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Pareceristas ad hoc
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Dnieper Chagas de Assis Murillo Sapia Gutier Sérgio Luiz de Almeida Ribeiro
R454 Revista Brasileira de Direito Processual : RBDPro. – ano 15, n. 59, (jul./set. 2007)- . – Belo Horizonte:
Fórum, 2007-
Trimestral
ISSN 0100-2589
Publicada do n. 1, jan./mar. 1975 ao n. 14, abr./jun.1978 pela Vitória Artes Gráfica, Uberaba/MG.
Publicada do n. 15, jul./set. 1978 ao n. 58, abr./jun. 1988 pela Editora Forense, Rio de Janeiro/RJ.
Publicação interrompida em 1988 e retomada pela Editora Fórum em 2007.
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Editorial ................................................................................................................................................................................................. 7
DOUTRINA
Artigos
Parecer
RESENHA
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil:
uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012
Fredie Didier Jr....................................................................................................................................................................................................... 241
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Os Diretores
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1 Introdução
Já se tornou um lugar-comum na processualística brasileira a afirmação de
que o direito material influencia o formato processual. Noutras palavras: o processo
civil deve adequar-se às vicissitudes específicas da relação de direito material
controvertida. Para a maioria dos doutrinadores, está-se diante da teoria da tutela
jurisdicional diferenciada. Há quem diga, porém, que a aludida teoria nada mais
é do que uma descoberta tardia da teoria da ação de direito material, desenvol-
vida originariamente por Pontes de Miranda e explorada com afinco por Ovídio
Baptista da Silva. De qualquer forma, não é preciso dizer que a redescoberta do
indissociável nexo entre direito material e direito processual tem estimulado a
produção de inúmeras obras sobre direito processual tributário, direito processual
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A excelente obra Processo civil ambiental, de Marcelo Abelha Rodrigues, é uma delas.
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mais denso o fumus boni juris, com menos rigor deverá o juiz mensurar os pressupostos concer-
nentes ao periculum in mora; b) quanto maior o risco de perecimento do direito invocado ou a
probabilidade de ocorrer dano de difícil reparação, com maior flexibilidade deverá considerar
os pressupostos relativos ao fumus boni iuris” (TJSC, AI nº 2008.031776-5, 1ª Câmara de Direito
Público, Rel. Des. Newton Trisotto, julg. 24.03.2009. Disponível em: <http://ap.tjsc.jus.br/jurisprudencia/>.
Acesso em: 16 jun. 2009). Agustín Gordillo, ao estudar no direito argentino tutelas cautelares no
controle judicial da Administração, afirma existir uma “balanza entre el periculum y la verosimi-
litud”: “Los dos requisitos para otorgar una cautelar — el fumus y el peligro en la demora o la
gravedad o irreparabilidad del daño — funcionam en vasos comunicantes: a mayor verosimilitud
del derecho cabe exigir menor peligro en la demora; a una mayor gravedad o irreparabilidad del
perjuicio se corresponde una menor exigencia en la verosimilitud prima facie del derecho. Dicho
en otras palabras, tales requisitos se hallan relacionados en que a mayor verosimilitud del dere-
cho cabe ser menos exigente en la gravedad e inminencia del daño y viceversa, cuando existe el
riesgo de un daño extremo e irreparable, el rigor acerca del fumus se debe atenuar” (Tratado de
derecho administrativo, t. II, p. XIII-32).
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Para uma análise mais aprofundada dos acórdãos que confirmam tais constatações, ver nosso O
“direito vivo” das liminares, p. 75 et seq.
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Para uma análise mais aprofundada desses oito tipos: idem, p. 123 et seq.
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5
Para uma diferenciação entre conceito e tipo: DERZI. Direito tributário, direito penal e tipo, p. 37 et
seq.; KAUFMANN. Filosofia do direito, p. 188 et seq.; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito,
p. 621 et seq.; YARSHELL. Tutela jurisdicional, p. 42 et seq.
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Cf. DERANI. Direito ambiental econômico, p. 149-152; MANCUSO. Transposição das águas do Rio
São Francisco: uma abordagem jurídica da controvérsia. Revista de Direito Ambiental, p. 64 et seq.
V. ainda: MACHADO. Direito ambiental brasileiro, p. 53 et seq. Preferindo empregar a expressão
“princípio da prevenção”, p. ex.: FIORILLO. Curso de direito ambiental brasileiro, p. 39-41; MILARÉ.
Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, p. 165-167.
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Sobre as bases textuais do princípio da precaução no direito brasileiro, p. ex.: MACHADO. Direito
ambiental brasileiro, p. 53 et seq.; MILARÉ. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário,
p. 166-167; SARLET; FENSTERSEIFER. Direito constitucional ambiental: Constituição, direitos funda-
mentais e proteção do ambiente, p. 240-241, nota 31.
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Processo civil ambiental, p. 114.
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urgência seja regra, não exceção. Como sagazmente afirmado por Edis Milaré, “[...]
no Direito ambiental, diferentemente do que se dá com outras matérias, vigoram
dois princípios que modificam profundamente as bases e a manifestação do poder
de cautela do juiz: a) o princípio da prevalência do meio ambiente (da vida) e b) o
princípio da precaução, também conhecido como princípio da prudência ou da
cautela”.10
É importante frisar que não apenas o compósito fumus-periculum é um
“sistema móvel”, cujos elementos se mostram em pesos ou dosagens capazes de
“compensarem-se” mutuamente. O próprio periculum in mora também se com-
porta como um “sistema móvel”.11 Ora, o grau de periculum in mora é igual ao
grau de relevância do bem jurídico sob ameaça + o grau de irreversibilidade do
dano + o grau de gravidade do dano + o grau de probabilidade de ocorrência
do dano + o grau de proximidade da ocorrência do dano. Isso não quer dizer,
entretanto, que periculum in mora seja igual a relevância do bem jurídico sob risco
+ irreversibilidade do dano + probabilidade da ocorrência do dano + proximidade
da ocorrência do dano. Como já dito, não se pode definir o que seja periculum
in mora, mas tão somente descrevê-lo e explicá-lo. Isso gera a suspeita de que a
própria noção de periculum in mora seja tipológica, não conceitual. Assim, a “re-
levância do bem jurídico sob ameaça, a “irreversibilidade do dano”, a “gravidade do
dano”, a “probabilidade de ocorrência do dano” e a “proximidade da ocorrência
do dano” seriam traços tipológicos, atados uns aos outros por meio de “liames elás-
ticos”. Nesse sentido, o periculum é um “sistema móvel” inserido em um “sistema
móvel”; é uma parte fluida dentro de um todo fluido.12 Com isso, percebe-se que
o binômio fumus-periculum é um verdadeiro fractal, isto é, um objeto geométrico
não euclidiano, que pode ser dividido em partes, cada uma delas semelhante ao
objeto original [fenômeno da autossimilaridade].
Pois bem, numa demanda ambiental, p. ex., já se viu que os graus de “rele-
vância do bem jurídico sob ameaça”, de “irreversibilidade do dano” e de “gravidade
do dano” são bastante elevados. No entanto, pode ser que, em uma determinada
situação concreta, os graus de “probabilidade de ocorrência do dano” e/ou de
10
Direito do ambiente, p. 961.
11
A respeito da noção de “sistema móvel”, p. ex.: CANARIS. Pensamento sistemático e conceito de
sistema na ciência do direito, p. 127-148; FRADA. Teoria da confiança e responsabilidade civil, p. 289,
nota 268; LARENZ. Metodologia da ciência do direito, p. 668-669, 680-682; MENEZES CORDEIRO.
Da boa fé no direito civil, p. 1262; VIEHWEG. Tópica y jurisprudencia, p. 138-143; WILBURG.
Desenvolvimento de um sistema móvel no direito civil. Direito e Justiça – Revista da Faculdade de
Direito da Universidade Católica Portuguesa, p. 55-73.
12
Sobre o tema, ver nosso O “direito vivo” das liminares, p. 178, nota 2.
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“proximidade da ocorrência do dano” não sejam altos (ou seja, é possível que
o perigo de damnum irreparabile não seja atual e/ou iminente, isto é, não seja
concreto e/ou próximo). Nessa hipótese, porém, o princípio jurídico-ambiental
da precaução sempre incidirá para garantir a presença de um periculum in mora
radical e suficiente para a concessão de, pelo menos, uma tutela pura de urgência
extremada. Como se vê, o princípio da precaução interfere na soma das dosagens
dos elementos móveis. Ou seja, ainda que se verifique faticamente que apenas
são máximos os graus da “relevância do bem jurídico ameaçado”, da “irreversibili-
dade do dano” e da “gravidade do dano”, o princípio da precaução garantirá nor-
mativamente, por presunção absoluta, que também serão máximas as densidades
da “probabilidade de ocorrência do dano” e da “proximidade da ocorrência do
dano”. Ou seja, ele preencherá a esqualidez dos outros elementos móveis.
Ora, em boa processualística, quando se está diante de uma tutela jurisdi-
cional direcionada a sanar uma situação de perigo de damnum irreparabile que
naturalmente não seja atual e iminente, diz-se que se está diante da velha tutela
preventiva em sentido estrito (atualmente apelidada, pela influência da doutrina
italiana, de “tutela inibitória”).13 Tutela preventiva lato sensu é gênero de que são
espécies a tutela preventiva stricto sensu, a tutela de urgência cautelar e a tutela
de urgência satisfativa.14 Bons exemplos de tutela preventiva stricto sensu são o
mandado de segurança preventivo, a nunciação de obra nova, a caução de dano
infecto e o interdito proibitório. No caso do interdito possessório, p. ex., garante-se
a manutenção do status quo a fim de que o conflito não descambe para uma grave
situação de violência descontrolada. Como se vê, há risco de dano grave e irrepa-
rável, mas ainda não existem dados indicativos de que esse risco seja concreto
ou de que o respectivo dano esteja próximo. Daí por que a tutela preventiva em
sentido estrito é a mais apropriada forma de tutela jurisdicional do meio ambiente:
em razão da grandiosidade, da indispensabilidade e da sensibilidade dos bens
ambientais, qualquer lesão a eles perpetrada pode redundar em danos graves e
irrecuperáveis à vida e ao bem-estar das presentes e futuras gerações; por con-
seguinte, é melhor preveni-los que remediá-los. Com isso se vê que, na dogmática
processual ambiental, o tema mais importante não deve ser a tutela repressiva
13
É interessante registrar o fetiche dos processualistas brasileiros pela doutrina estrangeira. Gastam
hoje rios de tinta sobre a tutela inibitória dos italianos, como se se tratasse de algo ultramoderno,
mas não se dão ao trabalho de consultar o pioneiro e melhor texto já escrito no Brasil sobre o
tema: o genial verbete “Tutela preventiva”, da autoria de Clóvis do Couto e Silva, encartado às
páginas 293-302 do volume 5 do Digesto de Processo e publicado em 1988 pela parceria entre a
Editora Forense e a Revista Brasileira de Direito Processual.
14
Cf. p. ex., SPADONI. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC, p. 27 et seq.
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4 A jurisprudência
A dilatação do periculum in mora pelo princípio da precaução e a possibi-
lidade de concessão de liminar mesmo diante de um fumus boni iuris bastante
esquálido são plenamente confirmados pela prática forense.
Em sessão de 04 de abril de 2007, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Mato Grosso manteve a decisão liminar, proferida em ação civil pública
aforada pelo Ministério Público, que determinara a paralisação de atividades de
beneficiamentos de grãos até que se tomassem providências necessárias à inibi-
ção de emissão de poluentes (AI nº 49.815/2006, Rel. Des. José Zuquim Nogueira,
v. u., negaram provimento). Nesse caso em particular, não se pode dizer que a
Corte tenha propriamente outorgado uma tutela de urgência extremada pura,
tendo em vista que a Câmara julgadora identificou a presença do fumus boni iuris a
partir de “documentos colacionados aos autos, que foram suficientes para demons-
trar a poluição causada pela emissão de partículas poluentes pelo agravante, que
está prejudicando o meio ambiente e também a saúde das pessoas que habitam
o seu entorno”. Porém, de acordo com o eminente relator, “ainda que não tivesse
sido demonstrada efetivamente a atividade poluidora, seria possível a decisão
antecipatória da tutela, mediante a verificação de indícios de poluição, porque,
como é sabido, o Direito Ambiental tem como princípio basilar a prevenção. Sob
o enfoque dessa ótica preventiva, ressalte-se que a ausência de certeza científica
absoluta não pode servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efe-
tivas visando a evitar o dano ao meio ambiente e à saúde daqueles atingidos. Vale
dizer que a incerteza científica milita em favor do meio ambiente [...]”.17
15
No mesmo sentido, MARINONI. Tutela inibitória: individual e coletiva, p. 100: “[...] se no plano do
direito ambiental deseja-se a prevenção, e não a reparação, não é de grande valia teorizar a res-
peito da responsabilidade do poluidor, sendo muito mais relevante pensar na tutela inibitória do
ato lesivo ao meio ambiente”.
16
Cf. FIORILLO; RODRIGUES; NERY. O princípio da prevenção e a utilização de liminares no direito
ambiental brasileiro. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios, p. 119.
17
Disponível em: <http://www.tj.mt.gov.br/jurisprudenciapdf/GEACOR_49815-2006_11-04-07_81940.
pdf>. Acesso em: 1º jun. 2009.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 11-28, jan./mar. 2013
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19
Disponível em: <http://ap.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!rtf.action?qTodas=&qFrase=&q
Uma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=2008.0036645&qEmenta=&qClasse=&qRelat
or=&qForo=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10&qID=
AAAG%2B9AALAAAqo3AAD>. Acesso em: 1º jun. 2009.
20
Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=5909213&vlCaptcha=xA
QJB>. Acesso em: 09 jun. 2012.
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21
Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=1&numeroProcesso
=200704000264850&dataDisponibilizacao=26/11/2007>. Acesso em: 1º jun. 2009.
22
Disponível em: <http://www.trf5.jus.br/archive/2008/02/200705000357555_20080211.pdf>. Acesso
em: 11 jul. 2009.
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5 Remate
Diante do exposto, pode-se notar que a generosidade com a qual se con-
cedem as liminares ambientais não decorre de um fanatismo ecológico, ou de
um ambientalismo romântico do qual sofre o Poder Judiciário. O filósofo alemão
Hans Jonas — considerado o pai do princípio ambiental da responsabilidade —
costumava dizer que a técnica passou de um poder de primeiro grau (direcionado
a um mundo que parecia inesgotável) a um poder de segundo grau (que foge a
todo o controle e que, ao invés de libertar o homem, escraviza-o), razão por que
chegara a vez de se buscar um poder de terceiro grau, capaz de limitar a domina-
ção que estraçalha os limites da natureza.24 Nesse sentido, há quem divise ideo
logicamente o Judiciário como um cotitular desse terceiro poder. Porém, uma
análise dogmática cuidadosa do fenômeno jurídico desconstitui qualquer leitura
política e permite-nos verificar que a proveitosa interação sistêmica entre o direito
ambiental e o direito processual faz com que a concessão dessas liminares seja a
regra, não a exceção. Lembre-se: o direito é um expediente de conformação social
e, por isso, tem a tarefa de adaptar os agentes econômicos às exigências hodier-
nas do desenvolvimento sustentável (tanto mais no Brasil, em que a pressão pelo
crescimento econômico pouco sustentável tem sido feroz, e em um mundo mais
preocupado em salvar as suas economias que o Planeta). Nesse sentido, as medi-
das liminares funcionam como importante instrumento.
Os réus hoje não mais se rebelam contra o discurso ambientalista. Ao con-
trário: a adequação à legislação ambiental tem se tornado um fator integrativo
do goodwill das empresas. No entanto, essa adequação ainda tem sido muito
mais aparente que real. A experiência tem desvendado a falsidade e a generali-
dade imatura de inúmeros relatórios empresariais de sustentabilidade (os quais
são chamados pelo universo corporativo de “maquiagem verde”). Ou seja, embora
todos repitam a máxima de que a natureza é um sistema inanimado esgotável
formado por humanos e não humanos entre si interligados [visão ecocêntrica], na
prática as pessoas ainda se comportam como se a natureza não passasse de um
recurso material inexaurível voltado exclusivamente à satisfação das necessidades
humanas [visão antropocêntrica].25 Enfim, os saberes ainda são colocados a serviço
23
Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em: 1º jun. 2009.
24
O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, p. 237.
25
Para um aprofundamento das duas visões: HEYWOOD. Ideologias políticas, v. 2, p. 45 et seq.
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 11-28, jan./mar. 2013
César Fiuza
Advogado. Consultor jurídico e parecerista. Doutor em Direito
pela UFMG. Professor titular na Universidade FUMEC, associado na
UFMG e adjunto na PUC Minas. Professor colaborador na UNIPAC.
Regina Ribeiro
Advogada.
Resumo: O presente artigo tem como objetivo fazer uma releitura da inci-
dência da prescrição em face da autonomia concedida ao Direito Processual
vigente. Até a promulgação do Código Civil de 1916, era adequada a afirma-
ção de que a prescrição incidia sobre a ação ou sobre pretensão, pois vigia
a teoria processual do direito concreto de agir. Contudo, com a aplicação da
teoria do direito abstrato de agir pelo atual Código de Processo Civil, a pre-
tensão do autor passou a ser autônoma e independente em relação ao direito
material pleiteado. Consequentemente, o que passa a se extinguir pela pres-
crição é a responsabilidade do devedor, não mais a ação ou a pretensão do
autor. Para corroborar esta conclusão, avalia-se, também, a origem histórica
do termo pretensão no Direito Comparado, bem como a sua tradução do ale-
mão para o português, oportunidade em que restou demonstrado que é ina-
dequada a afirmação de que a prescrição incide sobre a ação ou pretensão
do credor, devendo recair sobre a responsabilidade do devedor.
1 Introdução
O Código Civil de 1916 previa, em seu art. 177, que “as ações pessoais pres-
crevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes,
e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido
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propostas. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 07.03.1955)”. Observe que, pela
redação do dispositivo legal, a prescrição atingia diretamente a ação.
O Código Civil vigente, por sua vez, dispõe que a prescrição incide sobre
a pretensão. É o teor do art. 189, verbis: “Violado o direito, nasce para o titular a
pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205
e 206”. A mesma referência ocorre nos atuais arts. 190, 205, 206, entre outros, do
mesmo Código. Por outros termos, para o atual ordenamento civil, a prescrição
atinge a pretensão, não a ação.
A razão da alteração do Código Civil de 1916 para o atual se deu numa ten-
tativa de adequar a definição de prescrição à teoria do direito abstrato de agir (ou
teoria abstrata da ação), segundo a qual o direito de ação é abstrato, autônomo e
independente em relação ao direito material afirmado. É dizer, o direito de ação
poderá ser exercido independentemente de existir ou não o direito ao bem da vida
pretendido. Negar esta premissa seria o mesmo que afirmar que alguém somente
poderia acionar o Poder Judiciário caso tivesse um provimento jurisdicional favo-
rável à sua pretensão. De fato, podemos ajuizar ações com base em pretensões
contidas na peça inicial, tendo, ao final, um provimento negativo, e, mesmo neste
caso, o direito de ação terá sido exercido.
O ordenamento jurídico e a doutrina são firmes no sentido da adoção pelo
Direito brasileiro da teoria do direito abstrato de agir. Segundo o art. 3º do Código
de Processo Civil, “para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e
legitimidade”. Fica claro, com essa redação, que a existência do direito material
afirmado pelo autor não é requisito para o exercício do direito de ação. Bastam o
interesse e a legitimidade, elementos estes de natureza notoriamente processual.
No mesmo sentido andou o art. 5º, XXXV, da Constituição da República, segundo
o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”. Nosso ordenamento acolheu, sem sombra de dúvida, a teoria do direito
abstrato de agir.
Opõe-se a essa tese a teoria do direito concreto de agir, já adotada por sis-
temas processuais de outrora, os quais viam o Direito Processual como um ramo
não autônomo e independente do Direito, negando, portanto, o direito de ação
desvinculado do direito material. Para essa teoria, o direito de ação somente
existiria se o direito material afirmado pelo autor fosse efetivamente procedente,
não apenas aparentemente. Não poderia ter prosperado tal pensamento, pois, se
fosse aplicado, não haveria como explicar as hipóteses de improcedência do pe-
dido. É dizer, se a ação for julgada improcedente, qual terá sido o direito exercido
pelo autor ao acionar o Poder Judiciário? Nesse contexto de amadurecimento das
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doutrinas processuais, foi necessária uma alteração legislativa civil, que afastasse
do ordenamento qualquer incompatibilidade entre a teoria de Direito Processual
adotada e o manuseio dos direitos materiais. Exemplo disso foi o art. 189 do Código
Civil, oportunidade em que se desvinculou a prescrição da ação, para vinculá-la
à pretensão. O art. 75 do Código Civil de 1916 dispunha que “a todo o direito
corresponde uma ação, que o assegura”. Nota-se, neste artigo, sem correspon-
dente no Código atual, uma nítida vinculação do direito de ação à existência do
direito material, o que definitivamente não corresponde ao Código de Processo
Civil de 1973.
A origem do modelo abstrato, autônomo e independente da ação se deu
com a presença, de 1940 a 1946, do jovem italiano Enrico Tullio Liebman em São
Paulo, ocasião em que houve o ingresso do método científico na ciência proces-
sual em nosso meio, dando início à “Escola Processual de São Paulo”. Ada Pellegrini
Grinover, sobre esse passado histórico, comenta:
Para a maioria dos autores, o fato de o novo Código Civil não utilizar-se da
expressão prescrição da ação, como fazia o Código Beviláqua, mas da expressão
prescrição da pretensão (ou extinção da pretensão pela prescrição – art. 189), foi o
suficiente para adequar o instituto da pretensão ao caráter autônomo, indepen-
dente e abstrato do direito de ação (teoria do direito abstrato de agir). Veja-se, por
exemplo, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Faria:
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seu que foi violado. Note-se, por importante, que o Código Civil explicitou
não atingir a prescrição o direito de ação em si mesmo (instituto de direito
processual), mas sim a pretensão (esta sim, instituto de direito material),
confirmando o caráter autônomo, abstrato, público e subjetivo do direito
de ação, resguardado em sede constitucional, pelo art. 5º, XXXV. (2007, p. 556)
Há, por outro lado, autores que afirmam que o problema não foi corrigido
de um Código Civil para o outro, pois a prescrição não incidiria nem sobre a ação,
nem sobre a pretensão. Neste sentido, nossa opinião:
Na parte inicial do art. 189, diz-se que, “violado o direito, nasce para o
titular a pretensão”. No rigor da lógica, não é exato supor que a violação
efetiva do direito (a uma prestação) constitua pressuposto necessário do
nascimento da pretensão. Se esta consiste na exigência de que alguém
realize a prestação, duas hipóteses, na verdade, são concebíveis: uma é
a de que aquele que exige realmente faça jus à prestação, mas há outra: a
de que se esteja exigindo sem razão — ou porque o direito inexista, ou
porque não haja sofrido violação, ou ainda porque a prestação, por tal
ou qual motivo, não seja exigível. Afinal de contas, há pretensões funda-
das e pretensões infundadas. (2002, p. 189)
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
Agnelo Amorim Filho, em seu clássico artigo sobre os prazos extintivos, afir-
mou que a prescrição atinge a pretensão, apesar de que, na época em que foi
publicado, ainda se afirmava que o alvo da prescrição era a ação:
[...] Convém acentuar que quando se diz que o termo inicial do prazo pres-
cricional é o nascimento da ação, utiliza-se aí a palavra “ação” no sentido
de “pretensão”, isso é, no mesmo sentido de que ela é usada nas expressões
“ação real” e “ação pessoal”, pois, a rigor, a prescrição não começa com a
ação e sim com a pretensão; está diretamente ligada a essa, e só indireta-
mente àquela. (1961, p. 121)
[...] Nas considerações feitas, e nas que se seguem, deve ficar ressalvado o
ponto de vista daqueles que, abraçando a doutrina mais moderna — e tal-
vez mais acertada — vêem no direito de ação, rigorosamente, um direito
de tal modo autônomo e abstrato, que preexiste à relação de direito subs-
tancial. Para esses, não há como falar em nascimento da ação, do mesmo
modo que não se pode falar em carência de ação. Para eles, a recusa do
sujeito passivo em satisfazer a pretensão não determina o nascimento da
ação, pois essa já existia. Tal recusa apenas representa uma das condições
para o exercício da ação. (1961, p. 126, grifos nossos)
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
A pretensão pode ser vista em relação a algo que se tem ou algo que
se quer. No primeiro sentido, é associada à palavra direito; no segundo,
à de uma exigência. A definição dada pelo §194, I, do Código Civil ale-
mão, da pretensão como direito (subjetivo) de exigir de um outro fazer
ou uma omissão, constitui o primeiro sentido. Destarte, sua consistência
independe de qualquer exercício, e não precisa ser objeto de afirmação
ou mesmo de conhecimento pelo credor. Marcante na distinção é que
esse primeiro sentido fixa o termo a quo da prescrição. Noutro sentido, a
pretensão significa o desejo direcionado a uma determinada prestação,
e se refere especificamente à prestação que está sendo exigida. Diferen-
temente do primeiro sentido, fica em aberto aqui a prestação desejada
pode realmente ser exigida, e a isso se vincula a idéia de ela estar ou não
fundada. (2002, p. 20)
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Apesar de o art. 189 do nosso Código Civil adotar a definição alemã, diversos
autores pátrios a conceituam pela teoria carneluttiana. Vejamos, por exemplo, a
posição de José Manoel de Arruda Alvim Netto (1971, p. 398). Para ele, a pretensão
seria a opinião de ter direito, seria simplesmente o fato da afirmação de ter direito,
aquilo que se afirma como seu, uma certa opinio iuris. O próprio autor admite que o
termo seja polissêmico, mas insiste em que sua consideração não tenha o signifi-
cado de direito material estabelecido no Código Civil Alemão.
