e às categorias do direito es- nacionalmente reconhecidos. Sempre que
tatal. Trata-se, portanto, de uma retradução, na necessário, deverão ser estabelecidos pro-
qual os grupos se apropriam e traduzem o direi- cedimentos para a solução de conflitos que
to à consulta prévia, livre e informada aos seus possam ocorrer na aplicação desse princípio.
próprios significados culturais (OLIVEIRA, 2021).
Uma iniciativa inédita no Brasil foi a criação do
A depender da localidade e do contexto vivencia- Observatório de Protocolos Comunitários de Con-
do pelas comunidades em que um protocolo foi sulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado.
7 Protocolos comunitários são instrumentos previstos no Protocolo de Nagoya que permitem que comunidades tradicionais definam as
condições de acesso ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos. Mesmo respondendo a lógicas diferentes, esses protocolos
podem ser interpretados como “ancestrais” dos protocolos de consulta e, às vezes, até confundidos com eles. Mas desempenham papeis
parecidos e com finalidades afins. Todos eles têm o condão de assegurar o direito à participação dos povos e comunidades tradicionais de
forma efetiva e equitativa nas decisões que os afetam (PEREIRA, 2023, p. 38).
8 Para Jeferson Pereira (2023, p. 40), “quando a Convenção apregoa que o procedimento de consulta deve ser realizado mediante procedimentos
apropriados, preceitua que a forma e o “modus operandi” da consulta deverá obedecer às diretrizes e normativas internas de cada povo”.
Começou como um grupo de pesquisa vinculado nº 11/20206 que publicou as deliberações do Co-
à Pontifícia Universidade Católica no Estado do mitê de Desenvolvimento do Programa Espacial
Paraná e que, nos últimos anos, se tornou um Brasileiro na Sétima Reunião Plenária9.
fórum intelectual e político que congrega pes-
quisadores, juristas, lideranças de movimentos Diante desse contexto, as comunidades quilom-
sociais e organizações da sociedade civil. Esse bolas de Alcântara produziram, em outubro de
Observatório mantém um banco de dados de 2019, o seu protocolo comunitário de consulta
Protocolos elaborados no Brasil, no qual consta- e consentimento prévio, livre e informado, que,
vam, até 2022, mais de 70 protocolos de consulta nas palavras de Pereira (2023), aconteceu como
produzidos – destes, 32 de povos indígenas; 14 de uma forma reativa à expansão do Centro de
comunidades quilombolas; quatro protocolos da Lançamento (CLA).
sociobiodiversidade; 17 de outros povos e comu-
Outro caso de violações de direitos de diversos
nidades tradicionais; e três protocolos conjuntos
povos indígenas e povos e comunidades tradicio-
(PEREIRA, 2023).
nais envolve a construção de um porto no Lago do
Maicá pela Empresa Brasileira de Portos de Santa-
3.3 HISTÓRICO DE EXCLUSÃO rém (EMBRAPS), que ao pretender se instalar no
9 “Para as comunidades quilombolas do Território de Alcântara, a Resolução n.º 11, de 26 de março de 2020, foi um ato totalmente arbitrário, mantendo
concepções de que os povos que ali habitam não têm nenhum direito. Tal ato ignora deliberadamente a existência de direitos constitucionais para as
comunidades. “Desconhecendo” os termos da Convenção 169 da OIT, promulgada pelo Decreto n.º 5.051, de 19 de abril de 2004, e os da legislação
ambiental, o “Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro” resolveu “autorizar” e “aprovar” um conjunto de “ações voltadas para as
políticas públicas destinadas às comunidades que habitam a área de interesse do Estado” (Resolução n.º 11/2020, art. 6.º, caput), sem a devida consulta e
participação dos grupos afetados, em flagrante violação dos princípios estabelecidos nas letras “a” e “b” do artigo 6.º da Convenção” (PEREIRA, 2023, p. 29).
10 Em maio de 2017, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão referida e negou o agravo de instrumento ajuizado pela Empresa
Brasileira de Portos de Santarém em face do Ministério Público Federal e Estadual (AZEVEDO & BRITO, 2019).
Além desses casos, existem vários outros que se trata da implantação de empreendimentos,
corroboram a contradição da participação social projetos de crédito de carbono e outras deci-
nas tomadas de decisões ambientais e climáticas sões administrativas e legislativas que afetam
no Brasil. Por um lado, vários mecanismos foram esses grupos étnico-coletivos diretamente, há
instituídos na Constituição de 1988 e normas uma lacuna de participação e, principalmente, de
infraconstitucionais, conformando um Estado consulta prévia, livre e informada, que também
democrático de Direito participativo e incluindo deveria ser garantida conforme tratados interna-
cada vez mais a sociedade civil e povos indígenas cionais chancelados pelo Brasil, de acordo com
e povos e comunidades tradicionais em conse- os mandamentos constitucionais e com vários
lhos, comitês, fóruns e redes. Por outro, quando dispositivos infraconstitucionais.
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Pindorama significa “região das palmeiras” ou europeus. Mesmo após 523 anos, os povos in-
“terra livre de todos os males” e é o nome utili- dígenas juntamente com a população preta e
zado pelos povos tupi-guaranis ao chegarem no quilombola, que viveram e ainda vivem neste
litoral do nosso país. É neste lugar, em 22 de abril território, são alvo e os principais vulnerabiliza-
de 1500, que testemunhamos através da história dos pelos impactos ambientais e desastres. Se
os primeiros casos de racismo ambiental no Bra- somam a eles, nesse processo, comunidades
sil. Da preservação do nosso continuum flores- tradicionais como ribeirinhos, caiçaras, fundo e
tal, dos nossos mangues, rios, córregos e fauna fecho de pasto, geraizeiros, pescadoras, maris-
silvestre, deu-se lugar à exploração dos recursos queiras, povos de terreiro, caatingueiros, ciganos
naturais, ao desmatamento e ao latifúndio pelos e entre outros.
“[...] refere-se a qualquer política, prática ou suas plantações (WESTIN, 2020). Duas semanas
diretiva que afete de forma diferenciada ou antes da Lei de Terras vigorar, no dia 4 de setem-
prejudique (intencionalmente ou não) indi- bro de 1850, a Lei Eusébio de Queiroz foi criada
víduos, grupos ou comunidades com base e tornou a entrada e embarcação de escravos
na raça ou cor. O racismo ambiental se no Brasil vindos da África como proibidas, como
combina com políticas públicas e práticas uma espécie de pirataria. Assim, foi uma das pri-
da indústria para fornecer benefícios para meiras leis ao qual o Governo Imperial, pressio-
os brancos enquanto transfere os custos nado pela Grã Bretanha, decidiu tornar crime e
da indústria para as pessoas negras. É re- abolir o comércio de escravos no país (PINHEIRO,
forçado por instituições governamentais, 2020). Porém, essa campanha abolicionista que
jurídicas, econômicas, políticas e militares” culminou na Lei Áurea, em 13 de maio de 1888,
(OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2022) não garantiu nem direitos e nem acessos para os
negros alforriados, muito menos para os povos
O uso do conceito tem sido utilizado enquanto originários e, consequentemente, muitos torna-
uma ferramenta para ilustrar como o racismo vam a trabalhar para os mesmos senhores.
estrutural e institucional tem moldado esses
impactos ambientais desde o período da coloni- Além de não garantir acesso a educação, a mo-
zação até os dias atuais. O termo facilita a com- radia e aos serviços básicos, tal norma também
preensão para identificar quais são as pessoas não lhes dava poder de participação social nas
mais impactadas quando ocorre algum desastre tomadas de decisão que estavam ocorrendo no
ou tragédia, seja na rua, no bairro ou em uma co- final do século XIX no império, e a população ne-
munidade, ou com repercussão a nível nacional. gra e indígena continuava sendo animalizada,
sub humanizada e jogada para as periferias das
Ao olharmos para história do Brasil, analisar cidades. Não é coincidência que nos dias atuais
quem eram as classes mais favorecidas pelo Es- somente 19% da população preta e parda de-
tado e quais recebiam maiores privações e falta tém a propriedade de grandes estabelecimentos
de direitos, nos deparamos sempre com a popu- agropecuários, em comparação a 79,1% da po-
lação negra, indígena, periférica e trabalhadora pulação branca (IBGE, 2017). Com o histórico de
sendo a mais desfavorecida. E por que será? segregação, exploração e opressão que o racis-
mo estrutural orientou a construção do território
A partir da assinatura do imperador Dom Pedro brasileiro, não surpreende que somente 29,5%
II para inserir a Lei de Terras, em 18 de setem- dos cargos de gerência sejam exercidos por pes-
bro de 1850, houveram incentivos para expandir soas negras, ou que mais de 75% das pessoas
o domínio de terras no Brasil pelos lavradores, que vivem abaixo da linha da pobreza são pre-
latifundiários e posseiros que já detinham exten- tas e pardas e que, em média, cerca de 60% dos
sos loteamentos e que utilizam dessa justificativa negros estão em ocupações consideradas infor-
para despejar e matar povos indígenas dos seus mais (IBGE,2022).
territórios, e assim garantir mais espaço para
que, ao longo dos anos, foi intencionalmente vul- desalojadas, 62 mil ocorrências de situação
nerabilizado, seja na dimensão politica, econô- de emergência e calamidade pública e mais
mica e/ou social. É também compreender que a de 500 bilhões de prejuízos econômicos por
consequência desses impactos ambientais sobre conta dos impactos com os eventos climáticos
esta população teve continuidade e intensidade extremos de inundações, alagamentos, secas,
desde 1500. É, ainda, evidenciar que territórios ondas de calor e vendavais (BRASIL, 2023);
ancestrais continuam sendo impactados com a
■ Mulheres representam mais de 60% da maio-
construção e destinação de lixões e aterros sani-
ria de mortes no evento extremo de chuvas
tários, com as consequências do desmatamento
que atingiu o município de Petrópolis, na
e o uso intensivo de agrotóxicos, com a desti-
Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2022
nação de químicos industriais, com os conflitos
(AGÊNCIA BRASIL, 2022);
territoriais, agrários e fundiários por acesso a
água, com a falta de demarcação de terras qui- ■ Recife e região metropolitana registra, no iní-
lombolas e indígenas, com ordens de despejo e cio de junho de 2022, mais de 120 pessoas
remoções forçadas durante desastres em áreas mortas por conta das fortes chuvas e desli-
de risco nas periferias e favelas das cidades. zamentos de terra, sendo a população preta
e periférica a maioria das vítimas (BRASIL DE
Alguns dados em destaque sobre racismo FATO PERNAMBUCO, 2022);
ambiental:
■ 63,8% das pessoas na área atingida pelos re-
■ De acordo com o “Mapa de conflitos: injusti- jeitos do rompimento da barragem em Bru-
ça climática e saúde no Brasil”, realizado pela madinho(MG), em 2019, são pessoas não-
Fiocruz, são mais de 620 conflitos e injustiças -brancas (AEDAS, 2022);
registrados nos últimos anos em todo territó- ■ Negros e pardos estão entre os mais afetados
rio nacional (FIOCRUZ, 2023); pela carência de saneamento no país e, por-
■ Em um levantamento realizado pela Comissão tanto, são mais sujeitos às chamadas Doenças
Pastoral da Terra, em 2022, mais de 2 mil pes- Relacionadas ao Saneamento Ambiental Ina-
soas são resgatadas de condições análogas dequado (DRSAI). Foram cerca de 97 mil óbi-
à escravidão no campo e indigenas compõe tos em função da DRSAI (CLARET JR e BARBI,
mais de 30% dos assassinatos por conflitos 2020);
agrários e por território (COMISSÃO PASTO- ■ Dos 6.329 aglomerados subnormais, que são
RAL DA TERRA, 2022);
considerados ocupações irregulares para fins
■ O Atlas Digital de Desastres Naturais do Mi- de habitação, com uma população de 11 mi-
nistério de Integração e Desenvolvimento Re- lhões de pessoas, a população branca com-
gional, de 1991 a 2022, aponta cerca de 4.728 põe cerca de 30,6% e os negros 68,6% dos
óbitos, 9 milhões de pessoas desabrigadas e residentes (IPEA, 2021).
de planejamento urbano para conter esses im- tempestade, e até mesmo o medo a partir do
pactos. São inúmeros os casos de famílias que vi- contato com a experiência do desastre, que se
venciaram episódios de enchentes que levaram deflagra em um trauma psicológico.
seus imóveis e bens materiais ou até mesmo a
presença de um deslizamento que soterrou um Em julho de 2023, no estado de Alagoas, 23,6
parente, um vizinho ou amigo. Tantas comunida- mil pessoas ficaram desalojadas e desabrigadas
des periféricas atingidas direta ou indiretamen- após fortes chuvas, segundo balanço divulgado
te ao longo desses anos, seja por não conseguir pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Ce-
acessar o transporte público ou porque teve sua dec) até a publicação deste texto. E 31 cidades
energia desligada ou casa danificada durante a estão em situação de emergência.
