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João Luiz da Silva Almeida
Conselheiros Beneméritos
Denis Borges Barbosa (in memoriam) | Marcos Juruena Villela Souto (in memoriam)
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José Geraldo de Sousa Junior Débora Donida da Fonseca
Daniela de Macedo B.R.T. de Sousa Janaína Carvalho Simões Patriota
Daniella de Oliveira Torquato
Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
________________________________________
Apresentação
Eixo I
reflexões teórico-filosóficas
Constitucionalismo Achado na Rua no Contexto do
Pluralismo Jurídico Emancipatório Latino-Americano.......................31
Eduardo Xavier Lemos
Vercilene Dias
Daniele Silva da Silva Gonzalez
Euzilene Rodrigues Morais
Valdivina Aparecida Martins Costa
Eixo II
constitucionalismo, movimentos e achados
O Constitucionalismo Negro e a Contribuição de Sérgio Martins......85
Benjamin Xavier de Paula
Eixo III
insurgências e emergências
A Opressão Feminina no Brasil como um Resquício da Colonialidade
e Reflexo na Representatividade do Congresso Nacional......................... 161
Janaína Carvalho Simões Patriota
Raquel Martins de Arruda Neves
Eixo IV
constitucionalismo e democracia
Entre os escombros do nosso tempo e o
Constitucionalismo Achado na Rua....................................................223
Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro Veras
Das Manifestações de Junho de 2013 à intentona
de 8 de janeiro: breve análise sob a perspectiva
d´O Constitucionalismo Achado na Rua.............................................237
Aderruan Tavares
Minibiografias......................................................................................307
Constitucionalismo Achado na Rua:
uma Contribuição à Teoria Crítica do
Direito e dos Direitos Humanos
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2 São Paulo: Edições EACH, 2022.1 ebook ISBN 978-65-88503-38-6 (recurso eletrônico)
DOI 10.11606/97865885033861 Disponível em: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/
portaldelivrosUSP/catalog/view/939/851/3088. Acesso em 15 set. 23
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5 Revista Direito. UnB |Maio – Agosto, 2022, V. 06, N. 2 Publicado: 2022-08-31. O Direito
Achado na Rua. Contribuições para a Teoria Crítica do Direito. Edição completa PDF (https://
periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/issue/view/2503).
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6 O programa da disciplina e maiores informações podem ser obtidos no seguinte site: http://bit.
ly/2NqaABn. Esse percurso também foi resenhado por mim em http://estadodedireito.com.br/
novo-constitucionalismo-latino-americano-um-estudo-sobre-bolivia/.
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7 O trabalho pode ser encontrado na Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (RDPDF,
2019, vol. 1, n. 2) – Dossiê Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado
na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras.
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No Eixo I estão reunidos alguns dos artigos escritos como parte da ava-
liação na disciplina Direito Constitucional Ambiental Ibero Americano, ofe-
recida nos anos de 2020 e 2021 pelo prof. Pedro Avzaradel. Este eixo reúne
também alguns artigos assinados por professores que contribuíram para a
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10 Remeto, conforme os enlaces a seguir, alguns registros midiáticos dessa interlocução: https://
www.youtube.com/watch?v=nF-yMWyFqKk Constitucionalismo Achado na Rua: Gladstone
Leonel Jr e Lívia Gimenes Dias da Fonseca
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Referências:
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Eixo I – reflexões teórico-filosóficas
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Por esse motivo, como bem explica Roberto Lyra Filho, Direito for-
mal e Direito informal seriam umbilicalmente separados e não poderiam
ser metodologicamente divididos, situação que seria ilógica:
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Referências
______. SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. O Direito Achado na Rua: uma
ideia em movimento. In. COSTA; SOUSA JUNIOR (org) et al. O Direito
Achado na Rua Introdução crítica ao Direito à Saúde. Brasília: CEAD/
UnB, 2009.
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______. Karl meu amigo: Diálogo com Marx Sobre o Direito. Porto
Alegre, Sergio Fabris Editor, 1983a.
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______. SOUSA JR. José Geraldo de. (Org.) et al. O Direito Achado na
Rua: Questões Emergentes, Revisitações e Travessias - Coleção Direito
Vivo. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. v. 5. 292p.
______. SOUSA JR. José Geraldo de. (Org.); et al. O Direito Achado
na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. 10. ed. Brasília:
Universidade de Brasília, 2021. v. 1.728p.
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______. SOUSA JR. José Geraldo de. Introdução. In: SOUSA JUNIOR,
José Geraldo de; XAVIER LEMOS, Eduardo; BRITTO, Anne; TRENTINI,
Tiago; GONDIM, Carlos;
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______. Fundamentos de una nueva cultura del derecho (2a. ed.). Ed.
Dykison, Madrid, 2018.
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A Constituição Rizomática de
O Direito Achado na Rua
1. Introdução
Do ponto de vista da física, a força centrífuga existe apenas de um re-
ferencial não inercial. A força centrípeta, embora leve a alteração da direção
e/ou do sentido da velocidade do objeto em uma trajetória circular, sempre
apontará para o centro. Esta informação, embora seja parte do estudo da
física, (cinemática), Roberto Lyra Filho toma-a para observar o fenômeno
jurídico imbricado nas relações sociais (Gladstone Leonel et al.,202, p.263), e
para auxiliá-lo a construir a fortuna teórica do Direito Achado na Rua. Isto é
possível porque a escola do Direito Achado na Rua não tem seus fundamen-
tos nas teorias formais sobre o direito, mas é alternativa para que o fenôme-
no jurídico seja visto fora dos seus centros de produção. Ora, se é alternativa,
as possibilidades de construção de sua teoria emergem de várias dimensões,
como a física, a filosofia, a sociologia, a poética, as artes; não se fecha em um
único ramo de conhecimento. Tendo em vista que o Direito Achado na Rua é
uma ruptura com o “Direito subordinado ao Estado e como mecanismo ex-
clusivo de submissão de uma classe sobre a outra”, (GLADSTONE LEONEL
et al.,2021, p.263). Esse texto examina o Direito Achado na Rua, no diálogo
com as ideias de Deleuze e Guattari (1995) no conceito de rizoma. Não que-
rendo conformar o assunto nesta visão filosófica, mas apenas com o propósi-
to de enxergar a teoria lyriana, tão como ela é, ou seja, em constante processo
de construção, visto que é um processo dialético que se faz na historicidade.
2. Discussão
Considerando a física, se a força centrípeta busca sempre o centro
em um sistema circular, mesmo que mudem as suas trajetórias, a força
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rias ramificações que crescem de forma horizontal e que não tem direção
definida. Para Deleuze e Guattari (1995), no rizoma não existe hierarquia. O
Direito moderno tem sua estrutura arbórea, “foi reduzido a uma noção de
ciência das leis, composta de normas estatais dotadas de sanção e imperativi-
dade”, (SOUSA JUNIOR; ESCRIVÃO FILHO, 2016, p. 14). Está contido nas
linhas segmentaridade4, linhas duras. Esse Direito busca aprisionar todas as
ramificações que possam ser contrárias ao conhecimento centrado, busca
impor limites a todos os desdobramentos de conhecimento não equalizáveis
aos seus paradigmas teóricos. Tentam reduzir a multiplicidade; o Direito
Achado na Rua, através de Lyra Filho e depois com José Geraldo Júnior, em
oposição ao Direito estruturante, é rizoma. O rizoma, de acordo com Deleu-
ze e Guattari (1995), não é fechado, mas abre-se às várias direções, ele não
aprisiona e nem domina, “algo que pode se expressar por diversas formas de
conhecimento, inclusive artística, em uma ciência oficial, rígida, formal [...]”,
(SOUSA JÚNIOR; ESCRIVÃO FILHO, 2016, p. 16).
O rizoma comporta várias ramificações, não tem um centro específico.
Nos rizomas todas as tramas se encontram. Enquanto no Direito Moderno
há o deslocamento dos sujeitos dos processos históricos, o Direito Achado na
Rua não reduz a realidade, pois a trama comporta todas as experiências hu-
manas, porque no rizoma o Direito não está separado das condições concre-
tas onde o homem cria e recria a sua história. O Direito na trama rizomática
não está separado, mas está engendrado na visão complexa que incorpora
os contextos; tanto simbólicos quanto físicos. Nesse sentido, esse Direito vai
falar e vai ouvir várias vozes, desde as vozes que vem do centro, quanto as
vozes que vem da periferia, vozes constituídas em outras dimensões sociais
onde as normativas jurídicas formais se desdobram em novas normativas, a
fim de atender as especificidades e diversidade de grupos sociais. Quanto a
isso, Gladstone Leonel et al. (2021), afirma que,
Lyra Filho formula uma teoria dialética sobre o direito, pautada por
um materialismo histórico. Isso implica dizer que cada momento
apontando pela teoria lyriana como constitutivo do fenômeno jurí-
dico determina e é determinado por todo o processo global em que
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4. Considerações Finais
Diante da discussão apresentada, conclui-se que, que o conceito de
rizoma de Deleuze e Guattari (1995) traz importante contribuição para a
teoria lyriana de o Direito Achado na Rua, pois a teoria rizomática abarca
a complexidade do homem perante o fenômeno jurídico, não podendo ser
examinada apenas sobre a ótica eurocêntrica e centralizada, que não aten-
de as demandas do homem em sua complexidade. Dessa forma, a elabora-
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Referências
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Rua: Críticas e Esperanças
Vamos, nesse ensaio, fazer uma reflexão crítica das leituras da discipli-
na O Direito Achado na Rua, das discussões nas aulas e da nossa “vivência”
nesse primeiro semestre como estudante do PPGDH. A partir das reflexões e
inquietações trazidas por essa vivência, faremos algumas digressões, sempre
que possível aplicando ao nosso objeto concreto da pesquisa que é a dignida-
de humana, mais especificamente, o porquê da nossa passividade em relação
a constante violação de direitos que somos vítimas cotidianamente.
Chamar atenção para a passividade se relaciona com a perspectiva de
um constitucionalismo achado na rua, ou seja, é imprescindível que os su-
jeitos de direito exerçam suas prerrogativas para que a sociedade se modi-
fique e para que as políticas públicas sejam efetivadas, ou seja, será sempre
necessária a mobilização social, cidadãos atentos e sujeitos individuais e
coletivos de direito atuantes.
Nossa inquietação diz respeito à compreensão de possíveis mecanis-
mos de paralisação que cerceiam o ímpeto pela luta por direitos, condição
necessária para a constituição de um constitucionalismo achado na rua
enquanto liberdade e ação.
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Entenda-se por dignidade não o simples acesso aos bens, mas que
tal acesso seja igualitário e não esteja hierarquizado “a priori” por
processos de divisão do fazer que coloque alguns, na hora de ter
acesso aos bens, em posições privilegiadas, e outros em situação de
opressão e subordinação. Mas, cuidado! Falar de dignidade huma-
na implica fazê-lo a partir de um contexto ideal ou abstrato. A dig-
nidade é um fim material. Trata-se de um objetivo que se concretiza
no acesso igualitário e generalizado aos bens que fazem com que a
vida seja “digna” de ser vivida (2009, p.31).
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rua não pode levar as pessoas a ideia de que podem (e acreditamos que em
muitas situações possa de fato) não se sentirem contidas pelo aparato legal
e, em última instância levar a um descrédito das leis e da própria justiça,
incentivando que se faça a justiça com as próprias mãos?
Até que ponto apenas a ênfase em um Direito Achado na Rua não
pode criar um universo que não considera a influência do formalismo ins-
titucional em todo o processo? O clamor social no final busca o reconheci-
mento e a efetivação de direitos em leis e políticas públicas, ou seja, para o
direito se transformar em política pública não pode prescindir das contra-
dições da máquina governamental e das normas estabelecidas.
Cabe esclarecer que a rica perspectiva trazida pelo direito achado na
rua, se por um lado acrescenta vida e dinâmica à lógica institucional, por
outro lado pode ser interpretada como relativização das fontes jurídicas
tradicionais. No entanto, quando se pensa em pluralismo jurídico emanci-
pador e abertura para as insurgências essa relativização se faz necessária.
