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UNIVERSIDADE ZAMBEZE

Faculdade de Direito
Curso de Direito

Direito Fiscal e Aduaneiro 2.° Ano - Turma 2024

1. Actividade Financeira
2. Noções fundamentais

As necessidades sentidas pelos indivíduos, quanto ao modo de


satisfação, podem ser de satisfação activa ou de satisfação passiva.

As necessidades de satisfação activa exigem, para que sejam


satisfeitas, uma certa actividade do necessitado, ou seja, só são
satisfeitas mediante uma acção de quem as sente. As necessidades de
satisfação passiva são satisfeitas pela acção de outrem ou então pela
simples existência do bem.

Se a necessidade é de satisfação activa, o produtor dos bens pode


exigir um preço pela utilização deles. Vigora aqui, portanto, o princípio
da exclusão: o preço exclui os que não podem ou não querem pagá-lo.

Assim, o padeiro, que fabricou o pão, impede que quer que o coma
sem previamente o ter pago, isto lhe permite, através da venda, cobrir
as despesas que a produção importou.

Mas, se a necessidade é de satisfação passiva, o produtor dos bens


já não pode exigir pela utilização deles preço nenhum - suponhamos que
alguém se lembrou de organizar o serviço do exército. Desde logo que o
serviço existe, passa a ser utilizado por todos sem pagamento de qualquer
preço. Como exigi-lo, se todos o consomem passivamente, isto é, sem terem
de o procurar? Por conseguinte, o individuo que criou o serviço de
exército não beneficia do princípio da exclusão - vê-se impossibilitado

1
de obter a mínima paga dos utentes desse serviço e fica com as despesas
integralmente a seu cargo.1

Depreende-se que as necessidades de satisfação passiva são


satisfeitos com bens utilizáveis por todos independentemente de qualquer
procura - trata-se de bens caracterizados pela indivisibilidade 2 e
irrivalidade3 no consumo.

Dai, a produção desses bens deve estar, em regra, a cargo de uma


entidade pública, pois, por vezes só esta entidade pública detém os meios
de produção - o caso da estabilidade económica ou da redistribuição do
rendimento - esta entidade sendo detentora do jus imperii pode obrigar
o indivíduo a suportar os custos inerentes a produção do bem, por exemplo
por via de imposição da obrigação de pagar impostos e taxas.

Porque em regra essas necessidades são satisfeitas pela acção de


um ente público, designam-se necessidades públicas ou colectivas e os
bens que satisfazem designam-se bens públicos.

No mesmo sentido Teodoro Andrade Waty - para quem os bens aptos a


satisfazer necessidades públicas são de consumo inexcluível, irrival e
indivisível.4

Não se vá, porém concluir que os bens de consumo irrival são de


consumo inexcluível, por a inversa ser verdadeira.

Para melhor compreender, vejamos estes exemplos:

1.° Numa sala de cinema, o filme exibido é consumido por todos os


espectadores: há irrivalidade do consumo. Mas cada um dos espectadores
pagou o seu bilhete, provavelmente a preço diferente, em função do
conforto do lugar do lugar ocupado, nesta situação estamos perante a
inexcluidade do consumo.

2.° As FADM – Forças Armadas de Defesa de Moçambique – fornecem um


serviço (a defesa e a segurança) que é consumido passivelmente por todos
os cidadãos. Este serviço é irrival, no sentido de que o consumo de

1 PENE, Cláudio, Apontamentos de Direito Fiscal Moçambicano, 2.ª Edição, Escolar


Editora, Maputo, Dezembro de 2021, pp 19.
2 Impossibilidade ou dificuldade e divisão pelos utentes o consumo que cada um faz.
3 O consumo por um determinado indivíduo não prejudica ou impede o consumo do outro.
4
WATY , Teodoro Andrade, Direito Tributário, W&W Editora, Limitada, Maputo, 2013,
página 18.

2
serviço por um cidadão não conflitua com o feito pelos outros e é,
simultaneamente, inexcluível; nem se justificaria a exclusão pois, mais
um, dois ou mais três cidadãos no consumo não cria um custo marginal.

Compreendidos que foram os exemplos, pode concluir-se que as


necessidades de satisfação passiva são objecto de bens de consumo
inexcluível e irrival e que nas necessidades de satisfação activa os
bens são de consumo excluível, rival ou irrival.

Porém, existem bens que simultaneamente satisfazem necessidades


públicas e necessidade privada - são os designados de bens Semipúblicos.

2. Direito Financeiro, Direito Tributário e Direito Fiscal

É certo que a satisfação das necessidades de satisfação passiva


pelos entes públicos implica a realização de despesas e também a
arrecadação de recursos. A esta actividade que consiste na realização de
despesas e arrecadação de receitas com vista a satisfação de
necessidades, através da produção de bens ou prestação de serviços –
designa-se actividade financeira.

