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DOUTRINA
Artigos
NOTAS E COMENTÁRIOS
Processo e República: uma relação necessária
Dierle Nunes, Alexandre Bahia ............................................................................................ 275
RESENHA
JOBIM, Marco Félix. Medidas Estruturantes. Da Suprema Corte
Estadunidense ao Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, 2013.
Dnieper Chagas de Assis..................................................................................................... 291
DOUTRINA Artigos
“Acompanho o relator”: a síndrome da
unanimidade nas câmaras criminais
do TJPE
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Manuela Abath Valença
utilizar os seus termos – e referiu-se ao que seria o momento final de uma sessão de
julgamento: “Vamos à lista do ministro Jobim. Sessenta processos. Nego provimento,
sem destaque. De acordo? De acordo. Pronto, tá julgado”.1
Jobim descreve o já conhecido julgamento por lista,2 prática comum em diversos
tribunais do país e que não soa nada estranho a quem vivencia o cotidiano da
justiça brasileira e de seus órgãos colegiados. Julgamentos em lista nos tribunais
ou uma colegialidade que às vezes existe apenas como um ritual sem maiores
correspondências com o que de fato ocorre, ensejando a já conhecida “crise da
unanimidade”, não são propriamente uma novidade para os operadores do
campo jurídico.3
Seria possível uma análise individualizada e detalhada de cada processo
que adentra o universo dessas varas e câmaras? Em que medida são adotados
mecanismos como o “julgamento em atacado”, conforme mencionado pelo ministro
ou simplesmente aquilo a que, neste trabalho, referirei como “justiça em linha
de montagem”?
A metáfora da “justiça em linha de montagem” foi utilizada em emblemático
estudo de Abraham S. Blumberg, publicado em 1967. A linha de montagem refere-se,
como se sabe, a um modo de produção empregado no modelo industrial do fordismo.
Este modelo chegou a ser considerado revolucionário por agilizar consideravelmente
a produção de automóveis ainda na década de vinte do século passado, adotando
como método, dentre outros, o movimento mecânico e processos padronizados. Ao
empregar o termo, Blumberg valorizou a dimensão da padronização e a necessidade
de produção em larga escala, afirmando ser uma justiça em linha de montagem
aquela que cria categorias prévias para processar e julgar, agilizando o ritmo
de julgamento.4
As observações realizadas junto às quatro câmaras criminais do Tribunal de
Justiça do Estado de Pernambuco nos levaram a presenciar um universo já conhecido
nos órgãos da justiça: grande número de processos e uma incapacidade generalizada
em lidar com essa demanda. As alternativas a esse impasse são muitas: desde os
conhecidos mutirões até a adoção de práticas de julgamentos em massa.
Para se ter uma ideia, observamos que, em cada sessão, uma câmara julgava
uma média de quinze habeas corpus. Se para cada um fosse feita uma sustentação
oral de quinze minutos (o máximo permitido), somando-se ainda os cerca de cinco
1
A referida notícia foi citada por Aury Lopes Júnior em: LOPES JR. (2010): XXIV.
2
Embora possa haver variações de tribunal a tribunal, de um modo geral o julgamento por lista segue a seguinte
sistemática: os casos repetidos, com mesma fundamentação e mesmo pedido, ou que tratem de questão de
direito sobre o qual já haja entendimento pacificado no tribunal ou no gabinete do desembargador relator, são
agrupados e é proferido um único voto para todos eles. A lista é encaminhada ao órgão colegiado muitas vezes
apenas para cumprir o ritual do julgamento na câmara ou na turma.
3
MOREIRA (1994): 7; GONÇALVES (2010): 53.
4
BLUMBERG (1967): 22.
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“Acompanho o relator”: a síndrome da unanimidade nas câmaras criminais do TJPE
minutos utilizados para a leitura do relatório e do voto, seriam – e esse cálculo é por
baixo – aproximadamente 20 minutos para cada HC. Sem reservar um só minuto para
discussões, isso totaliza 5 horas de julgamentos somente dos HCs! Somam-se a eles
pautas não menos cheias de apelações, recursos em sentido estrito, embargos de
declaração e todos os demais incidentes julgados pelo órgão.
O cálculo feito demonstra muito rapidamente algo que o senso comum mais
rasteiro já sabe: o judiciário está superlotado. Neste quadro, alguns habeas corpus
serão julgados em mais de 20 minutos e a grande maioria deles em um ritmo tão
veloz que nem os desembargadores podem acompanhar. Haverá um campo propício
ao surgimento daquilo a que alguns processualistas vêm referindo como “síndrome
da unanimidade”,5 isto é, uma produção de decisões unânimes em órgãos colegiados
que estão muito mais relacionadas às necessidades burocráticas de cumprimento de
metas que propriamente a um real acordo a que chegam os julgadores. Ou ainda o
que sociologicamente vem sendo referido como uma justiça em linha de montagem.
O judiciário brasileiro pauta-se em uma base organizacional burocrática e,
mais precisamente, baseada em aspectos de uma burocracia racional-legal. Isso
evidentemente não afasta as diversas leituras que lembram a persistência de
elementos patrimoniais em todos os seus níveis de funcionamento. Em verdade, a
história do Estado brasileiro é marcada pela “coexistência antagônica e conflitante
de formas tradicionais (patrimonialismo) com procedimentos racionais (burocracia)”.6
Entretanto, interessará adentrar o universo do funcionamento burocrático que
também se observa nesses órgãos e que se liga a uma padronização das respostas
dadas às demandas, objetivando-se a produção de respostas rápidas. A burocracia
racional-legal prometia (ou promete) a eficiência e, de alguma forma, trata-se de
um ideal que guia os profissionais dessas organizações. No limite, esses ideais de
eficiência podem ganhar uma importância central, que pouco se compatibiliza com
alguns princípios da justiça penal, tais quais a individualização do caso e a análise
acurada do cabimento de alguns institutos como a prisão preventiva (hipótese que
corresponde ao grande número dos habeas corpus examinados). Em que medida é
possível compatibilizar uma necessidade de eficiência e resposta jurisdicional a um
ideal de garantia de direitos? A seguir tentaremos abordar a pergunta, encetando-se
a abordagem com uma breve explanação do conceito weberiano de burocracia.
5
GONÇALVES (2010): 54.
6
WOLKMER (1998): 68.
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7
WEBER (1996): 70.
8
WEBER (1996): 172.
9
WEBER (1996): 172.
10
WEBER (1963): 246.
12 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 9-28, out./dez. 2014
“Acompanho o relator”: a síndrome da unanimidade nas câmaras criminais do TJPE
11
Livre tradução de: “it is horrible to think that the world could one day be filled with these little cogs, little man
clinging to little Jobs”. WEBER apud CLEGG (1994): 51.
12
AZEVEDO (2008): 120.
13
A burocracia é construída como um tipo ideal na obra weberiana. O tipo ideal é “formulado, primeiramente,
mediante uma exageração consciente das características essenciais do padrão de ação que interessa ao
pesquisador e, em segundo lugar, da síntese dessas orientações características em um conceito unificado e
rigoroso do ponto de vista lógico” (KALBERG (2010): 41). A construção de um tipo ideal obedece a uma exigência
da ciência, na medida em que uma categoria construída como um tipo ideal não se encontra propriamente
na realidade, mas auxilia no conhecimento dela. O exercício seria o de olhar um objeto e contrastá-lo com o
conceito típico ideal. Essa é, aliás, uma postura de Weber diante da própria ciência e de suas possibilidades.
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14
WEBER (1963): 229-31.
15
Neste sentido são as obras de autores como Sérgio Buarque de Holanda, José Murilo de Carvalho, Roberto da
Matta, Luciano Oliveira, Antônio Luís Paixão, entre outros.
16
OLIVEIRA, 2008.
17
BATITUCCI et al (2010): 248.
14 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 9-28, out./dez. 2014
“Acompanho o relator”: a síndrome da unanimidade nas câmaras criminais do TJPE
18
DIAS/ANDRADE (2011): 379-81.
19
MEYER /ROWAN (1977): 345.
20
A formulação feita por Rowan e Meyer aqui se assemelha ao que Pierre Bourdieu chama de violência simbólica,
artifício mediante o qual o jurista afirma estar fundamentando a sua decisão em um texto previamente
estabelecido e não em suas concepções pessoais, corroborando com a ideia de que as decisões são neutras
e impessoais. Os juristas dão como “fundadas a priori, dedutivamente, uma coisa que é fundada a posteriori,
empiricamente” (BOURDIEU (1991): 96).
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21
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado
ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal
Federal, ou de Tribunal Superior.
§1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do
Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
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“Acompanho o relator”: a síndrome da unanimidade nas câmaras criminais do TJPE
não do julgamento por órgãos coletivos. A constituição não prevê o colegiado como
modelo. Porém, há quem afirme que a colegialidade está implicitamente contida no
princípio do juiz natural, de modo que, se as legislações infraconstitucionais preveem
órgãos colegiados nos tribunais, é porque eles são os competentes para julgar o
feito, não cabendo ao relator fazê-lo.22
É possível fazer intermináveis considerações sobre a colegialidade, se ela de
fato traz ou não maior certeza aos julgamentos, se é imprescindível a sua observância
do ponto de vista da Constituição etc. Porém, há uma consideração tipicamente
sociojurídica a se fazer: a colegialidade sofre com o peso da superlotação e mantém-se
de pé apenas aparentemente, porque nos tribunais há muito que se criaram
mecanismos de superá-la.
Em uma das sessões a que assistimos, ocorreu um episódio curioso. O
desembargador (d. 14) relator do caso acabara de ler o seu voto, que era no sentido
de denegar uma ordem de habeas corpus. Prontamente, o presidente da sessão
passou a palavra ao outro desembargador que, como de praxe, acompanhou o relator.
Foi então que o presidente disse: "também acompanho. À unanimidade de votos,
concedeu-se a ordem, nos termos do voto do relator" e, logo após, lembrou o relator:
"meu voto é pela denegação". E, prontamente, o presidente da sessão ratificou: "À
unanimidade de votos, denegou-se a ordem, nos termos do relator". Mero engano?
Não, quando se percebe que esse é o padrão: adotar o colegiado de forma cerimonial.
Na prática, pois, diversos habeas corpus são julgados pelos relatores,
participando os demais apenas de um passivo “acompanho”. O julgamento por três
é, em verdade, o julgamento por um e isso está fortemente ligado à necessidade de
se julgar logo. Há outras questões, é certo. A unanimidade por vezes ocorre depois
de largas discussões entre os desembargadores, situações muito raras, é certo. A
unanimidade pode também já ser o fruto de entendimentos pacificados na câmara
criminal, embora jamais esteja pacificado que o caso em exame se aplique ao padrão
formado na câmara.
Ainda, a unanimidade pode decorrer de diversos fatores extraoficiais, apontados
em trabalho de Barbosa Moreira, que vão desde o horário em que ocorre a sessão até
a cadeira em que se sentam os julgadores. Há explicações de sobra, enfim, para uma
produção de mais de 98% de decisões unânimes nos órgãos pesquisados. Embora
não se possa negar que entre os desembargadores que passaram pelas câmaras
ao longo dos últimos dois anos23 possa haver certa afinidade de ideias e que nem
sempre a unanimidade é fruto de falta de discussão (conforme pudemos observar no
trabalho de campo), é possível imaginar que a colegialidade seja inconveniente para a
22
ARENHART (2001): 39-43.
23
Período da análise quantitativa dos acórdãos, conforme abordaremos no próximo ponto.
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24
Os momentos em que isso ocorre são mais detalhadamente trabalhados na dissertação de mestrado da
autora. ABATH (2012).
25
Aliás, a divulgação dos diários de campo de Malinowski, após a sua morte, por parte de sua esposa,
causou um verdadeiro alvoroço no mundo da antropologia. Isso porque Malinowski dedicou em seus
escritos considerações pouco simpáticas em relação aos Trobriand. Embora tenha sido acusado de
preconceituoso (que poderia ser de fato, mas isso não vem à questão aqui), na verdade, registrou seus
sentimentos mais genuínos de um homem europeu e branco que desejava voltar a sua zona de conforto e
verdadeiramente se sentia desconfortável em uma ilha em que o estilo de vida em nada se aproximava do seu
(GEERTZ (1997): 85).
26
DA MATTA (1978): 28.
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27
GEERTZ (1989): 20.
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Esta última hipótese abarca a grande maioria dos habeas corpus analisados
nessa pesquisa. Destaque-se que o habeas corpus é o instrumento utilizado quando
o coator é juiz de primeiro grau, o que faz com que a ação penal funcione como
verdadeiro recurso. Sendo assim, o que a grande maioria dos writs procura é um
segundo grau de jurisdição, onde se possa reverter uma decisão desfavorável sobre
a manutenção ou decretação de uma prisão preventiva pelo juiz da primeira instância.
Anteriormente já descrevemos o procedimento de julgamento dos habeas
corpus. Passemos então à descrição do desenho da pesquisa.
O estudo quantitativo dos acórdãos de habeas corpus liberatórios foi feito por
meio da consulta a um banco de dados criado pelo próprio TJPE, onde constam
28
VELHO (1978): 41.
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29
Foi utilizado o banco construído na pesquisa “Descarcerização e Sistema Penal: A construção de políticas
públicas de racionalização do poder punitivo”, fruto de um convênio entre o CNJ e a CAPES e coordenada
nacionalmente pelo Prof. Dr. Rodrigo de Azevedo e em Pernambuco pelo Prof. Dr. José Luiz Ratton. A pesquisa
possui quatro linhas, sendo uma delas sobre prisões preventivas no Brasil.
30
A variável “câmara de origem” foi colhida numericamente, de 1 a 4; a “bem jurídico” também numericamente,
atribuindo-se um valor de 1 a 11 de acordo com os bens jurídicos atingidos, utilizando-se a caracterização do
Código Penal (crimes contra a vida, contra o patrimônio etc.) e, no caso de legislação extravagante, atribuindo-
se um valor à lei como um todo (ex.: se o crime é de associação para o tráfico ou o referente a quaisquer
das condutas descritas no art. 33 da Lei nº 11.343, a categoria seria a mesma: lei de drogas). Apesar de
entender que a categorização pelo bem jurídico empobrece um pouco a análise, haja vista poderem estar no
mesmo patamar crimes como o de furto e de latrocínio – ambos caracterizados como contra o patrimônio –,
afigurou-se como a única alternativa redutora da complexidade que adviria de um tratamento do caso pelo tipo
penal. Poderíamos chegar a um banco com mais de 50 tipos de crime, considerando que só o artigo 33 antes
referido possui 14 verbos/condutas. Por fim, o resultado da demanda ou resultado de acordo com a tendência
dos votos foi colhido de forma dicotômica (concessivo ou denegatório e à unanimidade ou por maioria).
31
BAUER (2002): 199.
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Como já dito em outro momento deste trabalho, 98% das decisões analisadas
foram unânimes. A partir das observações realizadas, pudemos observar que a pressa
com que se julgam os habeas corpus é certamente um fator que leva a um padrão
de julgamento em que o relator vota e os demais desembargadores simplesmente
o acompanham. Há entre eles uma enorme relação de confiança (que é até mesmo
instrumental) e uma etiqueta partilhada entre quase todos que prescreve o dever
de se acompanhar no geral, afinal, imaginemos que cada desembargador decidisse
analisar com pormenor cada um dos casos julgados e o Tribunal entraria em colapso.
A produção de unanimidade está também relacionada a outros aspectos que
pudemos observar.
Barbosa Moreira, em trabalho publicado há alguns anos, falava-nos de
elementos extrajurídicos que compunham um órgão colegiado. Para a surpresa do
leitor, ele não estava a tratar de relações pessoais dos desembargadores entre si
ou com advogados ou ainda com sujeitos exteriores ao mundo jurídico. Não falava
de corrupção ou condução pouco proba da atividade judiciária. Moreira nos falava de
elementos quase sempre anônimos, mas que poderiam exercer enorme influência
sobre os julgamentos: a iluminação das salas, o tamanho delas, a disposição dos
assentos, a distância entre os julgadores e entre estes e os advogados, o horário e
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“Acompanho o relator”: a síndrome da unanimidade nas câmaras criminais do TJPE
até mesmo o dia das sessões, as necessidades fisiológicas dos julgadores e outras
questões tão naturais que soam inofensivas.32
É evidente que, se a lógica geral é acompanhar o relator, não é preciso prestar
imensa atenção às razões de fato e de direito aduzidas por ele ao longo do voto. É
preferível confiar. É por essa razão que, por vezes, ao longo das leituras, os vogais
continuam com as suas atividades de rotina (atender ao telefone, dar continuidade
a papelada etc.). Porém, isso não acontece sempre. É possível identificar alguns
desembargadores que depositam enorme atenção à leitura do relatório e do voto
pelo relator e apenas esporadicamente são levados a perderem essa atenção e a
acompanhar cegamente. Acidentalmente, esses fatores apontados por Moreira
podem ser significativos na formação da síndrome da unanimidade porque podem
prejudicar o debate.
Chamamos esses elementos de incidentais porque eles não aparecem em todos
os casos. São, de fato, episódicos, embora não pouco relevantes. Dedicar-nos-emos
aqui a apresentar alguns deles, observados ao longo da pesquisa de campo.
Seguindo a esquematização de Moreira, comentaremos os fatores de ordem de
lugar, de tempo e de modo de julgamento.
Em termos de lugar, podemos destacar que a sala onde ocorrem as sessões é
bastante ampla, refrigerada, com cadeiras aparentemente muito confortáveis para os
desembargadores e com aparelho de som que permite que os julgadores, o advogado
e o membro do MP possam ser ouvidos com clareza. Há, digamos assim, condições
físicas para o debate.
Ao mesmo tempo, os votantes não ficam sentados lado a lado, o que poderia
provocar conversas paralelas que tirariam a atenção deles. Para Moreira, todos
esses fatores podem influenciar na forma como a votação é conduzida. Apenas um
deles me pareceu presente no universo investigado. O conforto das cadeiras onde
os desembargadores se sentam pode relaxá-los a tal ponto que, somado a outros
fatores, provoque sono neles. Por óbvio, não se espera cadeiras desconfortáveis.
Porém, sentir-se muito à vontade pode facilitar o sono, sobretudo nos horários mais
críticos do dia.
Adentramos, então, o conjunto dos segundos fatores elencados por Moreira,
que são os relacionados ao tempo. O dia, o horário, a quantidade de tempo e de
processos em pauta, o número de advogados que desejam fazer sustentação oral,
dentre outros, são fatores que podem exigir que as sessões ganhem um ritmo mais
ou menos acelerado e que ajudam ou atrapalham nos debates.
O primeiro e mais evidentes deles é o horário. Nas sessões que ocorrem à
tarde, após o almoço, o sono é um personagem que pode se tornar presente. Durante
32
MOREIRA (1994): 7-8
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Manuela Abath Valença
a etnografia, pudemos flagrar alguns cochilos breves, aquilo que o senso comum
chama de “pescar”. Em uma das ocasiões, inclusive, um advogado fazia sustentação
oral e sentiu necessidade de chamar nominalmente o desembargador que caiu na
tentação da siesta.33
No que tange ao tempo, os elementos sem dúvidas mais importantes na linha
de montagem foram a grande quantidade de processos em pauta e a presença de
muitos advogados para fazerem sustentação oral. Os desembargadores sabem que
em quaisquer dos dois casos, a sessão pode durar muitas horas e, portanto, podem
preferir suprimir alguns debates para que haja tempo de julgar tudo o que se previra
para o dia.
Presenciamos uma sessão em que um dos desembargadores já estava cerca
de meia hora atrasado e o presidente lamentava, afirmando que justamente naquele
dia tinham “não sei quantos advogados para fazer sustentação oral” (d. 1). A sua
preocupação era relevante. Para se ter uma ideia, neste dia, um dos habeas corpus
durou cerca de quarenta minutos para ser apreciado e nem chegou a ser julgado,
porque o d. 2 pediu vista. Isso faz desandar completamente o ritmo de linha de
produção e, em consequência, interfere na obtenção da meta de eficiência.
Em outra ocasião, o presidente da sessão iniciou os trabalhos com uma
advertência: “vamos votar simplificadamente”. De fato, foi a sessão mais acelerada
que pudemos presenciar: treze HCs em 37 minutos. Não pude entender ao certo a
razão da pressa, mas não tenho dúvidas de que se ligava ao problema da pauta ou
quiçá ao horário de finalização da sessão. Como destaca Moreira:34
Por fim, ainda outro episódio demonstrou o quanto o tempo pode ser relevante
para a existência de debates. Em outra sessão, um dos desembargadores (o d. 3)
informou que naquele dia teria uma evento em homenagem ao Procurador Geral de
Justiça e insinuou que a sua participação seria importante. Ele deixou claro que tinha
pressa para acabar a sessão. Foi então que um fato curioso aconteceu, não sabemos
se por coincidência ou porque o desembargador tinha mesmo a prioridade de concluir
a sessão a tempo de participar do tal evento.
33
Barbosa Moreira comenta sobre alguns casos na Cour de cassation francesa e na Reichsgericht alemã em
que os julgamentos foram impugnados por terem os julgadores dormido ao longo das discussões (MOREIRA
(1994): 11).
34
MOREIRA (1994): 15.
24 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 9-28, out./dez. 2014
“Acompanho o relator”: a síndrome da unanimidade nas câmaras criminais do TJPE
5 Conclusão
A existência de órgãos colegiados em nosso sistema de justiça está geralmente
relacionada a um ideal de segurança jurídica. A colegialidade, entretanto, é um
modelo que demanda tempo e que pode não corresponder a outros objetivos de uma
organização como o judiciário, sobretudo aqueles ligados a suas metas burocráticas
de eficiência.
35
MOREIRA (1994): 20.
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Manuela Abath Valença
Abstract: The criminal courts in Brazil are basically collegiate courts. This is a model that spends time,
because the same process must be analyzed by more than one magistrate. In a scenario of over-burdening
of the courts, the collegiate is usually mitigated and remains just like a ritual without meaning. Some
experts of the criminal process call that “unanimity´s syndrome”, referring to a phenomenon where a large
number of decisions are unanimous, despite the lack of real agreement between the magistrates. The
task of this paper is to present a research based on a quantitative analysis of 1.818 decisions of the four
criminal chamber of a court in Brazil (TJPE) and an ethnographical observations of the trials sessions. The
overwhelming of the decisions (more than 90%) are unanimous and the judges tend to follow the first vote
mentioned. Considering the contributions of the organizational sociology, we conclude that the collegiate
courts works hardly like a monocratic court and it is largely related to bureaucratic priorities.
Key words: Collegiate courts. Bureaucracy. Efficiency. Unanimity’s syndrome.
Referências
ABATH, Manuela. Julgando a liberdade em linha de montagem: um estudo etnográfico do julgamento
de habeas corpus nas sessões das câmaras criminais do TJPE. Dissertação de mestrado.
PPGD-UFPE (2012).
AZEVEDO, Rodrigo G. de. Sistema penal e violência de gênero: análise sociojurídica da lei 11.340/06.
In: Sociedade e Estado. Brasília: Unb, v. 23, n. 1, jan/abr, p. 113-135, 2008.
MOREIRA, José C. Barbosa. Notas sobre alguns fatores extrajurídicos no julgamento colegiado. In:
Revista de Processo. São Paulo: Editora Revista de Tribunais, ano 19, n. 75, jul/set, p. 7-25, 1994.
26 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 9-28, out./dez. 2014
“Acompanho o relator”: a síndrome da unanimidade nas câmaras criminais do TJPE
BATTITUCCI, Eduardo Cerqueira et al. A justiça informal em linha de montagem: estudo de caso da
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28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 9-28, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na
execução civil
Felipe Scalabrin
Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale dos Sinos, vinculado à linha
Hermenêutica, Constituição e Concretização de Direitos. Membro do Grupo de Pesquisas
em Direito Processual Civil vinculado ao CNPQ “O processo civil contemporâneo: do Estado
Liberal ao Estado Democrático de Direito”.
Resumo: O presente texto trata da arrematação por preço vil no âmbito da execução por quantia certa
contra devedor solvente. Busca-se uma compreensão em torno do reconhecimento deste conceito no
bojo da situação decidenda a partir dos aportes oriundos da doutrina e da jurisprudência acerca do tema.
Inescapável, ainda, a crítica ao Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Execução civil. Preço vil. Arrematação. Avaliação.
1 Introdução
O Superior Tribunal de Justiça tem sedimentado o entendimento segundo o qual
a alienação de bens do devedor para a satisfação do credor por ocasião da execução
forçada não pode se dar por valor inferior a 50% da avaliação dos bens. Noutras
palavras, no entendimento do Tribunal, haverá preço vil na venda judicial que não
atinja ao menos o patamar referido. Anacronicamente, a própria Corte possui julgados
que atestam que a questão jurídica discutida (existência de preço vil) depende de um
exame das peculiaridades do caso concreto, sem, no entanto, apontá-las.
Pari passu, acompanhando a (des)orientação do Tribunal Superior, tem se
tornado corrente na jurisprudência dos Tribunais inferiores o entendimento de que
a alienação judicial feita por até 50% do valor da avaliação é válida e, do contrário,
haverá nulidade no ato, porquanto violador do comando previsto no Diploma Processual
(art. 692).
Seguindo o desencadeamento hierárquico-jurisprudencial da questão, essa
perspectiva é corroborada nos juízos de primeiro grau, inclusive, p. ex., com o
surgimento de previsões específicas nos editais de leilão repudiando-se lanços por
valor inferior ao critério objetivamente prescrito ou, de igual modo, com a rejeição
liminar de propostas apresentadas por terceiros interessados na aquisição dos bens,
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 29
Felipe Scalabrin
2 Contextualização do problema
2.1 Breves notas em torno da execução por quantia certa
contra devedor solvente
Também aceito como execução obrigacional,1 o processo de execução tem por
requisitos a existência de título hábil a confirmar o direito do autor e a afirmação do
inadimplemento pelo devedor.2 A execução por quantia certa é aquela que busca o
cumprimento de obrigação notadamente pecuniária.
Na busca pelo cumprimento da obrigação, o processo de execução surge como
medida jurisdicional que permite a invasão do patrimônio do devedor inadimplente
a fim de satisfazer o direito do credor.3 Através da chancela do Estado-Juiz passa a
ser possível, inclusive, a expropriação dos bens do devedor para que seja liquidado
o débito.4
Assim, diante do não pagamento espontâneo, está autorizado o credor a
ingressar em juízo, requerendo a citação do devedor para que, em derradeira
oportunidade,5 pague o débito no prazo de três dias, sob pena de prosseguimento da
1
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. Volume 2. Execução obrigacional, execução real, ações
mandamentais. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 19 e ss.
2
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil, op. cit., p. 31-32; art. 580 do CPC: “A execução pode
ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título
executivo (redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)”.
3
“Lo scopo mediato dell’esecuzione si collega al rapporto giuridico sostanziale, ed è analogo a quello
dell’adempiemento: il procedimento esecutivo si muove per la realizzazione del diritto del creditore.” PUGLIATTI,
Salvatore. Esecuzione forzata e diritto sostanziale. Milano: Dott A. Giuffre, 1935, p. 135.
4
Art. 591 do CPC: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens
presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. Art. 646 do CPC: “A execução por quantia certa
tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor”.
5
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil, op. cit., p. 84.
30 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na execução civil
6
Art. 652 do CPC: “O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida
(Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)”.
7
Não há pretensão, neste texto, de aprofundar o conceito de ato e (atos) executivo(s). Para tanto, consultar:
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil, op. cit., p. 25 e ss.
8
PUGLIATTI, Salvatore. Esecuzione forzata e diritto sostanziale, op. cit., pp. 145-146. Para um percuciente
estudo dos efeitos da penhora e do depósito no âmbito da execução forçada, na mesma obra: pp. 146-154.
9
A invasão patrimonial poderá ocorrer em diversas esferas que transbordariam o estudo. Diuturnamente a
técnica processual se aprimora para assegurar, sob o ponto de vista do exequente, a satisfação do crédito
pelas mais variadas vias. Não mais a penhora se limita aos bens do executado. O próprio Código de Processo
Civil arrola a possibilidade de incidir a penhora sobre créditos e outros direitos (art. 671 e seguintes), e ainda
chancela a penhora do estabelecimento empresarial (art. 677 e seguintes).
10
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 3. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 321.
11
Art. 680 do CPC: “A avaliação será feita pelo oficial de justiça (art. 652), ressalvada a aceitação do valor
estimado pelo executado (art. 668, parágrafo único, inciso V); caso sejam necessários conhecimentos
especializados, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega
do laudo”.
12
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil, op. cit., p. 99.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 31
Felipe Scalabrin
Art. 692. Não será aceito lanço que, em segunda praça ou leilão, ofereça
preço vil. (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)
Parágrafo único. Será suspensa a arrematação logo que o produto da
alienação dos bens bastar para o pagamento do credor. (Incluído pela
Lei nº 8.953, de 13.12.1994) (grifou-se)
13
Idem, ibidem., p. 99.
14
Idem, ibidem., p. 101
15
Assume-se, aqui, que a arrematação possui natureza de “negócio jurídico processual” (Araken de Assis). Não
se pretende, entretanto, trazer à baila tal discussão. Para tanto, além da lição de Araken de Assis, consultar:
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil, op. cit., p. 100; PUGLIATTI, Salvatore. Esecuzione
forzata e diritto sostanziale, op. cit., p. 315; MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil.
Tomo XIII. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961, pp. 339-353.
32 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na execução civil
Essa assertiva é confirmada pelo célebre estudo de Rogério Lauria Tucci, que
traz precedentes de longa data no sentido de que “sendo vil o preço correspondente
ao lanço oferecido se impõe a ‘anulação da praça e dos atos posteriores, a fim de
que outra se realize, preenchendo as formalidades legais’”.18
Além disso, reverbera na doutrina a ideia de que se trata de conceito jurídico
indeterminado,19 de modo que não lhe é possível atribuir um “critério econômico
apriorístico”.20 Deve-se, para identificar a vileza do preço, comparar o valor do arremate
com o valor da coisa penhorada e, havendo evidente desproporção, considerar-se-á vil
o preço, inviabilizando, portanto, a venda.21 Como constatar, entretanto, a “evidente
desproporção”? Por hora, a questão fica sem resposta.
Ainda na trilha de Araken de Assis, considera-se viável traçar um comparativo
com o art. 701 do Código de Processo Civil segundo o qual mais de 80% do valor da
avaliação do bem não pode ser considerado preço vil. Não nega o autor, entretanto, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tem considerado hígido o valor de
até 50% do valor de avaliação, afastando, portanto, a vileza.22
Seja qual for o percentual, para o jurista gaúcho, se trata de hipótese de
discricionariedade judicial que deverá ser resolvida através do binômio economia
(art. 620) e efetividade da tutela para o credor, de modo que: “tudo dependerá
16
ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 13ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 869.
17
ASSIS, Araken de. Manual da Execução, op. cit., p. 869.
18
O precedente mais antigo data de 1975 (Revista dos Tribunais, 478/113), TUCCI, Rogério Lauria. Execução
fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação. Revista de Crítica Judiciária, Uberaba, forense, 1987. v. 1,
p. 147-160, p. 156.
19
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2010. v.3,
pp. 366; DIDIER JR., Fredie (et. al.). Curso de Direito Processual. v. 5. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 643.
20
ASSIS, Araken de. Manual da Execução, op. cit., p. 870.
21
Idem, ibidem, p. 870.
22
Idem, ibidem.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 33
Felipe Scalabrin
23
Idem, ibidem.
24
TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação, op. cit., p. 155.
25
STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 546.
26
Em outras palavras: como a regra acerca da definição de preço vil é obscura, necessária a aplicação subsidiária
de algum dos “princípios” norteadores da execução: menor onerosidade para o devedor e efetividade da tutela
executiva para o credor, pois o “texto” legal é omisso.
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Arrematação por preço vil na execução civil
Podemos dizer que isso tudo funciona da seguinte forma: quando nos
ocupamos com questões jurídicas, possuímos, antecipadamente/pré-
compreensivamente, um todo conjuntural que nos permite articular os
diversos instrumentos que a tradição jurídica construiu. Há sempre um
todo antecipado em cada ato particular que praticamos como advogados,
procuradores, promotores, juízes etc. No contexto da tradição em que
estamos inseridos, este todo é representado pela Constituição. Mas
não a Constituição enquanto um texto composto de diversas fatias: os
artigos, os incisos, as alíneas etc., mas, sim, a Constituição entendida
como um evento que introduz, prospectivamente, um novo modelo de
sociedade. Este evento que é a Constituição está edificado sob certos
pressupostos que chegam até nós pela história institucional de nossa
comunidade. Tais pressupostos condicionam toda tarefa concretizadora
da norma, porque é a partir deles que podemos dizer se o direito que
se produz concretamente está legitimado de acordo com uma tradição
histórica que decidiu constituir uma sociedade democrática, livre, justa
e solidária.31
27
A respeito das diferentes noções que a acepção “princípio” pode conter: OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão
judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008.
28
STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, op. cit., p. 558.
29
STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, op. cit., p. 540.
30
STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, op. cit., p. 544.
31
STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, op. cit., p. 546.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 35
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32
STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, op. cit., p, p. 473.
33
STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas, op. cit., p, p. 562.
34
Para Marcelo Lima Guerra há uma diferença estrutural entre regras e princípios. Os princípios e os direitos
fundamentais são normas que operam de modo distinto, sendo possível a utilização do juízo de ponderação
de princípios. Tudo conforme a criticável fórmula prevista na Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy
(GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003, p. 84 e ss).
35
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003, p. 104.
36
Pela sua existência, inclusive na condição de “princípio”: DIDIER JR., Fredie (et. al.). Curso de Direito
Processual. v. 5. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 47.
37
Assim conceituado: (...) “designa uma daquelas exigências ou valores relativos ao processo judicial, inseridas
no âmbito (ou campo semântico) do direito fundamental ao processo devido. Trata-se, portanto, de uma
ferramenta dogmática de elevada importância na solução dos problemas a ser enfrentados no presente
trabalho, relacionados à prestação efetiva da tutela executiva.” (...) Mais além, reforça-se a tese ao ser
afirmado que o direito fundamental à tutela executiva corresponde com a máxima coincidência possível entre
o direito substancial afirmado e a existência de meios executivos “capazes de proporcionar pronta e integral
satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva” (GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e
a proteção do credor na execução civil, op. cit., p. 101-102).
38
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, op. cit., p. 104.
36 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
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39
DIDIER JR., Fredie (et. al.). Curso de Direito Processual, op. cit., p. 55.
40
DIDIER JR., Fredie (et. al.). Curso de Direito Processual, op. cit., p. 60.
41
Aliás, não é à toa que “a actual situação problemática do direito, e do pensamento jurídico, justifica que
recuemos a perguntarmo-nos radicalmente sobre o sentido do próprio direito” (CASTANHEIRA NEVES, Antonio.
Coordenadas de uma reflexão sobre o problema universal do direito – ou as condições da emergência do
direito como direito. In: RAMOS, Rui Manuel de Moura (Coord.). Estudos em Homenagem à Professora Doutora
Isabel de Magalhães Collaço. Coimbra: Almedina, 2002, p. 837).
42
Note-se que, como apontado anteriormente, isto não significa que os princípios estarão na resposta
jurisdicional, pois, como já adiantado, toda a decisão deve ser uma decisão fundada em princípios.
43
Prestigia-se, portanto, a necessidade de se aceitar o “Direito como integridade” – de que trata Ronald Dworkin
(O Império do Direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 164 e ss).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 37
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44
Equipara-se aqui alienação a particular e arrematação, conforme já adiantara Pontes de Miranda nos seus
comentários à venda por iniciativa particular prevista no Código de Processo Civil de 1939 (Comentários ao
Código de Processo Civil, op. cit., p. 380).
45
SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: Hasta pública, lance mínimo e lance vil no
processo do trabalho. Revista Ltr: Legislação do Trabalho, São Paulo, v. 69, n. 12, p. 1.435-1.445, dez, 2005,
p. 1.441.
46
STRECK, Lenio Luis. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Disponível em: <www.univali.br/periodicos>.
Acesso em 08/2012.
47
Houve a tentativa no âmbito do processo legislativo em estabelecer como critério objetivo o valor de 50% para
que se pudesse considerar vil o preço. Todavia, apesar dos debates, a Lei nº 11.382/06 acabou por não
alterar o art. 692 do CPC (a este respeito: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Reflexões sobre o novo regime
de expropriação de bens introduzido pela Lei 11.382/2006. In: SHIMURA, Sérgio (Coord.). Execução civil e
cumprimento da sentença. São Paulo: Método, 2007, v. 2).
48
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 378.
49
CASTRO, Amílcar de. Do procedimento de execução: Código de processo civil – livro ii – arts. 566 a 747. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 323.
50
Art. 701 do CPC: Quando o imóvel de incapaz não alcançar em praça pelo menos 80% (oitenta por cento) do
valor da avaliação, o juiz o confiará à guarda e administração de depositário idôneo, adiando a alienação por
prazo não superior a 1 (um) ano.
§1º Se, durante o adiamento, algum pretendente assegurar, mediante caução idônea, o preço da avaliação, o
juiz ordenará a alienação em praça.
§2º Se o pretendente à arrematação se arrepender, o juiz lhe imporá a multa de 20% (vinte por cento) sobre o
valor da avaliação, em benefício do incapaz, valendo a decisão como título executivo.
§3º Sem prejuízo do disposto nos dois parágrafos antecedentes, o juiz poderá autorizar a locação do imóvel
no prazo do adiamento.
§4º Findo o prazo do adiamento, o imóvel será alienado, na forma prevista no art. 686, VI.
51
ASSIS, Araken de. Manual da Execução, op. cit., p. 869. Contra, apontando que o art. 701 não guarda qualquer
relação com o tema tratado: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São
Paulo: Saraiva, 2010. v. 3, pp. 356.
38 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na execução civil
52
Não se nega, entretanto, que a singularidade da situação decidenda aponte em sentido contrário mesmo
nesta situação extrema.
53
SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: Hasta pública, lance mínimo e lance vil no
processo do trabalho, op. cit., p. 1.441.
54
TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação, op. cit.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 39
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55
Confira-se, a respeito a posição de Ernane Fidélis dos Santos: “o critério a ser seguido pelo juiz é o da
razoabilidade, tudo se apurando segundo o prudente arbítrio do julgador” (Manual de direito processual civil.
10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2, p. 155). No mesmo sentido, a posição de Araken de Assis de que se
trata de um juízo “discricionário” (Manual da Execução, op. cit., p. 870).
56
TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação, op. cit., p. 158.
57
A avaliação não expressa o valor real do bem, como já bem apontava PONTES: “Avaliação, aqui, é a comunicação
de conhecimento sobre o valor que algum bem pode obter sendo alienado” (...). “A avaliação também é meio,
ato na sequência de atos executivos. Fixa o valor aproximado, com certa fé nas comunicações de conhecimento
que ela contém” (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., pp. 331-332).
58
TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação, op. cit., pp. 154-155.
59
AMÍLCAR DE CASTRO, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, 1974, vol. VIII, p. 358, n. 490,
apud TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação, op. cit., p. 154.
