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Paulo FerrareZe FilHo
Manual PoliticaMente
incorreto do direito no Brasil
2ª edição reVista e aMPliada
Categoria:
Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
________________________________________
Aos tortos.
Sumário
Prefácio........................................................................................1
Amilton Bueno de Carvalho
Introdução...................................................................................5
2. Um Almoço de Domingo.................................................... 17
4. Movimento Feminino........................................................... 25
9. Narrar Direito....................................................................... 45
11. Caos..................................................................................... 51
VII
14. Aprender-se É Ensinar Direito.......................................... 61
VIII
34. It’s Only Juridiquês, But They Like It............................. 135
Posfácio.................................................................................... 181
Alexandre Morais da Rosa
Referências.............................................................................. 183
IX
Prefácio
1
Paulo Ferrareze Filho
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Manual Politicamente Incorreto do Direito no Brasil
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Introdução
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Paulo Ferrareze Filho
Criar desumanidades!
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A ir por aí...
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Claro que o poema é para que esse início seja charmoso. Para
que seduza leitores acostumados a desistir na quinta página, ba-
bando na cama com um pijama velho e uma esposa frígida do
lado. O leitor politicamente incorreto sempre exige ser seduzido
porque nunca vai por onde se lhe mande.
Julgo o direito com o mesmo preconceito dos juízes que cri-
tico ao longo do texto. O desejo de mudar o mundo é o impulso
antes da dúvida de saber se se trata de uma mudança para o bem
ou para o mal. Por isso indaguei o meu bem e o meu mal, sem
nunca pretender indagar o bem e o mal fora de mim.
Minhas fronteiras e incapacidades estiveram sempre fixadas
como limites do meu terreno de mirabolacões. Auxiliaram-me a
sugerir uma teoria antimaniqueísta do direito. Desde as primeiras
linhas, concedi a mim mesmo a anistia de praticar todo desape-
go teórico possível. E, por esse escape, fugir do embotado modo
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1. A Sogra como Fonte do Direito
1 FREUD, Sigmund. Obras Completas, volume II: totem e tabu, contribuição à história do
movimento psicanalítico e outros textos (1912-1914). São Paulo: Cia das Letras, 2012.
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2. Um Almoço de Domingo
2 BARROS, L. F. Os normalpatas, não matei Jesus e outros textos. Rio de Janeiro – Ed.
Imago, 1999.
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3. Tomando um Chá de
Fita Vhs com Warat
3 NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Companhia das Letras: São Paulo,
2010, p. 49.
4 WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares
do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2004, p. 61 e segs.
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5 WARAT, Luis Alberto. A rua grita Dionísio: cartografia, surrealismo e direitos humanos.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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4. Movimento Feminino
6 JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. 17a ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
7 PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica da decisão
judicial. 2a ed. Campinas, SP: Editora Milennium, 2003, p. 53-54.
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8 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 38. Alerta Capra
outra questão problemática que se desenvolveu em razão da supremacia da cultura do
patriarcado. “[...] a excessiva ênfase no método científico e no pensamento racional,
analítico, levou a atitudes profundamente antiecológicas [...] a compreensão dos
ecossistemas é dificultada pela própria natureza da mente racional. O pensamento
racional é linear, ao passo que a consciência ecológica decorre de uma intuição de
sistemas não- lineares.”
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5. A Hermenêutica Jurídica
da Sogra É Circular
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5.1 Relatório
Sabe-se que são os estagiários que fabricam os relatórios das
decisões. Sabe-se também que, à exceção do estagiário que ficar
no lugar do estagiário que faz relatórios – para aprender o estilo do
estagiário antecessor – NINGUÉM MAIS lê a porra do relatório.
Por que o Estado gasta com estagiários que fazem relatório?
5.2 Fundamentação
É notório pelo volume de decisões dadas por dia que as fun-
damentações estão pré-prontas. Para o bastantão, os modelos.
Uma juíza que teve o desprazer de me ter como estagiário dizia:
“Paulinho, nessas mete o modelão...” Porque de manhã, ela queria
mesmo era dormir. E cuidar das crias. E fazer as unhas. E o cabelo.
