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Federalismo Fiscal Brasileiro

e as Contribuições
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R aquel de Andrade Vieira Alves

Federalismo Fiscal Brasileiro


e as Contribuições

Editora Lumen Juris


Rio de Janeiro
2017
Copyright © 2017 by Raquel de Andrade Vieira Alves

Categoria:

Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Diagramação: Alex Sandro Nunes de Souza

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Impresso no Brasil
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________________________________________
À minha família, única razão possível.
Especialmente, à Eliana, luz que ilumina o meu caminho,
e à Luiz Carlos (in memoriam), que levo comigo aonde vou.
Nota da autora
Muito se tem discutido acerca de possíveis reformas no modelo atual de
tributação da sociedade brasileira, com infindáveis discussões acerca do modelo
ideal, de acordo com as especificidades da Federação, girando a maior parte
delas em torno da tributação sobre o consumo, com propostas para sua unifica-
ção (criação de um imposto federal sobre o valor agregado – IVA) e incentivos
à tributação sobre a renda, através do incremento da progressividade, dentre
outros instrumentos de redistribuição da carga tributária.
Com efeito, é inegável que o sistema atual de tributação necessita de refor-
mas, entretanto, para que isso seja possível e, sobretudo, para que essas reformas
sejam eficazes, do ponto de vista dos objetivos pretendidos, que em sua maio-
ria envolvem um equilíbrio na distribuição de rendas a partir da tributação, é
preciso antes que outras reformas - mais simples, inclusive - sejam efetivadas
por parte dos entes federados, em especial da União, a fim de se restabelecer
o papel político e financeiro dos Estados e Municípios dentro da Federação,
reaproximando-os das diretrizes fixadas pelo constituinte originário em 1988.
Isso porque, seguindo os movimentos contraditórios no sentido da descen-
tralização e da centralização, característicos do federalismo brasileiro, pode-se
afirmar que, no período que se seguiu à promulgação da Constituição de 1988,
o país passou por um intenso processo de concentração do poder fiscal pela
União, que redundou na perda gradual do poder de decisão política dos entes
subnacionais, que observamos hoje.
Esse modelo centralizado é extremamente prejudicial para a sociedade como um
todo, já que a centralização de receitas e poderes não veio acompanhada de uma
centralização de atribuições e responsabilidades, de modo que os entes subnacionais
continuam obrigados a promover uma série de direitos, mediante o desempenho de
políticas públicas, cuja falta de recursos próprios para o financiamento torna essa
tarefa inviável. Simplesmente, pode-se dizer que “a conta não fecha”.
Paralelamente, observa-se um crescimento extraordinário na instituição de
contribuições, como forma de financiamento das atividades estatais, original-
mente, em função da transição do Estado Liberal para o Estado Social e Demo-
crático de Direito, que demandou a busca por novas fontes de receita para fazer
frente aos direitos sociais trazidos pela Constituição.
Mais tarde, porém, esse aumento na arrecadação tributária via contribui-
ções, e não impostos federais, passou a ser a regra quando se fala em aumento
da carga tributária no Brasil, o que pode ser explicado em grande medida pela
facilidade na sua arrecadação e controle por parte da União; pela flexibilidade
da legislação de regência; e, o ponto que interessa à presente obra, pela sua
exclusão do sistema de participação na arrecadação, representando, portanto,
uma receita exclusiva da União - à exceção das Cide-Combustíveis.
Assim, pode-se afirmar que o instrumento vital da recentralização de recei-
tas e poderes pelo Governo Federal, após 1988, foi a instituição de contribui-
ções, cujo manejo como mecanismo de incremento das receitas federais tem
sido cada vez mais frequente, gerando um nítido desequilíbrio federativo, já que
se trata de um tributo não partilhável com os demais entes federados.
Imersa nesse contexto, a presente obra pretende analisar os reflexos do uso
indiscriminado das contribuições pela União para o financiamento das ativida-
des estatais, em detrimento dos principais impostos federais, no atual modelo
de federalismo fiscal do Brasil.
Com isso, se busca chamar a atenção para a perda gradual de autonomia
financeira pelos entes subnacionais, a par da crescente concentração de poderes
e receitas pela União, com destaque para a fragilização do papel dos Estados
dentro da Federação Brasileira e a forte dependência dos Municípios das polí-
ticas federais, fenômeno que, apesar de despertar o interesse de alguns estudio-
sos, ainda merece um estudo mais detido por parte da doutrina pátria.
A ideia, por detrás disso, é mostrar a correlação existente entre o Direito Tri-
butário e o Direito Financeiro, traduzida pela instituição de contribuições, cuja
destinação vinculada e a não submissão ao sistema de repartição de receitas entre
os entes federados, fazem deste tributo um exemplo perfeito de como o equilíbrio
na arrecadação tributária e no dispêndio desses recursos é fundamental para a
manutenção do Pacto Federativo, razão pela qual deve ser almejado e garantido
por todos os Poderes constituídos, com destaque para a atuação do Poder Judiciá-
rio, no enfrentamento das questões relativas ao tema que lhe têm sido submetidas.
Ressalte-se que esta obra é fruto dos trabalhos desenvolvidos dentro da Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro, à qual sou e serei eternamente grata por tudo,
tendo a frente, como pesquisador da temática afeta ao Federalismo Fiscal, o Professor
Gustavo da Gama Vital de Oliveira, que me orientou e inspirou na conclusão desta
tese, como parte dos requisitos a serem cumpridos para obtenção do título de Mestre.
Espero, por fim, que este livro possa servir de referência para o endereça-
mento dos debates acerca do federalismo e tributação no Brasil.

Raquel de Andrade Vieira Alves


Sumário

Prefácio........................................................................................................XXI
Apresentação .................................................................................................. 1
Introdução....................................................................................................... 3
PRIMEIRA PARTE
Federalismo fiscal e o desenho federativo brasileiro
Capítulo 1 – Federalismo e tributação........................................................... 9
1.1. Origem e evolução histórica do federalismo............................................9
1.2. Formas de estrutura do Estado Federal................................................. 12
1.3. O federalismo fiscal e a discriminação de rendas e atribuições............. 17
Capítulo 2 – O contexto brasileiro...............................................................23
2.1. Breve histórico do federalismo fiscal brasileiro......................................23
2.2. Discriminação de rendas na Constituição de 1988...............................28
2.3. Transferências intergovernamentais e participações ............................. 33
2.3.1 A importância das participações como forma de garantia
da autonomia dos entes federados............................................................. 35
2.4 O enfraquecimento do papel do Estado no federalismo fiscal atual....... 42
2.5. O perfil das receitas municipais e a centralização de poderes
e receitas pela União....................................................................................46
2.5.1. Retenção de recursos destinados aos Municípios pela União:
interpretação do art. 160, parágrafo único, da Constituição Federal........ 53
2.5.1.1 Interpretação constitucional: evolução e limites......................... 53
2.5.1.2 Sentido e alcance do parágrafo único do art. 160 dentro
do “novo federalismo brasileiro” : parâmetros para a retenção de
recursos destinados aos entes subnacionais pela União......................... 61
2.5.2. A chamada “cortesia com chapéu alheio” ...................................... 73
2.5.3. Instituição de tributos não partilháveis...........................................88
SEGUNDA PARTE:
Contribuições e pacto federativo
Capítulo 3 – Perfil das contribuições......................................................... 111
3.1 Origem e histórico comparado.......................................................... 111
3.2 Fundamento ético-jurídico: a solidariedade .....................................119
3.3. A transição do Estado Liberal para o Estado Social e Democrático
de Direito: solidariedade genérica e solidariedade de grupo ..................126
3.4. A evolução do tema no Brasil...........................................................137
3.4.1. Natureza jurídica e conteúdo finalístico......................................... 147
3.4.2. Classificação e delimitação do perfil jurídico.................................158
Capítulo 4 – O papel das contribuições na centralização fiscal no Brasil.....173
4.1 Abuso na instituição de contribuições pela União: análise crítica
e individualizada de algumas espécies em vigor......................................... 173
4.1.1. O caso das Contribuições de Intervenção no Domínio
Econômico - CIDE´s............................................................................... 173
4.1.1.1. Contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços
de Telecomunicações - FUST e Contribuição para o Fundo de
Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações - FUNTTEL...... 174
4.1.1.2. Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria
Cinematográfica – CONDECINE.......................................................190
4.1.1.3. Contribuição para o financiamento do Programa de
Estímulo à Integração Universidade-Empresa Para apoio à
Inovação - Cide-Royalties, Cide-Tecnologia ou Cide-Remessas...........197
4.1.2. As contribuições sociais e a solidariedade de grupo na
sociedade brasileira atual.........................................................................207
4.1.2.1. O caso do Adicional de 10% ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço – FGTS................................................................... 211
4.1.2.2. A Contribuição Provisória sobre Movimentação ou
Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira – CPMF..............................................................................221
4.1.3. Desvinculação de Receitas da União – DRU.................................227
4.1.4. As contribuições e os tratados internacionais para evitar a
dupla tributação: “treaty dodging” ou “treaty circunventiom”................234
4.2. Levando as contribuições a sério.........................................................239
Conclusão.....................................................................................................251
Referências ..................................................................................................255
ANEXO A – Arrecadação total das receitas federais de 1995 a 2014
a preços correntes........................................................................................279
ANEXO B – Arrecadação federal comparativa de contribuições e
impostos partilháveis de 1995 a 2014 a preços correntes.........................281
ANEXO C - Parte do ofício Nº 19890/2014/SEI-MC encaminhando
as respostas ao requerimento de informação nº 4.480/14, de autoria
da Comissão de ciência e tecnologia, comunicação e informática
da Câmara dos deputados, transmitidas pelo Ministro de Estado
das comunicações........................................................................................283
Abreviaturas e siglas

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias


ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
AFRMM Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante,
ANATEL Agência Nacional de Telecomunicações
ANCINE Agência Nacional do Cinema
ANFIP Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal
do Brasil
ANP Agência Nacional do Petróleo
Art. Artigo
ATP Adicional de Tarifa Portuária
CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
CNC Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
CNI Confederação Nacional das Indústrias
COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CONDECINE Contribuição para o Desenvolvimento da
Indústria Cinematográfica
COSIP Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública
CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
CREA Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CTN Código Tributário Nacional
DOU Diário Oficial da União
DRU Desvinculação de Receitas da União
EC Emenda Constitucional
FEF Fundo de Estabilização Fiscal
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FISTEL Fundo de Fiscalização das Telecomunicações

XIII
FMI Fundo Monetário Internacional
FNC Fundo Nacional de Cultura
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FSE Fundo Social de Emergência
FUNCINES Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional
FUNDAF Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das
Atividades de Fiscalização
FUNTTEL Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico
das Telecomunicações
FUST Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Trans-
porte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
IE Imposto de Exportação
II Imposto de Importação
INMENTRO Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
IOF Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou
relativas a Títulos e Valores Mobiliários
IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPMF Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira
IPTU Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
IR Imposto de Renda
ISS Imposto Sobre Serviços
ITBI Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis
ITCMD Imposto de Transmissão de Bens Móveis Causa Mortis e Doação
ITR Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural
LGT Lei Geral de Telecomunicações
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal
MP Medida Provisória

XIV
OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OMC Organização Mundial do Comércio
PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PGR Procuradoria Geral da República
PSL Partido Social Liberal
PIB Produto Interno Bruto
PIS Programa de Integração Social
PRODEC Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense
RE Recurso Extraordinário
RFB Receita Federal do Brasil
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAR Serviço de Aprendizagem Rural
SENAT Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SEST Serviço Social do Transporte
SINDITELE- Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço
BRASIL Móvel Celular e Pessoal
STF Supremo Tribunal Federal
STFC Serviço de Telefônico Fixo Comutado
TFF Taxa de Funcionamento das Estações de Telecomunicações
TFI Taxa de Fiscalização de Instalação
TCU Tribunal de Contas da União
UNAFISCO Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Rece ita Federal

XV
Gráficos

GRAFICO 1 Desoneração do IR e IPI (2008 a 2012)..................................... 77

GRAFICO 2 Comparativo da arrecadação dos impostos federais partilháveis e


das contribuições (1995 a 2014)...................................................................... 94
Tabelas

TABELA 1 Cronologia do federalismo brasileiro, de Fernando Rezende........ 24


TABELA 2 Federalismo fiscal no Brasil: 1967 e 1968, de Fernando Rezende......... 38
TABELA 3 Exemplos aleatórios da arrecadação versus o pagamento de benefí-
cios previdenciários em alguns Municípios, de Álvaro Sólon de França......... 48
TABELA 4 IR e IPI - Percentual da arrecadação destinada a fundos............. 75
TABELA 5 Valores não distribuídos aos fundos em decorrência
da desoneração (2008 a 2012) ........................................................................ 76
TABELA 6 Evolução das renúncias tributárias de IR e IPI no período
de 2010 a 2014, de Evilásio Salvador (INESC) ............................................... 80
TABELA 7 Arrecadação das cide-combustíveis e percentagem anual
de crescimento (2002 a 2014) ......................................................................... 87
TABELA 8 Arrecadação das contribuições (IPMF/CPMF, PIS,
COFINS e CSLL) em % da receita de IR e IPI............................................... 96
TABELA 9 Quadro Anexo ao projeto de LOA 2016, que demonstra
a ausência de aplicação dos recursos do FUST e do FUNTTEL................... 183
TABELA 10 Valores arrecadados com a contribuição ao FUNTTEL de 2011
a 2014, em função do montante destinado pela LOA e do total aplicado............184

XIX
XX
Prefácio

O momento de crise pelo qual passa o federalismo fiscal pátrio não é novi-
dade para a doutrina brasileira, mormente diante da tendência verificada nas
últimas décadas de centralização de recursos pela União, os quais haviam sido
dimensionados adequadamente pelo constituinte de 1988.
Nesse ponto, se a Constituição de 1988 consolidou a tendência à descentra-
lização fiscal, surgida no final da década de 1970 em resposta à centralização
de recursos operada durante o Governo Militar, é certo que esse movimento
não veio acompanhado de uma expansão considerável das bases tributárias dos
entes subnacionais. Na verdade, o próprio constituinte, ciente da insuficiência
de bases de tributação para todos os entes e das diferenças socioeconômicas re-
gionais, instituiu um amplo e complexo sistema de transferências intergoverna-
mentais e de participações no produto da arrecadação, que visavam justamente
promover o equilíbrio financeiro da Federação.
Contudo, seguindo a lógica da alternância cíclica entre períodos de concen-
tração e desconcentração de poder, que marca a história do federalismo pátrio,
é possível observar um movimento gradual de recentralização de recursos no
Brasil, a partir de meados da década de 1990, que tem produzido reflexos na
política nacional até os dias atuais. E é esse movimento de retorno ao modelo
centralizador que foi muito bem exposto na presente obra de Raquel de Andra-
de Vieira Alves, que, atenta às particularidades do federalismo fiscal brasileiro,
buscou identificar os seus principais instrumentos de distorção, a partir de uma
análise interdisciplinar do Direito Financeiro, buscando apoio não só no pró-
prio Sistema Tributário Nacional, a partir dos fundamentos da solidariedade na
tributação, como justificação ético-jurídica das contribuições, como também da
história, da ciência política e da economia e finanças públicas.
O presente livro, na verdade, examina a atividade financeira estatal com a
complexidade que o tema exige, firme na convicção de que a dogmática redu-
cionista que tem imperado no estudo do Direito Tributário e Financeiro do Bra-
sil não esgota a análise da Ciência Jurídica, que é, por si só, complexa e, como
tal, deve dirigir-se a uma compreensão cada vez mais adequada da realidade.
Com base nessa premissa, a autora, após examinar o processo de formação
do federalismo brasileiro, destaca a importância vital que as transferências e
as participações no produto da arrecadação de outros entes possuem, para fins
de garantia da autonomia financeira dos Estados e, sobretudo, dos Municípios,
comprovando a sua tese através de dados empíricos. Seguindo o mesmo com-
promisso de adequar o estudo do Direito à realidade subjacente, identifica-se
como a utilização abusiva das contribuições pela União tem sido responsável
pelo desequilíbrio que se opera no Pacto Federativo, não apenas distanciando-
-o do modelo proposto pela Constituição de 1988, como também promovendo
uma perda considerável em termos de justiça na tributação.
Mais uma vez, como fruto de um intenso trabalho de pesquisa e sistemati-
zação, a autora demonstra o que representa em números a afirmativa de que o
Governo Federal tem privilegiado a arrecadação mediante contribuições, em
detrimento dos principais impostos federais – IR e IPI, detalhe que denota o
grau de sofisticação alcançado e que, por vezes, não se verifica nos estudos
jurídicos, pouco familiarizados com a análise empírica.
Ao final, incorporando a análise pragmática ao estudo do aspecto teórico
da ciência jurídico-tributária, examinam-se algumas espécies de contribuições,
cujo manejo indiscriminado por parte da União, além de tornar patente a real
intenção do Governo Federal de burlar o Pacto Federativo, causa embaraços a
nível internacional, representando uma verdadeira tentativa de driblar o espíri-
to dos Tratados Internacionais contra a Bitributação.
A presente obra é, portanto, referência indispensável aos estudiosos do Di-
reito Financeiro e Tributário, especialmente aqueles que pretendem se aprofun-
dar na temática afeta ao federalismo fiscal, colocando em destaque aos Poderes
constituídos e, principalmente, ao Poder Judiciário, no exercício da jurisdição
constitucional, a necessidade de correção do papel que as contribuições desem-
penham atualmente no Brasil.
Brasília, 28 de outubro de 2016.

Luiz Fux
Doutor em Direito Processual Civil.
Professor Catedrático de Processo Civil – UERJ.
Membro da Academia de Letras Jurídicas.
Membro da Academia Brasileira de Filosofia.
Apresentação

Ricardo Lobo Torres, após enunciar o federalismo fiscal como um dos prin-
cípios estruturais da Constituição Financeira, ressalta que o mesmo se encontra
“permanentemente pressionado pela legitimação”, cabendo-lhe o pesado ônus
de compor a unidade e a concordância entre os interesses da União, Estados
e Municípios (Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol.
I, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 395). A obra que tenho a imensa honra de
apresentar enfrenta, com coragem, o desafio mencionado pelo Professor Titular
de Direito Financeiro da UERJ.
Raquel de Andrade Vieira Alves analisou com profundidade a configuração
do federalismo fiscal brasileiro, examinando a importância das transferências
governamentais para a autonomia dos entes federativos e destacando a íntima
relação entre o crescimento das contribuições em nosso sistema tributário e o
enfraquecimento financeiro dos entes subnacionais, após a Constituição de 1988.
Embora o tema seja objeto de constantes reflexões na doutrina brasileira, o
trabalho da autora possui peculiaridades que o tornam especialmente relevante,
como a utilização de ricos dados empíricos para ilustrar as teses desenvolvidas.
É marcante ainda, na obra, a ótica interdisciplinar para a análise do federalismo
fiscal, utilizando lições da ciência política e da economia, fato infelizmente ainda
pouco comum na doutrina tributária brasileira, o que revela a elevada compe-
tência da autora, que não poupou esforços em seu rigoroso trabalho de pesquisa.
Outro ponto que enriquece a obra é a demonstração de que o crescimento
anômalo das contribuições no sistema brasileiro, verificado nas últimas décadas,
não repercute apenas na higidez das relações entre os entes federativos no Brasil.
Trata-se de problema que toca a própria justiça do sistema tributário nacional,
pelo enfraquecimento da noção da solidariedade de grupo, que deveria nortear a
instituição das contribuições, afetando assim a relação entre contribuinte e Esta-
do. Ademais, a autora destaca, com exemplos concretos, como o perfil esdrúxulo
de algumas contribuições torna difícil a relação do Brasil com os demais países,
na aplicação dos tratados internacionais para regular a tributação, trazendo enor-
mes embaraços aos contribuintes que atuam no âmbito internacional.
Em outros termos, as considerações da autora reforçam a noção de que a re-
lação entre as contribuições e o federalismo fiscal brasileiro é um tema que não

1
Raquel de Andrade Vieira Alves

traz repercussões apenas no Direito Financeiro (referentes à ausência de partici-


pação dos entes subnacionais em parcela da arrecadação, ou ainda, o problema
do desvio de finalidade do produto da arrecadação das contribuições). Trata-se
de problema que também repercute diretamente no Direito Tributário, afetando
o contribuinte. Diante de tais conclusões, a autora reforça o papel de controle
que o Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, no exercício
da jurisdição constitucional, deve exercer na análise da constitucionalidade das
contribuições em nosso sistema tributário.
O tema do federalismo fiscal no Brasil teve importantes contribuições da Es-
cola de Direito Financeiro da UERJ, por meio de trabalhos notáveis de autores
como Aliomar Baleeiro, Amílcar de Araújo Falcão e Ricardo Lobo Torres. O
presente trabalho representa mais uma importantíssima colaboração para o de-
senvolvimento do tema, que longe de dizer respeito apenas às finanças públicas
dos entes federativos, também afeta diretamente o contribuinte.

Gustavo da Gama Vital de Oliveira


Professor Adjunto de Direito Financeiro da Universi-
dade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor e
Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Procurador do Município do
Rio de Janeiro. Advogado.

2
Introdução

Uma das maiores dificuldades da gestão pública atual é conjugar a arrecadação


de receitas tributárias com o dispêndio desses recursos. Essa dificuldade advém,
em grande parte, da ausência de enfrentamento da complexidade do fenômeno
financeiro como um todo, por parte da doutrina tradicional do Direito Tributário.
Com efeito, a análise da atividade financeira estatal através de um pano-
rama completo exige o reconhecimento de que a norma tributária é apenas o
ponto de partida de qualquer estudo que pretenda se aprofundar nos efeitos da
tributação. Nesse ponto, a complexidade do fenômeno financeiro abre espaço
para o estudo interdisciplinar, que envolve não só a análise do Direito Tribu-
tário, Constitucional e Financeiro, como também da Economia, da Ciência
Política, da História, da Filosofia, da Sociologia, dentre outros, revelando, como
destaca André Folloni, a necessidade de se incorporar um novo aspecto teórico
à ciência jurídico-tributária, que consiste na pragmática1.
Nesse contexto de aproximação entre a norma tributária e seus efeitos concretos
no ambiente sócio-econômico-ambiental, não há fenômeno melhor para demons-
trar essa imbricação do que o federalismo fiscal. O seu estudo demanda neces-
sariamente a análise da complexidade da atividade financeira estatal, impedindo
qualquer tentativa reducionista. É, portanto, um dos temas de Direito Financeiro
em que a estreita ligação com o Direito Tributário aparece de forma mais clara.
Por outro lado, a espécie tributária que melhor representa esse elo são as
contribuições que, como afirma José Marcos Domingues, desde a sua origem
representam um instituto fadado a desempenhar um “papel-dublê” reservado
aos tributos contemporâneos, na medida em que a sua arrecadação serve a um
só tempo ao financiamento das atividades estatais e à consecução das políticas
públicas fundadas nos valores constitucionalmente consagrados2.

1 FOLLONI, André. “Direitos fundamentais, dignidade e sustentabilidade no constitucionalismo


contemporâneo: e o Direito Tributário com isso?” Fundamentos do Direito Tributário. Humberto
Ávila (Org.). São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 31-32.
2 DOMINGUES, José Marcos. “O Código Tributário Nacional, a Constituição e as Contribuições
Parafiscais”. Cadernos de Debates Tributários - Tema: Aspectos Controvertidos do CTN. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.

3
Raquel de Andrade Vieira Alves

O conteúdo finalístico das contribuições, à medida que integra a norma


tributária impositiva, demanda a análise da aplicação dos recursos públicos cor-
respondentes pela doutrina do Direito Tributário, agregando à interpretação
uma perspectiva funcional. Essa perspectiva, embora pareça estar esquecida
ultimamente, é indispensável para o estudo das contribuições e é exatamente
através dela que podem ser observadas as atuais distorções na utilização dessa
espécie tributária, dentro do modelo brasileiro.
Nesse aspecto, desde a promulgação da Constituição de 1988 até hoje o
sistema tributário brasileiro vivencia um aumento extraordinário na arrecada-
ção de contribuições, seja pela instituição de novas espécies, seja pela majo-
ração substancial das já existentes, acompanhado de um processo gradual de
desnaturação das suas principais características. Como se não fosse suficiente,
esse processo atinge o ápice com as sucessivas emendas constitucionais que
desvincularam – de forma crescente – parcela significativa da arrecadação das
contribuições de suas finalidades originárias.
Até aqui, se poderia questionar o que a proliferação de contribuições no
sistema tributário brasileiro e a desvinculação constitucional de suas finalida-
des teriam a ver com o federalismo fiscal, fora o fato de ambos os institutos
demandarem uma análise interdisciplinar, com estreita ligação entre os fenô-
menos financeiro e tributário. Entretanto, ao se observar que essa preferência
na arrecadação via contribuições tem se dado em detrimento da arrecadação
dos principais impostos federais, é possível concluir que a utilização massiva das
contribuições pela União representa uma fraude não só à tipologia tributária
dessa espécie, mas também ao federalismo fiscal brasileiro3.
Isso porque, diferentemente dos impostos, as contribuições – à exceção das
Cide-Combustíveis – não se submetem à sistemática de partilha da arrecadação
com os demais entes federados, representando uma receita exclusiva da União.
Assim, quando o Governo Federal prefere a instituição de uma contribuição ao
incremento na arrecadação do imposto de renda e do imposto sobre produtos
industrializados, com o único intuito de aumentar a receita tributária, ela está
retirando uma boa parte dos recursos que seriam distribuídos aos Estados e Mu-

3 Nesse sentido: DOMINGUES, José Marcos. “O Desvio de Finalidade das Contribuições e o seu
Controle Tributário e Orçamentário no Direito Brasileiro”. Direito Tributário e Políticas Públicas.
São Paulo: MP Ed., 2008. p. 299.

4
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

nicípios – de acordo com a Constituição de 1988, quase metade da arrecadação


desses impostos é repartida.
Em Municípios cuja capacidade de arrecadação com base no exercício da
competência tributária própria é reduzida, essa participação na arrecadação fe-
deral acaba adquirindo um papel de destaque no orçamento, funcionando como
uma receita imprescindível ao exercício de sua autonomia financeira e política.
Paralelamente, os Estados foram assumindo ao longo do tempo – sobretudo,
após meados de 1990 – um papel reduzido dentro do modelo federativo brasi-
leiro, exercendo pouca influência na vontade política nacional, de modo que,
na prática, essa centralização de receitas tributárias pela União, proporcionada
pelas contribuições, acaba importando em uma centralização de poderes polí-
ticos, consubstanciando, assim, um poderoso instrumento de governabilidade.
Não obstante o cenário descrito, que evidencia um quadro caótico na tribu-
tação brasileira e uma grave distorção no modelo de federalismo fiscal pátrio,
a doutrina tradicional pouco tem se dedicado ao estudo do impacto do cres-
cimento desordenado das contribuições no Pacto Federativo nacional. Talvez
essa deficiência de estudos sobre o tema seja explicada pela forte segregação
que a doutrina reducionista sempre pregou em relação ao Direito Financeiro e o
Direito Tributário – via de regra, é possível encontrar autores de Direito Finan-
ceiro falando sobre federalismo fiscal e autores de Direito Tributário abordando
a temática das contribuições, seguindo uma rígida separação entre as duas ci-
ências –, razão da ressalva feita no início.
Felizmente, ao passo em que o acervo teórico clássico da doutrina de Direito
Tributário vai se mostrando insuficiente para resolver todos os problemas de-
correntes dos efeitos da tributação, começam a surgir algumas vozes a favor da
superação da dogmática tradicional por uma abordagem complexa. É o caso de
José Souto Maior Borges4 e André Folloni5.
Diante disso, inspirada pela necessidade de uma abordagem teórica interdis-
ciplinar, sem perder de vista a prática, a presente obra visa analisar o abuso na

4 BORGES, José Souto Maior. “Um Ensaio Interdisciplinar em Direito Tributário: Superação da
Dogmática”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 211, abril, 2013.
5 FOLLONI, André. Clareiras e Caminhos do Direito Tributário: Crítica da Ciência do Direito
Tributário a Partir da Obra de José Souto Maior Borges. Tese de Doutoramento apresentada pelo
autor como requisito para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado, no Programa de Pós-
graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências Jurídicas, Curitiba, 2011.

5
Raquel de Andrade Vieira Alves

instituição de contribuições, como um dos principais instrumentos de concentra-


ção de receitas pela União, e seus reflexos no atual contexto federativo brasileiro.
Para fins didáticos, o estudo será dividido em duas partes: a primeira dedi-
cada à análise do modelo federativo brasileiro, por meio da relação existente
entre a repartição de receitas tributárias, constitucionalmente definida, e a au-
tonomia dos entes subnacionais, ressaltando as principais distorções do modelo
atual no que concerne à centralização de receitas e poderes pela União; e a
segunda dedicada à análise dos principais aspectos relacionados às contribui-
ções, desde a sua origem histórica e comparada, até a sua natureza jurídica e
fundamentação, com enfoque na evolução do conceito de solidariedade desde o
Estado Liberal até o Estado Social e Democrático de Direito.
Ainda na segunda parte do estudo, serão apontadas as principais distorções
na utilização de contribuições pela União, através da análise crítica e individu-
alizada de algumas espécies em vigor, incluindo os efeitos dessa política a nível
internacional e o mecanismo de desvinculação de receitas do Governo Federal.
Ao final, buscando uma nova perspectiva para o tema, pretende-se delimitar a
correta função das contribuições no Estado Contemporâneo, ressaltando como a
sua utilização irresponsável pode ser danosa para o modelo federativo pátrio, a fim
de chamar a atenção dos Poderes constituídos para a necessidade de uma atuação
firme e baseada na complexidade que o enfrentamento do tema exige.

6
PRIMEIRA PARTE
Federalismo fiscal e o desenho
federativo brasileiro

7
Capítulo 1 – Federalismo e tributação

1.1. Origem e evolução histórica do federalismo


O Estado Federal tem suas origens no Estado Moderno, embora o gérmen
do federalismo possa ser identificado desde a Antiguidade Clássica, com a Con-
federação das Tribos de Israel, no séc. XIII antes de Cristo, e com as ligas he-
lênicas, na Grécia Antiga, passando pela Idade Média, com a Confederação
Helvética (séc. XIII) e a dos Países Baixos (séc. XVI), até a Idade Moderna, com
a Confederação Germânica (1815 a 1871) 6.
Ocorre que o que os gregos chamavam de Federação, por exemplo, é o que
os modernos denominam de Confederação, de modo que o fenômeno federa-
tivo tal como é tido atualmente só surgiu a partir de 1787, com a Constituição
dos Estados Unidos.
Nesse ponto, ressalte-se que as classificações tradicionais costumam divi-
dir os Estados em: Unitários, quando têm um poder central que é a cúpula
e o núcleo do poder político; e Federais, quando conjugam vários centros de
poderes políticos autônomos. Entretanto, alguns estudiosos admitem situações
intermediárias, como é o caso dos Estados Regionais, menos centralizados do
que o Estado Unitário, mas sem chegar aos extremos de descentralização do
federalismo, como é o caso da Itália e da Espanha7.
Na verdade, a realidade é bem mais complexa do que as categorias usual-
mente trazidas pela doutrina, havendo que se reconhecer ainda a existência de
Confederações, que compreenderiam um conjunto de Estados soberanos, mas
que não são modelos federativos, e outros tipos de Estado que, embora consi-
derados Unitários, pouco diferem dos Estados Federais, em função do enorme
grau de descentralização que possuem.

6 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria do Federalismo Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
p. 217-223 e RIBEIRO, Ricardo Lodi. Temas de Direito Constitucional Tributário. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 250.
7 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 251.

9
Raquel de Andrade Vieira Alves

Ademais, mesmo tratando-se de Estados Federais, não há um modelo pa-


drão, pois cada um possui características específicas quanto à sua formação e
organização. Tais características exercem influência direta nos diferentes graus
de descentralização que um Estado Federal pode assumir, a ponto de ser pos-
sível afirmar que não há Estados idênticos e que a sua infinidade de modelos
dificulta e muito a criação de categorias que permitam o seu agrupamento.
Essa diversidade e complexidade no estabelecimento de critérios rígidos de
distinção foi muito bem identificada por José Maurício Conti que, para ilustrá-
-la, utiliza justamente o exemplo da Itália, organizada em quatro esferas de go-
verno: central, regional, provincial e municipal, além da região metropolitana,
todas com algum grau de autonomia, embora ela não seja considerada formal-
mente uma Federação; bem como da Espanha, que prevê a existência de muni-
cípios, províncias e comunidades autônomas, também dotados de certo grau de
autonomia, embora seja formalmente um Estado Unitário8.
Não obstante a inexistência de uniformidade doutrinária acerca dos crité-
rios definidores do Estado Federal, é possível identificar algumas características
básicas, inerentes à organização sob a forma federativa: (i) existência de ao me-
nos duas esferas de governo (pluralidade de ente constitutivos); (ii) autonomia
das entidades descentralizadas, compreendendo a autonomia política, adminis-
trativa e financeira; (iii) organização do Estado expressa em uma Constitui-
ção e não em um Tratado; (iv) repartição de competências entre as unidades
descentralizadas; (v) participação das entidades descentralizadas na formação
da vontade nacional, ou seja, o poder político é partilhado entre a União e as
unidades federadas; (vi) indissolubilidade, não havendo direito de secessão; e
(vii) só o Estado Federal é soberano, os demais entes perdem a sua soberania no
momento do ingresso na Federação9 10.
É claro que cada Federação apresenta as suas peculiaridades e nem todas
possuem todos esses elementos – o que pode até mesmo indicar uma necessi-
dade de amadurecimento da experiência federativa –, mas o essencial para a
configuração de um Estado Federal é a descentralização de poder, com atribui-

8 CONTI, José Maurício. “Considerações sobre o federalismo fiscal brasileiro em uma perspectiva
comparada.” CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury; BRAGA, Carlos Eduardo Faraco
(Orgs.). Federalismo fiscal: questões contemporâneas. Florianópolis: Conceito, 2010. p. 16.
9 Ibid. p. 17.
10 DALLARI, Dalmo de Abreu. p. 254-256.

10
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

ção de autonomia às unidades descentralizadas, o que permite um atendimento


mais eficiente às demandas locais, bem como preserva os particularismos de
cada entidade federada. Aliás, etimologicamente, Federação (do latim foedus)
significa pacto, aliança ou união entre Estados11.
Embora antes da Constituição norte-americana de 1787 já houvesse alian-
ças entre Estados, não havia a completa perda da soberania destes em favor do
governo central, razão pela qual ainda não é possível identificar essas uniões
como modelos federativos, mas como Confederações, bem menos complexas
que o Estado Federal. Um exemplo atual de Confederação é o caso dos Emira-
dos Árabes Unidos.
Logo após a Revolução Americana de 1776, as treze ex-colônias britânicas pas-
saram a constituir cada uma um novo Estado, firmando entre si um Tratado, co-
nhecido como Artigos de Confederação, em uma ação conjunta a fim de garantir
a independência até então conquistada e a autonomia de cada antigo território
colonial. Formou-se, assim, em 1º de março de 1781, a Confederação denominada
de Estados Unidos da América, declarando tratar-se de uma união permanente.
Em pouco tempo a experiência demonstrou que os laços firmados com a
Confederação eram frágeis demais. Como cada entidade componente da Con-
federação retinha a sua soberania, os conflitos de interesses prejudicavam a
ação conjunta. Além disso, as deliberações dos Estados Unidos em Congresso
nem sempre eram cumpridas, e havia dificuldades para a obtenção de recursos
financeiros e humanos para as atividades comuns12.
Como os Estados não abriram mão de sua soberania, além das deliberações
do Congresso não passarem de meras recomendações, não era possível a insti-
tuição de um tributo comum. Da mesma forma, não havia um tribunal supremo
que unificasse a interpretação do direito comum aos Estados ou que resolvesse
juridicamente as diferenças entre eles.
Diante desse cenário, como a Confederação não estava atendendo às ne-
cessidades do governo comum, em maio de 1787, os Estados, por meio de seus
representantes, reuniram-se em Convenção na Cidade de Filadélfia e, após ca-
lorosos debates inicialmente pelo simples aperfeiçoamento do modelo confede-
rativo, acabaram entregando a uma nova entidade, a União, poderes bastantes

11 Ibid. p. 252.
12 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 929.

11
Raquel de Andrade Vieira Alves

para exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os Estados reunidos.


Por outro lado, passaram a compor a vontade da União, por meio de represen-
tantes no Senado, conservando a sua autonomia.
Esse foi o primeiro regime federalista do mundo que, como afirmou Ma-
nuel Garcia-Pelayo, surgiu em resposta à necessidade prática de se conciliar
a existência de Estados individuais com a existência de um poder dotado de
faculdades para bastar-se por si mesmo. Representou, nesse sentido, uma forma
intermediária entre o Estado Unitário e a Confederação, que eram as únicas
formas de organização política conhecidas até então13.
Em seguida à experiência americana, muitos Estados adotaram esse novo
modelo de organização política, ajustando-o, contudo, às suas peculiaridades
locais, fato que explica a já apontada multiplicidade de formas federativas e a
ausência de critérios rígidos de identificação de Estados Federais14.
Tal fato foi bem destacado pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, no
julgamento da ADI nº 2024-2, ao tratar da forma federativa do Estado como
cláusula pétrea, afirmando que esta “não pode ser conceituada a partir de um
modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte
originário concretamente adotou, e como o adotou” 15.
Essa impossibilidade de tratar o federalismo como um fenômeno único diante
da complexidade que o envolve torna necessário o exame de suas principais formas.

1.2. Formas de estrutura do Estado Federal


Antes de adentrar propriamente na abordagem dos tipos de Estado Federal é
importante destacar a ressalva de Augusto Zimmermann, no sentido de que ao
estudar a formação desses Estados é possível ir além e entender porque alguns,
apesar de formalmente organizados sob a forma federativa, ainda são incapazes
de operar as benesses dessa forma “potencialmente democrática de distribuição
do poder estatal” 16.

13 GARCIA-PELAYO, Manuel apud ZIMMERMANN, Augusto. Op. Cit. p. 39.


14 Atualmente há vinte e cinco nações sob a forma federal que equivalem a cerca de 40% da população
global. Forum of Federations – The Global Network on Federalism and Devolved Governance. Disponível
em: <http://www.forumfed.org/en/federalism/federalismbycountry.php> Acesso em: 27.08.15.
15 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2024-2/DF. Ministro Relator Sepúlveda Pertence. Julgada em
03.05.07. DJ de 22.06.07.
16 ZIMMERMANN, Augusto. Op. Cit. p. 54.

12
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

De fato, o federalismo poderia representar um sinônimo para a descentrali-


zação, entretanto, em determinados países as distorções no modelo federativo
chegam ao ponto de aproximá-los mais de Estados Unitários com algum grau de
descentralização do que de outros Estados Federais. É comum que esses Estados
tenham se formado por desagregação, o que explica a dificuldade de abandonar
os vícios da centralização.
Nesse ponto, duas são as origens do Estado Federal: ele pode surgir a partir
da união de Estados previamente soberanos, dando origem ao chamado federa-
lismo por agregação (ou centrípeto), como ocorreu nos Estados Unidos, Suíça e
Alemanha, ou pode surgir através do desmembramento de uma estrutura única
em várias unidades dotadas de autonomia, de modo que o antigo Estado Unitá-
rio dá lugar a um regime federativo, dando origem ao chamado federalismo por
desagregação (ou centrífugo), como ocorreu no Brasil.
Os primeiros Estados Federais surgiram a partir de um modelo de agregação,
como consequência da evolução de regimes confederativos, que enfrentavam
problemas práticos advindos da manutenção da soberania das unidades que o
integravam. A partir daí, como ressalta Augusto Zimmermann, a fórmula con-
ciliatória “unidade na diversidade” 17 ensejou também a descentralização dos
Estados Unitários então existentes.
Os Estados formados por agregação, como são compostos por unidades que já
exerciam a sua soberania anteriormente, tendem a apresentar uma resistência maior
a medidas centralizadoras do que os Estados formados por desagregação. Nesses úl-
timos, devido ao histórico-político centralizador, há uma tendência à concentração
de poder pelo órgão central, mantendo a tradição unitarista que marca a sua exis-
tência. Além disso, como há uma predisposição para maior uniformidade jurídica,
é comum os Estados-membros se organizarem à imagem e semelhança da União.
Como é possível perceber, o histórico de formação do federalismo exerce
grande influência nas organizações políticas atuais, apesar de haver outros fa-
tores também capazes de influenciar a forma de organização dos Estados, como
é o caso do passado colonial, conforme bem destacou Thiago Guerreiro Bastos,
em trabalho específico dedicado ao estudo comparado das formas federativas
no contexto latino-americano18.

17 Ibid. p. 54-55.
18 “Em linhas sucintas, a experiência colonial baseada no self-government dos estadunidenses propiciou
um governo federal bastante descentralizado. O modelo colonial ibérico, por sua vez, conjugou

13
Raquel de Andrade Vieira Alves

Ainda em continuidade à análise das formas federativas, é possível identi-


ficar duas categorias básicas em relação ao modo pelo qual os Estados Federais
se organizam: o federalismo dual, marcado por uma rígida divisão de compe-
tências entre os entes federados, e o federalismo cooperativo ou de integração,
em que uma mesma matéria é atribuída concorrentemente a diferentes entes,
ou seja, não há uma fronteira claramente definida em relação à distribuição de
competência entre as diversas unidades federadas.
O federalismo dual corresponde à forma mais tradicional de Estado Federal,
adotada pelos Estados Unidos logo após a Constituição de 1787. Nos anos se-
guintes à crise de 1929, contudo, emergiu a figura do federalismo cooperativo,
caracterizado por uma maior intervenção da União no domínio econômico, a
fim de garantir o Estado de bem-estar social a partir de uma livre cooperação
com as demais unidades federadas.
O federalismo cooperativo, sem rígidas divisões de poder e marcado pela pre-
sença de esferas de organização que se interpenetram e se auxiliam mutuamente,
é o modelo que tem prevalecido no cenário político mundial. Entretanto, em de-
terminados Estados esse regime tem sofrido distorções, de modo a perder com-
pletamente o seu espírito de cooperação, para dar lugar a uma nítida relação de
subordinação entre as entidades periféricas e o governo central. É o que acontece,
por exemplo, em Federações meramente nominais da América Latina.
Como ressalta Paulo Bonavides, em função de sua integração mais forte, o
federalismo cooperativo pode exacerbar a subordinação das esferas estaduais
aos desígnios da União, acabando por negar o próprio modelo. Essa vertente
distorcida do federalismo cooperativo, a que o autor denomina de “federalismo
de subordinação”, se amoldaria perfeitamente ao autoritarismo de certos países
socialistas, em que o pacto federativo é apenas nominal.19
Existiriam, assim, duas modalidades diferentes de federalismo cooperativo:
uma autoritária, que representaria, na verdade, uma contradição ao próprio
sistema de cooperação, e uma modalidade democrática; essa sim é que repre-

elementos centralizadores com certos níveis de descentralização local, culminando em Estados


que oscilaram entre centralização e descentralização.” BASTOS, Thiago Guerreiro. As Formas
Federativas do Brasil, México e Argentina no Contexto Latino-Americano: A excessiva simetria
brasileira. Tese de Mestrado apresentada pelo autor como requisito para obtenção do título de Mestre
em Direito Constitucional, no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal
Fluminense. Niterói-RJ, 2015. p. 43.
19 BONAVIDES, Paulo apud ZIMMERMANN, Augusto. Op. Cit. p. 57-58.

14
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

sentaria o modelo cooperativo por excelência, formado pelo consentimento de


todas as unidades que o compõem, possuidoras de autonomia administrativa,
política e financeira, e onde o cidadão pode efetivamente exercitar o seu direito
fundamental de participação e controle político.
Nesse ponto, é possível dizer que o Brasil adota um modelo federativo que
agrega características tanto de um federalismo dual, ao estabelecer campos es-
pecíficos de atuação para as três esferas de poder, como agrega características
próprias de um federalismo cooperativo, ao estabelecer competências concor-
rentes entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O modelo brasileiro
comporta, portanto, um sistema misto, que incorpora técnicas de federalismo
dual e de federalismo cooperativo.
Quanto à modalidade de federalismo cooperativo adotado, a Constituição
brasileira atual prestigia o modelo democrático, em que as entidades subna-
cionais têm efetivo poder de influência nas decisões políticas da Federação.
Entretanto, como será analisado adiante, a realidade brasileira tem mostrado
sensíveis distorções no modelo atual, que permitem afirmar em último caso a
existência de elementos caracterizadores de verdadeiro “federalismo de subor-
dinação”, segundo a terminologia de Paulo Bonavides.
Prosseguindo com a análise, há experiências federalistas em países com
grande diversidade cultural, linguística, social e religiosa entre os Estados inte-
grantes, demandando a existência de um regime que possibilite um tratamento
diferenciado entre eles e que leve em consideração os seus elementos distinti-
vos. É o que se denomina de federalismo assimétrico.
O federalismo assimétrico leva em conta os desníveis federativos, criando
mecanismos que amenizam as diferenças em prol da unidade nacional. É o
caso, por exemplo, da Suíça, que corresponde à antiga Confederação Helvética,
formada por quatro grupos étnicos e linguísticos. Do mesmo modo, o Canadá
exige um federalismo que permita a acomodação jurídica de sua realidade plu-
ralista, já que em ambos os países a Federação tem de conviver com uma socie-
dade multicultural, composta por diferentes grupos étnicos. Na Alemanha, por
sua vez, o modelo assimétrico também impera, principalmente no que tange à
representatividade dos Estados no Parlamento Federal (Reichstag), assunto que
será retomado mais a frente20.

20 Ibid. p. 61-63.

15
Raquel de Andrade Vieira Alves

Já o modelo clássico de federalismo simétrico é o dos Estados Unidos, em


que o povo possui um grau razoável de homogeneidade e se expressa em um
mesmo idioma básico, que é o inglês. Nesse modelo, os Estados-membros são
considerados iguais em termos de representação no Senado, ainda que se ve-
rifiquem algumas assimetrias em relação ao número de habitantes, extensão
territorial e desenvolvimento sócio-econômico entre cada um.21
No Brasil, entretanto, em que pese haver um profundo contraste social, eco-
nômico e cultural entre os Estados-membros, sobretudo considerando as dife-
renças regionais oriundas da sua própria natureza, insiste-se em um modelo de
simetria federativa, especialmente no que tange à representatividade dos Esta-
dos no Senado, em oposição direta ao modelo federativo Alemão.22 O resultado
disso é uma representatividade meramente nominal de todos os Estados na po-
lítica nacional, o que apenas favorece as tendências centralizadoras da União.
Finalmente, há uma última forma de Estado Federal que corresponde a al-
guns sistemas contemporâneos, em que há uma superposição de poderes entre
as unidades federadas, formadas à imagem e semelhança do poder central, por
imposição Constitucional. É o modelo orgânico-federativo, em que os Estados-
-membros são obrigados a espelhar a vontade exclusiva da União até mesmo
nos detalhes mais singelos, não havendo qualquer margem para autonomia dos
entes subnacionais.
Assim, as leis estaduais acabam se subordinando à vontade central, de modo
que, na prática, a autonomia estadual dá lugar a uma centralização travestida
de Estado Federal. Essa forma organicista constitui, na verdade, uma distorção
completa do modelo federal, observada, por exemplo, em governos ditatoriais
da América Latina e de outros lugares. Esse foi o caso, por exemplo, do Brasil
até 1985, da União Soviética até 1990, e dos demais Estados Federais autoritá-
rios ainda existentes23.
Como se observa, o federalismo orgânico é a própria negação do Estado
Federal, pois não se pode conceber um modelo federativo organicista, em que o
objetivo principal é a vida do todo e não das partes que o compõem. A principal
característica de uma Federação é a liberdade e autonomia das unidades regio-
nais na elaboração de suas políticas. Como ressalta Augusto Zimmermann:

21 Ibid.
22 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. Cit. p. 256.
23 ZIMMERMANN, Augusto. Op. Cit. p. 65.

16
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Aliás, a característica mais importante de um federalismo verdadeira-


mente democrático é esta maior liberdade das instâncias políticas des-
centrais, autônomas e aproximadas da sociedade. Quanto mais a União
intervém, maior é a espécie antipluralista de homogeneidade, não só dos
meios com que o Estado Federal atua, mas também de tudo o quanto
seja realizado. Mas aquilo que o federalismo deveria promover é algo
substancialmente diferente: é a liberdade de participação política, e a
possibilidade de atuação imediata.24

Nesse aspecto, é possível afirmar que a Federação se tornou, por excelên-


cia, a forma de organização do Estado democrático. A despeito das diferentes
formas federativas que podem ser encontradas, o elemento comum a todas
elas, em maior ou menor grau, é a descentralização de poder, entendida como
elemento fundamental da democracia, ao permitir a aproximação do cidadão
com a sede do poder decisório.
Essa descentralização de poder, contudo, deve ser completa, englobando as-
pectos políticos, administrativos e financeiros, representando estes últimos uma
espécie de pré-requisito para a existência dos demais. Daí a importância do seu
estudo em apartado, já que a deficiência no aspecto financeiro da descentrali-
zação federativa é capaz de comprometer todo o modelo.

1.3. O federalismo fiscal e a discriminação


de rendas e atribuições
Como visto, um aspecto importante do federalismo é o aspecto financeiro,
como pressuposto para o exercício da autonomia política e administrativa dos
entes que o compõem. Nesse ponto, o estudo da maneira pela qual os entes
federados se relacionam entre si sob a ótica financeira é denominado de federa-
lismo fiscal. Ou seja, o federalismo fiscal pode ser definido basicamente como o
estudo do aspecto financeiro de uma Federação25. Em uma visão mais comple-
ta, confira-se a lição de José Marcos Domingues:

24 Ibid. p. 66.
25 LOBO, Rogério Leite. Federalismo fiscal brasileiro: discriminação de rendas tributárias e centralidade
normativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 71.

17
Raquel de Andrade Vieira Alves

Define-se federalismo fiscal como o conjunto de providências constitu-


cionais, legais e administrativas orientadas ao financiamento dos diversos
entes federados, seus órgãos, serviços e políticas públicas tendentes à satis-
fação das necessidades públicas nas respectivas esferas de competência.26

A descentralização de poder, como característica fundamental do Estado


Federal, impõe a necessidade de repartição de atribuições entre o governo cen-
tral e as unidades regionais. Como bem destaca Celso de Barros Correia Neto,
um Estado diz-se Federal quando a sua produção jurídica se realiza a partir de
centros de decisão autônomos e coordenados27.
Assim, como todos os entes que integram uma Federação possuem atribuições
pré-determinadas na Constituição, como parte do pacto da qual se originam, é
indispensável que para essas atribuições haja uma fonte de custeio corresponden-
te. Por isso, o estudo do federalismo fiscal não se esgota apenas na análise finan-
ceira do relacionamento entre os entes federados, sendo necessário para tal fim
aferir a relação de compatibilidade entre os encargos administrativos atribuídos a
cada ente e as respectivas rendas destinadas ao seu imprescindível custeio.
Segundo José Maurício Conti, o estudo do federalismo fiscal engloba “a aná-
lise da maneira pela qual está organizado o Estado, qual é o tipo de federação
adotado, qual é o grau de autonomia dos seus membros, as incumbências que
são atribuídas e, fundamentalmente, a forma pela qual são financiadas.” 28
Pode-se afirmar, portanto, que a essência do federalismo fiscal está na re-
partição de atribuições administrativas entre as unidades federadas e na sua
respectiva correspondência com a repartição de recursos. Em outras palavras,
o ponto central do regime está na discriminação de rendas e na atribuição de
competências aos Estados-membros.
A atribuição de competências é um mecanismo de descentralização de poder
previsto constitucionalmente, que irá delimitar as esferas de atribuição de cada
entidade, enquanto a discriminação de rendas pode ser explicada, em trocadi-

26 DOMINGUES, José Marcos. “Federalismo fiscal brasileiro”. Revista Nomos, Fortaleza, Universidade
Federal do Ceará, v. 26, jan./jun. 2007, p. 137-143.
27 NETO, Celso de Barros Correia. “Repartição de Receitas Tributárias e Transferências
Intergovernamentais” In: CONTI, José Mauricio; SCAFF, Fernando Facury; BRAGA, Carlos Eduardo
Faraco (Orgs.). Federalismo fiscal: questões contemporâneas. Florianópolis: Conceito, 2010. p. 198.
28 CONTI, José Maurício. Federalismo Fiscal e Fundos de Participação. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2001. p. 24-25.

18
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

lho feito por Rogério Leite Lobo, como um “mecanismo vascularizador através
do qual a seiva financeira é bombeada para as esferas de poder do Estado”, a
fim de permitir a suficiência de recursos para o desempenho das atribuições
constitucionalmente definidas.
Nesse ponto, vale destacar que há duas maneiras de se assegurar a autono-
mia financeira do ente, através da discriminação de rendas: a primeira é a atri-
buição de competências para instituição de tributos e a segunda é representada
pelos mecanismos de transferências intergovernamentais e de participações no
produto da arrecadação.
Na terminologia de Rogério Leite Lobo, que trata pormenorizadamente do
tema, a discriminação de rendas pode ocorrer pela fonte, através do exercício
de competências tributárias próprias, a que o autor denomina de discriminação
horizontal de rendas, ou pelo produto, através da participação na receita de outros
entes, que representaria a discriminação vertical de rendas.29
Em alguns Estados, como o México, por exemplo, os entes subnacionais não
possuem uma competência tributária significativa, de modo que a maior parte de
sua receita é oriunda de transferências intergovernamentais do governo central.
Dessa forma, o Executivo Federal é responsável por quase toda a arrecadação
tributária e posteriormente a divide com os demais entes, mediante determinadas
condições.30 Ou seja, as receitas não apenas são centralizadas na figura da União,
como a maior parte das transferências é condicionada, o que, aliado à conjuntura
política, promove uma considerável perda de autonomia dos entes locais.31
Essa competência tributária reduzida dos Estados-membros, no caso do
México, é o resultado de um processo iniciado a partir da anarquia fiscal
promovida pela competência concorrente dos entes para a instituição de qua-
se todos os tributos, à exceção do imposto de importação e exportação e do
imposto de selo, que competiam à União32. Esse cenário propiciou a múltipla
incidência de tributos sobre o mesmo fato imponível, provocando sérios danos
à atividade econômica nacional.

29 LOBO, Rogério Leite. Op. Cit. p. 84-85.


30 Pra se ter uma idéia, Luiz Manuel Acha destaca que, no México, as fontes tributárias próprias
representam apenas 10% dos recursos dos Estados, enquanto as transferências federais correspondem
aos outros 90%. ACHA, Luiz Manuel apud BASTOS, Thiago Guerreiro. Op. Cit. p. 72.
31 Ibid. p. 73-75.
32 Ibid. p. 71.

19
Raquel de Andrade Vieira Alves

A partir daí, a superação desse modelo só foi possível com a criação do Sis-
tema Nacional de Coordenação Fiscal (1947), ao qual os Estados aderiram por
meio de um convênio, em razão de seu caráter infraconstitucional. Na prática,
através da adesão, os entes subnacionais concordaram em não exercer seu poder
político tributário em troca do recebimento de transferências verticais.
Sob essa ótica, é lugar comum afirmar-se que os Estados que não possuem
uma adequada discriminação horizontal de rendas, dependendo basicamente
do produto da arrecadação do poder central, seguiriam uma tendência centrali-
zadora, com perda significativa da autonomia dos entes subnacionais, vivendo,
na verdade, uma descentralização meramente administrativa.
Entretanto, se por um lado essa é a realidade de muitos países, sobretudo na
América Latina, por outro, ao se analisar o caso da Alemanha, essa afirmação
cai por terra, já que esse Estado possui um modelo tributário baseado em com-
petências exclusivas e concorrentes, em que a maior parte da receita provém
de leis tributárias federais, aprovadas, mediante o consentimento dos Estados-
-membros, que possuem representação direta no Conselho Federal Alemão, ór-
gão integrante do Parlamento33.
Assim, o modelo de federalismo fiscal alemão, apesar de baseado essencial-
mente em impostos federais, não redunda em uma perda de autonomia dos
entes subnacionais em razão da centralização de competências pelo governo
central. Isso se deve ao fato de que os Estados possuem direito de participação
na elaboração da legislação fiscal em condições de igualdade com a União, po-
dendo ainda fazer uso do direito de veto absoluto à proposta de lei federal que
vá de encontro aos seus objetivos.
A representatividade dos Estados no Parlamento Federal Alemão é o que
garante, portanto, o sucesso do modelo de federalismo fiscal adotado, descons-
tituindo a máxima de que a ausência de discriminação horizontal de rendas
entre todos os entes necessariamente conduz a uma perda de autonomia local.
Isso só reforça, ademais, o fato de que o federalismo fiscal leva em consideração
vários aspectos e não somente o financeiro, dependendo fundamentalmente do
sistema político em que se insere.
Dai porque, insista-se, não há um modelo federativo ideal e, consequentemen-
te, também não há um modelo de federalismo fiscal ideal. O mais importante,

33 LAUFER, Heinz. “O ordenamento financeiro no estado federativo alemão.” O federalismo na


Alemanha. Trad. Konrad, Adenauer Stifung. São Paulo, 1995, n. 7, p. 139-170.

20
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

dentro de uma Federação, é que a discriminação de rendas existente seja equâ-


nime, tanto do ponto de vista das atribuições conferidas constitucionalmente a
cada ente, quanto do ponto de vista das assimetrias inter e intrarregionais, possi-
bilitando aos seus membros a obtenção de recursos livres e suficientes para o exer-
cício de sua autonomia política e administrativa, e promovendo um reequilíbrio
efetivo das diferenças regionais. Como isso será feito, caberá a cada nação decidir.
No caso do Brasil, que é o que mais interessa ao presente estudo, a análise
será feita a partir do modelo histórico, para posteriormente chegar-se ao contex-
to proposto pela Constituição de 1988 e sua evolução até o estágio atual, através
de uma exposição imbricada entre o elemento financeiro de constituição do
Estado brasileiro e o elemento tributário que lhe dá suporte, que, como será
demonstrado, está calcado hoje basicamente na instituição de contribuições
pela União Federal.

21
Capítulo 2 – O contexto brasileiro

2.1. Breve histórico do federalismo fiscal brasileiro


O Estado Federal brasileiro nasceu a partir da Constituição de 1891 e após
a proclamação da República em 1889, como fruto da luta dos liberais contra o
Poder Moderador, que centralizava na pessoa do Imperador a administração do
Império do Brasil. Nesse sentido, cada uma das antigas províncias formou um
Estado e o antigo Município Neutro se transformou no Distrito Federal, ressal-
tando o caráter centrífugo do federalismo brasileiro.34
Esse destaque é importante, pois o modelo federativo pátrio foi construído
em um período relativamente tranquilo da história nacional, já que não havia
movimentos separatistas como em outras partes do mundo. Contudo, a sua
evolução foi marcada por disputas de poder entre o governo central e as oli-
garquias regionais, responsáveis pelo movimento pendular existente na história
brasileira, alternando-se entre centralização e descentralização.
O modelo atual, assim, é fruto não só do federalismo por desagregação, conso-
lidado a partir da proclamação da República, como dos vários períodos ditatoriais
pelos quais passou o país, com a consequente centralização e descentralização de
competências constitucionais, de acordo com o momento político vivido.
Como bem aponta André Regis, “desde a Independência até o fim do pe-
ríodo FHC, o estado brasileiro experimentou 94 anos de governo centraliza-
do e 86 anos de governo descentralizado.” A título ilustrativo, veja-se a tabela
explicativa elaborada pelo autor, em que o mesmo discrimina a cronologia do
federalismo brasileiro, a partir do período histórico em questão e do poder dos
governadores, aliados à noção de centralização e descentralização35:

34 COSTA, Evandro Gomes da. “A Reforma Tributária e a Autonomia Financeira das Entidades
Subnacionais”. In: CONTI, José Maurício (org.). Federalismo Fiscal. Barueri: Manole, 2004. p. 140.
35 REGIS, André. O novo federalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 03.

23
Raquel de Andrade Vieira Alves

TABELA 1

Mesmo durante o Império, algumas oligarquias estaduais pressionaram o Poder


Central para obter uma maior autonomia, o que juntamente com os clamores pela
república e pela abolição da escravatura culminou com o fim do período imperial
e a consequente Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. A Carta
de 1891, contudo, não contemplava a discriminação do produto da arrecadação,
deixando a cargo de cada Estado o provimento de suas necessidades administra-
tivas, de forma que a União só prestaria socorro em caso de calamidade pública e
se solicitada, o que só contribuiu para acentuar as desigualdades regionais.
Teve início a partir daí então a denominada República Velha, caracterizada
pela grande liberdade das oligarquias estaduais, que impunham sua vontade
sem a interferência do governo central. A política nacional era conduzida pelos
Estados mais ricos da federação, cujos representantes se revezavam no poder,
comumente denominada de “política do café com leite”, por serem São Pau-
lo e Minas Gerais os maiores produtores de café e de leite, respectivamente,
revezando-se na Presidência da República.
Esse quadro perdurou até a Revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao
poder, dando início à República Nova. A chamada “Era Vargas” (1930-1937 e
1937-1945) promoveu lentamente um retorno à centralização, criando enormes
obstáculos às oligarquias estaduais, enfraquecendo-as, embora as elites regio-
nais continuassem a existir.
A Constituição de 1934 estabeleceu um federalismo mais cooperativo que o
então vigente, marcando o surgimento de impostos regionais, cujo lançamento
e a regulação ficavam a cargo dos Estados, mas o produto da arrecadação era

24
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

dividido entre Estados e Municípios. Estabeleceu também, de forma obrigató-


ria, o auxílio ao Nordeste, mediante percentual fixo sobre a receita federal e os
impostos de competência residual da União ou Estados, cuja arrecadação era
dividida entre os três entes.
Já a Constituição de 1937 representou um retrocesso do ponto de vista da
discriminação do produto da arrecadação, sobretudo, com a supressão do au-
xílio à Região Nordeste e a supressão da repartição do produto dos impostos
de competência residual, que passou a ser exclusivo da entidade tributante. As
transferências dos Estados aos Municípios, contudo, não foram alteradas.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a promulgação da Constituição
de 1946 o Brasil retorna à democracia, mediante forte pressão pela descentra-
lização. Diante desse quadro, a Carta de 1946 ampliou os poderes políticos e
fiscais dos Estados, tendo esse período democrático durado até o Golpe Militar
de 1964, quando então o Brasil passa por um período de vinte e um anos de
centralização política e fiscal.
Importante destacar que a Constituição de 1946 restaurou as transferências
previstas pela Carta Magna de 1934 e estabeleceu novas espécies, beneficiando
os Municípios através de participações na arrecadação da União e dos Estados.
Por tal razão, as ideias que permearam a Constituinte de 1946 foram denomi-
nadas de “revolução municipalista de 1946” 36.
A Constituição de 1967 que vigorou durante o regime militar, entretanto,
reduziu drasticamente a autonomia dos Estados, promovendo uma forte centra-
lização das receitas fiscais na União, através da reforma tributária de 1966-67.
Assim, embora houvesse mecanismos de participação na arrecadação, aper-
feiçoados pela Carta de 1967 através de um amplo sistema de transferências,
a maior parte das receitas tributárias estava concentrada no governo central.
Durante esse período, os governadores eram eleitos indiretamente e o poder
central impunha severas restrições orçamentárias aos Estados, como o contro-
le dos seus bancos e da emissão de títulos estaduais. No entanto, após os dez
primeiros anos de regime militar, o país sofreu uma lenta e gradual redemocra-
tização, com o restabelecimento das eleições diretas para governador em 1982.

36 DI PIETRO, Juliano. “Repartição das Receitas Tributárias: A repartição do produto da arrecadação.


As transferências intergovernamentais.” In: CONTI, José Mauricio; SCAFF, Fernando Facury;
BRAGA, Carlos Eduardo Faraco (Orgs.) Federalismo fiscal: questões contemporâneas. Florianópolis:
Conceito, 2010. p. 73.

25
Raquel de Andrade Vieira Alves

Importante ressalvar que, na medida em que o governo militar passou a


negociar com os governadores, buscando apoio, as antigas restrições orçamen-
tárias foram sendo removidas, permitindo-se aos Estados a utilização de seus
bancos e emissão de títulos, a fim de incrementar as receitas estaduais. Diante
desse cenário, como aponta André Regis, a ideia que prevaleceu na Constituin-
te de 1988 era a de que somente a descentralização política e fiscal conseguiria
consolidar a democracia.37
Assim, sob a influência dessas ideias, a Constituição de 1988 não só reco-
nheceu a autonomia das entidades subnacionais, como elevou os Municípios à
categoria de entes federados, passando, dessa forma, a integrarem a organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil, ao lado da União,
dos Estados e do Distrito Federal. Como ressalva Alexandre Santos de Aragão,
os “ventos de liberdade e descentralização” da Constituição de 1988 chegaram
ao tema do federalismo, erigindo os Municípios à condição de entes políticos
federados e fortalecendo a posição dos Estados-membros, com o objetivo de
deixar para trás o aspecto centralizador do federalismo brasileiro, para assumir
um federalismo de equilíbrio.38
A Constituição de 1988 consolidou então a tendência à descentralização fis-
cal, surgida no final da década de 1970, em resposta à centralização de receitas
do governo militar. Essa descentralização, contudo, embora tenha sido acompa-
nhada de algumas medidas de aumento de bases tributárias dos entes subnacio-
nais, como a inclusão dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal
na competência dos Estados, foi proporcionada basicamente por um crescimento
considerável na participação dos entes na arrecadação federal, sobretudo dos Mu-
nicípios, que passaram a receber uma expressiva parcela das receitas disponíveis
da União, mediante a ampliação dos mecanismos de transferência.
Os Municípios, assim, não só aumentaram a sua participação na arrecada-
ção federal, como passaram a receber diretamente da União os recursos que
lhes foram constitucionalmente assegurados e que anteriormente lhes eram re-
passados pelos Estados.
Isso levou a uma mudança na importância política dos prefeitos em relação
aos governadores, tendo em vista que os primeiros passaram a ter mais auto-

37 REGIS. André. Op. Cit. p. 05.


38 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Federalismo em Crise: aspectos constitucionais dos contratos de
empréstimo entre entes federativos. Revista Brasileira de Direito Público, n. 22, 2008, p. 75.

26
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

nomia frente ao governo central, embora os Estados ainda tivessem um grande


poder político e econômico na época da promulgação da Constituição de 1988,
que perdurou até meados da década de 1990.
Entretanto, após a redemocratização do país e especificamente durante o
primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que estabele-
ceu uma série de medidas estabilizadoras da economia e ao mesmo tempo de
redução da autonomia estatal, as quais faziam parte do pacote do “Plano Real”
(1994), consolidou-se uma nova relação entre os entes federados, marcada pela
recomposição de receitas pela União, aliada a uma forte dependência municipal
das receitas federais. Isso, de certa forma, relegou os Estados a um segundo pla-
no dentro do modelo federativo brasileiro39.
Esse modelo perdura até os dias atuais e tem sido caracterizado por uma re-
tomada crescente da centralização de recursos por parte da União, com base no
aumento da arrecadação através da instituição de espécies tributárias que não
se submetem aos mecanismos de repasse de receita, como as contribuições – à
exceção da Cide-Combustíveis –, aliada a uma redução significativa na arreca-
dação dos principais impostos federais que compõem os Fundos de Participação
dos Estados e dos Municípios.
Assim, o crescimento exponencial da arrecadação de contribuições pela
União, seja através da instituição de novas espécies, ou da majoração das já exis-
tentes, juntamente com o decréscimo na arrecadação dos principais impostos fe-
derais, mediante renúncias fiscais concedidas pela União, redundaram em uma
perda significativa de autonomia por parte dos entes subnacionais, em especial
dos Municípios, que são os que mais dependem dos repasses de receitas federais.
Esse novo quadro federativo tem contribuído para a acentuação das desi-
gualdades sociais inter e intrarregionais, visto que permite à União a utilização

39 Importante deixar claro, nesse ponto, que não se questiona a necessidade de tais medidas para
estabilização da economia na época. A referência a tal período é feita apenas a título de contextualização,
a fim de permitir ao leitor a identificação do período político em que se encontrava o país e do pacote
de medidas que propiciou uma concentração de poderes e receitas nas mãos da União, de modo que,
embora a recentralização após um período de abertura seja uma tendência naturalmente observada
no federalismo brasileiro, caracterizado por esses movimentos pendulares, é certo que nesse período
algumas medidas que faziam parte do denominado pacote do “Plano Real” intensificaram esse processo
que hoje permite identificar uma mudança radical no papel dos entes federados em relação ao contexto
de 1988. O que se pretende com isso é justamente reconhecer a necessidade dessas medidas na época em
que foram editadas, entretanto, o presente trabalho põe em xeque a necessidade da continuidade desse
processo no contexto federativo atual.

27
Raquel de Andrade Vieira Alves

de recursos financeiros como forma de influência política sobre os Municípios.


Com efeito, isso possibilita não só que estes últimos deixem de utilizar uma par-
te das receitas transferidas para implementação de suas políticas sociais, como
também que a própria União desvirtue os objetivos que devem influenciar a
instituição de contribuições, promovendo a desconstrução paulatina da sua
identidade constitucional40em prol de metas arrecadatórias.
É a partir deste contexto histórico que será possível analisar o papel das
contribuições no federalismo fiscal atual, tendo como pano de fundo o quadro
político e financeiro contemporâneo à promulgação da Constituição de 1988 e
as relações que se desenvolveram a partir daí.

2.2. Discriminação de rendas na Constituição de 1988


A discriminação de rendas entre os entes da federação é elemento nuclear
do federalismo, pois é através dela que é possível assegurar a independência
financeira dos entes federados, indispensável ao funcionamento do modelo fe-
derativo proposto pela Constituição de 1988.
Nesse ponto, é certo que a autonomia política, um dos pilares em que se ba-
seia o Estado Federal, está alicerçada na autonomia administrativa e financeira
dos entes que o compõem, pois de nada adiantaria que o constituinte tivesse
prestigiado a autonomia e a isonomia dos governos locais perante o governo
central, sem municiá-los de recursos suficientes para a realização de suas neces-
sidades, independentemente de condições.
Mesmo em Estados que não são considerados formalmente uma federação,
são identificadas diferentes esferas de governo, dotadas de algum grau de au-
tonomia e, consequentemente, de recursos próprios, seja através da instituição
de impostos ou do recebimento de quotas de impostos integrantes da receita
pública alheia. É o caso, por exemplo, das Regiões na Itália (Constituição italia-
na, arts. 114 e 119) e das Comunidades Autônomas na Espanha (Constituição
Espanhola, arts. 157 e 158).
Assim, a existência de uma autonomia real entre os entes federados pressu-
põe a previsão de recursos suficientes e não sujeitos a condições, caso contrário,

40 Parafraseando Marciano Seabra Godoi in: “Contribuições sociais e de intervenção no domínio


econômico: a paulatina desconstrução de sua identidade constitucional”. Revista de Direito
Tributário da APET, n.º 15, São Paulo: 2007, p.81-100.

28
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

a autonomia será apenas formal. Daí a importância da discriminação de rendas


na Constituição, como bem destaca José Maurício Conti:

As repartições de receitas consubstanciam um ponto crucial na organi-


zação dos Estados sob a forma federativa, pois assegura a independência
financeira das entidades que compõem a federação, verdadeiro alicerce
da autonomia destas entidades.
José Afonso da Silva ressalta este aspecto, notando ainda serem vários
os autores que têm o mesmo pensamento: ‘A discriminação de rendas
inclui-se no campo da repartição de competências. É, como dia Pinto
Ferreira, elemento nuclear do federalismo. (...) Em verdade, a discrimi-
nação constitucional de rendas é elemento básico do federalismo, cons-
tituindo-se, por natureza, terreno de repartição de competência entre as
entidades federais autônomas. No Brasil, o Município aparece também
como entidade autônoma com competências próprias e, por isso, é parte
da técnica de discriminação de rendas na Constituição´.41

Nessa linha, a Constituição de 1988, num esforço de consolidar o regime


democrático, optou pela descentralização política, não só reconhecendo os Mu-
nicípios como entidades subnacionais, como lhes conferindo bases tributárias,
através da expansão da lista de serviços tributados pelo ISS, bem como incluin-
do na competência tributária dos Estados serviços que antes eram de compe-
tência federal (telecomunicações, fornecimento de energia elétrica e transporte
interestadual e intermunicipal).
Do ponto de vista financeiro, aliado à descentralização política, o constituinte
originário adotou um modelo moderno de repartição de competências, amplian-
do as bases tributárias dos entes subnacionais e assegurando às quatro entidades
autônomas da Federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – com-
petências tributárias rígidas e taxativas. Esse modelo veio ainda acompanhado
por um complexo sistema de transferências intergovernamentais e participações
no produto da arrecadação dos demais entes, como forma de equilibrar as assime-
trias existentes dentro da Federação e equalizar as receitas financeiras.
Não obstante, entendemos que no momento político atual do Brasil é indis-
pensável a atribuição de competências tributárias próprias como fonte de re-
cursos financeiros, para fins de garantia da autonomia dos entes federados, não

41 CONTI, José Maurício. Federalismo Fiscal e Fundos de Participação. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2001. p. 35.

29
Raquel de Andrade Vieira Alves

bastando, para tanto, a simples previsão de transferências de recursos, em que


pese a existência de posições em diferentes sentidos na doutrina42. Contudo, o
objetivo aqui não é tratar da questão da competência, mas sim, ressaltar a po-
sição de destaque que assumem as transferências e as participações no produto
da arrecadação, diante das diferenças nas bases tributárias de cada ente e das
profundas desigualdades regionais presentes na realidade atual do país.
Pois bem. Atenta a essas particularidades, a Constituição de 1988 insti-
tuiu um sistema misto de repartição de receitas tributárias, prevendo, além da
competência privativa para instituição de tributos próprios para cada uma das
esferas de governo – discriminação horizontal de rendas –, a participação na ar-
recadação de outros entes, através de índices constitucionalmente definidos ­–
discriminação vertical de rendas.
No que concerne à discriminação pela fonte, todos os entes possuem com-
petência para instituição e arrecadação de seus próprios tributos, prevista pelos
arts. 145 a 156 da Constituição, de modo que há tributos privativos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Com relação à competência
comum, as três esferas de governo igualmente podem instituir taxas e contri-
buições de melhoria (art. 145, incisos II e III). Já a competência residual em
matéria tributária, antes exercida pelos Estados e pela União, ficou reservada
apenas à União (art. 154, inciso I).
Cabe, portanto, à União a instituição dos impostos sobre a importação, a
exportação, a renda, os produtos industrializados, as operações financeiras e a
propriedade territorial rural (art. 153), bem como sobre grandes fortunas - em-
bora essa competência nunca tenha sido exercida -, impostos extraordinários
(art. 154, inciso II) e a competência residual para a instituição de impostos não
previstos na Constituição. Cabe à União, ainda, a competência para institui-
ção de empréstimos compulsórios (art. 148) e para instituição de contribuições
em geral (art. 149 e 195), tendo ainda possuído temporariamente competência

42 No sentido de ser indispensável a atribuição de competências tributárias para a garantia da autonomia


financeira, veja-se a posição de Miguel Delgado Gutierrez, op. cit.; de Ricardo Lodi Ribeiro,
Federalismo Fiscal e Reforma Tributária, p. 15, Disponível em <www.mundojuridico.adv.br> Acesso
em 29.07.14; e de Sergio Antonio Ferrari Filho, O Município na Federação Brasileira: limites e
possibilidades de uma organização assimétrica, Tese de Doutoramento apresentada pelo autor como
requisito para obtenção do título de Doutor em Direito, no Programa de Pós-graduação em Direito
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2010, p. 143 e 153. No sentido de ser necessária apenas a
suficiência de recursos, independentemente da competência tributária, veja-se a posição de Hugo de
Brito Machado Segundo, Contribuições e Federalismo. São Paulo: Dialética, 2005, p. 54.

