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Mediação e Educação
em Direitos Humanos
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Agradecimentos
Apresentação .................................................................................................................... ix
Prefácio ............................................................................................................................. xi
O Reconhecimento do Outro como Pressuposto e Fundamento dos Direitos Humanos
em Paul Ricoeur............................................................................................................. 1
Alejandro Bugallo Alvarez
Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação
Sociedade-Cárcere ........................................................................................................ 27
Ana Gabriela Mendes Braga
A Mediação Frente à Reconfiguração do Ensino e da Prática do Direito: Desafios e
Impasses à Socialização Jurídica .................................................................................... 45
Camila Silva Nicácio
Sentido de Vida, Direitos Humanos e Educação Moral ................................................... 69
Cleia Zanatta Clavery Guarnido Duarte
José Augusto Rento Cardoso
Constituição: Cultura e Democracia Social ..................................................................... 85
Eliane Romeiro Costa
Direitos Humanos e Mediação ......................................................................................... 97
Hilda Helena Soares Bentes
A Mediação como Instrumento de Efetivação do Direito Humano e Fundamental do
Acesso à Justiça em uma Nova Face: o Ser Humano como seu Construtor e Protago-
nista ............................................................................................................................... 113
Ivan Aparecido Ruiz
Luís Fernando Nogueira
O Futuro dos Núcleos de Práticas Jurídicas nas Universidades Brasileiras: um Passo no
Exercício dos Direitos Humanos em Prol da Cidadania ............................................... 139
Mônica Souza Liedke
Taysa Schiocchet
A Construção da Exclusão como Processo Histórico-Cultural ........................................ 155
Pedro Benjamim Garcia
Roseli Marques Grazinoli
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Educação e Igualdade de Oportunidades: Pressupostos para a Justiça Social no Estado
Democrático .................................................................................................................. 169
Roberto Bueno
Mediação e Educação em Direitos Humanos na Educação Profissional: para a Cultura
de Paz ............................................................................................................................. 205
Simone Henrique
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça
Restaurativa: Ferramentas para
Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
Ana Gabriela Mendes Braga*
Introdução
O caminho para repensar o sistema de justiça criminal passa por uma mudança
profunda na forma com que o indivíduo e a sociedade olham os comportamentos pro-
blemáticos e reagem a eles. A definição do que é crime e da respectiva resposta por
parte do sistema de justiça são determinantes na construção social da criminalidade
e dos criminosos.
Para a construção de uma sociedade mais inclusiva e compreensiva, é impres-
cindível que seja desnaturalizada a demanda pela punição. E que seja questionado o
lugar de protagonista da prisão, que há mais de 200 anos figura como principal res-
posta social aos comportamentos problemáticos nas sociedades ocidentais.
Foucault, ao narrar o surgimento da prisão em Vigiar e Punir1 mostra como a pri-
são se fixou a partir do séc. XIX como a pena por excelência, em detrimento de outras
formas de punição. A emergência da prisão naquele momento só foi possível a partir
das mudanças na forma de exercício do poder, na maneira de se conceber o tempo e
das necessidades econômicas da época.
A prisão não é uma realidade ontológica às organizações sociais. Foucault ataca
essa evidência (relação necessária crime - encarceramento) ao discorrer sobre a prá-
tica dos suplícios- forma de punição que antecedeu as prisões.
* Doutoranda em Criminologia pelo Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Uni-
versidade de São Paulo. Gozou de bolsa CAPES de doutorado sanduíche no Departamento de Antropologia
da Universitat de Barcelona de setembro/2010 a junho/2011. Professora universitária. Coordenadora adjunta
do GDUCC (Grupo de Diálogo Universidade-Cárcere-Comunidade) do Depto. de Direito Penal – FDUSP;
pesquisadora do NADIR - Núcleo de Antropologia do Direito da Universidade de São Paulo. E-mail: anaga-
brielamb@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2586480165949878.
1 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2002.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
A crença de que seria impossível a sociedade abrir mão da forma prisão nos
paralisa, impedindo que pensemos outras soluções e ousemos experimentar formas
alternativas de resolução de nossos conflitos.
A proposta desse artigo é refletir em que medida algumas concepções teóricas e
práticas que envolvem cultura da paz, mediação e justiça restaurativa podem ajudar
na compreensão do conflito prisão-sociedade livre e incrementar a comunicação en-
tre as pessoas presas e as que estão fora do cárcere.
