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EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS
Belo Horizonte
2012
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.
Conselho Editorial
A613 Os 10 anos do Código Civil : evolução e perspectivas / Coordenador Marcos Ehrhardt Jr. ; prefácio
Luiz Edson Fachin. – Belo Horizonte : Fórum, 2012.
538 p.
ISBN 978-85-7700-616-8
CDD: 341.02
CDU: 342.72
Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT):
EHRHARDT JR., Marcos (Coord.). Os 10 anos do Código Civil: evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Fórum,
2012. 538 p. ISBN 978-85-7700-616-8.
PREFÁCIO
Luiz Edson Fachin...................................................................................................13
APRESENTAÇÃO....................................................................................................17
PARTE I
TEORIA GERAL DO DIREITO
PARTE III
RESPONSABILIDADE CIVIL
SOBRE OS AUTORES............................................................................................535
1
SARAMAGO, José. O Evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
p. 289.
2
Trata-se de De Profundis, título dado, quando publicada por Robert Ross pela primeira
vez, em 1905, à carta que Oscar Wilde endereçou a Lord Alfred Douglas, amigo de Wilde
desde 1892. A referência que aqui se faz é da edição brasileira de 1998 (WILDE, Oscar. De
Profundis. Porto Alegre: L&PM, 1998).
3
É o que Machado de Assis professa por intermédio das letras de Brás Cubas, ao capítulo
7 (Delírio), de suas memórias póstumas (ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás
Cubas. São Paulo: Martin Claret, 2010. p. 189).
1 Introdução1
Não há sombra de dúvidas de que o Direito Civil foi e ainda
é um pórtico da tradição jurídica ocidental. É nessa disciplina que se
verificam a elaboração teórica mais antiga e a expressão mais sofisti-
cada da cultura jurídica. Por isso, e apesar disso, seguindo os passos
das transformações sociais, o Direito Civil por diversas vezes retratou
traições às tradições.
Da tradição à traição escravocrata, pela construção da noção de
pessoa e de sujeito de direito, universal aos seres humanos.
1
Texto elaborado a partir de conferência em homenagem ao Prof. Dr. Francisco Amaral, inti-
tulada “A tradição e a traição na parte geral do Código Civil Brasileiro”, proferida pelo au-
tor na Universidade Federal do Paraná, no ano de 2010, em evento organizado pelo Centro
Acadêmico Hugo Simas, intitulado “A atualidade da teoria da relação jurídica”.
2
CANARIS. Funções da parte geral de um Código Civil e limites da sua prestabilidade. In:
UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Re-
forma de 1977; MONTEIRO. A parte geral do Código, a teoria geral do direito civil e o direito
privado europeu. In: UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Comemorações dos 35 anos do Código
Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977.
3
CARVALHO. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites.
4
A crítica, desenvolvida por ASCENSÃO. As relações jurídicas reais, recentemente foi acolhida
por VASCONCELOS. Teoria geral do direito civil, p. 632. No Brasil, este enfoque é adotado
por PENTEADO. Direito das coisas.
5
A respeito do assunto, cf. FACHIN. Teoria crítica do direito civil.
6
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado.
7
Mencionam-se, aqui, os três livros fundamentais do autor: MELLO. Teoria do fato jurídico:
plano da existência; MELLO. Teoria do fato jurídico: plano da validade; MELLO. Teoria do
fato jurídico: plano da eficácia.
8
TOMASETTI JR. et al. Comentários à Lei de Locações de Imóveis Urbanos.
9
AZEVEDO. Estudos e pareceres de direito privado.
10
MARTINS-COSTA. Comentários ao novo Código Civil.
11
PENTEADO. Doação com encargo e causa contratual.
12
EHRHARDT JR. Revisão contratual.
13
Dentre tantas obras do autor, cite-se o recente Curso de direito civil de sua autoria e, em
especial LÔBO. Contratos.
14
Neste sentido, cf. LOUREIRO. A propriedade como relação jurídica complexa, p. 165 et seq.
15
TOMASETTI JR. Comentário ao acórdão, de relatoria do Des. José Osório, proveniente do
julgamento da apelação cível n. 212.726-1/8-SP. Revista dos Tribunais, p. 204-223.
16
TOMASETTI JR. Comentário ao acórdão, de relatoria do Des. José Osório, proveniente do
julgamento da apelação cível n. 212.726-1/8-SP. Revista dos Tribunais, p. 219. O referido co-
mentário ao julgado serve de fundamento para Flavio Tartuce e José Fernando Simão desen-
volverem explicação sobre a função social da propriedade. Cf. TARTUCE; SIMÃO. Direito
civil, v. 4, p. 121 et seq.
17
O modelo é aplicado, por exemplo, por Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco Muniz,
que ao longo de toda obra refletem o direito de família à luz da parte geral do direito civil.
Cf. OLIVEIRA; MUNIZ. Direito de família, especialmente, p. 209, 225, 291, entre outras
passagens.
18
FRADERA. La traduction française du Code Civil Brésilien. Revue Internacionale de Droit
Comparé, p. 775.
19
GOMES. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro, p. 15 et seq.
20
LARENZ. Derecho justo: fundamentos de ética jurídica.
21
Conforme explica MELLO. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia.
22
LUMIA. A relação jurídica. Tradução, com adaptações e modificações de Alcides Tomasetti Jr.
23
AMARAL NETO. Direito civil: introdução.
24
Pede-se permissão ao leitor para, mais uma vez, referenciar os três livros da teoria do fato
jurídico de autoria de Marcos Bernardes de Mello — planos da existência, validade e eficá-
cia —, cuja referência já foi feita na nota de rodapé 7 deste capítulo.
25
TARTUCE. Direito civil, v. 1.
26
EHRHARDT JR. Direito civil: LINDB e parte geral.
27
LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral.
5 Considerações finais
O Direito Civil é guardião de tradições e palco privilegiado de
traições.
A tradição e a traição, no entanto, longe de se apresentarem como
experiências reciprocamente excludentes, caminham juntas no percurso
da história da modernidade, pois, conforme escreveu Nilton Bonder:
“Da mesma forma que a tradição precisa da traição, que a preservação
precisa da evolução, que o acerto de hoje dependeu do erro de ontem, o
contrário também é verdadeiro. Porque a evolução só é possível quando
existe uma manifestação para ser contestada, aviltada”.28
Referências
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.
ASCENSÃO, José de Oliveira. As relações jurídicas reais. Lisboa: Morais, 1962.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva,
2004.
BONDER, Nilton. A alma imoral: traição e tradição através dos tempos. Rio de Janeiro:
Rocco, 1998.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Funções da parte geral de um Código Civil e limites da sua
prestabilidade. In: UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Faculdade de Direito. Comemorações
dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977. Coimbra: Coimbra Ed., 2006. v. 2.
CARVALHO, Orlando de. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. 2. ed.
Coimbra: Centelha, 1981. (Para uma teoria da relação jurídica civil, 1).
EHRHARDT JR., Marcos. Direito civil: LINDB e parte geral. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2011. v. 1.
28
BONDER. A alma imoral: traição e tradição através dos tempos, p. 19.
1
Necessário apenas destacar que essa regra não é absoluta, comportando exceções. A juris-
prudência vem reconhecendo a pertinência da nomeação de curador para menor de ida-
de entre dezesseis e dezoito anos, que apresente transtorno mental. É que, nesse caso, os
poderes do curador superam os dos pais, caso o menor esteja sujeito ao poder familiar. Nesse
sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “É perfeitamente admissível o pedido de
interdição de menor, contando com 16 anos de idade, portador de síndrome de Down, pois
a curatela de incapazes é admitida em qualquer idade, devendo nortear o seu cabimento um
critério de utilidade” (TJSP – Ap nº 14.581-4/2, 4ª Câmara, Rel. Barbosa Pereira, j. 14.11.1996).
2
Cf. TEPEDINO. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro.
In: TEPEDINO. Temas de direito civil, p. 17.
3
TJRJ – AgIn nº 0013619-75.2012.8.19.0000, 3ª Câmara Cível, Rel. Luiz Fernando de Carvalho.
4
Notícia disponível em: <http://www.marcosehrhardt.adv.br/index.php/noticia/2012/03/21/
adolescente-que-foi-morar-com-homem-mais-velho-tera-que-voltar-para-casa>.
5
Tratado internacional que versa sobre a proteção jurídica conferida às pessoas com defici-
ência, do qual o Brasil é signatário e que foi incorporado ao direito nacional com status de
emenda constitucional.
6
Cf. ABREU. Curatela e interdição civil, p. 121.
7
Nesse sentido, merece registro decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, que reconheceu a inadmissibilidade da interdição de mulher diagnosticada com
transtorno afetivo bipolar, que, apesar do transtorno mental, não apresentava “prejuízo
de quaisquer funções da vida civil” (TJRS – ApCiv nº 70032057432, 8ª Câmara Cível, Rel.
Claudir Fidélis Faccenda, j. 1.10.2009).
8
Cf. MEIRELLES. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura
patrimonial. In: FACHIN (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contem-
porâneo, p. 92-93.
9
Cf. ABREU. Curatela e interdição civil, p. 143.
10
Cf. PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 260.
11
Ilustra com perfeição esse quadro decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cuja
ementa oficial reproduzimos: “Por ser o pressuposto fático da curatela a incapacidade do
adulto que, por motivo de doença ou deficiência mental, fica sem condições de dirigir a pró-
pria pessoa e administrar seus bens, uma vez constatada pericialmente sua existência (dele,
pressuposto básico), tem-se por atendida a exigência legal conducente à decretação do ato
interditório. É a amentalidade que gera a incapacidade da pessoa para o exercício dos atos
da vida civil (CC, art. 5º, II), razão pela qual viável se torna o decreto de interdição de quem
esteja acometido por qualquer neuropatia” (TJMG – Ap nº 000.270.517-6/00, 4ª Câmara, Rel.
Hyparco Immesi, j. 6.2.2003).
12
Ilustra com perfeição o caráter multifacetado e heterogêneo das pessoas com deficiência
mental ou intelectual notícia veiculada recentemente na imprensa nacional, que relatava a
Como bem alerta Pietro Perlingieri, o uso dessa fórmula geral e abstrata
pode reduzir o regime da incapacidade civil a mera ficção, já que, no
mais das vezes, a falta de aptidão do incapaz não é permanente e ab-
soluta, mas ligada a setores, atreladas a certas esferas de interesses.13
Pelo exposto, não resta dúvida de que o regime jurídico em vigor,
com ênfase na proteção de direitos patrimoniais, que promove uma
curatela mecanizada e distante da realidade, não está em conformidade
com a tábua axiológica da Constituição Federal.
É também reflexo do caráter patrimonialista da curatela o fato
de que tal medida não tem se revelado instrumento hábil à reabilitação
do incapaz, especialmente se for pessoa com algum transtorno mental.
Tem-se, aqui, verdadeira contradição. Embora a interdição retire do
incapaz, de acordo com o modelo aplicado atualmente, a possibilidade
de exercer direitos patrimoniais e também existenciais, na prática o
curador atua, essencialmente, somente na administração patrimonial.
A atenção à saúde mental da pessoa com deficiência mental ou
intelectual não tem sido o elemento propulsor da interdição civil, de
modo que a sua decretação não se traduz em melhoria na qualidade
de vida do incapaz.
Vigora, portanto, modelo de curatela que não privilegia, no to-
cante ao incapaz, o bem-estar, a saúde, a busca pela felicidade, enfim,
o pleno desenvolvimento da pessoa.
Outro aspecto que merece uma reflexão cuidadosa é o fato de
que o Código Civil prescreve um regime de curatela que, ao invés de
prestigiar o incapaz, por meio da valorização de sua vontade, acaba
concretizando exatamente o inverso.
A curatela, com o perfil atual, baseia-se na substituição da von-
tade do incapaz pela do curador. Decretada a interdição, o incapaz
perde o poder de decisão sobre os rumos da própria vida, uma vez
que não será ouvido acerca de questões de seu interesse. O curador
recebe poderes para administrar a pessoa e o patrimônio do incapaz.
Com isso, a interdição, medida que poderia contribuir para a so-
cialização do incapaz, importa em medida de exclusão, estigmatizante,
14
Cf. FONSECA. O novo conceito constitucional de pessoa com deficiência: um ato de cora-
gem. In: FERRAZ; LEITE (Coord.). Manual dos direitos da pessoa com deficiência, p. 27.
15
Cf. FONSECA, op. cit., p. 23.
16
Importante destacar que apenas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual podem, a
depender do caso concreto, caracterizar a incapacidade civil, na medida em que a deficiência
física e a deficiência sensorial, por si mesmas, não acarretam qualquer limitação à capacida-
de de exercício.
17
“Nenhum dispositivo da presente Convenção afetará quaisquer disposições mais propícias
à realização dos direitos das pessoas com deficiência, as quais possam estar contidas na le-
gislação do Estado Parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado. Não haverá
nenhuma restrição ou derrogação de qualquer dos direitos humanos e liberdades fundamen-
tais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte da presente Convenção, em confor-
midade com leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob a alegação de que a presente
Convenção não reconhece tais direitos e liberdades ou que os reconhece em menor grau.”
18
Cf. ARAÚJO. A convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e seus reflexos na
ordem jurídica interna no Brasil. In: FERRAZ; LEITE (Coord.). Manual dos direitos da pessoa
com deficiência, p. 58-59.
Conclusões
A sistemática patrimonialista da incapacidade civil, prevista
no Código Civil em vigor, está em claro descompasso com os valores
constitucionais, por se revelar incompatível com a promoção da digni
dade humana.
Por essa razão, não tutela adequadamente os interesses dos
incapazes, especialmente os incapazes maiores de idade.
Além disso, os incapazes maiores de idade estão submetidos a
regime de curatela mecanizado e distante da realidade, insuficiente,
portanto, para concretizar os valores constitucionais.
De igual modo, tal regime jurídico não se coaduna com a CDPD,
já que esta norma tem como paradigma o acesso da pessoa com defi-
ciência aos direitos fundamentais, como forma de proteção da perso-
nalidade humana.
Assim, o Código Civil está em desacordo, no que tange à inter-
dição e à curatela, com duas normas que tem hierarquia superior, no
caso, a Constituição Federal e a Convenção da ONU sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência.
Portanto, faz-se necessária profunda reforma legislativa para ade-
quar a norma codificada aos ditames da Constituição e da Convenção,
que refletem uma nova ordem jurídica.
Enquanto essa reforma legislativa não for implementada, é
indispensável desenvolver interpretação do Código Civil em confor-
midade com a Constituição e com a Convenção da ONU, com base nos
seguintes preceitos:
a) adoção da curatela parcial como regra, que, baseada em uma
interpretação em conformidade com os valores constitucionais,
não está adstrita à literalidade das hipóteses mencionadas no
art. 1.772 do Código Civil.
b) nesse diapasão, deve ser superada a dicotomia incapacidade
absoluta/incapacidade relativa, para que a interdição seja ba-
seada nas necessidades reais do interditando, de modo que,
Referências
ABREU, Célia Barbosa. Curatela e interdição civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.
ARAÚJO, Luiz Alberto David. A convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência
e seus reflexos na ordem jurídica interna no Brasil. In: FERRAZ, Carolina Valença;
LEITE, Glauber Salomão (Coord.). Manual dos direitos da pessoa com deficiência. São Paulo:
Saraiva, 2012.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 24. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 5, p. 647.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 27. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1.
EBERLE, Simone. A capacidade entre o fato e o direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2006.
EHRHARDT JR, Marcos. Adolescente que foi morar com homem mais velho terá que
voltar para casa. 21 mar. 2012. Notícias. Disponível em: <http://www.marcosehrhardt.
adv.br/index.php/noticia/2012/03/21/adolescente-que-foi-morar-com-homem-mais-velho-
tera-que-voltar-para-casa>.
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O novo conceito constitucional de pessoa com
deficiência: um ato de coragem. In: FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão
(Coord.). Manual dos direitos da pessoa com deficiência. São Paulo: Saraiva, 2012.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2006.
GLOBO. G1 Goiás. Disponível em: <http://g1.globo.com/goias/>.
1
TELLES. Direito das sucessões: noções fundamentais, p. 4.
2
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 9.
3
COELHO. Direito das sucessões: lições ao curso de 1973-1974, p. 3.
4
COELHO. Direito das sucessões: lições ao curso de 1973-1974, p. 3-4.
5
BAPTISTA. Ensaios de direito civil, p. 349.
6
COELHO. Direito das sucessões: lições ao curso de 1973-1974, p. 11.
7
BAPTISTA. Ensaios de direito civil, p. 350.
8
BURDESE. Successioni e donazioni: estratto dal Manuale di Diritto Privato italiano, p. 751.
9
COSTA FILHO. Pessoa, capacidade(s) e personalidade: revisitando algumas idéias tradi-
cionais. Revista Idéia Nova, p. 338.
10
BAPTISTA. Ensaios de direito civil, p. 350.
11
WESTERMANN. Código civil alemão: parte geral, p. 24.
12
WESTERMANN. Código civil alemão: parte geral, p. 23-24.
13
WESTERMANN. Código civil alemão: parte geral, p. 23.
14
EHRHARDT JR. Direito civil: LICC e parte geral, p. 158.
15
EHRHARDT JR. Direito civil: LICC e parte geral, p. 159.
16
WESTERMANN. Código civil alemão: parte geral, p. 23.
17
DIAS. Manual das sucessões, p. 284.
18
DINIZ. Curso de direito civil brasileiro, p. 194.
19
“o indigno, (...), devido ao caráter personalíssimo da pena, transmite sua parte na herança,
como se morto fosse, a seus descendentes” (DINIZ. Curso de direito civil brasileiro, p. 61).
20
GONÇALVES. Direito civil brasileiro: direito das sucessões, p. 18.
21
Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até
dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser re-
querida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data
provável do falecimento.
22
Art. 88. Poderão os juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas
desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe,
quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se
o cadáver para exame.
Parágrafo único. Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento em
campanha, provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do art. 85 e
os fatos que convençam da ocorrência do óbito.
23
Art. 1º São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham
participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período
de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido
detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja
notícias. (NR) (Artigo alterado pela Lei nº 10.536, de 14.8.2002).
24
COSTA FILHO. Pessoa, capacidade(s) e personalidade: revisitando algumas idéias tradi-
cionais. Revista Idéia Nova, p. 342.
25
LÔBO. Direito civil: parte geral, p. 114.
26
LÔBO. Direito civil: parte geral, p. 114.
27
COSTA FILHO. Pessoa, capacidade(s) e personalidade: revisitando algumas idéias tradi-
cionais. Revista Idéia Nova, p. 330.
28
DIÉZ-PICAZO. Derecho y masificación social: tecnología y derecho privado (dos esbozos),
p. 105.
29
DIÉZ-PICAZO. Derecho y masificación social: tecnología y derecho privado (dos esbozos),
p. 106.
30
DIÉZ-PICAZO. Derecho y masificación social: tecnología y derecho privado (dos esbozos),
p. 106-107.
31
DIÉZ-PICAZO. Derecho y masificación social: tecnología y derecho privado (dos esbozos),
p. 107-108.
32
ARENDT. A condição humana, p. 12.
33
CATÃO. Bioética, biodireito e direitos fundamentais: um contexto de discussões para os
problemas decorrentes da biotecnologia. Revista Idéia Nova, p. 216.
34
CATÃO. Bioética, biodireito e direitos fundamentais: um contexto de discussões para os
problemas decorrentes da biotecnologia. Revista Idéia Nova, p. 217.
Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2001.
BAPTISTA, Silvio Neves. Ensaios de direito civil. São Paulo: Método, 2006.
BURDESE, Alberto. Successioni e donazioni: estratto dal Manuale di Diritto Privato italiano.
Torino: UTET, 1976.
CATÃO, Nathália de Lima. Bioética, biodireito e direitos fundamentais: um contexto de
discussões para os problemas decorrentes da biotecnologia. Revista Idéia Nova, Recife,
ano 8, n. 4, jun./dez. 2010.
COELHO, Francisco Manuel Pereira. Direito das sucessões: lições ao curso de 1973-1974.
Coimbra: João Abrantes, 1974. Parte I.
COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Pessoa, capacidade(s) e personalidade: revisitando
algumas idéias tradicionais. Revista Idéia Nova, Recife, ano 8, n. 4, jun./dez. 2010.
DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
DIÉZ-PICAZO, Luis. Derecho y masificación social: tecnología y derecho privado (dos
esbozos). Madrid: Civitas, 1979.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
(Direito das sucessões, v. 6).
EHRHARDT JR., Marcos. Direito civil: LICC e parte geral. Salvador: JusPodivm, 2009. v. 1
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. 7.
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009.
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1968. t. LV.
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das sucessões: noções fundamentais. 5. ed. Coimbra:
Coimbra Ed., 1985.
WESTERMANN, Harry. Código Civil alemão: parte geral. Tradução de Luiz Dória Furquim.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
1 Considerações iniciais
As questões que gravitam em torno da vida e da morte sempre
provocaram acalorados debates e cuidadosas análises por parte da so-
ciedade e de especialistas nos mais variados ramos do conhecimento.
Juristas, médicos, biólogos, filósofos e inúmeros outros profissionais
buscam respostas às questões que versam sobre o início e o fim da vida,
cada qual à sua maneira e com fundamento na metodologia que orienta
a ciência a cujo estudo se dedicam.
No âmbito do Direito, são incontáveis os problemas que as re-
flexões sobre a vida e a morte suscitam. O início da personalidade das
pessoas naturais, a condição jurídica do nascituro (e os reflexos que a
tomada de posição neste domínio fazem incidir em searas como a do
aborto e a das pesquisas científicas realizadas sobre células-tronco em-
brionárias, entre outras) e a determinação do preciso momento da morte,
aspecto crucial para permitir a realização de transplantes de órgãos post
mortem, são algumas das questões que ainda inquietam a mente dos
doutrinadores e passam longe da unanimidade em sede jurisprudencial.
1
Normalmente, quando se pensa nas diretivas antecipadas de vontade, pressupõe-se que seu
propósito consiste exclusivamente em apontar quais tratamentos o paciente recusa. João
Carlos Loureiro, contudo, cuida de desmentir este postulado. Segundo o autor, “normal-
mente, pensa-se nas directivas antecipadas como um instrumento adequado para indicar o
tipo de tratamentos que não devem ser iniciados ou devem cessar. No entanto, o seu objecto
compreende também a indicação de cuidados que o paciente pretende que lhe sejam presta-
dos. (...) As directivas antecipadas são via para determinar não apenas o tipo, mas também
a intensidade do tratamento médico” (LOUREIRO. Saúde no fim da vida: entre o amor, o
saber e o direito. Revista Portuguesa de Bioética, p. 70-71).
2
Conforme ANDORNO. “Liberdade” e “dignidade” da pessoa: dois paradigmas opostos
ou complementares na bioética?. In: MARTINS-COSTA; MÖLLER (Org.). Bioética e respon-
sabilidade, p. 76.
3
ANDORNO, op. cit., p. 76-77.
4
ANDORNO, op. cit., p. 76.
5
Muito se discute sobre a (in)aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às re-
lações médico-paciente. Uma análise extensa sobre o assunto escapa do propósito desta
investigação, mas é possível afirmar que aquele diploma foi editado de maneira tão ampla
que acaba por abarcar, à partida, até mesmo as tais relações. Analisando-se o teor dos arts.
2º e 3º da lei, conclui-se que os conceitos de fornecedor e consumidor são por demais am-
plos, o que ensejaria o enquadramento do médico como fornecedor de serviços (posto que
serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
nos termos do §2º do art. 3º) e o paciente como consumidor (uma vez que utiliza o serviço
como destinatário final, como exige o art. 2º).
Ainda que não se entenda, todavia, que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicável
às relações médico-paciente, não se nega que a lei reforça as noções de autonomia privada
e consentimento informado.
6
Eis a íntegra do dispositivo: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente
da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos”.
7
Todas estas resoluções foram extraídas da página: <http://www.portal.cfm.org.br/>. Aces-
so em: 15 jan. 2012. Seguem as disposições mais relevantes de cada uma delas:
Resolução CFM nº 1.081/82 (consentimento ou autorização dado pelo paciente ou respon-
sável ao médico para necrópsia, provas necessárias ao diagnóstico e tratamento), art. 1º:
“o Médico deve solicitar a seu paciente o consentimento para as provas necessárias ao
diagnóstico e terapêutica a que este será submetido”.
Resolução CFM nº 1890/2009 (define e normatiza a telerradiologia), art. 3º, parágrafo úni-
co: “o paciente deverá autorizar a transmissão eletrônica das imagens e seus dados por
meio de consentimento informado, livre e esclarecido”.
Resolução CFM nº 1.957/2010 (adota normas éticas para utilização das técnicas de repro-
dução assistida), I/III: “O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes
submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos mé-
dicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhada-
mente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com
a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico,
jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em
formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas subme-
tidas às técnicas de reprodução assistida”.
8
Que tem por objeto “aprovar (...) diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas en-
volvendo seres humanos”, cujo conceito de consentimento livre e esclarecido (II/11) é o que
se segue: “anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios
(simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação
completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios
previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo
de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa”. Extraída do portal:
<http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/1996/Reso196.doc>. Acesso em: 15 jan. 2012.
9
Entre as disposições do Código de Ética Médica sobre o tema, destacam-se os arts. 22 e 31,
que vedam ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante
legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminen-
te de morte” e “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de
iminente risco de morte”. (Extraído do documento eletrônico: <http://www.portal.cfm.org.
br/>. Acesso em: 15 jan. 2012).
10
PEREIRA. O consentimento informado na relação médico-paciente: estudo de direito civil,
p. 129-130.
11
GLICK; HAYS. Innovation and reinvention in state policymaking: theory and the evolution
of living will laws. The Journal of Politics, p. 839.
12
Conforme salienta Kelly Mulholland, “the central purpose of the patient self-determination
act’s mandate of information is to enable individuals more easily to formulate advance
directives under state law” (MULHOLLAND. Protecting the right to die: the patient self-
determination act of 1990. Harvard Journal on Legislation, p. 618).
13
Henry Glick e Scott Hays, a propósito, demonstram que a legislação em vigor em Montana
é sensivelmente mais branda que aquela editada na Califórnia: “An illustration of the
important substantive difference between state scores is found in the contrast of California’s
more restrictive law and Montana’s more recent facilitative legislation. In California, a valid
living will can be executed by a patient no sooner than two weeks after he or she has been
diagnosed as terminally ill. In Montana, a living will can be created any time. Fifty percent
or more California patients are not diagnosed as terminal until after they have become
permanently comatose, making it impossible for them ever to execute a valid living will.
Therefore, this one provision has drastic consequences on the usefulness of this law to
California residents (The California Natural Death Act 1979). In California, a living will cannot
be created on behalf of a patient who is unable to sign for him or herself; Montana has such
a provision. California living wills are valid for no longer than five years whereas Montana
has no time limit. California imposes complicated and restrictive witnessing requirements,
while Montana does not. A California living will is invalid if the patient is pregnant while in
Montana it is invalid only if the fetus will develop if life-sustaining treatment is given to the
patient. California doctors who refuse to comply with a living will face no penalties while
a Montana doctor is subject to criminal prosecution. Overall, Montana’s recent law makes it
much easier for patients or their families to control final medical treatment and enforcement
provisions are likely to compel doctors to comply with their wishes” (GLICK; HAYS, op. cit.,
p. 842).
15
Íntegra do Real Decreto disponível em: <http://www.boe.es/boe/dias/2007/02/15/pdfs/
A06591-06593.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2012.
16
Segue a transcrição dos dispositivos:
“9. A lasting power of attorney is a power of attorney under which the donor (‘P’) confers
on the donee (or donees) authority to make decisions about all or any of the following
(a) P’s personal welfare or specified matters concerning P’s personal welfare, and
(b) P’s property and affairs or specified matters concerning P’s property and affairs, and
which includes authority to make such decisions in circumstances where P no longer has
capacity”.
“24. ‘Advance decision’ means a decision made by a person (‘P’), after he has reached 18
and when he has capacity to do so, that if
(a) at a later time and in such circumstances as he may specify, a specified treatment is
proposed to be carried out or continued by a person providing health care for him, and
(b) at that time he lacks capacity to consent to the carrying out or continuation of the
treatment” (Disponível em: <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/9/contents>.
Acesso em: 16 mar. 2012).
17
Íntegra da lei disponível em: <http://200.40.229.134/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=18473
&Anchor=>. Acesso em: 07 fev. 2012.
Uma vez que o instituto não encontra previsão legal no país, não
há como afirmar categoricamente quais seriam seus requisitos formais,
o que não é despiciendo: a qualquer ato jurídico a que faltem pressu-
postos de ordem formal é cominada a sanção da nulidade, nos termos
dos arts. 104, III e 166, IV do Código Civil. Por outro lado, constata-se
que os atos jurídicos, em geral, independem de forma, a não ser quando
a lei expressamente eleja alguma, conforme dispõe o art. 107, também
do Código Civil. Em tese, pois, poder-se-ia alegar que, como a lei não
contempla qualquer solenidade para a prática do ato em questão, a
forma seria livre.
Entretanto, para evitar o risco de ser proclamada a invalidade
do testamento vital, pode-se, em novo recurso à analogia, entender
que, no mínimo, o documento deve cumprir os requisitos de validade
da mais “informal” das modalidades ordinárias de testamento — o
particular —, que exige que o texto seja escrito de próprio punho ou
por processo mecânico, sem rasuras, na presença de pelo menos três
testemunhas, que também devem subscrevê-lo, conforme determina o
art. 1.876 do Código Civil. O ideal, contudo, é que o documento venha
a ser firmado na presença de um tabelião, assegurando-se-lhe fé públi-
ca.18 De todo modo, a possível edição de lei específica sobre o assunto
no Brasil reclamaria a indicação dos pressupostos formais relativos ao
testamento vital. Enquanto persiste a lacuna legislativa, torna-se im-
prescindível demonstrar, de maneira segura, a autenticidade do ato e
a higidez mental do interessado, razão pela qual releva a presença de
testemunhas que possam confirmar tais circunstâncias.
Ultrapassada a análise dos requisitos de validade, subsistirá a dis-
cussão quanto ao conteúdo do documento. Afinal, não estão assentadas
as discussões a respeito da possibilidade de recusa a tratamento médico
necessário para preservar a vida do paciente, ou quanto à legitimidade
da supressão da vida humana pela eutanásia, nem mesmo nos casos de
ortotanásia, em que ocorre a interrupção de tratamento vital, deixando-
se de ministrar a medicação adequada ao paciente em estado terminal e
irreversível e de prolongar fútil e inutilmente a sua vida. Por isso, ainda
que se reconheça a possibilidade da elaboração de um testamento vital,
18
A propósito, a legislação uruguaia cuidou de estabelecer os pressupostos formais de vali-
dade do instrumento, que deve conter a assinatura do interessado e de duas testemunhas,
não podendo testemunhar o médico responsável pelo tratamento, seus empregados e os
funcionários da instituição de saúde responsável pelo paciente. Ademais, a feitura do do-
cumento por meio de instrumento público é mera faculdade, sendo reconhecida a valida-
de do ato mesmo quando realizado por instrumento particular.
19
É também este o entendimento de Vera Lúcia Raposo: “nestas condições, a recusa de tra-
tamentos de suporte vital não pode ser vista como uma tentativa de suicídio ou como
eutanásia, pois uma tal decisão apenas permitirá que a doença siga o seu curso natural.
Se a morte eventualmente ocorrer será o resultado de uma doença e não de lesões auto
ou hetero-infligidas. A intenção não é fomentar a eutanásia activa, mas somente deixar
ao paciente a decisão do momento no qual os esforços terapêuticos devem ser interrom-
pidos” (RAPOSO. Directivas antecipadas de vontade: em busca da lei perdida. Revista do
Ministério Público, p. 174-175).
20
Kelly Mulholland sintetiza a situação dos pacientes que, impossibilitados de expressar
seu consentimento quanto aos cuidados com sua saúde, ficam sujeitos a tratamentos
suficientemente avançados a ponto de prorrogar indevidamente o processo da morte: “the
advance of life-sustaining technology has problematized the strong legal tradition of protecting
the patient’s right to choose. Technological improvements in medical care increasingly blur
the distinction between life and death. The dying process is now extended ‘through the use of
artificial, extraordinary, extreme, or radical medical or surgical procedures’. Physicians most
often perform these extreme and radical procedures upon patients who have been rendered
incompetent by their medical condition. An artificial respirator may enable a brain-dead
patient to survive. A patient in an irreversible coma may be given nutrition and hydration
through a feeding tube. These patients are unable to express whether they wish to receive
such ‘extraordinary’ procedures” (MULHOLLAND, op. cit., p. 611).
21
Nesse sentido, destacam Henry Glick e Scott Hays que o testamento vital desempenha
o relevante papel de evitar a obstinação terapêutica desnecessária: “living wills permit
individuals various control over the use of heroic, life-sustaining medical treatment in the
event of a terminal illness. Demand for living will laws is a product of increased social
concern with the ability and tendency of modern medicine to keep elderly, terminally ill,
and permanently comatose patients alive beyond the natural course of death from age or
infirmity” (GLICK; HAYS, op. cit., p. 838).
22
PENALVA. Declaração prévia de vontade do paciente terminal, p. 55-56.
23
MULHOLLAND, op. cit., p. 618-619.
24
RAPOSO, op. cit., p. 177.
25
Conforme salienta Vera Lúcia Raposo, “do leque de actos de futilidade terapêutica po-
dem caber manobras de reanimação cardiopulmonar em doentes em fim de vida, medidas
de suporte avançado de vida em doentes em estado vegetativo persistente, utilização de
intervenções agressivas e invasivas como a hemodiálise, a quimioterapia e a cirurgia em
doentes com doença incurável e sem condições razoáveis de recuperação. Mas mesmo
as diretivas têm sua validade assegurada. Há, neste âmbito, uma dupla
preocupação: por um lado, fazer com que o teor da diretiva realmente
reflita o ânimo passado e contemporâneo do declarante, em virtude
do receio de que o passar do tempo venha a modificar seus interesses
e valores, tornando a declaração anterior incompatível com a vontade
atual do paciente; e, por outro lado, evitar que avanços na medicina,
porventura desconhecidos à época da celebração da diretiva, tornem
duvidoso o fato de que o paciente manteria a declaração nos mesmos
moldes em que foi lavrada, caso estivesse a par das novas alternativas
de tratamentos médicos entrementes surgidas.
Embora caiba a uma eventual lei editada no Brasil sobre o tema
determinar se haverá ou não um prazo de validade para as diretivas
antecipadas, a exigência da sua atualidade parece ser fruto de zelo
excessivo. Se o autor da diretiva jamais optou por sua revogação,
presumir-se-á que sempre quis mantê-la em seus moldes originais.
Por isso, incidirá uma presunção de que a vontade manifestada na
diretiva antecipada corresponde à vontade atual.30 Esta presunção, no
entanto, é relativa, recaindo sobre a equipe médica, ou eventualmente
a qualquer outro interessado, o ônus de provar o contrário, isto é, de
demonstrar cabalmente que, por alguma razão, as instruções contidas
na diretiva não devem prevalecer tal como foram firmadas.31 32 Assim,
a não ser que o autor da diretiva a tenha revogado, caberá admitir que
a vontade declarada no documento continua a vigorar, precisamente
do mesmo modo como se passa, a propósito, com os testamentos: estes
negócios jurídicos subsistem até que o testador os reforme, e produzi-
rão regulares efeitos caso não tenha havido sua revogação, ainda que
entre a sua celebração e a morte do testador tenha se passado largo
período de tempo.
Outra providência para assegurar a eficácia das diretivas an-
tecipadas seria a criação de um cadastro nacional (a exemplo do que
se passou na Espanha a partir da edição do Real Decreto nº 124, de
2.2.2007), ao qual se deve conferir amplo acesso por médicos e hospi-
tais, para assegurar que eles tenham ciência da sua existência. Noutros
30
Também assim para Vera Lúcia Raposo: “(...) É que o consentimento não pode ser visto como
um fugaz momento, isto é, um instantâneo. Ele mantém-se enquanto não for revogado e,
nesta medida, é sempre actual” (RAPOSO, op. cit., p. 181).
31
OLIVEIRA; PEREIRA. Consentimento informado, p. 103.
32
É também a opinião de João Carlos Loureiro: “se houver indícios de que, superveniente-
mente, se verificou uma alteração da vontade, não deve ser aplicada a directiva, da mesma
forma que terão de se tomar em consideração as questões decorrentes da evolução da
medicina, sempre que pertinentes” (LOUREIRO, op. cit., p. 71).
6 Conclusões
As diretivas antecipadas de vontade, sejam realizadas por tes-
tamentos vitais, sejam por mandatos duradouros, são importantes
instrumentos, postos à disposição dos cidadãos, de afirmação da sua
autonomia nas relações médico-paciente. Por meio delas, faculta-se
a qualquer pessoa antecipar seu consentimento quanto aos cuidados
médicos que deverão ser aplicados caso, futuramente, o declarante se
encontre impossibilitado de manifestar sua vontade.
A ausência de norma que regulamente as diretivas antecipadas
no Brasil não serve como impedimento para o reconhecimento da sua
validade, porquanto os testamentos vitais e os mandatos duradouros
consistem apenas em antecipações das posições que seu autor adota
quanto aos tratamentos médicos que, segundo seu juízo, são adequa-
dos. A edição de uma lei neste domínio, contudo, teria o duplo mérito
de levar ao conhecimento da população a existência daquelas figuras,
33
Conforme RAPOSO, op. cit., p. 183.
34
É o que esclarece Vera Lúcia Raposo: “o testamento vital pode apresentar um de dois conte-
údos distintos: ou o testador recusa um tratamento (por exemplo, recusa de uma cesariana,
de quimioterapia, de transfusões de sangue), ou o testador solicita a aplicação de determi-
nado tratamento, sendo certo que, nesta última hipótese, se o tratamento não se revelar
adequado para aquele paciente de acordo com o estado actual do conhecimento científico
o médico não está obrigado a aplicá-lo. O desejo de tratamentos extraordinários, que em
nada adiantarão para o bem-estar do doente ou para a sua longevidade, não vincula o mé-
dico” (RAPOSO, op. cit., p. 176).
Referências
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Association, v. 55, n. 4, p. 665-717, 1976-1977. Disponível em: <http://heinonline.org/>.
Acesso em: 06 fev. 2012.
ANDORNO, Roberto. “Liberdade” e “dignidade” da pessoa: dois paradigmas opostos ou
complementares na bioética?. In: MARTINS-COSTA, Judith; MÖLLER, Letícia Ludwig
(Org.). Bioética e responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 73-93.
CASEY, Richard J. Ohio’s new living will statute: will it survive?. University of Dayton Law
Review, v. 17, p. 1089-1117, 1991-1992. Disponível em: <http://heinonline.org/>. Acesso
em: 06 fev. 2012.
GLICK, Henry R.; HAYS, Scott P. Innovation and reinvention in state policymaking:
theory and the evolution of living will laws. The Journal of Politics, v. 53, n. 3, p. 835-850,
ago. 1991. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2131581>. Acesso em: 06 fev. 2012.
LOUREIRO, João Carlos. Saúde no fim da vida: entre o amor, o saber e o direito. Revista
Portuguesa de Bioética, n. 4, p. 37-83, abr./maio 2008.
MELO, Helena; NUNES, Rui. Parecer n. P/05/APB/06: sobre directivas antecipadas de
vontade. Porto: Associação Portuguesa de Bioética. p. 6. Disponível em: <http://www.
apbioetica.org/fotos/gca/12802556471148471346directivas_medicas_parecer_05.pdf>.
Acesso em: 21 mar. 2012.
MULHOLLAND, Kelly C. Protecting the right to die: the patient self-determination
act of 1990. Harvard Journal on Legislation, v. 28, p. 609-630, 1991. Disponível em: <http://
heinonline.org/>. Acesso em: 06 fev. 2012.
FLÁVIO TARTUCE
1
JOSSERAND. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, p. 51-52.
2
JOSSERAND. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, p. 52.
3
CC/1916. “Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudên-
cia, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. (Vide Decreto
do Poder Legislativo n. 3.725, de 1919). A verificação da culpa e a avaliação da responsabi-
lidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553.”
4
É a redação do art. 186 do atual Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
5
Pode-se dizer que o presente artigo constituiu um ato continuado de outro trabalho, escrito
em 2003 e publicado no ano seguinte: TARTUCE, Flávio. Considerações sobre o abuso do
direito ou ato emulativo civil. In: DELGADO; ALVES (Coord.). Questões controvertidas no
novo Código Civil, p. 89-110. Esse foi o segundo artigo científico elaborado por este autor.
6
ASCENSÃO. A desconstrução do abuso do direito. In: DELGADO; ALVES (Coord.). Ques-
tões controvertidas no novo Código Civil, p. 33-54.
7
ASCENSÃO. A desconstrução do abuso do direito. In: DELGADO; ALVES (Coord.). Ques-
tões controvertidas no novo Código Civil, p. 54.
8
Código Civil Português. “Art. 334º (Abuso do direito). É ilegítimo o exercício de um direito,
quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costu-
mes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
9
A respeito do tema, no direito português, ver: CUNHA DE SÁ. Abuso do direito. No direito
brasileiro: LUNA. Abuso de direito; MARTINS. O abuso do direito e o ato ilícito; CARVALHO
NETO. Abuso do direito; BOULOS. Abuso do direito no novo Código Civil; MIRAGEM. O abuso
do direito; RODOVALHO. Abuso de direito e direitos subjetivos.
10
Como quer, por todos: DANTAS JÚNIOR. Teoria dos atos próprios no princípio da boa-fé,
p. 254-255.
11
“O ato ilícito (Manual, v. 1, p. 211) é toda manifestação da vontade que tenha por fim criar,
modificar ou extinguir uma relação de direito. O ato ilícito é uma ação ou omissão voluntária,
ou que implique negligência ou imprudência, cujo resultado acarrete violação de direito ou
que ocasione prejuízo a outrem. Finalmente, o abuso de direito consiste em um ato jurídico
de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um
resultado que se considera ilícito” (FRANÇA. Enciclopédia Saraiva de direito, v. 2, p. 45).
12
NERY JÚNIOR; NERY. Código Civil anotado e legislação extravagante: atualizado até 2 de
maio de 2003, p. 255.
13
CC/2002. “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no
exercício regular de um direito reconhecido...”
14
CDC. “Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações
existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre
ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. §1º Os cadastros e dados de consumidores
devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo
conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. §2º A abertura de
cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito
ao consumidor, quando não solicitada por ele. §3º O consumidor, sempre que encontrar
inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o ar-
quivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das
informações incorretas. §4º Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os
serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§5º Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão forne-
cidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam
impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.”
15
Nos termos da Súmula nº 359, do Superior Tribunal de Justiça, “Cabe ao órgão mantenedor
do cadastro de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”.
Código brasileiro, que assim enuncia: “Aquele que, por ato ilícito (arts.
186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Como se
pode perceber, quando o dispositivo menciona o ato ilícito, traz entre
parênteses o ato ilícito propriamente dito (ilícito puro ou ilícito padrão)
e o ilícito equiparado, decorrente do exercício irregular de um direito.
Em ambos os casos, surge o dever de reparação, conforme prevê a parte
final da norma nacional.
11 Como se depreende da leitura do art. 187, o abuso de direito
está amparado em cláusulas gerais, conceitos abertos e indeterminados
que devem ser preenchidos pelo aplicador caso a caso. Segue-se, assim,
a linha filosófica realeana, segundo a qual o Direito deve estar estribado
na tríade fato, valor e norma, marca da festejada teoria tridimensional
do Direito de Miguel Reale e do culturalismo jurídico que inspiram a
codificação brasileira de 2002. Pode-se afirmar que tais limites consti-
tuem parâmetros sociais para as condutas perante a coletividade.
12 O primeiro conceito aberto previsto é o fim social e econômico,
que tem o sentido de função coletiva dos institutos correlatos, como
consta do art. 421 do próprio Código Civil ao prescrever a função social
do contrato como limitadora do conteúdo das avenças.16 De imediato,
já se percebe que o abuso de direito não só pode como também deve
ser aplicado à esfera contratual, ao campo da autonomia privada.17 Em
um país em que prevalecem os contratos impostos, abusivos e violadores
da dignidade humana, o art. 187 do Código Civil tem certa finalidade de
controle indeclinável, como se tem percebido nesses dez anos iniciais
da codificação geral privada.
13 Tornou-se corriqueira, entre nós, a incidência do conceito aos
negócios jurídicos patrimoniais, aventando-se a nulidade das cláusulas,
por ilicitude do objeto, que violam a função social do contrato. Nessa
linha, o pertinente Enunciado nº 431, da V Jornada de Direito Civil, evento
promovido pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal
de Justiça em novembro de 2011, trata que “A violação do art. 421 con-
duz à invalidade ou à ineficácia do contrato”. Não tem sido diferente
a conclusão da jurisprudência de escol.18 Como transmitido há mais
16
CC/2002. “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato.” Apesar da expressão liberdade de contratar, a limitação deve ser
entendida em relação ao conteúdo dos negócios (liberdade contratual).