30
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

para instituição do imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de


créditos e direitos de natureza financeira, que acabou se tornando uma contri-
buição, com a vigência encerrada em 2007 (IPMF/CPMF).
Aos Estados e ao Distrito Federal cabe a instituição de impostos sobre a
transmissão causa mortis e doação, sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e serviços de comunicação e transporte interestadual e intermu-
nicipal e sobre a propriedade de veículos automotores (art. 155). Podem, ainda,
instituir contribuições sobre o salário de seus servidores, destinadas a custear
sistemas próprios de previdência e assistência social (art. 149, parágrafo único).
Entre 1988 e 1993 os Estados e o Distrito Federal puderam, ainda, instituir o
adicional sobre o imposto de renda.
Já aos Municípios compete a instituição de impostos sobre a propriedade
predial e territorial urbana, a transmissão inter vivos de bens imóveis e os servi-
ços de qualquer natureza (art. 156), além das contribuições destinadas a custear
sistemas de previdência e assistência social de seus servidores (art. 149, parágra-
fo único). Entre 1988 e 1993 os Municípios puderam instituir o imposto sobre
vendas a varejo de combustíveis.
Em síntese, esse é o sistema de repartição de bases tributárias delineado pela
Carta Magna de 1988 e que está em vigor atualmente.
No que concerne à discriminação pelo produto, a Constituição brasileira
também fixou regras rígidas de execução, utilizando duas formas de implemen-
tação: a) participação direta na arrecadação e b) participação indireta, através
de fundos. A primeira está prevista nos arts. 157 e 158 da Constituição, en-
quanto a segunda está prevista basicamente no art. 159 da Constituição.
Assim, pertencem aos Estados e ao Distrito Federal: i) o produto da arre-
cadação do imposto de renda da União, incidente na fonte, por eles retido ou
por suas autarquias e fundações; ii) vinte por cento do produto da arrecadação
do imposto que a União instituir, no exercício de sua competência residual; iii)
trinta por cento do IOF incidente sobre operações com ouro; e iv) dez por cento
da arrecadação do IPI, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações
de produtos industrializados.
Já aos Municípios pertencem: i) o produto da arrecadação do imposto de
renda da União, incidente na fonte, por eles retido ou por suas autarquias e
fundações, na condição de substitutos tributários; ii) cinquenta por cento do
ITR relativo aos imóveis neles situados; iii) cinquenta por cento do IPVA rela-
tivo aos veículos licenciados em seus territórios; iv) vinte e cinco por cento do

31
Raquel de Andrade Vieira Alves

ICMS, repartido conforme as regras do art. 158, inciso IV e parágrafo único da


Constituição; v) vinte e cinco por cento dos recursos que os Estados receberem
a título de participação na arrecadação do IPI da União; e vi) setenta por cento
do IOF incidente sobre operações com ouro.
Além dessas, a Constituição prevê diversas formas de participação indi-
reta, por intermédio da criação de fundos, sendo os principais os Fundos de
Participação dos Estados e Distrito Federal (FPE), os Fundos de Participa-
ção dos Municípios (FPM) e os Fundos Constitucionais de Financiamento
do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO). Esses fundos
são constituídos por percentuais fixos, constitucionalmente definidos, a
serem aplicados sobre o produto da arrecadação do imposto de renda e do
imposto sobre produtos industrializados, entregues pela União, na forma
do art. 159, destacando que o legislador constitucional entregou ao legis-
lador complementar a competência para fixar os critérios de rateio dos
fundos, com o objetivo de promover o equilíbrio socioeconômico entre os
Estados e os Municípios.
Há ainda o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
mental (FUNDEF), hoje expandido para a educação básica também (FUN-
DEB), o Fundo de Saúde, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza,
dentre outros.
Fora as transferências obrigatórias, de forma direta ou indireta, cuja ter-
minologia que melhor as define é “participações no produto da arrecadação”,
como se verá melhor adiante, há ainda diversas formas de transferências volun-
tárias, como os auxílios e subvenções.
Como se vê, o sistema de discriminação de rendas da Constituição de 1988
é um sistema misto, rígido e complexo, que atendeu em parte aos anseios pela
descentralização, que permearam a assembleia constituinte da época, através
basicamente do reconhecimento dos Municípios como membros da federação
e da atribuição de competências privativas para as três esferas de governo. Sis-
tema esse que, nas palavras de Rogério Leite Lobo, é “capilarizado através de
repasses que se dinamizam nos dutos da participação direta ou indireta sobre o
produto da arrecadação alheia.” 43

43 LOBO, Rogério Leite. Op. cit. p. 97.

32
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

2.3. Transferências intergovernamentais e participações


As transferências intergovernamentais e as participações fazem parte da
partilha na arrecadação tributária que, como visto, alcança os principais impos-
tos federais, à exceção dos impostos aduaneiros e sobre grandes fortunas, além
da contribuição a que se refere o art. 177, § 4º, já que as demais contribuições
não se submetem ao rateio constitucional, razão que, como bem salientou Celso
de Barros Correia Neto, explica o seu uso crescente na década de 1990.44
Essa expressão “transferências intergovernamentais” é utilizada, de forma
ampla, para expressar repasses de receitas que se realizam entre entes estatais,
sem contrapartida, de forma direta ou indireta, por imposição legal ou de forma
voluntária. A doutrina, em geral, trata tudo como “transferências intergover-
namentais”, porém, cabe trazer à baila a importante ressalva, feita por Celso
de Barros Correia Neto45, no sentido de que as participações obrigatórias no
produto da arrecadação devem ser diferenciadas das transferências, pois se sub-
metem a regimes jurídicos diferentes.
Nesse sentido, enquanto as transferências intergovernamentais são regidas
de acordo com as políticas públicas fixadas pelo legislador ordinário, atentando-
-se para as necessidades financeiras e interesses de determinado momento, as
participações na arrecadação possuem fundamento na Carta Maior, represen-
tando um importante instrumento de federalismo cooperativo.
Ainda de acordo com o referido autor, as participações no produto da arrecada-
ção, do ponto de vista dos entes receptores, representam recursos próprios, assim,
quando a União repassa valores constitucionalmente assegurados aos fundos esta-
duais e municipais, não há transferência, pois a União está entregando aos Estados e
Municípios recursos que não lhe pertencem. Já as transferências propriamente ditas,
legais ou voluntárias, pertencem, num primeiro momento, ao ente transferidor e só
num segundo momento passam a pertencer ao receptor. É de ver:

Apesar de a doutrina incluir, freqüentemente, os repasses constitucionais


destinados aos fundos de participação entre as formas de transferência
intergovernamental, seu regime jurídico é consideravelmente diferente

44 NETO, Celso de Barros Correia. “Repartição de Receitas Tributárias e Transferências Inter-


governamentais” In: CONTI, José Mauricio; SCAFF, Fernando Facury; BRAGA, Carlos Eduardo
Faraco (Orgs.). Op. Cit. p. 206.
45 Ibid. p. 212-213.

33
Raquel de Andrade Vieira Alves

do regime aplicável às demais formas de transferência de recursos entre


entes públicos. Preferimos dar o nome de “participação” a tais situações,
em lugar de transferência.
Parece-nos oportuno separar com clareza os dois conceitos, tendo em vista
a diferenciação existente de regras e objetivos atinentes às duas figuras.
O primeiro aspecto da distinção entre as formas de partilha ou “par-
ticipação” na arrecadação tributária e as transferências intergoverna-
mentais é que na participação os recursos percebidos pelos entes recep-
tores classificam-se como recursos próprios. Ou seja, quando a União
repassa recursos aos fundos de participação, está entregando recursos
que não lhe pertencem. E aqui está um dos principais motivos para se
afirmar que, nessas hipóteses, não há transferência. Nas transferências
intergovernamentais, legais ou voluntárias, num primeiro momento os
recursos pertencem ao ente transferidor, que tem sobre eles poder de
disposição; no segundo momento, passam a pertencer ao ente receptor,
que sobre elas adquire titularidade e, pois, disposição. Aliás, só pode
haver transferência do primeiro ente para o segundo porque há poder de
disposição sobre os recursos. Já quando se trata das hipóteses em que a
Constituição estabelece participação sobre o produto da arrecadação de
imposto alheiro, a situação é diferente. Não há mudança de titularidade
da propriedade das receitas referentes ao FPE e ao FPM.46

Diferença sutil, porém demasiadamente importante, sobretudo quando se


trata de questões referentes às renúncias de impostos federais, que serão especi-
ficamente analisadas adiante.
A rigor, as transferências constitucionais obrigatórias não são transferências,
mas participações no produto da arrecadação, de modo que o fato de os recur-
sos dos Fundos se originarem a partir de transferências da União não lhes retira
a condição de recursos próprios. Já as transferências governamentais propria-
mente ditas englobariam as transferências legais e as voluntárias.
Na mesma linha, no sentido de reconhecer ser dos Estados e Municípios
a titularidade dos recursos dos Fundos, desde a sua arrecadação, encontra-se
José Maurício Conti, embora este último não trabalhe especificamente com
a distinção entre “participação” e “transferência”, nos termos expostos47, bem
como Luís Roberto Barroso, para quem as participações devem ser entendidas

46 Ibid. p. 211.
47 CONTI, José Maurício. Op. Cit. p. 108.

34
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

como “um direito público subjetivo da entidade política beneficiada, no sentido


de exigir a parcela que lhe compete na arrecadação de determinado tributo”48.
Outra diferença importante em relação ao regime jurídico das transferências
e o das participações reside no fato de que a implementação de um sistema de
participação no produto da arrecadação possui duas funções: garantir a auto-
nomia financeira dos entes federados e combater os desequilíbrios regionais. Já
as transferências podem ser utilizadas com várias finalidades diferentes, como
promover o equilíbrio entre os entes federados, fomentar comportamentos e
desenvolver políticas específicas, dentre outros, porém, nunca, para garantir a
autonomia dos entes federados, ao menos no sistema federativo brasileiro.
Isso porque, na medida em que as participações no produto da arrecadação
conferem aos entes subnacionais recursos próprios, lhes asseguram fontes de
receita incondicionadas e próprias desde a sua origem, garantindo, dessa forma,
a autonomia financeira dos entes periféricos perante o ente central, função essa
que não pode ser exercida por transferências intergovernamentais no sentido
aqui explicitado, sob pena de se atrelar a autonomia financeira dos entes subna-
cionais às políticas do governo central.
O destaque feito para essa distinção no presente trabalho será retomado a
frente e visa basicamente sanar dois equívocos: o primeiro de se supor que a
autonomia dos entes federados pode ser garantida por transferências intergover-
namentais e o segundo, de pretender que a partilha constitucional do produto
da arrecadação não garanta aos entes subnacionais recursos próprios, permitin-
do ao ente transferidor a livre disposição dessa arrecadação.

2.3.1 A importância das participações como forma de garantia da


autonomia dos entes federados
Retomando a ideia exposta no item anterior, as participações no produto da
arrecadação, juntamente com o exercício da competência tributária própria,
são os principais mecanismos de garantia da autonomia dos entes subnacionais.
Isso porque representam receitas próprias desde o seu surgimento, independen-
temente das políticas de arrecadação e gestão de recursos de outros entes.

48 BARROSO, Luís Roberto. Parecer nº 01/2009. Sentido e alcance do parágrafo único do art. 160 da
Constituição: parâmetros para a retenção de receitas estaduais pela União Federal. Revista de Direito
da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nº 64, 2010.p. 09.

35
Raquel de Andrade Vieira Alves

Entretanto, o raciocínio que se pretende introduzir é o de que, indepen-


dentemente do exercício pleno das competências tributárias atribuídas pela
Constituição de 1988, ainda sim, há uma grande dependência dos Municípios
brasileiros do sistema de participação no produto da arrecadação, não apenas
por questões de diminuição ou ausência de esforço fiscal49, como por razões até
mesmo geográficas: o Brasil é um país marcadamente conhecido pelas desi-
gualdades regionais. E não poderia ser diferente num país com a quinta maior
extensão territorial do mundo e mais de cinco mil Municípios50.
Ademais, como se pôde perceber no item 2.2, há um nítido descompasso
entre as bases tributárias dos entes federados, pois, muito embora a Constitui-
ção de 1988 tenha reconhecido a autonomia dos Municípios, garantindo-lhes
competências e receitas próprias, e reduzido parcialmente algumas competên-
cias para instituição de tributos pela União - que passaram a ser exercidas pelos
Estados -, ainda sim a diferença de bases entre a União e os demais entes é
marcante, sobretudo, levando-se em conta a competência para instituição de
contribuições, que não se submetem à sistemática de partilha.
Aliás, é nesse ponto que se destaca a importância das participações como
mecanismo de combate aos desequilíbrios regionais, pois, em casos de Muni-
cípios eminentemente rurais, por exemplo, a defasagem na arrecadação do im-
posto sobre serviços é grande, tendo estes como base principal a arrecadação de
IPTU, insuficiente para fazer face às despesas no cumprimento das necessidades
públicas. Já Municípios com uma maior capacidade de arrecadação de ISS, por
exemplo, possuem uma dependência financeira em relação às participações na
arrecadação da União muito menor em comparação com os primeiros.
Essas disparidades regionais podem e devem ser compensadas através das
participações na arrecadação, justamente pela sua natureza incondicionada e
pelo fato de representarem recursos próprios dos entes subnacionais.

49 Nesse sentido, em análise profunda acerca dos fatores que influenciam o esforço fiscal dos Municípios
brasileiros, dentre os quais, o autor elenca as próprias transferências intergovernamentais: MARINS,
Daniel Vieira. O esforço fiscal dos municípios e as transferências intergovernamentais. Tese de
Mestrado apresentada pelo autor como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito,
no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Estado, Processo e Sociedade Internacional, Rio de Janeiro, 2015.
50 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2012/default.shtm>
Acesso em 31.07.14.

36
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Ademais, as participações aparecem como um importante instrumento de


cooperação entre os entes, marcando o já mencionado caráter misto do modelo
de federalismo brasileiro, que contém características de um federalismo dualista
ao estabelecer campos específicos de atuação para cada uma das entidades e
também adota técnicas características do federalismo cooperativo, ao estabele-
cer competências comuns e instrumentos de interdependência, como as trans-
ferências intergovernamentais.
Esse modelo corresponde a uma tendência mundial de flexibilização na
distribuição de recursos, a fim de promover uma maior integração entre as uni-
dades que compõem a Federação.51
Nesse ponto, se é certo que a Carta Constitucional de 1967 e a Emenda de
1969 promoveram uma centralização tributária nas mãos da União, por outro
lado, deve-se destacar que introduziram um amplo mecanismo de participação
nas receitas dos demais entes, em benefício dos Estados menos desenvolvidos e
dos Municípios menos populosos, mecanismo esse ampliado pela Constituição
atual, como forma de “compensar” os entes subnacionais pela fisionomia do
sistema fiscal, mantida pela Reforma de 198852.
O sistema de participação na arrecadação teve início no Brasil com a pro-
mulgação da Constituição de 1946, que instituiu a obrigatoriedade de transfe-
rência de parte da arrecadação do imposto de renda para os municípios. Con-
tudo, foi com a Constituição de 1967 que esse modelo começou a se expandir,
através de um articulado sistema de transferências, o que foi sentido com mais
intensidade após a promulgação da Constituição de 1988.
Sobre o alcance e extensão das diferenças entre o momento da promulgação
da Carta de 1967 e a de 1988, vale colacionar a tabela explicativa utilizada por
Fernando Rezende em sua obra53, que traz dados elucidativos sobre o cresci-
mento do papel das participações, especificamente através de fundos:

51 CONTI, José Maurício. Op. cit. p. 21.


52 REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 335.
53 Ibid. p. 336.

37
Raquel de Andrade Vieira Alves

TABELA 2

É importante notar que o aumento das participações não deve necessaria-


mente ser visto como algo maléfico, mas como um reconhecimento de que a
divisão de bases tributárias não se coaduna com as obrigações impostas aos en-
tes federados pela Constituição de 1988, e de que, mesmo com uma ampliação
de bases tributárias, há entes que, pelas suas características regionais, jamais
conseguirão suprir as demandas sociais com recursos exclusivamente próprios.

38
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Especificamente no contexto do federalismo brasileiro, é preciso frisar que


vinculação de recursos não significa perda de autonomia, mas, ao contrário, a
garantia da suficiência e previsibilidade de recursos através dela, sob o ponto
de vista da parceria, torna plenamente viável a cooperação financeira entre os
entes federados e assegura o estabelecimento de um sistema com uma menor
sujeição a favoritismos políticos e partidários.
Aliás, como salienta Fernando Rezende, não se deve confundir vinculação
com centralização. Essa visão distorcida se deve em grande parte ao desvio de uti-
lização da vinculação de receitas perpetrada no governo militar, condicionando o
uso dos recursos dos fundos de participação, como forma de tolher a autonomia
dos Estados e Municípios. Contudo, não se deve esquecer que a vinculação de
receitas no Brasil, apesar de alguns inconvenientes, possui seus acertos.54
Inclusive, os Fundos de Participação dos Estados e Municípios, mecanismos de
participação indireta na arrecadação, formam a base do sistema de equalização
de receitas no Brasil, atuando não apenas como um instrumento de federalismo
cooperativo, mas como um importante instrumento de justiça redistributiva in-
trarregional, ao combinar critérios de distribuição que levam em conta a popula-
ção, a superfície e o inverso da renda per capita dos habitantes dos entes federados:

[...] é fundamental que o Estado se organize de forma a manter equi-


dade entre seus membros, o que importa na adoção de uma série de
medidas redistributivas.
Estas podem ocorrem por meio da competência própria para arrecada-
ção e de diversos sistemas de transferências. No entanto, a medida mais
comum e eficiente é estabelecer um sistema de transferências intergo-
vernamentais que promova a redistribuição das riquezas arrecadadas,
de modo a fazer com que as unidades da federação que mais arrecadem
repassem parte dos recursos às unidades menos favorecidas. Sem que se
utilize somente o critério da arrecadação, e sim todos aqueles que pro-
movam a Justiça Fiscal, no sentido mais amplo do termo.
[...] É o que pode ocorrer em face de diferenças naturais. Uma região
desértica, que pouco produzirá na agricultura, pode ter uma arrecadação
razoável (produz petróleo, por exemplo), mas, mesmo assim, terá neces-

54 REZENDE. Fernando. Federalismo Fiscal: Novo Papel para Estados e Municípios. p. 08-10. Disponível
em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/bf_bancos/
e0000612.pdf> Acesso em 29.07.2014

39
Raquel de Andrade Vieira Alves

sidade de um aporte maior de recursos para que se desenvolva satisfato-


riamente e mantenha um padrão de vida adequado a seus habitantes.55

Como se vê, o sistema de partilha do produto da arrecadação previsto pela


Constituição de 1988, se bem utilizado, pode contribuir e muito para o desen-
volvimento dos entes subnacionais, garantindo-lhes autonomia financeira para
o desempenho de seu papel institucional.
Seja através das participações, como medidas compensatórias destinadas a
devolver aos entes subnacionais parte das receitas que lhe foram “suprimidas”
com a centralização tributária nas mãos da União, seja através das transferên-
cias intergovernamentais, destinadas a projetos de desenvolvimento de políticas
públicas específicas, o fato é que a própria Constituição reconhece o desequilí-
brio das fontes de receita, trazendo mecanismos de equalização.
No entanto, atualmente o que se tem observado é um desvirtuamento des-
ses mecanismos, através de um decréscimo ao longo dos anos na arrecadação
dos impostos que integram os Fundos. Desse modo, a percentagem da receita
tributária federal destinada aos Estados e Municípios desde a promulgação da
Constituição tem diminuído consideravelmente, ao passo que, paradoxalmente,
a arrecadação da União bate recordes anuais.
Enquanto isso, as transferências do Governo Federal aos demais entes têm
crescido desde a década de 1990, apontando que estes últimos estão conseguindo
“compensar” esse decréscimo nas bases de financiamento dos Fundos de Partici-
pação através das transferências intergovernamentais, efetuadas por intermédio
de Convênios com a União. Ademais, muitos Municípios, diante da ínfima ar-
recadação, têm os Fundos de Participação como a sua principal fonte de receita.
Dessa forma, as receitas provenientes de transferências voluntárias, que de-
veriam servir de mola propulsora de programas governamentais específicos, estão
sendo utilizadas muitas vezes para cobrir despesas correntes. Ou, ainda, grande
parte dos Municípios brasileiros, com as receitas de participações inteiramente
comprometidas, acabam dependendo das transferências intergovernamentais
para saldar qualquer investimento ou despesa nova, desvirtuando as transferên-
cias voluntárias como instrumento de aperfeiçoamento do federalismo fiscal.
O que acaba ocorrendo nesse cenário de escassez de receitas é que as trans-
ferências voluntárias nem sempre são liberadas mediante critérios técnicos,

55 CONTI, José Maurício. p. 31.

40
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

servindo muitas vezes como instrumento de subordinação dos Municípios à


vontade política da União. Como ressalta José Maurício Conti:

Há uma distorção do processo democrático por meio do qual são eleitos


os governantes, uma vez que os responsáveis pela gestão dos entes sub-
nacionais se veem compelidos a aceitar as ofertas que lhe são feitas pelos
demais entes federados, sob pena de não terem recursos para atenderem
as necessidades de sua população. Muitos prefeitos, por consequência,
têm de destinar recursos conforme o interesse da União, detentora dos
recursos e do poder de entregá-los a quem lhe convier.56

Daí porque o restabelecimento do papel das participações na arrecadação con-


tribuiria não apenas para um incremento nas receitas dos entes subnacionais,
como também para a utilização adequada das transferências intergovernamen-
tais, implementando corretamente o modelo desenhado constitucionalmente.
Essa situação de distorção é um reflexo da descentralização promovida em
1988, com a expansão dos mecanismos de participação na arrecadação, e da
tentativa da União, pós-1988, de reaver os recursos que se viu obrigada consti-
tucionalmente a partilhar com os demais entes federados57.
Alie-se a isso o fato de que as sucessivas crises econômicas enfrentadas pelo
país e as medidas de estabilização da economia, iniciadas a partir de 1994, leva-
ram à consolidação de um novo modelo para as relações intergovernamentais
na federação brasileira, em que sobressai o enfraquecimento do poder político
do Estado, aliado à recentralização de receitas pela União, sem a corresponden-
te centralização de atribuições, que continuaram divididas entre os entes sub-
nacionais - especialmente os Municípios, que ganharam um papel de destaque
nesse ponto pela Constituição de 1988.

56 CONTI, José Maurício. Transferências voluntárias geram desequilíbrio federativo. p. 02. Artigo
extraído do site Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-28/contas-
vista-transferencias-voluntarias-geram-desequilibrio-federativo> Acesso em 13.08.14.
57 Essa tentativa da União de recentralizar as receitas que, por ocasião do advento da Constituição de
1988, foram descentralizadas é muito bem destacada em recente artigo do Professor Gustavo da Gama
Vital de Oliveira: “Reforma tributária e federalismo fiscal”, apresentado no 1º Congresso de Direito
Tributário de Juiz de Fora e Região, realizado em 03.09.14, na sede da OAB, Subseção Juiz de Fora; e
comprovada com dados acerca da composição da receita tributária pós-1988 por Fabio Giambiagi e Ana
Cláudia Além in: Finanças Públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 254-256.

41
Raquel de Andrade Vieira Alves

2.4 O enfraquecimento do papel do Estado no


federalismo fiscal atual
Como exposto, após a redemocratização do Brasil, com a promulgação da
Constituição de 1988 e, principalmente, após meados dos anos 1990, o fede-
ralismo nacional começou a ganhar um novo contorno, presente atualmente.
Na verdade, todo o processo teve início antes mesmo do retorno à democra-
cia, particularmente, a partir de 1982, como bem observa André Regis, com a
lenta e gradual retomada da autonomia política dos Estados, através das elei-
ções diretas para governador, ainda no governo militar58.
Nesse contexto, o poder central já demonstrava sinais de cansaço e, ao mes-
mo tempo, muitos dos governadores eleitos eram figuras políticas carismáticas
(como, por exemplo, Leonel Brizola, Orestes Quércia, Miguel Arraes), o que
contribuiu para o enfraquecimento do regime militar paralelamente ao retorno
da autonomia dos Estados e dos governadores.
Essa onda descentralizadora culminou com a promulgação da Constituição
de 1988, que apenas ratificou a autonomia fiscal estadual, de modo que os Es-
tados não apenas tiveram um incremento em suas bases tributárias, como pu-
deram voltar a realizar operações de crédito através de seus bancos e empresas,
bem como emitir títulos estaduais.
O resultado dessa autonomia fiscal sem freios, especificamente com relação
à emissão de títulos e operações de crédito feitas pelos Estados, foi um descon-
trole agudo da inflação por aproximadamente uma década. Com a possibilidade
de contrair empréstimos com seus próprios bancos e emitir títulos através deles,
os Estados foram aumentando extraordinariamente a sua dívida, o que compro-
metia a estabilidade econômica do país.
Paralelamente, aliada a essa descentralização fiscal, operou-se uma descen-
tralização política também, primeiramente com destaque para a posição dos
Estados, que de tão poderosos passaram a ter amplo poder de veto na política
nacional e, posteriormente, com destaque para os Municípios, cuja importância
política aumentou de fato após a recentralização de receitas pela União.
Ainda no contexto pós-1988, pode-se afirmar que as relações intergoverna-
mentais tinham um caráter predatório, informado pela ampla autonomia fis-
cal dos Estados e pelo comportamento pouco cooperativo dos governadores.

58 REGIS, André. Op. Cit. p. 04/05.

42
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Explicando, nas palavras de André Regis, o federalismo predatório apresenta


basicamente três características:
1. O poder dos governadores deriva da sua influência sobre a bancada
federal de seu estado. Assim, eles podem barrar iniciativas presidenciais
que visem uma reforma desfavorável aos estados.
2. Os governadores não agem cooperativamente. Apesar do grande ca-
pital político ao seu dispor, eles não formam alianças para deflagrar um
projeto hegemônico.
3. Os governadores mais fortes nesse sistema não cooperam com o Go-
verno Federal.59
Assim, observa-se que a redemocratização aumentou a autonomia fiscal e
política dos Estados, mas não a responsabilidade dos governadores, que prefe-
riam vetar projetos contrários aos seus interesses do que negociar com o governo
federal, já que a facilidade na obtenção de crédito permitia certa independência
política em relação à Presidência da República.
Dessa forma, apesar de a Constituição de 1988 não ter operado uma descen-
tralização ampla de bases tributárias, de maneira que a maior parte da receita
continuava nas mãos da União, a contratação de operações de crédito e libera-
ção de verbas federais era fácil para os Estados, que detinham ainda maioria nas
bancadas parlamentares federais.
Não há dúvidas de que esse quadro era prejudicial para a economia da época
e que ao mesmo tempo limitava a capacidade do governo federal de aprovar e
executar sua agenda, embora tenha sido útil para a consolidação da democracia
logo após o regime militar.
Esse cenário, contudo, passou por modificações a partir de meados da déca-
da de 1990, através de uma série de reformas conduzidas pelo governo federal,
iniciadas a partir do “Plano Real”. Fato que chama a atenção é que, a despeito
da influência política dos governadores e de seu poder de veto, mencionados
por grande parte da literatura sobre o assunto, os mesmos não conseguiram
impedir a aprovação das reformas constantes na agenda do Executivo Federal.
Em estudo detalhado do tema, Marta Arretche conclui que os parlamenta-
res, na verdade, tenderiam a seguir mais a orientação partidária do que a dos
governadores e que a própria Constituição de 1988 combinou ampla autoridade
jurisdicional à União com limitadas oportunidades institucionais de veto aos

59 Ibid. p. 29.

43
Raquel de Andrade Vieira Alves

governos subnacionais, de modo que em momento algum produziu instituições


políticas que tornariam o governo central fraco em face dos governos subnacio-
nais, mas justamente o contrário60.
Ademais, não se poderia subestimar o fato de que o governo federal dispõe
dos recursos necessários à sobrevivência dos próprios parlamentares e de que
os senadores, em geral, são independentes dos governadores e muitas vezes são
até rivais políticos destes, aspecto relevante para o Executivo já que é o Senado
quem aprova e revisa as propostas passadas na Câmara.
O que ocorreu, portanto, é que o poder dos Estados sobre a emissão de títu-
los e contratação de crédito, através de bancos e empresas próprios, lhes confe-
riu uma grande influência política, mas, assim que medidas restritivas da obten-
ção de receitas extrafiscais pelos Estados foram adotadas, como parte da nova
política econômica implantada juntamente com o “Plano Real”, ficou nítida a
vantagem do Executivo Federal em submeter a sua política aos demais entes.
Os recursos antes disponíveis aos governadores foram suprimidos através de
um pacote de medidas que sucedeu a implantação do novo padrão monetário
(“Real”) e que incluía, basicamente: (i) a renegociação das dívidas dos Estados
com a União; (ii) a privatização dos bancos e empresas estaduais; (iii) a criação
de agências reguladoras; (iv) a imposição de restrições legais e constitucionais,
como parte do pacote de ajuste fiscal – como a promulgação das Leis Com-
plementares nº 82 , de 27 de março de 1995 e 96, de 31 de maio de 1999 (Lei
Camata I e II), para controle e redução da despesa de pessoal dos entes; e a
promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, que
promoveu uma ampla reforma administrativa –; culminando, finalmente, com
(v) a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal61.
Ou seja, os Estados a partir daí precisaram se esforçar para cumprir as me-
didas de ajuste fiscal e aumentar a arrecadação de tributos próprios, já que não
podiam mais contratar empréstimos com seus bancos, apesar de poderem con-
trair empréstimos com o Banco Mundial e outros bancos de desenvolvimento,
mas, para isso, precisariam de garantia do governo federal, com aprovação do
Tesouro e da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

60 ARRETCHE, Marta. Continuidades e Descontinuidades da Federação Brasileira: De como 1988


facilitou 1995. Dados – Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro, vol.52, nº 2, 2009. p. 398/403
e 411/413.
61 BRASIL. Lei Complementar Federal nº 101, de 04 de maio de 2000.

44
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Ademais, a Lei de Responsabilidade Fiscal exige contragarantias dos Estados


para a contratação de operações de empréstimos, como o compromisso de não
gastarem mais do arrecadam; proíbe o perdão da dívida dos Estados com a União;
e impõe limites para gastos com despesas de pessoal. Assim, a responsabilidade
nos gastos estaduais passou a ser uma regra a ser observada pelos governadores.
Alie-se a isso a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 01/95,
que deu origem à Emenda Constitucional nº 16/97 e que permitiu a reeleição
para os titulares dos cargos executivos a nível federal, estadual, distrital e mu-
nicipal. Com isso, os governadores passaram a ter um forte incentivo para pro-
mover reformas estaduais e renegociar as suas dívidas, assumindo ônus políticos
e financeiros, mas com a possibilidade de colher os bônus em um possível se-
gundo mandato. É inegável, de outro lado, que a possibilidade de reeleição dava
mais um incentivo ao Executivo Federal para assumir as dívidas dos Estados e
dar continuidade às reformas estruturais, sem risco de ruptura.
Todo esse conjunto de medidas teve reflexo não só na economia nacional,
como nas relações entre os entes federados. Isso porque, os Estados, que logo
após a redemocratização tinham um considerável poder político em escala na-
cional, passaram a desempenhar um papel reduzido dentro da Federação, per-
dendo grande parte de sua influência política com a perda de receitas extrafis-
cais e de bancos e empresas estaduais.
A perda dos bancos e empresas estaduais significou uma perda de inúme-
ros cargos à disposição dos governadores e a perda de acesso a financiamentos
vantajosos para eles, bem como de adiantamentos de receitas, a exemplo dos
adiantamentos no pagamento de ICMS, feitos por empresas estaduais e basea-
dos na expectativa de receita para o período. Diante disso e da expectativa de
reeleição, os governadores não viram outra saída que não a renegociação das
suas dívidas com a União. Como bem observa Luis Roberto Barroso:

A situação de insolvência dos Estados levou-os a um abrangente processo


de renegociação de suas dívidas, que vieram em grande parte a ser assu-
midas pela União federal, mediante um amplo acordo que envolvia, além
dos pagamentos ajustados, a adoção de determinadas políticas públicas.
[...] Na prática, o que ocorreu foi que o Governo Federal, diante da las-
timável condição financeira dos Estados – todos eles renegociando suas
dívidas com a intermediação da União –, dispôs de imenso poder de
barganha para impor o seu projeto político e determinar as regras de

45
Raquel de Andrade Vieira Alves

ajustamento. E os Estados não tinham alternativa senão ceder às condi-


ções de repactuamento de suas obrigações ditado pela União.62
Esse quadro conferiu ao Estado o papel de mero coadjuvante dentro do fede-
ralismo atual, inaugurando o que André Regis denomina de “novo federalismo
brasileiro”, uma era na qual o Presidente não precisa mais barganhar com os go-
vernadores para implementar a sua agenda, já que estes não possuem mais tanta
influência na política econômica do Executivo Federal, como detinham antes.63
Importante destacar que não foi apenas o Estado que teve seu papel redu-
zido, mas, ao mesmo tempo, a União teve seu poder econômico e político au-
mentado, não só pelo controle orçamentário dos entes subnacionais, como pelo
aumento de receitas provenientes de tributos não partilháveis e pela influência
exercida na Câmara e no Senado, através de barganhas políticas que só são
possíveis mediante o controle das receitas.
Logo, percebe-se que o enfraquecimento no papel do Estado dentro do mo-
delo federativo pátrio não veio só, mas acompanhado de um fortalecimento do
governo central, combinado com uma centralização de receitas e uma forte
influência política do Executivo Federal no Congresso, através de barganhas e
apoios partidários via coalizão.
Não se nega, nesse ponto, a necessidade de diminuição do poder político
e fiscal dos Estados para estabilização da economia nacional, tanto quanto foi
necessário o seu fortalecimento para a redemocratização do país nos anos 1980.
O que se questiona, contudo, é em que medida esse modelo continua sendo
benéfico para o federalismo brasileiro e até que ponto essa concentração de
receitas pela União, atrelada à baixa influência política dos entes subnacionais
no Congresso, é saudável para o país atualmente.

2.5. O perfil das receitas municipais e a centralização


de poderes e receitas pela União
O processo que culminou com o redesenho dos papeis dos entes federados
teve início, portanto, com a redemocratização do país, ganhando contornos
atuais após o chamado “Plano Real” (1994) e não envolveu apenas um enfra-

62 A derrota da Federação: o colapso financeiro dos Estados e Municípios. Revista de Direito da


Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nº 53, 2000. p. 111-113.
63 REGIS, André. Op. Cit. p. 37.

46
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

quecimento do poder estatal, como também, a concentração de receitas tribu-


tárias e de poderes políticos pela União.
Com efeito, embora a União tenha perdido recursos em favor dos Estados
e Municípios com a promulgação da Constituição de 1988, esta última não
promoveu grandes modificações no que toca à descentralização das bases tribu-
tárias, promovendo uma descentralização fiscal basicamente fundada na repar-
tição de receitas tributárias entre os entes, como já analisado.
Mesmo assim, a Constituição de 1988 foi bastante descentralizadora, consolidan-
do uma tendência crescente no país a partir de 1970, que culminou com o reconhe-
cimento e a atribuição aos Municípios do status de “entes federados”, com competên-
cias e atribuições constitucionalmente definidas, fato que proporcionou um cresci-
mento considerável da participação dos Municípios nas receitas federais disponíveis.
Um instrumento importante nesse aspecto são os Fundos de Participação,
tanto o dos Estados e do Distrito Federal, como o dos Municípios, pois lhes
asseguram recursos que não dependem exclusivamente de sua arrecadação, ga-
rantindo, assim, a autonomia financeira dos entes federados, além de permitir
uma redistribuição de riquezas entre as regiões do país.
Os Fundos são compostos por percentuais incidentes sobre a receita dos
principais impostos federais: imposto sobre a renda e proventos de qualquer na-
tureza e imposto sobre produtos industrializados, sendo sua receita distribuída
entre os entes mediante a aplicação de critérios como: população, superfície e
inverso da renda per capita. Essa participação na arrecadação visa justamen-
te compensar os Estados e Municípios pela deficiência de bases tributárias e
consequente déficit na receita necessária ao atendimento dos deveres que lhes
foram atribuídos pela Constituição de 1988.
O que ocorre de fato, entretanto, é que grande parte dos Municípios, espe-
cialmente os menores, possui uma arrecadação irrisória de impostos próprios,
ainda mais considerando que as principais bases de tributação municipal se
resumem ao ISS e ao IPTU, de modo que em Municípios eminentemente rurais
a arrecadação destes quase que inexiste.
Só para se ter uma ideia, de acordo com o estudo organizado pela Asso-
ciação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - ANFIP,
elaborado por Álvaro Sólon de França64, de um total de 5.561 Municípios

64 A Previdência Social e a Economia dos Municípios. Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil. Estudo disponível em: <http://www.anfip.org.br/publicacoes/20120726210022_
Economia-nos-municpios_26-07-2011_2011_Economia_dos_municipios.pdf> Acesso em 22.10.14.

47
Raquel de Andrade Vieira Alves

existentes em 2003, 4.644 Municípios (83,5%) tiveram o valor corresponden-


te aos benefícios previdenciários pagos maior do que a sua arrecadação total.
Em 2010, o percentual foi um pouco menor, de um total de 5.566 Municípios,
4.589 (82,4%) tiveram o valor correspondente aos benefícios previdenciários
pagos superando a sua arrecadação. A Região com maior número de Municí-
pios cujo valor dos benefícios supera a arrecadação foi a Região Nordeste, com
1.607 Municípios (35%) do total.
A título de ilustrar a questão através de dados preocupantes, confira-se a
tabela elaborada por Álvaro Sólon de França em seu estudo, que traz números
referentes à arrecadação em relação ao pagamento de benefícios em Municípios
de pequeno porte, escolhidos aleatoriamente65:
TABELA 3

Fonte: ANFIP.

A rigor, os Municípios de menor porte acabam tendo como principal fonte


de receita as transferências obrigatórias da União - como é o caso do Fundo
de Participação dos Municípios -, que ainda sim se mostram insuficientes para
cobrir todas as despesas correntes66. Já no caso dos Estados, como possuem o

65 p. 23.
66 Não se questiona no presente trabalho a criação desses Municípios, de forma que parte-se da
premissa de que eles existem como entes federados reconhecidos constitucionalmente e, a partir daí,
é necessário então que possuam o mínimo de recursos próprios, a fim de não lhes comprometer por
completo a autonomia financeira.

48
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

ICMS, a dependência das transferências federais via Fundo de Participação não


é tão grande como é para os Municípios67.
Dessa forma, os Municípios acabam comprometendo a quase totalidade das
receitas dos Fundos com despesas correntes, cobertura de folha de pagamentos
e outras despesas de custeio, de maneira que a cada despesa nova ou realização
de investimentos eles têm que fazer uso das transferências voluntárias da União,
liberadas por meio de Convênios. Transferências essas, como muito bem expõe
José Maurício Conti, “que nem sempre são concedidas por critérios exclusiva-
mente técnicos, e cuja liberação de recursos é muito utilizada como instrumen-
to de barganha política.” 68
Nesse contexto, se a descentralização promovida pela própria Constituição
de 1988 já aumentou consideravelmente a participação dos Municípios na po-
lítica nacional, via aumento de receitas transferidas, as reformas de meados de
1990, que visavam promover a estabilização econômica do país através da redu-
ção da autonomia estatal, contribuíram ainda mais para o destaque dos Muni-
cípios no plano da política, aumentando o hiato entre prefeitos e governadores.
Isso porque essas reformas duplamente: (i) permitiram uma redução da
autonomia dos entes subnacionais em relação à União, que passou a ter um
controle orçamentário sobre eles, sobretudo em relação aos Estados, que
não podiam mais contratar empréstimos com seus bancos e emitir títulos
no mercado; e (ii) abriram caminho para uma recomposição de receitas por
parte da União, através da instituição e do aumento de tributos não parti-
lháveis com os demais entes.
Esse agigantamento das receitas federais permitiu, assim, que a União pu-
desse efetuar cada vez mais repasses voluntários de verbas aos Municípios - em
grande parte dependentes dessas receitas - para a realização de obras e inves-
timentos. Em contrapartida, o esvaziamento das receitas extrafiscais estaduais
submeteu os Estados ao poder econômico da União e inviabilizou boa parte dos
repasses estaduais voluntários aos Municípios.

67 Como confirmam Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além, ao falar do ICMS: “Desde sua criação, o
imposto tem sido a principal fonte de receita estadual, respondendo em média por 90% dos recursos
orçamentários dos estados mais desenvolvidos.” In: Op. Cit. p. 331.
68 CONTI, José Maurício. Transferências voluntárias geram desequilíbrio federativo. Artigo extraído do
site Consultor Jurídico. p. 02. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-28/contas-vista-
transferencias-voluntarias-geram-desequilibrio-federativo> Acesso em 13.08.14.

49
Raquel de Andrade Vieira Alves

Desse modo, os prefeitos que antes contavam com os governadores para a


realização de obras em seus Municípios hoje não mais precisam da interferência
desses para o recebimento de transferências da União, repassadas diretamente
aos Municípios mediante Convênios. Aliás, programas específicos na área da
educação e da saúde, como o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que poste-
riormente foi substituído pelo FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
mento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), e
o SUS (Sistema Único de Saúde) são prestados pelos Municípios em conjunto
com a União, através de Convênios que envolvem repasses federais diretos para
a realização de seus objetivos.
Logo, os prefeitos passaram a ter uma relação muito mais próxima com a
Presidência da República do que com os governadores, ampliando a influência
política da União sobre os Municípios, visto que alianças políticas significam
repasses de verbas sem entraves. Ademais, alguns programas específicos envol-
vem contrapartidas por parte dos Municípios, de modo que o Governo Federal
acaba realizando parte de seus projetos através da vinculação de receitas muni-
cipais a objetivos específicos.
Sobre as relações entre as transferências voluntárias e os Poderes Executivos
Federal, Estadual e Municipal, explica André Regis:
[...] Essa relação muda quando se trata de transferências voluntárias reserva-
das no orçamento federal para obras municipais em nome do Governo Fede-
ral. Aí, preferências partidárias muitas vezes têm prioridade, sendo liberados
mais facilmente recursos para prefeitos ligados a parlamentares que apoiam
o Presidente. A lógica para isso é simples: os parlamentares fazem emendas
orçamentárias para municípios nos quais eles têm apoio dos prefeitos, o que
aumenta suas chances de reeleição e também as dos próprios prefeitos. As-
sim, quando o Governo Federal precisa do apoio de congressistas na apro-
vação de seus projetos, acena com a liberação de verbas do Orçamento da
União destinadas aos municípios de seu interesse (Pereira, 2000).
É evidente que os governadores não participam desse importante rela-
cionamento entre o Executivo Federal e o Congresso Nacional. Assim,
de uma outra maneira, o crescimento da autonomia municipal reduziu
o poder político dos governadores: quando os prefeitos eram financei-
ramente mais dependentes dos então ricos governadores, estes tinham
uma maior influência no resultado das eleições legislativas federais, pelo
papel decisivo dos prefeitos no resultado dessas eleições. Pode então o

50
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Presidente usar o Orçamento Federal como instrumento de governabili-


dade sem recorrer aos governadores.69

Com a concessão de transferências voluntárias diretas aos Municípios, o


Executivo Federal consegue, assim, de uma só vez atrelar esses entes à realiza-
ção de suas próprias políticas, bem como angariar aliados para a defesa de seus
interesses no Congresso, prestigiando a lógica do clientelismo.
Os Estados, a seu turno, já enfraquecidos pela perda dos bancos e empresas
estaduais e pela renegociação de dívidas da União, além de uma série de outras
medidas mencionadas no item anterior, ficam alijados desse processo, exercen-
do reduzida influência na votação de projetos legislativos, apesar de, institucio-
nalmente, possuírem representação no Senado Federal. Nesse sentido, Misabel
Abreu Machado Derzi destaca que:

[...] aqui o Senado Federal, antes premido pela política partidária do que
por suas funções institucionais de representação dos Estados, recusam-se
até mesmo a ouvir queixas ou dificuldades financeiras graves de gover-
nantes, como ocorreu com o Estado de Minas Gerais, recentemente, na
questão da dívida renegociada com a União.70

Fazendo uma análise comparativa, é interessante notar que na Alemanha


o órgão legislativo da União, que é o Conselho Federal (Bundesrat), é formado
por representantes indicados pelos governos parlamentares estaduais e não
por cidadãos eleitos diretamente pelo voto popular. Ou seja, os Executivos
Estaduais estão diretamente representados no Parlamento através do Conse-
lho Federal, que é o órgão constitucional da União que, guardadas as devidas
proporções, se compara ao Senado brasileiro, formando um contrapeso em
relação à Câmara Federal (Bundestag)71.

69 RÉGIS, André. Op. Cit. p. 08/09.


70 DERZI, Misabel Abreu Machado. “Reforma Tributária, Federalismo e Estado Democrático de
Direito”. Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário, Ano II, nº 3, Maio/Agosto. Ed. Del
Rey, Belo Horizonte, 1999. p. 27.
71 KLEIN, Hans. “A legitimação do Conselho Federal e sua relação com as assembléias legislativas e os
governos estaduais.” O federalismo na Alemanha. Trad. Konrad, Adenauer Stifung. São Paulo, 1995,
n. 7, p. 91-106 e “O Conselho Federal”, p.75-90.

51
Raquel de Andrade Vieira Alves

Nesse sistema os impostos são basicamente federais, porém são repartidos


de forma equânime entre os entes, através de um sistema de compensação fi-
nanceira baseado na capacidade de cada um.
Observe-se que, embora os impostos sejam de competência do ente cen-
tral, o modelo federativo alemão é reconhecido pelos especialistas como o mais
avançado em termos de federalismo cooperativo72, visto que essa centralização
de receitas não implica centralização de poderes pelo Governo Federal, já que,
como mencionado anteriormente (item 1.3), os Estados possuem uma participa-
ção efetiva no processo legislativo da União, podendo influir nas decisões polí-
ticas do Congresso e, consequentemente, na votação de normas financeiras de
seu interesse. Inclusive, a própria Corte Constitucional Alemã vinha coibindo
a transferência de recursos da União a Estado destinada a impor a observância
a determinado projeto ou plano federal73.
Além disso, o sistema alemão conta com mecanismos de conciliação para
a solução de impasses, que inexistem em outros sistemas como o do Brasil,
revelando um modelo mais intenso de cooperação e coordenação dos Estados
entre si e entre a União74, o que, aliado à representatividade no Conselho Fe-
deral, torna quase nula a possibilidade de violação da autonomia dos Estados
pelo governo central.
No modelo federativo brasileiro atual, contudo, as novas relações entre os
entes federados acabaram trazendo um indesejável desequilíbrio federativo, eis
que através do controle orçamentário é possível ao Executivo Federal exercer
um controle substancial das políticas dos entes subnacionais, bem como aprovar
a sua agenda sem a necessidade de apoio dos governadores, transformando a
centralização de receitas em um poderoso instrumento de governabilidade e os
Estados em meros coadjuvantes no cenário político nacional.

72 Seminário Federalismo Fiscal Brasil-Alemanha, organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito


Público (IDP), pela FGV Projetos, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Associação
Brasileira de Direito Tributário (ABRADT) e pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), realizado
em 13 de agosto de 2014, na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Revista
Consultor Jurídico. 19 de agosto de 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-ago-19/
bagunca-fiscal-vila-economia-criticam-especialistas>. Acesso em 25.08.14.
73 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha apud
DERZI, Misabel Abreu Machado. Op. Cit. p. 24.
74 Ibid.

52
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Utilizando o mesmo trocadilho de José Maurício Conti, o modelo atual trans-


formou nossos prefeitos em verdadeiros “Indiana Jones modernos” 75, visto que são
constantemente obrigados a ir até à Presidência da República solicitar a liberação
de verbas, mediante transferências voluntárias, a fim de darem continuidade às
suas políticas de investimentos públicos, já que as participações obrigatórias são
utilizadas quase que totalmente para o custeio de despesas correntes76.
Não bastasse essa conjuntura, de todo desfavorável ao pleno exercício da auto-
nomia financeira dos entes subnacionais - em especial dos Municípios -, é preciso
ainda harmonizar este cenário com a possibilidade permanente de retenção dos
repasses federais obrigatórios, prevista pelo parágrafo único do art. 160 da Consti-
tuição Federal, a fim de evitar que uma interpretação desarrazoada do dispositivo
possa redundar em maiores distorções no modelo federativo atual.

2.5.1. Retenção de recursos destinados aos Municípios pela União:


interpretação do art. 160, parágrafo único, da Constituição Federal

2.5.1.1 Interpretação constitucional: evolução e limites


O primeiro ponto que se deve esclarecer ao falar-se em interpretação no presente
trabalho é que a interpretação é uma atividade que não se esgota. Ao se interpretar
determinada norma busca-se o que seria a sua aplicação adequada ou correta, en-
tretanto, o que pode parecer adequado em determinada época não significa neces-
sariamente que o será em todas as épocas. Como bem ressalta Karl Larenz:

a variedade inabarcável e a permanente mutação das relações da vida co-


locam aquele que aplica a norma constantemente perante novas questões.

75 CONTI, José Maurício. Op. Cit. p. 02. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-ago-28/


contas-vista-transferencias-voluntarias-geram-desequilibrio-federativo> Acesso em: 26.08.14
76 Um exemplo que ilustra bem essa política de dependência financeira dos Municípios em relação aos
repasses de verbas federais e as relações estreitas entre prefeitos e o Governo Federal são as Marchas
de Prefeitos a Brasília em Defesa dos Municípios, que ocorrem anualmente desde 1998, em que são
postas em pauta questões que influenciam o dia-a-dia dos Municípios e apresentadas as principais
reivindicações do movimento municipalista, quase sempre pautadas por demandas de maiores repasses.
Nesse sentido, vide: <http://www.cnm.org.br/institucional/marchaabrasilia> Acesso em 17.07.15
Recentemente, o principal tema da 18ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios foi justamente
o repasse de fundos da União para as cidades do país, no contexto de ajuste fiscal. <http://www.
em.com.br/app/noticia/politica/2015/05/25/interna_politica,651195/repasse-de-verbas-da-uniao-a-
municipios-e-tema-da-marcha-de-prefeitos.shtml> Acesso em 17.07.15

53
Raquel de Andrade Vieira Alves

Tão-pouco pode ser válida em definitivo, porque a interpretação, como


ainda haveremos de ver, tem sempre uma referência de sentido à totalida-
de do ordenamento jurídico respectivo e às pautas de valoração que lhe
sejam subjacentes. Se uma interpretação das disposições sobre legítima
defesa, que permita ao agredido, mesmo em caso de um dano patrimonial
pouco significativo que sobre ele impenda, pôr em jogo a vida ou a integri-
dade física do agressor, se não for capaz de repelir o ataque de outro modo,
podia ser correcta no início do nosso século, em virtude das concepções
então dominantes e partilhadas pelo legislador, hoje já o não seria. Tam-
bém ao direito de defesa se devem assinalar limites extremos. Toda a inter-
pretação da lei está, até certo ponto, condicionada pela época.77

Dessa forma, uma interpretação adequada assim o é para determinada or-


dem jurídica e para determinado momento. Como a norma ­- nem sempre, mas,
via de regra - é elaborada para disciplinar um número infinito de casos futuros,
o que propicia a maleabilidade necessária para tanto é a interpretação, pois,
na medida em que a realidade fática se altera, a interpretação a acompanha,
permitindo, assim, a continuidade da norma no tempo.
De fato, há situações em que, no momento da elaboração da norma, esta
atua de determinada forma, desejada pelo legislador, porém, passado algum
tempo, passa a produzir efeitos que não foram desejados e impossíveis de terem
sido por ele previstos.78 Poderia se falar aqui em perda de eficácia dessa norma,
porém quando a questão se insere no campo da interpretação constitucional é
preciso encontrar outras soluções para tais situações, que garantam a estabilida-
de das relações jurídicas, sem permitir que o direito “se perca no tempo”.
Uma solução para esses casos é a chamada “interpretação evolutiva”, ex-
pressão utilizada pelo Professor Luís Roberto Barroso para definir a atribuição
de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor
literal. Segundo ele, essa interpretação se faz necessária “em razão de mudan-
ças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na
mente dos constituintes” 79.

77 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1997. p. 443.
78 Ibid. p. 495.
79 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 146.

54
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Como afirma o ilustre Professor80, essa interpretação é viabilizada muitas


vezes pela utilização de conceitos mais elásticos pelo legislador, cuja significação
pode assumir variadas formas ao longo do tempo, cabendo, assim, ao intérprete
a compreensão da norma a partir do texto e do contexto fático81.
Entretanto, a “interpretação evolutiva” não se deve apenas ao uso de con-
ceitos de significação mais fluida pelo legislador constituinte, mas decorre da
própria essência mutável das situações normativas, que demanda a atualização
pelo intérprete do Direito. Esse aspecto ganha especial importância, diante do
modelo constitucional pátrio, formado por uma Constituição escrita e analítica,
que tenta abarcar quase todos os tipos de situações. Aliás, como destaca Karl
Loewenstein82, os ditos processos informais de alteração da Constituição ocor-
rem em modelos baseados em Constituições escritas e são mais frequentes até
do que as alterações formais.
Na verdade, entendemos aqui que o que se denomina de “interpretação evolu-
tiva” nada mais é do que um fenômeno natural, comum a todas as sociedades nor-
mativas, como o resultado do efeito tempo na interpretação das normas jurídicas.
Sendo assim, embora se reconheça a utilidade do termo para fins didáticos,
sob essa ótica, seria de certa forma redundante falar-se em “interpretação evo-
lutiva”, posto que a evolução na interpretação acompanha a realidade mutável
dos fatos, sendo, portanto, um fenômeno inerente à própria atividade interpre-
tativa, cuja existência nem os mais conservadores podem negar. Nas palavras de
Carlos Maximiliano sobre a evolução jurídica:

Ao aplicar um Código, divergem, às vezes, as interpretações simultane-


amente efetuadas em pretórios diferentes: revelam-se estes algo avança-
dos; mais conservadores, ou moderados, permanecem aqueles, embora
seja uma só a diretriz geral. Na verdade, ante disposições inalteradas
varia a exegese, segundo as ideias dominantes, os pendores individuais,
compenetrados todos de que agiram com exemplar retidão, em obediên-
cia exclusiva aos ditames da própria consciência; entretanto, a evolução

80 Ibid. 146-147.
81 Fazemos referência às idéias de Karl Larenz, para quem “interpretar é uma atividade de mediação pela
qual o intérprete compreende o sentido de um texto, que se lhe tinha deparado como problemático”
in: Op. Cit. p. 282.
82 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de La constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona:
Ariel, 1976. p. 165.

55
Raquel de Andrade Vieira Alves

existe, imperiosa, avassaladora, inelutável; domina e arrasta os próprios


irredutíveis, a ponto de lhe obedecerem as exigências os que presumem
resistir ainda; os adiantados correm mais e agem por alvedrio próprio; os
outros marcham a passo tardo, porém não deixam de andar para fren-
te; a contradição é mais aparente do que real; todos seguem no mesmo
rumo, uns adiante, outros atrás.83

A interpretação das normas constitucionais, assim como a interpretação de


quaisquer normas84, não deve se submeter a um método interpretativo aprio-
rístico, mas, ao contrário, deve ser fruto da conjugação de vários métodos85.
Nessa linha, nenhum método deve ser “absolutilizado”86, os diferentes métodos
interpretativos se completam, cabendo ao intérprete ordená-los como vetores,
deles extraindo a resultante, como a interpretação adequada da norma para
determinado contexto e determinado momento no tempo.
Os métodos interpretativos funcionam, dessa forma, como vetores e como
limites à própria interpretação, de modo que o intérprete do Direito deve lan-
çar mão da interpretação histórica, tanto quanto da teleológica e da sistemá-
tica, sem, contudo, ignorar os sentidos possíveis fornecidos pela interpretação
gramatical do texto.
A “interpretação evolutiva” ou interpretação propriamente dita é fruto da
aplicação de todos esses métodos para adequação da norma à realidade social e
política subjacente, limitada sempre pelo próprio texto que a informa87. Nesse
sentido, inclusive, Ricardo Guastini esclarece que a “interpretação evolutiva”
é uma interpretação corretora, porém não corrige o significado literal das pa-

83 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20ª Ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 39-40.
84 Mais uma vez, Karl Larenz, ao tratar da interpretação da Constituição, defende que lhe devem ser
aplicados, via de regra, os princípios gerais de interpretação da leis, visto que, enquanto lei que é, a
Constituição também é fruto da linguagem e, por isso, carece de interpretação. In: Op. Cit. p. 513/514.
85 Ricardo Lobo Torres, ao analisar os métodos interpretativos aplicáveis à interpretação da norma
tributária rejeita a prevalência de um único método, propondo a observância ao “pluralismo
metodológico” in: VELLOSO, Andrei Pitten. Conceitos e Competências Tributárias. São Paulo:
Dialética, 2005. p. 116.
86 BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. p. 125.
87 Para Karl Larenz, a interpretação para continuar a ser interpretação “tem de manter-se ainda nos
quadros da interpretação literal (...).” Op. Cit. p. 495.

56
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

lavras em si, mas sim, o significado “histórico” das mesmas, adaptando-o, ao


longo do tempo, às mudanças sociais e culturais88.
Além do limite textual, a interpretação constitucional envolve princípios
constitucionais intangíveis, cuja observância é obrigatória, de modo que a in-
terpretação não poderá lhes contrariar ou resultar em descumprimento de seus
programas, pois, do mesmo modo que há limites para o procedimento de refor-
ma da Constituição, há também limites para a sua interpretação.
Um bom exemplo de evolução da interpretação é o caso da imunidade dos
componentes eletrônicos que acompanham material didático impresso, subme-
tido a julgamento pelo STF através do Recurso Extraordinário nº 595.676/RJ89,
ainda pendente de decisão final.
Em 06.08.14, o Ministro Marco Aurélio, relator do caso, proferiu seu voto no
sentido de reconhecer a necessidade de uma nova interpretação do conceito de
livro, contido no art. 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal90, para
fins de reconhecimento da imunidade também aos componentes eletrônicos que
acompanham o material didático impresso, procedendo, através dos métodos sis-
temático e teleológico, a uma interpretação da norma que corrobora a evolução
do conceito de livro. Pela sua clareza, confira-se o trecho do voto do Relator:

A tarefa de conformar a vida à Constituição verifica-se em reciproci-


dade, em diálogo. As normas constitucionais devem ser aplicadas aos
fatos da vida, mas o intérprete há de observar o contexto cuja regulação
configura o fim da norma e, sensibilizado ou mesmo influenciado por
esse, definir a extensão e o conteúdo da aplicação. As normas também
precisam se conformar aos fatos, sociais e políticos. Assim, em busca de

88 GUASTINI, Ricardo. Estudios sobre la Interpretación Jurídica. México: Instituto de Investigaciones


Jurídicas, 1999. p. 50.
89 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 595.676/RJ. Ministro Relator Marco Aurélio. Sessão de
julgamento de 06.08.14. Proferido voto pelo Relator negando provimento ao recurso e reconhecendo a
imunidade dos componentes eletrônicos que acompanham material didático impresso, acompanhado
pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Teori Albino Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux. Pedido de vista
ao Min. Dias Toffoli.
90 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
[...]
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

57
Raquel de Andrade Vieira Alves

equilíbrio entre a realidade dos fatos e o texto normativo, a interpreta-


ção constitucional não pode olhar apenas para o passado, mas também
para o presente e o futuro, visando que a concretização do Diploma
Maior não resulte em retrocessos sociais indesejados quanto aos valores
por ela própria prestigiados.
A abordagem teleológica e sistemática da imunidade discutida deve,
portanto, conformar a Constituição de 1988 à evolução tecnológica vi-
vida já nesta segunda década do Século XXI.

O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, deixou expressa a necessidade de


compatibilização das transformações operadas pelos meios eletrônicos nos cam-
pos da educação, cultura e informação, procedendo à interpretação evolutiva
do conceito de livro, para fins de adequá-lo ao novo contexto social. Reconhe-
ceu, assim, que o legislador constituinte, em 1988, não poderia prever tamanha
evolução em termos de meios de comunicação e propagação de informações, de
maneira que caberia à atividade interpretativa a função de adequar a norma a
ser extraída do texto à nova realidade fática, sob pena de aniquilar-se o preceito
constitucional que confere imunidade aos livros, jornais e periódicos.
Embora o julgamento ainda não esteja concluído, pela votação tudo indica
que o desfecho tenderá ao reconhecimento da imunidade aos componentes ele-
trônicos que integram o material didático, com base no voto do Ministro Marco
Aurélio, que muito bem explorou a questão da interpretação e sua evolução à
luz do novo contexto social.
Destaque-se que o caso não envolvia um conceito abstrato ou dito indeter-
minado, pois livro, e material didático, assim como caneta, lápis, etc., possuem
um mínimo de concretude capaz de identificar o objeto a que se referem. O
caso é puramente de evolução social, a demandar uma nova interpretação que
promova a adequação da norma à nova realidade.
Outro exemplo paradigmático diz respeito ao conceito de família, trazido pelo
caput do art. 226 da Constituição Federal91, cuja carga valorativa para interpreta-
ção é mais densa do que no conceito de livro, envolvendo a conjugação de todo
um arcabouço constitucional e principiológico para que o dispositivo pudesse re-
produzir a realidade social atual. O caso foi objeto de análise na Arguição de

91 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

58
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Descumprimento de Preceito Fundamental nº 13292, provida para equiparar, para


todos os fins, as uniões estáveis homoafetivas às uniões igualmente estáveis que se
dão entre pessoas de sexo diferente, reconhecendo que tais associações estariam
incluídas no conceito de família do caput do art. 226 da Constituição.
Ao longo do extenso acórdão, publicado em 14.10.11, os Ministros reconhe-
ceram as mudanças sociais que conduziram a uma evolução no conceito até en-
tão tradicional de entidade familiar, reconhecendo que atualmente esse conceito
pode assumir as mais variadas formas, dentre elas, a união entre indivíduos do
mesmo sexo. Nesse ponto, merece destaque a constatação do Ministro Luiz Fux:

A verdade é que o mundo mudou. A sociedade mudou e, nos últimos


anos, vem se ampliando a aceitação social das parcerias homossexuais
constituídas com o objetivo de formação de entidades familiares. A par
de quaisquer juízos de valor, há um movimento inegável de progressiva
legitimação social das uniões homoafetivas, o que se verifica, com parti-
cular agudeza, no campo previdenciário.93

Esse caso é importante porque o esforço interpretativo para o reconheci-


mento da união estável entre pessoas do mesmo sexo exigiu a análise de vários
dispositivos e princípios constitucionais, como o próprio art. 226, § 3º94, que
reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
a indicar que o constituinte poderia ter optado pela proteção somente dessa
categoria de entidade familiar, além do art. 1.723 do Código Civil95, invocado
para impossibilitar o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo.
Para compatibilizar a interpretação de todos esses dispositivos com a realida-
de social atual, o STF utilizou como suporte interpretativo uma série de princípios
constitucionais, como bem asseverou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto,
para concluir que o caso demandaria uma interpretação conforme a Constituição
que reconhecesse o dever constitucional de proteção das relações entre minorias

92 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 132/RJ. Ministro Relator Ayres Britto. Julgada em 05.05.11. DJ
de 14.10.11.
93 Acórdão p. 71.
94 Art. 226. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
95 Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.

59
Raquel de Andrade Vieira Alves

homoafetivas, com base no Princípio da Igualdade, da Liberdade e da Não-discri-


minação por opção sexual, suficientes para superar a posição de que o § 3º do art.
226 traria um “silêncio eloquente” quanto à proteção das relações homoafetivas.
Pela sua clareza, confira-se trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes:

Logo, a expressão literal não deixa dúvida alguma de que nós estamos a
falar de “união estável entre homem e mulher”. A partir do próprio texto
constitucional, portanto, não há dúvida em relação a isso.
Por isso, a meu ver, a solução que aponte como fundamento suficiente
para o caso apenas uma leitura interpretativa alargada do dispositivo
mencionado seria extravagante à atuação desta Corte e em descompasso
com a técnica de interpretação conforme à Constituição.
É essencial que deixemos devidamente explicitados os fundamentos
constitucionais que demonstram por que estamos fazendo esta leitura
diante de um texto tão claro como este, em que se diz: a união estável é
a união estável entre homem e mulher. E isso é relevante, diante do fato
de alguns entenderem, aqui, menos do que um silêncio, um claro silêncio
eloquente, no sentido de vedar o reconhecimento almejado.
Portanto, parto da premissa de que aqui há outros fundamentos e direitos
envolvidos, direitos de perfil fundamental associados ao desenvolvimento
da personalidade, que justificam e justificariam a criação de um modelo de
proteção jurídica para essas relações existentes, com base no princípio da
igualdade, no princípio da liberdade, de autodesenvolvimento e no princípio
da não discriminação por razão de opção sexual.
Daí decorre, então, um dever de proteção. Mas é preciso mais uma vez
dizer isso de forma muito clara, sob pena de cairmos num voluntarismo e
numa interpretação ablativa, em que, quando nós quisermos, nós inter-
pretamos o texto constitucional de uma ou outra maneira. Não se pode
atribuir esse arbítrio à Corte, sob pena de nos deslegitimarmos.96

Irretocável, nesse ponto, o entendimento esposado pelo Ministro Gilmar


Mendes que, sem ignorar o limite textual trazido pelo § 3º do dispositivo cons-
titucional analisado, ao mencionar “a união estável entre o homem e a mulher”,
reconheceu em outros dispositivos da mesma Constituição o dever de proteção
às relações homoafetivas, a merecer o reconhecimento pela Corte da necessida-
de de proteção do Estado.

96 Acórdão p. 174. Grifos no original.

60
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Ou seja, não deixou o Ministro de abordar a interpretação literal do § 3º do


art. 226 da Constituição, mas, ao contrário, a abordou assim como o fez com
os demais métodos interpretativos, sobretudo o sistemático, encontrando outros
fundamentos constitucionais para fundamentar a sua decisão, sem tratar a inter-
pretação literal como único e apriorístico método interpretativo de justificação.
Logo, pelo exposto no presente item e pela análise dos recentes casos que
envolveram uma interpretação de profundas e sensíveis alterações sociais, que
demandaram uma evolução interpretativa por parte da Corte Constitucional
Brasileira, chega-se à inevitável conclusão de que a atividade interpretativa está
em constante processo de modificação, assim como os fatos sociais, o que pos-
sibilita a própria continuidade do texto normativo no tempo.
Esse processo, contudo, possui limites trazidos pelo próprio sentido possível do
texto que, entretanto, não é o único limite a ser observado pelo intérprete, a quem
caberá a adequação do texto normativo à nova realidade política e social subja-
cente, como fruto de uma árdua e indispensável tarefa de conjugação de métodos.

2.5.1.2 Sentido e alcance do parágrafo único do art. 160 dentro


do “novo federalismo brasileiro” 97: parâmetros para a retenção
de recursos destinados aos entes subnacionais pela União
Visto o panorama geral acerca da interpretação normativa e do papel que
ela desempenha na adequação dos textos à realidade social e política de cada
época, passa-se à análise do sentido e alcance do parágrafo único, do art. 160 da
Constituição, a partir da transformação pela qual passou o modelo federativo
brasileiro desde 1988.
Justamente a fim de resguardar a autonomia financeira dos entes subna-
cionais, reconhecendo para tal fim a importância das participações desses no
produto da arrecadação federal, o legislador constituinte no artigo 160 da Carta
Magna garantiu ser vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega dos re-
cursos transferidos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, mediante
Fundos de Participação.
Essa norma resguarda a forma federativa do Estado, na medida em que im-
pede que os recursos obrigatoriamente destinados aos entes subnacionais sejam

97 Expressão cunhada por André Regis de Oliveira. In: Op. Cit. p. 37.

61
Raquel de Andrade Vieira Alves

utilizados como instrumentos de pressão política, em detrimento da autonomia


financeira destes e do atendimento às necessidades do cidadão, para as quais
são indispensáveis recursos mínimos.
Entretanto, essa regra possui exceções previstas pelo parágrafo único do
mesmo dispositivo, frise-se, norma constitucional originária, inserida, portan-
to, no contexto federativo de 1988. O referido parágrafo único dispõe que a
vedação constante no artigo não afasta a possibilidade de condicionamento,
pela União e Estados, da entrega de recursos ao pagamento de seus créditos,
inclusive, de suas autarquias.
Outras exceções podem ser encontradas no art. 167, IV e § 4º da Constitui-
ção, no art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no art. 56 da
lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 e no art. 10 da Lei nº 8.620, de 05 de janeiro de
1993. Elas se referem à possibilidade de retenção e bloqueio de receitas provenien-
tes de transferências entre União e os demais entes, bem como à possibilidade de
oferecimento dessas receitas como garantia em operações de crédito.
Em que pese se possa discutir a constitucionalidade das exceções previstas
em lei, o fato é que o art.160 é norma constitucional originária, tendo as Emen-
das Constitucionais nº 03, de 17 de março de 1993, e nº 29, de 13 de setembro
de 2000, incluído, respectivamente, a possibilidade de condicionamento de cré-
ditos pelos Estados – pela redação original do parágrafo único, esse condicio-
namento só caberia à União – e a possibilidade de retenção quando se trate de
pagamento de créditos de autarquias, tanto federais como estaduais, de modo
que a interpretação deste dispositivo continua sendo uma situação que precisa
ser enfrentada no federalismo atual.
Aliás, a chave para a interpretação deste dispositivo está exatamente no
modelo atual. Explique-se: como visto, à época da promulgação da Constituição
de 1988 o contexto federativo era outro, sendo de fato necessária uma forte
descentralização para a garantia da democracia, o que foi feito pela própria
Constituição, aliada à conjuntura política da época, que permitiu que os Esta-
dos exercessem grande influência na política nacional.
Dessa forma, fazia sentido que o próprio constituinte originário, ciente da
descentralização que pretendia implementar, criasse um sistema de freios da
autonomia financeira dos entes subnacionais, mediante a possibilidade de re-
tenção de receitas transferidas, enquanto não saldados os débitos desses entes
com a União. Esse dispositivo foi inserido, portanto, em um contexto de des-
centralização federativa, logo após um regime ditatorial.

62
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Contudo, como demonstrado até agora, o contexto federativo atual é mar-


cado por uma crescente recentralização de receitas e poderes políticos, de modo
que a União, a partir de meados da década de 1990, está retomando as receitas
descentralizadas pela Constituição, não só através de uma redução da autono-
mia financeira estatal, como principalmente através da instituição de contribui-
ções, não sujeitas à sistemática de repartição de receitas.
Portanto, diante de um contexto totalmente diferente do contexto de 1988,
em que a União já possui um controle orçamentário mais do que suficiente dos
entes subnacionais, em que medida deve ser interpretada essa exceção do pará-
grafo único do art. 160? Essa é justamente a proposta que se pretende desenvolver.
Aliás, saliente-se que já dentro desse contexto de recentralização é que o
constituinte derivado resolveu expandir a possibilidade de retenção de recursos
pela União, prevista no parágrafo único do art. 160, também aos Estados-mem-
bros e às autarquias, ampliando uma exceção que o constituinte originário em
momento algum permitiu. Interpretando essa ampliação como parte integrante
do pacote de medidas estabilizadoras da década de 1990, afirma Francisco Bilac
Moreira Pinto Filho que:

com a recente crise de solvabilidade de Estados e Municípios, o consti-


tuinte derivado implementou modificações constitucionais para os fins de
poder perpetrar os planos de assunção, por parte da União Federal das
obrigações dos demais entes, desde que lhe fosse possível a ‘retenção’ de re-
cursos de estados e Municípios cuja arrecadação ou administração estejam
a ela incumbidos. Com tal propósito, o constituinte derivado promulgou a
emenda constitucional de nº 29, em 13 de setembro de 2000, alterando a
redação do parágrafo único do art. 160 da Constituição Federal.98

Roque Antonio Carrazza, por sua vez, entende que a EC nº 03/93 é incons-
titucional, pois estaria violando a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, para estender uma exceção que, por si só, já seria controversa e
que, segundo ele, deveria ser sumariamente revogada do regime constitucional:

[...] Ora, o parágrafo único do art. 160 da Constituição Federal acaba por
anular-lhes ou, pelo menos, por comprometer-lhes a autonomia política e
jurídica. Para que o fenômeno não se perpetue – agora sob a égide da Cons-

98 PINTO FILHO, Francisco Bilac Moreira. A intervenção federal e o federalismo brasileiro. Forense:
Rio de Janeiro, 2002. p. 208.

63
Raquel de Andrade Vieira Alves

tituição de 1988 – é mister seja revogado sumariamente o parágrafo único


do art. 160 da Lei Maior. A União que se valha de outros meios jurídicos
para receber o que lhe é devido, dos Estados, Municípios e Distrito Federal.
O mesmo podemos dizer dos Estados em relação aos Municípios localizados
em seus territórios. Que não possam mais valer-se do meio extremo de ne-
gar-lhes a participação no produto de suas receitas tributárias, enquanto não
honrarem seus débitos. [...] Caminhando em sentido contrário aos nossos
anseios, a EC nº 3, de 17.03.93, de modo inconstitucional (porque atropelou
a autonomia dos Estados, Municípios e do Distrito Federal), deploravelmen-
te mandou acrescentar um §4º ao art. 167, do seguinte teor: “É permitida a
vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se referem os
arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, “a”
e “b”, e II, para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para
pagamento de débitos para com esta (art. 1).99

Com efeito, tratando o parágrafo único de norma excepcionalíssima que, se


indevidamente interpretada, pode acarretar graves prejuízos ao equilíbrio federa-
tivo, não há outro caminho possível senão seguir o entendimento de Roque An-
tonio Carrazza, que muito bem reconheceu o equívoco do constituinte derivado.
Entretanto, como a possibilidade de retenção de créditos pela União possui
previsão em norma constitucional originária, mesmo se entendendo pela in-
constitucionalidade das EC´s nº 03/93 e nº 29/00, com relação aos Estados e au-
tarquias, a delimitação do exato sentido em que deve ser interpretada a exceção
do parágrafo único do art. 160 da Constituição continua sendo imprescindível
para o presente estudo.
Nesse ponto, o professor Luis Roberto Barroso, em parecer exarado acerca
do alcance e sentido do parágrafo único do art. 160 da Constituição100, defende
que a retenção prevista neste artigo deve ser interpretada de modo a (i) somente
abranger créditos certos, líquidos e exigíveis, de titularidade direta da União ou
de suas autarquias; (ii) deve observar o Princípio do Devido Processo Legal; (iii)
o Princípio da Anualidade; e, por fim, (iv) não pode comprometer o cumpri-
mento das obrigações essenciais pelo Estado.

