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Exploração Sexual de Mulheres e Crianças no Turismo Sexual

Book · October 2015

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Ana Maria D Avila Lopes


Universidade de Fortaleza
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Exploração sExual dE mulhErEs
E crianças no turismo sExual

I
www.lumenjuris.com.br

Editores
João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida

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Adriano Pilatti Gina Vidal Marcilio Pompeu Luigi Bonizzato


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II
ana maria d´Ávila lopEs
dEnisE almEida dE andradE
andréia da silva costa castElo Branco salEs

Exploração sExual dE mulhErEs


E crianças no turismo sExual

Editora lumEn Juris


rio dE JanEiro
2015

III
Copyright © 2015 by Ana Maria D´Ávila Lopes, Denise Almeida de An-
drade, Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Categoria: Direito Humanos

produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Bianca Callado

A LIVRARIA E Editora lumEn Juris ltda.


não se responsabiliza pelas opiniões
emitidas nesta obra por seu Autor.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer


meio ou processo, inclusive quanto às características
gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais
constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895,
de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e
indenizações diversas (Lei nº 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à


Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
________________________________________
E96 Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual /
Ana Maria D’Ávila Lopes, Denise Almeida de Andrade,
Andréia da Silva Castelo Branco Sales, organizadoras. - Rio
de Janeiro : Lumen Juris, 2015.
424 p. ; 21 cm.

Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-8440-242-7

1. Turismo sexual. 2. Prostituição. 3. Prostituição de crianças.


4. Crime sexual contra as mulheres. 5. Crime sexual contra as
crianças. 6. Direitos humanos. I. Lopes, Ana Maria D’Ávila.
II. Andrade, Denise Almeida de. III. Sales, Andréia da Silva
Castelo Branco.

IV CDD – 306.74
Sumário

Apresentação...............................................................................I

O Direito Internacional dos Direitos Humanos


das Mulheres ..............................................................................1
Amanda Palácio

O Discurso De Gênero No Poder Judiciário ......................... 57


Lorena Costa Lima

Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres ..................... 87


Denise Almeida de Andrade

A Discriminação de Gênero como Fator Impulsionador


da Violência Contra a Mulher no Turismo Sexual ............. 113
Débora Tomé de Sousa

O Turismo Sexual como Fator Impulsionador do Tráfico


de Pessoas Para Fins de Exploração Sexual .........................141
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

A Prostituição e o Turismo Sexual no Nordeste Brasileiro .....171


Roberta Laena Costa Jucá

A Pornografia Como Manifestação da Discriminação


de Gênero Contra a Mulher.................................................. 193
Fernando Furtado de Melo Neto

A Coisificação Da Mulher Na Mídia .................................. 235


Raquel Oliveira Coutinho

V
Mudança Conceitual das Políticas Públicas Preventivas
em Face da Vulnerabilidade Sexual de Crianças e
Adolescentes........................................................................... 259
Antonio Jorge Pereira Júnior

Análise dos Direitos Humanos Sexuais e Reprodutivos


das Crianças e Adolescentes no Sistema Interamericano
de Direitos Humanos e seus Reflexos no Brasil.................. 307
Amanda Farias Oliveira

Exploração Sexual Infanto-Juvenil como Ofensa aos


Direitos de Personalidade...................................................... 333
Abraão Bezerra de Araújo

Análise Teórico-Prática das Políticas Públicas de


Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças
e Adolescentes........................................................................ 367
Ana Maria D´Ávila Lopes
Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab

Educação Sexual para Crianças e Adolescentes no


Ambiente Escolar................................................................... 397
Jéssika de Lima Freire

VI
Apresentação

O redimensionamento do direito ao lazer no final do século XX,


assim como a abertura das fronteiras provocada pela globalização e os
avanços dos meios de comunicação e transporte, têm transformado
o turismo em uma atividade altamente lucrativa e fundamental no
processo de desenvolvimento econômico e social de muitos lugares.
Contudo, o turismo apresenta também algumas distorções. Uma
delas é o denominado turismo sexual, que consiste na prática de ati-
vidades sexuais comerciais aproveitando-se da infraestrutura turística.
Trata-se de um fenômeno altamente complexo e com diver-
sas variáveis, que se caracteriza principalmente pela exploração
sexual de mulheres, seja pela prática da prostituição, da pornogra-
fia ou do tráfico de pessoas.
Há ainda poucos estudos sobre a temática o que, per se, é um
forte indicativo dos preconceitos que giram em torno do assunto
e que refletem o ainda predomínio de valores machistas que silen-
ciam a violação dos direitos humanos das mulheres.
Nesse contexto, verifica-se a necessidade de estudos cientí-
ficos capazes de contribuir para a compreensão das causas e dos
contornos conceituais do turismo sexual, de forma a otimizar os
recursos e mecanismos do seu enfrentamento enquanto prática
violadora da dignidade humana.
Foi com esse intuito que um grupo de professores e alunos
da graduação e pós-graduação em Direito da Universidade de
Fortaleza (UNIFOR), do Centro Universitário Christus (UNI-
CHRISTUS) e da Faculdade Católica Rainha do Sertão (FCRS)
desenvolveu o projeto de pesquisa intitulado “A discriminação de
gênero como fator impulsionador da violência contra a mulher no

I
turismo sexual”, financiado pelo Edital MCTI/CNPq/SPM-PR/
MDA nº 32/2012, e cujos principais resultados apresentam-se na
presente obra e no site Observatório do Turismo Sexual (http://
observatoriodoturi.wix.com/turismosexual).
O livro reúne os textos elaborados pelos membros do gru-
po, abrangendo diferentes temáticas conexas ao turismo sexual,
a exemplo dos direitos das mulheres, discriminação de gênero,
direitos sexuais e reprodutivos, exploração sexual, pornografia,
prostituição, coisificação da mulher na mídia, tráfico para fins de
exploração sexual, educação sexual, dentre outros.
Além da perspectiva de gênero, a problemática do turismo
sexual é também enfrentada a partir da proteção dos direitos de
crianças e adolescentes, em razão do alarmante aumento do nú-
mero de casos de exploração sexual envolvendo esses sujeitos, cuja
situação é ainda mais crítica, haja vista se encontrarem em uma
situação de especial vulnerabilidade.
Espera-se, dessa forma, contribuir não apenas com o enfrenta-
mento ao turismo sexual, mas também na reversão dos valores pre-
conceituosos das sociedades que, em pleno século XXI, aceitam silen-
ciosamente a exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes.

Ana Maria D´Ávila Lopes


Professora Titular do Programa de
Pós-Graduação em Direito da UNIFOR
Coordenadora do Grupo de Pesquisa

II
O Direito Internacional dos
Direitos Humanos das Mulheres

Amanda Palácio
Bolsista PIBIC/CNPq (2013-2015)
Universidade de Fortaleza

Introdução
A civilização humana, desde os primórdios da humanidade,
vem passando por inúmeras e reiteradas modificações e evolu-
ções, tanto sociais quanto econômicas, políticas e culturais. Desse
modo, o estudo da história faz-se indispensável para qualquer aná-
lise que seja feita sobre o meio social e seus processos evolutivos.
Os Direitos Humanos, condicionados à existência da civili-
zação humana, assim como ela, modificaram-se ao longo do tem-
po, em avanços e retrocessos, sempre refletindo a sociedade da
época, seus anseios e seus ideais. Esses direitos nasceram das lutas
contra o poder, contra a opressão, contra governos subversivos e
autoritários, que impunham à população condições insatisfatórias
de vida, e evoluíram com as sociedades, alcançando reconheci-
mento e normatização crescentes, em âmbitos nacionais e, con-
sequentemente, em âmbito internacional. Apesar de ainda não
termos alcançado a plenitude do desenvolvimento desses direitos,
todos os avanços até aqui conquistados, refletidos na adoção de
inúmeros tratados internacionais - que versam sobre a obrigato-
riedade de proteção desses direitos-, e na criação do Sistema Glo-
bal e dos Sistemas Regionais de proteção aos Direitos Humanos,

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

como instrumentos de fiscalização e de exigibilidade do respeito


aos mesmos, representam perspectivas bastante positivas para o
desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária, na
qual o ser humano é entendido e respeitado, tanto em sua indi-
vidualidade quanto em sua coletividade, como sujeito de direitos.
Em âmbito global e regional, os instrumentos normativos
de proteção aos Direitos Humanos têm reconhecido, de forma
crescente, os direitos humanos dos grupos em situação de vulne-
rabilidade, como o das mulheres, principalmente após a adoção,
pelo Sistema Global, dos instrumentos normativos especiais, que
versam sobre sujeitos de direito específicos, que precisam ser con-
siderados em sua particularidade, como entende Piovesan (2013).
Segundo o entendimento atualmente difundido entre os Sistemas
Global e os Sistemas Regionais de proteção aos Direitos Humanos,
o direito à diferença deve ser reconhecido e respeitado como for-
ma de promover direitos, assim como o direito à igualdade. Desse
modo, determinados grupos merecem que seus direitos sejam sub-
metidos a uma tutela especial e que a violação deles gere uma res-
posta mais específica, em busca da efetividade da busca por justiça
e por equilíbrio entre os desiguais.
Nesse contexto, o presente texto é composto por três par-
tes. Na primeira, foi estudada a evolução histórica dos Direitos
Humanos, com base nas suas primeiras manifestações sociais e
nos documentos surgidos fruto de tais manifestações; na segunda,
foram analisados os mecanismos hoje existentes para a proteção
desses direitos, com aprofundamento no Sistema Global, no Siste-
ma Interamericano e no Sistema Europeu de Direitos Humanos;
e, por fim, foi feita uma análise jurisprudencial e comparativa do
Sistema Interamericano de Direitos Humanos e do Sistema Euro-
peu de Direitos Humanos, no âmbito dos Direitos Humanos das
mulheres, como grupo de particular vulnerabilidade.

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

1. Evolução Histórica Dos Direitos Humanos


Bobbio (1992, p. 5) ensina que: “Os direitos do homem, por
mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nas-
cidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa
de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”.
Por ser um reflexo da história dos seres humanos e das so-
ciedades, os direitos humanos foram surgindo de forma gradual,
como consequência da necessidade de assegurar aos indivíduos
uma existência digna, com perspectivas positivas de qualidade de
vida, conforme explicitado a seguir.

1.1. Direitos Humanos na Antiguidade Clássica


A primeira manifestação de limitação do poder político e, con-
sequentemente, primeiro passo para o início da criação de uma con-
cepção, ainda que superficial, de direitos humanos, segundo Compa-
rato (2008), deu-se no século X a. C. com o Rei Davi, na instituição
do reino de Israel. Diferente dos demais monarcas, que se declaravam
a própria entidade divina, com direito de legislar livremente, Davi
apresentou-se como o delegado de Deus, apenas um instrumento
Deste, responsável supremo pela aplicação da lei divina.
Para Martins (2008), na Grécia Antiga, o abandono da menta-
lidade mitológica e a adoção da antropologia como forma de explica-
ção da realidade, como um novo modo de pensar racional e filosófico,
contribuíram de forma essencial para o desenvolvimento dos direitos
humanos. O pensamento antropológico coloca o homem no centro
das discussões, passando a analisar e a questionar a vida humana de
forma mais efetiva, contribuindo, assim, para o aumento das reflexões
acerca do ser humano, no âmbito social e individual.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Posteriormente, no século VI a.C., em Atenas, segundo Com-


parato (2008), com a criação das primeiras instituições democráticas,
houve novamente o fenômeno da limitação do poder. A democracia
ateniense, tendo por base a hegemonia da lei e a participação ativa
dos cidadãos na política, com mecanismos de cidadania ativa e dire-
ta, limitava estritamente o poder dos governantes, que eram eleitos
pelo povo. Além disso, a população, reunida em assembleia, tomava
decisões políticas de forma direta, tais como a adoção de novas leis,
declaração de guerra, conclusão de tratados de paz e de aliança.
O pensamento cristão, ainda segundo Martins (2008), tam-
bém contribuiu para o desenvolvimento dos direitos humanos ao
reconhecer a Deus como um ser único e transcendente, superior
a tudo, que ao criar os homens a imagem e semelhança dele, os
tornou iguais, sem distinções de sexo, raça ou crença.
Jorge Miranda (2000, p. 17) afirma que:

É com o cristianismo que todos os seres humanos, só por


o serem e sem acepção de condições, são considerados
pessoas dotadas de um eminente valor. Criados a imagem
e semelhança de Deus, todos os homens e mulheres são
chamados à salvação através de Jesus, que, por eles, verteu
o Seu sangue. Criados à imagem e semelhança de Deus,
todos têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma su-
jeição política ou social pode destruir.

No entanto, segundo Martins (2008), essa igualdade universal,


durante muitos séculos, esteve apenas no plano da teoria, do sobre-
natural, uma vez que, na prática, o Cristianismo continuou admi-
tindo desigualdades, como a inferioridade da mulher e a escravidão.
Apesar disso, a contribuição cristã da ideia evangélica de igualdade
continua sendo considerada de suma importância para a proteção
da dignidade humana, aparecendo como um dos elementos forma-
dores do que, um dia, seria concebido como Direitos Humanos.

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

1.2. Direitos Humanos na Idade Medieval


A Idade Medieval foi marcada pelo Cristianismo e pelo Feu-
dalismo, ou seja, por uma descentralização política da sociedade,
com a existência de vários centros de poder (feudos), pela ativida-
de agrícola e pelo pouco desenvolvimento do comércio. A socie-
dade feudal era dividida em estamentos hierárquicos, com pouca
mobilidade social: o clero, a nobreza e o povo.
A descentralização de poder feudal no século X, segundo
Comparato (2008), causou impactos negativos para a sociedade,
como o esfacelamento do poder político e econômico. Dessa for-
ma, no século seguinte, os reis começaram a reivindicar unicamente
para si os poderes que, até então, eram divididos entre a nobreza e o
clero, como forma de tentar reconstruir a unidade política perdida.
O processo de reconcentração do poder se utilizou de abusos e de
autoritarismo como forma de alcançar suas metas. Por conta disso,
nessa época, surgiram diversas manifestações de rebeldia social.
A partir da segunda metade da Idade Média, começou a se difun-
dir a prática de registro de direitos em documento escrito. Em toda a
Europa, era comum o registro escrito de direitos de comunidades locais
e de corporações, por exemplo. (FERREIRA FILHO, 2009, p. 11).
Um dos primeiros antecedentes normativos dos direitos huma-
nos foi a Magna Carta, de 21 de junho de 1215. Esse documento, se-
gundo Ferreira Filho (2009), merece destaque, pois, além de ser peça
básica e essencial da Constituição inglesa, também tem fundamental
importância para todo o constitucionalismo. Essa carta trouxe em seu
conteúdo a enumeração de prerrogativas garantidas a alguns súditos
da monarquia, significando uma limitação ao poder do governante.
Em seu cerne, encontra-se um dos princípios básicos do Estado de Di-
reito, que é a garantia da judicialidade, que diz que nenhum homem
poderá ser preso, despojado de seus bens, exilado ou prejudicado de
qualquer maneira sem julgamento prévio e leal dos seus pares, basea-

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

do nas leis. Trouxe, também, várias garantias fundamentais, como a


proteção da liberdade de ir e vir, dentre outras.
Para Comparato (2008), um dos primeiros valores a ser re-
querido e protegido, portanto, no embrião dos Direitos Humanos,
foi o valor da liberdade. Vale-se ressaltar, no entanto, que, nesse
momento, a liberdade protegida não era a liberdade universal em
benefício de todos, sem distinções, mas sim liberdades específicas,
em favor, principalmente, dos estamentos superiores da sociedade,
com algumas poucas concessões em benefício do povo. Dessa for-
ma, vê-se que, nesse período, as desigualdades sociais ainda eram
reconhecidas como válidas e que a maioria dos direitos conquista-
dos beneficiavam apenas as classes superiores da sociedade.

1.3. Direitos Humanos na Idade Moderna


O estilo de vida feudal, a descentralização política e o predo-
mínio do magistério da Igreja Católica, gradativamente, foram de-
saparecendo e dando lugar para aquela que ficou conhecida como
a Idade Moderna, fase compreendida entre o século XV e o século
XVIII. Essa nova fase surge como um período de revolução social,
de abandono do modo de produção feudal buscando-se um modo
de produção capitalista. O desenvolvimento do comércio, segundo
Martinéz (1999), foi fator dominante nessa época e trouxe consigo
o surgimento de uma nova classe social: a burguesia.
A burguesia era a classe comerciante que, em sua origem, preci-
sava de um governo absoluto, único, centralizado, mais propício para
o desenvolvimento dessa atividade, uma vez que o Direito passaria
a ser o mesmo para todos dentro do reino, sem as inúmeras fontes
distintas de comando que caracterizavam o Feudalismo na Idade Mé-
dia. Dessa forma, o estado moderno nasce aliado à burguesia em as-
censão, formando uma nova sociedade com princípios diferentes dos
que vigoravam no período anterior, caracterizando a Idade Moderna

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

como um momento de mudança de mentalidade, pautando a explica-


ção dos fenômenos em argumentos científicos e não mais dogmáticos,
e dando preferência ao indivíduo mais que à coletividade.
Toda essa modificação comportamental e cultural iniciada
na Idade Moderna fez surgir uma série de revoluções pelo mundo,
como na Inglaterra, América e França, que culminaram na edição
de novos documentos e na evolução do pensamento da população
da época, representando fundamentais avanços na luta e no de-
senvolvimento histórico dos direitos dos homens.
Na Inglaterra, após a Magna Carta, outros documentos de suma
importância para o desenvolvimento dos direitos humanos foram apro-
vados. Dentre esses, está a Petition of Rights, de 7 de junho de 1628, que
reivindicava o respeito ao princípio do consentimento na tributação e a
proibição de detenções arbitrarias; e, o Bill of Rights, de 13 de fevereiro
de 1689, que impunha limites ao poder real, uma vez que protegia a
independência do Parlamento, dando a ele as competências de legislar
e de criar tributos, contribuindo de forma fundamental para a separa-
ção dos poderes, combatendo o Absolutismo pela primeira vez desde o
início da Idade Moderna (FERREIRA FILHO, 2009).
No entanto, nesse contexto, entende-se que, nesse período,
não se pode ainda falar em direitos humanos universais, ou seja,
comuns a toda e qualquer pessoa, como garantias intrínsecas à
condição humana, uma vez que esses direitos ainda eram defini-
dos pelos limites do poder político dominante. As liberdades pes-
soais que esses documentos procuravam garantir, assim como na
Magna Carta, não beneficiavam todas as pessoas indistintamente,
mas preferencialmente ao clero e à nobreza, ou seja, os dois esta-
mentos mais ricos do reino. No entanto, por conta dos novos tex-
tos discorrerem de forma mais abstrata e geral sobre os direitos que
procuravam garantir, conseguiram beneficiar também uma parte
considerável da burguesia mais rica, contribuindo de forma essen-
cial para o desenvolvimento posterior do capitalismo industrial.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Foi só em 1776, segundo Comparato (2008), com a aprova-


ção da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, que se
pode apontar o nascimento normativo dos direitos humanos. Essa
declaração proclamou uma dimensão igualitária e generalizada
desses direitos, uma vez que afirmou que todos os seres humanos
são igualmente livres e independentes, possuindo direitos inatos
que não podem ser retirados de ninguém por razão alguma, tais
como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a segurança.
O ato inaugural da democracia moderna, ainda para Compa-
rato (2008), veio em 1776, com a Declaração de Independência dos
Estados Unidos, que foi o primeiro documento a afirmar os princí-
pios democráticos e a legitimar a soberania popular. A própria ideia
de se publicar uma declaração explicando ao mundo as razões do
ato de independência, já representa um inovador e importante res-
peito à opinião da humanidade, e jamais tinha sido feito antes.
Esse documento afirma a igualdade das pessoas perante a
lei, independente de suas diferenças de sexo, cor, raça, religião ou
status social; a inalienabilidade dos direitos de todos os homens,
acima de qualquer poder político; e legitima a soberania popular,
afirmando que o governo pertence ao povo e emana dele, sendo
os governantes apenas seus funcionários, tendo seu poder legiti-
mado com a aprovação dos governados. Além disso, enfatiza que a
função dos governantes é garantir os direitos naturais dos homens
e buscar sua felicidade, e, caso o governo torne-se impopular e
destrutivo, é direito do povo aboli-lo e modificá-lo.
No entanto, vale-se ressaltar que o espírito original da afir-
mação da democracia moderna não foi, ainda, o de igualar a maio-
ria pobre e desprivilegiada à minoria rica, mas sim de defender os
ricos proprietários contra os privilégios estamentais da nobreza e
do clero vividos anteriormente.
Contudo, como entende Comparato (2008), foi em 26 de
agosto de 1789, que surgiu a mais famosa declaração de direitos

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

fundamentais, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,


que marcou o final do Antigo Regime, caracterizado pela monar-
quia absoluta e pelo feudalismo. Essa Declaração foi marcada pela
universalidade dos direitos consagrados e inspirou diversas outras
declarações posteriores por um século e meio. Foi considerada
modelo a ser seguido pelo constitucionalismo liberal, referência
a todo projeto de constitucionalização dos povos, fato que trans-
parece sua importância e primazia entre as demais declarações.
Após esse documento, passou a considerar-se que, qualquer socie-
dade que não estabelecesse a divisão dos poderes e garantisse os
direitos fundamentais dos Homens, não teria constituição.
Sobre esse assunto, entende Ferreira Filho (2009, p. 27): “[...]
a Declaração ratifica a abolição dos privilégios, adotada em 4 de
agosto, mas, encarando o futuro, estabelece a uniformidade do di-
reito aplicável a todos os homens. Está nisso, sem dúvida, uma das
principais revoluções da Revolução Francesa”.
Posteriormente, surgiram diversos outros documentos im-
portantes no desenvolvimento dos Direitos Humanos. Dentre eles,
merece destaque a Carta das Nações Unidas, datada de 26 de Ju-
nho de 1945, e entrada em vigor em 24 de Outubro de 1945.
Contudo, a Segunda Guerra Mundial, deflagrada com base em
projetos de subjugação de povos considerados inferiores e com um
saldo de milhões de vítimas, chamou a atenção da humanidade para a
gritante falta de respeito do ser humano com seus iguais, demonstran-
do o longo caminho que ainda devia ser percorrido em prol dos di-
reitos humanos. Nesse contexto, criou-se a Organização das Nações
Unidas (ONU), com o fito de organizar a sociedade política mundial
na defesa da dignidade humana (COMPARATO, 2008).
Foi em 10 de Dezembro de 1948 que a Assembleia Geral da
ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, in-
troduzindo na sociedade mundial a chamada concepção contempo-
rânea de direitos humanos, considerados universais e indivisíveis e,

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

iniciando o processo de internacionalização desses direitos ao cons-


tituir o chamado sistema global de proteção de direitos humanos.
Esse não foi o último documento assinado com o fito de defen-
der os direitos humanos, tampouco alcançou efetividade máxima e
absoluta, mas, ao longo desse estudo, podemos perceber a evolução do
homem no decorrer da história, tanto quanto ser individual quanto
ser social, e que o desenvolvimento dos direitos humanos aconteceu
também de forma gradual, frutos de longas lutas e revoluções, que
espelhavam as necessidades do homem em cada momento.
Na sociedade contemporânea, ainda não alcançamos a ple-
nitude do desenvolvimento desses direitos, uma vez que a socieda-
de continua a evoluir e, com ela, o entendimento de quais são os
direitos considerados essenciais à pessoa humana, porém, devemos
considerar que o entendimento atual de direitos humanos e os mé-
todos internacionais de defesa dos mesmos representam perspec-
tivas bastante positivas para o desenvolvimento de uma sociedade
mais justa e igualitária, pautada no respeito ao ser humano, em sua
coletividade e individualidade. Nesse contexto, surge o Sistema
Global e os Sistemas Regionais de Direitos humanos, com o fito
de aumentar e aprimorar a proteção desses direitos.

2. Sistema Global
O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, ou Siste-
ma Universal, segundo Piovesan (2010), é o nível global dos sistemas
internacionais de proteção aos direitos humanos. Sua fonte normativa
imediata foi a Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, as-
sinada por 51 países, ao final da Conferência de São Francisco. Essa
carta marca o início da universalização e da internacionalização dos
direitos humanos e estabelece que os estados-partes devem promover
a proteção desses direitos e das liberdades individuais. Dessa forma,

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

exige a efetivação dos direitos humanos e prevê a necessidade de vigi-


lância de um sistema de monitoramento e controle.
O sistema global da ONU é integrado por instrumentos nor-
mativos e por organismos que visam à supervisão, ao monitora-
mento, à vigilância e à fiscalização do respeito aos direitos hu-
manos. Segundo Borges (2009), a primeira fase de proteção des-
ses direitos foi marcada pela ideia da proteção geral dos mesmos,
através de instrumentos normativos gerais, que protegem aqueles
direitos endereçados a todas as pessoas de forma indistinta e abs-
trata. Além disso, também compõem o conjunto de instrumentos
normativos do Sistema Global, os instrumentos especiais, que pro-
tegem pessoas e grupos particularmente vulneráveis, que merecem
tutela especial, a exemplo: mulheres, indígenas e crianças.
Os mecanismos de proteção e fiscalização dos instrumen-
tos normativos que integram o Sistema Global entende Annoni
(2004) são divididos em mecanismos convencionais e extracon-
vencionais. Os convencionais têm o poder de obrigar os Estados-
-partes e nascem de convenções com alcance geral ou específico,
como o Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto Interna-
cional dos Direitos Civis e Políticos, e a Convenção pela Elimi-
nação de todas as formas de Discriminação Racial; enquanto os
extraconvencionais, fundamentados na Carta da ONU e na De-
claração Universal de 1948, buscam vincular os membros, e nas-
cem de dispositivos genéricos, decorrentes de resoluções elabora-
das por órgãos das Nações Unidas, como a Assembleia Geral e o
Conselho Econômico e Social e a Comissão de Direitos Humanos.
O Sistema Global ainda foi ampliado com diversos tratados
de direitos humanos assinados, com a pretensão de proteger direi-
tos humanos de grupos determinados, punindo violações especí-
ficas, como a discriminação racial, o genocídio, a discriminação
contra a mulher e contra o índio. Dessa forma, foram adotadas a
Convenção para a Prevenção e Repressão contra o Crime de Ge-

11
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

nocídio e a Convenção sobre a Eliminação de todas as forma de


Discriminação contra a Mulher, por exemplo.

3. Sistemas Regionais
Como forma de complementar o sistema global, criaram-se
os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, objetivan-
do estabelecer e solidificar, em cada continente, um aparato efi-
ciente para a proteção e promoção dos direitos humanos, levando
em consideração as particularidades históricas e culturais de cada
região (PIOVESAN, 2013).
Atualmente, são três os principais sistemas regionais: o euro-
peu, o interamericano e o africano. Há também um Sistema Regional
Árabe e a proposta de criação de um Sistema Regional Asiático. Cada
um desses sistemas é integrado por sistemas normativos, mecanismos
de monitoramento próprios e formas de auxílio aos estados-partes.
Ambos os conteúdos normativos, do Sistema da ONU e
dos sistemas regionais, devem respeitar a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, e serem similares em valores e princípios.
Apesar do parâmetro normativo já existente no sistema global, os
regionais devem se aprofundar mais nos temas abordados, levar
em consideração as peculiaridades da região, adicionar novos di-
reitos, compondo assim, juntos, um universo instrumental e eficaz
de proteção dos direitos humanos, mais forte e abrangente.
Para fins dos objetivos do presente trabalho, serão seguinda-
mente desenvolvidos apenas os sistemas europeu e interamericado.

3.1. Sistema Interamericano


O Sistema Interamericano, como Sistema Regional de Prote-
ção aos Direitos Humanos, ao lado do Sistema Global, e de forma
complementar a ele, visa à proteção dos direitos humanos, bus-

12
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

cando o efetivo respeito a esses direitos no plano mundial. Além


disso, busca estabelecer e solidificar um aparato cada vez mais efi-
ciente de promoção e de proteção dos direitos humanos no plano
regional, ou seja, no continente americano.

3.1.1. Surgimento
Segundo Branco (2012), o Sistema Interamericano de Direi-
tos Humanos (SIDH) foi criado a partir de dois documentos: a
Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta OEA) e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH).
A Carta da OEA foi aprovada na IX Conferência Interamerica-
na, realizada em Bogotá, em 1948, contando com a participação de
21 países americanos. Essa conferência foi considerada o passo inicial
para formação do SIDH, uma vez que nela, além da aprovação dessa
Carta, também foi aprovada a Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem (DADDH), - documento de grande importância
normativa, já que constituiu a base do mesmo Sistema, e que, grada-
tivamente, foi convertendo-se em um instrumento normativo de ple-
no valor jurídico em relação aos direitos fundamentais que consagra.
Vale ressaltar ainda que, pela Carta da OEA, foi criada a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), - criada com o fito de
promover os direitos humanos reconhecidos na DADDH -, de modo
que todos que assinam citada Carta estão submetidos à CIDH.
Segundo Branco (2012), a Carta da OEA, em vigor desde
13 de dezembro de 1948, tinha por objetivo a busca pela paz e
pela justiça, e a obtenção da solidariedade entre os países. Esse
documento foi o primeiro no mundo a estabelecer os emblemas
democráticos, com o fito de colaborar com a promoção e com a
defesa dos direitos humanos, almejando garantir a paz, a segu-
rança, a mínima intervenção, a solução pacífica dos conflitos e a
cooperação nos campos político, jurídico e econômico.

13
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Vale-se ressaltar que, atualmente, os 35 países da América já


ratificaram a Carta da OEA. Esse documento foi posteriormen-
te reformado quatro vezes: no Protocolo de Buenos Aires (1967),
no Protocolo de Cartagena (1985), no Protocolo de Washington
(1992) e, por fim, no Protocolo de Managua (1993).
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH),
segundo Piovesan (2013), por sua vez, aprovada na Conferência
de São José da Costa Rica, em 1969, foi um tratado internacional
primordialmente criado com o fito de estabelecer o desenvolvimen-
to progressivo dos direitos contidos na Carta da OEA. Segundo
Branco (2012), a CADH representa o instrumento de maior rele-
vância no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e versa,
primordialmente, sobre os direitos de primeira geração, ou seja,
aqueles relacionados à liberdade e à integridade dos indivíduos do
Continente Americano, bem como também positiva os mecanis-
mos de sua proteção e promoção. Vale ressaltar que apenas Esta-
dos-membros da OEA têm o direito de aderir à CADH, que, até
dezembro de 2012, contava com 25 Estados-partes.
Com o intuito de obter a participação dos Estados Unidos
à CADH, segundo Comparato (2008), na Conferência de São
José da Costa Rica deixaram-se os temas de direitos econômi-
cos, sociais e culturais para um protocolo a parte, que só foi
aprovado em 1998, e ficou conhecido como Protocolo de São
Salvador, que entrou em vigor em novembro de 1999.
Por meio da CADH, de acordo com Piovesan (2013), enten-
de-se que cabe aos Estados-partes respeitar os direitos e as liberda-
des estipulados na mesma e em seus protocolos, organizando seu
aparato governamental de forma a garanti-los a toda e qualquer
pessoa que esteja sob sua jurisdição, por meio da adoção de me-
didas legislativas e de outra natureza que sejam necessárias para
conferir efetividade ao que foi enunciado. Além disso, todos os
Estados devem investigar e punir qualquer violação aos Direitos
Humanos, garantindo judicialmente a devida retratação à vítima.

14
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Além disso, em seu cerne, a CADH dispõe sobre a composi-


ção do Sistema Interamericano: sua organização, subdivisões e com-
petências. Desse modo, representa um instrumento de fundamental
importância para a efetividade desse Sistema e, consequentemente,
para a proteção dos direitos humanos em escala regional e global.

3.1.2. Composição e competências


O Sistema Interamericano de Direitos Humanos, segundo o
artigo 33 da CADH, é composto pela Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH), órgãos com a competência de
conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos di-
reitos previstos na mencionada Convenção, proporcionando seu
monitoramento e sua implementação.
Segundo a OEA (2014, on-line), a CIDH foi criada em 1959 e é
um órgão central autônomo da Organização dos Estados Americanos.
Esse órgão reuniu-se pela primeira vez em 1960, e em 1961 começou a
realizar visitas aos Países-membros para observar a situação geral dos
direitos humanos e investigar situações particulares. A partir de 1965,
a CIDH foi autorizada a receber e processar denúncias ou petições
sobre casos individuais de possíveis violações aos direitos humanos.
Em 1967, com o “Protocolo de Buenos Aires”, que entrou em
vigor em 1970, a estrutura da OEA foi modificada, o caráter normati-
vo da Declaração Americana de 1948 para julgar matéria de direitos
humanos foi fortalecido, e a CIDH foi legitimamente institucionaliza-
da. Assim, esse órgão foi sendo fortalecido e deixou de ser apenas um
meio de promoção dos direitos humanos, passando a proteger interna-
cionalmente esses direitos. Além disso, a CADH, aprovada em 1969
e em vigor a partir de 1978, definiu mais atribuições e procedimentos
para a CIDH, fortalecendo-a ainda mais. Ressalte-se, no entanto,
que esse órgão também mantém atribuições adicionais e anteriores à
mencionada Convenção, e que não derivam diretamente dela.
15
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

A CIDH, segundo a CADH em seu Capítulo VII, age como


órgão de monitoramento, supervisionando os Estados-partes no que-
sito do cumprimento de suas obrigações internacionais em matéria
de direitos humanos, por meio do recebimento de denúncias sobre
a violação desses direitos, devendo esse órgão, também, dar publici-
dade internacional aos fatos ocorridos. Desse modo, cabe a CIDH
realizar estudos e relatórios sobre temas e fatos necessários, e, além
disso, por meio de recomendações aos Estados-partes, deve prever a
adoção de medidas eficientes e adequadas para a proteção dos direi-
tos humanos, bem como exigir dos mesmos informações relativas a
medidas por eles adotadas para a efetiva aplicação da CADH.
A competência dessa Comissão, de acordo com Piovesan
(2013), alcança não apenas os Estados-partes da CADH, em rela-
ção aos direitos e garantias consagrados nela, mas alcança também
os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos, no
tocante aos direitos contidos na Declaração Americana de 1948.
Do artigo 34 ao 40 da CADH, foi definido que compõem a CIDH
sete membros de alta autoridade moral e reconhecido saber em maté-
ria de direitos humanos, eleitos pela Assembleia Geral da OEA, que é
composta por todos os seus Estados-membros, sejam ou não partes da
CADH. Esses membros são eleitos a título pessoal, para um período de
quatro anos, capazes de se reeleger apenas uma vez. Aos membros é
vedada a possibilidade de, durante seu mandato, exercer qualquer outra
atividade que possa comprometer sua imparcialidade ou a dignidade
de seu cargo na citada Comissão. Além disso, segundo Branco (2012),
também não podem representar vítimas nem Estados em medidas cau-
telares, petições ou casos individuais perante a mesma.
Segundo Hanashiro (2001), em seus primeiros anos de ati-
vidade, esse órgão concentrou-se na análise e na supervisão dos
direitos humanos em Cuba, preparando relatórios a respeito desse
país. No entanto, à medida que outros fatos foram gerando cen-
tros de tensão em outros Estados, a CIDH ampliou seu foco de

16
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

visão. Com o surgimento e proliferação dos regimes militares na


América Latina, por exemplo, a demanda dos trabalhos da CIDH
aumentou de forma considerável, uma vez que esse regime político
feria os direitos humanos de inúmeras formas.
Cabe a esse órgão, também, segundo o artigo 41 da CADH,
submeter um relatório anual à Assembleia Geral da OEA. Esses
informes sobre a situação dos Estados-membros servem, segundo
Pinto (1993), além de forma de determinar atos e precisar a objeti-
vidade das ações realizadas, como meio de pressionar os governos
resistentes à vigência dos direitos humanos, uma vez que promove
debates nacionais e internacionais sobre os casos.
No âmbito das denúncias recebidas, destaca-se que esse órgão é
acessível a um maior número de pessoas, visto que, diferente da Cor-
te IDH, que só recebe denúncias dos Estados-membros e da CIDH,
esta aceita denúncias também de pessoas e de qualquer organização
não-governamental legalmente reconhecida, em nome próprio ou de
terceiros, que sintam algum de seus direitos humanos violados.
Sobre esse tema, entende Fix-Zamudio (1993) que, por con-
ta da maior acessibilidade dos indivíduos à CIDH, esse órgão, que
havia sido criado inicialmente com o fito prioritário de apenas pro-
mover os direitos estabelecidos pela Carta da OEA e pela DADDH,
se consagrou como um instrumento eficaz e mundialmente reco-
nhecido por sua notável atividade de proteção aos direitos humanos.
Para a aceitação das denúncias recebidas, segundo Branco (2012),
é necessário que quem recorra à CIDH, em sua petição individual, pre-
encha determinados requisitos de admissibilidade, como: o prévio esgo-
tamento dos recursos internos; injustificada demora processual; quando
a legislação doméstica não promover o devido processo legal; existên-
cia de litispendência internacional. Caso seja inviável ao indivíduo que
entrou com a petição provar os requisitos de admissibilidade, cabe ao
Estado provar como falsas as alegações da suposta vítima.

17
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Segundo Borges (2009), após admitir a petição levando em


conta seus requisitos de admissibilidade estabelecidos no artigo 46
da CADH, ou seja, após aceitar o caso, a CIDH promove o contra-
ditório, solicitando informações referentes ao caso ao Governo de-
nunciado. O Estado, ao se tornar parte da mencionada Convenção,
aceita automática e obrigatoriamente a competência da CIDH para
examinar essas comunicações. Depois disso, esse órgão começará a
investigar os fatos e a apurar o caso com o conhecimento das partes.
Após a apuração do caso, segundo o artigo 48 da CADH, cabe
à CIDH buscar sempre a solução do conflito de forma amistosa e
pacífica, agindo como mediador ativo. Desse modo, esse órgão pode
atuar fazendo recomendações aos Estados; conciliando os conflitos
entre as duas partes; solicitando aos governos a adoção de medidas
adequadas para a proteção dos direitos humanos; requisitando in-
formações dos governos quanto às medidas por eles realizadas para
a promoção dos direitos previstos na CADH. Além disso, a CIDH
deve submeter os relatórios que reportem a não correção das irregu-
laridades já anteriormente reportadas à Assembleia Geral da OEA,
que, nesse caso, os encaminhará à Corte IDH.
Por outro lado, a Corte IDH, com sede em São José, na Costa
Rica, é o órgão com competência jurisdicional. Segundo o artigo
61 da citada Convenção, sua atuação é vinculada a uma cláusu-
la de adesão facultativa, sendo aplicável apenas nos Estados que
tenham aceitado expressamente a cláusula. Desse modo, nem to-
dos os Estados que aceitam a CADH reconhecem a Corte IDH, a
exemplo dos Estados Unidos.
Segundo o disposto na Seção 1 do Capítulo VIII da CADH, a
Corte IDH é composta por sete juízes nacionais de Estados-membros
da OEA, escolhidos a título pessoal dentre juristas de alta autoridade
moral, de reconhecida competência e conhecimentos em matéria de
direitos humanos, e que reúnam as condições requeridas ao exercício
das funções judiciais de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacio-

18
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

nais ou do Estado que o propuser como candidato. Esses juízes podem


apenas ser indicados e eleitos pelos Estados-partes da CADH, e devem
ser nacionais de um Estado-membro da OEA. Os membros são eleitos
por um período de seis anos, com direito a apenas uma reeleição. No
entanto, mesmo ao fim de um mandato, se um juiz ainda tiver casos de
seu conhecimento em fase de sentença ainda não decidida, este ficará
vinculado ao caso, não podendo ser substituído mesmo após o término
de seu mandato, em respeito ao princípio da identidade física do juiz.
Além disso, não se admite mais de um juiz da mesma nacionalidade.
A Corte IDH tem tanto competência consultiva quanto con-
tenciosa. Para Fix-Zamudio (1993), a natureza dessa competência
consultiva diz respeito à interpretação e à analise da CADH e
dos demais tratados de proteção aos direitos humanos nos Estados
Americanos. Nesse campo da atuação consultiva, qualquer mem-
bro da OEA, parte ou não da citada Convenção, pode solicitar o
parecer da Corte quanto à interpretação dos tratados citados. De
acordo com Piovesan (2013), essa interpretação é realizada de for-
ma dinâmica e evolutiva, ou seja, não se baseando apenas no que
está escrito, mas levando em consideração o contexto temporal da
interpretação, o que permite a expansão dos direitos.
Esse órgão pode, ainda, opinar sobre a compatibilidade de pre-
ceitos da legislação doméstica em face dos instrumentos interna-
cionais. Por meio de sua jurisdição consultiva, segundo Pasqualucci
(2003), a Corte IDH tem contribuído para conferir uniformidade e
consistência ao que está previsto em diversos tratados de direitos hu-
manos, representando perspectivas bastante positivas para a proteção
dos mesmos, conferindo expressão judicial aos princípios jurídicos.
A natureza contenciosa desse órgão, por sua vez, expressa em
sua função de solucionar os problemas, fruto das denúncias de viola-
ção aos direitos humanos por um de seus Estados-partes e das contro-
vérsias acerca do entendimento ou da aplicação da própria CADH.
Para o reconhecimento de um caso pela Corte IDH, é necessário que

19
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

seu trâmite já tenha sido concluído pela CIDH, que a provoca; ou que
um Estado tenha feito uma denúncia contra outro Estado-membro,
sendo expressamente proibido qualquer tipo de manifestação autôno-
ma dos indivíduos, com base no artigo 61 da CADH.
Vale ressaltar que essa Corte não prevê a substituição dos tri-
bunais internos. Segundo Branco (2012), sua atuação reforça o de-
ver que cada Estado tem de proteger os direitos humanos, promover
o respeito e prevenir qualquer lesão a eles, uma vez que, quando não
o fizerem, poderão sofrer sanção. A Corte ICD, quando entender ser
urgente e necessário, nos assuntos que estiver conhecendo, poderá
adotar medidas provisórias. Além disso, também poderá atuar ao
lado da CIDH, em medidas provisórias solicitadas por ela.
Sobre esse assunto, entende Hanashiru (2001):

O único momento em que a Comissão e a Corte trabalham


conjuntamente em um mesmo caso é quando a Comissão
solicita uma medida provisória à Corte sem que o caso te-
nha sido antes enviado a ela. Essa é uma pratica relativa-
mente recente. A primeira medida provisória foi solicitada
em 1990, no caso Bustios-Rojas contra o Peru. A Comissão,
até o final de 1997, havia emitido dezenas de medidas cau-
telares e solicitado 16 medidas provisórias à Corte.

Segundo Branco (2012), inicialmente, a Corte examinará o caso


concreto denunciado, a partir de uma análise da demanda escrita, na
qual deve constar o direito violado, os violadores, as pessoas envolvidas,
a descrição dos fatos, o apontamento de provas, os fundamentos de di-
reito, e a lista das pessoas designadas pela CIDH para representar o caso
perante a Corte IDH. Depois disso, dará ao Estado, no prazo de três
meses, a oportunidade da contestação, na qual poderá declarar as ex-
ceções preliminares, apontando, se houver, incompatibilidades no pedi-
do ou a inadmissibilidade da causa. De acordo com seu entendimento
sobre o caso, esse órgão pode anunciar audiência especial para discutir

20
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

as exceções preliminares, ou decidir diretamente sobre o mérito, caso


seus membros entendam que já têm provas suficientes para a conclusão.
Posteriormente, dá-se o julgamento oral do caso, com os re-
presentes do Estado, da CIDH e das supostas vítimas. A sentença
da Corte IDH, segundo o artigo 67 da CADH, será definitiva e
não caberá apelação. A decisão desse órgão tem força jurídica vin-
culante e obrigatória, devendo o Estado cumpri-la imediatamente.
Em caso de divergência sobre o sentido ou o alcance da senten-
ça, a Corte IDH também interpretá-la-á, desde que o pedido seja
apresentado no prazo de 90 dias a partir da data de notificação da
sentença, a pedido de qualquer uma das partes.
A Corte pode, ainda, condenar o Estado a pagar uma com-
pensação à vítima, decisão essa que valerá como título executivo
e deverá ser aplicada de acordo com os procedimentos internos de
execução de sentença desfavorável ao Estado.
Convém enfatizar que o Sistema Interamericano de Direitos Hu-
manos tem assumido extraordinária e inquestionável relevância em
matéria de proteção aos direitos humanos. Esse Sistema tem contribu-
ído de forma decisiva para o efetivo exercício do Estado de Direito e da
democracia nos Estados-partes. Além disso, ao combater a impunidade
e assegurar às vítimas o direito de busca pela justiça, representa perspec-
tivas bastante positivas para a evolução da sociedade em direção a uma
concepção de vida mais justa, respeitosa e igualitária.

3.2. Sistema Europeu

3.2.1. Surgimento
O Sistema Europeu foi criado a partir da aprovação da Conven-
ção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), em 1950, e é, dentre os
sistemas regionais, o que tem alcançado o maior grau de evolução até
o momento, além de ter sido o primeiro a ser devidamente instaurado.

21
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

O nascimento do Sistema Europeu, segundo Mazzuoli (2010), foi con-


sequência direta da Segunda Guerra Mundial, e de toda a insegurança
e a instabilidade geradas por ela. Por conta disso, gerou-se um quadro
inicial de integração dos países europeus, e, desse modo, esse Sistema
apareceu como uma perspectiva positiva de esperança da implantação
de uma proteção digna aos direitos humanos nos países do bloco.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, Bélgica, Dinamar-
ca, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Reino
Unido e Suécia reuniram-se em Londres, em cinco de maio de
1949, fundando o Conselho da Europa, sediado em Estrasburgo,
na França. Em 4 de novembro de 1950, esse Conselho adotou a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), também co-
nhecida como Convenção para a proteção dos Direitos do Homem
e das liberdades fundamentais. A CEDH tem o fito de estabelecer
uma ordem pública europeia baseada no respeito aos direitos hu-
manos, e representa o marco inicial do Sistema Regional Europeu
de Direitos Humanos, sendo também seu tratado-regente.
Segundo Mazzuoli (2010), a CEDH tem por finalidade estabelecer
padrões mínimos de proteção dos Direitos Humanos no Continente
Europeu, representando a confirmação dos Estados-partes de que não
irão adotar disposições internas contrárias ao acordado na citada Con-
venção. Além disso, a CEDH garante a submissão de todos os Estados-
-partes às demandas na Corte Europeia de Direitos Humanos (Corte
EDH), os quais não podem impedir, por qualquer meio, o exercício do
direito de petição dos indivíduos, caso desrespeitem alguma norma do
tratado em relação a quaisquer pessoas sobre sua jurisdição.

3.2.2. Composição e competências


Segundo Borges (2009), a versão original da CEDH criou dois
órgãos de supervisão com o fito de assegurar a observância dos com-
promissos assumidos pelos Estados-partes: a Comissão Europeia de

22
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Direitos Humanos (Comissão EDH), que era o órgão consultivo, ou


seja, voltado para a investigação e para a conciliação; e a Corte Euro-
peia de Direitos Humanos (Corte EDH), órgão de natureza judicial,
contenciosa, de responsabilização dos Estados violadores. Além des-
ses, foi igualmente previsto um órgão de natureza política e diplomá-
tica, para a supervisão da execução das sentenças da Corte EDH,
conhecido como Comitê de Ministros do Conselho da Europa.
Assim como no Sistema Interamericano, segundo Mazzuoli
(2010), competia à Comissão EDH analisar as queixas interestatais
e dos indivíduos sobre violações da CEDH, decidir sobre a admis-
sibilidade das petições, mediar os conflitos e propor soluções pací-
ficas quando adequado, ordenar medidas preliminares de proteção
(equiparadas às medidas cautelares adotadas pela Comissão Intera-
mericana), enviar os casos reincidentes à Corte EDH e dirigir seus
relatórios ao Comitê de Ministros. À Corte, competia, por meio de
cláusula facultativa, julgar os casos de violação dos direitos huma-
nos submetidos pela Comissão EDH. E ao Comitê de Ministros, por
sua vez, competia a análise dos relatórios enviados pela já citada Co-
missão, para decidir se houve mesmo ou não a violação da CEDH,
bem como a função de supervisionar a execução das sentenças.
No entanto, por meio do Protocolo n. 11, que entrou em vi-
gor em 1998, o sistema de controle da CEDH foi totalmente mo-
dificado. Com o fito de fortalecer a natureza jurisdicional do Siste-
ma, a Comissão EDH e a Corte EDH foram substituídas por uma
nova Corte única e permanente, também conhecida como Tribu-
nal Europeu de Direitos Humanos. Essa nova Corte conta com o
número de juízes igual ao dos Estados-partes, e com a competência
dos antigos órgãos juntos: de fazer os juízos de admissibilidade das
petições, e de mérito dos casos que lhe forem submetidos.
A Corte Europeia de Direitos Humanos é considerada o órgão
fundamental do sistema europeu, e um importante marco na história
da efetivação dos direitos humanos na Europa e no mundo, sendo o

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Sistema Europeu considerado o mais avançado e bem estabelecido


de todos. Além de permitir às vitimas, seus familiares e seus repre-
sentantes legais participarem do processo em todas as suas etapas,
o Protocolo permitiu, segundo Mazzuoli (2010), o acesso direto dos
indivíduos à Corte EDH, uma vez que não é mais necessária a apre-
ciação prévia dos casos por parte da extinta Comissão EDH. Desse
modo, esse órgão garantiu o direito de petição individual e do acesso
direto e irrestrito das pessoas à nova Corte, dando ao indivíduo pari-
dade em relação aos Estados-membros perante o órgão, e a jurisdição
obrigatória do mesmo em relação a todos os casos, tanto individual
quanto interestatais. Além disso, depois do Protocolo, não é mais ne-
cessária a aceitação, na Convenção Europeia, de cláusula facultativa
de jurisdição obrigatória por parte do Estado-parte.
No entendimento de Miranda (2009), as petições diretas de in-
divíduos contra um Estado-parte que a Corte EDH pode receber são
um misto de queixa e de ação judicial. Ao contrário de quando a
demanda acontece por parte de um Estado em relação a outro, - onde
basta que se comprove ter havido violação da CEDH-, quando a de-
manda é proposta por indivíduos, é necessário que, na petição, seja
invocado um prejuízo pessoal provocado pelo suposto Estado-violador
do direito da pessoa humana em questão. Isso caracteriza o interesse
subjetivo necessário à propositura dessa ação judicial internacional.
Em ambos os casos, tanto nas petições individuais como nas interes-
tatais, precisa ser comprovada a existência de um fato concreto.
Segundo Mazzuoli (2010), depois da análise do caso concre-
to, a Corte EDH decidirá se houve ou não a efetiva violação pelo
Estado-parte do acordado na CEDH ou em seus Protocolos. Na
sentença, esse órgão elenca também as consequências que o Esta-
do violador deverá suportar, a depender da violação que cometeu.
Caso o direito interno do Estado não o permita senão parcial-
mente remediar as consequências da violação causada, esse órgão
poderá atribuir à parte lesada uma justa reparação, caso seja ne-

24
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

cessário. Pode ainda a Corte EDH impor ao Estado-réu a obriga-


ção de tomar determinadas medidas impostas na sentença, e até
mesmo impor a realização de reformas administrativas, alteração
nas práticas judiciais ou capacitação policial em direitos humanos.
Em relação ao Comitê de Ministros, sua competência foi ape-
nas parcialmente alterada, uma vez que perdeu a função de anali-
sar os relatórios submetidos pela antiga Comissão EDH, decidindo
se houve mesmo violação à CEDH, o que passou agora a ser fun-
ção exclusiva da Corte EDH. No entanto, no tocante à função de
supervisionar as sentenças da citada Corte, não houve alterações,
pois se seguiu a ideia de que a supervisão das sentenças deve estar
à cargo de um órgão com composição política, capaz de convencer
os Estados a dar melhor cumprimento às decisões.
Convém enfatizar que o Sistema Europeu de proteção aos Di-
reitos Humanos, considerado o mais avançado do mundo, adquiriu,
ao longo dos anos, uma importância inquestionável em matéria de
proteção à pessoa humana, tanto em âmbito regional como mundial.
Por meio de sistemas como esse, aliados ao Sistema Global, buscam-se
perspectivas cada vez mais positivas de respeito à dignidade humana,
em suas semelhanças e diferenças, e em suas mais variadas vertentes.

4. Diretos Humanos Das Mulheres


Em âmbito global e regional, os instrumentos normativos de
proteção aos Direitos Humanos têm reconhecido, de forma crescen-
te, os direitos humanos dos grupos particularmente vulneráveis, como
mulheres, afrodescendentes e crianças, principalmente após a ado-
ção, pelo Sistema Global, dos instrumentos normativos especiais, que
versam sobre sujeitos de direito específicos, que precisam ser conside-
rados em sua particularidade, como entende Piovesan (2013). Segun-
do o entendimento atualmente difundido entre os Sistemas Global e
os Sistemas Regionais de proteção aos Direitos Humanos, o direito à

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

diferença deve ser reconhecido e respeitado como forma de promover


direitos, assim como o direito à igualdade. Desse modo, determina-
dos grupos merecem que seus direitos sejam submetidos a uma tutela
especial e que a violação deles gere uma resposta mais específica, em
busca da efetividade da justiça e o equilíbrio entre os desiguais.
Diversos tratados surgiram, ainda, para ampliar o Sistema
Global e os Sistemas Regionais, com a finalidade de tornar cada
vez mais efetiva e completa a atuação desses órgãos no âmbito da
proteção dos Direitos Humanos, em todas as suas vertentes. No que
concerne aos Direitos das Mulheres tem-se, por exemplo, a Conven-
ção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra
a Mulher (CEDAW), de 1979. Até dezembro de 2012, segundo Pio-
vesan (2013), referida Convenção contava com 187 Estados-partes.
A criação da CEDAW foi, segundo a ONU (2014, on-line), fruto
do movimento feminista internacional que começou a ganhar força nos
anos 70, e impulsionou a Assembleia Geral das Nações Unidas a orga-
nizar, em 1975, a primeira Conferencia Mundial sobre as Mulheres, na
cidade do México. Saliente-se também que a citada Assembleia decla-
rou o ano de 1975 como o Ano Internacional das Mulheres.
A CEDAW se fundamenta, segundo Piovesan (2013), na du-
pla obrigação de eliminar a discriminação e assegurar a igualdade
entre homens e mulheres, tratando o princípio da igualdade como
obrigação vinculante. Citada Convenção, tal qual se entende de
seu artigo 1 º, combate a violência direta e a indireta, entendendo
por direta aquela que é realizada de propósito, com a intenção de
discriminar a mulher com base no gênero, e por indireta aquela
que é resultado de ações que, mesmo não intencionalmente, ge-
ram impactos desfavoráveis às mulheres.
Na busca pela igualdade das mulheres, o artigo 4 º da CEDAW
prevê a possibilidade dos Estados de realizarem as chamadas ações
afirmativas, medidas realizadas com o fito de compensar as mulheres
pelo passado discriminatório vivido e, assim, remediar as desvantagens

26
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

históricas sofridas por esse grupo, bem como acelerar o processo de ob-
tenção de igualdade, estimulando, desse modo, a criação de estratégias
para a promoção da mesma. Entre as previsões da CEDAW, também
está a de garantir às mulheres, como consequência da igualdade, o pleno
exercício de seus direitos políticos, civis, sociais, culturais e econômicos.
Os Estados-partes que ratificam a CEDAW assumem o compro-
misso internacional de eliminar todas as formas de discriminação base-
ada no gênero, assegurando a efetiva igualdade entre as pessoas de am-
bos os sexos, bem como se comprometem a realizar ações afirmativas
para assegurar que a igualdade material já conquistada se materialize.
Vale ressaltar ainda que, além da CEDAW, também foi cria-
do um Protocolo Facultativo a ela, bem como outros dispositivos,
declarações e conferências que trataram dos direitos das mulhe-
res, como a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, a
Plataforma de Pequim de 1995 e a Conferência de Viena de 1993,
que enfatizaram os direitos das mulheres como parte inalienável,
integral e indivisível dos Direitos Humanos.

5. Jurisprudência Do Sistema Interamericano De


Direitos Humanos
Para uma análise aprofundada da jurisprudência do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, destaca-se, preliminarmente,
a existência da Convenção de Belém do Pará, como ficou conhe-
cida a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher, uma vez que esta, juntamente com a
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), é utilizada
frequentemente pelos órgãos desse Sistema para fundamentar suas
decisões em matéria de direitos humanos das mulheres.
A Convenção de Belém do Pará, adotada em 9 de junho de 1994,
segundo o documento da própria Convenção (CIDH, 2014, on-line),

27
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

em reconhecimento ao respeito irrestrito aos direitos humanos que fo-


ram consagrados na Declaração Americana de Direitos Humanos do
Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e em rea-
firmação de outros instrumentos internacionais e regionais. Esse docu-
mento foi criado com o fito de afirmar que a violência contra a mulher
constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e
limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direi-
tos e liberdades, constituindo uma ofensa contra a dignidade humana.
Segundo a citada Convenção, por ser fruto das relações de po-
der historicamente desiguais entre mulheres e homens, a eliminação da
violência contra a mulher é condição indispensável para o desenvolvi-
mento individual e social das mesmas, bem como para sua plena e igua-
litária participação em todas as esferas de vida. Dessa forma, a Conven-
ção de Belém do Pará foi um documento criado para prevenir, punir e
erradicar todas as formas de violência contra a mulher, no âmbito da
Organização dos Estados Americanos, e constitui positiva contribuição
no sentido de proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de
violência contra esse grupo em situação de maior vulnerabilidade.
Segundo o documento oficial da Convenção de Belém do
Pará, em seu artigo 12 (CIDH, 2014, on-line):

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entida-


de não-governamental juridicamente reconhecida em um
ou mais Estados membros da Organização, poderá apre-
sentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
petições referentes a denúncias ou queixas de violação do
artigo 7 desta Convenção por um Estado Parte, deven-
do a Comissão considerar tais petições de acordo com
as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Re-
gulamento da Comissão Interamericana de Direitos Hu-
manos, para a apresentação e consideração de petições.

28
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Para os efeitos desta Convenção, entende-se por violência con-


tra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tan-
to na esfera pública como na esfera privada. Essa violência abrange a
violência física, sexual e psicológica, e pode ocorrer nos mais diver-
sos âmbitos, como no âmbito da família ou unidade doméstica ou
em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha
compartilhado ou não a sua residência; no âmbito da comunidade é
cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estu-
pro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada,
sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em insti-
tuições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local.

5.1. Caso González y otras (“Campo Algodonero”)


vs. México
O caso iniciou-se em 4 de novembro de 2007, quando a Co-
missão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) formulou uma
queixa formal contra os Estados Unidos Mexicanos, em conformidade
com os artigos 51 e 61 da CADH, frente à Corte IDH. A petição ini-
cial havia sido protocolada perante a CIDH em 6 de março de 2002.
Posterirormente, em 24 fevereiro 2005, a referida Comissão, por meio
dos Relatórios nº 16/05 , 17/05 e 18/05, declarou admissíveis os respec-
tivos pedidos. Em 30 de janeiro 2007, a CIDH notificou as partes de
sua decisão de combinar os três casos, e em 9 de março do mesmo
ano aprovou o Relatório de Mérito n º 28/07 , em termos do artigo 50
da CADH, mediante o qual fez recomendações ao Estado, dando ao
mesmo um prazo para segui-las e para apresentar resultados positivos.
No entanto, analisando o andamento do caso por meio de
seu sistema de fiscalização, tendo concluído que o México não
tinha adotado as recomendações feitas e não havia apresentado
resultados concretos sobre o assunto, a CIDH decidiu submeter o
caso à jurisdição da Corte IDH.
29
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

O pedido diz respeito à suposta responsabilidade internacional


do Estado mexicano em relação ao desaparecimento e a posterior
morte das jovens Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera Mon-
real e Laura Berenice Ramos Monarrez, cujos corpos foram encon-
trados em um campo de algodão em Ciudad Juarez. Na petição, res-
ponsabiliza-se o Estado pela falta de medidas de proteção às vítimas,
duas das quais menores de idade; pela incapacidade de prevenção dos
crimes, mesmo com o conhecimento prévio por parte do Estado da
existência de um padrão de violência de gênero que havia culminado
na morte de centenas de mulheres na região; pela falta de resposta das
autoridades sobre o assunto; pela ausência de diligência no âmbito das
investigações dos assassinatos; bem como a falha jurisdição e pela não
reparação adequada às famílias das vítimas.
Em sua queixa perante a Corte IDH, a CIDH solicitava que o
Estado fosse declarado responsável pela violação dos direitos con-
sagrados nos artigos 4 º (direito à vida), 5 º (Direito à Integridade
Pessoal), 8 º (Garantias Judiciais), 19 (Direitos da Criança) e 25
(Proteção Judicial) da CADH, em conexão com as obrigações es-
tabelecidas nos artigos 1.1 (Obrigação de Respeitar os Direitos) e
2 º (Dever de Adotar Disposições De Direito Interno) do mesmo
documento, e pelo descumprimento das obrigações previstas no
artigo 7 º da Convenção de Belém do Pará.
Posteriormente, em 23 de fevereiro de 2008, os representantes
das vítimas apresentaram por escrito suas solicitações, argumentos e
provas, conforme o procedimento da Corte IDH. Além das acusações
que já haviam sido apresentadas pela CIDH, os representantes solici-
taram que fosse ampliada a apuração do número de vítimas para onze
mulheres, e que a Corte IDH se pronunciasse também sobre a suposta
prisão arbitrária, tortura e violações aos direitos humanos sofridas por
outras três pessoas, fundamentando o pedido nos artigos 1.1, 2 º, 5 º,
7 º e 11 da CADH, e no artigo 7 º da Convenção de Belém do Pará,
em conexão com os artigos 8 º e 9 º do mesmo instrumento.

30
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

O Estado apresentou sua contestação em 26 de maio de


2008, mediante a qual fez observações, solicitações e utilizou-se
de argumentos. Por meio desse documento, o Estado reconheceu
parcialmente sua responsabilidade internacional, mas questionou
a competência da Corte IDH para conhecer de supostas violações
à Convenção de Belém do Pará, bem como se opôs à extensão do
número de vítimas requerida pelos representantes.
Em sua resposta, a presidenta da Corte IDH, Cecilia Me-
dina Quiroga, depois de analisar a contestação apresentada pelo
Estado, pronunciou-se informando que as alegações referentes à
competência da Corte IDH de conhecer de assuntos da Conven-
ção de Belém do Pará constituíam uma exceção preliminar, e, em
respeito ao artigo 37.4 do regulamento do Tribunal, concedeu à
Comissão e aos representantes das vítimas um prazo de trinta dias
para apresentarem alegações escritas.
Posteriormente, durante o trâmite regular do processo e de-
corrente das análises feitas pela Corte IDH, foi negado aos peti-
cionários o pedido de extensão das supostas vítimas, ficando essas
restritas a Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera Monreal,
Laura Berenice Ramos Monarrez e seus familiares.
Além disso, a Corte IDH observou que sua função seria de deter-
minar, no exercício de sua competência de Tribunal Internacional de
Direitos Humanos, a responsabilidade do Estado pela violação alegada,
estando limitado a analisar os argumentos das partes sobre a suposta
responsabilidade internacional estatal, e não a responsabilidade pessoal
de funcionários públicos, uma vez que a tarefa de fazer a fiscalização de
seus funcionários é exclusiva do Estado. Esse fato, por sua vez, não re-
presenta prejuízos à competência da Corte IDH de verificar se o Estado
cumpriu ou não com as obrigações que assumiu mediante a CADH.
Após a oitiva de testemunhas; a convocação de audiências priva-
das para ouvir o testemunho do Estado, e as declarações propostas pela
Comissão e pelos representantes; bem como as alegações orais finais

31
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

sobre a exceção preliminar e os eventuais méritos, reparações e custas,


a presidenta da Corte IDH definiu o prazo (1o de junho de 2009) para as
partes apresentarem suas respectivas alegações finais por escrito.
Em sua sentença, a Corte IDH decidiu por unanimidade aceitar
parcialmente a exceção preliminar interposta pelo Estado, declarando
que possui competência contenciosa em razão da matéria para conhe-
cer das violações alegadas ao artigo 7º da Convenção de Belém do Pará,
e que não tem competência contenciosa em razão da matéria para co-
nhecer de supostas violações aos artigos 8º e 9º no mesmo instrumento
internacional. Além disso, também decidiu por aceitar o reconheci-
mento parcial de responsabilidade internacional feito pelo Estado.
A sentença declarou ter o Estado, faltando com o seu dever
de investigar, violado os direitos à vida, à integridade pessoal e à
liberdade individual, consagrados nos artigos 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 da
CADH, em conexão com a obrigação geral de garantia e com a
obrigação de adotar disposições de direito interno, contempladas
nos artigos 1.1 e 2 º do mesmo dispositivo. Além disso, entendeu a
Corte IDH que o Estado também violou as obrigações vinculadas
aos artigos 7.b e 7.c da Convenção de Belém do Pará, em relação às
três vítimas: Claudia Ivette González , Laura Berenice Ramos Mo-
narrez e Esmeralda Herrera Monreal.
Pelas mesmas razões, também entendeu a Corte IDH ter o Esta-
do violado os direitos de acesso à justiça e à proteção judicial reconhe-
cidos nos artigos 8.1 e 25.1 da CADH, em conexão com os artigos 1.1
e 2º do mesmo documento, bem como os artigos 7.b e 7.c da Conven-
ção de Belém do Pará, em detrimento das famílias das vítimas.
Por fim, também foi entendido que o Estado violou os direitos
consagrados no artigo 19 da CADH, em conexão com os artigos 1.1 e
2º do mesmo documento, em relação às meninas Esmeralda Herrera
Monreal e Laura Berenice Ramos Monarrez; e o direito à integridade
pessoal consagrado no artigo 5.1 e 5.2 da CADH, em conjugação com
o artigo 1.1 da mesma, pelo sofrimento causado às famílias.

32
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Como consequência, o Estado foi sentenciado a, dentre ou-


tras coisas, realizar investigações que devem incluir uma perspecti-
va de gênero, empreender linhas específicas de investigação sobre
o tema da violência sexual, envolvendo na investigação os dados
sobre os padrões criminais da respectiva área. Deve, de acordo
com protocolos e manuais, cumprir as orientações da Corte IDH
e fornecer regularmente informações para as famílias das vítimas
sobre o andamento das pesquisas, dando-lhes pleno acesso aos re-
gistros. As pesquisas devem ser executadas por funcionários alta-
mente capacitados, analisando casos semelhantes e considerando
as vítimas de discriminação e violência baseada no gênero.
O Estado também foi sentenciado a assegurar que os órgãos
que participarem dos procedimentos investigativos e dos proces-
sos judiciais contem com recursos materiais e humanos suficientes
para desempenharem suas tarefas de forma justa, eficaz e impar-
cial, bem como assegurar que as pessoas que participem das inves-
tigações contem com a segurança necessária. Além disso, deverá
realizar, dentro de um prazo razoável, uma investigação, por meio
de suas instituições públicas competentes, dos funcionários acusa-
dos de irregularidades, e, se confirmadas, aplicar a eles as medidas
administrativas, disciplinares e penais necessárias.
Ainda segundo a sentença, o Estado deverá, dentro do prazo de
um ano após a notificação do julgamento, erguer um monumento em
memória das mulheres mortas com base no gênero em Ciudad Juarez.
A Corte IDH ainda coloca que esse monumento deverá ser inaugurado
em uma cerimônia, na qual o Estado reconheça publicamente sua res-
ponsabilidade internacional. Além disso, dentro de um prazo razoável,
deverá o Estado realizar um programa educacional destinado à popu-
lação do estado de Chihuahua, com o fito de conscientizá-la e alertá-la
da situação degradante de violação aos direitos humanos das mulheres
que essa sociedade vivenciava, e deverá apresentar um relatório anual à
Corte IDH, por três anos, indicando as ações implementadas.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

A Corte IDH também condenou o Estado à obrigação de


fornecer, por meio de instituições de saúde especializadas, aten-
dimento médico, psicológico ou psiquiátrico, gratuito, imediato,
adequado e eficaz às famílias das vítimas, bem como a indenizá-las
por danos materiais e imateriais e reembolsá-las dos custos e das
despesas correspondentes.
Por fim, a Corte IDH compromete-se a monitorar o cumpri-
mento integral da sentença, no exercício de seus poderes e cum-
primento das suas obrigações, conforme a CADH, e só dará o caso
por concluído uma vez que o Estado tenha cumprido integralmen-
te as disposições contidas na sentença e, consequentemente, hon-
rado seu compromisso com a referida Convenção.

5.2. Caso Maria da Penha vs. Brasil


No dia 20 de agosto de 1998, a CIDH recebeu uma denún-
cia apresentada por Maria da Penha Maia Fernandes e forma-
lizada pelo Centro de Justiça e Direito Internacional (CEJIL) e
pelo Comitê Latino Americano de Direitos da Mulher (Cladem),
contra o Brasil, que documentava a trágica situação de violência
pela qual passam as mulheres brasileiras. A denúncia foi acolhida
pela CIDH, o relatório (de nº 54/01) tornado público, e o Brasil
responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência
doméstica e advertido por sua inércia.
No dia 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica cearense Ma-
ria da Penha Maia Fernandes, que na ocasião tinha 38 anos, dor-
mia em sua casa em Fortaleza - Ceará, quando foi alvejada por um
tiro de espingarda disparado por seu marido, o professor universi-
tário Marco Antônio Heredia Viveiros. O tiro atingiu sua coluna
e, embora não a tenha matado, a deixou paraplégica.
Atribuindo o feito a um assalto, o marido negou a autoria dos
disparos. Segundo os peticionários, o Sr. Heredia Viveiros tinha um

34
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

temperamento agressivo e violento, e já havia agredido sua esposa e


suas três filhas outras vezes durante a relação matrimonial. De acor-
do com os mesmos, a situação da vítima já havia se tornado insu-
portável, mas ela não tinha se separado do agressor por medo dele.
Duas semanas depois de Maria da Penha retornar do hospital,
ainda em recuperação, o marido tentou matá-la uma segunda vez,
descascando os fios do chuveiro elétrico que ela utilizava, causando
em Maria da Penha um choque elétrico de grandes proporções en-
quanto tomava banho. Ainda assim, a vítima não foi a óbito. A par-
tir desse momento, houve a certeza de que era o marido o autor das
tentativas de assassinato. Nesse ponto, ela pediu a separação judicial.
Afirmam os peticionários que o agressor havia atuado pre-
meditadamente, uma vez que, poucas semanas antes da agressão,
tentou convencer a esposa a fazer um seguro de vida em favor
dele, e cinco dias antes de agredi-la, tentou forçá-la a assinar um
documento em que vendia o carro de propriedade dela, sem que
se constasse o nome do comprador. Além disso, indicam também
que Maria da Penha soube posteriormente que o esposo possuía
antecedentes criminais, além de ser bígamo e ter um filho na Co-
lômbia, dados que ele havia omitido.
Eles acrescentam que, devido à paraplegia resultante dos aten-
tados sofridos, a vítima teria que passar por vários tratamentos de
recuperação física, além de estar submetida a um estado grave de
dependência que requer constante ajuda de enfermeiros para se mo-
vimentar, despesas essas que seriam pagas sem o apoio financeiro do
ex-marido. Além de não ajudar com as despesas com medicamentos
permanentes e fisioterapeutas, ele já não pagava a pensão alimentar
determinada judicialmente no processo de separação.
Marco Antônio Heredia passou por dois julgamentos. O pri-
meiro, em 1986, anulado por questões processuais, e o segundo, em
1996 no qual foi condenado a oito anos de reclusão. Da decisão con-
denatória foi interposto recurso. Somente em 2002, após 19 anos

35
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

da primeira tentativa de homicídio, o agressor foi preso. Hoje, ele


cumpre a pena em liberdade no Estado do Rio Grande do Norte.
À data do pedido frente à CIDH, a justiça brasileira já havia
tardado mais de quinze anos sem condenação definitiva do ex-marido
da vítima, que havia ficado em liberdade durante todo esse tempo,
apesar da gravidade dos crimes cometidos contra Maria da Penha.
Essa situação mostrava de forma clara a atuação não efetiva do Poder
Judiciário do Ceará e do Estado brasileiro, que vinha conduzindo o
processo judicial de forma ineficaz e morosa, criando, assim, uma si-
tuação de impunidade, uma vez que a prescrição punitiva nesse caso
ocorreria depois de 20 anos do ocorrido, e esse data já se aproximava.
Os peticionários argumentaram, ainda, que esse caso não era
uma situação isolada no Brasil, sendo na verdade um exemplo do
padrão de impunidade nos casos de violência doméstica contra as
mulheres ocorridos constantemente no país.
A denúncia alega a tolerância da República Federativa do
Brasil em relação à violência perpetrada sobre a vítima, por não
haver tomado, por mais de quinze anos, medidas necessárias para
processar e penalizar o agressor de forma efetiva. É denunciada a
violação dos artigos 1º (1) (Obrigação de Respeitar os Direitos); 8º
(Garantias Judiciais); 24 (Igualdade Perante a Lei ) e 25 (Proteção
Judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH),
em relação com os artigos II e XVIII da Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem, e os artigos 3º; 4º (a), (b), (c), (d), (e),
(f) e (g); 5º e 7º da Convenção de Belém do Pará.
O trâmite da petição na CIDH foi regular. Visto que o Esta-
do não emitiu resposta sobre o caso, apesar de repetidos pedidos
da CIDH, os peticionários solicitaram que, aplicando-se o artigo
42 do regulamento da própria Comissão, fosse presumida a veraci-
dade dos fatos relatados na petição.
Após analisar os requisitos de admissibilidade do requerimento,
em relatório, a Comissão considerou que a petição era admissível, nos

36
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

termos dos artigos 46(2)(c) e 47 da CADH, e do artigo 12 da Conven-


ção de Belém do Pará. Nesse relatório, elaborado nos termos do artigo
51 da já referida Convenção, a CIDH concluiu, quanto ao mérito da
questão denunciada, que houve a violação dos direitos e das garantias
judiciais e de proteção judicial da vítima Maria da Penha Maia Fer-
nandes por parte do Estado. Além disso, a CIDH concluiu que essa
violação vinha ocorrendo como parte de um padrão de discriminação
em matéria de tolerância da violência doméstica contra as mulheres
no Brasil, por conta da ineficácia da ação judicial.
Dentre as recomendações feitas ao Brasil, estava a necessidade
da realização de uma investigação séria, imparcial e intensa, com o
fito de determinar a responsabilidade penal do acusado de tentativa
de homicídio contra a vítima Maria da Penha, e de determinar se
houve outros eventos e ações de agentes estatais no tocante a im-
pedir o processamento rápido, seguro e eficaz do caso, bem como
a punição do agressor. Além disso, a CIDH também recomendou
a reparação efetiva e rápida dos danos para a vítima, bem como a
adoção de medidas em âmbito nacional para eliminar a tolerância
estatal frente à violação dos direitos humanos das mulheres.
O acolhimento da denúncia pela CIDH, no relatório de nº
54/01, tornou público esse caso de violação dos Direitos das mu-
lheres, principalmente no âmbito doméstico, e o Brasil foi respon-
sabilizado por negligência e omissão em relação à violência domés-
tica e advertido por sua inércia.
Com base nesse relatório, foi elaborado um projeto de Lei
que teve à frente as deputadas federais Jandira Feghali, do Rio de
Janeiro, e Iara Bernardi, de São Paulo, discutido no Congresso Na-
cional e o resultado foi a Lei 11.340/2006, que veio com a expec-
tativa de modificar o triste quadro que torna a mulher brasileira
uma vítima dentro de sua própria casa. Sancionada pelo presiden-
te Lula, no dia 7 de agosto de 2006, a Lei “Maria da Penha” entrou
em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Ela veio com a proposta de coibir e prevenir atos de agressão


contra a mulher, trouxe inovações importantes, criando obstácu-
los ao agressor. Alterou o Código Penal (CP), Código de Processo
Penal (CPP) e a Lei de Execuções Penais (LEP).

6. Jurisprudência do Sistema Europeu de


Direitos Humanos
6.1. Opuz vs. Turkey
O caso teve origem com o pedido de número 33401/02, de uma
cidadã turca, Nahide Opuz, contra a República da Turquia, represen-
tada por M. Bestas, seu advogado. O pedido foi apresentado ao Tribu-
nal em 15 de julho de 2002, nos termos do artigo 34 da Convenção
Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Na denúncia, a requerente
alegava ter, juntamente com sua mãe, sofrido abusos extensivos nas
mãos do marido e do pai dele, o sogro. Entre 1995 e 2002 ambas che-
garam a sofrer ameaça de morte e foram continuamente espancadas,
resultando em ferimentos de natureza grave. Em 2002, em ataques
brutais, o agressor esfaqueou a requerente sete vezes e atirou contra
sua mãe, matando-a. Em seu pedido, a requerente denunciava o Es-
tado por negligência e ineficácia no julgamento do seu caso, tendo a
Justiça sido tolerante com o agressor e falhado na proteção dos direi-
tos humanos que deveria garantir, em relação a ela e a sua mãe.
Segundo Nahide Opuz, durante anos de abuso, ela havia apre-
sentado diversas queixas à Justiça turca que, finalmente, condenou
o agressor, por homicídio e por posse ilegal de arma de fogo. No
entanto, o tribunal reduziu a sentença de 15 anos para 10 meses de
prisão e multa, afirmando que a falecida (mãe da requerente) havia
provocado o ataque. O agressor alegou, em sua defesa, que havia
matado a mãe da requerente por motivos de honra, pois, segundo

38
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

ele, a falecida havia induzido sua esposa a levar uma vida imoral,
como a dela própria, e tinha tomado a esposa e os filhos dele.
Segundo consta na petição, a requerente, Nahide Opuz, nas-
ceu em 1972 e residia em Diyarbakir. Sua mãe era casada e, em
1990, Nahide começou uma relação com o filho do esposo de sua
mãe, passando a viver com ele. Eles se casaram oficialmente 12 de
novembro de 1995, e tiveram três filhos, em 1993, 1994 e 1996.
Segundo relatado no processo, a requerente e seu marido viviam
um relacionamento com constantes discussões desde o início.
Os diversos atentados de violência contra as vítimas incluíam
espancamentos seguidos de ameaça de morte, que muitas vezes, causa-
vam hematomas, equimoses e inchaços no corpo de ambas, impossibili-
tando-as para o trabalho por vários dias, e, outras vezes, causavam san-
gramentos, - como nos olhos e orelhas-, equimoses e dores nas costas,
concluindo os relatórios médico que as agressões representavam perigo
de vida. Além disso, as vítimas também já haviam sido agredidas com
faca, bem como sofrido uma tentativa de atropelamento.
Apesar do grau de seriedade da violência sofrida reiteradamente
por Nahide Opuz e por sua mãe, algumas vezes a Justiça local alegou
não haver evidências suficientes para acusar os agressores, e, outras
vezes, as próprias vítimas retiraram as queixas, como consequência
da violência também emocional que sofriam. Com a retirada das
queixas, diversos processos já instaurados de violência contra elas não
puderam prosseguir, - uma vez que os tribunais locais diziam ser ne-
cessária a reclamação do recorrente a fim de continuar o processo-, e
outros, mesmo prosseguindo devido à gravidade dos danos causados,
culminaram em pequenas penas, convertidas em multa.
Em 20 de março de 1998, a recorrente interpôs um pedido de
divórcio contra o marido, com o fundamento de que eles tinham
desavenças intensas, que ele estava fugindo de suas responsabili-
dades como marido e pai, que a maltratava, como já comprovado
por relatórios médicos, e que ele estava trazendo outras mulheres

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

para sua casa. Mais tarde, no entanto, a recorrente desistiu do di-


vórcio, segundo ela, devido a ameaças e pressões do marido.
Em suas defesas, o marido de Nahide Opuz sempre alegava
que suas atitudes violentas eram fruto da perda de controle que
sofria durante as discussões com a mulher, e que todas elas eram
causadas pela intervenção da sogra no casamento, alegando que a
mãe de Nahide queria afastá-lo da esposa e dos filhos.
Em 14 de novembro de 2001, a recorrente apresentou outra
queixa junto ao Ministério Público de Diyarbakir, alegando que o
marido a estava ameaçando. Em 11 de março de 2002, o Ministério
Público decidiu que não havia nenhuma evidência concreta para
processar o acusado, além das alegações feitas pela requerente.
A recorrente estava vivendo com sua mãe desde o incidente ocor-
rido em Outubro de 2001, quando foi esfaqueada pelo marido. Em uma
data não especificada, a mãe da requerente contratou uma empresa de
remoção para mover sua mobília para Esmirna, cidade para onde se mu-
dariam. Tomando conhecimento da situação, o marido de Nahide teria
ameaçado de encontrá-la e matá-la, onde quer que ela fosse. Apesar das
ameaças, em 11 de março de 2002, a mobília foi levada pelo caminhão
da empresa de remoção. Em uma das viagens feitas pelo veículo, a mãe
da requerente pediu ao motorista para também ser conduzida por ele,
até o centro de transferência, realizando o percurso sentada no banco
da frente. Em seu caminho, um táxi parou na frente do caminhão e
começou a sinalizar. O motorista parou, pensando que o taxista queria
pedir alguma informação. Nesse momento, o marido de Nahide saiu do
taxi, abriu a porta da frente do caminhão, onde a mãe da requerente
estava sentada, gritou algo como: “Onde você está levando os móveis?”
e atirou nela, matando-a instantaneamente.
Em 13 de março de 2002, o Ministério Público de Diyar-
bakir, por meio de um promotor, entrou com uma acusação formal
frente ao Tribunal de Diyarbakir Assize, acusando o marido da
requerente por homicídio doloso nos termos do parágrafo primeiro

40
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

do artigo 449 do Código Criminal do Estado. Em 26 de março de


2008, no julgamento final, o citado Tribunal condenou o agressor
à prisão perpétua por homicídio e posse ilegal de arma de fogo.
No entanto, tendo em vista o entendimento de que o acusa-
do cometeu o delito como resultado de provocação por parte da
falecida, bem como a boa conduta do mesmo durante o julgamen-
to, o tribunal atenuou a sentença original do agressor, alterando-a
para 15 anos e dez meses de prisão e uma multa de 180 liras turcas
(TRY). Ademais, por conta do tempo gasto pelo condenado em
prisão preventiva, e pelo fato de que o julgamento seria examinado
em caráter de recurso, o tribunal ordenou sua libertação.
A recorrente alegou, perante a Corte EDH, que havia sido sub-
metida a ameaças de violência, ferimentos e morte várias vezes, mas
que as autoridades foram negligentes em relação a sua situação, o que
causou a sua dor e medo, em violação do artigo 3º da CEDH, que
dispõe que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento de-
sumano ou degradante. A referida Corte, por sua vez, considerou que
a vítima deveria ser considerada dentro do grupo de pessoas vulnerá-
veis, com direito a proteção do Estado. Nesse contexto, observou que
a violência sofrida pela requerente no passado, as ameaças proferidas
pelo marido após a sua libertação da prisão e o medo de ser violentava
mais vezes, bem como sua origem social, ou seja, a situação de vulne-
rabilidade das mulheres no sudeste da Turquia, geravam lesões físicas
e psicológicas suficientemente graves para ascender a maus-tratos, na
acepção do artigo 3º da referida Convenção.
A Corte EDH reconheceu que as autoridades do Estado não
agiram de forma completamente passiva, uma vez que, após cada in-
cidente envolvendo violência contra as referidas vítimas, elas foram
levadas a exames médicos, e foi instituído processo penal contra o
marido. Além disso, as autoridades policiais e judiciais questiona-
ram o agressor em relação aos seus atos criminosos. A Justiça o colo-
cou na prisão em duas ocasiões, processou-o por ameaças de morte

41
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

e por gerar danos físicos às vítimas e, após a sua condenação por


esfaquear a requerente sete vezes, condenou-o a pagar uma multa.
No entanto, a citada Corte entende que, apesar das medidas
tomadas, nenhuma delas foi suficiente para evitar que o agressor
continuasse a repetir os atos de violência, uma vez que as autorida-
des locais não agiram com a diligência necessária para evitar a re-
corrência de ataques violentos contra a requerente e sua mãe, pois o
marido da requerente pôde perpetrar tais atos sem obstáculos, e com
a impunidade, em detrimento dos direitos reconhecidos pela CEDH.
Sobre esse assunto, alegou o Estado que as vítimas não esgotaram
os recursos internos e não cooperaram com as autoridades, uma vez que
retiraram muitas das queixas, impedindo o prosseguimento dos proces-
sos criminais instaurados, pois as disposições de direito interno reque-
riam a participação ativa da vítima no processo. A Corte EDH, por sua
vez, nos termos do artigo 2º da CEDH, reiterou sua opinião a respeito
da reclamação, afirmando que o quadro legislativo do Estado deveria
ter habilitado as autoridades judiciais a prosseguir as investigações cri-
minais contra o agressor, por conta das denúncias de violência serem
reiteradas e suficientemente graves para justificar as acusações, em um
quadro no qual havia ameaça constante à integridade física da vítima.
Considerando a ineficácia total dos remédios sugeridos pelo
Governo em relação às reclamações, e um certo grau de tolerância
observado, que não gerou nenhum efeito preventivo ou de impedi-
mento visível da conduta do agressor, a Corte EDH rejeitou objec-
ção do Governo sobre o não esgotamento dos recursos internos e
concluiu que houve uma violação do artigo 3º da CEDH.
Ademais, a requerente também reclamou, nos termos do ar-
tigo 14, em conexão com os artigos 2º e 3º, que ela e sua mãe
tinham sido vítimas de discriminação em função do sexo, por se-
rem mulheres, uma vez que se entende que o fracasso do Estado
para proteger as mulheres contra a violência doméstica viola o seu
direito a igual proteção da lei.

