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FPI-1ªfreq - Livro: Lições de Finanças Públicas, J. J.


TEIXEIRA RIBEIRO, Coimbra Editora,
Finanças Públicas I (Universidade de Coimbra)

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Finanças Públicas I
Introdução
1. Atividade financeira
a) Necessidades coletivas
Quem diz finanças, diz meios ou instrumentos financeiros, que são o dinheiro e os créditos. Os meios
financeiros têm de se adquirir e servem para se utilizar na compra de produtos e serviços como reserva de valor.
Dai que o objeto das finanças públicas seja o estudo da aquisição e utilização de meios financeiros pelas
coletividades públicas, isto é, pelo Estado, a título originário, e, a titulo derivado, as autarquias territoriais e as
entidades paraestaduais. Nessas coletividades públicas sobressai grandemente o Estado.
O Estado tem as suas finanças porque precisa de fazer despesas com a produção de bens. Mas os bens são
coisas úteis, são considerados aptos para a satisfação de necessidades. Por conseguinte, se o Estado tem as suas
finanças e se as tem em virtude de despesas com a produção de bens, é porque as finanças se destinam a
satisfazer necessidades. Porém, as necessidades que satisfaz não podem ser suas, mas sim dos indivíduos.
Contudo, Estado não satisfaz entre nós muitas necessidades. A maior parte delas são satisfeitas pelos
próprios indivíduos, com bens que produzem ou obtêm por troca, isto é, através de atividade económico-privada;
só algumas são satisfeitas pelo estado através da atividade financeira. Isto compreende-se porque há bens cujo
custo de produção tem de ser coberto pelo Estado.
A satisfação das necessidades faz-se sempre mediante a utilização de bens. Há casos em que, para utilizar os
bens, é preciso procura-los; e outros em que, para os utilizar, basta eles existirem.
Por exemplo, com a necessidade de alimentação, para que uma pessoa se alimente, não chega que os bens
existam, sendo preciso que essa pessoa os procure, que desenvolva uma atividade para os utilizar.
Agora, com a necessidade de defesa do território é diferente. Os habitantes de determinado país sentem a
necessidade de o ter permanentemente defendido contra ataques externos, mediante serviço do exército. Então,
cria-se, o exército, e basta que esse serviço tenha sido criado, basta que exista, para que todos o utilizem, ou seja,
para que todos satisfaçam a sua necessidade de defesa do território.
As necessidades de primeiro tipo, porque exigem, para a sua satisfação, uma certa atividade do consumidor,
são necessidades de satisfação ativa; as do segundo tipo, porque se satisfazem pela mera existência dos bens,
porque não exigem, para a sua satisfação, qualquer atividade do consumidor, são necessidades de satisfação
passiva.
Então, se a necessidade é de satisfação ativa, o produtor dos bens pode exigir um preço pela utilização deles.
Vigora aqui o princípio da exclusão, onde o preço exclui os que não podem ou não querem pagá-lo. Assim, o
padeiro, que fabricou o pão, impede que quem quer o coma sem previamente o ter pago. Isso permite-lhe cobrir
as despesas que a produção importou.
Mas, se a necessidade é de satisfação passiva, o produtor dos bens já não pode exigir pela utilização deles
preço nenhum. Desde que se organizou o serviço do exército, desde que ele existe, passa a ser utilizado por todos
sem pagamento de qualquer preço. O individuo que criou o exército fica com as despesas a seu cargo. Surgindo
assim o problema de saber quem há-de cobrir as despesas com a produção dos bens que satisfazem necessidades
de satisfação passiva.
Há beneméritos e algumas necessidades de satisfação passiva que são por eles filantropicamente satisfeitas.
Outras vezes, os que sentem tais necessidades associam-se e contribuem voluntariamente para a produção dos
bens. Na generalidade dos casos, os que utilizam passivamente os bens só coagidos contribuem para as respetivas
despesas. Com o seu poder de império, o Estado pode obrigar os cidadãos a custear as despesas que a produção
daqueles acarreta. É mediante a intervenção do estado que se consegue obter muitos dos bens que satisfazem
necessidades de satisfação passiva.
Algumas vezes esses bem só podem ser produzidos pelo estado, pois só o estado dispõe dos respetivos
elementos de produção. É o que sucede com o bem redistribuição do rendimento. Se se entende que o
rendimento do país, depois de distribuído, através do mercado, em salários, juros, rendas e lucros, deve ser
redistribuído, de modo a tirar parte do rendimento aos que se julga terem demais, para se transferir aos que se
julga terem de menos, só o estado pode forçar os primeiros as cederem parte do que possuem.
O mesmo acontece com a estabilidade económica. Se se entende que a economia do país deve ser poupada
a grandes desequilíbrios, apenas o Estado pode organizar serviços que adotem as medidas ocorrentes. Quando os
particulares possuem meios para a produção dos bens, o estado paga num preço remunerador.
Estes bens têm a caraterística de serem utilizáveis por todos independentemente de qualquer procura. É a
passividade no consumo, a qual se traduz na impossibilidade de exclusão, isto é, na inexcluibilidade. Ora,
havendo inexcluibilidade, há indivisibilidade no consumo e, portanto, irrivalidade. Se o consumo de um bem é

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inexcluível, não pode dividir-se pelos utentes o consumo que cada um faz. Sendo o consumo indivisível, ele é
igualmente não rival, no sentido de que a utilização do bem por A não impede ou prejudica a sua utilização por B.
Todavia, se os bens cujo consumo é inexcluível são bens cujo consumo é irrival, a reciproca não é verdadeira;
há bens cujo consumo é irrival, sendo, no entanto, excluível. Por exemplo, na sala de um cinema, todos os
espetadores podem consumir simultaneamente a exibição de um filme (o consumo é irrival), para para tal tiveram
de pagar o bilhete de entrada (o consumo é excluível).
Conclui-se que as necessidades de satisfação passiva são satisfeitas com bens cujo consumo é inexcluível e
irrival, e que as necessidades de satisfação ativa são satisfeitas com bens cujo consumo é excluível, podendo ser
rival ou irrival.
Portanto, a inexcluibilidade ou passividade no consumo é mais restrita do que a irrivalidade. Porque as
necessidades de satisfação passiva são satisfeitas com bens cujo consumo é inexcluível, é que a produção destes
bens tem de ser sempre realizada por uma coletividade, daí que se possa chamar coletivas às necessidades que
esses bens satisfazem. Às necessidades de satisfação ativa pode chamar-se individuais.
Além dos bens que, para serem produzidos, tem o Estado de cobrir o seu custo, há os bens que, para serem
produzidos nas condições julgadas convenientes, também tem o Estado de cobrir o seu custo, no todo ou em
parte. São alguns dos bens que satisfazem ao mesmo tempo necessidades coletivas e necessidades individuais.
Como tais bens satisfazem necessidades individuais, necessidades de satisfação ativa, pode-se exigir um
preço, pelo seu consumo, aos que individualmente os utilizam. Mas há casos em que é necessidade coletiva a
satisfação gratuita a satisfação gratuita das necessidades individuais, como o serviço do ensino básico; ou em que
é necessidade coletiva a satisfação das necessidades individuais a preço inferior ao custo dos bens, como os
serviços do ensino superior.

Conclui-se que a passividade no consumo leva o Estado a produzir 3 categorias de bens:


 Os bens que só satisfazem necessidades coletivas;
 Bens que satisfazem, além de necessidades coletivas, necessidades individuais gratuitamente ou a preço
inferior ao custo;
 Bens que satisfazem, além de necessidades coletivas, necessidades individuais a preço igual ao custo, ou a
preço superior ao custo mas inferior ao que no mercado se estabeleceria caso a oferta coubesse às empresas
privadas.
Os bens produzidos pelo estado e que satisfazem necessidades coletivas são sempre bens públicos. Muitos
desses bens satisfazem ao mesmo tempo necessidades de satisfação ativa. Daí que se possa distinguir entre bens
públicos (os que se limitam a satisfazer necessidades coletivas) e bens semipúblicos (os que satisfazem as 2
ordens de necessidades).
Quem decide sobre a existência de necessidades coletivas e sobre a conveniência da sua satisfação é o
Estado, ou seja, são os órgãos do Estado que exercem o poder político, são assembleias representativas e o
Governo. É praticamente certo, pois, que as decisões tomadas pelo Estado nunca traduzem a opinião de todos os
habitantes do país. E quer traduzam a opinião da maioria ou da minoria dos habitantes, são sempre decisões
impostas aos que a uma ou a outra não pertencem.
Então, a escolha das necessidades coletivas a satisfazer pelo Estado é uma decisão de caratér eminentemente
político.
Assim, o estado pretende que sejam satisfeitas determinadas necessidades coletivas, sendo que para tento
propõe-se produzir os bens, mas a produção de bens implica despesas, e o Estado precisa, portanto, de obter
receitas para cobrir essas despesas, isto é, precisa de dinheiro, de meios de financiamento.

b) Meios de financiamento do Estado – o caso das receitas cobradas na produção de bens públicos.
I – Em primeiro, como meio de financiamento do Estado, tem-se os preços dos próprios bens que o Estado
produz, oferece e vende.
Assim, o Estado possui geralmente um património de direito privado, que ele administra com qualquer
particular. Daí resultam rendimentos líquidos (lucros e juros) que podem ser destinados à cobertura das despesas
com a satisfação de necessidades coletivas.
Ainda, o Estado produz bens semipúblicos, e muitas vezes cobra preços pela sua utilização individual. Quando
esses preços forem superiores ao custo, não só ficam cobertas as despesas com a produção dos bens, e portanto,
as despesas com a satisfação das correspondentes necessidades coletivas, como ainda resta um excedente, um
lucro, que pode ser destinado à satisfação de outras necessidades; e quando esses preços forem iguais ou
inferiores ao custo, é a totalidade ou é parte das despesas com a produção que ficam cobertas.
II – Outro meio são os empréstimos. No entanto, uma coisa é o contraimento de empréstimos a que o estado
pode proceder acidentalmente para fazer face a determinadas despesas, outra seria o recurso sistemático ao