Essa percepção do risco e convivência com os O ato “1 Ano de Luto, 1 Ano de Luta” aconteceu
desastres têm proporcionado mobilizações pú- no dia 28 de maio de 2023, em Recife. Ele con-
blicas e um envolvimento da sociedade civil na tou com a participação de diversos coletivos da
discussão climática. Lideranças comunitárias, sociedade civil com o objetivo de lembrar as ví-
movimento negro, quilombola, representantes timas das inundações e deslizamentos de terra,
dos povos indígenas, da juventude e das diver- tendo por foco pautar a ausência de uma políti-
sas comunidades tradicionais têm se debruçado ca pública de adaptação climática para o Estado
sobre a relação com a falta de políticas públicas de Pernambuco.
e a proteção de vidas mediante a crise climática,
pressionando o debate por mais participação
social no planejamento urbano e territorial.
Durante muitos anos, o debate meteorológico cli- Esse processo de participação social na constru-
matológico sobre as mudanças climáticas, através ção e formulação de políticas públicas é o que
de conferências e congressos científicos e insti- tem garantido direitos à população vulnerabiliza-
tucionais, reunia o mesmo público com temáti- da ao longo da história do Brasil. A possibilidade
cas que nem sempre levavam em consideração de receber um aluguel social perante à emer-
a vulnerabilidade social enquanto um elemento gência, a solicitação do acesso à moradia digna,
fundamental para recomendação de práticas e a resposta popular contra a ordem de despejo,
políticas públicas. Os estudos sofisticados com a reparação dos bens e itens perdidos mediante
metodologia eficiente no debate sobre projeções desastres, são alguns exemplos do que a mobili-
e cenários futuros do aquecimento global sem- zação dos movimentos sociais e incidência polí-
pre tiveram o objetivo de formular diagnósticos tica nos espaços institucionais têm conquistado
para que o Brasil pudesse ter um levantamento ao longo de todo o processo de luta e reivindica-
atual dos desafios que o esperam. Atualmente, é ção dos direitos.
a dimensão econômica, política e sociológica que
ganha a centralidade das análises, a partir da par- Mesmo sendo um instrumento legítimo e cons-
ticipação dos coletivos e movimentos organizados titucional, ainda não se possui uma integridade
pautando sobre o clima através das experiências por parte do Estado na construção coletiva das
e tecnologias sociais de seus territórios. políticas. As repartições públicas e as instituições
brasileiras ainda não aderiram completamente
A dimensão da urgência e da emergência se às múltiplas vozes e diferentes demandas popu-
configura com grande importância na agenda lares pela garantia de direitos em espaços como
climática para que se possa pressionar pela ce- audiências públicas, conselhos e conferências
leridade das ações e mecanismos de políticas climáticas. O processo de participação popular
públicas de prevenção e adaptação climática. é entendida enquanto parcialidade, ou seja, es-
Afinal, pelo histórico de negligência que o Brasil colhe-se uma etapa (geralmente a final) para le-
possui e perante a falta de infraestrutura pública gitimar o que já foi definido institucionalmente
e instrumentos para garantir proteção e resiliên- e, a partir disso, realizam e elaboram “a consulta
cia à vida da população preta, pobre, indígena e pública” como único mecanismo de contemplar
periférica, a incidência política direta é uma das a percepção das pessoas sobre planos e estraté-
respostas da sociedade civil diante do contexto gias climáticas. Logo após, costuma-se adequar
da falta de direitos. ou criterizar o próprio relato ou comentário da
população para a proposta inicial já definida, necessária da população brasileira, sendo 56%
esvaziando totalmente o conteúdo possivel- composta por pessoas negras. Esse isolamento
mente contraditório ao que a política instituía. de informações também dificulta na associa-
Isso recorrentemente acontece nas discussões ção e relação que o clima possui com o debate
do plano diretor, dos planos de ação climática, político sobre as cidades, sobre a busca por di-
dos planos municipais e estaduais de adaptação reitos e proteção de vidas. Dados de pesqui-
climáticas e etc. sa inédita do Greenpeace Brasil, coletados em
todo o território nacional pelo IPEC (Inteligên-
Nas audiências públicas, o tempo das falas sem- cia em Pesquisa e Consultoria Estratégica) so-
pre é controlado por algum mecanismo de mar-
bre a percepção do brasileiro com os eventos
cação, não somente como um mecanismo de
climáticos extremos, revelam que, para 62%
ordem do espaço mas também de controle do
dos brasileiros, as pessoas pobres são as mais
conteúdo a ser proferido. Os espaços com maior
afetadas por estes eventos. Os números tam-
tempo e atenção são sempre destinados pela
bém mostram que 77% dos moradores das
apresentação ou discussão técnica e sistematiza-
capitais brasileiras desconfiam da capacidade
da sobre clima, a partir de técnicos, servidores
de suas prefeituras para prevenir ou reduzir
ou organizações brancas, em contraposição ao
impactos de desastres causados pelas mudan-
momento de fala das comunidades e popula-
ças climáticas. Ainda nesse quesito, o recorte
ções pretas, indígenas e periféricas (que, nesse
por raça revela que 72% das pessoas negras
momento, sempre há uma dispersão da mesa
(pretas e pardas) desconfiam das prefeituras,
central ou a saída de algum representante oficial
enquanto entre brancos esse número é de
para atender uma outra agenda durante a au-
63%. O índice mais alto de confiança nas pre-
diência). É de fácil percepção a dimensão da es-
feituras para proteger a população de desas-
cuta ativa assimétrica nos dois momentos elen-
tres climáticos está entre pessoas de 60 anos
cados, seja por uma tensão generalizada, pelo
ou mais, em 26%. Já a maior desconfiança está
teor e intensidade da denúncia proferida pelas
entre brasileiros de 25 a 34 anos: 72% confiam
comunidades, ou pela legitimação das notas téc-
nicas dos especialistas. A supervalorização dos pouco ou nada nas gestões municipais (IPEC e
dados estatísticos e quantitativos em detrimento GREENPEACE, 2023).
dos relatos, vivência e experiências dos corpos
Se deparar com o desafio da desconfiança da
presentes é notável na publicação da síntese em
população preta nas instituições e espaços de
relatório, ofício ou ata ao final das sessões.
tomadas de decisão, é entender a contradição
É importante também destacar o elemento da do papel do Estado ao longo do tempo enquan-
representatividade e composição de conselhos to agente que legitima as diferentes formas de
e fóruns. Ao analisar a composição dos comitês, opressão e racismo, desde o Brasil império até
conselhos, fóruns e ouvidorias, sempre é des- os dias atuais com a falta de serviços básicos e
tinado um número mínimo de participação da violência policial e, ao mesmo tempo, entender
sociedade civil e, muitas vezes, sendo represen- que são esses espaços os meios de disputa para
tadas por grandes instituições de terceiro setor, conquistar direitos para os territórios. É, ainda,
sem levar em consideração associações, redes e entender que o racismo estrutural e institucio-
coletivos que possuem uma atuação territorial nal invisibiliza nossos corpos enquanto agentes
e que também possuem instrumentos e pers- políticos de transformação social, mas que a
pectivas para contribuir para o debate público. organização para ocupar o Estado é necessária,
E isso irá se aprofundar se pensarmos na gover- como forma de tensionar os poderes instituídos
nança a nível estadual e federal, onde o critério e demandar reparação necessária para enfren-
de quem poderá estar na mesa se torna cada tamento à crise climática e resiliência dos nos-
vez mais parcial. sos territórios.
Esse cenário também é um retrato de como os Enquanto o racismo ambiental estiver impactan-
debates sobre clima circulam sobre os mesmos do nossos territórios, o aquilombamento e o al-
grupos e espaços, sem alcançar a massificação deamento será a nossa resposta de resistência.
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VIOLÊNCIAS E MECANISMOS DE
DENÚNCIA E PROTEÇÃO AOS
DENUNCIANTES AMBIENTAIS
DANDARA RUDSAN SOUSA DE OLIVEIRA
1. INTRODUÇÃO
Sabemos que o Brasil é um país que abriga ecos- Infelizmente, nosso país se destaca não apenas
sistemas que são vitais para a manutenção da pela sua biodiversidade, mas também por ser
vida no planeta, entre eles o cerrado, a Amazô- um dos países com o maior número de defen-
nia, os pampas gaúchos. Somos o país com uma sores ambientais mortos em decorrência de seu
das maiores biodiversidades do planeta e que ativismo. A violência contra defensores ambien-
beneficia a todos, porém defendidos arduamen- tais tornou-se uma mancha sombria na história
te por poucos. Defensores e defensoras de di- do Brasil, levantando questões profundas sobre
reitos humanos ambientais arriscam suas vidas os desafios enfrentados por aqueles que lutam
para proteger os biomas, comunidades, povos e para proteger a terra, a água e o ar que todos
ecossistemas sustentáveis. compartilham. A questão da violência contra
defensores ambientais é complexa e multiface-
A história do Brasil é entrelaçada com a explo- tada, com raízes profundas em questões sociais,
ração de suas vastas riquezas naturais. Desde a econômicas e políticas. Enquanto o país luta
chegada dos colonizadores europeus até os dias para equilibrar seu desejo por desenvolvimento
atuais, a busca por lucro e desenvolvimento fre- econômico com a necessidade de preservar seu
quentemente esteve em conflito com a conser- patrimônio natural, os defensores ambientais se
vação ambiental. No entanto, o movimento de tornam alvos de interesses conflitantes. Empre-
defensores ambientais surgiu como uma respos- sas envolvidas em atividades de desmatamento,
ta a essa tensão constante. Pessoas de todas as mineração, agronegócio e construção, muitas
origens e idades, conscientes da importância da vezes, veem esses ativistas como obstáculos aos
preservação ambiental, uniram-se para enfren- seus lucros, levando a confrontos frequentes e,
tar as crescentes ameaças à natureza e ao clima. em casos extremos, à violência.
Eles desempenham um papel crucial na cons-
cientização pública, no ativismo e na fiscalização Outro fator significativo é a impunidade que mui-
das atividades que impactam negativamente tas vezes prevalece no Brasil quando se trata de
o meio ambiente. crimes contra defensores ambientais. O sistema
de justiça muitas vezes falha em responsabili- forçados a intensificar seus esforços em defesa
zar os agressores, criando um ambiente propí- do meio ambiente.
cio para a escalada da violência. A negligência
Neste contexto, esta análise se propõe a apro-
do Estado em garantir a proteção adequada a
fundar algumas compreensões sobre a violência
esses ativistas também contribui para o pro-
contra defensores ambientais no Brasil, exami-
blema, deixando-os vulneráveis a ameaças e
nando fatores e implicações desse fenômeno
agressões. Além disso, as tensões políticas e as
perturbador. Também serão exploradas dife-
mudanças nas políticas de conservação ambien- rentes medidas necessárias e outras já em curso
tal no Brasil desempenham um papel crucial. para proteger os que defendem o meio ambien-
As políticas governamentais que promovem a te. Lembrando, por fim, que esta é uma questão
exploração desenfreada dos recursos naturais que não só impacta o Brasil, mas tem implicações
podem desencadear uma reação adversa por globais na luta contra as mudanças climáticas e
parte dos defensores ambientais, que se veem na conservação da biodiversidade.
Esta violência contra defensores ambientais A violência contra defensores ambientais no Bra-
tem implicações profundas para a socieda- sil é um desafio grave que exige uma resposta
de e o meio ambiente, como a perda de vidas coletiva. A proteção dos ecossistemas e recursos
humanas e a fragilização da democracia, uma naturais do país depende do trabalho de de-
vez que a violência prejudica a liberdade de ex- fensores e defensoras ambientais que estão na
pressão e a participação cívica, enfraquecendo linha de frente das ações de resistência, deven-
os pilares da vida em sociedade democrática, do a sociedade e o governo unirem forças para
assim como enfraquece a capacidade de prote- garantir que a luta pela conservação ambiental
ger ecossistemas críticos, o que pode resultar seja marcada por diálogo, respeito e proteção,
em danos ambientais irreparáveis. Além disso, em vez de violência e impunidade. A superação
a violência contra defensores ambientais no desse problema é essencial não apenas para o
Brasil tem implicações universais, já que afeta Brasil, mas para o mundo, à medida que enfren-
os esforços globais de combate às mudanças tamos desafios globais relacionados às mudan-
climáticas e à conservação da biodiversidade ças climáticas e à preservação da biodiversidade
(POLICARPO, 2023). (PONTES, 2023).