60
Nesse sentido: FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Preço vil na hasta pública. Revista Magister de Direito Empresarial,
Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre, v. 6, n. 35, p. 43-45, out./nov. 2010, p. 45.
61
Assim também Humberto Theodoro Júnior: “preço vil é o que se apresenta excessivamente abaixo do valor
da avaliação devidamente atualizado. Aprecia-se essa circunstância levando-se em conta o valor de mercado
do bem, e não o montante da dívida exequenda (STJ, 3ª T., Resp 109.753-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, ac.
de 10-3-1997, DJU, 22 de abril de 1997, p. 14426)” (Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência.
11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 158).
40 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na execução civil
62
SOARES, Orlando. Comentários ao Código de Processo Civil. 1. ed. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 452.
63
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 10. ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 155.
64
CASTRO, Amílcar de. Do procedimento de execução: Código de processo civil – livro ii – arts. 566 a 747. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 241.
65
FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. 1. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 188.
66
Idem, p. 225.
67
NEVES, Celso. Comentários ao código de processo civil: artigos 646 a 795. 7. ed. v. 7. Rio de Janeiro:
Forense, 1999.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 41
Felipe Scalabrin
68
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2010. v.3,
pp. 355-356.
69
Assim, por exemplo: se A, que possui um terreno avaliado em R$ 100.000,00, deve R$ 70.000,00 para B e
é acionado judicialmente e ação prossegue até o ultimato dos atos expropriatórios, com a venda judicial em
leilão do bem por R$ 70.000,00 e a alienação é considerada regular, sem que houvesse preço vil, A acaba por
pagar R$ 100.000,00 pela dívida de R$ 70.000,00. Neste caso, como na grande maioria dos casos, haverá
evidente prejuízo ao executado.
70
ARAGÃO, Severiano Ignácio de. Desfazimento da arrematação por preço vil. Arquivos dos Tribunais de Alçada.
Rio de Janeiro, degrau cultural, 1996. v. 26, p. 28-30, p. 30.
71
Não é o caso de Cassio Scarpinella, que contribui com interessante posição: “O que é possível de ser feito em
tese e fornecer subsídios indicativos de quando se está diante de preço vil a ser, como tal, rejeitado. A vileza
do lanço tem de ser constatada a partir do valor do próprio bem, nunca levando em conta fatores externos a
ele. O preço vil deve ser aferido a partir da comparação entre o valor da arrematação e o da avaliação do bem,
e não em relação ao grau de satisfação do exequente. No máximo, levarse-ão em conta dificuldades da própria
execução – desinteresse na adjudicação (art. 685-A), frustração de alienação por iniciativa particular (art. 685-
C), eventuais hastas anteriores negativas, variação negativa do mercado consumidor do bem penhorado, por
exemplo –, para subsidiar o entendimento quanto à pertinência da alienação por preço esperado em situações
normais” (Curso sistematizado de direito processual civil, op. cit., p. 356).
72
Utilizada aqui a obra de: SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: Hasta pública, lance
mínimo e lance vil no processo do trabalho, op. cit., p. 1.442.
42 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na execução civil
73
Não custa lembrar que a proposta de Alexandre Alliprandino Medeiros é proveniente do processo trabalhista
que tem acentuada a natureza alimentar dos créditos. O mesmo não se espelha nas demais execuções, seja
na civil, seja na fiscal.
74
Conforme supra item 03.
75
“Igualmente, porque o mercado não respondeu à oferta do bem, que em primeira praça, pelo preço de
avaliação, quer nas demais, por qualquer preço (evidentemente longe da vileza) é que a jurisprudência
tem entendido não ser vil o preço se, em quatro praças, não de obteve lanço superior e os devedores não
procuraram remir a execução (JTA 105/70), devendo essa característica ser avaliada pelas circunstâncias da
causa (STJ REsp 2.693 – RS, Min. Oueiros Leite), não sendo de se acolher a tese do preço vil (RT623,106), se
o bem penhorado foi à praça por inúmeras vezes, sem possibilidade de se chegar a bom termo, com intuitivo
prejuízo do exequente, pois o modo menos gravoso com que se deve processar a execução não pode, à toda
evidência, ‘deixar o credor desmunido de providências, de sorte a alcançar o seu crédito’” (A arrematação a
preço vil. Arquivos dos Tribunais de Alçada. Rio de Janeiro, degrau cultural, 1996. v. 24, p. 17-20, p. 18).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 43
Felipe Scalabrin
76
AgRg no Ag 1.277.529/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, DJe 22/09/2010; REsp 1.017.301/RJ,
Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 26/05/2008; REsp 1052691/SC, Rel. Ministra
Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe 26/11/2008; REsp 1057831/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
2ª Turma, DJe 14/10/2008; REsp 793.725/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 02/10/2006;
AgRg nos EDcl no Ag 454.247/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 19/05/2003.
77
AgRg no Ag 1259306/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, DJe 07/04/2011.
78
AgRg no Ag 1106824/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 15/05/2009.
44 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na execução civil
Não ocorre arrematação por preço vil na hipótese em que o bem foi
arrematado, em quarto leilão, por aproximadamente 33% do valor da
avaliação, e a natureza do bem, sua utilidade para terceiros, a dificuldade
do arrematante em receber o bem e a reiteração de leilões infrutíferos
indicam a razoabilidade do valor da arrematação, pois, ainda que o valor
da avaliação possa ser tomado como critério inicial para a caracterização
do preço vil, não deve atuar como único ou preponderante fator, devendo-
se levar em conta particularidades fáticas do caso e circunstâncias
negociais à época da alienação.
Tal precedente elucida que o próprio Tribunal não adere por completo à tese da
objetividade, na medida em que aceita a necessidade de se observar as peculiaridades
do caso concreto para verificação do preço vil.
Essa questão causa estranheza, na medida em que, em tese, não está autorizado
o Superior Tribunal de Justiça a proceder a revisões de matérias de cunho altamente
probatório. Há, neste particular, colidentes entendimentos quanto à possibilidade de
o Tribunal verificar ou não a existência de preço vil. Já se entendeu que tal exame
revolveria matéria fática e, portanto, insuscetível de reexame pela via especial.79 Por
outro lado, já se entendeu que não se trata de matéria de fato e que pode, sim, ser
verificada pelo Tribunal.80
Em linhas gerais, pode-se observar que o Superior Tribunal de Justiça já se
manifestou no sentido de não considerar vis arrematações realizadas por 50%, 60%
e 70% do valor da avaliação.81
Com efeito, o que se constata é que a orientação majoritária do Tribunal segue
a linha objetivista, mas de maneira temperada, pois aceita o critério subjetivo e, além
disso, corrobora a necessidade de verificação de outros elementos além da avaliação
do bem penhorado. Em outras palavras, a avaliação não pode ser considerada o único
critério para a verificação do preço vil, como já adiantado anteriormente e chancelado
pelo Superior Tribunal de Justiça:
Ainda que o valor da avaliação deva ser tomado como critério inicial para
identificação ou não de caracterização de preço vil em arrematação,
não deve atuar como único ou preponderante fator. Tal como destaca a
sentença, outras singularidades devem ser ponderadas, como a natureza
79
AgRg no REsp 1147635/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 08/04/2011; REsp 422.406/SP,
Rel. Ministro Castro Filho, 3ª Turma, DJ 23/09/2002, p. 360.
80
AgRg nos EDcl no Ag 454.247/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 19/05/2003, p. 134. Destaque-se o
amplo feixe de julgados anteriormente citados, que corroboram amplamente o exame do tema pelo Superior
Tribunal de Justiça.
81
AgRg no Ag 463.584/GO, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ 18/12/2006, p. 360.
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Felipe Scalabrin
82
Excerto do voto do relator Ministro Arnaldo Esteves Lima (AgRg no Ag 1259306/SP, DJe 07/04/2011).
83
REsp 1006387/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 02/09/2010, DJe 15/09/2010.
84
SANTOS, Igor Raatz dos; SILVA, Frederico Leonel Nascimento e. Crítica à tese do julgamento de ofício das
“questões de ordem pública” em recurso especial: uma proposta de reflexão sobre o papel dos Tribunais
Superiores. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 202, p. 69-92, dez. 2011, p. 79.
85
Idem, ibidem, p. 85.
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Arrematação por preço vil na execução civil
4 Considerações conclusivas
Em tempos de massificação de conflitos e de acerbada quantidade de trabalho
pelos Tribunais, não causa estranheza o completo abandono dos casos concretos e
a crescente adoção de standards predeterminados de decisões.
Questões polêmicas e nas quais mais se cobra da jurisprudência e da doutrina
uma indicação de sentido para a própria realização do direito a partir de aportes dos
aportes da situação decidenda acabam sendo relegadas para um segundo plano.
Fazem-se concessões e apostas – como a feita à discricionariedade judicial, ou
o “prudente arbítrio” do juiz para aplicar o critério “mais justo e razoável” no caso
concreto86 – sem, entretanto, assegurar, sob o ponto de vista da necessária integridade
e unidade do direito, balizas orientadoras da interpretação judicial. Infelizmente, nestes
espaços privilegiados, onde a discussão sobre onde está o Direito vivenciado se torna
mais palpável, a comunidade jurídica – cada qual a seu modo – vacila.
Urge, portanto, que se abram espaços de reflexão.87 Verdadeiras clareiras para
uma indicação do sentido da juridicidade e para a retomada da realização material do
Direito. Significa dizer que é preciso repensar a forma como se atua e como se decide,
de modo que, ao invés de se buscar álibis argumentativos (como a invocação oca de
princípios ou elementos áridos como a razoabilidade), sejam efetivamente lançadas
as razões que a tradição jurídica em torno de determinado instituto apresenta e que
estes motivos sejam colocados em choque com a experiência constitucional para
que, então, se alcance uma resposta constitucionalmente adequada ao caso.
Em parcas linhas, o presente estudo buscou apresentar um problema quanto
ao que (não)se compreende por preço vil no âmbito do processo de execução e
instigar o debate para a problemática em torno do modo da realização do direito hoje;
especialmente na judicatura do Superior Tribunal de Justiça.
Para tanto, pretendeu-se trazer à baila parte da experiência jurídica já existente
em torno da controvérsia, com aportes doutrinários e jurisprudenciais, de modo a se
reconstruir (ainda que de maneira sintética) a tradição jurídica sobre o que se entende
por preço vil no bojo da execução civil.
Chancela-se, como deve ter ficado claro, que: “é difícil, senão impossível, definir
o que é preço vil em abstrato. E isso porque se trata de conceito vago e indeterminado
que, como tantos outros do Código de Processo Civil, pressupõe fato concreto,
certo e delimitado no tempo e no espaço para ser expresso, definido, concretizado.
É conceito que só existe na aplicação do direito, em sua dinâmica”.88
86
SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: Hasta pública, lance mínimo e lance vil no
processo do trabalho, op. cit., p. 1.442.
87
No específico estudo do preço vil, merecem destaque as reflexões de Araken de Assis, Cassio Scarpinella
Bueno e o irrepetível trabalho de Rogério Lauria Tucci, que soube, com a precisão que lhe cabe, apresentar o
tema pela primeira oportunidade.
88
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3, p. 356.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014 47
Felipe Scalabrin
Esta postura é, na verdade, uma escolha filosófica que indica que não se pode
atribuir sentido a algo sem que este algo se apresente diante do ser.
Com isso, pode-se apontar, a título conclusivo, que:
a) Não é possível antecipar a existência de vileza nas alienações judiciais
realizadas, não sendo possível preestabelecer o quantum que caracterizará (ou
não) a venda a preço vil. Esta apenas poderá ser verificada após a existência
efetiva de uma proposta (ou lance) que, cotejada com as condições do caso,
evidencie espoliação do patrimônio do executado e lhe cause, assim, prejuízo
inconciliável com a necessidade de se satisfazer o direito do exequente.
b) A legislação processual não estabelece um critério objetivo para a constatação
de preço vil, mas traz um forte indicativo que não pode ser desconsiderado
(tampouco tornar-se um dogma), a saber: 80% do valor da avaliação. Trata-se
de aplicação (sistemática) do art. 701 do CPC.
c) No campo doutrinário, prepondera a aceitação da discricionariedade judicial.
Caberá ao juiz, analisando as condições do caso concreto, avaliar se ocorreu
vileza ou não.
d) No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, prevalece o entendimento de que
está caracterizada a vileza do preço quando a arrematação não alcançar,
pelo menos, 50% do valor da avaliação. Adota-se o critério objetivo valor.
Todavia, o próprio STJ possui precedentes em sentido contrário, aceitando
que a avaliação é apenas o critério inicial para a definição da controvérsia e
que outros elementos poderão influenciar na definição de preço vil.
e) Há consenso, na doutrina e na jurisprudência, no sentido de que a avaliação
exerce um papel fundamental na caracterização do preço vil.
f) Dos muitos “outros critérios” utilizados para a deflagração da vileza, o único
que não recebeu aqui qualquer crítica é aquele que diz respeito à facilidade/
dificuldade de alienação do bem. Ora, se por diversas oportunidades se
buscou a alienação do objeto e em nenhuma delas houve resposta positiva,
isto significa que, muito provavelmente, o “valor real” (aquele que corresponda
aos interesses do mercado comprador) não está espelhado na avaliação e,
portanto, poderá não ocorrer a causa de desfazimento mesmo quando o
lance for extremamente inferior ao valor da avaliação. Na feliz contribuição
de Cassio Scarpinella Bueno poderíamos denominar tais entraves na rubrica
de “dificuldades da própria execução”.
g) A existência ou não de preço vil, enquanto categoria jurídica, é um excelente
exemplo das contradições do imaginário jurídico brasileiro (notadamente
os Tribunais), que, cada vez mais, desprestigia as condições da situação
concreto-decidenda para albergar os seus dilemas em proposições
estagnadas (respostas prontas e desvencilhadas de uma real reflexão em
torno do caso).
48 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Arrematação por preço vil na execução civil
Abstract: The current paper addresses the “vile price” during the auction on civil execution. It’s a search
of understanding and recognition of this concept in the midst of the case through contributions from the
doctrine and jurisprudence around the theme. Inevitable, also, a critique on the Superior Court of Justice.
Key words: Civil execution. Vile price. Auction. Evaluation.
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50 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 29-50, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da
sentença penal condenatória
Sumário: 1 Natureza da eficácia civil da sentença penal condenatória – 2 Da sentença penal – 3 Aspectos
processuais da execução civil da sentença penal condenatória – 4 Execução civil de sentença penal
condenatória por crime contra bem jurídico de natureza difusa, coletiva ou individual homogênea – 5 Breves
comentários às alterações previstas no projeto do novo Código de Processo Penal sobre a execução civil
da sentença penal condenatória – 6 Considerações finais – Referências
1
“A novidade é exclusiva do direito pátrio, tendo em vista que inexiste qualquer regra a respeito nos ordenamentos
alienígenas.” MACEDO, Alexander dos Santos. Da Eficácia Preclusiva Panprocessual dos Efeitos Civis da
Sentença Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1989, p. 29.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 51
Renata Caroline Kroska
esta poderia ser executada civilmente.2 Pontes de Miranda, por sua vez, afirmou
categoricamente que o artigo 63 do Código de Processo Penal “atribui executabilidade
civil do julgado criminal que condene” (grifo do autor).3 Esse autor também sustentava
que o juízo criminal poderia atribuir um valor a título de indenização e advertia que
se a condenação possuísse grau de executividade quatro “é nos próprios autos
da ação de condenação penal que se executa a sentença”,4 porém, se o grau de
executividade fosse três ou menos, a execução deveria ser promovida no cível. O grau
de executividade quatro pode ser encontrado, por exemplo, quando o juiz criminal,
nos termos do art. 120 do Código de Processo Penal, determina a restituição da
coisa apreendida à vítima proprietária, incidente processado perante o próprio
juiz criminal.5
A eficácia extrapenal da sentença criminal do art. 63 do Código de Processo
Penal se verifica sempre que o juízo penal não puder promover a execução, havendo
que se esclarecer que os efeitos extrapenais não estão restritos à esfera cível,
existindo outros, por exemplo, a perda de cargo ou função pública, nos termos do
art. 92 do Código Penal,6 e a demissão por justa causa, quando transitar em julgado
a sentença criminal contra o empregado, conforme art. 482, d, da CLT.7
Araken de Assis compreende a execução civil da sentença penal condenatória
como eficácia anexa e “isso porque o efeito aí contemplado dimana, em linha direta,
da proposição legislativa”.8 Esclarecendo que a expressão “tornar certa” usada no
artigo 91, I, do Código Penal, embora típica de declaração, no caso, confere efeito
condenatório de natureza civil à sentença penal condenatória.9
2 Da sentença penal
É a lei, portanto, que confere status de título executivo à sentença penal
condenatória transitada em julgado, entretanto, definir quais decisões podem ser
classificadas como condenatórias é tarefa que oferece algumas dificuldades dignas
de atenção.
2
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 68.
3
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. t. XXVII, Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,
p. 264.
4
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. t. XXVII, Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,
p. 264.
5
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007,
p. 307.
6
Art. 92, do CP: São também efeitos da condenação: I – a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo.
7
Art. 482, da CLT: Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: d) condenação
criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena.
8
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 91.
9
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 92.
52 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
10
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. São Paulo: Altas, 1992. p. 425.
11
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 509.
12
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 509.
13
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. São Paulo: Altas, 1992. p. 426.
14
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 510.
15
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 2. Processo de Conhecimento.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 411.
16
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 414.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 53
Renata Caroline Kroska
17
“A tipicidade é a adequação do fato humano ao tipo de ilícito contido na norma incriminadora.” DOTTI, René
Ariel. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 311.
18
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte geral. Curitiba: ICPC Editora e LTDA; Lumen Juris, 2007,
p. 276.
54 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
19
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado das Ações. Tomo V. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1974, p. 324.
20
HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO - AGENTE INIMPUTÁVEL - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - IMPOSIÇÃO DE MEDIDA
DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO - PRETENDIDO TRATAMENTO AMBULATORIAL - IMPOSSIBILIDADE - CRIME
PUNÍVEL COM RECLUSÃO - ART. 97, “CAPUT”, DO CÓDIGO PENAL. Constatada por perícia a inimputabilidade
do réu – ao tempo da ação e em virtude de doença mental, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato –, imperiosa a sua absolvição sumária, com imposição de medida de segurança de internação, tal
como preconizado pelo art. 97, “caput”, primeira parte, do Código Penal, cujo prazo mínimo, consideradas as
circunstâncias do caso, deve ser reduzido para um ano. APELAÇÃO DESPROVIDA. REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DO
PRAZO MÍNIMO DE CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA (TJPR - 1ª Cam. Crim. Des. Rel. Telmo Cherem.
Julg. 03.set.2009).
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TENTADO. INIMPUTABILIDADE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
E SUBMISSÃO À MEDIDA DE SEGURANÇA. ALEGAÇÃO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. LEGÍTIMA
DEFESA. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM
CONCEDIDA. 1. A absolvição sumária por inimputabilidade do acusado constitui sentença absolutória imprópria,
a qual impõe a aplicação de medida de segurança, razão por que ao magistrado incumbe proceder à analise
da pretensão executiva, apurando-se a materialidade e autoria delitiva, de forma a justificar a imposição da
medida preventiva. 2. Reconhecida a existência do crime e a inimputabilidade do autor, tem-se presente causa
excludente de culpabilidade, incumbindo ao juízo sumariante, em regra, a aplicação da medida de segurança
(STJ – 5ª T – HC 99.649 – MG – Rel. Arnaldo Esteves Lima – Julg.17.jun.2010. Grifo nosso).
21
Art. 63, do CPP: Transitada em julgado a sentença penal condenatória, poderão promover-lhe a execução, no
juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
Art. 91, do CP: São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 55
Renata Caroline Kroska
22
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 110.
23
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 414.
24
STJ – 3ªT – REsp. 98.655. Rel. Min. Castro Filho Julg. 16.out.2003. No caso não se tratava de responsável
civil por incapaz, mas de empregador responsável por ato de empregado.
56 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
da execução civil da sentença penal condenatória ainda não chegou aos tribunais,
buscaram-se decisões análogas em obrigações solidárias passivas.
Foram encontradas tanto decisões de procedência para a execução direta
da sentença civil condenatória mesmo contra quem não participou da fase de
conhecimento, em razão da solidariedade passiva, quanto decisões de improcedência
para uma execução contra quem não foi parte, por entender que isso violaria os
princípios do contraditório e ampla defesa. No primeiro sentido, destaca-se ementa
de acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná transcrita:
25
TJPR - Apelação Civil nº 0034759-3 – 2ª Cam. Civ. Rel. Des. Sydney Zappa. Julg. 16.nov.1994.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 57
Renata Caroline Kroska
A decisão do Tribunal Regional Federal parece acertada, uma vez que fez
prevalecer o princípio constitucional do devido processo legal, à responsabilidade
objetiva do Código Civil. Submeter quem não foi parte na fase de conhecimento ao
cumprimento da sentença seria atentatório contra a garantia do due process por
restringir a ampla defesa, além de violar os limites subjetivos da coisa julgada,
conforme ressaltam Marinoni e Mitidiero:
Submeter aquele que não foi parte no processo, nada obstante participe
da relação unitária afirmada em juízo, à coisa julgada viola o direito
fundamental ao processo justo (art. 5º, inciso LIV, CRFB), na medida em
que pode privar o terceiro figurante da relação afirmada em juízo de seu
direito sem que se possibilite a sua participação no processo, e viola o
art. 472, CPC, pelo qual a coisa julgada não pode alcançar terceiros.27
26
TRF-5 - T2 - Agravo de Instrumento nº 101129/PB (2009.05.00.089936-1) - Rel. Des. Fed. Francisco Barros
Dias. Julg. 01.dez.2009.
27
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 133.
28
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado
conforme a Constituição da República. v. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 820.
58 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
29
CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTR, 1997, p. 518.
30
MELFI, Renata Ceschin. O Adolescente Infrator e a Imputabilidade Penal. Curitiba, 2004. Dissertação de
Mestrado. Faculdade de Direito. Universidade Federal do Paraná, p. 130.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 59
Renata Caroline Kroska
31
Art. 103, do ECA: Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
32
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte geral. Curitiba: ICPC Editora e Ltda.; Lumen Juris, 2007, p. 691.
33
AGUIAR, Leonardo Augusto de Almeida. Perdão Judicial. 2004. Dissertação. (Mestrado em Ciências Penais).
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2004, p. 184.
34
AGUIAR, Leonardo Augusto de Almeida. Perdão Judicial. 2004. Dissertação. (Mestrado em Ciências Penais).
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2004, p. 208.
35
AGUIAR, Leonardo Augusto de Almeida. Perdão Judicial. 2004. Dissertação. (Mestrado em Ciências Penais).
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2004, p. 214.
60 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
Se o Juiz já disse que o réu agiu com culpa, não há razão para que, no
cível, se obrigue o prejudicado ao processo de conhecimento. A sentença
criminal que não aplica pena ao réu, como base §5º, do art. 121, e
no §8º, do art. 129, do C.P., é título executivo, a teor do art. 584, II
do CPC.39
Perdão judicial (art. 121, §6º, do Código penal, na redação dada pela
lei 6.416/77). O perdão judicial pressupõe condenação da qual se excluem –
36
PACHECO, Wagner Brússolo. O perdão judicial no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 69,
n. 533, p. 283-297, mar. 1980, p. 296.
37
DELMANTO, Celso. Perdão Judicial e Seus Efeitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 68, n. 524,
p. 311-314, jun. 1979, p. 314.
38
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 195.
39
GESSINGER, Ruy Armando. Da Dispensa da Pena. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1984, p. 79-80.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 61
Renata Caroline Kroska
uma vez que ele se adstringe à não aplicação da pena – a pena principal,
a accessória e a medida de segurança, mas não os demais efeitos da
condenação. Recurso Ordinário a que se nega provimento (grifo nosso).40
Perdão Judicial. Efeitos. O perdão judicial pressupõe condenação, pelo
que não se estende aos efeitos secundários próprios da sentença penal
condenatória (grifo nosso).41
O Perdão Judicial pressupõe condenação e, em consequência, não se
estende aos efeitos secundários próprios da sentença de natureza
condenatória, tais como pagamento das custas do processo, inclusão
do nome no rol dos culpados e pressuposto para a reincidência. Recurso
extraordinário criminal conhecido e provido (grifo nosso).42
40
STF - Recurso de Habeas Corpus nº 57.798/SP - 2ªT - Rel. Min. Moreira Alves. Julg. 08. abr. 1980.
41
STF - Recurso Extraordinário Criminal 104.679-1/ SP - 2ª T - Rel. Min. Aldir Passarinho. Julg. 22. out. 1985.
42
STF - Recurso Extraordinário Criminal 92.907/PR - 1ª T. Rel. Min. Cunha Peixoto. Julg. 10. mar. 1981.
43
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 414.
44
TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Processo Penal. v. 1. Bauru: Editora Jalovi, 1979, p. 534.
45
MARQUES, Frederico. Tratado de Direito Penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 497.
46
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte geral. Curitiba: ICPC Editora e Ltda.; Lumen Juris, 2007, p. 677.
47
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 680.
62 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
Damásio de Jesus, por sua vez, entende que a prescrição atinge a pretensão
a qual pode ser punitiva ou executória.48 Muito embora não haja consenso acerca
do conceito de prescrição entre os penalistas, eles concordam com a existência
de duas espécies de prescrição penal: uma que atinge a ação penal e outra que
atinge a execução da pena. Assim pode-se compreender a prescrição como perda da
pretensão de exercer a ação penal, também denominada de prescrição da pretensão
punitiva, ou como perda da pretensão executória da pena.
No primeiro caso, o Estado fica impossibilitado de promover a ação penal contra
o acusado e, consequentemente, impede a “apreciação do mérito da imputação”.49
Na realidade, não haverá ação penal, razão pela qual também não haverá sentença,
nem absolutória nem condenatória, de maneira que não surgirá título executivo para
a vítima. Nesse sentido Lozano Júnior:
Assim, após ter sido o sujeito ativo do delito beneficiado pela prescrição
punitiva, não sofrerá ele nenhuma pena ou medida de segurança (efeitos
penais principais) [...]. Igualmente, não serão impostos os efeitos
extrapenais (civis, administrativos e políticos), previstos nos arts. 91 e
92 do CP.50
48
JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 19.
49
JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 28.
50
LOZANO JÚNIOR, José Júlio. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 44.
51
JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 85.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 63
Renata Caroline Kroska
52
STJ-T4- Recurso Especial nº 163.786-SP. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Julg. 19.05.1998.
53
STJ - 4T - Recurso Especial nº 722.429-RS. Relator: Min. Jorge Scartezzini. Julg. 13.09.2005.
64 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
54
STJ – 3T. Recurso Especial 789.251-RS. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Julg. 11.nov. 2008.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 65
Renata Caroline Kroska
55
MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997, p. 75.
56
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz
Flávio. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,
p. 135.
57
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, Luiz
Flávio. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,
p. 157.
58
MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997, p. 90.
59
GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 107.
66 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
60
MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997, p. 143.
61
OLIVEIRA, Beatriz Abraão de. Juizados Especiais Criminais. Teoria e Prática. Rio de Janeiro, Renovar, 2007,
p. 76. No mesmo sentido MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997,
p. 143.
62
Conforme leciona Araken de Assis: “[...] a execução da parte líquida e a liquidação da parte ilíquida do título
judicial, simultaneamente, surgirá a necessidade de esta última se realizar em autos apartados, à vista de
certidão do título, em virtude da impossibilidade prática de convivência, nos mesmos autos, da execução e da
liquidação.” ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 164.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 67
Renata Caroline Kroska
das partes, causa de pedir e pedido. É preciso que os réus apontados nessa petição
sejam citados [...]”63 nos termos do parágrafo único do artigo 475-N. Tendo em vista
a necessidade de se manter o original da sentença nos autos do juízo criminal, a
petição inicial será processada mediante certidão do juízo criminal.64
63
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 115.
64
ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 164.
65
TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1967, p.556.
66
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 414.
68 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
67
LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado. v. 6. Direito das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 138.
68
A terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 01/12/2009, o Recurso Especial nº 992.749,
adotou a seguinte interpretação para o art. 1.829 do CC: no regime de comunhão parcial, o cônjuge
sobrevivente faz jus à meação, bem como herda os bens comuns em concorrência com os descendentes. Já
os bens particulares são partilháveis somente entre descendentes. Nas palavras da relatora Ministra Nancy
Andrighi: “Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado
da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência
hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis, estes, unicamente entre os
descendentes” (STJ – 3ª T – REsp 992.749. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julg. 01.dez.2009). Seguindo a linha
do STJ, o cônjuge sobrevivente casado em regime de comunhão parcial poderia executar a sentença penal
condenatória, independentemente da existência de bens particulares. O STJ também eliminou as distinções
entre o regime legal de separação de bens e o regime convencional de separação de bens ao interpretar que
ambos se tratam de separação obrigatória, contrariando a Súmula 377 do STF que admitia a comunicação dos
bens adquiridos na constância do casamento contraído sob regime de separação legal de bens.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 69
Renata Caroline Kroska
69
LEGITIMIDADE – AÇÃO EX DELICTO – MINISTÉRIO PÚBLICO – DEFENSORIA PÚBLICA – ARTIGO 68 DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL – CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no artigo 134 da Constituição
Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e
a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da carta, estando restrita a
atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final
do artigo 127 da Constituição Federal). Inconstitucionalidade progressiva – viabilização do exercício do direito
assegurado constitucionalmente – assistência jurídica e judiciária aos necessitados – subsistência temporária
da legitimação do Ministério Público. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito,
cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os
cargos próprios na unidade da Federação –, a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código
de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista.
Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por Órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não
lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente
profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento (STF - R.E. Nº135.328-7 - Rel. Min. Marco Aurélio.
Julg. 29.jun.1994).
70
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 95.
71
GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e Autoridade da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978,
p. 50.
70 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
essa orientação, somente o condenado, na ação penal, pode ocupar o polo passivo
da execução civil, único entendimento compatível com os princípios anteriormente
referidos e com a regra do artigo 568, I do Código de Processo Civil que estipula como
sujeito passivo na execução “o devedor, reconhecido como tal no título executivo”.
Ada Pellegrini Grinover sintetiza a ideia nestes termos: “a obrigação de indenizar
torna-se certa com relação ao réu do processo penal. Não com relação a terceiros, para
quem aquela sentença condenatória é res inter alios”.72 Nessa perspectiva, quem
quiser obter indenização do civilmente responsável por incapaz ou do empregador
do motorista que causou acidente de trânsito durante o horário de trabalho, por
exemplo, deverá adotar, desde logo, o caminho da ação civil indenizatória, e não
esperar a sentença penal condenatória transitada em julgado no intuito de executá-la,
nas palavras de Araken de Assis:
72
GRINOVER, Ada Pellegrini. Eficácia e Autoridade da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978,
p. 51.
73
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 96. No mesmo
sentido, Sílvio de Salvo Venosa: “para que terceiros sejam chamados a reparar o dano, deve ser promovida
ação de conhecimento, a denominada actio civilis ex delicto, sendo-lhes estranha a matéria decidida no juízo
criminal, abrindo-se, assim, ampla discussão sobre o fato e o dano no juízo cível. VENOSA, Sílvio de Salvo.
Direito Civil. (Responsabilidade Civil). v. 4. São Paulo: Atlas, 2003, p. 135.
74
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 130.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 71
Renata Caroline Kroska
proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no qual foi relator o
Ministro Castro Filho. Tratou-se de execução civil de sentença penal condenatória
intentada por mãe de vítima de acidente automotivo causado por preposto de
empresa. A empresa sustentou, tanto em apelação quanto em recurso especial, sua
ilegitimidade para integrar o polo passivo da execução. A Terceira Turma acolheu a
tese da empresa e, por unanimidade, deu provimento ao recurso nos termos do voto
do relator, conforme ementa:
75
STJ – 3T – Recurso Especial 343.917 – MA. (2001/0105336-6). Relator: Min. Castro Filho. Julg. 16.10.2003.
76
MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 1997, p. 131.
77
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 96.
78
ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 393.
79
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 96.
80
ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 393.
72 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
pela Justiça Federal e pela Justiça Militar são liquidáveis e executáveis perante as
Justiças Estaduais, exceto quando o exequente for a União, entidade autárquica ou
empresa pública federal (art. 109, I, da CF), situações em que a execução compete à
Justiça Federal.81
Os autores, em geral, não fazem menção à reparação de danos decorrentes
de crimes eleitorais, contudo, por analogia, é de se entender que a sentença penal
condenatória de crime eleitoral, cuja prolação coube à Justiça Eleitoral, é executável
perante as Justiças Estaduais, exceto quando a União, autarquia federal ou empresa
pública federal forem exequentes, situação em que a competência passa a ser
da Justiça Federal.
Corrobora com esse entendimento o artigo 243, §1º do Código Eleitoral, o
qual estabelece que “o ofendido por calúnia, difamação ou injúria, sem prejuízo e
independentemente da ação penal competente, poderá demandar, no Juízo Cível
a reparação do dano moral [...]”. Ou seja, o Código Eleitoral remete ao juízo cível
a competência para processar e julgar as ações indenizatórias decorrentes de tais
crimes. Assim, analogamente, entende-se que a sentença penal condenatória por crime
eleitoral deve ser executada, para fim de reparação de danos, junto ao juízo cível.
Não obstante, o professor de direito eleitoral da Universidade Federal
do Maranhão, Fábio Braga, tem sustentado a competência da Justiça Eleitoral
para processar e julgar as ações de indenização oriundas de crimes eleitorais,
sob o argumento de que ela estaria “municiada com melhores critérios e maior
discernimento, com arrimo em sua doutrina e jurisprudência particulares, para
proferir um julgamento mais prudente, justo e equilibrado”.82 Ademais, a competência
em razão da matéria, segundo esse autor, seria fixada pela “natureza jurídica da
questão controvertida”83 expressa no pedido e na causa de pedir. Entretanto, dada a
novidade da tese, prevalece, também no tocante aos crimes eleitorais, a orientação
geral de que as sentenças penais condenatórias prolatadas pelas Justiças Especiais
devem ser executadas junto à Justiça Comum, Estadual ou Federal, de acordo com
a qualidade pessoal do liquidante/exequente, tendo como foro o do local do delito.
81
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 212.
82
BRAGA, Fábio. A competência da justiça eleitoral para apreciar o dano moral oriundo da propaganda política no rádio
e na televisão. Disponível em: <http://www.oab.org.br/ena/users/gerente/ 120275384464174131941.pdf>.
83
BRAGA, Fábio. A competência da justiça eleitoral para apreciar o dano moral oriundo da propaganda política no rádio
e na televisão. Disponível em: <http://www.oab.org.br/ena/users/gerente/ 120275384464174131941.pdf>.
84
ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 155.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 73
Renata Caroline Kroska
85
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 120.
86
ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 162.
87
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 119.
88
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 121.
89
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 112.
90
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 112.
91
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 116.
74 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
tenha incumbido o juiz criminal de fixar um valor mínimo para reparação de danos,
esta não tem o condão de suprimir a liquidação civil, conforme ressalva a própria lei:
“Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada
pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem
prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido”. O inciso IV
do artigo 387 a que se refere a norma supracitada estabelece que o juiz criminal,
ao proferir a sentença condenatória, “fixará valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. Esse valor
arbitrado a título de perdas e danos não se submete à liquidação, como esclarece
Araken de Assis:
Burini, tecendo comentários ao, à época, projeto de lei que propunha a alteração
do Código de Processo Penal, manifestou certo descontentamento com a condenação
de ofício a ser feita pelo juiz criminal. Segundo ele, é necessária toda uma adequação
do processo criminal no intuito de permitir o ingresso da vítima no feito, na qualidade
de parte, a qual incumbirá a formulação do pedido de condenação.93
Há que se concordar com Burini no sentido de que a condenação do réu a
perdas e danos na esfera penal exige pedido expressamente formulado para tanto,
a fim de manter coerência com o princípio da demanda,94 norteador do processo.
Todavia, tal requisito formal pode ser cumprido com a expressa formulação do pedido
pelo Ministério Público, não havendo necessidade de que seja aduzido pela vítima.
Importante recordar que o efeito condenatório civil da sentença penal
condenatória decorre de lei e existe independentemente da expressa quantificação
de dano que poderá ser realizada, completa ou parcialmente, através da liquidação
civil, a qual, conforme esclarecido anteriormente, não se opera em relação ao valor
92
ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 173.
93
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 136-137.
94
“Cabe à parte a atribuição de provocar a atuação da função jurisdicional, uma vez que os órgãos incumbidos de
prestá-la são inertes. Decorrência dessa regra é a impossibilidade de o juiz tomar providências que superem
ou sejam estranhas aos limites do pedido (ne eat iudex ultra petita partium)” (CAPEZ, 2010, p. 64). No
mesmo sentido Mirabete: “Do princípio da inciativa das partes decorre como consequência que o juiz, ao
decidir a causa, deve cingir-se aos limites do pedido do autor (MP ou ofendido) e das exceções aduzidas pela
outra parte (réu), não julgando sobre o que não foi solicitado pelo autor (ne eat iudex ultra petita partium)”.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1992, p. 49.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 75
Renata Caroline Kroska
fixado a título de reparação de dano pelo juiz criminal. Assim, se houver interesse, por
parte do ofendido, ou dos legitimados previstos no artigo 63 do CPP, em apurar a real
extensão do dano, para que seja arbitrado um valor de condenação mais satisfatório,
a sentença penal será submetida ao incidente de liquidação antes da execução.
Todavia, se julgar satisfatória a quantia fixada pelo juízo criminal, basta promover a
execução diretamente.
A liquidação tem natureza de “incidente processual”, tratando-se de “mera
fase do processo, constituindo providência integrativa da sentença exequenda”.95
Para a liquidação da sentença penal condenatória exige-se, conforme artigo 475-N,
parágrafo único,96 do CPC, a expedição de mandado de citação ao devedor no juízo
cível para liquidação ou execução da sentença penal condenatória, formando-se
novo processo. Entre as formas de liquidação de sentença, por cálculo,97
arbitramento98 e artigos,99 Araken de Assis julga mais adequada a que se processa
por artigos, “pois existem fatos, estranhos ao objeto litigioso da ação penal […]
cuja prova se afigura indispensável à apuração do quantum debeatur”.100 Já
Bruno Corrêa Burini defende ser aplicável, em algumas situações, a liquidação
por arbitramento.101
Destaque-se que no incidente de liquidação somente são admitidas provas que
tenham implicações no quantum debeatur, não sendo possível rediscutir a autoria e a
existência do fato. Nesse sentido asseverou o Ministro Sálvio de Figueiredo em voto
proferido no Recurso em Mandado de Segurança nº 5.444-6 de São Paulo: “Assinalo,
ao finalizar, que, no juízo liquidadório, antecedente à execução para fins de tornar
líquido o título judicial, provas podem ser produzidas, mas apenas para a fixação do
quantum debeatur”.102
95
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 125.
96
“Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado inicial (art. 475-J) incluirá a ordem de citação do devedor, no
juízo cível, para liquidação ou execução, conforme o caso”. O inciso contempla, justamente, a sentença penal
condenatória, enquanto os incisos IV e VI tratam da sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo
Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.
97
“Em outras palavras quando a apuração exata do quantum depender apenas de cálculo aritmético […].”
