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R454 Revista Brasileira de Direito Processual : RBDPro. Impressa no Brasil / Printed in Brazil / Distribuída em todo o
– ano 15, n. 59, (jul./set. 2007)- . – Belo Território Nacional
Horizonte: Fórum, 2007-
Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinados são de
Trimestral responsabilidade exclusiva de seus autores.
ISSN 0100-2589
Esta revista está catalogada em:
Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./
jun.1978 pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG. • RVBI (Rede Virtual de Bibliotecas – Congresso Nacional)
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./ • Ulrich’s Periodicals Directory
jun. 1988 pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ. • Library of Congress (Biblioteca do Congresso dos EUA)
Publicação interrompida em 1988 e retomada
pela Editora Fórum em 2007. Supervisão editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo
Revisão: Érico Nunes Barboza
1. Direito processual. I. Fórum. Capa: Igor Jamur
Projeto gráfico: Walter Santos
CDD: 347.8 Diagramação: Luiz Pimenta
CDU: 347.9
Sumário
DOUTRINA
ARTIGOS
Editorial .............................................................................................................7
RESENHA
CALMON DE PASSOS, J. J. A ação no direito processual civil brasileiro. Salvador:
Editora JusPodivm, 2014.
Diogo Bacha e Silva............................................................................................................. 265
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 7-10, jan./mar. 2015 7
EDITORIAL
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EDITORIAL
10 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 7-10, jan./mar. 2015
DOUTRINA Artigos
O desenvolvimento do processo
cooperativo e a submissão da coisa
julgada material ao interesse das
partes. O controle proporcional da
jurisdição
Adriano C. Cordeiro
Advogado. Professor de Direito Processual Civil da Unipar, campus Cascavel-PR, nos cursos
de graduação e especialização. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR/
Universidade Paranaense. Especialista em Filosofia do Direito pela Universidade do
Oeste do Paraná – UNIOESTE. Doutorando em Direito Processual Civil pela UFPR. E-mail:
<adrianocordeiroadv@msn.com>. Site: <www.cordeiro.adv.br>.
Resumo: O presente artigo examina temas em torno do processo cooperativo enfocando também a coisa
julgada e a vontade das partes frente ao princípio da proporcionalidade na justiça civil. Analisa a sistemática
atual das regras de procedimento permeando a versatilidade das decisões a partir do diálogo das partes
com o juiz, inclusive no novo CPC. Promove o debate ainda da ponderação do exercício da jurisdição diante
de experiências do direito inglês, francês e alemão.
Palavras-chave: Coisa julgada. Processo cooperativo. Cooperação das partes. Princípio da proporcionalidade.
Controle da jurisdição.
1 Introdução
Antiga, pode-se afirmar, é a ideia de que a coisa julgada reflete uma segurança
jurídica nas relações decididas pelo Poder Judiciário. Sua cultura ligada ao valor de
estabilidade sempre foi ponto de preocupação no estudo do direito processual,1
1
É marcante a presença de Enrico Tullio Liebman no Direito Processual Civil Brasileiro. Inclusive, sobre o tema
coisa julgada, é clara a influência do autor, bem como de uma forma geral em todo o Código de Processo
Civil e, ainda, na formação e desenvolvimento da técnica processual, ciência processual e teorias em geral do
direito processual. A respeito, consultar LEAL, Rosemiro Pereira. Coisa julgada: de Chiovenda a Fazzalari. 1.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
Sobre a tese da relativização e demais reflexões acerca da coisa julgada, consultar TALAMINI, Eduardo. Coisa
julgada e sua revisão. 1. ed. São Paulo: RT, 2005; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia.
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Adriano C. Cordeiro
perfazendo, assim, uma noção relacionada com o final das ações decididas por
aquele órgão julgador.
Houve, todavia, certo exagero em torno do instituto, dispensando-se, nesse
tempo, elementos que ponderassem melhor o seu regramento, a exemplo da pro
porcionalidade, princípio este de enorme significado na doutrina e jurisprudência, res
ponsável pelo bom senso, equilíbrio e ponderação no sistema jurídico.2
Na atualidade, o cenário em torno deste sempre atual tema do direito proces
sual, continua ganhando novas cores, a exemplo da junção entre a coisa julgada e
as preclusões dinâmicas por Antônio do Passo Cabral,3 bem como a defendida pelo
italiano Remo Caponi, professor titular da Universidade de Florença, quando discorre
sobre o princípio da proporcionalidade na justiça civil.4
Nele, o autor enaltece a importância do princípio da eficiência e da proporcio
nalidade na justiça civil, destacando temas como justa composição das controvérsias
em prazo razoável, emprego de recursos e eficiência na gestão das massas.
Nesse pensamento, o autor esclarece que o escopo do processo a ser buscado
na atualidade é a ação para um direito subjetivo da parte, uma vez que a jurisdição
não pode ser concebida apenas como uma função do Estado moderno, mas também
como serviço público.
Nesse somatório de itens que se agregam a essa nova contribuição, apare
cem fatores legislativos, de recursos e culturais. Identifica ainda que o princípio da
proporcionalidade funciona como bússola conceitual, numa visão de características
próprias da causa e a relação de cada uma dela com as demais, inclusive com a ideia
de conteúdo de um processo cooperativo, pautado no diálogo entre as partes e o juiz.
É assim que surge uma calibragem de modelos e de processamento das
causas, considerando a natureza simples ou complexa da controvérsia, flexibilizando
e adaptando a causa a uma sequência de atos determinados pelo juiz. Essa molda
gem estabelecida a partir da natureza da demanda é permeada pela proporcionalidade
a partir de um processo cooperativo mediante a proteção dos interesses em jogo.
O dogma da coisa julgada. Hipóteses de relativização. 1. ed. São Paulo: RT; PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa
julgada civil. 4. ed. São Paulo: RT, 2012; KLIPPEL, Rodrigo. A coisa julgada e sua impugnação. 1. ed. Rio de
Janeiro: Lumem Juris, 2008; MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. 1. ed. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2008; CALDEIRA, Marcus Flávio Horta. Coisa julgada e crítica à sua relativização. 1. ed. Brasília:
Thesaurus, 2012; AMORIM, José Roberto Neves. Coisa julgada parcial no processo civil. 1. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada progressiva & resolução parcial do mérito. 1. ed.
Curitiba: Juruá, 2007; NEVES, Celso. Coisa julgada civil. 1. ed. São Paulo: RT, 1971.
2
Com propriedade, consultar SLERCA, Eduardo. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 1. ed.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 05.
3
Em recente trabalho publicado no Brasil, CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas. 1.
ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2013.
4
CAPONI, Remo. O Princípio da proporcionalidade na justiça civil. Revista de Processo, n. 192, 2011, p. 398-
415. Artigo publicado pelo autor por ocasião da abertura da conferência realizada em Curitiba, Desafios do
Novo Processo Civil e Penal, em homenagem ao professor Luiz Guilherme Marinoni, ocorrido em 21.10.2010,
por iniciativa do Instituto dos Advogados do Paraná, traduzido por Sérgio Cruz Arenhart.
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5
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo:
RT, 2011. p. 86.
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6
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Deveres das partes e dos procuradores, no direito processual civil brasileiro.
São Paulo: Revista de Processo, 1993. n. 69.
7
A respeito da colaboração no processo, conferir SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO,
Daniel. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: RT, 2012; MITIDIERO, Daniel. Colaboração no pro
cesso Civil: Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. Consultar ainda DIDIER
JÚNIOR, Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil Português. 1. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 2010; GRASSI, Lúcio Grassi de. A função legitimadora do princípio da cooperação inter-sub
jetiva no processo civil brasileiro. São Paulo: Revista de Processo, n. 172, 2009; BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. O problema da divisão de trabalho entre juiz e partes: Aspectos terminológicos: Temas de direito
processual. 4. série. São Paulo: Saraiva, 1989.
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8
Sobre o tema, consultar ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
9
GRASSI, Lúcio Grassi de. A função legitimadora do princípio da cooperação inter-subjetiva no processo civil
brasileiro. São Paulo: Revista de Processo, n. 172, 2009. p. 35.
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10
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: Pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo:
RT, 2011. p. 107.
11
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. 1. ed.
Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 46.
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12
Acompanhando também essa distinção, TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no
processo civil. 1. ed. São Paulo: RT, 2002.
13
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 4. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2007.
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14
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. A atuação do juiz no direito processual civil moderno. 1. ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 109.
15
SLERCA, Eduardo. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2002. p. 91.
16
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 132.
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imutabilidade como valor preso ao conceito da coisa julgada material parece não ser
característica essencial à jurisdição. Sobre isso, escreve Antonio do Passo Cabral:
Neste tópico, e nos que lhe seguem, queremos salientar que o caráter
definitivo das decisões judiciais não é da essência da jurisdição, decor
rendo de razões de conveniência e política legislativa. E, se a imutabilidade
não é um atributo primordial da atividade jurisdicional, é perfeitamente
possível a existência de decisões judiciais que não sejam inalteráveis.17
17
CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas. 1. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2013.
p. 250.
18
É nesse sentido inclusive que a doutrina paranaense vem procurando se posicionar. A respeito, consultar
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. 2. ed. v. 5. São Paulo: RT, 2011.
p. 42.
19
CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas. 1. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2013.
p. 316.
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20
CAPONI, Remo. O princípio da proporcionalidade na justiça civil. São Paulo: Revista de Processo, n. 192, 2011.
p. 409.
21
Por meio da escolha entre small claim track, fast track, multi track.
22
Controle feito por meio da eleição entre cicuit court, circuit moyen e circuit long.
23
Escolha entre realização de uma primeira audiência imediata antes da audiência principal ou valer-se de um
procedimento preliminar escrito.
24
AGUIRRE, José Eduardo Suppioni de. Aplicação do princípio da proporcionalidade no processo civil. 1. ed. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005. p. 143.
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permitindo que o novo estatuto incorpore tal regramento. Por último, é bom enfatizar-
se que, se as partes desejarem que ocorra a coisa julgada, ela se dará em seu grau
máximo, atribuindo sua segurança, como atualmente ocorre em nosso país.
Podemos contextualizar assim algumas soluções em torno dessas ideias. A
primeira delas seria retirar a obrigatoriedade e exigência da coisa julgada material em
determinadas relações jurídicas. Em outras palavras, isso significa deixar ao interesse
das partes a formação da coisa julgada material, permitindo que os sujeitos da lide
vivenciem, a partir da proporcionalidade, uma demanda mais sofisticada e versátil,
dentro de uma experiência já sinalizada com sucesso pelo direito europeu, de que as
partes decidem se determinados acontecimentos processuais devam ou não ocorrer.
Todo esse pensamento indicará soluções para o problema apresentado, de que
o controle da jurisdição vai sendo temperado diante do direito subjetivo da parte. Deixa
de existir a obrigatoriedade de formação da coisa julgada no processo cooperativo
e valoriza-se mais o interesse dos litigantes, não permitindo que a existência do
instituto seja maior do que a cooperação e os resultados entre as partes.
A coisa julgada, dessa forma, deixa de ser um efeito automático da sentença
ou, como prefere Enrico Tullio Liebman, uma qualidade, para ficar condicionada à
vontade das partes, que, se assim desejarem, permitirão que ela ocorra em toda sua
plenitude. É consequência de tudo isso a exigência do debate prévio pelas partes da
incidência ou não da coisa julgada material aos seus interesses, que, nesse cenário,
passam a ter maior destaque nos padrões atuais.
Torna-se indispensável à consulta dos litigantes sobre a formação ou não
de ingredientes importantes, valorizando a liberdade e destacando a eficiência do
processo, a partir de novas bússolas conceituais, em reforço, inclusive, por meio
daquele processo cooperativo já tratado anteriormente.
É importante ainda ressaltar as categorias em que inicialmente ocorrerão essas
transformações. Serão bons exemplos as relações jurídicas que, a partir da sua natu
reza, protagonizam causas simples como pequenos litígios civis, ações de cobrança
e aquelas relacionadas ao juizado especial cível, regulados pela Lei nº 9.099/95.
Essa categoria de grupos afetados receberia, dessa forma, gradativamente,
os primeiros efeitos dessa mudança, porque é sobre elas que o debate demonstrará
que o ponto de partida é a codificação da eficiência e da proporcionalidade no pro
cesso civil. Em seguida, propõe-se a estender os efeitos a outros grupos e pessoas
determinadas. A experiência europeia sobre o tema pode também potencializar o
debate em torno do novo CPC.
Destacar ainda o papel exercido sobre o controle proporcional da jurisdição,
apta a desvendar determinados fenômenos tipicamente processuais, a exemplo de
como ocorre com a formação da coisa julgada material.
Deve-se olhar também para as constatações práticas, retiradas de casos viven
ciados na justiça brasileira. O exame acurado a partir da experiência real faz concluir
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que a existência da coisa julgada não pode ser maior do que a vontade e a cooperação
das partes na sua ocorrência.
Permeando essa ideia, está a proporcionalidade, de especial feição europeia,
que, nesse contexto, identifica determinados excessos. Utilizando-se do direito com
parado, em especial, do direito italiano, inglês, francês e alemão, objetiva-se controlar
melhor a jurisdição, que tem, por assim dizer, relação direta com a formação daquele
instituto.
Propõe, assim, o alcance além da segurança jurídica, permitindo que o debate
ganhe novas cores, fôlego e sintonia com as atualidades do modelo europeu de
justiça. Registre-se que é correto repensar a coisa julgada, espelhando-se na propor
cionalidade de meios e equilibrando, de maneira mais suave, as decisões judiciais.
A propósito, a Teoria Geral do Processo compreende que o processo não é apenas
relação jurídica:
25
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 478.
26
STUMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro. 1. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1995. p. 155.
27
GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 113.
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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO COOPERATIVO E A SUBMISSÃO DA COISA JULGADA MATERIAL AO INTERESSE DAS PARTES...
28
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2000. p. 33.
29
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis
restritivas de direitos fundamentais. 1. ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1996. p. 23.
30
SLERCA, Eduardo. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2002. p. 107.
31
HC nº 76.060, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 15.5.1998.
32
SLERCA, Eduardo. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2002. p. 129.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 13-30, jan./mar. 2015 25
Adriano C. Cordeiro
Ao avançar um pouco mais, tem-se também uma relação da própria coisa julgada
com o princípio da proporcionalidade, valendo destacar que, no dimensionamento da
segurança jurídica, nenhum tipo de desestabilização da paz social vem ocorrendo,
justamente porque os excessos cometidos não integram uma posição abalizada com
o citado princípio. Sobre isso, mais uma vez, enfatiza a doutrina que:
33
MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 179.
34
BONICIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: A garantia constitucional da proporcionalidade,
a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 102.
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5 Conclusões
O direito processual civil caminha a passos largos para o desenvolvimento de
um valor básico, qual seja o do modelo processual cooperativo. Com faceta consti
tucional, nasce em decorrência do formalismo valorativo, inserindo-se como papel de
complementação entre as partes e o juiz, e não como se imaginaria o absurdo de
serem excludentes.
Partindo de uma verificação social, lógica e ética, organizado por meio da
necessidade de colaboração, reputa-se indispensável que tenham as partes a possi
bilidade de se pronunciar sobre tudo que pode servir de ponto de apoio para a decisão
da causa, inclusive quanto a um contraditório com influência reflexiva.
A literatura apresenta, nesse parâmetro, um discurso moldado na proporciona
lidade aplicada ao processo civil e a própria coisa julgada, com exemplos concretos
em termos da proporcionalidade, como os artigos 798 e 805, 273, 655 c/c 620, 295,
I, e 460, 332, 515, §3º, 461, 535, 558 e 527, III, todos do Código de Processo Civil.37
35
SILVEIRA, João José Custódio da. O juiz e a condução equilibrada do processo. 1. ed. São Paulo: Saraiva,
2012. p. 77.
36
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na
direção e na instrução do processo. São Paulo: Revista de Processo, n. 37, 1985. p. 148.
37
GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 117.
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Adriano C. Cordeiro
Abstract: This article examines issues surrounding the cooperative process also focusing on res judicata
and the willingness of the parties against the principle of proportionality in civil justice. Analyzes the current
system of procedural rules permeating the versatility of the decisions from the dialogue of the parties
with the judge, including the new CPC. Promotes debate still weighting the exercise of jurisdiction on the
experiences of the right English, French and German.
Keywords: Res judicata. Cooperative process. Cooperation of the parties The principle of proportionality
Control jurisdiction.
Referências
AGUIRRE, José Eduardo Suppioni de. Aplicação do princípio da proporcionalidade no processo civil.
1. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005.
AMORIM, José Roberto Neves. Coisa julgada parcial no processo civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011.
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada progressiva & resolução parcial do mérito. 1. ed.
Curitiba: Juruá, 2007.
ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: Procedimentos Especiais. 2. ed. v. 5. São Paulo:
RT, 2011.
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Deveres das partes e dos procuradores, no direito processual civil
brasileiro. São Paulo: Revista de Processo, n. 69, 1993.
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das
partes na direção e na instrução do processo. São Paulo: Revista de Processo, n. 37, 1985.
______. O problema da divisão de trabalho entre juiz e partes: Aspectos terminológicos: Temas de
direito processual. 4. série. São Paulo: Saraiva, 1989.
28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 13-30, jan./mar. 2015
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Adriano C. Cordeiro
30 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 13-30, jan./mar. 2015
Institutos fundamentais do processo
civil: jurisdição, ação e processo
Resumo: O presente texto tem por objetivo demonstrar que o estudo dos institutos fundamentais jurisdição,
ação e processo, tomando como ponto de partida a jurisdição, de forma alguma privilegia a visão autoritária
do Poder Estatal, estando plenamente conforme o Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Jurisdição. Ação. Processo.
1 Considerações introdutórias
O interessante e muito bem fundamentado texto do dileto amigo Glauco
Gumerato,1 originário da palestra que proferiu no Congresso de Direito Processual de
Uberaba, o qual tem por objeto de estudo os conceitos básicos e pilares da Teoria
Geral do Processo (no modo de ver do autor: ação, processo e jurisdição) e a inter
correlação entre eles sob a ótica do Estado Democrático de Direito, nos renderam
ensejo a inquietantes reflexões.
Na verdade, ouso discordar de alguns pontos cruciais que foram levantados no
texto de Glauco Gumerato. Assim, o presente ensaio tem a pretensão de expor minha
visão sobre os institutos fundamentais do processo civil (jurisdição, ação e processo)
e questionar os pontos nevrálgicos trazidos por meu dileto amigo.
Primeiramente, é preciso asseverar que concordamos em gênero, número e
grau quando Glauco afirma que o processo deve ser regido pelos atributos que subs
tanciam o princípio Republicano e, consequentemente, que possui seu perfil forte
mente marcado pelas características do Estado Democrático de Direito. De fato, para
realizar o processo, deve-se seguir rigorosamente o método e modelo estabelecido
1
Processo jurisdicional, república e os institutos fundamentais do direito processual, publicado na RBDpro.
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2
Nesse sentido, Cássio Scarpinella Bueno (2012, p. 130) afirma que “Os princípios constitucionais” ocupam-se
especificamente com a conformação do próprio processo, assim entendido o método de atuação do Estado-juiz
e, portanto, método de exercício da função jurisdicional. São eles que fornecem as diretrizes mínimas, mas
fundamentais, do próprio comportamento do Estado-juiz. É esta a razão pela qual, no desenvolvimento deste
trabalho, a menção à expressão “modelo constitucional do processo civil”, sem qualquer ressalva, quer se refe
rir mais especificamente a este primeiro grupo de normas, o relativo aos “princípios constitucionais do direito
processual civil” a uma das partes, visto que integram “o modelo constitucional do direito processual civil”.
3
Dinamarco (2013, p. 90 e 93) entende que “observar o sistema processual a partir do instituto da ação é um
hábito metodológico mantido pelos juristas latinos em geral, em continuação ao privatismo dominante durante
milênios de sincretismos, hoje superados. Quando se via no processo um dos meios de exercício dos direitos,
ali então era coerente acreditar que ele fosse feito para o autor, e a jurisdição exercida para a prestação da
tutela a ele. Depois, já proclamada formalmente a autonomia do direito processual, mas não assimilada ainda
a ideia por inteiro, da visão dominante não destoava o pensamento de que ação fosse direito à tutela jurídica
(rechtsschutzanspruch) e se situasse ao centro da constelação de institutos que compõe o direito processual.
Por ser individualista e restrita ao processo civil, desmerece apoio a tendência de se colocar a ação ao centro
da constelação de institutos de direito processual”.
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4
Nesse sentido, Nelson Nery Jr. (1995, p. 27) salienta que: “Em nosso parecer bastaria a norma constitucional
haver adotado o princípio do dues process of law para que daí decorressem todas as consequências
processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e sentença justa. É por assim dizer o
gênero do qual todos os demais princípios são espécies”.
5
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. II. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 11.
6
Nesse sentido, Horácio Wanderlei Rodrigues e Eduardo de Avelar Lamy (2012, p. 113) afirmam que: “Na
perspectiva contemporânea, a jurisdição consiste no poder-dever do Estado-juiz de declarar e executar os
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direitos conforme as pretensões que lhe são formuladas, segundo os valores e princípios fundamentais
estabelecidos na Constituição Federal, garantindo o seu respeito efetivo no âmbito dos fatos, na vida dos
litigantes”. É esse o sentido que se deve atribuir ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. “A jurisdição
é exercida pelo Estado por meio do Poder Judiciário, e tem por escopo aplicar o direito e garantir a sua eficácia,
em última instância, nos casos concretos, quando provocada”.
7
Curso sistematizado de direito processual civil, v. 1, 6. ed., 2012, p. 387.
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2.2 Ação
Tendo em mira que a jurisdição é o dever do Estado de prestar a tutela jurisdi
cional, é preciso reconhecer a existência de um direito subjetivo conferido ao juris
dicionado de exigi-la. Esse direito é a ação, um dos institutos fundamentais e pilares
da Teoria Geral do Processo. A par disso, muitas foram as teorias que tentaram
explicá-la.
No período clássico do direito romano, não havia preocupação com a ação,
a qual era vista como apêndice, acessório do direito material. O monismo, a ideia
de que havia somente um plano que abrangia tanto o direito material como o
processual, prevalecia. Falava-se apenas em ação de direito material. Essa teoria,
8
Calamandrei (1928, p. 9) afirma que: “Ritengo perciò che la teoria modernamente prevalente, dal Wach al
Chiovenda, che pone nell’attuzaione del diritto obiettivo lo scopo caractteristico della funzione giurisdizionale,
sai idônea, meglio di quella che il Carnelutti vorrebe resuscitare, a metere in eveidenza la natura essenzialmente
pubblicistica del processo nei moderni ordinamenti giuridici come strumento per realizzare in concreto la
astratta voluntà dello Stato”.
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9
Nesse sentido, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 24. ed. Atlas. p. 139-140.
10
Conforme Alexandre Câmara, obra citada, p. 140.
11
Conforme OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Pôlemica sobre ação, a tutela jurisdicional na perspectiva das
relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 87.
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o direito de ação seria concreto.12 Entendia, ainda, que o direito de ação dependia
do cumprimento de requisitos determinados pelo direito processual, quais sejam as
condições da ação e os pressupostos processuais. Entretanto, Wach também não
explicava a existência da ação infundada.
Oskar Von Bülow formulou uma modalidade dessa teoria, entendendo que ação
é o direito a uma sentença justa. Para refutar tal teoria, basta pensar nas ações
julgadas improcedentes: o que seriam, então, os atos processuais praticados até
a sentença? O que teria ocorrido quando a decisão injusta acolhesse pedido infun
dado do autor? Portanto, o direito de ação não pode depender do direito material. De
qualquer forma, seu entendimento de que a ação nasce com o processo foi um marco
para a discussão sobre ação, uma vez que, a partir daí, é que surgiram as teses
sobre a existência da ação processual.13
Chiovenda, por sua vez, criou a teoria da ação como direito potestativo,14 pela
qual a ação era entendida como um direito autônomo, que não se dirige contra o
Estado, mas, sim, contra o adversário: é um direito de provocar a atividade jurisdi
cional contra o adversário ou, mais precisamente, em relação ao adversário. Portanto,
não é direito subjetivo. Para ele, ação é um poder, sem obrigação correlata, que
pertence a quem tem razão contra quem não a tem, visando à atuação da vontade
concreta da lei. O titular do direito de ação tem o direito que é, ao mesmo tempo,
um poder de produzir em seu favor o efeito de funcionar a atividade jurisdicional do
Estado em relação ao adversário, sem que este nada possa fazer. A ação é o poder
jurídico de realizar a condição necessária para a atuação da vontade da lei. Entende,
também, que o direito de ação é privado ou público, conforme a lei seja de natureza
privada ou pública. Ocorre que essa teoria não difere daquela que vê o direito da ação
como direito a uma sentença favorável. Para ele, a função jurisdicional visa à atuação
da lei. Justamente por isso é que entende que a ação deve ser o primeiro instituto
fundamental, e não a jurisdição. Tanto Chiovenda como Wach, embora se referissem
à autonomia do direito de ação, foram claros ao salientar que, somente na sentença
final, efetivamente, seria possível apreciar a existência ou não do direito de ação,
desde que existente o direito que lhe estava subjacente.15
Em 1877, Degenkolb criou, na Alemanha, (e Plósz, na Hungria), a teoria da ação
como direito abstrato de agir.16 Segundo ele, a teoria do direito de ação independe da
12
Conforme ALVIM, Arruda. Por essa teoria a ação era indissociável do direito subjetivo. In: Tratado de Direito
Processual Civil, v. 1, RT, 2. ed. p. 370.
13
La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Tradución de Miguel Angel Rosas
Lichtschein. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1964.
14
Instituições de direito processual civil, v. 1, 1965, p. 24.
15
Chiovenda (1948, p. 26) afirmava que, por exemplo, “no caso de se pedir uma sentença condenatória, as
condições da ação, normalmente, seriam: a) a existência de lei garantidora do bem pretendido, através da
imposição, ao demandado, de uma prestação; b) a qualidade, ou identidade entre a pessoa do autor e aquela
favorecida pela lei, e a pessoa do demandado com a obrigada por ela; e c) o interesse em conseguir o bem
através da Justiça”.
16
Conforme FREIRE, Rodrigo Cunha Lima. Condições da ação. RT, 2. ed. p. 51.
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Institutos fundamentais do processo civil: jurisdição, ação e processo
existência efetiva do direito material invocado. Não deixa de haver ação quando uma
sentença justa nega a pretensão do autor ou quando uma sentença injusta a acolhe,
sem que, de fato, existisse o direito material subjacente. Basta que o autor mencione
um interesse seu protegido em abstrato pelo direito. É com referência a esse direito
que o Estado está obrigado a exercer a função jurisdicional, proferindo decisão que
tanto poderá ser favorável como desfavorável. Assim, entendia-se que o Estado seria
o sujeito passivo do direito de ação. Alfredo Rocco foi um dos principais seguidores
dessa teoria, dando-lhe fundamentação própria. Afirma que, quando se solicita a
intervenção do Estado para a tutela de interesses ameaçados ou violados, surge
outro interesse, que é o interesse à tutela daqueles pelo Estado. O interesse tutelado
pelo direito é o principal, e o interesse à tutela deste pelo Estado é o secundário.
Para a existência do direito de ação, basta o interesse primário. Esse direito de ação
é exercido contra o Estado.
A partir da teoria abstrata do direito de ação, Liebman17 criou a teoria eclética,
a qual define a ação como direito subjetivo instrumental, sendo mais que um direito,
um poder ao qual não corresponde a obrigação do Estado, igualmente interessado na
distribuição da Justiça. Dá por exercida a função jurisdicional apenas quando o juiz
pronuncia uma sentença sobre o mérito, de cunho favorável ou desfavorável. Assim,
não importa o conteúdo da decisão de mérito para que tenha se exercido o direito
de ação. Ainda que julgue a ação improcedente, o Estado terá prestado a devida
tutela jurisdicional. Liebman entende, ainda, que, para ser exercido o direito de ação,
é necessário o implemento de três condições: a possibilidade jurídica do pedido, o
interesse de agir e a legitimidade de parte. Essas condições seriam requisitos de
existência da ação, pelo que deveriam ser objetos de investigação antes do exame
do mérito. Somente se estiverem presentes é que haveria necessidade de o juiz
julgar o mérito.
Assim, essa teoria não aceita a abstração plena. A ação não compete a qual
quer um, e não possui sentido genérico. Refere-se a uma fattispécie normativa que
será objeto da sentença do juiz, o qual formulará regra jurídica especial, que será lei
entre as partes. Além disso, Liebman entendia que existe um direito de ação cons
titucional incondicionado, o qual é pressuposto do direito de ação processual, este,
sim, limitado pelas condições da ação.
Portanto, ação é o direito público, abstrato e subjetivo de obter do Poder
Estatal providência jurisdicional, constituída de uma sentença de mérito de qualquer
conteúdo.
Arruda Alvim define ação como “direito constante da lei processual civil, cujo
nascimento depende da manifestação de nossa vontade. Tem por escopo a obtenção
17
Manual de direito processual civil, v. 1, Forense, 1985, p. 151.
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18
Manual de direito processual civil, RT, 6. ed., p. 367-368.
19
Nesse sentido, Eduardo Couture (1993, p. 76) afirmava que: “Toda idea que tienda a asimilar el derecho
a pedir com la justicia de lo pedido, constituye una contradictio in adjeto. El derecho de pedir no requiere
un examen del contenido de la decisón. Si efectivamente existe un derecho lesionado, la resolución será
estimatoria; si no existe, la petición será rechazada en cuanto a su mérito. Pero, en todo caso, la autoridad
deve admitir el pedido en cuanto tal, para su debido examen con arreglo al procedimiento establecido”.
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decisão jurídica que produz efeitos jurídicos, embora ‘não tão profundos’ quanto os
da sentença de mérito. Neste caso, o autor terá, legitimamente, exercido o seu direito
de ação lastreado no Direito Constitucional que é o próprio direito genérico de ação,
sem que lhe tenha reconhecido o direito de ação no plano do sistema do processo
civil, propriamente dito, justamente por não estarem preenchidas as condições da
ação”.20 E conclui afirmando que existem dois tipos de ação: a ação constitucional,
de natureza genérica e especificada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Fede
ral, e a ação processual, que embora seja decorrente da ação constitucional, com ela
não se confunde, sendo regulada no processo.21
Veja-se que, ao se deparar com o direito constitucional de ação, ou seja, o
direito que é assegurado a todo e qualquer cidadão de levar ao Poder Judiciário um
conflito de interesses para ser resolvido, verifica-se que este não é incondicional e
ilimitado. Portanto, jamais poderia depender, para seu implemento, de requisitos,
como as condições da ação. Assim, parece lógico que somente o direito processual
de ação é que sofrerá a limitação imposta pela necessidade de implemento das
condições da ação.