A violência contra defensores ambientais na segurança; assim como esforços para a cons-
Amazônia é alimentada por várias causas, incluin- cientização pública, pois a sociedade precisa ser
do interesses econômicos, uma vez que a explo- sensibilizada sobre a importância da Amazônia
ração de recursos naturais, como a extração de e o papel vital desempenhado pelos defensores
madeira, mineração e a expansão do agronegó- ambientais. Por fim, é fundamental fortalecer as
cio, frequentemente entra em conflito com os regulamentações que protegem defensores am-
esforços de conservação. Empresas e indivíduos bientais e legislações de proteção ambiental apli-
envolvidos nesses setores veem os defensores cáveis (PONTES, 2022).
ambientais como obstáculos ao seu lucro. “A ló-
gica internacional da divisão do trabalho colocou o Como sistematicamente as entidades de
país na posição de um mero produtor de commo- defesa dos direitos humanos têm denun-
dities, principalmente agrícolas e minerárias. São ciado, a impunidade tem sido uma das
setores que exigem contínua expansão de terras. E principais causas da continuidade dos
essa expansão ocorre sobre territórios que já estão assassinatos no campo. Financiados por
ocupados há séculos”. (Pontes, 2022, p.1). A falta de latifundiários representantes do agrone-
responsabilização por crimes contra defensores gócio, pistoleiros continuam a assassinar
ambientais também é outro fator que permite trabalhadores rurais sem-terra, indígenas,
que a violência continue sem consequências le- quilombolas, extrativistas, pescadores,
gais, criando um ambiente de impunidade, já que posseiros, assentados e lideranças que fa-
a ausência de proteção eficaz por parte do Esta- zem a luta pelo direito ao acesso e à per-
do deixa os defensores ambientais vulneráveis a manência na terra. Sem punição exemplar
ameaças e ataques (VASCONCELLOS, 2019). para os criminosos, a impunidade funciona
como uma espécie de “licença para matar”,
As explicações históricas estão associadas ao ou seja, o pistoleiro, assalariado do crime,
modelo de desenvolvimento econômico impos- que comete um assassinato a mando de
to pelo Estado brasileiro à Amazônia paraense. alguém, e não é punido, não pensará duas
Esse regime, baseado na exploração dos bens vezes para aceitar outra empreitada crimi-
naturais e na concentração da terra, se concre- nosa, da mesma forma, funcional para o
tiza através de grandes projetos minerários atre- mandante da morte. (JUSTIÇA GLOBAL &
lados a obras de infraestrutura, como hidrelé- TERRA DE DIREITOS, 2022).
tricas e ferrovias, impactando sobre territórios
indígenas, quilombolas e camponeses. No mes- A violência contra defensores ambientais na Ama-
mo sentido, o amplo processo de concentração zônia é um desafio urgente e que tem consequên-
e apropriação ilegal da terra marginaliza e torna cias profundas para o meio ambiente, comuni-
vulnerável a população rural. (CBDDDH, 2020). dades locais e o mundo em geral. A proteção da
Amazônia é uma preocupação global, e a seguran-
Combater a violência contra defensores ambien- ça dos ativistas é crucial para garantir a sobrevi-
tais nesta região requer ações coordenadas em vência deste ecossistema e suas comunidades. A
várias frentes, como a responsabilização e que ação coletiva, a responsabilização dos agressores
os agressores sejam identificados e processa- e a proteção eficaz são passos essenciais para pre-
dos de acordo com a Lei; garantia de segurança servar a Amazônia e proteger a vida e trabalho de
dos defensores ambientais sob responsabilidade defensores e defensoras, cujas ações são de suma
do Governo, fornecendo recursos e treinamen- importância para a manutenção da democracia e
to adequados às autoridades responsáveis pela para a luta por justiça ambiental e climática.
1 A CPT monitora os casos que são publicizados, ou que chegam até eles, para elaborar um relatório anual com os crimes e conflitos no campo.
Mas não divulga com um recorte de gênero, separando as mulheres em perigo, mortas ou ameaçadas. A Revista AzMina fez esse levantamento
a partir dos dados de 2015 até o último relatório publicado em abril de 2022 (relativo a 2021). Revista Eletrônica Outras Mídias. https://
outraspalavras.net/outrasmidias/defensoras-do-meio-ambiente-na-mira-da-violencia/
Diante desses desafios, é fundamental que o go- viabilização das necessidades primárias,
verno, organizações não governamentais e a so- principalmente quando o assunto é man-
ciedade civil em geral estejam cientes dos riscos ter a vida das suas famílias. Tais intera-
enfrentados pelas mulheres defensoras do meio ções englobam atividades como a coleta
ambiente, e trabalhem em conjunto para garan- de água para a preparação de alimentos e
tir sua proteção. Medidas como a criação de pro- limpeza, a busca de alimentos em rios e re-
gramas de proteção, a conscientização pública cifes, coleta de lenha, cultivo da terra, além
e a implementação de leis mais rigorosas para de muitas outras atividades ligadas às ta-
punir agressores são fundamentais. Programas refas de cuidado e sobrevivência. Assim,
de proteção podem incluir o fornecimento de ameaçar esses recursos naturais é tam-
medidas de segurança pessoal, levando em con- bém colocar em xeque a sobrevivência de
sideração as dinâmicas específicas de violência e comunidades inteiras e dessas mulheres.
violações, para as defensoras mais ameaçadas. (IGARAPÉ, 2022).
(PONTES, 2022).
A sensibilização pública é crucial para pressio-
O mau uso de recursos naturais e degrada- nar por mudanças políticas e para chamarmos
ção do meio ambiente estão cada vez mais atenção da sociedade sobre a importância do
associados a uma forma de violência con- trabalho dessas mulheres e de proteger suas vi-
tra mulheres indígenas e de populações das. Por parte do Estado, programas de prote-
tradicionais. Segundo um levantamento ção precisam ser revisados e fortalecidos, assim
realizado pelo Programa das Nações Uni- como leis funcionais e a aplicação efetiva delas
das para o Desenvolvimento (PNUD), as devem ser implementadas, visando dissuadir po-
mulheres são o principal ponto de conexão tenciais agressores e garantir que a justiça seja
com as diferentes pessoas e instituições e feita quando ocorrerem ataques.
2 BASTOS, Vanessa Lisboa. Monografia. AÇÃO PÚBLICA PARA A PROTEÇÃO DE DEFENSORAS E DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS NO
BRASIL. UNB, Brasília – DF: 2021. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/30345/1/2021_VanessaLisboaBastos_tcc.pdf. Acesso em:
03/11/2023.
quando necessário, tendo em alguns casos, inclu- do programa, sendo um componente valioso na
sive, colaboração com organizações da sociedade proteção daqueles que lutam por causas huma-
civil para garantir a implementação eficaz das me- nitárias e ambientais no Brasil. Para fortalecer o
didas de proteção (VASCONCELLOS, 2019). programa e melhorar a proteção oferecida, é ne-
cessário, entre outras coisas, aumentar o finan-
Frente à verticalização da política de Pro- ciamento e recursos disponíveis para o mesmo
teção de Defensoras(es) de Direitos Huma- estabelecer fluxo simplificado de coordenação
nos dos últimos cinco anos, a sociedade entre agências governamentais e organizações
tem se organizado de forma a reconfigu- da sociedade civil.
rar as instâncias de poder que restringem
a participação social. Conforme indicou SR O Programa não tem conseguido atuar
(2021), diante do esvaziamento da política com um ponto focal de articulação com
de proteção e da redução das suas capa- os órgãos estatais capazes de atuar dire-
cidades, as organizações da sociedade ci- tamente para a resolução dos conflitos ge-
vil reestruturaram a sua atuação. Antes, radores das ameaças, permitindo a perpe-
desempenhavam atividades de monito- tuação dos conflitos nos quais os(as) DDHs
ramento, aperfeiçoamento da política e estão inseridos(as). Da mesma forma, a
definição de estratégias. Posteriormente, ausência de confiança dos(as) DDHs na
retirados os recursos participativos, as ins- atuação do Estado, responsável pela pro-
tituições desenvolveram dispositivos pró- teção, mas também identificado como um
prios para proteger as(os) defensoras(es). violador de direitos e principal agente de
Notadamente, uma estrutura de execução criminalização da luta, apresenta-se como
das medidas realizadas de forma insufi- uma barreira ao avanço de uma política
ciente pelo Estado. (BASTOS, 2021). de proteção melhor estruturada. (JUSTIÇA
GLOBAL & TERRA DE DIREITOS, 2022).
O programa desempenha um papel crucial na
proteção de defensores de direitos humanos, Além dos mecanismos nacionais, há mecanismos
internacionais que desempenham um papel im-
comunicadores e ambientalistas, uma vez que
portante na proteção dos defensores ambientais:
oferece medidas que podem salvar vidas e re-
duzir a vulnerabilidade dos defensores; ajuda a ■ Relatores Especiais da ONU: relatores es-
garantir que aqueles que violam os direitos dos peciais da ONU sobre questões de direitos
defensores sejam responsabilizados legalmente; humanos, como defensores de direitos hu-
permite, em tese, que os defensores continuem manos, têm como objetivo investigar e rela-
suas atividades e lutas em prol dos direitos hu- tar violações de direitos humanos, incluindo
manos e do meio ambiente e também contribui aquelas contra defensores ambientais;
para aumentar a sensibilização sobre as amea-
■ Comissão Interamericana de Direitos Hu-
ças enfrentadas pelos defensores, sensibilizando
manos: a Comissão Interamericana de Direi-
a sociedade para a importância de suas causas
tos Humanos (CIDH) da OEA recebe denúncias
(AGÊNCIA BRASIL, 2022).
e monitora a situação dos direitos humanos
Apesar de sua importância, o PPDDH não está nas Américas, incluindo a proteção de defen-
sores ambientais;
isento de desafios, como os desmontes ocorridos
nos últimos anos a restrições orçamentárias, que ■ Tratados Internacionais: tratados como o
limitam sua capacidade de proteger um número Acordo de Paris e a Convenção sobre Diver-
maior de defensores. Também há o problema da sidade Biológica estabelecem compromis-
coordenação entre diferentes agências governa- sos internacionais para a proteção do meio
mentais e organizações da sociedade civil, que ambiente e, indiretamente, dos defensores
atualmente é complexa e dificulta a operação ambientais.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das reflexões e informações trazidas nes- papel importante ao dar visibilidade às questões
te capítulo acerca das violências e dos mecanis- ambientais e às histórias dos denunciantes.
mos de denúncia e proteção aos denunciantes
ambientais no Brasil, percebemos a nítida impor- A proteção de mulheres defensoras do meio am-
tância de estudos aprofundados sobre o tema. biente no Brasil é uma causa que merece aten-
O Brasil enfrenta uma série de desafios na pre- ção e ação imediata. Garantir a segurança e o
servação do meio ambiente, o que torna o papel bem-estar dessas mulheres é fundamental para
dos denunciantes ambientais fundamental para o futuro sustentável do país e para a preservação
a manutenção da sustentabilidade e da saúde do de seu patrimônio natural. A conscientização, a
planeta. No entanto, denunciar práticas ambien- proteção legal e o apoio da sociedade são ele-
tais prejudiciais coloca os denunciantes em situa- mentos essenciais para enfrentar os desafios
ções de risco, incluindo ameaças à sua segurança que elas enfrentam em sua luta pela proteção do
pessoal, perseguição e até mesmo violência. Essas meio ambiente no Brasil. É responsabilidade de
ameaças podem ser direcionadas tanto contra in- todos trabalhar juntos para criar um ambiente
divíduos quanto contra comunidades inteiras que seguro e acolhedor para essas mulheres corajo-
se mobilizam contra a degradação ambiental. sas, que desempenham um papel tão importan-
te na defesa do meio ambiente e na construção
Mecanismos de denúncia e proteção são essen- de um futuro mais sustentável.
ciais para garantir que os defensores ambientais
possam cumprir seu papel de maneira segura e Por fim, a proteção dos denunciantes ambientais
eficaz. Isso inclui a criação de canais de denún- está diretamente ligada à proteção do meio am-
cia confiáveis, desburocratização dos programas biente e das futuras gerações. O Brasil tem o poten-
de proteção, a implementação de legislação que cial de ser um líder na conservação e na promoção
proteja os denunciantes e o fornecimento de me- da sustentabilidade, e o papel dos denunciantes é
didas de segurança pessoal, quando necessário. basilar nesse processo. Portanto, é responsabilida-
Além disso, a sensibilização da população é funda- de de todas as pessoas apoiar e proteger aqueles
mental, pois quanto mais a sociedade entender e que dispõem de suas vidas para trabalhar denun-
defender a importância do trabalho dos defenso- ciando práticas prejudiciais ao meio ambiente, suas
res ambientais, mais pressão será exercida sobre comunidades, povos e ecossistemas, na tentativa
as autoridades e empresas para agirem de ma- de assegurar um futuro mais saudável e equilibra-
neira responsável em relação ao meio ambiente. do, onde a vida humana seja prioridade no desen-
Neste cenário, a mídia também desempenha um volvimento de políticas públicas.
8. REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASIL. Amazônia reúne 22% das mortes de defensores da terra em todo o mundo.
Brasília – DF: 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-09/
amazonia-reune-22-das-mortes-de-defensores-da-terra-em-todo-o-mundo. Acesso em: 02/11/2023.
BASTOS, Vanessa Lisboa. Monografia. AÇÃO PÚBLICA PARA A PROTEÇÃO DE DEFENSORAS E
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL. UNB, Brasília – DF: 2021. Disponível em: https://
bdm.unb.br/bitstream/10483/30345/1/2021_VanessaLisboaBastos_tcc.pdf
CBDDDH - Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. Vidas em luta:
criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil: volume
III. Disponível em: https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Dossie-Vidas-em-Luta.pdf.
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da Global Witness. São Paulo: 2022. Disponível em: https://www.conectas.org/noticias/brasil-e-o-pais-que-
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CPT – Comissão Pastoral da Terra. Dossiê: Conflitos no Campo no Brasil 2022. Disponível em: https://
www.cptnacional.org.br/component/jdownloads/download/26-documentos/14073-politica-e-regras-
de-uso-dos-dados-do-centro-de-documentacao-dom-tomas-balduino-da-comissao-pastoral-da-terra.
Acesso em: 04/11/2023.
GIANNINI, Renata. Via Mídia Ninja: 8 em cada 10 defensoras ambientais sofreram violência na
Amazônia brasileira, aponta pesquisa. Entrevista, Rio de Janeiro: 2022. Disponível em: https://
midianinja.org/news/8-em-cada-10-defensoras-ambientais-sofreram-violencia-na-amazonia-
brasileira-aponta-pesquisa/. Acesso em: 27/10/2023.
GLOBAL WITNESS. Década de resistência: Dez anos informando sobre o ativismo pela terra e pelo
meio ambiente ao redor do mundo. Disponível em: https://www.globalwitness.org/pt/decade-
defiance-pt/. Acesso em: 01/11/2023.
INSTITUTO IGARAPÉ. Guia de Proteção de Defensoras Ambientais. Guia Eletrônico. Rio de Janeiro, 2022.
Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2022/04/Guia-de-protecao-a-defensoras-
de-direitos-humanos-e-meio-ambiente-Instituto-Igarape.pdf. Acesso em: 04/11/2023.
JUSTIÇA GLOBA, TERRA DE DIREITOS. Olhares críticos sobre mecanismos de proteção de defensoras
e defensores de direitos humanos na América Latina. São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.
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POLICARPO, Marina. A História dos Movimentos Ambientalistas no Brasil em décadas. ECOPÉDIA
– Enciclopédia de Sustentabilidade. Revista Eletrônica. Disponível em: https://123ecos.com.br/docs/
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no,no%20Rio%20Grande%20do%20Sul. Acesso em: 01/11/2023.
PONTES, Nádia. Brasil foi 2º país mais letal para ambientalistas em 2022: De 177 assassinatos de
defensores do meio ambiente no ano passado, 34 ocorreram no Brasil, aponta Global Witness.
Jornal Brasil de Fato. 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/12/brasil-foi-2-
pais-mais-letal-para-ambientalistas-em-2022. Acesso em: 02/11/2023.
REVISTA AZMINA. Defensoras do meio ambiente na mira da violência. 2022. Disponível em:
https://outraspalavras.net/outrasmidias/defensoras-do-meio-ambiente-na-mira-da-violencia/.
Acesso em: 04/11/2023.
VASCONCELLOS, Patrícia M. C. Vozes da exclusão: os assassinatos de defensores de direitos humanos
na Amazônia. RIDH – Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, UNESP, São Paulo: 2019. Disponível
em: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/712/322. Acesso em: 02/11/2023.
1. APRESENTAÇÃO
A proposta desta apostila é trabalhar com o Como um dos caminhos de combate à desinfor-
fenômeno da desinformação desde uma pers- mação, as violências sistemáticas contra ativistas
pectiva do direito à informação e o exercício e defensores em geral é o cuidado digital como
pleno da cidadania nas telecomunicações. ação de proteção coletiva e autonomia. Na apos-
Assim, em parceria com o Centro Popular de tila é apresentada uma reflexão a partir de dois
Comunicação e Audiovisual (CPA), plataforma episódios específicos: a Marcha das Mulheres
eco-mídia (Tecnologias Justas e Sustentáveis) Negras de 2015 e o assassinato da vereadora ca-
e Rede Transfeminista de Cuidados Digitais, rioca Marielle Franco, e como ambos foram e são
apresentamos análises de situações concretas, decisivos para que o campo dos cuidados digitais
ganhasse mais projeção no Brasil. Para isto, é im-
refletimos sobre eventos que foram alvo de
portante conhecer o que vem por trás dos mo-
campanhas coordenadas de desinformação,
nopólios de empresas da comunicação digital,
dialogamos com pesquisas acadêmicas, relató-
como o Google, e conhecer algumas sugestões
rios de análise de políticas públicas e nossas
de como adotar novas ferramentas no cotidiano.
experiências ativistas e vivências comunitárias
de fortalecimento de laços, promoção de di- A compreensão e a gestão de questões críticas
reitos e o reconhecimento da diversidade de no campo socioambiental exigem que as pes-
culturas tecnológicas e práticas informacionais soas sejam bem informadas, pois isso permite
parte do cotidiano dos defensores ambientais. a tomada de decisões e contribui para o enga-
Essa apostila é, então, uma co-construção e jamento cívico. A ausência de informações qua-
um convite a uma conversa permanente sobre lificadas prejudica particularmente territórios
esses assuntos. impactados pela desinformação socioambiental,
1 Sempre em pé: Defensores da terra e do meio ambiente à frente da crise climática https://www.globalwitness.org/pt/standing-firm-pt/#top-
findings-2022-pt
2 É falso que polícia descobriu que WWF Brasil financiou queimadas no Pará em 2019 https://www.aosfatos.org/noticias/e-falso-que-policia-
descobriu-que-WWF-Brasil-financiou-queimadas-no-para-em-2019/
que ele apresenta são um lembrete contunden- desinformação não é apenas uma questão de
te da realidade que muitos defensores ambien-
correção factual, mas uma luta pela justiça e re-
tais enfrentam. Cada número representa uma
vida perdida, uma voz silenciada. O combate à paração pelas vidas que já se foram.
humano. Por trás de cada postagem, imagem entrevistados, 51% afirmaram checar a veraci-
ou vídeo, há pessoas – algumas enganadas, ou- dade das informações online. No entanto, essa
tras tentando enganar. É fundamental abordar proporção cai significativamente para 37%
a desinformação não apenas como um proble- quando se observa apenas os usuários que
ma técnico, mas também como um desafio so- acessam a internet exclusivamente pelo celu-
cial, cultural, ideológico e subjetivo. lar. Devemos compreender porque as pessoas
são atraídas por informações falsas e como po-
Por fim, a nossa bússola também preci- demos cultivar um espírito crítico e uma mente
sa identificar pontos mais granulares nas questionadora diante de um mundo hiperco-
águas tempestuosas da desinformação. nectado e acelerado.
Uma boa cartógrafa navega bem informada,
conhecendo até aqueles locais de bancos de Em resumo, na era da desinformação, criar
areia. Nossas reflexões com base em pesqui- um mapa é mais do que uma necessidade –
sas e dados do setor das tecnologias de co- é um exercício constante de atualização para
municação e informação consideram fatores navegação em águas que correm rapidamente,
estruturais afetando as condições de consumo cuja informação desagua como um turbilhão. Ao
de conteúdo e, principalmente, como as pes- criar esse mapa com esta apostila, estamos não
soas acessam à informação no dia a dia. O rela- apenas protegendo a nós mesmos, mas tam-
tório recente TIC Domicílios 20223 apontou que bém construindo um mapa para as gerações
92 milhões de brasileiros, o que corresponde futuras, assegurando que elas possam navegar
a 62% dos usuários de internet do país, nave- pela era digital com confiança. E, enquanto a ta-
gam na internet somente por meio de seus te- refa pode parecer desafiadora, com a bússola
lefones móveis. Pela primeira vez, a pesquisa certa e uma abordagem colaborativa, podemos
também explorou as habilidades digitais dos criar um mapa que nos guie com segurança
usuários da internet. Foi revelado que, dos através da tempestade de desinformação.
3 92 milhões de brasileiros acessam a Internet apenas pelo telefone celular, aponta TIC Domicílios 2022https://cetic.br/pt/noticia/92-milhoes-de-
brasileiros-acessam-a-internet-apenas-pelo-telefone-celular-aponta-tic-domicilios-2022/.
4 A Amazônia é o pulmão do mundo? Reportagem no site ‘Conexão Planeta’ conta com breve texto de Antonio Nobre, reconhecido pesquisador
do campo das ciências climáticas, comentando essa frase por muito tempo senteciada e fonte de mitos e desinformação. Acessado em: https://
conexaoplaneta.com.br/blog/a-amazonia-e-o-pulmao-do-mundo/#fechar.
resultar em políticas públicas falhas, práticas em- Campanhas de difamação, muitas vezes patrocina-
presariais predatórias e uma sociedade mal in- das por interesses corporativos ou políticos, explo-
formada, perpetuando danos ao meio ambiente ram essas brechas, distorcendo a realidade sobre
e aos povos que dele dependem. questões como queimadas, desmatamento e o
papel de certos setores na degradação ambiental.
Campanhas orquestradas têm negado ou mi-
nimizado a crise climática, o papel humano no Com o reconhecimento global da disseminação
aquecimento global e a gravidade das queimadas de desinformação, plataformas como Facebook,
e desmatamento nos biomas brasileiros. Recue- Twitter e YouTube introduziram mecanismos
ro e Soares (2020) mostraram que grande parte para monitorar e combater informações falsas.
do discurso desinformativo sobre as queimadas Usando algoritmos avançados e parcerias com
no Pantanal em 2020 se originaram no próprio verificadores de fatos, elas tentam identificar
Facebook. Tal desinformação pode ser perigosa, e rotular conteúdo duvidoso. No contexto so-
pois explora vieses de desconfiança em comu- cioambiental brasileiro, por exemplo, postagens
nidades densamente conectadas, desviando a falsas que alegam que o desmatamento não está
atenção das políticas necessárias e descredibi- acontecendo5 ou informações equivocadas so-
lizando os cientistas e ativistas que trabalham bre produção de soja e o destino dessa produ-
pela preservação do bioma. ção6 não acendem alerta nas redes sociais, pois
são observadas como questões de opinião.
A integridade informacional e a governança nas
plataformas digitais não são apenas essenciais A ascensão do negacionismo climático e desin-
para a democracia e o bem-estar social, mas formações relacionadas à preservação ambien-
também para a preservação ambiental. É crucial tal tem consequências diretas para o Brasil. A
garantir uma governança robusta e boas pro- desinformação sobre os índices de desmatamen-
postas regulatórias para criar um ambiente in- to e queimadas é frequentemente usada como
formacional que favoreça o diálogo construtivo ferramenta de propagação de agendas políticas
e baseado em fatos. Proteger esse ambiente é, ou econômicas, que visam favorecer setores
portanto, não apenas uma questão de integrida- específicos e grupos políticos, em detrimento
de das plataformas, mas uma responsabilidade da conservação ambiental. O ciclo produtivo de
para com o futuro socioambiental do país. commodities, por exemplo, é muitas vezes dis-
torcido, gerando uma visão imprecisa sobre as
reais consequências ambientais e sociais da pro-
5.1 PLATAFORMAS E ENFRENTAMENTO dução em larga escala sem uma análise de longo
À DESINFORMAÇÃO SOCIOAMBIENTAL prazo dos impactos do uso da terra.
7 Ibama contrata apenas metade de brigadistas autorizados pelo MMA para a temporada do fogo https://fiquemsabendo.com.br/meio-
ambiente/ibama-brigadistas-temporada-do-fogo.
8 A caçada aos brigadistas. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/especiais/a-cacada-aos-brigadistas/. Acesso em: 27 de outubro de 2023.
Rapidamente a informação do ataque ganhou E temos visto os impactos de todos esses fenôme-
grande repercussão no Facebook, deixando tanto nos de desinformação e perseguição digital (stalking)
os movimentos quanto os familiares das mulheres no trabalho dos movimentos de resistência política,
presentes na Marcha em estado de tensão e aten- de jornalistas, de pesquisadores e pesquisadoras,
ção, buscando informações corretas e concretas do além de demais vozes que lutam por direitos huma-
que estava acontecendo. Foi pela rede de mulheres nos. Desde então, o medo passou a ser a principal
que estava na Marcha, com acesso ao Facebook, moeda de troca dos gabinetes de desinformação.
que muitas outras pessoas conseguiram saber no-
tícias de que nada mais grave tinha acontecido.