17
Ao contrário do que entende Oliveira Ascensão (A desconstrução do abuso do direito. In:
DELGADO; ALVES (Coord.). Questões controvertidas no novo Código Civil, p. 39).
18
A ilustrar, três ementas, sem prejuízo de numerosos julgados que aplicam a ideia de abuso
de direito para o contrato: “RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. Contra-
to para desconto de títulos garantido por fiança. Nulidade da assinatura do cônjuge do fia-
dor, reconhecida pela instituição financeira credora, que não invalida a fiança, tampouco o
contrato por ela garantido, observados os postulados da boa-fé objetiva e da função social
dos contratos. Quebra dos deveres anexos e abuso de direito que autorizam, força na função
interpretativa da boa-fé objetiva, a manutenção da validade da fiança prestada. Responsabi-
lidade da fiadora que também decorre da condição de coobrigada. Salvaguarda da meação
do cônjuge do fiador em futura execução, observada a regra contida no art. 655-b do CPC.
Apelo não provido. Unânime” (TJRS, Apelação Cível nº 426207-78.2011.8.21.7000, Estrela,
Décima Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Bernadete Coutinho Friedrich, j. 15.12.2011, DJe, RS,
18 jan. 2012) “SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRESCRIÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
REPARAÇÃO CIVIL FUNDADA EM SUPOSTO ATO ILÍCITO. INCIDÊNCIA DO PRAZO
DE TRÊS ANOS PREVISTO NO ART. 206, §3º, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, A CONTAR DA
CIÊNCIA DOS AUTORES, ACERCA DA NÃO RENOVAÇÃO DA APÓLICE, POR INICIA-
TIVA DA SEGURADORA. Presente ilegalidade e abuso diante da não renovação do contrato
de seguro mantido por mais de trinta anos, frustração de justa expectativa à manutenção do
ajuste ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e função social do contrato incidência do Códi-
go de Defesa do Consumidor. Danos materiais inocorrência seguradora, durante a vigência
do contrato, suportou os riscos a ele inerentes. Razoável a fixação de indenização por dano
moral recurso parcialmente provido” (TJSP, Apelação nº 9105398-02.2008.8.26.0000, Acór-
dão nº 5484046, Itapeva, Trigésima Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco
Casconi, j. 18.10.2011, DJ, SP, 25 out. 2011). “APELAÇÃO CÍVEL PLANO DE SAÚDE. CON-
TRATO COLETIVO/EMPRESARIAL AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁU-
SULA CONTRATUAL JULGADA PROCEDENTE SEGURADORA QUE MANIFESTOU
SEU DESINTERESSE NA RENOVAÇÃO ANUAL DO CONTRATO, COM APOIO EM
CLÁUSULA CONTRATUAL EXPRESSA QUE LHE PERMITE O CANCELAMENTO DO
CONTRATO SE HOUVER ALTERAÇÕES NO GRUPO SEGURADO QUE O TORNEM IN-
VIÁVEL INADMISSIBILIDADE CONTRATO DE TRATO SUCESSIVO INCIDÊNCIA DA
LEI Nº 9.656/98, SEM PREJUÍZO DAS NORMAS COGENTES DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. Abusividade e consequente nulidade de cláusula contratual que prevê
a possibilidade de resilição unilateral do contrato por parte da operadora de saúde, median-
te denúncia imotivada Abuso do direito de resilir. Afronta aos princípios da função social
do contrato e da boa-fé objetiva. Contrato que vigora há anos, gerando justa expectativa de
renovação. Resolução do contrato que deve ser motivada e precedida de comunicação aos
consumidores, com prazo razoável de antecedência, não se admitindo como motivo a sim-
ples inviabilidade do contrato para a Seguradora. Sentença mantida. Negado provimento ao
recurso” (TJSP, Apelação nº 9064519-89.2004.8.26.0000, Acórdão nº 5034299, São Bernardo do
Campo, Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Dês. Viviani Nicolau, j. 29.3.2011, DJe, SP, 25
maio 2011).
19
Colaciona-se uma das decisões do STJ nesse sentido: “PROCESSO CIVIL. AGRAVO
REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INJUS
TIFICADA DE COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. DESCUMPRIMENTO DE
NORMA CONTRATUAL A GERAR DANO MORAL INDENIZÁVEL. AUSÊNCIA DE
COM PROVAÇÃO ACERCA DA NÃO APROVAÇÃO DO MEDICAMENTO PELA
22
TARTUCE. Considerações sobre o abuso do direito ou ato emulativo civil. In: DELGADO;
ALVES (Coord.). Questões controvertidas no novo Código Civil, p. 89-110.
23
“COSTUME. MANIFESTAÇÃO CULTURAL. ESTÍMULO. RAZOABILIDADE. PRESER-
VAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA. ANIMAIS. CRUELDADE. A obrigação de o Estado
garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão
das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da
Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à cruelda-
de. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’”. (STF,
RE nº 153531/SC, Segunda Turma, Rel. Desig. Min. Marco Aurélio, j. 3.6.1997, DJ, p. 13, 13
mar. 1998). “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. BRIGA DE GALOS (LEI
FLUMINENSE Nº 2.895/98). LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE, PERTINENTE A EXPOSI-
ÇÕES E A COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES, FAVORECE ESSA
PRÁTICA CRIMINOSA. DIPLOMA LEGISLATIVO QUE ESTIMULA O COMETIMENTO
DE ATOS DE CRUELDADE CONTRA GALOS DE BRIGA. CRIME AMBIENTAL (LEI
Nº 9.605/98, ART. 32). MEIO AMBIENTE. DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTE-
GRIDADE (CF, ART. 225). PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE
METAINDIVIDUALIDADE. DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA
DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE. PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CF, ART. 225, §1º, VII). DESCARACTERIZAÇÃO DA
BRIGA DE GALO COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL. RECONHECIMENTO DA IN-
CONSTITUIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA. AÇÃO DIRETA PROCE-
DENTE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE AUTORIZA A REALIZAÇÃO DE EXPOSIÇÕES
E COMPETIÇÕES ENTRE AVES DAS RAÇAS COMBATENTES. NORMA QUE INSTITU-
CIONALIZA A PRÁTICA DE CRUELDADE CONTRA A FAUNA. INCONSTITUCIONA-
LIDADE. A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na
legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda
a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da ‘farra
do boi’ (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação
cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. A proteção jurídico-constitucional
dispensada à fauna abrange tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesti-
cados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o texto da Lei Fundamental
vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade.
— Essa especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição
da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que
ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano, mas,
também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação
constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como
os galos de briga (gallus-gallus). Magistério da doutrina. (...) (STF, ADI nº 1.856/RJ, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 26.5.2011, DJe, p. 16, 16 nov. 2011).
24
Nesse sentido, por todos: NORONHA. Direito das obrigações, p. 371-372; DINIZ. Código
Civil anotado, p. 219; DUARTE. Arts. 1º a 232 parte geral. In: PELUSO (Coord.). Código Civil
comentado: doutrina e jurisprudência, p. 124; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso
de direito civil, p. 448; FARIAS; ROSENVALD. Direito civil: teoria geral, p. 479; CAVALIERI
FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 143; BOULOS. Abuso do direito no novo Código
Civil, p. 135-143; JORDÃO. Repensando a teoria do abuso de direito, p. 125; RODOVALHO.
Abuso de direito e direitos subjetivos, p. 170. Anote-se que outrora nos filiamos a esta corrente:
TARTUCE. Considerações sobre o abuso do direito ou ato emulativo civil. In: DELGADO;
ALVES (Coord.). Questões controvertidas no novo Código Civil, p. 92.
25
JOSSERAND. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, p. 55.
26
JOSSERAND. Evolução da responsabilidade civil. Revista Forense, p. 55-56.
27
Sobre tal incidência, por todos: GURGEL. Direito de família e princípio da boa-fé objetiva;
SCHREIBER. O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. In: PEREIRA (Coord.).
Anais do V Congresso de Direito de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família, p. 125-143;
ALVES. Abuso de direito no direito de família. In: PEREIRA (Coord.). Anais do V Congresso
Brasileiro de Direito de Família, p. 481-505; CARVALHO NETO. Abuso do direito, p. 225-233;
FARIAS. A tutela jurídica da confiança aplicada ao direito de família. In: PEREIRA (Coord.).
Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família, p. 241-271.
28
A esse propósito, julgado do Superior Tribunal de Justiça, com imputação de responsabilidade
civil à mulher: “RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – MARIDO ENGANADO
– ALIMENTOS. RESTITUIÇÃO. A mulher não está obrigada a restituir ao marido os
alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem.
– A intervenção do Tribunal para rever o valor da indenização pelo dano moral somente
ocorre quando evidente o equívoco, o que não acontece no caso dos autos. Recurso não
conhecido” (STJ, REsp nº 412.684/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, data
da publicação 25 nov. 2002).
29
É interessante a ideia de hipoteca social que recai sobre a propriedade, conforme entendi-
mento do Supremo Tribunal Federal: “O direito de propriedade não se reveste de caráter
absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a fun-
ção social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera
dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedi-
mentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos confli-
tos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada
dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos
de realização da função social da propriedade” (STF, ADIn nº 2.213-MC, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ, 23 abr. 2004).
30
Francisco Amaral assim elucida: “são exemplos práticos de abuso de direito os que se
verificam nas relações de vizinhança” (AMARAL NETO. Os atos ilícitos. In: FRANCIULLI
NETO; MENDES, MARTINS FILHO (Coord.). O novo Código Civil: estudos em homenagem
ao professor Miguel Reale, p. 162).
31
A ilustrar, três ementas, bem recentes: “Direito de vizinhança, ação de obrigação de fazer
e não fazer c/c pedido cominatório e indenização por danos materiais e morais uso noci-
vo da propriedade. Alegação de barulho excessivo e maus odores causados por criação de
animais, alegações comprovadas por certidão do oficial de justiça. Sentença de procedência
mantida. Art. 252 do regimento interno do TJSP. Recurso improvido” (TJSP, Apelação
33
MAZZEI. Abuso de direito: contradição entre o §2.º do art. 1.228 e o art. 187 do Código
Civil. In: BARROSO (Org.). Introdução crítica ao Código Civil, p. 356.
34
“Direito civil. Indenização por danos morais. Publicação em jornal. Reprodução de cogno-
me relatado em boletim de ocorrências. Liberdade de imprensa. Violação do direito ao se-
gredo da vida privada. Abuso de direito. – A simples reprodução, por empresa jornalística,
de informações constantes na denúncia feita pelo Ministério Público ou no boletim policial
de ocorrência consiste em exercício do direito de informar. – Na espécie, contudo, a empre-
sa jornalística, ao reproduzir na manchete do jornal o cognome – ‘apelido’ – do autor, com
manifesto proveito econômico, feriu o direito dele ao segredo da vida privada, e atuou com
abuso de direito, motivo pelo qual deve reparar os consequentes danos morais. Recurso
especial provido” (STJ, REsp nº 613.374/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j.
17.5.2005, DJ, p. 321, 12 set. 2005).
35
“RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÍCIA JORNALÍSTICA QUE IRROGA A MOTORISTA
DE CÂMARA MUNICIPAL O PREDICADO DE ‘BÊBADO’. INFORMAÇÃO DE INTE-
RESSE PÚBLICO QUE, ADEMAIS, NÃO SE DISTANCIA DA REALIDADE DOS FATOS.
NÃO COMPROVAÇÃO, EM SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA, DO ESTADO DE EM-
BRIAGUEZ. IRRELEVÂNCIA. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE ABUSO DE
DIREITO. 1. É fato incontroverso que o autor, motorista de Câmara Municipal, ingeriu bebida
alcoólica em festa na qual se encontravam membros do Poder Legislativo local e que, em se-
guida, conduziu o veículo oficial para sua residência. Segundo noticiado, dormiu no interior
do automóvel e acordou com o abalroamento no muro ou no portão de sua casa. Constam
37
STJ, REsp nº 719.592/AL, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, j. 12.12.2005, DJ,
p. 567, 1º fev. 2006.
38
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IN
DE NIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.
DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉ
TRICA. SUSPENSÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 186 E 188, I, DO CC. NÃO
OCORRÊNCIA. ABUSO DE DIREITO. CONFIGURAÇÃO DE ATO ILÍCITO (CC, ART. 187).
RESSARCIMENTO DEVIDO. DOUTRINA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO
E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A divergência jurisprudencial deve ser devidamente
demonstrada, conforme as exigências do parágrafo único do art. 541 do CPC, c/c o art. 255 e
seus parágrafos, do RISTJ, não bastando, para tanto, a simples transcrição de ementas. 2. A
questão controvertida neste recurso especial não se restringe à possibilidade/impossibilidade
do corte no fornecimento de energia elétrica em face de inadimplemento do usuário. O que
se discute é a existência ou não de ato ilícito praticado pela concessionária de serviço público,
cujo reconhecimento implica a responsabilidade civil de indenizar os transtornos sofridos
pela consumidora. 3. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
costumes (art. 187 do Código Civil). 4. A recorrente, ao suspender o fornecimento de energia
elétrica em razão de um débito de R$ 0,85, não agiu no exercício regular de direito, e sim com
flagrante abuso de direito. Aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 5.
A indenização por danos morais foi fixada em valor razoável pelo Tribunal a quo (R$ 1.000,00),
e atendeu sua finalidade sem implicar enriquecimento ilícito à indenizada. 6. Recurso
especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido” (STJ, REsp nº 811.690/RR, Rel.
Min. Denise Arruda, Primeira Turma, j. 18.5.2006, DJ, p. 123, 19 jun. 2006).
Referências
ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
ALVES, Jones Figueirêdo. Abuso de direito no direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo
da Cunha (Coord.). Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte:
IBDFAM, 2006.
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Os atos ilícitos. In: FRANCIULLI NETO,
Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.).
O novo Código Civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale. São Paulo: LTr,
2003.
39
ABDO. O abuso do processo, p. 120.
40
STJ, ARg no REsp nº 709.372/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j.
24.5.2011, DJe, 03 jun. 2011.
41
STJ, ARg no REsp nº 709.372/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j.
24.5.2011, DJe, 03 jun. 2011.
RODOVALHO, Thiago. Abuso de direito e direitos subjetivos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012.
SCHREIBER, Anderson. O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. In: PEREIRA,
Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do V Congresso de Direito de Família do Instituto Brasileiro
de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006.
TARTUCE, Flávio. Considerações sobre o abuso do direito ou ato emulativo civil. In:
DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (Coord.). Questões controvertidas no
novo Código Civil. São Paulo: Método, 2006. v. 2.
1
BRASIL. Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC. Disponível em:
<http://www.dnrc.gov.br>. Acesso em: 30 maio 2009.
2
Os empresários registrados no Brasil entre 1985 e 2005 representam um total de 8.915.890,
sendo 4.569.288 empresários individuais, 4.300.257 sociedades limitadas e 46.345 socieda-
des de outras espécies (companhias, cooperativas etc.).
3
Antes por conhecimento pacífico e hoje ainda por conhecimento dominante como se verá
no decorrer do texto.
4
Analisadas de modo restrito, sociedade e associação distinguem-se pela economicidade
teleológica da primeira e a ausência deste fator na segunda, todavia, ambas formadas por
vários sujeitos com objetivos comuns.
5
ASCENSÃO. Direito civil e teoria geral, p. 303-304.
6
BRASIL. Código Civil. “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (...) VI – tiver por
objetivo fraudar lei imperativa”.
7
BRASIL. Código Civil. “Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que
se dissimulou, se válido for na substância e na forma. §1º Haverá simulação nos negócios
jurídicos quando: I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daque-
las às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão,
condição ou cláusula não verdadeira”.
8
Teoria há muito absorvida pela Administração de Empresas, mas ainda insubsistente no
Direito, denominada teoria dos stakeholders de Eduard Freedman.
9
GARCIA MÁYNEZ. Filosofia del derecho, p. 138.
10
COMPARATO. O poder de controle na sociedade anônima, p. 279.
11
COELHO. Curso de direito comercial: direito de empresa, p. 138.
12
BRASIL. Constituição Federal. “Art. 5º [...] II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
13
COELHO. Curso de direito comercial: direito de empresa, p. 138.
14
Em sua Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen sustenta que pessoa não é um indivíduo, mas
uma “unidade personificada de normas jurídicas” que lhe impõe deveres e lhe confere direi-
tos. Logo, para o citado autor, existiriam apenas pessoas jurídicas, pois “o conceito jurídico
de pessoa não se traduz através do homem (...) senão como uma construção jurídico-nor-
mativa” (KELSEN. Teoria pura do direito, p. 320 et seq.). Tal concepção não será adotada neste
trabalho, pois acaba por afastar a noção entre direito subjetivo e direito objetivo, conforme
adverte Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro, p. 114).
15
TEPEDINO et al. Código Civil interpretado: conforme a Constituição da República, p. 4-5.
16
COMPARATO. A afirmação histórica dos direitos humanos, p. 15.
17
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, passim.
18
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, passim.
O fato jurídico pode ser definido como qualquer evento que seja
idôneo, segundo o ordenamento, a ter relevância jurídica. (...) O fato, no
momento do seu acontecimento, atua como abstratamente hipotizado
na previsão da lei: o ordenamento lhe atribui uma qualificação e uma
disciplina. O fato concreto quando se realiza constitui o ponto de
confluência entre a norma e o seu tornar-se realidade: é o modo no qual
o ordenamento se atua.19
19
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 89-90.
20
ASCENSÃO. Direito civil e teoria geral, p. 216.
21
Op. cit., p. 223.
22
BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º.1.1916. “Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da
dos seus membros”.
23
AMARAL. Direito civil: introdução, p. 285.
24
AMARAL. Direito civil: introdução, p. 295.
25
ASCENSÃO. Direito civil e teoria geral, p. 217.
26
MONCADA. Lições de direito civil, p. 347.
27
SILVA. O conceito de empresa no direito brasileiro, p. 101.
28
ASCENSÃO. Direito civil e teoria geral, p. 316.
Art. 1º
(Disposições preliminares)
1 – Qualquer pessoa singular que exerça ou pretenda exercer uma
actividade comercial pode constituir para o efeito um estabelecimento
individual de responsabilidade limitada.
2 – O interessado afectará ao estabelecimento individual de responsa-
bilidade limitada uma parte do seu património, cujo valor representará
o capital inicial do estabelecimento.
29
PORTUGAL. Decreto-Lei nº 248, de 25.8.1986.
30
Bem próximo do objeto de estudo deste texto, até mesmo na nomenclatura.
31
PORTUGAL. Decreto-Lei nº 257, de 31.12.1996.
32
PORTUGAL. Decreto-Lei nº 8, de 17.1.2007.
para as sociedades unipessoais, uma vez que a CEE por meio da 12ª
Diretiva recomendou que os países do bloco adotassem por meio da
sociedade unipessoal a limitação de responsabilidade.
A doutrina majoritária brasileira que segue a mesma linha de
raciocínio jurídico português também se recusa a admitir a figura das
sociedades unipessoais, todavia entende-se que realmente seria ne-
cessária a criação da limitação de responsabilidade para o empresário
individual.
No Brasil existem dois projetos de lei sobre a limitação de res-
ponsabilidade do sujeito unipessoal. O Projeto de Lei nº 3.667/2004,
de redação de Luiz Carlos Hauly, trata da criação das sociedades uni-
pessoais originárias no Brasil, regulamentada por apenas um artigo.
33
BRASIL. Lei nº 8.906/94. “Art. 17. Além da sociedade, o sócio responde subsidiária e ilimi-
tadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advoca-
cia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer”.
34
MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada. Ap. nº 0281763-4 – (29226). 4ª C. Cív., Rel. Juíza
Maria Elza, j. 8.9.1999.
35
BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Instrução Normativa nº 2/2001.
36
Destaque-se que o CCB usa o termo empresário para a figura individual, enquanto a cole-
tiva guardaria o termo sociedade empresária.
dizer que existe uma sociedade unipessoal. Qual seria o seu ato consti-
tutivo, um contrato social? Impossível dada à inexistência dos contratos
consigo mesmo. Quem(Quais) seria(m) seu(s) integrante(s)? Um sócio?
Sócio de quem? Haveria uma reunião ou assembleia com apenas uma
pessoa? Pensar em sociedade unipessoal é tão forçoso quanto se falar
de família unipessoal apenas para garantir a proteção do bem de família
ao single, quando sua dignidade basta para tal proteção.
Em Portugal o Dec.-Lei nº 257/1996 nada fala sobre a forma de
constituição, apenas que a sociedade unipessoal será integrada por
pessoa singular (natural) ou coletiva (jurídica). Além disso, diz que o
sócio da sociedade unipessoal só pode integrar uma única sociedade.
Por que tal proibição se a pessoa jurídica é autônoma de seu integrante?
O pior de tudo diz respeito às decisões do sócio que “devem ser
registradas em acta por ele assinada” (art. 270º-E). A ata é documento
típico de assembleia ou reunião (órgãos claramente colegiados) e não
é admitida racionalmente em atividades individuais. A sociedade
unipessoal originária como regra constitui-se de características ver-
dadeiramente psicopatológicas, especialmente no Brasil. As únicas
possibilidades de sociedade unipessoal originária no Direito brasileiro
seriam a Empresa Pública (sociedade em que figura apenas um sócio,
pessoa jurídica de direito público interno) e a Sociedade Anônima Sub-
sidiária Integral (que teria como único sócio uma sociedade brasileira
que teria como objeto a administração de outra pessoa jurídica), ambas
situações excepcionais.
Os demais casos de unipessoalidade do Direito brasileiro seriam
supervenientes e temporários, como ocorre com a sociedade anônima
que deve reconstituir a sua pluripessoalidade até a próxima Assem-
bleia Geral Ordinária (art. 206, inciso I, alínea “d”, da Lei nº 6.404/76)
e das demais sociedades que devem fazê-lo em 180 dias (art. 1.033 do
CCB). Em ambos os casos a unipessoalidade é temporária, sob pena
de dissolução de pleno direito da sociedade.
A unipessoalidade é, então, uma exceção diante do número infin-
dável de outras possibilidades sempre pluripessoais. A desnecessidade
da sociedade unipessoal se verifica pelo argumento já trazido por José
de Oliveira Ascensão. A pessoa jurídica, que os portugueses acertada-
mente chamam de pessoas coletivas (ao menos no que diz respeito às
pessoas jurídicas de direito privado) só deve ser criada quando não
bastar a pessoa natural para a execução do ato ou atividade objetivada.
Como já existe a figura do empresário individual (pessoa natural
ou física) que com capacidade civil plena e ausência de impedimento
legal está apto a exercer profissionalmente atividade econômica
37
CAMPINHO. O direito de empresa à luz do Código Civil, p. 140.
38
Cf. PERLINGIERI, Pietro. Direito civil contemporâneo.
39
ASQUINI. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
p. 109-126.
40
Não confundir com o capital social que é virtual, quando o patrimônio social é real.
41
GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, p. 257 et seq.
42
Hoje já discutido pela substituição da ideia de patrimônio por titularidade com a possibi-
lidade da divisibilidade patrimonial, como se viu pela ideia de patrimônio afetado e não
afetado. Cf. OLIVA. Patrimônio separado.
43
Vale também lembrar que a responsabilidade dos sócios, que apesar de sujeitos não são
empresários, mas investidores, será sempre subsidiária e indireta, salvo quando aplicada
a teoria da desconsideração da personalidade jurídica à sociedade que integre.
44
MONCADA. Direito econômico, p. 493.
45
Idem, p. 513.
46
BRASIL. Presidência da República. Mensagem de veto nº 259, de 11.7.2011.
47
RIO DE JANEIRO. 9ª Vara da Fazenda Pública Estadual. Processo nº 0054566-71.2012.8.19.0001.
48
CAMPINHO. O direito de empresa à luz do Código Civil, p. 285-286.
Referências
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil e teoria geral. Coimbra: Coimbra Ed., 2000. v. 1.
ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano 35, n. 104, out./dez. 1996.
Título original: Profili dell’impresa.
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva,
2007. v. 2.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:
Saraiva, 2007.
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. Rio de Janeiro:
Forense, 1993.
COSTA, Ricardo Alberto Santos. As sociedades unipessoais. In: MARTINS, Alexandre
de Soveral et al. Problemas do direito das sociedades. Coimbra: Almedina, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. Teoria
geral do direito civil.
GARCIA MÁYNEZ, Eduardo. Filosofia del derecho. México: Porruá, 1965.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra: A.
Amado, 1962. v. 1.
MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito econômico. Coimbra: Coimbra Ed., 2003.
MONCADA, Luís S. Cabral de. Lições de direito civil. Coimbra: Almedina, 1995.
OLIVA, Milena Donato. Patrimônio separado. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002.
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
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Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 1.
DIREITO CONTRATUAL
Introdução
Compositor de destinos,
Tambor de todos os ritmos,
Tempo, tempo, tempo, tempo.1
1
“Oração ao tempo”, Caetano Veloso.
2
MORIN. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, p. 93.
3
Prova disso é que, no “século XIX, enquanto o individual, o singular, o concreto e o histó-
rico eram ignorados pela ciência, a literatura e, particularmente, o romance — de Balzac
a Dostoievski e a Proust — restituíram e revelaram a complexidade humana”. MORIN. A
cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, p. 91.
4
E, por óbvio, não apenas ele.
5
MARTINS-COSTA. Contratos: conceito e evolução. In: LOTUFO; NANNI (Coord.). Teoria
geral dos contratos, p. 26.
6
OST. O tempo do direito, p. 379-380.
7
GROSSI. Mitología jurídica de la modernidade, p. 59.
8
Com isso, não se afirma que, em momento anterior, o labor do tempo não tenha provocado
alterações na compreensão do tema. Ele o fez, certamente. Ocorre que, por razões como o
espaço — para transladar as ideias da mente para o papel —, o tempo — para as reflexões, redação e
correções do texto —, a eleição e leitura das fontes que informam as linhas aqui traçadas, optou-
se por fixar, como marco temporal desta pesquisa, a ideia de contrato na Modernidade.
9
AMARAL. Individualismo e universalismo no direito civil brasileiro: permanência ou su-
peração de paradigmas romanos?. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,
p. 73.
10
CAFFERA. Autonomía privada: los cambios y las tensiones del presente. In: LÓPEZ
FERNÁNDEZ; CAUMONT; CAFFERA (Coord.). Estudios de derecho civil en homenaje al
profesor Jorge Gamarra, p. 88-89.
11
FACHIN; RUZYK. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o novo Código
Civil: uma análise crítica. In: SARLET (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito priva-
do, p. 97. “O sujeito, assim, só tem relevância como elemento da relação jurídica. Trata-se de
hábil instrumento ideológico que atende à manutenção de uma dimensão patrimonialista do
Direito Civil: se o sujeito, ainda que abstrato, é o elemento unificador do sistema, mais cedo
ou mais tarde, a sua abstração implicaria uma crise de legitimação de um direito que embora
discursivamente centrado do sujeito afasta-se da realidade concreta, sem ter olhos para as
desigualdades concretas e para a exclusão daqueles que não se inserem no modelo jurídico
de proprietários.”
12
GOMES. Novos temas de direito civil, p. 6.
13
HOBSBAWM. A era do capital: 1848-1875, p. 59-85.
14
ROPPO. O contrato, p. 45-46.
15
CORTIANO JUNIOR. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do
ensino do direito de propriedade, p. 53.
16
GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil, p. 6.
17
NALIN. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva
civil-constitucional, p. 112.
18
DUPICHOT. Derecho de las obligaciones, p. 16; ANDRADE. Aspectos da evolução da teoria dos
contratos, p. 93-100.
19
BARLETTA. A revisão contratual por excessiva onerosidade superveniente à contratação
positivada no Código do Consumidor, sob a perspectiva civil constitucional. In: TEPEDINO
(Coord.). Problemas de direito civil-constitucional, p. 286.
20
OST. Tiempo y contrato: crítica del pacto fáustico. Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho,
p. 597-626.
21
As diferenças (entre oferta e proposta) traçadas pela dogmática não serão exploradas neste
estudo.
22
Exemplo que reflete, de maneira bastante clara, o apego da sociedade liberal a esse “dogma”
é o caso do Canal de Craponne, julgado em 6.3.1876, pela Corte de Cassação francesa. O fato,
em linhas gerais, se deu da seguinte forma: no ano de 1567, o engenheiro Adam de Craponne
comprometeu-se a construir e a conservar um canal destinado a irrigar as terras da popula-
ção da região de Pélissanne, na França. O valor, os prazos e as condições dos pagamentos, a
serem realizados em prestações, foram preestabelecidos. Cerca de 300 anos após a formação
do vínculo contratual, o Marquês de Galliffet, proprietário do canal na época, entendeu que
o custo pactuado era insuficiente para a manutenção da construção, de modo a exigir um
acréscimo na quantia a ser paga. Apesar de o Tribunal d’Aix e da Corte de Apelação terem
reconhecido o pedido de Marquês de Gallifet, na Corte de Cassação, os usuários do Canal de
Craponne garantiram a reforma da decisão com base no art. 1.334 do code Napoléon, ou seja,
o princípio da força obrigatória dos contratos. O entendimento dos julgadores foi no sentido
de que, qualquer que fosse a decisão, ela não poderia substituir uma convenção livremente
pactuada, pois ela refletia o que as partes entenderam por equilibrado. Por conta disso, em
vez de postular a revisão do contrato, os contratantes deveriam ter previsto a passagem do
tempo quando da formalização do acordo. Para mais detalhes: RODRIGUES JUNIOR. Revi-
são judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão, p. 25.
23
GOMES. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro, p. 24-31.
24
MAGALHÃES. Da recodificação do direito civil brasileiro, p. 72.
25
BARROSO. A realização do direito civil, p. 14.
26
MEDINA. Teoría impura del derecho: la transformación de la cultura jurídica latino-
americana, p. 22-69.
27
CUNHA. Revisão judicial dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002, p. 27-28.
28
AGUIAR JUNIOR. Os contratos nos Códigos Civis francês e brasileiro. Revista CEJ, p. 6.
29
É importante resgatar que, no Estado Liberal, os códigos — tal como sonhou Napoleão
Bonaparte — eram vistos como imutáveis e eternos. Deveriam ser completos, trazendo to-
das as regras de direito, aptos a resolver todas as situações imagináveis, mediante a subsun-
ção, a aplicação direta da lei ao caso concreto. Aponte-se que Napoleão queria ser lembrado
por seu código, e não pelas batalhas que vencera. Sobre o horror das guerras napoleônicas,
o code e sua relação com o direito: TEPEDINO; FACHIN. Mais Goya, menos Napoleão:
contribuições para o pensamento crítico do direito civil. In: TEPEDINO; FACHIN (Org.).
Pensamento crítico do direito civil brasileiro, p. 9.
30
FARIA. Globalização econômica e reforma constitucional. Revista dos Tribunais, p. 13.
31
FACCHINI NETO. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 21-22.
32
GOMES, Orlando. Ensaios de direito civil e de direito do trabalho, p. 15.
33
CUNHA. Revisão judicial dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil
de 2002, p. 48-49.
34
LÔBO. Contrato e mudança social. Revista dos Tribunais, p. 43. Em sentido semelhante:
GIORGIANNI. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, p. 49.
35
RODRIGUES JUNIOR. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da im-
previsão, p. 27-28.
36
KANT, Immanuel. In: BLACKBURN. Dicionário Oxford de filosofia, p. 31-32. A autonomia da
vontade é uma das bases da teoria de Immanuel Kant, a qual é compreendida como “(...) a
capacidade de saber o que a moralidade exige de nós, e não funciona como a liberdade de
tentar alcançar nossos fins, mas como o poder de um agente para agir segundo regras de
conduta universalmente válidas e objetivas, avalizadas apenas pela razão”.
37
IRTI. L’età della decodificazione. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,
p. 15-33.
38
GROSSI. El novecientos jurídico: un siglo pós-moderno, p. 39. “De sua parte, o negócio jurí-
dico [e, como espécie dele, o contrato], cujo fundamento radicava para a doutrina civilista
moderna no princípio da soberania do indivíduo, na década de trinta [do Século XX] co-
meçou a reconstruir-se como autorregulação de interesses socialmente relevantes. O que se
faz diante do apelo à solidariedade social e tendo em conta que os atos que decorrem da
autonomia privada não se esgotam na conduta gestada pela psique humana (...).”
39
BARRETO. O dirigismo na vida dos contratos. Revista dos Tribunais, p. 460.
40
MARTINS-COSTA. Comentários ao novo Código Civil: do direito das obrigações: do adim-
plemento e da extinção das obrigações, p. 287. Veja, ainda, CUNHA. Revisão judicial dos
contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002, p. 49. Importante
apontar que os efeitos provocados por duas Guerras Mundiais, de 1914 a 1918 e de 1939 a
1945, não foram bem suportados. Se, no século XIX, havia uma relativa estabilidade econô-
mica, essa já não era a verdade no século XX. Os combates bélicos não só levaram a morte
e o horror para milhares de pessoas, como acarretaram problemas diretamente relaciona-
dos aos contratos, como a desvalorização monetária e a dificuldade de abastecimento de
mercadorias. Nesse ponto, qualquer escudo forjado pela sociedade, para se proteger das
atuações do Poder Público, se mostrou deveras inútil, eis que tais adversidades interferi-
ram não só nos pactos firmados pelo Estado (contratos administrativos), mas também nos
acordos havidos entre particulares. A responsabilidade pelas mudanças econômicas que
levaram à relativização da regra das pacta sunt servanda não deve, contudo, ser atribuída
apenas às guerras. Não se pode olvidar que o século XX foi palco de um enorme processo
de industrialização que resultou, entre outras tantas transformações na sociedade, na mas-
sificação das relações contratuais. Com o crescimento do número de pessoas envolvidas
nos pactos, evidenciaram-se as diferenças econômicas entre elas existentes. O Estado, com
o seu dirigismo, precisou agir a fim de reduzir tal desigualdade. Os instrumentos utiliza-
dos foram, em um primeiro momento, a lei — eis um dos porquês da descodificação — e,
posteriormente, os juízes, cuja função era a de analisar a possibilidade da correção material
do conteúdo dos contratos desequilibrados.
41
DONNINI. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor,
p. 20-21. “No Século XIX vivia-se num mundo de segurança econômica, com moedas está-
veis, monarquias milenares e legislações [sic] que enalteciam os princípios da autonomia
da vontade humana e da irretratabilidade das convenções. Houve desinteresse na aplicação
da cláusula rebus sic stantibus, que passou a ser esquecida não só pelos legisladores, como
também pelos doutrinadores e julgadores. Todavia, com as guerras do final desse sécu-
lo (napoleônicas de 1870) e a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918), agravou-se a
vinculação contratual, em face das grandes alterações do valor da moeda e dos próprios
fenômenos bélicos. Dentro desse quadro é que ressurgiu a antiga cláusula, que parecia ter
sido abandonada e ser lembrada apenas no âmbito histórico.”
42
OST. Tiempo y contrato: crítica del pacto fáustico. Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho,
p. 606.
43
MORIN. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, p. 55.
44
BORGES. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil, p. 115-117. Os fatos que ca-
racterizaram o conflito começaram em 1904, quando o município de Bordeaux celebrou,
com a Companhia Geral de Iluminação, um contrato de concessão, que previa a distribuição
de gás e energia elétrica para toda a região bordalesa, durante 30 anos. Entre as cláusulas
pactuadas, foi estabelecida uma tarifa móvel, que variava de acordo com os preços do carvão
(essencial para obtenção de energia elétrica naquela época), mas, ainda assim, era balizada
por rígidos limites. As tarifas previstas foram suficientes para manter o contrato até o final
de 1914. No entanto, a Primeira Guerra Mundial levou os preços do carvão a um aumen-
to correspondente a 100% se comparados com os valores de 1913. Em meio aos motivos
para tal elevação, podem ser destacados a tomada pelos alemães dos centros produtores
da matéria-prima, que ficavam no Norte da França e na Bélgica, a escassa mão de obra e
o aumento do consumo pelas indústrias bélicas, que tinham prioridade na utilização do
carvão. Apesar de o governo ter adotado medidas para conter os preços, essas foram inefi-
cazes, restando às concessionárias, dentre as quais a Compagnie Générale d’Éclairage, buscar a
revisão dos contratos para evitar a sua quebra. O pedido, contudo, foi negado pelo Conselho
da Prefeitura de Bordeaux e, em instância superior, pelo Conselho da Prefeitura de Gironda.
Inconformada, a Companhia de Iluminação de Bordeaux recorreu ao Conselho de Estado
que, em 30.3.1916, decidiu a seu favor. A fundamentação foi no sentido de que a economia
do contrato fora perturbada, eis que a alta dos preços do carvão superara os limites dos au-
mentos que poderiam ser suportados pelas partes. Além disso, o Conselho considerou que
a Compagnie não poderia se desvincular do contrato e tampouco atribuir às eventualidades
à Prefeitura concedente, mas tinha direito de ser indenizada, pois a elevação não poderia ter
sido prevista. Oportuno apontar, ainda, com FRANTZ. Bases dogmáticas para interpretação dos
artigos 317 e 478 do novo Código Civil brasileiro, p. 31-32, que o litígio envolvendo a Companhia
de Iluminação de Bordeaux se deu na esfera administrativa, que é pautada pelo princípio de
manutenção do serviço público. No caso analisado, foi justamente esse foco que fez com que
o contrato de concessão pudesse ser revisado, uma vez que, se não o fosse, o fornecimento
48
FARIA. Globalização econômica e reforma constitucional. Revista dos Tribunais, p. 13-14.
49
LÔBO. Prefácio. In: CUNHA. Revisão judicial dos contratos: do Código de Defesa do Consu-
midor ao Código Civil de 2002, p. 10.
50
Previstos nos incisos II, III e IV, do art. 1º, da Constituição Federal. Os incisos I e V dizem
respeito à soberania e ao pluralismo jurídico, respectivamente.
51
SOARES; BARROSO. A dimensão dialética do novo Código Civil em uma perspectiva
principiológica. In: BARROSO (Org.). Introdução crítica ao Código Civil, p. 1.
52
Consoante Roxana Cardoso Brasileiro Borges, “outros condicionantes” do Estado Demo-
crático de Direito podem ser encontrados ao longo do texto constitucional. BORGES. Con-
trato: do clássico ao contemporâneo: a reconstrução do conceito. Revista do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, p. 34.
53
A primeira e a segunda dimensão de direitos fundamentais englobam, respectivamente, os
direitos liberais e os sociais. Consoante Paulo Bonavides, os direitos de terceira dimensão,
também chamados de direitos da fraternidade ou da solidariedade, não se direcionam a
grupos específicos, mas ao gênero humano, tido como valor supremo. Entre eles, desta-
cam-se a proteção ao meio ambiente, à comunicação, à paz e ao patrimônio comum da
humanidade (BONAVIDES. Curso de direito constitucional, p. 569-570). De acordo com José
Alcebíades de Oliveira Junior, a quarta dimensão relaciona-se aos limites impostos à mani-
pulação genética, à bioengenharia e à biotecnologia. Por fim, a quinta dimensão é atinente
aos direitos que nascem do desenvolvimento da cibernética, rompendo os limites físicos
existentes entre os países (OLIVEIRA JUNIOR. Teoria jurídica e novos direitos, p. 100).
54
Embora haja controvérsias, que não serão exploradas por ultrapassarem o corte metodoló-
gico formulado para fins de investigação.
55
FACHIN. Los derechos fundamentales en la construcción del derecho privado contem-
poráneo brasileño a partir del derecho civil-constitucional. Revista de Derecho Comparado,
p. 263.
56
No que tange à constitucionalização do direito civil, é preciso assinalar que ela não se confun-
de com a publicização. Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, “a publicização deve ser entendida
como o processo de intervenção legislativa infraconstitucional, ao passo que a constituciona-
lização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucional-
mente estabelecidos. Enquanto o primeiro fenômeno é de discutível pertinência, o segundo é
imprescindível para a compreensão do moderno direito civil”. LÔBO. Constitucionalização
do direito civil. Revista de Informação Legislativa, p. 101.
57
XAVIER; FROTA. A repersonalização das relações contratuais civis e de consumo a partir
da obra de Paulo Luiz Netto Lôbo. In: TEPEDINO; FACHIN (Org.). Pensamento crítico do
direito civil brasileiro, p. 106-107.
58
LÔBO. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa, p. 108.
59
MARTINS-COSTA. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil.
In: SARLET (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 72.
60
NALIN. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva
civil-constitucional, p. 82.
61
BORGES. Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual. In: HIRONAKA;
TARTUCE (Coord.). Direito contratual: temas atuais, p. 29.
62
Consoante Luis Renato Ferreira da Silva, “em uma sociedade economicamente massificada,
o entrelaçamento dos contratos mantidos entre os vários elos da cadeia de circulação de
riqueza faz com que cada contrato individual exerça uma influência e tenha importância
em todos os demais contratos que possam estar relacionados. Assim, a inadimplência de
um grupo de consumidores (...) acarretará a inadimplência do lojista com seu fornecedor
que, por sua vez, poderá repercutir na relação deste com aquele que lhe alcança a matéria-
prima e deste, por sua vez, com quem o financia e assim sucessivamente”. SILVA. A função
social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a solidariedade social. In:
SARLET (Org.). O novo Código Civil e a Constituição, p. 152.
63
NALIN. A função social do contrato no futuro Código Civil brasileiro. Revista de Direito
Privado, p. 54-56.
64
A palavra “resgate” é utilizada em razão de o princípio do equilíbrio não ser novo. Pelo
contrário: a preocupação com o seu significado já é percebida na obra de Aristóteles, em
especial em Ética a Nicômaco.
65
BRITO. Equivalência material: o equilíbrio do contrato como um dos princípios contratuais.
In: HIRONAKA; TARTUCE (Coord.). Direito contratual: temas atuais, p. 175.
66
NEGREIROS. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 160.
67
TIMM. O novo direito civil: ensaios sobre o mercado, a reprivatização do direito civil e a pri-
vatização do direito público, p. 90-92. Isso porque, como aponta o autor, a sociedade ganha
quando o contrato é cumprido, de modo a baixar os custos do inadimplemento que são
distribuídos na forma de juros.
68
THEODORO JUNIOR. A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o prin-
cípio da segurança jurídica. Revista da Escola Nacional da Magistratura, p. 115-117. Quando
se restringe a liberdade de contratar, segundo o autor, aos limites da função social sem o
cuidado de relacionar parâmetros perceptíveis nos casos concretos, implanta-se, na ordem
jurídica obrigacional, um fator de grande insegurança.
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69
MONTEIRO; MALUF; SILVA. Curso de direito civil, p. 25.
70
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Considerações iniciais
As transformações pelas quais vem passando o Estado moderno,
marcado pelas noções de racionalidade e laicização, influenciam
diretamente a compreensão do ordenamento jurídico, impondo um
reexame do papel do direito na realidade social, sem o que se opera
um evidente distanciamento entre direito e realidade.
Através da teoria liberal burguesa, a fonte do direito deixou de
ser a palavra absoluta do príncipe, instaurando-se um estado de lei: o
liberalismo burguês trouxe “a proposta de substituição do ‘domínio
de lei’ em lugar da decadente idolatria absolutista”.1
Esse domínio da lei é caracterizado por uma compreensão mera-
mente formalista do direito, através da qual a precisão das disposições
legais se constituía em um meio de evitar o campo de ação do Estado
na aplicação das leis, limitando o poder de interpretação ao máximo
possível.
1
MAUS. O Judiciário como superego da sociedade: sobre o papel da atividade jurispruden-
cial na “sociedade órfã”. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, p. 131.
2
PEREIRA. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo
das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, p. 255.
3
Apesar dessas transformações pelas quais vêm passando as bases hermenêuticas, é de se
notar que o método lógico-dedutivo ainda vem sendo utilizado como forma de mascarar os
verdadeiros fundamentos da decisão judicial, não tendo o intérprete se desvencilhado com-
pletamente do apego ao formalismo jurídico. Como bem destaca João Maurício Adeodato
(Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica, p. 261), “parece até hoje permanecer
a convicção, ligada a uma mentalidade silogística, de que toda decisão jurídica parte de
uma norma geral prévia”.
4
KRELL. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um
direito constitucional “comparado”, p. 73.
5
BONAVIDES. Do Estado liberal ao Estado social, p. 40.
6
BARBERIS. Libertad y liberalismo. Isonomía – Revista de Teoría y Filosofía del Derecho, p. 181.
7
BARBERIS. Libertad y liberalismo. Isonomía – Revista de Teoría y Filosofía del Derecho, p. 187.
Tradução livre. Texto no idioma original: “(...) se es libre de otros individuos para hacer lo
que se debe gracias al Estado y a sus leyes: por fuera de estas condiciones institucionales,
se está continuamente expuesto al gobierno del hombre sobre el hombre, a la fatalidad de
la dependencia personal, a la ciega causalidad de las relaciones de fuerza”.
8
LOCKE. Segundo tratado sobre o governo, p. 217.
9
BONAVIDES. Do Estado liberal ao Estado social, p. 40-41.
10
BARBERIS. Libertad y liberalismo. Isonomía – Revista de Teoría y Filosofía del Derecho, p. 186.
