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REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL - RBDPro


Diretores
Lúcio Delfino
Fernando Rossi

Conselho Editorial
Alexandre Freitas Câmara Eduardo da Fonseca Costa José Roberto dos Santos Bedaque
Ana Paula Chiovitti Eduardo Talamini José Rogerio Cruz e Tucci
Antonio Carlos Marcato Ernane Fidélis dos Santos Jurandir Sebastião
Antonio Gidi Evaldo Marco Antônio Lídia Prata Ciabotti
Luiz Eduardo R. Mourão
A. João D’Amico Fredie Didier Jr.
Luiz Fernando Valladão Nogueira
Araken de Assis Glauco Gumerato Ramos Luiz Fux
Aristoteles Atheniense Gil Ferreira de Mesquita Luiz Guilherme Marinoni
Arruda Alvim Humberto Theodoro Júnior Luiz Rodrigues Wambier
Carlos Alberto Carmona Jefferson Carús Guedes Marcelo Abelha
Carlos Henrique Bezerra Leite J.E. Carreira Alvim Marcelo Lima Guerra
Cassio Scarpinella Bueno J.J. Calmon de Passos (in memoriam) Maria Elizabeth de Castro Lopes
Chedid Georges Abdulmassih João Batista Lopes Mariângela Guerreiro Milhoranza
João Delfino Ovídio A. Baptista da Silva (in memoriam)
Claudiovir Delfino
Petrônio Calmon Filho
Daniel Mitidiero Jorge Henrique Mattar
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
Darci Guimarães Ribeiro José Alfredo de Oliveira Baracho (in memoriam) Sérgio Cruz Arenhart
Djanira Maria Radamés de Sá José Carlos Barbosa Moreira Sérgio Gilberto Porto
Donaldo Armelin José Maria Rosa Tesheiner Teresa Arruda Alvim Wambier
Eduardo Arruda Alvim José Miguel Garcia Medina Teori A. Zavascki
Conselho de Redação
André Menezes Delfino José Henrique Mouta Luiz Gustavo de Freitas Pinto
Bruno Campos Silva Leonardo Vitório Salge Marcus Vinícios Correa Maia
Eduardo Carvalho Azank Abdu Leone Trida Sene Paulo Leonardo Vilela Cardoso
Frederico Paropat de Souza Luciana Cristina Minaré Pereira Pércio Henrique Barroso
Helmo Marques Borges Luciana Fragoso Maia Ricardo Delfino
Hugo Leonardo Teixeira Luciano Lamano Richard Crisóstomo Borges Maciel
Jarbas de Freitas Peixoto Luciano Roberto Del Duque Rodrigo Corrêa Vaz de Carvalho
José Carlos de Araujo Almeida Filho Luiz Arthur de Paiva Corrêa Wanderson de Freitas Peixoto
Yves Cássius Silva
Conselho Internacional
Alvaro Pérez Ragone (Chile) Miguel Teixeira de Sousa (Portugal) Juan Montero Aroca (Espanha)
Edoardo Ricci (Itália) Paula Costa e Silva (Portugal)

R454 Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro. ano 15,


n. 59, jul./set. 2007. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

Trimestral
ISSN 0100-2589

Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./jun.1978
pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG.
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./ jun. 1988
pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ.
Publicação interrompida em 1988 e retomada pela
Editora Fórum em 2007.

1. Direito processual. I. Fórum.

CDD: 347.8 CDU: 347.9

© 2011 Editora Fórum Ltda.


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Impressa no Brasil / Printed in Brazil


Distribuída em todo o Território Nacional
Sumário

Editorial .......................................................................................................................................................................... 7

DOUTRINA

Artigos

O Poder Judiciário como legislador


José Maria Tesheiner ...............................................................................................................................................11

Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica –


A urgente necessidade de estabilização da jurisprudência
Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes ...............................................................................................19
1 Introdução....................................................................................................................................................19
2 A oscilação da jurisprudência do STJ: uma desconstrução do sistema que
contribui para morosidade da Justiça e ofensa ao postulado da igualdade........................23
3 A desobediência à jurisprudência predominante ou sumulada do STJ pelos
seus próprios componentes e pelas instâncias inferiores...........................................................27
4 Possíveis soluções previstas no Novo CPC (PLS nº 166/2010)...................................................31
5 Conclusão.....................................................................................................................................................36
Referências ..................................................................................................................................................38

O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da legitimidade da


aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença
à ADC nº 1-DF
Cynara Monteiro Mariano .....................................................................................................................................41
1 Introdução....................................................................................................................................................41
2 Do alcance do julgamento do STF na ADC nº 1-DF e da ilegitimidade da
mutação constitucional promovida no julgamento dos Recursos Extraordinários
nºs 377.457/PR e 381.964/MG...............................................................................................................43
3 Conclusões...................................................................................................................................................51
Referências...................................................................................................................................................53

A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada


Marlon Tomazette ....................................................................................................................................................55
1 Introdução....................................................................................................................................................55
2 Direito à efetiva tutela jurisdicional.....................................................................................................57
3 Óbices à efetividade do processo: tempo e processo..................................................................59
4 A técnica da cognição sumária.............................................................................................................62
5 A tutela antecipada...................................................................................................................................64
6 Requisitos da tutela antecipada...........................................................................................................65
6.1 Requerimento da parte............................................................................................................................66
6.2 Prova inequívoca........................................................................................................................................66
6.3 Verossimilhança da alegação.................................................................................................................67
6.4 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação......................................................68
6.5 Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.............................69
7 Reversibilidade do provimento antecipado.....................................................................................70
8 Objeto da antecipação.............................................................................................................................74
9 Efetivação da tutela antecipada...........................................................................................................76
10 Restrições à efetivação.............................................................................................................................79
11 Conclusão.....................................................................................................................................................83
Referências...................................................................................................................................................85

O processo civil e a execução no Processo do Trabalho


Gilberto Stürmer .......................................................................................................................................................89
1 Introdução....................................................................................................................................................89
2 Fases processuais: cognição, pré-execução e execução..............................................................90
3 Liquidação de sentença...........................................................................................................................90
4 Legislação vigente.....................................................................................................................................92
5 Inaplicabilidade das regras de cumprimento da sentença do Código de
Processo Civil ao Processo do Trabalho.............................................................................................93
6 Embargos à execução, impugnação e recursos..............................................................................94
7 Conclusão.....................................................................................................................................................95
Referências...................................................................................................................................................96

Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais


compensatórias de desigualdades sociais e a proteção judicial dos direitos
fundamentais
Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes ....................................................................................................99
1 Introdução....................................................................................................................................................99
1.1 A estrutura política, judicial e legal do Brasil: observações iniciais necessárias............... 101
2 Direitos humanos e direitos fundamentais................................................................................... 102
3 Direitos fundamentais e direito processual civil: as garantias cons­titucionais do
processo antes e após a Constituição de 1988............................................................................. 104
3.1 Direito fundamental a uma ordem jurídica justa e a um processo justo............................ 107
3.2 Direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e à técnica proces­sual adequada........ 109
4 Garantias constitucionais do processo civil no Brasil................................................................. 111
5 Processo Civil e desigualdade no Brasil.......................................................................................... 119
5.1 Técnicas compensatórias de desigualdades, em benefício de grupos sociais
em desvantagem ou em luta por reconhecimento, previstas nas leis processuais
brasileiras................................................................................................................................................... 119
5.2 Técnicas compensatórias de desigualdade em benefício de parte em
desvantagem previstas nas leis processuais brasileiras............................................................ 123
6 Conclusão.................................................................................................................................................. 128
Referências................................................................................................................................................ 128

Arbitragem no Brasil
Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral ...................................................................................... 131
1 Arbitragem................................................................................................................................................ 131
1.1 Considerações iniciais........................................................................................................................... 131
1.2 Arbitrabilidade......................................................................................................................................... 132
1.2.1 Requisitos objetivos............................................................................................................................... 132
1.2.2 Requisito subjetivo................................................................................................................................. 132
2 Como instituir uma arbitragem no Brasil....................................................................................... 133
2.1 Compromisso arbitral e cláusula compromissória...................................................................... 133
2.2 A suficiência da cláusula compromissória e a sua execução específica.............................. 134
2.3 O entendimento da jurisprudência a respeito da suficiência da cláusula arbitral.......... 136
2.4 A autonomia da cláusula compromissória.................................................................................... 136
3 Os árbitros.................................................................................................................................................. 137
3.1 Equiparação dos árbitros a juízes estatais...................................................................................... 137
3.2 Relação dos árbitros com os juízes estatais................................................................................... 137
3.3 A escolha dos árbitros........................................................................................................................... 138
3.4 Os deveres dos árbitros........................................................................................................................ 139
4 Arbitragem nos contratos administrativos.................................................................................... 140
4.1 Cabimento e autorização legal.......................................................................................................... 140
4.2 Aspectos processuais............................................................................................................................. 141
4.3 Limites: respeito à publicidade e à legalidade............................................................................. 141
4.4 Tendência legislativa e jurisprudencial: cabimento de arbitragem para resolver
conflitos derivados de contratos administrativos....................................................................... 142
5 O procedimento arbitral....................................................................................................................... 143
6 Sentença arbitral e os instrumentos para o seu controle ........................................................ 144
6.1 A estrutura, os efeitos e a autonomia da sentença arbitral .................................................... 144
6.2 O cabimento de embargos de declaração contra a sentença arbitral................................. 145
6.3 O controle judicial da sentença arbitral.......................................................................................... 145
6.3.1 Controle judicial das sentenças arbitrais estrangeiras.............................................................. 146
6.3.2 Controle judicial das sentenças arbitrais nacionais.................................................................... 146
6.3.3 Tendência jurisprudencial: prestígio à arbitragem..................................................................... 147
7 A adesão do Brasil à Convenção de Nova Iorque........................................................................ 148

A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual


civil: um confronto entre o juiz Pilatos versus o juiz contemporâneo
Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho ............................................................................. 149
1 Proêmio...................................................................................................................................................... 150
2 A trilha evolutiva da prova como norte para o alcance da verdade real no
processo..................................................................................................................................................... 151
3 O processo como fundamento da constitucionalidade........................................................... 159
4 A iniciativa probatória como um dos salutares poderes instrutórios do
juiz moderno........................................................................................................................................... 161
5 A principiologia embasadora do direito probatório: algumas linhas sobre os
princípios da demanda, inquisitivo e verdade real..................................................................... 165
5.1 O princípio dispositivo.......................................................................................................................... 165
5.2 O princípio inquisitivo........................................................................................................................... 167
5.3 O princípio da verdade real................................................................................................................. 167
6 A iniciativa probatória do magistrado na atual tônica processual civil:
um embate sobre o juiz Pilatos x o juiz contemporâneo......................................................... 169
7 Conclusão.................................................................................................................................................. 174
Referências................................................................................................................................................ 179

Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional


Julio Rojas Chamaca ............................................................................................................................................. 183
I Introducción............................................................................................................................................. 183
II Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional........................... 185
III Reflexiones finales.................................................................................................................................. 194
Bibliografía................................................................................................................................................ 195

Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da


Lei nº 11.101/2005
Aline França Campos ........................................................................................................................................... 197
1 Introdução................................................................................................................................................. 197
2 O contexto em que a Lei nº 11.101/2005 foi editada................................................................. 198
2.1 Alteração na ordem de classificação dos créditos falimentares............................................ 206
3 A legitimidade ad causam: o sujeito ativo do processo falimentar...................................... 209
4 O interesse de agir do credor e o abuso de direito..................................................................... 214
5 Conclusão.................................................................................................................................................. 221
Referências................................................................................................................................................ 222

Parecer

A inviabilidade da aplicação da fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro


Lúcio Delfino ........................................................................................................................................................... 227

NOTAS E COMENTÁRIOS

Análise de acórdão em que se discute a possibilidade de conduta ativista do juiz,


em matéria de pedido
Cristiane Druve Tavares Fagundes .................................................................................................................. 239
1 Introdução................................................................................................................................................. 239
2 Colocação do problema: acórdão oriundo do Agravo de Instrumento
nº 640.724-4/6-00, TJSP......................................................................................................................... 239
3 Premissas do denominado “ativismo judicial”.............................................................................. 240
4 Limites ao ativismo judicial................................................................................................................. 241
5 Aplicação das premissas fixadas ao acórdão analisado............................................................ 243
6 Considerações finais.............................................................................................................................. 245
Referências................................................................................................................................................ 246
Agravo de Instrumento nº 640.724-4/6-00 – Sorocaba – Voto nº 5937D.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.................................................................................. 247

Por uma interpretação ontológico-sistemática do artigo 219 do CPC


Luciano Marinho de Barros e Souza Filho .................................................................................................... 251

DIRETO AO PONTO

A prévia garantia do juízo é condição para o oferecimento da impugnação ao


cumprimento de sentença condenatória?
Eduardo José da Fonseca Costa ....................................................................................................................... 257
José Henrique Mouta Araújo ............................................................................................................................ 261

É possível a antecipação de tutela, com base no inciso II do artigo 273 do CPC,


sem requerimento da parte autora?
Luciano Silva Rufino ............................................................................................................................................. 267
Rodrigo Faquim Nogueira .................................................................................................................................. 269

Índice ......................................................................................................................................................................... 273

Instruções de publicação para os autores .................................................................................................... 279


Editorial

Registre-se, de início, importante acontecimento cultural ocorrido


em Minas Gerais. A cidade de Belo Horizonte foi palco, nos dias 12
e 13 de maio de 2011, do II Congresso Mineiro de Processo Civil. O evento,
promovido pela OAB-MG e pela Escola Superior de Advocacia da
OAB-MG, com apoio da AMAGIS, da Fundação Escola do Ministério
Público e patrocínio da Editora Del Rey, realizou-se sob a coordenação
científica dos competentes Professores Leonardo de Faria Beraldo e
Antônio Marcus Nohmi, reunindo o número expressivo de quase 800
congressistas.
A programação riquíssima envolveu temas atinentes ao projeto
do Novo Código de Processo Civil, aos meios alternativos de resolução
de conflitos, ao novo mandado de segurança, à coisa julgada, ao con­
trole jurisdicional das políticas públicas, ao princípio do contraditório,
ao processo coletivo, entre tantos outros. Como palestrantes, atuaram
os seguintes juristas mineiros, paulistas, baianos, gaúchos e cariocas:
Humberto Theodoro Júnior, Luís Cláudio Chaves, Paulo Roberto de
Gouvea Medina, José Marcos Rodrigues Vieira, Marcos Chagas, Gisela
Saldanha, Ival Heckert Jr., Lúcio Delfino, Luiz Guilherme Wagner Jr.,
Araken de Assis, Jason Albergaria Neto, Dhenis Madeira, Fredie Didier
Jr., Armando Quintão Bello Oliveira Jr., Allan Helber, Jaubert Carneiro
Jaques, Marconi Bastos Saldanha, Cassio Scarpinella Bueno, Alice de
Souza Birchal, Dierle Nunes, Fernando Jayme, Leonardo de Faria Beraldo,
Raimundo Cândido Júnior e Alexandre Freitas Câmara.
Nas palavras do Diretor-Geral da Escola Superior de Advocacia da
OAB-MG, Prof. Antônio Marcos Nohmi,

foram dois dias felizes, iluminados, de muita reflexão, iniciados com as pala­vras
sábias do pro­fessor Humberto Theodoro Júnior e encerradas com a excelente
palestra de Alexandre Freitas Câmara. Foram dois dias em que fomos provo­
cados intelectualmente, que trouxeram, em alguns momentos, angústia pelas
dificuldades e, em outros, motivação e inspiração para prosseguirmos nos
aprimorando cada vez mais.

Apresentamos, a seguir, mais esta edição da RBDPro.


Participam dela, com contribuições doutrinárias, José Maria
Tesheiner, Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes, Cynara Monteiro

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 7-8, abr./jun. 2011
8 Editorial

Mariano, Marlon Tomazette, Gilberto Stürmer, Jefferson Carús Guedes,


Eliana Pires Rocha, Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral,
Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho, Aline França
Campos, Julio Rojas Chamaca. Também colaboram, na seção “Notas e
Comentários”, Cristiane Druve Tavares Fagundes, Luciano Marinho de
Barros e Souza Filho. Há, ainda, um “parecer”, elaborado por Lúcio
Delfino, além de alguns ensaios escritos na seção “Direto ao Ponto” com
o propósito de elucidar duas questões palpitantes.
É nosso desejo que a leitura agrade a todos.

Os Diretores

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 7-8, abr./jun. 2011
DOUTRINA
Artigos
O Poder Judiciário como legislador
José Maria Tesheiner
Professor de Processo Civil nos cursos de pós-graduação da Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ex-Consultor Geral do Estado do Rio Grande do Sul.
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Resumo: Apontam-se casos do Direito brasileiro em que, autorizado pela


legislação, o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional, edita
normas gerais e abstratas.
Palavras-chave: Poder Judiciário. Jurisdição. Normas gerais e abstratas.

Mostro, neste artigo, que o Poder Judiciário exerce agora também


atividade normativa, no sentido de que edita normas gerais e abstratas.
A análise é feita com base no Direito brasileiro, mas o fenômeno não
se limita ao Brasil. A importância dessa constatação é reduzida nos
países do Common Law, que sempre conviveram com judge made laws,
por força da eficácia vinculativa dos precedentes, ainda que se trate de
fenômenos distintos.
No Estado liberal, o Poder Judiciário tinha por função precípua
a aplicação da lei ao caso concreto. Supunha-se lei anterior, norma geral
e abstrata, editada pelo Parlamento que, ocorrendo a hipótese nela
prevista, incidia automaticamente sobre o fato. Na sentença, o juiz decla­
rava essa incidência e, assim, aplicava a lei ao caso concreto.
O neoconstitucionalismo enfraqueceu o princípio da legalidade, ao
afirmar a proeminência da Constituição, com seus princípios e valores,
alguns apenas implícitos, com o que o juiz passou mais claramente a
exercer atividade criativa, mesmo nas ações individuais em que aplica o
Direito (não mais a lei) ao caso concreto. Mas o foco, aqui, não está nessa
atividade criadora de direito no caso concreto, nem mesmo quando, por
força de repetição, adquire a natureza de norma geral (a jurisprudência
como fonte do Direito).
O que importa, aqui, são os casos em que o próprio Direito legislado
autoriza o Judiciário a editar normas gerais e abstratas.
O fenômeno não é inteiramente novo. A Justiça do Trabalho teve
poderes normativos desde sua instituição.1 Tratava-se, porém, de uma
atividade circunscrita àquela justiça especializada.

Decreto-Lei nº 1.237, de 2 de maio de 1939.


1

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011
12 José Maria Tesheiner

“Organiza a Justiça do Trabalho


Art. 28. Compete aos Conselhos Regionais:
a) conciliar e julgar os dissídios coletivos que ocorrerem dentro da respectiva jurisdição;
b) homologar os acordos celebrados nos dissídios a que se refere a alínea anterior;
c) extender as suas decisões, no casos previstos nos artigos 65 e 66;
d) extender a toda categoria, nos casos previstos em lei, os contratos coletivos de trabalho;
e) rever as próprias decisões, conforme o disposto neste decreto-lei;
Art. 56. Nos dissídios coletivos, são competentes para provocar a conciliação os empregadores ou seus sindicatos,
os sindicatos de empregarias e, ex-officio, sempre que ocorrer suspensão ao trabalho, o presidente do tribunal
ou a Procuradoria do Trabalho.
Parágrafo único. Quando não houver sindicato que represente a categoria profissional dos dissidentes, poderá
instância conciliatória ser provocada por um terço dos empregados do ou dos estabelecimentos interessados.
Art. 57. A instância será instaurada mediante representação escrita ao presidente do tribunal, ou por ato deste,
sempre que ocorrer suspensão do trabalho.
§1º A representação deverá conter:
a) a designação e qualificação dos reclamantes e a natureza do estabelecimento ou do serviço;
b) os motivos do dissídio e as bases da conciliação;
c) a indicação do representante ou representantes dos dissidentes, no caso do parágrafo único do artigo anterior,
a representação poderá ser feita verbalmente ao presidente do tribunal ou à Procuradoria do trabalho, sendo
reduzida a termo.
Art. 58. Recebida a representação e estando a mesma na devida forma, presidente designará audiência, que
será realizada dentro do prazo de dez dias.
Parágrafo único. Quando a instância for instaurada ex-officio, audiências, deverá realizar-se dentro do mais
breve prazo após o conhecimento do dissídio.
Art. 59. Na audiência designada, comparecendo ambas as partes ou seus representantes, o presidente convidará
os interessados a se pronunciarem sobre as bases da conciliação; caso não haja acôrdo, o presidente submeterá
aos interessados a solução que lhe pareça capaz de resolver o dissídio.
Parágrafo único. Havendo acôrdo, o presidente convocará o tribunal, para a respectiva homologação.
Art. 60. Não havendo acordo ou homologação, o tribunal proferirá julgamento.
§1º Reunido em sessão o tribunal, terão a palavra o relator para fazer o relatório, e as partes ou os seus
patronos: ouvida depois a Procuradoria do Trabalho, proferirá o relator o seu voto, seguindo-se as discussão,
violação e julgamento do feito.
§2º É facultada aos interessados a assistência por advogados, inscritos na Ordens dos Advogados.
§3º Os recursos interpostos para o Conselho nacional do Trabalho serão informados previamente pelo Conselho
Regional recorrido.
Art. 61. Sempre que no decorrer do dissídio houver ameaça de perturbação da ordem, o presidente requisitará
à autoridade competente as providências que se tornarem necessárias.
Art. 62. Quando o dissídio ocorrer fora cia sede do Tribunal, poderá o presidente, si julgar conveniente, delegar
à autoridade local as atribuições de que tratam os artigos 58 e 59. Nesse caso, não havendo conciliação, a
autoridade delegada encaminhará o processo ao tribunal, fazendo exposição circunstanciada dos fatos e
indicando a solução que lhe pareça cabível.
Art. 63. Das decisões do tribunal serão notificadas, em registado postal, com franquia, as associações sindicais
litigantes, ou representantes dos dissidentes, a que se refere a alínea c do art. 57, fazendo-se, outros sim, a
publicação da decisão, no, jornal oficial, para ciência dos demais interessados.
Art. 64. Celebrado o acôrdo ou transitada em julgado a decisão, seguir-se-á o seu cumprimento, sob as penas
estabelecidas neste, decreto-lei.
SECÇÃO II
Art. 65. Em caso de dissídio coletivo que tenha por motivo novas condições de trabalho e de que houver
participado uma fração, apenas dos empregos de uma empresa, poderá o tribunal, na própria decisão, extendê-
la, si assim julgar justo e conveniente, á outra fração da mesma profissão dos dissidente.
Parágrafo único. O Tribunal fixará a data em que a decisão deva entrar em execução, bem como o prazo de
sua vigência, que não poderá ser superior a quatro anos.
Art. 66. Poderá a decisão ser estendida a toda a categoria, compreendida na jurisdição do tribunal:
a) por solicitação de qualquer empregador ou de sindicado de empregados :
b) ex-officio.
§1º Para que a decisão possa ser estendida, por solicitação ou ex-officio, é preciso que 3/4 dos empregadores e
3/4 dos empregados, ou os sindicatos, na forma que a lei de sindicalização determinar, concedem com a extensão.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011
O Poder Judiciário como legislador 13

Maior alcance teve a introdução, entre nós, ainda antes da


Constituição de 1988, do controle abstrato de constitucionalidade.2 Havía­
mos importado do Direito norte-americano o sistema do controle difuso
de constitucionalidade, mas sem a eficácia vinculativa dos precedentes.
Qualquer juiz, ainda que de primeiro grau, foi autorizado a “declarar”
a inconstitucionalidade de lei, em ação individual. Na verdade, não há
propriamente declaração, porque a decisão, ainda que pronunciada em
grau de recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal, não faz
coisa julgada senão às partes e limitadamente ao pedido objeto da ação,
uma vez que, em nosso sistema processual, a coisa julgada não se estende
aos fundamentos da decisão.3 A inconstitucionalidade é apenas funda-
mento invocado para negar-se aplicação à lei considerada inconstitucio-
nal, não produzindo, pois, coisa julgada nem para as partes. Para afas-
tar a aplicação da lei inconstitucional em outros casos exige-se resolução
do Senado.4 Há, hoje, uma corrente sustentando a eficácia erga omnes
das decisões do Supremo Tribunal Federal declaratórias de inconstitu­
ciona­lidade em ações individuais, o que nos aproximaria do sistema
norte-americano, porém, o tema foge ao objeto do presente estudo, li-
mitado aos casos de previsão legal de normas gerais e abstratas editadas
pelos tribunais.
Não se discute que as decisões do Supremo Tribunal Federal no
controle concentrado de constitucionalidade têm eficácia erga omnes.5

§2º O tribunal, quer no caso da alínea a, quer no da alínea b, deste artigo. Marcará prazo para que os interessados
se manifestem.
§3º Na decisão do tribunal haverá recurso ex-officio para a Câmara de Justiça do Trabalho do Conselho Nacional
do Trabalho”.
2
Emenda Constitucional nº 16, de 1965
“Altera dispositivos constitucionais referentes ao Poder Judiciário.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgam, nos têrmos do art. 217, §4º, da
Constituição Federal, a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 2º As alíneas c, f, i e k do art. 101, inciso I, passam a ter a seguinte redação:
(...)
k) a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual,
encaminhada pelo Procurador-Geral da República”.
3
Código de Processo Civil, art. 469. “Não fazem coisa julgada:
I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
Il – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo”.
4
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
(...)
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal.”
5
Constituição Federal, art. 101, “§2º: As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia
contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011
14 José Maria Tesheiner

Significa isso que o ato normativo declarado inconstitucional permanece


no sistema jurídico, mas sem eficácia. A decisão judicial tem até mais
força do que a simples revogação do ato, porque dotada de possível
eficácia retroativa. Ora, se a revogação de uma lei implica alteração do
ordenamento jurídico, com igual ou maior razão se deve reconhecer
que o sistema jurídico é alterado quando o Supremo Tribunal Federal
torna ineficaz uma norma geral que, de outro modo, continuaria a
incidir e a produzir efeitos jurídicos. A natureza normativa do ato é ainda
mais saliente agora que se admite a modulação dos efeitos, podendo o
Supremo Tribunal Federal determinar que sua decisão tenha eficácia
ex nunc ou a partir de algum momento no futuro.6 Não se trata mais,
como outrora se sustentou, de declaração de nulidade de norma havida
como inconstitucional, com eficácia necessariamente ex tunc, mas de
decisão constitutiva negativa, com eficácia ex tunc, ex nunc ou a partir de
outro momento determinado por razões de conveniência prática. Isso é
legislar (editar normas gerais e abstratas).
Por sua própria natureza, as ações coletivas tendem à produção
de sentenças que não constituem aplicação da lei a caso concreto,
necessariamente individual, mas à produção de normas gerais e abstratas.
Definimos, aqui, como coletivas as ações que dizem respeito a pessoas
indeterminadas ou a um grupo de pessoas, nem todas presentes no
processo, como diferentemente ocorre no litisconsórcio. Inclui-se, às
vezes, entre as ações coletivas, a ação civil pública que, todavia, tem às
vezes caráter marcadamente individual, como, por exemplo, na proposta
pelo Ministério Público em defesa de direito de algum menor ou idoso
claramente identificado.
Normas gerais e abstratas são as que impõem deveres para pes­
soas indeterminadas e as constitutivas de direitos subjetivos de sujeitos
indeterminados.
Nas ações relativas aos chamados direitos difusos,7 a sentença
impõe obrigações ao réu, pessoa determinada, e não é constitutiva de

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004).
6
Lei nº 9.868/1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria
de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
7
Lei nº 8.078/1990 (Código do Consumidor, art. 81, parágrafo único: “A defesa coletiva será exercida quando
se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011
O Poder Judiciário como legislador 15

direitos subjetivos das pessoas por ela beneficiadas. Assume o caráter de


norma geral e abstrata somente se, como efeito anexo, dela resulta título
para execuções individuais. Não se trata de ações coletivas no sentido
próprio da expressão, mas de ações na verdade individuais tendentes
à declaração ou à criação de deveres absolutos, isto é, de deveres a que
não correspondem direitos subjetivos. São ações tendentes à aplicação
(eventualmente à criação) de Direito objetivo.
Nas ações relativas a interesses coletivos stricto sensu, a sentença
é declarativa de direito coletivo (v.g. direito ao meio ambiente de tra­
balhado sadio) ou é constitutiva de direito coletivo (v.g., fixação de um
piso salarial mínimo para a categoria). Não são, rigorosamente, ações
coletivas. Coletivo é o interesse ou direito tutelado. A sentença assume
o caráter de norma geral e abstrata somente se, como efeito anexo, dela
resultam deveres individuais, como no caso da decisão que, em decla­rando
a ilegalidade de uma greve (direito coletivo), obriga os trabalhadores
a retornar ao trabalho. Se o Ministério Público ou outro legitimado pede
sentença mandamental, com ordem de retorno ao trabalho, a ação é
coletiva passiva e a sentença tem a natureza de norma geral e abstrata.
Nas ações relativas a direitos individuais homogêneos, a sentença é
declarativa de direitos ou de obrigações de pessoas indeterminadas. São
ações coletivas no sentido próprio da expressão, pela existência, no lado
ativo ou passivo, de um grupo de pessoas, que individualmente podem
até não saber da existência do processo. Atua, por todas, um substituto
processual, como tal havido o que atua em juízo, em nome próprio,
em defesa de direito alheio. A regra, no Direito brasileiro, é que essas
ações se encerrem com uma sentença condenatória genérica, que não
precisa indicar nem os beneficiários nem o quantum devido a cada um,
tendo, pois, a natureza de norma geral e abstrata. Procede-se à liquidação
e à execução por ações individuais.
As súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal8 têm
manifestamente a natureza de normas gerais e abstratas.

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza
indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária
por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”.
8
Constituição Federal, “art. 103-A: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula
que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011
16 José Maria Tesheiner

Embora sem expresso efeito vinculante, têm também essa natureza


as decisões do Superior Tribunal de Justiça, ao uniformizar a jurispru­
dência no julgamento de recursos repetitivos.9
Constata-se, assim, que, na atualidade, o Poder Judiciário exerce,
além da função tradicional de aplicar o Direito ao caso concreto, a de
editar normas gerais e abstratas. Trata-se de uma consequência e de uma
exigência da moderna sociedade de massas.
Trata-se de uma função nova que exige métodos de trabalho dife­
renciados, ao que em parte já provê a Lei, ao admitir a realização de
audiências públicas e a intervenção de amici curiae.10

§1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das
quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá
ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar,
caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo
ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da
súmula, conforme o caso”.
9
“Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o
recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia,
os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais
até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§2º Não adotada a providência descrita no §1º deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao
identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao
colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a
controvérsia esteja estabelecida. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§3º O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais
ou estaduais a respeito da controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§4º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância
da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.
(Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§5º Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no §4o deste artigo, terá vista o
Ministério Público pelo prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§6º Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o
processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre
os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. (Incluído pela Lei nº
11.672, de 2008)
§7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: (Incluído
pela Lei nº 11.672, de 2008)
I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior
Tribunal de Justiça; ou (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da
orientação do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§8º Na hipótese prevista no inciso II do §7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem,
far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008)
§9º O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas
competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos
previstos neste artigo” (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
10
Lei nº 9.868/1999: “Art. 9º Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o relatório, com cópia a
todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011
O Poder Judiciário como legislador 17

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

TESHEINER, José Maria. O Poder Judiciário como legislador. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011.

§1º Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência


das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou
comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir
depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria”.
CPC, 543-C: “§4º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando
a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na
controvérsia” (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
Lei nº 9.882/99, (regulamenta o procedimento para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF), art. 6º, §1º: “Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram
a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer
sobre a questão, ou, ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e
autoridade na matéria”.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 11-17, abr./jun. 2011
Desafios e avanços do novo CPC diante
da persistente insegurança jurídica –
A urgente necessidade de estabilização
da jurisprudência1
Arthur Mendes Lobo
Doutorando em Direito Processual pela PUC-SP. Mestre em Direitos Coletivos e Função Social
do Direito pela Universidade de Ribeirão Preto-SP. Professor da pós-graduação lato sensu da
FAFIBE-SP. Ex-professor da UFJF.

João Batista de Moraes


Pós-Graduado em Processo Civil e Direito Contratual pela PUC-SP. MBA em Direito da Economia
e da Empresa pela FGV e em Direito Tributário, também pela FGV.

Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de trazer reflexões acerca do


projeto de lei do novo Código de Processo Civil, mais especificamente, sobre
a Estabilização da Jurisprudência no Novo Código de Processo Civil. Analisam-se
os principais dispositivos do Projeto de Lei do Senado nº 166/2010, os quais
dispõem sobre a força vinculativa da jurisprudência predominante no STJ
e STF, verificando os significados e alcances de suas proposições à luz dos
princípios constitucionais do processo civil.
Palavras-chave: Novo CPC. Recursos repetitivos. Execução. Resolução
de demandas repetitivas. Cooperação jurisdicional. Estabilização da
jurisprudência.
Sumário: 1 Introdução – 2 A oscilação da jurisprudência do STJ: uma
desconstrução do sistema que contribui para morosidade da Justiça e ofensa
ao postulado da igualdade – 3 A desobediência à jurisprudência predominante
ou sumulada do STJ pelos seus próprios componentes e pelas instâncias
inferiores – 4 Possíveis soluções previstas no Novo CPC (PLS nº 166/2010)
– 5 Conclusão – Referências

1 Introdução
O mundo contemporâneo tem como marca a complexidade e o
nascimento de novas demandas. A revolução tecnológica, a democratização
da comunicação por meios eletrônicos, a preocupação com o meio
ambiente, são os novos valores que conduzem às pressões da sociedade
sobre as instituições de direito.
Por isso, nesses novos tempos, é inexorável a interdiscursividade e
intertextualidade na expressão linguísticas do direito,2 como nos ensina

1
O Projeto de Lei do Senado nº 166/2010 (Projeto do novo CPC) é por nós designado, simplesmente, como
Novo CPC.
2
Na Semiótica, utiliza-se o termo “texto” para se referir ao plano da expressão, enquanto o termo “discurso”
é utilizado para esclarecer o plano de conteúdo.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
20 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

Paulo de Barros Carvalho, já que as decisões judiciais devem ser fun­


damentadas em um processo comunicacional que se volta, em certa
medida, para um consenso de valores. Daí ser impossível, na concepção
da filosofia da linguagem, uma decisão individual, que desconsidere
decisões precedentes.
Cumpre notar que a interdiscursividade, inerente à ciência do
direito, tem gerado diálogos entre sistemas processuais de outros Estados.
Não raro, o sistema do civil law adotado pelo ordenamento jurídico
brasileiro recebe normas novas, cujas origens ontológicas estão arrai­­ga­das
no sistema da common law, impondo aos jurisdicionados e magistrados
de grau inferior a observância aos precedentes jurisprudenciais.
Assim, pode-se afirmar, em certa medida, que, no ordenamento
jurídico brasileiro, “não há exagero em reconhecer a existência de um
Direito Judiciário, constituído pelo produto final da intervenção judicial
no labor interpretativo da norma escrita, assim aproximando nossa
família jurídica a dos países da common law”.3
Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier,4 “tanto nos sistemas de
‘civil law’, quanto nos de ‘common law’, o direito existe com o objetivo
predominante de criar estabilidade e previsibilidade. É curioso que os
sistemas de ‘civil law’ sejam criação pretensamente racional que teve
como objetivo específico e declarado, o de alcançar aquelas finalidades
que, no Brasil, nem sempre são alcançadas”.
Nos países de common law, a decisão judicial em determinado feito
constitui um preceito erga omnes, que se impõe aos demais casos. É o
chamado precedente, que tem força de lei. Sistema que se mostrou viável
em Estados sem oscilações políticas e sociais.
Sálvio de Figueiredo Teixeira sintetiza que “no common law a regra
é a criação do direito pelos tribunais, sob o comando do direito costu­
meiro, através do judge-made law ou casemade law, em que tem vigorosa
aplicação o chamado binding precedent (precedente obrigatório) e efetiva
presença o instituto da equity”.5
Entendemos que, muito embora o direito brasileiro tenha seguido
o sistema romano-germânico, tendo como fonte primária e imediata a

3
MANCUSO, Rodolfo Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 133-134.
4
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o Estado de direito: civil
law e common law. Idéias e Opiniões, ano VII, n. 15, p. 02, out. 2009.
5
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A jurisprudência como fonte do direito e o aprimoramento da magistratura.
Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/1916>. Acesso em: 06 dez. 2006.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 21

lei, adotando-se normas predeterminadas como fonte de obrigação,


hodiernamente é possível afirmar que há uma forte tendência de incor­
poração de algumas características do sistema da common law ao nosso
ordenamento jurídico.6
Pode-se dizer que, dentre as fontes do direito brasileiro, a juris­
prudência vem conquistando, a cada dia, maior destaque, tanto no texto
constitucional, através de emendas que disciplinaram a reforma do
Judiciário, quanto nas leis infraconstitucionais, que concretizaram a
quarta onda de reforma do Código de Processo Civil.
A origem palavra jurisprudência deriva do latim jurisprudentia,
que significa prudência do direito, tomada a expressão prudência como
virtude intelectual voltada para a prática, para a ação honesta, leal e justa.7
Como assevera Teresa Arruda Alvim Wambier,8 “não se trata — e
não poderia ser diferente — de mera ‘importação’ de institutos estran­
geiros. Mas, respeitadas as características do nosso Estado de Direito, do
acolhimento, pelo nosso sistema jurídico, de experiências do sistema do
Common Law, que podem aprimorar a prestação da tutela jurisdicional
no Brasil”.
Como observa Rodolfo Camargo Mancuso,9 “a dicotomia entre
as famílias jurídicas civil law/common law hoje não é tão nítida e radical
como o foi outrora, sendo visível uma gradativa e constante aproximação
entre aqueles regimes”.
No mesmo sentido, José Carlos Barbosa Moreira10 afirma que
o sistema anglo-saxão “se aproxima, em certa medida, do vigente na
6
Ao aprofundar sobre o tema, Guido Fernando Silva Soares faz a seguinte reflexão: “Se os juristas e advogados
da família romano-germânica olham com certa emulação a adequação dos case laws à realidade, advogados
e juristas da Common Law sentem uma certa nostalgia, em face da harmonia e racionalidade dos códigos!
Na essência é o velho contraste indução/dedução, ambos métodos válidos! No fundo, tanto a dedução como
a indução constituem-se em métodos científicos de conhecimento, aquela aplicável às ciências especulativas,
esta às ciências práticas, porém não com exclusividade, pois na Física ou na Biologia existe a utilização ambos
processos metodológicos. Nas ciências do comportamento do homem (que trabalham tanto com juízos de
realidade quanto com juízos de valor), o intercâmbio de ambos os métodos é ainda mais necessário, inclusive
como condição de verificação de provas das afirmações, sob pena de falseamento dos postulados científicos,
seja por uma generalização inexistente, ao que pode levar o abuso da indução; seja por um abstracionismo
que descreva o mundo dos homens, como se fosse constituído de seres perfeitos e angelicais (o grande risco
do abuso dos processos dedutivos). Ou, em outras palavras, tanto a pirâmide kelseniana abstrata quanto a
colcha de retalhos casuística constituem criações engenhosas do homem, os sistemas jurídicos nacionais,
concebidos para salvaguarda e aperfeiçoamento da sociedade humana” (Common Law: introdução ao direito
dos EUA. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 57).
7
MATA-MACHADO, Edgar Godoy da. Elementos de teoria geral do direito. Rio de Janeiro: Vega, 2001.
8
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o Estado de direito: civil
law e common law. Idéias e Opiniões, ano VII, n. 15, p. 01, out. 2009.
9
MANCUSO, Rodolfo Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 185.
10
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre alguns aspectos do processo (civil e penal) nos países

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22 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

área romano-germânica. Tendo em vista a sensível inclinação que este


manifesta, por sua vez, para avizinhar-se daquele, a convergência de
rumos autoriza a conjectura de que, um belo dia, venhamos a encontrar-
nos, eles e nós, nel mezzo del cammin”.
Sendo assim, a intertextualidade entre sistemas previstos no Direito
Processual Comparado tem sido frequentemente invocada na aplicação
das normas jurídicas. O sistema da common law tem inspirado as reformas
processuais e também a aplicação das leis, haja vista a força preponde­
rante das decisões precedentes sobre casos análogos.
No sistema do civil law, a jurisprudência tem influência meramente
persuasiva na valoração dos fundamentos jurídicos adotados pelo juiz.
Contudo, há uma tendência, pelo menos na doutrina, em afirmar uma
versão potencializada ou otimizada da jurisprudência, de modo que
a valoração que o juiz faz ao decidir a coloque em grau de hierarquia
superior, muitas vezes, ao seu próprio entendimento pessoal sobre
a questão posta em juízo, para preservar a igualdade, a celeridade e a
própria noção de sistema.
Com o presente estudo, pretende-se chamar a atenção para a
necessidade de se atribuir à jurisprudência do STJ um caráter vincula­
tivo, diminuindo a distância entre seus enunciados e as próprias normas
legais, para que as decisões monocráticas dos seus próprios Ministros,
bem como as demais instâncias, observem a impessoalidade e a impo­
sitividade dos precedentes predominantes do Superior Tribunal de
Justiça, ainda que ressalvem no texto da decisão, suas decisões pessoais.
Somente a força da jurisprudência pacificada pode assegurar isonomia
material (efetiva igualdade). Significa dizer, a igualdade de todos perante
a lei geral e abstrata deve coincidir com a igualdade de todos perante a
lei aplicada (norma jurídica individual e concreta).
As decisões judiciais se conjugam de tal modo que as de menor
hierarquia devem buscar seu fundamento de validade, sempre que diante
de caso análogo, em outras decisões de superior hierarquia, até chegar
à interpretação que o Supremo Tribunal Federal faz da Constituição,
ponto de partida do processo derivativo e ponto de chegada do esforço
de regressão.
A lei deve ser compreendida não pelo seu texto, mas pela inter­
pretação que os entes competentes fazem dela. Equivale a dizer, não

anglo-saxônicos. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 24.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 23

pode o cidadão agir apenas segundo a sua interpretação pessoal da


lei, já que deve observar precipuamente a interpretação feita pelo
Judiciário sobre ela.
Pelo menos em tese, para que o cidadão possa pautar sua conduta
na legalidade e na constitucionalidade, deve observar a jurisprudência
que se consolida nos tribunais. Do contrário, seu comportamento estará
sujeito a sanções, já que a lei ou a decisão de instâncias inferiores podem,
em certa medida, ser interpretadas com contornos distintos pelos tribu-
nais superiores.
Resta, assim, uma conclusão lógica: para ter a tranquilidade da
segu­rança jurídica, o cidadão deve observar a jurisprudência domi­ nante
nos tribunais superiores.
Mas qual seria a jurisprudência dominante? Como ela se forma?
Ela é continuamente respeitada pelo órgão que a prolatou? Se a juris-
prudência dominante oscilar, a instabilidade gerada prejudica o sistema
jurisdicional?
A premissa com a qual desenvolveremos nossas reflexões funda-se
na existência de um interesse maior em fazer com que as decisões não
sejam voláteis e se orientem para transmitir ao jurisdicionado um sen­
timento mais próximo da certeza de um resultado do que propriamente
uma probabilidade de mera aparência.
Uma releitura do novel instituto da Uniformização de Jurispru­
dên­ cia, agora buscando identificá-la no contexto estrutural do Código
Processual, servirá de princípio e término das nossas observações, per­
mitindo concluir, ao fim e ao cabo, que os avanços da sociedade contem-
porânea serão cada vez mais perceptíveis, sem titubeios ou desconfian-
ça, na medida em que os atores de vanguarda que oferecem combustão
à nossa economia consigam identificar concretude de previsibilidade na
jurisprudência, com a inescapável obediência de todos os operadores,
sobrelevando-se os juízes de instâncias inferiores, que muitas vezes rene-
gam seguir a interpretação que é dada pelos tribunais.

2 A oscilação da jurisprudência do STJ: uma desconstrução do sistema


que contribui para morosidade da Justiça e ofensa ao postulado da
igualdade
No Direito Comparado, a jurisprudência dos tribunais superiores,
ainda que não tenha efeito vinculante, é obedecida pelas demais instâncias

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
24 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

jurisdicionais. Isto se dá mesmo em Estados Democráticos regidos pelo


sistema da civil law.
No Brasil, muitas das decisões dos tribunais superiores não são
observadas por juízes de primeiro grau ou por tribunais estaduais ou
regional, ao fundamento de que as jurisprudências do STJ e do STF,
salvo exceções decorrentes do controle concentrado de constitucionali­
dade, súmula vinculante ou recursos repetitivos, não possuem efeito
vinculante. Alem disso, prevalece o entendimento de que o poder insti-
tucional do magistrado não pode ser limitado pelas instâncias superio-
res, já que ele seria plenamente livre para decidir segundo o seu próprio
convencimento, desde que o motive.
Outro argumento comumente utilizado para justificar esse des­
respeito à jurisprudência dos tribunais superiores consiste na alegação de
que, não raro, até mesmo os ministros do STJ e do STF desrespeitam suas
próprias decisões.
Teresa Arruda Alvim Wambier11 alerta-nos para esse problema:

Ao que parece, o legislador brasileiro já se apercebeu: não é saudável que


convivamos com tribunais decidindo concomitantemente, de forma diferente,
a mesma questão. (...) A jurisprudência dominante e a súmula do STJ ou do
STF, como parâmetros para a decisão (...) só podem gerar resultados saudáveis,
se os Tribunais Superiores deixarem de alterar suas decisões. Caso contrário,
ousaríamos dizer que a quase todas essas inovações poderão ser consideradas
um desastre. (...) Admitirem-se decisões diferentes concomitantes ou, ainda, as
tais “grandes viradas”, é negar o Estado de Direito, é estimular a propositura
de ações e o ato de recorrer. A quem interessa esta situação? É necessário
que a população possa confiar nas decisões do STF, em suas súmulas, ainda que
não vinculantes. O mesmo se diga quanto às decisões do STJ. Deve haver uma
jurisprudência firme das cortes, e não pessoal, de cada um dos seus Ministros.

Mutatis mutandis, apenas a título de ilustração de um sistema de


decisões: quando um pai dá uma ordem e, no minuto seguinte, ignora
essa ordem, torna-se difícil exigir a obediência do filho.
Com efeito, a persuasão racional do juiz deve receber um novo
conceito, já que a racionalidade exige que se pense no sistema como um
todo e que se preserve esse sistema, sob pena de se incorrer em morosi-
dade, aumento de recursos, processos, acúmulo de serviço, dentre outras
externalidades negativas. Em suma, antes de formar seu convencimento,

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o Estado de direito: civil
11

law e common law. Idéias e Opiniões, ano VII, n. 15, p. 04, out. 2009.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 25

o juiz deve estudar a jurisprudência dominante e partir da premissa,


uma verdadeira presunção iuris tantum de que o entendimento nela con-
sagrado há de ser respeitado, salvo se outra solução jurídica mostrar-se
inafastável. Vale dizer, antes de decidir pelo seu livre convencimento, o
magistrado deve se atentar para o princípio da obediência à jurispru­
dência dominante dos tribunais superiores.
O que se pretenderá demonstrar é que há um postulado, mais
precisamente um princípio, que deve ser observado para a preservação
da ideia de sistema e para dirimir problemas que assolam o Judiciário
(tais como, morosidade, ineficiência, formalismo excessivo).
Na medida do razoável, ou seja, se o caso analisado for idêntico a
outro já julgado pelos tribunais superiores, o juiz deve se desvencilhar
de suas convicções pessoais, já que a função pública jurisdicional deve
observar o princípio da impessoalidade, previsto no art. 47 da Consti­
tuição Federal. Significa dizer, ainda que o magistrado ressalve a sua
opinião pessoal no texto de sua decisão, deve zelar pelo entendimento
sedimentado e reiteradamente aplicado pelo tribunal superior, de modo
a respeitar a instituição e conferir credibilidade, segurança jurídica e
estabilidade ao direito.
Tendo um norte a ser seguido em termos de interpretação da lei,
o cidadão consegue, com tranquilidade, planejar seu comportamento,
evitar conflitos e consequentemente evitar o ajuizamento de demandas,
pois saberá prever o seu desfecho.
O contrário ocorre quando o cidadão se vê diante de um tribunal
superior que muda de entendimento com frequência. A flexibilidade
das decisões faz aumentar sobremaneira o número de demandas, pois
sempre haverá risco de uma grande virada na jurisprudência.
Com efeito, uma grave externalidade negativa da oscilação da
jurisprudência diz respeito ao encorajamento à prática recursal. Vale
dizer, ao perceber que os tribunais superiores não possuem entendi­
mento estável, leia-se, não respeitam nem as suas próprias decisões, o
cidadão se sente motivado a recorrer quando está diante de uma decisão
de primeiro ou segundo graus, ainda que elas estejam em harmonia
com a jurisprudência dominante dos tribunais superiores. Isso porque
confia e espera que, no seu caso específico, possa haver mudança de
paradigma.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
26 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

Nesse contexto histórico, pode-se dizer que a esperança em reformar


a jurisprudência impulsiona a multiplicidade de recursos aos tribunais
superiores.
É precisa a visão de Paulo de Barros Carvalho:12

De ver está que os tribunais superiores foram investidos pela Constituição da


República da competência para uniformizar a interpretação da Constituição
Federal (STF) e da lei federal (STJ) em toda extensão do território brasileiro.
As manifestações que profere em tom de súmula tornam-se diretrizes decisó­
rias para os tribunais hierarquicamente inferiores, ao mesmo tempo em que a
sociedade as acolhe como expressão eloqüente do direito que há de ser cumprido
no plano das relações inter-humanas. Além disso, a construção dos conteúdos
sumulares se faz gradativamente, pela reiteração de julgamentos acumulados
nos horizontes da mais legítima experiência jurídica. É a consolidação do
trabalho judicante, produzindo o direito vivo, testado e compassadamente
aplicado na composição aplicado na composição de litígios sobre certos e
determinados objetos do comportamento social.

O que se propõe com o presente estudo é afirmar que o respeito à


jurisprudência dominante dos tribunais superiores tem papel ideológico
na aplicação da norma jurídica. Isso porque, como ensina Tercio Sampaio
Ferraz,13 a ideologia tem um papel neutralizador do valor, na medida
em que através dela se valoram os próprios valores. A ideologia, por-
tanto, é um conceito axiológico que neutraliza os programas valorativos
ao determinar os fins, condições, meios, justificações, transformando o
valor subjetivo em valor objetivo.
Segundo Maria Helena Diniz,14 “é a ideologia que permite ao
órgão judicante decidir-se, num caso concreto, por uma norma na qual
possa fundar sua decisão, constatar a falta da referida norma, identi­fi­car
antinomias, indicando os meios para que possa prolatar uma decisão. Há
sempre uma ideologia da política jurisdicional, pois a aplicação é uma
operação lógico-valorativa”.
Portanto, o princípio da obediência à jurisprudência dos tribu­
nais superiores é um conceito axiológico que pretende a concretização
finalística condicional na hermenêutica, já que “o direito está embebido

12
CARVALHO, Paulo de Barros. Poesia e direito. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson (Coord.). Vilém Flusser e
juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009.
p. 62.
13
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça
e o direito. São Paulo: Atlas, 2002. p. 116.
14
DINIZ, op. cit., p. 485.

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Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 27

de ideologia valorativa; logo, o magistrado, ao aplicar o direito, também


o está, pois há, de sua parte, uma prévia escolha, de natureza axiológica,
dentre as várias possíveis”.15 Sendo assim, em respeito ao sistema, o
magistrado deve, sempre que possível, preferir uma decisão objetiva e
que revele a interpretação institucional sedimentada ao longo do tempo
pelas instâncias superiores, a uma decisão subjetiva e pessoal. Essa ideo­
logia contribui para a segurança jurídica, que é essencial, em certa medida,
às relações jurídicas e à pacificação social.

3 A desobediência à jurisprudência predominante ou sumulada do STJ


pelos seus próprios componentes e pelas instâncias inferiores
A atividade linguística de aplicação da norma jurídica comporta um
grande número de hipóteses em razão do aspecto sintático, semântico
e pragmático adotado pelo intérprete. O magistrado, ao decidir, atribui
valor ao fato jurídico, o que possibilita que tome decisões em diferentes
sentidos.
Luiz Rodrigues Wambier16 assevera que é necessária, e até mesmo
desejável, a diversidade de entendimentos judiciais, já que, para a com­
preensão a respeito de determinada tese de direito, o tempo e as diver­
gências são necessários para que a tese se aprimore e se consolide. O
que é nocivo ao sistema é a variação injustificada da jurisprudência,
notadamente das Cortes Superiores.
Porém, o sistema jurídico processual deve possuir hierarquia e
estabilidade moderada, pois, do contrário, haverá ofensa à legitimidade
social dos organismos operadores do sistema.
É necessário responder à seguinte indagação: se os conflitos na
jurisprudência são inevitáveis e inerentes ao sistema, eles são desejáveis
até que medida para não levar o sistema ao caos?
A jurisprudência conflitante ofende a regra da isonomia, pois
se ela perdura no sistema, possibilita que duas demandas idênticas
tenham desfechos diametralmente opostos, ferindo a igualdade formal
e substancial prevista na Constituição. Sob esse aspecto, a jurisprudência
conflitante pode destruir o sistema.

15
DINIZ, op. cit., p. 486.
16
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Jurisprudência conflitante: desarmonia e ofensa à isonomia. In: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim (Coord.). JORNADAS DE DIREITO PROCESSUAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PROCESSUAL, 8. Vitória-ES, 21 a 24 de junho 2010. Palestra.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
28 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

Para Luiz Rodrigues Wambier,17 a moderação da divergência


jurisprudencial deve considerar dois aspectos muito importantes:
i) o aspecto temporal, já que a democracia exige ampla discussão de
tudo o quanto diga respeito à construção de soluções sociais,
econômicas e jurídicas, para os micro e macroconflitos.
ii) o aspecto hierárquico, ligado ao papel dos tribunais destinados
à pacificação da jurisprudência. Mas a estratificação do direito
pela uniformização imutável da jurisprudência é um mal tão
grande quanto o daquilo que Sydney Sanches chama de poliformia
jurisprudencial contemporânea. Por outro lado, a uniformização é
necessária, sob pena de, na medida em que não ocorra, incentivar
a desordem.
Trata-se, então, de encontrar o ponto de equilíbrio.
Embora seja certo que as decisões do STJ não têm força vincu­lante
no atual sistema processual, é importante reconhecer que elas consti­tuem
um modelo de interpretação que irá orientar as decisões futuras proferi-
das pelos demais órgãos judicantes Regionais e Estaduais, em segundo
e primeiro graus de jurisdição, bem como as futuras decisões proferidas
pelo próprio STJ.
Mas, como anota Luiz Rodrigues Wambier:18

Porém, na prática, não raro, a orientação não é seguida pelos órgãos judiciários
de primeiro e de segundo grau. Em razão dessa oscilação jurisprudencial, os
jurisdicionados se vêem motivados a tentar uma solução mais compatível com a
sua própria concepção a respeito da tese jurídica em questão. Vale dizer, diante
da instabilidade do sistema, o cidadão busca uma interpretação que mais favoreça
seus interesses, o que aumenta o número de demandas e recursos no Judiciário.

No âmbito do STF, a súmula vinculante é um instrumento jurí­


dico que atribuiu força vinculante às decisões daquela Corte e que, pela
obrigatoriedade da observância da jurisprudência do Supremo, atenda
aos requisitos previstos no art. 103-A da CF.
A eficácia da jurisprudência do STF foi potencializada ao longo
da história do direito constitucional, sobretudo por eficazes instrumentos

17
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Jurisprudência conflitante: desarmonia e ofensa à isonomia. In: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim (Coord.). JORNADAS DE DIREITO PROCESSUAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PROCESSUAL, 8. Vitória-ES, 21 a 24 de junho 2010. Palestra.
18
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Jurisprudência conflitante: desarmonia e ofensa à isonomia. In: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim (Coord.). JORNADAS DE DIREITO PROCESSUAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PROCESSUAL, 8. Vitória-ES, 21 a 24 de junho 2010. Palestra.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 29

de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC, ADPF, súmula


vinculante etc.).
Sobre o tema, o Ministro Cezar Peluso,19 em entrevista recente,
quando perguntado: “A súmula vinculante foi criada em 2004 para obrigar
juízes de primeira instância a seguir as decisões do STF e evitar recursos
desnecessários. Está funcionando?” Esclareceu que:

A súmula vinculante é um ótimo mecanismo, porque tem de ser seguida tanto


pelos juízes quanto pela administração pública. É um enunciado de entendi­
mento já consolidado pelo Supremo. Poupa muito trabalho. Mas temos apenas
31 súmulas vinculantes. Deveria haver muito mais.

No âmbito da uniformização do direito federal, as reformas do


Código de Processo Civil introduziram no sistema alguns mecanismos
de desestímulo à insubordinação injustificada, que contribuem, em
certa medida, para a estabilidade do sistema, tais como:
i) o art. 557, que permite que o relator negue seguimento a recurso
manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em
confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do
respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de tribunal
superior;
ii) o art. 544, §3º, segundo o qual, o relator pode, se o acórdão
recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência
dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo
para dar provimento ao próprio recurso especial;
iii) a aplicação de multas;
iv) o parágrafo único do art. 120, que autoriza o relator a decidir
conflito de competência se o fizer segundo jurisprudência
dominante do tribunal;
v) o art. 475, §3º, que dispensa a remessa necessária quando a sen­
tença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo
Tribunal Federal ou em súmula deste tribunal ou do tribunal
superior competente;
vi) o art. 543-C, que prevê o julgamento de recurso representativo de
controvérsia presente em multiplicidade de demandas, chamado
de julgamento de recursos repetitivos.

19
PELUSO, Cezar. “Ninguém lê 10.000 ações!”. Veja, 05 jul. 2010. Disponível em: <http://www.espacovital.com.
br/noticia_ler.php?id=19404>. Acesso em: 09 jul. 2010. Entrevista concedida a Laura Diniz.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
30 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

Contudo, como bem elucida Luiz Rodrigues Wambier:20

O problema ocorre justamente quando o próprio STJ não cuida de preser­


var a estabilidade de suas próprias decisões, alterando rumos sem que haja
razão verdadeiramente eficiente para tanto e gerando, por assim dizer, uma
desconfiança da sociedade quanto às outras decisões que, muito provavelmente,
também não serão seguras, no tempo.

Para a estabilidade do sistema é desejável, segundo Rodolfo Camargo


Mancuso, que haja uma tendência dos tribunais superiores em presti­
giar sua jurisprudência pacificada, o que, a um tempo contribui para a
previsibilidade no desfecho da demanda e opera como desestímulo para
virtuais recursos postos em sentido diverso.21
Concordamos com Rodolfo Mancuso,22 na seguinte conclusão:

A jurisprudência — mesmo não estratificada em Súmula — tem uma aptidão


natural para atuar subliminarmente na intelecção do julgador, o que segundo
alguns, até poderia dispensar o custo político-jurídico da implantação de súmulas
em caráter expressamente vinculativo. Por esse entendimento, seria bastante
a premissa de que a jurisprudência, no sentido técnico-jurídico antes referido,
traz pressuposta a uniformidade contemporânea de um dado entendimento,
assim ensejando a sua natural aplicação às hipóteses afins, pelas demais instân­
cias judiciárias, sem o afirmado e temido risco da estagnação do Direito.

J. J. Calmon de Passos23 ainda é mais contundente em sua conclu­


são sobre o problema da violação às decisões plenárias dos tribunais
superiores, ao afirmar que “a força vinculante dessa decisão é essencial
e indescartável, sob pena de retirar-se dos tribunais superiores precisa­
mente a função que os justifica. Pouco importa o nome de que ela se
revista — Súmula, Súmula Vinculante, jurisprudência predominante,
uniformização de jurisprudência ou o que for, obriga. Um pouco à
semelhança da função legislativa põe-se, com ela, uma norma de caráter
geral, abstrata, só que de natureza interpretativa”.

20
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Jurisprudência conflitante: desarmonia e ofensa à isonomia. In: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim (Coord.). JORNADAS DE DIREITO PROCESSUAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PROCESSUAL, 8. Vitória-ES, 21 a 24 de junho 2010. Palestra.
21
MANCUSO, op. cit., p. 131.
22
MANCUSO, Rodolfo Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 131.
23
PASSOS, J. J. Calmon de. Súmula vinculante. Revista de Direito Processual Civil, São Paulo, n. 06, set./dez.
1997. p. 633.

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Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 31

A oscilação da jurisprudência, pela inobservância da interpretação


dada pelos tribunais superiores até mesmo por eles próprios foi chamada
por Cândido Rangel Dinamarco de jurisprudência lotérica.24
Segundo Evaristo Aragão Santos,25 a desatenção dos tribunais supe-
riores à sua própria jurisprudência pacificada, gera “a desatenção ao posi­
cionamento do sistema, encorajando o jurisdicionado a buscar a tutela
almejada até a última manifestação possível do Judiciário, acaba gerando
não apenas mais volume de demandas, mas mais julgamentos díspares,
os quais, por sua vez, encorajarão, mais ainda, essa postura de resistên-
cia ao entendimento já fixado pelo sistema, renovando as expectativas
daqueles que contra ele reagem e assim por diante”.
Contudo, não se pretende com esse estudo afirmar que a jurispru-
dência predominante nos tribunais superiores deva ser imutável ou que
se perpetuem. Isso porque o direito é uma ciência dinâmica, que não
pode ser engessada por nenhum enunciado linguístico, já que deve
refletir a evolução da sociedade.
Primorosa é a lição de Prado Kelly:26

A vida não pára, nem cessa a criação legislativa e doutrinária do direito. Mas
vai uma enorme diferença entre mudança, que é frequentemente necessária,
e a anarquia jurisprudencial, que é descalabro e tormento. Razoável e possível
é o meio termo, para que o STF [atualmente o STJ] possa cumprir o seu
mister de definir o direito federal, eliminando ou diminuindo os dissídios
de jurisprudência.

Portanto, é de ser conferida força vinculativa da jurisprudência


predominante e sumulada do STJ, como premissa para previsibilidade
da aplicação do direito federal, materialização da igualdade, celeridade
da justiça e estabilidade do sistema processual.

4 Possíveis soluções previstas no Novo CPC (PLS nº 166/2010)


O Presidente do Senado nomeou uma Comissão de Juristas presi­
dida pelo Ministro Luiz Fux e sob a relatoria de Teresa Arruda Alvim

24
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 1, p.
15. Sobre o tema, também vale conferir: CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, São
Paulo, n. 786, abr. 2001.
25
SANTOS, Evaristo Aragão. Técnicas diferenciadas de sumarização procedimental e cognição exauriente: das
providências preliminares, julgamento “antecipado” do processo e do procedimento monitório. Revista de
Processo, São Paulo, n. 181, p. 58, 2010.
26
RTJ, n. 37, p. 163.

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32 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

Wambier para elaborar o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil


Brasileiro. Esse trabalho deu origem ao Projeto de Lei nº 166/2010,
já aprovado pelo Senado, após o Substitutivo do Senador Relator Valter
Pereira27 e agora segue para aprovação da Câmara de Deputados e, poste-
riormente, para a sanção presidencial.
Passa-se a analisar, em brevíssima síntese, as inovações contidas
no substitutivo do PL nº 166/2010 aprovado pelo Senado, especifica­
mente no que tange aos mecanismos de estabilização e potencialização
da jurisprudência dos tribunais superiores.
A primeira inovação está no art. 12, §2º, inc. IV, do Novo CPC, que
prevê que os juízes e tribunais não terão que observar a ordem crono­
lógica de conclusão para decidir com base em julgamentos de recursos
repetitivos ou em decisões proferidas em incidentes de resolução de
demandas repetitivas.
A jurisprudência do STJ ganha relevo na medida em que pode ser
aplicada imediatamente, sendo uma exceção à ordem temporal, prevista
no novo código (caput, art. 12).
O art. 67 do Novo CPC prevê a figura da Cooperação Jurisdicio­
nal Nacional entre Tribunais Superiores e Juízes, seja prestando infor­
mações, inclusive sobre jurisprudência predominante, seja para a prá­
tica de qualquer ato processual. Utilizando-se os meios tecnológicos de
correspondência, crê-se que juízes, desembargadores e ministros terão
um canal de comunicação para envio de informações quase em tempo
real, o que pode acelerar o convencimento do julgador em relação à
matéria debatida nos processos.
Há também previsão (art. 307 do Novo CPC) para que o juiz julgue
o processo liminarmente improcedente quando, em se tratando de matéria
exclusivamente de direito, o pedido contrariar súmula do Supremo
Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; contrariar acórdão
proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal
de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; ou contrariar enten­
dimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou
de assunção de competência.

Relator da COMISSÃO TEMPORÁRIA DA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, sobre o Projeto de Lei do
27

Senado nº 166, de 2010, que dispõe sobre a reforma do Código de Processo Civil, e proposições anexadas.
Disponível em: <http://professormedina.files.wordpress.com/2010/11/novocpc-substitutivo.pdf>. Acesso em:
27 dez. 2010.

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Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 33

No que tange à remessa necessária (também chamada de recurso de


ofício ou remessa obrigatória), o Novo CPC prevê, em seu art. 483, que não
será necessário/obrigatório remeter ao duplo grau a sentença que estiver
fundada em: i) súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça; ii) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal
ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos;
iii) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de assunção de competência.
Na execução provisória de sentença, a caução poderá ser dispensada
se a sentença houver sido proferida com base em súmula ou estiver em
conformidade com acórdão de recursos extraordinário e especial repe­
titivos ou firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas
(art. 507 do Novo CPC).
Na impugnação ao cumprimento de sentença, o executado poderá
alegar, como na sistemática atual, que o título é inexigível porque funda-
do em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou
ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis
com a Constituição da República em controle concentrado de constitu-
cionalidade ou quando a norma tiver sua execução suspensa pelo Senado
Federal (art. 511 do Novo CPC). Tal dispositivo ainda deixa claro (§6º)
que a decisão poderá conter modulação dos efeitos temporais da decisão
em atenção à segurança jurídica. Assim, v.g., o juiz pode determinar o
sobrestamento da execução até que o STF decida determinada questão
constitucional na qual se baseia o título executivo. A mesma sistemá­
tica será adotada em se tratando de execução contra a Fazenda Pública
(art. 520, inc. III, §4º, do Novo CPC).
O dispositivo que potencializa, com maior ênfase, a jurisprudência
dos tribunais superiores é o art. 882 do Novo CPC, segundo o qual:

Art. 882. Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabi­


lidade da jurisprudência, observando-se o seguinte:
I – sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento
interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurispru­dência
dominante; especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem
vinculados, nesta ordem;
III – a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões
de todos os órgãos a ele vinculados;

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
34 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

IV – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores


deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de
modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia;
V – na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribu­nal
Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos
repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social
e no da segurança jurídica.
§1º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fun­
damentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade
das relações jurídicas.
§2º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em
procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências
públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir
para a elucidação da matéria.28 (grifo nosso)

No que tange aos recursos, o Novo CPC prevê que o relator deve
negar provimento a recurso que contrariar: i) súmula do Supremo Tri­
bunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
ii) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior
Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos; iii) entendimento
firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assun-
ção de competência. Por outro lado, o relator deve dar provimento ao
recurso se a decisão recorrida contrariar: i) súmula do Supremo Tribunal
Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; ii) acór-
dão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, ou pelo Superior Tribunal
de Justiça em julgamento de casos repetitivos; iii) entendimento firma-
do em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção
de competência (art. 888).
O Novo CPC também privilegia o entendimento do STF e a econo­
mia processual ao estabelecer que os órgãos fracionários dos tribunais
não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de incons­
titucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário
do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (art. 902).
O Novo CPC propõe a potencialização da jurisprudência do STJ e
do STF notadamente em se tratando de demandas que contemplem teses
repetitivas. Institui-se o chamado incidente de resolução de demandas
repetitivas, para solucionar controvérsia com potencial de gerar relevante

O art. 883 ainda esclarece que “Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos: I – o
28

do incidente de resolução de demandas repetitivas; II – o dos recursos especial e extraordinário repetitivos.”

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 35

multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de


causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência
de decisões conflitantes (art. 930).
Ademais, se, por ocasião de incidente de resolução de demandas
repetitivas, o presidente do STF ou STJ receber requerimento de suspen­
são de processos em que se discuta questão federal constitucional ou
infraconstitucional, poderá, considerando razões de segurança jurídica
ou de excepcional interesse social, estender a eficácia da medida a todo
o território nacional, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou
do recurso especial eventualmente interposto (art. 983, §3º).
No que tange ao recurso extraordinário, haverá repercussão geral
sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurispru­
dência dominante do Supremo Tribunal Federal ou contrariar tese fixada
em julgamento de casos repetitivos (art. 989).
Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em
idêntica questão de direito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior
Tribunal de Justiça escolherão, nos termos de seu regimento interno,
um ou mais recursos representativos da controvérsia (RE ou RExt), ficando
suspensos os demais recursos até o pronunciamento definitivo do tribunal
superior. E, ao julgá-lo, os órgãos fracionários declararão prejudicados
os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão
aplicando a tese (art. 991 e 993). No primeiro grau, “sobrevindo decisão
da instância superior a respeito do mérito da controvérsia, o juiz proferirá
sentença e aplicará a tese firmada ou a parte poderá desistir da ação
em curso no primeiro grau de jurisdição, se a questão nela discutida for
idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia. Se a
desistência ocorrer antes de oferecida a contestação, a parte ficará isenta
do pagamento de custas e de honorários de sucumbência” (art. 995).
Como já vimos no capítulo anterior, para a estabilização da juris­
prudência, é importante também que os ministros dos tribunais supe-
riores respeitem a sua própria jurisprudência predominante. Assim, um
instrumento processual que irá conduzir tal observância é o recurso de
embargos de divergência, previsto no art. 997 do Novo CPC.
Os embargos de divergência serão cabíveis quando a Turma do
STJ decidir: i) em recurso especial, divergindo do julgamento de outra
turma, da seção ou do órgão especial, sendo as decisões, embargada
e paradigma, de mérito; ii) em recurso de estrito direito, divergir do

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
36 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, sendo as


decisões, embargada e paradigma, relativas ao juízo de admissibili­ dade;
iii) em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da
seção ou do órgão especial, sendo uma decisão de mérito e outra que
não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;
iv) nas causas de competência originária do STJ, divergir do julga­mento
de outra turma, seção ou do órgão especial (art. 997).
Nota-se, portanto, que o Novo CPC pode contribuir e muito intro­
duzindo no ordenamento processual uma nova sistemática que contem­
plará a força vinculativa das decisões dos tribunais superiores, notada­
mente STJ e STF, de modo a uniformizar o direito federal e constitucional,
evitando-se decisões conflitantes, recursos desnecessários e descrédito no
Poder Judiciário, em respeito aos princípios da legalidade e da isonomia.

5 Conclusão
O sistema processual brasileiro enfrenta uma desestabilidade em
função de abruptas mudanças de interpretações sobre determinadas
questões previstas nas normas jurídicas gerais e abstratas que formam
o ordenamento.
Como produto da linguagem jurídica competente, o direito inter­
pretado pelos tribunais tem como característica marcante a regência
da teoria dos valores nas decisões, que se tornam precedentes que con­
ferirão intertextualidade ao discurso para futuras decisões em casos
análogos e, consequentemente, para a previsibilidade das condutas
intersubjetivas.
Pela característica da bipolaridade, a todo valor corresponde um
desvalor. Assim, ao desconsiderar um precedente predominante ou uma
súmula do STJ, o Ministro ou órgão julgador deve fazê-lo excepcional­
mente e com uma fundamentação robusta, tendo a consciência de que
a mudança de paradigma irá desestabilizar o sistema e ferir, em certo
grau, o princípio da isonomia.
Sabe-se que a evolução da jurisprudência é inevitável e inerente
ao sistema, eis que o direito reflete a evolução da sociedade e seu dina­
mismo. Contudo, a mudança de um entendimento isolado tem que
conduzir a uma reconstrução da norma jurídica aplicada, ou seja, o
dissenso deve gerar consenso para que se possa falar em estabilização
do sistema.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
Desafios e avanços do novo CPC diante da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade... 37

Se o desvalor é uma característica do valor, a hierarquia também o


é. Assim, pode-se afirmar sem exagero que o efeito vinculativo da juris­
prudência predominante ou sumulada do STJ, órgão que tem por função
constitucional a harmonização da jurisprudência do direito federal
infraconstitucional, não necessariamente exige expressa previsão legal
para ser observado pelos juízes de instâncias inferiores, já que se apre­
senta como um princípio, que decorre da própria noção de sistema.
E como princípio, não tem conotação absoluta, podendo ser prece­
dido de outro princípio. Significa dizer que, via de regra, a jurisprudên­
cia predominante e sumulada do STJ, para conferir previsibilidade da
aplicação do direito federal, materialização da igualdade, celeridade
da justiça e estabilidade do sistema processual. Contudo, se houver outro
valor jurídico que justifique a contrariedade jurisprudencial, ela deve
ocorrer com fundamento que demonstre: i) não se tratar de caso análogo
aos precedentes; ou ii) a necessidade premente de mudança de paradigma,
e que tal não se dá por vaidade intelectual do juiz, nem por mero sabor
da irresignação ideológico-política.
Significa afirmar que, em muitos casos, ainda que discorde do
entendimento veiculado pela jurisprudência predominante ou sumulada,
deve o juiz ressalvar seu entendimento pessoal (já que a sua função
pública também é investida da impessoalidade), para acompanhar o
precedente pretoriano. E, apenas excepcionalmente, quando outro prin­
cípio jurídico vier a solucionar o caso concreto de maneira diametral­
mente oposta, o juízo de ponderação obriga que o intérprete ignore a
força vinculativa. É esta a complexa conjugação de valores a serem
observados na formação da persuasão racional do juiz.
O Novo Código de Processo Civil, cujo anteprojeto foi elaborado
pela Comissão de Juristas29 nomeada pelo Senado, dará, sem dúvida,
mais agilidade ao processo. Mas, sem dúvida, os novos valores que ele
nos traz ainda são insuficientes, cabendo — e ainda há tempo — refundi-
los com a noção preceptiva da vinculação obrigatória das normas jurí­
dicas individuais criadas pelo Juiz ao estuário jurisprudencial formado
no âmbito dos tribunais superiores.
Pretende-se trazer à discussão os principais avanços e retrocessos,
sem, obviamente, esgotar o tema.