42
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Levando em consideração a passividade judicial geral e discrimi-


natória na Turquia, ainda que não intencionais, mas que afeta princi-
palmente as mulheres, a Corte EDH considerou que a violência sofrida
pela requerente e por sua mãe podia ser considerada como uma violên-
cia de gênero, que é uma forma de discriminação contra as mulheres,
concluindo que houve violação do artigo 14 da CEDH, em conjugação
com os artigos 2º e 3º,. Apesar das reformas que haviam sido realizadas
pelo Estado nos últimos anos, a falta de resposta generalizada do sistema
judicial e a impunidade dos agressores em casos referentes à violência
doméstica, como ocorrido no presente caso, indicaram que houve com-
prometimento insuficiente do Estado no âmbito de tomar as medidas
adequadas para combater a violência contra à mulher no país.
Por fim, com base nos artigos 6º e 13 da citada Convenção, a
requerente se queixou de que o processo penal que o Estado havia
instaurado contra o agressor fora ineficaz e não tinha conseguido
proporcionar proteção suficiente para ela e para sua mãe, represen-
tando um considerável desrespeito aos direitos humanos de ambas.
Nesta decisão histórica da Corte Europeia de Direitos Huma-
nos, os incidentes de abuso nos eventos foram considerados como
cumulativos e não como separados, e esse órgão reconheceu, pela
primeira vez, que a violência doméstica é uma forma de discrimi-
nação de gênero proibida pela Convenção Europeia dos Direitos
Humanos, reconhecendo a gravidade da violência doméstica na
Europa, os problemas criados pela difícil visualização do crime, e
destacando a seriedade com a qual os Estados devem responder a
essa violação. Em sua decisão, a citada Corte reconheceu que a
violência doméstica não é um assunto privado de família, mas sim
de interesse público, e que exige a ação eficaz do Estado.
Embora reconhecendo a existência de leis na Turquia que cri-
minalizam a violência doméstica, a Corte EDH enfatizou a neces-
sidade de tais leis serem implementadas na prática. Por meio deste
caso, constatou-se que a lei penal em vigor não tinha um efeito

43
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

de impedimento suficiente capaz de garantir a efetiva prevenção da


violência contra as mulheres, e que havia passividade generalizada
por parte de policiais e promotores na resposta a essas reclamações.
Desse modo, a referida Corte considerou a resposta por parte das
autoridades turcas manifestamente insuficiente e decidiu que a Tur-
quia violou os direitos à vida, de ser livre de tortura e de proibição
contra a discriminação de gênero, tal como definido pela CEDH.
Desse modo, esse julgamento representou a primeira decisão da
Corte EDH a surtir o efeito de conscientização dos Estados europeus
no âmbito da violência doméstica, alertando-os da importância do
problema e da obrigação de levarem a sério essa questão, dando a esse
crime a atenção necessária e punindo os agressores de forma eficaz.
A Corte EDH demandou o Estado a pagar à recorrente, no pra-
zo de três meses, a contar da data em que a decisão se tornou final,
em conformidade com parágrafo segundo do artigo 44 da CEDH,
os seguintes montantes, a serem convertidos em liras turcas (TRY),
à taxa aplicável na data da liquidação: o montante total de 30.000
euros (EUR), somado a qualquer imposto que pudesse ser cobrado
da requerente, a título de danos não patrimoniais; e, para os custos e
despesas, 6.500 euros, menos 1.494 euros recebidos por meio de assis-
tência jurídica do Conselho da Europa (“Council of Europe”), além de
qualquer imposto que pudesse ser imputável à requerente.

6.2. Eremia and Others v. the Republic of Moldova


O pedido de número 3564/11 frente ao Tribunal Europeu de
Direitos Humanos (TEDH), também conhecido como Corte Eu-
ropeia de Direitos Humanos (Corte EDH), diz respeito ao caso
de Lilia Eremia, a primeira requerente, que acusou seu marido,
um policial oficial da delegacia de , de cometer violência
doméstica contra ela e suas duas filhas adolescentes, Doina e
Mariana Eremia, as demais requerentes, bem como acusou as

44
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

autoridades da Moldávia de não terem garantido a elas proteção


contra o comportamento violento e abusivo do agressor.
Lilia e suas filhas, cidadãs da Moldávia, nascidas em 1973, 1995
e 1997, respectivamente, residiam em (República da Mol-
dávia). Lilia Eremia era casada, e seu marido, muitas vezes, chegando
em casa bêbado, a agredia física e verbalmente na presença das filhas.
Além disso, o mesmo também dirigia insultos verbais a ambas as fi-
lhas. Por conta disso, a saúde e o bem-estar psicológicos das duas me-
ninas foi seriamente afetado, o que representava perspectivas bastante
negativas para seu crescimento e para sua vida de modo generalizado.
A primeira requerente, Lilian, afirmou ter recorrido à Justiça
devido às agressões, mas depois de ter sido multado e de ter recebido
uma advertência formal por parte das autoridades da Moldávia, o
agressor tornou-se ainda mais violento, tentando sufocá-la em no-
vembro de 2010, incidente após o qual a vítima perdeu a voz por um
dia e meio. Lilia Eremia entrou com o pedido de divórcio em caráter
de urgência, mas não obteve sucesso. Simultaneamente a esse pedi-
do, ela recorreu aos tribunais do país pedindo uma ordem de pro-
teção contra o esposo, que foi emitida em 9 de dezembro de 2010.
Desse modo, o agressor foi condenado a ficar a 500 metros de
distância da casa da família por 90 dias, sem contato algum com as
vítimas. Embora a polícia tenha aberto um processo para supervi-
sionar a execução da ordem de proteção emitida em favor de Lilia e
das filhas, o esposo voltou a agredi-la, de forma cada vez mais inten-
sa e violenta, tendo entrado na casa da família em diversas ocasiões.
Em dezembro de 2010, Lilia Eremia registrou junto à polícia, no-
vamente, a violência reiterada e subsistente cometida pelo marido, que
desrespeitava com frequência a ordem de proteção. Segundo a alegação
da vítima, os policiais a teriam pressionado para retirar a queixa, argu-
mentando que se seu marido fosse condenado, os antecedentes crimi-
nais o fariam perder o emprego de policial, o que afetaria as perspectivas
educacionais e profissionais de suas filhas. No entanto, Lilia não retirou

45
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

a queixa e uma investigação criminal foi iniciada em janeiro de 2011.


Na investigação, apesar de terem sido encontradas provas materiais de
culpa do agressor, por meio de relatórios médicos e de depoimentos pes-
soais de testemunhas, o promotor responsável pelo caso suspendeu a
investigação por um ano, com a condição de que o caso seria reaberto
se o acusado cometesse outro crime durante esse tempo.
Comente-se ainda que, o agressor recorreu contra a ordem
de proteção e, em abril de 2011, os tribunais da Moldávia revoga-
ram parcialmente a referida ordem.
Em seu pedido, apresentado ao TEDH em 16 de janeiro de 2011,
Lilia Eremia fundamentou sua queixa baseando-se no artigo 3º da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), também co-
nhecida como Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais, que trata da proibição de tratamento
desumano e degradante, alegando que as autoridades ignoraram a
violência doméstica a qual ela e suas filhas tinham sido submetidas, e
alegou, ainda, que as autoridades de seu país não conseguiram cum-
prir com diligência a ordem judicial destinada a protegê-las. Ainda
baseada no desrespeito ao mesmo artigo, a vítima alegou que suas
filhas haviam sido verbalmente abusadas pelo pai e testemunharam
sua mãe ser agredida física e verbalmente, sem poderem ajudá-la.
Ademais, a queixa também foi fundamentada nos termos do
artigo 14, que proíbe a descriminação, pois foi alegado pela recla-
mante que as autoridades não conseguiram aplicar a legislação na-
cional destinada a dar proteção contra a violência doméstica como
resultado de ideias pré-concebidas e discriminatórias sobre o papel
da mulher na família, e no artigo 17, uma vez que o Estado não
puniu o comportamento violento do agressor, lhe permitindo conti-
nuar a cometer as agressões com impunidade, em conjunto com os
artigo 8º, que trata do direito ao respeito da vida privada e familiar.
Em termos gerais, por meio de sua recomendação Rec. (2002)5,
de 30 de Abril de 2002, sobre a proteção das mulheres contra a vio-

46
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

lência, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa (Committee


of Ministers of the Council of Europe stated) afirmou, nomeadamente,
que os Estados-membros deveriam introduzir, desenvolver e melho-
rar, onde necessário, as políticas nacionais contra violência sofrida
pelas mulheres, com o fito de garantir a máxima segurança e pro-
teção das vítimas. O Estado deve prover a elas apoio e assistência,
bem como deve garantir o ajuste da lei penal e civil, a sensibilização
do público e a formação de profissionais treinados para confronta-
rem a violência contra as mulheres e prevenirem esse abuso.
O Comitê de Ministros recomenda, ainda, que os Estados-mem-
bros devem penalizar a violência contra as mulheres, como a violência
sexual e o estupro, abuso da vulnerabilidade das grávidas, de mulheres
indefesas, doentes, deficientes ou dependentes, bem como devem pena-
lizar o abuso de posição por parte do autor. Além disso, a recomendação
afirma que os Estados-membros devem garantir que todas as vítimas da
violência sejam capazes de instaurar um processo e de tomar medidas
para assegurar que o processo penal seja iniciado pelo Ministério Pú-
blico, bem como incentivar os promotores a considerarem a violência
contra as mulheres como um fator agravante ou decisivo na decisão
sobre o interesse público do caso, garantindo, quando necessário, que
sejam tomadas medidas para proteger as vítimas de forma eficaz e dili-
gente contra as ameaças e possíveis atos de vingança por parte do autor,
e tomarem medidas específicas e eficazes para garantir que os direitos
das crianças sejam protegidos durante o processo.
Ademais, no que diz respeito à violência no seio da família, o
Comitê de Ministros recomendou que os Estados-Membros devem
classificar todas as formas de violência no seio da família como in-
fracções penais e prever a possibilidade de que sejam tomadas me-
didas a fim de que as vítimas sejam protegidas, como proibindo o
agressor de entrar em contato ou se aproximar da vítima, ou que re-
sidam ou permaneçam em uma mesma área. Cabe ao Estado, tam-
bém, punir todas as violações das medidas impostas para o autor e

47
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

estabelecer um protocolo obrigatório para a operação da polícia, dos


serviços médicos e sociais, para que seja um guia para esses agentes
agirem da maneira mais adequada e competente possível.
Desse modo, após a análise do caso em questão, em conformi-
dade com o regulamento previsto, a Corte EDH constatou que os
tribunais da Moldávia haviam decidido que a situação de abuso do-
méstico sofrido pelas vítimas era suficientemente séria, o que justifi-
cava a ordem de proteção que havia sido emitida em favor de Lilia
Eremia. No entanto, a Corte EDH entendeu também que, mesmo a
legislação do Estado contendo previsões de sanções penais contra os
agressores no caso da violência doméstica, e medidas de proteção para
as vítimas; mesmo tendo as autoridades sido bastante conscientes do
comportamento violento do marido de Lilia, que se agravou após a
ordem proteção emitida em 9 de Dezembro de 2010; e mesmo tendo
o agressor violado a ordem diversas vezes, o Estado teria agido com
negligência e falta de diligência necessária na apuração e punição do
caso, já reconhecidamente sério. Em razão disso, Lilia e suas filhas
haviam sido submetidas a uma experiência desumana de sofrimento,
medo e ansiedade, o que desrespeita o artigo 3º da CEDH.
Embora a referida Corte tenha reconhecido que as autoridades
do país não permaneceram totalmente passivas desde as primeiras
denúncias de Lilia Eremia, uma vez que o agressor fora multado e
recebera uma advertência formal, entendeu que a Justiça do Estado
não foi rápida nem diligente o suficiente na apuração do caso e na
proteção das vítimas, uma vez que nenhuma das medidas adotadas
foi eficaz e, apesar de reiteradas violações do agressor à ordem de
proteção judicial, foi permitido a ele que continuasse a exercer suas
funções como policial, sem que qualquer medida tenha sido tomada
para garantir a segurança da requerente e de suas filhas.
Ademais, a falta de uma ação decisiva das autoridades no re-
ferido caso tinha sido ainda mais preocupante e podia representar
perspectivas bastante negativas para a busca da justiça no país,

48
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

considerando que o agressor era um policial, trabalhava para o


Estado fiscalizando o cumprimento das leis, e seus requisitos pro-
fissionais incluíam a proteção dos direitos dos outros, a prevenção
de crimes e a proteção da ordem pública.
Além disso, a Corte EDH considerou não ser compreensível
o motivo pelo qual o promotor entendeu não ser o agressor um
perigo à sociedade, tampouco razoável ter suspendido condicio-
nalmente a investigação das acusações contra o mesmo, embora os
tribunais Moldávia tivessem estendido a ordem de proteção con-
tra ele quatro dias antes, em um entendimento de que o agressor
representava um risco significativo para a sua esposa e suas filhas.
Essa suspensão isentou o denunciado da responsabilidade crimi-
nal, em vez de impedi-lo de continuar a cometer violência.
Assim, o Tribunal concluiu que a falha das autoridades em
tomar medidas eficazes na busca de justiça e proteção para as re-
querentes, apesar de seu conhecimento prévio sobre o perigo da
violência doméstica que o agressor praticara, bem como da repeti-
ção reiterada de seus atos, havia sido uma violação do artigo 3º da
CEDH, no que diz respeito Lilia Eremia.
Em relação às filhas de Lilia Eremia, embora a queixa também
tenha sido baseada na violação do artigo 3º do já referido instru-
mento, a Corte EDH decidiu examinar a denúncia nos termos do
artigo 8º, uma vez que entendeu que o bem-estar psicológico das
duas meninas havia sido consideravelmente prejudicado por teste-
munharem repetidamente a violência de seu pai contra a sua mãe.
A referida Corte reiterou, ainda, que o fracasso do Estado
para proteger as mulheres contra a violência doméstica violou o
direito das mesmas de serem igualmente protegidas pela lei, bem
como as reiteradas atitudes de tolerância com o agressor refletiam
uma atitude discriminatória, pelo fato da vítima ser mulher.
De acordo com a sentença da Corte EDH:

49
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

FOR THESE REASONS, THE COURT UNANI-


MOUSLY
1. Declares the complaints under Articles 3, 8 and 14
of the Convention admissible, and the remainder of
the application inadmissible;
2. Holds that there has been a violation of Article 3 of
the Convention in respect of the first applicant;
3. Holds that there has been a violation of Article 8
of the Convention in respect of the second and third
applicants;
4. Holds that there has been a violation of Article 14
read in conjunction with Article 3 of the Convention
in respect of the first applicant;
5. Holds that there is no need to examine separately
the complaint under Article 14 read in conjunction
with Article 8 of the Convention;

Pela sentença, o Estado foi demandado a pagar às requerentes,


dentro de três meses a contar da data em que a decisão se tornou
definitiva, em conformidade com o parágrafo 2º do artigo 44 da
CEDH, os seguintes montantes, a serem convertidos para a moeda
do Estado à taxa aplicável na data de liquidação: 15.000 euros, além
de qualquer imposto que possa ter sido cobrado, a título de danos
não patrimoniais; 2.150 euros, acrescido de qualquer imposto que
possa ser imputado às requerentes, em relação aos custos e despesas.

Conclusão
O presente trabalho teve como objetivo fazer uma análise his-
tórica do surgimento e da evolução dos Direitos Humanos; analisar
os instrumentos normativos atualmente existentes para a proteção

50
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

desses direitos; e fazer um estudo sobre como os direitos humanos


das mulheres vêm sendo atualmente protegidos pelo Sistema Intera-
mericano e pelo Sistema Europeu de Direitos Humanos.
Com base nisso, pôde-se constatar que os direitos humanos
surgiram com as primeiras manifestações sociais contra os abusos
de poder, e acompanharam historicamente a evolução do homem
como ser individual e social, refletindo, com o tempo, o entendi-
mento que o ser humano tinha de si mesmo como sujeito de direitos.
Toda essa crescente e construtiva luta por direitos levou a so-
ciedade ao entendimento da necessidade cada vez mais crescente de
mecanismos que garantissem, protegessem e fiscalizassem o respeito
a esses direitos, buscando essa garantia de forma cada vez mais di-
ligente, até que se chegasse ao nível de proteção aos direitos huma-
nos atualmente existente, com a presença de inúmeras legislações
internacionais e de órgãos de proteção nacionais e internacionais
- Sistema Universal e Sistemas Regionais de Direitos Humanos -,
que representaram perspectivas bastante positivas na busca pela paz
entre as pessoas e os povos, pela justiça e pela igualdade.
Além disso, como os direitos humanos refletem a socieda-
de que visam proteger a cada vez maior concepção de reconhe-
cimento das diferenças que a sociedade moderna vive, refletiu a
necessidade de que as diferenças fossem protegidas como direitos
humanos também, sob a perspectiva de que o direito à diferença
deve ser reconhecido e respeitado como forma de promover direi-
tos, assim como o direito à igualdade.
Desse modo, os instrumentos normativos de proteção aos di-
reitos humanos, em âmbito global e regional, têm reconhecido, de
forma crescente, os direitos humanos dos grupos particularmen-
te vulneráveis, como mulheres, afrodescendentes e crianças. Os
instrumentos especiais adotados pelo Sistema Global, por exem-
plo, versam sobre sujeitos de direito específicos, que precisam ser
considerados em sua particularidade, assim como a violação deles
deve gerar uma resposta mais específica.

51
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Nesse contexto, foi analisado que os direitos das mulheres,


por sua vez, vêm contando com uma cada vez maior tutela inter-
nacional por parte dos órgãos normativos de proteção aos direitos
humanos, como o Sistema Interamericano e o Sistema Europeu.
Por meio de seus órgãos, esses Sistemas vêm entendendo que, por
conta das relações históricas desiguais entre homens e mulheres,
os direitos das mesmas merecem sim tutela especial, e entendem
por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psi-
cológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Desse modo, a eliminação da violência contra a mulher é de
inquestionável importância para o desenvolvimento das mesmas,
bem como pela busca de uma igualitária e plena participação das
mulheres em todas as esferas de vida, tanto individual quanto social.

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55
O Discurso de Gênero
no Poder Judiciário

Lorena Costa Lima


Bolsista PIBIC/CNPq (2009-2012)
Universidade de Fortaleza

Introdução
Há séculos as mulheres vêm sendo alvo de uma estrutura
social discriminatória que as coloca em uma hierarquia inferior
a do homem. Por certo, em termos ocidentais, a igualdade formal
de direitos vem sendo concretizada a partir da modificação de le-
gislações evidentemente discriminatórias. Todavia, o alcance da
igualdade material impende à observação de outros aspectos que
ultrapassam a questão da revogação ou da modificação das leis.
A discriminação de gênero pode ser evidenciada na própria
cultura e nos valores dominantes da sociedade, influenciando não
só o Poder Legislativo na sua tarefa de criar leis, mas, na mesma
medida, na própria interpretação e aplicação do Direito.
Nesse marco conceitual, o objetivo do presente artigo é anali-
sar o discurso de gênero produzido pelo Poder Judiciário. Parte-se do
pressuposto de que o gênero é um fator presente na cultura e que pode
ser visualizado na prolação das decisões judiciais. Assim, demonstrar-
-se-á que as razões enunciadas para fundamentar alguns dos votos e
acórdãos do Poder Judiciário sofrem a influência de fatores extralegais
que reforçam a desigualdade substancial entre homens e mulheres.

57
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Inicialmente, apresentar-se-á uma breve distinção entre os termos


“sexo” e “gênero”, destacando-se a importância dessa diferenciação para
afastar a ideia de que a desigualdade de direitos entre homens e mulheres
decorre da natureza humana. Nessa esteira, defende-se a necessidade
de reconhecer o gênero enquanto categoria de análise social, uma vez
que a forma mais enérgica de combater a discriminação é reconhecer
a existência de uma construção que hierarquiza os valores masculinos
e femininos, relegando a estes últimos um lugar de menor importância.
Seguidamente, centra-se a discussão na influência produzida
pelo gênero no Direito, defendendo-se a compreensão de que o Di-
reito, enquanto prática discursiva, é dotado de gênero, na medida
em que se deve analisar como esse fator opera no Direito e como a
prática jurídica poderá servir para reforçar a discriminação.
Nesse passo, apresentar-se-á brevemente a proposta das auto-
ras Rebeca Cook e Simone Cusak, que visa ao diagnóstico e assi-
nalação de estereótipos de gênero produzidos pelo Poder Judiciário.
Finalmente, serão analisadas três decisões do Supremo Tri-
bunal Federal e três decisões do Superior Tribunal de Justiça,
quais sejam o Habeas Corpus nº 106.212/MS, a Ação Declaratória
de Constitucionalidade nº19 e a Ação Direta de Inconstituciona-
lidade nº 4424, bem como os Habeas Corpus 109547/ES e 196877/
RJ e o Recurso Especial 1428596/RS.
A escolha das decisões baseou-se em pesquisa nos sítios eletrônicos
dos referidos órgãos, a partir da ferramenta de consulta jurisprudencial.
Utilizou-se, no mecanismo de busca, as palavras “gênero” e “mulher”.
Assim, justifica-se o presente trabalho na importância de for-
talecer a proteção destinada às mulheres. Embora se possa assistir
hodiernamente a uma reestruturação da ordem jurídica no sentido
de revogar leis nitidamente discriminatórias e produzir outras de
cunho protecionista, a discriminação, observada na escolha das
motivações, parâmetros de atuação e fundamentação dos julgados,

58
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

persiste e revela a adoção de estereótipos de gênero que compro-


metem a igualdade substancial de direitos.
Afinal, as razões que fundamentam os acórdãos e demais mani-
festações judiciais passam a ser legitimadas pelo Estado, servindo de
parâmetro para decisões de juízes de instâncias inferiores. Em tempos
nos quais se busca a desconstrução de hierarquias em torno do mas-
culino e do feminino, a institucionalização de posicionamentos que re-
velam estereótipos de gênero é incompatível com uma ordem jurídico-
-social que prescreve a igualdade de direitos entre homens e mulheres.

1. O Gênero Como Categoria de Análise da


Realidade Social
A histórica divisão entre espaço público e privado fixou o
locus da atuação dos homens e das mulheres, colocando o homem
como dominador do espaço público e provedor econômico do es-
paço privado e relegando à mulher tão somente a competência de
assuntos de índole doméstica e familiar.
Trata-se da estrutura basilar sobre a qual se ergueu a discri-
minação sofrida pelas mulheres e cuja origem está nos primórdios
da história da humanidade, quando, em virtude de aspectos bio-
lógicos e das necessidades de sobrevivência, o homem assumiu um
papel de provedor da família, enquanto a mulher aderiu à tarefa
primordial da criação dos filhos e do cuidado com o lar.
Desse modo, o homem, que dominava o espaço público, será
aquele que acumulará riqueza e regerá as esferas econômicas, so-
ciais e políticas; estabelecendo tanto as normas comportamentais,
como os comandos jurídicos. A estruturação social, portanto, for-
mou-se a partir de uma perspectiva puramente masculina.
Com o decorrer da história, a separação de tarefas tornou-se me-
nos nítida, embora a sua essência permanecesse e se fixasse na cultura,

59
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

ratificando uma organização hierárquica em que as características mas-


culinas são vistas como superiores às femininas, em um ato contínuo de
transformação das diferenças sexuais em desigualdades sociais.
Assim, foi somente a partir da Declaração de Viena que os
direitos das mulheres e das meninas foram apontados como parte
indissociável dos direitos humanos universais. O art. 18 da Decla-
ração (1993, on line) prescreve que: “Os Direitos Humanos das mu-
lheres e das crianças do sexo feminino constituem uma parte ina-
lienável, integral e indivisível dos Direitos Humanos universais [...]”.
Teles (2007, p. 11) assevera que:

Não se concebia que as mulheres violentadas por seus ma-


ridos/companheiros, espancadas e até assassinadas sob a
alegação da defesa da honra, em nome do amor e da pai-
xão, tivessem, assim, seus direitos humanos violados. En-
tendia-se que eram questões privadas – menores, portanto
– e não mereciam ter um tratamento político e digno.

A identificação destas demandas como “direitos humanos”


causou um impacto na divisão entre o espaço público e o privado.
Tal compreensão dos direitos das mulheres possibilitou a emergência
destas questões nos debates públicos, superando-se a noção de que os
interesses das mulheres deveriam estar reduzidos ao espaço privado.
É, pois, um momento memorável na história dos direitos huma-
nos, especialmente porque abriu a possibilidade de responsabilizar o
Estado pela sua omissão nos casos em que a discriminação e a violên-
cia contra a mulher estivessem restritas à esfera privada e ainda que
não houvesse a participação de um agente estatal (TELES, 2007).
Esse processo internacional de reafirmação dos direitos huma-
nos das mulheres alcançou seu ápice em 1995, na IV Conferência
Mundial Sobre a Mulher celebrada em Pequim, ao se denunciar a
influência do gênero na sociedade e ser destacada a importância de
ser adotada essa perspectiva para o enfrentamento da discriminação.

60
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A partir desse momento, começou-se a superar a concep-


ção da desigualdade entre homens e mulheres com base em parâ-
metros biológicos, inaugurando uma análise que se concentra na
própria relação travada entre homens e mulheres e nos contornos
sociais construídos a partir dessa relação.
Oportunamente, cumpre ser destacada a diferença entre os
conceitos de “sexo” e de “gênero”.
O sexo masculino e o feminino podem ser identificados a
partir de características naturais, físicas e biológicas que fazem de
um indivíduo um homem ou uma mulher. Diferentemente, o gê-
nero trata-se de uma construção social acerca dos papéis a que
foram designados homens e mulheres.
Lopes e Andrade (2010, p. 68) referem-se ao gênero como
“conjunto modificável de características culturais, sociais e edu-
cacionais atribuídas pela sociedade ao comportamento humano,
qualificando-o de masculino ou feminino”.
A seu turno, Teles (2007, p. 38) afirma que “gênero se constrói
socialmente de acordo com o tempo histórico vivido em cada socie-
dade”. Assim, há que se entender a diferença existente entre as carac-
terísticas biológicas de cada sexo e a simbologia construída cultural e
socialmente sobre o masculino e o feminino (CARLOS, 2007).
Não se trata de negar que, essencialmente, homens e mulheres
são diferentes e que biologicamente podem apresentar melhores apti-
dões a determinadas tarefas. Negar a essência e buscar uma espécie
de “igualação” da mulher em relação ao homem seria o mesmo que
pensar que a mulher é inferior e o homem é superior, denotando-se
um pensamento precipuamente machista. A questão é que a diferen-
ça não deve significar a discriminação e a submissão de um ao outro.
Todavia, observa-se que existem valores e características que
foram vinculados a ambos os sexos, mas não foram determinados bio-
logicamente. Este tipo de vinculação, a bem da verdade, são constru-
ções culturais que têm sustentado a discriminação durante séculos.

61
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Referidas construções simbólicas criaram um estereótipo em


que a mulher é relacionada com a fragilidade e com a submissão
ao masculino. Lopes e Andrade (2010, p. 69) trazem à baila o se-
guinte exemplo: “É feminino mulher chorar porque é feminino ser
frágil. Já ocultar os sentimentos, não chorar, ser forte é masculino
e, portanto, é o comportamento que é esperado dos homens”.
Nesse sentido, denota-se que conceitos agregados à cultura
reforçam a subsistência de uma estrutura hierarquizada, ocasio-
nando uma visão míope dos fatos sociais. Nessa perspectiva é que
devem ser utilizadas as “lentes de gênero”, a fim de possibilitar a
garantia dos direitos humanos das mulheres.
Facio (2000, on line) assevera que quando se procede a um diag-
nóstico de um fato social a partir de uma perspectiva que não con-
temple o gênero, na verdade se faz um diagnóstico androcêntrico, que
não demonstra a realidade e que está imerso em valores masculinos.
Teles (2007, p.40) ressalta que:

[...] gênero enfrenta o desafio de se contrapor àquelas


concepções tradicionais acomodadas nas mentalidades
conservadoras de aceitar como “naturais” a invisibilidade
e a desvalorização social das “ditas atividades femininas”,
como o trabalho doméstico, o cuidar das pessoas e de
sua infra-estrutura etc., e, ao mesmo tempo, considerar
o superdimensionamento dos valores “ditos masculinos”
como parte da natureza humana.

Impende, portanto, reconhecer que a discriminação de gê-


nero está arraigada na mentalidade social e que, como o ponto de
partida, deve-se evidenciar a sua influência no comportamento e
na relação entre os sujeitos.
Isso porque a forma mais enérgica de combater a discrimina-
ção é justamente reconhecer a existência do gênero, utilizando-o
como uma categoria de análise social, com o objetivo de denotar

62
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

com maior precisão - e coerência com o princípio da dignidade


humana - as medidas adequadas para a promoção e proteção dos
direitos humanos e fundamentais das mulheres.

2. A Influência do Gênero no Direito e no


Discurso do Poder Judiciário
2.1. A influência do fator gênero no Direito
O Direito não é axiologicamente neutro, não está imune aos va-
lores predominantes da sociedade que pretende regular, mas é uma prá-
tica discursiva, capaz de dar sentido às condutas dos seres humanos ao
conceder autoridade e respaldar o poder. Deve-se, portanto, superar a
concepção reducionista que o entende puramente como norma.

El derecho es un discurso social y, como tal, dota de senti-


do a las conductas de los seres humanos y los convierte en
sujetos, al tiempo que opera como el gran legitimador del
poder, que habla, convence, seduce y se impone a través
de las palabras de la ley [ ] Ese discurso jurídico instituye,
dota de autoridad, faculta a decir o a hacer, y su senti-
do resulta determinado por el juego de las relaciones de
dominación, por situación de las fuerzas en pugna en un
cierto momento y lugar (RUIZ, 2000, p. 21).

Assim, o Direito, em lugar de ser utilizado para garantir a justiça,


pode ser utilizado para dominar e para impor os interesses e os valores
do grupo dominante. Lopes e Andrade (2010, p.68) afirmam que:
“Os homens, enquanto donos do espaço público, serão não apenas os
criadores das normas jurídicas, mas também das normas sociais que
irão manter as mulheres num segundo plano da sociedade”.

63
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Constatando-se que aos homens foi reservado o espaço pú-


blico, no qual o Direito é criado e aplicado, percebe-se claramente
que as normas jurídicas foram usadas durante séculos pelos homens
para se manter no poder e relegar as mulheres a um segundo plano.
Nessa esteira, Carol Smart (2000) aponta três formas de per-
ceber a influência do fator gênero no Direito apontadas pelo Femi-
nismo, são elas: a) “o Direito é sexista”; b) “o Direito é masculino”;
c) “o Direito tem gênero” (SMAR, 2000).
O enfoque que afirma ser o Direito “sexista” destaca que, ao dife-
renciar homens e mulheres, o Direito designou à mulher um patamar
inferior ao do homem. Nesse sentido, Lopes e Andrade (2010, p. 72)
ressaltam algumas formas de expressão desse enfoque, os quais podem
ser evidenciados quando são apresentadas normas que comprometam
diretamente a igualdade de direitos das mulheres. Observe-se:

Ao inviabilizar sua independência econômica, exigindo-lhe,


por exemplo, a autorização do marido para trabalhar fora de
casa, ou ao lhe julgar a partir de padrões comportamentais
patriarcais (“mulher honesta”), negar-lhe igualdade de opor-
tunidades (restringindo-lhe o exercício de direitos políticos),
e ao ignorar os danos sofridos quando esses pudessem preju-
dicar os homens (estupro em uma relação conjugal).

Sob esse prisma, a forma de extinguir a discriminação de gê-


nero contra a mulher no Direito seria elaborar normas totalmente
neutras. Não obstante, ainda que por muito tempo o Direito tenha
sido utilizado para colocar as mulheres numa situação de desvan-
tagem, não se pode olvidar que o fator gênero afeta antes e, sobre-
tudo, a cultura e a mentalidade de toda a sociedade.
Nesse diapasão, conforme Lopes e Andrade (2010, p.72), se-
ria “impossível construir um ordenamento jurídico imune ao gê-
nero, à medida que é impensável uma cultura sem comportamen-
tos femininos ou masculinos”.

64
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Dessa maneira, mesmo com a extinção de todas as leis for-


malmente discriminatórias, ainda assim não se poderia falar na
real efetivação da igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Portanto, a perspectiva de que “o Direito é sexista”, que pro-
põe a reforma das leis como forma de combater a discriminação,
não enfrenta o cerne da problemática, aportando-se sobre uma
análise superficial (SMART, 2000).
Já a perspectiva que defende que “o Direito é masculino”,
baseia-se na percepção de que a maioria dos operadores jurídicos
são homens e, portanto, a aplicação do Direito fundamenta-se em
valores masculinos.
Lopes e Andrade (2010, p.72) afirmam que “Diferente do se-
xismo, que se limita a questionar os enunciados normativos como
fonte da discriminação de gênero; para este segundo posiciona-
mento, o problema existe também na aplicação das normas”.
Desse modo, ainda que existissem normas formalmente neu-
tras, a discriminação persistiria em virtude de fato de que aqueles
que aplicam o Direito são, em sua maioria, homens.
Referido entendimento ignora que os valores masculinos estão
arraigados na cultura, de forma que não estão especificamente vincu-
lados aos homens, mas podem, inclusive, ser observados em mulheres.
Além disso, olvida outros fatores que podem incidir no mo-
mento da aplicação do Direito, como a idade, a raça e a condi-
ção social. Pensar assim seria persistir na ideia de que existe uma
“luta”, travada entre homens e mulheres para utilizar-se do Direito
como instrumento de poder (LOPES; ANDRADE, 2010).
O terceiro enfoque afirma que “o Direito tem gênero”, sendo,
portanto, necessária uma mudança no campo dos valores de toda
sociedade, e não somente nos homens e nas normas jurídicas. Para
esta perspectiva, o gênero influencia o Direito e este, pela sua vez,
auxilia a reforçar a discriminação de gênero exercida tanto por
homens como por mulheres (SMART, 2000).

65
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Do exposto, pode-se concluir que o gênero deve ser enten-


dido como um fator que influencia sobremaneira na criação, apli-
cação e interpretação do Direito, vez que os que os operadores do
Direito não estão imunes à sua influência. Paralelamente, ao ser
enunciado o Direito - seja pela norma ou pela prolação de decisões
judiciais -, pode-se reforçar ou afastar construções sociais erigidas
em torno de conceitos discriminatórios.

2.2. Estereótipos de gênero no discurso do Poder


Judiciário
Nessa perspectiva em que se assinala o Direito enquanto prática
discursiva, o intérprete tem a tarefa de promover uma argumentação
racional que fundamente sua decisão. Está superada a visão de julga-
dores que atuam apenas em sua função lógico formal de subsumir o
fato à norma; demandando-se a abstração, a interpretação e a capaci-
dade reflexiva daquele que proferirá o direito no caso concreto.
Nesse processo, os juízes podem ser influenciados por fato-
res imersos na cultura, aportando suas opiniões sobre imagens e
conceitos genéricos da realidade social. Trata-se da utilização de
estereótipos, os quais embora não tenham sempre um significado
negativo, atuam a partir de uma simplificação do objeto ao des-
considerar características individuais do sujeito a que se refere.
O estereótipo de gênero, portanto, atua no sentido de atribuir
a um indivíduo determinadas qualidades ou papéis sociais somente
em razão de ser homem ou mulher. A partir desse processo de gene-
ralização, “todas las dimensiones de la personalidad que hacen que
una persona sea única, serán por lo tanto, filtradas a través del lente
de dicha visión generalizada o preconcepción sobre el grupo con el
cual se le identifica” (COOK; CUSAK, 2010, p.11).

66
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A título de exemplo, comumente caracteriza-se o homem


como um indivíduo dinâmico, agressivo, objetivo, valente e apto a
atividades intelectuais, ao passo que à mulher vinculam-se carac-
terísticas como passividade, ternura, medo, dependência e aptidão
para atividades manuais.
Tais preconcepções, dado que inseridas no imaginário social,
são reproduzidas no discurso daqueles que prolatam a norma jurí-
dica. Neste ponto, retoma-se a ideia já explanada: o fator gênero
afeta o direito, mas é também o discurso jurídico que reforça as
diferenças de gênero. Enquanto discurso social, a prática jurídica
também é capaz de definir o masculino, o feminino, definir pa-
drões de comportamento e colocá-los em uma relação hierárquica.
Assim, Cook e Cusak (2010, p.3) defendem a necessidade
de proceder a uma análise em face do discurso judicial, tal qual
um diagnóstico médico que busca encontrar uma enfermidade.
Essa apreciação deverá ter a finalidade de identificar estereótipos
de gênero negativos, os quais, por vezes, são inconscientemente
reproduzidos na motivação dos veredictos. Observe-se:

Hacer una analogía con el diagnóstico médico de enfermedades


puede ser útil, se requiere que una enfermedad sea diagnosticada
para poder proceder con su tratamiento. Una de las dificultades
de diagnosticar un estereotipo de género como enfermedad, es que
de ninguna forma se considera como tal, puesto que es un com-
ponente integral de la manera natural de funcionar y de formas
inconscientes de pensar afectadas por el género. Como resultado
de ello, debe hacerse un esfuerzo concertado para diagnosticar un
estereotipo dañino de género como una enfermedad, identificar
los perjuicios que causa y definir el tratamiento a seguir.

Assim, procedida à análise, as referidas autoras sustentam


a necessidade de nomear os tipos de estereótipos, em um proces-
so de identificação dos danos individuais que foram causados por

67
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

uma lógica coletiva de submissão da mulher. Ou seja, identificada


a existência de estereótipos negativos de gênero, deverão ser no-
meados para que seja efetiva a sua eliminação. Senão, veja-se:

La eliminación de un estereotipo de género presupone que un indi-


viduo, una comunidad o un Estado es consciente de la existencia
de dicho estereotipo y de la forma en que opera en detrimento de
una mujer o de un subgrupo de mujeres. En los casos en que un
estereotipo opera sin ser detectado y es reafirmado por el estatus
quo, la jerarquía de género dominante o más generalmente, por las
jerarquías de poder social o económico, una medida necesaria para
su eliminación es tomar conciencia de su existencia e identificar
cómo perjudica a las mujeres (COOK; CUSAK, 2010, p.43).

Dentre os tipos de estereótipos apresentados por Cook e Cusak


(2010, p.29)1, destaca-se no presente trabalho o “estereótipo sobre pa-
péis sexuais”, segundo o qual as diferenças biológicas determinam quais
os comportamentos sociais apropriados para homens e mulheres.
Assim, as autoras o definem, em síntese, como “las nociones
generalizadas según las cuales los hombres deben ser los proveedo-
res primarios de sus familias y las mujeres, madres y amas de casa”
(COOK; CUSAK, 2010, p. 33).
Finalmente, cumpre destacar que a análise do discurso do Poder
Judiciário enquanto instrumento de produção do gênero encontra-se
mais adiantada no âmbito internacional. Nos últimos anos, é cres-
cente o número de decisões de órgãos internacionais de proteção dos
direitos humanos que apresentam decisões que denunciam os estere-
ótipos de gênero reproduzidos nas práticas institucionais dos Estados.
Cita-se, nessa esteira, a atuação da Corte Interamericana de Direitos
Humanos nos casos Miguel Castro Castro contra Perú (2006); Gon-

1 A título de conhecimento, são quatro os tipos de estereótipos apresentados pelas


autoras em questão, são eles: 1) de sexo; 2) sexuais; 3) sobre papéis sexuais e 4)
compostos (COOK; CUSAK, 2010, p. 29).

68
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

zález e outras contra México (2009); Fernández Ortega e outros con-


tra México (2010) e Rosendo Cantú e outra contra México (2010).
À guisa de exemplo, no emblemático Caso González e ou-
tras contra México, também conhecido como “Caso Campo Al-
godonero”, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (2009,
on line) utilizou-se do conceito de “gênero” para direcionar sua
decisão, veja-se: “el estereotipo de género es una pre-concepción de
atributos o características poseídas o papeles que son o deberían ser
ejecutados por hombres y mujeres respectivamente”.
Asseverando, ademais, que “la creación y uso de estereotipos
se convierte en una de las causas y consecuencias de la violencia de
género en contra de la mujer” (CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, 2009, on line, grifou-se).
Assimilados tais conceitos, é nessa perspectiva que se revela es-
sencial uma análise dos discursos produzidos pelo Poder Judiciário, a
fim de visualizar possíveis argumentações que contenham estereóti-
pos de gênero e que fazem perpetuar a discriminação das mulheres.
Com efeito, sabe-se que a produção jurisprudencial de um
tribunal reproduz o discurso oficial de um Estado, pelo qual se
anunciam seus valores legítimos. Nessa perspectiva, os estereóti-
pos implícitos ao raciocínio e à linguagem dos juízes devem ser
denunciados, a fim de que o Estado não os institucionalize e os
perpetue, favorecendo um caráter de normalidade daquilo que, em
verdade, trata-se de discriminação de gênero.

3. Análise Das Decisões Selecionadas


3.1. Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal (STF) não acumula vasta juris-
prudência no que tange aos direitos fundamentais das mulheres.
Não obstante, foram selecionados três julgados atuais que aden-

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

tram a temática, a fim de que possam ser visualizados os argumen-


tos quando da fundamentação das decisões, verificando-se, assim,
a atuação da Corte Suprema em face das demandas de gênero.
O primeiro julgado selecionado é referente ao Habeas Cor-
pus - HC n° 106.212/Mato Grosso do Sul, de 24/03/2011, em favor
de indivíduo que fora denunciado em virtude de contravenção
penal relativa à prática de “vias de fato” por ter desferido tapas e
empurrões em sua companheira.
Aplicou-se a pena de quinze dias de prisão, o que fora substi-
tuído por pena de prestação de serviço à comunidade, aplicando-se
o art. 41 da Lei n° 11.340 de 2006 e, por conseguinte, sendo afas-
tada a incidência da Lei de Juizados Especiais (Lei n° 9099/1995).
A fundamentação da decisão pauta-se no pedido de decla-
ração de inconstitucionalidade do art. 41 da Lei n° 11.340/2006,
que prescreve: “Aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista,
não se aplica a Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
Nesse passo, destaque-se que a Lei nº 9099/1995, conhecida
como Lei de Juizados Especiais, apresenta um procedimento mais
célere, mais simplificado e que não está preso ao rigor do formalis-
mo, apresentando, por isso, uma compressão procedimental.
No seu voto, o Ministro Relator Marco Aurélio afirmou a cons-
titucionalidade do art. 41 da Lei n° 11.340/2006, aportando-se sobre
dois fundamentos precípuos, quais sejam a proteção à família (art.
226 §8º, CRFB/1988 - “O Estado assegurará a assistência à família
na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para
coibir a violência no âmbito de suas relações”) e a assertiva de que a
definição de infração de menor potencial ofensivo sujeito à Lei dos
Juizados Especiais foi apenas uma opção política do legislador.
A posição do Relator foi seguida pelos demais Ministros, me-
recendo atenção a fundamentação referente ao art. 226, §8º, da
CRFB/1988, o qual foi reiteradamente destacado. Veja-se extrato
do voto do Ministro Ricardo Lewandowski:

70
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

O que fez o legislador ordinário no artigo 41? Retirou esse


tipo de crime praticado contra a mulher no âmbito domés-
tico daquele rol de crimes considerados de menor potencial
ofensivo. O legislador ordinário diz o seguinte: são crimes de
maior potencial ofensivo, exatamente porque atingem um dos
valores mais importantes da Constituição, que é justamente a
proteção da família. O artigo 226, caput, diz: “A família, base
da sociedade, tem especial proteção do Estado” (grifou-se).

No mesmo sentido, observe-se parte do voto do Ministro Jo-


aquim Barbosa:

Vejo que as previsões da lei buscam proteger e fomentar


o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, im-
pedindo que, sob o manto da família e da intimidade, seja
imposta uma submissão física, econômica e psicológica
à mulher com a consequente limitação da sua liberdade.
Isto, sim, desconfigura o conceito de família, protegido
constitucionalmente, e conduz ao surgimento de um nú-
cleo social de poder patriarcal que se auto excluiria da
obediência ao ordenamento jurídico (grifou-se).

Com efeito, verifica-se nos votos menções que justificam a


proteção a mulher em virtude de seu papel no seio familiar. Ob-
serve-se o voto do Ministro Ayres Britto:

E proteger as mulheres é mais do que proteger as mulhe-


res, é proteger as crianças, com quem as mulheres têm
muito mais afinidade, identidade, intensidade de afetos,
comportando-se perante seus filhos como se eles fossem
crias, e como se elas fossem verdadeiras lobas, como se
diz, tradicionalmente, numa linguagem literária. As mu-
lheres dão a vida pelos seus próprios filhos, sem qualquer
pestanejamento, sem qualquer hesitação (grifou-se).

71
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Por fim, o HC n° 106.212/MS foi julgado improcedente, sen-


do declarada a constitucionalidade do art. 41 da Lei n°11340/2006,
fundamentando-se, precipuamente, na importância de proteger à
mulher como uma forma de resguardar o núcleo familiar.
A segunda decisão refere-se ao posicionamento do STF acer-
ca da Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC n° 19 e
da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n° 4424, cujas de-
cisões foram proferidas em 09.02.2012.
A ADC n° 19 foi ajuizada pelo então Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva, objetivando-se confirmar a constitucio-
nalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei n° 11.340/2006. São eles:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a


violência doméstica e familiar contra a mulher, nos ter-
mos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Con-
venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violên-
cia contra a Mulher, da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e
de outros tratados internacionais ratificados pela Repúbli-
ca Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juiza-
dos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e
estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres
em situação de violência doméstica e familiar. [...]
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violên-
cia Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais
acumularão as competências cível e criminal para conhecer e
julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica
e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título
IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência,
nas varas criminais, para o processo e o julgamento das
causas referidas no caput. [...]

72
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Art. 41 - Aos crimes praticados com violência doméstica e


familiar contra a mulher, independentemente da pena pre-
vista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Por sua vez, a ADI n° 4424 foi ajuizada pelo então Procurador
Geral da República, com a finalidade de que fosse dada interpreta-
ção conforme a Constituição aos dispositivos 12, I; 16 e 41 da Lei n°
11.340/2006, para que os crimes de violência doméstica fossem consi-
derados crimes de ação penal pública incondicionada, não necessitando
da representação da vítima para que fosse promovida a ação penal.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar


contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autori-
dade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos,
sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e to-
mar a representação a termo, se apresentada; [...]
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à repre-
sentação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida
a renúncia à representação perante o juiz, em audiência es-
pecialmente designada com tal finalidade, antes do recebi-
mento da denúncia e ouvido o Ministério Público. [ ]
Art. 41 - Aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher, independentemente da pena pre-
vista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

A ADC n° 19 foi julgada procedente por unanimidade e a


ADI n° 4424 pela maioria dos votos, tendo apenas 01 (um) voto
discordante. O Ministro Luiz Fux acompanhou o voto do Relator,
que decidiu pela procedência da ação, sendo verificáveis as moti-
vações que basearam a decisão. Veja-se:

73
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Uma Constituição que assegura a dignidade humana (art. 1º,


III) e que dispõe que o Estado assegurará a assistência à família
na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos
para coibir a violência no âmbito das suas relações (art. 226, §
8º), não se compadece com a realidade da sociedade brasileira,
em que salta aos olhos a alarmante cultura de subjugação da
mulher. A impunidade dos agressores acabava por deixar ao
desalento os mais básicos direitos das mulheres, submetendo-
-as a todo tipo de sevícias, em clara afronta ao princípio da
proteção deficiente (Untermassverbot) (grifou-se).

Não há dúvida de que as três decisões sobreditas representam


um avanço no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, obser-
va-se que o Supremo Tribunal Federal tem procedido à interpre-
tação das normas com a finalidade notória de garantir uma maior
proteção às mulheres face seu papel no âmbito familiar, e não devi-
do a sua condição de seres humanos historicamente discriminados.
Nessa perspectiva, Cook e Cusak (2010, p. 82, grifou-se) de-
nunciam esse tipo de discurso como produtor de estereótipos de
gênero. Observe-se:

Un estereotipo de género degrada a las mujeres cuando no respe-


ta las decisiones básicas que toman (o desean tomar) sobre sus
propias vidas, cuando interfiere con su capacidad para dar forma
o esculpir su propia identidad, cuando las reduce a lo que se
espera de ellas, o cuando, por ejemplo, afecta negativamente su
sentido de sí mismas, sus metas o planes de vida. El estereotipo
de género restringe la identidad de la mujer, en el sentido de que
le impide definirse y presentarse como lo preferiría.

Assim, constata-se que os referidos excertos dos votos analisa-


dos demonstram a evidente utilização de um estereótipo de gênero
sobre papéis sociais, exatamente nos termos da classificação proposta
por Cook e Cusak. De fato, a lógica sobre a qual se fundamenta a

74
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

proteção pauta-se sobre as expectativas que se formam em torno da


ideia de que todas as mulheres devem atuar como mães e cuidadoras.
Essas decisões que, a priori, deveriam garantir direitos e
compensar desigualdades, traduzem uma construção social discri-
minatória, baseada em critérios sexistas. Nesse sentido, Lopes e
Lima (2011, p. 299) ao discorrer sobre a discriminação de gênero,
apontam a construção social que se criou em torno do “feminino”:

La buena mujer, la mujer honesta es la que sale de la casa de los


padres para directa e únicamente casarse, tener hijos y cuidar
siempre de ellos y del marido, porque es femenino ser madre,
ser esposa. El hombre es el permanente cazador, el conquis-
tador, el guerrero, el luchador, porque masculino es acumular
riqueza y poder para cuidar de la familia y de su sustento.

Ademais, é possível visualizar que os votos sobreditos reve-


lam a existência de uma predileção pelos institutos da família e do
casamento, de modo a dar menor importância à mulher enquanto
sujeito de direito ou até mesmo a vincular a proteção do indivíduo
à salvaguarda dos referidos institutos, de modo a traçar um racio-
cínio em que se deve proteger a mulher com a finalidade última de
se proteger um bem mais importante.
Nesses termos, a violação à dignidade da mulher, se não di-
reta e explícita, é, no mínimo, sintomática. É cediço que o respei-
to à dignidade da pessoa humana garante as condições para que
os indivíduos possam desenvolver suas capacidades e realizar-se,
traçando os rumos da sua história. O conceito desenvolvido por
Sarlet (2002, p.60, grifou-se) para o termo “dignidade da pessoa
humana” instrui-nos nessa questão. Veja-se:

[...] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano


que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por
parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sen-

75
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

tido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que


assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garan-
tir as condições existentes mínimas para uma vida saudá-
vel, além de propiciar e promover sua participação ativa
e co-responsável nos destinos da própria existência e da
vida em comunhão com os demais seres humanos.

Com clareza, assiste-se a fatores fora do ordenamento jurídico e


imersos na cultura influenciando o discurso judicial e, por conseguinte,
as razões do decisum passam a legitimar os valores nele apresentados.
Visualiza-se um processo pelo qual o poder simbólico do Di-
reito legitima e normaliza os estereótipos. Ou seja, ao passo que
o fator gênero influencia a decisão judicial, a norma produzida
institucionaliza a discriminação de gênero.

3.2. Superior Tribunal de Justiça


O Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uni-
formidade da interpretação da legislação federal nacional, tem
demonstrado notória evolução jurisprudencial no que tange à ar-
gumentação acerca das questões de gênero.
No universo de análise, foram selecionadas três decisões que
versam sobre a proteção da mulher em situação de violência. Nes-
se contexto, observou-se que no ano de 2009, ao analisar situação
de violência doméstica no Habeas Corpus número 109547/ES, o
órgão julgador reconheceu a necessidade da adoção de medidas
protetivas em face de uma mulher, a partir da fundamentação da
necessidade de ser dada assistência ao instituto familiar, destacan-
do a questão do desenvolvimento dos filhos, observe-se:

HC 109547 / ES. HABEAS CORPUS 2008/0139036-5.


Relator(a) Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA

76
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

CONVOCADA DO TJ/MG). Órgão Julgador: T6 - SEXTA


TURMA. Data do Julgamento 10/11/2009. Data da Publi-
cação/Fonte DJe 07/12/2009. PROCESSUAL PENAL. HA-
BEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME
DE AMEAÇA PRATICADA CONTRA MULHER NO
ÂMBITO DOMÉSTICO. PROTEÇÃO DA FAMÍLIA.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. MEDI-
DA DESPENALIZADORA. PROIBIÇÃO DE APLICA-
ÇÃO DA LEI 9.099/1995. ORDEM DENEGADA. 1. A fa-
mília é a base da sociedade e tem a especial proteção do Esta-
do; a assistência à família será feita na pessoa de cada um dos
que a integram, criando mecanismos para coibir a violência
no âmbito de suas relações. (Inteligência do artigo 226 da
Constituição da República). 2. As famílias que se erigem em
meio à violência não possuem condições de ser base de apoio
e desenvolvimento para os seus membros, os filhos daí ad-
vindos dificilmente terão condições de conviver sadiamen-
te em sociedade, daí a preocupação do Estado em proteger
especialmente essa instituição, criando mecanismos, como
a Lei Maria da Penha, para tal desiderato. 3. Não se aplica
aos crimes praticados contra a mulher, no âmbito doméstico
e familiar, a Lei 9.099/1995. (Artigo 41 da Lei 11.340/2006).
4. A suspensão condicional do processo é medida de caráter
despenalizador criado pela Lei 9.099/1995 e vai de encontro
aos escopos criados pela Lei Maria da Penha para a proteção
do gênero feminino. 5. Ordem denegada (grifou-se).

Em contrapartida, constata-se decisão mais recente em que


os argumentos que instruem o acórdão citam expressamente o ter-
mo “gênero”, além de destacar com propriedade conceitos como
“divisão dos papéis sexuais”. É o que se observa do seguinte acór-
dão, publicado no ano de 2014:

REsp 1428596 / RS RECURSO ESPECIAL 2013/0376172-


9 Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão

77
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento


03/06/2014 Data da Publicação/Fonte DJe 25/06/2014. CIVIL
E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREI-
TO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA
COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. AL-
TERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBI-
LIDADE. 1. A guarda compartilhada busca a plena proteção
do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais
acuidade, a realidade da organização social atual que cami-
nha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas
pelo gênero dos pais. 2. A guarda compartilhada é o ideal a
ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separa-
dos, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões
e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir,
durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referen-
cial. 3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente
coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e
com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor
interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda
compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência
de consenso. 4. A inviabilidade da guarda compartilhada,
por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma
potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente,
porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para
a proteção da prole. 5. A imposição judicial das atribuições de
cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob
guarda compartilhada, quando não houver consenso, é me-
dida extrema, porém necessária à implementação dessa nova
visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 6. A
guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia
física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva ex-
pressão. 7. Recurso especial provido.

O caso em questão refere-se a um Recurso Especial, inter-


posto contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,

78
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

fundamentado sobre a existência de controvérsia jurisprudencial,


bem como o desrespeito ao artigo 1.584, §2º do Código Civil de
2002, o qual prescreve que: “Quando não houver acordo entre a
mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que
possível, a guarda compartilhada”.
Em síntese, o recurso pauta-se no sentido de que a vedação à
concessão da guarda compartilhada, em face da ausência de consen-
timento dos pais, mitiga o direito de um dos genitores de participar
da vida do filho em condições de igualdade, além de ferir o direito do
menor de ter a máxima convivência possível com ambos os genitores.
A Ministra Relatora Laurita Vaz determinou a guarda com-
partilhada, baseada, entre outros motivos, na necessidade de ser
afastada a divisão sexual dos papéis familiares, os quais perpetuam
a discriminação de gênero. Vê-se que para a solução da controvér-
sia, reportou-se ao entendimento do gênero como um fator que
influencia na construção da história da humanidade, utilizando-o,
outrossim, como uma categoria pela qual é possível analisar uma
determinada situação de violação de direitos.
Com a referida decisão, a Ministra contribuiu para a produção
de um discurso judicial que se afasta da utilização de estereótipos, cor-
rigindo as decisões de instâncias inferiores que, ao analisar o instituto
da guarda compartilhada, não se debruçaram sobre a desigualdade de
gênero que ainda se assiste no exercício da parentalidade.
Em outra situação, especificamente quanto ao Habeas Cor-
pus de número 166877/Rio de Janeiro, ao tratar-se da definição
da competência para julgar um crime de estupro cometido contra
uma menina, o Superior Tribunal de Justiça afirmou a prevalência
do juízo especial de violência doméstica, por entender estar a refe-
rida questão ligada a circunstâncias de gênero.
A julgadora é direta no sentido de afirmar que o objetivo
da lei é a proteção da mulher enquanto ser humano em condição
de vulnerabilidade, ocasionada por uma conjuntura em que, por

79
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

motivação de gênero, a mulher encontra-se submetida ao homem.


Observe-se o acórdão em questão:

HC 196877 / RJ. HABEAS CORPUS 2011/0027332-3.


Relator(a) Ministra LAURITA VAZ. Órgão Julgador T5 -
QUINTA TURMA. Data do Julgamento 05/09/2013. Data
da Publicação/Fonte DJe 11/09/2013. HABEAS CORPUS
SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DES-
CABIMENTO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRI-
BUNAL FEDERAL E DESTE SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MO-
DIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO STJ, EM CON-
SONÂNCIA COM O DO STF. ESTUPRO DE VULNE-
RÁVEL. CRIME PROCESSADO PERANTE O JUIZADO
DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA
A MULHER. ALEGADA AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO
DE GÊNERO. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPE-
RIOR QUE NÃO SE AMOLDAM À HIPÓTESE. REQUI-
SITO REPUTADO COMO PREENCHIDO PELO TRI-
BUNAL DE ORIGEM, MEDIANTE CONSIDERAÇÃO
DE LAUDO PERICIAL QUE SEQUER FOI JUNTADO
AOS AUTOS. WRIT DEFICITARIAMENTE INSTRUÍ-
DO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO.
PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
[...] 2. Paciente denunciado perante o Juizado de Violência Do-
méstica e Familiar contra a Mulher e condenado, no decorrer
do processamento deste writ, à pena de 21 (vinte e um) anos
de reclusão, pela prática de estupro contra a sua neta de 07
anos de idade. 3. O telos precípuo da Lei n.º 11.340/06 é a
proteção da mulher que, por motivação de gênero, encontra-se
em estado de vulnerabilidade e de submissão perante o poder
controlador e dominador do homem. Precedentes. 4. Não obs-
tante, sobretudo no caso de crime de estupro, que exige, em

80
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

princípio, maior vigor físico e lascívia dirigida a ser humano


tido usualmente como vulnerável à violência e à dominação,
o debate sobre o preenchimento do requisito de motivação de
gênero adquire feições muito mais complexas do que os crimes
de ameaça ou de lesão corporal julgados por esta Corte em
casos parecidos, abrangendo argumentos políticos e morais
extremamente problemáticos - como, para citar apenas um
exemplo, a denominada “cultura do estupro” -, a exigir que
a existência de motivação de gênero seja avaliada com mui-
to mais cautela, em raciocínio a posteriori que leve em con-
sideração o conteúdo fático-probatório da ação penal. 5. No
caso, o Tribunal de origem, com o grau de discricionariedade
próprio à espécie e mencionando relatório psicológico que o
Impetrante sequer trouxe aos autos, constatou estar preenchi-
do o requisito de motivação de gênero, sendo impossível, à luz
da documentação pré-constituída, infirmar-se essa ilação [...].

Em suma, visualiza-se que o Superior Tribunal de Justiça


tem paulatinamente modificado as razões sobre as quais se funda-
menta nas decisões que visam à proteção da mulher. A estrutura
do discurso tem sido alterada; já não se reporta em um primeiro
momento à proteção da família e à utilização de estereótipos de
gênero de papéis sociais, mas adere-se ao reconhecimento das mo-
tivações de gênero que influem no caso concreto.

Conclusão
A defesa da instituição familiar, não obstante seja demanda
legítima, não deve servir como fundamento primordial na defesa
dos direitos das mulheres. Com efeito, essa espécie de posiciona-
mento reforça, ainda que indiretamente, a discriminação de gê-
nero. A redução da figura da mulher ao papel de mãe e de esposa

81
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

denota a utilização de um estereótipo que, há tempos, serve para


justificar a subordinação da mulher pelo homem.
Mesmo que o STF tenha decidido pela constitucionalidade
dos dispositivos da Lei Maria da Penha, a fundamentação não se
baseou no imperativo constitucional de proteger à mulher pelo
fato de ser mulher em atenção à dignidade que lhe é própria, mas
justificou essa proteção em institutos como a preservação da famí-
lia e do casamento. Conforme se pôde atestar na maioria dos vo-
tos proferidos pelos Ministros, a proteção à família foi o argumento
primordial, ou, até mesmo, a única fundamentação sobre a qual se
aportaram para concordar com a constitucionalidade da Lei.
Diferentemente, o STJ vem demonstrando um avanço na quali-
dade de seus argumentos, se comparadas algumas das sentenças pro-
latadas entre os anos de 2009 e 2014. Assim, se inicialmente emitiu
decisão apoiada em preconcepções imbuídas de estereótipos de gênero,
recentemente passou a apresentar decisões embasadas na vulnerabili-
dade feminina como consequência do fator gênero e na necessidade de
eliminação da divisão sexual dos papéis sociais de homens e mulheres.
Nessa perspectiva, conclui-se que o fator gênero influencia
a prática discursiva jurídica, podendo ser claramente visualizado
quando da prolação de decisões judiciais. Assentando-se sobre essa
premissa, é necessário utilizá-lo como uma categoria de análise da
realidade social, a fim de que sejam proferidos discursos que não
reforcem a discriminação ou produzam estereótipos de gênero.
Consequentemente, é preciso desconstruir a noção, ainda
tida como “natural”, de que à mulher está reservado o espaço pri-
vado da sociedade, a fim de não mais quantificar a necessidade de
sua proteção a partir do papel social que dela se espera.
Em suma, o respeito aos direitos da mulher não pode depender
da sua função familiar nem social, mas da sua condição de ser huma-
no e da dignidade que dela decorre. Sem a observância dignidade da
pessoa humana, não há se falar em um sujeito, mas em um objeto.

82
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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§ 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Elimi-
nação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violên-
cia contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo
Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providên-
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85
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

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86
Direitos Sexuais e Reprodutivos
das Mulheres

Denise Almeida de Andrade


Bolsista PROSUP/PRODAD – CAPES
Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Direito da UNIFOR

Introdução
No campo dos direitos sexuais e reprodutivos, apesar dos
inúmeros avanços das últimas cinco décadas, muito há que se fa-
zer para garantir o seu exercício de maneira igualitária.
As mulheres ainda encontram maiores dificuldades para de
forma livre e autônoma exercerem referidos direitos, seja pela his-
tórica discriminação que impunha uma vida dedicada ao espaço
doméstico, seja pela manutenção de nuances machistas que per-
meiam as ações e políticas públicas.
A proposta desse artigo é apresentar um apanhado sobre os direi-
tos sexuais e reprodutivos das mulheres, a fim de demonstrar a necessi-
dade de se permanecer lutando por sua consolidação no âmbito norma-
tivo e de políticas públicas, uma vez que ainda carecem de efetivação.
Para tanto, far-se-á uma breve digressão histórica, a partir da
qual se demonstrará que os direitos sexuais e reprodutivos são au-
tônomos, ainda que diretamente ligados a outros direitos, como a
saúde. Em seguida, os documentos internacionais mais relevantes
para a fixação de um parâmetro teórico e normativo, bem como
para a elaboração de políticas públicas sobre o tema serão desta-

87
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

cados. Indicar-se-á os marcos normativos nacionais mais impor-


tantes, com destaque para a Constituição Federal de 1988. Por
fim, o reconhecimento dos avanços alcançados tem que conviver
com a verificação de que as mulheres ainda estão em condição
de vulnerabilidade e que as práticas sociais e as ações do Estado
precisam ser redimensionadas, buscando alinhamento às diretrizes
normativo conceituais já existentes.

1. Direitos Sexuais E Reprodutivos:


Considerações Preliminares
Ao longo da história do homem, a temática da reprodução
humana sempre esteve presente nas mais diversas sociedades: “As
práticas do aborto, do infanticídio e dos ritos relativos ao parto,
são praticamente universais[...]. Referências aos códigos romanos
dos primeiros séculos da era cristã informam sobre a existência de
normas que estimulavam a natalidade entre as famílias patriarcais
[...]”.(ÁVILA, 1992, p. 13). E ainda:

Lamentavelmente não existe uma historiografia completa


sobre as práticas contraceptivas que nos permita traçar um
‘continuum’ entre as primeiras culturas civilizadas e o sécu-
lo XX. Mas a despeito das lacunas, sabemos que há 4.000
anos atrás já se usava camisinhas de tripa de carneiro no
Egito, unguentos, poções entre as gregas e romanas e uma
infinidade de estratégias contraceptivas no período relati-
vamente liberal do Renascimento. (ÁVILA, 1992, p. 13).

O comportamento reprodutivo de uma população é um indi-


cativo de sua conformação social, além de se poder analisar como
o Estado se ocupa de questões de grande repercussão social, como
gravidez na adolescência, morbinatalidade, doenças sexualmente
transmissíveis, mortalidade materna, dentre outros.

88
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A partir da década de 1960, questões concernentes à natali-


dade e ao crescimento populacional ganharam expressividade no
Brasil, sob a influência, principalmente dos Estados Unidos e das te-
orias neomalthusianas, os quais difundiam a ideia de que o aumento
da população agravava o quadro de miséria e pobreza do País.
Ao mesmo tempo, na maior parte dos países ocidentais, a
contracepção hormonal (uso da pílula anticoncepcional) foi di-
fundida sob a égide da liberdade sexual da mulher e da autonomia
sobre o próprio corpo1, alegando-se ser possível, a partir disso, se
dissociar sexualidade de procriação. Para MATTAR (2013, p. 55)

[...] uma vez que a reprodução ocorre nos corpos das mulheres,
a reivindicação pelos direitos reprodutivos foi, e continua sen-
do, uma demanda das mulheres pelo controle de seus próprios
corpos, que estiveram, historicamente, sujeitos aos ditames de
homens legisladores, médicos e representantes das Igrejas.

Entre as décadas de 1970 e 1990 uma série de avanços nor-


mativos e conceituais no campo dos direitos sexuais e reprodu-
tivos foi alcançada, destacando-se a importância de encontros e
documentos internacionais, os quais densificaram o debate e im-
pulsionaram mudanças nos ordenamentos jurídicos internos.
A I Conferência Mundial da Mulher ocorrida no México
(1975), seguida das realizadas em Copenhague (1980) e em Nai-
robi (1985), permitiu o aprofundamento e avanço das discussões
sobre sexualidade, reprodução humana, saúde e controle de nata-
lidade, os quais foram consolidados na IV Conferência Mundial
da Mulher, realizada em Pequim, em 1995.

1 No Brasil, o uso da pílula anticoncepcional ocorreu de forma indiscriminada, por


mais de dez anos, pois nenhuma medida específica de atenção à saúde da mulher
foi desenvolvida até o início da década de 1980, vide COELHO: 2000, o que vai de
encontro à ideia de liberdade e autonomia.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

O I Encontro Internacional de Saúde da Mulher, realizado


em Amsterdã, em 1984, e a Conferência Internacional de Popu-
lação e Desenvolvimento do Cairo, em 1994 merecem destaque
pois, ao lado da Conferência de Pequim representaram um novo
paradigma para os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
No Brasil, em 1983, foi instituído o Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher (PAISM) que, ao contemplar um sub-
-programa sobre planejamento familiar, transformou-se na primei-
ra iniciativa oficial brasileira preocupada em analisar os padrões
de reprodução humana.
Em 1988, a Constituição Federal consubstanciou o planeja-
mento familiar como um direito constitucional e delineou seus con-
tornos jurídicos, no artigo 226, § 7º: “[...] Fundado nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o pla-
nejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse
direito[...]”, o que pôs fim, ao menos no que se refere aos parâmetros
normativos, às incertezas sobre sua abrangência e definição.
A Lei 9263/96 passou a regular o artigo 226, § 7º da CF/88,
reconheceu o planejamento familiar como direito de todo cidadão
(art. 1º) e o definiu como “parte integrante do conjunto de ações
de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão
de atendimento global e integral à saúde” (art. 3º).
Um primeiro desafio que se impôs aos Estados e estudiosos
do tema foi a elaboração de um conceito de direitos sexuais e re-
produtivos, tendo em vista que a expressão guarda estreita ligação
com vários outros conceitos, como sexualidade, saúde sexual, saú-
de reprodutiva, saúde materna, etc.
Segundo PEREA (2003, p. 365), o termo “direitos reprodu-
tivos”, entre os quais se insere o direito à procriação, foi cunhado,
de maneira explícita, com a criação da World Network for Defense
of Women’s Reproductive Rights (Rede Mundial de Defesa dos Di-

90
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

reitos Reprodutivos das Mulheres) no ano de 19792, e seu conceito


está intimamente relacionado ao movimento feminista, em espe-
cial na busca pela autodeterminação reprodutiva.
Para TORRES (on line): “Los derechos sexuales y reproduc-
tivos son parte de los derechos humanos y su finalidad es que todas
las personas puedan vivir libres de discriminación, riesgos, amenazas,
coerciones y violencia en el campo de la sexualidad y la reproducción”.
Já JURKEWIC (2005, p. 11) entende que os direitos repro-
dutivos: “Están relacionados con la decisión de cuántos hijos/as se
quieren o no tener y con la elección del momento y la forma en que la
reproducción se debe dar”. Já os direitos sexuais estão relacionados
ao exercício da sexualidade:

Esa vivencia expresa cómo cada persona forma su identidad


sexual, identificándose o no con los modelos masculinos y fe-
meninos socialmente establecidos, cómo vive su sexualidad y
quién es el objeto de su deseo sexual, que puede ser alguien del
mismo sexo o del sexo opuesto. (JURKEWIC, 2005, p. 10).

Para BRAUNER (2003, p. 51-52), os direitos sexuais e repro-


dutivos significam:

[...] o direito das pessoas de organizar sua vida reprodu-


tiva e de buscar os cuidados que a ciência oferece para a
solução e restabelecimento da saúde sexual e reprodutiva.
Portanto, deve ser considerada legítima toda intervenção
que tenha o objetivo de assegurar o restabelecimento das
funções reprodutivas, ou, de oferecer alternativas que
possam resultar no nascimento dos filhos desejados.

2 Ainda sobre o termo “direitos reprodutivos”, Laura Davis Mattar indica que
“surgiu no I Encontro Internacional de Saúde da Mulher, realizada em Amsterdã,
na Holanda, em 1984, substituindo de maneira mais completa e adequada, a
denominação ‘saúde da mulher’ para expressar a ampla pauta de autodeterminação
reprodutiva das mulheres”. ( 2013, p. 55-56).

91
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

A paridade entre as formulações conceituais dos direitos se-


xuais e reprodutivos demonstra que se consolidou a compreensão
nuclear desses direitos, que passa pela autonomia da vontade, li-
berdade de escolha, respeito à diversidade e responsabilidade con-
sigo e com os demais envolvidos no exercício desses direitos.
Tratar sobre os direitos sexuais e reprodutivos requer admitir que
a construção da identidade dos indivíduos passa por essas questões e
que ao mesmo tempo seu exercício e gozo tem que se dar de maneira a
não causar dano ou colocar em risco a vida e a saúde de outras pessoas.
Outros autores3 destacam, contudo, que a Conferência Inter-
nacional de População e Desenvolvimento do Cairo, em 1994, foi a
primeira oportunidade em que se tratou os direitos reprodutivos com
a devida atenção, dispondo sobre a igualdade entre as pessoas sem
distinção de quaisquer natureza e de promoção à equidade e do em-
poderamento das mulheres, nos princípios I e IV, respectivamente.
Destaque-se que é no documento final da Conferência Inter-
nacional de População e Desenvolvimento do Cairo que os direitos
reprodutivos passam a se apresentar como uma formulação especí-
fica do campo dos direitos humanos. (VENTURA, 2005, p. 118).
A definição dos direitos reprodutivos contempla não apenas
a decisão sobre o número de filhos e o momento de gerá-los, mas,
também, o direito de não ser discriminado(a) se a decisão for no
sentido da não-procriação. Nas palavras de PEREA (2003, p. 366):

Os direitos reprodutivos vão além da simples capacidade


de decidir sobre a fertilidade e o momento de exercê-la,
envolvendo ainda o questionamento da maternidade
como projeto de vida obrigatório para as mulheres e,
em paralelo, da paternidade como parte necessária da
vida dos homens. (grifou-se).

3 Vide VENTURA, 2005.

92
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Apesar dos marcos teóricos e normativos acima mencionados,


os interesses que pautaram a elaboração de políticas públicas, instru-
mentos oficiais para assegurar o gozo e o exercício dos direitos sexuais
e reprodutivos, nas últimas cinco décadas foram contraditórios.
A autonomia da vontade, a liberdade de escolha e a saúde dos
indivíduos, imprescindíveis às políticas públicas eficientes, se mistura-
ram às preocupações com o controle de natalidade, com a limitação de
investimentos na área social e com a ocupação dos territórios nacionais.
No Brasil, referidas interferências foram determinantes para
que não se tenha atingido os resultados esperados, pois a leniência
do Estado em por em prática medidas eficientes permitiu que pro-
blemas antigos se mantenham até os dias de hoje.
Remanesce a necessidade de se consolidar o conceito de di-
reitos sexuais e de direitos reprodutivos, a fim de se reafirmar sua
autonomia, ao mesmo tempo em que se reconhece que a mulher
se mantém em uma condição de maior vulnerabilidade, pois a ela
ainda está resguardada a maior responsabilidade no que se refere à
contracepção, à não disseminação de doenças sexualmente trans-
missíveis e à criação de possíveis filhos.

2. O Reconhecimento Dos Direitos Sexuais E


Reprodutivos No Âmbito Internacional
A Convenção Internacional de Direitos Humanos realizada
em Teerã, em 1968, serviu de prenúncio para a compreensão dos
direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos, vez que o ar-
tigo 16 da Proclamação de Teerã estabelece que “a comunidade in-
ternacional deve continuar velando pela família e pelas crianças. Os
pais têm o direito humano fundamental de determinar livremente
o número de filhos e seus intervalos de nascimento” (ONU, 1968).

93
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Em 1979, foi adotada pela Assembleia Geral da ONU a Con-


venção para a eliminação de todas as formas de discriminação
contra as mulheres (CEDAW), com o intuito claro de agregar es-
forços no sentido de combater as mais diversas maneiras de subju-
gar as mulheres, em prol de sua liberdade e autonomia.
A CEDAW se propõe a enfrentar não só as ações discrimi-
natórias, os abusos e os preconceitos declarados, mas também os
silêncios que alijam e preterem, que maculam de maneira velada, e
que por não serem expressos são mais difíceis de serem enfrentados,
superados e até punidos. Nas palavras de CAMPOS (2013, p. 442)

Entende-se que a discriminação é uma das formas de vio-


lência mais aterrorizantes em decorrência do silêncio nor-
malmente prescrito, fomentando, duramente, a inibição das
potencialidades de cada indivíduo, rechaçando, assim, os
ideais calcados em projetos de vida, em evidente negação da
própria identidade e dignidade em suas acepções mestras.

E ainda: “A convenção pede que os Estados adotem medi-


das apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres
em todas as esferas da vida, privada ou pública. [...] e represen-
ta o maior esforço da ONU para codificar a proteção à mulher”
(CAMPOS, 2013, p. 442). Nos artigos 1, 10, 12 e 16 da referida
Conferência (ONU, CEDAW, on line) têm-se:

Article 1:
For the purposes of the present Convention, the term “discrimi-
nation against women” shall mean any distinction, exclusion or
restriction made on the basis of sex which has the effect or purpose
of impairing or nullifying the recognition, enjoyment or exercise by
women, irrespective of their marital status, on a basis of equality
of men and women, of human rights and fundamental freedoms
in the political, economic, social, cultural, civil or any other field.