E o buço. Todo mundo sabe que mulher precisa de TEMPO no sa-
lão de beleza. Acho justo que as juízas saiam durante o expediente
pra fazer o buço. Juíza com bigode é inconstitucional. Eu, no lugar
dela, faria o mesmo. Hobbes sempre esteve certo: quando alguém
precisa tirar o buço, foda-se o resto.
Então, a fundamentação das decisões acaba como essas lasa-
nhas congeladas da Sadia – estão sempre pré-prontas. E sem gos-
to. E geralmente frias no meio. Basta deixar no congelador ou no
prelo jurisdicional (as lasanhas e as decisões, respectivamente). Aí,
quando alguma barriga roncar ou algum direito gemer, e só des-
congelar no micro e pedir para o estagiário assar por 20 minutos.
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5.3 Dispositivo
O dispositivo é o quarto de motel onde a jurisdição goza.
Local imaginário onde o poder ejacula. Há um certo sadismo nos
verbos que são usados no dispositivo das decisões judiciais - DE-
TERMINO, CONDENO, MULTO, ORDENO, entre outros. O
sadismo é uma perversão que eu indico para quem tem desejos se-
xuais acostumados à lógica quarta/sábado. Para que se possa julgar
democraticamente é necessário que o julgador abra mão do gozo
do lugar de poder que ocupa. Mas ele(s) quase nunca abre(m) mão.
A ideia de que a interpretação que constrói a decisão não
se dá pela linearidade da subsunção, ou pela divina capacidade
ponderatória, mas pela circularidade caótica de compreensão do
intérprete, é a primeira implosão do edifício das metodologias da
interpretação feitas pelos juízes normalpatas. E isso, de modo al-
gum, redunda nas certezas que a segurança jurídica sempre quis.
Segundo Nietzsche, toda verdade é curva. 11 Amém. A decisão ju-
dicial precisa ser autoconsciente de seu caos para estar mais pró-
xima das pessoas.
11 Para entender porque o direito é curvo, consultar GONZÁLEZ, José Calvo. Direito
Curvo, Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2013.
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6. Toda Verdade Maiúscula
Será Castigada
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maiúsculas fossem droga, esse juiz seria preso por tráfico. É um psi-
copata julgando você, seus filhos, seus processos, suas pendengas.
É alguém que ainda confia demais em Deus, e em coisas coirmãs
de Deus como a Paola De Oliveira, a Verdade, um Time de Fute-
bol, a Justiça, o Destino, o Fantástico, a Energia Cósmica.
Pode-se dizer que o juiz Marie Claire é um caso sem salvação.
Alguém que nunca entenderá a hermenêutica da sogra porque
acredita em tudo que lê. E o faz pelo princípio da eficiência, algo
mais ou menos assim: já que nunca leio merda nenhuma, agora que
li, preciso aproveitar... E também porque se atiraria embaixo de um
caminhão se o Pai, Abel Custódio, Promotor de Justiça Jubilado
(para sorte da nação), mandasse.
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7. O Direito É um Site de Encontro
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8. Permitir que a Constituição
Seja Descumprida Dói Menos
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O pior de uma ditadura é que você não pode dizer o que pensa.
E a gente sofre horrores quando não consegue dizer o que pensa.
A Constituição é um símbolo de transição: da impossibili-
dade para a possibilidade de poder dizer. É o medo de uma nova
ditadura que sustenta a adulação à esse deus-laico-jurídico que é
a Constituição. Será que daqui há 300, 400, 8.000 anos, os con-
gressos de direito ainda vão ficar ecoando discursos pedindo que a
Constituição seja cumprida para que nosso “projeto de civilização”
aconteça? E livros e mais livros nos estandes, com páginas e mais
páginas, e sumários cheios de títulos pomposos, todos, mas cada
um a seu modo, gemendo: efetividade constitucional – te quiero.
E aquele amontoado de condições previstas em artigos e
incisos e parágrafos dos códigos – todos agora constitucionaliza-
dos – para se fazer o Paraíso da Justiça na Terra, com passarinhos
assoviando e virgens de 20 anos rebolando as ancas?