99 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 2010. p. 726.
100 BARROSO, Luís Roberto. Parecer nº 01/2009. Sentido e alcance do parágrafo único do art. 160 da
Constituição: parâmetros para a retenção de receitas estaduais pela União Federal. Revista de Direito
da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nº 64, 2010. p. 02.

64
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Já para José Maurício Conti, o ato de condicionar a entrega não importa


em momento algum em utilização desses recursos, devendo-se interpretar este
dispositivo restritivamente, por se tratar de regra de exceção e pela necessidade
de compatibilizá-lo com a forma federativa de Estado.101
Os juristas Fabio Konder Comparato e Eros Roberto Grau também já se ma-
nifestaram acerca da interpretação do dispositivo, inadmitindo a compensação
de dívidas entre unidades componentes da Federação, com base no parágrafo
único do art. 160.102
Misabel Abreu Machado Derzi, por sua vez, afirma que o disposto no art.
160 e seu respectivo parágrafo único não pode ter o sentido extensivo que lhe
dá a União, quando se trata de satisfazer os seus créditos. Para a ela, equiparar a
expressão constitucional “condicionar a entrega de recursos” a “compensação”
feriria os dispositivos do Código Civil, que expressamente vedam essa forma
de extinção com coisa não suscetível de penhora, como a receita pública. Ade-
mais, não importam os limites e a extensão da interpretação atribuída ao art.
160, é certo que ele não pode se referir a créditos unilateralmente apurados,
atualizados, liquidados e satisfeitos pelo próprio credor, sem que o Estado deve-
dor possa, pelo menos em procedimento administrativo, a que a Constituição
assegura ampla defesa, expor as justificações do inadimplemento, como força
maior, onerosidade excessiva, ou estado de necessidade.103
Interessante notar ainda a posição de Alexandre Santos de Aragão que,
abordando os aspectos constitucionais dos contratos de empréstimo entre entes
federados, conclui que as cláusulas contratuais que, com base nos arts. 160 e seu
parágrafo único e 167, IV e § 4º da Constituição, conferem à União um direito
unilateral de autoexecutoriedade de seus créditos frente aos Estados, poderiam
ser consideradas como mecanismos de intervenção federal por via transversa:

Portanto, as cláusulas contratuais que conferem à União, em caso de


inadimplemento, um direito unilateral de auto-executoriedade sobre
verbas tributárias estaduais, poderão ser consideradas inconstitucionais,
por ofensa, dentre outros, aos princípios da federação, do devido pro-
cesso legal, da finalidade e da moralidade, podendo ser considerados

101 CONTI, José Maurício. Federalismo Fiscal e Fundos de Participação. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2001. p. 120/121.
102 Ibid. p. 118-119.
103 DERZI, Misabel Abreu Machado. Op. Cit. p. 26.

65
Raquel de Andrade Vieira Alves

verdadeira intervenção federal por meios transversos. Além disso, essa


previsão feriria o princípio da imparcialidade, já que a retenção dos cré-
ditos estaduais seria feito a partir de um juízo unilateral da parte interes-
sada: a União Federal.104

Vê-se, dessa maneira, que, a despeito da admissão da utilização desse dis-


positivo pelos Tribunais, a doutrina vem rechaçando a sua utilização indiscri-
minada. Isso porque, a retenção de repasses, sobretudo os obrigatórios, pode
levar à completa aniquilação da autonomia do ente federado, como no caso da
maioria dos Municípios, cuja dependência das receitas oriundas dos Fundos de
Participação para o cumprimento de obrigações essenciais é muito grande.
Diante desse quadro, propõe-se que a interpretação do parágrafo único do
art. 160 da Constituição deva acompanhar a evolução da sociedade, sob pena de
ofensa ao Princípio Federativo que, vale dizer, é cláusula pétrea contida na Cons-
tituição Federal. Assim, não se pode simplesmente aplicar o parágrafo único do
art. 160 da Constituição sem se atentar para a mudança na realidade subjacente,
que orientou o constituinte da época, mas que não mais se justifica atualmente.
Essa adequação na interpretação do dispositivo constitucional é o que per-
mite a sua aplicação diante do novo contexto, sem que ocorra o desvirtuamento
de sua finalidade originária, qual seja, a proteção ao pacto federativo. Nesse
ponto, já reconhecia Karl Larenz em sua obra que, frequentemente, para que
a norma continue a atingir o seu fim originário, faz-se necessária uma nova
interpretação, mais ampla ou mais restrita, ante a alteração nas relações105. No
presente caso, o cenário atual requer uma interpretação mais restrita do precei-
to contido no parágrafo único do art. 160.
Não se está aqui advogando a não aplicação completa da norma constitucio-
nal, o que por óbvio não se justificaria106, mas apenas a sua compatibilização com
o Princípio Federativo, de modo que a sua aplicação seja realizada com a devida
cautela e somente em situações extremas, sem que isso impeça o exercício das
atividades públicas essenciais pelo ente federado. O mesmo vale para quaisquer

104 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “Federalismo em Crise: aspectos constitucionais dos contratos de
empréstimo entre entes federativos”. Revista Brasileira de Direito Público, n. 22, 2008, p. 88.
105 LARENZ. Karl. Op. Cit. p. 496.
106 Nesse sentido, reportamo-nos à doutrina de Andrei Pitten Velloso que, tratando dos limites à
interpretação, afirma: “se, ao ‘interpretar-se’ um objeto qualquer, o agente desconsidera-o, poderá
estar empreendendo qualquer tarefa, à exceção da interpretação.” Op. Cit. p. 181.

66
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

medidas restritivas da liberação de repasses contidas em outros dispositivos, já


que também encontram fundamento de validade no parágrafo único do art. 160.
Nessa linha, comungamos da posição defendida pelo Professor Luís Rober-
to Barroso no parecer já mencionado, em que o mesmo deixa claro o caráter
excepcional da retenção de recursos pela União107, com base na interpretação
sistemática da Constituição Federal, sobretudo, à luz do Princípio Federativo e
do Princípio da Unidade da Constituição.
Com relação ao primeiro princípio, é inegável que as transferências intergo-
vernamentais representam um importante instrumento de cooperação federati-
va, que racionaliza tanto a arrecadação quanto os gastos, além de consubstan-
ciar um instrumento indispensável para redução dos desequilíbrios existentes
entre os entes federados. Ademais, como pôde ser demonstrado logo no início
do item 2.3, especificamente com relação às participações na arrecadação, cuja
transferência é obrigatória, é certo que constituem recursos próprios do ente
receptor, não sujeitos a quaisquer condições, de forma que a sua retenção no
contexto atual representa uma grave ofensa às finanças dos entes subnacionais.
Alie-se a isso a situação extremamente complicada pela qual passa boa parte
dos Municípios brasileiros, cuja receita transferida é empregada quase que to-
talmente na amortização de despesas correntes, não havendo capital disponível
para investimentos em infraestrutura e obras de grande porte, que por vezes se
fazem necessárias, tornando ainda mais delicada a situação das retenções, até
mesmo porque o grande prejudicado nesse cenário não é só o Princípio Federa-
tivo, mas o próprio cidadão, que sofre com a ausência de recursos necessários ao
atendimento das suas necessidades.
Com relação ao Princípio da Unidade da Constituição, cabe ressaltar que
nada mais é do que uma especificação da interpretação sistemática108, impondo
ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e aparentes contradições entre
as normas constitucionais.
Nesse sentido, cabe ao intérprete da Constituição a missão de compatibili-
zar e, diga-se, até mesmo de encontrar o ponto de equilíbrio entre o caput do
art. 160, que veda expressamente a retenção ou qualquer restrição à entrega
de recursos federais aos Estados e Municípios, com o seu parágrafo único que,

107 BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. p. 05.


108 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 196.

67
Raquel de Andrade Vieira Alves

aparentemente em oposição, permite o condicionamento da entrega de recursos


aos entes subnacionais à quitação de seus débitos com a União e suas autarquias.
Por uma questão de lógica, são dois preceitos que não devem estar em con-
tradição, mas, ao contrário, devem se complementar diante do caso concreto,
a exigir a habilidade do intérprete na conjugação dos dois, de modo a jamais
anular integralmente um em favor de outro109.
Portanto, dentro da proposta aqui defendida, acreditamos que o parágrafo úni-
co do art. 160 deve ser interpretado de forma restritiva, como bem acentuou José
Maurício Conti, e dentro dos limites identificados por Luís Roberto Barroso, em
parecer específico acerca do tema110. Isso significa que, devido ao caráter excep-
cional da possibilidade de retenção de recursos pela União, (i) ela só pode ocorrer,
primeiramente, em relação a créditos certos, líquidos e exigíveis, de titularidade
direta da União ou de suas autarquias, excluindo-se a possibilidade de retenção
em relação a créditos de sociedades de economia mista e empresas públicas.
A retenção de receitas (ii) só pode ser operada, ainda, em observância ao
Princípio do Devido Processo Legal. Isso afasta a possibilidade da retenção ser
manejada na pendência de discussão judicial ou administrativa sobre o débito,
como forma de “garantia” em benefício da União, pois, nessa hipótese, não seria
possível sequer a execução do referido valor.
Além disso, deve-se ter em conta que o parágrafo único do art. 160 é uma
exceção ao sistema de precatórios, admitindo que a União receba seus créditos
certos, líquidos e exigíveis por meio da retenção de transferências e não pela for-
ma tradicional de que cuida o art. 100 da própria Constituição. Exatamente em
virtude disso, (iii) devem ser observados os princípios orçamentários durante
esse procedimento, de forma que a retenção observe a Legalidade e a Anualida-
de orçamentárias. Assim, Luís Roberto Barroso faz uma analogia com o sistema
de precatórios, para concluir que caberá à União – até 1º de julho – informar o
Estado devedor dos valores que pretende reter, com fundamento no parágrafo
único do art. 160 da Constituição, no início do exercício seguinte, como forma
de respeitar o planejamento orçamentário do ente.

109 BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. p. 198.


110 Para um aprofundamento sobre o tema, ver: BARROSO, Luís Roberto. Parecer nº 01/2009.
Sentido e alcance do parágrafo único do art. 160 da Constituição: parâmetros para a retenção de
receitas estaduais pela União Federal. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio
de Janeiro, nº 64, 2010.

68
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Por fim, o parágrafo único do art. 160 da Constituição (iv) deve conviver
com os demais dispositivos constitucionais que determinam o cumprimento
de determinadas obrigações fundamentais por parte dos Estados e Municí-
pios, de maneira que da retenção das transferências não resultem limitações à
satisfação de obrigações essenciais do ente, como é caso do investimento mí-
nimo em saúde e educação; das despesas de custeio e precatórios de natureza
alimentar; das despesas de pessoal, dentre outros. Tal limitação se relaciona
diretamente com a garantia dos direitos fundamentais do cidadão, que tem
preferência sobre o pagamento de créditos devidos à União. Assim, apenas
depois de observados esses parâmetros é que se pode cogitar da retenção de
transferências pela União.
Destaque-se que não são raros os casos que têm sido levados à cúpula do Judici-
ário acerca da retenção de repasses de receitas aos Estados e Municípios pela União,
envolvendo questões federativas de alta relevância nacional, motivo de preocupação
para alguns aplicadores do Direito, que vêem no uso indiscriminado da retenção de
repasses um poderoso instrumento de distorção do modelo federativo.
É o caso, por exemplo, do Estado do Paraná, que recentemente ajuizou a
Ação Cautelar nº 3492111, perante o STF, em face da União, a fim de obter a
liberação das transferências voluntárias retidas, bem como a obtenção de ga-
rantias e possibilidade de contratação de operações de crédito com instituições
financeiras, sob a alegação do Governo Federal de excesso pelo Estado dos limi-
tes de gasto com despesas de pessoal.
No caso, o Estado do Paraná reivindicava verbas oriundas de programas es-
pecíficos do Governo Federal, informando ter cometido equívoco no lançamen-
to de informações no Sistema de Coleta de Dados Contábeis e Fiscais dos Entes
da Federação – SISTN, anexando, para tanto, relatório do Tribunal de Contas
Estadual, que aprovava o cumprimento dos limites com gastos de pessoal pelo
Paraná, não havendo óbice para o recebimento das transferências da União.
A questão ganhou ampla repercussão após o descumprimento reiterado pela
União da medida liminar concedida pelo Ministro Relator, Marco Aurélio, para
liberação das verbas, culminando com pedido de prisão do Secretário do Tesou-
ro Nacional pelo Estado do Paraná, assim decidido pelo Relator:

111 BRASIL. STF. AC nº 3492/PR. Ministro Relator Marco Aurélio. Liminar deferida em 10.02.14. DJ de
14.02.14.

69
Raquel de Andrade Vieira Alves

Estarrece o descompasso entre o Estado do Paraná e a União. O fato não


contribui para o fortalecimento da Federação. É inconcebível que, por
isto ou por aquilo, persista-se em certa óptica com o objetivo de driblar
pronunciamento do Supremo.
Cumpre, então, providências. Em primeiro lugar, explicito que a medida
acauteladora alcança todo e qualquer ato que implique a necessidade
de endosso da União, considerados empréstimos, presente o óbice ini-
cialmente vislumbrado e que se fez ligado – é o que está em jogo nesta
ação cautelar – aos gastos do Estado com pessoal. Em segundo lugar,
ante a postura adotada pela União, impõe-se a majoração da multa. Fica
estabelecida em R$ 500 mil diários. Em terceiro lugar, cabe dar ciência,
ao Ministro de Estado da Fazenda, da responsabilidade cível e criminal
relativa ao descumprimento de decisão judicial.112

O Ministro chegou a externar a sua preocupação através da imprensa, afir-


mando estar estarrecido com o atraso na liberação, sendo inconcebível a tenta-
tiva da União de burlar a decisão do STF.113
Ao final, a União acabou dando cumprimento à decisão do STF, ao menos
até o que consta noticiado nos autos. No entanto, chama a atenção que um mo-
delo federativo que deveria se basear na cooperação entre os entes que o com-
põem chegue ao absurdo de ter de recorrer ao Judiciário para solicitar a prisão
do Secretário do Tesouro Nacional, por retenção de transferências vinculadas
a programas específicos de governo. E isso não representa um caso isolado, mas
apenas um dos muitos que chegam ao STF e que levou o descompasso entre os
entes federados ao extremo. 114
Em decisão mais recente, o STF entendeu ser possível a retenção de repasses
aos Estados, pela União, em razão de inadimplência, com fundamento justa-
mente na redação do parágrafo único do art. 160 da Constituição115. No caso, o
Estado do Rio Grande do Sul havia ajuizado uma ação cautelar com o objetivo

112 Decisão proferida em 06.06.14. DJ de 16.06.2014.


113 Notícia veiculada no Jornal Folha de São Paulo, de 02.07.2014. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/poder/2014/07/1479539-governo-do-parana-pede-ao-stf-a-prisao desecretario-de-dilma.
shtml> Acesso em 27.07.14.
114 No mesmo sentido: BRASIL. STF. AC nº 3600/PR. Ministro Relator Luis Roberto Barroso. Liminar
deferida em 09.04.14. DJ de 14.04.14.
115 BRASIL. STF. AC nº 3959/RS. Ministro Relator Marco Aurélio. Liminar indeferida em 14.09.15. DJ
de 17.09.15.

70
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

de restabelecer os repasses constitucionais devidos pelo Governo Federal, proi-


bir bloqueios de valores nas contas estaduais, bem como impedir a inclusão do
Estado em cadastros federais de inadimplência.
O pedido do Governo Estadual resultou do contrato de refinanciamento de
dívida pública mobiliária, que foi firmado no âmbito do Programa de Apoio à
Reestruturação e Ajuste Fiscal dos Estados - Lei nº 9.496, de 11 de setembro de
1997, editado justamente no contexto de recentralização de meados da década
de 1990 -, pois, de acordo com o afirmado na inicial, a ausência de cláusula
que permitisse o reequilíbrio econômico-financeiro do ajuste teria se agravado
em razão da superveniência de “condições desfavoráveis” aos entes federados,
principalmente por causa do longo prazo de vigência.
O Ministro Marco Aurélio, relator da ação, decidiu, contudo, indeferir a liminar
pleiteada, basicamente ao argumento de que as garantias da União, em caso de
inadimplência dos Estados, foram voluntariamente contratadas pelos entes públicos
e que, embora o caput do artigo 160 da Constituição Federal vede a retenção de re-
ceitas dos Estados e Municípios, o parágrafo único do dispositivo enumera as exce-
ções, dentre elas, o condicionamento da entrega de recursos decorrentes do sistema
de repartição de receitas tributárias ao pagamento de créditos desses mesmos entes.
Ou seja, em sentido diametralmente oposto ao decidido na ação cautelar ajui-
zada pelo Estado do Paraná, o Ministro Marco Aurélio não apenas não autori-
zou a liberação das verbas retidas, como assentou expressamente que as cláusulas
contratuais que permitiam a retenção de repasses pela União não representariam
ofensa ao Pacto Federativo. Confira-se, nesse sentido, o trecho a seguir:

[...] É impróprio articular com a ofensa ao pacto federativo se as men-


cionadas cláusulas encontram respaldo no texto da Constituição Federal.
As medidas restritivas pactuadas pelas partes não configuram renúncia às
receitas do Estado, porque possuem eficácia eventual e temporária, apenas
quando verificado o inadimplemento. Não subsiste a alegação de ofensa
às garantias do contraditório e da ampla defesa uma vez que o fenôme-
no é incontroverso. O dissenso não está voltado ao descumprimento da
obrigação ou à apuração do valor devido, mas tão somente às medidas,
contratualmente previstas, direcionadas a garantir o pagamento da dívida.
3. Indefiro a liminar pleiteada.

Dessa forma, é possível observar que a maior parte dos casos que chega ao
STF versa sobre a inclusão dos Estados e Municípios no cadastro de inadim-

71
Raquel de Andrade Vieira Alves

plentes do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Fe-


deral – SIAFI, o que os impede de receber transferências voluntárias, obter
garantias de outros entes e contratar operações de crédito, inviabilizando na
maioria das vezes o cumprimento de obrigações essenciais por estes entes,
sobretudo, em relação a investimentos em infraestrutura e programas sociais
do Governo Federal, cuja receita empregada provém basicamente de transfe-
rências voluntárias e operações de crédito, já que as obrigatórias se esgotam
no pagamento de despesas correntes.
As controvérsias jurídicas resumem-se à ausência de observância ao Devi-
do Processo Legal e às limitações decorrentes das obrigações constitucionais
dos Estados e Municípios, que levam ao requerimento de medidas de urgência
dirigidas aos Tribunais, a fim de permitir a liberação dos montantes retidos ou
bloqueados ou ainda a realização de operações de crédito. A incidência de casos
como esses é tanta que a Corte, em 10.10.10, nos autos do RE nº 607.420/PI116,
reconheceu a repercussão geral da questão acerca da necessidade de prévio jul-
gamento de Tomada de Contas Especial, como requisito para incluir determi-
nado Município no SIAFI, à luz do parágrafo único do art. 160 da Constituição,
ainda pendente de julgamento.
Assim, a retenção de uma transferência, principalmente se ela for obri-
gatória, como as receitas dos Fundos de Participação, causa um impacto
enorme nas finanças dos entes subnacionais, especialmente dos Municípios,
cuja arrecadação própria é insuficiente para fazer frente a todos os gastos
com a coletividade, de modo que esses repasses acabam constituindo a sua
principal fonte de receita.
Em razão disso, a retenção de transferências deve ser utilizada com extrema
cautela e em observância aos parâmetros expostos acima, sob pena de represen-
tar mais um mecanismo de distorção do modelo federativo brasileiro, ao lado da
instituição de tributos não partilháveis e da política desonerativa dos principais
impostos federais que compõem os Fundos de Participação dos Estados e Muni-
cípios, diante do novo contexto apresentado.

116 BRASIL. STF. RE nº 607.420/PI. Ministra Relatora Ellen Gracie. Decisão proferida em 10.10.10. DJ
de 23.11.10.

72
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

2.5.2. A chamada “cortesia com chapéu alheio” 117


O Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal - FPE e o Fundo de
Participação dos Municípios - FPM formam a base do sistema de equalização
de receitas no Brasil.
Nesse sentido, como se viu, a organização do Estado sob a forma federativa
pressupõe a autonomia financeira dos entes que o compõem, a fim de que pos-
sam efetivamente exercer a sua autonomia política e administrativa. Entretanto, o
sistema brasileiro de repartição de competências exclusivas não é suficiente para,
por si só, assegurar às unidades subnacionais a plena autonomia financeira, diante
das distorções que podem ocorrer em face das diversidades regionais, fato esse que
não passou despercebido pelo constituinte originário de 1988.
Atento às assimetrias do federalismo pátrio, o constituinte de 1988 assegu-
rou aos Estados e Municípios recursos que independessem da arrecadação das
entidades regionais e locais, repassados tanto de forma direta, quanto de forma
indireta pela constituição de fundos (discriminação pelo produto da arrecada-
ção), como analisado no item 2.2.
Aos repasses aos entes subnacionais por meio de fundos, o constituinte des-
tinou, assim, quase metade da arrecadação do imposto de renda - IR e do im-
posto sobre produtos industrializados - IPI (49%), a ser distribuída na forma
do art. 159 da Constituição Federal. O mesmo dispositivo determinou, ainda,
a distribuição de vinte e nove por cento (29%) da arrecadação da Cide-Com-
bustíveis aos Estados e ao Distrito Federal, dos quais vinte e cinco por cento
(25%) seriam entregues aos Municípios, de acordo com os mesmos critérios de
rateio utilizados pelo FPE e pelo FPM, a serem empregados no financiamento de
programas de infraestrutura de transportes (art. 177, §4º, “c” da Constituição).
Ocorre que a porcentagem da receita federal destinada aos Estados e Mu-
nicípios tem sofrido um decréscimo ao longo dos anos, sobretudo, a partir do
final de 2008, em que eclodiu uma crise econômica internacional que, em um

117 Expressão felizmente empregada por Regis Fernandes de Oliveira para se referir às desonerações
dos principais impostos de competência da União, que compõem significativa parcela do montante
destinado aos Fundos de Participação dos Estados e Municípios. In: Curso de Direito Financeiro. –
6ª Ed. rev, atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 129 Utilizada também
pelo Ministro Ricardo Lewandowski no julgamento do RE nº 572.762/RS e pelo Ministro Luiz Fux no
julgamento do RE nº 705.423/SE.

73
Raquel de Andrade Vieira Alves

contexto geopolítico de globalização dos mercados, irradiou seus efeitos negati-


vos por toda economia mundial.
Esse cenário internacional influenciou diretamente as escolhas político-
-fiscais adotadas pelo governo brasileiro, que, seguindo as diretrizes do próprio
Fundo Monetário Internacional - FMI118, passou a adotar instrumentos fiscais
anticíclicos, como o estímulo à demanda interna através de incentivos fiscais, a
fim de combater a retração da indústria nacional119.
Em razão disso, desde o fim de 2008, o Governo Federal tem utilizado a
concessão de isenções de IPI incidente sobre eletrodomésticos da linha branca,
bens de capital e automóveis, como política de incentivo ao consumo, a fim de
estimular a produção industrial. O mesmo ocorreu com o IR pago pelas pessoas
físicas, objeto de desonerações a partir do mesmo período, a fim de aumentar de
forma indireta o poder de consumo das famílias.
Não obstante se reconheça que os objetivos das desonerações são louváveis e
mesmo necessários, visto que destinados a frear os efeitos negativos da crise no
Brasil, é inegável que essa política de desonerações dos principais impostos fede-
rais causa um enorme impacto econômico nas finanças estaduais e municipais.
Isso porque, retomando o exposto no início, o art. 159, inciso I, da Cons-
tituição determinou à União a obrigação de destinar vinte e um e meio por
cento (21,5%) do produto da arrecadação do IR e do IPI para serem aplicados
nos Fundos de Participação dos Estados e Distrito Federal; vinte e dois e meio
por cento, mais dois por cento em virtude de Emendas Constitucionais (24,5%),
para serem aplicados nos Fundos de Participação dos Municípios; e três por cen-
to (3%) para aplicação em programas de financiamento dos setores produtivos
das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O inciso II e os parágrafos 2º e 3º do art. 159, por sua vez, fixaram um repas-
se de 10% da arrecadação do IPI-exportação para os Estados, Distrito Federal

118 SPILIMBERGO, Antonio; SYMANSKY, Steve; BLANCHARD, Olivier. Fiscal Policy for the Crisis.
IMF Staff Position Note. International Monetary Fund, 29 dez. 2008. Disponível em: <http://www.
imf.org/external/pubs/ft/spn/2008/spn0801.pdf>. Acesso em 21.07.15
119 No mês de dezembro de 2008, foi registrada desaceleração de 12,4% frente ao mês anterior, de acordo
com dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sendo o pior resultado da série
histórica, iniciada em 1991, influenciado principalmente pelo setor automobilístico, cuja produção
caiu 39,7%. Vide: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2009/02/497886-producao-industrial-cai-
124-em-dezembro-no-ano-alta-e-de-31-diz-ibge.shtml> Acesso em 21.07.15

74
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

e Municípios, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de pro-


dutos industrializados.
Além disso, há ainda o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-
cação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, criado
pela Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006, e regulamenta-
do pela Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, em substituição ao Fundo de Ma-
nutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Ma-
gistério - FUNDEF, que vigorou de 1998 a 2006 e que recebe, entre suas fontes
de recurso, 20% das receitas dos Fundos de Participação e do IPI-exportação.
A fim de proporcionar uma melhor visualização dos percentuais da receita
de IR e IPI que são destinados constitucionalmente aos Fundos, veja-se tabela
explicativa a seguir, elaborada em recente relatório constante do acórdão nº
713/2014 do Tribunal de Contas da União – TCU (Processo TC 020.911.2013-
0), ocasião em que a Corte de Contas pôde apreciar os impactos dessas desone-
rações nas repartições de receitas tributárias federais 120:
TABELA 4
IR e IPI - Percentual da arrecadação destinada a fundos

Fundo % Arrecadação do IR e IPI


FPM 24,5%**
FPE 21,5%
IPI- Exportação 10,0%*
FNE 1,8%
FNO 0,6%
FCO 0,6%
Fundeb 20% do FPM, FPE e IPI-Exportação
** Atualizada com a Emenda Constitucional nº 84, de 2 de dezembro de 2014.
* Apenas IPI.
Fonte: TCU.

Como se observa, uma boa parte da arrecadação federal com o IR e o IPI


é repassada aos Estados e Municípios, de modo que desonerações que redu-
zam sensivelmente a arrecadação desses impostos geram impactos diretos no
montante a ser repassado e, consequentemente, no orçamento dos entes sub-

120 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. TC 020.911/2013-0. Ministro Relator Raimundo
Carreiro. Sessão Ordinária de 26.03.14. Ata nº 09/14.

75
Raquel de Andrade Vieira Alves

nacionais. Tendo em conta o contexto explicitado ao longo do presente estudo,


vê-se que os Fundos de Participação possuem uma importância vital para a
autonomia dos Estados e Municípios, sobretudo desses últimos, cujo grau de
dependência das receitas federais é muito grande.
Para que se tenha uma ideia dos valores envolvidos nessa discussão,
traz-se aqui a tabela elaborada pela equipe técnica de fiscalização do TCU,
nos autos do processo TC 020.911/2013-0, que orientou o julgamento do
Plenário e sua conclusão no sentido de que as políticas desonerativas da
União têm impacto direto na arrecadação dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios:

TABELA 5
Valores não distribuídos aos fundos em decorrência da desoneração (2008 a 2012)

Região FPM FPE IPI-Exp Fundeb FNE FNO FCO


Nordeste 35,7% 52,5% 9,1% 26,3% 1,8% - -
Sudeste 31,0% 8,5% 54,3% 43,3% - - -
Sul 17,4% 6,5% 26,0% 14,2% - - -
Norte 8,7% 25,4% 6,7% 10,0% - 0,6% -
Centro-Oeste 7,2% 7,2% 3,9% 6,2% - - 0,6%

Fonte: TCU.

Destaque-se que essa análise foi feita em termos reais, descontando-se


a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
- IPCA no período, e que, ao final, apurou-se que, entre 2008 e 2012, Esta-
dos, Distrito Federal e Municípios arcaram com cinquenta e oito por cento
(58%) do valor total das desonerações concedidas pelo Governo Federal,
equivalente ao montante de R$ 190,11 bilhões de reais, contra quarenta e
dois por cento (42%) arcados pela União, e equivalentes a R$ 137,67 bilhões
de reais, de um total de desoneração líquida equivalente a R$ 327,78 bilhões
de reais. Confira-se121:

121 Gráfico elaborado pela equipe técnica de fiscalização do TCU, como resultado da auditoria realizada
nos autos do processo TC 020.911/2013-0.

76
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

GRÁFICO 1

Fonte: TCU

Dessa forma, pelo amplo estudo realizado pela equipe técnica de fiscaliza-
ção do TCU, é possível verificar que a cada real (R$ 1,00) de renúncia do IR
e IPI concedida pela União, estima-se que cinquenta e oito centavos (R$ 0,58)
pertenceriam aos Estados e Municípios, uma vez que parte substancial do valor
arrecadado desses impostos é compartilhada com os entes subnacionais.
Outrossim, a equipe identificou um acirramento nas disparidades regionais,
em razão da política desonerativa da União, posto que o Nordeste é a região
que mais sofreu os impactos negativos causados pela redução dos repasses aos
fundos constitucionais, deixando de receber um total de R$ 68,2 bilhões de
reais. Em contrapartida, a região Sudeste é a maior recebedora dos benefícios
tributários, cujos efeitos indiretos compensam em certa medida as reduções nos
repasses constitucionais, o que já não ocorre com o Nordeste.
Adicionalmente, concluiu-se que as desonerações de IR têm tido maior in-
fluência junto ao FPM e FPE do que as de IPI, uma vez que representam cerca
de setenta e seis por cento (76%) das renúncias concedidas, o que equivale a
aproximadamente R$ 247,8 bilhões líquidos.
Diante dessas conclusões trazidas pela equipe técnica e da constatação da
ausência de estudos sistematizados quanto aos impactos sociais e regionais das

77
Raquel de Andrade Vieira Alves

renúncias tributárias de IR e IPI, bem como quanto ao seu impacto nos fundos
constitucionais, em sessão realizada em 26.03.14, a Corte de Contas determinou
a elaboração de um estudo técnico pelo Ministério da Fazenda para avaliar os
resultados obtidos com as desonerações dos impostos federais e seu impacto na
repartição de receitas tributárias aos demais entes.
Além disso, o Tribunal recomendou a adoção de medidas pela União que im-
portem na instituição de mecanismos permanentes para minimização ou neutra-
lização dos impactos das respectivas desonerações nos fundos constitucionais, re-
conhecendo a importância dessas medidas para manutenção do Pacto Federativo:

[...] 9.1. recomendar à Casa Civil da Presidência da República, em con-


junto com o Ministério da Fazenda, que adotem medidas com vistas à
inserção, nas propostas normativas concessoras de renúncia tributária do
IR e IPI, ouvidos os Estados e Municípios, de estudo prévio quanto aos
objetivos pretendidos, indicadores e metas esperados com o benefício tri-
butário, além do impacto sobre os repasses aos Fundos Constitucionais
de Financiamentos (FNO, FNE e FCO), Fundos de Participação (FPM e
FPE), IPI-Exportação, bem como relativamente ao Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação (Fundeb), em observância aos princípios da publicidade e
eficiência, insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988
e ao princípio da transparência para a responsabilidade na gestão fiscal
contido no parágrafo 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 101/2000;
9.2 determinar ao Ministério da Fazenda que promova estudo técnico
para avaliar os resultados obtidos com as desonerações do IR e IPI em
vigor, bem como as consequências da redução das alíquotas de tribu-
tos para a repartição de receitas aos entes subnacionais, com vistas à
transparência e eficiência das ações governamentais, de acordo com os
princípios insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal e os
objetivos para redução das desigualdades sociais e regionais contidos nos
artigos 3º, inciso III, e 43 da Constituição Federal, o qual poderá subsi-
diar o exame da prestação de contas da presidente da República referen-
te ao exercício de 2014 de responsabilidade deste Tribunal;
9.3 recomendar à Casa Civil da Presidência da República que, com base
no estudo promovido pelo Ministério da Fazenda (item 9.2 deste Acór-
dão), adote medidas, para instituição de mecanismos permanentes que
minimizem (ou neutralizem) os impactos das desonerações do Imposto
de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados sobre os Fundos

78
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Constitucionais de Financiamentos (FNO, FNE e FCO), Fundos de Parti-


cipação (FPM e FPE), IPI-Exportação, bem como relativamente ao Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (Fundeb), com vistas a resguardar os prin-
cípios fundamentais do pacto federativo e da redução das desigualdades
sociais e regionais, insculpidos, respectivamente, nos artigos 1º e 3º da
Constituição Federal, assim como o princípio da responsabilidade fiscal
contido no art. 1º, parágrafo 1º da Lei Complementar 101/2000.122

Essa decisão do Tribunal de Contas da União é extremamente relevante,


porque não só reconhece os significativos impactos que a política desonerati-
va federal tem causado nas finanças dos entes subnacionais, como sugere ao
Governo Federal a adoção de medidas neutralizadoras desses efeitos, em um
cenário de concentração de receitas cada vez maior nas mãos da União, sem a
correspondente concentração de atribuições.
Ressalte-se, nesse ponto, a recente pesquisa, divulgada pelo Instituto de
Estudos Socioeconômicos (INESC), intitulada “Renúncias tributárias - os im-
pactos no financiamento das políticas sociais no Brasil”, em que o economista
Evilásio Salvador, com base nos dados do Demonstrativo dos Gastos Tributá-
rios, publicados pela Receita Federal para o período de 2011 a 2014, estima que
a perda potencial de receitas do FPM e do FPE tenha crescido 17,04% acima da
inflação no período analisado. Nesse contexto, caso os gastos tributários do IR
e do IPI fossem zero em 2014, o FPE teria um acréscimo de R$ 24,05 bilhões de
reais, e o FPM, de R$ 26,29 bilhões de reais123.
Confira-se, a título ilustrativo, a tabela elaborada pelo economista com a
evolução das renúncias tributárias do IR e do IPI, com base no gasto tributário
efetivo, em valores deflacionados pelo IGP-DI, para o período de 2010 a 2012 e
com valores projetados para 2013 e 2014:

122 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. TC 020.911/2013-0. Ministro Relator Raimundo
Carreiro. Sessão Ordinária de 26.03.14. Ata nº 09/14. p. 30 do acórdão.
123 INESC. Renúncias tributárias - os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil. Estudo
disponível em: <http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/outras-publicacoes/renuncias-tributarias-
os-impactos-no-financiamento-das-politicas-sociais-no-brasil/view> Acesso em 03.09.15.

79
Raquel de Andrade Vieira Alves

TABELA 6
Evolução das renúncias tributárias de IR e IPI no período de 2010 a 2014

Fonte: INESC

A análise chama a atenção ainda para o fato de que os Municípios são os prin-
cipais financiadores dos serviços sócio-assistenciais, sofrendo com mais intensida-
de os impactos das desonerações concedidas pelo Governo Federal. Em 2009, por
exemplo, excluindo-se os benefícios pagos pela União, o gasto com assistência social
alcançou R$12,03 bilhões de reais, sendo R$ 5,87 bilhões dos orçamentos dos Mu-
nicípios, R$ 3,31 bilhões da União (sem benefícios) e R$ 2,75 bilhões dos Estados.
Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o tema justamente
sob a ótica das finanças municipais, no julgamento do RE nº 705.423/SE, com
repercussão geral reconhecida, entendeu, por maioria, que o montante corres-
pondente às desonerações de IR e IPI procedidas pela União nos últimos anos
não deve integrar a base de incidência do percentual destinado ao Fundo de
Participação dos Municípios, em uma interpretação estrita da expressão “pro-
duto da arrecadação”, contida no art. 159, I, “b” e “d”, da Constituição Federal,
vencidos na ocasião os Ministros Luiz Fux e Dias Toffoli. 124
Ressalte-se que essa não foi a primeira vez que o STF se deparou com ques-
tão afeta ao impacto de desonerações tributárias nas transferências orçamen-
tárias para outros entes. Já na década de 1970, o STF julgou caso125 em que

124 BRASIL. STF. RE nº 705.423/SE. Ministro Relator Edson Fachin. Julgado em 23.11.16. Acórdão
ainda não publicado.
125 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 75.042. Ministro Relator Carlos Thompson Flores. Julgado em
07.12.72. DJ de 04.05.73.

80
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

estavam envolvidos Municípios paulistas e o Estado de São Paulo, em virtude


do desconto, por este último, de três por cento a título de reembolso de despesas
administrativas, da parcela do ICMS que deveria ser repassada aos Municípios,
por força de previsão constitucional.
A Corte entendeu na ocasião que o valor que deveria ser repassado ao ente
municipal não poderia sofrer qualquer desconto, a menos que houvesse previsão
constitucional nesse sentido. Essa análise, reafirmada em julgados anteriores da
Primeira Turma126, restou consolidada no Enunciado da Súmula n° 578: “Não
podem os Estados, a título de ressarcimento de despesas, reduzir a parcela de
20% do produto da arrecadação do imposto de circulação de mercadorias, atri-
buída aos municípios pelo art. 23, § 8º, da Constituição Federal.”
Posteriormente, no julgamento do RE nº 572.762/RS127, o STF foi instado a
se manifestar sobre o incentivo referente à postergação no pagamento do ICMS,
dentro do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense - PRODEC,
que levaria ao adiamento do repasse da parcela do imposto estadual que per-
tence aos Municípios. O benefício consistia em diferimento no pagamento do
imposto às empresas, operado através de um agente financeiro, de modo que
os valores relativos ao ICMS chegavam a ser arrecadados pelo Estado, porém,
parte desses valores era devolvida aos contribuintes.
No julgamento do referido recurso, o STF entendeu que, apesar de o Esta-
do possuir competência para a concessão de incentivos fiscais em matéria de
ICMS, o repasse da quota constitucionalmente devida aos Municípios não po-
deria se sujeitar à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito
estadual. É o que se observa no diálogo entre os Ministros Ricardo Lewando-
wski, Carlos Britto e Cezar Peluso:

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR)


- Permito-me usar uma expressão popular. O que ocorre, no caso, é que
o Estado está fazendo cortesia com o chapéu alheio, na verdade.

126 BRASIL. STF. Primeira Turma. AI nº 55.989/AgR. Ministro Relator Oswaldo Trigueiro. Julgado em
31.10.72. DJ de 24.11.72.
BRASIL. STF. Primeira Turma. AI nº 55.288/AgR. Ministro Relator Rodrigues Alckimin. Julgado
em 12.12.72. DJ de 16.02.73.
127 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 572.762/SC. Ministro Relator Ricardo Lewandowski. Julgado
em 18.06.08. DJ de 05.09.08.

81
Raquel de Andrade Vieira Alves

Ninguém duvida que os Estados possam, mediante lei complementar,


conceder incentivos ou benefícios fiscais – quaisquer que sejam eles –,
desde que acordados comumente. Não se admite é que instituam bene-
fícios ou se concedam isenções ou estabeleçam programas para auxiliar
empresas com a parcela do tributo – como Vossa Excelência muito bem
disse – pertencente ao Município.
[...]
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO
[...] Aí vem a pergunta final, com a qual encerro a minha participação:
esse incentivo há de se fazer com a exclusão dos vinte e cinco por cento?
Ou seja, o estado não tem a disponibilidade do total da receita do ICMS
e somente dos seus setenta e cinco por cento?
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR)
– É claro. Para mim não há dúvida com relação a isso.
Data venia, não posso pagar uma esmola com a ajuda de Vossa Excelência.
[...]
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Ou seja, O ingresso não
se dá porque o Estado não deixou que se desse.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Não, O Estado altera a ma-
neira de calcular o que pertence aos Municípios. Ele muda a base de cálculo.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Não se dá porque o
Estado não deixa que entre.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - É o produto da arrecada-
ção. Ele diminui o produto da arrecadação mediante artifício consisten-
te em deixar de atribuir ao Estado uma parcela que lhe pertence pela
Constituição, embora isso tenha finalidade fiscal importante. Mas isso
deve ser feito com base nos setenta e cinco por cento que pertencem ao
Estado. Isto é, o valor dos repasses não pode ser deduzido do montante
sobre o qual é calculada a parcela pertencente aos Municípios.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - É a primeira vez que
estamos decidindo nesse sentido.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (RELATOR)
- Sem dúvida, é uma repercussão geral, por isso é que veio a Plenário.

Frise-se que não se negou a competência do Estado para a instituição de be-


nefícios fiscais relativos a tributos próprios, mas, por outro lado, se reconheceu a
necessidade de que essas benesses não impactassem no montante repassado aos
Municípios, por força de expressa disposição constitucional. Esse entendimento
culminou, inclusive, na edição da Súmula Vinculante nº 30, suspensa em 04 de

82
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

fevereiro de 2010, após questão de ordem levantada pelo Ministro Dias Toffoli
(“É inconstitucional lei estadual que, a título de incentivo fiscal, retém parcela
do ICMS pertencente aos municípios.”).
Embora as circunstâncias fáticas entre o RE nº 572.762/SC e o RE
705.423/SE sejam diversas, eis que naquele o imposto chegava a ser arreca-
dado e posteriormente era devolvido ao contribuinte, e, neste último, o que
se tinha, do ponto de vista dos Municípios, era apenas uma expectativa de
arrecadação, é preciso observar que os votos proferidos naquele foram bem
assertivos quanto ao fato de se considerar a parcela repassada em virtude
da repartição constitucional de receitas tributárias como receita própria do
ente receptor, a inviabilizar a sua livre disposição pelo ente arrecadador,
além de reconhecerem a importância das participações para a garantia da
autonomia financeira dos entes federados.
Contudo, a Corte fez um distinguishing entre as duas hipóteses, para enten-
der que, uma vez arrecadado o imposto por determinado ente federado, não
pode a parcela destinada a outro ente sofrer qualquer limitação em função do
exercício da competência fiscal do primeiro. Entretanto, não havendo arreca-
dação efetiva, não há que se falar em direito subjetivo a parcela correspondente
à expectativa de arrecadação. Além da leitura estrita que foi feita do art. 159,
I, “b” e “d”, da Constituição, entendeu-se no caso que obrigar a União a con-
siderar o valor das desonerações no montante a ser repassado aos Municípios
representaria limitar indevidamente a sua competência constitucional para ins-
tituição de tributos, embora não se tenha deixado de reconhecer os impactos
negativos que causam as desonerações nas finanças municipais.
Ao final, foi fixada a seguinte tese: “É constitucional a concessão regular de
incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Impos-
to sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de
Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades”.
Com efeito, o STF perdeu uma grande oportunidade de frear as distorções
promovidas pelo Governo Federal em relação à repartição constitucional de re-
ceitas tributárias, com a possibilidade de determinar a inclusão do montante de-
sonerado nos cálculos dos valores destinados ao FPM. Ao contrário do que restou
decidido pela Corte, a neutralização dos efeitos perversos que as desonerações de
IR e IPI têm causado nas finanças municipais em nada alteraria a competência
da União em relação à instituição desses tributos, mas apenas compatibilizaria o
exercício da competência tributária própria com o Princípio Federativo.

83
Raquel de Andrade Vieira Alves

Inclusive, o próprio Tribunal de Contas, ao decidir pedido de reexame in-


terposto pelo Ministério da Fazenda no processo TC 020.911/2013-0, afastou a
necessidade de oitiva prévia dos Estados e Municípios, para fins de concessão
de incentivos pela União, porquanto tal recomendação a impossibilitaria de
exercer a sua política fiscal. Com isso, a própria Corte de Contas assentou que
a competência da União em relação à instituição e consequente desoneração
de seus tributos em nada seria afetada pelo referido decisum. Veja-se o trecho a
seguir, contendo os argumentos expostos no relatório da auditoria acolhido pelo
Ilmo. Conselheiro Relator:
Análise
[...]
5.6. Nesse sentido, a proposta de oitiva de Estados e Municípios acerca
desses estudos, a qual inclusive não constava na proposta de encaminha-
mento dos técnicos (peça 78, p. 24), mostra-se, de fato, inconstitucional
e desarrazoada. A repartição de receitas tributárias prevista no art. 159
da Constituição Federal não retira dos respectivos entes a prerrogativa
de instituir e, por conseguinte, renunciar aos tributos de competência
própria, não obstante a questão esteja em franca discussão no Supremo
Tribunal Federal, inclusive com repercussão geral reconhecida (Recurso
Extraordinário 705.423/SE).
5.7. As prerrogativas da União de renunciar aos tributos de sua com-
petência constituem pilares do pacto federativo e estão garantidas pela
Constituição Federal. Pensamento em contrário traria fortes prejuízos,
inclusive, às políticas de desenvolvimento regional, a exemplo do previs-
to nos artigos 43, § 2º, III; e 151, inciso III, da Carta Magna.
5.9. Além disso, a oitiva prévia de 26 Estados, do Distrito Federal e de
mais de cinco mil municípios, de fato, inviabilizaria a possibilidade de
o ente federal realizar políticas fiscais com a celeridade normalmente
recomendada para momentos de crise.
5.10. Destaque-se que a Constituição Federal aparelhou a União com ins-
trumentos hábeis a enfrentar conjunturas adversas na economia, possibi-
litando a alteração tempestiva de alíquotas de tributos como o IPI, sem o
respeito à anterioridade tributária exatamente como medida célere.
5.11. É importante ressaltar que as prerrogativas da União de renunciar
às receitas próprias não constituem ampla liberdade, pois as desonera-
ções tributárias se submetem aos ditames da Lei de Responsabilidade
Fiscal, especialmente em seu art. 14, bem como aos princípios consti-
tucionais, sem que haja obrigatoriedade de oitiva prévia dos Estados e

84
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Municípios. Com isso, apenas exigências previstas na Constituição ou


com respaldo em Lei podem ser inseridas nesse processo.128

Outrossim, retomando o exposto no item 2.3, não se pode ignorar que o fato
de os recursos dos fundos constitucionais se originarem a partir de transferên-
cias da União não lhes retira a condição de recursos próprios do ente receptor,
o que só reforça a ideia de que as renúncias fiscais federais não podem impactar
na redução do montante repassado aos entes subnacionais, a título de participa-
ção na arrecadação. Como bem reconheceu o Ministro Luiz Fux, ao inaugurar
a divergência no julgamento do RE nº 705.423/SE, as participações no produto
da arrecadação constituem direito próprio do Município, que não pode ser sub-
traído pelo exercício da competência tributária da União em relação à conces-
são de incentivos fiscais.
De fato, a única exceção à obrigatoriedade de repasse e que mesmo assim
deve ser interpretada com temperamentos, conforme defendemos aqui, é a hi-
pótese a que se refere o parágrafo único do art. 160 da Constituição, que per-
mite o condicionamento pela União da entrega dos recursos a serem repassados
ao pagamento de seus créditos e de suas autarquias, analisada no item anterior.
Ademais, é necessário destacar que o Governo Federal só abre mão de re-
ceitas de IR e IPI, sob a justificativa de estimular a economia nacional, porque
possui à sua disposição receitas exclusivas, provenientes da instituição de tri-
butos não partilháveis com os Estados e Municípios. Não fosse o significativo
incremento na arrecadação federal, promovido pela União nos últimos anos
através da instituição de contribuições – objeto específico deste estudo –, não
seria possível a manutenção de uma política desonerativa centrada nos princi-
pais impostos de competência federal.
Inclusive, tramitam no Congresso algumas Propostas de Emenda à Cons-
tituição que preveem compensações para perdas orçamentárias decorrentes de
políticas desonerativas praticadas por outro ente. Algumas se limitam apenas
ao IR e ao IPI (PECs nº 09 e 12 de 2009); outras são mais amplas e se referem
também às desonerações praticadas pelos Estados, como a PEC nº 31/11; e há
proposições mais brandas, que preveem regras de transição e regulamentação
das compensações mediante lei complementar (PEC nº 02/12), demonstrando

128 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. TC 020.911/2013-0. Ministro Relator Raimundo
Carreiro. Sessão Ordinária de 29.04.15. Ata nº 15/15.

85
Raquel de Andrade Vieira Alves

que a necessidade de compensação das perdas arrecadatórias dos entes subna-


cionais com essa política desonerativa levada a cabo pelo Governo Federal não
só é necessária como perfeitamente viável.
A título de arremate, é preciso ressaltar que a política desonerativa da União
não se limitou ao IR e ao IPI, atingindo ainda outros tributos, como é o caso da
Cide-Combustíveis, em relação à qual o Governo Federal, desde o ano de 2004,
já editou oito decretos alterando os valores incidentes sobre gasolina e diesel129.
Observe-se que, de junho de 2012 até janeiro de 2015, o Governo Federal re-
duziu a zero o valor da Cide-Combustíveis sobre gasolina e diesel, com o objetivo
de neutralizar o impacto do aumento de preços nas refinarias para o consumidor.
Ocorre, contudo, que a Cide-Combustíveis, a teor do art. 159, inciso III,
§§ 3º e 4º da Constituição, é a única contribuição que se submete à partilha
da arrecadação com os demais entes, cabendo vinte e nove por cento de sua
arrecadação aos Estados, dos quais vinte e cinco por cento serão entregues
aos Municípios, mantendo-se a destinação vinculada ao financiamento de pro-
gramas de infraestrutura de transportes (art. 177, § 4º, “c”). Tal fato, aliás, só
contribui para evidenciar a fraude ao Pacto Federativo que vem sido promovida
pelo Governo Federal, mediante a desoneração de tributos partilháveis, aliada à
preferência no incremento da arrecadação de tributos não partilháveis.
Para melhor visualização, veja-se a tabela a seguir, elaborada a partir de da-
dos fornecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil130, em que é possível
verificar a arrecadação anual das Cide-Combustíveis em valores correntes, a
partir de sua instituição, e seu respectivo percentual de crescimento em relação
ao ano anterior:

129 Decreto Gasolina Diesel Vigência


(m³) (m³)
5.060/2004 280,00 70,00 30/04/04 - 01/05/08
6.446/2008 180,00 30,00 02/05/08 - 07/06/09
6.875/2009 230,00 70,00 08/06/09 - 04/02/10
7.095/2010 150,00 70,00 05/02/10 - 26/09/11
7.570/2011 192,60 70,00 27/09/11 - 31/10/11
7.591/2011 91,00 47,00 01/11/11 - 24/06/12
7.764/2012 00,00 00,00 25/06/12 - 28/01/15
8.395/2015 100,00 50,00 29/01/15 - Indeterminado
130 Dados disponibilizados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em: <http://idg.receita.fazenda.
gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/relatorios-do-resultado-da-arrecadacao> Acesso em 29.07.15

86
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

TABELA 7

Arrecadação das Cide-Combustíveis e percentagem anual de crescimento (2002 a 2014)

ARRECADAÇÃO R$ PERCENTAGEM DE
CIDE-COMBUSTÍVEIS
MILHÓES CRESCIMENTO
2002 7.228 -
2003 7.357 1,78%
2004 7.668 4,22%
2005 7.680 0,16%
2006 7.811 1,70%
2007 7.939 1,65%
2008 5.934 -25,25%
2009 4.828 -18,64%
2010 7.738 60,26%
2011 8.924 15,33%
2012 2.736 -69,34%
2013 35 -98,73%
2014 14 -60,56%
Fonte: elaboração própria. Base de dados: ANEXO A do presente estudo.

Apesar de as Cides-Combustíveis não terem sido objeto do estudo técnico


elaborado pelo TCU nos autos do processo TC 020.911/2013-0, não é difícil
perceber o impacto que a sua completa desoneração nos últimos três anos cau-
sou nas finanças dos Estados e Municípios, sobretudo, levando-se em conside-
ração o grande déficit dos entes na elaboração e manutenção de programas de
infraestrutura de transportes131.

131 Vide: <http://www.valor.com.br/brasil/2861032/deficit-de-investimentos-em-infraestrutura-e-de-ate-


r-400-bi-diz-epl> Acesso em 23.07.15
Ressalte-se que, em 2002, a Cide-Combustíveis representou quase 79% dos recursos para infra-estrutura
dos transportes, chegando-se à conclusão de que os recursos orçamentários desvinculados, outrora
utilizados nesse setor, sofreram uma sensível diminuição, ficando, sobretudo, a Cide-Combustíveis
responsável pelas despesas em infra-estrutura de transportes. Ou seja, a Cide-Combustíveis passou
a representar mais de três quartos do total empregado no financiamento da infra-estrutura de
transportes, substituindo os recursos desvinculados que anteriormente eram empregados no setor, ao
invés de incrementar o seu financiamento. Esse fato é constatado no Acórdão do TCU nº 1.857/2005,
julgado pelo Plenário em 16.11.05, Ministro Relator Marcos Vinícios Vilaça, DOU de 28.11.05, e
muito bem exposto por André Castro Carvalho in: Infraestrutura sob uma perspectiva pública:
instrumentos para o seu desenvolvimento. Tese de Doutoramento apresentada pelo autor como
requisito para obtenção do título de Doutor em Direito, no Programa de Pós-graduação em Direito da

87
Raquel de Andrade Vieira Alves

Desse modo, do mesmo jeito que as desonerações de IR e IPI devem vir


acompanhadas de medidas neutralizadoras de impactos negativos nas finanças
dos entes subnacionais, parece claro que as desonerações da Cide-Combustíveis
também devem ter os seus efeitos compensados.
Como bem destaca Evilásio Salvador, em estudo divulgado pela INESC, o
arranjo federativo pós-1988 vem indicando uma maior responsabilidade das uni-
dades federadas - sobretudo dos Municípios - na execução das políticas sociais,
ao mesmo tempo em que confere maior autonomia na arrecadação tributária.
Dessa maneira, modificações na estrutura tributária da União que signifiquem
isenções, deduções, abatimentos, imunidades, presunções creditícias e outros
benefícios de natureza tributária que reduzam a arrecadação, principalmente
do IR e do IPI, e acrescente-se aqui as Cide-Combustíveis também, vão afetar o
financiamento das políticas públicas não apenas da esfera federal, mas também
dos demais entes da Federação132.
Por fim, como já adiantado, essa abordagem está intrinsecamente ligada à
instituição desmedida de tributos não partilháveis pela União – contribuições,
exceto as Cides-Combustíveis –, pois as desonerações de IR e IPI só são possíveis
porque a receita proveniente da arrecadação das contribuições supre a perda de
arrecadação com essas renúncias fiscais e vai ainda muito além: supera sem es-
forço a arrecadação dos principais impostos federais, conforme se verá adiante.

2.5.3. Instituição de tributos não partilháveis.


A Constituição de 1988, além de promover uma descentralização política e
financeira em favor de Estados e Municípios, trouxe importantes modificações
no campo social, inserindo direitos que, ao contrário dos existentes até então,
exigiam uma postura mais ativa por parte do Estado com o fim de garantir o seu
cumprimento; são os chamados “direitos sociais” ou “direitos de segunda gera-
ção”. Dentre eles, estão: a saúde, a educação, a assistência social e a previdência.

Universidade de São Paulo. Área de concentração: Departamento de Direito Econômico, Financeiro


e Tributário, São Paulo, 2013. p. 446-456.
132 INESC. Renúncias tributárias - os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil. Estudo
disponível em: <http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/outras-publicacoes/renuncias-tributarias-
os-impactos-no-financiamento-das-politicas-sociais-no-brasil/view> Acesso em 03.09.15.

88
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Dessa forma, o Estado chamou para si essas novas atividades e as qualificou


como serviço público, assumindo o papel de principal promotor dos direitos e
garantias fundamentais da coletividade, em contraposição àquela visão estática
de Estado, que marcou o início do Constitucionalismo até a metade do século
XX, principalmente.
Esse processo de transformação da visão e do papel do Estado, no contexto
internacional, produziu efeitos nos ordenamentos jurídicos de diversos países e
igualmente do Brasil, ganhando destaque com a promulgação da Constituição
de 1988, que trouxe um modelo protetivo inovador em matéria de direitos so-
ciais, sob a responsabilidade dos três entes federados.
Essa transformação política e social também se refletiu na política fiscal da
época, implementada em diversos países, com reflexo direto no modelo fiscal
brasileiro, e vem causando impactos político-financeiros até os dias atuais.
Isso porque, com o agigantamento das atividades estatais, tornou-se necessá-
ria a busca por novas formas de financiamento, evitando-se, contudo, a imposição
de encargos financeiros sobre toda a sociedade, que visariam somente o benefício
de alguns. Ademais, havia a necessidade de aumentar a arrecadação tributária,
sem que isso gerasse descontentamentos, como ocorre no aumento de tributos
tradicionais, mostrando à sociedade que os novos recursos teriam uma arrecada-
ção vinculada a um determinado fim, sem possibilidade de desvios133.
Estes fatores justificaram a necessidade de criação de exações próprias para
o financiamento desse novo modelo protetivo, diversificando as bases de fi-
nanciamento, a fim de evitar a dependência das contribuições incidentes sobre
a folha de salários, mais sensíveis aos ciclos econômicos e, ao mesmo tempo,
blindando os recursos destinados ao atendimento dos direitos sociais da interfe-
rência do Tesouro Nacional134.
A solução, encontrada pelo Brasil, nesse sentido, foi a instituição de contri-
buições para o financiamento dessas novas atividades que demandavam uma
intervenção estatal, bem como a criação de um orçamento específico para a
seguridade social, separado do orçamento das demais receitas da União.
Assim, o crescimento dos compromissos financeiros estatais, decorrente
desse novo papel assumido pelo Estado, levou o Governo Federal à institui-

133 IBRAHIM, Fábio Zambitte. A Previdência Social no Estado Contemporâneo: fundamentos,


financiamento e regulação. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 248.
134 REZENDE, Fernando. Desafios do Federalismo Fiscal. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 84.

89
Raquel de Andrade Vieira Alves

ção de novas contribuições, previstas pelo art. 195 da Constituição Federal,


de modo que o orçamento da seguridade social passou a ser constituído pelas
antigas contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários e pelas
novas contribuições incidentes sobre o faturamento e o lucro das empresas.135
Instaurou-se, desse modo, uma dualidade tributária a que Fernando Rezende
denomina de “irmãos siameses”. Em suas precisas palavras: “O sistema tributá-
rio e o regime de financiamento da seguridade social, embora concebidos para
serem entidades independentes, acabaram nascendo unidos pelo abdômen.” 136
Ao mesmo tempo em que a Constituição estabeleceu um novo regime para o
financiamento da seguridade social, exclusivo para o custeio de atividades rela-
cionadas à previdência, à assistência social e à saúde, permitiu também à União a
instituição de outras espécies de contribuições, destinadas ao custeio das demais
atividades de cunho social, bem como ao custeio das atividades de intervenção
do Estado na economia e em setores de interesse das categorias profissionais e
econômicas, cujas balizas foram trazidas no art. 149 da Carta Magna.
Nesse ponto, vale destacar que sob a rubrica: “contribuições” na Constitui-
ção de 1988, encontram-se as: a) contribuições sociais, subdivididas em a.1)
contribuições destinadas ao custeio da seguridade social (art. 195) e a.2) des-
tinadas ao custeio de outras atividades sociais (art. 149); b) contribuições de
interesse das categorias profissionais e econômicas (art. 149); e c) contribuições
de intervenção no domínio econômico (art. 149). Com a Emenda Constitucio-
nal nº 39, de 19 de dezembro de 2002, foram criadas ainda as contribuições de
iluminação pública, de competência municipal (art. 149-A).
Desde então, com o aumento acentuado da demanda por prestações de ser-
viços sociais, a União tem aumentado vertiginosamente a arrecadação das con-
tribuições sociais, tanto as destinadas ao custeio da seguridade social quanto
as demais, através da revisão das suas bases de cálculo, do aumento de suas
alíquotas e de sucessivas prorrogações de medidas que seriam supostamente
transitórias, como foi o caso da Contribuição Provisória sobre Movimentação
ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira –
CPMF, instituída pela Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996.
Com efeito, com a concessão de um número cada vez maior de benefícios a
aposentados, pensionistas e beneficiários de renda mensal vitalícia, os aportes

135 Ibid. p. 85.


136 Ibid. p. 84

90
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

de recursos para a previdência tiveram que ser aumentados, gerando desconten-


tamentos na sociedade.
Além disso, em um contexto em que as contribuições incidentes sobre a folha
de salários eram insuficientes para bancar os inúmeros benefícios da previdên-
cia, faltavam recursos para financiar as demais ações da seguridade social, o que
levou ao aumento das demais contribuições não previdenciárias, em resposta às
demandas de diversos setores, sobretudo, às demandas em relação à saúde, setor
que, como ressalta Fernando Rezende, possui grande capacidade de mobilização
política137. O que explica, por exemplo, a duração por dez anos de uma contribui-
ção provisória específica para esse fim, que foi a CPMF (de 1997 a 2007).
Esse conflito entre benefícios previdenciários e a seguridade social só denota
a grande fragilidade do orçamento da seguridade social, que, na visão cirúrgica
de Fernando Rezende, é: “a reunião de direitos de natureza distinta sob uma
mesma forma de garantia” 138. Nesse cenário, temos contribuições cuja destina-
ção é específica para determinada clientela beneficiada, mas que são custeadas
por toda sociedade, em um claro desvirtuamento da solidariedade de grupo,
fundamento dos modelos clássicos de seguro social. É o caso, por exemplo, da
saúde, cuja prestação é universal, nos termos do que preconiza o art. 196 da
Constituição de 1988139.
Logo, tendo em vista que as necessidades sociais são inesgotáveis, mas os
recursos não, a tendência é realmente um aumento crescente na arrecadação
das contribuições sociais pelo Governo Federal para fazer frente a esses gastos.
A questão, porém, é que, no Estado Social Contemporâneo, um modelo social
protetivo adequado deve ser universal, visto ser impossível segregar os benefici-
ários dos direitos sociais prestados pelo Estado de toda a coletividade.
Além disso, dentro do modelo de seguro social brasileiro, ao menos no que
concerne aos subsistemas de saúde e assistência social, como bem reconhece
Fábio Zambitte Ibrahim, dificilmente é possível que estes se subsumam à ideia
de solidariedade de grupo, haja vista a proteção irrestrita de toda sociedade no

137 Ibid. p. 86.


138 Ibid. p. 85.
139 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

91
Raquel de Andrade Vieira Alves

primeiro e, com relação ao segundo, a cobertura assistencial independente de


contribuição, mantida pelos demais membros da sociedade140.
Não bastasse a incoerência do modelo pátrio, em que contribuições para a
seguridade social não previdenciárias são utilizadas para o custeio de benefícios
assistenciais e para a manutenção do próprio sistema previdenciário, restando
inviável qualquer tentativa de segregação da clientela beneficiada, é recorren-
te a instituição e a majoração de contribuições pela União, sob o pretexto de
financiar a seguridade social, mas que, na verdade, têm a sua arrecadação uti-
lizada para outros fins.
E mais: a União, não apenas tem destinado ao seu orçamento fiscal as con-
tribuições que deveriam integrar o orçamento autônomo da seguridade social,
como tem interpretado o art. 149 da Constituição como uma autorização para
o estabelecimento de qualquer contribuição que intervenha na economia ou
qualquer contribuição que possua uma finalidade social, abrindo um amplo
leque de possibilidades para a instituição de contribuições com base nesse
dispositivo, já que as do art. 195 da Constituição devem necessariamente ser
destinadas ao custeio da saúde, assistência e previdência.
Como bem destaca Hugo de Brito Machado Segundo, em relação às contri-
buições de intervenção no domínio econômico, qualquer atividade causa, em
última análise, efeitos econômicos, de modo que, com um pequeno esforço so-
fístico, qualquer tributo poderia ser validado através do art. 149 da Constituição
como uma contribuição interventiva141.
Ressalte-se, nesse ponto, que a utilização por parte da doutrina da interpreta-
ção do STF no julgamento RE´s nº 177.137 e 396.266142, para justificar a flexibi-
lização nas regras de instituição das contribuições do art. 149, dispensando a edi-
ção de lei complementar prévia143, tem contribuído ainda mais para o crescimento

140 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Op. Cit. p. 258-259.


141 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. “Perfil Constitucional das Contribuições de Intervenção
no Domínio Econômico”. In: GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no
Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 114.
142 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 177.137/RS. Ministro Relator Carlos Velloso. Julgado em
24.05.95. DJ de 18.04.97 e BRASIL. Tribunal Pleno. RE 396.266/SC. Ministro Relator. Carlos Velloso.
Julgado em 26.11.03. DJ de 27.02.04.
143 Nessa linha, afirmando a desnecessidade de lei complementar prévia para instituição das contribuições de
intervenção no domínio econômico: GRECO, Marco Aurélio. “Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico – Parâmetros para sua Criação”. In: GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de
Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 28.

92
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

desmedido dessas contribuições, que, ao contrário das contribuições do art. 195,


não possuem suas linhas gerais tratadas pela Constituição144.
Todo esse cenário de crescimento desordenado da arrecadação tributária
via contribuições, e não impostos federais, pode ser explicado, basicamente:
(i) pela facilidade na sua arrecadação e controle, por parte da União; (ii) pela
maleabilidade da legislação de regência; (iii) e, o ponto que mais interessa ao
presente estudo, pela sua exclusão do sistema de participação na arrecadação,
representando uma receita exclusiva da União145.
Tanto é assim que, desde o advento da Constituição de 1988, é possível
observar o crescimento acelerado das contribuições em relação aos principais
impostos federais, que compõem os Fundos de Participação dos Estados e Mu-
nicípios. A fim de comprovar a gravidade do quadro apresentado nesse estudo,
traz-se abaixo um gráfico, elaborado em valores correntes, com base nos dados
disponibilizados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil146, e complemen-
tados pelo Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal - UNA-
FISCO147, que compara a arrecadação dos impostos federais partilháveis com a
arrecadação das contribuições ao PIS, à COFINS, com a CSLL e a CPFM, no
período de 1995 a 2014:

144 [...] Não se pode admitir que a Constituição tenha dado carta branca à União Federal para instituir
contribuição sobre qualquer atividade econômica, em relação à qual julgar necessária sua intervenção.
Tal equívoco, no nosso entender, é o principal responsável pelo crescimento desordenado das
contribuições de intervenção. O que se percebe de plano é que, sob o manto de contribuições de
intervenção, a União Federal vem instituindo por lei ordinária verdadeiros impostos residuais.
MANEIRA, Eduardo. “Condecine - Aspectos gerais”. In: Priscila da Souza. (Org.). Sistema Tributário
Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2012. p. 297-313.
145 REZENDE, Fernando. Op. Cit. p. 92.
146 Dados disponibilizados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em: <http://idg.receita.fazenda.
gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/relatorios-do-resultado-da-arrecadacao> Acesso em 27.07.15
147 A Arrecadação e o Destino dos Recursos da CPMF. Nota técnica nº 6/2007, elaborada pelo
departamento de estudos técnicos do Unafisco Sindical. Brasília, junho de 2007. Disponível em:
<http://www2.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/2007/nota_tecnica_cpmf.pdf> Acesso em 29.07.15

93
Raquel de Andrade Vieira Alves

GRÁFICO 2

Unidade: $ milhões. Fonte: elaboração própria. Base de dados: ANEXO A do presente estudo.

Observe-se que, a partir do ano de 1998 a arrecadação das contribuições cres-


ce em uma reta ascendente, ano em que, coincidentemente, passou a ser exigida
a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de
Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, em substituição ao antigo
Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras – IPMF, conforme previsto
pela Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996 (“Art. 20. A contribuição incidirá
sobre os fatos geradores verificados no período de tempo correspondente a treze
meses, contados após decorridos noventa dias da data da publicação desta Lei,
quando passará a ser exigida.”).
Inicialmente, a CPMF foi instituída à alíquota de 0,2%, mas, devido a cons-
tantes mudanças na sua legislação de regência148, acabou atingindo a alíquota de
0,38%, a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 21, de 18 de março
de 1999, que ainda determinou a destinação de parcela de seus recursos à previ-
dência social. Isso explica o salto na arrecadação das contribuições pela União,
que de 2003 a 2006, chega a ultrapassar a arrecadação de IR e IPI, como se vê no

148 Para visualização do panorama geral legislativo, ver o quadro elaborado pela equipe técnica do
Unafisco, com a cronologia da legislação da CPMF e suas alíquotas.

94
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

gráfico.149 Fora isso, a partir de 2003, passa a vigorar a sistemática não-cumulativa


de recolhimento do PIS, prevista pela Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002,
e posteriormente estendida à COFINS, conforme previsão da Lei nº 10.833, de
29 de dezembro de 2003, que, inicialmente, foi concebida para ter efeitos neutros
em relação à arrecadação das referidas contribuições para a seguridade social,
mas que, na prática, representou um aumento na arrecadação federal, diante da
política de restrição ao direito de crédito, autorizada pela própria legislação.
Curiosamente, a partir de 2008, ano em que deixou de ser exigida a CPMF,
ante a não aprovação de seu projeto de prorrogação pelo Senado, a arrecadação
das contribuições apresenta uma leve queda e volta a estar abaixo da arrecada-
ção de IR e IPI, embora ambas caminhem lado a lado.
Ressalte-se que, por uma opção metodológica, as informações utilizadas no
presente estudo, para fins de comparação gráfica com a arrecadação do IR e do
IPI, limitam-se às contribuições ao PIS, à COFINS, à CSLL e à CPMF, sucesso-
ra do antigo IPMF. Contudo, dados completos acerca da arrecadação tributária
da União dos últimos anos podem ser encontrados a partir das “Séries Históri-
cas” do Tesouro Nacional, cuja análise permite afirmar que, de 1994 até os dias
atuais, a participação das contribuições (todas, inclusive as previdenciárias) em
relação ao total de receitas correntes da União tem se mantido em um patamar
que varia de 50% a 55%, enquanto as demais receitas tributárias atingem um
patamar de 30% a 33% do total de receitas correntes.”150
Isso só reforça a conclusão no sentido de que nos últimos anos ocorreu uma
expansão extraordinária das contribuições a cargo exclusivamente da União,
que, atualmente, chegam a ultrapassar o montante total da arrecadação dos

149 Não é à toa que o “fantasma” da CPMF sempre volta à tona em discussões acerca da necessidade
de aumento da arrecadação. A título ilustrativo, confira-se as seguintes notícias: <http://g1.globo.
com/bom-dia-brasil/noticia/2015/09/governo-ressuscita-cpmf-para-ajudar-tirar-contas-do-vermelho.
html> Acesso em 17.09.15.
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/06/1641223-com-aval-de-dilma-ministro-da-saude-
discute-volta-da-cpmf.shtml> Acesso em 01.09.15.
<http://noticias.terra.com.br/brasil/lula-defende-volta-da-cpmf-e-diz-que-tributo-nunca-deveria-ter-
sido extinto,27fa2e0228e22027e96b70f9f8738e1alt0gRCRD.html> Acesso em 01.09.15.
<http://www.valor.com.br/brasil/4204078/ministros-dao-apoio-criacao-de-receita-emergencial>
Acesso em 01.09.15.
150 Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/series-historicas> Acesso em 28.10.16. Ver
ainda: BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADO nº 25. Ministro Relator Gilmar Mendes. Julgada em
30/11/16. Acórdão ainda não publicado.

95
Raquel de Andrade Vieira Alves

impostos federais partilháveis – IR e IPI –, a ponto de ser possível afirmar que


se vive hoje no Brasil o “Estado das contribuições”.151
Para uma melhor visualização, veja-se a tabela a seguir, em que é apre-
sentada a percentagem anual da arrecadação das contribuições em relação à
arrecadação de IR e IPI:
TABELA 8

Arrecadação das contribuições (IPMF/CPMF, PIS,


COFINS e CSLL)
em % da receita de IR e IPI

Ano Percentagem
1995 64,22%
1996 64,79%
1997 77,43%
1998 67,79%
1999 84,21%
2000 97,28%
2001 99,51%
2002 92,92%
2003 103,21%
2004 115,80%
2005 109,04%
2006 106,42%
2007 90,49%
2008 84,93%
2009 87,20%
2010 91,13%
2011 86,96%
2012 89,72%

151 Expressão cunhada por Valéria Rocha da Costa para explicar o fenômeno da expansão desordenada
das contribuições no Brasil, no contexto pós-1988. In: A Vagueza dos Conceitos de Contribuição
Social Geral e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico: A Construção do Estado das
Contribuições. Tese de Mestrado apresentada pela autora como requisito para obtenção do título de
Mestre em Público, no Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 2011.

96
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

2013 90,72%
2014 87,97%
Fonte: elaboração própria. Base de dados: ANEXOS A e B do presente estudo.

Ora, tendo o Governo Federal receitas exclusivas à sua disposição, não é


difícil entender o porquê de optar pela instituição e majoração de contribuições
ao invés de privilegiar os impostos federais152.
Contudo, não é demais lembrar que, ao contrário dos impostos, as contri-
buições possuem, por imposição constitucional, a sua destinação vinculada a
determinadas atividades estatais, não podendo ser aplicadas livremente pelo
Executivo, ainda que os termos “finalidade social” ou “intervenção estatal” se-
jam abrangentes. Com efeito, a contribuição não é um fim em si mesmo, deven-
do estar indissociavelmente ligada ao custeio de determinada atividade, seja ela
de cunho social ou interventivo153.
Não obstante, o que se tem observado na prática é um abuso na instituição
de contribuições pela União através, basicamente:
(i) do desvirtuamento da finalidade de suas receitas;
(ii) da instituição ou manutenção de contribuições, cujas finalidades não
são ou já deixaram de ser atendidas;
(iii) da instituição de contribuições, cujo grupo beneficiado se confunde
com toda a coletividade, rompendo com a lógica da solidariedade de grupo;
(iv) da sua exigência com base em alíquotas absolutamente descoladas da
realidade, ou a partir de bases de cálculo que não guardam relação com a fina-
lidade almejada, padecendo de ausência de referibilidade; e 154

152 Ressalte-se que há algumas Propostas de Emenda à Constituição, atualmente em trâmite no Senado
Federal, com o objetivo de permitir a partilha da arrecadação das contribuições com os demais entes
federados. São elas: PECs nº 23/09; nº 35/09; 65/05; e 17/07. Cada uma tem suas peculiaridades, porém o
que todas têm em comum é o fato de tentarem desconcentrar parte da receita das contribuições das mãos
da União, promovendo um equilíbrio maior na distribuição da arrecadação tributária. Embora a intenção
seja louvável, não resolve o problema federativo atual, pois esbarra em características inerentes à tipologia
tributária das contribuições, que necessariamente têm a sua destinação vinculada a determinados fins.
153 Nesse sentido, partilhamos do entendimento perfilhado por Ricardo Mariz de Oliveira em
“Contribuições de intervenção no domínio econômico – Concessionárias, permissionárias e
autorizadas de energia elétrica – ‘Aplicação’ obrigatória de recursos (Lei n. 9.991)” In: GRECO,
Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São
Paulo: Dialética, 2001. p. 379-381.
154 Vide, nesse ponto: BICHARA, Luis Gustavo e MONTENEGRO, Mattheus. “Uma ideia para a
agenda tributária do próximo governo.” Artigo publicado no Jornal Estadão em 23.05.14.