29
Presidida pelo Ministro Luiz Fux, sob a relatoria de Teresa Arruda Alvim Wambier.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
38 Arthur Mendes Lobo, João Batista de Moraes

Em relação ao tema do presente estudo, os novos dispositivos


previstos no Novo CPC mostram-se necessários ao aperfeiçoamento do
sistema.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

LOBO, Arthur Mendes; MORAES, João Batista de. Desafios e avanços do novo CPC diante da
persistente insegurança jurídica: a urgente necessidade de estabilização da jurisprudência.
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39,
abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 19-39, abr./jun. 2011
O caso da COFINS das sociedades
profissionais: análise da legitimidade da
aplicação da teoria da transcendência
dos motivos determinantes da sentença
à ADC nº 1-DF
Cynara Monteiro Mariano
Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Direito Público
(Ordem jurídico-constitucional) pela Universidade Federal do Ceará. Professora e Pesquisadora da
Universidade de Fortaleza nas áreas de Direito Constitucional, Processo Constitucional e Direito
Administrativo. Advogada. Ex-Presidente da Fundação Escola Superior de Advocacia do Ceará
(FESAC) e da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/CE.

Resumo: O presente artigo propõe-se a revolver a matéria sobre a revogação


da isenção da COFINS para as sociedades profissionais, demonstrando que
o Supremo Tribunal Federal, acolhendo a tese fazendária, aplicou, no caso, a
teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença à passagem
do voto do relator, Ministro Moreira Alves, na ADC nº 1-DF, promovendo,
com isso, uma mutação constitucional ilegítima.
Palavras-chave: Revogação da COFINS das sociedades profissionais.
Teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença. Mutação
constitucional.
Sumário: 1 Introdução – 2 Do alcance do julgamento do STF na ADC nº
1-DF e da ilegitimidade da mutação constitucional promovida no julgamento
dos Recursos Extraordinários nºs 377.457/PR e 381.964/MG – 3 Conclusões
– Referências

1 Introdução
Após a edição da Súmula nº 176 do STJ, confirmando a isenção da
COFINS para as sociedades civis (hoje simples) de prestação de serviços
próprios das profissões regulamentadas em lei, prevista no art. 6º, II, da
Lei Complementar nº 70/91, observou-se no cenário jurídico que vários
contribuintes provocaram o Poder Judiciário objetivando assegurar o
gozo da referida isenção e a repetição do indébito.
Conforme acórdãos proferidos nos autos dos Recursos Extraor­
dinários nºs 377.457/PR e 381.964/MG, ambos relatados pelo Ministro
Gilmar Ferreira Mendes, o Supremo Tribunal Federal, contudo, acos­
tando-se à tese sustentada pela Fazenda Nacional, entendeu que a
isenção conferida pelo art. 6º, II, da Lei Complementar nº 70/9, fora

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
42 Cynara Monteiro Mariano

legitimamente revogada pelo art. 56 da Lei Ordinária nº 9.430/96.


Isso porque, segundo o entendimento fazendário, sendo a COFINS
uma exação criada com fundamento no art. 195 da Constituição Federal
de 1988, o instrumento legal previsto para sua instituição, de acordo
com essa regra, seria a lei ordinária e não a lei complementar. Por
outro lado, também conforme a tese fazendária, o próprio STF já teria
decidido nesse sentido, quando do julgamento da ADC nº 1-DF, relatada
pelo então Ministro Moreira Alves, apontando que a LC nº 70/91 seria
apenas formalmente complementar, sendo, na verdade, materialmente
ordinária.
As decisões proferidas pelo STF no julgamento nos citados recur­
sos extraordinários, embora sejam anteriores, aparentam configurar
a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da
sentença, também sugerida pelo Ministro Gilmar Mendes na Reclama­
ção nº 4.335/AC, ainda pendente de julgamento definitivo. Em que pese
essa teoria defender a abstrativização da sentença proferida em sede
de controle difuso, o julgamento do STF nos Recursos Extraordinários
nºs 377.457/PR e 381.964/MG parece acolher e aplicar a referida tese a
uma passagem do voto do Ministro Moreira Alves na ADC nº 1-DF, em
que ele teria afirmado que a LC nº 70/91 era materialmente ordinária e
apenas formalmente complementar.
O alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal nessa ação
declaratória de constitucionalidade estava, todavia, limitado aos artigos
1º, 2º, 9º, 10º e 13º da LC nº 70/91, não tendo o STF, portanto, se
pronunciado sobre o art. 6º da citada lei complementar na parte dis­
positiva do acórdão, motivo pelo qual não é verdadeira a tese de que
o tribunal teria decidido, com efeitos vinculantes e eficácia erga omnes,
que a LC nº 70/91 é apenas formalmente complementar, sendo material­
mente ordinária.
Desse modo, objetiva-se no presente artigo examinar se é legí­
timo ao STF aplicar a referida teoria aos assim chamados obter dictum,
tanto no controle incidental, quanto no controle concentrado de cons­
titucionalidade, a exemplo do que ocorreu com a passagem do voto do
relator na ADC nº 1-DF, tendo em vista que isso configurou, no entender
desta pesquisadora, uma autêntica mutação constitucional que rompeu
com a tradição processual brasileira sobre os efeitos da coisa julgada e
afrontou a vontade do poder constituinte e a separação dos poderes.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da legitimidade da aplicação da teoria... 43

2 Do alcance do julgamento do STF na ADC nº 1-DF e da ilegitimidade


da mutação constitucional promovida no julgamento dos Recursos
Extraordinários nºs 377.457/PR e 381.964/MG
Antes de adentrar no exame da extensão dos efeitos do julgamento
do Supremo Tribunal Federal na ADC nº 1-DF, convém dizer que a
revogação do inciso II do art. 6º da LC nº 70/91 pelo art. 56 da Lei Ordi­
nária nº 9.430/96 não é legítima. Essa exegese é equivocada porque,
independentemente de existir ou não hierarquia entre as espécies
normativas, dispositivos de lei complementar não podem ser alterados
por lei ordinária, ainda que a Constituição Federal não determine
expressamente a necessidade de a opção legislativa ter sido a lei de natu­
reza complementar para regulamentar determinada matéria. Como a
isenção da COFINS para as sociedades profissionais foi instituída por
meio de lei complementar, somente uma lei de semelhante processo
legislativo de aprovação e votação poderia revogar-lhe os dispositivos, haja
vista que tal isenção guarda todas as garantias jurídicas que lhe confere
essa espécie normativa, a exemplo do quórum qualificado.
Nesse sentido, não há que se indagar, portanto, acerca da exigên­cia
ou não de lei complementar para a instituição da isenção em comento,
nos termos do art. 195, §4º, da Constituição Federal, tampouco que se
falar que a LC nº 70/91 é materialmente ordinária. A matéria trata é
de observância às normas constitucionais atinentes ao processo legisla­
tivo, principalmente ao art. 69 da CF/88. Ou seja, a situação retrata a
necessidade de respeito ao texto constitucional, sendo, pois, uma temática
que diz respeito à titularidade do poder constituinte.
O Supremo Tribunal Federal, todavia, nos Recursos Extraordi­ ná­
rios nºs 377.457/PR e 381.964/MG, ao entender que o próprio tribunal
já teria decidido na ADC nº 1-DF, com eficácia vinculante e efeitos erga
omnes, que a LC nº 70/91 poderia ter seus dispositivos revogados pela
Lei Ordinária nº 9.430/96, tendo em vista que a primeira seria apenas
formalmente complementar e materialmente ordinária, aplicou uma
exegese diversa da vontade do constituinte originário. A CF/88 não dis-
tingue entre lei complementar formal e lei complementar material, mui-
to menos autoriza sua revogação por uma lei ordinária, de modo que
o entendimento do STF promoveu o que tem sido conhecido, na dou-
trina, pelo nome de mutação constitucional, isto é, uma mudança das
normas constitucionais em seu significado, sentido ou alcance, mediante a

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
44 Cynara Monteiro Mariano

atividade interpretativa, sem qualquer alteração formal do texto-suporte


da norma.1
Sabe-se que as mutações constitucionais, manifestações do que
Uadi Lammêgo Bulos chama de poder constituinte difuso,2 encontram
limites na vontade do poder constituinte e no princípio da separação dos
poderes. Trata-se de fenômeno pelo qual a jurisdição constitucional, por
meios hermenêuticos, vem criando uma Constituição diferente daquela
que foi promulgada pelo legislador constituinte. Por isso mesmo, sua
ocorrência deve respeitar a essência ou o núcleo substancial das normas
constitucionais, sob pena de a Constituição afastar-se cada vez mais
dessa vontade soberana e legítima, passando a ser aquilo que o Supremo
Tribunal Federal deseja e lhe é politicamente conveniente, o que chan­
celaria a velha fórmula de Herbert Hart para a textura aberta do direito:
“o direito (ou a constituição) é o que os tribunais dizem que é”.3
Verdade é que as mutações constitucionais, ou a atuação do assim
chamado poder constituinte difuso, são necessárias para a adequação
do texto constitucional à realidade social, sempre em transformação.
Porém, elas são legítimas apenas na medida em que conferem novo
alcance ou significado às normas constitucionais que venham a ampliar
os direitos e garantias fundamentais, não podendo, portanto, inovar
na ordem jurídica para produzir o efeito contrário. Essa, no entanto,
é exatamente a hipótese verificada no julgamento da ADC nº 1-DF e
dos Recursos Extraordinários nºs 377.457/PR e 381.964/MG, pois, ao
subverter as regras de processo legislativo, admitindo a irrelevância do
respeito aos quóruns constitucionais, a mutação constitucional operada
pelo STF violou o princípio da segurança jurídica.
Se o legislador optou por regular a matéria contida na LC nº 70/91
em lei complementar, por óbvio pretendeu conferir maior segurança
para os administrados/contribuintes, com o intuito de evitar a alteração
do tratamento de tal tema por maiorias ocasionais dos membros do
Congresso Nacional. Esse, inclusive, é o entendimento de grande parte
da doutrina, como se pode inferir do seguinte excerto de artigo da
lavra de Ives Gandra da Silva Martins, ao comentar sobre a necessidade

1
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição. São Paulo: Max Limonad,
1986. p. 130.
2
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 316.
3
HART, Herbert L. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2007. p. 155.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da legitimidade da aplicação da teoria... 45

de observância das normas atinentes ao processo legislativo, no caso


específico da isenção da COFINS conferida pelo art. 6º, II, da LC nº
70/91 às sociedades profissionais:

Destarte, a lei complementar, a qual o legislador ordinário não pode revogar,


é fruto de processo legislativo mais moroso que, por óbvio, envolve maior
ponderação, emprestando maior estabilidade ao sistema do direito positivo pátrio
e a instituição de tributos. Daí que nunca deve ser aviltada por lei ordinária.4

Refletindo essa mesma linha de raciocínio, Manoel Gonçalves


Ferreira Filho pontifica que:
A lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a maio­
ria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma minoria
ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz. Essa maioria é assim
um sinal certo da maior ponderação que o constituinte quis ver associada ao
seu estabelecimento, paralelamente, deve-se convir, não quis o constituinte
deixar ao sabor de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo para
cujo estabelecimento exige ponderação especial. Aliás, é princípio geral de
direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha
obedecido à mesma forma.5

Desse modo, tendo em vista a vontade do legislador em conferir


tratamento especial ao tema em debate, leia-se, processo legislativo
diverso, não parece razoável que os argumentos de obediência à forma
e à vontade do legislador possam ser desprezados, especialmente se
esse desprezo tiver origem num processo de mutação constitucional que
implique aviltamento dos direitos e garantias fundamentais, o que parece
ter ocorrido no caso da revogação da isenção da COFINS das sociedades
profissionais por instrumento legislativo diverso do que seria o legítimo.
Quanto ao alcance do julgamento do STF na ADC nº 1-DF, bem
diferentemente da tese fazendária que findou vencedora, a extensão do
julgamento proferido por essa excelsa Corte na referida ação direta de
constitucionalidade estava delimitada aos artigos 1º, 2º, 9º, 10º e 13º da
Lei Complementar nº 70/91, não sendo, pois, objeto da ação direta ao
art. 6º, cujo inciso II outorgou a isenção da COFINS para as sociedades
profissionais. Isso pode ser conferido pela leitura da própria ementa do
acórdão lavrado na ADC nº 1-DF:

4
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MARONE, José Ruben. Da isenção da COFINS contida no art. 6º, inciso II da Lei
Complementar 70, de 3 de dezembro de 1991, e do direito de recuperação judicial, por via da compensação
dos valores indevidamente recolhidas a esse título. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 103, São Paulo,
p. 74-75, 2004.
5
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1981.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
46 Cynara Monteiro Mariano

Ação que se conhece em parte, e nela se julga procedente, para declarar-se,


com os efeitos previstos no parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição Federal,
na redação da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, a constitucionali­d ade
dos artigos 1º, 2º e 10, bem como das expressões “A contribuição social sobre
o faturamento de que trata esta lei não extingue as atuais fontes de custeio
da Seguridade Social” contidas no artigo 9º, e das expressões “Esta lei com­
plementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a
partir do primeiro dia do mês seguinte nos noventa dias posteriores, àquela
publicação (...)” constantes do artigo 13, todos da Lei Complementar nº 70, de
30 de setembro de 1991.

Como é sabido que a tradição processualista sempre foi no sentido


de os efeitos vinculantes dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal
Federal no controle concentrado de constitucionalidade somente ocor­
rerem em relação à sua parte dispositiva, vê-se bem que apenas a declaração
de constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 10 e de algumas expressões
contidas nos artigos 9º e 13 da LC nº 70/91 é que foi dotada dessa eficácia
geral. A afirmação contida no voto do Ministro Moreira Alves, ao relatar
a ADC nº 1-DF, de que a LC nº 70/91 seria materialmente ordinária,
não constituiu parte integrante do julgamento da referida ação direta,
tendo sido apenas o que a doutrina chama de obter dictum ou “comentários
laterais de passagem”, sendo a afirmação, portanto, desprovida de efeito
vinculante e eficácia erga omnes, que são atributos próprios apenas da
parte dispositiva dos acórdãos proferidos pelo STF no controle abstrato
de constitucionalidade.
De fato, a doutrina brasileira equipara os limites objetivos dos
efeitos vinculantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato
de constitucionalidade aos limites objetivos da coisa julgada, empre­gando
àqueles a mesma regra contida no inciso I do art. 469 do CPC, como, a
propósito, salienta Luís Roberto Barroso:

O limite objetivo da coisa julgada segue a regra geral, cingindo-se à maté­ria


decidida, tal como enunciada na parte dispositiva da decisão. O conteúdo do
dispositivo em uma ação declaratória de constitucionalidade que venha ser
acolhida terá teor análogo ao seguinte: “O Tribunal, por maioria (ou unani­
midade), julga procedente a ação declaratória, para declarar a constitucionali-
dade dos arts. X e y da Lei n. W/00”.6

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. p.
6

185-186. Nesse mesmo sentido, conferir CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fiscalização abstrata de constitucionalidade
no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 307.

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O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da legitimidade da aplicação da teoria... 47

Logo, como a afirmação do Ministro Moreira Alves de que a LC


nº 70/91 é materialmente ordinária não consta da parte dispositiva do
acórdão proferido pelo STF na citada ADC nº 1-DF, essa matéria não
possui os atributos de que trata o §2º do art. 102 da CF/88. Ao contrário,
pelo próprio teor do voto do ministro relator, é fácil perceber que os
limites objetivos do pedido e do respectivo acórdão, na ADC nº 1-DF,
foram fixados como sendo a constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 10,
e de algumas expressões contidas nos arts. 9º e 13, não alcançando, pois,
o exame da constitucionalidade do inciso II do art. 6º da LC nº 70/91,
que conferiu a isenção da COFINS para as sociedades profissionais.
O Superior Tribunal de Justiça, em algumas oportunidades nas
quais foi provocado a se pronunciar sobre a matéria, ressaltou a ausên­
cia de efeitos vinculantes a essa afirmação contida no voto do Ministro
Moreira Alves, como se pode inferir das ementas dos seguintes acórdãos:

Embargos de declaração. COFINS. Isenção. Sociedades civis prestad­o ras


de serviço. Matéria infraconstitucional pacificada no âmbito deste tribunal.
Ação direta de constitucionalidade apreciada pelo STF, em que se declarou a
constitucionalidade de dispositivos da LC 70/91. Ausência de efeito vinculante
em relação à aplicabilidade de sua fundamentação em outras hipóteses. Ausência
de omissão, contradição ou obscuridade.
O que se discute é a isenção concedida pelo artigo 6º, da Lei Complementar
nº 70/91, às sociedades civis, e, não, a matéria objeto da ADC.
Não pode ser conhecido recurso que, sob rótulo de embargos declaratórios,
pretende substituir a decisão recorrida por outra. Os Embargos declaratórios
são apelos de integração — não de substituição.7

Embargos de declaração. Agravo de instrumento. COFINS. Isenção. Socie­


dades civis prestadoras de serviço. Matéria infraconstitucional pacificada no
âmbito deste superior tribunal de justiça. Existência de ação declaratória de
constitucionalidade apreciada pelo STF, em que se declarou a constitucionalidade
de dispositivos da LC n. 70/91. Ausência de efeito vinculante em relação à
aplicabilidade de sua fundamentação em outras hipóteses. Ausência de omissão,
contradição ou obscuridade.
Deve prevalecer o entendimento, segundo o qual, a análise da aplicação de
uma lei federal não é incompatível com o exame de questões constitucio­nais
subjacentes ou adjacentes. A competência somente seria deslocada para a Máxima
Corte se a v. decisão recorrida tivesse julgado o feito única e exclusivamente sob
o prisma constitucional, o que se não deu, no caso ora em exame.

STJ, 1ª Turma, EARESP nº 488892/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJU, p. 264, 1º dez. 2003.
7

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
48 Cynara Monteiro Mariano

É cediço que, em qualquer decisão judicial, o que faz coisa julgada não é a
fundamentação, mas sim o dispositivo. O mesmo ocorre com a Ação Direta
de Constitucionalidade, cujo efeito vinculante e eficácia erga omnes alcan­
çam apenas a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade pela
Corte Máxima.
In casu, se o que se está a discutir é a isenção concedida pelo artigo 6º da Lei
Complementar n. 70/91 às sociedades civis, e não a matéria objeto da ADC
(os artigos 1º, 2º, 10 e 13 da LC 70/91), não se pode admitir sua interferência
na presente demanda.
Na verdade, pretende a embargante a reapreciação do agravo regimental, o que
é inviável no presente momento processual.
Embargos de declaração rejeitados.8

Interessante também apontar que o próprio Supremo Tribunal


Federal, em alguns julgados, já teria esclarecido que no julgamento da
ADC nº 1-DF o Tribunal não decidiu, de forma vinculante, que a LC
nº 70/91 possui natureza de lei ordinária, e, como tal, poderia ter seus
dispositivos revogados pela Lei nº 9.430/96. Como prova disso, citem-se
as seguintes decisões proferidas pelos Ministros Carlos Velloso e Joaquim
Barbosa nas Reclamações nºs 2.475/MG e 2.517/RJ, respectivamente:

A decisão proferida na ADC 1/DF, relatada pelo Ministro Moreira Alves,


limitou-se a “conhecer em parte da ação, e, nessa parte, julgá-la procedente,
para declarar, com os efeitos vinculantes previstos no parágrafo 2º do artigo
102 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional nº 3/93,
a constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 10, bem como da expressão “a con­
tribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei complementar não
extingue as atuais fontes de custei da Seguridade Social”, contida no artigo 9º,
e também da expressão “esta lei complementar entra em vigor na data de sua
publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte aos
noventa dias posteriores, àquela publicação (...)”, constante do artigo 13, todos
da Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991 (RTJ 156/722). A decisão, está-se a
ver, não assentou ser a Lei Complementar 70/91 lei complementar simplesmente
formal. É verdade que, no voto do Ministro Relator isso foi dito (RTJ 156/745).
Trata-se, entretanto, de um obter dictum.9

(...) Pretende a reclamante conferir efeito vinculante a trecho do voto do Ministro


Moreira Alves na ADC 1. É bem verdade que, no caso, o voto do Ministro Moreira
Alves sagrou-se vencedor. Todavia, é certo que o efeito vinculante das decisões
em Ações Declaratórias de Constitucionalidade não abrange os chamados
obter dictum, proferidos em votos específicos. No caso da ADC 1, a afirmação

STJ, 2ª Turma, Edcl no AgRg no Ag nº 375021/RJ, Rel. Min. Franciulli Neto. DJU, p. 224, 20 nov. 2004.
8

Excerto de decisão monocrática proferida pelo Min. Carlos Velloso na Rcl 2475 MC/MG, DJU, p. 00032, 26.
9

nov. 2003.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da legitimidade da aplicação da teoria... 49

do Ministro Moreira Alves de que a Lei Complementar 70/91 possui natureza


de lei ordinária é um típico obter dictum. Isso porque, da análise do acórdão
da ADC 1, não se percebe a afirmação citada como fundamento determinante
da decisão — não alcançando, assim, o efeito vinculante.
(...) Outro motivo impede o seguimento da presente Reclamação. Se é verdade
que lei ordinária alterou o disposto na lei complementar no que tange à isenção
da COFINS, também é verdade que decisão deste Tribunal na ADC 1 não julgou
a alteração da lei complementar, mas a sua constitucionalidade antes da alte­
ração. Ou seja, ainda que o afirmado pelo Ministro Moreira Alves representasse
a voz da maioria — e não um obter dictum —, a violação à autoridade do
julgamento desta Corte seria, quando muito, indireta, pois não foi objeto de
julgamento pelo Tribunal a alteração da lei complementar por lei ordinária
posterior e nem se disse que isso deveria ser feito. Diante do exposto, e com
base no art. 21, §1º do RISTF, nego seguimento à Reclamação. Brasília, 18 de
dezembro de 2003.10

Portanto, é equivocado o entendimento de que o Supremo Tribunal


Federal, por ocasião do julgamento da ADC nº 1-DF, teria decidido, de
forma vinculante, que a LC nº 70/91 é materialmente ordinária, podendo
ter seus dispositivos revogados pela Lei Ordinária nº 9.430/96. Da mesma
forma, é igualmente equivocado o raciocínio de que o STF, nesse mesmo
julgamento, teria decidido que, pelo fato de a Constituição Federal não
exigir a edição de lei complementar para a instituição de contribuição
social com base no art. 195, inciso I, letra “a”, a revogação do inciso II
do art. 6º da LC nº 70/91 não necessariamente poderia se operar apenas
com a edição de outra lei complementar. A afirmação contida no voto
do Ministro Moreira Alves nesse sentido também não constituiu parte
integrante da parte dispositiva do acórdão da ADC nº 1-DF, sendo
pois apenas um comentário lateral de passagem, destituído de efeitos
vinculantes e eficácia erga omnes.
Dessa forma, se o STF, ao apreciar os Recursos Extraordinários
nºs 377.457/PR e 381.964/MG, ambos relatados pelo Ministro Gilmar
Mendes, acolheu a tese fazendária de que a citada afirmação contida no
voto do Ministro Moreira Alves possuía os efeitos próprios das decisões
proferidas no controle abstrato de constitucionalidade, pode-se concluir
que o tribunal aplicou ao caso a teoria da transcendência dos motivos
determinantes da sentença (ratio decidendi), também sugerida pelo Ministro
Gilmar Mendes nos autos da Reclamação nº 4.335/AC.

Excerto de decisão monocrática proferida pelo Min. Joaquim Barbosa na RCL nº 2517/RJ, DJU, p. 00015, 25
10

fev. 2004.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
50 Cynara Monteiro Mariano

Verdade é que a referida teoria foi concebida numa nova


interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade apenas
no controle difuso, sendo também sustentada pelo citado ministro em
alguns julgados, como nos casos de “Mira Estrela”11 e o da “progressividade
do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos”.12 Mas, ao
que parece, o mesmo raciocínio da transcendência dos motivos deter­
minantes da sentença proferida no controle difuso foi aplicado nos
Recursos Extraordinários nºs 377.457/PR e 381.964/MG, uma vez que
o semelhante efeito transcendente foi empregado à passagem do voto
do Ministro Moreira Alves que teria sido determinante para justificar a
legitimidade da revogação do inciso II do art. 6º da LC nº 70/91 pelo
art. 56 da Lei Ordinária nº 9.430/96.
A doutrina processualista brasileira sempre sustentou que se a de-
claração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade ocorresse
incidentalmente, a decisão não teria a autoridade de coisa julgada nem
se projetaria para fora do processo no qual foi proferida.13 Contudo
parte da doutrina mais recente e alguns julgados do STF, a exemplo
dos citados anteriormente, sob os argumentos da força normativa da
Constituição, do princípio da supremacia constitucional e da competên­
cia do STF enquanto guardião e intérprete máximo da Constituição,
pare­cem caminhar para uma nova interpretação, sustentando a transcen­
dência, com caráter vinculante, da decisão sobre a constitucionalidade
ou inconstitucionalidade da lei, mesmo em sede de controle difuso.14
Embora essa tese pareça sedutora e encontre suporte em funda-
mentação nada desprezível, o certo é que o sistema jurídico brasileiro,
ao menos em sede de controle difuso, carece de regras, sejam proces­
suais sejam constitucionais, para a sua aplicação. O efeito erga omnes foi
previsto, como se sabe, apenas para o controle concentrado de constitu-
cionalidade e para a súmula vinculante (com a edição da EC nº 45/2004)
e, em se tratando de controle difuso, somente após a atuação discricioná-
ria e política do Senado Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da CF/88.
Portanto, no controle incidental da constitucionalidade, não havendo
suspensão pelo Senado Federal da lei declarada inconstitucional pelo

11
RE nº 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ, p. 8, 07 maio 2004.
12
HC nº 82959/SP, Rel. Min. Marco Aurelio de Mello, j. 23.02.2006 (Inf. 418/STF).
13
Conferir, nesse sentido, BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de constitucionalidade no direito
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958. p. 23-24.
14
Ver ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 135-136.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da legitimidade da aplicação da teoria... 51

STF, ela continua válida e eficaz, só se tornando nula no caso concreto,


ou seja, produzindo efeitos somente inter partes.
Assim, na medida em que a análise da constitucionalidade da lei
no controle difuso pelo STF não produz efeito vinculante sem a atuação
posterior da Casa Legislativa, somente mediante a necessária reforma
constitucional, modificando, no caso, o art. 52, X, da CF/88, é que seria
possível aplicar a teoria da transcendência dos motivos determinantes
da sentença proferida no controle difuso, com caráter vinculante.
Inclusive, a propósito da atuação discricionária e política do Senado
Federal, de que trata o inciso X do art. 52 da CF/88, importa ressaltar
que o Ministro Gilmar Mendes também propôs uma mudança de enten-
dimento sobre essa regra, ao exarar seu voto nos autos da Reclamação
nº 4.335/AC, entendendo que a competência do Senado Federal para
suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF reduz-se
a um simples efeito de publicidade, de modo que se o Supremo Tribunal
Federal, em sede de controle difuso, declarar que a lei é inconstitucion­al,
essa decisão terá efeitos gerais e a comunicação ao Senado será necessá-
ria apenas para que a Casa Legislativa publique a decisão no Diário do
Congresso.15 Ou seja, esse entendimento sugere que a jurisdição constitu-
cional possa, no caso, alterar o alcance do art. 52, X, da CF/88, subtraindo
uma competência do Poder Legislativo, sem a necessidade da atuação do
poder constituinte derivado reformador.
A Reclamação 4.335/AC ainda se encontra pendente de julga­mento
pelo STF e é sabido que o Ministro Gilmar Mendes nutre fortes simpa-
tias pela aproximação do controle difuso de constitucionalidade brasileiro
com a sistemática vinculante dos precedentes do direito norte-america-
no. Todavia, para os fins das presentes reflexões, interessa registrar que,
mais uma vez, a tese sustentada pelo citado ministro, que se espera seja
vencida ao final, retrata um caso de mutação constitucional ilegítima,
haja vista que, na hipótese, vai de encontro à vontade do legislador cons-
tituinte e afronta, como talvez nunca antes se teve notícia, a separação
dos poderes.

3 Conclusões
Ao apreciar os Recursos Extraordinários nºs 377.457/PR e 381.964/
MG, ambos relatados pelo Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal

15
Ver Informativo 454/STF.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
52 Cynara Monteiro Mariano

Federal aplicou às hipóteses o mesmo raciocínio empregado na teoria


da transcendência dos motivos determinantes da sentença proferida no
controle difuso, também sugerida pelo mesmo ministro na Reclamação
nº 4.335/AC, uma vez que semelhante efeito transcendente foi confe­rido
à passagem do voto do Ministro Moreira Alves, que teria sido determi­
nante para justificar a legitimidade da revogação do art. 6º, II, da LC
nº 70/91 pelo art. 56 da Lei Ordinária nº 9.430/96.
O julgamento final do caso da COFINS das sociedades profissio­­nais
revela, portanto, mais um episódio de mutação constitucional realizada
pelo assim chamado poder constituinte difuso, que, na espécie, alterou
o significado do art. 69 da Constituição, para permitir a quebra do prin-
cípio da simetria ou paralelismo das formas16 dentro do processo legisla­
tivo, perpetrando, com isso, mais uma ofensa ao princípio da separação
de poderes. Logo, essa questão tributária não se resumiu, no entender
desta autora, a uma discussão sobre a existência ou não de hierarquia
entre as fontes do direito, mas sim a mais um caso que demonstra a neces-
sidade de aprofundamento dos debates sobre o resgate da titularidade do
poder constituinte no Brasil.
Sobre os argumentos que a doutrina costuma fornecer para justifi-
car as mutações constitucionais, como também a teoria da transcendên-
cia dos motivos determinantes da sentença do controle difuso, importa
esclarecer, como já se teve a oportunidade de analisar em obra de nossa
própria autoria,17 que a positivação, no texto constitucional, da condi-
ção do STF de intérprete máximo da Constituição não elimina a validez
moral e até supraconstitucional dos valores democráticos fundamentais.
A previsão constitucional confere à jurisdição constitucional exercida
pelo STF somente uma validez jurídica, o que é insuscetível, porém, de
conferir-lhe plena legitimidade. Afinal, a legitimidade do órgão de defesa
da Constituição, não só no caso brasileiro como em qualquer sistema
político, encontra obstáculo na titularidade do poder constituinte.

The case of the COFINS of professional societies: analysis of the


application legitimacy of the transcendence theory of the determining
motives of the sentence in the ADC nº 1-DF
Abstract: This article intends to resolve the matter about the abrogation
of the exemption of the COFINS for professional societies, demonstrating

16
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 206.
17
Cf. MARIANO, Cynara Monteiro. Legitimidade do direito e do poder judiciário: (neo)constitucionalismo ou
poder constituinte permanente?. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da legitimidade da aplicação da teoria... 53

that the Supreme Court, accepting the treasury thesis, applied, in the case,
the transcendence theory of the determining motives to the passage of the
rapporteur’s vote, Minister Moreira Alves, in the ADC nº 1-DF, thus promoting
an illegitimate constitutional mutation.
Key words: Abrogation of the COFINS of professional societies. Transcendence
theory of the determining motives. Constitutional Mutation.

Referências

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo:


Saraiva, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de constitucionalidade no direito brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 1958.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição. São Paulo:
Max Limonad, 1986.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 1981.
HART, Herbert L. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 5. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
MARIANO, Cynara Monteiro. Controle de constitucionalidade e ação rescisória em matéria
tributária. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
MARIANO, Cynara Monteiro. Legitimidade do direito e do poder judiciário: (neo)constitu­
cionalismo ou poder constituinte permanente?. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MARONE, José Ruben. Da isenção da COFINS contida
no art. 6º, inciso II da Lei Complementar 70, de 3 de dezembro de 1991, e do direito de
recuperação judicial, por via da compensação dos valores indevidamente recolhidas a esse
título. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 103, São Paulo, 2004.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

MARIANO, Cynara Monteiro. O caso da COFINS das sociedades profissionais: análise da


legitimidade da aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da
sentença à ADC nº 1-DF. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 41-53, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o
cumprimento da tutela antecipada
Marlon Tomazette
Mestre e Doutorando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Professor de
Direito Comercial do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), da Escola Superior do Ministério
Público do Distrito Federal. Procurador do Distrito Federal. Advogado.

Resumo: O tempo é um dos fatores mais importantes para a prestação de


uma adequada tutela jurisdicional. Para contornar problemas decorrentes
desse fator foi criada a tutela antecipada, cuja aplicação pode se dar nas mais
variadas eficácias das ações, baseando-se em uma cognição sumária. Contudo,
o fator tempo não deve ser superado apenas no proferimento da decisão, mas
também no seu cumprimento. Neste particular, a exigência de obediências
das regras da execução provisória deve ser interpretada teleologicamente,
para que não haja a perda da utilidade da tutela antecipada.
Palavras-chave: Tutela jurisdicional. Efetividade. Tutela antecipada.
Cumprimento.
Sumário: 1 Introdução – 2 Direito à efetiva tutela jurisdicional – 3 Óbices
à efetividade do processo: tempo e processo – 4 A técnica da cognição
sumária – 5 A tutela antecipada – 6 Requisitos da tutela antecipada – 6.1
Requerimento da parte – 6.2 Prova inequívoca – 6.3 Verossimilhança da
alegação – 6.4 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação –
6.5 Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu
– 7 Reversibilidade do provimento antecipado – 8 Objeto da antecipação – 9
Efetivação da tutela antecipada – 10 Restrições à efetivação – 11 Conclusão
– Referências

1 Introdução
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXXV, assegura
a todos o acesso à justiça, garantia esta que deve ser entendida como o
acesso efetivo à justiça, vale dizer, como o direito a uma tutela jurisdicio­
nal adequada, eficaz e tempestiva. Todavia, tais contornos da garantia
constitucional ainda não são a realidade, competindo ao legislador intro­
duzir mecanismos que sejam aptos a assegurar à jurisdição o melhor
desempenho de suas funções.
Nesse mister, o legislador deve identificar os óbices à efetividade
do processo, e buscar meios de superá-los, como vem ocorrendo nas
reformas do Código de Processo Civil levadas a cabo nos últimos anos.
O maior óbice a uma tutela jurisdicional efetiva talvez seja a duração do
processo, que o torna desacreditado perante a população, por ocasionar
muitas vezes o perecimento do direito sem a sua efetiva satisfação. Para

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
56 Marlon Tomazette

suplantar o tempo, enquanto inimigo da efetividade, o legislador pátrio


introduziu um mecanismo de aceleração da marcha processual, qual
seja, a antecipação de tutela prevista de modo genérico nos artigos 273 e
461, §3º do Código de Processo Civil.
Por meio da antecipação de tutela, se permite com base em juízo de
simples verossimilhança, vale dizer, com base no provável anteciparem-se
total ou parcialmente os efeitos de um provimento jurisdicional, o qual
só poderia ser outorgado às partes após um longo e moroso procedi­
mento ordinário. Tal técnica de antecipação positivada no direito pátrio
no artigo 273, do Código de Processo Civil, permite que se dê um trata­
mento diferenciado aos direitos evidentes e aos direitos que correm risco
de dano, privilegiando a efetividade da tutela jurisdicional. Vê-se, pois,
que por meio de tal técnica se pode, em certa medida, tornar mais efetivo
o direito à tutela jurisdicional, solucionando, pelo menos em parte, o
conflito tempo e processo.
Obviamente a antecipação não será concedida simplesmente diante
do pedido da parte, esta deve demonstrar o preenchimento dos requi­sitos
legais exigidos para a concessão da tutela antecipada, os quais por sua
vez existem para tentar evitar decisões iníquas, porquanto serão privi-
legiados os direitos evidentes e os que corram risco de lesão irreparável
ou de difícil reparação.
Não se pode esquecer que para a efetividade da tutela jurisdi­cio­
nal o que importa é a satisfação do direito da parte no mundo dos fatos,
e não simplesmente no mundo direito, isto é, não interessa à parte a
antecipação da decisão jurisdicional, mas tão somente dos efeitos que
ela possa produzir para outorgar-lhe o bem da vida pretendido. Diante
da finalidade da tutela antecipada, obviamente não há que se falar em
efetivação não satisfativa da medida antecipatória, sob pena de se tornar
letra morta a norma do artigo 273, do Código de Processo, porquanto
restaria desprovida de eficácia.
Todavia, não se pode olvidar que os direitos dos réus, erigidos à
condição de garantia constitucional também não podem ser desprezados,
devendo se compatibilizar a agilização da marcha processual com a
segurança jurídica nas relações. Em virtude disso, o próprio legislador
determinou a observância, “no que couber”, das regras concernentes
à execução provisória, além de vedar a medida antecipatória quando
houver risco de irreversibilidade do provimento antecipado.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 57

Diante do aparente conflito entre a finalidade do instituto e as


regras sobre a sua efetivação e a exigida reversibilidade do provimento
antecipado, o presente texto demonstrará que há que se fazer uma
interpretação teleológica das normas permitindo a efetivação da medida
de modo completo e até irreversível, quando as circunstâncias do caso
concreto assim o exigirem, consoante doutrina e jurisprudência vêm
admitindo. Nesse sentido, já foram propugnadas e devem ser levadas a
frente alterações no regime do Código de Processo Civil.

2 Direito à efetiva tutela jurisdicional


Na sociedade moderna, onde foi afastada a autodefesa, salvo hipó-
teses excepcionais, sendo monopólio do Estado a coação física legítima,
compete ao mesmo solucionar a grande maioria dos conflitos de interes-
ses, a fim de assegurar a paz social. O Estado dita regras que disciplinam
as relações sociais — o direito objetivo — e soluciona os conflitos de inte-
resses aplicando as regras do direito objetivo, por meio do processo.
No exercício desse mister, o Estado garante aos cidadãos o direito à
tutela jurisdicional, mediante o exercício do direito de ação, vale dizer, o
direito à solução dos conflitos intersubjetivos de interesses pelo próprio
Estado, enquanto sujeito imparcial, por meio do processo, atuando-se a
vontade concreta da lei ao caso concreto.
Nos estados liberais do século dezoito o acesso à justiça, o direito
à tutela jurisdicional, significava apenas o direito formal do indivíduo
de ajuizar ou contestar uma ação.1 Não obstante à importância de tal
garantia, consubstanciada na garantia da via judicial, ou seja, no acesso
à justiça, é certo que, por vezes, o direito à tutela jurisdicional confi­
gurava uma garantia meramente formal. Em outras palavras, conquanto
se assegurasse ao indivíduo o acesso à justiça, por vezes tal garantia não
era efetivamente realizada, não tendo condão de garantir a satisfação
do direito colocado em jogo, de atender o jurisdicionado de maneira
adequada.
Tal postura, no entanto, não podia prosperar, uma vez que com o
desenvolvimento da sociedade de massa, multiplicaram-se os conflitos
de interesse, exigindo-se cada vez mais uma tutela jurisdicional efetiva, e
não uma garantia meramente formal do acesso à justiça.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleeth. Porto Alegre:
1

Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 9.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
58 Marlon Tomazette

Diante da insatisfação da prestação jurisdicional, desenvolveu-


se uma nova concepção do direito à tutela jurisdicional, passando-se a
concebê-lo como um direito à efetiva prestação jurisdicional.
Concebido inicialmente como garantia meramente formal, atual­
mente o direito inserto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal
representa não apenas o direito ao acesso formal à via judicial, mas a
garantia de uma proteção eficaz e temporalmente adequada por meio
da tutela jurisdicional.2 Em reforço a essa ideia e, para afastar qualquer
dúvida, a emenda constitucional 45 incluiu o inciso LXXVIII no artigo
5º da Constituição Federal prevendo expressamente o direito à razoável
duração do processo.
Entretanto, não se pode olvidar que tal concepção ainda não
corresponde à realidade, sendo a grande preocupação dos estudos atuais
do direito processual encontrar meios para tornar efetivo o acesso à
justiça, identificando os óbices à essa efetividade e encontrando meios
de superá-los.
Após a tomada de consciência da autonomia do direito processual
e a chegada a um ponto mais que satisfatório de maturidade da ciência
processual, chegou-se a um novo ponto da referida ciência, desenvol­
vendo-se uma nova postura metodológica denominada instrumentali­
dade do processo.
A instrumentalidade do processo é uma postura metodológica
centrada nos resultados do processo, demonstrando a condição de mero
instrumento da relação processual, para a realização do direito material.
Não é o processo um fim em si mesmo, mas um instrumento para a
consecução de seus fins, para o acesso à ordem jurídica justa. Para tanto,
é preciso ter consciência não apenas dos fins do processo, mas também
dos óbices que se antepõem à efetividade do mesmo.
No âmbito do presente trabalho, não nos é possível fazer uma
análise aprofundada dos fins do processo. A jurisdição tem vários escopos:
jurídico (atuação da vontade concreta da lei), políticos (liberdade, par­
ticipação, afirmação da autoridade do Estado e de seu ordenamento)
e sociais (pacificação com justiça e educação). Todavia, é certo que há
um escopo síntese da jurisdição, intimamente relacionado aos fins do
próprio, que é a justiça enquanto expressão do bem comum.3 Assim,

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 454.
2

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 156.
3

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 59

podemos afirmar que o processo será tão mais efetivo quanto mais justo
for, porquanto estará apto a atingir sua finalidade que é a promoção do
bem comum. O processo já não pode ser apenas extrinsecamente igual
e justo, isto é, formalmente igual e justo, devendo ser também intrin­
secamente igual e justo.4
A partir dessa busca da efetividade é que devem ser interpretadas
as reformas do processo civil, numa visão teleológica.

3 Óbices à efetividade do processo: tempo e processo


Na busca do acesso efetivo à justiça, é mister identificar os óbices a
esta efetividade, a fim de encontrar meios para sua superação, de modo
que o processo esteja cada vez mais apto a atingir todas as suas finalidades.
Entretanto, no âmbito do presente texto se mostra inviável a abordagem
de tal problemática em sua inteireza, interessando-nos particularmente
o fator tempo como óbice a efetividade do processo.
O Professor Cândido Rangel Dinamarco5 identifica quatro pontos
sensíveis na busca da efetividade do processo, a saber: a) a admissão em
juízo; b) o modo de ser do processo; c) a justiça das decisões; e d) a sua
efetividade, destacando a possibilidade de exigências antagônicas na
busca da efetividade.
No particular da admissão em juízo, a meta é a universalidade da
tutela jurisdicional, vale dizer a admissão do maior número possível de
pessoas e conflitos ao processo. Todavia, tal meta esbarra em problemas
das mais diversas ordens, quais sejam, econômicos, como o custo do
processo e a miserabilidade das pessoas, psicossociais, como a descrença
e a desinformação, e jurídicos, a legitimidade ativa individual.6 Não
podemos, no âmbito do presente trabalho, nos deter sobre tal problemática,
sendo oportuno ressaltar que já foram tomadas inúmeras iniciativas para
superar tais problemas, com resultados extremamente satisfatórios, como
os juizados especiais e o processo coletivo, sobretudo no que concerne às
relações de consumo.
No que tange ao modo de ser do processo, há uma preocupação
para que prevaleçam no curso do processo o contraditório efetivo e a igual­
dade das partes, de modo que as partes envolvidas no litígio participem

4
COMOGLIO, Luigi Paolo. “Garanzie Costituzionale” e “Giusto Processo” (Modelli a confronto)”. Revista de
Processo, São Paulo, n. 90, p. 95-150, abr./jun. 1998. p. 105.
5
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 273.
6
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 274-275.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
60 Marlon Tomazette

efetivamente do processo, bem como o próprio juiz participe na busca


do melhor exercício da jurisdição. São procurados os melhores meios
para a feitura do processo, busca-se a identificação de procedimentos
adequados para a melhor realização dos direitos postos em jogo.7
A justiça das decisões nos leva a uma preocupação com julga­mentos
conduzidos não só pelo formalismo, mas por sentimentos de justiça e
equidade, atentando-se para os fins sociais da lei, dando o maior grau
de aceitabilidade moral da tutela jurisdicional prestado pelo Estado.8
Por fim, há uma grande preocupação com a utilidade das decisões,
buscando-se as melhores formas de dar a quem tem razão tudo aquilo
e exatamente aquilo a que tem direito. Neste particular, exsurge o fator
tempo como grande inimigo da efetividade do processo, na medida em
que uma demora na prestação jurisdicional pode inviabilizar o adequado
exercício dos direitos.
Por vezes, a prestação jurisdicional leva um tempo incompatível
com a possibilidade de fruição do bem da vida em disputa. Na justi-
ça nacional, alguns feitos tramitam por mais de 05 anos, e em diversas
hipóteses o interesse que ensejou a propositura da ação se esvaiu, inclusi-
ve pela morte do interessado, descumprindo-se o escopo social da juris­
dição: a pacificação social.
A morosidade da justiça, causada por problemas ligados à estrutura
do poder judiciário e ao sistema de tutela de direitos, é um dos maiores
problemas para se assegurar o direito à adequada tutela jurisdicional,
como ressaltam os Professores Luiz Guilherme Marinoni,9 Bryant Garth
e Mauro Cappelletti,10 e já explicitado nas normas internacionais sobre
direitos humanos. A convenção europeia para proteção dos direitos hu­
manos e liberdades fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6º,
§1º que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável
é, para muitas pessoas, uma justiça inacessível, vale dizer, não representa
uma garantia concreta. Do mesmo modo, a convenção interamericana
sobre direitos humanos (Pacto de San José da Costa Rica), vigente no
Brasil, assegura em seu artigo 8º que “toda pessoa tem direito de ser
ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável...”.

7
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 283-293.
8
COMOGLIO, Luigi Paolo. “Garanzie Costituzionale” e “Giusto Processo” (Modelli a confronto). Revista de
Processo, São Paulo, n. 90, p. 95-150, abr./jun. 1998. p. 105.
9
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 2.
10
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleeth. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 20.

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A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 61

Assim sendo, não há dúvida de que o ofício jurisdicional deve


ser prestado em um tempo adequado, que não inviabilize o exercício
dos direitos postos em jogo. A prestação jurisdicional tempestiva é um
corolário da garantia constitucional da adequada tutela jurisdicional.
Na medida em que o processo efetivo é aquele que permite o
adequado exercício dos direitos postos em jogo, é certo que o tempo é
um de seus maiores inimigos, que deve ser superado. Os direitos são exer­
cidos ao longo do tempo e o decurso deste pode inclusive extingui-los,
tornando inútil eventual provimento jurisdicional sobre o mesmo.
Diante disso, a prestação jurisdicional deve ser sempre outorgada
dentro de um prazo razoável, sob pena de violação à garantia constitu­
cional da tutela jurisdicional efetiva. A razoabilidade do tempo de duração
de um processo é um conceito indeterminado, devendo ser aferida no caso
concreto, conforme posição da Corte Europeia de Direitos do Homem,
levando-se em conta três critérios: a) a complexidade do assunto; b) o
comportamento dos litigantes; e c) a atuação do órgão jurisdicional.11
A tutela prestada além do prazo razoável viola garantia dos cidadãos,
devendo gerar direito à indenização, consoante já decidiu a Corte Euro­
peia de Direitos do Homem em 25 de junho de 1987,12 que condenou
o Estado italiano ao pagamento de uma indenização de 8.000.000,00
de liras.
Todavia, não se pode olvidar que o processo deve obedecer às
garantias do devido processo legal, assegurando a ampla defesa e o
contraditório aos litigantes, o que faz com que o processo se alongue no
tempo. Apesar disso, o provimento jurisdicional deve ser efetivo. Para
tanto, deve o legislador criar procedimentos aptos a garantir uma tutela
efetiva dos direitos postos em jogo, equilibrando as garantias do devido
processo legal e do direito à prestação jurisdicional tempestiva, sem
eliminar qualquer delas.
Nesse sentido, há três frentes bem definidas identificadas pelo
Professor José Rogério Cruz e Tucci,13 quais sejam, a criação de mecanis­
mos endoprocessuais de repressão à chicana, criação de mecanismos
jurisdicionais de controle externo da lentidão do ofício jurisdicional, e

11
TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: TUCCI, José Rogério Cruz e
(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 239.
12
TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: TUCCI, José Rogério Cruz e
(Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 240.
13
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 123.

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62 Marlon Tomazette

meios de aceleração do processo. Interessam-nos os mecanismos de


aceleração do processo, que têm sido postos em prática pelo legislador
pátrio, na tentativa de extirpar ou ao menos minimizar os problemas
decorrentes da morosidade do exercício do ofício jurisdicional.

4 A técnica da cognição sumária


Para prestar o ofício jurisdicional, é óbvio que o juiz deve em
primeiro lugar conhecer as razões das partes, para só depois adotar as
medidas necessárias à tutela dos direitos em disputa. Tal atividade do juiz
é o que denominaremos de cognição, que pode ser analisada sob dois
ângulos: o horizontal e o vertical.
No plano horizontal a cognição pode ser plena ou limitada, con-
forme estabeleça ou não restrições às matérias que possam ser colocadas
em debate no feito, como por exemplo, nos embargos à execução fun­
dada em título executivo judicial, nos termos do artigo 741 do Código
de Processo Civil. No plano vertical, a cognição pode ser exauriente ou
sumária de acordo com o grau de cognição do objeto, com a profundi­
dade da análise.
A cognição exauriente caracteriza-se por uma análise completa
do objeto cognoscível, aplicando-se nos processos que visam à solução
definitiva das lides,14 o que se busca é o maior grau possível de certeza,
privilegiando-se o valor segurança jurídica, e o direito a ampla defesa,
e consequentemente exigindo-se um maior tempo para a prestação
jurisdicional. Tal é a cognição típica do procedimento ordinário, con­
cebido originalmente como procedimento padrão para a solução dos
mais diversos conflitos de interesse, guardando uma neutralidade em
relação ao direito material em disputa.
Todavia, é certo que o procedimento ordinário não era capaz de
propiciar a tutela jurisdicional efetiva em grande parte dos casos, por­
quanto sua neutralidade não atentava para as peculiaridades dos direitos
postos em jogo, e consequentemente não possuía aptidão para realizá-los
de modo efetivo. A almejada efetividade do processo, entendida como
predisposição de meios adequados para a tutela dos direitos,15 não pode
deixar de atentar para o plano do direito material, pois a realização
destes é a finalidade primordial da jurisdição. A insatisfação da prestação

DIAS, Beatriz Catarina. A jurisdição na tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 35.
14

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 30.
15

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A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 63

jurisdicional gerada pela universalização do procedimento ordinário


acabou permitindo uma tomada de consciência da insuficiência dos
procedimentos embasados em cognição exauriente, para a tutela efetiva
dos direitos.
O professor Ítalo Andolina,16 com muita propriedade, percebeu
que o autor pretende uma mudança no estado empírico, enquanto o
réu busca a manutenção da situação de fato, e, consequentemente, a
demora no processo só prejudica o autor que tem razão, beneficiando o
réu que não a tem. Ora, a técnica da cognição exauriente ao privilegiar
a segurança jurídica e a defesa colabora com a demora do processo,
fazendo com que o ônus do tempo recaia exclusivamente sobre o autor,
desconsiderando o direito constitucionalmente assegurado a uma tutela
adequada e tempestiva.
Para ponderar os valores constitucionais postos em jogo, o legisla-
dor infraconstitucional tem a obrigação de construir procedimentos aptos
a outorgar uma tutela efetiva, adequada e tempestiva, proporcionando
uma racional distribuição do tempo no processo.17 No exercício desse
mister, aparecem as tutelas diferenciadas, elaboradas a partir de técni-
cas de cognição, onde se permite, por exemplo, a prestação jurisdicional
com base em uma cognição sumária, em situações de urgência ou de evi-
dência dos direitos postos em jogo.
Na cognição sumária, as decisões se contentam com o provável,
embasando-se em juízos de probabilidade e verossimilhança,18 o que
obviamente dá celeridade à prestação jurisdicional. E não se diga que
provimentos embasados em tal espécie de cognição violam as garantias
do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, porquan-
to tais garantias são ponderadas com a garantia da tutela jurisdicional
efetiva, sem a eliminação de qualquer delas, na disciplina de tais proce­
dimentos. Outorgam-se medidas provisórias, passíveis de posterior altera-
ção a qualquer tempo, postergando-se o contraditório para um momento
posterior, agilizando a prestação.
Tal técnica aplica-se na tutela cautelar, ressalvando-se as liminares
do processo cautelar que se embasam em uma cognição sumária ainda

16
ANDOLINA, Ítalo. Cognizione ed esecuzione forzata nel sistema della tutela giurisdizionale. Milano: Giuffrè,
1993. p. 15-17.
17
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 3.
ed. São Paulo, 1999. p. 18.
18
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 30.

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64 Marlon Tomazette

mais tênue denominada superficial,19 que visa a proteger, acautelar os


direitos postos em jogo. Do mesmo, na antecipação de tutela que visa
à antecipação do próprio mérito do direito pleiteado pelo autor.

5 A tutela antecipada
O legislador nacional, atentando para a postura instrumenta­ lista,
passou a proceder a uma série de minirreformas Código de Processo
Civil, trazendo inúmeras inovações para o direito processual brasileiro,
com o intuito de atingir a almejada efetividade do processo. Neste mister,
o legislador nacional vem privilegiando o escopo social da jurisdição,
introduzindo novas técnicas capazes de aumentar a satisfação da pres­
tação jurisdicional. Dentre tais inovações se destaca a antecipação de
tutela, dos artigos 273 e 461, §3º do Código de Processo Civil, como meio
poderosíssimo de se tentar solucionar o conflito entre tempo e processo,20
enquanto medida de aceleração da tutela jurisdicional.
A tutela antecipada não é uma novidade nos ordenamentos estran­
geiros. Na Itália, o artigo 700 do Código de Processo Civil além de per­
mitir medidas conservativas, cautelares atípicas, similarmente ao artigo
798 do nosso Código de Processo Civil, permite também a antecipação
no todo ou em parte dos efeitos da decisão de mérito.21 O professor José
Ovalle Favela22 nos noticia a presença da tutela antecipada no Peru, em
Portugal e no Uruguai.
A introdução da antecipação de tutela de modo genérico no
ordenamento pátrio, pela Lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994, per­
mitiu que o juiz antecipasse, atendidos os requisitos legais do artigo 273
do Código de Processo Civil, por meio de provimentos embasados na
técnica de cognição sumária, o que os jurisdicionados só obteriam após
o longo caminho da cognição exauriente. Em termos análogos, o artigo
461 do Código de Processo Civil, que disciplina a tutela específica nas
obrigações de fazer e não fazer, permite em seu parágrafo terceiro que o
juiz antecipe liminarmente o provimento final.

19
DIAS, Beatriz Catarina. A jurisdição na tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 38.
20
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.
140.
21
DINI, Enrico A.; MAMMONE, Giovanni. I provvedimenti d’urgenza nel diritto processuale civile e nel diritto del
lavoro. 7ª ed. Milano: Giuffrè, 1997. p. 427.
22
FAVELA, José Ovalle. Tutela anticipada en el proceso civil ibero-americano. In: CALMON FILHO, Petrônio;
BELTRAME, Adriana (Org.). Temas atuais do direito processual ibero-americano: compêndio de relatórios e
conferências apresentados nas XVI Jornadas Ibero-americanas de Direito Processual. Rio de Janeiro: Forense,
1998. p. 149-151.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 65

Tal técnica já existia no ordenamento pátrio como, por exemplo,


nas liminares das ações possessórias e do mandado de segurança, sem,
contudo haver uma permissão genérica para tanto. Anteriormente a
reforma, fora das hipóteses típicas, com a finalidade de se buscar uma
antecipação da tutela pretendida, se lançava mão das medidas cautelares
satisfativas, desvirtuando a finalidade da tutela cautelar, que é resguardar
o efeito prático da decisão do processo principal, e não antecipá-la.
Atualmente, o sistema processual pátrio admite provimentos juris-
dicionais provisórios, embasados em cognição sumária, que antecipem
os efeitos de um provimento que só seria dado a final, ou seja, se anteci-
pam total ou parcialmente os efeitos da decisão final, os efeitos preten-
didos pela parte no mérito da demanda. Por meio da técnica antecipató-
ria permite-se, em determinados casos, que as pessoas possam usufruir
o bem da vida posto em disputa num prazo muito mais curto do que o
que seria necessário anteriormente, isto é, há uma satisfação mais rápida
no mundo dos fatos, atingindo-se de modo mais satisfatório a finalidade
social do processo.
Há que ressaltar que, por se embasar em cognição sumária, a ante­
cipação de tutela é um provimento provisório que pode ser revogado
a qualquer tempo (artigo 273, §4º do CPC), não fazendo coisa jul­ gada
formal ou material. Tal provisoriedade e precariedade justificam-se pelo
grau de cognição em que se embasou a decisão, limitada a juízos de pro­
babilidade e verossimilhança. Desse modo, há uma tentativa de concilia-
ção entre os valores segurança e celeridade, porquanto a decisão é célere,
mas não definitiva, vale dizer, o escopo jurídico do processo não é pre-
judicado, uma vez que a decisão final será embasada em uma cognição
exauriente, apta a proporcionar a atuação da vontade concreta da lei.

6 Requisitos da tutela antecipada


A tutela antecipada, talvez a mais importante inovação das re­formas
do processo civil brasileiro, é prevista no artigo 273 de modo genérico,
permitindo a antecipação dos efeitos da tutela pretendida a final, se
atendidos os requisitos estabelecidos no próprio dispositivo legal.
O artigo 273 exige para a antecipação de tutela requisitos positi­
vos e um requisito negativo. Este se refere a não configuração do perigo
de irreversibilidade do provimento antecipado (artigo 273, §2º), sobre o
qual nos deteremos mais adiante. Já aqueles são o requerimento da parte,

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
66 Marlon Tomazette

a prova inequívoca, a verossimilhança da alegação, e o fundado receio de


dano irreparável ou de difícil reparação, suprido alternativamente pelo
abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

6.1 Requerimento da parte


Literalmente o artigo 273 exige a iniciativa da parte para a con-
cessão da tutela antecipada, ao afirmar que o juiz poderá antecipar total
ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida quando “a requerimento
da parte” forem atendidos os demais requisitos do dispositivo. Trata-se
de corolário do princípio dispositivo que não permite ao juiz a concessão
da antecipação de ofício, salvo hipóteses excepcionais.

6.2 Prova inequívoca


Exige-se também para a antecipação de tutela, em qualquer hipó-
tese, “a existência de prova inequívoca” que convença o juiz da veros-
similhança da alegação. Tal expressão deu origem a inúmeros embates
doutrinários acerca dos efetivos contornos de tal requisito, sobretudo
pela aparente contradição entre os termos utilizados pelo legislador, por-
quanto se a prova é inequívoca não deveria conduzir a verossimilhança,
mas à certeza. Apesar de tal contradição, a comissão condutora da refor-
ma entendeu que tal expressão se adequava melhor aos fins pretendidos,
do que a expressão prova documental, inicialmente proposta.23
O professor Antônio Cláudio da Costa Machado afirma: “conclu-
ímos que a ‘prova inequívoca’ prevista pelo caput do art. 273 significa
a prova robusta, contundente, convincente acerca dos fatos que compõem
a causa petendi e que por isso produz convencimento da probabilidade
de existência do direito afirmado, assim como o ‘direito líqüido e certo’
do mandado de segurança, de que outro meio de prova poderia estar
cogitando a lei, senão a preconstituída?”.24 Nessa mesma linha se posi­
ciona o Professor Luiz Fux afirmando que “prova inequívoca para a con-
cessão da tutela antecipada é alma gêmea da prova do direito líqüido
e certo para a concessão do mandamus”.25
Não obstante à autoridade dos defensores da tese de que a
prova inequívoca seria a prova preconstituída, assim não entendemos,

23
WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e
461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:
Saraiva, 1996. p. 33.
24
MACHADO. Tutela antecipada, p. 402.
25
FUX. Tutela de segurança e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada, p. 348.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 67

porquanto a antecipação de tutela pode ser concedida a qualquer


tempo, não podendo se falar em preconstituição da prova, nos termos
em que concebida para o mandado de segurança. Ora, se inicialmente
inexistia prova inequívoca, mas no correr do feito esta passou a existir,
autorizando a concessão da tutela antecipada, é certo que não estamos
diante de prova preconstituída.
A prova inequívoca exigida pelo artigo 273 do Código de Processo
para a concessão da tutela antecipada deve ser aquela capaz de influir
positivamente no convencimento do juiz, permitindo-lhe vislumbrar a
verossimilhança da alegação,26 um passo aquém da certeza. Sob o ângulo
das provas, a prova inequívoca é aquela cuja autenticidade ou veraci­
dade seja provável, que conduza a uma certeza relativa em relação aos
fatos27 afirmados, sendo, por conseguinte apta a influir positivamente no
convencimento do juiz.
Tais contornos dados à expressão prova inequívoca são os mais
consentâneos com a finalidade do instituto — tutelar de forma mais ágil
os direitos — e, sobretudo, com a exigência de simples verossimilhança
e não de certeza para a concessão da tutela antecipada.

6.3 Verossimilhança da alegação


Existindo a prova inequívoca, vale dizer, existindo uma certeza
relativa em relação aos fatos postos na demanda, deve o juiz convencer-se
da verossimilhança da alegação, para a concessão da tutela antecipada,
conforme exigido pelo artigo 273 do Código de Processo Civil.
Para conceder a tutela antecipada, deve o juiz convencer-se, com base
em uma cognição sumária, que há uma forte probabilidade que o autor
tenha razão,28 que há uma forte probabilidade de sucesso na demandada.
A antecipação de tutela pressupõe que o juiz esteja convencido que a
alegação é verossímil, isto é, que a alegação do autor é semelhante à ver­
dade. O juízo de verossimilhança, exigido para tanto, se assenta em um
juízo de probabilidade, no qual deve haver mais motivos que conduzam
à crença na verdade da alegação, que motivos divergentes.29

26
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 155; CARNEIRO,
Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 20.
27
ALVIM, José Eduardo Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 59;
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Novíssimos perfis do processo civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p.
38; ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 76.
28
ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Alterações no Código de Processo Civil: tutela antecipada, perícia. In: TEIXEIRA,
Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 242.
29
ALVIM, José Eduardo Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 47.

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68 Marlon Tomazette

Não se exige, nem se poderia exigir a evidência indiscutível da


alegação, no âmbito de tal cognição, mas exige-se uma verossimilhança
que é mais que a simples “fumaça do bom direito” exigida na tutela
cautelar,30 embora um passo aquém da certeza.

6.4 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação


A par dos requisitos já citados, a antecipação da tutela pressupõe a
existência de um fundado receio de dano irreparável ou de difícil repa­
ração, que denote a urgência na concessão da medida antecipatória.
Tal requisito pode ser suprido pela presença do abuso do direito de
defesa, ou do manifesto propósito protelatório do réu.
A urgência é um dos fatores que permite a antecipação dos efeitos
da tutela pretendida, com o intuito de evitar danos irreparáveis ou de
difícil reparação a direitos postos em jogo, outorgando na medida
do possível uma prestação jurisdicional efetiva. Tal urgência deve ser
demonstrada pela parte, devendo provar a existência de um fundado
receio de dano, e não de qualquer dano, mas de dano irreparável ou de
difícil reparação.
Para obter a antecipação de tutela com fulcro no inciso I do artigo
273, do CPC, a parte deve provar um receio, vale dizer, deve provar a
existência de um dano ainda não ocorrido, mas prestes a ocorrer, similar
à exigência do artigo 700 do código italiano de existência de um “pregiu­
dizio imminente ed irreparabile” (prejuízo iminente e irreparável). Caso
o dano não seja iminente, a medida urgente se mostra inútil, porquanto
a parte pode aguardar a decisão final.31 Além disso, o receio há de ser
fundado, isto é, deve embasar-se em fatos concretos que se apresentaram,
e não no mero temor subjetivo da parte, baseado nos simples inconve­
nientes da inevitável demora da prestação jurisdicional.32
Tal fundado receio deve dizer respeito a um dano, vale dizer, a um
prejuízo à parte, que ainda deve ser irreparável ou de difícil reparação.
Os danos irreparáveis são aqueles que, uma vez ocorridos, seus
efeitos não são suscetíveis de reintegração de forma específica ou
ressarcíveis, bem como aqueles cujo ressarcimento não seja capaz de

30
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 23;
FADEL, Sérgio Sahione. Antecipação da tutela no processo civil. São Paulo: Dialética, 1998. p. 29; FRIEDE, Reis.
Tutela antecipada: tutela específica e tutela cautelar. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 75.
31
DINI, Mario. I provvedimenti d’urgenza. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 1961. p. 179.
32
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela antecipada. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos
polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 196.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 69

fazer atuar integralmente o direito deduzido em juízo.33 De outro lado os


danos de difícil reparação são aqueles nos quais a situação econômica
do réu leva a crer que o dano não poderá ser reparado, bem como quando
o dano não pode ser quantificado com precisão, como por exemplo no
caso de desvio de clientela, aonde os danos vão aumentando com passar
do tempo, sem possibilidade de se defini-los precisamente.34

6.5 Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu


Alternativamente ao fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação, permite-se a concessão da antecipação de tutela caso
seja configurado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu (artigo 273, II do CPC), cumulativamente aos demais
requisitos já mencionados. Nesse particular, o legislador visou à prote­
ção dos direitos evidentes de tal forma que a postura do réu só pode
ser abusiva ou protelatória, retardando injustificadamente a realização
do direito do autor.
Conforme muito bem ressaltado pelo professor Luiz Guilherme
Marinoni a “técnica antecipatória nada mais é que uma técnica de
distribuição do ônus do tempo no processo”.35 Tal técnica visa a corrigir a
distorção advinda da imposição do ônus do tempo exclusivamente sobre
os ombros do autor, racionalizando a distribuição do tempo no processo.
Ora, se autor demonstra sua razão de maneira evidente, indiscutível, não
é justo impor-lhe o ônus de suportar os efeitos do tempo até a conclusão
do processo, enquanto o réu via de regra mantém o status quo que lhe
interessa, por meio de posturas desleais.
As expressões usadas pelo legislador para autorizar a concessão da
antecipação de tutela (art. 273, II) são vagas, representando conceitos
indeterminados que só poderão ser definidos diante dos casos con­cretos.
Apesar disso, podemos em termos gerais apresentar os contornos dos
institutos citados pelo legislador. Há que se ressaltar que as expressões
“abuso do direito de defesa” e “manifesto propósito protelatório do réu”
são mencionados de modo alternativo possuindo significados próprios,
embora bem próximos.

33
DINI, Enrico A.; MAMMONE, Giovanni. I provvedimenti d’urgenza nel diritto processuale civile e nel diritto del
lavoro. 7ª ed. Milano: Giuffrè, 1997. p. 320.
34
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 131.
35
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 137

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
70 Marlon Tomazette

Não se pode olvidar que o direito de defesa é assegurado constitu-


cionalmente (artigo 5º, LV da Constituição Federal). Entretanto, também
não se pode olvidar que o que é assegurado é tão somente o exercício
razoável do direito de defesa, uma vez que a Constituição não pode pro-
teger abusos de direito. Assim, toda vez que a defesa for exer­cida além
dos limites do razoável, isto é, não com o intuito de defender-se, mas
com o intuito de retardar ou até inviabilizar o exercício do direito pelo
autor que tem razão, haverá abuso do direito de defesa, o qual somado
aos demais requisitos já mencionados autoriza a antecipação de tutela.
Tal abuso refere-se a atos processuais praticados pelo réu, podendo-se
extrair do artigo 17 do Código de Processo Civil, que se refere à litigân-
cia de má-fé, elementos que ajudem a caracterizar as hipóteses de abuso
direito de defesa, sem, contudo, tomá-lo como guia único.
Além do abuso de direito de defesa, também autoriza a concessão
da antecipação de tutela, o “manifesto propósito protelatório do réu”
o qual possui um sentido diverso daquele, embora muito próximo.
Enquanto o abuso do direito de defesa refere-se a atos processuais, o
intuito protelatório refere-se à conduta do réu fora do processo, posto que
relacionado a este,36 como por exemplo a ocultação de prova e a criação
de embaraços a realização da prova pericial.

7 Reversibilidade do provimento antecipado


Além dos requisitos supracitados, o artigo 273, §2º do Código
de Processo Civil exige para a concessão da tutela antecipada que não
haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, pressuposto
que será estudado separadamente, dada sua importância na atuação
dos provimentos antecipatórios.
Interpretando literalmente tal dispositivo o Professor Luiz
Guilherme Marinoni37 assevera que o que está vedado é tão somente a
tutela antecipatória (declaratória e constitutiva) nas ações relativas ao
estado e a capacidade das pessoas. O eminente processualista paranaense
justifica tal interpretação afirmando que o legislador faz referência à
irreversibilidade do provimento e não à irreversibilidade dos efeitos
práticos do provimento, logo, são vedadas algumas declarações e cons­
tituições provisórias. Em suas próprias palavras “o que o artigo 273 veda,

36
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 77.
37
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 163-166.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 71

quando fala que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo
de “irreversibilidade do provimento antecipado” — o que nada tem a
ver, repita-se, com irreversibilidade dos efeitos práticos do provimento —
são determinadas declarações e constituições provisórias”.38
Não obstante à autoridade e lógica da argumentação deduzida
pelo processualista paranaense, acreditamos que tal interpretação não é
a mais adequada.
Caso a reversibilidade exigida fosse tão somente do provimento e
não dos efeitos práticos do mesmo, o parágrafo segundo do artigo 273
seria dispensável, porquanto o provimento em si, isto é, a decisão ante­
cipatória é sempre reversível, uma vez que pode ser revogada a qualquer
tempo (art. 273, §4º).39 Ora, assim sendo, a interpretação mais adequada
que pode ser dada, é aquela que não torna a exigência legal letra morta,
não havendo, pois, dúvida que, apesar da inexatidão terminológica, a re­
versibilidade exigida é dos efeitos práticos do provimento antecipatório,40
ou seja, não se poderá conceder a antecipação se as coisas não puderem
voltar ao estado anterior, por absoluta impossibilidade física da restitui­ção
in natura, ou da compensação do dano sofrido.41
Tal requisito é uma imposição das garantias processuais estampa-
das na Carta Magna de 1988, que asseguram aos litigantes o contraditó-
rio, a ampla defesa e o devido processo legal, e um consectário da provi­
soriedade da medida antecipatória. Permitir-se em termos gerais uma
antecipação de tutela que não seja reversível, seria uma violação frontal
às garantias constitucionais citadas, porquanto se permitiria antecipa­
damente a consolidação de uma situação, outorgando-se ao autor o bem
da vida pretendido, sem uma sentença, ou seja, sem a obediência ao
devido processo legal, sem assegurar ao réu o exercício da ampla defesa e
do contraditório efetivo, além de se afrontar o núcleo essencial do direito
à segurança jurídica.
Além disso, caso fosse permitida uma antecipação de tutela, cujos
efeitos fáticos fossem irreversíveis, haveria uma afronta à segurança

38
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 166.
39
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 97.
40
ALVIM, José Eduardo Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 98;
FADEL, Sérgio Sahione. Antecipação da tutela no processo civil. São Paulo: Dialética, 1998. p. 32; CARNEIRO,
Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 59; DINAMARCO,
Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 148; BELINETTI,
Luiz Fernando. Irreversibilidade do provimento antecipado. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos
polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 250.
41
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da liberdade do juiz na concessão de liminares. In: WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 542.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
72 Marlon Tomazette

jurídica, que em muitos casos restaria irremediavelmente comprometida.