Se, por um lado, essa abertura para a participação e criação de direi-
tos pode ser vista por alguns como um descrédito e vulgarização do siste-
ma jurídico como um todo, por outro lado, é a oportunidade de avançar no
esclarecimento das contradições dos que pensam que não existem limites à
liberdade, à livre iniciativa e às ganâncias do mercado.
Se a forma de mudar é a ativação do poder constituinte, como dito
acima, vai depender do momento histórico e da correlação de forças que
estão vigorando naquele momento.
Hoje, com uma sociedade altamente polarizada, onde as notícias fal-
sas e a formação de bolhas eletrônico-ideológicas fundamentadas em algo-
ritmos é a regra, seria muito temerário pensar no estabelecimento de uma
constituinte e o tiro sair pela culatra.
Ou seja, são grandes as possibilidades de uma pauta emancipadora
e libertária ser tragada pelo conservadorismo e pela ânsia desmedida das
elites manterem o status quo e ampliarem ainda mais suas posições neoli-
berais de exploração e destituição de direitos.
Pensar uma nova constituição que garanta ao povo brasileiro a parti-
cipação efetiva nos destinos do país focando no combate das nossas desi-
gualdades históricas é um ideal libertário que deve ser perseguido diutur-
namente. Mas, é interessante ressaltar que é difícil imaginar um processo
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Referências
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SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Direito Achado na Rua: questões de teoria
e práxis. IN O Direito Achado na Rua: Introdução crítica ao direito como
liberdade / organizador: José Geraldo de Sousa Junior [et al.] – Brasília: OAB
Editora; Editora Universidade de Brasília, 2021. v. 10. 728 p.
SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Dos 30 anos do Direito Achado na Rua aos 10
anos do IPDMS: a relação entre direito e movimentos sociais mediada pela crítica
dos juristas. Entrevista concedida a Diego Augusto Diehl e Ricardo Prestes
Pazello. Transcrição Anna Caroline Kurten. InSURgência: revista de direitos e
movimentos sociais, v. 8, n. 2, jul./dez. 2022, Brasília, p. 19-56.
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José Geraldo de Sousa Junior [et al.] – Brasília: OAB Editora; Editora
Universidade de Brasília, 2021. v. 10. 728 p.
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Eixo II – constitucionalismo,
movimentos e achados
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O Constitucionalismo Negro e a
Contribuição de Sérgio Martins
1. Introdução
Na Edição do Jornal “Extra” do dia 5 de março de 2016, que circula no
estado do Rio de Janeiro, encontramos a seguinte nota,
Esta é a única nota da imprensa com menos de três linhas, que regis-
tra o bárbaro assassinato de um dos mais brilhantes juristas negros, Sérgio
da Silva Martins. Dizemos isso, não pela repercussão ou reconhecimen-
to da sua obra, mas pela originalidade e profundidade desconhecida do
grande público e dos/as pesquisadores/as do Direito nos diferentes níveis e
modalidades de desenvolvimento na carreira acadêmica.
Responsável por um dos primeiros trabalho de pesquisa sobre negritude
e racismo em um programa de pós graduação em direito intitulada “Afro-bra-
sileiros: uma questão de justiça”, Martins (1996) enfrentou a tarefa nobre digna
dos grandes juristas: o debate do campo da hermenêutica constitucional, sobre
os limites e possibilidades do enfrentamento ao racismo e de promoção da
igualdade e equidade racial em um tempo em que, na universidade e na pes-
quisa, falar deste assunto era “quase uma proibição”, e na área do direito, era
praticamente uma transgressão da norma, um “ilícito científico”.
Ativista e militante de primeira ordem dos movimentos sociais e do
movimento negro no Rio de Janeiro, Sérgio foi combativo, digno de citar e
ser citado por importantes lideranças nacionais como o Prof. Helio Santos,
o Advogado Humberto Adami, nossa ilustre Conceição Leal e muitos ou-
tros. Martins (1996) não escolhia frente de luta: jurista, militante, ativista,
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2. Constituição e constitucionalismo
Quatro modelos de constituição orientaram e orientaram a organiza-
ção dos estados constitucionais modernos: a constituição inglesa, a fran-
cesa, a alemã e a estadunidense. Essas constituições deram origem a dois
sistemas jurídicos distintos: o civil law e o common law.
1 Poucos são os registros sobre a trajetória deste importante jurista brasileiro, frente a esta
escassez de fontes, recorremos aos/às pessoas citadas/as nos agradecimentos do trabalho do
autor, acrescido de alguns diálogos com militantes e ativistas do movimento negro, dentre os
quais, Conceição Leal, Helio Santos e Osias Inocêncio, este último, juiz de paz no Estado do Rio
de Janeiro e que muito contribuiu com este estudo.
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em relação aos negros, mas que estes problemas afetam todos os brasilei-
ros. Exalta, ainda, a Constituição Federal de 1988 como um símbolo da
integração racial do país, mas cita que no Brasil, embora a discriminação
racial esteja proibida na constituição, essas autoridades possuem dificul-
dades de abordar o problema do racismo, que se manifesta principalmente
por meio de “práticas vexatórias que acentual a inferioridade dos negros”
(MARTINS, 1996, p. 92), e, portanto, um fenômeno de difícil solução, pois
é acima de tudo de vontade política.
O Documento da Marcha dos 300 anos de Zumbi dos Palmares de-
nominado “por uma Política Nacional de Combate ao Racismo e a Desi-
gualdade Racial” era mais preciso e apresentava um diagnóstico das con-
dições de vida da população negra marcada pela Escola como espaço de
hierarquias raciais e de produção e reprodução do racismo, principalmente
em função da reprodução e reprodução de um conteúdo eurocêntrico do
currículo escolar; pela divisão racial do trabalho marcada pelo racismo e
pela exclusão do negro do acesso à autonomia material; e, pelas menores
chances de vida em função do alto grau de mortalidade das crianças ne-
gras e de letalidade do racismo policial - ou seja, muitas das crianças que
não morrem no nascimento são assassinadas pelas forças de segurança pú-
blica na figura da polícia militar.
Em relação às iniciativas e propostas do campo político-jurídico, fo-
ram apresentadas, dentre elas, o Projeto de Lei nº 14/1995 de autoria da
deputada Benedita da Silva, que propunha a adoção de 10% de cotas para
negros e índios nas instituições públicas e particulares de ensino supe-
rior em todos os níveis (municipal, estadual e federal). O Projeto de Lei
nº 1239/1995, que institui reparação pecuniária e políticas compensatórias
para a população afro-brasileira em função do regime escravista e da au-
sência de medidas integradoras no pós-abolição; e, a Emenda Constitucio-
nal Florestan Fernandes - documento ousado que trata da defesa da eman-
cipação dos afro-brasileiros a partir do estabelecimento de um “estatuto
democrático” para o negro no Brasil.
No que se refere às ações governamentais, no dia 20 de março de 1996 foi
criado o Grupo de Trabalho para a eliminação da discriminação no emprego
no âmbito do Ministério do Trabalho, denominado de (GTEDEO), com o ob-
jetivo de definir ações de combate ao racismo nas relações de trabalho; e, em
maio do mesmo ano, 1996, o governo publicou a divulgação do Plano Nacio-
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nal de Direitos Humanos que incluía a problemática do racismo para além das
abordagens genéricas que lhe atribuíam o caráter de excepcionalidade.
A Constituição como um sistema de regras e princípios jurídico cons-
titucionais é vista na perspectiva de Alexy (1987, apud CANOTILHO, 1993)
a partir de duas vertentes - como um sistema de regras que confere certa
segurança jurídica; e , como um conjunto de princípios que salvaguarda a
otimização do direito dentro da perspectiva do possível, capaz de absorver
os conflitos sociais, e traduzir os limites para a atuação do Estado, e, de for-
ma particular, para efetividade do princípio constitucional que preconiza a
eliminação do racismo por meio da promoção efetiva da igualdade formal
de direitos, ou seja, sua concretude e realização, o que implica em termos
jurídicos na igualdade material: um Plano de Integração compensatória.
Se a pobreza implica em ausência de recursos materiais, a marginali-
dade implica na construção histórica de fatores (cor/raça, gênero, etc.) que
demarcam os obstáculos para a integração de um grupo de indivíduos (ne-
gros/afrodescendentes) no sistema de acesso aos direitos constitucionais
assegurados na norma jurídica.
O estudo de Martins (1996) defende que a implementação de um Pla-
no de Educação Compensatória destinado aos afro-brasileiros sustenta-
-se nos princípios de constitucionalidade garantidos nas normas jurídi-
cas impositivas que definem tarefas e medidas de integração dos setores
marginalizados, fundadas na defesa e promoção do princípio da dignidade
humana. Para ele “O princípio da igualdade, não é apenas um princípio do
Estado de Direito, mas também, um princípio de Estado Social” (MAR-
TINS, 1996, p. 149) - de forma que, “uma ordem jurídico-constitucional
incapaz de garantia condições de igualdade no exercício dos direitos fun-
damentais “não deve ser levada a sério” (MARTINS, 1996, p. 157).
E, por fim, o autor (1996. p. 158-) afirma que
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4. Considerações Gerais
Boaventura de Sousa Santos (2002) denomina e fenômeno de exclu-
são social dos povos subalternizados e invisibilizados de “Sociologia das
Ausências”. Entendemos esta invisibilidade a partir da supressão da pre-
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Referências
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Direito Achado na Rua e Movimento
Negro: ferramentas constitucionais para
a concretização das lutas políticas
1.Introdução
A Série O Direito Achado na Rua não só abre a possibilidade do cam-
po transversalizar o diálogo com operadores do direito, intelectuais e do
movimento negro como abre o debate sobre justiça social e suas ferramen-
tas para concretizá-las. A solidificação de teorias e pensamentos que pen-
sem a práxis e as demandas sociais sobre desigualdade e exclusão social
são essenciais para uma transformação social.
Portanto, as vivências e experiência dos indivíduos e dos movimen-
tos sociais enquanto sujeitos coletivos de Direito precisam estar elaboradas
nos paradigmas. A proposta do Direito Achado na Rua é um giro epistê-
mico para uma teoria que possua intervenção e transformação social, seja
em relação à responsabilidade dos operadores do direito, dos intelectuais
e dos movimentos sociais, na sociabilidade por detrás da construção de
conhecimento ou na interpretação e construção da constituição.
Ainda que existam disputas de narrativas entre um direito positivista
e um direito que se aproxime da realidade social, é possível pensar um pa-
radigma que reivindique por uma luta emancipatória de um sujeito plural,
situado em um contexto histórico e sociológico. Portanto, José Geraldo
aponta a contribuição de Roberto Lyra Filho (2021, p.77). “Para Lyra Filho,
incumbe à Sociologia procurar no processo histórico-social o aspecto pe-
culiar da práxis jurídica.”
O pensamento emancipatório da visibilidade de outras realidades, é
marcada muitas vezes, na relação entre um sujeito que não é único, in-
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1 Com efeito, com base em leitura rigorosa do pensamento emancipatório do filósofo argentino
Enrique Dussel e o emprego de categorias desenvolvidas por Antonio Carlos Wolkmer, José
Carlos Moreira da Silva Filho (1998), chega a uma ética concreta da alteridade como pressuposto
de um pluralismo jurídico-comunitário-participativo, para fundamentar a prática de novos
sujeitos coletivos de direito. (JUNIOR, 2021, p. 79)
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2 “Os dados sobre encarceramentos relativos à raça/cor disponibilizados pelo 14º Anuário
Brasileiro indicam alta concentração entre a população negra. Em 2019, os negros
representaram 66,7% da população carcerária, enquanto a população não negra (considerados
brancos, amarelos e indígenas, segundo a classificação adotada pelo IBGE) representou 33,3%.”
Disponível em: https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/50418. Acesso em 16 de jun. de 2023..
3 Segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FÓRUM BRASILEIRO DE
SEGURANÇA PÚBLICA, 2020, p.90), 79,1% das vítimas de intervenções policiais com resultado
em morte correspondem a pessoas negras, enquanto apenas 20,8% são brancas e 0,1% são indígenas.