A corrente italiana soa-nos mais adequada, provavelmente em razão do
sentido que tem a palavra pretensão em nosso idioma. De fato, pretensão, no por-
tuguês corrente, não significa poder, apenas aspiração. O Novo dicionário Aurélio
da língua portuguesa assim define o termo:
André Fontes, embora adepto da definição alemã, sobre esse aspecto assim
se manifestou:
É sabido que não houve identidade evolutiva dos idiomas [referia-se aos
idiomas alemão e português], a justificar as bases da suposta correspon-
dência, pois no português a pretensão pode ter tido seu sentido ampliado
pelo Direito de modo a exprimir o sentido da “Anspruch”, mas, como se
sabe, atribuiu-se-lhe um significado comum não correspondente ao da
língua alemã, a que sentenciamos ser o de aspiração. (2002, p. 13)
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
ajuste dos dois ramos do Direito (o Civil e o Processual Civil) que o novo Código
absteve-se de se referir à prescrição da ação, passando a referir-se à prescrição da
pretensão. Daí a afirmação de Barbosa Moreira:
Todo processo tem seu objeto, que é a pretensão trazida pelo demandante
ao juiz, em busca de satisfação. Essa pretensão, caracterizada como expres-
são de uma aspiração ou desejo e acompanhada do pedido de um ato juris-
dicional que a satisfaça, constituirá o alvo central das atividades de todos
os sujeitos processuais e, particularmente, do provimento que o juiz emitirá
ao fim. É em relação a ela que a jurisdição se exerce e a tutela jurisdicional
deve ser outorgada àquele que tiver razão. (2003, p. 300, grifos nossos)
Na parte inicial do art. 189, diz-se que, “violado o direito, nasce para o
titular a pretensão”. No rigor da lógica, não é exato supor que a violação
efetiva do direito (a uma prestação) constitua pressuposto necessário do
nascimento da pretensão. Se esta consiste na exigência de que alguém
realize a prestação, duas hipóteses, na verdade, são concebíveis: uma é
a de que aquele que exige realmente faça jus à prestação, mas há outra: a
de que se esteja exigindo sem razão — ou porque o direito inexista, ou
porque não haja sofrido violação, ou ainda porque a prestação, por tal
ou qual motivo, não seja exigível. Afinal de contas, há pretensões fundadas
e pretensões infundadas. (2002, p. 189, grifos nossos)
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
Enfim, em que pese o fato de que nos soe mais apropriada a doutrina italiana
sobre o tema, o que se observa é que as diferenças de posicionamento residem no
fato de que há duas concepções do termo pretensão, assim resumidas:
(i) uma de natureza material e de origem germânica, para a qual ou o direito
existe, e daí nascerá a pretensão, ou ele não existe, tampouco a preten-
são. Nesta definição não há que falar em pretensões fundadas e infun-
dadas, mas em existência ou inexistência da pretensão, haja vista ser a
pretensão o próprio direito subjetivo. E, sendo assim, a prescrição estará
apta a fulminar a pretensão. Para estes, a pretensão é a consequência
necessária da violação ao direito material, traduzindo-se, por isso, no
poder de exigir de outrem um fazer ou um não fazer;
(ii) há também a concepção de pretensão de origem italiana, de natureza
processual, mais adequada aos anseios do Direito Processual moderno, o
qual se pretende autônomo e independente do direito material, e, diga-se
de passagem, impensável ao tempo da criação da definição alemã do
termo pretensão. Neste caso, a pretensão será apenas uma aspiração do
autor, independente da existência do direito material, não necessaria-
mente coincidente com o direito subjetivo afirmado, passível, portanto,
de ser julgada procedente ou improcedente pelo Estado-juiz.
Complementando-se, é importante que se diga que tanto o Código de
Processo quanto a Constituição de 88 adotaram a vertente italiana. O Código Civil,
na contramão, ateve-se à antiga corrente alemã.
3 Extinção da responsabilidade
Para nós, deve-se mudar a perspectiva pela qual é vista a prescrição, pas-
sando-se a enfocá-la sob a ótica do réu, não do autor, como costumeiramente se
faz. Afinal, a prescrição é um instrumento a ser utilizado por aquele, não por este.
O raciocínio é bastante simples e parte da ideia de que só se pode falar em pres-
crição diante do inadimplemento de um direito a uma prestação. Esta ideia, aliás,
esposa o Código Civil, que menciona violação de direito, no art. 189. Ora, não nos
esqueçamos de que só os direitos a uma prestação podem ser violados. Como?
Pelo inadimplemento da prestação.
Para entendermos melhor como a prescrição tem a ver com o inadimple-
mento de um direito a uma prestação, é necessário analisarmos a teoria dualista
das obrigações, desenvolvida, na Alemanha, por Brinz. As obrigações são consti-
tuídas por dois elementos: a) o débito (Schuld), dever jurídico que um dos sujeitos
(devedor) de uma relação creditícia ou real tem, de realizar uma prestação em
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se subordine ao seu próprio direito. É apenas uma aspiração, não uma certeza,
não um poder, tampouco um direito. A pretensão, conceito de Direito Processual,
jamais se perde.
Observe-se uma situação emblemática: apesar de já estar extinta sua res-
ponsabilidade pela prescrição, o devedor poderá optar por pagar ao credor, e este
pagamento não será passível de repetição. É o teor do art. 882 do Código Civil
atual: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir
obrigação judicialmente exigível”. Ora, se o próprio Código Civil afasta a repetição
do indébito em caso de cumprimento de obrigações prescritas, é porque a pre-
tensão não será afastada (extinta, nos termos da Lei) pela prescrição. A pretensão
do autor persistirá, cabendo ao devedor a escolha de adimplir ou não a obrigação.
É ao devedor que a prescrição beneficia. Nada mais é do que um meio de defesa
do devedor, que poderá, inclusive, a ela renunciar, pagando. O pagamento reali-
zado, espontaneamente, pelo devedor é válido, porque o direito a uma prestação
é eterno. O débito nunca se extingue.
Humberto Theodoro Júnior refuta essa tese, afirmando o seguinte:
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
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4 Conclusão
De todo modo, qualquer que seja a definição dada à pretensão, seja ela de
natureza material ou processual, de uma afirmação não se pode escapar: é mais
adequado afirmarmos que a prescrição atinja a responsabilidade, não a preten-
são, pois a prescrição é matéria de defesa, a ser manuseada, portanto, unicamente
pelo réu, não pelo autor. Considerando-se que a pretensão é instituto que se rela-
ciona ao autor, e que a responsabilidade recai sobre o réu, afirmar que a prescrição
incida sobre a responsabilidade encerra maiores discussões sobre qual definição
de pretensão deveria ter sido adotada pelo ordenamento brasileiro.
Se, contudo, tivermos que afirmar que a prescrição atinja a pretensão, que
o seja, no máximo, emprestando-lhe a função de, momentaneamente, tirar-lhe a
eficácia, jamais de extingui-la.
Abstract: This article aims to reinterpret the application of civil law statutes
of limitation (“prescription”), in light of the autonomy granted to current
procedural law. Until the enactment of the 1916 Brazilian Civil Code, one
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
could affirm that prescription applied to the action or to the claim, as the
governing procedural theory concerned the concrete right to action.
However, the current Brazilian Civil Procedural Code, by applying the theory
of the abstract right to action, has made the plaintiff’s claim independent and
autonomous with regard to the material right being claimed. Subsequently,
it is the defendant’s liability that is extinguished by prescription, no longer
the plaintiff’s action or claim. In order to corroborate this conclusion, we
will also analyze the historic origin of the term “claim” in Comparative Law,
in addition to its translation from German to Portuguese, when it was made
clear that the statement that prescription applies to the creditor’s action or
claim is inaccurate, whereas it should apply to the debtor’s liability.
Referências
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 29-46, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
1 Introdução
Na última década, a comunidade jurídica brasileira presenciou significativo
incremento na prática e hermenêutica das ações coletivas. O assunto, que até então
era objeto de estudo por parte de um restrito nicho de juristas, difundiu-se não só
no âmbito doutrinário, como também no plano jurisprudencial, com o surgimento
de importantes precedentes na matéria.1
Na seara legislativa, muito se discutiu sobre a codificação do Direito Proces
sual Coletivo entre os anos de 2002 e 2008, resultando na elaboração de dois
códigos-modelos e duas propostas de anteprojeto de código. No final do ano de
2008, a ideia da codificação cedeu espaço à elaboração de um anteprojeto
de nova Lei da Ação Civil Pública, que posteriormente resultou no Projeto de Lei
nº 5.139/2009. Com a rejeição política deste projeto na Câmara dos Deputados,
atualmente há expectativa de uma possível reforma do Código de Defesa do
Consumidor, abrangendo o microssistema processual coletivo por ele instituído.
Contudo, a despeito da possibilidade de modificação legislativa da matéria,
o fato é que ainda não houve aprovação de qualquer dos projetos de lei citados.2
Nesse contexto, resta aos operadores do direito lidar com o microssistema
processual coletivo, estabelecido formalmente pelo art. 21 da Lei nº 7.347/85 e
pelo art. 90 da Lei nº 8.078/90, e composto, efetivamente, por todos os diplomas
legais que dispõem sobre a tutela coletiva, sem olvidar a sua necessária filtra-
gem constitucional,3 dentro do que se identifica como um diálogo das fontes de
processo coletivo.4
O problema é que, ainda que o aludido microssistema cumpra um papel de
coordenação, a fragmentação normativa do direito processual coletivo inevitavel-
mente redunda em interpretações difusas e conflitantes sobre diversos institutos
1
Uma das decisões mais emblemáticas foi proferida no julgamento do REsp nº 1.110.549/RS pelo
STJ, em que se entendeu pela suspensão obrigatória de processos individuais conexos a demanda
coletiva. A respeito de tal precedente, v. CERQUEIRA, 2010, p. 297-307.
2
Ressalve-se apenas que o projeto de novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010) foi aprovado
no Senado em 2010 e encontra-se em trâmite na Câmara dos Deputados. Entre as inovações con-
tidas nesse projeto, embora não haja tratamento específico do processo coletivo, chama atenção a
figura do “incidente de resolução de demandas repetitivas”, que tende a absorver boa parte do que
hoje é objeto das ações coletivas versando sobre direitos individuais homogêneos.
3
Como explica Barroso, “toda interpretação jurídica é também uma interpretação constitucional”
(2011, p. 387), o que implica a conclusão de que os diversos ramos do direito devem ser sempre
interpretados à luz da Constituição.
4
Sobre o tema, v. DONIZETTI; CERQUEIRA, 2010, p. 28-30. A expressão diálogo das fontes, criada
por Erik Jayme, tem o significado de “aplicação simultânea, coerente e coordenada [seja comple-
mentarmente, seja subsidiariamente] das diversas fontes legislativas, com campos de aplicação
convergentes, mas não iguais” (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2007, p. 98).
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5
Mais adiante será abordada a natureza jurídica da prescrição e da decadência. Por ora, vale a cons-
tatação de que, “se o reconhecimento da prescrição implica a resolução do mérito, então é evidente
que o tema em questão não alude à ação judicial, mas sim a algum elemento do direito material em
discussão” (ARENHART, 2010).
6
A autonomia metodológica do Direito Coletivo é amplamente justificada por Gregório Assagra de
Almeida, ao defender a superação da summa diviso Direito Público e Direito Privado pela CR/88.
Nas palavras do ilustre jurista, “a nova summa diviso constitucionalizada no País é Direito Individual
e Direito Coletivo. Trata-se de summa diviso constitucionalizada relativizada, pois no topo encon-
tra-se o Direito Constitucional, representado pelo seu objeto formal, a Constituição, composta tanto
de normas de Direito Individual, quanto de normas de Direito Coletivo” (ALMEIDA, 2008, p. 361).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
[...] o primitivo projeto preparado por Clóvis Bevilaqua para o Código Civil
(LGL\2002\400) brasileiro dispunha genericamente sobre os prazos pres-
cricionais e os de decadência se achavam dispersos, junto à disciplina
dos direitos que a eles se subordinavam. Assim permaneceu durante as
discussões regimentais. Na redação final, foi que a comissão dela encar-
regada, na suposição de aprimorar o projeto, transferiu da Parte Especial
para a Parte Geral todos os prazos de decadência, colocando-os ao lado
dos prazos prescricionais. Sobre essa esdrúxula e confusa unificação não
chegou a haver debate, de sorte que o planejado melhoramento acabou
por redundar, para os aplicadores do Código, num dificílimo problema,
pois o que efetivamente se deu foi um “erro manifesto de classificação”,
como registrou Costa Manso.
Em consequência da inominável impropriedade legal de rotular indiscri-
minadamente de prescricionais tanto os prazos de prescrição como os
de decadência, se viram os doutrinadores envolvidos na inglória tarefa
de desdizer a literalidade do Código, tendo em conta que seria absurdo
admitir que a lei possa ignorar e contrariar a natureza das coisas.
Do penoso labor da doutrina e jurisprudência, aos poucos foram se estabe-
lecendo, de forma empírica, quais seriam os prazos do Código que, mal-
grado o nomen iuris, não seriam de prescrição, mas de decadência.8
7
Revista dos Tribunais, p. 725-750.
8
THEODORO JÚNIOR, 2005.
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Vale dizer que o direito de ação é hoje visto, na ótica do direito processual,
como autônomo e abstrato, frente ao direito material, mas não é hostil
a este nem é com ele incompatível. Sendo certa a instrumentalidade de
um direito em relação ao outro, pode-se perfeitamente encarar o direito
de ação tanto do ponto de vista processual como material. E será apenas
na perspectiva do direito processual que prevalecerá a sua autonomia e
abstração. Estar-se-á cuidando apenas do direito à prestação jurisdicio-
nal. Pode, porém, a ação ser encarada dentro da perspectiva do direito
material. Nesse ângulo, é com a tutela jurisdicional que o titular do direito
subjetivo material irá contar, ou seja, o acesso à justiça lhe assegurará a
tutela ou proteção que a ordem jurídica assegura a todos os direitos sub-
jetivos materiais. Ter ação, no sentido material ou civilístico, é, portanto,
ter direito à proteção jurisdicional e não apenas direito à resposta judicial
(simples prestação jurisdicional). Daí que não há impropriedade alguma
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
9
THEODORO JÚNIOR, 2005.
10
AMORIM FILHO, 1997, p. 732-736.
11
Comentando o dispositivo citado, Farias e Rosenvald explicam que “o Código Civil explicitou não
atingir a prescrição o direito de ação em si mesmo (instituto de direito processual), mas sim a
pretensão (esta sim, instituto de direito material), confirmando o caráter de direito autônomo,
abstrato, público e subjetivo do direito de ação, resguardado em sede constitucional, pelo art. 5º,
XXXV” (2008, p. 556).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
12
AMORIM FILHO, 1997, p. 737.
13
Idem, p. 737-738.
14
Idem, p. 737.
15
Idem, p. 747.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
16
Embora autores como Luiz Manoel Gomes Jr. e Ada Pellegrini Grinover encampem a tese de pres-
critibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, é francamente majoritário o entendimento
pela imprescritibilidade, tanto na doutrina quanto na jurisprudência (v. RAMOS, 2011). Em função
do disposto no art. 37, §5º, da CR/88, portanto, houve derrogação do art. 21 da LAP quanto ao prazo
prescricional da pretensão de ressarcimento ao erário por danos ao patrimônio público, conti-
nuando válido o prazo (decadencial) de cinco anos para a desconstituição do ato administrativo.
17
MOREIRA, 1984, p. 195-196.
18
MARINONI; ARENHART, 2006, p. 724.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
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20
Ressalte-se que a norma do art. 21 da Lei nº 4.717/65 é atécnica ao se referir à prescrição da ação
popular, o que dá ensejo a controvérsias na doutrina. Uma primeira corrente, acolhida pelo STJ,
sustenta que a prescrição em cinco anos não seria da ação popular em si, mas da pretensão nela
deduzida. Já para Arenhart (2010), a norma deve ser interpretada no sentido de que o procedi-
mento da Lei da Ação Popular somente poderia ser utilizado em até cinco anos, à semelhança do
que ocorre na Lei do Mandado de Segurança (que, todavia, trata de prazo decadencial). Por fim,
ainda há quem defenda que, como o objeto principal da ação popular é um pedido de natureza
constitutiva negativa, o caso é de prazo decadencial, e não prescricional (FARIAS; ROSENVALD,
2008, p. 573).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
decidido pelo STJ, o prazo prescricional da ação coletiva seria menor do que o
das ações individuais, mas, seguindo a inusitada lógica, será que a jurisprudên-
cia permitiria a prescrição quinquenal de ação civil pública tratando de direitos
individuais homogêneos caso a prescrição das pretensões individuais ocorra em
prazo menor (ex.: prazo de três anos para o exercício da pretensão de reparação
civil, cf. art. 206, §3º, V, do CC)?
A análise do tema da prescrição sob o prisma do direito processual revela a má
compreensão do microssistema processual coletivo pela jurisprudência brasileira.
O microssistema, como a própria denominação indica, é processual, não havendo
que se aplicar por analogia normas de direito material previstas nos diplomas nor-
mativos que integram tal microssistema a situações ontologicamente distintas. O
erro hermenêutico salta aos olhos, tanto que já tem sido severamente criticado pela
doutrina:
21
DIDIER JR.; ZANETI JR., 2012, p 306. A crítica ora exposta não deixa de guardar relação com as
polêmicas envolvendo o equilíbrio entre ativismo judicial (saudável em determinadas áreas como
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
a proteção dos direitos fundamentais e dos direitos de minorias) e a autocontenção judicial (reco-
mendável em matérias que exijam conhecimentos técnicos fora do Direito, como a economia e as
políticas públicas) — v. SARMENTO, 2009, p. 31-68. No tocante à referida decisão do STJ, a solução
hermenêutica simplista e atécnica em matéria de significativa repercussão econômica para milhões
de cidadãos-consumidores implica uma justificável preocupação com a definição do papel do
Judiciário na concretização da Constituição brasileira.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
22
Conforme já decidiu o STJ, “a categoria ético-política, e também jurídica, dos sujeitos vulneráveis
inclui um subgrupo de sujeitos hipervulneráveis, entre os quais se destacam, por razões óbvias, as
pessoas com deficiência física, sensorial ou mental” (REsp nº 931.513/RS, Rel. Min. Carlos Fernando
Mathias, Juiz Federal convocado do TRF 1ª Região, Rel. p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin,
Primeira Seção, julg. 25.11.2009, DJe, 27 set. 2010).
23
Como já mencionado, trata-se de entendimento majoritário na doutrina e na jurisprudência (v.
RAMOS, 2011).
24
STJ, AgRg no REsp nº 1150479/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 04.10.2011,
DJe, 14 out. 2011.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
25
ARENHART, 2010. É também a opinião de Almeida (2007, p. 95; 2008, p. 460-462), Farias; Rosenvald
(2008, p. 573), entre outros.
26
A segurança jurídica possui uma dimensão objetiva e outra subjetiva: “Em sua relação com o direito
objetivo, o valor da segurança jurídica desponta na certeza e previsibilidade do ordenamento posi-
tivo (segurança jurídica em sentido estrito) [...]. No que se refere ao direito subjetivo, a partir da crença
do cidadão na validade e correção do Direito, a segurança jurídica é prestigiada pelo princípio da
proteção da confiança legítima, que alcança o patamar de verdadeiro direito fundamental e pressu-
posto da liberdade” (RIBEIRO, 2011, p. 341-342).
27
Mesmo em situações como a prática de crimes com graves violações de direitos humanos, nota-se
a existência de controvérsia sobre a imprescritibilidade ou não da pretensão (penal) punitiva. Nesse
sentido, a despeito de relevantes argumentos em favor da imprescritibilidade, corroborados por rei-
teradas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o STF entendeu em sentido contrário
no julgamento da ADPF nº 153. A controvérsia, porém, tende a ser novamente submetida à aprecia-
ção do STF, haja vista a recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes
Lund e a imposição, ao Brasil, do dever de investigar e punir crimes praticados na época da ditadura
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
6 Conclusão
Os prazos prescricionais e decadenciais estão relacionados com a exigência
de segurança jurídica nas relações sociais. Por decorrência lógica, não se concebe
que o regime jurídico de tais institutos seja poroso e assistemático, sob pena de
se inviabilizar sua própria finalidade.
Ao tratar das relações individuais de direito material, o Código Civil disciplina
pormenorizadamente os institutos da prescrição e da decadência (arts. 189 a 211),
acolhendo o critério científico de identificação proposto por Amorim Filho.
Porém, inexiste semelhante regulamentação no âmbito do direito material
coletivo. A escassa regulamentação do assunto, aliada à sua natural complexidade,
tem levado a soluções hermenêuticas erráticas e questionáveis, notadamente o
entendimento do STJ de aplicar, por analogia, o prazo prescricional de cinco anos
previsto na Lei da Ação Popular a toda e qualquer ação civil pública, sem atentar
para a distinção ontológica entre direitos essencialmente coletivos e direitos aci-
dentalmente coletivos.
Com relação aos direitos individuais homogêneos, que são em essência
individuais e apenas ficticiamente coletivos, não há que se pensar em lacuna
militar no contexto do referido caso — v. Corte IDH. Caso Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia)
Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Série C Nº. 219.
28
Na opinião de GIDI: “É a pretensão do direito material que pode ser qualificada como sendo impres-
critível. É irrelevante se esse direito material é classificado como de caráter individual, individual
homogêneo, coletivo ou difuso. O que importa é apenas o tipo do direito material. Há direitos indi-
viduais imprescritíveis e direitos difusos imprescritíveis; há direitos individuais prescritíveis e direitos
difusos prescritíveis. Um direito não passa a ser imprescritível por ser difuso, coletivo ou individual
homogêneo” (2008, p. 140).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
Referências
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 47-66, jan./mar. 2013
Danilo Lee
Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Advogado.
1 Introdução
Antes das reformas empreendidas no Código de Processo Civil, principal-
mente por meio das Leis nº 11.232/2005 e nº 11.382/2006, o modelo executivo,
tantos dos títulos judiciais quanto dos extrajudiciais, era basicamente o mesmo.1
Nos moldes originais do CPC, para que houvesse a execução forçada, exigia-se
que o exequente provocasse o Judiciário necessariamente por meio de petição inicial
(com observância dos requisitos do art. 282), de modo a dar causa à instaura-
ção de um processo estruturalmente novo.2 3 Em seguida, se não fosse o caso
1
“[...] o Código de Processo Civil de 1973, em sua estrutura originária, unificou as execuções.
Independentemente de estar fundada em título judicial ou em título extrajudicial, a execução subme-
tia-se ao mesmo procedimento [...]” (DIDIER JÚNIOR et al. Curso de direito processual civil, v. 5, p. 343).
2
“No Código vigente [antes das alterações mencionadas], a execução é processo autônomo em
relação ao processo de conhecimento, e aos títulos judiciais se equiparam os extrajudiciais, exis-
tindo apenas uma ação de execução” (GRECO FILHO. Direito processual civil brasileiro, v. 3, p. 12).
3
“Pela estrutura originária do Código de Processo Civil, brasileiro em vigor, a execução sempre cons-
tituiu um processo autônomo, regulado em Livro próprio (o Livro II do CPC/1973)” [CUNHA. As defe-
sas do executado. In: DIDIER JÚNIOR (Org.). Leituras complementares de processo civil, p. 263 et seq.].
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
4
THEODORO JÚNIOR. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 178.
5
“A ação de execução não tende a uma sentença, que dirima uma lide. / Esta, no processo de exe-
cução, se dirime, não com uma sentença, mas com atos de satisfação do julgado ou do direito
consubstanciado no título, mediante atuação do juiz” (SANCHES. Os embargos do devedor e o
Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo, p. 183 et seq.).
6
A denominação embargos do devedor sempre sofreu críticas, porquanto atécnica. “O nosso
Código de Processo Civil, assim como o Código italiano, chama o executado de devedor e o
exeqüente de credor, confundindo, impropriamente, os conceitos de direito material com os de
direito processual. / Observa-se, que nem sempre é o devedor o executado [...]. / Mesmo nos
embargos, na maioria dos casos, quando estes são julgados procedentes, está se reconhecendo
que o executado não é devedor. / Preferimos pois a expressão embargos à execução” (PINTO.
Embargos do devedor. Revista de Processo, p. 165 et seq.).
7
“A exceção do sistema anterior ficava por conta das obrigações de fazer ou não fazer. Para elas,
os embargos dispensavam qualquer forma de garantia do juízo, contando-se o prazo para sua
apresentação da juntada, aos autos, do mandado de citação cumprido (art. 737 c/c o art. 738, IV,
na redação original do CPC)” (BUENO. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, p. 560).
8
Principalmente por conta do requisito da prévia segurança do juízo, a praxe forense consagrou o
que se costuma chamar de “exceção de pré-executividade”, de modo a possibilitar que o executado
apresente, “no curso da execução, independentemente de momento apropriado ou de cautela
especial, certas defesas evidentes. [...]. Em geral, os tribunais aceitam que sejam alegadas, desta
forma, quaisquer objeções processuais, bem como as defesas materiais que o juiz possa conhecer
de ofício (como prescrição e decadência) e ainda aquelas que puderem ser provadas de plano”
(MARINONI; ARENHART. Curso de processo civil, v. 3, p. 309).
9
“O motivo que, historicamente, levou a admitir a objeção, sem necessidade de passar pela via
estreita e complicada dos embargos, foi que a matéria nela suscitada era sempre prejudicial ao
cabimento da execução e, pois, situava-se no terreno das condições de sua admissibilidade. Não
era razoável que, para demonstrar o descabimento evidente do processo executivo, tivesse a parte
que, primeiro, suportar o início da execução pela penhora, para só depois poder argüir o seu des-
cabimento. [...] / Há de se ponderar, contudo, que a antiga admissão do contraditório interno na
execução teve sua justificativa não apenas na superação do requisito da penhora. Foi, também,
decisiva a superação dos custos da ação incidental de embargos e dos rigores do escasso tempo
para sua propositura” [THEODORO JÚNIOR. Alguns problemas pendentes de solução após a reforma
da execução dos títulos extrajudiciais (Lei 11.382/2006). Revista de Processo, p. 11 et seq.].
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
10
“Por meio de tal ação, forma-se um processo cognitivo que se encerrará com uma sentença de
mérito desde que presentes os pressupostos de admissibilidade ao seu julgamento” (LUCON. O
novo perfil dos embargos à execução. In: CARNEIRO; CALMON. Bases científicas para um renovado
direito processual, p. 824 et seq.).
11
“É corrente, na doutrina, a ideia de que os embargos à execução constituem ação de conhecimento,
incidente e autônoma, em relação à ação de execução” (MEDINA. Execução, p. 121).
12
“Há inequívoca incompatibilidade funcional na convivência de atos executivos com atos de índole
diversa, simultaneamente, na mesma estrutura (processo). Esta é a idéia fundamental posta à base
dos embargos do executado” (ASSIS. Manual da execução, p. 1079).
13
“No direito brasileiro, construiu-se a idéia de que o processo de execução seria, precipuamente,
modalidade de atividade jurisdicional prática e material, desenvolvida sob a premissa de não haver,
ali, matéria a ser discutida e decidida. Daí, não se prever, em sua estrutura procedimental interna,
momento formal para a apresentação de defesa pelo devedor. / Além dessa tentativa de impor-se
certa pureza àquela atividade, invocava-se, ainda, o fenômeno da eficácia incondicional do título
executivo, a qual permitiria percorrer a execução sem depender da demonstração da existência do
direito. A lei se abstrairia de tal causa para dar força e valor somente à sanção incorporada no título,
dando caminho livre à ação (executiva) que dele se originaria” (VIANA. A defesa do executado na reforma
processual brasileira: a impugnação e os embargos à execução. Revista de Processo, p. 148 et seq.).
14
“A defesa do executado não pode ser feita no processo de execução, mas sim em processo de
conhecimento, autônomo ao processo de execução, mas incidente sobre o seu curso. Embora
hoje, se autorize — de forma excepcional — a dedução de algumas defesas dentro do próprio
processo de execução, o princípio geral de que o processo executivo se presta para realização do
direito e não para sua discussão e reconhecimento permanece íntegro. A verdadeira via de defesa
do executado, nas execuções de títulos extrajudiciais, é a ação de conhecimento autônoma e
incidente a o processo de execução, a que a lei denomina de embargos à execução” (MARINONI;
ARENHART. Curso de processo civil, v. 3, p. 446).