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crédito, não só para cobrir todos os anos o grosso das despesas com os bens públicos e semipúblicos, mas ainda
para pagar os juros dos empréstimos vindos dos anos anteriores. Pois este recurso exclusivo ao crédito teria
necessariamente por consequência nas épocas de pleno emprego ou a redução do investimento privado ou a
inflação, e poderia ter por consequência nas épocas de desemprego a redução do investimento privado.
Ora, se o estado só recorrer acidentalmente ao crédito, tem de lançar mão de outro meio de financiamento
para pagar não só os juros dos empréstimos contraídos, como o próprio capital desses empréstimos. Então, o
crédito não é um meio definitivo de financiamento.
III – O principal meio de financiamento, e meio definitivo, são os impostos. Visto que o Estado goza do poder
de império, constrange os cidadãos a contribuir, independentemente de qualquer procura da parte deles, para a
satisfação das necessidades coletivas. É-lhes exigido de forma unilateral, isto é, sem dar nada especificamente em
troca, uma parcela dos seus haveres.
Sob o ponto de vista financeiro, os preços, empréstimos e impostos, são as 3 espécies de receitas do Estado.
Mas sob o ponto de vista jurídico, o que interessa não é a natureza económica da relação que origina a receita, e
sim a fonte, consensual ou legal, da obrigação de quem a paga.
Há receitas que o Estado percebe em virtude de obrigações resultantes de negócios jurídicos, isto é, de
manifestações de vontade de as criar: são as receitas voluntárias; e há receitas que o Estado percebe em virtude
de obrigações impostas aos cidadãos pela lei, de obrigações que têm diretamente origem na ocorrência de
determinados factos: são receitas coativas.
Nem sempre se torna fácil apurar a voluntariedade ou coatividade das receitas através da fonte das
obrigações de que provém. Mais simples é conhecer o processo por que se fixa o seu montante: pode ser fixado
por via de negócio ou por via de autoridade. Se o montante da receita é negocialmente estabelecido, trata-se de
uma receita voluntária, mas se o é autoritariamente já se trata de uma receita coativa.
Para ver se os preços percebidos pelo Estado são receitas voluntárias ou coativas, vê-se se o seu montante é
estabelecido através de negócio jurídico, ou se é fixado na lei ou por força de lei. Assim, os preços dos produtos
florestais que o Estado vende, são estabelecidos por meio de contrato, isto é, com base na vontade das partes, são
então receitas voluntárias; mas as propinas encontram-se determinadas pela lei, são então receitas coativas.
Fundando-nos no critério jurídico, pode-se fazer outra classificação dos meios de financiamento do Estado.
Em primeiro, tem-se preços negocialmente estabelecidos, que o estado recebe pela venda dos produtos do
seu domínio privado e pela prestação de alguns serviços ou bens semipúblicos. São preços que resultam da
exploração dos bens do património privado e da utilização individualizada dos bens do património público.
Constituem, por isso, receitas patrimoniais.
Depois, tem-se preços autoritariamente estabelecidos, que o estado recebe pela prestação de outros serviços
ou bens semipúblicos. São preços geralmente inferiores ou iguais ao custo. Chama-se taxas.
De seguida, tem-se importâncias que o estado preleva sem dar especificadamente nada em troca aos que as
pagam. São os impostos.
Por fim, tem-se as somas que o Estado obtém através do crédito que são os empréstimos.
Ficam nas receitas voluntárias as receitas patrimoniais e os empréstimos, pois são raramente forçados.
Pertencendo às receitas coativas as taxas e os impostos.
Algumas dessas receitas que o Estado cobra na produção de bens públicos são receitas que ele, embora as
não arrecade com o fim de cobrir despesas, a isso as destina logo. É o que acontece com direitos alfandegários: o
estado, embora os tenha percebido com fins protetores, emprega-os seguidamente na produção de bens públicos.
Porque as próprias receitas cobradas na produção de bens públicos são ou acabam por ser meios de
financiamento, pode-se definir atividade financeira a atividade do estado proposta à satisfação de necessidades
coletivas e concretizada em recitas e em despesas.

2. Finanças Públicas e Finanças Privadas


a) O Estado dispõe de impostos
O Estado tem as suas finanças, mas também têm as suas finanças os particulares. Há assim finanças públicas
e finanças privadas.
A empresa privada produz bens, faz despesas, tem de financiar essas despesas, então, os meios de
financiamento da empresa privada são os preços recebidos em troca dos bens que produz.
O estado também recebe preços, também ele os destina à cobertura das despesas com a produção dos
respetivos bens, e até de outros bens, quando há lucros, que dos preços saem. Esta similitude confina-se às
franjas das finanças públicas, uma vez que o Estado cobre a maior parte das suas despesas com um meio de que
ele só dispões, que é a receita dos impostos.
Os impostos são um meio de financiamento específico, próprio do Estado, que nenhuma empresa privada
pode utilizar.

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Na raiz dos meios de financiamento da empresa privada está sempre uma relação de troca: os preços
representam a contraprestação, presente ou futura, das mercadorias que as empresas fabricam e vendem.
O financiamento do Estado também se realiza com receitas obtidas por atos de troca, mas só em pequena
medida, pois a maior parte dos recursos aplicados à cobertura das despesas públicas provêm da cobrança de
impostos. E os impostos já não resultam de relações de troca.
O Estado exige o cidadão paga, sem que dai nasça para o Estado a obrigação de dar nada ao contribuinte.

b) Nas finanças do Estado não são as receitas que determinam as despesas


Uma qualquer empresa precisa de reconstituir, através da venda dos produtos e serviços, o valor dos capitais
fixos e circulantes utilizados na produção. Dai resulta que tenha de pautar as suas despesas pelas receitas que
pode obter.
Com o estado não sucede assim, pois este pode lançar impostos, obrigando o cidadão a entregar-lhe, sem
contrapartida, parcelas do seu rendimento ou capital, tendo, portanto, nas suas mãos um poderoso meio de
financiamento. Daí que as despesas do Estado já não estejam subordinadas às suas receitas: ele pode cobrar
receitas na medida das despesas que se propõe realizar.
Tem-se contraposto as finanças privadas às finanças públicas dizendo que, naquelas, são as receitas que
determinam as despesas, enquanto nestas, são as despesas que determinam as receitas. Mas se isso é exato
quanto às finanças privadas, não o é quanto às finanças públicas. À medida que o Estado aumenta os impostos, vai
também aumentando a resistência dos contribuintes, e, a certa altura, a resistência de uns e outros torna-se tão
forte que o Estado tem de a acatar, deixando de prosseguir no agravamento dos impostos.
As despesas só poderiam determinar as receitas dentro dos limites que põe ao aumento dos impostos a
resistência vitoriosa dos contribuintes.
O estado não se desinteressa hoje do efeito das receitas e despesas sobre a economia do país. Daí que nem
as suas despesas sejam fixadas sem tomar em conta as consequências da cobrança de receitas, nem sejam fixadas
as suas receitas sem tomar em conta as consequências da realização de despesas. O Estado determina as receitas
e as despesas em ordem aos fins que pretende atingir.
Então, o que é exato é umas distinguirem-se das outras por nas finanças públicas não serem, e serem nas
finanças privadas, as receitas que determinam as despesas.

c) O Estado propõe-se satisfazer necessidades


A empresa procura produzir os bens de modo que as despesas sejam mínimas e procura vende-los de modo
que as receitas sejam máximas. Tudo porque a empresa se propõe obter lucros.
O Estado também produz bens, também faz despesas, também tenta reduzir ao mínimo as suas despesas.
Mas o Estado ou não vende os bens que produz (caso dos bens públicos), ou vende-os a um preço que não é
estabelecido com mira de lucro, e sim com a mira da satisfação das necessidades individuais (caso dos bens
semipúblicos). Então, o Estado ou não pode propor-se, ou não se propõe a receitas superiores às despesas.
Por fim, as finanças da empresa preordenam-se à obtenção de lucros, já as finanças do Estado preordenam-
se à satisfação de necessidades.

3. Ciência das finanças e direito financeiro


a) Finanças Positivas e Finanças Normativas
A Ciência das Finanças estuda a atividade financeira, isto é, uma atividade do Estado que se exprime em
receitas e despesas. A atividade financeira só pode ser devidamente compreendida quando postas as receitas e as
despesas em relação com as finalidades que o Estado pretende atingir.
O estudo das finanças desdobra-se, assim, no estudo do que é, da ação desenvolvida pelo Estado para a
satisfação de necessidades coletivas, e no estudo do que convém ser, da ação mais adequada para a satisfação de
tais necessidades. Sob o primeiro aspeto, trata-se de finanças positivas, que fazem a teoria da realidade,
observando e explicando as uniformidades do comportamento do Estado. Sob o segundo aspeto, trata-se de
finanças normativas, que enunciam as regras, as normas, a que o Estado deve subordinar-se para o melhor
conseguimento dos fins. Essas regras ou normas constituem a política financeira.
Tudo isto é ciência, uma vez que nenhum juízo de valor se formula sobre os fins do Estado. A escolha das
necessidades a satisfazer é obra dos governantes, e não obra dos homens da ciência.

b) Política financeira: finanças neutrais e finanças intervencionistas – as finanças funcionais


A principio não figurava entre os fins do Estado o de interferir na economia privada. O estado não devia, pois,
cobrar receitas e pagar despesas com o fim de alterar a procura e a oferta dos produtos e dos elementos