No Estado de Direito a actividade financeira não se exerce de forma


arbitrária, ou seja, não se subordina às conveniências ou vontades dos
agentes e órgão públicos. Subordina-se ao direito, isto é, a um conjunto
de normas jurídicas. Este conjunto de normas jurídicas que regulam a
actividade financeira dos entes públicos designa-se Direito Financeiro
ou Direito Financeiro Público.

Porque a actividade financeira compreende operações realtivas à


aquisição e gestão das receitas e à realização das despesas e, tendo em
conta que o Direito Financeiro visa regular todas estas operações, então
o direito financeiro abrangerá normas jurídicas relativas as receitas
(direito das receitas) despesas (direito das despesas) e a administração
financeira (direito da gestão).

No direito financeiro das receitas encontramos os seguintes sub


sectores:

Direito Patrimonial – que é ralativo as receitas patrimoniais;

Direito de Crédito Público – que regula o recurso ao crédito por


parte das entidades públicas e a gestão da dívida Pública.
3
O Direito Tributário ou Direito das Receitas Coativas (unilaterais
e bilaterais) do Estado e demais entes públicos.

No direito Tributário a doutrina autonomiza o direito relativo às


receitas coativas unilaterais, os impostos – O Direito Fiscal.

O Direito Tributário é o Direito relativo aos tributos ou receitas


coativas (unilaterais e bilaterais), e este conceito abrange além dos
impostos as taxas.

O Direito Fiscal reporta-se tão somente às receitas coativas


unilaterais, isto é, sem nenhuma contrapartida directa, específica e
imediata – os impostos.5

3. Âmbito e enquadramento do Direito Fiscal

Resulta do acima dito que o objecto do direito fiscal abrange


apenas os imposto.

Objecto de alargamento progressivo, o âmbito do direito fiscal é


constituído por um conjunto variado de normas. Assim, e sem pretendermos
ser exaustivo – o direito fiscal integra as normas de soberania fiscal
(que fixamos poderes gerais do ente público relativamente aso impostos),
as normas de incidência fiscal, lançamento, liquidação e cobrança dos
impostos, as normas relativas as garantias do sujeito activo e do sujeito
passivo, as normas de procedimento, as normas sancionatórias, as normas
de contencioso fiscal ou de processo, as normas relativas a cada imposto
ou tipo de imposto (direito fiscal especial).

Quando ao enquadramento, independentemente do critério adoptado


para distinguir o direito público do direito privado6, indiscutivelmente
o direito fiscais enquadra-se no primeiro, pois, prossegue
predominantemente interesses públicos (financiamento das despesas
públicas), um dos sujeitos da relação jurídico-fiscal é um ente público

5
A dificuldade na elaboração de uma doutrina científica dos tributos bilaterais leva
a que o direito tributário se restrinja ao estudo dos impostos, daí que não se tem
verificado diferenças significativas no conjunto de matérias tratadas no direito
tributário e no direito fiscal.
6 Seja o critério dos interesses, da posição dos sujeitos ou da qualidade dos

sujeitos.

4
e que encontra-se investido do ius imperii, materializando-se através do
poder de tributar.7

Em termos substanciais, seguimos a posição defendida por José


Casalta Nabais, segundo a qual o Direito Fiscal, que está integrado no
ramo do Direito Público, não se afasta do direito administrativo, sendo
portanto um ramo ou sub-ramo especial do Direito Administrativo.

A especialidade do Direito Fiscal em relação ao direito


administrativo reside na maior exigencia do princípio da legalidade
tributária em relação ao princípio gera da legalidade e, no facto do
suporte da tributação (e portanto, da intervenção da administração
tributária) ser o princípio da capacidade contributiva e não, como é no
caso da intervenção da administração pública em geral, o princípio da
proibição do excesso ou da proporcionalidade.

Ainda relativamente a proximidade entre o direito fiscal e o direito


administrativo a que ter em conta o procedimento fiscal e o acto fiscal
resultante desse procedimento não passam de procedimento e acto
administrativo especiais.

A autonomia científica e didáctica do direito fiscal é


inquestionável. Porém, dada a unidade do direito, o direito fiscal está
ligado a todos os outros ramos (especialmente na ordem jurídica-pública),
formando um todo uno e indivisível. Esta inserção é visível através das
intensas relações que o direito fiscal estabelece com outros ramos de
direito, as quais faremos referência adiante.

4. Relações do Direito Fiscal com os Outros Ramos do Direito

4.1. Direito Fiscal e Direito Constitucional

O Direito Fiscal estabelece relações com o Direito


Constitucional na medida em que existem, na Constituição, princípios
respeitantes a disciplina jurídica dos impostos. Tais normas, por se
inserirem na legislação constitucional são consideradas de direito
constitucional.

7
PENE, Cláudio, Apontamentos de Direito Fiscal Moçambicano, 2.ª Edição, Escolar
Editora, Maputo, Dezembro de 2021, pp 20.

5
Ao conjunto dessas normas a doutrina designa por Constituição
Fiscal ou Direito Constitucional Fiscal - é o caso dos artigos alínea
c) do artigo 45.º, artigo 100.º, artigo 127.º e alínea o), do n.º 2, do
artigo 179.º todos da Constituição da República de Moçambique.