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própria construção dos direitos precisa ter o sujeito político envolvido nes-
sa construção. Nesse sentido afirma a autora:
Logo no início dos anos 90 surge esse debate entre relativismo e uni-
versalismo dentro de uma multiculturalidade. A criação do acordo NAF-
TA é importante pois a partir dele se percebem as populações negras e
indígenas como passíveis de aplicação de políticas focais. Logo, traz à tona
o papel do multiculturalismo universal e neoliberal centrados em políticas
focais e políticas estruturais. A importância dos essencialismos, se posi-
cionando pelas suas categorias étnico raciais, é de um contexto no qual a
globalização traz a ideia das identidades múltiplas, essa necessidade que o
sujeito tem de se reconhecer nas suas dignidades.
Portanto, dentro dos pressupostos acima repensar qual o papel do
Direito dentro dessas disputas sociais de poder não deve ser limitada ao
campo que pressupõe universalidade e neutralidade. O próprio acesso ao
Direito não é feito de forma igualitária e enquanto instituição social defen-
de os interesses de uma classe específica. O Direito não é um epifenômeno
da cultura sujeito faz parte da perspectiva que estamos imersos e que cons-
truímos determina a maneira como os sujeitos se auto descrevem.
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A busca por igualdade racial, assim como por uma educação liberta-
dora e emancipadora, se constitui em um campo fértil para a cons-
trução de políticas públicas que possibilitem a criação de condições
para que as diferenças sociais, culturais e étnico-raciais sejam valori-
zadas e respeitadas na diversidade. Neste sentido, as práticas sociais
devem ser pensadas em termos de pluralidade e de encontro de dife-
rentes culturas, saberes e experiências. (GOMES, 2017, p. 23)
Portanto, existe uma luta por agendas negras onde a ótica política pre-
cisou transformar-se conjuntamente nas demandas da comunidade negra.
A mudança de perspectiva em reconhecer a autonomia, fortalecimento da
identidade racial política, comprometer-se com a luta antirracista, defesa
do princípio da igualdade racial e a existência de um racismo estrutural.
“O objetivo é refletir criticamente sobre o racismo estrutural presente na
nossa sociedade.” (HOOKS, 2013, p. 42)
As vozes geracionais do movimento negro são manifestadas em uma
importante conjuntura para a história a população negra no Brasil. Ou
seja, “O movimento negro brasileiro é geracional, e cada geração tem seus
desafios e suas respostas específicas a esses desafios” (VARGAS, 2014,
p.120). As experiências e modelos, que aumentam a visibilidade de casos
de racismo cobrando ações proativas por parte do estado em diferentes
momentos do tempo. Além de servir como exemplo para outras organi-
zações políticas, negras e de direitos humanos e até mesmo para o próprio
governo em uma organização histórica. De acordo com Moraes:
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Referências
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.
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FOLHA DE SÃO PAULO. Negros tem mais risco de covid mesmo no topo
da pirâmide social, diz estudo. Disponível em: negros-tem-mais-risco-de-
morrer-de-covid-mesmo-no-topo-da-piramide-social-diz-estudo.shtml.
Acesso em: 16 de jun. de 2023.
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VARGAS, João Costa. A Cup of Rage: Radicals, Resistance, and the Struggle
for the Meaning of Revolution in Brazil. Durham: Duke University Press, 2014.
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Crianças, Adolescentes e Jovens
como Sujeitos Coletivos de Direitos:
Diálogos à Luz do Constitucionalismo
Achado na Participação
1. Introdução
A perspectiva teórica de um constitucionalismo achado na rua dialoga
com uma concepção do Direito que emerge dos espaços públicos - a rua em
sentido metafórico - onde “se dá a formação de sociabilidades reinventadas
que permitem abrir a consciência dos novos sujeitos para uma cultura de
cidadania e de participação democrática” (Sousa Junior, 2019, p. 2785).
Partindo da valorização da potência do humano nos espaços sociais
em que emergem novos sujeitos que se apropriam da capacidade ativa e
criativa de gerar possibilidades diversas de uma existência com funda-
mento na dignidade da pessoa humana, reconhecemos nas crianças, ado-
lescentes e jovens um grupo de pessoas historicamente invisibilizadas em
suas demandas por direitos e que emergem, no Brasil, em um contexto
histórico permeado por tensionamentos demandantes de uma transição
democrática, como sujeitos coletivos de direitos.
O objetivo do presente ensaio é entrelaçar a potência das conquistas
historicamente contextualizadas com alguns dos desafios contemporâneos
de concretização de direitos de crianças, adolescentes e jovens numa realida-
de em que a desigualdade social se faz presente. Para tanto, os tópicos desen-
volvidos neste capítulo dialogam com as trajetórias profissionais dos autores
que compreenderam ser importante reunir breves diálogos sobre mobiliza-
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2 A título de exemplos:
PERES, Maria Regina. Novos desafios da gestão escolar e de sala de aula em tempos
de pandemia. In Revista Administração Educacional - CE - UFPE Recife-PE, V.11
N. 1 p. 20-31, jan-jun/2020. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/207d/
f210d69830944ec189d127895590bba2d9ff.pdf
BAHIA, Norinês P. Pandemia!!!! E agora? Reflexões sobre o cotidiano escolar à distância.
Cadernos CERU, 31(1), 116-125. https://doi.org/10.11606/issn.2595-2536.v31i1p116-125.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ceru/article/view/174489
VIEIRA, Márcia de Freitas. SILVA, Carlos Manuel Seco. A educação no contexto da pandemia
de COVID-19: uma revisão sistemática de literatura. Revista Brasileira de Informática na
Educação – RBIE Brazilian Journal of Computers in Education (ISSN online: 2317-6121; print:
1414-5685) http://br-ie.org/pub/index.php/rbie.
Notícia: Pandemia ampliou desigualdade no ensino, evasão escolar e perda de aprendizagem.
Disponível em: https://cpers.com.br/pandemia-ampliou-desigualdade-no-ensino-evasao-
escolar-e-perda-de-aprendizagem/
Notícia: Evasão escolar de crianças e adolescentes aumenta 171% na pandemia, diz estudo.
Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/12/02/evasao-escolar-de-
criancas-e-adolescente-aumenta-171percent-na-pandemia-diz-estudo.ghtml
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O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto
a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curio-
sidade, como inconclusão em permanente movimento na História.
(Freire, 1996, p. 142)
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Essas diretrizes legais resultam de uma longa história de luta dos po-
vos indígenas pelo reconhecimento do direito à diferença e se reflete na
proteção dos modos próprios dos povos indígenas de cuidar de suas crian-
ças e jovens, impedindo que o Estado adote políticas integracionistas que
interferem na própria sobrevivência física e cultural dos povos originários.
6. Considerações finais
As crianças, os adolescentes e os jovens são pessoas inseridas em um con-
texto cultural e histórico. É fundamental que sejam reconhecidas enquanto
titulares de direitos, porém, mais do que isso, como pessoas plenas, com voz e
com possibilidade de agir e de participar a partir das suas próprias experiên-
cias de vida. O paradigma da tutela precisa ser efetivamente superado em prol
do paradigma da titularidade de direitos, especialmente dos direitos humanos.
Destaca-se, portanto, o entrelaçamento feito nesse artigo entre a mo-
bilização social durante o processo constituinte brasileiro na década de
80 do século XX, com a ampla participação do Movimento Nacional dos
Meninos e Meninas de Rua, e a emergência das crianças, dos adolescentes
e dos jovens como sujeitos coletivos de direitos. Perspectiva que dialoga
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Referências
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Anexo
Fonte: https://plenarinho.leg.br/index.php/2018/11/as-criancas-na-constituinte/
Foto: Marcos Henrique
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O Direito Achado nas Imagens
Debora Herszenhut
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no Brasil, visto que antes da sua criação já haviam algumas produções re-
levantes neste sentido. Trabalhos estes que vão desde os filmes produzidos
pela comissão Rondon, atravé
s da documentação fílmica realizada pelo Major Thomaz Reis na últi-
ma década do século XIX, até a produção realizada pelo antropólogo Ter-
rence Turner, junto aos Kayapó, no Pará, ao longo de 30 anos de pesquisa
com o grupo. Passando por registros feitos pela equipe dos irmãos Villas
Boas, quando a criação do Parque do Xingu, entre outros. No entanto, a
relevância do trabalho realizado pelo Vídeo nas Aldeias, se encontra prin-
cipalmente no que se refere à sistematicidade exercida neste trabalho, que
ao longo de três décadas vem documentando ininterruptamente grupos
indígenas de diversas etnias ao redor do Brasil.
Em segundo lugar, a especificidade desta produção se encontra no
momento da criação deste projeto, fundado como um braço de atuação do
CTI (Centro de Trabalho Indigenista). Desde o momento de sua criação
em 1986, um grupo de antropólogos/etnólogos politicamente engajados,
estiveram diretamente ligados ao projeto, ao qual davam assessoria ao tra-
balho de tradução de línguas indígenas, assessoria/consultoria antropoló-
gica e ainda atuando diretamente na realização dos filmes.
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diversos, com seus próprios códigos, línguas e culturas distintos uns dos
outros é um esforço que pode-se notar a partir desta vasta documentação
realizada pelos Cineastas Indígenas do projeto VNA.
O esforço de inserir o índio na construção da sociedade e da identidade
brasileira já vêm de longa data1. Este empenho encontra-se em não somente
dar visibilidade a ancestralidade indígena brasileira, mas fazê-la notar-se em
suas especificidades étnicas através da história cultural do Brasil. No entan-
to, a novidade do presente, ao qual o Vídeo nas Aldeias se insere, é a possi-
bilidade de os índios participarem agora desta construção, contarem a sua
história e escolherem a forma como querem ser vistos e representados.
Gonçalves (2010) a respeito de sua experiência com os Paresi ao longo
de 20 anos em que acompanha a trajetória deste grupo no Mato Gros-
so, apresenta cenários construídos a partir das relações dos Paresi com os
brancos, para refletir sobre a elaboração do conceito de cultura pela antro-
pologia e sua apropriação enquanto uma categoria nativa. Ao trazer para
sua análise um recorte temporal de vinte anos, observa que em um primei-
ro momento de seu contato com os Paresi na década de 1980, no período de
demarcação de suas terras, eram frequentes as invasões de fazendeiros em
seus territórios, ao mesmo tempo em que a BR 364 atravessava a reserva
indígena. O contato deste grupo com os brancos se dava essencialmente a
partir de duas situações: muitos indígenas trabalhavam para madeireiros
no desmatamento e da proximidade da estrada com a aldeia que alavancou
a venda de artesanato Paresi aos viajantes que cruzavam a estrada.
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2 A Conferência de Estocolmo, realizada em junho de 1972, foi o primeiro grande evento sobre
meio ambiente realizado no mundo. Seu objetivo era basicamente o mesmo da Cúpula da Terra,
realizada em 1992. Esta conferência, bem como o relatório Relatório Brundtland, publicado
em 1987, pelas Nações Unidas, lançaram as bases para o ECO-92. Em 1992, vinte anos após a
realização da primeira conferência sobre o meio ambiente, no Rio de Janeiro, representantes
de cento e oito países do mundo reuniram-se para decidir que medidas tomar para conseguir
diminuir a degradação ambiental e garantir a existência de outras gerações. Ver: http://
pt.wikipedia.org/wiki/ECO-92
3 Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/ECO-92
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4 Quanto aos próprios povos indígenas amazônicos agora usam a torto e a direito o termo
“cultura”. Terence Turner chamou a atenção o fato em 1991, mostrando como “cultura”
se tornara um importante recurso político para os Kayapó. Um processo semelhante foi
extensamente descrito na Melanésia, onde a palavra Kastom, termo neomelanésio derivado do
inglês “custom”, adquiriu vida própria. Embora os Kayapó por vezes utilizem um termo mais
ou menos equivalente em sua língua, parecem preferir usar a palavra em português, Cultura.
(CARNEIRO DA CUNHA, 2009, 368)
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5 O documentário que narra A festa do Wai’á. Dentro do longo ciclo de cerimônias de iniciação
do povo Xavante, esta festa é a que introduz o jovem na vida espiritual, no contato com as forças
sobrenaturais. Em diálogo com seu pai, um dos dirigentes deste ritual, Divino revela o que pode ser
revelado desta festa secreta dos homens, onde os iniciandos passam por muitas provações e perigos.