8.1 CUIDADOS DIGITAIS
A Marcha das Mulheres Negras de 2015 foi a pri-
meira, na história do Brasil, que reuniu mulheres Quase três anos depois da Marcha de 2015, outro
negras do campo e das cidades, ambientalistas, grande ataque à atuação política de mulheres ne-
defensoras dos territórios, quilombolas, pro- gras: o assassinato da vereadora carioca Marielle
fessoras, comunicadoras, estudantes, artistas, Franco10 e, nos dias seguintes, uma avalanche de
políticas, trabalhadoras sexuais, trabalhadoras afrontas à sua reputação que espalharam diver-
domésticas, campesinas, marisqueiras, quebra- sas mentiras sobre sua conduta e suas relações.
deiras, mulheres líderes de movimentos por mo- Marielle vinha sendo observada e vigiada espe-
radias e de justiça ambiental. Foram 50 mil mu- cialmente pelo Facebook pois, como pessoa públi-
lheres negras (ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES ca, publicava sua agenda de trabalho como forma
DE MULHERES NEGRAS BRASILEIRAS, 2016) que de transparência e diálogo com seus seguidores.
pediam pelo bem viver, pelo fim do racismo e Foi então que ficou fácil entender onde a vereado-
das violências racistas e sexistas. ra estaria na noite de 18 de março de 2018.
O cuidado com a informação verdadeira foi garan- O assassinato repercutiu fortemente entre os mo-
tida pela coletividade, porque múltiplas mulheres vimentos feministas de todo o Brasil. Grupos de
foram imediatamente ao Facebook e ao Twitter mulheres se organizaram amplamente, adotando
para retomar a narrativa explicando o que de fato estratégias articuladas e frentes de trabalho para
tinha acontecido e, só então, portais e jornais no- garantir participação coletiva e combater a vio-
ticiaram o episódio de ataque. Sabemos que é um lência contra lideranças políticas no país. Dessas
péssimo trocadilho, mas só armadas de um tele- mobilizações também surgem grupos dedicados
fone móvel e munidas de conexão à internet com ao cuidado físico e digital de ativistas, pessoas dos
qualidade, é que a Marcha de Mulheres Negras movimentos feministas que já trabalhavam com
2015 não sucumbiu à tentativa de desinformação. informação, comunicação e segurança digital e,
desde então, mobilizam um campo de atuação
Porém, dada a dimensão da exposição e a visibilida- que chamamos de cuidados digitais:
de, algumas destas mulheres foram drasticamente
perseguidas, ameaçadas ou sofreram ataques em Cuidados digitais são uma forma de abor-
suas contas e perfis, bem como tiveram dados va- dar a segurança digital a partir da perspec-
zados como endereço, CPF, nome de filho. Na ver- tiva do cuidado cotidiano. Uma vez que o
dade, muitas destas táticas de disputa de narrativa online e offline são indissociáveis, e que as
e proliferação de desinformação por parte da ex- tecnologias digitais fazem parte do nosso
trema direita já eram usadas muito antes da Mar- dia a dia, o que afeta nossos dados impacta
cha. Várias destas pessoas precisaram excluir ou também nossos corpos. Assim, na perspec-
mudar de perfil nas redes sociais, outras passaram tiva dos cuidados digitais, cuidar dos nossos
a usar apelidos. Blogs e sites liderados por mulhe- dados é também cuidar do nosso corpo, e
res negras também precisaram revisar e monitorar esse cuidado precisa ser feito cotidiana-
suas senhas e acessos diariamente até que as ten- mente, como um hábito, uma cultura, uma
tativas de invasão diminuíssem (nunca cessaram). política. (AMARELA, FOZ, 2022, p. 11)
10 Caso Marielle Franco: Veja aqui a lista de fake news já desmentidas pela Agência Lupa https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/07/24/caso-
marielle-veja-as-fakes-sobre-o-assassinato-ja-desmentidas-pela-lupa.
Tratar uma realidade hostil e de violências contra digital. Compreender que segurança tem íntima
lideranças ativistas de forma afetuosa e cuidado- relação com infraestruturas políticas que possi-
sa, sem imprimir medo, mas provocando os mo- bilitem acesso, opções de escolha, estabilidade,
vimentos para que se protejam coletivamente e consistência, linguagem e todo um conjunto de
por meio do cuidado digital também asseguram recursos e dispositivos de tecnologia de qualida-
sua autonomia em alguma medida. Para isso, é de, infraestruturas digitais que não monitorem ou
preciso também vencer as brechas digitais de comercializem os rastros e os dados das pessoas,
gênero, raça, territórios (CARDOZO, 2022) e es- uma legislação que leve em conta as amplas ocor-
timular a participação de coletivos, organizações rências e plataformas que atendam a critérios de
e pessoas físicas para a melhor compreensão regulação para combater desinformação, discur-
do funcionamento de aplicativos e plataformas sos de ódio e todo tipo de violência digital.
como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube,
WhatsApp. E ainda, acima disso, que se perce- Portanto, nem sempre as infraestruturas estatais
bam também produtores e produtoras de tecno- e comerciais garantem segurança ou de fato nos
logias, e não apenas as pessoas consumidoras. protegem de violências. Muitas vezes, é preciso
compartilhar as infraestruturas para que todas
Estudos comprovam, inclusive, que mulheres ne- as pessoas acessem os direitos, e esse senso de
gras são as mais violentadas também nas redes proteção coletiva tem fortalecido o campo dos
sociais (TRINDADE, 2020), bem como os estados cuidados digitais, o cuidado que reverbera entre
amazônicos são onde mais morrem defenso- os grupos, por meio de acordos e códigos que
res dos territórios e ativistas pelo direito à terra considerem todas as pessoas envolvidas.
(BRONZE, 2023), ambos perfis que são recorren-
tes alvos dos maniqueísmos da extrema-direita e Lembremos que a infraestrutura de segurança
seu trabalho em prol da desinformação. pública não garantiu a segurança física das mu-
lheres na Marcha de Mulheres Negras em 2015,
Por isso, o cuidado digital “parte de pedagogias e sim a proteção coletiva da informação que ga-
feministas e antirracistas, e trabalha com uma no- rantiu que a mentira em favor dos agressores
ção expandida de tecnologia”, bem como a meto- virasse verdade. Da mesma maneira, os códigos
dologia traz “o afeto como fio condutor da apren- de conduta do Facebook não impedem a ampla
dizagem” e “a partir de uma perspectiva integral, circulação de desinformação e de ataques aos
entendendo que as diferentes esferas do campo direitos humanos, já que esses códigos não con-
da segurança (como segurança física, digital, psi- sideram todas as subjetividades envolvidas em
cossocial e etc.) estão intimamente ligadas e pre- sua plataforma. A proteção coletiva é nossa prin-
cisam caminhar juntas” (AMARELA, FOZ, 2022). No cipal infraestrutura política.
relatório sobre achados e recomendações sobre
cuidados digitais e filantropia da ONG FASE, as No campo dos cuidados digitais, existem in-
autoras identificam, inclusive, que aplicar a meto- fraestruturas digitais que de fato prezam pela
dologia em processos continuados e acompanha- proteção coletiva, como as infraestruturas pro-
mentos a longo prazo são muito mais efetivos do porcionadas por coletivos feministas no Brasil,
que as oficinas pontuais, e que isso só é possível na América Latina, e também por organizações
com a participação das organizações financiado- que integram o movimento Software Livre e tra-
ras. Os cuidados digitais precisam ser vistos como balham para oferecer plataformas transparentes
parte da mobilização e comunicação comunitária, quanto ao método de trabalho e seguem uma
com co-responsabilização e co-criação dos cuida- ética que visa a proteção e a privacidade.
dos que fazem sentido aos grupos.
8.3 AUTONOMIA
8.2 PROTEÇÃO COLETIVA
Assim como as infraestruturas proprietárias e
“O que te dá segurança?” é uma pergunta-chave estatais nem sempre garantem segurança, o
que podemos fazer e responder coletivamente monopólio de ferramentas digitais não nos per-
para começar e ampliar o diálogo sobre o cuidado mite autonomia. Para a liberdade e a segurança
11 https://pratododia.org/pt/.
Por fim, os cuidados digitais são uma das pos- do Telegram14, que divulgavam desinformação
sibilidades de protegermos nossas comuni- sobre o projeto. As empresas foram notificadas
cações e combater os grandes gabinetes que pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e também
hoje existem para construir desinformação. pelo MInistério Público Federal (MPF) para que
retirassem as falsas informações sobre o PL 2630
UMA INFORMAÇÃO MUITO IMPORTANTE: e também desenvolvessem estratégias de com-
bate à desinformação. Então, é preciso ter muita
Em maio de 2023, diante do debate do Projeto
atenção sobre as práticas dessas empresas que
de Lei 263012, conhecido como PL das Fake News,
acabam lucrando milhões com a desinformação.
foram denunciadas campanhas do Google13 e
BRONZE, Giovanna. Amazônia lidera com mortes de ambientalistas e defensores do meio ambiente,
aponta relatório. Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/amazonia-lidera-com-mortes-
de-ambientalistas-e-defensores-do-meio-ambiente-aponta-relatorio/> Acesso em 27 de out 2023.
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1 Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista e comunicadora popular e repórter especial do RioOnWatch. Mestra em Mídia e Cotidiano pela UFF e
doutoranda em Comunicação pela mesma instituição, ela integra o Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão.
Atua também como editora de jornalismo no jornal Fala Roça e como assessora de comunicação na área de proteção de defensoras e defensores
de direitos humanos. Ainda, atua como professora de jornalismo no curso de Comunicação Popular do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).
respondiam a um conjunto de perguntas refe- chamada de fake news (notícias falsas), porque
rente ao consumo de informação, cujo objetivo se compreende como notícias ou informações
foi investigar como esses hábitos variam de acor- verificáveis de interesse público. Neste contexto,
do com gênero, renda, idade e raça. a expressão “notícia falsa” é uma figura retórica
que danifica a credibilidade da informação verifi-
A pesquisa constatou que os brasileiros amam cada, isto é, a noção do que é uma notícia.
as mídias sociais. Embora as plataformas deem
cada vez menos visibilidade para notícias, 94% Ainda de acordo com o First Draft (2020), o termo
das pessoas utilizam as redes sociais para se “fake news” também não deve ser mais utilizado
informar – a ordem de preferência é: Facebook porque fracassa em capturar a nova realidade da
(42,4%), Instagram (27,3%) e YouTube (14,2%), sociedade constituída pelo digital. Além disso, a
respectivamente. Na sequência, estão os sites de expressão é amplamente usada por políticos em
busca (92%), portais de notícias e aplicativos de todo o mundo para desacreditar e atacar o jorna-
mensagens, ambos com (86%). lismo profissional. Para o First Draft (2020), a rea-
lidade sobre a qual estamos inseridos é de um
Enquanto o uso de redes sociais, por exem- mundo onde a desinformação é produzida como
plo, cai significativamente com aumento um conteúdo intencionalmente falso e criada
das faixas etárias e com a diminuição da para causar danos, sendo motivada por três fa-
renda, o uso do WhatsApp é constante- tores distintos: ganhar dinheiro; ter influência
mente alto entre todas as segmentações política internacional ou nacional; ou causar pro-
de idade, renda, gênero e raça. No What- blemas por causa disso, sendo que, quando a de-
sApp, a proximidade da fonte de informa- sinformação é compartilhada, muitas vezes, [ela]
ção é um fator preponderante, com 75,3% se transforma em mesinformação.
das pessoas obtendo informações exclu-
sivamente ou principalmente por meio de A maior parte desse conteúdo nem é falso;
conversas individuais. Por outro lado, o muitas vezes é verdadeiro, usado fora de
Telegram favorece o contato com grupos contexto e armado por pessoas que sabem
e canais, que não necessariamente reque- que falsidades baseadas em um núcleo de
rem proximidade. (Santos, N.; Almada, M. verdade têm mais probabilidade de serem
P.; Carreiro, R.; Cerqueira, E. 2023, p. 8) tomadas como verdade e compartilhadas.