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 125.
98
A liquidação por arbitramento se dá mediante a atividade de perito judicial, objetivando fixar o valor de certo
bem ou de determinada prestação. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo
Civil. v. 3. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 130.
99
A liquidação por artigos deve ser feita quando, para determinação do valor da condenação, houver necessidade
de se alegar ou provar fato novo (art. 475 – E). Entende-se por fato novo o que ficou de fora da condenação por
não ter sido alegado, em virtude de autorização legal, na fase de conhecimento e que tenha influência direta
na apuração do quantum debeatur. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo
Civil. v. 3. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 131, grifos dos autores.
100
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 97.
101
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 117-118.
102
STJ - 4T - Recurso em Mandado de Segurança nº 5.444-6-SP. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo.
Julg. 30.05.1995.
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Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
103
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 114.
104
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 114.
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105
TJSP – 4ª Cam. Dir. Privado. Apelação Cível 355.492-4/3. Relator: Des. Francisco Loureiro. Julg. 18.12.2008.
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Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
TJPR- 5ª Cam. Civ. Agravo de Instrumento 563.305-0. Relator: Des. Marcos Moura. Julg. 04.08.2009.
106
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107
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 3. Execução. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 415.
108
MARCATO, Antônio Carlos (org.). Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1.710.
109
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 713.
110
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 801-803.
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Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
executivo.111Araken de Assis, por sua vez, entende que a sentença em sede de revisão
criminal extingue o efeito anexo previsto em lei, pois “os efeitos anexos são estranhos
à eficácia própria da sentença e, portanto, à coisa julgada material. Não compartilham
assim a indiscutibilidade atribuída ao elemento declarativo da sentença transita em
julgado”.112 De outro vértice, digna de nota é a tese de Alexander de Macedo, para o
qual o efeito executório da sentença penal é “irrescindível” porque tomado por “uma
eficácia preclusiva panprocessual da coisa julgada material penal”.113
Contudo, entende-se, majoritariamente, que uma defesa dessa natureza
ventilada e comprovada impede o prosseguimento da execução. Tratando-se de
execução já finda, é possível a repetição do indébito, entretanto o exequente da
sentença criminal pode defender-se comprovando que, inobstante a desconstituição
do título, houve ilícito civil a ensejar indenização.114 Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery defendem, inclusive, que a revisão criminal constitui título condenatório
de natureza civil contra o Estado, de quem o executado poderá pleitear reparação,
nos termos do artigo 630 do CPP.115
É, igualmente, objeto de discussão doutrinária se o executado pode valer-se
da coisa julgada civil para defender-se da execução. Melhor explicando: a ação
indenizatória proposta pela vítima foi julgada improcedente, porém, a sentença penal
condenou o autor do crime, razão pela qual a vítima, ou outro legitimado, propõe
a execução do título. Poderia o executado defender-se alegando exceção de coisa
julgada? Segundo Antônio Carlos Marcato, Humberto Teodoro Júnior sustenta a total
independência da sentença penal condenatória como título executivo judicial, “de tal
sorte que ao executado não aproveitaria sequer a exceção de coisa julgada”.116
Esse foi entendimento que prevaleceu na Terceira Turma do STJ, em Agravo
Regimental ao Agravo de Instrumento nº 93.815, oriundo de Minas Gerais, no qual,
entendeu-se executável a sentença penal condenatória mesmo havendo coisa julgada
cível em sentido contrário, conforme trechos extraídos do voto do relator:
111
BURINI, Bruno Corrêa. Efeitos Civis da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 177.
112
ASSIS, Araken. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 172.
113
MACEDO, Alexander dos Santos. Da Eficácia Preclusiva Panprocessual dos Efeitos Civis da Sentença Penal.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 1989, p. 67-74.
114
ASSIS, Araken. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 174.
115
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. E legislação
extravagante. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007, p. 751.
116
MARCATO, Antônio Carlos (org.). Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1709.
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117
STJ- 3T - Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 93.815 MG. Relator: Min. Waldemar Zvetter.
Julg. 11.03.1996.
118
SHIMURA, Sérgio. Título Executivo. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 218.
119
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 471.
82 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
Os direitos difusos assemelham-se aos direitos coletivos, mas com eles não
se confundem, pois nestes há “concretas relações jurídico-formais” que tornam
possível “a alusão à corporificação de grupos, classes ou categorias, em torno dos
quais se concentram pretensões comuns e indivisíveis”.121 Já os direitos individuais
homogêneos são coletivos apenas na forma por que são exercidos, não em sua
essência, a qual permanece individual.122 Nesse sentido asseveram Marinoni
e Arenhart:
120
MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 355.
121
VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 55.
122
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação da para agir. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 147.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014 83
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123
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. v. 2. Processo de Conhecimento.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 741.
124
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa
do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1.087.
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Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
125
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa
do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1.087.
126
VENTURI, Elton. Execução da Tutela Coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 155.
127
VENTURI, Elton. Execução da Tutela Coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 137.
128
VENTURI, Elton. Execução da Tutela Coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 164.
129
GRINOVER, Ada Pellegrini. et all. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do
anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 890.
130
Nesse sentido: VENTURI, Elton. Execução da Tutela Coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 116.
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131
FREITAS, Gilberto Passos. Ilícito Penal Ambiental e Reparação do Dano. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p. 205.
86 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 51-92, out./dez. 2014
Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
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Esse conceito legal coaduna com a definição atribuída por Hélio Tornaghi ao
vocábulo ofendido, ou seja, consideram-se incluídos nesse conceito todos aqueles
que suportam algum efeito do crime e não somente o sujeito passivo do tipo penal.
O projeto do Código de Processo Penal também inova no aspecto processual
ao prever a participação da vítima, ou legitimados, na qualidade de parte civil, a qual
além de possuir as mesmas faculdades e deveres processuais do assistente, pode
requerer a recomposição do dano moral causado pela infração nos termos do artigo 80
do projeto. Contudo, o parágrafo único do artigo ressalva que, se o arbitramento de
dano moral depender de provas não contidas na peça acusatória ou depender de
provas que possam tumultuar a marcha regular do processo, a questão deverá ser
discutida em sede de liquidação no juízo cível:
O art. 81 atenta para o fato de que essa adesão da vítima à ação penal não
impede a propositura de ação civil contra os responsáveis civis. Esclarece ainda que,
ajuizada ação de reparação no juízo cível, a adesão ao processo penal na qualidade
de parte civil resta prejudicada sem, contudo, prejudicar a execução civil da sentença
penal condenatória.
Há, ainda, previsão legal para atribuição de condenação em honorários
advocatícios, bem como individualização por pessoa do dano moral quando houver
pluralidade de sucessores, nos termos do art. 79, §1º: “O arbitramento do dano
moral será fixado na sentença condenatória e individualizado por pessoa, no caso de
ausência ou morte da vítima e de pluralidade de sucessores habilitados nos autos”.
A inserção da parte civil no processo penal pode vir a tornar o processo penal
ainda menos célere, tumultuando a instrução com matérias irrelevantes para a
sentença penal. O projeto pretende ainda tornar dispensável a liquidação civil do
dano, restringindo-a às situações excepcionais previstas no artigo 80, alargando a
competência dos, já assoberbados, juízes criminais.
6 Considerações finais
A execução civil da sentença penal condenatória não é novidade no
ordenamento jurídico brasileiro, todavia, não detém, com poucas exceções, acurada
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Aspectos polêmicos da execução civil da sentença penal condenatória
Abstract: This paper is intended to a vertical study of the conviction tort action process, starting by the exam
of this parallel effectiveness’ nature, granted to the conviction by Law. Right after that, one proceeds to an
analysis of the polemic sentences, concerning their classification as acquittal or conviction, as the Custodial
Sentences or the Pardon. It is also worth the study of the recognition of the statute of limitations effects on
criminal procedure. One goes then to an examination of the procedure aspects on the conviction tort action,
developing, among other subjects, the plaintiff and defendant roles, the quantification claim, the Damages
Procedure and the defendant answer. Finally, one makes a brief analysis on the conviction tort action for
crimes against group, corporate and collective individual rights and on the recent Criminal Code Project.
Key words: Damages. Civil procedure. Conviction.
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Coisa Julgada inconstitucional por
prejudicialidade transrescisória
1 Introdução
As concepções correntes acerca de um determinado instituto jurídico estão
intrinsecamente ligadas ao paradigma teórico no qual estão inseridas. Nenhuma
apreciação é feita, entretanto, à luz de conhecimentos exclusivos de determinada
ciência ou especialidade – no processo de construção do conhecimento interferem
elementos sociais de outras áreas do saber com apreciável e variada dose de
influência: é o fenômeno da interdisciplinaridade.
Basta observarmos a evolução do conceito de jurisdição, tão atrelado ao
conceito de Coisa Julgada, que se concebeu como uma emanação do poder e atributo
do soberano, confundindo-se com a própria noção de Estado e que hoje não pode ser
confundido com um poder, mas sim entendido como uma função estatal.1
Grande salto evolutivo foi dado com o advento da “modernidade”, que culminou
com a ruptura do absolutismo monárquico e com a despersonificação do Estado.
Outro grande salto ocorreu no campo científico, com a criação de uma disciplina
destinada ao estudo do processo e sua relação com as outras instituições jurídicas
(Estado, entre outras) e a própria mudança na epistemologia contemporânea.
Da mesma forma ocorre com a concepção de “Coisa Julgada”, que varia
conforme o jogo dos fatores de conhecimento. É no campo do Direito Processual
que vicejam teorias que visam conceituar, estruturar e delimitar os grandes eixos
edificadores da Ciência Processual, quais sejam a Ação, a Jurisdição, o Processo,
1
CARVALHO DIAS, Ronaldo Bretãs. Responsabilidade Civil do Estado pela Função Jurisdicional. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003.
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Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
2
MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Teses, Estudos e Pareceres de Processo Civil. vol. 2. São Paulo: Ed. RT,
2005, p. 97.
3
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Coisa julgada e transrescindibilidade. No prelo. p. 6.
4
THEODORO JÚNIOR, Humberto. <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Humberto%20Theodoro%20
J%C3%BAnior(6)%20-formatado.pdf>.
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Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
Eduardo Couture nos ensina que o instituto da Coisa Julgada não era conhecido
no direito romano primitivo, ressaltando o autor uruguaio que:
5
NEVES. Celso. Coisa Julgada civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1971, p. 10 apud Eccezinedi Cosa
Giudicata, Ed. Boca, 1883, vol. I, p. 4.
6
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ed. Depalma, 1976, p. 406.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 95
Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
(...) mais do que para quaisquer outros, seria errôneo falar a respeito da
Coisa Julgada numa ficção ou presunção de verdade, visto que era ela
o que de mais concreto e real se podia dar, enquanto a sentença não
declarava a existência ou inexistência de um direito, mas criava antes
um direito novo.9
7
MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Teses, Estudos e Pareceres de Processo Civil. v. 2. São Paulo: RT, 2005,
p. 101.
8
Idem Ob. Cit. p. 101.
9
Idem. Eficácia e Autoridade da Sentença. Trad. por Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, Rio de Janeiro, 1945,
p. 13 apud MESQUITA, ob. Cit. p. 102.
10
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 1986,
p. 432.
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Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
11
COUTURE, Idem Ob. Cit. Fundamentos... p. 427.
12
COUTURE, Idem Ob. Cit. Fundamentos... p. 441.
13
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I. Tradução de J. Guimarães Menegale.
São Paulo: Saraiva, p. 183 e CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de Direito Processual Civil, Volume I, 1. ed.
Bookseller, Campinas: 1998.
14
Idem, Ob. Cit. p. 514.
15
Idem. Instituições de Direito Processual Civil, p. 447.
16
Idem Ob. Cit., p. 447.
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Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
Allorio baseia-se na Coisa Julgada para formular sua teoria, na qual o julgador
e o administrador aplicam a lei ao caso concreto, mas só a atividade do primeiro
seria capaz de imunizar-se, ou seja, de adquirir o atributo da imutabilidade. Em outras
palavras, as funções do Estado não podem ser definidas por seus fins, mas somente
por suas formas, concluindo que onde existe Coisa Julgada há exercício de jurisdição,
onde não há Coisa Julgada não há jurisdição, mas administração:
Ovídio Baptista da Silva diz que Liebman e Couture teriam sido, de certa
forma, adeptos desta teoria na medida em que atribuíram grande importância à
Coisa Julgada. Também Calamandrei, teria sido um dos simpatizantes desta
composição teórica.
Contudo, foi Carnelutti quem, partindo de outras vertentes teóricas, ensinava
a Coisa Julgada como a solução de questões controversas, postulando que a
17
Idem Ob. Cit.., p. 11 (aditamentos ao §1º).
18
COUTURE. Idem Ob. Cit. Fundamentos... p. 50.
19
ALLORIO, Enrico. Problemas de Derecho Procesal, Tomo II, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América,
1963, p. 31 e segs.
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Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
imutabilidade incide sobre a sua função declaratória e não sobre seu caráter
imperativo; vislumbrando, assim, a possibilidade de uma mesma questão interessar
a diversas demandas.
Uma razão de utilidade pública e social intervém para evitar essa possibilidade,
tornando o comando imutável. Nisso consiste, pois, a autoridade da
Coisa Julgada, que se pode definir, com precisão, como imutabilidade do
comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente
com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando;
é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que
reveste o ato também em seu conteúdo e a torna, assim, imutáveis,
20
CARNELUTTI, Idem Ob. Cit. 1999. p. 87-88.
21
Idem Ob. Cit., p. 11 (aditamentos ao §1º).
22
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Ação rescisória no processo do trabalho, 2. ed., São Paulo: LTr, p. 205.
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Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
Assim, a Coisa Julgada para Liebman é uma qualidade que torna imutável o
comando emergente da sentença, tanto no seu conteúdo como nos seus efeitos,
consistindo assim a Coisa Julgada na imutabilidade da sentença em sua existência
formal, e ainda dos efeitos dela provenientes.24 E afirma:
23
Idem Ob. Cit., p. 50/51.
24
LIEBMAN, Idem. Eficácia e Autoridade da Sentença, tradução brasileira de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio
de Janeiro: Forense, 3. ed., 1984, p. 54.
25
LIEBMAN. Idem Ob. Cit. 1981, p. 56-57.
26
Idem Ob. Cit., p. 146.
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Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
O caminho mais simples para entender o que vem a ser Coisa Julgada
consiste, afinal, em considerar como seriam as coisas, se ela não
existisse. Procuremos, então, entender que espécie de eficácia é
necessária ao próprio conceito de sentença, supondo que a Coisa
Julgada não existe. Ora, a função que o juiz exerce exige logicamente
que a sentença tenha eficácia vinculante. Essa eficácia, porém, da
sentença – assim como a de qualquer ato do Estado – está subordinada
à sua conformidade com o direito, que qualquer juiz tem em qualquer
momento o poder de apreciar: consequentemente, qualquer juiz poderá
recusar-se a reconhecer a eficácia da sentença cuja injustiça tenha
apurado, e por isso decidir o caso concreto diversamente. Mas, se tal
27
LIEBMAN, Idem Ob. Cit. 1981, p. 56-57.
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Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
Diante disso, a Coisa Julgada não mais se mistura com os efeitos da sentença
em posição homogênea, mas configura a qualidade de incontestabilidade e
indiscutibilidade desses efeitos. O que se torna intangível não é apenas a sentença
considerada como ato, mas também o comando nela proclamado.
Em Couture, a Coisa Julgada deve ser compreendida por dois ângulos que se
complementam: como autoridade e como uma medida de eficácia, residindo aí os
principais pontos que a caracterizam.
Note-se que a tônica de Liebman é justamente a de diferenciar a autoridade
da Coisa Julgada dos efeitos da sentença, caracterizando-a como a qualidade
desses efeitos. Ora, a substituição do vocábulo “qualidade” por “eficácia” teve, por
consequência, que afastar esse entendimento, acabando quase por aproximar a
legislação brasileira das antigas formulações de Hellwig, para quem a Coisa Julgada
relacionava-se exclusivamente ao efeito declaratório da sentença.
Liebman, ao tratar dos limites subjetivos da Coisa Julgada, fundamenta todo o
seu pensamento na diferença entre eficácia da sentença e autoridade da sentença.
Para o autor, eficácia da sentença é tão somente sua capacidade de produzir os
efeitos advindos da decisão e autoridade da Coisa Julgada: é aquilo que se acrescenta
aos efeitos da sentença para torná-los imutáveis.
Para abordar o tema, Liebman enfrenta duas questões: a da eficácia da sentença
perante terceiros e a Coisa Julgada em relação a terceiros. Toda resolução do
problema que visa demonstrar os efeitos reflexos da Coisa Julgada perante terceiros
tende ao insucesso, porque, se a própria Coisa Julgada não é efeito da sentença, não
poderá sê-lo para terceiros nem por via direta nem por via reflexa.
O autor analisa o problema dos limites subjetivos reafirmando sua distinção
entre eficácia natural da sentença e Coisa Julgada: a primeira resulta da idoneidade
natural dos atos estatais e a segunda é a qualidade da sentença – restrita às partes.
As partes, como sujeitos da relação, são as primeiras que sofrem a eficácia da
decisão, mas não existem motivos para excluir terceiros que também podem sofrer a
eficácia da decisão. Isto porque o juiz, ao prolatar a decisão, atua em nome do Estado
declarando a vontade da lei ao caso concreto.
28
LIEBMAN. Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 52-53.
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Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
29
LIEBMAN, Idem Ob. Cit. 1981, p. 125.
30
Idem Ob. Cit. 1981, p. 126.
31
Idem Ob. Cit. 1981, p. 141.
32
LIEBMAN. Idem Ob. Cit. 1981, p. 145.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 103
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33
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Depalma. 3ª edición. Buenos Aires. 1985,
p. 401.
34
COUTURE, Eduardo J. El proceso como institución. In: Studi in onoredi Enrico Redenti. Milano: Datt. A. Giuffrè,
1951, v. I, p. 367.
35
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença e outros Escritos sobre a Coisa Julgada. Tradução
original: Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Tradução posterior a 1945 e notas relativas ao direito brasileiro
vigente: Ada Pellegrini Grinover. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 6.
36
FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. Padova: Cedam. 8. ed. 2ª. Ristampa. 2001, p. 435.
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Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
seja: aquele efeito é criado pela lei, no sentido de que é a lei que irá conectá-los ao
conteúdo do pressuposto desta manifestação.
Desta forma, Fazzalari diz que, consequentemente, a manifestação da vontade
tem eficácia heterônoma e não autônoma, ou seja, imposta da lei e não do sujeito
agente. A “autonomia privada é resolvida na possibilidade do privado de fixar,
com o negócio, o conteúdo dos efeitos, porque a lei o mutua, às vezes também
enriquecendo-o ou limitando-o”.37
A lei processual faz, nesta esteira de pensamento, realizar toda sua eficácia nos
casos concretos, nos atos processuais, no sentido de reconectar outra conduta lícita
ou devida. Isto corresponde obviamente à estrutura própria do procedimento, no qual
qualquer ato é efeito daquele precedente e pressuposto daquele seguinte.38
37
Idem Ob. Cit. p. 436.
38
Idem Ob. Cit. p. 437.
39
Idem Ob. Cit. p. 437.
40
Idem Ob. Cit. p. 437.
41
Idem Ob. Cit. p. 437.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 105
Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
processual, que é, por sua vez, pressuposto de outro ato, que tem, assim, um efeito,
ou seja, um outro ato processual.42
Os efeitos são exatamente constituídos da conduta (lícita e/ou ilícita) que a
lei jurisdicional (a norma constitucional que institui os juízes e os mune de império)
conecta ao provimento, e mediante as quais esta atua o conteúdo da manifestação
de vontade, o “comando” do qual o provimento consiste. Ou seja, aquela conduta
representa, por assim dizer, a projeção daquela manifestação de vontade no
patrimônio das partes. Portanto, agora, no processo civil, a sentença (constitutiva)
de resolução de contrato projeta o seu comando no patrimônio dos contraentes,
instituindo uma situação substancial de conteúdo diverso daquela precedente, e
composta de deveres e direitos lato sensu restituídos.
De tal ângulo, os efeitos das medidas jurisdicionais se apresentam como o
epílogo, o coroamento de toda a atividade processual (do juiz, dos auxiliares, das
partes), e passam consequentemente, e impropriamente, a indicar-se como efeitos
do processo.
A eficácia dos provimentos jurisdicionais, isto é: a projeção da vontade do juiz
na esfera substancial é acompanhada de uma força particular (no sentido que a
lei reconhece ao provimento, não somente nas condutas que realizam o conteúdo
da vontade, mas também nos comportamentos que garantam aquela força). Esta
provém da supraordenação do juiz de respeitar todos os outros sujeitos (isonomia),
no âmbito da própria competência; a qual não é senão um aspecto da soberania
do Estado, e atende à mesma constatação do ordenamento. A força no discurso é
usada para indicar como a imperatividade ou autoritariedade ajuda, entre outros, os
provimentos que, impondo um dever, exigem obediência, legitimando a execução
forçada, ou seja, atribuindo executividade ao ato.
Desta forma, a prolação da sentença marca o término da atividade jurisdicional.
Logo, o último ato a ser desempenhado pelo juiz, enquanto sujeito do processo, é a
prolação da sentença, que opera da mesma maneira que os demais atos processuais
praticados no decorrer do procedimento, ou seja, pelo sistema de preclusões.
“O ato processual, uma vez completo, não pode ser eliminado”.43 Esta
afirmação do professor italiano é metafórica; em verdade, ele pode ser removido
ou não dos meios, não sendo nunca um ato completo (quod factum infectum fieri
nequit), bem como não tendo eficácia. Esta última, entretanto, dura; naturalmente,
ela se realiza nos limites dos tempos correlatos ao seu conteúdo.
42
Idem Ob. Cit. p. 443.
43
L’attoprocessuale, una volta compiuto, non può essere eliminato (O ato processual, uma vez realizado, não
pode ser eliminado) tradução livre de Fazzalari, Idem Ob. Cit. p. 455.
106 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014
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44
Fazzalari, Idem Ob. Cit. p. 456 – O princípio é, de fato, como o outro, aquele da conservação do valor jurídico,
isto é, do ato completo, e seguido de sua eficácia. Tal princípio descende disto: que o sujeito (aqui a parte,
o juiz, o auxiliar) é munido de poder (ou dever) de terminar o ato; que tal poder (ou dever) se consuma no
cumprimento do ato e não compreende a possibilidade de retornar ao momento em que foi feito; que, para
retornarmos, ocorre um novo poder (ou dever) em oposição ao permitido por lei; que, de regra, a lei processual
não permite esta réplica do poder (ou dever); "ne bis in idem”.
45
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização Inconstitucional da Coisa Julgada. Temática Processual e Reflexões
Jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 7.
46
Idem Ob. Cit. p. 456.
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Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
47
a) che la sentenza diviene incontestabile in giudizio ad opera delle parti, data appunto la loro carenza di ulteriori
poteri processuali per proseguire il processo o per insteurarne uno nuovo sul medesimo oggetto, obliterando
la sentenza già emessa (e non più impugnabile): infatti, non occorre configurare, nei confronti di quei soggetti,
un divieto di contestare la sentenza, bastando l’aconstatazione che la legge non largisce loro nuovi poteri per
farlo (Idem. Opt. Cit. p.460).
48
b) che, correlativamente, divine intoccabile, percosì dire, da parte del giudice che l’haemessa, e da qualsia
si altro giudice; ancora qui non a causa di un divieto, ma per semplice mancanza di poteri (rectiusdoveri):
nemoiudex sine actore (Idem. Opt. Cit. p. 460).
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49
Sono queste le due facce della irretrattabilità della sentenza in sede giudiziaria: irretrattabilità che divine un
attributo della efficacia della medesima, e che, ancora per tradizione millenaria, si chiama autorità della cosa
giudicata o cosa giudicata tout court. Idem. Op. Cit. p. 460.
50
Tale attributo, in chela cosa giudicata consiste, spetta tanto alle sentenze che concernono il rito ed ai loro
effeti sul processo (così non si può più discutere se il giudice che ha dichiarato il proprio di fetto di giurisdizione
debba, invece, pronunciare nel merito; né si può dicutere più se il giudice che ha emesso la sentenza diregetto –
che ha, cio è, rifiutato il provvedimento giurisdizionale – debba, invece, emeterlo), quanto a quelle di merito,
che contengo no ciò è un vero e proprio comando giurisdizionale – dicondanna, diaccertamento, consitutivo – e
che svolgo no efficacia nella sfera sostanziale (cosi, non si può discutere il debito di Tizio verso Caio, quale
imposto dalla sentenza di condanna). Idem. Op. Cit. p. 461.
51
Idem Ob. Cit. p. 475/476.
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Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
dada a excetividade dos remédios aos quais a sentença ainda permanece exposta,
pela vontade própria do legislador.52
52
Idem Ob. Cit. p. 476.
53
Idem Ob. Cit. p. 476.
54
Idem Ob. Cit. p. 477.
55
Idem Ob. Cit. p. 477.
56
Ver por todos SANTOS, Moacyr Amaral. Op. Cit. p. 440.
110 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014
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57
LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização Inconstitucional da Coisa Julgada. Temática Processual e Reflexões
Jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 3.
58
Manual de Direito Processual Civil, vol. 3, p. 235.
59
LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença. Rio: Forense, 1945, p. 51.
60
PIMENTEL, Wellington Moreira. Comentários ao CPC. vol. VIII, 2. ed. São Paulo: RT, 1979, p. 609.
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61
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. São Paulo: Saraiva & Cia. Livraria Acadêmica,
1946, p. 352. Cabe mencionar que Couture apoiou-se no instituto da ação revocatória prevista no art. 302
do Projeto de Código Civil Argentino desenvolvido por Juan Antonio Bibiloni em 1936 cujo texto dizia: “Cuando
hubiere connivencia fraudulenta entre las partes, los terceros prejudicados podrán ejercer la acción revocatoria”
(COUTURE, Eduardo J. Estudios de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediar Soc. Anón. Editores, 1950,
v. III, p. 387-404.
Célebre é o seu verídico exemplo de um proprietário rural que simulou um processo em que se discutia a
investigação de paternidade de filho que aquele de fato teve com uma empregada sua, para desaparecer as
consequências jurídicas e econômicas da filiação. O advogado da mãe, em conluio com o proprietário rural,
deixou transcorrer propositalmente o prazo para produção de provas, e, visto que este negou os fatos, a sentença
forçosamente veio a julgar improcedente o pedido. Em face da fraude, caberia para Couture a revisão da sentença
por meio da ação revocatória (COUTURE, Eduardo J. Estudios de Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediar Soc.
Anón. Editores, 1950, v. III, p. 388-389). Sobre o tema, o autor chegou a destacar que a legislação do Uruguai
não previa semelhantes ao da ação revocatória. Dentre as várias legislações que tomou por base em seus
estudos – da Espanha, do Chile, de Córdoba, e mesmo os anteriores Códigos Processuais de Estados brasileiros
como do Espírito Santo, Pernambuco, Santa Catarina, Minas Gerais e São Paulo – Couture louvou o Código de
Processo Brasileiro de 1939, nesta passagem: “en el derecho moderno la forma autónoma de revoción, aparece
en El Código do Proceso Civil Brasileño, sancionado em 1939.” (COUTURE, Eduardo J. Estudios de Derecho
Procesal Civil. Buenos Aires: Ediar Soc. Anón. Editores, 1950, v. III, p. 407-409).
62
MARINONI, Luiz Guilherme. Relativizar a Coisa Julgada Material? <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/
Luiz%20G.%20Marinoni(4)%20-formatado.pdf>. p. 3.
63
MARINONI, Luiz Guilherme. Relativizar a Coisa Julgada Material? <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/
Luiz%20G.%20Marinoni(4)%20-formatado.pdf>. p. 3.
112 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014
Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
entendimento consagrado pela Súmula nº 343, que afirma não caber “ação rescisória
por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado
em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Em um dos acórdãos que
deram origem a essa súmula, frisou o seu relator, o saudoso Ministro Victor Nunes
Leal, que “a má interpretação que justifica o judicium rescindens há de ser de tal
modo aberrante do texto que equivalha à sua violação literal”. Lembrou, ainda, que
“a Justiça nem sempre observa, na prática quotidiana, esse salutar princípio, que,
entretanto, devemos defender, em prol da estabilidade das decisões judiciais” e que
tal súmula somente se aplica à interpretação controvertida da lei infraconstitucional.
Afirma-se, nessa linha, que a Súmula no 343 se reporta à interpretação controvertida
da lei, e não à matéria constitucional, que, pela sua supremacia jurídica, “não pode
ficar sujeita à perplexidade”.
Imaginar que a ação rescisória pode servir para unificar o entendimento
sobre a Constituição é desconsiderar a coisa julgada. Se é certo que o Supremo
Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade na interpretação da Constituição, isso
obviamente não quer dizer que ele possa impor a desconsideração dos julgados que
já produziram Coisa Julgada material.
Aliás, se fosse verdade, como pensam aqueles que não admitem a aplicação
da Súmula nº 343, que a interpretação do Supremo Tribunal Federal deve implicar a
desconsideração da Coisa Julgada, o mesmo deveria acontecer quando a interpretação
da lei federal se consolidou no Superior Tribunal de Justiça. Não se diga, como já fez
o Superior Tribunal de Justiça, que a diferença entre as duas situações está em que,
no caso da declaração de inconstitucionalidade, a Coisa Julgada se funda em lei
inválida, enquanto que “uma decisão contra a lei ou que lhe negue vigência supõe
lei válida”.
Não se pode mais negar, e o art. 27 da Lei nº 9.869/99 é enfático nisso,
que, em razão de a decisão de inconstitucionalidade ter, em princípio, eficácia
ex tunc, não é possível a manutenção de situações anteriores fundadas na lei
declarada inconstitucional (na lei inválida). Se isso é evidentemente possível, não é
correto argumentar que a Coisa Julgada material, quando fundada em lei declarada
inconstitucional, não deve ser considerada pelo simples fato de ter se baseado em
uma “lei inválida”.64
A tese, portanto, é débil, pois levaria à conclusão dedutiva de que a função
do Supremo Tribunal Federal é a de ditar a interpretação da Constituição, e, assim,
ao declarar a inconstitucionalidade da lei, deve se voltar ao passado para fazer
prevalecer o seu entendimento em relação a todos aqueles que já tiveram os seus
litígios solucionados pelo próprio Poder Judiciário, o que levaria à instituição de um
64
MARINONI, Luiz Guilherme. Relativizar a Coisa Julgada Material? <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/
Luiz%20G.%20Marinoni(4)%20-formatado.pdf>. p. 11.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 113
Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
65
MARINONI, Luiz Guilherme. Relativizar a Coisa Julgada Material? <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/
Luiz%20G.%20Marinoni(4)%20-formatado.pdf>. p. 12.
66
CHIOVENDA, Giuseppe. Coisa giudicata e Preclusione, in Saggi di Diritto Processuale Civile, Giuffrè, Milano, vol.
Terzo, 1993, p. 278-279.
67
Non bisogna dimenticare, infatti, che i problemi della preclusione non opera automaticamente ma in virtù di
un successivo atto del giudice, che nella decisione finale, (...), svolge il ruolo di conta de legge, per la sua
dichiarazione in caso concreto: (...) L’avviso sopra può essere espressa da lui diventa definitiva rispetto alle parti,
ma non per il legislatore. Traduzido livremente como: “Não convém esquecer, na verdade, que a preclusão das
questões não opera automaticamente, mas em virtude de um sucessivo ato do juiz, que na decisão definitiva,
(...), cumpre a atuação da vontade da lei, mediante a sua declaração no caso concreto: (...) O precedente aviso
por ele expresso pode ser tornado definitivo respeito às partes, mas não respeito ao legislador”.
114 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014
Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
68
CHIOVENDA, Giuseppe. Coisa giudicata e Preclusione, in Saggi di Diritto Processuale Civile, Giuffrè, Milano, vol.
Terzo, 1993, p. 278-279.
69
CARNELUTTI, Francesco. Sistema del Diritto Processuale Civile, vol. I, Cedam, Padova, 1936, p. 629.
70
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Coisa julgada e transrescindibilidade. No prelo. p. 6.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 115
Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
essa, extraída, segundo o autor, dos arts. 468, 469, III, 471 e 474, ora em face do
parágrafo único do art. 741, todos do CPC, única forma processual, juridicamente
válida, de se falar em relativização da Coisa Julgada, segundo o autor.
Ressalte-se que prejudicial, seja processual, seja de mérito,71 é a questão
determinante da decisão de questão vinculada, ante a “igualdade de natureza
das operações mentais realizadas pelo juiz para resolver a condicionante e a
condicionada (principal)”.72
As questões prejudiciais a que falte estatura para se converterem em causa,
assim, são atingidas, em regra, pela eficácia preclusiva da Coisa Julgada (art. 474
do CPC), mas isso não resolve o problema da prejudicialidade constitucional, não
alegada, consistir em lide diversa e, portanto, dever versar relação jurídica outra,
substancial ou processual.
A doutrina se divide em duas correntes quanto à lide diversa, ou seja, difere da
I) prejudicialidade arguida em declaratória incidente, sobre a mesma relação jurídica
material, da II) relativa à outra relação jurídica, subordinante – pluralidade de lides
sobre pluralidade de relações jurídicas – o que é pura opção de técnica processual.73
Daí os embates de Pontes de Miranda e Barbosa Moreira;74 e Ernani Fidelis dos
Santos e Ovídio Batista.75
José Marcos Rodrigues Vieira nos ensina que “no seu sentido mais amplo,
fala-se de prejudiciais constitucionais processuais e prejudiciais constitucionais
substanciais. Umas e outras – não agitadas antes do julgado, por isso que não
atingidas, quer pela coisa julgada, quer pela eficácia preclusiva”.76 E defende que,
sendo pertencentes a lide diversa, voltadas à incompatibilidade de resultado, podem
ser suscitadas em contraditório de embargos à execução ou de ação autônoma e,
assim, mesmo sob a futura reforma, na etapa de cumprimento de sentença, como
fase do mesmo processo, vez que as questões prejudiciais constitucionais não se
submetem à Coisa Julgada, por isso mesmo que não há, entre nós, ação declaratória
71
“quanto às questões prejudiciais, podem ser relativas ao ‘mérito’ ou não. As que não são relativas ao mérito
podem prejudicar todo o processo, o que lhes tira a qualidade de prejudiciais e as faz extintivas do processo”.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao CPC, Vol. V. p. 174.
72
BARBOSA MOREIRA. José Carlos. Questões prejudiciais e Coisa Julgada, in revista de Direito da Procuradoria
Geral do Estado da Guanabara, vol. XVI, 1967, p. 170; “Em uma causa [...] aparecerá relevante a prejudicial de
legitimidade constitucional que se choque não com leis atinentes à relação substancial que o juiz deva aplica
‘in iudicando’, mas leis atinentes às formas processuais que o juiz seja levado a observar ‘in procedendo’”.
CALAMANDREI, Piero. Corte Constituzionale e Autorità giudiziaria, in Opere Giuridiche, III, Morano, Napoli,
1968. p. 622 traduzido livremente do original: “In una causa [...] legittimità costituzionale preliminare appareri
levante il fatto che scosse non di competenza leggi di relazione sostanziali che il giudice deve applicare ‘in
iudicando’, maleggi relative alle forme processuali che il giudice è portato ad osservare ‘in procedendo’”.
73
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Coisa julgada e transrescindibilidade. No prelo. p. 11.
74
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os limites objetivos da Coisa Julgada no sistema do novo CPC, in Temas de
Direito Processual, 1ª série, Saraiva, 1977, p. 96.
75
BATISTA DA SILVA, Ovídio. Sentença e Coisa Julgada. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1979, p. 159.
76
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Coisa julgada e transrescindibilidade. No prelo. p. 12.
116 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014
Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
4 Da conectividade de lides
De fato, não há Coisa Julgada sem pedido, e não se justifica a rediscussão do
mérito. Assim, a prejudicialidade pressupõe a conexão de lides. E a prejudicialidade
tem sua relevância processual ressaltada em estudos contemporâneos. Nesse
sentido Cappelletti:
77
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Coisa julgada e transrescindibilidade. No prelo. p. 12.
78
THEODORO JR, Humberto. A Coisa Julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle,
in Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio: América Jurídica, 2004, p. 97.
79
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada relatividade da coisa julgada material, in
revista de Direito Processual Civil, Gênesis, vol. 34, 2004, p. 730-731.
80
CAPPELLETTI, Mauro. La pregiudizialità Constituzionale nel Processo Civile. Univ. Firenze, Fondazione Piero
Calamandrei, Multa Paucis, Varense, 1972, p. 103 traduzido livremente do original: “La norma la cui legittimità
costituzionale è discusso deve essere ‘rilevante’ nella causa principale, vale a dire, più precisamente, dovrebbe
essere tale che ‘dipende’ in tutto o in parte La sentenza della causa principale. In altre parole, lo ‘status’ di
soggezione a tale standard dovrebbe essere il rispetto per il vincolo (sul campo) rapporto giuridico o sostanziale
‘status’ procedurali o anche solo, di cui si parla nella causa principale.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 117
Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
81
OLIVEIRA NETO, Olavo de. Op. Cit. p. 93-95.
82
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Coisa julgada e transrescindibilidade. No prelo. p. 13.
118 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014
Coisa Julgada inconstitucional por prejudicialidade transrescisória
83
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Opt. Cit.
84
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Opt. Cit.
85
LEAL, Rosemiro Pereira. A relativização inconstitucional da Coisa Julgada. In: LEAL, Rosemiro Pereira.
Relativização Inconstitucional da Coisa Julgada – Temática processual e reflexões jurídicas. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005, p. 14-15. Esse entendimento encontra vizinhança com o de Sérgio Gilberto Porto (PORTO, Sérgio
Gilberto. Cidadania processual e relativização da Coisa Julgada. In: Revista jurídica: órgão nacional de doutrina,
jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Porto Alegre: Notadez, v. 51, n. 304, fev. de 2003, p. 23-31).
86
VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Opt. Cit.