José Miguel Garcia Medina, por sua vez, entende que “ao direito de ação corres
ponde o dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional (status positivo). Paralela
mente a este direito da parte, há, ainda, o de participar efetivamente do procedimento
destinado à entrega da prestação jurisdicional”.22
O direito de ação resulta na instauração de um processo.
Cássio Scarpinella Bueno, representando os processualistas mais contempo
râneos, entende que ação é o direito subjetivo público de provocar o exercício da
função jurisdicional e de atuar ao longo deste exercício. É exercitada contra o Estado.
A ação não se confunde com o processo, nem com a tutela jurisdicional pedida ou
efetivamente prestada. A ação não é método de atuação do Estado-juiz, nem é o
que será prestado. Por isso, para Cássio, não é a ação que deve ser classificada,
nem é ela que deve ser julgada procedente ou improcedente, mas, sim, o pedido
(para ele, a ação é cabível ou incabível; além disso, afirma que dizer “ação disso ou
daquilo” é expressão idiomática). A ação não deve ser adjetivada. Ação e processo
são categorias que não se modificam. O que se modifica é a tutela jurisdicional. A
ação é o direito de agir para obtenção da tutela jurisdicional.23
Não se deve confundir ação com tutela jurisdicional. Tutela é proteção.
Tutela jurisdicional, conforme Cássio Scarpinella Bueno,24 “é a proteção, a sal
vaguarda, que o Estado deve prestar naqueles casos em que ele, o próprio Estado,
20
Ob. cit., p. 375.
21
Ob. cit., p. 378.
22
Código de Processo Civil comentado, RT, 2011, p. 29.
23
Curso sistematizado de direito processual civil, v. 1, 6. ed., 2012, p. 387-388 e 395.
24
Curso sistematizado de direito processual civil, v. 1, 6. ed., 2012, p.390.
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25
Curso sistematizado de direito processual civil, RT, 2012, p. 390.
26
Conforme Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 5. ed., v. II, p. 299.
27
Bedaque (2010, p. 235), nesse sentido, afirma que ação seria o próprio direito ao princípio do devido processo
legal.
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Institutos fundamentais do processo civil: jurisdição, ação e processo
2.3 Processo
Processo é o instrumento por meio do qual o Estado presta a tutela jurisdicio
nal. É também uma sucessão encadeada de atos tendentes a um final conclusivo.1
Nesse sentido, a noção de processo se confunde com a de procedimento. Portanto,
para que se possam diferenciar esses conceitos, é preciso aliar a essa noção a de
que o processo corresponde, também, à relação jurídica processual triangular forma
da entre autor, réu e juiz, na qual cada um terá direitos, deveres, ônus e obrigações.
O processo somente existe caso esses três sujeitos estejam participando dessa
relação. Faltando um deles, não podemos dizer que houve processo, na acepção
jurídica do termo, muito menos que houve processo válido.3
Inicialmente, é preciso asseverar que as teorias privatistas do contrato e quase
contrato estão ultrapassadas, porque é sabido que as partes não têm liberdade de
contratar no processo. Quanto às teorias publicistas, temos as teorias da situação
jurídica, da instituição e da relação jurídica processual.
A primeira entende que processo seria uma expectativa de decisão judicial
futura. Partes não têm direitos e deveres, mas, sim, ônus. Há uma visão dinâmica do
processo. Ocorre que todas essas situações jurídicas são inerentes a uma relação
jurídica processual distinta da relação jurídica de direito material.28
À teoria do processo como instituição, adotada por Jaime Guasp,29 Elizabeth
de Castro Lopes,30 João Batista Lopes31 e Olavo de Oliveira Neto, o qual explica que
o processo se adapta a três requisitos básicos que caracterizariam a instituição jurí
dica, quais sejam: a) ter sua estrutura moldada conforme um modelo estabelecido em
lei; b) ter caráter permanente e c) ser imprescindível para obtenção de determinado
desiderato,32 há imposição do Estado.
Para Cássio Scarpinella Bueno, processo é método de atuação do Estado-juiz.
É o mecanismo pelo qual o direito material controvertido tende a ser realizado e
concretizado.33
Bedaque também entende que processo é método de trabalho desenvolvido
pelo Estado para permitir a solução de litigios.34
28
Sobre teoria da situação jurídica, ver GOLDSCHMIDT, James. Direito processual civil. Campinas: Bookseller,
2003. p. 21.
29
Derecho Procesal Civil. 3. ed. T. 1. Madri: Institutos de Estudios Politicos, 1968. p. 22.
30
LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O juiz e o princípio dispositivo. São Paulo: Atlas, 2003. p. 210.
31
LOPES, João Batista. Ação Declaratória. São Paulo: RT, 2009. p. 26.
32
O processo como instituição constitucional. In: Panorama Atual das tutelas individual e coletiva. Saraiva,
2011. p. 639 e 638.
33
Curso sistematizado de direito processual civil. RT, 2012. p. 425. Salvatore Satta também entende processo
como método pelo qual a vontade da lei se concretiza.
Para Carnelutti (1936), processo é método para formação ou aplicação do direito com vistas a uma decisão
justa e certa.
34
Efetividade do processo e técnica processual, Malheiros, 3. ed., 2010, p. 73.
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Arlete Inês Aurelli
A teoria da relação jurídica, criada por Bulow, entende que processo seria
relação jurídica processual entabulada entre os sujeitos do processo, juiz, autor e
réu, iniciada a partir do momento em que o autor exerce o direito de ação, de forma
que entre eles existam liames travados ao longo do processo, dos quais decorrem
direitos, deveres, faculdades, obrigações e ônus, tudo isso tendo em vista a obtenção
de uma finalidade.35
Calamandrei localiza no dinamismo da relação jurídica a melhor explicação ao
desenvolvimento do conjunto de atos e faculdades no processo.36
É a teoria mais largamente aceita na doutrina pátria e estrangeira,37 embora
igualmente muito criticada. Marinoni e Mitidiero,38 por exemplo, entendem que há
pouca precisão ideológica no conceito de processo como relação jurídica, o que deixa
o processo civil aos sabores dos detentores do poder. Parece-me que essa crítica não
procede, porquanto o fato de o processo constituir uma relação jurídica processual
entre os três sujeitos acima apontados não impede que seja cumprido um método
de trabalho estabelecido pela Constituição Federal. O princípio do devido processo
legal deverá ser observado em todos os atos do processo. Assim, é evidente que
o processo não poderá ser arbitrário. Araken de Assis, por sua vez, entende que a
noção de relação jurídica processual não esgota o que é o processo. No entanto, se
aliarmos a noção de relação jurídica processual com a de procedimento, no sentido de
sucessão encadeada de atos, como faz Liebman, teremos a noção exata de processo.
De fato, Liebman entendia que processo é relação jurídica aliada à noção de
procedimento, no que é seguido por Dinamarco, que afirma que a noção de processo
como procedimento em contraditório não é incompatível com a teoria da relação jurí
dica. Para ele, processo envolve um conceito complexo: pode ser observado do ponto
de vista da relação jurídica e, também, do procedimento.
Falazari rejeita a teoria da relação jurídicia, entendendo que processo é pro
cedimento em contraditório – é participação. Também comungam do mesmo enten
dimento Marinoni e Mitidiero.39 Nota-se que as doutrinas modernas reavivam a
importância do procedimento no conceito de processo. De fato, não há como negar
que processo é, realmente, procedimento em contraditório, mas não há nenhum
conflito dessa noção com a de que processo seria relação jurídica, principalmente
35
Mesmo nas hipóteses do artigo 295, IV, combinado com 269, IV e 285-A, em que não há citação do réu, o
processo, como relação jurídica processual, existe, entre autor e juiz. Nesse sentido, Medina (2011, p. 206)
afirma que “o processo forma-se progressivamente: primeiro entre autor e juiz, e, em seguida, com a citação,
passa o réu a fazer parte do processo. Diz-se, assim, que a citação é pressuposto processual de existência do
processo em relação ao réu, já que, antes da citação, ainda que exista processo, a relação processual dar-se-á
apenas entre demandante e juiz”.
36
Il concetto di “lite” nel pensiero di Francisco Carnelutti. In: Rivista di Diritto Processuale Civile, 1928.
37
Curso sistematizado de direito processual civil, RT, 2012, p. 422.
38
Código de Processo Civil comentado, artigo por artigo, RT, 2010, p. 267.
39
Código de Processo Civil comentado, artigo por artigo, RT, 2010, p. 267.
44 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 31-46, jan./mar. 2015
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3 Conclusão
Diante do estudo empreendido, podemos concluir que o fato de se exigir, para
realizar o processo, que seja seguido rigorosamente o método e modelo estabelecido
pela Constituição Federal, notadamente no que tange aos direitos fundamentais e às
garantias constitucionais insertas no seu artigo 5º, de forma alguma significa que se
tenha que colocar a ação como primeiro objeto de estudo. Muito menos que a ordem
em que se estudem tais institutos tenha importância.
De fato, no presente estudo, frisamos que jurisdição é poder/dever estatal
que presta função de pacificação social, resolvendo os conflitos de interesses que
lhes são submetidos à apreciação ou realizando a atividade homologatória que lhe
compete, tudo através de um processo. Consequentemente, atua para que o Estado
democrático de direito seja mantido.
A jurisdição é poder, mas deve assim ser vista como a capacidade de o
Estado-Juiz decidir imperativamente no sentido de que as partes estarão sujeitas
inexoravelmente ao que vier a ser decidido sobre o conflito de interesses que for
levado à apreciação, já que acobertado pela coisa julgada. No entanto, nada há de
autoritário nisso. Pelo contrário, busca-se, com isso, o cumprimento do ideal repu
blicano, servindo à segurança jurídica.
Referências
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de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: Ediciones juridicas Europa-America, 1964.
CALAMANDREI, Piero. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francisco Carnelutti. In: Rivista di Diritto
Processuale Civile, 1928.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 31-46, jan./mar. 2015 45
Arlete Inês Aurelli
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46 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 31-46, jan./mar. 2015
O direito fundamental à saúde e a
judicialização no Brasil. A saúde como
direito humano e sua tutela processual
1 Introdução
A interseção entre o direito e a saúde nos dias atuais é o resultado formal de
diálogos entre o biológico, o social e o cultural a partir da construção de mecanismos
próprios de interação. Nessa perspectiva, o direito à saúde reflete a dinâmica de inte
ração social utilizada para a regulação de ações e serviços de interesse das pessoas
com relação à sua saúde.
Assumir que a saúde é um direito fundamental implica considerar as trans
formações a que têm passado durante as últimas décadas, as concepções do
que é saúde e, em particular, a ampliação do conceito de saúde. (NUNES, 2013).
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MURILLO SAPIA GUTIER, RUBENS CORREIA JUNIOR, CARLA A. ARENA VENTURA
1
Por meio da consagração institucional de funções de controle por meio da propositura de ações coletivas.
2
Para fins do presente artigo, adota-se o conceito arendtiano de cidadania, exposto na obra “Origens do
Totalitarismo”, qual seja, cidadania como direito de ter direitos (2013). Piovesan (2014) ressalta que “hoje se
pode afirmar que a realização plena e não apenas parcial dos direitos da cidadania envolve o exercício efetivo
e amplo dos direitos humanos, nacional e internacionalmente assegurados”.
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O direito fundamental à saúde e a judicialização no Brasil. A saúde como direito humano e sua tutela processual
3
Acerca das diferenças entre metodologia e abordagem metodológica em Direito, vide SILVA, 2005, p. 25-26.
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O direito fundamental à saúde e a judicialização no Brasil. A saúde como direito humano e sua tutela processual
4
Sob o prisma geracional ou dimensional que divide os direitos fundamentais em eras, o modelo liberal con
sagrou o que a doutrina chama de direitos fundamentais de primeira dimensão (BONAVIDES, 2002, p. 516).
No que concerne ao “núcleo político-jurídico”, consagrou direitos políticos, salientando, conforme Streck e
Morais (2010, p. 59), o consentimento individual como origem dos poderes estatais e da autoridade política
e a representação do povo por meio do poder legislativo, a quem competia tomar as decisões. No que
tange ao constitucionalismo, elaborou-se um documento formal escrito limitador e divisor do poder político,
prevendo um sistema de freios e contrapesos entre os poderes, bem como consagrou direitos fundamentais
para o indivíduo (Streck e Morais, 2010, p. 59). Especificamente quanto à seara privada, o Direito torna-se
disciplinado pelo Estado por meio de codificação, uma vez que previsto e sistematizado pelo legislador, o que
antes era relegado aos costumes, aos ensinamentos doutrinários ou ao direito canônico, no que concerne
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 47-64, jan./mar. 2015 51
MURILLO SAPIA GUTIER, RUBENS CORREIA JUNIOR, CARLA A. ARENA VENTURA
ao casamento, família, filiação e sucessões (FACCHINI NETO, 2003, p. 17). Outro viés que se verifica é que
o Direito Privado se impregnou da ideologia burguesa dominante à época, de modo que refletiu os desejos
desta classe socioeconômica, regulando a sociedade civil, assim, sob os valores do liberalismo, delineados
pela propriedade, como valor primordial, e a “liberdade contratual como instituto auxiliar para facilitar as
transferências e a criação de riqueza” (FACCHINI NETO, 2003, p. 18). Explica Facchini Neto que o primado
da segurança jurídica fez com que o direito privado se sobrepusesse ao público, e a técnica legislativa era
representada normativamente por regra jurídica, “contendo fattispecie completa (preceito e consequência
jurídica)”, de modo que princípios expressos e cláusulas gerais eram rarefeitos e “parcimoniosos os conceitos
indeterminados” (2003, p. 21).
5
Conforme Ventura (2011, p. 48), “a Organização Mundial da Saúde (OMS) constitui uma organização universal
e técnica, pois atua diretamente na área da saúde. Integrante do sistema ONU, iniciou funcionamento em
1948, segundo as regras previstas em seu tratado constitutivo. Desse modo, o art. 1º de sua Constituição
prevê que o papel da OMS é possibilitar para todos os povos o melhor nível de saúde possível. No preâmbulo
da Constituição da OMS, os Estados-partes declaram que, em conformidade com a Carta das Nações Unidas,
os seguintes princípios são básicos para a felicidade, relação harmoniosa e segurança de todos os povos:
a) saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças
ou enfermidades; b) o gozo do maior padrão de saúde desejado é um direito fundamental de todos os seres
humanos, sem distinção de raça, religião, opção política e condição econômica e social; c) a saúde de todos
os povos é fundamental para a consecução da paz e segurança e depende da cooperação dos indivíduos e
dos Estados; d) o sucesso de um país na promoção e proteção da saúde é bom para todos os países; e) o
desenvolvimento iníquo em diferentes países para a promoção da saúde e controle de doenças, especialmente
as contagiosas, é um perigo comum; f) o desenvolvimento da saúde da criança é de importância básica; g) a
extensão para todos os povos dos benefícios advindos dos conhecimentos médicos, psicológicos e afins é
essencial para atingir a saúde; h) opinião informada e cooperação ativa do público são de importância crucial
na melhoria da saúde da população; i) governos têm responsabilidade pela saúde de seus povos, que pode
ser garantida apenas por meio da adoção de medidas sociais e de saúde adequadas. Esses princípios são os
grandes pilares que regem o Direito Internacional da Saúde (OMS, 1946) e reforçam a relevância estratégica
da saúde para o desenvolvimento”.
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O direito fundamental à saúde e a judicialização no Brasil. A saúde como direito humano e sua tutela processual
social, seja individual ou coletivamente. Dessa forma, afirma-se que estão ligadas
com o princípio da igualdade, de viés marcadamente inclusivo (FIGUEIREDO, 2007).
A fundamentalidade do direito social à saúde pode ser explicada por duas
frentes: (a) formal e (b) material. A primeira se justifica pela previsão expressa no
texto constitucional do rol dos direitos sociais (art. 6º), e no capítulo atinente à segu
ridade social, reconhece o texto constitucional a saúde como direito que anseia pela
consagração de segurança social a todos, indistintamente, fixando ao poder público
o dever geral de proteção (art. 196). O caráter fundamental, na acepção material, é
retratado pela sua correlação essencial para a conservação digna da vida humana,
de modo que é condição fundamental para usufruir dos demais direitos, sejam
fundamentais ou não (FIGUEIREDO, 2007).
Um ponto de especial relevância consiste na possibilidade de controle da
implementação dos direitos sociais, por se enquadrarem nos direitos fundamentais,
por parte do Poder Judiciário e por meio da cláusula de inafastabilidade do controle
jurisdicional estampada no art. 5º, XXXV, da Constituição do Brasil.
Considerando-se que o Estado Constitucional Brasileiro tem por fundamento
a promoção e proteção dos direitos fundamentais e sendo a saúde essencial para
a satisfação de interesses e necessidades fundamentais, conforme ressaltado, o
direito fundamental à saúde é erigido ao centro dos valores reivindicados atualmente
como de validade universal, uma vez que, no seu ponto de convergência, está a
promoção e proteção da vida para propiciar a existência com dignidade. Isso significa
que a afirmação do direito à saúde permeia o imaginário axiológico social como
condição mínima para que as pessoas possam construir sua vida com dignidade,
liberdade e igualdade (HEINTZE, 2009, p. 22).
Nessa perspectiva, o processo de internacionalização dos Direitos Humanos
(dentre eles, o direito à saúde), não passou despercebido pelo Constituinte de 1988,
de modo que houve a identificação da fundamentalidade de tal direito, soerguido ao
patamar constitucional no artigo 196, por meio da constitucionalização de direitos
e deveres em matéria deste imprescindível direito social, em que se reconheceu a
importância de uma especial proteção normativa. Dada a ideia de supremacia das
normas constitucionais, fez com que todo o ordenamento infraconstitucional guarde
compatibilidade com a norma maior. Ao se falar em constitucionalização dos direitos
sociais, notadamente a saúde, “a ideia mestra é a irradiação dos efeitos das normas
(ou valores) constitucionais” (SILVA, 2005, p. 39) para todo o ordenamento jurídico,
vinculando o Legislativo, Executivo e Judiciário.
Como o constitucionalismo contemporâneo é marcado pela valorização dos
princípios jurídicos e, com a ampla concepção de que possuem força normativa e
aplicabilidade plena na solução dos casos, a constitucionalização do direito à saúde,
abriu-se o espaço para o uso da argumentação constitucional para o controle das
omissões dos Poderes Legislativo e Executivo.
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MURILLO SAPIA GUTIER, RUBENS CORREIA JUNIOR, CARLA A. ARENA VENTURA
4 O porquê da judicialização
No modelo de Estado Constitucional contemporâneo, que apresenta estruturas
democráticas, há a afirmação e valorização de princípios jurídicos, que possuem,
como característica primordial, força normativa e aplicabilidade plena na solução dos
casos, notadamente os difíceis,6 valendo-se de métodos abertos para a solução deles,
como a ponderação e teorias da argumentação jurídica como método de solução
(BARROSO, 2009).
Igualmente, apresenta o Estado Democrático como característica marcante a
constitucionalização dos direitos, pela previsão de pontos centrais dos diversos ramos
do direito na Magna Carta ou pela irradiação dos seus efeitos para os diversos ramos,
uma vez que é a norma suprema do ordenamento interno, e o corpo normativo infra
constitucional deve guardar consonância com seus postulados (BARROSO, 2009;
GUTIER, 2013).
Outro aspecto importante consiste na aproximação entre direito e moral, que
são estudados como objetos compartilhados, o que culmina com a abertura filosófica
nos embates jurídicos (SARMENTO, 2009, p. 9-10). Guastini (2007, p. 271-293)
elucida, de modo pormenorizado, as condições para a constitucionalização do orde
namento: 1) previsão de uma constituição rígida; 2) garantia jurisdicional da cons
tituição; 3) força vinculante da constituição; 4) sobreinterpretação da constituição;
5) aplicação direta da constituição; 6) interpretação das leis conforme a constituição;
7) questões políticas sendo discutidas no âmbito judicial.
Quanto ao primeiro ponto – o da Previsão de uma Constituição Rígida – a
questão primaz acerca da análise de um ordenamento constitucionalizado consiste
na verificação da existência de uma Carta Constitucional escrita, dotada de meca
nismos rígidos quanto ao poder de reforma, de modo que seja protegida quando
confrontada com a legislação ordinária (FIGUEROA, 2009, p. 458), apresentando, por
oportuno, uma blindagem normativa no processo de mutação formal, se comparado
com o modelo adotado pelas leis ordinárias, em que não pode haver derrogação,
modificação ou ab-rogação, a não ser se houver procedimento especial para tanto
(GUASTINI, 2007, p. 273). Outro fator que decorre da adoção de uma constituição
rígida consiste na previsão escalonada do ordenamento jurídico, isto é, a previsão
6
Partindo do pressuposto corrente na jurisdição constitucional contemporânea que estabelece uma díade hard
cases (casos difíceis) e easy cases (casos simples). Casos difíceis seriam os que envolvem o balanceamento
de bens jurídicos envolvidos e que apresentam alguma ou grande repercussão. BARROSO (2013) ressalta
que “de fato, Kelsen reconheceu que a decisão judicial é um ato político de escolha entre as possibilidades
oferecidas pela moldura da norma. E Hart proclamou que, além dos casos simples, solucionados com base
no texto legal e nos precedentes, existem os “casos difíceis” (hard cases), que envolvem o exercício de discri
cionariedade judicial”. No item 6.3, ressalta BARROSO (2013) que “os elementos mencionados – ambiguidade
da linguagem, desacordo moral e colisões de normas – recaem em uma categoria geral que tem sido referida
como casos difíceis (hard cases). Nos casos fáceis, a identificação do efeito jurídico decorrente da incidência
da norma sobre os fatos relevantes envolve uma operação simples, de mera subsunção”.
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tendo sido o Supremo Tribunal Federal erigido como o guardião da Constituição (art.
102, caput), ou seja, o intérprete autorizado pela Constituinte a proferir o conteúdo
essencial dos direitos constitucionais, fundamentais ou não.
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7
Conforme o Dicionário Eletrônico Houaiss, censor, na antiga Roma, era o “magistrado que recenseava a popu-
lação, cuidava da arrecadação dos impostos e era responsável pela manutenção dos bons costumes”.
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que teve o condão de criar mecanismos processuais próprios para propiciar a defesa
em juízo dos direitos coletivos, entendidos, grosso modo, como direitos pertencentes
a toda a sociedade (GUEDES, 2011),8 sendo que, ao pertencer a toda a coletividade,
são designados de transindividuais ou metaindividuais (MARINONI; ARENHART, 2012).
A perspectiva estatal no controle jurisdicional de lesões ou ameaças a Direitos
retratada no artigo 5º, XXXV, da Constituição do Brasil passa pela análise de três
condições, que são descritas pelos elementos: (a) interesse; (b) legitimação para agir;
(c) possibilidade jurídica do pedido. O sistema brasileiro de tutela processual coletiva9
(CDC e LACP), diferentemente do sistema individualista do Código de Processo Civil,
atribui a legitimação para agir a determinados entes,10 que representam os interesses
e aspirações coletivas, agindo como interlocutores sociais perante o Judiciário na
solução de conflitos de “massa” que afetam a coletividade.
Hodiernamente, o grau de desenvolvimento demonstrado pela sociedade per
mite dizer que, pela sofisticação e complexidade, vivemos em uma sociedade de
massa e de risco (BECK, 1998), “em que os problemas tendem a se coletivizar,
exigindo soluções também coletivas” (BELINETTI, p. 666). Tal configuração buscou
igualmente prever mecanismos jurisdicionais para a tutela coletiva dos direitos de
entes com legitimidade para interceder junto ao judiciário na solução de ameaças
ou lesões de massa, uma vez que as atividades desenvolvidas no seio industrial-
social-político podem acarretar um risco para o bem-estar da coletividade, de modo
que esses riscos devem ser levados em consideração na tomada das decisões,
políticas, administrativas ou jurídicas.
Como mostram traços distintos das ações individuais previstas no CPC, as
ações coletivas apresentam estrutura e postulados diferenciados. Pode-se apontar
que a primeira grande diferença consiste no princípio do interesse jurisdicional do
conhecimento do mérito, que afirma que o juiz deve fazer o máximo possível para
julgar o mérito, ou seja, somente em último caso é possível a sua extinção em reso
lução do conflito coletivo de interesses (ALMEIDA, 2007). Outro vetor fundamental
consiste na prioridade na tramitação, que significa que deve dar-se preferência na
tramitação das ações coletivas em detrimento de uma ação individual.
8
Para fins do presente trabalho, não serão feitas digressões sobre as categorias de direitos coletivos delineada
no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que aduz os direitos coletivos em subcategorias, como
direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, consolidando, no senário brasileiro.
O denominado CDC consiste, segundo a doutrina pacífica, em microssistema de defesa coletiva dos direitos,
juntamente com a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.437/85).
9
Para fins do presente trabalho, adotar-se-á a nomenclatura CDC para a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor) e LACP para a Lei 7.437/85 (Lei da Ação Civil Pública).
10
Descritos no art. 5º da LACP, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e a associa-
ção que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e inclua,
entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
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11
Doravante denominada de LAP.
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O direito fundamental à saúde e a judicialização no Brasil. A saúde como direito humano e sua tutela processual
8 Considerações finais
Como ressaltado, os modelos internacional de direitos humanos e constitucio
nal de direitos fundamentais enalteceram a valorização do direito à saúde como
princípio jurídico basilar e, com a ampla concepção de que possui, força normativa e
aplicabilidade para assegurar o mínimo existencial e propiciar melhoria na qualidade
de vida a todos, sem distinção. Na solução dos casos, a constitucionalização do
direito à saúde abriu o espaço para o uso da argumentação constitucional para o
controle das omissões dos Poderes Legislativo e Executivo.
Diferentemente de outras áreas, não se valeu de métodos abertos para a
solução dos casos, uma vez que afirmou peremptoriamente que a “saúde é direito
de todos e dever do Estado”, de modo a propiciar mais do que um caráter declara
tório de direitos fundamentais, afirmando que, ao Estado, foi imposto um verdadeiro
dever fundamental de implementar este direito social.
Um ordenamento constitucionalizado não apenas declara direitos e deveres,
mas, também, prevê um sistema de garantias, isto é, a Magna Carta é dotada de
mecanismos de controle de conformidade constitucional das leis e dos atos comis
sivos e omissivos do Poder Público. Para tanto, a válvula de controle das omissões
estatais – e não apenas provenientes do Estado – vem delineada pelo princípio da
universalidade de jurisdição, esculpido no artigo 5º, XXXV, que diz que “a lei não
excluirá da apreciação do Judiciário, lesão ou ameaça a Direito”.
Há, então, a afirmação de que a judicialização da política – por vezes, em tom
pejorativo – nada mais consiste que a apreciação, pelo Poder Judiciário, do cum
primento dos direitos e deveres constitucionais por via do direito de ação. A ideia é
relativamente simples, mas sem ser simplista: como se atribuiu ao Estado o dever
fundamental de manter o conteúdo essencial da qualidade de vida das pessoas,
a partir do momento em que se verifica a omissão, nascerá, para quem estiver na
iminência de sofrer lesão ou ameaça, o direito de provocar o Judiciário para tutelar o
bem jurídico “saúde”.
O Supremo Tribunal Federal ressaltou a fundamentalidade do direito à saúde e
a responsabilidade do Estado pela integralidade da implementação, uma vez que a
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 47-64, jan./mar. 2015 61
MURILLO SAPIA GUTIER, RUBENS CORREIA JUNIOR, CARLA A. ARENA VENTURA
saúde é considerada, para este tribunal, como verdadeiro dever fundamental. O não
cumprimento dos compromissos ligados à saúde são considerados como frustração
de expectativas coletivas legítimas dos cidadãos, assumindo, a Suprema Corte,
como a postura de censor das promessas estatais não cumpridas, julgando a con
veniência de sua implementação – individual e coletiva –, convertendo-se, contem
poraneamente, não apenas em guardião da Constituição, mas como guardião das
promessas (so)negadas aos cidadãos.
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MURILLO SAPIA GUTIER, RUBENS CORREIA JUNIOR, CARLA A. ARENA VENTURA
GUTIER, Murillo Sapia; CORREIA JUNIOR, Rubens; VENTURA, Carla A. Arena. O direito
fundamental à saúde e a judicialização no Brasil: A saúde como direito humano
e sua tutela processual. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 23, n. 89, p. 47-64, jan./mar. 2015.
64 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 47-64, jan./mar. 2015
O fenômeno processual de acordo com
os planos material, pré-processual
e processual do direito: breves
considerações do tema a partir (e além)
do pensamento de Pontes de Miranda
Resumo: Este texto tem por premissa lançar as bases necessárias à compreensão do fenômeno processual
a partir da ideia, lançada por Pontes de Miranda, da existência de planos material, pré-processual e
processual do direito. Parte-se de conceitos fornecidos pela Teoria Geral do Direito, como direito e
pretensão, e opera-se o desenvolvimento deles em tais planos, de acordo com particularidade de cada um.
Palavras-chave: Teoria Geral do Direito. Plano material. Plano pré-processual. Plano processual.
Sumário: 1 Introdução – 2 Da formação dos fatos jurídicos à constituição das relações jurídicas – 3
Direito, pretensão e ação: plano material – 4 O plano pré-processual – 5 O plano processual – 6 Conclusão
– Referências
1 Introdução
A ideia do presente artigo é apresentar os dados necessários para o estudo
do fenômeno processual a partir da Teoria Geral do Direito, ciência esta que, como
cediço, tem por objeto os conceitos fundamentais aplicáveis a quaisquer ramos do
direito positivo. Para tanto, utilizar-se-á a teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda
e os conceitos por ela oferecidos, como: suporte fático, incidência, fato jurídico,
relação jurídica, situações jurídicas ativas e passivas.
Na esteira do pensamento do mesmo autor, divide-se o mundo em três planos
de análise: material, pré-processual e processual. Em cada um, há fatos jurídicos e
efeitos deles: as situações jurídicas.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 65
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
1
Nesse sentido, ver SATTA, Salvatore. Direito Processual Civil. T. 1. Trad. Luiz Autuori. Rio de Janeiro: Borsoi,
1970. p. 61-64.
2
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2. ed. T. 5. Rio de Janeiro: Borsoi,
1955. p. 22.
3
Nesse sentido, aplicando as premissas da teoria em análise à lei, algo que, ao menos de modo sistemático,
não foi feito por Pontes de Miranda, ver NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo:
Saraiva, 1988. p. 41-42.