No mesmo sentido, BONAVIDES. Do Estado liberal ao Estado social, p. 40.
11
BONAVIDES. Do Estado liberal ao Estado social, p. 45.
12
BONAVIDES. Do Estado liberal ao Estado social, p. 68.
tidos como formalmente iguais, uma vez que o homem não era concreta
e historicamente considerado, era “quase uma abstração metafísica”,
não se cogitando dos seus anseios e necessidades reais.13
No plano econômico, almejava-se garantir a segurança e a pre-
visibilidade das relações negociais, com o Estado ausentando-se da
esfera econômica e dos conflitos distributivos.
O direito, por sua vez, era concebido como um mecanismo de
certeza e segurança de tais relações, pois se identificava estritamente
com a lei, cuja aplicação deveria ser a mais previsível possível, haja vista
que precedida de um raciocínio puramente lógico, através do qual os
casos concretos eram subsumidos a comandos legais abstratos, numa
verdadeira “sinonímia medular entre direito e lei”.14
13
SARMENTO. Direitos fundamentais e relações privadas, p. 28.
14
VIGO. Razonamiento justificatorio judicial. Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho, p. 483.
15
Frise-se que o presente trabalho não pretende apresentar um estudo acerca das vertentes
do positivismo jurídico, mas apenas oferecer um panorama das principais características
do Direito no Estado liberal. Ademais, importante observar que a atividade interpretativa
se expressa de maneira diversa de acordo com as diferentes concepções do positivismo.
16
BOBBIO. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito, p. 132.
17
PEREIRA. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo
das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, p. 27.
18
Importa salientar que o presente estudo não se aparta da ideia de direito como ciência, mas
intenta apresentar os problemas de sua identificação com as ciências naturais.
19
KRELL. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um
direito constitucional “comparado”, p. 71-72.
20
NEVES. A interpretação jurídica no Estado Democrático de Direito. In: GRAU; GUERRA
FILHO (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 357.
21
NEVES. A interpretação jurídica no Estado Democrático de Direito. In: GRAU; GUERRA
FILHO (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 357-358.
22
VIGO. Razonamiento justificatorio judicial. Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho, p. 483.
23
LARENZ. Metodologia da ciência do direito, p. 64.
24
LARENZ. Metodologia da ciência do direito, p. 36-37.
25
NEVES. A interpretação jurídica no Estado Democrático de Direito. In: GRAU; GUERRA
FILHO (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 358.
26
Advirta-se que essa postura hermenêutica ainda vigora em grande medida em nosso país,
não obstante a Carta Constitucional de 1988 — precedida, no que toca ao perfil econômico-
social, pelas Constituições de 1934 e 1946 — tenha perpetrado uma verdadeira mudança
de paradigma hermenêutico, consoante se analisará ao longo deste estudo.
27
BONAVIDES. Do Estado liberal ao Estado social, p. 368.
28
Daniel Sarmento (Direitos fundamentais e relações privadas, p. 41), por exemplo, posiciona-se
no sentido de que “se é certo que os excessos do individualismo egocêntrico do liberalismo
tinham de ser podados, em prol de interesses da coletividade e em especial dos hipossufi-
cientes, não é menos certo que a afirmação da superioridade do coletivo sobre o individual
— expressão de uma concepção organicista da sociedade, na qual a pessoa humana, como
parte, fica subordinada aos interesses do todo — representa a ante-sala para o totalitarismo”.
29
SARMENTO. Direitos fundamentais e relações privadas, p. 51.
30
SILVA. Vinculação das entidades privadas pelos direitos, liberdades e garantias. Revista de
Direito Público, p. 44.
31
LÔBO. Princípios sociais dos contratos no Código de Defesa do Consumidor e no novo
Código Civil. Revista de Direito do Consumidor, p. 187.
32
SARMENTO. A ponderação de interesses na Constituição Federal, p. 20.
33
BONAVIDES. Do Estado liberal ao Estado social, p. 9, 19.
34
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 1.
35
GOMES. Contratos, p. 6.
36
NEGREIROS. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 15.
37
Observa Orlando Gomes (Contratos, p. 5-6) que a Escola do Direito Natural, racionalista e
individualista, influiu na formação histórica do conceito moderno de contrato ao defender
a concepção de que o fundamento racional do nascimento das obrigações se encontrava na
vontade livre dos contratantes, daí porque bastava o consentimento para obrigar. O acordo
de vontades era concebido como a fonte do vínculo jurídico, e, por isso, defendia-se que o
contrato tinha força de lei entre as partes.
38
ROPPO. O contrato, p. 224.
39
BESSONE. Do contrato: teoria geral, p. 34.
40
Expressão utilizada por Enzo Roppo (O contrato, p. 336). Salienta Roppo que o contrato,
tido como eixo fundamental da sociedade liberal (baseado nos princípios da livre iniciativa
individual, da concorrência no mercado e da procura ilimitada pelos lucros), torna-se a
bandeira das sociedades nascidas das revoluções burguesas, e bem assim um elemento de
sua legitimação. Destaca que toda uma série de teorias em torno da gênese, da natureza,
do ordenamento e do funcionamento da sociedade, amadurecidas nos séculos XVII e XVIII,
intitulavam-se contratualismo, sendo comum aos filósofos deste período a ideia de que a
sociedade nasceu e se baseia no consenso.
41
MARTINS-COSTA. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista de
Direito do Consumidor, p. 130. Esclarece Judith Martins-Costa (p. 132-133) que, para funda-
mentar a força da vontade, os adeptos da Teoria Subjetiva, ainda marcados pelo mais extre-
mado voluntarismo, explicavam que esta provinha de si, ou seja, o contrato obrigava pelo
simples fato de ser “contrato”, vale dizer, consentimento. Já para os partidários da Teoria
da Declaração, a força da vontade derivaria da lei e por isso ela teria o condão de criar nor-
mas ou preceitos. Divergem — ainda quanto a esse aspecto — as teorias da vontade e da
declaração. Segundo a teoria da vontade (origem na França), esta é produtiva de obrigações
por sua própria força. “Ocorrendo dissídio, o papel do juiz consiste, modestamente, em
simples pesquisa da vontade real, preferindo-a à sua expressão material, se porventura não
coincidirem” (BESSONE. Do contrato: teoria geral, p. 36). Os propositores da teoria da de-
claração, de origem germânica, criticam a teoria da vontade defendendo que a vontade real
é de caráter interno ou subjetivo. Assim, se a declaração não a revelar, a sua apuração teria
de valer-se de meios inseguros e perigosos. Destacam que a vontade se constitui não apenas
internamente, mas de momentos integrativos sucessivos, dos quais o último é a declaração.
Defende Darcy Bessone (p. 37) que a verdadeira solução é a intermediária: se, em regra, é
de preferir-se a vontade real, casos há em que, por conveniências sociais de segurança nas
relações jurídicas, a vontade declarada deve prevalecer, porque, sendo a declaração o meio
normal de revelação da vontade interna, não devem os que nela confiarem sofrer prejuízo
pela divergência entre uma e outra. Segundo Bessone, a declaração não é uma das etapas
do processo constitutivo da vontade, mas tão somente a revelação ou expressão de uma
vontade constituída internamente.
42
ROPPO. O contrato, p. 34.
43
ROPPO. O contrato, p. 35.
44
FACHIN. Teoria crítica do direito civil: à luz do novo Código Civil brasileiro, p. 211.
45
MARTINS-COSTA. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista
de Direito do Consumidor, p. 130-131.
46
FACHIN. Teoria crítica do direito civil: à luz do novo Código Civil brasileiro, p. 213-214.
47
LÔBO. O contrato: exigências e concepções atuais, p. 13. Nesse sentido, são relevantes as
observações de Enzo Roppo (O contrato, p. 296), ao destacar que, quando negam que as
transformações dos contratos de fato se verificam e são profundas, as ideologias jurídicas
de índole conservadora fingem que o contrato e o direito dos contratos são, hoje, substan-
cialmente idênticos ao que eram no século XIX. Conclui que isso se deve a um tendencial
tradicionalismo dos juristas, “com a sua relutância e a sua lentidão na tomada de consciência
do que é novo”, o que resulta na incorreção de teorias e de determinados conceitos jurídicos.
48
FACHIN. Teoria crítica do direito civil: à luz do novo Código Civil brasileiro, p. 204.
49
NEGREIROS. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 18.
50
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 33. Perlingieri
adverte para a necessidade de redefinição do centro do sistema e das modalidades teóricas
de tal redefinição, anotando que a despatrimonialização do direito civil é o caminho para a
reconstrução do sistema; “não é uma moda, mas uma escolha de política legislativa de alcan-
ce histórico. Um caminho ‘difícil’, mas ‘possível’, sobre o qual as convergências não podem
ser só teóricas” (p. 66).
51
LÔBO. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa, p. 103.
52
NEGREIROS. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 40.
53
MORAES. Constituição e direito civil: tendências. Revista Direito, Estado e Sociedade, p. 109.
54
MORAES. Constituição e direito civil: tendências. Revista Direito, Estado e Sociedade, p. 109.
55
ROPPO. O contrato, p. 302-303.
56
FARIA. Os desafios do judiciário. Revista da Universidade de São Paulo, p. 54.
57
STRECK. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
direito, p. 45, 51.
58
MARTINS-COSTA. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista
de Direito do Consumidor, p. 143.
59
ROPPO. O contrato, p. 296-297.
60
GOMES. Contratos, p. 16.
61
ROPPO. O contrato, p. 336.
62
TEPEDINO. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Revista
de Direito do Estado, p. 38.
63
TEPEDINO. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Revista
de Direito do Estado, p. 39.
64
NEGREIROS. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 15.
65
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 54. Segundo
Perlingieri, diante destas técnicas no âmbito do direito civil, normalmente visto como o setor
da livre vontade dos sujeitos, entra em crise a comum sistemática do direito subdividido em
público e privado, pois técnicas e institutos nascidos no campo do direito privado tradicio-
nal são utilizados naquele do direito público e vice-versa, de maneira que a distinção, nesse
contexto, não é mais qualitativa, mas quantitativa. Assim, salienta Perlingieri que existem
institutos em que é predominante o interesse dos indivíduos, mas é, também, sempre pre-
sente o interesse dito da coletividade e público; e interesses em que, ao contrário, prevalece,
em termos quantitativos, o interesse da coletividade, que é sempre funcionalizado, na sua
essência, à realização de interesses individuais e existenciais dos cidadãos.
66
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 55.
67
MATTIETTO. O direito civil constitucional e a nova teoria dos contratos.
68
A discussão que ainda subsiste na doutrina, e que não será especificamente tratada no pre-
sente trabalho, cuida da aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações entre particu-
lares, precisamente da forma de aplicação, se direta ou indireta, havendo ainda quem negue
a produção de efeitos dos direitos fundamentais a tais relações, o que não é o nosso caso.
69
“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa gra-
ve hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º,
XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo,
para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição
da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional
e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e
a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da
propriedade” (BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.213-MC. Diário de Justiça,
p. 296, grifo nosso).
70
SILVA. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre parti-
culares, p. 23. Note-se que apesar do grande comprometimento do sistema alemão com o
Estado social, foi grande a dificuldade em lidar com os denominados efeitos horizontais
dos direitos fundamentais, o que refletiu na enorme produção doutrinária e jurisprudencial
acerca do problema. Destaca Virgílio Afonso da Silva (p. 25) que essa dificuldade tem como
causa um problema normativo-constitucional: a ausência de normas de direitos fundamen-
tais que não aquelas de cunho liberal. Reafirme-se, finalmente, que a não inclusão de direi-
tos sociais na Lei Fundamental alemã não significa uma recusa do seu ideário subjacente,
pois o conceito de Estado social (Lei Fundamental, art. 20) representa uma “norma-fim de
Estado”, que fixa, de maneira obrigatória, as tarefas e a direção da atuação estatal presente
e futura (KRELL. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional “comparado”, p. 48).
71
CRUZ. La Constitución como orden de valores: problemas jurídicos y políticos: un estudio
sobre los orígenes del neoconstitucionalismo, p. 15.
72
NEGREIROS. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 57-58. Registre-se que essa postura
hermenêutica não está imune a resistências. Segundo Friedrich Müller (Métodos de traba-
lho do direito constitucional, p. 17-18), tratar os direitos fundamentais e as demais normas da
Constituição como um sistema ou uma ordem objetiva de valores implicaria a tendência de
querer solucionar de modo metódico sua concretização, limitação e mediação com outras
73
CANOTILHO. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do direito ci-
vil? A eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito
pós-moderno. In: GRAU; GUERRA FILHO (Org.). Direito constitucional: estudos em home-
nagem a Paulo Bonavides, p. 113.
74
CANOTILHO. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do direito ci-
vil? A eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito
pós-moderno. In: GRAU; GUERRA FILHO (Org.). Direito constitucional: estudos em home-
nagem a Paulo Bonavides, p. 113.
75
TEPEDINO. Temas de direito civil, p. 226. Como bem adverte Gustavo Tepedino, nos dias de
hoje, a necessidade de se dar efetividade plena às cláusulas gerais faz-se tanto mais urgente
na medida em que se afigura praticamente impossível ao direito regular o conjunto de
situações negociais que surgem na vida contemporânea. Incapaz de disciplinar todas as
inúmeras situações jurídicas que florescem na esteira dos avanços sociais, o legislador vale-
se da técnica das cláusulas gerais. Trata-se, pois, de constatação que impõe ao intérprete
uma mudança de atitude, sob pena de sucumbir à realidade social.
76
NEGREIROS. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 58.
77
Relevante anotar que mesmo uma mudança de paradigma imposta pela Constituição, tal
como ocorre com a Carta de 1988, e uma decorrente necessidade de adaptação da legislação
ordinária por imposição constitucional, infelizmente não implicam necessariamente mudan-
ças rápidas na sua aplicação. Não é incomum que a prática jurisprudencial se mostre refratá-
ria a mudanças e se mantenha presa a paradigmas superados não só pela Constituição, mas
também pela legislação ordinária: “quando os juristas não percebem, ou não querem aceitar
uma mudança de paradigma, pode ocorrer que, embora o processo de adaptação da legisla-
ção se realize rapidamente, essa rapidez não é acompanhada por uma mudança de paradig-
ma na aplicação da legislação ‘constitucionalizada’” (SILVA. A constitucionalização do direito: os
direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 41). É o que ocorre, com frequência,
em relação às mudanças introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor, por exemplo.
É necessário que a comunidade jurídica se aperceba das peculiaridades que cercam as re-
lações de consumo, identificando-as corretamente, e aplicando-lhes os princípios que lhes
são próprios, em conformidade com a novel tendência contratual que vem sendo elaborada,
ante a insuficiência dos princípios tradicionais para a regulação dos contratos firmados entre
consumidores e fornecedores. Nesse ponto, é importante frisar que já em 1983, em sua obra
Do contrato no Estado Social, bem como mais tarde, em O contrato: exigências e concepções atuais,
Paulo Luiz Netto Lôbo advertia acerca da necessidade de reelaboração de toda a construção
jurídica do contrato. Não obstante seja grande a produção doutrinária acerca dessa necessida-
de de colocar em prática esses novos ditames contratuais, é recorrente a produção de julgados
onde é nítida a aplicação dos princípios tradicionais dos contratos às relações de consumo, a
despeito da existência de regras e princípios próprios que regem tais relações.
78
Expressão utilizada por Franz Wieacker (História do direito privado moderno, p. 599).
79
LÔBO. Teoria geral das obrigações, p. 9.
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WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Trad. A. M. Botelho Hespanha.
3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
ERMIRO NETO
1 Apresentação do tema
A constante evolução dos fenômenos sociais, desde sempre, tem
colocado à prova a capacidade do direito de regulamentar da melhor
maneira possível os fatos jurídicos. À medida que a sociedade evo-
lui, o senso comum é questionado, as necessidades e os objetivos da
comunidade modificam-se, tudo de modo a exigir da ordem jurídica
uma pronta resposta no sentido de também modificar os seus regimes
jurídicos.1 Não por outra razão, “normas são promulgadas, subsistem
1
Nesse sentido, veja-se: “A velocidade das mudanças, não só econômicas, tecnológicas e po-
líticas, mas também jurídicas, e a obsessão pragmática e funcionalizadora, que também
contamina a interpretação do Direito, não raro encantam pessoas, seus sonhos, seus pro-
jetos e suas legítimas expectativas como miudezas a serem descartadas, para que seja pos-
sível avançar (para onde?) mais rapidamente” (BARROSO. A segurança jurídica na era da
velocidade e do pragmatismo. In: BARROSO. Temas de direito constitucional, p. 51).
2
FERRAZ JR. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 178.
3
KELSEN. Teoria pura do direito, passim.
4
SAMPAIO. Expectativa de direito e direito adquirido como franquias e bloqueios de trans-
formação social. In: ROCHA (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido,
ato jurídico perfeito e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Per-
tence, p. 294.
5
TEPEDINO. A incidência imediata dos planos econômicos e a noção de direito adquirido.
Reflexões sobre o art. 38 da Lei nº 8.880/94 (Plano Real). In: TEPEDINO. Temas de direito
civil, t. II, p. 217-218.
6
TEPEDINO. As relações de consumo e a nova teoria contratual. In: TEPEDINO, Gustavo.
Temas de direito civil, p. 220.
7
A expressão ganhou notoriedade na bibliografia brasileira, sendo utilizada, inclusive, por
autores clássicos: Nesse sentido: ANDRADE. Do contrato: teoria geral; GOMES. Contratos;
PEREIRA. Instituições de direito civil, v. 3; LOPES. Curso de direito civil.
8
GOMES. Contratos, p. 36.
ter claro qual norma deve ser observada, a fim de se evitar, inclusive,
o não preenchimento de certos requisitos de validade. Para casos tais,
criam-se sistemas de direito intertemporal, a fim de regulamentar o
conflito, no tempo, de leis integrativas em face de negócios jurídicos
firmados anteriormente.
A fixação de parâmetros para disciplinar a incidência da norma
jurídica no tempo pode ser considerada um dos grandes debates do
direito. Não por outra razão, Rubens Limongi França afirma que as
primeiras manifestações de direito intertemporal “se encontrariam nos
primórdios da vida jurídica da humanidade, pelo menos em estado
embrionário”.9 A civilização construiu um postulado básico que rege
a matéria, segundo o qual, via de regra, a lei que entra em vigor tem
efeito imediato e geral, regulando em princípio somente os casos futuros
(lex prospicit, non respicit). Todavia, se não há controvérsias neste ponto,
o mesmo não se pode falar da possibilidade de retroação da norma
jurídica, bem como dos limites de tal fenômeno.
Como regra geral, o sistema jurídico brasileiro consagra a pro-
teção do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, além da coisa jul-
gada, erigindo tal postulado à condição de direito fundamental (art. 5º,
inc. XXXVI, Constituição Federal). A lei nova, portanto, não pode apa-
nhar fatos pretéritos, imperativo este com inegável inspiração em razões
de segurança jurídica. Entretanto, o apego à estabilidade das relações
jurídicas pode justamente travar a evolução da tutela de outros direitos,
a exemplo do que ocorre com os contratos de consumo. Argumenta-se
que a absoluta impossibilidade de que a nova lei possa alcançar todos
os efeitos dos negócios jurídicos que lhe sejam anteriores acaba por
limitar a certas pessoas os seus benefícios, de modo a gerar regimes
jurídicos diversos para sujeitos nas mesmas situações.
Bem percebido, pois, o debate se insere em um pano de fundo
maior: a possibilidade de flexibilizar a garantia da proteção do direito
adquirido e do ato jurídico perfeito no âmbito dos contratos privados.
Semelhante ao que tem ocorrido com o instituto da coisa julgada, ga-
rantia que vem sendo relativizada — de modo perigoso, diga-se — nos
últimos anos,10 a proteção da segurança jurídica tem sido questionada
no âmbito do direito civil, mormente em situações concretas e que
envolvam a tutela de direitos fundamentais.
9
FRANÇA. Direito intertemporal brasileiro: doutrina da irretroatividade das leis e do direito
adquirido, p. 19.
10
Para uma ampla visão a respeito do fenômeno da relativização (ou flexibilização) da
coisa julgada, bem como seus reflexos no campo do Direito de Família e do Processo de
Execução: DIDIER JR. (Org.). Relativização da coisa julgada.
11
GABBA. Teoria della retroattività delle leggi.
12
ROUBIER. Le droit transitoire (conflits des lois dans le temps).
13
Apud LEVADA. O direito intertemporal e os limites da proteção do direito adquirido, p. 19-20.
14
Apud LEVADA, op. cit., p. 21-22.
15
O direito intertemporal brasileiro acabou adotando um sistema misto, que observa tanto a
regra do efeito imediato — propugnado por Roubier — quanto a proteção dos direitos ad-
quiridos — conforme defendido por Gabba. É fundamental ponderar que existem opiniões
em contrário, as quais ora apontam a adesão do sistema brasileiro à teoria de Gabba: FARIAS;
ROSENVALD. Direito civil: teoria geral, p. 100. Em sentido contrário, veja-se: PEREIRA. Insti-
tuições de direito civil: introdução ao direito civil: teoria geral de direito civil, p. 158.
16
BARROSO. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e novo
Código Civil. In: ROCHA (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurí-
dico perfeito e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence, p. 144.
17
PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969,
p. 64, 65, 72.
Art. 5º (...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
e a coisa julgada;
Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada.
§1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente
ao tempo em que se efetuou.
§2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou
alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício
tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio
de outrem.
18
Caio Mário da Silva Pereira explica as razões para a doutrina brasileira debater qual teoria
teria sido adotada no controle da eficácia das leis no tempo. Segundo ele, “o Decreto-Lei
n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, substitui a antiga Lei de Introdução por uma nova, e virou
de pólo a doutrina legal para o campo objetivista [Paul Roubier], prescrevendo que (art. 6º)
que a lei em vigor terá efeito imediato e geral e não atingirá as situações jurídicas definiti-
vamente constituídas da relação jurídica. Abandonou o legislador então a doutrina clássica
do direito adquirido, para encarar, em profissão de fé, objetivista, a situação jurídica, tal
como vimos na teoria de Roubier. Acontece, entretanto, que a jurisprudência não conseguiu
desvencilhar-se dos princípios assentados, e não obstante o direito positivo ter adotado
fundamento diferente, permaneceu fiel aos velhos conceitos, procurando dar solução aos
conflitos aos conflitos intertemporais de leis com aplicação de normas de cunho objetivista,
porém jogando com noções subjetivas de direito adquirido e expectativa de direito. Tendo
formado o seu espírito sob a inspiração das teorias tradicionais, os juízes não conseguiram
desvencilhar-se de seus cânones, e não puderam afeiçoar-se às concepções modernas. E
isso levou o legislador a um retorno, com a votação da Lei n. 3.238 de 1º de agosto de 1957,
alterando a redação do art. 6º da Lei de Introdução [ressuscitando] as definições da antiga
Lei de Introdução” (PEREIRA, op. cit., p. 37).
19
FARIAS; ROSENVALD. Direito civil: teoria geral, p. 74; GONÇALVES. Direito civil brasileiro,
v. 1.
alguns casos, desde que haja disposição legal expressa nesse sentido e
não gere lesão ato jurídico perfeito, nem direito adquirido. O raciocínio
fundamenta-se no fato de que, no Brasil, não há vedação expressa à
retroatividade, mas tão somente à retroatividade que viole o ato jurídico
perfeito e o direito adquirido, como explica Édis Milaré, tratando da
possibilidade de retroação da lei nova em matéria de Direito Ambiental:
20
MILARÉ. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 784.
21
O Supremo Tribunal Federal tem posição no sentido de que é possível a eficácia retroativa
da lei nova, desde que: (i) tal eficácia emane de disposição legal expressa e (ii) não gere
lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. Confira-se: STF, Ag.
nº 251533-6/SP, Rel. Min. Celso de Mello, com indicação de outros precedentes.
22
Apud FRANÇA, op. cit., p. 315.
23
ASCENSÃO. O direito: introdução e teoria geral, p. 582.
24
A fluidez do conceito já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do voto
do Ministro Sepúlveda Pertence (1989 – 2007) no julgamento do RE nº 186.389/RS, Rel.
Min. Sydney Sanches, ao afirmar que “o direito adquirido é um instituto que todos pen-
sam saber o que seja, mas, nos casos limites, ninguém verdadeiramente o sabe”.
25
DANTAS. Programa de direito civil: teoria geral, p. 112, 115.
26
STEINMETZ. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, p. 65.
27
STEINMETZ, op. cit., p. 66.
28
Nesse sentido, STEINMETZ, op. cit., p. 84-90; ANDRADE. Os direitos, liberdades e garan-
tias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET (Org.). Constituição, direitos fun-
damentais e direito privado, p. 274-277; SARMENTO. Direitos fundamentais e relações privadas,
p. 83-96; TEPEDINO. Direitos humanos e relações jurídicas privadas. In: TEPEDINO. Temas
de direito civil, p. 62-75.
29
DIMOULIS; MARTINS. Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 98.
30
SILVA. Direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 174.
31
SILVA, op. cit., p. 175.
32
FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 104.
33
FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 104.
34
TARTUCE. Direito civil, p. 66.
35
TOLOMEI. A proteção do direito adquirido sob o prisma civil-constitucional, p. 20.
36
SAMPAIO. Expectativa de direito e direito adquirido como franquias e bloqueios de trans-
formação social. In: ROCHA (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido,
ato jurídico perfeito e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Per-
tence, p. 341.
37
DANTAS. Programa de direito civil: teoria geral, p. 116.
38
BORGES. Direitos da personalidade e autonomia privada, p. 91.
39
FRANÇA, op. cit., p. 253.
40
DELGADO. Problemas de direito intertemporal no Código Civil, p. 41.
41
BARROSO. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e novo
Código Civil. In: ROCHA (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato
jurídico perfeito e coisa julgada: estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence,
p. 161.
42
RE nº 630.852/RS, Rel. Min. Ellen Gracie.
43
RE nº 578.801/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia.
de Saúde não poderia incidir sob contratos que lhe são anteriores,
negando de maneira expressa o entendimento de que leis de ordem
pública podem excepcionar os direitos adquiridos. No julgamento da
medida cautelar na ADI nº 1931/DF, consta do voto do relator, Ministro
Maurício Corrêa, que:
5 Conclusão
Como se viu, a inserção da proteção do direito adquirido e do
ato jurídico perfeito no contexto dos direitos fundamentais não atrai a
conclusão a priori, de que tais garantias podem ser relativizadas quando
em confronto com outros direitos.
O legislador, previamente, já exerceu juízo de ponderação que, a
toda vista, preenche os requisitos de razoabilidade/proporcionalidade:
a lei nova pode retroagir, pode apanhar contratos pretéritos, todavia,
desde que não viole as chamadas situações jurídicas consolidadas.
Razões de ordem pública — esse tão fluido conceito que pode masca-
rar as piores arbitrariedades — não podem justificar que as relações
jurídicas estabelecidas em vista de um certo modelo contratual possam
ser modificadas, em afronta à vontade das partes e aos pressupostos
existentes ao tempo da contratação.
O encantamento com a técnica hermenêutica de ponderação
de interesses não permite, de modo automático, relativizar situações
jurídicas consolidadas pelas partes por meio de suas manifestações de
vontade. Não se despreza a existência hipotética de situações-limite,
em que contra a garantia do direito adquirido possam ser postos ar-
gumentos vinculados à dignidade humana, por exemplo; no entanto,
nenhuma das hipóteses suscitadas pela doutrina para flexibilizar tal
garantia parece ir a tanto.
Afirmar que a relativização ocorreria somente em casos excepcio-
nais é o canto da sereia, conforme curiosamente informa Nelson Nery
Júnior, ao tratar da flexibilização da coisa julgada.44 Não se admite a
proteção dos “aparentes” direitos adquiridos — aqueles fundados
em negócios inválidos, nulos — ou das meras expectativas de direito.
Todavia, uma vez perfeito o negócio, deve-se ter em vista a proteção
da expectativa das partes de que a vontade manifestada será o princi-
pal vetor da interpretação da operação pactuada ou, quando menos,
44
Apud LEVADA, p. 116.
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das leis e do direito adquirido. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.
45
“Embora de aplicação mais genérica e, por isso, menos precisa, o princípio da segurança
jurídica traduz a proteção da confiança que se deposita na subsistência de um modelo legal
(...). Nesses casos, se o princípio da segurança jurídica não impede a implementação das
mudanças recomendadas pelo interesse público, pode fundamentar a obrigatoriedade de
edição de regras de transição, com o objetivo de reduzir o impacto da intervenção sobre as
posições jurídicas em questão” (MENDES. Direitos fundamentais e controle de constitucionalida-
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Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
Introdução
As intrincadas relações entre a vontade e o contrato, que
alcançaram momento máxime de fusão a partir das revoluções liberais,
não resistiram aos desafios do século XX. Os reclames contemporâneos
de justiça social avançaram em todas as esferas do direito, transformando
o direito civil tradicional. Superada, parece, a ideia de concepção da
vontade como critério-base e, ao mesmo tempo, limite dos contratos.
Todavia, ainda é possível encontrar, aqui e ali, em nossa legislação e
decisões judiciais, resvalos da teoria da vontade e, por consequência,
de seus efeitos no ambiente negocial. Assim ocorre com o tratamento
dado à onerosidade excessiva no Código Civil brasileiro de 2002, em
que figura arrolada apenas como mecanismo de extinção dos contratos.
Nosso objetivo é investigar as razões dessa escolha do legislador,
seus reflexos na dimensão social dos pactos e sua incidência prática
nas decisões do Superior Tribunal de Justiça. Consideramos apenas o
1
LIMA. Reflexões sobre a resolução do contrato na nova teoria contratual. In: MARQUES
(Coord.). A nova crise do contrato: estudos sobre a nova teoria contratual, p. 513.
traduzida pela força vinculante dos pactos, que, como tal, deviam ser
cumpridos. Entretanto, nesta fórmula, a vontade ainda não era um ele-
mento conformador e causador dos contratos; pelo contrário, no direito
romano, a vontade ou o consenso apenas excepcionalmente formavam
os pactos. Foi apenas bem mais adiante, com o jusracionalismo, que a
vontade passou a ser compreendida como fonte máxima de obrigações.2
No decorrer do século XIX, uma convergência entre os juristas,
então tida como universal, estabelecia que o direito positivo seria
norteado e dominado por uma ordem natural de justiça. Essa conver-
gência era tamanha que foi considerada verdadeira religião de Estado.3
A vontade, nesse período, avançava, sob a égide dos princípios da
liberdade e igualdade, como expressão máxima de fonte legitimadora
e conformadora dos contratos, sendo, portanto, intangível por decreto
e por crença.
A alteração das condições contratuais, contudo, não obedecia aos
decretos de satisfação dos anseios de segurança jurídica dos moder-
nos. Os fatos supervenientes se impunham e o direito, até meados do
século XX, ainda absorto das verdades revolucionárias do liberalismo
e já estático diante da necessidade de lidar com as novas insurgências
da sociedade, passou a indagar: pode o Estado intervir na execução do
contrato? Pode o Estado alterar as condições contratuais, impedir ou
retardar a execução de obrigações previamente dispostas em contrato?
A mitigação dos princípios clássicos dos contratos — autonomia
da vontade, liberdade contratual e relatividade dos contratos — deu
margem à composição de uma nova teoria dos contratos, que passou a
contemplar, também, os princípios da função social dos pactos, da boa-
fé objetiva, da equivalência material e, sobretudo, ofereceu ao direito
civil uma visão revolucionária de justiça contratual.4
Mas a segurança ilusória dos modernos, mesmo em uma nova
ordem social, ainda permanecia, como permanece até o tempos atuais,
latente, tanto assim que não faltaram autores que proclamaram ser
ainda a vontade a base da revisão dos contratos.
As doutrinas que colocam os instrumentos de revisão dos con
tratos, como a cláusula rebus sic stantibus e a teoria da imprevisão,
sob a análise da força da autonomia contratual, consideram que esta
revisão deriva, tacitamente, da vontade das partes. Para estas, a revisão
2
ALMEIDA. Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, p. 69.
3
RIPERT. A regra moral nas obrigações civis, p. 16.
4
LEAL. Boa-fé contratual. In: LÔBO; LYRA JÚNIOR (Coord.). A teoria do contrato e o novo
Código Civil, p. 26.
5
MORAES. Cláusula Rebus sic Stantibus, p. 31-32. Argumenta o autor que a maioria das dou-
trinas que fundamentam a revisão contratual na análise da vontade contratual, “especial-
mente formuladas pelos estudiosos alemães e italianos, tem um parentesco com a teoria
da pressuposição, elaborada pelo jurista pandestista Windscheid. Mesmo as que surgiram
como uma crítica à pressuposição não deixam de ser por ela influenciadas. Assim, a partir de
aperfeiçoamentos à teoria de Windscheid, que fora acusada de ser excessivamente genérica
e confusa, apareceram a doutrina da base do negócio jurídico (Oertmann e Karl Larenz), a
teoria do erro (Giovene), a da vontade marginal (Osti), a teria da imprevisão do Conceil d´Etat
francês e diversas outras, cada uma com seu matiz próprio e, normalmente, defendidas por
juristas de reconhecida capacidade”, p. 32.
6
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 216.
7
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 217-218.
8
RIPERT. A regra moral nas obrigações civis, p. 144.
9
LÔBO. Direito civil: contratos, p. 202.
10
MORAES. Cláusula Rebus sic Stantibus, p. 75-76.
11
LÔBO. Direito civil: contratos, p. 203-204.
12
MORAES. Cláusula Rebus sic Stantibus, p. 83.
13
MORAES. Resolução e revisão dos contratos por onerosidade excessiva. In: LÔBO; LYRA
JÚNIOR (Coord.). A teoria do contrato e o novo Código Civil, p. 208.
14
RIPERT. A regra moral nas obrigações civis, p. 143.
15
CORDEIRO. Direito das obrigações, p. 142.
16
MORAES. Cláusula Rebus sic Stantibus, p. XXI.
17
RIPERT. A regra moral nas obrigações civis, p. 144-145.
18
CARDOSO. O fim negativo do contrato no Código Civil de 2002: resolução por onerosida-
de excessiva. In: MARQUES (Coord.). A nova crise do contrato: estudos sobre a nova teoria
contratual, p. 556.
Lei Failliot, de 1918, que propôs, na França, a rescisão dos contratos an-
teriores à guerra porque sua execução havia se tornado excessivamente
onerosa. Ali, ainda apegados à vontade, não se cogitava a possibilidade
de revisão dos conteúdos contratuais. Em seu art. 2º, a Lei Failliot tinha
como caráter essencial a intervenção do Juiz no desenlace contratual
porque as partes não poderiam, sozinhas, desligar-se de uma obrigação
que tornara-se ruinosa para uma delas. O juiz não poderia rever o pacto
para lhe modificar as cláusulas estabelecidas; os juristas consultados
antes da edição desta lei afastaram a proposta de revisão, afirmando
que esta somente poderia resultar de entendimento entre as partes.19
Nesse mesmo sentido, o legislador dispôs, no art. 479 do Código
Civil brasileiro:
19
RIPERT. A regra moral nas obrigações civis, p. 145.
20
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o va-
lor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido
da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Acórdão:
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-
das, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,
por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Vencidos os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Castro Filho (art. 162, IV,
b, do RISTJ). Os Srs. Ministros Ari Pargendler e Sidnei Beneti votaram
com o Sr. Ministro Relator. (grifos nossos)
21
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 262.
22
Neste sentido: “E se la regola di conservazione e di adeguamento del contenuto esprime
um’esigenza generale, riferibile all’autonomia privata nel suo complesso, a maggior ragione,
se diceva, essa deve operare la ddove — come cièstato spiegato — lo svolgimento del rap-
porto è funzionalmente connesso all’interesse dei contraenti ala continuità dell´esecuzione,
cioè nei contratti a lungo termine. Il riferimento è ale circostanze sopravvenute atte ad altera-
re, nel tempo, l´equilibrio di assetti programmato ab origine dai contraenti” (CRISCUOLO.
Autonomia negoziale e autonomia contrattuale, p. 284).
23
Entre outros: ASSIS; ANDRADE; ALVES. Do direito das obrigações. In: ALVIM; ALVIM
(Coord.). Comentários ao Código Civil brasileiro, p. 728-729; TEPEDINO; BARBOZA; MORAES.
Código Civil interpretado: conforme a Constituição da República, p. 133.
Referências
ALCAÍN MARTÍNEZ, Esperanza. Problemas de la alteración sobrevenida de las
circunstancias del contrato em la unificación del derecho europeo. In: OSSORIO
SERRANO, Juan Miguel (Org.). Europa y los nuevos limites de la autonomia privada. Granada:
Universidad de Granada, 2005.
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico. Coimbra:
Almedina, 1992. v. 1.
ASSIS, Araken de; ANDRADE, Ronaldo Alves de; ALVES, Francisco Glauber Pessoa.
Do direito das obrigações. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord.). Comentários ao
Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 5. Art. 421 a 578.
24
ALCAÍN MARTÍNEZ. Problemas de la alteración sobrevenida de las circunstancias del
contrato em la unificación del derecho europeo. In: OSSORIO SERRANO (Org.). Europa y
los nuevos limites de la autonomia privada, p. 58-60.
1 Introdução
A resolução por descumprimento pode parecer mote simplório
e com poucas controvérsias; a verdade, no entanto, é contrária. O
embaralhamento referente à matéria existente na lei, na doutrina e na
jurisprudência, em conjunto com sua relevância fática, econômica e
jurídica foram as razões pelas quais o tema foi escolhido.
Após a celebração de um contrato, é difícil prever se será
observado. Inexistem dados objetivos que possam mensurar e fornecer
estatísticas e probabilidades de cumprimento do pacto. Por essas e
outras razões há quem perfaça a comparação entre o amor e o contrato:
no começo tudo é perfeito, somente o uso revela se o dia seguinte será de
choro ou de alegrias. Aproveitando essa metáfora, poderíamos afirmar
que, assim como no amor, as partes são otimistas e não se preparam
para o descumprimento do contrato, pois esperam que o ajuste seja
plenamente executado, afinal os contratos nascem para ser cumpridos.1
1
Em direta referência ao princípio pacta sunt servanda, cuja obrigatoriedade alicerça o direito
contratual.
2
A doutrina brasileira traz poucos contributos nessa área e, quando trata do assunto, normal-
mente o insere em manuais de modo simplório. De acordo com Pedro Romano Martinez, a
doutrina portuguesa também agiria dessa forma, Da cessação do contrato, p. 20 e, apesar de
concordarmos com o autor no que respeita à doutrina portuguesa, ao fazermos um compa-
rativo entre a situação jurídica brasileira e a portuguesa, esta última encontra-se em vanta-
gem, pois, além de possuir obras específicas mais vastas, também já caracteriza melhor as
figuras extintivas dos contratos.
3
Nesse sentido, José de Oliveira Ascensão também adverte que “a resolução é a figura extin-
tiva que traz maiores dificuldades”. OLIVEIRA. Direito civil: teoria geral, p. 337.
2 Conceituação
Delimitar a figura através de seu conceito é condição sine qua non
para o exame de qualquer matéria.4 E essa tarefa assume especial rele-
vância quando estamos diante das figuras que possibilitam a extinção
do contrato, haja vista que a confusão que se faz entre elas chega mesmo
a comprometer seu estudo, em especial aquele a que nos propomos —
com fito de realizar uma comparação entre os ordenamentos jurídicos
português e brasileiro, haja posto que nesses sistemas a denominação
de uma figura que permita a extinção do contrato em um deles pode
não corresponder ao sentido que o mesmo instituto possui no outro
ordenamento ou sequer existir nesse outro sistema.5
É frequente notarmos na doutrina a mistura do conceito de
resolução com seus efeitos ou com a forma pela qual se realiza,6 sem a
atenção de diferenciá-la das outras espécies extintivas ou, até mesmo,
sem a preocupação de conceituar o instituto de modo amplo, pois é
constante a limitação do conceito a apenas um dos tipos de resolu-
ção, como se outros não existissem.7 O conceito de resolução, porém,
permitir-nos-á operacionalizar o estudo pretendido, ao balizar as in-
vestigações e não permitir que haja qualquer miscelânea com outras
espécies extintivas próximas.
A expressão “resolução” deriva de resolvere, resolutio, resolutionis e
possui diversos significados.8 Juridicamente, pode ser usada essencial-
mente em dois sentidos: para designar uma proposta aceita por uma
assembleia deliberativa que se constitui numa simples orientação ou
4
Paulo Luiz Netto Lôbo explica a importância da conceituação em virtude de categorias e
institutos do direito serem sempre plurissignificativos (LÔBO. Condições gerais dos contra-
tos e cláusulas abusivas, p. 24).
5
Isso ocorre, por exemplo, com a resilição, que vem disposta no art. 473 do Código Civil
brasileiro, porém não existe no ordenamento jurídico português.
6
A título de exemplo, Orlando Gomes conceitua a resolução como o “remédio concedido à
parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial”. GOMES. Contratos, p. 172.
Pedro Pais de Vasconcelos, por seu turno, entende que seria “uma declaração unilateral re-
cipienda ou receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra, põe termo ao negócio
retroactivamente, destruindo assim a relação contratual”. VASCONCELOS. Teoria geral do
direito civil, p. 608.
7
Assim o faz Ruy Rosado Aguiar Júnior ao afirmar que a resolução seria “o modo de ex-
tinção dos contratos, decorrente do exercício do direito formativo do credor diante do
incumprimento do devedor”. AGUIAR JÚNIOR. Extinção dos contratos por incumprimento
do devedor, p. 12, sem se atentar para a existência da resolução por onerosidade excessiva.
8
O dicionário elaborado pela Academia das Ciências de Lisboa e a Fundação Calouste
Gulbenkian enumera dezessete significados para a palavra, inclusive no âmbito médico, ló-
gico, psicológico e musical (FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN. Dicionário da língua
portuguesa contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, p. 3219).
9
Pedro Romano Martinez menciona um terceiro sentido em que o termo resolução seria uti-
lizado, qual seja como modo de solução de conflitos (MARTINEZ. Da cessação do contrato, p.
65). De fato, os métodos extrajudiciais de solução de conflitos, como a negociação, a media-
ção, a conciliação e a arbitragem são, também, relacionados às seguintes expressões: RAC
(Resolução Alternativa de Conflitos) ou RAD (Resolução Alternativa de Disputas).
10
TELLES. Manual dos contratos em geral, p. 379, 383.
11
PROENÇA. A resolução do contrato no direito civil: do enquadramento e do regime, p. 13.
12
Nesse sentido, também MARTINEZ. Da cessação do contrato, p. 67 e LEITÃO. Direito das
obrigações, p. 98.
13
Conceito fornecido por José de Oliveira Ascensão, Direito civil: teoria geral, p. 338.
14
Nomeadamente na subseção VI, da seção I (contratos), do capítulo II (fonte das obrigações),
do título I (obrigações em geral), do Livro II (direito das obrigações) do Código Civil
português.
15
Seção II, do capítulo II (extinção do contrato), do título V (contratos em geral), do livro I
(direito das obrigações), da parte especial do Código Civil brasileiro.
16
ASSIS. Resolução do contrato por inadimplemento, p. 62.
17
Ruy Rosado Aguiar Júnior sustenta que, para além dos efeitos, o Código Civil brasileiro
também teria sido omisso quanto aos pressupostos da resolução, Extinção dos contratos por in-
cumprimento do devedor, p. 11, com o que não podemos concordar, uma vez que o pressuposto
da resolução por incumprimento é o próprio não cumprimento, que se encontra claramente
disposto no art. 475 do Código Civil brasileiro. Ao passo que o pressuposto da resolução por
onerosidade excessiva encontra-se (bem ou mal) também disposto no art. 478 do Código
Civil brasileiro. Assim, a crítica ao legislador cingir-se-ia, basicamente à omissão quanto aos
efeitos e à falta de clareza e discernimento em tudo quanto disciplinado.
18
PROENÇA. A resolução do contrato no direito civil: do enquadramento e do regime, p. 12.
4 Fundamento
O fundamento da resolução é matéria bastante controversa, e o
objetivo do seu estudo é o de justificar a razão pela qual apenas uma das
partes possui a faculdade de romper o vínculo contratual, sob o pretexto
de que a contraparte não cumpriu o quanto pactuado, em vez de aquela
buscar o cumprimento da obrigação (judicial ou extrajudicialmente), até
mesmo porque o inadimplemento, per si, não destrói o vínculo jurídico.
Desse modo, como permitir que a outra parte possa destruí-lo? A essa
indagação inúmeras respostas podem ser fornecidas, pois diversas teo
rias foram criadas para tanto. Todas elas tentam chegar a um mesmo
resultado, contudo, por meio de realidades tão diversas que a escolha
de determinado fundamento pode influenciar diretamente o papel que
19
No mesmo sentido, vide MARTINEZ. Da cessação do contrato, p. 65.
20
Nesse mesmo sentido, vide VIGARAY. La resolucion de los contratos bilaterales por incumpli-
mento, p. 66 e Capitant, que assevera que o tipo de fundamento que se encontre influenciará
diretamente a interpretação que se deva dar ao art. 1.184 do CC francês, chegando a conse-
quências muito diversas sobre, por exemplo, o poder de decisão dos juízes e o âmbito da
resolução (CAPITANT. De la cause des obligations, p. 341 apud VIGARAY, op. cit., p. 66).