94
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

[…]
Article 10:
States Parties shall take all appropriate measures to elimina-
te discrimination against women in order to ensure to them
equal rights with men in the field of education and in particu-
lar to ensure, on a basis of equality of men and women.
[…]
Article12:
1. States Parties shall take all appropriate measures to eliminate
discrimination against women in the field of health care in order
to ensure, on a basis of equality of men and women, access to
health care services, including those related to family planning.
2. Notwithstanding the provisions of paragraph I of this arti-
cle, States Parties shall ensure to women appropriate services
in connection with pregnancy, confinement and the post-na-
tal period, granting free services where necessary, as well as
adequate nutrition during pregnancy and lactation.
[…]
Article 16:
1. States Parties shall take all appropriate measures to elimi-
nate discrimination against women in all matters relating to
marriage and family relations and in particular shall ensure,
on a basis of equality of men and women:
[…]
(d) The same rights and responsibilities as parents, irrespecti-
ve of their marital status, in matters relating to their children;
in all cases the interests of the children shall be paramount;
(e) The same rights to decide freely and responsibly on the number
and spacing of their children and to have access to the information,
education and means to enable them to exercise these rights;
[…]

95
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

A referida Convenção se ocupou não só de definir discrimi-


nação, mas também de indicar em que medida a igualdade entre
homens e mulheres deve ser vivenciada, especialmente, no âmbito
dos direitos sexuais e reprodutivos, indicando a educação como
relevante instrumento para alcançar esse objetivo.
Além disso, aponta que existem não só iguais direitos, mas
iguais responsabilidades para homens e mulheres nas questões que
envolvem filhos em comum e liberdade para livremente escolher
ter filhos, quando e quantos.
Na Conferência Internacional sobre População e Desenvol-
vimento do Cairo - ICPD4, por sua vez, se reconheceu o direito de
todos a vivenciar de forma autônoma sua sexualidade e capacida-
de reprodutiva e se elaborou o Plano de Ação a ser implementado
nos 20 anos seguintes (ou seja, até 2014).

Chapter II, Principle I: All human beings are born free and
equal in dignity and rights. Everyone is entitled to all the
rights and freedoms set forth in the Universal Declaration of
Human Rights, without distinction of any kind, such as race,
colour, sex, language, religion, political or other opinion, natio-
nal or social origin, property, birth or other status. Everyone
has the right to life, liberty and security of person.(grifou-se).
[…]
Chapter II, Principle IV: Advancing gender equality and
equity and the empowerment of women, and the elimi-
nation of all kinds of violence against women, and en-
suring women’s ability to control their own fertility, are

4 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XII,


estabeleceu: “Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, na
sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e
reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou
ataques”. Referida diretriz tem estreita relação com o planejamento familiar, pois
rechaça qualquer espécie de intervenção estatal na condução do projeto parental, o
que garante a autonomia da vontade e a liberdade dos indivíduos.

96
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

cornerstones of population and development- related pro-


grammes. The human rights of women and the girl child are
an inalienable, integral and indivisible part of universal human
rights. The full and equal participation of women in civil, cul-
tural, economic, political and social life, at the national, regio-
nal and international levels, and the eradication of all forms of
discrimination on grounds of sex, are priority objectives of the
international community.(ONU: 1994).(grifou-se).

Para VENTURA (2005, p. 118):

O documento reconhece as sérias repercussões das políti-


cas autoritárias e intervencionistas na população feminina,
definindo a promoção da igualdade e equidade das relações
de gênero, a defesa dos direitos das mulheres e a promoção
das responsabilidades masculinas como elementos essen-
ciais para a eliminação de todo e qualquer tipo de controle
e coação reprodutiva nos espaços públicos e privados.

O capítulo VII do referido documento tratou, especificamen-


te, dos Direitos de Reprodução e da Saúde Reprodutiva confir-
mando a autonomia desses direitos e a obrigatoriedade de respeito
ao seu exercício, sem descuidar da responsabilidade que decorre de
seu gozo. Os parágrafos 7.2 e 7.3 dispõem, respectivamente:

7.2. […] Reproductive health therefore implies that pe-


ople are able to have a satisfying and safe sex life and
that they have the capability to reproduce and the free-
dom to decide if, when and how often to do so. Implicit
in this last condition are the right of men and women
to be informed and to have access to safe, effective,
affordable and acceptable methods of family planning
of their choice, as well as other methods of their choi-
ce for regulation of fertility which are not against the
law, and the right of access to appropriate health-care

97
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

services that will enable women to go safely through


pregnancy and childbirth and provide couples with the
best chance of having a healthy infant. […] (grifou-se).
7.3 […] These rights rest on the recognition of the ba-
sic right of all couples and individuals to decide free-
ly and responsibly the number, spacing and timing of
their children and to have the information and means
to do so, and the right to attain the highest standard
of sexual and reproductive health. It also includes their
right to make decisions concerning reproduction free of
discrimination, coercion and violence, as expressed in hu-
man rights documents. In the exercise of this right, they
should take into account the needs of their living and
future children and their responsibilities towards the
community. The promotion of the responsible exercise
of these rights for all people should be the fundamental
basis for government- and community-supported policies
and programmes in the area of reproductive health, inclu-
ding family planning. As part of their commitment, full
attention should be given to the promotion of mutually
respectful and equitable gender relations and particularly
to meeting the educational and service needs of adoles-
cents to enable them to deal in a positive and responsible
way with their sexuality. (grifou-se).

Para FLORES (2009, p. 95).

[…] cuando el Programa de Acción de El Cairo señala que


los derechos reproductivos abarcan ciertos derechos humanos,
ello también significa que el ejercicio de los derechos repro-
ductivos está estrechamente vinculado al ejercicio de otros
derechos como la dignidade personal, el derecho a la vida,
el derecho a la integridad personal, el derecho a la libertad
individual, el derecho a no ser discriminado, el derecho a la
libertad de consciência y de religion, a la intimidad personal,

98
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

el derecho a la identidade étnica o cultural, el derecho a no ser


sometido a tratos crueles, inhumanos o degradantes, el dere-
cho a la salud o el derecho a vivir uma vida libre de violencia.

Na análise de GALVÃO (1999, p. 171), a Conferência do


Cairo desempenhou papel de extrema relevância ao levar à co-
munidade internacional a reflexão ampla e integral sobre saúde
reprodutiva e sexual.

Em contrapartida às políticas em vigência na maioria dos


países que desenvolviam programas verticais de plane-
jamento familiar e programas de redução da fertilidade,
estabeleceu-se uma nova agenda internacional incluindo
três temas principais: direitos reprodutivos, empowerment
das mulheres e saúde sexual e reprodutiva.

Ainda sobre a singularidade das contribuições da ICPD:

A maior vitória da CIPD do Cairo foi deslocar o “proble-


ma populacional” da perspectiva puramente econômica e
ideológica para situar as questões relativas à reprodução
no marco da saúde e dos direitos humanos. A plataforma
do Cairo abandona ênfase nas políticas públicas voltadas
para números agregados e metas de controle da natalida-
de. (CORREA; ALVES; JANNUZZI, 2006, p. 33)

A IV Conferência Mundial da Mulher de Beijin realizada,


em 1995, ao lado da Conferência do Cairo, teve papel fundamen-
tal no processo de reconhecimento e proteção dos direitos sexuais
e reprodutivos das mulheres.
Ao consolidar reivindicações que vinham sendo debatidas nas
conferências anteriores do Mexico(1975), de Copenhague (1980) e
de Nairobi (1990) encerrou um ciclo de lutas e conquistas de vários
segmentos da sociedade em prol do empoderamento das mulheres.

99
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

A Declaração e a Plataforma de Ação de Beijin e o Programa


de Ação do Cairo representam a oficialização dos compromissos
assumidos em prol da igualdade de direitos entre homens e mulhe-
res e do respeito à dignidade humana.

Historicamente, as reivindicações pelos direitos sexuais e


reprodutivos têm funcionado como um catalisador para a
ampliação de outros direitos. Numa perspectiva histórica
mais ampla, este talvez seja o significado mais importante
do Cairo e de Pequim: a tradução destas aspirações que
remontam ao século XIX para os marcos globais de direi-
tos humanos e políticas públicas do século XXI. (COR-
REA; ALVES; JANNUZZI, 2006, p. 39).

Nesse passo, a proteção internacional dos direitos sexuais e


reprodutivos se fortalece com a sua inserção no âmbito dos direi-
tos humanos, pois consagra a relação com direitos já consagrados,
como o direito à saúde e à integridade.
Todavia, apesar dos avanços, o abismo entre os ganhos no
plano teórico-normativo e a realidade vivenciada ainda é gran-
de, o que demonstra ser necessário seguir combatendo iniciativas
despreocupadas com a igualdade entre as pessoas e o respeito à
liberdade e à autonomia dos indivíduos.

3. A Proteção dos Direitos Sexuais e


Reprodutivos no Brasil
Os direitos sexuais e reprodutivos se traduzem no direito ao
livre planejamento familiar expresso na Constituição Federal bra-
sileira de 1988, e diretamente relacionado aos princípios da digni-
dade da pessoa humana e da paternidade responsável, de acordo
com o disposto no artigo 226, § 7º:

100
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana


e da paternidade responsável, o planejamento familiar é
livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício des-
se direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.

A leitura desse dispositivo, sistematizada com o artigo 5º, §


2º e artigo 4º, II da Constituição de 1988, autoriza que se perceba
o direito ao planejamento familiar como um direito fundamental e
humano, em razão de sua estreita relação com o princípio da dig-
nidade humana e por estar devidamente formalizado em tratados
de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
Vê-se, também, que a CF/88 no artigo 5º, caput e inciso I, trata
da igualdade entre homens e mulheres, reservando ao artigo 6º, caput,
a explícita menção à saúde e a proteção à maternidade como direitos
fundamentais: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
O exercício dos direitos sexuais e reprodutivos demanda,
pois, do Estado brasileiro uma conduta de abstenção e de pres-
tação. A primeira, quando se trata da proibição de se realizar o
controle de natalidade ou qualquer interferência na liberdade ou
autonomia da vontade dos indivíduos, e a segunda quando se exi-
ge a implementação de medidas de informação e de assistência. O
Estado deve, ao mesmo tempo, garantir as condições necessárias
para que as pessoas façam escolhas livres e conscientes, na reali-
zação de seu planejamento familiar, e subsidiar os instrumentos
necessários à consecução adequada desse planejamento.
Entende-se por planejamento familiar o exercício da livre es-
colha de uma pessoa acerca da construção de uma família, o que
compreende a liberdade consciente de determinar quando, como,

101
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

e com quem se deseja ter filhos, bem como a possibilidade de não


se ter filhos, estando garantido o auxílio do Estado e a integrali-
dade da saúde dos indivíduos, bem como a não interferência de
organismos oficiais ou privados.
Para a construção do referido conceito, no Brasil, destaca-se
o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM),
criado na década de 1980, por ser um marco histórico para os di-
reitos sexuais e reprodutivos no Brasil. Referido programa rompeu
com as práticas até então implementadas no campo da saúde da
mulher, que se resumiam ao ciclo gravídico puerperal.

O PAISM abrange um modelo conceitual muito avançado e


integral que inclui: a saúde da mulher durante seu ciclo vital,
não apenas durante a gravidez e lactação; atenção a todos os
aspectos de sua saúde, incluindo prevenção de câncer, atenção
ginecológica, planejamento familiar e tratamento para infer-
tilidade; atenção pré-natal, no parto e pós-parto, diagnóstico
e tratamento das DSTs, assim como doenças ocupacionais e
mentais. Também expande a cobertura para incluir adolescen-
tes e mulheres na pós-menopausa.(GALVÃO, 1999, p. 175).

O PAISM irá influenciar a elaboração de políticas e normas,


por ser pioneiro e trazer em seu bojo proposições integradoras e
que se coadunavam com as diretrizes internacionais mais van-
guardistas no que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos.
No plano da legislação infraconstitucional, a Lei 8080/90 dis-
põe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, e trata no artigo 19-J do direito da gestante escolher uma
pessoa para acompanhá-la durante o trabalho de parto, parto e pós-
-parto imediato. A compreensão de que a saúde da mulher deve ser
tratada em sua integralidade, confirma a ideia de que os direitos
sexuais e reprodutivos guardam estreita relação com outros direitos.

102
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Já a Lei 9263/96, reafirmou as premissas de liberdade e rechaçou


qualquer hipótese de aproximação do planejamento familiar com o
controle de natalidade “artigo 2º [...], parágrafo único: É proibida a
utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de con-
trole demográfico”, bem como consolidou a ampliação dos cuidados
com a saúde da mulher para além do período gravídico puerperal e
enfatiza a participação do homem na seara dos direitos reprodutivos:

Art. 3º O planejamento familiar é parte integrante do con-


junto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal,
dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde.
Parágrafo único - As instâncias gestoras do Sistema Único de
Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações pre-
vistas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de
serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao
casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus
ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:
I - a assistência à concepção e contracepção;
II - o atendimento pré-natal;
III - a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;
IV - o controle das doenças sexualmente transmissíveis;
V - o controle e prevenção do câncer cérvico-uterino, do
câncer de mama e do câncer de pênis.
Art. 4º O planejamento familiar orienta-se por ações pre-
ventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário
a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para
a regulação da fecundidade.
Parágrafo único - O Sistema Único de Saúde promoverá o
treinamento de recursos humanos, com ênfase na capaci-
tação do pessoal técnico, visando a promoção de ações de
atendimento à saúde reprodutiva.

103
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Verifica-se, desta forma, que o Brasil dispõe de normas ca-


pazes de arrimar ações oficiais de planejamento familiar mais ro-
bustas e eficientes. Remanesce, contudo, a urgência de se tradu-
zir referidos parâmetros normativos em medidas eficientes, o que
aponta para a necessidade de se manter os esforços em prol da
efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos.

4. Um Novo Século com Velhas Demandas


É preciso compreender que persiste a desigualdade entre
homens e mulheres na vivência das relações sociais mais triviais,
tendo em vista que ainda se baseiam numa distribuição de papeis
pelo sexo. Há um constante reforço dos estigmas que polarizam as
aptidões de homens e mulheres, fruto de uma história de machis-
mo, subjugação e violência contra as mulheres.
Ainda que de maneira involuntária, cotidianamente, ho-
mens e mulheres se apegam a padrões pré-estabelecidos e retar-
dam o necessário redimensionamento das relações. O apego aos
“velhos” paradigmas impede que naturalmente as pessoas sejam
percebidas por suas potencialidades e habilidades.
Os direitos sexuais e reprodutivos podem ser considerados
como um dos temas mais áridos no que se refere à promoção da
igualdade, e por isso carecem de maior atenção e contínuo debate.
A mulher é hoje percebida como sujeito de direitos (pelo
menos, na maior parte dos países ocidentais), os homens compre-
endem a relevância de sua participação e contribuição no espaço
doméstico e na criação dos filhos, homens e mulheres dividem
espaços públicos, cargos eletivos e posições de destaque nas mais
diversas áreas do conhecimento, todavia, muito há para avançar.
Antigas reivindicações continuam sem resposta. A pobreza
e a baixa escolaridade ainda se mostram como impeditivos para

104
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

a melhoria na qualidade de vida das pessoas, especialmente, das


mulheres. De acordo com o Fundo de População das Nações Uni-
das (UNFPA, on line):

[...] o acesso ao planejamento familiar, quase sempre, é uma


notória exceção, juntamente com as garantias do direito de
opção das mulheres quanto às suas vidas reprodutivas. Esti-
ma-se que, atualmente, 215 milhões de mulheres em idade
reprodutiva, nos países em desenvolvimento, utilizariam o
planejamento familiar, se tivessem acesso a ele. Centenas de
milhares de mulheres ainda morrem anualmente de causas
relacionadas à gravidez, e muitas dessas mortes são evitáveis.

Esses dados se estendem aos altos índices de gravidez na ado-


lescência, difusão de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS,
de esterilizações cirúrgicas desnecessárias. A contracepção conti-
nua a ser vivenciada como responsabilidade prioritária, senão ex-
clusiva, da mulher, o que impacta diretamente na diminuição da
eficácia dos métodos contraceptivos utilizados.
A reprodução humana traz, de fato, desdobramentos diretos
para a saúde da mulher, o que autoriza que se tenha uma especial
atenção à sua condição de saúde, e que, atualmente, estratégias de
planejamento familiar tenham sido manejadas na esfera da aten-
ção integral à saúde5 da mulher, conferindo-se ênfase aos cuida-
dos em seu favor. Todavia, não se justifica um distanciamento ou
omissão dos demais atores envolvidos no processo de planejamen-
to familiar, em especial, o homem.
A busca pelo empoderamento feminino, que objetiva garan-
tir uma coexistência equilibrada entre homens e mulheres, está

5 As políticas de saúde voltadas ao planejamento familiar estão “baseadas no princípio


do Sistema Único de Saúde de oferecer acesso integral, universal e gratuito no sistema
de saúde pública a todos os brasileiros”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, on line).

105
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

atrelada à luta pela concretização dos direitos humanos, na medi-


da em que percebe os indivíduos como iguais na sua condição de
pessoa humana e preserva suas diferenças em prol da autonomia
e da identidade e não da subjugação. Para LOPES (2010, p. 31):

O reconhecimento dos direitos sexuais como direitos hu-


manos acende ainda mais a discussão sobre a histórica sub-
jugação da mulher, daí que seja um tema que incomode
tanto. Os tradicionais padrões comportamentais que opri-
mem as mulheres são colocados em xeque, pois não mais
são elas reduzidas a seres cuja existência gira em torno da
vida dos homens. A coisificação da mulher pelo homem é
superada a partir do momento em que ela pode alcançar
sua independência não apenas econômica, mas também fí-
sica e emocional. E é, nesse último âmbito, que os direitos
reprodutivos e, em especial, os direitos sexuais agem.

Nesse cenário, percebe-se que para além das já conhecidas


necessidades, o século XXI enfatizou outras, como os cuidados
com os primeiros anos de vida da criança, que precisam ser parti-
lhados entre todos os que desejarem implementar o projeto paren-
tal, sob pena de a mulher retornar ao locus de exclusiva responsá-
vel pelo espaço privado, comprometendo a continuidade de suas
atividades alheias à esfera reprodutiva.

A noção de Direitos Reprodutivos rompe com a perspec-


tiva do determinismo biológico, e insere a liberdade de es-
colha reprodutiva dentro de um contexto mais amplo de
exercício da cidadania. Dessa forma esta liberdade não se
restringe ao lugar único da prática reprodutiva, nem se re-
sume a garantia frente ao poder do Estado e/ou do poder
médico, mas incorpora também a ideia de participação nas
decisões públicas, bem como das garantias para o exercício
de direitos civis, sociais e políticos. (ÁVILA, 1992, p. 16).

106
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A discriminação também se faz presente quando não se en-


xerga as mulheres com as mesmas condições de trabalho e con-
tribuição por terem decidido ter filhos, quando pelo exercício dos
seus direitos reprodutivos é considerada menos apta ou habilitada
para desempenhar determinadas atividades ou funções. Por óbvio
que há um período de recuperação em razão de uma gestação, mas
a procriação não pode ser um interdito ao gozo de outros direitos.

A inserção das mulheres no mercado de trabalho se cho-


ca com o exercício da maternidade quando se submete o
emprego de mão-de-obra feminina ao compromisso do não
engravidamento ou se dificulta de forma definitiva a ‘com-
binação’ das atividades. Lembramos aqui que as Institui-
ções Públicas e as Empresas Privadas não obedecem às leis
de ‘proteção’ à maternidade, como a lei de creches e de ga-
rantia aos horários de amamentação. (ÁVILA, 1992, p. 18).

Vê-se que para se garantir a efetivação dos direitos sexuais e re-


produtivos deve-se reconhecer sua complexidade e consequente desdo-
bramentos, o que demanda do Estado e da sociedade civil um contínuo
diálogo e empenho na elaboração e implementação de ações públicas.

Conclusão
O conceito de direitos sexuais e reprodutivos foi forjado em um
contexto de luta pela igualdade entre homens e mulheres, e permanece
sendo pauta de todos os que acreditam que para se evoluir em socieda-
de, deve-se por fim a qualquer espécie de discriminação ou subjugação.
A Conferência do Cairo, 1994, e a Conferência Mundial da Mu-
lher de Beijin, 1995, consubstanciaram em seus documentos oficiais as
principais conquistas sobre o tema e influenciaram, a partir de sua pu-
blicização, ordenamentos jurídicos e outros documentos internacionais.

107
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Verificou-se que para o efetivo exercício dos direitos sexuais


e reprodutivos a liberdade e autonomia dos indivíduos devem ser
garantidas, ao mesmo tempo em que não se pode descuidar da
responsabilidade que advém do gozo desses direitos.
No Brasil, os referidos direitos se traduzem no direito ao livre
planejamento familiar, alçado à condição de direito fundamental
pela Constituição Federal de 1988, que imputou ao Estado maior
responsabilidade para garantir sua efetivação.
Sabe-se dos esforços para se minimizar os efeitos perversos da
discriminação no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, mas se
reconhece que se faz necessário seguir avançando. Deve-se refletir
sobre as necessidades, intensificar os debates, cobrar e acompanhar
a implementação de ações concretas e efetivas nesse âmbito.
Ainda se vivencia os mesmos problemas e desrespeitos veri-
ficados há décadas. Neste sentido, seguir analisando os contornos
conceituais e normativos dos direitos sexuais e reprodutivos é es-
sencial para que se possa atualizar as normas atinentes aos assunto
e criar alternativas às políticas públicas existentes.

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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111
A Discriminação de Gênero como
Fator Impulsionador da Violência
Contra a Mulher no Turismo Sexual

Débora Tomé de Sousa


Bolsista IEx/CNPq (2014)
Universidade de Fortaleza

Introdução
Este artigo trata da discriminação de gênero como fator que
promove a violência contra a mulher e suas repercussões no tu-
rismo sexual. A discriminação de gênero ocorre quando tratamos
um gênero como superior a outro. Escolhemos tratar sobre a dis-
criminação do gênero masculino em detrimento do gênero femi-
nino devido esta ser mais comum na sociedade brasileira (IBGE,
DIREITOS HUMANOS, 2012, on-line).
As mulheres no Brasil sempre foram tratadas desigualmente em
relação aos homens, desde a época da colonização as índias e negras
escravas eram exploradas sexualmente pelos senhores de engenho.
Nesse período as mulheres portuguesas, esposas dos colonos, só ti-
nham como função a reprodução, não participavam da vida social.
Vigorava o sistema patriarcal, em que os homens eram os
chefes da família e todos eram submissos à vontade dele. Só os
homens ricos e brancos participavam da vida política do país. As
mulheres eram discriminadas pelo fato de serem mulheres.

113
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Quando foi abolida a escravatura, os negros ganhavam sa-


lários inferiores aos dos brancos, e as mulheres menos que os ho-
mens, apesar de exercerem a mesma função e com mesma jornada
de trabalho. Só com muita luta dos movimentos feministas elas
conseguiram aumentar seus salários.
No Brasil, somente em 1827 as mulheres tiveram direito a
frequentarem escolas básicas e em 1879 conseguiram frequentar o
ensino superior (FAGANELLO, 2009, p. 2543). Quando inseridas
no sistema de ensino puderam se alfabetizar e participar do merca-
do de trabalho como da vida política juntamente com os homens.
Apesar de trabalharem e terem acesso à educação, a participa-
ção na vida política por parte das mulheres é algo recente. No Brasil
iniciou-se na década de 30, quando foi promulgada a lei do sufrágio
universal. Contudo, ainda não temos uma cultura solidificada na
qual todos aceitam mulheres discutindo e fazendo política.
Foram muitas conquistas, evoluções e lutas por parte das mu-
lheres, mas esse trabalho ainda não foi suficiente, pois a discrimina-
ção contra a mulher é fato presente na sociedade brasileira, conse-
quência desse sentimento que os homens têm de serem superiores às
mulheres, e por isso podem violentá-las de várias formas. Isto está
situado em todas as camadas sociais, porém entre as mulheres mais
pobres é agravado pela falta de educação qualificada, de empregos
formais e principalmente, pela dependência financeira.
O turismo sexual está ligado a essa discriminação de gênero,
a partir do momento em que muitas mulheres que sofrem discrimi-
nação, violência doméstica acabam por exercerem a prostituição ou
se relacionam afetivamente com turistas, sendo por eles exploradas.
Esse turismo se encaixa como aquele em que uma parte se
desloca de seu local de origem para outro a procura de aventuras
sexuais e diversão com nativos do local visitado. O turismo sexual
pode ser nacional, em que os deslocamentos ocorrem dentro de
um mesmo país de uma região para outra, ou internacional, no

114
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

qual indivíduos saem de seus países para outros com objetivo de se


relacionarem sexualmente com nativos. Este último será estudado
no presente artigo, devido seu crescimento no Brasil, em especial,
no Estado do Ceará, que foi incluído como rota do turismo sexual.
Essa modalidade de turismo pode ser causada por inúmeros
fatores como pobreza, falta de empregos, baixa qualidade da edu-
cação e discriminação de gênero gerando prejuízos para a cidade
e para a sociedade. Por exemplo, alguns locais passam a ser visita-
dos somente por esse público, afastando, assim, a população local,
violando a dignidade de muitas mulheres e ainda de crianças que
são exploradas e abusadas, além de favorecer o crime de tráfico de
pessoas para fins de exploração sexual.
O Estado do Ceará está incluído na rota desse tipo de turis-
mo, que é crescente em todo o estado e principalmente no lito-
ral. Entretanto poucas são as medidas adotadas pelo governo para
conter os avanços desse turismo na região.

1. Aspectos Gerais da Discriminação de Gênero


no Brasil
A discriminação e os preconceitos em face dos diversos seres
humanos estão presentes no mundo desde as primeiras sociedades.
Estes fenômenos podem ser, por exemplo, contra mulheres, negros,
índios, homossexuais, estrangeiros etc.
No Brasil não é diferente. Em seu processo colonizador re-
alizado pelos portugueses, tempos depois do “descobrimento em
1500”, já era forte a presença dessa exclusão e poder sobre seres
humanos por parte do homem branco europeu.
Para assegurar o domínio das terras brasileiras, que estavam sendo
ameaçadas pelos holandeses e espanhóis, o governo português propôs
dividir o Brasil em capitanias hereditárias que eram dadas a homens

115
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

que tivessem interesse em explorar o extrativismo e a agricultura local


enviando riquezas à metrópole (CAVALCANTE, 2011, p. 24).
Com isso, começou a chegada de vários homens de diversas
regiões de Portugal, a maioria deles desafortunados, que viam no
mundo novo uma perspectiva de ascensão econômica. Adriana
Cavalcante (2011, p. 28) conclui o pensamento acima descrito:

Pode-se concluir que os primeiros homens portugueses a


virem habitar o Brasil não eram pessoas finas ou cultas,
pelo contrário, pessoas que não tinham posses, que não se
destacavam na sociedade portuguesa, que viam no Brasil ,
uma oportunidade de crescimento, pois Portugal oferecia
terras a quem quisesse vir morar nos trópicos. [...] Eram
atraídos por uma vida em liberdade, no meio de mulheres
nuas. E aqui se estabeleciam de bom grado.

Para fazer crescer as fazendas de engenho, facilitar a colo-


nização e as minerações os portugueses necessitavam de mão-
-de-obra, e com a finalidade de suprir referida necessidade eles
começaram a escravizar o negro africano. O comércio negro era
de grande lucratividade, uma vez que vinham homens, mulheres e
até crianças para serem vendidos como animais.
Contudo não chegavam só negros ao Brasil, também foram
enviadas mulheres brancas e jovens, órfãs de Portugal, com a fina-
lidade de se relacionarem afetivamente com os colonos e se casa-
rem (CAVALCANTE, 2011, p.43).
A partir da vinda dos negros para serem escravizados e das
mulheres brancas iniciou-se o tráfico de pessoas no país (AZEVE-
DO, 2011, p. 83).
Naquela época, as escravas negras além de trabalharem na
agricultura e na casa grande, eram objeto de satisfação dos de-
sejos sexuais dos senhores, como também iniciavam os filhos da
nobreza. Enquanto isso, as damas portuguesas e sinhazinhas não

116
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

podiam conhecer homem algum antes do casamento ou mesmo


sair de casa desacompanhadas.
Sobre isso Adriana Cavalcante (2011, p. 25 e 26) explica:

O regime familiar era patriarcal. Neste regime, todos, fa-


miliares, escravos, agregados, deviam se submeter ao pátrio
poder, isto é, ao poder do patriarca, que não raro, decidia
sobre a vida e a morte daqueles que estavam a ele subordi-
nados. [...] A mulher, além de subordinada ao homem, era
considerada um ser inferior. Tinha que obedecer cegamen-
te às ordens do pai e, depois de casada, às do marido. [...]
No fundo, a mulher era um objeto, e seu casamento não
passava de uma troca de favores políticos ou materiais entre
seu pai e membros da elite. [...] O fato de que os senhores de
engenho se serviam de suas escravas, no país que foi o últi-
mo a abolir a escravidão, mostra ainda mais o preconceito,
porque elas eram tratadas como objetos sexuais.

A exploração sexual das negras veio após a das índias, que atra-
íram, inicialmente, os colonizadores, conforme é narrado na carta de
Pero Vaz de Caminha ao rei, na qual ele relata a sexualidade livre e
ingênua das nativas “E suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência
descobertas que não havia nisso nenhuma vergonha.” (SIMÕES, 2000,
p. 48). As índias no início trocavam carícias, ou mesmo atos sexuais, por
presentes, espelhos, pedras coloridas, tecidos trazidos pelos portugueses.
Percebe-se que a chegada dos colonizadores marcou a discrimina-
ção contra a mulher1. Elas foram colocadas em situação de inferioridade
em relação aos homens, além de tratadas como objetos, como meio de
satisfação dos anseios masculinos. Isso decorreu da cultura portuguesa

1 A discriminação a qual nos referimos é analisada sob o prisma da cultura ocidental


do colonizador. Pois, antes da presença portuguesa, os índios entre si já possuíam
hábitos discriminatórios como a busca por alimentos, caça, pesca, eram tarefas
exercidas por homens

117
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

do colonizador que era machista e patriarcal, que excluía as mulheres


das decisões políticas, do trabalho que não fosse domiciliar, que proibia
as mulheres de serem ativas, devendo as mesmas ser educadas desde
crianças para bem servir ao pai e ao marido sendo a eles submissas.
Pode-se observar que a discriminação de gênero é algo enrai-
zado na cultura e sociedade brasileira, mas que precisa com urgên-
cia ser expulsa para que haja evolução e desenvolvimento social.
A discriminação de gênero é tamanha no Brasil que foi pre-
ciso uma ampla legislação e uma série de lutas para que as mu-
lheres pudessem ter direitos fundamentais, direitos esses que os
homens sempre tiveram.
Conforme Cláucia Piccoli Faganello (2009, p. 2543) somente
em 1827 foi permitido às mulheres brasileiras frequentarem escolas
elementares, antes disso, educação era só para o gênero masculino,
pois eram eles que tinham convívio social. Só em 1879 as mulheres
passam a frequentar e ter direito ao ingresso no ensino superior.
Um dos acontecimentos mais importantes para a inclusão das mu-
lheres na vida social e política do Brasil, ocorreu em 1932, no governo
de Getúlio Vargas, no qual foi reconhecido o direito ao sufrágio. Com
isso, as mulheres começaram a participar de modo efetivo das grandes
decisões do país, com o direito de ser eleitas e eleger representantes.
Hoje, apesar das mulheres possuírem o direito ao sufrágio, a
participação feminina nas eleições no que se refere à quantidade
de candidatas mulheres, ou mesmo ao número de mulheres eleitas
para exercerem funções políticas, ainda é bem inferior a dos ho-
mens (IBGE, DIREITOS HUMANOS, 2012, on-line). Acontece
que as mulheres já conseguiram mudar a mentalidade da socieda-
de brasileira, no que diz respeito à competência das mulheres para
exercerem cargos de alta responsabilidade, um exemplo disso foi a
eleição da primeira presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, em 2010.

118
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Contudo os índices de discriminação e violência contra as


mulheres ainda são significativos (IBGE, DIREITOS HUMA-
NOS, 2012, on-line).

2. Os Resultados da Discriminação de Gênero


Primeiramente, é importante sabermos que gênero não é
sinônimo de sexo. Aquele é o sexo influenciado pela sociedade,
cultura, religião, já este possui definição com base biológica, na
formação dos órgãos reprodutores.
Portanto, os termos são gênero masculino e gênero feminino, e
sexo feminino e sexo masculino. Maria do Socorro Ferreira Osterne
(2008, p. 130) simplifica afirmando que o “sistema sexo/gênero é um
conjunto de arranjos por meio do qual a matéria-prima biológica do
sexo e da procriação é modelada pela intervenção social humana”.
Priscila Siqueira (SIQUEIRA, 2004, p.38) explica a diferen-
ça entre sexo e gênero:

Sexo é uma determinante biológica. Sabemos que o ma-


cho tem dois genes sexuais: X e o Y. [...] Entretanto, gê-
nero é o que a sociedade, a educação, a religião, enfim, a
cultura faz do sexo. Gênero é resultante do que a socieda-
de espera dos papéis atribuídos a cada sexo.

Ambos os gêneros e sexos, por serem humanos, são detentores


de dignidade. A dignidade da Pessoa Humana é um princípio ine-
rente a todo ser humano, a partir do momento que todos possuem
autonomia da vontade e são considerados fins em si mesmo (SAR-
LET, 2009, p. 35). Kant (1986, p. 68 e 69) ao desenvolver o raciocínio
baseado na dignidade afirma que os objetos, irracionais, possuem um
preço, já a pessoa racional possui dignidade, esta nunca quantificável:

119
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

[...] O homem, e, duma maneira geral, todo ser racional, existe


como fim em si mesmo, não só como para o uso arbitrário des-
ta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas acções,
tanto nas que se dirigem a ele, mesmo como nas que se diri-
gem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado
simultaneamente como fim (KANT, 1986, p. 68).

Quando uma pessoa é vista ou utilizada como objeto, quan-


do de alguma forma se atribui a ela um “preço” ou se tira sua
autonomia da vontade estar-se diante da violação da dignidade da
pessoa humana. A violação transcende o entendimento do pró-
prio indivíduo violado, pois um ato pode ser danoso a sua dignida-
de apesar de você acreditar no contrário (SARLET, 2009, p. 47).
A discriminação de gênero é a situação de superioridade
(hierarquia) de um gênero em relação a outro. Toda forma de dis-
criminação é uma afronta à dignidade da pessoa humana.
No presente trabalho vamos nos ater à discriminação do ho-
mem em face das mulheres, pois acreditamos ser esta modalidade
mais frequente no Brasil, necessitando de mais atenção pelo Estado.
Osterne (2008, p. 131) afirma que a discriminação da mulher
não é fato recente “é longa a história da exclusão da mulher com base
em sua diferença biológica do homem, pressupondo que a diferença
sexual, além de fato natural, possa servir como justificativa ontológica
para um tratamento desigual no terreno político e social.”.
Com essa discriminação, o sexo masculino se acha poten-
cialmente mais inteligente, forte, merecedor do que a mulher, que
só tem como função cuidar da casa, dos filhos e do marido. A
sociedade patriarcal e machista na qual vivemos impede de vários
modos, diretos ou indiretos, a inserção da mulher na sociedade.
Faganello (2009, p. 2543) explica:

O homem sempre foi visto tendo um poder superior e a


mulher o único poder que tinha era o da reprodução, fica

120
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

então evidente um poder do homem sobre a mulher que


por muito tempo ficou impedida de agir livremente, um
poder que levou ao interesse, que inúmeros casos passou a
ser dominador e a gerar quadros de violência.

Existem mulheres que crescem nesse meio cultural e que in-


corporam o pensamento machista em relação a si, acabando por
se desvalorizarem e acostumarem com esse tratamento de infe-
rioridade. Essa mulheres acreditam que devem ser submissas aos
homens, por isso discriminam as que pensam de modo contrário,
portanto as mulheres são discriminadas e também discriminam.
A sociedade aceita muitas vezes esse comportamento de dis-
criminação que é difundido e até repassado de forma inconsciente
gerando a violência contra a mulher como bem expõe Andréia da
Silva Costa (2008, p. 82):

A violência contra a mulher faz parte do cotidiano das cida-


des e metrópoles de todo o mundo, e, infelizmente, tal pro-
blemática tem sido vista de uma forma muito natural, como
se as agressões contra a mulher fossem algo usual, inerente
à natureza humana e sem resolução. Como consequência
dessa naturalização da opressão feminina, a violência contra
a mulher continua sendo praticada e admitida, sendo suas
vítimas alvos de notável discriminação e preconceito.

Para garantir os direitos fundamentais das mulheres, prote-


gendo-as da violência e discriminação por parte dos homens, o
constituinte brasileiro faz menção expressa na Constituição Fe-
deral de 1988, em seu art. 5º caput, a igualdade sem distinção de
qualquer natureza e logo em seu inciso I diz que homens e mulhe-
res são iguais em direitos e obrigações.
Na prática, infelizmente, essa igualdade não ocorre, sendo
necessários outros dispositivos na própria Constituição e em ou-

121
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

tras leis especializadas para garantir de forma eficaz a igualdade


entre gêneros, criando normas específicas para as mulheres.
Um exemplo do que foi dito acima ocorre no âmbito do
direito do trabalho, no qual as mulheres são inferiorizadas pela
capacidade física, outras vezes devido à gravidez, fatos que não
justificam diferenças salariais entre pessoas de gêneros distintos,
que exercem a mesma função. Geralmente, os salários dos homens
são superiores, desrespeitando o inciso XXX, artigo 7º, da CF. Já o
inciso XX do referido artigo da Constituição Federal faz alusão à
necessidade de proteção do mercado de trabalho da mulher.
Outro exemplo de tentativa de igualar e proteger as mulhe-
res, através de medidas do legislativo, foi a criação da Lei Maria
da Penha (Lei 11.340/06), com o intuito de prevenir e coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher. A referida lei tam-
bém prevê a implantação de juizados especializados na proteção
da mulher e delegacias da mulher.
Ainda discorrendo sobre o assunto Costa (2008, p.82):

A violência contra a mulher, por muitos entendida como


violência de gênero, se apoia na falsa supremacia do homem
frente à mulher, sempre a ele submissa. Essa tirania masculi-
na tem sido transmitida de geração em geração, por homens
e, principalmente pelas próprias mulheres, que se auto-sub-
metem a situações extremas de humilhação e indignidade,
não se incomodando em passar para seus filhos essa cultura
machista. Esse comportamento conivente é absorvido na
sociedade, nas relações entre as pessoas, nas famílias, nos
ambientes de trabalho, e finda por ser encarado como um
proceder normal, que faz parte do cotidiano humano.

Desse modo, as mulheres sofrem discriminação em suas casas


por parte de seus maridos, no trabalho por parte de seus patrões,

122
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

no acesso à saúde, no acesso à educação e a partir disso decorre ou


se inicia um processo de violência moral e física contra elas.
Esse processo de discriminação é mais frequente nas cama-
das mais pobres da sociedade brasileira, em que as mulheres come-
çam a trabalhar desde cedo em suas casas, ajudando nos afazeres
domésticos, restando pouco tempo para frequentarem escolas ou
se dedicarem a atividades lúdicas. Contudo, acreditamos ser a dis-
criminação de gênero o principal fator ocasionador da dependên-
cia financeira e da sujeição das mulheres.
Embora a discriminação de gênero esteja presente em todas as ca-
madas sociais, as mulheres pobres são as que mais procuram a proteção
estatal, devido a pouca qualificação escolar não conseguem espaço no
mercado de trabalho ou quando conseguem os empregos são precários,
resultando em uma dependência financeira dos maridos/companhei-
ros. Com isso, muitas delas são forçadas a aceitar violências praticadas
pelos homens, sejam eles, por exemplo, seus maridos ou superiores no
trabalho. Sem condições de se manterem sozinhas, abrigarem em casa
de parentes, as mulheres procuram o apoio do governo.
A grande maioria das mulheres brasileiras tem filhos antes
de terminar o ensino médio, obtendo uma nova barreira de acesso
à educação superior, pois não encontram lugar para deixar seus
filhos (IBGE, 2002).
Elas começam a namorar, se casam, engravidam, e com pou-
co tempo começam as cobranças excessivas dos maridos sobre as
mulheres, que por serem sustentadas devem se submeter a tudo e
todo tipo de violência física, moral e sexual.
Priscila Siqueira, em seu livro Tráfico de Mulheres, relata
(2004, p. 28):

A chegada de cada novo companheiro é considerada bem-


-vinda pela mulher, como a possibilidade de partilhar o far-
do da chefia da família. O que se observou, porém, é que,

123
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

normalmente, a cada companheiro um novo filho era in-


corporado à família, com homem abandonando a mulher,
enteados e filho depois de certo período de vida em comum.

Muitas vezes a violência de gênero começa dentro de casa,


ainda na infância, praticada pelos pais ou parentes, que sempre
inferiorizam as filhas, ou mesmo batem nelas e chegam até a abu-
sá-las sexualmente. Com isso, as mulheres não suportam e saem
de casa em busca de liberdade ou de melhores condições de vida,
mas “encontram na rua”- tráfico de drogas/pessoas, mendicância
ou prostituição.
Quando essas mulheres violentadas em suas casas, no am-
biente de trabalho, ou até nas ruas ficam à margem da sociedade
e de políticas públicas, abre espaço para a ocorrência de outros
atentados a dignidade da pessoa humana. Tomando como exem-
plo, no estado do Ceará, observamos a relação da prostituição e da
violência contra a mulher com o turismo sexual e com o tráfico de
pessoas com fins de exploração sexual (COSTA, 2008, p. 65-66).

3. Turismo Sexual
Segundo a OMT (2009) turismo sexual é: “Ato de orga-
nizar viagens dentro ou fora do seio do setor do turismo, mas
utilizando de suas estruturas e redes, com o propósito primordial
de realizar relações sexuais comerciais entre turista e o residente
do destino”.
Ainda sobre o conceito acima, Andréia Costa (2008, p. 66)
expõe:

Sexo-turismo, portanto, consiste na organização de pacotes de


viagem, dentro ou fora do setor de turismo, utilizando todo seu
aparelhamento e tendo como principal intento a promoção de

124
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

relações sexuais entre os turistas e as pessoas residentes no país


visitado. Essa modalidade de turismo pode ser caracterizada
por uma série de ligações existentes entre a prestação de servi-
ços sexuais e a indústria do entretenimento.

Segundo Adriana Piscitelli (2007, p. 718), o termo ‘turismo


sexual’ está em constante aperfeiçoamento e que seu conteúdo
não está pronto e acabado, ela explica:

O termo turismo sexual, que foi amplamente utilizado na


produção acadêmica, tem sido questionado, uma vez que
seu conteúdo não está claramente delimitado. Pesquisas
realizadas em diversas partes do mundo problematizaram
as primeiras formulações sobre essa problemática, mos-
trando que não pode ser reduzida à prostituição e que não
envolve apenas homens heterossexuais dos países do Nor-
te procurando consumir sexo em países do Sul.

Com as pesquisas realizadas, observamos um crescimento des-


se tipo de turismo, devido à globalização, que aproxima os países e
pessoas, diminui os custos das viagens, além de facilitar a estadia do
turista no local visitado. Isso faz com que o turismo sexual tenha ca-
racterísticas novas e diversas a depender da região em que é exercido
(COSTA, 2008, p.152). No Ceará, por exemplo, predomina o turismo
sexual no qual algumas mulheres não se identificam como prostitutas
e sim como “pretendentes” e que “namoram” com os turistas e ao
invés de receberem dinheiro, viajam e ganham presentes (COSTA,
2008, p. 66), além da crescente presença do turismo romance, aquele
no qual mulheres estrangeiras se deslocam para encontrar e se re-
lacionar sexo-afetivamente com nativos cearenses. Em decorrência
da mobilidade e roupagem com que o turismo de finalidade sexual
aparece, fica difícil conceituá-lo de forma efetiva e perene, além de
prejudicar em seu combate (PISCITELLI, 2007, p. 718).

125
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Observando as definições apresentadas, Andréia Costa e


Adriana Piscitelli foram unânimes quanto à presença de três ca-
racterísticas marcantes dessa modalidade de turismo. Primeira-
mente a existência do deslocamento de uma das partes integrantes
ao encontro da outra, que geralmente está em seu local de origem,
a segunda característica é a utilização do aparato e facilidades, ou
melhor, estrutura do turismo, como hotéis, táxis, agências, pacotes
de viagem etc. A terceira característica marcante é o intuito de se
relacionar sexualmente com pessoas nativas do local visitado.
As mulheres que se envolvem com esses turistas podem ou
não exercerem a prostituição. Algumas possuem empregos fixos,
mas geralmente mal remunerados, como dançarinas, garçonetes,
camareiras e por encontrarem facilidade devido à função que de-
sempenham se relacionam com turistas.
O turismo sexual está intrinsecamente ligado à prostituição,
mas não se confunde com ela, que é o ato de comercializar seu
corpo (explorar sexualmente) por dinheiro.
Segundo Coriolano (1998, p. 146):

O turismo nacional e internacional informalmente exer-


ce influência na organização da prostituição feminina.
No momento atual não é possível ocultar o fenômeno da
prostituição e sua associação ao turismo, assim como sua
dimensão espacial, pois essa atividade é um elemento da
produção do espaço, concretizada pelos clientes/prostitu-
tas e outros que são os agentes modeladores desse espaço.

Outro ponto importante, é que ele pode ser praticado tanto


por estrangeiros (oriundos de outros países) como também brasi-
leiros, que se deslocam de uma região para outra.
No Brasil, o turismo sexual não é crime e está longe de se
tornar. Isso ocorre porque o país vive uma política desenvolvi-
mentista, que não mede esforços para atrair turistas que gastem

126
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

dinheiro, gerando renda e empregos, não se importando com as


marcas/prejuízos que deixam na sociedade.
A prostituição é uma das causas intensificadoras desse tipo de
turismo não sendo, também, criminalizada e não existindo legislação
para proteção dos direitos das mulheres que exercem esse ofício2, ge-
rando uma dicotomia na sociedade, na qual uns defendem que deve
ser crime e outros que ela deve ser elevada ao patamar de profissão.
Ligado ao tema é criminalizado no Brasil o favorecimento da
prostituição ou outra forma de exploração sexual, art. 228 do Có-
digo Penal Brasileiro, com o agravante de ser o aliciado menor ou
incapaz, e o tráfico internacional e interno de pessoas para qualquer
fim, seja ele de exploração sexual, de trabalho forçado entre outros,
nos termos dos artigos 231 e 231-A do Código Penal Brasileiro..
Só existe essa modalidade de turista porque tem quem os re-
cepcione, já que é uma relação de dupla, ou melhor, que envolve duas
pessoas, explorador-vítima, não que a vítima seja sempre vítima e que
em nenhum momento não possa ser considerada exploradora (COS-
TA, 2008, p. 155). Consideramos vítimas as crianças e os adolescen-
tes devido à sua condição de pessoas em desenvolvimentos e algu-
mas mulheres que vivem em situação de miserabilidade e se tornam
vulneráveis, que vendem o corpo como única forma de sobreviverem
e as mulheres exploradas sexualmente. Estas últimas por serem ab-
solutamente capazes podem ser exploradoras quando, por exemplo,
extorquem os turistas, abusam sexualmente dos clientes etc.

2 Segundo a justificativa do projeto de lei nº 4211/2012 do Deputado Jean Wyllys,


o atual estágio normativo - que não reconhece os trabalhadores do sexo como
profissionais - padece de inconstitucionalidade, pois gera exclusão social e
marginalização de um setor da sociedade que sofre preconceito e que é considerado
culpado de qualquer violência contra si, além de não ser destinatário de políticas
públicas da saúde. (BRASIL, 2012, on-line) Disponível em: www.camara.gov.br/
proposicoesweb/prop_mostrarintegra?codteor=1012829.

127
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Nesse sentido, na relação do turismo sexual sempre um dos


protagonistas ganhará algo em relação ao outro, no caso satisfação
sexual e dinheiro ou presente ou viagens.
Em relação ao Brasil, os turistas são atraídos com a alegria
do povo, beleza das mulheres, lugares paradisíacos e a falta de rí-
gida legislação, sem contar com a imagem que todos, país a fora,
possuem de que as brasileiras estão sempre vestidas em trajes car-
navalescos. Essa imagem que construíram acerca do país e de suas
mulheres é o que o estigmatiza como país rota de turismo sexual.
No caso dos turistas sexuais, eles procuram o Brasil com o
único fim, se relacionar sexualmente com mulheres brasileiras.
Muitas vezes ainda criam expectativas e vínculos com garotas,
que esperam mudar de vida (ascender economicamente) e morar
fora do país, abrindo-se as portas para o tráfico de pessoas com a
finalidade de exploração sexual.

4. A Imagem do Brasil Ligada ao Turismo Sexual


O Brasil é identificado por ser o país do futebol, do carnaval
e de mulheres bonitas. Adriana Cavalcante (2011, p. 45) explica
como surgiu cada identificador:

A imagem de um paraíso nos trópicos ficou registrada na


mente dos estrangeiros. Com o passar dos tempos, foram
acrescentadas a ela, imagens de pessoas que se destacaram no
esporte, melhor dizendo, futebol, confirmando mais ainda a
superioridade dos dotes físicos dos brasileiros. Além do futebol,
o Brasil se fez perceber, também, por meio de seu carnaval, no
qual encontram mulheres seminuas dançando de forma sen-
sual e atrativa. E assim ficou conhecido o Brasil por décadas:
O país do futebol, das mulheres sensuais e do carnaval.

128
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A criação da imagem depende de vários fatores, ela é forma-


da tanto pela cultura, economia, como pelos instrumentos formais
de publicidade, marketing e propaganda. Além desses meios, tem-
-se a propaganda que é realizada pelos consumidores/turistas sa-
tisfeitos, então os relatos de turistas bem tratados, que admiram a
hospitalidade do brasileiro é importante à atração de estrangeiros
(CAVALCANTE, 2011, p. 46 e 66).
Outros meios importantes para a difusão da imagem do Bra-
sil são as novelas, a música, a literatura esses meios criam sím-
bolos e projetam figuras na mente de quem os utiliza formando
no imaginário das pessoas algo muitas vezes distante da realidade
(CAVALCANTE, 2011, p. 48).
Esse perfil do Brasil, que é representado pelo futebol, carna-
val e mulheres atraentes, foi evidenciado a partir do Decreto-Lei
nº 55 de 18 de novembro de 1966 que instituiu a EMBRATUR
(Instituto Brasileiro de Turismo), que tinha por função exaltar e
difundir as características do país buscando atrair turistas de to-
dos os cantos do mundo, além de promover o governo e sua “su-
posta” democracia (EMBRATUR, 2014, on-line).
No início dos trabalhos, a EMBRATUR precisando inserir o
Brasil como rota de turismo optou por se utilizar dos identificadores
nacionais para entrar nesse ramo de mercado capitalista. Por isso,
divulgaram as propagandas e campanhas do Governo brasileiro no
exterior utilizando-se das fotos de praias belíssimas com mulheres
bronzeadas de biquínis curtos para divulgar destinos como Rio de
Janeiro, Fortaleza, Salvador. Vale ressaltar que, nas feiras interna-
cionais de turismo, o órgão oficial mostrava cartazes com mulatas,
caipirinha e carnaval (CAVALCANTE, 2011, p. 60).
Somente na década de 90, a EMBRATUR começou a reverter
a imagem que já havia projetado no imaginário dos estrangeiros,
conscientizando-se da existência do turismo sexual e do tráfico de
pessoas para fins de exploração sexual inovando com campanhas

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

como a “Exploração do Turismo Sexual Infanto Juvenil: Cuidado. O


Brasil está de olho.” em 1997 (SOARES do BEM, 2005, p. 95). Além
disso, começou-se a explorar outros ramos como o ecoturismo, o
turismo de aventura, divulgação de monumentos e patrimônios his-
tóricos já com a finalidade de conter/afastar o turismo sexual.
Em 2003, foi criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
o Ministério do Turismo, com isso a EMBRATUR ficou vinculada
a ele. Pelo referido Ministério foi criado em 2005 o Plano Aquarela
com metas de desenvolvimento sustentável do turismo no país com
duração até 2020 (BRASIL, EMBRATUR, 2014, on-line). Esse Plano
é dividido em etapas bem definidas, que são atualizadas anualmente
com a concretização das metas. O Plano apresenta como um de seus
eixos de atuação a mudança da imagem que se tem do Brasil:

Atualizar a imagem que o mundo tem do país. [...] Por


isso, em um período em que os olhos do mundo se voltam
para o país, com grande exposição na mídia durante qua-
tro anos em que se realizarão os dois megaeventos esporti-
vos, é fundamental promover uma mudança de percepção
das pessoas de todos os cantos do planeta sobre o país, seu
povo, sua economia, seus produtos e seu papel no cenário
internacional (EMBRATUR, 2014).

Apesar dessa mudança paulatina de mentalidade por parte


do órgão do Governo Federal ainda não se observa na prática os
resultados positivos, pois ainda se tem uma política pública local
de estímulo ao turismo independente de ser ele sustentável. Além
disso, os estados e municípios não intensificaram medidas contra o
ingresso de mulheres, crianças, adolescentes e homens na prostitui-
ção preferindo a omissão dando azo à existência do turismo sexual.

130
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

5. Turismo Sexual no Estado do Ceará


O Estado do Ceará devido a suas belezas naturais como
praias paradisíacas, muitas ainda por serem “descobertas”, clima
tropical e tranquilidade, atrai cada vez mais turistas sexuais.
Os turistas, que viajam com a finalidade de se relacionarem
sexualmente com nativos, preferem lugares novos, não saturados
de estrangeiros. Por isso, escolhem o Brasil, principalmente a re-
gião Nordeste, que ainda possui um turismo em crescimento, no
qual as estruturas são baratas, além da existência considerável de
mulheres que exercem a prostituição ou se interessam por relacio-
namentos com homens estrangeiros (PISCITELLI, 2007, p. 719).
O turismo sexual predomina no Ceará porque se tem um
turismo desordenado e sem planejamento sociopolítico, no qual os
donos de hotéis, pousadas, barracas de praia, taxistas entre outros
envolvidos com setor turístico facilitam a exploração de mulheres,
crianças e adolescentes, esses são os terceiros envolvidos, também
chamados de categorias beneficiárias pela autora Adriana Caval-
cante (2011, p. 107). Com isso, fogem da responsabilidade social
preconizada pelo Código de Ética do Turismo, que prega um turis-
mo sustentável e sem exploração de qualquer forma.
Esses terceiros envolvidos afirmam que o problema do turis-
mo sexual é de responsabilidade dos poderes executivo e judiciário,
que não promovem políticas públicas de combate e não condenam
os que infringem as leis. Ocorre que a proteção dos direitos funda-
mentais e o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana
é um dever de todos, sociedade e Estado.
Adriana Costa Cavalcante citando Oliveira (2011, p. 83)
lembra que foi nos governos de Tasso Jereissati (três gestões como
governador de 1987/1990, 1995/1998 e 1999/2002) e Ciro Gomes
(1991/1994), que o turismo no Estado do Ceará cresceu, pois am-
bos tinham como meta atrair turistas e divulgar a imagem do Es-

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Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

tado pelo mundo, viabilizando investimentos para o setor turístico


tanto públicos quanto privados. Enos Feitosa Araújo (2013, p. 26)
expõe a posição do governo de Tasso Jereissati:

Diferentemente de outros governos, o turismo nesse governo


representa um vetor de desenvolvimento econômico e uma
matriz de articulação de outras atividades econômicas. Con-
tinuando a tendência de planos turísticos anteriores, coloca
a cidade de Fortaleza como o “centro” emissor, receptor, dis-
tribuidor e administrativo das dinâmicas turísticas do Ceará.

A cidade de Fortaleza é uma das principais receptoras de tu-


ristas sexuais internacionais, ao lado de Salvador e Natal, essas
cidades se destacam por terem um acelerado crescimento como
também por serem regiões pobres, com baixos índices de alfabeti-
zação e altos de desemprego (CAVALCANTE, 2011, p. 86).
Adriana Cavalcante em seu trabalho coloca a visão de ter-
ceiros envolvidos no turismo da cidade de Fortaleza, ela relata que
alguns deles acham que quem mais perde nesse tipo de turismo é a
própria cidade, que vai ficando desestruturada, perdendo sua beleza
e deixa de lucrar muito mais se atraísse outro público (2011, p. 139).
Essa perda da cidade já está ocorrendo, assim um exemplo é
a Praia de Iracema, ponto turístico importante culturalmente, que
nas décadas de 70 e 80 era cheia de restaurantes, livrarias, prati-
cantes de esportes, frequentada por famílias e boêmios. Hoje, tem
suas esquinas e becos tomados por prostitutas e travestis, além de
bares, casas de massagem disfarçadas de restaurantes e é tomada
por pousadas, que viabilizam essa modalidade de turismo.
Em resumo, um dos pontos mais bonitos da cidade não é
mais frequentado pela população fortalezense e sim por turistas
estrangeiros e nacionais, que chegam à procura de aventuras exó-
ticas e sexuais. Com isso, esse local turístico da cidade não é mais

132
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

protegido ou mesmo cuidado pela prefeitura ficando à margem e


acabando com sua beleza (COSTA, 2008, p. 152).
Outro fator que favorece ao turismo sexual na cidade de Forta-
leza é a opção preferencial de muitas mulheres, que só se interessam
por estrangeiros, por vários motivos, que vão desde os valores pagos
pelos mesmos que é, geralmente, em moeda estrangeira, à esperança
de encontrar um “príncipe encantado” que a levará para morar na
Europa e consequentemente elevará seu padrão econômico.
Acerca do turismo sexual de Fortaleza e suas organização
e características próprias refere-se Andréia Costa (2008, p. 157):

Diversamente das outras cidades em que a logística da


indústria do sexo se apresenta de forma pré-determi-
nada, como um serviço habitual, pronto e acabado, e
o cliente paga por um tempo determinado de uma dada
atividade sexual, a dinâmica do turismo sexual em For-
taleza possui suas próprias características. Existem mu-
lheres que deixam de imediato transparecer o interesse
por dinheiro, acertando previamente o preço que o tu-
rista vai pagar por sua companhia. Outras, geralmente
com emprego fixo, que não aceitam serem comparadas
com garotas de programa, contudo, embora não admi-
tam, realizam a prostituição na medida em que há a acei-
tação e ocasional procura de presentes e contribuições
financeiras a médio e longo prazo.

As razões pela quais o turismo sexual se desenvolve e cresce


no Estado do Ceará são diversas como pobreza, baixa escolarida-
de, pouca perspectiva de vida, altas taxas de desemprego, vontade
de se incluir no mundo capitalista e ser consumidor de produtos de
“luxo e da moda”, não oferecimento de atividades de lazer e acesso
a cultura e arte, carência no sistema se saúde, além da discrimina-
ção de gênero que até hoje marginaliza as mulheres.

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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

O turismo sexual aparentemente não interfere de forma pre-


judicial na vida da sociedade já que atrai turistas, que movem a
economia local (bares, pousadas, restaurantes), as mulheres que
se envolvem ganham um “extra” ou até sobrevivem daquilo, e o
governo não interfere, pois assim ele tem menos problemas tanto
com Estados e organizações exteriores quanto com a população
local, que com o fim do sistema de turismo sexual precisaria ser
acolhida pelo governo no tocante à inclusão em programas de mo-
radia, trabalho, nova fonte de renda, lazer e educação.
Contudo, convém pontuar que o turismo sexual gera inú-
meros prejuízos sociais, como a discriminação e o preconceito, fa-
vorece práticas ilícitas, como o tráfico de pessoas e a exploração
sexual, desorganiza as cidades, desrespeita a população local etc.
O turismo sexual denigre a imagem da cidade, tornando-a
um lugar fechado para outros tipos de turismo, desrespeitando a
dignidade das mulheres, crianças e adolescentes que se envolvem.
Pois entendemos que, as mulheres e crianças/adolescentes em si-
tuação de vulnerabilidade, que se relacionam com turistas têm sua
dignidade violada, e até mesmo, as prostitutas (mulheres adultas
capazes) são exploradas quando um terceiro intermédia a relação
com o turista exigindo dela uma “comissão”. Andréia Costa se re-
ferindo à violação dos direitos humanos e da dignidade da pessoa
humana, que ocorrem com o turismo sexual (2008, p. 152):

A banalização dos direitos de pessoas vulneráveis tem como


consequência a exploração das mesmas, passando a socieda-
de, como um todo, a partir de fenômeno da naturalização, a
não enxergar o ser violado e explorado como sujeito de direi-
tos universais. Dessa maneira, mulheres e crianças brasilei-
ras são exploradas sexualmente todos os dias por não serem
consideradas como seres dignos de respeito aos seus direitos.

134
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

As mulheres que se relacionam com esse tipo de homem/tu-


rista sexual sofrem desrespeitos em primeiro lugar por parte dos tu-
ristas, que as tratam como se elas fossem necessitadas/sem profissão,
acreditando que se eles não existissem para pagar por aventuras elas
estariam nas ruas ou nas drogas. Depois, pela própria população de
Fortaleza que exclui e marginaliza as prostitutas. Em terceiro lugar
pelo governo que não se posiciona nem a favor nem contra e deixa
essas pessoas sem atendimento de saúde adequado, fecha os olhos
para crimes que acabam ocorrendo a partir desse tipo de turismo
como o tráfico de pessoas e a exploração sexual de crianças.
É preciso mudar essa situação de turismo sexual, Andréia
Costa (2008, p. 160) diz que esse turismo é “uma “faca de dois
gumes”, pois, de um lado, traz lucro e desenvolvimento, e de outro
se mostra como uma endemia, quando praticado com o intuito de
satisfação sexual dos visitantes” por meio exploratório.
Políticas públicas eficazes precisam ser implantadas para que
essa situação mude e a sociedade possa dar mais valor às pessoas,
partindo do ponto da não banalização/aceitação das violações aos
direitos humanos com enfoque na discriminação de gênero.

Conclusão
Conclui-se que a discriminação de gênero é um fator impulsiona-
dor da violência contra a mulher no turismo sexual, a partir do momen-
to que ela marginaliza o gênero feminino, o afastando de melhores con-
dições de trabalho e de estudo, causando uma dependência financeira
das mulheres em relação aos homens. Essa prática discriminatória não é
algo recente, pelo contrário, desde os colonizadores brasileiros é possível
enxergar com clareza o regime patriarcal e machista no qual se vive.
Pois, apesar de hoje, a Constituição Federal proteger e garantir
a igualdade entre homens e mulheres, ainda se presencia cenas de

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discriminação e de violência praticadas no seio familiar, no trabalho


e na convivência social por homens em detrimento das mulheres.
Essa discriminação do gênero feminino faz com que as mu-
lheres tenham sua dignidade humana violada, quando em busca
de autoafirmação, liberdade e fuga do “poder” masculino sobre si
se engajam na prostituição ou em relacionamentos sexuais com
turistas, em troca de dinheiro ou presentes.
O turismo sexual por ser algo economicamente rentável tem
atraído muitas mulheres, crianças e adolescentes ao comércio do
sexo, consequentemente aumentou o número de turistas e de pes-
soas envolvidas na relação, como intermediadores, que é o caso de
algumas barracas de praia, restaurantes, pousadas, taxistas.
Os problemas mais graves do turismo sexual são a exploração de
crianças e adolescentes, fato este tipicamente enquadrado como crime
na legislação penal brasileira, a “coisificação” das mulheres, que são tra-
tadas como objeto e não como fim em si mesmas tendo suas dignidades
violadas, a facilitação para os crimes de tráfico nacional e internacional
de pessoas para fins de exploração sexual e a deterioração de pontos tu-
rísticos das cidades, bem como das mulheres, pois as que se relacionam
com turistas sexuais são marginalizadas pela sociedade.
Apesar de todo o estudo realizado, não encontramos solução ca-
paz de erradicar os problemas gerados pelo turismo sexual, porém acre-
ditamos ser o combate à discriminação de gênero e a inclusão efetiva
das mulheres na sociedade a chave para minimização dos prejuízos.
A partir de políticas públicas de educação e conscientização
das pessoas para valorização das mulheres, além do resgate do dis-
curso de proteção da dignidade da pessoa humana como algo ine-
rente a todo ser humano, que independe de entendimento pessoal
ou aceitação do indivíduo que tem sua dignidade violada, tendo em
vista que a dignidade constitui fundamento do Estado brasileiro.

136
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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140
O Turismo Sexual como Fator
Impulsionador do Tráfico de Pessoas
para Fins de Exploração Sexual

Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales


Mestre e Doutoranda em Direito-UNIFOR
Professora da UNICHRISTUS

Introdução
A globalização e a modernização da vida humana trouxeram
consigo aspectos positivos, mas também negativos. Ao mesmo tem-
po em que, atualmente, é possível, e mais fácil, o trânsito de mer-
cadorias, de tecnologias e de pessoas entre as fronteiras dos países
e no interior destes, incrementando a economia mundial e promo-
vendo a realização pessoal de turistas e migrantes, tem-se também
situações de total desrespeito aos direitos humanos daqueles que,
em razão de sua vulnerabilidade social, econômica e cultural, são
coisificados, como se mercadorias fossem, sendo explorados em sua
força de trabalho e, em muitos casos, em sua sexualidade.
Nesse contexto, o presente artigo pretende analisar duas graves
violações de direitos humanos: o turismo sexual e o tráfico para fins
de exploração sexual. Trata-se de fenômenos distintos, com carac-
terísticas peculiares, mas que, no cotidiano da sociedade, convivem
nos mesmos espaços físicos, vitimam, via de regra, um grupo parecido
de seres humanos, envolvem agentes públicos e atores da vida social,
como taxistas, aliciadores, agências de turismo e de casamento etc.

141
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Para tanto, primeiramente, buscou-se fazer uma análise geral da


atividade do turismo, demonstrando sua importância para as econo-
mias dos países, seu incremento e os principais objetivos buscados pelos
turistas. Analisou-se, ainda, como o turismo brasileiro foi desenvolvido,
destacando as políticas públicas pátrias implementadas pelo governo fe-
deral, sendo possível perceber que houve uma mudança no que tange
à leitura de tal atividade e dos impactos que provocam na sociedade.
Em seguida, fez-se um estudo breve do turismo sexual no
Brasil, abordando, em um primeiro momento, seu conceito e a
polêmica sobre sua classificação como um segmento da atividade
de turismo. Seguidamente, analisou-se a relação entre o turismo
sexual e o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, na
perspectiva de demonstrar se o primeiro pode, ou não, ser consi-
derado como um fator impulsionador do segundo.
Ao final, foram demonstradas as razões que fundamentam a
confirmação de que esse tipo de turismo enseja sim a prática do trá-
fico de pessoas para fins de exploração sexual, haja vista criar um
ambiente propício à atuação das redes criminosas do tráfico humano.

1. Breves Considerações Sobre o Turismo no Brasil


No mundo atual, a atividade do turismo movimenta vulto-
sas quantias em dinheiro, pois além de promover a circulação de
pessoas e de serviços, produz emprego e gera renda para os que
atuam nesse setor. A globalização, que trouxe como consequência
o estreitamento das fronteiras e o incremento das relações entre
os países, ajudou a intensificar a prática do turismo, que passou a
ser considerado um componente significativo das economias de
países tanto desenvolvidos como em desenvolvimento.
Nesse contexto, cada Estado se empenha para ressaltar seus
atrativos naturais e culturais, com o objetivo de aguçar a curiosida-
de e despertar o interesse de seus futuros visitantes. Seduzidas por

142
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

essas atrações e estimuladas pela maior facilidade de trânsito1, pes-


soas do mundo inteiro viajam diariamente com diversos objetivos
- experimentar a gastronomia de um lugar, aproveitar suas praias e
as demais belezas naturais, conhecer um pouco mais da história por
meio das visitas aos museus, igrejas e demais monumentos históricos
ou reafirmar suas crenças religiosas, dentre outros.
Essas viagens podem ser internacionais ou no interior do próprio
território, sendo cada vez maior o número de pessoas que consegue
fazer viagens ao exterior. No âmbito interno, os meios de transporte
mais usados são carros, trens, ônibus, navios e aviões. Por outro lado,
devido às grandes distâncias, o tráfego aéreo e marítimo são as esco-
lhas daqueles que optam por fazer uma viagem internacional.
O autor Arim Soares do Bem (2005, p. 20-21) elenca os fa-
tores que, na perspectiva dos países de origem, desenvolveram o
setor do turismo internacional:

[...] aumento do poder aquisitivo nos países industrializados a


partir da década de 1950; desenvolvimento tecnológico, com a
produção de aeronaves cada vez mais aptas a realizar percursos
mais longos e em menor tempo; aumento relativo do período
de férias nos países industrializados, o que significou maior dis-
ponibilidade para a realização de viagens de duração mais lon-
ga e a países mais distantes; pacotes de viagens cada vez mais
acessíveis a um público amplo, em vista do aumento da pro-
dutividade e da concorrência no setor; centros de férias tradi-
cionais cada vez mais sujeitos a medidas restritivas para conter
a destruição ecológica, influenciando, consequentemente, o
surgimento de novos roteiros turísticos; relação preço-desem-
penho mais oportuna na maior parte dos países do ‘terceiro
mundo’, o que compensa os custos mais altos com transporte

1 É possível verificar que, atualmente, é mais fácil as pessoas viajarem em razão do


desenvolvimento dos meios de transporte e da concorrência entre as empresas do
ramo, que disputam a clientela ofertando tarifas de passagens mais baratas.

143
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

e permanência; aumento da necessidade de evasão, tanto das


pressões estruturais existentes nas sociedades industrializadas
quanto da racionalidade, o que contribui para difundir o turis-
mo nos países menos industrializados como uma recompensa
para a insatisfeita necessidade de repouso e fuga; aumento da
demanda por países, culturas e paisagens distantes, estimulada
pelo imaginário colonialista, que contribuiu para construir so-
cialmente a imagem de tais lugares (paisagens e pessoas) como
exóticos e ‘consumíveis’; viagens como símbolo de status.

O desenvolvimento do chamado turismo internacional é


uma realidade que vem se fortalecendo ao longo dos anos. Em
2014, foi registrado um crescimento do fluxo de turistas, sendo
estimado que cerca de 460 milhões de pessoas viajaram para o
exterior entre os meses de maio a agosto. Os países do continente
americano se destacam nesse cenário, conforme aponta a World
Tourism Organization (on-line, 2014):

Demand for international tourism remained strong in the


first four months of 2014 according to the latest UNWTO
World Tourism Barometer. International tourist arrivals
worldwide grew by 5%, the same rate as during the full
year 2013. Prospects for the current peak tourism season
remain very positive with over 460 million tourists expec-
ted to travel abroad in the May-August 2014 period. Desti-
nations worldwide received some 317 million international
tourists (overnight visitors) between January and April 2014,
14 million more than in the same period of 2013. This 5%
growth consolidates the already strong increase registered in
2013 (+5%) and is well above the long-term trend projected
by UNWTO for the period 2010-2020 (+3.8%). Growth has
been widely spread with nearly all subregions recording in-
creases in international arrivals of 4% or higher. By region,
the strongest growth was registered in Asia and the Pacific

144
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

and the Americas (both +6%), followed closely by Europe


and Africa (both at +5%).

No Brasil, o incremento da atividade turística foi uma saída


que alguns estados federados, como os da região Nordeste, encon-
traram para fugir dos impactos advindos do deslocamento do pólo
hegemônico para o Sudeste do Brasil em função da mineração e
da cafeicultura. (BEM, 2005)

[...] a região Nordeste perdeu e não conseguiu mais recu-


perar a hegemonia econômica e política características dos
séculos XVI e XVII. A partir desse momento histórico,
consolidou-se na economia nacional uma “dinâmica da
desigualdade”, explicitada pela compartimentação de suas
regiões em “zonas ativas” e “zonas passivas” e produtora de
um “efeito de dominação” das primeiras sobre as segundas.
[...] Em busca de alternativas para a região, cresceu cada
vez mais entre os governos nordestinos, a partir do final da
década de 1970, uma mentalidade voltada para o desenvol-
vimento do turismo. [...] esse processo levou à urbanização
turística de algumas das capitais nordestinas, passando a
apresentar o espaço de cidades como Salvador, Natal, Reci-
fe e Fortaleza, principalmente, como espaços do lazer e do
consumo, introduzindo-as também, de modo cada vez mais
crescente, no rol de cidades conhecidas como destinação
turística nacional e internacional. (BEM, 2005, p. 22 e 26)

Assim, embora bem intencionados, os governos dos estados-


-membros que optaram pelo desenvolvimento do turismo não pla-
nejaram esse processo, que se deu de modo intuitivo, sem o aporte
de profissionais especializados. Esse desenvolvimento descuidado
conferiu ao turismo um caráter meramente lucrativo, avaliado ape-
nas a partir de indicadores econômicos. (BEM, 2005, p. 31 e 32)

145
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Essa forma brasileira de fazer turismo é considerada um pro-


blema quando vem acompanhada de uma estratificação social acen-
tuada e de uma modernização predatória e excludente. Isso porque:

A modernização turística (ou instrumental) que vem se


construindo no Brasil nas últimas décadas tem sido calca-
da nesse modelo histórico de modernização. Esse modelo
– mesmo quando se ufana de ser “sustentável” – é predató-
rio do meio ambiente e tem gerado grande exclusão social
da população “nativa” – esta também privada de cidadania
e sofrendo discriminações de várias naturezas, até mesmo
“racistas”. Vários complexos turísticos são construídos no
Nordeste, fora da infraestrutura urbana, não trazendo ne-
nhum benefício para a população local. Os modos de ocu-
pação territorial e de atribuição de novas funções ao espa-
ço no processo de turistificação expulsam o morador, que
se vê forçado a migrar para outras áreas. Num momento
posterior, ele retorna para ser “reintegrado” ao que era seu
espaço, mas, agora, na condição de mão de obra barata. As
gerações mais novas, sem espaço nas atividades tradicio-
nais que se desarticulam com a atividade turística e sem
encontrar uma forma de integração às novas dinâmicas
socioeconômicas, acabam forçadas a “vender” seus corpos
para a crescente demanda. (BEM, 2005, p. 33)

Essa “venda” de corpos pode ser interpretada tanto como


sendo a exploração da força de trabalho como também da sexua-
lidade de pessoas que historicamente foram colocadas à margem
da sociedade. O problema é que tal prática só vem aumentando,
ocorrendo a naturalização social desse tipo de turismo que se de-
senvolve às custas da exploração humana.
Pode-se constatar que a grande incidência da exploração
sexual de pessoas nativas por turistas fez surgir, dentro do setor
turístico, um ramo que trabalha especificamente com um público

146
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

que, além de estar interessado nas paisagens naturais, na culiná-


ria e na cultura de alguns lugares, buscam especialmente o sexo
como entretenimento. O turismo dito sexual, ou sexo-turismo, é
praticado em diversos lugares do mundo, havendo, hoje, alguns
países que se destacam em razão da grande incidência desse tipo
de turismo em seu território. O Brasil, infelizmente, é um deles.

O crescimento do turismo internacional torna ainda mais


visível a problemática e, pode-se mesmo dizer, impulsio-
na tal fenômeno, universalizando determinadas práticas e
inscrevendo várias regiões no sistema de exploração na-
cional e internacional. Surgem várias agências de “matri-
mônio” e agências de viagens especializadas em oferecer
pacotes completos, incluindo acompanhantes permanen-
tes durante as férias dos turistas. As rotas internacionais
consolidam-se com a presença de turistas europeus nos
pólos receptivos, principalmente Bahia, Ceará, Pernam-
buco e Rio Grande do Norte, onde é grande a visitação de
suíços, italianos e alemães. (BEM, 2005, p. 33)

Embora seja comum esse tipo de turismo, muitas das pessoas


e dos órgãos, que trabalham no setor, se negam em reconhecê-lo
como atividade turística. Isso se dá porque essa prática vitima um
grande número de pessoas vulneráveis, ficando evidente, portan-
to, os prejuízos dela advindos, o que impossibilita de reconhecê-la
como um prazer lícito e responsável, como se tem no turismo.
O turismo é considerado uma atividade prazerosa para o via-
jante e importante fator de desenvolvimento econômico de uma
sociedade. Contudo, nem sempre os que atuam nessa área aderem
a essa proposta e findam por agregar no roteiro turístico atividades
nocivas aos habitantes e/ou ao próprio local visitado.
Durante décadas, para atrair o maior número de turistas,
muitos países, em seu marketing institucional, utilizaram imagens

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

de corpos de mulheres seminus associadas às paisagens turísticas,


transmitindo a mensagem de serem destinos de sexo fácil. Veja-se:

As preferências físicas, associadas a características do tempe-


ramento e das especificidades culturais, constroem cenários
imaginários e fantasias que participam mesmo da definição
dos roteiros turísticos, indicando se a viagem será feita para a
Ásia, para a África ou para a América Latina. Tais discursos
estão presentes nos roteiros turísticos publicados, nas repre-
sentações midiáticas em geral, na presença “confirmadora”
de integrantes de minorias étnicas e até mesmo no marketing
institucional realizado por alguns países. (BEM, 2005, p. 56)

No Brasil, durante muitos anos, as políticas públicas de in-


centivo ao turismo “venderam” a imagem do país como sendo o
lugar do carnaval, do futebol e de mulheres “quentes”. A produção
de publicidade turística explorou a imagem da mulher brasileira
de todas as formas, sendo comum nos cartões postais antigos vir a
foto de uma mulata deitada de bruços na beira de uma praia com
um biquíni ou uma toalha com as cores da bandeira do Brasil.

[...] o imaginário carnavalesco ao qual se associa o Brasil


contribui para realçar a beleza sensual de mulheres (no geral
mulatas) que expõe sem pudor seus corpos desnudos. Tais
imagens se tornam funcionais para os contatos travados na
esfera do turismo, estimulando mesmo o surgimento e o es-
tabelecimento do turismo sexual em várias regiões do Brasil,
como o Nordeste, limitando as possibilidades de uma inte-
ração mais abrangente entre os turistas e as mulheres brasi-
leiras. [...] É o clima tropical ao lado da generosa paisagem,
que fornece o pano de fundo para a representação da mulher
brasileira como “picante”, sedutora, mundana e aventureira,
enfim, como uma sexbombe. Comumente as mulheres brasi-
leiras são tidas como mulatas ou negras, com corpos provo-

148
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

cantes e dourados pelo sol, imersas em permanente transe


carnal, imagens extraídas não só do imaginário carnavalesco
ao qual se associa o Brasil, mas também da própria história
do colonialismo alemão. A tendência à erotização do corpo
da mulher negra origina-se historicamente no contexto do
colonialismo. (BEM, 2005, p. 60 e 71)

Aos poucos, a volúpia sexual dos visitantes passou a ser atrelada


aos demais prazeres que o turismo proporciona, havendo a inclusão
de serviços de acompanhantes e visitas a casas de prostituição nos
pacotes de viagem, fortalecendo, assim, o setor do turismo sexual.
Percebe-se, pois, que o turismo sexual no Brasil se sedimentou
em razão de vários fatores. Grande parte da sociedade brasileira con-
tinua vulnerabilizada; a imagem da mulher brasileira ainda é sexuali-
zada; o Brasil, no cenário internacional, segue sendo conhecido como
o país do futebol, do carnaval e do sexo; vez por outra as campanhas
de incentivo ao turismo são feitas de maneira inapropriada reforçan-
do esse imaginário; e, infelizmente, a sociedade brasileira ainda não
conseguiu se libertar de sua herança machista e patriarcal, estando a
figura da mulher brasileira sempre em desvantagem comparada à do
homem, qualquer que seja a nacionalidade deste.
Muitos desses fatores subsistem no meio social nos dias atuais
e dão o tom às relações travadas no cotidiano das pessoas. Se faz
necessário, portanto, um movimento contrário da sociedade capaz
de restaurar o desarranjo causado pela histórica prática desse tipo
de turismo fundado na exploração sexual humana, evitando, as-
sim, que outros sujeitos sejam vilipendiados.

2. O Turismo Sexual no Brasil


De acordo com a Organização Mundial do Turismo, o turis-
mo sexual consiste em viagens organizadas dentro do setor turís-

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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

tico com a intenção primária de estabelecer contatos sexuais com


os residentes do destino (OMT, 1995, on-line).
Em linhas gerais, o turismo sexual acontece quando homens,
estrangeiros ou não, se deslocam transitoriamente, sozinhos ou
em grupo, visando prioritariamente relacionar-se com mulheres
nativas, mediante pagamento, prévio ou agendado, em dinheiro
ou em presentes. Por ser mais abrangente e por retratar melhor
a realidade, é mais adequado fazer a afirmação de que o turismo
sexual representa a dinâmica das relações sexuais e amorosas esta-
belecidas no contexto do turismo globalizado, estando vinculado
às relações entre homens, estrangeiros ou não, e mulheres nativas
e à prostituição (PISCITELLI, 2014, on-line).

[...] o turismo sexual parece ser definido no campo legal-


-jurídico brasileiro de forma diferente, como algo muito
mais específico: a violação por estrangeiros das leis brasi-
leiras que regulam o comportamento sexual, mais preci-
samente, as leis contra pornografia, sedução, estupro, cor-
rupção de menores, atentado violento ao pudor e tráfico
de mulheres. É mister salientar que a simples contratação
dos serviços de uma prostituta maior de idade não confi-
gura, por si só, um crime e, portanto, não deve ser enten-
dida como turismo sexual nesta acepção do fenômeno. No
plano do senso comum, porém, o turismo sexual é sinôni-
mo do comportamento normativo dos turistas estrangei-
ros que frequentam as metrópoles costeiras brasileiras. De
acordo com esta noção, turista sexual é aquele estrangeiro
que busca parceiras nas praias do Brasil, seja qual for a
qualificação legal e/ou social de tal busca. É mister salien-
tar que a definição popular é preferencialmente aplicada
àqueles estrangeiros que alugam os serviços de prostitutas.
(PISCITELLI, 2014, on-line)

150
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Via de regra, mulheres, adultas ou adolescentes, são as mais


diretamente afetadas por esse tipo de turismo, todavia, já é expres-
siva a parcela de jovens do sexo masculino que realiza programas
com turistas sexuais. É importante ressaltar que, embora parte da
doutrina especializada associe o turismo sexual à prática da pros-
tituição, esses sujeitos podem ser introduzidos nessa prática por
meio do sexo-turismo.