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produtivos pelos particulares, nem de corrigir a distribuição de rendimentos que dai resultava; o Estado devia
cobrar receitas apenas para cobrir despesas, e fazer despesas apenas com aqueles bens estritamente
indispensáveis cuja produção os particulares não tivessem interesse em empreender.
Foi a época das finanças neutras, quesão aquelas que não modificam as posições relativas dos particulares, e
que tiram a cada individo, através da cobrança de impostos, tanta utilidade quanta a que lhe restituem atrvés da
prestação de bens públicos. Quando for relativamente pequeno o volume das receitas e das despesas do estado,
as finanças pouco incidem sobre a atividade económica e a distribuição dos rendimentos, pelo que podem
considerar-se neutrais.
Assistiu-se depois ao crescente alargamento da ação do Estado, ao aumento progressivo das receitas e
despesas públicas, e dai que as finanças fossem perdendo cada vez mais a sua primitiva neutralidade. Também
porque o Estado passou a interferir frequentemente na vida económica com os seus instrumentos financeiros.
Entrou-se, assim, na era das finanças intervencionistas, isto é, das finanças que pretendem modificar as condições
da economia privada. É sobretudo nesses dominios da vida económica que as finanças públicas procuram hoje
interferir.
O Estado, através delas, propõe-se atualmente, além de multiplas finalidades que não visam a ingerência no
funcionamento da economia privada, as 3 principais seguintes:
 Resdistribuição do rendiemento e da riqueza a favor dos que têm os rendimentos mais pequenos.
 Estabilidade económica, isto é, estabilidade do emprego e do nível dos preços a curto prazo. Pretende-se
que o rendimento nacional não sofra grandes quebras em termos reais, e para isso o estado procura
atenuar as fases de depressão ou de recessão a que estão sujeitas as economias capitalistas
desenvolvidas; nem sofra grandes incrementos em termos meramente nominais, e para isso o estado
procura evitar ou, pelo menos, atenuar os processos inflacionistas.
 Desenvolvimento económico, isto é, aumento do rendimento potencial a longo prazo, de modo que possa
aumentar o mais possivel o rendimento por habitantes, a capitação do rendimento. Pretende-se que à
ausencia de consideráveis depressões e fortes inflações se associe a subida da capacidade de produção.
São estes os 3 objetivos capitais das finanças intervencionistas. E como são objetivos cujo conseguimento
mobiliza todas as espécies de instrumentos financeiros, daí que hoje se fala frequentemente em finanças
funcionais, para traduzir a ideia de que a escolha desses instrumentos, a escolha das receitas e despesas públicas,
deve basear-sena maneira como cada uma delas funciona, isto é, nos efeitos que exerce sobre a economia
nacional.
Nem sempre as finalidades se mostram compativeis.
Quando surja incompatibilidade de objetivos, tem o Estado de decidir qual deles vale mais, qual deve ser
preferido. Ora os factos mostram que o Estado opta geralmente pelo desenvolvimento económico, preferindo-o
tanto à estabilidade como à redistribuição.

4. Noção e funções do orçamento


a) O orçamento do Estado: autorização; regra da anualidade; orçamento da gerência e orçamento
do exercício.
Não é possível fazer despesas sem receitas correspondentes. Daí que o estado tenha de prever as suas
despesas para saber as receitas de que precisa, e tenha de prever as suas receitas para saber se bastam a cobrir as
despesas. O documento onde as receitas e despesas se encontram previstas chama-se orçamento.
“O orçamento geral do Estado é o documento onde são previstas e computadas as receitas e as despesas
anuais, competentemente autorizada.”
Esta definição dá 2 elementos de qualquer orçamento, seja público ou privado: a previsão e a limitação no
tempo, e o elemento próprio do orçamento do estado que é a autorização.
O orçamento é sempre um mapa de previsão. As receitas e despesas que dele constam não são passadas,
nem atuais, mas futuras. O orçamento confina-se a determinado período: é a limitação no tempo. Todavia, o
orçamento do estado é um mapa de receitas cuja obtenção e de despesas cuja realização têm de ser autorizadas
pelas assembleias representativas.
Então, o orçamento do Estado é o documento onde se preveem as receitas e despesas públicas autorizadas
para o período financeiro.
O período de validade, de vigência, do orçamento do Estado é geralmente o período financeiro de um ano,
sendo então o orçamento é uma previsão anual. É um período de um ano porque os indivíduos referem ao ano a
contabilidade das suas empresas. Sendo assim, o estado também refere ao ano a contabilidade da sua
organização. Daí a regra da anualidade orçamental.
No nosso país, o período financeiro é de um ano e começa em 1 de janeiro para terminar em 31 de
dezembro, coincidindo então com o ano civil.

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No orçamento prevêem-se as receitas e despesas do período financeiro. No entanto, podemos ter orçamento
da gerência ou orçamento do exercício.
Em contabilidade, entende-se por gerência o conjunto de cobranças e de pagamentos num determinado
período; e por exercício, o conjunto de cobranças e de pagamentos resultantes de créditos e de dívidas nascidos
num determinado período.
O orçamento da gerência é aquele em que se preveem as receitas que o Estado irá cobrar e as despesas que
irá pagar durante o período financeiro. É uma previsão de receitas e de despesas na sua fase terminal de
cobranças e de pagamentos.
O orçamento do exercício é aquele em que se preveem as receitas que o Estado irá cobrar e as despesas que
irá pagar em virtude dos créditos e das dívidas que irão surgir a seu favor e conta si durante o período financeiro. É
uma previsão de receitas e de despesas na sua fase inicial de créditos e de dívidas.
Não há coincidência entre os dois orçamentos.
Desde que os 2 orçamentos não coincidem, podendo haver até, consideráveis divergências entre as receitas e
as despesas inscritas em cada um deles, põe-se um problema de escola que é de se no orçamento deverão prever-
se as receitas e despesas que se irão cobrar e pagar no respetivo período, ou as receitas e despesas cujos créditos
e dívidas irão surgir.
O orçamento do exercício permite o confronto entre o montante das dívidas e dos créditos que irão surgir
contra e a favor do Estado durante o período financeiro, isto é, permite saber se as importâncias de que o Estado
se vai tornar credor são ou não suficientes para cobrir as importâncias de que se vai tornar devedor.
Todavia, o orçamento do exercício não nos diz qual virá a ser durante o período a situação da caixa do Estado,
a situação do tesouro Público. Essa situação dependerá das entradas e saídas de dinheiro.
Ora, é essa uma grande vantagem do orçamento da gerência, pois que, sendo uma previsão das cobranças e
dos pagamentos a fazer no período, permite ao governo regular o serviço da Tesouraria, de modo que a esta não
falte o dinheiro, nas épocas em que os pagamentos excedam as cobranças, nem o dinheiro sobre em demasia, nas
épocas em que as cobranças excedam os pagamentos.
A contabilização do exercício é muito mais complicada e trabalhosa do que a contabilização da gerência.
O orçamento é uma previsão, e se o é, distingue-se da conta, porque esta é uma efetivação. O orçamento
respeita ao futuro, já a conta respeita ao passado: é o registo das receitas arrecadadas e das despesas pagas.
Se o orçamento é uma previsão, distingue-se ainda do balanço, que é o quadro de uma situação patrimonial
existente, é o confronto entre o ativo e o passivo de um património em determinado momento.
São muito diferentes os elementos que constam do balanço do Estado e do seu orçamento. No balanço
inscrevem-se, em geral: do lado ativo, o valor dos bens do domínio privado e do domínio público, o dinheiro em
cofre ou em depósito, os créditos; do lado do passivo, o capital dos empréstimos contraídos, os fundos de
amortização de bens duradouros, as dívidas resultantes da compra de produtos ou serviços. Enquanto no
orçamento inscrevem-se, de um lado, as receitas e, do outro, as despesas.

b) Funções do orçamento.
São 3 as funções que o roçamento desempenha: relacionação das receitas com as despesas, fixação das
receitas e exposição do plano financeiro.
A 1ª função é a relacionação das receitas com as despesas, pois o Estado tem de orçar as suas despesas e as
suas receitas a fim de se assegurar de que estas bastam a cobrir aquelas.
Mas se as receitas têm de cobrir as despesas, então, há que fixar o montante destas últimas.
Ora, o total das despesas é a soma das despesas de todos os serviços do Estado. De modo que, se as
despesas de cada um dos serviços estiverem fixadas, estará fixado o total das despesas. A cada um dos serviços
são atribuídas verbas de despesas, que representam autorizações de gastar e que, por isso mesmo, se chamam
créditos. O orçamento das despesas é, assim, uma série de aberturas de créditos aos serviços. E como estes têm
de confinar as suas despesas aos créditos que lhes foram assinados, o total das despesas é dado pela soma dos
créditos orçamentais. Eis a 2ª função do orçamento, que é a fixação das receitas.
Isso mostra que o orçamento das despesas não tem o mesmo significado, a mesma natureza que o das
receitas.
Pois, o orçamento das receitas é simples cálculo ou estimativa. Tudo dependerá de circunstâncias futuras.
Mas, o orçamento das despesas, já não é, nem pode ser, assim. As verbas nele inscritas correspondem às
importâncias que se prevê os séricos precisam de gastar. Nunca os serviços poderão fazer despesas de montante
superior ao dos créditos orçamentais.
Quer dizer que enquanto o orçamento das receitas é pura previsão de cobranças, o orçamento das despesas
é revisão de gastos que os serviços não podem ultrapassar.

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O orçamento não desempenha apenas as suas funções de relacionar as receitas com as despesas e de fixar as
despesas. Pois, através da previsão destas, fica a saber-se quanto o Estado se propõe despender com a
organização e funcionamento de cada um dos serviços. O orçamento representa, portanto, o próprio programa
financeiro. É nele que se concretiza o plano da Administração: o desenvolvimento que vai dar-se ou as restrições
que vão pôr-se à atividade dos serviços, bem como a importância dos recursos que vão transferir-se do setor
privado para o setor público. Aqui tem-se, por conseguinte, a 3ª função do orçamento: exposição do plano
financeiro.
Às 2 primeiras funções do orçamento faz referência a Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado.

