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Rodrigo Constantino
1ª edição — junho de 2022 — CEDET
Copyright © Rodrigo Constantino 2022
Sob responsabilidade
do editor, não foi adotado o
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Editor:
Felipe Denardi
Preparação de texto:
Thamires Hiviz
Copydesk:
Géssica Hellmann
Revisão de provas:
Flávia Theodoro
Tomaz Lemos
Zé Carlos Moura
Conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
FICHA CATALOGRÁFICA
Constantino, Rodrigo.
O mínimo sobre Economia / Rodrigo Constantino
Campinas, SP: O Mínimo, 2022.
ISBN: 978-65-997705-2-4
1. Economia.
I. Autor II. Título.
CDD— 330
ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Economia — 330
www.ominimoeditora.com.br
Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma,
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editor.
Sumário
APRESENTAÇÃO
ECONOMIA MONETÁRIA
A VERDADEIRA ESCOLHA
NOTAS DE RODAPÉ
APRESENTAÇÃO
O objetivo deste pequeno livro é que, ao final da leitura, até mesmo as pessoas sem formação em Economia tenham
adquirido uma noção bastante razoável do funcionamento da economia e dos mercados, e entendam por que o livre
mercado é o mecanismo mais eficiente, em contraponto ao intervencionismo, ao capitalismo de Estado, ao socialismo,
ao keynesianismo, a todos esses modelos que delegam a uma entidade central — o Estado — o poder de “locomotiva
do progresso”.
Espero ter deixado claro, nas páginas que seguem, que os liberais não são contra o aumento do Estado por
“implicância”, “fetiche”, “dogma” ou “ideologia”. Entendemos que retirar recursos escassos da iniciativa privada e
passá-los para as mãos do governo para que políticos e burocratas decidam onde alocá-los não costuma render bons
frutos. O Estado não é uma entidade onisciente, conduzida por burocratas clarividentes e altruístas, que pode ser a
“locomotiva do progresso” ou o “justiceiro social” de uma nação.
Ao se absorver o conhecimento apresentado aqui, fica claro por que um mercado mais livre é sempre melhor do que
aquele submetido a políticas intervencionistas, a uma situação em que o Estado é o grande empresário, o grande
tomador de decisões.
Se estivéssemos falando de recursos infinitos, plenamente abundantes, não haveria sentido na discussão econômica. A
ciência econômica surge justamente para responder aos problemas decorrentes da escassez. Este é um ponto importante,
porque há muitos marxistas que ignoram essa “aula inaugural” da faculdade de Economia. A partir do momento em que
se decide ignorar a escassez de recursos, todo sonho é autorizado.
No primeiro capítulo, abordamos o mercado, procurando compreender os conceitos básicos que integram a essência
de seu funcionamento. Embora seja comumente retratado como uma entidade responsável por todos os males do
mundo, veremos que é apenas um palco de interação voluntária entre indivíduos imperfeitos, que seguem seus próprios
interesses, que estão mais preocupados em atender às próprias demandas e às de suas famílias do que em promover o
bem comum, mas cujas interações relacionam-se de formas muito complexas para resultar numa situação de bem-estar
geral ampliado, com acesso fácil a fascinantes bens e serviços — como se recebesse a ação de uma “mão invisível”,
para usar a metáfora de Adam Smith, ou manifestasse uma espécie de “ordem espontânea”, no dizer de Hayek.
Em seguida, abordamos a intervenção do Estado. Se, por um lado, entendemos um pouco melhor como o mercado
funciona e por que ele é o verdadeiro responsável por esse “milagre econômico”, por outro vemos como a intervenção
estatal acaba produzindo resultados ineficientes ao criar monopólios, mesmo considerando o argumento de “monopólio
natural”. Explicamos como os oligopólios e cartéis são produtos do intervencionismo e não do livre mercado, ao
contrário do que dizem os “especialistas” e articulistas. Também abordamos a concorrência desleal, a assimetria de
informação, a competição entre grandes e pequenos, ou entre países desenvolvidos e emergentes.
O segundo capítulo introduz alguns aspectos técnicos sobre a moeda e o crédito; particularmente importantes são os
esclarecimentos sobre a origem do dinheiro, um tema que considero fascinante. Embora o dinheiro seja onipresente em
nossas vidas, poucas pessoas se dedicam a conhecer e estudar suas raízes. Mais adiante, analisamos os bancos e sua
origem como armazéns de valores e o sistema de reservas fracionárias. Procuramos evitar o excesso de “economiquês”,
do jargão técnico que poderia tornar essa exposição um pouco mais enfadonha, para atender à forte demanda por
explicações de Economia em uma linguagem mais palatável para leigos, ao mesmo tempo que abordamos questões que,
muitas vezes, passam ao largo nas faculdades de Economia.
O próximo assunto desse capítulo é a taxa de juros, o custo do capital, algo que, presumivelmente, será relevante num
sistema capitalista, mas que, curiosamente, mesmo nas economias mais capitalistas, é decidida nos encontros de uma
cúpula de sábios clarividentes do banco central e do governo. Ora, que raio de sistema capitalista é esse onde o custo de
capital não é decidido pelo mercado, mas pelo governo? Esta é uma provocação importante que nunca se vê nos debates
econômicos do Brasil e do mundo.
Veremos também como a expansão interbancária cria moeda, atuando como cúmplice do governo no processo
inflacionário por meio de uma poupança artificial, sem lastro em produção. Esclarecemos também como os ciclos
econômicos, isto é, a oscilação brusca entre booms e busts — uma fase de euforia seguida por uma fase de ressaca —
resultam da ação do governo.
O terceiro capítulo ocupa-se do papel do governo sobre as disfunções econômicas. Inicialmente, abordamos a
questão dos salários e do emprego, isto é, o mercado de trabalho. Tocamos na polêmica atualíssima da atuação da
tecnologia sobre a geração do desemprego, analisando a ação de grupos reacionários que se dedicam a brecar o que
Schumpeter chamou de “destruição criadora”, isto é, as tensões sociais provocadas pelo livre mercado ao tornar
obsoletos certos produtos enquanto cria valor para a sociedade: maior qualidade de vida, maior conforto material, maior
produtividade.
Também discutimos a teoria marxista da exploração da mais-valia, que define o lucro como uma apropriação
indevida do trabalho alheio e derrubamos a falácia tantas vezes repetida da “curva de Phillips”: a argumentação falsa de
que é preciso um pouco mais de inflação para haver um pouco mais de emprego, ignorando a situação de estagflação
que vivemos hoje no Brasil.
O próximo assunto deste capítulo é a globalização; uma era de especialização entre países em busca de vantagens
comparativas. Entendemos como as trocas no mercado global beneficiam a sociedade ao amplificar o escopo de
mercado local para o mundo inteiro — basta considerar os três bilhões de asiáticos que viviam na miséria socialista e
mergulharam na globalização, especialmente na Índia e na China, países que vivenciaram um fantástico choque de
produtividade. Veremos como a mentalidade mercantilista ainda grassa entre nós, mesmo tendo sido refutada no século
xviii por Adam Smith. “Exportar é bom, importar é ruim”, “a finalidade do comércio exterior é acumular reservas”, “é
preciso proteger os produtores locais da concorrência internacional”: todos nós já cansamos de ler e ouvir esses
pseudoargumentos na imprensa.
O próximo assunto abordado é a tributação, um tema sempre na ordem do dia para todos os brasileiros. Começamos
com um debate filosófico sobre a legitimidade da cobrança de impostos, contrapondo anarcocapitalismo e liberalismo.
Esclarecemos por que o Estado será sempre sinônimo de coerção e, assim, mantê-lo no tamanho mínimo indispensável
parece a solução ideal para todos aqueles que prezam as liberdades individuais e a eficiência da vida econômica e
social. Debatemos os problemas da progressividade tributária, isto é, se punir os ricos ajuda ou não os pobres, e
concluímos que a realidade tende a ser oposta. Também elucidamos a curva de Laffer, que mostra como a elevação da
carga tributária acaba reduzindo a arrecadação.
Finalmente, concentramo-nos nas falhas de governo, em contraponto à visão dos que, aproveitando-se da realidade
das imperfeições do mercado — inevitáveis, por serem o produto das relações entre seres humanos imperfeitos —,
propõem uma solução ainda mais imperfeita: o intervencionismo estatal. Apresentamos algumas das conclusões mais
interessantes da Escola de Virgínia, dedicada ao estudo das falhas de governo, que mostram, individualmente e em
conjunto, que muito do que se chama de “falhas de mercado” são, de fato, “falhas de governo”, sugerindo que a
intervenção estatal não só é um “remédio” pior do que a doença, como a própria causa da enfermidade. Tratamos da
“falácia do nirvana”, a atitude cômoda, porém covarde, dos que habitam as torres de marfim e acionam suas
metralhadoras giratórias contra tudo o que não funcione de forma perfeita — sem jamais definir claramente o que seria
essa perfeição, idealizada de forma subjetiva —, defendendo como solução a sua utopia, que sempre gera resultados
práticos muito piores.
Isso está longe, certamente, de abranger tudo o que a ciência econômica pode abarcar, e de esgotar cada ponto que é
possível aprofundar. Mas creio ter sido capaz, nas páginas que seguem, de informar, tanto ao leigo como ao estudante, o
mínimo a respeito.
PRINCÍPIOS DA ECONOMIA DE MERCADO
Ainda outro exemplo para deixar bem claro este ponto. Imagine o custo de produzir
uma fábrica de gelo no Alasca. Será necessário transportar até lá todos os materiais,
construir a fábrica, instalar os equipamentos, contratar pessoal para, no fim das contas,
obter a produção de gelo no Alasca, o que não parece uma decisão mercadológica das
mais inteligentes. Será que o preço que você cobrará no Alasca pelo produto dessa fábrica
será idêntico ao que cobraria pelo mesmo produto no deserto do Saara? Certamente não.
Deste modo, logo de início, devemos perceber que o preço de uma mercadoria não pode
ter um elo tão direto e dependente do custo de produção. Nesse ponto, surge o conceito de
sunk cost,3 fundamental para o empresário. Por exemplo, você pode ter gasto 1 bilhão de
dólares para construir uma fábrica de gelo no Alasca, de um produto que não é
demandado, tal como uma carroça na era do automóvel, ou uma máquina de escrever na
era do computador. Ou seja, o valor total investido na fábrica de gelo não terá tanta
relação assim com o preço que poderá ser cobrado pelo produto final.
Quanto mais gente demandar um produto, mais caro tenderá a ser o seu preço no
mercado. Se todos quiserem consumir um produto que é oferecido por apenas um
produtor, diz-se que esse produtor é monopolista e ele poderá, teoricamente, pedir o preço
que quiser, especialmente se a demanda pelo produto for inelástica, isto é, se o produto
for essencial à sobrevivência. Portanto, as demandas subjetivas, segundo a utilidade que
cada um de nós espera obter da compra de um produto, são fundamentais na
determinação do preço.
Porém, se o produto não for escasso — por exemplo, o ar que respiramos — ele não terá
preço. Ao consumir o ar, não reduzimos a quantidade de ar disponível no “mercado”.
Esse é um conceito básico em Economia: todo o cálculo econômico se baseia na escassez.
Uma crítica que muitos liberais fizeram aos marxistas foi, justamente, a de que eles não
entenderam o conceito de escassez. Se não há escassez, não há sequer por que falarmos
em “Economia”, “cálculo econômico” e “decisão econômica”. Só há necessidade de
Economia com relação a produtos escassos, ou seja, aqueles produtos que, quando
consumidos por uma pessoa, têm reduzida a quantidade disponível para as demais.
UTILIDADE MARGINAL
O conceito fundamental da revolução marginalista de Karl Menger, fundador da Escola
Austríaca, é o de utilidade marginal. Este é um conceito um pouco mais técnico e difícil
de ser aprendido. A utilidade subjetiva que realmente importa é a utilidade na margem.
Para entender isso, é preciso esclarecer o conceito de utilidade decrescente. Menger
entendeu que, quanto maior a quantidade disponível de um bem, menos as pessoas o
valorizarão “na margem”. Para uma pessoa faminta, um prato de comida terá um valor
“na margem” muito maior do que para outra que já esteja provando o terceiro prato em
um restaurante. Este é um conceito óbvio que tem conseqüências lógicas freqüentemente
ignoradas, inclusive por economistas.
Um outro exemplo: os combustíveis, que estão entre os insumos mais básicos para o
funcionamento de toda a economia. Digamos que você tenha uma piscina e deseja
aquecê-la, mas ela é o último item em sua hierarquia de preferências. Você só usará o seu
combustível escasso para essa finalidade caso o preço pago por ele justifique o uso para
essa finalidade, que você mesmo considera um “luxo”. Se o preço do combustível subir
para um patamar acima da utilidade marginal que você atribui a uma piscina aquecida,
você pára de aquecer a piscina e desvia o combustível para uso em suas demandas mais
prioritárias.
Também fica mais fácil entender por que um gol do Neymar vale tantos milhões por
mês, enquanto o trabalho de um médico pode valer muito menos. Será por que o
capitalismo malvado valoriza mais um jogador de futebol do que um médico que salva
vidas? Para começar, devemos entender o que queremos dizer com o verbo “valorizar”.
Como economista, estou considerando apenas o valor monetário, embora eu valorize —
no sentido de “estimar”, de “apreciar subjetivamente”, isto é, trata-se de uma “valorização
moral” — muito mais o trabalho de um médico do que o de um jogador de futebol ou o
de um pagodeiro. Mas a conta bancária de um futebolista goleador será, no fim das
contas, maior do que a do médico, porque um grande número de pessoas avalia que, na
margem, um jogo de futebol com a presença do Neymar tem mais valor do que o trabalho
de um médico entre tantos outros. Afinal, há apenas um Neymar entre outros milhares de
jogadores pernas-de-pau que apenas gostariam de jogar tão bem quanto ele.