15
“Até porque a doutrina que, em sua maioria, admite o uso frequente das ‘exceções e objeções de
pré-executividade’, tem enorme dificuldade de explicar, a partir da premissa de que os embargos
são ‘ação do executado em face do exequente’, o que se dá naqueles casos em que o magistrado
atua de ofício para extinguir a execução por verificar questões de ordem processual ou, mais
amplamente, extingue a execução porque reconhece o pagamento da dívida, quando apresen-
tado o recibo de pagamento pelo executado independentemente dos embargos” (BUENO. Curso
sistematizado de direito processual civil, p. 531).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
16
“Atualmente, no direito processual brasileiro, (a) cumprimento de sentença e (b) processo de exe-
cução são realidades distintas e inconfundíveis. Embora o juiz utilize atos e procedimentos do
processo de execução para fazer cumprir a sentença condenatória, isto se passa sem a instaura-
ção de uma nova relação processual, ou seja, sem a relação própria do processo de execução. Em
lugar de receber uma citação para responder por um novo processo, o devedor recebe um man-
dado para realizar a prestação constante da condenação, sujeitando-se imediatamente à invasão
em sua esfera patrimonial, caso não efetive o cumprimento do mandamento sentencial. / Em sendo
o caso de título extrajudicial, é claro que os atos executivos sobre o patrimônio do devedor somente
serão possíveis mediante a instauração de uma relação processual típica, correspondente a uma
ação executiva em sentido estrito. É que não existirá uma prévia ação de acertamento, em cuja
relação processual se poderia prosseguir rumo aos atos de execução” (THEODORO JÚNIOR. As vias
de execução no processo civil brasileiro: o cumprimento das sentenças e a execução dos títulos
extrajudiciais: visão do Código atual e do Projeto 8.046/2010 da Câmara dos Deputados. Revista
de Processo, p. 13 et seq.).
17
CARNEIRO. Cumprimento da sentença civil, p. 43.
18
“[...] não haverá ‘embargos do executado’ na etapa de cumprimento da sentença, devendo qual-
quer objeção do réu ser veiculada mediante mero incidente de ‘impugnação’ [...]” (Exposição de
motivos da Lei nº 11.232/2005).
19
“[...] parece-nos inegável hoje, com o término da formalidade antes imposta para o exercício da
defesa na execução, que a impugnação tem natureza jurídica de defesa. Uma defesa exercida
por intermédio de incidente processual” (JORGE. Impugnação do executado: um enfoque sobre
natureza jurídica, procedimento e honorários advocatícios. Revista de Processo, p. 277 et seq.).
20
“A impugnação, ao contrário do que ocorria com os embargos do devedor, não tem natureza de ação
autônoma, constituindo mero incidente do processo. Pode ser oferecida mediante simples petição,
dispensadas as formalidades das petições iniciais [...]” (ZAVASCKI. Defesas do executado. In: RENAULT;
BOTTINI (Coord.). A nova execução dos títulos judiciais: comentários à Lei n. 11.232/05, p. 140).
21
“[...] a impugnação é agora mero incidente processual [...]. Os antigos embargos à execução fun-
dada em título executivo judicial foram transformados pela Lei 11.232/2005 em mecanismo agora
denominado impugnação, que pode ser manejado pelo devedor no prazo de 15 (quinze) dias a
contar da intimação do auto de penhora e de avaliação. O novo mecanismo — agora um incidente
na fase de cumprimento da sentença — não terá o mesmo efeito suspensivo que era ínsito aos
embargos do devedor” (CARMONA. Cumprimento da sentença conforme a Lei 11.232 de 2005.
Revista de Processo, p. 257 et seq.).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
22
“Superou-se a incompatibilidade de funções e inseriu-se, consoante o modelo espanhol, um ‘incidente
declarativo dentro del proceso mismo de ejecución’. É flagrante, naturalmente, a posição de defesa assu-
mida pelo executado” (ASSIS. Cumprimento da sentença, p. 314).
23
“Para cá, importa destacar que as Leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006, além de alterarem — de forma
substancial — o procedimento do ‘cumprimento de sentença’ e da ‘execução por quantia certa contra
devedor solvente’, criaram novas e radicalmente diversas regras relativas aos embargos à execução. A
feição que o direito processual civil brasileiro conhecia da iniciativa de o executado voltar-se contra a
execução amplamente considerada e ao próprio título que a embasa foi reformulada em sua totali-
dade” (BUENO. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, p. 561).
24
“Sabe-se, por exemplo, que, em suas linhas gerais, as últimas reformas inauguraram uma nova moda-
lidade de procedimento executivo, sob a denominação Do cumprimento da sentença, eliminando o
tradicional binômio cognição-execução, fonte, segundo alguns, de inegável retardamento na entrega
da prestação jurisdicional, ou seja, as reformas objetivaram elaborar um ‘processo sem intervalo’, no
qual cognição e execução estariam amalgamadas no mesmo procedimento” (MORAES. Princípios da
execução de sentença e reformas do Código de Processo Civil. Revista de Processo, p. 37 et seq.).
25
“O que parece importante fixar, neste momento, é que apenas sob o aspecto formal se poderia
atribuir aos embargos a natureza de ação, já que o que se pretendia com eles era a defesa no
processo de execução” (JORGE. Impugnação do executado: um enfoque sobre natureza jurídica,
procedimento e honorários advocatícios. Revista de Processo, p. 277 et seq.).
26
“Quando a ação passa à fase de execução, o executado, ao apresentar impugnação, obviamente
não exerce pretensão à tutela jurisdicional do direito, limitando-se a negar a tutela jurisdicional
do direito almejada pelo autor. Portanto, a impugnação tem nítido caráter de defesa, de reação à
tutela jurisdicional do direito, pretendida através da ação” (MARINONI; ARENHART. Curso de pro-
cesso civil, v. 3, p. 289).
27
“Quem impugna ou embarga a execução está a resistir a ela, ou seja, a defender-se, no exercício das
faculdades inerentes ao contraditório e à ampla defesa, constitucionalmente assegurados. Tomar a
iniciativa de instaurar um processo de oposição não significa vir a juízo espontaneamente em busca
de um bem da vida negado por outrem, mas resistir à pretensão de alguém que pretende haver
bem da vida à custa do patrimônio do embargante. Substancialmente, isso é defesa” (DINAMARCO.
Instituições de direito processual civil, v. 4, p. 750).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
28
“Com efeito, por razões de opção legislativa, visando privilegiar a eficácia abstrata do título exe-
cutivo, adotou-se como técnica processual a regra de que a cadeia de atos de execução seria
uniforme, constante e retilínea, evitando que durante o seu percurso o demandado pudesse se
defender (contraditório) com o mesmo dinamismo e dialeticidade que marcam e caracterizam a
tutela cognitiva. [...] / Assim, esta mesma técnica legislativa foi que estabeleceu que a defesa do
executado — defesa mesmo, ou seja, as oposições processuais e de mérito que visam impedir ou
obstar, ou, quando menos, retardar a entrega da tutela jurisdicional ao exeqüente — deveriam
ser feitas em procedimento próprio e destacado do procedimento executivo, por se entender
que, caso feitas no bojo e curso da execução, comprometeriam a efetividade da seqüência exe-
cutiva e, sobretudo, colocariam em risco a própria eficácia abstrata do título executivo” (JORGE.
Impugnação do executado: um enfoque sobre natureza jurídica, procedimento e honorários advo-
catícios. Revista de Processo, p. 277 et seq.).
29
“Vale insistir: entender que na execução (‘etapa’ ou ‘processo’, isto não faz diferença para fins da
exposição) não há defesa, é agredir de morte o ‘modelo constitucional do processo civil’. O que
é legítimo, à luz daquele modelo, é diferir o momento do exercício da (ampla) defesa, mas não
eliminá-la. É autorizar a prática de atos em detrimento do patrimônio de alguém, mas não impe-
dir que se reaja à altura da prática daqueles mesmos atos. Se o título executivo é o documento que
autoriza a legítima atuação do Estado-juiz neste sentido, isto é, antes de qualquer manifestação
do executado em seu favor ou em seu desfavor, é impensável que aquele a sofrer os atos execu-
tivos não possa reagir como legítima resposta àquele agir” (BUENO. Curso sistematizado de direito
processual civil, p. 531).
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2 Embargos à execução
2.1 Custas
Independentemente do entendimento que se adote acerca da natureza
jurídica dos embargos à execução (discussão data venia de pouca utilidade prá-
tica), não há como se negar que, pelo CPC, eles ainda são o instrumento posto à
disposição do executado para se opor à satisfação do título extrajudicial.30
E apesar de não haver dispositivos legais claros no sentido de que os embar-
gos à execução devam ser apresentados por petição inicial, este é o entendimento
que a doutrina31 32 e a prática consagraram.
Mas, em termos pragmáticos,33 o que esse entendimento traz de vantagens para
a maior efetividade da justiça? Em que medida isto simplifica a vida do jurisdicionado?
30
“[...] importa muito pouco — é esta a grande verdade — saber se os ‘embargos’ são ‘ação’ ou ‘defesa’.
O que é realmente importante é saber, seja qual for a ‘sua natureza jurídica’, mesmo depois da Lei
nº 11.382/2006, que os ‘embargos à execução’ ainda são a forma (o uso da palavra é proposital
para evitar a discussão dos parágrafos anteriores [a respeito exatamente da natureza jurídica dos
embargos à execução]) pela qual o executado se volta à execução que lhe é promovida pelo
exequente. Seja para questionar amplamente o que dá fundamento àquela execução desde o
plano material, o título executivo extrajudicial, seja para questionar a formação e a regularidade
do próprio ‘processo de execução’, seja, mais pormenorizadamente, para questionar a prática dos
atos executivos, são os embargos o mecanismo que a lei reserva para o executado voltar-se contra
a pretensão que lhe é dirigida pelo exequente. É forma pela qual o executado pede para si a tutela
jurisdicional que, de acordo com o título executivo, será prestada ao exequente” (BUENO. Curso
sistematizado de direito processual civil, v. 3, p. 565).
31
“Essa sempre foi a opção conceitual da doutrina, apesar de na disciplina da execução ou dos
próprios embargos jamais haver emitido o Código de Processo Civil qualquer sinal perceptível e
direito de sua intenção de configurar os embargos como processo autônomo e não mero incidente”
(DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, v. 4, p. 746).
32
“Ademais, são diversos os dispositivos da lei em que a disciplina dos embargos como ‘ação’ não
se mostra tão evidente, evidência esta que se prende, não há razão para duvidar, por ser aquele
e não outro o entendimento amplamente vencedor na doutrina” (BUENO. Curso sistematizado de
direito processual civil, v. 3, p. 567).
33
“A conscientização de que o processo vale não tanto pelo que ele é, mas fundamentalmente pelos
resultados que produz, tem levado estudiosos a reexaminar os institutos processuais, a fim de
sintonizá-los com a nova perspectiva metodológica da ciência. / [...] O tratamento dos institutos
fundamentais de nossa ciência deve perder a conotação excessivamente processualista. A abor-
dagem precisa levar em consideração critérios de racionalidade material, não apenas formal. / A
ciência processual tem-se preocupado com a criação de categorias e institutos, cuja elaboração
precisa a transformou no ramo do Direito que mais se desenvolveu nos últimos anos. Por outro
lado, passaram os processualistas a se dedicar tanto a conceitos, muitos de extrema sutileza, que
as discussões sobre temas de direito processual acabaram por representar verdadeiro exercício
de filosofia pura do Direito. Quando voltamos os olhos para a realidade, porém, verificamos que o
processo se encontra muito distante dela. A importante e nobre missão do processualista moderno
é fazer como que o processo seja meio efetivo de resolução de litígios e não fonte de problemas”
(BEDAQUE. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, p. 21-22).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
Aliás, é curioso notar que a mesma doutrina que, quanto à forma, sustenta a
natureza de ação para os embargos à execução não nega que, quanto ao conteúdo,
eles são defesa.34
E se os embargos à execução são defesa, como tal deveriam ser tratados.35
Infelizmente, no que diz respeito ao tema ora em debate, o que se observa é que,
em geral, extraem-se conclusões a fórceps a partir de posições doutrinárias pré-
concebidas, sem buscar, primeiro, apoio nos dispositivos legais que efetivamente
regem os embargos à execução36 37 e, segundo, fazendo pouco caso do caráter
instrumental do processo em nome de uma suposta coerência interna do sistema,
de ordem puramente teórica.38
De toda maneira, a apresentação por petição inicial, de pronto, traz “uma
questão muito polêmica, que pode trazer danos irreparáveis para as partes, em
flagrante violação aos princípios do amplo acesso à justiça e da ampla defesa: o
regime de custas nos embargos do devedor”.39 40
34
“Do aspecto prático, os embargos do executado aparecem com meio de defesa, pois que visam a
livrá-lo do processo ou desfazer os efeitos do título executório. Por essa razão uma parte da doutri-
na entende sobrelevar nos embargos do executado o ‘caráter de defesa comum e normal’, da
mesma natureza da contestação. [...] / Pensa diversamente a doutrina dominante (Liebman, Pontes
de Miranda, Amílcar de Castro, Frederico Marques etc.), que acompanhamos. O executado não ofe-
rece contrariedade à causa do título executório, isto é, não contesta o direito que o gerou; tampouco
contesta o direito do exequente à sanção, que esse decorre e se contém no próprio título execu-
tório, condição necessária e suficiente à execução. / Não se justifica, portanto, que se defenda no
próprio processo de execução, e isso retira aos embargos o caráter de defesa, no sentido técnico, e,
assim, o caráter de contestação” (SANTOS. Primeiras linhas de direito processual civil, v. 3, p. 361).
35
“A técnica processual muitas vezes confere tratamento especial a determinados institutos, sujei-
tando-os a regime jurídico inerente a outro ontologicamente diverso. / Os embargos à execução,
por exemplo, têm função de defesa” (BEDAQUE. Efetividade do processo e técnica processual, p. 112).
36
“Só a análise das normas que regem concretamente os embargos do devedor pode definir sua ver-
dadeira natureza, não sendo admissível adaptar regras existentes a posições teóricas, em operação
que só termina por deformar aquelas” (PABST. Natureza jurídica dos embargos do devedor, p. 3).
37
“O princípio de que a execução deve ser feita pelo meio menos gravoso para o executado se
encontra incrustado em diversos artigos do CPC. / A interpretação de que os embargos são mera
defesa é a que mais se afeiçoa ao espírito lógico e prático do magistrado, a par de ser a que emana
diretamente da norma legal e não de conceito teórico” (PABST. Natureza jurídica dos embargos do
devedor, p. 189).
38
“[...] a técnica processual está a serviço de determinados fins, sempre externos a ela. Os objetivos
visados pelo mecanismo estatal de solução de controvérsias são determinantes. Em função deles
devem ser concebidos os meios, de modo a possibilitar sejam os resultados alcançados de forma
segura, com observância do devido processo legal, no menor tempo possível e com o mínimo dis-
pêndio de energia. A técnica processual deve estar sempre a serviço dos resultados” (BEDAQUE.
Efetividade do processo e técnica processual, p. 116).
39
LUCON. Custas iniciais e preparo nos embargos à execução. Revista dos Tribunais, p. 114 et seq.
40
“Um dos efeitos mais perniciosos da teoria dos embargos-ação é a exigência de custas iniciais do
embargante. Dá-se ao exequente o direito de exigir a prática de atos executivos, dentre os quais a
penhora, mediante a mera apresentação em juízo de um título extrajudicial ao qual a lei confere
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
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45
“O Código de Processo Civil emprega mais de uma vez o verbo pagar e o vocábulo pagamento, em
pontos onde seguramente está falando em adiantar e em adiantamento (arts. 19, §1º e 33). Além
disso, a seção em que a matéria é tratada (arts. 19-34) é um cipoal confuso de disposições ema-
ranhadas sobre adiantamentos e pagamentos — alternando-se regras sobre uma e outra dessas
exigências, sem qualquer critério sistemático” (DINAMARCO. Instituições de direito processual civil,
v. 4, p. 637).
46
“Em primeiro lugar: não se cuida, aqui, de isenção, mas, sim, de não-incidência, que é instituto
jurídico inteiramente diverso daquele primeiro no amplo espectro da teoria geral do direito tri-
butário. E a distinção é relevante, porque para larga parte da doutrina especializada a isenção faz
supor o surgimento da hipótese de incidência e da correlata obrigação tributária, ficando dis-
pensado apenas o pagamento do tributo a princípio devido. / Em caso de não-incidência, ao
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Daí que a forma dada aos embargos à execução não pode se sobrepor ao
que tal instrumento representa de verdade: o exercício puro e simples do direito
de defesa, em que o réu nada pede em seu favor, senão a rejeição da demanda
do autor.47 48
Curiosamente, a impugnação oferecida no cumprimento de sentença não
se sujeita ao recolhimento de taxa judiciária.49 Este quadro é um tanto estranho: é
mais barato e menos burocrático resistir à execução de um título judicial do que
à de um título extrajudicial; por esta ótica, equivale a dizer que um cheque vale
menos do que uma sentença judicial.
2.2 Prazo
Dentro da proposta de que, a partir da perspectiva do benefício que possa
gerar para os jurisdicionados, não existem motivos legítimos para que seja atri-
buída aos embargos à execução natureza distinta de uma contestação ou de uma
contrário, o fato gerador (ou hipótese de incidência) sequer chega a surgir, não chegando a existir,
conseqüentemente, obrigação tributária alguma, nem sendo exigível, em decorrência, qualquer
pagamento. A diferença, como se vê, é marcante” (SANSEVERINO. O problema das custas nos
embargos à execução. Revista de Processo, p. 250 et seq.).
47
“Ademais disto, ocorre entre qualquer ação e os embargos do devedor uma distinção indisputá-
vel, e que deve ser objeto de evidência. A ação, na realidade, objetiva provocar efeitos novos na
ordem jurídica, vale dizer, seja uma ação declaratória, constitutiva ou condenatória, o fim visado
pelo autor é obter efeitos novos, a que se julga com direito, o que ocorrerá, no caso de acolhi-
mento (= procedência), através de sentença. Já diversamente ocorre com os embargos do
devedor. Nestes, na realidade, colima-se obstar os efeitos pretendidos pela ação de execução, seja
por título extrajudicial seja, ainda, na hipótese de execução fundada em sentença. Quem pre-
tende inovar na ordem jurídica, mercê da solicitação de efeitos a serem produzidos no processo,
quando propõe uma execução, é, exclusiva e precisamente, o credor ou o exequente; o devedor,
na realidade, se contrapõe àqueles efeitos, colimando obstá-los. Se forem procedentes os seus
embargos, não se produzirão os efeitos. Executivos desejados; inversamente, se improcedentes,
produzir-se-ão tais efeitos. [...] Assim, conquanto dogmaticamente de contestação não se trate,
do ponto de vista do respectivo conteúdo a matéria é aquela que poderia ser alegada em contes-
tação” (JTACivSP 64/15, 13 de março de 1980, trecho do voto vencedor do então magistrado Arruda
Alvim, citação feita por Haroldo Pabst em a Natureza jurídica dos embargos do devedor, p. 63).
48
“Acolher a tese de que os embargos do devedor, em nosso Direito, são simples defesa não repre-
senta retrocesso, mas estar em harmonia com a realidade jurídica vigente” (PABST. Natureza jurídica
dos embargos do devedor, p. 149).
49
“[...] a demanda do réu que contém apenas pedido de rejeição da demanda do autor não se sub-
sume à hipótese de incidência da taxa judiciária de ‘reconvenção’ e ‘declaratória incidental’, que
devem ser interpretadas restritivamente, por força do art. 108, §1º, do CTN). Não por outra razão,
o TJSP considera que não cabe o recolhimento da taxa judiciária pela formulação de pedido con-
traposto no procedimento sumário (apesar de ter natureza reconvencional) e pela apresentação
de impugnação ao cumprimento de sentença (que é figura de todo igual aos embargos à execu-
ção, esses, sim, sujeitos à taxa judiciária em nosso Estado” (SICA. O direito de defesa no processo civil
brasileiro: um estudo sobre a posição do réu, p. 267-268).
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50
“Quanto à primeira hipótese — não-oposição dos embargos —, a nosso ver, nada existe a obstar
a propositura da ação autônoma de anulação de débito (ou ação declaratória de inexistência
de débito ou ação anulatória do título), no caso de pendência do feito executivo, ou a ação de
repetição de indébito, se a execução já estiver finda. / Duas razões básicas impõem tal resposta:
inexistência de preclusão e inexistência de coisa julgada” (SHIMURA. Título executivo, p. 559).
51
“O art. 739, I, determina que o órgão jurisdicional não admita os embargos intempestivos. Embora
se trate formalmente de uma demanda, neste ponto o CPC parece ter dado aso embargos trata-
mento semelhante ao da contestação: após o prazo de embargos, não se deve admitir novas
alegações de defesa pelo executado. A solução é boa, notadamente por seu caráter ético, pois
impede que o executado fragmente a sua defesa, impedido o prosseguimento regular e em dura-
ção razoável do procedimento executivo. [...] Note que se for levada às últimas consequências a
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
Defesa é direito, com certeza, mas também é ônus. O seu não exercício pode
ter consequências graves.
Do contrário, a posição do réu que tem contra ele um título executivo é muito
mais confortável do que se este não existisse. Explica-se: em um processo de conhe-
cimento comum, em que o autor busca obter um título em seu favor (portanto em
uma situação em que o seu alegado direito ainda não foi confirmado), o réu tem
apenas o prazo da contestação para se manifestar, sob pena de lhe serem aplicados
os efeitos da revelia; já na execução, em que há certeza quanto ao direito do autor
(ainda que presumidamente), o réu tem não somente o prazo dos embargos à exe-
cução, mas todo o prazo de prescrição. Não há como negar que este quadro é, no
mínimo, contraditório.
E mesmo em um processo de conhecimento comum, nada impede que o
potencial réu se antecipe ao potencial autor e ajuíze ele mesmo antes uma ação
em seu favor. Aí, sim, o potencial réu (agora autor) terá tido o prazo de prescrição
à sua disposição, e o potencial autor (agora réu) terá apenas o prazo da contes-
tação para provar o seu direito; este último, se não apresentar a contestação, não
terá a opção de ajuizar uma ação autônoma. No final das contas, é simplesmente
uma questão de quem age primeiro.
Foge, inclusive, ao escopo da jurisdição de pacificação social permitir que as
situações de conflito permaneçam abertas à discussão. O fato de a sentença do
processo executivo demandar baixo grau de cognição é apenas reflexo do plano
fático (a existência de um título), mas a realidade é que assim será apenas se o
executado quiser, pois, opostos os embargos à execução, o juiz enfrentará toda
matéria de defesa que ele deduzir, que, aliás, possui a mesma amplitude de uma
contestação no processo de conhecimento (art. 745, inc. V, CPC).52
idéia de que os embargos à execução possuem natureza de ação, o prazo para embargar de nada
serviria, pois não poderia impedir o ajuizamento de outra ação, ainda que com nome diverso. [...]
A solução não é boa, como se vê, pois significaria negar aplicação, sem justificativa, aos arts. 738
e 739, I, do CPC. [...] Permitir o ajuizamento desta ação autônoma, conexa à execução e com con-
teúdo idêntico ao dos embargos que poderiam ter sido opostos, é conferir ao executado a possi-
bilidade de driblar as regras processuais examinadas. Além disso, é interpretação que favorece a
deslealdade processual, permitindo comportamentos em dissonância ao dever legal de atuação
em conformidade com a boa-fé objetiva, princípio que se busca efetivar com a criação de regras
que estabelecem prazos para o oferecimento de alegações em um processo” (DIDIER JÚNIOR et al.
Curso de direito processual civil, v. 5, p. 350).
52
“Não obstante a redação do art. 745 especificar em incisos a matéria que pode se deduzida em
sede de embargos à execução, o inciso V autoriza o executado a alegar em sede de embargos
qualquer matéria que lhe seria permitido aduzir como fundamento de defesa no processo de
conhecimento. Por esse dispositivo, que constitui verdadeira norma de encerramento e demons-
tra a mais absoluta desnecessidade da disciplina constantes nos incisos I a IV, não há qualquer
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limitação à cognição, seja no plano horizontal (amplitude da matéria passível a ser aduzida), seja
no plano vertical (profundidade das questões debatidas)” (LUCON. O novo perfil dos embargos à
execução. In: CARNEIRO; CALMON. Bases científicas para um renovado direito processual, p. 824 et seq.).
53
“A sentença de mérito dos embargos, acolha-os ou não, fará coisa julgada material — nos limites
dos pedidos e das causas de pedir que o embargante apresentou” (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI.
Curso avançado de processo civil, v. 2, p. 311).
54
“A sentença é uma porque a cognição despertada pelos embargos tem o efeito de abranger o
teor da petição inicial da execução e dos documentos que a ela estão anexados, principalmente
o título executivo extrajudicial” (PABST. Natureza jurídica dos embargos do devedor, p. 168).
55
“Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as
alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”.
56
“Essa é a conclusão óbvia da teoria da ação de embargos: como o princípio da eventualidade ou da
concentração não tem aplicação ao direito de ação, não há como evitar essa esdrúxula e infeliz solu
ção. Se a ação de embargos foi rejeitada pelo mérito, a execução prossegue, e o credor recebe seu
dinheiro e o executado pode doravante propor várias demandas contra o credor, visando a discutir
novamente o mérito, mas sob outro fundamento. Não há um fim previsto para o hipotético rosário
de ações, o que traz insegurança jurídica. / A teoria dos embargos-ação viola dessa forma o mais
comezinho dos princípios ético-jurídicos, segundo o qual o direito é o instrumento da paz social.
Que sistema jurídico é esse em que o credor, tendo discutido o mérito de seu crédito nos embargos,
não sabe se venceu a demanda?” (PABST. Natureza jurídica dos embargos do devedor, p. 172-173).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
3 Conclusão
Tendo-se em vista o caráter instrumental do processo, as normas processuais
devem ser moldadas e aplicadas dentro de uma perspectiva eminentemente prática.
Isto significar dizer que o processo deve ser eficiente, ser apto à produção
dos resultados a que se destina o mais rápido e da maneira menos custosa possí-
veis, sempre com observância do devido processo legal substancial.
O processo perde legitimidade a partir do momento que a sua aplicação
foge a esta visão prática, de resultados.57
É justamente o que ocorre com os embargos à execução, atualmente. É o
tempo de se repensar o tratamento que tal instituto recebe; a sua caracterização
como ação não se sustenta, principalmente após as últimas reformas dos disposi-
tivos do CPC pertinentes à execução.
Não é admissível que se suprima o direito de o executado se defender den-
tro do processo de execução em nome apenas de lições doutrinárias das quais
não se retira nem uma sequer vantagem para o jurisdicionado.
Os embargos à execução são defesa tal como a impugnação e ambas equi-
valem à contestação no processo de conhecimento.
