Você está na página 1de 6

Universidade Federal Fluminense.

Instituto de História.

Prova de História Contemporânea I.

Profº Bernardo Kocher.

Ana Thaila de Souza e Lima.

Questão: Caracterize o pensamento de Lênin sobre a ocorrência do fenômeno imperialismo.

Lênin analisa e trabalha em sua obra como surgiu o fenômeno do imperialismo e quais
são as características necessárias para que isso ocorra no processo do capitalismo. Ele enxerga
o imperialismo como uma etapa superior do capitalismo, isto é, invariavelmente, as condições
impostas pelo capitalismo faria com que o imperialismo fosse o seu fim natural, e não apenas
uma fase histórica.

O autor também traz debates acerca de outros intelectuais que estudaram e falaram sobre
esse fenômeno, como Kautsky (a quem ele faz severas críticas em toda sua obra), Hilferding,
Heymann, Hobson, entre outros.

É importante ressaltar que, partindo do princípio de que Lênin acredita que o


imperialismo é o fim natural do capitalismo, ele apresenta em toda a sua obra as características
necessárias que tornam possível o acontecimento desse fenômeno, ou seja, o estabelecimento
da livre concorrência, o consequente desenvolvimento da indústria, a concentração da produção
gerando concorrência desleal, o início da monopolização dos setores através da formação de
trustes, cartéis, sindicatos, etc., capital bancário entrando num processo de monopolização
devido à grandes bancos, a fusão do capital bancário e capital industrial para a formação do
capital financeiro que é parasitário, exportado e especulativo, fazendo com que haja a anexação
de outras regiões numa espécie de novo colonialismo, que forma, então, grandes monopólios
mundiais.

Inicialmente, é preciso entender que o desenvolvimento das indústrias é uma


característica marcante do capitalismo e que, devido a isso, torna-se possível o processo de
concentração da produção. Lênin começa explicando que o capital-dinheiro e os bancos, através
de financistas milionários, provocam a superioridade de umas empresas sobre outras, causando
uma concorrência desleal entre elas. “Quase metade da produção global de todas as empresas
do país nas mãos de uma centésima parte do total de empresas!” (LÊNIN, 2010, p. 18).

A partir dessa constatação, Lênin começa a esclarecer que é essa concentração que leva
à formação de monopólios. Contudo, há algumas questões, visto que nem todos os ramos das
indústrias apresentam grandes empresas; é aí, então, que entra a particularidade do capitalismo:
a integração/combinação, isto é, a união de vários ramos da indústria em uma única empresa
para que se abranja todas as fases de uma mesma produção e o auxílio entre as partes se torne
mais fácil.

Hilferding, autor citado por Lênin, define os quatro pontos importantes dessa
combinação: a eliminação da diferença de conjuntura (que leva a taxas de lucro mais estáveis),
a eliminação do comércio, o aperfeiçoamento técnico e a possibilidade de se manter mais
facilmente num momento de crise onde se acentuam as concorrências.

Heymann, outro autor também citado, chama essa combinação/integração de “empresas


mistas”. Comenta sobre a dificuldade de pequenas empresas de se manterem em meio à grandes
monopólios, cartéis e trustes. E, assim como Lênin mostra, passa a ocorrer o que Marx já havia
dito: a livre concorrência invariavelmente leva à concentração da produção que, atingindo
determinado nível, gera os monopólios.

Entre 1860-1870 há o desenvolvimento da livre concorrência com monopólios


começando a se formar, mas ainda de maneira sutil. Logo após a crise de 1873 há um grande
movimento de formação de cartéis, eles começam a se desenvolver e, a partir de fins do século
XIX os cartéis tomam a base da vida econômica, superando, dessa forma, a crise que se assolava
entre 1900 e 1903.

A concorrência toma o seu viés monopolista, criando o que Lênin chama de


“socialização da produção”. As associações monopolistas gigantes se apossam das fontes de
matérias-primas e há, também, um monopólio da mão-de-obra qualificada. Percebe-se, então,
um paradoxo: produção social e apropriação privada.

Destaca-se, portanto, a substituição da livre concorrência capitalista pelos grandes


monopólios. A pequena produção é eliminada em detrimento da grande. Os cartéis, trustes e
sindicatos são derivados desse processo. Mas é válido ressaltar que “[...] os monopólios, que
derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado dela, [...]” (LÊNIN,
2010, p. 87). Isso não quer dizer que os monopólios não vão criar conflitos e condições, muito
pelo contrário, mas a dinâmica da livre concorrência é modificada em sua essência.