O fenômeno dos altos salários dos jogadores de futebol mais famosos é, portanto,
perfeitamente explicável pelo encontro da escassez da oferta com a demanda determinada
por preferências subjetivas. Um jogador como Neymar é um “produto” escasso e
fortemente demandado pelos milhões de consumidores que assistem a seus jogos, vindo
daí a justificativa de seu elevado valor monetário.
CUSTO DE OPORTUNIDADE
Jesús Huerta de Soto, da Escola Austríaca, define muito claramente este outro conceito
fundamental, o custo de oportunidade: “São os preços dos itens finais de consumo como
materialização no mercado das avaliações subjetivas que determinam os custos nos quais
se está disposto a incorrer para produzi-los, e não ao contrário, como tão freqüentemente
dão a entender os economistas neoclássicos nos seus modelos”.
Ou seja, como esses recursos escassos, que o governo retira das pessoas para repassar à
Odebrecht, estariam sendo usados na economia de mercado, isto é, livremente, pelos
indivíduos que tiveram de fornecer aqueles recursos sob a forma de impostos
governamentais.
Com esse exemplo, torna-se clara, até mesmo para os leigos em Economia, a
necessidade da livre formação de preços no mercado, isto é, por meio da interação de
oferta e demanda sem interferência do governo. A economia planejada centralmente, de
cima para baixo, ainda que operada por “gênios”, jamais pode funcionar, porque até
mesmo os maiores gênios jamais deterão todas as informações necessárias para a
formação dos preços na economia. Sem a livre formação de preços, não há possibilidade
de cálculo econômico racional.
Esse foi o grande insight da Escola Austríaca que levou à refutação, por Mises e Hayek,
da economia marxista. A Gosplan era uma entidade na antiga União Soviética que tinha a
seu serviço os melhores matemáticos e os mais sofisticados modelos econométricos para
calcular o preço de mais de 30 mil commodities.6 Qual foi o resultado desse modelo?
Faltava papel higiênico nas prateleiras enquanto enviavam o Sputnik para o espaço.
Apesar de toda a sua estrutura, a Gosplan não era capaz de fazer cálculos racionais que
atendessem à demanda dos consumidores.
Outro princípio fundamental é o de que as trocas devem ser sempre voluntárias. Uma
troca é voluntária quando as pessoas avaliam que ganharam mais do que ofereceram em
troca — por exemplo, quando você avalia que obteve mais valor ao ler este livro do que o
dinheiro que pagou por ele.
É óbvio que nossas decisões no mercado são sempre a priori,7 sempre ex ante.8 Muitas
vezes, compramos um produto e só depois nos damos conta de que sua utilidade não é tão
grande quanto esperávamos. Mas o que dizemos, no momento da aquisição de um
produto, é que valorizamos mais a expectativa de sua utilidade do que a do dinheiro que
oferecemos em troca. É somente por isso que ocorre uma troca: porque ela é percebida
pelos agentes nela envolvidos como mutuamente benéfica. Caso contrário, ela não ocorre.
O mercado só existe quando as pessoas acham que estão levando para casa mais valor do
que estão oferecendo em troca.
Outro corolário dessas premissas é a legitimidade do lucro. O lucro não é, como dizia
Marx e seus seguidores, o produto da “exploração da mais-valia”, mas um resultado que
se consegue obter, num livre mercado, apenas se o vendedor oferecer um produto
valorizado pelos compradores. A Apple, por exemplo, lucra muitos bilhões de dólares
apenas porque consegue oferecer produtos que nós valorizamos mais do que o dinheiro
que deixamos na loja. Ou seja, o lucro é perfeitamente legítimo num ambiente de trocas
voluntárias; é um sinal de que as ofertas do produtor conseguem agradar aos
compradores; de que o produtor é capaz de gerar valor para a sociedade do ponto de vista
do indivíduo que adquire seus produtos.
Um lápis de escrever comum tem, em uma ponta, uma borracha. Ora, de onde sai a
borracha? É preciso toda uma cadeia de produção desde a seringueira até chegar a uma
borracha utilizável num lápis. Em seguida, temos um envoltório em alumínio para
prender essa borracha ao corpo de madeira do lápis. Novamente, teremos toda uma cadeia
produtiva desde a extração do minério até a fabricação do envoltório de alumínio.
Também há uma complexa cadeia de produção para a produção da madeira, do grafite, do
pigmento que cobrirá esse lápis com a marca do fabricante, além da união de todos esses
elementos num objeto que chamamos de “lápis”.
Foi a esse “milagre” do mercado que Adam Smith se referiu com a metáfora da “mão
invisível”. Cada um de nós, lutando pelos nossos próprios interesses, numa dinâmica
economia de mercado, somos como que levados por uma “mão invisível” a criar produtos
úteis para atender às necessidades dos compradores, úteis à sociedade. Adam Smith
sintetizou essa idéia numa frase que ficou famosa: “Não é da benevolência do açougueiro
que esperamos o nosso jantar”.
O CONCEITO DE MONOPÓLIO
No capítulo anterior, avaliamos algumas das vantagens do livre mercado. Uma questão
que sempre surge quando abordamos esse tema pode ser expressa nos seguintes termos:
“Concordo que o livre mercado é mais eficiente. Mas o que dizer a respeito da
concentração econômica nas mãos de poucos grupos? Como preservar a livre
concorrência quando algumas empresas conseguem se destacar e, assim, formam grupos
muito poderosos? Não haveria nesse ponto um espaço legítimo de intervenção do Estado
para preservar a livre concorrência?”.
O segundo problema é definir o que é alta concentração. Seria 70% um bom número de
corte? Provavelmente sim. 60%? Talvez. 50%? Há controvérsias. É fácil percebemos que,
neste assunto, navegamos numa zona cinzenta.
Problema: aquilo que, hoje, parece um monopólio natural, amanhã poderá não ser mais,
devido ao avanço tecnológico. O exemplo clássico é o das ferrovias. Nos Estados Unidos,
elas surgiram a partir da livre iniciativa privada. Quando se criava uma nova ferrovia, isso
favorecia a prosperidade das cidades que por ela eram ligadas e movimentava fortemente
a economia. Esse fato fez “crescer o olho” dos governantes, que logo começaram a alegar
que a atividade é “importante demais”, que o setor é “estratégico” — eles adoram esse
termo! — e, portanto, não pode ser deixado nas mãos de apenas um ofertante.
O que essas pessoas não vislumbraram foi que as ferrovias se tornaram obsoletas com o
surgimento da aviação comercial. A própria tecnologia encarregou-se de quebrar o
monopólio daquele setor, que não era de ferrovias, mas de transportes. A aviação
destruiu grande parte do negócio das ferrovias, que se tornaram caras e pouco
competitivas. A parafernália regulatória do Estado, no intuito de “impedir os
monopólios”, na verdade impediu que as empresas ferroviárias americanas se adaptassem
aos novos tempos e, assim, muitas foram à bancarrota.
Até mesmo o chamado monopólio natural pode não ser tão “natural” assim. O que é o
capitalismo senão a superação da natureza, graças à tecnologia? Milton Friedman, quando
questionado sobre o monopólio natural, respondeu: “Dos males, o menor. Deixe-o nas
mãos de um empresário. Ele será melhor do que o governo”. No mínimo, haverá maior
escrutínio social e maior flexibilidade para adaptar o negócio às mudanças do mercado,
ao contrário do governo, que é amarrado por leis e regulações, elevando os custos dos
pagadores de impostos.
Até mesmo um monopólio natural, ao contrário do que diz a esquerda, não pode abusar
de sua posição de uma forma totalmente arbitrária. No limite, se um fornecedor de
energia começar a cobrar preços excessivamente altos pelo seu produto, as pessoas
voltarão a usar a luz de velas. Mesmo nos casos em que a demanda é inelástica, isto é, em
que as alterações nos preços causam alterações discretas na demanda, sabemos que a
inelasticidade não é absoluta.
Em meu livro Privatize já, abordo essas questões e trago dados que derrubam muitas
falácias. Ao contrário do que se pensa, o setor elétrico não era monopolista nem estatal
em seu início. O economista Harold Demsetz mostrou que, na cidade de Nova York,
havia 6 empresas em disputa pelo fornecimento de energia elétrica em 1877. Em 1907, 45
empresas elétricas detinham o direito legal de operar em Chicago. Antes de 1895, em
diversas cidades, mais de 4 empresas competiam nesse segmento. Esses exemplos
mostram que, se o Estado não interferir no setor, a atividade tende a se desenvolver
melhor mesmo em setores de demanda inelástica em que a barreira técnica dificulta a
competição.
George T. Brown, no livro The Gas Light Company of Baltimore, narra a história de
uma empresa fundada em 1816 e que sempre enfrentou concorrência. Não havia proteção
do consumidor pelo Estado, mas a permanente ameaça de novos concorrentes.
Há, portanto, duas coisas que podem impedir a livre concorrência. Uma, é a ameaça de
violência. Esse é um caso de polícia, não de Economia. A segunda é, como vimos, o
próprio governo.
No brilhante resumo de Ludwig von Mises, uma política de medidas restritivas favorece
os produtores, enquanto uma política que não interfere no funcionamento do mercado
favorece os consumidores.
OLIGOPÓLIOS E CARTÉIS
As mesmas reflexões que envidamos sobre monopólios também servem para oligopólios
e cartéis. Nos oligopólios, temos um pequeno número de vendedores, em vez de apenas
um. Nos trustes, temos a fusão de diversas empresas numa só. Já os cartéis representam
os acordos entre empresas do mesmo ramo para esvaziar a concorrência.
Uma ação de cartel, portanto, se for voluntária, não pode agredir a liberdade de
competição e, se for rentável, beneficiará em vez de prejudicar os consumidores. Essa
avaliação radical é de Murray Rothbard, outro expoente da Escola Austríaca.
Até mesmo situações como a queima de estoques para elevar artificialmente os preços,
tal como fez o Brasil com o café nos anos 1930, se for voluntária, se o Estado não
impedir outros ofertantes de aproveitar o preço artificialmente alto resultante da queima
de estoques, também não prejudicará os consumidores. Aliás, a queima de estoques não é
muito diferente de uma indústria que mantenha máquinas ociosas, que prefere não
produzir a plena capacidade. É uma decisão legítima de mercado.
Dominick Armentano, em uma de suas obras, demonstra como foi exatamente isso que
aconteceu nos eua: as leis antitruste foram usadas para impedir a entrada de novos
jogadores no mercado, com produtos melhores ou preços menores.
UMA ANEDOTA
Há uma anedota, ou piada, que retrata com perfeição esse risco de arbitrariedade:
concentra-se todo o poder num órgão como o cade, onde somente meia dúzia de ungidos
e clarividentes tecnocratas decidirão quando há ou não ameaça à livre concorrência.
Ou seja, se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come. Se praticar preço acima, é
monopólio; se praticar preço abaixo, é dumping; se praticar preço igual, é cartel. Ou seja,
quando o Estado reserva para si todo esse poder arbitrário, com definições vagas sobre o
que é concentração de mercado, bem como sobre o que é o próprio mercado, os
empresários tornam-se reféns do governo.
O CASO DA KODAK
A Eastman Kodak foi uma empresa pioneira em fotografia no mundo. Por exemplo, ela
inventou a primeira câmera portátil e imortalizou as imagens do homem na Lua. Há não
muito tempo, ela foi à falência, após incorrer em prejuízos enormes com a concorrência
da fotografia digital. O interessante é que foi a Kodak quem, praticamente, inventou a
fotografia digital. Mas a empresa julgou que aquele não era o seu core business, que os
custos eram muito altos e não havia mercado para isso: tratava-se apenas de um “nicho”
de mercado. Eles tiveram a faca e o queijo nas mãos e não souberam explorá-lo.
Ao deixar o livre mercado funcionar, ele engolirá até a Kodak, uma empresa gigante,
que inventou a tecnologia mas não quis levá-la adiante. Para isso, a condição sine qua
non9 é a liberdade de mercado, cujo dinamismo será capaz de mostrar ao consumidor ex
ante aquilo que o agradará e que desejará.
Bastiat, para mostrar o absurdo do protecionismo, fez, no século xix, uma fantástica
petição irônica em defesa dos produtores de velas e querosene, contra um inimigo cruel,
um competidor desleal, um adversário injusto, que aceitava trabalhar em condições
precárias e desumanas, oferecendo gratuitamente um produto com a intenção de aniquilar
os produtores de velas e querosene. Esse competidor era o Sol, que ficava no céu 12 horas
por dia, trabalhando de graça, sem pagar salários… Espero que este capítulo tenha
deixado claro que, para proteger o consumidor, a resposta é uma só: livre mercado. Não à
intervenção estatal!
ECONOMIA MONETÁRIA
A ORIGEM DO DINHEIRO
ual a origem do dinheiro? Por que aceitamos um pedaço de papel impresso como
Q meio de troca? Segundo Ludwig von Mises, o dinheiro não pode surgir por decreto
estatal. Tampouco poderia surgir de uma espécie de “pacto social” consciente entre
os cidadãos. Na opinião historicamente fundamentada de Mises, sua origem é o livre
mercado.
Assim, mesmo diante de uma commodity valiosa como o ouro, faz-se necessário algum
tipo de padronização: a homogeneidade torna-se uma quinta característica essencial à
moeda. Entram em cena os reis, que estampam nas moedas o seu rosto, o seu selo real,
como uma espécie de “atestado de qualidade”. Ao incluir sua efígie numa moeda, o rei
atesta que aquela moeda é boa, confiável, depositando nela a qualidade de seu reino. É
como se ele dissesse: “eu garanto que, nesta moeda, há a quantidade certa de ouro”.
Outro fato interessante é que todas as moedas atuais tiveram, em sua origem, algum elo
com o ouro e a prata. Por exemplo, a palavra “dólar” teria se originado de “taler”, uma
medida de pureza do ouro. A libra é uma medida de peso; também o marco e o franco:
todas as moedas tinham alguma relação, em sua origem, com o peso da moeda metálica.