97
Raquel de Andrade Vieira Alves

(v) da desvinculação de parte de sua arrecadação das finalidades que justifica-


ram a sua instituição, através de sucessivas prorrogações de medidas supostamen-
te transitórias (como o Fundo Social de Emergência – Emenda Constitucional
de Revisão nº 01/94, Fundo de Estabilização Fiscal – Emenda Constitucional nº
10/96, Desvinculação de Receitas da União – Emenda Constitucional nº 27/00).
Nesse ponto, não há dúvidas de que a realização de determinados projetos
governamentais e o resultado financeiro positivo são importantes para o país,
contudo, a instituição responsável de contribuições pela União é igualmente
importante para a manutenção do Pacto Federativo nacional, pois, na medida
em que o Governo Federal privilegia a instituição de tributos não partilháveis
com os Estados e Municípios, em detrimento da tributação da renda e do pa-
trimônio, ele acaba revertendo as conquistas que tiveram os entes subnacionais
com a promulgação da Constituição de 1988.
Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além identificam que, no período pós-
-Constituição, o Governo Federal, para enfrentar o agravamento de seu dese-
quilíbrio fiscal e financeiro crônico, adotou sucessivas medidas para compensar
suas perdas, que pioraram a qualidade da tributação e dos serviços prestados.155
Destacam ainda que a baixa participação da tributação sobre a renda e
sobre o patrimônio no período posterior à Constituição de 1988 reflete a ten-
dência da União de privilegiar tributos cujas receitas não são partilhadas com
os Estados e Municípios, o que explica, em grande medida, a preferência do
governo central, além da alta produtividade fiscal que possuem sobretudo em
contextos inflacionários156.
Reconhecendo na expansão da instituição de contribuições pela União,
acompanhada de uma retração dos principais impostos federais, uma verdadei-
ra reversão do cenário proposto pelo constituinte de 1988, precisa é a lição de
Fernando Rezende:

Na contramão das mudanças promovidas pela Constituição, a semies-


tagnação da economia e a necessidade de financiar os novos direitos
sociais ampliados pela mesma Constituição desencadearam, logo em
seguida à promulgação do novo texto constitucional, um processo de
recuperação da receita federal assentado na expansão das contribuições

155 GIAMBIAGI, Fabio; e ALÉM, Ana Cláudia. Op. Cit. p. 260-262.


156 Ibid. p. 254-256

98
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

sociais e acompanhado da reversão dos ganhos inicialmente obtidos pe-


los governos estaduais.157

Todo esse contexto tem causado um sensível desequilíbrio no sistema de par-


ticipação na arrecadação tributária, não só porque a União passou a ter uma
forte arrecadação com a instituição de tributos não partilháveis, como porque isso
possibilita a ela uma redução nos impostos federais partilhados com os Estados e
Municípios, através das políticas desonerativas detalhadas anteriormente.
Tal fato também não passou despercebido na lição de Gustavo da Gama
Vital de Oliveira, que, além de destacar o dano que o aumento desenfreado das
contribuições causa ao federalismo fiscal brasileiro, ao contribuir para a adoção
de políticas desonerativas de impostos federais, ressalta o enorme prejuízo que
essa retração na tributação da renda representa em termos de justiça fiscal:

Em consequência de tal cenário, a participação do IR e do IPI, que com-


põem o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação
dos Municípios, acabou decrescendo ao longo dos anos em detrimento
das contribuições, tributos cuja receita não é compartilhada entre Es-
tados e Municípios (com exceção da CIDE-combustíveis). Contribuiu
ainda para o cenário o fato de que a União Federal adotou nos últimos
anos políticas de desoneração fiscal concentradas nos impostos de arre-
cadação compartilhada (especialmente IPI), o que agravou ainda mais
as finanças dos entes subnacionais.
A diminuição da participação do IR na arrecadação federal, além de
preocupante em função do reflexo gerado na diminuição dos recursos
do FPE e do FPM, é igualmente danosa do ponto de vista da justiça do
sistema tributário, visto que a renda historicamente é apontada como
o principal índice de capacidade contributiva que deve ser levado em
consideração pelo legislador tributário [...].158

O Ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, ao apreciar, na ADI nº 2.556159,


a constitucionalidade da contribuição de 10% sobre os depósitos ao Fundo de

157 REZENDE, Fernando. A reforma tributária e a federação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 18.
158 OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Op. Cit.
159 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2556/DF. Ministro Relator Joaquim Barbosa. Julgada em
13.06.12. DJ de 20.09.12.

99
Raquel de Andrade Vieira Alves

Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, fez uma importante digressão acerca


das contribuições, admitindo que as mesmas escapam ao Pacto Federativo:

[...] A espécie tributária “contribuição” ocupa lugar de destaque no


sistema constitucional tributário e na formação das políticas públicas.
Espécie tributária autônoma, tal como reconhecida por esta Corte, a
contribuição caracteriza-se pela previsão de destinação específica do
produto arrecadado com a tributação. As contribuições escapam à força
de atração do pacto federativo, pois a União está desobrigada de parti-
lhar o dinheiro recebido com os demais entes federados. Por outro lado,
a especificação parcimoniosa do destino da arrecadação, antes da efetiva
coleta, é importante ferramenta técnica e de planejamento para garantir
autonomia a setores da atividade pública. [...]

Nesse cenário, para conciliar a centralização de receitas através da expansão


das contribuições com a descentralização dos gastos, até porque boa parte da
responsabilidade pela efetivação dos direitos sociais continuou sendo da com-
petência dos Estados e dos Municípios, a solução foi ampliar as transferências
intergovernamentais não previstas constitucionalmente.
Ocorre que a excessiva dependência dos Estados e principalmente dos Mu-
nicípios em relação às transferências federais, assim entendidas como as vo-
luntárias, realizadas mediante Convênios para o cumprimento de programas
governamentais específicos, fere a autonomia dos entes subnacionais e acentua
os desequilíbrios federativos.
Isso porque, a descentralização fiscal só é saudável quando os governos sub-
nacionais são responsáveis por financiar com recursos próprios uma boa parte
de seus gastos e quando aquelas unidades federativas que não dispõem de bases
tributárias suficientes financiam seus gastos através de transferências compen-
satórias que obedecem a princípios de equalização fiscal e a regras transparentes
de repasse160, o que não ocorre no caso das transferências voluntárias no Brasil.
Como destaca Teresa Ter-Minassian, as transferências discricionárias para
fins especiais (os chamados “convênios e acordos”) representam uma parcela
relativamente pequena (menos de dois por cento) do total de transferências
intergovernamentais no Brasil, podendo exigir ou não contrapartida e, via de
regra, sujeitam-se a condições específicas para a liberação dos fundos. Ainda,

160 REZENDE, Fernando. Desafios do Federalismo Fiscal. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 95.

100
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

segundo a autora, a distribuição desses tipos de fundos não reflete critérios


transparentes e é muitas vezes influenciada pelas negociações políticas durante
o processo orçamentário161.
Não obstante a baixa representatividade em relação ao total de transferências
intergovernamentais, as transferências voluntárias atreladas a Convênios represen-
tam fontes significativas de receita para os Estados e ainda mais para os Municípios.
Em estudo específico acerca das relações intergovernamentais analisadas a
partir das transferências voluntárias, desenvolvido por Márcio Cataia162, com
base em dados da Secretaria do Tesouro Nacional (2004 a 2007), o autor con-
firma que em 68% dos Municípios brasileiros as transferências intergoverna-
mentais correspondem a 90% do orçamento municipal, sendo que apenas os
Municípios com mais de um milhão de habitantes possuem arrecadação própria
superior às transferências. Ainda sim, a arrecadação própria desses Municípios
não supera 51% do seu orçamento.
Segundo o autor, das transferências intergovernamentais, os Convênios
compõem entre 1,0% e 2,5% dos orçamentos dos Municípios com até um mi-
lhão de habitantes, sendo que nos Municípios milionários esse percentual é
menor. No entanto, esse percentual adquire ainda mais relevância diante da
obrigatoriedade do Município de destinar 25% do orçamento para a educação,
mais 15% para a saúde, além do percentual variável, de acordo com o Municí-
pio, destinado ao pagamento de pessoal, restando muito pouco do orçamento
total para os investimentos.
As transferências voluntárias possuem um importante papel no financia-
mento de obras e projetos de infraestrutura, funcionando como um plus dentro
do sistema brasileiro de transferências intergovernamentais. Entretanto, à falta
de critérios objetivos, elas acabam servindo muitas vezes como instrumento de
barganha política, que acaba atrelando os Estados e Municípios ao cumprimen-
to das políticas do Governo Federal, ante a falta de opção para o custeio de
investimentos e obras de infraestrutura básica163.

161 TER-MINASSIAN, Teresa. Reforma do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Banco
Interamericano de Desenvolvimento, 2012. p. 18.
162 CATAIA, Márcio. “Federalismo Brasileiro. As Relações Intergovernamentais analisadas a partir das
Transferências Voluntárias”. Revista Geográfica de América Central. Número Especial EGAL, 2011-
Costa Rica, II Semestre 2011. p. 1-16.
163 Nesse sentido, há alguns estudos que se dedicam à comprovação, mediante dados empíricos, do poder
de barganha político, atrelado às transferências voluntárias. Como exemplo, pode-se citar o estudo

101
Raquel de Andrade Vieira Alves

Nesse ponto, não obstante a necessidade de fixação de critérios claros e


objetivos para a concessão de transferências, que, inclusive, estimulem o esforço
fiscal na arrecadação dos tributos próprios por parte dos entes subnacionais164,
questiona-se aqui a excessiva dependência dos Estados e, principalmente, dos
Municípios em relação às transferências intergovernamentais, em razão basi-
camente da política predatória da União, que não só privilegia a instituição de
tributos não partilháveis, como desonera os principais impostos que compõem
os Fundos de Participação.
Alie-se a isso o fato de que, em regra, as contribuições – à exceção da previsão
de não-cumulatividade para a contribuição ao Programa de Integração Social -
PIS e para a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS
– possuem incidência cumulativa, ou seja, incidem em todas as fases da produção,
provocando o chamado “efeito cascata”. Desse modo, ao incidir em cada fase
produtiva, elas acabam por incidir sobre elas mesmas, aumentando os custos das
operações e consequentemente o ônus econômico que recai sobre o consumidor
final, impondo à sociedade uma carga tributária muito maior do que a real.
Nesse sentido, analisando o cenário tributário pós-1988, Fabio Giambiagi e
Ana Cláudia Além destacam a queda na qualidade da tributação, em decorrên-
cia da expansão da cumulatividade, com a preferência do Governo Federal pela
instituição de contribuições:

Na área tributária foram criados novos tributos e elevadas as alíquotas


dos já existentes, em particular, daqueles não sujeitos à partilha com es-
tados e municípios. Neste sentido, houve uma tendência de reintrodução
pelo governo central de impostos cumulativos, principalmente na forma
de contribuições sociais.
[...]

desenvolvido por Marta Arretche e Jonathan Rodden, que indica que, no período de 1996 a 2000, as
transferências voluntárias da União foram de fato empregadas como um recurso de estratégia eleitoral.
De acordo com o resultado do estudo, os Presidentes brasileiros contariam com considerável poder
sobre a execução de recursos de transferências e usariam estes mesmos recursos para superar o desafio
de preservar sua coalizão de sustentação parlamentar. Para tanto, canalizariam os recursos disponíveis
para os Estados que contariam com o maior número de parlamentares na coalizão, lógica que não se
aplica para os governadores pertencentes ao seu partido ou à sua coalizão. In: ARRETCHE, Marta e
RODDEN, Jonathan. “Política distributiva na Federação: estratégias eleitorais, barganhas legislativas
e coalizões de governo”. Dados [online]. 2004, vol.47, n.3, p. 549-576. Disponível em: <http://dx.doi.
org/10.1590/S0011-52582004000300004> Acesso em 29.07.15
164 Sobre o tema, vide : MARINS, Daniel Vieira. Op. Cit.

102
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Em linhas gerais, a reação do governo federal ao novo sistema tributá-


rio introduzidos pela Constituição de 1988 resultou em uma queda na
qualidade do sistema tributário sem que, entretanto, tenha ocorrido de
forma definitiva uma solução de seu desequilíbrio financeiro e fiscal.165

Mas, não é só. Com a forte expansão do PIS e da COFINS, o Governo


Federal passou a tributar a produção e a circulação de mercadorias e serviços,
invadindo o campo de competência tributária dos Estados e Municípios, o que
contribuiu para o aumento da carga tributária sobre essas operações, bem como
para a complexidade do sistema, provocando o que Fernando Rezende chama
de “retrocesso na qualidade da tributação nacional” 166.
A rigor, tem-se uma sobreposição de competências tributárias, com a insti-
tuição de tributos pela União que oneram exatamente os mesmos fatos econô-
micos já tributados por Estados e Municípios. Tal fato, além de agregar com-
plexidade ao sistema tributário, como mencionado, representa uma violação
ao dever de boa conduta que deve presidir as relações entre os integrantes da
Federação, como bem identificado por Ricardo Lodi Ribeiro167.
O Princípio da Conduta Amistosa Federativa, segundo o constitucionalista
alemão Konrad Hesse, se traduz na fidelidade para com a Federação, não só
dos Estados em relação ao todo e a cada um deles, mas também da União em
relação aos Estados, de forma que qualquer iniciativa que venha a ferir essa
fidelidade federativa é manifestamente inconstitucional168.
Aliás, ressalte-se que os efeitos da política de expansão desordenada das
contribuições não se limitam ao âmbito interno, de modo que, além de repre-
sentar uma violação ao Princípio da Conduta Amistosa Federativa, essa atitude
do Governo Federal representa verdadeira violação ao dever de boa-fé na exe-
cução dos Tratados Internacionais contra a Bitributação da Renda.
Isso se deve ao fato de que, na maior parte das situações, tais tratados inter-
nacionais foram celebrados décadas antes do crescimento exponencial das con-
tribuições brasileiras, ou até mesmo antes da sua instituição, como é o caso da
Cide-Royalties – criada em 2000 –, de maneira que a sua redação só faz menção

165 GIAMBIAGI, Fabio; e ALÉM, Ana Cláudia. Op. Cit. p. 261-262.


166 REZENDE, Fernando. Op. Cit. p. 104.
167 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. Cit. p. 246-247.
168 HESSE, Konrad apud RIBEIRO, Ricardo Lodi. Ibid.

103
Raquel de Andrade Vieira Alves

ao imposto federal sobre a renda, o que tem levado o Brasil a considerar apenas
a literalidade dos termos dos acordos para concluir que as contribuições não
estariam por eles reguladas169.
Tal circunstância também não tem passado despercebida pela doutrina de
Direito Internacional Tributário, que a denomina de treaty dodging ou treaty
circumvention170171, assim entendida como uma forma de um Estado contratante
driblar as disposições dos tratados, através da manipulação da legislação domés-
tica, cuja aplicação ele mesmo requer perante as suas Cortes internas.
De acordo com a doutrina, essa conduta produz consequências próprias para
a execução dos tratados internacionais contra a bitributação da renda, deman-
dando uma solução negocial entre as partes contratantes ou, no limite, a pró-
pria denúncia do tratado172.
Por fim, além das consequências danosas que o uso abusivo das contribui-
ções pela União acarreta ao federalismo fiscal brasileiro, à qualidade da tribu-
tação, bem como à execução dos acordos internacionais contra a bitributação
da renda, há outro problema causado por esse abuso: o engessamento do or-
çamento federal, devido justamente à vinculação constitucional das receitas
provenientes dessa espécie tributária.
Conforme estudo desenvolvido por Raul Velloso e apresentado no Fórum Na-
cional173, na esfera federal, o conjunto de despesas obrigatórias, nelas se incluindo
as transferências aos Estados e Municípios, bem como os gastos com a folha de
pagamentos e os compromissos com a dívida pública, já atingia, em 2004, 91% do
total das despesas não financeiras, sendo que da parcela restante ainda deveriam
ser deduzidas as despesas usuais de operação de vários Órgãos. A consequência

169 OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Op. Cit.


170 VOGEL, Klaus. Double Tax Treaties and Their Interpretation, 4 Int'l Tax & Bus. Law. 1 (1986). p.
83-85. Disponível em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/bjil/vol4/iss1/1> Acesso em 28.07.15
171 SANTIAGO, Igor Mauler. “Interpretação dos tratados contra a dupla tributação internacional -
Estudo em homenagem ao Min. José Delgado”. Temas de Direito Público - Aspectos Constitucionais,
Administrativos e Tributários. CARVALHO, Cristiano e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coords.).
Curitiba: Juruá, 2005.
172 Ibid.
173 INAE. Por um gatilho fiscal temporário. Estudo apresentado no Fórum Especial de setembro de 2005,
tema: "Reproclamação da República (Res Publica) - Reforma das Instituições do Estado Brasileiro:
Executivo, Legislativo, Judiciário". Estudos e Pesquisas, nº 128. Rio de Janeiro. Versão preliminar
disponível em: <http://www.inae.org.br/trf_arq.php?cod=EP01280> Acesso em 28.07.15

104
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

inevitável disso é que a capacidade de investimento da União é quase nula, dela


resultando a conhecida deficiência em áreas de infraestrutura174.
Constatou-se ainda que, em 1987, as despesas federais obrigatórias absorviam
47% do total das despesas não financeiras, quase dobrando em valores absolutos
para o ano de 2004 e mais do que dobrando em função do Produto Interno Bru-
to – PIB (em 1987 correspondia a 7,6% do PIB, em 2004 correspondia a 15,7%).
Isso significa que as despesas obrigatórias assumiram uma trajetória ascendente
ao longo dos anos, de forma que, cedo ou tarde, a persistir esse estado de rigidez
orçamentária, o Estado brasileiro estará à beira de um colapso fiscal.
A solução paliativa encontrada pelo Governo Federal para amenizar parte
dos efeitos colaterais causados pela expansão das contribuições, em termos de
rigidez orçamentária, foi a adoção de sucessivas medidas supostamente provi-
sórias, com a finalidade de desvincular parte dos recursos federais arrecadados
com impostos, contribuições sociais e contribuições interventivas, culminando
com a atual Desvinculação de Receitas da União – DRU, cuja vigência foi mais
uma vez prorrogada pela Emenda Constitucional nº 93, de 08 de setembro de
2016, até 31 de dezembro de 2023.
Não obstante a utilização desses instrumentos desvinculativos pelo Governo
Federal, aos quais José Marcos Domingues se refere como “a antítese da ética
na política e nas finanças públicas”, ou ainda como “eixo do mal” (FSE, FEF e
DRU) 175, a rigidez orçamentária cresceu, colocando em evidência a fragilidade
desse modelo arrecadatório baseado principalmente em contribuições.
Com efeito, os valores desvinculados da arrecadação são utilizados em gran-
de parte para sustentar as metas estabelecidas para a geração de superávits pri-
mários nas contas da União, que, por sua vez, são posteriormente empregados
no pagamento dos juros da dívida pública176. Isso também ocorre com os valores
que, embora não desvinculados constitucionalmente, acabam tendo as suas res-

174 No mesmo estudo, o autor aponta o decréscimo nos financiamentos, de 1987 (2,3% do PIB e 14% das
despesas não financeiras) a 2004 (0,4% do PIB e 2% das despesas não financeiras) e a deficiência de
investimentos federais em estradas, a partir de 2003. Para um aprofundamento acerca do tema, vide:
CARVALHO, André Castro. Op. Cit.
175 DOMINGUES, José Marcos. “Contribuições Sociais – Desvinculações Prescritas por Emendas
Constitucionais”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 193, outubro, 2011. p. 75.
176 Fernando Facury Scaff, em recente artigo para a Revista Eletrônica Consultor Jurídico, explica
bem como o valor desvinculado pela DRU é empregado em favor do pagamento da dívida pública,
traçando um paralelo entre esta última e o atraso na ampliação de direitos fundamentais. In: SCAFF,
Fernando Facury. A DRU, os direitos sociais e o pagamento dos juros da dívida. Artigo extraído

105
Raquel de Andrade Vieira Alves

pectivas despesas contingenciadas no orçamento, por força do disposto no art.


9º da Lei de Responsabilidade Fiscal177.
Na prática, a desvinculação de receitas da União e os contingenciamen-
tos excessivos têm servido para um desvirtuamento da arrecadação das con-
tribuições com o único fim de conter o crescimento da dívida pública178. Como
exemplo, basta observar o Decreto nº 8.456, de 22 de maio de 2015, que contém
a programação orçamentária e financeira para o ano de 2015, trazendo o con-
tingenciamento de uma série de despesas, a fim de adequar a meta de superávit
do exercício. Em rápida análise, é possível perceber que, após o Ministério das
Cidades, os Ministérios da Saúde e da Educação – que recebem recursos das
contribuições sociais – foram os que mais sofreram cortes179.
Dessa forma, o modelo atual constitui basicamente um círculo vicioso, pois,
na medida em que cresce a necessidade de geração de superávits mais elevados
para a contenção da dívida pública, o Governo Federal aumenta as suas receitas
através das contribuições, para logo em seguida desvincular parte da sua desti-

do site Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-14/contas-vista-dru-


direitos-sociais-pagamento-juros-divida> Acesso em 28.07.15
Vide ainda: SCAFF, Fernando Facury. Dívida Pública atrasa ampliação de Direitos Fundamentais
e Investimento Público. Artigo extraído do site Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.
conjur.com.br/2014-set-09/contas-vista-divida-publica-atrasa-ampliacao-direitos-fundamentais>
Acesso em 28.07.15
177 “Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o
cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais,
os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta
dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados
pela lei de diretrizes orçamentárias.”
178 Em maio de 2005, estudo do INESC já concluía que o Governo Federal adota o contingenciamento
como instrumento da política econômica, priorizando o pagamento de juros e amortizações de dívidas e
a geração de superávit primário. Vide: INESC. Nota Técnica, Brasília, nº 98, maio de 2005. Disponível
em: <http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/notas-tecnicas/nts-anteriores/nts-2005/NT.%20
98%20-%20%20OR_AMENTO%20-%20CONTIGENCIAMENTO.pdf/view> Acesso em 07.10.15.

179
Infográfico elaborado em 22.05.15. Fonte: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/05/governo-
bloqueia-r-70-bi-em-gastos-em-2015-e-ve-retracao-de-12-no-pib.html> Acesso em 08.10.15

106
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

nação e contingenciar parte das rubricas orçamentárias referentes à sua arreca-


dação, promovendo paulatinamente um engessamento orçamentário cada vez
maior em busca de recursos disponíveis180.
Essa, inclusive, é uma das críticas feitas por Evilásio Salvador em sua recente
pesquisa acerca dos efeitos das renúncias tributárias, em que o economista faz
questão de destacar o importante papel que o serviço da dívida ocupa atual-
mente no orçamento federal, ressaltando que, entre 2011 e 2014, foram destina-
dos 1,5 trilhões de reais ao pagamento de juros e amortização da dívida, o que
equivale a 24,13% do total de recursos do orçamento público federal.
Além disso, conclui que, enquanto as despesas com amortização da dívida
pública federal cresceram 60,15% acima da inflação no período, outras despesas
correntes que não englobam gastos com pessoal – como o pagamento de serviços
e benefícios no âmbito das políticas sociais, o pagamento previdenciário e a trans-
ferência de recursos para Estados e Municípios, entre outros – cresceram 15,8%181.
O prejuízo disso, contudo, fica a cargo dos Estados e Municípios, que indire-
tamente acabam financiando a dívida pública federal com os recursos que ori-
ginalmente lhe seriam repassados, caso a União fizesse uso adequado das con-
tribuições e privilegiasse a instituição dos impostos de sua competência como
fonte primária de arrecadação. Ao final, o grande prejudicado nisso tudo é o
cidadão, pois os recursos que serviriam originalmente para o custeio de políticas
públicas sociais, em grande parte a cargo de Estados e Municípios, acaba sendo
aplicado no pagamento de juros da dívida pública.
Obviamente, não foi esse o cenário desenhado pelo constituinte de 1988 ao
estabelecer as bases do Pacto Federativo e os pilares do Estado Democrático de
Direito, pois assim o fez justamente com o intuito de preservar a autonomia dos
Estados e Municípios, através de um modelo cooperativo baseado em amplo
e complexo sistema de partilhas e transferências, em complemento à divisão
original de bases tributárias. Sistema esse que, se respeitado e bem utilizado,
tende a trazer inúmeros avanços em matéria de políticas sociais e cooperação
intergovernamental no Brasil.

180 REZENDE, Fernando. Op. Cit. p. 93.


181 Vide: <http://www.valor.com.br/brasil/4208336/desoneracao-afeta-investimento-social-diz-estudo> Acesso
em 03.09.15; e o estudo completo: Renúncias tributárias - os impactos no financiamento das políticas sociais
no Brasil. Disponível em: <http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/outras-publicacoes/renuncias-
tributarias-os-impactos-no-financiamento-das-politicas-sociais-no-brasil/view> Acesso em 03.09.15.

107
SEGUNDA PARTE:
Contribuições e pacto federativo

Toda a análise desenvolvida até agora teve o objetivo de apresentar o novo con-
texto federativo brasileiro, com destaque para o enfraquecimento do papel do Es-
tado e o estreitamento das relações entre os Municípios e a União, mediante forte
dependência financeira. Destacou-se, nesse ponto, o enorme papel que desempe-
nham as participações no produto da arrecadação para a garantia da autonomia
financeira dos entes subnacionais e para o consequente equilíbrio da Federação.
Ainda, dentro desse contexto, foi abordada a crescente recentralização de
receitas e poderes pela União, como fator gerador de grande preocupação na
doutrina, visto constituir um perigoso instrumento de governabilidade à dispo-
sição do Governo Federal.
Nessa linha, como forma de demonstrar os principais mecanismos de distor-
ção do modelo federativo atual, que contribuem para a concentração de receitas
tributárias, foram citadas: a possibilidade de retenção de repasses federais, com
base na interpretação do parágrafo único do art. 160 da Constituição Federal,
ao lado das renúncias dos principais impostos federais - que comprometem so-
bremaneira as receitas dos Fundos de Participação - e, por fim, o grande instru-
mento centralizador, que consiste justamente no abuso na instituição de con-
tribuições pela União, cuja receita não é partilhada com Estados e Municípios.
A seguir, a análise se concentrará no perfil constitucional das contribuições
e no seu papel dentro do contexto federativo apresentado na primeira parte do
estudo, com destaque para algumas exações específicas, que ilustram bem o
abuso no manejo dessa espécie tributária pelo Governo Federal.
Capítulo 3 – Perfil das contribuições

3.1 Origem e histórico comparado


É possível afirmar que as contribuições especiais têm sua origem reconhe-
cida a partir do surgimento da parafiscalidade dentro do Estado Social. Aqui,
faz-se necessário esclarecer que, sob a alcunha de “contribuições”, de “contri-
buições especiais”, ou ainda de “contribuições parafiscais”, tratar-se-á de todas
as exações que, inicialmente destinadas a organismos paraestatais e excluídas
do orçamento, tinham suas finalidades afetas à intervenção estatal na ordem
econômica e social, mas que hoje, ao menos do ponto de vista do direito brasi-
leiro, mantiveram apenas as características finalísticas, representando, portan-
to, receitas tributárias estatais e orçamentárias.
Ocorre que, apesar da origem reconhecida no Estado Social, já no Império
Romano há indícios da existência de exações análogas às contribuições especiais,
como é o caso das contribuições pagas por soldados incapazes para o serviço na
milícia, que serviriam para custear a manutenção das tropas e a alimentação dos
cavalos. O mesmo se pode observar na Igreja Católica, fonte riquíssima de con-
tribuições especiais para a manutenção dos serviços religiosos, como bem observa
Sylvio Santos Faria, em obra clássica dedicada ao estudo da parafiscalidade182.
Também na Idade Média, tanto na Itália quanto na França, é possível en-
contrar contribuições, além das cobradas pela Igreja, sob a forma de impostos
especiais de custeio de atividades específicas, como o financiamento de guerras
ou o atendimento a calamidades públicas. Essas exações se estenderam pelo
Estado Liberal, no final do século XIX e início do século XX, grande parte sob
a forma de contribuições para o custeio de atividades de corporações de ofício,
objetivando a sua melhor organização e funcionamento183.

182 FARIA, Sylvio Santos. Aspectos da Parafiscalidade. Salvador: Progresso, 1955. p. 25-26.
183 FERNANDES, Simone Lemos. Contribuições Neocorporativas na Constituição e nas Leis. Belo
Horizonte: Delrey, 2005. p.35.

111
Raquel de Andrade Vieira Alves

Essa presença de figuras afins às contribuições no Estado Liberal não enfraquece


a tese de que o surgimento de fato da parafiscalidade ocorreu no Estado Social, mas,
ao contrário, só corrobora a ideia de que as contribuições, tal como reconhecidas
doutrinariamente, surgem umbilicalmente ligadas à evolução no papel do Estado.
Com efeito, a estrutura do Estado Liberal, financiado basicamente por im-
postos gerais com base na ideia de uma contraprestação que redunda em be-
nefício coletivo, não permitiu a proliferação das contribuições, admitindo-as
excepcionalmente para o custeio de atividades que, embora de interesse pú-
blico, beneficiavam particularmente um determinado grupo de pessoas. Nas
palavras de Simone Lemos Fernandes, “o Estado Liberal proporcionou, assim,
o nascimento e o congelamento das contribuições especiais, impedindo o seu
crescimento por razões inerentes à sua estrutura.” 184
Isso porque o Estado Liberal, fundado nos ideais iluministas consagrados pe-
las Revoluções Francesa e Norte-americana, tinha como atribuições principais a
garantia da segurança e da liberdade de seus cidadãos. Nesse contexto, o tributo
era visto como uma contrapartida à proteção à vida, à liberdade e à propriedade
dos indivíduos, de modo que a fiscalidade resumia-se a uma relação contratual
Estado versus cidadão, através da qual este último abriria mão de uma porção de
seus bens como contrapartida aos serviços prestados pelo primeiro.
Ademais, é preciso lembrar que essas revoluções foram uma resposta da bur-
guesia aos desmandos da monarquia absolutista, trazendo ao poder as classes
mais abastadas em detrimento dos demais seguimentos, que seguiram à margem
do Estado. Daí a prevalência da idéia de intervenção mínima estatal que per-
meou o período, suportando a teoria do benefício ou do imposto-preço como
justificativa para a tributação.
Nesse ponto, a simplicidade das ações requeridas do Estado permitia que
o seu financiamento se desse basicamente através de impostos para o custeio
das despesas gerais, consolidando a necessidade de não-afetação dessas receitas
como uma garantia do cidadão.
Contudo, o incremento da complexidade das atividades públicas, operada
em função da modificação do papel do Estado no período que sucedeu o co-
lapso do “Constitucionalismo Liberal”, não mais admitia essa simplificação do
fenômeno financeiro, exigindo figuras tão complexas quanto o novo papel as-
sumido pelo Poder Público.

184 Ibid. p. 38-39.

112
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Com a inserção de novos direitos nas constituições das nações que, ao con-
trário dos então existentes, exigiam uma postura estatal ativa no cenário eco-
nômico e social, visando garantir condições mínimas de vida para a população,
o Estado começa a ter de agir para que estes novos direitos se tornem efetivos.
Paralelamente, ao passo em que o Estado deixa de ser mero espectador do
que vinha ocorrendo no campo social e econômico para transformar-se no
grande protagonista desse processo, a equação tributo-benefício começa a de-
mandar uma reformulação teórica, a fim de adequar as novas atividades estatais
às suas respectivas fontes de custeio.
A postura interventiva do Estado trouxe, assim, uma nova função ao tri-
buto, ao lado da fiscalidade: a parafiscalidade que, como bem pontuou Paulo
Bonavides, foi o primeiro veículo de manifestação da extrafiscalidade185.
Essa dicotomia da função pública, como se houvesse dois Estados diferentes
em um só, pode ser percebida na lição de Emanuelle Morselli, um dos primeiros
doutrinadores a tentar elaborar uma sistematização jurídica para o instituto
da parafiscalidade186, para quem o Estado teria funções essenciais ou funda-
mentais, a serem financiadas pelos impostos, e funções complementares, que
poderiam ter finalidades econômicas ou sociais, a serem custeadas pelas contri-
buições parafiscais187. Essa associação entre a parafiscalidade e as funções com-
plementares do Estado Social, feita por Morselli, foi duramente criticada pelos
doutrinadores da época, que reconheciam que o agigantamento do Estado não
comportava mais essa distinção, já que as atividades estatais correspondiam a
uma série de finalidades sociais, econômicas e políticas, de modo que a tributa-
ção nessa nova fase assumiria um novo papel.
Além da demanda crescente por novas formas de financiamento no Estado So-
cial, um fator decisivo para a ascensão das contribuições foi o Estado Fascista ita-
liano e o Estado Intervencionista francês. Embora em momentos diferentes, ambos
os Estados encontraram na figura das contribuições a fonte de custeio ideal para a
prática de seus propósitos intervencionistas, sobretudo, no período pós-guerra.

185 BONAVIDES, Paulo apud FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 31.
186 Como ressalta Sylvio Santos Faria, Emanuelle Morselli havia produzido até então o trabalho mais
sério sobre parafiscalidade, denominado: “Le Finanze Degli Enti Non Territoriali”. FARIA, Sylvio
Santos. Op. Cit. p. 33.
187 MORSELLI, Emanuelle. Curso de Ciência das Finanças Públicas. – Introdução e Princípios Gerais
(tradução de Elza Meschick), 5ª Ed. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1959. p. 17.

113
Raquel de Andrade Vieira Alves

Para tanto, reconheceram nas contribuições especiais uma semelhança em


relação aos impostos então existentes, porém, negaram-lhe a natureza tributá-
ria, situando-as à margem do orçamento estatal. Essa descaracterização da na-
tureza tributária das contribuições especiais em sua origem foi justamente o que
possibilitou a sua rápida proliferação, eis que despidas das garantias oferecidas
pelo Direito Tributário.
Na Itália, a parafiscalidade apareceu como expediente próprio do Estado
Fascista, servindo para financiar as despesas políticas e sociais das corporações,
que ganharam considerável prestígio na época. Entretanto, embora no regime
instituído por Mussolini as contribuições tenham atingido o seu apogeu, Sylvio
Santos Faria ressalva que a substância dessa nova finança não se contaminou
com os seus princípios antidemocráticos.188
Na verdade, a expansão das contribuições no regime italiano foi propiciada
pela ausência da necessidade de edição de lei para sua instituição, de modo que,
com a promulgação da Constituição Italiana de 1947, a parafiscalidade perdeu
a sua importância, em face do teor do art. 23, que estabeleceu a necessidade de
utilização de veículo legislativo ordinário para a exigência de qualquer tipo de
prestação pecuniária coativa.
Já na França, em momento posterior, que coincidiu com o governo de Vichy189
e o final da Segunda Guerra Mundial, o fenômeno se identificou com a política
intervencionista estatal, a fim de solucionar o problema do financiamento dos
inúmeros organismos que desenvolviam atividades de interesse público.
Como bem destaca Gilberto de Ulhôa Canto190, um fato que sempre esteve
na raiz da parafiscalidade foi o caos gerado pelas guerras dentro da sociedade,
seja pela dizimação da população, pela perda de empregos, de habitações, pela
escassez de alimentos, ou mesmo pela perda da integridade física da população,
principalmente na Europa.
Para prover as necessidades de alojar, alimentar, medicar os cidadãos e reunir
grupos e famílias dispersos, o Estado teve que, de uma hora para outra, sem o
planejamento adequado, obter recursos financeiros que custeassem essas ações.
Esse cenário exigiu não só um meio arrecadatório rápido e eficaz, como obrigou
o poder estatal a descentralizar as suas obrigações para organismos paraestatais.

188 FARIA, Sylvio Santos. Op. Cit. p. 32.


189 Estado Francês de 1940-1944, sob o regime nazista.
190 CANTO, Gilberto de Ulhôa apud FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p.43-44.

114
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Contudo, se por um lado as contribuições representaram a “salvação” do Es-


tado francês no período do nazismo e no pós-guerra, por outro, a preponderân-
cia do poder regulamentar em relação à sua instituição, de forma a salvaguardar
a flexibilidade da exação, contribuiu para o estabelecimento de um verdadeiro
caos nas finanças públicas da França.
A desordem do Estado no período refletiu-se, assim, no regime das contri-
buições, a tal ponto que foi necessária a elaboração de inventários pelos Minis-
tros das Finanças da França, Robert Schuman (1946) e Maurice Petsche (1949),
em uma tentativa de sistematizar o instituto, os quais acabaram conhecidos
como Inventários Schuman e Petsche191.
O primeiro documento, Inventário Schuman, agrupava todos os encargos
públicos em capítulos, tendo reservado um específico para a “parafiscalité”. A
partir daí, o fenômeno da proliferação de contribuições especiais passou a ser
reconhecido como parafiscalidade, visto que até então não havia um nome
específico para o instituto. O Inventário Petsch, por sua vez, constatou a impor-
tância da figura e utilizou a nomenclatura de Schuman, entretanto, incluiu no
rol das cargas parafiscais as indenizações pagas pelos empregadores em virtude
de férias, licenças, antiguidade, etc., ampliando o conceito de parafiscalidade192.
O fato é que nenhum dos dois documentos conseguiu promover uma siste-
matização adequada para a parafiscalidade da época. Manifestando-se a respei-
to, Jean-Guy Merigot destacou que os redatores do Inventário Schuman “utili-
zaram uma miscelânea de elementos materiais e orgânicos para representar os
encargos considerados como elementos da parafiscalidade, não destacando, de
forma alguma, os critérios do fenômeno.” 193
A partir daí então vários doutrinadores franceses se dedicaram ao estudo do
assunto, tentando classificar as contribuições parafiscais. Nesse ponto, é impor-
tante ressaltar que, a despeito da opinião do Professor Morselli, que encarava a
parafiscalidade como uma categoria tributária nova, a maioria dos estudiosos do
assunto concebia a parafiscalidade como um artifício técnico a serviço do inter-
vencionismo estatal. Nas palavras de Merigot, grande crítico da visão de Morselli:

191 BUYS DE BARROS, A.B. Um Ensaio Sobre a Parafiscalidade. Rio de Janeiro: José Konfino, 1956. p. 39.
192 FARIA, Sylvio Santos. Op. Cit. p. 39-40.
193 MERIGOT, Jean-Guy apud FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 68-69.

115
Raquel de Andrade Vieira Alves

A parafiscalidade é, no plano financeiro, o reflexo ou, mesmo, a própria


imagem de um intervencionismo crescente, feito de empirismo, de opor-
tunismo e de ajustamentos parciais.
Ela trai a hesitação dos Poderes Públicos em promover a elaboração de
um sistema fiscal coerente e de acôrdo com as novas tarefas que lhe
incumbem doravante.
Manifesta, ao mesmo tempo, a inadequação técnica e política às ambições e
responsabilidades atuais de um Estado, que pretende conservar a estrutura
válida para um regime econômico que êle repudiou: o capitalismo liberal.
Revela a inadaptação fundamental entre o que é e o que pretende o
Estado intervencionista; porque, para citar a expressão sugestiva do Pro-
fessor Jean Lhomme, - “êle quer demais em relação àquilo que êle é”.
Aí está por que, se considerarmos a parafiscalidade no quadro clássico
das finanças públicas, não chegaremos a realizar a sua integração com-
pleta. Eis, também, a razão pela qual a parafiscalidade, até o limite em
que é um instrumento de política econômica, corre o risco de revelar-se
inadequada aos fins que lhe são atribuídos.
Não pode ser explicada segundo os pontos de vista da Ciência tradicio-
nal das Finanças. Ela traz em demasia o caráter de uma técnica fortuita
- ou talvez mesmo de um mero expediente - para que possa exercer uma
ação verdadeiramente eficaz sôbre o conjunto da atividade econômica.
A parafiscalidade é um conceito híbrido e de expectativa, concebível enquan-
to os pensamentos político, econômico e financeiro modernos não tiverem
realizado suas síntese e unidade. Assinala a passagem da éra da tradição
para a das “apostas sôbre estruturas novas”. 194

Essa significativa passagem da obra de Merigot expõe uma forte crítica à uti-
lização de contribuições especiais para o financiamento de atividades inerentes
ao Estado Social, como se a parafiscalidade fosse ainda um resquício da visão
liberal do Estado, de modo que as finanças tradicionais não serviriam para o
custeio de finalidades sociais e econômicas. Exatamente por isso, tal como Lau-
fenburguer e Laferièrre, Merigot não reconhece a parafiscalidade como uma
categoria autônoma, equiparando as contribuições especiais à figura dos impos-
tos, não obstante excluídas das regras de Direito Tributário195.

194 MERIGOT, Jean-Guy. “Elementos de uma Teoria da Parafiscalidade” (tradução de Guilherme A. dos
Anjos). Revista de Direito Administrativo, v. 33, 1953. p. 65-66.
195 NASCIMENTO, Theodoro. Preços, Taxas e Parafiscalidade – Tratado de Direito Tributário
Brasileiro (Coord. Aliomar Baleeiro). Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 416-417.

116
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Porém, a despeito da autonomia ou não da parafiscalidade, todos eles con-


vergiam em relação à natureza tributária e à ausência de controle das contri-
buições especiais francesas, que sempre tiveram seus valores fixados por ato do
Poder Executivo, com base no poder regulamentar.
Com a redemocratização do Estado francês, a tendência que se verificou
não foi a de absorção da parafiscalidade pelo Direito Tributário, como ocorreu
no Brasil, mas sim, o seu desaparecimento lento e gradual, através da sua subs-
tituição por impostos afetados ou por contribuições voluntárias.196 As contri-
buições previdenciárias, por exemplo, não são consideradas exações parafiscais,
submetendo-se a um regime jurídico próprio e diferenciado.197
É importante pontuar que, diferentemente do ordenamento jurídico brasileiro,
o ordenamento francês e o italiano não possuem vedação à afetação de impostos,
o que certamente favoreceu a redução na utilização de contribuições, à medida
que a noção de imposto começou a evoluir, incorporando em sua estrutura as
noções de extrafiscalidade e solidariedade. No Brasil, contudo, a vedação consti-
tucional à afetação dos impostos, aliada ao regime jurídico a que se submetem as
contribuições, não permitiriam a ocorrência de um processo semelhante.
Na verdade, as críticas da doutrina francesa e também da doutrina brasi-
leira da época em que as contribuições se originaram no Direito Comparado,
cujo grande expoente foi Aliomar Baleeiro, baseavam-se fundamentalmente
na ausência de controle das novas exações, cuja natureza tributária o Poder
Público insistia em negar.
Daí porque, como muito bem observa Marco Aurélio Greco, o enquadra-
mento das contribuições na categoria de tributos surge como uma solução para
o problema do controle198.

196 Destaque-se aqui a Constituição Francesa de 1958 e a Ordonnance de 1959, que alteraram a natureza
jurídica da parafiscalidade, dando início ao seu processo de contenção na França. Em seguida, o
Decreto nº 80, de 30 de outubro de 1980 excluiu do domínio da parafiscalidade uma série de exações
e instaurou o princípio da precariedade, ou seja, não poderiam ser criadas contribuições por um
período de vigência superior a cinco anos. Entretanto, a sua prorrogação por novo decreto não havia
sido vedada. Finalmente, a Lei Orgânica de 2001estabeleceu um termo final para a exigência de
contribuições parafiscais instituídas com base no poder regulamentar, consolidando o processo
de contenção e anunciando a extinção iminente das contribuições no regime francês. Para um
aprofundamento no assunto, vide: FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 79-88.
197 Ibid. p. 89-90.
198 GRECO, Marco Aurélio. “Solidariedade Social e Tributação”. In: Solidariedade Social e Tributação.
Marco Aurélio Greco, Marciano Seabra de Godoi (Coords.). São Paulo: Dialética, 2005. p. 68.

117
Raquel de Andrade Vieira Alves

Nos países em que o ordenamento jurídico não contemplava um regime ju-


rídico próprio para as contribuições especiais, elas foram pouco a pouco sendo
absorvidas pelas espécies tributárias já existentes no ordenamento, à medida
que era reconhecida a sua natureza tributária. Tanto que, no Brasil, ao primeiro
sinal das novas exações, a doutrina questionou a possibilidade de sua existência
como categoria autônoma.
Esse questionamento fazia todo sentido na época, pois é preciso lembrar
que as Constituições brasileiras de 1934 e 1937 não previam a possibilidade de
instituição de contribuições especiais, sendo o domínio do sistema tributário
reservado aos impostos e às taxas. Ademais, a necessidade de sistematização
das espécies tributárias em Repúblicas Federativas como o Brasil possui vital
importância, frente à rígida discriminação de competências na Constituição199.
Por isso, ante a impossibilidade de enquadramento das contribuições como
uma espécie autônoma dentro do ordenamento pátrio, a única solução plausível
à época era classificá-las como taxas ou como impostos, adotando, dessa forma,
a posição de grande parte da doutrina estrangeira.
Entretanto, a partir da inclusão das contribuições na Constituição de 1988,
a doutrina, a jurisprudência e a legislação brasileiras, evoluíram para o deli-
neamento de um regime jurídico próprio para tais figuras, reconhecendo-lhes
natureza tributária e autonomia como espécie de tributo.
Essa compreensão é importante, pois evidencia que o estudo das contribui-
ções deve estar comprometido com o ordenamento jurídico de cada país, sen-
do a variável constitucional um elemento essencial dessa análise. Além disso,
mais uma vez na lição de Marco Aurélio Greco, “a busca dos ensinamentos da
doutrina estrangeira é pertinente se houver paralelismo entre os respectivos
ordenamentos positivos” 200.
Isso, contudo, não significa que se deve ignorar a experiência do Direito
Comparado, mas sim, que a análise das contribuições deve levar em conta o
contexto histórico e jurídico em que estão inseridas, visto que em alguns países
elas sequer chegaram a possuir natureza tributária e, em outros, foram abrigadas
nas clássicas espécies existentes, com base no ordenamento positivo vigente.
Assim, para um estudo adequado das contribuições é relevante identificar a sua
origem histórica associada ao fenômeno da parafiscalidade, mas sem perder de vista

199 FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. 74-75.


200 GRECO, Marco Aurélio. “Solidariedade Social e Tributação”. In: Op. Cit. p. 68.

118
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

que esse fenômeno hoje não existe mais no Direito brasileiro e que no estágio atual
da sociedade, mais do que no paradigma da afetação, o elemento distintivo das
contribuições reside na solidariedade de grupo, como será demonstrado.

3.2 Fundamento ético-jurídico: a solidariedade


“Solidariedade” é um conceito plurissignificativo que, embora amplamente
utilizado pela doutrina, carece de uma definição mais precisa, adquirindo tantos
sentidos quantas forem as ciências que o estudam. Como ressalta Fábio Zambitte
Ibrahim, o único consenso acerca do tema é o seu pouco desenvolvimento201.
De acordo com o filósofo alemão Kurt Bayertz202, o termo possui suas raízes
no Império Romano, na responsabilidade ilimitada de um membro de uma fa-
mília ou outra comunidade pelo pagamento dos débitos comuns, caracterizados
como obligatio in solidum. Contudo, a idéia de obrigações recíprocas entre o par-
ticular e a sociedade só é razoavelmente desenvolvida a partir do século XVIII.
Até então, a ideia de solidariedade possuía uma forte dimensão ética e religiosa
e não enfrentava um modelo de oposição frontal, sendo doutrinariamente refe-
rida como “solidariedade dos antigos” 203.
A partir da obra de Adam Smith, marco da propagação dos ideais liberais,
ainda no século XVIII, surge uma interpretação de acordo com a qual as di-
mensões morais não afetariam a economia. Como contraponto a essas ideias,
contemporaneamente à Revolução Francesa, ascendem os ideais iluministas de
“liberdade, igualdade e fraternidade”, consolidando uma nova visão de solida-
riedade ao lado da ideia de fraternidade204.

201 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Op. Cit. p. 09.


202 BAYERTZ, Kurt. Solidarity. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1999. p. 03.
203 RAPOZO, Joana Tavares da Silva. Limites do princípio da solidariedade na instituição de
contribuições sociais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 09.
204 Nesse ponto, há autores que identificam a solidariedade como sinônimo de fraternidade. Vide:
TORRES, Ricardo Lobo. “Existe um Princípio Estrutural da Solidariedade?” In: Solidariedade Social
e Tributação. Marco Aurélio Greco, Marciano Seabra de Godoi (Coords.). São Paulo: Dialética, 2005.
p. 198. GODOI, Marciano Seabra de. “Tributo e Solidariedade Social” In: Solidariedade Social e
Tributação. Marco Aurélio Greco, Marciano Seabra de Godoi (Coords.). São Paulo: Dialética, 2005.
p. 142. Entendendo que solidariedade e fraternidade não são sinônimos: GRECO, Marco Aurélio.
“Solidariedade Social e Tributação” In: Solidariedade Social e Tributação. Marco Aurélio Greco,
Marciano Seabra de Godoi (Coords.). São Paulo: Dialética, 2005. p. 174.

119
Raquel de Andrade Vieira Alves

Essa nova visão da solidariedade, a partir do século XIX, denominada, a


seu turno, de “solidariedade dos modernos”, foi fortemente influenciada pelo
liberalismo progressista da época, com o processo de generalização dos direitos
humanos, a luta pelo reconhecimento do sufrágio universal e a incorporação
gradual dos trabalhadores às instituições políticas do Estado, consolidando-se
como valor superior, mais tarde, sob a influência do pensamento socialista205.
Vê-se, assim, que na modernidade a solidariedade deixa de ser um valor
moral, com uma conotação religiosa, para adquirir uma conotação jurídica. À
medida que o paradigma liberal individualista do Estado é abandonado e a
sociedade passa a ser concebida como uma cooperação para fins comuns, nas
palavras de Marciano Seabra de Godoi, “o conceito de solidariedade social sai
da penumbra e assume um caráter central nos estudos jurídicos”206.
O sentido jurídico da solidariedade começa então a ser construído com as
revoluções burguesas do século XVIII, mas só se cristaliza no contexto de crise do
capitalismo liberal, no fim do século XIX e início do século XX, com a crescente
organização política e sindical da classe dos trabalhadores, que permite o desen-
volvimento do sentimento mais amplo de pertença a determinado grupo social.
Antes disso, a lógica da solidariedade estava indissociavelmente ligada à
“caridade” ou à “filantropia”, ainda sob um prisma individualista, que não en-
xergava a sociedade como um todo. Ou seja, durante esse período prevalece
dentro do corpo social o auxílio a pessoas próximas, que geralmente dividem as
mesmas crenças, valores, cultura e história.
Entretanto, a partir do século XIX, como fruto do gérmen plantado ainda no
século XVIII, a solidariedade traz uma nova maneira de pensar a relação indivíduo-
-sociedade, indivíduo-Estado, que põe em xeque a racionalidade individualista do
liberalismo para dar lugar à ideia de sociedade como uma experiência coletiva.
A partir daí se passa a conceber uma espécie de “consciência coletiva”,
independente das condições particulares dos indivíduos, que permite o desen-
volvimento da ideia de solidariedade não mais restrita a laços de proximidade,
mas a solidariedade capaz de superar as diferenças em uma sociedade plural.
Esse enfoque sociológico da solidariedade, dado por León Bourgeois, Al-
fred Fouillée e Émile Durkheim, principalmente, criou as condições necessárias
para o desenvolvimento do solidarismo jurídico, a partir da noção de que a

205 RAPOZO, Joana Tavares da Silva. Op. Cit. p. 10-11.


206 GODOI, Marciano Seabra de. “Tributo e Solidariedade Social” In: Op. Cit. p. 144.

120
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

compreensão da vida em sociedade exige o estudo de grupos de pessoas e não


de indivíduos isoladamente. É assim que a mudança na compreensão da relação
indivíduo-Estado e indivíduo-sociedade se reflete diretamente no campo jurí-
dico, procurando incorporar os movimentos sociais à racionalidade jurídica207.
Na visão de José Fernando Farias: “O direito de solidariedade é apresentado
como um mecanismo de regulação social fundamental para abrir a sociedade e,
para que as identidades dos diversos grupos e indivíduos possam encontrar aí
regras convenientes de conduta.” 208
Enquanto esse autor se refere à “descoberta da solidariedade” e sua evolu-
ção na doutrina até o solidarismo sociológico de L. Bourgeois, A. Fouillée e
Durkhein, como pano de fundo da influência do discurso solidarista no Direi-
to209, Marciano Seabra de Godoi, se refere ao início do século XX como o perío-
do que marca o rompimento do “paradigma liberal-burguês” pelo “paradigma da
solidariedade”210, bem ilustrado pela seguinte passagem da obra de L. Bourgeois:

Não é, então, entre o homem e o Estado ou a sociedade que se põe o pro-


blema do direito e do dever; é entre os homens eles mesmos, mas entre os
homens concebidos como associados a uma obra comum e obrigados uns
com os outros pelos elementos de um objetivo comum.211

O discurso solidarista ao ganhar contornos jurídicos contribuiu, dessa forma,


para o declínio do Estado Liberal e a afirmação do Estado Social, legitimando
as novas atividades estatais a partir da sua ligação com as teorias de justiça, com
destaque especial para as formulações de John Rawls acerca dos princípios que
devem reger uma sociedade justa212.
É assim que a solidariedade social passa a constituir um elemento essencial das
teorias materiais contemporâneas de justiça, ultrapassando a clássica noção de as-
sistência social praticada por indivíduos e organizações não governamentais, para
se transformar em verdadeiro objetivo fundamental a ser perseguido pelo Estado,

207 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar,
1998. p. 213-220; 279-286.
208 Ibid. p. 285.
209 Ibid. p. 188-220.
210 GODOI, Marciano Seabra de. “Tributo e Solidariedade Social” In: Op. Cit. p. 145.
211 BOURGEOIS, León apud FARIAS, José Fernando de Castro. Op. Cit. p. 191.
212 GODOI, Marciano Seabra de. “Tributo e Solidariedade Social” In: Op. Cit. p. 148-152.

121
Raquel de Andrade Vieira Alves

ao lado da liberdade e da justiça213. Assume, dessa forma, um caráter de valor


fundante do Direito e, ao mesmo tempo, passa a constituir um dever jurídico.
Nesse ponto, em que medida a solidariedade, como elemento do discurso
jurídico, se relacionaria com a tributação? A resposta demanda a análise, ainda
que sem um grande aprofundamento, por não constituir objeto do presente tra-
balho, da capacidade contributiva, pois é através dela que é possível estabelecer
uma ligação entre a solidariedade social e o Direito Tributário. Como bem reco-
nhece Ricardo Lobo Torres, é justamente no campo da capacidade contributiva
que a solidariedade se torna mais importante.214
Com efeito, a grande questão em relação à capacidade contributiva reside na
sua justificação. Durante a expansão do liberalismo, a causa da tributação funda-
va-se na teoria do benefício e nas ideias economicistas de igualdade de sacrifício,
com apoio nas obras de Adam Smith e John Stuart Mill, respectivamente215.
Essa visão economicista influenciou sobremaneira os tributaristas alemães
do início do século XX (Enno Becker e Albert Hensel) que, a partir de uma
visão causalista da capacidade contributiva, criaram a chamada “teoria da in-
terpretação econômica do fato gerador”. A partir daí, a ideia da capacidade con-
tributiva como causa jurídica da tributação se expandiu, influenciando muitos
juristas, principalmente da Escola de Pavia, na Itália, porém acabou assumindo
uma feição tão radical que levou ao afastamento da legalidade para alcançar
qualquer manifestação de riqueza independentemente de previsão legal.
O causalismo sociológico como justificação da tributação deixou de lado, as-
sim, a fundamentação ética da cobrança de tributos, não havendo espaço para ra-
zões de ordem político-filosófica, aonde se incluiria a solidariedade, por exemplo.

213 Nesse sentido, a Constituição Italiana de 1947, em seus Princípios Fundamentais (art. 2º), requer
expressamente o cumprimento pela República dos “deveres inderrogáveis de solidariedade política,
econômica e social”. A Constituição Portuguesa de 1976, em seus Princípios Fundamentais, logo no
art. 1º, reconhece que Portugal é uma “República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana
e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. A
Constituição Espanhola de 1978, em seu art. 2°, reconhece e garante o direito à autonomia das regiões
que a integram e “a solidariedade entre todas elas”. A Constituição Brasileira, entre os Princípios
Fundamentais, estabelece em seu art. 3º, como objetivo fundamental da República Federativa, a
construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”.
214 TORRES, Ricardo Lobo. “Existe um Princípio Estrutural da Solidariedade?” In: Op. Cit. p. 200.
215 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de janeiro: Lumen
Juris, 2010. p. 141-142.

122
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Com a reaproximação entre ética e direito e o ressurgimento da capacidade


contributiva como verdadeiro instrumento de justiça distributiva, o fundamen-
to da capacidade contributiva passa a centrar-se na solidariedade entre os cida-
dãos, de modo que uns – mais ricos – devem contribuir mais ativamente para
o financiamento do Estado em prol dos demais – mais pobres –, dispensando
desse ônus aqueles que estão abaixo do mínimo de sobrevivência216.
Importante pontuar que, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro –
que será analisado mais a frente – a solidariedade não cria tributos, tal como
reconhece Humberto Ávila ao afirmar que “o Estado não pode justificar a tri-
butação com base direta e exclusiva no princípio da solidariedade social” 217.
Para tanto, é indispensável a edição de regras jurídicas, com base na divisão
constitucional de competências.
Entretanto, a base em que se fundamentam essas regras jurídicas encontra-
-se na solidariedade social que, nesse ponto, tanto pode funcionar como um
valor, quanto como um princípio jurídico - positivado ou não na Constituição -,
não havendo diferenças significativas entre a concepção de solidariedade como
um critério valorativo ou como um enunciado normativo, senão em função do
seu grau de abstração218.
Daí ser possível afirmar que a solidariedade não é propriamente causa ju-
rídica da tributação, mas sua justificativa ético-jurídica219. Nesse ponto, o elo
fundamental que une o tributo e a solidariedade social no Direito Tributário
contemporâneo é a capacidade contributiva220, institutos que, apesar de intima-
mente ligados, não devem ser confundidos.
Com efeito, enquanto a solidariedade social impõe o dever genérico de que
todos devem contribuir para os gastos públicos, representando um reflexo da vi-
são orgânico-sociológica da relação entre indivíduo-sociedade na tributação, a

216 TORRES, Ricardo Lobo. Op. Cit. p. 200.


217 ÁVILA, Humberto. “Limites à Tributação com Base na Solidariedade Social”. In: Solidariedade Social e
Tributação. Marco Aurélio Greco, Marciano Seabra de Godoi (Coords.). São Paulo: Dialética, 2005. p. 69.
218 ATIENZA, Manuel y MANERO, Ruan Luiz apud RAPOZO, Joana Tavares da Silva. Op. Cit. p.21-22.
219 TORRES, Ricardo Lobo. Op. Cit. p. 200.
220 GODOI, Marciano Seabra de. “Tributo e Solidariedade Social” In: Op. Cit. p. 160.

123
Raquel de Andrade Vieira Alves

capacidade contributiva, por sua vez, representa a projeção da solidariedade so-


bre a repartição das cargas públicas221. Nas palavras de Luís Eduardo Schoueri:

a solidariedade se concretiza quando todos participam dos custos da


existência social, na medida de sua capacidade. Retoma-se, assim, a ca-
pacidade contributiva, na teoria das causas, não como fundamento, em
si, da tributação, mas como reflexo, em matéria tributária, dos valores da
justiça e da solidariedade.222

Ou seja, a solidariedade sustenta o dever genérico de contribuição para as ati-


vidades estatais, enquanto a capacidade contributiva, como expressão do Princípio
da Igualdade em matéria de tributação, representa o signo presuntivo de riqueza
que deve ser levado em consideração pelo legislador na escolha do fato imponível223.
Nesse sentido, a doutrina estrangeira, em sua maioria, entende a solidariedade
social como fundamento do dever de pagar tributos, como é o caso do professor
italiano Francesco Moschetti, para quem o dever de todos de contribuir para
os gastos públicos em função da sua capacidade contributiva seria expressão do
dever genérico de solidariedade econômica, política e social, contido no art. 2º da
Constituição da Itália. Na mesma linha, Cláudio Sacchetto reconhece nesse dis-
positivo da Constituição italiana o fundamento do dever genérico de contribuição
para as despesas públicas, fazendo uma ligação com o art. 53 do mesmo diploma
que, em sua visão, representaria “a atuação do art. 2º em matéria tributária.” 224
Na Alemanha, Klaus Tipke considera a capacidade econômica como exigên-
cia direta do Princípio da Solidariedade.225 Na Espanha, Fernando Perez Royo
reconhece o papel central da solidariedade dentro do ordenamento jurídico es-
panhol, apontando o dever de contribuir como sua manifestação mais visível226.

221 “La capacidad económica constituye la proyección del principio de solidaridad sobre el reparto de las cargas
públicas”. MOLINA, Pedro Manuel Herrera. Capacidad Economica y Sistema Fiscal - Analisis del
ordenamiento español a la luz del Derecho aleman. Madrid: Marcial Pons, 1998. p. 94.
222 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva: 2012. Cap. IV. 5.2.
223 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. Cit. p. 154.
224 SACCHETO, Cláudio.”O Dever de Solidariedade no Direito Tributário: o Ordenamento Italiano.”
In: Solidariedade Social e Tributação. Marco Aurélio Greco, Marciano Seabra de Godoi (Coords.).
São Paulo: Dialética, 2005. p. 22.
225 MOLINA, Pedro Manuel Herrera. Op. Cit. p. 94
226 ROYO, Fernando Perez. "Principio de legalidad, deber de contribuir y decretos-leyes en materia
tributaria”. Revista Española de Derecho Constitucional, Año 5, nº 13, Enero-abril, 1985. p.56.

124
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

No Brasil, Ricardo Lobo Torres, seguido por diversos autores227, também


associa o dever constitucional de contribuir com os gastos públicos ao dever de
solidariedade, destacando que: “A ideia de solidariedade se projeta com muita
força no direito fiscal por um motivo de extraordinária importância: o tributo é
um dever fundamental.” 228
Marco Aurélio Greco, por sua vez, analisando a solidariedade social como
um valor tributário, identifica os seus desdobramentos em pelo menos três pla-
nos: a) o primeiro corresponde à já mencionada “justificação da exigência”,
sendo que o autor desdobra o tema em duas dimensões distintas, identificando
a sua importância em relação à fundamentação do dever genérico de pagamen-
to de tributos e em relação ao objetivo a ser alcançado através da instituição de
contribuições; b) o segundo plano seria o dos “critérios de congruência” da le-
gislação, de modo que a solidariedade serviria para identificar eventuais distor-
ções legislativas; e, por fim, c) perante o Judiciário, a solidariedade apareceria
como “critério de interpretação”, a nortear a sua atuação229.
Em todos os planos mencionados o autor destaca que a solidariedade não
seria tida como um valor absoluto, devendo ser equilibrada com outros valo-
res constitucionalmente assegurados, como liberdade e justiça. Por isso, a im-
portância do destaque à diferenciação entre solidariedade social e capacidade
contributiva, que ajuda a compreender melhor a relação entre a solidariedade
e a tributação, bem como a ressalva de Humberto Ávila, no sentido de que, em
um Estado Democrático de Direito, aquela, por si só, não é fundamento direto
e exclusivo desta última.
É necessário destacar ainda que a solidariedade, como fundamento ético-
-jurídico da tributação, é um conceito em constante evolução, como muito bem
destacado por Fábio Zambitte Ibrahim230. E, nesse sentido, tem acompanhado
o processo de transição do Estado, produzindo reflexos diretos em todas as suas
áreas de influência, sobretudo, no plano da “justificação da exigência” através
das diferentes espécies tributárias, como se verá adiante.

227 Vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. Cit. p. 150-152. GODOI, Marciano Seabra de. “Tributo e
Solidariedade Social” In: Op. Cit. p. 152-158.
228 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol II, Valores e
Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 181.
229 GRECO, Marco Aurélio. “Solidariedade Social e Tributação”. In: Op. Cit. p. 168-169.
230 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Op. Cit. p. 09.

125
Raquel de Andrade Vieira Alves

3.3 A transição do Estado Liberal para o Estado Social


e Democrático de Direito: solidariedade genérica e
solidariedade de grupo
Até aqui foi possível identificar a origem das contribuições e, consequen-
temente, da parafiscalidade enquanto elemento essencial ao seu processo de
surgimento. Em seguida, expôs-se a relação entre a solidariedade e a tributação,
com destaque para o importante papel por ela desempenhado no plano da justi-
ficação ético-jurídica do dever de contribuição para os gastos públicos.
Contudo, a solidariedade como elemento justificador da tributação pode ser
analisada sob duas óticas distintas, que possuem relação direta com as diferen-
tes espécies tributárias: como elemento informador da instituição do gênero
tributos – solidariedade genérica – e como elemento informador da instituição
de contribuições especiais – solidariedade de grupo.
De início, é necessário ressaltar que, embora a ideia de solidariedade tenha
ganhado força e destaque a partir da afirmação do Estado Social, ela esteve
presente no decorrer de todo o Estado Fiscal, seja no Estado Fiscal Liberal, seja
no Estado Fiscal Social231.
Assim é que, desde o declínio do absolutismo que, do ponto de vista histó-
rico, coincide com a formação do Estado de Direito, ou Estado Fiscal, o finan-
ciamento das atividades estatais pelo patrimônio de toda sociedade, mediante o
pagamento de impostos, indica a existência de um Estado solidarista. Na lição
de Ricardo Lobo Torres:

O que caracteriza a constituição do Estado Fiscal, como específica con-


figuração do Estado de Direito, é o novo perfil da receita pública, que
passou a se fundar nos empréstimos, autorizados e garantidos pelo Legis-
lativo, e principalmente nos tributos – ingressos derivados do trabalho
e do patrimônio do contribuinte -, ao revés de se apoiar nos ingressos
originários do patrimônio do príncipe.232

231 PENHA, Marcos Bueno Brandão da. “A Solidariedade Social como Fundamento da Progressividade
dos Impostos Reais na Constituição Federal”. Revista de Finanças Públicas, Tributação e
Desenvolvimento da UERJ, v. 3, nº 3, 2015. p. 11.
232 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 08.

126
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Refere-se aqui a Estado Fiscal para designar a projeção financeira do Estado


Moderno, em que há separação entre a fazenda pública e a fazenda do monarca,
ou entre a economia e a política, cujos direitos e deveres passam a ser inseridos nas
constituições. Essa nomenclatura é utilizada por Ricardo Lobo Torres, que se refere
ainda aos antecessores do Estado Fiscal como o Estado Patrimonial, corresponden-
te ao período feudal, em que o patrimônio público e privado se confundiam, e o
Estado de Polícia, marcado pelo absolutismo político e pela economia mercantil233.
O autor divide o Estado Fiscal em três fases bem marcadas: Estado Fis-
cal Minimalista, que se estende do final do século XVIII ao início do século
XX; Estado Social Fiscal, que vai do início do século XX até aproximadamente
1989; e o Estado Democrático e Social Fiscal, que corresponde ao atual estágio
da sociedade. Ricardo Lodi Ribeiro, com base nessa classificação, se refere às
mesmas fases como: Estado Liberal; Estado Social e Estado Social e Democrá-
tico de Direito234, nomenclatura adotada na presente obra.
De fato, a cobrança regular de tributos em moeda e não mais em mercado-
rias e serviços, como ocorria no período feudal, se consolida com o absolutismo
monárquico, a partir da expansão marítima, e posteriormente com o início da
industrialização. Entretanto, é com o surgimento do Estado Moderno, no final
do século XVIII, que a tributação ganha a feição atual, através de normas que
trazem critérios de justiça na arrecadação e na aplicação dos recursos235.
Apesar de presente a ideia de solidariedade no fato de todos contribuírem
para os gastos públicos através de impostos, esse conceito só se consolida como
fundamento da tributação no fim do século XIX e início do século XX, como
visto anteriormente. Até então, as teorias econômicas que tentavam legitimar as
exigências tributárias estavam calcadas no ideal aristotélico de justiça comutati-
va, pautado por uma relação de equivalência entre o que se dá e o que se recebe.
Nesse período, marcado pela ascensão da burguesia ao poder e tendo o in-
divíduo e a liberdade como valores centrais a serem tutelados pelo Estado, a
“teoria econômica do benefício” de Adam Smith ganha amplo destaque ao pre-
conizar que as atividades estatais deveriam ser custeadas pelos seus maiores

233 Ibid. p. 07-08.


234 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. Cit. p. 149-152.
235 A Constituição dos Estados Unidos de 1787, em sua Seção 8, art. 1º, traz norma expressa sobre a
arrecadação de tributos e a sua uniformidade no território americano. A Constituição Francesa de
1791, por sua vez, estabelece a capacidade contributiva na tributação.

127
Raquel de Andrade Vieira Alves

beneficiados, na proporção de sua riqueza. Como as atividades do Estado se


limitavam à proteção da liberdade e da propriedade privada, os maiores benefi-
ciados eram logicamente os cidadãos mais ricos.
Ainda não estava presente no Estado Liberal a ideia de justiça distributiva,
que explicaria o ônus maior das classes mais abastadas com base no dever de
contribuição para as atividades sociais estatais. Na verdade, o Estado só existi-
ria para preservar a propriedade e garantir o processo de acumulação de capi-
tal236, de modo que os cidadãos de classes mais baixas permaneciam à margem
da sociedade e, consequentemente, à margem da tributação.
A esse Estado associa-se a ideia de justiça comutativa, baseada nas trocas e
cuja regra é a igualdade matemática. Isso explica porque as figuras tributárias
que melhor representavam a relação de equivalência entre custos e benefícios,
que correspondia à igualdade numérica da noção de justiça da época, eram os
tributos “causais” ou “contraprestacionais”, ou seja, as taxas e contribuições de
melhoria. Nelas o benefício auferido pelo contribuinte corresponde a uma con-
traprestação estatal na exata medida do montante pago.
Entretanto, apesar da prevalência da ideia de justiça comutativa, o Estado Libe-
ral era custeado fundamentalmente por impostos e não apenas por tributos causais,
o que leva a doutrina justamente a identificar o surgimento da noção de solidarieda-
de atrelada à ideia de justiça distributiva já nessa fase do Estado, embora essa cons-
ciência, ou melhor, essa justificação ainda não estivesse presente como fundamento
do pagamento de tributos. Como bem reconhece José Casalta Nabais:

Na verdade, a simples existência de um Estado fiscal convoca desde logo


uma idéia de justiça, que se não contém nos estritos quadros de justiça
comutativa, como seria a concretizada num Estado financeiramente su-
portado por tributos bilaterais ou taxas, figura tributária cuja medida se
pauta pela idéia de equivalência (entre a prestação em que ela se traduz e
a contraprestação específica pública que é a sua causa), sobretudo quan-
do essa equivalência não é apenas uma equivalência em sentido jurídico
(característica de todas as taxas), mas uma equivalência econômica, como
é próprio daquelas taxas que nós tendemos a designar por tarifas e que
em França, por exemplo, são conhecidas por redevances. Pois, numa tal
situação, que, como já dissemos por mais de uma vez, constitui uma possi-

236 SMITH, Adam apud GODOI, Marciano Seabra de. “Tributo e Solidariedade Social” In: Op. Cit. p. 155.

128
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

bilidade mais aparente do que real, a distribuição dos encargos financeiros


do Estado pautar-se-ia exclusivamente pelo princípio do benefício.
O que de todo não ocorre no Estado fiscal, que é suportado por todos
os cidadãos, ou mais exatamente por todos os residentes que revelem
capacidade contributiva.237

Observe-se que, mesmo quando admitida a ideia da tributação progressiva


no Estado Liberal, esta se justificava com base em uma teoria econômica utili-
tarista, através da noção de utilidade marginal da riqueza, e não com base na
solidariedade social. Embora hoje se tenha a consciência de que um Estado ba-
seado em impostos é um Estado solidarista, naquela época, os ideais fundantes
do Estado não permitiam essa conclusão.
A partir do Estado Social, contudo, mais precisamente a partir da Consti-
tuição de Weimar de 1919, que inaugura o constitucionalismo social e marca
o declínio do modelo liberal de Estado, este último abandona a função estática
de mero garantidor das liberdades individuais e passa então a intervir na ordem
econômica e social.
Com isso, a tributação adquire um novo papel na sociedade, pois, não só
passa a custear as novas atividades estatais, como passa a exercer um papel
decisivo na modificação da realidade que a cerca. É dizer, passa de instrumento
de custeio, com base na lógica custo-benefício, para atuar como verdadeiro ins-
trumento de promoção da justiça distributiva, com base na solidariedade social.
É no Estado Social, portanto, que a ideia de solidariedade social encontra a sua
concretização, como um objetivo a ser perseguido pelo Estado também por meio dos
impostos. José Casalta Nabais, nesse ponto, identifica duas espécies de solidariedade
social: uma atrelada à fiscalidade, quando o legislador na seleção e descrição do fato
gerador de impostos sujeita determinados setores à tributação menor para promoção
de determinado fim ou institui alíquotas progressivas; e a solidariedade atrelada à
extrafiscalidade, que representaria o direito fiscal a serviço da realização imediata
ou direta de objetivos de natureza econômica ou social238.
É exatamente a partir da segunda acepção de solidariedade social mencionada
pelo autor, atrelada à extrafiscalidade, que é possível extrair a parafiscalidade que

237 NABAIS, José Casalta. “Solidariedade Social, Cidadania e Direito Fiscal”. In: Solidariedade Social e
Tributação. Marco Aurélio Greco, Marciano Seabra de Godoi (Coords.). São Paulo: Dialética, 2005.
p. 127-128.
238 Ibid. p. 129-133.

129
Raquel de Andrade Vieira Alves

dá origem às contribuições239. O modelo de tributação com base exclusivamente


em impostos e taxas passa a não mais atender aos desígnios do Estado Social, que,
como bem destaca Marco Aurélio Greco, traz à tona a preocupação não apenas
com a causa dos tributos, mas também com a sua finalidade240.
Ou seja, haveria uma solidariedade atrelada à ideia de custeio das atividades
estatais por toda sociedade, na medida de sua capacidade contributiva, que
corresponde aqui à solidariedade genérica.
E essa solidariedade no Estado Social, com base na noção de justiça distri-
butiva, justificaria, por exemplo, a progressividade de alíquotas de impostos e
não apenas a proporcionalidade, como se defendia no Estado Liberal. Nesse
sentido é a lição de Ricardo Lodi, para quem “em uma sociedade marcada por
profundas desigualdades sociais como a nossa, a progressividade é, em vários
impostos, o instrumento mais adequado à aplicação do Princípio da Capacidade
Contributiva, baseando-se na Solidariedade e na Justiça Social” 241.
Entretanto, haveria ainda a solidariedade atrelada a determinadas finalida-
des do Estado, para fins de legitimar a sua intervenção na ordem econômica e
social. Essa solidariedade importaria em uma responsabilidade maior por parte
dos membros de determinados grupos sociais homogêneos, distintos de outros,
em relação ao custeio de atividades que diretamente lhes interessariam. É a
chamada solidariedade de grupo, que informa as contribuições.
Com efeito, a solidariedade de grupo, no período pós-guerra, aparece como
fundamento das contribuições especiais vinculadas a determinadas entidades
paraestatais, na França e na Itália, porém, com a compreensão de que o Estado
possui o dever de promover os novos direitos inseridos nas Constituições, ou seja,
com a compreensão de que cabe ao Estado o atendimento às finalidades fiscais e

239 Importante frisar, nesse ponto, que não se toma a parafiscalidade como mero sinônimo de
extrafiscalidade, mas se reconhece que a primeira pode ser concebida como uma forma de manifestação
direta desta última, em que não há propriamente o estímulo a uma conduta, mas sim, o patrocínio de
ações ligadas à redução da desigualdade social e à promoção de uma série de finalidades de cunho social
e econômico, como é o caso das ações ligadas à universalização dos serviços de telefonia fixa (FUST),
por exemplo, ou ainda, das ações ligadas ao desenvolvimento tecnológico (Cide-royalties), dentre outras
atividades. Nesse sentido: “Identificamos a presença da extrafiscalidade direta, portanto, na instituição
de contribuições especiais; e, igualmente, em algumas normas isencionais ou imunitórias que não são
estipuladas para interferir na conduta dos contribuintes: apenas identificam um fato e o juridicizam
negativamente quanto aos efeitos tributários.” FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 233-238.
240 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000. p. 37-38.
241 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. Cit. p. 158.