6 Realizado por Divino a pedido do chefe de aldeia de Guadalupe, recém criada na Terra Indígena
São Marcos. “Com a divulgação do seu vídeo Wai´a Rini, O poder do sonho em outras aldeias
Xavante, os moradores da Aldeia Nova da reserva de São Marcos pediram ao Divino que
filmasse o mesmo ritual em sua aldeia. ‘Aprendiz de curador’ descreve o cerimonial do Wai´á,
no qual os jovens são iniciados ao mundo espiritual para desenvolver o seu poder de cura.”
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7 Em uma das noites durante o período da oficina, em que assistiam no pátio central da aldeia à
projeção do filme A guerra do fogo (1981), ocorreu um eclipse lunar. A projeção foi imediatamente
interrompida e durante toda a noite e no dia seguinte, uma série de ações rituais foram realizadas.
Neste filme os Kuikuro também lançam mão da encenação para reconstituir algumas cenas que
não puderam ser registradas no momento mesmo em que aconteciam.” (BELISÁRIO, 2014, 34).
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8 Belisário (2014, 54) analisa as estratégias de mise-en-scène adotadas no filme As Hiper Mulheres
(2011), dirigido por Takumã Kuikuro, Carlos Fausto e Leonardo Sette e apresenta o conceito de
mise-en-scene documentária discutido por Comolli (2008) e Amount (2006) como uma ação
performática inevitavelmente presente no gênero do cinema documentário.
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7. O Cinema Guarani
A sequência final da primeira parte do filme Mokoi Tekoá Petei Je-
guatá - Duas Aldeias e uma caminhada que encerra o período de imersão
na aldeia Anhetenguá, pode ser considerada paradigmática para pensar-
mos esta produção.
Uma mão em close mexe numa pequena roça de milho, ao fundo co-
meçamos a ouvir o som do violão. Corte para crianças no pátio da aldeia
cantando em guarani ao som desse violão acompanhado de uma rabeca:
“Queremos nossas terras de volta para construir as nossas casas de reza”.
Corte. Estas mesmas crianças estão agora em cima de um palco, vestidas
com túnicas brancas que muito se assemelham às vestes dos coroinhas da
igreja católica. Acompanhadas do violão e da rabeca seguem cantando em
guarani “Queremos nossas terras de volta para construir as nossas casas
de reza”. No contra plano vemos um escasso público. Alguns jovens da al-
deia registram em seus celulares esta apresentação, que parece fazer parte
de algum evento comemorativo da cidade de Porto Alegre. Muitos destes
jovens têm cabelos pintados, usam bonés na cabeça, mas também cocares
e muitos estão com a cara pintada. A câmera atenta ao público, flagra um
senhor branco da platéia que dança com bastante entusiasmo embalado ao
som dos Guarani e convida em gestos a platéia para dançar com ele. Novo
corte. Estamos agora em algum restaurante self-service da cidade, vemos
mulheres e crianças Guarani abastecerem (e porque não dizer abarrota-
rem) seus pratos com sanduíches, pães de queijo, tortas caramelizadas e
muitas coxinhas de galinha. Corta. Estamos de volta à aldeia onde o velho
xamã ao som novamente da rabeca e do violão incita os jovens a dança-
rem. Estes jovens entram um a um na dança e formam uma roda quando
começa uma longa sequência do Xondaro9. Ariel10 surge na imagem, deixa
a câmera num canto e adere também à dança. Uma mulher comenta ao
assistí-los dançar: “Quem dera fosse sempre assim”. A dança segue, numa
aparente brincadeira entre os dançantes, entremeadas por uma série de
conversinhas e gritos em guarani. Ao final o velho diz: “Podia ser sempre
assim para que todos vissem como é. Essa dança nos faz tanta falta.”
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11 O ato de caçar é muitas vezes interpretado e associado nestes discursos ao ato sexual.
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Assim, este Direito achado nestes filmes, deve ser compreendido também
como um processo inacabável, pois se por um lado pode ser visto como
possibilidades de positivação de direitos (Achado na Rua ou nas imagens)
como também, todo este processo de busca por liberdade pode (e deve) ser
considerado como um constante Devir.
Referências
ARAÚJO, Ana Carvalho Ziller (Org.) 2011. Vídeo nas Aldeias 25 anos:
1986-2011 - Olinda, PE: Vídeos nas Aldeias.
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Eixo III – insurgências e emergências
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A Opressão Feminina no Brasil como um
Resquício da Colonialidade e Reflexo na
Representatividade do Congresso Nacional
1. Introdução
A história humana é marcada pela dominação.
Escravidão, colonialismo, patriarcalismo estarão presentes em mui-
tos movimentos políticos e serão força motriz de feridas ainda abertas.
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Nas lutas insurgentes contra esses sistemas, vários são os atores e plurais
são as suas demandas. Como um recorte de um vasto cenário, o presente
trabalho será dedicado à pequena contribuição quanto aos impactos deste
jugo sobre as mulheres, com metodologia principalmente voltada à análise
bibliográfica e documental, na intenção de investigar a representação femi-
nina na política e os desafios do porvir.
O papel da mulher na sociedade, aqui entendido em aspecto amplo, é
relegado à segunda categoria.
Há muitos exemplos de eventos históricos que levaram à opressão.
Os indígenas viviam em seu território segundo as próprias leis até serem
espoliados de seus direitos e vidas. O imperialismo europeu tomou terras
africanas, despojou seus habitantes e transformou reis em escravos. Tam-
bém os brancos cristãos já foram cativos em algum momento. Contudo,
a distinção entre os referidos eventos e a subjugação feminina consiste no
fato de que, em algum momento, estes povos gozaram de autodetermina-
ção, enquanto as mulheres, dentro e fora de quaisquer sociedades, em sua
maioria, jamais exerceram o protagonismo.
Gerda Lerner, em seu livro “A Invenção do Patriarcado”, sugere que
os homens detinham prévio conhecimento quanto à experiência da subor-
dinação com as mulheres de seu próprio grupo, antes mesmo de concebe-
rem o sistema de escravidão. Com amparo nessa compreensão, puderam
empregar o conceito de categorização de pessoas e assim transformar os
escravizados em seres distintos dos demais (LERNER, 2019, p. 108-109).
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nos clubes, nos salões, nas reuniões beneficentes – por se ligar a fim
de afirmarem um ‘contrauniverso”, mas é ainda no seio do universo
masculino que o colocam. E daí vem o paradoxo de sua situação:
elas pertencem ao mesmo tempo ao mundo masculino e a uma
esfera em que esse mundo é contestado; encerradas nessa esfera,
investidas por aquele mundo, não podem instalar-se em nenhum
lugar com tranquilidade. (BEAUVOIR, 2019, p. 407-408).
sobre esses índios assombrados com o que lhes sucedia é que caiu a
pregação missionária, como um flagelo. Com ela, os índios souberam
que era por culpa sua, de sua iniquidade, de seus pecados, que o bom
deus do céu caíra sobre eles, como um cão selvagem, ameaçando de
lançá-los para sempre nos infernos (RIBEIRO, 2015, p. 34).
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2 O primeiro Código Civil brasileiro, aprovado em 1916, reafirmou muitas das discriminações contra
a mulher. Escreveu a professora Maria Lygia Quartim de Moraes: “Com o casamento, a mulher
perdia sua capacidade civil plena. Cabia ao marido a autorização para que ela pudesse trabalhar,
realizar transações financeiras e fixar residência. Além disso, o Código Civil punia severamente a
mulher vista como ‘desonesta’, considerava a não virgindade da mulher como motivo de anulação do
casamento (…) e permitia que a filha suspeita de ‘desonestidade’, isto é, manter relações sexuais fora
do casamento, fosse deserdada”. As mulheres casadas – ou sob o pátrio poder – eram consideradas
incapazes juridicamente, como as crianças, os portadores de deficiência mental, os mendigos e os
índios.Pragmatismo Político. “A história das mulheres brasileira que foram à luta por seus direitos”.
Disponível em: <https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/03/historia-mulheres-brasileiras-
luta-direitos.html>, acessado em 16 de fev. de 2023.
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Por mais assentados que sejam os receios daquele que detêm os po-
deres, de trazer tal concessão transformações (sic) a seus pontos de
vista, não poderão fugir a ella.
O suffragio feminino e as justas reivindicações da mulher serão,
em breve, uma realidade em toda a parte. (NAZARIO, 1923, p.
155, sem grifos no original).
A mudança era iminente. Ainda que quase dez anos tenham se passado
desde a publicação citada até a conquista do direito ao voto feminino, ali já se
traçavam as linhas que culminariam nesse ponto. Direitos não são bens dados
de bom grado a quem não possui poder: é preciso lutar por eles. Se hoje há
muitas pautas identitárias e a possibilidade de atingir garantias individuais,
há menos de um século sequer lhes era dada a oportunidade de combater. Se
essa conquista feminina for olhada mais de perto, será perceptível que foi uma
vitória de mulheres de elite, versadas em letras, e que detinham algum apoio
masculino. No entanto, isso não desmerece a batalha e não torna menos forja-
do na rua esse direito constitucional posteriormente reconhecido.
Lutas como a de Diva Nolf Nazario foram impulsionadas por alguns
movimentos feministas brasileiros do início do século XX, que buscavam
inserir a mulher no espaço político brasileiro e construir o papel feminino
em uma sociedade mais justa e igualitária. A movimentação mundial nes-
se sentido repercutia em nosso cenário.
Um olhar atento da história vai reconhecer o esforço de Leolinda
Daltro e Gilka Machado que fundaram o Partido Republicano Feminino
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3 REspe n.º 193-92.2016.6.18.0018. Relator: Min. Jorge Mussi, julgado em 17 de setembro de 2019, p. 37
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Não se olvide que até mesmo esses direitos novos, garantidos, porém nem
sempre respeitados, serão reservados também a uma parcela da população fe-
minina, deixando de abranger, com igualdade, mulheres pretas, por exemplo.
Conforme ressaltado por Saffioti, a disputa entre as classes sociais
também é um fenômeno gendrado, influenciado pelo racismo, no qual se
pode observar três subestruturas de dominação, que se interligam como
um nó: gênero, classe social e raça/etnia (SAFFIOTI, 2015). Para exemplifi-
car, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral na última eleição,
das mulheres eleitas 48,19% são brancas e 36,15% são pardas.
É um caminhar que não deve excluir as pautas identitárias, mas que tam-
bém não precisa ser desprezado. Considerando os ensinamentos de Lyra Filho:
5. Considerações finais
O presente artigo constitui um trabalho que foi elaborado ao longo de
um semestre dentro da linha de pesquisa da Universidade de Brasília denomi-
nada de “O Direito Achado na Rua” que, ampliando suas raízes para as muitas
searas do direito construído socialmente, chega à vertente do Constituciona-
lismo Achado na Rua e, dentro dessa diminuta contribuição, o papel político
feminino em um contexto opressor e, porque não dizer, ainda colonial.
Dito isso, com os pés no chão e a cabeça a sonhar com um cenário
maior, foram sendo evidenciadas as mazelas de outrora, as conquistas que
devem ser exaltadas e as mulheres a quem muito se deve, chegando a uma
conjuntura um pouco mais confortável – ainda que distante do ideal – que
agora é vivenciada. A figura feminina saiu da limitação do lar para a rua
e nessa estrada conscientizou-se, conquistou liberdades e logrou positivar
um pouco do que pretendia.
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4 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n.º 09, de 2023. Altera a
Emenda Constitucional n.º 117, de 5 de abril de 2022, quanto à aplicação de sanções aos partidos
que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em
razão de sexo e raça em eleições, bem como nas prestações de contas anuais e eleitorais. Brasília,
DF: Câmara dos Deputados, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra?codteor=2247263. Acesso em: 19 mai. 2023.
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Referências
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______. Lei n.º 12.034, de 29 de setembro de 2009. Altera as Leis nos 9.096,
de 19 de setembro de 1995 - Lei dos Partidos Políticos, 9.504, de 30 de
setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e 4.737, de 15 de
julho de 1965 - Código Eleitoral. Diário Oficial da União: Seção 1, Ed. 187,
p. 1, 30 set. 2009.