Donde se deduz a ligação íntima entre o Direito Fiscal e o


Direito Constitucional, na medida em que o primeiro dominado por
princípios e regras de natureza constitucional e também porque as regras
do Direito Fiscal não podem violar a Constituição, como resulta do
princípio do valor conformador8 dos preceitos constitucionais que terão
que prevalecer sobre normas legais.

4.2. Direito Fiscal e Direito Administrativo

O Direito Fiscal constitui um ramo ou sub-ramo do Direito


Administrativo, daí a extrema importância do Direito Administrativo no
tratamento científico do Direito Fiscal.

Estes dois ramos de direito mantêm relações estreitas, de tal


modo que alguns institutos estudados nos cursos de Direito Fiscal, como
por exemplo as normas de organização dos serviços administrativos e a
competência dos funcionários que lançam, liquidam e cobram os impostos,
tem natureza administrativa e são disciplinados pelo Direito
Administrativo.

Para além da administração fiscal constituir uma parcela da


administração pública, o procedimento fiscal e o acto fiscal resultante
daquele não passam de procedimento e acto administrativo.

Ademais, no que concerne a organização judiciária, os tribunais


fiscais e o Tribunal Administrativo integram-se na mesma jurisdição e,
a segunda e a última instância do contencioso fiscal se situam na Segunda
Secção e n Plenário do Tribunal Administrativo, respectivamente.

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Artigo 2.º
1. A Soberania reside no povo.
2. O povo Moçambicano exerce a soberania segundo as formas fixadas na Constituição.
3. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade.
4. As normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do
ordenamento jurídico.

6
Há ainda, segundo Teodoro Andrade Waty, princípios, como por
exemplo o da Igualdade, da Legalidade e da Tipicidade que são próprios
do Direito Fiscal, mas que se autonomizaram do Direito Administrativo.

4.3. Direito Fiscal e Direito Processual

Por vezes a relação jurídico-fiscal se desenvolve de forma


patológica, suscitando dúvidas, contestações e resistências. Por isso,
os sistemas fiscais socorrem-se dos princípios e regras do Direito
Processual (Civil, Penal e Administrativo) para disciplina desse
desenvolvimento patológico e, com base neles, organizarem os institutos
do processo fiscal, estabelecendo desta forma relações estreitas.

Salienta-se também o facto das normas de direito processual serem


de aplicação subsidiária no Direito Fiscal.9

4.4. Direito Fiscal e Direito Penal

O Direito Fiscal estabelece relações com o Direito Penal na


medida em que existe um Direito Fiscal Penal, constituindo por um
conjunto de normas que preveem a violação de preceitos tributários e
estatuem as respectivas sanções - Infrações Fiscais.

Mas também as normas de Direito Penal (como as que constam do


Código Penal) são subsidiariamente aplicáveis ao Direito Fiscal,
sobretudo nos casos em que a infração fiscal constitui crime fiscal a
que corresponde pena de prisão ou multa convertível em prisão.10

4.5 Direito Fiscal e Direito Internacional

Nas Convenções Internacionais encontramos normas fiscais de fonte


internacional relativas a dupla tributação internacional ou que

9
Conferir a alínea a) do artigo 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT),
aprovado pelo Decreto n. º 46/2002 de 26 de Dezembro.
10 Conferir a alínea a) do artigo 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias

(RGIT), aprovado pelo Decreto n. º 46/2002 de 26 de Dezembro

7
estabelecem regimes fiscais específicos em matéria diplomática,
religiosa, militar, económica.

De acordo com o disposto no artigo 18.° da Constituição da República


de Moçambique, estes tratados e acordo internacionais, quando aprovados,
ratificados e publicados oficialmente, vigoram na nossa ordem jurídica
e assumem o mesmo valor dos actos normativos infraconstitucionais
emanados da Assembleia da República e do Governo, consoante a respetiva
forma de recepção.

Não obstante esta matéria estar regulada na Convenção de Viena,


existe em matéria fiscal, um costume internacional, juridicamente
vinculante, que estabelece a isenção de representantes diplomáticos
quanto aos impostos directos dos Estados em que estão acreditados.

Desta forma o Direito Fiscal estabelece relações com o Direito


Internacional.

Bibliografia

• PENE, Cláudio, Apontamentos de Direito Fiscal Moçambicano, Escolar


Editora, Maputo, Junho de 2013.
• PENE, Cláudio, Apontamentos de Direito Fiscal Moçambicano, 2.ª
Edição, Escolar Editora, Maputo, Junho de 2021.
• WATY , Teodoro Andrade, Direito Tributário, W&W Editora, Limitada,
Maputo, 2013, página 18.

Legislação

• Constituição da República de Moçambique, aprovada pela Lei n.º


1/2018, de 12 de Junho, Aprovado pela I Série N.º 115, Terça feira
12 de Junho.

• Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pelo


Decreto n. º 46/2002 de 26 de Dezembro

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