21
A primeira alínea do art. 1.184 do CC francês dispõe que “a condição resolutiva está sempre
subentendida nos contratos sinalagmáticos para o caso de uma das partes não cumprir
o seu compromisso”. Diversos países foram influenciados em seus códigos civis por esse
preceito e essa doutrina, nomeadamente o Código Civil Espanhol que, no seu art. 1.124,
prescreve que “la �������������������������������������������������������������������������������
faculdad de resolver las obligationes se entiende implícita en las recípro-
cas, para el caso de que uno de los obligados no cumpliere lo que lo incumbe”.
22
Rafael Alvarez Vigaray afirma que a utilização dessa doutrina permitia a interpretação
de que o juiz não é “llamado a romper el contrato, sino que se limita a constatar que el
contrato se ha resuelto”. VIGARAY, op. cit., p. 67.
23
Assim o fazem RIZZARDO. Contratos, p. 274; RODRIGUES. Direito civil, p. 90; DINIZ. Curso
de direito civil brasileiro, p. 163 e Orlando Gomes, que inicialmente explica o que seria a cláu-
sula resolutiva tácita pela teoria da condição implícita, para depois buscar o fundamento
“desse princípio” e após uma breve análise das demais teorias (mas não das críticas à teoria
que adota), parece dar preferência à teoria da condição implícita, ao afirmar que “melhor
se depreende o mesmo [fundamento] pelo conhecimento de sua formação histórica. Na
França, de onde vem, era usual a inclusão, nos contratos bilaterais, de cláusula especial em
que se previa a inexecução, estatuindo-se que, em vez de pugnar pela execução do contrato,
a parte podia pedir ao juiz sua resolução. Tornou-se tão comum que, embora não estipula-
da, era subentendida”. GOMES. Contratos, p. 173.
Como exceção, citemos como exemplos AGUIAR JÚNIOR. Extinção dos contratos por incum-
primento do devedor, p. 15 et seq., e ASSIS. Resolução do contrato por inadimplemento, p. 54 et seq.,
que defendem a teoria da equidade após análise das demais e de suas críticas.
24
RT nº 752/287, de 1.12.1997, extraído de RIZZARDO, op. cit., p. 274.
25
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ, p. 35, 14 fev. 2000. Dessa ementa, salta aos olhos
a utilização do STJ da expressão “resolução”, apesar de o Código Civil vigente à época
mencionar o termo “rescisão”, o que denota a preocupação da precisão terminológica desse
tribunal.
26
VIGARAY. La resolucion de los contratos bilaterales por incumplimento, p. 67.
27
Dentre os mais tenazes, encontramos Araken de Assis, Ruy Rosado Aguiar Júnior e Pontes
de Miranda.
28
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 336.
29
No mesmo sentido, vide VIGARAY, op. cit., p. 66 e ASSIS, op. cit., p. 62, sendo que o primeiro
perfaz a crítica da crítica ao defender que “en la obra de Pothier se encuentra base suficiente
32
VIGARAY. La resolucion de los contratos bilaterales por incumplimento, p. 68.
33
Rafael Alvarez Vigaray menciona diversas outras críticas a essa teoria suscitadas por
Auletta, Capitant, Messineo, Roca Sastre, Stolfi e Mosco (VIGARAY, op. cit., p. 66 et seq).
34
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho parecem adotar simultaneamente a teoria
da condição implícita, a teoria da causa e a teoria do sinalagma, apesar de não justificar seu
entendimento, o que, como já se afirmou anteriormente, ocorre com bastante frequência
na doutrina brasileira. Senão vejamos o que dizem os autores: “quando, contudo, as partes
nem sequer cogitaram acerca do inadimplemento contratual, fala-se, de maneira distinta,
na preexistência de uma cláusula resolutória tácita, pois em todo contrato bilateral, por
força da interdependência das obrigações, o descumprimento culposo por uma das partes
deve constituir justa causa para a resolução do contrato, uma vez que, se um é causa do
outro, deixando-se de cumprir o primeiro, perderia o sentido o cumprimento do segundo”.
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil, p. 271.
35
De acordo com Rafael Alvarez Vigaray, algo de certo existe nessa observação “pues los auto-
res próximos a la codificación antes mencionados (Demolombe, Dusi) mezclan la teoría de la
causa com la teoría de la condición resolutoria tácita, sirviéndose de la primeira para apoyar
la segunda”. VIGARAY. La resolucion de los contratos bilaterales por incumplimento, p. 71.
36
Por tudo isso, Araken de Assis, afirma que esta teoria possui pouca aplicação (ASSIS.
Resolução do contrato por inadimplemento, p. 67).
essa alternativa não tem natureza de sanção, o que só poderia ser dito
da resolução. E assim o defende Pontes de Miranda quando afirma que
“a resolução é sanção, que o juiz aplica”,37 apesar de também afirmar
que a resolução seria uma escolha, “que tem o credor: ou exige, força-
damente, a prestação, ou resolve o contrato (exerce contra o devedor a
pretensão à resolução ou à resilição”.38
A função punitiva não é comumente concedida em direito priva-
do e a resolução possui maior função liberatória do que sancionatória
e, se fosse cabível sob esse fundamento, deveria aproveitar ambas as
partes, punindo, desse modo, tanto o credor quanto o devedor. Além
disso, existem hipóteses de resolução que não visam sancionar a parte
inadimplente, como ocorre nos casos de quebra de equilíbrio.39 Por fim,
cumpre notar que nem no ordenamento jurídico português, nem no
brasileiro, consegue-se vislumbrar qualquer disposição sancionatória
nos preceitos que tratam da resolução,40 mas apenas escolha do credor.
37
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 338.
38
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 338.
39
MARTINEZ. Da cessação do contrato, p. 227.
40
No mesmo sentido, entretanto, apenas se referindo ao ordenamento jurídico brasileiro,
Araken de Assis, que complementa que tal é verificável em comparação com outras normas
jurídicas sancionatórias (ASSIS. Resolução do contrato por inadimplemento, p. 72).
41
São adeptos dessa teoria AGUIAR JÚNIOR. Extinção dos contratos por incumprimento do deve-
dor, p. 16; ASSIS. Resolução do contrato por inadimplemento, p. 75-76 e PONTES DE MIRANDA.
Tratado de direito privado, p. 338.
42
Apesar de Silvio de Salvo Venosa conceituar a equidade como “uma forma de manifestação
de justiça que tem o condão de atenuar a rudeza de uma regra jurídica”, ele reconhece tratar-
se de conceito filosófico que fornece várias concepções (VENOSA. Direito civil, v. 1, p. 26).
A noção de equidade pode ser encontrada em Aristóteles que, após verificar que são vários
os elementos que fazem parte do significado de justiça e que não são redutíveis ao legal e
ao igual (quais sejam: mérito, meio-termo, reciprocidade, proporcionalidade e equidade),
esclarece a natureza da equidade como “uma correção da lei quando esta é deficiente em
razão da sua universalidade”, deixando claro ainda que a equidade é superior a uma
simples espécie de justiça, pois um indivíduo age de forma justa quando, mesmo tendo
direitos garantidos pela lei, abre mão deles em favor de uma pessoa menos favorecida, por
exemplo (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 125).
43
VIGARAY. La resolucion de los contratos bilaterales por incumplimento, p. 75.
44
Identificando a teoria da equidade com a teoria da causa, SASTRE, Roca apud VIGARAY.
La resolucion de los contratos bilaterales por incumplimento, p. 75.
45
De acordo com Aristóteles, “da justiça e do que é justo no sentido que lhe corresponde, uma
das espécies é a que se manifesta nas distribuições de magistraturas, de dinheiro ou das ou-
tras coisas que são divididas entre aqueles que têm parte na constituição (pois em tais coisas
alguém pode receber um quinhão igual ou desigual ao de outra pessoa); a outra espécie é
aquela que desempenha uma função corretiva”. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 108.
46
HOBBES. O leviatã, p. 86.
47
No que toca à anterior posição de desvinculação do fundamento do conceito de justiça, pois
ela também se liga à teoria legal, quando Aristóteles afirma ser justo o que for conforme a lei
e assegura que “o homem sem lei é injusto e o cumpridor da lei é justo, evidentemente todos
os atos conforme à lei são atos justos em certo sentido, pois os atos prescritos pela arte do
legislador são conforme à lei, e dizemos que cada um deles é justo”. ARISTÓTELES, op. cit.,
p. 104.
48
Pressupostos da resolução por incumprimento, in: MACHADO. Obra dispersa, p. 137.
49
Pontes de Miranda parece corroborar nossa posição ao escrever que “se há regra jurídica,
o que mais importa é saber-se qual a construção que dela resulta, qual a sua natureza, qual
o fim, a ratio, que ela teve e tem e não se foi o uso que a inspirou ao legislador”. PONTES
DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 337.
50
Pressupostos da resolução por incumprimento, in: MACHADO. Obra dispersa, p. 137.
51
Diferença básica que se pode observar entre a posição ora defendida e a defendida por Karl
Larenz é que, por essa última, tanto o credor quanto o devedor poderiam resolver o contrato
se a finalidade última de ambas as partes se tornasse impossível, enquanto pela tese ora de-
fendida apenas a parte lesada poderia resolver o contrato e somente na hipótese de ambas as
partes terem sido lesadas é que estaríamos diante da possibilidade de ambas resolverem-no
(LARENZ. Base del negocio jurídico y cumplimiento del contrato, p. 149).
52
VIGARAY, op. cit., p. 74.
5 Forma
No que respeita à forma, dois são os modelos que inspiraram
Códigos no mundo inteiro: o alemão e o francês. Esse último exige
intervenção judicial, ou seja, para que o contrato seja resolvido, é
necessária uma sentença judicial nesse sentido, enquanto o sistema
alemão, por seu turno, admite a resolução sem intervenção judicial,
exigindo apenas declaração do credor nesse sentido,53 o que não im-
pede, contudo, a interposição de qualquer ação judicial por parte do
devedor para discutir a resolução declarada pelo credor ou por parte
do próprio credor para declarar a resolução.
O sistema alemão foi, sem sombra de dúvidas, o sistema adotado
pelo Código Civil português, como se observa no art. 436º, nº 1, que
dispõe que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração
à outra parte, ou seja, não depende de sentença judicial.
No que respeita o ordenamento jurídico brasileiro, a unanimi-
dade da doutrina brasileira defende que o Código Civil brasileiro teria
adotado o sistema francês, inobstante inexistir qualquer embasamento
para essa conclusão, assumindo essa temática, então, especial relevância
diante do que prescrevem os arts. 474 e 475 do Código Civil brasileiro.
Como não há discussões quanto à forma pela qual a resolução se opera
em Portugal, este tópico analisará apenas a problemática relativa ao
direito brasileiro.
53
Para análise dos sistemas francês e alemão, vide GOMES. Contratos, p. 174-175; PEREIRA.
Instituições de direito civil, 11. ed., p. 156. Exame dos sistemas adotados em diversos países
pode ser obtido ainda em MARTINEZ. Da cessação do contrato, p. 177, nota de rodapé n. 354.
54
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ, p. 35, 14 fev. 2000. Dessa ementa, salta aos olhos
a utilização do STJ da expressão “resolução”, apesar de o Código Civil vigente à época men-
cionar o termo “rescisão”, o que denota a preocupação da precisão terminológica daquele
tribunal.
55
No voto aprovado do RESp nº 159.661/MS — citado na nota acima —, o relator sustenta que
“a doutrina se mostra uniforme no sentido de que a cláusula resolutiva tácita se pressupõe
presente em todos os contratos sinalagmáticos, ou, em outras palavras, independentemen-
te de estar expressa, qualquer das partes pode requerer a resolução do contrato diante do
inadimplemento da outra”.
56
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 227.
57
GOMES. Contratos, p. 172.
58
PEREIRA. Instituições de direito civil, 10. ed., p. 95 e repetida na última edição, PEREIRA.
Instituições de direito civil, 11. ed., p. 157, sendo essa última edição publicada após o início
da vigência do novo Código Civil brasileiro.
59
DAIBERT. Dos contratos: parte especial das obrigações, p. 172.
60
No mesmo sentido, vide PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil,
p. 203.
61
A intimação da outra parte é, inclusive, o pedido que deve constar na petição inicial, con-
forme estipula o art. 867 do CPC brasileiro.
62
Por se tratar de atividade administrativa do Poder Judiciário, Leonardo Vitório Salge diz ser
descabida até a sua inclusão, tecnicamente, entre as medidas cautelares (SALGE. A exclu-
são do sócio pela maioria do capital social. Jus Navigandi).
63
Nesse sentido, Pontes de Miranda também termina por corroborar nossa posição, apesar de
adotar a teoria da sanção como fundamento da resolução, ao afirmar que “não há condição.
Há atribuição legal de escolha, que tem o credor: ou exige, forçadamente, a prestação, ou re-
solve o contrato (exerce contra o devedor a pretensão à resolução ou à resilição)”. PONTES
DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 338.
64
DAIBERT. Dos contratos: parte especial das obrigações, p. 172.
65
LOUREIRO. Contratos no novo Código Civil: teoria geral e contratos em espécie, p. 275.
66
Com suas palavras, ele afirma que “uma compreensão apressada do instituto poderia supor
que se afasta sistematicamente uma declaração judicial na hipótese. Não é o que acontece na
maioria das vezes. Quando se dá por resolvido um contrato, há outros efeitos concretos de
que necessitam as partes, além do singelo desfazimento”. VENOSA. Direito civil, v. 2, p. 499.
67
Essa ideia é a base dos Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos, que visam devolver
às partes o poder decisório de seus conflitos. A legislação brasileira é rica em estímulos à
sua utilização, a exemplo do art. 840 do Código Civil brasileiro, inúmeros dispositivos do
Código de Processo Civil, da Lei nº 9.099/95 e, recentemente, do Pacto Republicano e da
Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.
68
VENOSA. Direito civil, v. 2, p. 329.
69
PEREIRA. Instituições de direito civil, 10. ed., p. 95 e repetida na citada 11ª edição, p. 158.
70
Traduz J. Dias Marques o que significa operar ipso iure. MARQUES. Noções elementares de
direito civil, p. 109: quando o fato extintitivo ou resolutivo da eficácia negocial produz desde
logo, automaticamente, aquele seu efeito, enquanto outras vezes atribui tão somente aos
interessados o direito (potestativo) de, mediante uma sua declaração de vontade, por si só
ou integrada por uma decisão jurisdicional, obter a cessação daquela eficácia.
71
LEITÃO. Direito das obrigações, p. 99, nota de rodapé n. 208.
72
GOMES. Contratos, p. 174-175.
6 Conclusão
A resolução é um modo de extinção do vínculo contratual que
depende da vontade unilateral e vinculada a um fundamento (justa
causa) legal ou convencional de um dos contratantes. Na resolução
por descumprimento, mais especialmente, a justa causa corresponde
ao inadimplemento contratual.
Ela encontra-se disciplinada de modo autônomo igualmente
no Código Civil português e no Código Civil brasileiro, apesar de o
primeiro possuir sistemática mais hialina e coerente. A despeito de
inexistir qualquer indicação expressa nesse sentido, o art. 474 do Có-
digo Civil brasileiro é o microrregime geral da resolução — somente
tratado como microrregime por se limitar a determinar a forma como
a resolução legal e a convencional se operam, enquanto o art. 475 do
Código Civil brasileiro representa o regime jurídico específico da re-
solução por descumprimento.
Comparando-se as situações jurídicas dos ordenamentos anali-
sados, apreendemos que em Portugal o estado da matéria encontra-se
73
MARTINEZ. Da cessação do contrato, p. 75.
Referências
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor.
2. ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004.
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PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001. v. 3. Fonte de obrigações.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. v. 3. Contratos: declaração unilateral de vontade, responsabilidade civil.
1 Introdução
A elaboração do projeto do Código Civil de 2002 foi guiado,
segundo Miguel Reale,1 por três princípios: socialidade; eticidade e
operabilidade. Identifica-se a influência de cada um deles no contrato
de seguro, sendo esta correlação o primeiro objetivo do estudo proposto.
O princípio da socialidade indica a aplicação do paradigma da
solidariedade, um dos objetivos fundamentais do Estado,2 impondo,
dentre outras coisas, a concepção social do contrato, segundo a qual as
partes devem cooperar entre si e observar, para além dos seus próprios
interesses, os valores socialmente relevantes. Não sem razão, usualmen-
te a socialidade é associada ao princípio da função social dos contratos,
embora com este último não se confunda.
Já o princípio da eticidade relaciona-se diretamente com o
paradigma personalista, impondo o comportamento ético entre os su
jeitos das diversas relações, ao mesmo tempo em que, distanciando-se
do rigorismo formal indica e abre espaço para a busca de soluções
1
REALE, Miguel. Visão geral do projeto de Código Civil.
2
O princípio da solidariedade foi insculpido no art. 3º, I, da Constituição de 1988.
3
“O que importa numa codificação é o seu espírito; é um conjunto de idéias fundamentais
em torno das quais as normas se entrelaçam, se ordenam e se sistematizam. Em nosso pro-
jeto não prevalece a crença na plenitude hermética do Direito Positivo, sendo reconhecida a
imprescindível eticidade do ordenamento” (REALE, Miguel. Visão geral do projeto de Código
Civil).
4
Por essa razão, muitos juristas se abstêm de qualificar o Código Civil de 2002 como novo.
5
SCHREIBER. A tríplice transformação do adimplemento: adimplemento substancial, inadim-
plemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, p. 3-27.
6
Para uma discussão acerca do conteúdo do princípio da função social do contrato, por to-
dos, ver: TEPEDINO. Notas sobre a função social dos contratos. In: TEPEDINO; FACHIN
(Coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas: estudos em ho-
menagem ao Professor Ricardo Pereira Lira, p. 395-405.
7
O princípio do equilíbrio econômico é corolário da justiça contratual que, por seu turno, é
alcançada a partir da fórmula derivada da união da liberdade funcionalizada com a igual-
dade substancial. Por essa razão é que o art. 170 da Constituição Federal determina: “A
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
8
Dentre eles, cita-se: garantia legal em face de vício redibitório; possibilidade de resolução
da obrigação se o credor não aceitar pagar o preço aumentado do bem, em virtude de me-
lhoramento ocorrido entre a criação do vínculo jurídico e a tradição; vedação ao enriqueci-
mento sem causa; exceção de contrato não cumprido; anulabilidade do negócio, constatada
a lesão ou o estado de perigo; a resolução por onerosidade excessiva etc.
9
Este último elemento encontra-se previsto no parágrafo único do mesmo dispositivo que de-
termina que “somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para
tal fim legalmente autorizada”.
10
Destaca-se que, ainda que essa crítica possa ser flexibilizada pelo reconhecimento de que o
Código revogado adotava uma conceituação plural, definindo o seguro de dano em seu art.
1432 e o seguro de pessoas no art. 1.471, permanece a crítica referente ao não atendimento
dos diversos seguros de responsabilidade.
11
TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil interpretado: conforme a Constituição da
República, v. 2, p. 561.
12
Cf. ALVIM. O contrato de seguro; PEREIRA. Instituições de direito civil; GOMES. Contratos;
SANTOS. Direito de seguro no cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos.
13
Cf. PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil-constitucional.
14
Este entendimento já foi declarado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em
um julgado acerca de contrato de seguro: ementa: “APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE
SEGURO. RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO BASEADO EM CIRCULARES DA
SUSEP. ABUSIVIDADE. SENTENÇA MANTIDA. O cancelamento imotivado de contrato de
seguro, com base em cláusula contratual de não-renovação, bem como por conta de novas
normas da SUSEP, coloca o consumidor em enorme desvantagem, porquanto, após man-
ter relação contratual continuada, passa a ser obrigado a aderir à nova contratação, com
diminuição das coberturas e aumento do prêmio. Normas com hierarquia inferior não po-
dem se sobrepor às normas civilistas da função social do contrato e do princípio da boa-fé.
Abusividade no cancelamento unilateral do contrato. Sentença mantida. Apelo desprovido”
(TJRS, 5CC. Ac. nº 70026044628/2008, Rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, j 5.11.2008).
15
Neste sentido, insta citar a lição de Fábio Konder Comparato: “o interesse segurável, como
objeto material do contrato de seguro, não é pois uma coisa, mas uma relação, como o indica
a própria etimologia (inter esse); mais precisamente, ele é a relação existente entre o segurado
e a coisa ou pessoa sujeita ao risco” (COMPARATO. O seguro de crédito: estudo jurídico, p. 26).
16
ALVIM. O seguro e o novo Código Civil, p. 153.
17
Art. 790, CC/2002. “No seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar,
sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado.
Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se o interesse, quando o segurado é
cônjuge, ascendente ou descendente do proponente.”
18
TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil interpretado: conforme a Constituição da
República, v. 2, p. 277.
19
José Augusto Delgado esclarece que “o interesse a ser declarado é de natureza econômica
ou jurídica. Tem de representar razões sociais, de moralidade e de conduta que justifiquem
a atitude do estipulante. O interesse em preservar a vida da pessoa segurada não pode
ser negativo. Ele há de representar ação a ser tomada pelo segurado no sentido de agir de
modo que preserve a vida do segurado” (DELGADO. Comentários ao novo Código Civil: das
várias espécies de contrato: do seguro (arts. 757 a 802), p. 724).
20
Destaca-se que o legislador brasileiro optou por exigir a justificação pelo interesse na pre-
servação da vida do terceiro, salvo se este for moral e presumido em função dos laços de
parentesco. Neste sentido: “o requisito de justificação do interesse assegurável, portanto,
desponta em relação ao seguro sobre a vida de terceiro, eis que assim o exigem os interesses
ligados à ordem pública, no intuito de se evitar a formação de contratos para fins ilícitos ou
mesmo criminosos” (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil interpretado: conforme
a Constituição da República, v. 2, p. 600).
21
Sérgio Cavalieri Filho ilustra bem a questão, comentando o seguinte caso: “um empresário
francês, dono de um restaurante na França, fazia seguro de vida para seus empregados,
depois pagava-lhes um passeio turístico no Brasil e aqui os mandava matar (simulação de
assalto ou acidente) para receber a indenização. Um deles sobreviveu e revelou a trama”
(CAVALIERI FILHO. A trilogia do seguro. In: FÓRUM DE DIREITO DO SEGURO “JOSÉ
SOLLERO FILHO”, 3., p. 85-98).
22
Art. 762, CC/2002. “Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso
do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.”
23
TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil interpretado: conforme a Constituição da
República, v. 2, p. 569.
24
“O risco é o evento incerto ou de data incerta que independe da vontade das partes con-
tratantes e contra o qual é feito o seguro. O risco é a expectativa de sinistro. Sem risco não
pode haver contrato de seguro” (SOUZA et al. Dicionário de seguros: vocabulário conceitua-
do de seguros, p. 104).
25
Há quem defenda, inclusive, que o risco é o objeto do contrato de seguro. Neste sentido,
cf. PEREIRA. Instituições de direito civil, p. 393.
26
“Não há contrato de seguro sem que exista risco definido. É da sua própria natureza que
o risco seja identificado para que possa haver levantamento do grau de possibilidade do
seu acontecimento. O contrato de seguro não pode ser celebrado para garantir ocorrência
de risco indefinido” (DELGADO. Comentários ao novo Código Civil: das várias espécies de
contrato: do seguro (arts. 757 a 802), p. 181).
27
Arts. 757; 760; 761; 762; 764; 768; 769; 770; 773; 779 e 782, todos do Código Civil de 2002.
28
Neste sentido: “Sistema Financeiro de Habitação. Recurso Especial. Ação de indenização
securitária. Embargos de declaração. Ausência de indicação de omissão, contradição ou
obscuridade. Súmula 284/STF. Seguro habitacional. Contrato de gaveta. Morte do promi-
tente comprador. Impossibilidade de quitação do contrato. [...]. Hipótese em que o imóvel
financiado, segundo as normas do SFH, foi transferido por meio de contrato de promessa
de compra e venda, popularmente denominado de ‘contrato de gaveta’. Nessa situação,
apenas a morte do mutuário original obriga o agente financeiro e a seguradora, que não
33
Arts. 768 e 769, respectivamente, ambos do Código Civil de 2002: “Art. 768. O segurado
perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. “Art.
769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente sus-
cetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garan-
tia, se provar que silenciou de má-fé. §1º O segurador, desde que o faça nos quinze dias
seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá
dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato. §2º A resolução só será
eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do
prêmio.”
34
Art. 764, CC/2002. “Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em
previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.”
35
Para aqueles que entendem que o contrato de seguro é aleatório, a indivisibilidade do prê-
mio se justifica porque a vantagem possível do segurador reside exatamente na não ocor-
rência do sinistro. Neste sentido: DELGADO. Comentários ao novo Código Civil: das várias
espécies de contrato: do seguro (arts. 757 a 802); ALVIM. O seguro e o novo Código Civil. Mais
acertada parece ser a posição de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina
Bodin de Moraes que, reconhecendo a comutatividade do contrato de seguro, justificam a
indivisibilidade do prêmio nos seguintes termos: “em sendo a obrigação do segurador de
garantia do interesse segurado contra o implemento dos riscos previstos contratualmente
(ou seja, não se trata de obrigação de simples pagamento de indenização, tal como precei-
tuava o diploma anterior), disto se infere que o prêmio é devido pelo segurado, ainda que
alguns desses riscos jamais se concretize, sem que daí se possa aduzir a existência de even-
tual contradição com o caráter bilateral do contrato” (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES.
Código Civil interpretado: conforme a Constituição da República, v. 2, p. 571).
2.3 A empresarialidade
A complexidade das situações subjetivas que se formam a partir
do contrato de seguro, somada à qualidade do interesse segurado, obri-
gatoriamente valorado como legítimo, assim como à comutatividade
do contrato, que impõe ao segurador o dever de garantia contra riscos
predeterminados desde a celebração da avença, impõe a empresaria-
lidade daquele que irá gerir o fundo e a estreita correlação entre os
riscos cobertos e os danos ressarcíveis, razão pela qual foi este alçado
à categoria de elemento essencial do contrato.
36
Neste sentido: “DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. ACIDENTE PESSOAL.
ESTADO DE EMBRIAGUEZ. FALECIMENTO DO SEGURADO. RESPONSABILIDADE
DA SEGURADORA. IMPOSSIBILIDADE DE ELISÃO. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO-
COMPROVADO. PROVA DO TEOR ALCÓOLICO E SINISTRO. AUSÊNCIA DE NEXO DE
CAUSALIDADE. CLÁUSULA LIBERATÓRIA DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ARTS.
1.454 E 1.456 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. 1. A simples relação entre o estado de embriaguez
e a queda fatal, como única forma razoável de explicar o evento, não se mostra, por si só, su-
ficiente para elidir a responsabilidade da seguradora, com a consequente exoneração de pa-
gamento da indenização prevista no contrato. 2. A legitimidade de recusa ao pagamento do
seguro requer a comprovação de que houve voluntário e consciente agravamento do risco por
parte do segurado, revestindo-se seu ato condição determinante na configuração do sinistro,
para efeito de dar ensejo à perda da cobertura securitária, porquanto não basta a presença de
ajuste contratual prevendo que a embriaguez exclui a cobertura do seguro. 3. Destinando-se
o seguro a cobrir os danos advindos de possíveis acidentes, geralmente oriundos de atos dos
próprios segurados, nos seus normais e corriqueiros afazeres do dia-a-dia, a prova do teor
alcoólico na concentração de sangue não se mostra suficiente para se situar como nexo de
causalidade com o dano sofrido, notadamente por não exercer influência o álcool com idên-
tico grau de intensidade nos indivíduos. 4. A culpa do segurado, para efeito de caracterizar
desrespeito ao contrato, com prevalecimento da cláusula liberatória da obrigação de inde-
nizar prevista na apólice, exige a plena demonstração de intencional conduta do segurado
para agravar o risco objeto do contrato, devendo o juiz, na aplicação do art. 1.454 do Código
Civil de 1916, observar critérios de eqüidade, atentando-se para as reais circunstâncias que
envolvem o caso (art. 1.456 do mesmo diploma). 5. Recurso especial provido” (STJ. REsp
nº 780757/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 1.12.2009, DJe, 14 dez. 2009).
37
A Lei nº 5.136, de 14.9.1967, transferiu a operacionalização do seguro de acidentes de tra-
balho para o Estado, que passou a ter competência exclusiva.
38
“Empresarialidade significa o atributo da atividade econômica organizada em forma de
empresa. Quer dizer, a atividade econômica ostenta empresarialidade quando é organiza-
da como empresa. Se ela não apresenta os traços específicos da organização empresarial
(articulação de mão-de-obra, insumos, tecnologia e capital), não é dotada de empresariali-
dade” (COELHO. A empresarialidade da entidade seguradora. In: FÓRUM DE DIREITO
DO SEGURO “JOSÉ SOLLERO FILHO”, 3., p. 228-229).
39
MOUNIER. O personalismo, p. 10.
40
“Lá, na doutrina individualista, partir-se-ia do homem natural, tomado como um ser iso-
lado, segregado dos demais homens, portador de prerrogativas próprias, nascido todos
absurdamente iguais em direito e livres. Aqui, na doutrina socialista, o homem é conside-
rado não abstrata e isoladamente, mas tal com efetivamente o é, um ser destinado a viver
em sociedade e que só na sociedade encontraria o meio natural do desenvolvimento de
suas aptidões” (SILVA. Responsabilidade sem culpa, p. 8-9).
41
O direito “tem como ponto de referência o homem na sua evolução psicofísica, ‘existencial’,
que se torna história na sua relação com os outros homens. A complexidade da vida social
implica que a determinação da relevância e do significado da existência deve ser efetuada
como existência no âmbito social, ou seja, como coexistência” (PERLINGIERI. Perfis do
direito civil: introdução ao direito civil-constitucional, p. 1).
42
“A função, portanto, é a síntese causal do fato, a sua profunda e complexa razão justifica-
dora: ela refere-se não somente à vontade dos sujeitos que o realizam, mas ao fato em si,
interesse geral de que esta comunidade seja atendida ao lado do interesse particular do
segurado” (REALE JÚNIOR. Função social do contrato: integração das normas do capítulo
XV com os princípios e as cláusulas gerais. In: FÓRUM DE DIREITO DO SEGURO “JOSÉ
SOLLERO FILHO”, 3., p. 47).
46
Nessa perspectiva, Úrsula Goulart afirma que a função social do contrato de seguro é “tri-
plamente pacificadora, vez que traz garantia para o segurado contratante, para o grupo
de segurados e, ainda, para os terceiros que contam com a existência e validade do seguro
firmado para ter a paz de contrair obrigações e realizar negócios jurídicos com o segurado,
sem receios de respingar-lhes as conseqüências do implemento de um risco não desejado”
(GOULART. O agravamento do risco no contrato de seguro, f. 43).
47
Não é correto afirmar que o sinistro sempre diga respeito a um dano, visto existirem situa
ções cobertas por seguro que, na verdade, representam algo bom, usualmente observá-
vel no seguro de vida com cobertura por sobrevida no seguro de vida. Cf. SOUZA et al.
Dicionário de seguros: vocabulário conceituado de seguros, p. 136.
48
Gustavo Tepedino; Maria Celina Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza, comentando
a definição insculpida no art. 757 do Código Civil de 2002, afirmam que “trata-se de defi-
nição que consolida o conceito unitário de contrato de seguro, abrangendo, em seu âmbito,
tanto os seguros de danos como os seguros de pessoas — isto é, da relação de valor exis-
tente entre o segurado e determinada coisa ou pessoa — como sendo objeto do contrato”
(TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil interpretado: conforme a Constituição da
República, v. 2, p. 561).
49
A garantia oferecida pelo segurador é “representada pela segurança e tranqüilidade que
é outorgada ao segurado, desde logo, pela contratação do seguro” (POLIDO. Contrato de
seguro: novos paradigmas, p. 132).
50
TZIRULNIK; CAVALCANTI; PIMENTEL. O contrato de seguro: de acordo com o novo
Código Civil brasileiro, 2. ed., p. 38.
51
“É o prêmio, também, elemento essencial do contrato, na medida em que representa, tecni
camente, o valor do risco garantido, não sendo possível, sem ele, formar o fundo comum
necessário a fazer frente aos pagamentos das indenizações securitárias” (GOULART. O
agravamento do risco no contrato de seguro, p. 72).
52
“O segurador nada mais é do que um garante do risco do segurado, uma espécie de ava-
lista ou fiador dos prejuízos que dele podem decorrer. Tão forte é essa garantia que até
costuma-se dizer que o seguro transfere os riscos do segurado para o segurador. Na reali-
dade, não é bem isso o que ocorre. O risco, de acordo com as leis naturais, é intransferível.
Com o seguro ou sem seguro, quem continua exposto a risco é a pessoa ou coisa [...]. O que
o seguro faz é transferir as consequências econômicas do risco caso ela venha a se materia-
lizar em um sinistro” (CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 437).
53
“Nessa técnica estatística singela e prosaica, reside o segredo do negócio jurídico de seguro.
Os riscos, aqueles eventos danosos que nos podem afetar no futuro, absolutamente impre-
visíveis quando os tratamos individualmente, ou em ocorrências de pequenas grandezas
numéricas, tornam-se matematicamente previsíveis quando os podemos referir a ‘grandes
números’ de ocorrências” (SILVA. Relações jurídicas comunitárias e direitos subjetivos. In:
FÓRUM DE DIREITO DO SEGURO “JOSÉ SOLLERO FILHO”, 1., p. 37).
54
No jogo e na aposta, a álea é essencial, visto que é o fator sorte que determinará a quem será
devido “o pagamento de certa soma em dinheiro, ou a entrega de certo objeto determina-
do, ao ganhador, conforme o resultado de um evento fortuito” (TEPEDINO; BARBOZA;
MORAES. Código Civil interpretado: conforme a Constituição da República, v. 2, p. 625).
55
“Os contratos individuais, por meio dos quais os segurados aderem ao sistema, funcionam
como uma espécie de ‘contratos-meio’, como elementos formadores do contrato de seguro.
Este não poderá existir sem os contratos individuais que o formam; e nem essas relações
jurídicas individuais formarão um contrato de seguro se não se constituir, pela reunião
de uma infinidade de instrumentos deste tipo, o ‘contrato-fim’. Certamente os contratos
individuais não são apenas negócios instrumentais, como se fossem componentes de um
contrato complexo e servissem somente para formar o contrato unitário de seguro. Não
se trata disso. O que se pretende significar é que o contrato individual constituirá um ne-
gócio jurídico de seguro se o segurador contratar uma infinidade de contratos análogos”
(SILVA. Relações jurídicas comunitárias e direitos subjetivos. In: FÓRUM DE DIREITO DO
SEGURO “JOSÉ SOLLERO FILHO”, 1., p. 44).
56
Defende-se nessa sede a natureza comutativa do contrato de seguro, sendo a principal
obrigação do segurado o pagamento do prêmio e da seguradora a garantia contra riscos
predeterminados. Contudo, merece destaque a reflexão da Ministra Nancy Andrigui sobre
essa questão: “Assim, a necessidade de segurança contra riscos que são individualmente
incertos leva um grupo de pessoas, sob a administração de uma seguradora, ao um esfor-
ço mútuo e recíproco para se precaver contra prejuízos que são coletivamente, e segundo
cálculos estatísticos, certos. Tal fato revela a natural dificuldade doutrinária de se classificar
um contrato que é individualmente aleatório, mas coletivamente comutativo” (STJ. 3ª T.
REsp. nº 988.044/ES, Rel. Min. Nancy Andrigui, j. 17.12.2009).
57
Ricardo Bechara Santos critica essa posição afirmando ser “equivocado o argumento de que
a sociedade seguradora, na medida em que exercendo sistematicamente a sua atividade na
função de gestora de um mutualismo do qual faz parte cada segurado, chegando a reunir
um fundo de prêmios suficiente para pagar os capitais segurados e estabelecendo um sis-
tema tal de provisionamento técnico que torna remota a sua insolvência, liberaria por isso
mesmo o contrato de seguro de seu caráter aleatório. Nada mais equivocado e anacrônico,
porque o contrato de seguro é aleatório mesmo por sua própria natureza [...] porque, desas-
sombradamente, os ganhos e as perdas das partes, por mais atuarial que seja a atividade da
seguradora, por mais que se faça resseguro, co-seguro, retrocessão, estão na dependência
de circunstâncias futuras e incertas do risco” (SANTOS. Direito de seguro no cotidiano: coletâ-
nea de ensaios jurídicos, p. XXIII).
58
POLIDO. Contrato de seguro: novos paradigmas, p. 191.
59
SCHREIBER. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à
diluição dos danos, p. 213.
60
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, o seguro de responsabilidade civil “compreende a co-
bertura ao segurado pelas indenizações que ele eventualmente seja obrigado a pagar por
danos causados a terceiros, resultantes de atos ilícitos, independentemente de ter ou não
agido culposamente” (GONÇALVES. Direito civil brasileiro, p. 489).
61
“O seguro de responsabilidade civil não é uma convenção sobre as conseqüências da res-
ponsabilidade, pois aquele que pratica o ato danoso continuará a ser o responsável pela
ofensa causada à vítima, o que haverá é apenas a transferência das conseqüências patrimo-
niais (ressarcimento do prejuízo causado)” (PIMENTA. Seguro de responsabilidade civil, p. 96).
62
Nos termos do §4º do art. 787 do Código Civil.
63
“Qualquer dano causado a outra pessoa gera conflito social, pois que repercute na socie-
dade como um todo. Dificilmente uma pessoa é afetada sozinha, quando prejudicada por
um dano. A família sofrerá privações, a partir do momento em que seu provedor deixar
de exercer a atividade que a sustenta; cada cidadão é um elo que afeta toda a sociedade
organizada — o plexo social” (POLIDO. Contrato de seguro: novos paradigmas, p. 191-192).
64
Ressalva-se que esta discussão diz respeito somente ao seguro facultativo de responsabi-
lidade civil, já que para os obrigatórios o legislador expressamente determinou que “a in-
denização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado”, nos
termos do art. 788 do CC/2002: “Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios,
a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.
Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá
opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste
para integrar o contraditório”.
65
Essa discussão, a bem da verdade, é anterior ao Código de 2002, de sorte que o Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, em julgado de junho de 1999, evocando a função social do
contrato, decidiu pela procedência da ação indenizatória ajuizada pela vítima do segurado
face diretamente à seguradora, merecendo especial destaque os seguintes trechos da de-
cisão: “Pela inafastável função social que o seguro encerra nos dias atuais [...], há que se
admitir o ajuizamento da ação de ressarcimento de danos diretamente contra o proprietário
do automotor causador do acidente como também contra a seguradora, circunscrita a res-
ponsabilidade desta às lindes do contrato de seguro. [...]. De fato, não se ignora o princípio
de direito civil segundo o qual o contrato, em regra, só produz efeitos entre as partes nele
avençadas. Menciona-se de regra, porquanto, no caso vertente, há que se abrir uma relevan-
tíssima exceção [...]. A função social do seguro é, pois, o fundamento primordial e inafastável
para o agasalhamento da tese tendente a viabilizar, em juízo, em caso de seguro facultativo,
o acionamento direto da seguradora, para, nos limites do contrato, de modo solidário com
o segurado, ser satisfeita a indenização pertinente”. (TJSC, 4ª CC. Agr. Inst. nº 99.004.384-3
(Araranguá), Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 30.6.1999).
66
Na verdade, essa discussão se desdobra em várias outras, como exemplo, a necessidade
ou não de litisconsórcio passivo (cf. ALVIM. O seguro e o novo Código Civil, p. 144.); necessi-
dade de alteração legislativa para inclusão de nova hipótese de chamamento ao processo
(CARNEIRO et al. Seguros: uma questão atual, p. 93) etc. Nesta sede, contudo, importa
apenas verificar se o direito material suporta a ação direta da vítima contra o segurador.
67
A estipulação em favor de terceiro foi disciplinada no título dos contratos em geral (título
V) do livro de obrigações (livro I), em que, no parágrafo único do art. 436, é assegurado “ao
terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, [...] exigi-la, ficando, todavia, sujeito
às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos
do art. 438”.
68
Em que pese as diversas teses acerca da natureza jurídica da estipulação em favor de ter-
ceiro, adota-se a que reconhece a sua natureza contratual, tendo em vista que o próprio
legislador utilizou a expressão contrato nos três dispositivos que disciplina a matéria.
Neste sentido se posiciona Carlos Roberto Gonçalves ao afirmar que “a teoria mais aceita,
finalmente, é a que considera a estipulação em favor de terceiro um contrato, porém sui
generis pelo fato de a prestação não ser realizada em favor do próprio estipulante, como
seria natural, mas em benefício de outrem, que não participa da avença” (GONÇALVES.
Direito civil brasileiro, p. 98).
69
CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil.
70
SANTOS. Direito de seguro no cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos.
71
Ricardo Bechara Santos afirma que o seguro de responsabilidade civil é, por excelência,
um seguro de reembolso “em que, primeiro, há de se caracterizar a responsabilidade civil
do segurado e o pagamento pelo mesmo despendido para, depois, assegurar-lhe o direito
de reembolso junto ao segurador, que é chamado à liça” (SANTOS. Direito de seguro no
cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos, p. 507).
72
CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 470.
73
MONTENEGRO. Responsabilidade civil, p. 475.
74
Lei nº 6.194/74, art. 9º. “Nos seguros facultativos de responsabilidade civil dos proprietários
de veículos automotores de via terrestre, as indenizações por danos materiais causados a
terceiros serão pagas independentemente da responsabilidade que for apurada em ação
judicial contra o causador do dano, cabendo à Seguradora o direito de regresso contra o
responsável.”
Mas, além dessa, destaca-se o §4º, do art. 787, do Código Civil, que ao
determinar a responsabilidade subsidiária do segurado na hipótese de
insolvência do segurador, indica claramente que o segurador pode ser
acionado previamente ao segurado, autor do dano.75
A despeito da existência de específico suporte material para a
ação direta da vítima, a questão que sobreleva em importância diz
respeito à axiologia constitucional direcionada a beneficiar a vítima,
especialmente na situação em comento, em que nem mesmo o interesse
patrimonial do segurado está em jogo.76 De fato, recusar a ação direta da
vítima significa priorizar um formalismo que, não sendo relativizado,
pode vir a operar, no extremo do contínuo, a situação inaceitável de a
vítima restar irressarcida em que pese a identificação do causador do
dano e da existência de um seguro de responsabilidade civil.
Melissa Pimenta ilustra essa situação com a hipótese de o segura-
do não indenizar a vítima em decorrência de insolvência, por exemplo.
Neste caso não haveria a obrigação do segurador em reembolsar — já
que ausente qualquer desembolso por parte do segurado —, e possi-
bilitaria, por um lado, que a vítima restasse desamparada e, por outro,
“um ‘enriquecimento sem causa’ por parte do segurador, pois, mesmo
após o reconhecimento da responsabilidade do segurado, não haveria
o pagamento da indenização”.77
Essa foi a tese sustentada pelo então Ministro Eduardo Ribeiro
que, em voto-vista, afastou da discussão a controvertida questão de ser
o contrato de seguro uma estipulação em favor de terceiro, assentando
que a ação direta da vítima é coerente com os princípios informadores
do ordenamento jurídico, visto contribuir para que a vítima não reste
irressarcida e, também, para evitar um possível enriquecimento inde-
vido do segurador.78
75
Cf. ARMELIN. A ação direta da vítima contra a seguradora de responsabilidade civil:
fundamentos e regimes das exceções. In: FÓRUM DE DIREITO DO SEGURO “JOSÉ
SOLLERO FILHO”, 3., p. 169-188; TZIRULNIK; CAVALCANTI; PIMENTEL. O contrato de
seguro: novo Código Civil brasileiro, p. 147.
76
Sobre esta questão, Donaldo Armelin afirma que “se o seguro, como afirma os arts. 757 e 787
do novo Código Civil, é garantia, e mais, garantia em que o garante não faz jus a reclamar
do garantido qualquer reparação, não haverá porque obstar a vítima a exigir do garante
que honre a garantia efetuando o pagamento a que se obrigou perante o segurado, quem
suportou o prejuízo” (ARMELIN. A ação direta da vítima contra a seguradora de responsa-
bilidade civil: fundamentos e regimes das exceções. In: FÓRUM DE DIREITO DO SEGURO
“JOSÉ SOLLERO FILHO”, 3., p. 169-188).
77
PIMENTA. Seguro de responsabilidade civil, p.140.
78
“A tese de que se trataria de estipulação em favor de terceiro pode-se dizer superada, pois
evidentemente artificiosa. [...]. Não obstante a ausência de texto legal explícito que permita
afirmar a viabilidade da ação direta, ganha força a corrente que admite exija a vítima, da
seguradora, o pagamento da indenização, embora com ela não haja contratado. Há forte ten-
dência a não permitir que os danos injustamente sofridos fiquem sem reparação. E, no caso,
cumpre reconhecer, se o causador do dano for insolvente e a seguradora se recusar a pagar
diretamente à vítima, a conseqüência será ficar última sem ressarcimento, enriquecendo-se a
seguradora que, a final, haveria realmente de arcar com o pagamento. [...]. Cumpre reconhe-
cer que essa é a melhor solução e que se encontra coerente com os princípios que informam o
ordenamento [...]” (STJ, 3ª T. REsp. nº 228.840, Min. Eduardo Ribeiro, voto-vista, j. 26.6.2000).