180
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FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. A luta pela liberdade em casa e na rua:
a construção do direito das mulheres a partir do projeto Promotoras Legais
Populares do Distrito Federal. Dissertação (Mestrado – Direito, Estado e
Constituição) – Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. Coleção Primeiros Passos. 11ª ed.
São Paulo: Editora Brasiliense. Primeira edição, 1982.
181
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SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de; FONSECA, Lívia Gimenes dias da.
Constitucionalismo achado na rua – uma proposta de decolonização do
direito. Rio de Janeiro: Revista Direito e Práxis, vol. 8, n. 2 (2017).
182
Insurgência e disputa de narrativas no
campo da segurança pública: propostas
a partir da experiência maranhense
de construção de uma assembleia
popular pelo desencarceramento
1. Introdução
Pensar uma nova política de segurança pública é uma árdua tarefa
imposta a gestores públicos, pesquisadores do campo criminal e movi-
mentos sociais. Isso decorre do enraizamento de um modelo de segurança
pública punitivo, violento e seletivo que se sustenta na narrativa de que o
criminoso é um inimigo social que deve ser combatido e eliminado. A este
não é mais reservado o estatuto de cidadão, trata-se de uma não pessoa,
de alguém descartável, cuja morte não é passível de lamentação, sendo, até
mesmo, objeto de comemoração.
O populismo penal1, assumido por espectros ideológicos de direita e
de esquerda, mas especialmente abraçado pela extrema-direita para justi-
ficar seu discurso neofacista de extermínio dos indesejáveis, é responsável
por apontar soluções simples, mas extremamente violentas, para o comple-
xo problema da segurança pública. Apostar na militarização das polícias,
equipá-las e ampliar seu contingente; aumentar excessivamente os orça-
mentos destinados à segurança pública sem o respectivo investimento em
políticas públicas preventivas; encarcerar massivamente; produzir leis pe-
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3 Para Goffman (1987) as prisões seriam espaços de mortificação do eu, sendo locais que operam o
apagamento das subjetividades daqueles que lá se inserem. O rompimento de vínculos passados,
bem como as estratégias de uniformização (cortes de cabelo padronizados, substituição do
nome por um número, vestimentas idênticas) são medidas que instrumentalizam o processo de
mortificação e que criam o terreno propício para a docilização dos sujeitos.
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4 Zaffaroni (2007, p. 75) define que o novo modelo de política criminal norte-americano é
rapidamente expandido para o restante do planeta e se caracteriza por promover o discurso
penal como se fosse uma propaganda publicitária. Chama esse movimento de autoritarismo
cool, justamente devido ao seu caráter propagandista, marcado por um discurso fortemente
emocional e apelativo, ainda que suas principais propostas estejam descoladas de qualquer
efetividade prática empiricamente evidenciável.
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5 Wacquant (2011) demonstra que a expansão desse modelo se deu a partir de uma complexa rede de
engenharia ideológica, amparada por redes de consultoria e de aliados neoconservadores nos campos
jornalístico, burocrático e acadêmico, responsáveis por levar o novo modelo punitivo primeira a
Europa e, depois, ao restante do mundo. Tratava-se do novo senso comum penal neoliberal.
6 Um dos maiores exemplos desse fenômeno reside na disciplina legal da prisão preventiva
no Brasil que, ainda hoje, se utiliza do nefasto fundamento da garantia da ordem pública,
verdadeira cláusula aberta, capaz de aceitar qualquer tipo de preenchimento argumentativo,
para aprisionar centenas de milhares de brasileiros, tudo isso horas após o cometimento do
delito e sem direito à defesa. Soma-se a isso a falta de qualquer limitação temporal quanto à
sua duração, podendo estender-se indefinidamente. Trata-se de um modelo que opera por pura
presunção de periculosidade, destituído de qualquer fundamento cautelar, se configurando,
assim, como verdadeira antecipação da pena. Institutos como esse constituem a válvula através
da qual opera o processo de encarceramento em massa. Para maiores informações sobre o uso
abusivo da prisão preventiva consultar Gamba (2021).
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8 A SMDH é uma entidade da sociedade civil organizada com lastro histórico de atuação em relação às
questões carcerárias maranhenses, tendo sido peticionária internacional de denúncias de violações
de direitos humanos ocorridas no presídio de Pedrinhas. Uma dessas ações teve como resultado a
determinação da implementação imediata das audiências de custódia, tanto que o Maranhão foi
o primeiro Estado a contar com a implementação do instituto, ao final do ano de 2014, enquanto
este só se tornaria obrigatório para o restante do país no início do seguinte. A audiência de custódia
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constitui o direito do preso de ser apresentado a uma autoridade judiciária logo após a sua prisão,
o prazo máximo varia entre 24 e 72 horas, a depender da localidade. Tal ato tem como objetivo
principal evitar a prática de maus tratos ou tortura no ato de apreensão, possibilitando à fiscalização
imediata por parte do juiz, e, em segundo lugar, evitar o aprisionamento desnecessário, trazendo
mais racionalidade ao uso das prisões provisórias (BRASIL, 2015).
9 Os relatórios das pesquisas podem ser encontrados através dos seguintes hiperlinks: http://smdh.org.
br/wp-content/uploads/2019/09/Relat%C3%B3rio-Pesquisas-Audi%C3%AAncias-de-custodia_I-
edi%C3%A7%C3%A3o_2019-_SMDH.pdf e http://smdh.org.br/wp-content/uploads/2019/12/
Relat%C3%B3rio-Final-da-Pesquisa-Audi%C3%AAncias-de-Cust%C3%B3dia.pdf
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namento ativo e constante, sendo que a maior parte das Frentes de outros
estados é sustentada por essas organizações. Já um segundo fator, esse de
ordem mais global, refere-se à própria dificuldade histórica de articulação
dos movimentos sociais quando se trata do fortalecimento de pautas relati-
vas à segurança pública10. Muitas entidades tratam as pautas de segurança
pública apenas de forma acessória, aderindo a elas em momentos especí-
ficos, sem uma continuidade orgânica. Mesmo diante das dificuldades, a
realização da Assembleia Popular contou com a participação de diversas
entidades, articuladas individualmente, que prestaram sua contribuição
para constituição do documento.
No que tange a formação de grupos de diálogos periféricos foram
constituídos quatro grupos de trabalho em diferentes bairros de periferia
da região metropolitana de São Luís, sendo eles: Aurora-Anil (Residen-
cial João do Vale), Liberdade, Itaqui-bacanga e no município de Paço do
Lumiar. Todos esses bairros são marcados pelo uso abusivo do aparelho
repressivo do Estado e convivem diariamente com prisões arbitrárias, tor-
turas, revistas vexatórias, bem como outras práticas degradantes. Para o
trabalho nesses bairros foram estreitados os contatos com lideranças co-
munitárias que designaram grupos de moradores para participarem das
rodas de diálogo propostas pelo projeto. Já em relação aos trabalhos de
formação em escolas públicas, foram realizados trabalhos em oito escolas
de diversas localidades da capital maranhense.
Nesses dois espaços as atividades eram realizadas através do formato
de rodas de diálogo pensadas a partir dos princípios freireanos da educa-
ção popular visando, sobretudo, auxiliar o despertar crítico dos partici-
pantes, convocando-os assim para uma participação ativa na vida pública.
Todos os grupos passaram por um ciclo de atividades composto por cinco
oficinas. Em cada oficina foram discutidos dois temas considerados prio-
ritários, congregando o total de dez temáticas trabalhadas com os partici-
pantes. Os temas eleitos foram: “o que é encarceramento em massa?”; “en-
10 Nesse sentido, Abers, Serafim e Tatagiba (2021) já demonstraram que o nível de organização dos
movimentos sociais em relação à temática da segurança pública é mínimo quando comparado
a outros campos de interesse, como o desenvolvimento agrário e a política urbana. O fato de
apenas poucas organizações da sociedade civil trabalharem com o tema, a falta de tradição no
diálogo com o Estado e o histórico de conflito entre organizações civis e a polícia ajudam a
explicar essas dificuldades.
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11 A escolha dessa data se deve ao fato de que o dia 22 de março é o dia estadual de combate
à tortura no estado do Maranhão. Trata-se de uma data essencialmente simbólica, uma vez
que esse foi o dia do assassinato do artista popular maranhense Gerô, torturado e morto
brutalmente no dia 22 de março de 2007 pela polícia após ser confundido com um assaltante. A
campanha iniciou-se no dia 1 de março e culminou com um ato-show no dia 22. Durante cada
dia eram veiculados conteúdos publicitários, cards, bem como realizadas lives que tratavam
sobre a temática da tortura e do encarceramento em massa no Maranhão.
12 Oito entidades da sociedade civil maranhense (Centro de Integração Sócio Cultural Aprendiz do
Futuro, Grupo de familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade do Maranhão, Missionários
Combonianos, NAJUP Negro Cosma, Centro de Cultura Negra do Maranhão, Pastoral Carcerária
de São Luís, União Estadual por Moradia Popular e Pastoral do Menor) comprometeram-se com os
termos da campanha, a partir de uma carta de adesão. As atividades consistiam na multiplicação
de narrativas em prol do desencarceramento, cada qual em seus espaços de atuação, bem como na
divulgação compartilhada das produções de comunicação da campanha.
13 As lives consistiam em discussões com expositores sobre temas previamente definidos, exibição
e discussão de filmes e documentários, bem como lives culturais com artistas populares
maranhenses. Grande parte delas encontram-se disponíveis a partir em: https://www.facebook.
com/smdh.vida/live_videos/?ref=page_internal
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16 Esse ponto foi identificado em pesquisas da SMDH (2017; 2019) que evidenciaram que grande
parte das decisões de decretação de prisão preventiva em audiência de custódia eram tomadas
com base exclusivamente no relato dos policiais responsáveis pelo ato de apreensão.
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5. Considerações finais
Há décadas o Brasil vivencia o desenrolar de um processo de encar-
ceramento massivo cujas principais vítimas são as parcelas mais pobres de
nossa população. Esse fenômeno encontra-se alinhado às necessidades do
capitalismo neoliberal que, promotor de exclusão social em larga escala,
elegeu o sistema penal e o cárcere como mecanismos promotores de sua ló-
gica de descartabilidade. A partir de uma distribuição desigual do estigma
do criminoso e de sua taxação como inimigo social opera toda uma infra-
-estrutura simbólica e discursiva que desumaniza os indivíduos e torna a
violação de seus direitos algo natural.
Combater esse fenômeno é uma tarefa árdua que exige, como vimos,
a desconstrução das ideologias que legitimam o funcionamento deste apa-
rato repressivo. A proposta que aqui delineamos é a de que o enfrenta-
mento do atual modelo de segurança pública, baseado na violência seletiva
do estado contra seus próprios cidadãos, apenas pode ser feito a partir de
uma ampla mobilização popular que privilegie a retomada do trabalho de
base e o florescimento da consciência de classe para que, assim, sejam es-
cancaradas as reais facetas do aparato punitivo. Essa tarefa exige que as
discussões acerca do sistema de segurança pública saiam dos gabinetes e
cheguem às ruas. Enquanto a população que sofre os efeitos da violência do
sistema penal for excluída dos processos decisórios, o sistema penal per-
manecerá sendo um espaço de reprodução de relações de desigualdade.
É por isso que a experiência aqui apresentada manifesta-se como uma
verdadeira prática insurgente. Basta conversar sobre segurança pública
com jovens estudantes de escolas públicas, moradores de periferia, inte-
grantes de movimentos sociais organizados e pesquisadores para enten-
der que a violência do aparato punitivo marca fortemente a subjetividade
daqueles que a vivenciam. Não ouví-los significa aceitar que naturaliza-
mos a violência ou, pior, que aceitamos que determinados grupamentos
humanos só podem existir como se vivessem em uma guerra constante,
em territórios sem lei, onde a violência é sempre exercitável e aceita-se que
o Estado de Direito seja constantemente suspenso, tudo isso a partir da
justificativa de supostamente protegê-lo.