Ou seja, de início, os governos, para que pudessem impor o papel-moeda como meio de
troca, precisavam atrelar esse valor ao peso de uma moeda já existente. A adoção do
papel-moeda não é um ato ex nihilo.10 Um decreto do governante nesse sentido não seria
aceito pelo mercado, a menos que se tratasse de um tirano sangüinário. Marco Polo relata
que, no reino de Cubla Khan, neto de Gêngis Khan, os comerciantes que chegavam a seu
reino eram instados a trocar seus metais valiosos pela moeda que ele obrigava ser aceita
em seu reino.
Alan Greenspan escreveu, num livro de Ayn Rand publicado em 1966, um importante
esclarecimento sobre por que o padrão-ouro era tão detestado pelos defensores do welfare
state — o famoso “Estado do bem-estar social”: a obrigatoriedade do lastro da moeda em
ouro dificulta muito a impressão de papel-moeda pelos que desejam apenas fingir que se
trata de uma moeda real. Quando o governo quebra o elo da moeda com uma commodity
escassa na natureza, substituindo-a pela tinta que aplica num pedaço de papel, ele está
livre para abusar desse poder, como sempre fez ao longo da história. Rothbard esclarece
detalhadamente como ocorreu a quebra desse elo. Primeiramente, o governo oferece a
garantia de que aquele pedaço de papel é resgatável por uma quantidade determinada de
ouro ou prata; caso contrário, ninguém o aceitaria voluntariamente. Em seguida, ele liga
esse papel a uma legislação coercitiva, que obriga o público a aceitar o papel-moeda,
incluindo os seus credores. Aos poucos, o papel-moeda começa a ser adotado como meio
de pagamento em todas as trocas naquela economia; os contratos são estabelecidos
forçosamente naquela moeda, com cláusulas que impedem o uso de outras moedas, tais
como o ouro e o dólar. Quando a moeda começa a ser amplamente utilizada, o governo
pode inflar a sua oferta e financiar os gastos do governo de forma mais sutil e disfarçada.
É nesse ponto que surge o processo inflacionário, uma decisão política deliberada para
beneficiar o governo com sua prerrogativa de abocanhar o que foi produzido pelo povo na
economia. É o pior, o mais nefasto imposto que existe, porque toma riqueza de forma
desproporcional dos mais pobres e porque, sendo disfarçado, as pessoas não se dão conta
de que ele existe. De início, inclusive, ele cria uma sensação de prosperidade na
economia.
Por exemplo, voltando ao caso do sujeito que tem em casa uma máquina de falsificar
moeda. Quando ele vai à quitanda do seu Zé, a primeira informação que chega a este
último é a de que há um aumento de demanda na economia. Ele fica feliz por vender
mais. Mas esse aumento é fruto de impressão de moeda falsa, não um reflexo de aumento
na produtividade e na riqueza da economia; as pessoas não estão produzindo mais com
menos e, por isso, não podem comprar mais. Portanto, o primeiro efeito do imposto
inflacionário é criar uma ilusão de prosperidade.
Devemos considerar também um segundo fator que escapa a muitos economistas. David
Hume, por exemplo, filósofo escocês que era amigo de Adam Smith, fez uma
provocação: pediu que imaginássemos uma fada que, num passe de mágica, fizesse com
que as pessoas despertassem no dia seguinte com o dobro da moeda que possuíam no dia
anterior. Qual seria o efeito disso sobre a economia? Não é difícil de entender que, do
ponto de vista real, o efeito seria nulo: todos os preços seriam igualmente dobrados.
Porém, o que Hume, com essa provocação inteligente e instigante, falhou em perceber foi
que o processo inflacionário não se dá de modo uniforme em toda a economia. Além de
gerar um efeito de prosperidade ilusória, o processo inflacionário beneficia, de fato,
alguns às expensas de outros: o dono da máquina e seus amigos se beneficiarão pois, no
final do dia, terão os produtos em suas casas, mas os últimos que chegarem ao mercado
pagarão o pato, pois, como os produtos estarão mais escassos, o preço terá subido. No
processo inflacionário, o governo imprime moeda, papel sem lastro, gasta esse dinheiro,
beneficiando alguns com o aumento inicial dos gastos públicos pela transferência de
riqueza dos demais membros da economia, que pagarão a escassez de produtos adquiridos
pelo governo com o aumento de preços.
É exatamente isso o que acontece hoje no Brasil: todos vão ao mercado pagar muito
mais pelos produtos, com essa inflação de 9,5% ao ano, pelos ganhos das empreiteiras
com o aumento dos gastos com obras públicas. O governo produz moeda a partir do nada,
enriquece seus amigos, e o povo paga a conta com inflação, um imposto disfarçado e
cruel pago pela maioria para uma minoria que se apropria da riqueza real da economia.
Por fim, Roosevelt, na era mais intervencionista da história dos eua, presidente numa
época em que o mundo flertava com Mussolini e Vargas ao lado da opção comunista,
confiscou, novamente em nome do patriotismo, todo o ouro existente na economia em
1933. Quem possuía ouro na véspera, despertou no dia seguinte em plena ilegalidade.
Keynes chamava o ouro, a commodity empregada como moeda em todas as sociedades,
de “relíquia bárbara”: um produto que se tem o custo de cavar e, depois, de “enterrar”
num cofre, uma prática sem sentido. Ele fingia não entender que o custo de cavar e,
depois, de enterrar podia até ser alto, mas é muito mais baixo do que a outra alternativa,
isto é, o custo de emitir uma moeda sem lastro. É muita arrogância chamar de “relíquia
bárbara” uma solução que emergiu voluntariamente do próprio mercado.
Agora que entendemos de onde vem, como surge, para que é usado, por que tem valor,
podemos dizer que o dinheiro é fonte de todo mal, como dizem os inimigos do
capitalismo, num espectro que varia desde os marxistas até alguns Papas? Será que, caso
o dinheiro fosse abolido, a ganância humana desapareceria junto com ele? É claro que
não. O que aconteceria com a desaparição do dinheiro seria o retorno da economia a um
nível extremamente rudimentar, precário, míope e de curtíssimo prazo, acarretando uma
queda drástica da produção de riquezas. Sem eliminar o problema da ganância,
acrescentam-se diversos outros.
Ayn Rand, em A revolta de Atlas, escreve uma das mais brilhantes respostas a essa
acusação. Um dos personagens desse romance se expressa em termos semelhantes aos
seguintes: você acha que o dinheiro é a fonte do mal se, na sua origem, é um instrumento
de troca de um valor por outro valor? Eu trabalho para produzir um calçado; você
trabalha para produzir um alimento; ambos usamos o dinheiro para trocar uma coisa pela
outra. Será essa a origem do mal? Isso só é possível se chamarmos de “mal” todo o
funcionamento de uma economia de trocas voluntárias, a base da produção de riquezas na
história da humanidade. O dinheiro é, então, a forma material do princípio de que os
homens que querem negociar uns com os outros precisam trocar um valor por outro. O
dinheiro não é um instrumento dos “pidões”, que pedem produtos com suas lágrimas;
nem dos saqueadores, que pegam a produção alheia à força; ou, como faz o governo, por
meio do imposto inflacionário. O dinheiro só se torna possível numa economia livre
através dos homens que produzem. É isso que se considera o mal? Quem aceita o
dinheiro como pagamento pelo seu esforço só o faz porque sabe que ele poderá ser
trocado pelo produto do esforço de outrem. Não são os pidões e os saqueadores que dão
valor ao dinheiro; e o dinheiro tampouco tem seu valor extraído do nada, só porque o
governo diz. Ele tem valor porque representa o valor produzido por aquela sociedade, que
produz algo demandado por terceiros. Aqueles pedacinhos de papel, que deveriam ser
ouro, são penhores de honra; por meio deles, nos apropriamos da energia de homens que
produzem. A sua carteira afirma a esperança de que, em algum lugar do mundo ao seu
redor, existem homens que traem aquele princípio moral que está na origem da produção.
Olhe um gerador de eletricidade e ouse dizer que ele foi criado por seres irracionais.
Tente plantar um grão de trigo sem os conhecimentos que lhe foram legados pelos
primeiros homens que o plantaram. Tente obter alimentos usando apenas movimentos
físicos e descobrirá que a mente do homem é a origem de todos os produtos, de todas as
riquezas que já houve na Terra.
Os bancos, enquanto instituições de depósitos, que as pessoas usam para guardar seus
valores, têm uma origem totalmente diferente dos bancos enquanto instituições de crédito,
isto é, que concedem empréstimos. Compreender essa distinção de funções é crucial para
entender como eles participam do processo inflacionário. O banco de crédito é uma forma
de canalizar recursos de quem poupou para quem deseja investir, normalmente, em
empreendimentos produtivos. Essa é uma função social legítima e imprescindível para o
adequado funcionamento da economia, mas distinta de sua função como depositantes dos
recursos das pessoas. Esta última surgiu como conveniência para os proprietários de ouro
e prata amedrontados pelo risco de roubo. Em vez de carregar o ouro físico, o indivíduo
depositava o metal em um armazém seguro e, em troca, recebia um certificado que
atestava o seu direito sobre a quantidade depositada.
Quando não se tem um objeto específico usado como reserva de valor — por exemplo,
uma jóia ou obra de arte — mas uma commodity, tal como o ouro, a especulação com o
estoque de valor se torna muito mais fácil: o especulador usa uma parte do ouro
depositado por uma pessoa e, caso essa pessoa venha resgatá-lo, ele o paga com o ouro de
outra pessoa, em igual valor.
Para compreender isso, basta imaginar que, em vez de ouro, as pessoas depositassem
grãos no armazém do banqueiro e ele simplesmente os despejasse num silo. Se o sujeito
depositou tantos quilos de grãos, quando quiser sacar, receberá o peso equivalente ao
depositado, não fazendo diferença se os grãos que recebe pertenciam a outras pessoas. O
banqueiro, percebendo que apenas um pequeno percentual dos depositantes retira seus
depósitos a cada ano, pode pegar uma parte dos valores e emprestá-la a terceiros,
cobrando juros e auferindo lucros sobre o que não lhe pertence.
Esse ato é, sob essa perspectiva, uma espécie de fraude. O depositante confia que seus
valores estão depositados no banco e disponíveis para saque na hora em que desejar.
Como vimos, isso não é verdade: o banqueiro, prevalecendo-se de uma percepção
“esperta” de que nem todos pedem o resgate de seus valores ao mesmo tempo, usa os
produtos dos clientes para obter lucro sem que eles se dêem conta disso.
Um dos erros fundamentais do sistema de reservas fracionários está em que ele não
respeita uma das regras fundamentais do comércio: a estrutura temporal do ativo não deve
ser maior do que a do passivo. Se um banco tem uma dívida com os correntistas que
precisa pagar à vista, e empresta os recursos dos depositantes a prazo mais longo, isso
significa que o banco está sempre, potencialmente, falido. Se uma parcela
suficientemente grande dos depositantes quiser sacar os seus depósitos simultaneamente,
o banco quebra. Tanto que é até mesmo considerado crime o ato de espalhar boatos de
insolvência de um banco, o que pode acarretar uma corrida de saques e efetivamente
quebrá-lo.
Há duas soluções liberais para esse problema: o free banking e as reservas integrais. O
free banking foi defendido por Hayek em seu argumento pela desestatização do dinheiro.
Ele achava que, num ambiente de total liberdade de emissão de moeda, ao longo do
tempo, de forma darwinista, sobreviveriam apenas os emissores responsáveis, que não
abusassem de sua prerrogativa de reservas fracionárias, dessa fraude implícita no acordo
entre depositantes e banqueiros, de modo que os certificados de depósitos tenderiam à
reserva integral, pois os depositantes não arriscariam todo o seu dinheiro em quem não
adotasse esse sistema. Tal como no mercado de criptomoedas, o próprio mercado se
encarregaria de impor sua disciplina aos banqueiros.
Por outro lado, Rothbard, o grande defensor da opção da reserva integral, considerava o
sistema de reservas fracionárias como uma fraude pura e simples. Sendo fraude, o livre
mercado não pode tolerá-lo e, portanto, nesse caso, deve haver o uso da força pelo
Estado.
Percebe-se que, de fato, o que está em discussão nessas correntes da Escola Austríaca é
a moralidade do sistema. Boa parte dessa discussão entre vertentes liberais vem do fato de
que os bancos assumem e misturam dois papéis: de depositantes e de emprestadores. Se
houver uma separação mais clara entre essas funções, o depositante poderá escolher se
quer que seus recursos sejam emprestados para terceiros na expectativa de ganhar alguma
coisa com isso, tal como nos sistemas de depósitos a prazo e fundos de investimento. O
depositante se torna um sócio do banco em sua empreitada de conceder empréstimos,
coletando spread11 e ganhando dinheiro com essa atividade. Por outro lado, se o
depositante quiser manter depósitos à vista no banco, sem perspectiva de auferir lucros
com isso, apenas para sua conveniência e segurança, ele deveria ter garantia de que o
banco não emprestaria esse dinheiro sem seu consentimento, de que o valor estaria
sempre lá, integralmente, à sua disposição.
Os bancos centrais surgem como uma demanda dos próprios banqueiros para criar
instrumentos de proteção contra a insolvência dos bancos e evitar o tal “risco sistêmico”.
Por exemplo, o Bank of Finland, um dos mais antigos bancos centrais, foi criado para
cumprir a função de proteger os bancos que haviam emprestado grandes quantias ao
governo contra sua eventual inadimplência durante as guerras. Trata-se de um processo
inflacionário, em que o banco central emite moeda para tirar o dinheiro de alguns para dar
a outros — os banqueiros, os “amigos do rei”.