66 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
para sustentar o direito como fenômeno linguístico; no entanto, não há como negar
que, por ela, o citado jurista pretende explicar a totalidade do fenômeno jurídico em
sua dimensão normativa: “a noção fundamental do direito é a de fato jurídico; depois,
a de relação jurídica”,4 diz ele, algo que, sem dúvida, sintetiza a premissa acima.
Dito isso, pode-se prosseguir.
Para entender a teoria ponteana, é importante ressaltar que existem fatos rele
vantes para o direito, e outros não.5 A partir da valoração, a comunidade jurídica6 cria
a norma cristalizando os fatos entendidos como relevantes.
Desse modo, feita a valoração, a norma, devidamente textualizada, descreve
uma hipótese (suporte fático): um fato ou um complexo de fatos devidamente valo
rados. Concretizada a hipótese, a norma incide sobre o suporte fático, gerando, com
isso, o fato jurídico.7 Este é, pois, formado pela incidência da norma sobre o suporte
fático concretizado, o qual o texto da norma previamente estabelece.
Ressalte-se que suporte fático é fenômeno concernente ao mundo dos fatos,
não se podendo, apenas com ele, falar em mundo jurídico. Trata-se, enfim, de um
fato – conduta ou evento8 – relevante para o direito, em virtude da valoração feita no
âmbito da dimensão política,9 momento de construção da norma jurídica abstrata.10
Composto o suporte fático suficiente,11 haverá a incidência da norma jurídica
4
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 3. ed. T. 1. Rio de Janeiro: Borsoi,
1970. p. XVI.
5
A distinção entre fatos que são ou não relevantes para o direito é a base para a determinação do mundo dos
fatos e do mundo jurídico, sendo este composto apenas por fatos jurídicos. Mundo jurídico que, estando num
plano lógico, é criação do pensamento humano. Nesse sentido, ver MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do
Fato Jurídico: plano da existência. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 39-41.
6
Expressão utilizada por Marcos Bernardes de Mello para designar o grupo social que tem o poder de ditar
normas jurídicas (op. ult. cit., p. 38).
7
Idem, p. 43. Ainda, VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2000. p.
144-145.
8
O evento e a conduta são espécies do gênero fatos. A segunda pode ser definida como fatos decorrentes do
agir humano, comissivos ou omissivos, são os chamados atos; aquele, como puro fato estranho à interferên-
cia humana. Nesse sentido, ver MELLO, Marcos Bernardes de, op. cit., p. 38.
9
O fenômeno jurídico pode ser dividido em três dimensões: a política, a normativa e a sociológica. A dimensão
política é aquela onde a comunidade jurídica valora os fatos provenientes da relação intersubjetiva entre as
pessoas e, assim, edita normas baseadas em tais fatos, imputando-lhes consequências jurídicas. A dimensão
normativa leva em consideração o direito como comandos e suas expressões normativas. Nela, predomina o
viés dogmático. Por fim, a dimensão sociológica relaciona a norma jurídica à sua efetivação no mundo social.
Nesse sentido, ver MELLO, Marcos Bernardes de, op. cit., p. 44-46.
10
Idem, p. 73.
11
O suporte fático pode ser formado por elementos nucleares, complementares e integrativos. Os nucleares são
fatos essenciais à incidência da norma jurídica, e a presença destes elementos é pressuposto de qualquer
fato jurídico. Há um fato central, o cerne do suporte fático, e, além dele, outros componentes do núcleo do
suporte fático, chamados de elementos completantes, que possuem uma ligação direta com a existência do
suporte fático. Já os elementos complementares não compõem o núcleo do suporte fático, referindo-se à
perfeição de seus elementos, podem ser complementares em relação aos sujeitos, ao objeto ou à forma, e
constituem pressupostos de validade e eficácia dos atos jurídicos. Por fim, têm-se os elementos integrativos,
que não estão vinculados aos planos da existência, validade e eficácia; sem estes elementos, o fato existirá,
será válido e produzirá efeitos, entretanto, sua presença possibilitará a ele uma eficácia adicional. O registro
do acordo de transmissão da propriedade e o lançamento tributário são bons exemplos de elementos integra-
tivos. No primeiro caso, a transmissão da propriedade é possibilitada pela integração do registro ao acordo; no
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 67
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
segundo, o crédito tributário torna-se exigível com o lançamento. Ao citar a expressão suporte fático suficiente,
supõe-se a presença dos elementos nucleares: cerne e completantes. Os elementos complementares e inte-
grativos não dizem respeito à suficiência do suporte fático, e, sim, à sua perfeição ou, como já dito, à validade
e à eficácia do ato jurídico. Ver, sobre o todo, MELLO, Marcos Bernardes de, op. cit., p. 85-99.
12
Idem, p. 108.
13
Marcelo Neves, dantes citado, no que tange às normas jurídicas, utiliza o termo pertinência no lugar do termo
existência, empregado por Pontes de Miranda e seguido por Marcos Bernardes de Mello. Isso se deve ao
fato de o autor pernambucano não colocar, ao contrário de Pontes de Miranda, as normas jurídicas no plano
do ser, mas, sim, como componentes de um sistema nomoempírico prescritivo (o ordenamento jurídico), no
plano do dever ser, constituindo estruturas de significação deôntica (op. cit., p. 42). Rigorosamente, o termo
utilizado por Marcelo Neves melhor define também os fatos jurídicos como um todo, pois, em virtude do fato de
a causalidade jurídica ser de tipo imputacional, o inexistente para o direito pode ter toda relevância em outros
sistemas do mundo fático. O termo pertinência diz que tal fato é componente do mundo jurídico. Caso ele
não tenha pertinência, ele será estranho ao mundo do direito, sem que, com isso, ele seja inexistente como
um todo, porquanto possa ser pertinente a outros sistemas. Todavia, utilizar-se-á o termo existência neste
trabalho pelo fato de seu emprego ser universalmente consagrado.
14
MELLO, Marcos Bernardes de. Da Ação como Objeto Litigioso no Processo Civil. In: COSTA, Eduardo José da
Fonseca; MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (coords.). Teoria Quinária da
Ação. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 369.
15
MELLO, Marcos Bernardes de, op. ult. cit., p. 372.
16
Eficácia jurídica é o que se produz no mundo como decorrência dos fatos jurídicos. (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. T. 1. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. p. 4). (Grifos do original).
17
Idem, p. 374.
18
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da eficácia. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 43.
68 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
19
Não se pode deixar de referendar a existência de tantos outros conceitos para o termo situação jurídica. Não
há como, do mesmo modo, negar que há outras classificações além da acima adotada. A proposta de Marcos
Bernardes de Mello é, neste trabalho, seguida não só por entender a situação jurídica como a eficácia dos
fatos jurídicos, a partir da concepção ponteana em torno deste, como também, e principalmente, por alocar a
relação jurídica entre as situações jurídicas possíveis. Para um estudo mais detalhado do instituto, com defi-
nições e classificações não necessariamente uniformes, ver BONNECASE, Julien. Introducción al Estudio del
Derecho. Trad. Jorge Guerrero. 2. ed. Bogotá: Editorial Temis, 2000. p. 49-50; GOLDSCHIMDT, James. Teoría
General del Proceso. Barcelona: Labor, 1936. p. 55; ENNECCERUS, Ludwig; NIPPERDEY, Hans Carl. Tratado
de Derecho Civil: parte general. v. 1. T. 1. Trad. Blas Pérez González e José Alguer. Barcelona: Bosch, 1953. p.
314-315, nota 3; CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Trad. A. Rodrigues Queiró e Artur Anselmo
de Castro. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural Edições, 2006. p. 283; BETTI, Emílio. Teoria General del Negocio
Jurídico. Trad. A. Martin Perez. 2. ed. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959. p. 4; ASCENÇÃO, José
de Oliveira. Introdução à ciência do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 7-8; RÁO, Vicente. O Direito
e a Vida dos Direitos. 2. ed. v. 2, t. 2. São Paulo: Resenha Universitária, 1978. p. 272; GOMES, Orlando.
Introdução ao Direito Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 123; GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica
Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 86; e, principalmente, CASTRO, Torquato.
Teoria da Situação Jurídica em Direito Privado Nacional: estrutura, causa e título legitimário do sujeito. São
Paulo: Saraiva, 1985. p. 50 e segs.
20
Idem, p. 94-95.
21
A situação jurídica simples é aquela que atinge a esfera jurídica de apenas um sujeito e tem como conteúdo
atribuir uma qualidade ou qualificação no mundo jurídico. Nesse sentido, ver MELLO, Marcos Bernardes de,
op. ult. cit., p. 104.
22
Idem, p. 99.
23
Idem, p. 95.
24
Adota-se, neste trabalho, a seguinte definição de relação jurídica: “toda relação intersubjetiva sobre a qual
a norma jurídica incidiu, juridicizando-a, bem como aquela que nasce, já dentro do mundo do direito, como
decorrência de fato jurídico”. Idem, p. 188.
25
Há quem defenda a possibilidade de relação jurídica entre objetos de direito como a relação que se dá entre
o bem principal e o bem acessório. Nesse sentido, ver, CASTRO JR., Torquato. A Pragmática das Nulidades e
a Teoria do Ato Jurídico Inexistente. São Paulo: Noeses, 2009. p. 21.
26
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da eficácia, op. cit., p. 195.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 69
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
27
Idem, p. 197.
28
Analogamente, ASSIS, Araken de. Cumulação de Ações. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 39-40.
29
Ressalte-se que é possível a existência de direitos subjetivos sem relação jurídica formada, como ocorre com
o direito potestativo gerado pela oferta aos destinatários dela.
30
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria da Ação de Direito Material. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 115.
70 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
31
Nesse sentido, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, op. cit., t. 5, p. 225-226.
32
Desse modo, ASSIS, Araken de, op. cit., p. 75.
33
Por óbvio, o não exercício de uma situação jurídica, como o direito ou, especialmente, a pretensão, pode
ser um dado de todo relevante para o direito positivo, pois pode ser elemento componente de suporte fático
de fatos jurídicos dos mais diversos, como do ato/fato jurídico da prescrição ou o da preclusão pelo não
exercício (temporal). Direito, pretensão e ação são situações jurídicas, estão no plano da eficácia, portanto.
Daí dizer serem estáticos, no sentido de apenas titularizados por alguém. O exercício deles, sempre por um
ato (semelhantemente ao agir humano, conduta), seja ou não jurídico, os dinamiciza, fazendo com que seu
conteúdo repercuta. O não exercício da situação jurídica é estático em relação a ela, porquanto, como dito,
o conteúdo de tal direito não repercutirá. Tudo, enfim, é um problema de referencial: em relação ao seu
conteúdo, o não exercício da situação jurídica é estático; em relação a suportes fáticos de fatos jurídicos como
a prescrição, dinâmico.
34
Assim, NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa, op. cit., p. 107.
35
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Direito Subjetivo, Pretensão de Direito Material e Ação. In: MACHADO, Fábio
Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (orgs.). Polêmica sobre a Ação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
p. 17.
36
GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; PEREIRA, Mateus Costa. Ação Material e Tutela Cautelar. In: COSTA,
Eduardo José da Fonseca; MOURAO, Luiz Eduardo Ribeiro; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (coords.).
Teoria Quinária da Ação. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 563.
37
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa, op. cit., p. 116.
38
Nem sempre a ação surge de um ilícito (violação). Muitas ações de jurisdição voluntária, como a de arrecadação
de bens do ausente ou a de arrecadação de coisas vagas, bem denotam isso. Ação é, acima de tudo, um
poder de satisfação.
39
GOUVEIA FILHO; PEREIRA, op. cit., p. 563.
40
O termo ação não é de sentido unívoco. Sobre o tema, em importante síntese, ver GRECO, Leonardo. A Teoria
da Ação no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 2003. p. 9-16. Neste trabalho, por exemplo, adotar-se-á, ao
menos, dois sentidos para o termo: um material e outro processual. Tal dualidade foi, durante bom tempo,
solenemente ignorada pela doutrina, não obstante à monumental obra de Pontes de Miranda. Recentemente,
o tema voltou à discussão na processualística brasileira, destacando-se os trabalhos de Carlos Alberto Alvaro
de Oliveira e de Ovídio Baptista da Silva. O primeiro, defendendo a inutilidade da distinção; o segundo, a total
importância (ver, nesse sentido, acima de tudo, a síntese de MITIDIERO, Daniel. Polêmica sobre a Teoria
Dualista da Ação: Ação de Direito Material: “Ação” Processual: uma resposta a Guilherme Rizzo Amaral. In:
AMARAL, Guilherme Rizzo; MACHADO, Fabio Cardoso (orgs.). Polêmica sobre a Ação. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 129-139.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 71
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
41
Há casos em que a ação não é ligada a qualquer direito, sendo apenas, portanto, um poder de imposição de
algo a alguém. É o que ocorre, por exemplo, com a ação declaratória negativa. Ação, em sentido mais amplo,
é poder para a satisfação de algo, independentemente da existência de um direito que lhe seja subjacente ou,
na forma exposta acima, de ocorrência de um ilícito. Ação, como dito alhures, é poder para satisfação de algo.
42
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da eficácia, op. cit., p. 203.
43
GOUVEIA FILHO; PEREIRA, op. cit., p. 563.
44
MELLO, Marcos Bernardes de. Da Ação como Objeto Litigioso no Processo Civil, op. cit., p. 379-380.
45
Outras classificações das ações são possíveis. Num trabalho deveras original, Eduardo José da Fonseca Costa
relaciona a classificação das ações com as vertentes da semiótica: sintática, semântica e pragmática. No
pensamento do autor, pode-se classificar as ações sintaticamente – relacionando uma ação a outra – ao falar
em ação principal e ação acessória, em ação antecedente e ação incidente; uma classificação semântica – ou
seja, a partir do objeto – é possível quando, por exemplo, se faz alusão à ação real e à ação pessoal, à ação
de conhecimento e à ação de execução; por fim, uma classificação pragmática – relação do termo com seus
utentes – seria possível a partir da importância prática exercida pela ação (pragmática acional). Nesse caso,
no entender do autor em comento, a classficação ponteana, seguida neste trabalho, tem viés pragmático
acional. Sobre todo o dito, ver: COSTA, Eduardo José da Fonseca. Teoria Trinária vs Teoria Quinária: crônica de
um diálogo de surdos. COSTA, Eduardo José da Fonseca; MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro; NOGUEIRA, Pedro
Henrique Pedrosa (coords.). Teoria Quinária da Ação, op. cit., p. 195-204. (p. 196-7, em especial).
46
Não há sentença meramente declaratória. A sentença de força ou eficácia preponderante declaratória sempre
vem enxertada de uma eficácia mandamental, de modo implícito. Tal eficácia mandamental é o preceito
72 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
Por fim, a relação jurídica pode ter seu conteúdo eficacial preenchido por outra
situação jurídica: a exceção.47 Exceção é uma posição jurídica ativa atribuída ao titular
da situação do acionado. Como posição jurídica ativa, ela tem um espectro contrário:
a situação do excepto. Especificamente, exceção é direito negativo (contra-direito)
que apenas encobre a eficácia do direito,48 da pretensão, da ação de direito material
ou de outra exceção. Tem por características, portanto: ser situação jurídica, compon
do, pois, o plano da eficácia, necessitando, para repercutir seus efeitos, ser exercida
em moldes fixados; ter eficácia neutralizante da situação jurídica a quem se opõe, e
não extintiva.49
4 O plano pré-processual
4.1 Considerações iniciais sobre a pré-processualidade
Sinteticamente, entende-se por material todo direito que, quando processuali
zado, passa a compor o objeto de um processo. É material, assim, o direito que, por
do Estado-juiz dirigido a todos para que não atentem, no plano real, contra a certeza jurídica gerada pela
declaração judicial. Caso o façam, é possível pleitear a execução indireta da sentença por intermédio de
técnicas coercitivas. Um caso talvez ajude na compreensão. Suponha-se a existência de uma sentença
declaratória da inexistência de uma dívida. Suponha-se, além disso, que a “dívida”, declarada inexistente,
esteja representada por um título, o qual vem a ser protestado. Ora, no caso, o protesto é fato do mundo
real que atenta contra a eficácia mandamental da sentença declaratória, de modo que o prejudicado pode,
de logo, pleitear a execução indireta da sentença. Não precisa, por óbvio, propor qualquer ação pela qual
possa se discutir, de modo definitivo ou provisório, a dívida já declarada inexistente. Nesse sentido, a
chamada cautelar inominada de sustação de protesto, medida muito comum como preparatória da ação
declaratória em questão, é, na verdade, uma técnica que possibilita a antecipação da eficácia mandamental
da futura e provável sentença declaratória de inexistência da dívida consubstanciada no título protestado. O
uso de tal técnica como ação cautelar inominada deu-se pelo fato de, até 1994, como cediço, não termos,
genericamente, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela satisfativa do direito. Sobre a eficácia
imediata mandamental da sentença de força declaratória, ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Tratado das Ações. T. 2. São Paulo: RT, 1970. p. 62-63 e, especialmente, 77-79.
47
Sobre o tema, DIDIER JR., Fredie. Teoria das exceções: a exceção e as exceções. In: Revista de Processo. São
Paulo: RT, 2004, n. 116.
48
A exceção é direito negativo; mas, no negar, não nega a existência, nem a validade, nem desfaz, nem co-
elimina atos de realização da pretensão (compensação), – só encobre a eficácia do direito, pretensão, ação ou
exceção”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. 3. ed. T. 6. Rio
de Janeiro: Borsoi, 1970. p. 10). Há quem fale que as exceções, quando acolhidas, podem extinguir direitos.
Nesse sentido, MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, op. cit., p. 184-185.
49
Não se pode confundir as exceções com as objeções. Objeção é fato extinto de direito: “O excipiente recusa-
se a satisfazer a pretensão porque a eficácia desta é encoberta. Não objeta, não alega fato extintivo ou
modificativo, ou que teria impedido o nascimento do direito do demandante. Nas objeções não há alegações
de direitos, mas de fatos”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. t.
22. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958. p. 28-29). Tal distinção tem total relevância em termos processuais. Quando
o réu se defende alegando exceção, ele afirma ter, no plano material, situação jurídica contra o autor, de modo
que passa a ser, no processo, autor de tal afirmação, devendo esta, quando analisada, ser julgada procedente
ou improcedente, tal como deve sê-lo a afirmação do autor feita contra o réu. Com as objeções, isso não
ocorre, pois, ao afirmá-las, o réu não diz ter situação jurídica material contra o autor, mas, afirmando o fato,
nega, e tão só, ter o autor direito contra ele. Por exemplo, na ação reivindicatória, o réu diz que o autor não
é proprietário, pois ele, réu, adquiriu a propriedade do bem por usucapião. Em suma, enquanto na exceção
afirma-se situação jurídica ativa; na objeção, nega-se tão somente a situação afirmada.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 73
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
50
As norma jurídicas que estabelecem as ações constitucionais (ADIN, ADC, ADPF etc.), no que tange à eficácia
destas, são, por exemplo, normas de direito material, pois tratam de algo que, quando processualizado,
comporá o objeto do julgamento. Já as normas que tratam do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB), no que
se refere, ao menos, às pretensões à tutela jurídica, são normas de direito pré-processual. Por sua vez, a
norma que estabelece a necessidade de o processo judicial desenvolver-se validamente, vertente do devido
processo legal, é processual. Isso, ressalte-se, tanto no segundo caso quanto no último, é relativo, porquanto,
a depender do referencial, por poderem compor o objeto do julgamento de um determinado processo (ser
causa de pedir de um recurso, por exemplo), são enquadrados como direito material.
51
Ver, para tanto, ASSIS, Araken de, op. cit., p. 79; ABREU, Leonardo Santana de Abreu. Direito, Ação e Tutela
Jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 121.
74 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
52
Nesse sentido, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações. T. 1. São Paulo: RT, 1970.
p. 231.
53
Válido tecer breves comentários acerca da pretensão à tutela jurídica nos processos de jurisdição voluntária.
Em determinadas situações, os sujeitos de direito são autorizados, quando necessário, a solucionar seus
conflitos, sendo necessária a homologação das vontades por parte do Estado; é o que se chama de jurisdição
voluntária. Nesse tipo de jurisdição, não há de se falar em conflito propriamente dito, e, sim, em tutela de
interesses. A doutrina diverge acerca da natureza jurídica da jurisdição voluntária enquanto alguns defendem
que não há, de fato, jurisdição, mas ato da administração pública protegendo interesses privados. Embora,
possa-se dizer, minoritária, importante parcela da doutrina sustenta a natureza jurisdicional da jurisdição
voluntária. Para tanto, ver, com argumentos similares aos ora defendidos, por todos, PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. T. 16. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 5-6;
SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. 8. ed. v. 1. t. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 31-34;
GRECO, Leonardo. Jurisdição Voluntária Moderna. São Paulo: Dialética, 2003. p. 19-21.
54
Diversas teorias foram criadas acerca da ação. Defendida por Friedrich Carl von Savigny, a primeira teoria
acerca do tema, a teoria civilista, afirma que a ação é inerente ao direito material, sendo a ação o próprio
direito material violado. Ela exsurge, pois, da lesão. Em seguida, historicamente, tem-se a famosa polêmica
Windscheid x Muther, pela qual duas importantes noções foram consolidadas: a de pretensão (pelo
primeiro) e a de direito à tutela jurisdicional (pelo segundo). Nos fins do século XIX (mais especificamente,
em 1885), surge a teoria concreta defendida, inicialmente, pelo alemão Adolf Wach e, posteriormente, pelo
italiano Giuseppe Chiovenda, os quais, a seus modos, entendiam que o direito de ação era dependente
da procedência do pedido. Houve, principalmente com Wach, a diferenciação plena do direito de ação e do
direito material. Em contrapartida, sendo historicamente anterior, tem-se a teoria abstrata da ação, pela qual
se propugna a desvinculação do direito de ação da sentença de procedência do pedido. São prosélitos de
tal ideia, principalmente, Alexander Plosz, Heinrich Degenkolb, num primeiro momento, e, em seguida, por
Alfredo Rocco. Por fim, tem-se a teoria eclética, defendida pelo italiano Enrico Tullio Liebman. Para tal teoria,
o direito de ação nem está vinculado a uma sentença procedente, nem é completamente independente do
direito material; trata-se de um direito a uma sentença de mérito, independentemente de ser favorável ou não.
Sobre o tema, ver, dentre outros, WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor. Polemica sobre la “Actio”. Trad.
Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: E.J.E.A, 1974, passim; WACH, Adolf. La Pretención de Declaración. Trad.
Juan M. Semon. Buenos Aires: E.J.E.A, s.a, p. 19 e segs.; CHIOVENDA, Giuseppe. La Acción en el Sistema de
los Derechos: Ensayos de Derecho Procesal Civil. T. 1. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: E.J.E.A,
1949. p. 7 e segs.; LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. v. 1. Trad. Cândido
Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 197-203; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Tratado das Ações. T. 1. São Paulo: RT, 1970. p. 271-278; PASSOS, José Joaquim Calmon de. A Ação no
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 75
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
Direito Processual Civil Brasileiro. Salvador: Impressa Oficial, 1960. p. 7 e segs.; SILVA, Ovídio Baptista da;
GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 90 e segs.
55
Assim, MELLO, Marcos Bernardes de. Da Ação como Objeto Litigioso no Processo Civil, op. cit., p. 393.
56
Nesse sentido, ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Relação Jurídica Processual. In: SANTOS, J. M.
Carvalho (org.). Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, s.a. p. 92.
57
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, op. ult. cit., p. 8.
58
Fale-se, acima, em obtenção de uma resposta a uma provocação feita ao Estado-juiz, porquanto tal expressão
sirva para abranger qualquer tipo de manifestação por parte dele acerca da demanda lhe dirigida, até mesmo
a declaração de inexistência da pretensão à tutela jurídica, por não ser o autor, por exemplo, dotado de
capacidade de ser parte.
59
Vale ressaltar que, para que haja a titularidade e o exercício da pretensão à tutela jurídica, não há de existir
necessariamente uma lide. Um exemplo disso é a existência da pretensão à tutela jurídica nos casos de
jurisdição voluntária. Nesse sentido, ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código
de Processo Civil, t. 16, op. cit., p. 6-7.
60
MUTHER, Theodor. Sobre La Doctrina de la Actio Romana, del Derecho de Accionar Actual, de la Litiscontestatio
y de la Sucesión Singular en las Obligaciones. Polemica sobre la “Actio”. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos
Aires: E.J.E.A, 1974. p. 236 e segs.
61
WACH, Adolf. op. cit., p. 19 e segs.
62
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1976. p. 67
e segs.
76 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
63
Classifica as tutelas no modo posto acima: MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil. São Paulo: RT,
2009. p. 144-145.
64
Nesse sentido, ver MELLO, Marcos Bernardes de. Da ação como Objeto Litigioso no Processo Civil, op. cit.,
p. 393.
65
Desse modo, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. T.
1. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 88.
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ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
5 O plano processual
5.1 Considerações iniciais
A análise dada aos direitos, pretensões, ações e seus correspectivos passivos
nos planos acima – material e pré-processual – teve por base a simples possibilidade
de alguém titularizá-los. Seu sentido estático, portanto. É chegado o momento de
estudá-los dinamicamente a partir do exercício de alguns deles e da afirmação de
outros. Tem-se, para tanto, o plano processual. Dele, em termos de Teoria Geral do
Direito, dois conceitos são relevantes para este trabalho: remédio processual e ação
processual.
Isso não quer dizer, no entanto, que inexistam, no plano processual, direitos-
deveres, pretensões-obrigações etc. Negar a existência de tais situações jurídicas
no plano referido seria negar a própria existência da relação processual, gerada pela
admissibilidade do remédio processual utilizado.67
Exemplificando-se apenas do ponto de vista das partes, sem atentar ao próprio
poder do Estado-juiz, pode-se dizer que há, no plano processual, entre outros: pre
tensão ao julgamento favorável, na hipótese de a parte ter razão; pretensão ao re
médio recursal, no caso de a parte vir, mesmo que minimamente, a sucumbir (art.
499, caput, CPC); pretensão à admissibilidade da produção de alguma prova, nas
hipóteses em que o meio probatório é admissível.
66
ABREU, Leonardo Santana, op. cit., p.122.
67
A relação processual propriamente dita surge quando o Estado-juiz admite a demanda determinando a cita
ção do réu, esta que, quando realizada validamente, angulariza a relação processual formada. Antes da
admissibilidade da demanda, o Estado-juiz atua no plano pré-processual, de modo que o dever dele de
analisar a demanda é dever pré-processual. Sobre o tema, ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.
Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. T. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. XXVI-XXVII.
78 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
68
Seria possível, no mínimo, pormenorizar também o problema em torno das exceções substanciais proces
sualizadas. Em rigor, todavia, toda a lógica a ser empregada para a ação processual serve a elas, como
serve, igualmente, a qualquer outra situação jurídica ativa alegável pelo réu no processo. Este artigo, é bom
frisar mais uma vez, não tem por intuito esgotar a análise dos institutos nele mencionados. Pelo contrário,
pretende-se apenas lançar bases para outros estudos, daí o termo “breves considerações” lançado no título.
Assim, para evitar repetições desnecessárias, remete-se para as notas 49 e 50, nas quais o problema da
processualização das exceções substanciais foi tratado.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 79
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
caso, pode-se falar em processo. Aqui, situa-se o remédio jurídico processual. Este,
sendo exercício de situação jurídica, entra na classe dos atos.69
Sintetizando, nos moldes da teoria do fato jurídico seguida neste trabalho, pode-
se dizer que o direito ao remédio processual (plano da eficácia) se situa no plano
pré-processual pelo simples fato de anteceder ao processo. Não se pode exercer
um direito sem se ter tal direito: ao demandar, exerce-se, além de tudo, o direito
pré-processual ao remédio jurídico processual; já o exercício dele, por intermédio da
demanda (a qual, igualmente, serve de base para o exercício da pretensão à tutela
jurídica), é fato jurídico (plano da existência) que dá ensejo à formação do processo:
procedimento e relação processual.
Diferenciar o direito ao remédio processual, e a pretensão a ele vinculada, e
as diversas ações materiais existentes é fundamental, porquanto, dentre outras
coisas, é possível que haja preclusão70 ou, conforme o caso, prescrição de um sem
que o outro seja atingido. Exemplos nos são dados pelo direito positivo, seguem
alguns: primeiramente, ocorrido o transcurso no prazo do art. 23, Lei nº 12.016/09,
extingue-se o direito (e, consequentemente, a pretensão) ao remédio processual
mandado de segurança, sem que, com isso, se perca a ação material mandamental
processualizável, algo que deverá ser feito por outra via; do mesmo modo, ultrapassado
o prazo do art. 924 do CPC, perde-se o direito ao remédio processual específico dado
às ações possessórias de reintegração e manutenção, e não se perde – a própria
literalidade do dispositivo denota isso – a ação material, a qual, no plano material,
permanece possessória e, por isso, sumária; por fim, ocorrida a prescrição prevista
no art. 59 da Lei nº 7.357/85 (Lei do Cheque), resta prescrita a ação executiva
que exsurge do cheque (o título cambiariforme perde a executividade) e precluso o
direito ao remédio processual executivo, surgindo, com isso, nos moldes do art. 61
69
Válido frisar que o exercício de uma situação jurídica pode se caracterizar com um simples ato-fato jurídico,
como no pagamento de uma obrigação ou, até mesmo, se caracterizar como um ato irrelevante para o direito,
como a plantação de uma árvore em um imóvel pertencente ao proprietário. Dessa forma, nota-se que nem
todo exercício de situação jurídica é ato jurídico.
70
O termo preclusão acima colocado guarda sinonímia com o termo decadência utilizado, hoje, largamente pelos
juristas dos diversos ramos do direito positivo, em especial o direito privado. A razão pela opção do termo
preclusão no lugar do habitual decadência deve-se ao equívoco etimológico do último: “o direito cai; não decai”,
diz Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado. 3. ed. T. 6. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. p. 135). Decair é
verbo que denota processo. Em linguagem comum, ao se dizer, por exemplo, estar uma determinada empresa
em decadência, é porque ela está em processo (ou, numa etapa final deste, na iminência) de ultimação. Tal
realidade, por certo, não acontece com o direito sujeito a prazos “decadenciais”: ocorrido o ato-fato jurídico,
o direito é extinto inexoravelmente. A opção pelo uso do termo preclusão, espécie do gênero caducidade
(semelhante à perda de situações jurídicas ativas, como, e em especial, o direito), na esteira de Pontes de
Miranda, que o utiliza em toda sua obra, deve-se ao fato de que o instituto é presente em todos os ramos do
direito positivo, algo que o faz objeto, portanto, da Teoria Geral do Direito, e não restrito ao direito processual,
como pretendem alguns a partir de Giuseppe Chiovenda (nesse sentido, ver Instituições de Direito Processual
Civil. Trad. J. Guimarães Menegale. 2. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1969. p. 372). Isso não quer dizer,
todavia, que, no processo, as preclusões, em regra, fiquem dentro dos lindes dele: eficácia endoprocessual
da preclusão. Conclui-se afirmando que preclusões existem dentro e fora do processo, extinguindo situações
jurídicas ativas processuais e extraprocessuais.