Não se trata aqui de pensar a aplicação desses conceitos no processo criminal
de conhecimento- que tem por objeto o conflito pontual vítima-ofensor, onde comu-
mente tem se aplicado os meios alternativos; tampouco de criar alternativas à forma
tradicional de resolução dos conflitos que surgem no cárcere (mediação na prisão);
mas, sobretudo compreender como essas ferramentas podem-nos ajudar a trabalhar o
conflito entre as pessoas que estão presas e as que estão fora do cárcere.
Para tanto, propomo-nos expor, sucintamente, alguns pressupostos e ferramen-
tas que possibilitam pensar uma outra forma da sociedade relacionar-se com o cár-
cere. Começaremos analisando a mediação, em especial a mediação no âmbito da
execução penal, elencando alguns limites e uma possibilidade dessa prática no am-
biente penitenciário. Em seguida, abordarmos a cultura de paz, e conceitos que lhe
são implícitos como a não-violência e a alteridade. Passaremos por uma brevíssima
comparação entre justiça retributiva e restaurativa, para ao final nos aproximarmos
da proposta da reintegração social, como uma possibilidade de restauração da relação
sociedade livre-cárcere.
1. Mediação
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
2 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006.
3 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 40.
4 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 43.
5 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 50.
6 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 46.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
O sistema de justiça criminal não tem por objetivo resolver o conflito que surge
da relação vítima-ofensor, mas antes responder às condutas desviantes, visando à re-
tribuição do mal causado e à prevenção de novos crimes. Dessa forma, a reação à conduta
criminosa é pautada pela demanda social e midiática, em detrimento dos interesses das
pessoas envolvidas no conflito advindo de um comportamento criminoso.
A necessidade de que o direito penal responda ao fato criminoso por meio da
punição é tão forte que a “pena” constitui a própria denominação desse ramo do
direito. A preferência pelo uso do termo penal em detrimento de criminal evidencia a
relação quase intrínseca entre crime e pena.
Além do sistema de justiça não permitir que o conflito pontual instalado entre
vítima e ofensor venha à tona, a resposta mais comum do Estado ao crime é a prisão.
A segregação do ofensor não contribui em nada para reconstruir os laços sociais afe-
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
tados pelo crime, ao contrário, ela re-atualiza antigos conflitos e faz emergir novos
realimentando, assim, a conflituosidade social.
Eugenio Raul Zaffaroni7, dentro de uma perspectiva minimalista do direito pe-
nal, propõe a redução do poder do sistema penal e a substituição deste por formas
efetivas de solução de conflitos. Segundo o autor, é ilusório achar que a prisão é a
resposta padrão aos atos considerados criminosos, por dois motivos: primeiro porque
a grande maioria dos crimes não chega ao controle formal do sistema de justiça (cifra
negra), e depois porque só alguns crimes e algumas pessoas são definitivamente san-
cionadas pelo sistema de justiça (seletividade do sistema penal).
No mesmo sentido, Louk Hulsman8 propõe que todo o complexo penal seja
substituído por instâncias que lidem diretamente com a resolução do conflito a partir
da participação direta das partes envolvidas, o que garantiria uma solução especifica
para cada conflito.
Por isso Hulsman, ao ser questionado sobre o que se colocaria no “grande lugar”
ocupado pelo direito penal hoje, não dá uma fórmula fechada. Cada caso ensejaria
a busca de uma solução própria. O enfrentamento de uma situação-problema9 deve
envolver diretamente aqueles que de alguma forma participaram do conflito: vítima,
ofensor, famílias etc, como condição para que a solução seja justa e humana.
Leonardo Sica10 propõe em sua teoria três modelos de justiça penal: retributivo,
reabilitativo e restaurativo. A linha demarcatória entre eles é a posição da vítima
dentro de cada um, sendo que o modelo restaurativo é o único que não incorpora a di-
mensão repressiva da justiça. Segundo o autor, a mediação em âmbito penal, um dos mais
importantes instrumentos do modelo restaurativo, pode ser compreendida como:
7 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
8 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1993.
9 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdida: o sistema penal em questão. Niterói: Luam,
1993, p. 101.
10 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do crime. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 45.
11 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do crime. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 53.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
O fato da mediação poder ocorrer não só entre pessoas, mas entre sujeitos, abre
a possibilidade de mediar não só conflitos interpessoais, mas conflitos entre coletivi-
dades. É esse sentido que a proposta de aplicação dos princípios da mediação assume
em sede de execução penal.
A proposta consiste em deslocar o foco do conflito pontual vítima-ofensor para
o conflito preso-sociedade, retomando o diálogo entre segmentos da sociedade his-
toricamente alijados. Ao mesmo tempo compreensiva e dialética, a interação social
dialogal (tal como a mediação) possibilita a expressão dos sentimentos e o contato
com a perspectiva do outro, possibilidades raras no ambiente prisional.