Ninguém menos do que Alan Greenspan — que foi o presidente do Fed durante muitos
anos, sendo inclusive acusado de ter contribuído para a bolha especulativa que estourou
em 2008 —, quando ainda era um libertário objetivista seguidor da filósofa russa Ayn
Rand, publicou um livro intitulado Capitalism: the unknown ideal, que contém alguns
artigos sobre o Fed em que o acusa de ser o responsável pela crise de 1929. Segundo ele,
se os bancos, tal como argumentavam os defensores do banco central, pudessem
continuar indefinidamente emprestando dinheiro, nunca mais ocorreriam quedas drásticas
nos negócios. Greenspan entendia que o Fed se relacionava ao interesse de inflacionar a
economia e, assim, foi responsável pela geração da bolha especulativa.
Num sistema capitalista, presume-se que a formação do custo do capital numa economia
tem alguma relevância. Ora, defender a entrega da formação do custo do capital,
manifesto na taxa de juros, que depende de inúmeros fatores, tais como preferências
intertemporais, demanda por moeda, oferta de poupança e capital na economia, a meia
dúzia de tecnocratas reunidos numa sala, no mínimo despertará o receio dos economistas
liberais.
Rothbard analisou o que aconteceu antes e depois da criação do Fed. Em 1819, houve
uma crise séria, num tempo em que a economia americana era muito mais simples,
predominantemente agrária. Rothbard mostra como houve um amplo debate, fortemente
qualificado, com argumentos fortíssimos, entre as partes que defendiam diferentes formas
de enfrentar a situação. Já naquela época, houve grande defesa da criação de um banco
emprestador de última instância. Os defensores do banco central saíram perdedores no
debate, decidiu-se não salvar o sistema e, incrivelmente, a crise durou apenas dois anos:
em 1821, a economia americana voltou a crescer.
O LEGADO DO FED
O gráfico que ilustra esta seção mostra o preço do ouro — a “relíquia bárbara” dos
keynesianos — em dólares desde a criação do Fed, cuja missão seria proteger a moeda.
Como se pode ver, esse preço saiu de 35 dólares a onça para um valor 10 vezes maior
apenas alguns anos após a criação do Fed. Até 1970, quando foi abandonado o padrão-
ouro, o valor se manteve relativamente estável. A partir de então, o preço do ouro
disponível aumentou, e hoje vale quase 1.100 dólares a onça. A valorização foi de cerca
3,5% ao ano — mais do que o valor do crescimento da economia americana. Assim,
historicamente, não é fácil obter retornos reais de 3,5%. Se um sujeito esqueceu uma
moedinha de ouro em sua gaveta e, 100 anos depois, alguém da sua família a encontrou,
ela já valia quase 30 vezes mais do que quando foi esquecida. Será que esse exemplo
milita a favor do papel do Fed como guardião do valor do dólar? Invertendo o gráfico,
veremos que o dólar perdeu 95% do seu valor em um século.
Por isso, este capítulo e o anterior compõem uma mesma lição: se não houver
efetivamente um sistema de livre mercado funcionando nesse importantíssimo setor de
uma economia capitalista — o financiamento do capital —, criam-se incentivos perversos
à própria produção de bolhas e de inflação. A culpa não é do livre mercado: a defesa de
banqueiros com o discurso de risco sistêmico não é um discurso liberal. Os liberais
desejam que os banqueiros não possam mais abusar da reserva fracionária e que, por
outro lado, o banco central não seja seu cúmplice nesse esquema cartelizado.
O MULTIPLICADOR BANCÁRIO
Falemos agora sobre a tace (teoria austríaca dos ciclos econômicos), uma recapitulação de
assuntos já vistos acompanhada de algumas conclusões novas e um resumo do que
expusemos até o momento.
A taxa pela qual os bancos podem criar novos depósitos relativamente à quantidade de
novas reservas é o que chamamos de economia de multiplicador bancário. Uma maneira
de aumentar a oferta monetária, portanto, é reduzir a razão reserva/depósitos. Se o banco
central entender que não precisa mantê-la em 20% e decidir reduzi-la para 10%, ele
dobrará o nível de alavancagem do sistema, pois o multiplicador bancário passará de 5
para 10.
Outra ferramenta empregada pelo banco central para aumentar a oferta monetária é o
chamado open market, as operações de mercado aberto. Imagine que o banco central
deseje comprar uma escrivaninha para um de seus escritórios. De onde sairá o dinheiro?
A resposta é: de nenhum lugar. O banco central não recebe depósitos diretos, não poupa,
nem adquire commodities. Ele simplesmente cria o valor da escrivaninha, creditando o
seu preço no ativo de um banco comercial e registra o mesmo valor no seu passivo com
esse banco. O banco central usa o dinheiro do banco comercial para adquirir o produto
que deseja comprar.
O CICLO MONETÁRIO
O ciclo monetário se caracteriza, em seu primeiro estágio, o boom,13 por uma expansão
generalizada da produção; no segundo, o bust14 ou depressão, a queda. O ponto de
inflexão entre uma fase e outra é a chamado de crise ou crash.15 Segundo a visão de Karl
Marx, no século xix, as crises econômicas teriam origem nas “contradições intrínsecas”
do capitalismo: a necessidade permanente de novos mercados e a contínua pauperização
das classes baixas, que levaria às crises de superprodução.
Outros fatores que integram a taxa de juros numa economia incluem: 1. a expectativa da
inflação futura — se o consumidor acredita que seu dinheiro perderá poder de compra ao
longo do tempo, ele terá menos incentivo para poupar e 2. o risco do credor. Justamente
porque o consumidor não está consumindo hoje para consumir mais no futuro, os
recursos dessa poupança ficam disponíveis para a concessão de empréstimos com
aplicações produtivas na economia e, assim, cresce em importância o risco de não obter
esse dinheiro de volta, o que influencia diretamente o valor da taxa de juros. Se o credor
pode arrestar os bens do inadimplente com maior confiança e segurança, ele cobrará juros
menores: as incertezas em relação ao retorno do capital emprestado também exercerão
impacto sobre o custo do capital.
Deste modo, a taxa de juros de mercado, aquela que Wicksell chamou de “taxa de juros
natural”, depende da oferta e da demanda por capital naquela economia, que resultam de
todos os fatores abordados aqui. Não se pode “brincar” impunemente com esse custo: ele
é a resultante de todas essas variáveis. Não se pode mudá-lo por “vontade política” ou
belos discursos. Por exemplo, não é possível mudar com retórica a confiança do credor.
Também não se pode mudar por decreto uma sociedade de cigarras que, culturalmente,
por vários motivos históricos, confere pouco valor ao amanhã. Depois dessa explicação,
entendemos o quão absurdo é o clamor, por exemplo, da fiesp para que o copom reduza a
taxa de juros: é como defender a quebra do termômetro para que não aponte mais a febre
do doente. A taxa de juros é um preço de mercado, a taxa de equilíbrio, a taxa natural, a
resultante de todas essas variáveis envolvidas na oferta e na demanda por capital.
A taxa de juros sinaliza para todos os agentes econômicos o que realmente acontece na
economia. Por exemplo, se há mais poupança, a taxa de juros tende a cair, porque houve
um aumento na oferta de capital. Este é um sinal, para os tomadores de decisão, de que há
maior poupança disponível, de que as pessoas estão consumindo menos, poupando mais.
Deste modo, os decisores podem usar essa informação para planejar investimentos de
maior alcance e prazo mais longo. Porém, se houver uma intervenção artificial nesse
preço, produz-se uma distorção numa informação relevante para a tomada de decisão.
Taxas de juros elevadas significam poupança reduzida. As pessoas optam por consumir
muito hoje e não no futuro. Essa preferência intertemporal tem como pressuposto a
existência de um excedente transferível: não se transfere para amanhã aquilo que não se
tem hoje. A poupança não é algo que “cai do céu”, mas a intenção de abrir mão do
consumo presente para consumir em outro momento. Só podemos investir aquilo que
antes poupamos, e só poupamos aquilo que deixamos de consumir.
Trata-se de uma poupança excedente fictícia, gerada pela ação do banco central nas
operações de mercado aberto e pela redução das reservas compulsórias dos bancos
comerciais, que informa erroneamente aos agentes do mercado que eles podem investir
mais do que o fariam numa situação de livre mercado. Eles poderão, então, iniciar
projetos de investimento de maior tempo de maturação, que costumam exigir uma taxa de
juros maior, que Hayek analisou em seus famosos “triângulos”. Para entender essa noção,
basta perceber que tudo o que é intensivo em capital, com um longo horizonte de
maturação — por exemplo, uma nova planta industrial, prospecção de petróleo, projetos
cujo tempo de retorno pode se estender por várias décadas —, exige uma taxa de juros
maior, porque a espera pelo retorno será maior. Quando há uma redução da taxa de juros,
são justamente esses os setores viabilizados pelas operações artificiais do banco central.
E, assim, gera-se um boom num ciclo econômico perigosíssimo, porque se provoca um
deslocamento nos triângulos hayekianos: a economia move-se de projetos com prazo de
maturação mais curto para outros mais longos, aumentando a duration17 da economia, o
que aumenta o seu risco. Para Hayek, uma economia mais capitalista define-se por um
duration maior. Essa redução artificial nas taxas de juros cria uma sensação de euforia
que estimula, em termos proporcionais, um aumento no número de projetos de longa
duração em relação aos de duração mais curta. Esse fato explica melhor o bust: as pessoas
estão investindo tanto em coisas que não deveriam, por conta da inexistência de
poupança, quanto em prazos que não deveriam, porque a taxa de custo de espera ao longo
do tempo — a taxa de juros — é muito menor do que deveria ser de fato.
Um exemplo citado por Ludwig von Mises é o do indivíduo que pretende construir uma
casa e projeta três cômodos, porque a quantidade de “tijolos” — a poupança —
disponível na economia sinaliza que essa é a quantidade que ele pode empregar em seu
projeto. Quando o banco central altera artificialmente essa taxa de juros, esse indivíduo
pode ser levado a crer que pode construir uma casa com seis cômodos, em vez de três.
Mas não há “tijolos” suficientes para todas as pessoas que cometerão o mesmo erro ao
mesmo tempo, devido a essa informação falsa. O próprio peso das decisões erradas — o
malinvestment — provoca o bust.
Qual deveria ser a reação normal do mercado a esse problema? Deixar a economia
ajustar-se naturalmente à dura realidade da escassez de “tijolos”. Porque, enquanto o
indivíduo em questão não ajustar o projeto de sua casa para três cômodos, ele manterá o
uso excessivo de recursos que não estão disponíveis para todos, agravando cada vez mais
a situação. Portanto, quanto antes ocorrer o ajuste, melhor será para a economia como um
todo.
Não é assim que pensam os keynesianos. Eles entendem a crise do ajuste natural do
projeto individual de uma casa de seis cômodos para três, dada a escassez de tijolos
naquela economia, como “falta de demanda agregada”. Portanto, preconizam o estímulo à
demanda por mais tijolos para impedir esse ajuste: sua solução é imprimir “tijolos de
papel” e manter a farra. É óbvio que isso não pode funcionar, pois não ocorreu o
necessário aumento de poupança na economia para justificar tantas construções de casas
de seis cômodos. O bust é decorrência desse efeito indesejável de uma taxa de juros
artificial que, na primeira fase do ciclo, gerou o boom. Para os austríacos, o bust é uma
etapa necessária e saudável da economia para limpar os excessos, tal como a ressaca é
uma etapa na cura de uma bebedeira. Para os keynesianos, a ressaca é um problema de
falta de bebida, não de injeção excessiva de bebida alcoólica no sistema.
Para os austríacos, a expressão “queda na demanda agregada” não faz sentido: trata-se
apenas de uma economia que regressa à sua fronteira de produção real. Com seu
instrumental inadequado, são os próprios keynesianos que acabam fomentando a
formação de bolhas e os conseqüentes crashes. Os austríacos entendem que ocorrerão
flutuações normais num ambiente econômico repleto de incertezas e preferências
subjetivas, onde há alocação equivocada de capital devido a erros legítimos cometidos em
certos setores que, em seguida, precisarão ajustar-se. Mas não haverá um erro
generalizado, em que todos os setores errem juntos ao mesmo tempo, uma situação em
que todos os produtores desengavetem projetos e que todos os consumidores comecem a
comprar ao mesmo tempo, todos achando que, do nada, ficaram mais ricos. Esse
fenômeno não tem relação nenhuma com o funcionamento do livre mercado, mas com
intervenções artificiais do governo e do banco central sobre a economia. Não é razoável
imaginar que todos os agentes econômicos, numa economia, cometerão os mesmos erros
ao mesmo tempo por mera coincidência.
O PAPEL DO GOVERNO NAS DISFUNÇÕES
ECONÔMICAS
O MERCADO DE TRABALHO
Antes de mais nada, é preciso definir o que é trabalho, um conceito que não abrange
apenas as atividades “braçais”, mas também as intelectuais, que crescem em importância
na era da informação. Para lembrarmos de Ayn Rand, quem ousaria dizer que um gerador
de eletricidade é obra de movimentos brutos de uma mente bárbara? A maior parte do que
temos à disposição na economia de hoje é fruto de trabalho intelectual.
Ademais, Ludwig von Mises refutou um conceito marxista chamado “polilogismo”, isto
é, o ato de, baseando-se num conceito equivocado de classe, defender a existência de uma
“lógica de classe”: as pessoas pensariam de uma forma ou de outra porque pertenceriam a
uma classe. Na mentalidade marxista, haveria mais de uma lógica: o “trabalhador”,
sempre braçal na concepção marxista, deveria pensar de forma diferente do “patrão”, do
“burguês”. Isso é um absurdo, porque a lógica é universal. É sempre conveniente lembrar
que Marx e Engels, que diziam falar em nome dessa “classe trabalhadora”, sequer
pisaram em uma fábrica durante toda sua vida: Engels era um herdeiro industrial, e Marx
era um vagabundo que falava muito em trabalho mas, ele próprio, não trabalhava.