As relações e os arranjos afetivos entre turistas e garotos são


variadas – desde programas em saunas por um preço fixo a
“romances” de uma semana que envolve presentes, dinheiro
e refeições, mas sem remuneração para o sexo em si. Alguns
relacionamentos se transformam em complexas relações de
longa distância e de longo prazo, na qual o gringo se torna
um “namorado” que envia regularmente dinheiro e faz visi-
tas frequentes algumas vezes por ano. Ele pode conhecer a
família do garoto ou até ajudar a sustentar seus filhos. A fa-
mília pode mesmo valorizá-lo e estimá-lo como um membro.
Esse novo tipo de arranjo familiar em que os turistas sexuais
gays, efetivamente queer, passam a se inserir nas redes de pa-
rentesco brasileiro é um lado do turismo e da prostituição
que quase nunca é mostrado nas histórias sensacionalistas
que frequentemente aparecem em jornais, programas de te-
levisão e filmes. (MITCHELL, 2011, p. 32)

Sabe-se que, no Brasil, a dinâmica do turismo sexual se parti-


culariza também por guardar uma estreita relação com as questões
que envolvem o histórico preconceito de raça, a discriminação de
gênero, a feminização da pobreza e a percepção do Estado brasilei-
ro ainda como colônia frente aos países desenvolvidos. Thaddeus
Gregory Blanchette afirma que “A discussão sobre comportamen-
tos sexuais e afetivos de homens estrangeiros em espaços brasilei-
ros ainda aparece atrelada a fatores macroestruturais, como ‘raça’,
‘gênero’ e ‘colonialismo’.” (2011, p. 57) Assim, as pessoas que se

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submetem, ou são submetidas, a esse tipo de exploração, são, na


grande maioria das vezes, mulheres pobres e negras, que podem,
ou não, já estarem inseridas no mercado do sexo.
Vale ainda ressaltar que o sexo-turismo disponibiliza aos clien-
tes uma estrutura organizada e que se encarrega de aliar a prestação
de serviços sexuais ao entretenimento e/ou aos negócios. O turista
pode providenciar, por conta própria, os serviços sexuais ou optar
por pacotes programados, conhecidos como all included2, que são
vendidos por hotéis e por agências que atuam nesse ramo turístico.
É ainda importante ressaltar que a disponibilização de in-
formações sobre lugares exóticos e eróticos na grande rede (inter-
net) ajuda a incrementar esse tipo de turismo, na medida em que
contribui para o intercâmbio humano sexual em todo o mundo
por meio de ferramentas (como a deep web), de informações de
fácil acesso e das conexões interpessoais que restam facilitadas
pela própria tecnologia. Contudo, embora esse turismo seja uma
realidade de vários países, sua prática vem sendo repudiada pelas
diferentes sociedades. Essa rejeição pública se justifica em face dos
serviços escusos comuns a essa prática, das violações à dignidade
humana sofridas pelas pessoas afetadas pelo sexo-turismo e ten-
de a se agravar pelo fato de que, algumas vezes, os turistas não
mais procuram apenas os serviços sexuais pré-pagos: eles intentam
produzir, de forma amadora, material pornográfico gratuito, apro-
veitando-se do nu e da sensualidade presentes em bares, boates e
prostíbulos das regiões exploradas.

2 Nos pacotes all included, o turista, antes de viajar, contrata previamente todos
os serviços que vai utilizar no local escolhido para destino. Ao lado dos serviços
de alimentação, entretenimento, hotelaria, passeios turísticos, estão os de
acompanhantes, que são pessoas contratadas para prestarem seus serviços sexuais
e lhes fazerem companhia. Geralmente, as agências de viagem possuem um livro
contendo fotos de corpo e rosto (book) dos(as) acompanhantes, ficando a cargo
do(a) cliente a escolha de seu(ua) parceiro(a) temporário(a).

152
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

[...] o turismo sexual é um fenômeno produzido por uma sé-


rie de engrenagens subterrâneas disseminadas nas socieda-
des emissoras e receptoras de turistas, que, para se configu-
rar, precisam operar simultaneamente, produzindo efeitos
e desarranjos em ambos os contextos. Embora não possa
ser considerado um segmento turístico – como o turismo
ecológico, o turismo religioso, o turismo da “melhor ida-
de” etc., que são atividades planejadas -, o turismo sexual
está submetido às mesmas pulsações do mercado e carece
igualmente de uma infra-estrutura em ambos os contex-
tos, de vias de acesso, de meios de transporte, de mediação
de agentes e recursos humanos. Não sendo produto de um
planejamento, mas pelo contrário, surgindo mesmo em vir-
tude da ausência deste [...]. (BEM, 2005, p. 99)

O turismo sexual possui, portanto, uma dinâmica e uma es-


trutura própria. E, embora o turismo sexual não seja considerado
crime no Brasil, sua realização dá ensejo a ações que sujeitam in-
divíduos adultos (homens, mulheres e transexuais) trabalhadores
do sexo (ou não)3 e, o que é mais grave, crianças e adolescentes, a
condições desumanas e indignas. Isso porque essa prática turística
não finda na exploração da sexualidade de uma pessoa por outra,
abrangendo também variadas agressões ao corpo e à psique huma-
nas, à liberdade, à autonomia, ao respeito, à vida, à integridade e à
própria dignidade do ser que é explorado.
Essas pessoas vulneráveis circulam por diversos lugares das
grandes e das pequenas cidades. Nos estados litorâneos, em que

3 Convém esclarecer que o termo ‘trabalhador do sexo’ é o “preferido no ‘movimento


global pelos direitos dos trabalhadores sexuais’, que sustenta que ‘prostituta’ muitas
vezes é pejorativo. No Brasil, grupos proeminentes de luta pelos direitos das prostitutas,
como o Davida, preferem se reapropriar do termo ‘prostituta’, mesmo que o Ministério
do Trabalho prefira ‘profissionais do sexo’”(MITCHELL, Gregory, 2011, p. 31).

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

o turismo sexual é mais presente4, é fácil encontrar trabalhadores


do sexo nos ambientes de entretenimento, como nas barracas de
praia, em boates e bares noturnos, nos calçadões à beira mar, ou
mesmo, nas áreas de embarque dos aeroportos internacionais e
nas salas de espera dos hotéis da orla. Ou seja, o turismo sexual se
utiliza da mesma estrutura que é usufruída pelos demais tipos de
turistas, o que torna mais difícil seu monitoramento.
Via de regra, embora se tenha a imagem do turismo sexual
como a exploração sexual de nativos que vivem no mercado do sexo
por turistas estrangeiros, a pesquisadora Adriana Piscitelli apresenta
um outro olhar que merece ser considerado no presente estudo.

As migrações vinculadas ao turismo sexual são heterogêneas


e nem sempre têm como efeito a inserção de brasileiras na in-
dústria do sexo no exterior. A modalidade contemplada neste
texto oferece o exemplo de um dos paradoxos envolvendo o
turismo sexual, quando ele oferece vias de saída da indústria
do sexo, através da migração para os países do Norte e do ca-
samento. Trata-se de um tipo de deslocamento que, marcado
pelo processo de feminização, recria, em escala mundial, desi-
gualdades permeadas por gênero. No novo contexto, as entre-
vistadas estão sujeitas a um enrijecimento dos padrões de gê-
nero em um meio que elas próprias recriam na ilusão de adqui-
rir qualidades para acederem à inclusão cultural. Nesse meio,

4 Já existem pesquisas que demonstram que São Paulo, estado marcado pelo turismo
de negócio, encontra-se em meio ao circuito do sexo-turismo, que se manifesta
como sexscape. Ana Paula da Silva afirma que “Embora a cidade de São Paulo se
apresente como símbolo de tudo que é moderno no Brasil, ela não escapa de ser
uma espécie de “cosmopolitismo tropical” – simbologia bastante explorada pela a
indústria do turismo. Nesse contexto, não é de se surpreender que a sexscape de São
Paulo compartilhe semelhanças significativas com as de outras regiões do Brasil. Ao
mesmo tempo, a configuração física da cidade (massa urbana amorfa e enorme, que
carece de pontos turísticos legíveis para estrangeiros) e sua vocação como destino
para o turismo de negócios criam reflexos sui generis na configuração das interações
entre sexo comercial e deslocamentos (inter)nacionais.” (SILVA, 2011, p. 104)

154
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

no qual sentem com maior força o lugar inferior concedido ao


Brasil e são objeto de um racismo ainda mais intenso que o ex-
perienciado em Fortaleza, a sensualidade tropical adquire um
valor ambíguo e ameaçador que dá lugar à desconfiança e ao
controle exercido sobre elas. A criação de espaços de agência
exige a recriação de apenas alguns traços vinculados à brasi-
lidade, enquanto outros devem ser neutralizados, com efeitos
na corporalidade. Contudo, esses casamentos são valorizados
na medida em que permitem o acesso a estilos de vida com
níveis de consumo e conforto inatingíveis para elas no Brasil,
possibilitando, ao mesmo tempo, que ocupem um diferente
posicionamento social e político na terra natal. A valorização
dos relacionamentos com esses esposos está vinculada, sobre-
tudo, à percepção do lugar social que eles viabilizam no espaço
transnacional. (PISCITELLI, 2007, p. 741)

No estudo acima, Adriana Piscitelli salienta que nem toda


brasileira que está na dinâmica do turismo sexual se prostitui no
Brasil, podendo, muitas delas trabalhar em outros setores da rede
de turismo, sem necessariamente realizar programas sexuais. A
análise das situações acima relatadas conduz ao entendimento de
que, como acontece com a maioria dos fenômenos sociais, o tu-
rismo sexual vem se modernizando, o que provoca algumas alte-
rações em sua dinâmica clássica. O perfil da pessoa explorada no
mercado do sexo mudou, os espaços também foram transforma-
dos, o pagamento pelos serviços sexuais se mostra multifacetado.

As entrevistadas que deixaram Fortaleza acompanhando


turistas à procura de sexo compõem um mosaico heterogê-
neo. Algumas, em um trânsito sazonal entre Milão e For-
taleza, aproveitaram o convite para viajar livres de dívidas,
permanecendo na Itália à procura de “programas” com
clientes que conheceram no Brasil e retornando ao país
com dinheiro. Outras, reiterando o padrão pouco profissio-

155
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

nal presente nos relacionamentos com estrangeiros em For-


taleza, visitam “namorados” na Itália procurando alguma
possibilidade de permanecer no país através deles. Quando
não o conseguem, elas regressam levando consigo malas
cheias de roupas (algumas de griffe), relógios, perfumes e
celulares ultra-sofisticados. A maior parte das entrevista-
das, porém, já conta com residência na Itália. Em Fortaleza,
algumas dessas garotas ofereciam serviços sexuais. Outras
tinham trabalhos estáveis, com salários relativamente bai-
xos (o mais elevado era de R$ 500,00 mensais), no setor
de serviços, e, apesar de manterem relacionamentos com
estrangeiros mediados pela procura de benefícios materiais,
não faziam “programas” (PISCITELLI, 2007, p. 722 e 723)

Contudo, merece ser registrado que o turismo sexual praticado


no Brasil é uma atividade degradante e, por essa razão, vem sendo
colocado em pauta em algumas discussões. Já é possível vislumbrar
alguns avanços (por exemplo, ao Brasil não cabe divulgar sua imagem
em campanhas nacionais e internacionais explorando a sexualidade
de brasileiros), mas, infelizmente, o enfrentamento ao turismo sexual
não vem sendo priorizado nas políticas públicas empreendidas pelo
Estado brasileiro. As iniciativas são muito tímidas e voltadas especial-
mente para camuflar essa realidade no meio social, não sendo eviden-
ciadas ações de proteção e de amparo às vítimas dessa exploração.
O sexo-turismo gera impactos socioeconômicos e culturais nas
populações locais, e os contatos sexuais, na maioria das vezes, são
feitos de forma irresponsável, o que enseja o aumento de contágios de
DSTs em decorrência da relações sexuais desprotegidas. Registra-se,
ainda, um alto índice de gravidezes de mulheres nativas, que geram fi-
lhos que crescerão longe dos pais ou mesmo que não chegarão sequer
a conhecê-los. Sem falar do grande número de abortos. (BELLEN-
ZANI; BLESSA; PAIVA, 2008, p. 654). Esses danos, alguns irrepará-

156
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

veis, representam graves violações de direitos humanos e precisam ser


observadas pelas autoridades nacionais e internacionais.

3. O Tráfico Humano para Fins de Exploração


Sexual e o Turismo Sexual
Uma vez esclarecido o conceito de turismo sexual e demons-
tradas algumas de suas peculiaridades, constata-se ser esta uma
prática complexa e diferente do crime de tráfico humano para fins
de exploração sexual, que se caracteriza pelo trânsito/movimenta-
ção da vítima e pelo engano ou pela coerção, circunstâncias que
não estão presentes no turismo sexual, marcado pela exploração, ou
não, de homens e mulheres nos próprios lugares onde moram, não
havendo necessariamente o deslocamento dos sujeitos explorados.
De acordo com o Protocolo das Nações Unidas contra o crime
organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição
do tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças5 (BRASIL,
2004), o tráfico humano é definido da seguinte maneira:

a) A expressão “tráfico de pessoas” significa o recruta-


mento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da
força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulne-
rabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que
tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A
exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prosti-
tuição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o

5 O Protocolo das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à


prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças,
também foi promulgado pelo Brasil, pelo Decreto n° 5.017, em 12 de março de 2004.

157
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas si-


milares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.
b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas
tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea
a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido
utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);
c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o aloja-
mento ou o acolhimento de uma criança para fins de explo-
ração serão considerados “tráfico de pessoas” (mesmo que
não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do
presente Artigo;
c) O termo “criança” significa qualquer pessoa com idade
inferior a dezoito anos.

Assim, aquele que seduz e alicia pessoas, ou que promove o trans-


porte das mesmas de um lugar para outro, podendo ser o deslocamento
internacional ou dentro das fronteiras de um mesmo Estado, ou que,
ao final, as acolhe, fazendo uso de meios coercitivos, tendo por objetivo
a exploração das mesmas, comete crime de tráfico de seres humanos.
Pelo Protocolo, há diversas espécies de tráfico de pessoas, que se
diferenciam pelo tipo de exploração sofrida pela vítima. Desse modo,
tem-se o tráfico para fins de exploração sexual; para fins de trabalho ou
serviços forçados6; para fins de escravidão ou práticas similares7 e para

6 O trabalho forçado, segundo a Organização Internacional do Trabalho — OIT,


se caracteriza por ser todo trabalho ou serviço realizado por uma pessoa que está
sob ameaça de sanção e para o qual ela não se ofereceu espontaneamente. (art.
2o da Convenção Internacional do Trabalho Forçado) (Referida convenção foi
promulgada pelo governo brasileiro por meio do Decreto n. 58.822/1966)
7 Observa-se que a escravidão implica o direito de propriedade que uma pessoa exerce
sobre outra. A vítima é coisa, cujo domínio pertence a uma pessoa ou a um grupo
de pessoas, havendo a possibilidade de ser vendida, dada, leiloada ou transmitida
por sucessão. O trabalho escravo não possui tempo determinado, sendo, portanto,
permanente, podendo, até basear-se em uma relação de descendência. A conduta de

158
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

fins de remoção de órgãos8. Importa indagar, porém, se o rol é taxativo


ou meramente exemplificativo. Isso porque, analisando o contexto do
tráfico humano, percebe-se que outros fins, além da exploração em to-
das as suas formas, estão sendo buscados pela máfia do tráfico. Traficar
crianças para fins de adoção ou mesmo para a prática de furtos, roubos
ou mendicância, por exemplo, está sendo cada vez mais ordinário.
É fácil perceber, analisando o texto da alínea “a” do art. 3º
do Protocolo de Palermo, que os Estados-partes não definiram de
modo taxativo as explorações que configuram o tráfico humano.
Isso pode ser constatado quando se lê: “A exploração incluirá, no
mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas
de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura
ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de
órgãos.” (grifou-se) (BRASIL, 2004)
Analisando os elementos essenciais e as características do
tráfico de seres humanos e do trabalho forçado, percebe-se cla-
ramente que se tratam de institutos criminais distintos. O tráfico
humano pode ser realizado com o objetivo de explorar coativa-
mente a força de trabalho da vítima, consubstanciando o tráfi-
co para fins de trabalho forçado. Contudo nem sempre o tráfico
apresenta essa finalidade. Há que se observar ainda que nem todo
trabalho forçado é fruto de tráfico.
Outra finalidade que o tráfico de pessoas pode apresentar é a
escravidão e/ou suas práticas similares. Entende-se por escravidão
“o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercitam os

escravizar não se restringe à violação da liberdade física (direito de ir e vir) e pode


existir mesmo havendo liberdade de locomoção. A vítima pode ou não ser livre, do
ponto de vista físico, para deixar o trabalho, mas não o deixa porque se sente escravo.
8 Nesse caso, o aliciamento e o transporte de pessoas ocorre para alimentar o
mercado ilegal de compra e venda de órgãos.

159
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

atributos do direito de propriedade ou algum deles” 9. A escravidão


agrega em sua essência o direito de propriedade que uma pessoa
exerce sobre outra. A vítima é coisa, cujo domínio pertence a uma
pessoa ou a um grupo de pessoas, havendo a possibilidade de ser
vendida, dada, leiloada ou transmitida por sucessão. O trabalho es-
cravo não possui tempo determinado, sendo, portanto, permanente,
podendo até basear-se em uma relação de descendência. A conduta
de escravizar não se restringe à violação da liberdade física (direito
de ir e vir) e pode existir mesmo havendo liberdade de locomoção.
A vítima pode ou não ser livre, do ponto de vista físico, para deixar
o trabalho, mas não o deixa porque se sente escravo.
A remoção de órgãos é também elencada pelo Protocolo de Paler-
mo como um dos objetivos a ser buscado pelas redes de tráfico de seres
humanos. Nesse tipo de tráfico, o aliciamento de pessoas ocorre para
alimentar o mercado ilegal de compra e venda de órgãos. Ao lado dos
demais propósitos pelos quais ocorre o tráfico humano, a remoção de
órgãos vitima homens, mulheres e, principalmente, crianças em todo o
mundo. Essa modalidade de tráfico de pessoas proporciona o incremen-
to desse mercado ilegal, por meio da participação e do comprometimen-
to de médicos sem ética e criminosos que, consciente ou inconsciente-
mente, apoiam essa prática indiferente à dignidade humana.
Analisando os imprecisos números que diagnosticam o tráfico
humano no mundo, nota-se que a exploração sexual é a principal
finalidade para a qual pessoas do mundo inteiro são aliciadas e tra-
ficadas. O comércio ilegal de pessoas para fins de exploração sexual
se consubstancia em um dos negócios mais lucrativos para os grupos
criminosos envolvidos, em razão dos altos valores recebidos e do baixo

9 Esse conceito de escravidão surgiu na Convenção, adotada pela Sociedade das


Nações, assinada em Genebra em 1926, na qual se proibiu a prática da escravidão,
assim como o tráfico de escravos. (OIT, 1926)

160
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

risco que lhe são inerentes e se sustenta no desinteresse do Estado pela


questão da migração internacional e da exploração sexual comercial.
As vítimas de tráfico humano são aliciadas com base nas propos-
tas sedutoras formuladas pelos traficantes. A dinâmica do tráfico para
fins de exploração sexual, que muito se diferencia da do sexo-turismo
e das demais modalidades de tráfico, apresenta as seguintes fases: a)
a aproximação do traficante à vítima; b) a relação vítima/aliciador,
que muitas vezes gera uma falsa ideia de confiança entre os dois; c) a
apresentação da proposta da viagem; d) os preparativos para a viagem,
incluindo os trâmites para a expedição do passaporte e a compra de
passagens pelo traficante; e) a viagem; f) a apreensão dos documentos
de identificação da vítima ao chegar ao destino; e, g) a apresentação
da realidade, sendo apontado o trabalho a ser desenvolvido e suas con-
dições, bem como a dívida cumulada desde a saída de sua terra natal.
No tráfico, as vítimas podem ser vendidas por seus familiares
ou por quem exerce alguma autoridade sobre as mesmas. No caso
do tráfico para fins sexuais, é comum famílias pobres venderem seus
filhos aos traficantes com base em promessas de envio do dinheiro
recebido pelo trabalho sexual dos comercializados e explorados. Há,
ainda, casos de prostitutas que aceitam as propostas dos traficantes e
viajam cientes de que vão exercer a prostituição no exterior ou mesmo
em outra localidade dentro de seu próprio país, todavia, ao chegarem
ao destino, são surpreendidas com as condições de trabalho, ficando
presas à rede até quitarem a dívida contraída (a exemplo de passagem,
hospedagem, alimentação e roupas superfaturadas pelos criminosos).
São mulheres que não podem escolher clientes, não recebem o di-
nheiro, cuja maior parte é embolsada pelos traficantes, pagam multa
por adoecerem, por menstruarem e/ou por engravidarem, são violen-
tadas, estupradas e vigiadas dia e noite pelos criminosos.
Os traficantes, geralmente, oferecem às vítimas falsas opor-
tunidades de trabalhar no exterior como babás, garçonetes, dança-
rinas, pedreiros, bombeiros, marceneiros, dentre outras profissões

161
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

marginalizadas, não regulamentadas e não respeitadas nos países


de destino. Convites de casamento também atraem mulheres e as
impulsionam, muitas vezes, ao ardil dos traficantes.
Deve-se, entretanto, observar que a prostituição é a forma de
exploração sexual mais utilizada, mas não é a única. A Aliança
Global contra Tráfico de Pessoas conceitua a exploração sexual
como sendo a participação de uma pessoa na prostituição, na ser-
vidão sexual, ou na produção de materiais pornográficos sob ame-
aça, engano, à coerção, abdução, força, ao abuso da autoridade,
servidão por dívida ou fraude. (ALIANÇA GLOBAL CONTRA
TRÁFICO DE MULHERES.., p. 28.)
No Brasil, a exploração sexual reflete relações sociais construídas
com base em diversas desigualdades que subjugam um grande número
de pessoas a uma situação de desvantagem física, emocional, cultural,
econômica ou social. Esses indivíduos, tendo em vista o estado de
vulnerabilidade em que vivem, findam por serem aliciados, seduzidos
ou não por falsas promessas de melhores oportunidades de vida, para
trabalharem com a prostituição ou mesmo para se deixarem explorar
em sua sexualidade, aceitando ser escravos sexuais, fazendo filmes e/
ou fotos obscenas, strip-tease, sexo explícito, dentre outras atividades
que têm como objeto de mercantilização seus corpos.
Nos dias atuais, um grande número de mulheres tenta, vo-
luntária e conscientemente, migrar para outros lugares do mundo
em busca de melhores condições de vida para si e para seus fa-
miliares, aceitando trabalhar em qualquer ramo de atividade, até
mesmo no mercado do sexo. São mulheres jovens, que criam seus
filhos sozinhas, sem expectativa de trabalho e vida digna, com
sonhos e aspirações pessoais. A elas são negados vários direitos
e, diante de uma oportunidade, elas se arriscam. O que elas des-
conhecem, via de regra, são as dificuldades que enfrentarão no
deslocamento e no próprio destino.
Kamala Kempadoo pontua:

162
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A pesquisa empírica sobre migração, prostituição e ativi-


dades em setores informais ou subterrâneos sublinha a re-
levância da perspectiva feminista tradicional ou da justiça
social sobre o tráfico. Por exemplo, raramente se verifica
de maneira sistemática que as mulheres sejam abduzidas
ou seqüestradas, acorrentadas às camas em bordéis e man-
tidas como escravas sexuais ou de outro tipo (embora essa
situação seja a que chega às manchetes). Ao contrário, o
que as pesquisas mostram é que a coerção, extorsão, vio-
lência física, estupro, fraude e detenção têm lugar dentro
de processos migratórios ou de recrutamento de trabalho
e/ou em locais de trabalho no destino. A servidão por dí-
vida e o trabalho contratado, mas forçado, são muito mais
comuns que a escravidão. Formas contemporâneas de tra-
balho forçado na indústria do sexo, que inclui aspectos de
consentimento e atuação em defesa do trabalhador, são
validadas por pesquisas que documentam a participação
ativa das “vítimas” em migrações através de fronteiras
– por exemplo, que mulheres e meninas tentam mudar
para o exterior consciente e voluntariamente para melho-
rar suas vidas e as de suas famílias. O que essas mulheres
muitas vezes não sabem, ou às vezes aceitam tacitamente,
são os perigos das rotas subterrâneas que têm que usar
para atravessar a fronteira, os custos financeiros, o tipo de
atividades, as condições de vida e de trabalho na chegada,
o alto nível de dependência de um conjunto específico de
recrutadores, agentes ou empregadores, os riscos de saúde,
a duração do emprego, seu status criminoso no exterior,
a violência e/ou períodos de detenção ou encarceramento
que poderão ter que enfrentar. As pesquisas mostram que
a maioria das “pessoas traficadas” expressa algum desejo
de migrar e, por exemplo, em torno da metade das mulhe-
res no trabalho sexual global parecem conscientes antes
da migração de que estarão envolvidas em alguma forma
de trabalho sexual. (KEMPADOO, 2005, p. 62)

163
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

O tráfico para fins de exploração sexual e o turismo sexual


apresentam dinâmicas diferentes, mas ambos tem como finalidade
o benefício financeiro às custas da exploração sexual alheia e a
consequente violação dos seus direitos humanos. A vida, a saúde,
a integridade física e psicológica, a sexualidade, a reprodução, a
liberdade, a autonomia da vontade, a intimidade, e tantos outros
aspectos referentes à dignidade humana daqueles indivíduos que
vivem em meio ao turismo sexual ou ao tráfico para fins sexuais
são ultrajados diariamente.

4. O Turismo Sexual como fator Impulsionador do


Tráfico de Pessoas para fins de Exploração Sexual
Nas discussões sobre turismo sexual é possível ver surgir ques-
tões referentes ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual
e à migração internacional para prestar serviços sexuais. Os três
temas, apesar de distintos, se relacionam e apresentam aspectos que
lhes são comuns. Via de regra, são problemas com uma certa com-
plexidade e que se fundamentam na existência de sociedades ma-
chistas, patriarcais e sexistas que insistem em manter suas mulheres
marginalizadas, distantes de uma vida com dignidade.
Há ainda aqueles que propõem uma fusão dos três fenôme-
nos, porém:

Essa fusão é contestada por diversos estudos. Em termos


analíticos, o « turismo sexual » envolve um universo am-
plo e diversificado que está longe de reduzir-se ao con-
sumo sexual de crianças (O’Connell Davidson 1999) e
à prostituição (Agustín 2005). Esses trabalhos mostram
que, embora em certos contextos de turismo sexual, pros-
tituição e tráfico de pessoas possam ter vinculações, se
trata de problemáticas diferentes (Kempadoo 1999, Pis-

164
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

citelli 2004). Entretanto, no debate, esses temas são re-


petidamente lidos na ótica que, ao fundi-los, faz com que
as pessoas envolvidas, sobretudo mulheres e crianças,
tendam a serem percebidas como seres necessariamente
sujeitos à violência, cujos direitos humanos devem ser pro-
tegidos. (PISCITELLI, 2007, on line)

Assim, apesar de distintos, é inegável que o tráfico humano


para fins sexuais e o sexo turismo se comunicam. A questão é de-
terminar em que medida tais fenômenos se aproximam. A seguir,
serão elencados alguns pontos dessa afluência:
a) Considerando que o turismo sexual não é tipificado pelo Es-
tado brasileiro como crime, sua prática realiza-se abertamente nas
grandes cidades turísticas. No Nordeste, por exemplo, verifica-se que
alguns espaços (barracas de praia, danceterias, hotéis, bares e restau-
rantes badalados, etc.) são comumente frequentados por turistas inte-
ressados em manter relações sexuais com pessoas nativas. Como esse
tipo de atividade não é crime, não há nenhum tipo de fiscalização, o
que facilita em muito o trabalho das redes criminosas do tráfico hu-
mano, que se aproveitam dessas condições para aliciar suas vítimas;
b) A presença massiva de turistas estrangeiros oportunizada
pela rede de turismo sexual atrai mulheres e meninas interessadas
em deixar o Brasil em busca de “um futuro melhor”. Muitas delas
frequentam os ambientes nos quais se pratica o turismo sexual
portando seus passaportes, demonstrando publicamente o interes-
se de ir embora, independentemente do risco que venha a correr;
c) A banalização da prostituição como forma de exploração
sexual humana provoca que a sociedade brasileira, que é marca-
damente machista e patriarcal, discrimine as pessoas envolvidas
nesse tipo de atividade. Assim, as mulheres e meninas envolvidas
no turismo sexual, em lugar de serem protegidas, são ainda mais
marginalizadas e estigmatizadas. Essas vítimas muito dificilmente

165
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

são ouvidas ou respeitadas pelos demais integrantes do corpo so-


cial, sendo frequentes queixas de violência praticada até pelos que
teriam a obrigação de protegê-las. Uma vez traficadas, ninguém, se
importará com a falta de notícia e com o desaparecimento de uma
prostituta.

Essa discriminação ocorre também por parte dos agentes


públicos responsáveis pelo combate ao crime. Muitos poli-
ciais, por não considerarem as prostitutas vítimas de tráfico
e, sim, criminosas, sentem-se no direito de cometer as mais
cruéis atrocidades contra essas mulheres, sendo comum
que agentes menosprezem denúncias de tráfico quando as
vítimas são profissionais do sexo (sem falar nos integrantes
da polícia envolvidos com as organizações criminosas) ou,
ainda, que adotem condutas inadequadas – e por que não
dizer violentas – e preconceituosas. (JUCÁ, 2012, p. 98)

Esses são algumas das razões que demonstram que, nos países
em que o turismo sexual é uma prática banalizada da prostituição
como forma de exploração humana, as redes criminosas encontram
maior facilidade de atuação. A própria dinâmica do turismo sexual
favorece o aliciamento de mulheres, meninas e travestis exploradas
no mercado do sexo pelos agentes do tráfico humano. A leniência
e a corrupção dentro dos órgãos públicos também colaboram para
tornar possível a operacionalização das ações criminosas. E, assim
como acontece no Brasil e na Tailândia, por exemplo, milhares de
pessoas findam por cair no esquecimento de seus países de origem.

Conclusão
No Brasil, o sexo, a raça e a posição econômica são aspectos
que dividem a sociedade entre incluídos e excluídos, o que faz

166
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

com que esses últimos fiquem vulneráveis às múltiplas facetas da


exploração humana.
A busca por melhores condições de vida e inclusão social
impulsionam mulheres a acreditar nas promessas de empregos em
outros países e casamentos com estrangeiros que lhes são feitas
por pessoas que se locupletam da estrutura voltada para o turismo
sexual para aliciá-las e explorá-las sexualmente.
A ausência de tipificação penal do turismo sexual faz com
que seja uma atividade realizada abertamente, dificultando seu
enfrentamento e favorecendo a atuação das redes criminosas de
tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.
Assim, apesar de serem fenômenos distintos, o turismo sexual
e o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual possuem uma
íntima relação, devendo os dois serem combatidos como forma de ex-
tinguir a exploração sexual de centos de milhares de seres humanos.

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169
A Prostituição e o Turismo
Sexual no Nordeste Brasileiro

Roberta Laena Costa Jucá


Mestre pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR
Professora do Curso de Direito da Faculdade
Católica Rainha do Sertão

Introdução
Não é de hoje que a prática do Turismo Sexual mostra-se um
problema social grave e recorrente no Brasil, especialmente na região
Nordeste. Consolidado como destino do Turismo Sexual nos anos 80,
o Brasil atrai a busca por prazer sexual e, nesse contexto, mulheres
que comercializam o sexo são as maiores vítimas dessa prática.
A questão é que, nesse cenário, em que viajantes e nativos
estabelecem um contato casual com vistas à satisfação sexual do
turista, são constantes os casos de exploração sexual e violência de
gênero. Tais fatos preocupam e impõem ao Poder Público a adoção
de medidas de proteção às vítimas, notadamente no Nordeste, em
que o turismo sexual é atrelado a outras atividades ilícitas como o
tráfico de mulheres e o tráfico de drogas.
Dessa constatação, resultam importantes indagações: o que é
prostituição e qual a natureza dessa atividade? Quais as nuances da
prostituição no Brasil? Que tipo de turismo sexual é praticado no Nor-
deste? Em que medida turismo sexual e prostituição se relacionam?
Essas são as perguntas de partida que guiarão o percurso do pre-
sente trabalho, de modo que, delineado um panorama do turismo

171
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

sexual no Nordeste, tenha-se um cenário que possa auxiliar na ela-


boração de ações de enfrentamento – prevenção e combate - dessa
atividade, protegendo e concretizando direitos humanos das vítimas.

1. Prostituição1: Conceito, Natureza, Gênero e


Pós-Modernidade
Prostituição é a comercialização do sexo que se revela quando
uma pessoa2 presta serviços sexuais a outrem, de modo habitual, em
troca de uma contraprestação de valor pecuniário ou de outro tipo de
vantagem. Afigura-se, pois, uma relação negociada onerosa entre duas
ou mais pessoas cujo objeto é a atividade sexual realizada por uma delas.
Abordando a prostituição feminina em O contrato sexual,
Carole Pateman (1993, p. 279-280) destaca a natureza contratual
da prostituição:

As prostitutas estão facilmente acessíveis, em todos os


níveis de mercado, a qualquer homem que possa pagar
por seus serviços e elas comumente são oferecidas como
parte de transações comerciais, políticas e diplomáticas.

1 Por se tratar de um assunto complexo, a prostituição não pode ser analisada apenas
sob uma perspectiva (subversão ou dominação, coisificação da mulher ou liberdade
para dispor do próprio corpo etc). Toda e qualquer análise do tema deve considerar
sua complexidade e o contexto histórico analisado. Nesse sentido, Magali Engel (2004)
assevera que a prostituição “[...] apresenta-se, portanto, como uma realidade complexa,
múltipla e contraditória, cuja compreensão é particularmente dificultada pelo peso dos
preconceitos morais. De qualquer forma, é preciso não perder de vista que os significados
dos comportamentos que nos habituamos a identificar como prostituição possuem uma
especificidade que só pode ser resgatada e compreendida se levarmos em conta a sua
inserção num dado imaginário social. Aparecendo em sociedades diversas no espaço e
no tempo, tais práticas estão evidentemente ligadas a atitudes e necessidades sexuais e
psicológicas da sociedade no conjunto, que são variáveis históricas.”
2 Neste trabalho, será abordada a prostituição feminina praticada por mulheres
maiores de 18 anos.

172
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

[...] Como outras formas de empreendimento capitalista, a


prostituição é encarada como um empreendimento priva-
do, e o contrato entre cliente e prostituta é visto como um
acordo particular entre comprador e vendedor.

A essência da prostituição reside na negociação de um serviço


sexual, que pode ser a conjunção carnal ou outro tipo de ato sexual. Sua
natureza é econômica e negocial, razão pela qual, nos dias de hoje, tam-
bém relaciona-se a prostituição a uma ocupação3, estando quase sempre
atrelada a fatores financeiros4. Para caracterizá-la, faz-se necessário que
haja uma troca entre uma atividade de cunho sexual e algum tipo de
vantagem para quem a exerce, observada a habitualidade de quem a
pratica. Isso significa que a prestação eventual do serviço não configura
a prostituição, sendo mister a constância da atividade, que deve ser pra-
ticada como uma profissão (GRECO, 2010, p. 582).

[...] ser prostituta, de forma geral, pode significar trocar


o corpo ou o prazer por dinheiro, mas, na realidade, essa
condição ultrapassa a mera troca de valores concretos, e é
ainda mais do que isso, pois, na troca, a própria essência do
indivíduo está em jogo. Ao vivenciar a prostituição, a mu-
lher se insere em uma relação comercial; o sexo é percebido
como um produto a ser negociado. (RUSSO, 2007, p . 501).

Essa conduta não é considerada ilícita no Brasil. Com efeito,


o sistema brasileiro adota a corrente abolicionista5, cuja concep-

3 No Brasil, a prostituição é reconhecida como ocupação pela Classificação Brasileira


de Ocupações (CBO), tabela do Ministério do Trabalho e Emprego — subgrupo
5198-05 dispõe sobre o “profissional do sexo” -, o que não significa, entretanto,
reconhecimento como profissão regulamentada, que dependeria de lei.
4 Sobre a relação entre a prostituição e o dinheiro, conferir RUSSO, 2007.
5 Há três correntes sobre a regulamentação da prostituição: o regulamentarismo (que
defende a regulação da atividade pelo Estado como forma de proteger direitos das
prostitutas), o proibicionismo (que criminaliza a prostituição) e o abolicionismo

173
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

ção descriminaliza o ato de se prostituir e considera ilícitas apenas


outras atividades a ela relacionadas, a exemplo da manutenção de
casa de prostituição e do rufianismo.
Nesse sentido, o artigo 228 do Código Penal brasileiro tipi-
fica: “Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de
exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a
abandone”, enquanto o artigo 229 estabelece: “Manter, por conta
própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra explora-
ção sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do
proprietário ou gerente” e o artigo 230 preceitua: “Tirar proveito
da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou
fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça”.
Pela interpretação dos dispositivos supra, percebe-se que o
ato de se prostituir não constitui crime de acordo com o orde-
namento jurídico pátrio, sendo uma atividade lícita que pode ser
livremente praticada por qualquer pessoa.
Nessa perspectiva, e sem desconsiderar a realidade brasileira, em
que o exercício do meretrício é, na maior parte das vezes, atrelado a
uma exploração, afigura-se oportuno destacar que a prostituição pode
ou não estar associada à exploração. Ou seja, ela tanto pode ser exer-
cida de forma livre e autônoma, pautada no livre arbítrio de quem se
prostitui, como pode ser fruto da intermediação de terceiros que inten-
tam obter algum tipo de vantagem ilícita a partir dessa atividade, como
ocorre no caso dos cafetões. O fundamental é não confundir prostitui-
ção com exploração sexual, para que se esclareça que nem sempre o ato
de se prostituir está atrelado à exploração de quem se prostitui.
O fato de a prostituição não ser atividade criminosa, contudo, não
a torna uma conduta socialmente aceitável, sendo certo que o precon-
ceito contra as pessoas que a praticam é um sentimento dominante na

(que tolera a atividade e pune o explorador). Sobre o tema conferir: SANCHEZ


(2010); BARRETO (2010); DIMENSTEIN (2010); PRADO (2010) e LEITE (2010).

174
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

sociedade brasileira de hoje. Na verdade, a reprovação social da prosti-


tuição tem raízes históricas. Inobstante variar de acordo com a época
e com o contexto social, na sociedade cristã do Ocidente sua prática
sempre foi estigmatizada6. “As civilizações antigas ou orientais não têm
a mesma atitude que a civilização cristã, para a qual a carne é a sede da
infidelidade e a fornicação é o maior pecado.” (PERROT, 2007, p. 77).
Após a expansão da atividade prostituinte na Europa do sé-
culo XVIII, seguiu-se o isolamento das prostitutas em casas de to-
lerância, em uma tentativa de higienização e contenção de doen-
ças sexualmente transmissíveis, como a sífilis. Nesse período, mui-
tas prostitutas foram detidas e submetidas a exames médicos em
Paris, sendo mantidas em verdadeiras prisões (PERROT, 2007).
A reprovação social foi intensificada no século XIX, com o
tráfico de escravas brancas, que levou polonesas e judias da Eu-
ropa para países da América do Sul. Perrot (2007) adverte que
esse modelo foi exportado para vários países europeus e para suas
colônias, servindo de molde à regulamentação e ao confinamento
das prostitutas também nos países colonizados.
Margareth Rago (2008, p. 26) enfatiza o lugar marginalizado
dado à prostituição a partir do século XIX:

Construído no século XIX a partir de uma referência mé-


dico-policial, o conceito da prostituição não pode ser pro-
jetado retroativamente para nomear práticas de comer-
cialização sexual do corpo feminino em outras formações
sociais, sem realizar um aplainamento violento da singu-
laridade dos acontecimentos. Fenômeno essencialmente
urbano, inscreve-se numa economia específica do desejo,
característica de uma sociedade em que predominam as

6 No Brasil, a prostituição remonta ao período Colonial e foi primeiramente praticada


pelas escravas negras, que detinham, dentre outras funções, a tarefa de prestar
serviços sexuais aos senhores. (Cf. SAFFIOTI, 2013).

175
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

relações de troca, e em que todo um sistema de codifica-


ções morais, que valoriza a união sexual monogâmica, a
família nuclear, a virgindade, a fidelidade feminina, desti-
na um lugar específico às sexualidades insubmissas.

No Brasil, a história seguiu esse mesmo percurso. Tratada como


questão de saúde pública, a prostituição foi combatida pelo Poder Públi-
co em razão da disseminação de doenças sexualmente transmissíveis,
o que se intensificou nos anos 80, em razão da epidemia do vírus HIV.

No passado, tanto no Brasil quanto em outros países, no


plano do cuidado com a saúde dos homens, o advento das
doenças venéreas, principalmente a sífilis, para a qual não
havia medicação curativa eficaz, trouxe a necessidade da
implementação de uma intervenção profilática em que foi
focalizada, nesse sentido, a prostituição. Esse fato fomen-
tou o debate entre partidários do neoregulamentarismo
e os do abolicionismo (liberal ou proibicionista) e, ao
mesmo tempo, norteou a política sanitária implementada
então no Brasil para o combate à prostituição. (GUIMA-
RÃES; MERCHÁN-HAMANN, 2005, p. 526).

Assim, a prostituição, no Brasil e no mundo, enfrentou bar-


reiras sociais, sendo tratada, inicialmente, como problema de saúde
pública e destacada pela marca da reprovabilidade moral.
Na atualidade, o movimento feminista divide-se em várias
correntes. Como explica Adriana Piscitelli (2006), de um lado, fe-
ministas defendem ser o sexo a raiz da opressão feminina. Nesse
caso, “a prostituição é vista como caso extremo do exercício abusivo
do sexo, portanto, quem oferece serviços sexuais é percebida como
inerentemente vítima de violência. Nessa visão, a prostituta é um
objeto sexual, um ser passivo e carente de poder.” (PISCITELLI,
2006, p. 4). Por outro lado, existe a defesa do sexo como fonte de po-

176
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

der e autonomia da mulher, sendo a prostituição uma representação


dessa liberdade feminina. E há, ainda, as feministas que

pensam no sexo como um terreno de disputa, não como um


campo fixo de posições de gênero e poder. Estas linhas de
pensamento reconhecem a existência de uma ordem sexista,
mas consideram que ela não é absolutamente determinante.
O sexo é visto como uma tática cultural que pode tanto de-
sestabilizar o poder masculino como reforçá-lo. As práticas de
prostituição, tais como outra forma de mercantilização e con-
sumo devem ser lidas de maneiras mais complexas que apenas
uma confirmação da dominação masculina: elas podem ser
espaços de resistência e de subversão cultural. Por este motivo,
estas linhas consideram que a posição da prostituta não pode
ser reduzida à de um objeto passivo utilizado na prática sexual
masculina, mas como um espaço de agência no qual se faz um
uso ativo da ordem sexual existente. (PISCITELLI, 2006,p.4).

Não obstante a existência de diferentes correntes feministas


sobre a prostituição, e sem desmerecer nenhuma delas, o fato é que,
ainda hoje, no Brasil – que é abolicionista - parte dos que buscam
a satisfação de desejos sexuais o faz pela crença7 de que alguns atos
sexuais não podem ser praticados por esposas e namoradas, mulhe-
res consideradas “direitas” pela sociedade, cuja imagem deve per-
manecer imaculada e atrelada aos deveres familiares e à moral. Nes-
sa perspectiva, muitos homens procuram as prostitutas - mulheres
consideradas inferiores – para que obtenham serviços sexuais que
não “podem ser praticados por mulheres de família”.

7 A sexualidade da mulher enfrentou vários mitos no decurso da história. No século


XIX, difundiu-se a ideia de que a mulher não sente prazer sexual. Para Michelle Perrot,
esse mito da frigidez feminina, atrelado a outros fatores, serviu de justificativa para
os homens, que passaram a procurar o prazer em outro lugar: amantes, prostitutas,
mulheres sedutoras das casas de má fama, em plena expansão no século XIX, são
encarregadas de remediar essa “miséria sexual”. (PERROT, 2007, p. 65).

177
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Assim, denota-se que o exercício do meretrício também guar-


da íntima relação com fatores histórico e sociais, sendo resvalo
da cultura patriarcal e machista que ainda predomina no Bra-
sil contemporâneo. Com efeito, a prostituição ainda é conside-
rada uma atividade que fere a moral social e as mulheres que
se prostituem são vítimas certas da discriminação e do pre-
conceito da sociedade brasileira [...] (SOUZA, 1998, p. 103).

Percebe-se, pois, que a prostituição no Brasil sempre esteve


predominantemente à margem do socialmente considerado correto
e bom e ainda hoje ocupa esse locus no imaginário brasileiro. Ativi-
dade considerada lícita pelo Direito, paradoxalmente a prostituição
afigura-se como conduta moralmente inaceitável, demonstrando o
predomínio da corrente feminista que enxerga a prostituta como
objeto e a prostituição como violência de gênero contra a mulher.
Importa salientar que se entende por gênero a construção social
do masculino e do feminino, o “[...] conjunto modificável de caracte-
rísticas culturais, sociais e educacionais atribuídas pela sociedade ao
comportamento humano, qualificando-o de masculino ou feminino”.
(LOPES, 2008, p. 17). Dessa diferenciação, edifica-se uma construção
social que indica a superioridade do sexo masculino e a inferioridade do
sexo feminino. A mulher é considerada inferior ao homem pelo simples
fato de ser mulher, originando uma desigualdade social entre ambos.
Essa inferiorização da mulher por sua condição biológica gera
um imaginário social de que o homem, por ser superior, pode usar
a mulher e seu corpo para satisfação. A mulher é tomada como ob-
jeto e seu corpo é comercializado com a finalidade de satisfazer um
homem tido por superior. É nesse ponto que a prostituição acaba
por fortalecer a ideia de superioridade masculina, contribuindo
para a perpetuação das desigualdades entre os sexos.

A prostituição expressa e em certa medida ajuda a perpetu-


ar a tendência masculina de tratar a mulher como objetos

178
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

que podem ser usados para fins sexuais. A prostituição ex-


pressa, num contexto particular, as desigualdades de poder
entre homens e mulheres. (GIDDENS, 2005, p. 124).

Nessa perspectiva, a mulher que comercializa o corpo, colocan-


do-se como objeto face a um cliente do sexo masculino, acaba por re-
forçar a desigualdade de gênero existente na sociedade brasileira hoje.
A despeito das demais correntes, e sem apontar para a adoção
de uma tese única, tampouco para a superioridade de uma delas, o
fato é que não se pode negar que, no Brasil, a prostituição é realiza-
da em sua maioria por mulheres cujo perfil pode ser delimitado pela
pobreza, falta de oportunidade e emprego, vulnerabilidade social e
econômica, estando quase sempre relacionada ao mundo do crime
marcado pela exploração e violência contra mulheres.
Claro que não se pode desconsiderar a parcela das chamadas
“prostitutas de luxo”8, que, pertencentes às classes média ou alta e
dotadas de razoável nível de escolaridade, não se encaixam nessa
moldura e, por vezes, optam pelo comércio do corpo pelas mais di-
versas razões, que vão desde a ambição de uma vida mais luxuosa
até a complementação da renda.
De todo modo, e sem pretender generalizar todos os tipos
de prostituição, tampouco todos os motivos que levam alguém a
se prostituir, o fato é que, no Brasil, a prostituição de mulheres
está relacionada, em sua maior parte, à exploração e ao mundo do
crime, notadamente porque a maior parte dessa atividade é inter-
mediada por exploradores que agenciam o trabalho das mulheres.
É comum que as prostitutas sejam exploradas por cafetões, repar-
tindo com eles parte do lucro advindo do programa e, não raro,
há exploração de crianças e adolescentes nesses estabelecimentos.
Além disso, muitas das pessoas que trabalham no mercado do sexo

8 (Cf. RIBEIRO, 2014).

179
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

pago no Brasil estão envolvidas com atividades ilegais, como o


tráfico de drogas e o tráfico de pessoas.
Em obra sobre o cenário da prostituição paulista, exsurge evidente
a ligação entre o mundo da prostituição, o tráfico de drogas e a crimi-
nalidade. “Nos espaços destinados à prática do trottoir, como ruas e
avenidas, a violência e o tráfico de drogas estão sempre presentes, o que
os transforma em territórios segregados [...]” (ARAÚJO, 2006, p. 57).
Ao narrar histórias reais de várias prostitutas paulistanas,
Renata Bortoleto, Ana Laura Diniz e Michele Izawa mostram,
com detalhes, a interseção entre esses universos: “Sexo, erotismo,
pornografia, álcool, música, drogas e violência. Quem frequenta a
Boca do Lixo em São Paulo está suscetível a todas essas variáveis”
(BORTOLETO; DINIZ; IZAWA, 2003, p. 15).
E mais adiante:

O setor que negocia erotismo e pornografia integra boates,


motéis, hotéis, casas de massagem, cinema e saunas.
[...]
Casas de luxo e de baixo meretrício participam desse com-
plexo [...] Na Boca de Luxo, o tráfico é mais intenso. Lá esta-
riam os grandes traficantes. Na do Lixo, os pequenos são os
atuantes. (BORTOLETO; DINIZ; IZAWA, 2003, p. 136).

O exemplo mostra um caso em São Paulo, mas é extensivo a


outros locais brasileiros, já que, em regra, a prostituição é pratica-
da nessas condições de risco em todo o Brasil.
Em outras palavras: não há dúvida de que, no Brasil, a prosti-
tuição é, sim, exercida em sua maior parte em meio a esse cenário
de violência de gênero, exploração sexual e tráfico de drogas. Daí
porque sua análise demanda o estudo de outros fatores, como, por
exemplo, a origem da desigualdade entre homens e mulheres.
Se é certo, todavia, que o preconceito social ainda marca a
atividade prostituinte e que a prostituição não deixa de ser uma

180
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

forma de perpetuar a discriminação de gênero, não é menos certo


que a era pós-moderna e as mudanças operadas em todos os setores
da vida humana trouxeram um novo cenário dos relacionamentos
e, consequentemente, da atividade sexual e da prostituição.
Analisando as relações sexuais da pós-modernidade, a partir
da revisão de História da sexualidade, de Michel Foucault, Bauman
(1998) discorre sobre o papel do sexo na atualidade. Para o autor,
o sexo – que, na primeira revolução sexual teve o papel edificador
de construção de uma sólida unidade familiar - continua tendo uma
função instrumental, de “desmantelamento de tudo o que a primeira
revolução sexual [...] construiu. Testemunhamos hoje uma gradual,
mas aparentemente inexorável, desintegração [...] do outrora sacros-
santo e impenetrável ninho familiar” (BAUMAN, 1998, p. 183).
O autor denuncia a instituição de um novo padrão (líquido) de
relacionamento e reprodução, em que a sexualidade é plástica (para
usar um termo de Giddens) e o sexo é dissociado da unidade familiar:

[...] o sexo, pode-se dizer, saiu da casa familiar para a rua,


onde apenas os transeuntes ocidentais encontram quem –
enquanto encontram – sabe que mais cedo ou mais tarde
(antes mais cedo do que mais tarde) seus caminhos são obri-
gados a se separar novamente. (BAUMAN, 1998, p. 184).

E continua:

[...] o isolamento do sexo de outras formas e aspectos


do relacionamento social e, acima de tudo, das relações
maritais e com os pais, é um poderoso instrumento, não
exatamente a consequência, dos processos de privatiza-
ção e mercantilização. Atualmente, os indivíduos são so-
cialmente empenhados, em primeiro lugar, através de seu
papel como consumidores, não produtores: o estímulo de
novos desejos toma o lugar da regulamentação normativa,
a publicidade toma o lugar da coerção, e a sedução tor-

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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

na redundante ou invisíveis as pressões da necessidade.


(BAUMAN, 1998, p. 185).

Nesse contexto, há o desestímulo do laço das relações de per-


manência e o estímulo ao consumo de novos desejos; a figura do ho-
mem de família dá lugar ao acumulador e colecionador de sensações.
Esse panorama encaixa-se na atividade da prostituição pós-
-moderna na medida em que muitos homens buscam os serviços
sexuais pagos pela necessidade de uma relação sexual casual da qual
não gere maiores questionamentos; nesse caso, “[...] o indivíduo pre-
fere escolher uma prostituta que não fará perguntas, que suposta-
mente o verá somente uma vez [...]”. (SIQUEIRA, 2006, p. 217 e ss.).

2. Turismo Sexual e Prostituição no Nordeste


Brasileiro
Inicialmente, faz-se mister mencionar a advertência de Piscitelli
(2006) para a existência, na atualidade, de várias abordagens sobre o
turismo sexual9. Segundo a autora, pesquisas das mais diversas foram,
ao longo do tempo, desmistificando a identificação do turismo sexu-
al com aquele praticado por viajantes homens com mulheres nativas,
numa necessária condição de exploração de mulher, na medida em que
foram constatadas outras formas de turismo sexual: homens que optam
por relações emocionais recíprocas com mulheres (pesquisa realizada
por Davidson com turistas em Cuba), mulheres viajantes que se relacio-
nam com homens nativos e vivem com eles verdadeiros romances (pes-

9 “Algumas têm sublinhado a existência de diferentes modalidades de turismo


sexual, caracterizadas considerando um conjunto de fatores: o sexo e a idade de
aqueles/aquelas oferecendo serviços sexuais, a orientação sexual dos consumidores
e, ainda, a participação de intermediadores e a integração desse tipo de serviços no
setor formal ou informal, em tempo parcial ou integral.” (PISCITELLI, 2006, p. 4).

182
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

quisa realizada com turistas na Jamaica por Pruitt e Lafont), turistas se-
xuais que buscam relações homossexuais (Luongo; Clift e Forrest) etc.
Um conceito amplo de turismo sexual poderia ser elaborado
a partir da ideia de atividade turística com vistas à prática do sexo,
em que o turista, homem ou mulher, escolhe seu destino e viaja
com o escopo de ter relações de conotação sexual e/ou vivenciar
uma relação sentimental, ocasional ou com uma certa duração.
A relação pode ocorrer com pessoas do sexo oposto ou do mesmo
sexo, de modo eventual ou duradouro.
A Organização Mundial do Turismo (2012) define turismo
sexual como: “Ato de organizar viagens dentro ou fora do seio do
setor do turismo, mas utilizando de suas estruturas e redes, com o
propósito primordial de realizar relações sexuais comerciais entre
o turista e o residente do destino”.
Todavia, a presente pesquisa analisa o turismo sexual pratica-
do no Nordeste brasileiro e não pode ser estudado desconsiderando
as inúmeras violações a direitos humanos e explorações de mulhe-
res, crianças e adolescentes que estão no entorno dessa realidade.

[...] o turismo sexual está relacionado com o tráfico de mulhe-


res e a exploração sexual de crianças e adolescentes, que são
crimes no Brasil. Este problema tem preocupado estudiosos e
gestores que buscam estudar e analisar o tema, que é recor-
rente em vários destinos turísticos, principalmente na região
Nordeste, onde é mais visível. Na política, cartilhas foram
elaboradas, houve ações de políticas públicas e seminários são
realizados para discutir o assunto, mas, mesmo assim, o proble-
ma continua crescendo, principalmente nos estados e cidades,
onde o turismo é um setor de destaque. (SILVA, 2007).

Portanto, nesse caso, entende-se necessário retomar o conceito


de turismo sexual que considera as relações desiguais entre homens de
países ricos e mulheres de países pobres (Truong apud Piscitelli, 2004).

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Percebe-se, assim, que, nesse enfoque, a base do turismo de


cunho sexual reside nessa desigualdade social, econômica e cul-
tural, que permite a imersão de homens supostamente superiores
- em razão da origem, do poder econômico e da cultura - na vida
de mulheres supostamente inferiores – em razão da pobreza e da
condição vulnerável constatadas em países em desenvolvimento.
Em outra pesquisa, em que analisa discursos de viajantes à
procura de sexo, a autora conclui:

As análises sobre a dinâmica do turismo sexual internacio-


nal apontam para o fato de os bolsos dos turistas sexuais oci-
dentais conterem suficiente poder para converter os outros
em Outros, meros atores num palco pornográfico, como uma
expressão do enorme desequilíbrio econômico, social e polí-
tico entre nações pobres e ricas. (PISCITELLI, 2002, p. 222).

Por essa razão, não é de se estranhar que o destino do turista


sexual seja escolhido em razão das facilidades e peculiaridades re-
gionais. As desigualdades sociais e a vulnerabilidade de uma parte
da população de regiões menos desenvolvidas economicamente são
fatores que influenciam no desenvolvimento desse tipo de turismo.
Arim Soares do Bem (2005) explica que a forma - intuitiva e
centrada no desempenho econômico - como se deu a urbanização
do turismo de algumas capitais nordestinas, nos anos 70, foi ex-
tremamente prejudicial à atividade turística em si e às cidades. Se-
gundo ele, esse modelo globalizado tornou as pessoas vulneráveis
em mão-de-obra barata que (se) vendem até o corpo para integrar
as novas dinâmicas econômicas e sociais da cidade, favorecendo,
desse modo, o desenvolvimento do turismo sexual.
Abordando a nova forma de consumo surgida com a globa-
lização, Dias Filho (1996) relaciona o desenvolvimento de com-
portamentos como o turismo sexual à lógica da mundialização da
cultura, razão pela qual “comprar companhia, sexo e drogas num

184
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

pacote de férias [...] seria mais uma consequência desse novo mer-
cado mundial”. (DIAS FILHO, 1996, p. 58). E ainda:

Mais específicas ainda seriam as escolhas por tipos, como


por exemplo: mulher, negra brasileira, baiana. Tudo isso
revela, em princípio, uma circularidade de informações
sobre culturas além-fronteiras, propiciando a inclusão não
apenas de objetos, mas de pessoas, como artigos de con-
sumo mundializados. (DIAS FILHO, p. 60).

No mesmo sentido, Soares do Bem demonstra que a lógica


da globalização e da urbanização turística no Brasil, marcada pela
exclusão social, atingiu sobretudo as mulheres.

Mulheres, crianças e adolescentes, provenientes dos anti-


gos e dos novos espaços de marginalidade, já sendo víti-
mas de uma relação histórica de exploração pelo mercado,
constituem, portanto, o principal grupo de perdedores na
nova geografia do poder que se instaura com a globaliza-
ção. (DO BEM, 2005, p. 37).

Essa análise da urbanização turística do Nordeste, que, aliada


a outros fatores, como a criação de estereótipos internacionais de
subalternidade10, mostra que as mulheres nordestinas acabam sendo
preferidas pelos turistas sexuais. A mulher brasileira é internacio-
nalmente reconhecida por sua beleza exótica e “provocante”, por
sua pele morena e bronzeada, características frequentemente ressal-
tadas no meio turístico e na mídia internacional, tornando-se um
atrativo ao turista consumidor interessado em serviços sexuais.

10 Soares do Bem (2005, p. 100) explica que o processo de colonização construiu um


imaginário em meio à população europeia de uma imagem negativa do não-europeu,
influenciando sobremaneira na ocorrência do turismo sexual internacional.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

É o clima tropical, ao lado da generosa paisagem, que


fornece o pano de fundo para a representação da mulher
como ‘picante’, sedutora, mundana e aventureira [...]. As
mulheres brasileiras são tidas como mulatas ou negras,
com corpos provocantes ou dourados pelo sol, imersas em
permanente transe carnal, imagens extraídas não só do
imaginário carnavalesco ao qual se associa o Brasil, mas
também da própria história do colonialismo alemão. (DO
BEM, 2005, p. 71).

As próprias agências brasileiras – públicas e privadas - aju-


dam a consolidar essa imagem da mulher brasileira (notadamente
a nordestina) como objeto de desejo dos consumidores, quando
simbolizam o Brasil por meio de mulatas seminuas em fotos sensu-
ais. A infraestrutura turística das grandes cidades acaba por con-
tribuir para o desenvolvimento do turismo sexual.
Identifica-se, nesse ponto, a relação entre o turismo sexu-
al realizado no Nordeste brasileiro e o fator gênero. Com efeito,
o machismo e a discriminação contra a mulher decorrentes da
construção social que considera o homem superior são fatores que
impulsionam o turista sexual na sua busca pelo alvo fácil e barato.
“[...] os destinos privilegiados pelos turistas sexuais são definidos
não apenas em função da possibilidade de sexo barato, mas tam-
bém por construções de gênero e de estilos de sensualidade vincu-
lados a certas regiões e certas nações”. (PISCITELLI, 2004, p. 1).
Em pesquisa realizada na Praia de Iracema, em Fortaleza-
-CE, no período de 1999 a 2002, Piscitelli (2004, p. 5) analisou
a relação entre turismo sexual e prostituição. A autora constatou
que a prostituição exercida para o turismo sexual se diferencia dos
outros tipos de prostituição, sendo, nesse caso, praticada basica-
mente por mulheres de classe média, que possuem escolaridade
mais elevada e não fazem parte das camadas mais miseráveis, con-
sideradas garotas que fazem programa.

186
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Os circuitos vinculados ao turismo sexual internacional


são transitados por mulheres de camadas baixas e médias
baixas que os locais vinculam, sem duvida, ao turismo se-
xual de classe média. Essas mulheres estão longe de cons-
tituir um grupo homogêneo. Algumas das entrevistadas
se consideram trabalhadoras do sexo, mas muitas não se
vêem nesses termos. (PISCITELLI, 2004, p. 10).

Assim, evidencia-se ser marcante a presença de prostitutas


em um dos polos do Turismo Sexual, justamente porque os turistas
sexuais, em regra, procuram ter relações com mulheres detentoras
dos atributos que permeiam seu imaginário, aguçado pelos anúncios
de agências e pelo depoimento de outros turistas (no caso nordes-
tino, referem-se a mulheres morenas bronzeadas, exóticas e sensu-
ais). Ademais, os turistas se utilizam da infraestrutura da rede de
turística para ter acesso às prostitutas, pelo que se afirma ser, sim,
a prostituição uma circunstância favorecedora do Turismo Sexual.
Investigando diversos fatores, tais como perfil da mulher, per-
fil do turista, nacionalidade, razões da escolha do destino turístico,
feminilidade das brasileiras e das estrangeiras, cor, estetização, raça
etc., a pesquisa citada demonstrou a valorização da masculinidade
de certas nacionalidades e a sexualização de nativas. “Nas inter-
-relações entre categorias de diferenciação permeando as práticas
envolvidas no turismo sexual da classe média’, gênero e nacionali-
dade tornam-se, assim, indissociáveis”. (PISCITELLI, 2004, p. 17).
Em outro texto, discorre sobre a percepção da feminilidade
dessas mulheres envolvidas no turismo sexual:

Os atributos locais da feminilidade são percebidos como


caracterizados por uma sensualidade singular revestida de
simplicidade, e também associada à falta de inteligência. E
o “calor” das jovens nativas, atribuído tanto às mulheres
que fazem programas quanto às que não os fazem, é vis-

187
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

to como uma sugestão direta de que essas mulheres estão


envolvidas em prostituição. Esse jogo de tornar os “outros”
inferiores, intimamente ligado às posições estruturais dos
respectivos países nas relações internacionais, afeta as jo-
vens nativas das classes mais baixas e dos setores menos
favorecidos das classes médias. (PISCITELLI, 2006, p. 16).

Concluindo, constata que a desigualdade de gênero e raça é


uma marca do turismo sexual realizado no Nordeste:

A análise realizada mostra que, nesse contexto, a crucial


importância da localização relativiza a importância da
classe. E, nesse marco, gênero e raça “agem” como opera-
dores metafóricos do poder econômico e cultural inerente
a essas relações transnacionais. Essas duas categorias têm
parte ativa nas conceitualizações através das quais são
inferiorizadas/os as/os nativas/os e privilegiados os estran-
geiros. (PISCITELLI, 2004, p. 22).

Assim, evidencia-se que o turismo sexual realizado na re-


gião nordestina está intrinsecamente ligado à prostituição femi-
nina de mulheres da classe média, sendo permeado pela marca
da desigualdade racial e de gênero. Os turistas, influenciados por
tais fatores, utilizam-se da rede turística nordestina para alcançar
prostitutas e realizar o turismo sexual.

Conclusão
Muitas são as abordagens feministas acerca da prostituição
que divergem sobre seu papel libertário ou de submissão da mulher.
Para além desses posicionamentos teóricos, todavia, é certo que,
no Brasil, a prostituição é realizada em sua maioria por mulheres
cujo perfil pode ser delimitado pela pobreza, falta de oportunida-

188
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

de e emprego, vulnerabilidade social e econômica, estando quase


sempre relacionada ao mundo do crime marcado pela exploração
e violência contra mulheres. No âmbito do turismo sexual, esse
perfil se altera: a prostituição é realizada por mulheres de classe
média ou alta, que possuem bom nível de escolaridade - ensino
médio completo ou universitário – e oportunidade de trabalho.
Diante desse cenário, e a despeito de algumas peculiaridades
da pós-modernidade, cuja abordagem investiga as relações sexuais na
era dos relacionamentos líquidos, o fato é que qualquer análise acerca
da prostituição brasileira não pode desconsiderar sua estreita ligação
com os crimes que exploram e violentam a mulher em sua dignidade.
É nesse contexto que se insere o turismo sexual praticado no
Nordeste. Marcado pela desigualdade de gênero e raça, e fundado
na ideia de superioridade do turista homem proveniente de país
rico, constatou-se que o turismo sexual realizado no Nordeste bra-
sileiro atinge principalmente prostitutas mulheres da classe média,
morenas ou negras e consideradas sensuais, que se enquadram em
um estereótipo idealizado pelos viajantes estrangeiros e estimulado
pela mídia nacional e internacional. É, portanto, um turismo se-
xual que se relaciona com atividades ilícitas e graves, que colocam
em risco a vida e a integridade física e psicológica das mulheres.
Todas essas constatações são relevantes para embasar ações
estatais e da sociedade civil com vistas à prevenção e ao combate
do turismo sexual enquanto prática exploratória e violenta, que
perpetua a desigualdade de gênero.

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192
A Pornografia como Manifestação
da Discriminação de Gênero
Contra a Mulher

Fernando Furtado de Melo Neto


Bolsista IEx/CNPq (2013)
Universidade de Fortaleza

Introdução
A pornografia existe desde tempos remotos, comprovadamente
em pinturas eróticas e símbolos fálicos na Grécia antiga e no Império
Romano com as práticas de busca de prazer no sadismo e na flagelação.
Para Moraes e Lapeiz (1993, p. 109), pornografia “é um ter-
mo originado do grego pornographos, ‘significando’ escritos sobre
prostitutas, sendo este um gênero fundado no século II, pelo escri-
tor grego Luciano em Diálogo das Cortesãs”.
De acordo com Schettini (2011, p. 327) “as histórias pornográfi-
cas circularam, foram plagiadas e se reiteraram desde o século XVIII
até a atualidade” de forma que assistimos no final do século XX, ao
surgimento de uma variedade de produtos pornográficos, impulsio-
nados pelas imensas transformações nas tecnologias dos média o que
favoreceu e popularizou a indústria pornô, já que a mesma passou
a ser acessada por pessoas de contextos socioculturais diversificados.
Graças às novas tecnologias de imagens e textos, a pornografia
encontrou enorme facilidade para ser disseminada, passando a ser

193
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

consumida por um grande público, que até então não tinha acesso
a esses materiais devido a questões financeiras e por sua escassez.
O surgimento da Internet e sua popularização, além de facilitar
a distribuição e a recepção dos produtos pornográficos, gerou uma
nova era para o mercado consumidor da pornografia, pois oportu-
niza o anonimato dos usuários (Pinto, Nogueira e Oliveira, 2010).
Não obstante a ampliação do mercado pornô, é fato que a
grande maioria dos produtos do gênero “esteve sempre voltado
quase que exclusivamente para o público masculino, que o conso-
me vorazmente” (MARTINEZ, 2009, p. 60).
Ainda que careça de mais pesquisas, principalmente no Brasil,
a questão da pornografia suscita debates e divergências entre diver-
sos autores, dentre os quais os de posição mais feminista que defen-
dem que a pornografia comumente mostra a mulher submissa e ob-
jeto do poder do homem, bem como reforça o machismo com todas
as suas consequências como a agudização da violência de gênero.
A palavra gênero, por muitos séculos, foi empregada em sen-
tido figurado, sendo utilizada pela gramática para identificar os
traços de caráter e sexuais das pessoas (SCOTT, 1990).
O conceito de gênero se desenvolveu no Brasil na década de
1990, quando foi traduzida cópia do artigo da historiadora ameri-
cana Joan Scott intitulado “Gênero: uma categoria útil”.
Para Barbieri (1992) “gênero é o sexo socialmente construído”.
Um erro bastante comum na sociedade é acreditar que gêne-
ro está relacionado apenas ao feminino, tendo Puleo (2000, p. 19)
esclarecido que “gênero é uma relação dialética entre os sexos”.
Relevante, contudo, é explicar que quando há valorização de
um dos gêneros em detrimento do outro, temos um claro exemplo de
discriminação de gênero e quando esta ocorre contra a mulher, “vetor
mais usual e amplamente difundido no contexto da violência de gêne-
ro” (OSTERNE, 2005, p. 167), temos a discriminação contra a mulher.

194
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A partir desta questão foi traçado o objetivo desta pesquisa:


analisar a pornografia como manifestação da discriminação de gê-
nero contra a mulher.
A metodologia utilizada ficou circunscrita à produção biblio-
gráfica existente sobre o tema, pesquisando artigos científicos e
livros em um esforço de criar conhecimento. Nesse caminho foi
privilegiado o espaço da Internet, entretanto, também pesquisa-
mos em bibliotecas e livrarias acadêmicas.
Para Minayo (1994), a pesquisa bibliográfica coloca frente a frente
os desejos do pesquisador e os autores envolvidos em seu horizonte de
interesse, sendo, para a autora, essa forma de investigar fundamental
para qualquer pesquisa “pois permite articular conceitos e sistematizar
a produção de uma determinada área de conhecimento” (1994, p. 52).
Goldenberg (1997) define a parte inicial da pesquisa como
“exploratória”, explicando que é o momento de descobrir algo sobre
o objeto de pesquisa e quem elaborou conhecimento sobre o tema.
O estudo aqui apresentado foi dividido em três tópicos. No pri-
meiro, tratamos de dar a conhecer o objeto de pesquisa fazendo um
breve resgate da origem, da história e de conceitos da pornografia.
No segundo tópico, abordamos a pornografia como sendo um
mecanismo de discriminação de gênero, principalmente contra as
mulheres. Nesse segmento, fizemos um esforço para conceituar a
categoria gênero quando contamos com o auxílio de diversos au-
tores, entre eles: Heilborn (1990), Scott (1990), Barbieri (1992),
Puleo (2000) Saffioti (2004) e Piscitelli (2006).
Neste sentido, além de discorrer sobre gênero e discrimina-
ção de gênero, procuramos identificar como a pornografia contri-
bui para o “uso e abusos” das mulheres.
No terceiro e último tópico, falamos das políticas públicas de
enfrentamento à violência contra as mulheres, bem como procu-
ramos resgatar os instrumentos de proteção e as políticas como o
III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e, principalmen-

195
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

te, as políticas públicas desenvolvidas no Estado do Ceará voltadas


para esse público.

1. Pornografia
1.1. A origem e a história da pornografia.
A pornografia existe desde tempos remotos. Uma comprovação
dessa afirmação seria a presença de cenas eróticas na Grécia antiga,
com o sexo e símbolos fálicos sendo retratados em pinturas e escultu-
ras. No oriente, a mais antiga forma de sexualidade retratada é o livro
do Kama Sutra, do autor Vatsayna, que desenvolve um estudo entre
a relação do amor e do prazer sexual. No Império Romano inicia-se
a prática das formas mórbidas da busca do prazer no sadismo e na
flagelação. Na Idade Média, período em que a moral católica atingiu
seu ápice, as formas de expressão pornográfica não eram aceitas, pois
eram consideradas pecaminosas (Marzochi, 2003).
Moraes e Lapeiz (1985) afirmam que a popularização da por-
nografia se dá com Marquês de Sade, com a perversão, a devas-
sidão e libertinagem. Podemos ainda citar o Barão Sacher – Ma-
soch, conhecido por ser o criador do masoquismo e por escrever
livros cuja atração se dava pela crueldade.
Para Schettini (2011, p. 327):

As histórias clássicas da pornografia circularam, foram


plagiadas e se reinteraram desde o século XVIII até a atu-
alidade. O que parecia ser novo era a acessibilidade de re-
cursos visuais produzidos em diferentes partes do mundo,
facilmente disponíveis para um público cada vez mais di-
versificado e heterogênio. Em outras palavras, a inserção
dessas gravuras e narrativas no contexto de uma ampla e
complexa cultura de consumo.

196
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Para Marzochi (2003), no século XIX há uma disseminação


do erotismo com publicações clandestinas, na moda e na fotogra-
fia, com o destaque dado ao corpo feminino.
Del Priore (2011) relata que, com o “desenvolvimento tecno-
lógico da impressão, no final do século XIX, permitiu a reprodução
em grande escala da fotografia”.
A historiadora brasileira esclarece que “as primeiras revistas de
nus femininos surgiram na França e retratavam imagens de artistas
em sua maioria saídas do teatro burlesco e de bordéis” (2011).
As revistas “para homens”, de acordo com Del Priore (2011,
p. 130) permitiam a:

[...] descoberta ou ativação da sexualidade para aqueles


inibidos ou inexperientes. Reativação, para os entediados.
E substituição, graças ao voyeurismo e à masturbação, para
aqueles que se encontrassem abandonados ou desejosos
de satisfazer desejos mantendo-se fiéis às companheiras.

Graças às novas tecnologias de reprodução de imagens e textos,


a pornografia encontrou enorme facilidade para ser disseminada, pas-
sando a ser consumida por um grande público, que até então não tinha
acesso a esses materiais, por questões financeiras e por sua escassez.
No início do século XX, surgiu no Rio de Janeiro, o jornal o
Rio Nu, repleto de piadas maliciosas, cujo sucesso era garantido por
imagens de nudez feminina. Segundo Del Priore (2011, p. 130), o
Rio Nu “garantiu aos nossos avôs o acesso a imagens e textos porno-
gráficos, acompanhando a tendência em curso na Europa”.
No início do século XX, surgiu o mutescope, uma espécie de
projetor com manivela que poderia produzir pequenas animações.
A partir do surgimento do projetor, iniciou-se a produção dos pri-
meiros filmes pornográficos, cujo mais antigo de que se tem notí-
cia é “O escudo de ouro ou o bom albergue”, realizado na França

197
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

em 1908. Considerados ilegais, aqueles que fossem encontrados


em posse de tais filmes eram passíveis de prisão (Del Priore, 2011).
Com o avanço da tecnologia, como o aparecimento da te-
levisão, a partir da década de 50 e, principalmente a Internet e
outros meios digitais na década de 90, foi possibilitada uma grande
difusão do erotismo, de modo jamais visto antes, não havendo ne-
cessidade de intermediários entre o produto e o consumidor, além
de total privacidade e anonimato.
Sobre isso, Pinto, Nogueira e Oliveira (2010, p. 35) afirmam que:

A Internet, enquanto mecanismo progenitor da nova era


pornográfica, também provocou consideráveis transfor-
mações nos seus modos de distribuição e recepção, per-
mitindo o total anonimato dos seus consumidores, assim
resguardados dos constrangimentos do espaço público.

1.2. Pornografia: Definição


No Brasil, a pornografia ainda carece de pesquisas que apro-
fundem sua temática, o que dificulta sua conceituação.
A etimologia da palavra pornografia vem do grego porno
graphus, o que significa, juntando os dois termos, a representação
gráfica da prostituta. Porém, a pornografia vem sendo utilizada de
maneira mais abrangente, tornando esta definição ultrapassada.
Faleiros (2004, p. 70), afirma que o termo pornografia tem
como “raiz a palavra porno que significa ‘prostituição’ ou ‘mulheres
cativas’, seguida da palavra graphos que significa “escrever a proposi-
to de” ou “descrição de”, o que caracteriza a objetivação do sujeito”.
Um conceito comumente empregado é o da Encyclopaedia
Britannic (1999), que define pornografia como a representação do

198
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

comportamento sexual em livros, imagens, filmes, etc. com a in-


tenção de causar excitação sexual.
Pornografia, portanto, é a representação explícita de atos se-
xuais ou órgãos genitais por meio de filmes, gravuras, estátuas ou
qualquer outro, de modo a causar excitação sexual, reagindo no
imaginário do espectador.
A pornografia é uma manifestação da liberdade, juridica-
mente garantida como outra qualquer, desde que não seja ou não
se torne ilegal, como no caso do envolvimento de crianças ou da
venda de material a menores.
Segundo Moraes e Lapeiz (1985, p. 42) “[...] a pornografia é
consumida. Mesmo sendo produzida para consumo, não pode ser
considerada um produto comum.” Para as autoras, o que diferencia o
produto é que ao consumi-lo “o ser humano estimula a sua fantasia”.
Para Pinto (2010), o “termo ‘pornografia’ inscreve-se, ainda hoje,
numa imensa ambiguidade discursiva, sobremaneira influenciada por
tradicionais representações cientificas e institucionais muito poderosas”.
Ainda, de acordo com Dyer (1992 apud Pinto et al, 2010,
p. 375), a pornografia é o referente máximo da “cultura do lixo”,
“comercial” e “ofensiva”, por oposição à cultura “erudita”, do “bom
gosto” e da “normalidade”.
O conceito de pornografia tem sido motivo de divergências
entre diversos autores. Entre eles, os de posição mais feminista
defendem que a pornografia é a representação máxima da discri-
minação de gênero contra a mulher, de modo a considerar uma
violação aos direitos humanos.
A feminista americana Catherine A. Mackinnon (2007 apud
Oliveira, 2012) defende que quando há uma ofensa aos direitos
humanos de algum grupo social, sua própria existência como seres
humanos é negada. A pornografia subordina a mulher ao homem,
de modo que a mesma esteja em condições inferiores, ferindo o
princípio da igualdade entre todos.

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Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Pela razão já exposta, Mackinnon é a favor da proibição da


pornografia, pois, segundo a autora, esta é “central na criação e
na manutenção do sexo como uma base de discriminação” (1996
apud Oliveira, 2012).
Oliveira continua citando a autora americana, quando afir-
ma que o consumo da pornografia estimula a discriminação de
gênero, reproduz o papel de subordinação e contribui para a ex-
ploração das mulheres como objetos sexuais.
Em síntese, a pornografia traz uma representação humilhada
das mulheres; destrói a habilidade de enxergar a violência como
violência, já que os consumidores da pornografia não distinguem
violência de sexo.

1.3. Os efeitos do consumo da pornografia


Outra análise pesquisada refere-se ao aspecto do gênero e
da sexualidade para consumo. Sabat (2003, p. 150) ao analisar a
publicidade como um dos mecanismos educativos presentes nas
instâncias socioculturais, afirma que:

[...] a publicidade funciona como um mecanismo que edu-


ca e produz conhecimentos, contribuindo pra produzir
identidades. [...] a publicidade trabalha basicamente com
imagens. As imagens produzem uma pedagogia, uma for-
ma de ensinar as coisas do mundo, produzem conceitos ou
pré-conceitos sobre diversos aspectos sociais [...].

A autora entende que a publicidade tem uma estrutura sim-


bólica que se destina a nos convencer da sua necessidade. É sua
função e através do discurso utilizado “que são tecidas as relações
entre produto e consumidor/a, e através dele que o produto des-

200
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

perta em nós algo tão subjetivo como o desejo: o desejo de ter, o


desejo de ser”. (SABAT, 2003, p.157)
É então que, muitas vezes, a pornografia transcende o âmbito
do imaginário, da fantasia para o real. Há, portanto, a possibilida-
de do consumidor da pornografia desejar a concretização do que
consumiu nos sites, nas fotos, nos filmes, buscando transformar o
conteúdo imaginário do material pornográfico em realidade, viven-
ciando-o, maximizando, por esta razão, os efeitos do consumo de
pornografia e assim colaborando para o aumento da prostituição.

1.4. Tipos de pornografia


A pornografia pode ser encarada como a transformação do
sexo em mercadoria, porém esta não pode ser analisada apenas sob
um olhar financeiro, pois existem explicações sociais e culturais
para sua crescente utilização.
É importante enfatizar que a pornografia pode ser lícita ou
ilícita dependendo se estas infringem o ordenamento jurídico de
alguma forma.
Para Faleiros (2004, p. 80) “a pornografia encontra-se pre-
sente não só em material correntemente considerado pornográfico
(fotos, vídeos, revistas, espetáculos), mas, na literatura, publicida-
de, fotografia, cinema [...]”.
Landini afirma que na internet podem ser encontradas no
mesmo lugar diversos tipos de pornografia: pornografia infantil, por-
nografia adulta, adultos que pretendem parecer crianças, fotografias
eróticas, pornografia hard core, etc. (LANDINI, 2004, p. 174).