Além disso, a maior parte disso não pode
Portanto, não é coincidência que a criminaliza- ser descrita como “notícia”. São rumores à
ção da pobreza tenha tanta aderência na arena moda antiga, memes, vídeos manipulados,
pública das redes sociais e dos grupos de men- “anúncios micro-localizados” hiperseg-
sagens trocadas por aplicativos, tornando esses mentados e fotos antigas compartilhadas
“canais de mídias” a principal fonte da dissemina- novamente como se fossem novas (FIRST-
ção de desinformação e que, a partir daqui, pas- DRAFT, 2020, p.8).
so a nomear como “desordem da informação”
(FIRSTDRAFT, 2020). Esse termo se refere a fatos Portanto, a disseminação de desinformação e a
que não são totalmente falsos, mas que podem desordem da informação que estamos enfren-
desinformar, a depender de como são apresen- tando diariamente ao consumir conteúdos na
tados em forma de notícia ou conteúdo infor- internet a partir das mídias – qualquer tipo de
macional em mídias sociais que, de acordo com mídia – deve ser um problema tratado como
a publicação First Draft, possui sete categorias: um risco potencial para defensores de direitos
sátira ou paródia (memes), conteúdo enganador, humanos. Não é uma mera disputa de narrati-
conteúdo impostor, conteúdo fabricado, cone- va sociológica, ideológica, partidária ou ainda
xão falsa, conteúdo falso e contexto manipulado. como “brincadeiras”, já que os efeitos dessas
desordens informacionais e desinformação tra-
Mas é necessário, primeiro, compreender o que zem sérias consequências que expõe pessoas
é uma desinformação. Segundo o Manual Para de grupos específicos (mulheres, LGBTQIAPN+,
Educação e Treinamento de Jornalismo, produzi- população negra, quilombola, indígenas, ribeiri-
do pela Unesco, a desinformação não deve ser nhas, geraizeiras), categorizados como minorias
ou periféricos ao risco, o que na prática expõe Precisamos entender que a política tam-
defensoras e defensores de direitos humanos à bém marca (e é marcada por) essas pes-
violência política, estando vivos ou mortos. soas, que têm sua participação na vida pú-
blica e sua expressão alvejadas.” (Tranjan,
Na camada digital da criminalização da pobreza em entrevista concedida ao RioOnWatch,
através da desinformação, podemos identificar o publicada originalmente em 23 de março
uso de imagens ou vídeo manipulados, de tex- de 2023, nos idiomas português e inglês).
tos ou áudios com informações mentirosas ou
desonestamente editados e tiradas proposital- De acordo com o Guia Violência Política e Eleitoral
mente de contextos ou, ainda, em sátiras, piadas no Brasil realizado pelas organizações Terra de
e inofensivos memes. A desordem informacional Direitos e Justiça Global, a violência política pode
promove um verdadeiro tribunal sobre o direito ser entendida como:
à vida e a morte em aplicativos de mensagens,
reproduzindo violências contra pessoas de di- Atos físicos, de intimidação psicológica e/ou
ferentes grupos socialmente minoritários, cujas discriminatórios, agressões, disseminação
lideranças são geralmente pautadas pela luta de discursos de ódio e conteúdo ofensivo
por direitos humanos e que passam a ser vítima contra grupos historicamente discrimina-
através da camada digital do fenômeno da vio- dos, em especial, pessoas eleitas, candi-
lência política. Essa é a opinião de Maria Tranjan, datas, pré-candidatas ou designadas para
representante da Rede de Proteção a Jornalistas exercer papel de representação pública e/
e Comunicadores e coordenadora da área de ou política, com objetivo de suspender, in-
Proteção e Participação Democrática da organi- terromper, restringir, ou desestabilizar seu
zação de direitos humanos ARTIGO 19 – entida- exercício livre e pleno de representação e
de-membro do Comitê Brasileiro de Defensoras participação política. (2020, p.14)
e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH).
O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores
Ela explica que o fenômeno da violência política
de Direitos Humanos (CBDDH), composto por 48
nas redes sociais no Brasil se estende para além
entidades da sociedade civil e dos movimentos
de episódios de violência direcionada a políticos
sociais durante as eleições de 2022, lançou o
no exercício do mandato ou de candidatos a car-
Guia Prático de Proteção à Violência Política Para
gos no período eleitoral. Em entrevista concedi-
Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, em
da ao RioOnWatch, publicada originalmente em
resposta ao aumento de casos registrados de
23 de março de 2023, nos idiomas português e
violência política contra defensores de direitos
inglês, ela afirma:
humanos no Brasil diante da realidade da pola-
rização política deflagrada no Brasil.
“Uma boa parte do campo considera que
só candidatas/eleitas podem sofrer essa Nas Eleições de 2022, o estado democrático de
forma de violência política. Mas a gente [da direito estava em risco e havia a necessidade prá-
ARTIGO 19] tem construído no sentido de tica de municiar ddhs – candidatos ou não – para
compreender que, quando a violação con- se protegerem da violência política elaborada
tra comunicadores tem caráter político, [e] através das redes sociais não apenas por amea-
é motivada por posicionamento ou cober- ças ou discursos de ódio, mas também por meio
tura política, é também uma forma de vio- da criminalização das formas de ser, existir, per-
lência política… Se esvaziarmos episódios tencer de grupos minoritários, cujas lideranças
que não dizem respeito a mandatos eleti- comunitárias de movimentos de reivindicação
vos da carga política que está ao redor da de direitos são formadas por defensoras e de-
violência, acabamos por invisibilizar desde fensores de direitos humanos. Assim, a violência
uma jornalista que sofreu ameaças por política é compreendida como: toda ação de pes-
determinada cobertura política, até casos soas e agentes públicos que busca desestimular
como o de Mestre Moa [além e ddh dire- ou impedir que agentes das pautas de direitos
tamente ligados a área ambiental em qui- humanos participem de esferas políticas de
lombos, indígenas territórios geraizeiros]. atuação (coletivos, comunidades, movimentos,
sindicatos, conselhos, comitês, campanhas, elei- saúde, pela efetivação de direitos huma-
ções). Essa violência geralmente está associada nos que, em grande parte, já são previstos
à discriminação, preconceito, misoginia, sexismo, constitucionalmente (DOSSIÊ VIDAS EM
racismo e homofobia. “São ameaças e agressões LUTA, 2022, p. 14).
que reproduzem discurso de ódio contra as dife-
renças sociais, sexuais, étnicas, raciais e culturais Portanto, falamos aqui de povos e comunidades
que caracterizam a sociedade brasileira” (CBD- tradicionais no Brasil, que têm sua existência
DH, 2022, p. 9-10). coletiva e individual, identificando-se a partir do
território, de seus modos de vida, práticas, costu-
Para o Comitê Brasileiro DDH, o que estrutura a mes e tradições. São grupos com uma íntima re-
violência contra defensoras e defensores de di- lação com o ambiente em que vivem e que lutam
reitos humanos “é um estado ancorado no racis- para a manutenção de sua identidade enquanto
mo e no sexismo e em um sistema econômico povo, como pessoas e comunidades indígenas,
no qual o lucro e a riqueza de alguns valem mais quilombolas, geraizeiras, ribeirinhas, mas tam-
do que a vida de determinadas pessoas” (DOSSIÊ bém comunidades urbanas nas cidades mora-
VIDAS EM LUTA, 2022, p. 13). Assim, quanto mais doras de áreas periféricas. São comunidades em
uma pessoa ou coletividade está fora de um pa- que a reivindicação de direitos é a tônica da vida,
drão branco, masculino, sexualmente normativo pois as políticas públicas não chegam e a efetiva-
e rico, mais vai sofrer com as desigualdades, afir- ção dos direitos sobre os territórios em que ha-
ma o CBDDH. Neste contexto, o Comitê Brasilei- bitam, em geral, há séculos, tem se tornado cada
ro de DDH, compreende como: vez mais precária e distante.
Desde que a intervenção federal foi decretada no Instagram. Na descrição da página, eles expli-
pelo agora Presidente da República, Luiz Inácio cam um pouco de quem são, em uma tentativa
Lula da Silva, acarretando a prisão de milhares de controlarem as narrativas construídas sobre
de “patriotas” que participaram dos atos da ex- suas próprias vidas: “Acusados por fake news de
trema-direita, esses grupos passaram a disse- serem infiltrados nos atentados em Brasília, aqui
minar notícias falsas nas redes sociais, em uma mostram suas rotinas e lutas pessoais e pela FA-
tentativa de se desvincularem dos crimes come- VELA em que vivem, o CPX”. O objetivo central
tidos. Para isso, criaram a narrativa de que su- era hackear a desinformação e publicizar quais
postos infiltrados – como Rene Silva e, principal- eram as notícias falsas disseminadas em grupos
mente, Raull Santiago – teriam entrado no meio de mensagens por aplicativos, apresentando a
das “caravanas de patriotas” para cometerem cri- narrativa verdadeira através dos posts no Insta-
mes contra os prédios públicos e os difamarem. gram. Além disso, a ação também teve o intuito
A prática do uso da desinformação é hábito de de “blindar ele [Raull Santiago] e os três amigos
grupos extremistas de direita, sendo largamente de possíveis violências políticas, policiais e de
usada para promover uma guerra cultural de dis- bolsonaristas nas redes e nas ruas”, conforme
puta de narrativas. explica Santiago. “Nossa intenção é mostrar que
[nós] os [supostos] ‘depredadores’, na verdade,
Uma das principais fotos manipuladas com de- fazemos trabalhos incríveis para melhorar a rea-
sinformação traz a imagem de Raull em uma laje lidade da sociedade, a partir de nossas próprias
no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, fave- favelas e periferias”.
la onde vive e trabalha como gestor de diversos
projetos sociais. Na foto, ele está acompanhado De acordo com Raull Santiago, o monitoramen-
dos amigos Anthony Benné, Rildo Riele e Tiago to das “notícias falsas” vinculando a imagem e
da Purificação. Três jovens negros e empreen- nome dele, além dos amigos nas mídias sociais,
dedores sociais que, junto com Raull, foram acu- seguiu três linhas discursivas. Primeiro, acusou
sados de formar um “bando” para depredar os ele e Rene Silva de serem chefes do tráfico por
prédios públicos, em Brasília. usarem o boné com a sigla CPX, que significa
Complexo do Alemão ou Complexos – em refe-
“Meu amigo Tiago Purificação, por exem- rência a conjuntos de favelas no Rio de Janeiro –
plo, nunca havia ido a Brasília. Ele foi co- e não uma sigla de facções criminosas do varejo
migo no dia 1º de janeiro e voltou no dia do comércio de drogas, conforme disseminada
2 de janeiro. Já o Anthony Benné e o Rildo por grupos bolsonaristas durante as eleições de
Riele nunca nem foram a Brasília. Mas as 2022. Posteriormente, grupos de extrema-direita
fakes [news] veiculadas falam como se to- passaram a incitar, através destas ações de de-
dos nós tivéssemos lá participando daque- sordem de informação, a mobilização de ataques
la coisa absurda”. (RIOONWATCH, 23 de de ódio e violência física, psicológica e simbóli-
março de 2023). ca contra eles. E, por último, as publicações com
imagens editadas passaram a incentivar que
Ele relata nesta entrevista que, além do medo de policiais fossem atrás dos jovens (todos negros)
acontecer uma “violência física” com os amigos, para cometer atos de violência física, incluindo a
lamentava que os jovens também perderam dois afirmação: “vamos caçar [eles]”.
trabalhos publicitários em decorrência da ima-
gem negativa associada à figura deles na mídia. Em virtude disso, Santiago, junto com os amigos,
Isso configurou um processo de destruição não denunciaram o caso à Delegacia de Crimes Ra-
apenas de reputações, mas cujos efeitos se ex- ciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), em 9 de
pandem até sobre a vida econômica para jovens janeiro de 2023. Ele também produziu um dos-
negros moradores de favelas, que se tornaram siê com um mapeamento das fakes news e pes-
vítimas mais uma vez dos sistemas que perpe- soas que as compartilharam para ser entregue
tuam a desigualdade e racismo no Brasil. à Delegacia de Repressão aos Crimes de Infor-
mática (DRCI), em outra queixa-crime. À época,
Como resposta ao processo de criminalização, os Rene Silva, premiado em 2018 como um dos 100
quatro jovens criaram o perfil @osinfiltradoscpx, afrodescendentes mais influentes do mundo e
fundador do Voz das Comunidades – mídia co- posicionando muito forte nas redes sociais.
munitária também reconhecida internacional- Mas não é só isso. O fato de ser um jovem
mente – afirmou em entrevista concedida para negro da favela também conta. A vulnera-
o RioOnWatch que o processo de criminalização bilidade da gente acaba sendo muito maior
através da divulgação de “notícias falsas” ocorreu
do que a de outras pessoas brancas e de
devido às lideranças comunitárias terem mani-
outros lugares políticos apoiando o Lula,
festado voto a favor do presidente Lula, nas elei-
sabe? Porque um branco não fica tanto em
ções de 2022, no ato realizado em 12 de outu-
vulnerabilidade… agora, um jovem negro
bro daquele ano.
da favela, que historicamente é marginali-
“Eu me posicionei a favor da campanha do zado, dito como lugar de bandido e trafican-
Presidente Lula nas eleições. Antes mesmo te, falar de um presidente incomoda, né?”
da visita dele no Alemão, eu já estava me (RIOONWATCH, 23 de março de 2023).