FATORES DE PRODUÇÃO
Existem três fatores básicos de produção: a terra, o capital e o trabalho. O mercado de
trabalho se forma quando o indivíduo oferece sua força de trabalho em troca de um bem
chamado salário. O valor do trabalho é medido pela sociedade, por suas preferências
subjetivas.
Os indivíduos tendem a superestimar o valor do próprio trabalho, mas quem decide esse
valor não é o indivíduo, e sim o mercado. O mercado não é sensível às nossas demandas e
anseios: do mesmo modo que não avaliamos a entrega de uma pizza segundo o custo de
produção e entrega, mas pelo valor da conveniência de receber uma pizza pronta para
consumo no conforto da própria casa. O salário do entregador da pizza dependerá,
segundo os diversos fatores que compõem a oferta e a demanda, do quanto os
consumidores estarão dispostos a pagar pelo serviço de entrega. Não adianta chorar
miséria: o salário do entregador não é determinado por ser solteiro ou casado com cinco
filhos para sustentar.
O mercado foi definido por Ludwig von Mises como a “democracia dos consumidores”,
pois são eles que determinam o valor daquilo que desejam. Como todo produto, quanto
mais escassa for a habilidade que o trabalhador oferta no mercado, e quanto mais
demandada ela for pelos contratantes, maior será o seu preço — isto é, o salário.
Karl Menger nos alerta que o tempo tem valor. Todos sabemos que o valor da posse de
uma maçã no dia de hoje é menor do que o valor de uma maçã igual no dia seguinte; que
ter cem reais nas mãos hoje vale mais do que cem reais na semana que vem. É importante
recapitular esse conceito porque o salário não é correspondente ao valor integral do
produto, algo fácil de perceber no filme Tempos modernos, de Charles Chaplin, onde há
uma cadeia de produção em que cada operário se limita a executar apenas uma tarefa
repetitiva. O produto acabado será vendido a um preço, mas o salário será menor.
O capital é inimigo do trabalho? Será que, para que alguém obtenha um ganho, o outro
terá que assumir uma perda? Muita gente, inclusive economistas, acredita nisso, com base
em indicadores como a distribuição do pib entre capital e salário, o que transmite a
mensagem de que o ganho de um foi obtido pela perda do outro. Mas será que o patrão é
um inimigo do trabalhador, sendo ele próprio um trabalhador intelectual, cada vez mais
valorizado na era da informação? Ao contrário:
Apesar desse fato, a luta de trabalhadores contra o capital é mais antiga do que o próprio
marxismo. Por exemplo, o movimento “ludista” desejava combater todo avanço
tecnológico porque, novamente citando Bastiat, atacavam o que viam e ignoravam o que
não viam. Eles viam apenas uma grande força de trabalho demitida devido ao progresso
tecnológico, sem ver os benefícios que aquela tecnologia traria com o tempo aos próprios
trabalhadores. Os ludistas não percebiam que a tecnologia não reduz o total da massa de
empregos disponíveis na economia, mas apenas alguns empregos que se tornavam
obsoletos, liberando mão-de-obra para outras atividades melhores, mais demandadas ou
mais produtivas.
No já citado livro Jonas, o ingênuo, um dos episódios trata exatamente desse tema. Na
ilha em que se encontra o personagem-título, os lenhadores cortam as árvores usando
porretes. Um dos habitantes da ilha teve a idéia de instalar uma lâmina nos porretes para
facilitar o corte. Essa invenção liberou inúmeros trabalhadores que eram empregados
naquela atividade inútil para outras mais produtivas. Imediatamente, os lenhadores
identificaram no inventor um inimigo de classe e se posicionam contra a inovação
tecnológica, porque ela o faria perder os seus empregos. O exemplo soa familiar quando
consideramos o caso do Uber. Sempre que surge uma tecnologia que melhora a
produtividade, segue-se a reação de uma categoria que não aceita perder sua reserva de
mercado — uma reação política decorrente da impossibilidade de reação econômica. Os
sindicatos não passam disso: forças de organização política para penalizar toda a
economia.
AUMENTO DE SALÁRIOS
O processo por meio do qual ocorrem os aumentos de salários pode ser descrito, passo a
passo, do seguinte modo.
1. Abstenção do consumo corrente: não há consumo total daquilo que se produz, com o
objetivo de formar poupança.
Se você disser isso numa roda de amigos, verá o choque nos olhares e reações, mas é
inevitável chegar a essa conclusão quando se entende o funcionamento do mercado. Um
trabalhador que nada tem a oferecer além do seu trabalho braçal deveria torcer para que
essa sociedade fosse a mais capitalista possível, porque isso aumentaria o seu salário ao
longo do tempo.
Um exemplo prático é o contraste, nos Estados Unidos, entre o Vale do Silício e Detroit.
Detroit floresceu com a indústria do automóvel e faliu após 50 anos de gestões
esquerdistas sob a influência de fortes sindicatos, que enrijeceram o mercado de trabalho
a ponto de impossibilitar que a indústria se adaptasse à nova realidade representada pela
entrada no mercado americano de concorrentes como a China e a Coréia. Já o Vale do
Silício mantém seu dinamismo e oferece os melhores salários, além de uma série de
regalias para atrair os trabalhadores mais qualificados de forma independente da pressão
de sindicatos: o que ocorre é uma disputa entre os patrões pelos mais inteligentes
trabalhadores disponíveis no mercado.
Os sindicatos costumam lutar pelos interesses dos sindicalistas, não dos trabalhadores.
Muitas vezes eles criam barreiras que dificultam a vida dos próprios trabalhadores que
dizem representar, especialmente os menos qualificados. São estes os maiores
prejudicados pela ação dos sindicatos em conluio com os governos — a própria definição
de “fascismo” —, que criam barreiras ao mercado de trabalho. Hayek definiu os
sindicatos da seguinte forma: o poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém
de trabalhar pelos salários que estaria disposto a aceitar. O que acontece com esse
trabalhador? Como sempre, aquilo que não se vê.
Mas alguém poderia perguntar: se não houvesse sindicatos, os empresários não iriam
sempre explorar os trabalhadores? Acabamos de ver que isso não é verdade, porque eles
têm de disputar essa mão-de-obra. Mas podemos inverter a pergunta: se os sindicatos são
tão bons, por que a adesão a eles não é voluntária? Por que, no Brasil, temos que pagar
esse nefasto imposto sindical? Por que há necessidade de coerção sobre os “fura-greves”?
Quem pode ser contra o aumento do salário-mínimo? Afinal, ele é, como diz o nome,
mínimo; mantém a pessoa no nível mais básico de subsistência, é horrível viver apenas
com ele. Ora, mas se o governo precisa impor um salário-mínimo, pressupõe-se,
naturalmente, que ele está acima do salário de mercado que seria praticado por aquela
categoria.
Por exemplo: José quer contratar Pedro, mas só está disposto a pagar 500 reais pelo seu
trabalho: é quanto vale o trabalho para o qual pretende contratar o empregado. Pedro
estaria disposto a aceitar esse valor, porque a alternativa — o desemprego — seria pior
para ele, considerando sua baixa qualificação. Há, portanto, um encontro entre oferta e
demanda que resultaria numa troca voluntária percebida como mutuamente benéfica por
ambas as partes. Nesse ponto, os governos e os sindicatos intervêm, impedindo essa
transação, proibindo que José contrate Pedro por menos de 750 reais, sob o pretexto de
“defender os interesses de Pedro”. O que acontece? Ou José não contrata Pedro, porque
não está disposto a pagar esse valor, ou contratará Pedro na informalidade. Não é por
coincidência que, no Brasil, o país dos direitos trabalhistas e das regalias legais no
mercado de trabalho, cerca de um terço da mão-de-obra esteja na informalidade.
Agora, proponha aqui no Brasil substituir os seus ganhos certos, recebidos por meio de
salários fixos, pela possibilidade de obter ganhos maiores ou menores conforme o
negócio vá bem ou mal. Nem todos terão estômago para isso — a própria quantidade de
pessoas que sonham em se tornar funcionários públicos já é um sinal da imensa aversão a
risco de nossa população. As pessoas querem abrir mão justamente dessa incerteza que é
a característica central de uma economia capitalista dinâmica. É lógico que o desejo de
estabilidade, de reduzir os riscos, terá um custo para o trabalhador. O mesmo argumento
responde à objeção comum sobre os diferentes salários pagos pelas multinacionais em
diferentes países. Ora, por que uma empresa americana pagaria na China os mesmos
salários dos Estados Unidos se, na China, ela precisa encarar maior burocracia, maior
corrupção, maior incerteza, um governo ditatorial, ausência de império das leis, mão-de-
obra muito menos qualificada? Qual seria a vantagem para a empresa? Ou seja, por trás
do discurso demagógico, quando o interlocutor é bem-intencionado, jaz a ignorância
econômica. O que torna maiores ou menores os salários é um conjunto de fatores
estruturais. Se queremos aumentá-los, é sobre esses fatores que devemos atuar.
Como vimos,
Mais ainda: os “defensores dos direitos dos trabalhadores” criaram uma técnica que
mantém os sitiantes à distância: o seguro-desemprego, que obriga a sociedade como um
todo a pagar para manter desempregada essa horda que estaria disposta a trabalhar por
salários menores. Com isso, mantém-se o emprego de quem já está empregado com
salários artificialmente inflados. Nos Estados Unidos, já há mais de 50 milhões de
pessoas recebendo food stamps.18 O “Estado do bem-estar social”, enquanto cria
privilégios e “conquistas trabalhistas” que geram desemprego, especialmente entre os
mais jovens, cria também esmolas para manter os desempregados quietos no seu canto.
Quanto mais rígida for a legislação trabalhista, pior para os trabalhadores. Por exemplo,
quanto mais difícil for demitir um empregado, mais difícil será contratar um novo. O
discurso de proteção ao trabalhador é sempre dirigido aos “direitos” de quem já está
empregado. Quando se criam dificuldades para o contratante, dificulta-se também a
contratação de novos empregados. Outro aspecto do problema pode ter o seu ridículo
exemplificado da seguinte forma: imagine que você esteja com muita fome e, assim, em
vez de dividir uma pizza em 8 fatias, decide dividi-la em 12, para comer maior
quantidade de fatias. A pizza não mudou de tamanho! Ora, o salário depende da oferta e
da demanda no mercado e, deste modo, não mudará se o fatiarmos em diversas
categorias: vale-refeição, vale-transporte, décimo terceiro, férias remuneradas, fgts…
Nada disso muda o salário final, apenas a forma como é entregue ao trabalhador,
normalmente de forma pior, porque ele ganhará muito menos para seu uso discricionário.
A propósito, o fgts é roubo, confisco: o governo tira 8% do ganho do trabalhador e
oferece um retorno abaixo da inflação. Se o trabalhador tivesse o uso discricionário desse
dinheiro, seu retorno seria muito maior.
Outra distinção importante é entre valor e mérito. Conta-se que Ford exibia sua fábrica
para alguns investidores potenciais quando passaram em frente à sala de um diretor que,
ao meio-dia, lia um jornal com as pernas sobre a mesa. Os investidores ficaram
indignados e pressionaram Ford para que explicasse por que não demitia aquele diretor.
Ford teria respondido que o sujeito, no último ano, tivera duas idéias que renderam
dezenas de milhões de dólares. Se ele tivesse uma idéia dessas por ano, recuperaria com
sobra o salário que lhe pagava.
Esse exemplo demonstra claramente a distinção entre esforço, mérito e valor monetário.
Alguém pode trabalhar muito, fazer grande esforço para produzir coisas que, do ponto de
vista da sociedade, não têm grande valor; enquanto outros se esforçam muito menos para
produzir coisas que a sociedade valoriza muito e, portanto, ganham muito mais do que os
primeiros. Os consumidores, voluntariamente, atestam a qualidade do trabalho do
segundo e, deste modo, ele ganha um valor muito mais alto do que a média.
A TEORIA DA EXPLORAÇÃO
O que os socialistas desejam é que os trabalhadores recebam, através do contrato de
trabalho, mais do que o valor de seu trabalho. “Os valores de todas as mercadorias são
apenas medidas de tempo e de trabalho cristalizadas”, dizia Marx. Bobagem. Dizer isso é
não entender que o valor é subjetivo e depende da demanda, o que, por si, derruba o
marxismo em sua principal premissa, a “mais-valia”. Para Marx, a mais-valia é a
conseqüência de uma parcela de trabalho realizado e não pago ao trabalhador. Por essa
estranha ótica marxista, um pipoqueiro que contrate um assistente é um explorador,
enquanto o diretor assalariado de uma multinacional que recebe milhões de salário é um
explorado. Nesse ponto, o marxismo começa a criar exceções para sua teoria “geral”. Por
exemplo, os “bens raros” são excluídos desse tipo de trabalho. Nem mesmo o marxista
mais empedernido dirá que uma tela de Picasso vale apenas o trabalho que o artista teve
ao pintá-la. Outra exceção: os bens que não são produzidos pelo trabalho “comum”, isto
é, que são frutos de trabalho mais qualificado. Ora, numa economia moderna e complexa
como a atual, essa definição abrange quase todas as atividades profissionais. Somando
tudo, concluímos que a “grande lei geral” do marxismo é a exceção e, mesmo assim,
muito questionável.
Como alguém ainda abraça essa teoria? Só posso entender como um desejo muito
grande de acreditar num “dogma”. O marxismo é uma seita; não uma teoria econômica,
muito menos uma ciência, como eles pretendem. No fundo, a teoria marxista apenas
mascara a inveja: é um consolo para aqueles que ganham menos do que gostariam e
olham com ressentimento e rancor para todos os que ganham mais do que eles. É uma
embalagem para a inveja, que seduz pessoas incomodadas com as desigualdades inerentes
a qualquer troca voluntária numa sociedade formada por indivíduos desiguais.