O Alexandre Morais da Rosa um dia me disse que não se
pode ser iconoclasta dentro do sistema. Eu acho que se pode. Os
jogos (mortais) do direito são a prova de que uma boa estratégia
processual garante mais direitos que a Constituição. Isso faz dele
um juiz dos mais honestos que eu conheço. Que admite a huma-
nidade caótica implicada na ideia fajuta de que se pode interpre-
tar de modo correto a Constituição. No fundo, há dois grupos de
pessoas que pedem o cumprimento da Constituição: os que tem
medo de dormir com medo que a ditadura volte, e os papagaios de
pirata, que repetem aquilo que os caras com medo falam, sem sa-
ber exatamente porque falam. Claro que ninguém quer ser enfiado
num camburão de madrugada, de pijama e remela no olho, abaixo
de pauladas na nuca. Mas irmãos, escutem: o fato de termos tido
um ditadura em 64, não significa que venhamos a ter outra nos
mesmos termos, torturas e horrores.
Precisamos parar com esse clichê de universitário revoltado
que diz que é preciso conhecer a história para não repeti-la. Coi-
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9. Narrar Direito
12 Ver, entre outros, GONZÁLEZ, José Calvo. Modelo narrativo del juicio de hecho:
inventio y ratiocinatio. In: Horizontes de la Filosofía del derecho – Homenaje a Luis
García San Miguel. Universidad de Alcalá Ed., 2002; GONZÁLEZ, José Calvo.
Derecho y Narración – materiales para una teoría y crítica narrativista del Derecho.
Barcelona: Editorial Ariel, 1996; e GONZÁLEZ, José Calvo. El discurso de los hechos.
Editorial Tecnos: Madrid, 1993.
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10. Como se Pode Narrar
uma Decisão Judicial
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13 GONZÁLEZ, José Calvo. O Direito Curvo. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2013.
14 RORTY, Richard. Contingência, ironia e solidariedade. Editorial Presença: Lisboa, 1992.
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quanto pelo fato de que Rorty, assim como Calvo, percebe que a
cultura literária, muito mais do que a ciência, oferece uma multi-
plicidade de alternativas para ampliar os vocabulários capazes de
redescrever e narrar os fatos, estejam eles ou não dentro do espec-
tro jurídico. Além disso, quando Calvo elogia a verossimilhança
como pressuposto de validade da coerência narrativa nas decisões
judiciais15, também se aproxima de Rorty, para quem a redescrição
é a narração fragmentada de uma verdade que está condenada à
parcialidade de quem a descreve.
Calvo afirma que “um enunciado fático acaba sendo discur-
sivamente coerente como resultado, também, do influxo de subsis-
temas de sentido como são a memória individual ou os imaginários
sociais.”16 E desse complexo processo se fazem decisões, embora,
na maioria das vezes, não se saiba.
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11. Caos
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12. Assim Falou a Inocência:
Apologia de Zaratustra à Presunção
Constitucional de Inocência
I
Aos 32 anos de idade, Ulisses abandonou sua profissão e foi
refugiar-se em um ermo, com pouco som, mas muita luz. Ali es-
cutou em silêncio os sons da grande boca do mundo. Gozou de
alguma paz enquanto conhecia meticulosamente o fato de que não
havia uma natureza intrínseca ou extrínseca, nem dos homens,
nem do cosmo, nem do direito, nem das ideologias, nem da lingua-
gem. Deus-se conta que nem mesmo a própria natureza, com seus
gorjeios, ondas e ventos tinha uma natureza que se lhe pudesse
chamar de própria.
Um dia sua paciência acabou e resolveu mandar aquele ermo
à merda. Levantou-se e foi tomar um café forte e sem açúcar com
o Sol, que era dono do ermo e, desde 1988, sonhava com um mun-
do melhor: “Ó grande Sol! Que seria de teu sonho, se não fosse o
medo de quem tu iluminas?”
“Há 28 anos vens até todas as janelas sonhar teus sonhos.
Durante todos esses anos, tomamos do teu supérfluo e mastigamos
tuas nuvens distantes da Terra. Escuta bem! Estou farto da tua
ingenuidade mentida. E farto dos teus sonhos – pois toda expecta-
tiva é uma frustração antecipada.”