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Referências
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Entregadores de aplicativo e o
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uma interpelação à Liberdade Sindical1
1. Introdução
Este texto propõe o debate sobre a estrutura de representação coleti-
va da classe trabalhadora pelo sistema corporativista e as experiências de
paralisação das atividades de entrega por trabalhadores e trabalhadoras
de aplicativo, durante a pandemia de Covid-19, como fato que interpela a
forma representativa de tal sujeito coletivo e o próprio princípio constitu-
cional da Liberdade Sindical em seu alcance amplo.
Logo no primeiro ponto é feito um breve resgate histórico sobre a dis-
puta acerca da conformação da estrutura sindical no Brasil e os resquícios
que ainda prevalecem do modelo corporativista, os quais, nos dias atuais,
permitem distanciamentos entre a abertura democrática que a Carta Polí-
tica de 1988 abraça com a realidade laboral de quem vivencia o serviço de
entrega por aplicativos.
Na sequência, o enfoque é voltado para a articulação coletiva de pa-
ralisação das atividades de entrega dos trabalhadores e trabalhadoras de
aplicativo no contexto pandêmico causado pelo Covid-19. O movimento
paredista evidenciou as condições de precariedade laboral existente, de-
monstrou que tal cenário causa desconcerto à premissa de proteção ao tra-
balho, além de questionar os moldes do sindicalismo brasileiro ao efetivar
a diretriz constitucional da Liberdade Sindical sem percalços endossando,
1 Ensaio fruto dos ricos debates em sala de aula na disciplina Direito Achado na Rua proposta
pelo Professor Doutor José Geraldo de Souza Júnior, no 2º semestre do ano letivo de 2022,
ofertada no curso de Pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília – UnB.
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3. Entregadores de aplicativo e a
interpelação da estrutura sindical
A despeito da continuidade dos traços corporativistas no sindicalis-
mo brasileiro, não há como olvidar que as metamorfoses provocadas no
mundo do trabalho, sobretudo na classe trabalhadora com o advento da
indústria 4.0 (ANTUNES, 2020), desconcerta institutos jurídicos combi-
nados para a estrutura sindical tal como conformada atualmente.
Isso porque, se por um lado o labor na era digital evidencia ausência
de proteção social aos “trabalhadores com ou sem carro que arcam com
as despesas dos seguros, gastos de manutenção (...), alimentação, limpe-
za, etc., enquanto o “aplicativo” se apropria do mais-valor agregado pelo
sobretrabalho” (ANTUNES, 2020, p. 12), de outro, impulsiona no tecido
social novas formas de “lutas sociais, de auto-organização e (...) de repre-
sentação” (ANTUNES, 2020, p. 22).
As experiências de mobilização de coletivos de entregadores de apli-
cativo em 1º, 25 de julho e 15 de setembro do ano de 2020, conhecidas como
Breque dos apps – bloqueio de entregas (DUTRA; FESTI, 2021), mediante
paralisação nacional das atividades, agitação nas ruas dos grandes centros
urbanos (com transmissão pela internet mesmo em um contexto de con-
tágio do Covid-19), ausência nas plataformas iFood, Uber Eats e Rappi, e a
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2 O Direito Achado na Rua, v. 10: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade, 262.
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5. Considerações finais
A dinâmica coletiva dos entregadores e entregadoras de aplicativo é
recente, mas potente do ponto de vista analítico. A emergência do sujei-
to coletivo de direito, a disputa regulatória pela representação coletiva, as
pautas políticas, as pautas de gênero, de discriminação racial, de pobreza,
entre outras opressões, apontam o quanto esta classe trabalhadora resiste e
luta ao contexto de opressão e exploração capitalista.
E não é só isso, ela disputa espaços regulatórios da representação co-
letiva e institucional ao dar visibilidade à sociedade da realidade de preca-
rização do trabalho e ao confrontar as estruturas institucionais pelas suas
paralisações coletivas.
Tal conjuntura reforça a ideia que a luta social é algo permanente, ela
nunca cessa diante dos arranjos políticos e jurídicos que conformam pa-
drões regulatórios excludentes e opressores não só de trabalhadoras e traba-
lhadores urbanos e rurais, mas também das mulheres, da população negra,
dos povos originários, da comunidade LGBTQIAP+, entre tantas outras.
Por essa razão, a leitura crítica do Direito, pelas premissas teóricas do
Direito Achado na Rua, e a reivindicação de vontade constituinte, pautada
no Constitucionalismo Achado na Rua como linha condutora, deve ser a
estrutura necessária para o diálogo democrático de emancipação social.
Referências
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MELLO FILHO, Luiz Philippe Veira de; DUTRA, Renata Queiroz. Greve
Política e o Estado Democrático de Direito em Três Atos. Campinas, SP,
v. 1, 2022.
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Eixo IV – constitucionalismo e democracia
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Entre os escombros do nosso tempo e o
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1. Introdução
Refletir sobre o constitucionalismo na contemporaneidade é, sem dú-
vida, um exercício legítimo e indispensável. A expressão foi, ao longo dos
tempos, apropriada por diferentes grupos e, evidentemente, alberga sen-
tidos, formas, intenções e projetos societários distintos. Entretanto, con-
tinua sendo uma temática cada vez mais emergente nas agendas de todos
aqueles que se interessam pelo futuro da sociedade, melhor dizendo, da
vida na terra. Sobretudo, após as experiências golpistas vividas no século
XXI, sem contar os inúmeros conflitos étnicos e religiosos espalhados por
todo o Brasil e da crescente exclusão social e jurídica de grandes contin-
gentes populacionais. Estes são fenômenos que tentam calar os sujeitos,
suprimindo sua capacidade de sentir, pensar e de agir politicamente. En-
tretanto, apesar das interdições, os sujeitos individuais e coletivos parecem
resistir e lutar pela instalação de mecanismos que possibilitem a constru-
ção de um Constitucionalismo Achado na Rua.
No imaginário popular, constitucionalismo, via de regra, está asso-
ciada à presença de uma lei suprema, lida e interpretada por juízes únicos
em um Supremo lugar. Porém, esse é apenas uma visão superficial e leiga
que, por si só, não expressa o real conteúdo do dito constitucionalismo.
Logo, surge a necessidade de qualificar o termo, caso contrário, pode-se
contribuir para a banalização e o esvaziamento de seu significado. Logo,
em um mundo cada vez mais pragmático, é preciso saber, de que constitu-
cionalismo se está falando, bem como distinguir entre a forma, os proce-
dimentos, e o seu conteúdo.
As características de uma Constituição são determinadas, em grande
parte, pela configuração e pelos interesses dos grupos sociais que apoiaram a
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1 Para uma mais completa visualização do Grupo de Pesquisa e suas linhas de investigação,
entre elas O Constitucionalismo Achado na Rua, conferir o espelho: dgp.cnpq.br/dgp/
espelhogrupo/9125279471352609.
2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_Achado_na_Rua
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3. As lições do momento
Como todos nós já sabemos, o constitucionalismo contemporâneo é
um modelo de organização política e jurídica que busca garantir a prote-
ção dos direitos fundamentais dos cidadãos é uma mínima organização
estatal, por meio de uma Carta Constitucional. Embora esse modelo tenha
se mostrado eficaz em muitos países, em outros (como o Brasil) ele tem
falhado em garantir a proteção mínima, quiçá a básica, dos direitos funda-
mentais. Aqui, vamos explorar algumas das razões pelas quais o constitu-
cionalismo pode ser falho hoje em dia.
Em primeiro lugar, destaca-se que muitas vezes a Constituição é inter-
pretada de forma restritiva pelos órgãos encarregados de aplicá-la. Isso ocorre
porque esses órgãos, em geral, são compostos por pessoas que têm uma for-
mação jurídica e cultural específica, é que tomam decisão como ilhas isoladas,
o que pode limitar sua capacidade de entender e lidar com as questões sociais
e políticas mais amplas, como ver, conhecer e aplicar um Direito Achado na
Rua. Dessa forma, a interpretação da Constituição acaba sendo feita de forma
burocrática, formalista e muitas vezes descolada da realidade social.
Entre aplausos, críticas e objeções, o controle interpretativo tem se
expandido no contexto constitucional brasileiro. Enquanto alguns consti-
tucionalistas4 compreendem essa expansão da jurisdição cognitiva consti-
tucional e do papel da Corte Constitucional como um avanço em termos
de proteção da Constituição, outros5 veem nela um verdadeiro retrocesso
em termos democráticos e de efetividade.
4 Nesse sentido, por exemplo, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo
Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009).
5 Conrado Hübner Mendes defende a ideia de que “a revisão judicial não garante a supremacia
da Constituição, mas da Corte. Ou melhor, da leitura que a Corte faz da Constituição.” E
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4. O multiverso do direito e o
futuro do constitucionalismo
Shakespeare, profeticamente a tempos já nos dizia, em uma de suas
obras7 clássicas, quando Hamlet se dirigindo a Horácio fala: “Há mais coisas
entre o céu e a terra do que supõe sua vã filosofia”. Baseado nesta concep-
ção surge o multiverso do direito, uma teoria que se baseia na ideia de que
existem múltiplas possibilidades de interpretação e aplicação do direito em
um mesmo caso. Ou seja, a partir de uma mesma situação fática, diferentes
juristas podem chegar a conclusões distintas, com base em suas perspectivas
teóricas, visões de mundo, experiências, cultura e outros fatores.
Essa teoria se opõe ao positivismo jurídico, que defende a existência
de uma única resposta correta para cada caso, determinada pela lei ou pela
jurisprudência. Porém, os defensores do multiverso do direito, argumen-
tam que sua perspectiva leva em conta a complexidade da realidade social
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5. Considerações finais
O direito à informação é um direito humano, um componente chave
do direito à liberdade de pensamento e expressão. Consistindo no direito
da pessoa de buscar e receber informações em poder de órgãos, entidades
e empresas públicas, exceto nos casos onde a informação seja classificada
como segredo de Estado ou de acesso restrito pela Constituição. O direito à
informação é um direito fundamental, pois, para o pleno desenvolvimento
de uma sociedade democrática e transparente, seu exercício é vital para a
responsabilização das autoridades, sendo um direito que multiplica outros
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direitos, mas, para isso, é necessário que possamos obter, sem restrições, as
informações que avaliarmos necessárias.
Como vimos, o desenvolvimento efetivo do conceito de “Constituciona-
lismo Achado na Rua” foi melhor esboçado pelo professor José Geraldo, e re-
fere-se a um tipo de Constitucionalismo que não é criado a partir das institui-
ções estatais, mas sim a partir da luta dos movimentos sociais e da sociedade
civil organizada. Trata-se de uma forma de reconhecer que a Constituição não
é algo dado, mas sim algo que é construído por meio das relações sociais.
Para sua implantação, será preciso antes de mais nada reconhecer a
sua importância e legitimidade. Isso implica em um compromisso político
e social em defesa desse direito, que deve ser construído a partir do diálogo
entre os movimentos sociais e as instituições estatais.
Ademais, o processo de implantação de um Constitucionalismo
Achado na Rua é complexo e envolve diversas etapas. Em primeiro lugar,
é necessário que o direito seja reconhecido pela sociedade e pelos órgãos
responsáveis pela sua aplicação. Para isso, é importante que haja uma mo-
bilização social em torno do tema, com a realização de manifestações, au-
diências públicas, debates e outras formas de atuação social.
Em seguida, é necessário que o Constitucionalismo Achado na Rua seja
efetivamente implementado e incorporado ao ordenamento jurídico. Isso
pode ser feito por meio de uma nova constituinte, da criação paulatina de leis
ou por meio de sucessivas decisões judiciais que reconheçam o direito como
válido e legítimo. Para que isso aconteça, é importante que os movimentos
sociais tenham acesso aos órgãos responsáveis pela criação e aplicação das
leis, como o Congresso Nacional, o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Por fim, é preciso garantir a efetividade do Constitucionalismo Acha-
do na Rua. Isso significa que o direito deve ser aplicado na prática, de for-
ma a beneficiar as pessoas que dele necessitam. Para isso, é importante
que haja uma fiscalização efetiva por parte dos órgãos responsáveis pela
aplicação das leis, bem como uma conscientização da sociedade em geral
sobre a importância desse direito.