Porém, a técnica de mediação não pode ser simplesmente transposta para o mo-
mento da execução penal, porque há ao menos três especificidades do conflito histó-
rico-social da execução da pena que o diferenciam do conflito individual do processo
de conhecimento: 1) não há um terceiro isento ao conflito para remover as barreiras
que impedem a comunicação, uma vez que todos (inclusive os presos) fazemos parte
da sociedade e nos relacionamos com a prisão, ainda quando a ignoramos; 2) não há
um único conflito em questão, são diversos pontos de atrito em jogo, com diversos
atores envolvidos; 3) as pessoas envolvidas no diálogo debatem mais em torno do que
elas representam enquanto grupo do que acerca de um comportamento individual.
Ainda com essas limitações, é possível aplicarmos os pressupostos da mediação
para restauração da relação prisão-sociedade livre. Ao menos, é isso que nos mostra
nossa experiência na coordenação de um projeto de intervenção no cárcere no âmbi-
to da Faculdade de Direito da USP.
Com o objetivo de implementar experiências de diálogo entre a universidade e
o cárcere e de consolidar o tripé universitário ensino-pesquisa-extensão, criamos o
Grupo de Diálogo Universidade-Cárcere-Comunidade (GDUCC) 12.
O GDUCC desde 2006 desenvolve seus trabalhos em Penitenciárias do Esta-
do de São Paulo, na tentativa de possibilitar a construção ou o restabelecimento
do diálogo interpessoal (indivíduos), social (presos - representantes da sociedade
12 O Prof. Livre Docente Alvino Augusto de Sá foi o responsável pela idealização do projeto, e segue coordenação
geral do mesmo.
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
2. Cultura da Paz
Así como la paz ha sido y será una de las formas más creativas de cons-
truir la historia, la Investigación para la Paz ha tenido como virtud am-
pliar los horizontes epistemológicos de las ciencias y dotar de un utillaje
nuevo e interdisciplinar a las mismas para que se produzca un avance
significativo en el tratamiento y las soluciones a los problemas vivencia-
les y reales, y por ende intelectuales, de los seres humanos.
Aceitando o conflito como integrante da vida social, a paz que é possível alcan-
çar é a chamada “paz imperfeita”15: inacabada, processual, condizente com a própria
condição humana. Nesse sentido, a paz não é um lugar a se chegar, mas antes é um
13 Especificamente sobre o trabalho do GDUCC, ver BRAGA, Ana Gabriela Mendes; BRETAN, Maria Emilia
Nobre. Teoria e prática da reintegração social: o relato de um trabalho crítico no âmbito da execução penal In:
SÁ, Alvino Augusto de; SHECARIA, Sérgio Salomão (Coords.). Criminologia e os problemas da atualidade. São
Paulo: Atlas, 2008, p. 255-275.
14 MUÑOZ, Francisco A. La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001, p.4.
15 MUÑOZ, Francisco A. La paz imperfecta. Granada: Universidad de Granada, 2001, p. 1.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
16 GANDHI, Mahatma. Autobiografia- minha vida e minhas experiências com a verdade. São Paulo: Palas Athena,
1999.
17 RÍOS MARTÍN, Julián Carlos. La mediación penitenciaria: reducir violencias en el sistema carcelario. Madrid:
Editorial Colex, 2006, p. 5.
18 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 129.
19 HULSMAN, Louk ; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: sistema penal em questão. Niterói: Luam,
1993, p. 140.
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
do castigo começa dentro de cada um: primeiro ele é rompido individualmente para
então atingir a sociedade.
2.2. Não-violência
20 MULLER, Jean-Marie. O princípio da não-violência. São Paulo: Palas Athena, 2007, p. 53.
21 MULLER, Jean-Marie. O princípio da não-violência. São Paulo: Palas Athena, 2007, p. 85.
22 GANDHI, Mahatma. Autobiografia - minha vida e minhas experiências com a verdade. São Paulo: Palas Athena, 1999.
23 George Bernanos apud MULLER, Jean-Marie. O princípio da não-violência. São Paulo: Palas Athena, 2007, p. 89.
24 JUNG, Carl Gustav (org.). O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 96.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
pela sua negação na busca da perfeição. De acordo com o junguiano Von Franz25
(1996: 166) o processo de individuação consiste na harmonização do consciente com
o centro interior de cada um (self), o que não ocorrerá sem que haja algum sofrimento
psíquico por parte do indivíduo.