A CURVA DE PHILLIPS
A curva de Phillips tenta demonstrar uma troca mutuamente exclusiva entre desemprego
e inflação: quanto maior a inflação, menor seria o desemprego, e vice-versa.
Intuitivamente, a noção faz algum sentido: quanto mais aquecida estiver a atividade
econômica, maior será a pressão exercida sobre os preços. Mas, como já entendemos, nos
capítulos anteriores, que a inflação é um fenômeno monetário, a curva de Phillips foi
completamente refutada empiricamente, nos anos 1970, quando os Estados Unidos
viveram um período de estagflação, a combinação perversa de estagnação econômica
com inflação alta. No Brasil, então, é ridículo falar nessa teoria, que já deveria estar morta
e enterrada, dados os inúmeros períodos de estagflação por que já passamos. Quando
entendemos que o desemprego resulta da rigidez do mercado de trabalho, com a
dificuldade de aceitar que este, dinamicamente, se adapte às mudanças, criando
intervenções estatais para “preservar conquistas”, a curva de Phillips perde todo o
sentido.
A grande reforma que todos os liberais deveriam pleitear seria o fim das “conquistas”
trabalhistas. Basta lembrar que a nossa clt data da Era Vargas, inspirada na “Carta del
Lavoro” de Mussolini, ou seja do fascismo, essa grande simbiose entre sindicatos,
empresas e Estado.
CRÍTICAS À GLOBALIZAÇÃO
Vemos com freqüência na mídia protestos contra a globalização, todos partindo da idéia
de que ela não passa de um grande mecanismo de exploração dos países mais pobres.
Neste capítulo, veremos como são absurdos esses protestos, com base nas mesmas
premissas que abordamos até agora em todos os capítulos anteriores.
Quando um povo, historicamente, tem vizinhos que, de fato, não se aproximavam para
praticar o comércio, mas para pilhar, destruir, estuprar, escravizar e matar, é natural o
desenvolvimento de um sentimento de desconfiança em relação aos visitantes
desconhecidos. Curiosamente, a esquerda costuma imputar à direita acusações de
“xenofobia” — de fato, existe uma direita xenófoba — mas também se posiciona contra a
globalização, contra as trocas voluntárias entre indivíduos de diferentes nações só porque
estão além das fronteiras, em países que arbitrariamente elegeram como hostis. Esse
tribalismo está mais no plano das emoções do que no da razão, de uma desconfiança
atávica em relação ao “outro que vem tirar de nós o que nos pertence”.
Ora, a “exploração”, do ponto de vista marxista, ocorre dentro das fronteiras do país: o
burguês explora o proletário local. Deste modo, a repulsa à globalização, sob uma
perspectiva teórica, nada mais é do que a “exportação” da teoria marxista para o mundo
como um todo — o chamado “leninismo”. Lênin escreveu um livro sobre o
“imperialismo” explorador, que abordava a globalização dos mercados exatamente sob
esse ponto de vista.
Os produtos atravessam as fronteiras justamente para que os canhões não precisem fazê-
lo. As trocas comerciais, como Montesquieu já havia notado, e a história demonstrou
empiricamente, tendem a promover a paz, são um processo pacificador. As trocas
constantes com um vizinho dificultam a idéia de entrar em guerra contra ele, pois o custo
da guerra se eleva muito quando se depende dos produtos vendidos pelo inimigo. O fato
de que o comércio promove a paz é solenemente ignorado pelos auto-intitulados
“pacifistas” antiglobalização que, em seus protestos, ironicamente arremessam coquetéis
Molotov contra policiais e civis.
No livro The Rational Optimist, Matt Ridley demonstra como esse casamento de idéias
foi fundamental ao longo do tempo para o progresso da civilização. É comprovado tanto
teórica como empiricamente que o livre comércio entre povos trouxe paz e progresso
econômico para a maioria das pessoas envolvidas nessas transações.
Uma objeção comum: mas esse comércio não será a exploração do menos capaz pelo
mais capaz? A mesma lógica que se aplica ao mercado no interior das fronteiras artificiais
das nações também é válida para o que ocorre entre elas. Se houvesse “exploração”, ela
também ocorreria dentro do país: o comércio entre São Paulo e Rio de Janeiro seria uma
exploração. Se admitirmos como positivo o comércio entre indivíduos do Rio de Janeiro e
de São Paulo, será inevitável concluir que também será positivo o comércio entre cariocas
e indivíduos da Califórnia. O argumento econômico é o mesmo.
Outro lado da questão é que, na prática, nem mesmo os esquerdistas mais fanáticos
acreditam nesse argumento. É fácil provar isso quando os vemos culpar o “embargo”
americano pela miséria cubana: ao fazê-lo, admitem implicitamente que ser “explorado
pelos ianques” é algo positivo, que gera riquezas.
O que está em jogo, como demonstrado já por Adam Smith e David Ricardo, não é a
vantagem absoluta de um indivíduo sobre o outro, mas a vantagem comparativa.
Voltando ao exemplo, a opção seria que o advogado abrisse mão de tempo dedicado à
advocacia para preparar a própria comida, em vez de contratar uma cozinheira e dedicar-
se inteiramente à atividade que lhe oferece o melhor retorno.
TAXA DE CÂMBIO
No comércio entre países surge um fator novo em relação ao comércio interno: a taxa de
câmbio, pois há a troca de produtos em diferentes moedas. É claro que, se as trocas
fossem feitas numa moeda universal, como o ouro, esse fator desapareceria. Dado que
vivemos em um regime de moedas fiduciárias, reservas fracionárias, fiat money, a taxa de
câmbio é o grande instrumento regulador das trocas entre países, ou entre indivíduos de
diferentes países. O preço será um importante indicador para esses agentes do mercado:
se ele flutuar livremente, refletirá fielmente todos os fatores que participam de sua
formação: demanda, oferta, produtividade. Quando o preço de uma moeda dispara na
comparação com outra, essa informação é relevante, pois noticia o que está acontecendo
na economia desses países.
O risco do câmbio é o mesmo das taxas de juros: a manipulação desse preço por meio
da intervenção estatal. A expressão “guerra cambial” expressa a manipulação artificial do
câmbio pelos governos como caminho para compensar uma deficiência relativa na
produtividade. É uma tentativa canhestra de contornar problemas reais, como falta de
qualificação da mão-de-obra, infra-estrutura capenga, elevada carga tributária, burocracia
asfixiante — o chamado “custo Brasil”. Como não se consegue fazer as reformas
estruturais necessárias para mudar essa situação, a “solução” encontrada é, mais uma vez,
“quebrar o termômetro”, exatamente como se faz nas taxas de juros.
Hoje em dia, vivemos uma época tão insana, dominada por desenvolvimentistas
keynesianos, que as desvalorizações constantes de uma moeda são vistas como algo
positivo. O grande problema é que essas pessoas nunca são desafiadas a prestar contas
dos erros de previsão que cometeram no passado, e continuam desfrutando de amplo
espaço na mídia e de influência política.
Eis a pergunta real: o que pode tornar uma economia mais eficiente e competitiva?
Especialização; acúmulo de capitais sob a forma de poupança para investimento
produtivo; educação de qualidade; liberdade econômica para a “destruição criadora” —
um termo de Schumpeter para a eliminação dos ineficientes; carga tributária simples e
reduzida; redução da burocracia; enfim, um ataque às causas do problema. Os
intervencionistas sempre querem mexer nas conseqüências, isto é, nas taxas de juros e de
câmbio, como se uma pessoa pudesse erguer a si mesma no ar puxando os próprios
suspensórios.
Se vender banana e café no mundo do iPhone é algo ruim, a solução não é parar de
comercializar com quem fabrica o iPhone. O que se deve fazer é usar suas vantagens
comparativas na produção de banana e café para atacar as causas do problema e,
eventualmente, tornar-se competitivo em outros setores que geram maior valor agregado
na economia.
A diferença entre List, séculos atrás, e Chang, hoje em dia, é apenas de embalagem:
trata-se do velho “mercantilismo”, plenamente refutado por Adam Smith já no século
xviii. Ademais, sabemos que, no fim das contas, trata-se apenas de uma tática para
beneficiar um pequeno número de grandes produtores amigos do governo às custas dos
consumidores e produtores menores. Basta lembrar que os produtos importados se, por
um lado, são concorrentes para certos produtores locais, também configuram um insumo
para outros. Por exemplo, quando aplicamos a lei da informática para proibir a invasão de
computadores baratos produzidos no resto do mundo, beneficiamos um punhado de
produtores nacionais com a Itautec e a hoje extinta Cobra Computadores: isso não só
penalizou todos os consumidores de tecnologia obrigados a pagar mais caro por um
produto pior, como todos os produtores que não tiveram disponível esse insumo básico na
economia da era da informação. Puniu-se toda a cadeia produtiva para proteger um
punhado de produtores.
Ora, nós importamos insumos para exportar produtos acabados. E exportamos para
importar aquilo que queremos consumir. Se pensarmos do ponto de vista individual, por
que as pessoas trabalham? Para acumular ouro? A menos que se trate do Tio Patinhas, a
resposta é “não”. As pessoas trabalham para que possam consumir o que desejam ter, mas
não podem produzir. Logo, as pessoas exportam seu trabalho para que possam importar
bens e serviços. Se não é ruim para um indivíduo, por que seria prejudicial a uma nação?
A proteção aos “campeões nacionais” é uma visão arrogante dos keynesianos com ranço
claramente mercantilista, como se eles próprios soubessem quais setores serão os mais
eficientes, dotados de maior vantagem comparativa. Por que eles saberiam melhor do que
o mercado como alocar de forma mais eficiente esses recursos escassos, permitindo a
destruição criadora schumpeteriana, o escrutínio dos sócios em busca de retorno?
Devemosentender que osmilitantes antiglobalização, que dizem defender os países
pobres, de fato estão defendendo os ricos dos países pobres quando preconizam o
protecionismo em benefício dos “campeões nacionais”.
A falha lógica por trás desse fenômeno é simples: a proteção gera acomodação. O
privilégio nunca será temporário, porque nenhum político terá coragem de se posicionar
contra um “direito estabelecido”, arriscando-se a perder votos e recursos de campanha.
Os burocratas também não são oniscientes; não são capazes prever quais empresas de
quais setores se desenvolverão a ponto de competir em igualdade de condições com seus
pares internacionais, além do sempre presente risco de corrupção.
Outro aspecto importante: quem disse que os pequenos não podem desafiar os grandes?
Existem nichos de mercado. Por acaso as empresas grandes e gigantes nasceram assim? A
Microsoft não nasceu numa garagem? Apple, Facebook, Twitter e Google não foram
empresas minúsculas, que desafiaram gigantes como a ibm e se tornaram, elas próprias,
gigantes? A idéia de que é preciso uma “ajudinha” da mão benevolente do Estado no
começo é outra balela. O dinamismo do mercado muitas vezes revela que as empresas
grandes não são tão eficientes quanto as menores, pelo menos dentro de um nicho.
“Se a produção doméstica pode ser realizada a custo tão baixo como na indústria
estrangeira, a regulação, evidentemente, é inútil; se não pode, é ineficaz”, disse Adam
Smith. Séculos atrás, ele já entendia que, se a produção local é ineficiente, penaliza os
consumidores; se não é, não precisa de proteção. O protecionismo é uma exigência de
quem se reconhece incapaz de atender à demanda de forma satisfatória e, por isso,
pretende penalizar o consumidor, com produtos mais caros e de pior qualidade. A
diferença é que, como se tratam de interesses bilionários, os produtores se reúnem para
fazer lobby em Brasília, enquanto os interesses dos consumidores são pulverizados entre
milhões de pessoas que não se unem para pressionar politicamente o governo em defesa
de seus interesses.
Bastiat chamou a atenção para esse fato com uma metáfora. Haveria duas cidades:
Estulta e Poeira, que foram conectadas por uma grande estrada. Estulta, então, reclamou
que os produtos de Poeira estavam inundando seu mercado, e criou um cargo cuja função
era obstruir o tráfego dos produtos que vinham da outra cidade. Logo em seguida, Poeira
fez o mesmo e o resultado foi mutuamente perverso — ambas, agora, pagavam mais caro
pelos produtos, o que não fazia muito sentido considerando que a construção da estrada
servia, justamente, para facilitar as trocas entre as cidades. Após algum tempo, surgiu um
cidadão de Poeira — sobre quem se levantaram acusações de “entreguismo” e suspeitas
de estar na folha de pagamento de Estulta — que afirmou que os obstáculos criados por
Estulta eram, sim, maléficos para Poeira. Porém, nada havia que pudessem fazer contra os
obstáculos criados na outra cidade, mas podiam, sim, agir contra as barreiras criadas na
própria cidade. Metade do problema poderia ser resolvido se Poeira reduzisse as próprias
barreiras.
As reações foram fortes. Alegava-se que seria mais fácil importar do que exportar os
produtos, deixando Poeira em desvantagem em relação a Estulta, do mesmo modo que as
cidades à beira dos rios estão em desvantagem em relação às montanhosas, pois é mais
complicado subir a montanha do que descê-la. Afinal, surgiu uma voz que lembrou o fato
de que, historicamente, as cidades ribeirinhas prosperaram mais do que as isoladas nas
montanhas.
Lembremos: qual é a primeira providência que toma um país quando entra em guerra
com outro? Dificultar o seu acesso a produtos vindos do exterior, restringir o comércio do
inimigo com a economia global. Os exemplos são inúmeros: sanções ao Irã, embargo a
Cuba, destruição de pontes, bloqueio de portos e aeroportos. O quão estranho não é
quando o seu próprio governo, em tempos de paz, faz exatamente a mesma coisa em seu
próprio país? Erguendo barreiras protecionistas para dificultar a entrada de produtos
importados, concedendo subsídios aos produtores locais que, no fundo, desviam recursos
escassos de outras atividades mais eficientes, o governo, em tempos de paz, age como um
inimigo em tempo de guerra.