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71
NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa, op. cit., p. 151.
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ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
72
Nesse sentido, ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 2.
ed. T. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 63.
73
É o caso de OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Direito Material, Processo e Tutela Jurisdicional. In: AMARAL,
Guiherme Rizzo; MACHADO, Fábio Cardoso (orgs.). Polêmica sobre a Ação, op. cit., p. 285 e segs.
74
Pontes de Miranda, autor a quem muitos, com razão, tributam o papel de distinguir a ação material da ação
processual, não tem uma definição muito fixa da expressão ação processual. Muitas vezes, ele a utiliza entre
aspas, tratando-a como sinônima de remédio jurídico processual. Segue uma passagem: “A ‘ação’, no sentido
de direito processual, ou remédio jurídico processual, é meio instrumental que o direito formal põe a serviço
de pessoas que estejam em determinadas situações, para que, com o uso dêle, possam suscitar a decisão”.
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Remédio Jurídico Processual. In: SANTOS, J. M. Carvalho (org.).
Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, s.a., p. 155). Logo, a ideia do autor em
comento difere da defendida neste artigo. Todavia, em outra passagem, de outra obra, o citado jurista, a partir
de explicação paralela ao texto corrido (ligação de expressões com setas de orientação), embora continue a
dar à “ação” o sentido de remédio jurídico processual ao ligá-la ao exercício da pretensão à tutela jurídica, traz
uma noção que se aproxima da ora defendida, porquanto afirme que o exercício da ação material no processo
corresponde à relação jurídica deduzida (res in iudicium deducta). Nesse sentido, ver, PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2. ed. T. 25. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. p. 197.
75
Nesse sentido, ver SILVA, Ovídio Baptista da. Jurisdição, Direito Material e Processo. Rio de Janeiro, Forense,
2008. p. 63.
76
Rigorosamente, o termo ação processualizada é mais adequado para definir o instituto em análise do que ação
processual. A utilização, todavia, desta última expressão é importante do ponto de vista retórico-pragmático,
pois se trata de expressão largamente utilizada na doutrina e na praxe forense. Assim, utilizá-lo é importante
do ponto de vista de uma retórica estratégica. Sobre a retórica estratégica, ver ADEODATO, João Maurício. Uma
Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011. p. 20-21, dentre outras.
82 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
77
A expressão objeto do julgamento posta acima serve para designar aquilo que alguns autores chamam de obje-
to litigioso do processo (ver, por todos, SANCHES, Sydney. Objeto do Processo e Objeto Litigioso do Processo.
In: Revista de Processo. São Paulo: RT, 1979, n. 13, p. 44-45; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual
Civil. 13. ed. v. 1. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 313-314). Para tais autores, objeto litigioso do processo é
a parcela do objeto do processo sobre a qual deve recair o julgamento. Prefere-se o uso da expressão objeto
do julgamento em vez de objeto litigioso, pois tudo que é posto à análise judicial ganha litigiosidade, inclusive
matérias estranhas ao julgamento (igual à declaração judicial), como a propriedade na ação reivindicatória.
Assim, usa-se a expressão objeto do julgamento para designar aquilo que será objeto da declaração judicial, e
a expressão objeto da análise judicial para se referir a toda a qualquer questão que possa vir a ser objeto de
cognição judicial. A segunda expressão, como cediço, engloba a primeira, correspondendo ao sentido de objeto
do processo na classificação consagrada.
78
Sobre a autonomia do direito litigioso, ver OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Alienação da Coisa Litigiosa. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 59 e segs.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015 83
ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO, GABRIELA EXPÓSITO MIRANDA
79
A ação processual não é eficácia da relação processual. Não é nenhum direito ou pretensão que se tenha
contra o Estado-juiz em virtude do processo, como o direito à sentença de mérito. No entanto, uma das efi
cácias da relação processual é fazer processualizada a afirmação feita pelo autor na demanda, ou seja, dar
ensejo ao estado processual da ação. Não se tem ação processual contra o Estado-juiz, embora se tenha,
no mínimo, contra ele pretensão à análise dela. Ação processual se tem contra o réu, pelo simples fato de
afirmar-se ter algo contra ele. Rigorosamente, as expressões autor e réu servem para designar os sujeitos da
ação processual: alguém é autor da afirmação que, no processo, se faz contra outrem, ou seja, o réu.
80
Quando o réu alega no processo, por exemplo, exceções substanciais, ele passa a processualizar outra
situação jurídica ativa, de modo que a res in iudicium deducta é ampliada. Em verdade, o réu é autor de tal
afirmação, que é feita contra o autor da afirmação que lhe foi oposta. O réu, quando alega, por exemplo,
exceção de prescrição, diz que, embora tenha o autor pretensão contra ele, tem ele contra o autor o poder de
neutralizá-la, a dita exceção. Nesse caso, deve ser dado ao réu tratamento de autor, a ponto de sua afirmação
também dever ser julgada procedente ou improcedente.
81
Quando alguém vai a juízo, pede algo ao Estado-juiz. Para tanto, em face (ou perante) do Estado-juiz, afirma
ter contra outrem, o réu, algo no plano material. Ação é poder de impor algo a alguém, poder, portanto, que
se tem contra este alguém. É, pois, totalmente impróprio dizer que o autor tem ação em face do réu. Tem
(ou melhor, diz ter, já que se trata, em si, de simples afirmação) ação contra ele. A ação processual se faz
perante o Estado-juiz, mas sempre contra o réu. Sobre o tema, com muito proveito, SILVA, Ovídio Baptista da.
Execução em face do Executado: Da Sentença Liminar à Nulidade da Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
p. 139-158.
84 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 65-87, jan./mar. 2015
O FENÔMENO PROCESSUAL DE ACORDO COM OS PLANOS MATERIAL, PRÉ-PROCESSUAL E PROCESSUAL DO DIREITO: BREVES...
pois esta pode não existir ou, conforme o caso, embora existente, ser tida por
inexistente. É no plano da linguagem (dictum) onde reside a causa de pedir, seja a
remota, seja a próxima, esta última, para os fins deste trabalho, em especial.
6 Conclusão
O trabalho que ora se finda teve por objetivo lançar as bases para uma forma
pouco comum na análise do fenômeno processual: o estudo dele a partir dos planos
material, pré-processual e processual do direito positivo.
A base teórica para tanto foi a obra de Pontes de Miranda, tanto a parte jurídico-
processual como, e principalmente, a parte teórico-jurídica. Não se pretendeu, todavia,
explicá-la, mas, sim, dar-lhe uma interpretação própria. Daí a expressão “para além”
utilizada no título.
Várias noções foram estabelecidas ao longo do texto, como ação material,
pretensão à tutela jurídica, direito ao remédio jurídico processual, o próprio remédio
jurídico processual e ação processual. Para nenhuma delas, contudo, ousou-se a
tentar esgotar o estudo. Pretendeu-se lançar as bases para que tais institutos sejam
reanalisados, a partir de uma premissa teórica, acima exposta, que se entende como
a mais adequada.
É um trabalho, pois, com pretensão de provocar os operadores do processo
para a observação dos pontos por ele abordados, a fim de que, se possível, novos
estudos sobre os diversos temas referidos ao longo do texto venham a surgir. Essa
é a função do presente artigo.
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Jurisdição ambiental e teoria da decisão:
uma leitura a partir de Ovídio Baptista e
John Rawls
Resumo: Através de uma análise histórica e filosófica do pensamento jurídico moderno e pós-moderno,
serão abordadas questões que confrontam a degradação ambiental atual com o projeto político liberal.
Partindo-se da filosofia cartesiana e da lógica racionalista formal decorrente, procura-se demonstrar a
perniciosa influência nas concepções atuais da teoria do direito. Nessa esteira, arquiteta-se dura crítica
às teorias meramente normativas a fim de demonstrar que as questões socioambientais reclamam uma
postura questionadora da ciência jurídica, voltada para uma decidibilidade verdadeiramente democrática.
Palavras-chave: Pensamento jurídico. Degradação ambiental. Justiça administrativa ambiental. Decidi
bilidade. Teoria da decisão.
1 Considerações iniciais
Vinte anos depois da realização da primeira conferência sobre meio ambiente
realizada no Brasil, o país sediará a RIO+20 com o objetivo de renovar o compro
metimento dos países com o desenvolvimento sustentável, avaliar os progressos
feitos até o presente e as lacunas e defecções ambientais. O evento terá como foco
a economia verde como forma de erradicar a pobreza com sustentabilidade e avaliar
as instituições envolvidas no desenvolvimento sustentável.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 89-105, jan./mar. 2015 89
JEFERSON DYTZ MARIN, MATEUS LOPES DA SILVA
90 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 89-105, jan./mar. 2015
Jurisdição ambiental e teoria da decisão: uma leitura a partir de Ovídio Baptista e John Rawls
Para Ovídio Baptista, seguindo Aristóteles, as verdades não são absolutas, mas
sempre relativas, porque possíveis e incertas, a depender da apreciação do mundo
concreto e da interpretação, mais ou menos variável, de cada um. É que até mesmo
na seara das ciências experimentais, como a física e a matemática, se admite um
grau de subjetividade do sujeito observador, haja vista que a neutralidade absoluta é
um mito. Esta compreensão é importante porque relativiza as teorias racionalistas,
próprias das ciências exatas, que foram introduzidas no pensamento jurídico pelo
movimento positivista de inspiração liberal.
A pragmática revela que autoridade que opera com o direito, quando decide, não
encontra, nem faz a verdade, mas tenta resolver conflitos ou implementar direitos
razoavelmente presentes na lei, devendo ter em mente que sempre existirão outras
decisões e interpretações plausíveis. A verdade científica existe, por conseguinte,
apenas para o sujeito que nela crê – hermeticamente fechada em si – sendo impossível
ser demonstrada como uma verdade pura e integral.
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Esse pensamento jurídico trabalha a ideia de que o Estado possa emitir deci
sões objetivamente iguais para fatos iguais, numa seriação infinita. Com isso, o
Estado retira todo o conteúdo humano da decisão e despreza a complexidade do meio
onde o fato, igualmente complexo, ocorre. A administração pública, influenciada pelo
pensamento jurídico liberal, crê que toda decisão pode ser assinada por qualquer
outro servidor com mesma atribuição, haja vista que todos somente poderão escolher
a mesma resposta certa. Isso provoca um deslocamento de finalidade do direito,
deixando de ser a justiça para ser a segurança. Assim, o ato jurídico decisório válido
e aceitável não precisa ser justo, desde que obedeça ao procedimento que o torna
previsivelmente seguro, tornando o ato jurídico um mero exemplar de atos admi
nistrativos passados pretensamente idênticos.
Essas constatações decorrem de operadores do direito inseguros, que vivem à
espera de soluções jurídicas uníssonas, caracterizadas pela verdade e pelas certezas,
esquecendo que toda a decisão pública é apenas um julgamento humano que deve ser
plausível e razoável, mas que pode conter defecções próprias da natureza humana.
Conforme ensina Aulis Aarnio, a “verdade jurídica” é aquela afirmação racional do
produto da interpretação razoável da dogmática, feita pela maioria da comunidade
jurídica, ou seja, o que existe é uma aproximação da verdade aceita pela maioria.
Nesse mesmo sentido, é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello quando
examina os atos jurídicos praticados pela administração pública:
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A lição de Aarnio demonstra que, na seara jurídica, a verdade dever ser entendida
como validade, ou seja, tanto será “mais” verdadeiro quanto mais reconhecidamente
válido o argumento para uma dada comunidade de juristas, segundo um juízo de
razoabilidade, e não de certeza absoluta. Esse entendimento aproxima-se da racio
nalidade baseada na complexidade, porque insere a dúvida e desacredita nas inter
pretações universalmente certas para qualquer direito e, sobretudo, para o ambiental.
Na mesma esteira, Celso de Mello demonstra que a dúvida e as incertezas estão
presentes nos atos administrativos, reconhecendo, por conseguinte, a necessidade
de juízos de verossimilhança também no direito administrativo. A verdade científica
produzida pela ciência jurídica é não exata e variável no tempo, a depender do con
texto histórico.
Essa compreensão das verdades científicas é extremamente pertinente para
buscar as respostas nas questões ambientais, que reclamam, a todo o momento,
a conjugação do risco com a precaução. O meio ambiente é sabidamente um meio
incerto, porque sua harmonia decorre de infinitas reações, interligações e depen
dências jamais passíveis de serem conhecidas completamente pelo homem.
De posse desse entendimento, Edgar Morin, tratando da dupla e antagônica
necessidade do risco e da compreensão, assevera que esse antagonismo “nos
leva a pensar sobre a relação complexa entre o risco e precaução. Para toda ação
empreendida num meio incerto, há antagonismo entre o princípio do risco e o prin
cí
pio da precaução; ambos sendo necessários”, devemos avançar lentamente,
conscientes de que jamais teremos certeza absoluta de nada neste universo, por
conseguinte, possíveis, mas de resultados incertos, haja vista que ocorrem num meio
natural e social incerto, inseridos na ecologia da ação.
Conforme os professores Carlos Alberto Lunelli e Jeferson Marin, a dúvida
está presente no meio a exigir “um pensar complexo que consiste em dizer que a
incerteza não deve ser expulsa, mas integrada, que a dúvida não é desvalorizada,
mas tomada em consideração”.
A realidade, ou seja, o mundo dos fatos muda e mudará constantemente; por
conseguinte, o direito deve ser buscado a partir do fato, e não o inverso. Assim, toda
teorização da ciência jurídica deve ser pensada a partir dos fatos, porque são eles
que constroem a realidade e o mundo perceptível. Esta primeira constatação rejeita
a premissa da teoria de Ronald Dworkin, a qual afirma ser possível teorizar o direito
desconsiderando os fatos. Para ele, os fatos são irrelevantes para bem aplicar o
direito, que é uma entidade capaz de produzir a “resposta certa”. Dessa forma, as
pretensões resistidas pelas partes e as controvérsias decorrentes não seriam nada
mais do que exemplares de casos iguais que ocorrem na sociedade, merecendo a
solução aplicada aos casos “idênticos”, já uniformizados pela norma.
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Também não aceito a doutrina sustentada por Dworkin quando ele exige
que o julgador, ao decidir uma causa, seja capaz de estabelecer uma
solução “certa”; em outras palavras, ele não admite que o sistema jurí
dico conceda ao juiz a menor dose de poder discricionário. Sua conclusão
está intimamente ligada à premissa de que a sentença deva conter
apenas uma resposta “correta”, que seria a resposta “certa”.
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3 Incerteza e verossimilhança
O racionalismo jurídico radicalizado por Spinoza e Leibniz perseguia a segurança
e, para tanto, introduziu a lógica matemática no direito, banindo os juízos de veros
similhança, haja vista que somente a verdade era o objetivo das ciências, inclusive
da ciência jurídica, que precisava provar a validade dos conhecimentos por ela pro
duzidos dentro de uma lógica formal. Lógica que era depositária da crença de pro
duzir um conhecimento seguro porque, somente, racional. A verossimilhança da
vida prática fora negada na teoria cartesiana. Descartes separa absolutamente a
teoria da prática, por conseguinte, separa verdade e verossimilhança; entretanto,
reconhecendo o constante estado de dúvida, é forçado a reconhecer que a razão
humana se utiliza da verossimilhança para fazer escolhas necessárias à existência
real. As oportunidades reais da vida não esperam o tempo necessário para que a
mente humana faça cognições exaurientes e acabe com as incertezas.
Vencido pelas leis universais, Descartes reconhecia a existência e importância
da verossimilhança diante da necessidade de decidir e, por isso, reconhecia ser
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Jurisdição ambiental e teoria da decisão: uma leitura a partir de Ovídio Baptista e John Rawls
La ley escrita, por ejemplo, sobre La cual nuestra ciência jurídica posi
tiva pretende hoy edificar todo El sistema, no puede ser tenida por outra
cosa que uma información muy limitada Del Derecho, resultante de um
conjunto de disposiciones consagradas por um órgano superior, al efecto
de establecer, sin oposicion, algunas regras que han parecido suscepti
bles de uma fórmula clara o prácticamente indispensables.
A partir dessas exposições, é possível concluir que o direito é mais do que uma
série de artigos de lei elaborados previamente por um legislador, como pretendia a
teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico. Ela possui métodos
interpretativos que vão além da interpretação mecanicista, onde prevalece o decla
rativo sobre o produtivo e constitutivo do direito, bem como que deve existir para
alcançar a justiça, haja vista que o jurista não é uma máquina de repetição a partir da
subsunção. Nessa esteira, todo o direito deve ter, por fim, a concretização material
da justiça ideal, que jamais estará encerrada dentro de um objeto (direito normativo),
mas nas relações existentes entre homens plurais que vivem fatos históricos reais.
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Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes.
Essa garantia processual constitucional deve ser aplicada, inclusive, aos pro
cessos administrativos ambientais, em todos os procedimentos, com toda força e
extensão de seu núcleo normativo, porque os envolvidos e interessados comportam-
se como verdadeiros litigantes, resistindo às pretensões mutuamente, envolvendo a
participação de associações ambientais, Ministério Público e outros interessados,
diretos e indiretos.
Diante da tensão existente entre direitos fundamentais ambientais e direitos
fundamentais de livre iniciativa, os processos administrativos de outorga ambiental
são verdadeiras lides, que, na maioria das vezes, envolvem maior complexidade do
que as lides jurisdicionais.
A tutela administrativa ambiental no Brasil ainda se dá sob a estreita via do
princípio da legalidade, que é definido pela doutrina jurídico-administrativa brasileira
majoritária como sendo a base da configuração da burocracia. Para essa corrente, o
princípio da legalidade é consequência do Estado de direito, que visa estabilizar as
relações sociais e dar previsibilidade à ação estatal. Tal entendimento consagra a
ideia de que a administração pública só pode ser exercida em conformidade com a
lei, ou seja, toda a sua atividade é sublegal ou infralegal. Este entendimento merece
crítica, porque é a justiça que estabiliza as relações sociais, e não a mera confor
midade às leis, muitas vezes maiores produtoras de injustiça.
Em verdade, a crença de que o princípio da legalidade é a tradução de um pro
pósito político liberal, que, em dois tempos: visa manter a separação dos poderes
através da submissão dos agentes públicos do Poder Executivo a um quadro legal
elaborado pelo Poder Legislativo, que evite favoritismos, desmandos, perseguições,
abusos de poder e o absolutismo do executivo; mas também negativamente mantém
um quadro político que impede a administração pública seja uma agente modificadora
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socioambiental ativa para a concretização da constituição federal, haja vista que fica
com as mãos amarradas pela lei.
A tradição doutrinária legalista brasileira crê e declara, com toda a intensidade
possível, que a função executivo-administrativa deve cumprir e dar concreção à lei,
sendo-lhe terminantemente vedada atuar praetar legem, sendo permitido apenas agir
secundum legem, porque a administração só pode fazer aquilo que a lei antecipa
damente autoriza porque a administração é a longa manus do legislador e, por isso,
a atividade administrativa deve ser de subsunção dos fatos da vida real às categorias
legais, obediente a uma lógica determinista de repetição em série daquilo que foi
previamente programado na lei.
Veja-se o posicionamento de Hely Lopes Meirelles:
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o agir destas instituições é que concretizará a justiça para todos. É que o agir das
instituições beneficia ou prejudica toda a comunidade de forma geral.
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Logo, a justiça institucional depende da ação segundo o pacto que foi elaborado
numa posição inicial hipotética sob o véu da ignorância, onde os legisladores cons
cientes, livres e voluntários que estavam em condição de equidade no momento da
escolha de direitos e deveres elaboraram princípios para as instituições do Estado e
sociedade brasileira. Contudo, o pacto não se faz de uma vez só, é ele um processo
reiterado que deve ser concretizado todos os dias em todas as ações administrativas
de todas as instituições ambientais. A estabilidade da constituição e dos seus órgãos
públicos depende da renovação constante da adesão inicial, que, por certo, se mostra
pela atuação das instituições.
No tocante à renovação da aderência inicial, pode-se entender que é necessária
a reafirmação dos princípios pactuados no passado, assim como a constante recur
são sobre eles, a fim de manter a eficácia e aplicabilidade deles na busca da justiça.
Sobre a ideia de recursão, veja-se a lição de Edgar Morin: “A autoanálise, a autocrítica
e a ginástica psíquica coincidem na prática recursiva que consiste em avaliar as
nossas avaliações, julgar os nossos julgamentos, criticar as nossas críticas”.
5 Conclusão
A “justiça da lei” é incapaz de resolver a crise ambiental contemporânea,
sobretudo porque este modelo foi um dos causadores da degradação ambiental,
visto que se baseia no mito da completude do direito, além de validar atos mera
mente formais descurados dos contextos de onde a decisão pública decorreu e irá
se concretizar. Nesse sentido, evidencia-se o erro do pensamento positivista orto
doxo que busca na lei a solução regrada, negando a possibilidade de interpretação
ao aplicador.
Diante da realidade sempre contingente e facilmente perceptível a partir da prag
mática, Ovídio Baptista evidencia que todo o pensamento jurídico deve internalizar
a existência de escolhas, reconhecendo que a lógica formal não se presta para a
ciência jurídica, porque valida seus conhecimentos pela compreensão. Diante disso,
afirma que a discricionariedade está presente em toda a decisão; por conseguinte,
conclui que não existe verdade, nem respostas certas, mas plausíveis e verossímeis.
A assunção da incerteza no pensamento jurídico reclamará uma lógica orientada
pela complexidade, capaz de conjugar todas as lógicas simultaneamente, com fôlego
para realizar uma justiça material ambiental pautada pela precaução e prevenção
do contingente.
O pensamento jurídico próprio das ciências culturais, sensível à complexidade
do universo, possibilita ao hermeneuta reconhecer um círculo virtuoso entre a Cons
tituição Federal e conhecimentos pertinentes não legais, possibilitando-lhe soluções
legítimas e dinâmicas capazes de responder aos novos desafios revelados pela
sociedade contemporânea.
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JEFERSON DYTZ MARIN, MATEUS LOPES DA SILVA
Environmental Jurisdiction and the Theory of Decision: a Reading from Ovid Baptist and John Rawls
Abstract: Through a historical and philosophical analisys of the modern legal thought and postmodern, are
addressed issues that confronting the current environmental degradation with the liberal political project.
Based on the Cartesian philosophy and in the rationalist formal logic that results from it, attempting to
demonstrate the pernicious influence on current conceptions of legal theory. On this way, are done some
harsh criticism at the merely normative theories, in order to demonstrate that the environmental issues
demands a questioning stance by the Juridical Science,searching for a truly democratic decidability.
Referências
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jan./mar. 2015.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 89-105, jan./mar. 2015 105
O direito à distinção no sistema
processual civil brasileiro: perspectivas
à luz do projeto de novo Código de
Processo Civil
Resumo: O objetivo central do presente artigo reside na análise e definição dos contornos do direito à
distinção no sistema processual brasileiro. Examina-se, assim, a influência de determinados aspectos
culturais na construção de uma teoria nacional dos precedentes para, depois, perquirir sobre a conformação
atual desse direito, com indicação de seus fundamentos constitucionais, sujeitos, objeto e conteúdo
mínimo. O trabalho propõe, ainda, soluções práticas para viabilizar a realização do direito à distinção,
independentemente de previsão legal expressa. Por fim, ao realizar o cotejo de dispositivos do Projeto
de Novo Código de Processo Civil, descortina as perspectivas de lege ferenda para o direito em estudo,
evidenciando a sua importância no contexto da estruturação de um sistema brasileiro de precedentes
judiciais.
Palavras-chave: Precedentes. Deveres judiciais. Direito à distinção.
Sumário: 1 Introdução – 2 Precedentes judiciais no Brasil: aspectos culturais que interferem na construção
de uma teoria dos precedentes para o direito brasileiro – 3 O direito à distinção – 4 De lege ferenda: o
direito à distinção no Projeto de Novo Código de Processo Civil (PNCPC) – 5 Conclusão – Referências.
1 Introdução
O presente artigo objetiva fazer um delineamento do conteúdo mínimo essen
cial do direito à distinção no sistema jurídico processual brasileiro. Para tanto, será,
inicialmente, realizada a análise de alguns aspectos culturais que têm dificultado
uma adequada construção da teoria dos precedentes no país.
Nesse sentido, serão abordados os reflexos do modo de formação do raciocínio
jurídico do jurista brasileiro no trato com os precedentes judiciais, provocando des
virtuamentos, tais como a invocação de rationes decidendi apenas com a citação
de ementas de julgados, e a excessiva abstrativização de enunciados da súmula
vinculante, equiparando-os, acriteriosamente, a textos de lei.
Também serão enfrentadas as questões relativas ao fenômeno da massificação
de demandas e seus desdobramentos, dos quais sobrelevam o culto desmedido à
igualdade e à celeridade processual (decisão justa como decisão rápida).
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O DIREITO À DISTINÇÃO NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO: PERSPECTIVAS À LUZ DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO...
1
Lênio Streck enfatiza o equívoco de compreensão e aplicação do enunciado de súmula vinculante consistente
em sua autonomização em relação à faticidade da qual se originou. Aponta ser descabida a análise da
proposição jurídica contida na súmula com abstração da questão de fato que lhe deu origem. (STRECK, Lênio
Luiz. Súmulas, vaguezas e ambigüidades: necessitamos de uma “teoria geral dos precedentes”?. In: Direito
Fundamentais & Justiça, n. 5, out./dez. 2008, p. 173).
2
Na civil law, prevalecem o racionalismo, o dogmatismo, o pensamento teórico, o raciocínio dedutivo e o aprio
rismo. Na common law, predominam o empirismo, o anti-dogmatismo, o pensamento pragmático, o raciocínio
indutivo e a valorização da experiência histórica. (D´AMICO, Pietro. Common law. Torino/Italia: G. Giappichelli
Editore, 2005. p. 222).
3
Há quem defenda que o sistema jurídico brasileiro integraria uma tradição peculiar, híbrida, irredutível à
romano-germânica ou à common law. Nesse sentido: DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil.
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14. ed. v. 1. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 41-43; ZANETI JUNIOR, Hermes. Processo constitucional: o mode
lo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 17.
4
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 195-196.
110 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015
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3 O direito à distinção
O distinguish (ou distinguishing) é tradicionalmente concebido como uma téc
nica processual por intermédio da qual os suportes fáticos relevantes hauridos do
caso concreto e do julgado tomado como precedente são confrontados para fins de
aferição da similitude entre eles. Referida semelhança é premissa indispensável para
a aplicação da ratio decidendi do precedente ao feito em julgamento.
A partir da comparação realizada, o magistrado poderá concluir pela efetiva
semelhança entre os casos cotejados, justificadora da aplicação do precedente ao
caso concreto. Poderá, ainda, descartar tal aplicação por haver identificado, no caso
sub judice, alguma especificidade fática reputada relevante e capaz de afastar a
incidência da norma jurídica geral do caso concreto extraída do aresto precedente.
Estar-se-á, nesta segunda situação, diante do que se convencionou chamar de
restrictive distinguishing.
Por fim, há a possibilidade de o juiz, a despeito de identificada a diversidade de
base fática entre o caso sob julgamento e o que conduziu à formação do precedente,
conferir uma interpretação extensiva à ratio do segundo, aplicando-a ao caso em
apreciação. Nesta hipótese, fala-se em ampliative distinguishing.
Ou seja, por distinguishing (distinção) se entende, tradicionalmente, não apenas
o método de confronto entre o precedente e o caso concreto, como, também, o resul
tado desse confronto (distinguishing-resultado)5 quando constatada diferença entre
os elementos comparados (ampliative distinguishinge restrictive distinguishing).6
Bustamante assevera que, na técnica da distinção (distinguishing), ao contrário
do que ocorre na superação (overruling), não há o abandono ao precedente, mas,
tão somente, sua não aplicação a um determinado caso concreto, sem prejuízo à
validade da norma constante do precedente. O afastamento pode decorrer: a) do
estabelecimento de exceção antes não aventada, a despeito da subsunção potencial
do fato debatido em juízo (na demanda a ser julgada) na moldura fática do prece
dente (redução teleológica); ou, b) da interpretação restritiva conferida ao precedente,
excluindo o suporte fático da causa da moldura posta no precedente (argumento a
contrario).7
5
DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 7. ed. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 403.
6
Distinguishing between cases is first and foremost a matter of demonstrating factual differences between
the earlier and the instant case – of showing that the ratio of a precedent does not satisfactorily apply to the
case at hand. (DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press,
2008. p. 113).
7
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras juris
prudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 470-473.
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Lorena Miranda Santos Barreiros
3.1.2 Igualdade
Outro fundamento constitucional do direito à distinção reside no princípio da
isonomia (art. 5º, caput e inciso I, da CF/88). A igualdade é o valor central tutelado
8
Ao tratar do princípio do devido processo legal, Calmon de Passos prefere a ele fazer referência intitulando-o de
devido processo constitucional de produção do direito. Com tal expressão, Calmon faz referência não apenas
ao processo legislativo de que resultam os textos normativos, base para a extração de normas jurídicas, mas,
também, à própria produção judicial da norma jurídica, sem excluir, obviamente, os processos de produção
privada do direito (ex.: contratos) e a atuação administrativa (ex.: atos e decisões administrativas), uma vez
que o direito é, e somente o é, enquanto produzido e aplicado socialmente (PASSOS, J. J. Calmon de. Direito,
poder, justiça e processo: julgando o que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 68-69).
9
Dentre tais manifestações de fortalecimento dos precedentes judiciais, podem ser referidos, exemplificativa-
mente: a) a súmula vinculante (art. 103-A da CF/88); b) os precedentes com poder obstativo da apreciação de
recursos ou de remessa necessária (arts. 475, §3º; 518, §1º; 544, §4º; e 557 do CPC/73) e; c) precedentes
com carga persuasiva, tais como aqueles que justificam a improcedência prima facie. (art. 285-A do CPC/73).