130
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

extrafiscais, as contribuições passam então a integrar a sua receita, como fonte de


custeio primária de uma série de prestações trazidas pelo Estado Social.
Nesse ponto, retomam-se aqui as críticas de alguns doutrinadores quando
do surgimento da parafiscalidade na França (Laufenburguer, Laferièrre e Meri-
got), que viam nas contribuições da época um reconhecimento de que o Estado
originalmente não deveria custear esses novos direitos prestacionais trazidos
pelo Estado Social, relegando os deveres deles decorrentes a entidades paraesta-
tais, assim como a receita das contribuições especiais que lhes deveriam custear.
De fato, essa dicotomia que existiu entre impostos, como figuras tributárias que
deveriam financiar as atividades “normais” do Estado, e as contribuições paraesta-
tais, como elementos não integrantes do orçamento estatal que financiariam de-
terminadas atividades de cunho social, evidenciava um resquício dos ideais liberais
que ainda estavam presentes na sociedade quando do surgimento das contribuições.
Mais tarde, com a completa integração entre os fenômenos fiscal e extra-
fiscal, reconheceu-se que ambas as figuras, impostos e contribuições especiais,
seriam receitas tributárias e deveriam integrar o orçamento estatal, posto que
corresponderiam a atividades de desempenho normal do Estado. Assim é que,
nos países em que não havia vedação no ordenamento jurídico para a afetação
de impostos, as contribuições acabaram sendo por eles incorporadas.
Esse processo de integração marca o surgimento do Estado Social e Demo-
crático de Direito, que incorpora os elementos da justiça comutativa do Estado
Liberal e os elementos da justiça distributiva do Estado Social, baseando suas
receitas tributárias em impostos, taxas e contribuições. De acordo com o Ricardo
Lodi Ribeiro, dentro desse processo, a fusão entre o valor “liberdade” do Estado
Liberal e o valor “solidariedade” do Estado Social possibilitou o surgimento da
“solidariedade de grupo”, informadora das contribuições especiais. Confira-se:

Com o advento do Estado Social e Democrático de Direito, há, na fase


de legitimação do ordenamento jurídico, uma ponderação entre a Li-
berdade do Estado Liberal e a Solidariedade do Estado Social. Nesse
contexto, a Capacidade Contributiva une os elementos da Justiça co-
mutativa com os da Justiça distributiva, viabilizando o surgimento da
Solidariedade de Grupo ou Custo-Benefício coletivo, em relação às con-
tribuições parafiscais, que deixam de ser informadas pela Solidariedade
Social em sentido genérico, que fica restrita aos impostos e aos emprés-
timos compulsórios que utilizem o fato gerador desses. A Solidariedade
de Grupo é revelada a partir da destinação do tributo a uma atividade

131
Raquel de Andrade Vieira Alves

estatal que guarda referência, não com a pessoa do contribuinte, mas


com o grupo econômico ou social que ele participa.242

Assim, o Estado Social e Democrático de Direito corresponderia ao atual


estágio da sociedade, que contempla um modelo completamente diferente do
modelo clássico baseado fundamentalmente em impostos. Como faz questão de
ressaltar Marco Aurélio Greco, o Estado atual não desconsideraria as conquis-
tas do Estado de Direito e nem esqueceria o desenvolvimento teórico obtido
pela teoria do fato gerador, mas conjugaria as duas posturas, completando a
ideia das causas da tributação com a ideia dos fins243.
Desse modo, a solidariedade de grupo seria revelada no Estado Social e De-
mocrático de Direito através da finalidade das contribuições, devendo guardar
uma referência direta não com a pessoa do contribuinte, mas com o grupo
econômico e social do qual ele participa. É o que Ricardo Lodi Ribeiro deno-
mina de referibilidade de grupo que, assim como a destinação, constitui elemento
essencial das contribuições244.
Marco Aurélio Greco, por sua vez, trata a solidariedade de grupo como vetor
axiológico das contribuições, do qual decorre a constatação de que o pertenci-
mento ou a participação a certo grupo (social, econômico, profissional) consti-
tui a própria razão de ser da exigência. Em suas palavras:

E, por que paga-se contribuição? Paga-se contribuição porque o contri-


buinte faz parte de algum grupo, de alguma classe, de alguma categoria
identificada a partir de certa finalidade qualificada constitucionalmen-
te, e assim por diante. Alguém “faz parte”, alguém “participa de” uma
determinada coletividade, encontrando-se em situação diferenciada,

242 Ibid. p. 150-151. RIBEIRO, Ricardo Lodi. “O Princípio da Capacidade Contributiva nos Impostos, nas
Taxas e nas Contribuições Parafiscais”. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, nº 18, 2010. p. 02-03.
243 GRECO, Marco Aurélio. Op Cit. p. 48-47.
244 Nesse sentido: “Porém, não basta que a contribuição parafiscal tenha legal destinação específica
e previsão orçamentária. Para que os referidos tributos cumpram a sua finalidade e obtenham a
validação constitucional é preciso que haja a referibilidade de grupo entre os contribuintes da exação e
a finalidade estatal por ela financiada, que tem que guardar relação com o grupo de que o contribuinte
faz parte.” RIBEIRO, Ricardo Lodi. “Contribuições Parafiscais e a Validação Constitucional das
Espécies Tributárias.” Revista Dialética de Direito Tributário, nº 174, março, 2010. p. 118.

132
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

sendo que, desta participação, pode haurir, eventualmente (não neces-


sariamente), determinada vantagem.245

Essa compreensão da relação de essencialidade da solidariedade de grupo à


natureza das contribuições é extremamente importante, porque a falta de um
dos elementos, destinação e referibilidade de grupo, ou a sua desvirtuação, impli-
ca na ausência de justificação da exigência ou, nas palavras de Marco Aurélio
Greco, na ausência de “racionalidade” da tributação246 e, evidentemente, carac-
teriza um abuso no manejo dessa espécie tributária pelo Poder Público, com fins
meramente arrecadatórios.
Merece reflexão, ainda, a posição de Fábio Zambitte Ibrahim247, não só pela
consistência dos seus argumentos, como pela sua autoridade no assunto. Nesse
ponto, o autor considera que na sociedade atual, a qual classifica como “socie-
dade de risco” em alusão à teoria do filósofo alemão Ulrich Beck, a solidarieda-
de de grupo acaba perdendo espaço frente à ambivalência que marca os interes-
ses da coletividade, já que o interesse de alguns seria na verdade o interesse de
todos, o que faz com que a referibilidade das contribuições a determinado grupo
social praticamente inexista.
Assim, de acordo com a sua teoria, a solidariedade de grupo no atual estágio
do Estado tenderia a confundir-se com a solidariedade genérica que fundamen-
ta os impostos, levando à gradual extinção das contribuições como fonte de
custeio das atividades estatais, que deveriam ser financiadas prioritariamente
pelos impostos nesse contexto.
Para embasar seus argumentos, o autor endossa a crítica de alguns doutri-
nadores, fazendo alusão à controvérsia que se instaurou no período pós-guerra
na França e entendendo que a superação do modelo clássico de Estado mínimo
levaria a um financiamento das atividades estatais em bases universais, próprio
de impostos. Para tanto, cita o modelo de financiamento da seguridade social
brasileira, baseado na proteção irrestrita de toda sociedade.
Com efeito, a crítica do autor é deveras pertinente, sobretudo, em modelos
protetivos universais, como é de fato o caso da seguridade social brasileira, en-

245 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 83-84.


246 Ibid. p. 162-166.
247 Vide: IBRAHIM, Fábio Zambitte. Op. Cit. p. 256-270.

133
Raquel de Andrade Vieira Alves

tretanto, a conclusão pela ausência completa de funcionalidade das contribui-


ções na sociedade atual, a despeito da sólida crítica, não pode ser endossada.
Primeiramente, como foi possível perceber, a solidariedade sempre esteve
atrelada à noção de grupo desde a sua origem, mesmo quando ainda era iden-
tificada com base na ideia de caridade e filantropia. A evolução no papel do
Estado e o desenvolvimento de teorias de justiça fundadas no ideal de igualdade
permitiram que a solidariedade assumisse um sentido jurídico, identificando
na sociedade como um todo o grupo a que se refeririam os benefícios de uma
tributação baseada em impostos.
Contudo, a evolução da sociedade e a complexidade das relações que re-
dundaram na atual “sociedade de risco” conduzem à constatação de que os
perigos hoje enfrentados pela humanidade são resultado dos efeitos colaterais
da própria ação humana, o que acaba por gerar uma imprevisibilidade quanto
às consequências das medidas adotadas e o enfraquecimento da racionalidade
baseada no conhecimento do passado248.
Assim, na “sociedade de risco”, que corresponde ao atual Estado Social e
Democrático de Direito, o passado deixa de ter força determinante em relação
ao presente, abrindo espaço para o futuro que, embora ainda inexistente, é
construído como causa da vivência e atuação presentes. Nela, a incerteza, a in-
determinação e a multiplicidade de interesses são figuras não apenas presentes,
como comuns. Não há dois ou três grupos que representem interesses específi-
cos, há vários grupos.
Esse cenário de ambivalência que caracteriza a sociedade atual foi bem iden-
tificado por Marco Aurélio Greco que, ao tratar das “lógicas desviantes” e do
surgimento mais recentemente da “lógica fuzzy”, ressalta a necessidade de se
buscar novos modelos que, ao invés de enxergar a realidade como opostos que
se excluem, vejam o mundo como uma realidade única, formada por opostos
que se integram e completam249.
Essa integração, ao contrário de redundar no esvaziamento da solidariedade
de grupo, fortalece a ideia da necessidade de se conjugar os interesses dos diver-
sos grupos distintos com os interesses da sociedade. Nesse contexto, segundo
afirma Ricardo Lobo Torres, “não seria justo cobrir as despesas com a garantia

248 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011.
Capítulo I. p. 23-60.
249 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 38-40.

134
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

dos direitos sociais de certos grupos através da arrecadação de impostos gerais.


Cada grupo social deve assumir a responsabilidade de prover as despesas com a
proteção estatal de que carece” 250.
Também, para Ricardo Lodi Ribeiro, o modelo de Estado baseado no financia-
mento de atividades relacionadas a interesses de grupos sociais específicos através
de contribuições seria o mais adequado à complexidade da “sociedade de risco”:

Esse novo modelo é também mais adequado ao Estado Social e Demo-


crático de Direito e à sociedade de risco, em que o passado não mais
oferece critérios para a solução dos problemas do presente, aumentan-
do a demanda por mecanismos tributários que, abandonando o clássico
modelo baseado exclusivamente no fato gerador e na capacidade con-
tributiva, como manifestação de riqueza já conhecida, sejam capazes de
prevenir e atenuar os riscos futuros. Por outro lado, com a repartição de
bads e goods pelos cidadãos, os benefícios sociais que determinado gru-
po aufere com a atuação estatal, bem como a prevenção dos riscos por
ele causados, não devem ser atribuídos ao conjunto da sociedade, que
suporta o pagamento dos impostos. Mas ao próprio grupo que demanda
intervenção governamental.251

Dessa forma, em uma sociedade marcada pela incerteza, o modelo tributário


baseado no conhecimento das causas da tributação, como é o modelo dos tribu-
tos identificados pelo fato gerador, não é mais suficiente para atender às novas
exigências da coletividade. A ideia da existência de riscos desconhecidos que
deverão ser partilhados pelos cidadãos se amolda, assim, perfeitamente à noção
de solidariedade de grupo que ampara as contribuições, cujo ônus do financia-
mento recai somente sobre a categoria beneficiada.
O fato de recentemente presenciar-se ao fenômeno da integração entre os
elementos predominantes do Estado Liberal e do Estado Social só fortalece a
lógica da tributação finalística com fundamento na solidariedade de grupo, em
complemento aos modelos clássicos baseados na solidariedade genérica (impos-
tos) e no custo-benefício (taxas e contribuições de melhoria).

250 TORRES, Ricardo Lobo apud YAMASHITA, Douglas. “Princípio da Solidariedade em Direito
Tributário.” In: Solidariedade Social e Tributação. Marco Aurélio Greco, Marciano Seabra de Godoi
(Coords.). São Paulo: Dialética, 2005. p. 64.
251 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Op. Cit. p. 04.

135
Raquel de Andrade Vieira Alves

Se no Direito Comparado é possível verificar em alguns países que essa in-


tegração levou a uma redução ou até mesmo à extinção da figura das contri-
buições como espécies autônomas, o mesmo não se pode dizer em relação aos
países que adotaram as contribuições como categorias abrangidas pelo Direito
Tributário, dotadas de autonomia e regime jurídico próprio, como o Brasil.
É preciso entender que as contribuições destinadas a entidades paraesta-
tais surgidas durante o pós-guerra não encontravam no ordenamento jurídico
dos países da época um elemento que justificasse o seu enquadramento como
espécie tributária autônoma. Desse modo, assim que se reconheceu que as ati-
vidades por elas custeadas eram de fato obrigações estatais, elas tiveram que ser
incorporadas às espécies tributárias clássicas já vigentes.
Daí a pertinência da crítica de muitos doutrinadores, como Laufenburguer,
Laferièrre e Merigot, que viam as contribuições da época como impostos afeta-
dos que, a pretexto de cumprirem finalidades específicas, se transformaram em
verdadeiros instrumentos arrecadatórios, à margem da legalidade e das demais
regras a que se submetiam os tributos. Não houve, contudo, uma crítica especí-
fica em relação à solidariedade de grupo, pois as contribuições nesse momento
sequer possuíam natureza tributária.
Esse ponto é extremamente importante para se entender boa parte dos abu-
sos que são cometidos atualmente em matéria de contribuições no Brasil. Mas,
frise-se, não se pode estudar o fenômeno à luz somente de seus desvios, pois isso
implica na compreensão inadequada do instituto.
O Brasil, além de possuir vedação constitucional expressa para a afetação
de impostos, estabeleceu um regime jurídico próprio para as contribuições na
Constituição de 1988, que foi complementado posteriormente a partir da dou-
trina e da jurisprudência, e isso tem de ser levado em consideração para fins da
correta identificação do fenômeno, sobretudo, porque se está tratando aqui da
interação das contribuições com o Pacto Federativo.
Portanto, a experiência estrangeira servirá de guia para a compreensão do
desvirtuamento que as contribuições têm sofrido no Brasil, mas a análise de
suas características tem de ser feita a partir do ordenamento jurídico pátrio. Ou
seja, não se dispensam as críticas dos doutrinadores franceses quanto à auto-
nomia das contribuições, apenas se utiliza como ponto de partida neste estudo
o ordenamento jurídico brasileiro, e nele, como será demonstrado a seguir, as
contribuições são concebidas como espécies autônomas.

136
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Com tudo isso, pretende-se dizer que muitos abusos têm sido cometidos em
matéria de contribuições no Brasil e são justamente esses abusos, com o escopo
único de maximizar a arrecadação da União, que têm, como efeito colateral, o
comprometimento do equilíbrio do Pacto Federativo. Entretanto, a consequ-
ência desse desvirtuamento não conduz à conclusão de que as contribuições
devem ser extirpadas do ordenamento jurídico.
A uma porque isso atualmente só seria possível através de uma nova cons-
tituinte. A duas porque entendemos que a utilização correta dessa espécie
tributária pode trazer benefícios em matéria de financiamento de atividades
específicas do Estado, cujo custeio deve estar diretamente atrelado ao grupo
atingido. Como consequência, se obteria um reequilíbrio do federalismo fis-
cal, mediante a equalização das bases tributárias, com o financiamento por
impostos das atividades em que o grupo interessado corresponde a toda so-
ciedade e por contribuições para atividades em que o grupo interessado não
corresponde à coletividade.
Daí porque entendemos que o principal elemento de distinção e valida-
ção das contribuições no ordenamento jurídico pátrio é atualmente a soli-
dariedade de grupo que, ao limitar o custeio ao grupo social atingido pela
atividade estatal, impõe uma relação de compatibilidade entre a destinação
constitucional da exação e o grupo do qual o contribuinte faz parte, que é
justamente a referibilidade de grupo.
Portanto, quando se fala em contribuições em um Estado Social e Demo-
crático de Direito deve-se ter em mente necessariamente a existência de: uma
destinação específica; um grupo social, econômico ou profissional, responsável
pelo custeio e diretamente atingido pela atividade custeada, que não se con-
funda com toda a sociedade; e a referibilidade de grupo, expressa pela relação de
custo-benefício coletivo entre os dois elementos anteriores.

3.4 A evolução do tema no Brasil


As contribuições têm como pano de fundo para o surgimento no Brasil o
período que se sucedeu à Revolução de 1930. Embora, como lembra Fábio Zam-
bitte Ibrahim, há quem identifique na Constituição de 1824 a primeira previsão,
ainda que implícita, da instituição de contribuições, a partir da atribuição da
assembleia geral de fixar anualmente as despesas públicas e repartir a contri-

137
Raquel de Andrade Vieira Alves

buição direta (art. 15, inciso X252), que ganhou espaço como contribuição para
montepios253 - a exemplo do Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mon-
geral) -, é com a Constituição de 1934 que se pode afirmar o surgimento das
contribuições no sistema constitucional brasileiro.
Simone Lemos Fernandes identifica duas fases distintas para a parafiscali-
dade brasileira. A primeira, a que se refere como instrumental, em que a para-
fiscalidade seria mera técnica de arrecadação de receitas e as contribuições não
teriam natureza tributária, vai do período pós-Revolução de 1930 até 1946. Já
a segunda começa a ser delineada a partir de 1946 e se consolida com a Cons-
tituição de 1988, quando a parafiscalidade passa a ser gradualmente concebida
como a delegação da capacidade tributária ativa a pessoas jurídicas de direito
privado ou de direito público não territoriais, para aplicação direta dos recursos
arrecadados em suas finalidades institucionais254.
Independentemente do enfoque da autora ser apenas as contribuições de
interesse das categorias profissionais e econômicas, a que se refere como “ne-
corporativas”, faz-se uma importante análise do desenvolvimento da parafisca-
lidade no Brasil, que surge atrelada ao movimento corporativo da “Era Vargas”,
expandindo-se posteriormente até a sua completa absorção pelo Direito Tribu-
tário, o que auxilia na compreensão do fenômeno e de suas principais críticas
doutrinárias até o regime constitucional atual.
Com efeito, com a instauração do chamado “corporativismo” no país, assim
entendido como um sistema de representação de interesses, baseado em grupos
funcionais integrados em uma organização controlada e supervisionada pelo
Estado, as contribuições ganharam força como instrumentos de financiamento
dessas novas entidades, sobretudo sob a égide da Constituição de 1937.
A Constituição de 1934, embora tenha inaugurado o instituto no ordena-
mento constitucional brasileiro, através da previsão de instituição de contribui-
ções previdenciárias (art. 121, § 1º, h255), além da curta duração, não produziu o

252 “Art. 15. E' da attribuição da Assembléa Geral


[...]
X. Fixar annualmente as despezas publicas, e repartir a contribuição directa.”
253 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Op. Cit. p. 252-253.
254 FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 102-103, 239-240.
255 “Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade
e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

138
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

alcance que a Constituição de 1937 logrou dar à figura, em razão do momento


político e social pelo qual passava o país.
Nesse ponto, o sindicalismo regulamentado pelo Estado teve seu auge na
Carta de 1937, que não só deixou consignado que a economia da produção
seria organizada em corporações e que estas, como representantes das forças
de trabalho nacional, seriam colocadas sob a existência e proteção do Estado,
exercendo funções delegadas do Poder Público (art. 140256), como lhes atribuiu
o poder de impor contribuições aos seus associados, na forma de seu art. 138257.
Como reconheceu Geraldo Ataliba:

Nesse ambiente nasceu e floresceu a parafiscalidade no Brasil, durante


o regime discricionário de 1937, quando nem mesmo as autoridades edi-
toras da Constituição a obedeciam rigorosamente. Imitando ou – o que
é pior – simplistamente transplantando do sistema jurídico fascista que
vigia na Europa – convertido praticamente que estava o estado brasileiro
em estado unitário – não foram a nominal adoção do princípio federal
e o mecanismo constitucional, cuja estrutura fundamental vinha desde
34, obstáculo a que medrassem soluções empíricas, improvisadas, injurí-
dicas e flagrantemente violadoras do sistema.258

Essa passagem denota não só a inspiração da Constituição de 1937 no direito


italiano, fato que, aliás, se confirma pela leitura do mencionado art. 140, nitida-

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar
as condições do trabalhador:
[...]
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes
e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante
contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da
maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;”
256 “Art. 140 - A economia da produção será organizada em entidades representativas das forças do
trabalho e que, colocadas sob a assistência e a proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções
delegadas de Poder Público.”
257 “Art. 138 - A associação profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o sindicato regularmente
reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria
de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras
associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus
associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de Poder Público.”
258 ATALIBA, Geraldo apud FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 109.

139
Raquel de Andrade Vieira Alves

mente inspirado na Carta del Lavoro da Itália259, como ilustra a forte crítica da
doutrina da época à ausência de controle das contribuições.
De fato, nesse período as contribuições aparecem como figuras não tribu-
tárias, já que a Constituição de 1937 só previa como espécies tributárias os
impostos e as taxas e a competência residual para instituição de impostos era
atribuída apenas aos Estados e não à União, de modo que não era possível o
enquadramento dessas novas exações em nenhuma das espécies então vigentes.
A partir daí entidades com atribuições de caráter assistencial e com po-
deres para a instituição de contribuições para o custeio de suas ativida-
des foram criadas em grande número, como as entidades de previdência e
aposentadoria dos comerciários, dos bancários, dos empregados em serviços
de transporte de cargas e até mesmo de funcionários públicos. Outras, de
caráter econômico ou setorial, foram sendo criadas de acordo com as neces-
sidades no âmbito da defesa da economia, impondo para o custeio de suas
atividades a exigência de contribuições parafiscais das mais variadas for-
mas. É o caso do Instituto do Açúcar e do Álcool, do Instituto Brasileiro do
Café e até mesmo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
de caráter diverso, dentre vários outros260.
A Constituição de 1946 também consignou autorização expressa para a ins-
tituição de contribuições parafiscais, entretanto, tal como a Constituição de
1934, limitou-se às contribuições previdenciárias (art. 157, inciso XVI261).
No período compreendido entre a promulgação da Carta de 1946 e a de
1988 teria ocorrido a transição entre as fases da parafiscalidade identificadas
por Simone Fernandes Leal. Nesse período de redemocratização, a tese domi-
nante entre os partidários da natureza tributária das contribuições propunha o
seu enquadramento ora como impostos, ora como taxas, de acordo com a ma-

259 Documento através do qual o Partido Nacional Fascista de Benito Mussolini apresentou as linhas de
orientação que deveriam guiar as relações de trabalho na sociedade italiana (1927).
260 MAIA, J. Motta. A Parafiscalidade na Constituição de 1967. Rio de Janeiro: Instituto do Açúcar e do
Álcool, 1968. p. 09.
261 “Art. 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além
de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:
[...]
XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da
maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte;”

140
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

terialidade de sua incidência. É o que defendia Aliomar Baleeiro, por exemplo,


que endossava as teorias de Laufenburguer, Laferièrre e Merigot262.
Entretanto, Rubens Gomes de Sousa já nessa época, alinhado ao pensamento
de Emanuele Morselli, concebia as contribuições como figuras autônomas, en-
tendendo se tratarem de uma terceira espécie tributária, que abrigaria as con-
tribuições de melhoria e as parafiscais. Seu entendimento se baseava na redação
do art. 30, inciso III, da Constituição de 1946, que conferia competência aos três
entes federados para a cobrança de “quaisquer outras rendas que possam provir do
exercício de suas atribuições e da utilização de seus bens e serviços” 263.
Em documento endereçado ao Congresso Nacional para ser utilizado como
subsídio na elaboração de uma legislação que definisse as espécies tributárias,
Rubens Gomes de Sousa externou seu posicionamento:

A elaboração do conceito de contribuição suscita entretanto um proble-


ma preliminar relativo à extensão de seu alcance. Provavelmente devido
ao fato da Constituição, em seu art. 30, nº I, se ter referido especifica-
mente à contribuição de melhoria, ainda lhe definindo o conceito, no
parágrafo único daquele mesmo artigo, através da fixação dos seus limi-
tes, gerou-se uma opinião generalizada, embora superficial, de que o tipo
‘contribuição de melhoria’ esgota toda a espécie ‘contribuição’. Não nos
parece que seja esse o melhor entendimento do assunto, mesmo porque
a Constituição, no mesmo artigo, nº III, atribui com caráter comum à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a cobrança de
quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas atribui-
ções e da utilização de seus bens e serviços.264

Observa-se então que de fato, a partir da Constituição de 1946, a doutrina


brasileira começa a reconhecer a natureza tributária das contribuições, ainda
que oscilante em relação à sua autonomia como espécie tributária. Isso já de-
monstra um reconhecimento da evolução do papel do Estado, assumindo que
o tributo, nesse contexto, poderia ser manejado como instrumento de políticas
econômicas e sociais para o alcance de objetivos distintos da mera arrecadação.

262 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
p. 282-288.
263 FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 140-142.
264 Ibid. p. 140-141.

141
Raquel de Andrade Vieira Alves

Não obstante, essa noção ainda não estava consolidada, já que não havia um
regramento específico para as contribuições que permitisse a identificação de
seu regime jurídico. Daí porque falar-se em período de transição. Tanto é assim
que o Supremo Tribunal Federal chegou a afastar a natureza tributária das con-
tribuições ao Instituto do Açúcar e do Álcool, sob a égide da Constituição de
1946, alegando que elas não se prestariam à “finalidade própria dos tributos”.
Confira-se trecho do voto proferido pelo relator, em que é possível identificar a
visão de que o tributo não serviria para custear atividades relacionadas à inter-
venção do Estado na economia:

[...] Levanta-se, assim, a questão de ser ou não tal contribuição um tri-


buto. Tenho para mim que não, pois não tem ela caráter fiscal, sendo
simples expediente indispensável à execução de um plano econômico,
destinado à defesa de produto que constitui a principal riqueza da vas-
ta região do país.265

O modelo consagrador da natureza autônoma das contribuições começa a ser


delineado a partir de 1964, com a vigência da Lei nº 4.320, que em seu art. 9º
reconheceu como tributos os impostos, taxas e as contribuições, nos termos da
constituição e das leis vigentes. Esse dispositivo havia, inclusive, sido vetado pelo
então Presidente João Goulart, mas foi mantido pelo Congresso Nacional266.
Contudo, a Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, que
praticamente deu forma ao sistema tributário atual – embora promulgada em
um período não democrático – não elencou dentre as espécies tributárias as
contribuições. De acordo com Luciano Amaro, a Comissão que preparou o
projeto teria se baseado na doutrina que só admitia como espécies tributárias
os impostos e as taxas, além disso, haveria o receio de afetar a rigidez da dis-
criminação de rendas267.
Porém, mais tarde, Gilberto de Ulhôa Canto, jurista responsável pela elaboração
do Relatório Final da Comissão Especial que projetou a EC nº 18/65, confessou ter

265 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. MS nº 4.063. Ministro Relator Rocha Lagoa. Julgado em 20.05.57. RTJ
7/591, 1958.
266 “Art. 9º Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito publico, compreendendo
os impostos, as taxas e contribuições nos termos da constituição e das leis vigentes em matéria
financeira, destinado-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou especificas exercidas por
essas entidades. (Veto rejeitado no D.O. 05/05/1964)”
267 FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 146-147.

142
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

se arrependido da posição adotada, admitindo a impossibilidade de enquadramento


das contribuições nos impostos expressamente arrolados e a dificuldade de enqua-
dramento de suas hipóteses de incidência nas próprias das taxas268.
Pouco após a promulgação da EC nº 18/65, foi promulgada a Lei nº 5.172,
de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, denominado à época
de Sistema Tributário Nacional –, que seguiu a mesma orientação e, apesar da
sugestão de Rubens Gomes de Sousa para inclusão no projeto de Código Tribu-
tário de 1954 de dispositivo permissivo da instituição de taxas para custeio de
despesas especiais de pessoas jurídicas de direito público, contemplou apenas as
taxas para custeio da prestação de serviços públicos específicos.
Diante disso, e tendo em vista que a Constituição então vigente não autorizava
a instituição de contribuições para o custeio de atividades interventivas do Estado
de cunho econômico e social, mas apenas as previdenciárias, surgiu o receio de se
impossibilitar o funcionamento das entidades autárquicas de defesa econômica pela
ausência de previsão de contribuições parafiscais para o custeio de suas atividades.
Esse receio fundado foi bem caracterizado pela sugestão de um Ministro de Estado
da época de reformular a legislação do Instituto do Açúcar e do Álcool, para fins de
destinar ao seu funcionamento uma parte do imposto sobre produtos industrializa-
dos, em contrariedade aos princípios da doutrina financeira269.
Assim, logo em seguida, ainda no período de vacatio legis do Código Tributá-
rio Nacional, foi editado o Decreto-Lei nº 67, de 14 de novembro de 1966, que
lhe acrescentou o artigo 217, afirmando expressamente que as espécies tributá-
rias previstas no texto legal não excluiriam a incidência da contribuição sindi-
cal, das quotas da previdência, da contribuição destinada a constituir o Fundo
de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural, da contribuição destinada
ao FGTS, do salário-família, do salário-educação, e de outras contribuições pre-
vistas no § 2º do art. 34 da Lei 4.863, de 29 de novembro de 1965270.

268 Ibid.
269 MAIA, J. Motta. Op. Cit p. 11-12.
270 “Art. 217. As disposições desta Lei, notadamente as dos arts 17, 74, § 2º e 77, parágrafo único, bem
como a do art. 54 da Lei 5.025, de 10 de junho de 1966, não excluem a incidência e a exigibilidade:
(Incluído pelo Decreto-lei nº 27, de 1966)
I - da "contribuição sindical", denominação que passa a ter o imposto sindical de que tratam os arts
578 e seguintes, da Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo do disposto no art. 16 da Lei
4.589, de 11 de dezembro de 1964; (Incluído pelo Decreto-lei nº 27, de 1966)
II - das denominadas "quotas de previdência" a que aludem os arts 71 e 74 da Lei 3.807, de 26 de
agosto de 1960 com as alterações determinadas pelo art. 34 da Lei 4.863, de 29 de novembro de 1965,

143
Raquel de Andrade Vieira Alves

Como bem destaca Luís Eduardo Schoueri, vê-se a partir daí que nem mes-
mo em 1º de janeiro de 1967, data em que o Código Tributário entrou em vigor,
o sistema tributário nacional limitou-se às taxas, aos impostos e às contribui-
ções de melhoria271.
Foi nesse contexto que as contribuições foram expressamente inseridas na
Constituição de 1967 (arts. 157, § 9º e 158, inciso XVI272). Mais tarde, com a
promulgação da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, expan-
diu-se as possibilidades de instituição de contribuições especiais para além das
previdenciárias e de intervenção no domínio econômico, sendo o texto consti-
tucional que até então mais havia feito referência a tais exações.
A partir de então, com a inserção das contribuições em capítulo específico
acerca do Sistema Tributário Nacional na Constituição, através da EC nº 01/69,
reconheceu-se a sua natureza tributária e a sua autonomia como espécie tribu-
tária diversa dos impostos e das taxas, adotando-se a teoria tripartite de Rubens
Gomes de Sousa, que até aquele momento era minoritária.
Com a Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, alargou-se a previ-
são da competência da União para instituição de contribuições, de modo que esta
passou a poder instituir não apenas contribuições previdenciárias e de intervenção

que integram a contribuição da União para a previdência social, de que trata o art. 157, item XVI,
da Constituição Federal; (Incluído pelo Decreto-lei nº 27, de 1966) (Vide Ato Complementar nº
27, de 1966)
III - da contribuição destinada a constituir o "Fundo de Assistência" e "Previdência do Trabalhador
Rural", de que trata o art. 158 da Lei 4.214, de 2 de março de 1963; (Incluído pelo Decreto-lei nº
27, de 1966)
IV - da contribuição destinada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, criada pelo art. 2º da Lei
5.107, de 13 de setembro de 1966; (Incluído pelo Decreto-lei nº 27, de 1966)
V - das contribuições enumeradas no § 2º do art. 34 da Lei 4.863, de 29 de novembro de 1965, com as
alterações decorrentes do disposto nos arts 22 e 23 da Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966, e outras
de fins sociais criadas por lei. (Incluído pelo Decreto-lei nº 27, de 1966)”
271 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Cap. IV. 1.4.2.
272 “Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:
[...]
§ 9º - Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a
União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que
a lei estabelecer.
Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos
termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:
[...]
XVI - previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para
seguro-desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de doença, velhice, invalidez e morte;”

144
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

no domínio econômico, como também contribuições de interesse das categorias


profissionais. Entretanto, a mesma emenda retirou as contribuições do capítulo
constitucional referente ao Sistema Tributário Nacional, em uma clara tentativa de
transmutar a sua natureza jurídica, o que acabou sendo acatado pelo STF.
A Suprema Corte até então havia reconhecido a natureza tributária das con-
tribuições, como ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário nº 78.291-
SP, sob a relatoria do então Ministro Aliomar Baleeiro273. Porém, após a EC nº
08/77, o STF passou a entender que, por estarem situadas em capítulo diverso
daquele relativo ao sistema tributário, as contribuições sociais mencionadas no
inciso X do art. 43 da EC nº 01/69 não mais teriam natureza tributária274. Isso
incluía as contribuições socioprevidenciárias, pois as de interesse das categorias
profissionais e econômicas e outras destinadas à Previdência Social teriam pre-
visão específica em outro dispositivo da Constituição (art. 21, § 2º).
Ou seja, segundo o entendimento da Corte, as contribuições socioprevi-
denciárias teriam natureza tributária apenas no período compreendido entre
1966 e 1977. A partir da EC nº 08/77 as contribuições teriam então “perdido”
a natureza de tributos.
Obviamente, como bem destaca Simone Lemos Fernandes, não se pode ad-
mitir que a análise da natureza jurídica de uma prestação pecuniária compulsória
fique vinculada à sua posição topográfica na Constituição e sujeita a alterações
pelo legislador constituinte derivado, mediante meras realocações ou mudanças
no texto constitucional. Para que o legislador constituinte altere a natureza tribu-
tária de uma exação é preciso que promova profundas alterações em seu regime
jurídico e não apenas que modifique a sua posição dentro da Carta Magna275.
Não obstante, a jurisprudência e mesmo parte da doutrina da época não se
aprofundaram nessa análise, tomando como decisiva a localização topográfica
das contribuições para a definição de sua natureza. O principal efeito dessa
mudança se refletiu no prazo decadencial para cobrança das contribuições pre-
videnciárias que, de acordo com o art. 144 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de

273 “[...] As contribuições parafiscais são tributarias e, portanto, sujeitas ao art. 108, IV, do Código
Tributário Nacional”. BRASIL. STF. Primeira Turma. RE nº 78.291. Ministro Relator Aliomar
Baleeiro. Julgado em 04.06.74. DJ de 15.10.74.
274 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 86.595. Ministro Relator Xavier de Albuquerque. Julgado em
07.05.78. DJ de 30.06.78.
275 FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 166.

145
Raquel de Andrade Vieira Alves

1960276, seria de trinta anos, entretanto, reconhecida a sua natureza tributária,


o prazo teria de ser o mesmo para os demais tributos, no caso cinco anos.
O reconhecimento da natureza tributária das contribuições previdenciárias
feriria, assim, o interesse da Previdência Social, o que explica a forte reação das
autoridades da área à EC nº 01/69 e a aprovação da manobra implementada
com a EC nº 08/77 e acolhida pelos Tribunais.
Como se vê, portanto, até a EC nº 01/69 não havia um tratamento específico
para as contribuições na Constituição brasileira e o Código Tributário Nacio-
nal, a seu turno, nada disse sobre o tema, elencando como espécies tributárias
apenas os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.
Nesse cenário, o reconhecimento da natureza tributária das contribuições
era um problema, porque a partir daí não seria possível o seu enquadramento
em nenhuma das espécies de tributos existentes. Ao mesmo tempo, a falta de
um regime jurídico próprio possibilitava a fixação e o aumento de suas alíquotas
sem o indispensável debate democrático possibilitado através da atuação do
Legislativo. Isso permitiu que as contribuições permanecessem à margem das
limitações e dos princípios caros ao Direito Tributário por anos a fio.
A doutrina da época, por vezes, tentava identificar a natureza tributária das
contribuições existentes, a fim de lhes conferir algum grau de controle, mas es-
barrava na ausência de previsão constitucional e de um regime jurídico próprio,
acabando por inseri-las ora na categoria dos impostos, ora na categoria das taxas.
Outras vezes, simplesmente lhes negava a natureza de tributo, reconhecendo a
inaplicabilidade das normas e princípios de Direito Tributário. A jurisprudência,
por sua vez, sensível a qualquer alteração legislativa, ainda que meramente topo-
gráfica, também não externava um posicionamento homogêneo.
Essa instabilidade é puro reflexo da importação de institutos do Direito
Comparado sem a sua adequada internalização, o que fez com que as contribui-
ções existissem no plano fático, instituídas por leis e até mesmo decretos, mas
permanecessem à margem da Constituição e do CTN.
Com o advento da Constituição de 1988, diante da previsão das contribuições
dentro do capítulo referente ao Sistema Tributário Nacional e, principalmente, da
sua expressa submissão a grande parte do regime jurídico tributário, esse quadro
se alterou, trazendo à tona novos debates em relação à sua natureza e finalidade.

276 “Art. 144. O direito de receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devidas, prescreverá, para as
instituições de previdência social, em trinta anos.”

146
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

3.4.1. Natureza jurídica e conteúdo finalístico


Se antes da Constituição de 1988 as concepções doutrinárias clássicas já
divergiam em relação à natureza jurídica das contribuições e à destinação como
critério diferenciador entre elas e as demais espécies tributárias ante a falta de
uma disciplina jurídica adequada, após a sua promulgação, novos elementos
passaram a integrar a discussão.
Isso se deve ao fato de que, apesar de contidas no capítulo específico de-
dicado ao Sistema Tributário Nacional, como ocorrido nas sucessivas Cartas
Constitucionais, as contribuições não foram mencionadas no dispositivo que
pretensamente arrolaria todas as espécies tributárias (art. 145277). Além disso, a
Constituição de 1988 não teria previsto um regime jurídico para as contribui-
ções integralmente coincidente com o aplicável aos tributos.
Sob essa justificativa, a despeito de parcela expressiva dos estudiosos con-
siderar serem as contribuições verdadeiros tributos, parte da doutrina entende
que essa conclusão não é verdadeira. Assim é que Marco Aurélio Greco, por
exemplo, considera as contribuições como possuidoras de uma natureza “sui
generis”, explicando que se o art. 149 da Constituição determina que a elas deva
ser aplicada parte da disciplina típica de Direito Tributário é porque elas certa-
mente não integram este gênero278.
No mesmo sentido, Valdir de Oliveira Rocha defende que se as constituições
sociais fossem tributos deveriam estar automaticamente abrangidas pelos arts.
146, inciso III e 150, incisos I e III, não sendo necessário que o constituinte
explicitasse a sua submissão a essa disciplina279.
Entretanto, como bem reconhece Paulo Ayres Barreto, a refutação da na-
tureza tributária das contribuições com base na dicção legal do art. 145 da
Constituição não convence, pois a menção do dispositivo aos impostos, taxas e

277 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”
278 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p.79-81.
279 ROCHA, Valdir de Oliveira. “Contribuições Sociais”. In: MARTINS, Ives Gandra (coord.). Caderno
de Pesquisas Tributárias. Contribuições Sociais. São Paulo: Resenha Tributária, v. 17, 1992. p. 302.

147
Raquel de Andrade Vieira Alves

contribuições de melhoria se referiria aos tributos cuja competência é atribuída


de modo indistinto a todos os entes federados280.
Ademais, e nesse ponto convergindo com o entendimento de Marco Aurélio
Greco281, não é a submissão ao regime jurídico tributário que irá conferir às contri-
buições a natureza de tributos, pois ambos não se confundem, mas, ao contrário, é
a sua natureza que irá definir o regime jurídico a que se submetem as contribuições.
Eurico de Santi, com base nas lições de Paulo de Barros Carvalho, esclarece
que dizer que o regime jurídico define a natureza específica do tributo significa
incorrer na denominada “falácia da inversão do efeito pela causa”. Como ensina
Paulo de Barros Carvalho:

a água é uma substância composta por dois átomos de hidrogênio e um


de oxigênio, que ferve a 100 graus centígrados, no nível do mar. Não é
por ferver a 100 graus centígrados que a substância assume o caráter de
água: outros líquidos distintos apresentam o mesmo efeito, no pressupos-
to de idênticas condições. É o critério de sua composição que informa o
uso da palavra “água”, que designa a substância água, e não o efeito de
ferver a 100 graus centígrados. Se fosse assim, todo líquido ou sólido que
fervesse nessa temperatura seria água.282

Portanto, o que interessa para a aferição da natureza jurídica tributária das


contribuições é saber se a sua definição se amolda ao conceito de tributo. Nesse
ponto, seguindo a doutrina de Paulo Ayres Barreto e, consequentemente, de Ge-
raldo Ataliba, em quem o primeiro se inspira para chegar à conclusão proposta, é
preciso verificar se as contribuições caracterizam-se como “exigências coativas, de
cunho patrimonial, feitas pelo Estado, a serem satisfeitas em dinheiro, e que não
tenham caráter de indenização, sanção por ato ilícito ou obrigação contratual”. 283
Haveria, assim, um conceito jurídico de tributo fixado, ainda que implici-
tamente, no texto constitucional, de modo que se a exação nele se enquadrar
ser-lhe-á aplicável o regime jurídico-tributário.

280 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2011. p. 90-91.
281 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 69.
282 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. “As Classificações no Sistema Tributário Brasileiro”. In: Justiça
Tributária – I Congresso Internacional de Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 145.
283 BARRETO, Paulo Ayres. Op. Cit. p. 90.

148
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

O STF ao enfrentar a questão à luz da Constituição de 1988 reconheceu a


natureza tributária das contribuições, nos termos do voto do Ministro Moreira
Alves, cujo trecho transcreve-se a seguir:

De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e


as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar
que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras mo-
dalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o
empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de inter-
venção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais
ou econômicas.284

Por fim, como atenta Paulo Ayres Barreto285, é preciso considerar as alte-
rações constitucionais posteriores engendradas pelo legislador reformador por
intermédio da EC nº 03/93, que expressamente identificam as contribuições
como espécies do gênero tributo (art. 150, §§ 6º e 7º286).
Entretanto, o reconhecimento da natureza jurídica de tributo das contribui-
ções não significa que elas possuem o mesmo regime jurídico das demais espé-
cies, já que há inclusive impostos que, embora pertencentes à mesma categoria,
se submetem a regimes jurídicos diversos.
Nem por isso a definição das contribuições como espécies tributárias deixa
de ser relevante, pois, tal como reconhece Humberto Ávila, apesar de cada
espécie tributária ter seu regime jurídico-constitucional, de tal modo que umas
sujeitam-se ao princípio da anterioridade geral, outras à noventena; umas são
instituídas por lei ordinária; outras por lei complementar, e assim por diante, a

284 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 146.733. Ministro Relator Moreira Alves. Julgado em 29.06.92.
DJ de 06.11.92.
285 BARRETO, Paulo Ayres. Op. Cit. p. 92.
286 “Art. 150 § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito
presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido
mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima
enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º,
XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo
pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada
a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)”

149
Raquel de Andrade Vieira Alves

sua conceituação como tributo sujeita-as às normas gerais de direito tributário


e aos princípios constitucionais relativos à proteção da dignidade, da igualdade,
da propriedade e da liberdade287.
A partir da definição da natureza jurídica das contribuições, resta ainda
analisar se o seu conteúdo finalístico constitui um elemento válido para sua
diferenciação em relação às demais espécies tributárias (impostos, taxas e con-
tribuições de melhoria). Isso porque, mesmo reconhecida a natureza tributária
das contribuições sob o regime constitucional pós-1988, boa parte da doutrina
ainda sustenta a controvérsia em relação à sua autonomia.
Tal fato pode ser explicado não só em razão da ausência de uma clara siste-
matização da matéria no plano legislativo, como também em função do predo-
mínio de uma visão clássica do Direito Tributário, que insiste em tomar como
critério único e exclusivo para identificação das espécies de tributos a vincu-
lação ou não do fato gerador a uma atividade estatal. Aliás, é possível arriscar
que a identificação das espécies tributárias no sistema jurídico brasileiro é um
assunto dos mais controversos.
Com efeito, sob o regime constitucional posterior a 1988, surgiu uma divi-
são na doutrina pátria entre aqueles que defendem a manutenção dos critérios
clássicos de classificação das espécies tributárias, que dão origem às correntes
dicotômica e tricotômica, e entre aqueles que defendem a necessidade de ela-
boração de uma nova proposta classificatória, fundada em outros elementos ou
que agregue outras variáveis juridicamente relevantes, que compõem as corren-
tes quadripartite e quinquipartite.
A corrente dicotômica reconhece como espécies tributárias as taxas e os
impostos, sendo as primeiras vinculadas a uma atividade estatal e esses últimos
sem vinculação a qualquer atividade do Estado. Seus maiores defensores foram
Alberto Xavier e Alfredo Augusto Becker288.
A corrente tricotômica, por sua vez, utiliza o mesmo critério para diferen-
ciação entre as espécies, mas reconhece a existência das contribuições de me-
lhoria, como tributos vinculados a uma atividade estatal (obra pública) corres-

287 ÁVILA, Humberto. “Contribuições na Constituição Federal de 1988”. In: As Contribuições no


Sistema Tributário Brasileiro. Hugo de Brito Machado (coord.). São Paulo: Dialética/Fortaleza:
Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003. p. 317.
288 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “As Contribuições Parafiscais e a Validação Constitucional das Espécies
Tributárias”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 174, março, 2010.

150
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

pondente à valorização de um imóvel. Como defensores dessa corrente, pode-se


citar Geraldo Ataliba, Rubens Gomes de Sousa, Aliomar Baleeiro, Amílcar de
Araújo Falcão, dentre outros289. Essa, inclusive, foi a orientação prestigiada pelo
Código Tributário Nacional, que em seus arts. 4º e 5º elege o fato gerador como
único instrumento hábil para distinção entre as espécies tributárias (impostos,
taxas e contribuições de melhoria) 290.
Como bem destaca Luís Eduardo Schoueri, andou bem o CTN ao explicitar
no inciso I do art. 4º que a denominação é irrelevante para determinação da
natureza jurídica do tributo, pois, num ambiente em que União, Estados, Dis-
trito Federal e Municípios têm suas competências para instituição de tributos
reguladas pela Constituição, são facilmente explicáveis as tentativas de algumas
dessas pessoas jurídicas de direito público de ultrapassarem seus limites, criando
tributos além de sua competência, disfarçados de outros nomes291.
Entretanto, o mesmo não se pode dizer em relação ao inciso II do mesmo
artigo, que rechaça expressamente a destinação legal do produto da arreca-
dação como um critério válido de distinção entre as espécies tributárias. É
preciso compreender que a desconsideração da destinação como elemento
relevante para tal fim guardava uma pertinência lógica com o momento jurí-
dico pelo qual passava o país.
O predomínio da visão estática do direito e da racionalidade baseada no co-
nhecimento do passado fundamentava a teoria de que a análise do fato gerador da
obrigação tributária seria suficiente para a caracterização das diferentes espécies
de tributos. Contudo, a Constituição de 1988, atenta às modificações da socie-
dade, trouxe novos elementos de validação das espécies tributárias, baseados em
uma noção de finalidade e não apenas na clássica visão causal da tributação.
Assim, a sociedade que convive permanentemente com a idéia do risco, como
é a sociedade atual, encontrou na mudança de postura do legislador, que passou
a dar importância também aos fins visados com a conduta exigida e não somente

289 Ibid.
290 “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva
obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.
Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.”
291 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. Cap. IV. 1.4.1.

151
Raquel de Andrade Vieira Alves

à causa dos fenômenos, a possibilidade real de construção de um modelo jurídico


capaz de conviver com o futuro, ainda que este seja demasiadamente incerto.
Dentro desse contexto de mudanças, a doutrina exerce um papel de des-
taque talvez até maior do que já teve no passado, pois, como ressalta Marco
Aurélio Greco, se anteriormente a doutrina de Direito Tributário teve a grande
tarefa de construir um modelo de controle do exercício do poder de tributar,
mediante a identificação de categorias relevantes, como é o caso dos aspectos
da hipótese de incidência, hoje lhe cabe a missão de aceitar essa mudança como
único elemento constante e a partir daí, reconhecendo que o modelo causalista
é insuficiente para explicar os fenômenos da atualidade, buscar novos critérios
e parâmetros de controle da atividade tributária292.
Com base nisso, parte significativa da doutrina, interpretando o art. 4º do
CTN à luz da Constituição de 1988, agrega ao critério da vinculação ou não da
materialidade do fato gerador da exação a uma atividade estatal os critérios: da
destinação e da previsão de restituição. Este último permite o reconhecimento
dos empréstimos compulsórios como espécies autônomas de tributos, enquanto
a destinação permite a identificação das contribuições.
As variações dentro dessa parcela da doutrina dizem respeito apenas aos
empréstimos compulsórios, de modo que a corrente denominada de quadri-
partite apresenta duas configurações: a primeira identifica como tributos os
impostos, as taxas, as contribuições de melhoria e as contribuições parafiscais,
deixando de fora os empréstimos compulsórios, que, segundo seu entendimen-
to, nada mais seriam do que impostos restituíveis. Como representante dessa
posição pode-se citar Bernardo Ribeiro de Moraes293.
A outra vertente da corrente quadripartite identifica como tributos os im-
postos, as taxas, as contribuições especiais – da qual fazem parte as parafiscais e
as de melhoria – e os empréstimos compulsórios. É o que defende Ricardo Lobo
Torres, por exemplo294.
Finalmente, a corrente quinquipartite defende que os tributos são os impostos,
as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições especiais e os emprésti-
mos compulsórios. Como representantes dessa corrente pode-se citar José Edu-

292 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 48-49.


293 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “As Contribuições Parafiscais e a Validação Constitucional das Espécies
Tributárias”. In: Op. Cit. p. 111.
294 Ibid.

152
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

ardo Soares de Melo, Ives Gandra Martins, Paulo Ayres Barreto, Luís Eduardo
Schoueri, Hugo de Brito Machado, Eurico M. Diniz de Santi, dentre outros.
Boa parte desses autores vê a destinação e a previsão de restituição como cri-
térios que atuam ao lado da vinculação da materialidade inserta no antecedente
da norma tributária a uma atuação estatal, através de uma relação de coordena-
ção. Assim, por exemplo, Eurico M. Diniz de Santi defende a conjugação do que
denomina de critérios intrínsecos à hipótese legal de cobrança da exação, em que
o critério que informa a classificação compõe a própria definição do objeto classi-
ficado (vinculação ou não à atividade estatal), com critérios extrínsecos, em que
o critério diferenciador é externo à coisa (destinação legal e restituibilidade)295.
Paulo Ayres Barreto, entretanto, baseado em parecer inédito elaborado por
Aires Barreto, propõe que esses mesmos critérios sejam utilizados a partir de uma
relação de subordinação, de tal forma que destinado/não-destinado e restituível/
não-restituível não formem classes de mesmo nível com vinculado/não-vinculado,
representando esta última a classe superior dos critérios classificatórios296.
Dessa forma, a subordinação do critério destinação ao critério vinculação
levaria à distinção entre impostos, taxas e contribuições e, dentre estas últi-
mas, à identificação das contribuições de melhoria. Já para a identificação dos
empréstimos compulsórios seria necessário considerar o critério restituição de
forma sucessiva, de modo a permitir que a somatória das classes subordinadas
represente a classe superior297.298

295 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. Cap. IV. 1.5.1.


296 BARRETO, Paulo Ayres. Op. Cit. p. 55. O autor adota a classificação de Aires Barreto e se baseia
também na obra de Tárek Moysés Moussallem, In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Classificação dos
Tributos. Tributação e processo. IV Congresso Nacional de Estudos Tributários, realizado de 12/14 de
dezembro de 2007. São Paulo: Noeses, 2007. p. 601-637.
297 Ibid. p. 72-73.
298 Nesse sentido, vide quadro ilustrativo elaborado por Tárek Moysés Moussallem e adotado por Paulo
Ayres Barreto para distinção entre as espécies tributárias, com base nos critérios agrupados em classes
subordinadas. In: MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Op. Cit. p. 631.

153
Raquel de Andrade Vieira Alves

Seja como for, entendendo se tratarem de critérios coordenados ou subor-


dinados, o fato que aqui interessa é que a partir da Constituição de 1988 não é
mais possível afirmar-se a irrelevância da destinação da arrecadação, para fins
de identificação das espécies tributárias. Inclusive, o art. 167, IV, da Constitui-
ção elimina qualquer possibilidade de se afirmar a irrelevância da destinação
legal do produto da arrecadação das contribuições.
Além disso, como bem ressalta José Eduardo Soares de Melo, embora a
destinação seja nota característica das contribuições, todos os tributos aca-
bam tendo um destino determinado: os impostos servem para atender às
necessidades gerais da coletividade; as taxas são utilizadas para retribuir os
ônus inerentes ao exercício regular do poder de polícia e os serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ou postos à disposição dos particulares; a
contribuição de melhoria relaciona-se com a valorização do bem particular
em razão de obra pública; os empréstimos compulsórios visam atender cala-
midades públicas como guerra externa, ou sua iminência, e investimento pú-
blico de caráter urgente e de relevante interesse nacional; e as contribuições
objetivam a regulação da economia, os interesses de categorias profissionais e
o custeio da seguridade social, num âmbito mais abrangente299.
O próprio STF, ao assentar a natureza tributária das contribuições no RE
nº 146.733, mencionado anteriormente, as enquadra expressamente como uma
categoria autônoma, ao lado dos empréstimos compulsórios e das categorias
tradicionais previstas pelo art. 145 da Carta Magna e pelo art. 5º do CTN (im-
postos, taxas e contribuições de melhoria).
Até aqui, restou clara a natureza tributária das contribuições e a importân-
cia da sua destinação no plano normativo, para fins de caracterização das es-
pécies tributárias e, consequentemente, do reconhecimento de sua autonomia.
Contudo, é necessário ressaltar que a destinação das contribuições não possui
implicações somente no plano normativo, mas também no plano fático.
De fato, a destinação como elemento integrante da estrutura normativa tri-
butária é essencial para a identificação de uma contribuição. Entretanto, a sua
própria inclusão na norma impositiva já representa uma concessão à pragmáti-

299 MELO, José Eduardo Soares de. “As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro”. In: MACHADO,
Hugo de Brito (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética/
Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003. p. 357.

154
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

ca, demandando, em conjunto com a análise da estrutura normativa, a análise


do meio em que a norma está inserida.
Daí porque Paulo Ayres Barreto se refere à destinação do produto da arre-
cadação e à finalidade como temas distintos, embora imbricados. Não obstan-
te ambos integrem o conteúdo finalístico das contribuições, o autor faz uma
distinção baseada no momento da análise. Assim, a finalidade, segundo sua
visão, seria a causa que deu ensejo à instituição ou majoração da contribuição,
enquanto a destinação do produto da arrecadação atuaria no plano da conse-
quência300. Como explica José Eduardo Soares de Melo:

Trata-se de situações distintas, inconfundíveis no âmbito jurídico e crono-


lógico, pois concernem, respectivamente, a anterior exercício da atividade
do Legislativo (estipulando o destino do tributo) e posterior atuação do
Executivo (aplicando recursos). O dado financeiro (destino do produto
de arrecadação do tributo) integra o ordenamento jurídico, e passa a ser
juridicizado pela via do ato competente (lei) ínsito ao tributo.301

Contudo, seja a partir do estudo da causa ou finalidade, seja a partir da


análise da consequência ou destinação do produto da arrecadação, o fato é que
o conteúdo finalístico das contribuições é um elemento essencial para a sua
validação constitucional e deve ser observado por todos os poderes. Esse é o
regime jurídico específico das contribuições, que impõe a observância pelo Di-
reito Tributário tanto da finalidade, enquanto elemento integrante da estrutura
normativa que cria a exação, quanto do destino do produto da arrecadação,
enquanto dado financeiro que completa o sentido da exigência.
Embora haja ainda uma grande resistência por parte da doutrina em aceitar
a relevância, para fins tributários, do destino da arrecadação das contribuições, à
luz da Constituição de 1988, essa posição deve ser superada. Tal como destaca Eu-
rico de Santi, nas contribuições é fundamental que o tributo não apenas seja co-
brado por um ato vinculado, mas que seja destinado também por ato vinculado302.
Explicando a relação entre a finalidade e o destino da arrecadação do
ponto de vista normativo, Paulo Ayres Barreto identifica a existência de duas
normas de estrutura que condicionam a validade constitucional das contri-

300 BARRETO, Paulo Ayres. Op. Cit. p. 155-156.


301 Ibid. p. 156-157.
302 Ibid. p. 158.

155
Raquel de Andrade Vieira Alves

buições: a) a que prevê uma finalidade que justifique a sua criação; e b) a


que prevê expressamente a destinação do produto de sua arrecadação. Res-
peitadas essas condicionantes, originam-se, no plano legal, duas normas de
conduta igualmente relevantes para a caracterização das contribuições: c) a
que determina o pagamento do tributo; e d) a que vincula a destinação do
montante arrecadado após o pagamento303.
Desse modo, as normas de estrutura que informam a criação das contribui-
ções produzem efeitos diretos no encadeamento normativo que se instala no
plano infraconstitucional, de maneira que uma desvinculação da destinação
para a qual a contribuição foi originalmente criada para atender, seja no plano
constitucional ou legal, seja a nível infralegal, ou mesmo no plano fático, afeta
a própria regra-matriz de incidência tributária. Como a regra-matriz de incidên-
cia se fundamenta nas normas de estrutura que lhe atribuem competência, é
possível afirmar que não há competência para arrecadar contribuição para fins
diversos daqueles que deram causa à sua instituição.
Em outras palavras, significa dizer que o destino da arrecadação é uma de-
corrência da própria norma de competência para a instituição de contribuições.
Alguns autores, com base nisso, a despeito de opiniões contrárias304, entendem
que o desvirtuamento do produto da arrecadação compromete a própria exigên-
cia da contribuição, tendo como efeito em relação ao contribuinte o surgimento
de um direito subjetivo à repetição do valor pago. É o que defendem Werther
Botelho Spagnol305, Misabel Abreu Machado Derzi306 e Paulo Ayres Barreto307.
O STF, inclusive, já teve a oportunidade de reconhecer a relevância
da aplicação dos recursos arrecadados na finalidade constitucionalmente

303 Ibid.
304 É o caso de Humberto Ávila, por exemplo, que, apesar de reconhecer que a União deve observar uma
série de limitações para a instituição de contribuições, entende que o desvio do produto da arrecadação
não diz respeito à validade do tributo, mas ao correto cumprimento de normas administrativas e
financeiras. De acordo com o autor, se houver desvio, ainda que parcial, não há comprometimento
com a validade do tributo, mas responsabilidade por má gestão de recursos. ÁVILA, Humberto.
Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 272.
305 SPAGNOL, Werther Botelho. Da Tributação e sua Destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 89.
306 In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª Edição Atualizado por
Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 598-599.
307 BARRETO, Paulo Ayres. Op. Cit. p. 168.

156
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

definida, em matéria de contribuições, no julgamento da ADI nº 2925308,


afirmando a inconstitucionalidade de dispositivos de lei orçamentária que
permitiam a utilização dos recursos arrecadados com a Cide-Combustíveis
em outras finalidades que não as do art. 177, § 4º, inciso II, da Constitui-
ção. Embora a questão ainda mereça uma análise mais aprofundada, esse
julgamento é paradigmático, pois, além de marcar a revisão da posição do
STF acerca da possibilidade de controle das leis orçamentárias, representa a
primeira manifestação da Corte acerca da destinação como elemento indis-
sociável dessa espécie tributária.
Posteriormente, analisando a constitucionalidade dos mecanismos de des-
vinculação de receitas das contribuições, previstos por emendas constitucio-
nais, a Corte assentou o entendimento de que destinação da arrecadação inte-
gra a norma tributária impositiva de uma contribuição, à exceção dos casos em
que a desvinculação ocorre justamente pela própria Constituição309. Embora
essa exceção feita pelo STF mereça suas críticas, já que desconsidera os efeitos
da desvinculação dentro do Pacto Federativo, como será melhor desenvolvido
adiante, o fato é que se reconhece a importância da destinação como elemento
integrante da materialidade da exação.
Portanto, não há dúvidas em relação à essencialidade do conteúdo finalís-
tico das contribuições, que, além de funcionar como elemento distintivo entre
elas e as demais espécies tributárias, efetivamente abre espaço para a possi-
bilidade de controle da sua instituição pela União, em caso de desvio e em
diferentes planos. Entretanto, para o presente estudo, interessam os efeitos que
o desvirtuamento da finalidade e de outros elementos específicos das contribui-
ções provocam no Pacto Federativo. Isto é, como a manipulação abusiva dessa
espécie tributária, em detrimento dos impostos partilháveis, pode representar
uma ameaça ao federalismo fiscal brasileiro.

308 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2925/DF. Ministra Relatora Ellen Gracie. Julgada em 19.12.04.
DJ de 04.03.05.
309 “A destinação da arrecadação integra a norma tributária impositiva de uma contribuição, exceto
se a desvinculação com relação ao fim originalmente previsto provém da própria Constituição
Federal.” (BRASIL. STF. Segunda Turma. RE nº 537.610/RS. Ministro Relator Cezar Peluso. Julgado
em 01.12.09. DJ de 18.12.09). No mesmo sentido: BRASIL. STF. Primeira Turma. AgRg no RE nº
805.477/ES. Ministro Relator Roberto Barroso. Julgado em 07.10.14. DJ de 30.10.14.

157
Raquel de Andrade Vieira Alves

3.4.2. Classificação e delimitação do perfil jurídico


Antes de abordar especificamente algumas hipóteses de contribuições que
ilustram bem a centralização fiscal operada pela União ao longo dos anos que se
seguiram à promulgação da Constituição de 1988, faz-se necessário explicitar as
espécies de contribuições existentes atualmente no ordenamento jurídico brasilei-
ro e o perfil jurídico dessa exação, de acordo com o que foi exposto até aqui. Esse
contexto servirá de base para a análise individualizada que será operada adiante.
Para fins de delimitação do perfil jurídico das contribuições e das premissas
adotadas no presente estudo, é possível afirmar com tranquilidade a sua nature-
za tributária – já que se enquadra no conceito de tributo – e, apesar de posições
contrárias na doutrina, reconhecer a sua autonomia como espécie de tributo
diversa dos impostos, das taxas e das contribuições de melhoria.
Com efeito, as classificações tributárias baseadas unicamente na vinculação
ou não da materialidade do fato gerador a uma atividade estatal não são mais
suficientes para enfrentar a complexidade do fenômeno financeiro na sociedade
atual. Como visto, à medida que o Estado evolui e assume novas atividades,
torna-se necessária também a busca por novas formas de financiamento.
Paralelamente, a própria ideia justificadora da tributação acaba adquirin-
do um novo significado com a mudança no papel do Estado e a preocupação
doutrinária que antes estava centrada apenas nas causas da tributação passa
também, e principalmente, a centrar-se nos seus fins. Dentro desse contexto,
a figura das contribuições ganha destaque e assume uma função relevante na
atuação estatal voltada para a promoção de finalidades sociais e econômicas.
A diferença entre as contribuições e as demais espécies tributárias vai se
concentrar justamente no seu conteúdo finalístico, que se desdobra em dois
prismas: o primeiro ligado à finalidade constitucional da exigência e o segundo
ligado à destinação do produto da arrecadação das contribuições. Mas, não é só
a afetação a uma finalidade que irá definir se determinada exação é ou não uma
contribuição; é preciso dar um passo atrás e examinar a própria justificação éti-
co-jurídica para instituição de uma contribuição, que se difere dos fundamentos
que sustentam a instituição dos impostos e das taxas/contribuições de melhoria.
Nesse ponto, defendemos que a solidariedade de grupo é essencial como
elemento justificador da instituição de contribuições. Ou seja, não basta o esta-
belecimento de uma finalidade constitucional para que a União possa instituir
contribuições para o custeio de determinada atividade, é necessário também

158
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

que se possa identificar a presença da solidariedade de grupo, assim traduzida


na existência de uma finalidade que se relacione especificamente com um gru-
po determinado, que não corresponda a toda sociedade.
E mais: é preciso ainda que entre o grupo afetado e a finalidade constitucio-
nalmente prevista exista uma relação de referibilidade, de modo que os elemen-
tos integrantes da imposição reflitam fielmente os fins almejados. Em outras
palavras, tratando-se de um tributo qualificado pela finalidade e não pelo fato
gerador, é preciso que os contribuintes e a base de cálculo da exação guardem
uma estrita relação de pertinência com a destinação prevista.
Assim, se a contribuição se destina ao financiamento de programas de in-
fraestrutura de transportes, por exemplo, a base de cálculo da exação deverá
ter pertinência com o grupo de contribuintes escolhido, de modo que não é
possível, por exemplo, instituir essa contribuição de forma que a base de cálculo
seja a folha de salários dos empregados, pois nesse caso hipotético não haveria
referibilidade entre o grupo que paga pelo custeio dos programas de infraestru-
tura e a finalidade almejada, expressa justamente através da escolha da base de
cálculo da incidência. É o que se denomina de referibilidade de grupo.
Dessa forma, identifica-se que às contribuições, por possuírem natureza de
tributo, se aplicam os princípios gerais de Direito Tributário. A caracterização
como espécie autônoma, por sua vez, é importante porque cada espécie tributá-
ria tem seu regime jurídico-constitucional, então o enquadramento de determi-
nada exação como imposto, taxa, contribuição de melhoria ou como contribui-
ção especial irá afetar diretamente as normas jurídicas que lhe serão aplicáveis.
Nesse ponto, diferenciando as espécies tributárias, pode-se dizer que para
fins de identificação de uma contribuição é necessária a presença da solida-
riedade de grupo, expressa através: de uma destinação constitucional, presente
tanto no plano normativo, quanto no fático; de um grupo social, econômico ou
profissional; e da referibilidade de grupo, aferida em função da base de cálculo
escolhida pelo legislador. Acrescente-se ainda que a alíquota aplicada sobre a
base de cálculo que determinará o montante a ser pago deve ser proporcional à
destinação, de modo que não fique além e nem aquém da atividade custeada.
Por fim, dentro das próprias contribuições há regimes diversos previstos pela
Constituição, razão pela qual se torna necessária a classificação das espécies
de contribuições existentes no ordenamento jurídico. Algumas, por exemplo,
possuem seus elementos essenciais previstos detalhadamente na Carta Magna,

159
Raquel de Andrade Vieira Alves

como é o caso das contribuições para a seguridade social, e outras não, como é
o caso das contribuições de intervenção no domínio econômico.
O art. 149310 da Constituição faz menção a três espécies de contribuições que
podem ser instituídas pela União: as sociais; as de intervenção no domínio econô-
mico; e as de interesse das categorias profissionais ou econômicas. O §1º do referido
dispositivo311, a seu turno, permite aos Estados, Distrito Federal e Municípios a ins-
tituição de contribuições para o custeio do regime previdenciário de seus servidores.
Sob a rubrica “contribuições sociais” a Constituição de 1988 previu a ins-
tituição de algumas exações para atuação em campos específicos inseridos na
Ordem Social, são eles: a seguridade social (art. 195), o seguro-desemprego (art.
239) e a educação (art. 212, § 5º). Para cada área dessas há uma contribuição
específica prevista pelo legislador constitucional, mas que integra o gênero das
contribuições sociais.
Por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional nº 39, de 19 de dezem-
bro de 2002, foi inserido ainda o art. 149-A na Constituição, que outorga aos Mu-
nicípios e ao Distrito Federal competência para instituição de contribuição para o
custeio do serviço de iluminação pública, como uma tentativa de suprir as perdas
arrecadatórias dos Municípios com as declarações de inconstitucionalidade das
taxas de iluminação pública pelos Tribunais de Justiça dos Estados.
O STF, por sua vez, no julgamento paradigmático do RE nº 138.284312, nos
termos do voto do Ministro Relator Carlos Velloso, apresentou uma proposta
de classificação das espécies tributárias que contemplou os diferentes tipos de
contribuições e que, desde então, tem sido tomada como base por boa parte da
doutrina. Nos termos do voto Relator:

As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidên-


cia ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4°), são as

310 “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no
domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de
sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo
do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
311 “§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus
servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja
alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)”
312 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 138.284/CE. Ministro Relator Carlos Velloso. Julgada em
01.07.92. DJ de 28.08.92.

160
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

seguintes: a) os impostos (CF, art. 145, I, arts. 153, 154, 155 e 156); b) as
taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classifi-
cadas: c.1. de melhoria (CF, art. 145, III); c.2. parafiscais (CF, art. 149),
que são: c.2.1. sociais, c.2.1.1.de seguridade social (CF, art. 195, I, II, III),
c.2.1.2. outras de seguridade social (CF, art. 195, parágrafo 4°), c.2.1.3.
sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, parágrafo 5°,
contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, CF, art. 240); c.3. espe-
ciais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2.
corporativas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária, d) os
empréstimos compulsórios (CF, art. 148).

É possível concluir, assim, que as contribuições que podem ser instituídas pela
União – e que, em razão disso, interessam ao presente estudo – se dividem em: a)
sociais, que podem ser para custear a a.1) seguridade social (previdência, assistên-
cia e saúde) – originárias ou residuais – ou podem ser a.2) destinadas a finalidades
sociais gerais; b) de intervenção no domínio econômico; e c) corporativas, assim
entendidas como as de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
Em relação às contribuições sociais, a Constituição outorgou competência
à União para sua instituição, mas só definiu expressamente as materialidades
das contribuições destinadas à seguridade social; para as contribuições sociais
gerais não há norma constitucional definindo suas bases de cálculo. Além dis-
so, o constituinte previu a possibilidade de instituição de outras contribuições
destinadas ao custeio da seguridade social, desde que respeitado o art. 154, I.
À vista disso, surgiram algumas questões na doutrina e na jurisprudência,
que basicamente se resumem a saber: 1) se, além das contribuições sociais pre-
vistas pelos arts. 195 (contribuições para a seguridade social), 212, § 5º (salário-
-educação), 239 (PIS) e 240 (contribuição sindical), a União poderia instituir
outras espécies de contribuições para o custeio da Ordem Social; 2) em caso
afirmativo, se essas contribuições poderiam ter base de cálculo própria dos im-
postos discriminados na Constituição; e 3) se, no caso das contribuições para a
seguridade social, criadas com base na competência residual outorgada pelo §4º
do art. 195, seria necessária a observância de todos os requisitos do art. 154, I313
ou apenas da necessidade de instituição por lei complementar.

313 “Art. 154. A União poderá instituir:


I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos
e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.”

161
Raquel de Andrade Vieira Alves

Em relação à primeira questão, não há uma unanimidade na doutrina, para


alguns, como Humberto Ávila, por exemplo, a Constituição já teria previsto ex-
pressamente as finalidades sociais a serem atendidas, com suas respectivas fontes de
receita, de modo que entender que a União poderia instituir contribuições para o
custeio de outras finalidades sociais seria o mesmo que admitir que os arts. 212, § 5º,
239 e 240 da Constituição não têm razão de existir. Ademais, as contribuições
se submeteriam a regras específicas de competência, havendo, nesse ponto, pre-
visão para o exercício da competência residual apenas para o custeio da seguri-
dade social e desde que atendidos os critérios do art. 154, I da Constituição314.
José Eduardo Soares de Melo, entretanto, admite a possibilidade de institui-
ção de contribuições sociais pela União, além das já previstas na Constituição,
“desde que haja observância aos elementos básicos, como receita pública deri-
vada, compulsoriedade, parafiscalidade, destinação específica dos seus recursos,
e vinculação a determinado grupo” 315. Seria o caso da CPMF, por exemplo.
Na verdade, essa questão está intimamente ligada à segunda, pois a grande
preocupação aqui é com a possibilidade de “invasão” da competência dos Esta-
dos e Municípios pela União, através da instituição de outras contribuições, que
não as já previstas na Constituição, elegendo como base de cálculo a mesma dos
impostos já existentes.
De fato, essa é uma preocupação que, além de atual, corresponde ao cerne
do presente estudo. Entretanto, embora se saiba que a abertura à possibilidade
de instituição de outras contribuições pela União pode dar azo ao cometimento
de abusos, entendemos que essa é uma questão que deve ser analisada caso a
caso. Tal como reconhecem Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Caval-
canti Ramos Machado:

É de se verificar, portanto, se a redução do imposto partilhado, com a


respectiva instituição de uma contribuição sobre o mesmo fato, consiste
ou não em um ato praticado com fraude à divisão de receitas tributárias,
o que só em cada caso se pode aferir.316

314 ÁVILA, Humberto. Op. Cit. p. 267-269.


315 MELO, José Eduardo Soares de. “As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro”. In: Op. Cit. p. 356.
316 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. “As Contribuições
no Sistema Tributário Brasileiro”. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). As Contribuições
no Sistema Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos
Tributários – ICET, 2003. p. 294.