79
“A visão preconizada nestes precedentes abraça o princípio constitucional da solidariedade
(art. 3º, I, da CF), em que se assenta o princípio da função social do contrato, este que ganha
enorme força com a vigência do novo Código Civil (art. 421). De fato, a interpretação do
contrato de seguro dentro desta perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização
prevista para reparar os danos causados pelo segurado a terceiro, seja por este diretamente
reclamada da seguradora. Assim, sem se afrontar a liberdade contratual das partes — as
quais quiseram estipular uma cobertura para a hipótese de danos a terceiros — maximiza-
se a eficácia social do contrato com a simplificação dos meios jurídicos pelos quais o preju-
dicado pode haver a reparação que lhe é devida. Cumpre-se o princípio constitucional da
solidariedade e garante-se a função social do contrato” (STJ, 3ª T. REsp. nº 444.716/BA, Rel.
Min. Nancy Andrighi, DJ, p. 300, 11 maio 2004).
80
STJ. Informativo nº 490, de 1º a 10 de fevereiro de 2012.
81
ALVIM. O seguro e o novo Código Civil, p. 143.
4 Considerações finais
Pretendeu-se, com o presente estudo, contribuir para a análise
do contrato de seguro na contemporaneidade que, assim como todos os
institutos e categorias jurídicas, deve ser submetido a uma interpretação
funcionalizada aos valores socialmente relevantes, tendo em vista o
paradigma personalista e solidarista, adotado pela Constituição de 1988.
Buscou-se demonstrar que os princípios inspiradores do Código
Civil de 2002, inegavelmente, decorrem da opção constituinte, mas que,
cumpre a doutrina e a jurisprudência, continuar a traçar o necessário
caminho do progresso jurídico. Para tanto, deve-se utilizar a abertura
conferida ao sistema pela técnica legislativa da cláusula geral, concreti-
zando os conceitos jurídicos indeterminados à luz de uma interpretação
constitucionalizada.
O contrato de seguro, além de ser eminentemente comunitário,
já que fundado em bases solidárias a partir do mutualismo, apresenta-
se como campo fértil para a concretização de tais valores. O legislador
de 2002, ao alterar qualitativamente o conceito do contrato de seguro,
contribuiu sobremaneira para isto, não cabendo ao operador do direi-
to, arraigado em um formalismo exacerbado, pretender interpretar as
regras estatuídas dissociadamente dos valores do ordenamento.
Referências
ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
ALVIM, Pedro. O seguro e o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
ARMELIN, Donaldo. A ação direta da vítima contra a seguradora de responsabilidade
civil: fundamentos e regimes das exceções. In: FÓRUM DE DIREITO DO SEGURO
“JOSÉ SOLLERO FILHO”, 3., 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: IBDS, 2003. p. 169-188.
82
TZIRULNIK; CAVALCANTI; PIMENTEL. O contrato de seguro: novo Código Civil brasilei-
ro, p. 133.
1 Introdução
“Quer apostar comigo?”
Esta frase, tão comum no nosso dia a dia, é o início de uma pro
posta para a celebração de uma modalidade contratual típica, prevista
no sistema codificado brasileiro desde a época da codificação de 1916.
Trata-se do contrato de aposta, que é tratado, juntamente com
o contrato de jogo, nos arts. 814/817, CC-02 (correspondente aos arts.
1.477/1.480, CC-16, com aperfeiçoamentos), em uma reunião de dois
contratos afins na mesma disciplina jurídica, tal qual também feito —
em linha semelhante, posto não igual — na regulação dos contratos de
agência e distribuição, previstos nos arts. 710/721 da vigente codificação
civil (sem correspondente no sistema anterior).
Feito tal registro inicial de afirmação da dualidade contratual na
mesma normatização, passemos a conceituar tais figuras contratuais.
2 Conceito
Como dito, a previsão dos arts. 814/817, CC-02, regula duas fi-
guras jurídicas com conceitos distintos, mas com evidentes afinidades.
1
Lembremos que a irrepetibilidade é a característica de impossibilidade de devolução da
prestação havida, o que é próprio de uma relação obrigacional efetivamente devida, como
o são as obrigações naturais.
2
Sobre o tema, confira-se o Capítulo VI (Obrigação natural) do v. II (Obrigações) do nosso
Novo curso de direito civil, 8. ed.
3
Norma equivalente é encontrada, por exemplo, no Código Civil italiano, que preceitua, em
seu art. 1933:
“1933. Mancanza di azione. [I]. Non compete azione per il pagamento di um debito di
giuoco o di scommessa, anche se si tratta di giuoco o di scommessa no proibiti [718 c.p.].
[II]. Il perdente tuttavia non può ripetere quanto abbia spontaneamente pagato dopo
l’esito di um giuoco o di uma scommessa in cui non vi sia stata alcuna frode [2034]. La
ripetizione è ammessa in ogni caso se il perdente è um incapace.”
4
Bem mais técnico, em nossa opinião, é o Código Civil português, ao preceituar, em seu art.
1245º, que o “jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações
civis; porém, quando lícitos, são fonte de obrigações naturais, excepto se neles concorrer
qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerais de direito, ou se
houver fraude do credor em sua execução”.
5
Sobre o tema, confira-se o capítulo XIII (Defeitos do negócio jurídico) do v. 1 (Parte geral)
do nosso Novo curso de direito civil, 9. ed.
6
Confira-se o capítulo XIV (Invalidade do negócio jurídico) do (v. 1. Parte geral), do nosso
Novo Curso de direito civil, 9. ed.
3 Natureza jurídica
Fixados os conceitos básicos sobre jogo e aposta, parece-nos
relevante, neste momento, reafirmar a sua natureza jurídica contratual.
De fato, apesar de inseridos no Título VI (Das Várias Espécies
de Contrato), o fato de a lei negar alguns efeitos aos contratos de jogo
e aposta, como a inexigibilidade de suas prestações, faz com que haja pro-
funda controvérsia doutrinária em seu derredor.
Isso decorre, por certo, da concepção tradicional de que tanto
o jogo quanto a aposta eram condutas socialmente indesejáveis, de-
sagregadoras do ambiente familiar, pelo estabelecimento de posturas
viciadas e possibilidade de ruína do patrimônio dos seus envolvidos.
Nessa linha, a condição de obrigação natural, em que não há
exigibilidade judicial do conteúdo pactuado, faz com que a ideia de um
contrato, no sentido de autodeterminação da vontade para a produção
de efeitos, seja muito mal vista por setores da doutrina.
Afirma, por exemplo, Sílvio Rodrigues:
7
RODRIGUES. Direito civil, 25. ed., v. 3.
4 Espécies de jogo
Antes de abordar as características básicas dos contratos de jogo
e aposta, parece-nos relevante fazer algumas considerações sobre as
espécies de jogo.
Com efeito, o jogo pode ser classificado como ilícito (ou proibido) e
lícito, sendo que estes últimos se subdividem em tolerados ou autorizados
(legalmente permitidos).
Os jogos ilícitos, como é intuitivo, são aqueles vedados expres-
samente por normas legais.
Neste diapasão, o Decreto-Lei nº 3.688, de 3.10.1941 (conhecido
como a Lei das Contravenções Penais), estabelece, em seus arts. 50/58,9
diversas condutas típicas ensejadoras da persecução criminal.
8
Sobre o tema da promessa de recompensa, confira-se o Capítulo XXVII (Atos Unilaterais)
do v. II (Obrigações) do nosso Novo curso de direito civil, 8. ed.
9
Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público,
mediante o pagamento de entrada ou sem ele:
Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis,
estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do
local.
§1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo
pessoa menor de dezoito anos.
§2º Incorre na pena de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, quem é encontrado
a participar do jogo, como ponteiro ou apostador.
O contrato de jogo proibido é nulo de pleno direito, por ter causa ilícita.
Nenhum efeito produz. De ato nulo não resultam conseqüências susce-
tíveis de proteção legal. Nesta ordem de idéias, não pode surgir a dívida
de jogo como obrigação válida. A rigor, não se justifica a impossibilidade
de repetição do que foi pago voluntariamente. Diz-se, no entanto, que o
contrato de jogo proibido gera uma obrigação natural. Nessa assertiva
se contém difundido equívoco. O principal efeito da obrigação natural
consiste na soluti retentio. Ora, o credor de dívida de jogo proibido não
tem o direito de reter o que recebeu. A esse recebimento falta causa,
precisamente porque o contrato é nulo de pleno direito. Por outro
lado, embora imperfeita, porque desprovida de sanção, a obrigação
natural tem um fim moral e seu suporte psicológico é a convicção de
10
A Lei do Jogo portuguesa (Decreto-Lei nº 422, de 2.12.1989) define, em seu art. 1º que “jogos
de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fun-
damentalmente na sorte”.
11
Isso reflete até mesmo nas relações trabalhistas, não se podendo reconhecer validade aos
contratos de emprego estabelecidos especificamente para a prática de tais condutas. É o
caso, por exemplo, do “jogo do bicho”, prática que, embora ilícita, encontra grande aceita-
ção social, sobre o qual Tribunal Superior do Trabalho, através da sua Seção de Dissídios
Individuais – I, editou, desde 8.11.2000, a Orientação Jurisprudencial nº 199, com o seguinte
teor: “Orientação jurisprudencial 199: JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO.
NULIDADE. OBJETO ILÍCITO. ARTS. 82 E 145 DO CÓDIGO CIVIL”.
12
Quanto ao jogo do bicho, o fato é que já há, hoje, uma larga aceitação social da sua prática,
o que poderia, sobretudo em termos penais, permitir uma reflexão acerca da sua ilicitude
essencial.
13
GOMES. Contratos, 24. ed., p. 429-430.
14
Lei nº 9.615/98 (texto original):
“CAPÍTULO IX
DO BINGO
Art. 59. Os jogos de bingo são permitidos em todo o território nacional nos termos desta
Lei.
Art. 60. As entidades de administração e de prática desportiva poderão credenciar-se junto
à União para explorar o jogo de bingo permanente ou eventual com a finalidade de anga-
riar recursos para o fomento do desporto.
§1º Considera-se bingo permanente aquele realizado em salas próprias, com utilização de
processo de extração isento de contato humano, que assegure integral lisura dos resulta-
dos, inclusive com o apoio de sistema de circuito fechado de televisão e difusão de som,
oferecendo prêmios exclusivamente em dinheiro.
§2º (VETADO)
§3º As máquinas utilizadas nos sorteios, antes de iniciar quaisquer operações, deverão ser
submetidas à fiscalização do poder público, que autorizará ou não seu funcionamento,
bem como as verificará semestralmente, quando em operação.
Art. 61. Os bingos funcionarão sob responsabilidade exclusiva das entidades desportivas,
mesmo que a administração da sala seja entregue a empresa comercial idônea.
Art. 62. São requisitos para concessão da autorização de exploração dos bingos para a
entidade desportiva:
I - filiação a entidade de administração do esporte ou, conforme o caso, a entidade nacional
de administração, por um período mínimo de três anos, completados até a data do pedido
de autorização;
II - (VETADO)
III - (VETADO)
IV - prévia apresentação e aprovação de projeto detalhado de aplicação de recursos na
melhoria do desporto olímpico, com prioridade para a formação do atleta;
V - apresentação de certidões dos distribuidores cíveis, trabalhistas, criminais e dos cartó-
rios de protesto;
VI - comprovação de regularização de contribuições junto à Receita Federal e à Seguridade
Social;
VII - apresentação de parecer favorável da Prefeitura do Município onde se instalará a sala
de bingo, versando sobre os aspectos urbanísticos e o alcance social do empreendimento;
VIII - apresentação de planta da sala de bingo, demonstrando ter capacidade mínima para
duzentas pessoas e local isolado de recepção, sem acesso direto para a sala;
IX - prova de que a sede da entidade desportiva é situada no mesmo Município em que
funcionará a sala de bingo.
§1º Excepcionalmente, o mérito esportivo pode ser comprovado em relatório quantitativo
e qualitativo das atividades desenvolvidas pela entidade requerente nos três anos anterio-
res ao pedido de autorização.
§2º Para a autorização do bingo eventual são requisitos os constantes nos incisos I a VI do
caput, além da prova de prévia aquisição dos prêmios oferecidos.
Art. 63. Se a administração da sala de bingo for entregue a empresa comercial, entidade
desportiva juntará, ao pedido de autorização, além dos requisitos do artigo anterior, os
seguintes documentos:
I - certidão da Junta Comercial, demonstrando o regular registro da empresa e sua capaci-
dade para o comércio;
II - certidões dos distribuidores cíveis, trabalhistas e de cartórios de protesto em nome da
empresa;
III - certidões dos distribuidores cíveis, criminais, trabalhistas e de cartórios de protestos
em nome da pessoa ou pessoas físicas titulares da empresa;
IV - certidões de quitação de tributos federais e da seguridade social;
V - demonstrativo de contratação de firma para auditoria permanente da empresa admi-
nistradora;
VI - cópia do instrumento do contrato entre a entidade desportiva e a empresa administra-
tiva, cujo prazo máximo será de dois anos, renovável por igual período, sempre exigida a
forma escrita.
Art. 64. O Poder Público negará a autorização se não provados quaisquer dos requisitos
dos artigos anteriores ou houver indícios de inidoneidade da entidade desportiva, da em-
presa comercial ou de seus dirigentes, podendo ainda cassar a autorização se verificar
terem deixado de ser preenchidos os mesmos requisitos.
Art. 65. A autorização concedida somente será válida para local determinado e endereço
certo, sendo proibida a venda de cartelas fora da sala de bingo.
Parágrafo único. As cartelas de bingo eventual poderão ser vendidas em todo o território
nacional.
Art. 66.(VETADO)
Art. 67. (VETADO)
Art. 68. A premiação do bingo permanente será apenas em dinheiro, cujo montante não
poderá exceder o valor arrecadado por partida.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 69. (VETADO)
Art. 70. A entidade desportiva receberá percentual mínimo de sete por cento da receita
bruta da sala de bingo ou do bingo eventual.
Parágrafo único. As entidades desportivas prestarão contas semestralmente ao poder pú-
blico da aplicação dos recursos havidos dos bingos.
Art. 71. (VETADO) (Revogado, a partir de 31/12/2001, pela Lei nº 9.981, de 2000)
§1º (VETADO)
§2º (VETADO)
§3º (VETADO)
§4º É proibido o ingresso de menores de dezoito anos nas salas de bingo.
Art. 72. As salas de bingo destinar-se-ão exclusivamente a esse tipo de jogo.
Parágrafo único. A única atividade admissível concomitantemente ao bingo na sala é o
serviço de bar ou restaurante.
Art. 73. É proibida a instalação de qualquer tipo de máquinas de jogo de azar ou de diver-
sões eletrônicas nas salas de bingo.
Art. 74. Nenhuma outra modalidade de jogo ou similar, que não seja o bingo permanente
ou o eventual, poderá ser autorizada com base nesta Lei.
Parágrafo único. Excluem-se das exigências desta Lei os bingos realizados com fins apenas
beneficentes em favor de entidades filantrópicas federais, estaduais ou municipais, nos
termos da legislação especifica, desde que devidamente autorizados pela União.
Art. 75. Manter, facilitar ou realizar jogo de bingo sem a autorização prevista nesta Lei:
Pena - prisão simples de seis meses a dois anos, e multa.
Art. 76. (VETADO)
Art. 77. Oferecer, em bingo permanente ou eventual, prêmio diverso do permitido nesta
Lei:
Pena - prisão simples de seis meses a um ano, e multa de até cem vezes o valor do prêmio
oferecido.
Art. 78. (VETADO)
Art. 79. Fraudar, adulterar ou controlar de qualquer modo o resultado do jogo de bingo:
Pena - reclusão de um a três anos, e multa.
Art. 80. Permitir o ingresso de menor de dezoito anos em sala de bingo:
Pena - detenção de seis meses a dois anos, e multa.
Art. 81. Manter nas salas de bingo máquinas de jogo de azar ou diversões eletrônicas:
Pena - detenção de seis meses a dois anos, e multa.”
15
Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001:
“Art. 1º A Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:
(...)
Art. 19-A. Fica extinto o Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto - INDESP.
§1º É o Poder Executivo autorizado a remanejar, transpor, transferir, ou utilizar, a par-
tir da extinção do órgão referido no caput, as dotações orçamentárias aprovadas na Lei
Orçamentária de 2000 e 2001, consignadas ao Instituto Nacional de Desenvolvimento do
Desporto - INDESP, para o Ministério do Esporte e Turismo, mantida a mesma classifica-
ção orçamentária, expressa por categoria de programação em seu menor nível, observado
o disposto no §2º do art. 3º da Lei nº 9.811, de 28 de julho de 1999, e no §2º do art. 3º da Lei
nº 9.995, de 25 de julho de 2000, assim como o respectivo detalhamento por esfera orça-
mentária, grupos de despesa, fontes de recursos, modalidades de aplicação e identifica-
dores de uso.
§2º As atribuições do órgão extinto ficam transferidas para o Ministério do Esporte e Turis-
mo e as relativas aos jogos de bingo para a Caixa Econômica Federal.
§3º O acervo patrimonial do órgão extinto fica transferido para o Ministério do Esporte e
Turismo, que o inventariará.
§4º O quadro de servidores do INDESP fica transferido para o Ministério do Esporte e
Turismo.
(...)
Art. 17. O art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte
redação:
Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será
executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território
nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento.” (grifos nossos)
16
AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE DECISÃO CONFIRMADA EM ACÓRDÃO.
COMPETÊNCIA DO STJ. EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA. APREENSÃO DE EQUIPA-
MENTOS. JOGO DE BINGO. LESÃO À ORDEM PÚBLICA CONFIGURADA. – Compe-
tência desta Corte para processar e julgar pedido de suspensão de liminar, confirmada em
acórdão proferido por órgão colegiado do Tribunal de Justiça em mandado de segurança.
Exaurimento da instância ordinária realizado, mas prescindível. – “O tipo contravencional
proibitivo dos jogos de azar inclui a exploração do jogo de bingo, do que resulta inadmissí-
vel a concessão de tutela antecipada a permitir a adoção de conduta penalmente tipificada,
ou determinar, à autoridade competente, que se abstenha de tomar as medidas necessárias
a coibi-la” (AgRg na STA nº 69, Rel. Min. Edson Vidigal). Violação da ordem pública ca-
racterizada. Agravo improvido (STJ, Corte Especial, AgRg na SS nº 1.662/RS, Rel. Ministro
Barros Monteiro, j. 4.10.2006, DJ, p. 287, 11 dez. 2006).
CRIMINAL. RESP. EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE BINGO. MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM CONCEDIDA PARA LIBERAR
O MATERIAL APREENDIDO E AUTORIZAR A CONTINUAÇÃO DA ATIVIDADE. RE-
VOGAÇÃO DO ART. 50 DA LCP. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese
em que foram apreendidos diversos materiais correlacionados à exploração comercial de
jogos de bingos. II. O art. 50 da LCP não restou revogado pela Lei Pelé (Lei 9.651/98), que
veio apenas permitir o funcionamento provisório de “bingos”, desde que autorizados por
entidades de direito público. III. Com o advento da Lei 9.981/2000 (Lei Maguito Vilela)
foram revogados, a partir de 31/12/2001, os artigos 59 a 81 da Lei 9.651/98 (Lei Pelé), res-
peitando as autorizações que estivessem em vigor até a data de sua expiração, autorização
esta, com validade de 12 meses, conforme a legislação específica. IV. A partir de 31/12/2002,
ninguém mais poderia explorar o jogo do bingo por violação expressa ao art. 50 da Lei
3.688/41 (Lei de Contravenções Penais). V. Se o ato impugnado ocorreu em 2003, quando
as referidas empresas já não mais poderiam estar explorando a atividade, tem-se a cor-
reção da medida de busca e apreensão. VI. Recurso provido (STJ, Quinta Turma, REsp
nº 703.156/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, j. 19.4.2005, DJ, p. 402, 16 maio 2005).
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EX-
PLORAÇÃO COMERCIAL DE MÁQUINAS DE JOGOS ELETRÔNICOS. ILEGALIDA-
DE. 1. Cuidam os autos de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar,
impetrado por GSGAMES DIVERSÕES ELETÔNICAS LTDA. em face do SECRETÁRIO
DE JUSTIÇA E SEGURANÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, almejando a li-
beração de máquinas de jogos eletrônicos que porventura viessem a ser apreendidas sob
o argumento de que as mesmas estão legalizadas de acordo com os arts. 195, III, e 217 da
Constituição Federal, Leis Federais nºs 8212/91 e 9615/98, Decreto nº 2574/98, Lei Estadual
nº 11561/00 e Decreto Estadual nº 40593/01, sendo denegada a ordem pelo Tribunal de Jus-
tiça do Rio Grande do Sul sob o fundamento de não haver direito líquido e certo assegu-
rado. Neste momento, a empresa interpõe recurso ordinário defendendo a exploração da
atividade lícita de acordo com a Lei Previdenciária e lei de incentivo ao esporte, opinando
o representante do Ministério Público pelo improvimento do recurso. 2. Somente cabe à
União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, XX, CF/88). 3. Revogados os
artigos que dispunham sobre a autorização dos bingos pela Lei nº 9.981/00 regulamentada
pelo Decreto nº 3.659/00. 4. É de natureza ilícita a exploração e funcionamento das máqui-
nas de jogos eletrônicos (bingo e similares). 5. Precedentes desta Corte Superior. 6. Recurso
ordinário improvido (STJ, Primeira Turma, RMS nº 17.480/RS, Rel. Ministro José Delgado,
j. 28.9.2004, DJ, p. 164, 8 nov. 2004).
17
“Jogos de azar. Suspensa decisão que autoriza empresas a explorar bingo.
O Supremo Tribunal Federal suspendeu decisão que autorizou duas empresas a explo-
rar máquinas eletrônicas de caça-níqueis, vídeo-bingo e vídeo-pôquer. O ministro Gilmar
Mendes, que ocupa a presidência do STF, anulou liminares concedidas pelo Tribunal Re-
gional Federal da 2ª Região.
Em primeira instância, o juiz autorizou a busca e apreensão das máquinas. O TRF-2 sus-
pendeu, em parte, a eficácia da sentença da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ). Ao acolher o
pedido de liminar, justificou que a apreensão das máquinas causaria prejuízos à atividade
econômica das empresas.
O procurador-geral da República recorreu ao STF por entender que há risco de irreparável
lesão à ordem à segurança pública, uma vez que a polícia está impedida de apreender as
máquinas de jogos de azar. Dessa forma, para ele, prevalecem interesses particulares das
empresas em detrimento ao interesse público de proteção aos eventuais usuários das má-
quinas.
No pedido, a procuradoria-geral citou precedente do próprio STF que firmou entendi-
mento no sentido de que a exploração de loterias e jogos de azar por meio de máquinas
eletrônicas não pode ser autorizada por normas estaduais.
Ao suspender a decisão, o ministro Gilmar Mendes observou a inconstitucionalidade de
normas estaduais que autorizam o funcionamento de bingos e a instalação e a operação de
máquinas eletrônicas de jogos de azar. Além disso, citou o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 2.948 que definiu a exploração desses jogos como ilícito penal.
‘No presente caso, entendo que se encontram demonstradas graves lesões à ordem e à
segurança públicas, pois a liberação das máquinas eletrônicas apreendidas, a serem uti-
lizadas na exploração de jogos de azar e loterias, é medida que se incompatibiliza com a
natureza contravencional dessa atividade. Defiro o pedido formulado para suspender a
execução das liminares concedidas pelo vice-presidente do TRF da 2ª Região’, decidiu.
SS 3.048. Revista Consultor Jurídico, 3 de janeiro de 2007” (Disponível em: <http://conjur.
estadao.com.br/static/text/51588,1>).
18
“Tudo, pois, que não é ilícito é lícito, e vice-versa, o que não deixa margem à possibilidade
de lacunas do direito.
Todavia, embora o princípio lógico acima enunciado ‘tudo que não é lícito é ilícito’ — seja,
como uma proposição, logicamente conversível, realmente não se pode proceder à conver-
são do princípio paralelo ou equivalente — ‘tudo que não está proibido está juridicamente
facultado’. A conversão deste princípio, embora tivesse o mesmo resultado lógico de com-
pletar a ordem jurídica, conferindo-lhe uma plenitude hermética, não seria compatível
com a liberdade em que a vida e a conduta essencialmente consistem; se ‘tudo o que não
é permitido é juridicamente proibido’, simplesmente a vida não é possível, pois para cada
contração muscular que executo para escrever este livro teria de haver uma expressa per-
missão por parte da ordem jurídica” (MACHADO NETO. Compêndio de introdução à ciência
do direito, 3. ed., p. 152).
§2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate
de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente
permitidos.
§3º Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos
para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou
artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais
e regulamentares.
5 Características
Pela sua evidente similitude, cuidaremos de caracterizar os
contratos de jogo e aposta conjuntamente, até mesmo pelo fato de am-
bos terem sido tratados na mesma disciplina tanto pelo Código Civil
brasileiro de 1916, quando pela vigente codificação de 2002.
A afirmação da natureza contratual do jogo e da aposta já os
consagra como contratos típicos e nominados.
Trata-se de modalidades contratuais bilaterais, com direitos e obri-
gações para ambos os contratantes, admitindo-se uma plurilateralidade
(ou multilateralidade), na medida em que haja mais de dois pactuantes.
Embora possa ser estabelecido, sem problemas, na modalidade
gratuita, o jogo e a aposta somente tem relevância para o Direito quando
celebrados de maneira onerosa.
Tendo em vista o elemento sorte (ou azar) que os envolve, são,
obviamente, contratos aleatórios, já que a obrigação de uma das partes
somente pode ser considerada devida em função de coisas ou fatos fu-
turos, cujo risco da não ocorrência foi assumido pelo outro contratante.
Podem ser estabelecidos tanto de maneira paritária como por
adesão, sendo ilustrativos, respectivamente, os exemplos da aposta entre
amigos e a “fezinha” na loteria esportiva.
Pela álea inerente ao contrato, a classificação de contrato evolutivo
é inaplicável ao jogo e aposta.
São típicos contratos civis, inaplicáveis para relações comerciais,
trabalhistas e administrativas, podendo se revestir como contratos con-
sumeristas.
Quanto à forma, são contratos não solenes e consensuais.
A priori, quanto à importância da pessoa do contratante para a celebração
e produção de efeitos do contrato, tais negócios jurídicos classificam-se
19
Destaque-se, por exemplo, a Lei nº 5.768, de 20.12.1971, que trata da legislação sobre distri-
buição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propa-
ganda, estabelece normas de proteção à poupança popular, e dá outras providências, bem
como seu Decreto regulamentador, a saber, o Decreto nº 70.951, de 9.8.1972.
20
TELEVISÃO. “SHOW DO MILHÃO”. Código de Defesa do Consumidor. Prática abusiva.
A emissora de televisão presta um serviço e como tal se subordina às regras do Código de
Defesa do Consumidor. Divulgação de concurso com promessa de recompensa segundo
critérios que podem prejudicar o participante. Manutenção da liminar para suspender a
prática. Recurso não conhecido (STJ, Quarta Turma, REsp nº 436.135/SP, Rel. Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, j. 17.6.2003, DJ, p. 231, 12 ago. 2003).
21
PROCESSUAL CIVIL. MONITÓRIA. MEMÓRIA DE CÁLCULO. INEXISTÊNCIA. INÉP-
CIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRODUÇÃO DE PROVAS. AUDIÊNCIA. NÃO REALIZAÇÃO.
AFERIÇÃO. SÚMULA 7 - STJ. CAUÇÃO. PESSOA JURÍDICA ESTRANGEIRA. ART. 835
DO CPC. INTERPRETAÇÃO. DÍVIDA DE JOGO. CARACTERIZAÇÃO. REEXAME DE
PROVAS. 1 - Em nenhum dos dispositivos que regem a monitória há a exigência de ser a
inicial da ação guarnecida com planilha de cálculos ou memória discriminada do montante
da dívida em cobrança, o que fica relegado aos embargos. 2 - A necessidade ou não de pro-
duzir prova em audiência é da exclusiva e soberana discricionariedade das instâncias ordi-
nárias, com apoio no acervo probatório, esbarrando, portanto, a questão federal (arts. 330, I
e 332, ambos do CPC), neste particular, no óbice da súmula 7 - STJ. 3 - Eventual retardo no
implemento da caução do art. 835 do CPC não rende ensejo à nulidade do processo, notada-
mente se, como na espécie, somente foi suscitada a falta em sede de embargos declaratórios
ao acórdão de apelação. 4 - Vinculada a questão federal à existência ou não de dívida de
jogo e as implicações disso resultantes, a irresignação encontra obstáculo intransponível no
verbete sumular nº 7 - STJ, máxime porque o acórdão além de reportar-se a ampla interpre-
tação probatória, menciona e se fundamenta em aspectos subjetivos da conduta do próprio
recorrente. 5 - Recurso especial não conhecido (STJ, Quarta Turma, REsp nº 307.104/DF, Rel.
Ministro Fernando Gonçalves, j. 3.6.2004, DJ, p. 239, 23 ago. 2004).
CHEQUE - Emissão para pagamento de dívida de jogo - Inexigibilidade - Irrelevância de
a obrigação haver sido contraída em país em que é legítima a jogatina - Inteligência dos
arts. 9º e 17 do Dec.-lei 4.657/42 e do art. 1.477 do CC. O cheque emitido para pagamento
de dívida de jogo é inexigível, nos termos do art. 1.477 do CC, ainda que a obrigação tenha
sido contraída em país em que a jogatina é lícita, eis que o princípio do locus regit actum,
consagrado no art. 9º da LICC, sofre restrições em face da regra insculpida no art. 17 do
mesmo diploma legal (TJRJ, 13ª Câmara Cível, Processo nº 18836/00, Apelação Cível, Rel.
Des. Nametala Jorge, j. 16.4.2001, DORJ, 28 jun. 2001).
CHEQUE – EMISSÃO PARA PAGAMENTO DE DÍVIDA DE JOGO – INEXIGIBILIDADE
– IRRELEVÂNCIA DE A OBRIGAÇÃO DE HAVER SIDO CONTRAÍDA EM PAÍS ONDE
É LEGÍTIMO O JOGO – REGRA ALIENÍGENA INAPLICÁVEL FACE AOS TERMOS EX-
PRESSOS DO ART. 17 DA LICC – APLICAÇÃO DOS ARTS. 1.477 E 1.478 DO CC – VOTO
VENCIDO EM PARTE. O título emitido para pagamento de dívida de jogo não pode ser
cobrado, posto que, para efeitos civis, a lei o considera ato ilícito (arts. 1477 e 1478 do CC).
Mesmo que a obrigação tenha sido contraída em país onde é legítimo o jogo, ela não pode
ser exigida no Brasil face aos termos expressos do art. 17 da LICC (TJMG,1ª Câmara Cível,
Apelação nº 128.795-4, Rel. Juiz Zulman Galdino j. 29.9.92).
6 Contratos diferenciais
Uma modificação substancial entre a nova e a anterior codificação
diz respeito ao tratamento dos chamados contratos diferenciais.
São eles, no ensinamento de Orlando Gomes,
22
Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de
apostar ou jogar.
23
Confira-se o tópico 9 (O reembolso de empréstimo para jogo ou aposta) deste artigo.
24
GOMES. Contratos, 24. ed., p. 433.
25
Art. 1.479. São equiparados ao jogo, submetendo-se, como tais, ao disposto nos artigos an-
tecedentes, os contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipule
Art. 816. As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos
sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a
liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a
cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste.
a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tive-
rem, no vencimento do ajuste.
7 Utilização do sorteio
Não é toda decisão que depende da sorte que pode ser conside-
rada jogo ou aposta.
Um bom exemplo disso é a técnica do sorteio que, quando não
tem por finalidade o divertimento ou ganho dos participantes, não
pode ser regulada como jogo.
Sobre o tema, estabelece o art. 817, CC-02 (art. 1.480, CC-16):
Art. 817. O sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns con-
sidera-se sistema de partilha ou processo de transação, conforme o caso.
26
ALVES et al. (Coord.). Novo Código Civil comentado, p. 737-738.
27
CC-02: “Art. 858. Sendo simultânea a execução, a cada um tocará quinhão igual na recom-
pensa; se esta não for divisível, conferir-se-á por sorteio, e o que obtiver a coisa dará ao
outro o valor de seu quinhão” (No CC-16, §2º do art. 1.515).
28
Confira-se o Capítulo XX (Transação) do nosso Novo curso de direito civil, t. II. (Contratos em
Espécie).
29
Sobre o tema, confira-se o interessante artigo de CASTRO JÚNIOR. Cobrança de dívida de
jogo contraída por brasileiro no exterior. Jus Navigandi.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer
declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem
a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
30
Para um aprofundamento sobre o tema, confira-se o Capítulo III (Lei de introdução ao
Código Civil) do v. 1 (Parte geral) do nosso Novo curso de direito civil.
31
“Em 1993, ao julgar o Agravo Regimental na Carta Rogatória nº 5332, o eminente Ministro
Octavio Gallotti reconsiderou exequatur concedido para citação do devedor, sob o funda-
mento de atentado à ordem pública, baseado em a dívida de jogo ser obrigação natural, de
acordo com o CC/1916, bem como de a prática de jogo de azar ser considerada contraven-
ção penal, pela lei brasileira. Da mesma forma e igualmente baseada em atentado à ordem
pública, encontramos em 1996, a decisão proferida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, ao
julgar a Carta Rogatória nº 7426 [07].
Entre 2001 e 2002, houve mudança de interpretação quanto ao tema, quando a presidência
do STF foi ocupada pelo eminente Ministro Marco Aurélio Mello. Em longo arrazoado,
foi admitido o exequatur para citação de devedores de jogo, nos autos da Carta Rogatória
nº 9897 [08], oriunda dos Estados Unidos da América (No mesmo sentido: CR 9970, CR
10415, CR 10416 e CR 10416 ED), sob o fundamento de que a lei a ser utilizada seria a norte-
americana, de acordo com o art. 9º da LICC, e que, por ser lícito o jogo no local onde foi
contraído, afastaria a incidência do art. 1.477 do Código Civil, não havendo, pois, atentado
à ordem pública, prevista no art. 17 da LICC.
Por serem decisões monocráticas, não há que se falar em tendência jurisprudencial, na
medida em que não refletem o pensamento do tribunal, mas de seu presidente. Assim, ao
assumir a presidência do STF em 2003, o Ministro Maurício Corrêa houve por modificar
o entendimento de seu antecessor, reconsiderando a decisão de concessão do exequatur,
em sede de Embargos Infringentes à Carta Rogatória nº 10415 [09] (no mesmo sentido: CR
10416 AgR), sob o fundamento de atentado à ordem pública” (CASTRO JÚNIOR. Cobran-
ça de dívida de jogo contraída por brasileiro no exterior. Jus Navigandi).
32
AÇÃO MONITORIA. NOTA PROMISSORIA. DESPESAS NO EXTERIOR. JOGO DE
AZAR. TERRITORIALIDADE. BOA-FÉ. Ação monitória. Prévia de cerceamento de defesa
que não prevalece. Pretensão à oitiva que não desnatura o título. Causa da emissão lícita
no território alienígena, onde emitido. Notas promissórias firmadas na Argentina a serem
pagas no Brasil. Débito oriundo de despesas com hospedagem, transporte, alimentação,
diversão e jogo contraídas no exterior onde o jogo é prática lícita. Alegação do réu de
inexigibilidade de dívida de jogo com base no art. 1.477 do CC de 1916 que não se aplica
diante do art. 9 da LICC. Princípio da territorialidade. O princípio da boa-fé deve permear
as relações. Prevalência da regra do “locus regit actum”. Sentença em que é julgado pro-
cedente a ação monitória convertendo as notas promissórias em título executivo judicial.
Irresignação que não se sustenta. Ato judicial mantido (TJRJ, Décima Sexta Câmara Cível,
Apelação Cível nº 2005.001.12814, Des. Rosita Maria de Oliveira Netto, j. 8.11.2005).
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO EXTE-
RIOR. PAGAMENTO COM CHEQUE DE CONTA ENCERRADA. ART. 9º DA LEI DE
INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. ORDEM PÚBLICA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
1. O ordenamento jurídico brasileiro não considera o jogo e a aposta como negócios jurídi-
cos exigíveis. Entretanto, no país em que ocorreram, não se consubstanciam tais atividades
em qualquer ilícito, representando, ao contrário, diversão pública propalada e legalmente
permitida, donde se deduz que a obrigação foi contraída pelo acionado de forma lícita. 2.
Dada a colisão de ordenamentos jurídicos no tocante à exigibilidade da dívida de jogo,
aplicam-se as regras do Direito Internacional Privado para definir qual das ordens deve
prevalecer. O art. 9º da LICC valorizou o locus celebrationis como elemento de conexão,
pois define que, “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem.” 3. A própria Lei de Introdução ao Código Civil limita a interferência do Di-
reito alienígena, quando houver afronta à soberania nacional, à ordem pública e aos bons
costumes. A ordem pública, para o direito internacional privado, é a base social, política
e jurídica de um Estado, considerada imprescindível para a sua sobrevivência, que pode
excluir a aplicação do direito estrangeiro. 4. Considerando a antinomia na interpenetração
dos dois sistemas jurídicos, ao passo que se caracterizou uma pretensão de cobrança de
dívida inexigível em nosso ordenamento, tem-se que houve enriquecimento sem causa
por parte do embargante, que abusou da boa fé da embargada, situação essa repudiada
pelo nosso ordenamento, vez que atentatória à ordem pública, no sentido que lhe dá o
Direito Internacional Privado. 5. Destarte, referendar o enriquecimento ilícito perpetrado
pelo embargante representaria afronta muito mais significativa à ordem pública do orde-
namento pátrio do que admitir a cobrança da dívida de jogo. 6. Recurso improvido (TJDF,
2ª Câmara Cível, Processo nº EIC 44.921/97, Embargos Infringentes na Apelação Cível, Rel.
Des. Wellington Medeiros, Revisora(a) Des. Adelith De Carvalho Lopes, data 14.10.1998).
Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo
ou aposta, no ato de apostar ou jogar.
10 Extinção do contrato
Por se configurarem, regra geral, como obrigações naturais,
juridicamente inexigíveis, não há grande interesse — prático ou
acadêmico — no desenvolvimento deste tópico, razão pela qual o
legislador, corretamente, permaneceu silente.
Claro está, todavia, que, fora as situações de invalidade, o jogo
e a aposta extinguem-se com o cumprimento da prestação pecuniária, nos
termos e nas condições desenvolvidas no corpo deste capítulo.
Cumpre-nos lembrar, apenas, e em conclusão, que os jogos e
apostas oficialmente autorizados admitem a sua cobrança judicial por
não se subsumirem à noção de obrigações naturais ou imperfeitas, a
exemplo da Loto ou da Mega-Sena.
Referências
ALVES, Jones Figueiredo et al. (Coord.). Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva,
2002.
CASTRO JÚNIOR, Armindo de. Cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro no
exterior. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1131, 6 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.
uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8752>. Acesso em: 12 dez. 2006.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.
9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1. Parte geral.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.
8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2. Obrigações.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São
Paulo: Saraiva, 2007. v. 4. Contratos, t. II. Contratos em espécie.
GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
MACHADO NETO, A. L. Compêndio de introdução à ciência do direito. 3. ed. São Paulo,
Saraiva, 1975.
33
DIVIDA DE JOGO. FORNECIMENTO DE FICHAS EM CLUBE DESTINADAS A JOGO
E PARA PAGAMENTO POSTERIOR. E INEXIGIVEL O REEMBOLSO DO QUE SE
EMPRESTOU NESSA SITUAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO
(STF. Segunda Turma, RE nº 65319/SP, Rel. Min. Evandro Lins, j. 3.12.1968, DJ, 27 dez. 1968).
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 3. Dos contratos e
declarações unilaterais de vontade.
RESPONSABILIDADE CIVIL
1
NORONHA. Direito das obrigações, p. 456.
causar dano”, por entenderem que cada um de nós tem direito de não
ser afetado pela atuação de outros sujeitos, razão pela qual os riscos de
cada atividade devem ser suportados pela pessoa que a realiza.
Costuma-se ressaltar as vantagens do risco, como fundamento
do dever de indenizar, sustentando que ele seria mais adequado às
necessidades de segurança jurídica de uma sociedade marcada pelo
desenvolvimento tecnológico que necessita de estabilidade nas relações
econômicas entre os indivíduos. No entanto, a história do pensamento
jurídico ocidental é marcada por uma tradicional dicotomia entre os
partidários dos dois principais fundamentos. Na experiência brasileira,
mesmo no Código Civil de 1916, a doutrina discutia em que situações
seria necessária a adoção da teoria do risco.
Além disso, a discussão não se limitava aos extremos culpa vs.
risco. Entre cada um dos argumentos desenvolviam-se teorias sobre
objetivação da culpa e inversão do ônus probatório, criando-se casos
de culpa presumida como resposta às críticas ao sistema que erigia a
culpa como o principal fundamento do dever de indenizar.
É lícito afirmar que cada um tem a expectativa de não ser lesado
em sua esfera jurídica, ou seja, de que o sistema jurídico tutele seus
interesses preservando, sempre que possível, o status quo (situação
atual). Aqui se faz referência à função reparatória (ou indenizatória) da
responsabilidade civil, através da qual se procura eliminar o prejuízo
econômico sofrido pela vítima (tornando indene o dano patrimonial
infligido a sua esfera jurídica) ou compensar o sofrimento infligido por
um dano extrapatrimonial que repercuta negativamente na integridade
física, psíquica ou moral do ofendido.2
Dentro de uma perspectiva histórica é possível verificar que o
ordenamento jurídico brasileiro desenvolveu seu próprio sistema de
indenização para os danos, mesmo sendo iniludível a influência das
experiências francesa (Code Civil) e alemã (BGB).3 Inicialmente, antes
mesmo da edição do Código Civil de 1916, a jurisprudência da época
valia-se do disposto no art. 22 do Código Criminal de 18304 para fixar
as parcelas indenizáveis “em todas as suas partes e consequências” de
2
Importante destacar ainda que a natureza predominantemente indenizatória da responsabi-
lidade civil não impede que o magistrado, no caso concreto, possa reduzir equitativamente
o valor da indenização nos casos em que julgar existir excessiva desproporção entre a gravi-
dade da culpa e o dano, conforme dispõe o parágrafo único do art. 944 do Código Civil.
3
Cf. SANSEVERINO. Princípio da reparação integral, p. 26-29.
4
Eis o teor do referido artigo: “A satisfação será sempre a mais completa que for possível,
sendo no caso de dúvida a favor do ofendido. Para este fim, o mal que resultar à pessoa e
bens do ofendido será avaliado em todas as suas partes e consequências”.
5
“(...) é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por
dano material, moral ou à imagem.”
6
“(...) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegu-
rado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
7
SANSEVERINO. Princípio da reparação integral, p. 26-27.
8
GHERSI. Valor de la vida humana, p. 23. Sobre o tema ver também Pontes de Miranda tra-
tando do princípio da primazia da reparação in natura (PONTES DE MIRANDA. Tratado
de direito privado, p. 251).
9
SANSEVERINO. Princípio da reparação integral, p. 38-46.
10
Ao contrário de outras codificações, não existe no Código Civil um dispositivo específico
que discipline a forma de reparação dos prejuízos sofridos pela vítima. O Código Civil
português (art. 566, nº 1) determina que a indenização seja fixada em dinheiro, quando
“a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja ex-
cessivamente onerosa para o devedor”, sendo evidente a influência do Código alemão no
dispositivo (vide a segunda parte do §251 do BGB). Disposição semelhante pode ser encon-
trada no Código italiano (art. 2.058), que determina ressarcimento apenas no equivalente
pecuniário nos casos de onerosidade excessiva do devedor (o texto da norma, no original
é o seguinte: “Art. 2.058. Il danneggiato può chiedere la reintegrazione in forma specifica,
qualora sia in tutto o in parte possibile. Tutta via il giudice può disporre che il risarcimento
avvenga solo per equivalente, se lareintegrazione in forma specifica risulta eccessivamente
por meio dessa leitura, não se promove um juízo de aprovação (ou não)
do comportamento do devedor, mas busca-se aferir se houve (ou não) a
satisfação dos legítimos interesses do credor. É imperioso perceber que
essa forma de compreender a questão deixa de lado a preocupação com
a sanção do causador do dano. O direito civil é um direito de acessos. O
papel de punir não lhe foi atribuído. Os holofotes são deslocados para
a reparação do lesado. Tutela-se, assim, a vítima de um dano injusto.
Tutela-se, por consequência, toda a sociedade.11
onerosa per il debitore”). Sustenta-se que as mesmas soluções encontradas nos diplomas
estrangeiros podem ser aplicáveis ao ordenamento pátrio mediante uma interpretação sis-
têmica do CC/02, levando-se em consideração, sobretudo, a cláusula geral da boa-fé.