87
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Forense: Rio, 1979, p. 312.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 119
Carlos Eduardo Araújo de Carvalho
Referências
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 93-121, out./dez. 2014 121
Construindo um campo linguístico
pragmático para a aplicação do art. 93, IX,
da CF/88: por um vocabulário
jurisdicional brasileiro renovado segundo
a teoria neoinstitucionalista do processo
Sumário: 1 Introdução – 2 A crise do modelo representacionista como fundamento das ciências sociais
aplicadas – 3 A virada linguístico-pragmática e sua contribuição para o direito – 4 A Constituição de 1988
e a nova hermenêutica processual brasileira – 5 Jurisdição democrática e efetividade jurisdicional como
vocabulários do campo linguístico pragmático da Constituição de 1988 – 6 Conclusões – Referências
Resumo: Consiste em objetivo do presente texto evidenciar a necessidade de re(des)locamento dos
processos de produção e aplicação do texto legal, notadamente quanto à sua aplicação e seus efeitos
subsequentes, do campo estritamente da aplicação formalista para uma construção no campo da
linguagem. Direcionando a abordagem para o direito processual, o presente artigo sustenta a necessidade
de legitimação de conceitos e instituições, como “processo”, “ação” e “jurisdição”, no âmbito de uma
racionalidade discursiva que transcenda o comando formal do art. 93, IX da CF/881 e que atribua conteúdo
substantivo a tais conceitos. Considerando a existência de um campo linguístico pragmático concernente
a este dispositivo normativo decorrente do texto da Constituição de 1988 à luz das contribuições do
pragmatismo filosófico, buscaremos situar o estudo das instituições da teoria geral do processo no âmbito
das teorias do direito e discurso. Desta maneira, para tratar da crise do modelo representacionista (redutor
da ideia de verdade como representação ou correspondência a priori de uma coisa ou conceito a uma
ideia preestabelecida), utilizaremos a teoria da linguagem de Wittgenstein. Com o propósito de evidenciar
o papel meramente descritivo até a filosofia ocidental em sua tradição cartesiana, a crítica de Heidegger
por uma ontologia em substituição à denúncia do papel meramente epistemológico da filosofia. A fim de
estabelecer uma interface entre a filosofia e o direito, adotaremos autores, cronologicamente situados
entre Willian James e Robert Brandom, para sustentar que o pragmatismo trouxe importantes contribuições
para a justificação do direito em bases linguísticas e com fim concretista. Já no aspecto da análise do
direito brasileiro, notadamente com relação à Constituição de 1988, a obra “A resposta correta”, do
Prof. Álvaro Ricardo de Souza Cruz, será utilizada para justificar a necessidade para a adoção de uma
hermenêutica concretista do texto constitucional. Ao fim, ao tratar da necessidade de um novo olhar para
os conceitos elementares da teoria geral do processo, utilizaremos a obra do Prof. Rosemiro Pereira Leal
para sustentar a renovação do vocabulário processual brasileiro, que, sob o aspecto da jurisdição, da ação
e do processo, deve se inclinar mais à construção de sentido em bases da teoria do direito e do discurso
do que no poder autoevidente decorrente de uma autoridade imanente ao poder estatal.
1
“Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios: [...] IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014 123
Luís Henrique Vieira Rodrigues
1 Introdução
Seria possível sustentar a existência de um campo linguístico pragmático
decorrente do texto da Constituição de 1988? Se a resposta for positiva, seria
possível conceber tal campo como um produto da interpretação, ou como modelo a ser
perquirido pelos operadores do direito? Recorrendo às contribuições do pragmatismo
filosófico, o objetivo do presente artigo é situar o estudo das instituições da teoria
geral do processo no âmbito das teorias do direito e discurso. Brandom, em sua
crítica à luz da contribuição do pensamento de Wittgenstein,2
2
BRANDOM, Robert. Making it explicit: reasoning, representing, and discursive commitment. Harvard United
Press, 1998. p. 32.
3
WITTGENSTEIN, Ludwig. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 63-67.
124 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014
Construindo um campo linguístico pragmático para a aplicação do art. 93, IX,...
4
FERREIRA, Arthur A. L. Willian James, pragmatismo e psicologia. p. 11. apud JAMES, Willian. Pragmatismo, p. 93.
5
Atualmente esta corrente de pensamento é conhecida como neopragmatista.
6
JAMES, Willian. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret, 2006.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014 125
Luís Henrique Vieira Rodrigues
7
O cultivo da esperança: John Dewey e o conceito de ação. p. 27.
8
A questão da determinação da facti specie ou da abstração tipológica da norma parte de uma análise sintático/
semântico dos textos legais calcada em pressupostos gregos presentes no Crátilo de Platão, algo já de há
muito superado pelo giro linguístico. Assim, analisar textos legais fora de seu contexto de aplicação pode, no
máximo, gerar preconceitos de fundo metafísico no intérprete, eis que não há norma desconectada de sua
faticidade (CRUZ, 2011, p. 186).
9
Dewey e a inteligência cooperativa: a avaliação dos problemas presentes.
126 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014
Construindo um campo linguístico pragmático para a aplicação do art. 93, IX,...
10
BRANDOM, Robert. B. Tales of Mighty Dead. Historical Essays in the Metaphysicis of Intentionality. Harvard
University Press. London, England, 2002.
11
WITTGENSTEIN, Ludwig. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 24.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014 127
Luís Henrique Vieira Rodrigues
12
Cruz, Álvaro Ricardo Souza. A resposta correta. Incursões jurídicas e filosóficas sobre as teorias da justiça.
Arraes, 2011. p. 90.
13
TOMAZETTE, Marlon. A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada. In: Revista
Brasileira de Direito Processual, n. 59. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2011.
128 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014
Construindo um campo linguístico pragmático para a aplicação do art. 93, IX,...
14
RORTY, Richard Rorty. Pragmatismo e política. São Paulo: Martins, 2005. p. 21.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014 129
Luís Henrique Vieira Rodrigues
15
Importante destacar que a análise heideggeriana, no sentido da redução da filosofia à epistemologia, recebe
uma crítica de Derrida, para o qual este modelo também recai no perigo totalizante. Ao tratar desta abordagem
procedida por Derrida, Jurandir Freire Costa sustenta que ele “afirmou que seu interesse estava em pensar
sobre o limite de qualquer tentativa de totalizar”. E a totalização parace-lhe algo indesejável porque afirma
o privilégio da identidade contra a diferença. In: COSTA, Jurandir Freire. O ponto de vista do outro... Rio de
Janeiro: Garamond, 2012. p. 248.
16
GRINOVER, Ada, in Teoria Geral do Processo.
17
Guimarães Rosa ilustra com maestria a figura das “potentes chefias” em Grande Sertão – Veredas, vista
desde os coronéis da República Velha, até hoje através dos monopólios de poder político, econômico e dos
setores de comunicação, centrados na figura dos (ex)governadores eternos.
130 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014
Construindo um campo linguístico pragmático para a aplicação do art. 93, IX,...
18
Desenvolvi este tema de forma mais abrangente na Dissertação de Mestrado defendida junto à PUC/MG, com
o título: O Controle de contas da administração pública segundo a jurisdição constitucional brasileira: uma
abordagem da atuação dos Tribunais de Contas segundo uma interpretação pós-positivista dos princípios da
legalidade e eficiência. Luís Henrique Vieira Rodrigues, disponível em <www.biblioteca.pucminas.br/teses/
Direito_RodriguesLHV_1.pdf>. acesso em 15/02/2013.
19
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo – Primeiros estudos. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 245.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014 131
Luís Henrique Vieira Rodrigues
6 Conclusões
Para Rorty, vocabulários alternativos são instrumentos de mudança. Para o
escopo da presente análise, novos vocabulários apontam para uma nova gramática
constitucional, como fundamento para a construção de sentido do texto, mas
também para atualizar a compreensão do sistema de justiça pela ótica da linguagem.
O trecho citado por Dworkin,20 em que pesem as críticas registradas ao pragmatismo
filosófico, permite-nos identificar os propósitos de Rorty ao sugerir a adoção de
novos vocabulários:
20
DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 54.
132 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014
Construindo um campo linguístico pragmático para a aplicação do art. 93, IX,...
Abstract: Concern objective of the present text to evidence the necessity of (re)dislocation of the process
of production and application of legal text, particularly about it application and its subsequents effects to
field particularly of formal application. To a construction in the language field. Turning the present boarding
to the processual law the present article sustain the necessity of legitimation of contents and institutions
as process action and jurisdiction in scope of a discursive rationality that transcend the formal command
of article 93, IX of CF/88 and attribute substantive content to that contents. Considering the existence of a
linguistic pragmatistic field to concern of this normative dispositive about the text of Constitution of 1988
by light of contributes of philosophic pragmatism we search to situate the study of institutions of general
process theory in the scope of theory of Law and discurse. In this form to treat about the crisis of model of
representacionism (reducer of the idea of true as representation or correspondence a priori of thing or pre
establish content) we adopt a language theory of Wittgenstein. With the purpose to evidence to play the part
particularly to describe until the occidental philosophy in it cartesian tradition the critics by Heidegger to a
construct a ontology in substitution of denunciation to play the part particularly epistemologic of philosophy.
By the purpose to establish an interface between philosophic and law we adopt authors who’s the scope in
time goes to Willian James until Robert Brandom to sustain that pragmatism bring importants contributions
to justify of law in linguistics basis and with the concretist purpose. At once in the aspect of analysis of
brazilian law particularly with relation of Constitution of 1988 the work “A resposta correta” of the teacher
Doctor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, to be adopt the justify of the necessity to adoption a hermeneutic
with concretist purpose of constitutional text. At the end to treat the necessity of a new look to elementary
contents of the general process theory we adopt the work of the teacher Doctor Rosemiro Pereira Leal to
sustain the restauring of brazilian processual vocabulary than under the scope of jurisdiction the action and
the process can turning more to it construction of sense in basis of theory of law and discurse than self-
evidence current authority inherent of state power.
Key words: Teory of language. Philosophical pragmatism. Teory neoinstitucionalist of process. Efectiveness
of fundamentals rights.
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134 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 123-134, out./dez. 2014
Habeas corpus e o recurso ordinário
constitucional: comentários à nova
jurisprudência pronunciada pelo
Supremo Tribunal Federal e Superior
Tribunal de Justiça
Resumo: Trata-se de comentários a acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior
Tribunal de Justiça. Traz considerações sobre alguns pontos da garantia constitucional do habeas corpus
e do recurso ordinário constitucional em habeas corpus, e analisa a nova jurisprudência sobre o habeas
corpus substitutivo de recurso ordinário.
Palavras-chave: Habeas corpus. Jurisprudência. Constitucional. Processo penal.
1 Introdução
O presente artigo, por meio de breves comentários a acórdãos proferidos
pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, pretende tecer
considerações sobre alguns pontos do uso do instituto denominado Habeas Corpus.
Especificamente, tratar-se-á da atual jurisprudência pronunciada pela Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal, que vem sendo adotada pelo Superior Tribunal de Justiça,
sobre o manejo desta ação tão nobre. Além dessa introdução e de uma conclusão, o texto
conta com outras quatro partes. Na primeira parte será feita uma breve síntese sobre
o habeas corpus, fornecendo considerações gerais e importantes sobre o instrumental.
Na segunda parte será exposto um estudo sobre o Recurso Ordinário Constitucional em
habeas corpus, abordando sua noção, procedimento e as hipóteses de cabimento. Na
terceira parte será feita uma breve síntese dos acórdãos comentados. Na quarta, por
fim, será analisado o novo entendimento jurisprudencial adotado pelo Supremo Tribunal
Federal e que está sendo acompanhado pelo Superior Tribunal de Justiça.
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Felipe Fernandes Valente Júnior
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Habeas corpus e o recurso ordinário constitucional: comentários à nova jurisprudência pronunciada...
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Felipe Fernandes Valente Júnior
1
Art. 654 [...] §2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus,
quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
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Habeas corpus e o recurso ordinário constitucional: comentários à nova jurisprudência pronunciada...
membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais
Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, membros dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União
que oficiem perante tribunais, ou quando o coator for tribunal sujeito à jurisdição
do Superior Tribunal de Justiça ou quando o coator for Ministro de Estado ou
Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral.
O habeas corpus não exige muitas formalidades, pois a liberdade de locomoção
não pode ficar subjugada por questões minúsculas, por questões menores, devendo,
portanto, o julgador afastar particularidades formais, pormenores formais para
conceder, quando for o caso, de ofício a ordem de habeas corpus. O Código de
Processo Penal, em seu artigo 654, §1º, preceitua que a petição do writ conterá
basicamente o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou
coação, o nome de quem está exercendo a violência, coação ou ameaça; a descrição
dos fatos que configuram o constrangimento; e a assinatura do impetrante, ou de
alguém a seu rogo.2
O artigo 648, do referido diploma legal, elenca algumas hipóteses em que
se permite a impetração do habeas corpus. Frisando-se que o elenco citado não é
taxativo, pois podem surgir situações que reclamem a impetração do instrumento e
que não estejam previstas no referido diploma legal.3
É uma ação que tem como característica principal a rapidez e a celeridade,
tendo prioridade no julgamento e independe de pauta. Possui um rito sumário que
exige prova pré-constituída do direito alegado, não se podendo discutir ou produzir
provas, devendo o direito invocado ser líquido e certo, ou seja, aquele que se prova
de plano, de maneira inequívoca, a existência do constrangimento ilegal à liberdade
de locomoção. Trata-se, portanto, de uma ação guiada pelo princípio da efetividade,
pois o cidadão recebe a proteção jurisdicional, quando for o caso, de maneira muito
mais célere do que em um procedimento recursal.
Embora não exista previsão em lei, é plenamente possível a concessão de liminar
em ação de habeas corpus, desde que presentes os pressupostos de uma cautelar.
Esses pressupostos são o fumus boni iuris ou fumaça do bom direito e o periculum
2
Art. 654. [...] §1º A petição de habeas corpus conterá: a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de
sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça; b) a declaração da espécie
de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor; c) a
assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação
das respectivas residências.
3
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa; II - quando alguém estiver preso
por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar
fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for manifestamente nulo; VII - quando extinta
a punibilidade.
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Felipe Fernandes Valente Júnior
Uma questão que merece destaque é o fato de o Superior Tribunal de Justiça não
conhecer do recurso em habeas corpus, mas, em homenagem ao princípio da ampla
defesa, acaba examinando a possibilidade da concessão de habeas corpus de ofício,
nos casos em que o recorrente não possui capacidade postulatória.4 O que parece ser
equivocado, pois, embora seja um recurso, ele equivale a um habeas corpus só que
com nova roupagem, nova forma, mas no fundo tem o mesmo valor que um writ.
O Supremo Tribunal Federal, por outro lado, tem corretamente firmado que se
qualquer pessoa pode impetrar um habeas corpus, não há qualquer razão para que
se exija capacidade postulatória para se recorrer da decisão que indeferiu o habeas
corpus. Segundo os julgados:
4
Nesse sentido: STJ, RHC 25.444/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado
em 26/08/2010, DJe 04/10/2010; STJ, RHC 23.742/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJe 06/04/2009.
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Habeas corpus e o recurso ordinário constitucional: comentários à nova jurisprudência pronunciada...
que seja feito por advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados
do Brasil.5
Por fim, quanto ao processamento do recurso ordinário no Superior Tribunal
de Justiça, a matéria vem regulada no artigo 31 da Lei nº 8.038, de 28 de maio
de 1990, assim como no artigo 245 do Regimento Interno do Superior Tribunal de
Justiça, segundo os quais após a distribuição do recurso, a Secretaria do Tribunal,
imediatamente, fará os autos com vista ao Ministério Público, pelo prazo de dois dias
para o seu parecer. Com a manifestação, os autos serão conclusos ao relator, e este
submeterá o feito a julgamento.
5
Em recente decisão os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acordaram
em conhecer do recurso ordinário em habeas corpus que fora interposto por estagiário do curso de Direito (STJ,
RHC 28.280/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 03/12/2012).
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Felipe Fernandes Valente Júnior
que manteve a prisão cautelar da paciente por estar amparada, tão somente, na
gravidade abstrata do delito e no seu caráter hediondo. Veja-se a ementa do julgado:
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6
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico
=estatistica&pagina=pesquisaClasse>. Acesso em: 05 fev. 2013; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – O
Tribunal da Cidadania. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/?vPortalAreaPai=183
&vPortalArea=584>. Acesso em: 05 fev. 2013.
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7
No mesmo sentido: STF, HC 108487, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 13-09-2012 PUBLIC 14-09-2012; STF, HC 106377, Relator(a):
Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-177 DIVULG
06-09-2012 PUBLIC 10-09-2012; STF, HC 112625, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em
07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 17-10-2012 PUBLIC 18-10-2012.
8
No mesmo sentido: STJ, HC 245.433/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
20/11/2012, DJe 30/11/2012; STJ, HC 242.366/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA,
julgado em 18/09/2012, DJe 26/09/2012.
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Felipe Fernandes Valente Júnior
6 Conclusão
O habeas corpus, instrumento processual constitucional, é cabível contra ato do
Poder Público ou de particular que resulte, de modo direto e imediato, em ofensa à
liberdade de locomoção, à liberdade de ir, vir e permanecer do indivíduo.
De acordo com as características do habeas corpus, o magistrado deve sempre
procurar suplantar certas deficiências formais, propiciando a convalidação do ato para
que a substância do pedido seja apreciada e, enfim, decidida como de direito, pois na
questão da liberdade, formalidades devem ser preteridas. A amplitude e a magnitude
desse remédio heroico reclama uma visão menos formalista, mais desprendida, mais
realista e mais ligada à substância da atividade de se fazer justiça.
O julgador não pode limitar o acesso ao habeas corpus, uma das maiores
garantias constitucionais e talvez o maior patrimônio do cidadão. Tal atitude é
negar o acesso à Justiça, ir contra a proteção ao direito fundamental à liberdade
de locomoção, sobretudo dos segmentos mais vulneráveis da população brasileira.
Descabe, em pleno período democrático, o aviltamento de garantias constitucionais.
Por derradeiro, o novo entendimento adotado pela Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal, que vem sendo seguido pelo Superior Tribunal de Justiça, de não
conhecer o habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional, está muito
mais calcado em razões de ordem prática, pragmática, de gerência judiciária, para
reduzir o absurdo número de processos que tramitam nos Tribunais Superiores, do
que em princípios jurídicos.
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Habeas corpus e o recurso ordinário constitucional: comentários à nova jurisprudência pronunciada...
Abstract: These are the comments delivered its judgment in the Supreme Court and the Superior Court.
Brings considerations on some points of constitutional guarantee of habeas corpus and constitutional
ordinary appeal in habeas corpus, and analyzes the new jurisprudence on habeas corpus substitute for
ordinary appeal.
Key words: Habeas Corpus. Jurisprudence. Constitutional. Criminal procedure.
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Legitimidade das associações civis para
propositura de ação civil pública
no direito brasileiro: uma leitura
multidisciplinar
Resumo: Quais os limites à atuação das associações civis como sujeitos ativos na propositura de ações
civis públicas no direito brasileiro? Este é o problema de pesquisa ao qual se procura dar resposta. Para
tanto, partiu-se da hipótese que o sistema legal não é suficientemente capaz de regular a atuação das
organizações civis na propositura de ações civis públicas, devendo ser complementado pelos imaginários
reais das coletividades humanas beneficiárias da tutela jurisdicional perseguida pelas organizações. Após
um ingresso nos contornos do imaginário formal e dos imaginários reais sobre a adequada representação
das organizações sociais nas lides de massa, mediante aproximação de elementos teóricos da sociologia,
chegou-se à conclusão de restar confirmada a hipótese no contexto da pesquisa, tecendo-se uma discussão
final acerca da restrição da efetiva participação social gerada pela inadequada representação no seio da
legitimidade das associações civis para proporem ação civil pública.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 155-168, out./dez. 2014 155
Arno Apolinário Junior, Ricardo da Silva Gama
1
Campo de significações imaginárias e simbólicas, geneticamente vinculado aos conjuntos formados pelas
coletividades diretamente beneficiárias, cujos integrantes são possuidores de propriedades comuns, na
medida em que os imaginários sociais criam uma realidade e conformam a identidade psíquica dos indivíduos
(CASTORIADIS, 2007, p. 400). Ademais, o tempo e espaço, em si, são portadores de múltiplas leituras sociais
e culturais, das quais o conteúdo imaginário é deveras importante (MASKREY, 1994, p. 13).
2
Direitos “transindividuais de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato” (ARANTES, 1999, p. 88). Ex.: Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
3
Direitos “transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (ARANTES, 1999, p. 88). Ex.: Direitos
decorrentes de relações de contrato de trabalho.
4
Direitos individuais com origem comum.
5
Visão aparentemente objetiva de uma dada realidade, legitimada e institucionalizada socialmente (MASKREY,
1994, p. 14) independentemente das visões e intenções dos agentes sociais, comparável à concepção de
‘fato social’ cunhada por Durkheim (1966).
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Legitimidade das associações civis para propositura de ação civil pública...
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Arno Apolinário Junior, Ricardo da Silva Gama
158 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 155-168, out./dez. 2014
Legitimidade das associações civis para propositura de ação civil pública...
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Arno Apolinário Junior, Ricardo da Silva Gama
entre o objeto social da associação e o interesse que vai perseguir na ação civil
pública. Trata-se, aparentemente, de uma definição aceitável dentro do ponto de
vista científico, proferida por uma instituição política constitutiva do Estado Brasileiro
(Congresso Nacional).
Todavia, em que pese serem dois os requisitos exigidos da associação civil para
propor ação civil pública, um deles pode ser dispensado pelo órgão jurisdicional, a seu
nuto e, fundadamente, face à dimensão ou característica do dano que se pretende
evitar, relevância do bem jurídico a ser tutelado ou manifesto interesse social.
Neste caso, as associações civis devem pelo menos demonstrar seu interesse,
no sentido de necessidade-utilidade-adequação como condição de procedibilidade
para que seja reconhecida a sua legitimação para a causa, além de possuir
representatividade adequada à obtenção do pronunciamento jurisdicional pretendido.
Às associações civis não só o seu objeto social deve conter a previsão de defesa
do interesse metaindividual que persegue em juízo, como a sua representatividade
é presumida pela lei quando exige constituição há pelo menos 1 (um) ano antes do
ajuizamento do feito, salvo em casos de relevância social ou risco de dano iminente
de difícil ou impossível reparação, quando este quesito pode ser dispensado pelo
órgão julgador que dele conhecer, fundadamente.
O problema da adequada legitimação para agir na defesa dos interesses difusos
e coletivos tem chamado a atenção dos pesquisadores, pois dada a importância
maior ou menor do interesse, a amplitude de seu alcance e a relevância fática ou
jurídica do pedido, é desaconselhada a admissão de qualquer colegitimado na sua
persecução judicial.
E o projeto de lei hoje em tramitação,6 que trata do anteprojeto do código
brasileiro de processos coletivos, com relação à legitimidade das associações,
reproduz a atual disposição da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do
Consumidor, ao definir:
6
Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos - Janeiro de 2007 - Ministério da Justiça - Última
versão, <http://www.mpcon.org.br/site/portal/jurisprudencias_detalhe.asp?campo=2897>.
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e foro em Comarca diversa daquela em que ocorreu o fato poderão agir em defesa
dos interesses difusos e coletivos –, a questão posta não se resume à abrangência
territorial de atuação das associações, mas sim à generalidade das possibilidades
de sua intervenção, que podem atingir quaisquer interesses em qualquer território, se
balizada apenas em ditames estatutários.
Sobre o tema, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp
901936/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 16.03.2009), ao mencionar que
“Essa generalidade não pode ser, entretanto, desarrazoada, sob pena de admitirmos
a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que
desnaturaria a exigência de representatividade adequada do grupo lesado”.
A estratégia de capitulação de determinados bens como de titularidade difusa
não pode ser utilizada para se projetar no infinito a legitimidade das associações
civis para propositura da ação civil pública, sob pena de desvirtuar-se a finalidade do
instituto, que pode passar a servir a interesses oportunistas.
Nesta medida, devem ser reconhecidas como legitimadas somente as
associações detentoras de finalidades mais condizentes com a situação e inclusive
com presença efetiva na localidade onde ocorreram os fatos discutidos na ação civil
pública, pois melhores conhecedoras da região, do seu povo e da sua cultura.
A legitimidade diz respeito ao poder (ou dever) de agir em face de determinada
situação. Não é razoável uma abertura indefinida na escala territorial vinculada
à legitimidade das associações, pois neste caso estas passarão não mais a ser
representantes da sociedade civil, mas sim de seus próprios interesses, o que contribui
para o agravamento da marginalização da participação comunitária e, consequentemente,
da utilização de seus saberes e do respeito à sua cultura e identidade.
Esta medida de transposição pressupõe que toda formação humana (social)
desenvolve-se em relação com seu entorno, diretamente condicionado por práticas
culturais, em relação às quais as associações que não têm atuação efetiva no
local dos fatos levados a juízo não possuem conhecimento, já que territorial e
simbolicamente desvinculadas das comunidades locais, situação que lhe esvazia por
completo a legitimidade.
Do ponto de vista da realidade social, para que sejam legitimadas a propor
ação civil pública devem as associações possuir laços de territorialidade com o local
e comunidades representadas, o que exige sua permeabilidade cultural, material e
simbólica com as coletividades locais, que devem se reconhecer como representadas
pela entidade associativa.
Persiste assim um campo de significações imaginárias e simbólicas,
geneticamente vinculado aos conjuntos formados pelas populações representadas,
possuidoras de propriedades comuns que as colocam em situação de vulnerabilidade
(CASTORIADIS, 2007, p. 400).
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4 Discussão e conclusões
As premissas até o momento apresentadas, sugestivas de uma nova atitude
teórica, prática e epistemológica no campo dos direitos coletivos, dirige-se à
conformação de um novo senso comum jurídico, amparado na crítica ao monopólio
estatal e científico do direito; no questionamento do seu caráter despolitizado e
ampliação da sua compreensão como meio de transformação social legitimada no
plano político (SANTOS, 2011, p. 14). Com isso, busca-se alterar a discrepância
entre “perguntas fortes” formuladas pela sociedade e “respostas fracas” em geral
prestadas pelo Poder Judiciário, as quais impõem ao direito a conotação de um
instrumento da burguesia e das oligarquias (SANTOS, 2011, p. 33).
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Legitimidade das associações civis para propositura de ação civil pública...
Brasil, com base no imaginário formal estabelecido sobre o tema, que aponta critérios
objetivos desvinculados da realidade social para admissão dessa modalidade de
politização do direito (ou judicialização da política), mediante adoção de uma postura
omissiva e voltada para o atendimento de exigências meramente formais.
Mostra-se assim, diante de fatos e elementos objetivos, na medida possível,
que não há em regra consideração dos elementos de vinculação material, cultural
e simbólica – integrativos dos imaginários reais das coletividades diretamente
interessadas – a fim de verificar a representação adequada pelas organizações
sociais na defesa de interesses difusos e coletivos em juízo, mediante propositura
de ações civis públicas.
Abstract: How are the limits of civil associations in the mass litigation according the Brazilian law? This
is the question to be solved in this paper. To do it, was deployed a hypothesis: the legal system is not
sufficiently prepared to regulate the adequacy representation of social organizations to propose mandatory
class actions and must be completed by the real imaginary of communities directly involved with the right
object of persecution. After a sociological approach on theme of formal and real imaginaries in reference
of adequacy representation for social organizations in mass litigation, the study direct your conclusions to
the confirmation of the research hypothesis and promotes a final discussion about the restriction of social
participation caused by this model of adequacy representation carried by the legal system.
Key words: Mandatory class action. Adequacy representation. Civil associations.
Referências
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vol. 17, n. 39, 1999, p. 83-102.
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Mandado de segurança: da (in)
constitucionalidade da fixação de
honorários de sucumbência e a
prospecção do julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal da ADIN nº 4.296
Eduardo Hoffmann
Docente dos cursos de Direito e Medicina da Faculdade Assis Gurgacz, Cascavel, Paraná,
e docente no curso de Direito da Faculdade Sul Brasil, Toledo, Paraná. Pós-graduado em
Direito Público e em Direito Tributário pela Unisul. Mestre em Direito Processual Civil e
Cidadania pela Universidade Paranaense. Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Toledo,
Paraná. Advogado.
Resumo: Tem este artigo como tema o mandado de segurança, em especial a fixação de honorários
advocatícios sucumbenciais nas ações dessa natureza. Ao investigar as origens do não cabimento de
honorários sucumbenciais e a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da proibição de sua fixação
pela Lei nº 12.016/2009, prospectou-se qual será o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 4.296. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida
por meio de abordagem qualitativa, com o emprego da técnica bibliográfica e a exploração de fontes em
livros, artigos científicos, textos legais e jurisprudência da Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Mandado de segurança. Honorários advocatícios. Sucumbência. Constitucionalidade.
Inconstitucionalidade.
1 Introdução
Aborda-se no presente estudo o mandado de segurança, contemplando
essencialmente a discussão acerca da (in)constitucionalidade da fixação de
honorários advocatícios de sucumbência nas ações dessa natureza, prospectando-se
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Lauriano Pereira Luz, Eduardo Hoffmann
1
CF/1988, art. 5º (...) inciso LXIX − conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de
poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
2
MEIRELLES, H. L.; WALD, A.; MENDES, G. F. Mandado de segurança e ações constitucionais. 32. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009.
3
FUX, L. Mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
4
FUX, L. Mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
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5
Lei nº 12.016/2009, Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos
infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções
no caso de litigância de má-fé.
6
CPC/1973, Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os
honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar
em causa própria.
7
TALAMINI, E. Fundamentos constitucionais dos honorários de sucumbência: breve nota. Cadernos Jurídicos,
OAB Paraná, n. 31, p. 1-3, jul. 2012.
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Lauriano Pereira Luz, Eduardo Hoffmann
8
THEODORO JÚNIOR, H. O mandado de segurança segundo a Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de
Janeiro: Forense, 2009.
9
Súmula nº 512 do STF: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança.
10
Súmula nº 105 do STJ: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários
advocatícios.
11
AGRÍCOLA BARBI, C. Do mandado de segurança. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
12
Ac. no REsp. nº 17.124-0-RS, em DJU de 15.02.1993, Ac. no REsp. nº 15.468-0-RS, em DJU de 12.04.1993.
13
FUX, L. Mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
14
MEDINA, J. M. G.; ARAÚJO, F. C. de. Mandado de segurança individual e coletivo: comentários à Lei nº 12.016,
de 07 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
15
SILVA, A. O novo mandado de segurança. Leme: J. H. Mizuno, 2010.
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16
VITTA, H. G. Mandado de segurança: comentários à Lei nº 12.016/2009. São Paulo: Saraiva, 2010.
17
LOPES, M. L. R. Comentários à nova lei do mandado de segurança. Niterói: Impetus, 2009.
18
KLIPPEL, R.; NEFFA JUNIOR, J. A. Comentários à lei de mandado de segurança (Lei nº 12.016/09): artigo por
artigo, doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
19
BARBOSA MOREIRA, J. C. Mandado de segurança e condenação em honorários de advogado. Revista dos
Tribunais, RT, n. 418, p. 48-53, ago. 1970. Para o conhecimento mais aprofundado dos fundamentos
determinantes do posicionamento do STF e dos consistentes argumentos lançados pelo professor José Carlos
Barbosa Moreira em impugnação daqueles, é bastante recomendável a leitura de seu artigo Mandado de
Segurança e Condenação em Honorários de Advogado (São Paulo: RT, n. 418, p. 48-53, ago. 1970), publicado
pouco tempo após a edição da Súmula nº 512 pelo STF.
20
SAID CAHALI, Y. Honorários advocatícios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. No mesmo sentido
da nota anterior, recomenda-se a leitura dos ensinamentos do professor Yussef Said Cahali em sua obra
Honorários Advocatícios (2. ed. São Paulo: RT, 1990. p. 732-737), que teve sua 1ª edição publicada em 1978,
poucos anos após a consolidação do entendimento do STF na Súmula nº 512.
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Lauriano Pereira Luz, Eduardo Hoffmann
Nos dizeres do professor Yussef Said Cahali,21 a simples insistência com que
nossos Tribunais têm sido continuamente provocados para manifestação a respeito
dos honorários em mandado de segurança já revela a ânsia revisionista projetada
pela insatisfação do critério jurisprudencial que tem prevalecido.
Em suas edições anteriores da obra Mandado de Segurança, defendia o saudoso
Hely Lopes Meirelles o cabimento da condenação em honorários advocatícios,
consoante dispõe o art. 20 do CPC/1973, que firmou o princípio da sucumbência
em substituição ao da culpa ou dolo processual. Para o doutrinador, desde que o
mandado de segurança seja uma causa, vale dizer, uma ação civil, deveria haver a
condenação do vencido em honorários, não importando que o rito dessa ação seja
especial, mesmo porque nas demais ações especiais o princípio da sucumbência
sempre foi aplicado sem restrições.22
Também em defesa do cabimento dos honorários sucumbenciais na ação
mandamental é a lição de Garcia Redondo, Oliveira e Cramer,23 ao lembrarem
que a condenação em honorários de sucumbência desestimula o ajuizamento
de ações completamente descabidas, contribuindo para a criação de efetiva
responsabilidade processual.
Em sentido contrário, Bueno24 sustenta que a vedação aos honorários
advocatícios em mandado de segurança é a melhor solução para a espécie. Afirma
ele que, do ponto de vista do “modelo constitucional”, entendimento diverso
poderia incentivar o particular, diante da ilegalidade ou abusividade praticada pelo
Poder Público ou por quem lhe faça as vezes, no questionamento do ato perante o
Estado-juiz, a buscar, sem receio, pela verba honorária da parte contrária.
De igual forma é o posicionamento de Pereira.25 Para o autor, a base constitucional
do writ sustenta o não cabimento da fixação de verba honorária sucumbencial. Afirma
ele que há de ocorrer estímulo ao uso da ação mandamental, não se podendo
sancionar o particular em caso de insucesso da impetração.
Conforme Pereira,26 a reiteração do entendimento jurisprudencial das Cortes
Superiores – firmado nas Súmulas nº 512 do STF e nº 105 do STJ – pela Lei
nº 12.016/2009 não é inconstitucional. Não subsiste, em seu entendimento, a
sustentação de que a imprescindibilidade do advogado à administração da justiça
21
SAID CAHALI, Y. Honorários advocatícios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
22
MEIRELLES, H. L.; WALD, A.; MENDES, G. F. Mandado de segurança e ações constitucionais. 32. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009.
23
GARCIA REDONDO, B.; OLIVEIRA, G. P.; CRAMER, R. Mandado de segurança: comentários à Lei n. 12.016/2009.
São Paulo: Método, 2009.
24
BUENO, C. S. A nova lei do mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2009.
25
PEREIRA, H. V. O novo mandado de segurança: comentários à Lei nº 12.016, de 7/8/2009. Florianópolis:
Conceito Editorial, 2010.
26
PEREIRA, H. V. O novo mandado de segurança: comentários à Lei nº 12.016, de 7/8/2009. Florianópolis:
Conceito Editorial, 2010.
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27
CF/1988, Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
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28
Lei nº 8.906/1994, art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos
honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. [...]
29
Lei nº 8.906/1994, Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência,
pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer
que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
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30
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 5. ed. São Paulo: Malheiros. 2008. p. 613.
178 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 169-184, out./dez. 2014
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31
O ANTIGO IMPOSTO DE VENDAS E CONSIGNAÇÕES NÃO INCIDIA SOBRE O VALOR DA TAXA COBRADA POR GUIA
E DEVIDA AO INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL. NÃO CABE, EM MANDADO DE SEGURANÇA, CONDENAÇÃO
AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO
EM PARTE (RE 61097, Relator(a): Min. AMARAL SANTOS, Tribunal Pleno, julgado em 12/09/1968, EMENT
VOL-00788-03 PP-00820 RTJ VOL-00051-03 PP-00805).
32
CONTRATO CELEBRADO COM A CAIXA ECONÔMICA PARA FINANCIAMENTO. IMPOSTO DEVIDO DEPOIS
DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 5. SÚMULA N. 468. PROVIMENTO DO RECURSO (RE 65572, Relator(a):
Min. THEMISTOCLES CAVALCANTI, Segunda Turma, julgado em 08/10/1968, DJ 22-11-1968 PP-*****).
33
1) DIÁRIA DE BRASÍLIA. CONSULTOR JURÍDICO E ASSISTENTES JURÍDICOS DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,
LOTADOS NA CAPITAL. SEGURANÇA CONCEDIDA. PRECEDENTES DO STF. 2) HONORÁRIOS NÃO DEVIDOS
(RE 65.097, 12.9.68) (MS 19071, Relator(a): Min. VICTOR NUNES, Tribunal Pleno, julgado em 31/10/1968,
DJ 18-11-1968 PP-***** EMENT VOL-00747-02 PP-*****).
34
Não há condenação em honorários em processo de mandado de segurança (RE 66843, Relator(a):
Min. THEMISTOCLES CAVALCANTI, Segunda Turma, julgado em 11/04/1969, DJ 23-05-1969 PP-02157
EMENT VOL-00765-03 PP-01008).
No
STJ, a edição da Súmula nº 105, em confirmação ao entendimento do STF, foi aprovada, por maioria de
votos, em sessão plenária realizada no dia 26/05/1994, tendo como precedentes o EREsp 27.879/RJ, o
EREsp 880/RS, o EREsp 18.649/RJ e o EREsp 36.285/RS.
35
Confrontos de entendimento igualmente marcaram a edição da Súmula nº 105 pelo STJ. Defendendo o não
cabimento dos honorários advocatícios sucumbenciais nas ações de mandado de segurança, recomenda-se
sejam lidos os votos proferidos nos EREsps 27.879/RJ e 880/RS pelo Ministro Nilson Naves (que contém
farta construção doutrinária e jurisprudencial) e nos EREsps 36.285/RS e 880/RS pelo Ministro Antônio de
Pádua Ribeiro. Contrariamente, sustentando o cabimento da condenação na referida verba, leiam-se os votos
proferidos no EREsp 27.879/RJ pelo Ministro Cesar Rocha (também contendo rica construção doutrinária e
jurisprudencial) e no EREsp 880/RS pelos Ministros Eduardo Ribeiro, Peçanha Martins, Humberto Gomes de
Barros e Cesar Rocha.
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Lauriano Pereira Luz, Eduardo Hoffmann
36
As decisões da Suprema Corte posteriores à edição da Súmula nº 512 confirmaram sua aplicação:
RE 100.105/RS, Relator Min. Moreira Alves, Julgamento em 08/11/1983, Segunda Turma; RE 106.482/RS,
Relator Min. Sydney Sanches, Julgamento em 22/04/1988, Primeira Turma; RE 108.083/RS, Relator
Min. Francisco Rezek, Julgamento em 25/10/1988, Segunda Turma; AgR RE 412.806/SC, Relator
Min. Sepúlveda Pertence, Julgamento em 05/09/2006, Primeira Turma.
37
Também no STJ, posteriormente à edição de sua Súmula nº 105, as decisões confirmaram a orientação
sumulada: REsp 56.997/RS, Relator Min. Edson Vidigal, Julgamento em 04/06/1996, Quinta Turma; EDcl
no REsp 577.396/PE, Relator Min. Castro Filho, Julgamento em 07/11/2006, Terceira Turma; EDcl no AgRg
no REsp 906.245/RJ, Relator Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Julgamento em
06/08/2009, Sexta Turma; AgRg no REsp 1.202.168/MG, Relatora Min. Diva Malerbi (Desembargadora
convocada do TRF 3ª REGIÃO), Julgamento em 27/11/2012, Segunda Turma.
180 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 169-184, out./dez. 2014
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38
Várias seriam as sustentações possíveis para se questionar a orientação jurisprudencial que deu origem à
Súmula nº 512 do STF, como pode ser verificado nas obras dos professores José Carlos Barbosa Moreira e
Yussef Said Cahali (ver referência em notas anteriores).
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Mandado de segurança: da (in)constitucionalidade da fixação de honorários de sucumbência e a...
Abstract: This article has as it’s main theme the injunction, in particular the setting of attorney fees
in actions of this nature. While investigating the origins of the appropriateness of attorney fees and
constitutionality or unconstitutionality of the ban on its fixation by Law nº 12.016/2009, prospected up
what will be the position of the Supreme Court judgment in the Direct Action of Unconstitutionality (ADIN)
nº 4.296. Therefore, the research was conducted through a qualitative approach, with the use of technical
literature and operation of sources in books, scientific papers, legal texts and jurisprudence of the Supreme
Court and Superior Court.