Implantar um Constitucionalismo Achado na Rua não é um processo
fácil, e requer um compromisso político e social por parte de todos os en-
volvidos. No entanto, trata-se de um processo essencial para a construção
de uma sociedade mais justa e democrática, que reconheça a importância
da participação social na construção do direito.
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Referências
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Das Manifestações de Junho de 2013
à intentona de 8 de janeiro:
breve análise sob a perspectiva
d´O Constitucionalismo Achado na Rua1
Aderruan Tavares
1 Artigo produzido como requisito para aprovação do para aprovação na disciplina “O Direito
Achado na Rua” do Prof. José Geraldo de Sousa Junior, no Programa de Pós-Graduação em
Direito da UnB. A maioria das ideias desenvolvidas neste texto, após o devido lapidamento e
maior reflexão teórica, fará parte da tese final de doutoramento, que abordará o patriotismo
constitucional voltado à realidade brasileira, partindo dos requisitos teorizados por Habermas
de “memória” e “militância democrática”.
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pela continuidade cultural2. Assim, a Constituição viva não é nem apenas uma
Constituição em concreto e nem apenas uma Constituição em abstrato.
Caso contrário, se a Constituição não fosse capaz de ser texto e rea-
lidade, estrutura organizada e abertura à irregularidade social, para Frie-
drich Müller, a concretização da Constituição não seria plenamente racio-
nalizada, uma vez que seria enviesada, deixando de lado a complexidade
dos fenômenos jurídicos e extrajurídicos e a relação que eles encontram na
Constituição3. Não por outro motivo, Marcelo Neves destaca que “quanto
maior é a complexidade social, tornam-se mais intensas as divergências
entre as expectativas em torno do texto constitucional e vai mais ampla-
mente o seu significado no âmbito da interpretação e aplicação”4. A Cons-
tituição, ao tempo que é fato histórico e texto escrito, é o vínculo autocon-
cedido pela própria comunidade, com o fim de preservar as suas unidades
jurídicas reconhecidas e de se abrir para o futuro5.
Para Konrad Hesse, “a Constituição de uma comunidade política
concreta, seu conteúdo, a singularidade de suas normas e os seus proble-
mas hão de ser compreendidos de uma perspectiva histórica”; para ele
“Toda Constituição é Constituição no tempo”6. No mesmo sentido, Jorge
Miranda afirma que “a modificação das Constituições é fenômeno inelutá-
vel da vida jurídica, imposta pela tensão com a realidade constitucional e
pela necessidade de efetividade que as tem de marcar. Mais do que modifi-
cáveis, as Constituições são modificadas”7.
Nas sociedades complexas e multiculturais, apenas a Constituição tem
o poder de integrar socialmente. Ela substitui todas as demais formas de inte-
gração: religião, nacionalidade, identidade política etc. Essas demais formas de
integração viraram apenas pontos parciais de encontros; a Constituição, em
um Estado democrático de direito, tem sido e é o único lugar comum delas.
Daí porque a luta pela interpretação constitucional configura um campo de
2 Tully, 1995, p. 30
3 Müller, 2008, p. 241-242
4 Neves, 2011, p. 90
5 De Giorgi, 2015, p. 109
6 Hesse, 2019, p. 2
7 Miranda, 2016, p. 279
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11 Thiesse, 2008.
12 Gomes, 2013, p. 312
13 “Constituições “pluralistas” ou “compromissórias” são aquelas que possuem normas inspiradas
em ideologias diversas. Geralmente resultam de um “compro misso” entre os diversos grupos
participantes do momento constituinte. O conceito de Constituição compromissória foi
formulado a propósito da Constituição alemã de 1919, a chamada Constituição de Weimar.
Quando, no momento constituinte, nenhum grupo tem força suficiente para, sozinho, tomar
a decisão soberana, a Constituição resulta de um compromisso entre as correntes antagônicas.
A Carta de 1988 é exemplo típico de Constituição compromissória. Durante a constituinte de
1987-1988, atuaram as mais diversas forças políticas, inspiradas em diferentes ideologias. Na
verdade, a constituinte foi a mais plural da história do Brasil. Era natural que dela resultasse
uma Constituição pluralista.132 Observem-se, por exemplo, os princípios constitucionais da
ordem econômica (art. 170). A Constituição contempla, de um lado, a livre iniciativa e o direito
de propriedade — princípios de índole liberal —, e, de outro lado, os valores sociais do trabalho,
a função social da propriedade, a defesa do consumidor e a busca do pleno emprego, inspirados
em ideologias mais intervencionistas.” (Souza Neto e Sarmento, 2012, p. 40)
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2. O Constitucionalismo Achado
na Rua: Potência e Projeções
Você bem que podia vir comigo
Para além do final dessa rua
O outro lado da cidade
Ou algo parecido
(Skank)
Rua, cuja etimologia latina significa “sulco, caminho”, por certo, não
é um local estático. Há referências modernas: placas de sinalização, deli-
mitação pelas ou nas calçadas, semáforos, guardas de trânsito. Mas é mais
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que isso: locais das pessoas, dos espaços de fé, dos jogos entre amigos e dos
espaços de lutas sociais, as mesmas divididas por quem clamava por inter-
venção militar e, por outro lado, respeito à democracia e às instituições,
durante o período da pandemia do Covid-19.
Contemporaneamente, a rua se envereda por meios digitais. Tem disso
cada vez mais desafiador dissociar espaço público e espaços digitais, notada-
mente as redes sociais. É social (e muito) o que também está na rede. As lutas
por reconhecimento identitário, por exemplo, nas ruas das redes sociais, en-
contram espaço fértil para a reprodução das respectivas subjetividades cole-
tivas: nova trincheira de luta. Ou seja, as ruas digitais do mundo da vida se
libertam como campo autônomo de análise social, política e jurídica. O direito
achado aí ou por aí surge transformador, pois nesses espaços, “se dá a forma-
ção de sociabilidades reinventadas que permitem abrir a consciência de novos
sujeitos para uma cultura de cidadania e da participação democrática”15.
Para José Geraldo Sousa Júnior, a legitimidade democrática está em
conceber que o direito surge das ruas, da periferia, da informalidade das
relações sociais, encetadas em uma esfera pública plural, em um mundo da
vida pluralizado; porquanto, são desses espaços que surgem as lutas por re-
conhecimento, as lutas identitárias e as diversas demandas por inclusão16.
O nascimento d´O Direito Achado na Rua, em 1987, se dá a partir da
necessidade premente de abertura da Universidade (especificamente, para
o caso: a UnB) ao diálogo com os movimentos sociais e suas assessorias
jurídicas, os profissionais do Direito e os atores de sociais de diversas ori-
gens e destinos. É fruto reflexivo, prático e acadêmico do movimento Nova
Escola Jurídica Brasileira, cujo protagonista foi o professor Roberto Lyra
Filho, tendo por sucessor legítimo e intelectual o professor José Geraldo de
Sousa Junior, um dos fundadores d´O Direito Achado na Rua. Tal projeto
carrega em si uma perspectiva emancipatória não só do que é jurídico no
social, mas também do que é social no jurídico. É próprio dele ainda, sendo
marca essencial, a interdisciplinaridade e interinstitucionalidade, a ponto
de abarcar diversos campos do conhecimento (com suas respectivas insti-
tuições acadêmicas) em um mesmo ponto de encontro, que é também um
ponto de partida. O projeto não se satisfaz simplesmente na discussão e no
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29 Avritzer, 2017, p. 28; Mota, 2017, p. 79; Tarrega e Freitas, 2017, p. 109; Grijalva, 2017, p. 119-120;
Torres, 2017, p. 144-145; Pereira e Assis, 2017, p. 190; Tully, 2000, p. 470; Gargarella, 2018, p. 116;
Leonel Júnior, 2015, p. 121-122; Mendonça e Marona, 2015, p. 275
30 Wolkmer, 2021, p. 219
31 Wolkmer, 2021, p. 220
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37 “A unidade original entre seres humanos e natureza foi rompida pela lógica de acumulação
infinita do capitalismo.” (Dalla Riva, 2022, p. 412)
38 “En este sentido, externalización significa explotación de recursos ajenos, transferencia de los costes
a personas ajenas, acaparamiento de las ganancias en el interior, fomento del ascenso propio a base
de obstaculizar (e incluso llegando a impedir) el progreso de otros.” (Lessenich, 2019, p. 16)
39 Häberle, 2013, p. 97; no mesmo sentido Habermas, 2020, p. 562
40 Häberle, 2013, p. 89
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que ocorreu no Brasil não foi algo isolado se considerarmos o contexto mun-
dial. Manifestações populares ocorreram, entre 2010 e 2012, na Islândia, no
mundo árabe (Primavera Árabe), na Espanha e nos Estados Unidos da Amé-
rica (EUA) e marcaram o início de um novo tipo de movimentos sociais,
com diferenças importantes em relação aos movimentos sociais tradicionais.
Apesar das amplas possibilidades que as manifestações de junho de
2013 dispuseram para os movimentos sociais e para o sistema político, é cer-
to que o espectro político tradicional (velhas esquerda e direita) se encastelou
e perdeu o controle dos movimentos e da própria política, dando espaço para
o surgimento das “novas direitas” (canalização das energias dos movimen-
tos) que desafiaram as instituições democráticas; o braço institucional (o que
é paradoxal) foi a Lava Jato, que impediu que a política retomasse o controle
da política e da sociedade. Não se pode esquecer que, de 2014 a 2019, a Lava
Jato foi amplamente apoiada pelo Supremo Tribunal Federal48.
Assim, por total inoperância do sistema político, e com a conivência
do sistema jurídico, a pulverização, sem controle, de demandas sociais na
esfera pública, na “antessala” legislativa, foi praticamente toda ela canali-
zada para fins de desestruturação institucional do Estado brasileiro, tendo,
esse ápice desestruturante, durante a pandemia do Covid-19, em que o go-
verno de então se mostrou despreparado em razão do desmonte produzido
intencionalmente pelo então Presidente. Durante a pandemia da “gripezi-
nha”, Jair Bolsonaro deu suporte a movimentos anti-democráticos, com
conclames contra o Supremo Tribunal Federal e pela intervenção militar49.
A (má ou falta de) gestão da pandemia foi um dos principais motivos pelos
quais Bolsonaro não foi reeleito, sendo o único Presidente a não conseguir
a reeleição desde a redemocratização.
Contemporaneamente a esses fatos, houve a discussão se precisaría-
mos de uma nova constituinte, uma constituinte que condensasse os an-
seios populares manifestados naquela quadra histórica. Mas evidente ficou
o fato de que o sistema político necessitaria urgentemente de uma reforma,
até porque estava sendo suplantado por processos despolitizantes advindos
da extrema-direita. Uma das propostas foi a PEC 113/2015, que se preten-
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deu a reformar a política, mas que, em sua essência, tratou-se de uma “con-
trarreforma”, pois não ampliava a participação popular e nem resolvia as
deficiências da democracia no país, até porque proposta em um ambiente
de maioria parlamentar conservadora50.
Nessa conjuntura para remediar a grave crise política que neutraliza-
va a busca pela solução dos problemas mais essenciais à sociedade brasi-
leira, uma nova constituinte “torna-se opção real na possibilidade de alte-
ração da correlação de forças políticas em disputa”. Tanto que, em setem-
bro de 2014, foi realizado plebiscito popular, que contou com cerca de oito
milhões de votos a favor da constituinte. A consulta se caracterizou por
três funções básicas: 1) gerar espaço de reflexão política na sociedade; 2)
estabelecer ambiente político para diálogo com o povo; 3) buscar unidade
dos atores sociais que almejam mudanças estruturais no sistema político
brasileiro. Contudo, as eleições de 2014 trouxeram para o parlamento, o
corpo legislativo mais conservador desde a redemocratização, o que freou
os anseios de uma nova constituinte nos termos acima propostos51.