Ao se deparar com uma situação de conflito, a tendência comum é reagirmos
com hostilidade e em defesa da nossa posição. A partir daí surgem sentimentos de
incerteza, insegurança, ódio, desprezo, necessidade de autodefesa, o que resulta mui-
tas vezes em ataque.
Robert Bush e Joseph Folger 26 propõem uma visão relacional acerca da socieda-
de, a qual permitiria, além de resolver conflitos, promover uma transformação quali-
tativa de interação humana. Tal transformação ocorreria por três eixos: revalorização
(empoderamento); reconhecimento (aceitação e empatia com respeito à situação e
aos problemas de terceiros); e transformações das pessoas, a partir do crescimento
moral e do desenvolvimento das relações interpessoais.
O eixo da revalorização27 está relacionado com o que a literatura tem deno-
minado empoderamento (empowerment). Os sentimentos de insegurança, confusão,
medo que as partes sentem diante do conflito as faz sentir vulneráveis. A mediação
contribuiria para a superação da debilidade relativa, ao possibilitar que as pessoas
compreen dam as metas, interesses, sentimentos; e principalmente o que realmente
importa naquela situação.
Já o reconhecimento do outro permite que a pessoa compreenda a relação para
além de seus próprios interesses28. Nossa dificuldade de ver além de nossas necessi-
dades e desejos faz com que obscureçamos o outro. Nos momentos de conflito, essa
tendência é acentuada, estamos tão compenetrados nas nossas dores que não esten-
demos a vista ao outro.
O terceiro eixo29 estaria no desenvolvimento moral das pessoas a partir do reco-
nhecimento da sua própria humanidade no outro; a partir do diálogo, da expressão e
compreensão das emoções e sentimentos.
25 VON FRANZ, Marie-Louise. O processo de individuação In JUNG, Carl Gustav (org.). O homem e seus sím-
bolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 166.
26 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006.
27 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 135.
28 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 140.
29 BUSH, Robert; FOLGER, Joseph. La promesa de la mediacion. Buenos Aires: Gramica, 2006, p. 143.
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
30 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do crime. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 4.
31 KUNH, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 221.
32 KUNH, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 144.
33 SCURO, Pedro. Por uma Justiça Restaurativa “real e possível”. Justiça restaurativa: um caminho para os direitos
humanos? Porto Alegre: Instituto de Acesso à Justiça, 2004.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
Alguns dos elementos que compõem a Justiça Restaurativa podem ser aplicados
às propostas de interação social. Entre eles, a ênfase no diálogo em detrimento de
relações formais e adversativas; deslocamento do foco do comportamento passado
do apenado para pensar em perspectivas futuras; envolvimento de diversos atores na
execução penal com ampla participação comunitária.
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
34 SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação pena: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do Crime. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 24.
35 SÁ, Alvino Augusto de. Justiça restaurativa: uma abordagem à luz da criminologia crítica no âmbito da
execução da pena privativa de liberdade. Revista magister de direito penal e processual penal, v. 16, p. 28-37,
2007-A, p.32.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
Sob essa perspectiva, o crime não é concebido como uma falha moral indi-
vidual, mas como resultado de uma relação conflituosa historicamente construída.
Logo, qualquer ação em termos de reaproximar o condenado e a sociedade não se
pode centrar na figura do apenado, mas deve “abranger as relações historicamente
deterioradas entre ele e a sociedade”.
É nesse sentido, de construção de uma perspectiva dialógica que aproxime seg-
mentos historicamente distantes, que o instrumental das medidas alternativas à reso-
lução de conflito pode ser pensado.
Cabe esclarecer que nossa proposta não consiste na aplicação direta da media-
ção ou da Justiça Restaurativa a esses conflitos inter-individuais. O que buscamos é
reinterpretar seus pressupostos, para aplicá-los na construção de um diálogo verda-
deiro - que seja ao mesmo tempo dialético e compreensivo- entre sociedade e cárcere.
A (re) integração entre sociedade e prisão, só é possível a partir do envolvimen-
to e co-responsabilização da comunidade pelos conflitos surgidos em seu seio. A aber-
tura da sociedade para o cárcere, e do cárcere para a sociedade, garantiria que ambos
dividissem a responsabilidade por restaurar a relação entre a sociedade e aqueles que
possuem com ela uma história de conflito.
Mais do que alcançar resultados pontuais - como a redução da criminalidade- a
justiça restaurativa busca reduzir o impacto dos crimes na sociedade. Da mesma for-
ma, mais do que buscar resultados na Execução Penal - como, por exemplo, diminuir
os índices de reincidência - temos que pensar como minimizar o impacto da prisão
sobre o condenado e sua função na sociedade - como já dizia Alessandro Baratta36
como “fazer do cárcere menos cárcere”.