Key words: Writ of safety. Attorney fees. Loss. Constitutionality. Unconstitutional.
Referências
AGRÍCOLA BARBI, C. Do mandado de segurança. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
BARBOSA MOREIRA, J. C. Mandado de segurança e condenação em honorários de advogado. Revista
dos Tribunais, RT, n. 418, p. 48-53, ago. 1970.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
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BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
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BRASIL. Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e
coletivo e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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Acórdão de 23 de setembro de 1993.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp nº 880/RS, Brasília. Relator: Min. José Dantas. Acórdão
de 23 de setembro de 1993.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp nº 18.649/RJ, Brasília. Relator: Min. José de Jesus Filho.
Acórdão de 22 de outubro de 1993.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp nº 36.285/RS, Brasília. Relator: Min. Américo Luz.
Acórdão de 10 de março de 1994.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Peças da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.296. ADIN
nº 4.296, Brasília. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB versus Câmara dos
Deputados, Senado Federal e Presidente da República. Relator: Min. Marco Aurélio. Processo ainda
em trâmite, sem acórdão proferido.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. R.E. nº 61.097, Brasília. Relator: Min. Eloy da Rocha. Acórdão de
12 de setembro de 1968.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. R.E. nº 65.572, Brasília. Relator: Min. Themístocles Cavalcanti.
Acórdão de 8 de outubro de 1968.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. M.S. nº 19.071, Brasília. Relator: Min. Victor Nunes Leal. Acórdão
de 31 de outubro de 1968.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. R.E. nº 66.843, Brasília. Relator: Min. Themístocles Cavalcanti.
Acórdão de 11 de abril de 1969.
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Lauriano Pereira Luz, Eduardo Hoffmann
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O Novo Código de Processo Civil e
o sistema de precedentes judiciais:
pensando um paradigma discursivo
da decisão judicial
1 Introdução
Já é consolidado o entendimento de que vivemos um novo tempo no direito.
Sem adentrar nos debates terminológicos,1 não há como negar a existência de uma
1
Não há unanimidade quanto ao modo de denominar a fase atual do direito. O termo mais comum entre
os autores brasileiros é “pós-positivismo”, expressão criticada por Dimitri Dimoulis, para quem a referida
expressão é praticamente desconhecida fora do Brasil, sendo usado esporadicamente em países de língua
alemã. Ele ressalta que o erro do termo está em asseverar o fator cronológico, sem expressar um novo
ideário. E, mais ainda, mesmo cronologicamente não se pode dizer que, como simples crítica ao positivismo,
seja novidade, pois se faz críticas ao positivismo desde o final do século XIX (DIMOULIS, Dimitri. Positivismo
jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico político. São Paulo: Método,
2006, p. 48-63). Suzanna Pozollo, por sua vez, fala em “Positivismo Inclusivo” para caracterizar o ideário
jurídico que se apresenta (POZOLLO, Suzanna. DUARTE, Écio Oto Ramos. Neoconstitucionalismo e positivismo
jurídico: as faces da Teoria do Direito em tempos de interpretação moral da Constituição. São Paulo: Landy,
2010). Há, ainda, autores, a exemplo de Fredie Didier Jr., que falam em “neopositivismo” (DIDIER JR., Fredie.
Sobre a teoria geral do processo: essa desconhecida. Salvador: Juspodivm, 2012).
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Cláudia Albagli Nogueira
nova visão, que supera o paradigma positivista e introduz outro modo de pensar e
aplicar o direito.
Essa mudança se opera tanto no plano universal, já que autores de várias
partes do mundo produzem reflexões teóricas, cada um a partir de sua ótica,2
como também no plano local, em que encontramos diversos trabalhos que
formam quase que um entendimento unívoco sobre o quadro de mutações que
se apresentam.3
Capitaneado pelo processo de implementação da Constituição Federal de 1988
e restabelecimento do estado democrático de direito, o que temos no Brasil é um amplo
processo de fortalecimento das instituições democráticas, pari passu à normatização
dos princípios e consequentes transformações no modo de interpretar e aplicar o
direito. Esse é o quadro que temos, que está e com o qual convivemos de modo bem
próximo, especialmente na última década, quando cresceu demasiadamente o número
de obras abordando o neopositivismo, neoconstitucionalismo e neoprocessualismo,
nomenclaturas utilizadas para referenciar as transformações ocorridas nos diferentes
ramos do direito pátrio.
Seriam, assim, alterações vindas no bojo desse novo movimento jurídico: a
consideração dos princípios no processo de interpretação e aplicação do direito;
a ascensão do papel da hermenêutica como teoria interpretativa a serviço da
superação da concepção formalista do direito; o pensamento problemático do
direito; a valorização do discurso como instrumento para a construção de interações
comunicativas que têm a tarefa de integrar o processo de interpretação e aplicação da
norma; e a processualização, na compreensão do processo como espaço necessário
para a efetivação do direito.
O que nos interessa, contudo, é procurar analisar as possíveis implicações a
ocorrer a partir da promulgação e entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil
2
Por todos, mencionamos: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2. ed. Tradução: Nelson Boeira. São
Paulo: Martins Fontes, 2007; ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução: Luís Afonso Heck. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2011; PECZENICK, Aleksander. On law and reason: law and filosophy library. Vol.
8. Berlim: Springer, 2009; POZOLLO, Suzanna; DUARTE, Écio Oto Ramos. Neoconstitucionalismo e positivismo
jurídico: as faces da teoria do direito em tempos de interpretação moral da Constituição. São Paulo: Landy,
2010; ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios. São Paulo: Malheiros,
2006; MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução Waldéa Barcellos. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
3
Dentre muitos: DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico político. Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo: Método, 2006; GUERRA FILHO,
Willis Santiago. A autopoiese do direito na sociedade pós-moderna: introdução a uma teoria sistêmica. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1997; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009; ZANETTI JR., Hermes. Processo constitucional: modelo constitucional do processo civil
brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009; BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo
da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís
Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 327-378.
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O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo...
4
BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei do Senado nº 8.046, de 2010. Código de Processo Civil.
Revoga a Lei nº 5.869, de 1973. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_ mostra
rintegra;jsessionid=4CFB5D5581A0125C71FAEC6A8CB0AD20.node2?codteor=831805&filename=PL+8046
/2010>. Acesso em 13 abr. 2013.
5
Os artigos indicados são do projeto em trâmite na Câmara dos Deputados, revisado até março de 2013,
podendo, contudo, sofrer eventuais alterações na numeração até ulterior consolidação do novo texto do Código
de Processo Civil (CPC).
6
Já se encontram no nosso sistema exemplos de mecanismos processuais que funcionam como precedentes
judiciais, em razão do caráter vinculativo, embora em diferentes graus. Assim temos previsões de caráter
meramente persuasivo: art. 285-A do CPC, que autoriza o juiz a julgar improcedente prima facie a inicial caso
trate de ação repetitiva, com matéria somente de direito e sobre a qual já haja decisão de improcedência
anterior pelo mesmo juízo; o incidente de uniformização de jurisprudência previsto nos artigos 476 a 479 do
CPC, dos embargos de divergência (art. 546 do CPC), bem como do recurso especial por dissídio jurisprudencial
(art. 105, inciso III, alínea “c” da CF/88). As com caráter impeditivo ou obstativo: Súmulas do STJ ou do STF
(art. 518, §1º do CPC), impedimento ao reexame necessário (art. 475, §3º do CPC) e o impedimento à revisão
da matéria recursal, como se extrai do art. 557 do CPC. E de caráter vinculante: a própria súmula vinculante
prevista no art. 103-A da Constituição Federal, o entendimento consolidado na súmula de cada um dos
tribunais, que tem força vinculante em relação ao próprio tribunal e o controle difuso de constitucionalidade
que com a sua objetivação tornam-se obrigatórios para o STF e todos os demais órgãos jurisdicionados
do país.
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7
O denominado “dogma da subsunção” é expressão conceitual do positivismo jurídico e representa o raciocínio
silogístico aplicado ao direito, tomando como premissa maior a norma, premissa menor o fato e a conclusão
como sendo a decisão judicial.
8
Para uma crítica ao abandono da técnica de subsunção, ler ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a
“Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal da Bahia, Homenagem à Profa. Monica Neves Aguiar da Silva, n. 21, 2010.2, p. 131-150.
9
O aplicador, diante da possibilidade de mais de uma solução presente no ordenamento, fará um balanceamento
a partir do caso concreto e dará a solução que melhor associe segurança e justiça.
10
Posição defendida por Aleksander Peczenick: “But fixity of the law and predictability of legal decisions has a moral
value. If a result of a legal reasoning in a particular case is not worse from the point of view of other moral
values, then it is, all things considered, less arbitrary, than a result of a purely moral reasoning would be”
(PECZENICK, Aleksander. On law and reason: law and filosophy library. Vol. 8. Berlim: Springer, 2009, p. 199).
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11
BUSTAMANTE, Thomas. Teoria do precedente judicial. São Paulo: Noeses, 2012, p. 169.
12
Diz o autor: “A necessidade de distinguir o Direito da Moral e a ciência jurídica da Ética, significa que, do
ponto de vista de um conhecimento científico do Direito Positivo, a legitimação deste por uma ordem moral
distinta da ordem jurídica é irrelevante, pois a ciência jurídica não tem de aprovar ou desaprovar o seu objeto,
mas apenas tem de o conhecer e descrever. Embora as normas jurídicas, como prescrições de dever-ser,
constituam valores, a tarefa da ciência jurídica não é de forma alguma uma valoração ou apreciação do seu
objeto, mas uma descrição do mesmo alheia a valores (wertfreie). O jurista científico não se identifica com
qualquer valor, nem mesmo com o valor jurídico por ele descrito. [...] uma norma jurídica pode ser considerada
como válida ainda que contrarie a ordem moral” (In: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João
Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 77).
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Cláudia Albagli Nogueira
sistema jurídico mostrar conformidade específica com a moral, crendo que são
sistemas estanques.13
Somente com a crise do paradigma do pensamento positivista é que a tese
da separação passou a ser contestada de maneira veemente, com substanciosas
colaborações da Teoria dos Princípios,14 bem assim os autores denominados
procedimentalistas, conforme analisaremos na sequência do texto.
O principal fundamento para a defesa da aproximação entre direito e moral está
no resgate do indivíduo como preocupação central do direito. Passada a segunda
grande guerra, o pensamento jurídico passa a ser alvo de críticas por permitir
sustentar, com a tese positivista, a possibilidade de sistemas jurídicos atentatórios à
dignidade humana. Resgata-se a exigência da proteção à pessoa humana e a relação
direito/moral passa a estar no cerne do recondicionamento do pensamento jurídico.
A moral passa a ser apresentada como fundamento primeiro do direito, que não
deve distanciar-se de um pressuposto axiológico que garanta a proteção do indivíduo
na sua dignidade. O fundamento, pois, não é de caráter formal, como se deu no
positivismo com a tese da separação, mas sim de caráter material, mais do que
isso, estrutural. É estar certo de que o direito não pode ser construído sem ter como
base fundamentos morais, pois o contrário disso é a abertura para a justificação de
sistemas atentatórios à pessoa humana.
Quem bem define a intrínseca relação entre direito e moral é Robert Alexy,
quando, em texto de sua autoria, atribui três fatores: princípios e argumentos morais
seriam abarcados pelo direito, limitação do direito positivo pela moral e a moral como
fundamento da obediência ao direito.15
O primeiro fator, segundo Alexy, é que o direito tem a pretensão de correção
(argumento da correção) e, para isso, acaba por abarcar princípios morais. Estes,
por sua correção, são incorporados no direito por uma regra de conhecimento como
“prática normativa convencional”.16 É o chamado “positivismo inclusivo”.17
13
Diz Hart: “Não se pode negar em sã consciência que o desenvolvimento do direito tem de fato sido influenciado,
em todos os tempos e lugares, tanto pela moral quanto pelos ideais convencionais de grupos sociais específicos,
e também por formas esclarecidas de crítica moral oferecidas com insistência por alguns indivíduos cujo horizonte
moral transcendeu a moral comumente aceita. Mas é possível compreender erroneamente essa verdade, vendo-a
como autorização para uma afirmação diferente: a de que um sistema jurídico deve necessariamente mostrar
alguma conformidade específica com a moral ou a justiça.” (In: HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de
direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 239).
14
Consideramos como Teoria dos Princípios as diferentes visões e conceituações apresentadas por Ronald Dworkin,
especialmente em sua obra “Levando os Direitos a Sério” (2007); Robert Alexy, na sua “Teoria dos Direitos
Fundamentais” (2011); e, em terras brasileiras, Humberto Ávila, com a sua “Teoria dos Princípios” (2006).
15
ALEXY, Robert. Direito e Moral. In: HECK, Luís Afonso (Org.). Direito natural, direito positivo, direito discursivo.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 117.
16
Ibidem, p. 117.
17
Suzanna Pozollo e Écio Oto Ramos Duarte explicam que “a tese central do positivismo inclusivo indica que
quando os juízes apelam a determinados padrões morais na resolução dos casos jurisdicionais suscitados,
em verdade, terminam por incorporar ditos conteúdos de moralidade na composição do direito juridicamente
válido”. (In: POZOLLO, Suzanna; DUARTE, Écio Oto Ramos. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: as
faces da teoria do direito em tempos de interpretação moral da constituição. São Paulo: Landy, 2010, p. 46).
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18
Alexy, op. cit., p.119.
19
Ibidem, p. 119.
20
Ibidem, p. 120.
21
Ibidem, p. 122.
22
VIEIRA, Oscar Vilhena. A moralidade da Constituição e os limites da empreitada interpretativa, ou entre
Beethoven e Bernstein. In: SILVA, Virgílio Afonso da. (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros
Editores, 2010, p. 230.
23
Ibidem, p. 232.
24
HABERMAS, Jürgen. Direito e moral. Lisboa: Instituto Piaget, 1986, p. 63.
25
Diz Habermas: “A moralidade que não só defronta o direito, mas que, também, se estabelece, por si só, no
direito positivo, é, certamente, de natureza puramente processual; ela libertou-se de todos os conteúdos
determinados de normas e sublimou-se num procedimento de fundamentação e aplicação, de possíveis
conteúdos de normas. Deste modo, um direito processual e uma moral processual conseguem controlar-se
mutuamente.” (Ibidem, p. 57).
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Cláudia Albagli Nogueira
26
DANTAS, Miguel Calmon. O direito fundamental à processualização: fundamento para uma teoria geral do
processo. In: DIDIER JR. Fredie; JORDÃO, Eduardo Ferreira. (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário
mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 686.
27
O devido processo legal no sentido material ou substancial vem a significar a proteção do devido processo
em relação ao conteúdo da demanda, atuando no que diz respeito ao direito material, enquanto o devido
processo no sentido formal refere-se às repercussões e incidências no direito processual, visando assegurar
o respeito às formas processuais no que representam garantias. (NERY JR., Nelson. Princípios do processo na
Constituição Federal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 83-87).
28
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 169.
29
GUERRA FILHO, Willis Santiago. A autopoiese do direito na sociedade pós-moderna: introdução a uma teoria
sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 80.
192 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014
O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo...
argumentos, seja por possibilitar a implantação de uma nova lógica diversa da tradição
positivista e que atende à complexidade da sociedade contemporânea.
Voltando a Habermas e a sua afirmação do processo como espaço de
concretização da moral, diz ele:30
30
HABERMAS, Jürgen. Direito e moral. Lisboa: Instituto Piaget, 1986, p. 57.
31
GUERRA FILHO, Willis. Por uma filosofia processual do direito. In: DIDIER JR. Fredie; JORDÃO, Eduardo Ferreira.
(Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 1.003.
32
HABERMAS, op. cit., p. 53.
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Cláudia Albagli Nogueira
33
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 8.046, de 2010. Código de Processo Civil. Revoga a Lei nº 5.869,
de 1973. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=
4CFB5D5581A0125C71FAEC6A8CB0AD20.node2?codteor=831805&filename=PL+8046/2010>. Acesso
em 13 abr. 2013.
34
Para uma síntese interessante das mudanças do NCPC sugerimos os Editoriais 151, 156 e 160 do Prof. Fredie
Didier Jr. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/>. Acesso em: 13 abr. 2013.
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35
MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins
Fontes, 2006, p. 96.
36
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 8046, de 2010. Código de Processo Civil. Revoga a Lei nº 5.869,
de 1973. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=
4CFB5D5581A0125C71FAEC6A8CB0AD20.node2?codteor=831805&filename=PL+8046/2010>. Acesso
em 13 abr. 2013
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Cláudia Albagli Nogueira
CAPÍTULO XV
DO PRECEDENTE JUDICIAL
Art. 520 Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável.
Parágrafo único. Na forma e segundo as condições fixadas no regimento
interno, os tribunais devem editar enunciados correspondentes à súmula
da jurisprudência dominante.
Art.521 Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da
legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da
proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem
ser observadas:
I – os juízes e os tribunais seguirão a súmula vinculante, os acórdãos em
incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos;
II – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados das súmulas do
Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal
de Justiça em matéria infraconstitucional e dos tribunais aos quais
estiverem vinculados, nesta ordem;
III – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os
juízes e os tribunais seguirão os precedentes:
a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional;
b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta
ordem, em matéria infraconstitucional;
IV – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça, os juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de
Justiça ou do Tribunal Regional Federal seguirão os precedentes do
plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem;
V – os juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça seguirão, em
matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial
respectivo, nesta ordem.
§1º Na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante, sumulada
ou não, ou de seu precedente, os tribunais podem modular os efeitos da
decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade
ou lhe atribuindo efeitos prospectivos.
§2º A mudança de entendimento sedimentado, que tenha ou não sido
sumulado, observará a necessidade de fundamentação adequada e
específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção
da confiança e da isonomia.
§3º Nas hipóteses dos incisos II a V do caput deste artigo, a mudança
de entendimento sedimentado poderá realizar-se incidentalmente, no
processo de julgamento de recurso ou de causa de competência originária
do tribunal, observado, sempre, o disposto no §1º deste artigo.
§4º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos
fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do
colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado.
§5º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo:
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198 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014
O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo...
37
LIMA, Augusto César Moreira. Precedentes no direito. São Paulo: LTR, 2008, p. 45.
38
BLACK, Henry Campbell. Black’s law dictionary. 7. ed. St. Paul: West Publishing, 1990, p. 1176, tradução
nossa. No original: “an adjudge case or decision of a court, considered as furnishing an example or authority
for an identical or similar case afterwards arising or a similar question of law”.
39
ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá,
2012, p. 92.
40
NEVES, Antônio Castanheira. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais apud
ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá, 2012, p. 93.
41
MARINONI, Luís Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 216.
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Cláudia Albagli Nogueira
42
ROSITO, op. cit., p.100.
43
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico
político. São Paulo: Método, 2006, p. 179.
44
ROSITO, op. cit., p. 95.
45
Francisco Rosito denomina dimensão objetiva do precedente a parte específica da decisão que adquire
força de precedente, seja vinculativo, seja persuasivo. (ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais:
racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.103).
46
A expressão Ratio Decidendi é mais utilizada pelos ingleses e, comumente, vem a expressar a razão de
decidir. Na linguagem dos operadores americanos é denominada de Holding (TUCCI, José Rogério Cruz e.
Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 177; PERRONE, Patrícia.
Precedentes judiciais: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo contemporâneo. São Paulo:
Renovar, 2008, p. 118).
47
DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de processo civil. Vol. 2. 7. ed. Salvador:
Juspodivm, 2012, p. 388.
48
TUCCI, op. cit., p. 175.
49
No plural, é obiter dicta (In: SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante.
Curitiba: Juruá, 2008, p. 139).
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O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo...
da controvérsia. Para José Rogério Cruz e Tucci50 o obiter dictum não se presta para
ser invocado como precedente vinculante em caso análogo, mas pode servir como
argumento de persuasão.
O obiter dictum, não obstante não componha a regra de direito (rule of law)
extraída do precedente, desempenha papel persuasivo e argumentativo fundamental,
podendo ser relevante o seu uso para fundamentação de situações similares.
Teoricamente, a distinção entre ratio decidendi e obter dictum parece fácil, mas,
na prática, pode haver a dificuldade de identificação, no que sugere Karl Engisch que
a distinção se dê por exclusão, ou seja, deve o sujeito delimitar a ratio (“somente
será vinculativa na medida em que necessária para a decisão do caso jurídico”) e não
se encaixando o argumento nessa análise tratar-se-ia de obter dictum.51
50
TUCCI, op. cit., p. 177.
51
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 10. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008,
p. 365.
52
ALEXY, Robert. Direito, razão discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução: Luís Afonso Heck. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 21.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014 201
Cláudia Albagli Nogueira
acompanharão a atividade do magistrado para que sua tarefa decisória, nas situações
estabelecidas pela nova lei, atenda ao propósito de pôr fim ao conflito decidido e de
formar precedente que se aplicará aos casos futuros.
A sentença deixa de ser apenas uma peça referente àquela demanda judicial
e ganha repercussão externa alcançando os casos futuros que, pela relação de
semelhança relevante com a situação paradigma, bebem na sua ratio para resolver
à demanda.
Há, então, a necessidade de se afirmar limites a demarcar a atividade judicial
para atender à pretensão de universalização da decisão.
53
PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução: Maria
Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 31.
202 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014
O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo...
54
AARNIO, Aulis. ¿Una única respuesta correcta? In: AARNIO, Aulis; ATIENZA, Manuel; LAPORTA, Francisco.
Bases teóricas de la interpretación jurídica. Madrid: Fundación Coloquio Jurídico Europeo, 2010, p. 19.
55
ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. 3. ed. Tradução: Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011, p. 20.
56
ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. 3. ed. Tradução: Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011, p. 21.
57
Ibidem, p. 21.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014 203
Cláudia Albagli Nogueira
58
ALEXY apud BUSTAMANTE, Thomas. Teoria do precedente judicial. São Paulo: Noeses, 2012, p. 150.
59
BUSTAMANTE, op. cit., p. 166.
60
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 176.
61
ATIENZA, Manuel. Entrevista a Aleksander Peczenick. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, n. 22, 1999,
p. 665.
204 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014
O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo...
62
“[...] não basta a entrada em vigor positivista das normas para assegurar duradouramente sua validez social.
A imposição duradoura de uma norma depende também da possibilidade de mobilizar, num dado contexto da
tradição, razões que sejam suficientes pelo menos para fazer parecer legítima a pretensão de validez no círculo
das pessoas a que se endereça. Aplicado às sociedades modernas, isso significa: sem legitimidade, não há
lealdade das massas” (In: HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução: Guido A. de
Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 83).
63
Ibidem, p. 88.
64
Eis o argumento primordial para incorporação ao processo da figura jurídica do amicus curiae.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014 205
Cláudia Albagli Nogueira
não é definitivo nem incorrigível,65 mas oferece até a sua falsificação a certeza de que
necessita o discurso jurídico para pôr fim aos conflitos levados a juízo, bem assim
àqueles semelhantes que venham a se apresentar.
O precedente judicial deve, pois, seguir esse caminho, ser uma técnica
processual a serviço da efetividade e concretização da justiça, através da uniformidade
na aplicação do direito. Deve garantir a legítima expectativa de se ter decisão
semelhante à do caso já julgado e consensualmente formado porque resultado da
participação cooperativa dos interessados.
Asseguradas as condições apontadas, a decorrência lógica deve ser o consenso
em torno da decisão e, por consequência, a sua legitimidade para solucionar o
conflito do processo em que é emitida e aqueles subsequentes que com ele guardem
uma relação de semelhança e exige idêntico entendimento. O NCPC parece trazer
as condições para esse consenso porque transverso pelo espírito democrático e
resguardado da ampla participação no processo judicial. Uma vez mais: segurança,
isonomia e proteção da confiança.
Conclusão
Chegamos ao final sem que isso represente o esgotamento do tema abordado;
ao contrário, passamos por uma estrada em que os caminhantes ainda iniciarão
o percurso. É certo que, após a promulgação do Novo Código de Processo Civil,
muitas mudanças, sugestões e interpretações irão surgir, como resultado natural
da implementação de um novo sistema processual. O que se pretendeu foi trazer
algumas reflexões partindo do panorama da Teoria do Direito contemporâneo e
conjugando com o sistema processual e o regime de precedentes que está proposto
na legislação em fase final de aprovação.
A admissão de um regime de precedentes concretiza uma nova fase do direito
processual, onde os resultados obtidos no processo são qualificados por não se
esgotarem nos limites da lide. O processo passa a ser valorizado como espaço de
criação do direito pelo Estado-juiz, de participação democrática da sociedade e de
vivência da norma.66 É meio de desenvolvimento do direito material, o que é expresso
mediante os precedentes oriundos da atividade jurisdicional.67
O Poder Judiciário no Brasil anseia pela resolução cada vez mais profícua dos
problemas levados a ele e o uso de precedentes permite um caminhar mais célere, sem
retirar a característica de juridicidade da decisão. Do precedente resulta celeridade
65
KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. 4. ed. Tradução: António Ulisses Cortês. Lisboa: Fundação Calouste
Kulbekian, 2010, p. 430.
66
FARIA, José Eduardo. Direito e conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 78.
67
ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá,
2012, p. 225.
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O Novo Código de Processo Civil e o sistema de precedentes judiciais: pensando um paradigma discursivo...
porque já oferece uma solução pronta para situações que se assemelhem aos seus
fatos principais (material facts), sem que haja o risco de tratamento diferenciado.
O sistema de precedentes judiciais consagra, ainda, a aproximação entre
direito e moral, pois toma como premissa o direito discursivamente construído e
não aquele resultado única e exclusivamente do uso da técnica de subsunção. A
moral institucionaliza-se quando o indivíduo, no seu sentido relacional (comunidade
de argumentação), constrói o discurso processual, deixando de ser apenas o objeto
da ação e tornando-se parte dela.68
Entendido o funcionamento do regime instituído pelo NCPC, o grande desafio
do magistrado é adequar-se a uma nova metodologia processual em que o produto
da atividade jurisdicional, a sentença, poderá deixar de ser apenas norma individual
aplicável ao caso decidido para converter-se, pelo menos uma parte dela (ratio
decidendi), em regra geral a alcançar todas as situações que por uma relação de
semelhança mereçam idêntico tratamento.
Daí recorrermos à Teoria da Argumentação nos conceitos de auditório universal
(Perelman), pretensão de correção (Alexy) e consenso (Habermas) como possíveis
balizas para uma atividade decisional que há de assumir função normativa.
Em todos os conceitos extraídos da Teoria da Argumentação e apresentados
ao longo deste trabalho, em comum está a premissa do princípio da justiça formal
e da participação democrática de todos quantos sejam interessados na decisão a
ser proferida.
As ideias de correção e consenso estão ambas fundamentadas na percepção
da decisão como resultado de um processo discursivamente desenvolvido e que,
dessa maneira, assegura, ao mesmo tempo, a legitimidade da decisão e a viabilidade
de resposta à complexidade das demandas contemporâneas.
Uma última consideração mostra-se necessária de ser mencionada, já não
mais referente aos precedentes em si, mas resultante da observação sistemática do
direito. É notável a aproximação dos dois grandes sistemas judiciais, Common Law
e Civil Law.
De nossa parte, sistema tradicionalmente codificado, a abertura para a
determinação de regras a reger um sistema de precedente judicial demonstra o novo
espírito que se pretende implantar na sistemática judiciária brasileira. A aproximação
dos grandes sistemas implica uma mudança considerável de comportamento dos
operadores do direito, dos doutrinadores e até mesmo dos docentes, que terão que
preparar os jovens para uma realidade prática que não mais se funda em um sistema
exclusivamente legalista.
68
KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. 4. ed. Tradução: António Ulisses Cortês. Lisboa: Fundação Calouste
Kulbekian, 2010, p. 430.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014 207
Cláudia Albagli Nogueira
Os juízes, em especial, não são mais mero aplicadores da lei, mas, sobretudo,
criadores do direito, embora não estejam completamente livres de vínculos.69 Os
precedentes contribuem para realizar essa atividade criativa, vinculada a um
parâmetro mínimo declarado pelo próprio Judiciário, o que, espera-se, permitir uma
maior eficiência e produção de resultados.
Abstract: The legal theory points us to overcome a logical-deductive system, based on the dogma of
subsumption, to a legal paradigm of discourse that incorporates moral and understands the process space
as essential to ensuring the right, by allowing the construction of democratic arguments. On this track, the
New Brazilian Code of Civil Procedure, ready for approval by Congress, has recast the entire court system,
including the introduction of a chapter for the regulation of a system of judicial precedents. Think this
system of legal precedent in the current design and seek to delimit possible limits to preserve the rationality
of judgment is what we try to do the work that follows. The concepts of universal audience, pretense
correction and consensus are worked out as beacons of potential judicial. It concludes the importance of
formalizing the system of judicial precedent for speedy justice and security guard, equality and predictability
of judicial decisions.
Key words: New Code of Civil Procedure. Judicial precedents. Post-positivism.
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69
Cf. CAPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução: Carlos Alberto Álvaro Oliveira. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1999, p. 24.
208 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014
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210 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 185-210, out./dez. 2014
O paradigma racionalista e o momento
de modificação do ônus da prova
Ravi Peixoto
Mestrando em Direito pela UFPE. Professor de Direito Processual Civil da Escola Superior de
Advocacia Professor Ruy Antunes, da OAB-PE. Bacharel em Direito pela UFPE. Membro da
Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Advogado.
Resumo: O presente artigo objetiva a análise do momento de modificação do ônus da prova sob uma nova
perspectiva, à luz de uma superação do paradigma racionalista. O debate sobre a temática continua atual
em sede doutrinária e jurisprudencial, com a utilização de diversos argumentos por ambas as posições.
Entretanto, nenhum dos defensores de ambas as posições optou por uma análise tendo por base as ideias
construídas por Ovídio Baptista, que serão utilizadas para a construção de nossas ideias nesse artigo, de
modo a tornar inexplicável a defesa da modificação do ônus da prova na sentença.
Palavras-chave: Paradigma racionalista. Ônus da prova. Momento da modificação.
1 Introdução
O presente ensaio, escrito em homenagem a um dos maiores processualistas
desse país, visa fazer um pequeno tributo ao seu maior legado: a “revelação” do
paradigma racionalista e o questionamento de suas bases e consequências, em
uma de suas obras mais significativas, denominada Processo e Ideologia, bem como
em várias outras ao longo de sua magnífica carreira, em que se voltou ao tema,
questionando com acurácia as bases da dogmática processual civil.
O professor Ovídio Baptista, certa feita, afirmou que “o Direito Processual foi
o domínio jurídico mais danificado por essa metodologia (paradigma racionalista),”1
1
Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 1.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 211-230, out./dez. 2014 211
Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
2 O paradigma racionalista
No primeiro parágrafo de sua mencionada obra, Ovídio Baptista nos oferece um
conceito inicial de paradigma racionalista como sendo uma doutrina que “procurou
fazer do Direito uma ‘ciência’, sujeita aos princípios metodológicos utilizados
pelas matemáticas”.3 O racionalismo leva a efeitos prejudiciais para a construção
jurídica: trata-se de metodologia que lhe é artificial e inadequada, levando à
geometrização do direito, a partir de uma retórica que acabar por criar “um mundo em
franco distanciamento de contingências histórico-temporais, encaradas com olhos
de repúdio”.4
Essa definição nos serve de ponto de partida para que possamos, em
poucas linhas, tentar explicar melhor o seu surgimento e a sua manutenção em
nosso sistema, muitas vezes de forma velada. Muito embora, em tese, essa
seja uma doutrina teoricamente ultrapassada, dado o advento da “guinada
2
Exemplificadamente: GOMES, Fábio Luiz. Responsabilidade Objetiva e Antecipação de Tutela: A superação do
paradigma da modernidade. São Paulo: RT, 2006; PEREIRA, Mateus Costa. O paradigma racionalista e a sua
repercussão no direito processual brasileiro. Dissertação de Mestrado. Recife: Unicap, 2009; ISAIA, Cristiano
Becker. Processo Civil e Hermenêutica – A Crise do Procedimento Ordinário e o Redesenhar da Jurisdição
Processual Civil pela Sentença (Democrática) Liminar de Mérito. Belo Horizonte: Juruá, 2012.
3
Processo…. cit. p. 1.
4
PEREIRA, Mateus Costa. O paradigma racionalista... cit., p. 58.
212 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 211--230, out./dez. 2014
O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
5
“A expressão ‘guinada interpretativa’ foi cunhada no fim dos anos setenta para registrar o que seria o
advento de um novo paradigma das ciências sociais, um paradigma talvez sobretudo epistemológico.
Nos últimos vinte anos, vem sendo empregada também por juristas teóricos, tanto anglo-saxões quanto
‘continentais’, para aludir à evolução recente da teoria e da filosofia do direito, e até mesmo para qualificar
globalmente o que corresponderia ao momento atual da cultura jurídica reflexiva. Como se sabe, nas
soluções terminológicas marcadas, como era o caso aí, pela influência das ideias de Thomas Kuhn, a
noção de ‘paradigma’ conota um sentido ou um efeito de ‘normalização’ da pesquisa e de superação de
suas crises. Mas basta levar em consideração a persistência do ideal empírico-analítico em alguns setores
importantes da teoria do direito (ou ainda o recente alinhamento de alguns juristas norte-americanos a
um neorrealismo filosófico) para se descartar de plano uma tal eficácia estabilizadora da presença de
um paradigma epistemológico hermenêutico. Por isso, a ideia de uma guinada interpretativa da teoria do
direito é plausível sobretudo quando remete a um dado extraepistemológico: a teoria jurídica contemporânea
seria considerada, em seu conjunto, como ‘interpretativa’ por se ter tornado acentuadamente sensível
à importância central da interpretação na experiência jurídica, do que decorreriam duas consequências:
a organização de uma agenda temática dominada em grande parte pelo problema da interpretação e de
sua pluralidade, e a tendência pronunciada a aproximar a interpretação (ou noções afins, como a de
argumentação) do centro da concepção, pressuposta ou conscientemente articulada, do direito” (JUST,
Gustavo. O direito como ordem e hermenêutica. Revista de informação legislativa. Brasília, ano 46, n. 181,
jan./mar. 2009, p. 7-8).
6
Processo... cit. p. 55.
7
Igualmente: PEREIRA, Mateus Costa; FERNANDES, André Lucas. “Prolegômenos ao pensamento jurídico-
filosófico de Pontes de Miranda. DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; GOUVEIA
FILHO, Roberto P. Campos. Pontes de Miranda e o direito processual. Salvador: Juspodivm, 2013,
p. 40-43. Percebe-se a apreensão no reconhecimento de alguma discricionariedade ao magistrado e
a necessidade de segurança pelas seguintes palavras do famoso filósofo: “los jueces de la nación no
son, según sabemos, sino la boca por donde habla la ley, seres inanimados que no pueden moderar ni
su fuerza ni su rigor” (El espíritu de las leyes. Madrid: Librería General de Victoriano Suárez, 1906, t. I,
p. 237).
8
CORDEIRO, António Menezes. “Introdução à edição portuguesa.” In: CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento
sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012.
p. LXXXVI.
9
SAVIGNY, F. De la vocación de la nuestra época para la legislación y la ciencia del derecho. Buenos Aires:
Editorial Ayala, 1946, p. 62-63.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 211--230, out./dez. 2014 213
Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
10
Processo… cit. p. 40. Menciona a doutrina que na Alemanha, durante certo tempo, os casos eram
frequentemente enviados das cortes para as faculdades para que fossem resolvidos. (MERRYMAN, John
Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. The civil law tradition: an introduction to the legal systems of Europe and
Latin America. 3. ed. Stanford: Stanford University Press, 2007, p.57).
11
Constata Castanheira Neves que os juristas do direito medieval estavam “convencidos de poder encontrar
no corpus juris civilis a solução para qualquer questão jurídica: o texto, pensado completo e coerente é
a expressão da ratio e da aequitas. E nessa perspectiva o pensamento jurídico assumiu-se decerto como
interpretação de textos: o direito oferecia-se enunciado em textos e através desses textos, no modo exegético-
comentarístico e sob o argumentum ex verbo, obter-se-iam todos os critérios jurídicos para a prática jurídica
(Metodologia Jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 86-87).
12
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Direito material e processo. Estudos de direito processual civil: homenagem
ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. MARINONI, Luiz Guilherme. São Paulo: RT, 2005, p. 404-405.
Afirma o professor em outra obra: “o direito material, pensado como norma, não como fato, será sempre
abstrato’. Ele somente se concretiza na sentença. Se vou ao mercado fazer compras e, para isto, emito
um cheque, ainda não estarei no campo do direito; isto seria um fenômeno sociológico. Não há ‘concreção’
fora do processo. O direito material, enquanto norma, será sempre ‘abstrato’. Os negócios jurídicos, por
mais ‘concretos’ que o sejam, não passam de fenômenos apenas sociológicos” (Unidade do ordenamento e
Jurisdição declaratória. Jurisdição, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 23).
13
Processo… cit. p. 38-41. Aponta Franz Wieacker que o afastamento da realidade foi uma trágica opção-chave do
formalismo, tornando “inevitável o alheamento da ciência jurídica em relação às realidades sociais, políticas e
morais do direito” (História do direito privado moderno. 4. Ed. Lisbos: Calouste Gulbenkian, 2010, p. 458).
14
“Tradicionalmente estava em jogo a aplicação de leis. Estas deviam ter um conteúdo determinado pela vontade
do seu autor (legislante). É, portanto, o legislador (por intermédio da boca do juiz) que fala, decide, assume a
responsabilidade, não o juiz. Quem fala não é um sujeito humano, mas um texto: o juiz como bouche de la loi;
como se sabe, esse modelo remonta a Montesquieu.
Esse paradigma familiar opera com pressupostos toscos: a possibilidade de uma única interpretação
correta em cada caso, de um centro de sentido e conteúdo claro, de uma unidade objetiva do sentido dos
textos jurídicos. Pressupor tais coisas parece ilusório diante do foro da filosofia da linguagem mais recente,
entremente explicitada há redondamente três décadas, e diante do foro da atual teoria linguística dos textos”
(MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 148).
15
Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona: Bosch, 1961.
16
TYTECA-OLDBRECHTS, Lucies. Tratado de argumentação. Lisboa: Instituto Piaget, 2007.
17
Tópica e jurisprudência. Porto Alegre: Safe, 2008.
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O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
18
Realizando constatação semelhante, embora voltada à própria teoria do direito, em crítica ao formalismo
jurídico, que afasta o direito da complexidade do caso concreto, cf.: MENEZES CORDEIRO. António Manuel da
Rocha e. op. cit., p. XIII-XXV.
Essa doutrina foi consagrada na processualística com Giuseppe Chiovenda, o qual afirmava que “la jurisdicción
consiste en la actuación de la ley mediante la sustitución de la actividad de órganos públicos a la actividad
ajena, ya sea afirmando la existencia de una voluntad de ley, ya poniéndola posteriormente en práctica”
(Principios de derecho procesal civil. Madrid, Editorial Reus, 1922, t. I, p. 349).