201
Ana Maria D´Ávila Lopes,
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2. Discriminação de Gênero
2.1. Aspectos conceituais de gênero
Antes de ser empregada com seu atual significado pela aca-
demia, a categoria gênero, segundo Heilbom (1990, p. 40) era uti-
lizada pela gramática. Scott (1990) concorda com essa afirmação,
explicando que gênero foi empregado por muitos séculos em sen-
tido figurado em termos gramaticais para identificar os traços de
caráter e sexuais das pessoas.
Há pelo menos quatro décadas, o conceito de gênero passou
a ser utilizado como categoria de análise. Para Osterne (2005) há
registros que foram as feministas americanas as primeiras a utilizar
o termo, com o objetivo de destacar o caráter fundamentalmente
social das distinções baseadas no sexo.
Saffioti (2004) assevera que, ao contrário do que é comum
pensar, não foi uma mulher que formulou o então conceito de gê-
nero, mas o primeiro a usar esse conceito foi Robert Stoller, em
1968, embora essa noção não tenha prosperado. Saffioti (2004)
ainda entende que a primeira a sugerir a noção de gênero foi Si-
mone de Beauvoir, ainda que esta não tenha utilizado esse termo
na frase: Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher.
Uma definição simples e exata do significado de gênero é citada
por Barbieri (1992) que diz: “O gênero é o sexo socialmente construído”.
No Brasil, Scott (1990), teve seu artigo Gênero: Uma categoria
útil traduzido em 1990 e esse texto foi bastante difundido, de forma
que o termo gênero popularizou-se rapidamente no meio acadêmico.
Scott (1990) assevera que gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos. É uma
maneira de indicar construções sociais, ou seja, a criação inteiramente
social de ideias sobre os papéis “adequados” aos homens e às mulheres.

202
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Amaral (2001, p. 23) concorda com a historiadora afirmando


que “a condição biológica do corpo teria sido o referencial primá-
rio que, historicamente, evocaria a distribuição de poderes opostos
ou diferenciados entre homens e mulheres”.
Segundo Piscitelli (2006, p. 11) “a categoria gênero esta li-
gada à emergência de uma forma de analisar os lugares e práticas
sociais de homens e mulheres e das representações do feminino e
do masculino na sociedade [...]”. A autora esclarece que os produ-
tos, que modelam homens e mulheres não são frutos de diferenças
biológicas e sim de relações sociais.
Melo (2005, p. 56), em estudo para a Comissão Econômica para
a América Latina – CEPAL, esclarece que nas últimas décadas rom-
peu-se o “paradigma biológico relativo às diferenças entre os sexos,
para analisar o tema ‘mulher’ e um novo conceito emergiu – gênero”.
Para a autora (MELO, 2005, p. 5):

Este enfoque conduz a uma nova abordagem das relações


sociais assimétricas existentes entre mulheres e homens.
Atribuída a distribuição desigual do poder entre ambos
os sexos. Evidencia-se a reinterada ausência das mulhe-
res do exercício do poder, tanto no setor publico como
no privado, e das esferas de representação política, onde
são tomadas decisões de caráter coletivo que interferem
na dinâmica social. Decisões que reafirmam os padrões
históricos que determinam os papéis entre os sexos.

Um erro comum bastante recorrente na sociedade é acreditar que


gênero está relacionado apenas ao feminino. Puleo esclarece esse equí-
voco afirmando que: “Gênero é uma relação dialética entre os sexos
e, portanto, não somente o estudo da mulher e do feminino, senão de
homem e mulheres em suas relações sociais” (PULEO, 2002, p. 19).
Para Puleo (2002, p. 29), “[...] gênero é a construção cultural
que toda sociedade elabora sobre sexo anatômico e que vai deter-

203
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

minar, em alguma medida, e segundo a época e cultura de que


se trata, o destino da pessoa, suas principais funções, seu status e
também sua identidade-sexual”.

2.2. Discriminação de gênero contra a mulher


Uma vez consolidado o conceito de gênero, é possível falar sobre
discriminação, algo bastante comum na sociedade brasileira e que,
muitas vezes, é invisível por suas práticas serem consideradas naturais.
Segundo Azevedo (2006, p. 41):

[...] Discriminação é o tratamento diferenciado dado a uma


ou várias pessoas pelo simples fato de pertencerem a deter-
minado grupo social. Quando se trata homens e mulheres,
de forma desigual e injusta, com base unicamente no sexo,
sem levar em conta suas habilidades, talentos e capacidades
individuais, incorre-se em discriminação de gênero.

Quando há uma valorização de um dos gêneros em detrimento do


outro, temos um claro exemplo de discriminação de gênero. É relevante
esclarecer que a discriminação pode acontecer em diversas dimensões
seja do homem sobre a mulher, o contrário e, ainda, de homens sobre
homens ou mulheres sobre mulheres. Porém é importante destacar que
a forma mais comum de discriminação é a do homem sobre a mulher.
A respeito disso Osterne (2005, p. 167) afirma que:

A propósito do termo violência de gênero convém discer-


nir ser comum o uso da categoria violência contra mulhe-
res como sinônimo de violência de gênero. Contudo, gêne-
ro refere-se a uma concepção bem mais geral uma vez que,
absorve, não só dimensões de relação homem-mulher, mas,
também, as relações homem-homem e mulher-mulher. Por
outro lado, mesmo que relações violentas entre dois homens

204
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

ou entre duas mulheres possam, perfeitamente, figurar sob a


rubrica de violência de gênero, usualmente, gênero concerne
às relações homem-mulher. Dito isso fica patenteado que a
violência de gênero poderá ser perpetrada por um homem
contra o outro, por uma mulher contra a outra e também
por uma mulher contra um homem. O vetor mais usual e
amplamente difundido no contexto da violência de gênero,
entretanto, aponta no sentido homem contra a mulher, fa-
zendo aparecer o viés da falocracia como caldo de cultura.

A Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discri-


minação contra a Mulher – CEDAW, adotada pela ONU em 1979
e entrou em vigor no Brasil em 1984 (com ressalvas) esclarece que:

[...] a expressão “discriminação contra a mulher” significa-


rá toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e
que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, indepen-
dentemente de seu estado civil, com base na igualdade do
homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fun-
damentais nos campos político, econômico, social, cultural
e civil ou em qualquer outro campo. (CEDAW, 2002, p.23)

Conforme a Convenção explica, constitui discriminação


quaisquer atos que baseado no sexo, de alguma maneira prejudica
o acesso aos direitos. No Preâmbulo da CEDAW confirma-se que
a discriminação contra a mulher “viola os princípios da igualdade
de direito e do respeito da dignidade humana [...] e dificulta o
pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar
serviços a seu país e à humanidade.” (CEDAW, 2002, p. 22).
Os diversos documentos da ONU e Relatórios de Desenvol-
vimentos demonstram a incorporação da perspectiva de gênero
e da preocupação da violência contra a mulher. O Relatório In-
ternacional do PNUD (1995) ressalta que, apesar de em muitos

205
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

países a lei escrita começar a proteger os direitos humanos da mu-


lher, na prática essa lei não se aplica. “É a baixa condição social e
econômica da mulher que a torna vulnerável às violações de seus
direitos humanos básicos [...]” (CEDAW, 2002, p. 25).
Entre as principais formas de discriminação contra a mulher
destaca-se a violência de gênero, que não deve ser entendida apenas
como a violência física, mas outras tais como: humilhações, amea-
ças, perseguições, assédio, as desigualdades salariais, violência moral
e patrimonial, tratamento desigual baseado no sexo, o uso do cor-
po da mulher como objeto, dentre outras. Todas representam uma
violação aos direitos humanos e atingem a dignidade das mulheres.
A violência física, sexual e psicológica contra as mulheres
continua sendo um mecanismo de reprodução das desigualdades,
mantendo o desequilíbrio das relações de gênero e reforçando o
domínio dos homens sobre as mulheres.

2.3. A pornografia como forma de discriminação de


gênero contra a mulher
A pornografia é um dos principais meios de discriminação
contra a mulher, devido ao modo como esta é retratada. Hoje, o
mercado pornográfico é um dos mais crescentes em todo o mundo,
se antes a pornografia era encontrada apenas em jornais, revistas,
livros e filmes, com o surgimento da Internet, encontrar matérias
pornográficos tornou-se muito mais fácil.
Para Faleiros (2004, p.77):

[...] a mercadorização do sexo implica uma relação com-


plexa e entrelaçada, de produção do corpo como objeto,
de violência de gênero e de discriminação, de circulação
de dinheiro e aquisição de lucro e de atuação criminal,
indiscutivelmente, na situação de crianças e adolescentes.

206
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

O contrato sexual aparente entre duas pessoas está condi-


cionado com relações de exploração e de poder.

Como já desenvolvemos no Capitulo I, uma das consequên-


cias da pornografia pode ser o surgimento de um desejo por parte
do consumidor de transformar o conteúdo imaginário do mate-
rial pornográfico em realidade, o que colabora para o aumento da
prostituição e mesmo do tráfico de pessoas.
Mackinnon (2010, apud Oliveira 2012) assevera que a por-
nografia gera demanda de mulheres e crianças, uma vez que estas
são a “mercadoria” favorita daqueles que desejam vivenciar o que
consumiram por meio da pornografia. A oferta opera, muitas ve-
zes, por meio do tráfico de pessoas, os quais são fornecidas para
utilização sexual na elaboração do material pornográfico.
Para Oliveira (2012, p. 6), há uma clara conexão entre as pro-
duções pornográficas, a prostituição e o tráfico de pessoas. A autora
assevera que o “fluxo de sexo por dinheiro (oferta) e de dinheiro por
sexo (demanda) é um mercado massivo de corpos humanos”.
O Documento ‘Uma Vida sem Violência é um Direito Nosso’
elaborado pelas Nações Unidas – Ministério da Justiça e Secreta-
ria Nacional dos Direitos Humanos, em 1998, corrobora com o
pensamento das autoras citadas quando afirma que:

No universo da violência de gênero, tem-se destacado ainda o


tráfico de mulheres e de meninas em todo o mundo, através
de recrutamentos forçados ou por meio de fraude. A prostitui-
ção e o abuso sexual contra as meninas constitui um quadro
dramático que articula gênero, faixa etária, violência sexual e
quase sempre um histórico de violência domestica e, ate mes-
mo, de convivência de suas famílias. (BRASIL, 1998, p. 40).

Vale ressaltar que há interpretações de grupos feministas


chamados de “abolicionistas” que equiparam o serviço sexual à

207
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

exploração. “As ‘abolicionistas’ entendem que a prostituição é


uma forma de exploração da mulher e envolve relações de poder
dos homens sobre as mulheres” (BRASIL, 2012, p. 63).
É relevante esclarecer que no Brasil, o Código Penal não crimina-
liza o exercício da prostituição. São tipificados, no entanto, a exploração
de casa de prostituição, o rufianismo e o tráfico de pessoas para fins de
prostituição ou exploração sexual de crianças e adolescentes. Assim, no
Brasil a prostituição não é crime, mas a exploração do outro sim.
Leite Júnior (2006, p. 32) afirma que a “pornografia é comu-
mente considerada como aquilo que transforma o sexo em produto
de consumo, está ligada ao mundo da prostituição e visa excitação
dos apetites mais ‘desregrados’ e ‘imorais’”.
Já Mackinnon concebe a pornografia como um forte instru-
mento de subordinação da mulher. Ela ressalta que “a pornografia
é central na criação e na manutenção do sexo como base de dis-
criminação” (Mackinnon 1996, apud Oliveira, 2012).
Oliveira (2012) continua citando a estudiosa americana,
quando afirma que as mulheres e crianças que estão na pornogra-
fia não estão por escolha, mas por falta de opções, pois não estão
em posição de emitirem um consentimento livre, caracterizando
- se este como “consentimento aparente” (grifo da autora).

Elas não têm uma alternativa real, pois, em função de sua


vivencia, estão situadas em um contexto no qual não são
livres: foram abusadas sexualmente na infância, são vicia-
das em drogas, sem-teto, sem esperança, estão tentando
evitar serem espancadas ou mortas e, quase sempre, estão
economicamente desesperadas. (MACKINNON, 2010
apud OLIVEIRA, 2012, p. 6).

Para Leite Junior (2006, p. 35), “a pornografia não é apenas o


sexo dos outros, mas também o sexo das classes populares [...] sendo
o nome dado ao erotismo dos ‘pobres’: pobres de ‘espírito’, de cultura

208
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

ou de dinheiro”. O autor esclarece que mesmo sendo uma indústria


milionária, tanto na sua face legal ou ilegal, o mercado pornográfico
é frequentemente ligado à ideia de penúria material e miséria moral.
Analisando os dados PNAD – IBGE relativo ao ano de 2009,
observamos que as mulheres representam 51,3% da população bra-
sileira. De acordo com a pesquisa, 35% dos lares são chefiados por
mulheres. A taxa de ocupação das mulheres é de 52,4%, sendo que
elas estão mais concentradas em ocupações consideradas precárias
(piores trabalhos, baixa proteção social e trabalhista, etc.) (BRA-
SIL, 2011). Tanto a menor presença no mercado de trabalho quanto
a ocupação de postos precários tornam as mulheres mais suscetíveis
aos riscos da pobreza e da indigência, especialmente se considera-
mos o fator racial.
Na maioria dos materiais pornográficos, a mulher é retra-
tada como um ser sem vontades, sentimentos ou desejos, como
um objeto a ser dominado pelo homem. Há uma coisificação das
mulheres no sentido de que as mesmas são tratadas como meros
objetos, muitas vezes representadas em posições de submissão se-
xual ou de servilismo. (Oliveira, 2012).
A pornografia, em geral, traz uma representação humilhada
das mulheres e destrói ou dificulta a habilidade de se enxergar a
violência de gênero. Segundo MacKinnon (2010, apud Oliveira,
2012) a pornografia é incompatível com a dignidade humana e o
com valor da pessoa humana ao lado do racismo e da xenofobia.

2.4. A pornografia contribuindo para o “uso” e “abuso”


das mulheres no turismo sexual
O turismo sexual internacional não constitui precisamente uma
raridade no Brasil, sendo que o Rio de Janeiro opera como polo de

209
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

atração de turismo sexual há várias décadas. O Nordeste brasileiro


entrou nessa rota, relativamente há pouco tempo na década de 1980.
No entanto, só na década de 1990, com o surgimento dos
vôos internacionais, que começaram a chegar às capitais nordes-
tinas, e com o fenômeno crescente e preocupante da prostituição,
principalmente, a exploração infantil, o tema chamou atenção a
ponto de ser analisado em varias reportagens.
Há uma intensa relação entre o turismo sexual e a discrimi-
nação contra a mulher. Apesar de nos últimos anos vir crescendo o
número de mulheres que aderem à prática dessa atividade, os homens
ainda são a sua imensa maioria nesse âmbito, o que contribui para
que as maiores prejudicadas por essa atividade sejam as mulheres e os
LGBTTTI, uma vez que estes se prostituem, muitas vezes, para sobre-
viver e sustentar suas famílias, algo que não deveria acontecer uma
vez que a Constituição Federal obriga o Estado a oferecer condições
mínimas para que todos os cidadãos possam viver dignamente.
O termo “turismo sexual”, segundo Piscitelli (2007) ampla-
mente utilizado na produção acadêmica, não pode ser confundido
com a simples prostituição, pois envolve toda uma rede que favo-
rece essa prática, que vai desde a garota de programa até os donos
de grandes hotéis. Contudo, devemos ressaltar que as garotas de
programa são as maiores vítimas do turismo sexual, uma vez que,
na maioria das vezes, são exploradas pelos membros dessa rede,
ficando apenas com uma pequena parte do dinheiro que ganham.
Piscitelli (1996) descreve o clássico comportamento dos es-
trangeiros que vêm em busca de prazeres eróticos: “Eles chegam
procurando mulheres, mas têm nítidas preferências: garotas, muito
jovens, mulatas ou negras”. Não apenas os estrangeiros preferem
mulheres com tais características, mas também os “exportadores”
de mulheres, uma vez que as meninas “mais morenas” conseguem
os maiores salários no exterior.

210
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A utilização de materiais pornográficos, como catálogos e


outros divulgados em websites estimulam o turismo sexual, pois
incentiva o turista a vir em busca da “mercadoria”, além de criar a
ilusão de que ele irá vivenciar a mesma situação que lhe foi oferta-
da por meio de material pornográfico.

3. Mecanismos de Combate à Discriminação de


Gênero na Pornografia
3.1. Políticas Públicas de Enfrentamento à
Discriminação de Gênero
O movimento de mulheres alcançou, nas décadas finais do
século XX e início do século XXI, conquistas em todo o mundo,
modificando consideravelmente a vida das mulheres tanto no es-
paço privado como no público.
A constatação dos avanços nos direitos das mulheres e de
que elas são a maioria da população brasileira e vivem mais que os
homens, não significa que as desigualdades de gênero, bem como
outras formas de desigualdades deixaram de existir.
A desigualdade de gênero está no mercado de trabalho, nas
músicas, na família, nas relações afetivas, nas instituições sociais e
em todas as esferas da sociedade.
Não obstante a desigualdade entre homens e mulheres ainda
profundamente arraigada na nossa sociedade, avanços importan-
tes foram registrados nos últimos anos no Brasil em relação às po-
líticas públicas para as mulheres.
Para Alves (2008, p. 17), “na história recente do Brasil, não é
possível desconsiderar a existência do movimento feminista” como
responsável pelo desencadeamento de uma luta para a conquista

211
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

de cidadania e formulação, implantação e articulação de políticas


públicas voltadas para as necessidades das mulheres.
No entanto, ainda que pese os avanços significativos na nossa
sociedade em relação aos direitos das mulheres, prevalece, em grande
medida, a visão de que a mulher é a principal responsável pela repro-
dução das tarefas ditas “do lar” gerando, em muitos casos, a dupla
jornada de trabalho, jornadas compatíveis com as tarefas familiares, a
precariedade do trabalho feminino e consequente baixa de renume-
ração, além da necessidade da mulher buscar alternativas de renda,
muitas vezes se submetendo a trabalhos que agudizam a violência de
gênero e as tornam vulneráveis a diversos tipos de violência.
Para a Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo
Federal “tanto a menor presença no mercado de trabalho quanto a
ocupação de postos precários tornam as mulheres mais suscetíveis
aos riscos da pobreza e da indigência, especialmente se considerar-
mos o fator racial”. (BRASIL, 2011, p.10)
Não obstante essas considerações, é importante ressaltar que
o engajamento das mulheres na vida pública tem trazido “signifi-
cativa contribuição para a sociedade, influenciando a formulação
e implementação de políticas mais justas, no mundo do trabalho,
na luta pelo acesso à saúde, educação e no combate à discrimina-
ção e à violência.” (AGENDE, 2002, p. 09).
É relevante esclarecer que o reconhecimento da discrimina-
ção contra as mulheres, por parte da sociedade, “tem se dado em
um longo processo que se estende até hoje e que é fruto, quase que
exclusivo, da luta dos movimentos das mulheres do mundo todo”.
(PINHEIRO, 2005, p. 71)
Para Puleo (2002) é no “contexto de desconstrução do instituído,
da hermenêutica da suspeita, que surge o movimento de mulheres”.
Segundo Frota (2012, p.158) “nos Estados Unidos e na Euro-
pa, desde o ano de 1960, há grandes mobilizações e debates feminis-
tas em torno de vários problemas relacionados à mulher”. O ano de

212
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

1975 é eleito pela ONU o Ano Internacional da Mulher e, em 1979, a


Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher é adotada pela 34ª Sessão da Assembleia Geral das
Nações Unidas, entrando em vigor em 3 de setembro de 1981.
De acordo com Bezerra (2006), são a segunda metade dos anos
1970 e o início dos 1980 que marcam a emergência e a visibilidade
das mulheres. Surgem no Brasil várias organizações civis de mulheres,
a exemplo do SOS Mulher de São Paulo, uma das pioneiras a atender
mulheres vítimas de violência, criado em 1981 (GREGORI, 1993).
No Ceará, de acordo com Frota (2012), o movimento femi-
nista é um desdobramento do MFPA - Movimento Feminino pela
Anistia: “são mulheres ligadas a movimentos estudantis, partidos
políticos.” Em 1981, foi criada uma entidade denominada União
das Mulheres Cearenses – UMC, entretanto, em 1982, por diver-
gências políticas, algumas delas se desligaram da UMC e criaram
o Centro Popular da Mulher – CPM.
Um dos primeiros slogans do movimento feminista brasileiro
quanto à questão da violência doméstica foi: “Quem ama, não mata”. Já
em março de 1979, no Rio de Janeiro, criou-se a Comissão de Violência
contra a Mulher, que teve visível atuação no caso “Doca Street”.
Barsted (1998), sobre a década de 1980, esclarece que, com
o processo de redemocratização do Brasil, o movimento feminista
apresentou inúmeras propostas destinadas a coibir a violência e
proteger as vítimas dessa agressão. Nessa década, foram criadas
em diversos estados brasileiros as Delegacias de Atendimento à
Mulher Vítima de Violência (DEAM), os abrigos para as mulheres
vítimas e os centros de orientação jurídica.
No Ceará, a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) foi
criada em 1985; o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, em
1986; o Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento da
Mulher – COJEM em 1991; e a Casa do Caminho, abrigo para
mulheres em situação de violência, em 1992.

213
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Consoante Barsted (1994), foi somente nos anos de 1990, sob


a pressão dos movimentos feministas, que a perspectiva de gêne-
ro foi assegurada nos documentos jurídicos internacionais e nas
Conferências das Nações Unidas.
Não obstante, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as For-
mas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW, adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 1979 e ratificada (com reser-
vas) pelo Brasil em 1984, abordar várias formas de discriminação que
afetam o cotidiano das mulheres, segundo a AGENDE (2002, p. 13), o
“fato dos governos poderem fazer reservas diminuía seu poder de ação”,
bem como a citada Convenção “apresenta uma lacuna: não explicitou
no seu texto uma referência à violência doméstica e sexual contra as
mulheres” (CEPIA, 2001, p.07), tendo, por isso sido complementada
com a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, de
1993, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Mulher (Convenção de Belém do Pará), em 1994 e ratificada em 1985.
Os documentos citados reafirmam que os direitos das mu-
lheres são direitos humanos. A CEDAW reconhece “ainda que os
governos devem adotar medidas concretas de promoção da igual-
dade entre homens e mulheres” (AGENDE, 2002, p.21).
É preciso também esclarecer que a Convenção tem uma função
social, além de nortear a implantação de políticas públicas e estimular
a criação de uma legislação mais efetiva, de proteção às mulheres.
É importante ressaltar que a partir da Constituição de 1988 foram
ratificados pelo Brasil outros instrumentos internacionais de proteção
aos direitos humanos, além da CEDAW, a exemplo da Declaração e do
Programa de Ação da Conferência Mundial sobre Direitos de Viena,
da Declaração Sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, da
Declaração e da Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre
as Mulheres (Beijing), da Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura, da Convenção sobre os Direitos da Criança, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional dos

214
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da Convenção Americana de


Direitos Humanos, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência contra a Mulher.
Para Osterne (2005, p. 95), a conquista de maior relevância
nos últimos tempos para as mulheres brasileiras foi a criação da atu-
al Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres e a convocação
das I, II, III Conferências Nacional de Políticas para as Mulheres.
Segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM,
o ano de 2003 inaugura um novo ciclo de institucionalização das
políticas para as mulheres no Brasil. De fato, com a criação da
Secretaria de Políticas para as Mulheres, com status de ministério,
principalmente com a convocação da I Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres que discutiu e aprovou, em 2004, as
diretrizes e princípios para a formulação de uma politica nacional
para mulheres, são diversos os mecanismos de estruturação e ins-
titucionalização de desigualdade entre mulheres e homens.

Expressando, de forma ampla, o reconhecimento de que o


Estado não é neutro em relação às desigualdades vivencia-
das pelas mulheres, os princípios de uma política nacional
afirmam a responsabilidade do Estado brasileiro - nos ní-
veis federal, estadual e municipal, bem como nos distintos
âmbitos do poder executivo, legislativo e judiciário – para
com a superação dessa desigualdade. (BRASIL, 2011, p. 07)

Para a SPM:

[...] as desigualdades de gênero se deslocam e se recriam,


não obstante a melhoria atingida em áreas como educação,
trabalho, assistência social, seguridade social, dentre outras
e demandam do poder público realizar e estimular ativa-
mente ações e mecanismos para alterar as desigualdades
que ainda se retroalimentam. (BRASIL, 2011, p. 08)

215
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Dentre os princípios orientadores da Política Nacional para


as Mulheres que nortearam as discussões e o debate durante as
conferências (2004, 2007 e 2011), destacam-se os seguintes: a bus-
ca da igualdade efetiva entre homens e mulheres, incidindo sobre
as desigualdades sociais em todos os âmbitos e o respeito à diversi-
dade e o combate a todas as formas de discriminação com medidas
efetivas para tratar as desigualdades em suas especificidades.
O I Plano Nacional tem início com a I Conferência Nacional
de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília em julho de 2004.
O documento busca “expressar as necessidades e as expectativas das
mulheres brasileiras e da sociedade no que tange à formulação e à
implementação de políticas públicas de promoção da igualdade e de
enfrentamento dessas questões” (BRASIL, 2004, p. 27).
O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres é resultado
da mobilização de quase duzentas mil brasileiras que participaram, em
todo o país, das conferências municipais e estaduais e, para que ele seja
implementado, é imprescindível a parceria entre a União, governos es-
taduais e municipais. O II plano é orientado por oito princípios e está
organizado em onze capítulos ou eixos que representam temas prioritá-
rios e áreas de preocupação levantadas pelas mulheres nas conferências,
dentre estas: a autonomia econômica e igualdade no mundo do traba-
lho e enfrentamento de todas as formas de violência contra a mulher.
No decorrer da II Conferência, o governo federal lançou o Plano
Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, dando ori-
gem ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mu-
lher, com o objetivo de prevenir e enfrentar todas as formas de violência
contra as mulheres e com a perspectiva de desenvolver um conjunto de
ações a serem executadas nos anos de 2008 a 2011. O Pacto Nacional
tem como áreas estruturantes: a consolidação da Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, incluindo a implemen-
tação da Lei Maria da Penha; o combate à exploração sexual e ao trá-
fico de mulheres; a promoção dos direitos humanos das mulheres em

216
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

situação de prisão e a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos e


enfrentamento à feminização da AIDS. (BRASIL, 2007, p. 8)
A inclusão do tráfico de mulheres entre os alvos a serem com-
batidos pelas ações referentes ao enfrentamento da violência reflete a
preocupação das políticas públicas para as mulheres, nessa forma de
discriminação reconhecendo a gravidade do fenômeno do no Brasil.

O tráfico de mulheres leva às últimas consequências o bi-


nômio: Dominação masculina versus submissão feminina.
Ocorre a objetificação do corpo feminino e da figura simbó-
lica das mulheres que são tratadas e negociadas como objetos
com a finalidade de se obter lucro, sendo desconsiderado por
completo o respeito à sua dignidade de pessoa humana sujei-
to de diretos. Contribuem para essa realidade de exploração
os estereótipos socialmente construídos e reproduzidos pelos
meios de comunicação, que vinculam a imagem da mulher
brasileira à sexualidade e acabam por incentivar, inclusive, o
turismo sexual para o Brasil, uma das situações de risco para
a ocorrência do tráfico de pessoas. (SPM, 2011, p. 14)

É importante ainda ressaltar os diversos danos que o tráfico


de mulheres pode causar em suas vítimas, entre eles destacam-se
os seguintes aspectos:

Psicológico – ameaça, negligência, confinamento; Físico


– uso forçado de drogas, abortos forçados, privações de
alimentos e de liberdade; Social – isolamento, ruptura dos
laços familiares, timidez excessiva, desconfiança; Econô-
mica – endividamento com os traficantes perda de bens
pessoais e familiares. (SPM, 2011, p.16)

Dando prosseguimento e objetivando ampliar as políticas públicas


para as mulheres, a SPM lançou, em agosto de 2013, o III Plano Nacio-
nal de Políticas para Mulheres- PNPM, período 2013 – 2015, que tam-

217
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

bém prevê ações referentes ao enfretamento à violência, dentre outras


linhas: a ampliação e fortalecimento da rede de serviços especializados
de atendimento às mulheres em situação de violência; o fortalecimento
da segurança cidadã e acesso à justiça às mulheres em situação de vio-
lência, inclusive com a responsabilização do agressor; o enfrentamento
à exploração sexual e ao tráfico de mulheres com a meta de visibilizar
as questões estruturantes que são favorecedoras da exploração sexual de
mulheres e promover a autonomia das mulheres incidindo na política
de enfrentamento à pobreza e à miséria para a inclusão das mulheres
em situação de violência. (BRASIL, 2013, p. 44).
No que tange à cultura comunicação e mídia, o III PNPM
prevê capítulo específico expressando que a “preocupação com o
valor simbólico dos conteúdos veiculados nos diferentes meios de
comunicação é também uma preocupação do Estado, pois esses
conteúdos atuam na construção simbólica dos marcadores de gê-
nero, raça, etnia, geração e classe” (BRASIL, 2013, p. 74).
Recentemente, no esforço de melhor atender as mulheres vi-
timadas pela violência de gênero, bem como articular a rede de
atendimento, a SPM instituiu, em parceria com os estados, tanto
no âmbito do executivo, como do judiciário e Ministério Público,
a criação da Casa da Mulher Brasileira.
A Casa da Mulher Brasileira deverá funcionar 24 horas em
um local de fácil acesso e que congregue, em um único equipa-
mento, as mais diversas instituições de atendimento às mulheres
em situação de violência, a exemplo da Delegacia da Mulher, o
IML, o Juizado Especial de Violência Doméstica contra a Mulher,
a Defensoria Pública e o Ministério Público.

3.2. Leis brasileiras


No Brasil, como em vários países do Ocidente, a pornografia
não é crime.

218
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Para Leite Júnior (2006, p. 40), a pornografia traz consigo o


perigo da ordem violada, sendo, portanto transgressora. O autor
esclarece que a pornografia foi conquistando mais espaço e aceita-
ção social “para a representação do obsceno estando ligada direta-
mente à quantidade de dinheiro em circulação envolvida em tais
produtos”, após a década de 1970, quando vai iniciar a legalização
da pornografia como negócio e, na década de 1980, se consolidan-
do como um ramo do “entretenimento adulto”.
Para o estudioso, a pornografia tornou-se uma indústria de
grande lucratividade, sendo produzidos mais de dez mil vídeos
pornôs por ano nos EUA.

A pornografia, através da ampliação do público consumidor


e da criação de um mercado próprio, transformou as reivindi-
cações sociais legitimas no campo da sexualidade em carência
por produtos que são avidamente consumidos. Desta forma, o
universo do pornô não apenas a obscenidade é um show em
si mesmo, mas os lucros envolvidos também são da ordem do
espetacular. Assim, reafirma-se não apenas o caráter “mágico”
e ilusório da produção industrial de massa como fonte de feli-
cidade e satisfação para as necessidades humanas (o fetiche da
mercadoria), mas também se explicitam as modernas relações
entre sexo e capital, que direcionam a força transgressiva dos
prazeres eróticos para o campo do investimento útil e rentável
(o fetiche como mercadoria) (LEITE JÚNIOR, 2006, p. 99).

Diversos autores referem-se à pornografia, bem como à pros-


tituição, como uma das formas de manifestação da violência con-
tra as mulheres, “uma vez que na cultura patriarcal permitem per-
petuar estereótipos, como o de que o corpo de mulheres e meninas
está para o prazer sexual dos homens” (ZIÁURRIZ, 2011, p. 02)
Raupp Rios (2013) assevera que a pornografia é, assim como
a prostituição, área sensível para o direito à sexualidade. Essa ati-

219
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

vidade “apresenta possíveis danos causados a terceiros e às pessoas


envolvidas, tais como a “objetificação” feminina e o reforço do
machismo, com todos os efeitos daí decorrentes”.
De fato, com a pornografia ocorre a “objetificação” do corpo
feminino e da figura simbólica das mulheres que são tratadas e
negociadas como objetos com a finalidade de se obter lucro, sendo
desconsiderado por completo o respeito à sua dignidade. Contri-
buem para essa realidade de exploração de estereótipos socialmen-
te construídos e reproduzidos pelos meios de comunicação, que
vinculam a imagem da mulher brasileira à sexualidade e acaba
por incentivar, inclusive, o turismo sexual para o Brasil, uma das
situações de risco para a ocorrência do tráfico de pessoas.
Pheterson (2009, p. 203) esclarece que a pornografia e a
prostituição são temas controversos e de controle, gerando um
debate sobre sua natureza de trabalho ou de violência contra a
mulher. Para a pesquisadora “desde as sociedades antigas, inter-
mediários manipularam o sistema de relações sociais de sexo para
seu próprio proveito material recrutando mulheres e vendendo-as,
transportando-as ou oferecendo-as como presente aos homens”
(PHETERSON, 2009, p. 203).
No Brasil, segundo determina o Código Penal Brasileiro, é
crime quando o individuo:

Art.233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aber-


to ou exposto ao público: Pena – detenção, de três meses
a um ano, ou multa.

Art. 234 – Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua


guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de expo-
sição pública, desenho, pintura, estampa ou qualquer obje-
to obsceno: Pena – detenção, de seis meses a dois anos ou
multa. Parágrafo único – Incorre na mesma pena quem: I
– vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer

220
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

dos objetos referidos neste artigo; II – realizar, em lugar públi-


co ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição
cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espe-
táculo, que tenha o mesmo caráter: III – realizar, em lugar
público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou
recitação de caráter obsceno. (BRASIL, 2012, p. 535)

Ou ainda, quando envolver a pedofilia ou a necrofilia, que


não são objetos do presente estudo.

3.3. Pornografia, prostituição e tráfico de mulheres


A pornografia e a prostituição praticadas por pessoa adulta
no Brasil e em vários países ocidentais não constituem crime. “O
crime é a exploração sexual, caracterizada pelo não consentimen-
to (forçada) ou pelas condições de servidão ou trabalho forçado,”
(São Paulo, 2010, p. 18).

Apesar dos avanços legislativos e da discussão já instalada


na sociedade brasileira com relação a diferentes padrões
de discriminação que impedem o acesso a direitos, persiste
numa visão discriminatória nos órgãos envolvidos no en-
frentamento ao trafico para fins de exploração sexual com
relação às vitimas deste tipo de crime. O entendimento gira
em torno de uma espécie de “co-culpabilidade” da vitima
pelo exercício da prostituição ou pela situação de exploração
sexual. Tal visão é contraria às legislação nacional e interna-
cional e aos princípios de direitos humanos e deve ser com-
batida no interior das instituições.Em especial para o caso
do exercício da prostituição – pornografia, julgamento sobre
a moral sexual, a partir de padrões discriminatórios fazem
com que haja uma relativização dos direitos das vítimas. É
importante que os operadores de direito responsáveis pelas
ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas compreendam

221
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

a complexidade da questão e, a partir desta compreensão,


possam oferecer uma atenção adequada às vítimas. O fun-
damental é procurar estabelecer, como dito anteriormente,
uma diferenciação bastante clara entre a exploração sexual
de crianças e adolescente, prostituição forçada e prostituição
exercida de forma voluntária. (USAID, 2009, p. 33)

Vicente (1999, p.41) relata que a UNESCO, em 1986, pro-


moveu em Madri uma Reunião Internacional de Peritos sobre as
Causas Socioculturais da Prostituição e as Estratégias contra o Pro-
xenetismo e a Exploração Sexual das Mulheres, cujo relatório final:

Reconhece que a prostituição e o comércio das mulheres é


uma violação grave dos direitos humanos e recomenda que
este tema seja introduzido nos programas de educação acerca
dos direitos humanos: Considera que a prostituição das mu-
lheres é um dos aspectos mais graves da discriminação relativa
às mulheres, a forma máxima na maior parte das sociedades.

Segundo a pesquisadora, é uma das primeiras vezes que a uti-


lização sexual de uma mulher em troca de dinheiro é considerada
lesiva aos seus direitos humanos, por constituir um atentado à sua
dignidade como pessoa.
Em relação ao tráfico de mulheres é importante esclarecer
que há mais de uma década o tema vem sendo visibilizado na
agenda pública nacional brasileira. Já em 2004, o Brasil tornou-
-se signatário do Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional para Prevenir,
Reprimir e Sancionar o Tráfico de Pessoas, especialmente os de
Mulheres e Crianças, mas conhecido como Protocolo de Palermo.
Em 2006, o Brasil aprova a Política Nacional de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas que instituiu princípios, diretrizes e ações para
coibir a prática do tráfico tanto transnacional quanto doméstico.

222
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

No ano de 2008, em uma construção participativa, foi elaborado


e aprovado o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
quando se iniciou o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à
temática com a participação da União, Estados e Municípios.
O PNEPP foi elaborado com a liderança da Secretaria Na-
cional de Justiça, do Ministério da Justiça, pela Secretaria Especial
dos Direitos Humanos e pela Secretaria Especial de Políticas para
as Mulheres e ainda contou com a participação do Ministério Pú-
blico Federal, do Ministério Público do Trabalho e de organizações
da sociedade civil, de especialistas e organismos internacionais.
Após avaliação da implementação do I PNETP iniciou-se a cons-
trução do II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas,
em 2011, que resultou de um amplo e intenso processo participativo que
reuniu milhares de pessoas e profissionais do Brasil e do exterior.

3.4. Rede de apoio às mulheres em situação de


violência no Ceará
A violência contra a mulher, por muito tempo mantida na
invisibilidade, teve na década de 1980 maior publicidade. No Cea-
rá, a exemplo do Brasil que reproduz a luta mundial pela defesa dos
direitos humanos, finalmente, alguns sonhos de milhares de mu-
lheres se concretizaram. Em 1985, é criada a primeira Delegacia de
Defesa da Mulher, em 1986, é instalado o Conselho Cearense dos
Direitos da Mulher e, em 1992, a Casa do Caminho – abrigo para
mulheres em situação de violência doméstica e ou intrafamiliar.
Atualmente, o Estado do Ceará possui nove Delegacias de
Defesa da Mulher localizadas nos seguintes municípios: Fortale-
za, Juazeiro do Norte, Crato, Caucaia, Maracanaú, Sobral, Iguatu,
Pacatuba e Quixadá.

223
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Em Fortaleza existem duas casas abrigo: a estadual denomi-


nada Casa do Caminho, criada em 1992 e ligada à Secretaria do
Trabalho e Desenvolvimento Social - STDS, e outra de esfera mu-
nicipal, ligada à Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para
as Mulheres do município de Fortaleza, inaugurada pouco tempo
depois da promulgação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).
As casas abrigos são equipamentos sigilosos, cujo objetivo é
proteger as mulheres em situação de risco de morte devido à vio-
lência doméstica e/ou intrafamiliar de acordo com o que precei-
tua a Lei 11.340/06. Existem ainda, em Fortaleza, dois centros de
referência e atendimento às mulheres. São eles: o Centro de Re-
ferência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Do-
méstica e Sexual Francisca Clotilde – CRM, de caráter municipal,
criado em março de 2006 e o Centro Estadual de Atendimento e
Referência à Mulher da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará –
CERAM, também criado em 2006. Além destes, há outros CRMs
localizados em diversos municípios do Estado.
Os Centros de Referência e Atendimento da Mulher são es-
paços que oferecem apoio e atendimento às mulheres em situação
de violência, bem como, atendimento psicológico, social e jurídico
e ainda articulam com as redes de enfrentamento e atendimento
à mulher em situação de violência atendimentos no sentido de
encaminhá-la para outros serviços de acordo com o que determi-
na a Lei Maria da Penha e a Política Nacional de Enfrentamento
à Violência contra as Mulheres.
Ainda fazem parte da rede, os Centros de Referências de
Assistência Social - CRAS e os Centros de Referências Especia-
lizados de Assistência Social – CREAS, localizados em todos os
municípios do Estado do Ceará.
Na instância judicial, há as Promotorias de Justiça e Comba-
te à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os Núcleos
da Defensoria Pública e dois Juizados de Violência Doméstica e

224
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Familiar contra a Mulher - um situado em Fortaleza e outro na


região do Cariri, localizada ao sul do Ceará.
Para coordenar as políticas públicas para as mulheres no estado
do Ceará, foi criado em 2010, a Coordenadoria Especial de Políticas Pú-
blicas para as Mulheres, sendo esta vinculada ao Gabinete do Governa-
dor, que vem articulando, junto aos organismos governamentais e não
governamentais, ações objetivando tornar mais igualitária a sociedade
e, principalmente, fomentar politicas de proteção às mulheres.

Conclusão
O estudo, desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica, acer-
ca da pornografia como manifestação da discriminação de gênero
contra a mulher, possibilitou uma maior compreensão do fenômeno,
bem como uma aproximação de outras questões relacionadas ao tema.
Optou-se por um estudo de natureza bibliográfica privilegian-
do, principalmente, artigos científicos no espaço da Internet o que
nos oportunizou compreender conceitos, mas também observar
que, ainda, há carência de pesquisas que aprofundem sua temática.
O próprio conceito de pornografia tem sido motivo de diver-
gência entre autores e há aqueles, os mais feministas, que defen-
dem ser a pornografia a representação mais extremada da discri-
minação de gênero contra as mulheres.
O fato é que a pornografia, mesmo sendo uma prática que existe
desde tempos antigos, no decorrer da história se reinventou diversas
vezes sendo, atualmente, com o incremento da tecnologia, um fenôme-
no de público consumidor, com mercado próprio e altamente lucrativo.
Não obstante o aspecto financeiro e o lucro que envolve o fenô-
meno da pornografia, esta não pode ser analisada apenas sob o olhar
econômico, pois existem explicações sociais e culturais para o cres-
cente mercado. Entre esses aspectos, podemos destacar o surgimento

225
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

da Internet, capaz de eliminar qualquer distância entre seus usuários e


utilizada pelo mercado pornográfico como um grande facilitador para
a divulgação de seu material. Nunca foi tão fácil ter acesso à porno-
grafia, pois, muitas vezes, o conteúdo pornográfico está a poucos cli-
ques de seu consumidor, cujo anonimato está garantido pela Internet.
Concluimos-se que em nenhum momento da história, houve
tanta facilidade para o consumo de materiais pornográficos como
atualmente e, em geral, essas produções trazem uma representação
humilhada das mulheres, dificultando ou destruindo a habilidade
do “consumidor” e da própria “vítima” de enxergarem a violência
de gênero na relação entre ambos.
Há uma coisificação das mulheres no sentido de que as
mesmas são tratadas como meros objetos, sendo muitas vezes re-
presentadas em posições de submissão sexual e de servilismo. A
pornografia é, portanto, incompatível com a dignidade humana e
com os princípios garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Outro aspecto relacionado à utilização de materiais porno-
gráficos utilizados em websites é que estes estimulam o turismo
sexual e também o tráfico de pessoas, principalmente de mulheres
e meninas, de modo a contribuir para uma prática extremamente
nociva para toda a sociedade.
Diante da ampliação do acesso da população aos meios tecno-
lógicos, bem como da crescente oferta do mercado turístico no nos-
so país exacerbado, atualmente, devido aos grandes eventos, faz-se
relevante e oportuno pesquisar e compreender a pornografia como
uma manifestação da discriminação de gênero contra as mulheres.
Embora a Constituição Brasileira de 1988 e as diversas legis-
lações internacionais e nacionais reconheçam os direitos das mu-
lheres e a discriminação de gênero, ainda é necessário um longo
caminho e políticas públicas mais efetivas que reduzam a discrimi-
nação e a violência contra a mulher.

226
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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233
A coisificação da Mulher na mídia

Raquel Oliveira Coutinho


Bolsista IEx/CNPq (2014)
Universidade de Fortaleza

Introdução
Desde tempos remotos, verifica-se o desenvolvimento de
uma sociedade machista na qual a mulher é considerada um ser
inferior ao homem e, portanto, submetida à vontade e aos desejos
dele, por ser quem provê o alimento e a proteção do ambiente fa-
miliar. Essa distinção de gênero provoca a coisificação da mulher
nos mais diversos segmentos sociais, a exemplo do turismo sexual.
Face ao exposto, o presente artigo teve por objetivo demons-
trar que a mídia possui a capacidade de manipular o comporta-
mento humano, construindo o estereótipo de um indivíduo ou de
um conjunto de indivíduos, podendo, inclusive, incentivar práti-
cas como o turismo sexual.
Para tanto, foi necessário um estudo aprofundado da doutrina,
demonstrando que a mídia possui a capacidade de impulsionar a
construção de uma sociedade igualitária entre homens e mulheres
ou acentuar as desigualdades já presentes. Dividindo-se a pesqui-
sa em três partes, primeiramente buscou-se estudar a evolução do
pensamento sobre a sexualidade, visando apresentar a forma como
o homem lida com a sexualidade em diversos momentos históricos.
Seguidamente, alguns conceitos foram explicados para uma melhor
compreensão do tema, buscou-se mostrar o conflito entre explora-

235
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

ção sexual da mulher na mídia e os direitos fundamentais e a Con-


venção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher. Para, por fim, expor como a exploração sexual da
mulher na mídia influência no turismo sexual.
Vale ressaltar, que, no Brasil, o turismo sexual não é tipificado
penalmente, isto é, não é considerado um crime. Contudo, o mesmo
estimula práticas ilícitas, como a exploração sexual infantil e o tráfi-
co internacional de pessoas. (SILVA, 2009, p. 29) Dessa maneira, o
Brasil deve buscar a erradicação do turismo sexual, já que o mesmo
incentiva diversos atos ilícitos, provocando consequências negativas
para construção de uma sociedade justa, livre e solidária.

1. Evolução do Pensamento Sobre a Sexualidade


1.1. A sexualidade no Mundo Ocidental
Inicialmente, é importante observar que a coisificação da
mulher não foi introduzida no meio pela mídia; esse é um fenô-
meno histórico e cultural da humanidade como um todo, sendo a
mídia simplesmente uma ferramenta que impulsiona essa ideia no
inconsciente coletivo, gerando distorções que denigrem a dignida-
de da pessoa humana. Ademais, esse capítulo tem por finalidade
explicar a origem da coisificação da mulher, além de mostrar as
conquistas alcançadas no campo da distinção de gênero.

1.1.1. Antiguidade e Idade Média


A Antiguidade e a Idade Média foram marcadas pelo seu
caráter estritamente patriarcal em que a figura feminina era invi-
sível aos olhos da sociedade, sendo o pai a autoridade máxima do
lar, tendo domínio sobre os filhos e até mesmo sobre suas mulhe-

236
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

res. Uma autoridade que poderia chegar até a decidir a sua morte.
Nesse sentido explica Tannahill (1983, p.61):

O ponto de vista pessoal do homem como superior à mulher


em todos os sentidos foi prontamente entesourado na lei e
costumes das mais antigas civilizações do mundo, aquelas
do Oriente Próximo. A mulher se tornou uma propriedade,
primeiro do pai, depois do marido e em seguida do filho.

Assim, a mulher, nesses períodos, era tratada como objeto,


tendo como função principal a reprodução, conforme Josephus
apud Tannahill (1983, p. 75) “a lei não reconhece quaisquer co-
nexões sexuais, além da união natural de marido e mulher, sendo
apenas para a procriação de filho”. A procriação era tão valorada,
que na cultura do povo hebreu havia o levirato, no qual se o ho-
mem falecesse sem deixar filhos, o seu irmão solteiro deveria casar
com a viúva para que a mesma concebesse um filho.
Dessa forma, a mulher na Antiguidade tinha total dependência
da figura masculina, com algumas exceções, como no Egito Antigo,
em que uma mulher só podia alcançar a independência financeira
se ganhasse uma herança ou se fosse musicista, o que geralmente era
acompanhado com a prostituição. (TANNAHILL, 1983, p. 65)
O mesmo ocorria na Grécia, em que a mulher não era consi-
derada cidadã, estando no mesmo patamar dos escravos, não sendo
considerada culta, já que não podia estudar e frequentar locais em
que houvesse discussões teóricas. (SEIXAS, 1998, 37) No entanto, as
hetairas eram uma exceção a essa ditadura do conhecimento, já que
por serem prostitutas da elite, possuíam uma maior mobilidade, sendo
figuras de vasto conhecimento, razão pela qual a prostituição não era
considerada uma ofensa à sociedade. (TANNAHILL, 1983, p.85)
No mesmo sentido, Seixas afirma que na Babilônia, mesmo
as mulheres que fossem criadas para serem esposas fiéis e castas,
deviam antes de se casar ir ao Templo de Milita com a finalidade

237
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

de ter relações sexuais com um estranho para em troca ganhar


uma moeda, que deveria ser ofertada ao Templo. Acreditava-se
que essa atitude trazia prosperidade para a nova família que estava
se constituindo. (SEIXAS, 1998, p. 34)
O início da Era Cristã trouxe mudanças para todos os seg-
mentos sociais, tanto na área intelectual quanto na vida comum.
Em decorrência disso, com o passar do tempo, a figura da prostitu-
ta sagrada passou a ser condenada pelos meios religiosos. Confor-
me Hite (1995, p. 371), com o ganho de força da Igreja a mulher foi
incentivada a ser como Maria, mãe de Jesus, passando a viver em
um constante conflito interno: se não procriasse, não estaria de-
sempenhando a sua função perante a sociedade; se tivesse filhos,
deixava de ser casta, não sendo mais virgem como Maria.
Contudo, a partir da Idade Média a mulher gradativamente co-
meçou a encontrar seu lugar na sociedade, conforme Tannahill (1980,
p. 277): “A mulher, que por tanto tempo havia sido considerada um
zero, era transformada – através do jogo do amor palaciano, desenvol-
vido do “amor puro” dos árabes, e da importância de Bizâncio do cul-
to à Virgem Maria – na dama pura, intangível, virtuosa, admirável.”
Além disso, a Igreja passou a instituir o casamento como um
sacramento, não admitindo mais o divórcio, trazendo para a mu-
lher uma maior sensação de segurança, pois a partir desse momen-
to ela não podia ser simplesmente descartada de forma arbitrária
pelo marido. Nesse sentido explica Tannahill (1980, p. 159):

De qualquer modo, ela continuava em busca de um ideal de


castidade conjugal; um resultado disto foi que, ainda antes do
casamento ser declarado um sacramento, no século XII ou
XIII – significando assim que não podia ser dissolvida em hi-
pótese alguma - a Igreja era totalmente incapaz de considerar
a falta de filhos como motivo para o divórcio, apesar de isso
ter sido aceito como tal, em todas as sociedades, desde o início
da história gravada. Embora sem intenção, esta nova norma

238
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

propiciou um inaudito direito de posse a uma vasta classe de


mulheres que, anteriormente, eram passíveis de rejeição por
algo que tanto podia ser culpa do marido como dela.

No entanto, cabe destacar que, segundo Foucault (2010, p. 67) os


valores cristãos, como a abstenção sexual, não eram algo novo, já que
no mundo romano, antes do Cristianismo, os mesmos já existiam. O
que ocorreu de realmente inédito foram os novos “mecanismos de po-
der”, que manifestados pela figura do pastor que impunha esses valores
morais à sociedade. Como exemplo de “mecanismo de poder” exercido
pela figura do pastor, tem-se o Concílio de Elvira, realizado no início do
século IV, no qual todas as prostitutas foram excomungadas.

1.1.2. Idade Moderna


A Idade Moderna foi um período de transição do feudalismo para
o liberalismo, havendo grandes transformações econômicas, resultando
em modificações na estrutura familiar e, consequentemente, na visão
de sexualidade do homem. O início desse período foi de grande ex-
pressão cultural e intelectual, quebrando-se o tabu que rodeava o sexo.
Contudo, essa liberdade estava mais presente nas classes abastadas,
conforme explica Seixas (1998, p. 57): “A nudez entra em moda na pin-
tura e escultura, mas o comportamento sexual da plebe é mais submeti-
do à autoridade da Igreja, enquanto os nobres gozam de total liberdade”.
Nesse sentido, também, explica Foucault (1998, p. 11):

Um princípio de explicação se esboça por isso mesmo: se o


sexo é reprimido com tanto rigor, é por ser incompatível com
sua colocação no trabalho, geral e intensa; na época em que
se explora sistematicamente a força de trabalho, poder-se-ia
tolerar que ela fosse dissipar-se nos prazeres, salvo naqueles,
reduzidos ao mínimo que lhe permitem reproduzir-se?

239
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Nesse período, de maior liberalidade para as classes abasta-


das, a mulher começou a ocupar um local de maior destaque na
sociedade. Como dito acima, na Idade Média houve uma mudan-
ça em relação à imagem da mulher, passando a ser considerada
uma “dama virtuosa”, mas foi a partir da Reforma Protestante que
essa imagem foi reforçada, conforme Tannahill (1983, p. 277):

Tratava-se de uma mudança de imagem apenas, mas que se


revelaria revolucionária, em especial quando reforçada pela
ênfase das igrejas Reformadas do século XVI no tocante à
família, bem como pela descoberta científica do século XVII
de que o sêmen do homem não era, como se pensava desde
os dias de Aristóteles, o elemento crucial da procriação. A
mulher se tornava, não incubadeira, mas mãe. O século XIX
iria fundir moralidade e maternidade em uma nova imagem,
a do “anjo do lar” – com surpreendentes resultados políticos.

Nesse sentido, também, explica Seixas (1998, p. 59): “A


mulher, portanto, não é vista apenas como geradora de filhos ou
objeto para o alívio dos desejos sexuais do homem, mas como
companheira”, ao contrário dos demais períodos históricos. Essa
mudança de imagem da mulher resultou no surgimento do amor-
-romântico, no final do século XVIII, que segundo Giddens (1993,
p.50), coincidiu com o desabrochar das novelas.
Pode-se dizer que a ideia do amor-romântico influenciou a mu-
lher, alterando inclusive, a sua forma de administrar o lar, passando
a possuir um vínculo íntimo entre ela e os filhos, gerando uma maior
afeição maternal, perdendo o homem um pouco da sua autoridade pa-
triarcal, já que houve uma separação entre o lar e o local de trabalho
no sistema de produção, conforme Giddens (1993, p. 53):

Mas, em alguns aspectos, o poder patriarcal no meio domés-


tico estava declinando na última parte do século XIX. O do-

240
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

mínio direto do homem sobre a família, que na realidade era


abrangente quando ele ainda era o centro do sistema de pro-
dução, ficou enfraquecido com a separação entre o lar e o local
de trabalho. Certamente, o marido assumiu este poder fun-
damental, mas com frequência uma ênfase crescente sobre a
importância do ardor emocional entre pais e filhos abrandou o
uso que fazia dele. O controle das mulheres sobre a criação dos
filhos aumentou à medida que as famílias ficavam menores, e
as crianças passaram a ser identificadas como vulneráveis e
necessitando um treinamento emocional a longo prazo.

O autor ainda continua ao citar Mary Ryan, afirmando que


o centro da família deslocou-se “da autoridade patriarcal para a
afeição maternal”. (GIDDENS, 1993, p. 53)

1.1.3. Idade Contemporânea


Na Idade Contemporânea, as mulheres alcançaram vários
direitos para uma maior igualdade de gênero. Um deles foi o su-
frágio feminino, isto é, o direito ao voto. Após um longo caminho
percorrido, as mulheres por volta de 1920, na Nova Zelândia, Aus-
trália, Grã-Bretanha e na América, passaram a participar ativa-
mente da vida política. (TANNAHIL, 1980, p. 436)
No Brasil, o direito ao voto para as mulheres só ocorreu em
1932, através de um decreto. Contudo, esse direito era limitado,
pois apenas mulheres solteiras com renda própria, viúvas e mulheres
casadas que obtivessem a autorização dos maridos poderiam votar.
Apenas em 1934, o direito ao voto se estendeu a todas as mulheres.
Logo após, Getúlio Vargas suspendeu o direito de todos votarem, só
retornando o direito ao voto em 1945. (SOUZA, 2000, p.487)
Além disso, as mulheres ganharam direitos trabalhistas, de-
vendo receber o mesmo salário que os homens, além de possuírem
benefícios, como a licença maternidade. Apesar de que, na práti-

241
Ana Maria D´Ávila Lopes,
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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

ca, há uma discrepância econômica entre homens e mulheres no


Brasil. (SOUZA, 2000, p. 487)
Face ao exposto, percebe-se que as mulheres fizeram grandes
conquistas no campo da distinção de gênero. Contudo, ainda não
existe uma real igualdade de gênero, já que apesar das conquistas
alcançadas, as mulheres continuam a ser coisificadas, inclusive
pela mídia, sendo necessário o seu combate, para que haja uma
real igualdade de gênero.

1.2. A sexualidade no Brasil


A sociedade colonial era composta por negros, índios e bran-
cos. O colonizador português dominava as duas primeiras raças
tanto econômica, quanto sexualmente. Primeiro foi exercida essa
dominação perante os índios. Quando os mesmos se rebelaram,
foi necessário a busca por mão-de-obra negra, gerando um grande
fluxo de escravos adentrando no Brasil, visto que a economia era
baseada no regime de escravidão.
Nesse sentido explica Prado Júnior (1994, p.110):

A mestiçagem brasileira é antes de tudo uma resultante do


problema sexual da raça dominante, e por centro do colono
branco. Neste cenário em que três raças, uma dominadora
e duas dominadas, estão em contacto, tudo naturalmente
se dispõe ao sabor da primeira, no terreno econômico e no
social, e em consequência, nos das relações sexuais também.

Em razão desse contexto histórico, a estrutura dos grandes


engenhos ficou dividida em dois segmentos sociais, constituídos
pela senzala, local em que os negros dormiam e faziam as suas
refeições, e pela casa grande que era a moradia dos senhores de
engenho, sendo a família colonial composta pela esposa, adminis-

242
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

tradora dos afazeres domésticos, pelo esposo possuidor de toda a


autoridade, e pelos filhos. A sociedade era essencialmente patriar-
calista, como afirma Freyre (1985, p. 90):

Em sua atitude com a esposa, o brasileiro da década de


50 era um verdadeiro patriarca à maneira romana. Den-
tro de casa concedia-lhe alguma autoridade. Fora, lhe era
negado qualquer poder. Fora da casa a mulher era apenas,
legalmente e socialmente, a sombra do marido.

Contudo, não era apenas a família colonial que permanecia


no interior da casa grande, visto que havia um grande número de
escravas que realizavam os afazeres domésticos, devendo à senhora
do engenho coordenar as tarefas domésticas. Ademais, as negras
também eram submetidas sexualmente aos grandes senhores de
engenho e aos seus filhos, visto que os mesmos consideravam suas
esposas como imaculadas, praticando os atos sexuais considerados
impuros com as escravas. Nesse sentido, explica Freyre (1895, p. 88):

O padrão de moralidade de duas faces prevalecia na década


de 50: idolatrava-se a mulher pura – a mulher lírio – enquan-
to os desregramentos sexuais do homem só de leve eram re-
parados, em casas grandes e sobrados patriarcais, não eram
raro os sinhozinhos se iniciarem na vida sexual profunda,
desvirginando molecas, emprenhando escravas negras. Es-
cravas que eram também emprenhadas pelos ioiôs da casa.
Em alguns casos a sinhá da casa, generosa e tolerante, criava
os filhos mulatos do marido unto com os brancos e legítimos.

Nessa união entre as várias raças surgiu o mestiço, conforme


Freyre (1895, p. 58): “A miscigenação campeava já desbragadamente.
Muita mistura era de brancos com gente de cor. De europeus com ame-
ríndios. De portugueses com negras”, englobando diferentes culturas.

243
Ana Maria D´Ávila Lopes,
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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Atualmente, a mestiça carrega o mesmo estigma que a escrava


negra possuía, sendo considerada, por muitos estrangeiros, uma mu-
lher em que se deve praticar as libertinagens sexuais. Isso contribui
para a prática do turismo sexual, já que muitos estrangeiros acredi-
tam que o Brasil é o paraíso perdido em que tudo é permitido. Face
ao exposto, conclui-se que a origem do turismo sexual no Brasil,
decorre do seu passado essencialmente patriarcalista e escravista.

2. A exploração sexual da mulher na mídia em


confronto com os direitos fundamentais e os
Direitos Humanos
Com o pós Segunda Guerra Mundial, a fim de evitar novamen-
te aquele cenário de preconceito e racismo, intensificou-se o debate
acerca dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, objetivando
a universalização destes, a fim de exaltar a dignidade da pessoa huma-
na em todos os seus aspectos. Nesse panorama, a mulher por ter sido
discriminada ao longo da história, também, passou a conquistar direi-
tos que a valorizassem, para evitar a distinção de gênero. Como con-
sequência disso, criou-se a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher que busca combater a
exploração sexual, inclusive a que a mulher sofre em razão da mídia.

2.1 O conceito de exploração sexual


O presente tópico tem por finalidade esclarecer alguns con-
ceitos para uma melhor compreensão acerca do tema, já que co-
mumente alguns termos são utilizados como sinônimos, por exem-
plo, as expressões ‘exploração sexual’ e ‘abuso sexual’. Contudo, as
mesmas possuem conotação diferente, apesar de ambas serem uma

244
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

manifestação da violência sexual, isto é, a exploração sexual e o


abuso sexual são espécies do gênero violência sexual.
O abuso sexual é caracterizado pela relação de poder entre o
agressor e a vítima, por meio da satisfação do próprio violentador;
já a exploração sexual está relacionada ao lucro, isto é, o aliciador
busca transformar o corpo do indivíduo em mercadoria para a ob-
tenção de vantagens, conforme explica Lowenkron (2010, p. 17):

Vale notar que a categoria “exploração sexual” é definida


enquanto conceito distinto em relação à noção de “abu-
so” na medida em que se refere menos a atos isolados ou
interações sexuais interpessoais do que a redes de pessoas
e condutas. Em geral, aparece associada à ideia de “explo-
ração comercial” e ao chamado “crime organizado”. Nesse
contexto, a criança é concebida como sendo transformada
não apenas em “objeto”, mas em “mercadoria”.

Com base nisso, a exploração sexual está relacionada a redes


criminosas, sendo manifestada através da prostituição, pornografia,
turismo sexual e tráfico de pessoas. (LOWENKRON, 2010, p. 17)
A mulher, também, sofre exploração sexual pela mídia, que por
uma finalidade meramente econômica coisifica o corpo da mulher,
exemplo disso são as propagandas de cerveja, que denigrem a digni-
dade da mulher. Além de a mídia explorar sexualmente da mulher,
a mesma incentiva os outros tipos de exploração já mencionados no
presente artigo, como a prostituição, pornografia, turismo sexual e
tráfico de pessoas. Dessa forma, deve-se encarar a exploração sexual
da mulher na mídia como uma problemática, que deve ser resolvida.

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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

2.2. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir


e Erradicar a Violência contra a Mulher
Os tratados e as convenções internacionais, por um longo
período, foram questionados por doutrinadores a fim de saber qual
era a sua hierarquia constitucional. Em 2004, a Emenda Consti-
tucional n. 45 estabeleceu que os mesmos, quando aprovados pelo
Congresso Nacional por três quintos dos votos em dois turnos em
cada casa, seriam equivalentes às emendas constitucionais. O Su-
premo Tribunal Federal decidiu então que os tratados e conven-
ções internacionais adotados antes de 2004 teriam nível suprale-
gal. Nesse sentido explica Sarlet (2013, p. 304):

A hierarquia dos tratados de direitos humanos na ordem


jurídica interna brasileira, de acordo com a atual orienta-
ção do STF, é diferenciada de acordo com a forma de in-
corporação. Com efeito, os tratados incorporados antes da
inserção do §3.º no art. 5º da CF possuem hierarquia supra-
legal, prevalecendo, portanto, sobre toda e qualquer norma
infraconstitucional interna, mas cedendo em face da CF.
Por sua vez os tratados aprovados pelo Congresso Nacional
na forma do art. 5º, §3.º, da CF possuem hierarquia e força
normativa equivalentes às emendas constitucionais.

Dessa maneira, como a Convenção Interamericana para Pre-


venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher foi adotada
pelo Brasil em 1994, entrando em vigor em 1995, a mesma possui
hierarquia supralegal, isto é, prevalece sobre as normas infracons-
titucionais, mas está submetida à Constituição Federal.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém
do Pará, possui diversos artigos que buscam proteger todas as esferas
de dignidade da mulher, procurando proteger a mesma de, por exem-

246
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

plo, agressões físicas e psicológicas. Essa Convenção no art. 8, “g”,


afirma que o Estado deve “incentivar os meios de comunicação a que
formulem diretrizes adequadas de divulgação, que contribuam para a
erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e
enalteçam o respeito pela dignidade da mulher” (OEA, 1994, on line).
No Brasil, há algum tempo, os meios de comunicação estão
sendo utilizados para combater a violência contra a mulher, porém,
geralmente, a violência que é retratada é apenas a física. Contudo,
há uma contradição nos meios de comunicação, pois, existem pro-
pagandas e novelas que buscam combater a violência física contra a
mulher, mas, em contrapartida, tais veículos vulgarizam sua imagem
em outros tipos de propagandas e novelas. Dessa maneira, por um
lado há a conscientização, mas por outro, por meio da vulgarização da
mulher, há o incentivo à violência física e psicológica contra a mesma.
Com base nisso, percebe-se que existe um conflito entre o pas-
sado patriarcal, que tende a coisificar a mulher, e as novas leis e trata-
dos que buscam a igualdade entre os sexos. Dessa maneira, compre-
ende-se que, apesar de no Brasil existirem várias leis e de ter ratificado
tratados de defesa dos direitos humanos das mulheres, ainda a discri-
minação de gênero constitui uma marca da nossa sociedade.

3. A Retratação Midiática Da Sexualidade E A


Sua Influência No Mercado Sexual
3.1 A mídia como estrutura de poder
Quando se reflete acerca do poder, pensa-se inicialmente no
Estado. Contudo, as estruturas de poder são inúmeras, isto é, não
é uma estrutura homogênea, não sendo desempenhada por uma
única classe social. Nesse sentido, explica Foucault (1979, p. 183):

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou me-


lhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está lo-
calizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca
é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder fun-
ciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos
não só circulam mas estão sempre em posição de exercer
este poder e de sofrer sua ação; nunca são algo inerte ou
consentido do poder, são sempre centros de transmissão.

Além disso, as estruturas de poder buscam “aprimorar” e domi-


nar a capacidade humana, não sendo a sua única função a repressão
do indivíduo, conforme Machado (1979, p. XVI) no livro de Foucault:

Não se explica inteiramente o poder quando se procura


caracterizá-lo por sua função repressiva. O que lhe inte-
ressa basicamente não é expulsar os homens da vida so-
cial, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a
vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja
possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando as
suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiço-
amento gradual e contínuo de suas capacidades.

Dessa maneira, pode-se afirmar que a mídia é uma dessas estru-


turas de poder, pois a mesma possui a capacidade de moldar e, em al-
gumas circunstâncias, de reprimir o comportamento humano. Nesse
sentido, a mídia, por ser considerada um instrumento de “construção
de realidade”, é concebida por alguns teóricos como uma espécie de
quarto poder, estando ao lado do Legislativo, Executivo e Judiciário.
(BRITTOS e GASTALDO, 2006, p. 127). Outro posicionamento
afirma que a mídia seria uma espécie de segundo poder, já que apenas
o poder econômico seria superior a ela, ao passo que o poder político
seria apenas o terceiro poder, sendo o mesmo menos influenciador
que a economia e a mídia. (RAMONET, 1999, p. 40)

248
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Diante do que foi exposto, percebe-se que a mídia é uma


forma de manipular o comportamento do indivíduo. Essa domi-
nação é exercida pela ideia de que a mídia transmite a verdade.
Nesse sentido, explica Ramonet (1999, p. 45): “Se a propósito de
um acontecimento, a imprensa, a rádio e a televisão dizem que al-
guma coisa é verdadeira, será estabelecido que aquilo é verdadeiro.
Mesmo que seja falso. Porque a partir de agora é verdadeiro o que
o conjunto da mídia afirma como tal.”
Não sendo a verdade veiculada na mídia totalmente impar-
cial, visto que quem as transmite são pessoas com ideais, valores e
preconceitos, incutindo os mesmos nas notícias, programas, entre
outros, conforme explica Melo (2006, p. 3):

Da psicanálise e das ciências sociais sabemos, hoje, que o


olhar é condicionado pela cultura, mas também – talvez,
sobretudo – por uma série quase infinita de mecanismos
inconscientes (preconceitos, afetos, traumas, automatis-
mos), a imensa maioria forjada na primeira infância [...].
Não existe o “observador neutro”. Testemunhar um even-
to é também construí-lo segundo o “aparelho psíquico” e
a formação social e cultural da testemunha. Seria equivo-
cado, por isso, opor radicalmente, de forma maniqueísta,
uma suposta “neutralidade objetiva” daquele que presen-
cia diretamente um acontecimento à “intencionalidade
manipuladora” da câmara de televisão.

Contudo, apesar da falta de imparcialidade dos meios de comu-


nicação, a procura pela verdade impulsiona discussões, transmitindo
conhecimento e informação, ao passo que, “apesar de todas as insufi-
ciências e limitações próprias da busca da verdade, ela continua a ser
motor do conhecimento e da comunicação acerca das realidades coti-
dianas e das mais transcendentes”. (PEREIRA JÚNIOR, 2011, p. 30)

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3.2. A liberdade de expressão e os seus limites


A liberdade é um dos direitos fundamentais basilares do Es-
tado Democrático de Direito não se limitando somente à ideia de
autonomia de vontade e de manifestação de pensamento, mas prin-
cipalmente “a participação mais intensa de todos os interessados nas
decisões políticas fundamentais” (MENDES, 2011, p. 296).
Conforme preleciona Sarlet (2013, p. 422): “De acordo com
o que se verifica a partir da dicção do art. 5º, caput, da CF a liber-
dade constitui, juntamente com a vida, a igualdade, a propriedade
e a segurança, um conjunto de direitos fundamentais que assume
particular relevância no sistema constitucional brasileiro.”
A liberdade de expressão consiste em uma das manifestações
do direito à liberdade. A Constituição Federal de 1988, ao contrário
das demais Constituições antecedentes, estabelece a liberdade de
expressão de maneira ampla, estando a mesma presente no art. 5º,
incisos IV, V, X, XIII e XIV, e que tem por característica a livre
manifestação de pensamento, sendo vedada a censura. (MENDES,
2012, p. 296 – 297) Dessa maneira, o art. 220 da Constituição Fede-
ral estabelece a liberdade de expressão como uma garantia, vedando
a censura. Nesse sentido, explica Mendes (2012, p. 298):

Convém compreender que censura, no texto constitu-


cional, significa ação governamental, de ordem prévia,
centrada sobre o conteúdo de uma mensagem. Proibir
censura significa impedir que as ideias e fatos que o in-
divíduo pretende divulgar tenham de passar, antes, pela
aprovação de um agente estatal.

Essa garantia traz grandes contribuições para o cenário polí-


tico brasileiro, já que como dito acima, garante a participação de
todos nas decisões políticas, sendo fundamental para um Estado
Democrático de Direito. Além disso, a livre manifestação de pen-

250
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

samento garante um maior desenvolvimento artístico, cultural e


científico. Nesse sentido explica Pereira Júnior (2011, p. 26):

O legítimo poder de expressão permite o amadurecimento


da criatividade humana. É necessário para a realização
de potencialidades nos diversos ramos do saber e do agir.
Anda pari passu ao amadurecimento das ideias ao longo
do tempo. É requisito para o exercício pleno da liberdade.
Extrapola interesses jurídicos ou políticos.

Contudo, a liberdade de expressão possui limites não configura-


dos como censura. Para que haja o exercício legítimo desse direito, não
pode a liberdade de expressão ferir outros direitos fundamentais, como
a dignidade da pessoa humana. (PEREIRA JÚNIOR, 2011, p. 26). Es-
sas limitações decorrem do fato de que os direitos fundamentais não
são absolutos, já que possuem a natureza de princípio, apresentando um
caráter abstrato. Nesse sentido, explica Lopes (2009, p. 52):

A abstração dos princípios impede determinar com pre-


cisão em que casos sua aplicação é procedente. Tal cir-
cunstância abre a possibilidade de que em um único caso
vários princípios possam ser simultaneamente aplicados,
exigindo, do juiz constitucional, sua otimização em um
juízo de ponderação ou razoabilidade.

Uma das limitações à liberdade de expressão se encontra no


art. 221, inciso IV da Constituição Federal, consistindo no res-
peito que os meios de comunicação devem ter aos valores éticos e
sociais da pessoa e da família. Explica Mendes (2011, p. 313):

O ser humano não pode ser exposto – máxime contra a


sua vontade – à mera curiosidade de terceiros, para satis-
fazer instintos primários, nem pode ser apresentado como
instrumento de divertimento alheio, com vistas a preen-

251
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Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

cher o tempo de ócio de certo público. Em caso assim, não


haverá exercício legítimo da liberdade de expressão.

Todavia, ainda há muitas propagandas que ferem os valores éti-


cos e sociais da pessoa e da família. Um exemplo de violação ao prin-
cípio da dignidade da pessoa humana foi a propaganda de uma marca
de roupa íntima, que, por meio de uma modelo famosa “ensinava”
que a mulher devia falar os seus problemas ao marido, a exemplo de
ter extrapolado o limite do cartão, vestida apenas de roupa íntima.
Evidencia-se o forte apelo sexual, transformando o corpo da mulher
em um objeto para alcançar uma finalidade. Essa propaganda teve
várias denúncias, sendo submetida ao Conselho Nacional de Autor-
regulação Publicitária (CONAR), mas a mesma foi autorizada a con-
tinuar sendo transmitida. Nessa propaganda, o desrespeito à mulher
foi nítido, pois a figura feminina não apenas foi representada sob uma
concepção de dependência da figura masculina, mas para suprir essa
deficiência, a mulher precisa utilizar seu corpo como um objeto.

3.3. Como a exploração sexual da mulher na mídia


influencia no turismo sexual
A mídia é uma estrutura de poder, como dito anteriormente, tem
a capacidade de moldar o comportamento humano e a aptidão de cons-
truir a imagem do indivíduo, ou do conjunto de indivíduos. Nesse sen-
tido, de forma mais específica, a mídia construiu a reputação do Brasil
como um lugar paradisíaco, conforme Cavalcante (2011, p. 46-47):

Observa-se, portanto, que a imagem de um país não de-


pende apenas de sua identidade e cultura, e sim, de uma
diversidade de fatores correlacionados, como o marketing
utilizado em campanhas de divulgação do país no exte-
rior. Por sua vez, é mais fácil fazer referência a significados

252
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

já existentes, como as mulheres sensuais, o carnaval, o


sexo fácil, do que a novos conceitos pouco utilizados.

A construção da imagem do Brasil teve início nas primeiras car-


tas de Pedro Vaz de Caminha enviadas ao rei D. Manuel, nas quais se
caracterizava o Brasil como um paraíso e se descrevia as índias como
mulheres bonitas e sensuais. (CAVALCANTE, 2011, p. 41-42)
Além disso, o cinema, a música e a literatura foram, ao lon-
go dos séculos, reforçando a imagem do Brasil como um paraíso.
Como exemplo, cita-se a marchinha de André Filho, denominada
de “Cidade Maravilhosa”, que foi lançada em 1934, consagrando
o Rio de Janeiro um ponto turístico. (SEIXAS, 2007, p. 32). A
música “Garota de Ipanema” de Vinícius de Moraes e Tom Jobim
também reforçou a imagem do Rio de Janeiro como ponto turísti-
co, além de mostrar a sensualidade da mulher brasileira.
A imagem do Brasil no exterior foi construída nos anos 80 a
partir de propagandas do Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRA-
TUR) que, para incentivar o turismo, exaltava a sensualidade da
mulher brasileira, por meio de fotos de mulheres seminuas, em locais
considerados paradisíacos. Cavalcante aduz que (2011, p. 58):

Percebe-se assim, que a imagem de mulheres com trajes


minúsculos de carnaval ou em biquíni foram exploradas
por toda a década de 70 pelo órgão (EMBRATUR) res-
ponsável pelo turismo no exterior, ressaltando, de forma
inescrupulosa o físico e a sensualidade da mulher brasilei-
ra, evocando, dessa forma, um sentido sexual ao turismo
brasileiro e uma depreciação do valor das mulheres brasi-
leiras, tidas e vistas como um produto em oferta, conse-
quentemente um produto a ser comercializado.

Foi dessa maneira que o turismo sexual foi incentivado pelos


meios de comunicação, por meio da construção de uma imagem dis-

253
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

torcida da mulher brasileira. Contudo, em virtude das consequências


advindas do turismo sexual, o governo brasileiro mudou sua política e,
a partir de 1996, começou a fazer campanhas contra o turismo sexu-
al, passando o assunto a ser uma das preocupações da EMBRATUR.
O combate ao turismo sexual é algo complexo, pois a imagem
do Brasil foi construída a partir da ideia de paraíso perdido, em que
tudo é permitido, já que as leis brasileiras não se aplicam. “Outro fator
negativo é que a imagem dos países podem ser duradouras e difíceis
de mudar, já que em geral, as pessoas resistem a modificar suas estru-
turas cognitivas ou conhecimento anterior diante de novos fatos...”.
(CAVALCANTE: 2011, p. 47). Dessa maneira, a imagem do Brasil
continua sendo associada à ideia de sensualidade da mulher brasileira
pelas agências de viagens e por outras entidades do ramo. Além disso,
a mídia reforça, por meio de propagandas e novelas, a coisificação da
mulher, dificultando o alcance da real igualdade de gênero.

Conclusão
Foi demonstrado, no presente trabalho, que apesar das grandes
conquistas realizadas no campo da distinção de gêneros, a figura fe-
minina ainda sofre com os resquícios da repressão sofrida durante os
séculos da história da humanidade. Isso fica evidente, principalmente,
na mídia, que indo contra essas conquistas, continua denegrindo a
imagem da mulher tratando-a como objeto meramente econômica.
Constata-se, dessa maneira, que a “coisificação” da mulher
realizada pelos meios de comunicação tem contribuído para tornar
o Brasil uma das principais rotas mundiais de turismo sexual, em
razão da excessiva exaltação da sensualidade da mulher brasileira
e do país ser um “paraíso perdido” em que tudo é permitido.

254
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A gravidade da situação deve-se ao fato do turismo sexual pro-


piciar a prática de outros crimes sexuais, a exemplo da exploração
sexual de crianças e adolescentes e o tráfico internacional de pessoas.
Conclui-se, portanto, que a história patriarcal brasileira e a
atuação da mídia incentivam o turismo sexual. Além disso, as de-
sigualdades sociais, também, impulsionam a prática do turismo
sexual, isso porque, conforme Pinheiro (2012, p. 29), o perfil so-
cioeconômico dessas vítimas corresponde, geralmente, a mulheres
de baixa escolaridade, oriundas de classes populares. Nesse sen-
tido, além de ser necessário o combate da coisificação da mulher
realizada pelos meios de comunicação, também é urgente a adoção
de políticas públicas capazes de promover o pleno exercício dos
direitos humanos por todas as mulheres.

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257
Mudança Conceitual das Políticas
Públicas Preventivas em Face
da Vulnerabilidade Sexual de
Crianças e Adolescentes

Antonio Jorge Pereira Júnior


Doutor e Mestre em Direito pela USP
Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da
UNIFOR

Introdução
O artigo pretende propor uma nova perspectiva para o conjunto
das políticas públicas em matéria de criança e adolescente, com vis-
tas à viabilização da proteção integral e da atenção absoluta prioritária
previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Ado-
lescente há 25 anos. Os direitos da criança e do adolescente ainda não
são garantidos ou respeitados no nível previsto e prescrito no sistema ju-
rídico do Brasil. Falham especialmente as políticas de prevenção, tanto
em sentido amplo, que deveriam atingir de modo difuso seus destinatá-
rios, quanto em sentido restrito, nas situações de promoção dos direi-
tos individuais. Escasseiam políticas públicas proativas em meio adulto
favoráveis ao desenvolvimento infanto-juvenil, estando todos, crianças
e adultos, no mesmo espaço. De certa forma, deixar a criança à deriva
em uma cultura permissiva, utilitarista e consumista, é constrangê-la
a “adaptar-se” a tal ambiente, mimetizando-o, absorvendo-se tempo e

259
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

energia dela que deveria investir em outras atividades. Nutridas nessa


atmosfera, mais facilmente serão vítimas de exploração.
As políticas públicas remediativas ou repressoras são impor-
tantes. Mas não esgotam as necessidades da maior parte dos ci-
dadãos infanto-juvenis. Este trabalho, em construção, chamará
a atenção à exigência legal de investimento em políticas públicas
de prevenção, segundo a perspectiva de que não há prevenção sem
o envolvimento efetivo da sociedade civil e do Estado, inclusive
no sentido de preparar clima cultural que respeite os interesses de
formação da criança, o que leva à avaliação e revisão de alguns
conteúdos adultos que permeiam o ambiente vivencial de crianças
e adolescentes, especialmente em matéria de sexualidade. Defen-
de-se que é necessário desenvolver juridicamente a percepção dos
“bens de formação” ou “bens formativos”, sem os quais a proteção
integral se esgota em uma bela expressão, sem efetividade.
Apresenta-se assim um artigo com uma perspectiva crítica, de te-
mática aberta, em fase de construção, estando o autor aberto a críticas
e sugestões que possam levar à revisão e aperfeiçoamento das ideias.