“Quero doar e distribuir tua mentira vestida de paraíso até
que os sábios juristas voltem a levar as entranhas do homem a
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sério, e até que uns pobres presos possam ensinar a liberdade re-
signada que há em suas entranhas.”
“Para que isso possa, devo remar em direção à profundidade
escura do mar. Tal qual tu fazes à noite, quando te escondes depois
que o mar acaba no horizonte para levar tua quentura até o frio
das escuridões. É a saudade do dia que torna a noite charmosa,
assim como é a saudade do sonho que torna o dia desperto.”
“Então me protege, ó olho sonhador, capaz de dar espe-
rança edênica até mesmo a quem a perde – numa desesperança
de amor, num desejo contido, numa jogatina perdida ou num
coma insuportável.”
“Abençoa a taça de vinho da vida que quer transbordar, para
que ele possa manchar as páginas do teu livro juvenil com as mar-
cas de uma vida viciada de vida”
II
Ulisses remou sozinho pelo alto mar, e quando ondas já não
haviam, sem deparar com homem, ave ou peixe, o mar se abriu até
que a terra pudesse, mesmo úmida, ser vista no chão. E da parede
imensa de água que se fez, encontrou um jumento marinho gigan-
te que se chamava Leviatã. Assim o bicho falou a Ulisses:
“Não me és estranho remador: passou por esses mares há
muitos anos. Chamava-se Ulisses; mas está mudado. Levavas nos
olhos a esperança de que um decreto constituído pudesse mudar
os medos, e nas mãos a espada enferrujada de uma revolução.”
“Mudado estás Ulisses; tornou-se adulto. E a ciência da vida-
-como-ela-é fez de ti um desperto: que queres – de novo – entre os
sonâmbulos do paraíso?”
Respondeu Ulisses: “eu amo o caos dos homens, e por
isso retorno”.
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13. Seduzir o Rebanho
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14. Aprender-se É Ensinar Direito
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for utopia, que nos faça caminhar. Eduardo Galeano escreveu essa
beleza sobre a saúde das utopias.
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15. Pedagogia Jurídica e Sedução
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16. Como o Direito Pode Chutar Deus
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direito dos gays serem donos do próprio rabo. Dois anos depois
do julgamento procedente da união homoafetiva pelo STF, os
Tribalistas criaram. A arte reproduz ou antecipa a vida? Essa é
uma pergunta crucial de uma crítica bem intencionada que se
pode fazer ao trabalho do Germano, que é bonito e importante.
De 1988 até 2013, não se pode dizer com segurança se a resposta
se mantém intacta.
Minha análise é rápida. E inconsistente como um tiro que
erra o alvo porque a vítima escorregou numa casca de banana. A
grande novidade dos Tribalistas é terem sido criados para não per-
manecerem. Além disso foram deleuzianos quando trocaram gene-
alogias por geologias ao cantar a magistral Pé em Deus, Fé na tábua.
Essa é a explicação filosófico-musical de tudo o que se anda
falando por aí sobre mediação e métodos alternativos de solução
de conflito. Mediar conflitos é, sobretudo, destruir hierarquias e
fazer os envolvidos caminharem em direção às perspectivas de
novas geologias, ou seja, outros belvederes de sentido. A dester-
ritorialização dos sentidos representa a conquista da aptidão para
reconciliar afetos. Matar Deus, ou seja, eliminar o superior hie-
rárquico na empresa da vida significa estar livre para escolher as
novas geografias dos próprios desejos. Só a fé na tábua pode ajudar
a encontrar essas novas geografias do sentido desejante.
Será que os juízes têm fé na tábua? Será que eles deslocam seus
olhares perspectivos? Será que têm disposição de caminhar a outros
relevos de sentido? Eu, nem depois de um bule de chá de fita, consi-
go imaginar o rebanho de juízes mexendo suas bundas (de sentido)
do lugar (dos sentidos) onde estão. Poucos o fazem. Pouquíssimos.
Se eu acredito em milagres? Hoje, não.