162
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

É dizer, deve-se observar se a contribuição social instituída obedece ao perfil


jurídico das contribuições, de modo que haja um grupo social afetado, uma
destinação constitucional observada e referibilidade de grupo entre os elemen-
tos anteriores, expressa através da base de cálculo da exação. Esses elementos,
como expressão da solidariedade de grupo típica das contribuições na sociedade
atual, é que irão afirmar ou infirmar a validade da cobrança.
Assim, a preocupação não deve estar centrada na possibilidade ou não de
instituição de outras contribuições, além das já previstas na Constituição, pois
entendemos que não há vedação constitucional a isso. Há sim princípios cons-
titucionais que devem ser observados, como é o caso do Princípio Federativo,
mas isso só poderá ser analisado após a instituição da contribuição e a identifi-
cação de seus elementos essenciais, não havendo uma proibição de antemão à
criação de novas espécies.
O mesmo se diga para a possibilidade de adoção de bases de cálculo pró-
prias de impostos já existentes. Se houver solidariedade de grupo entre os
contribuintes da exação ela é válida, independentemente de gravar o mesmo
fato sobre o qual incide um imposto de competência estadual ou municipal,
porque a justificativa de ambos é completamente diferente; paga-se imposto
com base na solidariedade geral de custeio das atividades estatais e paga-se
contribuição em relação ao custeio de determinada finalidade específica afeta
a um grupo do qual o contribuinte faz parte. O que deve ser sopesado aqui é
o excesso ou o abuso na instituição da contribuição, sob o prisma da propor-
cionalidade e da presença de seus elementos essenciais. Tal como reconhece
Marco Aurélio Greco:

Em suma, não há, em princípio, impedimento a que as contribuições


tenham fato gerador e base de cálculo próprios de impostos ou taxas. A
materialidade não é o parâmetro de verificação da constitucionalidade
da respectiva lei instituidora.317

O STF, inclusive, seguiu essa linha de entendimento ao julgar constitucional


a contribuição prevista pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001,
que instituiu o chamado “adicional de 10% ao Fundo de Garantia do Tempo de

317 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 149.

163
Raquel de Andrade Vieira Alves

Serviço”, qualificando-o como contribuição social geral, prevista genericamen-


te pelo art. 149 da Constituição318.
Quanto à terceira questão, não obstante o art. 154, I da Constituição deter-
mine que os impostos criados através da competência residual da União devam
ser instituídos por lei complementar, devam ser não cumulativos e não possam
ter fato gerador ou base de cálculo própria dos demais impostos existentes, o
STF entende que a remissão feita pelo art. 195, § 4º a esse dispositivo exige
apenas que as novas contribuições destinadas ao custeio da seguridade social
sejam instituídas por lei complementar. Nos termos do voto do Ministro Carlos
Velloso, no RE nº 228.321319:

[...] quando o § 4º, do art. 195, da C.F., manda obedecer a regra da


competência residual da União – art. 154, I – não estabelece que as con-
tribuições não devam ter fato gerador ou base de cálculo de impostos. As
contribuições, criadas na forma do § 4º, do art. 195, da C.F., não devem
ter, isto sim, fato gerador e base de cálculo próprios dos já existentes.

Assim, as contribuições para a seguridade social que forem criadas pos-


teriormente não podem ter fato gerador ou base de cálculo idênticos aos das
contribuições existentes e devem ser instituídas por lei complementar. Essa in-
terpretação leva em conta a lógica das contribuições, como tributos qualifica-
dos pela destinação constitucional e não pelo fato gerador, entretanto, isso não
representa um “cheque em branco” ao legislador, pois, como dito à exaustão
ao longo do presente estudo, é preciso que seja respeitado o perfil jurídico da
exação. Do contrário, ter-se-á uma contribuição instituída com o mero objetivo
de burlar a sistemática de repartição de receitas tributárias.
Finalmente, as contribuições de intervenção no domínio econômico (Cides),
como o próprio nome já diz, servem de instrumento de custeio das atividades da
União com o objetivo de intervir na Ordem Econômica. Como se trata de uma
atividade excepcional do Estado, além dos requisitos normais legitimadores das
contribuições, é necessária a presença de alguns requisitos adicionais, como a

318 Nesse sentido, vide: BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2556/DF. Ministro Relator Joaquim Barbosa.
Julgada em 13.06.12. DJ de 20.09.12 e BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2568/DF. Ministro Relator
Joaquim Barbosa. Julgada em 13.06.12. DJ de 20.09.12.
319 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 228.321/RJ. Ministro Relator Carlos Velloso. Julgado em
01.10.98. DJ de 30.05.03.

164
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

competência da União para o exercício da atividade interventiva e a temporali-


dade da exação, por exemplo.
A observância aos parâmetros limitadores da competência para instituição
das contribuições interventivas é indispensável à manutenção do Pacto Federa-
tivo, sobretudo, no contexto atual de centralização de receitas pela União. Essa
preocupação fica evidente na seguinte passagem da lição de Hamilton Dias de
Souza e Tércio Ferraz Sampaio Júnior:

Daí a importância de não se perder de vista, no exame das contribuições


de intervenção no domínio econômico, a necessária verificação quanto à
verdadeira natureza da figura: se se trata de verdadeira contribuição ou se
se caracteriza, em verdade, como mecanismo para usurpação da compe-
tência tributária e da rigidez do sistema constitucional tributário, inclusive
no que tange à repartição do produto da arrecadação dos tributos.320

Nesse contexto, o primeiro ponto a ser observado no que concerne à insti-


tuição das Cides é a necessidade de uma atividade estatal. Ou seja, as contri-
buições interventivas, de acordo com o disposto no próprio art. 149 da Cons-
tituição, representam um instrumento, um meio que possibilita a intervenção
do Estado no domínio econômico. Essa distinção é importante, porque a partir
dela exclui-se a possibilidade de utilização de uma Cide como um fim em si
mesmo, de modo que a própria exação em si já represente a intervenção.
A despeito da opinião em sentido contrário de Marco Aurélio Greco321, para
quem a contribuição poderia ser também o próprio instrumento da intervenção
– para ele, a Cide pode funcionar como instrumento de atuação estatal direta
ou indireta –, entendemos que a própria acepção da palavra “contribuição” não
permite essa conclusão, pois “contribuir” revela ínsita ao seu próprio conteúdo
a necessidade de uma atividade custeada, não havendo como contribuir para o
custeio de uma atividade que não existe. Hugo de Brito Machado Segundo322,
por sua vez, entende que a contribuição interventiva não pode funcionar como

320 SOUZA, Hamilton Dias de; JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. PESQUISAS TRIBUTÁRIAS – Nova
Série 8. São Paulo: Revista dos Tribunais – Centro de Extensão Universitária, 2002. p. 58-106.
321 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 236.
322 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. “Perfil constitucional das contribuições de intervenção no
domínio econômico”. In: GRECO, Marco Aurélio (Coord.). Contribuições de intervenção no
domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 116.

165
Raquel de Andrade Vieira Alves

fonte de custeio, servindo apenas como instrumento direto de intervenção es-


tatal na Ordem Econômica.
De outro lado, reconhecendo a necessidade de uma atuação positiva do
Estado para a validade da Cide – instrumento de atuação apenas indireta –,
pode-se citar a posição de Eduardo Maneira323, Ricardo Mariz de Oliveira324,
Hamilton Dias de Souza e Tércio Ferraz Sampaio Júnior325, Paulo Ayres Barre-
to326 e Tácio Lacerda Gama327, dentre outros.
Contudo, se é fato que é indispensável a existência de uma atividade estatal,
ao mesmo tempo, é certo que não se pode ter como tal qualquer atividade, mas
somente a atividade que efetivamente caracterize uma intervenção no domínio
particular. Com efeito, o art. 170 da Constituição, que contém os princípios e
fundamentos que regem a Ordem Econômica, deve ser interpretado em conjunto
com os demais dispositivos constitucionais. Nesse sentido, o art. 173 estabelece
que, à exceção dos casos expressamente previstos, a exploração direta da ativida-
de econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, nos termos da lei.
É possível dizer, assim, que a atuação direta do Estado na atividade econô-
mica é excepcional, podendo ocorrer somente dentro das balizas estabelecidas
pelo art.173. A atuação indireta, a seu turno, pode ocorrer na hipótese do § 4º
do art. 173, para reprimir abuso do poder econômico que vise a dominação dos
mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, e na
hipótese do art. 174, que permite a atuação do Estado como agente normativo
e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, in-
centivo e planejamento.

323 MANEIRA, Eduardo. “Condecine - Aspectos gerais”. In: Priscila da Souza. (Org.). Sistema Tributário
Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2012, p. 297-313.
324 OLIVEIRA, Ricardo Mariz. “Contribuições de intervenção no domínio econômico – Concessionárias,
permissionárias e autorizadas de energia elétrica – ‘Aplicação’ obrigatória de recursos (Lei n. 9.991)”.
In: GRECO, Marco Aurélio (Coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras
afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 379-380.
325 SOUZA, Hamilton Dias de; JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Op. Cit.
326 BARRETO, Paulo Ayres. Op. Cit. p. 111.
327 GAMA, Tácio Ferraz Lacerda. “Contribuição ao FUST e artigo 149 da Constituição da República”.
In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Tributação e processo. IV Congresso Nacional de Estudos
Tributários, realizado de 12/14 de dezembro de 2007. São Paulo: Noeses, 2007. p. 584.

166
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Nesse ponto, as contribuições de intervenção no domínio econômico só po-


dem ser cobradas quando o Estado atua indiretamente, pois quando ele explora
diretamente a atividade econômica não há propriamente uma “intervenção”.
Ademais, o domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada, seja
originariamente, seja mediante autorização, concessão ou permissão, de modo
que o campo aonde a União atua diretamente não pode ser considerado como
domínio econômico para fins de criação da Cide.
Além disso, ressalte-se que quando a União atua diretamente em determi-
nada atividade econômica ela o faz mediante a cobrança de um preço dos usu-
ários, de forma que não há como sustentar que, adicionalmente à cobrança
do preço público, ela possa obter recursos provenientes da instituição de uma
contribuição interventiva. É o que defendem Hamilton Dias de Souza e Tércio
Ferraz Sampaio Júnior:

Se a contribuição há de ser instrumento da atuação da União em uma


determinada área, como explicitamente indicava a redação da Carta pre-
térita e nos precisos termos do art. 149 da CF/88, é claro que não pode ela
atuar nesta área, diretamente, cobrando preço, e cumulativamente arre-
cadar recursos mediante contribuição. Se assim fizesse estaria atuando por
duas vias e, pior, estaria tendo dupla fonte de custeio. Ora, tal contraria
o princípio da eficiência (art. 37 da CF/88) e o da proporcionalidade.328

Outra questão que merece destaque diz respeito ao sujeito passivo da Cide.
Seguindo a lógica das contribuições no sistema constitucional brasileiro, pode-
-se afirmar que o sujeito passivo deve pertencer ao grupo afetado pela atividade
estatal. Aqui, se utiliza o termo “afetado” propositalmente, pois ao mencionar
“beneficiado” se poderia induzir à conclusão de que necessariamente deveria
haver algum benefício coletivo ao grupo contribuinte.
Entretanto, nem sempre o produto da arrecadação da Cide produzirá neces-
sariamente um benefício ao grupo atingido. A ideia aqui está ligada mais à res-
ponsabilidade maior de determinado grupo em relação à finalidade pretendida
com o tributo do que propriamente com a existência de um benefício direto.
Nesse sentido, o STF, ao analisar a contribuição ao Serviço Brasileiro de
Apoio à Micro e Pequena Empresa – SEBRAE, após consolidar o entendimento
de que se trata, na verdade, de uma contribuição interventiva, decidiu que “a su-

328 SOUZA, Hamilton Dias de; JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Op. Cit.

167
Raquel de Andrade Vieira Alves

jeição passiva deve ser atribuída aos agentes que atuem no segmento econômico
alcançado pela intervenção estatal”, vide como exemplo o RE nº 595.670 AgR329.
Luís Eduardo Schoueri, utilizando a classificação cunhada pela jurisprudên-
cia constitucional alemã para identificação dos requisitos cumulativos que au-
torizam a criação de contribuições especiais naquele país – equivalentes à Cides
no Brasil –, se refere à necessidade: i) de um grupo homogêneo, claramente
destacável da coletividade, em virtude de uma situação de interesse comum
ou por características comuns; ii) de uma conexão material entre o círculo de
contribuintes e a finalidade buscada com o tributo, de forma que o grupo tri-
butado esteja mais próximo da finalidade buscada pela contribuição do que a
coletividade ou do que outro grupo (responsabilidade do grupo); e iii) de que a
renda gerada com a contribuição seja aplicada em algo útil para o grupo, o que
não significa que cada membro do grupo deve ter uma vantagem, mas que o
grupo deve fruir com os gastos.330
Douglas Yamashita, por sua vez, ao reproduzir os parâmetros adotados pela
jurisprudência alemã adiciona aos acima descritos o requisito da legitimação
temporal, igualmente indispensável para a validação constitucional de uma
contribuição interventiva no ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque, é
da própria natureza da exação que a sua incidência ocorra apenas enquanto a
causa eficiente de sua instituição perdure do tempo, não mais do que isso. Por
isso, o tempo de duração de uma Cide deve se limitar ao período de duração da
razão interventiva que legitima a sua criação. Cessado o motivo da intervenção,
a contribuição deve ser extinta331.
Em relação à possibilidade de instituição de Cides que tenham base de cál-
culo ou fato gerador próprio de outros impostos discriminados na Constituição
Federal, reportamo-nos ao já exposto em relação às contribuições para a seguri-
dade social de competência residual da União, no sentido de que não há óbice
constitucional para tanto. O que deve ser observado é o perfil jurídico da exa-
ção, que deve necessariamente abranger um grupo homogêneo; uma destinação
constitucional, observada tanto no plano normativo, quanto no plano fático;

329 BRASIL. STF. Primeira Turma. RE nº 595.670 AgR. Ministro Relator Roberto Barroso. Julgado em
27.05.14. DJ de 20.06.14.
330 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. Cap. IV. 8.2.1.
331 YAMASHITA, Douglas. “Princípio da Solidariedade em Direito Tributário.” In: Op. Cit. p. 67.

168
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

e uma relação de pertinência entre o grupo atingido e a destinação almejada


(referibilidade de grupo).
Assim, em apertada síntese, é possível concluir que a validação constitu-
cional das contribuições de intervenção no domínio econômico envolve: i) a
existência de uma atuação positiva por parte da União; ii) a pertinência da
atividade desenvolvida pela União ao conceito de atuação indireta na esfera
particular, para fins de caracterização de verdadeira intervenção no domínio
econômico; iii) a existência de um grupo homogêneo que possua uma relação
com a destinação pretendida, que não necessariamente corresponderá a um be-
nefício; iv) a temporalidade da exação; e v) independe da base de cálculo ou do
fato gerador serem próprios de impostos existentes, mas sim, da caracterização
da solidariedade de grupo, expressa pela presença da tríade: grupo, destinação
e referibilidade de grupo.
Ressalte-se ainda que o STF deve voltar a apreciar os aspectos essenciais à
caracterização da contribuição de intervenção no domínio econômico, do pon-
to de vista dos parâmetros para o exercício da competência da União, através do
RE nº 928.943, de relatoria do Ministro Luiz Fux, e especificamente sob a ótica
das Cide-royalties, cuja repercussão geral foi reconhecida em 01/09/16.
Por fim, merece destaque a questão da necessidade de edição de lei com-
plementar para instituição das contribuições previstas pelo art. 149 da Cons-
tituição, que, além das sociais e de intervenção no domínio econômico, se
refere também às contribuições de interesse das categorias profissionais e eco-
nômicas. Como o referido dispositivo faz menção expressa ao art. 146, III, da
Carta Magna332, surgiram algumas controvérsias na doutrina acerca do exato
sentido dessa determinação.

332 “Art. 146. Cabe à lei complementar:


I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de
pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155,
II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

169
Raquel de Andrade Vieira Alves

Saliente-se que, em relação às contribuições para a seguridade social, o próprio


STF reconheceu, na oportunidade em que examinou a constitucionalidade da lei
instituidora da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSLL) 333, a desnecessidade
da edição de uma lei complementar prévia para definição de seus elementos es-
senciais, já que a própria Constituição teria feito isso ao discriminar pormenoriza-
damente as bases de cálculo das contribuições destinadas à seguridade social. A
discussão, todavia, permaneceu em relação às demais contribuições.
Parte da doutrina, com base nisso, passou a defender a necessidade de edi-
ção de uma lei complementar definidora das normas gerais das contribuições,
como requisito para o exercício da competência tributária334. Outros, no entan-
to, interpretaram a menção do art. 149 ao art. 146, III, como um reconhecimen-
to da aplicação das normas gerais do CTN às contribuições335. O STF, por sua
vez, ao analisar a constitucionalidade do Adicional ao Frete para Renovação
da Marinha Mercante (AFRMM), no RE nº 177.137336, reconheceu tratar-se o
mesmo de uma verdadeira contribuição interventiva, afirmando na ocasião a
desnecessidade de edição de lei complementar para a sua exigência. No mesmo
sentido, entendeu a Corte, ao julgar o RE 396.266, em que assentou a consti-
tucionalidade da contribuição ao SEBRAE e, igualmente, a desnecessidade da
edição de lei complementar para a sua cobrança.
A partir dessas manifestações do STF, boa parte da jurisprudência e da dou-
trina tem entendido ser desnecessária a edição de lei complementar prévia para
instituição de contribuições em geral, à exceção das residuais do §4º do art.
195. Entretanto, é preciso lembrar que, ao contrário das contribuições para a

333 “[…] por não haver necessidade, para a instituição da contribuição social destinada ao financiamento
da seguridade social com base no inciso I do artigo 195 – já devidamente definida em suas linhas
estruturais na própria Constituição – da lei complementar tributária de normas gerais, não será
necessária, por via de conseqüência, que essa instituição se faça por lei complementar que supriria
aquela, se indispensável.”
BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 146.733/SP. Ministro Relator Moreira Alves. Julgado em
29.06.92. DJ de 06.11.92.
334 Vide: MANEIRA, Eduardo. Op. Cit; MARTINS, Natanael. “As Contribuições ao FUST e ao
FUNTTEL”. In: GRECO, Marco Aurélio. (Coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio
Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 353.
335 Vide: GAMA, Tácio Lacerda. “Sobre os papéis da lei complementar no regime jurídico das
contribuições interventivas”. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 99, 2007, p. 95-102.
336 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 177.137/RS. Ministro Relator Carlos Velloso. Julgado em
24.05.95. DJ de 18.04.97. No mesmo sentido: BRASIL. STF. Tribunal Pleno. AgRg no RE nº 173.065/
RS. Ministro Relator Maurício Corrêa. Julgado em 30.05.95. DJ de 15.09.95.

170
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

seguridade social, as demais contribuições não possuem suas linhas estruturais


previstas na Constituição. Além disso, o CTN não cuidou especificamente des-
sa espécie tributária, de modo que, ausente a lei complementar definidora dos
aspectos essenciais das contribuições, as atenções sobre a atividade do legisla-
dor ordinário devem ser redobradas.
Assim, diante da desnecessidade de lei complementar prévia para a institui-
ção de outras contribuições, que não as da seguridade social, com mais razão
deve-se atentar para o perfil jurídico dessa espécie, sob pena de permitir que o
legislador federal desnature as suas características essenciais, manipulando a
repartição constitucional de receitas e competências tributárias337.
Nesse ponto, a título de arremate, cabe destacar a posição de Luís Eduardo
Schoueri338, que defende uma interpretação sistemática e harmônica dos arts.
146, incisos I e III, e do art. 154, inciso I da Constituição, de modo que a lei
complementar prévia para fins de instituição de contribuições só seria necessá-
ria nos casos passíveis de gerar conflitos de competência entre os entes federa-
dos. Ou seja, apenas nos casos em que a União institui contribuições cujo fato
gerador ou a base de cálculo são próprios de tributos estaduais ou municipais é
que se faz necessária a edição de lei complementar.
Nos casos em que a União institui contribuições que gravam fatos econô-
micos já inseridos em sua competência, o autor entende que a lei complementar
seria dispensável. Embora não seja uma posição majoritária, é importante con-
siderá-la no contexto atual de recentralização de receitas pelo Governo Federal,
através do abuso na instituição de contribuições.

337 Humberto Ávila, nesse ponto, interpreta a referência do art. 149 da Constituição ao art. 146, III, como
uma alusão expressa à necessidade de lei complementar para definição dos elementos essenciais de
quaisquer tributos, inclusive, contribuições. Segundo o autor, quando a Constituição estabelece a
exigência de lei complementar apenas para os impostos o faz de forma clara, como ocorre no caso da
alínea “a” do referido dispositivo, ao prever que os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos
impostos devem estar previstos em lei complementar. Nos demais casos em que o constituinte se refere a
“tributos”, como no caso da definição de suas espécies, ou em relação à obrigação, lançamento, crédito,
prescrição e decadência tributários, a lei complementar é exigida para tratar desses temas, tanto no caso
dos impostos, quanto no caso das contribuições. Vide: ÁVILA, Humberto. Op. Cit. p. 275.
338 SCHOUERI, Luís Eduardo. “Algumas considerações sobre a Contribuição de Intervenção
no Domínio Econômico no Sistema Constitucional Brasileiro. A Contribuição ao Programa
Universidade-Empresa”. In: GRECO, Marco Aurélio. (Coord.). Contribuições de Intervenção no
Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001. p. 366-367.

171
Capítulo 4 – O papel das contribuições
na centralização fiscal no Brasil

4.1 Abuso na instituição de contribuições pela União: análise


crítica e individualizada de algumas espécies em vigor
Assentadas as premissas em que se baseia o presente estudo, passa-se então
à análise de algumas contribuições atualmente existentes no ordenamento jurí-
dico brasileiro, com destaque para a Contribuição Provisória sobre Movimenta-
ção ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira
(CPMF), que, embora não esteja mais em vigor, chegou a constar na estimativa
de receitas do projeto de lei orçamentária de 2016, aprovado pelo Congresso339.
Ressalte-se que não se tem a pretensão de esgotar o tema e nem de analisar
todas as contribuições vigentes no país, mas a intenção é concentrar o estudo
nas exações que representam a maioria das distorções existentes em matéria de
contribuições atualmente no Brasil, considerando ainda a representatividade
de sua arrecadação para a União. Em seguida, passa-se à análise das sucessi-
vas emendas constitucionais que dão suporte à Desvinculação de Receitas da
União (DRU), como mais um mecanismo de desequilíbrio do federalismo fiscal
brasileiro, bem como da repercussão que essa postura do Governo Federal é
capaz de gerar a nível internacional.

4.1.1. O caso das Contribuições de Intervenção no Domínio


Econômico - CIDE´s
Apesar de haver um campo específico, delimitado constitucionalmente,
para a instituição de contribuições interventivas, que em regra deveria limitar a
competência da União para a criação dessas espécies tributárias, o que se vê na

339 Brasil. Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 7, de 2015. Aprovado em 17.12.15. Disponível em:
<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122922>

173
Raquel de Andrade Vieira Alves

prática é um desvirtuamento reiterado dessa figura pelo legislador federal, sob o


pretexto de intervir no domínio econômico.
Como as Cides podem gravar fatos econômicos inseridos na competência
dos Estados e Municípios e seus elementos estruturais não foram previstos pela
Constituição e nem por lei complementar, se acabou abrindo um espaço de
liberdade muito grande para a atuação do legislador ordinário. Não raro, é pos-
sível encontrar espécies de contribuições interventivas cuja referibilidade entre
o grupo de contribuintes e a finalidade da exação é inexistente; ou cuja base de
cálculo não guarda qualquer relação com o fim almejado; ou cuja arrecadação é
completamente desproporcional e desarrazoada; ou ainda, mesmo quando pre-
sentes os demais requisitos de validade, cuja destinação é inobservada, seja por
exaurimento da finalidade, ou por desvio do produto arrecadado.
Essas figuras, a despeito de serem identificadas como Cides, não guardam
pertinência alguma com as verdadeiras contribuições, por lhe faltarem as ca-
racterísticas intrínsecas a essa espécie tributária. Como já destacamos, não é
porque a jurisprudência e boa parte da doutrina atuais dispensam a edição de
lei complementar como baliza prévia que não existem limites à instituição de
contribuições. Com efeito, uma exação que não se enquadre no perfil jurídico
das contribuições pode ser qualquer outra coisa, menos uma contribuição. Se
assim a denominam, a única razão capaz de explicar esse contrassenso é a burla
à partilha constitucional de receitas tributárias, já que as contribuições são re-
ceitas exclusivas da União.

4.1.1.1. Contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços


de Telecomunicações - FUST e Contribuição para o Fundo de
Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações - FUNTTEL
O FUST foi instituído pela Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000, com a
finalidade de proporcionar recursos para aplicação no cumprimento de obri-
gações inerentes à universalização dos serviços de telecomunicações, nos ter-
mos do que determina o art. 1º do referido diploma340, cabendo ainda ao Mi-

340 “Art. 1o Fica instituído o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – Fust, tendo
por finalidade proporcionar recursos destinados a cobrir a parcela de custo exclusivamente atribuível
ao cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações, que não possa
ser recuperada com a exploração eficiente do serviço, nos termos do disposto no inciso II do art. 81 da
Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997.”

174
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

nistério das Comunicações a formulação de políticas, prioridades e diretrizes


gerais nesse sentido (art. 2º341).
Nesse ponto, é preciso contextualizar a questão através do momento pelo
qual passava o país em matéria de expansão dos serviços de comunicação, mais
especificamente, em relação ao serviço de telefonia fixa. Com efeito, com o
advento da Emenda Constitucional nº 08, de 15 de agosto de 1995, permitiu-se
à União, além da exploração direta dos serviços de telecomunicações, a explo-
ração mediante concessão, permissão ou autorização, nos termos da lei. Ou seja,
os serviços de comunicação que até então eram estatais poderiam ser prestados
pela iniciativa privada, por delegação, nos termos da lei a ser criada.
Com base nisso, foi editada a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral
de Telecomunicações), que dispôs sobre a nova organização dos serviços de
telecomunicações, outorgando a um órgão regulador – no caso, à ANATEL
(Agência Nacional de Telecomunicações) – a competência para organizar a
exploração desses serviços. O mesmo dispositivo, em seu art. 50342, passou à
Agência a administração dos recursos existentes no Fundo de Fiscalização das
Telecomunicações – FISTEL, criado pela Lei nº 5.070, de 07 de julho de 1966,
definido como um fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos para
cobrir despesas feitas pelo Governo Federal na execução da fiscalização dos
serviços de telecomunicações, e a desenvolver os meios e aperfeiçoar a técnica
necessária a essa execução.
As receitas da ANATEL passaram a ser providas, portanto, pelo FISTEL
e pelo montante arrecadado com as contribuições ao FUST e ao FUNTTEL.
Embora o FISTEL não seja objeto do presente estudo, é importante mencionar
que se trata de um fundo cuja parcela de seus recursos é composta, dentre ou-
tras receitas, pelo montante arrecadado a título de taxas de fiscalização (Taxa
de Fiscalização de Instalação – TFI e Taxa de Funcionamento das Estações de
Telecomunicações – TFF) e metade da composição desse fundo é destinada ao

341 “Art. 2o Caberá ao Ministério das Comunicações formular as políticas, as diretrizes gerais e as prioridades
que orientarão as aplicações do Fust, bem como definir os programas, projetos e atividades financiados
com recursos do Fundo, nos termos do art. 5o desta Lei. (Vide Medida Provisória nº 51, de 2002)”
342 “Art. 50. O Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL, criado pela Lei n° 5.070, de 7 de
julho de 1966, passará à administração exclusiva da Agência, a partir da data de sua instalação, com
os saldos nele existentes, incluídas as receitas que sejam produto da cobrança a que se refere o art. 14
da Lei nº 9.295, de 19 de julho de 1996.”

175
Raquel de Andrade Vieira Alves

FUST, por força do art. 6º, II, da Lei nº 9.998/00343. Ou seja, cinqüenta por cen-
to do montante que integra o FISTEL e que deveria custear as suas atividades
(emissão do certificado de licença para funcionamento das estações de teleco-
municações e radiofreqüência e o acompanhamento anual do seu funciona-
mento) é encaminhado ao FUST, no que concerne à concessão de serviços de
comunicações, ordenação da exploração de serviços de comunicação e outorga
do direito de uso de radiofreqüência.
Ressalte-se ainda que, na época da edição da Lei Geral de Telecomunica-
ções - LGT, a telefonia fixa era a principal modalidade de serviço de telecomu-
nicações no Brasil e no mundo, sendo que a telefonia móvel ainda não possuía
a cobertura e o alcance de que dispõe hoje. Faziam todo sentido, portanto, os
esforços do Poder Público com vistas à expansão do serviço de telefonia fixa,
visando atingir o maior número de cidadãos possível. Tanto é assim que a LGT
(art. 64344) só estabeleceu a obrigação de universalização para os serviços de
telecomunicação prestados sob o regime público, ou seja, o chamado Serviço
Telefônico Fixo Comutado – STFC.
Daí a importância da criação do FUST pela Lei nº 9.998/00, cujos recursos,
compostos também por parcela do FISTEL, deveriam ser aplicados necessaria-
mente em uma das finalidades expressamente elencadas no Decreto Federal nº
3.624, de 05 de outubro de 2000 - regulamentador do diploma em comento - e
consequentemente afetas à universalização do serviço de telefonia fixa. Ocorre
que a Lei nº 9.998/00 foi ainda mais além e incluiu na meta de universalização,
além do serviço de telefonia fixa, a utilização das redes digitais de informação,
inclusive internet, e até mesmo o fornecimento de equipamentos terminais.
Além disso, a lei que instituiu o FUST, em conjunto com seu decreto regu-
lamentador, especificou quem seriam os beneficiários de seus recursos no caso
da universalização do acesso às redes digitais de informação e internet: escolas;

343 “Art. 6o Constituem receitas do Fundo:


[...]
II – cinqüenta por cento dos recursos a que se referem as alíneas c, d, e e j do art. 2o da Lei no 5.070,
de 7 de julho de 1966, com a redação dada pelo art. 51 da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997, até o
limite máximo anual de setecentos milhões de reais.”
344 “Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações
de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se
a assegurar.
Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado,
de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em geral.”

176
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

bibliotecas; instituições de saúde; órgãos públicos; instituições de assistência de


deficientes; dentre outros, detalhando pormenorizadamente as áreas de aplica-
ção do montante arrecadado.
O FUNTTEL, por sua vez, foi criado pela Lei nº 10.052, de 28 de novembro
de 2000 (regulamentada pelo Decreto Federal nº 3.737, de 30 de janeiro de
2001), com o objetivo de estimular o processo de inovação tecnológica, incen-
tivar a captação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e pro-
mover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de modo a
ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações345.
Assim, enquanto o FUNTTEL objetiva incrementar o desenvolvimento
tecnológico do setor de telecomunicações, o FUST se destina à universalização
do serviço de telefonia fixa e das redes digitais de informação. Entretanto, di-
ferentemente do FUST, o decreto que regulamenta a aplicação dos recursos do
FUNTTEL não foi tão detalhado, determinando apenas que os recursos “serão
aplicados exclusivamente no interesse do setor de telecomunicações” (art. 2º).
Com relação à base de cálculo, alíquotas e contribuintes, as contribuições ao
FUST e ao FUNTTEL se assemelham, pois ambas são devidas pelas empresas
prestadoras de serviços de telecomunicação e incidem sobre a receita operacio-
nal bruta decorrente dessa atividade, deduzido o ICMS, o PIS e a COFINS, a
uma alíquota, respectivamente, de 1% e 0,5%.
De acordo com a análise das leis que instituíram o FUST e o FUNTTEL,
não é difícil perceber que a intenção do legislador ordinário foi de fato instituir
contribuições de intervenção no domínio econômico, específicas para o setor
de telecomunicações. Não obstante, o que se tem na prática são exações anô-
malas, que não correspondem ao perfil jurídico das Cides, mas que, ao mesmo
tempo, não se submetem à sistemática de partilha de receitas tributárias, ser-
vindo atualmente como mero instrumento arrecadatório a favor da composição
do superátiv primário da União.
Contudo, antes da abordagem das inconsistências apresentadas por essas
exações, é necessário esclarecer que, com base nas premissas adotadas ante-
riormente, entendemos que a exigência de uma contribuição de intervenção

345 “Art. 1o É instituído o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações – Funttel,
de natureza contábil, com o objetivo de estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a
capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas
e médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira
de telecomunicações, nos termos do art. 77 da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997.”

177
Raquel de Andrade Vieira Alves

no domínio econômico sobre uma atividade exercida pelo particular, mediante


concessão, autorização ou permissão, é perfeitamente possível, visto que se en-
quadra no conceito de “domínio econômico” utilizado pela Constituição, tal
como defendem de Hamilton Dias de Souza e Tércio Ferraz Sampaio Junior:

[...] temos que a instituição de contribuição de intervenção é possível


quando haja (i) efetiva intervenção do Estado no domínio econômico, nos
limites das possibilidades constitucionalmente previstas para tanto, (ii) em
atividade originariamente reservada ao setor privado ou que tenha a este
sido transferida por autorização, concessão ou permissão, (iii) e que cause um
gasto excepcional do Estado ou benefício especial a determinado grupo de
indivíduos, componentes do setor objeto da intervenção efetuada.346

Essa ressalva é importante, porque o conceito de domínio econômico e, via


de consequência, dos setores em que é cabível a intervenção da União com o
respectivo custeio através de uma Cide, não é um assunto unânime na doutrina,
como se pôde perceber no item 3.4.2. Se até mesmo a necessidade de uma ati-
vidade por parte do Estado para a cobrança da Cide é uma questão que suscita
divergências - embora tenhamos nos posicionado pela indispensável necessida-
de de uma atuação positiva estatal -, o que dirá do tipo de atividade que a União
pode exercer para a cobrança da respectiva contribuição.
Tácio Lacerda Gama, por exemplo, entende que a União não pode instituir
contribuições de intervenção no domínio econômico para o custeio de ativida-
des que constituam uma atuação em campo de direito público. Por essa ótica,
mesmo as atividades concedidas, autorizadas ou permitidas ao particular não
ensejariam a cobrança de uma Cide, já que se situam originariamente no cam-
po do direito público. Nesse aspecto, a abrangência do poder de regulação da
União já seria suficiente, tornando desnecessário qualquer outro tipo de instru-
mento de atuação do Estado no setor econômico347.
Sob essa linha de raciocínio, o primeiro ponto problemático em relação ao
FUST e ao FUNTTEL já seria a impossibilidade de sua cobrança sobre o setor
de telecomunicações, que originariamente pertence ao ramo do direito público,

346 SOUZA, Hamilton Dias de; JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Op. Cit.
347 GAMA, Tácio Lacerda. “Contribuição ao FUST e art. 149 da Constituição da República”. In: SANTI,
Eurico Marcos Diniz de. Classificação dos Tributos. Tributação e processo. IV Congresso Nacional de
Estudos Tributários, realizado de 12/14 de dezembro de 2007. São Paulo: Noeses, 2007. p. 591-593.

178
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

mas tem a sua prestação delegada aos particulares, mediante concessão, per-
missão ou autorização. Como não comungamos desse entendimento, pensamos
que, a princípio, não haveria problema na instituição de uma Cide sobre ativi-
dade delegada aos particulares. A questão principal que se pretende destacar
aqui em relação ao FUST e ao FUNTTEL é a incompatibilidade de suas bases
de cálculo em relação às finalidades para as quais essas contribuições foram
criadas, e a reiterada não aplicação de seus recursos por parte da União.
Em relação à primeira inconsistência apontada no presente estudo, é preciso
pontuar que a finalidade originária da contribuição ao FUST é a universaliza-
ção do serviço de telefonia fixa e das redes digitais de informação. Contudo,
todas as empresas prestadoras de serviços de telecomunicação devem contribuir
com 1% de sua receita operacional bruta para o FUST. Isso significa que, mesmo
empresas que prestam serviços de telefonia móvel – atividade não enquadrada
nos objetivos de universalização –, devem recolher a Cide aos cofres públicos,
não havendo, assim, uma correspondência lógica entre o grupo de contribuin-
tes e a finalidade da norma, indispensável à caracterização das contribuições.
Outra questão diretamente ligada à anterior, diz respeito à desproporciona-
lidade da base de cálculo escolhida pelo legislador. Grande parte das empresas
que atua no setor de telecomunicações exerce outras atividades inerentes ao
ramo, mas que não se relacionam com a finalidade do FUST, como é justa-
mente o caso da telefonia móvel. Algumas empresas prestadoras do STFC
são também prestadoras de serviço de telefonia móvel, de modo que a sua
receita operacional bruta engloba tanto os serviços de telefonia fixa como os
de telefonia móvel, mas a legislação que rege a contribuição ao FUST não faz
essa distinção. Desse modo, a base de cálculo da Cide dessas empresas acaba
sendo muito maior do que a que deveria ser adotada em função da finalidade
almejada pelo legislador. Exatamente por isso as contribuições ao FUST na
maioria das vezes envolvem valores extraordinários, já que 1% sobre toda a
receita operacional de uma empresa do ramo de Telecom, que atua nas duas
frentes, representa um montante considerável.
Ademais, a implantação de serviços de internet, mencionada como destina-
ção dos recursos do FUST pelo art. 5º, V, do Decreto Federal nº 3.624/00, não
se relaciona diretamente às empresas prestadoras de serviços de telecomunica-
ção, de forma que o grupo atingido em relação a essa destinação não guarda
correlação com os contribuintes da Cide. Tais questões foram bem destacadas
por Natanael Martins em artigo específico sobre o tema:

179
Raquel de Andrade Vieira Alves

A lei instituidora da contribuição ao FUST, entretanto, contém uma res-


trição que, a nosso juízo, é inconstitucional, pois embora prevendo que
todas as empresas de telecomunicações são contribuintes, beneficiários
do fundo são apenas as empresas do serviço de telefonia fixo comutado,
o que evidentemente distorce o conceito da CIDE, tanto que o próprio
Ministro das Comunicações, em entrevista concedida na imprensa, re-
conhecendo este fato, defende a alteração proposta na lei que visa abrir
a todas as operadoras os recursos do FUST.
Ademais, verifica-se que certas destinações dadas ao produto da arreca-
dação da contribuição ao FUST não guardam, propriamente, a necessá-
ria referibilidade, quando se determina, por exemplo, a implantação de
serviços de “Internet”, atividade que, diretamente, não diz respeito às
empresas de telefonia.348

Além dessa inconsistência em relação à referibilidade de grupo e à base


cálculo do FUST, o que, por si só, já desnatura características essenciais da
contribuição, há um grave problema em relação à destinação dos recursos ar-
recadados com o FUST, que desde a sua instituição não tem sido respeitada,
seja pela própria lei tributária, seja em função de desvio perpetrado pela lei or-
çamentária. O primeiro ponto a ser analisado se refere ao desvio de finalidade
promovido pela própria lei instituidora do FUST.
Com efeito, os arts. 5º, § 2º da Lei nº 9.998/00 e 14, II do Decreto Federal nº
3.264/00 prevêem a aplicação de no mínimo dezoito por cento dos recursos do
FUST em educação, para os estabelecimentos públicos de ensino. Além disso,
os arts. 5º, IV da Lei nº 9.998/00 e 13 do Decreto Federal nº 3.264/00 prevê-
em a aplicação dos recursos do FUST vinculada a bibliotecas e instituições de
saúde. Não obstante se reconheça a nobreza dessas finalidades, o fato é que as
contribuições de intervenção no domínio econômico não se prestam a financiar
atividades ligadas à saúde e à educação, devendo estar estritamente ligadas ao
setor econômico específico em que a União pretende intervir, tal como pude-
mos mencionar no item 3.4.2.
Desse modo, o que se verifica é que do total arrecadado com as contribui-
ções ao FUST pelo menos dezoito por cento não é empregado na universaliza-
ção dos serviços de telefonia fixa, por determinação da própria lei instituidora
da contribuição. É o que Wolmar Francisco Amélio Esteves e Ângela Diaconiuc

348 MARTINS, Natanael. “As Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL”. In: Op. Cit. p. 253-254.

180
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

denominam de tredestinação normativa, por meio da qual a lei expressamente


determina o emprego de recursos provenientes da Cide em finalidade diversa
da finalidade para qual a exação foi criada, o que necessariamente importa na
inconstitucionalidade do dispositivo349.
Não bastasse isso, verifica-se que, a despeito da vultosa arrecadação com
o FUST, a sua efetiva aplicação em atenção ao cumprimento da finalidade
de universalização do serviço de telefonia fixa praticamente inexiste. Em re-
lação ao FUNTTEL, embora a finalidade seja um pouco diferente, a ausên-
cia de aplicação dos recursos arrecadados se repete, não obstante a situação
do FUST seja mais grave, seja porque no caso do FUST há também uma
tredestinação normativa, seja porque os recursos aplicados em relação à sua
arrecadação são praticamente zero. Tal fato se deve não apenas à ausência
de planejamento adequado por parte do Governo Federal, mas, principal-
mente no caso do FUST, em função do exaurimento da finalidade para a
qual a contribuição foi instituída.
Nesse ponto, retoma-se o contexto apresentado no início do presente
item. Se na época da edição da LGT e mesmo da instituição do FUST pela
Lei nº 9.998/00 a expansão do serviço de telefonia fixa era uma prioridade
do Governo federal, eis que representava a principal modalidade de serviço
de telecomunicação utilizada no Brasil e no mundo, hoje a telefonia móvel
se tornou a principal modalidade de serviço para comunicação de voz, em
substituição à telefonia fixa.
Apenas a título de ilustrar o cenário apresentado, é possível afirmar que, em
2005, a telefonia fixa ainda era responsável por 51% do faturamento do setor de
telecomunicações, mas de janeiro a setembro de 2013, a telefonia fixa respon-
deu por somente 23% e, segundo dados oficiais, entre 2005 e 2012, houve uma
queda de 19% no faturamento bruto das operadoras brasileiras com telefonia
fixa350. As projeções do sindicato nacional do setor de telecomunicações indi-
cam ainda que o cenário tende a piorar para a telefonia fixa nos próximos anos,

349 ESTEVEZ, Wolmar Francisco Amélio; DIACONIUC, Ângela. “Inconstitucionalidade Material


das Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL em Função da Tredestinação de suas Receitas”. In:
LIMA, Maurício Rodrigues de; RABELO Filho, Antonio Reinaldo; SILVA FILHO, Paulo Cesar
da; PINHEIRO, Vera Lígia Arenas (Coords.). Tributação dos serviços de Telecom e outros temas
correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 556-558.
350 Dados disponíveis em:<http://www.teleco.com.br/comentario/com606.asp> Acesso em 09.01.2015.

181
Raquel de Andrade Vieira Alves

de modo que a previsão é de que esta última não vá gerar receitas suficientes
sequer para pagar os custos da atividade351.
Com isso, pode-se dizer que o serviço de telefonia fixa não tende a ex-
pandir-se, mas, ao contrário, com a expansão e o alcance da telefonia mó-
vel, a tendência é justamente a redução do serviço de telefonia fixa até a
sua completa inutilização. Daí porque não há cabimento em continuar se
falando em universalização do serviço de telefonia fixa e, consequentemen-
te, na manutenção de uma contribuição específica para esse fim. Aliás, é
preciso lembrar que uma das características específicas das contribuições de
intervenção no domínio econômico é justamente a temporalidade, tal como
destacado pela jurisprudência alemã 352, de modo que é da própria natureza
da exação que a sua incidência ocorra apenas enquanto a causa eficiente de
sua instituição perdure do tempo e, ao menos no caso do FUST, a causa de
sua instituição já não existe mais.
A situação é tão evidente que, para se concluir pela inexistência de apli-
cação dos recursos das Cides, basta olhar para o Projeto de Lei Orçamentária
Anual de 2016353, por exemplo, mais especificamente para o Anexo I, Inciso V,
1º Volume de Anexos do Projeto, Quadro 5, que contém as despesas dos Orça-
mentos Fiscal e da Seguridade Social por Poder, Órgão, Unidade Orçamentá-
ria, Fontes de Recursos e Grupos de Natureza de Despesa. A fim de facilitar a
compreensão do tema, colacionamos parte do Quadro 5, referente às despesas
da ANATEL, em que é possível verificar a ausência quase que total de aplica-
ção dos recursos do FUST e do FUNTTEL:

351 Notícia extraída de: <http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from%5Finf


o%5Findex=6&infoid=35902&query=simple&search%5Fby%5Fauthorname=all&search%5Fby%
5Ffield=tax&search%5Fby%5Fkeywords=any&search%5Fby%5Fpriority=all&search%5Fby%5Fse
ction=&search%5Fby%5Fstate=all&search%5Ftext%5Foptions=all&sid=8&text=Para+teles+tel
efone+fixo+n%E3o+tem+futuro> Acesso em 09.01.2015.
352 YAMASHITA, Douglas. “Princípio da Solidariedade em Direito Tributário.” In: Op. Cit. p. 67.
353 BRASIL. Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 7, de 2015. Aprovado em 17.12.15. Íntegra do 1º
Volume do Anexo I disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/
sof/orcamentos-anuais/2016/volume_i.pdf> Acesso em 10.01.16.

182
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

TABELA 9 – Quadro Anexo ao projeto de LOA 2016, que demonstra a ausência


de aplicação dos recursos do FUST e do FUNTTEL

Fonte: Projeto de Lei Orçamentária Anual do Exercício Financeiro de 2016

A rápida análise do Projeto de Lei permite concluir que do total de R$


1.464.915.520,00 (um bilhão, quatrocentos e sessenta e quatro milhões, nove-
centos e quinze mil, quinhentos e vinte reais) a ser arrecadado com as contri-
buições ao FUST, R$ 1.464.814.101,00 (um bilhão, quatrocentos e sessenta e
quatro milhões, oitocentos e catorze mil, cento e um reais) comporá a “reserva
de contingência” da União, sendo que apenas R$ 101.419,00 (cento e um mil,
quatrocentos e dezenove reais) serão utilizados para o investimento em “outras
despesas correntes”. É dizer, a previsão para o ano de 2016 é de que os recursos
arrecadados com o FUST sejam quase integralmente vertidos para a formação
de superátiv da União, não havendo previsão de utilização desses recursos para
nenhuma outra finalidade.
Em relação ao FUNTTEL, dos R$ 275.401.924,00 (duzentos e setenta e
cinco milhões, quatrocentos e um mil, novecentos e vinte e quatro reais), R$
222.401.924,00 (duzentos e vinte e dois milhões, quatrocentos e um mil, nove-
centos e vinte e quatro reais) comporão a “reserva de contingência” da União,
devendo ser os R$ 53.000.000,00 (cinquenta e três milhões) restantes utiliza-
dos em “outras despesas correntes” e “investimentos”. Ou seja, apesar de uma
pequena utilização de parte dos recursos, o FUNTTEL continua sendo em sua
maior parte destinado a incrementar o superátiv da União.

183
Raquel de Andrade Vieira Alves

É importante destacar que isso não é um fato isolado, mas vem acontecendo
todos os anos desde a instituição do FUST e do FUNTTEL. Tal fato é com-
provado pelas respostas do Presidente da ANATEL e do Secretário Executivo
Adjunto do Conselho Gestor do FUNTTEL ao Requerimento de Informação
nº 4.480/14, de autoria da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática da Câmara dos Deputados354, transmitidas pelo Ministro de Esta-
do das Comunicações, em dezembro de 2014 (ANEXO C – parte do ofício nº
19890/2014/SEI-MC).
Como é possível verificar pelo despacho do Secretário Executivo Adjun-
to do Conselho Gestor do FUNTTEL, no período de 2011 a 2014, o ano em
que se obteve o maior percentual de aplicação dos recursos arrecadados foi o
ano de 2012, com 52,25% dos recursos do FUNTTEL aplicados em atividades
inerentes à sua finalidade. Confira-se a tabela abaixo, elaborada com base nas
informações contidas na resposta ao Requerimento de Informação nº 4.480/14:
TABELA 10

Fonte: Elaboração própria, a partir do ANEXO C - Parte do Ofício nº 19890/2014/SEI-MC.

Em relação ao FUST, as informações prestadas pela ANATEL afirmam que,


no período de 2011 a 2014, inexistiram despesas para aplicação de sua arreca-
dação, sem maiores detalhamentos. Ou seja, o próprio Poder Público reconhece
que o FUST tem funcionado como mero instrumento arrecadatório, não ha-
vendo sequer previsão de aplicação da sua arrecadação. E ainda que houvesse
previsão para aplicação dos recursos do FUST, a contribuição não teria como
subsistir, porque a questão aqui é que a própria finalidade de sua instituição não
existe mais no plano fático.
E nem se diga que o montante arrecadado poderia ser utilizado em outras
finalidades, pois, como um dos elementos caracterizadores das contribuições é
justamente a sua destinação, não há que se falar no emprego dos recursos do

354 Vide: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_imp;jsessionid=AB2DA7AEBBF6C943D357


ADD21DB4BE9A.proposicoesWeb2?idProposicao=621755&ord=1&tp=reduzida> Acesso 03.02.16.

184
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

FUST em outras áreas, já que essa Cide foi criada especificamente para a uni-
versalização do serviço de telefonia fixa. Daí porque os Projetos de Lei nº 427 a
431, todos de 2014, em trâmite no Senado federal, com a finalidade de possibi-
litar a utilização dos recursos já arrecadados ao FUST para impulsionar outras
atividades, como a expansão da banda larga, não têm o condão de validar a
exação atualmente existente, pois, como bem destaca Marco Aurélio Greco,
a modificação da finalidade de uma contribuição é o mesmo que a criação de
uma contribuição nova355.
Assim, a alteração da finalidade do FUST importaria na instituição de uma
nova contribuição, que tal como as demais deve respeitar o perfil jurídico dessa
espécie tributária, porém, de forma alguma, poderia servir para “constitucionali-
zar” a espécie já existente e legitimar o montante que foi arrecadado com o FUST
desde a sua instituição. Ademais, é preciso esclarecer que a obrigação de univer-
salização só existe atualmente para os serviços prestados mediante regime público
(art. 64 da LGT), de modo que tentativas de expansão da finalidade do FUST
para alcançar o serviço de acesso à internet em banda larga, por exemplo – como
é o caso dos Projetos de Lei citados em trâmite no Senado –, iria de encontro aos
ditames da Lei Geral de Telecomunicações, como está hoje redigida.
A fim de verificar a possibilidade de aplicação dos recursos do FUST nas
finalidades em questão, o Ministro das Comunicações, Miro Teixeira, por in-
termédio do Aviso nº 67/2003-MC, formulou Consulta ao Tribunal de Con-
tas da União, tendo o Acórdão nº 1107/2003-TCU deixado muito claro que
os recursos oriundos da arrecadação do FUST só podem ser aplicados nos fins
originários para os quais a contribuição foi criada, não sendo possível alterar tal
premissa nem mesmo por meio de alterações na Lei nº 9.998/2000356.

355 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 230.


356 “A. Considerando:
A.1 que os serviços de telecomunicações passíveis de financiamento com recursos do Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) são aqueles cuja existência, continuidade e
universalização são assegurados pela União e, nessa condição, devem ser prestados em regime público;
A.2 somente às prestadoras em regime público são imputáveis obrigações de universalização;
A.3 a delegação de serviços prestados em regime público se dá mediante outorga de concessão;
A.4 os serviços especificados no objeto da consultas não se enquadram na modalidade de Serviço de
Telefonia Fixa Comutada (STFC);
A.5 atualmente, a única modalidade de serviço de telecomunicações prestado em regime público
é o STFC:
B. a contratação pelo poder executivo referida na Consulta formulada (preâmbulo da Pergunta 1) significa
a delegação de concessão pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de uma nova modalidade

185
Raquel de Andrade Vieira Alves

Em outra ocasião, o Plenário do Tribunal de Contas da União, ao apreciar o


processo nº 010.889/2005-5 (Acórdão nº 2148/05), reconheceu expressamente
o desvio reiterado de finalidade na utilização dos recursos do FUST pela União,
que desde a instituição da referida Cide vem empregando o montante arrecada-
do na elevação do superátiv primário do orçamento público federal. Na ocasião,
o Tribunal determinou ainda a criação de condições para aplicação dos recursos
do FUST nas finalidades originalmente previstas pela Lei nº 9.998/00, fixando
prazo para tanto, o que, como se pode ver, até hoje não foi cumprido. Nesse
sentido, confira-se o trecho a seguir, extraído do voto do Ministro Relator:

16. Essas informações confirmam que as discussões a respeito da forma


de aplicação dos recursos do Fust retornaram a um estágio embrionário,
cinco anos após a aprovação da lei que criou o fundo. Ou seja, durante
cinco anos vêm sendo retirados recursos da sociedade, sem que ela tenha
a contrapartida prevista em lei, que é a universalização dos serviços de
telecomunicações, pela incapacidade dos governos de formularem uma
política consistente para a aplicação desses recursos.
17.Por tudo que já foi levantado acerca do assunto, é muito provável
que pelo menos parte dos recursos do Fust sejam voltados para ações
relacionadas à inclusão digital. Nesse sentido, a equipe pôde constatar
que existem vários programas com esse objetivo, coordenados por diver-
sos órgãos, atuando de forma desintegrada. Isso leva, inevitavelmente,
à superposição de ações e à ineficiência na utilização dos recursos. Em
manifestação do então Secretário Executivo da Casa Civil em 4/8/2004,
esse problema havia sido detectado, tendo-se sinalizado acerca da cria-
ção do Programa Brasileiro de Inclusão Digital, que reuniria todas as
ações que vinham sendo desenvolvidas a respeito do tema (fls. 69/73,
anexo). Não se tem conhecimento, entretanto, do desenvolvimento de
ações concretas do governo com esse objetivo, em que pese o Decreto nº
5.581/2005 fazer menção ao ‘programa de inclusão digital’.
18. Reputo importante, também, a observação feita pela equipe de que a
legislação atual não impede a aplicação dos recursos do Fust. O próprio
Tribunal sinalizou, juridicamente, o caminho que deveria ser seguido,

de serviço de telecomunicações a ser prestado pelo menos em regime público; [...] G. não é possível a
imputação de metas adicionais de universalização às atuais concessionárias de STFC, pois o serviço objeto
da presente consulta não se enquadra na referida modalidade de STFC;” (BRASIL. Tribunal de Contas
da União. Plenário. Acórdão nº 1107/2003-TCU. Processo de Consulta nº TC 005.302/2003-9. Ministro
Relator Humberto Guimarães Souto. Sessão Ordinária de 13.08.03. Ata nº 21/03).

186
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

em resposta à consulta feita pelo próprio Ministério das Comunicações.


Obviamente, o governo pode propor alterações no modelo legal do Fust
e o Congresso Nacional é soberano para aprovar o modelo que entender
mais adequado, não cabendo a este Tribunal se imiscuir nessa questão.
Mas o fato é que a principal causa da ausência de aplicação desses recur-
sos até o momento foi a incapacidade do governo, principalmente do Mi-
nistério das Comunicações, em definir, de forma adequada, as políticas,
diretrizes gerais e prioridades para a utilização desses recursos, conforme
exige o art. 2º da Lei nº 9.998/2000. E até mesmo em conseqüência dis-
so, também não houve a definição dos programas, projetos e atividades
que seriam financiados com tais recursos.
19. Assim, reputo pertinentes as propostas feitas pela Unidade Técnica
que são, fundamentalmente, para que o Ministério das Comunicações,
principalmente, e também para que a Anatel, executem as ações ne-
cessárias, previstas na própria lei de criação de Fust, de forma que se
possam criar as condições para que os recursos sejam aplicados, atingin-
do a finalidade para a qual eles estão sendo arrecadados. Também são
adequadas as propostas de recomendações à Casa Civil da Presidência
da República, para que desempenhe um papel mais ativo nesse processo.
20. Além de alguns ajustes de redação em relação às determinações e
recomendações, entendo que o prazo de 90 dias pode ser curto para a
execução das ações determinadas. Penso que um prazo de 180 dias seja
mais adequado. Entretanto, considero que também devam ser fixados
30 dias para que o Ministério apresente ao Tribunal o cronograma de
execução dessas ações.
Ante o exposto, VOTO no sentido de que o Tribunal adote a delibera-
ção que ora submeto ao Colegiado.357

Não bastasse a evidência da não aplicação dos recursos do FUST e a aplica-


ção irrisória do FUNTTEL pela análise das leis orçamentárias dos anos que se
seguiram à sua instituição, bem como pelas manifestações do TCU, ou mesmo
pelas respostas da ANATEL ao Requerimento de Informação da Comissão de
Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados,
o próprio Ministro das Comunicações, Paulo Bernando, em entrevista recente,
defendeu a necessidade de discussão acerca do que fazer com os recursos dos
fundos contingenciados (FUST, FUNTTEL e FISTEL), já que estes não são

357 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Acórdão nº 2148/05. Processo nº 010.889/2005-5.
Ministro Relator Ubiratan Aguiar. Sessão Ordinária de 07.12.05. Ata nº 45/05.

187
Raquel de Andrade Vieira Alves

destinados à sua finalidade. Lembrou o Ministro que os recursos do FUST nun-


ca foram usados e que, atualmente, não faz mais o menor sentido falar-se em
universalização da telefonia fixa, diante dos avanços tecnológicos358.
Ressalte-se ainda que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
nº 2217/15359, de autoria do deputado Sandro Alex, com a finalidade de incluir
o art. 13-A na Lei nº 9.998/00, com a seguinte redação: “Art. 13-A. As contri-
buições ao Fust ficam suspensas até que seja aplicado o total arrecadado desde
a sua instituição, de acordo com o disposto no art. 5º desta Lei.” Na exposição
de motivos do referido projeto consta expressamente a preocupação do parla-
mentar com a não aplicação dos recursos destinados ao FUST, que até o ano de
2015 somavam a quantia de aproximadamente dezoito bilhões, com referência
direta ao Acórdão nº 2148/95 do TCU.
Embora seja bem claro o desvio do produto da arrecadação do FUST e do
FUNTTEL, a ponto de o próprio Poder Legislativo reconhecer a gravidade da
questão, o STF ainda não teve a oportunidade de se pronunciar especificamen-
te sobre o assunto, contando apenas com o precedente proferido na ADI nº
2925 e já mencionado anteriormente, em que a Corte assentou a inconstitu-
cionalidade de dispositivos de lei orçamentária que permitiam a utilização dos
recursos arrecadados com a Cide-Combustíveis em outras finalidades que não
as do art. 177 § 4º, inciso II, da Constituição.
Frise-se, no entanto, que, em 16/11/16, o Conselho Federal da OAB ajui-
zou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão nº 37, distribuída ao
Ministro Ricardo Lewandowski, em que aponta omissão administrativa do
Poder Executivo Federal e da ANATEL, na aplicação dos recursos arrecada-
dos com o FUST, com pedido de liminar para suspensão da cobrança até o
julgamento final da ação. Requer ainda, após o reconhecimento da omissão,
que seja procedida a suspensão da cobrança do FUST até a efetiva aprovação
de nova política pública e consequente edição de Portaria pelo Ministério das
Comunicações, com o esgotamento dos recursos bloqueados e sem a devida
destinação/utilização. Subsidiariamente, caso a Corte entenda que é neces-
sária a modificação da LGT, para determinar que a obrigação de universali-

358 Entrevista disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bernardo-quer-descontingenciar-


fundos-setoriais,180486e> Acesso em 10.01.16.
359 Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1549354>
Acesso em 10.01.16.

188
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

zação do serviço de telefonia se estenda também para os serviços prestados


mediante regime privado - o que implica alteração do art. 64 da LGT -, a
fim de permitir que se dê alguma utilidade aos recursos arrecadados com a
exação, que seja determinado aos Presidentes do Senado e da Câmara, bem
como ao Presidente da República, a alteração da LGT, com a conseqüente
definição e implementação de novas políticas públicas, para as quais serão
aplicados os recursos do FUST, tanto os já arrecadados, quanto os futuros.
Embora o Relator tenha dispensado a análise do pedido liminar, espera-se que
no julgamento do mérito da ação o STF reconheça a inexistência de políticas
públicas para o emprego dos recursos arrecadados com o FUST, bem como
o exaurimento de sua finalidade originária, a fim de encontrar uma solução
para o imbróglio causado pela ausência de atuação estatal. Diante do cenário
atual do serviço de telefonia fixa, contudo, é difícil vislumbrar a continuidade
da exigência sem que realmente se proceda à alteração da LGT.
De fato, o desvio de finalidade dos recursos provenientes das contribuições
ao FUST e ao FUNTTEL, bem como as inconsistências apontadas em relação
à base de cálculo dessas contribuições demonstram a desnaturação de seu perfil
constitucional, o que, por si só, ensejaria a inconstitucionalidade da exigência.
Entretanto, o que interessa ao presente estudo é outro efeito decorrente desse
abuso na utilização das contribuições de intervenção no domínio econômico
pela União, que é justamente a burla ao Pacto Federativo.
Na medida em que o Governo Federal se vale da instituição de contribui-
ções ao FUST e ao FUNTTEL, assegurando a sua manutenção, mesmo que
ausente qualquer plano de utilização de seus recursos, como exaustivamente
demonstrado ao longo desse item, ele está se valendo de receitas que não são
repartidas com os Estados e os Municípios para o incremento do superátiv pri-
mário da União. Ou seja, a tredestinação do FUST e do FUNTTEL esconde,
na verdade, a real intenção do Governo Federal de utilizar os seus recursos para
quitação dos juros dívida pública, sem que a arrecadação tenha que ser dividida
com os demais entes federados.
É dizer, ao invés de a União utilizar a arrecadação normal de impostos fede-
rais para a composição do superátiv primário, ela prefere manter contribuições
cuja finalidade é desvirtuada ou já não existe mais no plano fático, mas cuja
arrecadação é representativa em números absolutos, com o único e exclusivo
intuito de driblar a repartição constitucional de receitas tributárias, garantindo
para si recursos exclusivos. É possível afirmar, assim, que a manutenção dessas

189
Raquel de Andrade Vieira Alves

exações pela União não apenas contraria o perfil constitucional das contribui-
ções, como viola cláusula pétrea da Constituição.

4.1.1.2. Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria


Cinematográfica – CONDECINE
A MP nº 2.228-1, de 06 de setembro de 2001, estabeleceu a Política
Nacional do Cinema, criou o Conselho Superior do Cinema e a Agência
Nacional de Cinema – ANCINE, além de autorizar a criação de Fundos
de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional – FUNCINES,
dentre outras providências, com o objetivo de fortalecer a indústria cine-
matográfica nacional. Nesse contexto, instituiu a contribuição para o de-
senvolvimento da indústria cinematográfica nacional, destinada ao Fundo
Nacional da Cultura – FNC e alocada em categoria de programação especí-
fica, denominada Fundo Setorial Audiovisual, para aplicação em atividades
de fomento específicas (art. 34).
Trata-se, na verdade, de uma contribuição de intervenção no domínio eco-
nômico criada pela União como um instrumento de sua atuação na regulação
e no fomento de atividades cinematográficas e audiovisuais, cujo objetivo é
possibilitar a maior inserção da produção nacional no mercado, racionalizar os
riscos da atividade cinematográfica e ampliar o acesso da população à produção
cultural cinematográfica e audiovisual360.
Inicialmente a Condecine possuía dois fatos geradores: i) a veiculação, pro-
dução, licenciamento e distribuição de obras cinematográficas e videofonográ-
ficas com fins comerciais (inclusive publicitárias), por segmento de mercado a
que fossem destinadas; e ii) o pagamento/remessa de importâncias a produtores,
distribuidores e intermediários no exterior relativos aos rendimentos decorren-
tes da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas, ou por sua
aquisição ou importação, a preço fixo. Contudo, em face das novas tecnologias
existentes no mercado, o Congresso Nacional editou a Lei nº 12.485, de 12 de

360 FUNARO, Hugo; CARVALHO, Thúlio José Michilini Muniz de. “Reflexões sobre a Condecine”.
In: LIMA, Maurício Rodrigues de; RABELO Filho, Antonio Reinaldo; SILVA FILHO, Paulo Cesar
da; PINHEIRO, Vera Lígia Arenas (Coords.). Tributação dos serviços de Telecom e outros temas
correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 244.

190
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

setembro de 2011 que, em linhas gerais, passou a permitir que as operadoras de


telefonia explorassem o serviço de TV por assinatura361.
A Lei nº 12.485/11 ampliou também o rol de fatos geradores da Condeci-
ne, que passou então a alcançar diversas materialidades e agentes econômicos,
desdobrando-se em quatro diferentes hipóteses de incidência. A primeira delas
é a chamada Condecine-Título (art. 32, I da MP nº 2.228-1/01), que tem por hi-
pótese de incidência a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição
de obras de cinema e audiovisuais com fins comerciais, sendo devida por título
ou capítulo de obra cinematográfica ou videofonográfica, nos segmentos espe-
cificados pela lei. Os sujeitos passivos dessa contribuição são, no caso de obras
de cinema e audiovisuais, os detentores do direito de exploração comercial ou
de licenciamento da obra no país, que deverão recolhê-la a cada cinco anos,
para cada título explorado. No caso de peças publicitárias cinematográficas e
videofonográficas, a contribuição deverá ser recolhida pela empresa produtora
ou pelo detentor do licenciamento para exibição, a cada doze meses em que a
obra seja efetivamente veiculada.
A segunda materialidade corresponde à Condecine-Programação Interna-
cional (art. 32, III da MP nº 2.228-1/01), cujo fato gerador é a veiculação ou
distribuição de obra audiovisual publicitária incluída em programação interna-
cional, em que exista “participação direta da agência de publicidade nacional”,
exigida em valores idênticos aos atribuídos pela legislação à veiculação de con-
teúdo publicitário em programação nacional. O sujeito passivo, nesse caso, é o
representante legal e obrigatório da programadora estrangeira no país.
Por fim, as duas outras materialidades da Condecine, que mais interessam
ao presente estudo, diante de suas peculiaridades, são: a Condecine-Telecom
(art. 32, II da MP nº 2.228-1/01) e a Condecine-Remessa (art. 32, parágrafo
único da MP nº 2.228-1/01). A Condecine-Telecom incide sobre a prestação de
serviços que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distri-
buir conteúdos audiovisuais nos termos da lei que dispõe sobre a comunicação
audiovisual de acesso condicionado, tais como os de telefonia fixa e celular, TV
por assinatura e de repetição e retransmissão de televisão, além dos serviços de
acesso condicionado e outros constantes no Anexo I da MP nº 2.228-1/01.

361 MANEIRA, Eduardo. “Condecine - Aspectos gerais”. In: Priscila da Souza. (Org.). Sistema Tributário
Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2012. p. 297-313.

191
Raquel de Andrade Vieira Alves

Os sujeitos passivos da Condecine-Telecom são as empresas concessionárias,


permissionárias e autorizatárias dos serviços de telecomunicação, que deverão
recolhê-la anualmente, de acordo com os valores indicados no próprio Anexo
I da MP nº 2.228-1/01, variando conforme o tipo de serviço tributado. Assim é
que as prestadoras de serviços de telefonia celular, por exemplo, devem recolher
R$ 160,00 por base repetidora e R$ 3,22 por aparelho móvel que gerenciem.
A partir daí surge a primeira inconsistência em relação à Condecine-Tele-
com: a alíquota específica prevista pela legislação de regência é incompatível
com o art. 149, § 2º, III da Constituição, com a redação que lhe foi dada pela
Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. Com efeito, a alínea
“b” do aludido dispositivo determina que as alíquotas específicas da Cide devam
ter “por base a unidade de medida adotada”, sendo que “unidade de medida”
deve ser entendida como “a grandeza definida estipulada como um, para servir
de termo de comparação entre grandezas da mesma espécie” 362. Nesse sentido,
o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMENTRO é
o órgão responsável pela definição das unidades de medida adotadas no país
(metro, quilograma, litro, etc.) 363.
Entretanto, a alíquota específica, como uma alternativa aos setores mais sus-
cetíveis de sonegação e à dificuldade de controle das operações realizadas por
certos agentes econômicos, deve corresponder ao valor em dinheiro resultante
da multiplicação do valor médio de operações com determinada quantidade de
produto, por um determinado percentual, de modo a guardar uma relação de
equivalência com o montante que resultaria da aplicação da alíquota normal
sobre as bases de cálculo previstas pela alínea “a”, do inciso III, do § 2º do art.
149 da Constituição. No caso da Cide, as bases de incidência possíveis são: a
receita, o faturamento, ou o valor da operação.
Dessa forma, a alíquota prevista pela legislação deve guardar uma rela-
ção de pertinência lógica com as bases de cálculo passíveis de serem ado-
tadas pelo legislador, de tal modo que represente valores que exprimam de
alguma forma a receita auferida, ou o faturamento gerado, ou o valor da
operação realizada pelo contribuinte.

362 FUNARO, Hugo; CARVALHO, Thúlio José Michilini Muniz de. “Reflexões sobre a Condecine”. In:
Op. Cit. p. 255.
363 Vide: Portaria nº 590, de 02 de dezembro de 2013. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/
legislacao/rtac/pdf/RTAC002050.pdf> Acesso em 17.01.16.

192
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Ocorre que a MP nº 2.228-1/01, embora tenha pretendido estabelecer alí-


quotas específicas, não dispõe que a Condecine-Telecom seja calculada com
base em unidades de medida, mas em função do número de itens especificados
em seu Anexo I. Nesse ponto, os itens listados não correspondem a nenhum
tipo de mensuração, mas apenas revelam bens utilizados para viabilizar a ati-
vidade do sujeito passivo. É dizer, não há exigência da Cide por unidade de
medida, mas sim, a multiplicação de um valor fixado arbitrariamente por deter-
minado número de bens de propriedade do sujeito passivo.
Isso significa que o critério de quantificação do montante devido a título de
Condecine-Telecom não só está em desacordo com a alínea “a”, do inciso III, do §
2º do art. 149 da Carta Magna, como igualmente é incapaz de refletir a capacida-
de contributiva do sujeito passivo. A simples existência de bases repetidoras, apa-
relhos móveis e de quaisquer outros bens necessários à realização da atividade-fim
de uma empresa de telecomunicação não guarda necessariamente uma relação de
pertinência com a sua receita, ou faturamento, ou ainda com o total de operações
sujeitas à Cide. A estrutura física que permite o desempenho da atividade não se
confunde nem com a própria atividade e nem com a receita dela decorrente.
Daí porque o estabelecimento de um valor fixo com base em itens compo-
nentes da estrutura física das empresas de telecomunicação não guarda nenhu-
ma referibilidade com a finalidade da exação que, como visto, tem por objetivo
promover o aumento da competitividade da indústria cinematográfica e video-
fonográfica nacional e que, por sua vez, também não possui relação alguma com
as empresas prestadoras de serviços de telecomunicação. Em outras palavras, a
base de cálculo da Condecine-Telecom não expressa a referibilidade necessária
entre os seus contribuintes e a finalidade da exação, representando apenas mais
um instrumento de arrecadação do Governo Federal.
Como bem alertam Hugo Funaro e Thúlio José Michilini Muniz de Car-
valho, a prova disso é que a base de cálculo da Condecine-Telecom é a mesma
utilizada para efeito das taxas cobradas pela ANATEL das empresas de teleco-
municação, em contrapartida pela fiscalização do setor de telecomunicações
(TFI e TFF) 364. Nesse ponto, é certo que se a finalidade da exação é garantir
e promover a competitividade da indústria cinematográfica e videofonográfica
nacional, os bens indicados no Anexo Único da MP nº 2.228-1/01, para fins de
mensuração da base de cálculo da contribuição, devem ser apenas aqueles que

364 Ibid. p. 257.

193
Raquel de Andrade Vieira Alves

possuem aptidão para transmitir conteúdo audiovisual, nos termos do que já


dispõe o art. 32, inciso II, do mesmo dispositivo.
Destaque-se, inclusive, que recentemente o Juízo da 4ª Vara Federal da
Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos do Mandado de Segurança
Coletivo nº 1000562-50.2016.4.01.3400365, impetrado pelo Sindicato Nacional
das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – SINDITE-
LEBRASIL, determinou a suspensão da exigibilidade do crédito tributário
referente à Condecine-Telecom em relação a todas as empresas filiadas ao sin-
dicato, ao entendimento de que a referibilidade exige que a contribuição seja
suportada pelo setor que demanda uma atuação efetiva no segmento sujeito à
intervenção, que, no caso da Condecine, não é o setor de telecomunicações,
mas sim, a indústria cinematográfica.
Em virtude disso, o Juízo houve por bem conceder a liminar pleiteada pelo
SINDITELEBRASIL para suspender a cobrança da Condecine-Telecom, o
que causou grande desconforto ao Governo Federal, diante da expressiva ar-
recadação da contribuição em relação ao setor de telecomunicação, embora
o setor beneficiado seja a indústria cinematográfica. Apesar de mantida pelo
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em sede de agravo de instrumento
interposto pela Ancine366, a referida liminar foi suspensa pela Presidência do
STF, em 07.03.16, através da Suspensão de Segurança nº 5.116, até que o méri-
to da impetração seja definitivamente julgado. Ou seja, atualmente, não resta
outra alternativa às empresas de telecomunicações, que não o recolhimento da
Condecine-Telecom até a apreciação final da questão pelo Judiciário.
Com relação à Condecine-Remessas, o parágrafo único do art. 32 da MP nº
2.228-1/01 determina a sua incidência sobre os rendimentos pagos ou creditados
a residentes no exterior, em decorrência da exploração, aquisição ou importa-
ção de obras cinematográficas e videofonográficas estrangeiras. A contribuição,
nesse caso, será devida a uma alíquota de 11% sobre os valores pagos ou credi-
tados e deverá ser recolhida pela empresa remetente.

365 BRASIL. Justiça Federal. 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. MS nº 1000562-
50.2016.4.01.3400. Juiz Itagiba Catta Preta Neto. Decisão Liminar proferida em 29.01.16.
366 Vide: <http://convergecom.com.br/teletime/22/02/2016/justica-mantem-liminar-que-suspende-a-
contribuicao-das-teles-a-condecine/?noticiario=TT&__akacao=2880323&__akcnt=100ee7e6&__
akvkey=c295&utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=TELETIME+News+-
+22%2F02%2F2016+21%3A00> Acesso em 23.02.16.

194
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Entretanto, é preciso observar que apenas com o advento primeiramente da


Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001 e depois da Emenda
Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, é que a Constituição Federal au-
torizou a incidência de contribuições de intervenção no domínio econômico sobre
a importação de produtos e serviços estrangeiros, através da redação do inciso II, do
art. 149367. Antes disso não havia autorização constitucional para tanto.
Ocorre que o parágrafo único da MP nº 2.228-1 é dispositivo que consta da
MP desde a sua edição, ou seja, desde setembro de 2001, quando a Constituição
não havia atribuído ainda a devida competência ao legislador infraconstitucional
para a instituição de contribuições sobre produtos e serviços advindos do exterior.
Nesse sentido, o STF já se manifestou diversas vezes sobre a necessidade de au-
torização expressa para a criação de novas espécies tributárias sobre as importações,
embora o tenha feito em relação à possibilidade de exigência de ICMS-importação
de não contribuinte do imposto antes da edição da EC nº 33/01, havendo, inclusive,
um enunciado de súmula nesse sentido (Súmula nº 660 do STF368).
E não poderia ser de outra forma, pois para a exigência de determinado
tributo é necessária a existência de competência para tanto, o que não ocorre
no caso da Condecine-Remessas, não sendo possível aduzir a sua “constitucio-
nalização superveniente”, em razão da edição da EC nº 42/03. É o que se extrai
do seguinte trecho do julgamento do RE nº 439.796369:

367 EC nº 33/01
"Art. 149. ........................................
§ 1º...............................................
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste
artigo:
[...]
II - poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e
álcool combustível;”
EC nº 42/03
“"Art. 149. ....................................
...................................
§ 2º .....................................
..................................
II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;”
368 Súmula nº 660 do STF: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que
não seja contribuinte do imposto.”
369 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 439.796/PR. Ministro Relator Joaquim Barbosa. Julgado em
06.11.2013. DJ de 17.03.2014.