1. Exploração Sexual E Cultura Hiper


Sensualizada
Vive-se sob cultura extremamente sexualista. Desde a “revolu-
ção sexual” dos anos 1960, o sexo se massificou e vulgarizou-se, incre-
mentando-se a respectiva indústria. Produto desse mercado, e que o
retroalimenta, é a pornografia, potencializada exponencialmente pela
internet. Deveria ser restrita ao público adulto. No entanto, muitos
jovens passam horas ligados em sites de pornografia. A facilidade de
acesso, por um lado, e a curiosidade natural da idade, por outro, faz-
-lhes mais vulneráveis às solicitações. A iniciação sexual dá-se cada
dia mais cedo: no Brasil a média é de 14,9 anos de idade.

260
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A atmosfera que encontram ao redor lhes convida a anteciparem


experiências em momento que poderiam investir no desenvolvimento
de outras virtualidades. A pornografia, entre outros efeitos, cultiva a
fantasia da prática sexual distanciada do envolvimento íntimo e pesso-
al. Tende a ocupar a imaginação mais que outras ocupações, nas quais
a atividade de ideação seria mais benéfica e produtiva, como atividades
culturais, lúdicas e artísticas. A contínua excitação e o progressivo es-
tímulo sexual desfavorecem o seu pleno desenvolvimento. Pode gerar
adicção e mesmo uma predisposição intensa, direcionando o comporta-
mento humano por uma demarcação cerebral, como adverte Norman
Doidge, psiquiatra do Departamento de Psicologia da Universidade de
Toronto e pesquisador da Universidade de Columbia, em Nova Iorque:

Pornography, by offering an endless harem of sexual ob-


jects, hyperactivates the appetitive system. Porn viewers
develop new maps in their brains, based on the photos
and videos they see. Because it is a use-it-or-lose-it brain,
when we develop a map area, we long to keep it activated.
Just as our muscles become impatient for exercise if we’ve
been sitting all day, so too do our senses hunger to be
stimulated (DOIDGE, 2007, p. 108)1.

O intenso apelo aumenta o apetite e a fixação sexual. Do desejo


exacerbado avança-se para a materialização das ações, em graus cada
vez mais requintados. Facilita-se, desse modo, a “coisificação” do corpo
humano e, logo, do próprio parceiro, fazendo-se instrumento, sem con-

1 “[A] pornografia, oferecendo um harém interminável de objetos sexuais, hiperativa


o sistema apetitivo [sexual]. Telespectadores pornôs desenvolvem novos mapas em
seus cérebros, baseados nas fotos e vídeos que eles veem. Por ser um complexo mental
de estilo ‘use-ou-perca’, quando desenvolvemos uma área do mapa mental ansiamos
para mantê-lo ativado. Assim como nossos músculos se tornam impacientes para
exercício se estamos sentados o dia todo, assim também nossos sentidos têm fome
para ser estimulados”. (tradução nossa)

261
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

sideração de sua interioridade. A entrega do mais íntimo de si tende a


se desassociar da intimidade máxima propiciada pela relação sexual.
Instala-se aos poucos uma espécie de resignação acerca do alcance da
experiência sexual, reduzida a ocasião para simples satisfação sensual. A
dimensão afetiva profunda se anestesia, tornando-se a pessoa refém do
prazer epidérmico, distanciado de valores éticos. Rompe-se a conexão
pretendida na cultura de matriz judaico-cristã que guiou o Velho Mun-
do por dois mil anos, entre sexo e doação de si e que, nesse contexto,
cultivava valores como fidelidade e moderação na dimensão afetiva.
O mercado de consumo sexual, desenfreado, facilita situações
de abuso. Para onde se olha e onde se está, sofre-se estímulo do ape-
tite sexual. Como se dizia, tal clima colabora para a redução do indi-
víduo à condição de utensílio para saciar desejos: a pornografia trata
a pessoa como objeto de satisfação. A provocação sexual em grande
quantidade nos produtos audiovisuais, e também na internet, aguça
o anseio pela realização física do desejo e do contato físico real. O
tráfico sexual de crianças alimenta esse mercado. Tanto no âmbito
real quanto no virtual, que se auto-referenciam. O uso do meio vir-
tual facilita a exploração real. Acerca disso, um estudioso do tema na
Europa assegurava que “Trafficking in women and children in Europe
is dominantly connected with prostitution and other forms of sexual
exploitation because the progress in technology facilitates exploita-
tion of children for the purpose of pornography” (VINKOVIC, 2010,
p.88) 2. Há conexão entre pornografia e exploração sexual também
por se alimentar desejos destemperados em favor da lascívia.
Seria necessário admitir que o aproveitamento econômico de
alguém para a satisfação do apetite sexual, reduzindo-o à condição de
coisa, afeta a dignidade humana. Mas tal conduta é considerada “líci-

2 “Tráfico de mulheres e crianças na Europa é predominantemente ligado com


prostituição e outras formas de exploração sexual, porque o progresso na tecnologia
facilita a exploração de crianças para fins de pornografia”. (tradução nossa)

262
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

ta” entre adultos. Os mais jovens percebem isso. Desde cedo compre-
endem que os limites que se lhes impõem não passariam de um tabu
etário, uma vez que seus pais ou demais familiares são coniventes com
o clima de exaltação sexual, sendo consumidores de filmes, revistas,
novelas, e demais produtos que facilitam o deleite do sexo.
Assim, a exploração sexual torna-se como que a consuma-
ção de uma cultura. A prevenção autêntica deve ir de encontro à
cultura de sensualização que, em uma aspiral ascendente, tende a
culminar no aliciamento sexual de crianças e adolescentes. Não
haverá plena prevenção sem redução do apelo sexual exacerbado
que reina no ambiente. É preciso sanear essa atmosfera, tornando-
-a antes favorável a comportamentos seguros e formativos para a
criança. Solicitações do mundo adulto tendem a extravasar ao uni-
verso infanto-juvenil e gerar risco aos vulneráveis por falta de idade.
São situações associadas a prazeres, como pagamento a um compor-
tamento. Isso acontece em matéria de drogas lícitas (derivados de
álcool), drogas ilícitas (entorpecentes), alimentos não-saudáveis que
provocam obesidade (comidas) e sexo. Todos eles são âmbitos onde
a criança se torna vítima por via reflexa, de modo difuso.

2. Proteção Integral Da Criança E Do


Adolescente E A Necessidade De Prevenção
Alargada
Relativamente à criança, como é denominada a pessoa até 18
anos de idade nos tratados internacionais, a exploração se equipa-
ra à violência e à escravidão ou trabalho forçado. Tema de preocu-
pação mundial, até o presente se realizaram três congressos globais
para o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adoles-
centes, mobilizando imprensa, governos, especialistas, sociedade

263
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

civil, organismos e organizações transnacionais. Foram celebrados


nos anos de 1996, 2001 e 2008, nas cidades de Estocolmo, Yoko-
hama e Rio de Janeiro, respectivamente.
Na primeira reunião, em 1996, definiu-se que a exploração se-
xual incluiria a pornografia, o turismo sexual infantil e outras formas
de sexo comercial onde a criança é envolvida mediante troca de di-
nheiro ou congêneres. Com relação à última, sediada no Brasil, no
mesmo ano, como manifestação da adesão do País-sede, importantes
dispositivos foram acrescidos ao Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, por força da Lei nº 11.829, de 26 de novembro de 20083. São
situações remediativas, em face do abuso a uma criança concreta.

3 São dispositivos alterados e inovados em 2008: Art. 130. Verificada a hipótese de maus-
tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária
poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.
Parágrafo único. Da medida cautelar constará, ainda, a fixação provisória dos alimentos
de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor. Art. 240. Produzir,
reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito
ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8
(oito) anos, e multa. § 1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage,
ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas
referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. § 2o Aumenta-
se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: I – no exercício de cargo ou
função pública ou a pretexto de exercê-la; II – prevalecendo-se de relações domésticas,
de coabitação ou de hospitalidade; ou III – prevalecendo-se de relações de parentesco
consanguíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor,
empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela,
ou com seu consentimento. Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou
outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança
ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 241-A.
Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer
meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou
outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1o Nas mesmas penas
incorre quem: I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias,
cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo; II – assegura, por qualquer meio, o
acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput
deste artigo. § 2o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis
quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa
de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo. Art. 241-

264
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Avançou-se, desse modo, na perseguição a quem comete delitos


de tal gravidade. O arcabouço repressivo se incrementou. Escasseia,
no entanto, a evolução de uma política preventiva mais eficiente, que
exige o aprimoramento de meios que antecedam as situações de risco.
Deve-se incentivar uma cultura de respeito à condição de pes-
soa em peculiar fase de desenvolvimento. Vale analogia ao combate

B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma
de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança
ou adolescente: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1o A pena é
diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se
refere o caput deste artigo. § 2o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a
finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas
nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: I – agente
público no exercício de suas funções; II – membro de entidade, legalmente constituída,
que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o
encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo; III – representante legal
e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de
computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial,
ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário. § 3o As pessoas referidas no § 2o deste artigo
deverão manter sob sigilo o material ilícito referido. Art. 241-C. Simular a participação de
criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração,
montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação
visual: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre nas
mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga
por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput
deste artigo. Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de
comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso: Pena – reclusão, de 1
(um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – facilita
ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica
com o fim de com ela praticar ato libidinoso; II – pratica as condutas descritas no caput
deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente
explícita. Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de
sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos
genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. Art. 244-A.
Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à
prostituição ou à exploração sexual: Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa. § 1o
Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se
verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.
§ 2o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de
funcionamento do estabelecimento.

265
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

do tráfico de drogas. Não bastam políticas de repressão. Falta uma in-


teligente, abrangente e sistêmica política de prevenção, a atuar sobre
as causas, de modo a: (1) atalhar a constituição do vício, (2) evitar a
produção de drogas e (3) impedir a construção da rede de distribuição.
No âmbito da prevenção da exploração sexual, é necessário trabalhar
nas causas, o que passa, entre outras, pelo empenho sério em con-
ter a onda de pornografia que atinge jovens e crianças, como efeito
do consumismo sexual, alimentado e venerado por adultos. De rigor,
é impossível uma cultura adequada ao amadurecimento integral de
criança e adolescente se adultos difundem comportamentos sensuais
de modo ostensivo, e a indústria do sexo se desenvolve com vetor para
o público menor de idade, sem compromisso com o melhor interesse
da criança. Muitos adultos desconhecem o real impacto negativo que
esse conteúdo traz para a saúde mental de crianças e adolescentes.
Isso constatam as pesquisadoras Mary Eberstad, do Hoover Institu-
te, e Mary Anne Layden, diretora do Programa de Trauma Sexual e
Psicopatologia do Centro para a Terapia Cognitiva do Departamento
de Psiquiatria da Universidade da Pennsylvania, em documento subs-
crito por mais de 54 prestigiados pesquisadores, denominado “The
Social Costs os Pornography: a Statement of Findings and Recom-
mendations” (EBERSTAD, M.; LAYDEN, M. Anne, 2010).

There is evidence that the prevalence of pornography in the


lives of many children and adolescents is far more signifi-
cant than most adults realize, that pornography is deforming
the healthy sexual development of these young viewers, and
that it is used to exploit children and adolescentes”. (EBERS-
TAD, M.; LAYDEN, M. Anne, 2010, p. 32)4

4 “Há evidência de que a prevalência da pornografia na vida de muitas crianças e


adolescentes é muito mais significativa do que a maioria dos adultos pensam, de que
a pornografia está a deformar o desenvolvimento sexual saudável destes jovens e
que é usada para explorar as crianças e adolescentes.” (tradução nossa).

266
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Alguns dos subscritores do documento organizado pelas duas


pesquisadoras foram responsáveis por pesquisas publicadas no li-
vro The Social Costs of Pornography, collection of papers publicado
em 2010 nos Estados Unidos pelo Whiterspoon Institute, em Prin-
ceton5. As constatações dos pesquisadores, apoiados em estudos,

5 Copiam-se aqui nomes dos 54 pesquisadores, de modo a dar notícia ao público


brasileiro dos pesquisadores estrangeiros que tratam de temas conexos aos desse
trabalho e que aderiram ao documento sob exame.
Hadley Arkes (Edward N. Nay Professor of Jurisprudence and American Institutions
Amherst College); Francis J. Beckwith (Professor of Philosophy and Church-State Studies
Baylor University); Gerard V. Bradley (Professor of Law - University of Notre Dame Law
School); Margaret F. Brinig; Fritz Duda Family (Professor of Law University of Notre
Dame Law School); J. Budziszewski (Professor of Government and Philosophy University
of Texas, Austin); James W. Ceaser (Professor of Politics University of Virginia); Sharon
W. Cooper, MD (Adjunct Professor, Department of Pediatrics University of North
Carolina); Chapel Hill (School of Medicine Consultant, National Center for Missing
and Exploited Children); Jeffrey Dew (Assistant Professor of Family, Consumer, and
Human Development Utah State University); Kirk Doran (Bradley Visiting Fellow The
Witherspoon Institute); Mary Eberstadt (Research Fellow The Hoover Institution); Jean
Bethke Elshtain (Laura Spelman Rockefeller Professor of Social and Political Ethics
University of Chicago); Michael O. Emerson (Allyn R. and Gladys M. Cline Professor
of Sociology Rice University); John M. Finnis (Professor of Law and Legal Philosophy
Oxford University); Robert P. George (McCormick Professor of Jurisprudence Princeton
University, Norval Glenn (Ashbel Smith Professor of Sociology Stiles Professor in
American Studies University of Texas, Austin); John Haldane (Professor of Philosophy,
and Director for the Centre for Ethics, Philosophy and Public Affairs - University of St.
Andrews); Donna M. Hughes (Professor and Eleanor M. and Oscar M. Carlson Endowed
Chair Women’s Studies Program - University of Rhode Island); William B. Hurlbut
(Consulting Professor at the Neuroscience Institute Stanford University Medical School);
Harold James (Professor of History and International Affairs Princeton University); Marie
Curie Professor (European University Institute); Byron Johnson (Professor of Sociology -
Director, Program on Prosocial Behavior Baylor University); John Keown (Rose F. Kennedy
Professor of Christian Ethics Kennedy Institute of Ethics Georgetown University); Paul E.
Kerry (Visiting Fellow, The Center for the Study of Jewish-Christian Relations University
of Cambridge); Aaron Kheriaty, MD (Assistant Professor of Psychiatry - University of
California, Irvine School of Medicine); Robert D. King (Audre and Bernard Rapoport
Regents Chair of Jewish Studies and Centennial Professor of Liberal Arts - University of
Texas, Austin); Robert C. Koons (Professor of Philosophy University of Texas, Austin);
Mary Anne Layden (Director, Sexual Trauma and Psychopathology Program Center for
Cognitive Therapy, Department of Psychiatry, University of Pennsylvania); Mary Graw
Leary (Associate Professor Columbia School of Law and The Catholic University of

267
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

estão no sumário do texto The Social Costs os Pornography: a


Statement of Findings and Recommendations”.

(1) Unlike at any other time in history, pornography is


now available and consumed widely in our society, due
in large part to the internet. No one remains untouched
by it; (2) There is abundant empirical evidence that this
pornography is qualitatively different from any that has
gone before, in several ways: its ubiquity, the use of in-
creasingly realistic streaming images, and the increasingly
“hard-core” character of what is consumed; (3) Today’s
consumption of internet pornography can harm women

America); Joseph C. Masdeu, MD, PhD (Senior Staff Physician and Scientist National
Institutes of Health Adjunct Professor of Neurology New York Medical College); Wilfred
M. McClay (SunTrust Bank Chair of Excellence in the Humanities Professor of History
University of Tennessee, Chattanooga); Paul McHugh, MD (University Distinguished
Service Professor of Psychiatry Johns Hopkins University School of Medicine); Margarita
Mooney (Assistant Professor of Sociology University of North Carolina, Chapel Hill);
Michael J. New (Assistant Professor of Political Science University of Alabama); David
Novak (J. Richard and Dorothy Shiff Chair of Jewish Studies University of Toronto); Rob
Palkovitz (Professor of Human Development and Family Studies University of Delaware);
Eduardo M. Peñalver (Professor of Law Cornell Law School); Thomas Pink (Professor
of Philosophy King’s College, London); Joseph Price (Assistant Professor of Economics
Brigham Young University); Alexander R. Pruss (Associate Professor of Philosophy
Baylor University); Mark Regnerus (Associate Professor of Sociology University of Texas,
Austin); Michael Reynolds (Assistant Professor in Near Eastern Studies Princeton
University); Daniel N. Robinson (Philosophy Faculty Oxford University); Francisco
Javier Romero, MD, PhD (Professor of Physiology Dean of the Health Sciences Faculty
Universidad CEU Cardenal Herrera Valencia, Spain); Roger Scruton (Senior Research
Fellow Blackfriars Hall Oxford University); Thomas K. Seung (Jesse H. Jones Regents
Professor in Liberal Arts University of Texas, Austin); Betsy Page Sigman (Professor of
the Practice McDonough School of Business Georgetown University); James R. Stoner,
(Jr. Professor of Political Science Louisiana State University); Eleonore Stump (Robert J.
Henle Professor of Philosophy St. Louis University); Gladys M. Sweeney (Academic Dean
- Institute for the Psychological Sciences); Christopher Tollefsen (Professor of Philosophy
University of South Carolina) DavidL.Tubbs (Assistant Professor of Politics King’s
College, New York); Paul C. Vitz (Emeritus Professor of Psychology New York University
- Senior Scholar - Institute for the Psychological Sciences); Candace Vogler (Professor of
Philosophy University of Chicago); Lynn D. Wardle (Bruce C. Hafen Professor of La J.
Reuben Clark Law School Brigham Young University); W. Bradford Wilcox (Associate
Professor of Sociology University of Virginia).

268
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

in particular; (4) Today’s consumption of internet por-


nography can harm children in particular; (5) Today’s
consumption of internet pornography can harm people
not immediately connected to consumers of pornography;
(6) The consumption of internet pornography can harm
its consumers; (7) Pornography consumption is philoso-
phically and morally problematic; (8)The fact that not
everyone is harmed by pornography does not entail that
pornography should not be regulated (EBERSTAD, M.;
LAYDEN, M. Anne, 2010, p. 5)6.

Como se percebe há campo para implementação de políticas


públicas aptas a melhor proteger as pessoas de danos que podem
ser causados pela pornografia, cujos custos sociais são maiores do
que muitos imaginam, indo além dos consumidores diretos e das
vítimas diretas de exploração sexual nesse meio.
O artigo que ora se lê, especificamente, encaminha-se para
uma proposta preventiva, ao apresentar notas da matriz antropo-
lógica oportunas à perspectiva legal, sob o paradigma da proteção
integral, com vistas a suscitar mecanismos eficientes vinculados
ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes conforme
à dignidade humana e em harmonia ao imperativo legal. Para que

6 .“(1) diferentemente de em qualquer outro período da história, a pornografia é agora


disponível e consumida amplamente em nossa sociedade, devido em grande parte à
internet. Ninguém permanece intocado por esta; (2) há abundante evidência empírica
de que esta pornografia é qualitativamente diferente de qualquer uma que tenha havido
antes, de várias maneiras: sua onipresença, o uso de imagens de transmissão cada vez
mais realistas e o caráter cada vez mais “Hard-Core” (brutal) do que é consumido; (3)
consumo da pornografia atual na internet pode prejudicar as mulheres em particular; (4)
consumo da pornografia atual na internet pode prejudicar as crianças em particular; (5)
consumo da pornografia atual na internet pode prejudicar pessoas não imediatamente
conectadas aos consumidores de pornografia; (6) o consumo de pornografia na internet
pode prejudicar seus consumidores; (7) consumo de pornografia é filosófica e moralmente
problemático; (8) O fato de que nem todos sejam prejudicados pela pornografia não
implica que a pornografia não deva ser regulamentada.” (tradução nossa).

269
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

isso suceda, é necessário um salto de qualidade na vivência da


solidariedade, de modo que o público adulto aceite em definitivo e
colabore para a limpeza das vias públicas de comunicação social,
no ciberespaço, nos produtos de mídia e nos ambientes de entrete-
nimento comuns, condicionantes do comportamento dos jovens.
A composição de um sistema de proteção efetivamente in-
tegral da criança e adolescente (ECA, art. 1), prioridade absoluta
no Brasil (CF, art. 227) necessita, portanto, de uma abordagem
jurídica ampliada, a abranger a defesa de bens necessários para a
formação humana. Não basta o sistema remediativo, que termina
por igualar, na prática, ao que houve no passado, sob a incidência
do “Direito Penal do Menor” e de “Direito da Situação Irregu-
lar”, quando o poder público contemplava o “menor infrator” e o
“menor abandonado”, pessoas já em situação de menoscabo, sem
atentar para outras dimensões de sua condição humana.
A condição de pessoa especialmente vulnerável, credora de cui-
dados especiais, exige se garanta a “proteção integral”, expressão que
em 1990 adentrou o sistema legal brasileiro (ECA, art.1), mediante o
desenvolvimento proativo de uma cultura que favoreça, em definitivo, a
formação do jovem, fazendo-lhe forte para resistir à pressão de quem se
lhe apresenta com propostas de abuso, de modo a formar cidadãos livres
da adicção sexual, especialmente quando envolvem crianças e adoles-
cente em fetiches. Está mais ou menos anunciada a questão central do
artigo. Continua-se agora na descrição dos elementos que compõem o
cenário legal ao redor da formação das crianças, bem como notas an-
tropológicas que permitam a identificação dos bens formativos, ou bens
de formação, que deverão condicionar a cultura hipersensual.
Pressupostos: (1) visão alargada da prevenção; (2) percepção
do sistema de valores que se pretende sejam estimulados no com-
portamento dos jovens.

270
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

2.1. Uma visão alargada da prevenção


O ECA, em sua “parte geral”, após descrever os direitos fun-
damentais, traz dispositivos acerca “Da Prevenção” (título III). A
prevenção exige políticas que criem atmosfera livre de causas lesi-
vas ou promovam mecanismos de desenvolvimento humano que
empoderem o jovem. Empoderar é preparar para uma liberdade
forte, onde há conhecimento mais perfeito das causas e efeitos das
próprias preferências e decisões, o que se alcança mediante educa-
ção da inteligência, da vontade e da afetividade.
Após 25 anos desde a promulgação do ECA, nota-se que o
sistema preventivo ficou em segundo plano, deixando-se que a po-
lítica repressora ocupasse mais a opinião pública. A aplicação in-
suficiente de recursos econômicos traduziu-se na ineficiência das
políticas de prevenção, que exigiriam mais investimento e maior
integração entre esferas de pode executivo, legislativo e judiciário,
nos três níveis de poder estatal: municipal, estadual e federal. Ob-
servando o noticiário confirma-se que, a despeito de estarmos na
era da “proteção integral” da criança e do adolescente, segundo a
lei, é difícil acreditar na superação do “direito penal do menor”,
em detrimento de ações de promoção dos direitos e de defesa de
suas garantias.
É necessário trazer a perspectiva preventiva para o primeiro
plano. E aqui se pensa na prevenção no sentido de preservar crian-
ças e adolescentes do clima hipersensual que termina por vulne-
rabilizá-los ao lhes acostumarem com tal e, uma vez consolidado o
sistema de exploração sexual, a serem absorvidos por ele, primeiro
como vítimas e, depois, como vitimadores.
Sob dispositivos que estabelecem o máximo - “absoluta prio-
ridade” - para o desenvolvimento pleno da “pessoa em peculiar
fase de desenvolvimento” (ECA, art. 6) é preciso desenvolver um
ambiente de valores de cuidado em novo patamar. A doutrina ju-

271
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

rídica necessita aperfeiçoar-se mediante conceitos que traduzam


necessidades humanas de formação, em termos assimiláveis pelos
operadores do Direito. Os componentes para o amadurecimento
cabal da criança e do adolescente devem ser apresentados como
bens jurídicos a serem garantidos.
Entram nesse cenário, renovados como dignos de tutela jurí-
dica, elementos diferenciadores da condição humana e imprescin-
díveis para o seu amadurecimento: os valores éticos. São indispen-
sáveis ao aperfeiçoamento das potências da inteligência, vontade e
afetividade. O artigo buscará trazer luzes nesse sentido.
Observando o sistema jurídico, é fácil perceber que “valores”
compõem o universo do ambiente de formação. Além da Consti-
tuição Federal, que diversas vezes usa a expressão “valores”, estão
eles expressos, de modo objetivo, na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), que contém o programa de formação das novas
gerações do Estado brasileiro.
Lê-se no art. 1º da Lei n. 9.394 (LDB), de 20 e dezembro de 1996:

[A] educação abrange os processos formativos que se de-


senvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos mo-
vimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais7.

7 O texto do art. 1º se refere a diferentes âmbitos e ambientes de formação, onde ocorrem


os processos formativos da personalidade humana. Na linhas que seguem, duas palavras
serão bastante usadas: âmbito e ambiente. Por âmbito quer-se aludir a uma área delimitada,
um setor de formação (religioso, econômico, ético, etc). Por ambiente quer-se designar um
dado espaço ou lugar onde se opera a formação (família, escola, comunidade, televisão).
Os meios de comunicação social têm importante função de estimular e alimentar cada
um dos ambientes, interferindo neles. Dentre os círculos sociais que envolvem a criança
e o adolescente –ambientes- contam-se a família, a escola e também a mídia televisiva,
responsável por criar um ambiente de inclusão social e de comunicação entre os cidadãos.
Entre os diversos ambientes se opera mútua interferência, como decorrência de uma “lei
sociológica, geral, e que por vezes, no trato dos problemas jurídicos, se tem de aludir, [...]

272
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Quando regula o ensino básico, a LDB abrange temas referidos


à formação integral. No art. 27, I, que os conteúdos curriculares te-
rão como diretriz, entre outras, “a difusão de valores fundamentais ao
interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem
comum e à ordem democrática” (grifos nossos). Fala-se de valores,
o que significa formação ética. Especifica uma categoria de valores:
aqueles fundamentais ao interesse social, o que significa pretender-se
que os conteúdos desenvolvam virtudes sociais nas crianças, ou seja,
que lhes forjem o caráter segundo determinados hábitos.
Ao tratar da educação infantil, o legislador determina no art. 29
que se tenha por finalidade “o desenvolvimento integral da criança até seis
anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade” (grifos nossos).
O art. 32 da Lei n. 9.394, acerca do ensino fundamental es-
tipula como finalidades:

[...] II - a compreensão do ambiente natural e social, do


sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em
que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento
da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aqui-
sição de conhecimentos e habilidades e a formação de
atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de
família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social. (grifos nossos)

Volta-se à questão do trabalho: se há um plano federal, em


continuidade ao plano constitucional, a definir a atmosfera forma-
tiva que deve ser garantida às novas gerações em desenvolvimen-
to, seria descabido exigir o mesmo de todas as pessoas que vivem

a lei de crescente dilatação e integração dos círculos sociais, quando se acham eles em
evolução”. (Cf. PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 165).

273
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

sob a incidência de norma constitucional que determina a atenção


prioritária aos direitos da criança e do adolescente?
Pela LDB, o ensino médio deve transmitir conteúdo ético. De
acordo com o art. 35, III, da Lei n. 9.394, a educação escolar deve for-
necer ao aluno aprimoramento “como pessoa humana, incluindo a for-
mação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensa-
mento crítico”. O adolescente é o alvo de processo formativo de valores.
Formação ética implica necessariamente o desenvolvimento de hábitos
de comportamento e não apenas de ideias. A lei diz formação ética e não
simplesmente (in)formação sobre a ética. Um cidadão bem formado na
ética comporta-se de acordo com valores de sociabilidade. Os sistemas
jurídicos pressupõe seja consumado tal aprendizado até os 18 anos. Por
isso a presunção de plena aptidão para atuação autônoma a partir desta
idade. Julga-se que a pessoa terá assimilado virtudes sociais – práticas
habituais associadas a valores de convivência pacífica e respeito. Passa
então a responder diretamente por suas escolhas. Atinge a plena capa-
cidade (jurídica) de exercício. Depreende-se por tal expectativa que a
pessoa em formação tem direito de receber os insumos morais que lhe
permitam desenvolver os hábitos sociais, além da percepção do mais
conforme ao bem comum e ao bem particular.

2.2. O paradigma da proteção integral e a prevenção


necessária.
Antes de apresentar um quadro sugestivo de bens a serem tute-
lados juridicamente em coordenação de políticas públicas, vale trazer
dispositivos-chave das garantias de direitos da criança e do adolescente
no Brasil. São eles o art. 227 da Constituição Federal de 1988, os cinco
dos seis primeiros artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente e o
Título III da Parte Geral do Estatuto, que trata “Da Prevenção”.
O artigo 227 da Constituição Federal convoca à solidariedade
responsável a família, a sociedade civil e o Estado para uma ação

274
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

integrada em favor da pessoa em desenvolvimento. Os termos do


art. 227 são contundentes. Isso é muito pouco usual em uma Cons-
tituição. A primeira parte do dispositivo enuncia direitos do público
infanto-juvenil e a segunda impõe o dever geral de prevenção.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à li-
berdade e à convivência familiar e comunitária, além de co-
locá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (grifos nossos)

Outro termo-chave está na primeira parte do artigo 1º (“Esta Lei


dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente [...]”) do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): a proteção integral. Não
pode haver “proteção integral” sem prevenção, uma vez que certos bens
jurídicos, uma vez afetados, não retornam ao status quo ante, restando
a pessoa marcada em sua história, especialmente na pessoa em que a
formação preclui no tempo, ou seja, em que vencido o tempo, com ele
sedimenta-se um caráter e uma tendência de modo quase absoluto.
O terceiro artigo impera o dever de ofertar, “por lei ou por outros
meios”, “todas as oportunidades e facilidades” para o desenvolvimen-
to físico, mental, moral, espiritual e social. No cenário vislumbrado
pela lei seria inadmissível qualquer situação em que a criança ou o
adolescente fossem atraídos ou entretidos por ocupações concorrentes
com o melhor para o seu aprimoramento. Assim, para garantir todas
as oportunidades e facilidades que lhes facultem o desenvolvimento
pleno, necessário restringir a exposição de certos interesses “adultos”,
uma vez que o público infanto-juvenil vive no mesmo ambiente dos
consumidores maduros, na maior parte de sua vida.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direi-


tos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuí-

275
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

zo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-


-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunida-
des e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade. (grifos nossos)

O artigo 4º traz notas do art. 227 da Constituição, mas agrega


a necessidade de se assegurar “com absoluta prioridade, a efetivação”
dos direitos, como a traduzir que não basta enunciá-los: é necessário
que sejam efetivos. O parágrafo único, por sua vez, traduz por onde
se encaminharia a garantia de prioridade. O texto é claro e incisivo.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em


geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade,
a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à ali-
mentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissiona-
lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
(grifos nossos)

Outras duas expressões de totalidade são encontradas no ar-


tigo 5º: “nenhuma criança ou adolescente” será objeto de “qualquer
forma”. Insiste a lei em ser taxativa.

276
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de


qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais. (grifos nossos)

No art. 6º encontra-se importante explicação para tamanho


cuidado: criança e adolescente estão em condição peculiar de pes-
soas em desenvolvimento.

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta


os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a
condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas
em desenvolvimento. (grifos nossos).

O terceiro título da Parte Geral trata “Da Prevenção” e con-


tém um capítulo “Da Prevenção Especial”. Nesse trecho da lei há
dispositivos que vinculam conteúdos de mídia e cultura às necessi-
dades formativas das crianças e adolescentes. Mais uma vez, nota-se
a necessidade de ser criado em ambiente livre de condicionantes
que não favoreçam o desenvolvimento da criança e do adolescente.
Antes de adentrar nesse ponto, vale novamente reconsolidar as in-
formações para melhor vinculação com as ideias seguintes.

2.3. Proteção e Prevenção Integral: dever de todos


A Constituição Brasileira de 1988, entre valores e concepções
da população, estabeleceu a prioridade absoluta da criança e do ado-
lescente, como sujeitos de atenção especial do Estado e de toda a so-
ciedade civil. O art. 227 estabeleceu no direito nacional o paradigma
da proteção integral, expresso no artigo 1 da Lei 8.069/1990. Repre-
sentava um avanço em relação às doutrinas anteriores que regeram

277
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

a matéria, o direito penal do menor, e a doutrina da situação irregular


(Cf. PEREIRA, 2000, p. 11-18), como se dizia. Em obediência às dis-
posições constitucionais, em 1990 o Congresso Nacional aprovou a
Lei n. 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), diplo-
ma central referido ao público infanto-juvenil, resultado de um longo
processo de mobilização8. Por disposição da CF e do ECA, pessoas
individuais e coletivas, sem exceção, estão submetidas ao sistema de
garantias dos direitos da criança e do adolescente. Algumas delas car-
readas de competências bem determinadas, enquanto outras somente
sob o comando genérico da lei. Não há quem esteja fora da incidên-

8 Movimentos sociais haviam ganhado força no cenário nacional nos anos 80, destacando-
se a Pastoral do Menor, da Igreja Católica, difusora da situação crítica de muitos menores,
desatendidos pelo Estado. A Pastoral do Menor atendia muitas crianças e adolescentes
e, em paralelo, conscientizava diversos setores da sociedade civil para o reconhecimento
dos direitos dos menores em modos diferentes dos praticados até então. As Comunidades
Eclesiais de Base serviram para a expansão dessa ideia. Criaram-se Centros de Defesa
do Menor em diversos lugares, com a missão de fiscalizar e encaminhar denúncia e
maus-tratos e abusos com os menores aos órgãos competentes. As denúncias atingiam
também instituições públicas. Nos anos 80 surgiu o Movimento Meninos e Meninas de
Rua, ao qual aderiram milhares de voluntários que, por sua vez, também denunciavam
a inépcia dos órgãos de atendimento oficiais. Em 1984 se realizou o primeiro seminário
Latino-americano de Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninos e Meninas
de Rua, e a UNICEF, FUNABEM e SAS (Secretaria da Ação Social) iniciaram o Projeto
Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua. Em 1986 ocorreu o primeiro Encontro
Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Entre 1986 e 1988, os diversos movimentos
pressionaram a Assembleia Nacional Constituinte, pretendendo a inserção expressa dos
direitos da criança e do adolescente na Constituição. Entre outros documentos, apresentam
abaixo-assinado com mais de 4 milhões de nomes. Em 1988 se promulgou a CF, contento
os direitos da criança e do adolescente consagrados em seu art. 227. Articulou-se o Fórum
Direito da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), com os grupos já mobilizados quando
da promulgação da Constituição, pretendendo do Estado: (1) mudança no panorama
legal infraconstitucional; (2) re-ordenamento institucional dos órgãos envolvidos com os
direitos dos menores; (3) melhoria na atenção direta dos menores. No dia 13 de julho de
1990 era promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, incorporando a doutrina
da proteção integral e a participação permanente da sociedade civil nas políticas de
infância e juventude, por meio dos Conselhos de Direitos, bem como a participação direta
da sociedade civil na administração da situação concreta dos menores, por meio dos
Conselhos Tutelares. (Cf. LIBERATI; CYRINO, 1993, p. 43-45).

278
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

cia. O sistema de garantias, no Estado de Direito, se revela no plano


normativo dos direitos da criança e do adolescente. Abrange regras e
princípios em dimensão preventiva e perspectiva remediativa, preven-
do a criação de uma rede de proteção onde entram todas as pessoas.
A rede de proteção, assim, é a estrutura mecânica criada a partir das
normas, que viabiliza de modo prático a previsão legal.

Quando se fala em “sistema de garantias de direitos”, me-


lhor se tem em mente a compreensão teórica, abstrata e
estática do conjunto de serviços de atendimento previstos
idealmente em lei, enquanto a expressão “rede de aten-
dimento” expressa esse mesmo sistema concretizando-se
dinamicamente, na prática, por meio de um conjunto de
organizações interconectadas no momento da prestação
desses serviços. (BRANCHER, 2000, p. 131).

O sistema e a rede são concebidos com vistas a garantir a efe-


tividade da proteção integral, segundo o artigo primeiro do ECA. O
que se entende por proteção integral? Proteção integral é o cuidado
apto a garantir todos os meios e recursos necessários para o pleno
desenvolvimento da criança e do adolescente. Abrange necessaria-
mente o processo educativo e a formação ética. Para sua efetividade
a lei definiu a atenção prioritária aos jovens por parte de adultos e
instituições. Em reforço, o art. 53 do ECA prescreve que “a criança
e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvi-
mento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e quali-
ficação para o trabalho [...]”. Já no art. 3º estabelece-se que devem
ser asseguradas “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade” (grifos nossos).. Em outras
palavras, a proteção integral exige a formação integral. A integridade
formativa implica o desenvolvimento das potencialidades e faculda-
des humanas da criança e do adolescente em grau máximo possível.

279
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Para isso, os adultos devem sofrer mesmo alguma restrição, caso seja
isso necessário para a melhor formação do público infanto-juvenil.

2.4. Pares conceituais. Direitos fundamentais e


direitos especiais. Tutela direta e indireta. Tutela
preventiva e remediativa
Vale a pena notar que crianças e adolescentes têm direitos
comuns a qualquer cidadão – os direitos fundamentais da pessoa
humana, invariáveis - e, ao mesmo tempo, têm direitos especiais,
em razão da vulnerabilidade propiciada pela falta de idade. Estes
vencem com a maioridade. Esta distinção não está muito clara
no ECA, que termina por colocá-los todos sob denominação de
fundamentais.
Em razão da vulnerabilidade – fragilidade - a criança e o ado-
lescente devem receber um tratamento prioritário em seus direitos,
por carecerem inclusive do poder jurídico de agir por si mesmo, que
se traduziria na capacidade civil plena de exercício. Ou seja, é ne-
cessário que a família, o Estado e a sociedade civil compensem sua
carência. E na exata medida em que são pessoas em desenvolvi-
mento peculiar, demandam cuidados diferenciados, de onde se in-
ferem os direitos especiais da criança e do adolescente. Especiais,
portanto, são-lhe os direitos em razão da sua idade, com demandas
temporárias. Dentre estes estão os que poderíamos denominar de
“direitos de formação” que decairiam aos 18 anos, quando cessa
em definitivo o poder familiar e sucedâneos como guarda e tutela.
Desde a perspectiva legal, aos 18 anos, portanto, desapareceriam as
necessidades especiais. Remanescem deveres oriundos da condição
de filhos. Fora do contexto de necessidades peculiares da idade, ca-
rece de sentido nomear de direito especial, sob risco de faltar lógica
explicativa da especialidade (MORAES, 1983, p. 65). Por exemplo,

280
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

os direitos enunciados no caput do art. 5º da CF não seriam direitos


especiais da criança e do adolescente, porque comuns a todos em
qualquer idade. Mas, o art. 227 da CF estabeleceu dever de atendi-
mento preferencial ao público menor de idade, mesmo quando seus
direitos são iguais aos dos demais9. Isso se incorporou ao ECA.
A proteção integral, como se lê no art. 4º do ECA, além da
tutela dos direitos especiais, estabelece a prioridade de atendimento.
Os institutos que compõem o sistema de proteção podem ser classi-
ficados como de proteção indireta (mediata) ou direta (imediata). A
proteção indireta se dá por medidas que estabelecem deveres que
recaem sobre pessoas diferentes da criança ou adolescente, sancio-
nadas quando afetam seus direitos. Culminam-se sanções de caráter
administrativo, civil ou penal. Visa-se a inibir, indiretamente, os
atos lesivos ou, quando consumados, servem de resposta retributiva.
Agora se pode passar à Prevenção Especial, desde a qual se
fará a conexão com a necessidade de garantir para criança e ado-
lescente uma atmosfera de valores de sociabilidade que estimule
comportamentos condizentes a tais valores, protegendo-a de con-
teúdos sexuais adultos.
Há mecanismos diretos e indiretos de proteção e promoção
dos direitos. Exemplo de tutela indireta (mediata) e direta (ime-
diata) em harmonia pode se verificar na combinação dos arts. 76
e 254 e 255 do ECA. O art. 76 do ECA pretende prevenir efeito
lesivo de programação de TV sobre a formação de criança e ado-
lescente. Estabelece que “as emissoras de rádio e televisão somente
exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil,
programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e infor-
mativas”. Visa-se garantir conteúdo que sirva à formação integral
da pessoa em peculiar fase de desenvolvimento. Para fortalecer a
disposição, a Lei atribuiu sanção pelo descumprimento. Assim, os

9 Isso se manifestará também na tutela jurisdicional diferenciada.

281
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

art. 254 e o 255, a despeito de outras medidas judiciais relativas


à infração de direitos da criança e do adolescente, estabelecem
sanções para as entidades que desrespeitarem a norma do art. 76.
Tipificam-se como infrações administrativas “transmitir, através
de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado
ou sem aviso de sua classificação” (art. 254) e “exibir filme, trailer,
peça, amostra ou congênere classificado pelo órgão competente
como inadequado às crianças ou adolescentes admitidos ao espe-
táculo” (art. 255), seguindo-se previsão de sanções a tais atos.
A proteção direta, que pode ser preventiva ou remediativa,
tem por referência imediata a criança ou o adolescente e visa a evi-
tar ou remediar ato ilícito e dano. A proteção preventiva, descrita
de modo expresso nos arts. 70 a 85 do ECA, visa a evitar o risco
e o desenlace lesivo sobre os direitos do público infanto-juvenil.
Compõe-se por medidas descritas no Estatuto, sem excluir outras
que se depreendam dos princípios por ele enunciados.
O art. 70, o primeiro no título dedicado às disposições gerais
de prevenção, atribui a todos os cidadãos o dever de prevenir: “é
dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos
direitos da criança e do adolescente” (grifos nossos). Novamente
não permite que haja quem esteja imunizado desse dever, conexo
à absoluta prioridade dos direitos infanto-juvenis. Também aberta
são as medidas preventivas: por força do art. 72, as medidas enun-
ciadas no ECA são somente exemplificativas, e por disposição do
Estatuto podem-se aplicar quaisquer outras “decorrentes dos prin-
cípios por ela adotados” (ECA, art. 72).
O capítulo dois do terceiro título da parte geral do ECA é
dedicado à prevenção especial. Nota-se aqui a presença da palavra
especial que, neste caso, parece traduzir antes um dever maior de
cuidado. A primeira seção do capítulo é dedicada ao tema “Da
informação, Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Espetáculos”. O
art. 76 é específico para o serviço público de radiodifusão, e de-

282
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

termina que somente se exibam programas com finalidades educa-


tivas, artísticas, culturais e informativas em horário recomendado
para público infanto-juvenil. Esse artigo será apreciado com mais
atenção adiante. Por agora, interessa mostrar que é um dispositivo
de tutela direta e preventiva, acompanhado por normas de prote-
ção indireta, que tipificam como infração administrativa seu não
cumprimento, imputando-se sanções no art. 254. O caráter de pre-
venção especial se deve ao grande impacto dos meios de comunica-
ção sociais no desenvolvimento pleno do público infanto-juvenil.
Ao lado dos meios de atenção direta preventivos, há meios de
diretos remediativos. Neste grupo se encontram medidas voltadas
à recomposição do meio adequado para o seu desenvolvimento,
quando carece de atenção, além de medidas voltadas diretamente
à sua recuperação pessoal. Walter Moraes classifica esses medidas
como tuitivas e corretivas, respectivamente.
As medidas remediativas concentram-se nos títulos II e III
da parte especial do ECA -“das medidas de proteção” e “da prática
de ato infracional”.
São tuitivas as medidas específicas de proteção (art.101),
quando se aplicarem em razão de ameaça ou violação dos direi-
tos da criança ou do adolescente por ação ou omissão da socie-
dade ou do Estado, ou por falta, omissão ou abuso dos pais ou
responsável (ECA, art. 98, I e II)10. Ou seja, se aplicam à pessoa

10 São medidas aplicáveis, nesse caso, segundo o art. 101: Verificada qualquer das
hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,
dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável,
mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento
temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial
de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de
auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em
programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

incapaz por ato ou omissão de outros. As medidas específicas


de proteção somente assumem o caráter de medidas corretivas
quando forem motivadas pela conduta inadequada da criança
ou adolescente (ECA, art.98, III) e eleitas como respostas mais
adequadas ao caso, pelo magistrado. Já as medidas socioeducativas
são estritamente corretivas e se aplicam exclusivamente aos ado-
lescentes (ECA, art. 112), que cometem ato infracional, a con-
duta praticada por pessoa menor de idade, descrita como crime
ou contravenção penal (art. 103). As medidas corretivas estão
dirigidas à recomposição da normalidade ética ou psíquica da
criança ou adolescente, necessária para seu desenvolvimento e
para sua vida social, conferindo-lhe a educação ou reeducação a
que tem direito (MORAES, 1983, p. 55). Pressupõem, portanto,
alguma distorção em sua formação, a por em risco sua capacida-
de de auto-domínio (sua liberdade) e de inserção social.

2.5. Prevenção Especial: proteção da integridade


moral, condição de liberdade plena
Se as políticas públicas preventivas alcançam sucesso, dimi-
nuirá a aplicação das medidas remediativas. Há necessidade de
proteger crianças e adolescentes do clima hipersensual que lhes
envolve desde a mais tenra idade. Esse efeito exige a articula-
ção dos atores sociais na criação de ambiente que seja favorável
à formação da criança e do adolescente, sem fazer deles meros
consumidores. No Brasil, a lei exige da mídia aberta essa respon-
sabilidade. O arcabouço legal dessa matéria vem ao encontro do
que se desenvolve nesse artigo. Um estudo realizado em sede de
doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, acerca dos direitos da criança e do adolescente à formação

284
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

integral em face da programação da TV comercial aberta no Bra-


sil, trará aportes importantes.

2.6. Prevenção mediante educação para valores,


formação para a liberdade
A educação pretende desenvolver na criança a percepção dos
valores e facilitar sua adesão a práticas correspondentes11. A menção
a valores na programação audiovisual aparece na Constituição asso-
ciado à formação das novas gerações de modo especial no art. 221,
IV que trata da programação de radiodifusão. Tema que se comple-
menta no Estatuto da Criança e do Adolescente na parte que trata
da Prevenção Especial (art. 76). Os “valores sociais e éticos pessoa
e da família” (CF, art. 221, IV), devem ser o norte da programação
televisiva, que também está obrigada a cumprir finalidade educativa
(CF, art. 221, I, e legislação infraconstitucional). Sem esse cuidado,
está-se tolhendo a liberdade da criança, que será afetada exatamen-
te durante o processo de seu desenvolvimento decisório.
A liberdade humana está relacionada à razão12. Ou seja, é atu-
alizada plenamente quando a pessoa reconhece racionalmente algo
como bom e se encaminha para tal sem coação externa ou de impulsos
instintivos. Quando a pessoa é movida simplesmente pelo prazer que
determinado bem pode lhe proporcionar, estará a agir, sobretudo, por
incentivo irracional, deixando em segundo plano a ponderabilidade
racional. Em tempo de cultura consumista, não bastassem os adultos,
crianças e adolescentes tendem a ser direcionados a fixação pelo prazer

11 A abordagem antropológica aqui realizada apóia-se especialmente em (YEPES


STORK; ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005).
12 A vontade é uma função intelectual. Trata-se do apetite da inteligência ou apetite
da razão, pelo qual a pessoa se sente atraída para algo que lhe é percebido como
sendo um bem. (Cf. YEPES STORK; ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005, p. 57).

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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

e a saltar a avaliação racional antes de decidirem-se. A psicanalista Ma-


ria Rita Kehl (BUCCI; KEHL, 2004, p. 50) assim explica o fenômeno.
Quando não é reduzido a mais um competidor na massa, o
“indivíduo” é tratado como “consumidor”. A operação consiste em
apelar para a dimensão do desejo, que é singular, e responder a ela
com o fetiche da mercadoria. A confusão que se promove, entre
objetos de consumo e objetos de desejo, desarticula, de certa for-
ma, a relação dos sujeitos com a dimensão simbólica do desejo, e
lança todos no registro da satisfação de necessidades, que é real.
O que se perde é a singularidade das produções subjetivas, como
tentativas de simbolização. O conteúdo publicitário voltado à pro-
moção de vendas, provoca comportamentos e, logo, interfere na
educação. A educação deveria orientar ao aperfeiçoamento ético,
desenvolvendo a capacidade racional para o reconhecimento dos
valores e a livre decisão de agir conforme a eles13.

A educação, nessa ótica, além de propiciar elementos for-


mativos e informativos que permitam ao indivíduo desen-
volver-se em sua totalidade, deverá despertar- lhe o sentido
da responsabilidade individual, que é absolutamente vin-
culada à atuação humana permeada pela valoração moral.
Caso contrário, num cenário iluminado pela ignorância
de valores essenciais ao homem, que deveriam ser obtidos
à luz de conhecimentos que permitissem a sua adequada
identificação, dar-se-ia nascimento, no dizer de Mortmer
ADLER, a uma geração de ignorantes do ponto de vista
ético e moralmente deformada. (AMARAL, 1997, p. 62).

13 “Os valores se apreendem dos fins da ação e, com freqüência, esses fins são os
valores que cada um tem, pois essas são as diversas maneiras de se concretizar a
verdade e o bem que constituem fins naturais do homem. (Cf. YEPES STORK;
ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005, p. 148).

286
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Os valores éticos valem por si mesmos, e devem funcionar como


critérios de ação pessoal porque aperfeiçoam a quem age segundo
tais, bem como, por via reflexa, beneficiam a sociedade em que se
encontra. A percepção dos valores se dá especialmente por modelos
que vivenciam a conduta orientada a eles. A narrativa dos clássicos
de literatura, por exemplo, colabora na educação porque traz relatos
que permitem conceber padrões que auxiliam a enxergar os valores
assumidos e vivenciados nos personagens. A programação televisi-
va, nesse sentido, apresenta estereótipos que inspiram condutas para
quem em fase de buscar referências para sua vida. Os indicadores te-
levisivos são mais marcantes à medida que os padrões domésticos ou
sociais carecem de virtudes e valores que despertem a juventude para
condutas éticas14. Na ausência de valores vivenciados por pais e co-
munidade próxima da criança, a televisão passa a ocupar espaço sem
concorrência na formação da mentalidade e dos hábitos.
Quando a TV deseduca? Quando faz imperar na criança a
dimensão dos impulsos, em tempo que deveria ajudá-la a formar sua
razão e sua vontade. Qual a dimensão mais vulnerável aos impulsos
de prazer? A dimensão emotiva, dos sentimentos e sensações.
Há impulsos interiores de busca de prazer que devem ser co-
nhecidos e dirigidos segundo a livre decisão humana15. Esse dire-
cionamento depende da capacidade de a pessoa discerni-los, reco-
nhecer sua situação e o que lhe convém, bem como de possuir uma
vontade apta para decidir por cima dos desejos imediatos de prazer.
Para que essa capacidade esteja íntegra ao findar a menoridade, é
preciso cultivar a dimensão racional, predicado que distingue o ser
humano dos demais seres vivos, e desenvolver o seu caráter, outro

14 Quanto à necessidade de modelos na educação, veja-se (YEPES STORK;


ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005, p. 148-151).
15 No âmbito da liberdade, além da titularidade formal, é necessário “considerar
se o seu exercício amplia [o seu âmbito de ação] ou se [o] reduz, se é banal ou
enriquecedor”. (Cf. INNERARITY, 1992, p. 15).

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

diferencial, a garantir-lhe a fortaleza para resistir. Desse modo, as


decisões adequadas, motivadas pela bondade intrínseca das ações,
devem prevalecer ao longo do processo educacional. A criança tem
direito a essa formação no paradigma da proteção integral.
Quando a pessoa é condicionada a responder a estímulos emo-
tivos, em troca de prazeres, sem a devida avaliação da pertinência
de tal decisão a projetos pessoais ou a valores que ultrapassam a
satisfação imediata, está sendo menos livre. A cultura consumista
tende a se apoiar nos prazeres para vender mais, porque a atração
pelos prazeres é primária e pode ser manipulada mediante estímulos.
Sua experimentação é individual, o que leva cada pessoa a buscar
possuir o bem que julga apto a lhe satisfazer o desejo, segundo a
imagem projetada na publicidade. Esse mecanismo dispara o con-
sumo. Assim se compreende o dispositivo do Código de Defesa do
Consumidor que veda a publicidade abusiva, entendendo-se como
tal “[a] publicidade [...] que se aproveite da deficiência de julgamento
e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja
capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial
ou perigosa à sua saúde ou segurança” (CDC, art. 37 § 2°). Maior é
o efeito de adicção do consumismo pornográfico e sexual.
Nesse sentido é oportuna a distinção que C.S. Lewis (2005,
p. 17-22) fez entre prazeres- necessidade e prazeres-de-apreciação.
Os prazeres-necessidade são desfrutados com a posse imediata
dos bens relacionados a uma carência instantânea da pessoa. Por
exemplo, matar a sede com um copo de água. A educação deveria
levar a que, quando se julgasse oportuno, voluntariamente se pudes-
se resistir à necessidade e impor-se sacrifício momentâneo, mesmo
que o bem desejado atendesse imperativo fisiológico. Por exemplo,
um pai virtuoso poderia, em excursão por terras áridas, apesar da
sede, deixar o filho beber mais da única garrafa de água que tocaria
a ambos em uma longa caminhada. Todavia, para agir assim, vo-
luntariamente, é preciso ter virtude que oriente a ação segundo um

288
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

valor. O prazer-necessidade está relacionado a situações de desejo


de posse. Há necessidades autênticas, que racionalmente podem ser
reconhecidas, e há necessidades artificiais ou fantasiadas, que uma
vez assimiladas, podem efetivamente condicionar a pessoa. A dife-
rença está em que nesta é possível um trabalho de re-orientação.
Quando mal dirigido o processo educativo, é possível que a
pessoa busque o prazer pelo prazer. O estímulo a comer bastante, e a
desoras, por exemplo, é um dos caminhos da publicidade televisiva
que tem conduzido seres humanos a se deteriorarem. Criam-se inci-
tações de buscar do prazer, a despeito de não se ter precisão do bem
a ele associado. Nesse processo pode surgir um hábito de comer sem
necessidade, por puro prazer, e tal inclinação pode trazer dificulda-
des de se quebrar o círculo vicioso, redundado em prejuízo à saúde
psíquica e física da pessoa16. Quanto ao sexo opera-se o mesmo.
Os prazeres-apreciação, por sua vez, são aqueles que não deri-
vam de uma necessidade, mas proporcionam satisfação, sensação
agradável, que extrai da pessoa uma vênia de admiração, ao me-
nos interior. Por exemplo, o reconhecimento do valor de um ótimo
vinho, ou da beleza física de uma pessoa. Não respondem a ne-
cessidades fisiológicas da pessoa. Todavia, também tais prazeres
podem se corromper e adquirir a feição de vício.

2.7. Proteção integral e educação dos sentimentos


O sexo fora de um contexto de entrega, ou seja, desagregado
do componente do amor enquanto doação, mais facilmente traz
algo de violento, pois o prazer se antepõe à pessoa mediante a
qual se frui da sensação. O prazer está no âmbito das sensações,

16 Lewis (2005, p. 18) cita um soneto de Shakespeare onde se descreve bem a satisfação
da luxúria tirânica, onde diz “com furor procurada é, depois, prontamente, / odiada
com furor”. “Past reason hunted and, no sooner had, / past reason hated.”

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Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

e deveria ser estímulo para conduzir ao comportamentos associa-


dos a valores superiores. No caso do sexo, valores relacionados ao
amor. Nesse nível superior, dos amores, há amores-necessidade e há
amores-apreciativos que se integram.
A má educação da esfera sentimental inferior pode dificultar o
amadurecimento da dimensão afetiva superior. A fixação no prazer
como fim e não como efeito, gera a interrupção da formação. E se
nota que com freqüência, a mídia trabalha no âmbito dos sentimen-
tos inferiores da criança e do adolescente, e encaminha os impulsos
para um mecanismo de busca de prazer sem a conexão com a escala
de valores que deveria acompanhar o evoluir dos afetos por realida-
des superiores, entre os quais a nação, a comunidade, a natureza e,
principalmente, as demais pessoas (YEPES STORK; ARANGU-
REN ECHEVARRÍA, 2005, p. 448-450). O mesmo raciocínio, no-
vamente, cabe em matéria de conteúdos sensuais.
Os prazeres não são os objetos mais no448-450bres que aperfei-
çoam os seres humanos enquanto tais: também são desfrutados pelos
animais. O diferenciador humano são os bens do amor e da liberdade,
pelos quais pode aderir livremente e vincular-se a alguém, a um pro-
jeto. Limitar e fixar o comportamento humano na atração pelo prazer,
é reduzir sua dignidade e sua liberdade, pondo-o abaixo dos animais,
uma vez que estes se limitariam ao comando da natureza, enquanto o
homem vai além. Entenda-se: “A educação não consiste em pregar às
crianças para reprimir seus instintos e prazeres, mas em proporcionar-
-lhes uma continuidade natural entre o que sentem e o que podem e
devem chegar a ser” (BLOOM, 1989, p. 72).
Assim como o prazer-apreciativo pode se distorcer, também o
amor- apreciativo, pode levar a contextos que danificam a própria capa-
cidade de amar e de querer livremente. Por exemplo, o amor de um ho-
mem por uma mulher ou o amor de mãe por um filho podem adquirir
dimensões distorcidas a ponto de surgirem apegamentos doentios que
afogam a liberdade da pessoa amada e aprisionam o próprio autor desse

290
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

sentimento. Curiosamente isso rebaixa a condição humana da pessoa


que se apega, pois desequilibra sua faculdade de amar, podendo pro-
vocar ciúmes e outros sentimentos de precariedade afetiva, que levam
à ilusória tentativa de forçar a segurança por meio da posse afirmada
violentamente. Transforma-se o outro em objeto de posse, o que já des-
natura a relação. Em matéria sexual, novamente, vale o mesmo.
Na dimensão dos sentimentos superiores, há um distintivo que
é sinal de adequação e equilíbrio, um terceiro atributo que não exis-
te no âmbito dos prazeres: a capacidade de doação. A capacidade de
doação, no âmbito do amor humano, é ingrediente que surge e que
deve amadurecer no processo educacional, porque está potencial-
mente dentro da criança. A doação leva a sair de si mesmo e a doar
do próprio tempo e bens, enquanto a cultura consumista tende a
insuflar o desejo de possuir mais coisas para obter maior desfrute de
prazeres. O civismo está relacionado à capacidade de doação.
Ou seja, não interessa na perspectiva consumista que a pes-
soa impere ou reoriente a atração por prazeres para bens de na-
tureza imaterial, mas que lhe dê rédea solta e busque satisfazer-se
em bens de consumo. Quanto mais condicionada aos estímulos
de consumo, torna-se mais vulnerável à publicidade. A cultura
individualista pretende hipertrofiar pseudo-necessidades indivi-
duais. Por meio de um processo de convencimento, incita a busca
de mais prazer, sempre desfrutado sem conexão com sentimentos
superiores ou referidos a valores de transcendência.
O entretenimento que se proporciona hoje, em geral, leva as
pessoas a exaurirem a atividade de diversão no prazer individual que
se propicia em um instante, desconectando-o de sua realidade. A
mesma situação se reproduz nos demais meios de diversão dos adoles-
centes. Nessa atmosfera a pessoa tende a ser mais vulnerável aos pra-
zeres sexuais, no sentido de oferecer menos resistência aos estímulos.

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Nesse clima, a diversão consiste na administração de uma


forte dose de estimulante, que ajuda a experimentar um pra-
zer igualmente forte. Os estimulantes, e os prazeres obtidos
deles (a música rock a todo volume, o álcool e sua euforia,
o “êxtase” das drogas brandas ou pesadas, a excitação e o
orgasmo sexual) são muito intensos, mas não estão ligados a
uma conduta racional, nem a sentimentos [superiores] nem
a uma tarefa que tenha de fazer: são prazeres sem tarefa,
estímulos corporais, táteis e emocionais, de caráter irracio-
nal, dotados de certo frenesi autônomo, orgiástico. (YEPES
STORK; ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005, p. 72-73).

A sociedade contemporânea vive em meio audiovisual, com


dependência da TV, do cinema e da internet. A programação e a
publicidade televisivas trabalham nesse meio e se auto-referenciam
na cultura consumista. As novelas projetam mundos de prazeres
e facilidades, gerando encantamentos por bens que promovem
satisfação sensorial. Os produtos audiovisuais tendem a se tornar
ocasião para contentamento dos variados sentidos, produzindo
degustação individual nos telespectadores.
O mundo de sensações que é trabalhado na mídia televi-
siva poderia conduzir a valores sociais e éticos. Sem a adequada
educação para valores a pessoa tenderá a limitar-se ao arbítrio entre
produtos e sensações ofertados pelo mercado de idéias superficiais.
A liberdade não se esgota no simples arbítrio, pois as opções para
arbitrar podem ser redutoras da liberdade e podem ser impostas des-
de fora. A má compreensão da liberdade leva à falência da ética. O
conceito de liberdade exige a presença da dimensão racional17.
De acordo com Maria Rita Kehl (BUCCI; KELH, 2004, p. 157),
Jacques Lacan, criador de corrente da psicanálise, já vislumbrara e se
preocupara com a geração de tecnologia que propiciaria modos de

17 (Cf. YEPES STORK; ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005, p. 165-192).

292
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

agir massivamente sobre o psiquismo, manipulando-se simultanea-


mente imagens e paixões humanas. A TV propicia esse mecanismo.

Na sociedade do espetáculo, a dimensão dos ideais é dis-


pensada a favor da dimensão do consumo. Se a lógica que
rege o espetáculo é a mesma da acumulação do capital e da
circulação de mercadorias, sua eficiência não depende do
pretexto de nenhum ideal. Ela opera diretamente sobre o cir-
cuito da satisfação pulsional, convocando os sujeitos a gozar,
sem nenhuma justificativa moral, dos objetos que apresen-
tam no mercado como capazes de atender, não à realização
(simbólica) dos desejos, mas à satisfação das necessidades.

Em razão dos mecanismos interiores expressados acima é que a


mídia televisiva, ao lado de suas possibilidades enriquecedoras, pode
lesar a afetividade, inteligência, a vontade e liberdade infanto-juve-
nil, em fase de maturação. Educar é ensinar a alcançar o equilíbrio
dinâmico entre as esferas de formação. Na sequência, se tratará
desse processo de orientação do comportamento, que servirá para
propor políticas públicas preventivas que levem em consideração a
necessidade de um empenho integrado para criar nova atmosfera.

2.8. Cultura midiática: interferência no processo


educativo infanto-juvenil
A criança e o adolescente são pessoas em fase peculiar de de-
senvolvimento, segundo a lei. Estão abertas ao universo educativo
de modo intenso. Vivenciam momento irreversível de conforma-
ção de sua personalidade. Assim, nessa etapa da vida, as incidên-
cias comunicativas devem cuidar de não lhes estimular condutas
que impactem negativamente sobre sua esfera anímica e o seu ca-
ráter, senão colaborar para sua evolução.

293
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

A TV exerce influência no pensar, no agir e no sentir de qual-


quer indivíduo. Alcança efeito maior na pessoa menor de idade, que
tende a assimilar os estímulos audiovisuais com maior veemência
por carecer de juízo apto a filtrar os conteúdos segundo padrão de
valores adequados, uma vez que tais estão sendo forjados nela no
processo educacional. Não se pode tratar criança como adulto. Ela
tem direito aos elementos necessários para sua formação integral,
e a televisão deve respeitar essa necessidade da pessoa em peculiar
momento de sua evolução. Para melhor compreensão dessa evolução
interna, que inclui os âmbitos de formação da pessoa, é necessário
socorrer-se da antropologia e da psicologia, como se fez acima.

2.9. As três sedes da pessoa humana e os “bens de


formação”
Para efeitos de análise didática, expõem-se a seguir, sin-
teticamente, os três âmbitos de formação da pessoa. São as
dimensões do intelecto, dos sentimentos e dos hábitos. Para me-
lhor percepção de tais, começá-se por relacionar ações humanas
vinculadas de modo especial a cada uma. Nesse sentido, pensar
é ato da inteligência, sentir é ato próprio da vida afetiva e querer
e o amar são atos afinados com a dimensão volitiva. Interessa
notar que a formação da criança e do adolescente visa a amadu-
recer as três dimensões da pessoa.
A esfera afetiva ocupa posição proeminente na educação de
crianças, por ser a primeira a estabelecer comunicação entre pais
e filhos e com todo o entorno infantil. É a base das relações da
criança. Trata-se da dimensão que mais cedo se manifesta e con-
vida a criança a um diálogo, a uma relação interpessoal.
O ser humano desenvolve diferentes tipos de relacionamento
legítimo com seus iguais. Há o amor entre pais e filhos, denominado

294
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

na filosofia social pelo termo afeição em sentido estrito. Há o amor


entre esposos designado tecnicamente por eros, que não se restringe
à sexualidade . Há o amor entre pessoas em torno de projetos co-
muns, formando a amizade. Por fim, há o amor a Deus, que compo-
ria a caridade. Além dos amores entre humanos, há ainda amores
humanos por realidades como a natureza e a pátria, que geram os
sentimentos de preservação ambiental e civismo, necessários para o
desenvolvimento equilibrado e a preservação de qualquer sociedade.
(Cf. MARÍAS, 1989; LEWIS, 2005; HILDEBRAND, 2006).
Cada categoria de amor pode seguir seu curso natural, dentro
de limites que são benéficos para a pessoa e para a sociedade, ou pode
desbordar, e gerar focos de destruição pessoal e coletiva. Em todos
os amores está presente a dimensão dos sentimentos, que podem
ser educados para conterem-se dentro do razoável, de acordo com
a formação da inteligência e da vontade, ou podem agitar-se, desgo-
vernados, e sobrepor-se ao comando da pessoa, que se torna refém
de seus próprios impulsos, desconectados de uma dimensão racional.
A televisão apresenta estímulos ao público infanto-juvenil, pro-
vocando sentimentos e respostas sem compromisso com a educação
das inclinações sensitivas para bens que favoreçam o crescimento inte-
gral da personalidade. Qualquer conteúdo formativo incidente sobre a
criança repercute de imediato em sua esfera afetiva e, a partir daí, ela
é estimulada a experimentar atitudes. Por esse motivo a provocação de
sentimentos deve estar pautada segundo preocupação pedagógica, es-
pecialmente quando se dá por órgãos que interferem de modo intensivo
no desenvolvimento dos hábitos infanto-juvenis. A televisão inclui-se,
indubitavelmente, nesse grupo, assim como a escola.
A instrução escolar tem como foco imediato a formação
cognitiva sem, contudo, desentender-se dos demais âmbitos. Isso
porque sempre se dão emparelhados os processos de formação ou
deformação da pessoa: inteligência, vontade e sentimentos.

295
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Aqui se abre espaço para importante constatação da peculia-


ridade da criança: o processo educativo visa formá-la para agir livre
e responsavelmente na sociedade. A liberdade, enquanto capacidade
de se autodeterminar ao bem, é propriedade da vontade humana. A
opção livre pela virtude aperfeiçoa o caráter e é sinal de maturidade.
A opção pelo vício desnatura a própria liberdade, pois aprisiona a pes-
soa em hábito que lhe prejudica física, psíquica, moral ou socialmente.
“Os inimigos da liberdade hoje já não são poderes ou personagens
identificáveis, aos quais se possa acusar desde a inocência, mas sim
hábitos próprios que não nos fáceis de reconhecer, porque contam
com nossa secreta complacência”. (INNERARITY, 1992, p. 15).
Vício e virtude são termos da ética, ciência do comportamento
humano. A televisão pode estimular vícios ou virtudes, de acordo
com os sentimentos favoráveis às condutas boas ou más que provo-
ca, segundo padrão axiológico de aceitação geral. Os sentimentos
e a instrução interferem nas decisões e no agir e, logo, a TV pode
reverberar nas decisões humanas por sua carga informativa e de la-
zer. A TV tende a prender audiência de acordo com a dimensão do
lazer, e para as crianças esse é o grande atrativo da televisão. Ou
seja, entra-se na intimidade das reações infantis pelo mundo afetivo
e, a partir dele, interfere-se no processo de deliberação.
Por meio dos programas televisivos, as crianças podem ser
estimuladas a imitar condutas e estilos de vida por vezes lesivos
para elas mesmas e em flagrante choque com o padrão valorativo
dos pais e da sociedade, se recordamos aqui os valores a serem
cultivados segundo a Lei nacional de educação, a LDB. Nesse sen-
tido a TV interfere na educação. Por isso os incisos I e IV dos art.
221 da CF exigiram que o operador de mídia televisiva preferisse
programação de caráter educativo e cultural e impôs que respei-
tasse os valores sociais e éticos da pessoa e da família.
A programação televisiva, quando não responde a tais impe-
rativos, especialmente no tocante ao direito à educação integral da

296
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

criança e do adolescente, abusa de poderes que foram concedidos


pelo Estado, e causa ou gera risco grave de gerar dano moral, indi-
vidual e coletivo, suficiente para configurar-se como ato ilícito. É
o que se começa a desenvolver nas linhas seguintes.
Apresenta-se abaixo quadro que reúne alguns dos conceitos de
filosofia social e antropologia expostos, relacionando-os ao direito à
formação integral, função também da televisão. O mesmo quadro vol-
tará a ser usado, logo abaixo, para facilitar a percepção da importân-
cia de um sistema de prevenção alicerçado na formação para valores.

Âmbitos de
Inteligência Vontade Afetividade
formação
Ciência filosófica
Gnoseologia Ética Estética
correspondente
Bondade (Va-
Objetos de atração Verdade Beleza
lores)
Atos próprios Conhecer, pensar, Querer, decidir, Sentir, apreciar,
(exemplos) ponderar deliberar, amar deleitar-se
Posturas reducio-
Racionalismo Voluntarismo Sentimentalismo
nistas
Tipos de educação
Educação formal
diretamente impli- Educação ética Educação artística
(escolar)
cados
Virtude correspon- Fortaleza e Tempe-
Prudência Justiça
dente rança
Prejuízo no
Hipertrofia da
Prejuízo da capaci- exercício da
busca de prazer.
Efeitos da carência dade de compreen- liberdade e do
Sobrevalorização
de formação der o mundo e a si amor: querer
do ter sobre o ser.
mesmo. fraco, não dirigi-
Consumismo.
do a valores.
Associação próxima
com finalidades da Informar Educar Entreter
TV

297
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Aquisição de
Desenvolvimen-
informações Educação dos afe-
to de virtudes
Resultado da relevantes para tos e subordinação
e do exercício
Formação Integral compreender-se deles à dimensão
pleno da liber-
e compreender o ética
dade
mundo

A televisão impacta as três dimensões de conexão com a re-


alidade circundante: a inteligência, a vontade e o mundo afetivo.
Coincidentemente, as três funções da TV podem ser preferencial-
mente associadas às dimensões de comunicação citadas. Respec-
tivamente ela informa -inteligência como destinatária-, ela forma
–vontade como sede dos hábitos- e ela entretém, diverte –afetivi-
dade como dimensão das emoções. O influxo da programação so-
bre as três dimensões se dá, geralmente, em bloco, assim como as
três funções da atividade televisiva, especialmente na atualidade,
quando vige a mídia do espetáculo18.
Quando a TV estimula a inclinação a posturas menos ade-
quadas à formação ética, ela deseduca o uso inteligente da liber-
dade. Ou seja, quando se estimula uma conduta valorativamen-
te ruim, associando a ela algum interesse de consumo (e, logo,
satisfação imediata), está-se fazendo trabalho de deseducação da
pessoa em fase peculiar de desenvolvimento. Ao ocultar certas
informações, para atender ao que possa servir de espetaculização,
ela impede o desenvolvimento crítico.

Na sociedade do espetáculo, em que o espaço da política é


substituído pela visibilidade instantânea do show e da publi-
cidade, a fama torna-se mais importante do que a cidadania;

18 “Na sociedade do espetáculo, o impacto midiático dos eventos é tão mais


importante do que o seu papel na história ou suas conseqüências políticas, que
adquire autonomia sobre todos os outros apectos envolvidos em um acontecimento”.
(BUCCI; KEHL, 2004, p. 142).

298
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

além disso, a exibição produz mais efeitos sobre o laço social


do que a participação ativa dos sujeitos nos assuntos da cida-
de; sociedade ou do que a produção de novos discursos capa-
zes de se simbolizar o real. (BUCCI; KEHL, 2004, p. 143).

A tecnologia audiovisual atual repercute fortemente na


condução dos hábitos infanto-juvenis: ela está projetada para per-
suadir, induzir ao consumo e convencer, conforme se pôde veri-
ficar no capítulo anterior. Por esse poder, a responsabilidade da
mídia televisiva é agravada. Quando o intuito de vendas ultra-
passa o interesse em promover o desenvolvimento infanto-juvenil,
facilmente haverá agressão à sensibilidade da pessoa não emanci-
pada, ou pelo menos o perigo de tal.
Já há duas décadas os norte-americanos perceberam a
expansão da obesidade infantil, em graus elevadíssimos, em razão
da publicidade que estimula as crianças a comer produtos de ele-
vadas calorias, e cada vez mais. Gerou-se uma moda de comer pro-
dutos ricos em calorias e em excesso, sem intermediação reflexiva
da conveniência real dessa atitude. Os danos físicos daí decorren-
tes são efeitos da intemperança para a qual foram estimuladas. A
intemperança é um vício, pelo qual a pessoa não consegue resistir
a um prazer imediato para atingir ou preservar um bem que lhe
propiciará melhor situação. O sexo propicia um prazer intenso e
forte. A pessoa carente da temperança está mais vulnerável a acei-
tar as situações de envolvimento mesmo pela paga do prazer. Uma
criança ou adolescente sem tal virtude são mais vulneráveis ainda.
Como à criança e ao adolescente, em grau decrescente, falta
plena capacidade de discernimento, eles não gozam de adequada
percepção do que é bom ou mau para sua constituição moral. Sua
liberdade está sendo desenvolvida paralelamente à sua capacidade de
discernimento. Para se fazer o que se quer -para ser livre- é preci-
so também saber ponderar e saber escolher, o que exige inteligência

299
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

e discernimento das coisas, segundo padrão valorativo. A liberdade


exige participação racional para ser plena, e essa participação se dá
com o desenvolvimento da razão segundo a percepção dos valores
que, a despeito do discurso de serem meras construções subjetivas, são
realidades objetivas e presentes nas diversas culturas e civilizações,
estando na base e na manutenção dos Estados democráticos, extra-
vasados em razão disso em vários princípios que integram as Cons-
tituições Políticas. “A personalidade madura escolhe por convicção,
não apenas pela moda. Quem só escolhe os modelos de sucesso, se
deixa envolver pela massificação e deixa que outros decidam por ele”.
(YEPES STORK; ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005, p. 151).
Cabe aos pais, originariamente, zelar pela conformação ética
dos filhos. Os operadores de mídia televisiva, incumbidos pela
Constituição e pelas leis infraconstitucionais a promoverem a
educação dos jovens, devem agir no mínimo pautados por limites
éticos de aceitação geral pelo conjunto dos pais. A desculpa de
que falta base comum que permita seguir critério de valores não
se sustenta pela verificação de maior congruência entre as diversas
éticas predominantes no mundo ocidental, em comparação com
as divergências que possa haver entre elas.
Outrora havia uma cultura geral alicerçada em valores que
supria a eventual carência dos pais. Hoje a pauta de valores (ou
desvalores) do meio ambiente é ditado pela mídia televisiva, que fa-
cilmente se descompromete das finalidades que lhe foram atribuídas
pela Constituição Política, em razão de interesses de consumo. No
consumismo a pessoa do telespectador interessa somente enquanto
unidade de consumo audiovisual (audiência), que o potencializa a
ser unidade de consumo no mercado dos produtos ofertados (publi-
cidade). Tende-se a não se considerar a dimensão ética da pessoa.
A criança é mais vulnerável ao processo midiático que, por sua
vez, quando mal usado, hipertrofia-lhe os sentimentos e os desorde-
na ao invés de colaborar para educá-los, tornando-a pessoa incapaz

300
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

de decidir de modo plenamente livre. Esse fato de obviedade e sen-


satez também extravasou no direito posto. Em vários Estados há
presunção legal de que a pessoa atinge maturidade suficiente para
assumir responsabilidades qualificadas e administrar certos poderes
a partir dos 18 anos de idade. Essa expectativa legal tende a ver-se
frustrada pelos maus hábitos dos jovens ao atingirem essa idade, que
passam a ter mais poderes sem, no entanto, estarem adequadamente
formados para os exercerem. Muitos prejuízos advêm para a pessoa e
para a sociedade em razão dessa incapacidade factual.
Não se devem extirpar ou sufocar os sentimentos, mas apenas
conduzi-los a valores que se imponham no horizonte decisório, por-
tanto livre, da pessoa. Permanecer com impulsos afetivos fortes e de-
sordenados, em face de uma vontade fraca, que não consegue pre-
valecer, porque desorientada intelectualmente a valores, é um sinal
de imaturidade. Os sentimentos devem pouco a pouco estar subme-
tidos à dimensão decisória apoiada em valores, que são percepções
intelectuais de qualidades que aperfeiçoam a vida humana pessoal e
coletivamente. Os sentimentos são passíveis de educação e a criança
tem direito de receber essa educação. O direito à educação integral
em face da TV é o direito a ter os sentimentos educados.
No processo educacional a criança é orientada, inicialmente,
pelas sensações e, por isso, os pais devem moldar-lhe a atração, o
gosto sensível, o desejo, orientando-o para o bem de valor mais
elevado e instruir sua inteligência à medida de sua cambiante ca-
pacidade racional. Filmes e programas transmitidos em horário
acessível ao público infanto-juvenil podem ajudar ou atrapalhar o
processo imanente de desenvolvimento das crianças.

Educar é ensinar não apenas conhecimentos teóricos, mas,


sobretudo, modelos e valores que guiem o conhecimento
prático e a ação, e ajudem a adquirir convicções e ideais, con-
seguindo uma educação nos valores e nas virtudes. Educar é

301
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

então cumprir a função aperfeiçoadora da autoridade: comu-


nicar excelência. quer dizer, que permitam que cada um seja
o seu próprio guia, partindo da verdade do homem . (YEPES
STORK; ARANGUREN ECHEVARRÍA, 2005, p. 366).

Deve a programação televisiva preferir finalidade educativa


ao interesse indutor de consumo (CF, art. 221, I). Pode ela harmo-
nizar, eventualmente, os dois interesses, mas deve preferir educar,
isto é, conduzir a pessoa a vivenciar valores adequados para seu
amadurecimento integral e para sua saudável interação na vida
social. A televisão deve colaborar para que as pessoas sejam livres
e contribuam para o bem comum.

Conclusão
Falava-se que há direito da criança a ser atendida nas três
dimensões de formação – intelectual, afetiva, moral - e há dever de toda
a sociedade de colaborar nessa tarefa. Dizia-se ainda serem “órgãos”
desses âmbitos formativos, separados para efeitos didáticos, os órgãos
imateriais da inteligência, da vontade e do coração. As três sedes de
formação se relacionam dinamicamente e se auto-influenciam em cada
atitude pessoal. Os sentimentos pressionam a dimensão da decisão e do
agir e também interferem no pensar. Assim, um determinado dano mo-
ral afetivo atinge as esferas do pensar e do agir, pois as três dimensões se
auto-referenciam “A recuperação do nexo essencial que vincula a ética
e a estética é, além disso, o pressuposto ineludível para um desenvolvi-
mento humano da técnica” (INNERARITY, 1992, p. 65) 19.

19 “O saber, a ética e a estética não devem seguir artificialmente separados: o saber


ilumina e aclara a realidade, ao mesmo tempo em que instala o homem em seu
contexto vital; a ética tem a ver com a verdade (não é uma preferência arbitrária) e
é, em boa medida, questão de bom gosto; a arte não é independente da moral e tem
um indubitável valor cognoscitivo. Teria que voltar a ter sentido aqueles versos de

302
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Referindo-se ao modo como se tem conduzido a programação


televisiva no Brasil, a partir dos reality shows, e do total envol-
vimento publicitário da TV comercial, a psicanalista Maria Rita
Kehl afirma que a programação, tal qual tem sido realizada hoje,
tende a apresentar as imagens sem qualquer contexto relaciona-
do a valores, apontando e fixando a atenção dos telespectadores
em um contexto de pura satisfação imediata, apoiando-se nessa
operação em estruturas do inconsciente que também estão des-
vinculados de referências de tempo e espaço.

Por esta mesma razão, os objetos e imagens da socieda-


de do espetáculo convocam o sujeito a aparecer enquan-
to consumidor: sua visibilidade é reconhecida no ato do
consumo, e não na ação política, e para isso a publicidade
tem que trabalhar não com ideais, mas com seu avesso.
A cobiça, a luxúria, a ostentação, a inveja, a gula e a
preguiça, entre outros [...](BUCCI; KEHL, 2004, p. 158).

E isso também no que se refere à programação dirigida ao público


infanto- juvenil, que tem preferência por assistir aos programas de adul-
tos. Pesquisa realizada pelo IBOPE em 2003 já indicava que 8 dos 10
programas mais assistidos por crianças eram programas de adultos.
São abundantes os estudos que comprovam, por diversas ciências
humanas e biológicas, o grau de prejudicialidade da televisão quando
não orientada para finalidades superiores. Quis-se trazer alguns de-
les e uma perspectiva de análise que aliou medicina, pedagogia, psi-
quiatria, psicologia, filosofia e antropologia, ciências que avançaram
bastante nesse estudo. Quer-se trazer algo mais desses âmbitos para a
melhor atuação do jurista na proteção dos direitos do público infanto-

Schiller: o que recebemos aqui como beleza, ser-nos-á apresentado algum dia como
verdade”. (INNERARITY, 1992, p. 63).