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17. Nelson Rodrigues e
Warat: Poetas Incorretos
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18. A Indigência dos Corpos
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seu fim. Adolf Adler20 disse que Freud não sabia nada com a his-
tória de Édipo. Enquanto Freud olhava para trás, pensando que
as ações são condicionadas ao passado, Adler pensou no instinto
de poder como conjunto de manobras condicionadas por um fim.
Uma teoria dos instintos, pode-se dizer, menos mimada.
Se, por um lado, o indigente é alguém que nega parte da
vontade de poder pelo anonimato, por outro, escolher a indigência
pode ser uma manifestação do poder de se tornar aquilo que se
deseja. Se o “Torna-te o que tu és” da Antiguidade até Nietzsche
acerta, é preciso perguntar: qual o exercício de poder que faz o
indigente quando resolve sê-lo?
Primeiro, penso o indigente como um réptil silencioso, maso-
quista e interior. E também profundo e vadio. Ele prefere o escuro,
antes da luz. O desaparecer ao mostrar-se. Prefere silenciar, e não
dizer. O charme do indigente é pertencer aos bastidores. O in-
digente é comandado pelo pensamento-de-bastidor: o artista que
ocupa o palco não é nada! O artista só acontece porque há uma
parafernália que o sustenta E é a qualidade do background que
determina a potência do show.
O indigente se exercita observando. Nelson Rodrigues tam-
bém observava. Com o seguinte detalhe charmoso: observava pela
fechadura da porta. Nelson era um filho da puta charmoso. É,
assim como Warat, uma espécie de indigente intelectual. O indi-
gente, além de negar o modo de vida regular (casa-trabalho-sono),
também os ritos fúnebres da morte. Abre mão do choratel melan-
cólico dos velórios. Assim como também passa batido pelo cortejo
de gente que vai levando o caixão dentro do cemitério. (Sobre
esse cortejo, uma nota rápida: só acredito em igualdade entre ho-
mens e mulheres quando as mulheres se oferecerem para carregar
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Emil Cioran tem uma reflexão muito acertada, que diz tudo
o que não pude dizer: “Entre tanta mentira e tanta fraude é re-
confortante contemplar um mendigo. Ele, pelo menos, não mente
nem se engana: sua doutrina, se é que a tem, a encarna ele mes-
mo; não gosta do trabalho e o prova. Como não deseja possuir
nada, cultiva seu desprendimento, condição de sua liberdade. Seu
pensamento se resolve em seu ser e seu ser é seu pensamento. Sua
preguiça, de uma rara qualidade, faz dele um autêntico “liberado”,
perdido em um mundo de bobos e enganados. Sobre a renúncia,
sabe muito mais que numerosas de vossas obras esotéricas.”22
22 Vou ficar devendo essa referência bibliográfica. Não me processem, vou alegar
inocência até o cadafalso.
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19. O Direito Não Sabe Rebolar
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24 LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Sousa, Bashô, Jesus e Trótski – 4 biografias. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013, pp. 207-215.
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20. O Jurídico e o Jeito
25 Ver ROSA, Alexandre Morais da. O Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos.
Empório do Direito: Florianópolis, 2015.
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26 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva: forma e razão de troca nas sociedades arcaicas.
Em Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro, Cosac & Naify, 2004.
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21. A Era das Quantidades
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ninguém lê. Se Eric Hobsbawm estivesse vivo diria que a Era dos
Extremos se transformou na Era das Quantidades.
Eu vou tomar meu chá de fita VHS. E depois pra minha
sessão de Candomblé. Fumar charutos e receber espíritos. (O pa-
rênteses da epígrafe é meu.)
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22. Juizite É Mais Comum
que Ovni no Céu
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23. Julgar Quem Julga
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24. A Função do Orgasmo
no Direito Ocidental
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28 FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
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25. Sentidos Estuprados?
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26. Levando o Direito nas Coxas
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que não são iguais29. Assim como existe a lata de coca ideal, dizem
que também existem sentenças ideais. Às sentenças ideais pode-se
dar o nome de coerentes, ou de adequadas, ou até de justas, caso
a pessoa seja mais da justeza. Quando esse milagre da coerência
acontece, então o direito é levado a sério. E já há gente bastante
ocupada com isto – de que a coisa deve ser assim, e não assado.