“Isso significa, sim, que a instrumentalidade do sistema processual é alimentada pela visão dos re
57
sultados que dele espera a nação. A tomada de consciência teleológica tem, portanto, o valor de
possibilitar o correto direcionamento do sistema e adequação do instrumental que o compõe, para
melhor aptidão a produzir resultados. [...] A jurisdição tem inegáveis implicações com a vida social,
tanto é que o reconhecimento de sua utilidade, pelos membros da sociedade, que a legitima no con-
texto das instituições políticas da nação” (DINAMARCO. A instrumentalidade do processo, p. 179, 181).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
Referências
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 67-83, jan./mar. 2013
1 Noções introdutórias
A cidadania pode ser conceituada como o conjunto de direitos e deveres
que estabelecem uma relação do indivíduo com o seu Estado. É exatamente nesta
linha, que deflui do modo como o Direito trata o assunto, que José Afonso da
Silva discorre sobre a cidadania. O autor relata que, ao regular a cidadania e os
direitos políticos, a Constituição do Império confundia o cidadão com o nacional,
tanto que foi necessário à doutrina cunhar a expressão “cidadão ativo” para indi-
car aqueles que detinham os direitos políticos. A distinção entre nacionalidade e
cidadania só começou a surgir a partir da Constituição de 1937, e consolidou-se
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
com as Constituições de 1967 e 1969, que abriram capítulos distintos para tratar
de cada um dos tópicos.1
Neste diapasão, de modo mais específico, José Afonso da Silva entende que
a cidadania “é um status ligado ao regime político”,2 que “qualifica os participan-
tes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, [...]
decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela repre-
sentação política”. Noutras palavras, cidadão “é o indivíduo que seja titular dos
direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências”. E, por conseguinte,
adquire-se a cidadania mediante alistamento eleitoral.3
Contudo, há conceituações bem mais amplas. De fato, a exemplo disso,
Couvre, citado por Claudia Guerra Monteiro, afirma que “cidadania significa, em
última instância, o direito à vida no sentido pleno”.4 Hannah Arendt, por sua vez,
qualifica a cidadania como “o direito a ter direitos”.5
Para Márcio Alexandre da Silva Pinto, embora as primeiras reflexões sobre
cidadania tenham sido feitas na Antiguidade, pelo filósofo Sócrates, em 469 a.C.,6
a proteção do respectivo direito iniciou-se de forma acanhada, limitada a seu
aspecto político, com o franqueamento à participação nas questões de interesse
público.7 Os interesses pessoais, de cidadão ou não, deveriam ser defendidos pela
própria pessoa, cabendo ao Estado apenas declarar o direito, numa concepção
autodefensiva. Assim foi invariavelmente por vários séculos, até o advento da
Revolução Francesa, que pregou o individualismo acima do Estado, enfraque-
cendo as noções de direito de cidadania enfocadas de modo coletivo, surgindo a
concepção heterodefensiva.
Com o advento da Revolução Industrial, o aprofundamento das relações de
exploração entre patrão e empregado, e a consequente reação que deu lugar às
associações coletivas de trabalhadores e mesmo ao regime político comunista,
fez surgir uma nova concepção de cidadania, em que o Estado, ao lado da socie-
dade e do próprio indivíduo — reunido em entidades civis e movimentos sociais
—, passa a ser obrigado a defender interesse que pertença a uma coletividade.
1
SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 345.
2
Esta conceituação aproxima-se muito daquela apresentada por Aristóteles, e que pode ser encon-
trada em PINTO. Em defesa do direito da cidadania. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia,
p. 276.
3
SILVA. Curso de direito constitucional positivo, p. 346.
4
MONTEIRO. O direito a ter direitos.
5
LAFER. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt. Estudos Avançados.
6
PINTO. Evolução do direito público da cidadania. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal
de Uberlândia, p. 212.
7
PINTO. Em defesa do direito da cidadania. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, p. 283.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
8
Ibidem, p. 285.
9
MONTEIRO. O direito a ter direitos.
10
SOARES. Cidadania e direitos humanos.
11
PINTO. Em defesa do direito da cidadania. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, p. 277.
12
PINTO. Evolução da proteção jurídica da cidadania. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, p. 285.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
13
SOARES. Cidadania e direitos humanos.
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
15
MONTEIRO. O direito a ter direitos.
16
LAFER. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt. Estudos Avançados.
17
Ibidem.
18
Ibidem.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
19
LAFER. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt. Estudos Avançados.
20
PINTO. Em defesa do direito da cidadania. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, p. 287.
21
Ibidem, p. 288.
22
Ibidem.
23
Ibidem.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
24
PINTO. Evolução do direito público da cidadania. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal
de Uberlândia, p. 246.
25
PINTO. Natureza jurídica do direito da cidadania. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, v. 37.
26
MONTEIRO. O direito a ter direitos.
27
SOARES. Cidadania e direitos humanos.
28
MONTEIRO. O direito a ter direitos.
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Viu-se antes que, para Hannah Arendt, a resposta cabível contra atitudes
totalitárias que poderia ser adotada pelos cidadãos seria a resistência. Apro
fundando-se nesta tese, Maria Garcia elabora cuidadoso estudo acerca da possi-
bilidade de se admitir a desobediência civil como direito fundamental. A autora
parte do pressuposto de que toda ordem jurídica inicia-se com um movimento
revolucionário — sendo, inclusive, o Poder Constituinte Originário nada mais que
sua manifestação —, bem como de que não há revolução sem a desobediência,
ou o rompimento, com a ordem jurídica anterior.29
Fundamentando-se em estudos anteriores, afirma que a recusa à obediên-
cia pode basear-se em três aspectos: “a oposição às leis injustas, a resistência à
opressão e a revolução”. Cita ainda bases da justificação dos movimentos revolu-
cionários ainda no Código de Hamurabi, que os caracterizava como o justo castigo
ao mau governante.30
De fato, a autora arrola diversos doutrinadores segundo os quais a insurgên-
cia contra um regime hostil é não apenas direito, mas “dever sagrado”.31 Não obs-
tante, a tendência das Constituições contemporâneas tem sido a de não admitir o
direito de resistência — ao contrário, procuram aprimorar as formas de repressão
a movimentos revolucionários. Tal fato se torna ainda mais gritante nas democra-
cias populares, em que o adversário do regime é aquele que teme a supressão de
seus interesses individuais, e que por isso é egoísta — afinal, não deseja pensar no
interesse maior, de todo o povo.32 Mesmo assim, para a autora, é possível arrolar
duas hipóteses em que o direito de resistência foi constitucionalmente previsto: o
art. 20 da Constituição da República Federal da Alemanha, de 1949, e o art. 21 da
Constituição Portuguesa de 1982.33
O próximo passo será como explicar a contradição entre a admissão do
direito de resistência e a manutenção de um Estado regido por regras jurídicas
cuja violação importa sanção. A autora principia por esclarecer que, além da tira-
nia e do abuso de poder, a legitimação do movimento revolucionário pode dar-se
pela corrupção dos governantes. Ou, ainda, pelo modo como se organiza a socie-
dade tecnológica atual, cujo comportamento é ditado pela publicidade, pela
mídia (responsáveis por estabelecer o pensamento geral, também conhecido
como “opinião pública”, e por criar “falsas necessidades”34 que, ao serem preenchi-
das, fazem com que as pessoas se sintam incluídas dentro do grupo social) e pelo
29
GARCIA. Desobediência civil, direito fundamental, p. 134-135.
30
Ibidem, p. 138.
31
Ibidem, p. 145.
32
Ibidem, p. 147.
33
Ibidem, p. 150.
34
GARCIA, Maria. Desobediência civil, direito fundamental, p. 157.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
35
CUNHA. A Constituição viva: cidadania e direitos humanos, p. 24.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
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37
MANCUSO. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, p. 114.
38
MAZZILLI. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 48.
39
MAZZILLI. A defesa dos interesses difusos em juízo, p. 50.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
Ibidem, p. 51.
40
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
42
CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER. Teoria geral do processo, p. 57.
43
NERY JUNIOR. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 130.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
Diante dessas considerações, surge uma indagação cuja resposta este trabalho
deve encarregar-se de oferecer: os direitos da cidadania podem gozar da proteção
processual ofertada aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos?
Os direitos de cidadania têm como traço marcante o caráter difuso. Sendo
assim, a proteção processual da mesma espécie não lhes pode ser negada. Não
obstante, é necessário ter em conta que o aspecto difuso do direito de cidadania
não exclui, necessariamente, o seu caráter também individual.
A resposta à questão, então, vai depender do direito cuja defesa se pretende.
Em alguns casos, o direito pode encaixar-se como individual. Em outros, como tran-
sindividual. Dependendo disso, a ação judicial possível também variará. Pode ser ação
popular, ação civil pública, mandado de segurança, mandado de injunção, ação comi-
natória, ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Assim, o Direito da Cidadania, como direito protegido em lei e dos conside-
rados concidadãos, possui a natureza pública difusa. Entretanto, quando do seu
exercício, pode ser difuso, coletivo ou individual, porquanto, respectivamente, de
todos os tidos como concidadãos (difuso), de uma parte (coletivo) e de cada um
(individual).
O que não pode ocorrer, segundo Nelson Nery Junior, é que uma parte fique
ao desamparo jurídico porque não há legitimação para que possa vir a juízo na
defesa de direitos difusos e coletivos. Isto seria violação ao “princípio constitu-
cional que garante o acesso à justiça por meio do exercício do direito de ação
judicial”.44
Após visitado o tema atinente à defesa judicial da cidadania, cabe perquirir
acerca dos princípios que lhe são aplicáveis.
Encontra-se presente, no artigo 1º da Constituição de 1988, a forma republi-
cana de governo indicada como princípio fundamental da ordem constitucional.
Tendo isto em conta, é importante discorrer brevemente sobre o conteúdo do
termo República.
O conceito que hoje se entende por República estabeleceu-se ao longo do
tempo para designar uma forma de governo oposta ao sistema monárquico, ou
seja, em que o povo, e não o soberano, era o verdadeiro titular da coisa pública.
No entanto, seu alcance abrange um conjunto de características e preceitos que
vai além deste mero entendimento formal. Como ensina José Joaquim Gomes
Canotilho, a primeira característica identificadora de um Estado republicano é
a apresentação de uma “comunidade política, uma ‘unidade colectiva’ de indiví-
duos que se autodetermina politicamente através da criação e manutenção de
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
45
CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 224.
46
CRETELLA JÚNIOR. Comentários à Constituição brasileira de 1988, v. 1, p. 434-454.
47
CRETELLA JÚNIOR. Comentários à Constituição brasileira de 1988, v. 1, p. 434-454.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
48
NERY JUNIOR. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 97-98.
49
Ibidem, p. 101.
50
CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER. Teoria geral do processo, p. 55.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
recursos a ela inerentes”. Observa-se, logo de início, que o Texto Constitucional faz
questão de estender a garantia também ao processo administrativo, o que Nelson
Nery Junior faz questão de apontar como uma “inovação profunda”, tendo em vista
que, na Constituição de 1969, tais garantias se aplicavam apenas ao processo
penal, não obstante os protestos da doutrina.51
O referido autor ainda indica a relação íntima existente entre o contraditó-
rio, a ampla defesa e o direito de ação, pois, sem que existam tais garantias, não
há direito de defesa; e sem isso, não se há de falar em direito de ação — o que traz
séria ameaça ao conceito de estado de direito.52
Este apontamento é suficiente para demonstrar a importância dos referidos
princípios na persecução ao direito de cidadania. Afinal, a conceituação cidadã do
direito de cidadania, como visto, desenvolveu-se à luz dos Estados em que ocorre
a efetiva obediência às regras jurídicas, e em que há um mínimo de estabilidade
dessas regras. Desta feita, desconhece-se a aplicação da noção mais recente de
cidadania divorciada da existência do Estado de Direito.
Fundamento para o Estado Democrático de Direito, o princípio da igualdade
ou da isonomia vem previsto no art. 5º, I, da Constituição Federal.
Cintra, Dinamarco e Grinover entendem que o princípio da isonomia, em
sentido processual, é um pressuposto para assegurar a igualdade das partes
perante o juiz. Ou seja, “as partes e os procuradores devem merecer tratamento
igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as
suas razões”.53
Os autores ainda alertam para a necessidade de se contrabalançar juridica-
mente as desigualdades econômicas, de modo a assegurar que isto não afete a
necessária igualdade jurídica. Com base nisso é que surgiu o conceito realista de
isonomia, que demanda o “tratamento igual aos substancialmente iguais” e, por
conseguinte, o tratamento desigual aos desiguais, “justamente para que, supridas
as diferenças, se atinja a igualdade substancial”.54
Ainda, é necessário apontar que, no âmbito do processo civil, o princípio da
igualdade é conduzido pelo conceito da paridade de armas, ou seja, o franquea
mento, às partes, dos mesmos meios de apresentação da verdade ao juízo. No
processo penal, os princípios do in dubio pro reo e do favor rei demandam que,
em caso de dúvida entre o interesse do acusado e a pretensão punitiva do Estado,
deve o juiz decidir em favor do primeiro.
51
CRETELLA JÚNIOR. Comentários à Constituição brasileira de 1988, v. 1, p. 169.
52
Ibidem, p. 170.
53
CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER. Teoria geral do processo, p. 53.
54
Ibidem, p. 54.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
6 Conclusão
A igualdade entre os cidadãos não é simplesmente oferecida pelo Estado.
Deve, ao contrário, ser construída pelos indivíduos. Esta construção, entretanto,
55
NERY JUNIOR. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 68.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
Abstract: The definition of citizenship rights has been extended as the social
development allows the emergence of people’s consciousness regarding
the right to enjoy happiness, while the oppressing classes are shaken up
by popular movements. With the appearance of each generation of human
rights, the State began, in a posture of self-defense, to ensure the guarantees
of citizenship. Therefore, in course of history, arose a framework of principles
responsible to ensure minimum rights of the citizen. This work is dedicated to
deal about these principles and how they help in the defense of citizenship.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
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Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 85-106, jan./mar. 2013
1 Introdução
O estudo do Direito Processual depara-se com antiga e perene discussão
acerca da autonomia ou da unidade entre o processo civil e o processo penal.
Autores há que defendem uma teoria geral do processo, que abrangeria o civil e
o penal. Outra corrente sustenta a autonomia do processo penal e assevera que
não se confunde com o processo civil, sobretudo pela diferença essencial que se
assenta no conceito de lide. No processo civil, é importante o conceito de preten-
são e de lide. Pretensão, de acordo com Carnelutti, é a exigência da satisfação de
interesse próprio perante interesse alheio. A lide é a pretensão resistida, ou seja,
é a oposição à satisfação do interesse próprio. A lide é típica do processo civil,
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
1
Na verdade, em 2011, superou-se a marca dos 500 mil presos, dos quais 200 mil são provisórios, o
que motivou a edição da lei (LOPES JR. A inserção do contraditório no regime jurídico das medidas
cautelares pessoais. Boletim do IBCCrim, p. 5). O número de presos no Brasil só é menor do que o
existente nos Estados Unidos e China (Folha de S.Paulo, São Paulo, 05 jul. 2011. Cotidiano. Disponível
em: <www.folha.uol.com.br>. Acesso em: 18 dez. 2011).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
A Lei nº 12.403/11, como todo remendo, não corrigiu essa imprecisão téc-
nica, mas, ao menos, agrupou em único capítulo as medidas cautelares pessoais
diversas da prisão. São elas o comparecimento periódico em juízo; a proibição de
acesso ou frequência a determinados lugares; a proibição de manter contato com
pessoa determinada; a proibição de ausentar-se da comarca ou do país; o recolhi-
mento domiciliar; a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira; a internação provisória do acusado; a fiança; e
a monitoração eletrônica.
Boa parte dessas medidas não é inédita no direito brasileiro, pois o legislador já
as previa durante o processo e em matéria de execução de pena, mais precisamente
no livramento condicional e na suspensão condicional do processo e da pena. A
Lei de Execução Penal, no art. 132, §1º, estabelece obrigações a serem impostas
ao indivíduo beneficiado pelo livramento condicional, quais sejam, a obtenção de
ocupação lícita, dentro de prazo razoável, se for apto para o trabalho; a comunica-
ção periódica ao juiz de sua ocupação; e a obrigação de não mudar do território
da comarca do Juízo da Execução sem prévia autorização. Além dessas obrigações,
faculta-se ao juiz impor ao liberado a proibição de mudar de residência sem comu-
nicação, o recolhimento à sua habitação em hora fixada e a proibição de frequentar
determinados lugares. Por seu turno, o art. 78, §2º do Código Penal, repetido pelo
art. 89, §1º da Lei nº 9.099/95, dispõe que o juiz concederá a suspensão condicional
da pena, especificando as condições a que se sujeitará o condenado, entre elas a
proibição de frequentar determinados lugares e de ausentar-se da comarca onde
reside, sem autorização do juiz, como também o comparecimento pessoal e obriga-
tório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Vale lembrar a
existência da pena de interdição de direitos consistente na proibição de frequentar
determinados lugares (art. 47, IV do Código Penal).
Se elas não são inovação integral no ordenamento nacional, muito menos
o seriam em confronto com o direito de outros Estados. O legislador brasileiro,
como sói ocorrer em matéria de normatização processual penal, buscou inspira-
ção no direito italiano, cujo CPP contempla livro intitulado Misure Cautelari. O CPP
2
LIMA. A tutela cautelar no processo penal, p. 368.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
3 Disposições gerais
A regulamentação das medidas cautelares, operada pela Lei nº 12.403/11,
foi muito franciscana, porque se limitou a apresentar as linhas gerais, com o rol
respectivo, sem imiscuir-se em detalhes sobre a execução das medidas ou acerca
do procedimento judicial. As disposições legais possibilitam antever, claramente,
os contornos das medidas cautelares, porque a redação foi elaborada sem rodeios
e de maneira direta, no entanto, há lacuna na forma de execução. Incumbirá à
doutrina e à jurisprudência estabelecer o conteúdo a ser observado na aplicação
prática do instituto, tendo em vista a multiplicidade de circunstâncias fáticas pas-
síveis de envolvê-las.
3
FERRAJOLI. Derecho y razón: teoria del garantismo penal, p. 454, nota 175.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
4
OLIVEIRA. Atualização do processo penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011. In: OLIVEIRA. Curso
de processo penal, p. 14.
5
CONSO; GREVI et al. Profili del nuovo codice di procedura penale, p. 298-299.
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multa. É certo que o art. 283, §1º dispõe que as medidas cautelares não se aplicam
à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena
privativa de liberdade, como forma de adequar a gravidade do crime à necessi-
dade da cautela. Porém, nas hipóteses em que há possibilidade de imposição da
medida, sem embargo do reduzido desvalor da conduta e do resultado, a seleção
daquela mais branda é imperativa. A adoção da medida cautelar pressupõe sem-
pre um juízo prognóstico de aspecto positivo sobre a responsabilidade, mesmo
que baseado apenas em indícios e não ainda sobre provas, à luz da complexidade
da situação processual. A valoração feita pelo juiz deve ater-se à existência de razoá-
vel e consistente probabilidade de culpabilidade e, por consequência, de condena-
ção do acusado, sem se esquecer de que este juízo de valor deve considerar que
eventual pena a ser imposta seja superior àquela que autoriza a substituição por
sanções restritivas de direito. No foro judicial, juízos prognósticos a respeito da
medida da pena são bastante corriqueiros, conquanto encontrem resistência nos
tribunais superiores, a exemplo da aplicação da prescrição da pena em perspectiva,
vedada pelo enunciado da Súmula nº 438 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mas se é possível ao juiz aferir, antecipadamente, a existência do interesse proces-
sual, extraído do lapso de tempo transcorrido desde a data do fato e a provável
pena que infligirá, em caso de condenação, basta que se aplique idêntico raciocí-
nio, a fim de aferir se há necessidade de imposição de medida cautelar específica.
De acordo com a matemática do direito processual, a medida cautelar, por
definição, é antecipação do resultado do processo, haja vista a finalidade que
deve ser perseguida provisoriamente. Por conseguinte,
6
GREVI et al. Libertà personale e ricerca della prova nell’attuale assetto delle indagini preliminari, p. 155.
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7
RESTUCCIA. El proceso penal uruguayo, p. 102.
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8
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II
deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando hou-
ver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão
grave e de difícil reparação”.
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9
LOPES JR. A inserção do contraditório no regime jurídico das medidas cautelares pessoais. Boletim
do IBCCrim, p. 5.
10
Em sentido contrário, posicionando-se pela impossibilidade de conversão em prisão preventiva
para as infrações com pena máxima inferior a quatro anos: DEZEM. Medidas cautelares pessoais:
primeiras reflexões. Boletim do IBCCrim, p. 16.
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4 Escala de coercitividade
Considerando a compleição das diversas medidas cautelares, algumas de
caráter detentivo, outras com aspecto proibitivo, através das quais se exterioriza
o princípio da graduação, pode-se estabelecer relação de preponderância entre
elas, tendo como parâmetro a progressão aflitiva que elas provocam. A deter-
minação do nível de coercitividade gerado pelas medidas cautelares é útil para
selecionar, dentre as numerosas hipóteses, aquela que melhor cumpre o papel
assecuratório desejado no caso concreto. Na Itália, exemplificativamente, enten-
deu-se que a medida de suspensão do exercício de cargo ou função é menos pre-
judicial do que o recolhimento domiciliar.11
A adequação da medida cautelar está condicionada à gravidade do crime,
às circunstâncias do fato e às condições pessoais do acusado, de forma que, a
depender desses fatores, será escolhida a restrição com maior ou menor grau
de coercitividade. Em caso de descumprimento da medida cautelar, antes de se
recorrer à prisão preventiva, que ocupa posição preeminente na linha graduada
de coerção, pode-se identificar opções menos gravosas do que o cárcere, porém
mais severas do que a medida até então imposta e descumprida.
Dentro dessa ideia de hierarquia aflitiva e sem se esquecer da influência ita-
liana, ocupa a posição mais baixa o comparecimento periódico em juízo (obbligo
di presentazione), a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, a
proibição de manter contato com pessoa determinada (divieto di avvicinamento
ai luoghi frequentati dalla persona offesa) e a proibição de ausentar-se da comarca
(divieto ou obbligo di dimora) ou do país (divieto di espatrio). A fiança, que se resume
a ato único praticado pelo acusado e pode ser integralmente restituída ao fim do
processo, de modo que, em não havendo condenação, representa temporária pri-
vação de recursos financeiros, de acordo com o nível crescente de coerção, posta-se
em segundo lugar. Não pode ser incluída no primeiro grupo porque, aliada ao
aspecto pecuniário, a imposição da fiança traz em si a obrigação de compareci-
mento a todos os atos do processo e de comunicação de mudanças de endereço,
além da exigência de indicação do local onde o acusado será encontrado quando
do afastamento de sua residência por período superior a oito dias (artigos 327
e 328 do CPP). A suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
11
Cassazione penale, sezione II, 17 dicembre 2003, n. 48250: In tema di applicazione di misure cautelari,
è legittimo il provvedimento con cui il G.I.P., a fronte della richiesta di applicazione della misura
degli arresti domiciliari, applichi invece di propria iniziativa la meno grave misura della interdizione
dall’esercizio dei pubblici uffici.
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5 Cautelares em espécie
As medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei nº 12.403/11, como já afir-
mado, em sua maioria, não representaram inovação em nosso ordenamento jurídico
e não contemplaram situações óbvias em que se exige a adoção de providências
acautelatórias, por exemplo, quanto à utilização de arma de fogo e relativamente
ao uso de automóvel e da internet. Não trouxeram, também, instruções detalha-
das para a sua aplicação, à exceção da fiança, cuja regulamentação minuciosa
remonta ao CPP da década de 1940. Em face da parcimônia legislativa na defini-
ção do conteúdo das novas medidas cautelares, é necessário traçar os principais
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12
OLIVEIRA. Atualização do processo penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011. In: OLIVEIRA. Curso
de processo penal, p. 15.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
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13
SILVA. Monitoramento eletrônico de presos, p. 11.
14
“REI do Spam” é preso nos Estados Unidos. Disponível em: <http://origin.exame.abril.com.br/tecnologia/
noticias/rei-do-spam-e-preso-nos-estados-unidos>. Acesso em: 08 out. 2011.
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15
DRIPPS. Against police interrogation: and the privilege against self-incrimination. The Journal of
Criminal Law and Criminology, p. 723.
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A parca previsão legal não obsta seja integrado seu conteúdo com determinações
que lhe preencham a finalidade.
5.5 Fiança
Muito pode ser dito sobre a fiança, cuja minuciosa disciplina geraria comen-
tários proporcionalmente alongados. Releva destacar, no entanto, as disposições
recém-introduzidas e aquilo que normalmente não se encontra nos manuais de
processo penal.
O instituto da fiança foi revigorado, verdadeiramente vitaminado pela Lei
nº 12.403/11. A fiança, que, pelo menos desde a Lei nº 6.416/77 e até o ano de
1990 (Lei nº 8.035), havia perdido toda a sua importância no processo penal bra-
sileiro, em razão da instituição legal da liberdade provisória sem fiança do então
art. 310, parágrafo único do CPP, parece, agora, ressurgir das cinzas.16
A edição da nova regulamentação, descumprindo objetivo que deveria ser a
ela imanente, não corrigiu grave distorção no sistema da liberdade provisória. Por
força de manifesto equívoco constitucional, a fiança é vedada a crimes de racismo,
hediondos, tortura, drogas etc., sem nenhuma contrapartida, ou seja, sem o estabe-
lecimento de medidas cautelares mais rigorosas para essas infrações. Por outro lado,
crimes de menor ofensividade, a exemplo do abandono de incapaz e da supressão
ou alteração de marca em animais, admitem a liberdade provisória mediante fiança,
o que conduz a paradoxo insuperável. Para crimes inafiançáveis, cujo desvalor da
conduta e do resultado costuma ser superlativamente maior, concede-se liberdade
provisória sem fiança, isto é, sem dispêndio de nenhum valor, ao passo que, para
os delitos de menor lesividade, a imposição de fiança é condição quase obrigatória
para aguardar o julgamento do processo em meio livre. Em razão dessa distorção, a
tendência parece ser no sentido de se recorrer à fiança, isoladamente, para a gene
ralidade dos delitos, e ao conjunto de outras cautelares, cumulativamente, para os
crimes em que seja vedada a fiança.17 Corre-se o risco de, em atenção à escala de
coercitividade, impor-se medida cautelar mais branda do que a fiança para infra-
ções que não a admitem e que provocam lesão mais significativa aos bens jurídicos.
A fiança é a única medida cautelar cuja decretação tem dupla subjetividade
ativa: tanto a autoridade policial quanto o magistrado, em face de a pena cominada
16
OLIVEIRA. Atualização do processo penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011. In: OLIVEIRA. Curso
de processo penal, p. 21.
17
OLIVEIRA. Atualização do processo penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011. In: OLIVEIRA. Curso
de processo penal, p. 26.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
ser ou não superior a quatro anos, detém poderes para fixá-la. As demais medidas
somente podem ser impostas pelo juiz.
Uma circunstância atinente à fiança, capaz de gerar questionamentos, diz
respeito ao estabelecimento de parâmetros com base no salário-mínimo. Dispõe
o art. 7º, IV da Constituição Federal que, sendo direito dos trabalhadores urbanos e
rurais, o salário mínimo, fixado em lei e nacionalmente unificado, não pode ser vin-
culado para qualquer fim. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 1425/PE
(Rel. Min. Marco Aurélio, DJ, p. 1, 26 mar. 99), analisou a razão de ser da parte final
do inciso IV do artigo 7º da Carta Federal. Decidiu que não pode ser adotado o
salário-mínimo como índice de indexação, a fim de evitar que interesses estra-
nhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do
valor mínimo a ser observado. Em outra ocasião, o mesmo tribunal sedimentou
entendimento, no RE nº 237.695/SP (Rel. Min. Moreira Alves, DJ, p. 61, 31 mar. 00),
acerca da inconstitucionalidade da vinculação para que o salário-mínimo atue
como fator de atualização da multa administrativa, que variará com o aumento
dele, o que se enquadra na proibição do citado dispositivo constitucional.
Não é outra a situação da fiança estabelecida pela Lei nº 12.403/11. No caso
do CPP, utilizou-se o salário-mínimo como índice de atualização da fiança, que
variará anualmente com o aumento dele, o que incide na vedação constitucional
de vinculá-lo a qualquer fim.