O papel dos bancos nesse processo é fundamental. Apesar de serem uma espécie de
“intermediário dos pagamentos”, os bancos são capazes de transformar o capital-dinheiro
inativo em capital ativo capaz de gerar lucros. O mesmo processo que acontece com as
empresas, acontece com os bancos: concentração de capital gerando monopólio bancário, ou
seja, pequenos bancos passam a ser esmagados ou incorporados/subordinados por grandes
bancos. Percebe-se então que, tanto no que tange as empresas quanto os bancos, há a separação
entre o velho capitalismo – o da livre concorrência – e o novo capitalismo – o dos monopólios.
Esse surgimento dos monopólios bancários traz consigo a possibilidade de uma nova
configuração: a união banco-indústria. "O século XX assinala, pois, o ponto de transformação
do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral para a dominação do capital
financeiro." (LÊNIN, 2010, p. 46).

No terceiro capítulo, que trabalha o capital financeiro e a oligarquia financeira, Vladimir


Lênin cita Hilferding que diz que com o passar do tempo, as indústrias vão parando de
administrar o capital industrial, e que apenas o fazem por intermédio do banco.
Consequentemente, os bancos compreendem que há a necessidade de se investir cada vez mais
nas indústrias. Utilizam, portanto, o capital bancário que, dentro da indústria, se transforma em
capital industrial, formando, dessa forma, o capital financeiro. Entretanto, Lênin afirma que
essa interpretação é incompleta pois ignora o aumento da concentração de produção e de capital
que, em elevado grau, conduz à formação de monopólios.

De fato, a fusão dos bancos com as indústrias é o que permite o surgimento do capital
financeiro. Esse fenômeno leva ao nascimento da chamada “oligarquia financeira”. Heymann
trabalha o conceito de “sistema de participação”, isto é, um sistema que aumenta em proporções
gigantescas o poder dos monopolistas. Esse aumento de poderio abre margem à criação de uma
oligarquia financeira que apresenta lucros inimagináveis que só consolidam a mesma. O
predomínio do capital financeiro sobre todas as outras formas de capital é o que fortalece a
existência/o predomínio tanto dos rentistas quanto da oligarquia financeira. E é o século XX, o
século da viragem, da concentração, dos cartéis, dos trustes e, consequentemente, dos
monopólios, que facilita o crescimento vertiginoso desse capital financeiro.

A exportação de capital é o que permite uma teia de relações e dependências


internacionais. Esse novo tipo exportação é característica do capitalismo moderno – no velho
capitalismo a exportação era de mercadorias. Apesar da mudança, algumas características se
mantêm, como o desenvolvimento desigual:

"O capitalismo é a produção de mercadorias no grau superior do seu desenvolvimento,


quando até a força de trabalho se transforma em mercadoria. O desenvolvimento da
troca, tanto no interior como, em especial, no campo internacional, é um traço
distintivo e característico do capitalismo. O desenvolvimento desigual, por saltos, das
diferentes empresas e ramos da indústria e dos diferentes países é inevitável sob o
capitalismo."1

Se assim deixasse de ser, porém, o capitalismo deixaria de ser capitalismo, porque ele
tem como característica básica o desenvolvimento desigual e a subalimentação das massas. O
excedente nunca se redireciona para a superação dessas “falhas” (não são falhas do ponto de
vista do capitalismo). Essa desigualdade criada é o que possibilita a elevação de lucros uma vez
que, em países considerados atrasados, geralmente o salário tem um valor mais baixo, assim
como o preço de terras e matérias-primas. Torna-se comum, então, a subjugação de
determinadas regiões ou países por alguns poucos Estados, e é esse o traço característico da
partilha do mundo.

As grandes associações monopolistas, para além de partilharem o mercado interno (que


está intrinsicamente ligado ao mercado externo), partilham o mercado mundial. As relações
com as suas respectivas “esferas de influência” é o que torna possível um acordo universal e a
formação de grandes cartéis internacionais. A concentração atinge um novo grau: o mundial.
As grandes potências se erguem à medida que há a união ou a incorporação de empresas no
âmbito internacional.

Lênin critica Kautsky que afirma que os cartéis internacionais, ao que internacionalizam
o capital, trazem a esperança de uma paz mundial através da integração. O autor do livro afirma
que Kautsky incorre de um erro a partir do momento que ignora o fato de que os grandes grupos
capitalistas apresentam interesses pessoais e, consequentemente, divergentes. Por isso, a
essência da luta não se perde enquanto ainda existirem classes. A partilha econômica do mundo
é realizada por grupos políticos, por interesses de Estado e interesses privados, portanto, a “luta
pelo território econômico”, isto é, as colônias, é inevitável.

1
Lênin, Vladimir Ilitch. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. 4ª edição. São Paulo: Centauro,
2010. p. 61.
A partilha definitiva do planeta é, então, alcançada. Não que não se possa mudar as
características e as formas da partilha. Com partilha definitiva sugere-se que não há mais
possíveis territórios a serem ocupados. O mundo já se encontra repartido.

