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A natureza mutante do capitalismo já havia sido destacada por Karl Marx. Mais
recentemente, François Chesnais formulou, em A mundialização do
capital (1988) e em obras posteriores, a hipótese do declínio do industrialismo
e o surgimento de um “regime de acumulação sob dominância financeira”.
Ladislau está de acordo, e oferece farta documentação e dados a respeito. Para
dar ao leitor noção das dimensões do cassino financeiro global, mostra, por
exemplo, que só as transações financeiras com “derivativos” – aquelas em que
não se negociam mercadorias, mas apenas índices (a taxa de inflação, o preço de
uma moeda, a cotação de uma commodity) atingiram 710 trilhões de dólares em
2013 – ou 9,6 vezes o PIB mundial naquele ano.
Mas A Era do Capital Improdutivo situa esta transição num conjunto de outras
transformações civilizatórias marcantes, que se acentuam a partir dos anos
1950. A primeira delas é uma drástica mudança na arquitetura do poder
mundial. Pela vez desde a Paz de Westphalia (1648), os Estados-Nações estão
deixando de ser os atores centrais. Em seu lugar, emergem as megacorporações
globais – grupos financeiros gigantescos; conglomerados industriais ligados e
eles; um punhado de dealers que controlam o grosso do comércio de alimentos,
minérios e combustíveis no planeta.
As curvas são coincidentes: tudo dispara a partir de 1950, num claro sinal de
que entramos em outra fase. O autor analisa: “todos querem consumir mais,
cada corporação busca extrair e vender mais, e tecnologias cada vez mais
potentes permitem ampliar o processo (…) Para a maioria dos economistas, o
crescimento é tão necessário quanto o ar que respiramos”. Duas consequências
dramáticas, já visíveis, são o declínio abrupto da vida marinha e os sinais de
uma sexta extinção em massa das espécies: “em apenas quarenta anos, de 1970
a 2010, destruímos 52% da fauna do planeta”.
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O próprio livro fornece, porém, elementos para enxergar como tal construção é
instável; como resta, portanto, espaço para a resistência e a busca de
alternativas. O livro trata, em especial, de duas vulnerabilidades. A primeira é o
declínio do próprio crescimento econômico – objetivo essencial da lógica
mercantil –, acompanhado de riscos novos de terremotos financeiros
avassaladores.
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“Quem serão os atores sociais” aptos a enfrentar este poder? Pergunta Ladislau
em outro ponto, que talvez merecesse ser mais destacado no livro. Ele mesmo
responde: “Os partidos, os governos – mesmo democraticamente eleitos – e até
os sindicatos estão fragilizados e sem credibilidade. O que era uma classe
trabalhadora relativamente homogênea e com capacidade de articulação (…) é
hoje extremamente diversificada pela multiplicidade e complexidade de
inserção nos processos produtivos”. A esperança estaria numa espécie de novo
proletariado, já entrevisto por autores como David Harvey e Toni Negri: “Os
prejudicados do sistema são a imensa maioria, e não faz sentido o 1% pesar mais
que o 99%”.
Como inverter a balança – ou seja, como abordar a luta pela emancipação social
na Era do Capital Improdutivo? Aqui, Ladislau destoa tanto do pensamento
econômico tradicional quanto de grande parte dos economistas de esquerda, tão
autolimitados pelo mito segundo o qual “não há orçamento” para atender às
demandas sociais. É preciso, mostra o livro, opor, às lógicas contábeis da
“austeridade” e dos “ajustes fiscais”, outras realidades.
“Se há uma coisa que não falta no mundo são recursos”, lembra Ladislau – e
aqui ele parece atualizar a ideia de Marx sobre a contradição entre a técnica (as
“forças produtivas”) que avança, e o sistema social (as “relações de produção”)
que se vê obrigado a limitá-la – porque podem ser uma ameaça aos privilégios.
O livro ressalta: “O imenso avanço da produtividade planetária resulta
essencialmente da revolução tecnológica que vivemos. Mas não são os
produtores destas transformações que aproveitam. Pelo contrário, ambas as
esferas, pública e empresarial, encontram-se endividadas nas mãos de gigantes
do sistema financeiro, que rende fortunas a quem nunca produziu e consegue
nos desviar radicalmente do desenvolvimento sustentável, hoje vital para o
mundo”.
Mas como ir além do sistema? Ladislau frisa, desde o início, que sua experiência
o ensinou a passar ao largo das ideologias – os “ismos”, como ele as chama.
Quer saídas práticas. Porém, a radicalidade do que propõe, sempre com base em
um imenso volume de dados articulados, convida a especular: tais respostas não
cabem no sistema a que estamos submetidos. Por isso, talvez não haja heresia
em dizer que o autor pratica um “pós-capitalismo discreto”. É como se dissesse,
à moda de Leminsky: não se afobem: “distraídos, venceremos”.