11
CATALAN. A morte da culpa na responsabilidade contratual, f. 68.
12
VINEY. Les obligations: la responsabilité, effets, p. 81.
13
SANSEVERINO. Princípio da reparação integral, p. 58. Para construir a afirmação acima trans-
crita, o autor parte do pensamento de Yvone Lambert-Faivre, na obra Droitdudommagecorporel:
sytèmes d´indemnisation, que sintetiza os princípios orientadores do sistema de reparação dos
danos na seguinte máxima “todo o prejuízo, nada mais que o prejuízo, o prejuízo real”. Tem-
se então, dentro do pensamento de Sanseverino, três funções que devem ser observadas para
a correta aplicação do princípio da reparação integral: função compensatória, indenitária e
Ocorre que, para além dessa função estática, que busca resta-
belecer o equilíbrio social rompido pelo dano14 e que representa sua
característica primordial, é possível vislumbrar outras funções igual-
mente importantes no campo da responsabilidade civil.
O quotidiano forense demonstra que objetivos até bem pouco
tempo restritos às demandas criminais passaram a integrar o conteúdo
de decisões cíveis, uma vez que, não raro, a compensação do dano e sua
reparação muitas vezes ficam aquém do prejuízo sofrido pelas vítimas,
além de não evitarem a reiteração do ilícito.15 Surgem novas palavras
de ordem no campo da responsabilidade civil: punir e prevenir.
Há quem sustente ser possível impor ao ofensor uma pena, ou
seja, castigo proporcional ao dano infligido à vítima, o que permitiria
dissuadir outras pessoas da prática de atos semelhantes, como também
desestimular o próprio agente da prática de novos danos. Fala-se então
de uma função sancionatória (ou punitiva) da responsabilidade civil,
que atualmente vem sendo aceita pela jurisprudência, com grande
variação na intensidade e de modo bem mitigado. Como bem explica
Fernando Noronha:
17
VAZ. Funções da responsabilidade civil: da reparação à punição e dissuasão, p. 75.
18
GOMES. Responsabilidade civil e eticidade, p. 297.
19
MORAES. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais, p.
110-112.
20
NORONHA. Direito das obrigações, p. 463.
21
Cf. BITTAR. Reparação civil por danos morais, p. 232 et seq. Caroline Vaz apresenta uma síntese
dos principais argumentos comumente levantados para refutar a aplicação da “Teoria do
Desestímulo” no direito pátrio, a saber: “1) os danos punitivos são verdadeiras sanções pe-
nais, contrapondo-se ao instituto da responsabilidade civil, que visa ao ressarcimento/com-
pensação do dano efetivamente sofrido; 2) Admitir o uso dos ‘danos punitivos’ seria ensejar
dissuadir o ofensor a manter a conduta ilícita que ocasionou o dano. Deve-se anotar ainda
que idêntico tratamento é conferido às obrigações que tenham por objeto a entrega de coisa,
após a introdução pela Lei nº 10.444/02 do art. 461-A no Código de Processo Civil. Além
disso, em qualquer dos casos, o valor ou a periodicidade da multa pode ser modificado de
ofício, caso o magistrado verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
24
NORONHA. Direito das obrigações, p. 464.
25
DIAS. Da responsabilidade civil, p. 55.
26
CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 2.
27
Como ensina Fernando Noronha, atribui-se à Lex Aquilia de damno, no século III a.C., a in-
trodução, ainda que em termos bastante restritos, da ideia de culpa no direito aplicável
(NORONHA. Direito das obrigações, p. 455). Sobre o tema, ver também Rubens Limongi
França, em artigo denominado “As Raízes da Responsabilidade Aquiliana”, in: NERY
JUNIOR; NERY (Org.). Responsabilidade civil, p. 267-287.
28
Ao tratar das impropriedades da categoria “responsabilidade extracontratual”, José Jairo
Gomes afirma que tal termo revela um acentuado matiz da “superada ideologia indivi-
dualista-liberal-burguesa que caracterizou a codificação oitocentista (...) Com esse termo,
privilegia-se a figura do contrato, como se fosse este o ocupante do centro do sistema ju-
rídico e não a pessoa. É a pessoa a razão de ser do Direito e não o contrato” (GOMES.
Responsabilidade civil e eticidade, p. 240).
29
NORONHA. Direito das obrigações, p. 453.
30
A divisão entre responsabilidade contratual e extracontratual também pode ser encontrada
no Código Civil italiano de 1942, que em seu livro IV regula a responsabilidade civil extra-
contratual entre os arts. 2.043 e 2.059. Na experiência italiana, a responsabilidade contratual
é disciplinada do art. 1.218 ao art. 1.229. A dicotomia também persiste no Código Civil
português de 1966 (os arts. 483 a 510 tratam da responsabilidade extracontratual e os arts.
790 a 836 da responsabilidade contratual), muito embora este diploma legislativo apresente
uma tentativa de aproximação entre os dois sistemas ao regular de maneira única as conse-
quências da responsabilidade entre os arts. 562 e 572, que tratam da chamada obrigação de
indemnização.
31
FRANÇA (Coord.). Enciclopédia Saraiva do direito, p. 349.
32
ANDRADE. Teoria geral da relação, p. 127 apud FRANÇA (Coord.). Enciclopédia Saraiva do
direito, p. 349.
33
BECKER. Elementos para uma teoria unitária da responsabilidade civil. In: NERY JUNIOR;
NERY (Org.). Responsabilidade civil, p. 353.
34
LÔBO. Obrigações, p. 51.
35
FRANÇA (Coord.). Enciclopédia Saraiva do direito, p. 350.
36
Art. 265, CC/02: “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.
37
Art. 942, CC/02: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem
ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação”.
38
SILVA. Inadimplemento das obrigações, p. 61.
39
Conforme lição de Sérgio Cavalieri Filho: “Na responsabilidade contratual, a culpa, de re-
gra, é presumida; inverte-se então o ônus da prova, cabendo ao credor demonstrar, apenas,
que a obrigação não foi cumprida; o devedor terá que provar que não agiu com culpa, ou,
então, que ocorreu alguma causa excludente do próprio nexo causal” (CAVALIERI FILHO.
Programa de responsabilidade civil, p. 291).
40
FRANÇA (Coord.). Enciclopédia Saraiva do direito, p. 350-351.
41
LÔBO. Obrigações, p. 37. Ver também CALIXTO. A culpa na responsabilidade civil: estrutura
e função, p. 77-78.
42
LÔBO. Obrigações, p. 38.
43
SILVA. Inadimplemento das obrigações, p. 62.
44
SILVA. Inadimplemento das obrigações, p. 63.
45
FERNÁNDEZ CRUZ. Los supoestos dogmáticos de la responsabilidade contractual:
ladivisión de sistemas y la previsibilidade. Revista de Direito Privado, p. 294.
46
BECKER. Elementos para uma teoria unitária da responsabilidade civil. In: NERY JUNIOR;
NERY (Org.). Responsabilidade civil, p. 354.
47
No mesmo sentido, Rodrigo Xavier Leonardo sustenta que “se antes o elemento primordial
da responsabilidade (expressão que traz consigo a ideia de reprimenda, de desvalor moral)
era a culpa, hoje o elemento basilar ao dever de indenizar é o dano. Nesse sentido, a própria
expressão ‘responsabilidade civil’ tem um significado limitado, vez que nem sempre a impu-
tação do dever de indenizar recai sobre o responsável pelo dano. Melhor referir-se a essa dis-
ciplina, hoje, como um direito de danos” (LEONARDO. Responsabilidade civil contratual
e extracontratual: primeira anotações em face do novo Código Civil brasileiro. In: NERY
JUNIOR; NERY (Org.). Responsabilidade civil, p. 396-397).
48
ITURRASPE; PIEDECASAS. Responsabilidad contractual, p. 12. Eis a citação no idioma
original: “La ilicitud, laimputación, elperjuicio, y larelación de causalidad, son elementos
comunes, persiguen um mismofin y cumplenlamismafunción”.
49
FERNÁNDEZ CRUZ. Los supoestos dogmáticos de la responsabilidade contractual:
ladivisión de sistemas y la previsibilidade. Revista de Direito Privado, p. 295.
50
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO ENTRE
BANCO E CLIENTE. CONSUMO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO
EXTINGUINDO O DÉBITO ANTERIOR. DÍVIDA DEVIDAMENTE QUITADA PELO
CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO POSTERIOR NO SPC, DANDO CONTA DO DÉBITO
QUE FORA EXTINTO POR NOVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL.
INAPLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 206, §3º, V,
DO CÓDIGO CIVIL. 1. O defeito do serviço que resultou na negativação indevida do nome
do cliente da instituição bancária não se confunde com o fato do serviço, que pressupõe um
risco à segurança do consumidor, e cujo prazo prescricional é definido no art. 27 do CDC. 2.
É correto o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional para a propositura
de ação indenizatória é a data em que o consumidor toma ciência do registro desabonador,
pois, pelo princípio da “actio nata”, o direito de pleitear a indenização surge quando cons-
tatada a lesão e suas consequências. 3. A violação dos deveres anexos, também intitulados
instrumentais, laterais, ou acessórios do contrato — tais como a cláusula geral de boa-fé
objetiva, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes —, implica responsabi-
lidade civil contratual, como leciona a abalizada doutrina com respaldo em numerosos pre-
cedentes desta Corte, reconhecendo que, no caso, a negativação caracteriza ilícito contratual.
4. O caso não se amolda a nenhum dos prazos específicos do Código Civil, incidindo o prazo
prescricional de dez anos previsto no artigo 205, do mencionado Diploma. 5. Recurso espe-
cial não provido. (REsp nº 1276311/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j.
20.9.2011, DJe, 17 out. 2011).
51
Ainda sobre o tema, vale transcrever: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NULIDADES. EXECUÇÃO
EXTRAJUDICIAL CONTRA A FAZENDA. CONTRATO. EXAME DE PROVA. SÚMULA
7/STJ. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. É firme o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, segundo o princípio ‘tempus regitac-
tum’, os juros moratórios, nos casos de indenização decorrente de responsabilidade extra-
contratual, devem incidir à taxa de 0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do CC/16, da data
do evento danoso até 10/1/03 e, a partir de então, no percentual de 1% ao mês, conforme
o art. 462 do CC de 2002. Precedentes do STJ. 2. Contudo, há considerar que ‘A fixação do
termo inicial dos juros depende da liquidez da obrigação. Se a obrigação for líquida, os juros
serão contados a partir do vencimento da obrigação; se for ilíquida, os moratórios terão
como dies a quo a citação válida. Em face da iliquidez da obrigação, a incidência dos juros
moratórios é a citação, e não o vencimento de cada fatura’ (REsp nº 402.423/RO, Rel. Min.
Castro Meira, Segunda Turma, DJ, 20 fev. 2006). Logo, a incidência dos juros será devida a
partir da data em que configurado o inadimplemento contratual, e não da assinatura do con-
trato. (...) 4. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp nº 1125135/RR, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, j. 16.12.2010, DJe, 02 fev. 2011).
52
FRANÇA (Coord.). Enciclopédia Saraiva do direito, p. 350-351.
53
Art. 186, CC/02: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
54
BECKER. Elementos para uma teoria unitária da responsabilidade civil. In: NERY JUNIOR;
NERY (Org.). Responsabilidade civil, p. 358.
55
CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 288.
56
ITURRASPE; PIEDECASAS. Responsabilidad contractual, p. 16.
57
DIAS. Da responsabilidade civil, p. 157. Sobre o tema ver também ITURRASPE; PIEDECASAS.
Responsabilidad contractual, p. 21 e RUGGIERO. Instituições de direito civil: direito das obri-
gações, direito hereditário, p. 158-159.
58
LÔBO. Direito civil: contratos, p. 27.
59
LÔBO. Direito civil: obrigações, p. 232. No mesmo sentido: “Como se vê, na responsabilidade
contratual a indenização funciona como substitutivo da prestação contratada” (CAVALIERI
FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 293).
60
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 12.
61
BECKER. Elementos para uma teoria unitária da responsabilidade civil. In: NERY JUNIOR;
NERY (Org.). Responsabilidade civil, p. 355.
62
REsp nº 930.875/MT, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 14.6.2011, DJe, 17 jun. 2011.
63
TEPEDINO. O direito civil-constitucional e suas perspectivas atuais. In: TEPEDINO (Org.).
Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do
Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro, p. 361.
64
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, p. 109.
65
Para ilustrar tal afirmação, interessante transcrever trecho de recente decisão do STJ: “2. A
imputação de responsabilidade civil — contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva
— supõe a presença de dois elementos de fato (a conduta do agente e o resultado danoso) e
um elemento lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste num elo refe-
rencial, numa relação de pertencialidade, entre os elementos de fato; e é normativo, porque
tem contornos e limites impostos pelo sistema de direito). 3. Relativamente ao elemento
normativo do nexo causal em matéria de responsabilidade civil, vigora, no direito brasileiro,
o princípio de causalidade adequada (ou do dano direto e imediato), cujo enunciado pode
ser decomposto em duas partes: a primeira (que decorre, a contrario sensu, do art. 159 do
CC/16 e do art 927 do CC/2002, que fixa a indispensabilidade do nexo causal), segundo a
qual ninguém pode ser responsabilizado por aquilo a que não tiver dado causa; e a outra
(que decorre do art. 1.060 do CC/16 e do art. 403 do CC/2002, que fixa o conteúdo e os limites
do nexo causal) segundo a qual somente se considera causa o evento que produziu direta e
concretamente o resultado danoso. 4. No caso, o evento danoso não decorreu direta e ime-
diatamente do registro de imóvel inexistente, e, sim, do comportamento da contratante, que
não cumpriu o que foi acordado com a demandante. 5. Recurso especial parcialmente conhe-
cido e, nesta parte, desprovido” (REsp nº 1198829/MS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki,
Primeira Turma, j. 5.10.2010, DJe, 25 nov. 2010).
66
“Ora, em nosso sistema, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil [art. 403
do CC/2002], a teoria adotada quanto ao nexo causal é a teoria do dano direto e imediato,
também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispo-
sitivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade
contratual, aplica-se também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva (...)”
(REsp nº 719.738/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, j. 16.9.2008, DJe,
22 set. 2008).
67
Para Cláudia Lima Marques, a interpretação conjunta do disposto nos arts. 17 e 29 do CDC
permite concluir que uma grande contribuição do Código de Defesa do Consumidor ao
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
direito civil atual residiria na sua bem lograda superação do conceito de sujeito individual
da relação contratual, uma vez que o sujeito da relação jurídica obrigacional de consumo
pode ser individual, coletivo, difuso e até mesmo — para além do contratante e da vítima
contratante — também o bystanders ou aquele que apenas tem participação indireta na re-
lação de consumo (MARQUES. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime
das relações contratuais).
68
ITURRASPE; PIEDECASAS. Responsabilidad contractual, p. 15.
69
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMULAÇÃO DE DEMANDAS. INADIMPLEMENTO
DO CONTRATO DE SEGURO E ILÍCITO EXTRACONTRATUAL DO CAUSADOR DO
ACIDENTE. 1. Não há impossibilidade jurídica do pedido de indenização cumulando aquela por
inadimplemento contratual e aquela por ilícito extracontratual. 2. Recurso especial conhecido e
provido (REsp nº 618.138/SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma,
j. 4.8.2005, DJ, p. 264, 07 nov. 2005).
70
CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMPRESA TRANS
POR TADORA, PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
DANOS MORAIS E MATERIAIS. CABIMENTO. DANOS ESTÉTICOS. INOCORRÊNCIA.
QUANTUM. REDUÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. ART. 20 E 21 DO CPC. (...) 3. Cuida-se, na hipótese, de passa-
geiro de ônibus, havendo portanto responsabilidade objetiva e contratual da empresa de transportes. A
orientação desta Corte é no sentido de que em tal circunstância os juros moratórios correm a partir da
citação. Inaplicável, in casu, a Súmula 54/STJ, por não se tratar de responsabilidade extracontratual.
(Precedentes: REsp nº 327.382/RJ; REsp nº 131.376/RJ; (...) (REsp nº 726.939/RJ, Rel. Ministro
Jorge Scartezzini, Quarta Turma, j. 24.5.2005, DJ, p. 559, 1º jul. 2005).
71
SILVA. Inadimplemento das obrigações, p. 60. No mesmo sentido o entendimento de Fernando
Noronha: “a solução ficará mais clara se admitirmos que a responsabilidade do transpor-
tador, no caso de danos corpóreos, nunca poderá ser considerada contratual, por estarem
em causa bens indisponíveis” (NORONHA. Direito das Obrigações, p. 528).
Referências
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essenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 1. Teoria geral.
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(Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São
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GHERSI, Carlos Alberto. Valor de la vida humana. Buenos Aires: Astrea, 2002.
72
CATALAN. A morte da culpa na responsabilidade contratual, p. 95.
73
CATALAN. A morte da culpa na responsabilidade contratual, p. 96.
GOMES, José Jairo. Responsabilidade civil e eticidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
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punitive dam. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
VINEY, Geneviève. Les obligations: la responsabilité, effets. Paris: LGDJ, 1988. Traitè de
droit civil.
1
A doutrina nacional, em sua amplíssima maioria, identifica ilícito civil com responsabilidade
civil. Imagina, portanto, que ilícitos civis são aqueles previstos no Código Civil (arts. 186
e 187), cujo efeito é, sempre e apenas, o dever de indenizar (art. 927). Tal visão, segundo
cremos, é parcial e não dá conta da realidade do mundo jurídico. Na verdade, bem vistas as
coisas, os ilícitos civis perfazem um rico gênero, variado e multiforme, cujos contornos não
aceitam a tradução dogmática oferecida pela doutrina clássica, ainda hoje repetida nas novas
edições.
Pontes de Miranda, com a antevisão que o distinguia, percebeu, antes de todos, que os ilí-
citos civis são um gênero com múltiplas espécies, cada uma delas com requisitos e efeitos
diferenciados. Marcos Bernardes de Mello, em sua Teoria do fato jurídico — trilogia que ad-
quiriu, por seus méritos, lugar entre os clássicos da literatura jurídica nacional —, sistema-
tizou e problematizou, relativamente aos ilícitos, a obra de Pontes, ocupando a parte final
do primeiro volume — Teoria do fato jurídico: plano da existência. Propusemos, em outra
oportunidade — Teoria dos ilícitos civis, 2003 —, uma nova abordagem do tema, fundada, pre-
cipuamente, na classificação à luz de três critérios distintos (suporte fático abstrato; relação
jurídica violada; efeitos produzidos).
2
Pontes de Miranda constatou a inércia mental que costuma acometer os juristas frente às
novas codificações: “As codificações ossificam, dão rigeza oficial e arquitetônica às leis. O
primeiro pendor dos comentadores é para a exegese literal, ou a distribuição das regras em
proposições coerentes, lógicas, que nunca se podem atacar entre si, nem, sequer, premir”
(Tratado de direito privado, p. 70). Menezes Cordeiro, em perspectiva semelhante, pondera:
“As codificações, essencialmente redutoras e simplificadoras, provocam, num primeiro mo-
mento, atitudes positivistas. Trata-se de uma conjunção facilmente demonstrada na França
6
WEINBERGER. Politica del diritto e istituzioni. In: MACCOMICK; WEINBERGER. Il diritto
come istituzione, p. 287.
7
ORRÚ. Richterrecht: Il problema della libertà e autorità giudiziale nella dottrina tedesca
contemporânea, p. 126.
8
MÜLLER. Discours de la methode juridique, p. 169.
9
FARIAS; ROSENVALD. Curso de direito civil. contratos: teoria geral e contratos em espécie,
p. 38.
10
GIORGI. Scienza del diritto e legittimazione, p. 242 et seq.
11
“O formalismo e o positivismo, apresentados, respectivamente, como o predomínio das es-
truturas gnoseológicas de tipo neo-kantiano e como a recusa, na ciência do Direito, de con-
siderações não estritamente jurídico-positivas, constituem o grande lastro metodológico do
século vinte” (CORDEIRO. Os dilemas da ciência do direito no final do século XX: prefácio.
In: CANARIS. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 15-16).
12
LORENZETTI. Fundamentos do direito privado, p. 83.
13
PUENTE Y LAVALE. Nuevas tendencias en la contratación moderna. Revista Peruana de
Derecho de la Empresa, p. 10.
14
RIEG. Le rôle de la volonté dans la formation de l’acte juridique d’après les doctrines
allemandes du XIX siècle. Archives de Philosophie du Droit, p. 126.
15
“Não cabe falar do Direito como algo completo, como um objeto inteiriço, ao qual se vem
agregar a interpretação”. Mais adiante, acrescenta: “a positividade da ordem jurídica não seria
inteligível sem as significações que cabe ao jurista ao mesmo tempo manter e questionar (...)
o jurídico, neles, está no conjunto de significações que se atribui a esta ordem, e que a tornam
viva, relacionando-a com a consciência social” (SALDANHA. O componente hermenêutico:
sobre a necessidade de repensar a noção de direito. Revista de Direito Civil, p. 9, 14).
16
PERELMAN. Lógica jurídica, p. 51.
17
JOLOWICZ. Historical Introduction to the study of Roman Law, p. 87.
18
KUHN. A estrutura das revoluções científicas, p. 196-200.
19
Alguns juristas, ciosos do seu domínio, pugnam para que o Direito Civil reconquiste a cen-
tralidade perdida, retome “a posição condutora e paradigmática que lhe tem pertencido ao
longo dos tempos na investigação da generalidade dos temas comuns aos vários ramos do
direito” (COSTA. Direito das obrigações, p. 348).
parecia possível que, fosse qual fosse a situação histórica, pudesse haver
mudanças de rota significativas na sua ciência. Firmou-se, institucional-
mente, um paradigma, normativo e científico, cujos postulados básicos
eram capazes de sustentar, com sólidas estruturas formais, quaisquer
embates existentes lá embaixo, no plano dos contatos sociais.
Essa tendência à abstração e ao isolamento marcou, como nota
típica, as manifestações dos últimos séculos — devendo ser referido,
naturalmente, que semelhantes afirmações, porque amplas e peremptó-
rias, carregam enorme grau de imprecisão e exceções pontuais. Grosso
modo, porém, um certo formalismo característico, um certo dar de om-
bros com as especificidades socioculturais, timbrou, sob certo aspecto,
o modo de ser do civilista clássico.
Não deixa de ser curioso perceber como tais características, que se
tornaram clássicas, contradizem, ontologicamente, as propostas, básicas
e originárias, do Direito Civil, como o direito do homem comum, das
relações sociais despidas de outras notas especializantes. Esses padrões
mentais tendem a se reproduzir, sem uma reconsideração crítica das
premissas adotadas. A questão, verdadeiramente provocadora, que
os estudos recentes acenam, é a seguinte: está em curso, de fato, uma
revolução metodológica no Direito Civil, ou um mero reajuste de rota,
como tantos já havidos, próprios dos períodos de crise?20
A digressão é pertinente, porquanto oportuniza a reflexão acerca
das ferramentas metodológicas do civilista no século XXI. O modelo
cognitivo, que ao civilista de hoje se põe, ostenta, naturalmente, um
espectro temático insuspeitado para os séculos passados, caracteristi-
camente formais.
Seria impertinente, nessa perspectiva, tratar, atualmente, qual-
quer tema a partir do estatuto epistemológico que a tradição nos legou.
É imperioso, portanto — e é tarefa para esse início de século — construir
modelos teoricamente mais atuais, que deem conta de compreender,
menos imperfeitamente, as hipercomplexas relações sociais.
Virou lugar-comum, nas últimas décadas, consignar que o Direito
Civil está em crise. Talvez fosse mais apropriado dizer que a crise é algo
intrínseco ao Direito, nas complexas sociedades contemporâneas, e o
20
Cabe indagar da novidade conceitual da noção da era da informação, ou, mais propriamente,
em uma sociedade informacional (ACHAM. Vernunftanspruch und Erwartungsdruck. Studien zu
einer Philosophische Soziologie, p. 218 apud GUERRA FILHO. Autopoeise do direito na sociedade
pós-moderna, p. 25-26). Cabe destacar, portanto, o novum que vai além da mera novidade aciden-
tal. Há quem refira, em âmbito epistemológico, o surgimento do sujeito reflexivo (IBÁÑEZ.
Nuevos avances en la investigación social, p. 60).
21
SALDANHA. Ordem e hermenêutica, p. 1.
22
ROUANET. As razões do iluminismo, p. 229.
23
ROUANET. As razões do iluminismo, p. 230-231.
24
LORENZETTI. Fundamentos do direito privado, p. 58.
25
GHERSI. La posmodernidad jurídica, p. 45.
26
Como projeção do laissez-faire, laissez-passer, não faltou quem, coerentemente, mencionasse
o laissez-contracter (CARBONNIER. Droit civil: Les obligations, p. 41).
27
Para Francisco Amaral, “o problema da autonomia privada, na sua existência e eficácia,
é apenas um problema de limites”. Segundo o autor, a crise “é mais quantitativa do que
O que se percebe é que, pelos abusos a que deu causa, pela hi
póstase a que os séculos passados a conduziram, a importância da auto-
nomia da vontade, na dogmática contemporânea, foi redimensionada.28
Ao abandono da liberdade como dogma sagrado do sistema de Direito
privado, correspondeu o recrudescimento da boa-fé objetiva, poten-
cializando o agir socialmente correto, dentro dos padrões esperados,
afastando as surpresas desleais e as condutas caprichosas, ainda que
contratualmente resguardadas.29
A vinculação ético-social do Direito contemporâneo naturalmen-
te desautoriza a religiosa reverência às disposições contratuais. Quem
diz contratual, não diz necessariamente justo. O referencial de análise
ganha uma dinamicidade que não tolera posições absolutas, à maneira
do inflexível pacta sunt servanda. A consagração, no novo Código, dos
institutos do estado de perigo (art. 156), e da lesão (art. 157), represen-
tam, pontualmente, a filosofia adotada pelo legislador de 2002, natu-
ralmente refratária ao cortante individualismo dos séculos passados.
O contrato, nessa nova visão, passa a ser operacionalmente per-
meável à incidência de valores éticos, culturais e sociais, ensejando,
assim, uma saudável dialeticidade entre os conteúdos contratuais e
os valores sociais. Ao recuo do formalismo, característico do Direito
Privado liberal, corresponde o alargamento da noção de justiça mate-
rial, como paradigma que deve iluminar as obrigações dinamicamente
consideradas. Perde o contrato, nessa perspectiva, um referencial pu-
ramente interno, cujos liames interpretativos deveriam ser buscados
tão somente nas disposições objetivamente postas.30
Há uma passagem, no atual Direito das obrigações (pós-mo-
derno, como preferem alguns), da previsão à construção. As rígidas
fórmulas, estáticas e apriorísticas, cedem espaço à elaboração, dialética e
plural, de novos espaços de convivência, à luz de valores objetivamente
discerníveis. A relevância jurídica de certos fatos passa a depender, cada
vez menos, da previsão, escrita e formal, em leis e contratos, e mais
31
FARIAS; ROSENVALD. Curso de direito civil: contratos: teoria geral e contratos em espécie,
p. 186.
32
ROPPO. Il contrato, p. 265.
33
LÔBO. Princípios Sociais dos Contratos no Código de Defesa do Consumidor e no novo
Código Civil. Revista de Direito do Consumidor, p. 189.
34
SILVA. A obrigação como processo, p. 26-27.
35
Em sentido semelhante: ROPPO. Il contrato, passim.
36
Sobre os princípios, precursoramente: ESSER. Principio y norma en la elaboración jurispru-
dencial del derecho privado, p. 10-11.
37
CANARIS. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 81.
38
A propósito, vale referir a perspectiva de Atienza, para quem o raciocínio jurídico é um
caso especial, altamente especializado e formalizado, de raciocínio moral (ATIENZA. As
razões do direito, p. 203).
39
LÔBO. Do contrato no Estado Social, p. 128.
40
ENNECCERUS. Tratado de Derecho Civil, p. 128.
41
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. II, p. 204.
42
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. LIII, p. 170.
43
Mesmo numa perspectiva puramente ressarcitória — e oposta a por nós adotada neste artigo
— é possível perceber a tendência ao abandono da categoria clássica do ilícito extracontra-
tual em oposição ao ilícito contratual, em favor de uma nova figura, de maior abrangência,
denominada, por Grant Gilmore, de contort (The Death of Contract, 1974).
44
Expressiva a ponderação de Orizombo Nonato: “Contudo é possível, diante deles, afirmar,
como o egrégio Clóvis, que a idéia de dano ressarcível é, em nosso direito, mais ampla do
que a de ato ilícito.” Apud SILVA. Responsabilidade sem culpa, p. 69.
45
Pontes de Miranda dá exemplo eloquente, no caso do que vendeu penicilina a ser entregue
e, tendo havido grande desastre, a empregou nos feridos, não podendo adimplir, no dia, o
contrato. Haveria, em tese, ilícito relativo, pela violação da relação contratual. Na espécie,
no entanto, isso não ocorre, porquanto a contrariedade ao direito, essencial ao ilícito, foi
pré-excluída pelo estado de necessidade (Tratado de direito privado, t. II, p. 229).
46
BEVILÁQUA. O Código Civil comentado, 1976.
47
De toda sorte, e sem embargo das críticas que se lhe possam ser feitas — no sentido de pre-
tender esgotar o conceito de ilícito civil —, é certo que o art. 159 do Código Civil revogado
(inspirador do art. 186 do atual Código Civil) é superior aos modelos legislativos existen-
tes à época de sua edição. Aliás, o próprio BGB, tido como uma codificação tecnicamente
escorreita, inseriu o ilícito civil na parte especial, no direito das obrigações, e não na parte
geral, como fizeram os códigos civis brasileiros. Outrossim, o BGB optou (§823) por uma
descrição tarifada dos bens jurídicos que, violados, ensejariam ilícitos, numa técnica inferior
àquela adotada pelos Códigos Civis brasileiros, que se valeram de cláusulas gerais (art. 159,
CC/16; art. 186 e 187, CC/02).
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes”. Consagrou-se, com esse dispositivo, a teoria do abuso de
direito, velha conhecida da jurisprudência, cuja caracterização como
ilícito, todavia, era polêmica.
Em livro que publicamos ainda antes da vigência do Código
Civil de 2002, defendemos a contrariedade ao direito de tais atos, aos
quais chamamos, todavia, de “ilícitos funcionais”.48 Escrevemos na
ocasião: “Atualmente, mercê da força, no direito atual, das diretrizes
constitucionais pertinentes, é algo fora de dúvida que a utilização de
um direito não pode se prestar a fins opostos àqueles que orientaram
seu nascimento, nem tampouco podem colidir com princípios maiores,
se em choque”.
O art. 187 está informado pela ideia de relatividade dos direitos.
Isto é, os direitos flexibilizam-se mutuamente; não há direito isolado,
mas dentro do corpo social, no qual outros direitos convivem. Pontes
de Miranda observou que “repugna à consciência moderna a ilimita-
bilidade no exercício do direito; já não nos servem mais as fórmulas
absolutas do direito romano”.49
O Código Civil, mais adiante, no art. 927, estatui: “Aquele que,
por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo”. É fácil perceber que o Código Civil de 2002, se interpretado
literalmente, conduz à conclusão de que a única eficácia possível, de-
rivada dos ilícitos civil, é a obrigação de indenizar os danos causados.
Dissemos que o ilícito civil sempre aparece mesclado com a
responsabilidade civil. Nunca, pelo menos ao que nos conste, surgiu
a preocupação, em pesquisas monográficas, de teorizar o tema, como
classe autônoma e de inegável importância de fatos jurídicos. São co-
muns, destarte, ponderações no sentido da absoluta indissociabilidade
entre os atos ilícitos civis e a responsabilidade civil.50
Nesta concepção — que chamaremos, por brevidade, de clás-
sica — o ilícito é pensado e tratado, sempre e sem exceção, como um
apêndice da responsabilidade civil. Não haveria, para os que perfilham
semelhante concepção, razão maior para diferenciação, porquanto,
segundo raciocinam, o ilícito produz sempre, como eficácia, a respon-
sabilidade civil, de modo que estudando esta estaremos, com vantagem,
estudando aquele, ainda que nem toda responsabilidade civil advenha
de atos ilícitos.
48
NETTO. Teoria dos ilícitos civis, p. 116-123.
49
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. LIII, p. 62.
50
GOMES. Introdução ao direito civil, p. 417.
51
Pontes de Miranda prefere o termo ato ilícito em sentido estrito, ou delito civil (Tratado de direito
privado, t. II, p. 213). Essa expressão, contudo, não nos serve, porquanto abrange, em seus
limites conceituais, a culpa e o dano, fatores estranhos à eficácia.
52
Pontes de Miranda, escrevendo em meados do século passado, já consignava: “há mais atos
ilícitos ou contrários a direito que os atos ilícitos de que provém obrigação de indenizar”
(Tratado de direito privado, t. II, p. 201). Aliás, ainda antes, em 1928, no seu livro Fontes e evo-
lução do direito civil brasileiro, Pontes já intuía que os ilícitos não se esgotavam no dever de
indenizar. Assim, ao esboçar a classificação dos fatos jurídicos adotada pelo Código Civil,
bipartia os ilícitos em delitos e outros ilícitos, que não fossem delitos (Fontes e evolução do
direito civil brasileiro, p. 176).
53
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. LIII, p. 197.
54
NETTO. Responsabilidade civil.
55
NETTO. Teoria dos ilícitos civis, p. 89.
56
Curioso é que Pontes de Miranda já houvera assentado a existência, no Brasil, do princípio
da primazia da reparação in natura. Hoje, por intermédio do art. 461 do Código de Processo
Civil e art. 84 do Código do Consumidor, deve ser buscado, em linha de princípio, a tutela
específica da obrigação. Não sendo possível, o resultado prático equivalente. Somente em
último caso, as perdas e danos.
57
Partindo da premissa, forte em Pontes de Miranda, de que a relação jurídica está no plano da
eficácia, integrada, no seu esquema integral, por direitos e deveres, pretensões e obrigações,
ações e situação de acionado (ação de direito material) e exceção e situação de exceptuado.
58
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. II, p. 202.
59
MELLO. Teoria do fato jurídico, p. 199.
60
LÔBO. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas, p. 158.
61
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. LIII, p. 104.
anterior à lesão. Não podemos nos dar por felizes com a confortável
afirmação que, depois da lesão, temos a reprimenda do dano moral.
Não é esta, seguramente, a atitude participativa que se deseja do civi-
lista no novo século. Luther King, em outro contexto, desabafou: “O
que me preocupa não é o grito dos violentos. O que me preocupa é o
silêncio dos bons”.
A construção de uma sociedade mais justa e solidária não se faz
apenas imputando aos danos reparações monetárias. É fundamental
ampliar os espaços de exercício da dignidade — na família, nos con-
tratos, na empresa, ou em quaisquer relações subjetivas que projetem
efeitos jurídicos.
Cabe aos civilistas abandonar a postura neutra — claramente en-
velhecida e historicamente gasta —, e estabelecer, à luz da Constituição,
paradigmas diferenciados de proteção, otimizando proteção àquelas
formas de contrato, de propriedade, de união familiar, que melhor
realizem os valores constantes em nossa ordem constitucional. Enfim,
deve-se buscar modelos que operacionalizem a realização dos valores
existenciais, em detrimento, havendo choque, dos valores patrimoniais.
É essa sua grande tarefa, no início do século XXI.
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1 Introdução
O novo modelo constitucional brasileiro, fruto da Constituição
democrática de 1988, concedeu à sociedade fortes armas, respaldadas
em valores e princípios jurídicos, para a consecução de uma nova teoria
da interpretação e da criação do Direito. Assim, centrada na dignidade
da pessoa humana, que é o fundamento axiológico supremo da Repú-
blica Federativa do Brasil, a Lei Maior da Nação vem impor a superação
1
NUNES. Curso de direito do consumidor, p. 641.
2
NUNES. Curso de direito do consumidor. p. 154-158.
3
CAVALIERI FILHO. Programa de direito do consumidor, p. 71.
4
GRINOVER et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do an-
teprojeto, p. 194.
5
GRINOVER et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do an-
teprojeto, p. 195.
6
O corte no fornecimento de serviços essenciais é expressamente admitido pelo inc. II do
§3º do art. 6º da Lei nº 8.987/95 e pela Lei nº 9.427/97, a qual criou a ANEEL e disciplinou o
regime de concessão dos serviços de fornecimento de energia elétrica.
7
Segundo Cláudia Lima Marques, com respaldo nos estudos do professor Erik Jayme, o
diálogo entre as fontes pode ser: diálogo sistemático de coerência de fontes, diálogo de
complementaridade ou subsidiariedade de fontes e diálogo de coordenação ou adaptação
de fontes. Tudo no ensejo de que as fontes do direito não mais se excluam, através de cri-
térios artificiosos de preponderância, por exemplo, da lei especial sobre a lei geral, da lei
posterior sobre a lei anterior etc., mas sim se dialoguem mutuamente; isto é, que conver-
sem entre si, dando-se prevalência a uma interpretação mais coerente com a primazia dos
valores existenciais da pessoa humana e dos valores constitucionais decorrentes do prin-
cípio da dignidade da pessoa humana (MARQUES. O “diálogo das fontes” como método
da nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jayme. In: MARQUES (Coord.). Diálogo
das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro, p. 17-66).
8
A expressão foi consagrada também, aqui no Brasil, embora não seja nova, por Judith
Martins-Costa: Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: DELGADO;
ALVES (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas: parte geral do Código Civil,
p. 506.
9
BEVILÁQUA. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Beviláqua, p. 431,
433, 434. Embora conhecedor das teorias adotadas nos diplomas legislativos e pelos doutri-
nadores europeus, quanto à caracterização do abuso de direito, conforme citação de vários
deles, Clóvis Beviláqua se conduz ao reconhecimento da existência da figura no Direito bra-
sileiro e adota a teoria objetiva, por considerar reprovável o exercício de um direito quando
em contraste com o seu exercício econômico e social. Portanto, muito À frente dos teóricos
da época, de índole, na maioria das vezes, negativistas ou, quando muito, afirmativistas de
índole subjetivista.
10
BEVILÁQUA. Teoria geral do direito civil, p. 276.
11
Art. 334º “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os
limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse
direito” (PORTUGAL. Código Civil português: aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.344 de 25 de
novembro de 1966, p. 93).
12
ROSENVALD. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, p. 122.
13
Denominação alterada pela Lei nº 12.376/10.
14
DINIZ. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, p. 140.
15
DINIZ. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, p. 167.
16
STOCO. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, p. 145.
17
NORONHA. Direito das obrigações, p. 394.
18
NORONHA. Direito das obrigações.
19
BEVILÁQUA. Teoria geral do direito civil, p. 30.
20
DINIZ. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, p. 121.
21
FRANÇA. Hermenêutica jurídica, p. 109.
22
EHRHARDT JR. Direito civil, p. 52, 53.
23
ASCENSÃO. Direito civil: teoria geral, p. 223.
24
Sempre é importante lembrar os ensinamentos de quem mais entende do instituto da boa-fé
no mundo, juntamente com os alemães, os portugueses, quanto à necessidade de se estabe-
lecer uma diferença entre a boa-fé e os bons costumes. Segundo António Manuel da Rocha
e Menezes Cordeiro, já se entendeu não haver diferenças entre os bons costumes e a boa-fé,
porém, existem entre eles diferenças substanciais, como por exemplo: a boa-fé prescreve
a forma de atuação, ao passo que os bons costumes proscrevem os efeitos da atividade
jurígena ofensiva a eles. É dizer que a boa-fé prescreve condutas ou pode fazê-lo e intervém
de modo preferencial em relações específicas, já os bons costumes vedam apenas certos
comportamentos e concretizam-se, em absoluto, sem dependência de um relacionamento
particular (CORDEIRO. Da boa-fé no direito civil, p. 1213, 1223).
25
Para simples exemplificação: Código Civil, arts. 1.242, 1.214, 1.217, 1.218, etc.
26
ALVES; DELGADO. Código Civil anotado: inovações comentadas: artigo por artigo, p. 84.
27
Segundo o professor Paulo Lôbo, seguindo as lições de Luigi Mengoni, “a boa-fé objetiva
não é princípio dedutivo, não é argumentação dialética; é medida diretiva para a pesquisa
da norma de decisão, da regra a aplicar no caso concreto, sem hipótese normativa pré-cons-
tituída, mas que será preenchida com a mediação concretizadora do intérprete-julgador”
(LÔBO. Teoria geral das obrigações, p. 81). Entretanto, de acordo com o conceito de norma ju-
rídica adrede explicado e aqui adotado, de qualquer maneira, o dispositivo legal, seja regra,
seja princípio jurídico explícito, necessita da interferência do julgador para a produção da
norma jurídica, ou como queiram, da norma de decisão.
28
LÔBO. Teoria geral das obrigações, p. 81.
29
CORDEIRO. Da boa-fé no direito civil, p. 1234.
30
ASCENSÃO. Direito civil: teoria geral, p. 223, 224, 225.
31
Este articulista já teve oportunidade de julgar procedente uma ação de reparação por danos
morais decorrentes de inscrição de nome do consumidor em cadastros de inadimplentes do
comércio por dívida não adimplida, de insignificante monta, neste sentido: EMENTA: CIVIL
seria aquele ato violador da regra jurídica com culpa (dolo, negligência,
imprudência ou imperícia); o fato ilícito stricto sensu seria aquele que
se caracteriza pela existência de obrigação de reparar mesmo diante
de caso fortuito ou força maior, “em que a culpa não ingressa como
elemento configurativo da responsabilidade civil”, como acontece nas
hipóteses do possuidor de má-fé; do devedor em mora; do procura-
dor que substabelece os poderes outorgados, não obstante a proibição
contratual, mesmo que o prejuízo resulte de caso fortuito (art. 667, §1º),
etc.; por sua vez, o ato-fato ilícito seria aquele ato que não foi querido
pelo agente ou, mesmo se querido, a vontade do agente se apresenta
irrelevante para o ordenamento, dado “que a ação entra para o mundo
jurídico como um simples fato, resultando deste fato a sua eficácia”,
nessa hipótese se incluem, segundo o professor, a responsabilidade
civil fundada na teoria do risco. Por fim, o fato lícito, gerador do dano
lícito, impõe o dever de indenizar mesmo quando a violação do bem
seja permitida pelo ordenamento jurídico, a exemplo do dever de repa-
rar nas circunstâncias do art. 188, inc. II, c/c art. 929 do Código. Neste
último caso, trata-se de uma espécie de ato-fato, ou melhor, de um
ato-fato jurídico indenizativo, segundo Marcos Bernardes de Mello.35
Sintetizando, o dever de reparar, segundo o atual ordenamento
jurídico nacional e a mais abalizada doutrina sobre o assunto, pode se
originar de uma ilicitude no sentido mais restrito, também denomi-
nada comumente de ilicitude subjetiva, aqui denominada de ilicitude
propriamente dita, nos casos de sua caracterização por atuação culposa
do agente causador do dano (CC art. 186), e de uma ilicitude no seu
sentido mais amplo, comumente denominada de ilicitude objetiva, ou
aqui denominada de ilicitude não propriamente dita, considerando o
surgimento do dever de reparar decorrente de um fato ilícito stricto
sensu, de um ato-fato ilícito (parágrafo único do art. 927 do CC) e de
um ato-fato caracterizador do abuso de Direito (CC art. 187).
Não pairam mais dúvidas, nesse diapasão, de que o abuso de
Direito foi abarcado pelo nosso legislador civil como um caso configu-
rador de uma ilicitude em sentido amplo, decorrente do mau exercício
de um direito, não consagrador, a priori, da violação diretamente da
lei. É a “ilicitude no modo do exercício”.36 A violação aqui decorre da
contrariedade ao ordenamento como um todo, podendo se verificar
35
MELLO. Teoria do fato jurídico: plano da existência, p. 135.
36
MARTINS-COSTA. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In:
DELGADO; ALVES (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas: parte geral do
Código Civil, p. 517.
37
MARTINS-COSTA. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In:
DELGADO; ALVES (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas: parte geral do
Código Civil, p. 518.
38
LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 256, 257.
39
A doutrina, de há muito, discute acerca da antijuridicidade do ato ilícito, pois se é ilícito o
ato, não pode ser ele jurídico, mas sim antijurídico. Todavia, apoiado em Pontes de Miranda,
Marcos Bernardes de Mello se posiciona a favor da juridicidade da ilicitude, pois os termos
juridicidade e ilicitude não se confundem. Para ele, com relação ao fato ilícito a norma jurí-
dica o prevê como seu suporte fático, como situação jurídica fática contrária à ordem, à qual
estabelece uma sanção. Caso aquela situação prevista na norma aconteça no mundo dos
fatos, dá-se a incidência da norma que a juridiciza e lhe oferece entrada no mundo do direito
(MELLO. Responsabilidade civil do produtor e do fornecedor por vício ou defeito do produ-
to ou do serviço: uma revisão dos conceitos. In: EHRHARDT JR.; BARROS (Coord.). Temas de
direito civil contemporâneo: estudos sobre o direito das obrigações e contratos em homenagem
ao professor Paulo Luiz Netto Lôbo, p. 483-503).