Os cidadãos poderiam ver-se na iminência de perder algum bem da vida,
sem poder reavê-lo, a partir de uma decisão provisória, embasada em
uma cognição sumária, sem a observância das garantias supracitadas,
vale dizer, não haveria mais segurança nas relações sociais, o que não
foi pretendido com a introdução do instituto da tutela antecipada.
A dicção literal do dispositivo que condiciona a antecipação da
tutela à reversibilidade dos efeitos práticos do provimento antecipado
o tornaria regra absoluta, sem exceções. Todavia, situações extremas
podem se apresentar, nas quais se o juiz não antecipa a tutela pretendida,
o direito posto em jogo perece. Nestes casos, não é lícito ao juiz se negar
a conceder a pretendida tutela antecipada, sob pena de inviabilizar a
própria tutela jurisdicional definitiva, afrontando a garantia da tutela
jurisdicional efetiva. A própria interpretação mais extensiva do disposi­
tivo, permitindo a concessão da tutela, mesmo quando a reversibilidade
não possa ocorrer in natura, é uma antevisão de tais situações.
Entretanto, situações ainda mais extremas existirão nas quais nem
a recomposição patrimonial pode ser capaz de reverter os efeitos da
medida, como por exemplo, uma autorização para uma transfusão de
sangue em uma criança contra a vontade dos pais. Desse modo, a vedação
do §2º do artigo 273 não pode ser interpretada literalmente, devendo
ser relativizada, sob pena de inviabilizar o próprio instituto da tutela
antecipatória.42 Havendo um conflito entre dois valores, o direito do autor
e o do réu, não se pode admitir a fixação de uma regra absoluta, que
permita o sacrifício do direito mais provável e mais relevante. A solução
nesses casos deve ser dada em face do caso concreto, não podendo ser
estabelecida uma regra abstrata para tal conflito, devendo aplicar-se
o princípio da proporcionalidade,43 sobre o qual nos deteremos mais
adiante, ao tratar da exigência da observância das regras da execução
provisória na efetivação da antecipação de tutela, a qual é um corolário do
próprio requisito da reversibilidade.

42
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 88; FUX, Luiz. Tutela de segurança
e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 351.
43
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa
de sistematização. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 326-327; MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da
tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 171; CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no
processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 61; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da liberdade do juiz na
concessão de liminares. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de
tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 542.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 73

Imagine-se casos extremos, como aquele em que o juiz se depara


com um pedido de antecipação de tutela que permita a realização de
uma transfusão de sangue em uma criança, contra a vontade dos pais,
em virtude de sua crença religiosa. Não há dúvida que a concessão da
medida tem efeitos práticos irreversíveis, uma vez que uma transfusão
de sangue não pode ser desfeita. Entretanto, também não há dúvida que
a não concessão da medida poderá resultar no falecimento da criança.
Extremar-se, nesses casos, a exigência da reversibilidade dos provi­mentos
antecipados pode implicar no sacrifício de valores mais relevantes, em
detrimento de outros menos relevantes.
Razão assiste ao Professor Luiz Guilherme Marinoni ao afirmar que
“não só a lógica, mas também o direito à adequada tutela jurisdi­cional
exigem a possibilidade de sacrifício, ainda que de forma irreversível,
de um direito que pareça improvável em benefício de outro que pareça
provável”.44 No caso concreto, deve o juiz ponderar os valores dos bens
em jogo, a fim de que faça prevalecer o valor mais relevante e provável,
aplicando o princípio da proporcionalidade, para, se necessário, relativi-
zar a exigência da reversibilidade do provimento antecipado.
Nesse sentido, já se pronunciou o Tribunal de Justiça de Santa
Catarina asseverando: “As verbas alimentares são prestações para satis­
fação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Apesar
da irreversibilidade que lhes é inerente, se a verossimilhança pesar
significativamente em favor do autor, o Magistrado estará autorizado
a sacrificar o direito improvável, em benefício do direito que se mostre
mais verossímil”.45
Tal interpretação encontra supedâneo na necessidade de ponde­
ração entre o direito à adequada tutela jurisdicional e as garantias do
devido processo legal, com a aplicação do princípio da proporcionali­­
dade, que embora não se encontre consagrado expressamente no ordena­­­
mento jurídico, é inerente ao Estado democrático de direito. Apesar disso,
seria de bom alvitre uma já propugnada46 alteração no artigo 273, §2º,
para consignar que a exigência da reversibilidade do provimento ante-
cipado pode ser dispensada, caso a não concessão da antecipação possa
causar danos irreparáveis a direitos ainda mais relevantes e prováveis.

44
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 170.
45
TJSC, Ag. de Inst. 2148-5, Florianópolis, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Julg. em 22.08.96. Jurisprudência
Brasileira, v. 183, p. 238.
46
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
p. 383.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
74 Marlon Tomazette

8 Objeto da antecipação
Uma vez preenchidos os requisitos legais para a concessão da
medida antecipatória, a mesma deve ser concedida, a fim de satisfazer
total ou parcialmente o direito afirmado pelo autor. Não se antecipa
uma sentença, mas seus efeitos práticos, antecipa-se a sua eficácia social
e não a jurídico-formal.47 Presentes os requisitos, poderá ocorrer a
antecipação, não da tutela, mas dos efeitos da tutela pretendida, uma vez
que de nada adianta um provimento jurisdicional, enquanto o mesmo
não produz efeitos. Não interessa à parte a decisão jurisdicional, mas
tão somente os efeitos que ela possa produzir para outorgar-lhe o bem
da vida pretendido.
Não obstante às controvérsias doutrinárias, é certo que tal ante­ci­
pação é admissível em qualquer classe de ações. Adotada a classificação
quinária das ações, tendo em vista a natureza predominante da pro­ vi­
dência pleiteada, uma vez que não existem ações puras, é certo que a
antecipação de tutela é admissível tanto nas ações declaratórias, quanto
nas constitutivas, nas mandamentais, nas executivas lato sensu e nas
condenatórias, senão vejamos.
Nas ações declaratórias, o que se busca é a declaração de existên­
cia ou de inexistência de dada relação jurídica, vale dizer, “a elimina-
ção da incerteza em torno da existência ou inexistência de uma dada
relação jurídica”.48 Ora, se tal é a tutela pleiteada, inviável se mostra a
antecipação dos efeitos declaratórios, porquanto é ilógica a outorga pro­
visória da cer­teza jurídica, a qual somente pode ser alcançada com a
decisão definitiva.
Todavia, conforme muito bem ressaltado pelos Professores Nelson
Nery Junior, José Roberto Bedaque e Luiz Guilherme Marinoni há
que se perquirir sobre a viabilidade e utilidade da antecipação diante dos
vários casos concretos que se apresentem, sendo perfeitamente viável o
adiantamento de consequências práticas relacionadas ao comando da
sentença declaratória.49

47
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 48
48
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. v. 1,
p. 162-163.
49
NERY JÚNIOR, Nelson. Procedimentos e tutela antecipatória. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.).
Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 395-396; BEDAQUE,
José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de
sistematização. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 344-345; MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela antecipatória
nas ações declaratórias e constitutivas. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da
antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 273.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 75

Mesmo nas ações cuja providência pretendida seja predominan­


temente de cunho declaratório, é possível a antecipação de tutela, uma
vez que em tais casos a sentença possui um preceito, o qual se dirige
contra o réu para que o mesmo não tome qualquer atitude contrária
ao que foi declarado. Ora, ordens de não fazer contra tal preceito,
abstendo-se, sustando, ou suspendendo são perfeitamente antecipáveis
com base em uma cognição sumária,50 como por exemplo a sustação
do protesto em uma ação declaratória de nulidade do título de crédito,
ou a permissão para continuar frequentando as dependências sociais de
um clube, em uma ação na qual se postula a declaração de nulidade do
ato que determinou a exclusão da associação.
Nas ações constitutivas o que se pretende é a constituição, alteração
ou a extinção de uma relação jurídica, não sendo necessários quai­s­quer
atos externos ao feito para satisfazer o direito do autor. Nesse tipo de
ação o que se busca primordialmente é a consolidação de uma situação,
o que, a princípio, seria incompatível com a provisoriedade característica
dos provimentos antecipatórios.
Todavia, assim como nas declaratórias, a efetividade da tutela
jurisdicional pode exigir a antecipação de efeitos práticos da tutela pre­
tendida afinal, seja uma constituição provisória, como, por exemplo, a
constituição provisória de um aluguel na ação revisional, ou os efeitos
executivos e mandamentais da futura sentença constitutiva, como por
exemplo uma ordem de não fazer contra o preceito também presente
neste tipo de ação.51
Não pode haver qualquer dúvida a respeito da admissibilidade
da antecipação de tutela nas ações constitutivas, devendo, todavia, ser
ponderada a providência adiantada como a provisoriedade da medida
antecipatória, não se podendo, por exemplo, admitir a antecipação da
alteração do estado civil, ou da anulação do contrato.52
A doutrina vem, com razão, admitindo a existência autônoma, como
uma espécie distinta das ações mandamentais, nas quais se pretende a

50
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 42;
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela antecipada. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos
polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 189, ZAVASCKI, Teori Albino.
Antecipação de tutela e colisão de direitos fundamentais. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma
do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 159.
51
MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela antecipatória nas ações declaratórias e constitutivas. In: WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
p. 275-276.
52
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 42.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
76 Marlon Tomazette

expedição de uma ordem dirigida à autoridade ou à pessoa particular,


impondo-lhe um comportamento, sob pena de cominação de pena
pecuniária e/ou criminal.53 Nesse tipo de ação, a satisfação do direito do
autor depende de operações físicas em seu benefício, as quais, todavia,
ocorrem dentro do mesmo processo. A admissão da antecipação de tutela
nesse tipo de ação não traz quaisquer problemas, uma vez que provi­
dências urgentes em tais ações são comuns, não encontrando quaisquer
óbices, sendo inclusive previstas especificamente como na liminar em
mandado de segurança e na liminar na ação de manutenção de posse
(artigo 928 do Código de Processo Civil).
Também vem sendo admitida a existência das denominadas
ações executivas lato sensu, cujo objeto predominante é a retirada de
um bem do patrimônio do demandado e sua colocação no patrimônio
do demandante.54 Tal tipo de ação também pressupõe operações físicas
em benefício do autor, as quais ocorrem dentro do mesmo processo, vale
dizer, não se exige um novo processo. Mais uma vez a tutela antecipada
é admitida sem problemas, e também é prevista especificamente como,
por exemplo, na liminar da ação de despejo (artigo 59, §1º da Lei
nº 8.245/91).
Por derradeiro, nos deparamos com as denominadas ações con­
denatórias cujo objeto refere-se predominantemente à imposição ao réu
de uma prestação em favor do autor. Neste tipo de ação, são necessárias
providências práticas externas ao processo para a satisfação do direito
do autor, as quais pressupõem um novo processo, o processo de execu­
ção. A tutela antecipada nessas ações é perfeitamente admissível tanto
nas obrigações de fazer, ou não fazer (artigo 461, §3º do Código de Pro­
cesso Civil)55 quanto nas de dar, adiantando-se a realização forçada do
direito afirmado pelo autor. Todavia, peculiaridades hão de ser observadas
na efetivação da tutela antecipada nas ações condenatórias, tendo em
vista a exigência de reversibilidade do provimento antecipado.

9 Efetivação da tutela antecipada


Conforme já asseverado, o objeto da antecipação de tutela é a
eficácia social da decisão jurisdicional e não sua eficácia jurídico formal,

53
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 37.
54
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 79.
55
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 42;
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 499-
503; MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 41-42.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 77

vale dizer, são antecipados os efeitos práticos da decisão, pois é isso que
interessa em termos de efetividade da tutela jurisdicional. Todavia, em
relação a determinadas eficácias das ações são necessárias transforma­
ções no mundo físico, são imprescindíveis atividades complementares,
extrínsecas ao ato decisório.
Nas ações declaratórias e constitutivas a própria decisão judicial é
apta a satisfazer o interesse da parte, não sendo necessárias outras pro­
vidências externas ao processo. Assim sendo, a antecipação das efi­cácias
declaratória e constitutiva prescinde de atos exteriores, e consequente-
mente prescinde de efetivação, vale dizer, a decisão por si só já é apta
a satisfazer os interesses postos em jogo.
Nos demais tipos de ações são necessárias transformações no
mundo físico para a realização do direito da parte, podendo-se, portanto,
falar em efetivação da decisão. As medidas antecipatórias das demais
eficácias também dependem destas providências exteriores, ensejando
uma “execução” completa ou incompleta da decisão, conforme as cir­
cunstâncias assim o exijam, baseada, todavia, numa cognição sumária.
Poderíamos falar em execução provisória da antecipação de tutela, toda­
via preferimos não utilizar a expressão execução provisória da decisão,
seguindo a lição do Professor Luiz Guilherme Marinoni, uma vez que
os atos da execução dita provisória em nada se diferenciam dos atos da
execução dita definitiva, o que é provisório é o título em que se funda a
execução, podendo a execução ser completa ou incompleta.56
Nas ações mandamentais e executivas lato sensu são necessárias
providências exteriores ao processo para a efetivação da decisão, podendo
nestas espécies de ações falar-se efetivação ou atuação da decisão, a
qual, todavia, ocorre dentro do mesmo processo, não exigindo uma nova
estru­tura (processo). E diferente não poderia ser em relação à efetivação
da medida antecipatória, que se dará mediante a expedição de manda­dos
e outros meios executórios cabíveis dentro do mesmo processo.57 A
efetivação de uma liminar concedida na ação de despejo, por exemplo,
ocorre no mesmo processo não dependendo de uma nova estrutura.
Portanto, em relação a tais eficácias, a efetivação de uma medida anteci­
patória das mesmas, necessitará de atos exteriores, os quais serão aptas a

56
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 3.
ed. São Paulo, 1999. p. 190-193.
57
WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer: arts. 273 e 461
do CPC. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva,
1996. p. 37.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
78 Marlon Tomazette

satisfazer a parte dentro do mesmo processo, ou seja, estaremos diante de


uma execução completa da decisão, fundada em cognição sumária.
Nas ações cuja eficácia preponderante seja condenatória também
são necessários atos extrínsecos a decisão para que haja a satisfação do
interesse da parte. Entretanto, neste tipo de ação exige-se uma nova
estrutura para a efetivação da decisão, dando-se origem a uma nova
ação,58 a um novo processo, o processo executivo, dotado de regras pró­
prias constantes do Livro II do Código de Processo Civil. Diante desta
forma de efetivação de uma decisão condenatória, indaga-se a respeito
da submissão da efetivação da antecipação de tutela às regras do processo
de execução.
O artigo 273, §3º do Código de Processo Civil condiciona a
“execução” da tutela antecipada à observância “no que couber” das dis­
posições dos artigos 588 (atual artigo 475-0),59 461, §§4º e 5º, e 461-A
que dizem respeito à execução provisória e às astreintes. Entretanto, há
que se ressaltar a relativa impropriedade terminológica ao se falar em
“execução” da tutela antecipada, sendo preferível falar em efetivação ou
atuação, como prefere o Professor Luiz Guilherme Marinoni adotando
a terminologia da legislação italiana, uma vez que a atuação das tutelas
sumárias não obedece às regras do livro referente ao processo de exe­
cução, não exigindo uma nova estrutura, e nem o poderia, porquanto o
processo executivo não foi criado para disciplinar tal atividade.60
Condicionar a efetivação da tutela antecipada ao processo de
execução é medida completamente ilógica. “Não teria sentido que o legis­
lador instituísse uma antecipação no curso do processo de conhecimento
visando à agilização da tutela e a submetesse às delongas da execução...,
de nada adiantaria a previsão da tutela antecipada se o cumprimento
da medida fosse postergado, tornando letra morta o instrumento da
agilização jurisdicional”.61 Ora, se a tutela antecipada é um mecanismo
de aceleração da prestação jurisdicional, a efetivação da mesma deve ser
apta a garantir tal aceleração, sendo inconcebível a submissão às regras
do processo executivo.

58
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 76.
59
STJ – REsp nº 952.646/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04.11.2008, DJe, 04 ago.
2009.
60
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 178-179; ALVIM,
José Eduardo Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 103.
61
FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva,
1996. p. 358-389.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 79

Assim sendo, não temos dúvida em afirmar que não há que se cogitar
de oposição à efetivação da medida por meio de embargos à execução,62
não só pela não sujeição às regras do processo de execução, mas, sobretudo,
pela suspensão imediata da execução, decorrente da tão só oposição dos
embargos. Se a antecipação de tutela tem por objetivo a mais rápida
satisfação do direito da parte, impedir a satisfação de uma parte pela tão
só oposição da outra seria extremamente contraditório. E não se diga que
tal posição conduziria a uma violação ao princípio da ampla defesa, e da
igualdade das partes, uma vez que há outras possibilidades de oposição
à própria concessão da medida antecipatória, como o recurso para o órgão
superior, ou meras petições dirigidas ao juiz da causa, tendo em vista a
possibilidade de revogação da medida a qualquer tempo, garantindo-se
a observância dos referidos princípios.
A atuação das medidas antecipatórias, qualquer que seja a natu­
reza do provimento antecipado, dar-se-á no mesmo processo, não se
sujeitando às regras do processo de execução, tendo em vista a executo­
riedade intrínseca dos provimentos de urgência, tanto os cautelares como
os antecipatórios,63 devendo o juiz adotar as medidas que sejam mais
aptas à satisfação do direito em disputa.

10 Restrições à efetivação
Asseverada a inaplicabilidade direta das regras do processo de
execução à efetivação da antecipação da tutela, resta-nos interpretar o
comando constante do parágrafo terceiro do artigo 273 do Código de
Processo Civil, o qual condiciona a “execução” da tutela antecipada às
regras do artigo 588 (atual 475-0) do mesmo código, “no que couber”, as
quais se referem à execução dita provisória das sentenças condenatórias.
Tais dispositivos afirmam que na execução provisória não poderá haver
a alienação do domínio, nem o levantamento de depósito em dinheiro
sem a prestação de caução, e que a execução ficará sem efeito, com o
advento de decisão que modifique a decisão exequenda, restituindo-se as
coisas ao estado anterior.

62
MANDRIOLI, Crisanto. Corso de diritto processuale civile. 2ª ed. Torino: Giappichelli, 1978. v. 3, p. 237;
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 181.
63
ALVIM, José Eduardo Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 101;
TALAMINI, Eduardo. Tutelas mandamental e executiva lato sensu e a antecipação de tutela ex vi do art. 61,
§3º do CPC. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 145.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
80 Marlon Tomazette

Há que se ressaltar que, referindo-se à execução provisória das


sentenças condenatórias, o artigo 475-0 do Código de Processo Civil,
aplicável à antecipação de tutela por disposição expressa do artigo 273,
§3º do mesmo código ao artigo 588 do CPC, hoje correspondente ao
referido artigo 475-0, tem sua aplicabilidade limitada aos provimentos
antecipatórios da eficácia condenatória das ações, uma vez que em relação
às demais eficácias as regras em discussão não têm nenhuma pertinência.
O professor Cássio Scarpinella Bueno, em excelente trabalho a
respeito do presente tema, assevera, com razão, que “A antecipação da
tutela, mesmo que para fins de subtração do efeito suspensivo recur­
sal, é concedida para a concretização do direito reconhecido, enquanto
a execução provisória admitida pela lei é mera antecipação dos atos
materiais de execução, e não necessariamente a satisfação desse direito.”
Com efeito, o regime da execução provisória no país é incompa­­­tível
com a ideia de satisfação imediata do direito da parte, objetivo primor­­dial
do instituto da antecipação de tutela, nos demonstrando certa incompa­
tibilidade no referido dispositivo. Todavia, tal incompatibilidade é apenas
aparente, dado que o próprio legislador deu certa margem de liberdade
ao juiz, ao determinar a aplicação de tais dispositivos “no que couber”,
de modo a assegurar a maior efetividade possível, cabendo-nos aqui
definir os exatos limites da interpretação de tal expressão.
Impedir de modo absoluto a alienação do domínio e o levantamento
de depósito em dinheiro na efetivação das medidas antecipatórias,
seria incompatível com a ideia de efetividade do processo, que guiou as
reformas no nosso processo civil. Por isso, o legislador coerentemente
utilizou a expressão no que couber, admitindo assim uma efetivação
completa das medidas antecipatórias, sem, contudo, se descuidar do
perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, ou seja, a efeti­
vação da medida antecipatória será tão satisfativa, tão completa, quanto
as circunstâncias assim o exigirem.64
A obediência às regras do artigo 475-0 do Código de Processo
Civil são uma imposição da exigência de reversibilidade do provimen-
to antecipado, constante do artigo 273, §2º, a qual, conforme já asseve­
ramos, há que ser relativizada, sob pena de inviabilizar a realização
da finalidade para a qual foi criado o instituto da antecipação de tutela.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da liberdade do juiz na concessão de liminares. In: WAMBIER, Teresa Arruda
64

Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 553.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 81

Há situações extremas, nas quais o juiz se vê diante do risco de perecimen-


to de direitos da mais alta relevância, como a própria vida humana.
Imagine-se a seguinte situação: um motorista embriagado atropela
e mata um pai de família, responsável pelo sustento de sua esposa e de
seus filhos, e, em virtude disto, foi proposta ação de indenização, com
pedido de antecipação de tutela, visando ao pagamento de alimentos
indenizatórios, estando presentes os requisitos da verossimilhança da
alegação e do perigo de dano irreparável, patente pela necessidade de
sustento da família do de cujus. Nesta situação, seria lícito ao juiz deixar
de conceder a medida antecipatória, sob o fundamento de que os autores
da ação não teriam condições de posteriormente ressarcir ao réu os valo-
res pagos, ou seja, sob o fundamento de que os efeitos do provimento são
irreversíveis? Ou, ainda, conceder a medida antecipatória, mas sujeitar o
levantamento do dinheiro à prestação de caução ou impedir a alienação
de um bem entregue para a satisfação do direito de crédito?
A resposta afirmativa a tais indagações faria com que os juízes assis-
tissem a uma lesão, ou até ao perecimento de um direito fundamental da
mais alta relevância, como o direito à educação ou à saúde, provocando
prejuízos ainda maiores do que os eventualmente evitados. Felizmente a
doutrina65 e a jurisprudência têm dado a exata aplicação ao dispositivo
em análise não se esquecendo da necessidade de ponderação entre os
direitos postos em jogo, para dar a melhor solução ao caso, sendo opor-
tuno ressaltar que o próprio artigo 588 tem recebido propostas de
mudança, para consignar expressamente que a caução pode ser dispen­
sada, quando justificável tal dispensa.66
O Tribunal de Justiça do Paraná assegurou a imediata efetivação da
antecipação de tutela, para obrigar a empresa-ré a efetuar o pagamento
de quantia mensal, destinada à reparação de danos emergentes, rela­tivos
à locação, não fazendo incidir o então vigente artigo 588, II do Código
de Processo Civil.67 Na mesma linha de pensamento o Tribunal de Justiça
de São Paulo68 garantiu por meio de tutela antecipada o pagamento de

65
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 207; BUENO,
Cássio Scarpinella. Execução provisória e antecipação de tutela: dinâmica do efeito suspensivo da apelação
e da execução provisória: conserto para a efetividade do processo. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 349; ALVIM,
José Eduardo Carreira. Tutela antecipada na reforma processual. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1999. p. 107-108.
66
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 54.
67
TJPR – Ag. de Inst. nº 62.895-5, Londrina, Rel. Des. Accácio Cambi, Julg. em 18.02.98. Jurisprudência Brasileira,
v. 183, p. 205.
68
TJSP – Ag. de Inst. nº 19.310-4, São Paulo, Rel. Des. Júlio Vidal, Julg. em 04.09.96, Jurisprudência Brasileira,
v. 183, p. 310 e TJSP – Ag. de Inst. 26007-4, Campinas, Rel. Des. César Lacerda, Julg. em 30.10.96. Jurispru­
dência Brasileira, v. 183, p. 316.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
82 Marlon Tomazette

despesas médicas durante o curso da demanda, e em outra oportunidade


assegurou o pagamento de pensão provisória a pessoa, vítima de acidente
causado em virtude de culpa de concessionária de serviço público.
A salutar posição jurisprudencial e doutrinária não nega vigên­ cia
ao disposto no artigo 273, §3º do Código de Processo Civil, mas só o
aplica quando couber, vale dizer, é feita uma ponderação entre os valo-
res postos em jogo, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, para
saber quando será possível ou não a aplicação do artigo 475-0 do Código
de Processo Civil à efetivação da antecipação de tutela, atendendo-se aos
exatos ditames do referido dispositivo.
É indubitável que em determinadas situações o conflito entre a
segurança e a rapidez do ofício jurisdicional nem sempre encontra uma
solução que permita a subsistência de ambas. Nestes casos, o próprio
legislador ao empregar a expressão “no que couber” permite que o juiz
faça uma ponderação entre os valores em jogo, fazendo com que pre-
valeça o valor mais relevante. Trata-se de aplicação do princípio da
proporcionalidade,69 concebido justamente para determinar qual inte­
resse deve prevalecer, quando dois igualmente dignos de tutela entram
em conflito.
E não se diga que não se pode admitir o sacrifício de um direito
em detrimento de outro, porquanto é perfeitamente possível e por
vezes até inevitável, como em alguns casos na efetivação da tutela ante­
cipada. Nestes casos, um dos valores postos em jogo terá que sucumbir,
ao menos parcialmente, sob pena de se inviabilizar a própria presta-
ção juris­dicional. Nesse sentido, é oportuna a lição de Karl Larenz que
afirma expressamente que “em caso de conflito, se a paz jurídica deve
restabelecer-se, um ou outro direito deve (ou um dos respectivos bens
jurídicos) tem que ceder até certo ponto ante ao outro ou cada um ante
ao outro”.70
Tal ponderação de valores, para fazer prevalecer aquele mais
relevante, só é possível nos casos concretos que se apresentarem. O
aplicador do direito deve sopesar os valores em jogo, dando um peso

69
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da liberdade do juiz na concessão de liminares. In: WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 542;
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 206-207; BUENO,
Cássio Scarpinella. Execução provisória e antecipação de tutela: dinâmica do efeito suspensivo da apelação e
da execução provisória: conserto para a efetividade do processo. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 348
70
LARENZ, Karl. Metodología de la ciencia del derecho. Traducción y revisión de Marcelino Rodríguez Molinero.
Barcelona: Ariel, 1994. p. 400 (tradução nossa).

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A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 83

a cada um deles no caso concreto, a fim de que prevaleça aquele mais


relevante. Não se trata de uma operação matemática, predefinida,
compete ao aplicador do direito analisar a situação e no caso concreto
realizar uma ponderação entre os valores, sendo óbvio que valores como
a vida humana devem prevalecer sempre.
Assim sendo, deve o juiz no caso concreto ponderar os valores em
jogo e permitir a alienação de domínio ou o levantamento de depósito
em dinheiro, ou até conceder a antecipação mesmo se as coisas não
puderem retornar ao estado anterior, quando as circunstâncias do caso
assim exigirem, graças à maleabilidade da aplicação do referido dispo-
sitivo, dada pela expressão “no que couber”, garantindo-se uma tutela
jurisdicional mais efetiva. Todavia, não se pode exacerbar tal maleabili­
dade deixando de obstar à alienação de domínio, ou impor a caução para
o levantamento de depósito de dinheiro, quando ocorrentes hipóteses
que exijam tal providência, sob pena de causar danos injustificáveis ao
direito do réu.

11 Conclusão
O direito a tutela jurisdicional é um direito a uma tutela jurisdi­
cional adequada, eficaz e tempestiva dos direitos, devendo para que tais
contornos correspondam à realidade, ser superados inúmeros óbices,
dentre os quais o maior talvez seja o fator tempo. Na busca da superação
do tempo como óbice à efetividade do processo, há que se permitir uma
satisfação mais rápida do direito da parte, permitindo-se uma decisão
baseada em um juízo de verossimilhança e probabilidade, evitando os
efeitos perniciosos de uma cognição exauriente.
Atento a tal tendência, o legislador pátrio introduziu de modo
genérico a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, assegurando
uma proteção diferenciada aos direitos evidentes e que corram risco de
lesão, permitindo uma mais rápida satisfação dos mesmos, se atendidos
os requisitos legais. Há que se ressaltar, que a antecipação refere-se aos
efeitos práticos da tutela pretendida, e não à sua eficácia jurídico-formal.
Demonstrada a condição da antecipação de tutela como uma
antecipação dos efeitos da tutela pretendida, não se pode negar que
sua efetivação deve ser via de regra satisfativa, vale dizer completa, uma
vez que admitir o contrário seria desvirtuar sua finalidade, qual seja,
garantir uma tutela efetiva a direitos evidentes e que correm risco de

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84 Marlon Tomazette

dano irreparável. Apesar de se conceber a regra da execução satisfativa,


não se lhe pode negar a condição de execução provisória, no sentido
de que baseada em título provisório.
Todavia, também não se pode simplesmente negar vigência a
regra do artigo 273, §3º, que determina a aplicação à execução da ante­
cipação de tutela de regras atinentes à execução provisória, entendida
como execução incompleta, pois os atos são definitivos, embora não
importem a satisfação do direito. Há que se fazer uma interpretação
teleológica do dispositivo, demonstrando que a exigência de caução para
o levantamento de depósito em dinheiro, bem como a impossibili­ dade
de transferência do domínio, não são a regra, podendo ser exigida pelo
juiz, diante do caso concreto, se as circunstâncias assim o exigirem, em
face de uma possível irreversibilidade do provimento antecipado. Aqui
também há que se relativizar a vedação do §2º, do artigo 273, que exige a
reversibilidade do provimento antecipado, interpretando-o em conjunto
com o §3º do mesmo artigo, sob pena de se desvirtuar a finalidade da
antecipação de tutela.71
Portanto, a efetivação de uma medida antecipatória pode e deve
ser satisfativa, completa e até mesmo irreversível se as circunstâncias
assim o exigirem, ponderando-se os valores em jogo, pela aplicação do
princípio da proporcionalidade. Não se nega vigência ao artigo 273, §§2º
e 3º do Código de Processo Civil, mas apenas se faz uma interpretação
teleológica do dispositivo, aplicando-os quando couber, quando não
estiver em jogo um interesse ainda mais relevante. Tal interpretação,
conquanto já seja perfeitamente admitida, deve ser, como já propugnada,
expressa legalmente, alterando-se o artigo 273 do código.
Admitida a efetivação satisfativa e completa da medida anteci­ pa­
tória, baseada em uma cognição sumária, salta aos olhos uma incon­
gruência dentro do sistema processual brasileiro, uma vez que as sen­
tenças, provimentos baseados em cognição exauriente, não podem ser
executadas da mesma forma. A inexequibilidade das sentenças, objeto
de recurso de apelação, como regra geral apresenta uma flagrante
con­tradição, com o espírito das reformas do Código de Processo
Civil, pois impede a satisfação do direito, sobre o qual já há um pro­nun­
ciamento baseado em cognição exauriente, impondo-se também uma
reformulação do sistema pátrio da execução das sentenças. Tal providência

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 88.
71

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A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela antecipada 85

de inegável tendência de efetividde busca suprimir a incongruência


do sistema atual, que garante maior eficácia a uma decisão interlocutória
que há uma sentença.72

Abstract: Time is a major factor for the provision of adequate jurisdictional


protection. To circumvent problems arising from this factor was created
to anticipated judicial protection, whose implementation can be given in
various efficiencies of actions, based on a summary cognition. However,
time should not be exceeded only in the delivery of the decision, but also
in compliance. In particular, the requirement of obedience to the rules of
provisional execution shall be interpreted teleologically, what for there is no
loss of utility of anticipated judicial protection.
Key words: Jurisdictional protection. Effectiveness. Anticipated judicial
protection. Compliance.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

TOMAZETTE, Marlon. A efetividade da tutela jurisdicional e o cumprimento da tutela


antecipada. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19,
n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 55-87, abr./jun. 2011
O processo civil e a execução no
Processo do Trabalho
Gilberto Stürmer
Advogado. Coordenador do Departamento de Direito Público e Social da Faculdade de Direito da
PUCRS. Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da Faculdade de Direito da
PUCRS – Graduação e Pós-Graduação. Mestre em Direito pela PUCRS. Doutor em Direito pela UFSC.

Resumo: O texto examina o processo de execução trabalhista e sua tramitação


desde a sentença, a sua liquidação, homologação da conta e formação do
título executivo, demonstrando ser o mesmo distinto do Processo Civil.
Demonstra-se fundamentalmente que o Processo de Execução Trabalhista
não sofreu nenhuma alteração a partir da regra de cumprimento da sentença
instituída pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005 que, entre outras
modificações, instituiu o artigo 475-J do Código de Processo Civil.
Palavras-chave: Código de Processo Civil. CLT. Processo de Execução
Trabalhista.
Sumário: 1 Introdução – 2 Fases processuais: cognição, pré-execução e
execução – 3 Liquidação de sentença – 4 Legislação vigente – 5 Inapli­
cabilidade das regras de cumprimento da sentença do Código de Processo
Civil ao Processo do Trabalho – 6 Embargos à execução, impugnação e
recursos – 7 Conclusão – Referências

1 Introdução
Nos últimos anos o Processo Civil vem sofrendo inúmeras transfor­
mações na busca pela sua efetividade que é dar a cada um o que é seu no
menor lapso temporal possível. Entre outras alterações, a Lei nº 11.232,
de 22 de dezembro de 2005, instituiu a fase de cumprimento da sentença,
dando sincretismo entre o processo de conhecimento e o processo de
execução no cível.
Este sincretismo sempre existiu no Processo do Trabalho. A
Consolidação das Leis do Trabalho tem regras próprias para a tramitação
da execução, e o seu artigo 889, dispõe ser aplicável subsidiariamente
ao Processo do Trabalho em matéria de execução, pela ordem, a Lei dos
Executivos Fiscais (Lei nº 6.830 de 22 de setembro de 1980) e o Código
de Processo Civil. Esta aplicação subsidiária, contudo, só tem aplicação
em caso de lacuna na CLT e, desde que as normas supletivas não sejam
incompatíveis com o Processo do Trabalho.
Existem operadores do direito processual laboral que defendem
uma posição que extrapola os limites da boa técnica acerca do tema,
principalmente em sua fase recursal.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
90 Gilberto Stürmer

Em face da instigação provocada, o presente artigo procura enfocar


a temática da execução trabalhista, desde a fase pré-executória (liqui­
dação da sentença), mostrando serem inaplicáveis as regras do diploma
processual civil em matéria de cumprimento da sentença, já que a CLT
tem regras próprias sobre o tema, até a fase recursal, especialmente no
que diz respeito ao momento adequado para a interposição do Agravo
de Petição.1

2 Fases processuais: cognição, pré-execução e execução


A fase de cognição (ou de conhecimento) inicia com o ajuizamento
da ação. Nesta fase, antes da contestação em audiência, o juiz deve tentar
a conciliação das partes, nos termos do artigo 846 da CLT.
Inexitosa a conciliação e apresentada a contestação, o juiz traça os
limites objetivos e subjetivos da lide, distribuindo o ônus probatório.2 O
processo é instruído e julgado, podendo ou não haver recursos. Inde­
pendentemente dos recursos, a fase se encerra com o trânsito em julgado
da sentença.
A fase de execução, por sua vez, seja ela provisória ou definitiva,
inicia apenas quando houver um título executivo líquido, certo e exigível
e o devedor for citado validamente, a teor do contido no artigo 880
da CLT.
Assim é que, entre o trânsito em julgado da sentença ilíquida e a
liquidação para posterior citação do executado, há a fase de liquidação,
também chamada de fase pré-executória. Importante registrar, que neste
momento processual ainda não há execução.

3 Liquidação de sentença
Dispõe o artigo 879 da CLT que, “sendo ilíquida a sentença exe­
qüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita
por cálculo, por arbitramento ou por artigos.”
A regra do referido dispositivo não dispõe sobre quem deverá
apresentar os cálculos. Assim, é faculdade do juiz abrir às partes o prazo
para apresentar cálculos ou determinar desde logo que sejam elaborados
por perito do juízo.

Recurso cabível das decisões do juiz de primeiro grau em execuções (art. 897, “a”, CLT).
1

Em relação ao ônus da prova, ver CLT: Art. 818. “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.” Entende-se
2

desnecessária e inaplicável a regra do art. 333 do Código de Processo Civil, por não haver lacuna na matéria,
na Consolidação das Leis do Trabalho: “O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do
seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
O processo civil e a execução no Processo do Trabalho 91

Independentemente de quem fez os cálculos e de ser por cálculo,


arbitramento ou artigos, elaborada a conta e tornada líquida, o juiz
poderá abrir às partes prazo sucessivo de dez dias para impugnação fun­
da­mentada com indicação dos itens e valores objeto da discordância,
sob pena de preclusão (art. 879, §2º, CLT).
Verifica-se que a abertura do prazo para manifestação das partes
é uma faculdade do juiz. Não se trata de imposição legal.
Com efeito, abrindo ou não às partes, o prazo previsto no artigo
879, parágrafo 2º, da CLT, convencido de que a conta de liquidação se
encontra elaborada nos exatos termos da coisa julgada, o juiz profere
uma decisão que, embora interlocutória, é ordinariamente denominada
de “sentença de liquidação”.3
Consoante previsão do artigo 893, parágrafo primeiro, da CLT,
não cabe recurso imediato das decisões interlocutórias, sendo as
mes­mas atacadas somente quando da interposição do recurso da decisão
definitiva.
Da “sentença” homologatória da conta de liquidação, não cabe
qualquer recurso, até porque não haverá intimação das partes para vista
da decisão. O que haverá é a imediata citação do executado para paga­
mento em 48 horas ou garanta o Juízo sob pena de penhora (art. 880,
da CLT).
Em que pese a denominação “sentença de liquidação”, a natureza
jurídica do instituto é de decisão interlocutória4 e, reitera-se, conforme o
artigo 893, parágrafo 1º, da CLT, não cabe recurso imediato de decisão
interlocutória.
Outro aspecto a considerar é o fato de que o dispositivo consolidado
que trata do agravo de petição (recurso cabível em execução no Processo
do Trabalho) é claro: “Cabe agravo, no prazo de oito dias, de petição,
das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções”.5
No momento da sentença de liquidação ainda não há execução. Esta
somente inicia a partir da citação do executado, para pagar ou garantir o
juízo,6 conforme se examina no item subsequente.

3
Nesse sentido, MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. São Paulo: Atlas, 2006.
4
É este o entendimento majoritário da doutrina nacional. Neste sentido, ver MARTINS, Sérgio Pinto. Direito
processual do trabalho. São Paulo: Atlas, 2006.
5
Artigo 897, alínea a, da CLT.
6
Ver artigo 880 da CLT.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
92 Gilberto Stürmer

4 Legislação vigente
Passa-se a discorrer sobre o tema, à luz da legislação vigente, desde
o trânsito em julgado da sentença relativa ao processo de cognição até
o início da execução propriamente dita.
Com efeito, tecnicamente, ainda que a CLT trate da execução a
partir do artigo 876, esta fase inicia-se somente a partir da citação do
exe­cutado, como examinar-se-á mais adiante. O artigo 879 consolida-
do, determina que, sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á,
previamente a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbi­
tramento ou por artigos.
Não há qualquer dispositivo legal, nem na CLT, nem subsidia­
riamente na Lei nº 6.830/80, nem no Código de Processo Civil, a deter-
minar que a liquidação por cálculos deva ser obrigatoriamente elaborada
por perito designado pelo Juízo.7 Desta forma, o juiz pode, entendendo
conveniente, notificar as partes (primeiro o autor e depois o réu) para
que elas apresentem a conta de liquidação.
Usando a prerrogativa que tem de dirigir o processo e, na falta
de previsão legal em sentido contrário, o juiz poderá deferir às partes
a apresentação da conta liquidatória.
Apresentada a conta por perito designado pelo juízo,8 o juiz
poderá, à luz do parágrafo 2º do artigo 879 da CLT, abrir às partes prazo
sucessivo de dez dias para impugnação fundamentada com indicação
dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão.
A expressão “poderá”, dá conta de que o juiz não é obrigado a
abrir tal prazo, desde que se convença de que a conta obedece aos limites
da coisa julgada. Todavia, se o juiz entender por abrir o prazo legal, o
mesmo deverá ser de dez dias, primeiro ao autor e depois ao réu. Na
impugnação, as partes deverão necessariamente impugnar itens e valores
objeto de discordância, sob pena de preclusão lógica e consumativa.9
Havendo impugnações, admitidas ou não, o juiz homologa a
conta de liquidação por sentença e, a partir daí, determina a expedição
do mandado de citação ao executado, para que este pague a dívida em
quarenta e oito horas ou garanta a execução.

7
O artigo 607 do CPC determina que na liquidação por arbitramento o juiz nomeará perito.
8
Aí reside o aspecto de celeridade processual, enquanto que na apresentação da conta por uma das partes,
necessariamente haverá o contraditório, mas poderá não haver a despesa processual relativa à verba honorária
do perito.
9
Nesse sentido, a lição de Sérgio Pinto Martins, Direito processual do trabalho. São Paulo: Atlas, 2006.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
O processo civil e a execução no Processo do Trabalho 93

É a partir desta citação que inicia a execução propriamente dita.


Dispõe o artigo 880, da CLT:

Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir


mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo
no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, quando se tratar
de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União,
para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução sob pena
de penhora.

Por outro lado, determina o artigo 883, da CLT:

Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora


dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condena­ção,
acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a
partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial.

Verifica-se que a CLT contém regras específicas sobre a liquidação


e o início da execução.

5 Inaplicabilidade das regras de cumprimento da sentença do Código


de Processo Civil ao Processo do Trabalho
Como referido no item anterior, a CLT disciplina a matéria relativa
ao cumprimento da sentença.
Caso houvesse lacuna, o que não é o caso, buscar-se-ia supri-la atra-
vés do artigo 889, da CLT, ao determinar que aos trâmites e inci­dentes
do processo de execução são aplicáveis, naquilo que não contravierem
ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos
fiscais para cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.
Subsistindo a lacuna, somente aí teria aplicação o Código de
Processo Civil, nos termos do artigo 769, da CLT.
A Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, acrescentou ao CPC,
entre outros, o artigo 475-J, que assim dispõe:

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em


liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação
será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do
credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á
mandado de penhora e avaliação.

A regra contida no dispositivo processual civil é manifestamente


incompatível com o Processo do Trabalho, uma vez que o artigo 883 da

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
94 Gilberto Stürmer

CLT disciplina situação idêntica. Aliás, assim já se posicionou o Tribunal


Superior do Trabalho:

Artigo 475-J do CPC – Inaplicabilidade ao Processo do Trabalho Segundo a


unânime doutrina e jurisprudência, são dois os requisitos para a aplicação da
norma processual comum ao Processo do Trabalho: i) ausência de disposição
na CLT — a exigir o esforço de integração da norma pelo intérprete; e ii)
compatibilidade da norma supletiva com os princípios do Processo do Trabalho.
A ausência não se confunde com a diversidade de tratamento: enquanto na primeira
não é identificável nenhum efeito jurídico a certo fato — a autorizar a integração
do direito pela norma supletiva —, na segunda verifica-se que um mesmo fato
gera distintos efeitos jurídicos, independentemente da extensão conferida à
eficácia. O fato previsto no artigo 475-J do CPC — não-pagamento espontâneo
de quantia certa advinda de condenação judicial — possui disciplina própria
no âmbito do Processo do Trabalho (art. 883 da CLT), não havendo falar em
aplicação da norma processual comum ao Processo do Trabalho. A fixação
de penalidade não pertinente ao Processo do Trabalho importa em ofensa
ao princípio do devido processo legal, nos termos do artigo 5º, inciso LIV, da
Constituição da República. Declaração de inconstitucionalidade — Reserva de
Plenário O Eg. Tribunal a quo não se pronunciou sobre a tese relativa à cláusula
de reserva de plenário. Incumbia à Reclamada opor Embargos de Declaração,
a fim de provocar o Colegiado Regional a se manifestar sob o prisma preten­
dido; quedando-se inerte, incide o óbice da Súmula nº 297 do TST. Recurso de
Revista conhecido parcialmente e provido. Processo: RR - 827/2006-011-21-00.6
Data de Julgamento: 05/11/2008, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen
Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: DJ 07/11/2008.

Como visto, não há, portanto, falar em aplicação das regras pro­
cessuais civis ao Processo do Trabalho.

6 Embargos à execução, impugnação e recursos


O artigo 884 da CLT determina que, garantida a execução ou
penhorados os bens, terá o executado cinco dias para apresentar embar­
gos, cabendo igual prazo ao exequente para impugnação.
A impugnação de que trata o dispositivo citado não é a mesma da
fase de pré-execução, prevista no artigo 879, embora deva ser ressaltada
a circunstância de que, aberto prazo para manifestação sobre a conta
naquele momento processual (pré-execução), havendo silêncio, opera-se
a preclusão lógica e consumativa. Esta regra vale tanto para o exequente
(reclamante), quanto para o executado (reclamado).
O parágrafo 1º, do artigo 884, da CLT, arrola as matérias que podem
ser discutidas nos embargos à execução (executado) e na impugnação
(exequente).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
O processo civil e a execução no Processo do Trabalho 95

O parágrafo 3º do mesmo artigo, determina que, somente nos


embargos poderá o executado impugnar a sentença de liquidação, ca-
bendo ao exequente igual direito e no mesmo prazo. Esta regra existe
somente para registrar que não há, na fase executória (que só inicia com
a citação) outra forma de impugnar a sentença de liquidação, que não
aquelas previstas em lei.
Por fim, o parágrafo 4º, do artigo 884, determina que julgar-
se-ão na mesma sentença os embargos e a impugnação à liquidação,
respectivamente peças do executado e do exequente.
É desta sentença e somente dela, que cabe agravo de petição, como
expresso no artigo 897, alínea “a”, da CLT.
O agravo de petição é interposto na Vara do Trabalho que proferiu
a sentença, subindo a uma das turmas do Tribunal Regional para
julgamento.
Da decisão proferida pelo Regional na execução de sentença,
inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá
Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma
da Constituição Federal (art. 896, §2º, da CLT).

7 Conclusão
1. As fases do processo trabalhista comum dividem-se em cognição,
pré-execução e execução.
2. A fase de cognição ou conhecimento busca a manifestação do
poder judiciário sobre uma pretensão resistida em relação a
uma obrigação. Esta fase termina com o trânsito em julgado da
sentença.
3. A fase de pré-execução inicia com o comando judicial de liquidar
a sentença e termina com a sentença (decisão interlocutória) de
liquidação.
4. A fase de execução inicia com a citação do executado (art. 880, da
CLT).
5. Não havendo pagamento nem garantia do juízo, seguir-se-á
penhora dos bens do executado, a teor do contido no artigo 883,
da CLT.
6. Não se aplicam, portanto, ao Processo do Trabalho, as regras
de cumprimento da sentença do Processo Civil, instituídas pela
Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, especialmente o
artigo 475-J do CPC.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
96 Gilberto Stürmer

7. O executado tem ao seu dispor, não concordando com a sentença


de liquidação, a possibilidade de garantir o juízo e embargar a
execução, com o que estará suspendendo a mesma. O mesmo
direito tem o exequente em não concordando com a sentença
de liquidação, podendo impugnar a mesma.
8. Em uma só sentença, na fase de execução, julgar-se-ão os
embargos e a impugnação.
9. Da sentença que julga os embargos e a impugnação e somente
dela, cabe agravo de petição.
10. Não cabe agravo de petição ou qualquer outro recurso da sen­
tença de liquidação, seja porque se trata de decisão interlocu­
tória, contra a qual não há recurso imediato, seja porque neste
momento processual, ainda não iniciou a execução.
11. Da decisão do regional só caberá recurso de revista em caso de
afronta direta e literal a norma constitucional.

Abstract: The paper analyses the labor enforcement proceedings and its
steps, beginning at the decision, its liquidation, the calculation approval
and the formation of the execution instrument, in order to demonstrate that
such proceedings differ from the civil ones. It mainly demonstrates that the
labor enforcement proceedings have not been altered by the enforcement
rules established by the Bill #11.232, of 22nd December 2005, which, among
other changing, established the article 475-J of the Civil Procedure Code.

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98 Gilberto Stürmer

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de Normas Técnicas (ABNT):

STÜRMER, Gilberto. O processo civil e a execução no Processo do Trabalho. Revista


Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98,
abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 89-98, abr./jun. 2011
Direitos fundamentais e Processo Civil
no Brasil: algumas técnicas processuais
compensatórias de desigualdades
sociais e a proteção judicial dos direitos
fundamentais1
Eliana Pires Rocha
Procuradora da República em Brasília. Especialista em Filosofia (UnB). Mestre em Direito Processual
Civil (PUC-SP).

Jefferson Carús Guedes


Advogado da União em Brasília. Doutor e Mestre em Processo Civil (PUC-SP). Diretor da Escola
da Advocacia-Geral da União.

Resumen: En el presente trabajo son descritas las garantías procesales


constitucionales brasileñas y otras técnicas procesales civiles que sirven para
la protección de los derechos fundamentales, como la igualdad de las partes
en el proceso.
Palabras clave: Derechos fundamentales. Proceso civil. Garantías cons­
titucionales. Técnicas compensatorias. Igualdad.
Sumário: 1 Introdução – 1.1 A estrutura política, judicial e legal do Brasil:
observações iniciais necessárias – 2 Direitos humanos e direitos fundamentais
– 3 Direitos fundamentais e direito processual civil: as garantias constitucionais
do processo antes e após a Constituição de 1988 – 3.1 Direito fundamental
a uma ordem jurídica justa e a um processo justo – 3.2 Direito fundamental
à tutela jurisdicional efetiva e à técnica processual adequada – 4 Garantias
constitucionais do processo civil no Brasil – 5 Processo Civil e desigualdade
no Brasil – 5.1 Técnicas compensatórias de desigualdades, em benefício de
grupos sociais em desvantagem ou em luta por reconhecimento, previstas nas
leis processuais brasileiras – 5.2 Técnicas compensatórias de desigualdade em
benefício de parte em desvantagem previstas nas leis processuais brasileiras
– 6 Conclusão – Referências

1 Introdução
No curso das últimas décadas, a força normativa conferida à
Constituição provocou uma releitura de todos os ramos do direito. No
direito processual civil, essa releitura pode ser verificada no emprego
de técnicas, inclusive procedimentais, que se mostram mais hábeis para
a realização do direito material. Tais instrumentos podem ser vistos

Texto publicado originalmente em espanhol no Anuario de Derechos Humanos. Nueva Época, v. 11, ano 2010,
1

na Universidad Complutense de Madrid, Espanha, a convite da Professora María José Falcón y Tella.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 99-130, abr./jun. 2011
100 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

como forma de afirmação dos direitos fundamentais, na medida em que


atendem à efetividade da tutela jurisdicional, cuja fundamentalidade
se expande para toda a ordem jurídica.
A fim de assegurar esses direitos, a Constituição Federal brasileira
de 1988 destacou, em capítulo nominado direitos e garantias fundamentais,
uma série de garantias constitucionais do processo. São elas: garantia do
processo jurisdicional ou do devido processo legal; garantia do acesso à
justiça; garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional; garantia à
assistência jurídica, assistência judiciária e gratuidade de justiça; garan­
tia à duração razoável do processo e da celeridade; garantia à igualdade
processual; garantia do juiz natural; garantia do duplo grau de juris­dição;
garantia da publicidade dos atos processuais; garantias do contraditó­
rio e da ampla defesa; garantia da proibição da prova ilícita; garantia
da fundamentação das decisões judiciais. Ainda podem ser citadas como
exemplos, no plano das normas infraconstitucionais, a inversão do
ônus de provar, a outorga de poderes dirigentes e poderes instrutórios
ao juiz, a legitimação extraordinária de certas pessoas, as modificações
de competência, entre outras. Todos são instrumentos referendados
pelo Estado Constitucional, que permitem uma aplicação mais justa do
direito, opor­tunizando a superação de entraves que se apresentam no
sis­
tema jurídico mediante o emprego do papel integrativo dos direitos
fundamentais.
Tais garantias advêm de uma linha social evolutiva que, ao atingir
o Estado Moderno, reconheceu o indivíduo como sujeito de direitos
subjetivos públicos, habilitando-o a reclamar a tutela jurídica do Estado.
O dever estatal de outorgar jurisdição como uma proteção imperativa
passa a residir não só no interesse geral da coletividade, mas, essencial­
mente, no interesse de quem persegue a satisfação de seu direito perante
o órgão judicial. Como reação aos Estados Absolutos, buscava-se um
adequado sistema de garantias às liberdades e um Estado de Direito
fun­dado na igualdade formal. É verdade que essas garantias pouco in­
fluenciavam o processo civil, já mais se prestavam a assegurar o direito de
defesa do cidadão em face do poder estatal.
Mas o direito de ação, que surgiu com esse pano de fundo, provocou
o reencontro do direito material com a tutela jurisdicional civil num
contexto de igualdade formal. Todavia, no novo panorama histórico-
social, como contraponto ao caráter estático relegado às garantias

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 101

constitucionais, a constitucionalização do direito de ação, mais do que


refletir a autonomia do cidadão perante o poder estatal e promover a
igualdade formal, representa a possibilidade de que sejam empregados
instrumentos técnicos que viabilizem o reconhecimento do efetivo
direito material. Foi o fortalecimento dos direitos fundamentais que modi­
fi­­
cou a perspectiva estática que imperava no direito, então fomentada
pelo normativismo legalista proposto pelo positivismo jurídico clássico.
No novo cenário, juízos de equidade, normas de princípio e conceitos
jurí­dicos indeterminados adquirem destaque na aplicação do direito.2
Abandona-se a visão do direito como sistema de imperativos instituído
pela vontade estatal em favor da esfera de liberdade do cidadão, para,
com base nos princípios constitucionais, concebê-lo como fator institucio­
nal da vida econômica e social, capaz de implementar a personalidade
individual e a realização de vínculos sociais substancialmente isonômicos.
O objetivo deste trabalho é, precisamente, traçar uma descrição
objetiva da legislação processual civil brasileira a partir das garantias
constitucionais e indicar outros instrumentos processuais com finalidade
igualadora das partes, também identificados como direitos fundamentais.

1.1 A estrutura política, judicial e legal do Brasil: observações iniciais


necessárias
Como observação inicial de ordem técnica e política, deve-se
recordar que o Brasil é uma República Federativa, composta por entes
de três níveis: os Municípios (cerca de 5.600), os Estados (26) e o Distrito
Federal (1), e a União, ente federativo máximo. O Poder Judiciário está
organizado em uma complexa estrutura composta de seis justiças. Os
Estados e Distrito Federal possuem uma ou duas Justiças: a primeira é a
Justiça Comum (civil, comercial, administrativa, penal etc.) e alguns Estados
possuem uma Justiça Militar (criminal das polícias militares locais). A União
possui uma Justiça Federal comum (civil, administrativa, penal etc.) e três
justiças especiais: Justiça do Trabalho (laboral), Justiça Eleitoral (eleitoral
e criminal eleitoral) e Justiça Militar (criminal).
A legislação processual brasileira tem, como centro, o Código
de Processo Civil (1973), que sofreu sucessivas reformas a partir, prin­
cipalmente, do ano de 1993, com a introdução de inúmeras inovações.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica.
2

Revista de Processo, São Paulo, v. 33, n. 155, p. 11 et seq., jan. 2008.

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102 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

Ao lado do CPC vigem dezenas de leis esparsas sobre processos especiais


ou normas mais recentes, que envolvem direito material e processual.
A estrutura piramidal dos órgãos judiciais é composta, em geral,
por três níveis não constitucionais, situando-se no ponto mais alto, lado
a lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para matérias das justiças
comuns; o Tribunal Superior do Trabalho (TST); o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) e o Superior Tribunal Militar (STM), para as matérias
laboral, eleitoral e militar, respectivamente. Acima de todos, em um
“quarto” nível, se encontra o Supremo Tribunal Federal (STF), Corte de
natureza constitucional, que detém competência para o exame de recursos
constitucionais e para o processo e julgamento de ações originárias de
natureza constitucional. Nas atribuições deste tribunal supremo está o
controle concentrado de constitucionalidade das leis.

2 Direitos humanos e direitos fundamentais


Das inovações trazidas pela Constituição Federal brasileira de
1988, destacou-se, de forma historicamente inusitada, o status conferido
aos direitos fundamentais.3 Ao experimentar uma expansão progres­ siva
de direitos, o Texto assimilou do cenário internacional uma gama
de direitos individuais, sociais, políticos, difusos e coletivos, e os elevou
à condição de cláusula pétrea, tornando-os intocáveis pelo constituinte
derivado. Além disso, os direitos fundamentais se acham estrutural­­­mente
localizados no início da Constituição, antes das normas que tratam da
organização do Estado, o que denota que a estas se sobrepõem, sendo
este um instrumento para a realização daqueles.4
O amplo rol de direitos fundamentais na nova ordem constitucio-
nal brasileira resultou também da redemocratização do país, após mais
de 20 anos sob o jugo do autoritarismo imposto pelo regime ditatorial
militar. A relevância atribuída aos direitos fundamentais, à sua diversi­
dade e ao seu conteúdo foram frutos da reação ao regime de repressão
às liberdades fundamentais. Já no seu preâmbulo a Constituição institui
“um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos

3
Ingo Wolfgandg Sarlet chama a atenção para a falta de rigor científico e de uma técnica legislativa adequada,
especialmente no que diz respeito à terminologia empregada no catálogo de direitos fundamentais arrolados
na Constituição Federal brasileira, aspectos que revelam contradições, ausência de tratamento lógico na
matéria, gerando problemas de ordem hermenêutica. Também ressalta que, a despeito da positiva amplitude
do catálogo, foram incluídos no rol desses direitos diversas posições de “fundamentalidade” discutível, com
isso desprestigiando o status por eles gozado (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.
5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 79-80, item 4.1.1).
4
SARMENTO. Direitos fundamentais e relações privadas, parte I, cap. 2, p. 85, item n. 5.

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 103

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvi-


mento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social...”.
Como próprio das democracias contemporâneas, o Brasil buscou
atender a um ideal de justiça distributiva adequado ao pluralismo do
mundo moderno. Os constitucionalistas que participaram da elaboração
da nova Carta, rejeitando a cultura positivista e privatista predominan-
te, procuraram não só participar do processo de reformulação do Estado
de Direito, então represado por conta do regime ditatorial, mas também
conferir à Constituição uma estrutura comprometida com uma comuni­
dade histórica concreta. Em virtude dessa preocupação, é possível iden-
tificar no texto constitucional não só uma linguagem comunitária, mas
também um compromisso com o ideário comunitário. Isso se reflete no
sentido de validade teleológica conferida às normas e princípios cons­
titucionais e na ideia de Constituição como um projeto social instituído
a partir de valores compartilhados, que revela um compromisso com
determinados ideais.5 O caráter compromissário e harmonizador6 de
interesses então assumido levou ao reconhecimento de diferentes direitos
sociais e novos direitos de liberdade, de direitos políticos etc., excluindo-os,
por seu conteúdo e relevância, da esfera de disponibilidade dos poderes
constituídos.
Vale registrar que o constitucionalismo comunitário brasileiro foi
fundamentalmente influenciado pelo pensamento constitucional espa-
nhol e português, países que também foram submetidos nas décadas
passadas a períodos de autoritarismo político. Essas experiências leva­
ram à elaboração de Constituições destinadas a implementar e consolidar
os regimes democráticos, mediante a incorporação de um largo sistema
de direitos fundamentais.
A nova conformação também acompanhou o constitucionalismo
contemporâneo, ao distinguir os tratados internacionais com um trata­
mento privilegiado, já que o elenco de direitos fundamentais, que estão
contemplados sob diferentes dimensões, também atende à Declaração
Universal da ONU, tendo-se assimilado todos os direitos ali previstos,
e aos principais pactos internacionais sobre direitos humanos. Embora
os direitos fundamentais apresentem um sentido mais objetivo e estrito,

CITTADINO. Pluralismo, direito e justiça distributiva:..., p. 4. Introdução.


5

CANOTILHO. Direito Constitucional e teoria da Constituição, parte III, tít. I, cap. 2, p. 217, item n. 5.
6

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 99-130, abr./jun. 2011
104 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

já que descrevem um conjunto de direitos e liberdades jurídica e


institucionalmente reconhecido pelo direito positivo, os direitos humanos
constituem uma ordem jurídica superior, que, portanto, serve de fun­da­
mento universal para todo o sistema jurídico, como assegurado nos §§2º e
3º do art. 5º da Constituição Federal.7 Com isso, a linguagem dos direitos
foi definitivamente integrada ao debate político e ao ordenamento
jurídico nacional.8
Ao definir os fundamentos do Estado Brasileiro, qualificando-o
como Estado Democrático de Direito, a Constituição Cidadã, como batizada
à época, destacou a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo
político — art. 1º, II, III e V —, tendo também estabelecido, no art. 3º, os
objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, quais sejam “construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceito de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Pode-se ver que o sistema de direitos fundamentais se tornou o
núcleo base do ordenamento constitucional. A Constituição inovou, ao
privilegiar, tanto nos seus fundamentos, quanto nos seus objetivos, a
dignidade da pessoa humana, atribuindo-lhe um valor essencial que dá
unidade de sentido à Carta. Com isso, o sistema estruturado, concebido
como expressão de uma ordem de valores, passou a orientar a interpretação
constitucional no seu conjunto.9

3 Direitos fundamentais e direito processual civil: as garantias cons­


titucionais do processo antes e após a Constituição de 1988
O processo civil moderno estabeleceu preceitos básicos que carac­
terizam os sistemas processuais, apontando uma tendência evolutiva que
inspirou todos os ordenamentos do mundo ocidental. São princípios
delineados de acordo com os fins sociais e políticos do processo e do
direito em geral, e que estão inexoravelmente ligados ao compromisso
do Estado com a moral e a ética, imprimindo uma ideologia comum a
sistemas de diferente matriz, como os países da common law e aqueles
ligados à tradição jurídica romano-germânica.

7
“§2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
8
CITTADINO. Pluralismo, direito e justiça distributiva:..., cap. 1, p. 12.
9
CITTADINO. Pluralismo, direito e justiça distributiva:..., cap. 1, p. 13.

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 105

Algumas regras principiológicas já presentes no Código de Processo


Civil em vigor foram alçadas à condição de norma constitucional. Na
verdade, a Constituição de 1967, emendada em 1969, já previa garan­
tias, como a inafastabilidade da jurisdição (art. 153, §4º), a ampla defesa
(art. 153, §15) e a vedação a tribunais de exceção (art. 153, §15). Porém,
a constitucionalização formal dos princípios processuais existentes se
esgo­tava num enquadramento garantístico, que não interferia, de forma
inovadora, na realidade do processo. A garantia reportava à legislação
infraconstitucional, o que dificultava ou obstava a releitura destas normas
a partir dos direitos fundamentais, deixando pendentes as lacunas da
regra.10
Além disso, como contraparte às garantias existentes, na hipótese
de ocorrência de “subversão do regime democrático,”11 era possível a
suspensão dos direitos individuais, das imunidades parlamentares, das
liberdades, de direitos e de garantias.
No entanto, foi a contar do estabelecimento do Estado constitucional
que as disciplinas processuais passaram a encontrar na Carta a sua
verdadeira plataforma, dando vazão ao chamado ao pós-positivismo,
que, na confrontação entre jusnaturalismo e positivismo clássico, deu
lugar a um modelo de superação dos paradigmas puros por uma com­
posição de concepções difusas, que se fundam na noção de supremacia
constitucional. Até então, a experiência política e constitucional do país
fora dominada pela visão estreita de elites patrimonialistas que usu­
fruíam privadamente do espaço público, o que concorreu para a inefetivi­
dade das sucessivas Constituições, cujas normas eram recorrentemente
violadas. Os Textos constitucionais estavam relegados à condição de
meros ordenadores de programas de ação, de convocações ao legislador
ordinário e aos poderes públicos. O fato é que esse quadro institucio­nal
se devia à negação da sua força normativa e à ausência de uma vontade
política em dar aplicabilidade direta e imediata às suas normas.12
O reconhecimento dos princípios fundamentais na esfera cons­
titu­
cional e o referendo da sua normatividade pela ordem jurídica

10
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica.
Revista de Processo, São Paulo, v. 33, n. 155, p. 3, jan. 2008.
11
“Art. 154. O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou
de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo
Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou
penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa.”
12
BARROSO; BARCELLOS. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no
direito brasileiro, p. 327.

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106 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

oportunizaram a reaproximação entre direito e ética, ocorrida com o


advento da Constituição de 1988, editada já sob o regime democrático.
Analisando a Constituição e o direito processual, podemos visuali-
zar uma relação que se dá de forma direta e indireta. É direta quando a
Carta determina quais são esses direitos e garantias processuais, quando
estrutura as instituições essenciais para a implementação da Justiça ou
quando estabelece mecanismos formais de controle jurisdicional. É uma
relação indireta, quando, ao tutelar determinado bem jurídico ou cate-
goria de sujeitos, a Constituição relega ao legislador infraconstitucional
a elaboração de regras processuais específicas para que o juiz aplique a
norma ao caso em concreto.13 Portanto, a efetividade dos direitos reconhe-
cidos constitucionalmente encontra no processo um importante mecanis-
mo de afirmação. Esse processo, entre nós, considerando a diversidade de
matérias tratadas pela Constituição de 1988, não pode ser compreendido,
sem que se busquem seus fundamentos de validade na Lei Fundamental.
De regra, as normas constitucionais que definem conceitos de
justiça e que expressam direitos constituem princípios, os quais revelam
os valores e os critérios que devem orientar a compreensão e a aplicação
das regras infraconstitucionais às situações concretas, no exercício da
jurisdição. Com efeito, ao juiz não cabe a criação da norma sem qual­quer
base previamente definida, tanto mediante argumentos constitucionais
como infraconstitucionais, pois a atividade suplementar da interpreta­
ção construtiva se vincula imediatamente aos princípios constitucionais
fundamentais.
Assim, a Carta de 1988, ao contemplar inúmeros direitos e garan-
tias fundamentais, atribuiu caráter constitucional aos mais relevantes
fundamentos dos direitos materiais e processuais, alterando radicalmente
o modo de construção da norma jurídica, que tem agora a Constituição
como o centro do sistema jurídico. Nesse fenômeno de constituciona­
lização do direito infraconstitucional,14 o Texto destacou direitos e garan-
tias em diferentes partes, especialmente no Título II — Dos Direitos e
Garantias Fundamentais —, dando continuidade a uma tradição presen-
te no direito constitucional luso-brasileiro. Pois não basta que o direito
seja reconhecido e declarado se não for garantido. Mas não há uma
regra precisa que individue as duas categorias, cabendo ao doutrinador

CAMBI. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo, p. 662.


13

CAMBI. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo, p. 672, item 2.1.


14

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 107

localizá-las. E, embora não seja fácil estabelecer a linha divisória que


existe entre direitos e garantias fundamentais, já que, muitas vezes, o
direito fun­damental se exterioriza por meio de uma garantia, a doutrina
ainda referenda a lição de Ruy Barbosa, que vê, nos direitos, disposições
declaratórias; já, as garantias, seriam disposições assecuratórias que, em
defesa dos direitos, limitam o poder.15 Ou seja, reserva-se à garantia um
papel instrumental, pois serve à efetivação dos direitos fundamentais que
visa proteger e à legitimação das ações do Estado para a defesa desses
direitos, consistindo em um direito-garantia.16
No tema abordado têm relevância as garantias constitucionais
especiais,17 pois são elas que oferecem aos titulares de direitos fundamen­
tais meios, técnicas e procedimentos que se prestam para assegurar esses
direitos. São instrumentais, porque viabilizam a obtenção de vantagens
e benefícios que deles decorrem. Não deixam, enfim, de ser direitos
públicos subjetivos, porque asseguram ao indivíduo o direito de exigir
dos poderes públicos uma atuação ou uma vedação, a fim de que seja
dada observância ao seu direito fundamental.18

3.1 Direito fundamental a uma ordem jurídica justa e a um processo justo


Influenciada pela moderna filosofia do direito constitucional, toda
a investigação do que seja ordem jurídica e processo justos perpassa pela
garantia do acesso à justiça. A tutela justa é a ideia móvel da moderna
concepção de acesso aos canais de justiça, o que contempla os requisitos
mínimos sem os quais não é possível conceber a aplicação do direito
material com justiça.
Nessa configuração, o processo está voltado para uma tutela de uma
ordem superior de princípios e de valores assegurados ao indivíduo e
à coletividade, que se sobrepõe aos interesses controvertidos das partes
para a solução do litígio. O justo processo deles se compõe. O processo
deixa de ser um mecanismo de emprego meramente individual, para se
tornar um meio disponibilizado ao Estado para a realização da justiça;
ante os direitos do indivíduo, há um avanço do Estado na proteção dos
interesses da coletividade.
15
SILVA. Curso de direito constitucional positivo, parte 2, tít. I, cap. 2, p. 186, item n. 8, onde faz a classificação
referida.
16
MORELLO, Augusto Mario. El proceso justo. La Plata: Platense, 2005. p. 159, item n. III.
17
José Afonso da Silva divide as garantias dos direitos fundamentais em dois grupos: garantais gerais e garantias
constitucionais. Nesse último grupo, faz uma subdivisão entre garantias constitucionais gerais e especiais
(SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 188-189, item n. 8).
18
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional positivo, parte 2, tít. VI, cap. 1, p. 414-417.

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108 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

Não se ignora que o tema do acesso à justiça é aquele que melhor


dimensiona as relações entre processo civil e justiça social, entre igualda-
de jurídico-formal e desigualdade socioeconômica.19 No entanto, o acesso
à justiça, enquanto acesso à ordem jurídica justa, não se limita à mera
admissão ao processo ou à possibilidade de ingresso em juízo, como pres-
crito no art. 5º, inc. XXXV, da CF. Essa expressão deve ser interpretada
extensivamente, congregando a noção ampla do acesso à ordem jurídica,
que compreende: a) o ingresso em juízo; b) a observância das garantias
compreendidas na cláusula do devido processo legal; c) a participação
dialética na formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa
– efetividade do contraditório; d) a adequada e tempestiva análise, pelo
juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no processo – decisão
justa e motivada; e) a construção de técnicas processuais adequadas à
tutela dos direitos materiais – instrumentalidade do processo e efetivi­
dade dos direitos.20
Entende Augusto M. Morello que o devido processo adjetivo
é o perfil mais acabado do processo justo constitucional.21 Nele reside
o modelo mínimo de processo civil no país, pois da sua observância
depende a concessão da justiça. No entanto, a construção de um processo
justo e équo,22 embora requeira bases constitucionais mínimas, somente
pode ser finalizada se levadas em consideração as singularidades do caso
em concreto. Nesse ponto, são especialmente relevantes as garantias
substanciais, ademais das formais, que, numa visão unitária do sistema
constitucional, reclamam um esforço voltado à concretização dos
valores de solidariedade e igualdade. Não se pode negar que essa visão

19
SANTOS. Pela Mão de Alice: a política e o social na pós-modernidade, parte 3, p. 161, item n. 7. Vale registrar
que, para estender o acesso à justiça especialmente às camadas mais pobres da população, em 1984 foram
instituídos, no Brasil, os Juizados Especiais de Pequenas Causas — Lei n. 7.244 —, voltados para a resolução
de causas de menor complexidade, cujo pedido não excedesse 20 salários mínimos. O seu procedimento
congregava os princípios processuais da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual
e da celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes. Reconhecidamente exitoso como canal
de acesso ao Judiciário, esse microssistema resultou na previsão constitucional da criação dos Juizados Especiais
Cíveis e Federais — art. 98 da CF de 1988 —, que foram, ao final, regulamentados pela Lei nº 9.099/1995 e,
posteriormente, pela Lei nº 10.259/2010, respectivamente. É relevante que, entre os critérios para definir a
competência dos Juizados, está o valor da causa de até 60 salários-mínimos, quantia que dá vazão às pretensões
da população de baixa renda. Além disso, não é necessário que as partes se façam representar por advogado.
20
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim (Org.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa
Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 674, item n. 2.2.
21
MORELLO. El proceso justo, p. 160, item n. III.
22
DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 247, item n. 94.