De toda forma, o salário-mínimo, cuja existência remonta a 1º de maio de
1940, no governo de Getúlio Vargas, posta-se como o melhor parâmetro para
demarcação dos valores da fiança, seja porque é corrigido com periodicidade
anual, seja porque tem longa existência e dificilmente desaparecerá do mundo
jurídico-econômico, como ocorreu com o BTN.
A fiança deve ser estabelecida com comedimento, para evitar que o mon-
tante exigido do acusado não seja superior ao prejuízo econômico decorrente
do crime, como também obstar a imposição de valor tão elevado que represente
indireta negativa da liberdade. Nenhuma lei, por melhor redigida que seja ou por
mais necessária que se mostre, resiste a interpretações que lhe neguem o sentido
ou lhe retirem a eficácia.18 Os parâmetros da fiança variam de um a 100 salários
mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau
máximo, não for superior a quatro anos e de 10 a 200 salários mínimos, quando
o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos.
18
O Juiz de Direito da Comarca de Itabaiana/SE fixou fiança de R$54.500.000,00 para acusado preso
por porte ilegal de arma de fogo, que confessara ter recebido R$2.000,00 para matar uma mulher
grávida de sete meses (Folha de S.Paulo, São Paulo, p. C3, 12 ago. 2011. Cotidiano).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
de parte dele, desde que o acusado seja possuidor, gerente ou preposto de casa de
prostituição (art. 706-36, CPP). Também é possível determinar o fechamento
de hotéis, bares, restaurantes, clubes, danceterias e casas de espetáculo nos quais
o acusado foi encontrado tentando destruir provas, exercendo pressão sobre tes-
temunhas ou favorecendo a continuação de sua atividade ilícita.19
Na Itália, a suspensão de atividade não se aplica aos cargos eletivos, preen-
chidos por eleição popular direta, por expressa proibição do art. 289, comma 3 do
CPP. Não poderia a vontade judicial substituir-se à vontade popular para definir
quem poderia ocupar cargos políticos. No Brasil, não houve ressalva similar e a sus-
pensão alcança função pública, genericamente considerada, e atividade de natu-
reza econômica ou financeira. Portugal apresenta situação similar à brasileira, haja
vista que a específica medida cautelar abrange “profissão, função ou actividade,
públicas ou privadas” (art. 199º). No entanto, o Tribunal Constitucional, ao lavrar
o Acórdão nº 41/2000, decidiu interpretar a norma constante da alínea “a” do nº 1
do artigo 199º do Código de Processo Penal como não abrangendo os titulares de
cargos políticos.
Não se pode conceber que a opção pela nomenclatura “função pública” revele
a intenção de alcançar apenas o restrito conceito de Direito Administrativo: ato ou
conjunto de atos inerentes ao exercício de atribuições da Administração, ao qual
não corresponde cargo ou emprego. Duas são as distintas modalidades de função:
a primeira delas refere-se à função exercida por servidores contratados com base no
artigo 37, IX da CF, temporariamente, sem a exigência de concurso público, consi-
derando-se o caráter emergencial da contratação; a segunda trata-se de função de
natureza permanente, de livre provimento e exoneração, desempenhada por titular
de cargo efetivo, da confiança da autoridade que a preenche. Refere-se a encargos
de direção, chefia e assessoramento e distingue-se do cargo em comissão por não
poder ser preenchida por alguém estranho à carreira, alheio ao serviço público. Tal
função é, portanto, reservada aos servidores de carreira.
A função pública prevista na Lei nº 12.403/11 alcança mandato eletivo, car-
gos efetivos e comissionados, emprego público, além da própria função, como
atividades desempenhadas por funcionário público, o qual, para os efeitos penais,
é aquele que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, em-
prego ou função pública, como prescreve o art. 327 do Código Penal. O dispositivo
também atinge quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal,
e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada
19
BOULOC; LEVASSEUR; STEFANI. Procédure pénale, p. 591.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
para a execução de atividade típica da Administração Pública (art. 327, §1º, CP). A
interpretação autêntica aplicável ao direito penal não deve ser desprezada por se
tratar de processo penal.
Em se tratando de função pública, a suspensão determinada não pode impor
tar em supressão de remuneração ou do auferimento de renda. Em primeiro lugar,
porque não há determinação legal que imponha a cessação do pagamento de
salário. Em segundo lugar, porque, devido à singeleza da regulamentação do CPP,
deve-se recorrer a outras fontes para extrair a estrutura do instituto, e as normas
integradoras não preveem a falta de remuneração. O recurso à Lei nº 8.112/90,
como manancial mais adequado, faz com que se afaste a supressão de remune-
ração ou renda. Isso porque o art. 147 estabelece que a autoridade instauradora
do processo disciplinar poderá determinar o afastamento do exercício do cargo,
a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, sem
prejuízo da remuneração.
Cuidando-se de atividade econômica, o juiz precisa ser cauteloso em deter-
minar a suspensão da atividade do empresário ou a relação de emprego regida
pela CLT. Corre-se o risco de impedir o acusado de obter o sustento próprio e
da família mediante o exercício de atividade remunerada e de substituir-se ao
empregador na definição se o acusado deve ou não continuar a prestar-lhe servi-
ços. Por isso, é recomendável que a suspensão de atividade somente ocorra nas
situações em que a atuação empresarial seja, em si, ilícita ou, comparativamente
à atividade negocial desenvolvida de forma regular, represente maior percentual.
Cite-se o exemplo daquele que mantém casa de prostituição, do acusado que
se vale de clínica ou consultório médicos para a realização de abortos ou do réu
que constituiu estabelecimento comercial de fachada para realizar lavagem de
dinheiro. Por outro lado, a sonegação de tributos pelo empresário não pode, em
regra, implicar a paralisação das atividades comerciais, nem a prática de peculato
de pequena monta justifica o afastamento do servidor público. Em situações tais,
a manutenção da atividade profissional pode gerar o benéfico efeito de possibili-
tar ao acusado parcelar ou quitar o débito, como também reparar o dano oriundo
do crime. Não se pode olvidar que a opção pela continuidade do exercício da
profissão depende da prognose de que não haverá a perpetuação das infrações,
nem existirão entraves à coleta probatória, postos pelo acusado que se mantém
em atividade. Autoriza-se a continuidade do exercício de função pública ou de
atividade de natureza econômica ou financeira desde que não sirva como favore-
cimento à continuação de atividades ilícitas.
Não obstante a ausência de expressa referência do texto legal, a determina-
ção judicial de suspensão de atividade pode ser imposta com limitação parcial de
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
20
BOULOC; LEVASSEUR; STEFANI. Procédure pénale, p. 548.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
processo, que, até então, não havia sido incorporada pela legislação pátria, teve
expressa contemplação na Lei nº 12.403/11, simultaneamente com o recolhi-
mento domiciliar. Ao passo que a prisão domiciliar prevista no CPP é sucedânea
da prisão preventiva, porém executada de maneira atenuada, porque expiada em
residência e fundada em razões humanitárias, o recolhimento domiciliar é, por
si, medida autônoma que faz pressupor a dispensa do rigor do acautelamento
em cárcere. Por isso, o recolhimento domiciliar surge como melhor alternativa ao
cárcere, medida de acautelamento prévio e anterior à decretação da preventiva,
podendo “até ser imposta independentemente de anterior prisão em flagrante,
mas, segundo nos parece, mais adequada se revelaria como substitutiva da prisão
em flagrante”.21
No direito espanhol, existe a figura da prisión atenuada, um misto de prisão e
recolhimento domiciliares. Consiste numa atenuação das condições da prisão
preventiva, obriga a permanência do acusado no próprio domicílio, com vigilân-
cia que se considere necessária e a possibilidade de saídas durante as horas indis-
pensáveis para o exercício da profissão.22 Nos Estados Unidos, a medida cautelar é
conhecida como home confinement e pode obrigar a permanência na residência
por algumas horas ou durante todo dia. Normalmente, a medida é acompanhada
do monitoramento eletrônico.23
A nova regulamentação previu o recolhimento domiciliar no período noturno
e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho
fixos. O Código de Processo Penal uruguaio, por exemplo, prevê duas modalidades
de recolhimento domiciliar: de tiempo completo e de tiempo limitado. O recolhimento
domiciliar integral veda a saída do acusado de sua residência pelo prazo máximo
de três meses. Por seu turno, o recolhimento limitado abrange determinados dias
e horas e não pode estender-se por mais de seis meses. Normalmente, a medida
substitutiva ao cárcere é executada nas horas em que o acusado não desempenha o
regime laboral ordinário.24 O legislador brasileiro optou pelo recolhimento limitado,
isto é, somente durante o período em que o acusado não desempenha atividade
laboral, o que se dá, comumente, durante o período noturno e nos finais de semana.
21
OLIVEIRA. Atualização do processo penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011. In: OLIVEIRA. Curso
de processo penal, p. 20.
22
NAVARRETE. Derecho procesal penal, p. 274.
23
BRANHAM; KRANTZ. Sentencing, corrections and prisioners’ rights, p. 69.
24
RESTUCCIA. El proceso penal uruguayo, p. 123.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
No entanto, caso o réu possua jornada de trabalho incomum, tal como o vigilante
que desempenha suas atribuições no período noturno ou o engenheiro de platafor-
mas marítimas que labuta durante sucessivos dias, o recolhimento domiciliar deverá
adaptar-se à rotina profissional do acusado, para alcançar o período extralaboral.
O recolhimento domiciliar impõe restrição à liberdade de locomoção, em
caráter mais severo do que as demais cautelares que estabelecem proibições,
tanto é verdade que, na Itália, permite-se o desconto dos dias em que vigorou
a medida cautelar no cômputo da pena, a título de detração. Considera-se que o
acusado que permanece em residência encontra-se em estado de custódia caute-
lar. A Lei nº 12.403/11 foi omissa na previsão da detração, porém, diante do grau
ocupado pelo recolhimento domiciliar na escala de coercitividade, o desconto
do tempo expiado durante a execução da medida cautelar deve ser abatido no
montante da pena imposta. O número de horas em que o acusado permaneceu
em recolhimento domiciliar deve ser descontado na mesma proporção, ou seja,
pelo equivalente de horas de cumprimento de pena.
E se o recolhimento domiciliar assemelha-se à prisão preventiva, a ponto
de se abater os dias recolhidos de eventual pena imposta, a cumulação dessa
medida cautelar com a fiança afigura-se excessiva, a despeito da ausência de
expressa proibição legal. O mesmo raciocínio aplica-se à internação provisória,
pois o caráter coercitivo das medidas, somente menor do que a prisão preventiva,
dispensa a dupla apenação. Se a fiança tem por objetivo assegurar o compareci-
mento do acusado aos atos do processo e evitar a obstrução do seu andamento,
a permanência dele em local certo mostra-se suficiente para atingir a finalidade
do instituto. A imposição da fiança somente se justificaria, nos casos de recolhi-
mento domiciliar e internação provisória, se houver, de algum modo, resistência
injustificada a alguma ordem judicial, como forma de compelir o acusado ao cum-
primento da determinação. A situação, no entanto, seria de rara ocorrência, pois,
em regra, a omissão do réu em atender determinações judiciais ou está amparada
pelo princípio contra a autoincriminação ou se resolve em ônus processual que
será por ele suportado.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
25
FOUCAULT. Vigiar e punir, p. 166.
26
PAPATHEODOROU. Le placement sous surveillance électronique des délinquants en droit penal
compare. Revue Pénitentiaire et de Droit Penal, p. 112.
27
MARIATH. Monitoramento eletrônico: liberdade vigiada.
28
PAPATHEODOROU. Le placement sous surveillance électronique des délinquants en droit penal
compare. Revue Pénitentiaire et de Droit Penal, p. 114-115.
29
OLIVEIRA. Atualização do processo penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011. In: OLIVEIRA. Curso
de processo penal, p. 22.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
30
GRECO. Atualização: monitoramento eletrônico. In: GRECO. Curso de direito penal, p. 7.
31
Idem, p. 23.
32
Idem, p. 9.
33
PAPATHEODOROU. Le placement sous surveillance électronique des délinquants en droit penal
compare. Revue Pénitentiaire et de Droit Penal, p. 115.
34
VIANA. Transparência pública, opacidade privada: o direito como instrumento de limitação do poder
na sociedade de controle, f. 36.
35
Idem.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
36
DEZEM. Medidas cautelares pessoais: primeiras reflexões. Boletim do IBCCrim, p. 15.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013
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Apegar-se aos 81 dias para definir o prazo máximo da expiação das medidas
cautelares seria demasiadamente inapropriado. Na esfera disciplinar, por exem-
plo, a Lei nº 8.112/90 admite o afastamento provisório do servidor público proces-
sado administrativamente pelo prazo de 60 dias, prorrogável por igual período.
Dada a similitude das situações, não se percebe por qual razão a suspensão da
função pública em âmbito penal deveria ser por quadra mais reduzida.
Por outro lado, a posição preeminente da prisão preventiva na escala de
coercitividade faz presumir que o gravame que o réu preso suporta é imensa-
mente superior ao ônus experimentado pelo acusado sujeito às medidas caute-
lares diversas da prisão. E o ônus será tanto menor quanto menor for o grau de
aflitividade que a providência cautelar exala. Dessa forma, pode-se concluir que a
duração das medidas cautelares variará em conformidade com o nível de coerciti-
vidade, admitindo-a tanto mais longa quanto menos aflitiva revelar-se.
Com o a advento da Lei nº 11.719/08, alteraram-se as fases do procedimen-
to ordinário, o que ocasionou a modificação substancial dos prazos processuais.
Primeiramente, o art. 395 sofreu modificação e não versa mais sobre o prazo para
a defesa prévia, substituído que foi pelo art. 396, que estipulou o prazo de 10 dias
para a resposta à acusação. Assim, persiste o prazo de 15 dias para o inquérito
e oferecimento da acusação, sucedido por mais 10 dias para a resposta do réu.
Após a defesa escrita, designa-se audiência de instrução e julgamento em 60 dias,
com prolação de sentença. De acordo com Eugênio Pacelli de Oliveira, dever-se-ia
adicionar o prazo de vinte e quatro horas para a decisão de recebimento da peça
acusatória, o que redundaria em 86 dias.37 No entanto, como anteriormente isso
não era computado na aferição do lapso total, por simetria, deixa-se de acrescer
mais um dia à somatória. Se é certo que o novo rito ordinário procurou tornar
a instrução mais célere, com a concentração de atos na audiência, não se pode
desprezar todos os prazos possíveis — tal como antes se fazia — para estabelecer
teto que não deve ser ultrapassado. Se a busca é por se alcançar o lapso de tempo
máximo que o réu preso poderia suportar, isso somente será feito com a soma de
todas as variáveis. A previsão de memoriais (cinco dias sucessivos) e de sentença
(20 dias), após a audiência, em causas mais intrincadas, já abrangeria a complexi-
dade usualmente mencionada para se justificar a dilação da instrução e a supera-
ção do limite temporal objetivamente previsto. Seriam mais 30 dias acumulados
que se prestariam para compensar o retardamento por “complexidade do caso ou
[pel]o número de acusados” (art. 403, §3º) e que se depreendem, v. g., do concurso
37
OLIVEIRA. Curso de processo penal, p. 496.
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7 Conclusões
Tudo indica que as medidas cautelares, que fucionariam como alternativas
ao cárcere e sucedâneo da prisão preventiva, tendem a ser francamente utiliza-
das, fora do propósito cautelar para o qual foram criadas, o que importará no
aumento do alcance do direito penal. E é provável que o recurso à fiança, por-
que não depende de fiscalização para que seja cumprido e possui a finalidade
adicional de apresentar feição reparatória, seja a opção preferida pelos juízes.38
O sistema anterior baseava-se no caráter bipolar da liberdade provisória/prisão
preventiva, mas, atualmente, aqueles casos em que normalmente não se aplica-
vam a custódia carcerária serão agora preenchidos pelas medidas cautelares. O
tempo demonstrará que a permanência em liberdade, sem nenhuma imposição
de restrições, praticamente, não ocorrerá.
38
Uma semana após a vigência da Lei nº 12.403/11, juízes da capital paulista demonstraram prefe-
rência por estipular fianças em vez de conceder uma das outras oito medidas cautelares definidas
pela nova legislação. De 59 casos analisados, estabeleceu-se fiança em 29 e nos demais casos foi
imposta a prisão provisória (Folha de S.Paulo, São Paulo, 11 jul. 2011. Cotidiano. Disponível em:
<www.folha.uol.com.br>. Acesso em: 18 dez. 2011).
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Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 107-142, jan./mar. 2013.
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1 Introdução
As esperanças nutridas por Miguel Reale com relação à chamada desapro-
priação judicial, introduzida em nosso direito pelos §§4º e 5º do art. 1.228 do
Código Civil de 2002, não se refletiram na sua aplicação pelos tribunais, nem tam-
pouco em extenso debate doutrinário. Promulgado o novo Código Civil de 2002,
sob a inspiração do culturalismo jurídico e com sua tessitura aberta, o instituto
inovador não repercutiu nas esferas judiciais, ao contrário de outras inovações
específicas do Direito das Coisas, tais como as noções de posse-trabalho e de
função social da propriedade. Uma breve pesquisa nos sites de pesquisa jurispru-
dencial disponíveis dá conta de que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo
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1
PEREIRA. Crítica ao anteprojeto de Código Civil. Revista Forense; ASCENSÃO. O direito das coisas
no projeto de Código Civil brasileiro e no Código Civil português. Revista Forense.
2
VENOSA. Direito reais. “Estamos, de fato, perante mais uma denominada ‘cláusula aberta’, nomen-
clatura tão a gosto dos comentadores do novel Código. Cuida-se, na verdade, de mais um ponto
aberto à argumentação jurídica pelos operadores do Direito”. E mais adiante: “Questão maior é
saber qual a parcela indenizatória de cada ocupante e, mais ainda, como será pago esse preço se
forem centenas de interessados. A lei também não especifica prazo para essa liquidação, a qual,
segundo parece, deve ser feita na fase de execução do processo. E na hipótese de inadimplência?
Caberia a penhora das próprias glebas por iniciativa daquele que perdeu a área? Essas questões,
por ora, admitem apenas respostas polêmicas. O legislador não foi detalhista nessas questões
processuais, o que exige que esse dispositivo seja regulamentado. Há dúvidas, inclusive, sobre
sua utilidade, tendo em vista principalmente as dificuldades deste pagamento indenizatório, em
face dos amplos horizontes do usucapião no Código Civil e no Estatuto da Cidade. Lembre, ade-
mais, que essa modalidade esdrúxula de desapropriação, como está na dicção legal, somente
após pago o prazo a sentença atribuirá a propriedade aos possuidores mediante o registro de
imóveis” (p. 155-156).
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3
É a terminologia empregada por WALD. Direito das coisas; DINIZ. Curso de direito civil brasileiro;
RODRIGUES. Direito civil.
4
REALE. O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais, p. 54.
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5
REALE, op. cit.
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Vale notar que, nessa hipótese, abre-se, nos domínios do Direito, uma via
nova de desapropriação que se não deve considerar prerrogativa exclu-
siva dos Poderes Executivo ou Legislativo. Não há razão plausível para
recusar ao Poder Judiciário o exercício do poder expropriatório em casos
concretos, como o que se contém na espécie analisada.6
Ao ler o trecho transcrito, quase se pode ouvir os apupos dos que temem
uma ditadura dos juízes e impugnam a tessitura aberta do novo Código Civil.
Atribuição de poder expropriatório aos juízes, que poderiam declarar, no caso
concreto, que um imóvel tem interesse social e econômico relevante, para o fim
de atribuí-los aos seus possuidores, em detrimento do direito de propriedade do
reivindicante? Seria demais. O curioso é que Reale não levou seu argumento até
as últimas consequências, que seria a atribuição ao Estado da responsabilidade
pela indenização a que se refere o §5º do art. 1.228. No trecho citado anterior-
mente, Reale expressamente atribui aos possuidores a obrigação de indenizar o
proprietário.
A própria constitucionalidade dos dispositivos ficaria ameaçada se o institu-
to fosse interpretado como instrumento de execução de política urbana sob a res-
ponsabilidade do Poder Judiciário. Trinta anos antes da promulgação do Código,
Caio Mário da Silva Pereira já se angustiava com a compatibilidade do instituto com
a Constituição Federal então vigente. No artigo mencionado, sustentava Caio
Mário:
6
REALE, op. cit.
7
PEREIRA. Crítica ao anteprojeto de Código Civil. Revista Forense. Aliando-se aos argumentos de
Caio Mário, e enfatizando o caráter de desapropriação do novo instituto (GUIMARÃES. O novo
Código Civil e o direito das coisas. Revista dos Tribunais).
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8
ZAVASCKI; MARTINS-COSTA. A tutela da posse na Constituição e no projeto do novo Código Civil. In:
MARTINS-COSTA (Org.). A reconstrução do direito privado. “Ora, não se pode negar a fragilidade de tal
afirmativa. A desapropriação é ato de natureza administrativa e, no caso, o ato do juiz é tipicamente
jurisdicional: ele simplesmente resolve um conflito de interesses entre particulares, decidindo num
sentido ou em outro, segundo estejam atendidos ou não os pressupostos legais. O juiz não poderá
desapropriar sem que os interessados o peçam expressamente, até porque eles é que sofrerão os
ônus Correspondentes, de pagar o preço e serão eles, e não o Poder Público, que adquirirão a pro-
priedade. O Estado sequer é parte no processo, atuando nele como órgão jurisdicional”.
9
CAMBI. Aspectos inovadores da propriedade no novo Código Civil. Revista Trimestral de Direito Civil
– RTDC. No aludido artigo, Cambi sustenta, ainda, a subsidiariedade da responsabilidade do Estado
no pagamento da indenização, sem apontar, no entanto, os fundamentos de tal entendimento.
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for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis
de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam pro-
prietários de outro imóvel urbano ou rural”. O Estatuto permitiu a adição das pos-
ses (“§1º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo,
acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas”)
e estabeleceu que “a usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada
pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de
registro de imóveis”. A par disso, reproduzindo uma faculdade que já existia no
art. 9 da Lei nº 6.969/81, permitiu o Estatuto que, tendo sido invocado o usuca-
pião especial de imóvel urbano como matéria de defesa, valerá a sentença que a
reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis (art. 13).
Entendendo-se o usucapião coletivo como espécie de usucapião especial urbano
(está previsto na Seção V do Estatuto das Cidades, “Da usucapião especial de imó-
vel urbano”), nada impedirá sua invocação em matéria de defesa e a atribuição de
título aos réus na ação patrocinada pelo proprietário.
Há paralelos e divergências entre os dois institutos, que podem ser exempli-
ficados da seguinte forma:
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10
Descartando a possibilidade de assimilá-lo a uma usucapião especial (ASCENSÃO, op. cit., p. 114).
No mesmo artigo, Ascensão sugere que o instituto mais afim à desapropriação judicial seria a
desapropriação por interesse particular, prevista no art. 1.310 do Código Civil português (art. 1310.
Havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a
indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados).
11
Sugerindo a natureza de desapropriação híbrida, GUIMARÃES. Desapropriação judicial no Código
Civil. Revista dos Tribunais.
12
RENTERÍA. A aquisição da propriedade imobiliária pela acessão invertida social: análise sistemática
dos parágrafos 4º e 5º do art. 1228 do Código Civil. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC.
13
Sobre a funcionalização do direito privado, TEPEDINO. Temas de direito civil.
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14
REALE, op. cit.
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e admitindo a sua arguição através de outros meios processuais, e não apenas como
exceção na reivindicatória, o instituto estará pronto para sair dos livros e ganhar os
tribunais. A título de conclusão, a convergência entre a doutrina e a jurisprudência
autorizaria a desapropriação judicial nos seguintes contextos processuais:
a) possibilidade de dedução pelos possuidores que não se enquadrem na
usucapião coletiva através de ação em face do proprietário, no exercício
de um direito potestativo de aquisição;
b) possibilidade de uma ação indenizatória do proprietário, e não reivin-
dicatória, em que postularia, em face dos possuidores, a atribuição do
domínio em favor destes e o pedido de indenização;
c) possibilidade de dedução em ações possessórias ajuizadas pelo proprie-
tário, e não apenas em ações reivindicatórias.
Tal é a contribuição para o estudo e aplicabilidade do novo instituto.
Abstract: The article describes the doctrinal evolution on the legal status of
the judicial expropriation created by §§4º and 5º, article 1.228, of the Brazilian
Civil Code, as well as analyses previous legal cases in which the institute was
mentioned. As a conclusion, merging doctrinal lessons and legal cases, the
author suggests some options to foster its application.
Key words: Judicial expropriation. 2002 Brazilian Civil Code. Doctrine. Adverse
possession. Tenure. Judicial cases.
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 143-157, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
I Introducción
Tú y yo con un pedazo de razón y compartiendo el mismo corazón.
Que hemos partido en dos. Día a día.
(Rubén Blades)
1
Cfr. ARISTÓTELES. Metafísica, libro II, 993 b 1, Ed. Planeta Deagostini, España, 1999, p. 63.
2
HERNÁNDEZ, M. (1910-1942) Poema. Las nanas de la cebolla. Consultado el 9 de abril de 2012. En:
<http://www.bauleros.org/nana.html>.
3
BRECHT, B. (1898-1956) Consultado el 4 de enero de 2012. <http://www.allthelikes.com/quotes.
php?quoteId=2551759&app=210190920142>.
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4
TULIÁN DOMINGO, C. Fundamentación racional del garantismo procesal. En: Revista Breviarios
Procesales Garantistas, Ed. Unaula, Medellín, 2011. p. 9.
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5
El simple deseo de reformular lo que no se comparte es el inicio de la pasión, que en palabras del
profesor Salcedo "ha sido el motor que ha puesto a andar el mundo, para bien o para mal. Para
poder vivir, en el sentido humano de VIVIR. Se necesita estar apasionado. Lo demás es puro orga-
nismo" (SALCEDO GUTIERREZ, H. El acto de amar. Ideas irracionales más frecuentes. En: Revista del
Círculo de Humanidades de Unaula. Paradojas del Estado Colombiano, Nº 23/24, Junio de 2003,
p. 12).
6
Cfr. CRUZ PARCERO, J. El método para los juristas. En: Observar la ley. Compilador Cristian Courtis.
Ed. Trotta, Madrid, 2006. p. 34.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
7
ÁLVAREZ GARDIOL, A. Epistemología jurídica. Ed. Fundación para el Desarrollo de las Ciencias
Jurídicas, Rosario-Argentina, 2010. p. 54.
8
Colombia está en la lista de los diez primeros países que comparten el deshonroso título de tener
uno de los aparatos judiciales mas morosos y congestionados del mundo, sin embargo y a pesar
de ser un problema de carácter nacional, se encargó al Instituto Colombiano de Derecho Procesal,
para que realizara el Código General del Proceso que regirá los destinos jurídicos del país y que
con un corte eminentemente inquisitorio fue aprobado sin mayor discusión en el parlamento.
Esta es una muestra más de las políticas antidemocráticas que hegemónicamente se han insti-
tuido en Colombia, en donde pequeños grupos de poder con ideologías definidas se encargan
de imponer al pueblo sus tesis mediante leyes que en la práctica no han tenido los resultados
sociales esperados y por el contrario han consolidado aún más las desigualdades y la violencia.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
9
TARUFFO, M. Simplemente la verdad. El juez y la construcción de los hechos. Traducción de Daniela
Accantino Scagliotti, Ed. Marcial Pons, Madrid, 2010. p. 14.