A questão é que uma coca é coisa simples. Custa três reais e
se encontra em qualquer bodega suja. Mesmo um mendigo, com
uma hora de dedicação no semáforo, consegue derrubar uma coca
gelada na goela. Comparadas a uma coca, as sentenças são mais
aristocráticas. Primeiro, porque não se encontram em qualquer lu-
gar, só em foros, tribunais e, claro, na internet. Segundo porque
custam mais que 3 reais. Bem mais. Entre juízes com 2 meses de
férias por ano, assessores, estagiários sem 13o, luz, água, cafezinho,
prédios, folhas, algemas, sistemas informatizados e todo o diabo-a-
-quatro, a conta vai longe. E deve ter 10% do garçom de Tribunal
incluso. Quem já foi em sessão de julgamento em Tribunal sabe
que os desembargadores têm garçom particular.
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30 Sugiro que a preguiça seja arrolada como um direito humano e que vá para a
Constituição do Brasil. A referência teórica é LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça.
3 ed. Ed. Achiamé, mas a minha preguiça é sempre prática.
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27. Súmulas: Comer, Rezar, Amar
34 FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. L&PM Editora. Porto Alegre, 2013.
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35 NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. – São Paulo. Cia das Letras, 2011, p. 49.
36 FREUD, Sigmund. Totem e Tabu – Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 21.
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do êxito é que o doente queira ser tratado. Juristas não querem re-
cuperação pois não sabem que estão viciados em súmulas. Juristas
querem outras coisas. Querem viajar com as suas milhas. Querem
cafezinhos da Nespresso. Querem finais de semana em Punta. Mas
essa é uma outra história. Por enquanto, tratemos de converter em
Súmula a primeira orientação da doutrina maldita.
Súmula Maldita número 1: Usar súmula na jurisdição é
como pingar água benta nos dedos na porta de uma Igreja Evan-
gélica lotada de gente com esperança. Se é que me entendem.
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28. Um Hambúrguer de
Carne Humana
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29. Direito e Masoquismo
38 DELEUZE, Gilles. Sacher-Masoch: o frio e o cruel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
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39 CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Penal a marteladas – algo sobre Nietzsche e
o Direito. Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2012.
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Essa certa desgraça de ver tudo sob o viés do direito me fez ler
a análise do masoquismo feita por Deleuze como um pequeno mapa
do direito no Brasil. Percebi semelhanças nas duas coisas – direito e
masoquismo, direito com masoquismo, papai-e-mamãe, mordaças,
um dando chicotada no outro. A conclusão antecipada poderia me
levar tanto a definir o direito como uma perversão, quanto aliviar a
culpa ínsita dos masoquistas com uma boa defesa jurídica.
No livro sobre Masoch, Deleuze desconstrói a unidade dia-
lética do sadomasoquismo, demonstrando que um sádico não ne-
cessariamente se junta, de modo perverso, com um masoquista,
como um leito costuma pensar. Assim como inautênticamente
se convencionou, na psiquiatria, a associação sadomasoquista;
no direito de hoje, há uma certa unidade moral entre a ideia de
justiça e aquilo que está prescrito na Constituição. Como se a
efetividade da Constituição fosse a condição para a realização da
justiça, o que, do ponto de vista social, poderia significar a insti-
tuição definitiva da felicidade do povo. A felicidade que nasce do
respeito integral das garantias constitucionais e da efetivação dos
direitos fundamentais.
Deleuze estabelece, além do binômio dor/prazer próprio da
estrutura sadomasoquista, outras quatro características funda-
mentais presentes nas relações masoquistas, a saber: 1) decência,
2) idealismo, 3) contratualismo/persuasão e 4) suspense. É a partir
dessas características que subversivamente associo o direito à prá-
tica masoquista nos textos a seguir.
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30. Decência
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31. Idealismo
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32. Suspense
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33. Contratualismo e Persuasão
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44 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más debil. Madrir: Trotta, 1999.