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 109

torna imprescindível o concomitante atendimento dos direitos sociais


constitucionais (art. 6º da CF).23

3.2 Direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e à técnica proces­


sual adequada
Revisando as teorias da jurisdição, as doutrinas processuais recentes
deixaram de reduzir o direito de ação ao direito de acesso ao processo, já
que uma solução de mérito nesses termos não implica, necessariamente,
o reconhecimento do efetivo direito.24 Ao garantir que a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito — art. 5º,
inc. XXXV, da CF —, quis o legislador garantir a todos o direito a uma
prestação jurisdicional efetiva. Tendo em conta essa norma fundamental,
viabilizar a proteção do direito material significa, na atualidade, criar
mecanismos para a efetiva tutela de direitos; o direito litigioso, além de
reconhecido pelo Estado-Juiz, deve, após, ser concretizado. É dizer, o
direito à sentença significa direito ao provimento e aos meios executivos
capazes de dar efetividade ao direito material,25 seja ele ou não um direito
fundamental.
Falar em direito à efetividade, no sentido lato, remete igualmente
a uma tutela jurisdicional tempestiva, sendo esse elemento o fator que
motivou a intensificação das tutelas antecipatória e cautelar, que inte­
gram a jurisdição de urgência. Esse mesmo imperativo deu causa à
norma constitucional que prevê, para o processo, uma duração razoável
e celeridade na sua tramitação (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF).
A tutela efetiva também reclama uma nova postura judicial, pois ao
juiz não cabe apenas resolver conflitos. Ele deve zelar pela idoneidade
da prestação jurisdicional, aplicando a técnica processual adequada para
a proteção do direito.26 A doutrina salienta que, mais do que alargar as
portas do Poder Judiciário, prestar jurisdição representa, tanto quanto
possível, fazê-lo de forma eficiente, efetiva e justa, o que exige um proces-
so sem dilações ou formalismo exacerbados.27

23
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
24
MARINONI. Técnica processual e tutela de direitos, p. 143, item n. 6.1.
25
MARINONI. Técnica processual e tutela de direitos, p. 192, item n. 7.8.1.
26
MARINONI. Técnica processual e tutela de direitos, p. 188, item 7.6.
27
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: DIDIER JR.,
Fredie; CÂMARA, Alexandre Freitas et al. (Org.). Leituras complementares de processo civil. 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2008. p. 237, item n. 8.

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110 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

É preciso levar em conta que, apesar do caráter formal do processo,


não é correto concebê-lo como um ordenamento de atos revestidos de
mera natureza técnica, fixados arbitrariamente pelo legislador. A sua
estrutura é projetada de acordo com valores culturais, éticos, econômicos,
políticos, ideológicos e jurídicos de determinada sociedade. O processo
decorre, fundamentalmente, de uma escolha política, ligada às formas
e ao objetivo da própria administração judicial. Daí por que conclui
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que o direito processual é o direito
constitu­cional aplicado, na medida em que o papel do processo não se
reduz a realizar o direito material, sendo também um instrumento de
natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacifi­
cação social.28
Numa perspectiva similar, afirma Robert Alexy que, no âmbito
do procedimento judicial, devem estar relacionados dois aspectos: um
procedimental e outro material. Essa reunião em um modelo dual deve
visar ao aspecto material. Evidentemente, esse modelo não pressupõe a
correção do resultado do processo em virtude da correta aplicação do
procedimento. Antes, o modelo a ser adotado deve oferecer um maior
campo de ação, permitindo correções independentemente do proce­
dimento, o qual deve ser um meio para atingir o melhor resultado em
termos de efetividade.29 Nesse ângulo, confere-se uma autêntica nor­
matividade principial ao Poder Judiciário, oportunizada por uma
investigação mais livre do direito.30 Para isso, garantismo e eficiência
devem ser proporcionalmente dosados, por meio de uma sutil escolha
dos fins a atingir.31
Nessa medida, podemos afirmar que as garantias processuais espe­
ciais, como antes classificadas, além de consistirem em direitos subje­tivos
individuais, são instrumentos que servem para tornar exequíveis as
van­­
tagens e os benefícios constitucionalmente assegurados, o que,
con­se­quentemente, dá concretude à tutela jurisdicional efetiva. Na
pers­­
pec­ tiva do direito processual, os direitos fundamentais também
neces­­sitam — para a sua concretização à luz da realidade em que se
acham inseridos —, de formas de organização e de regulamentação

28
OLIVEIRA. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo excessivo, p. 129, item 3.
29
ALEXY. Teoria de los derechos fundamentales, cap. IX, p. 474, item n. III-5.3.
30
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica.
Revista de Processo, São Paulo, v. 33, n. 155, p. 4, jan. 2008.
31
OLIVEIRA. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo excessivo, p. 131, item 3.

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 111

procedimentais apropriadas ao direito substancial;32 “o direito fundamental


exige procedimentos como meio para a proteção do direito fundamental.”33
Como espécie de técnica processual autônoma destinada a pro­
mover a tutela de direitos peculiares, os procedimentos especiais ou
diferenciados revelam a preocupação do legislador em resguardar a
igualdade substancial. Essa proteção jurídica é conferida a grupos em
desvantagem social, vindo a atuar como uma compensação, como um meio
de correção de desigualdades,34 por meio da adequação da tutela ao
interesse em litígio. A técnica, como predisposição de meios que buscam
certos fins, é sempre instrumental, visto que ela só se justifica em vir­tude
dessa finalidade. Caso contrário, sua consecução é estéril.35

4 Garantias constitucionais do processo civil no Brasil


A Constituição de 1988 trouxe para o seu corpo uma série de
garantias processuais, que podem ser identificadas como direitos fun­
damentais processuais.

a) Garantia do processo jurisdicional ou do devido processo legal


A Constituição de 1988 garante, no art. 5º, inc. LIV, que: “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
A garantia tem antecedentes no due process of law da Magna Charta
Libertatum de João Sem Terra e no Direito Consuetudinário anglo-saxão.36
Tal garantia é genérica e pode ser vista em três faces:
a1) em sentido amplo, peculiar ao direito brasileiro, visa à proteção
do trinômio vida-liberdade-propriedade;
a2) em sentido material, serve à defesa da legalidade (penal, tri­
butária etc.), à garantia contra o abuso de poder, no que se inclui
a impositiva submissão da Administração à lei e;
a3) em sentido processual, se subdivide nas garantias à comunicação
adequada, à ampla defesa e ao contraditório, à publicidade, à

32
OLIVEIRA. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais, p. 236, item n. 7.
33
ALEXY. Teoría de los derechos fundamentales, cap. IX, p. 474, item n. III-5.3.
34
A proposta de compensação como correção é encontrada em autores como: ALEXY. Teoría de los derechos
fundamentales, cap. 8, p. 385, item n. II; FERRAJOLI. Direito e razão: teoria do garantismo penal, parte 5, p.
835, item n. 60; LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento, parte 5, cap. III, p. 195; NAGEL. Igualdad
y parcialidad: bases éticas de la teoría política, cap. 12, p. 143; RAWS. Teoría de la justicia, parte 1, p. 103,
item n. II-17.
35
DINAMARCO. A instrumentalidade do processo, item 31, p. 64.
36
“No freeman shall be taken, or imprisoned, or disseised, or outlawed, or exiled, or in any way destroyed, or
will go upon him, nor will we send upon him, except by the legal judgment of his peers or by the law of the
land” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil, p. 09).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 99-130, abr./jun. 2011
112 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

assistência de um defensor técnico e a um juiz imparcial, ao duplo


grau de jurisdição, entre outras.37
O devido processo legal apresenta-se como o direito de ação
e de defesa, como garantia de ser processado nos termos da lei, sob a
presidência de um terceiro imparcial e justo, em contraditório processual.
É a garantia do exercício da jurisdição pelo processo, no qual se somam
o direito subjetivo à tutela jurídica (situação ativa) ao dever de prestação
jurisdicional (situação passiva), por meio desse instrumento técnico, ético,
político e público de distribuição da justiça, o processo.

b) Garantia do acesso à Justiça


A Constituição de 1988 não prevê, de forma expressa, a garantia
do acesso à Justiça, mas assegura um conjunto de outros direitos subje­
tivos processuais que são identificados como tal. À ideia de acesso à
Justiça como um processo justo, se associam a imparcialidade do juiz, a
igualdade das partes, a efetividade da jurisdição e outros princípios do
processo.
Concebe-se o acesso à Justiça como garantia da inafastabilidade
da jurisdição e à assistência judiciária gratuita.

b1) Garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional


A Constituição de 1988 garante, no art. 5º, inc. XXXV, que: “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito.” É notável no processo civil brasileiro a integral submissão do
Estado (União, Estados, Distrito Federal, Municípios) e de seus entes
(funda­ções e autarquias), empresas estatais, bancos estatais ao Judiciário.
Todos esses entes estatais estão submetidos às ordens da justiça comum
dos Estados ou da União e das justiças especiais. No Brasil não há uma
jus­tiça administrativa ou um contencioso administrativo que atue a
juris­di­
ção com plenitude. São exemplos de exceção à plena sindica­ bi­
li­
dade dos atos estatais a justiça política do Senado Federal (crimes do
Presi­dente da República), a justiça desportiva e, inclusive, certas limita­
ções na juris­di­ção, como o prazo para interposição do mandado de segu­­
rança e as restrições para a concessão de medidas urgentes (cautelares
e ante­cipatórias).

NERY JUNIOR. Princípios do processo civil na Constituição Federal, cap. II, p. 76-95, itens n. 5-8.
37

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 113

b2) Garantia à assistência jurídica, à assistência judiciária e à gratuidade de justiça


A Constituição de 1988 garante, no art. 5º, inc. LXXIV, que: “o Estado
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos.”
Assistência jurídica, assistência judiciária e gratuidade de justiça
são medidas compensatórias de caráter econômico, adotadas em favor
dos litigantes considerados pobres ou carentes. Esses benefícios visam
suprir deficiências e emparelhar o quanto possível, pela oferta de ser­­­vi­
ços estatais ou pela supressão de determinados ônus processuais, aqueles
que não possuem capacidade para atendê-los.
A pobreza, em seu sentido econômico, é a razão original que justi­
fica os benefícios assistenciais. Estes correspondem ao dever estatal de
oferecer assistência jurídica, além da gratuidade de justiça ou a dispensa do
pagamento de taxas judiciais e de despesas decorrentes da sucumbência.
Tais normas têm por base a desigualdade econômica, que impede
o efetivo acesso à Justiça e, consequentemente, o nivelamento essencial
ao contraditório; sem a assistência processual a quem dela carece, as
perspectivas de obter justiça são ilusórias para enormes contingentes
sociais. Portanto, a assistência gratuita tem natureza reequilibradora,
pois transpõe a exigência da contratação de advogado, muitas vezes
onerosa e desproporcional à parte carente de maiores posses.38 No
Brasil, a regra vigente tem origem na metade do século XX, tendo sido
chancelada pela Constituição, na qual se estabelece o dever estatal de
assistir a todo aquele que não têm capacidade de contratar defensor ou
pagar pelo processo.
Tais benefícios, de cunho compensatório, não afrontam a isono­
mia. Ao contrário, viabilizam, efetivamente, a igualdade material ou a
igualdade por compensação.

c) Garantia à duração razoável do processo e da celeridade


A Constituição de 1988 garante, desde a Emenda Constitucional
nº 45/2004, art. 5º, inc. LXXVIII, que: “a todos, no âmbito judicial e
admi­nistrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Essa inclusão entre as garantias fundamentais se faz em conside­­ra­
ção ao reconhecido direito fundamental a ter um processo que tenha um

ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO. Causas y efectos sociales del derecho procesal, p. 150, item n. 12; FIX-ZAMUDIO.
38

Constitución y proceso civil en Latinoamérica, p. 32, 64, itens n. 9, 25.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 99-130, abr./jun. 2011
114 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

fim em tempo razoável. A redação do dispositivo tem conexão imediata


com a igualdade, ao outorgar o direito “a todos”, sem exceção, que acedam
ao processo administrativo e judicial.
Ademais do acesso à Justiça, enquanto serviço estatal que deve ser
posto à disposição da sociedade com o fim de dirimir os eventuais conflitos
materiais não resolvidos por outros meios, deve-se pensar na prestação
de serviços públicos que atendam à expectativa dos jurisdicionados.
Com isso, confere-se certeza e estabilidade à relação jurídica duvidosa,
auferindo ao titular o direito pretendido, sem as delongas próprias dos
procedimentos aprofundados na instrução.39
A efetividade se põe, desde alguns anos, como o maior desafio para
a prestação dos serviços estatais judiciais, à frente, inclusive, do próprio
acesso, uma vez que este, sem a efetividade, não é, propriamente, acesso.40

d) Garantia à igualdade processual


A Constituição de 1988 garante, no art. 5º, de modo amplo, que
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade [...].”
O Código de Processo Civil prevê, no art. 125, que “o juiz dirigirá
o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:
assegurar às partes igualdade de tratamento” (inc. I).
Barbosa Moreira observa que os processualistas, não mais que
os outros juristas, dividem-se em definir “se o ordenamento adota, em
termos explícitos ou implícitos, uma regra como a do art. 125, I, do
CPC brasileiro, segundo o qual corresponde ao juiz ‘assegurar às partes
igualdade de tratamento’, ou se considera-se que tal dever radica na
igualdade perante a lei”.41 Essa igualdade no processo civil se projeta
de três modos: a) igualdades de riscos processuais; b) igualdade de
opor­tunidades processuais; e c) igualdade de tratamento pelo juiz.
Para que se obtenha a igualdade, há casos em que se defere, com
amparo na regra de justiça, o tratamento igual a partes iguais e o

39
GUEDES. Igualdade e desigualdade no processo civil:...
40
HOFFMAN. Razoável duração do processo, p. 24, item n. 2.1.
41
MOREIRA, José Carlos Barbosa. La igualdad de las partes en el proceso civil. Revista de Processo, São Paulo,
n. 44, p. 176, item n. 1, 1986. A questão está centrada no limite da atuação do juiz e em seu poder de
intervenção.

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 115

tratamento desigual a partes desiguais. São exemplos dessa regra aquelas


que virão descritas no item 5.1 deste trabalho.
Muito se debate na doutrina acerca das exceções à regra de trata­
mento igual contidas na legislação processual, especialmente aquelas
que conferem tratamento diferenciado à Administração Pública, consi­
deradas como prerrogativas processuais da Fazenda Pública. Também
possuem prerrogativas processuais e tratamento diferenciado o Minis­
tério Público e a Defensoria Pública, instituições que representam, res­
pectivamente, os interesses da sociedade e daqueles que não possuem
capacidade econômica para litigar (b2).

e) Garantia do juiz natural


A Constituição de 1988 prevê, no art. 5º, inc. LIII, que “ninguém
será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”; e
no art. 5º, inc. XXXVII, que “não haverá juízo ou tribunal de exceção.”
Com a vedação aos tribunais de exceção e com a garantia do juiz
natural, fica assegurada a própria jurisdição, vedando casuísmos na
criação de tribunais ad hoc e de exceção, já ocorrida na história recente
do Brasil. Assegura-se também o poder jurisdicional do juiz competente
em cada justiça, em cada região e em cada grau de jurisdição.
Não violam o juiz natural a divisão e a especialização das justiças
trabalhista, militar ou eleitoral, a divisão em razão da matéria, como
família, comércio e Fazenda Pública.

f ) Garantia do duplo grau de jurisdição


A Constituição de 1988 não prevê, explicitamente, o duplo grau
de jurisdição, mas inclui na estrutura do Poder Judiciário a divisão de
cada uma das justiças em sucessivos e hierarquizados graus de jurisdi­
ção. Dessa conformação graduada se depreende a previsão implícita do
duplo grau de jurisdição.
Enrico Tullio Liebman afirma que se trata de “um princípio uni­
versalmente aceito [o de que] toda a controvérsia possa, depois de uma
primeira decisão, passar pelo julgamento de um outro órgão (em geral
superior), para ser julgada uma segunda vez em uma nova fase proces­sual
que é o prosseguimento da mesma [anterior]. Este segundo julga­mento
é o julgamento da apelação: a impugnação mais ampla, também a mais
frequente, aquela que, mais que todas as outras, é voltada à função própria

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116 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

das impugnações, de representar um meio de controle da sentença e uma


garantia de melhorar a justiça”.42
Sua previsão está associada à segurança jurídica, embora se
reconheça que em alguns casos muito especiais não incide a garantia,
como no julgamento, efetuado pelo Supremo Tribunal Federal, dos
crimes atribuídos ao presidente da República, ou no caso de impeachment
do presidente, julgado pelo Senado Federal. Por isso, não se vê a garantia
como absoluta.

g) Garantia da publicidade dos atos processuais


A Constituição Federal de 1988 prevê a publicidade do processo
fora do art. 5º, no qual se situam as demais garantias individuais. Assim,
no art. 93, inc. IX, assegura-se que, “todos os julgamentos dos órgãos
do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir,
limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes”. No art. 5º, inc. LX, está contida a exceção
à publicidade: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos proces­
suais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem.”
A garantia da informação processual está associada ao devido
processo legal,43 ao assegurar ao indivíduo o regular exercício da jurisdição.
Isso ocorre na medida em que o acesso às audiências e aos autos
representam asseguração de fiscalização do controle popular da atuação
dos agentes públicos.
O direito à informação possui dois sentidos: a) um lato, assegurado
aos cidadãos aos quais corresponde o dever estatal de informar;44 b) um
estrito, que vem associado ao conteúdo do processo e ao contraditório.
Excluídas as exceções trazidas na própria Constituição, não se
admite o segredo judicial no processo civil brasileiro.

h) Garantias do contraditório e da ampla defesa


A Constituição de 1988 garante, no art. 5º, inc. LV: “aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

42
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, v. 2, p. 295, n. 314.
43
TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz e. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias
constitucionais do processo, p. 72, n. 20. A garantia da publicidade não implica efetiva presença do público
ou dos meios de comunicação aos atos em que se desenrola o procedimento, embora reclame mais do que
uma “potencialidade” abstrata, como sucede quando se desconhece a data, o local e o horário do ato, o que
reduz a publicidade a um mero nível teórico (op. cit., p. 72).
44
MORELLO. El conocimiento de los derechos como presupuesto de la participación, p. 170-174, item n. II.

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 117

assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos


a ela inerentes.” Essas garantias estão associadas uma à outra, vendo-se
ora a ampla defesa como consequência do contraditório, ora como forma
de qualificar o contraditório; ou a ampla defesa é a medida, a extensão
que se dá ao contraditório.

h1) Garantia do contraditório


O princípio do contraditório deriva do devido processo legal, onde se
incluiriam outros princípios, como o da isonomia, do promotor natural,
do duplo grau de jurisdição e da publicidade etc. Como garantia das
partes (autor, réu e intervenientes), é permitido aos litigantes conhecer
a existência e o conteúdo de todas as manifestações alheias feitas no
processo, desde o pedido e a resposta, conforme réu ou autor, e a elas
opor a respectiva contradição. Em sentido restrito, está compreen­ dida
a possibilidade de as partes demonstrarem ao juiz, “segundo as suas
perspectivas” individuais, as situações de fato e de direito que sustentam
as suas razões. Em sentido amplo, o contraditório repousa no dever
que cabe às partes de contribuir com o processo, agindo com lealdade
no esclarecimento das questões.
Raras são as exceções nas quais se retarda o contraditório, como nos
procedimentos urgentes, nas cautelares e nos julgamentos antecipados.

h2) Garantia da ampla defesa


A defesa é o direito de se opor, no processo, ao pedido e às alegações
formuladas pelo autor ou a contraparte. A maior ou menor limitação
na defesa pode variar conforme o tipo de procedimento. A ampla defesa
pode ter o sentido de autodefesa e de defesa técnica.
Pode também ser o direito ao chamamento, oportunidade de alegar
fatos e direito, possibilidade de uso de meios de prova úteis e relevantes,
acompanhamento da produção da prova da outra parte, plena informa­
ção sobre o processo, defesa técnica, motivação das decisões e tratamento
paritário. Todos esses direitos são expressão da amplitude de defesa
assegurada às partes.

i) Garantia da proibição da prova ilícita


A Constituição de 1988 garante, no art. 5º, inc. LVI: “são inad­
missíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”

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118 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

Para a doutrina brasileira, prova ilícita é aquela que, na sua coleta,


afrontou normas de direito material. Portanto, o vício, presente na sua
obtenção, antecede a sua vinda ao processo. É prova ilegítima aquela que
afronta o direito processual, no momento da sua produção, quando é
trazida ao processo. A ilegalidade se concretiza quando a prova é trazida
ao processo. A Constituição veda a prova ilícita e o Código de Processo
Civil proíbe os meios de prova moralmente ilegítimos.
No Brasil, embora se resguarde o sigilo das comunicações, as
interceptações telefônicas são previstas e permitidas por lei segundo regras
e condições, como o tempo de duração, a autorização judicial e outras.
O STF, no exame do Recurso Extraordinário nº 251.445, pelo Ministro
Celso de Mello, destacou que: “Assentadas tais premissas, devo reiterar,
na linha de diversas decisões por mim proferidas no âmbito desta Corte
Suprema, que ninguém pode ser denunciado, processado ou condenado
com fundamento em provas ilícitas, eis que a atividade persecutória do
Poder Público, também nesse domínio, está necessariamente subordi­
nada à estrita observância de parâmetros de caráter ético-jurídico cuja
transgressão só pode importar, no contexto emergente de nosso sistema
normativo, na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos
pelo Estado.”

j) Garantia da fundamentação das decisões judiciais


A Constituição de 1988, no art. 93, inc. IX, assegura que: “todos
os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fun­
damentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do
direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação;”
A garantia se assenta na necessidade de que se conheça o caminho
lógico trilhado pelo juiz para chegar à decisão, especialmente os funda­
mentos e o iter mental percorrido até o seu “livre convencimento moti­
vado”. É, portanto, uma prerrogativa individual contra possíveis abusos
do órgão jurisdicional, cumprindo, paralelamente, uma função lógica, ao
permitir a impugnação para efeito de reforma da decisão, e uma função
política, diante da necessidade de comunicação com a sociedade.

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 119

São raras as exceções ou as mitigações a essa garantia no Brasil,


mas há hipóteses na Justiça do trabalho e nos juizados especiais (cortes
menores), nos quais se permite uma fundamentação sintética das deci­
sões judiciais; nos demais é exigida uma fundamentação clara, mediante
a análise dos fatos e do direito (art. 458 do CPC), sob pena de nulidade.

5 Processo Civil e desigualdade no Brasil


O Brasil, embora nação de grande porte e em desenvolvi­ mento,
mantém-se notoriamente desigual. Construído, desde as suas raízes
45

colo­­
niais portuguesas, como uma sociedade rigorosamente estamen­­­­
tada, o país ainda apresenta essa característica nos cinco séculos de sua
his­
tória. Desde meados do século XX, várias medidas têm sido criadas
para a proteção de grupos em desvantagem, em oposição às poucas alter­
nativas anteriores.

5.1 Técnicas compensatórias de desigualdades, em benefício de grupos


sociais em desvantagem ou em luta por reconhecimento, previstas
nas leis processuais brasileiras46
As técnicas processuais a seguir apresentadas, ainda que não sejam
as únicas no ordenamento processual nacional, podem ser citadas como
formas de tratamento diferenciado ou compensatórias, em favor de
grupos em desvantagem.
São técnicas previstas no Código de Processo Civil ou em leis
especiais brasileiras, que se destinam ao reequilíbrio da desigualdade
social:47

a) Crianças e adolescentes
Ademais das prerrogativas contidas no Código de Processo Civil,
as crianças e os adolescentes possuem, em sua defesa, as normas do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990. Entre
os benefícios processuais constam regras especiais, como a gratuidade
de justiça e a assistência jurídica, a dispensa de pagamento de despesas

45
Ver, por todos, o estudo sobre desigualdade econômica no Brasil (HENRIQUES, Ricardo et al. (Coord.).
Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000).
46
A “luta por reconhecimento” social é conceito desenvolvido por Axel Honneth, caracterizada na disputa de
grupos sociais por espaço e por direitos sociais (HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral
dos conflitos sociais).
47
GUEDES, Jefferson Carús. Direito processual social no Brasil: as primeiras linhas. Revista de Processo, São Paulo,
v. 31, n. 142, p. 137-167, 2006.

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120 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

recursais (preparo), a intimação direta e pessoal do advogado e dos


responsáveis nas comunicações, a simplificação e a celeridade, a prefe­
rência no julgamento de recursos aos tribunais, recursos com efeito
apenas devolutivo, bem como a legitimação do Ministério Público, tanto
para propor ações, como para interpor recursos.
O Estatuto estabeleceu, pioneiramente, a concessão de tutelas de
urgência como formas de proteção desse grupo especial e diferenciado de
pessoas, que, em vista de sua fragilidade, não se submete às regras gerais.

b) Idosos
Os idosos também integram grupo distinto, sendo parte pro­ces­­­sual
contemplada com uma desigualdade de tratamento por compensação,
de acordo com o Estatuto do Idoso (EI), Lei nº 10.741/2003, no qual
consta título próprio sobre o acesso à Justiça. A compensação é garantia
mediante a observância do procedimento sumário às suas causas, a
criação de varas especializadas em idosos e prioridade na tramitação de
processos e nas diligências processuais.
A tramitação prioritária dos processos de idosos já fora prevista
no Código de Processo Civil desde 2001, quando a doutrina apresen­
tou clara defesa em seu favor, ao argumentar que: “[...] é de absoluta
legitimidade constitucional a lei que manda dar prioridade, nos juízos
inferiores e nos tribunais, às causas de interesse de pessoas com idade
igual ou superior a sessenta-e-cinco anos (Lei n. 10.173/2003); toma-se
em consideração que as partes idosas têm menor expectativa de sobrevida
e, na maioria dos casos, mais necessitam da tutela jurisdicional.”48
Desde 2003, o Estatuto do Idoso considera como tal os maiores
de 60 anos, criando uma duplicidade de normas, uma prevendo 60 anos
e outra 65 anos. A ambiguidade foi resolvida recentemente, mediante
alterações promovidas no CPC, que previu, de modo uniforme ao Esta­
tuto do Idoso, a prioridade processual aos maiores de 60 anos. O bene­
fício, aplicado em todos os graus de jurisdição, permite a aceleração
processual, em vista da notória expectativa de vida menor que os benefi-
ciários possuem.
As regras relativas ao processo coletivo permitem que várias
entidades estatais, paraestatais e privadas representem os idosos em juízo,

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do
48

processo, p. 55, item n. 19.

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as quais poderão contar com medidas concessivas de tutelas de urgência


e específica (ordens para fazer ou não fazer), sem a antecipação de
despesas processuais.

c) Portadores de deficiência física ou mental e de doenças graves49


A prioridade na tramitação de processos administrativos, prevista
originalmente para maiores de 65 anos, mais tarde reduzida a idade
para 60 anos, beneficia também, desde meados de 2009, as pessoas
portadoras de deficiência física e mental e os portadores de doenças
consideradas graves.
Nos processos judiciais, o benefício se estende somente aos porta­
dores de doenças graves, pois o art. 1.211-A, desde a Lei nº 12.008/2009,
que altera o CPC, prevê que: Os procedimentos judiciais em que figure como
parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou
portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as instâncias.
Também há regras especiais para o processo coletivo que envolva inte­
resse desigual na relação processual.

d) Acidentados em trabalho
Por meio da ação acidentária, prevista na Lei nº 6.376/1976, os
feridos em acidentes de trabalho têm em seu favor uma série de distin­
ções processuais, tais como: a modificação da competência do juízo
para o local do fato, a competência da justiça estadual, ainda que o réu
seja autarquia federal (Instituto Nacional de Seguro Social), a presença
do Ministério Público como fiscal da lei, a concessão de jus postulandi
à parte ou ao representante não advogado (dispensa do advogado), o
princípio da verdade real, que dá ao juiz maiores poderes, a mitigação
do princípio dispositivo e do princípio da demanda, a celeridade e a
simplificação pela adoção do procedimento sumário, a gratuidade de
justiça, a valorização da conciliação e a transigibilidade dos interesses.
São vantagens que garantem proteção à parte considerada mais fraca
da relação processual.

O art. 69-A da Lei nº 9.784/1999 (Processo Administrativo), estabelece quais são as doenças graves: (...) “IV –
49

pessoa portadora de tuberculose ativa, esclerose múltipla, neoplasia maligna, hanseníase, paralisia irreversível
e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave,
hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação,
síndrome de imunodeficiência adquirida, ou outra doença grave, com base em conclusão da medicina
especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do processo.”

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122 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

e) Consumidores
Os consumidores de bens e serviços, públicos ou privados, podem
ir a juízo, utilizando todos os meios e espécies de ações (art. 83 do CDC).
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990, prevê
regras processuais especiais e estabelece princípios que autorizam a sua
conformação autônoma. Essa conformação se dá, em sua maior parte,
por meio das ações coletivas, que estão cercadas por peculiaridades que
esse sistema possui. Mas tais ações não excluem o processo individual
de consumo, que preserva singularidades, embora seja regido pelas
normas gerais de processo (CPC) e por leis extravagantes. Entre alguns
benefícios processuais está a inversão do ônus da prova, que será descrita
no item seguinte.

f ) Beneficiários da previdência e assistência social


Os assistidos pela Previdência Social têm a seu favor, no plano pro­
cessual, a Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/2001),
que, combinada com a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
(Lei nº 9.099/1995), oferece vantagens em relação aos juízos comuns.
Esse novo modelo judicial se baseia na ampliação do acesso à Justiça
por meio de um modelo consensual, econômico e simplificado, oral e
concentrado, informal e célere.
Caracteriza-se também pela ampliação dos poderes do juiz (art.
4º), isonomia total entre Administração e administrado, com redução de
prerrogativas da Fazenda Pública, possibilidade de transação de Direito
Público, fim da apelação ex officio e recorribilidade somente quanto ao
direito material. Nesses juizados, os pedidos não podem ultrapassar 60
salários mínimos (17 mil US$) e o pagamento das condenações é feito
pelo Tesouro, mediante requisição e não pelo sistema vinculado ao orça­
mento do ano seguinte (precatório).

g) Agricultores e camponeses
Em alguns poucos casos, os camponeses contam com regras espe­ciais
para a aquisição da propriedade. Ela pode se dar por meio do usucapião
especial agrário (Lei nº 6.969/1981), da ação discriminatória de terras
públicas (Lei nº 6.383/1976) e das imissões possessórias agrárias.
São tipicamente agrárias as demandas de cumprimento, de despejo,
de consignação, de rescisão e de indenização em contratos agrários, de
preferência, de divisão, demarcação e extinção de condomínio agrário,

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 123

usucapião especial e nunciação de obras rurais, além da desapropriação


para fins de reforma agrária.
No processo agrário adotam-se, sem exceção, os princípios cons­
titucionais processuais, tais como contraditório, ampla defesa, duplo
grau, isonomia, publicidade etc.; os princípios gerais do processo, como
princípio dispositivo e da demanda, lealdade processual e boa-fé, e,
também, princípios especiais ou próprios, entre os quais podem ser
arrolados os princípios da simplificação e da oralidade, com identidade
física e concentração de atos, o princípio da gratuidade de justiça, o
princípio da indisponibilidade das regras e da fixação da competência
segundo o local dos bens litigados.

h) Beneficiários do meio ambiente sadio


Este grupo, titular de direito difusos, que, às vezes, congrega toda
a sociedade, tem a seu dispor meios eficientes de atuação, principalmente a
ação civil pública (Lei nº 7.347/1985) e a ação popular (Lei nº 4.717/1965).
Estas não são vistas como típicas ações, mas como técnicas que ensejam
procedimentos, métodos de cognição e provimentos diferenciados para
a obtenção da tutela do meio ambiente, para o que se aplicam subsi­
diariamente os dispositivos do Código de Processo Civil.
As regras do “processo civil ambiental” se ampliam cada vez mais,
de forma a privilegiar a preservação do meio ambiente. Mais notáveis,
contudo, são as prerrogativas do processo coletivo e a possibilidade de
concessão de tutela preventiva dos ilícitos ambientais.

i) Mulher casada
O gênero feminino é contemplado com o foro privilegiado em
ações de divórcio e de alimentos. Essas leis processuais brasileiras (CPC,
Lei do Divórcio e Lei de Alimentos) existiam antes da Constituição de
1988 e persistem como normas conformes à Carta. Nessas hipóteses,
há o deslocamento de competência como forma de compensação por
desigualdades, permitindo que a mulher ajuíze a ação de seu interesse no
local que lhe é mais favorável.

5.2 Técnicas compensatórias de desigualdade em benefício de parte em


desvantagem previstas nas leis processuais brasileiras
Ademais das normas de proteção ou de compensação para grupos,
há técnicas processuais específicas, que objetivam o benefício direto da
parte tida como vulnerável na relação processual.

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124 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

Entre essas técnicas, podem ser arroladas as seguintes:

a) Alterações da distribuição e inversão do ônus da prova processual


A alteração tem como objetivo reequilibrar as partes, facilitando
a produção das provas essenciais para o processo em favor do polo
mais frágil da relação jurídica processual. Essas inversões podem resultar
da lei que as prevê, como a lei civil, que estabelece inversões diante das
presunções, ou judiciais, como na prova genética (DNA) ou, ainda, da
convenção das partes (CPC, art. 333).
A mais destacada regra sobre inversão do ônus da prova está
no Código de Defesa do Consumidor, de 1990. A lei estabelece, entre
os direitos básicos do consumidor, duas hipóteses de inversão do ônus
da prova. A mais importante baseia-se na verossimilhança da alegação
do consumidor em desfavor do fornecedor-réu. No art. 6º do CDC se
prevê que “são direitos básicos do consumidor:” [...] VIII – “a facilitação
da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a
seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias
de experiências;”

b) Concessão e ampliação dos poderes dirigentes do juiz


A atribuição de poderes dirigentes ao juiz está associada à mudança
sofrida pelo processo civil brasileiro no curso do século XX, que, sob a
influência das correntes sociais e estatizantes, alargou a sua possibilidade
de atuação por meio do impulso oficial no processo.
A ampliação das atividades estatais por meio da figura do juiz se
opõe ao individualismo típico do século XIX e, mais recentemente, com
a oposição do “novo garantismo processual”.
No processo brasileiro são raríssimas as possibilidades de iniciação
do processo por provocação judicial, mas, para o seu prosseguimento,
pode o juiz intervir em várias fases processuais, conhecendo algumas
matérias de ofício, concedendo medidas assecuratórias ou cautelares etc.

c) Concessão e ampliação dos poderes instrutórios do juiz


Ao longo do século XX, na América espanhola e no Brasil, ocorreu
uma sólida expansão dos poderes do juiz no direito processual. No Código
de Processo Civil brasileiro há várias hipóteses, tanto na admissão, como

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 125

na produção e na valoração da prova. Como exemplo, podem ser vistos os


poderes de inspeção (art. 130 do CPC), de inquirição (arts. 342, 344 e 413
do CPC), de concessão ou de recusa (art. 130 do CPC), de repressão (art. 147
do CPC), de apreciação (art. 131 do CPC) e de iniciativa (arts. 130 e 418
do CPC).
A natureza do poder de instrução não é discricionária e sofre limi­
tações dos elementos objetivos da demanda. Tais elementos determinam
a congruência entre o pedido e a decisão e impedem a busca de fatos
que não integram o continente estabelecido pelas partes, a vinculação do
juiz aos autos, o desprezo ao conhecimento privado do juiz e submissão
das provas obtidas de ofício ao contraditório.

d) Legitimação extraordinária enquanto técnica compensatória


A legitimação extraordinária que se concede a certas instituições
e pessoas, permitindo que se apresentem e postulem em juízo em nome
de outros, implica a concessão de um tratamento desigual, que se
des­tina a compensar a fragilidade dos “substituídos”, assim como unifor­
mizar decisões de interesse geral ou de grupos. Esse poder jurídico
excepcional é dado em função da predominância do interesse público
sobre o parti­ cular, especialmente quando o processo envolve direitos
indisponíveis. Assim pode ser verificado, por exemplo, nos casos em
que: a) o Minis­tério Público pode postular em juízo direito que não lhe
con­cerne, como na declaração de nulidade de casamento contraído perante
a autoridade incompetente e para requerer o inventário ou partilha
de bens da herança, quando existirem herdeiros incapazes; b) na ação
popular (Lei nº 4.717/1965), que assegura a qualquer cidadão a legiti­
midade para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos
lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos
Municípios, de entidades autárquicas e sociedades de economia mista.
A Constituição de 1988, no art. 5º, concedeu legitimação extraor­
dinária para as entidades associativas: “XXI – as entidades associativas,
quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar
seus filiados judicial ou extrajudicialmente.”; para partidos políticos,
organizações sindicais e entidades de classe: “LXX – o mandado de
segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com
representação no Congresso Nacional”; b) para a organização sindical,
a entidade de classe legalmente constituída e em funcionamento há pelo

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126 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.”


E para o cidadão na ação popular: “LXXIII – qualquer cidadão é parte
legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio-ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do
ônus da sucumbência.” A finalidade dessas ações é tipicamente social e
de interesse público.

e) Modificações de competência do juízo como técnica compensatória


A competência fixa o critério de distribuição da jurisdição entre
os vários órgãos ou a divisão do trabalho jurisdicional. A competência
para cada matéria em cada uma das seis justiças existentes no Brasil
vem estabelecida na própria Constituição. Ela é complementada por leis
que organizam cada uma dessas justiças, seja pelo Código de Processo
Civil, seja por leis esparsas.
Há, contudo, três situações que excepcionam o foro especial da
União, situado na Justiça Federal (CPC, art. 99, inc. I, e CF, art. 109,
inc. I), atribuindo-as a outros foros especiais (estaduais): a) nas ações
previdenciárias para a obtenção de prestações ou para a instituição e
revisão de benefícios, propostas na justiça estadual contra o INSS, o foro
de domicílio do autor, desde que não exista nesse local a justiça federal
(art. 109, §3º, da CF); b) nas ações assistenciais propostas contra o INSS,
de modo equivalente à anterior; c) nas ações acidentárias que tenham
como pressuposto o acidente de trabalho, mas que objetivem o seguro
social, propostas contra o INSS na justiça comum estadual, com interpo­
sição de recurso para o Tribunal de Justiça do Estado (art. 109 da CF).
Com natureza tipicamente compensatória, também há outros
foros especiais previstos no Código de Processo Civil, mas voltados ao
interesse da parte: a) o foro da residência da mulher é competente nas ações
de anulação de casamento, separação, conversão desta em divórcio de
acordo com o art. 100, inc. I, do CPC, por favorecer processualmente a
defesa dos interesses da mulher, tida como mais fraca e merecedora de
especial tutela jurídica; b) o foro do alimentando é competente para as ações
de alimentos e nas ações de investigação de paternidade (art. 100, inc. II,
do CPC); c) o foro do domicílio do representante do incapaz será competente
para as ações contra este, de modo absoluto (art. 98 do CPC), cuja

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Direitos fundamentais e Processo Civil no Brasil: algumas técnicas processuais compensatórias... 127

norma é protetiva, em vista das debilidades do representando, com


justificáveis razões de ordem social; d) o foro especial ou privilegiado de
autoridades tem notória característica de privilégio ou proteção, sem
associação às demais espécies de compensação.
Há, igualmente, outros casos em leis especiais, que modificam
a competência em virtude de grupos protegidos, como crianças e ado­
lescentes, idosos, consumidores, ou relacionados a procedimentos espe­
ciais, como o mandado de segurança, a ação civil pública e outras ações
coletivas, a ação popular ou ainda os juizados de causas menores (Jui­zados
Especiais Cíveis (particulares), Juizados Especiais da Fazenda Pública
(Estados e Municípios) e Juizados Especiais Federais (União).

f ) Tutelas diferenciadas e tutelas de urgência como técnicas compensatórias


O quadro das tutelas diferenciadas teve expressiva ampliação no
Brasil nos últimos 20 anos. O CPC de 1973 previa expressamente a tutela
cautelar, a qual sofreu desvios com a finalidade de antecipação de mérito.
A partir de 1993, com as reformas sucessivas do CPC e, antes delas, em
leis esparsas, ganharam corpo a tutela antecipada, tutela específica
e outras, todas elas com a finalidade de abreviarem o processo para a
satisfação ou as garantias de satisfação, em oposição à tutela final, plena
e definitiva.
A tutela cautelar, de natureza assecuratória, se baseia na presen-
ça dos requisitos da aparência (fumus) e perigo (periculum), podendo
adqui­ rir contornos compensatórios, com retardamento de contraditório
e dis­ pensa de exigência de contracautelas. O próprio poder geral de
cautela, que permite ao juiz atuar de ofício, pode ser identificado como
desi­gualação, com vistas à proteção de uma das partes: aquela de menor
força ou capacidade, que tenha seu direito sob risco.
A tutela antecipada, que objetiva a obtenção do direito antes do final
do processo, pode ter nítido cunho compensatório nas medidas judiciais
de direito de família, como as liminares em ação de alimentos. Assim,
a antecipação do direito da parte que certamente o obterá na sentença
final é visto como meio de assegurar o equilíbrio processual à parte
mais frágil, desde que detentora de prova inequívoca de sua afirmação
e verossimilhança na alegação. Nas situações em que a parte que detém
esses requisitos integra um dos grupos merecedores de proteção especial
(crianças, idosos, consumidores etc.), mais ainda se justifica a concessão.

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128 Eliana Pires Rocha, Jefferson Carús Guedes

A tutela específica corresponde ao adimplemento da obrigação,


expressa numa ordem judicial para fazer ou deixar de fazer aquilo que
o contrato estabelecia. Também pode ser útil à proteção da parte mais
fraca da relação processual, que não poderia suportar um longo desen­
volvimento do contraditório, sem ter imediato acesso ao bem jurídico
pretendido.

6 Conclusão
O processo civil é uma técnica criada para o debate de interesses
controvertidos e para a decisão dessas controvérsias sobre bens e direito
e, como tal, só pode ser útil se se prestar ao seu fim, isto é, à solução do
litígio de modo simples, rápido, eficiente e com baixo custo.

Abstract: This paper describes the constitutional procedural guarantees in


Brazilian civil procedure and other procedural techniques that serve to protect
fundamental rights, such as equality of the parties before the procedure.
Key words: Fundamental rights. Civil procedure. Constitutional guarantees.
Compensatory techniques. Equality.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

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teção judicial dos direitos fundamentais. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 99-130, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 99-130, abr./jun. 2011
Arbitragem no Brasil1
Felipe Scripes Wladeck
Advogado associado de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini – Sociedade de Advogados. Mestrando
em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Direito Processual Civil. Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Processual.

Paulo Osternack Amaral


Advogado associado de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini – Sociedade de Advogados. Mestre
em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Direito Processual Civil. Professor do Curso de
Pós-Graduação em Direito Processual Civil do Instituto Romeu Felipe Bacellar. Professor da Escola
Superior da Advocacia – OAB/PR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Lei de Arbitragem. Sentença arbitral.


Contratos administrativos.
Sumário: 1 Arbitragem – 1.1 Considerações iniciais – 1.2 Arbitrabilidade –
1.2.1 Requisitos objetivos – 1.2.2 Requisito subjetivo – 2 Como instituir uma
arbitragem no Brasil – 2.1 Compromisso arbitral e cláusula compromissória
– 2.2 A suficiência da cláusula compromissória e a sua execução específica –
2.3 O entendimento da jurisprudência a respeito da suficiência da cláusula
arbitral – 2.4 A autonomia da cláusula compromissória – 3 Os árbitros – 3.1
Equiparação dos árbitros a juízes estatais – 3.2 Relação dos árbitros com os
juízes estatais – 3.3 A escolha dos árbitros – 3.4 Os deveres dos árbitros – 4
Arbitragem nos contratos administrativos – 4.1 Cabimento e autorização legal
– 4.2 Aspectos processuais – 4.3 Limites: respeito à publicidade e à legalidade
– 4.4 Tendência legislativa e jurisprudencial: cabimento de arbitragem para
resolver conflitos derivados de contratos administrativos – 5 O procedimento
arbitral – 6 Sentença arbitral e os instrumentos para o seu controle – 6.1 A
estrutura, os efeitos e a autonomia da sentença arbitral – 6.2 O cabimento
de embargos de declaração contra a sentença arbitral – 6.3 O controle
judicial da sentença arbitral – 6.3.1 Controle judicial das sentenças arbitrais
estrangeiras – 6.3.2 Controle judicial das sentenças arbitrais nacionais – 6.3.3
Tendência jurisprudencial: prestígio à arbitragem – 7 A adesão do Brasil à
Convenção de Nova Iorque

1 Arbitragem
1.1 Considerações iniciais
A arbitragem no Brasil constitui meio alternativo e facultativo de
solução de controvérsias, por meio do qual as partes — no âmbito da
autonomia da vontade — investem um ou mais particulares de poderes
para solucionar litígio que verse sobre direitos patrimoniais disponíveis,

O presente texto consiste na versão em português de trabalho já publicado em obra coletiva dirigida ao público
1

estrangeiro (SCRIPES WLADECK, Felipe; OSTERNACK AMARAL, Paulo. Arbitration in Brazil. In: JUSTEN FILHO,
Marçal; PEREIRA, Cesar A. Guimarães. Infraestructure Law of Brazil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 221-235).
Por isso, apresenta um caráter meramente informativo da disciplina jurídica do instituto da arbitragem no
Brasil.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 131-148, abr./jun. 2011
132 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

cuja decisão se equipara à judicial e se reveste da garantia constitucional


da coisa julgada material. Além disso, caso a eficácia preponderante da
decisão arbitral seja condenatória, ela assumirá status de título executivo
judicial.
Inclusive, essas características, aliadas às previsões legais de que
o árbitro é juiz de fato e de direito, investido de amplos poderes ins­
trutórios e cuja sentença não fica sujeita a recurso ou homologação pelo
Poder Judiciário, levam a maior parte da doutrina a afirmar o caráter
jurisdicional do processo arbitral no Brasil.

1.2 Arbitrabilidade
A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996) e
o Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que
compõem o regime geral da arbitragem no Brasil, impõem três requi­
sitos para que se admita a submissão da resolução de uma controvérsia
ao julgador privado: um de ordem subjetiva e dois de ordem objetiva.
A arbitrabilidade subjetiva consiste na identificação de quem poderá
figurar como parte em um processo arbitral, enquanto a arbitrabilidade
objetiva diz respeito às matérias que poderão ser submetidas à apreciação
dos árbitros.

1.2.1 Requisitos objetivos


Os requisitos objetivos para a admissibilidade da arbitragem no
Brasil consistem na exigência inafastável de que o litígio submetido ao
julgador privado diga respeito a “direitos patrimoniais disponíveis”
(segunda parte do art. 1º da Lei nº 9.307). Em termos mais precisos,
dispôs o Código Civil brasileiro que: “É vedado compromisso para solu­
ção de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que
não tenham caráter estritamente patrimonial” (art. 852).
Como se verá adiante, no Brasil os aspectos atinentes à dispo­
nibilidade e à patrimonialidade são os que assumem especial relevância
para o cabimento da arbitragem como mecanismo de resolução de
controvérsias derivadas de contratos administrativos.

1.2.2 Requisito subjetivo


O aspecto subjetivo da arbitrabilidade está delineado na primeira
parte do art. 1º da Lei de Arbitragem e no art. 851 do Código Civil, os

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Arbitragem no Brasil 133

quais dispõem que somente as pessoas capazes de contratar poderão se


valer da arbitragem.
A competência legislativa para disciplinar a capacidade das pessoas
recai sobre o Código Civil. Logo, a palavra “pessoas” mencionada nas
aludidas regras diz respeito precisamente à noção contida no Código
Civil. Daí deriva a conclusão de que se incluem no conceito de arbitra­
bilidade subjetiva as pessoas físicas, pessoas jurídicas de direito privado
e pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito
Federal, Territórios, Municípios, autarquias, associações públicas).
A rigor, não há nenhuma regra que exclua as pessoas jurídicas
de direito público do conceito de arbitrabilidade subjetiva. Ao contrário,
o art. 1º da Lei nº 9.307 e o art. 851 do Código Civil expressamente as
incluem, na medida em que não há dúvida em relação à capacidade de
o Estado contratar.
Portanto, considerando que o Estado integra o conceito de pessoa
jurídica de direito público interno e possui evidente capacidade contra­
tual, não há dúvida que ele preenche o requisito de ordem subjetiva
exigido pela lei para participar de processo arbitral.

2 Como instituir uma arbitragem no Brasil


A Lei nº 9.307 prescreve que as partes interessadas e capazes de
contratar podem submeter seus litígios (como se viu acima, acerca de
direitos patrimoniais disponíveis) a juízo arbitral mediante convenção
de arbitragem (arts. 1º e 3º).
Convenção de arbitragem é gênero de que a cláusula compromis­
sória e o compromisso arbitral são espécies (ainda art. 3º). Isso significa
que são dois os mecanismos previstos para se instituir uma arbitragem
no direito brasileiro: compromisso arbitral e cláusula compromissória.

2.1 Compromisso arbitral e cláusula compromissória


O compromisso arbitral (art. 9º da Lei nº 9.307) consiste no
mecanismo adequado para os casos em que a opção pela arbitragem é
posterior ao surgimento do conflito. Verificado o conflito e inexistindo
cláusula compromissória anterior, as partes, querendo e podendo valer-
se da arbitragem, devem firmar um compromisso arbitral (observando
as exigências do art. 10). É o que também estabelecem os arts. 851 e 852
do Código Civil brasileiro.

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134 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

A cláusula compromissória, por sua vez, conceitua-se como a


convenção por meio da qual os interessados comprometem-se a submeter
à arbitragem conflitos que possam vir a surgir entre eles. Ou seja, a
cláusula precede o litígio, estabelecendo que, caso surja, será ele diri­mido
por arbitragem. O art. 853 do Código Civil repete essa mesma regra.
O art. 5º descreve o que a doutrina e a jurisprudência chamam
de cláusula compromissória cheia. É do tipo cheia a cláusula que previr
o modo de instituir a arbitragem — i.e., a forma de nomear os árbitros,
pois é com a aceitação da nomeação pelos árbitros que se institui a arbi­
tragem (art. 19 da Lei nº 9.307). As partes podem, na própria cláusula,
criar um procedimento para a nomeação dos árbitros. Podem, outrossim,
nela reportar-se a algum outro documento em que tal procedimento
já tenha sido estabelecido ou, então, a regras de algum órgão arbitral
institucional ou entidade especializada, caso em que a instauração da
arbitragem se dará segundo tais regras.
De outro lado, vazia é a cláusula que não estabelece o modo de
nomeação dos árbitros. Nesse caso, as partes não se reportam, na cláu­
sula, a qualquer regulamento de órgão arbitral institucional ou entidade
especializada, nem criam, elas mesmas, um procedimento para a ins­
tauração da arbitragem.

2.2 A suficiência da cláusula compromissória e a sua execução específica


A necessidade de celebrar um compromisso arbitral para a ins­
tituição da arbitragem verifica-se, em nosso ordenamento, em duas
únicas situações:
a) quando não existe cláusula compromissória firmada entre as
partes. Nesse caso, surgido o conflito, os litigantes, querendo
— e podendo — submetê-lo a uma arbitragem, precisam firmar
um compromisso arbitral; ou
b) quando existe cláusula compromissória entre as partes, mas é
ela vazia. Nesse caso, a parte interessada deve manifestar à outra
a sua intenção de iniciar a arbitragem, por via postal ou qual­quer
outro meio de comunicação, mas sempre mediante comprovação
de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos,
firmar o compromisso arbitral (art. 6º, caput).
A rigor, mesmo diante de uma cláusula compromissória vazia
pode ser dispensada a celebração do compromisso arbitral. Surgido o

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Arbitragem no Brasil 135

conflito e havendo entendimento entre as partes quanto ao modo de


nomeação dos árbitros, estes, já tendo aceitado seu encargo, deverão, em
conjunto com aquelas, definir as questões sobre as quais a cláusula houver
se omitido ou se mostrado insuficiente, obscura ou contraditória. E
isso será feito por meio do “adendo” a que se refere o parágrafo único do
art. 19 da Lei nº 9.307, não por compromisso arbitral. Trata-se de docu­
mento análogo à ata de missão contemplada no art. 18 do Regulamento
da Corte de Arbitragem da CCI.2
Sendo vazia a cláusula, a celebração do compromisso será efetiva­
mente indispensável apenas se:
a) uma das partes, convocada pela outra na forma do caput do art. 6º
da Lei nº 9.307, recusar-se a participar da reunião nele referida;
b) realizada a dita reunião, não forem em seu bojo definidas pro­
vidências suficientes para a nomeação dos árbitros e, assim, para
a instauração da arbitragem; ou
c) se as partes não houverem, nem mesmo fora do âmbito da reu­
nião do art. 6º, chegado a um consenso quanto ao modo de
instituição da arbitragem.
A parte interessada, em qualquer dessas situações, terá necessa­
riamente de se valer do processo de execução específica da cláusula compro­
missória, previsto nos arts. 6º, parágrafo único, e 7º da Lei de Arbitragem.
Trata-se de processo judicial destinado a constituir o compromisso arbitral
que uma das partes se recusou a espontaneamente firmar, de modo a
fazê-la honrar com a obrigação que assumiu ao firmar a cláusula, qual
seja, a de resolver o conflito pela via da arbitragem.
As dificuldades acima jamais ocorrerão, porém, quando a cláusula
compromissória for cheia. A celebração de compromisso será sempre,
em tal hipótese, dispensável. Afinal, a cláusula já trará elementos sufi­
cientes para que a arbitragem seja iniciada por qualquer das partes
— sendo irrelevante, para tal fim, a eventual resistência da outra. Vale
dizer, para a instauração da arbitragem, bastará prosseguir segundo o
procedimento convencionado na cláusula compromissória.
A absoluta desnecessidade de formalização de um compromisso
arbitral quando o contrato previr cláusula compromissória cheia consiste,

O referido “adendo” pode, na verdade, ser firmado tenha a arbitragem se fundado em cláusula, tenha ela se
2

fundado em compromisso. Mas é no primeiro caso que sobressai sua importância, haja vista que as cláusulas
arbitrais necessariamente não descrevem o objeto da arbitragem. Com efeito, o adendo se presta especialmente
(mas não apenas) para a definição do objeto da arbitragem.

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136 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

inclusive, em uma dais principais inovações introduzidas pela Lei


nº 9.307 no direito arbitral brasileiro. Antes de tal Lei entrar em vigor, a
cláusula arbitral (fosse cheia ou vazia) era concebida como uma simples
promessa de firmar futuro compromisso arbitral. Uma promessa cujo
descumprimento era apto a gerar, quando muito, direito à indenização.
O compromisso era, enfim, o único instrumento apto a vincular as partes
à escolha pela arbitragem.
Em suma, no ordenamento jurídico brasileiro, o compromisso ar­
bitral não consiste em pressuposto necessário para a instauração válida
de todo e qualquer processo arbitral. É perfeitamente possível que a
arbitragem se funde apenas em cláusula compromissória.

2.3 O entendimento da jurisprudência a respeito da suficiência da cláusula


arbitral
A jurisprudência sedimentou-se a respeito da questão da sufi­ciência
da cláusula compromissória no direito brasileiro. O próprio Supremo
Tribunal Federal —3 na ocasião do histórico julgamento do agravo regi­
mental em homologação de Sentença Arbitral Estrangeira nº 5.206-7,4
em que se declarou a constitucionalidade de diversos dispositivos da
Lei nº 9.307, dentre os quais o art. 6º, parágrafo único, e o art. 7º —
já se manifestou sobre a questão, afirmando a suficiência da cláusula
compromissória para afastar a jurisdição estatal.

2.4 A autonomia da cláusula compromissória


A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em
que se insere. Isso significa que a eventual nulidade ou anulabilidade do
contrato não implica, necessariamente, a nulidade ou anulabilidade da
cláusula compromissória. São os termos do art. 8º, caput, da Lei nº 9.307.
Em determinados casos, porém, a nulidade do contrato afetará a
validade e eficácia da cláusula. É o que se passa, por exemplo, quando
a causa de nulidade ou anulabilidade do contrato principal disser res­
peito, igualmente, à cláusula compromissória. Faltando, por exemplo,
capacidade contratual a uma das partes, tanto o contrato principal estará

3
O Supremo Tribunal Federal é o órgão do Poder Judiciário brasileiro a quem compete decidir, em sede de
controle abstrato, sobre a constitucionalidade de leis ou atos normativos federais e estaduais (art. 102, inc. I,
alínea “a”, da Constituição Federal). Entre as suas competências está também a de julgar as causas decididas
por órgãos judiciais inferiores em única ou última instância, quando suas decisões revelarem-se incompatíveis
com a Constituição Federal (art. 102, inc. III).
4
Relatado pelo i. Ministro Sepúlveda Pertence (decisão publicada no Diário de Justiça, 30 abr. 2004).

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Arbitragem no Brasil 137

viciado quanto a cláusula compromissória que nele houver sido inserida


(a menos, claro, que a cláusula tenha sido inserida no contrato em
momento em que a incapacidade não existia — por termo aditivo,
por exemplo).
Importante destacar, nesse ponto, que cabe aos árbitros decidir,
de ofício ou por provocação de qualquer das partes, as questões acerca
da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do con­
trato que contenha a cláusula compromissória. É o que estabelece o pará­
grafo único do art. 8º da Lei nº 9.307, consagrando no ordenamento
jurídico brasileiro o princípio da Kompetenz-Kompetenz (reiterado, em
termos mais amplos, no art. 20, caput). O pronunciamento do Poder
Judiciário a respeito daquelas questões é admitido, em regra, apenas
em sede de controle da sentença arbitral, na forma do art. 20, §2º, c/c o
art. 33 da Lei nº 9.307 (vide o tópico 6, abaixo).
A autonomia da cláusula compromissória evidencia-se, também,
quando se tem em conta que ela sequer precisa estar inserida em um
contrato para existir. É perfeitamente possível a celebração de uma
cláusula compromissória fora de um contrato, por meio da qual as partes
se obriguem a dirimir eventuais conflitos que venham a surgir entre elas,
relativos a um determinado contrato ou relação jurídica, pela via da
arbitragem (art. 4º, §1º, da Lei nº 9.307).

3 Os árbitros
3.1 Equiparação dos árbitros a juízes estatais
De acordo com o art. 18 da Lei de Arbitragem brasileira, o árbitro
é juiz de fato e de direito. Isso é reforçado pela regra do art. 17 da
Lei, que equipara os árbitros a funcionários públicos para os efeitos
da legislação penal. Esses dispositivos traduzem a ideia de que a ativi­
dade desenvolvida pelo árbitro é, em sua substância, idêntica à do juiz
estatal, não havendo qualquer relação de hierarquia ou de subordinação
entre eles.

3.2 Relação dos árbitros com os juízes estatais


No sistema brasileiro a concessão de qualquer medida urgente é
de competência exclusiva do árbitro (art. 18 da Lei nº 9.307). Se houver
o cumprimento espontâneo da decisão do árbitro, o Poder Judiciário
sequer intervirá na relação.

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138 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

Já se houver a necessidade de realizar medidas de força para efetivar


a medida urgente, o árbitro as solicitará ao órgão do Poder Judiciário
que seria originariamente competente para julgar a causa (art. 22, §4º).
Assim se passa porque, a despeito de o árbitro ser investido de poder
de cognição (cognitio), a lei expressamente lhe tolheu poderes de coerção
(imperium).
A necessidade de os árbitros recorrerem ao Judiciário, para soli­
citar-lhe a prática de atos de força, verifica-se, igualmente, quando
uma testemunha se recusa a comparecer perante o juízo arbitral para
prestar depoimento. Cabe ao Judiciário providenciar a condução da
testemunha renitente ao juízo arbitral. O art. 22, §2º, da Lei nº 9.307
trata expressamente dessa questão.
Ademais, se surgir, no processo arbitral, alguma questão que envolva
direitos indisponíveis e que seja prejudicial ao julgamento do mérito
da causa, devem os árbitros remeter as partes ao Judiciário. Até que o
Judiciário resolva a questão, o processo arbitral ficará suspenso (arts. 1º
e 25).
Como se vê, a Lei impõe que exista verdadeira relação de coope­
ração entre o juiz estatal e o árbitro. E a experiência brasileira mostra
que árbitros e juízes, nessa sua relação, têm observado os limites das
respectivas competências e cooperado mutuamente em busca da efeti­
vidade da arbitragem.

3.3 A escolha dos árbitros


O §3º do art. 13 da Lei de Arbitragem faculta às partes, de comum
acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as
regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada. O
§1º do art. 13 determina que os árbitros sejam sempre nomeados em
número ímpar.
A Lei impõe somente dois limites a essa escolha do árbitro: exige
que ele seja pessoa capaz e que tenha a confiança das partes (art. 13,
caput). Nada impede, portanto, que sejam nomeados árbitros tanto
cidadãos brasileiros quanto cidadãos estrangeiros.
A capacidade mencionada no caput do art. 13 refere-se à capaci­
dade civil disciplinada pelo Código Civil brasileiro, de modo que não
podem funcionar como árbitros, por exemplo, os menores de dezoito
anos, os viciados em tóxicos, os ébrios habituais, os deficientes mentais

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Arbitragem no Brasil 139

sem o discernimento necessário para a prática de determinados atos e os


pródigos. O motivo para essa exigência é evidente: o árbitro desempenha
a importante função de decidir uma causa; nessa condição, exige-se
dele capacidade, maturidade intelectual, dignidade e ética.
A função de árbitro deverá ser desenvolvida por uma pessoa física
nomeada pelas partes, não sendo admissível que a escolha recaia sobre
uma pessoa jurídica. Isso não significa, porém, que as partes estejam
impedidas de estabelecer que o árbitro de sua causa pertencerá ao
quadro de árbitros de determinada instituição e que sua nomeação será
feita na forma do respectivo regulamento.
A possibilidade de as partes escolherem o profissional que julgará
a sua causa traduz-se em duas vantagens marcantes da arbitragem em
relação ao processo estatal.
A primeira consiste na segurança em relação ao julgamento. Ao
contrário do que ocorre nos litígios submetidos ao Poder Judiciário, em
que a demanda é apreciada por pessoa, em regra, completamente des­
conhecida das partes, na arbitragem as partes nomeiam como árbitro
uma pessoa de sua confiança. Logo, é até intuitivo que os litigantes sintam-
se mais seguros e confiantes quanto à imparcialidade e à independência
do julgador na arbitragem.
A segunda vantagem diz respeito à tecnicidade dos julgamentos.
Como a tendência é que sejam escolhidos árbitros com conheci­ mento
especializado na matéria objeto do litígio, nada mais natural do que se
esperar uma decisão tecnicamente mais adequada, mais precisa do que
a que seria prolatada no Judiciário.

3.4 Os deveres dos árbitros


Não existe no Brasil um Código de Ética destinado a nortear a
conduta das pessoas que desempenhem a função de árbitro. Todavia,
a Lei de Arbitragem brasileira contém regras concebidas com a nítida
intenção de impor limites à atuação do julgador privado.
Merece destaque a regra que está inserida no §6º do art. 13 da Lei
nº 9.307, a qual impõe os deveres de imparcialidade, independência,
competência, diligência e discrição aos árbitros no desempenho de sua
função. O dever de imparcialidade do árbitro relaciona-se com a ausência
subjetiva de inclinação prévia em favor ou contra qualquer das partes; a
independência, por sua vez, diz respeito à inexistência objetiva de qualquer

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140 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

espécie de relação (de subordinação, financeira, afetiva etc.) entre o


árbitro e a parte que o indicou.
Estão impedidas de atuar como árbitros pessoas que tenham
alguma relação com as partes ou a causa, que possa comprometer a sua
independência e imparcialidade. O art. 14, caput, da Lei nº 9.307 remete
aos casos de suspeição e impedimento previstos no Código de Pro­cesso
Civil brasileiro para os juízes togados: de regra, não podem funcionar
como árbitros as pessoas que incidam em uma das hipóteses de impe­
dimento e suspeição previstas para juízes togados, em relação aos pro­
cessos de sua competência (arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil).
Ademais, a autonomia da vontade que norteia a indicação dos
árbitros não pode ser traída. Após o início da arbitragem, as partes não
podem ser surpreendidas com fatos que coloquem em dúvida a ido­nei­
dade do julgador indicado. É o que assegura o §1º do art. 14 da Lei
nº 9.307, ao impor um dever de revelação ao árbitro indicado para solucio-
nar o litígio. Esse dever consiste na imposição de que o sujeito indicado
para funcionar como árbitro em determinado processo revele às partes
quaisquer fatos que possam colocar em dúvida a sua imparcialidade ou
independência. A conduta mais prudente para o árbitro será sempre
revelar todo e qualquer fato ou situação que, mesmo em tese, possa guardar
uma mínima relevância com a arbitragem para a qual o indicaram.

4 Arbitragem nos contratos administrativos


4.1 Cabimento e autorização legal
O sistema jurídico brasileiro admite a arbitragem como mecanismo
de resolução de litígios derivados de contratos administrativos. Como se
verá adiante, há certos limites e peculiaridades a serem observados — o
que de forma alguma inviabiliza a utilização do instituto; ao contrário,
recomenda-o.
Quando a controvérsia em que esteja envolvido o Poder Público
disser respeito a interesses públicos primários (indisponíveis, por defi­
nição), resta afastada a viabilidade da solução arbitral, devendo a questão
necessariamente ser submetida ao Poder Judiciário, por expressa deter­
minação legal (art. 1º da Lei nº 9.307).
A arbitragem envolvendo o Poder Público será admissível quando
a matéria a respeito da qual controvertam as partes seja eminentemente
patrimonial e possa ser resolvida independentemente da intervenção

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Arbitragem no Brasil 141

do Poder Judiciário, isto é, não diga respeito ao chamado interesse


público primário.
Se o conflito patrimonial puder ser legitimamente resolvido dire­
tamente pelas partes, sem a intervenção estatal (isto é, extrajudi­
cial­
mente), não é razoável que a mesma solução não possa ser atingida
por meio de processo arbitral, que é permeado de um amplo rol de
garantias, em especial, a do devido processo legal.

4.2 Aspectos processuais


O Código de Processo Civil brasileiro contém diversos mecanis­mos
destinados a impedir que a omissão da prática de atos pelo represen­
tante do Poder Público, no âmbito do processo estatal, venha a acarretar
ao Estado consequências negativas, que poderiam levar à sua derrota no
processo. Trata-se das chamadas prerrogativas processuais da Fazenda Pública,
das quais são exemplos a concessão de prazos mais amplos tanto para
a apresentação de defesa quanto para a interposição de recursos, além
de as condenações sofridas em primeiro grau serem obrigatoriamente
reexaminadas pelo tribunal.
Todavia, cumpre esclarecer que tais prerrogativas não se aplicam
ao processo arbitral. Portanto, pela ótica do Poder Público, essa poderia
ser considerada uma desvantagem do procedimento arbitral em relação
ao estatal. No entanto, do ponto de vista do particular, a não incidência
de tais prerrogativas processuais à arbitragem traduz-se em relevante
vantagem da via privada em relação ao processo judicial.

4.3 Limites: respeito à publicidade e à legalidade


O sistema constitucional brasileiro impõe apenas dois limites ao
procedimento arbitral envolvendo o Poder Público: observância dos prin­
cípios da publicidade e da legalidade.
O árbitro em demanda arbitral de que o Poder Público faça parte
não poderá julgar com base em equidade. Em observância ao caput do
art. 37 da Constituição brasileira, a decisão arbitral deverá ser proferida
em estrita consonância com a legalidade.
A arbitragem em que figure o Poder Público também deverá res­
peitar o princípio constitucional da publicidade (art. 37, caput, da
Constituição). O tão enaltecido sigilo do procedimento arbitral (que, na
verdade, não está previsto em lei, mas em regra pode ser pactuado pelas

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142 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

partes) mostra-se incompatível com litígios arbitrais envolvendo entes


públicos — ainda que a disputa se dê em torno de direitos patrimoniais
disponíveis. Nesse ponto, a autonomia da vontade das partes cede à
exigência de transparência na atuação da Administração. Não há dúvida,
no entanto, em relação à inaplicabilidade do preceito constitucional da
publicidade aos casos que envolvam contratos sigilosos, cuja divulgação
do conteúdo das informações poderia acarretar risco à segurança da
sociedade e do Estado.

4.4 Tendência legislativa e jurisprudencial: cabimento de arbitragem para


resolver conflitos derivados de contratos administrativos
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de admitir
a submissão do Poder Público a processo arbitral. Trata-se do famoso
“caso Lage”, em que o Supremo Tribunal Federal reputou constitucional
não só a previsão de arbitragem contida em decreto-lei, mas também
o caráter irrecorrível da sentença arbitral.5
Seguindo essa orientação, o Superior Tribunal de Justiça6 con-
solidou entendimento no sentido de considerar perfeitamente viável
que os litígios relativos ao conteúdo econômico de contratos adminis­
tra­
tivos (por exemplo, pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro do
contrato) sejam dirimidos por arbitragem, na medida em que não envol-
vem nenhuma discussão acerca do interesse público primário.
Essa tendência jurisprudencial se reflete na atuação do Poder
Legislativo, que consagra em diversas leis federais e estaduais a viabili­
dade da utilização da arbitragem como forma de resolução de conflitos
derivados de contratos administrativos.7

5
STF, AI nº 52.181, Pleno, relatado pelo Ministro Bilac Pinto, RTJ 68/382.
6
O Superior Tribunal de Justiça é o órgão competente para julgar as causas decididas em única ou última
instância por tribunais inferiores, quando as decisões destes revelarem-se incompatíveis com leis federais (art.
105, inc. III, da Constituição Federal).
7
No âmbito federal, merecem referência as seguintes previsões legislativas: art. 23-A da Lei nº 8.987/1995 (que
dispõe sobre a concessão e permissão da prestação de serviços públicos); art. 93, inc. XV, da Lei nº 9.472/1997
(que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações); art. 43, inc. X, da Lei nº 9.478/1997 (que
institui a Agência Nacional do Petróleo); art. 35, inc. XVI, da Lei nº 10.233/2001 (que cria a ANTT, a ANTAQ e
o DEINFRA); art. 4º, §§5º e 6º, da Lei nº 10.848/2004 (que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica);
art. 11, inc. III, da Lei nº 11.079/2004 (que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria
público-privada no âmbito da Administração Pública). Também podem ser destacadas as seguintes leis estaduais
de Parceria Público-Privada, que identicamente preveem a possibilidade de os litígios serem resolvidos por
arbitragem: Lei Mineira de PPP (Lei nº 14.868/2003), Lei Catarinense de PPP (Lei nº 12.930/2004), Lei Paulista
de PPP (Lei nº 11.688/2004), Lei Goiana de PPP (Lei nº 14.910/2004), Lei Gaúcha de PPP (Lei nº 12.234/2005)
e Lei Cearense de PPP (Lei nº 14.391/2009).

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Arbitragem no Brasil 143

5 O procedimento arbitral
A arbitragem considera-se instituída com a aceitação da nomeação
pelos árbitros (art. 19).
O procedimento a ser observado será aquele escolhido pelas partes
na convenção de arbitragem. Na convenção, as partes tanto poderão
criar o seu próprio procedimento, como poderão ainda reportar-se ao
regramento de regulamento de determinada instituição arbitral (nacio­
nal ou estrangeira) ou, então, determinar que os árbitros nomeados é que
definirão o procedimento a ser seguido. Existe, portanto, ampla margem
de liberdade na definição do procedimento arbitral (art. 21, caput e §1º).
Mas existem princípios fundamentais a serem respeitados em todo
e qualquer procedimento arbitral. Qualquer que seja o procedimento
escolhido, deve-se sempre observar, além dos bons costumes e a ordem
pública (art. 2º, §1º), os princípios do contraditório, da ampla defesa,
da igualdade das partes, da imparcialidade e do livre convencimento
dos árbitros (art. 21, §2º). Exige-se, enfim, o respeito ao devido processo
legal e seus corolários. Será ilegítimo — e dará margem a futuro pleito
de anulação da sentença arbitral (ver o item seguinte) — o procedimento
que não se apresentar em conformidade com tais princípios.
O procedimento escolhido pode ser alterado no curso da arbitra­
gem, para adequá-lo às particularidades da causa. O adendo a que se
refere o parágrafo único do art. 19 poderá ser utilizado para tal fim.
Na medida do possível, as alterações procedimentais devem ser feitas
pelos árbitros em conjunto com as partes, a fim de evitar surpresas e
prejuízos a qualquer delas. Mas serão em princípio legítimas as alterações
procedimentais feitas pelos árbitros à revelia ou sem a concordância das
partes, desde que motivadas e imprescindíveis para a boa condução do
processo e a justa solução do mérito da causa.
A Lei nº 9.307 confere aos árbitros amplos poderes instrutórios.
Admite-se que o árbitro — tal como os juízes togados nos processos
estatais — tome o depoimento das partes, ouça testemunhas, determine a
realização de perícia ou a produção de outras provas que julgar necessá­
rias, mediante requerimento do interessado ou de ofício (art. 22, caput).
Para garantir a justiça e efetividade de sua decisão, os árbitros
têm, como se disse anteriormente, o poder de conceder medidas de
urgência, conservativas ou antecipatórias dos efeitos da tutela perseguida,
que se mostrem necessárias no curso do processo.