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3.1.3 Contraditório
A perspectiva de que o distinguishing corporifica, em um sistema de preceden
tes, atividade precípua para a construção da norma jurídica geral do caso concreto
10
O valor constitucional tutelado pelo sistema de precedentes não é a unidade do direito, antigo mito atrás
do qual se esconderam instâncias autoritárias dos mais variados gêneros, porém a igualdade, realizada
empiricamente mediante a vinculação dos tribunais e juízes ao “direito” delineado pela Corte Suprema, depen
dente da evolução da vida social, aberto ao dinamismo de um sistema voltado à atuação de princípios funda
mentais munidos de inesgotável carga axiológica e atento à devida percepção das diferenças. (MARINONI, Luiz
Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema.
São Paulo: RT, 2013. p. 165).
11
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 140-166.
12
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 141-144.
13
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 148-149.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015 113
Lorena Miranda Santos Barreiros
14
Visão moderna e adequada de contraditório, portanto, considera essencial para sua efetividade a participação
ativa também do órgão jurisdicional. Tanto quanto as partes, tem o juiz interesse em que sua função atinja
determinados objetivos, consistentes nos escopos da jurisdição. Os valores determinantes do modo de ser
do juiz na condução da relação processual não são os mesmos vigentes no início do século. A crescente com
plexidade das situações regidas pelo direito substancial, a enorme disparidade econômica entre os sujeitos
do direito, a integração cada vez maior de culturas jurídicas diferentes, determinada pelo que se convencionou
chamar de globalização, tudo isso exige maior preocupação do representante estatal com o resultado do
processo. Vem daí a ideia do juiz participativo. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos
da demanda examinados à luz do contraditório. In: BEDAQUE, José Roberto dos Santos; TUCCI, José Rogério
Cruz e (coord.). Causa de pedir e pedido no processo civil. São Paulo: RT, 2002. p. 21).
15
Trata-se [o contraditório] de postulado destinado a proporcionar ampla participação dos sujeitos da relação
processual nos atos preparatórios do provimento final. Sua observância constitui fator de legitimidade do ato
estatal, pois representa a possibilidade que as pessoas diretamente envolvidas com o processo têm de influir
em seu resultado. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz
do contraditório. In: BEDAQUE, José Roberto dos Santos; TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Causa de pedir
e pedido no processo civil. São Paulo: RT, 2002. p. 20).
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16
DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de direito processual civil. 5. ed. v. 5. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 25-26.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015 115
Lorena Miranda Santos Barreiros
17
Tal redimensionamento perpassa, por exemplo, pela reformulação do que se deva entender por interesse
recursal no que tange à formação do precedente, desvinculando-o na noção de sucumbência para reconhecer
que ele também abrange a possibilidade de discussão da fundamentação do julgado, mesmo por quem tenha
se sagrado vitorioso na demanda.
18
Fredie Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira defendem a possibilidade e utilidade de se pensar
a intervenção de terceiro como forma de contribuir para a formação de um precedente, reconhecendo-se ao
terceiro um interesse jurídico reflexo nessa criação. (DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de direito processual
civil. 7. ed. v. 2. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 399).
19
O acórdão do RE 561836-RN, publicado em fevereiro/2014, que versou sobre a demanda destacada como
paradigma sobre o tema da URV não contempla essa hipotética situação aventada no trabalho.
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20
Sobre o princípio da cooperação e seus deveres, por todos, ver: DIDIER JUNIOR, Fredie. Fundamentos do
princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra: Coimbra, 2010; MITIDIERO, Daniel.
Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: RT, 2009; SOUSA, Miguel
Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997; BARREIROS, Lorena Miranda
Santos. Fundamentos constitucionais do princípio da cooperação processual. Salvador: JusPodivm, 2013.
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Lorena Miranda Santos Barreiros
fixação desta e, ainda, dos fatos aos quais se deve conferir importância no feito em
julgamento devem ser realizadas de forma compartilhada e debatida com as partes,
com a incidência do dever de consulta, inerente ao princípio da cooperação.
Do mesmo modo que o órgão julgador deve instar as partes a definir os pontos
controvertidos da demanda que serão objeto da atividade probatória, também deverá
ele conferir aos contendores a oportunidade de indicarem precedentes potencial
mente aplicáveis ao caso ou de se manifestarem sobre o precedente que o juiz entenda
adequado para solucionar o feito. Tal atividade, por suas peculiaridades (necessidade
de realização de pesquisa prévia, estudo do caso paradigma e confronto com o caso
a ser julgado), pressupõe a concessão de prazo razoável para manifestação das
partes nos autos, de regra aplicando-se o quinquídio previsto no art. 185 do CPC/73
(art. 218, §3º, do PNCPC).
O momento adequado para a concessão desse prazo será, como regra, aquele
posterior ao encerramento da fase instrutória, quando houver produção de prova
pericial ou oral nos autos ou, ainda, por ocasião do anúncio do julgamento antecipado
do mérito, nas hipóteses em que não existir necessidade de dilação probatória.
Assim, por exemplo, no despacho que anunciar o julgamento antecipado do
mérito, o magistrado indicará o precedente que pretende confrontar com o caso con
creto ou instará as partes a fazê-lo. Essa solução pode ser adotada, como ante
riormente afirmado, com lastro no princípio da adequação procedimental sob a
vertente do princípio da adaptabilidade,21 sendo desnecessária a existência de previ
são legal expressa que contemple tal procedimento.
O respeito à técnica do distinguishing é obrigação judicial cuja demonstração
está associada umbilicalmente ao dever de fundamentação das decisões judiciais.
O juiz haverá de motivar a escolha do precedente e a sua aplicação (ou não) ao caso
concreto, indicando, expressamente, na fundamentação de seu julgado, quais fatos
foram considerados relevantes no julgado paradigma e no caso concreto, fazendo-se
a devida confrontação entre eles e indicando-se a aplicabilidade ou não do precedente
ao caso sub judice. O distinguishing há sempre de ser motivado tanto na hipótese
em que se conclua pelo afastamento do precedente quanto na situação em que se
resolva aplicar a ratio decidendi ao feito analisado, procedendo-se à interpretação
extensiva daquela.
Quando instadas as partes a se manifestarem acerca da aplicabilidade ou não
de um precedente ao caso concreto, poderão elas, no intuito de melhor munir o juiz
de elementos à sua decisão (potencializando a influência a ser exercida no instante
21
Sobre o tema da possibilidade de adaptação procedimental pelo juiz à luz do caso concreto, como desdobra
mento lógico do princípio da adequação no plano judicial, ver DIDIER JUNIOR, Fredie. Sobre dois importantes
(e esquecidos) princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. In: Gênesis: revista de
direito processual civil, Curitiba, n. 21, p. 530-541, jul./set. 2001.
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23
DIDIER JUNIOR, Fredie. Principais mudanças do projeto de novo CPC: um novo Código e não um Código refor
mado. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-156/>. Acesso em: 29 jan. 2013.
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Lorena Miranda Santos Barreiros
Em seguida, o PNCPC, em seu art. 499, caput e §1º, V e VI, após indicar os
elementos essenciais da sentença (lato sensu), quais sejam, o relatório, os funda
mentos e o dispositivo, reputa não fundamentada a decisão judicial que se limite
a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes ou sem fazer a confrontação com o caso sob julgamento, olvidando-se,
pois, da técnica do distinguishing. Da mesma forma, carece de motivação o decisum
que deixe de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado
pela parte, sem demonstrar a sua inaplicabilidade ao caso concreto (restrictive
distinguishing) ou a superação do entendimento (overruling).
O art. 521, caput e §5º, do PNCPC, com o escopo de dar efetividade ao artigo
antecedente (art. 520), que estabelece o dever de os tribunais uniformizarem a sua
jurisprudência e mantê-la estável (premissa irrenunciável no contexto de um sistema
que pretende conferir grande carga eficacial aos seus precedentes), bem como com o
objetivo de resguardar os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração
razoável do processo, da confiança e da isonomia, confere eficácia obrigatória a alguns
precedentes nele relacionados, somente permitindo o afastamento da incidência de
suas rationes decidendi no caso concreto se o órgão judicial distinguir o caso sob
julgamento, demonstrando, fundamentadamente, que se trata de situação específica
(peculiaridade fática ou questão jurídica não examinada no precedente).
A distinção também é tratada no artigo 990 do PNCPC, que regulamenta o
incidente de resolução de demandas repetitivas. A admissão do incidente em refe
rência implica a suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que
tramitem no estado ou na região, conforme o caso (art. 990, §1º, I, do PNCPC). Vindo
a ser indevidamente suspenso processo não enquadrável nos limites do incidente
instaurado ou, de outro modo, deixando de ser suspenso o curso processual de um
feito que se amolda à questão tratada no incidente, o interessado poderá, com base
no direito à distinção, conforme o caso, requerer o prosseguimento ou a suspensão
do curso processual, e a decisão que indeferir a sua pretensão será impugnável por
agravo de instrumento (art. 990, §4º, do PNCPC).
Embora sem previsão no dispositivo, não há, ao que parece, motivo razoável
para se excluir o cabimento do agravo de instrumento também nas situações em que
deferida a pretensão, uma vez que dita decisão pode conter, por exemplo um error in
iudicando no acatamento da tese do requerente.
O direito à distinção também encontra tratamento no âmbito dos dispositivos
legais atinentes à disciplina dos recursos. Assim, o art. 1.028, XVI, do PNCPC prevê
o cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que decidir o
requerimento de distinção na hipótese de indevido sobrestamento, em primeiro grau
de jurisdição, de processo cuja questão não se amolde à do recurso especial ou
extraordinário repetitivo afetado.
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O DIREITO À DISTINÇÃO NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO: PERSPECTIVAS À LUZ DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO...
Por seu turno, o art. 1.042, §2º, do PNCPC veda ao órgão julgador que inad
mita recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial com base no genérico
fundamento de que as circunstâncias fáticas relevantes nos arestos paradigma e
recorrido são diferentes, sem demonstrar, efetivamente, a existência da distinção. A
mesma vedação está prevista para o recurso de embargos de divergência (art. 1.056,
§5º, do PNCPC).
O art. 1.050, I, do PNCPC, ao regrar os recursos especial e extraordinário repe
titivos, prevê a necessidade de o julgador, ao proferir a decisão de afetação dos
recursos selecionados, identificar com precisão a questão a ser submetida a julga
mento, o que, obviamente, implica a indicação também precisa do substrato fático
relevante do seu deslinde. Esse parâmetro será utilizado para suspender o proces
samento de todos os feitos em tramitação que versem sobre ela e tramitem no
território nacional (art. 1.050, II, do PNCPC). Valendo-se, no entanto, do direito à
distinção, a parte poderá exigir o prosseguimento de sua demanda (art. 1.050, §9º
a 13, do PNCPC).
Observe-se que, uma vez publicado o acórdão paradigma, o órgão que proferiu o
julgado recorrido somente pode manter o seu posicionamento caso demonstre a exis
tência de superação do entendimento esposado no acórdão paradigma (overruling)
ou de distinção entre o caso concreto e o precedente (art. 1.053, §1º, do PNCPC).
O art. 1.055 do PNCPC disciplina o recurso intitulado agravo extraordinário,
cabível, substancialmente, contra decisões de presidente ou de vice-presidente de
tribunal que deixem de observar o direito à distinção da parte, incorrendo em error in
iudicando ao: a) indeferir pedido de inadmissão de recurso especial ou extraordinário
intempestivo (distinção do caso concreto pela intempestividade do recurso mane
jado, descabendo, assim, o seu sobrestamento para aguardar a decisão de recurso
repetitivo afetado como paradigma); b) inadmitir recurso especial ou extraordinário
sob o fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do tribu
nal superior, quando tal não for ocaso, e; c) inadmitir recurso extraordinário sob o
fundamento de que o STF teria reconhecido a inexistência de repercussão geral da
questão constitucional debatida.
Os fundamentos primordiais do recurso extraordinário consistirão na distinção
do caso concreto em relação ao paradigma ou na superação do entendimento firmado
no precedente.
Embora o regramento inserido no PNCPC não tenha criado o direito à distinção,
o qual já pode ser extraído, de lege lata, do ordenamento jurídico-constitucional
brasileiro, conforme demonstrado, revela-se inegável o mérito do texto legislativo
projetado, qual seja, o de conferir maiores dignidade, visibilidade, importância e orga
nização ao direito à distinção hoje existente.
O Projeto de Novo Código de Processo Civil, a despeito de não apresentar
uma disciplina exauriente do direito à distinção – até porque não é essa a função
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015 121
Lorena Miranda Santos Barreiros
atribuída aos códigos na atualidade, estando superado o mito dos “códigos totais”,24
supostamente capazes de regular toda a complexa realidade social –, confere expres
siva contribuição ao delineamento desse direito, além de evidenciar a sua importância
no contexto da estruturação de um sistema de precedentes no Brasil.
5 Conclusão
O estudo empreendido permite que se chegue às seguintes conclusões:
1. O padrão de certeza e de previsibilidade do ordenamento jurídico brasileiro
não está mais centrado estritamente na lei, tendo assumido posição de relevo as
decisões judiciais, sobretudo à vista da constatação de que estas também produzem
direito. Por conseguinte, há de se estruturar uma teoria dos precedentes no âmbito
do sistema jurídico brasileiro;
2. Essa construção da teoria dos precedentes sofre inúmeros condicionamentos
culturais, alguns dos quais obstativos do seu próprio desenvolvimento, tratando-se
de aspectos da cultura judiciária que necessitam ser minorados ou, tanto quanto
possível, neutralizados, uma vez que conduzem a uma aplicação acriteriosa e, pois,
inadequada de precedentes judiciais no Brasil;
3. A formação acadêmica dos profissionais do direito no país ainda se revela
muito condicionada pelo modo racionalista e teórico-dedutivo de desenvolvimento
do raciocínio jurídico próprio da tradição de civil law, o que produz inconvenientes
no modo de interpretação e aplicação dos precedentes judiciais, a exemplo de sua
invocação apenas pela transcrição de sua ementa (sem prévio confronto entre caso
a ser julgado e substrato fático do precedente) ou de excessiva abstrativização da
súmula vinculante;
4. Outro problema verificado, efeito direto da expansão da sociedade de con
sumo, consiste no crescimento numérico expressivo das demandas repetitivas
(demandas de massa). Como consequência, dissemina-se o culto desmesurado à
igualdade e à celeridade processual como sinônimo de justiça, com prejuízo ao direito
à diferença e ao respeito às eventuais peculiaridades do caso concreto. A tentativa
de minorar esses efeitos deletérios perpassa pelo reconhecimento e pela concreta
definição do que se deva entender por direito à distinção no sistema jurídico pátrio;
5. O distinguishing (distinção) é classicamente entendido como um método de
confronto e aplicação de precedentes, que pressupõe a definição da ratio decidendi
da decisão tomada como precedente e a confrontação do seu substrato fático com
o do caso a ser julgado. Denomina-se distinguishing, ainda, o resultado dessa
24
A alcunha é apresentada por MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”:
as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Revista de informação legislativa. Brasília: Senado, n.
139, jul./set. 1998. p. 6.
122 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015
O DIREITO À DISTINÇÃO NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO: PERSPECTIVAS À LUZ DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO...
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015 123
Lorena Miranda Santos Barreiros
11. O Projeto de Novo Código de Processo Civil alberga uma série de dispositivos
que fazem expressa referência à distinção (arts. 10; 499, §1º, V e VI; 521, caput e
§5º; 990, §4º), inclusive no âmbito recursal (arts. 1.028, XVI; 1.042, §2º; 1.050, I e
§§9º a 13; 1.055 e 1.056, §5º), reforçando a interpretação de que se configura ele
verdadeiro direito processual, estritamente relacionado ao dever de fundamentação
das decisões judiciais.
12. Em suma, o Projeto de Novo Código de Processo Civil confere posição de
relevo ao direito à distinção, corroborando a sua importância no contexto da cons
trução de um sistema de precedentes no direito brasileiro.
Abstract: The main objective of this study lies in the analysis and definition of the contours of right to
distinction in Brazilian procedural system. Thus, it examines the influence of certain cultural aspects in
building a national theory of precedents. Then, it asserts about the current conformation of this right, with
indication of its constitutional basis, its subject, object and minimum content. The paper also proposes
practical solutions to enable the realization of the right to distinction, even without express legal provision.
Finally, when performing the analysis about the Project of New Civil Procedure Code, the paper opens up
prospects for a de lege ferenda study of the right to distinction, highlighting its importance in the context of
structuring a Brazilian judicial system of precedents.
Keywords: Precedents. Judicial duties. Right to distinction.
Referências
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______. Principais mudanças do projeto de novo CPC: um novo Código e não um Código reformado.
Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-156/>. Acesso em: 29 jan. 2013.
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124 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 107-125, jan./mar. 2015 125
Assunção de competência (artigo 555,
§1º, do Código de Processo Civil, e
artigo 959 do NCPCP)
Resumo: O trabalho em questão trata do instituto da assunção de competência. O referido instituto está
previsto no artigo 555, §1º, do Código de Processo Civil; e, de lege ferenda, no artigo 959 do Código de
Processo Civil Projetado. A assunção de competência visa à organização judiciária e tem por finalidade
assegurar uniformidade nas decisões proferidas pelos Tribunais e, por consequência, proporcionar maior
celeridade processual. Sobre o instituto em tela, seguem considerações, pesquisas e tendências trazidas
pelo Código de Processo Civil Projetado, com o propósito de trazer luzes sobre tema, sem a intenção,
impossível, de esgotá-lo.
Palavras-chave: Assunção de competência. Uniformidade de jurisprudência. Celeridade processual.
1 Introdução
Não há dúvidas e é de senso comum, mesmo aos leigos, que casos rigorosa
mente iguais devem ser decididos de forma idêntica. Diversas reformas processuais
buscam, além da celeridade processual, mecanismos para proporcionar maior orga
nização judiciária e julgamentos com uniformidade, evitando-se que casos idênticos
tenham decisões completamente diferentes.
1
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 344.
Nos dizeres de Barbosa Moreira, a Lei 10.352, consagrada no §1º que introduziu
no Código de Processo Civil, contempla incidente destinado a prevenir ou compor
divergência entre câmaras ou turmas do Tribunal sobre relevante questão de direito,
que seja preciso resolver no julgamento em curso.2
Pertinente elucidar que o incidente de assunção de competência já é utilizado
no Supremo Tribunal Federal (artigo 6º, II, b, combinado com os artigos 11 e 343 do
RISTF) e no Superior Tribunal de Justiça (artigos 12 e 14 do RISTJ) para fins de buscar
a eliminação das divergências existentes entre os julgados destas cortes.
2
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2010. p. 675.
3
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extra
vagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 998.
4
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 321.
128 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015
Assunção de competência (artigo 555, §1º, do Código de Processo Civil, e artigo 959 do NCPCP)
3 Do cabimento
A assunção de competência tem cabimento no julgamento de apelação e agravo
nos casos de relevante questão de direito, existindo divergência entre câmaras ou
turmas do Tribunal.
Parte da doutrina tem entendimento de que o instituto deveria ter uma aplicação
mais elástica, e não nos exatos dizeres do artigo 555, §1º, do Código de Processo
Civil.
Em que pese o tratamento legislativo restritivo do manuseio do incidente, apenas
para os recursos de apelação e agravo se entende que a divergência pode ter origem
em outros julgamentos, como, por exemplo, em sede de embargos infringentes ou,
ainda, em ações originárias, devendo o instituto aqui tratado também ser manuseado
nestas ocasiões.
Logo, entende-se que “a localização do art. 555, §1º, sugere que a medida se
limita à apelação e ao agravo. No entanto, divergência da estatura preconizada na
regra pode se verificar, e frequentemente ocorre, em outros recursos, a exemplo dos
embargos infringentes e de causas de competência originária do Tribunal”.6
Diante da relevância social e da estabilidade do sistema, firmo-me que, havendo
divergência interna no tribunal, esta deve ser sanada, independentemente de sua
origem – oriunda da ação originária ou julgamento de recursos visando à criação
de precedentes e uniformalização dos julgados para maior estabilidade de todo o
sistema jurídico.
5
Idem; 343.
6
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2005; p. 658.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015 129
Luciana da Silva Paggiatto Camacho
7
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao CPC (de 1973). T. VIII. p. 220.
8
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2010. p. 675.
9
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 345.
10
CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2002. p. 12.
130 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015
Assunção de competência (artigo 555, §1º, do Código de Processo Civil, e artigo 959 do NCPCP)
11
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Direito Jurisprudencial: Noções introdutórias: Tensão entre estabilidade e
evolução: O que cabe a lei? O que cabe a jurisprudência?: Ambientes decisionais. São Paulo: RT, 2012. p. 13.
12
ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: AZ, 2012. p. 967.
13
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense,
2003. p. 653
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015 131
Luciana da Silva Paggiatto Camacho
(...) poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado
que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção
de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.
14
MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. A jurisprudência uniformizada como estratégia de aceleração do proce
dimento. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012. p. 343.
132 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015
Assunção de competência (artigo 555, §1º, do Código de Processo Civil, e artigo 959 do NCPCP)
15
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2010. p. 675.
16
BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. 171, p. 9, mai. 2009.
17
BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. Revista de Processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. 171, p. 9, mai. 2009.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015 133
Luciana da Silva Paggiatto Camacho
134 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015
Assunção de competência (artigo 555, §1º, do Código de Processo Civil, e artigo 959 do NCPCP)
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015 135
Luciana da Silva Paggiatto Camacho
Não nos parece que o dispositivo em questão deva ser aplicado nas
hipóteses em que o entendimento do juízo revela-se contrário, à posição
do tribunal local e, como muito mais razão, quando essa incompatibilidade
se der, com a orientação dos tribunais superiores.18
18
ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: AZ, 2012. p. 450.
136 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015
Assunção de competência (artigo 555, §1º, do Código de Processo Civil, e artigo 959 do NCPCP)
7 Conclusão
Assim, por todas as considerações tecidas, depreende-se que o instituto aqui
tratado é uma potente arma para dirimir divergências existentes internamente nos
Tribunais, pois decisões uniformes se traduzem em segurança jurídica para todos –
jurisdicionados, advogados, magistrados e membros do Poder Judiciário.
Conclui-se, por outro lado, que a oscilação de entendimento e as divergências
internas dos Tribunais fomentam a interposição de recursos, pois a parte sucumbente
se norteia por dois fatores: seu inconformismo e possibilidade de alteração do jul
gado, mesmo que mínima, mas presente e baseada justamente na divergência, e
obstando, assim, qualquer medida para a celeridade processual.
As decisões uniformes e em consonância com a Constituição, bem como
fundadas nas legislações atinentes à matéria e, principalmente, corroboradas nos
princípios gerais de direito, geram maior segurança jurídica e certeza, logo, não há
que se perder de vista que o instituto em tela vem a colaborar para formação de
decisões uniformes e criação de precedentes que norteiem o julgamento de casos
futuros, propiciando, assim, uma homogeneidade do sistema, bem como tratamento
isonômico.
Por fim, o Novo Código de Processo Civil aperfeiçoou a assunção de competência
em muito, fomentando sua aplicação na medida em que o insere dentro de outros
institutos de Processo Civil, como exposto, e ampliando a legitimidade para suscitar
o incidente.
Assim, não há de se perder de vista que o Novo Código de Processo Civil atendeu
os anseios da doutrina, em especial no que se refere à “assunção de competência”,
ampliação da legitimidade para suscitar o incidente, bem como sua aplicação em
conjunto com outros institutos.
Abstract: The work in question comes from the Institute of assumption of jurisdiction. That institute is laid
down in Article 555, §1 of the Code of Civil Procedure; and de lege ferenda, Article 959 of the New Code of
Civil Procedure designed. The assumption of jurisdiction seeks a judicial organization and aims to ensure
uniformity in the decisions of the courts have been entered, and therefore provide greater celerity. About
the institute on screen following some considerations and research institute.
Keyword: Assumption of competency. Uniformity of jurisprudence. Celerity.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015 137
Luciana da Silva Paggiatto Camacho
Referências
ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil.
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ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: RT, 2008.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2010.
______. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005.
______. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 171, p. 9, mai. 2009.
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2002. p.12.
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procedimento. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista
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e evolução: O que cabe a lei? O que cabe a jurisprudência?: ambientes decisionais. São Paulo: RT,
2012. p. 13.
138 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 127-138, jan./mar. 2015
Memória, prova testemunhal e
reconhecimento pessoal no processo
penal
Yuri Felix
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pela
Universidade de Coimbra/IBCCrim. Pós-graduado em Ciências Penais. Presidente da
Comissão de Direito Penal e Direito Processual Penal da 40ª Subseção da OAB/SP. Ex-
coordenador do PRONASCI/MJ. Professor e palestrante com artigos publicados em revistas
especializadas. Advogado criminal em São Paulo. E-mail: <advyuri@gmail.com>.
Resumo: Nas próximas páginas, seguirão algumas reflexões a respeito do uso da memória no processo
penal, sobretudo a que ingressa no jogo do processo como material probatório. Ainda, serão analisadas
algumas características das falsas memórias por meio de alguns cases e suas consequências no momento
em que se utilizou do depoimento de indivíduos que sofreram algum tipo influência em suas lembranças,
acarretando graves impactos no processo. Por fim, será colocada uma perspectiva de processo penal e a
imperiosa necessidade de respeito às regras do jogo.
Palavras-chave: Processo penal. Memória. Testemunha. Reconhecimento pessoal. Falsas memórias.
Sumário: 1 Introdução – 2 Breve contexto histórico sobre o estudo do fenômeno das falsas memórias
– 3 Taxonomia e teorias explicativas das falsas memórias – 4 Problemáticas das falsas memórias no
processo penal: a prova testemunhal e o reconhecimento de pessoas – 5 Formas de redução de danos –
6 Considerações finais – Referências
1 Introdução
No presente artigo, pretende-se discorrer acerca da memória humana, além
de alguns aspectos controvertidos de sua utilização nos processos judiciais, mais
especificamente quando utilizada com a finalidade de produção de provas: a prova
testemunhal e o reconhecimento pessoal. O desenvolvimento dos estudos sobre o
processo de armazenamento de informações (memória) tem suscitado cada vez mais
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015 139
MARCIO MUNIZ NASCIMENTO, YURI FELIX
1
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 22.
140 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015
Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal
2
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 23. A autora explica que a teoria da repressão, em Freud, apontava que as “memórias de
eventos traumáticos da infância seriam esquecidas (isto é, reprimidas), podendo emergir em algum momento
da vida adulta, através de sonhos ou sintomas psicopatológicos”. A revisão desta teoria é fundamentada
através da descoberta de falsas recordações, oriundas de desejos reprimidos ou de uma fantasia da infância.
3
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010, p. 23.
4
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 24. Barlett realiza uma interessante experiência através da lenda The War of the Ghosts, dos
índios norte-americanos. Ele apresenta a lenda a um grupo de estudantes universitários ingleses e, após, em
períodos de horas, dias, meses e até anos, solicitava que os alunos reproduzissem a lenda. Verificou-se que
houve uma “reconstrução” – com a inclusão e informações nunca reproduzidas – conforme a cultura vivenciada
pelos depoentes: o trecho “dois jovens foram caçar focas” passou a ser reproduzido como “dois jovens tinham
ido pescar”, expressão mais adequada àquele contexto histórico-cultural.
5
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015 141
MARCIO MUNIZ NASCIMENTO, YURI FELIX
Alegre: Artmed, 2010. p. 24. Na pesquisa, palavras como descanso, cama, acordar e sonho influenciaram na
recordação da palavra dormir, que não constava na tal lista.0
6
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 24. O nome se deve à junção das iniciais dos nomes dos pesquisadores: Deese, Roediger
e McDermott.
7
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto
Alegre: Artmed, 2010. p. 24-25. Nessa adaptação experimental, verificou-se um processo de indução/suges
tão mediante a interferência proposital do entrevistador, o qual, após mostrar uma cena de um acidente,
convenceu os participantes que a causa do evento foi a não observância da placa “dê a preferência”, quando,
na realidade a placa tratava-se de “parada obrigatória”.
8
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 25-26.
142 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015
Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal
de base mnemônica, ou seja, uma lembrança, e não de base social, como uma
mentira ou simulação por pressão social”.9
Passa-se agora às teorias explicativas das falsas memórias, onde a comunidade
científica criou hipóteses a fim de elucidar o processo de constituição das FM. Basi
camente, três teorias se destacam: o paradigma construtivista, a teoria do monito
ramento da fonte e a teoria do traço difuso.10
O paradigma construtivista é elaborado a partir dos seguintes pressupostos:
1) um único sistema de memória; 2) a memória seria construída com base no sig
nificado; 3) as FM têm origem no processo de interpretação das informações recebi
das. Esse paradigma dá origem, então, às outras duas teorias, que são a teoria
construtivista e a teoria dos esquemas.
A primeira é calcada num único sistema de construção, onde o indivíduo incorpora
na memória a sua compreensão das informações obtidas. Nessa tentativa constante
de compreender o que é sentido, ocorrem contínuas reconstruções do significado
de suas experiências, assim como sujeições às interferências. A segunda teoria
também possui a “base construtivista”; porém, afirma que a memória é construída
com base em esquemas mentais, que seriam organizados conforme os (pré)conceitos
gerais que cada um possui sobre determinada situação. Assim, cada informação
recebida seria classificada e organizada conforme esses esquemas previamente
criados, reduzindo a complexidade do mundo, fazendo com que “saibamos o que
esperar de diferentes ambientes e situações”.11 Assim, as FM seriam causadas no
processo de contínua interpretação das informações, e sua categorização à luz dos
esquemas mentais previamente elaborados.
Ambas as teorias são criticadas por adotarem um modelo único de memória –
baseada na experiência do indivíduo, numa concepção unitária – quando a comunidade
científica revelara que cada um cria mais de um modelo de memória. Evidenciou-se
que se podem armazenar informações conforme as características destas, ou seja,
cada pessoa cria modelos de memórias tanto para dados genéricos quanto para
específicos.12
Para a teoria do monitoramento da fonte, as FM são criadas desde uma atribui
ção errônea sobre a fonte, ou seja, ocorre um erro de julgamento na sua origem, e não
uma distorção da memória propriamente dita. Dessa forma, atribui-se às informações
algumas fontes as quais são determinadas a partir de um erro no monitoramento
9
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 27.
10
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 27.
11
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 29.