5. Regras da organização do orçamento


a) As regras clássicas: unidade, especificação, não-compensação (universalidade) e não-
consignação.
As funções do orçamento são os seus fins. Para os atingir, há que organizá-los de acordo com determinadas
regras. E desde há muito que foram enunciadas as regras a que deve subordinar-se a forma e p conteúdo do
orçamento. Por isso se dizem regras clássicas.
O orçamento serve para relacionar as receitas com as despesas. É conveniente, portanto, que ambas sejam
previstas no mesmo documento, assim, sabe-se logo qual o montante total das despesas, e se o montante total
das receitas é suficiente para as cobrir.
Por outro lado, o orçamento expõe o plano financeiro. Ora, aprende-se melhor um plano quando ele consta
de um único documento do que quando se dispersa por vários.
Eis as 2 razões que justificam a regra da unidade: as receitas e despesas do Estado devem ser inseridas em
um único documento.
Pode fazer-se apenas uma previsão do total das despesas de cada serviço ou grupo de serviços, e uma
previsão do total de cada género ou categoria de receitas; ou fazer-se uma previsão de cada uma das várias
espécies de receitas e de cada uma das várias espécies de despesas.
No entanto, se as receitas e as despesas fossem previstas em globo e não discriminadamente, o orçamento
não nos indicaria as diversas fontes donde o Estado vai tirar os seus recursos nem os diversos gastos de cada
serviço público há-de realizar. Quer dizer que não teríamos, verdadeiramente, uma exposição do plano financeiro.
Daí, a segunda regra da organização do orçamento: as receitas e as despesas devem ser previstas
especificadamente. É a regra da especificação.
A especificação não pode ser levada às últimas consequências, pois os serviços perderiam toda a iniciativa,
toda a possibilidade de se adaptarem as circunstâncias.
Mas as receitas e as despesas, apesar de inscritas discriminadamente no mesmo documento, podem ser
orçamentadas pela sua importância liquida ou pelo seu montante bruto.
É que a cobrança das receitas implica sempre despesas, e a realização das despesas proporcionam, por vezes,
receitas acessórias.
Assim, o imposto é receita, mas para o obter, o Estado precisa de fazer despesas – por exemplo, despesas de
lançamento e cobrança. Pode inscrever-se no orçamento das receitas o produto do imposto (receita bruta)
inscrevendo-se no orçamento das despesas os gastos com os serviços encarregados do seu lançamento e cobrança
(despesa bruta); ou pode inscrever-se apenas no orçamento das receitas o produto do imposto deduzido das
despesas com a sua obtenção (receita liquida).
E o que acontece com as receitas sucede com algumas despesas.
O orçamento pode ser de receitas e despesas brutas – o orçamento bruto; ou de receitas e despesas liquidas
– orçamento líquido.
Simplesmente, o orçamento liquido não permite a fixação das despesas públicas.
É que, se as receitas forem compensadas pelas despesas e as despesas pelas receitas, não se estabelecerá o
montante das despesas.
Então, com o orçamento liquido, não se consegue a fixação das despesas, a qual constitui uma das finalidades
do orçamento do Estado.
Portanto, as receitas e as despesas devem ser inscritas no orçamento sem qualquer compensação ou
desconto: é a regra do orçamento bruto; que se traduz em que as receitas e as despesas devem ser todas
orçamentadas: é a regra da universalidade. No entanto, a estrita obediência à regra da universalidade pode levar
a desperdícios.
A fixação das despesas, sendo a fixação do montante dos gastos que se prevê os serviços precisam de fazer,
exige que as receitas se destinem indistinta ou indiscriminadamente à cobertura de todas as despesas. Se se
afetar uma receita À cobertura de determinada despesa, como a receita pode não ser cobrada ou ser cobrada em

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menos do que o previsto, assim poderá ter de ser nula ou menor do que a importância do crédito inscrito no
orçamento a despesa que por força daquela receita se irá realizar.
Por isso, a fixação das despesas, exigindo obediência à regra da universalidade, exige ainda a obediência a
uma outra regra, que é a regra da não-consignação, segundo p qual as receitas devem ser indiscriminadamente
destinadas à cobertura das despesas, e não quaisquer receitas afetadas à cobertura de despesa em especial.

b) Violações das regras


I- Consignação de receitas – a autonomia financeira
II- Pluralidade orçamental
1) Orçamentos de serviços autónomos
2) Orçamento ordinário e orçamento extraordinário
3) Orçamento corrente e orçamento de capital

São estas as quatro regras clássicas da organização do orçamento. O facto, porém, é que duas delas (regra da
não consignação e a regra da unidade) têm sido frequentemente, e sobretudo nos últimos tempos, objeto de
largas violações em muitos países.
Aparecem, por um lado, receitas consignadas e, por outro, vários orçamentos.
No que toca às receitas consignadas, vejamos primeiro, quando é que há verdadeiramente consignação de
receitas para efeitos de contabilidade pública.
O Estado cria um serviço, o que vai traduzir-se em aumento de despesas. Se estas aumentam, têm de
aumentar correlativamente as receitas. Por isso, o Estado cria também um imposto. Porém, não estamos perante
uma consignação. Em primeiro, porque as receitas daquele imposto poderão destinar-se indiferentemente à
cobertura de quaisquer despesas, e depois, porque as despesas deste serviço público poderão realizar-se na
medida em que foram previstas, e não apenas até à ocorrência das receitas que vier a produzir o tributo.
Mas suponhamos que o Estado, além de criar o imposto, estabelece que as suas receitas ficam afetadas à
cobertura das despesas do novo serviço. Se assim acontecer, então já haverá consignação.
É o que se chama de duplo cabimento: havendo consignação de receitas, as despesas terão de caber não só
nos créditos orçamentais (primeiro cabimento), mas ainda no produto das receitas que lhes foram afetadas
(segundo cabimento).
Donde se conclui que a consignação tanto pode traduzir-se numa situação de favor, como numa situação de
desfavor, para as respetivas despesas.
Numa situação de favor, ou seja, se o produto das receitas consignadas iguala ou excede o montante previsto
das despesas, as despesas têm asseguradas a sua cobertura, seja qual for a situação financeira do Estado.
Numa situação de desfavor, isto é, se o produto das receitas consignadas vem a ser menor que o montante
previsto das despesas, o serviço não pode realizar todas as despesas previstas, mas apenas as que são permitidas
pelo produto das receitas.
A consignação de receitas faz-se, ou para assegurar a cobertura de certas despesas ou para limitar certas
despesas ao montante de certas receitas.
Simplesmente, os serviços que têm receitas consignadas podem gozar ou não de autonomia financeira.
Podemos, então, distinguir 3 situações típicas:
1) A dos serviços dependentes, que são os que carecem de autonomia administrativa, pelo que não podem
praticar atos definitivos e executórios, nomeadamente autorizar despesas e pagamentos;
2)A dos serviços com autonomia administrativa, que são os que podem praticar atos de gestão definitivos e
executórios, entre os quais autorizar as respetivas despesas e os pagamentos, mas com créditos inscritos no
Orçamento do Estado;
3)A dos serviços com autonomia financeira, que são os que, além de gozarem de autonomia administrativa,
dispõem de receitas próprias, o que lhes permite autorizar, com essas receitas, os pagamentos das despesas
previstas em orçamento seu.
A autonomia financeira consiste em ter receitas próprias e orçamento próprio. Esta tanto é compatível com a
observância como com a violação da regra da unidade.

Haverá pluralidade orçamental sempre que as receitas e despesas do Estado não aparecem em um único
documento, mas em vários. Com efeito, a unidade do orçamento é a unidade do documento de que ele consta.
Essa unidade pode sere quebrada com base na distinção entre despesas ordinárias e despesas extraordinárias.
Há despesas que presumivelmente se repetirão em todos os períodos financeiros, despesas que constituem
como que encargos permanentes do Estado: despesas ordinárias.

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E há despesas que não é natural repetirem-se em todos os períodos, despesas que geralmente nem sequer
pode prever-se, ao orçá-las, se ou quando voltarão a surgir: despesas extraordinárias.
Por exemplo, o Estado faz este ano despesas com o pessoal dos serviços públicos, e certamente voltará a
fazê-las no ano próximo e nos anos seguintes; e faz despesas com a construção de edifícios, e não é nada
presumível que os precise de reconstruir nos anos imediatos. Temos, assim, despesas ordinárias na primeira
situação, e despesas extraordinárias na segunda.
Mas, assim como há despesas, também há receitas permanentes e receitas ocasionais.
Sim, há receitas que o Estado cobra este ano e com toda a probabilidade voltará a cobrar nos anos seguintes:
receitas ordinárias. É o que acontece com as receitas patrimoniais, com as taxas e com os impostos permanentes.
E há receitas que o Estado obtém este ano e com toda a probabilidade não voltará a obter nos anos
seguintes, ou, pelo menos, não se sabe quando voltará a obtê-las: receitas extraordinárias. É o que acontece com
as vendas de valores patrimoniais, com os empréstimos e com os impostos não permanentes, isto é, com os
impostos que o Estado só se propõe cobrar durante um ano ou poucos anos.
Ora, têm alguns entendido que as despesas ordinárias devem ser cobertas com receitas ordinárias, e que as
despesas extraordinárias devem ser cobertas com receitas extraordinárias. E logo por esta razão:
 Se se cobrirem despesas ordinárias com receitas extraordinárias, haverá excesso das despesas ordinárias
sobre as receitas totais nos anos em que o Estado não disponha de receitas extraordinárias.
 Se se cobrirem despesas extraordinárias com receitas ordinárias, haverá excesso de receitas ordinárias
sobre despesas totais nos anos em que o Estado não faça despesas extraordinárias;

Para fugir, portanto, à falta de receitas, no primeiro caso, e ao seu excesso, no último, é preciso que o Estado
financie as despesas ordinárias com as receitas também ordinárias, e as despesas extraordinárias com as receitas
igualmente extraordinárias.
Daí, a organização de dois documentos orçamentais: um em que se prevejam as despesas e receitas
permanentes do Estado – o orçamento ordinário; e outro em que se prevejam as suas despesas e receitas não
permanentes – o orçamento extraordinário. Daí, portanto, violação da regra da unidade.
Pode haver, assim, um montante ordinário de despesas extraordinárias. Chama-se, por isso mesmo, a estas
despesas que não retornam em espécie, mas retomam em género, despesas extraordinárias recorrentes. Isto é,
despesas extraordinárias que no seu montante se repetem.
Ora, as despesas extraordinárias recorrentes também devem ser cobertas com receitas ordinárias. Na
verdade, elas também constituem despesas permanentes.
Pretende evitar-se, com o equilíbrio entre despesas e receitas ordinárias e despesas e receitas
extraordinárias, que o Estado venha a sofrer, no futuro, de falta ou de excesso de receitas.
Finalmente, esta regra ainda pode ser violada com base na destrinça entre despesas correntes e despesas de
capital.
Despesas correntes são as que o Estado faz em bens consumíveis durante o período financeiro, ou que se vão
traduzir na compra de bens consumíveis (ex. despesas com vencimentos).
Despesas de capital são as que o Estado faz em bens duradouros, ou que contribuem para a formação de
aforro. Despesas que o Estado faz que aumentam a capacidade do país.
Mas, assim como há despesas, também há receitas correntes e receitas de capital.
Receitas correntes são as que provêm do rendimento do próprio período. É o caso das receitas patrimoniais,
das taxas e dos impostos.
Receitas de capital são as que provêm do aforro. É o caso dos empréstimos. Receitas do Estado que provêm
do aforro dos particulares.