195
Raquel de Andrade Vieira Alves

[...] 5. Modificações da legislação federal ou local anteriores à EC 33/2001


não foram convalidadas, na medida em que inexistente o fenômeno da
“constitucionalização superveniente” no sistema jurídico brasileiro. A
ampliação da hipótese de incidência, da base de cálculo e da sujeição
passiva da regra-matriz de incidência tributária realizada por lei anterior
à EC 33/2001 e à LC 114/2002 não serve de fundamento de validade
à tributação das operações de importação realizadas por empresas que
não sejam comerciais ou prestadoras de serviços de comunicação ou de
transporte intermunicipal ou interestadual.

Assim, conclui-se que antes das referidas alterações constitucionais a União


não tinha competência para a instituição de contribuições sobre operações in-
ternacionais, como fez com a Condecine-Remessas, ao gravar a aquisição de
conteúdos cinematográficos e videofonográficos advindos do exterior.
Ademais, além da flagrante ausência de competência constitucional para a
exigência da contribuição interventiva, a sua cobrança a uma alíquota de 11%
grava de forma diversa as obras cinematográficas e videofonográficas estrangei-
ras em comparação com a tributação incidente sobre as nacionais, incorrendo
em violação às regras relativas ao comércio internacional, estabelecidas pela
Organização Mundial do Comércio - OMC (Não-discriminação), da qual o
Brasil faz parte, destacando-se, inclusive, como parte demandada em disputas
comerciais abertas perante este Órgão, em função de medidas protecionistas370.
Note-se ainda que o grupo que sofre a incidência da Condecine-Remessas, além
de ser especialmente onerado com carga tributária diversa da incidente sobre os
mesmos produtos nacionais, não guarda nenhuma relação com a finalidade da exa-
ção. Nesse aspecto, se a finalidade da Condecine-Remessas é estimular a indústria
cinematográfica e videofonográfica nacional, não faz sentido exigi-la da indústria
cinematográfica e videofonográfica estrangeira, de forma que, a par das inconsis-
tências já apontadas, falta à contribuição a necessária referibilidade de grupo.
Por fim, assim como ocorre com o FUST e o FUNTTEL, também pairam
dúvidas em relação ao emprego do produto da arrecadação da Condecine, tan-
to que o Requerimento de Informação nº 4.480/14, de autoria da Comissão de
Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados,
também solicita à ANATEL e ao Ministério das Comunicações informações

370 <http://exame.abril.com.br/economia/noticias/brasil-cria-uma-medida-protecionista-a-cada-17-dias-
diz-omc> Acesso em 20.01.16.

196
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

sobre a arrecadação e destinação do produto da Condecine. Entretanto, nas


respostas ao Requerimento de Informação nº 4.480/14 (ANEXO C – Parte do
ofício nº 19890/2014/SEI-MC) não há menção aos dados relativos à Condecine,
eis que a mesma não é de responsabilidade do Ministério das Comunicações,
mas sim, do Ministério da Cultura.
Não obstante, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Infor-
mática da Câmara requereu ao Tribunal de Contas da União a abertura de in-
vestigação sobre a arrecadação e a aplicação dos recursos destinados aos fundos
das telecomunicações, incluindo na mesma proposta de fiscalização e controle
(PFC nº 38/15371), também de autoria do Deputado Sandro Alex, pedido de
investigação da aplicação dos recursos destinados ao setor audiovisual, de modo
que em breve será possível obter informações mais concretas acerca da aplica-
ção dos recursos da Condecine.
De toda forma, a simples necessidade de instauração de procedimento inves-
tigatório pelo Legislativo acerca da arrecadação e da aplicação dos recursos de
uma contribuição de intervenção no domínio econômico destinada à promoção
da indústria cinematográfica e videofonográfica nacional, a despeito das inú-
meras inconsistências apontadas em relação à essa espécie tributária, já denota
a preocupação dos demais Poderes em relação aos abusos cometidos pelo Exe-
cutivo Federal em matéria de contribuições no Brasil.

4.1.1.3. Contribuição para o financiamento do Programa


de Estímulo à Integração Universidade-Empresa Para apoio à
Inovação - Cide-Royalties, Cide-Tecnologia ou Cide-Remessas
A Cide-Royalties ou Cide-Tecnologia, convertida posteriormente na Cide-Remes-
sas, foi instituída pela Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000, para incidir
sobre valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residen-
tes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente de licenças
de uso e outros contratos de transferência de tecnologia, como os relativos à
exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia

371 Proposta de Fiscalização e Controle nº 38, de 24 de junho de 2015. Disponível em: <http://www2.camara.
leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1515645> Acesso em 20.01.26. Processo autuado
no TCU como TC-033.793/2015-8, em dezembro de 2015.

197
Raquel de Andrade Vieira Alves

e prestação de assistência técnica, nos termos do art. 2º, §§ 1º e 2º da lei, em sua


redação original372, e à alíquota de 10%373.
Em paralelo, em 30.11.2000, foi publicada a MP nº 2.062-60374 que, em seu
art. 3º, § 1º, determinava a aplicação da alíquota de 25%, a título de imposto
de renda retido na fonte, sobre as importâncias pagas, creditadas, entregues,
empregadas ou remetidas ao exterior a título de royalties de qualquer natureza,
cujos fatos geradores ocorressem a partir de 1º de janeiro de 2001.
Por seu turno, o §2º do art. 3º previa a redução dessa alíquota ao patamar
de 15%, na hipótese de instituição da contribuição de intervenção no domí-
nio econômico sobre as importâncias pagas, creditadas, entregues, emprega-
das ou remetidas ao exterior a título de royalties de qualquer natureza. Acres-
centava o § 3º que essa redução seria aplicada a partir do início da cobrança
da contribuição interventiva.
Assim, enquanto não instituída a referida contribuição, a alíquota do impos-
to de renda retido na fonte sobre os pagamentos a título de royalties seria man-
tida a 25%, sendo reduzida para 15%, a partir da instituição da Cide-Royalties.
Nesse cenário, foi instituída a Cide-Royalties pela Lei nº 10.168/00, à alíquo-
ta de 10%, seguida da Medida Provisória nº 2.062-63, publicada em 23.03.2001,
em reedição às Medidas Provisórias anteriores, que fixou diretamente a alíquo-
ta do imposto de renda na fonte incidente sobre as importâncias pagas, credi-
tadas, entregues, empregadas ou remetidas ao exterior a título de remuneração
de serviços técnicos e de assistência técnica, e a título de royalties de qualquer
natureza, em 15%, sem qualquer alusão explícita a um prévio aumento para
25%, como constava na redação anterior da Medida Provisória nº 2.062-60.

372 “Art. 2o Para fins de atendimento ao Programa de que trata o artigo anterior, fica instituída contribuição
de intervenção no domínio econômico, devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou
adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem
transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.
§ 1o Consideram-se, para fins desta Lei, contratos de transferência de tecnologia os relativos
à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de
assistência técnica.
§ 2o A contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a
cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações
indicadas no caput deste artigo.”
373 C.f. parágrafo 3º, na redação original da Lei nº 10.168/00: § 3o A alíquota da contribuição será de dez
por cento.
374 As Medidas Provisórias 2.062-61 e 2.062-62, respectivamente, de dezembro de 2000 e janeiro de
2001, reproduziram na íntegra o art. 3º, §§ 1º e 2º da MP 2.062-60.

198
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Frise-se que essa Medida Provisória nº 2.062-63 foi reeditada diversas vezes
com essa mesma redação até a Medida Provisória nº 2.159-70, de 24 de agosto
de 2001, sua última reedição, que permanece em vigor até hoje, já que não
ocorreu a sua revogação expressa por outra MP e nem houve deliberação defi-
nitiva sobre o seu texto pelo Congresso Nacional, nos termos da EC nº 32/01375.
Ademais, observe-se que a base de cálculo do imposto de renda retido na fonte,
de acordo com essa MP, é mais ampla do que a base de cálculo da Cide-Royal-
ties trazida pela Lei nº 10.168/00, eis que abrange também serviços técnicos e de
assistência administrativa, bem como os royalties de qualquer natureza.
Aproveitando o ensejo, o Governo Federal houve por bem alargar também a
base de incidência da Cide-Royalties, para incluir os contratos que tenham por
objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, a serem
prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem como o pagamento
de royalties a qualquer título, mesmo que não envolvam transferência de tecno-
logia, nos termos da Lei nº 10.332, de 19 de dezembro de 2001, que alterou os
dispositivos da Lei nº 10.168/00376.
Ou seja, a contribuição que inicialmente tinha incidência limitada aos ne-
gócios que envolvessem um conteúdo tecnológico e pelos quais ocorresse a
transferência de tecnologia, passou a abranger também serviços técnicos e de

375 Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam
em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva
do Congresso Nacional.
376 “Art. 6o O art. 2o da Lei no 10.168, de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2o .............................................................
.....................................................................
§ 2o A partir de 1o de janeiro de 2002, a contribuição de que trata o caput deste artigo passa a ser devida
também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos
e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no
exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou
remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.
§ 3o A contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a
cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações
indicadas no caput e no § 2o deste artigo.
§ 4o A alíquota da contribuição será de 10% (dez por cento).
§ 5o O pagamento da contribuição será efetuado até o último dia útil da quinzena subseqüente ao mês
de ocorrência do fato gerador." (NR)
Art. 7o A Lei no 10.168, de 2000, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 2o-A:
Art. 2o-A. Fica reduzida para 15% (quinze por cento), a partir de 1o de janeiro de 2002, a alíquota do
imposto de renda na fonte incidente sobre as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou
remetidas ao exterior a título de remuneração de serviços de assistência administrativa e semelhantes."

199
Raquel de Andrade Vieira Alves

assistência administrativa, além de royalties a qualquer título, sem menção à


necessidade de serem oriundos de contratos de conteúdo tecnológico.
Inclusive, é importante ressaltar que as remunerações pela licença de uso
ou de direitos de comercialização de programas de computador só são tributa-
das pela Cide-Royalties (ou Cide-Tecnologia), caso envolvam a transferência de
tecnologia, conforme disposição expressa do § 1º-A, do art. 2º, incluído poste-
riormente na Lei nº 10.168/00 pela Lei nº 11.452, de 27 de fevereiro de 2007377,
confirmando, assim, que o conteúdo tecnológico sempre foi um pressuposto
para a incidência da contribuição interventiva.
Não obstante, a Lei nº 10.332/01 estendeu a incidência da Cide-Royalties
a serviços técnicos e de assistência administrativa e aos royalties de qualquer
natureza, sem qualquer ressalva, levando a Receita Federal a exigir a referida
contribuição, mesmo que o serviço não tenha conexão com um contrato de
conteúdo tecnológico, daí porque alguns passaram a se referir a essa contribui-
ção apenas como Cide-Remessas378. Nesse ponto, é necessário esclarecer que
nem todo serviço técnico possui conteúdo tecnológico, assim como nem todos
os royalties designam direitos de natureza tecnológica, como é o caso do paga-
mento de royalties por direitos autorais.
Esse alargamento da base de cálculo da Cide se deve ao fato de os serviços
técnicos e de assistência administrativa que não envolvam conteúdo tecnoló-
gico estarem, por previsão expressa dos comentários 11.1 e 11.2 do art. 12 da
Convenção-Modelo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico - OCDE379, enquadrados no art. 7º dos Tratados, de acordo com o

377 “Art. 2º. § 1o-A.  A contribuição de que trata este artigo não incide sobre a remuneração pela licença
de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programa de computador, salvo quando
envolverem a transferência da correspondente tecnologia. (Incluído pela Lei nº 11.452, de 2007)”
378 A título de exemplo, vide Solução COSIT RFB nº 97, de 3 de abril de 2014: “EMENTA: PAGAMENTO
A MANDATÁRIO NO EXTERIOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA
ADMINISTRATIVA E SEMELHANTES, OU PRESTAÇÃO DE CONSULTORIA. INCIDÊNCIA.
Estão sujeitos ao pagamento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, a partir
de 1.º de janeiro de 2002, os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a beneficiário
residente ou domiciliado no exterior a título de serviços de assistência administrativa e semelhantes, e
consultoria administrativa. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei n.º10.168, de 2000, e alterações posteriores,
art. 2. º e §§ 1.º e 2.º; Decreto n.º 4.195, de 2002, art. 10; IN RFB n.º 1.455, de 2014, art. 17, II, “a”.”
379 “11.1. No contrato de know how, uma das partes acorda transmitir à outra uma parte de seus
conhecimentos especializados, não revelados ao público, de maneira que esta última possa utilizá-los
por sua conta. Reconhece-se que o cedente não está obrigado a intervir no uso que o cessionário fará
das fórmulas cedidas, bem como não se obriga a garantir o respectivo resultado.

200
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

qual: “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse
Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante
por meio de um estabelecimento permanente aí situado” 380. 381
Já os pagamentos a título de royalties estão enquadrados no próprio art.
12 da Convenção-Modelo da OCDE, que, embora determine a sua tributação
somente no Estado da Residência, tem sido modificado nos tratados assinados
pelo Brasil, em comum acordo entre os países contratantes, a fim de permitir a
tributação também pelo Estado da Fonte, desde que limitada a um percentual,
em regra, de 15% (com exceção do Japão, cuja limitação é de 10%).
Dessa forma, com a finalidade de garantir a arrecadação federal no patamar
dos 25% que originalmente incidiam sobre as remessas de pagamentos ao exterior,
a título de imposto de renda retido na fonte, a União instituiu a malsinada Cide-
-Royalties, à alíquota de 10%, bem como alargou a sua base de cálculo para além
dos negócios de conteúdo exclusivamente tecnológico, de modo a fazê-la incidir
curiosamente sobre a mesma base de cálculo do imposto de renda retido na fonte.
Coincidentemente, reduziu a alíquota do imposto de renda retido na fon-
te incidente sobre esses pagamentos, ao patamar de 15%, parecendo, assim,
cumprir fielmente as disposições constantes nos tratados contra bitributação
celebrados com outros países.

11.2. Este contrato difere, portanto, dos contratos de prestação de serviços, nos quais uma das partes se
compromete a utilizar as capacidades técnicas inerentes à sua atividade na execução de trabalhos para
a outra parte. Os pagamentos efetuados em virtude desses contratos são regulados geralmente pelo
artigo 7”. (Tradução livre)
Versão original: “11.1 In the know-how contract, one of the parties agrees to impart to the other, so that
he can use them for his own account, his special knowledge and experience which remain unrevealed to
the public. It is recognised that the grantor is not required to play any part himself in the application of the
formulas granted to the licensee and that he does not guarantee the result thereof.
11.2 This type of contract thus differs from contracts for the provision of services, in which one of the parties
undertakes to use the customary skills of his calling to execute work himself for the other party. Payments
made under the latter contracts generally fall under Article 7.” OECD. Model Tax Convention on Income
and on Capital: Condensed Version, 2014. p. 231.
380 Tradução livre. Versão original: “Profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in
that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent
establishment situated therein.” OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed
Version, 2014. p. 28.
381 Para um aprofundamento sobre o tema, vide: XAVIER, Alberto. “O Imposto de Renda na Fonte e
os Serviços Internacionais - Análise de um Caso de Equivocada Interpretação dos arts. 7º e 21 dos
Tratados”. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 49. Editora Dialética. São Paulo: out/1999.

201
Raquel de Andrade Vieira Alves

No entanto, na verdade, o que fez a União foi simplesmente substituir os 10%


do imposto de renda retido na fonte pelos 10% incidentes a título de Cide-Royal-
ties, através de sucessivas manobras legislativas, que redundaram: (i) na criação
de uma contribuição que não compreende os requisitos para qualificação como
interventiva e que, ao invés de incentivar o desenvolvimento tecnológico, como
determina o art. 1º de sua lei instituidora, onera a aquisição de tecnologia; (ii) no
alargamento da sua base de cálculo, para fins de coincidir com a base de cálculo
do imposto de renda retido na fonte, extrapolando o conteúdo puramente tecno-
lógico dos negócios sobre os quais deveria incidir; e (iii) no descumprimento do
dever de boa-fé na execução dos tratados internacionais contra a dupla tributação
da renda, assinados anteriormente à instituição da contribuição.
Com efeito, como visto anteriormente, o art. 149 da Constituição Federal
permite a instituição pela União de contribuições de intervenção no domínio
econômico, como instrumento de atuação do Estado na economia, cujos prin-
cípios regedores encontram-se no art. 170, complementados pelos arts. 173 e 174
da Carta Magna.
Entretanto, a instituição de “Programa de Estímulo à Interação Universi-
dade-Empresa para o Apoio à Inovação, cujo objetivo principal é estimular o
desenvolvimento tecnológico brasileiro”, nos termos da Lei nº 10.168/00, não
se encaixa nas hipóteses dos referidos dispositivos constitucionais, eis que não
constitui um instrumento de regulação de determinada atividade econômica.
Na verdade, o estímulo ao desenvolvimento tecnológico, através da cooperação
entre universidades e centros de pesquisa, de um lado, e setor produtivo, de ou-
tro, revela um conteúdo afeto mais à ordem social do que à ordem econômica.
Nesse ponto, a pesquisa e o fomento à inovação estão expressamente pre-
vistos pelo § 2º do art. 213 da Constituição382, devendo ser custeados pelos
recursos destinados à educação, na forma do art. 212383. Assim, a despeito da re-
ferência a tal exação como sendo uma contribuição interventiva, o fato é que a

382 “Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
[...]
§ 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por
universidades e/ou por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio
financeiro do Poder Público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)”
383 “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”

202
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

sua finalidade está relacionada com os objetivos da Ordem Social, previstos nos
dispositivos contidos no Capítulo III, do Título VIII, da Constituição Federal.
Além disso, a Cide-Royalties guarda uma peculiaridade em relação às demais
espécies de contribuições, pois ela envolve ao mesmo tempo, em suas finalidades,
as universidades e centros de pesquisa e os importadores de tecnologia, de modo
que não reflete o interesse de um grupo bem definido. Ou seja, ela não se rela-
ciona com determinado ramo econômico ou determinado setor do mercado, não
sendo possível a identificação de um grupo homogêneo a que a mesma se refira.
Esses dois pontos que demonstram a fragilidade da classificação das Cides-
-Royalties como contribuições de intervenção no domínio econômico foram
bem identificados por Hamilton Dias de Souza e Tércio Ferraz Sampaio Júnior:

[...] Tais requisitos, contudo, não se encontram presentes na Lei nº


10.168/2000, não se caracterizando a contribuição por ela instituída
como contribuição de intervenção no domínio econômico.
Em primeiro lugar porque a intervenção não se caracteriza como inter-
venção no domínio econômico. De fato, da leitura do artigo 1º da Lei em
comento verifica-se que o que se estimula, imediatamente, é a pesquisa
tecnológica desenvolvida por universidades e centros de pesquisa (fim:
estímulo ao desenvolvimento tecnológico; meio: cooperação entre univer-
sidades e centros de pesquisa, de um lado, e setor produtivo, de outro).
Ora, a pesquisa, objeto de cooperação, insere-se na atividade das uni-
versidades, submetidas “ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão”, o mesmo ocorrendo em relação às instituições de
pesquisa e tecnológicas, como se vê do expressamente disposto no art.
207 e seu par. 2º b da CF. A atividade de ensino e pesquisa é ATIVIDA-
DE SOCIAL, que integra o patrimônio educacional (art. 205, CF), cul-
tural (art. 216,III), científico e tecnológico do País (arts. 218, 219, CF).
Trata-se, assim, de ORDEM SOCIAL, tanto que tais dispositivos estão
contidos no Capítulo III do Título VIII da CF.
Se assim é, claro está que a contribuição recém criada não se destina à
intervenção no domínio econômico e em atividades econômicas, mas
sim à social, especificamente educacional, cultural, científica e tecnoló-
gica que, a teor do disposto no art. 213, par. 2º , da CF será promovida
e incentivada pelo Estado com aplicação, pela União, de 18% da receita
anual de impostos (art. 212 da CF).
Em segundo lugar porque não há definição de grupo. A contribuição
não se justifica por incidir sobre determinado setor do mercado ou uma

203
Raquel de Andrade Vieira Alves

atividade industrial qualquer. A finalidade perseguida pela Lei é esti-


mular a pesquisa tecnológica, genericamente falando, não associada a
determinada área ou atividade. Refere a norma contida no artigo 1º da
Lei nº 10.168/2000, de um lado, a universidades e centros de pesquisa e,
de outro, a importadores de tecnologia. Ambos, juntos, não formam, no
sentido constitucional, uma área e, muito menos, um grupo.384

Some-se a isso o fato de que, para se afirmar que a contribuição dita inter-
ventiva tem a finalidade de incentivar o desenvolvimento tecnológico brasi-
leiro, ela deveria incidir justamente sobre o detentor da tecnologia, no caso da
Cide-Royalties, o residente no exterior, não só pela coerência entre a finalidade
e a parte onerada (referibilidade de grupo), como pelo próprio Princípio da Ca-
pacidade Contributiva, eis que, o recebimento dos pagamentos é que constitui
o signo presuntivo de riqueza que exterioriza a possibilidade de contribuir com
o estímulo ao desenvolvimento tecnológico.
Não obstante, o art. 2º da Lei nº 10.168/00 determina que os sujeitos passi-
vos da Cide-Royalties são as pessoas jurídicas que celebrarem, com residentes ou
domiciliados no exterior, contratos de fornecimento de tecnologia, prestação de
serviços técnicos e administrativos, cessão de licença de uso de marcas e explo-
ração de patentes e as que pagarem royalties a qualquer título a beneficiários ou
residentes domiciliados no exterior.
Vê-se, assim, que o referido dispositivo instituiu uma hipótese de responsabi-
lidade tributária, por substituição, às pessoas jurídicas que efetuam os pagamen-
tos, nos termos do art. 121, II, do Código Tributário Nacional385, tendo em vista
que o contribuinte da Cide-Royalties é, na verdade, o titular dos recebimentos a
título de fornecimento de tecnologia, prestação de serviços técnicos e adminis-
trativos, cessão de licença de uso de marcas e exploração de patentes e as que
pagarem royalties a qualquer título.
Essa é, pois, a única forma de se reputar válida a cobrança, do contrário, a
finalidade constitucional que a sustenta estaria em dissonância com o sujeito pas-

384 SOUZA, Hamilton Dias de; JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Op. Cit.
385 “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária.
[...]
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição
expressa de lei.”

204
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

sivo da obrigação, a desnaturar a própria natureza da contribuição. Nesse sentido,


precisa é a lição de Sacha Calmon Navarro Coelho e André Mendes Moreira:

Uma análise mais detalhada da questão permite ainda inferir-se que o


tributo em tela é um adicional de imposto sobre a renda de residente no exte-
rior, ficando o remetente no Brasil como substituto tributário. Caso contrá-
rio o imposto seria outro, sobre remessas de royalties. A base de cálculo
da exação (valores pagos, creditados, entregues, empregados e remetidos
a título de remuneração) já denota tal característica. Ademais, a redu-
ção para quinze por cento da alíquota do imposto de renda incidente na
fonte sobre as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou
remetidas ao exterior a título de remuneração de serviços técnicos e de
assistência técnica, operada a partir do início da cobrança da contribui-
ção instituída pela Lei no 10.168/00, conforme previsto na MP nº 2.062-
60 e nas demais que a seguiram (e estendida aos royalties e serviços de
assistência administrativa e semelhantes pela Lei nº 10.332/01), deixa
claro que a contribuição veio complementar a redução da alíquota do
IRRF sobre as referidas remunerações, incidindo no mesmo montante
(10%) em que se efetivou a redução.386

Dessa forma, a despeito de existirem entendimentos contrários387, entendemos


que há verdadeira identidade entre o sujeito passivo da Cide-Royalties e o do
imposto de renda retido na fonte sobre os pagamentos efetuados a residente no
exterior, nas hipóteses previstas pela Lei n° 10.168/00. Inclusive, ressalte-se que a
própria Lei n° 10.168/00 em momento algum se refere a “contribuinte”, mas tão
somente menciona que a contribuição é “devida pela pessoa jurídica detentora de
licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos [...]” e “passa a ser
devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por
objeto”, confirmando tratar-se de hipótese de responsabilidade por substituição. 

386 COELHO, Sacha Calmon Navarro e MOREIRA, André Mendes. “Inconstitucionalidades da Contribuição
de Intervenção no Domínio Econômico Incidente sobre Remessas ao Exterior – CIDE Royalties.” Revista
Dialética de Direito Tributário, nº 89. Editora Dialética. São Paulo: fev/2003. p. 71/84.
387 “Assim sendo, não há identidade de contribuintes no imposto de renda incidente na fonte sobre o
pagamento de royalties ao exterior e na Cide sobre os royalties. Enquanto no caso do imposto de
renda na fonte o contribuinte do imposto é o beneficiário dos rendimentos no exterior, no caso da
Cide o contribuinte do tributo é a pessoa jurídica brasileira que efetua os pagamentos dos royalties”.
BIANCO, João Francisco. “A Cide sobre Royalties e os Tratados Internacionais contra a Dupla
Tributação”. Grandes Questões Atuais de Direito Tributário. Valdir de Oliveira Rocha (Coord.). São
Paulo: Dialética, 2004.

205
Raquel de Andrade Vieira Alves

Quanto ao aspecto quantitativo da Cide-Royalties, como já mencionado, o alar-


gamento promovido pela Lei nº 10.332/01 fez com que a base de cálculo da contri-
buição, que antes se limitava ao aspecto puramente tecnológico das remunerações
remetidas ao exterior, passasse a abarcar os serviços técnicos e de assistência admi-
nistrativa, além de royalties de qualquer natureza, de modo que acabou se igualando
à base de cálculo do imposto de renda retido na fonte incidente sobre essas remes-
sas, o que levou até uma mudança na terminologia de referência à contribuição
utilizada por parte da doutrina, que passou a denominá-la de Cide-Remessas.
Paralelamente, a União fixou a alíquota da Cide-Royalties em 10% e reduziu
a alíquota do imposto de renda para 15%, em uma tentativa de aparentar cum-
prir os acordos contra dupla tributação já firmados. Essa manobra redundou,
na prática, na instituição de um verdadeiro adicional ao imposto de renda, cuja
arrecadação se destina ao desenvolvimento tecnológico. Destacando bem esse
fato, confira-se a lição de Hiromi Higuchi e Celso Hiroyuki Higuchi:

A Lei nº 10.168, de 2000, alterada pela Lei 10.332, de 2001, instituiu


a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, com
alíquota de 10%, incidente no pagamento ou crédito para residentes no
exterior a título de remuneração pelo uso de marcas e patentes e por
diversos tipos de serviços prestados, nada mais sendo do que imposto de
renda na fonte camuflado.388

Portanto, pode-se afirmar que a Cide-Royalties e o imposto de renda retido


na fonte possuem os mesmos sujeitos passivos, as mesmas bases de cálculo e os
mesmos fatos geradores, já que o conteúdo tecnológico não é mais pressuposto
para o aspecto material de incidência e que o mesmo não guarda qualquer grau
de referibilidade com o grupo econômico afetado.
Ademais, é preciso frisar que a Medida Provisória nº 2.062-60 relacionava ex-
pressamente a redução na alíquota do imposto de renda retido na fonte à instituição
da Cide-Royalties, fato que foi posteriormente alterado quando da sua reedição pela
Medida Provisória nº 2.062-63, a fim de tornar a conexão menos explícita, sendo,
desse modo, inegável a existência de uma relação direta entre as duas exações.
Nesse ponto, fica claro que a Cide-Royalties foi instituída pela União com
dois nítidos propósitos: (i) evitar que os recursos arrecadados com a contribui-

388 HIGUCHI, Hiromi e HIGUCHI, Celso Hiroyuki. Imposto de Renda das Empresas: Interpretação e
Prática. 39ª Ed. São Paulo: IR Publicações, 2014. 598.

206
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

ção interventiva fossem repassados aos Estados e Municípios, nos moldes do que
ocorre com o imposto de renda; e (ii) esquivar-se das regras dos tratados contra
dupla tributação da renda firmados pelo Brasil.
Não obstante os aspectos jurídicos das contribuições em geral e o regime
constitucional específico das contribuições interventivas que, como visto, não
podem ser instituídas em qualquer hipótese e só podem ser exigidas enquanto
permanecer a necessidade de intervenção, tem sido praxe atualmente o uso
indiscriminado dessa figura pela União como mero instrumento arrecadatório.
É esse tipo de atitude do Governo Federal, com vistas ao incremento da sua
arrecadação exclusiva, que acaba por desequilibrar a divisão constitucional de re-
ceitas tributárias, comprometendo a autonomia dos entes subnacionais. Isso não
só revela um comportamento incompatível com o Princípio da Conduta Amisto-
sa Federativa, como uma falta com o dever de boa-fé que deve pautar as relações
tributárias a nível internacional, conforme será melhor analisado adiante.

4.1.2. As contribuições sociais e a solidariedade de grupo


na sociedade brasileira atual
Antes de adentrar na análise da contribuição de 10% sobre os depósitos
devidos ao FGTS durante a vigência do contrato de trabalho, faz-se necessário
retomar rapidamente algumas ideias expostas anteriormente, acerca do perfil
jurídico das contribuições, para então ser possível entender o que ocorre atual-
mente em matéria de contribuições sociais no Brasil.
A partir das premissas adotadas no presente estudo, é possível concluir que o
enquadramento de determinada exação como uma contribuição envolve necessa-
riamente a presença de: uma destinação específica; um grupo social, econômico ou
profissional, responsável pelo custeio e diretamente atingido pela atividade cus-
teada, que não se confunda com toda a sociedade; e a referibilidade de grupo, ex-
pressa pela relação de custo-benefício coletivo entre os dois elementos anteriores.
Nesse ponto, afirmamos que o principal traço de distinção entre as contri-
buições e os impostos reside justamente na solidariedade de grupo, expressa
através dos três elementos supramencionados, cuja concorrência, frise-se, é in-
dispensável para a configuração de uma contribuição.
Ocorre que a Constituição brasileira não poupou garantias à Ordem So-
cial, prevendo em relação a diversos ramos dessa categoria o direito de acesso
universal do cidadão, tendo como contrapartida o respectivo custeio também

207
Raquel de Andrade Vieira Alves

universal. É o caso, por exemplo, da saúde, prevista no art. 196 como “direito
de todos e dever do Estado”, garantido o “acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”; da educação, tida pelo
art. 205 como “direito de todos e dever do Estado” e “promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade”; e da própria seguridade social como um todo,
que será financiada por toda a sociedade (art. 195), baseando-se na universali-
dade da cobertura e do atendimento.
Em razão disso, é difícil identificar nas espécies de contribuições atuais, vol-
tadas ao custeio da Ordem Social, a presença de um grupo homogêneo que não
se confunda com toda a sociedade, à exceção das contribuições destinadas à
previdência, em que, diante do caráter contributivo, é possível ainda delimitar
o grupo interessado. Isso se reflete na própria escolha da base de cálculo pelo
legislador, que muitas das vezes é incapaz de refletir uma relação de pertinência
lógica entre a destinação da exação e o grupo a que ela se refere.
Nesse cenário, o que se verifica é que a solidariedade de grupo que infor-
ma as contribuições acaba sendo tão ampliada, em razão da própria diretriz
constitucional de universalização dos direitos sociais, que se descaracteriza,
confundindo-se com a solidariedade genérica, informadora dos impostos389.
Daí porque, em relação às contribuições sociais no Brasil, faz-se necessário
concordar com a crítica de Fábio Zambitte Ibrahim, para quem “as con-
tribuições sociais, especialmente na realidade nacional, não mais possuem
atributos distintivos, especialmente no que diz respeito à individualização
do grupo beneficiado.” 390
De acordo com o modelo protetivo universal adotado pelo Constituinte de
1988, fica difícil identificar traços da existência de solidariedade de grupo nas
exações que compõem a base de seu custeio, já que não se pode destacar um gru-
po interessado de toda coletividade. Assim, o único elemento de distinção entre
as contribuições sociais e os impostos acaba sendo a destinação, o que tem levado
muitos autores a afirmar que elas seriam verdadeiros impostos afetados391.

389 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “As Contribuições Parafiscais e a Validação Constitucional das Espécies
Tributárias”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 174, março, 2010. p. 120.
390 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Op. Cit. p. 255.
391 “Em síntese, as contribuições sociais são impostos cuja destinação – servir de instrumento da
atuação da União na área social – justifica serem cobradas de toda a sociedade; apresentam regime
jurídico próprio, destacando-se aquelas destinadas à seguridade social, disciplinadas pelo artigo 195
da Constituição Federal.” SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. Cap. VI. 7.6. Considerando que

208
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Marco Aurélio Greco reconhece que o referencial de grupo no caso das


contribuições para a seguridade social – aqui o autor se refere apenas às contri-
buições para a seguridade social, embora a ausência de referibilidade de grupo
atinja todo gênero contribuições sociais – tem a sua nitidez esfumaçada, diante
da previsão constitucional de universalidade de cobertura, entretanto, contra-
ditoriamente, afirma que isso não comprometeria a integração ao grupo392.
Com todas as vênias à opinião do autor, autoridade reconhecida em
matéria de contribuições no Brasil, não é possível conceber que todas as
contribuições devam estar fundadas na solidariedade de grupo, menos as
sociais, que teriam o mesmo fundamento dos impostos. Entender desse
modo conduz necessariamente à conclusão de que as contribuições sociais
são, na verdade, impostos afetados, caindo por terra toda a argumentação
aqui despendida acerca do perfil jurídico dessa espécie tributária e de seus
elementos de distinção.
Na prática, o que ocorre é que essa ausência de solidariedade de grupo das
contribuições sociais brasileiras, diante da opção do legislador constitucional
por um modelo protetivo universal, acaba contribuindo para a desnaturação
dessa espécie tributária, permitindo que o legislador infraconstitucional escolha
bases de cálculo que não guardam nenhuma relação com a finalidade da exação
e nem com o grupo afetado, diante da amplitude deste último.
Com isso, o leque de possibilidades materiais à disposição da União para
a instituição de contribuições sociais acaba sendo muito amplo, pois, prati-
camente, qualquer elemento pode servir de base de cálculo do tributo, des-
de que a afetação esteja justificada sob o manto do interesse social coletivo.
Ademais, como enfrentado acima em relação às Cides, não há também para
as contribuições sociais uma vedação constitucional a que sua base de cálculo
ou fato gerador sejam próprios de impostos existentes, mas sim, a necessidade
de caracterização da solidariedade de grupo, expressa pela presença da tríade:
grupo, destinação e referibilidade de grupo.

várias contribuições atuais não possuem mais fundamento na solidariedade de grupo, especialmente
a contribuição previdenciária sobre inativos, vide: TORRES, Ricardo Lobo. “Existe um Princípio
Estrutural da Solidariedade?” In: Solidariedade Social e Tributação. Marco Aurélio Greco, Marciano
Seabra de Godoi (Coords.). São Paulo: Dialética, 2005. p. 201-205.
392 GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit. p. 242-243.

209
Raquel de Andrade Vieira Alves

Assim, institui-se contribuição social para a recomposição de prejuízos nas


contas vinculadas ao FGTS; para minimizar prejuízos em períodos de instabili-
dade econômica393; dentre outros objetivos cujo custeio mais adequado seria o
custeio por meio de impostos.
A única justificativa para a escolha da instituição de uma contribuição
social, cujo fundamento ético-jurídico é o mesmo dos impostos – solidarie-
dade genérica –, reside no fato de que, enquanto as contribuições destinam-
-se integralmente às atividades da União, a receita dos impostos federais é
repartida com Estados, Distrito Federal e Municípios. Ou seja, maximiza-se
a arrecadação em detrimento da própria Federação. Como bem exemplifica
Luís Eduardo Schoueri:

se a União necessita de R$ 1,00 de receita, precisa aumentar seus impos-


tos em cerca de R$ 2,00, ou, alternativamente, aumentar uma contribui-
ção social no R$ 1,00 original. É evidente que o legislador federal não
tem estímulo em suportar o desgaste político do aumento exagerado dos
impostos se não terá a receita correspondente. Daí não ser de estranhar
a importância que hoje se dá a contribuições como PIS, COFINS e a
própria contribuição social sobre o lucro. 394

Além disso, essa fluidez em relação aos elementos essenciais das contribui-
ções sociais propicia a ocorrência de desvios em relação ao produto da sua arre-
cadação, facilmente manipulável sob a justificativa de corresponder ao interesse
social coletivo. Os dois melhores exemplos de contribuições sociais que corres-
pondem bem à idéia de “impostos afetados”, cujo produto da arrecadação tem
sido flagrantemente desviado de suas finalidades originárias, são: o adicional de
10% ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Contribuição Pro-
visória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos
de Natureza Financeira – CPMF, sendo que esta última embora não esteja em
vigor foi “ressuscitada” pelo projeto de lei orçamentária para o exercício de 2016,
aprovado pelo Congresso em dezembro de 2015.

393 <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/barbosa-diz-que-cpmf-e-poupanca-para-pais-
atravessar-turbulencia.html> Acesso em 22.01.16.
394 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. Cap. VI. 7.6.

210
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

4.1.2.1. O caso do Adicional de 10% ao Fundo de Garantia


do Tempo de Serviço – FGTS
A contribuição social de 10% sobre os depósitos devidos ao FGTS durante
a vigência do contrato de trabalho, popularmente conhecida como “multa de
10% do FGTS”, foi instituída pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho
de 2001, com a finalidade de cobrir os rombos nas contas do FGTS provocados
pelos expurgos inflacionários dos Planos “Verão” e “Collor 1”, em 1989 e 1990,
conforme se depreende da Exposição de Motivos do projeto que culminou com
a edição da referida lei, da qual destaca-se:

Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a


anexa minuta de Projeto de Lei Complementar que autoriza o crédito, nas
contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS,
dos complementos de atualização monetária decorrentes de decisão do
Supremo Tribunal Federal, sob condição da aprovação da contribuição
social de 10% (dez por cento) dos depósitos do FGTS, devida nos casos de
despedida sem justa causa, e da contribuição de 0,5% (cinco décimos por
cento) incidente sobre a folha de pagamento, ora propostas”.
[..]
A contribuição social devida nos casos de despedida sem justa causa,
além de representar um importante instrumento de geração de recursos
para cobrir o passivo decorrente da decisão judicial, terá como objetivo
induzir a redução da rotatividade no mercado de trabalho.
[...]
A urgência solicitada se deve à necessidade de que os recursos das con-
tribuições que ora se propõem sejam coletados pelo FGTS no mais breve
período de tempo, a fim de que os trabalhadores possam receber a com-
plementação de atualização monetária nos prazos propostos na anexa
minuta de Projeto de Lei Complementar.

A contribuição é devida pelos empregadores em caso de despedida de em-


pregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de to-
dos os depósitos devidos ao FGTS durante a vigência do contrato de trabalho,
acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas. Ou seja, o aspecto
material da incidência é a despedida sem justa causa do empregado e a base de
cálculo corresponde aos depósitos devidos ao FGTS, tudo nos termos do que
dispõe o art. 1º da LC nº 110/01.

211
Raquel de Andrade Vieira Alves

Já no art. 13 do referido diploma ficou assegurada a destinação integral dos


valores arrecadados com a exação ao FGTS, nos exercícios de 2001, 2002 e
2003, cuja interpretação conjunta com a Exposição Motivos acima transcrita
e o panorama econômico da época, permitem concluir, mais especificamente,
que os valores arrecadados serviriam para custear a atualização monetária dos
valores do FGTS, até então defasados em razão da elevada inflação resultante
dos planos econômicos do período.
Para fins de contextualização, durante o início da década de 1990, o emprego
de índices de atualização monetária que não refletiam os altos índices inflacioná-
rios (denominados “expurgos inflacionários”) corroeram o patrimônio do Fundo,
prejudicando os objetivos que informaram a sua própria instituição, especialmen-
te, a garantia do trabalhador na hipótese de demissão395. Diante desse cenário, os
Tribunais Superiores reconheceram a ilicitude dos índices de correção aplicados
pela Caixa Econômica Federal e determinaram a reposição da defasagem de atu-
alização do FGTS no período dos Planos “Verão” e “Color I”.
Tendo em vista a jurisprudência consolidada sobre o tema e os possíveis
impactos orçamentários que a reposição dessa defasagem do Fundo traria, o
Governo Federal optou por não aportar recursos do Tesouro Nacional, deli-
berando junto aos representantes das centrais sindicais e das confederações
patronais a criação de novas fontes de custeio para quitação desse passivo ge-
rado. Como fruto dessas negociações, dentre outras medidas, adveio a criação
do adicional de 10% ao FGTS.
Portanto, essa nova contribuição tinha declaradamente a finalidade especí-
fica de custear as reposições a título de atualização monetária decorrentes de
decisões judiciais, a fim de cobrir a defasagem das contas vinculadas ao FGTS.
Esse contexto histórico-econômico é indispensável para se chegar a tal conclu-
são, eis que a letra “fria” da LC nº 110/01 não é suficientemente clara quanto à
finalidade específica do adicional, o que, aliado à fluidez dos elementos essen-
ciais das contribuições sociais e à conduta pouco amistosa a nível federativo da
União, dá a tônica da discussão.

395 MOREIRA, André Mendes; ESTANISLAU, César vale. “Inconstitucionalidade superveniente da


contribuição social de 10% sobre o saldo do FGTS em caso de despedida sem justa causa, instituída
pelo art. 1º da LC nº 110/2001, face ao atingimento de sua finalidade”. Revista Dialética de Direito
Tributário nº 227, agosto, 2014. p. 8.

212
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Ocorre que, poucos meses após a sua promulgação, os dispositivos da LC nº


110/01 que fundamentavam a cobrança do adicional foram questionados por
meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 2.556 e 2.568, propostas,
respectivamente, pela Confederação Nacional das Indústrias - CNI e pelo Par-
tido Social Liberal - PSL, alegando, em síntese: (i) violação ao art. 149 da Cons-
tituição, tendo em vista que a exação não se enquadraria nas hipóteses autori-
zadoras do artigo e também não se enquadraria na hipótese do art. 195, § 4º da
Constituição; (ii) caso se tratasse de contribuição, violação à referibilidade de
grupo; (iii) sendo imposto, violação à não afetação; (iv) violação à capacidade
contributiva, pois a base cálculo da exação não constituiria signo presuntivo de
riqueza; (v) sendo contribuição social geral, violação à anterioridade de exercí-
cio (art. 150, III, “b”); e, por fim, (vi) que as contribuições majoravam a multa
pela rescisão sem justa causa do contrato de trabalho além do limite previsto
pelo art. 10, inciso I do ADCT.
A despeito de entendermos que a finalidade para a qual a exação foi criada
não reflete de fato nenhuma das situações do art. 149 e nem do art. 195 da
Constituição, pois custeio de prejuízos econômicos em decorrência de inflação
não constitui uma finalidade social direta, mas apenas indireta ao referir-se
a prejuízos econômicos relativos ao FGTS, bem como de não vislumbrarmos
referibilidade entre o grupo chamado a contribuir (empregador) e o grupo be-
neficiado (empregados), o fato é que o STF, ao apreciar ao mérito dessas ações
diretas, houve por bem assentar a natureza de contribuição social geral do adi-
cional, afirmando, na ocasião, a sua constitucionalidade396.
Antes, porém, a Corte havia concedido, por maioria, a liminar pleiteada
em sede de medida cautelar na ADI nº 2.556, sob a relatoria do então Mi-
nistro Moreira Alves, para, entendendo tratar-se a espécie de contribuição
social geral, suspender a vigência da exação no período compreendido entre
a publicação da LC nº 110/01 e o início do exercício financeiro subseqüente,
afirmando que o art. 14 do aludido dispositivo feriria a anterioridade de exer-
cício. Quanto aos demais fundamentos, não houve apreciação do Tribunal em
sede de cognição sumária397.

396 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI’s nº 2.556/DF e 2.568/DF. Ministro Relator Joaquim Barbosa.
Julgadas em 13.06.12. DJ de 20.09.12.
397 “Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação de artigos e de expressões contidas na Lei
Complementar Federal nº 110, de 29 de junho de 2001. Pedido de liminar.

213
Raquel de Andrade Vieira Alves

Aproximadamente dez anos após a concessão da liminar, encerrou-se o jul-


gamento das duas ações, já sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, em
razão da aposentadoria do Ministro Moreira Alves. Na ocasião, foi ratificada a
natureza de contribuição social geral da exação e a violação à anterioridade de
exercício pelo art. 14 da LC nº 110/01, apenas para garantir a produção de efei-
tos do dispositivo no exercício seguinte à sua promulgação, referendando-se o
que restara decidido quando da apreciação do pedido liminar. À exceção de um
argumento, apresentado após a propositura das ações, todos os demais foram
apreciados pelo STF no julgamento das duas ADI´s.
E, como bem ressalvam André Mendes Moreira e César Vale Estanislau398,
não interessa aqui o que STF decidiu, mas justamente o fundamento não apre-
ciado pela Corte, qual seja, o do atendimento à finalidade para a qual a contri-
buição fora instituída, com o decurso do tempo, circunstância fática que ainda
não havia se verificado quando da propositura das referidas ações diretas. Em-
bora as ações de controle concentrado de constitucionalidade possuam causa
petendi aberta, o Ministro Joaquim Barbosa deixou de apreciar esse argumento,
sob a justificativa de que as ações já não estariam mais em fase instrutória.
Não obstante, o Relator deixou expressamente consignada a possibilidade
de nova apreciação, em momento oportuno, da constitucionalidade da exação
sob o prisma do exaurimento da sua finalidade:

Em síntese, a requerente expôs que a finalidade da exação fora alcançada,


pois a União teria ressarcido integralmente todos os beneficiários do FGTS
cuja lesão foi reconhecida no julgamento do RE 226.855. Entendo que a
nova linha de argumentação não tem cabimento no estágio atual destas
ações diretas de inconstitucionalidade. Com efeito, por se tratar de dado
superveniente, a perda da motivação da necessidade pública legitimadora
do tributo não era objeto da inquirição, e, portanto a Corte e os envolvidos
no controle de constitucionalidade não tiveram a oportunidade de exercer
poder instrutório em sua plenitude. Descabe, neste momento, reiniciar o

- A natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame sumário, é a de que
são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições sociais que se enquadram na sub-espécie
‘contribuições sociais gerais’ que se submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do
artigo 195 da Carta Magna.” BRASIL. STF. Tribunal Pleno. MC em ADI nº 2.556/DF. Ministro
Relator Moreira Alves. Julgada em 09.10.02. DJ de 08.08.03.
398 Ibid. p. 14.

214
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

controle de constitucionalidade, nestes autos, com base no novo paradig-


ma. Isto sem prejuízo de novo exame pelas vias oportunas.
[...]
Portanto, ressalvado o exame oportuno da inconstitucionalidade super-
veniente da contribuição pelo suposto atendimento da finalidade à qual o
tributo fora criado, julgo prejudicadas estas ações diretas de inconstituciona-
lidade em relação ao tributo instituído no art. 2º da LC 110/2007. Conheço
das ações quanto aos demais artigos impugnados, julgando-as parcialmente
procedentes, para declarar a inconstitucionalidade do art. 14, caput, I e II de
referida lei complementar, no que se refere à expressão “produzindo efeitos”.

Destaque-se que, além de reconhecer a possibilidade de reexame da


constitucionalidade da contribuição, em razão do novo fundamento invo-
cado pelas partes, o Ministro Joaquim Barbosa, como já abordado neste es-
tudo, ressaltou a peculiaridade das contribuições, que escapariam ao Pacto
Federativo, na medida em que não se submeteriam à sistemática de repasse
de receitas (“as contribuições escapam à força de atração do pacto federati-
vo, pois a União está desobrigada de partilhar o dinheiro recebido com os
demais entes federados”).
Observe-se que em poucas palavras o Relator abordou com precisão o tema
objeto do presente estudo, ressalvando a viabilidade de um novo exame do tema
pela Corte Constitucional. Nesse sentido, inclusive, estão em tramite e penden-
tes de julgamento perante o STF duas ações diretas de inconstitucionalidade
em face do art. 1º da LC nº110/01, movidas pela CNI e pela Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC, ao argumento de
que as contribuições teriam exaurido a sua finalidade, sendo, portanto, incons-
titucional a manutenção de sua cobrança, além do RE nº 878.313, de relatoria
Ministro Marco Aurélio, cuja repercussão geral foi reconhecida em 04/09/15, e
que versa sobre o mesmo tema.
Embora as contribuições sociais não sejam como as contribuições de in-
tervenção no domínio econômico, que possuem como característica a tempo-
ralidade, certo é que a receita de uma contribuição – seja ela qual for – é vin-
culada à despesa que deu causa à sua instituição. Como destaca Igor Mauler
Santiago, via de regra, à exceção das necessidades atendidas pelas Cides, as
atendidas pelas demais contribuições costumam ser perenes (financiamento
da educação, da seguridade social, dos sindicatos, das entidades representati-
vas das profissões regulamentadas, da renovação da marinha mercante e da

215
Raquel de Andrade Vieira Alves

indústria naval, entre tantas outras), não sendo comum cogitar-se do período
de vigência desses tributos399.
Entretanto, em relação às contribuições sociais previstas pelo art. 1º da LC
nº 110/01, ocorre uma situação peculiar, pois elas foram criadas para cobrir
uma despesa específica da União: a recomposição, determinada pelo Supre-
mo Tribunal Federal, das contas vinculadas de FGTS atingidas pelos expurgos
inflacionários dos Planos “Verão” e “Collor I”, como foi possível perceber pela
leitura da Exposição de Motivos da referida lei complementar.
Ocorre que a Caixa Econômica Federal, responsável pela administração das
contas do FGTS, reconheceu que o débito referente à sua atualização monetá-
ria foi integralmente quitado no início do ano de 2012, de modo que os valores
arrecadados atualmente a título de contribuição adicional ao FGTS estão sendo
utilizados pela União para a realização do denominado superátiv primário, além
do custeio de outros programas sociais. 
Tal fato se comprova pela análise das Demonstrações Contábeis do FGTS,
divulgadas anualmente pela Caixa Econômica Federal400, de forma que, em 2001
- ano da instituição da contribuição -, os valores das contas vinculadas ao Fundo
registraram um passivo relativo às complementações para fins de atualização mo-
netária, no valor de aproximadamente quarenta bilhões de reais, com uma con-
trapartida no mesmo valor na conta de ativo diferido, cuja liquidação seria pos-
tergada por quinze anos. Esse prazo de amortização do ativo diferido, contudo, foi
sendo reduzido gradativamente, de modo que, passados onze anos da instituição
do referido adicional de 10% sobre os depósitos do FGTS, findou-se o prazo para
amortização da dívida, restando integralmente quitados os débitos registrados em
2001, referentes aos créditos complementares da LC nº 110/01.
Foi com base nisso que a Caixa Econômica Federal emitiu, através do Ofício
nº 0038/2012/SUFUG/GEPAS, de fevereiro de 2012, um comunicado afirman-
do que a contribuição adicional do FGTS poderia ser extinta em julho daquele
ano, diante da previsão de quitação integral dos passivos oriundos dos expurgos
inflacionários da época. O respectivo ofício, bem como os Relatórios de Ava-
liação de Receitas e Despesas de 2012 e diversos outros documentos compro-

399 SANTIAGO, Igor Mauler. “Adicional do FGTS está extinto e dispensa revogação”. Revista Eletrônica
Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-ago-21/consultor-tributario-
adicional-fgts-extinto-dispensa-revogacao2> Acesso em 24.01.16.
400 Disponíveis em: <http://www.fgts.gov.br/downloads.asp> Acesso em 24.01.16.

216
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

batórios da quitação do referido passivo foram anexados às ADI´s nº 5050 e nº


5051, em trâmite no STF.
Como se não fosse o suficiente, a Nota Explicativa nº 9 da Demonstração
Contábil do Fundo de 2012 aponta que a despesa de atualização monetária dos
créditos complementares, conforme previsto pela LC nº 110/01, foi integralmen-
te amortizada401. Ou seja, o Fundo já recompôs a defasagem de atualização das
contas a ele vinculadas, na forma da LC nº 110/01, de maneira que a finalidade
da contribuição social por ela prevista não existe mais.
Nesse ponto, como visto que a contribuição nasce vinculada à despesa que
deu causa à sua instituição, não existindo mais despesa, não há que se falar em
manutenção da exação. Tanto é assim que o Legislativo editou o Projeto de Lei
nº 198, de 18 de abril de 2007, a fim de extinguir a referida contribuição402, po-
rém, em meio às discussões acerca do projeto, a Caixa Econômica Federal apre-
sentou Nota Técnica reiterando a necessidade de manutenção da contribuição
até julho de 2012, quando então estaria sanada a carência de recursos do FGTS.
Posteriormente, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram,
com larga maioria, o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 10 de agosto de
2012, que incluía no art. 1º da LC nº 110/01 a previsão de encerramento da
cobrança da contribuição, fixada em junho de 2013. No entanto, o projeto foi
vetado integralmente pela Presidência da República, por meio da Mensagem nº
301, de 23 de julho de 2013, sob a justificativa de que o impacto da eliminação
dessas receitas no orçamento federal inviabilizaria a realização de projetos go-

401 “Corresponde aos valores de despesa de atualização monetária de créditos complementares, conforme
previsto pela Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, cuja amortização, com base em
estudos sobre o prazo de recebimento das contribuições sociais e com base na faculdade prevista na
lei, foi efetuada exponencialmente pelo prazo de 132 meses (Nota 12 (b)).
No exercício de 2012, foi amortizado por completo o saldo remanescente de 2011, no valor de R$
1.611.177 (2011 – R$ 3.375.155).
Conforme permitido pela Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, o saldo remanescente do ativo diferido,
em 31 de dezembro de 2008, que não pôde ser alocado ao ativo imobilizado e intangível, permaneceu
no ativo sob essa classificação até sua completa amortização, porém sujeita à análise periódica de
sua recuperação.” (p.232). Disponível em <http://www.caixa.gov.br/Downloads/fgts-relatorio-gestao/
Relatorio_Gestao_FGTS_2012.pdf> Acesso em 24.01.16.
402 “(...) Considerando-se a boa solvência do Fundo, o projeto de lei complementar ora proposto
objetiva estabelecer prazo para o encerramento da cobrança do adicional de 10% a título de multa
rescisória.” Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/80674>
Acesso em 24.01.16.

217
Raquel de Andrade Vieira Alves

vernamentais essenciais para o país, embora a sua instituição não tenha guar-
dado qualquer relação com tais projetos403.
Ora, se a finalidade da contribuição ao FGTS era a recomposição dos expurgos
inflacionários do início da década de 1990 e este passivo foi integralmente quitado
em 2012, conforme atesta a instituição financeira gestora do Fundo, de 2012 para
cá os valores que estão sendo arrecadados com a manutenção da exação não estão
sendo mais empregados na finalidade para a qual ela foi criada. A própria Presidên-
cia da República assumiu a tredestinação em relação aos valores arrecadados com a
contribuição nas razões do veto do PL nº 200/12, como visto acima.
A verdade é que, tal como ocorre com as receitas do FUST e do FUNTTEL,
o produto da arrecadação da contribuição de 10% sobre os depósitos do FGTS
tem “engordado” o cálculo do superátiv primário da União, contribuindo para
a quitação dos juros da dívida pública, como acontece com grande parte das
receitas sem despesa correspondente no orçamento.
De fato, como bem destacado pelo Ministro Marco Aurélio, ainda no jul-
gamento das ADI´s nº 2.556 e nº 2.568, a referida exação se prestou “a reforçar
o caixa, presente a responsabilidade do Tesouro Nacional”, de modo a “aportar
recursos para se cumprir – como deveria ser cumprido mesmo sem esses valores
– a ordem jurídica em vigor”. Observe-se que o próprio Ministro reconhece que
a exação, longe do que se poderia esperar de uma contribuição social, não se
destinava ao financiamento de uma atuação estatal na área social, mas sim, à
arrecadação de recursos para quitação do rombo nas contas vinculadas ao FGTS,
provocado pela fracassada política econômica do Governo Fernando Collor.
Mais recentemente, o STF reconheceu a repercussão geral da questão acerca
do exaurimento da finalidade da contribuição adicional ao FGTS, no RE nº
878.313404, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, de acordo com o qual

403 "A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00
(três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, contudo
a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação
das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção
do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas
de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço - FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o
desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os
próprios correntistas do FGTS."
404 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE n° 878.313/SC. Ministro Relator Marco Aurélio. Repercussão
Geral reconhecida em 03.09.15. DJ de 22.09.15.

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Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

a controvérsia a ser decidida pela Corte estaria em saber se, “constatado exau-
rimento do objetivo para o qual foi instituída a contribuição social, deve ser
assentada a extinção do tributo ou admitida a perpetuação da cobrança ainda
que o produto da arrecadação seja destinado a fim diverso do original”.
Curiosamente, a Procuradoria Geral da República - PGR emitiu parecer no
referido recurso, em dezembro de 2015, nos moldes das manifestações apresen-
tadas nas duas ADI´s pendentes de julgamento pela Corte (ADI´s nº 5050 e nº
5051), alegando que a finalidade da exação não teria se exaurido, tendo em vis-
ta não ser possível identificar como finalidade da sua instituição o complemento
da atualização monetária do saldo das contas vinculadas ao Fundo. De acordo
com a PGR, a Exposição de Motivos da LC nº 110/01 não seria relevante para
a interpretação da sua finalidade, não vinculando a norma elaborada a partir
dessa proposição. Confira-se:

A finalidade constitucional que legitima a contribuição social do art. 1º


da LC 110/2001 é a constante do art. 7º, III, da Constituição da Repúbli-
ca, não o reforço puro e simples, de cunho transitório, de caixa do FGTS
para fazer frente ao complemento de atualização monetária do saldo das
contas vinculadas desse fundo.
A exposição de motivos da LC 110/2001, conquanto justifique a criação
das contribuições dos arts. 1º e 2º no déficit das contas vinculadas do
FGTS, não vincula desse modo a lei elaborada a partir dessa proposição.
Nada impede que a lei dê destinação diversa da constante na justificação
da proposição legislativa, desde que para atender a finalidade constitucio-
nalmente prevista e desde que seja válido o suporte linguístico da norma.
A vontade objetiva da lei prevalece sobre a intenção do legislador. A
mens legislatoris, conquanto relevante para a interpretação autêntica da
norma jurídica, não se sobrepõe à mens legis.405

Nesse ponto, ressalte-se que a Exposição de Motivos, embora não seja o cri-
tério principal de interpretação de uma norma legal, constitui meio auxiliar de
interpretação jurídica, tendo em vista que integra o elemento histórico que há de
se ter em conta ao se averiguar o sentido determinante da lei. Assim, ao se per-
quirir sobre o objetivo de determinada norma jurídica, necessária se faz a análise
dos papéis e trabalhos preparatórios que culminaram com a sua edição, dentre os

405 Parecer da PGR no RE nº 878.313, apresentado em 17.12.15.

219
Raquel de Andrade Vieira Alves

quais está a Exposição de Motivos. Se assim não fosse, não haveria necessidade
alguma por parte do legislador de declaradamente expressar a sua intenção.
Karl Larenz afirma que, como fontes de conhecimento das ideias normati-
vas dos sujeitos envolvidos na elaboração da lei, entram em cena os diferentes
projetos, as atas das comissões de assessoria e as exposições de motivos, que
servem para averiguar a intenção reguladora e os fins do legislador sempre que
estes não sejam evidentes a partir do texto da própria lei406. Tércio Ferraz Sam-
paio Junior, por sua vez, aduz que o levantamento das condições históricas da
elaboração de uma norma leva o intérprete a buscar nos trabalhos preparatórios
os elementos auxiliares para a sua interpretação, podendo-se a partir daí, por
exemplo, chegar à conclusão de que determinada lei atendeu a uma situação
de emergência, cujas condições típicas se alteraram e que, portanto, têm de ser
restringidas para o entendimento das normas407.
Esse é exatamente o caso da LC nº 110/01, em que a partir do levantamento
das condições históricas que culminaram com a sua edição, a análise da Ex-
posição de Motivos se torna fundamental para a compreensão da finalidade
específica almejada pelo legislador. Inclusive, o STJ já teve a oportunidade de
se manifestar acerca da importância da Exposição de Motivos para a hermenêu-
tica jurídica, em caso relativo à vigência do Crédito-Prêmio de IPI, destacando,
sob o enfoque histórico, o objetivo de cada Decreto que dispôs sobre o tema, a
partir da análise de sua Exposição de Motivos408.
Portanto, conclui-se que a análise dos dispositivos da LC nº 110/01, aliada
aos elementos históricos que precederam a sua edição, dentre os quais se desta-
ca a sua Exposição de Motivos, deixa clara a finalidade específica da contribui-
ção adicional ao FGTS de cobrir a defasagem econômica das contas vinculadas
ao Fundo, fruto dos expurgos inflacionários do Plano “Verão” e “Color I”. E,
sendo assim, como a defasagem econômica do FGTS já foi integralmente corri-

406 LARENZ, Karl. Op. Cit. p. 465-466.


407 JUNIOR, Tércio Ferras Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação.
4ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003. p. 291.
408 “[...] é cediço que a hermenêutica tributária obedece à regra geral contemplando a possibilidade de
interpretação literal, sistêmica ou teológica e histórica. Nesta última é de extrema valia a busca de
subsídios nos trabalhos de elaboração da norma, donde sobressai a exposição de motivos que levaram
à edição da regra.” BRASIL. STJ. Primeira Turma. AgRg no Ag 886.162/PR. Ministro Relator Luiz
Fux. Julgado em 18.12.07. DJ de 04.09.08.

220
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

gida desde 2012, não há que se falar em manutenção da exação para o custeio
de uma finalidade inexistente.
Muitos autores, inclusive, têm reiteradamente afirmado a revogação auto-
mática do art. 1º da LC nº 110/01, eis que se trata de norma de vigência tem-
porária, subsistindo apenas enquanto não atingida a finalidade para a qual foi
criada. É o caso, por exemplo, de Igor Mauler Santiago409 e Bruno Reis Pinto410.
Não obstante, como pôde ser visto ao longo do presente item, há um nítido
esforço do Poder Executivo Federal voltado à manutenção da cobrança da con-
tribuição adicional ao FGTS, mesmo diante do completo exaurimento de sua
finalidade. A explicação para isso, ao contrário das mensagens presidenciais, não
reside na necessidade de fomento a programas sociais, eis que o Fundo tem apre-
sentado resultados positivos consecutivos desde 2000 – obtendo arrecadação lí-
quida recorde em 2013 e 2014 de, respectivamente, 18,7 e 18,4 bilhões411 –, mas,
única e exclusivamente, na necessidade do Governo Federal de “fazer caixa” com
recursos exclusivos, ao invés de priorizar a arrecadação de impostos federais.

4.1.2.2. A Contribuição Provisória sobre Movimentação ou


Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira – CPMF
Como mencionado na abordagem acerca da instituição de tributos não
partilháveis, o precursor da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou
Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira -
CPMF foi o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras - IPMF.
Nesse ponto, a sua criação foi autorizada pela EC nº 03/93, que permitiu à
União Federal a criação de tributos ainda não previstos na Constituição, me-
diante lei complementar, mas que poderiam ser cumulativos, eis que a com-
petência residual do art. 154, inciso I, não autorizava a instituição de tributos
que não observassem a não-cumulatividade.

409 SANTIAGO, Igor Mauler. Op. Cit.


410 PINTO, Bruno Reis. “A Contribuição Prevista na Lei Complementar nº 110/2001 e sua Revogação
Automática com o Exaurimento de sua Finalidade”. Revista Dialética de Direito Tributário nº 227,
agosto, 2014. p. 21-37.
411 Vide:<http://www.caixa.gov.br/Downloads/fgts-demonstracao-financeira/DEMONSTRACAO_
FINANCEIRA_FGTS_2014.pdf> Acesso em 24.01.16.

221
Raquel de Andrade Vieira Alves

Além disso, o novo tributo seria transitório, vigorando apenas até 31 de


dezembro de 1994; teria alíquota de 0,25%, facultada ao Poder Executivo a sua
redução ou o seu restabelecimento, nos termos da lei; o princípio constitucional
da anterioridade anual e a imunidade intergovernamental recíproca não lhe
seriam aplicáveis; e o produto da sua arrecadação não se sujeitaria à repartição
com os demais entes federados412.
Com base nisso, o IPMF foi efetivamente instituído pela Lei Complementar
nº 77, de 13 de julho de 1993, a uma alíquota de 0,25%, vigendo até o termo
final previsto pela Constituição – 31 de dezembro de 1994. Nesse curto espaço
de tempo, contudo, os dispositivos da EC nº 03/93 tiveram a sua constituciona-
lidade questionada, através da ADI nº 939, tendo o STF, em julgamento reali-
zado em 15.12.93, reconhecido a violação da referida emenda aos princípios da
anterioridade de exercício e da imunidade recíproca413.
Em seguida, foi editada a Emenda Constitucional nº 12, de 15 de agosto de
1996, com a ideia de retomar a tributação incidente sobre as movimentações
financeiras, mas agora sob a denominação de contribuição, através da inclusão
do art. 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT414. O

412 “Art. 2.º (*) A União poderá instituir, nos termos de lei complementar, com vigência até 31 de
dezembro de 1994, imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de
natureza financeira.
§ 1.º A alíquota do imposto de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco centésimos por
cento, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições
e limites fixados em lei.
§ 2.º Ao imposto de que trata este artigo não se aplica o art. 150, III, b, e VI, nem o disposto no § 5.º
do art. 153 da Constituição.
§ 3.º O produto da arrecadação do imposto de que trata este artigo não se encontra sujeito a qualquer
modalidade de repartição com outra entidade federada.”
413 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 939/DF. Ministro relator Sydnei Sanches. Julgada em 15.12.93.
DJ de 18.03.94.
414 "Art. 74 A união poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de
valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
§ 1º A aliquota da contribuição de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco centésimos por
cento, facultado ao poder executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições
e limites fixados em lei.
§ 2º À contribuição de que trata este artigo não se aplica o disposto nos arts. 153, § 5º, e 154, I, da
Constituição.
§ 3º O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente
ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde.
§ 4º A contribuição de que trata este artigo terá sua exigibilidade subordinada ao disposto no art. 195,
§ 6º, da Constituição, e não poderá ser cobrada por prazo superior a dois anos."

222
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

mesmo perfil do IPMF foi mantido – alíquota de 0,25%, vigência de dois anos,
exceção à anterioridade de exercício e à imunidade recíproca –, entretanto,
tratando-se de contribuição, não seria mais possível questionar a sua não sub-
missão ao princípio da anterioridade de exercício, já que as contribuições só se
submetem à anterioridade nonagesimal, e nem a não submissão à imunidade
recíproca, que não alcança essa espécie tributária.
Assim, a Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, instituiu essa nova exação,
de modo que o que era imposto passou a ser denominado contribuição. Poste-
riormente, sucessivas Emendas Constitucionais foram editadas (EC´s nº 21/99,
31/00 e 37/02), prorrogando o prazo de vigência da referida contribuição, até
culminar com a edição da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de
2003, que inseriu o art. 90 no ADCT, autorizando a cobrança da CPMF até 31
de dezembro de 2007, data do encerramento de sua vigência, sendo a mesma
cobrada a uma alíquota de 0,38%415.
Inclusive, como demonstrado no Gráfico 2, do item 2.5.3, a partir da edição
da EC nº 42/03, com a alíquota da CPMF fixada em 0,38%, a arrecadação das
contribuições cresceu vertiginosamente, ultrapassando a arrecadação do IR e
do IPI. Essa arrecadação extraordinária, devido em parte à grande dificuldade
de sonegação da CPMF, explica as suas sucessivas prorrogações, que implicaram
na manutenção de um tributo dito provisório por nada menos que dez anos.
Entretanto, diz-se que esse estrondoso sucesso na arrecadação se deve “em
parte” à dificuldade de sonegação, porque aliada a isso a grande responsável
pelos recordes arrecadatórios dos anos de 2003 a 2006, superando, inclusive,
a arrecadação dos principais impostos federais, é de fato a não repartição do
produto da arrecadação da CPMF com os Estados e Municípios.
Nesse ponto, é importante olhar para a base de cálculo da contribuição, que
incide sobre a “movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos
de natureza financeira”, a fim de aferir se esta realmente expressa uma relação
de compatibilidade entre a finalidade almejada e o grupo atingido.
Pela análise da legislação de regência, verifica-se que a CPMF originalmente
foi instituída para custear ações e serviços de saúde, nos termos do que determi-
nava o §3º, do art. 74 do ADCT, introduzido pela EC nº 12/96 (“§ 3º O produto

415 Para visualização do panorama geral legislativo completo, vide o quadro elaborado pela equipe técnica
do Unafisco, com a cronologia da legislação da CPMF e suas alíquotas. Disponível em: <http://www2.
unafisco.org.br/estudos_tecnicos/2007/nota_tecnica_cpmf.pdf> Acesso em 26.01.16.

223
Raquel de Andrade Vieira Alves

da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integral-


mente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços
de saúde”). Entretanto, com a promulgação da EC nº 37/02, que inseriu o art.
84 no ADCT, o produto da arrecadação da CPMF passou a ser destinado não
só ao Fundo Nacional da Saúde, mas também ao custeio da Previdência Social
e ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (§2º) 416.
Ora, se a CPMF foi concebida originalmente para custear as ações e os ser-
viços de saúde, não faz sentido algum a sua cobrança de todos aqueles que rea-
lizem operações financeiras. De fato, é impossível a identificação de um grupo
homogêneo beneficiado em relação à finalidade da CPMF, que não se confunda
com toda a sociedade.
Isso se deve, em primeiro lugar, à própria natureza do modelo protetivo cons-
titucional em relação à saúde, que, como se disse, é universal, razão pela qual
melhor se amolda ao custeio através de exações cujo fundamento de validade
reside na solidariedade genérica, como é o caso dos impostos. Em segundo lugar,
a base de cálculo escolhida pelo legislador contribui para essa indeterminação,
na medida em que movimentações e transferências financeiras não constituem
atividades exclusivas de determinados grupos, mas, ao contrário, atualmente é
praticamente impossível cogitar-se a existência de sujeitos que não realizam ne-
nhum tipo de movimentação financeira. Daí ser possível afirmar que à CPMF
falta a necessária referibilidade entre a finalidade almejada e o grupo afetado.
Destaque-se ainda a mudança na destinação do tributo que, a partir da EC
nº 37/02, passou a ser aplicado, além de na saúde, na Previdência Social e em
Fundo específico dedicado ao custeio de ações de combate à pobreza. Ou seja, a
contribuição já não tinha referibilidade de grupo, não sendo possível relacioná-
-la a um grupo diverso da coletividade, sendo que o único elemento distintivo

416 “Art. 84. A contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos
e direitos de natureza financeira, prevista nos arts. 74, 75 e 80, I, deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, será cobrada até 31 de dezembro de 2004.
[...]
§ 2º Do produto da arrecadação da contribuição social de que trata este artigo será destinada a
parcela correspondente à alíquota de:
I - vinte centésimos por cento ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços
de saúde;
II - dez centésimos por cento ao custeio da previdência social;
III - oito centésimos por cento ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts.
80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

224
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

que restou entre essa espécie tributária e os impostos foi a destinação. Contudo,
até a destinação foi modificada por sucessivas manobras legislativas, de modo
a não ser possível distinguir a CPMF de um imposto de competência federal,
senão pela sua ausência de submissão à sistemática de repasse de receitas aos
Estados e Municípios.
André Mendes Moreira e Sacha Calmon Navarro Coelho, nesse sentido,
afirmam categoricamente que a CPMF seria um imposto finalístico:

[...] como já dito, a CPMF possui natureza de imposto finalístico (afetado


a um fim), haja vista que a mera prática do fato gerador pelo contribuin-
te gera o dever de recolhê-la aos cofres públicos, sem que haja contra-
prestação estatal (sinalagma) dirigida ao pagante do tributo, cuja receita
é previamente destinada a fins específicos pela CR/88.417

Entretanto, os autores não entendem que a exação seria inconstitucional ape-


nas por isso, já que foi a própria Constituição que vinculou a sua receita a deter-
minadas finalidades, mas sim, porque acarretam um desequilíbrio no Pacto Fede-
rativo, ao não se submeterem à repartição de receitas com os entes subnacionais.
Some-se a isso o grande retrocesso em matéria de justiça fiscal que represen-
ta a instituição da CPMF, visto se tratar de um tributo não cumulativo que one-
ra o sistema tributário como um todo, prejudicando a produção nacional frente
à estrangeira. Além disso, a CPMF recai igualmente sobre todos os contribuin-
tes, não possuindo alíquotas progressivas e nem se submetendo ao Princípio da
Capacidade Contributiva, eis que a realização de movimentações financeiras
não necessariamente externa um signo presuntivo de riqueza.
Inclusive, Ives Gandra Martins, referindo-se à CPMF como um vício de cer-
tos países para obter recursos em tempos de crise, afirma que a contribuição
teria sido rejeitada por quase duzentos países, fazendo parte da exceção apenas
Brasil, Argentina e Colômbia418. Aliás, não é de se espantar a pouca utilização
da CPMF no Direito Comparado, diante dos graves prejuízos que esse tributo
acarreta, tanto a nível federativo, quanto a nível de justiça tributária.

417 MOREIRA, André Mendes e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. “A CPMF e os Princípios
Constitucionais Tributários”. In: Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma,
da realidade ao conceito jurídico. SANTI, Eurico Marcos Diniz de (organizador). São Paulo: Saraiva,
2008, p. 726-745.
418 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “CPMF e Dependência Química”. Na imprensa – coletânea de
artigos. São Paulo: Editora do Brasil, 2005. p. 177.

225
Raquel de Andrade Vieira Alves

Não obstante, na contramão da tendência que se verifica em outros países,


o Brasil, a despeito do encerramento da vigência da malsinada contribuição,
tem ensaiado recentemente uma série de manobras políticas com a finalidade
de “ressuscitar” a CPMF, que culminaram com a sua inclusão na estimativa de
receitas do projeto de lei orçamentária para o exercício de 2016, embora a sua
criação não tenha sido aprovada.
Observe-se que o Poder Executivo Federal chegou ao cúmulo de negociar a
destinação de parcela da arrecadação da CPMF aos Estados e Municípios, com
o objetivo de conseguir a aprovação das bancadas parlamentares do Congresso
para instituição da exação419. Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucio-
nal420 que autorizaria a instituição da CPMF foi remetida ao Congresso original-
mente sem a previsão de destinação de parte das receitas do tributo aos Estados
e Municípios421. A idéia é que o produto da aplicação da alíquota de 0,20% seja
integralmente destinado à Previdência Social, não se descartando, contudo, a
possibilidade de um aumento na alíquota para que parte da arrecadação seja
dividida com os entes subnacionais, para emprego em áreas afetas à saúde422.
A despeito da louvável intenção de se aumentar os recursos disponíveis aos
Estados e Municípios para investimento em saúde, a questão é que não é possí-
vel a instituição de uma contribuição que não possua uma destinação específi-
ca, de modo que parte da arrecadação seja utilizada para o custeio da Previdên-
cia Social e parte seja empregada em fins diversos, mesmo que dentro do campo
social. Além da já mencionada inexistência de referibilidade, que acompanha a
CPMF desde a sua origem em 1996, essa ideia de que o produto da arrecadação
dessa exação serve para o custeio de qualquer ação social apenas contribui para
a descaracterização da contribuição, que, no fim das contas, não passa de um
imposto federal cumulativo, não progressivo e que não obedece à sistemática de
repasse prevista pelos arts. 157 a 159 da Constituição.