12
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 29.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015 143
MARCIO MUNIZ NASCIMENTO, YURI FELIX
destas. Esse erro seria explicado por uma semelhança entre um evento e outro, e,
ainda, pelo grau de cautela que é demandado para o monitoramento da fonte. Assim,
o indivíduo, ao ser pressionado a determinar a fonte com celeridade e restando
a sua atenção voltada a outros aspectos da tarefa, pode cometer um erro neste
monitoramento. As críticas sobre essa teoria se baseiam numa descrença de que a
“memória é e permanece inalterada, podendo o indivíduo apenas cometer um erro no
monitoramento da fonte”. Questiona-se, ainda, se a memória é, de fato, dependente
dessas fontes, e é apontada uma aproximação com o paradigma construtivista dada
a sua concepção num sistema único de memória.13
A teoria do traço difuso (TTD) pretende fornecer algumas respostas às falhas
apontadas das teorias anteriores. A memória seria composta de múltiplos traços,
com informações verdadeiras e falsas, ambas codificadas em paralelo e armazenadas
separadamente, contrastando com as visões formalistas (pensamento computacio
nal) e logicistas (operações lógicas) do funcionamento cognitivo. Os pesquisadores
Brainard e Reyna trazem um novo elemento para o estudo das FM: a intuição. O
intuicionismo seria uma forma de busca de caminhos que facilitem e agilizem a
compreensão para que cada um possa trabalhar com o essencial da experiência, o
significado por trás do fato, “ao invés de ter de processar informações específicas
e detalhadas”. Assim, a base do raciocínio seria o intuitivo, o não delimitado, o não
lógico, o difuso.14
Os adeptos da TTD concebem a memória composta por dois sistemas: a
memória de essência e a memória literal. Esta seria responsável pelo armazenamento
de informações literais e específicas, enquanto que, para aquela, caberia o registro
do significado da experiência. Ao conceber esses dois traços, percebem-se diferentes
taxas de esquecimento: em geral, as lembranças contidas na memória de essência
são muito mais estáveis ao longo do tempo. As FM seriam, então, interferências – no
armazenamento e recuperação – em um dos tipos de memória, substituindo algumas
informações ali contidas.15 Apesar da durabilidade dos traços de essência, algumas
situações evidenciam uma durabilidade maior de informações literais. Na literatura
sobre as FM, essas situações incomuns são explicadas através da heuristica da
distintividade, que é a tendência dos indivíduos em recordar de detalhes inesperados
em situações comuns.
13
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 32.
14
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 33.
15
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010, p. 35. A autora ainda expõe cinco princípios da teoria dos traços difusos: 1. o armazenamento
paralelo das informações; 2. a recuperação independente do que foi armazenado; 3. o julgamento das infor
mações quando expostos à tarefa de recordação ou reconhecimento; 4. diferença na durabilidade entre os
traços literais e os traços de essência; 5. a habilidade dos indivíduos na recuperação dos traços de memórias.
144 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015
Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal
16
D´AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em Direito Penal: escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens
jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.
17
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 670-671.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015 145
MARCIO MUNIZ NASCIMENTO, YURI FELIX
18
DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. 2. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996. p. 127-128. Na obra, o autor faz referência à contribuição de Barlett, mencionado no item
1 deste artigo, e a quem credita-se um dos marcos da teoria dos esquemas: a concepção (re)contrutivista da
memória, baseada em esquemas mentais, e ainda com a influência de aspectos culturais do indivíduo.
19
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 671. O autor faz um alerta sobre
a periculosidade maior das FM quando comparadas com as mentiras, visto que estas podem ser identificadas
com mais facilidade, enquanto que aquelas são construídas pelo imaginário do depoente – seja de forma
espontânea ou sugerida – e por ele julgadas como se verdadeiras fossem. Arriscamos afirmar que as técnicas
de detecção de mentira seriam ineficientes nestes casos!
20
ARAÚJO, Rodolfo. Elizabeth Loftus e o homem que não estava lá. Disponível em: <http://acertodecontas.blog.
br/artigos/experimentos-em-psicologia-elizabeth-loftus-e-o-homem-que-no-estava-l/>. Acesso em: 25 set. 2013.
21
LOFTUS, Elizabeth. Creating False Memories. In: Scientific American, 1997, v. 277, n. 3, p. 70-75. Disponível
em: <http://faculty.washington.edu/eloftus/Articles/sciam.htm>. Acesso em: 25 set. 2013.
146 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015
Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal
Outro caso que ganhou destaque foi o de Beth Rutherford, que, após ser
aconselhada por um conselheiro membro da igreja, começou a recordar de abusos
sexuais por parte de seu pai, um clérigo que abdicou do cargo quando as acusações
ganharam publicidade. Rutherford estava convicta de que sofrera constantes abusos
dos 7 aos 14 anos, detalhando que seu pai ainda contava com a ajuda de sua mãe
– esposa –, que havia engravidado duas vezes e forçado o aborto com o uso de um
cabide. Mais tarde, através de exames médicos, restou comprovado que ela, então
com 22 anos, ainda era virgem e que nunca havia engravidado. Mais uma indeniza
ção milionária, na cifra de um milhão de dólares, em 1996.22 Esses casos são
alertas para o poder de influência que os profissionais da saúde mental – psicólogos,
psiquiatras, analistas, terapeutas e outros – detêm sobre seus pacientes, podendo
induzir a criação de FM sobre eventos traumáticos.23
No Brasil, um caso que se tornou um paradigma nos estudos das FM no âmbito
do processo criminal foi o da Escola Base, onde se abriu um debate sobre: a conduta
ética dos meios midiáticos; o despreparo da polícia judiciária ao trabalhar com o
tema; bem como a mercantilização da violência e do medo.24 Nos idos de 1994,
em São Paulo, duas mães denunciaram que seus filhos haviam sido submetidos a
sessões de orgias sexuais promovidas pelos donos da escola. Conforme depoimento
de uma das mães, seu filho de quatro anos disse que uma mulher adulta teria deitado
nua sobre ele e dado um beijo na sua boca. A notícia foi amplamente retransmitida
de forma precipitada – e irresponsável – pela mídia.25 Posteriormente, constatou-se
situações de “indução” nos depoimentos das crianças, as quais foram submetidas
a perguntas fechadas, com respostas monossilábicas do tipo “sim” ou “não”, ou
ainda respostas como meras repetições das perguntas ali efetuadas. O inquérito
policial foi arquivado, após o afastamento do delegado, em 1996.26
Sobre a produção de provas através do depoimento de crianças, algumas
questões são levantadas por Di Gesu, como: 1) a falta de costume de fornecer narra
tivas sobre suas experiências; 2) a passagem do tempo, dificultando a recordação
de eventos; 3) a intimidação de se reportar a eventos que causem vergonha ou
estresse; 4) a dificuldade em assumir que não sabe, mudando as versões a fim de
agradar ao adulto entrevistador.27 Dessa forma, o momento da entrevista é de crucial
importância para a qualidade do testemunho infantil.28
22
LOFTUS, Elizabeth. Creating False Memories. In: Scientific American, 1997, v. 277, n. 3, p. 70-75. Disponível
em: <http://faculty.washington.edu/eloftus/Articles/sciam.htm>. Acesso em: 25 set. 2013.
23
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 673.
24
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 674.
25
RIBEIRO, Alex. Os abusos da imprensa: caso Escola Base. Editora Ática, 1995. Disponível em: <books.google.
com.br/books?id=qu4uAAAAYAAJ>. Acesso em: 25 set. 2013. No livro, o autor aborda questões éticas na
atividade da imprensa, esmiuçando eventos que gravitaram sobre o caso.
26
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 675.
27
DI GESU, Cristina apud LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 677.
28
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto
Alegre: Artmed, 2010. p. 168 e ss. Neste capítulo, o fenômeno também é analisado tanto através de fatores
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015 147
MARCIO MUNIZ NASCIMENTO, YURI FELIX
De uma forma geral, o testemunho deve ser realizado com alguns cuidados
com intuito de elevar o seu grau de confiabilidade como prova no processo penal. Di
Gesu sugere algumas medidas redutoras de danos,29 as quais serão mencionadas
mais adiante.
Lopes Jr. observa que a forma da produção deste tipo de prova está estritamente
definida. Ainda, observa que, em matéria processual penal, forma é garantia, não
havendo, portanto, espaço para informalidades judiciais.30
O ato do reconhecimento de pessoas e coisas deve ser estritamente formal e
observando regras que evitem o induzimento. Lopes Jr. ainda observa que, na prática
processual penal, podem ocorrer situações onde o reconhecimento é realizado infor
malmente, sem qualquer atenção aos avanços científicos da psicologia. O autor
lembra uma cena muito comum das audiências: o juiz ordena que a vítima se vire e
pergunta se ela reconhece o réu ali presente. Questiona-se se tal procedimento, em
nome do livre convencimento do juiz, constituiria uma prova ilícita, pois:
148 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015
Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal
31
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 682. O autor ainda expõe o
que consideramos uma chaga do processo penal: a exposição do réu algemado. Consideramos, conforme
leitura científica até aqui realizada, um fator de indução de uma falsa memória. Essa indução poderia, ao
nosso entender, ser explicada tanto pela teoria do traço difuso (TTD) quanto pela teoria do monitoramento da
fonte (TMF). O fato de apresentar à vítima uma pessoa algemada pode preencher informações ora esquecidas
na memória (TTD), e ratificadas a partir de uma equivalência da fonte (TMF), visto que a algema pode ser
interpretada como símbolo de “alguma culpa”.
32
REAL MARTINEZ, FARIÑA RIVERA, ARCE FERNANDEZ e HUERTAS MARTINS apud LOPES JR., Aury. Direito Pro
cessual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 682-683. São contribuições que o autor traz da literatura
e doutrina espanholas.
33
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 686 e ss.
34
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. A obra aborda diversos aspectos relevantes para a aferição da qualidade da memória, tanto
questões técnicas envolvendo a minimização das FM (capítulo 10, parte III, p. 209 e ss) quanto a análise
destas enquanto “síndrome” (capítulo 12, parte III, p. 240 e ss).
35
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 687-689.
36
DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
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MARCIO MUNIZ NASCIMENTO, YURI FELIX
37
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 688.
38
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 688.
39
STEIN, Lilian M. Falsas Memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 26 (fundamentos científicos), p. 157-181 (capítulo 8 – falsas memórias, sugestionabilidade
e testemunho infantil).
40
DI GESU, Cristina apud LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 679.
Imperioso ressaltar que utilizamos a mesma expressão para nomear este item do artigo, pois entendemos que
serve para os fins didáticos aqui propostos.
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Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal
41
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 678. O autor menciona a impor
tância da gravação dos depoimentos – e, consequentemente, da entrevista. Tal procedimento visa avaliar o
entrevistador e a técnica adotada.
42
WILLIAMS, Anna Virginia apud LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.
p. 689.
43
WILLIAMS, Anna Virginia apud LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 690.
44
PERGHER, Giovanni K.; STEIN, Lilian. Entrevista Cognitiva e a terapia cognitivo-comportamental: do âmbito
forense à clínica. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 2005, v. 1, n. 2, p. 11-19.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015 151
MARCIO MUNIZ NASCIMENTO, YURI FELIX
6 Considerações finais
Diante deste breve estudo sobre os desafios que a memória impõe à produção
de provas no processo penal, é imperioso o estudo interdisciplinar entre a ciência
jurídico-criminal e a psicologia. O homem, principalmente nos últimos vinte anos, vive
um período em que o conhecimento se renova em uma velocidade jamais vista na
história da humanidade. As verdades são contestadas a todo tempo, e uma abertura
epistemológica, objetivando a superação e o aperfeiçoamento dos conhecimentos
que aí estão, é o que se faz necessário ao pensador do direito que deseja estar
voltado para as complexas questões do mundo contemporâneo.
Assim, cabe aos estudiosos do direito, primeiramente, cientificarem-se das limi
tações e da incompletude de sua formação, e dos conhecimentos humanos que se
encontram em constante mutação no mundo do devir. Com efeito, aproximando do
tema aqui tratado, é imperioso observar algumas peculiaridades do funcionamento
da memória humana tanto no armazenamento de informações quanto no processo
de (re)criação. Imaginar – e ainda fatalmente acreditar – que o homem é capaz de
152 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 139-154, jan./mar. 2015
Memória, prova testemunhal e reconhecimento pessoal no processo penal
separar razão e emoção, numa alusão ao “erro de Descartes”,45 além de ser uma
visão ingênua, é colocar-se alheio aos desafios da sociedade complexa e, por óbvio,
descuidar de inúmeros pontos descritos neste artigo. De outro lado, quando se está
consciente de que são dois polos indissociáveis e ao se utilizar as ferramentas
corretas que a psicologia tem proporcionado, pode-se utilizar corretamente e de forma
equilibrada e parcimoniosa, no processo penal, tanto a testemunha pessoal quanto
o reconhecimento de pessoas.
Resta, por fim, mesmo que em breve via ora apresentada, frisar, de maneira
direta e insofismável, a necessidade de promover atitudes visando à redução de
danos, sempre prezando pelos direitos e garantias inerentes ao processo penal em
um Estado de Direito Democrático, onde a regra do jogo deve ser observada e, prin
cipalmente, seguida.
Abstract: In the next pages follow some reflections about the memory usage in criminal proceedings,
especially that this process enters the game as the evidential material. Still, analyze some characteristics
of false memories, presenting some cases, and their consequences at the time it was used the testimony
of individuals who have suffered some type influence in his memories, causing serious impacts in the
process. Finally, you put the prospect of criminal proceedings and the urgent need to respect the rules of
the game.
Keywords: Criminal Procedure. Memory. Witness. Personal Recognition. False Memories.
Referências
ARAÚJO, Rodolfo. Elizabeth Loftus e o homem que não estava lá. Disponível em: <http://acertode
contas.blog.br/artigos/experimentos-em-psicologia-elizabeth-loftus-e-o-homem-que-no-estava-l/>.
Acesso em: 25 set. 2013.
DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
LOFTUS, Elizabeth. Creating False Memories. In: Scientific American, 1997, v. 277, n. 3, p. 70-75.
Disponível em: <http://faculty.washington.edu/eloftus/Articles/sciam.htm>. Acesso em: 25.09.2013.
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2003, n. 4, p. 231-234. Disponível em: <http://www.nature.com/nrn/journal/v4/n3/abs/nrn1054.
html>. Acesso em: 25.09.2013.
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Cognition, 2002, 30 (3), 423-431. Disponível em: <http://link.springer.com/article/10.3758/
BF03194942>. Acesso em: 26.09.2013.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
45
DAMÁSIO, Antônio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
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Intervenção de terceiro negociada:
possibilidade aberta pelo Novo Código
de Processo Civil
Resumo: O presente artigo se propõe a discutir a cláusula aberta do negócio processual, uma das grandes
novidades trazidas pelo projeto de novo Código de Processo Civil brasileiro, por meio da qual se propõe
o aprofundamento da participação das partes no processo, que passam a não apenas participar dos
atos com vistas a influenciar a cognição judicial, como, também, a poder elaborar os próprios atos de
que participam. Discutem-se as possibilidades abertas pelo instituto no processo civil brasileiro, mais
especificamente a intervenção de terceiros negociada.
Palavras-chave: Processo Civil. Reforma. Participação. Negócio Processual. Intervenção de terceiros.
1 Introdução
No paradigma processual civil brasileiro, são excepcionais e restritas à autori
zação legal as hipóteses em que é possível às partes disporem sobre o procedimento
que as rege no curso de um processo. Trata-se de premissa que encontra respaldo
em uma visão de processo ainda não inteiramente confortável com a radicalização
do postulado democrático da participação e nitidamente autocentrada em uma ideia
de causalidade necessária entre a existência de regras heterônomas e a segurança
jurídica, o que não se coaduna mais com a conformação do direito no século XXI.
De fato, constitui circunstância verdadeiramente intolerável que, em um Estado
democrático de direito, possa ser o cidadão considerado incapaz de atuar e de in
fluenciar o processo de discussão para determinação do direito que passará a incidir,
de forma imperativa, sobre a sua esfera jurídica. A democracia, como bem sintetizou
Guillermo O’Donnell, pressupõe a concepção do ser humano como um agente que
adquiriu historicamente o seu reconhecimento como portador de direitos à cidadania
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015 155
Marina França Santos
1
O’DONNELL, Guillermo. Democracia, agência e estado: Teoria com intenção comparativa. São Paulo: Paz e
Terra, 2011. p.7.
2
O’DONNELL, Guillermo, op. cit., p. 37.
3
Como colocou Cândido Rangel Dinamarco: “Como instrumento a serviço da ordem constitucional, o processo
precisa refletir as bases do regime democrático, nela proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos
democrático do Estado-de-direito, com as conotações de legalidade e responsabilidade”. (DINAMARCO,
Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 27).
4
Sobre a centralidade da participação das partes para a formação do provimento jurisidicional, ver: NUNES,
Dierle José Coelho; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no
direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade
processual. In: Revista de Processo, São Paulo, v. 34, n. 168, p. 107-141, fev. 2009.
5
A lembrar o repúdio do próprio Dinamarco: “É forte a doutrina, na negativa da existência de negócios jurídicos
processuais. Incluir-se-iam nessa categoria os acordos quanto à competência, os direcionados à modificação
da distribuição do ônus da prova (CPC, art. 333) ou mesmo a convenção arbitral (LA, art. 3º e art. 19)? Deve
prevalecer a resposta negativa, porque o processo em si mesmo não é um contrato ou negócio jurídico (supra,
nº 387) e em seu âmbito inexiste o primado da autonomia da vontade: a lei permite a alteração de certos
comandos jurídicos por ato voluntário das partes, mas não lhes deixa margem para o auto-regramento que é
inerente aos negócios jurídicos. A escolha voluntária não vai além de se direcionar em um sentido ou em outro,
sem liberdade para construir o conteúdo específico de cada um dos atos realizados”. (DINAMARCO, Cândido
Rangel, op. cit., p. 484).
156 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015
Intervenção de terceiro negociada: possibilidade aberta pelo Novo Código de Processo Civil
6
Além delas, a doutrina divergia, desde a elaboração do projeto de 1939, quanto a outras modalidades: os
embargos de terceiro, o recurso de terceiro prejudicado e o concurso de credores (MILHOMENS, Jônatas, op.
cit., p. 13-14).
7
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Assistência no Projeto do Novo Código Processo Civil Brasileiro: Novas Ten
dências do Processo Civil: Estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. v. IV. Salvador: Editora
JusPodivm, 2014. Texto publicado nesta obra.
8
Como elucida Leonardo Carneiro da Cunha, “com isso, elimina-se o entendimento segundo o qual aquele
enunciado normativo estaria a se referir às duas classes de intervenção. Desse modo, fica estabelecido que
o assistente simples há de sofrer apenas influência da sentença, sujeitando-se ao efeito da intervenção, mas
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015 157
Marina França Santos
não à coisa julgada. Por sua vez, ao assistente litisconsorcial não se aplica o efeito da intervenção, mas sim o
regime da coisa julgada, já que este é um litisconsorte unitário do assistido”. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A
Assistência no Projeto do Novo Código Processo Civil Brasileiro: Novas Tendências do Processo Civil: Estudos
sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. v. IV. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. Texto publicado
nesta obra).
9
Vide, entre vários: AgRg no AREsp 26.064/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em
11.02.2014, DJe 17.02.2014; AgRg no REsp 1406741/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, julgado em 26.11.2013, DJe 04.12.2013; AgRg nos EDcl no RMS 37.989/DF, Rel. Ministro Sidnei
Beneti, Terceira Turma, julgado em 28.05.2013, DJe 17.06.2013; REsp 528.551/SP, Rel. Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 09.12.2003, DJ 29.03.2004.
10
O cumprimento da sentença diretamente contra o denunciado é admissível em qualquer hipótese de denunciação
da lide fundada no inciso II do art. 125. (Enunciado nº 121 do Fórum Permanente de Processualistas Civis
– FPPC).
11
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 417.
12
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Líber Juris,
1974. p. 85.
158 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015
Intervenção de terceiro negociada: possibilidade aberta pelo Novo Código de Processo Civil
13
Alguns autores já consideravam o amicus curiae como espécie de intervenção de terceiros. Vide CABRAL,
Antônio do Passo. Pelas Asas de Hermes: a intervenção do amicus curiae, um terceiro especial: Uma análise
dos institutos interventivos similares: O amicus e o Vertreter dês offenlichen Interesses. Revista de Processo,
117, ano 29, set./out. 2004, p. 9-41, p. 17.
14
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Consti
tuição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris editor, 1997. p. 30-31.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015 159
Marina França Santos
15
Assim dispôs o texto legal: “Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de
inconstitucionalidade. (...) §2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos
postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a
manifestação de outros órgãos ou entidades”.
16
Como analisou Fredie Didier Júnior (2008, p. 380): “Com a edição das leis que regulamentam os processos
de controle concentrado de constitucionalidade, a intervenção do amicus curiae aprimorou-se: não mais se
identifica previamente quem deva ser o auxiliar (que pode ser qualquer um, pessoa física ou jurídica, desde que
tenha representatividade e possa contribuir para a solução da causa) e se permite a intervenção espontânea
do amicus curiae – até então a intervenção era sempre provocada”.
17
Como o art. 543-A, §6º, incluído no CPC, de 1973, pela Lei nº 11.418, de 2006, quanto à análise da reper
cussão geral em recurso extraordinário, o art. 543-C, §4º, incluído no CPC pela Lei nº 11.672, de 2008,
relativo à análise de recurso especial repetitivo, e a Lei nº 11.417/06 para o procedimento de edição, revisão
ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante.
18
BUENO, Cássio Scarpinella. Quatro perguntas e quatro respostas sobre o amicus curiae. Revista Nacional da
Magistratura. Ano II, n. 5. Brasília: Escola Nacional da Magistratura/Associação dos Magistrados Brasileiros,
mai. 2008, p. 137.
19
Ressalvados os embargos de declaração (art. 138, §1º, NCPC) e o recurso da decisão que julgar o incidente
de resolução de demandas repetitivas (art. 138, §3º, NCPC).
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Intervenção de terceiro negociada: possibilidade aberta pelo Novo Código de Processo Civil
20
O Novo CPC também trará, a exemplo do CPC de 1973, hipóteses de negócios processuais admitidas especi
ficadamente, como o negócio que tenha por objeto a suspensão do processo por até seis meses (art. 314,
II, §3º, NCPC), a eleição de foro competente (art. 63, NCPC), a redução de prazos peremptórios (art. 222,
§1º, NCPC), a distribuição do ônus da prova (art. 380, §3º, NCPC), o adiamento de audiência de instrução e
julgamento (art. 369, I, NCPC), a liquidação por arbitramento (art. 523, I, NCPC), entre outros.
21
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992. p. 96.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015 161
Marina França Santos
22
MULLER, Júlio Guilherme. Acordo Processual e Gestão Compartilhada do Procedimento. In: Novas Tendências
do Processo Civil: Estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: Editora JusPodivm, v.
III, 2014, p. 147-160, p. 153.
23
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: Teoria Geral do Processo. v. 1. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p. 270.
24
Leonardo Carneiro da Cunha chama de intervenções atípicas ou negociadas todas aquelas que se diferenciam,
em pelo menos um dos seus regramentos, da previsão legal (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Assistência no
Projeto do Novo Código Processo Civil Brasileiro: Novas Tendências do Processo Civil: Estudos sobre o projeto
do novo Código de Processo Civil. v. IV. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. Texto publicado nesta obra).
162 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015
Intervenção de terceiro negociada: possibilidade aberta pelo Novo Código de Processo Civil
Estado em que se encontra (parágrafo único do art. 119, NCPC, e parágrafo único
do art. 50 do CPC de 1973), ou a admissão de assistente com interesse puramente
econômico (art. 119 e 50, caput, respectivamente). Possível também se pensar na
convenção para a denunciação da lide sucessiva por mais de uma vez e para a
admissão da denunciação per saltum, ambas vedadas pelo Novo Código (§2º do art.
125, NCPC) ou, ainda, para a denunciação após o prazo estabelecido legalmente
(art. 126 do projeto, e art. 71 no CPC vigente).
Nos casos citados, é razoável supor o possível interesse de ambas as partes
na presença e na ampliação da participação dos terceiros, seja no caso do assistente
para o reforço de suas respectivas teses ou esclarecimento fático das condições da
lide, seja no caso da denunciação da lide para garantir a concretização da sentença,
especialmente em se considerando a nova regra trazida pelo projeto da possibili
dade de cumprimento de sentença diretamente em face do denunciado, nos limites
da condenação deste na ação regressiva (art. 128, IV, NCPC).
Outra possibilidade é a extensão, por convenção das partes, dos poderes do
amicus curiae.25 Imagina-se que, por sua já comentada importância no processo,
pode ser interessante às partes, engajadas na melhor solução possível para o caso
concreto, a ampliação da atuação desses terceiros em determinadas situações,26
admitindo, por exemplo, a sustentação oral, a postulação de perícia e a oitiva de
testemunhas.
Reconhecidas, afinal, hipóteses em que, em tese, poderá haver interesse prático
na intervenção de terceiros negociada, dúvidas talvez sejam suscitadas quanto à vali
dade jurídica desse acordo, especificamente no que concerne à constitucionalidade
da previsão legal da cláusula aberta do negócio processual em face das garantias
constitucionais do processo. Tal questionamento, no entanto, mostra-se superável.
O substrato constitucional do processo não exclui a liberdade das partes de
conformação do procedimento, cingindo-se a limitar qualquer forma a ser estabe
lecida aos postulados mínimos estabelecidos pela Constituição de 1988, como o
contraditório e a ampla defesa, a fundamentação das decisões, a duração razoável do
processo, a publicidade e a imparcialidade dos julgamentos e a licitude das provas.
As garantias constitucionais do devido processo legal conjugam-se, pois, para
transformar o processo em estrutura de colaboração, cooperação das partes no
25
Entende-se que tal negócio processual não se encontra vedado pela previsão, no projeto de novo Código,
de que “caberá ao juiz ou relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do
amicus curiae” (art. 138, §2º), uma vez que convenção diversa no sentido de ampliar os poderes do terceiro
interveniente não ofenderá nenhum interesse público resguardado pela Jurisdição.
26
Vale lembrar, com Fredie Didier Júnior, que o amicus curiae não se confunde com a figura do perito, centrando-
se a atuação do amigo da Corte não na produção de prova para a convicção do juízo, mas ao auxílio na
tarefa hermenêutica do magistrado e, diferentemente daquele, não recebendo honorários pelas informações
prestadas. (DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direto Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de
conhecimento. v. 1. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 406).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015 163
Marina França Santos
27
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais.
Curitiba: Juruá, 2008. p. 208-212.
28
GRINOVER, Ada Pelegrini. O processo constitucional em marcha: contraditório e ampla defesa em cem julgados
do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. São Paulo: Max Limonad, 1985. p. 8.
29
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da Justiça: alguns mitos. Temas de direito processual: oitava série.
São Paulo: Saraiva, 2004. p. 17-18.
30
DIDIER JR., Fredie. op. cit., p. 51.
31
Desenvolvemos mais aprofundadamente essa ideia em: SANTOS, Marina França. A garantia do duplo grau de
jurisdição. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2012. p. 32.
32
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 33.
33
Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha um diritto tutto quello e proprio quello
ch’égli ha diritto conseguire. (CHIOVENDA, Giuseppe. Sagli di Diritto Processuale Civile. v. 1. Roma: Foro
Italiano, 1930. p. 110).
34
Conforme BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: Influência do direito material sobre o
processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 60; e DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual
Civil. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 51.
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Intervenção de terceiro negociada: possibilidade aberta pelo Novo Código de Processo Civil
5 Conclusão
A autonomia dos sujeitos em sociedade, em seu sentido radical – dar a si
próprio as suas regras (autos-nomos) –, é elemento a ser incentivado, especialmente
no que diz respeito à composição de controvérsias, espaço em que o envolvimento
dos sujeitos por meio do diálogo, propondo e elaborando acordos sobre as questões
materiais e procedimentais envolvidas, é movimento tendente ao amadurecimento
cívico de uma sociedade pacífica e de iguais.
35
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 296.
36
Logo, evidentemente merecerá interpretação constitucional o §4º do art. 191 do projeto, que dispõe sobre
o controle judicial dos negócios da seguinte maneira: “De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a
validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade
ou inserção abusiva em contrato de adesão ou no qual qualquer parte se encontre em manifesta situação de
vulnerabilidade”. Nesse sentido, vale anotar os enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis
– FPPC que já sistematizam os primeiros limites relevantes à validade dos negócios processuais para além
da restrição prevista no texto do Novo Código: “Além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os
vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 191”. (Enunciado nº 121
do Fórum Permanente de Processualistas Civis –FPPC) e “o negócio jurídico processual não pode afastar os
deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”. (Enunciado nº 6 do Fórum Permanente de Processualistas Civis
– FPPC).
37
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992. p. 57.
38
Tal análise preliminar não ignora o surgimento de outras questões a serem investigadas, principalmente a
partir da aplicação prática do dispositivo, com vistas ao aprofundamento da interpretação deste novo substrato
legal, em um esforço para se concretizar, da melhor maneira possível, um processo civil mais justo, efetivo e
eficiente e, por conseguinte, legitimado perante os jurisdicionados.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015 165
Marina França Santos
Abstract: This article aims to discuss the open clause of procedural agreement, one of the major innovations
introduced by the new Brazilian Code of Civil Procedure Project, through which it is proposed a participation
deepening of the parties which shall not only participate in the acts in order to influence the judicial
cognition, but also in order to formulate the acts themselves. The discussion focuses on the possibilities
offered by the institute in the Brazilian civil procedure, specifically the intervention by third parties.
Keywords: Civil Procedure. Reform. Participation. Procedural agreement. Intervention by third parties.
Referências
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São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
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CHIOVENDA, Giuseppe. Sagli di Diritto Processuale Civile. v. 1. Roma: Foro Italiano, 1930.
39
Que não se configura elemento essencial do processo, mas que é seu elemento preponderante.
40
ZAVASCKY, Teori Albino. Antecipação de Tutela. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 64.
166 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 155-167, jan./mar. 2015
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A ação civil pública e o estudo de alguns
temas relevantes
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo estudar a ação civil pública e temas relacionados a esse
importante mecanismo de proteção dos direitos transindividuais. Para tanto, na tentativa de estabelecer
uma melhor compreensão, serão estudados o histórico do instituto, o objeto da ação, a competência
para seu processamento, a legitimidade, os fenômenos da litispendência e coisa julgada, a liquidação
e execução, e, por fim, alguns exemplos de como as ações coletivas estão inseridas nos ordenamentos
jurídicos estrangeiros.
Palavras-chave: Ação civil pública. Temas relevantes. Direito Estrangeiro.