Para que mudanças ocorram, tanto em sede de processo quanto de execução pe-
nal, é necessário uma reavaliação do paradigma punitivista, no qual nossa sociedade
tem se apoiado há algum tempo.
Um caminho para essa reavaliação é a busca da reintegração social, “não por
meio da prisão, mas apesar dela”37. A reintegração social, assim como a Justiça Res-
taurativa, busca restaurar os relacionamentos ao invés de simplesmente concentrar-
-se na determinação de culpa.
Outro objetivo da reintegração social é fortalecer o condenado perante o siste-
ma de justiça criminal, compreendendo sua história de fragilização e possibilitando
que o indivíduo se aproprie de sua história de vida, e faça suas escolhas com auto-
36 BARATTA, Alessandro. Ressocialização ou Controle Social: Uma abordagem crítica da “reintegração social”
do sentenciado, 1990. Disponível em <http://www.eap.sp.gov.br/ pdf/ressocializacao.pdf>. Acesso em 02/11/
2010, p. 2.
37 BARATTA, Alessandro, Criminologia crítica e crítica do direito penal. In: Introdução à Sociologia do Direito
Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
5. Considerações finais
A forma tradicional que nossa sociedade tem escolhido para tratar da realidade
criminal não tem trazido qualquer impacto positivo na reconstrução das relações
sociais afetadas pelo crime e pelo sistema de controle. Ao contrário, a aposta pela
exclusão e segregação de (alguns) desviantes tem contribuído para aprofundar ainda
mais os conflitos e afastar qualquer possibilidade de responsabilização, e, por conse-
guinte, de restauração dos laços sociais.
Ainda que a reação social e institucional ao crime siga pautada pelo paradigma
da retribuição, outros saberes estão disputando o modo de fazer a justiça criminal e as
formas de se relacionar com a prisão. Neste artigo, buscamos passar brevemente por
alguns desses saberes, concepções teóricas e práticas afinadas a uma perspectiva res-
tauradora, que possam contribuir à restauração das relações entre sociedade-cárcere.
A partir dessas leituras, reunidas sob a perspectiva da reintegração social, pro-
pomos um redimensionamento do papel que a prisão ocupa na sociedade, assim como
do papel que a sociedade ocupa na prisão. De tal sorte que pensemos a relação socie-
dade-cárcere a partir de uma perspectiva restaurativa, integradora, questionadora da
“vontade de punir” e das práticas de exclusão social.
Os resultados das propostas de diálogo em âmbito da execução penal, assim
como o impacto das práticas alternativas de resolução de conflito, não são facilmente
quantificáveis, como tampouco o é o perdão, a proximidade, a dor.
Após cinco anos de experiência no GDUCC, em um projeto de diálogo entre
universidade e cárcere, podemos vislumbrar a potência das práticas restauradoras e
dialógicas no contexto prisional. A interação entre presos e pessoas da sociedade civil,
instaura a reatualização do conflito entre esses segmentos, e, por isso, permite que ambos
e de forma conjunta criem outras possibilidades de relação entre sociedade e cárcere.
Seguimos apostando nessas alternativas como possibilidades de experimentar
uma outra forma de relacionar-se com o outro e consigo mesmo. Talvez somente sob
38 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
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Mediação e Educação em Direitos Humanos
Referências Bibliográficas
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Cultura da Paz, Mediação e Justiça Restaurativa: Ferramentas para Repensar a Relação Sociedade-Cárcere
ANA GABRIELA MENDES BRAGA
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan,
1991.
Resumo: A proposta desse artigo é refletir em que medida algumas concepções teóricas e
práticas que envolvem cultura da paz, mediação e justiça restaurativa podem ajudar na
compreensão do conflito prisão-sociedade livre e incrementar a comunicação entre as pes-
soas presas e as que estão fora do cárcere. Propomos a leitura desses três eixos temáticos
à luz da proposta de reintegração social, com a finalidade de reunir conceitos e práticas
aplicáveis às propostas de restauração da relação entre sociedade-cárcere.
Abstract: The purpose of this paper is to reflect the extent to which some theoretical concepts
and practices that involve culture of peace, mediation and restorative justice can help in
understanding the conflict prison-free society and to increase communication between the
prisoners and those outside the prison. We propose the reading of these three themes in the
light of the proposed rehabilitation, in order to bring together concepts and practices applica-
ble to the proposed restoration of the relationship between society-jail.
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