419 Vide: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/10/1699076-planalto-descarta-aprovar-cpmf-este-ano-e-


estuda-aplicar-recursos-na-saude.shtml> Acesso em 30.01.16.
420 Proposta de Emenda Constitucional nº 140 de 2015. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1738618> Acesso em 30.01.16.
421 Vide: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/09/dilma-envia-ao-congresso-pec-que-cria-nova-cp
mf.html> Acesso em 30.01.16.
422 Vide: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/01/26/barbosa-considera-com
partilhar-recursos-de-cpmf-com-estados-e-municipios-diz-psd.htm> Acesso em 30.01.16.

226
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

4.1.3. Desvinculação de Receitas da União – DRU


A Desvinculação de Receitas da União – DRU, assim como a CPMF, foi um
instrumento criado pelo Governo Federal para ser provisório, mas que, ao longo
dos anos foi sendo prorrogado por sucessivas Emendas Constitucionais, sob a
justificativa de propiciar ao Executivo Federal maleabilidade e governabilidade.
É que a desvinculação de parte das receitas arrecadadas pela União conferiria
uma maior flexibilidade no desempenho da atividade financeira daquele ente,
desobrigando o gestor financeiro de utilizar parte das receitas arrecadadas em
sua finalidade original.
Como bem destacou Fernando Facury Scaff, a DRU faz parte daquelas
soluções tipicamente brasileiras, pois transforma em permanente algo que é
apresentado como provisório e, sempre que o prazo de sua vigência está por
vencer, acaba sendo renovada sob o argumento da crise e da possível ingover-
nabilidade financeira do país423.
Contudo, a DRU não foi criada de maneira inovadora, tendo se inspirado,
na verdade, ainda no governo Itamar Franco, no Fundo Social de Emergência –
FSE, instituído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 01/94, em março de
1994, transformando-se, posteriormente, agora já no Governo Fernando Henri-
que Cardoso, no Fundo de Estabilização Fiscal – FEF (Emenda Constitucional
nº 10, de 04 de março, de 1996). Os recursos originalmente seriam aplicados no
custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios previdenciários
e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo
previdenciário, e outros programas de relevante interesse econômico e social,
nos termos do art. 71 do ADCT424.

423 SCAFF, Fernando Facury. A DRU, os direitos sociais e o pagamento dos juros da dívida. Artigo
extraído do site Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-14/contas-
vista-dru-direitos-sociais-pagamento-juros-divida> Acesso em 28.07.15.
424 “Art. 71. É instituído, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, bem assim nos períodos de 01/01/1996
a 30/06/97 e 01/07/97 a 31/12/1999, o Fundo Social de Emergência, com o objetivo de saneamento
financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica, cujos recursos serão aplicados
prioritariamente no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, incluindo a complementação
de recursos de que trata o § 3º do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação
de passivo previdenciário, e despesas orçamentárias associadas a programas de relevante interesse
econômico e social.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 17, de 1997)

227
Raquel de Andrade Vieira Alves

Essa foi a primeira aparição do mecanismo de desvinculação que, após diver-


sas modificações legislativas, inclusive com mudanças de nomenclatura – como
é o caso do FEF –, atingiu o formato atual a partir da Emenda Constitucional
nº 27, de 21 de março de 2000. Esse sistema desvinculava vinte por cento da
arrecadação de impostos e contribuições sociais da União, com previsão para
vigorar apenas entre 2000 e 2003, nos termos do que dizia o caput do art. 76 do
ADCT425. Não obstante, foi prorrogado por sucessivas emendas até o fim de sua
vigência em 31 de dezembro de 2015.
De acordo com a sua última configuração, dada pela Emenda Constitucio-
nal nº 68, 21 dezembro de 2011, promulgada durante o Governo Dilma, a DRU
desvinculava de órgão, fundo ou despesa, vinte por cento da arrecadação da
União de impostos, contribuições sociais, e incluía também as contribuições de
intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que viessem a ser criados
até a data da sua vigência, 31 de dezembro de 2015. Ou seja, na prática, seria
possível dizer que apenas oitenta por cento da arrecadação com contribuições
sociais e de intervenção no domínio econômico era efetivamente empregada em
suas finalidades, porque vinte por cento era utilizado em outras áreas, mediante
determinação expressa da Constituição.
A fim de “ressucitar” esse mecanismo de desvinculação de receitas, antes mes-
mo do fim de sua vigência, tramitavam no Congresso Nacional algumas propos-
tas de emenda à Constituição que visavam alterar do caput do art. 76 do ADCT,
propiciando a continuidade da DRU. Uma das propostas previa a redução grada-
tiva do percentual desvinculado até a completa extinção do mecanismo, em 2019
(PEC nº 04/15); enquanto outra previa o aumento do percentual de desvincula-
ção para trinta por cento e a inclusão das taxas dentro dessa sistemática ao invés
dos impostos, bem como das participações no resultado da exploração de recursos
hídricos e minerais, com vigência até o ano de 2023 (PEC nº 87/15). Uma terceira
(PEC nº 112/2015), proposta pelo Senador Benito Gama, trazia basicamente as
mesmas inovações pretendidas pela PEC nº 87/2015, embora mantivesse a pro-
posta de desvinculação no patamar de vinte por cento e a prorrogação da vigên-
cia da DRU somente até 31 de dezembro de 2016.

425 "Art. 76. É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2000 a 2003, vinte por cento da
arrecadação de impostos e contribuições sociais da União, já instituídos ou que vierem a ser criados no
referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais." (Redação dada pela EC nº 27, de 2000)

228
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Dessas propostas teve prosseguimento apenas a PEC nº 04/2015, tendo as de-


mais sido arquivadas na Câmara, em junho deste ano, ocasião em que o Plenário
da Casa aprovou um substitutivo à emenda, elevando para 30% o percentual de
desvinculação, mas mantendo o prazo de vigência até 2019, e a inclusão das taxas
na desvinculação ao invés dos impostos, como era na sistemática anterior. Acres-
centava ainda os artigos 76-A e 76-B ao ADCT, que criavam um mecanismo de
desvinculação de receitas dos Estados e Municípios, a exemplo da DRU.
No Senado, a então renomeada PEC nº 31/2016, foi aprovada por votação
em dois turnos, nos termos da redação final aprovada pela Câmara, adicio-
nando, porém, a extensão do mecanismo até 31 de dezembro de 2023. Como
conseqüência, em setembro de 2016, foi publicada no Diário Oficial da União
a Emenda Constitucional nº 93, de 2016, que alterou o ADCT para prorrogar
a DRU e estabelecer a desvinculação de receitas dos Estados, Distrito Federal e
Municípios, nos termos do que foi aprovado pelo na votação do Senado.
Destaque-se que, desde o surgimento da DRU, tal como tida atualmente, a
doutrina questiona a constitucionalidade das emendas que previam a possibili-
dade de desvinculação de parte do produto da arrecadação das contribuições.
Grande parte das discussões a respeito está centrada na incompatibilidade do
mecanismo de desvinculação com os direitos e garantias individuais previstos
como cláusulas pétreas na Constituição.
Contudo, a desvinculação do produto da arrecadação das contribuições não
representa uma ofensa apenas aos direitos e garantias individuais, como tam-
bém ao Princípio Federativo, igualmente imutável, nos termos do art. 60, § 4º
da Constituição. Como bem sintetizou Luís Cesar Souza de Queiroz426:

[...] durante 16 dos 21 anos que tem a Constituição de 1988, prevalece


algum tipo de sistema que dispõe sobre a desvinculação de receitas da
União, inclusive as provenientes de contribuições especiais. O que nas-
ceu como uma exceção, revelou-se regra.
Essa anormalidade jurídico-política, que atinge o regime das contribui-
ções especiais, não tem sido ignorada pela doutrina.
Parcela representativa da doutrina nacional defende a tese de que essas
Emendas Constitucionais veiculam normas inconstitucionais. Há quem
argumente que a desvinculação dos recursos das contribuições especiais

426 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Critério finalístico e o controle de constitucionalidade das
contribuições. VI Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: Noeses, 2009. p. 660-661.

229
Raquel de Andrade Vieira Alves

afronta a Constituição, à medida que prejudica o atendimento dos di-


reitos fundamentais de 2ª e 3ª gerações, ou que desrespeita os direitos e
garantias individuais dos contribuintes ou que restaria afetado o prin-
cípio federativo. Neste caso, preconiza-se que a desvinculação transfor-
maria as contribuições especiais em impostos disfarçados, com relação
aos quais os demais entes não participam do produto da respectiva arre-
cadação. Desse modo, a União, ao criar ou aumentar as ‘contribuições
especiais desvinculadas’, não precisa repartir com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios o respectivo produto da arrecadação, diversa-
mente do que ocorreria se tivesse majorado os impostos referentes a sua
competência ordinária (art. 153 c/c arts. 157 e 158 da Constituição) ou
se tivesse instituído os denominados impostos residuais (art. 154, I, c/c
art. 157, II,da Constituição).

Tal como exaustivamente exposto ao longo do presente estudo, a destina-


ção, aliada à referibilidade de grupo, são elementos essenciais a qualquer espécie
de contribuição, de modo que a ausência de um deles, ou de ambos, leva à des-
construção da identidade constitucional dessa espécie tributária. Nesse sentido,
desde a promulgação da Constituição de 1988, a União tem instituído novas
contribuições e majorado as já existentes, sem, contudo, respeitar o seu perfil
jurídico, fazendo uso dessa espécie tributária única e exclusivamente em função
da sua não submissão à sistemática de repartição de receitas.
Essa política arrecadatória do Governo Federal tem contribuído não apenas
para a completa descaracterização das contribuições como espécies tributárias
autônomas, como também para o esvaziamento da autonomia dos Estados e
Municípios, que, à míngua de recursos suficientes para o desempenho normal
de suas atividades, acabam se sujeitando à política ditada pelo Governo Central.
Ocorre que, à medida que a União aumenta a sua arrecadação através de con-
tribuições, em detrimento dos impostos federais, ela cria um problema orçamen-
tário, porque toda a arrecadação advinda dessas espécies já está comprometida
com as finalidades constitucionais para as quais elas foram criadas, não havendo
margem de manobra para o administrador flexibilizar o emprego dessas receitas.
Dessa forma, com o tempo, o orçamento federal vai ficando “engessado”, de modo
que a maior parte das receitas geradas já está vinculada a gastos sociais e econô-
micos específicos. Com isso, pouco sobra para a composição do chamado supe-
rátiv primário, que irá amortizar os juros da dívida pública e, consequentemente,
mostrar aos credores internos e externos a solvência do país.

230
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

A solução para isso está justamente no mecanismo de desvinculação de parte


das receitas da União, dentre as quais estão as contribuições – e agora também as
taxas. Como destaca Marciano Seabra de Godoi, apenas o aumento drástico das
contribuições não foi suficiente para atingir os desígnios da política fiscal engen-
drada pela equipe econômica ao longo da década de 1990. A administração de
uma dívida pública que aumentava ano a ano requeria de fato uma arrecadação
maior, o que efetivamente foi conseguido através das contribuições427.
Entretanto, a ligação direta entre o aumento das contribuições e a expansão
do superátiv primário restava obstada pela vinculação da arrecadação das con-
tribuições. Ou seja, a própria natureza jurídica da exação inviabilizava os planos
do Governo Federal. Assim, para contornar esse problema, os formuladores da
política fiscal lançaram mão de uma medida legislativa e de uma medida admi-
nistrativa: a primeira foi a prorrogação de sucessivas emendas constitucionais
modificando o perfil jurídico de parte das contribuições instituídas, para permi-
tir a livre utilização de sua arrecadação, e a segunda é representada pela prática
do contingenciamento das rubricas orçamentárias das contribuições, de modo
que grande parte é arrecadada, mas permanece no caixa único do Governo
Federal por anos a fio, contribuindo para o sucesso do superátiv primário428.
É dessa forma que o que era para ser um recurso provisório se tornou um
mecanismo permanente. Frise-se ainda que, não satisfeito com o grau de des-
vinculação orçamentária que vem sendo obtido429, o Executivo Federal propôs
o aumento do percentual de desvinculação e a expansão do mecanismo para
atingir também as taxas, prorrogando por mais oito anos a DRU, o que acabou
sendo aprovado pelo Congresso, entrando em vigor em 09 de setembro de 2016,
com efeitos retroativos a janeiro daquele mesmo ano.

427 GODOI, Marciano Seabra de. “Contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico: a
paulatina desconstrução de sua identidade constitucional”. Revista de Direito Tributário da APET,
n.º 15, São Paulo: 2007, p.81-100.
428 Ibid.
429 Acerca da estimativa dos valores desvinculados com a nova Emenda, vide Parecer nº 706, de
2016, de relatoria do Senador José Maranhão e informações complementares. Segundo o relator,
o Demonstrativo da DRU, constante da Relação das Informações Complementares ao Projeto de
Lei Orçamentária de 2016, contém a informação de que a desvinculação das contribuições sociais
seria de R$ 110,9 bilhões, a das contribuições de intervenção no domínio econômico seria de R$
4,6 bilhões e a das taxas seria de R$ 2,2 bilhões. No total, a desvinculação atingiria R$ 117,7 bilhões
no exercício financeiro de 2016. Disponível em: http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/
getPDF.asp?t=197549&tp=1

231
Raquel de Andrade Vieira Alves

Acontece que a solução para o “engessamento” orçamentário da União é


bem simples: basta que ela faça uso adequado dos impostos de sua competência,
cuja arrecadação, por natureza, não pode estar vinculada a nenhuma despesa
específica. Porém, o Governo Federal tendo à sua disposição um mecanismo
que lhe permite desvincular parte da arrecadação de suas receitas exclusivas,
obviamente prefere incrementar seu orçamento via contribuições e posterior-
mente lançar mão desse instrumento, a repartir parte do montante arrecadado
com Estados e Municípios.
A questão se torna ainda mais grave, diante do atual contexto federativo
de recentralização de receitas por parte da União, aliada à diminuição grada-
tiva da arrecadação dos principais impostos federais, mediante a concessão de
isenções430. Nesse cenário, o mecanismo de desvinculação de receitas aparece
como um “golpe de misericórdia” no Pacto Federativo, contribuindo para que
o Governo Federal se valha cada vez mais de tributos não partilháveis, cuja
receita será posteriormente desvinculada, ao invés de prestigiar a instituição de
impostos de sua competência.
Não obstante a nítida inconstitucionalidade das emendas constitucionais
que vêm prorrogando a DRU, bem como da EC nº 27/00 que a instituiu, o STF
vem se abstendo de declarar a sua incompatibilidade com a Constituição. Na
primeira oportunidade em que o STF teve de analisar o tema, em sede de de-
cisão monocrática, na ACO nº 952431, a Corte afirmou que não haveria incom-
patibilidade entre as EC´s nº 27/00 e nº 42/03 com a Constituição, indeferindo
o pedido de antecipação de tutela requerido. Nesse caso, o Município de Alto
Alegre-RR ajuizou ação ordinária em face da União, com pedido de antecipa-
ção de tutela, na qual pleiteava o reconhecimento de seu direito à percepção
do montante relativo à sua cota-parte do FPM, acrescido de vinte por cento

430 Nesse sentido, inclui-se o estímulo à demanda interna através da concessão de incentivos fiscais,
operada pelo Governo Federal, sobretudo, a partir do final de 2008, em que ocorreram isenções de
IPI incidente sobre eletrodomésticos da linha branca, bens de capital e automóveis, como política de
incentivo ao consumo, a fim de estimular a produção industrial. O mesmo ocorreu com o IR pago
pelas pessoas físicas, objeto de desonerações a partir do mesmo período, a fim de aumentar de forma
indireta o poder de consumo das famílias. Para melhor conhecimento dos impactos dessa política,
ver: INESC. Renúncias tributárias - os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil.
Estudo disponível em: http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/outras-publicacoes/renuncias-
tributarias-os-impactos-no-financiamento-das-politicas-sociais-no-brasil/view
431 BRASIL. STF. ACO 952 MC/RR – Roraima. Ministro Relator Cezar Peluso. Julgada em 20.04.07. DJ
de 26.04.07.

232
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

referentes à arrecadação da CSLL, tendo em vista que, em função da DRU, a


parcela desvinculada teria assumido a feição de imposto, devendo, portanto,
compor o cálculo do Fundo.
A partir dessa decisão, o STF foi levado a analisar a constitucionalidade da
DRU em outras oportunidades, tendo, inclusive, reconhecido a repercussão ge-
ral da questão no RE nº 566.007, em 13.05.10432. Apesar de reconhecida a reper-
cussão geral do tema, com a suspensão dos recursos em trâmite que cuidavam
de situação análoga, a Corte entendeu que, no caso concreto, não se estaria
diante do exame da compatibilidade do art. 76 do ADCT - com a redação dada
pelas EC´s nº 27/00 e nº 42/03 - com a Constituição, mas sim, que a questão
central a ser decidida estaria em saber se eventual inconstitucionalidade da
DRU teria como consequência a devolução ao contribuinte do montante cor-
respondente ao percentual desvinculado.
Assim, a Corte, deixando de analisar a constitucionalidade da DRU, en-
tendeu que o contribuinte não teria legitimidade para pleitear a repetição do
indébito causado por eventual inconstitucionalidade do mecanismo de desvin-
culação, porque a tributação no caso não seria inconstitucional, única hipótese
ensejadora da repetição de indébito433. É dizer, o STF, mais uma vez, se esquivou
de opinar sobre o tema, limitando-se a afirmar a ilegitimidade passiva do con-
tribuinte para pleitear a repetição do indébito.
Nesse ponto, ressalve-se a interessante opinião de Fábio Zambitte Ibrahim,
para quem a EC nº 27/00 comportaria uma interpretação conforme a Constitui-
ção, desde que se entenda que quando ela menciona a desvinculação de órgão,
fundo ou despesa, quer dizer que a finalidade social continuará a ser respeitada,
o que ocorre é que a contribuição terá o referido percentual de arrecadação
desvinculado de qualquer despesa específica nessa área434. Contudo, a despeito
da tentativa de “salvar” a norma, é preciso reconhecer que a função efetiva da
DRU não tem sido essa, mas sim, permitir a desvinculação da arrecadação até
mesmo das finalidades sociais, compondo o superátiv primário da União.

432 BRASIL. STF. RE nº 566.007/RS. Ministra Relatora Carmen Lúcia. Repercussão Geral reconhecida
em 13.05.10. DJ de 25.06.10.
433 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 566.007/RS. Ministra Relatora Carmen Lúcia. Julgado em
13.11.14. DJ d e 11.02.15.
434 IBRAHIM, Fábio Zambitte. “Desvinculação Parcial da Arrecadação de Impostos e Contribuições –
uma Interpretação Possível da Emenda Constitucional nº 27”. Revista Dialética de Direito Tributário,
nº 61, outubro, 200. p. 43-48.

233
Raquel de Andrade Vieira Alves

Daniel Marins, por sua vez, entende que, mesmo considerando que a DRU é
um mecanismo compatível com a Constituição, em sua origem, deve-se conceber
que em um futuro próximo esse mecanismo venha a se tornar incompatível com o
Princípio Federativo, diante do contexto atual de recentralização de receitas pela
União e aumento da dependência financeira dos entes subnacionais435.
Embora seja difícil conceber a constitucionalidade da DRU em algum mo-
mento, é possível que o STF, visando manter a desvinculação efetuada ao longo
dos últimos anos, mas, ao mesmo tempo, reconhecendo a necessidade de frear
essa política do Governo Federal, baseada no aumento das contribuições, com
posterior desvinculação de parte de sua arrecadação e contingenciamento de
suas despesas, venha a encampar essa posição, reconhecendo a inconstitucio-
nalidade superveniente da DRU, diante do novo contexto federativo. Seja como
for, o fato é que esse modelo de federalismo predatório conduzido pela União é
incompatível com o modelo federativo desenhado pela Constituição de 1988.

4.1.4. As contribuições e os tratados internacionais para evitar a


dupla tributação: “treaty dodging” ou “treaty circunventiom”
É importante mencionar ainda que o abuso na instituição de contribuições
pela União não causa problemas apenas a nível interno, mas também se refle-
te na relação que o Brasil possui com os países com os quais celebra tratados
internacionais para evitar a dupla tributação da renda. É que tais tratados, em
sua maioria, foram celebrados décadas antes do crescimento exponencial das
contribuições brasileiras, fazendo menção somente ao imposto federal sobre a
renda, o que leva o Brasil a considerar apenas a literalidade dos termos do acor-
do para concluir que as contribuições não seriam por ele reguladas436.
O caso da instituição da Cide-Royalties pela Lei nº 10.168/00 e do posterior
alargamento da sua base de cálculo, em contrapartida da redução da alíquota
do imposto de renda, é um exemplo claro de como a União tem se utilizado de
contribuições para driblar as disposições dos tratados internacionais celebrados,

435 MARINS, Daniel Vieira. Desvinculação das Receitas da União e Mutação Constitucional. Revista da
Seção Judiciária do Rio de Janeiro, v. 21, nº 51, dez. 2014. p. 85-105.
436 OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. “Reforma tributária e federalismo fiscal”, artigo apresentado
no 1º Congresso de Direito Tributário de Juiz de Fora e Região, realizado em 03.09.14, na sede da
OAB, Subseção Juiz de Fora.

234
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

já que, como à época da celebração essa figura sequer existia, os acordos cele-
brados pelo país apenas fazem menção ao imposto de renda.
Da mesma forma, as contribuições para a seguridade social que oneram a
receita, como o PIS e a COFINS, acabam em certa medida incidindo sobre um
elemento da renda, sem que isso seja considerado nos termos dos tratados ce-
lebrados pelo Brasil. Isso sem falar da CSLL, que, tendo hipótese de incidência
praticamente idêntica a do imposto de renda, também deveria ser automatica-
mente considerada como abrangida pelos tratados celebrados pelo país437.
Nesse sentido, além da necessidade de se fazer uma interpretação teleoló-
gica dos dispositivos dos tratados que se referem aos tributos para os quais os
mesmos são aplicados, de forma a reconhecer que o objetivo dessas cláusulas
é justamente evitar a incidência de qualquer tributo sobre a renda, é preciso
atentar para o fato de que o parágrafo 4º do artigo 2º da Convenção-Modelo da
OCDE, ao determinar que ela “será também aplicável aos tributos de natureza
idêntica ou similar que entrem em vigor posteriormente à data da assinatura
da Convenção e que venham a acrescer aos atuais ou a substituí-los”, permite o
entendimento de que as contribuições que tenham tipologia semelhante a dos
impostos também estão abrangidas pelos termos do acordo.
Esse dispositivo, em face do qual o Brasil não fez nenhuma reserva, frise-se,
tem sido incluído reiteradamente nos tratados assinados pelo país, a permitir,
assim, a extensão da interpretação do conceito de “imposto sobre a renda” para
alcançar outras espécies tributárias de natureza idêntica ou similar, como boa
parte das contribuições vigentes atualmente.
Um exemplo que confirma essa possibilidade de extensão é o Tratado fir-
mado entre Brasil e Portugal438. Embora o seu art. 2º, ao tratar dos impostos
visados, mencione apenas o imposto federal sobre a renda, o Protocolo assinado
entre os Estados na mesma data da assinatura do tratado afirma expressamente
que a CSLL está compreendida no conceito de “impostos aos quais se aplica

437 “Nas hipóteses em que a norma convencional aplicar-se ao imposto de renda interno, será ela
igualmente aplicável à contribuição social sobre o lucro, dado que esta exação é substancialmente
semelhante, se não quiser se afirmar que, substancialmente, ela é idêntica ao imposto de renda.”
AMARO, Luciano da Silva. “Os Tratados Internacionais e a Contribuição sobre o Lucro”. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo:
Dialética, 1997. p. 164.
438 Celebrado em 16 de maio de 2000 e promulgado pelo Decreto nº 4.012, de 13 de novembro de 2001.

235
Raquel de Andrade Vieira Alves

esta Convenção” (art. 2º do Tratado Brasil-Portugal), independentemente da


terminologia utilizada439.
Não obstante, o Brasil não tem feito essa interpretação dos tratados, seguindo
à risca a literalidade dos acordos firmados, a fim de entender que eles não se apli-
cam às contribuições440. Com a proliferação de contribuições no direito tributário
brasileiro, nos últimos anos, essa política de instituição de novas contribuições
e alargamento de suas respectivas bases de cálculo, a fim de atingir os mesmos
fatos gravados pelo imposto de renda, para, em seguida, interpretar literalmente
os acordos já firmados com outras nações, constitui verdadeira ofensa ao dever
de boa-fé que se exige dos Estados no cumprimento dos tratados internacionais.
De fato, a boa-fé é um conceito amplo que vai muito além do princípio do
pacta sunt servanda, podendo ser divido, como critério hermenêutico, em dois
aspectos: um objetivo e um subjetivo, como separa Elisabeth Zoller, em estudo
específico sobre o instituto no Direito Internacional Público441.

439 “1. Com referência ao Artigo 2º, nº 1, alínea a)


Fica entendido que, nos impostos visados no Artigo 2º, nº 1, alínea a), está compreendida a Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), criada pela Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988.”
440 A título exemplificativo: “É devida a contribuição de intervenção de domínio econômico, à alíquota
de dez por cento, sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregadas ou remetidas, a título de
remuneração decorrente das obrigações indicadas no art. 2º da Lei nº 10.168/2000, à pessoa jurídica
residente ou domiciliada na Holanda. A Convenção destinada a evitar a Dupla Tributação (...), entre
o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Reino dos Países Baixos, aplica-se
relativamente ao imposto federal sobre a renda, não alcançando contribuições federais. Portanto, não
se cogita da aplicação de limite de alíquota de tributação do imposto de renda, de que trata o art.
12, inciso 2, da citada Convenção, no pagamento de royalties a residente na Holanda, considerando-
se a soma das alíquotas do imposto sobre a renda e da contribuição de intervenção de domínio
econômico.” Secretaria da Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta DISIT nº 134 de 07 de
maio de 2001. 8ª Região Fiscal.
“A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, instituída pela Lei nº 10.168/2000,
não está sujeita ao limite de tributação fixado pela Convenção Internacional para Evitar a Dupla
Tributação em Matéria de Imposto de Renda, entre o Governo da República Federativa do Brasil e
o Governo da República da Coréia.” Secretaria da Receita Federal do Brasil. Solução de Consulta
DISIT nº 83 de 07 de maio de 2003. 9ª Região Fiscal.
“CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMINIO ECONÔMICO - Tratados Internacionais-
Aplicação. O disposto na Convenção firmada entre Brasil e França (promulgada pelo Decreto nº
70.506, de 1972) para evitar a dupla tribut ação e previnir a evasão fiscal em matéria de impostos
sobre o rendimento, não se aplica à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico-Cide, por ter
sido instituída posteriormente e não se enquadrar no parágrafo 2º do Artigo II.” Secretaria da Receita
Federal do Brasil. Solução de Consulta DISIT nº 341 de 11 de dezembro de 2002. 8ª Região Fiscal.
441 ZOLLER, Elisabeth apud ROCHA, Sérgio André. In Tributação Internacional. São Paulo: Quartier
Latin. 2013. p. 76-77.

236
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Sob o prisma subjetivo, a autora pontua que a boa-fé determinaria a busca


pela intenção das partes contratantes, que só estariam obrigadas nos limites do
seu consentimento. Sob o prisma objetivo, a seu turno, a boa-fé demandaria
uma interpretação razoável do tratado, adaptando-se a interpretação das suas
disposições com o passar do tempo.
Sérgio André Rocha, a seu turno, resume o princípio da boa-fé como deter-
minante aos Estados que, na construção do sentido do texto dos tratados, não
poderiam buscar eximir-se do cumprimento das obrigações assumidas e nem
atribuir à outra parte obrigações que não foram pactuadas442.
É justamente nesse contexto que se insere a figura do “treaty dodging” ou
“treaty circumvention” 443444, entendida como uma forma de um Estado contra-
tante driblar as disposições dos tratados, através da manipulação da sua legisla-
ção doméstica, cuja aplicação ele mesmo requer perante as suas Cortes internas.
Na lição de Klaus Vogel:

It should be noted that states, too, can circumvent tax treaties. They can do
so by drafting laws that according to their language try to avoid certain treaty
situations, though in substance the treaty situation is present, because they
want to avoid certain consequences which they may consider undesirable.
Or, conversely, they may draft laws that artificially create treaty situations
which the law-making state considers desirable. By such legislation the mate-
rial content of a treaty, though not its language, may be infringed. The legal
consequences of such “treaty circumvention” by states cannot be basically
different from those of tax avoidance by taxpayers.445

442 Ibid.
443 KLAUS, Vogel. Double Tax Treaties and Their Interpretation, 4 Int'l Tax & Bus. Law. 1 (1986). p.
83/85. Disponível em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/bjil/vol4/iss1/1> Acesso em 31.01.16.
444 SANTIAGO, Igor Mauler. “Interpretação dos tratados contra a dupla tributação internacional -
Estudo em homenagem ao Min. José Delgado”. Temas de Direito Público - Aspectos Constitucionais,
Administrativos e Tributários. CARVALHO, Cristiano e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coords.).
Curitiba: Juruá, 2005.
445 KLAUS, Vogel. Op. Cit. p. 84.
“Deve se notar que os Estados também podem contornar tratados tributários. Eles podem fazê-
lo através da elaboração de leis que, de acordo a sua linguagem, tentam evitar certas situações de
tratados, embora substancialmente a situação do tratado esteja configurada, porque querem evitar
certas consequências que consideram indesejáveis.

237
Raquel de Andrade Vieira Alves

Nesse aspecto, difere-se do “treaty override”, pois não representa uma viola-
ção direta ao texto do tratado, mas ao seu conteúdo material, desrespeitando,
assim, o espírito do acordo e a boa-fé das partes. É a típica forma de legislação
abusiva, editada por um dos Estados contratantes, que infringe a finalidade dos
tratados contra a bitributação, embora não contrarie o seu texto expressamente.
Como destaca Igor Mauler Santiago, ao tratar da interpretação dinâmica
das convenções tributárias:

A primazia dada, para efeito de aplicação do art. 23 do Modelo/IRC, à


qualificação feita, com base em suas próprias leis, pelo Estado da Fonte,
põe em situação de fragilidade o Estado da residência, na hipótese, com
vistas a aumentar às expensas deste a sua arrecadação, decidir alargar as
definições internas das categorias convencionais que pode tributar (com
ou sem exclusividade), destruindo o equilíbrio estabelecido no momento
da negociação do tratado. A esta conduta, que não se confunde com o
treaty override (já que não se trata de contrariar o texto do tratado, mas
apenas de manipular as leis cuja aplicação ele mesmo requer) tem se
dado o nome de treaty dodging ou treaty circumvention.
O instituto, embora impreciso em seus contornos, que dependem da de-
finição do patamar a partir do qual uma modificação legislativa passa
a ser definível como abusiva, funciona como um freio à interpretação
ambulatória das convenções tributárias.446

É possível aqui traçar um paralelo entre esse abuso na estruturação da legislação


interna pelo Estado com a desconsideração de condutas elisivas dos contribuintes,
na medida em que, se não é lícita a prática de adoção de planejamentos tributários
abusivos, com o único fim de afastar ou reduzir a obrigação tributária, de igual
forma, não é lícito ao Estado contratante manipular a sua legislação interna para se
furtar ao cumprimento do conteúdo material dos tratados que assinou.
Nesse contexto, as sucessivas manobras legislativas brasileiras que resultaram
na instituição de novas contribuições e no alargamento da base de cálculo das

Ou, pelo contrário, eles podem elaborar leis que artificialmente criam situações previstas nos tratados que
o Estado Contratante considere oportunas. Por essa legislação o conteúdo material de um tratado,
embora não a sua literalidade, pode ser violado. As consequências legais de tal violação do tratado
pelos Estados não podem ser basicamente diferentes daquelas que constituem evasão fiscal pelos
contribuintes”. Tradução livre.
446 SANTIAGO, Igor Mauler. Op. Cit.

238
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

já existentes, com a finalidade de driblar o objetivo dos tratados contra a bitri-


butação celebrados pelo país, se amoldam perfeitamente ao conceito de “treaty
dodging” ou “treaty circumvention”. Com efeito, o que se observa nesses casos não
é uma afronta direta à literalidade do tratado, mas sim, a adoção de medidas
legislativas internas que importam em violação ao espírito de suas disposições.
Essa política brasileira pode acabar ensejando uma solução negocial entre as
partes contratantes ou até mesmo a denúncia do próprio tratado447. Inclusive,
especula-se que a Alemanha teria denunciado o tratado com o Brasil, dentre
outras razões, pela instituição da Cide-Royalties, que não estaria contemplada
pelo acordo entre os dois países448.
Vê-se, portanto, que o crescimento desmedido da tributação com base em
contribuições, em detrimento da instituição de impostos federais, além de fragili-
zar o Pacto Federativo brasileiro, fere diretamente a essência dos tratados contra
bitributação firmados pelo país, representando, ao mesmo tempo, uma violação
pelo Governo Federal da boa conduta federativa e da boa-fé a nível internacional.

4.2 Levando as contribuições a sério


Pelo que se viu até aqui é possível afirmar que o Direito Tributário brasileiro,
nos anos que se seguiram à promulgação da Constituição de 1988, tem viven-
ciado o fenômeno da proliferação de contribuições, como instrumento preferen-
cial de custeio das atividades estatais, em detrimento dos impostos federais. O
grande problema disso é que o aumento extraordinário das contribuições está
calcado no desrespeito institucionalizado pela União do perfil constitucional
dessa espécie tributária, com o nítido objetivo de fraudar o Pacto Federativo.
De fato, a tentativa da União de “substituir” a arrecadação federal dos prin-
cipais impostos de sua competência pelas contribuições representa atualmente
o grande desafio do federalismo fiscal brasileiro, com vistas ao aperfeiçoamento
das relações entre as esferas de governo e à manutenção da autonomia dos entes
subnacionais. Além disso, constitui um entrave à aproximação do modelo de
tributação do país aos modelos adotados em países desenvolvidos, nos quais o
imposto sobre a renda adquire especial importância em termos de justiça fiscal.

447 Ibid.
448 Vide: <http://www.ibdt.com.br/2005/integra_11082005.htm>Acesso em 31.01.16.

239
Raquel de Andrade Vieira Alves

Diante disso, a proposta desenvolvida no presente estudo conduz à neces-


sária conclusão de que as contribuições precisam ser levadas a sério. Para isso,
antes de tudo, é preciso esclarecer o que significa levar as contribuições a sério
e, ainda, quem é que deve levá-las a sério.
Fazendo alusão à ideia de Ronald Dworkin449, de acordo com a qual um
governo que reconhece efetivamente os direitos individuais de seus cidadãos
não pode anulá-los por supostas razões de bem-estar geral, de igual forma, um
governo que pretende atender aos princípios e às garantias inerentes ao Direito
Financeiro e Tributário não pode instituir tributos finalísticos em inobservân-
cia à própria finalidade que deu azo à sua instituição e aos demais elementos es-
senciais à sua caracterização, por razões meramente arrecadatórias, justificadas
pelo interesse coletivo genérico de maximização das receitas estatais.
Nesse sentido, quando dizemos que se deve levar um tributo a sério, significa
que, uma vez delimitado o seu perfil, de acordo com o sistema jurídico vigente,
o mesmo deve ser respeitado por todas as esferas de Poder. É dizer, tanto o Exe-
cutivo, quanto o Legislativo e o Judiciário, devem observar o perfil jurídico das
espécies tributárias, sobretudo, em matéria de contribuições, em que o produto
da arrecadação já nasce vinculado a um dever jurídico estatal de interesse de
determinado grupo, sendo esse, portanto, o motivo para a sua própria instituição.
A questão se agrava, como se observa, diante da inexistência de partilha da
receita das contribuições com os Estados e Municípios, o que faz com que o res-
peito às suas características essenciais e a correta utilização das contribuições
como fonte de custeio das atividades estatais se tornem indispensáveis para fins
de manutenção do equilíbrio federativo.
Daí porque a instituição de exações, que no fundo não passam de “impostos
afetados” sob a alcunha de “contribuições”, como um dos principais – senão o
principal – problemas enfrentados pelo federalismo fiscal brasileiro atualmente,
requer a atuação conjunta dos três Poderes. Primeiramente, cabe ao Legislativo
o respeito à solidariedade de grupo na instituição de contribuições e ao Execu-
tivo a correta aplicação do produto da sua arrecadação, tanto no plano fático,
quanto no plano normativo, a partir do momento em que a iniciativa da lei
orçamentária que prevê a arrecadação e o destino das contribuições é de sua
competência, por força do disposto no art. 165 da Constituição Federal.

449 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2002. p. 313-314.

240
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Ocorre que, se o Legislativo e o Executivo desempenhassem os seus respec-


tivos papéis em matéria de contribuições, não se assistiria hoje ao crescimento
exponencial da arrecadação dessa espécie tributária, com base na desnaturação
de suas características principais. Ou seja, embora o cenário ideal requeira uma
mudança de postura por parte do Executivo e do Legislativo, o fato é que, na
prática, esperar uma solução para esse tema no âmbito de atuação desses dois
Poderes acaba se tornando uma utopia.
Com efeito, não dá para esperar que o Governo Federal não se valha da
arrecadação de contribuições para o custeio de grande parte de suas ações,
diante da ausência de necessidade de repartição dessas receitas com Estados e
Municípios, além de outros fatores, como a facilidade na arrecadação, a falta de
clareza da legislação de regência, ou mesmo a ausência de previsão detalhada
em lei complementar de seus principais aspectos, dentre outros. O Poder Le-
gislativo, por sua vez, não tem feito valer os interesses dos entes subnacionais
em matéria de arrecadação, cedendo a pressões políticas da União, que desde a
promulgação da Constituição de 1988 vem retomando as receitas e os poderes
políticos que havia perdido, o que só demonstra a pouca viabilidade de resolu-
ção da questão em outro âmbito que não seja o judicial.
Nesse contexto, cremos que o principal papel no controle da utilização
abusiva das contribuições pela União e na consequente manutenção do equi-
líbrio federativo caberia ao Poder Judiciário, que deve manter uma postura
firme em relação ao controle de constitucionalidade das contribuições, com
base no Princípio Federativo. Como bem destacam André Mendes Moreira e
Sacha Calmon Navarro Coelho:

A CPMF, as contribuições de intervenção no domínio econômico (CI-


DE-Royalties, CIDE-Combustíveis, et caterva), assim como as contri-
buições para financiamento da seguridade social incidentes sobre o lucro
e a receita das empresas representam, hoje, a maior parte da arrecadação
tributária do governo federal. Os impostos – que, nos países de primeiro
mundo, são a principal fonte de receita tributária, pois neles se conse-
gue atingir de forma mais eficaz a capacidade contributiva, além de ser
possível a efetiva implementação de uma tributação seletiva – ficaram
relegados a um segundo plano. A União isenta o IPI de diversos produtos
e, ato contínuo, aumenta caudalosamente as alíquotas do PIS e da CO-
FINS, ao argumento de que os mesmos se tornaram não-cumulativos.
Os efeitos de tais medidas, como visto, são a concentração da arrecada-

241
Raquel de Andrade Vieira Alves

ção na União e a menor repartição de receitas de impostos federais com


os Estados e Municípios.
Trata-se de prática nada salutar e que merece ser reprimida, possivelmente,
quiçá, por uma decisão Plenária do STF, que se fundará na violação ao
princípio federativo para declarar inconstitucionais as diversas contribui-
ções que têm sido paulatinamente criadas pela União Federal desde o ad-
vento da Constituição de 1988, sem previsão de repartição de receitas com
os demais entes federados.450

Não obstante, tem se verificado uma atitude omissa do Judiciário em relação


à invalidação de contribuições que não respeitam o seu perfil jurídico, em gran-
de parte, devido à dogmática reducionista que tem sido propagada no âmbito
da hermenêutica jurídica tributária. Essa postura acaba reduzindo o debate à
aferição das condições e limites da instituição de contribuições, deixando de
lado as implicações causadas pela tredestinação ou pela ausência de aplicação
do montante arrecadado com essas espécies tributárias.
Um bom exemplo disso foi a posição recentemente externada pelo STF no
julgamento do RE nº 566.007, mencionado acima, em que a Corte Constitucio-
nal se absteve de analisar a constitucionalidade da DRU, por razões de cunho
processual, deixando consignado apenas que a única consequência possível de
uma eventual declaração de inconstitucionalidade da medida seria o retorno à
situação anterior, ou seja, a vinculação das receitas desvinculadas.
Observe-se que, para se chegar a essa conclusão, a Corte utilizou o enten-
dimento exarado nos autos do RE nº 537.610451, em que, assentando a consti-
tucionalidade da DRU, a mesma entendeu que (i) em que pese a destinação do
produto ser um elemento essencial para a definição das contribuições sociais,
não há, a partir dessa premissa, como se chegar à conclusão de que a desvin-
culação parcial do produto da arrecadação teria importado na criação de um
imposto; e (ii) a norma que determina a vinculação da destinação do produto

450 MOREIRA, André Mendes e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. “A CPMF e os Princípios
Constitucionais Tributários”. In: Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma,
da realidade ao conceito jurídico. SANTI, Eurico Marcos Diniz de (organizador). São Paulo: Saraiva,
2008, p. 726-745.
451 BRASIL. STF. Segunda Turma. RE nº 537.610/RS. Ministro Relator Cezar Peluso. Julgado em
01.10.09. DJ de 18.12.09.

242
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

da arrecadação das contribuições não assume caráter de cláusula pétrea, uma


vez que não contemplada pelo art. 60, §4º da Constituição.452
Fica claro aqui que a Corte Suprema desconsiderou os efeitos que a insti-
tuição e a manutenção de contribuições que não possuem as características
essenciais dessas espécies tributárias, bem como o desvio do produto da sua
arrecadação, têm causado no Pacto Federativo. Nesse ponto, se o STF tivesse
analisado a questão à luz do impacto que causa a nível federativo, certamente
reconheceria o caráter imutável da norma que determina a vinculação do pro-
duto da arrecadação das contribuições.
Ainda, ao analisar a constitucionalidade do adicional de 10% ao FGTS, nas
ADI´s nº 2556 e 2568, embora as ações diretas de inconstitucionalidade tenham
causa petendi aberta, o STF houve por bem deixar de apreciar o argumento do
atendimento à finalidade para a qual a contribuição fora instituída, sob a justifi-
cativa de que as ações não mais estariam na fase instrutória, limitando-se, assim,
a declarar a constitucionalidade da exação, com base na análise da lei institui-
dora. Não obstante o Relator, Joaquim Barbosa, tenha consignado em seu voto
que as contribuições escapam ao Pacto Federativo, a jurisprudência do STF não
avançou nesse sentido, perdendo excelente oportunidade de exercer o controle de
constitucionalidade das contribuições em função do Princípio Federativo.
A exemplo do que se observa no federalismo americano, comparativamente, é
possível afirmar que o Poder Judiciário exerce um papel essencial na manutenção
do modelo federativo pátrio, a partir do controle de constitucionalidade das contri-
buições. Se no modelo americano a escassez normativa da Constituição contribuiu
para o crescente aumento da importância do Judiciário na alocação de poder polí-
tico entre os Estados e o Governo Central453, no modelo brasileiro, em que pese a

452 Sobre o tema, ver: LOBATO, Valter de Souza. Contribuições destinadas ao custeio da Seguridade
Social: destinação específica das receitas e o desvio da finalidade na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. Artigo disponível em meio eletrônico em: <http://sachacalmon.com.br/publicacoes/
artigos/contribuicoes-destinadas-ao-custeio-da-seguridade-social/> Acesso 27.02.16.
453 “Examination of the American judiciaries’ historical role in defining the meaning of federalism teaches that
the combination of an indeterminate text and strong judicial review leads to significant variations in how
power is distributed over time. Because the balance of local and national authority under the American
system is not significantly constrained by the Constitutional text, judges’ personal viewpoints regarding
federalism and their own role in the system have played a prominent role in the actual allocations of power.
The pivotal question, unanswered by the Constitution, is whether the judiciary should act as a guardian
of state interests against federal encroachment or more properly defer to the outcome of normal political
processes. The result has been that the American judiciary continues to play a prominent, if not dominate,

243
Raquel de Andrade Vieira Alves

existência de uma Constituição analítica, a falta de observância às suas disposições


e a não submissão do produto da arrecadação das contribuições à sistemática de
partilha das receitas tributárias, são responsáveis pelo papel fundamental que o Ju-
diciário possui atualmente na manutenção do equilíbrio federativo.
Com efeito, a desnaturação do perfil constitucional das contribuições, com
a criação de novas espécies e a majoração abusiva das já existentes, aliada ao
sistema de discriminação de rendas e atribuições previsto pelo constituinte, tem
permitido a concentração de receitas e poderes políticos nas mãos da União,
fazendo com que, cada vez mais, o federalismo fiscal brasileiro se afaste do mo-
delo constitucional proposto.
Esse cenário confere ao Poder Judiciário o papel fundamental de reequilí-
brio do modelo federativo, através da coibição de posturas abusivas por parte
da União, como é o caso da retenção indiscriminada das receitas transferidas a
Estados e Municípios, com base no art. 160, parágrafo único, da Constituição;
da concessão de isenções que afetam diretamente o montante de tributos repas-
sados ao FPE e FPM; e, sobretudo, da política tributária baseada essencialmente
na “substituição” da arrecadação dos principais impostos federais pelas receitas
provenientes de contribuições.
Contudo, é importante observar que aqui, diversamente do modelo estadu-
nidense, a própria Constituição traz as balizas a serem observadas pelo Judiciá-
rio. A única barreira a ser transposta pelo julgador corresponde apenas à análise
da complexidade do fenômeno financeiro, mediante o abandono da postura
reducionista que tem dominado os debates doutrinários clássicos em matéria de
finanças e tributação.

role in shaping American federalism.” DONOHO, Douglas Lee. The judicial role in the evolution of
american federalism. Revista catalana de dret públic, n. 40, 2010. p. 272.
“O exame do papel histórico dos sistemas judiciários americanos na definição do sentido do
federalismo ensina que a combinação de um texto indeterminado e forte revisão judicial leva a
variações significativas na forma como o poder é distribuído ao longo do tempo. Em razão do
equilíbrio de autoridade local e nacional sobre o sistema americano não ser significativamente
restringido pelo texto constitucional, pontos de vista pessoais dos juízes sobre o federalismo e sobre
o seu próprio papel no sistema têm desempenhado um papel proeminente nas alocações reais de
poder. A questão fundamental, sem resposta pela Constituição, é se o Judiciário deve agir como um
guardião dos interesses do Estado contra a invasão federal ou mais propriamente adiar essa decisão
para o resultado de processos políticos normais. O resultado disso tem sido no sentido de que o
Judiciário americano continua a desempenhar um importante, senão dominante, papel na formação
do federalismo americano”. Tradução livre.

244
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

Com efeito, só é possível analisar corretamente a relação entre as contri-


buições e o federalismo fiscal brasileiro a partir de uma abordagem complexa,
que leva em conta as implicações financeiras do produto arrecadado com essas
espécies tributárias e, ao mesmo tempo, os aspectos tributários em que se ba-
seia o federalismo pátrio. Qualquer tentativa que pretenda reduzir o estudo das
contribuições à mera identificação dos limites e condições que ensejam a sua
instituição, sem se preocupar com o destino da arrecadação, é o mesmo que
fechar os olhos diante de um grave problema.
Como bem reconhece Marco Aurélio Greco, em crítica contundente à pos-
tura da dogmática jurídico-tributária, focar o debate tributário apenas no nú-
cleo da tributação, que corresponderia ao poder de exigir tributos, conduz à pa-
radoxal constatação de que tratar o debate tributário como mero fenômeno de
poder é exatamente fazer o “jogo do poder”, pois, concentradas as atenções nos
pressupostos do exercício da tributação, estes, uma vez superados, “deixam livre
o titular do poder para exercê-lo dentro de uma amplitude cada vez maior”454.
Em razão disso, Ricardo Lobo Torres identifica que boa parte dos problemas
atuais em matéria de finanças públicas, no Brasil e no estrangeiro, advêm do corte
observado entre o poder de instituir e cobrar tributos e o poder de gastar, ou entre
Direito Tributário e Direito Financeiro, o que conduziu à irresponsabilidade fiscal
e à própria crise fiscal que desestruturou o Estado de Bem-Estar Social455.
Caso o Poder Judiciário, ao se deparar com situações em que é nítido o
desvio da arrecadação das contribuições, ou ainda, a sua não utilização, como
é o caso do FUST, do FUNTELL e do adicional de 10% do FGTS, atuasse fir-
memente no controle de constitucionalidade dessas exações, não se verificaria
o aumento extraordinário na arrecadação das contribuições que se vê hoje, a
desestabilizar o Pacto Federativo. Para tanto, como dissemos, é indispensável
o reconhecimento pelo Judiciário de que as questões atinentes ao destino da
arrecadação também interessam ao Direito Tributário.
Nesse ponto, embora a decisão proferida pela Corte Suprema na ADI nº
2925 não tenha se aprofundado na análise do desvio da arrecadação das contri-

454 GRECO, Marco Aurélio. Do poder à função tributária. In: FERRAZ, Roberto (Coord.). Princípios
e limites da tributação. v. 2: os princípios da ordem econômica e a tributação. São Paulo: Quartier
Latin, 2009. p. 173.
455 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol I,
Constituição Financeira, Sistema Tributário e Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 385.

245
Raquel de Andrade Vieira Alves

buições e nem dos efeitos que essa conduta produz a nível federativo, é preciso
pontuar que esse julgamento marca o reconhecimento pelo STF da importân-
cia da destinação como elemento indissociável das contribuições. A partir daí
é possível afirmar que a Corte não mais ignora a relevância da aplicação dos
recursos para o Direito Tributário.
Já em matéria de federalismo, o mais perto que o STF chegou de relacionar
a arrecadação das contribuições com o Princípio Federativo, foi no julgamento
da ADI nº 2556, no qual, apesar de o Ministro Joaquim Barbosa ter ressalta-
do o fato de que as contribuições se situam à margem do Pacto Federativo, a
Corte não chegou a apreciar o mérito da questão sob essa ótica. O mesmo se
pode dizer em relação aos casos em que o Tribunal analisou outros aspectos
inerentes ao federalismo fiscal brasileiro, como ocorreu no julgamento do RE nº
705.423, em que a Corte perdeu uma excelente oportunidade de conter os abu-
sos praticados pelo Governo Federal em matéria de desoneração dos principais
impostos de sua competência, cujas conseqüências para as finanças municipais
são desastrosas, limitando-se a manter uma interpretação estrita da expressão
“produto da arrecadação”, utilizada pelo art. 159, I, “b” e “d” da Constituição
Federal. Desconsiderou a Corte que essas desonerações só são possíveis porque
a arrecadação da União com as contribuições supre o déficit arrecadatório pro-
vocado pelas isenções de IR e IPI, instrumento que não pode ser utilizado pelos
Estados e Municípios e de cuja arrecadação eles não participam.
Felizmente, com o aumento da incidência de matérias tributárias e financeiras
levadas à apreciação da Corte ao longo do ano de 2016, fato propiciado em grande
medida pelo agravamento da crise política e econômica pela qual passa o país, o
STF vem sendo instado a se posicionar sobre temas de alta relevância em matéria
de federalismo fiscal, o que tem levado os Ministros a uma reflexão mais profun-
da acerca dos rumos da Federação e da necessidade de se restaurar o equilíbrio
financeiro dos entes subnacionais, a partir da tributação. Dentro desse contexto,
se insere o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão nº 25,
de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, julgada pela Corte, em 30/11/16456.
Discutiu-se na referida ação se a falta de edição da lei complementar a que
alude o art. 91 do ADCT, para definição dos critérios de compensação finan-
ceira aos Estados em razão da perda de recursos decorrente da política de deso-

456 BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADO nº 25. Ministro Relator Gilmar Mendes. Julgada em 30/11/16.
Acórdão ainda não publicado.

246
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

neração do ICMS sobre a exportação, constituiria ou não omissão inconstitu-


cional a ser sanada pelo Legislativo. Ao proferir seu voto, pelo reconhecimento
da referida omissão, o Ministro Relator fez uma digressão acerca do federalismo
fiscal brasileiro e da importância da partilha da arrecadação tributária para a
garantia da autonomia dos entes subnacionais, ressaltando, na ocasião, a recen-
tralização de receitas operada pela União através da utilização de contribuições,
que acabou revertendo o quadro constitucional de partilha de recursos dese-
nhado pelo constituinte de 1988.
Utilizando dados do próprio Tesouro Nacional, o Relator constatou o in-
cremento na participação da arrecadação das contribuições em relação à arre-
cadação total de receitas correntes da União, concluindo que a tendência do
Governo Federal de prestigiar a instituição e o aumento dessas espécies tributá-
rias, em detrimento dos impostos de sua competência, trouxe efeitos perversos
ao pacto federativo brasileiro.
Esse destaque no julgamento da ADO nº 25 foi extremamente importante, não
só porque foi a primeira vez que o STF se pronunciou de fato acerca do fenômeno
da expansão desmedida das contribuições no sistema tributário brasileiro, como
porque esse contexto foi apresentado com o intuito de embasar a análise da questão
federativa que estava sendo colocada à apreciação da Corte. É dizer, permitiu aos
demais Ministros a apreciação da discussão jurídica à luz do contexto federativo
atual, marcado pela presença crescente de tributos não partilháveis à disposição
exclusiva do ente central, como elemento de distorção do federalismo pátrio.
Com isso, o que se espera daqui para frente é que o STF passe a considerar
também na análise da constitucionalidade das contribuições os efeitos que a
política centralizadora da União têm causado no federalismo brasileiro, a fim
de conter as distorções observadas atualmente em matéria de autonomia dos
entes subnacionais. Acreditamos, nesse ponto, que uma postura mais rígida da
Corte em relação às contribuições atualmente em vigor pode trazer incontáveis
benefícios para o Pacto Federativo.
É claro que, em um cenário ideal, tais questões sequer precisariam chegar
ao Judiciário, sobretudo, considerando que a Constituição Federal disciplina
expressamente as finalidades para as quais se admite a criação de contribuições.
Ademais, o modelo federativo brasileiro dispõe de um amplo e complexo siste-
ma constitucional de repartição de receitas tributárias entre os entre federados,
diferentemente do que ocorre em outros modelos federativos ao redor do mun-
do, como é o caso do modelo americano, acima citado.

247
Raquel de Andrade Vieira Alves

Apesar disso, como se está trabalhando aqui com um cenário que passa ao
largo do que seria ideal, fica difícil vislumbrar a possibilidade real de outra saída
que não requeira a intervenção do Judiciário para a contenção do abuso prati-
cado pela União na instituição e majoração de contribuições.
Destaque-se, nesse sentido, a posição recente de alguns doutrinadores457,
acerca da possibilidade de repartição das receitas tredestinadas, oriundas das
contribuições, com os demais entes federados, como uma solução para o qua-
dro aqui exposto. Embora louvável a busca de alternativas para o tema, é
preciso ressaltar que todas elas devem considerar, além do reequilíbrio do
Pacto Federativo, o próprio perfil jurídico das contribuições e das diferentes
espécies tributárias em vigor.
Repartir as receitas arrecadadas com a instituição de contribuições com os
Estados e Municípios pode até garantir a suficiência de recursos aos entes sub-
nacionais e assegurar a sua autonomia financeira, entretanto, não representa
uma solução do ponto de vista do desvirtuamento do perfil jurídico dessa es-
pécie tributária, que se difere dos impostos justamente devido à vinculação de
suas receitas, atrelada à ideia de solidariedade de grupo. Além disso, a receita
das contribuições está diretamente ligada à competência do ente para o desem-
penho das atividades por ela custeadas, de modo que só se poderia cogitar a
sua repartição com os Estados e Municípios em relação a atividades sujeitas à
competência comum, como é o caso da Cide-Combustíveis.
Ainda sim, seria preciso superar a questão dos limites da atividade judicial,
para fins de reconhecer que o Poder Judiciário poderia de fato determinar a
repartição das receitas tredestinadas, oriundas de contribuições, com os demais
entes da Federação, o que por certo esbarraria na Separação Constitucional de
Poderes, tão cara ao Estado Democrático de Direito quanto o Pacto Federativo.
Por tais razões, não podemos encampar essa tese de que as receitas tredes-
tinadas poderiam ser repartidas com os Estados e Municípios, sob pena de,
visando solucionar um problema, criar-se outro. Limitamo-nos aqui a defender

457 Nesse sentido, vide: MATA, Juselder Cordeiro da. “As Contribuições Sociais e a sua Interferência
no Equilíbrio do Federalismo Fiscal Brasileiro”. In: Estado federal e tributação: das origens à crise
atual. Misabel Abreu Machado Derzi, Onofre Alves Batista Junior, André Mendes Moreira (Org.).
Belo Horizonte: Araras Editores, 2015 (Coleção federalismo e tributação, v. 1). p. 113-127; “As
Contribuições e o Princípio do Federalismo”. In: Estado federal e tributação: das origens à crise atual.
Misabel Abreu Machado Derzi, Onofre Alves Batista Junior, André Mendes Moreira (Orgs.). Belo
Horizonte: Araras Editores, 2015 (Coleção federalismo e tributação, v. 1). p.129-138.

248
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

uma postura firme do Judiciário no controle de constitucionalidade das con-


tribuições, a partir dos seus efeitos no Pacto Federativo, como uma espécie de
desestímulo aos abusos cometidos pelo Governo Federal, operado a longo prazo,
sem a pretensão de achar que há uma solução rápida e eficaz para o desequilí-
brio do federalismo fiscal pátrio, ou que o Poder Judiciário possui uma resposta
direta para todas as questões que lhe são submetidas.

249
Conclusão

Muito se tem falado acerca da necessidade de uma reforma tributária para


promover o aperfeiçoamento do federalismo fiscal brasileiro. Nesse sentido, em
agosto de 2014, o Pleno do Conselho Federal da OAB aprovou a “Carta do
Contribuinte Brasileiro” 458, consolidando algumas medidas em matéria fiscal,
a fim de subsidiar os candidatos à Presidência da República em seus projetos. A
ideia era a de que o documento, elaborado com o auxílio de instituições repre-
sentativas de vários setores da sociedade, servisse como ponto de partida para
a implementação futura de mudanças concretas no modelo tributário vigente.
Dentre os vários pressupostos adotados para a elaboração da Carta, encon-
tra-se o aperfeiçoamento do modelo de transferências intergovernamentais e
dos tributos compartilhados, como medidas essenciais para a promoção de um
federalismo mais cooperativo e solidário.
É possível que a “Carta do Contribuinte Brasileiro” seja apenas mais uma
tentativa de alavancar a tão esperada reforma tributária, mas, de toda forma,
é inegável que esse documento reflete a preocupação da doutrina atual com os
efeitos que a tributação provoca dentro do federalismo fiscal.
Nesse contexto, é importante observar que qualquer proposta de reforma
do sistema tributário tem necessariamente que considerar a reforma no fede-
ralismo brasileiro, a fim de que os Estados e Municípios possam retomar efeti-
vamente o seu papel dentro da Federação e participar ativamente das políticas
nacionais. Do contrário, qualquer reforma que desconsidere o estágio atual em
que se encontra o federalismo pátrio, será ineficaz.
Essas considerações nos conduzem às reflexões que consubstanciam o objeto
do presente trabalho e que foram muito bem sintetizadas por Gustavo da Gama
Vital de Oliveira: Qual seria a relação entre a reforma do federalismo fiscal e a
melhoria da justiça do sistema tributário brasileiro? As discussões sobre federa-

458 Íntegra do documento disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/carta-contribuinte-oab.pdf> Acesso


em 28.02.16.

251
Raquel de Andrade Vieira Alves

lismo fiscal tratam apenas dos interesses dos entes políticos? Estaríamos diante
de um problema apenas de Direito Financeiro e não de Direito Tributário?459
Como se pôde perceber ao longo do presente estudo, as manobras para a
recentralização de receitas têm conferido poderes políticos ao Governo Federal,
em detrimento das demais entidades que compõem a Federação, constituindo
um perigoso instrumento de governabilidade, já que a participação dos Estados
na política nacional foi drasticamente reduzida e os Municípios, em sua maio-
ria, dependem diretamente do apoio do Governo Central para o atendimento
das necessidades básicas de seus cidadãos.
Esse processo teve início com a promulgação da Constituição de 1988, que, vi-
sando promover uma maior autonomia dos entes subnacionais, com a cooperação
da União, atribuiu-lhes novas competências tributárias e político-administrativas,
em resposta ao modelo centralizador adotado pela carta autoritária anterior.
Contudo, através de sucessivas emendas constitucionais, posteriormente
ratificadas pela Corte Suprema, e com o escopo de aumentar a arrecadação
da União com as contribuições, que não se submetem à sistemática de parti-
lha do produto da arrecadação entre os entes federados, ocorreu uma sensível
distorção no modelo original, com evidentes prejuízos, não só ao exercício da
autonomia plena pelos Estados e Municípios, como também do ponto de vista
da justiça do sistema tributário.
Nesse ponto, o aumento extraordinário da arrecadação das contribuições,
não apenas contribui para o crescimento da cumulatividade do sistema, como
permite que a União possa implementar uma política desonerativa dos princi-
pais impostos de sua competência, que compõem o Fundo de Participação dos
Estados e dos Municípios, como é o caso do IR e do IPI. Some-se a isso o fato de
que a renda é historicamente apontada como o principal índice de capacidade
contributiva e, ao ser ignorada para fins de tributação, representa uma perda
incalculável em termos de justiça na tributação.
Diante desse cenário, um primeiro passo esboçado no presente estudo, a fim
corrigir essas distorções no modelo federativo brasileiro, é assumir o enorme
papel que as participações na arrecadação possuem atualmente no federalismo
pátrio, restabelecendo a importância de se privilegiar a arrecadação dos im-

459 OLVIEIRA, Gustavo da Gama Vital de. In: “Reforma tributária e federalismo fiscal”, artigo apresentado
no 1º Congresso de Direito Tributário de Juiz de Fora e Região, realizado em 03.09.14, na sede da OAB,
Subseção Juiz de Fora.

252
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

postos federais em detrimento da arrecadação baseada em contribuições. Para


tanto, é preciso o comprometimento dos três poderes em relação à instituição,
à arrecadação e ao controle das contribuições, a fim de restaurar também, não
apenas o papel que cada tributo desempenha no sistema tributário nacional,
como o papel que cada ente federado desempenha dentro da Federação.
A partir daí, uma vez restaurado o papel político, administrativo e financei-
ro de cada ente, incluído aí o papel da União de coordenação dentro do modelo
de federalismo cooperativo, prestigiado pelo próprio constituinte de 1988, esta-
remos a um passo da tão desejada reforma tributária.

253
Referências

Bibliografia

ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro:


Forense, 2015.

AMARO, Luciano da Silva. “Os Tratados Internacionais e a Contribuição


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267
Raquel de Andrade Vieira Alves

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Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

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ch%5Fby%5Fkeywords=any&search%5Fby%5Fpriority=all&search%5Fby%5Fs
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a k vke y=c295& ut m _ s o u rc e=a k n a& ut m _ m e d iu m=em a i l& ut m _
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Legislação

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BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937.

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

270
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

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BRASIL. Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000.

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BRASIL. Decreto Federal nº 4.012, de 13 de novembro de 2001

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BRASIL. Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969.

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BRASIL. Emenda Constitucional nº 03, de 17 de março de 1993.

BRASIL. Emenda Constitucional de Revisão nº 01, de 01 de março de 1994.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 10, de 04 de março de 1996.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 12, de 15 de agosto de 1996.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 16, de 04 de junho de 1997.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 21, de 18 de março de 1999.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 27, de 21 de março de 2000.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 37, de 12 de junho de 2002.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 39, de 19 de dezembro de 2002.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003.

271
Raquel de Andrade Vieira Alves

BRASIL. Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 68, 21 dezembro de 2011.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 93, de 08 de setembro de 2016.

BRASIL. Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995.

BRASIL. Lei Complementar nº 96, de 31 de maio de 1999.

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000.

BRASIL. Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001.

BRASIL. Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960.

BRASIL. Lei 4.863, de 29 de novembro de 1965.

BRASIL. Lei nº 5.070, de 07 de julho de 1966.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

BRASIL. Lei nº 8.620, de 05 de janeiro de 1993.

BRASIL. Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996.

BRASIL. Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.

BRASIL. Lei nº 9.496, de 11 de setembro de 1997.

BRASIL. Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000.

BRASIL. Lei nº 10.052, de 28 de novembro de 2000.

BRASIL. Lei nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000.

BRASIL. Lei nº 10.332, de 19 de dezembro de 2001.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002.

BRASIL. Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.

272
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

BRASIL. Lei nº 11.452, de 27 de fevereiro de 2007.

BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.

BRASIL. Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.062-60, de 30 de novembro de 2000.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.062-61, de 28 de dezembro de 2000.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.062-61, de 26 de janeiro de 2001.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.062-63, de 23 de fevereiro de 2001.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.159-70, de 24 de agosto de 2001.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.228-1, de 06 de setembro de 2001.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 65 de 2005.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 17 de 2007.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 09 de 2009.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 12 de 2009.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 23 de 2009.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 35 de 2009.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 31 de 2011.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 02 de 2012.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 140 de 2015. Disponível


em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi
cao=1738618> Acesso em 30.01.16.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 04 de 2015. Disponível em:


<http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi
cao=946734> Acesso em 30.01.16.

273
Raquel de Andrade Vieira Alves

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 87 de 2015. Disponível em:


<http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi
cao=1567815> Acesso em 30.01.16.

BRASIL. Lei nº 198, de 18 de abril de 2007. Disponível em: <http://www25.


senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/80674> Acesso em 24.01.16.

BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 200, de 10 de agosto de 2012. Dispo-


nível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idPro
posicao=553112> Acesso em 24.01.16.

BRASIL. Mensagem da Presidência da República nº 301, de 23 de julho de 2013.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/
Msg/Vet/VET-301.htm> Acesso em 24.01.16.

BRASIL. Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 7, de 2015. Aprovado em


17.12.15. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/122922>

BRASIL. Projeto de Lei nº 2127, de 2015. Em trâmite na Câmara dos Deputa-


dos. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetrami
tacao?idProposicao=1549354> Acesso em 10.01.16.

BRASIL. Receita Federal. Solução COSIT RFB nº 97, de 3 de abril de 2014.

BRASIL. Receita Federal. Solução de Consulta DISIT nº 134 de 07 de maio de


2001. 8ª Região Fiscal.

BRASIL. Receita Federal. Solução de Consulta DISIT nº 341 de 11 de dezem-


bro de 2002. 8ª Região Fiscal.

BRASIL. Receita Federal. Solução de Consulta DISIT nº 83 de 07 de maio de


2003. 9ª Região Fiscal.

Jurisprudência e ações processuais citadas

BRASIL. Justiça Federal. 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Fede-


ral. MS nº 1000562-50.2016.4.01.3400. Juiz Itagiba Catta Preta Neto. Decisão
Liminar proferida em 29.01.16.

274
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2024-2/DF. Ministro Relator Sepúlveda


Pertence. Julgada em 03.05.07. DJ de 22.06.07.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. MS nº 4.063. Ministro Relator Rocha Lagoa.


Julgado em 20.05.57. RTJ 7/591, 1958.

BRASIL. STF. Primeira Turma. AI nº 55.989/AgR. Ministro Relator Oswaldo


Trigueiro. Julgado em 31.10.72. DJ de 24.11.72.

BRASIL. STF. Primeira Turma. AI nº 55.288/AgR. Ministro Relator Rodrigues


Alckimin. Julgado em 12.12.72. DJ de 16.02.73.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 75.042. Ministro Relator Carlos Thomp-


son Flores. Julgado em 07.12.72. DJ de 04.05.73.

BRASIL. STF. Primeira Turma. RE nº 78.291. Ministro Relator Aliomar Bale-


eiro. Julgado em 04.06.74. DJ de 15.10.74.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 86.595. Ministro Relator Xavier de Albu-


querque. Julgado em 07.05.78. DJ de 30.06.78.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 138.284/CE. Ministro Relator Carlos


Velloso. Julgado em 01.07.92. DJ de 28.08.92.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 146.733/SP. Ministro Relator Moreira


Alves. Julgado em 29.06.92. DJ de 06.11.92.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 939/DF. Ministro relator Sydnei San-
ches. Julgada em 15.12.93. DJ de 18.03.94.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. AgRg no RE nº 173.065/RS. Ministro Relator


Maurício Corrêa. Julgado em 30.05.95. DJ de 15.09.95.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 177.137/RS. Ministro Relator Carlos


Velloso. Julgado em 24.05.95. DJ de 18.04.97.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 228.321/RJ. Ministro Relator Carlos


Velloso. Julgado em 01.10.98. DJ de 30.05.03.

BRASIL. STF.Tribunal Pleno. MC em ADI nº 2.556/DF. Ministro Relator


Moreira Alves. Julgada em 09.10.02. DJ de 08.08.03.

275
Raquel de Andrade Vieira Alves

BRASIL. Tribunal Pleno. RE 396.266/SC. Ministro Relator. Carlos Velloso. Jul-


gado em 26.11.03. DJ de 27.02.04.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2925/DF. Ministra Relatora Ellen Gra-
cie. Julgada em 19.12.04. DJ de 04.03.05.

BRASIL. STF. ACO 952 MC/RR – Roraima. Ministro Relator Cezar Peluso.
Julgada em 20.04.07. DJ de 26.04.07.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 572.762/SC. Ministro Relator Ricardo


Lewandowski. Julgado em 18.06.08. DJ de 05.09.08.

BRASIL. STF. Segunda Turma. RE nº 537.610/RS. Ministro Relator Cezar


Peluso. Julgado em 01.12.09. DJ de 18.12.09.

BRASIL. STF. RE nº 566.007/RS. Ministra Relatora Carmen Lúcia. Repercus-


são Geral reconhecida em 13.05.10. DJ de 25.06.10.

BRASIL. STF. RE nº 607.420/PI. Ministra Relatora Ellen Gracie. Decisão pro-


ferida em 10.10.10. DJ de 23.11.10.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 132/RJ. Ministro Relator. Ayres Britto.
Julgada em 05.05.11. DJ de 14.10.11.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2556/DF. Ministro Relator Joaquim Bar-
bosa. Julgada em 13.06.12. DJ de 20.09.12.

STF. Tribunal Pleno. ADI nº 2568/DF. Ministro Relator Joaquim Barbosa. Jul-
gada em 13.06.12. DJ de 20.09.12.

BRASIL. STF. RE nº 705.423/SE. Ministro Relator Edson Fachin. Julgado em


23.11.16. Acórdão ainda não publicado.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. ADO nº 25. Ministro Relator Gilmar Mendes.
Julgada em 30/11/16. Acórdão ainda não publicado.

BRASIL. STF. AC nº 3492/PR. Ministro Relator Marco Aurélio Melo. Liminar


deferida em 10.02.14. DJ de 14.02.14.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 439.796/PR. Ministro Relator Joaquim


Barbosa. Julgado em 06.11.13. DJ de 17.03.2014.

276
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

BRASIL. STF. AC nº 3600/PR. Ministro Relator Luis Roberto Barroso, Limi-


nar deferida em 09.04.14. DJ de 14.04.14.

BRASIL. STF. Primeira Turma. RE nº 595.670 AgR. Ministro Relator Roberto


Barroso. Julgado em 27.05.14. DJ de 20.06.14.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE nº 566.007/RS. Ministra Relatora Carmen


Lúcia. Julgado em 13.11.14. DJ d e 11.02.15.

BRASIL. STF. Primeira Turma. AgRg no RE nº 805.477/ES. Ministro Relator


Roberto Barroso. Julgado em 07.10.14. DJ de 30.10.14.

BRASIL. STF. AC nº 3959/RS. Ministro Relator Marco Aurélio. Liminar inde-


ferida em 14.09.15. DJ de 17.09.15.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE n° 878.313/SC. Ministro Relator Marco


Aurélio. Repercussão Geral reconhecida em 03.09.15. DJ de 22.09.15.

BRASIL. STF. Tribunal Pleno. RE n° 928.943. Ministro Relator Luiz Fux.


Repercussão Geral reconhecida em 01.09.16. DJ de 13.09.16.

BRASIL. STF. Segunda Turma. RE nº 537.610/RS. Ministro Relator Cezar


Peluso. Julgado em 01.10.09. DJ de 18.12.09.

BRASIL. STF. ADI nº 5050/DF. Ministro Relator Luis Roberto Barroso.

BRASIL. STF. ADI nº 5051/DF. Ministro Relator Luis Roberto Barroso.

BRASIL. STF. RE nº 878.313. Ministro Relator Marco Aurélio. Repercussão


Geral reconhecida em 04.09.15. DJ de 22.09.15.

BRASIL. STF. ADO nº 37/DF. Ministro Relator Ricardo Lewandowski.

BRASIL. STF. Súmula Vinculante nº 30. Aprovada em 03 de fevereiro de 2010,


mas cuja publicação foi suspensa em 04 de fevereiro de 2010, por questão de
ordem suscitada pelo Ministro Dias Toffoli.

BRASIL. STJ. Primeira Turma. AgRg no Ag 886.162/PR. Ministro Relator Luiz


Fux. Julgado em 18.12.07. DJ de 04.09.08.

277
Raquel de Andrade Vieira Alves

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Processo de Consulta nº TC


005.302/2003-9. Ministro Relator Humberto Guimarães Souto. Sessão Ordiná-
ria de 13.08.03. Ata nº 21/03.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. Processo nº TC 010.889/2005-


5. Ministro Relator Ubiratan Aguiar. Sessão Ordinária de 07.12.05. Ata nº 45/05.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. TC 020.911/2013-0. Ministro


Relator Raimundo Carreiro. Sessão Ordinária de 26.03.14. Ata nº 09/14.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Plenário. TC 020.911/2013-0. Ministro


Relator Raimundo Carreiro. Sessão Ordinária de 29.04.15. Ata nº 15/15.

278
ANEXO A – Arrecadação total das receitas
federais de 1995 a 2014 a preços correntes

Fonte: Secretaria da Receita Federal do Brasil.

279
Fonte: Secretaria da Receita Federal do Brasil.
ANEXO B – Arrecadação federal
comparativa de contribuições e
impostos partilháveis de 1995
a 2014 a preços correntes

Fonte: Secretaria da Receita Federal do Brasil.

281
ANEXO C - Parte do ofício Nº 19890/2014/
SEI-MC encaminhando as respostas ao
requerimento de informação nº 4.480/14,
de autoria da Comissão de ciência e
tecnologia, comunicação e informática da
Câmara dos deputados, transmitidas pelo
Ministro de Estado das comunicações

283
Raquel de Andrade Vieira Alves

284
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

285
Raquel de Andrade Vieira Alves

286
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

287
Raquel de Andrade Vieira Alves

288
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

289
Raquel de Andrade Vieira Alves

290
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

291
Raquel de Andrade Vieira Alves

292
Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições

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