Consumo
Rendimento Investimento
Aforro
Entesourar

Ora, há quem entenda que se devem organizar dois documentos orçamentais: um, em que se prevejam as
despesas em bens consumíveis e as receitas que provêm do rendimento- o orçamento corrente; e outro em que
se prevejam as despesas em bens duradouros e as receitas que provêm do aforro – o orçamento de capital.
Num orçamento corrente figuram, como despesas, os gastos com a aquisição de bens consumíveis, as
transferências correntes e as quotas da amortização dos bens duradouros. Como receitas, figuram num orçamento
corrente as receitas patrimoniais, as taxas e os impostos, e ainda as transferências correntes.

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Por sua vez, figuram num orçamento de capital: como despesas, as despesas de bens duradouros, os
empréstimos a conceder ao Estado, o reembolso dos empréstimos que o Estado contraiu e as transferências de
capital a favor de entidades públicas ou privadas; e, como receitas, as quotas de amortização dos bens
duradouros, o reembolso dos empréstimos que o Estado concedeu, os empréstimos a contrair pelo Estado e as
transferências de capital.
O défice do orçamento de capital iguala, e tem de igualar, o superave do orçamento corrente. As despesas
são cobertas ou com receitas correntes ou com receitas de capital. Por conseguinte, as despesas de capital que
não forem cobertas com receitas de capital (défice do orçamento de capital) têm de o ser com receitas correntes
que não cubram despesas correntes (superave do orçamento corrente).

c) As regras da organização do orçamento português

6. Equilíbrio Orçamental
a) Os vários conceitos de equilíbrio
Nos termos do art. 108º/4, CRP, o Orçamento “prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas”, bem
como “o Orçamento do Estado deve prever os recursos necessários para cobrir todas as despesas”.
Então, hão-de prever-se receitas bastantes para satisfazer as despesas previstas; isto é, o orçamento há-de
estar, pelo menos, equilibrado.
O orçamento apresenta-se sempre, portanto, ou com receitas iguais ou com receitas superiores às despesas,
isto é, ou equilibrado ou superavitário. Não se concebe um orçamento com receitas inferiores às despesas.
Todavia, fala-se frequentemente no défice do orçamento. Pode haver défice mesmo quando as receitas são iguais
ou superiores às despesas; é que o equilíbrio orçamento não se define pelo equilíbrio entre todas as despesas e
todas as receitas, mas pelo equilíbrio entre certas despesas e certas receitas.
1) Equilíbrio entre despesas efetivas e receitas efetivas: Em primeiro tem-se as despesas que diminuem
(despesas efetivas) e receitas que aumentam (receitas efetivas) o património do estado. Se o montante de uma e
outras for igual, o Estado chegará ao termo da execução do orçamento com o mesmo património que tinha no sei
inicio.
Entendia-se que as despesas públicas, salvo os reembolsos de empréstimos, se traduziam sempre em
diminuição do património do estado: tanto as despesas em bens consumíveis como as despesas em bens
duradouros. Os bens duradouros do Estado não davam rendimento e, portanto, não tinham valor de exploração.
Como entre as receitas efetivas (receitas patrimoniais, taxas e impostos) e as despesas não-efetivas, as
despesas que não diminuem o património do Estado (reembolsos de empréstimos), nem sempre aparecem e
quando aparecem em geral representam pouco – praticamente o equilíbrio do orçamento era dado pela igualdade
entre as despesas totais e os impostos.
Eis a conceção tradicional, a conceção clássica, do equilibro do orçamento. A cobertura de todas as despesas
com os impostos não significava apenas manutenção do património do estado; também significava neutralidade
das finanças.
Se os impostos igualassem as despesas públicas, teríamos um montante destas idêntico à redução das
despesas privadas. Não aumentavam nem diminuíam as despesas totais. A neutralidade das finanças exigia o
equilíbrio do orçamento.
Os impostos subtraiam rendimentos que os contribuintes destinariam a consumo e também a aforro, o que
prejudicava o investimento, a formação de capital, uma vez que os rendimentos que os contribuintes destinariam
a aforro iriam ser totalmente gasto pelo Estado em consumo público. Então, a par do equilíbrio do orçamento,
preconizava-se a redução das despesas ao mínimo.
Se houvesse défice, isto é, se as receitas dos impostos não chegasse para cobrir a totalidade das despesas, o
Estado haveria de lhe fazer face mediante empréstimos: ou empréstimos contraídos junto do banco emissor, que
os concederia emitindo notas (teríamos inflação); ou empréstimos a longo prazo junto do público, onde teríamos
que o aforro dos particulares, em vez de ser transformado em capital das empresas, seria gasto na compra de
bens que o Estado iria necessariamente consumir. Portanto o défice do orçamento ou provocava inflação ou
impedia a formação de capital, isto é, o investimento.
Para que as finanças não prejudicassem sensivelmente a estabilidade e o progresso da economia nacional era
preciso que o orçamento estivesse equilibrado.
Tornou-se norma de boa administração financeira o equilíbrio do orçamento. Mas o equilíbrio despesas
totais-impostos limitava as despesas ao montante dos tributos que o Estado pudesse cobrar. Como os
contribuintes resistiam ao aumento dos impostos, o Estado, para manter o equilíbrio, via-se muitas vezes forçado

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a renunciar à realização de despesas cuja utilidade era inquestionável. Daí que se procurasse um conceito que
permitisse cobrir com empréstimos parte das despesas públicas.

2) Equilíbrio entre despesas ordinárias e receitas ordinárias : Se as receitas ordinárias igualarem as


despesas ordinárias, haverá equilíbrio entre receitas e despesas periódicas – entre as receitas e despesas que o
Estado haverá de cobrar e de fazer todos os anos, haverá equilíbrio entre as receitas que a geração presente paga
e as despesas de que só ela beneficia.
As despesas ordinárias, porque terão de repetir-se todos os períodos financeiros, esgotam a sua utilidade
dentro de cada um dos períodos em que são realizadas. Pelo contrário, as despesas extraordinárias, porque não
terão de repetir-se em todos os períodos financeiros, oferecem uma utilidade duradoura, que se prolonga para
além do ano em que são feitas.
Assim, haverá equilíbrio entre encargos e benefícios se a geração existente em cada ano pagar as despesas
cuja utilidade a cada ano se limita. O pagamento, em cada ano, das despesas de utilidade passageira traduz-se em
cobrança de receitas que hão-de repetir-se todos os anos e que serão receitas ordinárias: receitas patrimoniais,
taxas e impostos permanentes; o pagamento das despesas de utilidade duradoura só pode conseguir-se através
da cobertura dessas despesas com empréstimos, que são receitas extraordinárias: os empréstimos distribuem os
seus encargos de juros e amortização pela geração atual e pelas futuras.
Aqui temos as situações de equilíbrio: receitas ordinárias – despesas ordinárias; receitas extraordinárias
(empréstimos) – despesas extraordinárias.
O conceito de equilíbrio do orçamento ordinário tornou-se de aplicação difícil. Fica sempre uma vasta gama
de despesas sobre as quais é legítimo discutir-se a categoria em que devem ser incluídas. Quem decide o
problema é o governo.

3) Equilíbrio entre despesas correntes e receitas correntes: Se as receitas correntes igualarem as


despesas correntes, haverá equilíbrio entre a redução e o aumento do consumo resultantes da atividade
financeira.
As receitas correntes procedem do rendimento; ora, se se admitir que os impostos são sempre pagos com
rendimento e com rendimento que de outro modo se destinaria a consumo, temos que as receitas correntes
constituem receitas subtraídas ao consumo dos particulares. Como as despesas correntes são despesas em
consumo, se houver equilíbrio entre elas e as receitas correntes, o aumento do consumo público igualará a
diminuição do consumo privado. A atividade financeira não afetará o nível do consumo.
Consequentemente, não afetará o nível do aforro: ao equilíbrio do orçamento corrente corresponde o
equilíbrio do orçamento de capital.
O superave do orçamento corrente, sendo o excesso das receitas correntes sobre as despesas em consumo,
dá o aforro do Estado, público: ou o aforro liquido, se nas despesas correntes figuram as quotas de amortização;
ou o aforro bruto, no caso contrário. O défice do orçamento corrente, sendo o excesso das despesas em consumo
sobre as receitas correntes, dá o desaforro público, líquido ou bruto.
O equilíbrio do orçamento passou a ser definido em função dos efeitos das finanças sobre o consumo e
aforro. Com a vantagem de assentar, por um lado, numa distinção das despesas menos fluida que a anterior; e de
dar, por outro, uma justificação para o contraimento de empréstimos que é aceitável pelo grande público.

b) Apreciação – preferência da nossa lei pelo equilíbrio do orçamento primário


As 3 conceções do equilíbrio orçamental têm consagração em leis e adeptos nos financistas, com predomínio
ainda da primeira. Atualmente já não se atribui caráter de neutralidade ao equilíbrio despesas totais – impostos,
visto hoje saber-se que os impostos reduzem em menos do que o seu montante as despesas privadas; nem se
atribuem efeitos sempre nocivos à cobertura de despesas públicas com empréstimos.
Das 3 conceções há uma que logo falha gravemente pelas suas premissas: é a do equilíbrio despesas
ordinárias – receitas ordinárias, como equilíbrio entre encargos e benefícios. Não se demostra que os
empréstimos públicos transfiram da geração atual para as gerações futuras os encargos das despesas com eles
realizadas; como não se demostra que as despesas ordinárias tenham uma utilidade temporária.
Também falha pelas suas premissas, mas não com essa gravidade a conceção do equilíbrio despesas
correntes – receitas correntes. Não é exato que o pagamento dos impostos signifique sempre redução do
consumo, pois há impostos que são satisfeitos com aforro existente ou com rendimento que de outro modo se
destinaria a aforro. É certo, porém, que o grosso dos impostos implica redução do consumo privado. Sendo assim,
pode considerar-se válida, a par da clássica, tal conceção de equilíbrio.