10
Para Taruffo, no se pueden catalogar de irracionales dichos medios de prueba, pues corremos el
riesgo de estar afectados por el Ruckschluss, esto es, el error usual de interpretar eventos pasados
con criterios modernos. Afirma el autor que en la efervescencia del momento histórico, es decir
en una época extremadamente confesionalista la intervención divina era lo único que se conside-
raba y se concebía racional (Cfr. TARUFFO, op. cit., p. 16).
11
Ibídem, pp. 15-16.
12
Ibídem, p. 18.
13
Ibídem, p. 20.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
Por su parte, Gascón Abellán afirma que en el transcurso del tiempo se cam-
bió la búsqueda a partir del conocimiento racional de la certeza absoluta, pues
"para las nuevas epistemologías empiristas, el objetivo del conocimiento inducti-
vo no es ya la búsqueda de certezas absolutas, sino tan solo de supuestos o hipó-
tesis válidas, es decir, apoyadas por hechos que las hacen probables",16 agregando
que en esto radica su miseria, pero también su grandeza pues "se ha restaurado la
14
Aparte del Concilio de Letrán de 1215. Capitulo 21. Consultado el 07 de noviembre de 2012. En:
<http://es.catholic.net/sacerdotes/222/2454/articulo.php?id=23235>.
15
Ibídem, p. 22.
16
GASCÓN ABELLÁN, M. Los hechos en el derecho. Bases argumentales de la prueba. Ed. Marcial Pons,
Madrid, 1999, p. 8.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
17
Ibídem, p. 8.
18
Cfr. Ibídem, p. 8.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
19
Ibídem, p. 13.
20
IGARTUA SALVERRÍA. J, El razonamiento en las resoluciones judiciales. Ed. Palestra-Temis, Lima-
Bogotá, 2009, p. 14.
21
Cfr. ALVARADO VELLOSO, A. Lecciones de derecho procesal civil. Compendio del libro Sistema
Procesal: Garantía de la libertad. Adaptación a la legislación de Colombia por William E. Grisales
Cardona. Ed. Librería Jurídica DIKAIA, Medellín, 2011, pp. 73-79.
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igualdad, no es menester ni función del juez averiguar o inquirir por la verdad real
de los hechos, sino más bien, fijar los hechos que exponen las partes para adecuar
a ellos una norma jurídica, esto es, para que se dé la aplicación efectiva de la ley,
confirmando mas no probando, la acción o excepción de una de las partes y fallar
a partir de los elementos confirmatorios aportados por cada uno de los resisten-
tes contribuyendo así al mantenimiento de la paz social.
Al ser el juez un tercero imparcial en el sistema acusatorio, se entiende que
no puede favorecer de ninguna manera a las partes en contienda, quienes por estar
enfrentadas, su lógica adversarial no obedece a la regla general de la buena fe
que se desprende de las constituciones que permiten legislaciones procesales
inquisitivas y situaciones como la prueba de oficio, la iniciativa probatoria del
juez, las labores para mejor proveer, la carga dinámica de la prueba, los aligera-
mientos probatorios y exenciones de prueba, son rechazados ya que dan ventajas
a una de las partes, situación que antes de ser justa, consolida aún más los con-
flictos, ya que precisamente es la igualdad ante la ley y la constitución es decir, la
igualdad que otorga a las partes el proceso jurisdiccional, la que desarrollará la
recte iudicari.
La importancia de la discusión contiene la idea de repensar cual es el modelo de
enjuiciamiento imperante en la sociedad y cual es el más adecuado para estruc-
turar un sistema procesal coherente, en este sentido el profesor italiano Taruffo
afirma que la hipótesis según la cual "... habría una conexión directa entre la pre-
sencia de poderes de instrucción del juez y la naturaleza autoritaria del sistema
político en el que tales poderes estuvieran previstos, parece tener un contenido
más serio y exigente...".22 De ahí que no se puede desechar prima facie la discusión,
pues de ella nace la necesidad que existe hoy en día de analizar la complejidad
de los problemas estructurales de la mayoría de sistemas procesales actuales y
así proponer salidas a la crisis, esto es, un análisis que permita la proposición de
una verdadera coherencia legislativa que desarrolle el modelo político y democrá-
tico más acorde a las realidades y necesidades sociales, y que sin caer en la poli-
tización de la discusión, construya a crear las bases de un verdadero sistema de
enjuiciamiento que desarrolle los postulados democráticos del debido proceso,
que hoy está mejor representado por el modelo acusatorio, que se instituye en
las sociedades modernas como el limite al ejercicio arbitrario del poder. Discusión
que parte del entendimiento que se tiene acerca del proceso jurisdiccional, el cual
22
TARUFFO, M. La prueba. Ed. Marcial Pons. Traducción de Laura Manríquez y Jordi Ferrer Beltrán,
Madrid, 2008, p. 162.
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tratan de definir y, sobre el cual se han las teorías acerca del fin de la prueba, la
verdad, la justicia y del proceso y que en la práctica determinan la adopción de
modelos mixtos, inquisitivos o acusatorios, esto es que acepten o no la búsqueda
de la verdad en el proceso jurisdiccional.
23
Cfr. PARRA QUIJANO, J. Manual de derecho probatorio. Decimaoctava edición, Ed. Librería Ediciones
del Profesional, Bogotá, 2011, p. 151. Explica las tesis de los que consideran que es irrelevante
conseguir la verdad, la tesis de la imposibilidad para acceder a la verdad, la tesis de la obtención
formalizada de la verdad.
24
Cfr. CUELLO IRIARTE, G. Derecho probatorio y pruebas penales. Ed. Legis, Bogotá, 2008, p. 378.
En este texto afirma el autor que sus más destacados exponentes son Bentham, Ricci, Bonnier,
Framarino, Dellepiane, Claría Olmedo, Laurent, Martínez Silva, Concha, Parra Quijano, Alsina,
Becerra, Morillo, Igartúa Salaverría, Pabón Gómez, Cafferata Nores, Moras Mom, Concha, entre
otros, y especialmente por la gran mayoría de las legislaciones y la misma jurisprudencia para el
caso y a título ilustrativo se citan las sentencias de la Sala de Casación Penal de la Corte Suprema
de Justicia: julio 5 de 1972, Magistrado Ponente: Luis Henrique Romero Soto, G, J, T. CXLIII. Otras
más actuales son; la de Enero 21 de 2004, Magistrado Ponente: Jorge Portilla. En Extractos de
jurisprudencia, 4º trimestre, pp. 159 y 160. Otro exponente de dicha corriente y que el autor no
incluye en el listado es el maestro italiano Michele Taruffo.
25
Ibídem, PARRA QUIJANO, p. 149.
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la ley otorga al funcionario para decretar pruebas de oficio [...] si bien por el interés
público del proceso no constituye una facultad sino un deber [...] establecido para
garantizar la búsqueda de la verdad real que no aparece en el expediente...".26
Asimismo, la honorable corporación en pronunciamientos más recientes
establece que "El funcionario judicial tiene el poder deber de realizar justicia; pro-
teger, más que solo reconocer, las garantías judiciales; buscar la reconstrucción de
la verdad histórica y la correcta aplicación del derecho sustancial".27
Hoy en día con la aprobación del nuevo Código General del Proceso, la con-
fusión entre si la iniciativa probatoria del Juez es un poder o un deber, se aclaró
por dictado del Instituto Colombiano de Derecho Procesal al redactar dicho código,
quien determinó en consonancia a sus tesis marcadamente activistas, que es un
deber del Juez, quien ya no estará regido por el podrá decretar las pruebas de
oficio, sino que deberá decretar las que considere necesarias para esclarecer los
hechos objeto de la controversia.28
Así se puede afirmar que el activismo judicial ha sido la teoría imperante
y hegemónica a lo largo de la historia del derecho procesal en Colombia y en la
mayoría de países suramericanos de habla hispana.29 Ellos han otorgado al juez
poderes oficiosos para que llegue a la verdad de los hechos, tal y como se pensó
en la época precitada, en donde posiblemente se morigeró la ordalía y se empezó
a concebir la verdad en el proceso jurisdiccional para llegar al descubrimiento de
los hechos, esa atribución de poderes al Juez denota una tendencia activa del
mismo ya que dicha escuela de pensamiento jurídico-procesal parte de la idea
generalizada de que el ser humano tiene la capacidad y la posibilidad para acceder
a la verdad. Y es el juez quien ha sido facultado por el pueblo y el Estado para
administrar justicia siendo su deber descubrir la verdad de los hechos y así tomar
la decisión justa.
El precitado procesalista colombiano Parra Quijano afirma que la primera vez
que se le otorgaron facultades probatorias al juez, fue en la Ordenanza Procesal
Civil Austriaca de Franz Klein y explica que la necesidad lógica de decretar pruebas
de oficio se justifica porque:
26
Sentencia de la Corte Suprema de Justicia de Colombia. Sala Civil. 4 de marzo de 1998. Expediente
4921. M.P. Dr. Carlos Esteban Jaramillo Schloss.
27
Sentencia de la Corte Suprema de Justicia de Colombia. 19 de octubre de 2006. Expediente 26240.
M.P. Dr. Sigifredo Espinoza Pérez.
28
Artículo 170 del Código General del Proceso colombiano: “El juez deberá decretar las pruebas de
oficio, en las oportunidades probatorias del proceso y de los incidentes y antes de fallar, cuando
sean necesarias para esclarecer los hechos objeto de la controversia.”
29
En el mismo sentido TARUFFO. La prueba, p. 164.
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30
Cfr. PARRA QUIJANO, J. Racionalidad e ideología en las pruebas de oficio. Ed. Temis, Bogotá, 2004,
pp. 19 y 39.
31
PELAYO LABRADA, A. El arte y la ciencia de desentrañar la verdad en la prueba testimonial. Revista
del Colegio de Abogados de la Plata, Nº 57, Argentina, 1996. p. 158. Consultado el 9 de abril de
2012. En: <http://www.academiadederecho.org/biblio_display_obras.cgi?wid_obra=917>.
32
PICO I JUNOY, J. Derecho civil e ideología, “El derecho procesal entre el garantismo y la eficacia. Un debate
mal planteado”. Coordinador Juan Montero Aroca. Ed. Tirant lo Blanch, Valencia, 2006, p. 110.
33
Cfr. Ibídem, PICO I JUNOY, p. 110.
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34
Cfr. Ibídem, CUELLO IRIARTE, p. 383. Afirma y se adscribe a esta teoría que no ve en la prueba la
verdad, sino un acercamiento a la certeza. Y que sus principales defensores son Lessona, Micheli,
Chiovenda, Calamandrei, Guasp, Cossio, Planiol y Ripert; Devis, Rocha, De Santo, Montero Aroca.
No incluido por el autor y que también apoya esta tesis es Alvarado Velloso.
35
FRANK, J., citado por Cuello Iriarte, G. Derecho probatorio y pruebas penales. Ed. Legis, Bogotá,
2008, p. 384.
36
ALVARADO VELLOSO, A. Lecciones de derecho procesal civil, p. 32.
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37
Cfr. PICÓ I JUNOY, op. cit., p. 112.
38
MEROI A, A. La imparcialidad judicial. En: Revista Breviarios Procesales Garantistas. Ed. UNAULA,
Medellín, 2011, p. 109.
39
Ibídem, p. 10.
40
FERRAJOLI, L. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. Tercera edición, Ed. Trotta, Madrid,
1998, p. 56.
41
MONTERO AROCA, J. Prologo. La prueba judicial. Adolfo Alvarado Velloso. Ed. Tirant monografías,
2008, p. 11.
42
Cfr. ALVARADO VELLOSO, A. La prueba judicial. Reflexiones críticas sobre la confirmación procesal.
Ed. Tirant monografías, 2008, p. 14.
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43
CALVO GONZÁLEZ, J. La verdad de la verdad judicial. En: Verdad (Narración) Justicia. Coordinador
José Calvo González, Ed. Universidad de Málaga, Málaga, 1998, pp. 7-38.
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44
Cfr. Ibídem, p. 38.
45
Ver: VILA-MATA, E. Como Vivir. Diario El País, Cultura y opinión, España. Versión Web. Consultado el 24
de enero de 2012. En: <http://elpais.com/diario/2012/01/24/cultura/1327359606_850215.html>.
46
CALAMANDREI, P. Proceso y justicia. Discurso pronunciado en la sesión inaugural del Congreso
Internacional de Derecho Procesal Civil. Florencia, 30 de Septiembre de 1950. En: Revista Athina 1,
Ed. Grijley, Lima, 2006, p. 372.
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47
Cfr. Ibídem, MONTERO AROCA, p. 309. Como ejemplo de lo anterior el compilador en su artículo
Sobre el mito de la “buena fe procesal” afirma que “En la doctrina comunista ha sido un lugar común
partir de que la división entre derecho privado y derecho público, que era algo propio de los esta-
dos capitalistas, se basaban en la propiedad privada y más allá en la existencia de intereses indi-
viduales tutelados por el Derecho. Ahora bien, unificado todo el derecho en lo público, y habida
cuenta del nexo profundo que existe entre el derecho sustantivo y la forma procesal de su realiza-
ción, no existía ya razón de ser de un proceso civil distinto de los otros procesos. Naturalmente por
este camino la consideración fundamental es que el proceso civil es un ‘fenómeno social de masas’.”
48
MADARIAGA CONDORI, L. El derecho procesal entre dos ideologías (Garantismo vs. Publicismo):
problemas y perspectivas de desarrollo. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Garantista.
2007. Consultado el 11 de marzo de 2012. En: <http://egacal.e-ducativa.com/upload/2007_
MadariagaLuis.pdf>. p. 2.
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donde el Juez era poco menos que un convidado de piedra, que hacía lo que las
partes querían"49 (itálico del texto).
Por eso en el sistema activista se atribuyen dichas facultades a un juez inter-
ventor, ordenador e instructor del proceso,50 quien ha sido facultado por la ley y
en consecuencia por el pueblo para administrar justicia y resolver los problemas
litigiosos. Ese intervencionismo y esa presencia del Estado en el proceso judicial,
tiene íntimas implicaciones en modelos políticos, económicos y sociales inter-
vencionistas o sociales, que exigen un juez activo que dirija el proceso, que sea
imparcial (es decir, que no tenga intereses personales en el fondo del asunto) y
sobre todo creativo, a quien le asiste la obligación de realizar la justicia, ya que
es desde esta forma de pensamiento, el fin primordial del derecho sustancial y
procesal, justicia que es desarrollada por un Juez interventor, no un juez simple-
mente director del proceso como el que propone el garantismo. En este sentido
lo importante para el modelo activista es alcanzar primeramente la justicia y así,
después de haberse tomado una decisión justa con base a los hechos, se dará la
resolución de los conflictos sociales.
Contrario sensu el garantismo procesal es la doctrina jurídica que avala la
eliminación de los poderes oficiosos y de instrucción del juez, por ser poderes
desarrollados en un momento histórico donde predominaba una ideología de
corte inquisitorial que desnaturaliza la figura del juez y que lastimablemente se
ha mantenido en la mayoría de procesos, llevando a que las sociedades soporten
jueces autoritarios y expiatorios que han agudizado la crisis judicial, postura teó-
rica no aceptada por los activistas.51 Por lo tanto, en el garantismo la importancia
del papel del juez en el proceso, se reemplaza por la importancia de los poderes
de las partes, quienes tienen la facultad de disponer a su amaño de sus derechos,
por consiguiente, son quienes autogestionan al interior del proceso o ex proceso
la solución de sus problemas, de esta manera lo más importante es la resolución
de los conflictos con independencia de si dicha adjudicación del derecho obede-
ció a la verdad desde la base de la justicia, ya que si el juez interviene en el proceso
49
Ibídem, p. 3.
50
Para Clemente Díaz, la doctrina publicista del proceso ha desarrollado los poderes de la jurisdicción
que son (decisión, coerción e instrumentación) como aquellos inherentes al juez para el cum-
plimiento de sus funciones (Cfr. DÍAZ, C. Los poderes de la jurisdicción. En: Problemática actual del
Derecho Procesal, Libro Homenaje a Amílcar A. Mercader, Editora Platense, La Plata, 1971, p. 346).
51
Para mayor claridad ver la crítica realizada por Taruffo (La prueba, p. 172). Afirma el autor: “Una vez
más, no obstante, es imprescindible evitar confusiones conceptuales e ideológicas: es posible que
un sistema no se inspire en la ideología liberal del siglo XIX sin que por ello deje de ser democrático,
y sobre todo sin resultar autoritario o totalitario solamente porque le atribuye al juez un papel
activo en la adquisición de las pruebas.”
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en búsqueda de la verdad para tomar una decisión justa, lo único que hace es
favorecer a una de las partes en contienda, situación que desquicia el sistema
adversarial de iguales y consolida los conflictos sociales, de aquí que la imparciali-
dad es el elemento constitutivo del proceso que a su vez está conformado por tres
sujetos, uno de ellos el juez, diferenciándolo del procedimiento que lo integran
únicamente dos sujetos.
Para refutar lo anterior los activistas llevan al límite el papel del juez en un
modelo acusatorio, evocando aquellas épocas en donde el juez asumía la actitud
de un convidado de piedra o juez de mármol.52 Afirmando además que dicha
posición tiene la lógica de un modelo procesal adversarial (a la antigua), también
llamado privatista, revisionista53 o neoprivatista, propio (si asumimos la discusión
desde las ideologías políticas) de un estado liberal o capitalista de tipo gendarme
que legitima las desigualdades, porque el juez no asume la función de hacer justicia
sino de fallar. Esto es un sistema macabro que agudiza las desigualdades sociales
porque se adjudica el derecho a quien venza sin consideración del juez.
Las discusiones que generan dichas contraposiciones reciben adeptos y
enemigos en las aulas de clase y en los concurridos congresos, por ejemplo, la cul-
tura hegemónica del activismo judicial en Colombia hace que miles de personas
se reúnan anualmente en el Congreso Colombiano de Derecho Procesal organi-
zado por el Instituto Colombiano de Derecho Procesal a discutir temas procesales
que a la postre, no son más que disquisiciones que propenden por generar mas
herramientas, normas, figuras, decretos. etc. que le permitan al Juez hacer justi-
cia y llegar a la verdad mediante discursos eminentemente políticos orientados
a la aceptación general. Sin embargo y a pesar de que el auditorio apasionada-
mente aplaude complacientes con la carencia de autocritica, olvidan quienes allí
actúan y que además hacen las normas procesales del país, que los problemas de
Colombia no se agotan en el juez, estos deben solucionarse integral y estructural-
mente en la misma sociedad, esto no se logra otorgándole más poderes a un Juez
omnipotente. Más bien, sería un avance limitar los mismos a quien puede abusar
de ellos, tal como lo ha demostrado la historia republicana.
52
Como corolario de la afirmación propongo el tango interpretado por Alfredo de Angelis y su
orquesta típica Volvamos a empezar. En donde el artista habla del juez de mármol como aquel
juez que no acepta ningún otro tipo de consideración más allá de la que lo enviste su grado de
fallador (En: <http://www.youtube.com/watch?v=bky1-eEoIh0>).
53
En sentido contrario: MONTELEONE. G. El actual debate sobre las “orientaciones publicísticas” del
proceso civil. En: Proceso Civil e Ideología. Coordinador Juan Montero Aroca. Ed. Tirant lo Blanch,
Valencia, 2006, p. 189. Afirmando el precitado autor que los revisionistas italianos, como él, no han
recibido prebendas por sus posiciones jurídicas ni encargos políticos. Radicando el problema en
que los contrarios niegan la realidad, incluso acosta de deformar lo real.
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54
RUEDA FONSECA, M. La crisis de la justicia civil Un efecto de la tradición procesal. En: Revista Correo
Judicial, Edición Nº 17, Universidad de los Andes, Bogotá, 20 de febrero de 2012, p. 4.
55
RUEDA FONSECA, M. Por qué hay que reestructurar la propuesta de Código General del Proceso. En:
Revista Correo Judicial, Edición Nº 11, Universidad de los Andes, Bogotá, 26 de agosto de 2011.
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Lo cual le permite al autor concluir con la defensa del purismo que tanto se
ha criticado al garantismo, pues afirma:
56
BORDENAVE, L. La regla de la congruencia y su flexibilización: la necesidad del debate ideológico
procesal. p. 315. Consultado el 11 de marzo de 2012. En: <http://egacal.e-ducativa.com/upload/
AAV_LeonardoBordenave.pdf>. Citado por RUEDA FONSECA.
57
Ibídem, RUEDA FONSECA, M. La crisis de la justicia civil. Un efecto de la tradición procesal, op. cit., p. 12.
58
DAMASKA, M. Las Caras de la Justicia y el Poder del Estado. Traducción de Andrea Morales Vidal,
Editorial Jurídica de Chile, Santiago, 2000, p. 14.
59
Ibídem, p. 414.
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60
Para el caso colombiano se criticó por la profesora María del Socorro Rueda Fonseca en el IV
Congreso Internacional de Derecho Procesal “La reparación de las víctimas en el contexto de las
reformas judiciales y Código General del Proceso para Colombia” celebrado el 23 y 24 de febrero
de 2011 en Bogotá, la ausencia de otros saberes científicos y sobre todo de la representación del
legislador primario en la redacción del proyecto de Código General del Proceso, pues este fue
encargado a una camarilla de estudiosos quienes redactan la propuesta, que por ausencia de dis-
cusión político-jurídica en el órgano legislativo secundario, se terminará aprobando sin mayores
modificaciones, siendo un Código de unos cuantos para todos, pese a las complejas realidades
sociales, políticas, económicas y administrativas, con que cuenta el panorama nacional.
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Sin embargo, habrá que tener en cuenta que si esa postura intermedia pre-
tende conciliar dos modelos antagónicos y por su naturaleza incompatibles entre
sí, como lo son el modelo inquisitivo y el modelo acusatorio, se correrá inevita-
blemente el riesgo de que en la práctica se terminen sacrificando las garantías
constitucionales en aras de la eficacia que suponen las decisiones justas basa-
das en la búsqueda de la verdad de los hechos. No obstante, haber existido en la
mayoría de ordenamientos la alternativa jurídica del non liquet tan legítima como
razonable, que le permitiría al juez no fallar mientras persistan las condiciones de
insuficiente claridad para emitir un fallo ajustado a la ley.
Por lo anterior, la discusión de si es productiva la aceptación de la verdad o
la aceptación de la certeza en la dos escuelas planteadas no tiene sentido si no
se precisa antes desde que sistema de enjuiciamiento se está hablando, pues evi-
dentemente al Inquisitivo le interesa inquirir para condenar, al Acusatorio acusar
para fallar. Por lo tanto, de esa precisión inicial dependerán las conclusiones a las
que se lleguen y determinarán si se está hablando de sentencias con calidad de
veredictos, o sentencias con calidad de fallos.
61
Ibídem, PICÓ I JUNOY, p. 112.
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62
En sentido contrario, cfr. TARUFFO. La prueba, p. 172. El Jurista italiano agrega que: “Cuanto se ha dicho
hasta el momento demuestra, más allá de toda duda razonable, que no existe ninguna conexión
entre la atribución al juez de poderes más o menos amplios de iniciativa instructora y la vigencia
de regímenes políticos autoritarios y antidemocráticos.” Por ejemplo los principales ordenamientos
europeos “respecto a cuyo carácter democrático no es posible tener dudas sensatamente”.
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país y que hoy como antes continúan en crisis. Obnubilando la posibilidad real de
cuestionarnos acerca de cómo sería un proceso verdaderamente adversarial don-
de el Juez y las partes cumplan su cometido y el proceso sea un método pacifico de
diálogo y no como ocurre hoy en día que la tendencia es ver al proceso como la
solución de todos los problemas sociales.
Siempre habrá argumentos en pro y en contra de una u otra concepción, sin
embargo, como evidentemente se muestra, la labor judicial no puede renunciar
a la aspiración de justicia, pero mucho menos puede sacrificar la imparcialidad e
impartialidad en las decisiones, pues son condiciones de existencia del proceso
jurisdiccional, ya que sin éstas dicho fallo tampoco puede considerarse justo.
De esta manera, no se puede negar prima facie la necesidad que tiene el juez
de saber la verdad de los hechos, sin embargo, esta necesidad no puede ir en con-
tra de la misma naturaleza del proceso, pues se correría el riesgo de transformar
la necesidad del proceso jurisdiccional, pudiéndose equiparar con cualquier otro
método legítimo o no de resolución de conflictos. El proceso como debate dialec-
tico entre antagónicos, permite aceptar lo que el mismo Taruffo acepta y es que:
En todos los procesos hay al menos una parte — aquella que sabe que
está equivocada — que no tiene interés en que se descubra la verdad; por
su parte, los abogados no son científicos que persiguen una búsqueda impar-
cial y desinteresada de la verdad, sino que tienen interés en que venza la
versión de los hechos que más le convenga a su cliente, con independen-
cia de la verdad.63
63
TARUFFO. La prueba, p. 179.
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64
“José Arcadio Segundo, mientras tanto, había satisfecho la ilusión de ver un fusilamiento. Por el
resto de su vida recordaría el fogonazo lívido de los seis disparos simultáneos y el eco del estam-
pido que se despedazó por los montes, y la sonrisa triste y los ojos perplejos del fusilado, que
permaneció erguido mientras la camisa se le empapaba de sangre, y que seguía sonriendo aun
cuando lo desataron del poste y lo metieron en un cajón lleno de cal. “Está vivo”, pensó él. “Lo
van a enterrar vivo”. Se impresionó tanto, que desde entonces detestó las prácticas militares y la
guerra, no por las ejecuciones sino por la espantosa costumbre de enterrar vivos a los fusilados.”
Extracto de la obra Cien Años de Soledad que puede ilustrar acerca de verdad y la relatividad de la
justicia. En: GARCIA MARQUEZ, G. Cien Años de Soledad. Ed. Norma, Colombia, 2007, p. 215.
65
AGUDELO RAMIREZ, M. Filosofía del derecho procesal. Ed. Leyer, Bogotá, 2000, p. 98.
66
Cfr. TARUFFO, M. Leggendo Ferrajoli: considerazioni sulla giurisdizione. En: Rivista Trimestale di Diritto
e Procedura Civile. Giurre Editore, Anno LXII Nº 2. Giveno, 2008, p. 634-635.
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67
Cfr. CAVALLONE, B. In difesa della Veriphobia. (Considerazioni amichevolmente polemiche su un libro
recente di Michele Taruffo). En: Rivista di Diritto Processuale, Anno LXV, Nº 1. Milano, Febrero, 2010,
p. 12.
68
Ibídem, p. 12. “Pero el hecho es que el valor simbólico de la administración de justicia, la rectitud del
procedimiento y la calidad de la decisión no pueden ser vistas como valores independientes, incluso
compitiendo, objeto de escogencias ideológicas opuestas de parte de los amigos y de los enemigos
de la verdad, porque son condiciones igualmente indispensables de la 'buena justicia'. La decisión
producida en la soledad, en el secreto de su 'laboratorio' por un juez que ha desaplicado las for-
mas del procedimiento (respetadas escrupulosamente por Bridoye, convencido que forma mutata
mutatur sustancia) aunque podrá ser 'verdadera' según rigorosos parámetros epistemológicos, sin
embargo será inevitablemente injusta”. Traducción libre para este ensayo del profesor Oscar García
Arcila de la Facultad de Derecho y Ciencias Políticas de la Universidad de Antioquia.