45 Envie um email de agradecimento para ferrarezefilho@yahoo.com.br. Grato.
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34. It’s Only Juridiquês, But They Like It
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48 Se você não sabe o que é epistemológico, foda-se, não serei cordial com você meu
selvagem leitor. Se chegou até aqui, trata-se de um leitor selvagem, politicamente
incorreto, amém.
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35. Desobediência Civil
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mais obedientes que Mario...Mas isso não vou contar, pois as es-
tratégias são produto de um know how valiosíssimo.
Mario sonega, não vota e consome pouco. Se lixar para a lei,
resistir, estar al lado del caminho, fumando el humo mientras todo
pasa, como cantou Fito Paez, é isso que Mario faz, tendo apenas
5 anos de idade. Fora das rodas de chá das Universidades, e sem
nunca ter lido Henry Thoreau49 na graduação.
49 Henry Thoreau, assim como Mario, também sabia que a lei jamais torna os
homens mais justos. Por meio do respeito a ela, mesmo os mais bem intencionados
transformam-se diariamente em agentes de injustiça. Conforme THOREAU, Henry
David. A Desobediência Civil. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 11.
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36. Amanhã Não Vai Ser Outro Dia
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37. Um Olhar Para as Partes
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38. A Fraternidade
Constitucional do Demônio
50 MAFESSOLI, Michel. A Parte do Diabo. São Paulo/Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.
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39. Samba da Maldade
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40. Como Pensam os Juízes Brasileiros?
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41. Ideologia e Partidarismo
na Decisão Judicial
52 FREUD, Sigmund. Obras Completas, volume II: totem e tabu, contribuição à história do
movimento psicanalítico e outros textos (1912-1914). São Paulo: Cia das Letras, 2012.
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pior é que suspeito que grande parte dos juízes criminais do Brasil
escutam o Amilton e fazem cara de nojo. Estamos mesmo fodidos!
Antes de aprofundar ou criticar essas polaridades, o que in-
teressa, nos limites dessas anotações, é apontar a ingenuidade de
pensar que a decisão judicial passa incólume por esse inevitável
maniqueísmo do discurso político, afinal, ele é apenas discursivo
e não efetivo.
Para G. Deleuze, a identificação com a esquerda ou com a
direita esta relacionada a um modo-de-perceber: enquanto o espí-
rito da esquerda percebe antes a generalidade e depois a particu-
laridade, a direita percebe o particular em detrimento do geral. A
percepção de alguém de esquerda tende a vitalizar fundamentos
metafísicos, coletivos e nacionais, assim como a percepção de al-
guém de direita tende a vitalizar fundamentos egoísticos, singula-
res e idiossincráticos.
Como ressaca da ditadura, a Constituição inscreve o soli-
darismo como grande novidade na proposta democrática que fez
oposição ao autoritarismo da razão militar burra. O monoteísmo
imbecil da ditadura é uma colônia de bactérias que remanesce e,
às vezes, se aglutina para dar vida à gente como o Bolsonaro. O
pior do Bolsonaro é que ele não é autoconsciente de que já morreu.
Esses dias um professor de direito que é meu amigo no Face-
book foi pra Brasília. Tirou uma foto para mostrar que estava lá,
afinal, se não houver fotos, você não foi. Aproveitou a ida para
Brasília para gravar um vídeo com o filho (da puta) do Bolsona-
ro. Ir para Brasília e entrevistar o filho do Bolsonaro é como ir
no banheiro e, ao invés de dar a descarga depois de uma cagada,
comer o próprio cocô.
Essa questão não saiu da minha moringa: como um professor
de direito, 194 anos depois do fim da Santa Inquisição, 70 anos
depois de Hiroshima e 27 anos depois da Constituição de Ulisses,
pode endeusar o (filho do) Bolsonaro?
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56 Conforme FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: La ley del más debil. Madrid:
Trotta, 1999.
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42. Lula, Moro e os Juristas Engajados
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Epílogo Para Fantasmas Autoritários
57 TIBURI, Márcia. Como conversar com um fascista. 5a ed. Rio de Janeiro: Record,
2016, p. 41.
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Posfácio
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Referências
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