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Optar pelo equilíbrio entre despesas e receitas correntes ou entre receitas e despesas efetivas depende: em
1º - de se pretender discriminar a favor de determinadas despesas; em 2º - de se pretender impedir que haja
absorção de aforro privado ou aumento da procura global.
Depende em 1º de se pretender discriminar a favor de determinadas despesas. Pois, admitir que
determinadas despesas sejam cobertas com empréstimos sem prejuízo do equilíbrio orçamental, é fazer
discriminação a favor dessas mesmas despesas. É muito mais fácil ao Estado aumentar as suas receitas através de
empréstimos do que através de impostos.
Sendo assim, a conceção de equilíbrio do orçamento corrente redunda em facilitar as despesas em bens
duradouros, que poderão ser feitas por conta de empréstimos, dificultando as despesas em bens consumíveis, que
terão de ser feitas com o produto de impostos. A exigência da cobertura de todas as despesas com impostos pode
impedir o estado de fazer as despesas de investimento em capital fixo que sejam requeridas pelo
desenvolvimento económico.
Depende em 2º de se pretender impedir que haja absorção de aforro privado (défice do orçamento corrente
ou aumento da procura global (défice do orçamento efetivo).
As despesas públicas correntes são somas que se gastam em consumo, e as receitas públicas correntes são
somas que se deixam de gastar em consumo. Se há défice a diferença tem de ser coberta pelo recurso a receitas
de capital, isto é, a receitas que provêm do aforro privado. Ora, se se pretende evitar que o aforro privado fique
diminuído (para evitar que fique diminuída a formação de capital, e o investimento), então, equilíbrio do
orçamento corrente.
Por seu turno, as despesas efetivas implicam o aumento da procura de bens pelo Estado ou, no caso das
transferências, pelos beneficiários dessas despesas e aumento da procura global; enquanto as receitas efetivas
implicam diminuição da procura de bens pelos contribuintes e diminuição da procura global. Havendo défice o
crescimento da procura, por via das despesas públicas, excede a diminuição da procura por via das receitas e,
consequentemente, a procura total aumenta. Se se pretende evitar que a procura global aumente (para evitar que
se desencadeie ou agrave um processo inflacionista), então equilíbrio do orçamento efetivo.
Não é possível haver equilíbrio do orçamento efetivo sem haver equilíbrio do orçamento corrente, mas é
possível haver equilíbrio do orçamento corrente sem haver equilíbrio do orçamento efetivo.
Se as finalidades de combater a inflação e aumentar o investimento forem realizáveis em tempos diferentes,
deve preferir-se o equilíbrio orçamental que convenha à finalidade mais duradoura. Para evitar que a lei tenha de
mudar com frequência o seu critério é de equilíbrio, é preciso que se vote pelo equilíbrio mais duradouramente
preferível.
O problema respeita na atualidade ao nosso país. A fim de combater a inflação é desejável o equilíbrio do
orçamento efetivo; mas a fim de incrementar o investimento é desejável o equilíbrio apenas do orçamento
corrente. Sucede que o combate à inflação é transitório, pelo contrário, o incremento do investimento é finalidade
permanente.
Perante isso, a nossa lei não deve decidir-se pelo equilíbrio do orçamento efetivo. Na verdade, ele
prejudicaria o investimento privado, visto os impostos afetarem negativamente a criação de aforros pelos
particulares, e dificultaria o investimento público, visto este ter de ser sempre financiado mediante impostos. A
nossa lei deve preferir o equilíbrio do orçamento corrente.

Foi pelo equilíbrio do orçamento corrente que o legislador optou na primeira LEO, no entanto na terceira, e a
vigente (Lei nº 6/91), não foi esse o sucedido, dispondo no art. 4º/2 que: “ as receitas efetivas têm de ser, pelo
menos, iguais às despesas efetivas, excluindo os juros da dívida pública, salvo se a conjuntura do período a que se
refere o Orçamento justificadamente o não permitir.”
Não se manteve o equilíbrio do orçamento corrente, mas nem por isso se preferiu o equilíbrio do orçamento
efetivo, pois o que se preconiza é o equilíbrio entre as receitas efetivas totais e as despesas efetivas liquidas dos
juros da divida pública.
Trata-se do chamado equilíbrio primário, a que corresponde um défice ou um superave primário. Se for um
défice a execução do orçamento vai provocar o aumento da divida pública; e se for um superave, só não
acontecerá o mesmo se as receitas efetivas forem superiores, ou pelo menos iguais, às despesas efetivas.
O próprio equilíbrio do orçamento primário tem por consequência o aumento da divida.
Existe uma grande diferença entre o equilíbrio do orçamento primário e os equilíbrios do orçamento corrente
e do orçamento efetivo. Estes últimos têm uma lógica económica definida: a neutralidade do orçamento em face
do aforro (no orçamento corrente) ou em face da procura global (no orçamento efetivo); enquanto no primeiro
não tem lógica económica percetível, pois não é neutral em face da divida pública, antes necessitando o aumento
dela.

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O equilíbrio do orçamento primário só pode explicar-se, assim, à luz de uma razão politica: tal equilíbrio
permite aos governos, em país endividado, apresentarem em situação de equilíbrio orçamentos que apenas
artificiosamente o estão.

1. Os Saldos Orçamentais
1.1 Introdução
Os saldos orçamentais estão entre os indicadores económicos mais utilizados para avaliar o impacto do
orçamento na economia. Na base deste facto está a circunstância de as receitas e as despesas orçamentais se
inscreverem na densa teia de fluxos económico financeiros que se estabelecem no seio da atividade produtiva
desenvolvida num país.
Y = C + I + G + (X – M) [1]
Onde Y representa o PIB (valor global das vendas de bens e serviços de uso final produzidos num
determinado ano), C e I a parte desse conjunto de bens e serviços destinada ao consumo e ao investimento
privados, G as despesas públicas com a aquisição desses bens e serviços e (X–M) as exportações líquidas. Desde
logo, esta equação torna evidente que a influência exercida pelo orçamento na utilização dos recursos económicos
é multifacetada, visto que, para além de controlar diretamente o valor de G, tem inequívocos efeitos na dimensão
de C, de I e de (X–M).
Atendendo, por outro lado, a que: [a] sempre que é produzido cada um dos bens e serviços incluídos no
PIB, alguém recebe o rendimento correspondente, pelo que o valor de Y representa, também, a soma dos
rendimentos atribuídos aos fatores de produção; e [b] os beneficiários destes rendimentos só lhes podem dar um
de três destinos alternativos — o consumo (C), a poupança (S) ou o pagamento de impostos líquidos (T) 1 , — o
valor total da produção pode ser encarado na perspetiva dos rendimentos correspondentes, dando lugar à
seguinte identidade:
Y = C + S + T [2]
Das identidades [1] e [2] resulta, entretanto, uma terceira que, mantendo os símbolos utilizados, se pode
escrever do seguinte modo:
(T – G) = (X – M) – (S – I) [3]
A expressão [3] mostra que existe uma clara interdependência entre o saldo orçamental (T–G), o saldo do
sector privado, medido pela diferença entre a poupança e o investimento que aí se registam (S–I) e o saldo do
exterior (X–M), apurado através da balança de pagamentos.
Acresce que, como já foi realçado, a incidência do orçamento na economia assume formas diversificadas.
Para se avaliar o alcance do fenómeno, retome-se o exemplo de um aumento do défice orçamental — as suas
repercussões não se circunscrevem à esfera financeira, dado que representa uma exigência adicional sobre a
oferta de bens e serviços que, para ser satisfeita, vai implicar, isolada ou conjuntamente, alterações em três eixos:
(i) um aumento da produção, (ii) um acréscimo das importações ou (iii) uma subida das taxas de juro e da inflação.
O saldo orçamental é «um número à procura de um conceito». Com segurança, pode-se dizer que «não
existe algo como o saldo orçamental, mas sim uma série de medidas alternativas, cada uma delas com as suas
vantagens e desvantagens». Na verdade, a busca de uma fórmula única e universalmente aplicável que seja a
medida perfeita do saldo orçamental será um exercício fútil: a maneira “correta” de medir esta grandeza depende
do objetivo que se tiver em vista.
Ora, os efeitos do orçamento que são mais vulgarmente analisados na generalidade dos países prendem-
se com a necessidade de avaliar a pressão que as verbas que ele movimenta exercem diretamente no conjunto
dos recursos económicos, sobretudo em dois aspetos essenciais: a contribuição do Sector Público para a
poupança nacional e para a procura agregada. O primeiro caso leva ao cálculo usual do saldo corrente; o segundo
justifica a medição do Saldo Global (porventura o valor mais divulgado) e das suas variantes destinadas a
responder a tópicos específicos — o saldo operacional, o saldo primário e o saldo estrutural.