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que hacen parte del ser, aquí el jurista positivo cavalloniano por la fuerza diría el
autor, y a menos que las normas probatorias no hayan sido declaradas inconstitu-
cionales o derogadas por el legislador, no puede permitirse el lujo de ser taruffiano,
es decir, atender al deber ser. Por su parte, la visión minimalista implica entonces la
aceptación de que las normas probatorias, o por lo menos algunas de ellas, han
sufrido cambios que las han vuelto obsoletas, si no es abiertamente irracionales,
por el cambio de los tiempos y sus implicaciones en la doctrina y en las instituciones
jurídicas que han propiciado nuevas leyes, piénsese v. gr. El documento informático.
Esto conlleva y hace una invitación a una apuesta abierta a pensar respecto al deber
ser en el proceso.69
Por su parte, el garantismo procesal (que tiene una marcada fundamen-
tación ontológica) se relaciona íntimamente con la constitucionalización de las
garantías procesales (que exige además una mirada deontológica del proceso) ya
que este fenómeno obedece a un margen valorativo del proceso de cara a la jus-
ticia, pero cuya consecución no se puede alcanzar a todo precio, de esta manera,
en palabras de quienes nutren la discusión, la Constitucionalización de las garantías
procesales proceso se constituyen como un conjunto de principios y garantías que
deben estar presentes en todos los ordenamientos procesales,70 pues estas son
principios mínimos que hacen parte fundante de los postulados democráticos de
un país y estas garantías procesales de tipo constitucional (imparcialidad, celeri-
dad, oralidad, verdad, justicia) hoy en día deben fundar las bases para constituir
ordenamientos jurídicos integrales y armónicos, respetuosos del debido proceso
y las garantías constitucionales y no como se dijo hacer de cada una el fin en sí
mismo del proceso jurisdiccional.
Arduo reto le asiste a los defensores del activismo o publicismo para maxi-
mizar sus tesis en la vigencia de un sistema oral, público y contradictorio, donde
se llegue a decisiones justas sin sacrificar la imparcialidad como garantía funda-
mental, en donde exista un proceso célere y de cara a la justicia social, esto es,
uno que no esté dilatado por la incompetencia de algunos jueces que se escudan
en sus poderes (ahora sí plenamente) autoritarios para dilatar, favorecer a una
parte, y fallar por fuera de la ley y la Constitución. Las personas afectadas por estas
actuaciones además de ser víctimas del modelo procesal reinante, son víctimas
de la ilegitimidad de un funcionario que se hace llamar juez y que se nutre de la
69
Cfr. DITTRICH, L. La ricerca della veritá nel proceso civile. Profili evolutivi in tema di prova testimoniale,
consulenza técnica e fatto notorio. En: Rivista di Diritto Processuale, Ed. Cedam, Volume Nº 66, Milano,
2011, pp. 109-110.
70
Cfr. ibídem, PICÓ I JUNOY, p. 111.
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lógica del sistema que no le ha permitido asumir limpiamente su rol de Juez, siendo
uno más en las causas que consolidan la crisis judicial que atraviesan países como
Colombia, que su congestión y mora en el proceso jurisdiccional existente por
diversas razones; entre ellas la apatía de la población civil, de la administración
pública, de algunos académicos, funcionarios, legisladores y gobernantes, en
especial la corruptela de algunos de ellos, la consolidan como una de las más
demoradas en el mundo.
El reto para el garantismo, quienes desde el purismo que han propuesto
pretenden construir un nuevo modelo de pensamiento respecto al proceso juris-
diccional basado en la igualdad de partes ante el Juez, debe avanzar al estudio
del papel del juez en las sociedades en donde existen profundas desigualdades
sociales, profundizar, explicar y justificar v. gr. como podría aplicarse el sistema
garantista propuesto en los procesos internacionales que se adelantan en contra
de los Estados por violaciones a los derechos humanos, en donde la víctima de
las actuaciones oficiosas, carga dinámica, aligeramientos, presunciones, trans-
mutación de la naturaleza jurídica de la prueba, es precisamente el Estado quien
ostenta una notoria desigualdad (por no decir más) frente a la presunta víctima que
es un ciudadano que por obvias razones no está en las mismas condiciones que el
Estado demandado.
De esta manera, el gran avance que introducen los garantistas en criticar el
sistema dominante es querer traer al campo procesal moderno la exigencia de la
constitucionalización del debido proceso, abogando por un sistema oral, público,
contradictorio y sobre todo imparcial e impartial, como garantías fundamenta-
les. Situación que si bien no constituye un nuevo paradigma en materia procesal,
permite una crítica estructural del sistema hegemónico que no ha tenido los resul-
tados esperados por los activistas; entre ellos la consecución de la verdad y por
consiguiente mayor justicia. Manifestándose hasta ahora una mayor congestión
judicial y demora en los fallos de los procesos judiciales en que se le da un alto
protagonismo al juez. Sin embargo, en dicha empresa será menester defender
no solamente un mejor sistema procesal desde lo jurídico y lo académico, sino
también políticamente en escenarios legislativos.
La escuela del garantismo procesal ha sido señalada por diferentes autori-
dades académicas de no contener el rigor científico necesario para defender la
posiciones expuestas, por lo tanto, y partiendo de una generalización, en la acade-
mia colombiana dichas teorías no han tenido asidero y han sido objeto de repulsa
y rechazo por algunos que argumentan como lo hace el magistrado colombiano
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71
Cfr. VARGAS SILVA, L. Las ideologías en el proceso civil contemporáneo. Entre politización y falacias?.
En: 30 Congreso colombiano de Derecho Procesal, Ed. Universidad Libre de Colombia, 2009, p. 834 ss.
72
Error que indirectamente acoge el Instituto Colombiano de Derecho Procesal, que según se puede
constatar en sus últimas memorias, opto por no invitar a los llamados garantistas a participar en
sus congresos (con excepción de Omar Abel Benabentos), logrando una victoria desde la exclusión
y la censura, no desde el dialogo racional y civilizado en donde sean los argumentos de las partes
los que den la última palabra.
73
Ibídem, p. 820.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
74
En el mismo sentido. Ibídem, TARUFFO, p. 173.
75
En sentido contrario VARGAS SILVA, ibídem, p. 843. Afirma el autor que “Lo que no advierten con
claridad, los de la propuesta divergente, es que, quienes en ella compiten no son iguales, pues el
mundo real es el de la desigualdad material; la igualación de todos, como dijera Anatole France
impondría algo así como que está permitido a los pobres y a los ricos vivir por igual bajo los puen-
tes” (negritas del texto). Agregando que “... no renunciemos de una vez y para siempre a un juez
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79
MORIN, E. Ciencia con conciencia. Ed. Anthropos, Barcelona, 1984.
80
TULIÁN DOMINGO, C. Fundamentación racional del garantismo procesal. En: Revista Breviarios
Procesales Garantistas, Ed. Unaula, Medellín, 2011. 10 p.
81
Ibídem, 10 p.
82
Op. cit., ibídem, p. 504.
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Tal como lo resume Pérez Luño "Se trata, en suma, de que en una sociedad
democrática y pluralista, los valores, bienes o derechos fundamentales no pueden
ser el producto de la imposición arbitraria de un grupo ideológico, sino el resul-
tado del consenso intersubjetivo edificado sobre supuestos procedimentalmente
imparciales y a partir del sistema de necesidades radicales humanas".84
La armonización de los procesos, propuesta que en términos de Taruffo implica
la aceptación de la jurisdicción como la garantía fundamental de todos los derechos,85
pero especialmente de los fundamentales, que son particularmente importantes
para los sujetos más débiles, por lo tanto estos derechos deben ser reconocidos glo-
balmente y su aceptación no puede ser propia de un solo Estado en su interior es un
objetivo importante. Por su parte, la unificación de los procesos implica la aceptación
del proceso jurisdiccional como un método pacifico de debate dialógico entre dos
antagónicos, que como mecanismo es utilizado in extrema ratio por las partes para
evitar con él, la imposición ilegitima del poder de alguno de ellos y no como meca-
nismo para sacrificar sus derechos en pro de la verdad.
Hoy en día en la política procesal colombiana hay un avance significativo
que desafortunadamente no tendrá los resultados esperados, por la incoherencia
con que se han fundado los nuevos códigos procesales de tendencia acusatoria
y oral que mantienen los poderes ilimitados del Juez. Una intención notable para
limitarlos ocurre hoy en día en el proceso Contencioso Administrativo colom-
biano, que dio un paso hacia la oralidad con la ley 1437 de 2011, pues el artículo 213,
permite que ante el decreto de prueba de oficio por parte del juez, las partes pue-
dan solicitar prueba adicional o diferente tendiente a contrarrestar o profundizar
los efectos de dicho decreto oficioso. Situación novedosa pero que será apenas
un paliativo, pues el proceso contencioso administrativo se verá encadenado a las
mismas fallas que contiene el proceso que fue derogado.
83
GOLDSCHMIDT, W. Justicia y verdad. Ed. La Ley, Buenos Aires, 1978, p. 281 ss.
84
PÉREZ LUÑO, A. La seguridad jurídica. Ed. Ariel, Barcelona, 1994, p. 78. Citado por AGUDELO
RAMIREZ, M. Filosofía del derecho procesal. Ed. Leyer. Bogotá, 2000, p. 108.
85
Ver: FERRAJOLI, L. Principia Juris. Teoria del diritto e della democracia. 1. Teoria del diritto, Laterza,
Bari, 2007, p. 675 ss. Citado por TARUFFO, M. Una propuesta para la armonización del procedimiento
civil, ibídem, p. 33.
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86
Cfr. TARUFFO, p. 171.
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De esta manera, las mixturas que hacen ver razonables la utilización integral
de las dos corrientes o modelos, inclinan la balanza a favor o en contra de un
doctrinante u otro y permitir que alguien manifieste que la norma es conveniente
o inconveniente. Asimismo, como se puede decir que el vaso esta medio vacío o
también esta medio lleno.87 Sin embargo, en la práctica jurídica colombiana otor-
garle un gran protagonismo al juez administrativo quien hace parte de la misma
estructura pública, de cara a un proceso más equitativo y justo, además de resul-
tar contrario a la lógica de los modelos orales y acusatorios al pretenden llegar
con este código, podría ocasionar la agudización de los pleitos que en materia
administrativa parecen inacabables, situación que el nuevo código ingenuamente
pretende acabar ya que con la incoherencia del modelo en que se basa, hará que
como coloquialmente se dice entre los abogados, un solo litigio de estos, confi-
gure la vida útil de un abogado.
VI Conclusiones
1. Las dos posturas expuestas, esto es, quienes defienden la búsqueda de la
verdad en el proceso y quienes rechazan dicha actuación en el mismo, obe-
dece a una discusión eminentemente político-ideológica que no se puede
desconocer, por el contrario ésta permite analizar cual es el sentido y fin
por el cual se creó el proceso jurisdiccional y cuál de estos modelos obe-
dece y contribuye en mayor medida a la resolución de los conflictos y por
ende a la paz social.
2. Si bien la experiencia legislativa ha demostrado que las codificaciones
procesales han compartido postulados privatistas y publicistas, el actual
debate planteado por los garantistas encuentra asidero en la crisis que
afrontan los sistemas judiciales de raigambre activista y que bajo la justi-
ficación de la justicia han otorgado amplios poderes y responsabilidades
al juez, descargando en él, el deber que tiene la sociedad y el Estado en
su conjunto de desarrollar mejores condiciones de vida que permitan la
reducción de los conflictos sociales.
3. El garantismo permite un análisis estructural de la crisis judicial y de las
instituciones inquisitivas ya que estas tuvieron orígenes en momentos
históricos donde reinaba la concentración del poder en una sola persona.
Defienden además un proceso jurisdiccional democrático, planteando
una mirada diferente del fallo justo a partir de la imparcialidad y no a par-
tir de la verdad que tantas garantías puede sacrificar en el proceso.
87
Frase de las canciones Según el color y Día a día del artista y abogado Rubén Blades.
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Jurisprudencia referenciada
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Corte Constitucional de Colombia, Sentencia C-159 de 2007.
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Corte Suprema de Justicia de Colombia, Sala de Casación Civil sentencia del 4 de marzo de 1998.
Expediente 4921. M.P. Dr. Carlos Esteban Jaramillo Schloss.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
Corte Suprema de Justicia de Colombia, Sala Penal, 19 de octubre de 2006. Expediente 26240. M.P.
Dr. Sigifredo Espinoza Pérez.
Corte Suprema de Justicia, Sala de Casación Penal, sentencia de julio 5 de 1972, Magistrado Ponente:
Luis Henrique Romero Soto, G, J, T. CXLIII.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 159-199, jan./mar. 2013
1 Introdução
Aparentemente premidos pelos ilusórios ideais de efetividade (eliminação
de dilações indevidas e de formalismos excessivos) e de segurança jurídica (exi-
gência geral de não surpresa, inteligibilidade da lei e previsibilidade do direito),
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
1
Logo no início do Código em vigor já se percebe um equívoco técnico e científico, pois o título
tecnicamente mais correto seria “Do procedimento cognitivo”, uma vez que as regras ali dispostas
cuidam de questões procedimentais (os procedimentos, como estruturas normativas, são atos
sequenciais e concatenados em que o subsequente depende do antecedente, com a finalidade
de se alcançar o provimento final), evitando-se decisões discricionárias que não sejam funda-
mentadas racionalmente e de acordo com o próprio ordenamento. Processo e procedimento,
apesar de possuírem íntima relação, não se confundem, tendo em vista que “o processo começará
a se caracterizar como uma espécie do gênero procedimento pela participação na atividade de
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
2
Trecho extraído da Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código de Processo Civil (In: BRASIL.
Código de Processo Civil: anteprojeto).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
3
“A tutela de evidência, tal como lançada no texto do Projeto, tem três pressupostos: (1) a existência
de requerimento expresso do autor, (2) a presença de elementos que evidenciem a plausibilidade
do direito e (3) a concretização de qualquer uma das hipóteses descritas nos incs. do art. 278”
[COSTA. Tutela de evidência no projeto do novo CPC: uma análise dos seus pressupostos. In: ROSSI
et al. (Coord.). O futuro do processo civil no Brasil: uma análise crítica do Projeto do Novo CPC, p. 172].
4
Redação do art. 511, §6º, do relatório geral apresentado pelo Senador Valter Pereira.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
5
BRÊTAS. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito, p. 48-65.
6
DWORKIN. Levando os direitos a sério, p. 165-203.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
7
FUX. O novo processo civil. In: FUX (Coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa:
(reflexões acerca do projeto do novo Código de Processo Civil), p. 21.
8
A jurisdição é a função estatal de fazer atuar a regra jurídica concreta que disciplina determinada
situação jurídica, com a finalidade de realizar o ordenamento jurídico, mediante procedimentos
previamente estabelecidos.
9
LEAL. Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 53.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
10
LEAL. Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 85.
11
MACHADO. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, p. 155.
12
BRÊTAS. Exame preliminar do Projeto de Novo Código de Processo Civil. In: BARROS; BOLZAN DE
MORAIS (Coord.). Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais, p. 109.
13
BRÊTAS. Projeto do Novo Código de Processo Civil aprovado pelo Senado: exame técnico e consti-
tucional. In: ROSSI et al. (Coord.). O futuro do processo civil no Brasil: uma análise crítica do Projeto
do Novo CPC, p. 562-563.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados” (art. 882, III,
do Projeto). Ora, se o jurisdicionado não puder mais discutir seu direito simples-
mente porque o tribunal de seu Estado Federativo já decidiu outros casos iguais
em sentido contrário aos seus argumentos (que se encontram amparados pelo
ordenamento jurídico), não estaremos mais diante de um Estado Democrático de
Direito que preconiza o duplo grau de jurisdição (revisibilidade das decisões por
órgãos colegiados).
e) Além disso, e também potencialmente “impedindo” o jurisdicionado de
debater sua pretensão e ver seu direito pronunciado por um órgão jurisdicional, o
artigo 307 do Projeto autoriza o juiz a julgar liminarmente improcedente o pedido,
sem necessidade de citação do réu, que se fundamente em matéria exclusiva-
mente de direito que contrariar súmula do STJ ou do STF, que contrariar acórdão
prolatado por esses dois tribunais em julgamento de recursos repetitivos e que
contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repeti-
tivas. Tal previsão no novo Código igualmente afronta a Constituição (art. 5º, LV),
fazendo com que o contraditório seja negligenciado, pelo que a excepcionalidade
contida no parágrafo único do artigo 10 não tem razão de ser e não ameniza a
inconstitucionalidade aqui apontada.
Sob essa perspectiva democrático-constitucional, convém relembrar que os
brocardos iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius (“o juiz conhece o direito”
e “dá-me os fatos que te darei o direito”) não mais devem ser aplicados, pois con-
trariam princípios indeléveis conquistados pela humanidade (isonomia, reserva
legal, fundamentação racional das decisões e, principalmente, o contraditório). É
indiscutível, hodiernamente, que a construção das decisões jurisdicionais há de
ser fruto de uma cooperação entre partes e juiz, reciprocamente considerando
todas as matérias fáticas e jurídicas expostas nos autos,14 e não uma decisão soli-
tária, subjetiva e autoritária, não democratizando o procedimento, inclusive por
afrontar as disposições dos artigos 121 e 479 do próprio Projeto (arts. 128 e 460
do CPC/73).
f ) Outra ofensa à Constituição é a limitação expressa ao direito de ação,
uma vez que, no art. 17 do Projeto, está previsto que “para propor a ação é ne-
cessário ter legitimidade e interesse”. Entretanto, é preciso repisar que não pode
haver impedimento para que as pessoas busquem ver seus direitos confirmados
ou negados pelo órgão jurisdicional, uma vez que a Constituição não impõe
14
DELFINO. O processo democrático e a ilegitimidade de algumas decisões judiciais. In: ROSSI et al.
(Coord.). O futuro do processo civil no Brasil: uma análise crítica ao Projeto do Novo CPC, p. 391-392.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
15
BRÊTAS. Exame preliminar do Projeto de Novo Código de Processo Civil. In: BARROS; BOLZAN DE
MORAIS (Coord.). Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais, p. 116-117.
16
In: HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa: versão 1.0. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
17
MADEIRA. Processo de conhecimento e cognição: uma inserção no Estado Democrático de Direito,
p. 123.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
artigo 477 do Projeto, uma vez que não ficou explícito ao destinatário da norma
(povo) de que forma dar-se-á essa análise. Seria a decomposição do todo com-
plexo em suas partes constitutivas divisíveis até se chegar ao simples indecom-
ponível? Se for, de onde se extrai o todo? De onde se extrai o simples? O sentido
do conceito apresentado por esse simples indecomponível (significado que ante-
cede o próprio conceito) é identificado/cognoscível por quem, pela autoridade?
Assim, os elaboradores do novel Código fizeram uso de uma jurisprudência
dos conceitos18 (pré-ditados por uma jurisprudência de interesses19), para masca-
rar um verificacionismo de convergência de interesses na subjacência da criação
da lei meramente justificadora das vontades dos intérpretes escolhidos pelo dis-
curso não esclarecido da autoridade (não explicitação do que seja o analítico).20
A lei escrita como resultado de uma pré-decisão da jurisprudência de interesses.
Em resumo: monopólio do sentido legal pela autoridade (legislador, na criação, e
juiz, na aplicação)!
Por isso, o melhor seria que o conteúdo normativo impusesse ao magistrado
explicitar claramente quais as fontes que fundamentaram seu convencimento, ou
seja, como ele chegou àquela conclusão, a fim de proporcionar às partes confron-
tarem, esclarecidamente, o pronunciamento judicial e com ele concordarem ou
discordarem, sem que o sentido normativo fosse monopolizado pela autoridade
cognoscente.
4 Considerações finais
Com algumas mudanças pontuais, sob o pretexto de criar instrumentos
procedimentais mais ágeis e eficazes para uma rápida tutela jurisdicional, esta-
mos percebendo uma açodada e pouco técnica intenção de alterar um diploma
normativo de grande importância para o Estado brasileiro, porém, o que se vê é
a manutenção de grande parte das regras e institutos presentes no Código de
Processo Civil atualmente em vigor. Sendo importante também lembrar que a
inobservância de técnica gera equivocidades e que a celeridade sem racionalidade
constitucional gera mitigação do contraditório e/ou da ampla defesa.
18
Para o presente artigo, a jurisprudência dos conceitos deve ser entendida como a busca do direito
a partir da lei escrita; justificação da norma escrita com base em um sentido social. O direito pro-
vindo de fonte dogmática.
19
Para uma jurisprudência dos interesses, a norma deve ser interpretada tendo em vista as finalida-
des às quais se destina. O direito é visto como instrumento voltado à realização da finalidade de
realizar os interesses sociais.
20
Como acontece nos auditórios pré-definidos ou escolhidos de nossas Casas Legislativas (exem-
plos: “bancada governista”, “bancada ruralista”, “bancada ambientalista”, dentre outras).
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Key words: Civil procedure. New Code. Positive and negative aspects.
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Referências
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Civil (Projeto aprovado no Senado): aspectos positivos e negativos. Revista Brasileira de Direito
Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 201-215, jan./mar. 2013
Daniela Bomfim
Mestre pela UFBA. Professora da Faculdade Baiana de Direito.
Advogada. Consultora jurídica.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
Ciente dos termos dos referidos autos de infração, a Indústria XXXX. apresentou
razões de defesa nos dois procedimentos administrativos, com o intuito de afastar a
presunção encartada no §4º do art. 4º da Lei Estadual nº 7.014/96,1 bem como no
art. 2º, §3º, inciso VI do RICMS/BA.2
Inicialmente, sustentou o vício dos autos de infração por ausência de fun-
damentação e violação ao devido processo legal. Quanto ao mérito da acusação
— repetida em ambas as autuações —, alegou, em síntese, sua improcedência,
na medida em que a autuante se teria equivocado ao supor que haviam sido rea-
lizadas vendas sem a emissão das notas fiscais correlatas, quando, em verdade, se
tratava de meras transações financeiras entre a empresa autuada (franqueadora)
e estabelecimentos franqueados, autorizadas pelo próprio Poder Público.
Para fundamentar suas alegações, a Indústria XXXX. detalhou o modo como
operacionaliza suas vendas junto às suas franqueadas, que consiste em método
particular: a consulente firma com suas franqueadas contrato de cessão e transfe-
rência de créditos. Daí, as franqueadas concordam em ceder a renda auferida com
as operações de vendas realizadas com cartões de crédito/débito à franqueadora,
de modo que o montante recebido a este título é depositado, pela adminis-
tradora dos cartões, na conta bancária da empresa franqueadora. Em seguida,
são emitidas faturas contra os franqueados, correspondentes a royalties e outros
encargos, sendo-lhes repassadas suas margens de lucro sobre as vendas, mediante
depósitos em suas contas bancárias.
Ao que consta, durante o trâmite do processo administrativo, a Indústria
XXXX. apresentou, como meio de prova de suas alegações, documentação fiscal
emitida por um grupo de empresas franqueadas (recolhida por amostragem), a
qual demonstraria o método de operacionalização utilizado pela indústria con-
sulente, bem assim a emissão das competentes notas fiscais pelas franqueadas.
Em sede de primeira instância, os dois autos de infração foram julgados impro
cedentes, por unanimidade, tendo sido consignado em ambos os acórdãos que:
1
Lei Estadual nº 7.014/96, art. 4º: Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
[...] §4º O fato de a escrituração indicar saldo credor de caixa, suprimentos a caixa não comprova-
dos ou a manutenção, no passivo, de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência
de entrada de mercadorias não contabilizadas, autorizam a presunção de omissão de saídas de
mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da impro-
cedência da presunção.
2
Art. 2º Nas operações internas, interestaduais e de importação, considera-se ocorrido o fato gerador
do ICMS no momento [...] §3º Presume-se a ocorrência de operações ou de prestações tributáveis
sem pagamento do imposto, a menos que o contribuinte comprove a improcedência da presunção,
sempre que a escrituração indicar: VI - valores de vendas inferiores aos informados por instituições
financeiras e administradoras de cartões de crédito.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
prova é regra de julgamento que indica qual das partes deverá suportar a decisão
desfavorável em caso de determinado fato não restar provado. É regra dirigida ao
juiz que decorre da proibição de não julgamento (do non liquet).3
No presente caso, é como regra de julgamento que o ônus da prova será
examinado.
Do art. 333 do CPC decorre norma que distribui estaticamente o ônus da pro
va no processo civil. Compete, em regra, a cada uma das partes o ônus de provar
os fatos por ela alegados. Isso porque, em princípio, o ônus da prova é decor-
rente do ônus da alegação (na perspectiva do autor) e do ônus da impugnação
(na perspectiva do réu). Trata-se de distribuição estática do ônus da prova, feita
pelo legislador, em uma primeira valoração acerca do interesse e da possibilidade
na produção da prova.
Há três maneiras de se distribuir o encargo probatório: (i) a distribuição é
feita de forma prévia e abstrata pelo legislador; (ii) a distribuição é feita à luz do
caso concreto, na qual o julgador verifica a parte que tem maiores condições de
produzir a prova — distribuição dinâmica do ônus da prova; (iii) a distribuição pode
ser feita convencionalmente, pelas partes, como autoriza, por exemplo, o pará-
grafo único do art. 333 do CPC. As três formas de distribuição podem — e devem
— existir em um mesmo regime jurídico processual.
A distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual o ônus da prova
deve caber a quem tenha melhores condições de produzi-la, à luz das circunstân-
cias do caso concreto, vem sendo aceita no direito brasileiro.4 Esse posicionamento
3
José Carlos Barbosa Moreira explica a faceta subjetiva do ônus da prova: “O desejo de obter a
vitória cria para a litigante a necessidade, antes de mais nada, de pesar os meios de que se poderá
valer no trabalho de persuasão, e de esforçar-se, depois, para que tais meios sejam efetivamente
utilizados na instrução da causa. Fala-se, ao propósito, de ônus da prova, num primeiro sentido”.
Explica também a sua faceta objetiva: “A circunstância de que, ainda assim, o litígio deva ser deci-
dido torna imperioso torna imperioso que alguma das partes suporte o risco inerente ao mau êxito.
Cuida então a lei, em geral, de proceder a uma distribuição de riscos: traça critérios destinados a
indicar, conforme o caso, qual dos litigantes terá de suportá-los, arcando com as consequências
desfavoráveis de não se haver provado o fato que lhe aproveitava. Aqui também se alude ao ônus
da prova, mas num segundo sentido (ônus objetivo ou material)” [MOREIRA, José Carlos Barbosa.
Julgamento e ônus da prova. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual civil: (segunda
série). São Paulo: Saraiva, 1988. p. 74-75].
4
Assim, DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr. Distribuição dinâmica do ônus probatório. Revista
dos Tribunais, São Paulo, n. 788, p. 98, 2001; CARPES, Artur Thompsen. Apontamentos sobre a
inversão do ônus da prova e a garantia do contraditório. In: KNIJNIK, Danilo (Coord.). Prova judi-
ciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2007. p. 36, 37.