303
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

-juvenil diante da televisão. Isso exigiu uma política de prevenção que


entrasse em ambiente também de interesse adulto.
O mesmo nos leva a pensar na atmosfera geral que se cria
com a cultura de favorecimento do comportamento sexual. É difí-
cil imaginar que a exploração sexual possa diminuir sem alteração
do clima hipersensual dentro do qual se criam as novas gerações.
Mas, mudar isso exige adentrar nos interesses de adultos. Mais
fácil vaticinar, caso se preserve esse clima que, em nome dos deno-
minados “direitos sexuais e reprodutivos” da criança e do adoles-
cente, em breve decaia a criminalização da pedofilia e a presunção
de abuso no sexo com menores, eis que ao se espelharem nos adul-
tos, para imitá-los, serão eles a provocar os maiores e a seduzi-los.
Devemos hoje decidir que tipo de sociedade preferimos.

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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305
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”


(Ramon Llull), 2005.

306
Análise dos Direitos Humanos
Sexuais e Reprodutivos das
Crianças e Adolescentes no
Sistema Interamericano de Direitos
Humanos e seus Reflexos no Brasil

Amanda Farias Oliveira


Bolsista PROMON - CCJ/UNIFOR (2012)
Universidade de Fortaleza

Introdução
Segundo Correia (2008, p. 69), a Liga das Nações, a Organi-
zação Internacional do Trabalho e o Direito Humanitário figuram
como os primeiros marcos do processo de proteção internacional
dos direitos humanos. No entanto, é com a entrada em vigor da
Carta das Nações Unidas, em 1945, e da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em 1948, que diversos valores e princípios que
visavam a um processo de internacionalização e universalização
dos direitos humanos, mormente no tocante à proteção de tais
direitos, foram internacionalmente conhecidos.
Esses dois documentos, somados à criação da Organização
dos Estados Americanos – OEA (1948) e do Conselho da Euro-
pa – CE (1949), instauraram um verdadeiro sistema internacio-
nal, cujo escopo primordial é a proteção dos direitos humanos.
Esse sistema é sustentado por diversos tratados internacionais que

307
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

visam proteger os direitos dos indivíduos, tornando tais tratados


diferentes dos tradicionais, que atendem aos interesses dos Estados
(CORREIA, 2008, p. 69; PIOVESAN, 2010, p. 159).
O sistema internacional de proteção aos direitos humanos
é dividido em dois planos: um sistema global, também conhecido
como sistema da Organização das Nações Unidas, e os sistemas re-
gionais, subdivididos em sistemas europeu, interamericano e africa-
no. O sistema global de proteção dos direitos humanos foi criado em
26 de junho de 1945, com a Carta das Nações Unidas, substituindo
a então Sociedade das Nações. Sua criação teve como propósito:

Manter a paz e a segurança internacionais, [...] desen-


volver relações amistosas entre as nações, [...] conseguir
uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou
humanitário, e para promover e estimular o respeito aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais para to-
dos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; [...] e
ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações
para a consecução desses objetivos comuns.” (ORGANI-
ZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945, on-line).

Tal sistema, criado para proteger os direitos humanos de forma


genérica, vem se consolidando e se ampliando com o tempo, incorpo-
rando novos tratados internacionais, cada vez mais específicos. Essa
especificação derivou da constatação da existência de características
próprias da vulnerabilidade de cada grupo de indivíduos. Como enfa-
tiza Bobbio (2004, p. 64), isso acontece “[...] porque o próprio homem
não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato,
mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas
maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc.”.
Portanto, o sistema global, além de possuir instrumentos
protetivos de alcance geral, que abarcam todo indivíduo, dentre

308
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

os quais se destacam a Carta de 1945, a Declaração de 1948 e os


dois Pactos Internacionais de 1966, também possui instrumentos
específicos, v.g., Declaração Universal dos Direitos das Crianças
(1959), Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra
a Mulher e a Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989),
que estão ligados a determinadas e específicas violações a direitos
humanos, protegendo o indivíduo nas suas especificidades.
Os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos divi-
dem-se em três, sendo eles: o sistema europeu, africano e interame-
ricano. No âmbito dos Estados Americanos situa-se o Sistema Inte-
ramericano de Direitos Humanos (SIDH), criado com a proposta de
internacionalizar e universalizar os direitos humanos nessa região.
O SIDH, composto por todos os 35 países do continente ame-
ricano, à exceção de Cuba1, nasceu com a elaboração da Carta da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Tem como princi-
pais documentos: a Carta da Organização dos Estados Americanos
(1948); a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(1948); e a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH),
também chamada de Pacto de San Jose da Costa Rica, que foi apro-
vada em 1969, e entrou em vigor em 1978 (RAMOS, 2012, p. 495).
Não obstante a importância dos documentos sobreditos, tam-
bém existem outros instrumentos de caráter mais específico, os quais,
com o tempo, foram sendo adicionados ao SIDH. Nesse sentido, me-
recem destaque: a Convenção Interamericana de Prevenção e Puni-
ção da Tortura (1985); o Protocolo à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos para Abolição da Pena de Morte (1990); o Proto-

1 Em 3 de junho de 2009, os Ministros de Relações Exteriores das Américas adotaram


a Resolução AG/RES.2438 (XXXIX-O/09), que suspendeu os efeitos da Resolução
de 1962, a qual excluiu o Cuba de sua participação no sistema interamericano. Na
Resolução de 2009, declarou-se que a participação da República de Cuba na OEA
seria o resultado de um processo de diálogo de acordo com as práticas, propósitos e
princípios da OEA. (Organização dos Estados Americanos, 2013, on-line)

309
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

colo Adicional a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos na


área de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1988); a Convenção
Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994);
a Convenção Interamericano sobre Prevenção, Punição e Erradicação
da Violência Contra a Mulher (1994); a Convenção Interamericana
sobre Tráfico Internacional de Menores (1994); e a Convenção Inte-
ramericana sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Contra as Pessoas com Deficiência Física (1999).
No âmbito desse tratamento normativo específico, merece desta-
que a tutela dos direitos reprodutivos e sexuais, que passaram a ser re-
conhecidos internacionalmente em 1994, com a Conferência do Cairo
sobre População e Desenvolvimento (CIPD), e mais tarde ampliados
na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na cidade de Pe-
quim (Beijing) em 1995 (CôRREA; JANNUZZI; ALVES; on-line)
Os direitos reprodutivos e sexuais ganham maior relevância
quando se volta ao âmbito das crianças e dos adolescentes, tendo
em vista o caráter especial de vulnerabilidade de tal grupo. Ain-
da nesse sentido, é importante destacar que a jurisprudência do
SIDH já caminha no sentido de reconhecimento de tais direitos.
Assim, justifica-se a escolha da temática na necessidade de
implementar políticas públicas capazes de efetivamente garantir
os direitos reprodutivos e sexuais das crianças e dos adolescentes.
Desse modo, ao longo do presente texto, buscar-se-á contri-
buir, por meio da análise dos documentos protetivos e da jurispru-
dência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para a
proteção e promoção dos direitos reprodutivos e sexuais das crian-
ças e adolescentes brasileiros.

310
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

1. Os Direitos Humanos Reprodutivos e


Sexuais: Definição e Caracterização
Os direitos reprodutivos e sexuais fazem parte do conjunto mais
amplo de direitos humanos, tendo características como a universali-
dade, indivisibilidade, interdependencia e inter-relacionalidade. En-
contram-se, portanto, vinculados aos direitos civis, políticos, econô-
micos, sociais e culturais (CORREA, ALVES e JANNUZZI, on-line).
Definidos como direitos mínimos para o exercício livre da sexua-
lidade e da reprodução humana, os direitos reprodutivos e sexuais estão
relacionados ao “acesso a um serviço de saúde que assegure informação,
educação e meios, tanto para o controle da natalidade quanto para a
procriação sem riscos para a saúde” (PIOVESAN, 2012, p. 492).
Carmem Torres (2004, on-line) é precisa ao definir tais direi-
to como: “Los derechos sexuales y reproductivos son parte de los
derechos humanos y su finalidad es que todas las personas puedan
vivir libres de discriminación, riesgos, amenazas, coerciones y vio-
lencia en el campo de la sexualidad y la reproducción.”
A definição sobredita é clara ao apartar o campo da sexualidade
e o da reprodução. É nesse ponto que se constata a ausência de sino-
nímia entre os direitos reprodutivos e direitos sexuais. Aqueles estão
ligados à autonomia para exercer a própria capacidade reprodutiva,
ou seja, o direito de adotar decisões sobre a reprodução de forma livre,
sem sofrer dicriminação ou violência. (JURKEWIC, 2005, apud LO-
PES, 2010). É o caso do direito de decidir sobre o número de filhos.
Já os direitos sexuais estão relacionados com o exercício da
sexualidade de todas as pessoas (JURKEWIC, 2005, apud LOPES,
2010), podendo ser visualizados tanto na possibilidade do indiví-
duo decidir livremente sobre sua sexualidade quanto no direito a
receber educação sexual.

311
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Nesse âmbito de distinção, cumpre destacar que a Conferência


Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realiza-
da no Cairo, em 1994, reconheceu o direito de toda pessoa exercer
sua capacidade reprodutiva. Antes disso, apenas na Conferência In-
ternacional de Direitos Humanos em Teerã, 1968, tinha-se tomado
a reprodução como um direito humano (LOPES, 2011)
Essa diferenciação entre direitos reprodutivos e sexuais ainda
pode ser visualizada sob o aspecto do ordenamento jurídico brasileiro.
A Constituição Federal de 1988, por exemplo, traz no artigo 226 espe-
cial proteção para os direitos reprodutivos, tendo sido tal dispositivo
regulamentado pela legislação infraconstitucional (Lei n° 9.263/96).
Entretanto, no que se refere aos direitos sexuais, Ana Maria
D’Ávila Lopes e thanara Rocha Diógenes (2012, p. 465) apontam
que eles ainda “encontram-se doutrinária e legislativamente re-
legados a um segundo plano, sendo concebidos como um subcon-
junto dos direitos reprodutivos” (grifou-se). Segundo Lopes (2010, p.
50), os direitos sexuais, por serem de difícil precisão conceitual, bem
como pela existência de fortes espectros históricos de uma socieda-
de machista e patriarcal, padecem do esquecimento do legislador,
tanto no âmbito da legislação internacional como da nacional.
A questão ganha maior relevância quando se volta ao âmbito
dos direitos reprodutivos e sexuais das crianças e dos adolescentes,
tendo em vista o caráter especial de vulnerabilidade de tal grupo.
Nesse sentido é imperioso destacar primeiramente a relevância
dos direitos das crianças e adolescentes no âmbito do SIDH.

312
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

2. Proteção aos Direitos Humanos das Crianças2


e Adolescentes
Segundo Lopes (2011, p. 108), os direitos humanos das crian-
ças e dos adolescentes passaram a ser reconhecidos, internacio-
nalmente, com a Declaração dos Direitos da Criança, em 1924,
adotada pela então Sociedade das Nações Unidas.
Cumpre salientar que a Declaração dos Direitos das Crianças e
a Declaração Universal dos Direitos humanos, aprovadas por unani-
midade em 1959 pela Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas, trouxeram alguns princípios de proteção à criança e ao ado-
lescente. Destacam-se, entre eles, o princípio da proteção especial e o
princípio do interesse superior da criança e do adolescente.
O princípio da proteção especial, embasado no artigo 25 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, está relacionado com
a compreensão de que a criança e o adolescente, por estarem em
desenvolvimento físico e mental, encontram-se em uma condição
de maior vulnerabilidade, necessitando, assim, da “promulgação de
normas e adoção de políticas públicas especiais, capazes de garantir
o exercício pleno dos seus direitos humanos”. (LOPES, 2011, p. 108).
Já o princípio do interesse superior, também chamado de prin-
cípio do melhor interesse, enfatiza que se deve buscar a solução que
atenda melhor aos interesses e necessidades da criança e adolescente.
No âmbito específico do SIDH, o reconhecimento dessa tu-
tela especial foi iniciado a partir de diversas disposições previstas
nas convenções de direitos humanos adotadas por esse sistema re-
gional, (CEJIL, 2005, on-line) como, por exemplo: a Declaração
Americana de Diretos e Deveres do Homem, a Convenção Ame-

2 Em observância à Convenção Internacional dos Direitos das Crianças de 1989,


adotar-se-á durante o trabalho a definição de criança como todo ser humano menor
de 18 anos de idade.

313
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

ricana sobre Direitos Humanos e o seu protocolo adicional em


matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, a Convenção
Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a violência
contra a mulher, e a Convenção Interamericana sobre Desapa-
recimento Forçado de Pessoas (adotada em 9 de junho de 1994).
No entanto, o verdadeiro marco normativo que produziu
uma mudança paradigmática no âmbito da proteção dos direitos
das crianças e adolescentes foi a elaboração da doutrina da prote-
ção integral. Construída durante a Convenção Internacional dos
Direitos das Crianças, em 1989, foi adotada expressamente pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos moldes de seu
art. 1: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao
adolescente” (BRASIL, 1990, on-line)
Antes da doutrina da proteção integral, vigorava no Brasil a
doutrina da situação irregular, adotada no Código de Menores (Lei
n° 6.697/1979), a qual somente se aplicava às crianças e aos adoles-
centes em situação irregular, e que, segundo Ana Maria D’Ávila
Lopes (2011, p. 109), “desconsiderava a qualidade de sujeitos de di-
reitos das crianças e dos adolescentes, limitando-se a apenas tratar
das situações contrárias à lei, no intuito de separá-los da sociedade”.
Piovesan (2012, p. 542) ressalta que o Código de Menores criava
uma “dicotomia jurídica entre crianças e adolescentes que se encon-
travam em situação regular junto de suas famílias e aqueles que se en-
contravam fora desses padrões considerados regulares pela legislação
e pela interpretação jurisprudencial e doutrinária de tal legislação.”
Com a adoção da doutrina da proteção integral a criança e o
adolescente passaram a ser reconhecidos como sujeito de direitos,
como afirma Cristiane Dupret (2010, p. 25): “O ECA dirigiu-se a
toda e qualquer criança e adolescente em situação regular ou si-
tuações de risco, garantindo a elas, em conjunto, todos os direitos
especiais à sua condição de pessoas em desenvolvimento”.

314
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Cumpre observar que a doutrina da proteção integral é embasa-


da ainda por dois princípios fundamentais: a) o princípio da absoluta
prioridade, pelo qual a criança e o adolescente diante de qualquer
problema devem receber atendimento, ou ainda, tratamento priori-
tário em relação a adultos e idosos, isto é, devem estar em primeiro
lugar em uma escala de preocupação, “havendo uma situação em que
haja a possibilidade de atender um adulto ou criança e adolescente,
em idêntica situação de urgência, a opção deverá recair sobre esses
últimos” (AMIN, 2010, p. 24), está previsto no art. 227 da Constitui-
ção Federal e no art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente; e,
b) o princípio do interesse superior ou do melhor interesse da criança
e do adolescente está relacionado com a busca da solução que melhor
atenda aos interesses da criança e do adolescente, estando previsto no
art. 5o, do Código de Menores de 1979. (LOPES, 2011).
Como bem enfatiza Costa (1992, p. 19):

[...] é o valor intrínseco da criança como ser humano; a


necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa
em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da
juventude, como portadora da continuidade de seu povo
e da espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade
o que torna as crianças e adolescentes merecedores de
proteção integral por parte da família, da sociedade e do
Estado, o qual deverá atuar através de políticas específicas
para promoção e defesa de seus direitos.

Os princípios da absoluta prioridade e do interesse superior de-


vem ser observados em concordância com a Doutrina da Proteção
Integral, isto é, com ênfase na criança e no adolescente como sujeito
de direitos. Flávia Piovesan (2012, p. 538) ressalta nesse sentido:

A Constituição brasileira de 1988, o Estatuto da Criança e


do Adolescente (Lei n. 8.069/90) e a Convenção sobre os

315
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil em 24-9-1990)


introduzem, na cultura jurídica brasileira, um novo para-
digma inspirado pela concepção da criança e do adolescen-
te como verdadeiros sujeitos de direito, em condição pecu-
liar de desenvolvimento. [...] Na qualidade de sujeitos de
direito em condição peculiar de desenvolvimento, à criança
e ao adolescente é garantido o direito à proteção especial.

No Brasil, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) tam-


bém consagrou a Doutrina da Proteção Integral, dando cumpri-
mento ao proposto na Convenção Internacional dos Direitos da
Criança e reconhecendo que as crianças e os adolescentes são
sujeitos de direitos, tanto individuais quanto sociais, sendo estes
direitos independentes dos direitos de seus pais. Esse documento
enfatiza ainda que a condição de pessoa em desenvolvimento não
retira da criança e do adolescente o direito à inviolabilidade da
integridade física, psíquica e moral. (VENTURA, 2009, p. 274)
Todavia, com relação aos direitos reprodutivos e sexuais, o
diploma mostra-se silente. Miriam Ventura (2009, p. 276) salienta
esse silêncio legislativo explicando que “no âmbito do exercício
dos direitos reprodutivos, a falta de menção expressa na legislação
vem gerando dúvida, em especial, quanto ao direito ao acesso às
informações, à educação sexual e aos serviços de saúde sexual e
reprodutiva para os adolescentes.”
É certo, em observância aos princípios da proteção especial
e do interesse superior da criança do adolescente, que os direitos
sexuais e reprodutivos não se aplicariam de forma irrestrita, tendo
em vista que irá depender de diversos fatores. Ana Maria D’Ávila
Lopes (2011, p. 113) acentua esse posicionamento:

Esses princípios propugnam tratar as crianças e os adoles-


centes de forma especial devido à situação de vulnerabili-
dade na qual se encontram, demandando não apenas o

316
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

estabelecimento de direitos especiais para melhor prote-


gê-los, mas também o estabelecimento de limitações ao
exercício desses direitos, no intuito de preservar o seu
melhor interesse. Deve-se, nesse sentido, rejeitar a doutri-
na que, ao identificar o aspecto biológico da sexualidade e
da reprodução com o amadurecimento emocional para seu
exercício, vem reivindicando a autonomia sexual como um
direito absoluto de crianças e de adolescentes. (grifou-se)

Percebe-se, portanto, uma carência na legislação, circuns-


tância que gera dúvidas com relação ao exercício dos direitos re-
produtivos e sexuais de crianças e adolescentes. Nesse contexto,
deve-se enfatizar que “o Estado tem uma responsabilidade crucial,
devendo adotar medidas especiais para garantir o exercício desses
direitos, ainda que sem impor padrões de comportamento, quer se-
jam esses conservadores ou liberais” (LOPES; DIÓGENES, 2012)
Dessa forma, o ECA, ao silenciar sobre os direitos reprodu-
tivos e sexuais das crianças e adolescentes, deixa dúvidas sobre a
aplicação e a existência desses direitos. Portanto cabe ao Estado
brasileiro, buscando coadunar-se com o sistema regional no qual
ele integra, adotar políticas públicas e medidas protetivas para o
exercício dos direitos reprodutivos e sexuais das crianças e adoles-
centes, tendo em vista a vulnerabilidade em razão de seu desen-
volvimento físico e mental.

3. Direitos Humanos Sexuais e Reprodutivos


da Criança e do Adolescente no Sistema
Interamericano de Direitos Humanos
Como já demostrado, os direitos reprodutivos e sexuais, apesar
de só terem sido reconhecidos recentemente, são direitos humanos.

317
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Portanto, todo ser humano, independentemente da raça, religião,


gênero ou orientação política, é titular de tais direitos. Além disso,
os direitos reprodutivos e sexuais são direitos fundamentais, deven-
do ser assegurados a todas as pessoas, como preceitua o art. 5º, ca-
put da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988, on-line).
No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, como já
observado, constam diversas convenções que visam proteger a
criança e o adolescente, como, v. g., a Declaração Americana de
Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Americana sobre Di-
reitos Humanos (CADH), e a Declaração dos Direitos das Crian-
ças. Ademais, a Opinião Consultiva OC-17/2002 acolheu expres-
samente a Doutrina da Proteção Integral, colocando a criança e o
adolescente como sujeito de direitos.
Ademais, a CADH considera como pessoa todo ser humano,
e expressamente traz seu artigo 1º: “Para efeitos desta Convenção,
pessoa é todo ser humano”. (OEA, 1969, on- line). Portanto, pode-
-se concluir, a partir do cotejo entre os dois artigos, que: todo ser
humano tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurí-
dica, sendo portanto a criança e o adolescente sujeito de direitos.
(LOPES, OLIVEIRA, 2014, on-line)
Também caminha no sentido da Doutrina da Proteção Integral
a jurisprudência da Corte IDH, que, em casos emblemáticos, v.g., Ins-
tituto de Reeducação do Menor v. Paraguai, Crianças e Adolescentes
Privados de Liberdade no Complexo do Tatuapé da FEBEM v. Brasil,
Meninos de Rua (Villagrán e outros) v. Guatemala e ainda, Bulacio v.
Argentina, relevou a fundamentalidade dos direitos infanto-juvenis.
Vale destacar que os casos supracitados não tratam diretamen-
te dos direitos reprodutivos e sexuais da criança e do adolescente.

318
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Entretanto, os fundamentos expostos nas decisões indicam a ado-


ção, ainda que de forma incipiente, da Doutrina Proteção Integral.
No caso das Crianças e Adolescentes Privados de Liberdade
no Complexo do Tatuapé da FEBEM versus Brasil, Cançado Trin-
dade (2005, p. 5, on-line) afirma que:

70. Desde la perspectiva de un tribunal internacional de


derechos humanos como la Corte Interamericana, hay
que afirmar los derechos humanos de los niños (y no los
llamados “derechos de la niñez o infancia”), a partir de
su condición jurídica de verdaderos sujetos de dere-
cho, dotados de personalidad jurídica internacional;
hay, además, que desarrollar todas las potencialidades de
su capacidad jurídica. Siempre he sostenido que el Dere-
cho Internacional de los Derechos Humanos alcanzará su
plenitud el día en que se consolide en definitivo el reco-
nocimiento no sólo de la personalidad, sino también de la
capacidad jurídica internacional de la persona humana,
como titular de derechos inalienables, en todas y cua-
lesquiera circunstancias. En el jus gentium de nuestros
días, la importancia de la consolidación de la personali-
dad y capacidad jurídicas internacionales del individuo,
independientemente de su tiempo existencial, es mucho
mayor de lo que pueda uno prima facie suponer. (grifou-se)

Nesse parecer, Cançado Trindade ressaltou a concepção kantiana


da pessoa humana como um fim em si mesmo, afirmando que o prin-
cípio da dignidade humana engloba todos os seres humanos, “indepen-
dentemente das limitações de sua capacidade jurídica (de exercício)” e
de sua “condição existencial.” (LOPES, OLIVEIRA, 2014, on-line)
Já no caso Instituto de Reeducação do Menor v. Paraguai, Can-
çado Trindade confirma tal entendimento, enfatizando que mesmo
com as condições mais adversas, o ser humano é sujeito de direito

319
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

internacional dos direitos humanos, tendo a titularidade de todos


os direitos previstos no sistema interamericano de direitos humanos:

3. Ahora, transcurridos tres años, el presente caso del


Instituto de Reeducación del Menor viene una vez más a
demostrar que el ser humano, aún en las condiciones más
adversas, irrumpe como sujeto del Derecho Internacional
de los Derechos Humanos, dotado de plena capacidad
jurídico-procesal internacional. [...]

5. Tal como lo destaqué en mi Voto Concurrente en el caso


de los Cinco Pensionistas, la Corte sostuvo correctamente
que “la consideración que debe prevalecer es la de la titulari-
dad, de los individuos, de todos los derechos protegidos por la
Convención, como verdadera parte sustantiva demandante,
y como sujetos del Derecho Internacional de los Derechos
Humanos” (párr. 16). Fue este un “significativo paso adelan-
te dado por la Corte, desde la adopción de su actual Regla-
mento” (párr. 17), por cuanto “la afirmación de la persona-
lidad y capacidad jurídicas internacionales del ser humano
atiende a una verdadera necesidad del ordenamiento jurídico
internacional contemporáneo” (párr. 23). (grifo da autora)

(...) Así, - me permito insistir, - aún en las condiciones más


adversas, como aquellas en que padecieron los internos en el
Instituto “Panchito López”, inclusive en medio de tres incen-
dios (con internos muertos quemados, o heridos), y aún ante
las limitaciones de su capacidad jurídica en razón de su condi-
ción existencial de niños (menores de edad), su titularidad de
derechos emanados directamente del derecho internacional
ha subsistido intacta, y su causa ha alcanzado un tribunal in-
ternacional de derechos humanos. (CIDH, on-line, p. 161-163)

Tal posicionamento é reiterado no caso Meninos de Rua


(Villagrán e outros) v. Guatemala, quando se assevera que:

320
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

1. […] El ser humano, aún en las condiciones más adversas,


irrumpe como sujeto del Derecho Internacional de los Dere-
chos Humanos, dotado de plena capacidad jurídico-procesal
internacional. La presente Sentencia de la Corte Interame-
ricana de Derechos Humanos en el caso de los “Niños de la
Calle” no sólo resuelve un caso concreto en cuanto a repa-
raciones, sino también contribuye a elevar los estándares del
comportamiento humano en relación con los desposeídos.

[...]

16. Hace mucho tiempo vengo insistiendo en que la gran


revolución jurídica del siglo XX ha sido la consolidada por
el Derecho Internacional de los Derechos Humanos, al
erigir el ser humano en sujeto del Derecho Internacional,
dotado, como verdadera parte demandante contra el Estado,
de plena capacidad jurídico-procesal a nivel internacional.
El presente caso de los “Niños de la Calle”, en que los olvida-
dos de ese mundo logran acudir a un tribunal internacional
para hacer valer sus derechos como seres humanos, da elo-
cuente testimonio de esto. En el ámbito de aplicación de ese
nuevo corpus juris, es indudablemente la víctima que asume
la posición central, como le corresponde. El impacto del
Derecho Internacional de los Derechos Humanos en otras
áreas del Derecho (tanto público como privado) ocurre en
buena hora, en el sentido de humanizarlas. Este desarrollo
muéstrase conforme a los propios fines del Derecho, cuyos
destinatarios de sus normas son, en última instancia, los
seres humanos. (grifo da autora) (CIDH, on-line, p.72).

Portanto, resta claro que a criança e o adolescente são sujeitos


de direito internacional, ainda que tenham capacidade limitada em
razão de sua condição existencial. Por isso, estas são titulares de to-
dos os direitos previstos no sistema interamericano, dentre os quais
se encontram os direitos humanos reprodutivos e sexuais.

321
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Nesse sentido, destaca-se a opinião consultiva OC-17/2002.


Solicitada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), a OC-17/2002 trouxe importantes mudanças a respeito
da proteção jurídica dos direitos humanos da criança e adoles-
cente. Essas mudanças alinharam a Corte IDH com a Doutrina
da Proteção Integral, colocando a criança e o adolescente como
verdadeiros sujeitos de direito internacional. As autoras Ana Ma-
ria D’Ávila Lopes e Thanara Rocha Diógenes (2012, p. 474-476)
destacaram bem cada aspecto da OC-17/2002:

Afirmou também a Corte, que as crianças e os adolescentes


encontram-se protegidos por um corpus iuris de direito in-
ternacional, “que debe ser utilizado como fuente de derecho
por el Tribunal para establecer ‘el contenido y los alcances’
de las obligaciones que ha asumido el Estado a través del
artículo 19 de la Convención Americana” (parágrafo 24).

Lembrou que, em oportunidades anteriores, como no


Caso Niños de la Calle (Villarán Morales e outros), a
Corte tinha, por exemplo, utilizado a Convenção Interna-
cional dos Direitos das Crianças para fixar o conceito de
criança (parágrafo 23);

[...]

d) No parágrafo 53, afirmou que a proteção internacional das


crianças e dos adolescentes visa o desenvolvimento harmonio-
so da sua personalidade e o desfrute dos direitos que lhes são
reconhecidos. Cabe ao Estado adotar as medidas necessárias
para a implementação desses direitos, e apoiar à família na sua
função natural de proteger as crianças que fazem parte dela;

e) No parágrafo 55, concluiu que o tratamento diferente con-


cedido às crianças e aos adolescentes não constitui per se um

322
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

tratamento discriminatório, mas cumpre o papel de garantir


o pleno exercício dos direitos que lhes são reconhecidos;

f) Nos parágrafos 56 e 57, a Corte asseverou que o princípio


do interesse superior, que regula toda a normatividade rela-
tiva aos direitos das crianças e dos adolescentes, encontra-se
fundado na dignidade mesma do ser humano. Com base nes-
se princípio, crianças e adolescentes devem dispor de opor-
tunidades e serviços para que possam desenvolver-se física,
mental, moral, espiritual e socialmente, de forma saudável e
normal, assim como em condições de liberdade e dignidade
(art. 2° da Declaração dos Direitos das Crianças de 1959);

g) Nos parágrafos 60 e 61, reforçou-se o direito das crianças


e dos adolescentes de receber “cuidados especiais” (Pre-
âmbulo da Convenção dos Direitos das Crianças de 1989)
ou “medidas especiais de proteção (art. 19 da Convenção
Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem).

Em ambos os casos, a necessidade de conferir cuidados


especiais ou adotar medidas especiais, deve levar em con-
sideração as características particulares de cada situação,
ou seja, o grau de fraqueza, imaturidade ou inexperiência
da criança ou do adolescente;

h) No parágrafo 62, confirmou que a adoção de medidas


especiais constitui uma obrigação do Estado, da família,
da comunidade e da sociedade, conforme o disposto no
art. 15 do Protocolo de San Salvador;

i) No parágrafo 65, afirmou que, para a efetiva proteção


de crianças e adolescentes, toda decisão do Estado, da so-
ciedade ou da família que envolva a limitação de qualquer
direito, deve levar em consideração o interesse superior da

323
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

criança e do adolescente, devendo cingir-se rigorosamen-


te às disposições que regulam a matéria;

j) No parágrafo 66, salientou a obrigação do Estado de fa-


vorecer, da forma mais ampla possível, o desenvolvimento
e fortaleza do núcleo familiar, haja vista a família ser o
elemento natural e fundamental da sociedade (art. 16.3
da Declaração Universal de Direitos Humanos, art. VI da
Declaração Americana dos Direitos do Homem, art. 23.1
do Pacto de Direitos Civis e Políticos, e art. 17.1 da Con-
venção Americana sobre Direitos Humanos).

Especificamente no que tange aos direitos sexuais e repro-


dutivos das crianças e adolescentes, merecem destaque dois casos
analisados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O
primeiro data de abril de 1995, quando o Centro pela Justiça e Di-
reito Internacional (CEJIL) e a Associação Casa Alianza denuncia-
ram a República de Honduras. A denúncia teve por causa a decisão
da Corte Suprema de Honduras que, por meio de um “Auto Acor-
dado”, determinou a detenção de meninos em um estabelecimento
prisional destinado a adultos, ainda que em pavilhões separados.
Contudo, quando a ordem judicial da Corte Suprema hondu-
renha foi executada, os meninos foram detidos em celas comparti-
lhadas por adultos, tornando-se vítimas de abusos físicos e sexuais.
Entre as diversas considerações elaboradas pela CIDH interessa res-
saltar aquelas que abordam, ainda que de forma oblíqua, os direitos
sexuais e reprodutivos das crianças e adolescentes. São elas:

138. En el ámbito mundial, la Convención sobre los Dere-


chos del Niño de las Naciones Unidas establece que los Es-
tados partes tendrán, inter alia: la obligación de garantizar la
creación de instituciones y servicios destinados a su cuidado
(artículo 18). Tendrán, asimismo, la obligación de adoptar
las medidas legislativas, administrativas, sociales y educa-

324
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

tivas para proteger a los niños de toda forma de violencia


física o mental, lesión corporal, abuso, trato negligente,
maltrato o explotación, incluyendo abuso sexual, mien-
tras permanezcan bajo el cuidado de los padres, guardianes
legales u otra persona que tenga a cargo su cuidado. Tales
medidas deben incluir procedimientos efectivos para el
establecimiento de programas sociales destinados a darle
al niño y a los que están encargados de su cuidado, el
apoyo necesario para la identificación, denuncia, investi-
gación, tratamiento y seguimiento de las formas de vio-
lencia antes mencionadas, y para la intervención judicial
(artículo 19). (CIDH, on-line, 1999) (grifou-se)

Como ressaltou a CIDH, o Estado de Honduras violou o direi-


to especial dos menores à sua integridade física, visto que não tomou
as medidas necessárias para impedir que os prisioneiros maiores de
idade pudessem agredir sexualmente os menores presos:

141. En el presente caso, el Estado ha violado el derecho es-


pecial de los menores a que se respete su integridad física,
psíquica y moral al someterlos a un tratamiento inhumano y
degradante y al no haber tomado las medidas necesarias
para impedir que prisioneros mayores de edad pudieran
agredir o abusar física o sexualmente a los reclusos menores
de edad. Esto permite a la Comisión concluir que el Estado es
responsable de haber violado el derecho a la integridad perso-
nal (artículos 5(1) y 5(2) de la Convención) en relación con el
1(1) de la misma, que establece la obligación de Honduras de
garantizar el pleno ejercicio de los derechos reconocidos en la
Convención a toda persona sujeta a su jurisdicción. Ha vio-
lado además obligaciones internacionales libremente contraí-
das en relación con la protección especial que debe darse a la
niñez, de las cuales se hace eco la Constitución y el Código de
la niñez y de la adolescencia de Honduras.

325
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Os parágrafos supratranscritos deixam claro que os Estados têm


a obrigação de adotar medidas educativas para proteger as crian-
ças de abusos sexuais, obrigação que está relacionada com os direi-
tos sexuais. De fato, o exercício da liberdade sexual das crianças e
adolescentes passa, necessariamente, pela educação e pelo respeito à
condição especial de tais sujeitos de direito. No caso ora analisado, os
meninos foram forçados a exercer sua sexualidade de forma involun-
tária, precoce e violenta. Nesse sentido, não resta dúvida que a auto-
determinação sexual de tais crianças restou severamente maculada.
Fica claro, portanto, que a CIDH, no caso 11.491, se preocu-
pou com os direitos sexuais e reprodutivos das crianças, tendo em
vista que, como já salientado em tópico específico desse trabalho,
esses direitos têm como finalidade garantir que todas as pessoas
possam viver livres de riscos, coerções e violência no campo da
sexualidade e reprodução (TORRES, 2004, on-line).
Pode, também, ser usado como paradigma, quando se trata
de direitos sexuais e reprodutivos de crianças e adolescentes, o
caso 10.506, abordado no informe nº 38/96, de 15 de outubro de
1996. Trata-se de denúncia recebida pela CIDH contra o Governo
da Argentina, veiculando o caso da Sra. X e de sua filha Y, de 13
anos. Segundo denunciado, em todas as ocasiões que a Sra. X ia
visitar seu marido na penitenciária, era, juntamente com sua filha,
submetida a revisões vaginais.
Ao analisar o caso, a CIDH afirmou que o Estado argentino
violou diversos direitos protegidos pela Convenção Americana de
Direitos Humanos, v.g., o da integridade pessoal (art. 5), proteção
da família (art. 17), direitos da criança (art. 19) e direitos à prote-
ção da honra e dignidade (art. 11).
A CIDH ainda ressaltou a importância do direito à intimidade,
que abrange e protege também a integridade física e moral da pessoa,
exigindo que o Estado adote as medidas necessárias para assegura a de-

326
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

vida eficácia e proteção. No que tange ao tema do presente ensaio, im-


pende apontar o que restou assentado pela Comissão no parágrafo 93:

93.Sin embargo, la Comisión quisiera subrayar que este caso


representa un aspecto íntimo especial de la vida privada de
una mujer y que el procedimiento en cuestión, sea justificable
o no su aplicación, puede provocar sentimientos profundos
de angustia y vergüenza en casi todas las personas que se ven
sometidas a él. Además, el aplicar el procedimiento a una
niña de 13 años puede resultar en grave daño psicológico
difícil de evaluar. La Sra. X y su hija tenían el derecho a
que se respetara su intimidad, dignidad y honor cuando
procuraron ejercer el derecho a la familia, a pesar de que
uno de sus miembros estuviera detenido. Esos derechos
deberían haberse limitado únicamente en el caso de una si-
tuación muy grave y en circunstancias muy específicas y, en
ese caso, cumpliendo estrictamente las autoridades con las
pautas definidas anteriormente para garantizar la legalidad
de la práctica. (grifou-se) (CIDH, 1996, on-line)

A Comissão foi enfática ao afirmar que o procedimento apli-


cado a uma menina de 13 anos podia resultar em graves danos psi-
cológicos, de difícil avaliação. Ademais, é de se perceber que o art.
19 da Convenção exige que o Estado adote todas as medidas ne-
cessárias que a condição de menor requer para a proteção dos seus
direitos, tendo em vista sua especial vulnerabilidade. No caso, o Es-
tado realizou na menor, que ainda não tinha capacidade para con-
sentir, um procedimento com possíveis consequências traumáticas:

104.En el caso bajo examen, el Estado argentino propuso y


realizó en una menor, que no tenía la capacidad legal para
consentir, un procedimiento de posibles consecuencias trau-
máticas que potencialmente pudo haber violado una serie
de derechos consagrados por la Convención, sin observar

327
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

los requisitos de legalidad, necesidad, razonabilidad y pro-


porcionalidad, que constituyen algunas de las condiciones
necesarias para imponer cualquier restricción a los dere-
chos consagrados en la Convención. Además, el Estado no
le otorgó a Y una protección mínima contra abusos o daño
físico que podría haberse ofrecido solicitando a las autorida-
des judiciales pertinentes que decidieran si correspondía el
procedimiento y, en caso afirmativo, que fuera realizado por
personal médico. […]. (grifos nossos) (CIDH, 1996, on-line)

Deveria o Estado ter buscado esgotar outros meios de revista


(raios-x, por exemplo), antes de cogitar a adoção da prática ora
analisada. Violando a intimidade da criança, também restou vul-
nerado seu direito à liberdade sexual.
Vale ressaltar que os direitos reprodutivos e sexuais das crian-
ças e adolescentes devem ser cuidadosamente observados, princi-
palmente no início da vida sexual na adolescência, na medida em
que terão reflexos na sua vida adulta. (PIOVESAN, 2012, p. 523)
e condicionarão o desenvolvimento pleno da sua personalidade
em concordância com o respeito à sua dignidade.

Conclusão
O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) busca
tutelar os direitos humanos, vislumbrando o ser humano como um
fim em si mesmo, dotado de dignidade, não importando quaisquer
distinções fundadas em critérios diferenciadores, tais como a raça,
religião, sexo ou nacionalidade. Destaca-se, nesse sentido, a caracte-
rística nuclear dos direitos humanos, qual seja a dignidade humana.
O Estado brasileiro faz parte do Sistema Global e do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, ambos criados para prote-
ção dos seres humanos, tendo instrumentos de garantia institucio-

328
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

nalizados para que seja evitada, ou reparada, uma lesão praticada


por qualquer Estado, quando este desviar ou abusar do seu poder.
O Brasil, ao integrar o Sistema Interamericano de Direitos
Humanos (SIDH), compromete-se a observar seus documentos e
respeitar as decisões exaradas pelos seus órgãos: a Comissão (CIDH)
e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
O SIDH, por meio de seus documentos e órgãos, garante a
qualidade de sujeito de direito à criança e ao adolescente, ade-
rindo integralmente a Doutrina da Proteção Integral, sendo estes
titulares de todos os direitos humanos, incluindo os direitos re-
produtivos e sexuais, como restou assentado nos casos nº41/99 e
nº 38/96. Já no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente é
silente quando se trata de tais direitos.
Assim, é necessário que o Estado brasileiro, coadunando-se
com o SIDH, adote medidas institucionais, tais como a promoção
de políticas públicas que possam garantir e respaldar esses direi-
tos, possibilitando que venham a ser exercidos plenamente pelas
crianças e adolescentes. Para isso, é necessário que a legislação
reconheça, expressamente, tais direitos, tendo em vista o fato de o
Estado ter de se pautar pela legalidade.
Conclui-se, portanto, que o Estado brasileiro deve buscar, o
mais rápido possível, a adoção de medidas que garantam o exercí-
cio e as limitações desses direitos, em observância à Doutrina da
Proteção Integral e aos princípios da proteção especial e do melhor
interesse, coadunando-se com o posicionamento do SIDH.

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332
Exploração Sexual Infanto-Juvenil como
Ofensa aos Direitos de Personalidade

Abraão Bezerra de Araújo


Bolsista BICT/FUNCAP (2014 - 2016)
Universidade de Fortaleza

Introdução
O Brasil é conhecido internacionalmente por ser um país
com índices elevados de exploração sexual. Trata-se de uma pro-
blemática extremamente grave porque, na exploração sexual, o ser
humano é tratado como um objeto, seus direitos são violados e sua
dignidade é vulnerabilizada.
Nesse contexto, o presente trabalho visa a desenvolver a ex-
ploração sexual infanto-juvenil como ofensa violenta aos direitos
da personalidade de crianças e adolescentes. Para tanto, utilizou-
-se de bibliografia e documental da área jurídica e da psicologia.
O texto inicia explicando o fenômeno da exploração sexual,
conceituando-o e classificando-o, bem como relata os instrumen-
tos de proteção das crianças e adolescentes. Seguidamente, mostra
como a exploração, em suas diversas formas, viola os direitos de
personalidade previstos na esfera internacional e nacional.

333
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

1. A Proteção Jurídica da Personalidade Infanto-


Juvenil
O princípio primeiro de toda existência ética, de acordo com
o filósofo Immanuel Kant, é o de que “o ser humano e, de modo
geral, todo ser racional existe como um fim em si mesmo, não sim-
plesmente como meio do qual esta ou aquela vontade possa servir-se
a seu talante”. Defende Kant a superioridade dos seres humanos às
coisas, e a sua igual dignidade (KANT, 1984, p. 134 e 135).
Desta forma, é inquestionável a proteção que o Direito reco-
nhece às pessoas nos dias atuais. Em vista disso, diversos documentos
internacionais destacam a necessária tutela da pessoa humana, reco-
nhecendo a todos os indivíduos a mesma dignidade, independente-
mente da cor, gênero, nacionalidade, capacidade etc. Nesse sentido,
seguindo o princípio da igualdade, que para Silva (2012, p. 213) é o
principal ícone da democracia, o Direito acaba por também tutelar
um grupo dotado de peculiar vulnerabilidade, qual seja as crianças e
os adolescentes. Essa situação de vulnerabilidade se deve ao fato das
crianças e adolescentes estarem em processo de desenvolvimento de
sua personalidade, e amadurecimento (PEREIRA, 2012, p. 149).
O reconhecimento internacional dessa vulnerabilidade deu
lugar à Doutrina da Proteção Integral, que defende a titularidade
de crianças e adolescentes de todos os direitos atribuídos a todas as
pessoas, além de direitos especiais, em razão da situação especial na
qual se encontram (LOPES, 2012, p. 266). Segundo João Roberto
Elias, essa proteção especial consiste na tutela que engloba os ele-
mentos necessários para o desenvolvimento pleno da personalidade
do ser humano (2008, p. 2). Para Paulo Lôbo, essa Doutrina não é
uma sugestão ou recomendação, e sim um princípio e diretriz que
deve ser respeitada nas relações das crianças e adolescentes com a
família, a sociedade e o Estado (DIAS, 2013, p. 70).

334
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A Doutrina da Proteção Integral foi acolhida pela Constitui-


ção da República Portuguesa de 1974, na qual se estabelecem os
deveres da sociedade e do Estado para com as crianças, visando o
seu pleno desenvolvimento (art. 6o). Além disso, a disposição cons-
titucional opõe-se a todo tipo de discriminação, opressão, abandono
e abuso de autoridade na família ou em qualquer instituição.
No Brasil, também acolheu-se essa Doutrina garantindo-
-se constitucionalmente a proteção prioritária das crianças, como
se verifica no art. 227 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Oportunamente destaca-se que, para os efeitos dessa
proteção, considera-se criança toda pessoa até doze anos incomple-
tos, e adolescente, todo ser humano entre doze e dezoito anos, con-
forme estabelecido no art. 2o da Lei no 8069/1990, conhecida como
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto, em ca-
sos excepcionais, essa proteção especial pode chegar até os vinte e
um anos de idade. Tem-se como exemplo de tal excepcionalidade:
a liberação compulsória em caso de internação e a assistência aos
indivíduos maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos no
acesso à Justiça (art. 121, § 5º e art. 142 do ECA).
Essas normas são um reflexo dos avanços conquistados no
século XX em matéria de proteção dos direitos humanos infanto-
-juvenis, sendo a Convenção sobre os Direitos da Criança e do
Adolescente, ratificada no Brasil pelo Decreto no 99.710, de 21 de
novembro de 1990, um marco importante. A presente Convenção
traz um conjunto de direitos para a pessoa na fase infanto-juvenil,
destacando a importância de se lhes garantir o desenvolvimento
da sua personalidade, assim como das aptidões e capacidade física
e mental essenciais a um sujeito livre, independente e autônomo
(art. 29). Acompanhando esse avanço internacional, a legislação
brasileira garante às crianças e aos adolescentes todos os direi-
tos fundamentais inerentes à pessoa humana (art. 3o do ECA),
incluindo-se os direitos de personalidade.

335
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

O Direito se propõe a proteger a pessoa desde a fase pré-natal.


Apesar de o Código Civil brasileiro de 2002 afirmar que a persona-
lidade civil somente se inicia com o nascimento com vida, a Lei põe
a salvo os direitos do nascituro desde a concepção (art. 2o). Na fase
pré-natal, se lhe defere a proteção à vida pela proibição do aborto
(SOUSA, 1995, p. 162 a 165). Para a garantia do seu desenvolvimento
e o nascimento em condições de saúde, o Estado deve oferecer aten-
ção pré-natal à gestante e lhe garantir o parto adequado. Do mesmo
modo, para favorecer o desenvolvimento da criança, determina-se ao
suposto pai o dever de pagar alimentos à gestante, nos termos da Lei
n o 11.804/2008 (alimentos gravídicos). Há outros direitos, entretanto,
que somente se consolidarão na pessoa do neonato, ou seja, uma vez
que venha a nascer com vida, dentre os quais, o direito à herança.
A proteção da personalidade destina-se ao ser humano em
todas as fases de sua vida, adequando-se a cada etapa do seu de-
senvolvimento, seja física ou psíquica. Busca-se oferecer um tra-
tamento igualitário, sem discriminação. No entanto, também se
reserva, a cada indivíduo, um mínimo de espaço íntimo, no qual
possa desenvolver sua identidade (SOUSA, 1995, p. 168).
Para explicar a fundamentação dos direitos da personali-
dade, a doutrina segue diversas correntes, algumas das quais, di-
vergentes entre si, a exemplo daquelas de matiz jusnaturalista ou
juspositivista. Cita-se, como acepção juspositivista, a de Francesco
Messineo, que trata os direitos da personalidade como limites im-
postos contra o Estado ou particulares. Por meio de uma proteção
normativa atribui-se à pessoa um espaço próprio para seu desen-
volvimento, que não pode ser invadido por agentes públicos ou
privados. Na sua percepção, a tutela da personalidade somente se
faz pela força normativa, com a presença intensificada do Estado.
Aproxima-se da teoria jusnaturalista, o entendimento de
Carlos Alberto Bittar (BELTRÃO, 2008, p. 24), que entende os
direitos da personalidade como direitos inatos, que protegem a

336
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

pessoa humana contra arbítrio do poder público ou da irrupção de


particulares, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-
-los. Seriam direitos anteriores à existência do Estado.
Adriano de Cupis diz “todos os direitos, na medida em que des-
tinados a dar conteúdo à personalidade poderiam chamar-se direitos
da personalidade” (2008, p. 24). Em sua orientação, os direitos de per-
sonalidade seriam aqueles essenciais à realização da personalidade.
É pertinente citar a conceituação de Beltrão (2005, p. 23 e 47),
para quem os direitos da personalidade são o complexo de bens tão
íntimos ao ser humano, que podem ser confundidos com ele mes-
mo. Disso resulta que é imprescindível reconhecer às pessoas certos
atributos e elementos, sob pena de se lhes afetar a personalidade em
si. Nesse sentido, o conceito de direitos da personalidade muito se
aproxima da definição de direitos fundamentais, no entanto, não
são equivalentes. Apesar de sutis, há diferenças entre esses direitos.
De acordo com Canotilho (1998, p. 359), as expressões “direitos do
homem”, atualmente chamados “direitos humanos”, e “direitos funda-
mentais”, são, por vezes, considerados sinônimos. Contudo, em função
da sua origem teórica jusnaturalista, tem-se que os direitos do homem
são considerados vigentes em qualquer tempo e lugar. Ao ponto que os
direitos fundamentais são aqueles direitos jurídico-institucionalmente
assegurados em um determinado espaço temporal e geográfico. Muitas
vezes, os direitos da personalidade se aliam a essa confusão conceitual,
na medida em que guardam importante correlação com os direitos hu-
manos e com os direitos fundamentais, por guardarem, em comum, o
mesmo objeto: a tutela de aspectos essenciais da pessoa.
Para Jorge Miranda, os direitos da personalidade pressupõem
direitos privatistas, enquanto os direitos fundamentais são expres-
são do direito público. Os direitos da personalidade se constituem
nas relações igualitárias, enquanto os direitos fundamentais agre-
gam relações de poder, associadas ao Estado (MIRANDA, 1993,
p. 58). Paulo Lôbo (2001) enfatiza a dimensão civil constitucional

337
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

dos direitos da personalidade. Na ordem constitucional, são consi-


derados espécies do gênero direitos fundamentais e na esfera civil,
são considerados direitos inatos às pessoas humanas que prevale-
cem sobre os demais direitos subjetivos privados.
Independente da posição doutrinária a que se filiem os auto-
res, são eles uníssonos em afirmar que os direitos de personalidade
representam um conteúdo mínimo, necessário e imprescindível à
realização da personalidade humana (BELTRÃO, 2008, p. 24 e 25),
impondo limites ao poder do Estado e dos particulares. Pode-se dizer
que os direitos da personalidade são direitos privados fundamentais.1

1.1. Direito geral de personalidade e desenvolvimento


na infância e adolescência
Não há consenso sobre o conceito de personalidade, seja ela
física ou psíquica. A dificuldade na determinação do bem da perso-
nalidade está relacionada à própria natureza humana, que pode ser
objeto de estudo de varias ciências. Segundo Capelo de Sousa, a per-
sonalidade é uma estrutura complexa, objeto de muitas controvérsias
no campo da biopsicologia e da filosofia (SOUSA, 1995, p. 109 e 110).
Por esta razão, exige uma tutela dinâmica e não estática, capaz de
acompanhar o seu desenvolvimento. Na definição de Capelo de Sou-
sa, a personalidade humana juscivilisticamente tutelada é:

1 Pode-se citar também o fato de os direitos da personalidade terem nascidos no


contexto histórico da Revolução Francesa, marcado pelo absolutismo do Estado,
de que os criadores do termo foram juristas jusnaturalistas e de que o ordenamento
jurídico defende, de forma suprema, o ser humano, tendo a dignidade da pessoa
humana como seu principal fundamento. Nesse sentido, os direitos da personalidade
se apresentam como direitos absolutos, indisponíveis, inerentes ao homem,
essenciais, “direitos sem os quais os outros direitos subjetivos perderiam o interesse
do indivíduo” (SCHREIBER, 2011, p. 5).

338
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

[...] o real e o potencial físico e espiritual de cada homem


em concreto, ou seja, o conjunto autônomo, unificado,
dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua mate-
rialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambien-
talmente integrados (1995, p. 117).

Segundo Schreiber, a personalidade humana pode ser analisada


sob dois aspectos: o subjetivo e o objetivo. Pelo aspecto subjetivo, é com-
preendida como “a capacidade que tem toda pessoa de ser titular de di-
reitos e obrigações”; sob o aspecto objetivo, a personalidade corresponde
ao “conjunto de características e atributos da pessoa humana, sendo
considerada objeto de proteção do ordenamento jurídico” (2011, p. 6).
Em atenção a essa classificação, o aspecto subjetivo da personalidade é
expressamente tutelado pelo art. 1o, do vigente Código Civil Brasileiro.
Tocante ao aspecto objetivo, a personalidade é compreendida como
um conjunto de características e atributos da pessoa humana que tam-
bém constitui objeto da proteção dos direitos humanos e fundamentais.
O Código Civil Brasileiro de 2002, a partir do art. 11, de-
dica um capítulo específico para os direitos da personalidade, ao
contrário do Código Civil de 1916, que apesar de garantir alguns
desses direitos de modo esparso, não apresentava um destaque es-
pecífico aos direitos da personalidade, tampouco se utilizava dessa
expressão. O novo Código Civil cuidou de enfatizar a proteção
de alguns bens especiais da personalidade, como a disposição do
próprio corpo, a vida privada, o nome, a intimidade. Porém, com-
parando-o com o Código Civil Português (art. 70)2, o Código Civil

2 Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966.


“Art. 70 (Tutela geral da personalidade)
1. A lei protege os indíviduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou
ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o
fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.”

339
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Brasileiro de 2002 não fez referência à tutela geral de personali-


dade a que os doutrinadores portugueses chamam direito geral de
personalidade (SOUSA, 1995, p. 86).
Nesse sentido, é importante destacar a notável contribuição
da Constituição Alemã, de 1949, para a consolidação do direito
geral da personalidade, quando destacou, no artigo primeiro: a in-
violabilidade da dignidade da pessoa humana e o dever que tem o
Estado de a respeitar e a proteger. E dispôs, já no artigo segundo,
sobre o direito de todos ao livre desenvolvimento da sua persona-
lidade, sempre que não violem direitos de terceiro, atentem contra
a ordem constitucional ou a lei moral.
Na explicação de Capelo de Sousa, a aplicação desses artigos
pelo Judiciário alemão acabou desenvolvendo o chamado direito
geral da personalidade como um direito subjetivo do qual resultam
múltiplas consequências (1995, p. 86). O direito geral de persona-
lidade corresponde:

[...] a uma construção recente, fruto de elaborações dou-


trinárias germânicas e francesas da segunda metade do
século XIV. Compreendem-se, sob a denominação de di-
reitos da personalidade, os direitos atinentes à tutela da
pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e
integridade (TEPEDINO, 2001, p. 24).

Em meio às múltiplas conceituações de direito geral da perso-


nalidade, o Código Civil Português refere-se à tutela geral da per-
sonalidade, no art. 70. Tal tutela consiste no princípio que atribui
aos indivíduos a plena proteção da lei em qualquer situação em que
houver ofensa ou ameaça à sua personalidade, seja ela física ou psí-
quica. Devido à pluralidade de fatos que ocorrem na vida real, o
direito geral de personalidade constitui a base dos direitos especiais
da personalidade, como o direito ao próprio corpo, à imagem, ao
nome, entre outros, abrangendo também o papel que estes exercem.

340
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

O Código Civil Brasileiro de 2002 estabeleceu apenas cinco


direitos da personalidade, quais sejam o direito ao corpo, ao nome,
à honra, à imagem e à privacidade. Contudo, a proteção à pessoa
não se efetua apenas por meio desses direitos especiais de perso-
nalidade, haja vista a previsão da cláusula geral de tutela da digni-
dade humana (art. 1o, III, CF/88) na ordem constitucional. Cabe
apontar como e quais destes direitos são violados na prática da
exploração sexual infanto-juvenil, sejam eles emanados do Código
Civil Brasileiro ou decorrentes da cláusula geral de tutela da digni-
dade humana. Nesse sistema de proteção à pessoa, destaca-se a in-
tegridade psicofísica como um interesse resguardado pela cláusula
geral de tutela da dignidade humana (SCHREIBER, 2011, p. 15).
Cifuentes (1995, p. 232), lembrando a “Ley de las analogias de
Marechal”, em Manual del astronauta, diz que o ser humano é o ele-
mento, dentre os demais que ocupam este planeta, merecedor de um
“lugar central”, assim, especial tutela. A pessoa humana, segundo ele,
apresenta uma estrutura tridimensional formada pelo corpo, mente
e espírito. Logo, a integridade psicofísica configura um direito da
personalidade, uma vez que o corpo é o componente percebido em
prima face do ser humano. Assim, qualquer ofensa física ou psíquica
à pessoa configura a violação do direito à integridade psicofísica.
A própria Constituição Brasileira de 1988 estabelece o direito
do ser humano à integridade psicofísica em diversas disposições, a
exemplo do art. 5º, inc. XLIX, que dispõe sobre alguns dos direitos do
preso3 (SCHREIBER, 2011, p. 32 e 33). Nesse sentido, a integridade
psicofísica está associada a um dos interesses mais tutelados pelo Esta-
do, qual seja a vida (DE CUPIS, 2008, p. 76). Assim, o direito da per-
sonalidade à integridade física representa a proteção da pessoa contra
lesões à sua mente ou ao seu corpo (BELTRÃO, 2005, p. 107 e 108).

3 Constituição Federal de 1988


“Art. 5o […] XLIX- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral [...]”.

341
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Dados os esclarecimentos, conclui-se o quão violenta é a explo-


ração sexual infanto-juvenil para a integridade psicofísica da criança
ou do adolescente. Na medida em que se interfere na sexualidade
da criança, prejudica-se a sua integridade psicofísica e, consequente-
mente, o seu desenvolvimento saudável. Malferindo a dignidade da
criança, a exploração sexual compromete-lhe o processo de desenvol-
vimento e pode suscitar prejuízos irreparáveis na sua personalidade.
Além do direito à integridade psicofísica, é necessário resguardar
o direito à intimidade que também é comprometido pela exploração
sexual. Há uma confusão doutrinária acerca dos conceitos intimida-
de, privacidade e vida privada. Seguindo o entendimento de Rodotà
(2008, p. 98), o direito à privacidade deve se desvincular da ideia de
proteção à propriedade e desprender-se da concepção de privacidade
como tutela do espaço domiciliar. Para além da proteção do espaço
geográfico domiciliar, a privacidade também envolve a tutela de sua
esfera privada, considerada o “conjunto de ações, comportamentos,
opiniões, preferências, informações pessoais sobre as quais o interessa-
do pretende manter um controle exclusivo” (RODOTÀ, 2008, p.92).
Na orientação mais tradicional proposta por Cifuentes (1995, p. 545),
a intimidade pode ser identificada como sinônimo do “íntimo”, do
“interior”, do “pessoal”, ou seja, da vida privada do ser humano.
É indubitável que a exploração sexual infanto-juvenil atenta
contra a intimidade da criança ou adolescente. Qualquer das moda-
lidade de exploração sexual pressupõe a violabilidade da intimidade
sexual da vítima, uma vez que essas são submetidas violentamente a
relações sexuais precoces, forçadas ou não. Mesmo que consinta, caso
seja menor de catorze anos de idade, haverá a presunção da violência,
dado a fase de vulnerabilidade em que se encontra a criança.
Exclusivamente em relação aos direitos especiais de persona-
lidade previstos expressamente no Código Civil brasileiro de 2002,
entende-se que a exploração sexual infanto-juvenil também atenta
contra a honra da vítima. Considerada um dos mais importantes

342
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

direitos da personalidade, a honra envolve três faces: o valor moral


que a pessoa tem acerca de si mesma, a estima que os outros lhe
dedicam e a consideração social. No campo jurídico, a honra repre-
senta a dignidade do indivíduo refletida na opinião da sociedade e
no sentimento da própria pessoa (DE CUPIS, 2008, p. 121 e 122).
A dignidade humana pressupõe o respeito pela pessoa (LI-
BÓRIO, 2004, p. 43) e, portanto, a tutela da honra do indivíduo.
A exploração sexual altera o juízo que uma criança ou um adoles-
cente vítima da exploração sexual tem de si, assim como prejudica
a consideração que os outros lhe dedicam no meio social, vulne-
rando a honra desses indivíduos.
Por fim, entende-se que exploração sexual de crianças e adoles-
centes atenta também contra o direito à imagem, na medida em que a
representação fotográfica, fílmica ou gráfica das vítimas é muitas vezes
utilizada para facilitar a prática exploratória. Pode-se considerar que o
direito da personalidade à imagem está diretamente associado ao direito
à honra, já que a divulgação da imagem para fins ilícitos pode provocar
um mal juízo sobre a sua pessoa. Nessa linha, o art. 20 do Código Civil
Brasileiro estabelece que todo indivíduo tem o direito de proibir a ex-
posição e utilização de sua imagem de modo que atinja sua honra, boa
fama ou respeitabilidade4 (SCHREIBER, 2011, p. 101).
Atualmente, apenas a veiculação não autorizada da imagem
da pessoa, independente de ferir a honra ou não, configura lesão
ao direito da personalidade à imagem (SCHREIBER, 2011, p. 101).
Entretanto, nesse contexto, há divergências doutrinárias e juris-

4 Código Civil Brasileiro de 2002


“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção
da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação,
a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu
requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a
boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

343
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

prudenciais sobre o uso da imagem da pessoa pública, uma vez que


esta encontra-se sujeita à exposição.
Na exploração sexual infanto-juvenil, principalmente na mo-
dalidade de pornografia, é nítida a violação ao direito da imagem
da vítima. Ora, a imagem da criança ou do adolescente é exposta
sem que sequer se considere a sua manifestação volitiva e, ainda
que houvesse essa manifestação, não seria eficaz, haja vista o esta-
do de incapacidade civil absoluta ou relativa da vítima. Verifica-se
que a exploração sexual infanto-juvenil afeta a personalidade da
criança ou do adolescente em diferentes dimensões e compromete
sensivelmente a possibilidade de um desenvolvimento saudável.
Além de violar diversos direitos especiais de personalidade,
expressamente previstos na legislação brasileira, a exploração se-
xual infanto-juvenil é totalmente incompatível com a cláusula ge-
ral de tutela da pessoa.
Segundo Gustavo Tepedino (2001, p. 45), espelhado em Pietro
Perlingieri, é impossível tutelar a personalidade humana apenas por
meio de uma “relação jurídica-tipo” ou um “novelo de direitos sub-
jetivos típicos”. Para proteger a personalidade humana é necessário
mais que um rol taxativo de direitos subjetivos; é necessário com-
preendê-la como um verdadeiro valor jurídico a fim de garantir-lhe
a efetiva tutela nos diversos e complexos fatos e circunstâncias com
os quais o homem pode se deparar ao longo da vida.
Como a Constituição Brasileira de 1988 estabelece a dignidade
da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil (art. 1o, III), a proteção da personalidade ganha destaque na
ordem civil-constitucional. Em virtude dessa orientação constitucional,
o Código Civil Brasileiro de 2002 ampliou a tutela de interesses não
patrimoniais e restringiu substancialmente a autonomia da vontade por
meio de princípios como boa-fé objetiva, confiança, função social do
contrato da propriedade e por meio do abuso de direito (MORAES,
2010, p. 124). Estabeleceu-se também, no Brasil, uma cláusula geral de

344
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

tutela de todos os direitos que da personalidade difundem. Logo, no


ordenamento jurídico pátrio, o princípio da dignidade humana atua
como uma cláusula geral de tutela, promovendo também a personali-
dade em suas múltiplas manifestações (MORAES, 2010, p. 128).
Delineadas as noções gerais sobre o direito geral de persona-
lidade, resta clara a sua aplicação às crianças e aos adolescentes,
como sujeitos de direito, iguais em dignidade e de tutela especial
posta na Constituição do Brasil de 1988, dada a vulnerabilidade
particular em que se encontram.
O fato da dignidade da pessoa humana ter sido prevista como
fundamento do Estado em muitos dos ordenamentos jurídicos atu-
ais, demonstra que a dignidade do ser humano é imprescindível
para a plenitude da convivência social.
A ampliação e a especificação dessa proteção da dignidade
humana às crianças e aos adolescentes está no caput do art. 227
da Constituição Brasileira de 1988. Dispõe-se que é dever da fa-
mília, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade
(SILVA, 2013, p. 860), os direitos fundamentais da criança e do
adolescente, dentre os quais o direito à vida, à saúde, à alimenta-
ção, à educação, pondo-os a salvo de toda espécie de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Apresentadas as disposições gerais sobre crianças e adolescen-
tes previstas na Constituição Brasileira de 1988, é importante citar
a legislação especial de tutela, qual seja o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA). Trata-se de uma norma especial, destinada
pontualmente às crianças e aos adolescentes, conforme estabelece
o art. 1o, que ordena a proteção integral a este grupo. Essa proteção
integral assegurada pela lei citada, garante à pessoa, na infância e na
adolescência, absoluta prioridade na proteção dos seus direitos de
modo a permitir o adequado desenvolvimento da sua personalidade.
Além de receberem a proteção derivada dos direitos destina-
dos às pessoas, em geral, são destinatários de uma proteção especial

345
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

devido ao fato de estarem em situação de vulnerabilidade. Perce-


be-se então a relação de inversa proporção entre a maturidade da
pessoa, ou seja, o discernimento, a capacidade, de modo geral, e a
proteção no ordenamento jurídico. Isso quer dizer que quanto mais
nova a criança ou o adolescente, maior deve ser a tutela do Estado.
Tocante à liberdade, à integridade e à dignidade desses indi-
víduos, é essencial protegê-los contra qualquer tipo de exploração,
notadamente, a exploração sexual.
O ECA é a lei especial para a proteção da criança e do ado-
lescente que destaca a importância de se lhes garantir o desenvol-
vimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade (art. 3o).
Considerando que a sexualidade interessa à personalidade
humana, em todas as suas fases, é importante respeitar um desen-
volvimento sexual saudável da criança e do adolescente, permitin-
do-lhes viver cada etapa da sua sexualidade. Na medida em que
houver interferência inadequada para a sua faixa etária, a criança
e o adolescente poderão sofrer impactos severos no seu desenvol-
vimento. Sendo essa uma interferência passível de enquadramento
como abuso ou exploração sexual.

1.2 A tutela da personalidade infanto-juvenil pelos


documentos internacionais
Segundo Ricardo C. Pérez Manrique (2010, p. 456), é neces-
sário estruturar um modelo de proteção dos direitos de crianças e
adolescentes que seja adequado aos princípios previstos nos docu-
mentos internacionais sobre direitos humanos e ao direito cons-
titucional, de sorte que também seja apto a tutelar os interesses
dessas pessoas nas diversas relações jurídicas das quais vierem a
participar, a exemplo das relações familiares.

346
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 é com-


preendida como o principal dispositivo de proteção dos direitos da
criança, assim considerado aquele indivíduo com idade inferior a
18 (dezoito) anos (art. 1o). É também o primeiro tratado interna-
cional a estabelecer a tutela da criança contra qualquer forma de
violência ou exploração sexual.
Logo no Preâmbulo, a Convenção destaca o seu objeto,
qual seja, o de oferecer especial cuidado e proteção à criança e
ao adolescente, pessoas vulneráveis e em formação. A Convenção
justifica a importância da proteção integral à pessoa nessa fase
haja vista o especial estado de vulnerabilidade em que se encon-
tra. Essa proteção integral em defesa dos direitos da criança e do
adolescente, prevista no item 1 do art. 3o da presente Convenção,
constitui-se em dever atribuído às instituições públicas e privadas.
Importa garantir a eficácia de todos os direitos da criança para o
seu pleno desenvolvimento. Além do que, os interesses do menor
terão primazia e preferência quando em conflito com outros direi-
tos, especialmente, em face dos interesses dos adultos.
Com a Convenção, os direitos da criança passam a ter prio-
ridade sobre os demais interesses, sejam estes do Estado ou de um
terceiro adulto. Os responsáveis por assegurar esses direitos são a
família, a sociedade e o Estado. A criança é titular pleno e ativo de
direito e não um futuro titular, que aguarda a capacidade absoluta
para ter a garantia dos seus direitos.
Sobre os direitos sexuais da criança, observa-se uma referên-
cia direta no art. 34 da Convenção. Nessa disposição, é estabeleci-
do o compromisso dos Estados Partes a resguardarem a criança de
toda espécie de exploração e abuso sexual.
A Convenção sobre os Direitos da Criança traz normas sobre
direitos sexuais, cláusulas de prevenção ou enfrentamento a viola-
ções como exploração, tráfico de crianças etc. E, ainda, disposições
sobre a reabilitação física, psíquica e social da criança vítima de tra-

347
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

tamento desumano, seja exploração, abuso sexual ou tortura. Vê-se,


então, a necessidade de, além de prevenir e combater, reintegrar
socialmente as crianças que tiveram seus direitos violados.
Quanto às formas como são julgadas as causas que envolvem
direitos da criança, os Estados divergem. Em determinados países,
como nos nórdicos da Europa e na Espanha, julgam-se em tribu-
nais especiais administrativos. No Brasil e no Uruguai, como em
grande parte dos países latino-americanos, tais casos são julgados
pelo Poder Judiciário. Na Argentina, a solução desses conflitos as-
sume caráter misto, isso quer dizer que os casos são julgados tanto
pelo poder administrativo, quanto pelo Poder Judiciário (MAN-
RIQUE, 2010, p. 462).

2. A Exploração Sexual Infanto-Juvenil: o


Abuso que Oprime
De acordo com o relatório sobre as cidades latino-americanas
(Construcción de Ciudades más equitativas), elaborado pelo Progra-
ma das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-
-Habitat, on-line), o Brasil é o quarto país mais desigual da América
Latina em distribuição de renda, ficando atrás somente de Guatema-
la, Honduras e Colômbia. Brasília, por sua vez, é a cidade que apre-
senta o maior coeficiente de desigualdade do país. Devido ao quadro
de desigualdade, as crianças e os adolescentes estão sujeitos a uma
maior vulnerabilidade, se tornando alvos fáceis para os exploradores.
Encantadas com promessas ilusórias ou mesmo sequestradas, acabam
sendo vítimas da exploração. Vale lembrar que, muitas vezes, o explo-
rador pode ser um amigo íntimo ou até membro da própria família.
A exploração na prostituição de crianças e adolescentes pode
ocorrer tanto em espaços públicos como em espaços privados, a exem-
plo de casas de veraneio e flats. Apesar de ser uma realidade no Brasil,

348
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

a exploração sexual de crianças e adolescentes dificilmente poderá ser


exposta em números reais devido os agressores agirem de forma clan-
destina e discreta. Segundo o Relatório Especial da ONU sobre a ven-
da de crianças, prostituição e pornografia infantil, elaborado por Juan
Miguel Petit Addendum (ONU, on-line), há dificuldades em quantificar
os casos de exploração sexual. A invisibilidade desse fenômeno social
se deve, muitas vezes, à sua associação direta com o crime organizado.

2.1 Conceito e classificação


A Convenção sobre Direitos da Criança de 1989, traz, no art.
19, item 1, a definição de violência. No documento mencionado,
considera-se violência, qualquer forma de violência, mental ou fí-
sica, tratamento negligente ou abuso, exploração ou maus tratos.
Nesse contexto, também se inclui a violência sexual.
É de igual relevância citar a definição de violência adotada pelo
Relatório Mundial sobre Violência e Saúde de 2002 (UNICE, on-line).
No documento internacional, a violência é tratada como a “utilização
intencional da força física ou do poder físico contra a criança, assim
como a ameaça de tal utilização por um indivíduo ou grupo, que resulte
ou tenha alta probabilidade de resultar em dano real ou potencial para
a saúde, a sobrevivência, o desenvolvimento ou à dignidade da criança”.
A Resolução 49.25 da Organização Mundial da Saúde
(OMS), em 1996, entende que a violência constitui um problema
de saúde pública. Corresponde a um agravante da condição de
saúde, chegando a ser mencionada na Classificação Internacional
de Doenças - CID da Organização Mundial da Saúde (OMS), no
rol das chamadas Causas Externas (Capítulo XX - Agressões).
De acordo com Ribeiro, Ferriani e Reis (2008, p. 466), a vio-
lência sexual é uma das formas mais complexas de violência porque
deixa marcas físicas, morais e psíquicas, além de envolver poder de
dominação, coação e assimetria de força e de gênero. Quando pra-

349
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

ticada contra criança, tem o seu poder destruidor potencializado,


em virtude da vulnerabilidade circunstancial na qual se encontra
a vítima. O Brasil é um país que apresenta elevados índices de
violência sexual contra crianças.
Duas das formas de violência sexual são o abuso sexual e a explo-
ração sexual. Apesar de apresentarem conceitos similares, esses tipos de
violência sexual não são equivalentes. Vasconcelos (2009, p. 48), citan-
do Cohen, define abuso sexual como o relacionamento interpessoal que
veicula a sexualidade de maneira forçada, ou seja, sem o consentimento
de uma das partes envolvidas, mediante violência física ou psíquica.
Vale lembrar que o abuso sexual não é somente a relação sexual em si,
podendo ser configurado de várias outras maneiras. Como exemplo,
pode-se citar carícias, manipulação da genitália da criança, a menção
palavras obscenas contra a criança etc. Nota-se, portanto, a potencial
possibilidade do abuso sexual no ciclo de amizades ou mesmo no meio
familiar das vítimas (LIBÓRIO; CASTRO, 2010, p. 22).
Por outro lado, há de se tratar sobre a segunda forma de vio-
lência sexual mencionada, qual seja a exploração sexual. Segundo a
ECPAT5, essa prática consiste no abuso sexual adulto sob a criança,
seguido de remuneração ou de qualquer outro benefício. Esse tipo
de violência implica na coerção contra a vítima e, na maioria dos
casos, envolve uma terceira pessoa que realmente obtém vantagem
por meio da exploração (LIBÓRIO, 2004, p. 22). Nesse sentido, de
modo geral, a mercantilização da sexualidade da criança ou adoles-
cente configura a exploração sexual infanto-juvenil.
Assim, ao ponto que o abuso sexual envolve apenas a viola-
ção da sexualidade da criança ou adolescente sem qualquer paga-
mento, a exploração sexual é o uso da sexualidade da criança com
o intuito de obter vantagem, econômica ou secundária.

5 ECPAT International é uma rede global de organizações que trabalham em conjunto


para a eliminação da prostituição infantil (ECPAT, on-line).

350
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

O Centro de Estudos Innocenti da UNICEF, elaborou o Ma-


nual sobre o Protocolo Facultativo relativo à venda de crianças,
prostituição infantil e pornografia infantil (UNICEF, on-line). Ali
são estabelecidas as diversas classes de exploração, abrangendo a
exploração sexual, com prostituição ou apenas com o abuso de
forma direta, a exploração pelo trabalho forçado ou a própria es-
cravidão e, por fim, a exploração para a extração de órgãos.
Childhood Brasil é uma organização brasileira que pertence
a World Childhood Fundation (Childhood, on-line), instituição in-
ternacional que tutela a infância. Segundo ela, a exploração sexual
pode ser definida como a relação comercial na qual o sexo é resul-
tado de um câmbio. Esta troca pode ser em mercadoria, dinheiro
ou qualquer outro tipo de benefício.
Dentre as principais formas de exploração sexual, está a por-
nografia, seja por imagem ou vídeo e o tráfico de pessoas para fins
sexuais. Segundo o Protocolo da UNICEF:

[...] pornografia é qualquer representação, real ou não, inde-


pendente do meio comunicativo, do menor, prestando ati-
vidades sexuais. A exibição dos genitais do menor, com fins
sexuais, é igualmente considerada pornografia. Outra moda-
lidade de exploração sexual, é o tráfico de pessoas para fins se-
xuais, configurada pelo sequestro ou intercâmbio de pessoas
com a intenção de práticas sexuais (UNICEF, on-line).

Outra modalidade de exploração sexual de crianças é a pros-


tituição. A definição clara dessa prática foi realizada pela ECPAT,
conceito este adotado pelo I Congresso Mundial contra a Exploração
Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, realizado em Estocol-
mo, 1996. Estabeleceu-se como prostituição a atividade de negociar
práticas sexuais mediante pagamento monetário, troca de interesses,
bens ou até prestação de serviços (FALEIROS, 2004, p. 77 e 78).

351
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Ademais, tem-se como quarta forma de exploração sexual


infanto-juvenil, o turismo sexual. Ainda segundo a definição da
ECPAT, admitida pelo Congresso citado, turismo sexual consti-
tui no comércio sexual presente em cidades turísticas, envolvendo
turistas nacionais e estrangeiros. Tal prática é mais comum, prin-
cipalmente, em países de Terceiro Mundo, e tem como vítimas,
em sua maior parte, garotas dos setores mais pobres e excluídos da
sociedade (FALEIROS, 2004, p. 79).
É importante considerar que a exploração sexual pode ser agen-
ciada ou não agenciada. Em ambas, há a relação de troca para obter
favores sexuais. Na primeira forma de exploração, existe um ou mais
intermediadores, os chamados cafetões ou cafetinas. Isso quer dizer que
além da direta exploração da criança como objeto sexual, tem-se a sua
exploração financeira. A criança é vista como uma fonte de lucro. Na
segunda forma citada, qual seja a exploração sexual não-agenciada, a
criança lida diretamente com a negociação do fornecimento de ativi-
dades sexuais, sem a participação de terceiros na relação de troca, seja
por dinheiro, favor ou por qualquer produto de valor.

2.2. A exploração sexual da criança e do adolescente


no Brasil
No Brasil, sabe-se que é elevado o índice de exploração de
crianças e adolescentes. Muitas vezes, é na família que as crianças
e os adolescentes sofrem esse tipo de violência. De acordo com
informações coletadas por Ribeiro e Dias (2008, p. 467), o país
tem mais de 500 mil prostitutas com menos de dezessete anos de
idade. E, citando um estudo realizado pelo Centro de Referência
da Criança e do Adolescente (CERCA), entre janeiro de 1996 e
março de 2002, com 87 adolescentes do sexo feminino que foram
abusadas sexualmente, verificou-se que, em quase 70% dos casos,

352
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

o abuso foi praticado pelos próprios pais ou padrastos (RIBEIRO,


FERRIANI, REIS, 2008, p. 461). Nesse sentido, foi na família que
sofreram violência, espaço onde deveriam ter recebido apoio.
Apesar das dificuldades em quantificar os números das crianças e
adolescentes vítimas da exploração sexual no Brasil, conforme já men-
cionado anteriormente, há pesquisas que merecem ser mencionadas.
O Disque Denúncia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração
Sexual Contra Crianças e Adolescentes registrou dados sobre o perfil
das vítimas de exploração sexual infantil entre os meses de fevereiro e
setembro de 2005. Tais dados referiam-se, principalmente, ao gênero
preferido pelos exploradores e à faixa etária das vítimas. Apurou-se que,
em 62% dos casos, as vítimas eram do sexo feminino e que em 56,5%
do total havia o envolvimento de crianças entre 0 e 6 anos de idade.
Levantamento do mesmo Disque Denúncia, protocolado en-
tre os anos de 2003 e 2006, quantificou um total de 18.195 denún-
cias sobre exploração sexual (SILVA, 2006, on-line). O Distrito Fe-
deral, por sua concentração demográfica, expôs a maior média de
denúncias, concentrando 20,87% para cada cem mil habitantes. A
cidade de São Paulo registrou a menor média, com um percentual
de 5,65% para cada cem mil habitantes.
Outra pesquisa citada por Silva (2006, on-line), foi o mapeamento
nacional coordenado pela SEDH-PR realizado pelo Grupo de Pesquisa
do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília em
conjunto com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), nos
anos 2002 e 2004. Identificaram-se casos de exploração sexual em 927
dos 5.507 municípios brasileiros. É interessante observar que, nessa pes-
quisa, o Estado de São Paulo apareceu no topo do ranking, registrando
casos de exploração sexual em 93, de seus 645 municípios. Em seguida,
ficou o Estado de Minas Gerais, uma vez que, dentre os seus 853 mu-
nicípios, 92 apresentaram casos de exploração sexual infanto-juvenil.
Pernambuco ficou em terceiro lugar no ranking nacional, registrando
casos de exploração sexual em 63, dos seus 185 municípios.

353
Ana Maria D´Ávila Lopes,
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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

De acordo com a Associação Brasileira Multiprofissional de


Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA), registraram-se
4.893 casos no Disque-Denúncia de fevereiro de 1997 a janeiro de
2003. Desse total, sessenta e oito por cento (68%) estão ligados à
exploração sexual. Em relação às ocorrências citadas, 69% eram de
prostituição infantil, 25% de crimes virtuais, 3% de turismo com
fins sexuais, 2% relacionados à produção e venda de material por-
nográfico e 1%, tráfico com objetivo de exploração sexual. No ano
de 2003, o Disque-Denúncia protocolou 3.874 denúncias de abuso,
violência e exploração sexual de crianças e adolescentes. Do total,
509 eram atos de exploração sexual comercial (ONU, on-line).