1.2 O saldo corrente


Este saldo obtém-se, simplesmente, pela diferença entre as Receitas Correntes e as Despesas Correntes do
Sector das Administrações Públicas (SAP) e tem como objetivo principal a avaliação do volume de poupança nele
gerado. Está-se, pois, perante um conceito que permite analisar a capacidade do SAP para, não só financiar as
suas despesas de funcionamento corrente, como ainda libertar uma poupança capaz de custear, no todo ou em
parte, o investimento realizado neste sector. Do ponto de vista económico, o saldo corrente assume uma
importância particular, dado o papel decisivo que a poupança tem no desenvolvimento de uma economia.
Na prática, é habitual recorrer-se ao saldo corrente das Administrações Públicas para apuramento da
alteração do respectivo património líquido. De realçar que, com este procedimento obtém-se um valor absoluto
idêntico àquele que seria proporcionado pelo correspondente saldo de capital. Convém, aliás, ter presente que

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essa igualdade resulta, necessariamente, do pressuposto que subjaz à construção das contas públicas, segundo o
qual «em qualquer período o total dos pagamentos públicos tem que ser igual ao total dos financiamentos de
todas as fontes, incluindo empréstimos e criação de moeda».

 Despesas Correntes: Abrange as despesas que o Estado faz em bens consumíveis durante o período
financeiro (v.g., água, luz) ou que se vão traduzir na compra de bens consumíveis (v.g., salários, pensões). Trata-se
de despesas que, de um modo geral, geram utilidades que se esgotam no período orçamental em que são feitas.
 Despesas de Capital: São as que o Estado faz em bens duradouros (v.g., edifícios, estradas) ou que
contribuem para a formação de aforro (v.g., compra de uma participação no capital de uma empresa) – ibidem.
Trata-se de despesas que, de um modo geral, geram utilidades que perduram para além do período orçamental
em que são feitas.
 Receitas Correntes: São receitas que provêm do rendimento do período orçamental em que são obtidas
(considera-se que tanto os compradores de bens produzidos pelo Sector Público como os contribuintes satisfazem
os correspondentes pagamentos com aquele rendimento) – ibidem.
 Receitas de Capital: São receitas que provêm do aforro (considera-se que quem compra ativos das
Administrações Públicas ou lhes concede empréstimos o faz com dinheiro aforrado (ibidem).
AC  E  B  D  F  (B  A)  (C  D)  (E  F)
Admitindo, entretanto, que esta variação dos saldos de caixa é nula (E–F = 0) — a realidade mostra que,
em termos relativos, essa variação tende a assumir um valor sem grande significado prático — conclui-se que o
saldo corrente (B–A) e o saldo de capital (D–C) têm valores simétricos, pois (B–A) = – (D–C)
O valor que se obtém corresponde à Poupança Bruta gerada no Sector Público, uma vez que o quadro em
apreço não inclui nas Despesas Correntes a depreciação sofrida pelos ativos públicos no decurso do período
financeiro; caso esse custo ali fosse contemplado, o saldo resultante seria a Poupança Líquida. Qualquer das
variantes pode ser positiva ou negativa, conforme o rendimento disponível exceda, ou não, a despesa de
consumo final. No caso de ser positiva (ausência de transferências de capital), o rendimento não gasto deve ser
usado na aquisição de ativos (aumento dos saldos de caixa) ou na redução de passivos. No caso de a poupança ser
negativa, isso implica a liquidação de ativos (incluindo uma diminuição dos saldos de caixa), ou o aumento dos
passivos.
Por outro lado, o Saldo Corrente pode indiciar o grau de cumprimento da chamada Regra de Ouro das
Finanças Públicas que, na aceção original, preconiza que as despesas correntes sejam financiadas por receitas
correntes, enquanto as despesas de investimento podem ser cobertas pelo produto de empréstimos.
Esta regra de boa gestão — segundo a qual apenas se deve recorrer ao crédito para financiar despesas
com a formação de capital, isto é, despesas capazes de, no futuro, gerar rendimentos que permitam reembolsar
esses empréstimos— pode, aliás, ser interpretada como medida da observância do princípio da equidade
intergerações (um Saldo Corrente negativo, por exemplo, denuncia que há despesas correntes financiadas por
receitas de capital, violando aquele princípio).
Segundo alguns autores, é legítimo entender que a Regra de Ouro das Finanças Públicas subjaz à
disposição do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que, em caso de incumprimento dos critérios
estabelecidos para a abertura de um procedimento por défice excessivo, manda que sejam tomados em
consideração os fatores relevantes, entre os quais se destaca o de saber «se o défice orçamental excede as
despesas públicas de investimento». É, aliás, possível encontrar um sector de opinião que chega a defender a
adoção expressa da Regra de Ouro pelo normativo da União Europeia. Este entendimento está, porém, longe de
ser matéria consensual.

1.3 O saldo Global


O Saldo Global obtém-se pela diferença entre os totais das receitas efetivas e das despesas efetivas do
Sector Público. Trata-se do indicador tradicionalmente usado para avaliar a orientação da política orçamental
através do seu impacto na procura agregada, sem prejuízo da evidência de que aquela política pode influenciar
esta variável por outras vias que não as massas orçamentais — casos em que alterações nas taxas dos impostos
criam estímulos que se repercutem positiva ou negativamente na procura agregada através da sua componente
privada.
Por outro lado, os totais das receitas e das despesas públicas são idênticos —o orçamento está sempre em
equilíbrio, no sentido de que são necessariamente idênticos o total dos financiamentos e o total dos pagamentos,
ajustados pelo saldo de caixa.
De acordo com a Contabilidade Pública para levar à prática esta divisão, classificam-se como efetivas as
receitas e as despesas que provocam uma alteração definitiva do património financeiro líquido do Sector Público
— todas as outras são consideradas como mecanismos de financiamento e, portanto, excluídas do saldo global. O

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critério básico de divisão é o tipo de incidência patrimonial das operações em causa, uma vez que, se à partida
todas as receitas e todas as despesas se repercutem no património financeiro da entidade envolvida, tanto num
caso, como noutro, é, todavia, possível descortinar duas formas distintas de incidência: enquanto umas operações
alteram o valor líquido do património, outras limitam-se a modificar a sua composição. Assim:
 Quanto às receitas: há casos em que elas implicam uma melhoria da situação líquida do património
financeiro — são as receitas efetivas: representam um acréscimo definitivo de recursos porque não têm associada
qualquer contrapartida futura (a arrecadação de um imposto); e há outros casos em que elas não alteram o
património financeiro líquido — são as receitas não efetivas: não constituem um acréscimo definitivo de recursos
dado que à entrada de dinheiro nos cofres públicos corresponde.
 Quanto às despesas: há casos em que elas agravam a situação líquida do património financeiro — são as
despesas efetivas que representam uma redução definitiva de recursos, por não terem associada qualquer
contrapartida financeira (o pagamento de um salário); e há outros casos em que elas não alteram o património
financeiro líquido — são as despesas não efetivas que não implicam um agravamento patrimonial porquanto, à
saída de dinheiro dos cofres públicos corresponde, para a entidade envolvida.
Esta divisão é decisiva para a dimensão do Saldo Global, desde logo porque retira do seu cálculo os Ativos
Financeiros e os Passivos Financeiros. Nestes termos, o Saldo Global corresponde ao endividamento líquido,
corrigido pela variação dos saldos de caixa. Dado, porém, que esta variação tende a apresentar, em termos
práticos, uma ordem de grandeza relativamente reduzida, pode-se dizer que, à luz deste critério, as contas
públicas estão equilibradas quando o endividamento líquido é nulo, isto é, quando o valor da dívida pública é
idêntico no princípio e no fim do período financeiro em causa — daí que o critério ser conhecido por Critério da
Dívida Pública.
O endividamento líquido, quando positivo, traduz um excedente ou superavit que se denomina
capacidade líquida de financiamento e representa o montante que o sector das Administrações Públicas dispõe
para propiciar recursos aos outros sectores; quando negativo, corresponde a um défice que se designa
necessidade líquida de financiamento e indica o valor dos empréstimos que têm de ser contraídos junto dos
outros sectores para financiar as suas operações não financeiras.
Nestes termos, o Saldo Global é usado como indicador da orientação da política orçamental: atendendo às
incidências que o orçamento tem na procura agregada, considera-se que um défice denota um estímulo
expansionista (aumento de poder de compra na economia) e um excedente indicia uma influência contracionista
(remoção de dinheiro do circuito económico). Este pensamento remete-nos para o Teorema de Haavelmo,
segundo o qual, mesmo com o orçamento em equilíbrio, um aumento da despesa pública financiado por igual
aumento de impostos tem um efeito expansionista.
Contudo, não é fácil retirar conclusões definitivas tendo como base exclusiva um valor determinado do
Saldo Global. Torna-se claro que, para interpretar um saldo, o seu valor deve ser confrontado com informação
relevante sobre as circunstâncias concretas em que ele ocorre. Deste modo, o saldo global, só por si, é um
indicador primitivo da política orçamental, «não podendo constituir um substituto definitivo da informação
quantitativa dos efeitos das variações nos instrumentos orçamentais que só um modelo econométrico pode
fornecer». Ainda assim, é considerado um útil instrumento para interpretar a evolução da economia e para
expressivos debates sobre as escolhas políticas.