Admitindo essa possibilidade, tem-se, ainda, MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção
e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Disponível em: <http://
www.marinoni.adv.br/principal/pub/anexos/2007061901315330.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2007,
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
De acordo com essa teoria: (i) o encargo não deve ser repartido prévia e abs-
tratamente, mas, sim, casuisticamente; (ii) sua distribuição não pode ser estática e
inflexível, mas, sim, dinâmica; (iii) pouco importa, na sua subdivisão, a posição as-
sumida pela parte na causa (se autor ou réu); (iv) não é relevante a natureza do fato
probando — se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito — ou
o interesse em prová-lo, mas, sim, quem tem mais possibilidades de fazer a prova.6
Nesse contexto, o órgão julgador — inclusive no âmbito administrativo —
permanece no posto de gestor das provas e com poderes ainda maiores, pois lhe
incumbe avaliar qual das partes está em melhores condições de produzir a prova,
à luz das circunstâncias concretas — sem estar preso a critérios prévios, gerais e
abstratos. Pauta-se o magistrado em critérios abertos e dinâmicos, decorrentes
das regras de experiência e do senso comum, para verificar quem tem mais facili-
dade de prova, impondo-lhe, assim, o ônus probatório. Explora a dinâmica fática e
axiológica presente no caso concreto, para atribuir a carga probatória àquele que
pode melhor suportá-la.7
Um sistema no qual só exista a distribuição estática do ônus da prova é
inflexível e não razoável e poderá conduzir a julgamentos injustos. Isso porque
é possível que, no caso concreto, a parte não tenha condições de produzir uma
prova cujo encargo lhe foi previamente atribuído.
p. 7; LOPES, João Baptista de. A prova no direito processual civil, cit., p. 51, 52; ALVES, Maristela da
Silva. Esboço sobre o significado do ônus da prova no Processo Civil, cit., p. 214, 215; KNIJNIK,
Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 175-179; CAMBI,
Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância, cit., p. 344-346. Manuel Dominguez cita farta
doutrina italiana e espanhola nesse sentido, admitindo a distribuição judicial e casuística do ônus
de prova, tendo em conta a normalidade (o que parece se aproximar da ordinariedade e verossi-
milhança aferidas com máximas de experiência) e a facilidade probatória (DOMÍNGUEZ, Manuel
Serra. Estudios de derecho probatorio. Lima: Libreria Communitas EIRL, 2009. p. 118-119).
5
DALL’AGNOL JUNIOR. Distribuição dinâmica do ônus probatório. Revista dos Tribunais, p. 98.
6
DALL’AGNOL JUNIOR. Distribuição dinâmica do ônus probatório. Revista dos Tribunais, p. 98.
7
CAMBI. A prova civil: admissibilidade e relevância, cit., p. 341, 342.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
a) princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF, e art. 125, I, CPC), uma vez que
deve haver uma paridade real de armas das partes no processo, promo-
vendo-se um equilíbrio substancial entre elas, o que só será possível se
atribuído o ônus da prova àquela que tem meios para satisfazê-lo;
8
CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças preexistentes e ônus da prova: o problema da prova diabólica
e uma possível solução. Revista Dialética de Direito Processual – RDDT, São Paulo, n. 31, p. 12, 2005.
9
Para Robson Renault Godinho a distribuição do ônus da prova é uma questão vinculada ao exer-
cício dos direitos fundamentais, não necessitando de integração legislativa para sua flexibilização:
“se o cumprimento do ônus probatório pode significar a tutela do direito reclamado em juízo,
parece-nos intuitivo que as regras que disciplinam sua distribuição afetam diretamente a garantia
do acesso à justiça. Se a distribuição do ônus da prova se der de uma forma que seja impossível que
o interessado dele se desincumba, em última análise estará sendo-lhe negado o acesso à tutela jurisdi-
cional. [...] como a necessidade de inversão do ônus da prova decorre diretamente da Constituição,
não há necessidade de integração legislativa, que, contudo, poderá existir e possuirá um caráter
pedagógico e simbólico que facilitará o acesso à justiça” [CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). A
distribuição do ônus da prova na perspectiva dos direitos fundamentais. In: LEITURAS complemen-
tares de constitucional: direitos fundamentais. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 182-194].
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
b) princípio da lealdade, boa-fé e veracidade (art. 14, 16, 17, 18 e 125, III,
CPC), pois nosso sistema não admite que a parte aja ou se omita, de
forma ardilosa, no intuito deliberado de prejudicar a contraparte, não
se valendo de alegações de fato e provas esclarecedoras;10
c) princípio da solidariedade com órgão judicial (arts. 339, 340, 342, 345,
355, CPC), pois todos têm o dever de ajudar o magistrado a descortinar a
verdade dos fatos;11 exige-se que a parte colabore em matéria de prova
para que o juiz alcance a verdade;12
d) princípio do devido processo legal (art. 5º, XIV, CF), pois um processo
devido é aquele que produz resultados justos e equânimes;13
e) princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF), que garante a obtenção
de tutela jurisdicional justa e efetiva.
10
SOUZA, Wilson Alves. Ônus da prova: considerações sobre a doutrina das cargas probatórias
dinâmicas, cit., p. 256; WHITE, Inês Lépari. Cargas probatórias dinámicas. In: PEYRANO, Jorge W.
(Dir.). Cargas probatórias dinámicas. Santa Fé: Rubinzalculzoni, 2004. p. 67; AIRASCA, Ivana Maria.
Reflexiones sobre la doctrina de lãs cargas probatórias dinâmicas. In: PEYRANO, Jorge W. (Dir.).
Cargas probatórias dinámicas. Santa Fé: Rubinzalculzoni, 2004. p. 141.
11
Sobre estes três primeiros princípios, vale a pena conferir a exposição de Antonio Janyr Dall’agnol
Jr. (Distribuição dinâmica do ônus probatório, p. 103-105 et seq.). Vide, ainda, KNIJNIK, Danilo. As
(perigosíssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova” e da “situação de senso comum” como
instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio diabólica, cit., p. 945. Maristela
Alves embasa a teoria nos princípios da solidariedade e igualdade material (ALVES, Maristela da
Silva. Esboço sobre o significado do ônus da prova no processo civil. Porto Alegre: Livr. do Advogado,
2007. p. 214).
12
WHITE. Cargas probatórias dinámicas, cit., p. 67-68.
13
Acerca destes quatro primeiros princípios, interessam as palavras de Wilson Alves Souza (Ônus da
prova: considerações sobre a doutrina das cargas probatórias dinâmicas, cit., p. 256).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
14
CARNEIRO NETO, Durval. Processo, jurisdição e ônus da prova no direito administrativo. Salvador:
JusPodivm, 2008. p. 343.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
15
CARVALHO, Paulo de Barros. A prova no processo administrativo tributário. Revista Dialética de
Direito Tributário – RDDT, n. 34, p. 107-108, 1999.
16
“Se é verdade que a conformação peculiar do processo administrativo tributário exige do contri-
buinte impugnante, no início, a prova dos fatos que afirma, isto não significa, como vimos, que, no
decurso do processo, seja de sua incumbência toda a carga probatória. Tampouco a presunção de
legitimidade do ato de lançamento dispensa a Administração do ônus de provar os fatos de seu
interesse e que fundamentam a pretensão do crédito tributário, sob pena de anulamento do ato”
(BONILHA, Paulo Celso B. Da prova no processo administrativo tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética.
1997. p. 77). Helenilson Cunha Pontes diz que se trataria de um dever de provar, decorrente da
necessidade de motivação na atividade administrativa. Refere-se, assim, em dever constitucional
de investigação e prova da realização do suporte fático tributário (PONTES, Helenilson Cunha.
Omissão de receitas e depósitos bancários: o sentido normativo do art. 42 da Lei 9.430/96. Revista
Dialética de Direito Tributário – RDDT, São Paulo, n. 146, p. 87, nov. 2007).
17
A jurisprudência do STJ admite a distribuição dinâmica do ônus da prova em desfavor do
Poder Público, quando a sua produção for unilateralmente diabólica ao administrado. É o
que se depreende do seguinte excerto de ementa de julgado: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO
FISCAL. ÔNUS DA PROVA. FATO NEGATIVO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR NO
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registra-
dos em documentos existentes na própria Administração responsável
pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente
para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das
respectivas cópias.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
4 O caso em análise
a) Generalidades
Cuida-se, no caso em análise, de autos de infração nos quais a Administração
Pública estadual afirmou a ocorrência do fato gerador da obrigação de pagar
ICMS e de ato jurídico ilícito, qual seja, omissão quanto à venda de mercadorias
tributáveis e a falta de pagamento do tributo. Afirmou ser devido o pagamento de
quantia, correspondente ao ICMS supostamente não recolhido e à multa incidente.
Afirmou que se teria verificado a incidência do art. 4º, §4º, da Lei Estadual
nº 7.014/94 e do art. 2º, §3º, inciso VI, do RICMS/BA, existindo presunções relativas
quanto à ocorrência do fato gerador e da omissão da saída das mercadorias não
tributáveis sem o pagamento de imposto, fatos principais por ela afirmados no
auto de infração. Por conta da afirmação e da comprovação do suporte fático do
art. 4º, §4º, da Lei Estadual nº 7.014/94, o ônus da prova com relação aos fatos
principais (ocorrência do fato gerador do tributo e da omissão quanto à saída
de mercadorias tributáveis sem o pagamento do tributo) seria, em princípio, da
autuada. Veja-se: o ônus da prova seria, em princípio, da autuada por conta das
presunções contidas nos mencionados diplomas legais, e não por conta da pre-
sunção de legitimidade dos atos administrativos.
Pois bem.
A autuada, em sua defesa, alegou que não se verificou o fato gerador do
tributo e que não se verificou o ato ilícito afirmado pelo Fisco. Isso porque o des-
compasso entre suas informações de vendas realizadas com cartões de crédito/
débito e aquelas prestadas pelas administradoras dos mesmos cartões se justifi-
caria por conta da operacionalização atípica do recebimento de quantia, a título
de royalties, na relação com suas franqueadas, autorizada pelo Poder Público.
Trata-se de fato idôneo para afastar as presunções legais, vale dizer, para
comprovar que o fato gerador e a conduta ilícita não existiram. Assim conside-
raram os julgadores da Quarta Junta de Procedimento Fiscal. Assim também
considerou a Procuradoria do Estado da Bahia em seu parecer, já que considerou
afastadas as presunções legais por conta das operações comprovadas pelos docu-
mentos ficais juntados aos autos.
Não se questiona a idoneidade do fato afirmado na defesa para comprovar
a inexistência dos fatos principais afirmados. A questão está na prova do fato de
defesa. São duas as perguntas que precisam ser respondidas: (i) o fato das opera-
ções atípicas restou comprovado? e (ii) se não houve comprovação do fato, quem
deve suportar a decisão desfavorável? Esta é a ordem das perguntas que, já que o
ônus da prova é regra de julgamento de aplicação subsidiária.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
20
Manual for Complex Litigation, Fourth, §11.493, p. 102 (Disponível em: <https://public.resource.
org/scribd/8763868.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2012).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
Premissa menor: fato conhecido; fato base; fato auxiliar. O indício. É preciso
que haja certa relação entre o fato geral e o fato base. Essa relação pode dar-se
de duas formas: a) constante: o que se apresenta como verdadeiro em todos os
casos particulares. Ex.: todos os homens são mortais; João é homem, logo, mortal.
A relação entre os fatos é regida por uma lei natural, sendo impossível que as
coisas ocorram de maneira diferente, sendo uma certeza absoluta — aqui não há
presunção, mas certeza. De tal conclusão resulta a evidência; b) ordinária: o que
se apresenta como verdadeiro em quase todos os casos particulares. Aqui, não
há evidência, mas mera verossimilhança. Dado que um fato exista, em face do
que comumente acontece, também existirá o fato que se deseja provar. A base
do silogismo é uma regra estabelecida segundo o que ordinariamente acontece.
Surge a presunção.
Na prova por amostragem, os fatos provados são também fatos probandos
— servem como indícios —, mas, por meio da sua prova, pretende seja realizado
juízo acerca da existência de todos os fatos pertencentes ao conjunto. A prova dos
fatos da “amostragem” autoriza a presunção acerca dos fatos que não compõem
a “amostragem”. Nesse sentido, caso se realize a atividade da presunção, nenhum
dos fatos que compõem o conjunto pode ser considerado não provado, pois seria
ilógico. Todos os fatos pertencem ao conjunto justamente porque existe relação
de forma constante ou ordinária entre eles. Por meio da prova de determinados
elementos, surge a presunção acerca de todos eles, considerados em sua univer-
salidade. A relação, aqui, não é de causalidade, mas de continência.
A relação de conteúdo/continência também permite que se faça um silo-
gismo, no qual também ganha relevância as máximas de experiência para que se
constate a existência da relação entre os fatos componentes do conjunto.
Premissa maior: máxima da experiência, noção que reflete o reiterado per-
passar de uma série de acontecimentos semelhantes, autorizando, mediante racio
cínio indutivo, a convicção de que, se assim costumam apresentar-se as coisas,
também assim devem elas, em igualdade de circunstâncias, apresentar-se outras
— possuem as características da generalidade e abstração.21
Premissa menor: a relação entre fatos para que sejam tidos como compo-
nentes de um conjunto. A relação entre eles será também de constância ou ordi-
nariedade, justificando a formação, na lógica do pensamento, do conjunto. Com o
auxílio da experiência, pode-se concluir que todos aqueles fatos são componen-
tes do conjunto. Após esta conclusão, dado que uma série de fatos do conjunto
21
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Regras da experiência e conceitos juridicamente indetermina-
dos. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: (segunda série). 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1988. p. 62.
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exista — e aqui a experiência atua mais uma vez —, conclui-se que todos eles
existem. É a presunção.
O raciocínio só será legítimo se os métodos de amostragem forem utilizados
de acordo com os padrões gerais de estatística, como se depreende do Manual
for Complex Litigation. São fatores relevantes que devem ser levados em conside-
ração: (i) se a ‘‘população” foi propriamente escolhida e definida; (ii) se a amostra-
gem escolhida foi representativa da população; (iii) se os dados reunidos foram
cautelosamente relatados; e (iv) se os dados foram analisados de acordo com as
os princípios de estatística aceitáveis.22
As normas da estatística são, aqui, meios ao alcance da “confiabilidade”
da conclusão da atividade da presunção. Michelle Taruffo trata das funções dos
“conhecimentos científicos” quando se refere ao juízo prognóstico de fatos futu-
ros. Suas lições aplicam-se, mutadis mutandis, ao que ora se chama de “prova por
amostragem”, para considerar que os esquemas “probabilísticos” são adaptados
para munir o juiz de estruturas lógicas validamente utilizáveis, atribuindo um
grau considerável de confiabilidade e probabilidade de suas previsões,23 aqui com
relação aos fatos não diretamente provados.
Na prova por amostragem, exige-se, pois, que o conjunto seja definido para
que os seus elementos guardem relação de constância ou ordinariedade. Demais
disso, os fatos constantes da amostragem devem ser significativos para que, no
segundo momento de atuação da experiência, se possa realizar a presunção com
relação ao todo.
A prova por amostragem/estatística pode ser muito útil no processo. Téc
nicas aceitáveis de amostragem podem economizar tempo e reduzir custos e,
em alguns casos, promover a única forma viável de coletar e apresentar um dado
relevante — diminui-se o objeto da prova: em vez da apresentação de volumosos
dados de toda a população, apresentam-se dados de apenas parte desta popula-
ção.24 A prova por amostragem atende, pois, ao princípio da economia processual
e, em alguns casos, é uma saída para que se evite a existência de prova diabólica.
A ausência de previsão expressa em nosso direito processual não significa
que não se admita a prova por amostragem no processo. Os fatos podem ser evi-
denciados por qualquer meio de prova, ainda que não previsto na lei, desde que
se trate de um meio lícito e moralmente legítimo (art. 332, CPC). Assim, ao lado
22
Manual for Complex Litigation, Fourth, §11.493, p. 102-103.
23
TARUFFO, Michele. Sobre as fronteras: escritos sobre la justicia civil. Bogotá: Editorial Themis, 2006.
p. 314-315.
24
Manual for Complex Litigation, Fourth, §11.493, p. 102-103.
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dos meios de prova típicos, que contam com expressa previsão em lei, admitem-se
os meios de prova atípicos, que não encontram sede legal.
São meios de prova atípicos, por exemplo, a prova cibernética, a reconstitui-
ção de fatos e a prova emprestada. A prova por amostragem é também exemplo
de prova atípica.25 São provas atípicas (inominadas), pois, com elas, se busca “a
obtenção de conhecimentos sobre fatos por formas diversas daquela prevista na
lei para as provas chamadas típicas”.26 E a ausência de disciplina legislativa exige
que o juiz atente, no momento da sua produção, para os princípios que norteiam a
teoria geral da prova, sobretudo os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Então.
No caso em análise, a autuada juntou aos autos quantidade expressiva de
documentos fiscais com o intuito de demonstrar as operações atípicas realizadas
com todas suas franqueadas, fatos, como visto, idôneos a elidir as presunções
legais incidentes. Tais fatos — operações atípicas realizadas com todas as fran-
queadas — guardam relação de constância, já que, se tal modelo de operação
foi autorizado pelo Poder Público como uma forma de proteção dos interesses
da autuada junto às franqueadas, seria ilógico que tal modelo fosse válido para
algumas franqueadas, mas não para outras. Acrescente-se o argumento de que os
contratos de franquia são contratos nos quais há pouca ou quase nenhuma pos-
sibilidade de interferência da vontade das franqueadas na sua formação. Sabe-se
que, em regra, as condições são estipuladas pela franqueadora, cabendo à fran-
queada aceitar ou não. Aproximam-se, pois, dos contratos de adesão. Por isso,
as relações da franqueadora com suas franqueadas, no que concerne ao modo
de recebimento dos royalties, podem ser agrupadas em uma universalidade, para
que se verifique o raciocínio indutivo da prova por amostragem.
A relação da franqueadora com suas franqueadas segue uma “relação-padrão”.
Exceções podem existir, mas não descaracteriza a existência da “relação-
padrão”. A prova de que tal operação ocorria apenas com uma franqueada não
seria suficiente para conduzir ao juízo sobre a existência de todas as operações.
Poderia esta, justamente, se tratar da exceção. Todavia, a prova de uma quantida-
de significativa de operações, tal como ocorreu no caso em comento, evidencia
que tal operação era componente da “relação-padrão” existente entre a franqueadora
25
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº 103.556, reconheceu o cabimento
da prova pericial por amostragem em máquinas caça-níqueis, considerando, inclusive, que seria
impossível a perícia em todas elas, já que algumas já se encontram deterioradas (HC nº 103556/RJ, Rel.
Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 24.06.2008, DJe, 18 ago. 2008).
26
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Provas atípicas. Revista de Processo, São Paulo, n. 76, p. 117, 1996.
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E continua: “em linha oposta àquela seguida pelo órgão julgador de pri-
meira instância, entendemos que devem militar contra a autuada, e não contra o
Fisco, quaisquer dificuldades que decorram do atípico modelo operacional eleito
no caso concreto” (p. 2999).
Equivoca-se ao afirmar que tais dificuldades devem ser “suportadas exclusi-
vamente pela autuada, como resultado de sua livre opção de modelo de gestão”.
A um, porque a prova não é difícil de ser produzida pela Administração
Pública, que tem acesso a todos os documentos fiscais referidos, em razão dos
poderes inerentes à Administração Tributária. Veja-se que as franqueadas não podem
alegar sigilo fiscal em face do próprio Fisco, que pode exigir a apresentação dos
documentos fiscais pela franqueada.
Esta é a ratio, inclusive, do art. 37 da Lei nº 9.784/1999: quando a Administração
Pública tiver maiores condições de produzir determinada prova documental,
deverá por ela ser produzida, sob pena de suportar a decisão desfavorável. No
mesmo sentido, o art. 23 da Lei de Processo Administrativo do Estado da Bahia
(Lei nº 12.209/2011) dispõe que: “cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha
alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução,
mediante a juntada dos documentos que se encontram em seu poder”. Nos dois
dispositivos, encontra-se subjacente a valoração do legislador na distribuição pré-
via do ônus da prova. Trata-se, pois, de distribuição estática do ônus da prova.
Os mencionados preceitos normativos são concretizações do princípio da
cooperação e da igualdade. O processo administrativo deve ser produto da ativi-
dade cooperativa: cada parte com suas funções, mas com o objetivo comum de
produção do ato final, decisão administrativa decorrente de um processo devido,
em suas facetas formal e material. O princípio da cooperação exige participação
cooperativa da Administração Pública no processo administrativo fiscal, o que
abrange a produção da prova documental em comento.
Ainda que assim não fosse, o encargo probatório deve ser distribuído à luz
das circunstâncias do caso concreto. O próprio Estado reconhece que a prova é
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diabólica para a autuada. De outro lado, é evidente que o Estado tem melhores
condições de produzir a prova documental, já que deve ter tais documentos ou
pode exigir das franqueadas que os entreguem.
Dessa forma, no caso concreto, cabe ao Estado, e não à autuada, suportar
a decisão desfavorável, acaso o fato não se encontre provado. Em outras pala-
vras: se o Estado exige que todas as operações sejam provadas, não aceitando a
amostragem de documentos fiscais existentes nos autos, e esta prova pode ser
por ele mesmo produzida, o ônus da prova deve ser do Estado, por força da sua
distribuição dinâmica no caso concreto, a quem caberá provar os fatos contrários
à pretensão do contribuinte.
A dois, a “livre opção do modelo de gestão” da administrada não é circuns-
tância idônea a lhe atribuir o ônus de prova diabólica, inclusive porque se tratou
de “modelo de gestão” autorizado pelo próprio Poder Público. Não pode, agora,
este mesmo Poder Público pretender que a administrada suporte consequência
que lhe é desfavorável em razão de conduta cuja legalidade foi anteriormente por
ele verificada. Trata-se de comportamento contraditório da Administração Pública,
vedado por força do princípio da boa-fé.
A boa-fé objetiva é norma (princípio) de conduta, em consonância com os
padrões éticos consagrados em dado tempo e espaço. O princípio da confiança é
parte do conteúdo substancial da boa-fé e legitima o reconhecimento e a tutela
da situação “em que uma pessoa adere, em termos de actividade ou de crença, a
certas representações, passadas, presentes ou futuras, que tenha por efectivas”.27
Dela decorre o princípio de cooperação e lealdade recíproca entre as partes, em
decorrência na nova perspectiva da dignidade humana — informada pela solida-
riedade — na qual cada indivíduo é responsável pela conservação da dignidade
do outro, impondo-se “sobre todos o dever de não se comportar de forma lesiva
aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro”.28
A boa-fé objetiva, informada pelo princípio da confiança, extrapolou o âmbito
do direito civil para orientar os demais ramos do direito, entre os quais o direito
administrativo. Nesse contexto, a legitimidade da confiança depositada numa deter-
minada conduta administrativa independe da legitimidade/legalidade do ato/
omissão pelo qual se revela essa conduta. É possível, assim, que o ato/omissão
tenha sido viciado e, nada obstante, tenha gerado uma expectativa legítima, obs-
tando assim seja decretada a sua invalidade, tal como se verifica no caso em análise.
27
CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Lisboa: Almedina, 2003.
p. 1234.
28
SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório: tutela da confiança e venire
contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 47-56, 89.
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5 Conclusões
Por tudo quanto foi exposto, conclui-se que:
(i) é cabível a prova por amostragem no caso concreto, já que a) se encon
tra definida a universalidade das operações atípicas realizadas com
todas as franqueadas e b) os fatos componentes da amostragem são,
quantitativamente, expressivos para permitir que se conclua ser a ope-
ração atípica elemento da “relação padrão” existente entre a franquea-
dora e suas franqueadas.
29
MAFFINI, Rafael. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro.
Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 188.
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DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela. Processo administrativo tributário: prova por amostra-
gem e distribuição dinâmica do ônus da prova. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro,
Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 219-238, jan./mar. 2013
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 241-242, jan./mar. 2013
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil:
uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina,
2012. Resenha de: DIDIER JR., Fredie. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 21, n. 81, p. 241-242, jan./mar. 2013.
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R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 21, n. 81, p. 243-246, jan./mar. 2013
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F NOVO CÓDIGO
FUMUS BONI IURIS - Ver: Estrutura técnica e sistemática do novo
- Ver: As liminares ambientais e o princípio Código de Processo Civil (Projeto aprovado
da precaução. Artigo de: Eduardo José da no Senado) – Aspectos positivos e negativos.
Fonseca Costa................................................................11 Artigo de: Luciano Henrik Silveira Vieira.............201
G O
GARANTISMO ÔNUS DA PROVA
- Ver: Consideraciones acerca de la justicia y la - Ver: Processo administrativo tributário –
verdad en el garantismo procesal y en el Prova por amostragem e distribuição dinâmica
activismo judicial. Artigo de: Juan Felipe do ônus da prova. Parecer de: Fredie Didier Jr.,
Vallejo Osorio...............................................................159 Daniela Bomfim...........................................................219
I P
IMPRESCRITIBILIDADE PERICULUM IN MORA
- Ver: Prescrição, decadência e imprescritibilidade - Ver: As liminares ambientais e o princípio
no direito material coletivo – Análise crítica da da precaução. Artigo de: Eduardo José da
recente jurisprudência do STJ. Artigo de: Fonseca Costa................................................................11
Tereza Cristina Sorice Baracho Thibau,
Marcelo Malheiros Cerqueira....................................47 POSSE
- Ver: A trajetória doutrinária e judicial da desapro-
J priação judicial – Perspectivas e prognósticos
JUSTICIA (§§4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil).
- Ver: Consideraciones acerca de la justicia y la Artigo de: Voltaire de Freitas Michel.................... 143
verdad en el garantismo procesal y en el
activismo judicial. Artigo de: Juan Felipe PRAZO
Vallejo Osorio.............................................................. 159 - Ver: Medidas cautelares pessoais diversas da
prisão. Artigo de: Carlos Henrique Borlido
L Haddad......................................................................... 107
LEI Nº 12.403/11
- Ver: Medidas cautelares pessoais diversas da PRECEDENTES JUDICIAIS
prisão. Artigo de: Carlos Henrique Borlido - Ver: A trajetória doutrinária e judicial da desapro-
Haddad...........................................................................107 priação judicial – Perspectivas e prognósticos
(§§4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil).
LIMINARES Artigo de: Voltaire de Freitas Michel.................... 143
- Ver: As liminares ambientais e o princípio
da precaução. Artigo de: Eduardo José da PRESCRIÇÃO
Fonseca Costa................................................................11 - Ver: A incidência da prescrição em face da
autonomia do Direito Processual. Artigo de:
M César Fiuza, Regina Ribeiro.......................................29
MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS - Ver: Prescrição, decadência e imprescritibilidade
- Ver: Medidas cautelares pessoais diversas da no direito material coletivo – Análise crítica da
prisão. Artigo de: Carlos Henrique Borlido recente jurisprudência do STJ. Artigo de:
Haddad...........................................................................107 Tereza Cristina Sorice Baracho Thibau,
Marcelo Malheiros Cerqueira...................................47
MOTIVACIÓN
- Ver: Consideraciones acerca de la justicia y la PRETENSÃO
verdad en el garantismo procesal y en el - Ver: A incidência da prescrição em face da
activismo judicial. Artigo de: Juan Felipe autonomia do Direito Processual. Artigo de:
Vallejo Osorio...............................................................159 César Fiuza, Regina Ribeiro.......................................29
N PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
NATUREZA JURÍDICA - Ver: As liminares ambientais e o princípio
- Ver: Embargos à execução – Algumas da precaução. Artigo de: Eduardo José da
considerações. Artigo de: Danilo Lee.....................67 Fonseca Costa................................................................11
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