3. A Tutela da Personalidade da Criança e do


Adolescente: Dever da Família, da Sociedade e
do Estado.
A Constituição Federal do Brasil de 1988 dedica o Capítulo VII,
do Título VIII, à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao
idoso. De acordo com o primeiro dispositivo desse Capítulo, o art.
226, a família é o alicerce principal da sociedade tendo assim proteção
especial do Estado. Confia-se à família, importante papel na tutela
da criança e do adolescente, e, nesse sentido, a Constituição também
atribui ao Estado o dever de prestação dos recursos científicos e edu-
cacionais para o gozo do planejamento familiar (SILVA, 2013, p. 859).
A respeito da proteção da família, enquanto comunidade interme-
diária, o Estado deve assistir a cada um de seus integrantes, gerando
meios para impedir a violência em suas relações.
No art. 227, é explícita a preocupação do constituinte com as
crianças, adolescentes e jovens, ao estabelecer o dever do Estado,
da sociedade e da família de garantir a esta faixa da população

354
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

uma série de direitos, dentre os quais estão o direito à vida, à ali-


mentação, ao lazer, à cultura e à liberdade. O dispositivo também
traz o dever da família, da sociedade e do Estado de pôr esse grupo
vulnerável a salvo de toda forma de crueldade, opressão, negligên-
cia, discriminação, violência e exploração (SILVA, 2013, p. 860).
No §1o do art. 227, é prevista a promoção de projetos de assis-
tência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem. Isso
significa a proteção absoluta e especial do Estado à saúde deste
grupo. O parágrafo também prevê a possibilidade de auxílios origi-
nários de entidades não governamentais, com políticas específicas
em relação aos assuntos aludidos.
Nos incisos do §1o do art. 227, são definidas as obrigações do
Estado em relação às entidades ligadas à assistência integral à saúde
da criança, do adolescente e do jovem. Dispõe, ainda, sobre as for-
mas de aplicação de recursos públicos, visando a melhor condição
da saúde na assistência materno-infantil, a elaboração de programas
relacionados à prevenção e ao atendimento especial para pessoas
deficientes [sic]. É apresentado, também, no inciso II deste §1o, a
necessária integração social do adolescente ou jovem deficiente por
meio do treinamento para o trabalho e convivência. Além disso,
cita-se a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, como o
de transporte público, com a reprovação de empecilhos de qualquer
natureza. Em cada disposição relacionada à criança, ao adolescente
e ao jovem, verifica-se a clara tutela especial do Estado para com es-
ses indivíduos. Segundo José Afonso Da Silva (2013, p. 860), nessa
questão, o texto constitucional é repetitivo e cuidadoso.
No parágrafo terceiro do mesmo artigo, apresentam-se os prin-
cipais aspectos da proteção especial destinada às crianças, aos ado-
lescentes e aos jovens. Estes aspectos tratam da idade mínima para a
atividade trabalhista, das garantias previdenciárias e trabalhistas, do
acesso do menor e jovem trabalhador à escola, dentre outros. Tocan-
te às medidas privativas de liberdade, são estabelecidos os princípios

355
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

da brevidade, excepcionalidade e o respeito à condição peculiar da


pessoa em desenvolvimento. Prevê-se, ainda, atenção especializada
para os jovens, adolescentes e crianças dependentes de drogas. Ao
mesmo tempo, dispõe-se sobre a concessão de estímulos, pelo Esta-
do, para favorecer o acolhimento do menor abandonado por famílias
substitutas. Tudo isso tendo como finalidade principal promover o de-
senvolvimento saudável da criança, adolescente ou jovem.
Disposição que não poderia deixar de ser comentada é o quarto
parágrafo do art. 227. Nele, tem-se a punição rigorosa da lei ao abuso,
à exploração sexual e à qualquer forma de violência contra a criança
e o adolescente. O artigo também dispõe sobre a assistência do Poder
Público na adoção, a igualdade entre os filhos e o atendimento espe-
cial aos direitos da criança e do adolescente, respeitando o previsto no
art. 204. Ademais, também estabelece que a lei disporá sobre o esta-
tuto da juventude com o intuito de regular os direitos dos jovens no
plano nacional da juventude, que também terá regulamentação legal.
O art. 228 se refere à inimputabilidade dos menores de dezoi-
to anos devido à sua incapacidade. No entanto, declara a submis-
são destes à legislação especial.
O art. 229 declara a responsabilidade dos pais em educar e
criar os filhos menores, e o compromisso dos filhos maiores de
acolher os pais quando necessário, na doença ou na velhice. Na
última disposição do capítulo constitucional, no art. 230, tem-se
os assuntos relacionados aos idosos.

3.1. Responsabilidade dos pais


Na legislação brasileira confia-se especial importância à auto-
ridade parental visando a promoção do desenvolvimento da criança
e do adolescente. De acordo com Ana Carolina Brochado Teixeira
(2009, p. 137 e 138), a autoridade parental encontra seu conteúdo nos
dois principais dispositivos constitucionais sobre esta, quais sejam, os

356
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

artigos 227 e 229. No primeiro, tem-se a garantia dos direitos funda-


mentais da criança e do adolescente. No art. 2296, tem-se o conteúdo
da responsabilidade dos pais para com os filhos, notadamente, os de-
veres de assistência, criação e educação dos filhos menores.
Além desses dispositivos constitucionais, é interessante tam-
bém apresentar algumas das disposições legais sobre os deveres dos
pais em relação aos filhos menores. O Código Civil Brasileiro de
2002 apresenta tais atribuições no art. 1.634, sobre o Exercício do
Poder Familiar. Citam-se, como exemplo, a competência dos pais de
criar e educar os filhos menores, tê-los em sua guarda e companhia,
conceder ou não o consentimento para o casamento dos filhos.
Além disso, o mencionado artigo confere aos pais, o direito de no-
mear um tutor por meio do testamento ou documento autenticado,
na hipótese em que o outro genitor não houver sobrevivido ou não
tiver condições de criar os filhos menores, dentre outras ordens.7
Na legislação especial sobre crianças e adolescentes, o ECA,
também há previsão sobre a responsabilidade dos pais. Diz o art.
22 que os pais têm obrigação de sustentar, guardar e educar os
filhos menores, assim como têm a responsabilidade de cumprir e

6 Código Civil Brasileiro de 2002


“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
7 Código Civil Brasileiro de 2002
“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a
criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou
negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou
documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não
puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da
vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes
o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que
lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.

357
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

de fazer cumprir as determinações judiciais relacionadas aos inte-


resses dos seus filhos menores.8
A relação entre pais e filhos tem como objetivo principal a
proteção da personalidade destes, o que implica em lhes proporcio-
nar o exercício pleno de seus direitos fundamentais (TEIXEIRA,
2009, p. 138). Como apontado anteriormente, a exploração sexual
ou qualquer forma de violência sexual vulnera drasticamente a
personalidade da criança, uma vez que esta encontra-se em situa-
ção peculiar de desenvolvimento. Desse modo, pode-se constatar
como essencial o papel dos pais, uma vez que o objetivo de tutelar
a personalidade dos seus filhos cabe à eles, ou seja, o dever de pôr
seus filhos a salvo de qualquer forma de violência ou exploração.

3.2. Políticas públicas para o enfrentamento da


exploração sexual infanto-juvenil
Como já dito, a Constituição Federal de 1988 traz a proteção
integral e prioritária da criança e do adolescente no Brasil. Deste
modo, inclui-se a tutela, estabelecida no § 4º do art. 227, contra
qualquer tipo de abusou, violência ou exploração sexual.
Apesar do mencionado dispositivo constitucional, as políticas
públicas pouco se comprometiam em relação ao combate à exploração
sexual de crianças e adolescentes. O fato se tornou mais perceptível aos
olhos das autoridades públicas com o advento da Comissão Parlamen-
tar de Inquérito (CPI), de 1990, realizada com o propósito de investigar
a violência sexual. Assim, a exploração sexual infanto-juvenil passou
a ser incluída na agenda da sociedade civil - acompanhando a luta

8 Estatuto da Criança e do Adolescente


“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores,
cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as
determinações judiciais”.

358
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

internacional pelos direitos humanos de crianças e adolescentes. Em


vista disso, houve o movimento de fóruns, ONGs, conselhos e outras
entidades relacionadas, com o objetivo de incluir, de forma concreta,
a violência sexual na agenda pública do Brasil (CONANDA, on-line).
Em virtude dessa influência, no ano de 1990, logo após a
Convenção sobre os Direitos da Criança, o Estado brasileiro pro-
mulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), legislação
especial dedicada à proteção das crianças e adolescentes. A Con-
venção serviu de inspiração tanto para reformas legislativas sobre
a matéria em diversos países da América Latina, como para res-
saltar a importância de serem adotadas políticas públicas voltadas
para este grupo em estado especial de vulnerabilidade. Teve-se,
por exemplo, a criação de Juizados da Infância e da Juventude,
Núcleos Especializados no Ministério Público e na Defensoria, de-
legacias especializadas no atendimento de crianças e adolescentes
autores ou vítimas de violência, etc. (CONANDA, on-line).
Foi na primeira década do novo milênio que o Brasil progre-
diu de maneira concreta na adoção de políticas públicas ligadas ao
enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
Nesse período, há o advento do Plano Nacional de Enfrentamen-
to da Violência Sexual Infanto-Juvenil, aprovado pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONAN-
DA, on-line). O referido Plano constitui um mecanismo de defesa
e garantia de direitos de crianças e adolescentes, ao objetivar o
aprimoramento, fortificação e, até mesmo, criação de ações e me-
tas para assegurar a proteção prioritária e integral da criança e
do adolescente no cenário de violência sexual ou de possibilidade
desta. Trata-se de um instrumento orientador para as políticas pú-
blicas, federais, estaduais ou municipais, relacionadas ao combate
da violência sexual infanto-juvenil.
O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infan-
to-Juvenil se baseia essencialmente no Estatuto da Criança e do Ado-

359
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

lescente. Adota como princípios fundamentais, a proteção integral e a


prioridade absoluta da criança na sociedade. Visa a tutela desse grupo
como sujeito e não objeto de direito, destacando sua condição pecu-
liar de desenvolvimento que os coloca em situação de vulnerabilidade.
Além disso, adota os princípios da participação, da solidariedade, da
mobilização e da articulação, da gestão partidária, da descentralização,
da regionalização, da sustentabilidade e da responsabilização.
Tendo o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Se-
xual Infanto-Juvenil como direcionador das políticas públicas de
combate à violência sexual de crianças e adolescentes, é pertinente
apresentar os objetivos deste. Tais objetivos podem ser divididos em
gerais e específicos. De maneira geral, visa consolidar um complexo
de ações associadas entre si, intercedendo político e financeiramen-
te no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Dentre os objetivos especiais, destacam-se: financiar, fiscalizar,
compreender e analisar o planejamento e a execução das atividades
de combate à violência sexual infanto-juvenil. Além disso, ele asse-
gura o atendimento especializado de crianças e adolescentes vítimas
de violência sexual. O Plano também promove ações de mobiliza-
ção, prevenção e articulação, com o intuito de erradicar essa prática.

Conclusão
A exploração sexual de crianças e adolescentes ainda é um
fenômeno presente no Brasil. Esta consiste na utilização da crian-
ça por parte de adultos visando o lucro. Esse lucro pode ser em
forma monetária ou de benefício de qualquer natureza, obtido por
meio da mercantilização da sexualidade da criança ou do adoles-
cente. O crime viola diretamente os direitos da criança, uma vez
que sua prática implica coação e desrespeito ao princípio da digni-

360
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

dade da pessoa humana, ferindo direitos como à vida, à liberdade,


à intimidade, dentre outros.
Pesquisas citadas durante o texto comprovam a existência
desse tipo de exploração em diversos municípios brasileiros, de-
monstrando que, apesar de o país ter avançado na consolidação
da democracia e na expansão dos direitos de todas as pessoas, as
crianças ainda são alvo de exploração de várias naturezas, dentre
elas a exploração sexual, sendo a desigualdade social um dos fato-
res favorecedores dessa prática.
A exploração sexual é estabelecida no § 4º do art. 227consi-
derada uma modalidade de violência que apresenta severos efeitos,
especialmente, quando as vítimas são crianças ou adolescentes,
uma vez que provoca danos físicos e/ou psíquicos, por vezes, irre-
versíveis, comprometendo o seu escorreito desenvolvimento. Vale
ressaltar a ofensa direta aos direitos da personalidade das vítimas
que a exploração sexual infanto-juvenil provoca; direitos estes que
configuram algo tão exclusivamente da pessoa, que se violados,
põem a vítima em situação sub-humana.

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365
Análise Teórico-Prática das Políticas
Públicas de Enfrentamento à Violência
Sexual Contra Crianças e Adolescentes

Ana Maria D´Ávila Lopes


Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela UFMG
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da
UNIFOR

Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab


Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Direito da UNIFOR

Introdução
Nas últimas décadas, a humanidade tem dado passos impor-
tantes no reconhecimento dos direitos de crianças e adolescentes.
Marco fundamental desse processo foi a Convenção dos Direitos
das Crianças, aprovada pela ONU em 1989 (ONU 1989, on-line),
que introduziu a Doutrina da Proteção Integral.
A Doutrina da Proteção Integral se destaca por ter aban-
donado a concepção de crianças e adolescentes como objetos de
proteção, para passar a considerá-los sujeitos de direitos.
Nesse sentido, são hoje reconhecidos às crianças e aos ado-
lescentes não apenas a titularidade de todos os direitos fundamen-
tais previstos para todas as pessoas, mas também direitos especiais

367
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

que lhes correspondem por serem pessoas em desenvolvimento


(FREEMAN, 1997, p.3). A importância da Doutrina da Proteção
Integral radica em afirmar,

[...] o valor intrínseco da criança como ser humano; a ne-


cessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em
desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da ju-
ventude, como portadora da continuidade de seu povo e da
espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade o que
torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção
integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o
qual deverá atuar através de políticas específicas para pro-
moção e defesa de seus direitos (COSTA, 1992, p. 19).

Essa inovação doutrinária foi legislativamente acolhida pelo


Estado brasileiro no art. 227 da Constituição Federal de 1998
(BRASIL 1988, on-line) e no art. 4° do Estatuto da Criança e do
Adolescente – Lei n° 8069/90 (BRASIL 1990, on-line), instauran-
do, dessa maneira, um novo marco jurídico nacional.
Apesar desse incontestável avanço, constata-se que, na
maioria das vezes, crianças e adolescentes continuam sendo trata-
dos como objetos e não como sujeitos de direitos.
Essa situação se observa claramente no campo dos direitos
sexuais e reprodutivos. Assim, por exemplo, a violência sexual
contra crianças e adolescentes não apenas continua sendo um
grave problema da nossa sociedade, mas vem também adquirindo
novas formas e maiores proporções.
Trata-se de uma situação que evidencia a necessidade de re-
formular as políticas públicas que o Estado brasileiro vem toman-
do para combater a violência sexual.
Nesse contexto, o objeto da nossa pesquisa consistiu em analisar
os aspectos teóricos e práticos das políticas públicas de combate à

368
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

violência sexual contra crianças e adolescentes que o Estado brasileiro


vem adotando, no intuito de propor as bases para sua reformulação.
Para tal, a Doutrina da Proteção Integral será inicialmente
desenvolvida, no intuito de delimitar o contexto jurídico da nos-
sa proposta. Seguidamente, os direitos sexuais e reprodutivos de
crianças e adolescentes serão definidos, explicitando seus alcan-
ces e limites. Posteriormente, a violência sexual e suas modali-
dades serão analisadas, buscando-se evidenciar a gravidade dos
danos que provoca em todos os seres humanos e, em especial, em
crianças e adolescentes. Finalmente, as políticas públicas que vêm
sendo adotadas no Brasil para o combate à violência sexual in-
fanto-juvenil serão estudadas, objetivando-se identificar os pontos
que, com base na Doutrina da Proteção Integral, podem ainda ser
aperfeiçoados, de forma a garantir o pleno respeito dos direitos
humanos de crianças e adolescentes.

1. Os Direitos Humanos das Crianças e dos


Adolescentes e a Doutrina da Proteção Integral
Nas últimas décadas, a humanidade tem dado passos impor-
tantes no reconhecimento dos direitos humanos das crianças e
dos adolescentes. Marco inicial desse processo foi a Declaração
dos Direitos das Crianças adotada pela Sociedade das Nações, em
1924. Nesse documento, foram proclamados cinco princípios, den-
tre os quais se ressalta o princípio da prioridade no atendimento
(UNICEF 1924, on-line).
O segundo documento internacional a ter como foco os di-
reitos das crianças e dos adolescentes foi a Declaração Universal
dos Direitos das Crianças, aprovada por unanimidade em 1959 pela
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU 1959,

369
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

on-line). Neste documento, foram proclamados os princípios da pro-


teção especial e do interesse superior da criança (Princípio II).

Princípio II

A criança gozará de proteção especial e disporá de oportuni-


dade e serviços, a serem estabelecidos em leu por outros meios,
de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espi-
ritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como
em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com
este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o
interesse superior da criança (grifo nosso).

O princípio da proteção especial sustenta-se na constatação


da situação de especial vulnerabilidade em que crianças e adoles-
centes se encontram, devido a serem pessoas em desenvolvimento,
demandando, consequentemente, a promulgação de normas e a
adoção de políticas públicas especiais capazes de garantir o exer-
cício pleno dos seus direitos humanos. Esse princípio foi elaborado
com base no proclamado no art. 25.2 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 (ONU 1948, on-line).

Art. 25
(...)
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assis-
tência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do
matrimônio gozarão da mesma proteção social (grifo nosso).

Por outro lado, o princípio do interesse superior ou do melhor


interesse propugna que se deve optar, sempre que possível, pela so-
lução que melhor atenda os interesses da criança e do adolescente.
Apesar da indiscutível importância desses princípios, a rea-
lidade mostrou a necessidade de aprimorar o marco conceitual de

370
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

proteção das crianças e dos adolescentes, o que veio com a adoção


da Doutrina da Proteção Integral.
A Doutrina da Proteção Integral teve sua origem nos anos setenta
durante os trabalhos de elaboração da Convenção Internacional dos
Direitos das Crianças, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em
1989, influenciando não apenas as normas internacionais, mas também
as legislações de grande parte dos países do mundo, como a brasileira
(SARAIVA, 2003, p. 56), tendo sido expressamente acolhida no Esta-
tuto da Criança e do Adolescente – ECA, “art.1° Esta Lei dispõe sobre
a proteção integral à criança e ao adolescente” (BRASIL 1990, on-line).
No Brasil, a Doutrina da Proteção Integral substituiu a
Doutrina da Situação Irregular adotada no Código de Menores,
Lei n° 6.697/1979 (BRASIL 1979, on-line), que desconsiderava a
qualidade de sujeitos de direitos das crianças e dos adolescentes,
limitando-se a apenas tratar as situações contrárias à lei que os
envolvessem no intuito de afastá-los da sociedade,

Naquela época, os menores eram tão somente objeto de


imposição de medidas de caráter indeterminado. Com a
revogação dessa Lei e com a entrada em vigor do ECA,
implementou-se no Brasil a adoção da doutrina da prote-
ção integral, passando a criança e o adolescente a serem
verdadeiramente reconhecidos como sujeitos de direitos. O
ECA dirigiu-se a toda e qualquer criança e adolescente em
situação regular ou situações de risco, garantindo a elas,
em conjunto, todos os direitos especiais à sua condição de
pessoas em desenvolvimento (DUPRET, 2010, p. 25)

A Doutrina da Proteção Integral descansa sobre dois princí-


pios fundamentais: o princípio do interesse superior ou do melhor
interesse e o princípio da prioridade absoluta.
a) o princípio do interesse superior ou do melhor interesse deter-
mina que, sempre que possível, deve-se buscar a solução que melhor

371
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

possa atender os interesses da criança e do adolescente. Esse princípio


já se encontrava previsto no Código de Menores de 1979 (art. 5°), só
que, muitas vezes, era utilizado para justificar a aplicação de medidas
contrárias aos direitos das crianças e dos adolescentes, sob o pretexto
estar visando garantir seu “bem-estar” (DUPRET, 2010, p. 30).
Para evitar esse desvio, é que o princípio do interesse su-
perior deve ser hoje interpretado em concordância com a Dou-
trina da Proteção Integral, que determina tratar as crianças e os
adolescentes como sujeitos de direitos, devendo-se, por exemplo,
garanti-lhes o direito de opinar nas decisões que possam lhes afe-
tar, ainda que, certamente, levando-se sempre em consideração a
sua idade e grau de maturidade.
Essa exigência encontra-se prevista no ECA (BRASIL 1990,
on-line) para os casos de guarda, tutela ou adoção, podendo, entre-
tanto, ser ampliada a todas as áreas que diretamente lhes interessem.

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante


guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação
jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 1o Sempre que possível, a criança ou o adolescente será


previamente ouvido por equipe interprofissional, respeita-
do seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão
sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devida-
mente considerada (BRASIL 1990, on-line)

b) o princípio da absoluta prioridade determina que, perante


qualquer problema, crianças e adolescentes devem receber atendi-
mento ou tratamento prioritário em relação a quaisquer outras pes-
soas. Havendo uma situação em que haja a possibilidade de atender
um adulto ou criança e adolescente, em idêntica situação de urgên-
cia, a opção deverá recair sobre esses últimos (AMIN, 2010, p. 24).

372
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

No Estado brasileiro, a Constituição de 1998 prevê esse prin-


cípio no caput do art. 227:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado as-


segurar à criança e ao adolescente, com absoluta priori-
dade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comuni-
tária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negli-
gência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão (BRASIL, 1988, on-line). (grifo nosso)

O princípio da prioridade absoluta, acolhido na referida nor-


ma, evidencia claramente a preocupação do constituinte brasileiro
de proteger, de forma especial, as crianças e os adolescentes devido
à situação de vulnerabilidade em que encontram.
Infraconstitucionalmente, o princípio da prioridade absoluta
foi previsto no parágrafo único do art. 4° do Estatuto da Criança e
do Adolescente - ECA, onde se estabelece:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em


geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade,
a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimen-
tação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária (BRASIL, 1990, on-line), (grifo nosso).

A primazia da proteção das crianças e dos adolescentes de-


riva do reconhecimento da sua condição peculiar de pessoas em
desenvolvimento, sem, no entanto, negar-lhes sua condição de su-
jeitos de direitos, na medida em que os direitos fundamentais são
constitucionalmente garantidos a todos os brasileiros e estrangei-
ros (art. 5°, caput), sem nenhuma forma discriminação (art. 3°, IV).

373
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

É esse, precisamente, o grande mérito da Doutrina da Pro-


teção Integral, que substituiu a tradicional concepção de consi-
derar crianças e adolescentes como apenas objetos de proteção,
controle, ou repressão, para passar a tratá-los, no seu lugar, como
verdadeiros sujeitos de direitos:

But children are not only the “objects” of protection. Un-


der international human rights law, especially recognized
by and outlined in the Convention on the Rights of the
Children, children are recognized as persons having cer-
tain inalienable rights of their own (ECPAT, 2006, p. 12).

Na sua qualidade de sujeitos de direitos, deve-se reconhecer o


direito das crianças e dos adolescentes a participar na construção
da solução dos diversos problemas que os afetam, o que implica res-
peitar a sua vontade na medida do possível e legitimamente cabível:

Allowing children to express their opinions does not mean


simply endorsing their views. It is about engaging them in
dialogue and exchange that allows them to learn cons-
tructive ways of influencing the world around them. The
social give and take off participation encourages children
to assume increasing responsibilities as active, tolerant
and growing democratic citizens (UNICEF, 2005, p. 49).

Nesse sentido, a formulação de leis e políticas públicas de


combate à violação dos direitos humanos de crianças e adoles-
centes, a exemplo do crime de tráfico de pessoas, deve pressupor
a sua participação, pois “by listening to children, parlamentarians
can learn a great deal about how they view traffiking and what
vulnerabilities they perceive” (UNICEF, 2005, p. 49).
Reconhecer a importância da participação das crianças e dos
adolescentes, na elaboração das normas e na implementação de po-
líticas públicas, permitirá que se tome consciência da necessidade de

374
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

previamente informá-los sobre seus direitos, ou seja, de empoderá-los


jurídica e politicamente, para que assim possam, não apenas defendê-
-los, mas participar ativa e diretamente nas decisões que as afetam.
Salienta-se, entretanto, que a vontade e opiniões das crian-
ças e dos adolescentes devem ser respeitadas, mas sempre que não
sejam contrárias ao seu melhor interesse,

The possibility of contradiction between what safeguar-


ds are required to protect children from harm, and what
choices the individual child is entitled to make his/her own
right, is resolved in modern jurisprudence by having regard
to “best interested” of the child (ECPAT, 2006, p. 13).

Em um Estado Democrático de Direito, como o brasileiro, to-


das as pessoas, sem nenhuma discriminação, devem ser considera-
das sujeitos de direitos, garantindo-se, a algumas delas, uma espe-
cial proteção com base na sua situação de especial vulnerabilidade,
como no caso de crianças e adolescentes devido a serem pessoas em
desenvolvimento, conferindo-lhes prioridade na sua proteção, sem,
por outro lado, esquecer-se de buscar sempre o seu melhor interesse.
Essa é, justamente, a mudança paradigmática na defesa dos
direitos humanos de crianças e adolescentes. De apenas conside-
rá-los objetos de especial proteção, para serem reconhecidos como
sujeitos de direitos, com prioridade absoluta no atendimento dos
seus problemas e na busca do seu melhor interesse.

375
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

2. Os Direitos Humanos Sexuais e Reprodutivos


das Crianças e dos Adolescentes
Os direitos sexuais e reprodutivos são os direitos que toda pessoa
tem de poder viver sua sexualidade e capacidade reprodutiva livre de
discriminação, risco, ameaça, coerção ou violência (TORRES, on-line).
A discussão sobre a existência de direitos relativos à reprodu-
ção e à sexualidade, assim como sua qualidade de direitos huma-
nos, é muito recente (LOPES, 2009). Assim, a primeira vez que a
reprodução foi tratada, ainda que timidamente, como um direito
humano foi na Conferência Internacional de Direitos Humanos,
celebrada em Teerã, em 1968 (ONU 1968, on-line).
No entanto, foi só em 1994, na Conferência Internacional
sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo
(ONU 1994, on-line), que a reprodução recebeu uma significativa
atenção, ao ser reconhecido o direito de toda pessoa de exercer sua
capacidade reprodutiva (CÔRREA; JANUZZI; ALVEZ, on-line).
No Brasil, os direitos reprodutivos receberam especial aten-
ção na Constituição Federal de 1988 (BRASIL1988, on-line),

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial pro-


teção do Estado.

[...]

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa


humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exer-
cício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por
parte de instituições oficiais ou privadas.

376
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Anos depois, em 1996, foi promulgada a Lei do Planejamento


Familiar - Lei n°. 9.263/96 (BRASIL 1996, on-line), no intuito de
regular a norma constitucional que, seguindo a linha proposta no
Programa de Ação da CIPD, desvinculou os direitos reprodutivos
a qualquer tipo de controle demográfico (art. 2°, Parágrafo único).
Todavia, nessa lei, estabeleceram-se a prevenção e a educação como
princípios norteadores do planejamento familiar (art. 4°), garantin-
do-se a todos o acesso igualitário às informações, meios, métodos e
técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade, devendo esses
serviços ser prestados pelo Sistema Único de Saúde – SUS ou por
instituições privadas, sob a fiscalização do Poder Público (art. 6°).
No que se refere aos direitos sexuais, impende reconhecer que,
ainda hoje, se encontram doutrinária e legislativamente relegados
a um segundo plano, sendo concebidos como um subconjunto dos
direitos reprodutivos (SIMIONI; PINHAL; SCHIOCCHET, 2003
p. 14). O descaso em relação aos direitos sexuais deriva do temor de
que seu desenvolvimento teórico e sua regulação legal possam im-
plicar o reconhecimento formal de práticas sexuais não reprodutivas
ou homossexuais, que as sociedades patriarcais e machistas costu-
mam condenar (LOPES, 2008), preferindo-se, desse modo, retirar-
-lhes a qualidade de direitos humanos, para deixá-los no campo da
moral, da religião ou do direito penal (MILLER, 2001, p. 87).
Sem pretender negar nem diminuir a importância dessa dis-
cussão, o que hoje impende é reconhecer a qualidade de direitos
humanos dos direitos sexuais, haja vista estarem destinados a pro-
teger a sexualidade, inerente a todo ser humano (MILLER, 2001,
p. 90). Contudo, a sexualidade humana não deve ser concebida
como uma dimensão parcial e isolada da personalidade, mas como
uma esfera que envolve toda a pessoa humana (IRALA, on-line).
Diversas declarações têm sido elaboradas com o fim de procla-
mar a existência e importância dos direitos sexuais. Dentre essas,

377
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

salienta-se a de Valencia (Espanha) de 1997, que preconiza a sexu-


alidade como parte integral da personalidade de todo ser humano,

Los derechos sexuales son derechos humanos universales


basados en la libertad, dignidad e igualdad inherentes a
todos los seres humanos. Dado que la salud es un derecho
humano fundamental, la salud sexual debe ser un derecho
humano básico. Para asegurar el desarrollo de una sexua-
lidad saludable en los seres humanos y las sociedades, los
derechos sexuales siguientes deben ser reconocidos, pro-
movidos, respetados y defendidos por todas las sociedades
con todos sus medios (WAS, on-line).

No direito brasileiro, ainda é tímido o desenvolvimento dou-


trinário sobre os direitos sexuais e não há norma jurídica que dire-
tamente os considere. No entanto, isso não retira a sua juridicida-
de nem a sua fundamentalidade, pois, com base no §2° do art. 5°
da Constituição Federal, pode-se, indubitavelmente, afirmar sua
condição de direitos fundamentais, haja vista a norma estabelecer
que as fontes dos direitos e das garantias fundamentais podem ter
assento em qualquer parte do texto formal da Constituição, ou
derivar do regime ou dos princípios por ela adotados, bem como de
tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Nesse sentido, há
diversos dispositivos constitucionais dos quais é possível derivar os
direitos sexuais (art. 1º, III; art. 3º, IV; art. 5º, caput; art. 6 º, caput;
art. 196, caput; art. 226, §7° etc.), além da própria Convenção dos
Direitos das Crianças de 1989 (art. 19), ratificada pelo Brasil em
1990. No entanto, o §2° do art. 5 º não é o único argumento nem
o mais forte para afirmar a natureza de direitos fundamentais dos
direitos sexuais. O argumento mais sólido é sua correspondência
substancial com a definição de direitos fundamentais, entendidos
estes como princípios jurídicos positivos, de nível constitucional,
que refletem os valores mais essenciais de uma sociedade, visando

378
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

proteger diretamente a dignidade humana, na busca pela legitima-


ção da atuação estatal e dos particulares (LOPES, 2001, p. 36-37).
Sendo os direitos sexuais e reprodutivos direitos fundamentais,
devem ser assegurados a todas as pessoas (art. 5°, caput). Contudo, isso
não significa que não se possam instituir exceções ou limitações. A
ordem constitucional brasileira proíbe as discriminações (art. 3°, IV),
mas não as legítimas distinções entre as pessoas. A igualdade prevista
no caput do art. 5°, a exemplo de qualquer outro direito, não é abso-
luta, mas determina tratar de forma diferente às pessoas em situações
diferentes, como é o caso das crianças e dos adolescentes.
Crianças e adolescentes devem, pela Doutrina da Proteção
Integral antes exposta, serem considerados titulares de direitos se-
xuais e reprodutivos, mas não de todos nem de forma irrestrita. O
reconhecimento de quais desses direitos e o âmbito do seu exercício
dependerão da sua idade e grau de maturidade. Entendimento con-
trário significaria ignorar o princípio da proteção especial e do inte-
resse superior, nos quais essa doutrina se sustenta. Esses princípios
propugnam tratar as crianças e os adolescentes de forma especial
devido à situação de vulnerabilidade na qual se encontram, deman-
dando não apenas o estabelecimento de direitos especiais para me-
lhor protegê-los, mas também o estabelecimento de limitações ao
exercício desses direitos no intuito de preservar o seu melhor inte-
resse1. Deve-se, nesse sentido, rejeitar a doutrina que, ao identificar
o aspecto biológico da sexualidade e da reprodução com o amadure-
cimento emocional para seu exercício, vem reivindicando a autono-
mia sexual como um direito absoluto de crianças e de adolescentes.

Se afirma que “una vez pasada la pubertad tanto el hombre


como la mujer son personas maduras sexualmente y, por

1 Cita-se, como exemplo, o art. 1517 do Código Civil — Lei n° 10.406/02 (BRASIL
2002, on-line), que estabelece uma idade mínima para contrair casamento.

379
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

tanto, capaces de reproducirse”, identificando de este modo


la capacidad reproductora, desde el ponto de vista biológi-
co, con la madurez personal cuando es obvio que en la ado-
lescencia no se dan simultáneamente. Se ha de evitar con-
fundir madurez reproductora – que se inicia en la pubertad
con las primeras reglas y eyaculaciones – con la madurez
de la persona, donde se deben encontrar integrados en un
equilibrio estable los sentimientos y afectos, la inteligencia
y la voluntad, haciendo a la persona capaz de conducirse de
una manera libre y responsable (IRALA, on-line).

É, portanto, obrigação crítica do Estado brasileiro adotar medi-


das efetivas contra a violação dos direitos sexuais e reprodutivos de
crianças e adolescentes, haja vista ser uma das formas mais cruéis de
violação dos direitos de um ser humano, conforme exposto a seguir.

3. Violência Sexual Contra Crianças e


Adolescentes
Dentre as formas de violência contra os seres humanos, a
sexual pode ser considerada a mais cruel, devido a atingir o que de
mais íntimo tem um ser humano: a sua sexualidade.
Trata-se de uma violência que provoca diversos tipos de da-
nos (LOPES, 2012):
a) Danos emocionais: a violência sexual gera na vítima senti-
mentos de vergonha, culpa e baixa autoestima. Esses sentimentos
provocam pesadelos, insônia, desesperança e depressão, derivan-
do, muitas vezes, no uso de drogas e até no suicídio;
b) Danos físicos: a violência sexual aumenta o risco de contrair
doenças sexualmente transmissíveis, incluindo HIV. Ferimentos per-
manentes no aparelho reprodutor, assim como, no caso das mulheres, a
mutilação de seios e genitais são muito comuns neste tipo de violência;

380
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

c) Danos psicossociais: a violência sexual provoca o afasta-


mento da vítima do mundo que a rodeia, com graves e até perma-
nentes sequelas para seu desenvolvimento psicossocial.
Há ainda poucos estudos sobre a temática o que, de por si, já é
um forte indicativo dos preconceitos que giram em torno do assunto.
De qualquer forma, deve-se esclarecer que a violência à que aqui se
faz se referência não é a do ato isolado, mas a decorrente da coisifica-
ção do outro, ou seja, do seu uso como apenas um objeto de prazer.
Trata-se de um ato complexo e altamente lesivo à dignidade dos
seres humanos, características que ficam ainda mais evidenciadas ao
se analisar as formas que a violência sexual apresenta (LOPES, 2013):
a) Abuso sexual
O abuso sexual é o tipo de violência que se pratica para sa-
tisfazer o desejo sexual do próprio agressor, podendo ser realizado
em um ambiente intrafamiliar ou extrafamiliar, e envolver contato
físico ou não.
Quando praticado no âmbito intrafamiliar, seu combate torna-
-se muito mais difícil devido a que, na grande maioria das vezes, não é
denunciada, seja por medo, vergonha ou para “manter a união familiar”.
b) Exploração sexual
Na exploração sexual, a vítima é usada pelo agressor como
um objeto para a satisfação sexual de um terceiro em troca de
alguma vantagem econômica.
São quatro as modalidades de exploração sexual: pornografia,
turismo com fins sexuais, prostituição e tráfico para fins sexuais.
a) Pornografia é definida como a produção de material fílmi-
co, gráfico ou fotográfico envolvendo atividade sexual ou partes
genitais de uma pessoa. A pornografia não é crime no Brasil, ex-
ceto quando envolve a participação de crianças ou adolescentes;
b) Turismo sexual: define-se como a viagem dentro ou fora
de um país, utilizando as estruturas e redes do turismo comum,

381
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

com o propósito primordial de manter relações sexuais comerciais


com residente do lugar de destino (UNWTO, on-line);
O turismo sexual é uma atividade altamente lucrativa que en-
volve diversos setores comerciais legais, dificultando seu combate,

É uma modalidade de exploração que envolve a cumplici-


dade, por ação direta ou omissão, de agências de viagem,
guias turísticos, hotéis, bares, restaurantes, boates, lancho-
netes, barracas de praia, garçons, porteiros, postos de gaso-
lina, taxistas, prostíbulos, casas noturnas e de massagem,
além da tradicional cafetinagem. (GOMES, 2004, p. 19).

O turismo sexual também não se encontra tipificado como crime


no Brasil, mas, ao igual que a pornografia, é uma atividade que fomenta
a prática de outros crimes sexuais, a exemplo do tráfico de pessoas;
c) Prostituição: é definida como “toda atividade na qual uma
pessoa troca serviços sexuais por dinheiro ou qualquer outro bem”
(REVERÓN, 2008, p. 25). No Brasil, a prostituição é uma ativi-
dade lícita, não constituindo crime ou contravenção penal. No
entanto, a lei pune quem a favorece, contribui para a sua manu-
tenção ou dela se aproveita materialmente;
d) Tráfico para fins sexuais: o tráfico de pessoas para fins
sexuais não é um crime recente, mas vem agravando-se com a glo-
balização, que tem derrubado as fronteiras geográficas e facilitado
o uso de meios de comunicação e transporte.
O tráfico de pessoas encontra-se definido no art. 3 do Pro-
tocolo Adicional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, ou Protocolo
de Palermo, no qual se deu especial relevo à proteção de crianças
(ONU 2000, on-line).

Art. 3.
Definições

382
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Para efeitos do presente Protocolo:


a) A expressão “tráfico de pessoas” significa o recruta-
mento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da
força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulne-
rabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que
tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A
exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prosti-
tuição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o
trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas si-
milares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;
b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas
tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea
a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido
utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);
c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alo-
jamento ou o acolhimento de uma criança para fins de
exploração serão considerados “tráfico de pessoas” mesmo
que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea
a) do presente Artigo;
d) O termo “criança” significa qualquer pessoa com idade
inferior a dezoito anos.

Todas essas formas de violência sexual atingem crianças e


adolescentes com um poder destrutivo muito maior que no caso
de adultos, devido à situação de vulnerabilidade na qual se encon-
tram por se tratarem de pessoas em desenvolvimento.
Considerando essa especial situação de vulnerabilidade, é
que no Código Penal, Decreto nº 2.848/40 (BRASIL 1940, on-

383
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

-line) reserva-se um tratamento especial para os crimes sexuais


contra crianças e adolescentes.
Assim, no Capítulo II do Título VI do Código Penal, encon-
tramos os crimes sexuais contra vulneráveis, sendo considerado
vulnerável o menor de 14 anos (art. 217-A, caput), ou a pessoa
que, por enfermidade ou deficiência mental, não possui o neces-
sário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer
outra causa, não pode oferecer resistência (art. 217-A, §1º). O bem
jurídico protegido neste Capítulo é a dignidade sexual e não a li-
berdade sexual, como acontece nos outros crimes do Título VI,
na medida em que o vulnerável é justamente aquele que não tem
capacidade de externar um consentimento racional pleno não se
podendo, portanto, de se falar em liberdade.
Os crimes sexuais previstos no Código Penal contra menores
de 14 anos são:
a) Estupro de vulnerável (art. 217-A), ter conjunção carnal ou
praticar qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 anos. A
existência de violência ou grave ameaça é irrelevante para a tipici-
dade do fato. Com a Lei nº 12.015/09, passou a ser crime hediondo;
b) Corrupção de menores (art. 218), induzir menor de 14
anos a satisfazer a lascívia de outrem;
c) Satisfação de lascívia mediante a presença de criança ou
adolescente (art. 218-A), satisfazer a própria lascívia ou de terceiro
mediante a prática de ato sexual na presença de menor de 14 anos;
d) Favorecimento da prostituição ou outra forma de explora-
ção sexual de menor de 18 anos (218-B), observe-se que, neste caso,
considerou-se como vítima o menor de 18 anos e não apenas o de 14.
No Capítulo V do Titulo VI, encontramos o crime de tráfico de
pessoas para fins de prostituição ou outras formas de exploração sexual
na modalidade internacional (art. 231) e nacional (231-A), prevendo-se
o aumento da metade da pena quando a vítima for menor de 18 anos.

384
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

Por outro lado, no Título VII do Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA), Lei n° 8.069/90 (BRASIL 1990, on-line), en-
contra-se a previsão de vários crimes contra crianças e adolescen-
tes, dentre os quais merecem destaque, devido à sua relação com
a temática do presente texto, o art. 240 e o art. 241 que tratam da
produção, reprodução e/ou divulgação de material pornográfico
envolvendo crianças e adolescentes.
Constata-se, assim, a existência de um sólido arcabouço jurídi-
co-penal dispondo sobre as diversas modalidades de violência sexual
contra crianças e adolescentes, passando-se, a seguir, à análise das po-
líticas públicas destinadas a contribuir na efetividade dessas normas.

4. Políticas Públicas Contra a Violência Sexual


de Crianças e Adolescentes
Foi nos anos 90, no marco da luta nacional e internacional
pelos direitos humanos de crianças e adolescentes, que a proble-
mática da violência sexual infanto-juvenil começou a ser incluída
na agenda política dos Estados.
Assim, em 1996, realizou-se na cidade de Estocolmo o I
Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças, no
qual os Estados participantes propuseram diversas diretrizes e pro-
gramas de cooperação internacional para o combate da violência
sexual infanto-juvenil (PAIXÃO; DESLANDES, 2010).
Influenciado pelas discussões levantadas nesse Congresso, a As-
sociação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Ado-
lescência (ABRAPIA) implantou, em 1997, a Rede de Informações
sobre Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (RECRIA)
para auxiliar na sistematização dos dados relativos à problemática. A
ABRAPIA criou também o Disque-Denúncia que, em 2003, passou a
ser coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH).

385
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Já em 2000, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e


do Adolescente (CONANDA) aprovou o Plano Nacional de En-
frentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes,
estruturado em seis eixos estratégicos (SEDH, on-line):
a) Análise da Situação: conhecer o fenômeno da violência
sexual contra crianças e adolescentes em todo o país;
b) Mobilização e Articulação: fortalecer as articulações na-
cionais, regionais e locais de combate à violência sexual, envol-
vendo também a sociedade civil;
c) Defesa e Responsabilização: atualizar a legislação, comba-
ter a impunidade, disponibilizar serviços de notificação e capacitar
os profissionais da área jurídico-policial; implantar e implementar
os Conselhos Tutelares, o Sistema de Informações para a Infância
e a Adolescência (SIPIA) e as Delegacias especializadas em crimes
contra crianças e adolescentes;
d) Atendimento: garantir o atendimento especializado de
crianças e adolescentes em situação de violência sexual, assim
como suas famílias, por profissionais especializados e capacitados;
e) Prevenção: assegurar ações preventivas contra a violência
sexual, promovendo ações de educação, sensibilização e autodefe-
sa das crianças e dos adolescentes;
f) Protagonismo Infanto-Juvenil: promover a participação
ativa de crianças e adolescentes na defesa de seus direitos e no
acompanhamento da execução do Plano.
Com a finalidade de garantir um atendimento especializado
a crianças e adolescentes vítimas da violência sexual, em dezembro
2001 (Portaria n° 878/2001) criou-se o Programa Sentinela, ideali-
zado dentro de uma concepção intergovernamental e intersectorial.
A implementação do Programa Sentinela deu-se por meio dos
Serviços e Centros de Referência, dotados de estrutura física e de
uma equipe técnica formada por assistente social, psicólogo, edu-
cador social e, em alguns casos, por equipe jurídica. A seleção dos

386
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

locais onde esses Centros foram criados tomou como base o núme-
ro de ocorrências notificadas de violência sexual. Atualmente, os
Centros são chamados “Centro de Referência Especializado de As-
sistência Social” (CREAS), e se encontram em muitos municípios.

No Guia de Orientação do CREAS é destacada a necessida-


de de instituir uma ação eficaz no atendimento às crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual, com destaque para
a necessidade de estabelecer em primeira instância a confia-
bilidade na declaração da vítima, um trabalho minuciosos
quanto à identificação da problemática com a maior precisão
sobre o tipo de violência na qual a vítima está, ou foi submeti-
da, assim como o atendimento à família e o estabelecimento
de um conjunto de ações e procedimentos encadeados que
visam à preservação da vítima a partir da “privacidade, do
sigilo e da inviolabilidade dos registros”, para que os sujeitos
(vítimas e familiares) não sejam revitimizados no processo de
notificação, investigação e atendimento em geral (ROCHA;
LEMOS; LIRIO, 2011, p. 16).

Nos municípios onde não há um CREAS, o atendimento


é realizado pelos Centros de Referências da Assistência Social
(CRAS), que atendem diversas vulnerabilidades sociais.
Em 2003, o Plano passou por uma reforma com o objetivo de
construir indicadores de monitoramento e avaliação das políticas pú-
blicas que vinham sendo adotadas, dando lugar ao Programa de Ações
Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infan-
to-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR), cujas principais metas são:

[...] promover mecanismos de exigibilidade dos direitos (de-


fesa jurídica) às vítimas da violência sexual infanto-juvenil;
garantir o atendimento adequado para crianças, adolescen-
tes e familiares em situação de violência sexual; integrar
as Políticas Sociais Básicas consolidando redes de atenção

387
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

às crianças, adolescentes e famílias violadas sexualmente;


desenvolver os instrumentos de comunicação social como
estratégia de visibilidade e controle social das situações que
representem risco ou ocorrência de violações dos direitos
fundamentais de crianças e adolescentes, em especial no
tocante a integridade física e psíquica [...] (SEDH, on-line).

Em outubro de 2010 foi aprovado o Plano Decenal de Direitos


Humanos de Crianças e Adolescentes, com o objetivo principal de
“articular as várias políticas setoriais voltadas ao público infanto-juve-
nil, além de orientar a implementação de políticas que efetivamente
garantam os direitos de crianças e adolescentes” (UNICEF, on-line).
Para acompanhar as metas traçadas no Plano Decenal, de-
cidiu-se que as ações previstas no Plano Nacional fossem também
implementadas até 2020, reafirmando-se o compromisso do Poder
Público de defender os direitos das crianças e dos adolescentes,
especialmente dos que se encontram em situação de ameaça ou
violação do seu direito a uma sexualidade segura e saudável.
No Município de Fortaleza são diversos os Programas que, por
meio da Fundação da Criança e da Família Cidadã (FUNCI)/Coor-
denadoria da Criança e Adolescência (FORTALEZA, on-line), vêm
sendo implementados a partir das diretrizes estabelecidas no Plano
Nacional e no Plano Decenal. Assim, citam-se os seguintes:
a) Ponte de Encontro: realiza abordagens nos locais onde há
a presença de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, em situação
de rua e mendicância;
b) Programa Rede Aquarela: coordena e executa ações de
enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
O Programa é composto pelo Núcleo de Disseminação/Pair (Pro-
grama de Ações Integradas e Referências de Enfrentamento à Vio-
lência Sexual Infantojuvenil no Território Brasileiro); Núcleo de
Atendimento Psicossocial; Unidade Aquarela/DCECA (Delegacia

388
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescente); Uni-


dade Aquarela da 12ª Vara da Infância (Vara Especializada para
apuração de crimes praticados contra crianças e adolescentes);
c) Programa Famílias Defensoras: trata-se de um projeto de
transferência de renda destinada às famílias com crianças e/ou
adolescentes de até 18 anos incompletos, em situação de vulnera-
bilidade ou risco social;
d) Programa Adolescente Cidadão: é um programa de pro-
fissionalização para adolescentes e jovens de 16 a 21 anos, em si-
tuação de vulnerabilidade social, em situação de rua, exploração
sexual ou cumprindo medidas socioeducativas em meio aberto;
e) Programa de Acolhimento Institucional: objetiva promo-
ver e garantir o direito de crianças e adolescentes à convivência
familiar e comunitária, sendo um espaço de acolhimento de cará-
ter provisório destinado a crianças e adolescentes de 7 a 18 anos
incompletos, cujos vínculos familiares estejam fragilizados e/ou
rompidos. Unidades: Casa dos Meninos, Casa das Meninas, Espa-
ço Aquarela e Espaço Temporário de Acolhimento.
Verifica-se a existência, tanto no nível federal como no mu-
nicipal, de diversos Planos e Programas de enfrentamento à vio-
lência sexual de crianças e adolescentes, entretanto, a realidade
mostra que o problema ainda está longe de ser resolvido.
Os números de casos de violência sexual infanto-juvenil con-
tinuam alarmantes, o que nos mostra a necessidade de enfrentar o
problema a partir de outros enfoques.
Nesse sentido, as políticas públicas devem deixar de tratar
crianças e adolescentes como adolescentes como objetos de pro-
teção, para passar a tratá-los como sujeitos de direitos, com ca-
pacidade para opinar, participar e decidir sobre os assuntos que
diretamente lhes afetam, ainda que, em concordância à sua idade
e grau de amadurecimento moral (LOPES, 2011).

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Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Desse modo, é necessário empoderar crianças e adolescentes, de


forma a que possam desenvolver as habilidades necessárias para se pro-
teger contra a violência sexual, de forma a torná-las capazes de resguar-
dar não apenas sua sexualidade, mas sua própria dignidade humana.

Conclusão
Desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos das
Crianças, muitas conquistas na defesa dos direitos humanos das
crianças e dos adolescentes têm sido alcançadas.
No entanto, em pleno século XXI, ainda há muito por fazer na
busca pelo reconhecimento das crianças e dos adolescentes como
sujeitos de direitos. A sociedade, em geral, continua tratando-os
apenas como objetos de proteção, desconhecendo, assim, a sua ca-
pacidade para a construção de soluções de alguns dos problemas
que diretamente os afetam, como é o caso da violência sexual.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é produto
do exercício de um poder violento, ilegítimo, que destrói a iden-
tidade da vítima, e que é auxiliada e reforçada pela cumplicidade
do silêncio da sociedade, impregnada de valores preconceituosos.
Nesse contexto, neste trabalho evidenciou-se a importância
do respeito ao direito das crianças e dos adolescentes de opinar e
participar nas decisões que diretamente lhes afetam, conforme o
proposto pela Doutrina da Proteção Integral, acolhida na legisla-
ção internacional e nacional.
Empoderar crianças e adolescentes contra a violência sexual
irá, sem dúvida, contribuir para o aprimoramento dos mecanismos
de prevenção, combate e recuperação das vítimas.

390
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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395
Educação Sexual para Crianças e
Adolescentes no Ambiente Escolar

Jéssika de Lima Freire


Bolsista BICT/FUNCAP (2012)
Universidade de Fortaleza

Introdução
A sexualidade das crianças e dos adolescentes1 aparece como
uma preocupação da sociedade brasileira a partir da década de 80,
quando esta questão torna-se um problema de interesse público,
devido ao grande crescimento da incidência de gravidezes inde-
sejadas e à propagação das doenças sexualmente transmissíveis,
notadamente a AIDS2.
O surgimento dessas demandas provocou a atuação estatal
para combatê-las, a exemplo da adoção de práticas pedagógicas
desenvolvidas no espaço escolar para cuidar da saúde sexual das
crianças e dos adolescentes.

1 O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 2º, considera crianças as


pessoas com até doze anos de idade incompletos e adolescentes as que possuem entre
doze e dezoito anos de idade. Essa distinção não é adotada no âmbito internacional,
em que prevalece apenas a terminologia criança para designar toda pessoa que não
completou dezoito anos de idade, na forma que estabelece o art. 1º da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Crianças de 1989
2 Sobre o número de casos de AIDS no Brasil, tem-se que em 1982, foi diagnosticado
o primeiro caso; em 1988, os casos notificados no país somam 4.535; em 1995, o
Brasil registrou 19.980 casos.

397
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Essas práticas foram incluídas nos Parâmetros Curriculares


Nacionais de 1ª a 4ª série, de 1997, e de 5ª a 8ª série, de 1998,
documentos oficiais que dispõem sobre a educação brasileira, por
meio da previsão da ‘‘orientação sexual’’ como um tema transver-
sal a ser adotado pelos currículos escolares, o que causou diversos
questionamentos que merecem ser considerados.
O primeiro deles consiste no entendimento de que a ampliação
da discussão sobre a sexualidade trouxe consigo o efeito de aproximar
os alunos das práticas que configuram riscos e ameaças, com a difu-
são do discurso de que esses indivíduos têm todo o direito ao prazer.
Questiona-se, ainda, a possibilidade desse tema transversal
apresentar um caráter interventivo para direcionar a conduta se-
xual dos alunos, associando-se o monitoramento do comporta-
mento dos alunos ao interesse estatal de controlar a natalidade e a
qualidade da saúde pública.
Indaga-se, também, sobre a diferença que pode existir entre a
educação sexual familiar e escolar, o que poderia causar prejuízos ao
ensino transmitido para crianças e adolescentes, impondo-se a fixação
de limites dentro dos quais cada um desses agentes pode e deve atuar.
Por fim, defende-se que, embora sujeitos de direitos e, por-
tanto, titulares dos direitos sexuais e reprodutivos, as crianças e os
adolescentes devem ter o exercício desses direitos limitados ao seu
grau de maturidade e à sua idade.
Com base nesses questionamentos, conclui-se que se faz ne-
cessária a revisão daqueles documentos na parte em que discorrem
sobre a “orientação sexual”, com o intuito de evidenciar os avan-
ços e recuos na proposta pedagógica de abordagem da sexualidade
para crianças e adolescentes no âmbito escolar.
Para a fundamentação teórica e análise crítica do tema, ana-
lisaram-se os documentos oficiais e a legislação nacional que dis-
põem acerca do ensino brasileiro, assim como se realizou pesquisa

398
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

bibliográfica na doutrina nacional e comparada para o estudo dos


direitos da infância e da juventude.
Diante desse contexto, as disposições sobre a “orientação
sexual” serão associadas aos direitos da infância e juventude, de-
monstrando-se que a educação sexual para crianças e adolescen-
tes, na forma proposta naqueles documentos, deve ser aprimorada
para garantir a defesa dos direitos desses indivíduos.

1. Os Direitos Humanos das Crianças e dos


Adolescentes
Na evolução dos direitos humanos, a especificação dos sujei-
tos de direitos caracterizou o fortalecimento dos direitos das pes-
soas em situação de vulnerabilidade, assim entendidas como “todo
grupo humano em situação de desvantagem social, cultural, eco-
nômica, política ou jurídica, cujos direitos são vulnerados apenas
por possuírem alguma ou algumas características diferentes das do
grupo dominante da sociedade” (LOPES, 2006, p. 55).
Foi nesse contexto que houve a expansão dos direitos huma-
nos das crianças e dos adolescentes, que passaram a ter sua peculiar
condição de pessoas em desenvolvimento reconhecida em diversos
documentos internacionais e na legislação de inúmeros países.
O início desse processo ocorreu com a elaboração da Decla-
ração Universal dos Direitos das Crianças, aprovada pela Assem-
bleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1959. Esse do-
cumento consagra os princípios da proteção especial e do interesse
superior, que se encontram acolhidos no Princípio II (ONU, 1959,
on line), e são adotados pela legislação brasileira.
O princípio da proteção especial proclama que a peculiar
condição de pessoas em desenvolvimento exige a adoção de medi-
das especiais para a proteção e promoção dos direitos das crianças

399
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

e dos adolescentes, pois esses sujeitos encontram-se em situação de


vulnerabilidade perante as demais pessoas.
De acordo com o princípio do interesse superior ou do me-
lhor interesse, as crianças e os adolescentes devem ter seus direitos
resguardados, prevalecendo a busca pela medida que melhor aten-
da aos seus anseios. Na aplicação desse princípio, deve ser supera-
do o entendimento de que esses indivíduos são meros objetos de
responsabilidade dos pais, o que pode ser utilizado para justificar a
aplicação de medidas contrárias aos seus direitos.
Atualmente, propugna-se que o princípio do interesse supe-
rior seja interpretado em concordância com a Doutrina da Prote-
ção Integral, que atribui às crianças e aos adolescentes a qualidade
de sujeitos de direitos.
A origem dessa Doutrina associa-se aos trabalhos de elaboração
da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, aprovada
pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1989.
Por sua natureza jurídica, as convenções são instrumentos com
maior força normativa que as declarações, o que fez com que aquele
documento influenciasse a legislação de diversos países, dentre as
quais a do Estado brasileiro, que expressamente acolheu a Doutrina
da Proteção Integral no Estatuto da Criança e do Adolescente3 -
Lei nº 8069/1990 (ECA) -, inserindo-a no âmbito do ordenamento
jurídico pátrio.
Esse novo modelo foi essencial para substituir a Doutri-
na da Situação Irregular, vigente no Código de Menores (Lei nº
6.697/1979), que considerava as crianças e os adolescentes apenas
como objetos submetidos à autoridade dos adultos, além de des-
tinar o tratamento diferenciado nela contido apenas aos que se

3 Em seu art. 1º, determina que “esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e
ao adolescente” (BRASIL, 1990, on line).

400
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

encontrassem em situação irregular4, conferindo-lhes um trata-


mento discriminatório.
Com a adoção da atual Doutrina, as crianças e os adolescentes
deixaram de ser tratados como objetos de proteção para passarem
a ser considerados sujeitos de todos os direitos atribuídos às demais
pessoas, além de direitos especiais que lhes são conferidos em razão
da sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento.
Para complementar essa proteção integral, o ECA, em seu
art. 100, parágrafo único, faz a previsão de princípios que apri-
moram a defesa dos direitos da infância e da juventude, dentre os
quais merecem especial destaque o princípio da privacidade, da
responsabilidade parental, da obrigatoriedade de informação e da
oitiva obrigatória e participação.
a) o princípio da privacidade assegura que as intervenções reali-
zadas para garantir a defesa dos direitos das crianças e dos adolescen-
tes devem respeitar a sua intimidade, imagem e vida privada, “propor-
cionando e garantindo práticas de aconselhamento individual, e que
as informações prestadas só sejam reveladas com consentimento do
adolescente ou nos casos em que é permitida a quebra de sigilo em
relação aos adultos” (VENTURA; CORRÊA, 2006, p. 1507);
b) o princípio da responsabilidade parental visa garantir que
os pais assumam os seus deveres com os seus filhos, haja vista o
papel primordial que desempenham na sua formação;
c) o princípio da obrigatoriedade da informação preceitua que
a criança e o adolescente, de acordo com seu estágio de desenvol-
vimento e sua capacidade de compreensão, bem como seus pais ou

4 A situação irregular da criança e do adolescente caracterizava-se por um dos seguintes


aspectos: i) privação de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória,
ainda que eventualmente; ii) vitimização de maus-tratos ou castigos imoderados impostos
pelos pais ou responsável; iii) perigo moral; iv) privação de representação ou assistência
legal; v) desvio de conduta; e vi) autoria de infração penal (BRASIL, 1979, on line).

401
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

responsáveis, sejam informados sobre os motivos que determinaram a


intervenção e a forma como esta se processa (BRASIL, 1990, on line);
d) o princípio da oitiva obrigatória e participação propugna que
a criança e o adolescente, e também seus pais ou responsável, têm
direito de serem ouvidos e de participarem nos atos e na definição
das medidas de promoção e proteção dos seus direitos. Essa oitiva e
participação podem ocorrer em separado ou na companhia dos pais,
de responsável ou de pessoa por si indicada (BRASIL, 1990, on line).
Os princípios consolidados pela legislação brasileira, associa-
dos à Doutrina da Proteção Integral, demonstram a inquestioná-
vel conquista obtida no campo teórico para a defesa dos direitos
da infância e da juventude.
Essa tendência deve ser acompanhada quando da adoção de prá-
ticas que visem garantir às crianças e aos adolescentes o exercício dos
seus direitos, não podendo tais medidas se configurarem, sob nenhum
argumento, em um meio de tratamento vexatório ou constrangedor.
Dentre as atuais controvérsias sobre os direitos infanto-juvenis, a
previsão da educação sexual no âmbito escolar aparece como uma po-
lítica pública que apresenta diversas limitações para a sua implementa-
ção. Isso porque os documentos oficiais que preveem esse ensino apre-
sentam disposições que ressaltam os aspectos preventivos do exercício
da sexualidade pelos alunos, desconsiderando as necessárias restrições
que devem ser impostas de acordo com a sua idade e maturidade, con-
duzindo ao entendimento que eles podem praticar o sexo livremente.

2. A Orientação Sexual nos Parâmetros


Curriculares Nacionais
A educação escolar brasileira é orientada pelo princípio da
base nacional comum5, que prevê a fixação de conteúdos mínimos

5 Esse princípio está contido no artigo 210, caput, da Constituição Federal de 1988,
que dispõe que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,

402
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

para serem implementados nos diversos níveis curriculares em que


se estrutura o projeto educativo a ser concretizado em sala de aula.
Com base nesse princípio, foram elaborados os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) de 1ª a 4ª série, em 1997, e os de
5ª a 8ª série, em 1998, que constituem os documentos oficiais que
dispõem sobre o ensino escolar em âmbito nacional.
Esses documentos estão organizados em uma coleção de dez
volumes. No primeiro, realiza-se uma introdução para justificar e
fundamentar as opções feitas para a elaboração do documento. Seis
volumes se referem às áreas de conhecimento: língua portuguesa,
matemática, ciências naturais, história, geografia, arte e educação
física. Por fim, há três volumes que abordam os temas transversais.
Embora se caracterizem como um referencial para a educa-
ção do Ensino Fundamental em todo o País, não pretendem se
configurar em um modelo homogêneo e impositivo. Ao contrário,
visam assegurar a diversidade do processo educativo de acordo
com as particularidades locais (BRASIL, 1997, p. 13).
Esses documentos inovam o ensino, introduzindo “temas
transversais” nos currículos escolares, que são assim denominados
em razão da sua abordagem se dar de forma integrada com as tra-
dicionais disciplinas escolares.

Não constituem novas áreas, mas antes um conjunto de


temas que aparecem transversalizados as áreas definidas,
isto é, permeando a concepção, os objetivos, os conteúdos
e as orientações didáticas de cada área, no decorrer de
toda a escolaridade obrigatória. A transversalidade pres-
supõe um tratamento integrado das áreas e um compro-
misso das relações interpessoais e sociais escolares com
as questões que estão envolvidas nos temas, a fim de que

de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e


artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988, on line).

403
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

haja uma coerência entre os valores experimentados na


vivência que a escola propicia aos alunos e o contato inte-
lectual com tais valores (BRASIL, 1998, p. 124).

Esses temas foram escolhidos de acordo com os seguintes crité-


rios: i) urgência social; ii) abrangência nacional; iii) possibilidade de
ensino e aprendizagem no ensino fundamental; e iv) compreensão
da realidade e participação social. Essa evidente funcionalização do
ensino objetiva permitir aos alunos a construção da sua cidadania,
possibilitando que eles apreendam a realidade criticamente.
Com efeito, as práticas pedagógicas transformam a escola em
um ambiente propício ao fortalecimento da cidadania dos alunos,
por meio de uma perspectiva sistematizada das questões sociais.
Firmando o entendimento que considera a sexualidade como
uma dimensão humana, que se manifesta em todas as faixas etá-
rias, a “orientação sexual”6 é um dos temas transversais, cuja pro-
posta consiste em transmitir informações e problematizar questões
relacionadas à sexualidade.
Esse tema transversal não está previsto apenas nos PCNs. O
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), de
2007, estimula a abordagem desse tema em sala de aula, estabele-
cendo-o como uma das ações programáticas para a educação básica:

9. Fomentar a inclusão, no currículo escolar, das temáti-


cas relativas a gênero, identidade de gênero, raça e etnia,
religião, orientação sexual, pessoas com deficiências, en-

6 A presente pesquisa adotou a expressão “educação sexual”, ao revés de “orientação


sexual”, pois, muito embora seja esta a nomenclatura adotada pelo Estado brasileiro
na redação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª a 4ª série e de 5ª a 8ª
série, tem-se que a mesma se mostra inadequada, pois “no campo de estudos
da sexualidade e nos movimentos sociais, assim como, de um modo geral, na
bibliografia internacional, “orientação sexual” é o termo sob o qual se designa a
opção sexual” (ALTMANN, on line).

404
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

tre outros, bem como todas as formas de discriminação e


violações de direitos, assegurando a formação continuada
dos(as) trabalhadores(as) da educação para lidar critica-
mente com esses temas (BRASIL, 2007, p. 33).

A inclusão dessa temática nos currículos escolares é justificada em


torno de três pontos principais. Primeiramente, a escola é reconhecida
como um espaço privilegiado para ações preventivas das doenças se-
xualmente transmissíveis e das gravidezes indesejadas entre os alunos.
O segundo ponto relaciona-se ao entendimento de que a
educação sexual escolar é um meio que propicia a promoção e a
proteção dos direitos sexuais e reprodutivos dos alunos.

A orientação sexual na escola é um dos fatores que contri-


bui para o conhecimento e valorização dos direitos sexuais e
reprodutivos. Estes dizem respeito à possibilidade de que ho-
mens e mulheres tomem decisões sobre sua fertilidade, saúde
reprodutiva e criação de filhos, tendo acesso às informações
e aos recursos necessários para implementar suas decisões.
Esse exercício depende da vigência de políticas públicas que
atendam a esses direitos (BRASIL, 1998, p. 293).

Por fim, afirma-se que a tradicional abordagem biológica do


corpo humano não se mostra suficiente para a aprendizagem dos
alunos, na medida em que devem ser incluídas as dimensões cul-
turais, afetivas e sociais contidas nesse mesmo corpo.
Como objetivo desse novo ensino, pretende-se que sua abor-
dagem possa contribuir para que as crianças e os adolescentes
desenvolvam e exerçam sua sexualidade com prazer e responsa-
bilidade. Esse trabalho pode ocorrer de forma programada, por
meio dos conteúdos previamente transversalizados, e de forma não
programada, sempre que surgirem questões relacionadas ao tema.
A partir da quinta série, além da transversalização, o ensino com-
porta uma sistematização e um espaço específico.

405
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Esses são os contornos gerais daquele tema transversal, des-


critos na forma em que se encontram nos PCNs. Com apenas es-
sas noções introdutórias, percebe-se a importância dessa temática
para a formação dos alunos. Contudo, muitas das disposições con-
templadas por esses documentos não estão em concordância com
a peculiar condição das crianças e dos adolescentes, pelos motivos
que estão evidenciados a seguir.

3. A Educação Sexual em Sala de Aula


Depois de mais de duas décadas de vigência do Estatuto da
Criança e do Adolescente, não restam dúvidas de que essa legis-
lação realizou grandes transformações no ordenamento jurídico
brasileiro para aprimorar a defesa dos direitos humanos das crian-
ças e dos adolescentes.
No entanto, o que se verifica é que ainda persistem inúmeras
situações de desrespeito a esses direitos, como o que ocorre com
algumas das disposições contidas na parte dos documentos oficiais
sobre a educação nacional que disciplina a inclusão da “orientação
sexual” nos currículos escolares. Nessa temática, os PCNs discor-
rem sobre a sexualidade humana adaptando-a à realidade escolar.
No entanto, essa proposta aberta e flexível adota práticas peda-
gógicas que podem ensejar o desrespeito aos direitos dos alunos.
Como pontos principais a serem revisados, aparecem a perti-
nência da didática e dos conteúdos previstos para serem adotados
em sala de aula; a possibilidade da educação sexual realizada pela
família ser complementada pela escola; os efeitos que esse trabalho
pode causar na sexualidade das crianças e dos adolescentes.

406
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

3.1. Didáticas e conteúdos


No currículo nacional, os conteúdos da educação sexual es-
tão organizados em três blocos: “corpo: matriz da sexualidade”,
“relações de gênero” e “prevenção das doenças sexualmente trans-
missíveis/AIDS”. Esses são os assuntos que devem necessariamen-
te ser trabalhados em sala de aula, não excluindo a abordagem de
temas eleitos pelos próprios alunos.
Os PCNs tratam do corpo humano não apenas em seu as-
pecto biológico, pois, como matriz da sexualidade, considera-se
que também engloba as dimensões psicológica e social. Para cui-
dar da saúde sexual e reprodutiva desse corpo, o uso dos métodos
contraceptivos é entendido como uma forma de autocuidado que
deve ser fomentada pela escola.
Nos tradicionais currículos escolares, o tratamento da contracep-
ção restringe-se à menção dos métodos contraceptivos existentes. Os
PCNs de 5ª a 8ª série ampliam essa discussão para incluir as suas indi-
cações e contra-indicações, e estimular o debate sobre “como, quando e
por que ter ou não filhos e quantos” (BRASIL, 1998, p. 320).
Essa abordagem dos métodos contraceptivos é fundamental
para transmitir informações sobre os direitos reprodutivos e as for-
mas de prevenção, mas torna evidente o interesse do Estado em
controlar a natalidade entre os alunos. O discurso adotado é no
sentido de que crianças e adolescentes devem aderir precauções
para “evitar uma gravidez indesejada, procurando orientação e fa-
zendo uso de métodos contraceptivos” (BRASIL, 1998, p. 312).
Essa perspectiva liberal transmite aos alunos o entendimento
equivocado de que eles podem exercitar o sexo livremente, desde
que haja a prevenção, pois assim sua sexualidade seria conduzida
com prazer e responsabilidade (BRASIL, 1997, p. 91; BRASIL,
1998, p. 311). Paradoxalmente, esse discurso tem o efeito de apro-
ximar os alunos das ideias de risco.

407
Ana Maria D´Ávila Lopes,
Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Além disso, esse enfoque faz com que as práticas pedagógi-


cas sejam utilizadas para intervir na vida sexual dos alunos, dire-
cionando-lhes o comportamento em substituição às orientações
transmitidas por médicos e familiares.
Em relação às didáticas, a título meramente exemplificativo, os
documentos em análise fazem a previsão de que o educador possa uti-
lizar quaisquer meios didáticos, artísticos, científicos, etc., no conhe-
cimento do corpo humano; da importância dos alunos explicitarem o
conhecimento que têm acerca de determinado assunto; assim como da
predominância de uma metodologia participativa (BRASIL: 1998).
Considera-se que a sexualidade é um assunto delicado quan-
do tratado entre pessoas nessa faixa etária. Assim, o estímulo da
participação nessas aulas afronta o princípio da privacidade, pois
expõe a intimidade dos alunos.
Deve ser ressaltado, ainda, que os currículos nacionais não
condicionam esse ensino à capacitação prévia e específica dos
professores, o que seria fundamental para evitar a transmissão
de informações erradas aos alunos, como o que ocorre quando se
considera o preservativo um método totalmente seguro:

Assim, nas campanhas públicas e nas escolas é divulgado


que os preservativos protegem contra as doenças sexual-
mente transmissíveis e as gravidezes indesejadas, sem que,
na quase totalidade das vezes, se informe que o método não
é 100% seguro, propalando a falsa ideia de seguridade ou in-
vulnerabilidade, aumentando paradoxalmente os riscos que
essa informação objetiva diminuir (LOPES, 2011, p. 115).

Por sua vez, a reserva de um bloco específico para as doen-


ças sexualmente transmissíveis/AIDS deixa evidente a adoção de
conceitos médico-higienistas, na medida em que “a sexualidade
é reduzida à genitalidade e a um problema de saúde pública. Não
está em jogo a formação do homem e sim a informação de como se

408
Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

evitar o contágio de doenças que se transmitem pelo sexo” (CA-


BRAL, on line).
Os conteúdos e didáticas mencionados podem expor a intimi-
dade do aluno; podem, paradoxalmente, aumentar as oportunidades
de contágio; podem oportunizar a indicação de determinado método
contraceptivo, incentivando, ainda que indiretamente, o início da
vida sexual dos alunos; podem invadir a esfera tão pessoal e sobrema-
neira íntima da decisão sobre a concepção, dentre outras violações.
Dessa forma, os PCNs dispõem sobre a sexualidade por meio de
conteúdos e didáticas inadequadas para a compreensão dos alunos.
Diante disso, os currículos escolares não devem adotar essas previsões,
impondo-se a revisão daqueles documentos antes da sua aplicação.

3.2. Relação escola-família


A Constituição vigente, em seu art. 227, atribui ao Estado, à
família e à sociedade a obrigação de assegurar, com absoluta prio-
ridade, o direito à educação para as crianças e os adolescentes. Em
razão disso, devem ser estabelecidos os limites para a atuação de
cada um desses agentes no âmbito da educação sexual.
Com base no direito à convivência familiar, consagrado na-
quele mesmo dispositivo constitucional, defende-se que cabe pre-
cipuamente aos pais o dever de promover a educação sexual dos
seus filhos. Assim, a prioridade na educação sexual das crianças
e dos adolescentes deve ser conferida à família, pois é no espaço
familiar que são repassados os valores que os pais esperam sejam
agregados à personalidade dos seus filhos.
Mesmo que a abordagem de assuntos pertinentes à sexualidade
não se realize de forma direita, o comportamento dos membros da famí-
lia deixa transparecer a postura que esperam que seus filhos assumam.
No entanto, na hipótese da família se desincumbir do dever
que lhe é atribuído ou, quando o assuma, o faça de forma que co-

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Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

loque em risco os direitos dos seus filhos, legitima-se a ingerência


do Estado, que só deve ocorrer “cuando la desprotección o la nega-
ción de los derechos de um niño llegan a perjudicar su bienestar o su
desarrollo físico o psicológico” (O’DONNELL, on line).
Portanto, a atuação do Estado deve ser desenvolvida com o
objetivo de apenas complementar a educação sexual realizada pela
família, sem pretender afastar ou diminuir a responsabilidade dos
pais sobre os seus filhos. A participação do Estado na educação
sexual das crianças e dos adolescentes acontece por meio da im-
plementação de políticas públicas direcionadas para esse público
com o intuito de promover a sua saúde sexual.
Por outro lado, a proposta da educação sexual em sala de
aula se configura como uma medida de caráter contínuo que, se-
gundo a redação dos PCNs, é a que garante os melhores resultados
na formação dos alunos.
O propósito é que a escola se apresente como o meio pelo
qual os alunos recebam uma educação sexual de forma neutra,
pois “de forma diferente, cabe à escola abordar os diversos pontos
de vista, valores e crenças existentes na sociedade para auxiliar o
aluno a encontrar um ponto de auto-referência por meio da refle-
xão” (BRASIL, 1997, p. 83).
Se, por um lado, a complementação que a escola pode reali-
zar na educação sexual dos alunos não deve substituir a necessária
abordagem familiar sobre o assunto, por outro, é necessário que a
família participe ativamente da educação escolar, principalmente
se esse tema transversal estiver incluído nos currículos escolares.
Para cumprir o seu papel, os pais devem “examinar o currí-
culo de educação sexual, ler a ementa do curso, folhear a aposti-
la ou o livro e até conversar com o professor” (RICHARDSON;
SCHUSTER, 2010, p. 66).
Essa possibilidade está, inclusive, estabelecida legalmente no
Estatuto da Criança e do Adolescente que, em seu art.53, parágra-

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

fo único, dispõe que ‘‘é direito dos pais ou responsáveis ter ciência
do processo pedagógico, bem como participar da definição das
propostas educacionais’’ (BRASIL, 1990, on line).
No mesmo sentido, o Plano Nacional de Educação7 - Lei n.º
13.005/2014 (PNE) – determina que seja estimulada, no ensino
fundamental, “a participação dos pais ou responsáveis no acompa-
nhamento das atividades escolares dos filhos por meio do estreita-
mento das relações entre as escolas e as famílias” (estratégia 2.9). A
interação entre escola e família é fundamental para a construção
de medidas adequadas a formação dos alunos, devendo haver entre
eles a cooperação para o bem-estar das crianças e dos adolescentes.

3.3. Construindo a educação sexual na escola


A educação sexual escolar pode se configurar em uma medi-
da importante para o desenvolvimento das crianças e dos adoles-
centes, pois assegura o seu ‘‘direito de receber uma educação que
lhes permita preparar-se para exercer e defender os direitos dela
decorrentes’’ (LOPES, on line).
Nesse sentido, as deficiências dos PCNs devem ser eviden-
ciadas para não serem utilizadas em sala de aula e novas propostas
devem ser construídas como alternativas para a implementação
desse ensino de forma adequada.
O incentivo a uma metodologia participativa e a previsão de
conteúdos que centralizem a temática na prevenção das gravidezes
indesejadas e das doenças sexualmente transmissíveis devem ser
combatidos, pois podem expor a intimidade dos alunos e impor-
-lhes uma conduta sexual meramente preventiva.

7 Essa lei possui duração decenal, conforme determinação do art. 214 da Constituição
Federal de 1988, e, além dos seus quatorze artigos, está divida em vinte metas, as
quais possuem as respectivas estratégias de implementação.

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Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

Os conteúdos inapropriados podem ser substituídos por ou-


tros que guardem pertinência temática com esse tema transversal
e não coloquem em risco os direitos dos alunos. Como exemplos,
têm-se a conceituação dos direitos sexuais e reprodutivos, a sua
classificação como direitos humanos, o respeito ao próprio corpo e
a compreensão das relações de gênero.
Em relação ao incentivo da participação dos alunos, o profes-
sor deve ressaltar que o silêncio deles merece ser respeitado, não
podendo ser compelidos a expor as suas experiências, os seus pen-
samentos e as suas opiniões em sala de aula.
Uma possibilidade que deve ser considerada se refere a recusa
do aluno de participar das aulas de educação sexual, o que deve ser
permitido para não obrigar a criança e o adolescente a permane-
cerem em um local em que se sintam constrangidos.
Por isso, defende-se que as aulas sobre sexualidade sejam
facultativas da mesma forma que ocorre com o ensino religioso,
para que os alunos a frequentem movidos por sua vontade. Caso
contrário, a obrigatoriedade do ensino pode imprimir no aluno o
desgosto de ir para a escola.
Outra alternativa é vislumbrada na criação de mecanismos
para o acompanhamento individualizado das crianças e dos ado-
lescentes, cuja implementação nas escolas encontra respaldo na
estratégia 2.3 do PNE então vigente.
A escola possui liberdade na formulação do seu projeto edu-
cativo. No entanto, é aconselhável que, antes de implementar a
educação sexual como um tema transversal, sejam realizadas reu-
niões para consultar a opinião tanto dos pais como dos alunos.
Essa medida está conforme o princípio da oitiva obrigatória
e participação. Assim, a inserção de temas atinentes à reprodução
e sexualidade humanas nos currículos escolares deve contar com
a oitiva da família e dos alunos, para que se posicionem a respeito

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

desse ensino. Com isso, as práticas pedagógicas podem ser reela-


boradas de acordo com as sugestões dos maiores interessados.
Outro princípio que fundamenta a consulta à família e aos
alunos é o princípio da obrigatoriedade de informação, que traduz
a necessidade da escola informar, aos pais e aos alunos, a proposta
curricular, expondo os objetivos do ensino, a didática a ser adota-
da, os conteúdos a serem ministrados em sala de aula. Além disso,
convém a apresentação, em reunião, do professor, oportunidade
em que o mesmo pode esclarecer as dúvidas dos pais e dos alunos.
Uma das justificativas para o ensino desse tema transversal
consiste na necessidade de transmitir conhecimentos sobre os di-
reitos sexuais e reprodutivos, a fim de promover o seu exercício.
Há de se considerar, contudo, que crianças e adolescentes
são pessoas que ainda estão em desenvolvimento, de sorte que não
possuem capacidade plena para o exercício desses direitos. Por isso,
adota-se a compreensão de que ‘‘o reconhecimento de quais desses
direitos e o âmbito do seu exercício dependerão da sua idade e do
seu grau de maturidade’’ (LOPES, 2011, p. 113).
Assim, embora titulares de todos os direitos inerentes às de-
mais pessoas, os alunos detêm o exercício de parcela dos direitos
sexuais e reprodutivos, impondo que o ensino respeite o seu está-
gio de desenvolvimento.

Conclusão
A Doutrina da Proteção Integral representa um avanço para a de-
fesa dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, pois, a partir
dela, esses indivíduos passaram a ser considerados sujeitos de direitos.
Esse novo modelo foi acolhido pelo Estado brasileiro, que
atualmente possui um ordenamento jurídico formado por regras e
princípios que protegem a integralidade das crianças e dos adoles-

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Denise Almeida de Andrade
Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales

centes, assegurando-lhes uma proteção condizente com sua situa-


ção de vulnerabilidade.
A criação e execução de políticas públicas desenvolvidas
para esse público devem respeitar esses direitos, não podendo, sob
nenhuma justificativa, instituir meios de tratamento vexatório ou
constrangedor para aquelas pessoas.
Contrariamente, percebe-se que há políticas públicas que fo-
ram elaboradas em flagrante desrespeito a proteção especial que
deve ser conferida para crianças e adolescentes. Exemplo disso são
as disposições contidas nos documentos oficiais que preveem o
ensino de educação sexual em sala de aula.
No âmbito escolar, o que se observa é que tanto os conteúdos
previstos como a didática proposta pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais de 1º a 4º série e de 5º a 8º série se revelam, em grande
parte, descompassados em relação à maturidade inerente às crian-
ças e aos adolescentes, na medida em que esses documentos não
levam em consideração o tratamento diferenciado que deve ser
destinado a esses indivíduos.
Neste trabalho, não se propugna que as escolas mantenham
seus currículos sem as aulas sobre educação sexual, pois, caso assim
fosse, estar-se-ia negando às crianças e aos adolescentes as informa-
ções necessárias para o pleno desenvolvimento da sua personalidade.
O que se defende é a realização de uma profunda revisão no
PCNs, na parte em que discorrem sobre a educação sexual em sala
de aula, para que o conteúdo, a didática e os seus possíveis efeitos
se ajustem ao estágio de desenvolvimento e à capacidade de com-
preensão dos alunos.

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Exploração sexual de mulheres e crianças no turismo sexual

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