1 Introdução
O presente trabalho tem como objetivo estudar a ação civil pública, que se
caracteriza como um dos mais fundamentais mecanismos de tutela dos direitos trans
individuais. Para tanto, o estudo será focado nas principais características desse
instituto, notadamente em temas que têm demandado maiores questionamentos
doutrinário e jurisprudencial.
Assim, inicialmente, será feito um breve histórico da ação civil pública no Brasil,
desde os projetos que deram início às primeiras discussões sobre o tema até a
evolução que a Lei de Ação Civil Pública sofreu desde sua promulgação.
Em um segundo momento, serão estudadas propriamente as características
do instituto da ação civil pública, como seu objeto, a competência para seu proces
samento, a legitimidade para propositura, os fenômenos da litispendência e da coisa
julgada, a liquidação e a execução, bem como as questões mais controvertidas
atinentes a cada um desses tópicos.
Posteriormente, superada a tarefa de tentar caracterizar o instituto da ação
civil pública, serão mencionados mecanismos semelhantes e presentes no direito
estrangeiro e que ajudam na compreensão do fenômeno das ações coletivas e,
principalmente, da ação civil pública.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 8, p. 169-195, jan./mar. 2015 169
Maurício Antonio Tamer
2 Histórico
O primeiro anteprojeto dedicado à defesa dos direitos transindividuais foi
elaborado pelo grupo ligado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
composto por Ada Pellegrini, Cândido Dinamarco, Kazuo Watanabe, entre outros
doutrinadores.
Por ocasião do I Congresso Nacional de Direito Processual, realizado em 1983,
em Porto Alegre, o relator da tese José Carlos Barbosa Moreira emitiu parecer favo
rável. Já com as contribuições formuladas na ocasião, o projeto foi apresentado à
Câmara dos Deputados pelo Deputado Federl Flávio Bierrenbach, sendo apelidado
na sequência como Projeto Bierrenbach.
Após, os promotores de justiça Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis
Milaré e Nelson Nery Junior, durante o XI Seminário Jurídico dos Grupos de Estudo do
Ministério Público do Estado de São Paulo, debateram aquele primeiro anteprojeto
e apresentaram o trabalho denominado Ação Civil Pública, com alterações e acrés
cimos. O anteprojeto foi então encaminhado ao Ministério da Justiça e, depois,
à Câmara dos Deputados pelo presidente João Figueiredo como projeto de lei do
Executivo.
De forma mais célere, essa segunda proposta foi aprovada e sancionada com
restrições, originando a Lei nº 7.347, de 1985, conhecida como Lei da Ação Civil
Pública.
Originalmente, a Lei nº 7.347/1985 foi promulgada determinando a disciplina
da ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente,
ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico. O detalhe é que, quando da sanção presidencial, foram vetadas todas
as referências à tutela de qualquer outro interesse difuso, com a aparente intenção
de limitar o manejamento da nova ação.
Três anos mais tarde, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, reco
nhecendo a importância dos mecanismos coletivos de resolução de conflitos,
ampliando o rol de legitimados das ações coletivas bem como seus objetos. Como
exemplo, podem ser destacadas a permissão de que as associações, quando devi
damente autorizadas, pudessem representar a seus associados; a possibilidade da
impetração de mandado de segurança coletivo por partidos políticos, organizações
sindicais, entidades de classe e associações constituídas há mais de um ano; a
ampliação do objeto das ações populares; a legitimação do Ministério Público para
propositura das ações civis públicas; e a legitimidade dos índios e comunidades
indígenas para atuar na defesa dos interesses de seus membros.
Além disso, o artigo 48 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias
determinou que o Congresso Nacional, no prazo de 120 dias, elaboraria o Código de
Defesa do Consumidor – CDC. Conquanto tal documento só tenha sido promulgado
170 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
como lei em 1990, ele representou as alterações mais significativas na Lei da Ação
Civil Pública – ACP.
Como modelo estrutural das ações coletivas no Brasil, o Código de Defesa
do Consumidor estabeleceu uma série de mudanças na Lei nº 7.347, de 1985. A
primeira delas, e talvez uma das mais significativas, foi a inclusão do inciso IV junto
ao artigo 1º, restabelecendo o que fora anteriormente vetado, ou seja, o cabimento
de ação civil pública para qualquer outro direito difuso ou coletivo. Ampliou-se, assim,
o objeto da ação.
Além disso, o Código também permitiu a inclusão dos §§5º e 6º ao art. 5º,
admitindo o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, dos
Estados e do Distrito Federal na defesa dos interesses difusos e coletivos, bem
como o estabelecimento do compromisso de ajustamento de conduta, com eficácia
de título executivo extrajudicial.
No mais, o Código inseriu o art. 21 na Lei da Ação Civil Pública, determinando
verdadeira relação de natureza complementar entre as leis, de modo que às ações
civis públicas, na tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos,
seriam aplicadas em conjunto as regras determinadas no Código. Em razão disso,
muitos dos temas tratados adiante neste estudo deverão ser trabalhados entre os
dois diplomas normativos.
Também merecem especial destaque as Leis nº 11.448, de 2007, e 12.529,
de 2011. A primeira foi responsável pela reformulação do rol de legitimados à pro
positura das ações, notadamente, acrescentando a possibilidade de manejo da ação
por entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, além do interesse dos consumidores, bem como estabelecendo
a legitimidade da Defensoria Pública, cuja posição era alvo de discussão na doutrina
e na jurisprudência. A segunda, por sua vez, responsável pela estruturação do sistema
de concorrência, alterou o caput do art. 1º da Lei da ACP acrescentando as ações de
responsabilidade por dano moral e em defesa da ordem econômica no seu inciso V.
Podem ser citadas ainda: a Lei nº 7.853, de 1989, prevendo a possibilidade
da ação civil pública na defesa dos interesses das pessoas com deficiência; a Lei
nº 7.913, de 1989, possibilitando o manejo da ação em caso de responsabilidade
por dano ocorrido junto ao mercado de valores mobiliários; a Lei nº 8.069, de 1990
– Estatuto da Criança e do Adolescente –, prevendo o manejo da ação civil de forma
subsidiária em caso de violação dos interesses coletivos ali protegidos; a Lei nº
9.494, de 1997, que dispôs sobre a limitação da coisa julgada; Lei nº 10.257, de
2001 – Estatuto da Cidade –, a qual incluiu como objeto de ação civil pública a ordem
urbanística; a Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001, que restringiu o alcance das
ações, impedindo o manejo da ação civil pública em caso de pretensões tributárias,
de contribuições e do FGTS, cujos indivíduos possam ser determinados; e a Lei nº
10.741, de 2003 – Estatuto do Idoso.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 171
Maurício Antonio Tamer
3 Objeto
Em linhas gerais, a ação civil pública tem por objeto a tutela dos interesses
transindividuais ou coletivos lato sensu, os quais podem ser definidos na doutrina
de Hugo Nigro Mazzilli, influenciado por Mauro Cappelletti, como:
1
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 26. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 50-51.
No mesmo sentido, é a referência de Mauro Cappelletti no trabalho Formazioni sociali e interessi di gruppo
davanti Allá giustizia civile, em Rivista di Diritto Processuale, 30:367, 1975.
172 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
membros da coletividade afetada, ligados por uma situação de fato (exemplo: o direito
ao meio ambiente preservado ou o produto de eventual indenização por degradação
ambiental). Os direitos coletivos também possuem objeto de natureza indivisível;
porém, a titularidade pode ser delimitada com a atribuição do direito a determinado
grupo de pessoas determinadas ou, ao menos, determináveis, unidas por uma mesma
relação jurídica (ex.: nulidade de cláusula de contrato de adesão, beneficiando todo
o grupo de contratantes, sem poder, contudo, delimitar ou quantificar um bem a cada
um deles).
Por outro lado, os interesses individuais homogêneos possuem uma caracte
rística essencial que os diferenciam das outras duas modalidades: a divisibilidade
do objeto. É possível, assim, o fracionamento do objeto, podendo ser definido o
direito de cada um dos indivíduos (ex.: vários consumidores compram um carro com
um defeito de série; o que une essas pessoas não é uma relação jurídica, mas uma
origem e fato comum).2 Essa classe de direitos, na palavra de Aluisio Gonçalves de
Castro Mendes, é composta por “interesses ou direitos essencialmente individuais
e acidentalmente coletivos”.3
Assim, em razão da divisibilidade do objeto, é possível que cada pessoa afe
tada pudesse propor uma ação de forma individual; no entanto, em razão da origem
comum dos direitos e da pluralidade de pessoas, bem como em prestígio à isonomia,
à economia processual e ao acesso à Justiça, é legitimada a tutela coletiva de tais
direitos. Para tanto, a doutrina estabeleceu que deve existir prevalência entre as
questões de fato e direito comuns sobre as individuais, de modo que a sentença da
ação coletiva possa ser mais eficaz.
Nesse sentido, a tutela coletiva de direitos individuais pode se justificar, por
exemplo, caso o valor do benefício individual, em si considerado, seja tão baixo que
desestimule a promoção de ações individuais; porém, a tutela dos bens atingindo
tem relevância se observados como um todo.
A respeito dos interesses individuais homogêneos, poderia cogitar-se, ainda,
que eles não seriam objeto da ação civil pública, conforme a impressão inicial que
se tira do artigo 1º da Lei nº 7.347, de 1985. Todavia, como já foi colocado, a Lei
da Ação Civil Pública trabalha em integração e harmonia com o Código de Defesa
do Consumidor na defesa de todas as espécies de direitos transindividuais.
Estabelecidas essas premissas, cabe elencar alguns temas específicos rela
tivos ao que pode ser tutelado pela ação civil pública.
O primeiro deles diz respeito à discussão quanto à possibilidade ou não da
propositura de ação civil pública para responsabilização de danos decorrentes de
2
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 26. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 57.
3
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito
comparado e nacional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012. p. 220.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 173
Maurício Antonio Tamer
174 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
A posição dos Tribunais Superiores, por sua vez, tem sido admitir o controle de
constitucionalidade apenas de forma incidental, sendo a eventual inconstitucionali
dade a causa de pedir, e não o pedido:5
4
MENDES, Gilmar. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. In: MILARÉ, Édis [coord.]. A ação civil
pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 202.
5
No mesmo sentido, STF: RE 227159/GO, RE 645508 AgR, Rcl 6449 AgR; STJ: REsp 1222049/RJ, REsp
760034/DF, MC 20.298/MG e REsp 871.473/DF.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 175
Maurício Antonio Tamer
6
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cul
tural, patrimônio público e outros interesses. 26 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 793-794.
7
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: Comentários por artigo. 6. ed. rev. ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 36-37.
8
STJ: REsp 701913/DF, REsp 890249/DF, REsp 903189/DF e REsp 760034/DF.
176 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
Cabe menção também à possibilidade de manejo da ação civil pública por res
ponsabilidade por dano moral. Originalmente, a Lei nº 7.347, de 1985, restringia
o cabimento da ação a tão somente os danos de ordem patrimonial. Após, sofreu
a já mencionada alteração pela Lei nº 12.529, de 2011, a qual passou a admitir
também a responsabilização pelo chamado dano moral coletivo. O Superior Tribunal
de Justiça tem admitido, salvo algumas decisões contrárias isoladas, a condenação
por dano moral coletivo, caracterizado este como fato grave o suficiente para produzir
verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem
extrapatrimonial coletiva:9
9
STJ: REsp 1269494/MG, REsp 1367923/RJ e REsp 1003126/PB.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 177
Maurício Antonio Tamer
4 Competência
Com relação à competência para a propositura da ação civil pública, segue-se
a regra estampada no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, segundo o qual “as ações
previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo
terá competência funcional para processar e julgar a causa”.
Há, assim, a junção de dois critérios em uma mesma regra. O critério territorial
estabelece que o foro competente seja o do local do dano, portanto, aquele que, em
tese, melhor exerceria a função jurisdicional por conta da maior proximidade com
os fatos. E o critério funcional, atrelado a razões de ordem pública, à função do órgão
jurisdicional.10
10
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2011. p. 91-92.
178 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
11
Nesse sentido, discorre Rodolfo de Camargo Mancuso: “É plenamente justificável que assim seja, dado ser
intuitivo que é o juízo ‘do local onde ocorrer o dano o mais indicado, mais habilitado na espécie, pela proximidade
física com o evento’. Demais disso, a ação é de índole reparatória, condenatória; o objeto prevalecente é o
dano produzido, e busca-se a recondução das coisas ao statu quo ante”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo.
Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: Lei 7.347/1985
e legislação complementar. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p. 71.
12
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos
consumidores: Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2009. p. 71.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 179
Maurício Antonio Tamer
180 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 181
Maurício Antonio Tamer
5 Legitimidade
O sistema de legitimidade do Código de Processo Civil foi desenvolvido com a
finalidade de solucionar conflitos individuais. Nesse sentido, são os conceitos de legi
timidade ordinária (em que o pretenso titular de um direito promove a ação em nome
próprio) e legitimidade extraordinária (em que alguém, em nome próprio, postula ou
defende direito alheio). Qualquer transposição desses conceitos para o âmbito das
ações coletivas deve levar em conta as diferenças entre os conflitos.13
Posto isso, a Lei da Ação Civil Pública, alterada pela Lei nº 11.448, de 2007,
prevê em seu artigo 5º que são legitimados: I – Ministério Público; II – Defensoria
Pública (acréscimo recente pela referida alteração); III – a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade
de economia mista; V – a associação que, concomitantemente, esteja constituída
há pelo menos um ano e inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao
interesse transindividual.
Pois bem. Pela dificuldade mencionada, surge o questionamento em saber
qual a natureza jurídica de tal legitimidade. A doutrina apresenta várias posições.
13
Nesse sentido, discorre o professor Eduardo Arruda Alvim: “No regime do Código de Processo Civil, por exemplo,
a possibilidade de a sentença atingir aqueles que não tenham sido parte no processo é absolutamente
excepcional. A possibilidade de alguém ir a juízo em nome próprio pleitear afirmação de direito alheio depende
de autorização legal expressa (art. 6º do CPC). As noções de legitimidade ordinária e extraordinária envolvem
conceitos sedimentados no plano do processo civil individual, que não podem, pura e simplesmente, ser
transpostos para o processo coletivo”. (ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. p. 167).
182 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
14
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 26 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 64.
15
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos
consumidores: Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2009. p. 111 e 114.
16
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2011. p. 168.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 183
Maurício Antonio Tamer
17
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública em defesa do meio ambiente: a representatividade adequada dos
entes intermediários legitimados para a causa. In: MILARÉ, Édis [coord.]. A ação civil pública após 20 anos:
efetividade e desafios. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 44.
18
Nesse sentido, ensina Aluisio Gonçalves de Castro Mendes que “a possibilidade de representação conferida
pela lei só se justifica e se valida na medida em que for exercida devida e adequadamente. Consequentemente,
estabeleceu o Estado, enquanto legislador, para os órgãos judiciais, o dever de fiscalizar e zelar, a todo
momento, pela observância da denominada representação adequada (adequacy of representation)”. (MENDES,
Aluisio Gonçalves de Castro. Coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e
nacional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012. p. 79).
184 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
19
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2011. p. 184.
20
O instituto da litispendência só será útil ao processo coletivo se a análise comparativa levar em conta não
apenas a parte formalmente presente no processo, mas, sim, quem sejam os titulares do direito material
deduzido no processo. Portanto, ao lado do pedido e causa de pedir, bastaria que se estivesse na causa
coletiva, para ser considerada como idêntica, defendendo os interesses dos mesmos substituídos. (MENDES,
Aluisio Gonçalves de Castro. Coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e
nacional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012. p. 260-261).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 185
Maurício Antonio Tamer
21
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2011. p. 635.
186 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 187
Maurício Antonio Tamer
A limitação territorial apresentada por essa nova redação tem suscitado muita
controvérsia, sendo diferentes as posições doutrinárias encontradas.
Doutrinadores de referência, como Antonio Gonçalves de Castro Mendes, por
exemplo, entendem que tal regra é manifestamente inconstitucional por infringir o
direito constitucional de ação, o poder de jurisdição dos juízes, a razoabilidade e o
devido processo legal.22
Destaca-se, aqui, a posição de Nelson Nery Junior, Rosa Nery e Hugo Nigro
Mazzilli, para os quais, a regra do art. 16 é ineficaz, vez que o art. 103 do Código
de Defesa do Consumidor exauriu a matéria atinente à coisa julgada nas ações
coletivas, revogando tacitamente o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, notadamente
pela determinação da integração dos dois sistemas legais. E mais, para tais auto
res, o legislador realizou uma confusão entre os conceitos de limites subjetivos da
coisa julgada (as pessoas atingidas pela qualidade de imutabilidade da sentença) e
jurisdição e competência territorial.23 24 Nelson Nery e Rosa Nery, ainda, exemplificam
muito bem tal confusão dizendo que a solução proposta pelo art. 16 seria, do mesmo
modo, dizer que a sentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo não pudesse
valer no Rio de Janeiro e, nesta comarca, o casal continuasse casado.
Outros, porém, entendem que, com a referida revogação tácita, a redação da
Lei nº 9.494, de 1997, não poderia ser considerada, pois é vedado no ordenamento
brasileiro o efeito repristinatório que a norma propôs.
Há, ainda, juristas que entendem pela plena aplicação da regra do artigo 16,
sendo aplicável para qualquer interesse ou direito transindividual.
Além da doutrina, o Superior Tribunal de Justiça também ainda não definiu
o alcance de aplicação da regra de limitação territorial; porém, o que se percebe,
sobretudo do cotejo de julgados mais recentes, é o gradual abandono da tese de
aplicabilidade de tal restrição25 em prol da não limitação territorial da eficácia da
coisa julgada. Notadamente, isso é apontado após o julgamento do REsp 1243887
em 2011, como representativo da controvérsia:
22
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito compa
rado e nacional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012. p. 265.
23
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
2011. p. 676.
24
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cul
tural, patrimônio público e outros interesses. 26. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 625-626.
25
Nesse sentido, pela aplicação da regra: STJ EREsp 293407/SP e AgRg no EREsp 253589/SP.
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A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
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Maurício Antonio Tamer
7 Liquidação e execução
Em continuidade ao estudo das ações civis públicas, passa-se a uma breve
análise a respeito de alguns pontos sobre a liquidação e o cumprimento das sentenças
proferidas em tais ações coletivas.
Pois bem, a Lei da Ação Civil Pública é omissa com relação à liquidação, e o
Código de Defesa do Consumidor apenas faz menção quando a sentença versa sobre
interesses individuais homogêneos (artigos 97 e 100); porém, analogicamente, a
liquidação também será possível em relação aos direitos difusos e coletivos. Além
disso, aplicam-se supletivamente as regras do Código de Processo Civil, de modo
que, demonstrada a necessidade, será cabível a liquidação da sentença. Notada
mente, nos casos de ações civis públicas, por exemplo, é muito comum o julgamento
de procedência por meio das chamadas sentenças genéricas, que, muitas vezes, se
limitam a termos como “condeno o réu pelos danos causados”.
Em regra, qualquer um dos legitimados ativos poderá promover a liquidação
coletiva. No caso de interesses difusos, essa regra é aplicada. No caso de direitos
individuais homogêneos e coletivos, por analogia, além dos legitimados legais, cada
indivíduo vinculado à decisão ou seu sucessor poderá promover individualmente a
liquidação da parte que lhe cabe (artigos 97 e 98 do Código de Defesa do Consumidor).
Com relação ao cumprimento de sentença, serão aplicadas as regras do
Código de Processo Civil, respeitada a natureza do direito transindividual tutelado.
Assim, tratando-se de direito difuso, a sentença de procedência é a favor de todos
os colegitimados que poderiam propor a ação civil pública, podendo cada um deles
promover o cumprimento. Já com relação a direitos coletivos e individuais homogêneos,
os indivíduos lesados, vinculados à decisão, e seus eventuais sucessores, bem como
os colegitimados legalmente, poderão promover o cumprimento.
Cabe observar que os indivíduos interessados podem aderir ao feito na fase de
conhecimento, na fase de liquidação ou, ainda, na fase de cumprimento, desde que
demonstrada sua relação com a causa de pedir da ação civil pública.
190 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015
A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
8 Direito estrangeiro
Feitos os estudos pertinentes à ação civil pública no ordenamento jurídico
brasileiro, serão apontadas algumas considerações sobre os mecanismos processuais
de tutela dos interesses transindividuais em outros países que se assemelham, em
certa medida, com a ação objeto deste estudo.
8.1 Inglaterra
A Inglaterra, para alguns autores, se caracteriza como origem do processamento
das ações coletivas. O desenvolvimento das chamadas ações de grupo é dividido
pela doutrina em três períodos: medieval (do século XII ao século XV); primitivo-
moderno (séculos XVI e XVII); e moderno (século XVIII). Nesse sentido, há relatos de
ações promovidas por algumas pessoas em prol de toda uma coletividade durante
todo esse período.26
Bem mais recente, ganham notoriedade dois casos precedentes. Em 1976,
um indivíduo de nome Cobbold, em nome de todos os assinantes da revista Time,
ajuizou uma ação em face da TIME Canadá Ltd., sendo admitido seu processamento
coletivo. Em 1979, por sua vez, o caso Prudential Assurance Co. Ltd. v. Newman
Industries Ltd. apresentou, pela primeira vez, o processamento das ações coletivas
em suas fases: uma primeira, de natureza declaratória da obrigação de indenizar, e
uma segunda, em que os indivíduos buscariam as condenações específicas.
Vinte anos depois, é estabelecido no Código de Processo Civil da Inglaterra e
do País de Gales, com a possibilidade que algumas questões de fato ou de direito
fossem processadas coletivamente. Em que pese a essa previsão, as chamadas
representative actions já eram dispostas desde 1965, as quais seriam possíveis se
fosse grande o número de litigantes e se fosse verificado o interesse comum (same
interest).
Similar à ação civil pública brasileira, pode ser citada a relator action, a qual
pode ser proposta pelo procurador-geral (attorney general) como representante do inte
resse público. Seu cabimento se dá principalmente na defesa de interesses difusos,
vedada, no mesmo procedimento, a formulação de pedidos de indenização individuais.
26
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito
comparado e nacional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012. p. 47.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 191
Maurício Antonio Tamer
8.3 Itália
Na Itália, destaca-se, sobretudo, o papel de sua doutrina. Com relação à tutela
processual de direitos transindividuais, tiveram grande influência os ensinamentos de
Mauro Cappelletti, sobretudo em razão de seu artigo Appunti sulla tutela giurisdizionale
di interessi collettivi o difusi, publicado em 1976, bem como Vicenzo Vigoriti, cuja
obra Interessi collettivi e processo: la legitimazione ad agire também é referência.
Com relação à evolução histórica dos mecanismos processuais de tutela
coletiva, em 1970, permitiu-se às associações sindicais pleitear em juízo a cessação
de condutas antissindicais. Em 1986, quanto ao tema do meio ambiente, previu-se
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A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
8.4 Alemanha
Na Alemanha, a tutela dos interesses transindividuais se dá por meio das ações
associativas (Verbandsklagen), previstas em diplomas legais diversos.27
Tais ações destacam-se nos sistemas legais contra a concorrência desleal
e de cláusulas gerais dos negócios jurídicos (UWG e AGBG). Em 1965, a Lei contra
Concorrência Desleal foi alterada, possibilitando às associações de consumidores a
defesa dos interesses de tal classe diante de uma situação prejudicial originária da
falta de concorrência. Em 1976, foi editada a referida Lei de Cláusulas Gerais, ado
tando sistemática semelhante e possibilitando a impugnação coletiva por meio da
tutela inibitória.
Além das ações associativas, o ordenamento alemão passou a prever, a partir
de 1991, uma espécie de instrumento de resolução coletiva de conflitos a partir do
processamento e julgamento de ações-modelo (Musterverfahren). Esse mecanismo
tem aplicabilidade, sobretudo, em demandas ligadas à jurisdição administrativa alemã,
questões atinentes à previdência e assistência social, e mercados de capitais. Nas
áreas administrativa e social, por exemplo, propostas mais de vinte ações individuais,
o órgão judicial poderá eleger uma delas, que seguirá como processo paradigma para
o julgamento das demais, que ficarão suspensas. Nas ações-modelo na área de
mercado de capitais, por sua vez, a decisão do processo paradigma vincula todos os
órgãos judiciais e as partes das ações individuais suspensas.
27
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito
comparado e nacional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012. p. 114.
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Maurício Antonio Tamer
9 Conclusão
Concluindo o presente estudo, chega-se à percepção de que o instituto da ação
civil pública é fruto da preocupação quanto à necessidade da tutela dos direitos
transindividuais ou coletivos lato sensu. A Lei da Ação Civil Pública, nesse sentido,
ganhou importância ao longo do tempo e sofreu várias alterações, ampliando seu
campo de atuação.
Com relação ao objeto da referida ação, conclui-se que ela pode ser manejada
na proteção de qualquer direito transindividual, seja difuso, coletivo ou individual
homogêneo. Inclusive, é possível, por meio dela, a sustentação de inconstitucionali
dade da lei como causa de pedir, a responsabilização por danos decorrentes de atos
de improbidade, pelos chamados danos morais coletivos, entre outros.
Quanto à competência para o processamento da ação, foi verificado que ela
deve ser proposta no foro do local onde ocorreu o dano, possuindo natureza absoluta
justamente em razão da melhor função jurisdicional que poderá ser prestada. Já em
relação à legitimidade, são várias as posições doutrinárias sobre o tema; no entanto,
os Tribunais Superiores têm entendido que se trata se legitimação extraordinária
na modalidade de substituição processual de toda coletividade atingida.
Foram estudados também os fenômenos da litispendência e da coisa julgada,
notadamente a atribuição de efeitos diferentes de acordo com a natureza do direito
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A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes
The civil public action and the study of some relevant topics
Abstract: The present article intends to study the civil public action and its relevant topics. Therefore, to
establish a better understanding, will study the historic about this action, its object, the jurisdiction, the
legitimacy, the state of lawsuit pending and the estoppel per rem judicatam, the execution, and, lastly,
some examples about how the collective actions are provided in foreign legal systems.
Referências
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2011.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo. 6. ed. rev. ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio
cultural e dos consumidores: Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. rev. e atual. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 26 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo:
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MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no
direito comparado e nacional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012.
MILARÉ, Édis [coord.]. A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2005.
TAMER, Maurício Antonio. A ação civil pública e o estudo de alguns temas relevantes.
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 89,
p. 169-195, jan./mar. 2015.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 169-195, jan./mar. 2015 195
Artigo 41-A da Lei nº 9.504/97: a
possibilidade de concessão de efeito
suspensivo aos recursos contrários à
sentença que cassa mandato eletivo
Resumo: No âmbito do Direito Eleitoral, os recursos não possuem, em regra, efeito suspensivo, consoante
o disposto no artigo 257 do respectivo código. Assim sendo, as decisões proferidas no processo eleitoral
são imediatamente executáveis, independendo de seu trânsito em julgado para realização do comando
nelas contido. A Lei Complementar 64/90, que trata das inelegibilidades, traz exceção a essa regra,
permitindo que o candidato exerça o mandato eletivo enquanto o recurso interposto contra a decisão de
cassação do diploma não for definitivamente julgado. No entanto, a captação ilícita de sufrágio, forma
pela qual o candidato promete ao eleitor vantagem pessoal em troca de seu voto, não é considerada caso
de inelegibilidade, mas, sim, hipótese de perda da condição de candidato. Desse modo, a decisão que
cassa mandato eletivo com fundamento na captação ilícita de sufrágio, nos termos do artigo 41-A da Lei
9.504/97, não possui efeito suspensivo, permitindo o imediato afastamento do candidato mesmo quando
a decisão judicial ainda não está acobertada pelo manto da coisa julgada, o que interfere na vontade
popular, gerando instabilidade política e consequentes prejuízos à população e ao candidato. Por tais
razões, doutrina e jurisprudência vêm se inclinando no sentido de admitir a concessão de efeito suspensivo
à decisão que cassa mandato eletivo em virtude de captação ilícita de sufrágio através do uso de medida
cautelar, com vistas a permitir a manutenção do candidato no exercício do mandato até que a decisão
transite em julgado, preservando, deste modo, o resultado das eleições e resguardando o candidato de
eventuais danos.
Palavras-chave: Processo eleitoral. Sufrágio. Captação ilícita. Sentença. Efeito suspensivo.
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OLÍVIA GUIMARÃES RIBEIRO, RENATO DE ALMEIDA PAES LEME
1 Introdução
A característica fundamental do Estado Democrático de Direito é a participação
dos cidadãos nas decisões que atingem a vida da sociedade. Silva leciona em sua
obra que:
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ARTIGO 41-A DA LEI Nº 9.504/97: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS RECURSOS CONTRÁRIOS...
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OLÍVIA GUIMARÃES RIBEIRO, RENATO DE ALMEIDA PAES LEME
Eis uma breve síntese dos principais princípios que norteiam o Direito Eleitoral,
embasando todas as decisões em seu âmbito proferidas.
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ARTIGO 41-A DA LEI Nº 9.504/97: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS RECURSOS CONTRÁRIOS...
não só para a eleição em que ocorreu o ilícito, como, também, para as eleições que
ocorram nos três anos seguintes (Lei Complementar 64/90, artigo 1º, I, “d”).
Tratando-se de captação ilícita, a punição do candidato se dá com a cassação
do seu registro ou diploma.
Afirma Castro (2008, p. 260) que:
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ARTIGO 41-A DA LEI Nº 9.504/97: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS RECURSOS CONTRÁRIOS...
Zilio (2010, p. 484) explica em sua obra que: “O Tribunal Superior Eleitoral
entende que a captação ilícita de sufrágio caracteriza-se quando presentes três ele
mentos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); b) a existência de uma
pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter
voto)”.
Meras promessas de melhoria, desprovidas de artimanha destinada à obtenção
de voto mediante concessão de vantagem pessoal, não caracterizam captação ilícita
de sufrágio, que deve ser dirigida a eleitor determinado ou, ao menos, determinável.
Ressalta Zilio (2010) que, “quando a conduta é direcionada à pessoa deter
minada e é condicionada a uma vantagem, em uma negociação personalizada em
troca do voto, caracteriza-se a captação ilícita de sufrágio”.
Não é exigência legal que haja pedido explícito de voto, bastando a intenção de
“compra” de voto mediante oferta de vantagem pessoal de qualquer natureza. Não
se exige sequer a efetiva obtenção da vantagem pessoal pelo eleitor, tampouco que
este a aceite, bastando para a configuração do ilícito a oferta pelo candidato.