1.4 Saldo Operacional


Como atrás se viu, o saldo global é usado como indicador do impacte líquido que a atividade do Sector Público
tem na procura agregada. Daí que as amortizações da dívida pública não entrem no seu cálculo, uma vez que se
pressupõe que constituem o reembolso do capital mutuado, e não um rendimento que dele emana, pelo que o
seu valor não vai ser aplicado em consumo — admite-se que seja reinvestido no mercado de capitais,
nomeadamente na subscrição de novos empréstimos públicos. Coisa diferente são os juros da dívida pública,
porquanto, uma vez que representam a remuneração do capital em jogo, constituem um rendimento que é
suposto ser canalizado para o consumo, gerando, pois, uma pressão adicional sobre a procura agregada.
Ora, esta lógica perde alguma da sua validade se for inserida num contexto inflacionário. De facto, a inflação
reduz o valor real dos títulos de dívida pública, pelo que, para compensar os credores desta erosão do valor dos
seus ativos, a taxa de juro nominal tende a sofrer o correspondente acréscimo. Assim, o aumento nominal dos
juros pagos não representa uma transferência real de poder de compra para os seus beneficiários — enquanto a
taxa de juro real se mantiver, esse aumento limita-se a ressarcir o credor pela perda de valor do seu capital
associada à subida da inflação.
Nestas condições, é possível distinguir duas parcelas no valor dos juros pagos: [1] A que se limita a compensar
o credor pela erosão monetária sofrida pelo capital mutuado, pelo que, não podendo ser considerada um
rendimento novo, deve fazer parte da amortização; [2] A que corresponde à taxa de juro real e representa, pois,

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um rendimento novo para o credor, destinado, por definição, a ser aplicado em consumo sem reduzir o valor real
do seu património líquido.
Como se compreende, só esta última componente dos juros tem repercussão na procura agregada, pelo que,
de harmonia com o critério pré-definido, só ela deve entrar no cômputo do Saldo Global. Todavia, o cálculo deste,
nos moldes convencionados, não reconhece a distinção em apreço, pelo que leva em conta a totalidade dos juros
pagos, independentemente de o seu objetivo ser o de restituir o valor da depreciação sofrida pelo capital ou o de
remunerar esse ativo. Deste modo, o cálculo estritamente convencional do Saldo Global introduz um
enviesamento no valor resultante, tanto maior quanto mais intensa for a inflação.
Ora, é para corrigir esta insuficiência do Saldo Global, que se perfila o Saldo Operacional, caracterizado por um
método de cálculo em tudo semelhante ao Saldo Global exceto no seguinte detalhe: não considera como despesa
efetiva a parcela dos juros induzida pela inflação, isto é, a parte do valor pago em juros que excede o produto da
dívida pública pela taxa de inflação real. A lógica desta exclusão é a de que os efeitos que aquela parcela dos juros
tem na economia são praticamente análogos aos produzidos pelas amortizações — bem se pode dizer que, «no
fundo, ela equivale a uma amortização forçada, devido à inflação».
Delimitado nestes termos, o Saldo Operacional mede a variação do valor real da dívida pública no decurso do
período financeiro em análise. O interesse do apuramento do Saldo Operacional é tanto maior para os decisores
políticos quanto mais elevada for a taxa de inflação, na medida em que é esta variável que determina o grau de
enviesamento que aquele saldo corrige. Compreende-se, pois, que o FMI, no seu Manual on Fiscal Transparency,
defenda a conveniência do apuramento deste saldo nos países em que se regista um surto inflacionário.

1.5 Saldo primário


O Saldo Global inclui no seu cálculo o valor dos juros pagos pela dívida pública o que pode provocar
algumas distorções — desde logo a que surge em contexto inflacionário e que é corrigida pelo Saldo Operacional.
Contudo, esta correção apenas elimina uma parcela dos juros pagos, pelo que o saldo resultante continua a incluir
uma parte que corresponde a esta categoria de encargos. Ora, se um saldo for usado para qualificar a política
orçamental de um determinado período financeiro, a simples presença de juros da dívida pública no seu cômputo
vai provocar um enviesamento na análise, independentemente de a lógica que lhes subjaz ser o reembolso ou a
remuneração do capital mutuado.
De facto, os juros da dívida pública pagos num determinado ano resultam, em grande medida, de
empréstimos contraídos no passado para financiar os défices que então se registaram. O governo atual recebe
este legado cujo valor escapa à sua capacidade de decisão, quer dizer, o montante que é obrigado a despender
para pagar os juros não depende da sua vontade.
Assim, um saldo orçamental destinado a qualificar a orientação da política orçamental num determinado
ano, deve excluir do seu cálculo os juros da dívida pública, uma vez que estes não resultam de uma opção do
governo em funções nesse ano, mas sim de sucessivas decisões políticas tomadas no passado. Para responder a
esta exigência lógica define-se o Saldo Primário, cujo valor é dado pela diferença entre as receitas e as despesas
efetivas do Sector Público, excluindo das últimas o valor dos juros da dívida pública. Ou seja: o Saldo Primário
obtém-se do Saldo Global retirando do cálculo deste a totalidade dos juros pagos no ano em causa.
O Saldo Primário de um dado ano mede a variação do endividamento líquido do Sector Público que é
devida, exclusivamente, à política orçamental prosseguida nesse período. Assim, por exemplo, um Saldo Primário
positivo indica que a política orçamental desenvolvida no período em causa contribuiu para reduzir a importância
da dívida pública — o que não impede que, no mesmo período, o Saldo Global apresente um valor negativo,
mostrando que, de facto, a dívida pública aumentou.
Para além de constituir um indicador mais fiável da orientação da política orçamental no período a que diz
respeito, o Saldo Primário permite também analisar a sustentabilidade dos défices do Sector Público.
Com efeito, «se há dívida pública, um orçamento primário equilibrado implicará que, no seu todo, o
orçamento seja deficitário».
Então, o Saldo Global inclui a totalidade do valor pago nesta categoria de despesa; o Saldo Operacional
exclui a parte dos juros pagos que se limita a corrigir os efeitos da inflação no valor do capital mutuado; e o Saldo
Primário exclui do seu cálculo qualquer quantia referente a juros pagos.

1.6 Saldo Estrutural


A variação anual do saldo global apurado através da conta consolidada das Administrações Públicas é um
dos indicadores mais utilizados para avaliar o efeito contracionista ou expansionista que a política orçamental
exerce no nível de atividade económica. A tradicional preferência por este saldo assenta na relativa simplicidade
do seu cálculo (subtração do total da despesa efetiva ao total da receita efetiva) e no carácter intuitivo da

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grandeza que mede: o endividamento líquido gerado pelo conjunto de entidades incluídas no perímetro
orçamental.
Trata-se de um indicador sofrível, capaz de levar a análises incorretas quanto à orientação da política
orçamental. De facto, o saldo global reflete, não só as medidas discricionárias tomadas pelos responsáveis
públicos (redução das taxas dos impostos, aumento das pensões), mas também as flutuações cíclicas do nível de
atividade económica, a que os governos são alheios: se a conjuntura é favorável, o saldo melhora, pois há receitas
que aumentam (cobrança de impostos sobre o rendimento) e despesas que diminuem (despesa com o subsídio de
desemprego); se a conjuntura é negativa, o saldo piora em função de variações opostas daquelas receitas e
despesas. Assim, o Saldo Global não é uma grandeza que o governo possa controlar directamente, sendo uma
variável endógena.
De facto, qualquer valor que ele assuma pode ser o reflexo de duas circunstâncias distintas e com
significados bem diferentes: [1] a orientação que os responsáveis políticos quiseram imprimir à política
orçamental através de medidas discricionárias; ou [2] a evolução da conjuntura económica com as suas
repercussões automáticas nas contas públicas. Nestas condições, bem se pode dizer que «o saldo orçamental
efetivo é ambíguo porque pode refletir dois fenómenos ou duas políticas contraditórias: a influência do
orçamento na economia ou a influência da economia no orçamento».
Deste modo, para uma correta classificação da política orçamental, é fundamental que o valor do saldo
global seja decomposto em duas componentes: a que representa a reação automática das contas públicas às
variações do nível de atividade que acompanham o ciclo económico (componente cíclica); e a que reflete o
impacte das medidas de política económica tomadas por deliberação das autoridades competentes (componente
estrutural). Isto é: há que distinguir entre a influência da economia no orçamento e a influência do orçamento na
economia.
A fim de satisfazer esta exigência metodológica, começa por surgir o conceito de Saldo Corrigido das
Variações Cíclicas. Subsistem, ainda assim, eventuais fatores de enviesamento, nomeadamente os que resultam da
possibilidade de os governos recorrerem a medidas excecionais — e, quantas vezes, irrepetíveis — que alteram
transitoriamente o saldo.
O intuito de acautelar este último tipo de medidas levou, enfim, à definição de um novo conceito — o de
saldo estrutural que corresponde ao saldo global corrigido das variações cíclicas e líquido de medidas
extraordinárias e temporárias. Trata-se de uma grandeza residual que pretende indicar o valor que o saldo global
teria no caso de se verificarem, conjuntamente, duas condições: (1) a atividade económica permanecer ao nível
do PIB potencial, livre de flutuações conjunturais; e (2) não serem tomadas medidas excecionais com incidência
nesse saldo.
O saldo estrutural não é directamente observável nas contas públicas — o seu valor só pode ser obtido
por estimativa, o que cria um espaço para alguma margem de incerteza.

1.7 A expressão numérica dos diversos saldos


Uma vez delimitados os principais saldos utilizados para analisar em moldes quantitativos a situação das
contas das Administrações Públicas, interessa ver o alcance das diferenças que estes indicadores estabelecem
entre si. Estes indicadores podem apresentar diferenças significativas entre si, levando, por vezes, a conclusões
distintas — daí ser aconselhável que a análise de um saldo seja acompanhada de informação suplementar,
nomeadamente o valor de saldos alternativos.
A necessidade de impor informação adicional para retirar conclusões definitivas de um saldo orçamental
foi bem vincada nos seguintes termos: «a observação do défice e da dívida do sector público contém informação
sobre o estado atual e a evolução futura da economia; são indícios dos quais o profissional aplicado pode extrair
conhecimento. O problema prático é que os défices e a dívida podem significar quase tudo, dependendo da
natureza dos choques exógenos que perturbam o sistema e da estrutura do resto do mecanismo de transmissão».
É razoável concluir pela necessidade de usar uma prudente reserva na análise de um saldo orçamental,
independentemente da maior ou menor sofisticação que o seu cálculo envolva.

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