40
Orlando Gomes explica que nem todo fato que gera o dever de reparar é ilícito (dentro
da leitura aqui elaborada, não são ilícitos no sentido restrito), pois há fatos que causam
prejuízos a outrem, mas não são ilícitos, não havendo que se confundir fato ilícito com fato
danoso (GOMES. Responsabilidade civil, p. 60).
41
ZANNONI. El daño en la responsabilidad civil, p. 6, 7.
42
MOSSET ITURRASPE; PIEDECASAS. Responsabilidad contractual, p. 45, 46.
43
AZEVEDO. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil: curso de direito civil, p. 244.
44
MAZEAUD; MAZEAUD; TUNC. Tratado teórico y practico de la responsabilidad civil delictual
y contractual, p. 115, 116.
5 Conclusão
O Direito Contratual, sob os influxos da nova ordem constitu-
cional democrática, pautado nos princípios da dignidade da pessoa
humana, da igualdade substancial e da solidariedade contratual, passa
a conferir prevalência aos princípios de índole ética, não abolindo ou
colocando de lado no ordenamento os princípios individualistas, mas
conformando-os, ainda com mais rigor quando existir desequilíbrio
material entre as partes.
O Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil
sofreram a influência dos valores e princípios democráticos da nova
ordem jurídica instaurada a partir da Constituição de 1988. O primei-
ro diploma, como norma principiológica constitucional e, o segundo,
como norma de regulação das relações privadas, mas que deixou de
ser o centro delas, cedendo este espaço para a Lei Maior. Sendo dessa
forma, a solidariedade constitucional conformou o princípio da soli-
dariedade contratual, que deve ser o norte de atuação dos particulares
em suas inter-relações.
A solidariedade contratual, pois, não comporta atuações incom-
patíveis com a boa-fé contratual, devendo ser reprimidas pelo ordena-
mento, daí arvorecer como princípio jurídico nuclear da solidariedade
social o princípio da boa-fé lealdade, que traça os padrões éticos de
condutas a serem seguidos pelos contratantes durante as fases pro-
priamente contratuais e durante as fases não propriamente contratuais,
local para onde expande as suas eficácias.
Nesse diapasão, a ordem jurídica exige que as partes atuem de
forma ética, em conformidade com deveres de conduta, decorrentes
de boa-fé, e, ainda, de acordo com os bons costumes, funcionalizando
a atuação contratual de acordo com os fins sociais e econômicos do
Direito posto em jogo na relação jurídica.
Com relação à boa-fé objetiva, esta foi prevista tridimensional-
mente no Código Civil brasileiro. Destarte, no art. 113, recebeu a dimen-
são de fonte para a interpretação e integração dos negócios jurídicos; no
art. 187, a dimensão de regra limitadora de casos de exercícios jurídicos
inadmissíveis pelos limites por ela impostos e; no art. 422, recebeu a
dimensão de norma criadora de deveres jurídicos secundários dela
decorrentes, através dos quais proíbe comportamentos desleais, des-
compromissados, contraditórios, incivilizados, não cooperativos, etc.
Em todas as suas dimensões, pois, a boa-fé, no conceito que ora
fora abordado, prestigia o princípio da confiança, que é elemento bá
sico para a concretização da relação obrigacional, assim como para o
Referências
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ZANNONI, Eduardo A. El daño en la responsabilidad civil. Buenos Aires: Ástrea, 2005.
RICARDO ARONNE
1
PEREIRA. Instituições de direito civil: direitos reais, p. 8.
2
BEVILÁQUA. Direito das coisas, p. 11.
3
Para uma introdução à crítica da percepção patrimonialista que norteou a confecção das
bases do Direito Civil, vide Jussara Meirelles (O ser e o ter na codificação civil brasileira:
do sujeito virtual à clausura patrimonial. In: FACHIN (Coord.). Repensando fundamentos do
direito civil brasileiro contemporâneo, p. 87-114).
4
Paradigmáticas as palavras de Sylvio Capanema de Souza, apresentando a obra de Melhim
Namem Chalhub (Curso de direito civil: direitos reais, p. 9): “Neste momento tão denso, que
vive a ordem jurídica brasileira, ao receber uma nova ordem jurídica, é de excepcional rele-
vância o papel da doutrina a quem cabe desvendar e explicar as mensagens que fluem do Código
Civil, orientando a construção pretoriana que surgirá, integrando o novo texto legal, para
suprir eventuais lacunas”.
5
Da manualística, em Sílvio Rodrigues (Direito civil: direito das coisas, p. 9), colhe-se enten-
dimento estritamente contrário à própria realidade registral nacional, traduzindo enfoque
substancialmente conservador, oitocentista, que ainda persevera em nichos teóricos do Di-
reito Privado: “Tal entendimento, data venia, não merece acolhida. O direito real é uma
espécie que vem munida de algumas regalias importantes, tais a oponibilidade erga-omnes
e a seqüela, de modo que a sua constituição não pode ficar a mercê do arbítrio individual”.
6
Vide, por todos, PEREIRA. Instituições de direito civil: direitos reais, p. 1.
7
RIZZARDO. Direito das coisas, p. 9.
8
REALE. Visão geral do novo Código Civil. In: TAPAI. Novo Código Civil brasileiro: estudo
comparativo do Código Civil de 1916, Constituição Federal, Legislação Codificada e Extra-
vagante, p. XI.
9
PEREIRA. Direito das coisas, p. 9.
10
Ainda ficando-se em Lafayete, Direito das coisas, p. 9: “Nas condições da vida humana, neste
mundo que Kant chamava fenomenal, a propriedade, isto é, o complexo de coisas corpóre-
as susceptíveis de apropriação, representa um papel necessário. A subsistência do homem,
a cultura e o engrandecimento de suas faculdades mentais, a educação e o desenvolvimento
dos germes que a mão da Providência depositou em seu coração, dependem essencialmen-
te das riquezas materiais”.
11
GONNARD. La propriété dans la doctrine et dans l’histoire, p. 1-2: “Dans les sociétés humaines
même les plus rudimentaires, se pose le problème de l’appropriation, c’est-á-dire le problème
de la manière dont sera assurée, aux individus ou aux groupes, la faculté, plus ou moins
durable et plus ou moins exclusive, de disposer des biens. [...] Et le droit de propriété, dans
sa forme et dans son organisation, on a beaucoup varié dans le temps et dans l’espace”.
12
PROVERA. La distinzione fra diritti reali e diritti di obbligazione alla luce delle istituzioni
di Gaio. In: IL MODELLO di Gaio nella formazione del giurista, p. 387: “La distinzione fra
diritti reali e diritti di obbligazione è fra le più dibattute dalla nostra dottrina civilistica,
impegnata nello sforzo di individuare i criteri idonei a giustificarla sul piano scientifico
e su quello normativo. Non occorre certo insistere per sottolinearne l’importanza, non
solo perché tutti i rapporti giuridici patrimoniali dovrebbero trovar posto, almeno in linea
di massima, nell’una o nell’altra delle due categorie, pensate come esaustive, ma anche
e soprattutto perché da tale collocazione dipende la scelta della disciplina normativa
appropriata, rispetivamente, a quelli di tipo reale ed a quelli di tipo obbligatorio. Non
va, d’altra parte, dimenticato che negli uni e negli altri si riflettono realtà economiche
radicalmente diverse a seconda dei modi in cui l’uomo opera concretamente, nella vita di
ogni giorno, al fine di procurarsi i mezzi necessari al soddisfacimento dei suoi bisogni. Si
pensi, ad esempio, al bisogno di una casa, che può, secondo l’id quod plerumque accidit,
essere soddisfatto acquistandola, in cambio di un prezzo, da chi ne è proprietario oppure
impegnando quest’ultimo a metterla a disposizione affinché altri ne goda per un certo
tempo in cambio di un corrispettivo”.
13
RIZZARDO. Direito das coisas, p. 1: “Direito das coisas é o ramo do saber humano e das nor-
matizações que trata da regulamentação do poder do homem sobre os bens e das formas
de disciplinar a sua utilização econômica. Dir-se-ia que, em última instância, o ser humano
é sempre movido tendo como motivo fundamental um fim econômico, o qual se concretiza
na conquista de bens. Por isso, o direito das coisas, embora necessária a sua especificação
dentro do universo do direito, repercute em todos os setores jurídicos, seja qual for a divi-
são que lhe empresta a metodologia na sua consideração geral”.
14
Afirma Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil, p. 1), introduzindo a matéria
em pauta, denunciando uma fronteira entre o direito e o não direito, haverem bens sem
interesse para o direito das coisas, fazendo perceber sua matriz patrimonialista — sem
atenção ao art. 170 et seq. da CF/88 —, de forma mais nítida ao posicionar-se dizendo neste
ponto haver uma “sincronização perfeita entre a ciência jurídica e a ciência econômica”.
15
Fundamental ao operador jurídico a releitura do papel das titularidades procedida por
Luiz Edson Fachin (FACHIN. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, passim).
16
FERNANDES (Coord.). Habermas, p. 15-16.
17
Especificamente tratando os elementos da teoria da justa troca: HABERMAS. A crise de
legitimação do capitalismo tardio, p. 90-99.
18
Sobre a questão das cláusulas gerais, importantes considerações encontram-se tecidas por
Cristiano Tutikian (TUTIKIAN. Sistema e codificação: o Código Civil e as cláusulas gerais,
p. 19-31).
19
Para que se compreenda a real extensão deste fenômeno, com a prospecção nos três pilares
fundamentais do Direito Privado (propriedade, família e contrato), vide Luiz Edson Fachin
(Teoria crítica do direito civil).
20
FACHIN. Limites e possibilidades da nova teoria geral do direito civil. Estudos Jurídicos,
p. 99-107.
21
MEIRELLES. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patri-
monial. In: FACHIN (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâ-
neo, p. 89.
22
ARONNE. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos
reais, p. 206-211.
23
ARONNE. Titularidades e apropriação no novo Código Civil brasileiro: breve ensaio sobre
a posse e sua natureza. In: SARLET (Org.). O novo Código Civil e a Constituição, p. 239.
24
CANARIS. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 240-241.
25
ARONNE. Direito civil-constitucional e teoria do caos: estudos preliminares.
26
Jürgen Habermas traça, com acerto, fronteira ao discurso em tela. O Direito, enquanto obje-
to epistemológico do presente discurso, identifica-se a um Direito democraticamente cons-
truído, com aspirações de justiça e equidade material, não obstante a inserção da economia
de mercado. Diz (A ética da discussão e a questão da verdade, p. 38-40): “Grosso modo, penso
que as sociedades complexas contemporâneas se integram até certo ponto através de três
veículos ou mecanismos. O ‘dinheiro’ enquanto veículo está, por assim dizer, instituciona-
lizado no mercado; o ‘poder’ enquanto veículo está institucionalizado nas organizações;
e a ‘solidariedade’ é gerada pelas normas, pelos valores e pela comunicação”. Leciona o
filósofo que o mercado tem seus mecanismos no contrato e na propriedade. Por si só, ao
contrário da lição de Hayek, que remonta Adam Smith, o mercado não tem uma condição
distributiva ideal. Assim, havendo uma Constituição democrática, o Direito intervém no
mercado, através da regulação de seus mecanismos em abstrato (pela lei) e em concreto
(pela administração e jurisdição).
27
FACCHINI NETO. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 41: “Com a
aceitação da idéia de que o direito civil não pode ser analisado apenas a partir dele próprio,
devendo sofrer o influxo do direito constitucional, começou-se a questionar sobre o tipo de
eficácia que os direitos fundamentais (justamente a parte mais nobre do direito constitucio-
nal) poderiam ter no âmbito das relações estritamente intersubjetivas”.
28
KRAEMER. Algumas anotações sobre os direitos reais no novo Código Civil. In: SARLET
(Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 199.
29
PASCAL. Pensamentos, p. 200: “O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza,
mas é um caniço pensante”. Pascal, nesta obra, operando com pensamento dialógico, em
detrimento da dialética, acaba por revelar que os opostos simultaneamente antagonistas
e complementares são parte inalienável da condição humana. No que em larga medida,
acaba posteriormente acompanhado por Nietzche e Hanna Arendt, ele percebe na “condi-
ção humana” a coexistência de grandeza e miséria; entendendo que a natureza corrupta é
inseparável da grandeza humana. Seriam condições opostas e complementares. A grandeza
do homem seria sua faculdade de pensar e sua fragilidade seria a sua miséria. Tal raciona-
lidade é fundamental na operatividade dos princípios.
30
FACCHINI NETO. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 43, 44 e,
em especial, p. 51, 52.
31
GIORGIANNI. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, p. 35-36.
Assim já afirmou ocorrer no curso da década de 60 do Século XX o autor italiano.
32
PEREIRA. Instituições de direito civil: direitos reais, p. 89.
33
Mais especificamente Institutas 4.3.3: Dominium est jus utendi, fruendi et abutendi.
34
RÉMOND. O século XIX, p. 31.
35
CARVALHO; ANDRADE. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites, p. 13-14,
nota 1.
36
RÉMOND. O século XIX, p. 31-32.
37
PEREIRA. Instituições de direito civil: direitos reais, p. 2-4.
38
VENOSA. Direito civil: direitos reais, p. 17.
39
ALMEIDA. Direito das cousas: exposição systematica desta parte do direito civil patrio,
p. 37-38.
40
COVIELLO. Manuale di diritto civile italiano, p. 250: “L’espressione «oggetto di diritti» viene
usata in vario senso. Talora con essa viene a designarsi ciò che cada cade sotto la potestà
dell’uomo, e si dice anche oggetto immediato del diritto; talora significa ciò a cui il diritto
tende, ciò che a causa del diritto ci si rende possibile, lo scopo finale del diritto, e si dice
anche oggetto mediato del diritto. Così nei diritto d’obbligazione per esempio si chiama
oggetto tanto il fato del debitore, cioè la prestazzione, quanto la cosa di cui si deve godere in
forza della prestazione. Perciò, per maggiore esattezza di linguaggio e precisione d’idee, si
è convenuto di chiamare oggetto dei diritto ciò che cade sotto la potestà dell’uomo, e invece
contenuto dei diritti ciò che a causa dell diritto ci si rende possible ottenere”.
41
FACHIN. Direito civil contemporâneo. Consulex – Revista Jurídica, p. 32: “Talvez sua incom-
pletude funde o permanente enquanto instância transitória duradoura da motivação neces-
sária, na tentativa de refundar um sistema que colocou em seu núcleo o patrimônio e apenas
nas bordas o ser humano e sua concretude existencial. Uma virada que se faz necessária para
recolocar no centro o ser, como luz solar que tem direito ao seu lugar essencial e na periferia
o ter, como a pertença que aterra mais a morte do que a vida e suas possibilidades”.
42
Disse Martin Seymour-Smith (Os 100 livros que mais influenciaram a humanidade: a história
do pensamento dos tempos antigos à atualidade, p. 414-415), elegendo Crítica da Razão Pura
(1781, revisto em 1787), como a obra mais significativa dentre a sólida produção multifa-
cetada de Immanuel Kant: “Já houve quem dissesse que Kant seria o grande filósofo dos
tempos modernos, à altura de Platão e Aristóteles, embora essa opinião seja minoritária
hoje em dia. [...] O que é certo é o seguinte: qualquer pessoa educada e culta ou é ou não é
kantiana”. Martin Buber seria; Bertrand Russel não.
43
Observe-se a resistência de Caio Mário (Instituições de direito civil: direitos reais, p. 4): “Não
obstante o desfavor que envolve a doutrina personalista, ela continua, do ponto de vista filo-
sófico (especialmente metafísica), a merecer aplausos. Sem duvida que é muito mais simples
e prático dizer que o direito real arma-se entre o sujeito e a coisa, através de assenhoramento
ou dominação. Mas, do ponto de vista moral, não encontra explicação satisfatória esta re-
lação entre pessoa e coisa. Todo o direito se constitui entre humanos, pouco importando a
indeterminação subjetiva, que, aliás, em numerosas ocorrências aparece sem repulsas ou
protesto. [...] A teoria realista seria então mais pragmática. Mas, encarada a distinção em
termos de pura ciência, a teoria personalista é mais exata”.
44
PEREIRA. Instituições de direito civil: direitos reais, p. 3.
45
PESET. Dos ensayos sobre la historia de la propiedad de la tierra, p. 130.
46
WALD. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas, p. 105.
47
No mesmo sentido Melhim Namem Chalhub (Curso de direito civil: direitos reais, p. 4), não
obstante a diversidade metodológica.
48
MAZEAUD, H.; MAZEAUD, L.; MAZEAUD, J. Lecciones de derecho civil, p. 56.
49
FERNANDES. Mudanças sociais no Brasil: aspectos do desenvolvimento da sociedade bra-
sileira, p. 49-50.
50
ROCHA. Direitos fundamentais na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, p. 25.
51
Por todos, leia-se Arnoldo Wald (Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas, p. 31), no
qual fica nítida a diversidade das cidadanias epistemológicas que traduzem os respectivos
discursos científicos: “Na realidade não nos cabe apreciar aqui a utilidade da distinção entre
direitos reais e pessoais. Trata-se de uma diferenciação com fundamento histórico que as
legislações modernas adotaram e que se mostrou fecunda nos seus resultados práticos. Não
a devemos discutir de lege ferenda, como não discutimos a divisão do direito em público
e privado. São dados e quadros que a legislação positiva nos oferece e que constituem as
categorias fundamentais do nosso pensamento jurídico. A função do jurista, no campo do
direito civil, é meramente dogmática e não crítica e filosófica. Dentro do nosso sistema jurí-
dico, o Código Civil define e enumera os direitos reais, cabendo ao estudioso o trabalho de
caracterizá-los, interpretando as normas legais existentes e resolvendo, de acordo com os
princípios básicos e gerais do nosso direito, os casos limítrofes e as dúvidas eventualmente
suscitadas”.
52
RIBEIRO. Constitucionalização do direito civil. Boletim da Faculdade de Direito, p. 729-730.
53
Em especial, vide: FACHIN; RUZYK. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana
e o novo Código Civil. In: SARLET (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado,
p. 87-103.
54
GARCÍA DE ENTERRÍA. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, p. 19-20.
55
PASQUALINI. Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática
do direito, p. 23.
56
MIRANDA. Direitos fundamentais e interpretação constitucional. Revista do Tribunal Re-
gional Federal – 4ª Região, p. 24.
57
Nesse sentido, merecem registro as palavras de Mário Luiz Delgado, no prefácio que dedica
à obra de Luiz Guilherme Loureiro (Direitos reais: à luz do Código Civil e do direito registral,
p. 7), discorrendo sobre a doutrina e os direitos reais: “Como ramo do Direito Civil, é tido
pelos estudiosos de domínio ingrato, em face das agruras próprias de uma seara ao mesmo
tempo acentuadamente técnica, e intimamente ligada e dependente de aspectos históricos,
políticos e sobretudo sociológicos. As referências doutrinárias sobre a matéria sempre cons-
tituíram reserva intelectual de uns poucos [...] Esboçar em poucas linhas, o perfil e a apli-
cação prática dos institutos sistematizados no Direito das Coisas parecia tarefa demasiado
presunçosa para a maioria dos autores da atualidade. Barreira quase intransponível, erguida
pelos séculos de cultura jurídica, desde os primórdios da civilização”.
58
Comentando o Código quando ainda projeto, em sede de parecer para bancada legislativa,
Adilson J. P. Barbosa e José Evaldo Gonçalo (O direito de propriedade e o novo Código
Civil): “Ao contrário, no que diz respeito ao Livro III, referente aos Direitos das Coisas, em
nome da ‘salvação’ de um trabalho de 25 (vinte e cinco anos) — tempo que o projeto trami-
ta no Congresso — o Brasil pode ter um Código Civil, com um programa normativo que
nos remete aos direitos de primeira geração elaborados no final do século XVIII, no qual
o direito de propriedade era concebido como um direito subjetivo de caráter absoluto. [...]
O PL 634/75, aparentemente, fundiu os conceitos de propriedade e domínio, eliminando a
polêmica sobre a existência ou não de identidade entre os dois termos. Entretanto, conforme
visto alhures, o absolutismo com que é tratado o direito de propriedade pela doutrina e
operadores jurídicos no Brasil, deve-se ao tratamento unitário dado a termos que traduzem
conceitos autônomos, o que tem merecido forte crítica de autores preocupados com a pouca
efetividade que as alterações do ordenamento econômico e social, promovidas pelo Texto
Constitucional de 1988, têm provocado no tratamento da propriedade. [...] As codificações
emanadas do Estado e tomadas como única fonte do Direito, abriram caminho para o posi-
tivismo jurídico, doutrina que considera o direito como um fato e não como um valor. O PL
634/75, no título que trata dos Direitos das Coisas, não se afasta dessa concepção. Ao con-
trário, fazendo-se surdo ao novo tratamento dado à propriedade pela Constituição Federal,
reflexo dos avanços da sociedade e das lutas sociais, expõe um texto decrépito e atrasado,
no qual, por força das normas positivadas no texto constitucional e na legislação ordinária
agrega alguns avanços, sem contudo avançar no que diz respeito ao tratamento dado as
várias formas de propriedade que aparecem na realidade brasileira”.
59
CHEMERIS. A função social da propriedade: o papel do Judiciário diante das invasões de
terras, p. 102-104.
60
ARONNE. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos reais,
p. 67 et seq.
61
TEPEDINO. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário,
Agrário e Empresarial, p. 24.
62
CARBONNIER. Flexible droit: pour une sociologie du droit sans riguer, p. 201.
63
SERRES. O contrato natural, p. 49.
64
Para observar-se a diversidade possível de ser colhida em tema de propriedade, merece
transcrição respeitável posição em contrário. RIBEIRO FILHO. Das invasões coletivas: aspec-
tos jurisprudenciais, p. 69, 112.
65
Em especial: STF, T. Pleno, MS nº 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello, v. unân., publicado
no DJ, p. 39206, 17 nov. 1995.
66
TEPEDINO. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: DIREITO (Org.). Estu-
dos em homenagem ao prof. Caio Tácito, p. 309-333. Republicado no ano 2000 como capítulo
(Temas de direito civil).
67
TEPEDINO. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: DIREITO (Org.). Estu-
dos em homenagem ao prof. Caio Tácito, p. 279- 280.
68
TEPEDINO. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: DIREITO (Org.). Estu-
dos em homenagem ao prof. Caio Tácito, p. 268.
69
COMPARATO. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Revista CEJ,
p. 98.
expressão que abre o regime jurídico dos poderes sobre os bens sob
a rubrica Direito das Coisas, por si só é apta a revelar o rumo episte-
mológico das opções do legislador de 2002. De uma parte emerge a
manutenção da topografia legal de 1916; de outro lado impende salientar
a tentativa de espargir sobre a codificação civil agora vigente nuanças
sociais que marcam a contemporaneidade no Brasil. Tem o novo Código
dois senhores temporais; foi fiel ao primeiro desde o início quando se
proclamou rente à sistemática de 1916, e é ávido por servir ao segundo
quando intentou colmatar lacunas, superar inconstitucionalidades e
inserir novas matérias. Entre esses dois lados da margem pode ter soço-
brado coerência da idéia e da formulação, sem embargo das vicissitudes
próprias da complexidade coeva das relações sociais.70
70
GOMES. Direitos reais, p. 9.
71
ARONNE. Propriedade e domínio: reexame sistemático das noções nucleares de direitos reais,
passim.
72
Especificamente sobre o tema, vide Orlando Gomes (op. cit., p. 26-27).
73
ARONNE. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados: das raízes aos fundamentos
contemporâneos, p. 133-135.
74
PASQUALINI. O público e o privado. In: SARLET (Org.). O direito público em tempos de
crise, p. 36-37.
75
HABERMAS. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa, p. 263-264.
76
SARLET. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 62.
77
ARONNE. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados: das raízes aos fundamentos
contemporâneos, cap. 1.
78
WASSERMAN. A manutenção das oligarquias no poder: as transformações econômico-
políticas e a permanência dos privilégios sociais. Estudos Ibero-Americanos, p. 64.
79
Vide: NALIN. Cláusula geral e segurança jurídica no Código Civil. Revista Brasileira de
Direito, p. 90-96. Em nossas matrizes: TUTIKIAN. Sistema e codificação: o Código Civil e as
cláusulas gerais, p. 19-79.
80
RIVERA. El derecho privado constitucional. Revista dos Tribunais, p. 13.
81
CANARIS. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 66-67.
82
ARONNE. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados: das raízes aos fundamentos
contemporâneos, p. 110-162.
83
NUNES. Os sistemas económicos, p. 123: “A primeira propriedade é a existência”.
84
CARVALHO; ANDRADE. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites, p. 10-11.
85
LARENZ. Derecho civil: parte general, p. 45-46.
86
RODRIGUEZ. Introdução ao pensamento e à obra jurídica de Karl Larenz, p. 27.
87
AMARAL NETO. Direito civil: introdução, p. 133.
88
LÔBO. Contrato e mudança social. Revista dos Tribunais, p. 40-45.
89
SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, p. 39-60.
90
LARENZ. Derecho civil: parte general, p. 45.
91
Com outra leitura, diz Larenz (Derecho civil: parte general, p. 44): “Con ello se considera que el
hombre, de acuerdo con su peculiar naturaleza y su destino, está constituido para configurar
Comment, dès lors, nes pas commencer par faire connaître son sentiment
sur la question de la difference spècifique du droit réel et l’obligation?
Seulement, qu’on nous comprenne bien dès l’abord. Si, dès maintenant,
nous laissons entendre que nos sommes favorables à la thèse de
l’irreductibilité du droit réel à l’obligation et inversement de l’obligation
au droit réel, cela ne signifie pas qu’il faille accepter de façon absolue les
notions de droit réel et d’obligation telles que les a consacrées la doctrine
classique, en admettant, d’ailleurs, qu’il y ait uniformité d’opinion chez
les représentants de la doctrine classique, ce qui n’est pas établi.93
Referências
ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. Direito das cousas: exposição systematica desta
parte do direito civil patrio. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos Santos, 1908. v. 1, p. 37-38.
96
FACHIN. A função social da posse e a propriedade contemporânea: uma perspectiva da usucapião
imobiliária rural, p. 19.
97
BARCELLONA. O egoísmo maduro e a insensatez do capital, p. 21.
98
No mesmo contexto, ainda que em outro sentido, vide: AZEVEDO. O direito civil tende a
desaparecer?. Revista dos Tribunais, p. 15-21.
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WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 11. ed. São Paulo:
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1 Introdução
O Código Civil de 2002, ao longo desses dez anos, contribuiu
muito para a releitura de algumas categorias jurídicas que estão di-
retamente atreladas às bases das relações jurídicas — propriedade,
família, contrato.
No Direito de Vizinhança, tema que será abordado, algumas
alterações com a nova codificação foram importantes para dar maior
ênfase aos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa hu-
mana que o orienta. E isso tanto na parte geral, com o uso de critérios
axiológicos, conceitos jurídicos indeterminados, haja vista os arts. 1.278
e 1.279 do Código Civil, como na parte especial (arts. 1.258, 1.259, 1.301,
§1º, todos do CC).
O Direito de Vizinhança visa à convivência entre os vizinhos a fim
de conciliar os interesses que porventura se choquem, e o faz por meio
de restrições, limitações de ordem pública e privada, que incidem sobre
a propriedade imóvel. Esse Direito interferirá diretamente na dinâmica
do exercício do Direito de Propriedade e deve ser estudado tendo por
base não só os aspectos patrimoniais típicos do Direito de Propriedade,
mas, especialmente, sua função social e os aspectos existenciais atinentes
1
Além das restrições comuns de vizinhança previstas nos arts. 1.277 a 1.313 do Código
Civil, há regras específicas que regulam os deveres dos condôminos, como as previstas no
art. 1.336, II, III e IV, do referido diploma legal.
2
REALE. Visão geral do projeto de Código Civil.
3
TEPEDINO. Os direitos reais no novo Código Civil. In: ANAIS dos seminários EMERJ
debate o novo Código Civil, p. 168-176.
4
“Conjunto das normas que regulam as relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de
apropriação, estabelecendo um vínculo imediato e direto entre o sujeito ativo ou titular do
Direito e a coisa sobre a qual o Direito recai e criando um dever jurídico para todos os mem-
bros da sociedade. Ramo do Direito que regula as relações entre os indivíduos e os bens
sobre os quais exerce o seu poder” (WALD. Direito das coisas, p. 15).
5
PERLINGIERI. O direito civil na legalidade constitucional, p. 901-902.
6
VENOSA. Código Civil comentado: direito das coisas, posse, direitos reais, propriedade,
p. 340.
7
DANTAS. Conflito de vizinhança e sua composição.
8
TEPEDINO et al. Código Civil interpretado.
9
A responsabilidade civil decorrente da infringência de qualquer norma de edificação é
objetiva, independe da análise de culpa, resulta do fato de violar Direito de Vizinhança, da
lesividade e não da culpabilidade. Vide arts. 937 e 938, ambos do Código Civil.
10
DANTAS. Conflito de vizinhança e sua composição, 1972.
11
A teoria da emulação se refere aos atos praticados com a intenção de prejudicar; é o uso da
propriedade com ânimo de causar dano a outrem. Essa teoria está superada em razão de
os conflitos dificilmente serem presididos pelo espírito emulativo, além de decorrerem de
outros problemas. A teoria do abuso do direito é considerada evolução da teoria da emu-
lação, pelo que se passou a utilizar o critério objetivista, segundo o qual a responsabilidade
dos proprietários por excederem no exercício de sua propriedade, agir de forma irregular,
antissocial, ou de violação da destinação econômica e social do seu direito, se insere fora
dos quadros da culpa – art. 197 do Código Civil (CARPENA. Abuso do direito no Código
de 2002: relativização de direitos na ótica civil-constitucional. In: TEPEDINO (Coord.). A
parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional, p. 367- 385).
12
Para a teoria do uso normal (IHERING, 1862), o que importa para o Direito não é a imissão,
mas a interferência sofrida por um prédio e causada pelo outro. Para aferir o uso normal
da propriedade era necessário perquirir os aspectos ativo e passivo do uso da proprieda-
de. O aspecto ativo verifica se a utilização da propriedade está dentro dos parâmetros já
consagrados em determinada região, e o passivo a receptividade abstrata do homem mé-
dio, grau médio de tolerabilidade, naquela determinada época e localidade, no sentido de
que esses stantards são sempre relativos, flexíveis. De acordo com Ihering era preciso deter-
minar um standard do uso normal da propriedade. Para defini-lo, era necessário investigar
se a utilização da propriedade estava dentro dos parâmetros consagrados em determinada
região (aspecto ativo) e a receptividade abstrata do homem médio, ou seja, o grau médio
de tolerabilidade do homem normal (aspecto negativo).
13
A teoria da necessidade (Pietro Bonfante) surge em contraposição à teoria do uso normal, ne-
cessidade geral do ato e que legitima as interferências in vicino, a necessidade civil e não a de
algumas indústrias e profissões. Essa teoria surgiu no auge da industrialização. De acordo
com Bonfante, em face de determinada interferência na propriedade, o papel do juiz não é
indagar a sua normalidade, mas sua necessidade, isto é, cumpre-lhe averiguar se ela é inevi-
tável, se a vida civil a impõe, e se impõe, cumpre-lhe mantê-la. Diz ainda o autor italiano que
a evolução econômica faz surgir necessidades novas. A indústria, de atividade excepcional e
movida pelo interesse de quem a empreende, torna-se atividade comum, necessária, indis-
pensável mesmo ao progresso, ao bem-estar e à independência política dos povos.
14
O afastamento do critério do homem médio (homo medius), de um padrão abstrato, tem sido
contemplado na verificação do erro escusável para caracterizar o vício de consentimento
capaz de anular o negócio jurídico, a despeito do previsto no art. 138 do Código Civil, pois
a jurisprudência já tem utilizado o critério do caso concreto, as condições pessoais de quem
alega o erro (desenvolvimento mental, cultura, profissional etc.). Enunciado 12 do Conselho
de Justiça Federal (CJF). “12 – Art. 138: na sistemática do artigo 138, é irrelevante ser ou
não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança”. Disponível em:
<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2010.
15
TJSP, Apelação com Revisão nº 9176466-12.2008.8.26.0000, Relator Marcondes D’Angelo,
Vigésima Quinta Câmara Cível, Julgamento 06.07.2011. TJRJ, Apelação Cível nº 0057881-
20.2006.8.19.0001 Quinta Câmara Cível, Relator Des. Horacio S. Ribeiro Neto, Julgamento
01.07.2010.
16
STJ Resp nº 163.483/RS (98.008167-4), Relator(a) Ministro Peçanha Martins. Relator(a) desig-
nado Ministro Adhemar Maciel, Órgão Julgador Segunda Turma, Julgamento 01.09.1998,
DJ, p. 150, 29 mar. 1999.
17
Enunciado nº 319 do Conselho de Justiça Federal – CJF: “Art. 1.277. A condução e a solução
das causas envolvendo conflitos de vizinhança devem guardar estreita sintonia com os
princípios constitucionais da intimidade, da inviolabilidade da vida privada e da proteção
ao meio ambiente”. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IVJornada.
pdf>. Acesso em: 10 mar. 2012.
18
MORAES. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais.
19
A linha divisória é aquela que demarca os lindes das propriedades contíguas, tendo como
critério o traçado da linha demarcanda ou da linha demarcatória.
20
PEREIRA. Instituições de direito civil: direitos reais, 185.
21
Hely Lopes Meirelles defende tratar-se de presunção absoluta (Direito de construir, p. 66).
22
[...] “Poda de Árvore Limítrofe. A decisão proferida acolheu a preliminar de falta de interesse
processual, tendo em vista que o pedido formulado pelo autor, nos autos da ação de obriga-
ção de fazer, foi no sentido de compelir o réu a retirar a parte da copa da árvore em cima do
telhado do autor. Estando parte da copa da árvore dentro da propriedade do agravante, ele
próprio pode fazer a poda pretendida, carecendo-lhe de interesse de agir. Desprovimento do
recurso” (TJRJ 0042502-37.2009.8.19.0000 – 2009.002.46081 – Agravo de Instrumento – Des.
Jorge Luiz Habib – Julgamento: 18.05.2010 – Décima Oitava Câmara Cível).
23
“Direito de Vizinhança. Ação Cominatória. Árvores Limítrofes. Alegação de incômodos ge-
rados pela sujeira das folhas e frutos, bem como pela excessiva umidade. Em restando confi-
gurado o uso nocivo da propriedade pela ré em função do plantio de árvores de grande porte
na área limítrofe ao seu imóvel, ocasionando a queda de folhas e frutos no terreno do autor,
bem como a produção de excessiva umidade, merece ser mantida a determinação contida
na sentença de corte dos galhos que ultrapassem o limite divisório da propriedade. Senten-
ça confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso impróvido” (TJRS, Recurso Cível
nº 71000960401, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres
Hermann, Julgado em 19.10.2006).
24
“Vizinhança – Árvores Limítrofes – Poda de cerca viva entre terrenos vizinhos – danos ma-
teriais e morais. Ação proposta pelo apelante em face da apelada, objetivando a condenação
desta a reconstruir a cerca viva existente na divisa dos respectivos terrenos. [...] Trata-se,
portanto, de matéria preclusa. O artigo 1.283 do novo Código Civil, reproduzindo a norma
do artigo 558 do Código Civil de 1916, faculta ao proprietário do terreno invadido cortar
raízes e ramos que ultrapassem a divisa do prédio, até o plano vertical divisório. Hipótese
em que, por ocasião da oportuna inspeção no local, o Juiz verificou que ‘o caminho usado
pela ré para ir aos fundos do terreno fica em parte prejudicado pela cerca viva’. Ademais,
estando esta dentro da propriedade do autor e a cerca de meio metro de distância do limite
dos terrenos, ele poderia fazer a manutenção da mesma sem precisar de autorização da ré.
Portanto, a poda da cerca viva pela ré constitui legítimo exercício do Direito de Vizinhança.
Provimento parcial do Recurso, tão somente para reduzir a verba honorária para R$1.000,00,
em favor do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública” (TJRJ, Decisão: Ac. unân. da
18ª Câm. Cív., publ. em 03 fev. 2005, Recurso: Ap. nº 2004.001.17548, Relator: Relª Desª Cássia
Medeiros, Julgamento: 26.10.2004).
25
TJRJ 0115648-94.1998.8.19.0001 (2002.005.00510) – Embargos Infringentes, Décima Segunda Câ-
mara Cível, Des. Wellington Jones Paiva, Julgamento: 12.08.2003; TJRJ, Ap. nº 2000.001.15949,
Décima Segunda Câmara Cível, publ. em 27 maio 2004, Relator: Rel. Des. Wellington Jones
Paiva.
26
GRANADO. Os direitos de vizinhança no Código civil de 2002. Revista Forense, p. 87-126;
PELUSO (Coord.). Código civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de
10.01.2002: contém o Código Civil de 1916.
27
Art. 39 da Lei nº 9.605/98: “Cortar árvores em floresta considerada de preservação perma-
nente, sem permissão da autoridade competente: Pena – detenção, de um a três anos, ou
multa, ou ambas as penas cumulativamente”.
28
PELUSO (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de
10.01.2002: contém o Código Civil de 1916.
29
TJDF 0016453-42.2007.807.0006, Relator(a): Romulo de Araujo Mendes, Julgamento:
27.01.2009, Órgão Julgador: Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Cri-
minais do DF. DJ-e, p. 218, 04 mar. 2009; TJRJ 0115648-94.1998.8.19.0001 (2002.005.00510) –
Embargos Infringentes – Des. Wellington Jones Paiva – Julgamento: 12.08.2003 – Décima
Segunda Câmara Cível.
30
STJ Resp. nº 935474/RJ RECURSO ESPECIAL nº 2004/0102491-0 Relator(a) Ministro Ari
Pargendler Relator(a) p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Órgão Julgador Terceira Tur-
ma, Julgamento 19.08.2008, DJe, 16 set. 2008, RDR, v. 43, p. 266.
31
MONTEIRO FILHO. O direito de vizinhança no novo Código Civil. In: ANAIS dos semi-
nários EMERJ debate o novo Código Civil, p. 163. VENOSA. Código Civil comentado: direito
das coisas, posse, direitos reais, propriedade, v. 12, p. 357.
32
TJRS, Apelação Cível nº 598429462, Décima Sétima Câmara Cível, Relator: Elaine Harzheim
Macedo. Julgado em 02/03/1999.
33
Direito de Vizinhança – Uso Nocivo da Propriedade – Árvores que avançam sobre terreno
vizinho e lançam galhos, folhas e raízes – Uso Nocivo da Propriedade – Danos Causados em
Prédio Urbano – Indenização – Reconhecimento. Comprovado Pericialmente que as raízes,
galhos e folhas das árvores invadem o terreno vizinho e provocam danificações, a Respon-
sabilidade do Proprietário pelos danos apurados emerge translúcida. Recurso Parcialmen-
te Provido (TJSP, Apelação com Revisão nº 992051362090 (902437800), Relator(a): Emanuel
Oliveira, Órgão julgador: 34ª Câmara do Sétimo Grupo (Ext. 2° TAC), Data do julgamento:
09.11.2005, Data de registro: 06.12.2005); TJRS, Apelação Cível nº 70010903946, Décima Oi-
tava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 31.03.2005; Ação de Indeniza-
ção. Direito de Vizinhança. Poda de três galhos de árvore que pendia seus ramos sobre lote
lindeiro. Exercício regular de um direito. Recurso Improvido. Demonstrado nos autos que
o requerido cortou galhos de árvore limítrofe que invadiam seu terreno, causando danos
à piscina ali existente, não há lugar para condenar-se o suplicado a reparar danos, porque
agiu no exercício regular de um direito, mormente em se considerando que o autor não
tinha benfeitoria alguma no imóvel de sua propriedade e, ainda, procurou influenciar na
prova, modificando a situação de fato flagrada pelo juiz-leigo. Sentença de improcedência
confirmada por seus próprios fundamentos (TJRS Recurso Cível nº 71001215284, Segunda
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos, Julgado
em 07.03.2007).
34
CHAVES. Lições de direito civil: direito das coisas, p. 26.
35
VENOSA. Código Civil comentado: direito das coisas, posse, direitos reais, propriedade, v. 12,
p. 360.
36
MEIRELLES. Direito de construir, p. 77.
37
STJ, REsp nº 223.590/SP, Recurso Especial nº 1999/0063265-6, Relator(a) Ministra Nancy
Andrighi, Órgão Julgador Terceira Turma, Julgamento 20.08.2001, DJ, p. 161, 17 set. 2001; TJMG,
Decisão: Ac. unân. da 10ª Câmara Cível, publ. em 31.05.2008, Recurso: Ap. nº 1.0024.00.097445-
1/001, Relator: Rel. Des. Pereira da Silva; TJSP, Apelação nº 991080801804 (7295208400)
Relator(a): Irineu Fava, Comarca: Penápolis, Órgão julgador: 13ª Câmara de Direito Privado,
Julgamento: 11.02.2009, Data de registro: 17.03.2009; TJRJ, 0004536-52.2006.8.19.0030 – Apela-
ção Des. Marcos Alcino A Torres - Julgamento: 28.02.2012 – Décima Nona Câmara Cível.
38
Nesse sentido Hely Lopes Meirelles, Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira, Marco
Aurélio S. Viana.
39
RIZZARDO. Servidão de trânsito e passagem forçada. Ajuris, p. 163.
40
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado: parte especial: direito das coisas, p. 328.
41
FARIAS; ROSENVALD. Direitos reais, p. 527.
42
GRANADO. Os direitos de vizinhança no Código Civil de 2002. Revista Forense, p. 87-126.
43
Enunciado nº 88 do Conselho de Justiça Federal (CJF): Art. 1.285: O direito de passagem
forçada, previsto no art. 1.285 do CC, também é garantido nos casos em que o acesso à via
pública for insuficiente ou inadequado, consideradas, inclusive, as necessidades de explo-
ração econômica. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>.
Acesso em: 10 mar. 2012.
44
TJRJ 0007230-66.2004.8.19.0061 (2009.001.29548) – Apelação – Des. Jesse Torres – Julgamen-
to: 10.06.2009 – Segunda Câmara Cível.
45
TJRJ 0003419-06.2001.8.19.0061 (2009.001.03378) – Apelação – Des. Renata Cotta –
Julgamento: 06.03.2009 – Nona Câmara Cível; TJRS Apelação Cível nº 70026715987, Décima
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em
25.06.2009; STJ, Resp nº 316.336/MS Recurso Especial nº 2001/0039356-0 Relator Ministro
Ari Pargendler, Órgão Julgador Terceira Turma, Data do Julgamento 18.08.2005, DJ, p. 316,
19 set. 2005, LEXSTJ, v. 194, p. 92, RT, v. 845, p. 195.
46
Direito de Vizinhança. Tolerância à Passagem de Tubulação de Esgoto. Direito Assegurado
ao dono do Prédio Vizinho. Uso Normal da Propriedade. Apelação Improvida (TJSP, Apel.
nº 606.806-0/3, Segundo Tribunal de Alçada Civil, Comarca São Paulo – F. Reg. S. Miguel
Paulista, 2ª V. Cível).
47
San Tiago Dantas bem diferencia os tipos de indenização que podem decorrer da relação de
vizinhança, a de cunho expropriatório e a que visa reparar prejuízo efetivo. As indenizações
expropriativas, necessárias (art. 560, 567 e 579 do CC/16) independem dos prejuízos sofridos,
a própria obrigação de tolerar já constitui lesão do direito e eventuais (587 do CC/16) — pre-
juízos sofridos, nesse caso a indenização é prévia, a reparação pecuniária precede o direito,
tanto que, omitindo-se por qualquer motivo, começa a correr a prescrição liberatória desde o
dia em que a passagem se estabeleceu (art. 567 e 560 do CC/16). Já nos casos de diminuição do
direito do proprietário onerado, com prejuízos efetivos, a reparação é a posteriori, apurados e
liquidados os danos – art. 587, CC/16 (DANTAS. Conflito de vizinhança e sua composição).
48
Esse risco não precisa ser grave, conforme defende Caio Mário da Silva Pereira (Instituições
de direito civil: direitos reais, p. 189).
49
Ação de Passagem Forçada. Tubulação subterrânea de esgoto sob terreno vizinho. Inter-
rupção pela nova compradora. O proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através
de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública,
em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessi-
vamente onerosa (artigo 1.286 do Código Civil). Apelação Desprovida (TJRS, Apelação Cí-
vel nº 70024051872, Vigésima Câmara Cível, Relator: Newton Carpes da Silva, Julgado em
06.08.2008); Obrigação de fazer, c/c indenização por danos morais, julgada improcedente.
Servidão de passagem de esgotamento sanitário e água potável, autorizada por antigo pos-
suidor do imóvel. Direito assegurado no art. 1.277, do Código Civil. Inexistência de vaza-
mento e mau cheiro no local. Fato constitutivo do direito da apelante não demonstrado.
art. 333, I, do CPC. Ausência de danos morais. Indenização para tolerar a passagem de cabos
e tubulações. Art. 1.286, daquele diploma legal. Matéria a ser enfrentada em ação própria.