Veja, nesse sentido, os dizeres de Costa (2004, p. 3):
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OLÍVIA GUIMARÃES RIBEIRO, RENATO DE ALMEIDA PAES LEME
Saliente também que não é exigido que a conduta efetivamente afete ou com
prometa a eleição, bastando a prática do ato destinado à obtenção irregular do voto
para caracterização do ilícito. Veja, nesse sentido, o seguinte julgado:
[...]
IV – Prática de conduta vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, acres
centado pelo art. 1º da Lei n. 9.840/99: compra de votos. Há nos autos,
depoimentos de eleitoras, prestados em juízo, que atestam a compra de
votos.
V – Para a configuração do ilícito inscrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97,
acrescentado pela Lei n. 9.840/99, não é necessária a aferição da poten
cialidade de o fato desequilibrar a disputa eleitoral. (TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL – Respe n. 21.264 – DJ 11.06.2004, p. 94).
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O prazo comum para interposição dos recursos eleitorais é de três dias, devendo
o recurso ser interposto com as respectivas razões, e correndo o prazo em sábados,
domingos e feriados durante o período eleitoral, conforme preconizam os artigos 258
do Código Eleitoral e 16 da Lei Complementar 64/90.
No que tange aos efeitos, é sabido que os recursos podem ter, a princípio, os
seguintes efeitos: o devolutivo, pelo qual se reabre a possibilidade de apreciação e
julgamento da questão já decidida, e suspensivo, pelo qual se obsta que a decisão
impugnada produza seus efeitos antes do julgamento do recurso, com consequente
trânsito em julgado da decisão.
Em sua obra sobre os recursos, Montenegro Filho (2006) preconiza que:
Nessa mesma linha de raciocínio, explica Theodoro Júnior (2006, p. 623) que:
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Dessa forma, a captação ilícita de sufrágio definida pelo artigo 41-A da Lei
9.504/97 deve observar o procedimento do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90,
contudo, nos termos dos incisos I a XII, não se aplicando os incisos XIV e XV, que
implicam em declaração de inelegibilidade. Veja a explicação de Ramayana (2009,
p. 433):
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ARTIGO 41-A DA LEI Nº 9.504/97: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS RECURSOS CONTRÁRIOS...
Com a devida licença das cortes eleitorais que têm adotado essa
interpretação, dentre elas o próprio TSE, somos em que, não se pode,
em hipótese alguma, conceder medida cautelar para emprestar efeito
suspensivo a recurso eleitoral contra tal decisão, pois, além de a con
cessão de tais medidas serem vedadas expressamente pelo Código
Eleitoral, as liminares suspensivas ofendem aos motivos determinantes
de decisão proferida pelo STF, na ADIn n.º 3592-4/DF, de observância
“erga omnes”.
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No mesmo sentido:
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9 Considerações finais
Com o advento da Lei 9.840/99, que acrescentou o artigo 41-A à Lei nº
9.504/97, iniciou-se entre os juristas um questionamento acerca da necessidade
de se aguardar o trânsito em julgado das decisões fundadas neste dispositivo para,
somente então, promover sua execução, ou se, ao contrário, seria possível a sua
execução provisória e, portanto, imediata.
Os primeiros julgados do Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema se posicio
naram no sentido de consolidar a eficácia imediata das decisões condenatórias, com
fulcro no artigo 41-A da Lei Eleitoral.
Contudo, o próprio Tribunal Superior Eleitoral abandonou a tese inicial de efi
cácia imediata da referida decisão, passando a conceder a suspensão dos seus
efeitos com o objetivo de evitar sucessivas alterações nos cargos eletivos.
A questão, porém, não se encontra consolidada e vem sendo analisada de
formas diferentes, conforme cada caso concreto.
Alguns juristas, conforme restou demonstrado, entendem que não cabe
a nenhuma instância judicial suspender a decisão que aplica o artigo 41-A da Lei
9.504/97, vez que o tema foi objeto de discussão em ação de controle de consti
tucionalidade da referida lei (ADI 3.592/DF), evidenciando a eficácia imediata das
decisões judiciais que cassam o registro ou o diploma do corruptor eleitoral como
um dos motivos determinantes do julgado do Supremo Tribunal Federal, a possuir,
portanto, efeitos transcendentes.
O fato é que a questão é ainda tormentosa e palpitante, desdobrando-se em
posicionamentos divergentes em nossos Tribunais, que ora optam por conferir, ora
por negar efeito suspensivo à decisão que cassa mandato eletivo em virtude de
captação ilícita de sufrágio.
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ARTIGO 41-A DA LEI Nº 9.504/97: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS RECURSOS CONTRÁRIOS...
Abstract: In the Field of Electoral Laws the appeals don´t have, in terms of the rule, suspensive effect,
according to what is written in the article 257 in the respective Code. Thus, the decisions taken in the
electoral process are immediately executable, independent from its res judicata being judged for achievement
of the command which is in contained in it. The Complementary Law 64/90, which is about the ineligibility,
presents an exception related to this rule, allowing the candidate exert its elective mandate while the
appeal against the decision of diploma isn´t definitively judged. The illicit capture of suffrage, however, a
way the candidate promises the elector personal advantage in exchange of his vote, isn´t considered a case
of ineligibility but is a possible hypothesis for loss of work condition. This way, the decision that unseats
the elective mandate which has its fundament in the illicit capture of suffrage, in terms of the article 41-A
law 9504/07 doesn´t have a suspensive effect, allowing the immediate removal of the candidate even if
when the judicial decision isn´t covered by the sphere of the judged thing, what interferes in the popular
wish, generating political instability and consequent prejudices to the population and candidate. Because
of such reasons, doctrine and jurisprudence have been suffering some changes in the sense of admitting
the concession of the suspensive effect to the decision which unseats the elective mandate due to illicit
capture of suffrage, through the use of injunctive relief in order to allow the maintenance of the candidate
in its charge until the decision became final preserving, this way, the result of the elections and protecting
the candidate from occasional damages.
Keywords: Electoral process. Suffrage. Illicit Capture. Verdict. Suspensive Effect.
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de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 197-231, jan./mar. 2015 231
Súmulas vinculantes e súmulas
impeditivas de recursos: mecanismos
para concretizar o princípio da razoável
duração do processo
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar a figura da súmula vinculante e da súmula
impeditiva de recursos como mecanismos de concretização do princípio da razoável duração do processo.
Para tanto, inicialmente, analisa-se o princípio em questão, com sua inserção no ordenamento jurídico
brasileiro através da Emenda Constitucional 45/2004, bem como o contexto jurídico e as razões que
levaram o legislador a promulgar a referida emenda. Logo após, será abordada a figura da efetividade,
especificamente a virtuosa. Em seguimento, passar-se-á a abordar a figura das súmulas vinculantes e
das súmulas impeditivas de recursos, individualmente, relacionando estes dois institutos ao princípio da
razoável duração do processo, demonstrando serem mecanismos de concretização do referido princípio
constitucional.
Palavras-chave: Princípio da razoável duração do processo. Efetividade processual. Súmula vinculante.
Súmula impeditiva de recursos.
1 Introdução
A tônica deste trabalho é perquirir uma análise do instituto da súmula vinculante
e da súmula impeditiva de recursos como mecanismos de concretização do princípio
da razoável duração do processo.
Verifica-se, cada vez mais, um abarrotamento do Poder Judiciário com a multi
plicidade cada vez maior de processos, com os magistrados e serventuários da justiça
não conseguindo dar vazão à quantidade de demandas que são ajuizadas e precisam
de julgamento, culminando na espera, muitas vezes de anos, até o julgamento da
lide. A consequência é um verdadeiro sucateamento do Poder Judiciário, combinado
com verdadeira descrença da população na jurisdição.
Nesse contexto, o legislador brasileiro se viu obrigado a fazer reformas na legis
lação a fim de conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. Diversas foram as
medidas tomadas, dentre estas, a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 233
Tatiana Alvim Pufal
234 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...] LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados
a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação.
O Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 8º, já trazia o referido prin
cípio em seu texto.1 Por essa razão, parte da doutrina entende que, pelo fato de o
Brasil ser signatário do já mencionado Pacto de São José da Costa Rica, tendo sido
este posteriormente promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro,
o princípio da razoável duração do processo já era tido como garantia fundamental
por força do parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal, que acolhe os direitos
fundamentais consagrados em tratados internacionais.2
Parte da doutrina entende ainda que o princípio da razoável duração do processo
estava intrinsecamente assentado no princípio do devido processo legal, previsto no
artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.3 No entanto, entende-se que, com a
Emenda Constitucional 45/2004 e a positivação do referido princípio, esse enten
dimento deixou de ter espaço, visto que o agora princípio constitucional da razoável
duração do processo exige vida própria, “não se coadunando com a fase atual de
desenvolvimento teórico a ilação secundária com demais princípios processuais”.4
1
Pacto de São José da Costa Rica – Artigo 8º: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias
e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se
determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
2
NICOLITT, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 19.
3
ABREU, Gabrielle Cristina Machado. A duração razoável do processo como elemento constitutivo do acesso à
justiça. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 83.
4
JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência
da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 78.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 235
Tatiana Alvim Pufal
5
WELSCH, Gisele Mazzoni. A razoável duração do processo como garantia constitucional. In: MOLINARO, Carlos
Alberto; MILHORANZA, Mariângela Ribeiro; PORTO, Sérgio Gilberto. p. 363.
6
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à
nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 27.
7
JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência
da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 80.
8
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Código de Ética da Magistratura Nacional. Diário da Justiça da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 set. 2008. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/codigo-de-
etica-da-magistratura>. Acesso em: 24 mar. 2014.
9
JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência
da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 119.
236 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
Esse entendimento não é consolidado, visto que parte da doutrina entende que o
princípio da razoável duração do processo nada mais é do que o princípio da celeridade
processual, porém revestido de caráter constitucional, cita-se exemplificativamente
os doutrinadores Ruy Portanova,12 Guiherme Rizzo Amaral13 e Marcelo Zenkner.14
Quanto ao destinatário do princípio da razoável duração do processo, entende-
se que “qualquer pessoa que ingresse no Poder Judiciário, quer como autora ou ré,
ou ainda apenas como interveniente, tem o direito de, em tempo razoável, ver seu
conflito finalizado”.15 Isso, pois, o princípio da razoável duração do processo é des
tinado a todas as pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras, ao próprio
Estado e seus órgãos de funcionamento interno e externo (por si mesmos ou repre
sentados nos termos do artigo 12 do Código de Processo Civil).
Em contrapartida, os coobrigados ao direito da razoável duração do processo
são todos aqueles que, de alguma forma, auxiliam no feito e participam do deslinde
processual. Dentre esses, têm-se não só autor, réu e juiz, mas, também, agentes,
auxiliares do juízo, peritos, serventuário e todos aqueles que participaram ou partici
pam de algum momento na vida do processo. A colaboração para a efetividade do
princípio é de todos.16
10
JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência
da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 119.
11
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: 2007. p. 176
12
PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
13
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras.
Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004.
14
ZENKNER, Marcelo. A instrumentalidade da tutela ao direito fundamental de tempestividade na prestação
jurisdicional. In: FREIRE e SILVA, Bruno; MAZZEI, Rodrigo. Reforma do judiciário: análise interdisciplinar e
estrutural do primeiro ano de vigência. Curitiba: Juruá, 2008. p. 503-519.
15
JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência
da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 84.
16
JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência
da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 89.
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17
LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1995. p. 5
18
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo.
9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 315.
19
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
20
JOBIM, Marco Félix. O direito à duração razoável do processo: responsabilidade civil do Estado em decorrência
da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 112.
21
MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido processo legal e proteção de direitos. Porto Alegre: Livraria do Advo
gado, 2009. p. 248.
22
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo.
9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 315.
238 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
23
TUCCI, José Rogério Cruz. Duração razoável do processo: art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal. In: MARTINS,
Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo. O processo na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 322.
24
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da intempestividade processual. 2. ed. Porto Alegre: 2012. p. 116.
25
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 239
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26
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compreensão do Art. 273, §6º, do CPC, na perspectiva do direito fundamental a um processo sem dilações
indevidas (art. 5º, LXXVIII, da CF/1988). Disponível em: <http://www.academia.edu/3223781/Direito_fun
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27
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Advogado, 2009. p. 251.
28
MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos
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240 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
Por essas razões, entende-se que somente com alterações drásticas no orde
namento jurídico brasileiro poder-se-á alcançar maior efetividade processual, dimi
nuindo a espera excessiva por solução do litígio, respeitando, assim, o direito
constitucional da razoável duração do processo.
Cumpre-nos salientar que a efetividade ora referida deve ser a chamada efe
tividade virtuosa, tema do item 2.2 que segue.
A intensificação dos litígios, com a demora cada vez mais excessiva do pro
cesso, juntamente com as dificuldades de ordem econômica, política e social pelas
quais passam a nação colaboram para um descrédito da jurisdição, “fazendo com que
29
TUCCI, José Rogério Cruz. Duração razoável do processo: art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal. In: MARTINS,
Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo. O processo na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 322.
30
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br/ppgd/doutrina/oliveir2.htm>. Acesso em: 17 mar. 2014.
31
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e processo de conhecimento. Disponível em: <http://www.ufrgs.
br/ppgd/doutrina/oliveir2.htm>. Acesso em: 17 mar. 2014.
32
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p. 31.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 241
Tatiana Alvim Pufal
Mas entende Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que o acesso à justiça deve com
preender uma proteção juridicamente eficaz e temporalmente adequada.
Como formas de alcançar a efetividade virtuosa, o doutrinador destaca os
seguintes aspectos: necessidade de maior informalismo e acentuação do princípio
da cooperação entre o órgão judicial e as partes.
Quanto ao maior informalismo, tem-se que é necessária uma maior flexibiliza
ção do rigorismo formal, coordenando-o com o princípio da economia processual com
o objetivo de conferir maior agilidade ao processo na busca pela boa efetividade,
a efetividade virtuosa. Como alternativa, refere Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,36
por exemplo, o afastamento tanto do pedido quanto da indicação da causa petendi.
Isso, pois, essa flexibilização evitaria possível decretação futura, depois de anos
de marcha processual, do reconhecimento, por exemplo, de incorreta formulação
do pedido inicial ou deficiência na fixação do fato jurídico fundamental por requisito
meramente formal. Assim, no entender do referido autor, essa parece ser uma
solução entre os direitos processual e material.
Ainda quanto ao formalismo excessivo, tem-se o sistema atual de admissão
dos recursos, no qual, em razão da falta de um documento, o recurso interposto
33
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e processo de conhecimento. Disponível em: <http://www.ufrgs.
br/ppgd/doutrina/oliveir2.htm>. Acesso em: 17 mar. 2014.
34
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35
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e processo de conhecimento. Disponível em: <http://www.ufrgs.
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36
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e processo de conhecimento. Disponível em: <http://www.ufrgs.
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242 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
37
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e processo de conhecimento. Disponível em: <http://www.ufrgs.
br/ppgd/doutrina/oliveir2.htm>. Acesso em: 17 mar. 2014.
38
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e processo de conhecimento. Disponível em: <http://www.ufrgs.
br/ppgd/doutrina/oliveir2.htm>. Acesso em: 17 mar. 2014.
39
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Efetividade e processo de conhecimento. Disponível em: <http://www.ufrgs.
br/ppgd/doutrina/oliveir2.htm>. Acesso em: 17 mar. 2014.
40
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo.
9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 318.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 243
Tatiana Alvim Pufal
41
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 492.
244 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
42
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 489.
43
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 489.
44
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 489.
45
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v. 2. Bahia:
2009. p. 398.
46
Art. 2º. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre ma
téria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista
nesta Lei. (BRASIL. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm>. Acesso em: 31 mar. 2014.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 245
Tatiana Alvim Pufal
47
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v. 2. Bahia:
2009. p. 399.
48
Art. 2º, §1º. O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas
determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública,
controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre
idêntica questão. (BRASIL. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm>. Acesso em: 31 mar. 2014.
49
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para compreensão
do tema. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27223/sumula-vinculante-analise-critica/4>. Acesso em:
31 mar. 2014.
246 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
50
Art. 3º, §1º. O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a
revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.
(BRASIL. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm>. Acesso em: 31 mar. 2014).
51
LOBO, Arthur Mendes. Breves comentários sobre a regulamentação da súmula vinculante. Disponível em:
<https://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistajuridicafafibe/sumario/8/16042010161145.
pdf>. Acesso em: 31 mar. 2014.
52
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v. 2. Bahia:
2009. p. 400.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 247
Tatiana Alvim Pufal
53
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v. 2. Bahia:
2009. p. 339.
248 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
54
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. 2. Ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.
55
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. 2. Ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.
56
JOBIM, Eduardo; BENETTI TIMM. A súmula vinculante no direito brasileiro. Estudo comparativo com o direito
inglês. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo. O processo na constituição. São Paulo: Quartier
Latin, 2008. p. 915.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 249
Tatiana Alvim Pufal
De acordo com o art. 518, §1º, o juiz de primeiro grau, verificando que a sen
tença proferida está de acordo com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do
Supremo Tribunal Federal, não receberá o recurso de apelação interposto por qual
quer das partes.
A exposição de motivos do Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que
acompanhou a proposta de alteração do art. 518 do CPC, assim justificou a reforma
do referido artigo:
57
RAMADAN, Daiana. Súmula Vinculante Como Instrumento De Implementação Do Princípio Da Razoável Dura
ção Do Processo Civil E A Efetividade Da Prestação Jurisdicional. Disponível em: <file:///D:/Users/User/
Documents/Downloads/DaianaRamadanRevistaFebre4edicao.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2014.
58
BASTOS, Márcio Thomaz. Exposição de motivos da alteração da Lei 11276. Disponível em: <http://www.
bmfbovespa.com.br/pdf/Entrevista210907_02.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2014.
250 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
59
THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
p. 11.
60
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 490.
61
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 490.
62
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 490.
63
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006. p. 748.
64
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 198.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 251
Tatiana Alvim Pufal
65
AZAVEDO, Marco Antonio Duarte. Súmula Vinculante: o precedente como fonte do direito. São Paulo: Centro
de estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2009. p. 157.
66
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 198.
67
USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011. p. 130.
68
USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011. p. 130.
69
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 535.
70
USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011. p. 132.
252 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
71
USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011. p. 131.
72
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 490.
73
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Lei 11.276/06: Inadmissibilidade da apelação contra sentença que se conforma
com súmula do STJ ou do STF. Disponível em: <http://www.researchgate.net/publication/28767483_
LEI_11.27606_-_Inadmissibilidade_da_Apelao_contra_Sentena_que_se_Conforma_com_Smula_do_STJ_ou_
STF>. Acesso em: 31 mar. 2014.
74
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Lei 11.276/06: Inadmissibilidade da apelação contra sentença que se conforma
com súmula do STJ ou do STF. Disponível em: <http://www.researchgate.net/publication/28767483_
LEI_11.27606_-_Inadmissibilidade_da_Apelao_contra_Sentena_que_se_Conforma_com_Smula_do_STJ_ou_
STF>. Acesso em: 31 mar. 2014.
75
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 198.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 253
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A decisão do juiz a quo, que não recebe o recurso de apelação por estar este em
consonância com súmula dos tribunais superiores, é recorrível por meio de agravo de
instrumento, nos termos do art. 522 do CPC.
Salienta-se, porém, que o agravante nesses casos pode valer-se somente de
dois fundamentos: inaplicabilidade da súmula ao caso concreto ou desconformidade
da sentença com o entendimento sumulado pelo STJ e pelo STF.81 Se o Tribunal, no
julgamento do agravo, entender pela inaplicabilidade da súmula àquele caso, o pro
cedimento a ser observado será o usual, será determinada a “remessa dos autos
principais para o exame do mérito da apelação pelo Tribunal”.82 Se o entendimento
do Tribunal for de desconformidade da sentença com a súmula, a eminente Ministra
76
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 490.
77
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 198.
78
AGNOL JUNIOR, A. J. D. Admissão do recurso de apelação e súmulas: exegese do artigo 518, parágrafo 1º do
CPC. São Paulo: Revista do Advogado, 2006. p. 69.
79
SANTOS, Maurício Barbosa. Comentários às alterações do Código de Processo Civil. São Paulo: Cultura
Jurídica. 2006. p. 123.
80
AZAVEDO, Marco Antonio Duarte. Súmula Vinculante: o precedente como fonte do direito. São Paulo: Centro
de estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2009. p. 157.
81
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Lei 11.276/06: Inadmissibilidade da apelação contra sentença que se conforma
com súmula do STJ ou do STF. Disponível em: <http://www.researchgate.net/publication/28767483_
LEI_11.27606_-_Inadmissibilidade_da_Apelao_contra_Sentena_que_se_Conforma_com_Smula_do_STJ_ou_
STF>. Acesso em: 31 mar. 2014.
82
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Lei 11.276/06: Inadmissibilidade da apelação contra sentença que se conforma
com súmula do STJ ou do STF. Disponível em: <http://www.researchgate.net/publication/28767483_
LEI_11.27606_-_Inadmissibilidade_da_Apelao_contra_Sentena_que_se_Conforma_com_Smula_do_STJ_ou_
STF>. Acesso em: 31 mar. 2014.
254 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
83
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Lei 11.276/06: Inadmissibilidade da apelação contra sentença que se conforma
com súmula do STJ ou do STF. Disponível em: <http://www.researchgate.net/publication/28767483_
LEI_11.27606_-_Inadmissibilidade_da_Apelao_contra_Sentena_que_se_Conforma_com_Smula_do_STJ_ou_
STF>. Acesso em: 31 mar. 2014
84
USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011. p. 132.
85
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Das alterações no procedimento dos recursos e da ação rescisória: Lei
nº 11.276/06 e nova redação dos arts. 489 e 555, dada pela Lei nº 11.280/06. In: Cadernos do Centro de
Estudos do Tribunal de Justiça do RS. v. I. Porto Alegre: 2006. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/export/
poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/publicacoes/doc/1_Ciclo_Estudos_As_Recentes_
Reformas_Processuais.pdf>.
86
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Das alterações no procedimento dos recursos e da ação rescisória: Lei
nº 11.276/06 e nova redação dos arts. 489 e 555, dada pela Lei nº 11.280/06. In: Cadernos do Centro de
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 255
Tatiana Alvim Pufal
[...]
2. Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da
Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro
com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de pres
tação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla
defesa.
3. De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbi
tos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades
representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Asso
ciação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do
Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio
Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de
dispositivos do Código de Processo Civil e da lei de juizados especiais,
para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que
atualmente caracteriza a atividade em questão.
[...]
6. Trata-se, portanto, de uma adequação salutar que contribuirá para a
redução do número excessivo de impugnações sem possibilidades de
êxito.
Assim como o art. 518, §1º, do CPC, o objetivo da norma está em racio
nalizar a atividade judiciária, patrocinando a economia de atos proces
suais, e em prestigiar o precedente. Desse modo, fundada a decisão
recorrida em precedente, o relator pode julgá-lo sem submetê-lo ao cole
giado, simplificando-se o procedimento recursal e diminuindo o trabalho
do colegiado.
Estudos do Tribunal de Justiça do RS. v. I. Porto Alegre: 2006. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/export/
poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/publicacoes/doc/1_Ciclo_Estudos_As_Recentes_
Reformas_Processuais.pdf>.
87
MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação da jurisprudência ao
precedente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 112.
88
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v. 3. Bahia:
2009. p. 132.
256 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
4 Considerações finais
Buscou-se no presente trabalho analisar a figura da súmula vinculante e da
súmula impeditiva de recursos como formas de concretizar o princípio constitucional
da razoável duração do processo.
As súmulas vinculantes e as súmulas impeditivas de recursos fazem parte de
um conjunto de reformas feitas pelo legislador visando assegurar a tramitação do
processo dentro de um tempo razoável, racionalizando a atividade judiciária.
Os verbetes sumulares concretizam o princípio da razoável duração do processo
na medida em que impedem que decisões proferidas pelas instâncias inferiores
estejam em dissonância com as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal,
evitando que o processo tramite durante anos e movimente toda a máquina judiciária,
para que, quando bater à porta da Corte Constitucional, tenha seu resultado antevisto.
A súmula impeditiva de recursos, da mesma forma, concretiza o princípio da
razoável duração do processo na medida em que possibilita ao julgador de primeiro
grau o não recebimento do recurso de apelação quando a decisão proferida estiver
em consonância com decisões das Cortes Superiores.
Para fins de racionalização cada vez maior do judiciário, novas medidas visando
maior efetividade ao processo devem ser criadas e seguidas pelos órgãos da justiça,
como forma de desafogar o judiciário, diminuir o número de demandas e o tempo do
processo, concretizando, assim, o princípio da razoável duração do processo.
Abstract: This study aims to analyze the figure of binding precedent and precedent precluding resources
as mechanisms to implement the principle of reasonable duration of the process. For this purpose, initially
analyzes the principle in question, with its insertion in the Brazilian legal system through Constitutional
Amendment 45/2004 as well as the legal context and the reasons that prompted the legislature to
enact such amendment. Right after, the figure will be addressed effectiveness, specifically the virtuous
effectiveness. Then, we will analyze the figure of binding precedents and impeding overviews of resources
individually, relating these two institutes to the principle of reasonable duration of the process, showing that
they are mechanisms that concretize this constitutional principle.
Keywords: Principle of reasonable duration of the process. Procedural Effectiveness. Binding Precedent.
Precedent Precluding Resources.
89
LUZ, Vanessa Lilian. Súmula Vinculante: análise crítica. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27223/
sumula-vinculante-analise-critica/4>. Acesso em: 31 mar. 2014.
90
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v. 3. Bahia:
2009. p. 132.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015 257
Tatiana Alvim Pufal
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se conforma com súmula do STJ ou do STF. Disponível em: <http://www.researchgate.net/
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Conforma_com_Smula_do_STJ_ou_STF>. Acesso em: 31 mar. 2014.
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do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do RS. v. I. Porto Alegre: 2006. Disponível em: <http://
www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/publicacoes/doc/1_
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BASTOS, Márcio Thomaz. Exposição de motivos da alteração da Lei 11276. Disponível em: <http://
www.bmfbovespa.com.br/pdf/Entrevista210907_02.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2014.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Código de Ética da Magistratura Nacional. Diário da Justiça
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DALL’AGNOL, Antonio. Sanção das nulidades pelo Tribunal e inadmissibilidade da apelação contra
sentença que se conforma com súmula do STJ ou STF. In: Cadernos do Centro de Estudos do TJRS. v. 1.
DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento.
11. ed. v. 1. Salvador: JusPodivm, 2009.
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v.
2. Bahia: 2009. p. 398.
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVERIA, Rafael. Curso de direito processual civil. 4. ed. v.
3. Bahia: 2009.
Exposição de motivos da alteração da Lei 11276, de relatoria do ministro da justiça Márcio Thomaz
Bastos. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/pdf/Entrevista210907_02.pdf>.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para
compreensão do tema. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27223/súmula-vinculante-analise-
critica/4>. Acesso em: 31 mar. 2014.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2007.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.
258 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
SÚMULAS VINCULANTES E SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS: MECANISMOS PARA CONCRETIZAR O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL...
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260 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 233-260, jan./mar. 2015
RESENHAS
CALMON DE PASSOS, J. J. A ação
no direito processual civil brasileiro.
Salvador: Editora JusPodivm, 2014.
José Joaquim Calmon de Passos, falecido no ano de 2008, foi professor emérito
da Universidade Federal da Bahia, tendo exercido a advocacia e a carreia de membro
do Ministério Público do Estado da Bahia, inclusive chefiando a instituição. A obra
que aqui se trata foi sua tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia para concorrer à cátedra de Direito Judiciário Civil em 1960. É, pois,
uma grandiosa obra, que, para sorte dos processualistas, está sendo reeditada pela
Editora JusPodivm.
A obra é dividida em 5 (cinco) capítulos: Introdução, Inadmissibilidade, Impro
cedência, Procedência e Conclusões. É um livro com a marca e a personalidade do
autor. Um livro com a objetividade e a profundidade de quem sabe como tratar os
temas. Como se sabe, em uma época que as teses apresentadas na academia
não apresentam grandes novidades para o cenário jurídico, este livro é uma árdua
defesa de uma posição teórica, distinta da vigente na época, pelo saudoso Calmon
de Passos e, portanto, pode e merece ser chamada de tese.
Logo na introdução da obra, Calmon de Passos faz questão de problematizar o
tema da ação. Passa, então, pela discussão do próprio conceito de ação. Começando
pela abordagem da ação como necessária imanência ao direito material, o autor
aborda, ainda, os conceitos de ação como pretensão jurídica autônoma do direito
material exercida em frente ao Estado para quem lesado em seu direito material,
conforme a célebre crítica de Muther para as ideias de Windscheid. Aborda, também,
o conceito de ação como direito subjetivo público do cidadão contra o Estado, teoria
feita por Degenkolb e Plosz nos idos do século XVIII. Conforme diz o autor, há um
regresso ao ponto de partida, da imanência da ação, com a ideia de Pekelis que a
própria ação é o único e verdadeiro direito.
No capítulo de inadmissibilidade, Calmon de Passos inicia seu estudo com o
exemplo da sentença que indefere liminarmente a demanda, seja por inépcia da
petição inicial ou por ilegitimidade da parte. Para Liebman, as demandas em que o
juiz não analisa propriamente o mérito não há que se falar em ação e em exercício
da jurisdição, já que o próprio conceito de jurisdição está umbilicalmente ligado ao de
ação. Liebman diz, então, que há carência de ação. O processualista baiano rechaça
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 263-265, jan./mar. 2015 263
DIOGO BACHA E SILVA
264 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 263-265, jan./mar. 2015
CALMON DE PASSOS, J. J. A ação no direito processual civil brasileiro. Salvador: Editora JusPodivm, 2014.
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TARTUCE, Fernanda. Igualdade e
Vulnerabilidade no Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2012.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 267-269, jan./mar. 2015 267
IGOR PINHEIRO DE SANT’ANNA
268 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 267-269, jan./mar. 2015
TARTUCE, Fernanda. Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 267--269, jan./mar. 2015 269
PEREIRA, Paula Pessoa. Legitimidade
dos precedentes: universabilidades das
decisões do STJ. São Paulo: RT, 2014.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 271-273, jan./mar. 2015 271
Igor Pinheiro de Sant’Anna
272 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 271-273, jan./mar. 2015
PEREIRA, Paula Pessoa. Legitimidade dos precedentes: universabilidades das decisões do STJ. São Paulo: RT, 2014.
Ravi Peixoto
Mestrando em Direito pela UFPE. Membro efetivo da ANNEP. Procurador do Município de
João Pessoa.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 271-273, jan./mar. 2015 273
Instruções para os autores
276 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 23, n. 89, p. 275-276, jan./mar. 2015