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144 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

6 Sentença arbitral e os instrumentos para o seu controle


O processo arbitral encerra-se com a prolação da sentença e sua
comunicação às partes na forma do art. 29 da Lei nº 9.307 — salvo se
houver a oposição de embargos de declaração, quando o processo
prosseguirá até a respectiva decisão (ver o item 6.2, abaixo).
Quando proferida em território nacional, a sentença será conside-
rada nacional. Quando proferida fora do Brasil, será considerada estran-
geira (art. 34). A Lei nº 9.307 adota, portanto, o critério “territorialis-
ta” para definir a nacionalidade da sentença. Trata-se, aliás, de solução
preconizada pela Convenção de Nova Iorque — à qual o Brasil aderiu
em 2002.8

6.1 A estrutura, os efeitos e a autonomia da sentença arbitral


A estrutura da sentença arbitral é muito semelhante à de uma
sentença judicial. De acordo com o art. 26 da Lei nº 9.307, são seus
requisitos obrigatórios: o relatório, que conterá o nome das partes e um
resumo do litígio; a fundamentação da decisão, onde será exposta a aná­
lise feita acerca das questões de fato e de direito surgidas no processo,
bem como mencionado se os árbitros decidiram por equidade; o dis­
positivo, do qual constará a decisão propriamente dita sobre os pedidos
formulados pelas partes, bem como o prazo para o seu cumprimento, se
for o caso; e a data e lugar em que foi proferida,9 dados estes importantes
para que se possa saber, basicamente, qual a nacionalidade da sentença
(e, assim, se ela precisará ou não ser homologada judicialmente — arts.
18 e 35) e aferir sua tempestividade (já que a Lei de Arbitragem estabe­
lece que é “nula” a sentença arbitral proferida fora do prazo estabelecido
pelas partes — art. 32, inc. VII).
A sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença judicial,
constituindo, se capítulo condenatório contiver, título executivo judicial
(art. 31). Sendo nacional, a sentença arbitral sequer precisará ser homo­
logada judicialmente para produzir seus efeitos, conforme o art. 18. A
dispensa de homologação judicial, para que a sentença arbitral nacional
seja eficaz, consiste, aliás, em importante inovação introduzida no
ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 9.307. Antes de tal Lei, a

8
A aprovação da Convenção de Nova Iorque, no Brasil, deu-se através do Decreto Legislativo nº 52/2002. Sua
promulgação foi realizada pelo Decreto nº 4.311/2002.
9
Por “data e o lugar em que foi proferida” a sentença deve-se entender a data e o lugar em que a decisão foi
tomada, não em que foi ela escrita/documentada.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 131-148, abr./jun. 2011
Arbitragem no Brasil 145

homologação judicial era cogente também para as sentenças arbitrais


nacionais.
As sentenças arbitrais estrangeiras, por sua vez, para que possam
ser reconhecidas ou executadas no Brasil, precisam ser previamente
homologadas pelo Poder Judiciário (art. 35 da Lei nº 9.307). O processo
de homologação é de competência do Superior Tribunal de Justiça,
conforme o art. 105, inc. I, alínea “i”, da Constituição Federal de 1988.10

6.2 O cabimento de embargos de declaração contra a sentença arbitral


As sentenças arbitrais não estão, de regra, sujeitas a recursos
no âmbito do processo arbitral. É perfeitamente possível, porém, que
as partes façam constar da convenção de arbitragem o cabimento de
recursos internos, disciplinando os respectivos prazos e hipóteses de
interposição.
A Lei nº 9.307 prevê, por outro lado, que as sentenças arbitrais
estão sujeitas a embargos de declaração. Tal medida, a ser manejada e
decidida no bojo do próprio processo arbitral, não se presta a rediscutir
os fundamentos e conclusão da sentença. Seu objetivo é eliminar vícios
específicos contidos na decisão dos árbitros, consistentes em erros mate­
riais, obscuridades, contradições e omissões que nela eventualmente se
verifiquem (art. 30). Importante indicar que a oposição dos embargos
de declaração não consiste em condição para o manejo de qualquer dos
mecanismos de controle judicial da sentença arbitral (item seguinte).

6.3 O controle judicial da sentença arbitral


Não cabe recurso algum ao Poder Judiciário contra a sentença
arbitral. A Lei não admite, outrossim, nenhum meio de revisão, pelo
Poder Judiciário, do mérito da sentença arbitral. A sentença arbitral é
soberana entre as partes, as quais ficam vinculadas ao que foi nela decidido.
Mas isso não significa que as sentenças arbitrais estejam imunes a
todo e qualquer controle do Poder Judiciário. A Lei nº 9.307 estabelece
expressamente mecanismos para o controle judicial da regularidade
formal das sentenças arbitrais.

O art. 35 da Lei nº 9.307 indica que caberia ao Supremo Tribunal Federal conduzir os processos de homologação
10

de sentenças estrangeiras (judiciais ou arbitrais). Mas isso mudou com a Emenda Constitucional nº 45/2004,
que transferiu a competência para o Superior Tribunal de Justiça. O texto do art. 35 da Lei nº 9.307 ainda não
foi atualizado de acordo com as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 45.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 131-148, abr./jun. 2011
146 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

6.3.1 Controle judicial das sentenças arbitrais estrangeiras


As sentenças estrangeiras, como se disse anteriormente, para que
possam ser reconhecidas ou executadas no Brasil, precisam ser previa­
mente homologadas pelo Judiciário.
No âmbito do processo de homologação, cabe ao Judiciário verificar
se a sentença estrangeira reúne ou não condições de ser recebida em
nosso ordenamento, para que aqui produza seus efeitos. Rege o proce­
dimento de homologação a Resolução nº 09/2005 do Superior Tribu­ nal
de Justiça. Aplicam-se-lhe, ainda, os arts. 34 a 40 da Lei nº 9.307 e a
Convenção de Nova Iorque — da qual, como se disse, o Brasil é signatário.
Os arts. 38 e 39 da Lei nº 9.307 (inspirados no art. V da Convenção
de Nova Iorque) arrolam as hipóteses (taxativas) em que caberá ao Judi­
ciário indeferir o pedido de homologação da sentença arbitral. Trata-se,
de um modo geral, de vícios de caráter formal, capazes de comprometer
a validade, eficácia ou existência da sentença.
Os vícios do art. 38, para que possam ser conhecidos pelo Poder
Judiciário, necessitam ser suscitados pelo réu do processo de homolo­
gação. Já os vícios mencionados no art. 39 podem ser conhecidos de
ofício pelo juiz do processo de homologação. Nada diferente do que a
própria Convenção de Nova Iorque estabelece.

6.3.2 Controle judicial das sentenças arbitrais nacionais


Os mecanismos específicos que a Lei nº 9.307 estabelece para
a impugnação judicial das sentenças arbitrais nacionais são dois: a ação
anulatória e a medida de defesa do devedor no processo de execução
da sentença (art. 33). O controle que por meio de tais medidas é permi­
tido restringe-se a aspectos formais do processo arbitral e da sentença
nele proferida, definidos (taxativamente) no art. 32 da Lei.
A ação anulatória pode ser ajuizada pela parte interessada contra
sentença arbitral nacional de qualquer natureza — declaratória, consti­
tutiva ou condenatória. Existe um prazo para o seu manejo, o qual é
definido no §1º do art. 33 da Lei nº 9.307 (90 dias).
A medida de defesa do devedor no processo judicial de execução,
por sua vez, somente será cabível como meio de controle da sentença
arbitral quando for esta condenatória e, obviamente, a respectiva execu­
ção já tiver sido instaurada.11 O meio de defesa do devedor-executado ou

O processamento da execução da sentença arbitral condenatória não cumprida espontaneamente compete


11

ao Poder Judiciário — sobretudo porque falta aos árbitros o poder de imperium, consistente na capacidade

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 131-148, abr./jun. 2011
Arbitragem no Brasil 147

serão os embargos à execução (quando se tratar de execução por quantia certa


contra a Fazenda Pública ou de execução por obrigação de fazer ou não
fazer ou para entrega de coisa) ou a impugnação ao cumprimento de sentença
(quando se tratar de execução por quantia certa contra particular).12
Ao acolher a ação anulatória, os embargos do executado ou a
impugnação, anulando a sentença arbitral, o Judiciário não poderá pro­
ferir outra em seu lugar (seja para alterá-la em seu conteúdo, seja para
corrigir o vício nela encontrado). É absolutamente vedado ao Judiciário
substituir a sentença arbitral considerada nula por outra, de sua autoria.
Se ainda houver como sanar o vício da sentença arbitral ou retomar
o processo arbitral anterior para que nova e válida sentença seja profe­
rida, caberá ao Judiciário devolver a causa aos árbitros (art. 33, §2º, inc.
II). Não havendo tal possibilidade, caberá às partes decidir o que fazer
diante da anulação: dar início a uma nova arbitragem ou resolver seu
litígio no Judiciário.

6.3.3 Tendência jurisprudencial: prestígio à arbitragem


Recente e ampla pesquisa desenvolvida conjuntamente por respei­
táveis instituições do país (Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas
e Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr)13 demonstra que um número
reduzido de arbitragens no Brasil chega a envolver algum tipo de ação
judicial. Constatou-se, a partir dos processos judiciais analisados, que
apenas pequena parte deles objetivava obter a anulação da sentença
arbitral e que em quase todos (dos poucos) casos em que anulou a sentença
arbitral o Judiciário agiu corretamente, observando os limites do art. 32
da Lei nº 9.307.
Portanto, o panorama atual da jurisprudência dos tribunais brasi­
leiros em matéria de arbitragem é fortemente favorável ao instituto.
Não se tem acolhido pretensões anulatórias fundadas em mero incon­
formismo com o conteúdo das decisões dos árbitros. Os estreitos limites

de realizar praticamente uma decisão mediante o emprego de atos de força, i.e., mediante o emprego da
técnica da sub-rogação. A execução da sentença que condenatória particular ao pagamento de quantia deve
se dar segundo os arts. 475-J e seguintes do Código de Processo Civil. A execução da sentença que condena
a Fazenda Pública ao pagamento de quantia, por sua vez, deve ser realizada na forma do art. 730 do Código.
Por fim, a execução das sentenças condenatórias em obrigação de entrega de coisa e de fazer (ou não fazer)
realiza-se segundo os arts. 621 a 631 e 632 a 643, respectivamente.
12
O art. 33, §3º, da Lei nº 9.307 fala apenas nos embargos do executado. Mas é pacífico, na doutrina e
jurisprudência brasileiras, que a impugnação ao cumprimento de sentença (figura recente no ordenamento
jurídico brasileiro, nele inserida pela Lei nº 11.232/2005) também pode ser empregada como meio de controle
das sentenças arbitrais condenatórias.
13
Disponível em: <http://www.cbar.org.br/bib_pesquisa_fgv_cbar.html>.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 131-148, abr./jun. 2011
148 Felipe Scripes Wladeck, Paulo Osternack Amaral

previstos em lei para o controle judicial das sentenças arbitrais vêm


sendo, de um modo geral, observados — o que torna, sem dúvida
nenhuma, o Brasil um local seguro para sediar arbitragens.

7 A adesão do Brasil à Convenção de Nova Iorque


A Convenção de Nova Iorque foi aprovada e promulgada pelo
Brasil apenas em 2002. Mas antes mesmo disso, com a edição da Lei
nº 9.307, em 1996, as suas mais relevantes regras foram incorporadas
pelo direito brasileiro.
Como se viu anteriormente, a Lei nº 9.307 previu expressamente
que a cláusula compromissória não consiste mais em um simples pré-
contrato de compromisso. Tornou-a suficiente, por si só, para excluir a
competência dos juízes estatais em relação às causas nela abrangidas.
As hipóteses nas quais é dado ao Poder Judiciário brasileiro recu­
sar o pedido de homologação da sentença arbitral estrangeira são exa­
ta­
mente as mesmas que a Convenção de Nova Iorque menciona. E se
aplicam em nosso ordenamento desde que foi editada a Lei nº 9.307.
A Convenção de Nova Iorque não condiciona a homologação da
sentença arbitral estrangeira à sua prévia ratificação pelo Poder Judi­
ciá­
rio do país em que proferida. A Lei nº 9.307, inspirada na Convenção,
seguiu essa mesma linha — a qual, aliás, já vinha sendo há muito
tempo endossada pelo Supremo Tribunal Federal (art. 35).
A adesão à Convenção de Nova Iorque, de todo modo, certamente
veio a consolidar a presença do Brasil entre os países dotados de uma
arbitragem séria e moderna, apta a garantir soluções rápidas e seguras
para conflitos comerciais internacionais.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

WLADECK, Felipe Scripes; AMARAL, Paulo Osternack. Arbitragem no Brasil. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 131-148, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 131-148, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa
probatória no moderno contexto
processual civil: um confronto entre o
juiz Pilatos versus o juiz contemporâneo
Ana Surany Martins Costa
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Advogada militante e Especialista
em Direito Previdenciário.

Newton Teixeira Carvalho


Juiz de Direito. Professor de Direito de Família, Processo Civil. Pró-Reitor de Pesquisas da Escola
Superior Dom Hélder Câmara. Especialista em Direito de Empresa. Mestre em Direito Processual
Civil. Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Resumo: O artigo em tela enfocará a iniciativa probatória do juiz, dentro


da moderna tônica processual civil que visualiza o processo como garantia
constitucional para o alcance da efetividade, acesso à justiça e pacificação
social. Para tanto, analisar-se-á o papel do magistrado em juízo, destacando
se entre seu rol de atribuições é cabível a iniciativa probatória, com arrimo no
art. 130 do CPC e no fato de que a prova pertence a todos que participam do
processo, como procedimento em contraditório. Posteriormente, destacar-se-
ão os princípios da demanda, bem como o inquisitivo e também o da verdade
real. Por último, adentrar-se-á no tema da iniciativa probatória do juiz, por
meio de argumentos voltados para o sentido finalístico do processo moderno,
com base no embate de ideias personificadas nas figuras cognominadas como
juiz Pilatos (que ao desprezar a possibilidade de produção de outras provas
essenciais para o deslinde da causa, lava suas mãos, calando a verdade que
deve prevalecer no processo) e no juiz contemporâneo (que não mede esforços
para desvendar, sempre que possível, a verdade real dos fatos controvertidos
sub judice). Portanto, será sob tal ótica que se demonstrará que o juiz não
deve ser negligente diante do processo, quando seja possível e devida uma
dilação probatória, independentemente de a requisição da prova ser dever
ou não da parte, tendo em vista ser ele o destinatário daquela que servirá
de auxílio em seu convencimento e prolação da sentença que significa um
de seus atos mais relevantes e que, na atualidade, é vista também como ato
coparticipado, eis que todos que atuam no processo, como procedimento
em contraditório, são considerados também como construtores da sentença.
Palavras-chave: Iniciativa probatória. Verdade real. Acesso à justiça. Processo.
Juiz.
Sumário: 1 Proêmio – 2 A trilha evolutiva da prova como norte para o
alcance da verdade real no processo – 3 O processo como fundamento da
constitucionalidade – 4 A iniciativa probatória como um dos salutares poderes
instrutórios do juiz moderno – 5 A principiologia embasadora do direito
probatório: algumas linhas sobre os princípios da demanda, inquisitivo e
verdade real – 5.1 O princípio dispositivo – 5.2 O princípio inquisitivo –

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
150 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

5.3 O princípio da verdade real – 6 A iniciativa probatória do magistrado


na atual tônica processual civil: um embate sobre o juiz Pilatos x o juiz
contemporâneo – 7 Conclusão – Referências

1 Proêmio
O presente artigo discutirá a iniciativa probatória do juiz, tendo
como cenário a moderna tônica processual civil que se arrima no caráter
publicístico do processo, como procedimento em contraditório e também
considerando que todos, Juízes, Promotores, Advogados, partes etc.,
também são considerados partes e também contribuem à efetividade e
acesso à justiça para pacificar os conflitos que se apresentem à função
judiciária.
Nesta quadra, não obstante o progresso da teoria processual tenha
se passado, de forma predominante, na seara da prova e sua iniciativa,
tendo o Brasil se portado desde o Código de 1939 entre as mais avan-
çadas legislações, a exegese dos poderes do juiz a respeito da instrução
probatória não se fez de forma célere ou amadurecida. Ao revés, o legado
lusitano e romano das noções do sistema dispositivo é que durante largo
tempo influíram na interpretação doutrinária e jurisprudencial. Não que
se negasse a iniciativa probatória do juiz, mas registrava-se uma preo­
cupação em limitá-la, com condicionamentos irrazoáveis.
Como substrato à compreensão do tema em tela é que se analisará
sucintamente a senda da prova em seus primórdios, bem como o papel
do juiz ao tomar iniciativa probatória, tendo em vista as visões doutri­ná­
ria e contemporânea do processo, discutindo-se se o magistrado, ao agir
desta maneira, torna-se parcial.
Nesse passo, serão destacados os princípios que envolvem o tema
do artigo em tela, tais como os da demanda, o inquisitivo e o da verdade
real.
Após isso, adentrar-se-á no tema da iniciativa probatória do juiz,
por meio de argumentos voltados para o sentido do processo moderno,
tendo por base o processo não como mero instrumento do formalismo
jurídico, mas, sim, como pacificador dos litígios, com observância estrita
do contraditório, e também como expressão máxima da efetividade e
acesso à justiça. Tais confrontos de ideias serão personificados nas figuras
do juiz Pilatos (que, ao ignorar a necessidade de maior dilação probatória,
lava suas mãos, silenciando a verdade que deve prevalecer no processo)
e do juiz contemporâneo (que não deve medir esforços para desvendar,

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 151

sempre que possível, a verdade real dos fatos controvertidos postos


sob sua análise).
Logo, é a partir de tal panorama que se demonstrará que o juiz não
deve representar um ser apático diante do processo, quando no mesmo
seja possível e devida uma dilação probatória, independentemente de a
requisição da prova ser dever ou não da parte.

2 A trilha evolutiva da prova como norte para o alcance da verdade real


no processo
O vocábulo prova, derivado do verbo probare (demonstrar, reco­nhe­
cer, formar juízo de), advém do latim, proba, possuindo 19 (dezenove)
sentidos, sendo o mais adequado ao tema do presente artigo aquele
voltado para “Aquilo que atesta a veracidade ou autenticidade de alguma
coisa; demonstração evidente”.1
Juridicamente, a prova:

[omissis] consiste numa soma de meios probatórios realizados por um con­junto


de atos praticados por pelo menos uma das partes litigantes ou requerentes
em juízo, que quer fazer operar no espírito do julgador a certeza de sua ou de
suas afirmações, com a finalidade precípua que é a de obter êxito na demanda,
através da comprovação daquelas alegações.2

Até se chegar a tal conceito é interessante observar como que a feição


da prova, seu ônus e o comportamento do juiz diante de ambos evoluíram,
desde a antiguidade até os tempos atuais, já que aquela se revelou como
pretexto para o cometimento de atrocidades humanas, sob a égide do
divino, além de veículo para formalismos inúteis, bem como de juízos
de valores vazios de sentido; etc., até servir de base para implementar
o direito probatório mais coadunado à racionalidade e como obrigação
exclusiva da parte autora.
Esclareça-se que se resenhará a história do direito probatório por
meros motivos editoriais, tendo em vista que o tema em tela não pode
e nem merece ser exaurido em um mero artigo.
Historicamente, Roma e Grécia foram fundamentais no que tange à
prova tal como é concebida hoje, tendo em vista que os membros de suas

1
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1656.
2
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 24.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
152 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

sociedades se subdividiam em fratrias ou cúrias (agrupamento de famílias


que mais tarde se tornaram tribos que povoaram as cidades) que, ao longo
do tempo, ensejaram o aparecimento da prova judiciária com caráter
de meio para se chegar a concluir por uma decisão.3
Em tal época, a religião era tal como a lei, o que a bem da verdade
representava um subterfúgio para o homem (leia-se o julgador) que
se eximia da sua responsabilidade de dizer o direito no caso concreto,
mantendo, assim, intacto seu prestígio político perante as partes e, por
conseguinte, ante o corpo social. Desse modo, sem desagradar ninguém,
nada se fazia ou se deixava de fazer senão em nome dos deuses, ense­jando
as primeiras formas irrazoáveis de se buscar a verdade dos fatos, sendo
exemplos disso o aparecimento dos ordálios e do juramento.
Os ordálios, juízo de Deus ou judicium Dei, eram as chamadas provas
de cunho eminentemente religioso e — diga-se — mais desumano, usados
principalmente pelos primitivos povos germanos e os semibárbaros da
família indo-europeia, que tinham por fim submeter alguém a um
determinado procedimento probatório com base na ideia de que Deus
não o deixaria sair com vida ou sem um sinal evidente se não dissesse
a verdade ou fosse culpado.4
O judicium Dei representou um dos exemplos de prova irracional
que modificava o destino do homem, abreviando sua vida, posto que era
quase que impossível sobreviver à submissão de suas modalidades, as
quais eram: a prova pela sorte, fogo, água fria, cruz, pão e queijo, euca­
ristia, caldeira pendente, pão bento, serpentes etc., chegando até a Europa
na Idade Média, com a predominância do cristianismo, sob o pálio de
que Deus participava do processo e do julgamento dos homens.5
Houve a instituição de provas, formais e sem contraprova, diante
das quais o juiz, órgão passivo, aguardava que a justiça divina que des­
conhece a malícia das acusações ou a falsa prova, pendesse para o lado
da verdade e do justo. Inevitavelmente, ao juiz dos tempos de Deus cabia
absolver a quem levasse a prova a cabo e condenar ao que fraquejasse
ou sucumbisse à experimentação.

3
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 24.
4
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 25.
5
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 25.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 153

Com a resistência da Igreja Católica no século IV, através de Santo


Agobardo (bispo de Lião), propugnaram-se outros meios de prova mais
racionais — tais como as testemunhas e o juramento, foi, porém, somente
após o século XIII que os ordálios entraram em desuso, passando a
figurar apenas nas leis de alguns povos.6
O juramento, como ilustração do antigo sistema probatório que
desconheceu a escrita, também possuiu características religiosas, pois
invocava-se a divindade como testemunha da verdade do fato que se
alega, facultando-se ao réu jurar que era inocente da acusação de que
falava o autor. No sistema logobardofranco, antes de se deferir o jura­
mento ao réu, jurava primeiramente o autor de que não tinha a intenção
de caluniar ou molestar aquele.7 Mas, devido aos abusos dos juramentos
falsos, começou a surgir na Idade Média outra forma análoga ao jura­
mento: era a dos conspurgadores, em que outras pessoas juravam pelo
acusado ou por quem devia jurar.8
Como era de se esperar tal fase degenerou, pois houve tanto abuso
nos juramentos que os perjuros foram inevitáveis, o que atraiu novamente
a fase em que a justiça era feita com o derramamento de sangue, haja
à vista o combate ou o duelo judiciário que se difundiu pela Europa e que
consistia numa verdadeira luta entre as partes, na qual uma batia na
outra e vice-versa, para dirimir controvérsias de fato e de direito.9
Mas, com a degradação dos ordálios e do combate judiciário,
retornou-se à prova testemunhal, a qual retoma, em tal período, o pres­
tígio outrora obtido na Antiguidade, sobretudo em Roma.
A prova testemunhal é conhecida desde a infância dos povos,
sendo antiga como o próprio homem, cuja origem nasceu com a afir­
mação do direito individual e continua a exercer ainda papel relevante
nas nações civilizadas, vigorando entre os egípcios, judeus e gregos,
chegando a adquirir uma forma de convenção.
Entre os romanos existia os tabularii que registravam por escrito a
convenção das partes na presença de testemunhas, sendo que foi a partir
de tal registro que houve a difusão da prova documental, a qual com a

6
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 25.
7
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 25.
8
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 26.
9
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 26.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
154 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

instituição de tabeliães, de caráter público, ganhou cadeira cativa em


definitivo no século XV, generalizando-se seu uso.10
Em que pese a evolução da prova dos primórdios até os dias atuais,
é no direito romano que se encontra arraigada a raiz do direito proba­
tório, além, claro, da própria ciência jurídica.
E foi também na fonte jus romana que se delineou a noção de ônus
da prova, a qual corresponde às regras distributivas de ônus processuais
entre as partes referentes à subministração da prova.
O processo romano não separava as regras de direito material das
de direito processual. Contudo, conheceu 03 (três) sistemas processuais:
o das legis actionis; o formulário e o extraordinário ou extra ordinem, sur­
gidos em um ambiente de tempos rudes, sem organização política e
com destaque para a iniciativa privada, na qual a razão dos mais fortes
pre­ponderava sobre a dos fracos, independentemente da dignidade de
cada qual.
O período da legis actionis, ou processo das ações da lei, foi o mais
primitivo dos 03 (três) sistemas e é fruto do período da Lei das XII
Tábuas.11
Apesar de ter superado a guerra privada ou o duelo, manteve-se
nesse período, todavia, a vingança, não, porém, como forma de solucio­
nar as demandas, mas como desforço individual, sendo que o formalismo
era a característica mais importante do procedimento. Assim, “[omissis]
se o reivindicante dum vinhedo utiliza a palavra vites, vinhedos e não
arbores, árvores, perderia a ação de reivindicação porque deixara de usar
a palavra usada no texto da lei: arbores”.12
O procedimento consistia em duas fases, a primeira era a in iure
(consistia em uma audiência de composição dos litigantes frente ao
magistrado, os quais declinavam sua pretensão com palavras e gestos
solenes) e a in iudicio (quando o pedido do réu era negado, chama-se
um árbitro, daí a afirmação de o autor colocar o réu na posição de se
defender frente a tal árbitro).13

10
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 27.
11
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 32.
12
NETO, 1982, p. 96 apud CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1994. p. 32. (Destaque no original)
13
NETO, 1982, p. 96 apud CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1994. p. 33.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 155

Daí expostas pelas partes suas razões perante o árbitro e propostas


as provas, este sentenciava: condenava ou não.
Se houvesse condenação, a qual poderia consistir num pagamento
em dinheiro ou no corpo do condenado, conforme a pena de talião
proceder-se-ia a uma segunda fase: legis actios per manus iniectionem — ação
da lei para pôr a mão no devedor —, já que o árbitro não tinha poderes
para fazer cumprir a sentença, uma vez que era um simples cidadão.14
Ao árbitro era reconhecido um amplo poder de valoração das
provas, podendo até levar em conta na sentença a conduta das partes,
não no sentido processual, mas sim pessoal, tal como resta comprovado
pela passagem de Gelio, narrada no II Colóquio Ítalo-brasileiro de
Direito Romano:

As provas favoreciam amplamente o acusado, que era porém [sic] uma pessoa
de má fama, vida desregrada e torpe, pleno de perfídias e de fraudes, ao
contrário do demandante, que era um homem muito bom, de reconhecida
e comprovada boa fé, e de vida irreprochável, atribuindo-se a ele muitos e
destacados exemplos de probidade e nobreza [Omissis].15

Assim, se houvesse falta de provas, a questão se resolveria exclu­


sivamente em função da razão da conduta social ostentada pela parte no
seio da comunidade, daí o ônus da prova recair sobre a pessoa do autor
quanto às suas afirmações e igualmente sobre a figura do réu quanto
às suas negações.
Com o passar do tempo foi possível uma mutação do sistema
primitivo ao sistema tipicamente romano da igualdade das partes frente
ao juiz e da plena liberdade desta na valoração dos meios de prova,
o que se cognominou como legis actio sacramento in rem ou legis actio per
sacramentum.16
No período formulário, usado em Roma 100 (cem) anos antes
de Cristo, consistia em um sistema que usava fórmulas que continham
para cada caso previsto, na qual um magistrado num primeiro momento
as fixava a fim de o árbitro sentenciar num segundo momento.
Cabia ao autor perante o magistrado escolher a fórmula desejada
para a ação, tratava-se da intentio, ou seja, a intenção da pretensão do

14
NETO, 1982, p. 96 apud CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1994. p. 33.
15
KARAM, 1980, p. 91 apud NETO, 1982, p. 96 apud CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito
probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. p. 34.
16
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 35.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
156 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

demandante. E o réu ao ser notificado para a demanda, contestava ou


alegava uma exceção, ou seja, a exceptio. Após isso, seguia-se a condemnatio,
momento esse em que as partes produziam suas provas e posterior­
mente a apreciação de tais provas pelo árbitro, havia uma condenação
ou absolvição.17
Assim, pode-se afirmar que tais regras não passavam de medi­­ do­
res de conveniência, posto que a distribuição do ônus da prova em tal
período não tinha nenhum valor jurídico e não se podia falar de uma
necessitas probandi.
O sistema processual extraordinário, ou cognitio extra ordinem, repre­
sentou uma fase marcante do procedimento probatório romano, pois
em tal instante foi minada a bipartição do procedimento in iure e in
iudicio, dando origem a importantes inovações no processo.
Em tal instante começou a haver a nomeação de juízes (que antes
eram governadores) da Província do Império, já que o julgamento das
causas foi afastado dos árbitros, pessoas leigas, para ser proferidas por
especialistas, ganhando o processo, assim, um caráter publicístico.18
No campo probatório, além da inovação das fontes, importantes
modificações surgiram, tais como a valoração das provas, que anterior­
mente era livre, passou a ser vinculada. E, como fonte de provas, foram
admitidos os documentos, os depoimentos de testemunhas, a presunção,
o juramento e a confissão.
E no que diz respeito à carga da prova, foram fixadas certas regras
e se determinaram quem as devia produzir, impondo à parte contumaz
as consequências da falta.
O árbitro antes podia proferir um julgamento non liquet, isto é,
deixar de julgar sob o fundamento de não haver provas nos autos. Tal
faculdade não foi alcançada pelos juízes, já que era incompatível com
a função pública que passaram a exercer.19
Desse modo, o juiz deveria pronunciar a sentença de acordo com a
lei e a equidade, sendo, sem dúvida alguma, essa a fase em que se lançou
a semente de todo o processo civil moderno.

17
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994,
p. 37.
18
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 37.
19
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 38.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 157

Do encontro do direito romano com o direito germânico, favore­


cendo a atividade das partes no processo, as regras de experiência, que
num tempo guiavam a elaboração lógica do juiz, acabaram adquirindo
não somente valor de verdadeiras regras legais, como também fixaram
o conceito de onus e necessitas probandi.20
No entanto, tendo prevalecido o dogma romano-canônico da
carga da prova, a concepção germânica pouco a pouco se debilitou, até,
por fim, extinguir-se.
Em tal instante se tem conhecimento do aforisma: Iudex debet
judicare secundum allegata et probata, ou seja, o juiz julga segundo o alegado
e provado. Tal ensinamento propalado por glosadores é oriundo da
Escola de Bolonha, sendo nesta fase que se consagra o princípio germânico
de que deve sucumbir aquela parte que deixou de provar o fato incerto.21
Há ainda outros brocardos oriundos de fonte romanística, tais
como o actori incumbit onus probandi, que corresponde ao fato de que já
que o autor é a primeira pessoa que vem a juízo, é o primeiro que afirma
e, assim, o primeiro que deve provar. Obviamente, tal regra sofre exceções,
posto que há determinados fatos que pela lei independem de provas.
Por ei qui agit onus probandi incumbit compreenda-se que se ao autor
couber provar o fato jurídico, origem de seu pedido, logicamente lhe
competirá demonstrar não apenas a existência dos elementos causativos
da relação jurídica, mas também a inexistência de condições impeditivas
da formação do direito.
Constituindo a pedra angular do sistema processual romano, a
máxima ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat ou per rerum naturam
factum negantis probatio, nulla est, ou seja, o ônus da prova cabe a quem
afirma, não a quem nega.22
É inegável que todos esses brocardos se prestavam ao papel de
outorgar ao autor a obrigação única e intransferível, salvo em raras
exceções, como nos dias atuais, de provar suas alegações. Sendo fato
que nosso Judiciário ainda se pauta em tais máximas para embasar
seu decisum.

20
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994,
p. 39.
21
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 40.
22
CAMPO, Hélio Márcio. O princípio dispositivo em direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
p. 44.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
158 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

Nesse viés, defende-se que tal ideal não mais se coaduna com o
processo na atualidade, pois o mesmo se modernizou, volvendo-se para
a noção de processo como meio de acesso e realização da justiça, apar­
tando-se do formalismo jurídico, o que atrai a iniciativa probatória
do juiz.
Como confirmação disso, é que se recorda que tal modernização
iniciou seu agigantamento após a Segunda Grande Guerra, tendo como
marco inicial a Revolução Francesa que, a partir de suas ideias das luzes,
encerrou a sociedade feudal e abriu caminho para ditames contem­
porâneos, assegurando ser o homem vocacionado ao progresso e ao
autoaperfeiçoamento ético, deslocando o eixo da ordem social de Deus
para o homem racional, dentro da imorredoura ideia de que se deve
viver em Liberté, Egalité, Fraternité.
Ao se expor resumidamente o passado da prova, pretendeu-se
evidenciar que, na Antiguidade, a judicância era hipertrofiada, não
havendo espaço para um juiz mais atuante, sendo que seu desempenho
passou a ser arrimado na máxima Iudex debet judicare secundum allegata
et probata, sendo que tal realidade não deve reinar nos tempos atuais,
sob pena de retorno aos períodos mais primitivos do sistema probatório.
Tal colocação não é absurda, mas libertadora, na medida em que
se levou séculos para se ter um sistema probatório tal qual como o
concebido hoje.
Antes, a prova era calcada na irrazoabilidade, na violência, na
vingança entre as partes, desprezando-se o ser humano em toda a sua
dignidade e plenitude, por não lhe oportunizar a chance para trazer,
ao juiz, elementos probatórios ensejadores de uma possível absolvição.
Destarte, em nome da produção de uma prova em sua forma
mais genuína, promoveu-se a matança (sistema ordálico), o propalar
da mentira e do perjuro (fases do juramento e dos conspurgadores) e
a vingança entre as partes (duelo judiciário). E o pior que tudo isso foi
erigido sob um discurso voltado para o divino, delegando-se a Deus toda
a responsabilidade sobre a descoberta de uma verdade que deveria ser
desvendada somente pelo homem, ou seja, pelo julgador sentenciante
dentro do processo.
Repisem-se as mesmas colocações quanto aos sistemas processuais
probatórios de Roma, que decaem em excelência por serem, em sua
essência, vazios de justiça estatal, representando em gerais linhas, a

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A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 159

preponderância do formalismo da lei em vigência no momento e em


razão da prevalência dos interesses do mais forte sobre o mais fraco.
Lado outro, como fruto da mutação do sistema primitivo ao sis­tema
tipicamente romano da igualdade das partes frente ao juiz e da plena
liberdade desta na valoração dos meios de prova, é inegável que foi da
fonte romana que se obteve provas que hoje são largamente utilizadas
em nosso sistema processual vigente, trata-se da ouvida de testemunhas,
confissão e oferta de documentos.
Portanto, o longo caminho evolutivo trilhado pela prova a partir
dos parâmetros privatísticos do direito greco-romano serve para
demonstrar que nosso sistema probatório pode evoluir mais, tendo em
vista os reclamos atuais da sistemática processual moderna que aponta
para uma relação mais atuante do juiz, sob pena de um retrocesso jurí­
dico, já que sem a mais completa produção de provas a verdade real
permanecerá encoberta.

3 O processo como fundamento da constitucionalidade


A efetividade dos direitos fundamentais designa contempora­
neamente as Constituições Democráticas. O exercício de qualquer função
há que se fazer em estrita observância dos direitos fundamentais. Assim,
anota Souza Cruz: “a relação dos mesmos com a Constituição é orgânica”.23
Álvaro Ricardo de Souza Cruz, no parágrafo anterior citado, ao falar
acerca do indissociável binômio: Direitos Fundamentais/Constituição,
afirma que:

A estreiteza da unidade Direitos Fundamentais/Constituição constitui-se de


duplo aspecto: primeiro, pela realização efetiva dos primeiros; segundo, pela
legitimação dos processos de comunicação entre indivíduos, órgãos e instituições
públicas e privadas que regerá o fundamento da própria Constituição.24

Através do processo, garantidos ficam os direitos individuais e


coletivos. Por isso é que Couture afirmava ser o Código de Processo Civil
e suas leis complementares “uma lei regulamentadora dos pre­ ceitos
constitucionais que asseguram a justiça”.25

23
SAMPAIO, José Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Hermenêutica e jurisdição constitucional: estudos
em homenagem ao Professor José Alfredo de Oliveira Baracho. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 196.
24
SAMPAIO, José Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Hermenêutica e jurisdição constitucional: estudos
em homenagem ao Professor José Alfredo de Oliveira Baracho. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 196.
25
COUTURE, Eduardo J. Introdução ao estudo do processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 19.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
160 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

Contribuiu para a atual fase científica do Direito Processual Civil,


que vê o processo civil também como garantia constitucional, não apenas
o processo penal, cujos princípios foram primeiramente constituciona­
lizados, ante a irrupção do totalitarismo na esfera procedimental. Restam
frustradas, com a constitucionalização dos princípios processuais, todas
as tentativas de substituir o processo por métodos autoritários e soluções
administrativas.
A relação existente entre Constituição e Processo foi lembrada
pioneiramente pelo professor Baracho, ao afirmar que:

O texto fundamental traça as linhas essenciais do sistema processual consagrado


pelo Estado. A Constituição determina muito dos institutos básicos do processo,
daí as conclusões que acentuam, cada vez mais, as ligações entre a Constituição
e Processo.26

Por isso mesmo, inúmeras garantias constitucionais, de caráter


processual, foram estabelecidas. Os princípios legais do devido processo
legal e da ampla defesa em juízo constaram de diversos tratados interna­
cionais. Na Constituição Republicana de 1988, também, vários desses
princípios de processo foram constitucionalizados, com destaque, dentre
outros, para o princípio da inafastabilidade do controle judiciário (art.
5º, XXXV, CF/88), regra que se prende diretamente à cláusula do devido
processo legal (due process of law).
Assim, para que haja processo necessário é que as normas Cons­
titucionais referentes a este sejam rigorosamente observadas. Caso con­
trário, não se pode falar em processo. Estamos, no dizer de Fazzalari,27
diante de mero procedimento, na ausência de contraditório.
Aliás, a importância do processo no Estado Democrático de Direito
é tamanha, a ponto de a defesa da própria Constituição se realizar
também pelo processo, seja através do controle difuso ou concentrado,
seja por intermédio das chamadas ações constitucionais, a garantir os
direitos fundamentais, eis que líquidos e certos.
O Professor Rosemiro Leal, acerca da liquidez e certeza dos direitos
fundamentais, assim se pronuncia, de maneira irrefutável:

Os direitos postos por uma vontade processualmente demarcada, ao se enun­


ciarem constitucionalmente fundamentais, pertencem a um bloco de direitos

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 122.
26

FAZZALARI, Elio. Instituzioni di diritto processuale. 6. ed. Padova: CEDAM, 1992.


27

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A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 161

líquidos (autoexecutivos) e certos (infungíveis) de cumprimento insuscetível,


de novas reconfigurações provimentais e, por conseguinte, só passíveis de
lesões ou ameaças após efetivamente concretizados ex-officio pela Administra­
ção Governativa ou por via das ações constitucionais (devido processo legal)
a serem manejados por todos indistintamente ao exercício da auto-inclusão
[sic] auferidora dos direitos fundamentais criados e garantidos no nível cons­
tituinte da normatividade indeclinável.28

Do exposto acima, verifica-se que processo existirá somente se


observados os princípios constitucionais, todos necessários a dar forma
a uma decisão realmente democrática, com a garantia de uma partici­
pação discursiva das partes na construção do provimento final.
Resta saber se a iniciativa probatória pelo julgador fere o princípio
do contraditório. É o que demonstraremos nos capítulos seguintes.

4 A iniciativa probatória como um dos salutares poderes instrutórios do


juiz moderno
À guisa de introito, torna-se oportuno recordar um dos julgamentos
mais importantes de que se tem notícia, trata-se da condenação de
Jesus Cristo:

[omissis] a qual teve lugar, segundo os Evangelhos, numa sexta-feira e o res­


ponsável pela sentença foi Pôncio Pilatos, o governador romano na altura. O
processo teve várias fases, relatadas pelos quatro evangelistas. Assim S. Marcos
e S. Mateus dão-nos conta que houve à meia-noite uma reunião no Sinédrio,
presidido por Caifás, de forma a reunir testemunhas incriminatórias de Jesus,
intenções que não foram levadas a bom termo, pelo que o Sumo Sacerdote
perguntou directamente [sic] a Jesus se era o filho do Messias. Jesus confirmou
a sua filiação o que, na opinião dos membros do Sinédrio, constituiu uma
autêntica blasfêmia. A consequência imediata foi a sua condenação à morte.
São Lucas ainda relata que Cristo foi levado, por ordem de Pilatos, à presença
de Herodes Antipas. No entanto, após um interrogatório inconclusivo, este
devolve-o a Pilatos. O Evangelho de S. João não faz qualquer alusão ao
julgamento no Sinédrio, apenas refere que Jesus foi levado à presença de Pilatos
para ser julgado. Este deu a escolher ao povo entre a morte de Jesus e a libertação
de Barrabás, preso acusado de sedição contra Roma. O povo escolheu Barrabás
e Pilatos condenou Jesus à morte na cruz, castigo aplicado aos sentenciados
acusados de crime capital (apesar de não ser este o caso). Ficou célebre o acto
[sic] narrado por S. Mateus (Mt. 27, 24) em que Pilatos lava as mãos, excusando-
se de qualquer responsabilidade nesta condenação.29

28
LEAL, Rosemiro Pereira. O garantismo processual e direitos fundamentais líquidos e certos. In: MERLE, Jean
Christophe, MOREIRA, Luiz (Coord). Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003. p. 338.
29
CONDENAÇÃO de Jesus Cristo. Infopédia. Porto: Porto Editora, 2010. Disponível em: <http://www.infopedia.
pt/$condenacao-de-jesus-cristo>. Acesso em: 19 set. 2010.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
162 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

Com a reprodução acima,30 pretende-se destacar que a prova, no


julgamento de Jesus, esteve oculta e muitas vezes intrincada, posto que
a condenação em comento foi advinda de tendenciosas opiniões da
cúpula do Sinédrio,31 em interrogatórios inconclusivos e contraditórios32
e na proposital outorga do poder judicante33 a terceiros leigos (povo) no
sentido legal, contrariando-se as leis romanas e hebraicas. Assim, a figura
de Pilatos, dentro da sistemática processual que gerou a crucificação
de Jesus, representa uma personagem indolente e apática que não quis
buscar a verdade real, preferindo contentar a multidão, ao tomar uma
bacia de água diante de si, lavando suas mãos nela e anunciando: “Estou
inocente do sangue deste justo: considerai isso”.34
Aclare-se ainda que no julgamento de Cristo: não se observaram
as garantias do acusado; eram proibidas e consideradas clandestinas as
audiências noturnas para apuração da verdade; exigia-se a mais rigorosa
concordância entre os depoimentos das testemunhas e, à menor dúvida,
decidia-se em favor do acusado; só podia ser executada a sentença que
impunha a pena capital após o transcurso de 24 (vinte e quatro horas),
tornando-se definitiva somente depois que os julgadores se reunissem
e mantivessem a pena; eram vedadas audiências em véspera de sábado
ou festas de guarda; a prisão ocorreu mediante suborno; ausência de
acusação formal, nitidamente deduzida, com narrativa dos fatos; falta
de defensor, o qual tinha presença e atuação como obrigatórias; duplo
julgamento pelo mesmo delito; admissão de prova insuficiente; dois
castigos pelo mesmo delito (flagelação e crucificação), o que era vedado
pela lei romana. Dessarte Jesus de Nazaré não foi condenado, mas
literalmente foi assassinado.35

30
Tendo em vista que nosso Estado é laico, não se pretende com a reprodução da passagem bíblica retro tecer
qualquer apologia à religião católica, o que se pretende é ilustrar que, desde a antiguidade, a prova teve ou
ao menos deveria ter tido o seu lugar.
31
Elucide-se que o Grande Sinédrio, a Suprema Corte Judaica, era a única corte com jurisdição sobre crimes
puníveis com a morte. A criação do Sinédrio é atribuída a Moisés. Foi uma corte de 70 (setenta) membros
composta de um sumo sacerdote como juiz principal, uma Câmara Religiosa de 23 (vinte e três) sacerdotes,
uma Câmara Legal de 23 (vinte e três) escribas, e 01 (uma) Câmara Popular de 23 (vinte e três) anciãos. Era
a essa corte que Jesus se referia quando ele disse que devia ir a Jerusalém e sofrer nas mãos dos anciãos,
sacerdotes e escribas. Ele sabia que pela decisão deles seria morto.
32
Foram aliciadas 08 (oito) testemunhas, porém tão contraditórias que os membros do tribunal a dispensaram,
sendo convocadas mais duas que também não foram concordes.
33
Era costume durante a Páscoa libertar um prisioneiro escolhido pelo povo. Pelo voto popular, as pessoas
poderiam conceder anistia a qualquer um sentenciado à morte.
34
FOGLE, Harry. O julgamento de Jesus. Jurisdictionary Foundation: Flórida, 2000. Disponível em: <http://www.
espirito.org.br/portal/artigos/diversos/evangelho/o-julgamento-de-jesus.html>. Acesso em: 29 set. 2010.
35
LIMA, Múcio de Abreu e. Processo e julgamento de Jesus. Belo Horizonte: Santa Maria, 1949. p. 172, 175
apud MARTINS, Lúcio Urbano Silva. Julgamento de Cristo. Revista Jurídica, Belo Horizonte, ano 12, n. 23, 1º
sem. 2010. (Seção: Direito Penal Histórico).

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A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 163

Não houve, no julgamento de Jesus, processo, mas mero pro­


cedimento, na ausência do contraditório, eis que inexistente a ampla
defesa. O julgamento foi, na verdade, ideológico e, através de manipu­
lação e deturpação de provas, procurou dar legitimidade às atrocidades
perpetradas há mais de dois mil anos atrás.
E, com tais colocações, demonstra-se, cabalmente, como o compor­
tamento irresponsável do magistrado, diante das poucas provas colhidas
(ou sua ignorância como no caso do julgamento de Jesus), serviu como
elemento alterador da senda humana, quer seja ceifando vidas na anti­
guidade, quer seja minando expectativas legítimas de direito.
Sob esse viés, defende-se que a iniciativa probatória do juiz evita
injustiças e também é mais um instrumento do Estado na execução da
lei para pacificar os conflitos, com base no art. 3º da Constituição Federal
de 1988 (CF/88).36 Portanto, tal atitude, ativa, não pode ser encarada
como extrapolação da função judicante, eis que sua admissão não
representará superestima da figura do magistrado.
É certo que há limites que condicionam os membros da função
judicante, dentre eles o da legalidade. E, na Constituição e também
no Código de Processo Civil, não há nenhuma proibição de o julgador
buscar, através da iniciativa probatória, reproduzir, em juízo, o que, de
fato, aconteceu na sociedade. Na atualidade, o velho adágio, “o que não
está nos autos não está no mundo”, não tem guarita jurídica. Na verdade,
o que aconteceu no mundo há de ser reproduzido, fielmente, nos autos.
Do contrário, as decisões judiciais continuaram sem legitimidade junto
aos destinatários, os jurisdicionados.
É certo que a atividade probatória também deve ser exercida pelo
magistrado, não em substituição às partes, mas concomitantemente com
elas, como um dos sujeitos interessados na descoberta da verdade real
e na cabal efetividade de suas sentenças.
Saliente-se que a atividade judicante na busca da reconstrução
dos fatos incluirá também o poder de interferir na produção da prova
requerida pelas partes, tudo para alcançar os objetivos do processo,37 já

36
“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – constituir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento social nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.”
37
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 161.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
164 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

que, consoante o art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC),


“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige
e às exigências do bem comum”.38
Esse exercício de atribuições, voltadas à perfeita construção do
conjunto probatório pelo magistrado, foi que conferiu ao julgador, con­­
forme doutrina Dinamarco, a atual cognominação de juiz moderno,
encarando-se a iniciativa probatória do juiz como mais uma faceta do exer­
cício da jurisdição, além de função estatal, eis que a paz social será mais
bem alcançada, quanto mais se aproxime da verdade real, não devendo
haver espaço para fatos que não sejam suficientemente demonstrados.
Tal contexto acaba por mitigar o princípio dispositivo, sendo que
o juiz moderno, ao suprir as deficiências probatórias do processo, não se
desequilibra e nem se torna parcial por assumir as rédeas da tutela da
parte negligente.
Nesse ponto, vale destacar que a moderna ciência processual afastou
o irracional dogma segundo o qual o juiz que expressa seus pensamentos
e sentimentos sobre a causa, durante o processo, estaria prejulgando e,
por conseguinte, afastando-se do cumprimento do dever de imparciali­
dade. Assim, o juiz não decai em sua dignidade quando, sentindo a
existência de motivos para emitir de ofício uma decisão particularmente
gravosa, antes chama as partes à manifestação sobre esse ponto, pois, “O
juiz mudo tem também algo de Pilatos e, por temor ou vaidade, afasta-se
do compromisso de fazer justiça”.39 O que a garantia constitucional do
contraditório lhe exige é que ele não seja apático ao notar a possibilidade
de produção de alguma prova que as partes não requereram, tomando,
assim, a iniciativa que elas não tomaram, ordenando que a prova se
produza, pois:

O processo civil moderno repudia a idéia do juiz Pilatos, que em face de uma
instrução mal feita, resigna-se a fazer injustiça atribuindo a falha aos litigantes. O
art. 399 do Código de Processo Civil dá expressamente ao juiz esse poder-dever
de suprir deficiências probatórias; o art. 33, mandando que o autor adiante os
honorários do perito quando o exame tiver sido determinado de ofício pelo juiz,
confirma a existência desse poder. No art. 342 estabelece-se que o juiz chame
as partes para serem interrogadas, a requerimento do adversário ou de ofício.

38
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. In: ANGHER, Anne Joyce (Org.). Vade mecum
Acadêmico de Direito. São Paulo: Rideel, 2010. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro. p. 189.
39
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 1,
p. 224. (Destaque no original)

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 165

Ainda existem vozes doutrinárias contra essa maneira de ver a figura do juiz
no processo, mas o compromisso que todo juiz deve ter com o valor do justo
não pode permitir solução diferente.40

O dever de iniciativa probatória do Juiz é maior quando a relação


jurídica material litigiosa é marcada pela indisponibilidade, no caso,
por exemplo, da ação investigatória de paternidade e de todas as demais,
envolvendo ações de estado ou de família.
É menos intenso esse poder/dever nos litígios sobre direitos dis­
poníveis entre capazes, mas mesmo nessas hipóteses ele não se deve
anular por completo, porque isso significaria reduzir o magistrado a
mero espectador sem consciência da função pública que exerce dentro
da siste­mática processual.41
Logo, a prova pertence a todos os que participam do processo,
como procedimento em contraditório, compreendendo as partes porque
procuram demonstrar os fatos favoráveis aos seus interesses e também
ao juiz que carece verificar o traço de (in) veracidade acerca dos mesmos.

5 A principiologia embasadora do direito probatório: algumas linhas


sobre os princípios da demanda, inquisitivo e verdade real
5.1 O princípio dispositivo
Conceitualmente, o princípio dispositivo ou da demanda é aquele
que atribui às partes a tarefa de estimular a atividade jurisdicional, bus­
cando os meios necessários para a solução da lide, via apresentação das
alegações e do material probatório.
O Código de Processo Civil acolheu o princípio dispositivo, em
seu art. 130, segundo o qual o juiz deve julgar segundo o alegado pelas
partes, acompanhando a máxima romana Iudex secundum allegata et
probata partium iudicare debet, abrandando-a ao permitir a iniciativa
probatória do juiz conforme se confirma na Exposição de Motivos, item
nº 18,42 na busca da verdade real.

40
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 1,
p. 223.
41
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 1,
p. 223.
42
“Item nº 18: O projeto consagra o princípio dispositivo [omissis], mas reforça a autoridade do Poder Judiciário,
armando-o de poderes para prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça (art. 130,
III). [omissis].” Fonte: MÉDICI, Emílio G. Exposição de motivos do Código de Processo Civil: (Lei Nº 5.869,
de 11 de janeiro de 1973). Brasília. Disponível em: <http://www.ombadvocacia.com.br/acervo/CODIGOS/
CODIGOPROCESSOCIVIL.PDF?PHPSESSID=09f6712e2bc1a36bac319854d3da27b1>. Acesso em: 6 out. 2010.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
166 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

Entretanto, a iniciativa probatória do juiz nada interfere no prin­


cípio dispositivo. Proposta a ação, bem como apresentada a defesa, é
certo que o juiz deverá julgar procedente ou improcedente o pedido.
Porém, para tanto, ele próprio poderá colher, de ofício, as provas, esta­
belecendo o debate, com a propositura da ação.
As provas são produzidas em busca da verdade e não em prejuízo
de uma ou de outra parte. O juiz, ao buscar prova, não sabe qual será
a consequência dela nos autos, se favorável ou desfavorável a uma das
partes. Continua o julgador imparcial, pretendendo apenas refazer os
fatos. Na sentença é que será analisada a prova, se favorável ao autor
ou ao réu.
Portanto, o juiz, tomado de perplexidade diante de provas con­
traditórias, confusas, incompletas ou de cuja existência ele desconheça,
deverá tomar iniciativa probatória, buscando a prova necessária “ao
conhecimento da verdade que interessa ao melhor e mais justo julga­
mento da causa”.43 Tal iniciativa poderá ocorrer em qualquer fase, por
não se sujeitar aos efeitos da preclusão.
Assim, a adoção pura e genuína do princípio da demanda des­
prestigia a relevante tarefa judicante que não deve se ater apenas à espe­
ra da oferta da prova pelas partes. Acerca do tema, o próprio Superior
Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou, conforme entendimento que
segue reproduzido:

Iniciativa probatória do juiz. Perícia determinada de ofício. Possibilidade de


mitigação do princípio da demanda. Precedentes. – Os juízos de primeiro e segundo
graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas
que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do
que expõe o art. 130 do CPC. – A iniciativa probatória do magistrado, em busca da
verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse
público de efetividade da Justiça.44

É, segundo o art. 125 do CPC, ao juiz que compete a direção do


processo e o dever de determinar a realização de atos necessários à des-
coberta da verdade. O magistrado deverá proporcionar às partes o direito
de apresentarem as provas que entender necessárias, determinando, de

TEIXEIRA, Sávio de Figueiredo. Código de Processo Civil anotado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 98.
43

STJ, AgRg no REsp nº 738576/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18 ago. 2005. Disponível em: <http://www.tjmg.
44

jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?ano=5&complemento=1&comrCodigo=699&expressao=&palavrasConsul
ta=avalistas&qualquer=&radical=&sem=&sequencial=0&tipoTribunal=1&todas=&txt_processo=54149>.
Acesso em: 04 out. 2010. (Sem destaque no original)

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 167

ofício, aquelas que entender imprescindíveis à formação de seu conven-


cimento e indeferindo as que reputar inúteis ou meramente protelatórias
(art. 130, do CPC).45 Eis aí o poder diretor do magistrado, nos limites
da lei (CF/88, art. 5º, inciso II, e art. 363, do CPC).

5.2 O princípio inquisitivo


Ao contrário do princípio dispositivo, no inquisitivo o juiz tem
amplos poderes. Portanto, entendemos que aludido princípio não foi
recep­cionado, principalmente no processo civil, pela Constituição Repu­
blicana de 1988, eis que fere o contraditório, quebrando o princípio
isonômico e também a imparcialidade do julgador.
O juiz também está atrelado ao devido processo legal. Não pode
ser mero inquisidor. Entretanto e para justificar a iniciativa probatória
do juiz, não é correto socorrer-se do princípio inquisitivo. Na verdade
e como dito anteriormente, as provas são de todos que participam do
processo. Não se pode falar em testemunha do autor, do réu e também
do juiz. Todos fazem provas na busca do restabelecimento da verdade e
não na justificação de mera versão.
Portanto, não se pode desprezar a iniciativa probatória do julga­
dor aliando-a, apressadamente, ao princípio inquisitivo. O juiz, conforme
dito acima, ao tomar a iniciativa de determinar a realização de uma
perícia, por exemplo, não pode prever certamente qual será seu resul-
tado. É por isso que o magistrado não pode ser chamado de parcial, em
assim agindo. Ao contrário, busca o julgador sustentar sua sentença nos
fatos que aconteceram, tornando-a legítima perante todos.

5.3 O princípio da verdade real


O princípio da verdade real, em nossa opinião necessária redun­
dância, surge como expressão da concessão de maiores poderes diretivos
ao magistrado, com base principal no art. 130 do CPC, fazendo contra­
ponto à máxima romana do Iudex debet judicare secundum allegata et probata.
Com exceção da admissão da presunção de veracidade de fatos
que não chegam a ser objeto de prova (arts. 302, 319, 334, inciso III,
750, 803 etc., todos do CPC), não há mais espaço para a visualização da
verdade, sob a veste formalista. A verdade haverá sempre de prevalecer.
Verdade e realidade são expressões sinônimas.

NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante.
45

7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p. 325.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
168 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

Inaceitável, pois, que a prova ganhe pífia notoriedade, mormente


considerando a facilidade de sua produção, face aos recursos tecnológi­
cos, a permitir a produção até mesmo, após requisição judicial, de provas
eletrônicas, tais como documentos de texto e planilhas eletrônicas em
bancos de dados; arquivos de áudio, como músicas e gravações; arquivos
de vídeo, imagens em qualquer formato; mensagens eletrônicas, como
e-mail, torpedos de celular, procurações e contratos firmados on-line etc.
Eis aí a facilidade na determinação de provas pelo magistrado, posto
que Direito e tecnologia caminham ladeados, estabelecendo relações
jurídicas e também servindo como acervo probatório para o alcance da
justiça. Assim, por meio das provas virtuais é possível o juiz ter acesso
mais rápido à verdade dos fatos controvertidos postos sob sua apreciação.46
Daí o conceito de ação, em seu caráter abstrato, não poder ser
reduzido a mera possibilidade de se instaurar um processo, o qual envolve
uma série de passos que devem ser respeitados, figurando entre eles
o direito à prova (ampla defesa).
Observação interessante, acerca da prova, é que o direito consti­
tucional à privacidade se torna relativizado e pode ser mitigado pelo
poder do Estado na busca da verdade real. Portanto, é possível a requisição
de informações a órgãos públicos e concessionárias de serviços, quando
infrutíferas as tentativas diretas da parte.
Lado outro, é fato que tal poder probatório conferido ao juiz é
limitado pela lei e deve ser utilizado consoante os princípios da propor­
cio­
nalidade e razoabilidade, sob pena de incidir em arbitrariedade,
caracterizando excesso de poder, em prejuízo da parcialidade.
Aclare-se que o princípio dispositivo não é abandonado, mas tem
sua existência equilibrada diante dos princípios inquisitivo e verdade
real, posto que:

Não é ele (o juiz), pois, um observador passivo do duelo judiciário, convocado


a exprimir simplesmente um juízo final sobre o resultado alcançado pelas
partes, no esforço de se superarem uma à outra. Ao inverso, estabeleceu-se um
regime de colaboração e de corresponsabilidade, em que às várias pessoas se
atribuíram objetivos diversos, em conformidade com a função que pode cada

“Irmãozinho, conte comigo amanhã no fórum.” Essa mensagem, deixada em uma página pessoal do site
46

de relacionamentos Orkut, foi suficiente para que um juiz caracterizasse o falso testemunho de uma pessoa
que havia negado haver uma relação de amizade com o réu em um processo trabalhista. Fonte: CARVALHO,
Luiza de. Justiça já aceita “provas virtuais”. Valor Econômico. Disponível em: <http://www.tecdom.com.br/
blog/2009/04/20/justica-ja-aceita-%E2%80%9Cprovas-virtuais%E2%80%9D/>. Acesso em: 11 out. 2010.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 169

uma delas naturalmente exercer com maior eficiência: às partes em dissídio a


de por em evidência, cada qual do próprio ponto de vista, os fatos suscetíveis
de influir na decisão, de modo que a própria contraposição de seus interesses
faça desentranhar-se normalmente de suas alegações a maior soma possível
de elementos da verdade histórica dos fatos; ao juiz, a de vigiar e cooperar
imparcialmente, com os poderes inerentes ao seu campo, para evitar que a
inexperiência, a negligência, por vezes mesmo a má-fé [sic] das partes, quando
não dificuldades de ordem material e jurídica, possam deixar na penumbra
certas circunstâncias de possível importância.47

Dessarte, o princípio da verdade real lastreia a proeminência da


iniciativa probatória do juiz, tendo em vista não ser tarefa exclusiva das
partes buscar a verdade dos fatos.
A partir do exposto, demonstrou-se que a iniciativa probatória
pelo juiz é possível com base em uma construção principiológica, reco­
nhecendo-se que não são apenas os princípios acima mencionados
que servem de arrimo à teorização e defesa do tema em apreço, vez que
os princípios da livre investigação das provas, supremacia do interesse
público, dignidade da pessoa humana, isonomia processual, contradi­
tório e ampla defesa, além de outros, também alicerçarem a iniciativa
probatória do magistrado.
Portanto, pode-se afirmar que cabe ao magistrado, diante do caso
concreto, determinar as provas necessárias à instrução da causa, quando
as trazidas pelas partes forem deficientes, já que a verdadeira paci­
ficação social somente poderá ser atingida se, em cada caso submetido à
apreciação do Judiciário, o conflito de interesse qualificado por uma pretensão
resistida seja decidido com uma tutela tempestiva, adequada e efetiva.

6 A iniciativa probatória do magistrado na atual tônica processual civil:


um embate sobre o juiz Pilatos x o juiz contemporâneo
O termo jurisdição significa ato pelo qual o Estado, por intermédio
do Poder Judiciário, soluciona, mediante provocação do interessado e
em caráter substitutivo, os conflitos de interesses estabelecidos entre as
pessoas em geral.48 Todavia, a tutela jurisdicional, como emanação da regra
de direito no caso concreto, possui, modernamente, espectro semântico
maior, pautado no bem-estar social, já que ela:

47
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de J. Guimarães Menegale. São Paulo:
Saraiva, 1965. v. 2, p. 347.
48
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Cadernos de processo civil: jurisdição, ação e processo. São Paulo: Ltr, 1999.
p. 08.

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170 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

[omissis] é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem
relação ao bem pretendido ou à situação em razão num litígio deduzido em
processo. Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupo
de pessoas, em relação ao bem pretendido ou à situação imaterial desejada
ou indesejada. Receber tutela jurisdicional significa obter sensações felizes e
favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição.49

A jurisdição hoje está para além do dizer o direito no caso concreto, pois
os tempos atuais clamam por um processo modernizado, o que se pode
cognominar, conforme Dinamarco, de processo civil de resultados, que com-
preende a consciência de que o valor de todo o sistema processual reside
na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão, uma
situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo.50
Assim, acesso à justiça não equivale ao mesmo que ingresso em
juízo, pois a própria garantia constitucional da ação seria inoperante e
pobre se se resumisse a assegurar que as pretensões das pessoas cheguem
ao processo, sem garantir-lhes também um tratamento adequado.
“Só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça.”51 E rece-
ber justiça significa ser admitido em juízo, poder participar do pro­cesso
e, principalmente, contar com a participação adequada do magistrado
para, ao fim, receber um provimento jurisdicional consentâneo com os
valores da sociedade. Eis aí os contornos do processo justo, ou no dizer de
Dinamarco, processo équo, que é composto pela efetividade de um mínimo
de garantias de meios e de resultados.
Há um novo tempo e uma nova mentalidade sociojurídica. Ao
juiz não mais se admite um comportamento inerte, como o foi o de
Pilatos, posto que a dimensão axiopolítica em nenhum momento se
conformará com um Judiciário acanhado, distante dos fatos. Busca-se um
magistrado agente de transformações sociais, em benefício da própria
sociedade, elevando a tutela jurisdicional como paradigma da própria
democracia (recorde-se que o art. 3º da CF/88, ao enunciar os objetivos
a serem alcançados pelo Estado brasileiro, incluiu ali a jurisdição como
elemento teleológico do processo).

49
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 1,
p. 104.
50
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 1,
p. 108. (Destaque no original).
51
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 1,
p. 115.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 171

Ignorar esta realidade é tornar a jurisdição elemento estranho e


vazio dentro da sistemática processual, ou seja, uma parte que não colabora
com o todo, padecendo de legitimidade no plano político e social, por
atuar como simples instrumento de conservação de direitos no plano
do ordenamento jurídico.52
O juiz, na pós-modernidade, tem o dever não só de admitir a par­
ticipação dos contendores, mas também de atuar ele próprio segundo
os preceitos do princípio do contraditório, em clima de ativismo judi­
cial, repudiando-se a figura do juiz Pilatos, que “deixa acontecer sem
interferir”.53
Os reclamos dos tempos modernos apontam para o fato de que:

[omissis] no podemos aceptar que el objeto de la prueba se constriña a


las afirmaciones de las partes de manera absoluta, pues si bien cada una de
ellas estará interesada en demostrar su verdad, también el juez, procurando
alcanzar una justa decisión, tiene la obligación de descubrir la verdad — así,
sin adjetivos —, sustentada sobre los acontecimientos y no ciega y estricta­
mente respecto de las afirmaciones cuestionadas, pues se corre el riesgo de
que la convicción judicial tenga su origen en la sola comprobación formal
de un silogismo.54

A prova é elemento tão relevante que, em se tratando de ação


que verse sobre estado de pessoa, os tribunais superiores têm admitido
o ajuizamento até mesmo de ação rescisória com base em novas provas
não produzidas anteriormente (inciso VII do art. 485 do CPC), não se
justificando que se deixe de examinar a alegação de cerceamento de
defesa porque suscitada em sede recursal.
Ao que parece, a iniciativa probatória é vista com mais receio em
primeira instância, vez que é nos tribunais que as sentenças primevas
são anuladas, determinando-se a prova essencial ao deslinde da lide.55

52
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. A jurisdição como elemento de inclusão social: revitalizando as regras do jogo
democrático. São Paulo: Manole, 2002. p. 88.
53
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 1,
p. 233.
54
CALDERÓN, Gonzalo M. Armienta. La prueba. In: CALDERÓN, Gonzalo M. Armienta. Homenage al maestro
Hernando Devis Echandía. Colômbia: Instituto Colombiano de Derecho Procesal, 2002. p. 690.
55
“Ação de reintegração de posse – Requisitos do artigo 927 do artigo do CPC – Prova pericial – Indispensabilidade
– Ausência – Nulidade da sentença. À luz do princípio da verdade real, o julgador não pode se contentar
com a mera verdade formal, cumprindo-lhe deferir e determinar a produção de quaisquer provas que possam
contribuir para o esclarecimento dos fatos controversos. Considerando que inexistem elementos técnicos
para concluir se houve o implemento dos requisitos previstos pelo art. 927 do CPC, é imperiosa a anulação
da sentença para realização de perícia, a fim de viabilizar a apreciação da pretensão possessória deduzida na
inicial com a necessária segurança (artigo 130 do CPC)”. Fonte: MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Ap. Cível
nº 1.0232.05.010379-4/002. Comarca de Dores do Indaiá. Apelante: Laércio Fonseca Costa. Apelado: José

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172 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

Desse modo, sempre que estiverem em discussão direitos indispo­


níveis ou de ordem pública, a instrução probatória deve ser realizada de
forma a ensejar cognição plena, distante de qualquer dúvida, de modo a
oferecer uma decisão mais segura por parte do Poder Judiciário.
Quando for frágil o acervo probatório nos autos, imperativa se
tornará a dilação probatória, o que pode ocorrer em inúmeras ações, tais
como nas de retificação de registro civil (pois, quando as testemunhas não
souberem precisar a data do nascimento da parte, deve o juiz requisitar
informações acerca da vida da mesma, inclusive ordenando a realização
de estudo social), nas ações revisionais de contratos bancários e comerciais
(onde é cabível a perícia contábil e mercadológica para se apurar a prá­
tica do anatocismo e possível indébito ou crédito), nas ações de cobrança
contra seguradora (através da perícia médica será confirmada ou não a
incapacidade laboral, além de sua data de início, fim e grau), nas ações
de desapropriação (aqui as provas testemunhal e pericial-documental
ganham espaço notório, vez que os fenômenos naturais podem encobrir
um esbulho e o registro de propriedade pode ter tido seu conteúdo
documental falsificado), nas ações de família onde haja denúncia de
alienação parental (o laudo pericial-psicológico é imprescindível para a
detecção ou não de tal patologia) etc.
Abre-se parêntese para as inúmeras ações de danos morais cumu­
ladas ou não com os materiais, onde a prova, revestida sob qualquer
modalidade, ganha enlevo, posto que a tríade ação/omissão, nexo causal e
resultado deve estar completamente comprovada.
Frise-se que quase todos os exemplos acima foram colhidos de
deci­sões judiciais mineiras56 que anularam sentenças que inadmiti­ ram
dilação probatória. Nestes casos, evidenciado restou, infelizmente,
a figura do juiz Pilatos, que ao prolatar seu decisum, com base em uma
cognição com frágil teor probatório, lava suas mãos com o escopo de

Osvander Fonseca. Rel.: Des. Lucas Pereira. D. P.: 05 out. 2010. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/
sf/proc_resultado.jsp?comrCodigo=232&numero=1&listaProcessos=05010379&btn_pesquisar=Pesquisar>.
Acesso em: 12 out. 2010.
56
Elucide-se que tal afirmação tem por base pesquisa efetuada junto ao site do Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais (TJMG), por meio dos seguinte termo indexador: iniciativa probatória pelo juiz, obtendo-se
como resultado 4.755 (quatro mil setecentos e cinquenta e cinco) acórdãos cíveis e alguns penais. Disponível
em: <http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/juris_resultado.jsp?numeroCNJ=&dvCNJ=&anoCNJ=&origemCNJ=
&tipoTribunal=1&comrCodigo=&ano=&txt_processo=&dv=&complemento=&acordaoEmenta=acordao&p
alavrasConsulta=iniciativa+probat%F3ria+pelo+juiz&tipoFiltro=and&orderByData=0&relator=&dataInicial
=&dataFinal=16%2F10%2F2010&resultPagina=10&dataAcordaoInicial=&dataAcordaoFinal=&captcha_tex
t=75616&pesquisar=Pesquisar>. Acesso em: 16 out. 2010.

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A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 173

rapidamente se livrar do seu encargo de julgar conscientemente,


reiterando tal comportamento ao longo de todo o exercício de seu cargo
público.
Portanto, está acontecendo, repise-se em primeira instância, insu­
ficiência de instrução adequada do processo, o que conduz à morosidade,
incertezas e perplexidades como a dos exemplos acima genericamente
mencionados, em completo desprezo à norma do art. 130 do CPC, que
mune de poderes instrutórios o juiz.
Tal situação não passou despercebida pela Comissão de Juristas
responsável pelo Projeto referente ao Novo Código de Processo Civil
(Projeto de Lei nº 166/2010), tendo em vista que, na sua Parte Geral, tal
PL contém importantes posicionamentos em torno das provas utilizáveis
em juízo, já que:

a) os meios moralmente legítimos para a demonstração da verdade são per­


mitidos, ainda que não especificados no Código (art. 25757);
b) as provas obtidas por meio ilícito não serão sumária e absolutamente des­
prezadas. Ao juiz caberá apreciá-las “à luz da ponderação dos princípios e dos
direitos fundamentais envolvidos” (art. 257, parágrafo único);
c) é admitida a prova emprestada, ou seja, a colhida em outro processo, cabendo
ao juiz atribuir-lhe “o valor que considerar adequado”, respeitando-se sempre
o contraditório (art. 26058);
d) permitir-se-á ao juiz, a distribuição do ônus da prova diferentemente da
regra legal comum (art. 26159), para atribuí-lo “à parte que estiver em melho­
res condições de produzi-la”, cabendo-lhe, porém, fazê-lo “em decisão fun­
damentada” e com respeito ao contraditório (art. 262 60). Tal medida será
sempre excepcional e terá de levar em conta “as circunstâncias da causa e as
pecu­liaridades do fato a ser provado”. A parte onerada terá de ser intimada

57
“Art. 257. As partes têm direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especificados neste Código, para provar fatos em que se funda a ação ou a defesa e influir eficazmente
na livre convicção do juiz.
Parágrafo único. A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da
ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos.”
58
“Art. 260. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor
que considerar adequado, observado o contraditório.”
59
“Art. 261. O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”
60
“Art. 262. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá,
em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o
à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.
§1º Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 261, deverá dar à parte
oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.
§2º A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das
regras referentes aos encargos da respectiva produção.”

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da deliberação, a tempo de se desincumbir a contento do encargo que lhe


for cometido. Segundo o princípio do contraditório e ampla defesa, não será
tolerável a inversão a posteriori, ou seja, aquela efetuada pelo juiz no momento
de prolatar a sentença, porque incompatível com o processo justo, no qual a
surpresa é sempre vista como ofensiva ao princípio do contraditório;
e) ao juiz é dado se valer de “regras de experiência comum” e de “experiência
técnica”, exceto para substituir a prova pericial, quando esta for o meio
recomendado pela lei para a apreciação da verdade do fato litigioso (art.
26561).62 (Há destaque no original)

Vê-se de forma nítida que o PL nº 166/2010 refletiu a preocupação


com a iniciativa probatória a partir da figura do juiz, ampliando seus
poderes, notadamente pelos dispositivos que lhe permitem admitir a
prova emprestada e determinar a inversão do ônus da prova.
Elucide-se que a menção ao PL nº 166/2010 é meramente ilustra­
tiva, sendo relevante apenas para demonstrar que o ordenamento pro­
cessual moderno carece de ajustes pontuais, o que inclui um juiz mais
participativo na fase da instrução probatória.
Dessa forma, a evolução do caráter do processo, que hoje é total­
mente publicística, e a principiologia exigem releitura e nova mentali­
dade dos operadores do direito, atraindo a figura do juiz contemporâneo,
já que o processo não é apenas um meio técnico-jurídico, mas um pode­
roso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado.
Portanto, necessário é evitar instrução dúbia ou sombreada, quando
se puder alcançar a verdade real, indene de qualquer questionamento.
A dúvida, além de não ser bem recepcionada no meio social, enseja entre
a parte prejudicada o sentimento de revolta e injustiça e a descredibili­
dade na função judiciária, derrogando-se os atributos indispensáveis ao
verdadeiro Estado Moderno e Democrático de Direito.