Essa doutrina, mesmo após todos os aportes teóricos acerca da importância da hermenêutica, da atuação
dos princípios como normas, da diferenciação entre texto e norma, continua vigente para parcela da
processualística. De modo exemplificativo, veja-se o conceito de jurisdição em uma obra publicada em 2012:
“jurisdição é a atuação (entendida não só como a declaração, mas também a imposição) da vontade concreta
da lei pelo Estado, em especial pelo Poder Judiciário. Trata-se de um trinômio: poder, função e atividade. Sua
função primordial é realizar a paz social” (AMENDOEIRA JR., Sidnei. Manual de direito processual civil. 2. ed.
São Paulo Saraiva, 2012, p. 26).
Alexandre Freita Câmara possui posição semelhante, a única diferença é a modificação do termo vontade
concreta da lei por vontade concreta do direito objetivo de modo a adequar a concepção chiovendiana ao
Estado Constitucional, muito embora isto em pouco mude. O doutrinador expressamente se mantém adepto
à concepção da jurisdição declaratória. Substitui apenas a vontade da lei pela vontade da Constituição. São
apenas “vontades” diferentes (Lições de direito processual civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,
v. I, p. 67-69).
Para ver uma análise crítica sobre esse conceito de atividade jurisdicional, que acaba por blindar a construção
de um aporte crítico e reflexivo do imaginário jurídico, cf.: ISAIA, Cristiano Becker. O legado jurisdicional da
modalidade estatal liberal em pleno paradigma instituído pelo Estado Democrático de Direito. Revista da
Faculdade de Direito do sul de Minas. n. 28. Pouso Alegre: FDSM, 2009, p. 168-175.
19
Nesse sentido: SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Verdade e significado. Disponível em: <http://www.
baptistadasilva.com.br/>, acesso às 14h, do dia 06 de maio de 2013, p. 3.
20
Epistemologia das ciências culturais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p. 29.
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Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
21
NÓBREGA, J. Flóscolo da. Introdução ao direito. 8. ed. João Pessoa: Edições Linha d’água, 2007, p. 36.
22
Sobre a importância da fundamentação, uma vez admitido o caráter problemático do direito, pois teria ela
a função de estabelecer os limites entre a discricionariedade e o arbítrio, devendo haver a análise das
circunstâncias fáticas, bem como a análise dos argumentos tanto da parte vencedora, quanto da sucumbente:
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. Jurisdição,
direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
23
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Justiça da lei e justiça do caso. Disponível em: <http://www.baptistadasilva.
com.br/ >, acesso às 10h, do dia 05 de maio de 2013, p. 11.
24
El papel del juez en el Proceso Civil: frente a la ideología, prudentia iuris. Navarra: Civitas, 2012, p. 80 (grifos nossos).
25
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Unidade… cit. p. 68. É importante, no entanto, a leitura de todo esse artigo,
em que o autor analisa profunda análise sobre a temática.
216 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 211--230, out./dez. 2014
O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
26
HOBBES, Thomas. Leviatã. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_
hobbes_leviatan.pdf>, acesso às 14h, do dia 06 de maio de 2013, p. 92.
27
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Madrid: Editorial Trotta, 2009, p. 37.
28
CAMBI, Eduardo. Norma e processo na crença democrática. REPRO, São Paulo: RT, 2003, v. 110.
29
Processo… cit. p. 27.
30
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Epistemologia… cit., p. 7. Ovídio, em outras oportunidades, chega a criticar
ferrenhamente o princípio do contraditório e da ampla defesa, segundo o qual, à risca, seria impossível a
existência de provimentos liminares.
31
Veja-se, com proveito, a seguinte obra de Luiz Guilherme Marinoni, em especial os capítulos 2 a 4: Técnica
processual e tutela dos direitos. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.
32
Processo… Cit. p. 112-113.
33
Processo… Cit. p. 61.
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Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
34
Nesse sentido, defende-se a superação da summa divisio clássica entre direito público e privado como
um dos entraves à construção de um processo coletivo, substituindo-a pela divisão relativizada entre
direitos individuais e coletivos, cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito material coletivo: superação da
Summa Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo
Horizonte: Del Rey, 2008, p. 418. Exemplificadamente, veja-se a opinião de Sergio Gilberto Porto, que já
afirmou ser o regime clássico da coisa julgada “absolutamente imprestável para a definição nos quais
o direito posto em causa tenha caráter coletivo ou difuso, eis projetado no Código de Processo Civil
atual para pacificação apenas de conflitos individuais” (A coisa julgada civil. 4. ed. São Paulo: RT, 2011,
p. 14-15).
35
Inclusive, afirma Ovídio Baptista que “enquanto o direito inglês procura preservar a segurança do direito,
os sistemas legalistas da Europa continental, identificando o direito como a lei, satisfazem-se com a
segurança da lei do Estado, sem qualquer preocupação por sua eventual injustiça material” (Jurisdição
e execução na tradição romano-canônica, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 90). No mesmo
sentido: MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. op. cit., p. 16-17. Após se referir à meta da
revolução continental de afastar o judiciário de ingerências no poder, já que estava próximo à nobreza,
aduz que: “In the United States and England, on the contrary, there was different kind of judicial tradition,
one in which judges had often been a progressive force on the side of the individual against the abuse of
power by the ruler, and had played an important part in the centralization of governmental power and the
destruction of feudalism. The fear of judicial lawmaking and of judicial interference in administration did
not exist” (p. 17).
36
Processo… cit. p. 79.
37
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Epistemologia… cit. p. 36.
38
Veja-se a gama de exemplos utilizados pelo autor para demonstrar a construção da boa-fé objetiva e seus
deveres decorrentes como um exemplo de reação ao paradigma racionalista e da quebra do absolutismo do
pacta sunt servanda, demonstrando, assim, a plurivocidade de sentidos dos textos normativos (Justiça…
cit. p. 1-8).
39
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Verdade... cit. p. 8-9. Consoante demonstra o autor, a verossimilhança não
ocorre apenas nas decisões provisórias, mas também nas sentenças.
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O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
40
Defendendo a possibilidade da inversão do ônus da prova na própria inicial em caso de Ação Civil Pública,
pois entende possível, em tal hipótese, a existência de um inquérito civil anterior à ação judicial capaz de
produzir os elementos necessários para a formação, já na inicial, do juízo de verossimilhança necessário para
a aplicação do art. 6º, VIII do CDC, cf.: MARTINS, Plínio Lacerda. A inversão do ônus da prova na ação civil
pública proposta pelo Ministério Público em defesa dos consumidores. Revista de direito do consumidor. São
Paulo: RT, 1999, n. 31, p. 75-77.
41
SILVA, Bruno Freire e. A inversão judicial do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Aspectos
processuais do Código de defesa do Consumidor. CARVALHO, Fabiano; BARIONI, Rodrigo. (Coords.). São Paulo:
RT, 2008, p. 19.
42
Nesse exato sentido, afirmando que o ônus da prova é regra de juízo, portanto, é esse o momento adequado
para a inversão da prova, cf.: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil
comentado. 10. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 608; GRINOVER, Ada Pellegrini. Et alli. Código Brasileiro de Defesa
do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007,
p. 814-816; ARENHART, Sérgio Cruz. Ônus da prova e sua modificação no processo civil brasileiro. Disponível
em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sergio%20Cruz%20Arenhart%20-%20onus%20da%20prova%20
e%20sua%20modifica%C3%A7%C3%A3o%20no%20dpc.pdf>. Acesso às 8h do dia 8 de fevereiro de 2013,
p. 25-28; EBERLIN, Fernando Bücher Von Teschenhausen. A inversão do ônus da prova nos processos que
envolvem relação de consumo: regra de comportamento ou critério de julgamento? Revista Dialética de Direito
Processual. n. 45. São Paulo: Dialética, 2006, p. 38.
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Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
não das regras de distribuição do ônus da prova e esse momento ocorreria apenas
na sentença.43
Ainda há a crítica em relação ao fato de que, uma vez inserida a modificação
no momento da audiência preliminar, haveria aumento da complexidade do processo,
além de grande comodidade para o sujeito desonerado, que não teria necessidade
de participar da produção de prova. Além do mais, o magistrado ainda não teria
condições de, no saneamento, avaliar a maior facilidade na produção de provas.44 Essa
corrente ainda afirma que a parte já saberia, de antemão, acerca da possibilidade de
modificação do ônus probatório, motivo pelo qual não haveria surpresa em inversão
no momento da sentença.45 Por fim, ainda se argumenta que a inversão ocorrida
anteriormente à sentença acabaria por gerar um prejulgamento da causa.46
Encontra-se ainda um último argumento, conexo ao do aumento da complexidade
processual, que seria a violação do princípio da duração razoável do processo, pois
criaria mais uma decisão incidente, que poderia ser recorrida, bem como poderia
ocorrer de haver reforma dessa decisão após a apelação, pelo tribunal, o que forçaria
a toda uma nova fase preliminar.47
Acerca dessa corrente, podem ser feitas algumas ponderações à luz da
doutrina tradicional. Inicialmente, ocorre que o viés subjetivo da carga probatória
é complementar e essencial à regra de julgamento, sem o qual a atividade judicial
prescindirá do contraditório, o que, notoriamente, viola a garantia constitucional do
devido processo legal.
Além disso, a atuação do ônus subjetivo faz o procedimento legítimo, eis que,
no Estado constitucional, a legitimação do processo é nomeadamente imanente à
participação: “Demais disso, não é admissível que os litigantes sejam surpreendidos
por decisão que se apoie, em ponto fundamental, numa visão jurídica por eles não
apercebida”.48 Haveria, com a adoção dessa posição, a violação do princípio da
cooperação, especificamente do dever de consulta dele decorrente, que impede a
43
GARCIA, André Almeida. A distribuição do ônus da prova e sua inversão judicial no sistema processual vigente
e no projetado. Repro. São Paulo: RT, 2012, v. 208, p. 118. Defendendo posição semelhante: LOPES, João
Batista. Ônus da prova e teoria das cargas dinâmicas no novo Código de Processo Civil. Repro. São Paulo: RT;
2012, n. 204, p. 238
Também parecendo adotar posição semelhante, uma vez que aponta a desnecessidade de decisão sobre o
tema, cf.: MACHADO, Marcelo Pacheco. Ônus estático, ônus dinâmico e inversão do ônus da prova: análise
crítica do projeto do novo código de processo civil. Repro. São Paulo: RT, 2012, v. 208, p. 312-313.
44
MACHADO, Marcelo Pacheco. Ônus estático, ônus dinâmico e inversão do ônus da prova: análise crítica do
projeto do novo código de processo civil… cit. p. 312-313.
45
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado… cit. p. 609.
46
GRINOVER, Ada Pellegrini. Et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor... cit. p. , p. 814-816.
47
EBERLIN, Fernando Bücher Von Teschenhausen. A inversão do ônus da prova nos processos que envolvem
relação de consumo... cit. p. 38.
48
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo. Disponível em: <http://www.
abdpc.org.br/abdpc/artigos/Carlos%20A%20A%20de%20Oliveira%20(8)%20-formatado.pdf>, acesso às 14,
do dia 06 de maio de 2013, p. 13.
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O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
49
Especificamente sobre a nulidade da decisão de “terceira via”, cf.: GRADI, Marco. Il principio del contradittorio
e la nullità della sentenza della “terza via”. Rivista di diritto processuale. n. 4. Pádua: Cedam, 2010.
50
Nesse sentido, já afirmou o STJ que “Mesmo que controverso o tema, dúvida não há quanto ao cabimento da
inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória – momento, aliás, logicamente mais adequado do que na
sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes litigantes (…)” (STJ, REsp 662.608/SP,
4ª T., Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 12/12/2006, DJ 05/02/2007, p. 242).
51
Aduz, nesse sentido, diferenciando-se meramente o nomen juris, Eduardo Cambi: “Seria um grande equívoco
introduzir a distribuição dinâmica da carga probatória com base no princípio da solidariedade, mas, tal como
faz grande parte da doutrina brasileira em relação à inversão do ônus da prova do art. 6º, inc. VIII, CDC,
percebê-lo como um critério de julgamento, a ser considerado pelo juiz somente no momento de sentenciar.
Neste caso, a distribuição deixaria de ser solidária na medida em que daria ensejo às decisões surpresas:
a facilidade na produção da prova deve ser reconhecida antes da decisão para que a parte onerada tenha
amplas condições de provar os fatos controvertidos, evitando que, a pretexto de tutelar o bem jurídico coletivo,
se retirem todas as oportunidades de defesa” (A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT,
2006, p. 343). Peyrano, à luz do direito argentino (La doctrina de las cargas probatorias dinámicas puesta
a prueba. Revista uruguaya de derecho procesal. n. 2 de 1992, p. 244), aduz ser necessário, no sistema
processual argentino, para aplicabilidade justa da flexibilização da carga probatória, a criação de lege ferenda
da nossa audiência preliminar, o que reforça, pela autoridade do autor, a tese aqui esgrimida (La doctrina...
cit., p. 244).
52
Nesse sentido: TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 63-65.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 211--230, out./dez. 2014 221
Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
53
STJ, AgRg no REsp 1.095.663/RJ, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 04/08/2009, DJe 17/08/2009.
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O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
produção das provas a ela incumbidas.54 Consoante se apontou supra, muito embora
isso possa gerar um relativo atraso na resolução da causa, não se pode admitir que
o objetivo de celeridade subverta todos os demais princípios processuais.
A parte onerada deve ter sempre a oportunidade de, a partir da modificação
da regra geral, requerer e produzir provas, fazer alegações em contraditório etc. Ao
proceder dessa forma, o magistrado evitará eventual sanção de nulidade sobre os
seus atos, por violação do princípio da cooperação.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se viu, por certo
tempo, teve como posicionamento dominante a modificação do ônus da prova.
No entanto, desde 2007, já havia certa divergência, como restou consignado no
RESP 422778/SP. Nesse precedente, consta da ementa a seguinte afirmação:
“Conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, a inversão
do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6º do CDC, é regra de julgamento.
Vencidos os Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros, que entenderam
que a inversão do ônus da prova deve ocorrer no momento da dilação probatória”.55
Há, na jurisprudência do STJ, também, uma série de precedentes no sentido
de que o momento adequado para a inversão seria o do saneamento.56 Isso apenas
confirma que este Tribunal, por vários anos, manteve forte divergência em seus
julgados, havendo diversos acórdãos interpretando tanto como regra de julgamento
quanto como regra de procedimento.
Pois bem, em 2011, houve a interposição de embargos de divergência no STJ,
suscitando justamente o questionamento acerca do tema, havendo o reconhecimento
da divergência entre as duas turmas que compõem a 2ª Seção. O resultado foi o
reconhecimento – e consequente desprovimento do Recurso Especial – por maioria de
votos (vencidos o Ministro Sidnei Beneti e o Desembargador convocado Vasco Della
Giustina) de que a inversão do ônus da prova seria, sim, uma regra de procedimento,
consoante restou explicitado na seguinte ementa:
54
Nesse sentido: GIDI, Antonio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código do Consumidor. Revista de
direito processual civil. n. 3, Curitiba: Genesis, 1996, p. 587.
55
STJ, REsp 422.778/SP, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 19/06/2007,
DJ 27/08/2007, p. 220.
56
STJ, REsp 195.760/PR, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 20/05/1999, DJ 23/08/1999, p. 122; STJ,
REsp 442.854/SP, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/11/2002, DJ 07/04/2003, p. 283 (Neste
precedente, há interessante discussão entre os ministros acerca do momento da inversão do ônus da prova,
que merece ser lida); STJ, REsp 662.608/SP, 4ª T., Rel. Min. Hélio Quaglia, j. 12/12/2006, DJ 05/02/2007,
p. 242; STJ, REsp 881.651/BA, 4ª T., Rel. Min. Hélio Quaglia, j. 10/04/2007, DJ 21/05/2007, p. 592;
STJ, REsp 598.620/MG, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 07/12/2004, DJ 18/04/2005,
p. 314; STJ, REsp 720.930/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomao, j. 20/10/2009, DJe 09/11/2009 STJ,
EREsp 422.778/SP, 2ª seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. p/ Acórdão Min. Maria Isabel Gallotti,
j. 29/02/2012, DJe 21/06/2012.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 211--230, out./dez. 2014 223
Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
57
STJ, REsp 802.832/MG, 2ª Seção, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 13/04/2011, DJe 21/09/2011.
58
Nesse sentido: MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil anotado artigo por
artigo. 2. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 336-337; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael.
Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2011, v. 2, p. 85-88; CARPES, Artur. Ônus
dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 134-140; NUNES, Rizzato. Comentários ao
código de defesa do consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 232-233; CAMBI, Eduardo. A prova civil...
cit. p. 343; : GIDI, Antonio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código do Consumidor, p. 587-588;
SILVA, Bruno Freire e. A inversão judicial do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor.. cit.
p. 19; HOFFMAN, Paulo. Inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor – critério
de julgamento (sob a ótica do juiz) e critério de procedimento (para o fornecedor). Aspectos processuais do
Código de defesa do Consumidor. CARVALHO, Fabiano; BARIONI, Rodrigo. (Coords.). São Paulo: RT, 2008,
p. 233-238; MELLO, Rogério Licastro Torres de. A inversão do ônus probatório nas ações de consumo.
Aspectos processuais do Código de Defesa do Consumidor. CARVALHO, Fabiano; BARIONI, Rodrigo. (Coords.).
São Paulo: RT, 2008, p. 318-319; GODINHO, Robson Renault. Prova e acesso à justiça: apontamentos sobre
a distribuição do ônus da prova. Aspectos processuais do Código de Defesa do Consumidor. CARVALHO,
Fabiano; BARIONI, Rodrigo. (Coords.). São Paulo: RT, 2008, p. 252; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa.
A inversão do ônus da prova no Código de defesa do Consumidor como técnica de distribuição dinâmica da
carga probatória. Revista Dialética de Direito Processual. n. 75, São Paulo: Dialética, 2009, p. 108; BARBOSA
MOREIRA, Carlos Roberto. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor. Revista de
direito do consumidor. n. 22. São Paulo: RT, 1997, p. 146-148; CREMASCO, Suzana Santi. A distribuição
dinâmica do ônus da prova. Rio de Janeiro: GZ, 2009, p. 88-92.
224 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 211--230, out./dez. 2014
O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
59
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Unidade… cit. p. 68.
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Lucas Buril de Macedo, Ravi Peixoto
5 Conclusão
O paradigma racionalista, por vezes, influencia sutilmente os juristas. Essa
ideologia, por vezes, domina-o de forma velada, de forma que ele sequer percebe a
sua influência.
O caso do momento de modificação do ônus probatório é um desses casos. A
doutrina e a jurisprudência, até hoje, debatem a temática, mas, em nenhum momento
foi mencionada a questão do paradigma racionalista. O objetivo desse artigo foi
basicamente esse. À luz dos ensinamentos de Ovídio Baptista, que, durante toda sua
carreira acadêmica, combateu essa ideologia nociva à evolução do direito processual,
tentamos fornecer uma nova visão a esse debate. Não se pode admiti-la como regra
de julgamento justamente porque impõe anterior decisão para que a parte seja capaz
60
De forma semelhante: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. A inversão do ônus da prova… cit. p. 111.
61
CREMASCO, Suzana Santi. A distribuição… cit. p. 91.
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O paradigma racionalista e o momento de modificação do ônus da prova
de arcar com o seu ônus da prova, pois, por si só, ela não é capaz de adivinhar a
quem será determinado o seu ônus pelo magistrado.
Abstract: The present essay has as objective to analyse the moment to change the burden of proof by a
new perspective, based on the overcoming of the rationalist paradigm. The debate of the theme continues
in the doctrine and in the jurisprudence, with the use of many arguments in both positions. However, none
of the defenders has opted for an analysis based on the ideas constructed by Ovídio Baptista, wich will
be used to the construction of our ideas in this essay, in a way that the position that defends that the
modification of the burden of proof is made on the sentence is unjunstifiable.
Key words: Rationalism paradigm. Burden of proof. Moment of modification.
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Processo civil constitucional e os
princípios da publicidade e da motivação
Resumo: O artigo trata da consolidação do Direito Processual Constitucional no Brasil e suas consequências
na interpretação dos princípios da publicidade e da motivação. A proposta é que os referidos princípios
exigem do juiz fundamentação destinada ao povo, por meio de argumentos racionais estabelecidos
publicamente e passíveis de crítica. A interpretação reivindicada é consectário do Estado Democrático de
Direito, cuja exigência de democratização da sociedade irradia efeitos no Direito Processual.
Palavras-chave: Direito Processual Constitucional. Princípios da publicidade e da motivação. Argumentação
racional. Estado Democrático de Direito.
Introdução
Diante da consolidação histórica do direito processual constitucional, como
devem ser interpretados os princípios da publicidade e da motivação? Essa pergunta
é o mote do texto que iremos apresentar. Vamos tentar demonstrar ao longo do artigo
que o direito processual evoluiu e passou por transformações; constitucionalizou-se.
Recorremos às bases do Estado Democrático de Direito, com a proposta de que é
possível interpretação no sentido de exigir dos juízes que fundamentem racionalmente
suas decisões.
A prestação de contas por meio da motivação e da publicidade é nossa
preocupação central. Defenderemos que os elementos nucleares dos princípios
citados não devem ser interpretados com base apenas na perspectiva formal. Vamos
propor que a função endoprocessual (interna) dos princípios da motivação e da
publicidade é insuficiente. Utilizaremos a doutrina que defende a necessidade de
cumprir, também, a função extraprocessual (fundamentação e publicidade dirigidas
ao povo: perspectiva externa), a fim de compatibilizar o processo com o princípio do
Estado Democrático de Direito e tornar o acesso à justiça realmente efetivo.
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Pablo Zuniga Dourado
1
A origem histórica – ainda que de modo embrionário e primitivo –, da visão do processo como garantia
constitucional remonta à Carta de João sem terra de 1215, que estabeleceu o devido processo legal (due
processo of law). Outros exemplos de diplomas que consagraram o processo como direito fundamental que
se sucederam são: Habeas Corpus Act de 1679; Declaração de Direitos da Inglaterra (BilI of Rights) de 1689
e Act of Settlement de 1701; Declaração do Bom Povo da Virgínia (1776); emenda V e VI (Bill of Rights de
1787 – devido processo legal criminal) e emenda XIV de 1868 (devido processo legal civil); e Declaração
Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), esta é um modelo para a maioria das constituições
ocidentais (OVALLE FAVELA, José. Constitución y proceso. Disponível em: <http://www.poder-judicial-bc.gob.
mx/admonjus/n24/ AJ24_008.htm>, p. 209).
2
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Brian. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988. Trad. Ellen Gracie
Northfleet, p. 9.
3
Idem, 1988, p. 10.
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Processo civil constitucional e os princípios da publicidade e da motivação
4
Geraige Neto ressalta que o princípio não se materializa apenas com a formal disponibilidade do acesso à
Justiça (o ingresso em juízo), mas, também, com “a garantia e o respeito ao verdadeiro due process of law,
em seus aspectos processual e substancial” (GERAIGE NETO, Zaiden. Princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 27): “Pensamos que se deva interpretar o princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional de forma sempre entrelaçada aos demais princípios do processo
civil insculpidos na Constituição da República, notadamente o dueprocess of law, uma vez que não é por
outro motivo que é considerado o alicerce axiomático sobre o qual se sustentam todos os outros princípios,
dando ensejo à previsão constitucional do inc. LIV de seu art. 5º, ao prescrever que “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (Idem, 2003, p. 29).
5
Barbosa Moreira disserta sobre uma espécie de “programa básico” da efetividade: “a) o processo deve
dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições
jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa previsão normativa, quer
se possam inferir do sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em
princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem)
de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo
dos eventuais sujeitos; c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos
fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade;
d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte
vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa
atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
Efetividade do processo e técnica processual, Temas de Direito Processual: sexta série. São Paulo: Saraiva,
1997, p. 1).
6
A possibilidade de outro órgão declarar ato do Legislativo inválido tem gênese no celebre julgamento do
caso Marbury v. Madison (justice John Marshal), pela Suprema Corte americana, em fevereiro de 1803
(MARSHALL, John. Decisões constitucionais de Marshall. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1903). É engenho
de Kelsen a existência de órgão fora da estrutura dos três poderes com a finalidade de exercer controle de
constitucionalidade e resguardar a supremacia da constituição: “A garantia constitucional é, de todas as
hipóteses de garantia de regularidade, aquela em que é maior a tentação de encarregar da anulação dos
atos irregulares o próprio órgão que os produziu. Mas é, também, a situação e, que tal procedimento parece
ser mais contra-indicado: com efeito, a única forma em que esse procedimento parece suscetível de oferecer
alguma garantia eficaz de constitucionalidade – declaração da irregularidade do ato por um terceiro órgão e
obrigação, imposta ao órgão autor, de anulá-lo – é impraticável, pois o parlamento não pode, por natureza,
ser obrigado de forma eficaz. Haveria ingenuidade política em supor que anularia uma lei por ele aprovada
apenas porque outra instância a teria declarado inconstitucional. De fato, o órgão legislativo se considera
um livre criador do Direito, não um órgão de aplicação do Direito, vinculado à Constituição, embora o seja
teoricamente, ainda que em medida relativamente restrita. Assim é que não se deve contar com o Parlamento
para implementar sua própria subordinação à Constituição. O órgão que convém incumbir de anular seus atos
inconstitucionais deve ser distinto dele, independente dele e, portanto, de qualquer outra autoridade estatal:
esse órgão deve ser uma jurisdição ou um tribunal constitucional” (KELSEN, HANS. A Garantia Jurisdicional da
Constituição (A Justiça Constitucional). Trad. Jean François Cleaver. Direito Público, nº 01, Jul-Ago-Set, 2003.
7
Tradução livre do autor: “La tutela del proceso se realiza por imperio de las previsiones constitucionales”
(COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Depalma, 1976, p. 148). No
mesmo sentido: OVALLE FAVELA, Ob. cit., p. 213 e PÉREZ, David Vallespín. El modelo constitucional de juicio
justo en el ámbito del proceso civil – Conexión entre el derecho a la tutela judicial efectiva y el derecho a un
proceso con todas las garantías. Barcelona: Atelier, 2002, p. 47.
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Pablo Zuniga Dourado
8
Couture reassalta que não existe uma teoria geral de tutela constitucional do processo, no sentido de enumerar
soluções conclusivas, tendo em vista a variedade do direito positivo, mas a teoria consiste em determinar a
relação de validade entre a Constituição em sentido positivo, e a forma dada a um processo pela lei editada
no mesmo direito positivo. O autor fixa aquelas que considera premissas para entendimento do problema: “a)
la Constituición presupone la existencia de un proceso como garantía de la persona humana; b) la ley, en el
desenvolvimiento normativo jerárquico de preceptos, debe instituir ese proceso; c) pero la ley no puede instiuír
formas que hagan ilusoria la concepción del proceso consagrada en la Constituicíon; d) si la ley instituyera
una forma de proceso que privara al individuo de una razonable oportunidad para hacer valer su derecho, sería
inconstitucional; e) en esas condiciones, deben entrar em juego los medios de impugnacíon que el orden
jurídico local instituya para hacer efectivo el contralor de la constitucionalidad de las leyes” (COUTURE, Ob. cit.,
p. 150).
9
Segundo Rocha e Guedes: “Puede observarse que el sistema de derechos fundamentales se tornó el núcleo
básico del orden constitucional. La Constitución innovó, al privilegiar, tanto en sus fundamentos como en sus
objetivos, la dignidad de la persona humana, atribuyéndole un valor esencial que da unidad de sentido a la
Carta. Con ello, el sistema estructurado, concebido como expresión de un orden de valores, pasó a orientar
la interpretación constitucional en su conjunto” (ROCHA, Eliana Pires; GUEDES, Jefferson Carús. Derechos
Fundamentales y Proceso Civil en el Brasil: algunas técnicas procesales compensatorias de desigualdades
sociales y la protección judicial de los derechos fundamentales. Anuario de Derechos Humanos, v. 11.
Universidad Complutense de Madrid: Madrid, 2010, p. 458).
10
Tradução livre do autor: “Y lo expresamos em su sentido más prístino y cabal: los derechos fundamentais
son la base misma del entero orden jurídico-político y, en consecuencia, limite y orientación básica de toda
actuación del poder político surgido tanto de la voluntad popular como de los poderes de hecho, económicos,
privados, que se concentran em el Mercado” (MORELLO, Augusto Mario. Constitución y proceso: La nueva
edad de las garantías jurisdiccionales. La Plata: Platense, 1998, p. 60).
11
OVALLE FAVELA, Ob. cit., p. 212.
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12
No âmbito das discussões sobre o problema da igualdade e demais garantias constitucionais do processo,
há importante debate entre o chamado ativismo judicial e o garantismo processual. De cunho ideológico,
é uma discussão pouco conhecida na doutrina brasileira, embora intenso por toda a América espanhola (e
hispano-parlante) e Europa (Espanha, Itália e Portugal). Segundo o Ramos: “Em linhas gerais é um debate
em torno: i) dos aspectos ideológicos do processo civil, ii) dos seus sistemas de enjuizamento inquisitivo
ou dispositivo (inquisitorial system e adversarial system), iii) do papel do juiz e da atitude das partes na
relação processual, iv) da dimensão constitucional da jurisdição, v) do conteúdo e do significado do devido
processo legal, vi) da garantia constitucional da ampla defesa e contraditório, dentre outros”. É certo que a
grande maioria dos processualistas brasileiros é filiada ao ativismo judicial por razões históricas, tais como
a forte influência da Escola processual de São Paulo, que legou o grande desenvolvimento do processo civil
brasileiro, e adepta da citada corrente doutrinária, de modo que o tema parece ser desprezado pela maior
parte da doutrina. Resumidamente, Ramos apresenta o pensamento de cada uma das teses do conclave:
“O ativismo judicial defende uma postura mais contundente da atividade judicial para resolver problemas
que às vezes não contam com adequada solução legislativa. É dizer: outorga-se ao juiz um poder criativo que
em última análise valoriza o compromisso constitucional da jurisdição, e isso ainda que não haja previsão
legal que o autorize na respectiva atuação. Já o garantismo processual defende uma maior valorização da
categoria fundamental processo, e consequentemente da cláusula constitucional do due process, de modo
a valorizar a ampla defesa, o contraditório e a imparcialidade do juiz, como os pilares de legitimação da
decisão jurisdicional a ser decretada. Para o ativismo, o juiz deve atuar de maneira a resolver problemas
no curso do processo, e isso independente da diligência da parte em postular pelas respectivas soluções,
haja ou não autorização legislativa para a atuação do juiz. Para o garantismo, o processo é um método
no qual o resultado dependerá do efetivo debate entre as partes e de sua diligência em melhor manejar a
respectiva atividade. Os garantistas buscam aplicar as bases dogmáticas do garantismo de Luigi Ferraijoli
originariamente voltado às ciências penais (direito material e processo) ao direito processual civil”. Assim, a
discussão gira, sobretudo, em torno dos institutos da jurisdição e do processo (RAMOS, Glauco Gumerato.
Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação de debate. Revista Brasileira de Direito Processual,
n. 70. Belo Horizonte: Fórum, 2010. (p. 83-102)).
13
Para ilustrar a posição majoritária da doutrina brasileira quanto ao debate entre garantismo processual e
o ativismo judicial, com clara opção pela segunda corrente, consultar BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
Neoprivatismo processual, Temas de Direito Processual, nona série. São Paulo: Saraiva, 2007.
14
MORELLO, Ob. cit., p. 61.
15
CAPELLETI; GARTH, Ob. cit., p. 15.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014 235
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16
OVALLE FAVELA, Ob. cit., p. 238-239.
17
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A constitucionalização do processo no direito brasileiro, Estudos de
Direito Processual Constitucional: homenagem brasileira a Héctor Fix-Zamudio em seus 50 anos como
Pesquisador do Direito. São Paulo: UNAM-Malheiros, 2009. Coord. Eduardo Ferrer MacGregor e Arturo
Zaldívar Lelo de Larrea, p. 54.
18
Idem, 2009, p. 54.
19
Ibidem, p. 55.
20
É possível argumentar que a proximidade das espécies de norma – constitucionais e processuais
infraconstitucionais –, leva ao entendimento sobre as leis reguladoras do processo como “direito
constitucional aplicado”. Além disso, que a fundamentalidade das normas constitucionais sobre
processo é incontestável, no Brasil, tendo em vista se situarem no art. 5º, “hábitat natural dos
direitos e das garantias fundamentais”, bem como que a dicção do parágrafo 2º, do art. 5º e o
advento da Emenda Constitucional nº 45, deixam certo o conteúdo de direitos fundamentais dessas
normas. Assim, “as normas de processo, presentes na Constituição, são materiais e formalmente
constitucionais, isto porque, além de previstas no texto, têm conteúdo de direito fundamental”
(DALL’ALBA, Felipe Camilo. A ampla defesa vista sob um olhar constitucional processual. Temas
atuais de Direito Público. Org. Antonio Marcos Guerreiro Salmeirão; Leslie de Oliveira Bocchino.
Curitiba: UTFPR, 2007, p. 225-256).
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Processo civil constitucional e os princípios da publicidade e da motivação
2 Regras e princípios
A distinção estabelecida por Dworkin entre regras e princípios,21 com o objetivo
de contraposição ao positivismo de Hart,22 refere-se aos princípios como “outros
padrões” para a definição de direitos e obrigações jurídicas, que não são regras,
particularmente nos casos difíceis (hard cases). A preocupação de Dworkin é
demonstrar que a diferença lógica e de aplicação entre essas espécies influencia
a compreensão sobre o processo decisório dos juízes, sobretudo no que toca à
fundamentação externada:
21
É importante destacar que os argumentos de Dworkin referentes aos princípios devem ser analisados com
grande cuidado, porquanto o termo pode ser utilizado de maneira genérica pelo autor, ou seja, “para indicar
todo esse conjunto de padrões que não são regras”, sendo certo que haverá momentos que o significado
do termo “princípio” será mais preciso e indicará a diferença entre princípios e políticas, conforme já
demonstramos linhas atrás: “Denomino ‘política’ aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser
alcançado em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que
certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra
mudanças adversas). Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou
assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência
de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a
sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 36).
22
Herbert L.A. Hart, positivista contemporâneo e um dos principais destinatários das críticas de Dworkin,
preocupa-se em separar Direito e Moral. Esta preocupação é apresentada como avanço na análise do fenômeno
jurídico de formação da justiça, a qual “é tradicionalmente concebida como mantendo ou restaurando um
equilíbrio ou uma proporção, e o seu preceito condutor é frenquentemente formulado como ‘tratar da mesma
maneira os casos semelhantes’; ainda que devamos acrescentar a este último ‘e tratar diferentemente
os casos diferentes’” (HART, H.L.A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1994,
p. 173). Hart considera que o Direito não pode ser entendido apenas em uma perspectiva externa, mas
interna, também. Há centralização na perspectiva empírica da teoria, porquanto sua tese descreve a realidade.
A norma de reconhecimento de Hart é um fazer (práticas sociais); não é um ponto de partida ideal (metafísico),
o que a diferencia da grundnorm (norma hipotética fundamental) de Kelsen. A norma de reconhecimento é
realmente empírica. A estrutura do direito proposto constitui um modelo de regras, a saber: primárias (normas
de conduta); e secundárias (normas de reconhecimento, câmbio e adjudicação) (Idem, 1994, p. 122-128).
Na concepção do positivismo kelseniano, acima da constituição histórica, há apenas a norma hipotética
fundamental (grundnorm), de origem metafísica, por não encontrar seu fundamento de validade em outra
norma superior: “Chamamos de norma “fundamental” a norma cuja validade não pode ser derivada de uma
norma superior. Todas as normas cuja validade podem ter sua origem remontada a uma mesma norma
fundamental formam um sistema de normas, uma ordem. Esta norma básica, em sua condição de origem
comum, constitui o vínculo entre todas as diferentes normas em que consiste uma ordem” (KELSEN, Hans.
Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 2.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992,
p. 116). No mesmo sentido KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. 4.ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 51-52.
23
Dworkin, Ob. cit., p. 39.
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Pablo Zuniga Dourado
24
Idem, 2010, p. 42.
25
A posição de Dworkin não está isenta de controvérsia. Lopes tece severas críticas à tese de Dworkin,
especificamente na postulação sobre a distinção de natureza entre regras e princípios, alinhavada na obra
Levando os direitos a sério: “Uma consulta rápida aos clássicos do pensamento jurídico europeu mostra que
várias das dúvidas e dos problemas que assaltam Dworkin já foram enfrentadas. Assim, por exemplo, sua
idéia de que o juiz, ao decidir os casos, deve proceder com certo respeito a “princípios” que dão forma a toda
o sistema jurídico é uma expressão da boa e velha fórmula, tradicional desde os medievais, da interpretação
sistemática (...) Olhada ainda com mais atenção, a proposta de Dworkin ignora toda a tradição da hermenêutica,
jurídica e não jurídica, produzida fora do âmbito norte-americano. Assim, problemas de interpretação, também
tradicionais para os juristas não americanos, parecem ser absoluta novidade na exposição de Dworkin”
(LOPES, José Reinaldo de Lima. Princípios e regras. Disponível na internet .em: <http://www.egov.ufsc.
br/portal/sites/default/files/anexos.pdf>. Acesso em: 17.08.2012, p. 12-13). Com argumentos idênticos
consultar: LOPES, José Reinaldo de Lima. Juízo jurídico e a falsa solução das regras e princípios. Disponível na
internet em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15639-15640-1-PB.pdf>. Acesso
em: 17.08.2012.
26
Podemos sustentar que essa ideia apresenta relação com a doutrina kantiana do Direito, logo, nesse ponto não
parece apresentar total originalidade (LOPES, José Reinaldo de Lima. Juízo jurídico e a falsa solução das regras
e princípios. Disponível na internet em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15639-
15640-1-PB.pdf>. Acesso em: 17.08.2012, p. 4). Com idêntico argumento: LOPES, José Reinaldo de Lima.
Princípios e regras. Disponível na internet em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos.pdf>.
Acesso em: 17.08.2012.
27
Alexy afirma ser Dworkin o iniciador da discussão sobre as diferenças entre regras e princípios: “Still, it was
Ronald Dworkin’s major challenge to H.L. Hart’s version of legal positivism, inititially in “The Model of Rules”,
that marked the beginnings of a broad discussion (Dworkin 1967)” (ALEXY, Robert. On the Structure of Legal
Principles. Ratio Juris. vol. 13, nº 3, September 2000, p. 294).
28
Outro enfoque dado pela doutrina é a distinção entre regras e princípios porque estes são fundamentos da
ordem jurídica relativos a valores, ou seja, “as regras estabelecem deveres ou condutas específicas e não
são referentes, de forma direta, a valores que dêem sentido de unidade ao direito” (FREITAS FILHO, Roberto.