O direito vivo, o direito “sendo” é a mola propulsora de um Constitu-
cionalismo achado na rua e, especificamente ao contexto dos fatos analisa-
dos, de uma “constituinte achada na rua”. Trata-se, como já vimos, de uma
derivação ontológica d´O Direito Achado na Rua. Tal constituinte seria
fruto da pressão e organização social de sujeitos coletivos, que foram, des-
de a redemocratização, excluídos pelo sistema político decorrente, embora
seus direitos estivessem normativamente assegurados pelo texto constitu-
cional52. Com isso, a nova constituinte seria mais do que simplesmente um
mecanismo institucional de reforma política, mas antes forma legítima,
porque essencialmente popular, de reorientação do projeto constitucional
democrático inaugurado em 1988. O que uma “constituinte achada na rua”
tem mais de mais potencial é ver a Constituição não como texto (embora
também), mas como projeto aberto de um futuro comum.
Uma nova constituinte não surgiria do nada e para o nada não poderia
ir. O olhar retrospectivo é importante para estabelecer as condições mate-
riais e históricas da reprodução do sistema político dentro de um contexto
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diam a exclusão de perfis falsos nas redes sociais e de fake news com base na
livre manifestação do pensamento e na liberdade de expressão55.
A disputa narrativa sobre a Constituição, com uma parcela da socie-
dade deturpando o seu real sentido, desencadeou o processo de repulsa
às instituições públicas e governamentais do país, agravado pela eleição
de Jair Bolsonaro, o que conduziu o país a uma “situação de emergência
democrática duradoura”56. A destruição formal e material dessas institui-
ções é uma das formas de atuação política do fascismo, que prega pela des-
constitucionalização da sociedade57. Umberto Eco diz que o fascismo se
faz presente embora com vestimentas civis e democráticas; por isso, saber
como o fascismo opera é importante para desmascará-lo e impedir que ele
se manifeste por qualquer de suas formas58.
Está no âmago do fascismo a destruição da democracia. Democracia e
fascismo são concretamente opostos. Os movimentos de extrema direita, des-
de junho de 2013, têm uma intenção clara: destruir a democracia brasileira e,
naturalmente, o pacto constitucional firmado na Constituição de 1988. Con-
tudo, não pretendem colocar nada de melhor em seu lugar, mas tão somente
reviver as bases integralistas como propostas por Plínio Salgado, cujo lema era
Deus, pátria e família. Não nos esquecemos que, em 11 de maio de 1938, justa-
mente um movimento integralista tentou retirar Getúlio Vargas da presidên-
55 Marcos Nobre (2022, p. 235) destaca positivamente a concentração partidária, como pilar
institucional necessário para a sobrevida da democracia no país: formação do União Brasil e o
surgimento das Federações Partidárias (art. 11-A da Lei 9.096/1995 e Resolução-TSE 23.670/2021):
“a eventual derrota reeleitoral de Bolsonaro não significará apenas o afastamento - mesmo que não
definitivo - da possibilidade de que a forma-limite do pemedebismo leve à destruição da democracia
no país. Poderá significar também um reeorganização do sistema político que lhe permita sair da
situação de quase completa descoordenação em que se colocou no período 2013-22”.
56 Nobre, 2022, p. 11
57 As demais formas de atuação da política fascista, segundo Jason Stanley (2018), são: passado
mítico, reescritura do passado através da propaganda, anti-intelectualismo (ataques aos sistemas
educacional e universitário), irrealismo, hierarquia (através da estratificação social), vitimismo,
lei e ordem, ansiedade sexual (traço ameaçado pelas questões de gêneros), apelo emocional,
desmantelamento da saúde pública e da unidade; exclusão e/ou desumanização de determinados
grupos, tratamento desumanos, repreensão da liberdade, encarceramento e expulsão em massa,
genocídios e campanhas de limpeza étnica. O sintoma mais claro das políticas fascistas é a
divisão que elas provocam na sociedade: “nós” contra “eles”, utilizando esta divisão, com apelo a
distinções étnicas, religiosas e raciais, para sedimentar ideologias e a sua práxis política.
58 Eco, 2018, p. 50
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59 https://www.poder360.com.br/governo/lula-diz-que-glo-em-brasilia-resultaria-em-golpe/
60 https://www.academia.edu/95154668/A_tentativa_do_putsch_bolsonarista_o_8_de_
janeiro_de_2023_visto_por_uma_teoria_constitucional_a_servi%C3%A7o_do_Estado_
Democr%C3%A1tico_de_Direito
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Referências
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LEONEL JUNIOR, Gladstone; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. A luta pela
constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um “constitucionalismo
achado na rua”. Revista Direito e Práxis, v. 8, p. 1008-1027, 2017.
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Constitucionalismo Ambiental e
Coletividade: Um Estudo Sobre a
Subjetividade Diante do Colapso
1. Introdução
As recentes crises ambientais vivenciadas no sul global, e tão evidencia-
das como em casos recentes como o dos povos Yanomami, parecem apontar
para o esgotamento de um modelo de normatividade ambiental que, a des-
peito de sua presença em diversas cartas internacionais e constituições, não
parece estar à altura do desafio civilizatório decorrente da proteção ao meio
ambiente, neste incluído seus povos, suas florestas, suas águas e sua cultura.
O modo de acumulação experimentado pela contemporaneidade, com
especial olhar para o atual estágio de desenvolvimento do neoliberalismo,
avança de forma violenta contra o meio ambiente e os povos originários em
um modelo extrativista que ignora elementos mínimos de sustentabilidade
socioecológica. Em meio à ameaça de um colapso ecológico global, são expe-
rienciadas formas de sofrimento inteiramente novas, que, ainda que intrin-
secamente generalizantes, sob o modo de vista capitalista, são incapazes de
despertar a construção de solidariedades transformadoras.
Nesse sentido, o que se mostra paradoxal é que nas últimas décadas ocor-
reu uma relativa expansão dos catálogos de direito ambiental, notadamente no
que diz respeito aos direitos fundamentais de 3ª geração, mas que apresentam
baixa efetividade nos resultados que conduzam à proteção do meio ambiente
e que consigam frear as mudanças climáticas de larga escala. Somos assom-
brados por um histórico normativo de fracassos na temática ambiental que
conduz a diversas formas de niilismo e fatalismo, e esconde que as soluções
possíveis não estão ausentes - elas apenas não agradam o grande capital.
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que são difíceis de serem explicadas. No que tange à psique humana sob a
ameaça de um colapso ecológico, é intuitivo reconhecer que nossa forma de
sofrer também é individualista, e composta por objetos que podem ir além
da compreensão humana - como analisar, com o devido rigor científico, uma
ideia que nos atinge tão violentamente como a de nossa própria extinção?
Imbuídos nesse desafio, no presente tópico, pretendemos analisar a
faceta individualista que acomete as formas de sofrimento sob o capita-
lismo, em especial, no que diz respeito às mudanças climáticas e a ameaça
de um fim para a espécie humana. Ao fim, esperamos compreender de que
maneira nossas formas de sofrer poderiam ser aprimoradas pelo cultivo da
solidariedade nas soluções apresentadas para o enfrentamento das mudan-
ças ecológicas e climáticas.
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Assim como aquela senhora hopi que conversava com a pedra, sua
irmã, tem um monte de gente que fala com montanhas. No Equador,
na Colômbia, em algumas dessas regiões dos Andes, você encontra
lugares onde as montanhas formam casais. Tem mãe, pai, filho, tem
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5. Considerações finais
Conclui-se que o resgate do sentido coletivo da solidariedade, ten-
do o constitucionalismo achado na rua como um instrumento normativo
na construção de sujeitos coletivos de direito, necessariamente passa pela
superação do individualismo capitalista, que dará lugar ao cultivo da alte-
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Referências
DARDOT, P.; LAVAL, C.. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016. 402p.
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KRENAK, Ailton. Ideias Para Adiar o Fim do Mundo. Rio de Janeiro: Cia
das Letras, 2020.
UOL. Bolsonaro volta a dizer que morrer é normal no dia em que óbito
é recorde. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-
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sakamoto/2020/06/02/bolsonaro-volta-a-dizer-que-morrer-e-normal-no-
dia-que-obitos-batem-recorde.htm. Acesso em: 16 fev. 2023.
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A Democracia Achada na Rua:
O Orçamento Participativo como
uma proposta de discussão popular
dos gastos públicos e espaço de fala
dos sujeitos coletivos de direito
1. Introdução
Este artigo tem por objeto entender os processos de tomada de deci-
sões nos Orçamentos Participativos (OPs) a partir da crítica dialética de “O
Direito Achado na Rua”.
Segundo José Geraldo de Sousa Júnior (SOUSA JÚNIOR, 2022), “O
Direito Achado na Rua” é fruto dos trabalhos cotidianos, do fazer acadêmi-
co e político, o contínuo desse projeto se realiza permanentemente, atento
às emergências, revisitações e discernimentos próprios de uma travessia
que responde a urgências de discernimento sobre as três perspectivas que
balizam o projeto, quais sejam, determinar o espaço social e político de
sociabilidades vivas; compreender e reconhecer os protagonismos que se
movem nesses espaços, seus movimentos e os sujeitos coletivos de direito
que neles se manifestam; e, aferir os achados que desafiam inteligibilidade
como categorias de um direito vivo.
“O Direito Achado na Rua” tem funcionado como uma importante
plataforma para o desenvolvimento e a difusão de estudos no campo das
teorias críticas do direito. Desde a sua fundação, com sua institucionaliza-
ção como grupo de pesquisa no Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq),
na década de 1980, tem acolhido e formado dezenas de pesquisadoras e
pesquisadores atuantes nas mais diversas áreas temáticas e com engaja-
mento nas lutas populares que são travadas para denunciar e fazer cessar
violências, violações e opressões, em suas variadas dimensões. Nesse mo-
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1 MacIntyre sustenta que as instituições políticas e jurídicas são bens determinados justamente a partir
da especificidade histórica e cultural da comunidade – “tradição”. Trata-se de conectar a moralidade
com a institucionalidade própria a cada sociedade, à existência de um entendimento comum, um
consenso quanto ao bem a ser buscado pela coletividade (MACINTYRE, Alasdair. After virtue: a
study in Moral Theory. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame, 1984). E, Charles Taylor
vai além, ele sustenta a “obrigação de pertencer” a uma sociedade (TAYLOR, Charles. Argumentos
filosóficos. Tradução Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Edições Loyola, 2000. P. 187/210).
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1993 - 1996 53 62 - - - -
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Gestões Nº de OPs
1989 - 1992 12
1993 - 1996 36
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5. Considerações finais
A efetivação ou execução satisfatória do OP ocorre quando o político
se encontra aberto às práticas participativas, porque o OP é um instru-
mento de política democrática participativa que visa neutralizar o anta-
gonismo que existe nas discussões orçamentárias sobre contingências por
políticas públicas.
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Como se verificou neste artigo, apesar de essa ser uma diretriz des-
tacada nas políticas sociais brasileiras, a efetivação da democratização da
gestão pública por meio da participação social nos OPs ainda apresenta
muitos desafios, se considerarmos as mudanças culturais e estruturais
que requer. E, esse instrumento participativo de definição de prioridades
orçamentárias viabiliza a solução de demandas por políticas públicas em
municípios brasileiros, quando se verificam instrumentos institucionais
de acompanhamento, fiscalização e cobrança dos conselheiros e delegados
do OP sobre a destinação de recursos públicos, licitações e contratos ad-
ministrativos das obras e serviços de efetivação de prioridades orçamen-
tárias. Entretanto, torna-se mero instrumento de legitimação das decisões
dos agentes políticos eleitos pelo sistema democrático representativo, afas-
tando-se do ideal de democracia participativa, quando não existem estes
instrumentos fiscalizatórios, ficando a cargo do ordenador de despesas
(agente do Estado) a escolha de implementação ou não das prioridades de-
cididas em plenárias do OP.
Portanto, se o OP for apenas utilizado como um instrumento de legi-
timidade de escolhas orçamentárias do gestor público eleito, então, é ine-
ficiente a participação popular na definição orçamentária pública, por ser,
nesta hipótese, apenas meio de legitimação do discurso do gestor público,
eleito pelo sistema democrático representativo.
Referências
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GIACOMONI, James. Orçamento público. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2009.
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Minibiografias
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