7 Conclusão
Face ao maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo
na modernidade, ao juiz se impõe o abandono da postura indolente
diante da instrução probatória, devendo assumir uma posição ativa,
que lhe permita determinar a produção de provas, desde que o faça com

61
“Art. 265. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas
pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto
a esta, o exame pericial.”
62
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho; JAYME, Fernando Gonzaga. Novo CPC: mudanças
e permanências. UFMG, 2010. Curso de atualização. p. 15, 16.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 175

imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório, tornando


mais acertada e atual do que nunca a proposição de Bentham, já que
“a arte do processo não é senão a arte de administrar as provas”.63
O momento oportuno para o uso de tal poder ocorrerá quando o
juiz sentir-se realmente em dúvida ou perplexo quanto à (in) justiça da
decisão a proferir, ou seja, quando as provas se revestirem de caráter
incompleto ou lacunoso, tendo como permissivo normativo principal o
artigo 130 do CPC.
Ademais, o processo se modernizou, o que significa dizer que a
nova tônica processual civil está voltada à noção de que o processo
hoje deve servir como meio de acesso e realização da justiça, não como
instrumento para ser alvo do formalismo jurídico, o qual se satisfazia
com a realização da vontade única da lei.
Visa-se demonstrar que a função da jurisdição deixara de ser
apenas a de propiciar instrumentos aos litigantes para solucionar os
conflitos, passando a desempenhar relevante missão de ordem pública
na pacificação social.
Assim, autor, réu e juiz não mais são sujeitos singulares e autôno­
mos, mas integrantes de um trinômio que deve ter sua interação efetuada
de forma harmoniosa a fim de que se alcance a verdadeira pacificação
social. Daí afirmar-se que o magistrado não é mais mero espectador
do processo, mas também outro partícipe dele tão atuante quanto as
demais partes.
Está-se diante de tempos em que a tecnologia baliza a tomada de
decisões, facilitando o acesso rápido à verdade dos fatos (recorde-se das
provas virtuais), não mais havendo espaço para posturas antigas e eivadas
do formalismo que ignora a dilação probatória mais apurada. E, diante
disso, é que se chama pela figura do juiz, mas não um mero juiz, mas
um juiz contemporâneo que visualize a investigação do direito subjetivo
controvertido, tanto nos aspectos de direito como de fato, não mais ligado
à dependência da exclusiva vontade e diligência das partes.
O juiz não se torna irremediavelmente parcial apenas por se
ocupar da apuração da verdade, diligenciando provas por iniciativa
própria, pois meio de prova possui conceito diverso de conteúdo subjetivo da
prova, assim como imparcialidade possui sentido diferente de neutralidade.
Daí a determinação de uma prova pelo magistrado não significar que o

BENTHAM, Jeremy. Traité des preveus judiciaires. Tradução de Ét. Dumont. Paris: Bossange Frères, 1823. v. 1.
63

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
176 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

resultado prático da diligência deva ser interpretado como favorável ao


autor ou ao réu, mas sim ao convencimento do próprio magistrado e ao
desvendamento da verdade real.
O verbo julgar, segundo as regras da experiência jurídica moderna,
ultrapassa a elaboração de uma sentença exclusivamente técnica e arri­
mada somente nas provas constantes dos autos, quando for possível ao
juiz buscar mais elementos de prova.
Sentenciar, desse jeito, significa, grosso modo, um retrocesso aos
primitivos tempos do sistema probatório romano, mormente na máxima
Iudex debet judicare secundum allegata et probata, onde não importava
a verdade genuína, mas uma aparente solução (decisum) àquele caso,
pouco importando se inocentes eram mortos ou se absolvia com base em
provas débeis.
Agir desta maneira, ainda em tempos atuais, é brincar com o
destino dos jurisdicionados, que depositam nas mãos do juiz, através da
lide, aspectos fundamentais de sua vida (como o direito à filiação), seu
patrimônio (haja vista as lides sobre direitos da propriedade), saúde
(recorde-se das ações sobre indenização por danos morais em que pode
haver a incapacidade laboral) etc.
A realização responsável de uma instrução probatória pelo juiz irá
refletir nos destinos dos cidadãos, vez que, conforme entende Dinamarco,
o recebimento da tutela jurisdicional significa obter sensações felizes
e favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição.
À luz de tais ponderações é que urge a defesa da ideia de que o
magistrado não pode “ser uma pura máquina, uma figura inerte e sem
iniciativa própria, na marcha e andamento dos processos, só agindo
por provocação, requerimento ou insistência das partes”.64
Daí a óbvia conclusão de que o processo vale pelos resultados que
gera na vida das pessoas ou grupos, em relação a outras ou aos bens
da vida.
Como alicerce a tais colocações, é que se destacaram os princípios
da demanda, inquisitivo, do contraditório e da verdade real, a orientar
toda interpretação do sistema jurídico. Por conseguinte, sobre os prin­
cípios deve o intérprete curvar-se em humilde homenagem, servindo de
base para que se possa atingir a um só tempo um processo verdadeira­
mente efetivo e justo.

GUSMÃO, Aureliano. Processo civil e comercial. São Paulo: Saraiva, 1922. v. 2, p. 102.
64

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A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 177

Aclare-se que, em função da magnitude do princípio do contradi­


tório, com destaque à ampla defesa e isonomia, entendeu-se dispensável
a tessi­tura de colocações acerca do mesmo, vez que o conteúdo dele tem
aplicabilidade indiscutível e bem conhecida quando se trata da análise
do processo, prova e acesso à justiça.
O acesso à prova pelo juiz não se confunde com o princípio da
demanda. Ademais, nos tempos atuais o juiz não pode ser apático ou
negligente. No caso de ser a prova fundamental ao desfecho da lide, se
a parte não a requerer, não só pode como deve o magistrado determi­
nar, de ofício, sua produção. É o julgador o destinatário da prova, que irá
auxiliá-lo em seu convencimento e na execução de um de seus atos mais
relevantes, que é a prolação da sentença.
Através do princípio da verdade real, tem-se o coroamento da ini­
ciativa probatória pelo juiz, tendo em vista ser não só tarefa do autor e
do réu buscar a verdade dos fatos, mas também do magistrado. É por
tal razão que o art. 130 do CPC dispõe que o magistrado pode deter­
minar, de ofício, as provas necessárias à instrução do processo.
Mesmo porque, conforme já salientava Moacyr Amaral Santos
desde a década de 80 (oitenta), a verdade sobre o fato precisa aparecer
para que um direito possa realizar-se ou tornar-se efetivo. E tal verdade
é referente àquela em sua máxima expressão, encontrando sua trans­
cendência por meio da prova, sem a qual restaria burlada a segurança
oferecida pelo Estado aos jurisdicionados. Ademais, se a verdade pudesse
surgir por meio de impressões pessoais do julgador, sem o devido res­
peito aos meios que o processo apresenta, a justiça significaria o arbítrio
e a ciência jurídica o despotismo da vontade do ser incumbido pelo
Estado de distribuí-lo.65
Abra-se breve parêntese para arguir que a sobrecarga de trabalho,
o controle de produtividade66 e alcance de metas a que está submetida

65
SANTOS, Moacyr Amaral dos. Prova judiciária no cível e comercial. 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1983.
p. 6, 7.
66
Registre-se que a magistratura está submetida a um controle cognominado de “Produtividade dos juízes”, onde
o magistrado deve fornecer relatório contendo a quantidade de sentenças proferidas, audiências realizadas,
despachos pendentes etc., além de obedecer aos critérios da Resolução nº 495/2006 (Alterada pela Resolução nº
582/2009), que dispõe sobre o provimento de cargos da Magistratura de carreira, destacando-se, os requisitos
para permuta, remoção e promoção, em seu art. 3º, in verbis: “Para pleitear permuta e concorrer à remoção
e à promoção, o candidato deverá atender os requisitos constitucionais, legais e regimentais, bem como, nos
doze meses anteriores à data da abertura das inscrições:
I – ter mantido residência efetiva na sede de sua comarca, salvo se a Corte Superior expressamente tiver
autorizado a moradia em outra Comarca, e ter estado presente, no expediente forense de todos os dias úteis;
II – estar com o serviço em dia;

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178 Ana Surany Martins Costa, Newton Teixeira Carvalho

a magistratura não justifica a realização de uma cognição débil, posto


que a preocupação única em proferir um sentenciamento desqualificado
em nome da resolução de uma quantidade máxima e irresponsável
de processos representa o coroamento do interesse particular (do juiz) em
detrimento dos interesses coletivos (do corpo social), comprometendo a
segurança jurídica inerente ao Estado (Poder Judiciário).
Tal situação é indesejada e absurda, posto que uma instrução
malfeita, certamente gera um decisum desacertado, sendo induvidoso
que uma sentença injusta é o mesmo que injustiça, por não dar a cada um o que
realmente seja seu.
Daí conclui-se que a modernidade publicística do processo exige
nova mentalidade da magistratura nacional, atraindo a figura do juiz
contemporâneo que judica responsavelmente, não mais lavando as mãos
diante de processos com instruções probatórias insuficientes.

The judiciary behavior towards the new practice of nowadays judges


initiative of acquiring proofs along the course of the processes: the battle
between the Pilatus judge and the modern judge
Abstract: This article will examine the evidence the judge’s initiative, on the
basis of modern civil procedure that views the process as a tool to achieve
effectiveness, access to justice by citizens and social peace. After that, will
examine the role of the judge, noting that among their duties is to take the
initiative in establishing a proof, based on art. 130 of the CPC, because the
proof belongs to all who participate in the process. Then we will focus on the
principles of demand, inquisitive, and real true. Then it will discuss the issue
of evidentiary initiative of the judge, through arguments involving modern
process, based on examples nicknamed the judge Pilate (who despises the
possibility of producing other evidence essential to resolve the case, wash
your hands, silencing truth) and contemporary judge (who strives to uncover,
wherever possible, the real truth of the facts). So this is how to demonstrate
that the judge should not be negligent before the process where possible to
produce a proof, because he is the recipient of proof.
Key words: Initiative probative. True real. Access the justice. Process. Judge.

III – ter realizado audiências em todos os dias úteis, salvo se a intensidade do serviço forense assim não o exigir;
IV – ter tido freqüência [sic] regular aos cursos e seminários para os quais tenha sido convocado e ter participado,
com regularidade, daqueles em que tenha obtido dispensa da jurisdição.
§1º Para efeitos desta Resolução o candidato, sob a fé de seu cargo, deverá declarar, ao fim de cada semestre
e no requerimento de inscrição, o cumprimento do disposto neste artigo.
§2º O teor das declarações constantes do §1º será objeto de verificação em correições que a Corregedoria-
Geral de Justiça efetivar.” Fonte: TJMG. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/corregedoria/mapaForense/
produtividadeJuiz.do>. Acesso em: 26 nov. 2010.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
A magistratura diante da iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre... 179

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+juiz&tipoFiltro=and&orderByData=0&relator=&dataInicial=&dataFinal=16%2F10%
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

COSTA, Ana Surany Martins; CARVALHO, Newton Teixeira. A magistratura diante da


iniciativa probatória no moderno contexto processual civil: um confronto entre o juiz Pilatos
versus o juiz contemporâneo. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 149-181, abr./jun. 2011
Luces y sombras del proceso seguido
ante la Corte Penal Internacional1
Julio Rojas Chamaca
Mestrando em Direito Processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR – Argentina). Professor
de Direito Processual na Universidad de Las Américas, em Santiago. Advogado no Chile.

Resumo: O texto faz um apanhado do funcionamento e do desenvolvimento


do processo no âmbito do Tribunal Penal Internacional criado pelo Estatuto
de Roma. Analisa que o processo penal nele praticado é de nítido caráter
acusatório e que tal fato, entre outros analisados no texto, representa luzes
na respectiva dinâmica e atuação. Prossegue analisando que também há
sombras, como, por exemplo, o fato de ser permitido que o processo não se
inicie ou mesmo que seja suspensa a investigação ou o julgamento, por doze
meses, mediante requerimento do Conselho de Segurança da ONU, o que,
em tese, vulneraria a independência dessa Corte Internacional. De qualquer
maneira, o texto deixa claros os avanços e a operabilidade do Tribunal Penal
Internacional como importante guardião dos direitos humanos fundamentais
quando no exercício de sua jurisdição universal.
Palavras-chave: Direito Internacional Público. Direitos Humanos. Direito
Processual Internacional. Estatuto de Roma. Tribunal Penal Internacional.
Jurisdição internacional. Competência e legitimidade. Avanços.
Sumario: I Introducción – II Luces y sombras del proceso seguido ante
la Corte Penal Internacional – A) Orígenes – B) El órgano jurisdiccional –
C) En cuanto al proceso – c.1) Fase de pretensión – c.2) Fase de negación –
c.3) Fase de confirmación – c.4) Fase de conclusión – III Reflexiones finales
– Bibliografía

I Introducción
El Estatuto de Roma de la Corte Penal Internacional — en adelante
CPI — en su preámbulo destaca — entre otros — el compromiso de los
Estados partes en garantizar que “la justicia internacional sea respetada y
puesta en práctica en forma duradera”.2
Para lograr ambos presupuestos, esto es, que la jurisdicción inter­
nacional fuere respetada y que además sea duradera, se desarrolló un
largo debate entre los Estados partes, donde cada uno expuso sus visio­
nes y aspiraciones, pero donde finalmente fue posible lograr acuerdos,
considerando el fin último del Estatuto, que es, sancionar los graves

1
Le agradezco al profesor Glauco Gumerato Ramos — mi compañero de maestría — que hizo agregar al texto
el resumen y las palabras-claves en portugués.
2
Disponible en www.untreaty.un.org/cod/icc/statute/spanish/rome_estatute(s).pdf (fecha consulta 20 marzo
2010).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
184 Julio Rojas Chamaca

crímenes que constituyen una amenaza par la paz, la seguridad y el


bienestar de la comunidad.3
Una de las dimensiones más relevantes y discutidas giró en torno
al relativo al órgano que ejercería jurisdicción, la Corte Penal Interna­
cional, como además al proceso que se ventilaría para la resolución de
los conflictos cuya competencia se regulaba.
En efecto, y en relación al primer tópico, esto es, el tribunal que
ejercería jurisdicción, cabe destacar los avances que contiene el Estatuto
tanto en orden a la existencia de un tribunal permanente con competen­
cia sólo luego de la ratificación posterior del Estatuto, como en lo rela­
tivo a la promoción del principio de complementariedad entregando
el conocimiento de los crímenes o delitos de jurisdicción universal a las
jurisdicciones nacionales.
Con relación al segundo aspecto, esto es el proceso seguido ante la
Corte, es pertinente señalar que el rasgo más significativo es su respeto
a la garantía del Debido Proceso en sus diversas manifestaciones, lo que
queda en evidencia con casos efectivamente acontecidos, lo que marca
un hito y establece grandes diferencias con sus homólogos predecesores
de la jurisdicción universal (tribunales ad-hoc).
Sin perjuicio de los avances que podemos apreciar en el campo
normativo y que de hecho se han cumplido en la realidad, hay sombras
que deben identificarse para superarlas, logrando de esa manera la
mayor legitimación posible de este órgano, cuya existencia se justifica y
se hace necesaria para la humanidad.
El presente análisis pretende esbozar lo que hemos llamado luces
y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional, visión
que haremos desde la óptica del Derecho Procesal (teniendo presente
que el Estatuto de Roma contiene normas de naturaleza orgánica y
procesal penales); de tal suerte que toda consideración o tópico ajeno a
esta disciplina no será motivo de estudio.
Por luces entendemos las fortalezas que han significado avances
en la implementación de la CPI y por sombras, aquellas debilidades que
se han apreciado en su desarrollo y cuya superación representa desafíos
para el proceso, tanto desde el punto de vista del órgano jurisdiccional
(Corte Penal Internacional) como del proceso seguido ante ella.

Ibid.
3

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional 185

II Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional


A) Orígenes
La existencia de una jurisdicción universal es producto de una
larga evolución; en efecto, y a pesar que constan registros de intentos
anteriores,4 “sólo después de la segunda guerra mundial hay esfuerzos
concretos para establecer una jurisdicción penal internacional con
com­ petencia para conocer de crímenes internacionales”,5 fruto de tal
clamor nació el Tribunal Internacional de Nüremberg, frustrándose
las expectativas de fundar un Tribunal Penal Internacional durante la
guerra fría, retomándose la discusión de conformar una Corte Penal
Internacional, luego que el Consejo de Seguridad de Naciones Unidas
dispusiera la creación de los Tribunales ad-hoc para Ruanda y la ex-
Yugoslavia. De esta manera, “las negociaciones dieron su fruto en la
Conferencia de Plenipotenciarios que se realizó en Roma en el año 1998
y que concluyeron con la adopción del texto del Tratado.”6

B) El órgano jurisdiccional
Históricamente un punto crítico sobre la legitimidad de la juris­
dicción penal internacional se refirió a que los órganos que ejercían
jurisdicción adolecían de un marco legal riguroso, como lo señala
BENEGAS a propósito de los tribunales ad hoc previos a la existencia
de la CPI “no respetaban el principio de legalidad, que requiere no
sólo que las conductas hayan sido condenadas, sino que lo fueran con
certeza absoluta, en tipos penales cerrados y con penas perfectamente
determinadas”.7
La justificación a dicha infracción como lo sostiene BENEGAS dice
relación con la necesidad de “hacer operativos los derechos humanos
en el mundo”,8 argumento que compartimos, adicionando a lo anterior

4
COLLANTES, Jorge Luis citando a GRAVEN señala que “el más remoto precedente de la CPI podría ser el tribunal
constituido en 1474 para juzgar a Peter de Hagenbach por homicidio, violación y otras violaciones a las leyes de
Dios y de los hombres durante la ocupación de la ciudad de Breisach. El Tratado de Versalles de 1919 contemplaba
el enjuiciamiento del Kaiser Guillermo II por un tribunal internacional, previsión frustrada con la negativa de los
Países Bajos a su entrega. Por esta misma época, el Tratado de Sévres de 1920 anunciaba el enjuiciamiento de los
responsables turcos del genocidio armenio, pero el Tratado de Lausana de 1923 amnistió a los procesados” en
“La Corte Penal Internacional. El impacto del Estatuto de Roma en la jurisdicción sobre crímenes internacionales”,
disponible en www.criminet.ugr.es/recpc/recpc_04-07.pdf (fecha consulta 18 marzo 2010).
5
MINISTERIO SECRETARIA GENERAL DE LA PRESIDENCIA. Doctrina Constitucional del Presidente Ricardo Lagos
Escobar (2000-2006), Tomo I, Editorial LOM, Santiago, 2010, p. 11.
6
MINISTERIO SECRETARIA GENERAL DE LA PRESIDENCIA, ob. cit., p. 12.
7
BENEGAS, José. “La Corte Penal Internacional. Algunas consideraciones críticas sobre sus antecedentes y su
regulación actual”, disponible en www.hacer.org/pdf/JBenegas03.pdf (fecha consulta 19 marzo 2010).
8
BENEGAS, José, ob cit.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
186 Julio Rojas Chamaca

que el Derecho Penal liberal se vio sobrepasado en relación a la magnitud


y horrores propios de los crímenes acaecidos con ocasión de la segunda
guerra, lo que demostró la exigencia de implementación.
Conscientes de las críticas y para subsanar tal problemática, el
Estatuto crea un aparato judicial completo compuesto por jueces, fiscalía
y administración (se consolida el sistema acusatorio por sobre el inqui­
sitivo, lo que de por sí es un hito en el proceso penal internacional).
En relación al tribunal éste cuenta con jurisdicción propia, distinta
de los Estados partes, siendo además permanente, autónomo e inde­
pendiente, internacional, dotado de personalidad jurídica internacio­
nal, que ejerce jurisdicción sobre personas y no sobre Estados y con
competencia limitada — por una parte — a los crímenes más graves
de trascendencia para la comunidad internacional en su conjunto: geno­
cidio, lesa humanidad, de guerra y agresión; y también es limitada pues
la CPI podrá conocer únicamente respecto de crímenes cometidos
después de la entrada en vigor del Estatuto.9
Ha representado la regulación de la CPI, sin duda un gran avance,
porque dotó al organismo de la legalidad que no tenían los tribunales
ad-hoc predecesores, respecto del conocimiento de asuntos de juris­
dicción internacional; dichos avances se advierten en diversos ámbitos,
que podemos resumir de la siguiente manera:
1. La CPI es un tribunal que conoce y juzga determinados crímenes
que el Estatuto crea.
2. Posee jurisdicción propia, es decir, no es una extensión de la
jurisdicción nacional de los Estados partes. Es la aprobación del
Estatuto el que habilita a los tribunales internos para conocer
de los delitos que contempla.
3. Es un tribunal autónomo e independiente; posee autonomía
porque no se encuentra subordinado a Naciones Unidas, a dife­
rencia de los tribunales ad-hoc para Ruanda y Yugoslavia, que
son organismos subsidiarios del sistema de Naciones Unidas.
En relación a la independencia y probidad de la CPI, cabe destacar
su decisión en el caso Lubanga10 en 2008; en este asunto, pese a

Art. 11.1 del Estatuto infra nº 1.


9

“Las investigaciones en los casos de competencia de la Corte son por naturaleza complejas, no solamente en
10

lo jurídico, sino también desde lo lógico práctico, pues se actúa en zonas de conflicto, debiendo obtenerse
la cooperación de los Estados u organizaciones en terreno para poder operar. Luego, resulta altamente difícil
obtener la detención de una persona y es todo un hito que se logre llevar a un imputado a juicio. Esto, que es
así en todos los casos, fue particularmente cierto en el caso del primer imputado que se presentó ante la Corte,
el primer detenido ante la Corte Penal Internacional, Thomas Lubanga Dyilo. Thomas Lubanga fue detenido en

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Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional 187

que el primer imputado detenido fue puesto a disposición del


Tribunal, con posterioridad fue dejado en libertad al considerarse
que no estaban dadas las garantías de un debido proceso;11 aun
cuando la medida de la Corte no estuvo exenta de polémica, ésta
significó una legitimación a nivel de la comunidad internacional,
precisamente en aquellos tópicos que eran históricamente objeta­
dos en relación a este tipo de juris­ dicción — especialmente en
orden a cumplir sin restricciones los plantea­ mientos del Fiscal
que instruía el asunto —, podemos decir que desde la perspec­tiva
del proceso el tribunal superó con creces el test de la indepen­
dencia, consolidándose en el concierto de naciones suscriptoras
del Estatuto.
4. Su competencia es limitada, en primer lugar porque sólo
juzga a personas y no a Estados — para ese caso específico
existe la Corte Internacional de Justicia de La Haya —, en
segundo lugar su competencia está referida a los casos más
graves y de trascendencia para la comuni­ dad internacional, y
finalmente la competencia de la CPI es limitada, dado que sólo
podrá conocer de crímenes cometidos después de la entrada
en vigencia del Estatuto (art. 11.1), se aprecia un sustantivo
avance, ya que, el Estatuto plasma el principio a un juez natu­ral
y la irretroactivi­
dad de la ley penal, falencias que se advertían
en los otros tribunales que ejercieron en su oportunidad juris­
dicción universal. Finalmente la CPI ejercerá jurisdicción sólo
si el Estado en cuyo territorio se ha causado el crimen ha acep­
tado explícitamente la competencia de la Corte (art. 12).
5. Ejerce jurisdicción en base al principio de complementarie­
dad, ello significa “que el Estatuto de Roma confiere y otorga
competencia a las jurisdicciones penales estatales respecto de

Kinshasa (Capital de la República Democrática del Congo) el 17 de marzo de 2006 y fue entregado a la Corte.
Es de nacionalidad congolesa y sería fundador y líder de la Union des Patriotes Congolais (UPC). Se lo acusa
de crímenes de guerra, en particular de reclutar o alistar a niños soldados (menores de 15 años) o utilizarlos
para participar activamente en las hostilidades. La detención se obtuvo con la cooperación de las autoridades
congolesas, que fueron quienes antes habían remitido el caso a la Corte” (ETCHEBERRY, Alfredo y CÁRDENAS,
Claudia “La Corte Penal Internacional: abriendo caminos”, disponible en www.anuariocdh.uchile.cl pp.95-102
[fecha consulta 21 marzo 2010]).
11
La decisión de la Corte se debió como comentan ETCHEBERRY y CÁRDENAS “ya que la Fiscalía no podía
desclasificar documentos que había obtenido mediante convenios a los que faculta el art. 54 párr. 3 e) del ECPI,
mientras la defensa alegaba su derecho de conocerlos para poder defender adecuadamente al imputado.” En tal
contexto continúan afirmando los autores “si las evidencias se han obtenido bajo reserva de confidencialidad,
sólo pueden desclasificarse previo acuerdo de la fuente”, la conclusión era lógica “quienes habían cooperado
con la Corte temieron por su seguridad en caso de que Lubanga fuera liberado, pues esto podría exacerbar el
conflicto en Ituri” (ob. cit., p. 98).

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188 Julio Rojas Chamaca

los delitos o crímenes sujetos a la jurisdicción universal y que


están comprendidos en la órbita de atribuciones de la CPI”.12
Se afirma que este principio “constituye el eje central de la juris­
dicción penal de la CPI”,13 coincidimos con dicha apreciación por
los siguientes motivos: en primer término se reconoce jurisdicción pre­
ferente a los Estados suscriptores del Estatuto para conocer y sancionar
los delitos allí establecidos; en tal consideración el Estatuto de Roma no
viola — como se afirmó en algún momento — la soberanía jurisdiccio­
nal interna, puesto que, no es un tribunal con competencia plena ni
se superpone a las atribuciones establecidas en la Carta Fundamental
respecto de los tribunales nacionales, es claro que en este caso se cauteló
el principio de nacionalidad y/o territorialidad, esto quiere decir que,
en el evento de cometerse alguno de los crímenes individualizados en
el Estatuto son las propias jurisdicciones nacionales quienes conocerán
y resolverán el conflicto, subsidiariamente ejercerá su función la CPI
para completar o perfeccionar la jurisdicción universal en el caso que el
Estado suscriptor no cumpla con dicha obligación.
En segundo lugar, con la creación de la CPI, ningún Estado podrá
asumir privativa o excluyentemente el monopolio de la jurisdicción inter­
nacional, (en los casos en que ello ha ocurrido ciertamente apreciamos
en forma más nítida vulneración de principios y reglas procesales);
la jurisdicción universal se concentra en un solo organismo en cuya
generación — tanto en lo orgánico como en lo funcional — intervinieron
todos los Estados miembros que adhirieron al Estatuto, lo que implica
mayor transparencia.
Si correspondiere realizar una conclusión preliminar sobre las luces
del proceso seguido ante la CPI, en relación al órgano jurisdiccional,
podríamos afirmar que el Estatuto de Roma satisface íntegramente la
exigencia que el proceso requiere de todo tribunal (imparcial, imparcial
e independiente), especialmente en este caso de jurisdicción universal, lo
que nos podría llevar a afirmar que existe un esfuerzo serio y consciente
de garantizar e institucionalizar esta justicia.

C) En cuanto al proceso
El proceso, es un método de debate, una estructura, un meca­nismo,
mediante cuyo uso se llega a la demostración o a la verificación de los
12
MINISTERIO SECRETARIA GENERAL DE LA PRESIDENCIA, ob. cit., p. 24.
13
MINISTERIO SECRETARIA GENERAL DE LA PRESIDENCIA, ob. cit., p. 24.

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Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional 189

hechos controvertidos, en procura de dirimir las contiendas. Ahora el


proceso como forma de solución de conflictos, “exige que la discusión
sea ordenada; que esa discusión que se celebra ante los jueces siga un
método, una regla, un principio y una pauta. Es decir no es un debate
cualquiera; es un debate en el que deben asegurarse oportunidades
parejas para ambos contendientes y ciertas regularidades”.14
Los conflictos de significación internacional, — no obstante poseer
características particulares — se deben conocer por medio de un pro­­ceso;
el cual se encuentra regulado en el Estatuto que crea la CPI; estable­­cido
ello, la pregunta que nos formulamos es si el proceso jurisdiccional que
sanciona los crímenes descriptos en el Estatuto, contempla los elementos
esenciales de todo proceso, esto es, fases de: afirmación, negación, con­
firmación y conclusión o sentencia. Veamos.

c.1) Fase de pretensión


Para dar inicio a la jurisdicción internacional de la CPI, el artículo
13 del Estatuto faculta tanto a los Estados parte, el Consejo de Segu­
ridad de Naciones Unidas o al Fiscal, respecto de cualquiera de los crí­
menes a que se refiere el artículo 5 del propio Estatuto, y que como hemos
señalado corresponden a los crímenes más graves de trascendencia
para la comunidad internacional en su conjunto.
En lo procesal, podemos señalar que el Estuto, cumple con la fase
de la pretensión, al regular explícitamente quienes tienen la condición
de legitimados activos para poner en movimiento a la CPI. No obstante
lo anterior, existen voces críticas, que podrían servir de base para
identificar una sombra o debilidad — más en el ámbito del Derecho
Penal sustantivo — y que dice relación con la existencia de tipologías
abiertas (art. 7 letra k del ECPI). En ese sentido BENEGAS señala “El
Tratado de Roma contiene tipologías imprecisas o que requieren ser
completadas por consideraciones doctrinarias o jurisprudenciales, que
constituyen tipologías abiertas en tanto no queda claro con total preci­
sión, como lo requiere la ciencia del derecho penal”.15
Respecto de aquella aprehensión, se podría contraargumentar
con las facultades de la Sala de Cuestiones Preliminares, quien tiene

EISNER, Isidoro. Principios Procesales. Revista de Estudios Procesales Nº 4, editada por el Centro de Estudios
14

Procesales, Rosario, Argentina, 1970. p 48.


BENEGAS, José infra nº 8 ob. cit.
15

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190 Julio Rojas Chamaca

atribuciones para ponderar si hay fundamento suficiente para abrir una


investigación y que el asunto sea de comptencia de la Corte (art. 15.4).
Otra sombra procesal, dice relación con la atribución del Consejo
de Seguridad, de pedir a la Corte que no inicie o suspenda por un plazo
de doce meses la investigación o juzgamiento que haya iniciado, soli­
citud que puede ser renovada por el Consejo en las mismas condiciones
(art. 16). Se podría esbozar en forma preliminar una eventual “tutela”
de este órgano de las Naciones Unidas con relación al funcionamiento
de la CPI (órgano que no posee atribuciones jurisdiccionales) y la limi­
tación de la garantía de contar con un Tribunal independiente.
Otras opiniones, ajenas al Derecho Procesal, consideran que “la
facultad que le otorga el Estatuto de Roma para solicitar la suspensión
del procedimiento, se encuentra plenamente justificada”.16
Esta intervención del Consejo de Seguridad se explica — por estas
voces — porque la creación de la Corte Penal Internacional “se inserta
en el complejo sistema internacional de protección del derecho huma­
nitario y de los derechos humanos, donde la actuación e intervención de
organismos como las Naciones Unidas ha sido preponderante e indis­
pensable para el adecuado mantenimiento de la paz y plena protección
de las personas en los conflictos de relevancia mundial”.17
El fundamento de dicha atribución, “lejos de ser arbitrario, radica
en la necesidad de evitar que la acción de la Corte pueda afectar el
manejo político o los mecanismos o procesos de mediación y pacificación
que se encuentre llevando a cabo el Consejo.”18
La política internacional y sobre todo la posibilidad cierta de
concretar procesos de paz en las zonas en conflicto podrían determinar
que la instrucción de un proceso, podría generar efectos más adversos
que beneficios — debido a una posible intensificación del conflicto que
vulnere el riesgo de acuerdo —; de tal suerte que la suspensión de un
proceso se justifica en tal contexto. La justificación, reiteramos es política
y no procesal, constituyéndose en un elemento ajeno al proceso.
La norma controvertida ha sido invocada,19 y la consecuencia de
su uso, podría implicar a futuro una importante limitación al trabajo

16
MINISTERIO SECRETARÍA GENERAL DE LA PRESIDENCIA, ob. cit, p. 81.
17
MINISTERIO SECRETARÍA GENERAL DE LA PRESIDENCIA, ob. cit., p. 80.
18
MINISTERIO SECRETARIA GENERAL DE LA PRESIDENCIA, ob. cit., p. 81.
19
La Fiscalía de la CPI, solicitó en 2008 la detención del Jefe de Estado de Sudán, Hassan Ahmad Al Bashir, por
genocidio, crímenes de lesa humanidad y crímenes de guerra en Darfur, toda vez que, poseía evidencia que
Al Bashir implementó un plan para destruir a grupos étnicos influyentes en el país.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional 191

de la CPI; desde la perspectiva procesal al cuestionar el principio de


independencia del Tribunal garantizado en el Estatuto, pero especial­
mente cuando se procura perseguir efectivamente a los responsables
de más alto rango.20

c.2) Fase de negación


¿Existe posibilidad de defensa para los imputados?, categórica­
mente sí, el ECPI resguarda los derechos del imputado, tanto en la fase
de investigación como en el juicio propiamente tal, así lo preveen diversos
artículos donde destacamos los siguientes: 55, 56, 60, 61, 63, 66, 67.
Frente a la pretensión del Fiscal de imputar alguno de los críme­
nes que crea el Estatuto, el imputado y su defensa tendrán el derecho a
acceder a las evidencias que estén en su poder, tan pronto sea posible,
sea para sostener la inocencia del acusado, o bien para atenuar su res­
ponsabilidad o finalmente para objetar la prueba de cargo (art. 67.2).
Los artículos anteriores nos muestran luces y avances significa­tivos
del proceso seguido ante la CPI, habida cuenta que se trata de un pro­ceso
penal donde el Fiscal deberá demostrar judicialmente y en la instancia
correspondiente la culpabilidad del imputado, debiendo garantizar el
Estatuto los principios de Derecho Penal y Procesal Penal regulados en
la Parte III (arts. 22 y siguientes) y especialmente el de presunción de
inocencia establecido en el art. 66.
Se aprecia, luego del análisis del conjunto de la normativa referida
a la fase de negación un criterio absoluto de resguardo a los derechos
mínimos del imputado y acusado, lo que evidencia un salto cualitativo
en materia de persecución penal internacional; no logramos advertir
limitaciones o restricciones a estos avances, por lo que debemos concluir
que no existen sombras en este ámbito.

c.3) Fase de confirmación


Esta etapa procesal se refiere al deber de probar, las imputaciones
y acusaciones del Fiscal y de la defensa de exponer sus propios puntos
de vista, utilizando prueba propia o la del Fiscal.

Esta decisión generó controversia (era la primera vez que solicitaba la detención de un Jefe de Estado en ejercicio)
y la LIGA ÁRABE, sostuvo que con ello se ponía en peligro la paz en dicho país (se habría firmado entre el
gobierno y las milicias un acuerdo el que nunca se materializó, por lo que era ineficaz), siendo además una
intromisión en los asuntos internos de Sudán. La UNIÓN AFRICANA, en el mismo sentido, y con posterioridad
hizo un llamado al Consejo de Seguridad para hacer uso de la atribución que confiere el art. 16 ECPI., lo que
en definitiva no ha ocurrido en ETCHEBERRY, Alfredo y CÁRDENAS, Claudia infra nº 11.
20
ETCHEBERRY, Alfredo, CÁRDENAS, Claudia, Infra nº 11, ob. cit.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
192 Julio Rojas Chamaca

Con relación a este tópico, cabe destacar que “Las Reglas de


Procedimiento y Prueba constituyen un instrumento para la aplicación del Esta­
tuto de Roma de la Corte Penal Internacional, al cual está subordinado en todos
los casos. Al elaborar las Reglas de Procedimiento y Prueba se ha procurado evitar
la reiteración y, en la medida de lo posible, repetir disposiciones del Estatuto. Se han
incluido referencias directas al Estatuto en las Reglas, cuando correspondía, con
el objeto de destacar la relación entre ambos instrumentos con arreglo al artículo
51, en particular los párrafos 4 y 5.
En todos los casos, las Reglas de Procedimiento y Prueba deben interpre­tarse
conjuntamente con las disposiciones del Estatuto y con sujeción a ellas.
A los efectos de los procesos en los países, las Reglas de Procedimiento y
Prueba de la Corte Penal Internacional no afectarán a las normas procesales
aplicables en un tribunal o en un sistema jurídico nacionales.”21
En lo referido a la prueba, cabe señalar que existe libertad pro­ba­
toria, esto es, todos los medios de prueba tradicionales son aceptados;
tanto para el Fiscal, como para la defensa, ya sea, para recabar ante­
cedentes de cargo y/o exculpatorios. De igual manera existe la libertad
en la valoración de ésta por la CPI. Las Reglas de Procedimiento y
Prueba no admitirán las normas de derecho interno relativas a la
prueba, salvo que lo hagan de conformidad con el artículo 21 (ECPI).22
Debemos desatacar adicionalmente que las partes pretendiente
(Fiscal) como resistente (imputado-acusado), tienen derecho a inspeccio­
nar los objetos que obren en poder de la contraria, materializándose
el principio procesal de igualdad de las partes en la confirmación pro­
cesal, la que es muy nítida y también constituye una luz en el proceso
seguido ante la CPI.
Este principio procesal de igualdad también se aprecia, en la
medida que si existe alguna imposibilidad de divulgación a la contraria
de los objetos o documentos (sea Fiscal o Defensa) no se podrán utilizar
ni en la fase de formulación de cargos y tampoco en el juicio, lo que
impide que una obtenga beneficios o privilegios al momento de acre­ditar
una pretensión o excepción.

21
Informe de la Comisión Preparatoria de la Corte Penal Internacional Nueva York, 13 a 31 de marzo de 2000
y 12 a 30 de junio de 2000, UNIVERSITY OF MINNESOTA, Human Rights Library, disponible en http://www1.
umn.edu/humanrts/instree/S-iccrulesofprocedure.html (fecha consulta 28 marzo 2010).
22
UNIVERSITY OF MINNESOTA, Ibid.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional 193

c.4) Fase de conclusión


Para la dictación de la sentencia, el Estatuto dispone el cumpli­
miento de requisitos que son los siguientes:
1. Todos los magistrados de la Sala de Primera instancia estarán
presentes en cada fase del juicio y en todas sus deliberaciones.
2. El fallo debe ser fundado, esto es, la Corte debe hacerse cargo
de la totalidad de las pruebas y del juicio.
3. Sólo puede referirse a hechos y circunstancias descritos en los
cargos o modificaciones de los cargos.
4. Los magistrados procurarán adoptar su fallo por unanimidad,
pero de no ser posible, éste será adoptado por mayoría.
5. Las deliberaciones de la sala serán secretas.
6. El fallo será escrito e incluirá una exposición fundada y completa
de la evaluación de las pruebas y las conclusiones.
7. Cuando no exista unanimidad, el fallo de la Sala de Primera
Instancia incluirá las opiniones de la mayoría y minoría.
8. La lectura del fallo o de un resumen se éste se hará en una sesión
pública.
Respecto de la pena — si el fallo es condenatorio — puede ir de
30 años a reclusión perpetua como máximo. No se permite, por tanto,
la pena de muerte. La Corte podrá resolver la reducción de la pena
solo cuando el recluso haya cumplido las dos terceras partes de la pena
o 25 años en caso de cadena perpetua.
Contempla expresamente el ECPI en la Parte VIII Recurso de
Apelación y Revisión (artículos 81 y siguientes), cuyo conocimiento está
reservada a la Sala de Apelaciones de la Corte.
Se logra evidenciar en esta fase luces de un proceso penal, tanto
respecto de las condiciones de la sentencia, como por la posibilidad de
impugnación, no existen sombras en el proceso.
Ahora con relación a los efectos del fallo y la institución procesal
de la Cosa Juzgada, se deslizan ciertas sombras que conviene señalar.
Para BENEGAS, el ECPI, genera una “relativización de la cosa
juzgada cuando se trata de sentencias de tribunales internos de los
países, también sin un criterio claro más allá del desacuerdo del Tribu­
nal Internacional con el eventual resultado absolutorio de ese proceso.
Al contrario, el Tribunal no serviría como instancia de revisión ante
una condena injusta de un tribunal interno”.23

BENEGAS, José, Infra nº 8, ob. cit.


23

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194 Julio Rojas Chamaca

Con relación a dicha crítica, podríamos sostener que sería


pertinente que el ECPI fijara los alcances del concepto “obedeciera al
propósito de sustraer al acusado de su responsabilidad penal por crímenes
de la competencia de la Corte”, ya que, con ello se establecería el están­dar
de actuación de la Corte.
No existen experiencias que se han podido constatar a la fecha, en
relación a este punto, pero el contexto y las situaciones que generan el
conflicto internacional, han determinado la justificación de esta norma,
lo que no excluye la posibilidad de perfeccionarla más.

III Reflexiones finales


1. Hoy no se discute en el concierto internacional, que deben ser
sancionados los delitos de mayor significación para la huma­
ni­
dad; los Estados conscientes de los alcances y consecuencias
de ellos han avanzado y para evitar experiencias anteriores
complejas y criticables desde el proceso, han concordado en el
Estatuto de Roma que crea la Corte Penal Internacional.
2. La Corte como Tribunal nace con la finalidad de ser perma­
nente, imparcial e independiente, su Estatuto así lo garantiza y
ha demostrado — en este período — que logra cumplir con ello.
3. Lo anterior no obsta a señalar que desde el proceso se aprecian
sombras en cuanto al proceso, las que dicen relación con la
particular forma del conflicto internacional, en especial con
las atribuciones del Consejo de Seguridad para suspender una
investigación y juicio y con la eventual relativización de la Cosa
Juzgada, al no existir un criterio más claro respecto del trabajo
del tribunal interno en orden a la sanción de la conducta penal
de competencia de la CPI.
4. En general, y por tratarse de un proceso penal, el panorama
y la conclusión es superior, ya que, respeta íntegramente las
garantías de los justiciables; incluso es posible sostener que
ciertas legislaciones procesales penales que — a la fecha — se basan
en el sistema inquisitivo de juzgamiento, se amparen en el proceso
seguido ante la Corte por constituir un verdadero proceso.
5.
Al ser un Tribunal con poco tiempo de funcionamiento se
aprecia su aporte y vigencia al proceso penal internacional, consti­
tuyendo una garantía de independencia para los justiciables.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Internacional 195

Bibliografía

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UNIVERSIT Y OF MINNESOTA. Human R ights Librar y. I nfor me de la Comisión
Preparatoria de la Corte Penal Internacional Nueva York, 13 a 31 de marzo de 2000
y 12 a 30 de junio de 2000, disponible en http://www1.umn.edu/humanrts/instree/S-
iccrulesofprocedure.html.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

ROJAS CHAMACA, Julio. Luces y sombras del proceso seguido ante la Corte Penal Inter-
nacional. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74,
p. 183-195, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 183-195, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do
devedor: breve estudo do art. 97 da Lei
nº 11.101/2005
Aline França Campos
Graduada em Direito pela UFMG. Especialista em Direito de Empresa pelo Centro de Atualização
em Direito (CAD). Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Professora Universitária.
Advogada.

Resumo: O art. 97 da Lei nº 11.101/2005 traz rol dos legitimados a requerer


a falência do devedor. Não basta, no entanto, a legitimidade ativa. É preciso
que se verifique a existência de interesse. Ademais, não se pode olvidar o
fim do instituto da falência. Aquele que exerce seu direito — o de requerer
a quebra do devedor — não o pode fazer de forma abusiva, o que, na esteira
da teoria do abuso de direito, ensejaria o dever de indenizar o devedor pelos
prejuízos causados pela distribuição de um pedido de falência.
Palavras-chave: Falência. Legitimidade ativa. Processo falimentar. Interesse
de agir. Abuso de direito.
Sumário: 1 Introdução – 2 O contexto em que a Lei nº 11.101/2005 foi
editada – 2.1 Alteração na ordem de classificação dos créditos falimentares
– 3 A legitimidade ad causam: o sujeito ativo do processo falimentar – 4 O
interesse de agir do credor e o abuso de direito – 5 Conclusão – Referências

1 Introdução
O crédito sempre teve papel fundamental na vida econômica.
Talvez assim se explique a preocupação constante do legislador em criar
mecanismos, em sua maioria judiciais, que tentem solucionar o problema
do inadimplemento das obrigações creditícias, sejam eles direcionados
a execuções singulares ou coletivas ou ainda a acordos entre devedor e
seus credores.
O estado de crise econômico-financeira de uma empresa é mere­
cedor de especial atenção, uma vez que nela se concentram relações
socioeconômicas. A crise de uma empresa é capaz de causar repercussões
não somente no campo econômico, visto que a produção e/ou circulação
de bens e serviços, além de fonte de riquezas, também são imprescindí­
veis para a satisfação das necessidades sociais, seja através da geração de
empregos ou de respeito ao consumidor, seja por meio da oferta de bens
e serviços capazes de garantir a liberdade de escolha e a livre concorrên­
cia entre os agentes econômicos, propiciando, assim, o aperfeiçoamento

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dos bens postos no mercado e o bem-estar social,1 segundo a teoria


econômica. São esses os fatores que justificam a intervenção do Estado
na crise econômica e financeira das empresas,2 entendidas, à luz da
teoria da empresa, como atividade econômica organizada para a pro­
dução e/ou circulação de bens e serviços.
Para se estudar a legitimidade ativa no processo falimentar, é, no
entanto, importante que se analise o contexto em que ocorreu a edição
da lei em vigor.

2 O contexto em que a Lei nº 11.101/2005 foi editada


Apesar das previsões de continuação do negócio, sob a égide do
Decreto-Lei nº 7.661/1945, raramente os devedores se recuperavam,
conseguindo superar a crise econômico-financeira. Na sistemática do
Decreto de 1945, as sociedades concordatárias e falidas não conseguiam
sobreviver, extinguindo-se frequentemente fontes geradoras de riqueza,
empregos, tributos e fortalecimento e crescimento da economia nacional.3
O Decreto-Lei manteve a proibição do acordo extrajudicial, im­
posta desde a Lei nº 2.024, de 1908. O acordo, nos termos do art. 2º,
III, permaneceu como presunção de insolvência. Com isso, como
ressaltou Paulo Penalva dos Santos,4 a lei afastou-se da realidade, pois
as partes continuavam buscando formas de solucionar a questão por
meio de critérios que eram vedados. Credores e devedores continuaram

1
SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004. p. 47.
2
Eduardo Goulart Pimenta esclarece as duas acepções da empresa — a econômica e a do direito. Veja-se,
respectivamente:
A partir da idéia de insumos ou de fatores de produção e de seu emprego organizado é possível definir
economicamente a empresa (chamada também de capacidade empresarial ou empresarialidade): trata-se
da aglutinação e organização dada aos fatores de produção para o exercício de uma atividade destinada à
produção ou distribuição de bens ou de serviços. [...]
Deste modo, se a empresa pode ser economicamente concebida como a organização dos fatores produtivos,
deve ser compreendida não apenas como o conjunto composto por terra, capital, trabalho, tecnologia e
matérias-primas (visão estática da empresa) mas também como o conjunto das transações jurídicas (contratos)
que se deve implementar para organizar e manter em funcionamento tais fatores de produção (visão dinâmica
da empresa) (PIMENTA, Eduardo Goulart. Teoria da empresa em direito e economia. Revista de Direito Público
da Economia – RDPE, Belo Horizonte, n. 14, p. 58-59, abr./jun. 2006).
No Direito brasileiro, porém, a definição de empresa agrega outros elementos que, a rigor, são irrelevantes
do ponto de vista econômico. Assim, nem tudo o que pode ser considerado empresa para a Economia é, no
Direito, objeto das normas especiais componentes do Direito de Empresa. A noção econômica de empresa em
muito se assemelha mas não se equipara à sua definição jurídica.
Determinadas atividades econômicas, embora organizadas para a produção ou circulação de bens ou serviços e
com nítido intuito lucrativo estão apartadas da idéia de empresa consagrada pela legislação brasileira (PIMENTA,
Eduardo Goulart. Teoria da empresa em direito e economia. Revista de Direito Público da Economia – RDPE,
Belo Horizonte, n. 14, p. 65, abr./jun. 2006).
3
GUIMARÃES, Maria Celeste Morais. Recuperação judicial de empresas. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 22.
4
SANTOS, Paulo Penalva. A recuperação extrajudicial na nova lei de falências. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.).
A nova lei de falências e de recuperação de empresas: Lei nº 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 368.

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Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 199

a negociar, e a proibição da concordata amigável ou acordo extrajudicial


foi considerada letra morta.
Outro problema enfrentado pelos devedores no processo de su-
peração de sua crise econômico-financeira era a forma de pagamento
na concordata preventiva, o qual devia ser realizado em, no máximo, 24
meses, sendo, em alguns casos, uma considerável quantia à vista. Assim,
poucas eram as concordatas cumpridas, pois além da exigência da prova
da regularidade das obrigações tributárias — situação rara para deve­dores
em crise —, o devedor que tinha condições de pagar considerável quantia
de sua dívida não precisaria da concessão do favor legal da concordata.
Para evitar pagamentos em prazos exíguos, tornou-se comum a prática
das cessões de crédito.
Ademais, o Decreto de 1945 já não era capaz de reger a matéria
falimentar de forma satisfatória à realidade. Profundas alterações eco­
nômicas e, consequentemente, no mundo empresarial, tinham ocorrido
desde sua entrada em vigor, no pós-guerra. O diploma legislativo era
contemporâneo da Conferência de Bretton Woods, de julho de 1944,
que instaurou a ordem capitalista no pós-guerra e vigorou praticamente
sem alterações até o início da década de 70. Tal sistema refletia as carac­
terísticas econômicas do período posterior à Segunda Guerra Mundial,
período esse marcado pela previsibilidade e pela forte regulação, situações
quase inexistentes na economia atual.
Ramez Tebet, Senador relator da Comissão de Assuntos Econô­
micos, em seu parecer sobre o projeto de lei que posteriormente se
transformaria na Lei nº 11.101/2005, traz de forma clara as “instituições
crucias do sistema de Bretton Woods”. Ei-las:

a) a paridade dólar-ouro, cuja extinção por ato unilateral dos Estados Unidos,
em 1971, pode ser vista como o réquiem do período;
b) a restrita movimentação internacional de capitais financeiros, condizente com
um baixo nível de flutuação das várias moedas internacionais;
c) o Fundo Monetário Internacional, no papel de emprestador internacional
de última instância, em casos de grave desequilíbrio no balanço de pagamentos
dos países-membros.5

TEBET, Ramez. Parecer nº..., de 2004 da Comissão de Assuntos Econômicos, sobre o PLC nº 71, de 2003. In:
5

MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 351.

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Da leitura de tais instituições, resta claro que o cenário econômico


mundial alterou-se substancialmente. São notáveis as diferenças em
relação ao período do pós-guerra. Em curtos períodos de tempo, as
moedas internacionais passaram a flutuar de maneira considerável.
Exem­ plos disso são as constantes variações do dólar em relação ao
euro. As barreiras à movimentação de capitais passaram a ser quase
inexistentes se comparadas ao período da Conferência de Bretton Woods.
E, para finalizar, o FMI, que ainda existe como instituição, é alvo de
constantes críticas.
No entanto, as mudanças não ocorreram somente no campo da
macroeconomia. A microeconomia, em virtude da modernização das
práticas empresariais e das instituições, também se transformou. Como
salienta Tebez:

a) os arranjos societários são cada vez mais complexos: empresas associam-se


em crescente gigantismo, por meio de processos de concentração empresarial,
com destaque para as fusões e aquisições;
b) empresas importantes praticamente dispensam a propriedade de ativos físicos
e tangíveis, tornando-se meramente centros de decisões mercadológicas, de
desenvolvimento de produtos e logística;
c) relações contratuais mais fluidas que o direito de propriedade passam a reger
as relações produtivas. Empresas abandonam, por exemplo, a propriedade
do capital fixo, que é substituída por contratos de alienação fiduciária ou de
arrendamento mercantil operacional (leasing operacional);
e) formas tradicionais de garantia, como a hipoteca e o penhor, perdem
gradualmente sua efetividade, à vista da proliferação de novas formas de
contratos, como a securitização de recebíveis, a alienação fiduciária de imóveis,
a cessão de direitos creditórios e os instrumentos financeiros chamados
derivativos.6

Foi esse o quadro que motivou a reformulação do tratamento da


matéria falimentar, objetivando-se principalmente a preservação da
empresa viável como atividade econômica.7 Em 2005, foi editada a Lei
nº 11.101.

6
TEBET, Ramez. Parecer nº..., de 2004 da Comissão de Assuntos Econômicos, sobre o PLC nº 71, de 2003. In:
MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 352.
7
MACHADO, Rubens Approbato. Visão Geral da nova Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 que reforma o
Decreto-Lei 7.661, de 21.06.1945 (lei de falências) e cria o instituto da recuperação da empresa. In: MACHADO,
Rubens Approbato (Coord.). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 22.

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Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 201

Em 1993, o Poder Executivo remeteu ao Congresso Nacional


projeto de lei que reformava o Decreto-Lei nº 7.661/1945, o qual foi
for­
temente influenciado pelo anteprojeto elaborado pela Comissão do
Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), denominada “Roger de
Carvalho Monge”. Na Câmara Federal, o projeto, que recebeu o número
4.376 e teve como relator o Deputado Osvaldo Biolchi — que, após dez
anos de debates, apresentou seu relatório — foi finalmente aprovado8
pelo Plenário e, logo em seguida, enviado ao Senado Federal. Nessa
Casa Legislativa, por sua vez, tornou-se o Projeto de Lei nº 71, de
2003, sendo aprovado na sessão plenária de 6 de julho de 2004, com as
modificações propostas pelo Senador Ramez Tebet, relator da Comissão
de Assuntos Econômicos (CAE).
Paulo Penalva dos Santos ressalta algumas das modificações —
apontadas pelo Senador Ramez Tebet9 em seu relatório — realizadas
no Senado, dando destaque àquelas relativas ao aprimoramento da estru­
tura do projeto de lei. Veja-se: na versão aprovada pela Câmara dos
Deputados, os dispositivos que tratavam da classificação dos créditos
estavam inseridos nas “Disposições Comuns à Recuperação Judicial e à
Falência”, o que, para o autor, não era adequado, pois a classificação de
créditos só se faz necessária quando da liquidação do ativo e rateio entre
os credores distribuídos em classes; outra modificação estrutural impor­
tante foi a da ação de restituição, que estava no projeto de lei aprovado
pela Câmara também inserida nas “Disposições Comuns à Recuperação
e à Falência”, sendo certo que também isso, para Paulo Penalva, não
tinha razão de ser, uma vez que o pressuposto dessa ação é a arrecadação
dos bens do devedor, que só ocorre no processo falimentar.10
Devido às alterações que sofreu no Senado, o projeto de lei retor­
nou à Câmara dos Deputados em 12 de julho de 2004, sendo submetido a
uma Comissão Especial. Na sessão plenária de 14 de dezembro de 2004,
teve sua redação final aprovada.
Depois de mais de uma década de tramitação no Congresso
Nacional, o projeto foi sancionado pelo Presidente da República,

8
A matéria foi aprovada na forma da Subemenda Substitutiva de Plenário apresentada pelo Deputado-relator
Osvaldo Biolchi.
9
TEBET, Ramez. Parecer nº..., de 2004 da Comissão de Assuntos Econômicos, sobre o PLC nº 71, de 2003. In:
MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 357.
10
SANTOS, Paulo Penalva. Apresentação. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.). A nova lei de falências e de
recuperação de empresas: Lei nº 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. VIII.

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Luiz Inácio Lula da Silva, transformando-se na Lei nº 11.101, de 9 de


fevereiro de 2005.
Apesar da necessidade latente de modificações no processo fali­
mentar brasileiro, salta aos olhos o longo período de tramitação do pro­
jeto. Mauro R. Penteado salienta que, somente após o Executivo Federal
ter firmado acordo com o Fundo Monetário Internacional, em setembro
de 2001, com vistas a aprovar uma Lei de Falências capaz de melhorar o
ambiente e os marcos legais do mercado brasileiro, é que a tramitação do
projeto ganhou força e prioridade na agenda do Congresso Nacional.11
Se o Governo Federal não tivesse se comprometido com o organismo
internacional, talvez fosse necessária mais outra década para que o Con­
gresso finalizasse o processo legislativo, a exemplo do que ocorreu com o
Código Civil em vigor, cujo projeto tramitou por mais de duas décadas.
Concomitantemente com o projeto de lei em questão, também foi
discutido, votado e aprovado pelas duas Casas Legislativas o Projeto de
Lei Complementar nº 72/2003, resultando na Lei Complementar nº 118,
que alterou o Código Tributário Nacional (CTN). Como, por disposição
constitucional (art. 146, III), cabe à lei complementar dispor sobre
“normas gerais em matéria de legislação tributária”, tornou-se necessá­
rio o projeto de lei complementar para alterar a ordem de classificação
dos créditos tributários na falência e tornar possível a alienação de
estabelecimentos sem a configuração da sucessão tributária. A Lei nº
11.101/2005 não poderia alterar o Código Tributário Nacional, recep­
cionado com o status de lei complementar. Essa, a necessidade da Lei
Complementar nº 118/2005.
Para Jorge Lobo,12 com o advento da nova Lei de falência, o Brasil
passou a integrar o grupo dos países que priorizam a reestruturação,
a recuperação e o desenvolvimento de empresas viáveis, mas em crise
econômica e financeira, em vez da venda dos bens e ativos utilizados
nestas para a satisfação de suas obrigações junto aos credores.
Os princípios constitucionais estabelecidos pela Carta Magna
de 1988 clamavam por modificações na legislação falimentar, a qual
não mais poderia ter como único objetivo a satisfação dos credores. De
acordo com Antônio Carlos Esteves Torres:

11
SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de
recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 58.
12
LOBO, Jorge. Direito da empresa em crise (a nova lei de recuperação da empresa). Revista Forense, Rio de
Janeiro, v. 379, p. 119, maio/jun. 2005.

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Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 203

[...] a Constituição, especialmente nas disposições sobre a atividade econômica


(art. 170), encerra os princípios que presidem a reformulação do direito
fali­mentar. Assim, ainda que se tivessem como adequadas as circunstâncias
meramente creditícias, para amparo da legislação especial das quebras, com
vista à garantia dos credores, passou a ser evidente que a função anormal
do crédito não poderia ser fonte centralizadora do direito concursal. O próprio
crédito configura o principal sensor do sistema financeiro nacional, mola
mestra da economia.13

Ao se buscar a preservação da empresa — ainda que seja necessário


transferir sua exploração a outro sujeito —, mantendo-se a atividade pro­
dutiva, asseguram-se, no processo falimentar, os fundamentos da ordem
econômica, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre ini­
ciativa (art. 170, caput, da CR/88). Como observa Alexandre de Moraes,14
é o trabalho que garante a subsistência do homem e o crescimento do
país, sendo que sua proteção atinge tanto o trabalhador subordinado
como o autônomo e o empregador, esse último tido como empreende­dor
do crescimento do país. A livre iniciativa, por sua vez, é que caracteriza
uma economia de mercado.
Como ressalta Rachel Sztajn,15 o Direito Comercial ou Empresarial
moderno busca a inserção da empresa nos mercados, ou seja, tal ramo
deixou de ser, com o desenvolvimento da teoria da empresa, um Direito
classista como aquele que era relacionado aos atos de comércio. Trata-se
de Direito que repercutirá na microeconomia, uma vez que “a exigên­
cia atual é garantir a segurança da circulação da riqueza e a estabilidade
das relações jurídicas de modo a promover a produção/circulação de bens
e serviços, satisfazer as necessidades sociais e criar riquezas”. Assim, o
diploma de 1945 que regia o processo falimentar brasileiro estava em
descompasso com essa tendência e com o próprio ordenamento pátrio,
que já tinha adotado, desde 2002, com o advento do Novo Código Civil,
a teoria da empresa.
Além do objetivo principal da preservação das empresas viáveis,
a Lei nº 11.101/2005 objetiva também atualizar a legislação falimentar.
O Decreto nº 7.661/1945, como mencionado em capítulo anterior, já se
mostrava defasado pelo tempo e incapaz de solucionar as situações de
crise apresentadas pelo mundo empresarial atual. Como exemplo dessa

13
TORRES, Antônio Carlos Esteves. Disposições finais e transitórias. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.). A nova
lei de falências e de recuperação de empresas: Lei nº 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 429-430.
14
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 50.
15
SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004. p. 10-11.

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desatualização, Manoel Justino Bezerra Filho16 aponta o artigo 7º do


Decreto de 1945. O §1º desse dispositivo estabelece regras de competên­
cia para a decretação da quebra do comerciante ambulante — ou seja,
do mascate e do caixeiro viajante — e dos empresários de espetáculo
público itinerante — isto é, dos empresários do circo. Tais figuras são
inexistentes ou apresentam pequena expressão econômica.
Fábio Ulhoa Coelho17 ainda aponta dois outros objetivos da refor­ma
falimentar. O primeiro concentra-se na luta contra o desemprego. Com
o instituto da recuperação judicial e, logo, com a possibilidade de con-
tinuação da empresa viável tida como atividade econômica organi­ za­
da,
buscar-se-ia desacelerar a elevação do nível de desemprego. O segundo
objetivo refere-se à retomada do desenvolvimento econômico ao buscar
reduzir o risco de insolvência do devedor e, consequentemente, os juros
e spreads bancários. Para tanto, a nova Lei trouxe medidas como a venda
dos bens do devedor logo após a arrecadação deles, antes mesmo da veri­
ficação do passivo e da investigação de crimes falimentares (art. 139). Outra
medida introduzida pela Lei nº 11.101/2005 foi a alteração na ordem
de classificação dos créditos: aqueles com garantia real, representados,
em geral, pelas instituições financeiras, passaram a ocupar a segunda
posição na classificação, preterindo até mesmo os créditos tributários
(art. 83, II).
O mesmo autor, no entanto, mostra-se pessimista em relação ao
alcance dos objetivos propostos pela reforma da legislação falimentar.
Manoel Justino Bezerra Filho, por sua vez, antes mesmo da promulgação
da Lei nº 11.101/2005, já alertava sobre as dificuldades que seriam
enfrentadas com a edição de um novo diploma que regulamentasse toda
a matéria falimentar e sobre a possibilidade de se manter em vigor o
Decreto-Lei nº 7661/1945. Veja-se:

[...] o fato de se tratar de Lei originária da primeira metade do século passado


não determinaria, só por isto, ser necessária sua revogação. Trata-se de lei
de excelente qualidade, extremamente ordenada em seus artigos e, princi­
palmente, submetida a um cuidadoso trato jurisprudencial que aparou grande
parte das arestas de natureza substancial e processual que um diploma de
tal envergadura e abrangência sempre carrega. Por isto mesmo, sempre é

16
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Exame crítico do projeto da lei de falências: “recuperação de empresa” ou
“recuperação do crédito bancário”. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 822, p. 129, abr. 2004.
17
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. rev. e atualizada de acordo com o novo Código Civil
e a nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3, p. 240.

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Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 205

recomendável que se avalie a possibilidade ou conveniência de manter a lei


em vigor, fazendo apenas algumas alterações tópicas, para que não sejamos
todos conduzidos à perplexidade e dificuldade de assentamento de rumo
que sempre decorrem da revogação de leis de grande espectro; aliás, exami­
naremos logo abaixo indicações neste sentido, ao relembrar o que está ocor­
rendo com as sociedades empresárias (excluindo-se a sociedade anônima que
felizmente continuou regrada pela lei antiga, na forma do art. 1.089 do CC),
que foram alteradas pela promulgação do Código Civil de 2003.18

Apesar desse alerta, Bezerra não afastou a necessidade da reforma


da legislação até então em vigor, tendo em vista, como já mencionado, a
defasagem do Decreto nº 7.661/1945 quanto à apresentação de soluções
para as situações de crise econômico-financeira do devedor.
Realmente, o Decreto de 1945, elaborado no pós-guerra, não mais
se coadunava com a realidade econômica emergente. A realidade na qual
o diploma legislativo em questão foi criado não existia mais. A edição
do Decreto, ora revogado, remonta a uma época em que o Brasil era
eminentemente agrário e pouco urbanizado. O País nem sequer contava
com uma indústria de base.
Hoje, os arranjos sociais são cada vez mais complexos. Como
exemplo, pode-se citar as fusões, aquisições e incorporações. As empresas
causam, assim, impactos que não são mais tão somente locais, o que,
por si só, já merece grande atenção. Os impactos podem ser também
regionais e, até mesmo, nacionais. Recentemente, pôde-se acompanhar
o caso da Varig — amplamente divulgado pela mídia —, em que os efeitos
de sua crise econômico-financeira repercutiram nacionalmente, tanto
em relação aos postos de trabalho quanto no que se refere à geração
de tributos, aos contratos com fornecedores e prestadores de serviço etc.
As mudanças não param por aí e, entre inúmeras outras, cite-se
ainda, mais uma vez, o desenvolvimento acelerado de produtos e da
logística, desenvolvimento esse que acaba por dispensar a necessidade
da propriedade de ativos físicos e tangíveis e a substituição do capital
fixo por contratos de alienação fiduciária e leasing, por exemplo. Todas
essas modificações criaram um enorme abismo entre a realidade atual e
aquela do pós-guerra.
Um diploma legislativo que tratava, por exemplo, da quebra de
figuras quase inexistentes, senão inexistentes, como o caixeiro viajante

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Exame crítico do projeto da lei de falências: “recuperação de empresa” ou
18

“recuperação do crédito bancário”. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 822, p. 128, abr. 2004.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
206 Aline França Campos

e o mascate, não mais atenderia aos anseios da sociedade. O Decreto


nº 7.661/1945 tornou-se defasado por essas e outras mudanças nas prá­
ticas empresariais.

2.1 Alteração na ordem de classificação dos créditos falimentares


Os bancos, defensores da autorregulamentação do mercado, pos-
tularam junto ao Congresso Nacional uma intervenção estatal legislativa
no âmbito falimentar. Almejaram e conseguiram a modificação na ordem
de classificação dos créditos, sobrepondo-se àqueles com garantia real
— dos quais essas instituições são as maiores titulares — aos trabalhis-
tas superiores a 150 salários mínimos e aos do Fisco, como se dissessem
respeito a créditos cujos titulares fossem hipossuficientes econômicos.
Nota-se, como salienta Bezerra Filho,19 que o projeto de lei desvirtuou-se
e distanciou-se de seus propósitos originais, apresentando-se como garan-
tidor dos créditos bancários.
Para alcançar os fins desejados, os bancos valeram-se do seguin­
te argumento: a alteração na ordem de classificação dos créditos
falimentares era necessária para a diminuição do inadimplemento e,
consequentemente, dos juros e dos spreads bancários, constituindo-se esses
últimos na diferença entre o valor que os bancos remuneram o dinheiro
e o valor que cobram pelo seu empréstimo. Tanto é assim que o Senador
Ramez Tebet,20 em seu parecer sobre o projeto da nova Lei de Falência,
aponta entre “os princípios adotados na análise do PLC nº 71, de 2003,
e nas modificações propostas” a redução do custo do crédito no Brasil.
Para o Senador, normas precisas sobre a ordem de classificação dos cré­
ditos no processo falimentar confeririam segurança jurídica aos deten­
tores de capital, incentivando-os, assim, a aplicar recursos a custo menor
nas atividades produtivas.
Jorge Pinheiro Castelo julga que esse argumento é falso, tendo em
vista que a inadimplência representa somente 17% da composição do
spread bancário. Veja-se:

A composição do spread bancário se dá da seguinte forma: 14% de despesas


administrativas, 17% de inadimplência, 29% de tributos e 40% de lucro. O

19
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Exame crítico do projeto da lei de falências: “recuperação de empresa” ou
“recuperação do crédito bancário”. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 822, p. 135, abr. 2004.
20
TEBET, Ramez. Parecer nº..., de 2004 da Comissão de Assuntos Econômicos, sobre o PLC nº 71, de 2003. In:
MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 353.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 207

custo ou risco pelo inadimplemento representa apenas 17%. No entanto,


querem dar mais garantias aos bancos no projeto da nova Lei de Falências
sob o falso argumento de que o risco do inadimplemento é que elevaria o
custo dos empréstimos.21

Assim como Pinheiro, Bezerra Filho também combate o argumento


dos bancos. O fato de o aumento da garantia de seus créditos poder
acarretar a diminuição dos juros seria irrelevante, pois o pagamento das
dívidas junto aos bancos esvaziaria o devedor — sociedade empresária
ou empresário individual — e impediria a continuação da atividade.22
Ademais, a simples constituição de garantias reais de boa qualidade
e liquidez — garantias essas frequentemente exigidas pelas instituições
financeiras como condição à concessão de crédito — por si só já deveria
ser motivadora da redução dos juros, uma vez que diminui substancial­
mente os riscos do credor, se não os faz desaparecer por completo,
restando somente os custos de transação23 decorrentes da celebração do
negócio jurídico.
Os bancos no Brasil são mais rentáveis que em diversos outros
países. Isso demonstra o baixo risco de operação dessas instituições no
País, não se justificando o superprivilégio conferido a seus créditos pela
Lei nº 11.101/2005. Ademais, não seriam modificações na legislação
falimentar que acarretariam a redução nos juros e no spread bancário,
como realmente não ocorreu até hoje.
Essas instituições já têm inúmeras formas de sanar a inadim­­plên­cia.
Como exemplo, pode-se citar algumas. Veja-se.
Quando possuem créditos vinculados a títulos de crédito, ainda
que constem destes valores incorretos em decorrência de juros abusivos,
elas se valem da execução direta. Nesta, o devedor só pode se defender
através de embargos à execução. Se se tratar de crédito hipotecário, os

21
CASTELO, Jorge Pinheiro. A nova lei de falências: por que os bancos querem intervenção estatal protetiva?.
Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 182, p. 53, 15 ago. 2004.
22
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Exame crítico do projeto da lei de falências: “recuperação de empresa” ou
“recuperação do crédito bancário”. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 822, p. 136, abr. 2004.
23
[...] custos de transação consistem naquilo que se precisa pagar ou de que se deve abrir mão para constituir,
manter, proteger ou transferir os direitos e deveres decorrentes de uma relação contratual (PIMENTA, Eduardo
Goulart. Teoria da empresa em direito e economia. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo
Horizonte, n. 14, p. 61, abr./jun. 2006).
Custos de transação: Custos incorridos pelos agentes econômicos na procura, na aquisição de informação e na
negociação com outros agentes com vistas à realização de uma transação, assim como na tomada de decisão
acerca da concretização ou não da transação e no monitoramento e na exigência do cumprimento, pela outra
parte, do que foi negociado (PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio
de Janeiro: Campus, 2005. p. 75).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
208 Aline França Campos

bancos utilizam a execução hipotecária, em que o devedor é citado para


pagar a dívida ou comprovar que já a pagou, sob pena de execução da
hipoteca, cujo valor também pode ser controvertido e incorreto. Na
hipótese de alienação fiduciária, os bancos valem-se da busca e apreensão
mediante liminar e, para uma corrente hoje já fortemente combatida,
da prisão do devedor, em virtude da figura do depositário infiel.24
No âmbito da recuperação judicial, também pode-se notar que
foram concedidos privilégios aos bancos. Basta observar o §3º do art.
49 da nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Esse dispositivo
estabelece que os credores titulares de créditos oriundos de alienação
fiduciária de bens móveis ou imóveis ou de arrendamento mercantil,
ou seja, os créditos dos bancos e das financeiras, não estão sujeitos à
recuperação judicial. Outro exemplo desses privilégios está previsto no
§2º do art. 50, segundo o qual não haverá conversão dos créditos em
moeda estrangeira, salvo se o credor — os bancos, em geral — concordarem
com disposição em contrário no plano de recuperação.
Nota-se que o argumento dos bancos para obterem o privilégio
na Lei nº 11.101/2005 não poderia ter sido levado em consideração pelo
legislador. O inadimplemento não é o maior fator causador do aumento
dos juros e do spread bancário. Ademais, o lucro dos bancos somente
cresce, o que, de modo algum, configura ilegalidade ou tampouco deve
ser visto como motivo de vergonha. No entanto, incompreensível é que,
ainda assim, cogite-se em uma situação que possa ampará-los. Nesse
mesmo sentido, vale trazer as palavras de Jorge Pinheiro Castelo, que
sintetizam toda a desproporção do superprivilégio concedido aos bancos:

Realmente, se os bancos brasileiros estivessem em dificuldade, sem lucros,


poder-se-ia até se pensar em algum tipo de situação a ampará-los. Porém, na
situação econômica e jurídica desproporcionalmente superprivilegiada que
se encontram, além de ilegal e injustificável jurídica, social e economicamente,
a fixação de mais superprivilégios é também absolutamente imoral.25

Assim, pode-se afirmar que a alteração da ordem de classificação


dos créditos no processo falimentar, instituída pela nova Lei, como
instrumento de redução do custo do crédito bancário no Brasil, não
passou de uma falácia sustentada pelos bancos.