238 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014
Processo civil constitucional e os princípios da publicidade e da motivação
Intervenção judicial nos contratos e aplicação dos princípios e das clásulas gerais: o caso do leasing. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009, p. 211), razão pela qual é crível reivindicar que “A despeito do caráter
fundante e valorativo dos princípios sua distinção em relação às regras ocorre fundamentalmente pela forma
lógico-textual como se apresentam” (Idem, 2009, p. 211). Assim, nada obstante a presença constante dos
princípios na experiência jurídica, a novidade aparentemente decorre da necessidade de compreender, no
âmbito da realidade de sociedades complexas, a natureza e o processo de aplicação dessas espécies de
normas. Freitas Filho sustenta: “Os princípios sempre estiveram presentes na experiência jurídica. O que há,
hoje, de diferente em relação aos mesmos é que a teoria jurídica se preocupa com a questão de entender
a natureza e o processo de aplicação de normas que tenham um grau de generalidade suficientemente alto
para poder abarcar a multiplicidade de fenômenos que têm de ser regulados em uma sociedade altamente
complexa como a atual. Nesse sentido há uma novidade no tocante aos princípios: é opinião corrente em parte
significativa da doutrina que o tipo de norma apta a regular uma sociedade complexa tenha de ser um modelo
de norma semanticamente aberto e de caráter avaliatório” (Ibidem, p. 211-212).
29
ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Balanceamento e Racionalidade. Trad. Menelick de Carvalho Netto.
Ratio Juris. vol. 16, n. 2, June 2003, p. 131-140.
30
Rules therefore comprise a decision in the fields o factual and legal possibilities. They are definitive commands.
This means that the difference between rules and principles is a diference in quality and not only one of degree.
Every norm is either a rule or a principle (Alexy 1996, 77ff.; 1995, 203)” (ALEXY, Ob. cit, p. 295).
31
Idem, 2000, p. 295.
32
A conflict between two rules can only be solved by either introducing an exception clause into one of the two
rules or declaring at least one of them invalid (Ibidem, p. 295).
33
ALEXY, Ob. cit., p. 131-140.
34
Commands to be optimized are the objects of balancing or weighing. They can be termed “the ideal ought” or
“ideals” (Alexy 1995, 203ff.). An ideal “ought” is something that is to be optimized and thereby transformed
into a real “ought” (Alexy 1995, 204) (ALEXY, Ob. cit., p. 300).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014 239
Pablo Zuniga Dourado
35
These are two sides of the same coin (Idem, 2000, p. 301).
36
Alexy parece ter aceitado as críticas de Sieckmann de que mandados de otimização não são aptos à
ponderação, porquanto passa a diferenciar “mandados de otimização” da visão dos princípios como “normas
a serem otimizadas”, ou ainda, convertidas em obrigação jurídica no caso concreto: “This in no way says that
principle theory in the guise of the optimization thesis collapses; it simply gives it a sharper focus. A distinction
is to be made between commands to be optimized and commands to optimize. Commands to be optimized are
the objects of balancing or weighing. They can be termed “the ideal ought” or “ideals”’ (Alexy 1995, 203ff.). An
ideal “ought” is something that is to be optimized and thereby transformed into a real “ought” (Alexy 1995, 204).
As the object of optimization, it is placed on the object level. Contrariwise, the commands to optimize, that is,
the optimization commands, are placed on a meta-level. On this level they prescribe what is to be done with that
which is found on the object level. They impose the obligation that their subject matter, the commands to be
optimized, be realized to the greatest extent possible. As optimization commands they are not to be optimized
but to be fulfilled by optimization.
Principles, therefore, as the subject matter of balancing are not optimization commands but rather commands
to be optimized. As such they comprehend an ideal ``ought’’ that is not yet relativized to the actual and legal
possibilities. In spite of this, it is useful to talk about principles as optimization commands or obligations.
It expresses in an altogether straightforward way the nature of principles. In saying what is to be done with
principles, one says all that matters from the point of view of legal practice. This practical aspect is lent support
by a theoretical consideration” (Ibidem, p. 300).
37
Acreditamos que as teorias da argumentação jurídica se configuram relevantes porque compartilhamos a
ideia de que a prática do Direito consiste, fundamentalmente, em argumentar (ATIENZA, Manuel. As razões
do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3ª ed., São Paulo:
Landy Editora, 2006, p. 18). Provavelmente, um dos fatores que geram o déficit de fundamentação nas
decisões judiciais é a negligência da maioria dos juristas com os temas da teoria da argumentação jurídica,
embora o interesse tenha crescido, consoante os fatores afirmados por Atienza (Idem, 2006, p. 15-19).
Esclarecemos, embasados no quarto e quinto fator alinhavado por Atienza – a ascensão da democracia como
forma de governo e a consolidação do Estado Democrático de Direito –, que a coerência das decisões judiciais
tem relação com a necessidade de exposição pública de argumentos racionais, pois pensamos que a força
persuasiva das razões por meio do debate estabelecido com ideias contrárias é elemento constitutivo da
democracia e legitimador da função do juiz. A preocupação com a teoria da argumentação parece importante
porque suas bases possibilitam a prestação de contas (accountability) pelos juízes, na medida em que
possibilita a demonstração pública das razões que fundamentam as decisões jurídicas. Vale dizer: a coerência
das decisões por meio de argumentos racionais transparentes é exigência do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, Maccormick afirma em trecho ilustrativo: “Assim, surgem as disputas acerca da interpretação
correta dos materiais jurídicos, sobre a correta interpretação das provas, sobre a correta avaliação dos
elementos de prova em conflito, sobre a caracterização adequada dos fatos provados ou confessados, ou
sobre sua relevância com relação aos materiais jurídicos apresentados. Essas disputas não são um tipo de
excrescência patológica em um sistema que deveria de outra forma funcionar tranquilamente. Elas são um
elemento integrante de uma ordem jurídica que esteja funcionando de acordo com os ideais do Estado de
Direito. Isso porque esse princípio insiste na apresentação pelo governo de base jurídica adequada a qualquer
ação, completada pelo direito de todos os indivíduos de questionar as bases jurídicas apresentadas pelo
governo para suas ações”. E conclui: “A ideia de Estado de Direito sugerida aqui insiste no direito de defesa de
questionar e rebater a causa que lhe é apresentada. Não há segurança contra os governos arbitrários a não ser
que esse questionamento seja livremente permitido, e sujeito a apreciação por agentes do Estado separados e
distanciados daqueles que conduzem as acusações penais” (MACCORMICK, Neil. Retórica e estado de direito.
Tradução Conrado Hubner Mendes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 36-37).
240 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014
Processo civil constitucional e os princípios da publicidade e da motivação
38
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação
jurídica. Trad. Zilda Hautchinson Schild Silva. 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 31.
39
Nesse sentido: “O direito de acesso à justiça implica o direito ao processo, entendendo-se que o jurisdicionado
postula um direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa, sempre que haja cumprido e observado
os requisitos processuais da ação e de seu prolongamento até o fim, isto é, eventuais recursos interpostos.
Ou seja, no direito de acesso à justiça inclui-se o direito de obter uma decisão fundada na lei, embora
dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais, legalmente consagrados. Por
isso, a efetivação de um direito ao processo não equivale necessariamente a uma decisão favorável: basta
uma decisão fundada no direito, quer seja favorável ou desfavorável às pretensões deduzidas em juízo”
(GERAIGE NETO, Ob. cit., p. 33).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014 241
Pablo Zuniga Dourado
ainda mais drástico, por conta “de elites governantes avessas às críticas populares”.
Segundo Almada, significa:
40
ALMADA, Roberto José Ferreira de. A garantia processual da publicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p. 102.
41
De modo simplificado podemos traduzir a expressão inglesa como “prestação de contas”, porém, o sentido é
mais elástico, porquanto accountability “é um dos requisitos do Estado de Direito segundo o qual ocupantes
de cargos públicos devem responder pelas suas ações segundo regras jurídicas preestabelecidas e segundo
as previsões legais que determinam o limite do exercício do poder pelos órgãos do Estado”, logo, “A noção
de accountability é, portanto, um antídoto em relação ao arbítrio e tem como pressuposto o fato de que o
judiciário possui um enorme poder e deve ser publicamente responsável” (FREITAS FILHO, Roberto. Estudos
Jurídicos Críticos (CLS) e coerência das decisões. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 44, n. 175,
jul./set. 2007, p. 42).
42
ALMADA, Ob. cit., p. 109-110.
242 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014
Processo civil constitucional e os princípios da publicidade e da motivação
43
Idem, 2005 p. 117-118.
44
Ibidem, p. 119-120.
45
BARBOSA MOREIRA, Ob. cit.
46
ALMADA, Ob. cit., p. 137-138.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014 243
Pablo Zuniga Dourado
47
Podemos sustentar que a história brasileira apresenta enorme mosaico de leis que preconizavam a obrigação
de se fundamentar as decisões judiciais. Desde períodos anteriores à própria configuração política de nosso
país como Estado independente (Ordenações Filipinas – 1603) até a emancipação política, a obrigatoriedade de
fundamentação sempre esteve presente entre nós. O famoso Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850,
foi o primeiro ato legislativo genuinamente nacional a tratar do assunto. A partir do advento da Constituição
de 1891, os Estados passaram a ter competência federativa para legislar sobre direito processual, quando
surgiram os Códigos Estaduais, que se limitaram a copiar os velhos preceitos herdados das Ordenações do
Reino. A Constituição Federal de 1937, art. 16, XVI, restabeleceu a unidade legislativa em matéria processual
e a regra de se fundamentarem as decisões judiciais passou a fazer parte do Código de Processo Civil
de 18 de setembro de 1939. O atual Código de Processo Civil, promulgado em 1973, expressa em várias
disposições a necessidade de se fundamentarem as decisões (NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as
decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 28).
48
BARBOSA MOREIRA, Ob. cit.
49
Segundo Nojori: “Portanto, quando a Lei Maior fala em decisão judicial, entendemos que tal expressão
diz respeito a toda manifestação judicial de conteúdo decisório que possa causar gravame à parte ou ao
interessado no processo. E a verificação deste prejuízo deve poder ser aferida por critérios objetivos. É preciso
que o provimento não motivado implique real agravamento de uma dada situação, vale dizer, que tenha havido
uma deterioração na esfera jurídica do destinatário da decisão” (Idem, 1998, p. 35).
50
Ibidem, p. 30.
244 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014
Processo civil constitucional e os princípios da publicidade e da motivação
51
Ibidem, p. 31-32.
52
“A fórmula do Estado de Direito (Rechtsstaat) é de origem germânica. Foi Carl Th. Welcker, em sua obra Die
letzen Gründe Von Recht, Staat und Strafe, de 1813, que criou essa expressão”. A ideia originária era a
necessidade de organização e regulação da atividade estatal por princípios racionais. “O Estado não poderia
servir a fins transcendentais de caráter divino, nem de interesses daqueles que governam, mas de todos os
indivíduos que o integram, garantindo a liberdade, a segurança e a propriedade”. Hoje o conceito de Estado de
Direito pode ser sintetizado como aquele que se subordina à lei, isto é, como o Estado que se curva diante do
direito que ele próprio criou (Ibidem, p. 32).
53
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de
Direito, Temas de Direito Processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 90.
54
A doutrina refere-se ao fato de que nada obstante se configurarem norma jurídica, as constituições trazem
dispositivos cujo conteúdo envolve não só comandos normativos, mas opções fundamentais de um Estado e
de uma sociedade em determinada época histórica; bem como a declaração de direitos fundamentais. São
preenchidas por valores fundamentais e princípios essenciais a uma determinada nação (COELHO, Inocêncio
Mártires. Interpretação Constitucional. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 89). É
composta essencialmente por “normas abertas”, que se distinguem das “normas fechadas” porque nestas
o modo de aplicação é subsuntivo direto, enquanto aquelas exigem do aplicador um esforço interpretativo
adicional: “a aproximação valorativa, ou seja, uma avaliação prévia do caso concreto cotejado à previsão
normativa para que, considerada a situação fática específica, se possa determinar, na ratio decidendi, a regra
a ser aplicada” FREITAS FILHO, Roberto. Intervenção judicial nos contratos e aplicação dos princípios e das
clásulas gerais: o caso do leasing. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009, p. 10).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014 245
Pablo Zuniga Dourado
55
TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias constitucionais da publicidade dos atos processuais e da motivação das
decisões no projeto do CPC - análise e proposta. Revista de Processo. São Paulo. v. 35. n. 190. p. 257-69.
dez./2010.
56
NOJORI, Ob. Cit., p. 33.
57
Idem, 1998, p. 34.
246 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014
Processo civil constitucional e os princípios da publicidade e da motivação
É essencial que haja certa previsibilidade nas condutas dos juízes, haja vista
que o ordenamento jurídico (regras e princípios) é concebido de modo compartilhado,
bem como que as decisões judiciais guardem certa sistematicidade na aplicação dos
princípios do direito.
Apenas com a transparência nos argumentos é possível verificar o respeito
aos parâmetros definidos historicamente pela Ciência do Direito, jurisprudência e
pelos princípios, bem como os critérios utilizados pelo juiz nas decisões judiciais
dos casos, especificamente suas escolhas valorativas. Sem conhecimento público
da fundamentação não há como verificar a obediência ao princípio da igualdade –
tratamento igual a casos iguais –, também, corolário do Estado Democrático de
Direito, de modo a tornar o acesso efetivo à justiça um postulado meramente formal.
Conclusão
O direito processual constitucional no Brasil encontra-se consolidado, sobretudo,
depois da promulgação da Constituição de 1988. Esse fenômeno leva à conclusão
inevitável de que as normas constitucionais sobre processo, sobretudo as dispositivas
de princípios, possuem natureza de direitos fundamentais.
Esse status torna essencial a consciência sobre as consequências da escolha
constituinte pelo Estado Democrático de Direito. O princípio democrático, qualificador
do Estado de Direito, torna a titularidade do poder exclusividade do povo, de modo
que todos os agentes públicos investidos de parcela de poder devem prestar contas
ao povo.
Os princípios da motivação e da publicidade – intrincados logicamente – no
processo exercem, também, a finalidade de prestação de contas pelos juízes
(accountability). A função endoprocessual (interna) ostentada por estes postulados é
insuficiente. A obediência ao Estado Democrático de Direito somente se materializa
com o cumprimento da função extraprocessual (externa). Por essa razão, as escolhas
valorativas feitas pelos juízes, comuns na interpretação de normas abertas (como
por exemplo, as constitucionais) devem ser exaustivamente explicitadas por meio de
argumentos racionais coerentes com o sistema de princípios. O juiz não pode escapar
dos parâmetros definidos para o exercício do poder jurisdicional, sob pena de lhe
faltar legitimidade.
Sem transparência no exercício da atividade jurisdicional, o acesso efetivo à
justiça fica prejudicado, tendo em vista a falta de previsibilidade nas decisões judiciais.
A fundamentação opaca leva o cidadão a procurar outros meios de solucionar suas
demandas e gera desconfiança sobre a instituição do Poder Judiciário, porquanto
conduz a desigualdades, isto é, soluções diferentes para casos semelhantes.
Portanto, cabe ao juiz democraticamente fundamentar suas decisões. O
discurso externado deve ser submetido ao crivo racional de todos (publicidade e
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014 247
Pablo Zuniga Dourado
Abstract: The article deals with the consolidation of Constitutional Procedural Law in Brazil and its
consequences for the interpretation of the principles of publicity and motivation. The proposal is that those
principles require the judge’s reasoning aimed at people through rational arguments set out publicly and
open to criticism. The interpretation is claimed with logical consequence the Democratic State, whose
demand for democratization of society radiates effects on Procedural Law.
Key words: Constitutional Procedural Law. Principles of publicity and motivation. Rational arguments.
Democratic state.
Referências
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 231-249, out./dez. 2014 249
Proceso jurisdiccional, república y los
institutos fundamentales del derecho
procesal1
Palabras-clave: Proceso. República. Garantismo procesal. Institutos fundamentales del proceso (= Trilogía
Estructural). Acción, Proceso, Jurisdicción. Dimensión semántica. Principio republicano.
1 Prolegómenos
Proceso y República son categorías jurídico-políticas que habitan los cuadrantes
de la Teoría General del Derecho y entre ellas existe una fuerte correlación pragmática.
Es por ello que el proceso jurisdiccional debe tener su engranaje de funcionamiento
regida por los atributos que caracterizan al principio republicano.
¡Nada más elemental!
Si el Proceso es operado en el ambiente republicano, es natural que los
caracteres de la República marquen fuertemente su perfil fisiológico-funcional, bien
en la actuación del ciudadano que busca – como demandante o demandado – la
actuación de la tutela jurisdiccional (= ex parte populis), bien en el proceder y en el
decidir del agente político que ejerce el poder que es propio de la Judicatura (= ex
parte principis). Significa decir que tanto en la óptica de quien pide la actuación de la
1
Texto-base de mi intervención en el VIII Congreso de Derecho Procesal de Uberaba, realizado el 11 de setiembre
de 2014, repetida en el XIII Congreso Nacional de Derecho Procesal Garantista, realizado en Azul, Argentina,
el 22 de setiembre de 2014.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 251-272, out./dez. 2014 251
Glauco Gumerato Ramos
2
BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales (Die Lehre von den
Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen), traducción de Miguel Ángel Rosas Lichtschein, Buenos
Aires: EJEA, 1964.
3
Cf. CIPRIANI, Franco. “El centenario del Reglamento de Klein (El proceso civil entre libertad y autoridad), en
Batallas por la Justicia Civil – Ensayos (compilación y traducción de EUGENIA ARIANO DEHO), Lima: Cultural
Cuzco, 2003, pp. 59-87. Cf., también RAMOS, Glauco Gumerato. “Ativismo e Garantismo no processo civil:
apresentação do debate”, en Ativismo judicial e garantismo processual, coords. DIDER JR., Fredie, NALINI,
José Renato, RAMOS, Glauco Gumerato y LEVY, Wilson, Salvador: Ed. JusPodium, 2013, pp. 273-286.
4
También sobre la influencia de la obra de Klein en la legislación procesal que se formó en el siglo XX, cf., LENT,
Friedrich, Diritto processuale civile tedesco – Prima parte: Il procedimento di cognizione (Zivilprozessrecht,
traducción de EDOARDO F. Ricci), Napoli: Morano Editore, 1962, p. 364 (Profilo storico del processo civile –
§102. Il secolo ventesimo).
5
LÊNIO STRECK: “En el ámbito del proceso civil, por ejemplo, tenemos una explicación privilegiada de como esa
mezclilla acrítica de tradiciones puede llevar a resultados peligrosos para la formación de nuestra arquitectura
democrática. En efecto, el predominio de las vertientes instrumentalistas del proceso en el campo de la teoría
procesal produjo un tipo intrigante de sincretismo de tradiciones. La idea de que el proceso es un instrumento
teleológico cuyo fin es determinado a partir de objetivos políticos, sociales y jurídicos encargada a la jurisdicción
para – solipsisticamente – llevarlos a la realización”. Cf. en Verdade e Consenso – Constituição, Hermenêutica
e Teorias Discursivas, São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2ª tiragem, 2012, p. 30. Lênio Streck es uno de los mayores
críticos del activismo judicial reinante en Brasil sobre la formación de la dogmática constitucional y de teoría
general del derecho.
6
Sobre las ideas instrumentalistas, cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, São
Paulo: Malheiros Editores, 6. ed. 1998, passim.
7
En el caso de Brasil, por ejemplo, ver CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo –
Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2. ed.,
2011, passim.
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Proceso jurisdiccional, república y los institutos fundamentales del derecho...
“fascio” (= activismo fascista),8 pretenden hacer del Derecho, y del Proceso que lo
concretiza, un instrumento idiosincrático al servicio de una cierta “ética subjetiva” que
emana del “sentido de justicia” de aquel que ejerce el poder jurisdiccional, que así
actúa amparado-legitimado en la “fuerza” del discurso neoprocesal-neoconstitucional.
La intención es buena y ello no se niega ello. Pero toda vez que determinada
proposición jurídica aparece justificada en fundamentos que mixturan Derecho y
moral, el análisis riguroso del discurso que busca legitimarla nos revela la faceta de
un dirigismo-decisionismo que invariablemente debilita uno de los más importantes
atributos del Derecho: la seguridad jurídica.
Este ensayo rechaza cualquiera de las “tesis” defendidas por los distintos
“neoconstitucionalismos”9 que actualmente contagian el discurso jurídico, lo
que acaba fomentando un proceso jurisdiccional que en el plano pragmático se
presenta debilitado en “republicanismo”. Se descarta, de la misma forma, posturas
instrumentalistas que buscan explicar el Proceso como un “instrumento”10 orientado
a las realizaciones de los fines del Estado – por lo tanto, ex parte principis –, dado
que eso proporciona que el proceso jurisdiccional sea pensado y concretizado a partir
de premisas autoritarias.
Como el ambiente republicano y democrático es refractario al uso del poder con
base en el propio albedrío del agente político, el solipsismo judicial (Lênio Streck)
es incompatible con la dimensión semántica del mundo jurídico-constitucional.11 El
manejo adecuado del proceso jurisdiccional debe circunscribirse a los límites de las
imposiciones constitucionales que marcan su perfil, que en un último análisis existen
para racionalizar el discurso jurídico que fundamenta la toma de decisión por parte
autoridad judicial.
Pensado el Proceso a partir de las garantías procesales previstas en el plano
sintáctico de los enunciados prescriptivos contenidos en la Constitución, se hace
perfectamente posible redimensionar el contenido semántico de varias de las
8
Ver AROCA, Juan Montero. “Sobre el mito autoritario de la buena fe procesal”, en Proceso civil e ideología –
Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos (coordinador JUAN MONTERO AROCA), Tirant lo
Blanch: Valencia, 2006, pp. 294-353. Ver también, con mucho provecho, COSTA, Eduardo “Los criterios de la
legitimación jurisdiccional según los activismos socialista, fascista y gerencial”, en RBDPro 82/205.
9
Sobre la existencia de varios “neoconstitucionalismos”, así como ciertos aspectos de la crítica dogmática de
los que son acreedores, cf. el excelente “Neoconstitucionalismo: entre la ciencia del derecho y el derecho de
la ciencia”, ÁVILA, Humberto. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador: Instituto Brasileiro de
Direito Público, n. 17, jan/fev/mar, 2009. Disponible en: <http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>.
10
Criticando – a mi modo de ver, de forma acertada – la instrumentalidad y la idea de proceso como “instrumento”,
cf. CALMON DE PASSOS, “Instrumentalidade do processo e devido processo legal”, en J. J. Calmon de Passos –
Ensaios e Artigos, vol. I, organizadores DIDIER JR, Fredie y BRAGA, Paula Sarno. Salvador: Ed. JusPodium,
2014, pp. 31-43. También fue publicado en la RePro 102, en abril de 2001.
11
Sobre algunas características de la dimensión semántica del plano constitucional que impactan el proceso
jurisdiccional, cf. mi artículo “Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O garantismo processual
sob o enfoque da filosofia da linguagem”, RAMOS, Glauco Gumerato, en Ativismo judicial e garantismo
processual, coords. DIDER JR., Fredie, NALINI, José Renato, RAMOS, Glauco Gumerato e LEVY, Wilson,
Salvador: Ed. JusPodium, 2013, pp. 245-253.
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Glauco Gumerato Ramos
2 Hipótesis de trabajo
Partiendo de la premisa de que los conceptos Proceso y República se
correlacionan en sus dimensiones pragmáticas, y que eso necesariamente debe ser
tomado en cuenta en las formulaciones teóricas y en las resoluciones prácticas del
proceso jurisdiccional, a partir del denominado principio republicano se buscará, por
lo tanto, trazar nuevos contornos a los conceptos de acción, proceso y jurisdicción.
A partir de aquello que consta en la mayoría de los manuales que tratan sobre
la teoría general del proceso, será demostrado como estos conceptos fundamentales
fueron vislumbrados y trabajados por la doctrina a partir de la fase científica del derecho
procesal. También será demostrado que la dogmática procesalcivilística fundamentó
su discurso jurídico mucho más para justificar los institutos fundamentales desde
una óptica estatizante, y por lo tanto autoritaria, que bajo la perspectiva del principal
interesado en la solución de los problemas que son llevados a la resolución a través
del proceso jurisdiccional, que es el ciudadano.
Con i) la fijación de los elementos que caracterizan la República, ii) la aceptación
de que el principio republicano es determinante para el funcionamiento del Proceso, y
iii) como los temas de los institutos fundamentales están dispuestos analíticamente
en la Constitución brasileña, se buscará construir las normas jurídicas que dan soporte
al redimensionamiento de los conceptos de acción, de proceso y de jurisdicción. Serán
propuestos conceptos dogmáticos que compatibilicen, esto es, conceptos que guarden
armonía entre la norma y lo que es observado empíricamente en el día a día del proceso.
Por tanto, los Institutos Fundamentales del derecho procesal serán aquí
presentados desde una perspectiva republicana.
3 Arquetipo republicano
Naturalmente la idea de República será tomada aquí en su acepción moderna,
de la forma como es vislumbrada actualmente. En este sentido, recordemos las
enseñanzas de Geraldo Ataliba. En su obra clásica, el constitucionalista de la PUC/SP
sintetiza de forma simple y precisa los caracteres que informan la idea de República:
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Proceso jurisdiccional, república y los institutos fundamentales del derecho...
Con base en este concepto es posible identificar los principales atributos que la
califican: i) responsabilidad, ii) representatividad y iii) periodicidad. Considero que es
posible agregar a estos otro atributo que integra fisiológicamente la República: el de
la Separación de los Poderes.13
Se nota que hay una identificación de las funciones políticas con las actividades
ejecutivas y legislativas, y son políticas porque son ejercidas por mandatarios del
pueblo, dado que escogen los rumbos que seguirán las respectiva actividades. A estas
funciones (= ejecutiva y legislativa) no aparece vinculada la función jurisdiccional, lo
que obviamente no proyecta la actividad de la persona física que la ejerce (= juez) a
un nivel de irresponsabilidad funcional, aquí tomada en su acepción republicana. Si
así lo fuera, tendríamos oráculos, y no jueces, desvinculados del orden constitucional
republicano y democrático al cual todos, individuo, sociedad civil y Estado,
estamos sometidos.
Siguiendo el raciocinio aquí expuesto, el hecho que el juez no tenga
representatividad tiene un significado único y republicano: en la República ellos
NO representan la voluntad del pueblo, dado que esa misión republicana compete
al Legislador, siendo éste el motivo por el que los jueces NO son elegidos por el
voto popular.
Al Poder Judicial y a sus jueces les es reservado un papel eminentemente
técnico, consistente en el análisis y en la aplicación de la Ley a los casos concretos
que son sometidos a su apreciación. Aquí considerada en su dimensión pragmática
de ordenamiento jurídico, organizado a partir de la Constitución y de los demás
reglamentos legales fundamentados en ella, la Ley es producto de los órganos
de representación popular, revelando aquello que la sociedad escogió para su
propia organización.
En el proceso de aplicación – técnica, impersonal e imparcial – de la Ley, no cabe
al juez o al tribunal tomar en cuenta su propia voluntad. En el ambiente republicano,
las idiosincrasias de aquel que ejerce la jurisdicción en ninguna hipótesis puede actuar
como motivo determinante en el proceso de decisión. Y así funciona exactamente
12
Cf. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, 3ª ed., p. 15.
13
La Separación de los Poderes aquí mencionada es la pensada por Montesquieu, y no por Locke, y refleja la
regla contenida en nuestras Constituciones en el sentido de que el Legislativo, el Ejecutivo y la Judicatura
son poderes independientes y armónicos entre sí. EROS GRAU: “... de las ponderaciones de Locke y de
Montesquieu, podemos verificar que el primero propone una separación dual entre tres poderes – el Legislativo,
de un lado, y el Ejecutivo y el Federativo, de otro – y el segundo sugiere no la división o separación, sino el
equilibrio entre tres poderes distintos –el Legislativo, el Ejecutivo y la Judicatura”.
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Glauco Gumerato Ramos
porque el juez no representa la voluntad del pueblo, dado que no es elegido por el voto
popular (= representatividad). En este mismo sentido se manifiesta Geraldo Ataliba:
“no hay razón para que el instituto representativo se haga sentir en la selección de
los ciudadanos que servirán en el Poder Judicial. Las funciones técnicas no deben ser
representativas, dado que son no políticas”.14
Sintetizando de forma rigurosa: la Judicatura ejerce la función técnica de decidir
con base en la Ley (= voluntad popular) y en las reglas constitucionales que orientan
el poder jurisdiccional. No le corresponde escoger. Elección es algo propio de las
funciones políticas (= ejecutiva y legislativa). El juez no tiene representatividad porque
en la República la función jurisdiccional es técnica, no resultando de la voluntad del
pueblo y, así pues, de ninguna persona física.
Como consecuencia de la representatividad – propia de las funciones políticas –
existe la periodicidad, representada en el periodo establecido por la Ley para la
duración del mandato popular. La correlación existente entre la representatividad y la
periodicidad marca un atributo fundamental de la República que es la posibilidad que
tiene la voluntad popular, a través del voto, para controlar el ingreso y la permanencia
de los ciudadanos que irán a desarrollar las funciones políticas ejecutivas y legislativas.
Generalmente, en América Latina y en Europa continental, el Poder Judicial es
formado por ciudadanos que se tornan jueces mediante concurso público, ejerciendo
sus funciones vitaliciamente o hasta que alcancen el límite temporal impuesto por la
Ley para el alejamiento definitivo de sus funciones a través de la jubilación. Aunque
tengamos en mente que en la República la composición de algunos Tribunales es
realizada a través de un proceso de elección compartida entre órganos ejecutivos y
legislativos, y aunque el ejercicio de la respectiva función, en tesis, pueda darse por
un determinado periodo de tiempo (=mandato), es evidente que incluso en estos
casos la función jurisdiccional no representa la voluntad popular y seguirá siendo una
función técnica de interpretación y de aplicación de la Ley. Esta Ley es el estándar
jurídico que es manifestada por en enunciados prescriptivos y establecidos por sus
representantes que son elegidos para el desempeño periódico de funciones políticas.
La República también tiene como atributo la responsabilidad a la que están
sujetos aquellos que ejercen funciones políticas (= ejecutiva y legislativa). Estas
funciones – por ser políticas – son ejercidas mediante actos de elección de quien
las ejerce, y tales elecciones son realizadas con amparo en la voluntad popular que
las legitima.
Existen varias formas para responsabilizarse al agente republicano que ejerce
función ejecutiva o legislativa. El impeachment, por ejemplo, es una de ellas. Pero en el
ambiente republicano, donde la representatividad ocurre con base en la periodicidad,
14
ATALIBA, Geraldo, op. cit, p. 113.
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Proceso jurisdiccional, república y los institutos fundamentales del derecho...
15
ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos, GRINOVER, Ada Pellegrini y DINAMARCO, Cândido Rangel: “El proceso es
indispensable a la función jurisdiccional ejercida con la finalidad de eliminar conflictos y realizar la justicia
mediante la actuación de la voluntad concreta de la ley. Es, por definición, el instrumento a través del que
la jurisdicción opera (instrumento para la positivación del poder)”. Cf. Teoria geral do processo. São Paulo:
Malheiros Editores, 27. ed., p. 301.
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Glauco Gumerato Ramos
jurisdiccional. Los motivos para las concepciones procesal civilista ex parte principis
son diversos. Franz Klein (= CPC austríaco de 1895) y Anton Menger (= socialismo
jurídico), ambos a partir del Imperio Austro-Húngaro, auxiliaron en esa forma de ver
las cosas. Pero la teoría general del proceso, estructurada en torno a la jurisdicción,
también colaboró decisivamente para ello.
Denomino visión tradicional al análisis de la teoría general del proceso a partir
de esta perspectiva fuertemente publicista-autoritaria.
4.1 Panorama
La propuesta de concebir el derecho procesal a partir de institutos (o categorías)
fundamentales fue esbozada por Chiovenda en una Clase Magna que profirió en la
Universidad de Bolonia el 03 de febrero de 1903,16 sobre la “acción en el sistema de
los derechos”.17 Chiovenda, en los apuntes de su discurso en Bolonia, se tornó un
clásico para los estudios posteriores del derecho procesal, lanza en un pie de página
la semilla que algún tiempo después permitió germinar la idea de que los engranajes
del derecho procesal se desarrollan a partir de tres conceptos fundamentales.
Posteriormente, Podetti pasa a denominarlos trilogía estructural del proceso.18
La lectura del respectivo pie de página19 muestra que en aquel momento la
intuición de Chiovenda fue en el sentido de organizar los tres conceptos fundamentales
en el siguiente orden: acción, jurisdicción y proceso, conclusión a la que se llega
porque en aquel escrito el procesalista italiano explica que las tres grandes divisiones
que se complementan recíprocamente serían la teoría de la acción (= acción) y las
condiciones de la tutela jurídica (= jurisdicción), así como la teoría de los presupuestos
procesales y del procedimiento (= proceso).
Se ve que en el texto-base de su exposición en la Universidad de Bolonia, en
1903, Chiovenda no comenzó su argumentación sobre los conceptos fundamentales
de la jurisdicción. Con el pasar del tiempo ello se mostró tan al gusto de aquellos que
se aventuraron a trabajar sobre el tema.
Adviértase que en sus Instituciones Chiovenda se mantiene coherente con
las lecciones expuesta en Bolonia, dado que la exposición de estos conceptos
16
Sobre la fecha exacta de la conferencia de Chiovenda en Bolonia, cf. ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoria
General del Proceso, tomo I, Buenos Aires: Editorial Universidad, 1984, p. 17.
17
CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos (traducción de Hiltomar Martins Oliveira), Belo
Horizonte: Ed. Líder, 2003, passim.
18
PODETTI, José Ramiro. Teoría y técnica del proceso civil y trilogía estructural de la ciencia del proceso civil,
Buenos Aires: Ediar, 1963, pp. 334 y ss.
19
CHIOVENDA: “Considerado este triple aspecto, el proceso recibe su completa significación: un lado presupone
el otro y ninguno puede ser estudiado aisladamente con aprovechamiento. De esta forma, en la ciencia del
derecho procesal resultan tres grandes divisiones que se completan recíprocamente: la teoría de la acción y
de las condiciones de la tutela jurídica, la teoría de los presupuestos procesales y la teoría del procedimiento”,
cf., el pie de página 2, op. cit., p. 43.
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20
CHIOVENDA, Giuseppe Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1 (traducción de Paolo Capitanio de la 2ª
ed., del original italiano), Campinas: Ed. Bookseller, 1998.
21
CIPRIANO GÓMEZ LARA: “Esta idea de los tres conceptos fundamentales de la ciencia procesal, se apuntó por
primera vez en las notas de un discurso o prolusión inaugural de un curso, en el año de 1903, pronunciado
por Chiovenda en la Universidad de Bolonia. Alcalá-Zamorra y Castillo nos expresa que en una pequeña nota,
consistente en unas cuantas líneas, Chiovenda ‘… apunta la idea de que los conceptos fundamentales del
proceso son acción, jurisdicción y proceso’. Parece ser que Chiovenda, sin embargo, con posterioridad al año
de 1903, no desenvuelve ni desarrolla esta importantísima idea de que los conceptos de acción, jurisdicción
y proceso, sean los conceptos más importantes y fundamentales de la ciencia procesal. Un discípulo suyo,
‘… Calamandrei, quien se da cuenta de la transcendencia del hallazgo y entonces él, ya sí de una manera
categórica y precisa, afirma que las ideas fundamentales para la elaboración de la sistemática procesal, son
esas tres y, a partir de entonces, una serie de autores de diferentes países van suscribiendo el mismo punto
de vista y sustentan la idea de que la sistemática procesal puede alzarse sobre estos tres conceptos, e
inclusive en Argentina, un autor, Podetti, los engloba bajo la denominación de trilogía estructural del proceso’.
Cf., GÓMEZ LARA, Cipriano. Teoría General del Proceso, México-DF: Universidad Nacional Autónoma de México,
Tercera Reimpresión, 1981, p. 105.
22
Cf. CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil – Estudos sobre o processo civil (traducción de Luiz Abezia y
Sandra Drina Fernandez Barbery), Campinas: Ed. Bookseller, 1999, p. 93.
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23
Op. cit. p. 94.
24
Idem.
25
CALAMANDREI fue categórico al punto de manifestar lo siguiente: “El trinomio de las nociones fundamentales
que constituyen las premisas de nuestro estudio se completa con la de proceso”. Cf., op. cit. p. 253.
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4.2 Jurisdicción
La doctrina en general acepta un clásico concepto doctrinario que concibe
la jurisdicción a partir de aquel que sería su principal objetivo: “la actuación de la
voluntad concreta de la Ley” (Chiovenda). En ese contexto la Ley es la proyección del
derecho objetivo establecido por el Estado, a través del cual “los particulares deben,
en sus relaciones sociales, ajustar su conducta”.27 El Estado, por su parte, tendría
por finalidad fundamental la “preservación del orden en la sociedad”.28
Calamandrei, influenció fuertemente a la doctrina que posteriormente se dedicó
a estudiar los Institutos Fundamentales, al referirse sobre el CPC italiano de 1940
afirma que este código habría invertido el orden de disposición del tema si se compara
con el código anterior, que iniciaba sus disposiciones legislativas generales sobre la
acción, mientras que el CPC-40 tiene como punto de partida la jurisdicción y el juez.
Esta inversión sistemática en un CPC que inicia sus disposiciones legales por
la jurisdicción, en vez de la acción, a ejemplo de lo que ocurrió en el código de 1940
en Italia, se puede decir que es una orientación política de cuño “estratégico”, en
una clara opción estatizante-autoritaria de enaltecimiento del concepto de jurisdicción
como forma de actuación del Poder. A partir de allí los Institutos Fundamentales
pasaron a ser trabajados desde una perspectiva ex parte principis.
Calamandrei también recuerda que la exposición de motivos del CPC italiano
de 1940, denominada Relazione Grandi en referencia a su subscritor y Ministro
de Justicia de ese periodo, Dino Grandi, fue categórica al enaltecer la prioridad del
26
ADOLFO ALVARADO VELLOSO: “Para lograr coherencia sistemática en todo lo que aquí se refiera al proceso,
y habida cuenta de que en el Capítulo anterior lo he presentado como el objeto de la acción procesal, parece
claro que debo comenzar toda explicación a partir de su completa tipificación.
Con ello, a más de aceptar como buena la presentación del tema que se hacía en la legislación del lejano
pasado, asumo una posición filosófica que coloca a la libertad personal por encima de todo otro valor y,
consiguientemente, considera que el Estado se halla al servicio del individuo y no a la inversa, cual lo ha
imaginado el mundo totalitario que inicia toda explicación desde el concepto de jurisdicción y no por el de
acción”. Cf. en Sistema procesal – Garantía de la Libertad, tomo I, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores,
2009, p. 201.
27
Cf. CALAMANDREI, op. cit. p. 96.
28
Idem;
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Glauco Gumerato Ramos
4.3 Acción
La dogmática procesal hizo correr “ríos de tinta” cuando escribía sobre la acción.
En diversos momentos históricos fueron construidas varias teorías, polémicas etc.,
que se formaron sobre ella. Como ejemplos elocuentes de especulaciones teóricas en
torno a la acción se puede indicar: la teoría imanentista; la polémica Windisheid-Muther
sobre las eventuales distinciones entre la actio romana, la klagerecht y la anspurch;
la teoría de la acción como derecho autónomo y concreto; la teoría de la acción como
derecho autónomo y abstracto; teoría de la acción solo como derecho autónomo; la
teoría de la acción de Liebman.31
Independiente de cualquier variación teórica a su respecto, la visión tradicional
de la teoría general del proceso siempre fue en el sentido de vislumbrar la acción
como el derecho al ejercicio de la actividad jurisdiccional, o, más específicamente, el
derecho a un pronunciamiento jurisdiccional.