Em entrevista concedida à autora deste capítu- não, tenho uma rede social com bastante
lo, quando repórter especial do RioOnWatch, seguidor e tenho um contato direto com
Santiago foi questionado se o apoio nas elei- a imprensa de vários veículos nacionais e
ções de 2022 ao Presidente Lula que desenca- internacionais, que seguem me ajudando,
deou as “notícias falsas”, era considerado por dando a notícia de que aquilo é fake, ex-
ele como um processo de criminalização da po- plicando e me ajudando a multiplicar essa
breza. Também lhe foi perguntado qual foi o seu contranarrativa. Mas, eu fiquei preocupa-
maior medo com a circulação e disseminação do com os outros jovens negros da foto,
de memes, posts e “notícias falsas” usando sua principalmente porque eles trabalham
imagem. Surpreendentemente, Raull expôs mais muito na rua. Os meninos foram a minha
uma vez a visibilidade como uma ação mobiliza- maior crise. Mas, a gente conversou bas-
dora de extremos: risco e proteção. tante, denunciou junto esses casos, fomos
juntos abrir o boletim de ocorrência [de
Olha, infelizmente, não é a primeira vez crime racial e cibernético]. Inclusive, tam-
que eu passo por uma situação de fake bém por segurança de todos nós. Fizemos
news. O meu medo, por exemplo, nessa isso como uma ferramenta de segurança
fake news recente da depredação em Bra- e blindagem, caso passemos por alguma
sília, foi sobre os meninos que estavam situação de violência direta, caso vire uma
numa das fotos comigo. Eu, querendo ou coisa física, né?
o processo não foi concluído pelo Instituto Na- em todo o território nacional. Como afirma a jor-
cional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), nalista Mariana Belmont, organizadora do livro:
deixando o território vulnerável a invasões e as Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Bra-
pessoas sujeitas a violações do direito à terra, sil, aqui, neste país, “o racismo ambiental chegou
à água e à vida por grupos ligados à especula- com as caravelas”. E completo: com as caravelas
ção imobiliária, interessados em ocupar a área. e navios negreiros, a violência contra todo corpo
Vivem na comunidade cerca de 289 famílias e que respire e que não seja branco. Se há carne,
tem 854,2 hectares, reconhecidos em 2017 pelo sangue e osso revestido de pele de cor, então,
Relatório Técnico de Identificação e Delimitação esse corpo é uma vida que pode ser arrastada
– RTID do Instituto Nacional de Colonização e Re- pela necropolítica do Estado brasileiro.
forma Agrária (Incra).
Portanto, jornalistas e a mídia brasileira em ge-
Em 29 de outubro de 2023, José Alberto Moreno ral precisam compreender que, ao citar, pautar,
Mendes, 47 anos, conhecido como “Doka”, foi mais apurar e produzir reportagens sobre defenso-
um corpo tombado no chão do Brasil. Segundo le- ras e defensores ambientais, bem como notícias
vantamento da Campanha Nacional de Combate com demais defensoras e defensores de direitos
à Violência no Campo, com o caso de Doka, entre humanos, devem ser pensadas a partir de um
2005 e 2023, foram 50 quilombolas assassinados conjunto de estratégias com pactuação de com-
no país, sendo 20 vítimas de execução no Mara- promissos de redução de danos para DDHs para
nhão e 16 na Bahia. O Maranhão contabiliza 40% além da própria equipe de jornalismo na produ-
dos quilombolas assassinados no Brasil nos úl- ção da matéria – que também são, em grande
timos 18 anos. Doka era do povoado Jaibara dos maioria, profissionais com compromisso com os
Rodrigues, integrante do Território Quilombola direitos humanos. Todos podem se tornar alvos,
Monge Belo, em Itapecuru-Mirim, a 122 km da ca- mas defensoras e defensores de direitos huma-
pital do Maranhão. Presidente da Associação de nos – ambientais ou não – permanecem em seus
Moradores do Quilombo de Jaibara dos Rodrigues, territórios enquanto muitos profissionais de jor-
ele estava próximo de sua casa quando dois pisto- nalismo voltam seguros para casa.
leiros em uma moto preta dispararam cinco tiros.
É estratégico que profissionais de mídia possam
Dados do Relatório Global de Expressão indicam compreender que, no Brasil, quando falamos de
que o exercício da liberdade de expressão atingiu conflitos territoriais, violência no campo em fa-
seu menor patamar no mundo todo em 20 anos. velas e nas periferias do interior e das cidades,
No estudo, mais uma vez o Brasil se destaca ne- bem como crimes ambientais, consequentemen-
gativamente, apresentando a queda mais expres- te, estamos contando histórias de pessoas. Elas
siva no indicador de liberdade de expressão em não são meros números ou nomes empilhados
todas as comparações realizadas. Nesse contexto, em relatórios e boletins de ocorrência policial ou
a proteção e segurança das defensoras e defen- hospitalares. Mais do que dados e números, jor-
sores ambientais se torna um tema ainda mais nalistas e a mídia geral devem procurar organiza-
importante. Dados da Comissão Pastoral da Terra ções da sociedade civil para serem escutadas na
(CPT), uma das organizações que compõem o Co- construção de pautas, produção de reportagens
mitê, apontam que o Brasil registrou, em média, e, sobretudo, não apenas para terem o espaço
um conflito no campo a cada quatro horas. Em de uma aspa. Suas vozes são importantes para
2022, foram registrados 2.018 casos de conflitos apoiar o trabalho e, acima disso, proteger junto
no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais com a ação e comunicação: todos os defensores
de 80,1 milhões de hectares de terra em disputa de direitos humanos do Brasil.
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em 2018 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça como aqueles que envolvem comunidades indí-
(CNJ) (2013), no Brasil, 11 Tribunais de Justiça e 2 genas (BRASIL, 1988, 1993). Neste último caso,
Tribunais Regionais Federais possuem varas es- em razão da matéria federal, a atribuição na
pecializadas em questões agrárias, que têm atri- atuação é do Ministério Público Federal.
buição para julgar ações possessórias, ações de
especialmente em demandas que envolvem di- responsável, dentre outras funções, por fisca-
reitos humanos, para pessoas necessitadas. lizar a Política Nacional de Direitos Humanos,
podendo sugerir e recomendar diretrizes para
No entanto, estes advogados e advogadas não a sua efetivação; articular-se com órgãos fe-
estão ligados a instituições públicas, como a derais, estaduais, do Distrito Federal e muni-
Defensoria Pública. Eles possuem registro na cipais encarregados da proteção e defesa dos
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que é a direitos humanos; expedir recomendações a
entidade de representação e regulamentação da entidades públicas e privadas envolvidas com
advocacia no Brasil. É importante destacar que a a proteção dos direitos humanos, fixando pra-
OAB também desenvolve um importante papel zo razoável para o seu atendimento ou para
ao possibilitar a criação de comissões temáticas justificar a impossibilidade de fazê-lo; realizar
(em âmbito nacional e estadual), que reúnem representações junto aos órgãos públicos (Po-
juristas com interesses comuns, bem como o in- lícia Civil, Ministério Público, Congresso...) para
centivo ao aperfeiçoamento profissional através que estes realizem as medidas legais previstas
da Escola Superior da Advocacia. na Lei nº 12.986/2014, relacionadas aos direitos
humanos; realizar procedimentos apuratórios
Na temática ambiental e agrária, a advocacia po-
de condutas e situações contrárias aos direitos
pular atua na defesa de comunidades vulnerabili-
humanos e aplicar sanções de sua competência,
zadas e que são afetadas desproporcionalmente
dentre outras atribuições dispostas na lei.
por impactos ambientais, na responsabilização
de empresas que causam danos ambientais e
em um papel muito importante que é a educa- 2.6 OUVIDORIAS
ção jurídica, levando informações e formações
para as comunidades sobre seus direitos. As ouvidorias são mecanismos institucionais que se
concretizam enquanto um canal de comunicação
entre a sociedade e as instituições ligadas à ou-
2.5 CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS vidoria. Elas desempenham um papel fundamental
HUMANOS (CNDH) para coletar informações, denúncias, reclamações,
responder pedidos de acesso à informação, bem
O Conselho Nacional de Direitos Humanos como sugestões relacionadas à atividade do órgão.
(CNDH) é um órgão colegiado, ligado ao Ministé-
rio dos Direitos Humanos e da Cidadania, e que À nível nacional, temos algumas ouvidorias im-
tem por finalidade promover e defender os di- portantes, como a Ouvidoria Agrária, atual-
reitos humanos no Brasil, por meio de ações mente ligada ao Ministério do Desenvolvimento
preventivas, protetivas, reparadoras e san- Agrário e Agricultura Familiar, que dentre as suas
cionadoras das condutas e situações de ameaça competências, é responsável por elaborar perio-
ou violação desses direitos1. dicamente o mapeamento das demandas regis-
tradas junto à Ouvidoria, e apresentar à Presi-
Ele foi instituído originariamente em 1964, com dência do INCRA para subsidiar a administração
a criação do Conselho de Defesa dos Direitos na tomada de decisões.
da Pessoa Humana (CDDPH), no entanto, o co-
legiado foi transformado em Conselho Nacional É importante registrar que, apesar de não se-
dos Direitos Humanos pela Lei n° 12.986, de 2 de rem instituições expressamente previstas como
junho de 2014. A atuação do CNDH não depen- de acesso à justiça, existem órgãos fundiários,
de da provocação das pessoas ou das coletivi- ambientais e de gestão, a nível federal, com di-
dades ofendidas. ferentes atribuições. É imprescindível conhecê-
-los quando se trata de defensores ambientais e
O colegiado é composto por representan- conflitos e violências decorrentes da ausência ou
tes de órgãos públicos e da sociedade civil e é precariedade da atuação destes órgãos. Vejamos:
1 São Direitos Humanos sob a proteção do CNDH os direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos ou sociais previstos na Constituição
Federal ou nos tratados e atos internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil.
ÓRGÃOS FEDERAIS
ÓRGÃO ATRIBUIÇÃO
É uma autarquia federal, cuja missão prioritária é executar a reforma agrária
Instituto Nacional de e realizar o ordenamento fundiário nacional, vinculado ao Ministério do
Colonização e Reforma Desenvolvimento Agrário (MDA).
Agrária (INCRA) É responsável pela regularização fundiária dos imóveis, sendo a instituição
pública competente, na esfera federal, pela titulação dos territórios quilombolas.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos
de interesses no âmbito do Poder Judiciário, disposta na Resolução CNJ nº 125/2010, que busca a consolidação de uma
política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), editou a Resolução n° 118, de 1º de dezembro de 2014, que dispõe
sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público, visando a implementação e
adoção de mecanismos de autocomposição, como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e as
convenções processuais, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão sobre tais mecanismos.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), editou a Resolução n° 10, de 17 de outubro de 2018, destinada
aos agentes e instituições do Estado, inclusive do sistema de justiça, com medidas que devem ser adotadas, nos
casos de conflitos coletivos pelo uso, posse ou propriedade da terra, em área urbana ou rural, envolvendo grupos
que demandam proteção especial do Estado, tais como os defensores ambientais, objetivando a solução pacífica e
definitiva destes conflitos.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), editou a Resolução n° 17, de 06 de agosto de 2021, que reconheceu
que a prática de despejos, remoções e deslocamentos forçados de grupos que demandam proteção especial do Estado
implicam violações de direitos humanos e devem ser evitados, buscando-se sempre soluções alternativas.
A Resolução n. 510, de 26 de junho de 2023, regulamentou a criação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) e dos Tribunais, respectivamente, da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias e das Comissões Regionais de
Soluções Fundiárias, que institui diretrizes para a realização de visitas técnicas nas áreas objeto de litígio possessório
e estabelece protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis
de moradia coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis, objetivando auxiliar a solução pacífica de
conflitos derivados destas ações, conforme a decisão do STF na ADPF 828.
Diante desses obstáculos, é necessário unir es- o papel dos defensores de direitos humanos,
forços, seja no âmbito nacional como local. O ambientalistas e comunicadores. Vejamos como
fortalecimento das instituições de justiça e a pro- ocorre o acesso à justiça e as instituições de aces-
moção de uma cultura que valorize e respeite so à justiça no Estado do Pará.
O estado do Pará também possui o Programa de meios convencionais, por meio da prevenção ou
Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados da repressão da ameaça, de acordo com o Decre-
de Morte (PPCAAM), cuja finalidade é proteger to Estadual n° 1.178, de 12 de agosto de 2008. O
crianças e adolescentes expostos à grave e imi- Programa é executado pelo Centro de Defesa da
nente ameaça de morte, quando esgotados os Criança e do Adolescente (CEDECA):
Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM/PA), instituído pelo Decreto
Estadual n° 1.178, de 12 de agosto de 2008, com a finalidade assegurar medidas de proteção à preservação da
integridade física e a prestação de assistência às crianças e adolescentes que se encontrem em situação de ameaça
de morte, podendo, excepcionalmente, receber casos de permuta de outros PPCAAM’s das unidades federativas.