24
CASTELO, Jorge Pinheiro. A nova lei de falências: por que os bancos querem intervenção estatal protetiva?.
Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 182, p. 54-55, 15 ago. 2004.
25
CASTELO, Jorge Pinheiro. A nova lei de falências: por que os bancos querem intervenção estatal protetiva?
Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 182, p. 55, 15 ago. 2004.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 209

3 A legitimidade ad causam: o sujeito ativo do processo falimentar


A legitimidade ad causam é a atribuição específica para agir concre­
tamente, propondo ou contestando uma ação. Trata-se das titulari­ dades
ativa e passiva da ação. Porém, para que se alcance uma decisão de
mérito, não basta a existência dos sujeitos ativo e passivo. É preciso que
os sujeitos, para que o processo não seja extinto por sentença termina­
tiva, sejam partes legítimas, isto é, titulares dos interesses em conflito.
Esses interesses, por sua vez, decorrem da relação hipotética de direito
material26 narrada pelo autor na petição inicial.
Assim, legitimidade ativa tem aquele que, em regra, é o possível
titular do direito pretendido. O direito de propor ação, no entanto, não
se confunde com julgamento procedente.
Por outro lado, legitimado passivo é aquele que suportará os
efeitos da sentença, assistindo ou não razão ao autor. Para identificá-lo
não é necessário questionar se o autor da demanda faz juz a uma decisão
favorável, pois esta já é uma questão de mérito.27
Em relação ao processo falimentar, nos termos do art. 9728 da Lei
nº 11.101/2005, estão legitimados para propor a falência: 1) o próprio
devedor; 2) o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro ou o inventa­riante;
3) o cotista ou acionista do devedor e 4) qualquer credor.
A primeira situação é a da autofalência. A obrigação legal de
requerer a autofalência permanece, mas sem o prazo de trinta dias, con­
tado do inadimplemento sem relevante razão de direito, previsto no art. 8º 29
do revogado Decreto-Lei nº 7.661/1945.
A obrigação do devedor nasce com sua insolvência, sendo ainda
necessário, para o requerimento de sua falência, que julgue não preencher

26
Em sentido contrário THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil e processo de conhecimento. 40. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 1, p. 54.
Se a lide tem existência própria e é uma situação que justifica o processo, ainda que injurídica seja a pretensão
do contendor, e que pode existir em situações que visam mesmo a negar in totum a existência de qualquer
relação jurídica material, é melhor caracterizar a legitimação para o processo com base nos elementos da lide
do que nos de direito debatido em juízo.
27
MESQUITA, José Ignácio Botelho de et al. O colapso das condições da ação?: um breve ensaio sobre os efeitos
da carência de ação. Revista de Processo, São Paulo, n. 152, p. 26, out. 2007.
28
Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:
I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;
III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade;
IV – qualquer credor. [...]
29
Art. 8º O comerciante que, sem relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação líquida, deve,
dentro de trinta dias, requerer ao juiz a declaração da falência, expondo as causas desta e o estado dos seus
negócios, e juntando ao requerimento: [...]

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
210 Aline França Campos

os requisitos legais para pleitear sua recuperação judicial. Porém, como a


lei não impõe nenhuma sanção ao devedor que, devendo requerer sua
falência, não o faz, é rara a decretação da quebra nos moldes do inciso I
do art. 97.
Quando do pedido de sua falência, o devedor poderá optar por
qualquer uma das seguintes atitudes, conforme melhor lhe convier:
a) pagar integralmente o valor pleiteado, hipótese em que o
processo será extinto;
b) requerer, no prazo da contestação, sua recuperação judicial
(art. 95);30
c) contestar, no prazo de dez dias, comprovando, nos termos do
art. 96, justo motivo para que sua quebra não seja decretada
(art. 98, caput);
d) contestar e, se a falência for requerida com base nos incisos I
e II do caput do art. 94, ou seja, nas hipóteses de falência por
impontualidade e por frustração de execução ou de cumpri­
mento de sentença, o devedor poderá depositar o valor integral
do débito, acrescido de correção monetária, juros e honorários
advocatícios. Realizado o depósito elisivo, a falência não será
decretada (art. 98, parágrafo único);
e) manter-se inerte.
Entretanto, se estiver diante da autofalência, o procedimento é um
pouco diferente. Obedece-se aos arts. 105, 106 e 107.
Se nenhum credor apresentar oposição ao pedido de falência feito
pelo próprio devedor,31 não haverá fase probatória e o máximo que
ocorrerá será a determinação do juiz de emenda da petição inicial, se
o pedido não estiver regularmente instruído.
A Lei nº 11.101/2005 não impõe nenhuma limitação quanto às
hipóteses em que é cabível a autofalência, como ocorria no revogado
Decreto-Lei nº 7.661/1945. O já citado art. 8º previa que o comerciante
deveria, no prazo de trinta dias, requerer ao juiz a decretação de sua
quebra quando, sem relevante razão de direito, não pagasse obrigação
líquida no vencimento. A outra hipótese em que se permitia a confissão

Ressalte-se que o devedor somente poderá se valer desta prerrogativa se o pedido de falência estiver baseado
30

em sua impontualidade.
Em sentido contrário THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns aspectos processuais da nova lei de falência.
31

Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, Porto Alegre, n. 39, p. 36, jan./fev. 2006.
Na auto-insolvência, não se encontra o caráter contencioso na fase de declaração, pois o pedido é unilateralmente
formulado pelo próprio devedor e julgado, pelo juiz, sem audiência dos credores. [...]

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 211

da falência era prevista pelo art. 9º, I.32 Esse dispositivo estabelecia a
legitimidade ativa do cônjuge sobrevivente, dos herdeiros e do inventa­
riante para requerer a falência, o que também se trata de autofalência.
Nesse caso, a quebra só poderia ser requerida por impontualidade e
por tríplice omissão em execução, ou seja, se o devedor não pagasse,
não depositasse nem nomeasse bens à penhora no prazo legal. Assim, a
confissão da falência estava restrita aos casos de impontualidade, quando
feita pelo próprio devedor, e aos casos de impontualidade e tríplice
omissão, quando realizada pelo cônjuge sobrevivente, pelos herdeiros
ou pelo inventariante.
Como a lei em vigor não faz nenhum tipo de restrição, entende-se
que a autofalência pode ser pleiteada com base em qualquer dos incisos
do art. 94, ou seja, até mesmo nas hipóteses de atos de falência — atos
que podem colocar em risco os direitos dos credores, hipótese essa que
parece pouco provável.
Outra hipótese rara é a da falência requerida pelo cotista ou
acionista do devedor. Tal ocorre quando a maioria dos sócios entende
ser inoportuno e desnecessário o pedido de quebra através da autofa­
lência, e um ou alguns minoritários julgam o contrário. Ademais, ainda
que o minoritário tenha interesse em encerrar a sociedade por meio do
processo falimentar, prefere-se a dissolução parcial da sociedade como
forma de proteger os interesses do próprio minoritário.33
Em relação ao pedido de falência feito pelo cotista ou acionista,
Luis Felipe Salomão34 traz uma observação. O diploma anterior, no art. 9º,

32
Art. 9º A falência pode também ser requerida:
I – pelo cônjuge sobrevivente, pelos herdeiros do devedor ou pelo inventariante, nos casos dos arts. 1º e 2º, nº I;
II – pelo sócio, ainda que comanditário, exibindo o contrato social, e pelo acionista da sociedade por ações,
apresentando as suas ações;
III – pelo credor, exibindo título do seu crédito, ainda que não vencido, observadas, conforme o caso, as
seguintes condições:
a) credor comerciante, com domicílio no Brasil, se provar ter firma inscrita, ou contrato ou estatutos arquivados
no registro de comércio;
b) o credor com garantia real se a renunciar ou, querendo mantê-la, se provar que os bens não chegam para
a solução do seu crédito; esta prova será feita por exame pericial, na forma da lei processual, em processo
preparatório anterior ao pedido de falência se êste se fundar no artigo 1º, ou no prazo do artigo 12 se o
pedido tiver por fundamento o art. 2º;
c) o credor que não tiver domicílio no Brasil, se prestar caução às custas e ao pagamento da indenização de
que trata o art. 20.
33
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. rev. e atualizada de acordo com o novo Código Civil
e a nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3, p. 259.
34
SALOMÃO, Luis Felipe. A nova lei de recuperação de empresas — a declaração judicial da falência e a quebra
requerida pelo próprio devedor (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005). In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.).
A nova lei de falências e de recuperação de empresas: Lei nº 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
p. 200-201.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
212 Aline França Campos

inciso II, estabelecia que o sócio — apresentando o contrato social — e


os acionistas das sociedades por ações — exibindo suas ações — também
poderiam requerer a quebra. O art. 97, III, da Lei nº 11.101/2005,
por sua vez, prevê a legitimidade ativa do cotista e do acionista “na forma
da lei ou do ato constitutivo da sociedade”. Assim, para o autor, com a
nova redação, passou a ser necessário que o contrato social e o estatuto ou
a lei específica autorizem o pedido de falência. Isso porque o art. 1.071,
VIII, do Código Civil de 2002 e o art. 122, IX, da Lei nº 6.404/1976
assim estabelecem, respectivamente:

Art. 1071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias


indicadas na lei ou no contrato:
[...]
VIII – o pedido de concordata.
Art. 122. Compete privativamente à assembleia-geral:
[...]
IX – autorizar os administradores a confessar a falência e pedir concordata.

No entanto, não é o entendimento correto. Isto é: se, nos termos


do dispositivo do Código Civil que trata das sociedades limitadas, o
“pedido de concordata” deve ser submetido à deliberação dos sócios,
tem-se que não se está diante da hipótese do inciso III do art. 97 da Lei
nº 11.101/2005 — diploma que ficou conhecido como Nova Lei de
Falência. Se o pedido de quebra dependesse de deliberação da maioria
dos sócios, ter-se-ia, em verdade, um caso de autofalência. A hipótese seria
a do inciso I do art. 97, ou seja, a do requerimento realizado pelo devedor.
O mesmo poder-se-ia dizer em relação ao dispositivo da Lei nº
6.404/1976, que trata das sociedades por ações. Se o requerimento de
quebra estiver submetido à decisão da Assembleia Geral, não se refere
a pedido realizado por acionista, que, como já mencionado anterior­
mente, ocorre quando a maioria discorda da solução falimentar e um
minoritário julga o contrário. Se o requerimento de quebra fosse apro­vado
pela Assembleia Geral, ter-se-ia, aqui também, uma decisão da maioria
e, consequentemente, da sociedade por ações. Seria caso ainda de
falên­cia requerida com base no inciso I do art. 97.
A previsão do inciso II do art. 97 da nova Lei, ou seja, a faculdade
de o cônjuge sobrevivente, os herdeiros ou o inventariante requerer a
quebra do devedor não passa também, como mencionado acima, de uma
confissão da falência. Essa faculdade, no entanto, não é sucessiva, mas

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 213

cumulativa. Vale ainda ressaltar que, no tocante ao cônjuge sobrevivente,


somente estará ele legitimado se tiver algum interesse econômico vin­
culado ao espólio do devedor, o que, como aponta Vera Helena de Mello
Franco, não ocorre quando o regime de casamento for o de separação
total de bens.35 Nesse sentido, vale trazer os ensinamentos de Luis
Felipe Salomão:

A legitimidade do cônjuge sobrevivente se restringia à hipótese de casamento


em que houvesse algum tipo de comunhão de bens com o devedor morto. Do
contrário, inexistia motivo para a impetração da medida, consoante posição
pacífica da doutrina. O tema perdeu relevância, porquanto o novo Código
Civil estabeleceu que o cônjuge é herdeiro necessário (artigo 1.845).36

No entanto, apesar de o novo Código Civil ter colocado o cônjuge


no rol dos herdeiros necessários, é ainda possível vislumbrar hipótese
em que faltará ao cônjuge supérstite interesse econômico legitimador
do pedido de falência. Imagine-se situação em que o regime de casa­
mento do casal é o da separação legal ou obrigatória, inexistindo bens
adquiridos na constância da união e deixando o de cujus descendentes.
O Supremo Tribunal Federal, através da Súmula nº 377,37 fixou
enten­dimento no sentido de que no regime de casamento da separa-
ção legal, os bens adquiridos na constância da união comunicar-se-iam.
Assim, existindo somente bens adquiridos anteriormente ao casamen-
to, afas­tado estaria o cônjuge supérstite de qualquer relação patrimonial
do devedor. Existindo descendentes do de cujus, estaria também afasta-
do da sucessão deste, vez que nos termos do art. 1829, I do CC/02 não
concor­reria com aqueles.
Em geral, os pedidos de falência são feitos pelos credores do
devedor. Esses credores, em determinadas hipóteses, devem preencher
alguns requisitos legais. Nos termos do §1º do art. 97 da Nova Lei de
Falência, o credor que for empresário ou sociedade empresária deve
comprovar a regularidade de sua atividade, mediante a apresentação de
certidão do Registro Público.38 Tratando-se de devedor domiciliado no

35
SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coord.). Comentários à lei de
recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 405.
36
SALOMÃO, Luis Felipe. A nova lei de recuperação de empresas — a declaração judicial da falência e a quebra
requerida pelo próprio devedor (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005). In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.).
A nova lei de falências e de recuperação de empresas: Lei nº 11.101/05. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 200.
37
Súmula nº 377: No regime da separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
38
Nota-se que a exigência de comprovação da regularidade da atividade somente é feita para os credores do
devedor. Sendo, assim, possível o pedido de quebra de sociedades de fato e irregular. O requisito refere-se ao
sujeito ativo e, não ao sujeito passivo.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
214 Aline França Campos

exterior, será necessário que preste caução suficiente para cobrir despesas
com as custas processuais e com possível indenização, caso o pedido de
falência seja indeferido pelo juiz (art. 97, §2º, da Lei nº 11.101/2005).
O credor, quando requer a falência do devedor, deve exibir seu
título, o qual não necessariamente precisa já estar vencido. Pode ser que
o credor presencie a dilapidação do patrimônio do devedor, sendo certo
que, se aguardar o vencimento do título, o crédito poderá não ser satis­
feito. Para tanto, o credor deve fundamentar o pedido de quebra na
hipótese do inciso III do art. 94 da Nova Lei de Falência, ou seja, na prá-
tica de atos ruinosos ou, ainda, na impontualidade ou na tríplice omissão
do devedor em relação a obrigações titularizadas por um terceiro.

4 O interesse de agir do credor e o abuso de direito


Não basta, no entanto, para o requerimento de falência pelo credor
a existência de legitimidade ativa. É preciso ainda que esteja presente o
interesse de agir.
Entre as condições genéricas da ação, o interesse de agir é a que
apresenta os contornos menos nítidos. A doutrina39 divide-se na tentativa
de conceituar esse requisito de admissibilidade para análise e julga­
mento do mérito. No entanto, entende-se que, na sistemática do direito
processual civil brasileiro, o conceito de interesse de agir pode melhor
ser delimitado pelo binômio “necessidade-utilidade”.
Assim, existirá interesse de agir quando a parte tiver a necessidade
de provocar o Poder Judiciário para alcançar a tutela de seu interesse,
sendo preciso ainda que a providência pleiteada ao órgão judicial seja
útil, isto é, a tutela requisitada deve trazer alguma vantagem ou benefício
nos termos do ordenamento jurídico vigente. O requisito da utilidade,
logo, englobaria a adequação do provimento desejado pela parte e o
procedimento por ela eleito.
A necessidade surge quando não é possível se alcançar juridica­
mente uma solução extrajudicial para o conflito de interesses, ou seja,
quando não há possibilidade de se obter fora do processo o que se deseja
com o provimento jurisdicional. Porém, não é somente nessa hipótese.

Muitas são as concepções doutrinárias sobre o interesse de agir: interesse de agir como resultado da lesão a
39

um direito; interesse de agir como resultado da presença ou possibilidade de um dano injusto; interesse de
agir como resultado da necessidade da tutela jurisdicional, segundo as afirmações do autor; interesse de agir
como resultado do binômio “necessidade e adequação”; interesse de agir como resultado da utilidade da
tutela jurisdicional; interesse de agir como resultado do binômio “necessidade e utilidade”; interesse de agir
como resultado do trinômio “necessidade, utilidade e adequação”; dentre outras.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 215

Pode-se falar também que se faz presente o requisito da necessidade se


a solução extrajudicial for possível, mas não tiver sido obtida no plano
fático de acordo com a narrativa do autor. Nesse sentido, posicionam-se
Araújo Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco:

Repousa a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a


satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado — ou porque a parte
contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela, ou
porque a própria lei exige que determinados direitos só possam ser exercidos
mediante prévia declaração judicial [...].40

Apesar de a necessidade se configurar também, conforme os fatos


narrados, pela não obtenção de um acordo extrajudicial, Rodrigo da
Cunha Lima Freire afirma não ser obrigatória, para o exercício regular
do direito de ação e posterior provimento de mérito, a demonstração ou
comprovação da tentativa de solução extrajudicial, salvo nas hipóteses
em que a própria lei assim determinar.41
O procedimento escolhido, entre os diversos meios previstos pelo
ordenamento jurídico, deve ser o adequado à solução do conflito de direito
material posto ao Judiciário. Como ressalta Nelson Nery Júnior, se a ação
movida for a errada ou se o procedimento utilizado for o incorreto, o
provimento jurisdicional não será útil, motivo pelo qual a inadequação da
via procedimental elegida pelo autor implica a inexistência do interesse
de agir.42
É preciso verificar, em um plano hipotético ou abstrato, se a senten­
ça que acolher o pedido do autor não o deixará na mesma situação em
que se encontrava anteriormente, pois, nessa hipótese, o procedimento
escolhido não lhe será útil. O provimento jurisdicional deve ser capaz
de reparar o mal e/ou prejuízo narrado pelo autor na petição inicial, ou
seja, deve, como já mencionado, trazer algum benefício jurídico.
A utilidade do procedimento ainda deve ser analisada sob a ótica
do Estado, ou seja, o processo deve ser capaz de trazer, também para o
Estado, vantagens ou benefícios jurídicos. Além do elevado custo de um
processo, não se pode olvidar que nele estão envolvidos tanto o interesse

40
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do
processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 259.
41
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005. v. 43, p. 210.
42
NERY JÚNIOR, Nelson. Condições da ação. Revista de Processo, São Paulo, n. 64, p. 37, out./dez. 1991.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
216 Aline França Campos

do autor na solução do conflito quanto o do Estado, uma vez que este,


como ente representativo da sociedade, objetiva solucionar de maneira
justa, econômica e segura o conflito de interesses que lhe foi apresentado.43
A ausência de qualquer um dos elementos do binômio “necessi­
dade-utilidade”, considerando-se que na utilidade do procedimento
está embutido o requisito da adequação, acarreta a ausência do próprio
interesse de agir. Inexistindo necessidade de provocação do Judiciário,
ainda que presente a utilidade potencial do procedimento escolhido, ou
inexistindo esta, mas presente a necessidade do processo, o direito de
ação não pode ser exercido regularmente.
Assim, se o credor tem como objetivo o simples recebimento de seu
crédito, podendo para tanto se valer de uma execução singular, faltar-
lhe-ia interesse de agir no ajuizamento de um pedido de quebra, vez que
se estaria configurada a inadequação do procedimento, e logo a falta
do requisito da utilidade.
Não pode prevalecer, em que pesem opiniões em contrário, a
afirmação de que o requisito da utilidade surgiria do insucesso do credor
em receber seus créditos através da execução individual. Se, nem mesmo
por meio desta execução, em que não concorre com outros, o credor
consegue satisfazer seus créditos, o que dizer, então, de uma execução
concursal, em que está submetido a uma ordem de pagamento?
O fim que determinou a criação da norma que permite o reque­
rimento de quebra do devedor insolvente por seus credores foi a
preocupação com o estabelecimento da par condicio creditorum, ou seja,
buscou-se garantir a perfeita igualdade entre os credores da mesma
classe, uma vez que o patrimônio do devedor é a garantia dos credores.
Se esse não fosse o fim da falência, o instituto tornar-se-ia inócuo, pois
cada credor individualmente promoveria sua cobrança judicial, rece­
bendo primeiro aqueles credores que, independentemente da classe a
que pertençam, obtiverem, com mais rapidez, a prestação jurisdicional,
seja por que motivo for. É essa a finalidade que deve ser observada ao
se adotar a via falimentar.
A falência é um instrumento concebido para se enfrentar a insol­
vência jurídica44 do devedor, quando esta, no entanto, atinge não apenas

43
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005. v. 43, p. 172-173.
44
Fábio Ulhoa assim se manifesta sobre a insolvência, pressuposto da instauração do procedimento falimentar:
Para se decretar a falência da sociedade empresária, é irrelevante a “insolvência econômica”, caracterizada
pela insuficiência do ativo para solvência do passivo. Exige a lei a “insolvência jurídica”, que se caracteriza, no

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 217

um ou outro credor, mas repercute no universo de credores da sociedade


empresária ou do empresário individual inadimplente. E é para garantir
a igualdade entre todos os credores da mesma classe que a sentença
que decreta a quebra ordenará a suspensão das execuções singulares
contra o devedor, ficando todos os credores sujeitos ao juízo universal
da falência. Isso garante que todos os credores inseridos no quadro geral
recebam seus créditos por meio do rateio do valor apurado na realização
do ativo do devedor arrecadado. Nesse rateio, será observada a ordem
de classificação dos créditos, estabelecida pela própria lei falimentar, e
as preferências entre eles.
Nessa esteira, não se pode ainda olvidar que a falência não é meio
de cobrança ou de execução de crédito. Tanto isso é verdade que, para
tentar coibir ou, ao menos, diminuir essa prática, o próprio legislador
da Nova Lei de Falência impôs, por exemplo, valor mínimo necessário
para que a falência seja decretada por impontualidade do devedor. Assim,
o credor só poderá requerer a falência, na hipótese de impontuali­­dade,
quando for titular de obrigação líquida materializada em título ou títulos
executivos protestados que perfaçam a quantia mínima de quarenta salá­
rios mínimos. Esse limite mínimo, no entanto, pode ser atingido pela
reunião dos credores, o que não desvirtua a intenção do legislador. Nesse
sentido, os ensinamentos de Carvalho de Mendonça:

Não é a falência o meio normal de obter o credor o cumprimento exato da


obrigação assumida pelo devedor, se êste, por motivos atendíveis ou ainda por
culpa, má fé ou fôrça maior, não a desempenha, nem se acha em condições
de desempenhá-la, mas o remédio extraordinário, que institui o concurso dos
credores sôbre o patrimônio realizável do devedor comum, manifestada que
seja a impossibilidade de satisfazer pontualmente seus compromissos.45

Humberto Theodoro Júnior aponta ainda duas outras inovações


trazidas pela nova Lei que podem desestimular o pedido de falência
que tem como objetivo a mera cobrança. Uma delas é a não decretação
da falência quando o devedor, no prazo de contestação, apresentar
pedido de recuperação judicial. A outra medida inovadora diz respeito

direito falimentar brasileiro, pela impontualidade injustificada (LF, art. 94, I), pela execução frustada (art. 94,
II) ou pela prática de ato de falência (art. 94, III) (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. rev. e
atualizada de acordo com o novo Código Civil e a nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3, p. 251).
45
MENDONÇA, José Xavier Carvalho. Tratado de direito comercial brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1954. v. 7, p. 19-20.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
218 Aline França Campos

à dilação do prazo de contestação para dez dias, sendo certo que, sob a
égide do revogado Decreto-Lei nº 7.661/1945, esse prazo era de exíguas
24 horas.46
Ademais, os credores, ao utilizarem o processo falimentar como
simples meio de cobrança ordinária, estariam exercendo seu direito de
requerer a falência do devedor de forma manifestamente abusiva, o que,
na esteira da teoria do abuso de direito, ensejaria o dever de indenizar
o devedor pelos prejuízos causados pela distribuição de um pedido de
falência. Certo é que tais prejuízos não são poucos, pois a simples notícia
de que foi requerida a falência de uma sociedade empresária ou de um
empresário individual provoca fortes repercussões na sociedade, seja
entre os fornecedores, consumidores e, principalmente, aqueles que
concedem crédito. Um pedido de falência, independentemente de sua
efetiva decretação, é suficiente para abalar o crédito do devedor e criar
irreparáveis situações desfavoráveis.
A indenização deve ser capaz de reparar todo o dano sofrido, que,
por sua vez, deverá ser analisado sob a perspectiva do que se perdeu,
ou seja, do dano emergente, e do que se deixou de ganhar, ou seja, do
lucro cessante.
O revogado Decreto-Lei nº 7.661/1945, no art. 20, parágrafo único,
previa que “por ação própria, pode o prejudicado reclamar a indeni­ za­
ção, no caso de culpa ou abuso do requerente da falência denegada”. A
doutrina47 apontava o dispositivo como uma das hipóteses em que o orde­
namento brasileiro condenava o abuso de direito. A Lei nº 11.101/2005
prevê a indenização do devedor e dos terceiros prejudicados somente
quando o pedido de quebra denegado resultar de dolo do requerente
(art. 101). Porém, não é porque o legislador da lei falimentar em vigor
não consagrou de forma expressa o dever de reparação por perdas e
danos quando de um pedido abusivo de quebra que se pode deixar de
sustentar a responsabilidade civil daquele que abusou. Basta que se apli-
que a teoria do ilícito abusivo, hoje, consagrada expressamente pelo novo
diploma civil brasileiro e que pode manifestar-se também no campo do
Direito Empresarial.

46
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns aspectos processuais da nova lei de falência. Revista IOB de Direito
Civil e Processo Civil, Porto Alegre, n. 39, p. 39, jan./fev. 2006.
47
Dentre vários juristas PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001. v. 1, p. 431 e; LEVADA, Cláudio Antônio Soares. Anotações sobre o abuso de direito. Revista de Direito
Privado, São Paulo, n. 11, p. 72, jul./set. 2002.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 219

O dever de reparação nasce não somente quando o indivíduo


age contra preceito legal e com a intenção manifesta de causar dano a
terceiro, mas também quando atua de forma a desatender os fins sociais
e econômicos da lei, a boa-fé ou os bons costumes, ainda que tal atuação
tenha-se restringido aos aparentes limites do direito subjetivo do agente.48
Quando da análise da Lei nº 11.101/2005, deve-se procurar seu
objetivo. A Nova Lei de Falências não tem como fim exclusivo a satisfa­ção
dos créditos dos credores. Busca também a preservação da empresa viável
e sua continuidade,49 por ser ela fonte de riquezas e postos de trabalho.
A falência é medida drástica que só deve ocorrer quando esses fins não
puderem ser alcançados.
O credor não pode se valer do exercício do direito que lhe foi
conferido pelo art. 97, IV, da Lei nº 11.101/2005 somente como meio para
receber seus créditos, ou seja, meio de cobrança, nem como mecanismo
de coação do devedor. Isso porque esse direito de requerer a falência
do devedor, como já mencionado, não foi criado para essas finalidades.
Nesse sentido, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:

Falência. Depósito elisivo. Honorários advocatícios. Descabimento da verba.


Precedente da turma. Recurso parcialmente provido. — Em se tratando de
depósito elisivo em falência, indevida e a verba honorária em face do art. 208,
par. 2º da lei falimentar. — A opção pela via falimentar como meio de cobrança,
em detrimento da via executiva, constitui, inúmeras vezes, abuso de direito,
a merecer redobrada atenção do julgador, que não a deve prestigiar e estimular.
(STJ, Quarta Turma, Resp nº 1.712/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
DJ, p. 2745, 9 abr.90)50

Não se pode esquecer que a teoria do abuso de direito surgiu como


reação ao individualismo jurídico e à concepção absolutista das prerro­
gativas jurídicas, ou seja, como limite à ideia egoísta que durante muito
tempo esteve atrelada aos direitos51 e à autonomia da vontade individual.

48
LEVADA, Cláudio Antônio Soares. Anotações sobre o abuso de direito. Revista de Direito Privado, São Paulo,
n. 11, p. 77, jul./set. 2002.
49
De acordo com Moacyr Lobato:
Não há duvida sobre o fato da nova lei falimentar privilegiar a recuperação de empresas em detrimento da
decretação judicial da falência e conseqüente liquidação de seus ativos (CAMPOS FILHO, Moacyr Lobato de.
Da caracterização do estado falimentar segundo a nova lei de falência e recuperação judicial e extrajudicial.
Revista Jurídica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p.177, jul./dez. 2004).
50
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no Código de 2002: relativização de direitos na ótica civil-constitucional.
In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional.
2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 390.
51
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva no direito privado brasileiro. Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 94, n. 842, p. 17, dez. 2005. Fasc. Civ.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
220 Aline França Campos

Assim, o credor não pode se valer de um direito a ele conferido — o de


requerer a falência do devedor — tendo em vista somente a finalidade
egocêntrica de cobrança de seus créditos, sem observar os objetivos da
lei falimentar em vigor e os limites impostos pelo ordenamento jurídico
brasileiro. Caso contrário, estaria agindo em contrariedade ao elemento
axiológico da norma, apesar de não haver ofensa frontal ao preceito
legal — o que não afasta a ilicitude da conduta.
Assim, é necessário que o sentido teleológico das normas também
seja observado, ou seja, o exercício de um direito deve respeitar o fim, seja
econômico e/ou social, para o qual foi criado. O ordenamento jurídico
reconhece ao titular de determinado direito à faculdade de agir dentro
de certos limites e o ampara somente se não excedê-los. De acordo com
Pietro Perlingieri:

[...] O que existe é um interesse juridicamente tutelado, uma situação jurídica


que já em si mesma encerra limitações para o titular. Os chamados limites
externos, de um ponto de vista lógico, não seguem a existência do princípio
(direito subjetivo), mas nascem junto com ele e constituem seu aspecto qualita­
tivo. O ordenamento tutela um interesse somente enquanto atender àquelas
razões, também de natureza coletiva, garantidas com a técnica das limitações
e dos vínculos. Os limites, que se definem externos ao direito, na realidade
não modificam o interesse pelo externo, mas contribuem à identificação de
sua essência, da sua função.52

Logo, se o interesse do credor não é a quebra do devedor, mas


tão somente a solução de seus créditos, o requerimento de falência por
ele configuraria abuso de direito, porquanto esse exercício está fora dos
limites postos pelo ordenamento jurídico. Há um descompasso entre o
objetivo do credor e o perseguido pelo ordenamento. Não é preciso que
o credor tenha a intenção de prejudicar o devedor, uma vez que o critério
configurador do abuso de direito não é a intenção de causar dano,53
mas o desvio de finalidade ou de função social ou econômica da norma.

52
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina
De Cicco. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 121-122.
Ressalte-se o posicionamento em sentido contrário de Caio Mário da Silva Pereira:
53

É por isto que todas as teorias que tentam explicar e fundamentar a doutrina do abuso do direito têm necessidade
de desenhar um outro fator, que com qualquer nome que se apresente estará no propósito de causar o dano,
sem qualquer outra vantagem. Abusa, pois, de seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a
outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois,
assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano a
outrem (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 1,
p. 430).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei nº 11.101/2005 221

5 Conclusão
Hoje, com a positivação na Lei nº 11.101/2005 do princípio da
preservação da empresa, os argumentos de ordem principiológico-
constitucional ganham reforço. Todo raciocínio acerca das questões
ati­nentes aos institutos do referido diploma legal deve ser no sentido de
buscar sempre a superação da crise econômico-financeira e a reestrutu­
ração das empresas viáveis.
Especificamente no que tange ao tema abordado no presente
trabalho, vale destacar a incidência do princípio da razoabilidade/
proporcionalidade.54
Concretizam o princípio da razoabilidade/proporcionalidade a ade­
quação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Por ade­
quação, pode-se entender a relação entre o meio utilizado e o fim a ser
alcançado, ou seja, o meio deve ser o adequado ao fim almejado. Assim,
se o objetivo do credor é somente a satisfação de seus créditos e a via
falimentar não é meio de cobrança, ausente está o elemento “adequação”
no pedido de quebra realizado por esse credor. Além dessa necessidade de
adequação, o meio ainda deve ser o menos gravoso possível à conse­cução
do fim objetivado. Só assim estaria presente o requisito da necessi­dade
ou da menor ingerência possível.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito pode ser vista como
a relação entre o custo e o benefício da medida adotada, ou seja, é preciso
que o benefício seja maior que o ônus, sob pena de desproporcionalidade.
Ressalte-se, no entanto, que, com isso, não se defende a preserva­
ção de toda e qualquer empresa indistintamente. Aquelas que não apre-
sentam perspectivas de superação da crise econômico-financeira, ou
seja, que não são viáveis, devem realmente ser retiradas do mercado,
ainda que esse não seja o objetivo, nem deveria ser, da legislação fali­
mentar. Porém, não é por esse motivo que o credor que objetiva somente
a satisfação de seu crédito poderá, por todos os motivos já apresen­tados,
requerer a falência do devedor.

A maioria da doutrina e da jurisprudência brasileiras não diferenciam o princípio da razoabilidade do princípio


54

da proporcionalidade. A variação terminológica varia de acordo com a influência de cada autor. Autores
de influência germânica adotam a terminologia proporcionalidade. Por outro lado, autores de influência
anglo-saxã se valem da razoabilidade. Mas, há aqueles que procedem à uma distinção quanto ao conteúdo:
proporcionalidade exigiria uma relação de meio e fim e razoabilidade exigiria um conflito entre o geral e
o individual, a norma e a realidade por ela regulada ou critério e medida (NOVELINO, Marcelo. Teoria da
Constituição e controle de constitucionalidade. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 125).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
222 Aline França Campos

Referências

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do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, jul./dez. 2004.
CARPENA, Heloísa. O abuso do direito no Código de 2002: relativização de direitos na
ótica civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do Novo Código
Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
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CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
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novo Código Civil e a nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3.
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2005 que reforma o Decreto-Lei 7.661, de 21.06.1945 (lei de falências) e cria o instituto da
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MESQUITA, José Ignácio Botelho de et al. O colapso das condições da ação?: um
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TORRES, Antônio Carlos Esteves. Disposições finais e transitórias. In: SANTOS, Paulo
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

CAMPOS, Aline França. Os legitimados a requerer a falência do devedor: breve estudo


do art. 97 da Lei nº 11.101/2005. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 197-223, abr./jun. 2011
DOUTRINA
Parecer
A inviabilidade da aplicação da
fungibilidade recursal em caso de erro
grosseiro
Lúcio Delfino
Advogado. Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPRo. Doutor em Direito Processual
Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Membro do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais.

Sumário: 1 A consulta – 2 O parecer – 2.1 O erro grosseiro na interposição


recursal e o não conhecimento do agravo por instrumento – 2.2 O princípio
da unicidade recursal e o não conhecimento da apelação – 2.3 A ausência de
interesse recursal – 2.4 A ausência de capacidade postulatória – 3 Resposta
aos quesitos

EMENTA: Decisão de procedência da impugnação ao


cumprimento de sentença. Interposição cumulativa
de recursos: agravo por instrumento e apelação. Utilização
de via recursal inidônea para atacar a decisão. Lesão ao
princípio da unicidade recursal e incidência da preclusão
consumativa. Ausência de interesse recursal e de capacidade
postulatória.

1 A consulta
A sociedade empresária UUVPLT, doravante denominada consulente,
apresenta-me questões de seu interesse.
Integra o polo passivo de um processo judicial que já se encontra
na fase de cumprimento de sentença (CPC, art. 475-I e segs.). Intimada
do auto de penhora e avaliação, protocolizou sua impugnação (CPC, art.
475-L), que foi acatada e ensejou à extinção da execução. Contra tal deci­
são foram interpostos dois recursos, primeiramente agravo por instrumento
e, no dia seguinte, apelação, ambos de conteúdos idênticos.
Chamou-me a atenção, de outra banda, a existência de declaração
escrita, assinada pelo próprio exequente, por meio da qual revela que
o crédito exequendo inexiste, além de determinar aos seus advogados,
que subscreveram ambos os recursos referidos no parágrafo anterior,
fosse requerida a extinção do processo. Juntado aos autos este novo
documento antes de decidida a impugnação, determinou o Juiz a intimação

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
228 Lúcio Delfino

desses mesmos procuradores para sobre ele se manifestarem, os quais


assim o fizeram em petição também protocolizada e anexada aos autos.
Ofertaram justificativas diversas, entretanto, não negaram a autentici­
dade do aludido documento, tampouco questionaram a veracidade da
assinatura nele registrada. Tiveram ciência da manifestação da vontade
do exequente, mas, ao contrário do que deles era esperado, interpuseram,
ainda assim, os recursos.
Formula a consulente os seguintes quesitos, de natureza eminen­
temente processual:
1. É aceitável a interposição de dois recursos distintos contra uma
mesma decisão?
2. A declaração assinada pelo exequente e juntada aos autos do pro­
cesso implica, pelo seu teor, alguma consequência no juízo de
admissibilidade recursal?
Bem examinados a consulta e os documentos que me foram dispo­
nibilizados (cópia integral dos autos do processo), sinto-me seguro em
responder os quesitos apresentados, e o faço mediante o seguinte parecer.

2 O parecer
2.1 O erro grosseiro na interposição recursal e o não conhecimento do
agravo por instrumento
Há que se definir, em primeiro plano, a natureza da decisão ata­
cada pelo exequente mediante dois recursos distintos. Por meio dela, o
Juiz, em apreciação à impugnação apresentada pela consulente em fase
de cumprimento de sentença, declarou extinta a execução.1 É inegável,
deste modo, até em razão do que dispõe o art. 475-M, §3º, do Código de
Processo Civil, que se trata de sentença, e não de decisão interlocutória, e,
portanto, há de ser desafiada por apelação (CPC, art. 513). De modo mais
específico: o art. 475-M, §3º, é contundente ao determinar que a “decisão
que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo por instrumento,
salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação.”

Constatam-se em doutrina problemas conceituais envolvendo as expressões “cumprimento de sentença” e


1

“execução”, talvez até pela censurável grafia do art. 475-I do CPC, ao se referir ao “cumprimento de sentença”
o que se faz é simplesmente aludir a uma espécie procedimental destinada a viabilizar execuções de obrigações
gravadas em certos títulos executivos. A “execução”, de sua vez, é atividade jurisdicional destinada à satisfação
de direitos, voltada à conformação daquilo que foi decidido à realidade do mundo (ainda que provisoriamente),
e realizada mediante procedimentos diversos, cada qual adequado às necessidades do direito material cuja
satisfação se pretende. O “cumprimento de sentença”, destarte, nada mais é que procedimento destinado à
realização dessa atividade executiva em dadas e específicas ocasiões, devidamente previstas em lei.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
A inviabilidade da aplicação da fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro 229

Em reforço, é pertinente a leitura de recorte, extraído da prestigiada


doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:

Decisão final. A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo


de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá
apelação (art. 475-M, §3º, CPC). Configurará decisão interlocutória se julgar
improcedente a impugnação ou se, por exemplo, excluir um dos executados
do processo. Julgando procedente a impugnação, a decisão extingue a execu­
ção, sendo considerada sentença, recorrível mediante apelação. Observe-se,
contudo, que a eliminação de parte da execução — por exemplo, pela redução
do valor executado — não tem o efeito de extingui-la, devendo o ato judicial
ser considerado aí como uma decisão interlocutória, recorrível por agravo de
instrumento.2

Não se pode negar, noutro turno, que alguma tolerância há por


parte dos tribunais naqueles casos em que salta aos olhos dúvida, dou­
trinária e jurisprudencial, sobre o recurso adequado para atacar uma
dada decisão (dúvida objetiva).3 E assim o é em face do que se denomina
tecnicamente de princípio da fungibilidade recursal. Havendo, portanto,
vacilo da doutrina e jurisprudência sobre o recurso hábil para atacar
deter­minada decisão, conhece-se, em juízo de admissibilidade, tanto um
quanto o outro, até porque não seria justo prejudicar as partes em tal
hipótese. Porém, no caso sob exame não há possibilidade de advogar esta
tese. Afinal, estar-se-á diante do que se intitula erro grosseiro, evidente pela
existência no ordenamento processual de norma expressa indicando o
recurso cabível ao ataque de decisão que julgue a impugnação procedente.4

2
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 475.
3
São muitos os casos em que a doutrina sustenta presente dúvida objetiva com relação à natureza do ato
decisório. Alguns exemplos: a rejeição liminar da reconvenção; a rejeição liminar da ação declaratória incidental;
a decisão que concede a antecipação de tutela com base no art. 273, §6º, do CPC, entre outros tantos.
4
Há autorizadas vozes defendendo que as particularidades, que identificam e diferenciam a apelação e o agravo
por instrumento também impedem a utilização do princípio da fungibilidade, sempre que sejam essas as vias
recursais envolvidas. Suficiente, nesta ótica, sublinhar que a apelação há de ser interposta perante o juízo a
quo; o agravo por instrumento, por sua vez, perante o juízo ad quem. De tal sorte, interposto o agravo por
instrumento equivocadamente em vez de apelação, não poderia o tribunal valer-se da fungibilidade recursal
pela singela razão de ser incompetente para receber diretamente o último recurso — lembre-se que a apelação,
a exemplo da maioria dos recursos nacionais, deve ser interposta perante o órgão jurisdicional a quo, isto é,
aquele que proferiu a decisão recorrida. A admissão de entendimento contrário levaria à criação jurisprudencial
de uma “apelação por instrumento”, algo ainda não admitido pelo legislador pátrio. Assim pensa o mestre
carioca Alexandre Freitas Câmara: “Ocorre que, em razão das reformas por que passou nosso Código de
Processo Civil a partir de 1992, e mais especificamente a partir de 1995, com a edição da Lei nº 9.139, de 30
de novembro de 1995, que criou o atual sistema aplicável ao recurso de agravo, a fungibilidade entre apelação
e agravo tornou-se impossível. Tal impossibilidade deriva do fato de que a apelação é interposta perante o juízo
‘a quo’, enquanto o agravo o é perante o tribunal ‘ad quem’. Assim, interposta apelação em caso que seria
de agravo, não poderá o juízo ‘a quo’ aplicar a fungibilidade por não ser competente para receber o agravo.
O mesmo se dá, mutatis mutandis, para o caso de se interpor agravo de instrumento quando o caso seria
de apelação, já que o órgão ad quem não tem competência para receber a apelação”. Não é esse, todavia,

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
230 Lúcio Delfino

Conclui-se, portanto, pela impossibilidade de conhecimento do


agravo por instrumento interposto contra a decisão que julgou procedente
o pedido formulado na impugnação.

2.2 O princípio da unicidade recursal e o não conhecimento da apelação


Por equívoco manifesto (erro grosseiro), o exequente interpôs
agravo por instrumento contra decisão que julgou procedente a impugnação
e, por consequência, extinguiu a execução. Interpôs remédio recursal
inaceitável à espécie, tendo-se em vista o disposto no art. 475-M, §3º,
do Código de Processo Civil, que expressamente indica à hipótese o
cabimento de apelação.
Decerto, percebendo o erro, tentou corrigi-lo, no dia seguinte,
mediante a posterior interposição de apelação. A dúvida que há de ser
sanada, destarte, é se a apelação, interposta posteriormente ao agravo
por instrumento, ambos os recursos atacando a mesma decisão, deve ser
conhecida em tais condições.
Adiante-se a conclusão: o reparo intentado é inadmissível, sobre­
tudo por ferir o princípio da unicidade recursal, o qual estabelece que para
cada ato judicial recorrível apenas é autorizada a interposição de um
único recurso, justamente aquele previsto pelo ordenamento processual
para a hipótese, sendo, portanto, proibida a interposição simultânea de
outro remédio recursal que se volte a impugnar o mesmo ato judicial.5
Neste rumo, aliás, inúmeras manifestações do Superior Tribunal de
Jus­
tiça concluindo que “viola o princípio da unicidade dos recursos
a utilização de mais de uma via processual para a impugnação de um
mesmo ato judicial recorrível”.6
A despeito de a apelação traduzir-se no recurso adequado ao ataque
da tal decisão, não se pode desprezar que, antes de usá-la, optou o

o nosso entendimento. O formalismo atinente às vias recursais deve ceder espaço à concretização do direito
fundamental à tutela jurisdicional adequada (CF/88, art. 5º, XXXV). Aplicável ao caso concreto o princípio da
fungibilidade, desimportantes ao órgão julgador questões relacionadas à forma, como, por exemplo, aquelas
atinentes à tempestividade (ilustre-se com a interposição de agravo por instrumento no décimo quinto dia
previsto para a interposição de apelação) e à competência para receber recursos (competente para receber
o agravo por instrumento é o tribunal; competente para receber a apelação é o juiz a quo). O princípio da
fungibilidade, enfim, é aplicável justamente porque se reconheceu a dúvida objetiva sobre a natureza da
decisão atacada. Não há racionalidade em se afirmar, de um lado, a dúvida objetiva, mas, de outro, prejudicar
o recorrente por não ter respeitado as formalidades exigidas pelo recurso que o órgão julgador entendeu mais
ajustado à espécie. Exigir o respeito às formas em tais circunstâncias é unicamente afastar, por via oblíqua, o
princípio da fungibilidade. É, por fim, interpretação inconstitucional, sobretudo pela negativa de vigência ao
direito fundamental à tutela jurisdicional adequada.
5
MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 59. v. 2, Processo civil moderno.
6
Supremo Tribunal Federal, RE nº 345.521-4-RJ, 2ª Turma, Relator Ministro Celso de Mello, DJU, 27 set. 2002.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
A inviabilidade da aplicação da fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro 231

exequente pela interposição de agravo por instrumento. Tendo-se em vista


que o sistema processual vigente admite, de regra,7 apenas um recurso
para desafiar cada decisão, fere o princípio da unicidade a utilização de
duas vias recursais endereçadas contra um mesmo ato judicial. O des­
respeito a esse princípio torna insuscetível de conhecimento o segundo
recurso, quando interposto, como no caso, contra a mesma decisão já
atacada anteriormente mediante agravo por instrumento.8
Não bastasse, acrescente-se, em reforço a conclusão anterior,
que, segundo leciona o mestre mineiro Humberto Theodoro Júnior, o
processo representa uma sucessão de atos que devem ser coordenados
por fases lógicas, a fim de que se obtenha a prestação jurisdicional com
precisão e rapidez. Sem uma ordenação temporal desses mesmos atos e
sem um limite de tempo para que as partes os pratiquem, o processo
se transformaria numa rixa infindável.9 Daí o fundamento da preclusão
(CPC, art. 473), responsável por incutir às decisões interlocutórias conse­
quências semelhantes às da coisa julgada formal, vedando nova cognição
diante das questões já discutidas e apreciadas ao longo do procedi­
mento. Trata-se, portanto, de instituto processual compromissado com
as garantias constitucionais da segurança jurídica, da duração razoável e
da efetividade da atividade jurisdicional. E é justamente este o fenômeno
que incidiu no caso sob exame: a preclusão, sob a modalidade consumativa.
Quer significar simplesmente que realizado um ato, com bom ou mau
êxito, não mais é possível tornar a realizá-lo.10 Transpondo a lição para
o caso em tela: exercida a faculdade de recorrer, com bom ou mau êxito,
não mais é possível tornar a realizá-la.
Deste modo, conclui-se que o exequente ulcerou o princípio da
unicidade recursal ao interpor dois recursos distintos contra idêntica

7
Há exceções ao princípio da unicidade recursal, consoante ensina José Carlos Barbosa Moreira. O sistema,
por exemplo, autoriza a oposição de embargos de declaração contra quaisquer decisões, interlocutórias ou
sentenças (consideradas aí também os acórdãos), admitam ou não outro recurso. Também há a possibilidade
de interposição cumulativa do recurso extraordinário e do especial. Perceba-se, ainda, situação interessante
apontada por José Carlos Barbosa Moreira: “(...) nas decisões objetivamente complexas, talvez se componham,
no tocante a capítulos distintos, os requisitos de admissibilidade de recursos diferentes: assim, por exemplo, se
a Câmara, no julgamento da apelação, decide reformar a sentença de mérito, por unanimidade quanto a uma
parte da matéria impugnada e por simples maioria quanto à outra parte, nesta caberão embargos infringentes
(art. 530), e naquela, possivelmente, recurso extraordinário e/ou especial: tal hipótese, regulada pela expressa
disposição do art. 498, não constitui, no que tange aos embargos, verdadeira exceção ao princípio de que ora
se trata: para fins de recorribilidade, cada capítulo é considerado como uma decisão per se” (MOREIRA, José
Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 5, p. 249).
8
Supremo Tribunal Federal, RE nº 345.521-4-RJ, 2ª Turma, Relator Ministro Celso de Mello, DJU, 27 set. 2002.
9
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.
601. v. 1, Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento.
10
Moniz de Aragão apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. p. 602. v. 1, Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
232 Lúcio Delfino

decisão. Assim agiu, por certo, intencionado a suplantar o equívoco


(erro grosseiro) de interpor agravo por instrumento em vez de apelação.
Porém, sua estratégia não será bem-sucedida, sobretudo pela preclusão
(consumativa) incidente já quando se deu o exercício de sua faculdade de
recorrer, não mais lhe sendo legítima a prática da mesma faculdade, ainda
que se valesse, como efetivamente se valeu, de remédio recursal diverso.

2.3 A ausência de interesse recursal


Ambos os recursos, agravo e apelação, também não devem ser
conhecidos pela ausência de uma das condições ação.
É que o exequente subscreveu documento no qual, além de decla­
rar que o crédito exequendo inexiste, determinou aos seus procura­dores
fosse requerida a extinção do processo. Juntado aos autos do processo
este novo documento, os procuradores do exequente foram, então,
intimados a manifestar sobre ele (decisão de fls. 382-383) e assim o fize­
ram. Tiveram, enfim, ciência da vontade do exequente, mas, em desprezo
a ela, atacaram, via recursal, a decisão objurgada. Naquilo que interessa
especificamente a este tópico, a declaração de vontade exarada pelo
exequente, e demonstrada cabalmente pela declaração juntada aos autos,
evidencia a ausência de seu interesse de agir recursal.
Esclarece Alexandre Freitas Câmara que as condições do recurso nada
mais são que projeções das chamadas condições da ação, aplicadas a este
especial ato de exercício do poder de ação. Nesse rumo, o interesse em
recorrer quer significar que a interposição do remédio recursal deve ser
examinada segundo o binômio “necessidade-adequação”: será necessário
se for o único meio colocado à disposição de quem o interpõe, a fim
de que alcance, dentro do processo, situação jurídica mais favorável
do que a proporcionada pela decisão recorrida; será, por outro lado,
adequado o recurso que tenha sido interposto ajustadamente ao tipo de
provimento impugnado. 11
Na espécie, não há se falar em necessidade e tampouco em
adequação recursal. Não há necessidade porque, conforme se vê na decla-
ração assi­ nada pelo exequente, o crédito exequendo é inexistente. O
próprio exequente afirma, de maneira categórica, que nada mais tem a
receber. Os recursos, de tal sorte, não são meios necessários ao alcance

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. v. 2,
11

p. 69.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
A inviabilidade da aplicação da fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro 233

de situação jurídica que lhe seja favorável, pois nada mais lhe é devido a
qualquer título. Também não há o requisito adequação: basta perceber que
o exequente interpôs agravo por instrumento em vez de apelação, postura
que afronta diretamente o art. 475-M, §3º, consoante examinado alhures.
Ausente o interesse recursal, agravo por instrumento e apelação não
merecem prosperar sequer em seu juízo de admissibilidade.

2.4 A ausência de capacidade postulatória


O mesmo documento anunciado no tópico anterior é prova
suficiente da ausência do pressuposto processual capacidade postulatória.
A despeito de intimados para tomar conhecimento do conteúdo dele,
os procuradores, em absoluta desconsideração à manifestação de vontade
do exequente, atacaram, via recursal, a decisão.
Segundo a melhor doutrina, a capacidade postulatória consiste na
aptidão de praticar atos técnicos dentro do processo (formular a peça
inicial, contestação, recursos, petições em geral, etc.). Em regra, detém-
na o advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil
e que tenha recebido procuração da parte (CPC, arts. 36 e 37).12 É intuitivo,
portanto, o nexo entre a capacidade postulatória do advogado e a procuração
outorgada pela parte conferindo poderes àquele para agir em nome
dela. Afinal, nos termos do art. 37 e seu parágrafo único, do Código
de Processo Civil, serão havidos por inexistentes os atos praticados por
advogado sem procuração e que não forem ratificados pela exibição do
mandato em 15 (quinze) dias. A ausência do instrumento de mandato,
deste modo, evidencia a carência de capacidade postulatória do advogado
e, por conseguinte, a inexistência de todos aqueles atos processuais por ele
praticados13 — no caso sob exame, os atos processuais cuja inexistência
jurídica se defende são a apelação e o agravo por instrumento.
Mas o que importa, para encerrar este tópico, é a constatação de
que ambos os recursos, interpostos em nome do exequente, carecem
de capacidade postulatória porque afrontam a sua própria vontade, devi­
damente exteriorizada por intermédio do referido documento, este cuja
consequência é a revogação ao mandato firmado (CC/2002, art. 682, I).

12
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 213.
13
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 213-214.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
234 Lúcio Delfino

Sobre o ponto, as lições de Claudio Luiz Bueno de Godoy:

A revogação é ato unilateral por meio do qual o mandante exerce faculdade


potestativa de destituir o mandatário do encargo que lhe havia cometido. Essa
potestade é da essência do mandato, ressalvadas as hipóteses excepcionais (...)
(arts. 683 a 685), se, afinal, o contrato é daqueles fiduciários, portanto basea­
do em confiança, a qual pode desaparecer, ademais instituído no interesse do
mandante, também passível de cessação. Não há forma especial, nem mesmo
aquela por que consumado o mandato, para a revogação, que pode ser total
ou parcial, bem assim expressa ou tácita, como quando o mandante nomeia
outro mandatário para cumprir o mesmo encargo (art. 687), ou quando ele
próprio pratica o ato para o que havia outorgado poderes. (...).14

Falta, portanto, ao agravo por instrumento e à apelação, pressuposto


processual necessário a sua constituição válida, a significar que, intimados
os procuradores que os subscrevem para regularizar a representação,
mas não atendida a determinação, os recursos poderão, também com tal
fundamento, deixar de ser conhecidos (CPC, art. 267, IV).15

3 Resposta aos quesitos


1 É aceitável a interposição de dois recursos distintos contra uma mesma decisão?
Resposta: Não. Tal postura fere o princípio da unicidade recursal.
E como o primeiro recurso eleito (agravo por instrumento) para atacar a
decisão objurgada destoa-se do que prevê a lei processual, seu conhe­
cimento, certamente, foi prejudicado. Quanto ao segundo recurso
(apelação), também não superará o juízo de admissibilidade, uma vez
incidente a preclusão consumativa.

14
PELUSO, Cezar (Coord.); GODOY, Claudio Luiz Bueno de et al. Código Civil comentado doutrina e jurisprudência.
São Paulo: Manole, 2007. p. 544.
15
Diante da revogação do mandato, é mesmo recomendável que o relator — e, por que não, o juiz a quo,
especificamente na apelação —, antes de realizar o juízo de admissibilidade recursal, intime os advogados,
subscritores de ambos os recursos, para que regularizem a representação processual em tempo hábil. É
interpretação condizente com o art. 13 do Código de Processo Civil. Confira-se, neste rumo, ementa de acórdão
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “Civil e Processual Civil. Ação Ordinária. Representação processual.
Outorga de novo mandato. Efeitos. Despacho determinando a regularização. Não atendimento. A outorga
de novo mandato com a constituição de novos procuradores nos autos, sem ressalva da procuração anterior,
implica revogação tácita do primeiro mandato. O não atendimento ao despacho que determina à parte, ao
subscritor da peça recursal e aos novos procuradores a regularização da representação processual tem como
consequência o não conhecimento do recurso interposto, por falta de pressuposto processual” (Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, Apelação Cível nº 1.0394.07.070907, Relator Desembargador José Flávio de Almeida,
Décima Segunda Câmara Cível, julgado em 06.05.2009, disponível em <www.tjmg.jus.br>). Entretanto, ainda
que a regularização ocorra a contento, melhor sorte não acolheria o exequente, haja vista os demais vícios
apontados ao longo deste parecer.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
A inviabilidade da aplicação da fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro 235

2 A declaração assinada pelo exequente e juntada aos autos do processo implica,


pelo seu teor, alguma consequência no juízo de admissibilidade recursal?
Resposta: Sem dúvida. Afinal, tal declaração subscrita pelo exe­
quente não se restringe a denunciar a inexistência do crédito exequendo.
Vai além e determina aos seus procuradores que requeiram a extinção
do feito. Tal implica ausência de uma condição recursal (interesse recursal)
e de um pressuposto processual (capacidade postulatória).
É o parecer, salvo melhor juízo.

Maio de 2009.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

DELFINO, Lúcio. A inviabilidade da aplicação da fungibilidade recursal em caso de erro


grosseiro. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74,
p. 227-235, abr./jun. 2011. Parecer.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 227-235, abr./jun. 2011
NOTAS E COMENTÁRIOS
Análise de acórdão em que se discute a
possibilidade de conduta ativista do juiz,
em matéria de pedido
Cristiane Druve Tavares Fagundes
Mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-
graduada em Direito Público pelo CAD (Centro de Atualização em Direito). Graduada em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada em São Paulo, com ênfase nas
áreas cível e contratual.

Palavras-chave: Ativismo judicial. Objeto litigioso. Agravo de Instrumento


nº 640.724-4/6-00 (TJSP). Acórdão.
Sumário: 1 Introdução – 2 Colocação do problema: acórdão oriundo do
Agravo de Instrumento nº 640.724-4/6-00, TJSP – 3 Premissas do denominado
“ativismo judicial” – 4 Limites ao ativismo judicial – 5 Aplicação das premissas
fixadas ao acórdão analisado – 6 Considerações finais – Referências – Agravo
de Instrumento nº 640.724-4/6-00

1 Introdução
Trata-se da análise de acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça de
São Paulo, em que se discute a possibilidade de o juiz adotar posturas ativas,
no caso concreto, que envolve concessão de tutela antecipada, sem requerimento
da parte interessada.
No acórdão analisado (Agravo de Instrumento nº 640.724-4/6-00 –
ANEXO I), proferido pela Nona Câmara de Direito Privado do TJSP, questio­
na-se a extensão do denominado “ativismo judicial”, especificamente no que
diz respeito à antecipação dos efeitos da tutela.
Dessa sorte, é objeto de análise do acórdão, em voga, o âmbito de aplicação
dos poderes judiciais, no que concerne à eventual concessão antecipada de efeitos
não pleiteados pela parte interessada.

2 Colocação do problema: acórdão oriundo do Agravo de Instrumento nº


640.724-4/6-00, TJSP
O acórdão em comento traz em seu corpo interessantes questões que serão
apreciadas neste estudo: os problemas advindos da aplicação do denominado
“ativismo judicial”, com foco no objeto litigioso.
A situação concreta apreciada pelo acórdão oriundo do Agravo de Ins­
trumento nº 640.724-4/6-00 versa sobre a possibilidade de adoção de posturas
ativas por parte do magistrado no que diz respeito à concessão de tutela
antecipada, sem requerimento da parte interessada.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
240 Cristiane Druve Tavares Fagundes

A decisão recorrida foi proferida em sede de ação de reconhecimento de


união estável, em que o magistrado de Primeiro Grau deferiu antecipação de
tutela, para o fim de conceder à Autora — sem qualquer requerimento por parte
dessa — a condição de pensionista do companheiro falecido. Recorreu o espólio,
aduzindo impossibilidade de conduta ativista por parte do juiz, alegando não
ser cabível a concessão ex officio de tutela antecipada.
É de se verificar, portanto, se a solução encontrada pelo acórdão ora
analisado — que reformou a decisão de Primeira Instância — apresentou o
melhor entendimento jurídico, para a hipótese concreta colocada em apreciação.
As dúvidas que se colocam, portanto, são: a) qual o campo de aplicação
do chamado “ativismo judicial”?; b) quais são os limites para a referida atuação
ativista por parte dos magistrados?; c) há possibilidade de concessão de ofício
de tutela antecipada?
Para tentativa de solução da problemática acima referida, será realizada
uma síntese do fenômeno que se convencionou denominar de “ativismo judicial”
para que se possa concluir pelo estabelecimento de limites ao mesmo.

3 Premissas do denominado “ativismo judicial”


Há notoriamente uma tendência mundial de se conferirem maiores
poderes ao juiz, na condução do processo, fato esse que se observa também
no Brasil.
Sobre tal disposição mundialmente verificável, doutrina José Carlos
Barbosa Moreira1 que:

A tendência a dar maior realce ao papel do juiz corresponde, como bem se com­
preende, a uma acentuação mais forte do caráter publicístico do processo civil.
O interesse do Estado na atuação correta do ordenamento, através do aparelho
judiciário, sobrepõe-se ao interesse privado do litigante, que aspira acima de
tudo a ver atendidas e satisfeitas as suas próprias pretensões. É a antiga visão
do “duelo” entre as partes, ao qual assistia o juiz com espectador distante e
impassível, que cede passo a uma concepção do processo como atividade orde­
nada, ao menos tendencialmente, à realização da justiça.

Trata-se do que se convencionou hodiernamente a se denominar de


“ativismo judicial”, pelo qual se vislumbra a possibilidade de o juiz agir ativamente
na condução do processo. Defende-se, pois, uma postura mais contundente da
atividade judicial para resolver problemas que não contam com solução legislativa
adequada. Outorga-se um poder criativo ao juiz, valorizando o compromisso

O papel do juiz no processo civil. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. São Paulo:
1

Saraiva, 1977. p. 11.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
Análise de acórdão em que se discute a possibilidade de conduta ativista do juiz, em matéria de pedido 241

constitucional da jurisdição, ainda que não haja previsão legal que o autorize
na respectiva atuação.
Segundo o ativismo, portanto, o juiz deve atuar de maneira a resolver
o problema que lhe foi colocado, com ou sem previsão legal para sua atuação
de ofício.
Observam-se como premissas do pensamento ativista a acentuação do
caráter publicístico do processo, ressaltando-se que não mais se pode falar em
simples duelo de partes; a ideia segundo a qual o processo deve ser palco da
realização de pacificação com justiça, não podendo ser o juiz mero espectador
da atividade das partes; e, ainda, não dever o processo ser palco de atribuição
de direitos a quem não os tem.2
Cumpre verificar, entretanto, que, mesmo se tratando de uma tendência,
não se pode afirmar que foram conferidos poderes ilimitados aos juízes, em
qualquer momento do processo. É de se analisar, portanto, os limites à postura
ativista dos magistrados.

4 Limites ao ativismo judicial


Primeiramente, necessário se faz consignar que não há, no mundo,
sistemas puristas quanto à adoção de posturas mais ou menos ativas por parte
do magistrado. Ou seja, em nenhum país, vão ser encontradas apenas mani­
festações do princípio inquisitivo ou do dispositivo. Na verdade, e assim também
é no Brasil, os sistemas são híbridos.
Diante da referida constatação, o correto, portanto, é se falar em momen­
tos de predominância, de acordo com o momento processual analisado.3
Dessa sorte, é fundamental visualizar a referida problemática em dois
momentos apartados: a) propositura da demanda (delimitação do objeto do
processo); b) estrutura interna do processo (impulso processual, produção de
provas, efeito devolutivo dos recursos, etc.).
Entendemos se tratar a estrutura interna do processo da seara adequada,
em princípio, para que seja permitida uma maior conduta ativa, por parte do juiz.

2
Em sentido contrário aos ativistas judiciais, encontram-se os defensores do chamado “garantismo judicial”, que
defende uma maior valorização do contraditório e da imparcialidade do juiz, como pilares da legitimação da
decisão judicial que será proferida. Como grandes premissas do pensamento garantista, podem ser mencionados
a autonomia da vontade das partes e, ainda, o princípio da imparcialidade do juiz, o que impediria uma conduta
mais ativa por parte deste.
3
Neste sentido, Fredie Didier Jr. doutrina que “A dicotomia princípio inquisitivo-princípio dispositivo está
diretamente relacionada à atribuição de poderes ao juiz: sempre que o legislador atribuir um poder ao magistrado,
independentemente da vontade das partes, vê-se manifestação de ‘inquisitoriedade’; sempre que se deixe ao
alvedrio dos litigantes a opção, aparece a ‘dispositividade’. É impossível estabelecer um critério identificador da
dispositividade ou da inquisitoriedade que não comporte exceção. O melhor, portanto, é falar em predominância
em relação a cada um dos temas: em matéria de provas, no efeito devolutivo dos recursos, na delimitação do
objeto litigioso etc” (Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 1, p. 62).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
242 Cristiane Druve Tavares Fagundes

Apenas a título exemplificativo, pelo fato de não ser este o cerne do


presente estudo, vislumbramos, em regra, a possibilidade da determinação da
produção de provas, de ofício, pelo magistrado. Por óbvio, o interesse maior
na produção das provas é efetivamente das partes, sujeitos parciais que são na
relação processual. Todavia, também ao Estado-juiz interessa uma boa condução
da lide, não sendo suficiente atingir a pacificação, mas, tanto quanto possível,
se deve buscar a pacificação com justiça.
Todavia, na seara da produção de provas, já se está dentro da estrutura
interna do processo.
Hipótese contrária se verifica no caso de se tratar da fixação do objeto
litigioso, segundo momento processual a ser analisado, e cerne do acórdão que
adiante será minuciosamente comentado.
Especificamente no que diz respeito à fixação do objeto litigioso, tanto no
que tange ao pedido quanto à causa de pedir, entendemos não ser possível uma
conduta ativa do magistrado. Isto porque persiste o princípio da demanda, que
impede ao juiz de dar início ao processo, sem iniciativa das partes.4
Por óbvio que, além do impulso inicial do processo, também está englo­
bada nesta vedação, a alteração ou complementação dos pedidos já formulados
pelo autor. Há expressa previsão no artigo 460, do CPC, de que se obedeça à
necessária correlação entre julgamento e pedido, sendo proibido ao juiz julgar
fora ou além dos limites do pedido.
Dessa sorte, entendemos que o ativismo judicial não encontra campo de
atuação, no momento da propositura da demanda, o que, indubitavelmente,
engloba todo o objeto litigioso.
Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco5 é expresso ao pontuar que
a sistemática processual brasileira é taxativa quanto ao dever de inércia inicial,
ou seja, o veto ao exercício espontâneo da jurisdição. Não pode o juiz, portanto,
exceder os limites da demanda.6
Dessa forma, um primeiro — e, em nossa opinião, inafastável — limite
à conduta ativista do juiz encontra-se no princípio da demanda, não se confi­
gurando como seara de atuação ativa o pedido formulado pelo autor.
Vislumbramos, portanto, necessidade de que não sejam conferidos poderes
ilimitados ao julgador. No próprio sistema, há limites à atuação judicial, os quais

4
Exceção legislada à referida vedação reside na previsão do artigo 989, do Código de Processo Civil, que permite
que o juiz dê início a inventário ex officio.
5
Instituições de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. v. 2.
6
Mesmo posicionamento apresenta Barbosa Moreira [O problema da ‘divisão do trabalho’ entre juiz e partes:
aspectos terminológicos. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: (quarta série). São
Paulo: Saraiva, 1989].

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
Análise de acórdão em que se discute a possibilidade de conduta ativista do juiz, em matéria de pedido 243

são suficientes para legitimar — dentro dos referidos limites — a tendência de se


conferir um papel mais ativo ao juiz.
Outros antídotos que legitimam a atuação de ofício são, indubitavel­
mente, o contraditório e a motivação das decisões judiciais, o que faz com
que a parte contrária e as instâncias superiores possam fazer um controle das
provas produzidas ex officio.
Neste sentido, José Carlos Barbosa Moreira7 ensina que a mais larga
atribuição de poderes exercitáveis de ofício, de modo algum dispensa o órgão
judicial de respeitar, na utilização de quaisquer diligências, a garantia do con­
traditório. Muito menos o exonera do dever de motivar a sentença, mediante a
análise dos elementos probatórios colhidos e a justificação do valor atribuído
a cada qual.
Na mesma esteira de pensamento, Fredie Didier Jr.8 diferencia o “poder
agir de ofício” e o “agir sem ouvir as partes”. Nesse sentido, tal doutrinador
entende que o juiz pode agir de ofício, inclusive com amparo nos artigos 131
e 462 do CPC, mas antes tem que abrir vistas para a parte se manifestar sobre
o ponto considerado relevante.
Por fim, nunca é demais relembrar os sempre pertinentes ensinamentos
de Cândido Rangel Dinamarco9 quando aduz a possibilidade de o juiz exercer
conduta ativa “nos limites do razoável”.
Assim, entendemos que é possível a adoção de condutas ativas, por parte
do juiz, dentro da estrutura interna do processo, o mesmo não ocorrendo no
momento da propositura da ação e fixação do objeto litigioso. Há limites, por­
tanto, para o ativismo judicial, não se tratando, pois, de atribuição irrestrita
de poderes à atividade judicante.
Dessa sorte, passa-se à aplicação das premissas acima fixadas à hipótese
concreta analisada pelo acórdão da lavra da Nona Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça de São Paulo.

5 Aplicação das premissas fixadas ao acórdão analisado


Fixadas as premissas acima expostas, passa-se ao cerne do presente estudo,
qual seja, a análise da solução dada pela Nona Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao caso concreto que lhe foi apresentado.
Conforme exposto alhures, a situação concreta apreciada pelo acórdão
oriundo do Agravo de Instrumento nº 640.724-4/6-00 versa sobre a possibilidade

7
O problema da ‘divisão do trabalho’ entre juiz e partes: aspectos terminológicos. In: MOREIRA, José Carlos
Barbosa. Temas de direito processual: (quarta série). São Paulo: Saraiva, 1989.
8
Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 1.
9
Instituições de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. v. 2.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
244 Cristiane Druve Tavares Fagundes

de adoção de posturas ativas por parte do magistrado no que diz respeito


à concessão de tutela antecipada, sem requerimento da parte interessada.
Relembre-se que a decisão recorrida foi proferida em sede de ação
de reconhecimento de união estável, em que o magistrado de Primeiro Grau
deferiu antecipação de tutela, para o fim de conceder à Autora — sem qualquer
requerimento por parte dessa — a condição de pensionista do companheiro
falecido. Recorreu o espólio, aduzindo impossibilidade de conduta ativista
por parte do juiz, alegando não ser cabível a concessão ex officio de tutela
antecipada.
Necessário se faz, pois, retomarmos as dúvidas que se colocam diante
do referido caso concreto: a) qual o campo de aplicação do chamado “ativismo
judicial”?; b) quais são os limites para a referida atuação ativista por parte dos
magistrados?; c) há possibilidade de concessão de ofício de tutela antecipada?
Finalmente, portanto, mister se faz analisar se a solução encontrada
pelo acórdão ora analisado — que reformou a decisão de primeira instância —
apresentou o melhor entendimento jurídico, para a hipótese concreta colocada
em apreciação.
O ponto fundamental sobre o qual versa o acórdão, em questão, gira
em torno da possibilidade de o juiz conceder ex officio antecipação dos efeitos
da tutela.
Sobre a questão, o Código de Processo Civil é claro ao dispor:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu.10

Por óbvio, para que se defira a antecipação dos efeitos da tutela preten­
dida ao final, ordena a lei que haja expresso requerimento da parte. E o motivo
para tal previsão é simples: trata-se de antecipação dos efeitos do próprio pedido
final, o que só pode ocorrer — nos termos do que prevê o princípio da demanda
— através de pedido formulado pela própria parte interessada.
Tem-se, portanto, que irrepreensível foi o v. acórdão ora analisado ao
reformar a decisão de Primeira Instância e assim fundamentar seu entendimento:

Destaque nosso.
10

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Análise de acórdão em que se discute a possibilidade de conduta ativista do juiz, em matéria de pedido 245

A redação [do artigo 273] não deixa dúvidas da necessidade de requerimento


da parte (...).11

Note-se, inclusive, que o acórdão pontua a possibilidade de — em casos


extremados — se conceder a tutela antecipada de ofício. Porém, tal conduta
não pode, de forma alguma, se constituir em regra.
E conclui:

No caso, contudo, sem entrar no mérito da comunhão desse entendimento,


não se verifica situação excepcional a justificar o ativismo judicial, mormente
por se tratar de interesse patrimonial da agravada, que sequer pleiteou o
reconhecimento antecipado da condição de beneficiária do falecido.12

De toda sorte, o único ponto que, no acórdão, mereceria ressalva reside


na afirmação final da citação acima, segundo a qual eventual interesse diverso
da então agravante poderia justificar eventual conduta ativista por parte do juiz.
Entendemos que tal fundamentação não procede, vez que o direito discutido
em juízo não altera a possibilidade de conduta judicial mais ativa.
Diverso não é o posicionamento de José Carlos Barbosa Moreira,13 para
quem resta proibida a atividade de ofício do juiz para instaurar a demanda,
não importando o tipo do direito tutelado (disponível ou indisponível). O normal
monopólio da parte da instauração do processo não comporta explicação cabal
só pela índole disponível da relação de direito material.
No mais, todavia, entendemos que a seara do objeto litigioso não é campo
de aplicação do chamado “ativismo judicial”, não devendo o juiz conceder de
ofício tutela antecipada não requerida pelas partes, como bem concluído pelos
julgadores de Segundo Grau.