Sentença correta. Desprovimento do recurso. Decisão unânime (TJRJ, Processo nº 0002595-
31.2007.8.19.0063 (2009.001.48480) Apelação, DES. Jose Mota Filho – Julgamento: 07.10.2009
– Sétima Câmara Cível); Ação visando o restabelecimento de passagem de tubulação sub-
terrânea sob prédio vizinho. Servidão instituída pelos antigos proprietários que deve ser
respeitada, eis que existente há mais de vinte anos. Multa fixada para o caso de descum-
primento da ordem judicial mantida. Eventual indenização pela desvalorização do imóvel
que não é arguível em face do autor, mas, em tese, poderia ser oposta ao vendedor, em face
do alegado desconhecimento da situação de fato já consolidada entre os prédios vizinhos.
Apelo Desprovido (TJRJ, Apelação Cível nº 70013366976, Vigésima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 23.11.2005).
50
Construção de muro divisório entre imóveis lindeiros. Direito irrecusável de um dos pro-
prietários de murar e de exigir a divisão dos encargos respectivos. Ação para obrigar vi-
zinho a realizar obras de acabamento de muro que ergueu. Procedência parcial. Apelação
provida, com inversão integral do resultado do julgamento (TJSP Apelação nº 992090794841
(1292488100) Relator(a): Sebastião Flávio Comarca: Cotia Órgão julgador: 25ª Câmara de
Direito Privado, Data do julgamento: 20.07.2010, Data de registro: 10.08.2010); Vizinhança
– Direito de Tapagem – Cercamento de faixa ocupada por linha férrea – concorrência em
partes iguais para as despesas. Segundo a lei civil, tem o proprietário direito a tapar de qual-
quer modo o seu prédio rural. Assim, considerando que os tapumes divisórios presumem-
se comuns, sendo os lindeiros obrigados a concorrer, em partes iguais, para as despesas
de sua construção e conservação, cabe à ferrovia concessionária atender ao texto legal, ain-
da mais, quando autorizada a teor do disposto no artigo 10 do Dec. 2.089/63, que aprova
o Regulamento da Segurança, Tráfego e Polícia das Estradas de Ferro, ao qual se sujeita,
inclusive, a empresa concessionária da exploração (TJRJ, Decisão: unân. da 9ª Câm. Cív.,
publ. em 18.11.1999, Recurso: Ap nº 6.750/99, Relator: Des. Marcus Tullius); TJRS, Número:
70013366976, Seção: CIVEL Tipo de Processo: Apelação Cível Órgão Julgador: Vigésima Câ-
mara Cível Decisão: Acórdão Relator: José Aquino Flores de Camargo. Comarca de Origem:
Comarca de Porto Alegre.
51
Ação Demarcatória – Cabimento – Divergência entre os limites e confrontações definidos
nos títulos dominiais e a realidade. A ação demarcatória é cabível, mesmo quando definidos
os limites divisórios, ainda restando dúvidas sobre sua correção e, principalmente, discor-
dância entre o título de domínio e a realidade. Por isso que, havendo divergência entre a
verdadeira linha de confrontação dos imóveis e os correspondentes limites fixados no título
dominial, cabível a ação demarcatória para eventual estabelecimento de novos limites —
artigo 946, I, do CPC c/c artigo 1.297 do CC. Precedentes. Em face da imprecisão da linha
divisória, não seria possível intentar a ação reivindicatória, pois, para tanto, é necessária a
perfeita individuação da coisa reivindicada, o que não ocorre na espécie. A não realização do
necessário cotejo analítico dos acórdãos, com indicação das circunstâncias que identifiquem
as semelhanças entre o aresto recorrido e os paradigmas, implica o desatendimento de re-
quisitos indispensáveis à comprovação do dissídio jurisprudencial. Recurso especial conhe-
cido em parte e, na extensão, provido, a fim de cassar o julgado recorrido, determinando o
retorno dos autos à instância de origem para que se prossiga o exame da causa (STJ, REsp
nº 759.018-MT, Relator: Rel. Min. Luis Felipe Salomão, publ. em 18 maio 2009).
autor e réu, direito real sobre a coisa demarcanda, prédio rural ou ur-
bano (art. 950 e 967 do CPC);52 (ii) haver contiguidade de prédios; (iii)
haver confusão entre os limites, ou risco de haver confusão entre os
limites dos prédios confinantes, aviventar marcos apagados ou renovar
marcos destruídos.
A confusão de limites gera dúvidas quanto ao delineamento da
linha divisória, o que se resolve mediante a busca de títulos de proprie-
dade para determinar os lindes, os limites entre os prédios. Caso não
seja possível com base no título, fixa-se a linha divisória, demarcando-se
as fronteiras entre os dois prédios pelo critério previsto no art. 1.298 do
CC, qual seja, o da posse justa. Mas, não havendo prova da posse justa,
reparte-se em partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a
divisão adequada e vantajosa para ambos, o juiz irá determinar a adju-
dicação da propriedade a um dos imóveis, indenizando o proprietário
vizinho.
52
Doutrina e jurisprudência incluem como parte legítima, além do proprietário, o enfiteuta,
o usufrutuário, o nu-proprietário, e o usuário, havendo, inclusive julgado conferindo di-
reito ao possuidor. No entanto, em caso de manejo pelo possuidor, a demarcação, segundo
Humberto Theodoro Júnior, seria da posse e não do domínio (Posse e propriedade. São Paulo:
Edição Universitária de Direito, 1985). A respeito do tema merece trazer à baila os seguintes
julgados: Ação Demarcatória – Alegação de Ilegitimidade Ativa – Possuidor de longa data
que busca a aquisição do domínio via usucapião. A ação demarcatória, consoante o artigo
569 do Código Civil de 1916 e artigo 946, I, do Digesto Processual Civil, em regra, caberia
somente ao proprietário do terreno que se quer demarcar. Não se pode, contudo, negar
igual direito ao possuidor de longa data que busca a aquisição do domínio via usucapião,
porque a sentença lá obtida tem caráter declaratório e apenas regulariza uma situação fática
preexistente. Clara é a possibilidade jurídica do pedido demarcatório, estando a discussão
aqui travada adstrita somente a verificar se é possível a sua realização nas dimensões e
formas pretendidas pelos autores, questão que envolve puramente o pano de fundo da
lide (TJSC, Decisão: Ac. unân. da 1ª Câm. de Direito Civil, publ. em 08.06.2007, Recurso:
Ap. Cív. nº 2006.038136-2: Relator: Relª Desª Maria do Rocio Luz Santa Ritta); Ação De-
marcatória – Petição inicial não instruída com o título de propriedade devidamente regis-
trado – Extinção do feito, sem exame do mérito, decretada corretamente em primeiro grau
– Hipótese em que é pressuposto essencial da presente demanda ser o autor proprietário
do imóvel demarcando (arts. 950 do CPC e 1.297 do CC) – Promovente-apelante que, “in
casu”, se apresenta como mero possuidor do imóvel urbano em causa, o que o impede
de deduzir pretensão demarcatoria – Recurso não provido (TJSP, Apelação nº 9192499-
48.2006.8.26.0000, Relator(a): José Carlos Ferreira Alves, Comarca: Juquiá, Órgão julgador:
2ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 23.11.2010, Data de registro: 06.12.2010,
Outros números: 0457722.4/8-00, 994.06.030302-1); (STJ, REsp nº 926.755/MG, Recurso Es-
pecial nº 2007/0030681-5, Relator(a) Ministro Sidnei Beneti, Órgão Julgador Terceira Turma,
Data do Julgamento 12.05.2009, DJe, 04 ago. 2009, RSTJ, v. 215, p. 409).
53
Conforme Hely Lopes Meirelles, “limitação administrativa é toda imposição geral, gratui-
ta, unilateral e de ordem pública, condicionadora do exercício de direitos ou de atividades
particulares às exigências do bem-estar social” (Direito de construir, p. 89).
54
Súmula nº 120 do STF: “Parede de tijolos de vidro translúcido pode ser levantada a menos
de metro e meio do prédio vizinho, não importando servidão sobre ele”. De acordo com a
doutrina, essa súmula continua sendo aplicada, está de acordo com o Código Civil de 2002.
Os tijolos de vidro possibilitam a iluminação interna, a passagem de luz, sem devassamen-
to, garantindo a privacidade.
55
Súmula nº 414 do STF: “Não se distingue a visão direta da oblíqua na proibição de abrir
janela, ou fazer terraço, eirado, ou varanda, a menos de metro e meio do prédio de outrem”.
Essa súmula de acordo com a doutrina não mais persiste, até mesmo pelo disposto no
art. 1.301, §1º, do Código Civil.
56
A contagem do prazo, segundo Francisco Eduardo Loureiro, é da data da expedição do
habite-se pela autoridade administrativa, e não da abertura da janela ou terraço, e se conta
na forma do art. 132 do CC, excluindo o dies a quo e computando-se o dies ad quem (PELUSO
(Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002:
contém o Código Civil de 1916).
57
Direito de vizinhança. Demolitória. Construção realizada com apoio em parede divisória
sem autorização do confinante. Aplicação do prazo previsto no art. 1.302 do CC. Descabi-
mento. Situação de fato que não se enquadra nas hipóteses arroladas por referido dispo-
sitivo, o qual estabelece disciplina especial e, portanto, deve ser interpretado estritamente.
Decadência afastada. Capacidade da parede divisória de escorar a nova construção. Prova.
Ausência. Oportunidade de produção. Inexistência. Cerceamento de defesa. Reconheci-
mento. Recurso provido (TJSP Apelação nº 992070205450 (1120141000) Relator(a): Nestor
Duarte Comarca: Araraquara Órgão julgador: 34ª Câmara de Direito Privado Data do jul-
gamento: 14.12.2009 Data de registro: 14.01.2010).
58
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado: parte especial: direito das coisas:
loteamento: direitos de vizinhança, p. 398-400.
59
TJSP, Decisão: unân. da 2ª Câm. Cív., publ. na RJTJSP, n. 135/243, Recurso: Ap nº 149.621-1,
Relator: Des. Urbano Ruiz, Partes: Vera Maria Pípolo Vaghetti x José Migliorini.
60
Apelação Cível. Direito de vizinhança. Ação de nunciação de obra nova. Janela aberta a
menos de um metro e meio da divisa entre imóveis. O fato de o vizinho não ter se oposto,
no prazo de ano e dia, à abertura de janela para seu imóvel, a menos de um metro e meio da
divisa, não faz surgir uma servidão de luz. Pensar de modo contrário atentaria ao Direito
de Propriedade. Correta, portanto, a sentença que permitiu ao confrontante construir rente
à divisa, embora inutilizando a janela do seu vizinho. Inteligência do art. 1.302, parágrafo
Civil. – Vencido o prazo de ano e dia estipulado no art. 576 do Código Civil, o confinante
prejudicado não pode exigir que se desfaça a janela, sacada, terraço ou goteira, mas não
fica impedido de construir no seu terreno com distância menor do que metro e meio, ainda
que a construção prejudique ou vede a claridade do prédio vizinho. – Ausência de servi-
dão. – Recurso não conhecido (STJ, Recurso Especial nº 1993/0012712-8, Relator(a) Ministro
Antonio Torreão Braz, Órgão Julgador Quarta Turma, Data do Julgamento 13.09.1993, DJ,
p. 20557, 04 out. 1993, LEXSTJ, v. 54, p. 302; RDC, v. 75, p. 158); Permite: Apelação Cível.
Propriedade e direitos reais sobre coisas alheias. Reivindicatória. Servidão de luz. Abertura
de janelas a menos de metro e meio do limite da propriedade lindeira. Ausência de oposição
no prazo de ano e dia. Omissão que não inibe o proprietário de edificar nos limites de sua
propriedade. Redação do art. 1.302 do código civil atual que não alterou o disposto no §2º
do art. 573 do Código Civil de 1916. A ausência de oposição, pelo proprietário, no prazo
de ano e dia, à abertura de janela com inobservância do limite legal, tem o efeito de obstar
o direito ao desfazimento da obra. Todavia, a omissão não o inibe de edificar nos limites
de sua propriedade, ainda que eventualmente acarrete vedação de claridade ao vizinho.
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, assim como
deste Órgão Fracionário. Servidão aparente. Exercício contínuo e incontestado, pelo prazo
legal, não comprovado. Ausência de justo título. Exegese do parágrafo único do art. 1.379
do Código Civil. Uso contínuo de passagem de luz, pelo prazo de lei, não demonstrado.
Pedido de uniformização de jurisprudência. Art. 476 do CPC. Desacolhimento. O pedido de
uniformização de jurisprudência constitui faculdade do julgador, não lhe sendo obrigatória
a sua arguição, ainda que verificada divergência de entendimento na jurisprudência das
diversas Câmaras do Tribunal. Conveniência e oportunidade da medida não constatadas.
Precedentes. Recurso de apelação ao qual se nega provimento. Unânime (TJRS, Apelação
Cível nº 70043172451, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado
em 30.06.2011); Declaratória de Servidão. Demolitória. Muro construído na divisa de imó-
veis lindeiros. Servidão de luz. Inexistência. Abertura de janelas a menos de metro e meio da
divisa do terreno. Autorização pelo proprietário do imóvel vizinho. Ausência de oposição,
no prazo de ano e dia, que não inibe o proprietário de edificar nos limites de sua proprie-
dade. Interpretação dos arts. 573, §2º, e 576, CCB/1916. Precedentes. Negaram provimento
(TJRS, Apelação Cível nº 70040369662, Décima Nona Câmara Cível, Relator: Carlos Rafael
dos Santos Júnior, Julgado em 31.01.2012).
4 Conclusão
O Direito Vicinal estabelece restrições ao Direito de Propriedade,
a fim de propiciar um pacífico uso da propriedade imóvel, adequando
a utilização social dos prédios com a segurança, o sossego, e a saúde
dos vizinhos.
O Código Civil regula o Direito de Vizinhança, como amplamente
abordado, por meio de normas gerais, cláusulas gerais, conceitos jurídi-
cos indeterminados que dão contornos às hipóteses de interferências na
65
PELUSO (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de
10.01.2002: contém o Código Civil de 1916.
66
PEREIRA. Instituições de direito civil: direitos reais.
67
SARMENTO. A ponderação de interesses na Constituição.
Referências
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ao Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
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ótica civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo Código
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RIZZARDO, Arnaldo. Servidão de trânsito e passagem forçada. Ajuris, ano 11, n. 30,
p. 159-168, mar. 1984.
1 Colocação do problema
A mudança do vetor de compreensão do Direito Privado, que
passa por um movimento de adaptação aos ventos que sopram do
elevado planalto constitucional, vem causando profundos impactos
na civilística brasileira, seja sob o aspecto material, seja sob o formal.
1
Art. 1.276, CC: “o imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais
o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser ar-
recadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do
Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. §1º O imóvel situado na zona
rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e
passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize. §2º Presumir-
se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o
proprietário de satisfazer os ônus fiscais”.
2
BARROSO. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 196.
3
Colhe-se interessante precedente na jurisprudência fluminense, prestigiando a tese aqui
esposada. Veja-se: “sempre que princípios constitucionais aparentam colidir, deve o intér-
prete procurar as recíprocas implicações existentes entre eles até chegar a uma inteligência
harmoniosa, porquanto, em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não
pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios
que contém. Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação
contrapõem-se o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da ima-
gem segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro,
atuando como limite estabelecido pela própria Lei Maior para impedir excessos e abusos”
(TJ/RJ, Ap. Cív. nº 29.708-01, rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, DOERJ, p. 352, 29 ago. 2002).
4
CUNHA JUNIOR. Controle judicial das omissões do Poder Público: em busca de uma dogmá-
tica constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constitui-
ção, p. 223-224.
5
Já se disse, não sem razão, que “não há direitos fundamentais absolutos. Isto porque ‘hay un
principio válido para todos los derechos reconocidos en la Constitución: ellos nunca son absolutos, sino
pueden ser siempre reglamentados por las leyes por razón de bien común’. São, em essência, direitos
relativos e, conseqüentemente, limitáveis. Essa possibilidade de limitação dos direitos fun-
damentais é recíproca, de modo que um direito pode, in concreto, limitar o exercício do ou-
tro”, conforme a advertência de Dirley da Cunha Júnior, buscando inspiração em Humberto
Quiroga Lavié (Controle judicial das omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática
constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constituição,
p. 223-224).
6
Chegam a uma idêntica conclusão: Orlando Gomes (Novos temas de direito civil, p. 46); Gustavo
Tepedino (Temas de direito civil, p. 7); Luiz Edson Fachin (Teoria crítica do direito civil, p. 21 et
seq.); e Pietro Perlingieri (Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 4).
Até mesmo porque o Código Civil não pode, em face de sua posi-
ção hierarquicamente inferior, promover, através de princípios estáveis,
as necessidades do homem (pós)moderno. A Constituição da República,
então, apresenta novos valores, informando e fundamentando as rela-
ções privadas, fincando, por conseguinte, as vigas de sustentação do
sistema de Direito Privado, reunificando o sistema civilista.7
Não se pense, entretanto, que institutos do Direito Civil foram
deslocados para o Direito Público, em atividade migratória. Não se
trata disso. Apenas mereceram regulamentação em sede constitucional,
sofrendo alteração em seu conteúdo.
“O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de
Constituição do Direito Privado. Os textos constitucionais, paulatina-
mente, definem princípios relacionados a temas antes reservados ex-
clusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social
da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da
família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova
ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil,
através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central,
que já não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por
ele desenvolvidas e os riscos delas decorrentes”, conforme a lição de
Gustavo Tepedino.8 Na mesma direção, Perlingieri expõe: “o Código
Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador
do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos
quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira
cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional. Falar de descodificação
relativamente ao Código vigente não implica absolutamente a perda
do fundamento unitário do ordenamento, de modo a propor a sua
fragmentação em diversos microordenamentos e em diversos micros-
sistemas, com ausência de um desenho global... O respeito aos valores
e aos princípios fundamentais da República representa a passagem
essencial para estabelecer uma correta e rigorosa relação entre poder
do Estado e poder dos grupos, entre maioria e minoria, entre poder
econômico e os direitos dos marginalizados, dos mais desfavorecidos”.9
Importante salientar que a constitucionalização do Direito Civil
não implica em (simplesmente) estabelecer limites externos à atividade
7
As ideias sobre o tema, defendendo a interpretação constitucional de todos os institutos de
Direito Civil, são coligidas, especialmente, de: FARIAS; ROSENVALD. Direito civil: teoria
geral, especialmente, p. 23 et seq. Milton Santos em seu A natureza do espaço
8
TEPEDINO. Temas de direito civil, p. 7.
9
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 6.
10
TEPEDINO. Normas constitucionais e relações de direito civil na experiência brasileira.
Studia Ivrídica – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 340.
11
Nessa esteira, Beatriz Areán leciona que o abandono é um modo unilateral de perda da pro-
priedade que não deve ser confundido com a falta de exercício. E expõe, em tradução livre:
“como não existe um dever jurídico de manter o exercício mediante uma vigília permanen-
te, o silêncio ou a inação não podem ser interpretados como uma expressão de vontade de
abandonar. Por outra parte, sendo o abandono um fato excepcional, não se presume. Exige-
se uma manifestação de vontade espontânea e clara, categórica, devendo ser interpretada
restritivamente” (Derechos reales, p. 370).
12
O exemplo foi pinçado de nossa obra sobre os direitos reais, para a qual se remete o leitor
para maior aprofundamento do tema: FARIAS; ROSENVALD. Direitos reais, p. 328 et seq.
13
VIANA. Comentários ao novo Código Civil, p. 201.
14
Também o Direito argentino prevê a possibilidade de arrecadação pelo Estado dos imóveis
abandonados, conforme previsão do Código Civil portenho, art. 2.342, incs. 1º e 3º. A res-
peito do procedimento, veja-se: AREÁN. Derechos reales, p. 371 et seq.
15
Conquanto a regra sub occulis não esclareça, expressamente, se o critério para a aferição da
propriedade como urbana ou rural é o da destinação ou da localização, em precisa inter-
pretação, sintonizada com os institutos do usucapião (arts. 183 e 191 da CF/88) e da tribu-
tação (IPTU ou ITR), é possível afirmar, com tranquilidade, que é a localização do imóvel o
fato distintivo para determinar a atuação da União ou do município para o procedimento
da referida arrecadação. Isto é, basta verificar se pelo plano diretor (ou pela lei municipal)
o imóvel localiza-se na área urbana ou urbanizável. Naturalmente, será considerado rural
por exclusão, quando não se tratar de imóvel urbano, hipótese em que a arrecadação cabe-
rá à União. Defendendo esse entendimento, veja-se: FARIAS; ROSENVALD. Direitos reais,
p. 328-329.
16
Outro não é o entendimento de Sílvio Rodrigues, para quem “o imóvel abandonado perma-
necerá como coisa de ninguém, ainda que declarado vago ou ocupado por terceiro, durante
um período de três anos, período esse expressamente contemplado pelo legislador quando,
no dispositivo acima transcrito, determinou que o imóvel abandonado passará, três anos
depois, ao domínio do Poder Público. Por conseguinte, enquanto não ocorrer o transcurso
desse prazo, o prédio não fica sob a sujeição de quem quer que seja” (Direito civil, p. 176).
17
A respeito dos efeitos erga omnes dos direitos reais, seja consentido remeter-se ao parecer
da lavra do Professor Arruda Alvim (Direito privado, p. 177-179).
18
Nesse sentido: MONTEIRO. Curso de direito civil: direito das coisas, p. 169.
19
Art. 102, CC: “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.
20
Com o mesmo entendimento, analisando com esmero e cuidado o dispositivo legal, Marco
Aurélio Bezerra de Melo assegura não ser “interesse do Estado arrecadar para si imóveis
abandonados. Para isso o ordenamento prevê a desapropriação. A finalidade da lei é que os
bens não fiquem vagos, pois isso desinteressa à sociedade” (Novo Código Civil anotado, p. 99).
21
Também entendendo que a presunção é absoluta: NADER. Curso de direito civil, p. 206.
22
Art. 170, CF/88: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios: (...) II - propriedade privada; III - função
social da propriedade”.
23
FARIAS; ROSENVALD. Direitos reais, p. 206.
24
Art. 1.228, CC: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito
de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. §1º O direito de
propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo
que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna,
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas”.
25
Aplicando tais ideias no âmbito da propriedade, Eusébio Carvalho chega mesmo a afirmar
que a propriedade mudou o seu caráter “patrimonialista” para uma percepção “persona-
lista”, em texto digno de nota (Direito à propriedade: do discurso à realidade. In: FARIAS
(Org.). Leituras complementares de direito civil, p. 278).
26
PEREIRA. Direito civil: alguns aspectos de sua evolução, p. 71-72. Arremata o saudoso
civilista das Alterosas, aduzindo que “não se compraz com as idéias dominantes neste
começo de milênio, que o dominus tenha o poder de utilização e gozo da coisa sua, numa
tal extensão, que chegue a sacrificar o direito alheio, ou, mais precisamente, o bem-estar da
coletividade”.
27
Nas palavras apropriadas de Pietro Perlingieri, a função social “deve ser entendida não
como uma intervenção em ódio à propriedade privada, mas torna-se a própria razão pela
qual o direito de propriedade foi atribuído a um determinado sujeito, um critério de ação
para o legislador, e um critério de individuação da normativa a ser aplicada para o intérprete
chamado a avaliar as atividades do titular” (Perfis do direito civil: introdução ao direito civil
constitucional, p. 226).
28
FARIAS; ROSENVALD. Direitos reais, p. 208.
29
Tecendo referências elogiosas à norma, Marco Aurélio Bezerra de Melo chega a asseverar:
“outra aplaudida previsão legal é a presunção absoluta de abandono da posse quando,
cessados os atos possessórios, o proprietário deixar de cumprir com as obrigações fiscais”
(Novo Código Civil anotado, p. 106).
30
A ideia é desenvolvida, com maior amplitude por NERY JR. Princípios do processo civil na
Constituição Federal, p. 35 et seq. Chega mesmo a afirmar o citado processualista que “o
prestígio do direito constitucional norte-americano tem como sua causa maior a interpre-
tação da cláusula due process pela Suprema Corte. O tribunal não só vem interpretando o
princípio de modo a fazer valer o que o espírito do constituinte pretendeu quando adotou
a regra, como também a fazê-lo de forma analítica, ‘declarando’ que a corte decidiria dessa
ou daquela maneira, se o problema fosse equacionado de outro modo”.
31
No mesmo diapasão, releva fazer referência à obra de Manoel Jorge e Silva Neto, ao esclare-
cer que “sob ângulos distintos poderá ser entendida a cláusula do due process of law: genérico,
que se biparte em material e processual. O devido processo legal, no sentido genérico, tutela
os direitos à vida, à liberdade e à propriedade, devendo-se entender neste sentido a previsão
do art. 5º, LIV, da Constituição. No sentido material ou substancial (substantive due process), a
cláusula versa a respeito dos direitos materiais e a sua proteção por meio de processo judicial
ou administrativo. No sentido processual (procedural due process), tem o sentido de atribuir-
se aos litigantes diversas garantias dentro da relação jurídica processual” (Curso de direito
constitucional, p. 533).
32
Curso de direito constitucional, p. 207-213.
33
A inconstitucionalidade do art. 1. 276 do novo Código Civil e a garantia do direito de pro-
priedade. Revista de Direito Privado, p. 9.
34
Com essa preocupação, inclusive, foi cimentado entendimento na Jornada de Direito Civil
propondo que “a aplicação do art. 1.276 depende de devido processo legal em que seja
assegurado ao interessado demonstrar a não cessação da posse”.
35
Com o mesmo sentido, veja-se o que sustenta Adolfo Mamoru Nishiyama, ponderando que
o preceito codificado é inconstitucional por inteiro, uma vez que a Constituição garante o di-
reito de propriedade e assim “qualquer limitação à propriedade, principalmente no tocante
à sua perda, deve estar de acordo com a Magna Carta” (A inconstitucionalidade do art. 1.276
do novo Código Civil e a garantia do direito de propriedade. Revista de Direito Privado, p. 9).
36
Destacando a dificuldade em identificar objetivamente o princípio do não confisco, veja-se a
lição de Fábio Brun Goldschmidt, observando que “o Texto Constitucional não oferece qual-
quer auxílio na penosa situação dos limites da tributação com efeito de confisco e, nem os
juristas, nem o Legislativo, nem o Judiciário lograram até agora fornecer qualquer subsídio
objetivo na sua identificação” (O princípio do não-confisco no direito tributário, p. 89).
37
Com esse entendimento: LEITE; MEDEIROS. Os princípios constitucionais e a atividade
tributária do Estado. In: LEITE (Org.). Dos princípios constitucionais, p. 397.
38
GOLDSCHMIDT. O princípio do não-confisco no direito tributário, p. 89.
39
Na jurisprudência argentina já se teve oportunidade de reconhecer que viola o não confisco
qualquer instrumento utilizado pelo Estado para privar a propriedade privada, sem a devi-
da indenização. Afirmou a Corte Superior de Justiça (CSJN) portenha: “la Corte manifiesta
que no se puede admitir que por la vía del impuesto el Poder Publico o el Poder Legislativo
venga a privar a los ciudadanos del derecho de propiedad. En impuesto sería una especie de
instrumento usado indirectamente para lograr el mismo fin de la confiscación de bienes, y
la Corte expresa que el hecho de adoptar el instrumento fiscal no puede permitir tampoco al
Congreso privar a los ciudadanos de sus derechos patrimoniales”, apud LEITE; MEDEIROS.
Os princípios constitucionais e a atividade tributária do Estado. In: LEITE (Org.). Dos princí-
pios constitucionais, p. 398.
40
GOLDSCHMIDT. O princípio do não-confisco no direito tributário, p. 93.
41
Já teve oportunidade de afirmar a nossa jurisprudência, em acórdão tão oportuno ao que é
sustentado neste escrito, que “a vedação do confisco, muito embora seja de difícil concei-
tuação no direito pátrio, em face da ausência de definição objetiva que possibilite aplicá-lo
concretamente, deve ser estudado em consonância com o sistema sócio-econômico vigente,
observando-se a proteção da propriedade em sua função social” (TRF-5ª Região, Ac. 2ª T.,
Ap MS nº 95.05.49273/PB, rel. Juiz José Delgado, j. 20.06.1995, DJU, p. 48734, 4 ago. 1995).
42
Sem dúvida, é antiquíssimo o substrato teórico da razoabilidade, remontando mesmo a
priscas eras, sendo possível lembrar a máxima aristotélica, segundo a qual o meio-termo e
o justo é o proporcional. O padrão do justo residiria no equilíbrio das emoções e valores, até
mesmo na fé, aproximando a ideia de proporcionalidade da própria ontologia do Direito.
Para maior aprofundamento, veja-se: OLIVEIRA. Por uma teoria dos princípios: o princípio
constitucional da razoabilidade, p. 71.
43
OLIVEIRA. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade, p. 92.
44
BONAVIDES. Curso de direito constitucional, p. 356.
45
Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal firmou a sua jurisprudência: “O Po-
der Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a ati-
vidade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz
limitação material à ação normativa do Poder Legislativo” (STF, Ac. Tribunal Pleno, Adin
nº 2.551/MG, rel. Min. Celso de Mello, j. 02.04.2003, DJU, p. 5, 20 abr. 2006).
46
OLIVEIRA. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade, p. 92.
47
Em caso análogo, já asseverou a Suprema Corte: “o poder de taxar não pode chegar à desme-
dida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites
que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e indústria e com o direito
de propriedade. É um poder cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo
aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do détournement de pouvoir. Não há que estranhar
48
Sobre o controle de constitucionalidade, seja feita menção à obra de Dirley da Cunha Jú-
nior, explicando que no controle difuso “a questão constitucional consistente na inconsti-
tucionalidade dos atos ou omissões do Estado, ostenta a natureza de questão prejudicial
(pré=antes; judicial=de julgar), na medida em que deve ser decidida pelo juiz ou tribunal
antes de julgar a própria controvérsia e para poder, até mesmo, resolvê-la definitivamente.
É um antecedente lógico e uma conditio sine qua non da resolução do conflito” (Controle de
constitucionalidade: teoria e prática, p. 99).
Referências
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ARONNE, Ricardo. Titularidades e apropriação no novo Código Civil brasileiro: breve
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Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
ARRUDA, Alvim. Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 1. (Coleção
Estudos e Pareceres).
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2004.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
CARVALHO, Eusébio. Direito à propriedade: do discurso à realidade. In: FARIAS,
Cristiano Chaves de. Leituras complementares de direito civil: o direito civil-constitucional
em concreto. Salvador: JusPodivm, 2007.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. Salvador:
JusPodivm, 2006.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público: em busca de
uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação
da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2004.
FACHIN, Luiz Edson. O Estatuto Constitucional da Proteção Possessória. In: FARIAS,
Cristiano Chaves de. Leituras complementares de direito civil: o direito civil-constitucional
em concreto. Salvador: JusPodivm, 2007.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 5. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. Rio de Janeiro:
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In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000.
FARIAS, Cristiano Chaves de. O calvário do §2º do art. 1.276 do Código Civil:
vida e morte de um malfadado dispositivo legal a partir de uma interpretação
constitucional. In: EHRHARDT JR., Marcos (Coord.). Os 10 anos do Código
Civil: evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 479-503. ISBN
978-85-7700-616-8.
1 Considerações iniciais
Quando Norberto Bobbio apresentou seus estudos sobre um
tempo que denominou de Era dos Direitos, apontava ali os novos
valores sociais decorrentes do aumento da complexidade das relações
pessoais, e consequentemente, as alterações que elas trazem para os
ordenamentos.
Afirma o filósofo que os direitos vão surgindo ao longo do tempo,
através das novas necessidades e das novas relações jurídicas vividas
pelos homens. A mudança de cenário no elenco dos direitos fundamen-
tais positivados desde o século XVIII parece relatar mundos diferentes,
tamanha a disparidade dos valores sociais que eles representam.1
O século XX ganha destaque porque remodelou os parâmetros
normativos das relações públicas e privadas. A migração do individua
lismo do Estado Liberal para a funcionalidade dos direitos no Estado
Social vem causando impactos significativos, especialmente no âmbito
das relações privadas, cujo histórico é de individualidade e não de
solidariedade.
1
BOBBIO. A era dos direitos, p. 18.
2
BONAVIDES. Curso de direito constitucional, p. 523.
3
LORENZETTI. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito, p. 271.
4
LORENZETTI. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito, p. 113.
mais feliz e pleno a fazer parte de um grupo feliz no lugar de ser feliz
sozinho. Seguindo as palavras de Farias:5
5
FARIAS. A origem do direito de solidariedade, p. 233.
6
PODESTÁ. Interesses difusos: qualidade da comunicação e controle judicial, p. 34.
7
Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. SARMENTO; SOUZA NETO (Org.).
In: SARMENTO; SOUZA NETO. A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e
aplicações específicas, p. 115.
8
ARENDT. A condição humana, p. 78.
9
ARENDT. A condição humana, p. 33.
10
ARENDT. A condição humana, p. 44.
11
LORENZETTI. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito, p. 136.
12
DINIZ. Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 532.
13
BORGES. Reconstruindo o direito civil a partir do direito ambiental: contrato, bens, sujeito.
Diritto & Diritti – Rivista Giuridica On Line, p. 18. Disponível em: <http://www.diritto.it/art.
php?file=/archivio/24661.html>. Acesso em: 15 out. 2009.
14
Idem, p. 19.
15
Ibidem, p. 20.
16
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 231.
17
PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 55.
desligadas entre si. Esse valor jurídico foi ultrapassado com a criação
do Estado Social e com a consagração do princípio da solidariedade
como valor constitucional.18
Tomemos como ponto de análise a teoria dos danos. Requer ela
uma nova concepção, na medida em que os danos decorrentes dos
contratos e do ato ilícito são fartamente discutidos para a reparação
individual, mas timidamente refletida quando a lesão toca o bem di-
fuso. Não resguardou o Código Civil nenhum espaço para esse tema,
posto que foi talhado para proteger o indivíduo livre e proprietário que
requer indenização por ato de um outro indivíduo livre e proprietário.
A linguagem de tal legislação não permitiu até agora a concepção de
uma resposta satisfatória a uma lesão que transcende o individual,
embora nascida dentro de uma relação privada.
Ricardo Lorenzetti19 aponta uma crise na unidade do fenômeno
ressarcitório, nascida de dois fatores preponderantes: a escassez de
artigos do Código Civil para regular a explosão de litígios do mundo
moderno e a criação de leis especiais e temas jurisprudenciais sobre a
matéria. E conclui dizendo:
18
GUILHERMINO. Propriedade privada funcionalizada, p. 62.
19
LORENZETTI. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito, p. 48-49.
Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstruindo o direito civil a partir do direito
ambiental: contrato, bens, sujeito. Diritto & Diritti – Rivista Giuridica On Line, p. 1-28.
Disponível em: <http://www.diritto.it/art.php?file=/archivio/24661.html>. Acesso em:
15 out. 2009.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998.
GUILHERMINO, Everilda Brandão. Propriedade privada funcionalizada. Rio de Janeiro:
GZ, 2012.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009.
PODESTÁ, Fábio Henrique. Interesses difusos: qualidade da comunicação e controle
judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
1 Introdução
O Direito Privado tem passado por profundas transformações
ao longo do tempo, sendo que atualmente encontra-se em uma fase
marcada pela constitucionalização dos seus institutos e regras. Esse
fenômeno, já há muito tempo em desenvolvimento, é marcado por uma
guinada paradigmática, de um viés patrimonialista para um outro, de
cunho existencial. Isto ocorre porque os valores propugnados pelos
movimentos liberais do séc. XVIII, adequados a uma época em que era
necessário proteger os interesses individuais do arbítrio do Estado, já
não se coadunam com a realidade social hodierna.
No Direito Civil, essa mudança paradigmática é sobremaneira
sentida, em todos os seus ramos. O ideário liberal, pautado no indivi-
dualismo, no patriarcalismo e na propriedade como direito absoluto
é substituído por uma visão pautada na dignidade humana, com uma
forte tendência coletiva, funcional, solidária, implementada a partir
dos textos constitucionais e levada a efeito pela legislação infracons-
titucional.
No tocante ao direito de propriedade, o cenário não destoa muito
dessa realidade. Se é indiscutível que a propriedade continua sendo o
1
MOTA; TORRES (Coord.). Transformações do direito de propriedade privada, p. VII.
2
Nesse sentido, preleciona Maurício Mota: “Portanto o direito de propriedade não é um
absoluto formal, mas só se justifica se a ele é dado um uso social e na medida dessa justifi-
cação, mormente naquela classe de bens que não se destina primordialmente ao mercado,
como é o caso da terra” (MOTA. Questões de direito civil contemporâneo, p. 589).
3
TEPEDINO; SCHREIBER. A garantia da propriedade no direito brasileiro. Revista da
Faculdade de Direito de Campos, p. 102.
4
O termo “intervenções impulsionadoras” é utilizado por José de Oliveira Ascensão, para
quem: (...) “enquanto no século passado a lei quase se limitava a certo número de interven-
ções de carácter restritivo, agora multiplicam-se as intervenções impulsionadoras, de modo
a aumentar o proveito que socialmente se pode extrair do bem” (ASCENSÃO. Direito civil:
reais, p. 192).
5
Sobre a evolução histórica do direito de superfície: Cf. LEITÃO. Direitos reais, p. 374;
FARIAS; ROSENVALD. Direitos reais, p. 415.
6
JUSTO. Direitos reais, p. 390.
7
Ibidem.
8
NADER. Curso de direito civil, p. 296.
9
ASCENSÃO. Direitos reais, p. 525.
(...) um direito real transmissível inter vivos e mortis causa de, perpetu-
amente ou durante largo tempo, gozar, plena e exclusivamente, de um
edifício construído em solo alheio, mediante o pagamento de um cânone
em regra anual, denominado pensio ou solarium.10
10
JUSTO, op. cit., p. 391.
11
FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 414-415.
12
CC/02 – Art. 1.373. ����������������������������������������������������������������������
Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superfi-
ciário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições.
13
CC/02 – Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao
terreno destinação diversa daquela para que foi concedida.
14
Por todos, Carlos Roberto Gonçalves: “Com a entrada em vigor, porém, do último diploma
houve a derrogação do aludido Estatuto, passando o instituto em apreço a ser regulado
inteiramente pelos arts. 1.369 a 1.377 do novo Codex” (GONÇALVES. Direito civil brasileiro,
p. 414).
15
Corroboram esse pensamento, dentre outros, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,
para quem: “A partir de 11 de janeiro de 2003, as legislações geral e especial iniciaram regime
de coabitação” (FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 416-417).
16
PENTEADO. Direito das coisas, p. 406.
17
Rodrigo Mazzei divide a superfície por cisão em duas espécies, quais sejam: (a) ordinária:
quando o superficiário não precisar introduzir benfeitorias no implante; e (b) qualificada:
I) Sobrelevação
A possibilidade de sobrelevação no nosso sistema jurídico divide
a doutrina. O ponto fulcral da polêmica diz respeito à suposta ausência
de regulamentação legal do tema. Para aqueles que advogam pela sua
impossibilidade, isso impediria a sua constituição na prática. Já os que
interpretam favoravelmente ao direito de laje o fazem basicamente
lastreados em duas questões: (a) o ordenamento não proíbe a sua exis-
tência, ficando a questão adstrita à autonomia privada dos contratantes;
e (b) o Ecid, ao regulamentar o direito de superfície, permite a cessão
do espaço aéreo pelo proprietário.
De fato, o CC/02 não regulamenta o direito de laje, diferen-
temente do que ocorre em Portugal, onde há previsão expressa, no
art. 1.526º do Código Civil. Por essa razão, fazendo uma exegese literal
do comando normativo plasmado no art. 1.369 do CC/02, há uma cor-
rente que advoga pela sua impossibilidade em nosso ordenamento,18
posto que o citado dispositivo não faz menção ao uso do espaço aéreo
do imóvel, mas apenas ao solo e ao subsolo, este último apenas quando
for imprescindível.19 Ressalte-se que no regime superficiário do Ecid
a concessão de direitos sobre o espaço aéreo é textualmente prevista
no art. 21, §1º.20
Para superar essa divergência, duas soluções podem ser apre-
sentadas, de acordo com a corrente majoritária.21 Em primeiro lugar,
poder-se-ia considerar que a sobrelevação possui papel relevante no
planejamento urbano, em virtude da sua contribuição para um melhor
na hipótese em que ele precisa fazê-las. Sobre o tema, Cf. MAZZEI. O direito de superfície e
a sobrelevação. In: DELGADO; ALVES (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas,
p. 229.
18
Contrário à sobrelevação, por todos, veja-se o argumento de Carlos Roberto Gonçalves: “O
novo diploma não contempla também a possibilidade de sobrelevação ou da superfície em
segundo grau, autorizada nos direitos português, francês (surélévation) e suiço (superfície
au deuxième degré)” (GONÇALVES. Direito civil brasileiro, p. 418).
19
CC/02 – Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de
plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente
registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente
ao objeto da concessão.
20
Lei nº 10.257/01 – Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de
superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura
pública registrada no cartório de registro de imóveis.
§1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo
relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação
urbanística.
21
É de opinião favorável à possibilidade de sobrelevação, dentre outros, Rodrigo Mazzei (O
direito de superfície e a sobrelevação. In: DELGADO; ALVES (Coord.). Novo Código Civil:
questões controvertidas, p. 236-237).
22
LEITÃO. Direitos reais, p. 389.
23
Ibidem.
24
Entre outros, cite-se a posição de Carlos Roberto Gonçalves, contrária à possibilidade de
superfície por cisão (GONÇALVES, op. cit., p. 414).
25
FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 418.
26
MAZZEI, op. cit., p. 229, nota 10.
27
Essa matriz positiva da função social da propriedade é defendida por Pietro Perlingieri, para
quem: “A função social predeterminada para a propriedade privada não diz respeito exclusi-
vamente aos seus limites. (...) Em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica
e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa (art. 2 Const.) o conteúdo da função social
assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de proprie-
dade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores
sobre os quais se funda o ordenamento” (PERLINGIERI. Perfis do direito civil: introdução ao
direito civil constitucional, p. 226).
28
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvi-
mento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. (...)
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no
plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edifica-
do, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previa-
mente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas
anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
5 Conclusões
A propriedade contemporânea não pode ser tutelada se não
cumprir a sua função social, seja no aspecto limitativo, seja no âmbito
promocional. O proprietário hodierno não pode se adstringir ao uso
e exploração do seu bem, devendo, ao contrário, utilizá-lo de maneira
sustentável e adequada ao interesse coletivo.
Conforme se pretendeu demonstrar neste texto, o direito de
superfície é, indubitavelmente, um instituto que pode propiciar o
cumprimento da função social da propriedade, em razão do seu viés
socializante.
A recente reintrodução da superfície em nosso sistema jurídico
ainda não se refletiu em um grande número de concessões na prática.
29
NADER, op. cit., p. 297.
30
PENTEADO. Direito das coisas, p. 404.
31
FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 416.
Referências
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: reais. 5. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2000.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
v. 5. Direito das coisas.
JUSTO, A. Santos. Direitos reais. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2011.
LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direitos reais. Coimbra: Almedina, 2009.
MAZZEI, Rodrigo. O direito de superfície e a sobrelevação. In: DELGADO, Mário Luiz;
ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Novo Código Civil: questões controvertidas. São Paulo:
Método, 2008. v. 7, p. 225-242. Direito das coisas.
MOTA, Maurício. Questões de direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
MOTA, Maurício; TORRES, Marcos Alcino (Coord.). Transformações do direito de propriedade
privada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
NADER, Paulo. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. 4. Direito das coisas.
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional.
Tradução de Maria Cristina De Cicco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A garantia da propriedade no direito
brasileiro. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano 6, n. 6, p. 101-119, jun. 2005.
Ermiro Neto
Professor de Direito Civil da Faculdade Baiana de Direito e da Escola Supe-
rior de Advocacia da OAB/BA (ESAD-OAB/BA). Especialista em Direito Civil
(Juspodivm/Unyahna) e aluno do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal da Bahia (PPGD/UFBA), em nível de Mestrado (linha
“Relações Sociais e Novos Direitos”). Advogado e Consultor Jurídico.
Flávio Tartuce
Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela
PUC-SP. Coordenador e Professor dos cursos de Graduação e Pós-Graduação
da Escola Paulista de Direito. Professor da rede de ensino LFG. Advogado e
Consultor Jurídico.
Marcos Catalan
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela
Universidade Estadual de Londrina. Professor de Direito Civil na Unisinos e
em cursos de Pós-Graduação.
Ricardo Aronne
Doutor em Direito Civil e Sociedade pela UFPR, Mestre em Direito do Estado
pela PUCRS, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUCRS, Profes-
sor e Orientador nos programas de Graduação e Pós-Graduação desta mesma
instituição, líder do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional
(PUCRS/CNPq), Pós-Doutorando em Direito Privado pela UFPR, em Filosofia
pela Unisinos e em Matemática e Tecnologia da Informação pela Uninova.