Nesse aspecto, é relevante que, no Brasil, em es- Essas varas possuem sedes nas regiões agrá-
pecial no Pará, existam estruturas especializadas rias definidas através de resolução do Tribunal,
no judiciário e no executivo com a finalidade de podendo ser deslocadas de um município para
atuar em casos de conflitos agrários coletivos, re- o outro, dentro da mesma região, sempre que o
duzindo assim as possibilidades de uso indevido interesse da prestação jurisdicional o exigir. As
da estrutura estatal para criminalização da atua- regiões agrárias no Pará foram definidas pela Re-
ção dos defensores ambientais. solução nº 21/20063, que dividiu a jurisdição em
cinco Regiões Agrárias: Região Agrária de Cas-
tanhal, composta por 76 municípios (1ª Região
5.2 I NSTITUIÇÕES DE ACESSO À Agrária); Santarém, com 19 municípios (2ª Região
JUSTIÇA EM TEMAS AMBIENTAIS Agrária); Marabá, abrangendo 23 municípios (3ª
Fonte: elaborado por Eymmy Silva (2023), a partir da Resolução TJPA nº 11/2023
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará definiu Também estão no escopo das Varas Agrárias as
as atribuições das varas especializadas em maté- matérias referentes a registros públicos e ações
ria agrária na Resolução n° 018/2005-GP, ao esta- de desapropriação e servidões administrativas em
belecer que as questões agrárias sujeitas à juris- áreas rurais (PARÁ, 2005, Arts. 2º e 3º). Portanto, as
dição do juízo agrário são aquelas que envolvem Varas Agrárias não possuem competência, em pri-
os litígios coletivos pela posse e propriedade meira vista, para dirimir conflitos individuais pela
da terra em área rural, podendo ainda julgar posse da terra, tão pouco para apreciação de cri-
demandas individuais desde que haja inte- mes comuns cometidos no campo. Ou seja, no caso
resse público evidenciado na questão (PARÁ, de defensores ambientais, crimes como ameaças,
2005, Art. 1º). homicídios, lesões corporais ou demais danos que
necessitem intervenção judicial no âmbito criminal,
O que são litígios coletivos pela posse e pro- são julgados pelos juízes das varas criminais dos
priedade da terra? municípios onde os delitos foram praticados.
Intervir, desde o início, nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra em área rural e demandas
em que se revele interesse público ou social (art. 178, I e III, do Código de Processo Civil), visando a paz e o
cumprimento do princípio constitucional da função social da terra;
Atuar nos conflitos agrários, nas esferas extrajudicial e judicial, privilegiando, sempre que possível, a adoção de
mecanismos de autocomposição, de forma autônoma ou em ações conjuntas com órgãos públicos e/ou com
entidades da sociedade civil;
Atuar, em conjunto ou separadamente, pelo cumprimento da função social da terra rural, conforme art. 186 da
Constituição Federal e demais normas pertinentes;
Acompanhar políticas públicas voltadas à promoção e proteção dos direitos humanos em áreas rurais;
Atuar, em conjunto ou separadamente, na promoção de políticas públicas agrárias, fundiárias e agrícolas que
viabilizem os direitos de cidadania rural, com especial destaque para os temas da soberania e segurança alimentar
e educação do campo, entre outros.
Portanto, no Pará, a atuação da Promotoria de com atribuição em matéria penal. Desse modo,
Justiça Agrária é matéria cível, sendo a matéria cri- no que tange os crimes eventualmente pratica-
minal competência do promotor do local do delito dos contra defensores ambientais ou que tenham
sido a eles imputados, os procedimentos de inves- Proteção para análise dos casos e definição de
tigação ou denúncias apresentadas ao judiciário medidas de proteção e segurança. Também são
são conduzidos pelos promotores criminais dos oficiados os promotores locais para conhecimen-
municípios onde tenha ocorrido a prática delitiva. to e adoção de medidas cabíveis.
Em relação aos defensores ambientais, a Promo- O MPPA faz parte dos conselhos dos programas
toria de Justiça Agrária recepciona as denúncias de proteção de defensores de direitos humanos e
de violações de seus direitos, instaurando proce- de vítimas e testemunhas, onde também se mani-
dimentos extrajudiciais para acompanhamento festa sobre os casos apresentados sugerindo me-
e determina diligências como expedição de ofí- didas de proteção a serem adotadas em cada si-
cios às delegacias especializadas em conflitos tuação, além de fazer o seu acompanhamento em
agrários ou à Secretaria de Segurança Pública procedimentos extrajudiciais, a critério dos pro-
para providências, bem como aos Programas de motores com competência para atuação no feito.
O Ministério Público do Estado do Pará criou as Câmaras de Tratamento de Conflitos Agrários e Fundiários (CTCAFs),
instituídas pela Resolução nº 010/2018-CPJ/MPPA, de 3 de maio de 2018, no âmbito das Promotorias de Justiça Agrárias,
com o objetivo de “fomentar o tratamento judicial e extrajudicial dos conflitos, por meio de autocomposição e outras
metodologias aplicáveis, nos feitos de atribuição das Promotorias de Justiça Agrárias que envolvam conflitos agrários
e fundiários” (Art. 1º). Atualmente, o MPPA dispõe de duas Câmaras, instaladas através da Portaria nº 6.418/2019-MP/
PGJ, de 31 de outubro de 2019, no âmbito das Promotorias de Justiça da 1ª e 2ª Regiões Agrárias, Castanhal e Santarém,
respectivamente, com protocolos específicos.
Assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerentes;
Promover ações coletivas que visem a garantia de direitos sociais como o acesso à terra, moradia, educação,
saúde e transporte, observando, assim, os princípios da prevalência e efetividade dos direitos humanos, da
primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais, todos insculpidos no Artigo 5º da
Lei Complementar 054/2006, de 07 de fevereiro de 2006;
Solicitar a instauração de inquérito policial para investigar atos de violência contra trabalhadores rurais
legalmente necessitados e acompanhar os procedimentos já existentes, nos ditames da legislação vigente;
Encaminhar para o Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PEPDDH), pessoas
envolvidas em conflitos agrários que estejam sofrendo violação dos seus direitos fundamentais;
Manter ações preventivas e educacionais, visando a conscientização dos direitos e deveres da pessoa humana.
Por meio do Núcleo das Defensorias Públicas (NDDH). Esse Conselho constitui órgão colegiado
Agrárias do Estado do Pará, foi publicado um re- de caráter consultivo, deliberativo e normativo,
latório de monitoramento dos casos de homicí- que reúne segmentos representativos da área
dios, registrados entre os anos de 2002 a 2022, governamental e sociedade civil, vinculado à Se-
por motivação fundiária e agrária. O objetivo é cretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos.
verificar a aplicação da lei penal e/ou entraves na
conclusão desses processos, de modo a aperfei- O Conselho decide a respeito da inclusão do De-
çoar os trabalhos desenvolvidos pela Defensoria fensor ou Defensora no Programa, bem como
Pública e na realização de políticas públicas des- sobre as medidas de proteção adotadas em cada
tinadas ao enfrentamento da violência relaciona- caso. O pedido de inclusão deve ser endereçado
da aos conflitos agrários, com adoção de medi- à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, que
das preventivas (DPE, 2022b). exerce a presidência do Conselho. A Defensoria
Agrária também acompanha processos criminais
A análise constatou, dentre outras conclusões, que tenham como vítimas defensores de direi-
que há destacada morosidade na conclusão dos tos humanos, de modo que se tenha a regular
processos judiciais; existência de problemas na investigação de homicídios, já que a impunidade
investigação criminal (o que tem gerado os pe- também agrava o ciclo de violência na área rural
didos de arquivamentos de inquérito pelo Minis- (DPE Agrária, 2022a).
tério Público); inexistência de processos identi-
ficados como homicídio de pessoas indígenas e 5.2.4 Delegacia Especializada em
quilombolas em nenhuma das quatro fontes pes- Conflitos Agrários (DECA)
quisadas, na medida em que muitos casos são
noticiados pela mídia; e ausência de monitora- A Delegacia Especializada em Conflitos Agrários
mento dos casos e/ou publicidade (DPE, 2022b). (DECA) foi criada pelo Decreto Estadual nº 2690,
de 18 de dezembro de 2006, como órgão da ad-
As Defensorias Agrárias atuam para assegurar ministração corporativa e atuação executiva da
o direito à vida de defensores e defensoras de Polícia Civil do Estado do Pará, ligada à Divisão
direitos humanos, que possuem luta coletiva Especializada em Meio Ambiente. A DECA possui
pelo acesso à terra e recursos naturais. No caso atribuição de apurar crimes vinculados a ques-
de ameaça ou violação ao direito à vida ou inte- tões agrárias ou decorrentes de conflitos fundiá-
gridade física de defensores e defensoras de di- rios; criar e manter atualizados banco de dados
reitos humanos, a Defensoria Agrária atua para de casos de conflitos e de outras ocorrências
assegurar a inclusão destes nos programas de na área de conflitos agrários; responsabilizar-se
proteção de defensores de direitos humanos, pelos bens, valores e objetos arrecadados ou
bem como no caso de vítimas e testemunhas apreendidos pela delegacia, enquanto não enca-
(DPE Agrária, 2022a). minhados à Justiça; e desempenhar outras ativi-
dades correlatas ou atribuídas, de acordo com a
Além disso, no estado do Pará, a Defensoria com-
missão e funções do órgão.
põe o Conselho do Programa Estadual de Prote-
ção aos Defensores de Direitos Humanos (PEPD- Cabe, desse modo, à DECA a apuração dos crimes
DH)5, sendo representada pelo Núcleo de Defesa que tenham relação com as questões agrárias ou
dos Direitos Humanos e Ações Estratégicas que sejam decorrentes de conflitos fundiários no
Estado, a fim de que se proceda uma apuração Ministério Público para apresentação de denún-
adequada com a devida responsabilização dos cia perante o judiciário.
autores dos crimes e da resolução do conflito e
consequente pacificação social. À nível estadual, também existem alguns órgãos
importantes quando se trata de defensores am-
A DECA tem a atribuição de apurar os crimes bientais e conflitos e violências decorrentes da
e, após a instauração e conclusão de inquéri- ausência ou precariedade da atuação destes
to policial, submeter o relatório conclusivo ao órgãos. Vejamos:
ÓRGÃO ATRIBUIÇÃO
É uma autarquia estadual que executa a política agrária do estado, em tudo quanto se
Instituto de referir às suas terras devolutas, bem como realiza a regularização fundiária, coletiva e
Terras do Estado individual, em terras de domínio do Estado do Pará (Lei Estadual nº 4.584, de 08/10/1975),
do Pará (ITERPA) sendo a instituição pública competente, na esfera estadual, pela titulação dos territórios
quilombolas.
Secretaria de Criada em 2023, a SEPI/PA tem por missão planejar, coordenar e articular a execução de
Estado dos Povos políticas públicas de interesse dos povos indígenas, em consonância com as diretrizes dos
Indígenas do órgãos federais, voltadas à promoção, proteção e defesa dos povos originários, no âmbito
Pará (SEPI) do Estado do Pará (Lei Estadual nº 9.886, de 03/04/2023).
Secretaria de
É a instituição do estado do Pará que tem como missão promover a gestão ambiental
Estado de Meio
integrada, compartilhada e eficiente, compatível com o desenvolvimento sustentável,
Ambiente e
assegurando a preservação, a conservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade
Sustentabilidade
de vida (Lei Estadual nº 5457, de 11/05/1988).
(SEMAS)
É uma autarquia estadual que exerce a gestão das florestas públicas estaduais, visando
a produção sustentável e a preservação da biodiversidade, incluindo, entre suas funções,
a gestão da política estadual para produção e desenvolvimento da cadeia florestal; e a
Instituto de
execução das políticas de preservação, conservação e uso sustentável da biodiversidade,
Desenvolvimento
da fauna e da flora terrestres e aquáticas no Estado. A missão institucional é promover
Florestal e da
o desenvolvimento sustentável dos diferentes segmentos florestais do estado do Pará,
Biodiversidade
por meio de políticas públicas e da gestão das florestas. Além disso, a instituição também
do Estado do
visa a gestão da biodiversidade e a execução das políticas de preservação, conservação e
Pará (Ideflor-Bio)
uso sustentável da biodiversidade, da fauna e da flora terrestres e aquáticas no Estado,
garantindo a transparência e a democratização dos benefícios trazidos por esses recursos
à sociedade (Lei Estadual n° 6.963, de 16 de abril de 2007).
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