6 Considerações finais
Do presente estudo, conclui-se que incensurável é a conclusão jurídica
a que chegou o acórdão ora analisado, ao reformar sentença proferida em pri­
meiro grau, no sentido de afastar a tutela antecipada concedida sem requeri­
mento da autora da ação de reconhecimento de união estável.
Pelo exposto, irrepreensível o v. acórdão da lavra da Nona Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que contém importante
supedâneo para a reflexão do ativismo judicial, na seara do objeto litigioso.

11
p. 2, do acórdão.
12
p. 3, do acórdão.
13
O problema da “divisão do trabalho” entre juiz e partes: aspectos terminológicos. In: MOREIRA, José Carlos
Barbosa. Temas de direito processual: (quarta série). São Paulo: Saraiva, 1989.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
246 Cristiane Druve Tavares Fagundes

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MOREIRA, José Carlos Barbosa. O processo civil contemporâneo: um enfoque comparativo.


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In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: (quarta série). São Paulo:
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RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação do


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R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
Agravo de Instrumento nº 640.724-4/6-00 – Sorocaba – Voto nº 5937D
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

EMENTA

Ação de reconhecimento de união estável, em desfavor de herdeiros – Decisão


que antecipou, de ofício, efeitos da tutela, concedendo à agravada a condição
de pensionista do falecido – Inconformismo – Acolhimento – Necessidade de
requerimento da parte, para fins de concessão da tutela antecipada, consoante
disposto no art. 273, do CPC – Circunstâncias excepcionais que permitem a
concessão ex officio, para preservação de direito e da utilidade do processo –
Situação não verificada no caso, mormente por se tratar de questão patrimonial
– Decisão afastada – Recurso provido.
Agravo de Instrumento nº 640.724-4/6-00 – 9ª Câmara de Direito Privado – Agravante:
MFCP – Agravado: ZMPA – Relator: Des. Grava Brazil – j.: 26.05.2009

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO


n° 640.724-4/6-00, da Comarca de SOROCABA, em que é agravante M. F. C. P.
sendo agravada Z. M.. P. A.:
ACORDAM, em Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO
AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra
este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO CARLOS
GARCIA (Presidente, sem voto), PIVA RODRIGUES e DÁCIO TADEU VIVIANI
NICOLAU.
São Paulo, 26 de maio de 2009.
GRAVA BRAZIL
Relator
VOTO Nº 5937

1 – Trata-se de agravo de instrumento tirado de decisão que, em ação


de reconhecimento de união estável, proposta por ZMdPA, deferiu antecipação
de tutela, para o fim de conceder à autora a condição de pensionista do
falecido CCP.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
248 Cristiane Druve Tavares Fagundes

Inconformado, recorre o co-herdeiro MFdCP, insurgindo-se contra a


concessão ex officio da tutela antecipada, por afronta ao disposto no artigo 273,
do Código de Processo Civil. No mais, questiona os fun­damentos da decisão, com
o argumento de que as fotografias jun­tadas são insuficientes, como prova inequí­
voca da união, e diz que a demora pelo cumprimento da precatória, para citação
do litisconsorte passivo, “não é atribuível ao agravante, mas à desatenção da
agravada e a falhas da máquina judiciária”. Por fim, fala que não há perigo de
dano, nem abuso de direito ou propósito protelatório.
O recurso foi processado, dispensando-se as informações do juízo a quo,
por desnecessárias. A contraminuta foi juntada a fls. 41/47. A r. decisão agra­vada,
a prova da intimação e as procurações encontram-se, por cópia, a fls. 10, 11/12,
14 e 13. O preparo foi recolhido (fls. 31/32).
É o relatório do necessário.

2 – O inconformismo convence.
Pela leitura do artigo 273, do Código de Processo Civil, depreende-se que
o julgador pode, a requerimento da parte, antecipar os efeitos da tutela, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da veros­similhança da alegação.
A redação não deixa dúvidas da necessidade de requerimento da parte,
o que significa que não há possibilidade de concessão da tutela antecipatória
ex officio.
No entanto, tratando-se de espécie do gênero tutelas de urgência, há
entendimento doutrinário no sentido de que é possível, em situações excepcio­
nais e extremadas, a concessão, de ofício, da tutela antecipada.
Nesse sentido a posição defendida por José Roberto dos Santos Bedaque:
“Nesses casos extremos, em que, apesar de presentes os requisitos legais,
a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional não é requerida pela parte, a
atuação ex officio do juiz constitui o único meio de se preservar a utilidade do
resultado do processo. Nessa medida, afastar taxativamente a possibilidade
de iniciativa judicial no tocante à tutela antecipatória pode levar a situações
injustas.
A aceitação do poder oficial no tocante à antecipação dos efeitos da
tutela, ainda que excepcional, não viola o princípio dispositivo, pois o juiz
estará proferindo decisão judicial nos limites do pedido.14”
No caso, contudo, sem entrar no mérito da comunhão desse entendimento,
não se verifica situação excepcional a justificar o ativismo judicial, mormente

14
Código de Processo Civil Interpretado, coordenador Antonio Carlos Marcato, 3ª ed. Atlas, comentário ao art
273, p 843

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
Análise de acórdão em que se discute a possibilidade de conduta ativista do juiz, em matéria de pedido 249

por se tratar de interesse patrimonial da agravada, que sequer pleiteou o


reconhecimento antecipado da condição de bene­ficiária do falecido.
Diante dessas circunstâncias, acolhe-se o inconformismo, afastando-se a
tutela concedida.
3 – Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso. É o voto.
DES. GRAVA BRAZIL
Relator

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

FAGUNDES, Cristiane Druve Tavares. Análise de acórdão em que se discute a possibilidade


de conduta ativista do juiz, em matéria de pedido. Revista Brasileira de Direito Processual
– RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 239-249, abr./jun. 2011
Por uma interpretação ontológico-
sistemática do artigo 219 do CPC
Luciano Marinho de Barros e Souza Filho
Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pós-Graduado
lato sensu em Direito pela UFPE. Professor de Direito das Faculdades Integradas Aeso Barros Melo
(FIBAM) e da Esmatra VI. Procurador Federal da PRF 5ª Região (AGU).

Palavras-chave: Artigo 219 do CPC. Direito civil.

De antemão, devemos afirmar que o decurso do tempo é inafastável ao


estudo do tema da prescrição, objeto deste comentário. Isto porque a dimensão
do tempo se revela ou se manifesta no direito sob a forma de diversos institutos,
tanto no campo material como processual. No campo substantivo se apresenta,
sobretudo, pelos institutos da prescrição e decadência.
A prescrição promove a consecução de um interesse jurídico-social, a
saber: proporcionar segurança às relações jurídicas. É instituto de ordem pública.
Nesta direção, aliás, citamos o recente art. 219, §5º da Lei nº 11.280/06 (alteração
do Código de Processo Civil) no qual se demonstra extravagante interfe­ rência
estatal quando da ocorrência da “prescrição nas relações jurídicas”. Nesta direção,
aproxima-se prescrição de decadência que passam, neste particular, a ter, ambos,
o mesmo tratamento.
O fenômeno prescritivo ocorre quando há perda da exigência da preten­
são. Ou noutros termos, de acordo com Serpa Lopes, “o que se perde com a
prescrição é o direito subjetivo de deduzir a pretensão em juízo, uma vez que a
prescrição atinge a ação e não o direito”.1 O titular do direito lesionado possui
em mãos a faculdade de movimentar a máquina judiciária a fim de recompor
seus interesses. Contudo, a situação de tutela de pretensão não se perpetua no
tempo, mas com ele se degenera, ou seja, existe prazo para seu exercício sob
pena de incidir a prescrição, que surge com propósito de consolidar as relações
interpessoais de cunho jurídico. Dizer que a prescrição não atinge o direito em
si, mas sua pretensão é dizer que seu titular pode vir a satisfazê-lo por outro
meio. É admitir a preservação do direito, que pode ser recomposto, por
exemplo, através da satisfação espontânea da pretensão. É formada por algu­
mas características basilares, a saber: (a) sua renúncia só pode ser efetuada após
decorrido todo seu prazo e se não houver prejuízo de terceiros; (b) as prescrições
eventualmente “imprescritíveis” devem ser declaradas por lei; (c) seus prazos
são peremptórios. São seus requisitos básicos: violação de um direito subjetivo;
surgimento da pretensão do titular do direito agredido — a ser exercida por

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. v. 1, p. 170.
1

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 251-254, abr./jun. 2011
252 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho

uma ação adequada; escoamento do prazo prescricional sem causa suspensiva,


interruptiva ou impeditiva de seu curso; e, inércia no curso temporal do titular
da ação. A doutrina clássica consagrou dois critérios científicos para análise
dos institutos de prescrição e decadência: o critério de Câmara Leal e o de
Agnelo Amorim Filho. Até a promulgação da Lei nº 10.406/02, aliás, foi indis­
pensável o entendimento e a adoção de tais critérios porque nosso ordena­
mento, salvo na Lei nº 8.078/90, não trazia sequer diferenciação taxativa entre
os dois institutos.
Em lacônica afirmação, podemos externar que o critério de Câmara Leal
se baseia na distinção da origem da ação. Já pelo doutrinador Agnelo Amorim
Filho, conclui-se, basicamente, que a prescrição só inicia seu curso a partir
da violação do direito, o qual se atrela, por sua vez, a uma respectiva ação.
Donde se extrai o corolário de que toda ação de cunho condenatório estaria
sujeita à prescrição; a de natureza declaratória seria imprescritível; e, por fim,
a constitutiva, que teria prazo definido em lei, e estaria sujeita à decadência.
Todavia, a legislação atual parece flexibilizar e desconstruir características dos
institutos da prescrição e da decadência, a exemplo do artigo 219 do CPC.
A postura adotada pelo legislador demonstra interesse pragmático
duvidoso em função do comprometimento lógico-jurídico que impõe. Procura
ser expresso (taxativo) na apresentação das ideias e características, embora,
por vezes, contraditórias na circunscrição e aplicação dos institutos. Residem,
então, problemas de sistematicidade, de constitucionalidade e de legalidade
consequentes desse utilitarismo. O conflito de normas entre os artigos 191 do
CCB e 219 do CPC é um desses. Aquele dispositivo, permitindo a “renúncia à
prescrição” e, este, obrigando sua “pontuação de ofício”. A pretexto de celeridade,
muitos juízes vêm se utilizando da norma heterotópica, indiscriminadamente,
revogando, por consequência, o dispositivo do código civil. Será que essa é a
melhor compreensão do tema? A imposição legislativa tem o condão de mudar
a natureza jurídica de um instituto? Pode um dispositivo legal flexibilizar uma
exceção material à objeção ipso iure? Estaria fulminado o caráter do instituto?
A renúncia, tácita ou expressa, também positivada, restaria afastada? Por
redundância ao absurdo, verifica-se o contrário. Senão vejamos: se é verdade
que a prescrição é instituto de ordem pública indireta, também o é que aborda
situações que abrangem direitos tipicamente patrimoniais e disponíveis. Que
possui caráter jurídico autônomo. Que a natureza do direito controverso mitiga
e restringe a pronúncia de ofício. E pior: admitir-se o contrário incompatibi­
liza esse dispositivo aos ramos do direito nos quais a hipossuficiência e a índole
tutelar são justamente o propósito de suas próprias existências. No Direito do

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 251-254, abr./jun. 2011
Por uma interpretação ontológico-sistemática do artigo 219 do CPC 253

Trabalho, por exemplo, esses aspectos parecem sugerir a não incorporação ou,
pelo menos, fortes limitações à pronúncia automática. Se o direito material
do trabalho (pelo menos no seu núcleo mínimo) conforma direitos pétreos
irrenunciáveis, então, como a prescrição seria capaz de se sobrepor a ele, des­
constituindo-se-lhe de plano e sem qualquer contraditório? Como se olvidar que
o direito processual trabalhista é instrumento que visa proporcionar igualdade
de armas entre os litigantes já bastante polarizados pelas relações de trabalho?
Como se admitir a incorporação e aplicação do artigo 219 do CPC ao ramo da
especializada quando se serve exatamente para garantir maior discriminação
entre as partes do litígio, beneficiando sempre o empregador em detrimento
do empregado? Sua absorção seria, portanto, a permissão para o rompimento
principiológico e funcional da justiça especializada. Constitucionalmente tam­bém
seria romper com a isonomia; com a adequação; com a autonomia da vontade
e, ainda, com o contraditório. Diretivas de acesso à justiça; de locupletamento
ilícito e de enriquecimento sem causa, analogamente, vêm a foco, principalmente,
na área trabalhista, onde é o devedor quem detém o poder do contrato de
trabalho. A prescrição deixa de ser “matéria de defesa”, também se revogando
o art. 884 da CLT? Enfim, a interpretação literal do artigo 219 do CPC desa­
grega amplamente o ordenamento jurídico. Em corolário: ou se salvaguarda
o dispositivo processual do art.219 do CPC, através do resgate interpretativo,
mantendo-se sua coerência como norma integrante de um conjunto, ou se resta
maculado pela inconstitucionalidade, pela incompatibilidade e pela própria
incoerência ontológica e lógica existentes.
Desta sorte, salvo melhor juízo, tanto na processualística comum e, mais
ainda, na especializada, o propósito legiferante de garantir produtividade e
velocidade aos julgamentos não pode servir para desconstituir matizes de direitos
materiais e processuais dos cidadãos. Nem, na prática, romper com estruturas
que delineiam arquétipos que correspondem a verdadeiras garantias e funda­
mentos do direito objetivo Pátrio.

Referências

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1989. v. 1.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 5, Direito das coisas.
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Novos rumos da prescrição e da decadência
no direito brasileiro. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_
link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1190>. Acesso em: 18 fev. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 251-254, abr./jun. 2011
254 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Por uma interpretação ontológico-sistemática


do artigo 219 do CPC. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte,
ano 19, n. 74, p. 251-254, abr./jun. 2011.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 251-254, abr./jun. 2011
DIRETO AO PONTO
A prévia garantia do juízo é condição para o
oferecimento da impugnação ao cumprimento
de sentença condenatória?

SIM
Eduardo José da Fonseca Costa
Juiz Federal Substituto em Corumbá-MS. Bacharel em Direito pela USP. Especialista e Mestre em
Direito Processual Civil pela PUC-SP. Membro do IBDP e da ABDPC. Membro do Conselho Editorial
da RBDPro.

De acordo com o §1º do art. 475-J do CPC, “do auto de penhora e de


avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado
(arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente,
por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no
prazo de quinze dias”. Embora a redação do dispositivo seja sofrível, pode-se
concluir, sem dificuldade, que: (α) a lavratura do auto de penhora e de avaliação
antecede (β) a intimação do executado; (β) a intimação do executado antecede (γ)
a oferta da impugnação ao cumprimento de sentença. Nesse sentido, a penhora
é sempre um prius; a impugnação, um posterius. Entretanto, não se está tão apenas
em face de uma linha cronológica; entre (α), (β) e (γ) há um liame lógico. Daí por
que a possibilidade de oferta de impugnação exige a preexistência de penhora.
Tecnicamente, a garantia do juízo é uma das condições — não se fala aqui em
“pressuposto” ou “requisito” — para a impugnação produzir os efeitos desejados
pelo executado. É ônus do executado — não propriamente um “dever” — garantir
o juízo caso pretenda que a sua impugnação seja admitida [= juízo de prelibação]
e que o seu pedido seja apreciado [= juízo de mérito]. Quem oferta impugnação
sem penhora e avaliação de bens menospreza o comando do §1º do art. 475-J
do Código (sem que isso configure um ilícito, já que — como já dito — a prévia
garantia do juízo não é um dever, mas um ônus).
Ora, o instituto da impugnação foi introduzido pela Lei nº 11.232/2005
como meio de defesa do executado na etapa do “cumprimento de sentença”.
Ontologicamente, trata-se de ação de conhecimento, estruturalmente autônoma
e funcionalmente incidental à execução. Mais: é ação mandamental, em que se
exerce pretensão autônoma a um contramandado (-), que contrarie o manda­ do
executivo (+). Dentro de uma técnica muito particular de garantir-se o con­ tra­
ditório na execução, o sistema prevê a oportunidade de o executado de­­fen­der-
se mediante “embargos”. Contra o mandado executivo, cabem “embargos de

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 257-265, abr./jun. 2011
258 Eduardo José da Fonseca Costa, José Henrique Mouta Araújo

devedor”; contra o mandado de arrematação, “embargos à arrematação”; contra


o mandado de adjudicação, “embargos à adjudicação”. Logo, esses “embargos”
nada mais são do que ações incidentais de natureza mandamental: se o exe­quente
executa obtendo mandados, o executado aniquila ou retarda a execução obtendo
contramandados. Portanto, a “nova figura” da impugnação nada mais é do que
“embargos” com outro apelido. “Embargos” em sede de “cumprimento” (rectius:
“execução”) de sentença, afinal. Com outras palavras: os “embargos de devedor”
são os embargos à execução de título extrajudicial (conquanto sua oposição não
mais esteja condicionada à prévia garantia do juízo — cf. art. 736 do CPC, com a
redação dada pela Lei nº 11.382/2006); a “impugnação”, os embargos à execução
de título judicial (conquanto sua oposição se condicione à garantia prévia do
juízo — cf. art. 475-J, §1º, do CPC, introduzido pela Lei nº 11.232/2005). Enfim,
os embargos de devedor são a impugnação na execução de título extrajudicial; a
impugnação, os embargos de devedor na etapa do cumprimento de sentença. Aliás,
não se estranhe a dessimetria entre os dois regimes: é razoável que o título judicial
(que é um majus) só tenha sua execução redarguida após a garantia do juízo, e
que o título extrajudicial (que é um minus) possa ter sua execução redarguida sem
haver prévia penhora. Isso porque existe uma “hierarquia” entre a fonte judicial
de títulos executivos e a fonte extrajudicial (hierarquia que permite à primeira
produzir títulos típicos da segunda — ex., CPC, art. 585, V, mas que impede a
segunda de produzir títulos típicos da primeira).1
Se não concedido o efeito suspensivo, a impugnação será autuada em
autos apartados; se concedido esse efeito, sê-lo-á nos próprios autos (CPC, art.
475-M, §2º). Todavia, tanto em um caso quanto em outro, haverá o ajuiza­mento
de uma ação: ação “paralela” (se autuada a petição inicial em apartado), ou ação
“embutida” (se autuada a petição inicial nos próprios autos em que se cumpre a
sentença condenatória). De qualquer maneira, essa lide incidental apresentada
pelo executado é resolvida por meio de sentença. Note-se que §3º do art. 475-M
não diz que a decisão que resolve a impugnação é uma decisão interlocutória. Diz
tão só que se trata de uma decisão agravável. Ora, no direito processual civil
brasileiro, a natureza da decisão define o recurso manejável: de regra, sentenças
são apeláveis, interlocutórias são agraváveis e despachos são irrecorríveis.
Contudo, a recíproca não é verdadeira. A lei pode tornar apelável uma decisão
interlocutória, ou agravável uma sentença. Tudo a depender de conveniências
de política processual. Lembre-se da extinta Lei de Falências (Decreto-Lei
nº 7.661, de 21.06.1945): ali, as sentenças de quebra eram agraváveis (art. 17),
não obstante se tratasse de sentenças (art. 14). No caso do cumprimento de sentença,

Isso não se aplica à sentença arbitral: formalmente, ela se encontra arrolada no inciso IV do artigo 475-N do
1

CPC; materialmente, não deixa de ser um ato jurisdicional, sem bem que de origem extrajudiciária.

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A prévia garantia do juízo é condição para o oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença... 259

tudo convém para que a sentença que julga a impugnação seja desafiada por
agravo, e não por apelação: pendente o julgamento do recurso na instância
superior, permite-se a continuidade da execução, nos próprios autos em que
proferida a sentença condenatória. Logo, a natureza da decisão que julga a im­
pugnação é sentencial. E, sendo sentença, está apta a fazer coisa julgada material
ao declarar a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no inciso VI do
art. 475-M do CPC. Se assim não fosse, poder-se-iam rediscutir os mesmos
fundamentos da impugnação em ação autônoma ulterior ao desfecho execucio­
nal, provocando insuportável insegurança jurídica.
Justamente porque ainda há necessidade de o executado garantir o juízo
para poder defender-se (a penhora é “condição da ação” de impugnação), o
cumprimento de sentença tolera a “exceção de pré-executividade”. Na execução
de título judicial, ainda persistem os motivos que fizeram com que doutrina
e jurisprudência admitissem o instituto. Ora, à luz da proporcionalidade: a) a exceção
de pré-executividade é meio adequado para a arguição de objeções e exceções
substanciais acatáveis ictu oculi [sub-postulado da adequação]; b) ela é necessária
para evitar-se o prosseguimento de execuções manifestamente infundadas, que
inflijam injustos sacrifícios ao patrimônio do executado [sub-postulado da neces­
sidade]; c) diante da conveniência de essas execuções serem erradicadas, as van­
tagens de uma técnica de defesa simpliciter et de plano superam as desvantagens da
dispensa da garantia do juízo [sub-postulado da proporcionalidade stricto sensu].
Em contrapartida, na execução de título extrajudicial, não há mais cabimento
para esse tipo de objeção. Hoje, após o advento da Lei nº 11.382/2006, a prévia
garantia do juízo deixou de ser condição de admissibilidade da ação de embargos
de devedor (CPC, art. 736, caput). Em verdade, a penhora limita-se a ser uma das
condições para que se lhes atribua efeito suspensivo. Os embargos suspenderão
o curso da execução se houver: requerimento do embargante + relevância dos
fundamentos + risco de grave dano de difícil ou incerta reparação + garantia
da execução por penhora, depósito ou caução suficientes (CPC, art. 739-A, §1º).
É importante registrar que a penhora como “condição da ação” de im­
pugnação está em plena sintonia com os princípios vigentes. Como já explicado
acima, a execução estatal faz-se por meio de mandados (de arresto, citação,
arrombamento, penhora, avaliação, busca e apreensão, levantamento, imissão
na posse, etc.). Cumprindo-os, os órgãos da execução gradativamente ingressam
no patrimônio do devedor. Porém, o âmbito executivo é também plano para a
incidência do princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). Portanto, ainda que seja
vigente o princípio da responsabilidade patrimonial (CPC, art. 591), não se vai direto
ao patrimônio do executado sem que se lhe faculte a defesa. Logo, na tentativa
de conciliar os dois princípios na etapa do cumprimento de sentença, o sistema

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260 Eduardo José da Fonseca Costa, José Henrique Mouta Araújo

processual civil permite ao executado reagir à pretensão executória tão só após


ter sua esfera patrimonial penetrada. Limita-se o contraditório condicionando
a oferta da impugnação à prévia garantia do juízo (CPC, art. 475-J, §1º);
limita-se a responsabilização patrimonial imediata suspendendo atos de alienação
e arrematação até a apreciação da impugnação (desde que se lhe atribua efeito
suspensivo e desde que o credor não preste caução suficiente e idônea, tal como
previsto no caput e no §1º do artigo 475-M do CPC). Com isso, todos os princípios
jurídicos em jogo são proporcionalmente limitados, sem que qualquer deles
tenha o seu “núcleo fundamental” suprimido.
Consigne-se, ademais, que, se o executado não dispuser de patrimônio
bastante para a garantia do juízo, caber-lhe-á comprovar essa situação de forma
inequívoca. Nesse caso, dever-se-á excepcionalmente admitir a impugnação.
Caso contrário, violar-se-á o princípio da isonomia, visto que não haverá aí um
critério discriminatório sustentável. Ora, quem dá seguimento ao cumprimento
de sentença — alienando o bem penhorado de valor insuficiente e negando ao
devedor a via da impugnação —, restringe os direitos do executado apenas em
função de sua situação de insuficiência patrimonial. Ou seja, garante o direito
de defesa ao “rico”, o qual dispõe de força bastante para segurar o juízo, e nega-o
ao “pobre”, cujo bem insuficiente passa a ser de pronto alienado para a satisfação
parcial do crédito. Porém, não se podem cingir os benefícios da ampla defesa e
do contraditório aos abastados. No mesmo sentido: STJ, 1a T., RESP nº 79.097-
SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 18.03.1996, DJU, 06 maio 1996,
p. 14.386; STJ, 2a T., RESP nº 80.723-PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 16.06.2000,
DJU, 1º ago. 2000, p. 218; STJ, 1a Seção, ERESP nº 80.723-PR, rel. Min. Milton
Luiz Pereira, j. 10.04.2002, DJU, 17 jun. 2002, p. 183; STJ, 2a T., RESP nº
625.921-CE, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 24.10.2006, DJU, 05 dez. 2006,
p. 254; STJ, 2a T, RESP nº 899.457-RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.
07.08.2008, DJe, 26 ago. 2008; STJ, 2a T., AgRg-RESP nº 820.457-RJ, rel. Min.
Eliana Calmon, j. 09.05.2006, DJU, 05 jun. 2006, p. 2532.
Em tese, porém, a garantia do juízo é sempre exigível. Se houver o
oferecimento de impugnação sem a garantia do juízo, ou com uma garantia
insuficiente, o executado deverá ser intimado a garantir, ou complementar (caso
em que incide a multa de 10% — a que alude o §4º do art. 475-J do CPC — sobre
o valor descoberto da dívida exequenda). Se não houver garantia: 1) rejeita-se
a impugnação; 2) expede-se mandado de penhora e avaliação. Se não houver
complementação: 1) rejeita-se a impugnação; 2) expede-se o mandado de reforço
de penhora e avaliação; 3) aliena-se o bem já constrito ou, em se tratando de
dinheiro, expede-se alvará de levantamento.
Corumbá, 26 de novembro de 2010.

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A prévia garantia do juízo é condição para o oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença... 261

NÃO

José Henrique Mouta Araújo


Pós-Doutor (FDUL). Doutor e Mestre em direito (UFPA). Professor Titular da Universidade da
Amazônia, do Centro Universitário do Estado do Pará e da Faculdade Ideal. Procurador do estado
do Pará. Advogado.1

O tema que iremos enfrentar neste pequeno ensaio refere-se a uma das
indagações mais relevantes das últimas reformas processuais, ocorridas em
2005 e 2006, no sistema do cumprimento de sentença e de execução de título
extrajudicial.
Destarte, após algumas alterações legislativas que fundamentaram o
chamado sincretismo processual nas tutelas específicas, a preocupação do legis­
lador passou a ser deslocada às sentenças impositivas de prestação pecuniária.
Estas decisões foram atingidas pelas mudanças advindas da Lei nº 11.232/05
que passou a consagrar o sistema de cumprimento sem intervalo, com atividades
executórias dependentes de provocação, ex vi art. 475-J do CPC.
Assim, o quadro que passou a ser desenhado após as reformas legislativas
foi o seguinte: nos casos envolvendo as sentenças de fazer, não fazer e entregar
coisa distinta de quantia, a satisfação advém de aplicação da sistemática previs-
ta no art. 461 e 461-A, do CPC, com amplo poder ao magistrado de buscar a
máxima identidade mediante a utilização das medidas de apoio, sem qual-
quer violação aos art. 463 e mesmo 128 do CPC.2 Por outro lado, nas sentenças
envolvendo quantia, o sistema de cumprimento está previsto no art. 475-I e
seguintes, da legislação processual, com a defesa sendo apresentada por meio
de im­pugnação ao cumprimento e não mais pelos antigos embargos do devedor
de título judicial.
Por outro lado, em 2006 houve nova reforma processual, desta feita
preocupada, de maneira geral, com a execução de título extrajudicial. De acordo
com as previsões da Lei nº 11.382/06, a defesa do devedor continua sendo feita
por meio dos embargos, que tiveram duas importantes alterações: a) o efeito
suspensivo passou a ser judicial (ope judicis) e não mais legal (ope legis), desde

<http://www.henriquemouta.com.br>.
1

Luiz Guilherme Marinoni afirma que “está expressa, nos arts. 461 do CPC e 81 do CDC, a possibilidade de
2

o juiz dar conteúdo diverso ao fazer ou não fazer pedido, ou melhor, impor outro fazer ou não fazer, desde
que capaz de conferir resultado prático equivalente àquele que seria obtido em caso de adimplemento da
‘obrigação originária’” (As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestação da tutela jurisdicional
efetiva. Revista Gênesis de Direito Processual, Curitiba, v. 29, p. 559, 2003).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 257-265, abr./jun. 2011
262 Eduardo José da Fonseca Costa, José Henrique Mouta Araújo

que atendidos os pressupostos do art. 839-A, §1º, do CPC, b) a penhora não é


mais condição para a apresentação dos embargos (cujo prazo de 15 dias começa
a contar da juntada aos autos do mandado citatório – art. 738, do CPC), mas
apenas um dos requisitos para fundamentar o pedido de efeito suspensivo.
Percebe-se, portanto, que em relação aos embargos do devedor na execução
de título extrajudicial, a penhora passou a ser condição para o requerimento
de efeito suspensivo, mas não para a apresentação dos embargos, cujo prazo
inicia-se automaticamente após os três dias para efetivação do pagamento. Esta
alteração é importante para o autor, tendo em vista que não irá mais ocorrer
à suspensão automática da execução com a apresentação dos embargos, como era
no sistema anterior.
Contudo, ainda resta pendente a indagação se a penhora passou também
a ser dispensada em relação à impugnação ao cumprimento de sentença.
Deve-se partir de um raciocínio: as modificações ocorridas no regime
dos embargos do devedor são posteriores às ocorridas no sistema de cumpri­
mento de sentença. Neste sistema, fazendo interpretação literal da legislação
adjetiva, a penhora é requisito para a apresentação da impugnação (art. 475-J,
§1º, do CPC), enquanto naquele, ela é um dos requisitos para a obtenção de
efeito suspensivo.
Posto isto, resta analisar se as alterações posteriores atingiram ou não o
sistema de cumprimento de sentença, especialmente no que respeita a obri­
gatoriedade ou não de garantia do juízo para oferecimento da impugnação.
Existe divergência interpretativa, o que não nos impede de apresentar
manifestação conclusiva.
Como já mencionado, basta uma análise do art. 475-J, §1º, do CPC, para
se observar que, a priori, o prazo para oferecimento da impugnação começa a
fluir da ciência da penhora. Não se pode esquecer que se está diante de um
sistema em que há título judicial em favor do autor, o que justifica a necessidade
de constrição patrimonial para a apresentação da defesa incidental.
Seguindo este raciocínio, existiriam, portanto, dois sistemas processuais
distintos, dependendo da origem do título — judicial ou extrajudicial. É mister
ratificar, neste contexto, que uma das alterações processuais mais relevantes
advindas de 2006, foi a permissão da apresentação de embargos do devedor
antes da garantia do juízo. Contudo, eles não terão efeito suspensivo automático
e os atos executivos permanecem eficazes, o que não ocorria no sistema anterior
que condicionava a apresentação dos embargos à prévia penhora.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 257-265, abr./jun. 2011
A prévia garantia do juízo é condição para o oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença... 263

Assim, boa parte da doutrina3 e da jurisprudência pátrias caminha no


sentido de afirmar que a garantia do juízo é condição para apresentação da
defesa na fase de cumprimento.4 5
Apesar dos posicionamentos em sentido contrário, entendo que não se
pode condicionar, sempre e sempre, a apresentação da impugnação à previa
penhora, sob pena de se colocar em risco a celeridade processual e a própria
efetividade pretendida nesta fase de cumprimento de sentença.
De fato, duas indagações devem ser feitas para se chegar à conclusão
acerca da função da constrição patrimonial no cumprimento de sentença: a)
é razoável a existência de dois regimes diferenciados, com diferentes funções
para a garantia do juízo? b) o recebimento da impugnação antes da penhora gera
prejuízo financeiro e/ou processual ao autor?
Ora, não se deve esquecer que o grande objetivo do cumprimento de
sentença é a satisfação do crédito estabelecido em título judicial favorável ao
autor. Logo, os atos de localização, penhora e avaliação devem ser efetivados,
independente da apresentação de impugnação.6

3
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery entendem, a rigor, que antes da penhora seria cabível apenas
a objeção de executividade, mas não a impugnação. Em passagem de seu Código de Processo Civil comentado,
ensinam, ao interpretar o art. 475-J, do CPC, que: “Como diz a norma comentada, o executado será intimado
para oferecer impugnação, depois de haver sido realizada a penhora e a avaliação. Caso não tenha havido,
ainda, a penhora ou a avaliação, isso não impede o devedor de defender-se por meio de exceção ou objeção
de executividade” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p. 738, nota 10 ao art. 475-J).
4
O Enunciado nº 117 do Fonaje afirma que “é obrigatória a segurança do Juízo pela penhora para apresentação
de embargos à execução de título judicial ou extrajudicial perante o Juizado Especial”.
5
“Impugnação ao cumprimento de sentença. Garantia do juízo. Necessidade. Valores bloqueados em execução
inversa. Impossibilidade. Pretensão de oferecimento de impugnação. Incidente que tem como pressuposto
a garantia do juízo. Art. 475-J, §1º, CPC. Precedentes. Impossibilidade de se ter por garantido o juízo por
valores bloqueados em execução diversa, pendente de impugnação e sem qualquer referência a respeito na
petição inicial da impugnação. Negaram provimento. (Agravo de Instrumento Nº 70028872273, Décima Nona
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 28/04/2009)”
(Disponível em: <http://br.vlex.com/vid/57827869>. Acesso em: 02 dez. 10, às 13:45h). “Processual civil.
Agravo interno. Agravo de instrumento intempestivo. Simples petição e impugnação. Ausência de mandado
de penhora e de avaliação. 1 – A simples petição pela qual se argui a ilegitimidade para figurar como devedor
não pode ser recebida como impugnação, na medida em que esta pressupõe a existência de mandado de
penhora e de avaliação. 2 – Inexistindo nos autos impugnação com efeito suspensivo, é intempestivo o agravo
de instrumento que visa à reforma de fundamentos exarados em decisão anterior à atacada. 3 – O recorrente
deixou de apresentar motivos aptos a ocasionar a modificação dos termos da decisão recorrida, inclusive de
enquadrá-los nos ditames do art. 557, parágrafo 1º, do CPC, demonstrando que a mesma não se deu conforme
jurisprudência dominante desta Corte ou dos tribunais superiores, requisitos essenciais ao provimento do agravo
interno. 4 – Agravo interno improvido” (TRF-2 Classe: AGTAG – Processo: 2007.02.01.016674-0 UF: RJ – 6ª
Turma Especializada- J. em 17.03.2008 – Rel. Desembargador Federal Leopoldo Muylaert – DJ, 25 abr. 2008,
p. 544. Disponível em: <http://www.trf2.jus.br/jurisprudencia/Paginas/default_jurisprudencia.aspx>. Acesso
em: 02 dez. 10, às 14:00 horas).
6
Interessante notar que, em relação aos embargos do devedor, a concessão de efeito suspensivo não alcança
a penhora e a avaliação de bens (art.739-A, §6º). Este raciocínio também deve ser seguido em relação à
impugnação. Portanto, o prazo de 15 dias para a apresentação da defesa no cumprimento começa a contar
da intimação da penhora (art. 475-J, §1º), apenas se esta for realizada e, mesmo se for emprestado efeito
suspensivo, não deverá alcançar a avaliação do bem penhorado.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 257-265, abr./jun. 2011
264 Eduardo José da Fonseca Costa, José Henrique Mouta Araújo

Quando a reforma de 2006 alterou o regime dos embargos do devedor,


passando o efeito suspensivo a ser atribuído ope judicis visou ampliar a força
executiva e prestigiar o prosseguimento da execução.
Portanto, pensamos que não deverão existir regimes diferenciados.
Quando o art. 475-J, do CPC, estabelece o prazo de 15 dias para a impugnação,
refere-se, especificamente, a sua apresentação nos casos em que há penhora.7
Por outro lado, é razoável defender que a defesa incidental pode ser apresen­tada
antes da penhora o que, a rigor, não irá gerar prejuízos processuais ao autor,
inclusive pelo fato de que não terá efeito suspensivo.
Com efeito, dever-se-á fazer uma leitura conjunta dos arts. 475-J, 475-
M, 736 e 739-A, do CPC, para afirmar que é possível o manejo da impugnação
antes da penhora, mas o requerimento de efeito suspensivo irá depender do
ato constritivo.8
Assim, pensamos que a constrição judicial, em que pesem os entendi­
mentos em sentido contrário, deve ser um dos requisitos para a obtenção do
efeito suspensivo, não sendo condicionante para a apresentação da impugnação.
Contudo, se houver penhora, a defesa incidental deverá ser apresentada em
15 dias, nos termos do art. 475-J,§1º, do CPC.9

7
Como consequência, é lógico que o argumento do art. 475-L, III, do CPC, apenas poderá ser lançado na
impugnação, quando precedida de penhora.
8
No tema, Marcelo Abelha afirma que: “o §1º do art. 475-J dá a entender que a segurança do juízo (no caso,
a penhora) continua a ser requisito para o oferecimento da oposição do executado — aqui chamada de
impugnação —, pois o prazo para a sua interposição se inicia da intimação da penhora/avaliação”. E, após
abordar a contradição entre os arts. 475-J e 736 do CPC, conclui, aduzindo que: “pensamos, sim, que, em
relação à segurança do juízo, esta é condição necessária e indubitável – que excepcionalmente poderá ser
afastada — para a obtenção do efeito suspensivo na oposição oferecida à execução contra si instaurada, ou
seja, a impugnação ao executado segue, nesse particular, a regra dos arts. 736 e 739-A, em que a segurança
do juízo é condição necessária — mas não suficiente — para a obtenção do efeito suspensivo na execução.
Adotamos, portanto, o alvitre de que a segurança do juízo não é requisito para o oferecimento de qualquer
forma de oposição do executado, salvo se na referida defesa (impugnação ou embargos) se pretender a obtenção
do efeito suspensivo da execução” (Manual de execução civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
p. 544-547).
9
O Min. Luiz Fux assevera que: “De toda sorte, a concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos
atos de penhora e avaliação dos bens, cuja ordem de realização antecede a ‘execução’”. E conclui: “isso significa
dizer que, para obter essa suspensividade, é preciso que o juízo esteja garantido, muito embora o oferecimento,
em si, da impugnação prescinda de penhora” (Impugnação ao cumprimento de sentença. In: SANTOS, Ernane
Fidélis dos et al. (Coord.). Execução civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 210). Também vale citar as lições de Fredie Didier Jr, Leonardo José
Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira ao defenderem que: “a impugnação não depende de
penhora, não é necessário que o juízo esteja garantido para que se possa apresentar a impugnação. Segundo
dispõe o §1º do art. 475-J do CPC, o prazo final para apresentação da impugnação é de quinze dias, a contar da
intimação da penhora. O que a regra estabeleceu foi um limite temporal para o oferecimento da impugnação,
valendo dizer que a impugnação deve ser apresentada até o final do prazo de quinze dias após a intimação da
penhora. A penhora não constitui requisito necessário e suficiente ao ajuizamento da impugnação; esta pode,
então, ser oferecida antes mesmo da penhora” (Curso de direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2010. v. 5, p. 387).

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 257-265, abr./jun. 2011
A prévia garantia do juízo é condição para o oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença... 265

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

COSTA, Eduardo José da Fonseca; ARAÚJO, José Henrique Mouta. A prévia garantia
do juízo é condição para o oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença
condenatória?. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19,
n. 74, p. 257-265, abr./jun. 2011. Direto ao ponto.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 257-265, abr./jun. 2011
É possível a antecipação de tutela, com base
no inciso II do artigo 273 do CPC, sem
requerimento da parte autora?

NÃO
Luciano Silva Rufino
Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba (Uniube). Pós-graduando em Direito Processual
Civil pela Rede de Ensino LFG, em pareceria com Universidade Anhanguera e Instituto Brasileiro de
Direito Processual (IBDP). Advogado colaborador das sociedades de advogados Claudiovir Delfino
Advogados Associados e Vilela Cardoso Advogados Associados.

O processo é meio utilizado e eleito pelo Estado para a solução pacífica


de controvérsias. Porém, é comum o desvirtuamento da sua finalidade para
objetivos diversos daquele para o qual fora instituído. Surge daí a necessidade de
intervenção estatal para coibir abusos e punir condutas que assim se apresentem.
A matéria é tratada desde o Código de Processo Civil de 1939, conforme
leciona Calmon:

Desde o primeiro Código de Processo Civil brasileiro, em 1939, o Brasil definiu,


de forma estruturada, soluções legislativa para os atos do abuso no processo.
O Código de 39 tratava da matéria já em seu art. 3º, que dispunha que a parte
responderia por perdas e danos se intentasse abusivamente demanda ou defesa.1

O mesmo autor supracitado ensina que no atual Código de Processo Civil


a matéria também recebeu tratamento, mas de maneira diversa, verificando-
se, acerca dela, inúmeros dispositivos, dispersos ao longo do texto legal, todos,
sem exceção, objetivados à proteção das partes e do próprio processo, além
de direcionados a garantia da imagem e do respeito ao Poder Judiciário.2
Inicialmente, destaquem-se os artigos 14 a 18 do CPC, que estabele­­ cem
deveres e responsabilidades das partes pelos danos processuais que acarre­­tarem.
Também o CPC determina quais são os atos das partes, além de rezar como estas
devem atuar no ambiente processual, sublinhando seu dever de lealdade e outros
mais dele decorrentes.

1
CALMON, Petrônio. Abuso do processo. Disponível em: <www.direitoprocessual.org.br>. Acesso em: 14 set.
2010. Material da 1ª aula da disciplina Processo de Conhecimento, ministrada no curso de Pós-Graduação
Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil – Anhanguera, Uniderp/Rede LFG.
2
CALMON, Petrônio. Abuso do processo. Disponível em: <www.direitoprocessual.org.br>. Acesso em: 14 set.
2010. Material da 1ª aula da disciplina Processo de Conhecimento, ministrada no curso de Pós-Graduação
Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil – Anhanguera, Uniderp/Rede LFG.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 267-272, abr./jun. 2011
268 Luciano Silva Rufino, Rodrigo Faquim Nogueira

Há, ainda, condutas que possuem sanções expressas na lei, como, por
exemplo, aquela determinada pelo artigo 273, II, do CPC, o qual prevê, como
punição para a parte que abuse do direito de defesa ou que atue de modo
protelatório, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela.
A tutela antecipada, grosso modo, é entendida como aquela decisão hábil
para adiantar os efeitos pretendidos com a interposição da demanda, que somente
seriam possíveis, de regra, após o fim das atividades cognitivas e decisórias do
processo.
Confira-se a lição de Bueno:

A chamada “tutela antecipada” deve ser entendida como a possibilidade da


precipitação da produção dos efeitos práticos da tutela jurisdicional, os quais,
de outro modo, não seriam perceptíveis, isto é, não seriam sentidos no plano
exterior ao processo — no plano material, portanto —, até um evento futuro:
proferimento da sentença, processamento e julgamento de recurso de apelação
com efeito suspensivo e, eventualmente, seu trânsito em julgado.3

Discussão tormentosa diz respeito à possibilidade de o juiz antecipar os


efeitos da tutela oficiosamente, ou seja, sem requerimento da parte contrária, isso
como forma de punir o réu, sempre que ele atuar em atropelo ao fito processual.
Pautando-se no caput do artigo 273, valendo-se de interpretação meramente
literal desse dispositivo, há entendimento no sentido de que não é possível a
antecipação dos efeitos da tutela, ex officio, porque o texto da norma estabelece,
de modo claro, que o pedido de antecipação deve ser expresso. Assim, inexis­tente
o pleito respectivo, estaria o julgador excedendo aos limites estabelecidos pelo
requerente, se porventura determinar qualquer medida antecipatória que não
tenha sido expressamente requerida.
De lado diametralmente oposto, há autores que entendem possível a
concessão antecipada dos efeitos da tutela, mesmo sem requerimento da parte.
Assim é o posicionamento de Bueno:

À luz do “modelo constitucional de processo civil”, a resposta mais afirmada é a


positiva. Se o juiz, analisando o caso concreto, constata, diante de si, tudo que a lei
reputa suficiente para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, à exceção
do pedido, não será isso que o impedirá de realizar o valor “efetividade”... .4

3
BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9-41. Fonte: Curso sistematizado
de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. Material
da 5ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato
Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil – Anhanguera, Uniderp/IBDP/Rede LFG.
4
BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9-41. Fonte: Curso sistematizado
de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. Material
da 5ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato
Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil – Anhanguera, Uniderp/IBDP/Rede LFG.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 267-272, abr./jun. 2011
É possível a antecipação de tutela, com base no inciso II do artigo 273 do CPC, sem requerimento... 269

Acertada a posição daqueles que advogam não ser essencial o pedido da


parte a concessão da tutela antecipada fundada na urgência, detendo o magistrado,
deste modo, poderes para, no caso concreto, determinar à medida que reputar
conveniente, desde que presentes os demais requisitos previstos em lei. Mas isso
apenas na hipótese prevista no inciso I do artigo 273, e não como punição (CPC, art. 273,
II), donde o deferimento da medida antecipatória não dispensa o pedido expresso.
Se o juiz estiver convencido da veracidade dos fatos a ponto de antecipar
os efeitos da tutela sem nenhum requerimento neste sentido, deverá, então,
proferir sentença de procedência (CPC, art. 330, I), e não propriamente ante­
cipar a tutela. Em nome do princípio constitucional da igualdade não é acertado
conferir tamanha discricionariedade ao magistrado e, assim, permitir-lhe,
sem pedido expresso, sancionar gravemente uma das partes e beneficiar aber­
tamente a outra. Posição contrária também fere de morte o princípio do contra­
ditório, pois sedimenta a possibilidade de antecipação dos efeitos da sentença
antes de concluída a instrução processual, em atentado ao direito de produzir
provas e de influir na convicção judicial.

Referências

ABDO, Helena. Teoria do abuso do processo: o abuso do processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais. Material da 1ª aula da disciplina Processo de Conhecimento, ministrada no
curso de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito Processual Civil – Anhanguera,
Uniderp/Rede LFG.
BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9-41. Fonte: Curso
sistematizado de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos
cautelares específicos. Material da 5ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual
Civil, ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual
Civil – Anhanguera, Uniderp/IBDP/Rede LFG.
CALMON, Petrônio. Abuso do processo. Disponível em: <www.direitoprocessual.org.br>.
Acesso em: 14 set. 2010. Material da 1ª aula da disciplina Processo de Conhecimento,
ministrada no curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Processual Civil
– Anhanguera, Uniderp/Rede LFG.
________________ ******** ________________
Rodrigo Faquim Nogueira
Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba (Uniube). Pós graduando em Direito Processual
Civil pela Rede de Ensino LFG, em pareceria com Universidade Anhanguera e Instituto Brasileiro
de Direito Processual (IBDP). Advogado militante na Comarca de Uberaba-MG.

Antes de tudo, imperioso esclarecer o que é abuso no direito de defesa e


manifesto propósito protelatório do réu. Desta feita, fazemos uso do conheci­
mento do doutrinador Costa Machado:5

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil interpretado. 2. ed. Barueri, SP: Manole, 2008.
5

p. 568.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 267-272, abr./jun. 2011
270 Luciano Silva Rufino, Rodrigo Faquim Nogueira

(...) “Abuso de direito de defesa” é o uso excessivo ou exorbitante das faculdades


que compõem o direito de contestar (a mais típica manifestação do direito
de defesa no processo civil), como a apresentação de várias objeções proces­
suais, ou defesas de mérito diretas ou indiretas, sem razoável fundamento ou
articulação (o juiz deverá ser cuidadoso na sua avaliação tendo em conta os
princípios da concentração e da eventualidade consagrados no art. 300). Já o
“manifesto propósito protelatório do réu” deve ser entendido como o resultado
do uso exorbitante do direito de responder (art.297), o que se verifica na hipótese
de oferecimento simultâneo de várias respostas (contestação, reconvenção,
exceção, impugnação ao valor da causa, denunciação, etc.) descabidas todas ou
algumas, ou desprovidas de razoável fundamento.

Há divergência doutrinária a respeito da possibilidade de conceder ex


officio a tutela antecipada estabelecida pelo artigo 273 do Código de Processo
Civil, nos casos de abuso no direito de defesa ou manifesto propósito prote­­la­tó­rio
do réu (inciso II do mesmo dispositivo).
O professor Marinoni6 esclarece que a tutela antecipada deve ser reque­
rida pelo autor. Todavia, em casos excepcionais onde há grande disparidade
entre as partes, fazendo bom uso da razoabilidade, o juiz pode conceder a tutela
antecipada de ofício.
Coaduna com o entendimento de que o juiz pode conceder tutela ante­
cipada ex offício o ilustre professor Cassio Scarpinella Bueno.7 Senão vejamos:

Se o juiz vê, diante de si, tudo o que a lei reputou suficiente para a concessão
da tutela antecipada menos o pedido, quiçá porque o advogado é ruim ou
irresponsável, não será isso que o impedirá de realizar o valor efetividade,
sobretudo naqueles casos em que a situação fática reclamar a necessidade de
tutela jurisdicional urgente (art. 273, I).

O autor entende que o juiz pode antecipar a tutela de ofício principal­


mente no caso de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
(art. 273, I). Entretanto, não se pode olvidar que o abuso de direito de defesa
ou o intuito protelatório do réu (art. 273, II) ferem diretamente o princípio
constitucional da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, CR/88), o que torna
ainda mais respeitável a tese de Scarpinella.
Por outro lado, parte da doutrina entende que é vedado ao magistrado
conceder tutela antecipada ex officio. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior:8

6
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 270.
7
BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 33.
8
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1,
p. 419.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 267-272, abr./jun. 2011
É possível a antecipação de tutela, com base no inciso II do artigo 273 do CPC, sem requerimento... 271

Quanto à legitimação para pleiteá-la, é bom lembrar que antecipação é


medida que o art. 273 põe à disposição do autor, porque é ele a parte que postula
medida concreta a ser decretada, em caráter definitivo, pela sentença, contra
o outro sujeito do processo.

Quando se diz autor é necessário entender que o réu, em eventual recon­


venção, cumula a posição de autor e possui, igualmente, legitimidade para
requerer tutela antecipada.
No mesmo entendimento segue Costa Machado9 ao ensinar que:

Muita prudência e comedimento serão exigidos do juiz para o exercício dessa


imensa parcela de poder que a lei agora coloca à sua disposição com o intuito
de fomentar a justiça célere e efetiva. Observe-se, já sob esse aspecto, que, em
hipótese alguma, a providência antecipatória poderá ser concedida ex officio
(o texto é claro ao afirmar a necessidade de requerimento da parte, isto é,
do sujeito ativo).

Para exemplificar, destaca-se o entendimento de Fredie Didier Jr.:10

Não parece possível a concessão ex officio, ressalvadas as hipóteses expressamente


previstas em lei, não só em razão de uma interpretação sistemática da legisla­
ção processual, que se estrutura no princípio da congruência. A efetivação da
tutela antecipada dá-se sob responsabilidade objetiva do beneficiário da tutela,
que deverá arcar com os prejuízos causados ao adversário, se for reformada a
decisão. Assim, concedida ex officio, sem pedido da parte, quem arcaria com
os prejuízos, se a decisão fosse revista? A parte que se beneficiou sem pedir a
providência? É preciso que a parte requeira a concessão, exatamente porque, assim,
conscientemente se coloca em uma situação em que assume o risco de ter de indenizar a
outra parte, se restar vencida no processo. (g.n.)

Da atenta análise do caput do artigo 273 do Código Adjetivo fica claro


que o dispositivo exige o pedido do interessado em obter a concessão da tutela
antecipada.

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (grifou-se)

Realmente na prática, a concessão de tutela antecipada, conforme pre­


ceitua o artigo 273 do CPC, frequentemente possui mais força e importância

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil interpretado. 2. ed. Barueri, SP: Manole, 2008.
9

p. 561.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 2, p. 507.
10

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 267-272, abr./jun. 2011
272 Luciano Silva Rufino, Rodrigo Faquim Nogueira

que uma sentença. Razão pela qual, nos casos de abuso de direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, II), não é conveniente que
o juiz conceda a tutela antecipada sem requerimento da parte interessada.
Tanto é verdade, que o magistrado, mediante o reconhecimento de
litigância de má fé e aplicação de suas sanções, pode punir a parte que abusa
do direito de defesa ou que demonstra manifesto propósito protelatório.
Ex positis, a concessão ex officio de tutela antecipada, na hipótese do inciso
II do artigo 273, encontra óbice no caput deste dispositivo.

Referências

BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004.


DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 2.
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil interpretado. 2. ed. Barueri,
SP: Manole, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo
por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. v. 1.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira


de Normas Técnicas (ABNT):

RUFINO, Luciano Silva; NOGUEIRA, Rodrigo Faquim. É possível a antecipação de tutela,


com base no inciso II do artigo 273 do CPC, sem requerimento da parte autora?. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 267-272,
abr./jun. 2011. Direto ao ponto.

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 267-272, abr./jun. 2011
Índice

Doutrina, Notas e
Comentários e Direto ao Ponto página página

Autor GUEDES, Jefferson Carús


- Artigo: Direitos fundamentais e Processo Civil
AMARAL, Paulo Osternack no Brasil: algumas técnicas processuais com-
- Artigo: Arbitragem no Brasil................................ 131 pensatórias de desigualdades sociais e a pro-
teção judicial dos direitos fundamentais............99
ARAÚJO, José Henrique Mouta
- Direto ao ponto: A prévia garantia do juízo é LOBO, Arthur Mendes
condição para o oferecimento da impug­ - Artigo: Desafios e avanços do novo CPC
nação ao cumprimento de sentença conde- diante da persistente insegurança jurídica
natória?........................................................................ 261 – A urgente necessidade de estabilização da
jurisprudência..............................................................19
CAMPOS, Aline França
- Artigo: Os legitimados a requerer a falência MARIANO, Cynara Monteiro
do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei - Artigo: O caso da COFINS das sociedades
nº 11.101/2005.......................................................... 197 pro­­
fissionais: análise da legitimidade da
aplicação da teoria da transcendência dos
CARVALHO, Newton Teixeira motivos determinantes da sentença à ADC
- Artigo: A magistratura diante da iniciativa nº 1-DF............................................................................41
probatória no moderno contexto processual
MORAES, João Batista de
civil: um confronto entre o juiz Pilatos versus
- Artigo: Desafios e avanços do novo CPC
o juiz contemporâneo............................................ 149
diante da persistente insegurança jurídica
– A urgente necessidade de estabilização da
CHAMACA, Julio Rojas
jurisprudência..............................................................19
- Artigo: Luces y sombras del proceso seguido
ante la Corte Penal Internacional....................... 183 NOGUEIRA, Rodrigo Faquim
- Direto ao ponto: É possível a antecipação
COSTA, Ana Surany Martins de tutela, com base no inciso II do artigo
- Artigo: A magistratura diante da iniciativa 273 do CPC, sem requerimento da parte
probatória no moderno contexto processual autora?......................................................................... 269
civil: um confronto entre o juiz Pilatos versus
o juiz contemporâneo............................................ 149 ROCHA, Eliana Pires
- Artigo: Direitos fundamentais e Processo
COSTA, Eduardo José da Fonseca Civil no Brasil: algumas técnicas proces­­ -
- Direto ao ponto: A prévia garantia do juízo é suais compensatórias de desigualdades
condição para o oferecimento da impug­ sociais e a proteção judicial dos direitos
nação ao cumprimento de sentença conde- fundamentais................................................................99
natória?........................................................................ 257
RUFINO, Luciano Silva
DELFINO, Lúcio - Direto ao ponto: É possível a antecipação
- Parecer: A inviabilidade da aplicação da de tutela, com base no inciso II do artigo
fungibilidade recursal em caso de erro gros- 273 do CPC, sem requerimento da parte
seiro............................................................................... 227 autora?......................................................................... 267

FAGUNDES, Cristiane Druve Tavares SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e


- Notas e comentários: Análise de acórdão em - Notas e comentários: Por uma interpreta­ção
que se discute a possibilidade de conduta ontológico-sistemática do artigo 219 do
ativista do juiz, em matéria de pedido............. 239 CPC................................................................................ 251

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 273-278, abr./jun. 2011
274 Índice

página página

STÜRMER, Gilberto INVIABILIDADE da aplicação da fungibilida-


- Artigo: O processo civil e a execução no Pro- de recursal em caso de erro grosseiro, A
cesso do Trabalho.......................................................89 - Parecer de: Lúcio Delfino....................................... 227

TESHEINER, José Maria LEGITIMADOS a requerer a falência do


- Artigo: O Poder Judiciário como legislador.......... 11 deve­ dor: breve estudo do art. 97 da Lei nº
11.101/2005, Os
TOMAZETTE, Marlon - Artigo de: Aline França Campos.......................... 197
- Artigo: A efetividade da tutela jurisdicional e
o cumprimento da tutela antecipada..................55 LUCES y sombras del proceso seguido ante
la Corte Penal Internacional
WLADECK, Felipe Scripes - Artigo de: Julio Rojas Chamaca........................... 183
- Artigo: Arbitragem no Brasil................................. 131
MAGISTRATURA diante da iniciativa proba-
Título tória no moderno contexto processual civil:
um confronto entre o juiz Pilatos versus o juiz
ANÁLISE de acórdão em que se discute a contemporâneo, A
possibilidade de conduta ativista do juiz, em - Artigo de: Ana Surany Martins Costa; Newton
matéria de pedido Teixeira Carvalho...................................................... 149
- Notas e comentários de: Cristiane Druve Tavares
Fagundes..................................................................... 239 PODER Judiciário como legislador, O
- Artigo de: José Maria Tesheiner..............................11
ARBITRAGEM no Brasil
POSSÍVEL a antecipação de tutela, com base
- Artigo de: Felipe Scripes Wladeck; Paulo
no inciso II do artigo 273 do CPC, sem reque-
Osternack Amaral..................................................... 131
rimento da parte autora?, É
- Direto ao ponto de: Luciano Silva Rufino......... 267
CASO da COFINS das sociedades profissio-
- Direto ao ponto de: Rodrigo Faquim
nais: análise da legitimidade da aplicação da
Nogueira...................................................................... 269
teoria da transcendência dos motivos deter­
minantes da sentença à ADC nº 1-DF, O PRÉVIA garantia do juízo é condição para o
- Artigo de: Cynara Monteiro Mariano....................41 oferecimento da impugnação ao cumprimento
de sentença condenatória?, A
DESAFIOS e avanços do novo CPC diante - Direto ao ponto de: Eduardo José da Fonseca
da persistente insegurança jurídica – A ur­gen­ Costa............................................................................. 257
te necessidade de estabilização da juris­ pru- - Direto ao ponto de: José Henrique Mouta
dência Araújo........................................................................... 261
- Artigo de: Arthur Mendes Lobo; João Batista
de Moraes......................................................................19 PROCESSO civil e a execução no Processo do
Trabalho, O
DIREITOS fundamentais e Processo Civil no - Artigo de: Gilberto Stürmer.....................................89
Brasil: algumas técnicas processuais compen-
satórias de desigualdades sociais e a proteção Assunto
judicial dos direitos fundamentais
- Artigo de: Eliana Pires Rocha; Jefferson Carús A
Guedes............................................................................99 ABUSO DE DIREITO
- Ver: Os legitimados a requerer a falência
EFETIVIDADE da tutela jurisdicional e o cum- do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei
primento da tutela antecipada, A nº 11.101/2005. Artigo de: Aline França
- Artigo de: Marlon Tomazette...................................55 Campos........................................................................ 197

INTERPRETAÇÃO ontológico-sistemática do ACESSO À JUSTIÇA


artigo 219 do CPC, Por uma - Ver: A magistratura diante da iniciativa pro­
- Notas e comentários de: Luciano Marinho de batória no moderno contexto processual
Barros e Souza Filho................................................ 251 civil: um confronto entre o juiz Pilatos

R. bras. Dir. Proc. - RBDPro, Belo Horizonte, ano 19, n. 74, p. 273-278, abr./jun. 2011
Índice 275

página página

versus o juiz contemporâneo. Artigo de: Ana CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


Surany Martins Costa; Newton Teixeira - Ver: O processo civil e a execução no Processo
Carvalho...................................................................... 149 do Trabalho. Artigo de: Gilberto Stürmer...........89

ACÓRDÃO COMPETÊNCIA E LEGITIMIDADE


- Ver: Análise de acórdão em que se discute a - Ver: Luces y sombras del proceso seguido
possibilidade de conduta ativista do juiz, em ante la Corte Penal Internacional. Artigo de:
matéria de pedido. Notas e comentários de: Julio Rojas Chamaca............................................... 183
Cristiane Druve Tavares Fagundes..................... 239
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 640.724- - Ver: Arbitragem no Brasil. Artigo de:
4/6-00 (TJSP) Felipe Scripes Wladeck; Paulo Osternack
- Ver: Análise de acórdão em que se discute Amaral.......................................................................... 131
a possibilidade de conduta ativista do juiz,
em matéria de pedido. Notas e comentários de: COOPERAÇÃO JURISDICIONAL
Cristiane Druve Tavares Fagundes..................... 239 - Ver: Desafios e avanços do novo CPC diante
da persistente insegurança jurídica – A ur­
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA gente necessidade de estabilização da juris­
- Ver: É possível a antecipação de tutela, com prudência. Artigo de: Arthur Mendes Lobo;
base no inciso II do artigo 273 do CPC, sem João Batista de Moraes.............................................19
requerimento da parte autora?
- Direto ao ponto de: Luciano Silva Rufino........ 267 CUMPRIMENTO
- Direto ao ponto de: Rodrigo Faquim - Ver: A efetividade da tutela jurisdicional e o
cumprimento da tutela antecipada. Artigo de:
Nogueira...................................................................... 269
Marlon Tomazette.......................................................55
ARTIGO 219 DO CPC
D
- Ver: Por uma interpretação ontológico-siste-
DERECHOS FUNDAMENTALES
mática do artigo 219 do CPC. Notas e comen-
- Ver: Direitos fundamentais e Processo Civil
tários de: Luciano Marinho de Barros e Souza
no Brasil: algumas técnicas processuais com-
Filho.............................................................................. 251
pensatórias de desigualdades sociais e a
proteção judicial dos direitos fundamentais.
ARTIGO 273 DO CPC Artigo de: Eliana Pires Rocha; Jefferson Carús
- Ver: É possível a antecipação de tutela, com Guedes............................................................................99
base no inciso II do artigo 273 do CPC, sem
requerimento da parte autora? DIREITO CIVIL
- Direto ao ponto de: Luciano Silva Rufino........ 267 - Ver: Por uma interpretação ontológico-siste-
- Direto ao ponto de: Rodrigo Faquim mática do artigo 219 do CPC. Notas e comen-
Nogueira...................................................................... 269 tários de: Luciano Marinho de Barros e Souza
Filho.............................................................................. 251
ATIVISMO JUDICIAL
- Ver: Análise de acórdão em que se discute DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
a possibilidade de conduta ativista do juiz, - Ver: Luces y sombras del proceso seguido
em matéria de pedido. Notas e comentários de: ante la Corte Penal Internacional. Artigo de:
Cristiane Druve Tavares Fagundes..................... 239 Julio Rojas Chamaca............................................... 183

AVANÇOS DIREITO PROCESSUAL INTERNACIONAL


- Ver: Luces y sombras del proceso seguido - Ver: Luces y sombras del proceso seguido
ante la Corte Penal Internacional. Artigo de: ante la Corte Penal Internacional. Artigo de:
Julio Rojas Chamaca............................................... 183 Julio Rojas Chamaca............................................... 183

C DIREITOS HUMANOS
CLT - Ver: Luces y sombras del proceso seguido
- Ver: O processo civil e a execução no Processo ante la Corte Penal Internacional. Artigo de:
do Trabalho. Artigo de: Gilberto Stürmer...........89 Julio Rojas Chamaca............................................... 183

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276 Índice

página página

E IMPUGNAÇÃO
EFETIVIDADE - Ver: A prévia garantia do juízo é condição para
- Ver: A efetividade da tutela jurisdicional e o o oferecimento da impugnação ao cumpri-
cumprimento da tutela antecipada. Artigo mento de sentença condenatória?
de: Marlon Tomazette................................................55 - Direto ao ponto de: Eduardo José da Fonseca
Costa...............................................................................257
ESTABILIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA - Direto ao ponto de: José Henrique Mouta
- Ver: Desafios e avanços do novo CPC diante Araújo.............................................................................261
da persistente insegurança jurídica – A ur-
gente necessidade de estabilização da juris- INICIATIVA PROBATÓRIA
prudência. Artigo de: Arthur Mendes Lobo; - Ver: A magistratura diante da iniciativa pro-
João Batista de Moraes.............................................19 batória no moderno contexto processual civil:
um confronto entre o juiz Pilatos versus o juiz
ESTATUTO DE ROMA contemporâneo. Artigo de: Ana Surany Martins
- Ver: Luces y sombras del proceso seguido Costa; Newton Teixeira Carvalho........................ 149
ante la Corte Penal Internacional. Artigo de:
Julio Rojas Chamaca............................................... 183 INTERESSE DE AGIR
- Ver: Os legitimados a requerer a falência
EXECUÇÃO do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei
- Ver: Desafios e avanços do novo CPC dian- nº 11.101/2005. Artigo de: Aline França
te da persistente insegurança jurídica – A Campos........................................................................ 197
urgente necessidade de estabilização da ju-
risprudência. Artigo de: Arthur Mendes Lobo; J
João Batista de Moraes.............................................19 JUIZ
- Ver: A magistratura diante da iniciativa pro-
F batória no moderno contexto processual civil:
FALÊNCIA um confronto entre o juiz Pilatos versus o juiz
- Ver: Os legitimados a requerer a falência contemporâneo. Artigo de: Ana Surany Martins
do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei Costa; Newton Teixeira Carvalho........................ 149
nº 11.101/2005. Artigo de: Aline França
Campos........................................................................ 197 JURISDIÇÃO INTERNACIONAL
- Ver: Luces y sombras del proceso seguido
FUNGIBILIDADE RECURSAL ante la Corte Penal Internacional. Artigo de:
- Ver: A inviabilidade da aplicação da fungi- Julio Rojas Chamaca............................................... 183
bilidade recursal em caso de erro grosseiro.
Parecer de: Lúcio Delfino....................................... 227 JURISDIÇÃO
- Ver: O poder Judiciário como legislador.
G Artigo de: José Maria Tesheiner.............................11
GARANTÍAS CONSTITUCIONALES
L
- Ver: Direitos fundamentais e Processo Civil
LEGITIMIDADE ATIVA
no Brasil: algumas técnicas processuais com-
- Ver: Os legitimados a requerer a falência
pensatórias de desigualdades sociais e a
do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei
proteção judicial dos direitos fundamentais.
nº 11.101/2005. Artigo de: Aline França
Artigo de: Eliana Pires Rocha; Jefferson Carús
Campos........................................................................ 197
Guedes............................................................................99
LEI DE ARBITRAGEM
I - Ver: Arbitragem no Brasil. Artigo de:
IGUALDAD Felipe Scripes Wladeck; Paulo Osternack
- Ver: Direitos fundamentais e Processo Civil Amaral.......................................................................... 131
no Brasil: algumas técnicas processuais
compensatórias de desigualdades sociais e M
a proteção judicial dos direitos funda­ men­ - MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
­tais. Artigo de: Eliana Pires Rocha; Jefferson - Ver: O caso da COFINS das sociedades
Carús Guedes................................................................99 pro­
fissionais: análise da legitimidade da

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Índice 277

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aplicação da teoria da transcendência PROCESSO


dos motivos determinantes da sentença à - Ver: A magistratura diante da iniciativa
ADC nº 1-DF. Artigo de: Cynara Monteiro probatória no moderno contexto proces-
Mariano...........................................................................41 sual civil: um confronto entre o juiz Pilatos
versus o juiz contemporâneo. Artigo de: Ana
N Surany Martins Costa; Newton Teixeira
NORMAS GERAIS E ABSTRATAS Carvalho...................................................................... 149
- Ver: O poder Judiciário como legislador.
Artigo de: José Maria Tesheiner.............................11 R
RECURSOS REPETITIVOS
NOVO CPC - Ver: Desafios e avanços do novo CPC dian-
- Ver: Desafios e avanços do novo CPC dian- te da persistente insegurança jurídica – A
te da persistente insegurança jurídica – A urgente necessidade de estabilização da ju-
urgente necessidade de estabilização da ju- risprudência. Artigo de: Arthur Mendes Lobo;
risprudência. Artigo de: Arthur Mendes Lobo; João Batista de Moraes.............................................19
João Batista de Moraes.............................................19
RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
O
- Ver: Desafios e avanços do novo CPC dian-
OBJETO LITIGIOSO
te da persistente insegurança jurídica – A
- Ver: Análise de acórdão em que se discute
urgente necessidade de estabilização da ju-
a possibilidade de conduta ativista do juiz,
risprudência. Artigo de: Arthur Mendes Lobo;
em matéria de pedido. Notas e comentários de:
João Batista de Moraes.............................................19
Cristiane Druve Tavares Fagundes..................... 239

P REVOGAÇÃO DA COFINS DAS SOCIEDA-


PODER JUDICIÁRIO DES PROFISSIONAIS
- Ver: Arbitragem no Brasil. Artigo de: - Ver: O caso da COFINS das sociedades pro-
Felipe Scripes Wladeck; Paulo Osternack fissionais: análise da legitimidade da aplica-
Amaral.......................................................................... 131 ção da teoria da transcendência dos motivos
- Ver: O poder Judiciário como legislador. determinantes da sentença à ADC nº 1-DF.
Artigo de: José Maria Tesheiner.............................11 Artigo de: Cynara Monteiro Mariano...................41

PRINCÍPIO DA UNICIDADE RECURSAL S


- Ver: A inviabilidade da aplicação da fungi- SENTENÇA ARBITRAL
bilidade recursal em caso de erro grosseiro. - Ver: Arbitragem no Brasil. Artigo de:
Parecer de: Lúcio Delfino....................................... 227 Felipe Scripes Wladeck; Paulo Osternack
Amaral.......................................................................... 131
PROCESO CIVIL
- Ver: Direitos fundamentais e Processo Civil T
no Brasil: algumas técnicas processuais com- TÉCNICAS COMPENSATORIAS
pensatórias de desigualdades sociais e a - Ver: Direitos fundamentais e Processo Civil
proteção judicial dos direitos fundamentais. no Brasil: algumas técnicas processuais com-
Artigo de: Eliana Pires Rocha; Jefferson Carús pensatórias de desigualdades sociais e a
Guedes............................................................................99 proteção judicial dos direitos fundamentais.
Artigo de: Eliana Pires Rocha; Jefferson Carús
PROCESSO DE EXECUÇÃO TRABALHISTA Guedes............................................................................99
- Ver: O processo civil e a execução no Processo
do Trabalho. Artigo de: Gilberto Stürmer...........89 TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MO­
TI­VOS DETERMINANTES DA SENTENÇA
PROCESSO FALIMENTAR - Ver: O caso da COFINS das sociedades pro-
- Ver: Os legitimados a requerer a falência fissionais: análise da legitimidade da aplica-
do devedor: breve estudo do art. 97 da Lei ção da teoria da transcendência dos motivos
nº 11.101/2005. Artigo de: Aline França determinantes da sentença à ADC nº 1-DF.
Campos........................................................................ 197 Artigo de: Cynara Monteiro Mariano...................41

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278 Índice

página página

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL TUTELA JURISDICIONAL


- Ver: Luces y sombras del proceso seguido - Ver: A efetividade da tutela jurisdicional e o
ante la Corte Penal Internacional. Artigo de: cumprimento da tutela antecipada. Artigo
Julio Rojas Chamaca............................................... 183 de: Marlon Tomazette................................................55

TUTELA ANTECIPADA V
- Ver: A efetividade da tutela jurisdicional e o VERDADE REAL
cumprimento da tutela antecipada. Artigo de: - Ver: A magistratura diante da iniciativa proba-
Marlon Tomazette.......................................................55 tória no moderno contexto processual civil:
um confronto entre o juiz Pilatos versus o juiz
contemporâneo. Artigo de: Ana Surany Martins
Costa; Newton Teixeira Carvalho........................ 149

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Instruções de publicação para os autores 279

Instruções de publicação para os autores

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periodicidade trimestral, deverão ser encaminhados, no formato
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280 Instruções de publicação para os autores

Recomenda-se que todo destaque que se queira dar ao texto seja


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O LUTADOR. Belo Horizonte/MG, junho
de 2011.

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