O PAPEL DO ESTADO
Quando o assunto é tributação, é inevitável que as questões mais técnicas da Economia
cedam espaço para uma discussão filosófica acerca das funções do Estado, do papel do
governo numa sociedade livre.
Qual deveria ser o papel do governo numa sociedade liberal, onde o objetivo seria
preservar ao máximo as liberdades individuais? Os anarcocapitalistas adotam de forma
bastante dogmática o pna (princípio da não-agressão). Com base no axioma de que, em
qualquer situação, é injusto iniciar o uso da força, em vez de apenas trocas voluntárias,
concluem que o governo jamais poderá usar a coerção na sociedade. Logo, já a partir do
próprio nome, um “imposto” não poderia existir numa sociedade anarcocapitalista.
Ainda que não concordemos com os anarcocapitalistas — como é o meu caso —, faz
sentido a tese de que o Estado tem sua origem na conquista e se mantém através da
exploração, do uso da força. Essa é a tese de Franz Oppenheimer em sua obra The State,
onde ele procede à já mencionada divisão entre a via política da coerção e violência, e a
via econômica das trocas voluntárias. David Hume, filósofo escocês, também identificava
na origem do Estado o uso da força. Ele observou que muitos se submetem ao Estado sem
pesquisar suas origens, o modo como ele se estabeleceu. Com o tempo, ele adquire uma
aura de legitimidade e, portanto, as pessoas obedecem-no por puro hábito, por
desconhecerem qualquer alternativa.
Não é preciso concordar com a tese de Oppenheimer e Hume sobre a origem do Estado
para entender que ele é sinônimo de coerção, de uso da força. Essa é, inclusive, sua
definição: o monopólio do uso da força dentro de um território. Se entendermos que a
origem do Estado é a conquista, e que sua manutenção é pelo uso da força, defender o
menor tamanho possível para esse “monstro frio” — expressão de Friedrich Nietzsche,
filósofo que, curiosamente, foi associado ao nazismo, à defesa de um Estado totalitário —
é um dever de todos os que prezam a liberdade.
Historicamente,
Enfim, a família também é uma espécie de contrato social não assinado pelos filhos,
mas todos presumimos que é legítima a tutela dos pais sobre os filhos até a maioridade.
Analogamente, os liberais mais moderados e, sem dúvida, os conservadores, argumentam
que a legitimidade do Estado não vem apenas da força, mas da história e das tradições de
um país, que gerou um contrato social implícito.
Já Ludwig von Mises dizia o seguinte: é preciso obrigar a pessoa que não respeita a
vida, a saúde, a liberdade pessoal ou a propriedade das demais a aceitar as regras da vida
em sociedade. Essa é a função que a doutrina liberal atribui ao Estado: a proteção da
liberdade, da propriedade e da paz social.
O PATERNALISMO ESTATAL
Ronald Reagan disse que o Estado existe para nos proteger contra terceiros, mas ele vai
além de suas funções quando tenta nos proteger de nós mesmos — a própria definição de
“paternalismo”, a confusão entre o Estado e a legítima tutela parental sobre os filhos
menores de idade, ainda em fase de desenvolvimento. Ao transportar essa mentalidade
para a sociedade como um todo, tratam a população adulta como se fosse composta de
mentecaptos, de crianças indefesas que precisam da tutela estatal — como se o Estado
fosse clarividente, benevolente e abnegado. O fato é que o Estado não é nada disso: é
formado por pessoas imperfeitas e, via de regra, não as melhores, pelo próprio processo
de seleção.
O paternalismo estatal é o primeiro grande alvo da crítica liberal, pois entendemos que o
Estado excede em suas funções básicas quando tenta proteger o indivíduo de si mesmo,
uma tarefa que não lhe cabe numa sociedade madura e livre.
A noção de justiça social, tão cara aos “igualitários”, é diametralmente oposta ao que os
liberais consideram que cabe ao Estado. Hayek constatou, em um estudo sobre o uso da
palavra “social” em mais de cem expressões diferentes, que ela sempre negava o que
queria dizer a palavra anterior. Por exemplo, o que é justiça social? Ora, a justiça, ou é
justa, ou não é. Para os liberais, justiça é a defesa da propriedade privada, das trocas
voluntárias, da individualidade. Já justiça social é um conceito vago, ambíguo, que dá
margem a inúmeras interpretações que, via de regra, desembocam em mais intervenção
estatal, mais impostos, mais controle, negando o próprio conceito de justiça. Essa visão
igualitária mascara a paixão mais mesquinha do ser humano, como dizia John Stuart Mill:
a inveja. Na verdade, trata-se de pessoas que não toleram as diferenças de resultados, algo
inexorável quando se tem indivíduos diferentes interagindo livremente. Dado que não
somos insetos gregários, é evidente que os resultados serão sempre desiguais entre seres
humanos desiguais. Deste modo, forçar um resultado mais eqüitativo entre pessoas
diferentes é um reflexo muito mais de inveja do que do manto de altruísmo com que os
igualitários tentam ocultar suas verdadeiras intenções. Basta observar como sua
argumentação é sempre mais um ataque aos ricos do que uma defesa dos pobres.
DILEMAS ÉTICOS
Isaiah Berlin, um pensador interessante por sua visão pluralista e isenta de radicalismo,
voltou sua atenção para o que chamou de “valores incomensuráveis” — muitas vezes há
valores em conflito, configurando um dilema moral, em que há mais de um ponto de vista
legítimo, sendo impossível decidir quem está certo com base em apenas um valor
dogmaticamente definido. Obviamente, esse pensamento não é uma espécie de
relativismo: Karl Popper, que combatia o relativismo, também entendia a impossibilidade
de gerar um conceito de ética pronto, definitivo, válido em todas as épocas e situações.
Por isso, diversos liberais defendem a tolerância, a pluralidade, o gradualismo, o respeito
às tradições, porque entendem que não é possível reunir-se numa sala e gestar, com base
na razão, um único modelo de vida em sociedade universalmente válido.
Por exemplo, a liberdade e a igualdade muitas vezes entram em conflito; num caso
específico, pode haver uma região cinzenta na fronteira que separa o anarcocapitalista do
totalitário, onde algum tipo de sacrifício terá de ser feito entre cada uma das partes em
nome da paz social, algo bem diferente da obsessão igualitária, que resulta em perda de
liberdade.
Pensadores como Thomas Sowell insistem bastante na tecla do trade off: “Não existem
soluções, mas alternativas menos piores”, em linha com a frase de Oscar Wilde: “Não sou
jovem o suficiente para saber tudo”. Ou seja, é pueril o julgamento de que encontramos a
resposta para todas as perguntas, a solução de todos os problemas. Como disse H. L.
Mencken: “Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e
completamente errada”. É necessário admitir que há certos problemas na vida social cuja
solução não é trivial e que, muitas vezes, o que estará em jogo não será uma única
resposta, mas um trade off, uma troca onde se abre mão de uma coisa para se obter outra
mais valiosa.
A questão é saber como lidar com esses problemas na sociedade. Se entendemos que as
trocas voluntárias não dão conta de toda a complexidade da vida social, em que há
freqüentes regiões cinzentas onde os valores entram em conflito, e esses valores são
incomensuráveis, sendo impossível uma resposta única e objetiva para esse conflito, o
que se deve fazer para viver em sociedade? Os liberais respondem com seu grande apreço
à democracia, a um modelo de divisão de poderes com pesos e contrapesos, em que se
podem moldar instituições que expressem a decisão pública sobre coisas públicas —
diferentemente das decisões individuais sobre a vida individual. Por exemplo, diz Mises:
“A democracia é aquela forma de constituição política que torna possível a adaptação do
governo aos anseios dos governados sem lutas violentas”. Karl Popper afirma:
“Democracia não é, portanto, uma instituição revolucionária; pelo contrário, ela é o
próprio meio de evitar revoluções e guerras civis”.
Outra citação de Mises: “Chamamos o aparato social da compulsão e coerção que induz
as pessoas a respeitar as regras da vida em sociedade, de Estado.
As regras segundo as quais o Estado procede, de lei” — por isso, o liberal defende o
império da lei, o “governo de leis, não de homens”, como dizia Aristóteles contra Platão
— “e, os órgãos com a responsabilidade de administrar o aparato de compulsão, de
governo”. Caso não tenha ficado claro, Mises enfatiza: “Para o liberal, o Estado é uma
necessidade absoluta, uma vez que as tarefas mais importantes são sua incumbência. A
proteção não só da propriedade privada, mas também da paz, pois na ausência da última,
os benefícios completos da propriedade privada não podem ser aproveitados”.
Democracia, portanto, para os liberais, não é um “deus que falhou”, para citar o título
do livro de Hoppe, um dos mais influentes anarcocapitalistas, porque nunca foi um
“deus” para os liberais. Os liberais não flertam com utopias; eles são mais céticos, porque
conhecem bem demais a história e a natureza humanas para cair num erro tão primário.
Entendemos que a democracia é simplesmente o pior de todos os modelos, à exceção de
todos os outros que já foram tentados, para citar Winston Churchill.
A luta dos liberais não deve ser combater a democracia — um projeto, inclusive, fadado
ao insucesso — mas limitar o seu escopo, o alcance do que cabe à decisão pública,
política, do voto, da “ditadura da maioria”, por assim dizer, evitando a politização de
todos os aspectos da vida individual, justamente a situação que vivemos hoje. A esfera
estatal foi invadindo nossos lares, tudo o que diz respeito ao indivíduo passou a ser
decidido com base num mecanismo que, por si, não é errado, mas apenas acionado para
atuar em áreas que não lhe dizem respeito.
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Já que a presença de algum Estado será sempre necessária, ele terá de ser financiado com
impostos. Como financiar essa estrutura? Quais impostos são mais justos? Do ponto de
vista da eficiência econômica, que impostos afetam mais a produtividade? Novamente,
citamos Mises: “Ao taxar mais fortemente as rendas maiores, está-se impedindo a
formação de capital, e eliminando a tendência, que prevalece numa sociedade em que a
formação de capital seja crescente, de aumentar a produtividade marginal da mão-de-obra
e, portanto, de aumentar os próprios salários”. Mises não defendia valores em sua obra,
mas abordava os meios de obter aquilo que se quer. Assim, mesmo que sua intenção seja
defender os pobres, taxar de forma desproporcional os mais ricos é o oposto do que se
deveria fazer. Isto soa paradoxal, porque os liberais são acusados de elitistas, de
defensores dos ricos.
Outra opção defendida pelos liberais é o lump-sum tax, baseado num valor fixo, como
as taxas de incêndio, cujo valor é igual para todos.
Mas o ponto principal que as pessoas ignoram é que o imposto de herança não é injusto
do ponto de vista do herdeiro, mas da pessoa que deixou a herança. Se a pessoa criou um
patrimônio e pagou impostos por ele durante a vida, o imposto sobre herança não só é
uma dupla taxação, como é uma usurpação, por parte do Estado, do direito de escolher
para quem deixar aquilo que a própria pessoa construiu. Além do mais, ninguém trabalha
para construir um patrimônio que será deixado para burocratas e políticos.
A ESCOLA DE VIRGÍNIA
Quero falar agora da “escola das falhas de governo” — a Public Choice School, também
conhecida como a Escola de Virgínia. Ela conquistou seu espaço e relevância
especialmente pelo seu poder persuasivo entre pessoas que consideram excessivamente
ideológica a Escola Austríaca e vêem a Escola de Chicago como muito concentrada na
hard science, isto é, em números e estatísticas.
Muitos economistas foram laureados até mesmo com o prêmio Nobel devido a seus
estudos sobre as falhas de mercado; por exemplo, Paul Krugman e Joseph Stiglitz,
economistas ligados ao keynesianismo e à esquerda americana. A realidade é sempre
imperfeita; sendo as trocas voluntárias efetuadas por seres humanos imperfeitos, jamais
conduzirão à perfeição. O problema é saber o que assumirá o seu lugar. A reação
automática das pessoas diante de um problema real e, portanto, também do
funcionamento do mercado, é demandar a intervenção estatal. Mas será que essa
intervenção produz mesmo o resultado desejado? Esta é uma questão nem sempre
debatida e submetida a prova, esgotando-se a discussão na primeira etapa, isto é, a
identificação de uma falha de mercado — por exemplo, uma externalidade negativa, um
monopólio natural — e, sem discussão, tem início a defesa da intervenção estatal. O
defensor dessa posição não se sente na obrigação de justificar teórica ou empiricamente a
interrupção do ambiente de trocas voluntárias em favor do uso da força estatal para
consertar essa falha.
Será que, na prática, os governos conseguem solucionar essas falhas de mercado? Esta é
a pergunta-chave. E as falhas de governo? Onde ficam? A Public Choice School, fundada
por James Buchanan — ele mesmo um prêmio Nobel de Economia — e Gordon Tullock,
volta todo o seu foco para a análise dessa questão.
A grande inovação dessa escola foi levar o emprego das ferramentas da análise
econômica para a análise política. Eles não vêem motivo para separá-las, do mesmo modo
que Adam Smith, nos primórdios da Ciência Econômica, também não fazia essa
distinção. O economista estudava o fenômeno como um todo, incluindo seus aspectos
políticos. Com o surgimento dos cientistas que passaram a estudar a Política como uma
entidade à parte, separada da Economia, iniciou-se a separação das disciplinas. A Public
Choice School teve o mérito de recuperar essa integração da discussão econômica à
Política, o entendimento de que a Economia e a Política são partes integrantes de uma
sociedade, que as unifica.
Essas premissas derrubam o que chamamos de monopólio das virtudes, um dos aspectos
mais desonestos do debate político-econômico, porque desloca a discussão para os meios
de produzir os resultados desejados. O debate deixa de ser uma disputa sobre quem é
“mais preocupado com os pobres”, deslocando-se para os meios de reduzir a pobreza.