La acción es ejercida contra el Estado-juez y a partir de allí surge la “obligación”
para que éste efectivice la prestación estatal-jurisdiccional. Sinteticemos: el interesado
ejerce su derecho de acción y el Estado-juez provee la solución del problema.
29
Ibidem.
30
Vale recordarse que JAIRRO PARRA QUIJANO tradujo al español la Relazione Grandi. Se citó la versión de Jairro
Parra al ítem 19 de la Relazione (= Sistema y técnica del Código).
31
Cf. ARAÚJO CINTRA, GRINOVER y DINAMARCO, op. cit., pp. 271-277.
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4.4 Proceso
De la misma forma que ocurrió con la acción, varias fueron las teorías que
buscaron explicar el proceso y su naturaleza jurídica. De entre las que ganaron un
mayor prestigio y son comúnmente referenciadas por la doctrina tenemos: el proceso
como contrato; el proceso como cuasi-contrato; proceso como servicio público;
proceso como institución; proceso como situación jurídica; proceso como relación
jurídica; proceso como instrumento para la consecución de los objetivos del Estado.
En el transcurso del siglo XX el proceso definitivamente pasó a ser encarado como
el instrumento a través del que la jurisdicción opera su finalidad de concretización de
los objetivos (= finalidades) del Estado. Proceso y jurisdicción pasan a correlacionarse
bajo la lógica maquiavélica de fin (= jurisdicción) y medio (= proceso). Se perfecciona
la concepción instrumentalista del proceso.
Siendo la jurisdicción la actividad-fin de mayor preponderancia del fenómeno
procesal, el proceso naturalmente es colocado al servicio de aquélla, de modo que
muchas veces las reglas de su funcionamiento pueden incluso ser puestas de lado
para no comprometer la finalidad mayor que es la propia “afirmación” del poder a
través de la actuación jurisdiccional.
En esa perspectiva, donde el proceso se presenta preterido delante de
la jurisdicción, el eventual seccionamiento de su secuencia lógica, que existe
exactamente para garantizar la realización plena del contradictorio y la amplia defensa,
acaba siendo tolerado, en los moldes de una “perennización del fetiche de la Justicia
Rápida, cuya velocidad puede ser aumentada si se suprime el proceso e, incluso, el
procedimiento, con la altanera supremacía de la jurisdicción. Es en ese vértice que
32
Cf. CALAMANDREI, op. cit. 187.
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Glauco Gumerato Ramos
nos incumbe analizar la coherente judicialización del Proceso Civil como instrumento
de eficiencia tiránica de una jurisdicción justiciera”.33
El proceso colocado al servicio de la jurisdicción es un proceso débil, cuyo
discurso en torno a su “efectividad” justifica que la “celeridad procesal” sea utilizada
en detrimento de la regularidad-funcional que la observación de todas sus etapas
pretende garantizar.34
En suma: la visión tradicional del proceso no deja de ser estatizante-autoritaria
porque su manejo está orientado a la concretización del poder representado por
la jurisdicción.
33
Cf., uno de los más contundentes críticos de las posturas instrumentalistas, LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria
Geral do Processo – Primeiros Estudos, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 8ª ed., 2009, p. 254. Las palabras en
negrita son del original.
34
GLAUCO GUMERATO RAMOS: “La lógica de la celeridad procesal representa un problema de superestructura
del proceso (= estructura jurídica + ideología). Si son pensadas las cosas, el discurso en torno a la celeridad
revela que la preocupación en concretizarla es del Estado-Judicial, que bien o mal, respetando o no las garantías
constitucionales, el debido proceso legal, finalmente, el propio modelo republicano en el cual y para el cual es
ejercida la jurisdicción, pretende solucionar con la mayor rapidez posible las demandas que le son sometidas por los
ciudadanos. Para esa heroica misión, la celeridad procesal surge de capa y espada en el interior del discurso – tan
melancólico, como inocente – siendo ella una especie de panacea que colabora con la “tan anhelada” efectividad
del proceso. La efectividad del proceso, así como la celeridad procesal, funcionan delante de nosotros como
sintagmas discursivos capaces de resolver de forma instantánea, si no son todos, varios de los problemas que
vivenciamos en el día a día de nuestras funciones delante del Poder Judicial”. Este texto todavía es inédito y lleva
por título “Crítica macroscópica al fetiche de la celeridad procesal. Perspectiva del CPC de hoy y en el de mañana”.
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35
En especial su artículo 8º, que trata de las “Garantías Judiciales”.
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5.2 Acción
¿Qué es la acción para el proceso jurisdiccional republicano?
Discusiones clásicas sobre el concepto de acción como, por ejemplo, el
entablado entre Windscheid-Muther, o la acción como instancia bilateral, para Briseño
Sierra, o incluso acción material versus acción procesal, para Pontes de Miranda,
aquí serán puestas de lado. Se comprende la complejidad y profundidad de estos y de
otros estudios sobre el tema, como también se comprende el valor histórico de cada
una de esas proposiciones. Pero el hecho es que en la actualidad, después de toda
la evolución del derecho procesal, sumando a la observación empírica del respectivo
fenómeno, la acción puede ser vislumbrada-conceptuada a partir de lo que ella es y
para qué sirve.
La acción es una garantía constitucional cuyo ejercicio permite al jurisdiccionado
llevar cualquier pretensión jurídica, atribuyéndosele la propia libertad (= dispositividad), a
la apreciación del Poder Judicial. Y mucho más. Es a través de ella se iniciará el proceso.
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Glauco Gumerato Ramos
5.3 Proceso
¿Cómo debe ser estructurado el concepto proceso en el ambiente constitucional
republicano y democrático?
Evidentemente que aquí será descartada toda y cualquier concepción
instrumentalista que ve en el proceso el medio (= instrumento) para alcanzar los
fines (= objetivos) del Estado.
Las ideas resultantes de este tipo de postura revelan una fuerte carga autoritaria-
dirigista, muy propia de los Estados-activos,36 en el que los respectivos agentes
políticos se creen que están ungidos para dictar los designios del individuo y de la
sociedad civil, naturalmente debilitando la libertad eventualmente establecida por el
36
MIRJAN R. DAMASKA: “No es necesario decir que la autonomía individual está lejos de ser sacrosanta. Para un
Estado activista, los individuos no necesitan ni siquiera ser jueces fiables de su mejor interés; su percepción,
conformada por una práctica social defectuosa, puede ser errada e incorrecta. Desde luego, mientras más se
adapten los ciudadanos a la imagen nacida de las teorías del Estado, más fácil será que el Estado permita
una mayor definición individual: los deseos de los ciudadanos son cada vez más lo que el Estado quiere que
deseen”. Cf. en Las caras de la justicia y el poder del Estado – Análisis comparado del proceso legal (Título
original en inglés The Faces of Justices and State Authority: A comparative approach to the legal process),
Santiago de Chile: Editorial Juridica de Chile, 2000, p. 142.
268 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 251-272, out./dez. 2014
Proceso jurisdiccional, república y los institutos fundamentales del derecho...
orden jurídico. En suma: es una postura dogmática que sugiere que el proceso debe
estar al servicio de un “Estado fuerte” y por ello se termina alejando de la moldura
política que forma una República constitucional. Por tal motivo – repítase – aquí se
descarta cualquier concepción instrumentalista.
El proceso es una actividad (= o método), regida por el contradictorio y por la
amplia defensa, que se inicia con la acción y se orienta a garantizar, en su curso (=
tutela de urgencia) o al final (= tutela definitiva), el ejercicio republicano y democrático
de la jurisdicción. Por lo tanto, el proceso es una garantía que nos es dada por la
Constitución para que sus reglas sean observadas antes que el Estado ejerza su poder
sobre la esfera jurídica de libertad del individuo y de la sociedad, libertad, de hecho,
garantizada por la propia Constitución. Por lo tanto, es el desencadenamiento racional
y jurídico del proceso que legitimará el ejercicio del poder republicano representado
por la jurisdicción.
En la Constitución de la República brasileña (encabezado del art. 1º) se
encuentran prescritas las siguientes garantías fundamentales: i) son inviolables, de
entre otros, “el derecho a la libertad y a la igualdad” (Constitución de la República de
Brasil, encabezado de art. 5º; ii) “nadie será privado de su libertad o de sus bienes sin
el debido proceso legal” (CRBra, art. 5º, LIV); iii) “a los litigantes, en proceso judicial
o administrativo, y a los acusados en general les son asegurados el contradictorio y
la amplia defensa” (CRBra, art. 5º, XXXV).
A partir de la combinación hermenéutica de estos enunciados prescriptivos
contenidos, por ejemplo, en el Pacto de San José y en la Constitución brasileña –
aprovecho para repetir que otras Constituciones prevén cosas en el mismo sentido –,
se llega a la norma jurídica que viabiliza el (re)dimensionamiento del concepto de
proceso que, esencialmente, es una garantía constitucional que legitima el ejercicio
del poder (= jurisdicción).
En síntesis: el proceso es una garantía para que la libertad resultante del ejercicio
de la acción viabilice la actuación legítima del poder republicano representado por
la jurisdicción.
5.4 Jurisdicción
Por último, ¿cuál es la dimensión del poder jurisdiccional en el ambiente
constitucional republicano y democrático en el que vivimos? Una primera respuesta
se impone: por tratarse de un poder republicano, su dimensión jamás será ilimitada,
bien con referencia a las soluciones (= decisiones), bien con referencia a los
procedimientos para llegarse a los resultados que le son propios.
Se descarta aquí, definitivamente, el dogma de que la jurisdicción es el núcleo
irradiador y/o justificador del fenómeno procesal, el más importante y preponderante
de los Institutos Fundamentales trabajados por la Teoría General del Proceso, tal
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 251-272, out./dez. 2014 269
Glauco Gumerato Ramos
como constó en la exposición de motivos del CPC italiano de 1940, conforme fue
recordado por Calamandrei en el ensayo ya referido. Esta jurisdicción es concebida
por las posturas instrumentalistas como un poder “redentor” en las manos de un juez
“oráculo”, predestinado a “justiciar” el caso concreto con base en el propio sentido de
justicia, ciertamente es algo propio de conjeturas metafísicas que insisten, de manera
idiosincrática y escolástica, en la suposición de que el Derecho solamente existe si
estuviese sometido a la Moral. De hecho, este tipo de postura integra el contenido
“romántico” del discurso neoconstitucional-neoprocesal, dado que conciben que la
vida en sociedad debe ser conducida activamente por el sentido de justicia de una
Judicatura solipsista y por ello revelaría una forma autoritaria y antirrepublicana de
concebir la jurisdicción. Manifiesto esto con mucho respeto a los que piensan de esta
forma, pero considero que es preciso decirlo.
La jurisdicción es la función técnica concedida preponderantemente37 al Poder
Judicial para que pueda decidir, con base en supuestos jurídicos, y de manera
definitiva, imparcial e independiente de la intromisión de cualquier función política,
las cuestiones que le son sometidas a través del proceso iniciado por el ejercicio de
la acción.
En la República no hay espacio – o no debería haber – para que la jurisdicción sea
considerada como el instituto fundamental de mayor preponderancia dogmática de la
teoría general del proceso. Jurisdicción es poder, poder republicano, cuyo ejercicio no
puede darse de forma arbitraria. La jurisdicción es demasiado importante, no se niega
eso. Sin ella de nada serviría la acción y el proceso. Pero en el ambiente republicano
y democrático, en el que constitucionalmente el poder emana del pueblo (CRBra,
art. 1º, párrafo único), es donde la realidad semántica y pragmática del ejercicio de
la jurisdicción se efectiviza sin la interferencia de otros argumentos distintos de los
jurídicos, es decir, solamente con conceptos del orden jurídico en el que está siendo
operado la jurisdicción.
En la Constitución de la República brasileña (encabezado del art. 1º), que
establece la independencia armónica de los Poderes Legislativo, Ejecutivo y Judicatura,
se prescriben las siguientes garantías fundamentales: i) que son inviolables, de entre
otros, “el derecho a la libertad y a la igualdad” (Constitución de la República de
Brasil, encabezado del art. 5º; ii) que “nadie será privado de su libertad o de sus
bienes sin el debido proceso legal” (CRBra, art. 5º, LIV); iii) que “a los litigantes, en
proceso judicial o administrativo, y a los acusados en general les son asegurados
el contradictorio y la amplia defensa” (CRBra, art. 5º, XXXV); iv) que “no habrá juicio
37
Digo “preponderantemente” porque hay situaciones, aunque sean raras, en las que la Constitución confiere
jurisdicción a otro Poder republicano, confiriéndole la posibilidad de decidir jurisdiccionalmente. Es lo que
ocurre, por ejemplo, en el caso de impeachment del Presidente de la República, que será juzgado por el
Senado Federal (CRBra, art. 52, I).
270 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 251-272, out./dez. 2014
Proceso jurisdiccional, república y los institutos fundamentales del derecho...
o tribunal de excepción” (CRBra, art. 5º, XXXVII); v) que “todos los juicios del Poder
Judicial serán públicos y que todas las decisiones serán fundamentadas bajo pena
de nulidad” (CRBra, art. 93, IX); vi) que es prohibido al juez “dedicarse a la actividad
político-partidaria” (Constitución de la República de Brasil, art. 95, párrafo único, III).
El concepto arriba propuesto para jurisdicción es coherente con los enunciados
prescriptivos contenidos en la Constitución. Los dispositivos mencionados, sin perjuicio
de otros que ciertamente se me escapan en este instante, alejan la preponderancia
que tradicionalmente la dogmática procesal otorga al concepto de jurisdicción.
Si vivimos en una República es natural, y no puede sorprendernos, el hecho de
que el ejercicio legítimo de la función jurisdiccional – dado que es técnica – se encuentra
más lejos de las elecciones sobre las cuales el albedrío humano se fundamenta para
la toma de las propias decisiones. Y una de las grandes finalidades políticas de la
República es exactamente contener/disminuir el albedrío. Los atributos republicanos
son determinantes para el dimensionamiento del poder, inclusive y específicamente
el jurisdiccional, que por definición no expresa ninguna función política. En estas –
funciones políticas –, las elecciones se legitiman en la representatividad. Mientras que
la función jurisdiccional se legitima con la observancia de las reglas preestablecidas
para su funcionamiento, no siendo permitida ninguna postura idiosincrática o
solipsista por parte de quien la ejerce. Pero toda la vez que esto acontece tiene a
generarse la –antirrepublicana – arbitrariedad.
6 Conclusiones
Existieron varias razones que llevaron a la dogmática procesal a desarrollarse
sobre bases autoritarias. Este ensayo buscó demostrar que el orden y el contenido
de la exposición que tradicionalmente la teoría general del proceso otorga a los
Institutos Fundamentales fue una de ellas. Es innegable, y suena hasta intuitivo,
que presentar las categorías fundamentales en torno al eje sistemático jurisdicción-
acción-proceso revela la opción estratégica de aceptar que el “poder” tendría una
mayor preponderancia en la dinámica del Proceso. Por eso la jurisdicción apareció
como el polo metodológico de mayor relevancia. Se mostró también que la etiología
de este enfoque (= jurisdicción-acción-proceso) se debió a la sistematización dada
por Calamandrei a partir de las ideas proporcionadas por Chiovenda en su exposición
de 1903 en la Universidad de Bolonia, que tanto influenció los estudios posteriores
sobre la teoría general del proceso.
Se pretendió llamar la atención para el hecho de que los Institutos Fundamentales
del derecho procesal pueden – ¡y deben! – ser pensados desde la perspectiva
republicana y, claro está, democrática. Incluso porque nuestras Constituciones
establecen un orden jurídico de arquetipo republicano. La visión tradicional cuando
expone el tema, con todo el respeto, no guarda compatibilidad con los valores
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 251-272, out./dez. 2014 271
GLAUCO GUMERATO RAMOS
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NOTAS E COMENTÁRIOS
Processo e República: uma relação
necessária
Dierle Nunes
Doutor em direito processual (PUC Minas/Università degli Studi di Roma “La Sapienza”).
Mestre em direito processual (PUC Minas). Professor permanente do PPGD da PUC Minas.
Professor adjunto na PUC Minas e na UFMG. Secretário-Geral Adjunto do IBDP e Membro
fundador do ABDPC. Advogado. Membro da Comissão de Juristas que assessorou na
elaboração do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados.
Alexandre Bahia
Doutor em Direito Constitucional – UFMG, professor adjunto na UFOP e IBMEC-MG.
1
Conferir discussão sobre o auxílio-moradia para o magistrado: http://migre.me/mbeWv.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 275-281, out./dez. 2014 275
Dierle Nunes, Alexandre Bahia
com que, ao lado dos “sobreintegrados”, que gozam das benesses do “publicus”,
convivam os “subintegrados”, relegados ao “privatus” (em um dos sentidos possíveis
do latim, ou seja, “excluídos”). Perceba-se que beneficiários do público-estatal não
são apenas seus servidores/agentes políticos, mas também, no Brasil, o mercado e
o âmbito tido como “privado”, uma vez que este se alimenta de benefícios diretos e
indiretos provocados por aquele.
No micro âmbito do sistema processual este panorama se repete em grande
medida em decorrência da tendência de um comportamento não cooperativo dos
sujeitos processuais, especialmente, quando se percebe a animosidade latente (ou
declarada) entre as profissões jurídicas; não podendo olvidar a própria realização de
suas atividades isoladas a partir do horizonte e do papel que desempenham dentro
do aludido sistema.
Dificilmente vemos um profissional de nossa área promovendo uma autoanálise
mais profunda do seu papel e dos vícios da atividade que desenvolve. É mais fácil,
sendo advogado, acusar o juiz das mazelas do sistema, e sendo juiz, acusar o
advogado das agruras que padece no seu cotidiano (e isto se repete para os outros
“atores”: Ministério Público, serventuários etc.)2 – de forma similar, aliás, que se
faz quando se diz que “o povo” não sabe votar ou que “os políticos” são corruptos,
esquecendo nós que fazemos parte do primeiro e escolhemos os segundos.
A apresentação (real) da advocacia como função essencial à administração da
justiça vem alardeada como capaz de promover defesa técnica com competência
de atuação (Handlunskompetenz), e cria a ilusão de ausência de déficits técnicos
muito sérios em muitos profissionais que atuam no exercício do múnus, facilmente
constatáveis empiricamente por qualquer um que milita no foro.
A defesa corporativa dos benefícios da classe muitas vezes despreza os riscos
publicísticos a que isto pode conduzir. Mais uma vez o caso é de se lembrar que
nossas ações privadas têm repercussão pública, ainda mais ações de uma profissão
(a advocacia, o parquet etc.) que majoritariamente agem face ao “Estado-juiz”.
Do mesmo modo, a apresentação do juiz como protagonista do sistema que
com imparcialidade julga corretamente traz algo a ser contestado.
O mito da imparcialidade (neutralidade) como blindagem ao elemento anímico
do juiz faz crer no seu desinteresse no julgamento, de modo absoluto, conduzindo ao
desprezo de suas pré-compreensões e propensões cognitivas solitárias no ato de julgar.
E aqui não se está discutindo a imparTialidade (com T – ou terzietá), como
já comum entre os processualistas, como postura de “não parte” que vedaria ao
magistrado qualquer função típica das partes.3
2
Cf. NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008.
3
Acerca do tema cf. CABRAL, Antônio do Passo. Imparcialidade e impartialidade. In: DIDIER, Fredie (et al.)
(coords.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador, JusPodivm, 2008.
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Processo e República: uma relação necessária
4
No Brasil, um estudioso importante da temática é o Professor Eduardo José Fonseca da Costa, que promove
em seu trabalho doutoral um estudo do dilema dos poderes oficiosos de produção de prova pelo magistrado
em face das propensões cognitivas.
5
KANG, Jerry et al. Implicit Bias in the Courtroom. UCLA Law Review. v. 59, 2012. p. 1175.
6
ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. A Nobreza Togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil.
Tese apresentada no Departamento de Ciência Política da USP. São Paulo, 2010. Disponível em: http://migre.
me/m9Fog
7
Disponível em: http://migre.me/m9Fmj
8
GUTHRIE, Chris, RACHLINSKI, Jeffrey J., WISTRICH, Andrew J. Inside the judicial mind. Cornell Law Review,
777, May, 2001, p. 778-829.
9
LYNCH, Kevin J. The lock-in effect of preliminary injunctions. Florida Law Review, Vol. 66. Ap. 2013.
p. 779 -821.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 275-281, out./dez. 2014 277
Dierle Nunes, Alexandre Bahia
10
Cf. NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Enunciados de Súmulas: Falta aos tribunais formulação
robusta sobre precedentes. Consultor Jurídico, 07/01/2014. Disponível em: http://migre.me/mbeEA.
11
“Em virtude da lei do menor esforço e também para assegurarem os advogados o êxito e os juízes inferiores a
manutenção de suas sentenças, do que muitos se vangloriam, preferem, causídicos e magistrados, às exposi-
ções sistemáticas de doutrina jurídica os repositórios de jurisprudência”. SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira
dos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 181. Percepção facilitadora também
percebida em outros contextos como o processo penal, por todos, o excelente livro: ROSA, Alexandre Morais da.
Guia Compacto do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 31.
12
KANG, Jerry et al. Implicit Bias in the Courtroom. UCLA Law Review. v. 59, 2012. p. 1175.
13
NUNES, Dierle; DELFINO, Lúcio. Juiz deve ser visto como garantidor de direitos fundamentais, nada mais.
Disponível em: http://migre.me/m7Fbw.
278 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 275-281, out./dez. 2014
Processo e República: uma relação necessária
14
O recurso como possibilidade jurídico-discursiva das garantias do contraditório e da ampla defesa. Faculdade
Mineira de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte: 2003. Em versão publica-
da: Direito constitucional ao recurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. NUNES, Dierle. Processo jurisdicional
democrático. Curitiba: Juruá, 2008.
15
Texto disponível em: http://migre.me/mb7bL
16
Art. 10. Em qualquer grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode decidir com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes, ainda que se trate de matéria apreciável
de ofício.
17
Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
18
Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.
19
Problema da fundamentação há muito estudado pela Escola Mineira de Direito Processual: BRÊTAS DE
CARVALHO DIAS, Ronaldo. A fundamentação das decisões jurisdicionais no Estado Democrático de Direito. In.
Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. FUX, Luiz; NERY
JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
20
“Art. 499. São elementos essenciais da sentença: [...] §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão
judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à pará-
frase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos
jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que
se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no pro-
cesso capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente
ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a su-
peração do entendimento. §2º No caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar o objeto
e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma
afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. §3º A decisão judicial deve ser interpretada
a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.”
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 275-281, out./dez. 2014 279
Dierle Nunes, Alexandre Bahia
centralidade (seja nas partes, seja no juiz) não se adapta ao perfil democrático dos
Estados de direito da alta modernidade. Assume-se um paradigma procedimental
de Estado Democrático de Direito, no qual se impõe a prevalência concomitante
da soberania do povo e dos direitos fundamentais (cooriginários e reciprocamente
constitutivos) em todos os campos, especialmente na esfera estatal. No âmbito
jurisdicional, resgata-se a discussão entre todos os sujeitos processuais, sem
privilégios a qualquer deles, mediante a implementação dos direitos fundamentais,
que balizam a tomada de decisões em seu aspecto formal e substancial. Propõe-se
a divisão da atuação entre as partes e os juízes, clarificando a sua interdependência,
de modo a absorver os aspectos benéficos tanto dos movimentos liberais quanto dos
sociais. Aposta-se na leitura do contraditório na modalidade de garantia de influência
como referente constitucional do policentrismo e da comparticipação, em vista de
que agrega, ao mesmo tempo, o exercício da autonomia pública e privada, tornando
o cidadão simultaneamente autor e destinatário do provimento”.21
Assim, com o Novo CPC, se constata que o sistema normativo exorciza a
incrustada versão que imprime aos princípios constitucionais essência meramente
formal, acomodando as partes e seus advogados em um arranjo afetado e ficcional
em que o conteúdo legítimo e democrático de uma decisão soçobra diante das
pré-compreensões para as quais o decisor obteve (ou não) comprovação nos
autos ou que o mesmo gerou ancoramentos e bloqueios ao julgar. Os princípios
constitucionalizados do processo exigirão do juiz que mostre de forma ostensiva
como formou sua decisão: não pode decidir questões de ofício sem consulta prévia
às partes; não pode citar leis/precedentes/súmulas sem mostrar como se aplicam
ao caso; não pode fazer “ponderações” de princípios sem igualmente mostrar sua
pertinência às especificidades dos autos. Tudo isso implica o reconhecimento legal
de uma renovada ideia de contraditório que já defendemos há anos. Tais princípios,
mais do que nunca, serão compreendidos como normas retoras do processo no dia
a dia dos profissionais.
Busca-se assim publicizar o debate processual entre todos os sujeitos
processuais, de forma que o processo deixe de ser formado por atos isolados dos
sujeitos processuais e passe a ser o produto da comparticipação destes na formação
do provimento jurisdicional. Reconhece-se que há papéis distintos, mas que todos
cooperam para o resultado final.
21
Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n. 73, jan. 2013 – abr. 2013. Acessível em http://www.
amprs.org.br/arquivos/revista_artigo/arquivo_1383852047.pdf Acerca do processo constitucional conferir:
BRÊTAS DE CARVALHO DIAS, Ronaldo. Processo constitucional e Estado democrático de direito. Belo Horizonte:
Del Rey, 2010. Para uma análise crítica do direito à prova sob o enfoque no Novo CPC: BRÊTAS DE CARVALHO
DIAS, Ronaldo. Las pruebas en el proyecto del nuevo Código de Proceso Civil Brasileño: sistema normati-
vo constitucional. In RÚA, Mónica Bustamante. Reformas procesales en Colombia y en el mundo. Medellín:
Universidad de Medellín, 2014. p. 509-522.
280 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 275-281, out./dez. 2014
Processo e República: uma relação necessária
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 275-281, out./dez. 2014 281
O parcelamento judicial no CPC
Projetado: riscos e necessidade de
mudança pelo Senado
Dierle Nunes
Advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio
do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da
Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do Novo Código de Processo Civil na
Câmara dos Deputados.
Lúcio Delfino
Advogado, pós-doutorando em Direito pela UNISINOS. Doutor em Direito pela PUC-SP. Diretor
da Revista Brasileira de Direito Processual. Professor universitário.
1
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Análise da gestão e funcionamento dos cartórios judiciais. Brasília, 2007. p. 29.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 283-288, out./dez. 2014 283
Dierle Nunes, Lúcio Delfino
exige a lei processual que o executado reconheça a dívida. A verdade é que o simples
risco de o juiz não conceder o fracionamento poderá conduzir o executado à sua
não utilização.
Ao partir deste pano de fundo, é possível tematizar a adoção da técnica no CPC
Projetado e, deste modo, verificar os perigos que o novo modelo poderá gerar.
Coube ao art. 932 do Projeto do NCPC2 regular o parcelamento judicial,
servindo-lhe de modelo o citado art. 745-A do CPC-1973, do qual é cópia melhorada
no que tange a aspectos procedimentais e detalhes que atualmente encontram
divergência doutrinária e jurisprudencial. A despeito disso, parte dos seus novos
contornos merecem críticas porque podem colocar em risco a própria utilidade da
técnica em sua substância.
São requisitos objetivos a serem cumpridos cumulativamente pelo executado a
fim de obter o parcelamento (e nesse ponto não há alterações entre o CPC-1973 e o
Projeto do NCPC): i) apresentação da proposta (requerimento escrito) no prazo para
embargos; ii) formulação de proposta que não ultrapasse o limite de seis parcelas
mensais (acrescidas de correção monetária e juros de um por cento ao mês); iii)
reconhecimento do crédito exequendo; iv) realização e comprovação do depósito de
trinta por cento do valor em execução, incluídos custas e honorários advocatícios.
Como novidade, o dispositivo impõe seja a proposta elaborada de “forma motivada”,
significando isso que não é suficiente o cumprimento dos requisitos objetivos
indicados na lei processual. A norma abre para a subjetividade e acrescenta novo
requisito cuja legitimidade será avaliada pelo julgador ao lado de eventual fundamento
suscitado pelo exequente destinado a frustrar o deferimento do parcelamento legal.
Recebida a proposta, que não será de modo algum admitida em fase de
cumprimento de sentença (art. 932, §7º do CPC-2014), o prazo para oposição de
embargos interrompe-se (art. 932, §5º) e ao juiz cumpre instaurar o contraditório
(art. 932, §1º, última parte): o exequente será intimado para manifestar-se sobre
2
Art. 932. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta
por cento do valor em execução, mais custas e honorários de advogado, faculta-se ao executado requerer,
de forma motivada, seja admitido a pagar o restante em até seis parcelas mensais, acrescidas de correção
monetária e juros de um por cento ao mês. §1º O exequente será intimado para manifestar-se sobre o
preenchimento dos pressupostos do caput ou apresentar qualquer fundamento relevante para a não concessão
do parcelamento. O juiz decidirá o requerimento em cinco dias. §2º Enquanto não apreciado o requerimento,
o executado terá de depositar as parcelas vincendas, facultado ao exequente seu levantamento. §3º Deferida
a proposta, o exequente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso seja
indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito, que será convertido em penhora. §4º O
não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente: I – o vencimento das prestações
subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos; II – a imposição ao
executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas. §5º O pedido de parcelamento
previsto no caput interrompe o prazo para a oposição de embargos. Deferido o parcelamento, o executado não
poderá opor embargos à execução. Indeferido o pedido, o prazo de quinze dias para oposição de embargos
começa a correr da publicação da respectiva decisão. §6º Cabe agravo de instrumento da decisão do juiz que
acolhe ou rejeita o parcelamento. §7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.
284 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 283-288, out./dez. 2014
O parcelamento judicial no CPC Projetado: riscos e necessidade de mudança pelo Senado
3
Ao contrário da posição defendida no presente texto, doutrinadores há que advogam, comentando o atual
art. 745-A, possibilidade mais alargada de ingerência por parte do exequente. É como pensa Rodrigo Baroni,
para quem “deve-se permitir ao exequente que impugne a concessão do parcelamento desde que apresente
motivo relevante e o faça de maneira fundamentada. Não se pode olvidar as inúmeras situações práticas
que podem suceder no caso concreto, algumas das quais, eventualmente, que representam risco iminente
ao exequente, caso seja concedido o parcelamento pretendido. Desde que a situação fática esteja revestida
de possível dano irreparável ao exequente, devidamente comprovado, pode o juiz indeferir o parcelamento
solicitado pelo executado. Também poderá o exequente opor-se ao parcelamento se provar, por exemplo, que
a execução rapidamente chegaria ao seu final, com a integral satisfação do crédito, em período de tempo
inferior àquele pretendido o parcelamento. Assim, não há direito subjetivo à concessão do parcelamento, ainda
que estejam presentes os requisitos legais.” (BARONI, Rodrigo. Breves considerações sobre o parcelamento
previsto no art. 745-A do CPC. Execução civil. Estudos em homenagem ao Prof. Humberto Theodoro Júnior.
Coordenação de Ernane Fidélis dos Santos, Luiz Rodrigues Wambier, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 699-703). Acredita-se, entretanto, que a abertura
a qual o ilustre jurista confere ao contraditório, no procedimento do parcelamento judicial, é nociva à própria
finalidade que se pretende com a aludida técnica. Nos moldes do atual art. 745-A, pensa-se o executado possui
um direito ao parcelamento judicial, de maneira que, para obtê-lo, basta-lhe preencher os requisitos objetivos
exigidos. Eventual “risco iminente” não se apresenta como justificativa aceitável para admitir uma abertura
cognitiva tal, uma vez que a solução se instrumentalizaria via medidas cautelares, remédios adequados para
assegurar o resultado útil e efetivo do processo.
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Dierle Nunes, Lúcio Delfino
cuja leitura impõe aceitar até mesmo possibilidade de audiência de instrução para
colher provas orais destinadas à formação do convencimento judicial.
O texto projetado, nesse ponto, não merece aplausos. Ainda que seja pouco
comum ao exequente postar-se contra pedidos de parcelamento, a abertura legal
para justificativas que extrapolem os requisitos de cunho objetivo poderá, em alguns
casos, criar dificuldades ao uso concreto da técnica e à sua efetividade.4 Não
obstante divergências doutrinárias, é coerente o posicionamento segundo o qual o
parcelamento judicial não admite contestações. Nascido o direito ao parcelamento com
a implementação dos requisitos exigidos em lei, ao exequente cumpre apenas curvar-se
à vontade de parcelar a dívida trazida pelo executado.5 Entretanto, com a abertura
ao subjetivismo proporcionada pelo art. 932 do CPC Projetado, cai por terra essa
construção teórica: afinal, não mais será suficiente ao executado o cumprimento de
requisitos objetivos uma vez que a lei processual augura ao exequente a possibilidade
de argumentar contrariamente ao parcelamento fazendo uso de “qualquer fundamento
relevante”. De algo que hoje deriva (ou deveria derivar) da atuação do executado, inova
o regramento projetado e estabelece espécie de injunção subordinada também à
análise de fundamentos subjetivos e provas variáveis conforme o caso, a ser deferida
e implementada a depender do convencimento judicial.
De outro lado, apesar de o texto legal impor que os atos executivos serão
suspensos apenas depois do deferimento da proposta, melhor seria que o fenômeno
já ocorresse desde o recebimento da proposta apresentada pelo executado. Não
se ignora que o dispositivo ressalta que o requerimento deve ser decidido em cinco
dias (art. 932, §1º, última parte), mas é pouco provável que tal meta temporal seja
respeitada porque: i) o prazo é impróprio; ii) a abertura ao subjetivismo prevista no
4
Não é fácil imaginar circunstâncias que poderiam levar o exequente a opor-se ao parcelamento judicial.
Ora, como leciona Humberto Theodoro Júnior, a medida traz vantagens tanto para o executado como para
o exequente. O devedor se beneficia com o prazo de espera e com o afastamento dos riscos e custos da
expropriação executiva; e o credor, por sua vez, recebe uma parcela do crédito, desde logo, e fica livre dos
percalços dos embargos do executado, sem contar que a sua espera é pequena – apenas seis meses no
máximo –, um prazo que não seria suficiente para solucionar os eventuais embargos e chegar à expropriação
dos bens penhorados e à efetiva satisfação do crédito em execução. (JÚNIOR, Humberto Theodoro. A reforma
da execução do título extrajudicial. Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
p. 216). De toda sorte, a experiência demonstra que a ninguém é dado subestimar a criatividade da prática
jurídica. E sem dúvida o próprio legislador não cai nesse erro, pois regula expressamente a possibilidade de
o exequente impugnar o parcelamento pretendido desde que se utilize de “fundamento relevante”. Seu erro
é outro: abrir o contraditório para questões subjetivas que só farão surgir a incerteza, e com ela receios que
poderão conduzir o executado a não pleitear o parcelamento e sim defender-se mediante embargos. Melhor
que essas circunstâncias excepcionais sejam tuteladas via medidas cautelares, sem a necessidade de colocar
em risco a própria lógica, o uso e a efetividade da técnica parcelatória.
5
Essa é a precisa lição de Humberto Theodoro Júnior: “Não se afigura, in casu, um poder discricionário do juiz
diante do pedido de parcelamento. Presentes os requisitos legais, é direito do executado obtê-lo. Ausente,
contudo, alguns desses requisitos, o requerimento haverá de ser indeferido.” (JÚNIOR, Humberto Theodoro.
A reforma da execução do título extrajudicial. Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. p. 219).
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O parcelamento judicial no CPC Projetado: riscos e necessidade de mudança pelo Senado
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DIERLE NUNES, LÚCIO DELFINO
proprium),6 sem contar que seu ato de reconhecimento decerto tornará eventual oposição
ao crédito desmoralizada (propensões cognitivas),7 podendo servir para sustentar o
convencimento judicial, ainda que o julgador não admita expressamente o fato.
O art. 932 do CPC Projetado, portanto, traz melhorias técnicas e inegavelmente
apresenta um detalhamento procedimental mais cuidadoso que aquele cuja redação
serviu de parâmetro para o legislador. Não obstante, o equívoco está na abertura que
o texto confere para a subjetividade, porquanto a opção legislativa eleva sobremaneira
o grau de dúvidas daquele que pretender usufruir da benesse legal, já que não terá
como saber, com segurança, se o deferimento vai ou não ocorrer.
A subjetividade não se ajusta aos contornos da técnica, sendo perniciosa por
recrudescer o risco de indeferimento da proposta: talvez os executados optem por não
incorrer no risco de reconhecer o crédito exequendo exigido como condição primária
para a postulação do parcelamento judicial, ausente a garantia de que tal benefício será
concedido, em especial porque, na hipótese de indeferimento, a margem de defesa via
embargos diminuirá consideravelmente, sobretudo pelo menoscabo que o reconhecimento
anteriormente feito, e registrado nos autos, decerto incutirá na mente do julgador.
Nos moldes apresentados, é de se defender que o instituto, no Novo CPC, deva
ser mantido como um direito potestativo do executado, não devendo ser condicionado
a qualquer fundamentação. De outro lado, a opção pelo parcelamento deverá importar
renúncia ao direito de opor embargos, uma vez que outra solução induziria a quebra
da boa-fé processual e da cooperação encampadas pela nova legislação.
A boa notícia é que o Senado Federal tem plenas condições de revisar a redação
do dispositivo, fazendo prevalecer a versão por ele proposta, bastante similar ao atual
art. 745-A e, por isso, superior, naquilo que realmente importa, ao texto elaborado
pela Câmara dos Deputados.
6
Importante, sobre o ponto, a voz de Rodrigo Mazzei: “Saliente-se, outrossim, que a questão não está no âmbito
(apenas) do direito processual, uma vez que a postura do executado foi de reconhecimento do crédito, com a
promessa de pagamento, ou seja, não foi negada, em nenhum instante a existência da relação material obrigacional
entre as partes, devidamente internada em título executivo. Nestas condições, a situação não merece ficar apenas
no plano processual, uma vez que a conduta do executado não pode ser contraditória à postura por ele adotada
anteriormente que, aliás, alterou, em essência, o direito do credor de exigir o pagamento por inteiro (arts. 314 e 315
do CC). Especialmente no campo das obrigações, não se permite a adoção de comportamentos contraditórios, em
razão do princípio venire contra factum proprium, que encontra abrigo na cláusula geral da boa-fé.” (MAZZEI, Rodrigo.
Reforma do CPC. Leis nº 11.382/2006 e nº 11.341/2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 615).
7
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo e república: uma relação necessária. Acessível em: http://migre.me/mbYh3.
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RESENHAS
JOBIM, Marco Félix. Medidas
Estruturantes. Da Suprema Corte
Estadunidense ao Supremo Tribunal
Federal. Porto Alegre, 2013.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 291-292, out./dez. 2014 291
Dnieper Chagas de Assis
292 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 291-292, out./dez. 2014
Instruções para os autores
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 293-294, out./dez. 2014 293
INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES
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