O pós 1870 é o que marca a ascensão das conquistas coloniais, e a luta pela repartição
do planeta se inicia. Hobson, outro autor trabalhado por Lênin, é o que marca os anos de 1884
a 1900 como o boom da expansão territorial. Já Lênin utiliza o marco de 1876 para a mesma
finalidade.

A consequente desigualdade na expansão colonial é fruto da ligação entre as raízes


puramente econômicas dessa expansão com as raízes políticas, sociais e, até mesmo,
geográficas. Os monopólios precisam levar em conta essas questões para que consigam reunir
em suas posses regiões que elevem seu poderio; por exemplo, quando têm em suas mãos regiões
com fontes das matérias-primas desejadas adquirem solidez. Essa consolidação dos monopólios
em áreas favoráveis é o que faz aumentar, cada vez mais, a concorrência. A posse de colônias,
logo, é o que garante vantagens na luta contra o adversário. Shilder afirma, inclusive, que a falta
de matérias-primas atrapalha o andamento dos monopólios e do capitalismo em si. Para Lênin,
não só as fontes já encontradas são importantes como também as possíveis fontes que podem
vir a ser encontradas são valiosas, e a tendência inevitável do capital financeiro de ampliar seu
território é o que favorece isso.

Os contrapontos de Lênin à Kautsky são retomados no capítulo VII. Lênin critica a


maneira como Kautsky enxerga o imperialismo – entendida, por ele, como uma política, e não
como uma fase do capitalismo – e também critica a maneira como ele aponta que só o capital
industrial vai permitir as anexações.

Outro erro encontrado por Lênin na análise de Kautsky encontra-se no que se refere à
questão das anexações. Lênin explica que está errada a constatação de que são anexadas apenas
regiões agrárias e explica que, na realidade, o interesse e a necessidade dos grandes monopólios
capitalistas não estão só nas matérias-primas. A partilha faz com que países queiram regiões
não apenas agrárias, até porque regiões industrializadas também podem ser interessantes a partir
do momento que fortalecem alguma potência e minam a hegemonia de outra. Lênin também
afirma que a definição de Kautsky "zomba precisamente do caráter histórico concreto" do
imperialismo contemporâneo porque não enxerga: 1) "a concorrência de vários imperialismos"
e 2) "o predomínio do financista sobre o comerciante". Portanto, se Kautsky afirma que os
países industriais só tendem a colonizar países agrários, então ele considera o comerciante como
protagonista, e não o financista. Kautsky, então, acaba separando o viés econômico do viés
político do imperialismo, e erra ao que dá as costas e ignora a profundidade do capitalismo
monopolista e de suas lutas, trazendo a noção de “imperialismo pacífico” que vem a formar um
“ultra imperialismo”, isto é, um único monopólio global. Esquece que, na realidade, os trustes
e os cartéis acentuam a disputa econômica e as disparidades regionais.

De acordo com Vladimir Lênin, a base econômica mais profunda do capitalismo é, sem
dúvidas, o monopólio, porém, “[...] como todo monopólio, o monopólio capitalista gera
inevitavelmente uma tendência para a estagnação e para a decomposição." (LÊNIN, 2010, p.
99). A fixação de preços não torna o mercado estimulante. A possibilidade de diminuição de
gastos e aumento de lucros é o que atua em favor das modificações e aperfeiçoamentos, mas
isso não impede o capitalismo de estagnar-se. A decomposição do movimento operário também
é uma característica desse capitalismo a partir do momento que o imperialismo tem uma
tendência a dividir os operários e acentuar o oportunismo entre eles. Percebe-se, então, uma
decomposição em vários níveis.

A ideologia imperialista, entretanto, tenta e acaba sendo vendida de uma forma “bela”,
penetrando nosso meio e o seio da classe operária. A partir do instante que os cientistas e os
publicistas burgueses defendem o imperialismo, ainda que de uma forma mais velada,
ocultando a dominação, as massas são atingidas da maneira que eles querem. Sob o capitalismo,
é impossível o desenvolvimento igual, e Lênin critica esse pacifismo do imperialismo
trabalhado por Kautsky. "O imperialismo é a época do capital financeiro e dos monopólios, que
trazem consigo, em toda a parte, a tendência para a dominação, e não para a liberdade."
(LÊNIN, 2010, p. 120).

Para Lênin, enfim, o capitalismo tem como sua etapa superior o imperialismo. Não é
uma fase histórica, e nem muito menos uma política. É o seu fim natural. A concentração da
produção e o crescimento irrefreável dos Estados provoca monopólios mundiais e a formação
de oligarquias financeiras, que passam a partilhar o mundo de acordo com seus interesses. A
“socialização da produção” torna-se inevitável, uma vez que cada parte da produção se encontra
num lugar do mundo. Essa internacionalização da produção gera o crescimento desigual do
capitalismo e, consequentemente, induz às disparidades regionais globais.

Você também pode gostar