Deixa-se de lado o debate sobre os fins, que se reduz a um jogo sobre quem é o mais
sensível e altruísta. Quando se entende que o ser humano é o mesmo, que os recursos são
escassos, e que a verdadeira questão é a forma de alocar esses recursos, esvazia-se esse
típico estratagema erístico de quem não deseja um debate real, apenas acusar a intenção
supostamente maligna do outro enquanto se finge de única alma nobre que se preocupa
com os mais pobres.
A Escola de Virgínia tem uma visão muito mais realista da natureza humana ao partir da
constatação de que não somos e nunca seremos governados por anjos, mas por seres
humanos iguais ou piores do que nós. A tola dicotomia do mercado como um palco de
interesses egoístas versus a política como um palco de abnegação e luta pelo bem comum
é abandonada desde o início.
O percentual crescente dos gastos públicos em todos os países com diferentes graus de
intervencionismo, incluindo o welfare state, uma espécie de socialismo light, consiste em
transferir os rendimentos dos politicamente desfavorecidos para os politicamente
favorecidos. Os governos welfare state gastam cerca de 40 a 50% do pib, de tudo o que é
produzido na sociedade, e uma grande parcela desse valor é usada apenas para beneficiar
apenas a própria casta que toma essas decisões. A burocracia estatal cobra um imenso
pedágio para promover o bem público.
Mais governo sempre representará, portanto, uma sociedade civil menos livre. O
paternalismo estatal, que trata os cidadãos como crianças indefesas, mina a
responsabilidade familiar, empresarial e cultural, pois delega ao Estado a decisão sobre o
uso de recursos escassos, por meio de um processo viciado e imperfeito, em vez de deixar
que a própria sociedade decida como quer lidar com essas questões. A presunção de que a
solução de qualquer problema social deve ser estatal não só é um equívoco ideológico e
empírico, cujo ônus da prova deveria recair sobre o intervencionista, mas um discurso que
interessa aos “amigos do rei”, aos próprios burocratas que estão em busca de poder, ou às
pessoas que estão na carreira política. Precisamos esclarecer esse ponto porque, até hoje,
no Brasil, julgamos egoístas e gananciosos todos os que buscam empreender, enquanto
aqueles que, desde cedo, percebem um caminho de carreira na política, desfrutarão de
uma imagem de abnegados e altruístas. O que está em jogo é a visão de um Estado
benevolente contra a visão de um Estado como um mal necessário.
Qualquer recomendação de natureza normativa deve ser avaliada sob uma análise do
comportamento dos indivíduos com base em seus reais defeitos e virtudes, assim como
suas verdadeiras motivações.
A “FALÁCIA DO NIRVANA”
Trata-se da utilização de uma utopia, uma fantasia qualquer, para combater uma realidade
imperfeita. É uma estratégia muito confortável, que se manifesta no pacifismo, no
ambientalismo, no socialismo, e em diversos outros “ismos” que assumem uma visão
idílica, fantasiosa do mundo, como meio de combate a uma realidade imperfeita. Sim,
existem guerras, existe a miséria, existe a poluição. Mas não se procuram os meios
possíveis, reais, para mitigar esses problemas. Em vez disso, preconiza-se uma utopia. É
um ataque à realidade feito do topo de uma torre de marfim; um ataque impossível de
refutar com dados concretos, porque se trata de algo que nunca existiu e nunca existirá; e
também um ataque covarde, feito por quem quer fugir do verdadeiro debate. O defensor
de utopias não quer discutir opções de cursos de ação num mundo que exige trade offs,
apenas posar de superior do alto de sua nuvem.
Essa é a origem do monopólio das virtudes: somente os que defendem certos meios
podem ser considerados defensores de seus fins. Quem não defende maior atuação do
Estado para combater a miséria, não se importa com a miséria; quem não defende maior
intervenção do Estado na educação, não liga para o analfabetismo.
É uma postura arrogante e covarde, que vemos com muita freqüência no debate público
nacional.
Quem estuda o fenômeno político deve partir sempre da mesma concepção realista da
natureza humana que julga apropriado aplicar aos restantes domínios da ação em
sociedade.
A questão fundamental para quem deseja um debate honesto e sério é “qual a melhor
forma de alocar esses recursos escassos”? Qual o melhor processo, que garante tanto a
liberdade individual, do ponto de vista ético-filosófico, quanto os resultados mais
eficientes do ponto de vista social, uma questão empírica e utilitarista? Surge então o
primeiro obstáculo para os coletivistas: como avaliar, na prática, o interesse geral, já que
as preferências, como vimos, são subjetivas? Seria necessária uma unanimidade no
processo de decisão política para saber se as demandas da sociedade estão realmente
sendo atendidas — caso contrário, não será possível ter certeza de que o interesse social
foi realmente maximizado.
Outro dilema: a maioria tem o direito de impor sua visão contra as minorias? Qual
processo preservará melhor o interesse das minorias: o econômico, das trocas voluntárias
no mercado, ou o processo político de coerção democrática, com a imposição da vontade
da maioria? Todo intervencionista alega falar em nome das minorias: será que estão
defendendo-as de fato? A democracia, por definição, é um processo em que o vencedor
leva tudo — the winner takes all. O vencedor impõe sua visão a 100% da sociedade,
independentemente de quantos escolheram outra opção, pois a decisão majoritária deve
prevalecer e valer para todos, mesmo para os que nela não votaram. Já no mercado, cada
indivíduo é soberano: a escolha da maioria não precisa ser a sua. Cada um escolhe no
mercado os produtos que deseja, pouco importando as preferências dos outros. Em sua
esfera particular de ação, cada um é livre para decidir o que quer. Mesmo que todos
decidam virar veganos, você continuará livre para consumir carne, nem que seja a que
você mesmo produziu. Se o processo for o político, basta uma maioria simples de
veganos para proibir o consumo de carne em toda a sociedade.
Outro problema prático: o seu voto, na democracia, vale muito pouco; é apenas um
sobre milhares ou milhões. Quanto maior for a ágora, o espaço público onde ocorre a
decisão, menor será o incentivo para participar do processo, o que a Escola de Virgínia
chama de “ignorância racional”. O voto individual é insignificante diante de 100 milhões
de votos. Não ligar para política, portanto, não é irracional.
Há também o jogo das maiorias cíclicas e instáveis, dependente das alianças permitidas.
Muitas vezes, a maioria não terá suas demandas atendidas. Por exemplo, caso haja três
preferências em disputa — A, B e C —, estando as duas primeiras empatadas com 40%
das preferências, e a opção C com 20%, aquela entre as duas primeiras que entrar em
acordo com os adeptos da opção C sairá vencedora. O próprio jogo democrático pode
beneficiar opções minoritárias em detrimento de preferências de um número muito maior
de pessoas.
Mesmo que as opções políticas possam afetar imensamente nossas vidas, não temos
muito interesse em participar delas, porque nosso poder de influência é extremamente
reduzido. A grande contradição dos intervencionistas é julgar que não devemos confiar
nos indivíduos para governar a si próprios, mas que terão a capacidade de governar os
outros. O sufrágio universal e o paternalismo estatal são contraditórios.
Vários pensadores já haviam alertado para esses riscos da visão romântica da política.
Maquiavel, Hobbes, Adam Smith, Schumpeter, todos eles trouxeram contribuições para a
visão de que a política é formada por seres humanos imperfeitos.
Por outro lado, o empresário procura maximizar o valor de seus ativos ao longo do
tempo, porque o valor de uma empresa é igual ao fluxo de caixa que ela gera ao longo do
tempo atualizado para o valor presente com uma taxa de desconto.
As pessoas que entendem a linguagem financeira sabem que o grosso desse valor está
no que se chama de perpetuidade. Calcula-se o fluxo de caixa num horizonte
minimamente previsível, de 3 a 5 anos, depois aplica-o num modelo de perpetuidade,
porque espera-se que a empresa não acabará ao final de 5 anos. Além disso, o empresário
quer legá-la a seus herdeiros. Por isso, o empresário tem todo o interesse em maximizar o
resultado dessa empresa num horizonte de 30 anos.
Terceiro: reduzir os gastos públicos, para mitigar o risco de sua captura por grupos de
interesse. Quanto menor for o prêmio da captura, menor será o interesse em investir nesse
processo.
Quarto: estabelecer um limite máximo de carga tributária; por exemplo, que o governo
não possa arrecadar mais do que 20% do pib, porque entendemos que suas funções
básicas podem ser exercidas no máximo até esse valor, e ir além seria um avanço
indevido sobre nossos bolsos.
Quinto: o federalismo, que caminha pari passu com a Escola da Virgínia, porque leva à
descentralização do poder adotando o princípio da subsidiariedade — quanto mais
próximo o governo estiver dos indivíduos e local de impacto de suas decisões, melhor.
Além disso, o federalismo gera a concorrência entre estados. Se um estado começa a
exagerar no intervencionismo, o indivíduo tem a opção de mudar-se para o estado vizinho
— o chamado “voto com os pés”. No Brasil, os intervencionistas tiveram tanto sucesso
que chamamos de guerra fiscal a disputa entre estados para atrair empresas oferecendo
incentivos tributários. O estado que deseja atrair investimentos reduzindo o tamanho de
sua “mordida” sobre eles é malvisto pelos intervencionistas, que propõem unificar as
alíquotas do icms em todos os estados.
Pode-se objetar que os estados farão essa guerra fiscal, quebrarão e, depois, empurrarão
a conta para a União. Ora, ataque-se a origem do problema: retiremos dos estados o
direito de jogar sua responsabilidade sobre os ombros da União. Se quebrarem, assumam
as conseqüências, que paguem o preço de seus erros. O federalismo precisa funcionar
para o bem e para o mal, porque ele melhora o mecanismo de incentivos em um sistema
já bastante perverso.
Sexto: lembrar- se sempre de que você pode estar do outro la- do da mesa. Se você quer
usar o poder do Estado para obrigar ou proibir os outros de fazer alguma coisa hoje,
lembre-se de que, amanhã, esse poder será capturado por maiorias ou minorias
organizadas que o usarão contra você. Não esqueça de que o processo intervencionista
sempre poderá atacá-lo quando você estiver do outro lado da mesa, pagando a conta e
sofrendo a intervenção na sua própria pele.
Para algumas pessoas, o governo é concebido como um vasto reservatório de poder que
as inspira a sonhar com o uso que poderia ser feito dele. Elas têm projetos favoritos, de
dimensões variadas, e entendem que a aventura de governar os homens consiste em
capturar essa fonte de poder, aumentá-lo se necessário, e usá-lo para impor os seus
projetos favoritos ao restante dos cidadãos.
Do outro lado, temos a opção do que chamamos de laissez-faire: deixemos a economia fluir. Essa expressão teria
surgido como uma resposta dos empresários da França de Luís xiv ao seu ministro intervencionista, Colbert, que reunira
alguns grandes empresários e perguntara o que mais o governo poderia fazer por eles. Foi então, que alguém foi
corajoso o bastante para dizer: “Por favor, nada. Deixe fazer, deixe fluir”. Em suma, um grande “deixe-nos em paz e
pare de querer nos ajudar”.
É claro que um sistema de liberalismo puro, sem nenhum tipo de intervenção, parece também um pouco utópico,
especialmente num país democrático, onde sempre haverá grupos se reunindo para pleitear e conquistar privilégios,
uma “patota” que sempre se apropriará de uma parte da coisa pública para atender a seus interesses.
Nos “50 tons de cinza” que separam os extremos nesse espectro do debate econômico, o que temos de fato é uma
defesa de modelos mais liberais de um lado, e mais intervencionistas, de outro. O que esperamos ter mostrado neste
pequeno livro é que a defesa do livre mercado se baseia num argumento filosófico de que o livre mercado é o
mecanismo que melhor preserva as liberdades individuais, e no argumento econômico de que o processo de livre
mercado é o mais eficiente na alocação de recursos escassos. É o sistema que produz os resultados mais socialmente
desejáveis.
NOTAS DE RODAPÉ
1 A palavra “Economia” aparece com inicial maiúscula sempre que se refere à ciência econômica. Quando a palavra
é empregada em seu sentido comum, isto é, de “ambiente econômico” ou de “mercado”, vem com inicial minúscula.
5 Caveat emptor: expressão latina que significa “acautele-se o comprador”. Em seu uso corrente, virou sinônimo de
“advertência”.
6 Commodity: palavra inglesa que designa produtos de baixa diferenciação. É especialmente empregada para referir-
se a produtos agrícolas, mas também pode ser aplicada, conforme o contexto, a qualquer categoria de produtos em que os
compradores, em sua maioria, não vislumbrem grandes diferenças entre as opções ofertadas por diferentes fornecedores.
É este último o sentido empregado aqui.
8 Ex ante: expressão latina que significa “antes do sucesso”, isto é, antes do resultado de uma ação concreta.
9 Sine qua non: expressão latina que significa, literalmente “sem a qual não”, usada para designar uma condição
obrigatória.
11 O spread bancário é a diferença entre o valor que o banco paga de juros aos seus credores e o valor que cobra dos
seus devedores em operações de crédito.
13 Boom: onomatopéia para o ruído de explosão. O termo é usado para descrever qualquer expansão súbita de um
indicador estatístico. No caso, refere-se a um crescimento repentino da atividade econômica.
14 Bust: arrebentar, quebrar. Implica fracasso, falência, bancarrota. Em Economia, refere-se à retração súbita e
acentuada da atividade econômica.
15 Crash: colisão catastrófica que produz forte ruído, como um acidente de automóvel. Em Economia, é um evento
que desencadeia um efeito dominó, com a quebra de diversas empresas.
17 Duration: literalmente, “duração”. Refere-se aos prazos esperados de retorno dos investimentos na economia.
18 Food stamps: Programa social do governo americano que consiste na distribuição de vales para a compra de
alimentos.
20 Literalmente, “ave rara”. Integra o ditado latino avis rara, avis cara, usado para se referir à pessoa ou coisa que,
embora ausente na maior parte do tempo, é bem-vinda quando presente.